Você está na página 1de 59

DISCIPLINA: História Geral

Abordagens historiográficas, conceitos e problemática das


sociedades mediterrânicas antigas: a Baixa Mesopotâmia:
estruturas econômicas, políticas, culturais; religião e
sociedade; o Egito antigo: a formação da sociedade faraônica
1- Ementa e suas estruturas básicas; o mundo homérico; o nascimento
da "polis"; estruturas fundamentais da sociedade políade; o
mundo helenístico e a "mundialização": religião, política,
sociedade; cultura e pensamento na antiguidade. Roma:
religião, política, sociedade; a expansão territorial e a
conquista do Mediterrâneo; crise e transformação.

1. Introdução à história
2. A origem da humanidade
3. O Egito Antigo
2 – Conteúdos 4. Mesopotâmia
5. Os fenícios
6. A formação da Grécia antiga

A AURORA da humanidade. Rio de Janeiro: Time-Life/


Abril Coleções, 1996. A ELEVAÇÃO do espírito. Rio de
Janeiro: Time Life/Abril Coleções, 1995.

A ERA dos reis divinos. Rio de Janeiro: Time Life/Abril


Coleções, 1995.
3 – Bibliografia
ALMANAQUE Abril 2003 — CD-ROM. São Paulo: Abril,
2003.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de


Janeiro: José Olympio, 1990.

1
APRESENTAÇÃO
História Geral

Conceito

A disciplina História Geral estuda o desenvolvimento do homem no tempo e no espaço. A História


analisa os processos históricos, personagens e fatos para poder compreender determinado
período histórico, cultura ou civilização e como estas influenciam na vida cotidiana atual.
 

Objeto

Compreender que a história geral diferentemente das outras ciências estuda o passado da
humanidade, esse passado não encontra-se morto, é algo “vivo” que constitui a matéria prima da
história. Estudar o passado humano pode oferecer subsídios para compreensão da história atual.
.
Objetivos

Desenvolver uma visão geral sobre os conteúdos e conceitos básicos que fundamentam a
trajetória da disciplina de História Geral.

Adquirir conhecimentos sobre a história antiga e como esta influencia na dinâmica social
contemporânea.

Compreender a diversidade dos grupos pré-históricos e a insuficiência do conceito de evolução


linear perante o processo de convivência e aprendizado entre grupos humanos distintos (de
acordo com descobertas arqueológicas).

2
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO A HISTÓRIA

As Origens do Homem
Introdução

As vivências humanas expressam o contexto histórico de cada época. O estudo do


passado e a compreensão do presente não se relacionam de forma determinista; as “soluções de
ontem” não servem para os problemas de hoje. Sem um processo de recriação que considere
mudanças e permanências históricas, as experiências do passado não podem ser aplicadas no
presente, mas podem ser analisadas para formar um futuro melhor.

A palavra História
Historien – no grego antigo “procurar saber”, “informar-se”. Então história significa
procurar.

História – Uma palavra polissêmica possui diversos significados como:


- História ficção, livros de aventura, novelas de televisão, filmes, etc.

- História processo vivido, as lutas e sonhos, alegrias e tristezas de uma pessoa ou de um grupo
social fazem parte de sua história.

- História conhecimento. A produção de um conhecimento que procura entender como os seres


humanos viveram e se organizaram desde o passado mais remoto até os dias de hoje. Um saber
preocupado em desvendar as historicidades das vivências humanas.

Tempo e História
A compreensão das relações entre passado e presente é uma das mais intrigantes
questões da história. “A escrita da história não pode ser isolada de sua época”. O historiador vive
seu tempo; a história que ele escreve está ligada à história que ele vive – tempo presente. O
historiador trabalha para seu tempo não para a eternidade.

Historiografia
É o processo de escrita da história presente, ou seja, o que o historiador escreve sobre os
fatos históricos que se apresentam, dentro de sua compreensão. A história, como forma de
conhecimento, é uma atividade continua de pesquisa.
O historiador investiga e interpreta as ações humanas que, ao longo do tempo,
provocaram mudanças e continuidades em vários aspectos da vida pública ou privada: na

3
economia, nas artes, na política, no pensamento, nas formas de ver e sentir o mundo, no
cotidiano, na percepção das “diferenças”.

Origem Humana
Diferentes sociedades têm dado várias respostas para questão do surgimento do ser
humano na Terra. Nesse caso, surgiram duas versões do aparecimento do homem na terra; o
Criacionismo e o

Evolucionismo.

- Criacionismo, parte do princípio da criação de Deus, sendo o grande criador de tudo que hoje
conhecemos, criando o homem a imagem de deus, distinguindo-o dos outros animais por sua
espiritualidade.

- Evolucionismo, parte de um princípio que o homem surgiu na Terra, a partir de um ancestral, em


um processo evolutivo e adaptação ao meio onde vive, onde a seleção natural faz a diferença
pela luta pela sobrevivência.

Capítulo 2 - A ORIGEM DA HUMANIDADE

Pré-História: um conceito controvertido

Tradicionalmente, as origens da humanidade eram situadas pelos historiadores numa


época conhecida como Pré-História. Hoje, entretanto, essa expressão já não é mais aceita por
todos os historiadores. Por quê?
A Pré-História costumava ser definida como o período compreendido entre o aparecimento
dos primeiros hominídeos* e a invenção da escrita, ocorrida por volta do quarto milênio A.C. na
Mesopotâmia (no atual Oriente Médio) e no Egito. Essa periodização começou a ser utilizada a
partir do século XIX, na Europa. Nessa época, os estudiosos acreditavam que só seria possível
resgatar o passado de uma sociedade caso ela tivesse deixado registros escritos.
Hoje essa visão é encarada com reservas. Outras fontes, como imagens, objetos do
cotidiano e relatos orais, por exemplo, passaram a ter a mesma importância da escrita nesse
processo de conhecimento histórico. Além disso, recentes avanços científicos e tecnológicos
colaboram na tarefa de resgatar o passado. É o caso da análise do DNA*, de programas de
computador que reconstroem rostos humanos a partir de um crânio e de métodos científicos que
determinam a idade de fósseis e de restos arqueológicos.
A invenção da escrita como marco inicial da História também pode ser questionada pelo
fato de ela não ter ocorrido ao mesmo tempo em todo o planeta. Muitos povos só entraram em

4
contato com a escrita no final do século I a.C. durante a expansão de Roma. Ainda hoje, tribos
indígenas do Brasil e grupos aborígines da Austrália, por exemplo, não fazem uso de nenhum
sinal gráfico para representar palavras.
Na verdade, se considerarmos o surgimento da escrita como o início da História,
conquistas como o domínio do fogo, a invenção da roda e a prática da agricultura ficariam de fora
da história da humanidade, pois elas ocorreram muitos séculos antes da invenção dessa forma de
comunicação.
Amparados nessas ressalvas, podemos dizer que o mais indicado é considerar a Pré-
História como uma etapa no processo histórico do ser humano. Assim, do ponto de vista social,
podemos entendê-la como um período em que ainda não haviam surgido sociedades complexas
e sedentárias e no qual as pessoas se reuniam em pequenos agrupamentos nômades.

- Hominídeos: nome pelo qual são conhecidos os membros da família Hominídea. É


composta de mamíferos primatas da qual o ser humano e seus ancestrais como as diferentes
espécies dos gêneros Ardipithecus, Australopithecus, Paranthopus e Homo - fazem parte.
DNA: DNA é a abreviatura, em inglês, de Ácido Desoxirribonucleico (Desoxyribo-Nucleic-
Acid). Os cientistas já sabiam, havia cerca de cinquenta anos, que as informações
hereditárias contidas nos genes eram constituídas pelo ácido desoxirribonucleico. Mas foi em
abril de 1953 que os pesquisadores James Watson e Francis Crick elucidaram a estrutura da
molécula de DNA, comparando-a com uma dupla hélice ou uma escada em espiral. Essa
descoberta possibilitou o grande desenvolvimento atual da biologia molecular, e vem
permitindo que nossa herança genética seja desvendada. Como o DNA é responsável pela
transmissão de informações genéticas de uma geração para outra, ele contém um registro da
história humana.
O DNA pode mostrar, por exemplo, a diversificação do homem moderno nos grupos
étnicos que conhecemos hoje, bem como a evolução dos hominídeos, que começaram a
caminhar sobre duas pernas há mais de 4 milhões de anos.

Os primatas
Há cerca de 60 milhões de anos apareceram na Terra os primeiros primatas. Desse grupo
surgiram o gorila, o chimpanzé, o orangotango e os primeiros hominídeos, que deram origem à
espécie humana.
Atualmente, diversos especialistas, como paleoantropólogos, geólogos, arqueólogos,
biólogos, geneticistas, etnólogos, paleontólogos, etc., participam de escavações em busca de
vestígios dos nossos ancestrais com o propósito de descobrir como eles eram e como viviam.

5
Esses vestígios podem ser fósseis*, ferramentas, esculturas, pinturas em cavernas, utensílios,
restos de fogueiras, etc. (veja a imagem a baixo).
Entretanto, a ciência ainda não encontrou uma resposta precisa a respeito de como e
quando o ser humano apareceu. O que os cientistas sabem é que seu surgimento foi resultado de
um longo processo, que se estendeu por centenas de milhares de gerações e envolveu não só
alterações físicas no corpo, mas também mudanças culturais, como o modo de viver e agir
desses seres.

Fóssil: palavra que tem origem no latim fossilis, que significa 'tirado da terra'. Os fósseis são
vestígios petrificados ou endurecidos de animais ou vegetais, anteriores à época atual, que se
conservaram sem perder suas formas primitivas, permitindo que se determinem seu período
geológico e outras características importantes para o estudo da evolução das espécies.

A principal fonte de informação dos pesquisadores que estudam a evolução dos seres
humanos são vestígios fósseis, encontrados em todos os continentes. Mas é na África que se
localizam os principais sítios contendo restos dos mais antigos grupos de hominídeos. A foto
acima mostra a paleoantropóloga Mary Leakey (1913 -1996) trabalhando nas escavações de
Laetoli, Tanzânia, em 1978. Durante os trabalhos dessa expedição foram descobertas pegadas
fossilizadas de hominídeos, em um percurso de cerca de 40 metros, datadas de 3,6 milhões de
anos. As pegadas evidenciam que naquela época os hominídeos já eram bípedes e caminhavam
em posição ereta.
Os fósseis são uma das principais fontes de estudo para entender a evolução* da espécie
humana. A análise dessas amostras - explicadas no boxe acima - indica que os indivíduos com
características tipicamente humanas não apareceram recentemente nem de uma só vez.
Se excluirmos o Sahelanthropus tchadensis (Toumai), a respeito do qual não existe
consenso entre os cientistas, o hominídeo mais antigo que se conhece é o Ardiphitecus kadabba,
que habitou a África há 5,8 milhões de anos.

Os mais antigos hominídeos

Posteriormente, surgiram outros hominídeos do género dos australopitecos. Eles teriam


habitado a África entre 4,2 milhões e l milhão de anos atrás e se dividiam em várias espécies,
como a dos Australopithecus anamensis e a dos Australopithecus afarensis.
De modo geral, os australopitecos tinham braços longos, maxilar saliente e cérebro
pequeno. Mas sua principal característica era andarem eretos.

6
Evolução: conjunto dos processos pelos quais as espécies animais e vegetais se modificam no
decorrer do tempo, de geração em geração, levando ao aparecimento de novas espécies. No
século XIX, a contribuição do naturalista inglês Charles Darwin (1809- 1882) foi decisiva para o
estudo da evolução dos seres vivos.

O gênero Homo

Uma das espécies de australopiteco - não se sabe qual - deu origem a um novo grupo de
hominídeos, o Homo. Os cientistas ainda não descobriram quando, como e onde isso aconteceu.
Acredita-se que os primeiros seres do gênero Homo apareceram há cerca de 2 milhões de
anos e por mais de 800 mil anos conviveram com os australopitecos na África. Estes, porém, não
conseguiram se adaptar à crescente competição entre as espécies e acabaram extintos.
Segundo alguns especialistas, a espécie mais antiga de Homo que se conhece é a do
Homo habilis.
Com cerca de 1,57 m de altura, pouco mais de 50 quilos de peso e um cérebro de até 800
cm³, o Homo habilis se desenvolveu graças à sua capacidade de adaptação cultural e social: ele
tinha, por exemplo, o hábito de dividir os alimentos com os integrantes de seu grupo, criando,
assim, laços de solidariedade.
Provavelmente, o Homo habilis originou uma nova espécie de hominídeo, o Homo erectus,
que apareceu na
África por volta de 1,8 milhão de anos atrás. O Homo erectus chegava a medir até 1,80 m.
Seu cérebro tinha um volume médio de 950 cm³, mas podia chegar a 1, 250 cm³. Seu rosto era
largo e sua arcada dentária saliente.
O Homo erectus revelou-se um ser de grande capacidade mental: andava em bandos de
vinte a trinta indivíduos, fabricava utensílios, construía cabanas, aprendeu a dominar o fogo e a
organizar caçadas, dividindo tarefas entre si.
Ele foi o primeiro hominídeo a emigrar da África. Seguindo o curso do rio Nilo, alcançou a
Ásia e depois a Europa. Desapareceram há cerca de 300 mil anos, quando espécies arcaicas de
Homo sapiens já andavam sobre o planeta.
Tudo indica que essas espécies evoluíram até que, por volta de 195 mil anos atrás,
apareceu o Homo sapiens sapiens (ou Homo sapiens moderno), espécie da qual fazemos parte.
Por ter uma faringe mais longa e uma língua mais flexível, essa espécie desenvolveu a
capacidade da fala, por meio da qual passou a expressar seus pensamentos e a desenvolver
conceitos abstratos. A ilustração abaixo situa na linha do tempo diversas espécies do gênero
Homo.

7
Durante algum tempo, o ser humano conviveu com indivíduos de outra espécie do gênero
Homo - o Homo neanderthalensis, também conhecido como Homem de Neanderthal -, mas ela
desapareceu há cerca de 30 mil anos.

Como se sabe tudo isso?

As descrições dos primeiros ancestrais da espécie humana que você lê em livros e revistas
não brotam da imaginação dos historiadores. Na verdade, centenas de cientistas vasculham
continuamente regiões da África - sobretudo no Quênia, na Tanzânia e na Etiópia - e de outros
continentes em busca de vestígios de nossos antepassados mais remotos. É com base no que
eles descobrem - ossos, restos de fogueiras, ferramentas, pontas de flechas, etc. - que é
reconstituída a árvore genealógica da espécie humana e são descritos os espécimes, os cenários
em que viviam e seu modo de vida.

O domínio da agricultura

Por volta de 12000 a.C. a temperatura da Terra voltou a elevar-se. As placas glaciais que
cobriam parte dos continentes derreteram, restando apenas o gelo das calotas polares. Com o fim
da Era Glacial, o clima tornou-se mais ameno e o solo, mais fértil. Grupos nômades começaram a
construir suas cabanas junto a rios e lagos, onde pescavam, abasteciam-se de água, caçavam e
coletavam cereais.
Levados para os acampamentos, onde eram moídos e cozidos, muitos desses grãos de
cereais caíam acidentalmente no solo e é provável que as pessoas tenham percebido que, com o
tempo, eles germinavam.

8
Segundo alguns estudiosos, foi dessa maneira que o ser humano aprendeu a cultivar a terra.
As evidências encontradas indicam que o domínio da agricultura ocorreu de forma
independente em diferentes lugares do mundo. Mas os primeiros cultivos parecem ter surgido na
região de Jericó, no Oriente Médio, há cerca de 10 mil anos.

A Revolução Agrícola

O domínio da agricultura provocou uma grande transformação na vida dessas populações


a ponto de ser chamado de Revolução Agrícola.
Pela primeira vez as pessoas podiam sair da posição de caçadores e coletores e assumir
um relativo controle sobre sua produção alimentar. A tomada de consciência dessa nova
capacidade resultou em um aprimoramento das técnicas agrícolas e provocou inúmeras
mudanças nos grupos humanos. Juntamente com o desenvolvimento da agricultura, os seres
humanos passaram a elaborar melhor seus instrumentos e utensílios de pedra.

Essa mudança, à qual se acrescentou mais tarde a utilização dos metais como matéria-prima,
levou os cientistas dividirem a chamada "Pré-História" em três períodos:

Paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada – do surgimento dos primeiros seres humanos até
8000 a.C. Caracterizado por instrumentos rústicos, não polidos.
Neolítico, ou Nova Idade da Pedra - de 8000 a.C. a 5000 a.C. Principais características:
instrumentos de pedra polida, agricultura e sedentarização.
Idade dos Metais - de 5000 a.C. à invenção da escrita.

Durante o Neolítico, o maior estoque de alimentos permitiu que algumas comunidades


crescessem. Em alguns lugares, os homens passaram a derrubar árvores e a preparar o terreno
para o plantio. Para isso, desenvolveram novas ferramentas de pedra, sílex ou madeira, como
machados, foices, enxadas e arados. As mulheres se ocupavam da colheita.
Quase ao mesmo tempo em que o domínio da agricultura, ocorreu a domesticação de
animais - cabras, ovelhas, cães, porcos, cavalos e bois. Com ela, alguns desses animais
passaram a ser utilizados como meio de transporte e força de tração. Outros, como fonte de leite,
lã e esterco, além de carne para os períodos de fome.
Em muitos lugares a vida sedentária e o cultivo do solo levaram ao crescimento demográfico
e à formação de aglomerações humanas. Com o passar dos séculos, surgiram nesses lugares as
primeiras vilas e cidades, algumas das quais em regiões de clima quente que sofreram processos
de desertificação após a Era Glacial.

9
Sobreviver nesses lugares de clima árido exigia um enorme esforço coletivo. A população
dessas regiões precisava construir reservatórios para garantir água nos períodos de seca, erguer
diques para controlar as cheias dos rios, abrir canais para irrigar as plantações. Para isso, era
fundamental que o grupo estivesse bem organizado e preparado para superar as adversidades.
Surgiu, assim, a necessidade de uma melhor divisão das tarefas: enquanto algumas pessoas
se responsabilizavam pelas obras públicas (diques, canais de irrigação, etc.), outras cuidavam da
agricultura e da fabricação de ferramentas e utensílios. O resultado desse esforço foi um gradual
avanço tecnológico, que culminou na invenção da roda, do arado de tração animal, do barco a
vela e na fundição de metais.
À medida que algumas atividades e profissões foram assumindo maior importância,
começaram a surgir os primeiros graus hierárquicos (pessoas que mandavam e pessoas que
obedeciam, por exemplo) e formas iniciais de estratificação social.

Capítulo 3 - O EGITO ANTIGO

A formação do Egito

Localizado no norte da África, o Egito tem seu território quase todo ocupado pelo deserto
do Saara. Por isso a maior parte de sua população encontra-se nas margens e no delta do rio
Nilo, que atravessa o país de norte a sul.
Essa ocupação é basicamente a mesma há quase 8 mil anos.
As águas do Nilo transbordam de seu leito todos os anos entre junho e outubro, em razão
das chuvas tropicais na nascente do rio. O húmus trazido pelas enchentes torna o solo da região
excelente para a agricultura. Durante milhares de anos a população que aí vivia aprendeu a
drenar terrenos, construir diques e canais e a erguer suas habitações e celeiros em locais
elevados, longe das águas.
Com o passar dos séculos, esse trabalho comunitário organizado propiciou excedentes
agrícolas e fez com que os pequenos núcleos populacionais evoluíssem para povoados e vilas
com maior estrutura. Essas aldeias passaram a ser conhecidas como nomos, e o chefe de cada
uma delas, como nomarca.
Grande parte da população do nomo era formada por agricultores - os felás -, que, com o
linho, faziam roupas e velas de barco e com a cevada produziam cerveja. O rio era o principal
sistema de comunicação e de transporte . Para essas pessoas, somente a ação dos deuses
explicava o privilégio de elas morarem em uma terra de abundância rodeada por áreas de seca e
fome.

10
Sob o poder dos faraós

Os nomarcas mais eficientes na tarefa de garantir a alimentação de suas comunidades


passaram a personificar os deuses protetores dos nomos. Assim, gradativamente, o poder político
e administrativo dos nomos se fundiu ao poder religioso.
Ao mesmo tempo, os governantes mais destacados começaram a incorporar novos
territórios a seus nomos, transformando a região em uma área de diversos pequenos reinos. Por
volta de 3500 a.C. os nomos foram unificados em apenas dois reinos: o do delta e o do vale do
Nilo - também chamados de Baixo Egito e Alto Egito, respectivamente.
Cerca de trezentos anos depois, um rei do vale do Nilo chamado Menés (também
conhecido como Narmer, Men ou Meni) conquistou a região do delta. Pela primeira vez alguém foi
coroado como faraó do Egito, ou seja, um misto de monarca e chefe religioso. O símbolo de seu
poder era uma coroa dupla nas cores branca e vermelha que representava a união das duas
regiões em um único e centralizado império (na caixa a seguir abordamos os poderes e as
funções do faraó).
Os faraós governaram o Egito por mais de 3 mil anos, em uma sucessão de dinastias. Os
historiadores costumam dividir todos esses anos em três grandes períodos: Antigo Império, Médio
Império e Novo Império, que estudaremos a seguir:

Antigo Império (3200 a.C. a 2300 a.C.)

No início do Antigo Império as fronteiras do Egito iam do delta até a região da primeira
catarata do rio Nilo (ver mapa). Nesse período, seu território foi dividido em 42 regiões
governadas por nomarcas, e a cidade de Mênfis foi construída para ser a capital do império.
Para supervisionar esses governantes regionais, o faraó contava com a ajuda dos
escribas, funcionários encarregados de cobrar os impostos, controlar o estoque de alimentos e
fiscalizar a construção de obras públicas. Para tanto, eles desenvolveram uma escrita chamada
hieroglífica (veja a caixa A escrita hieroglífica).
Durante o Antigo Império, o Estado egípcio expandiu-se em direção ao sul, região na qual
viviam os núbios (no atual Sudão). A prosperidade que tomou conta do Egito nesse período se fez
sentir principalmente na arquitetura: tornou-se habitual entre os faraós mandar construir grandes
monumentos funerários, as pirâmides, das quais as mais famosas são as de Quéops, Quéfren e
Miquerinos.
Por volta de 2300 a.C. o império foi sacudido por conflitos internos esfacelando o poder
dos faraós.

11
Médio Império (2000 a.C. a 1580 a.C.)

Cerca de 250 anos depois de o poder central ter sido destruído, o Egito foi novamente
unificado, dessa vez sob o comando do faraó Mentuhotep II, que restabeleceu o Estado
centralizado. Esse período marca uma fase de recuperação das terras agrícolas e de conquistas
de mais áreas ao sul - região da Núbia. Por volta de 1800 a.C., os hicsos - povo invasor -
ocuparam o delta do Nilo e, aos poucos, começaram a subjugar todo o império. Em 1700 a.C.,
aproximadamente, os invasores usurparam o posto de faraó.

Novo Império (1580 a.C. a 525 a.C.)

Por volta de 1580 a.C. os egípcios conseguiram expulsar os hicsos e o Egito foi unificado
mais uma vez. Nos séculos seguintes, surgiram em Tebas - então capital do império - templos
exuberantes, como os de Karnac e Luxor.
Em 1200 a.C., aproximadamente, começou a ocorrer uma redefinição de forças na região
que liga os continentes africano e asiático. Os assírios (que estudaremos no próximo capítulo)
haviam constituído um poderoso império e passaram a ameaçar a hegemonia egípcia. Ao mesmo
tempo, a região do delta voltou a sofrer invasões.
Após um período de disputas internas e invasões, em 1100 a.C. o Egito foi novamente
dividido em dois reinos.
Ao longo dos séculos seguintes, intercalaram-se momentos de centralização e de ausência
de poder até que, em 662 a.C., os assírios conquistaram a região. Posteriormente, a realeza
egípcia retomou o poder, mas em 525 a.C. o império caiu sob o domínio dos persas.
A partir de então, o Egito foi sucessivamente invadido por povos de diversas origens, com
macedônios e romanos na Antiguidade, e árabes na Idade Média. No século XIX, tornou-se
colônia do Império Britânico, conquistando a independência apenas em 1922.

A escrita hieroglíficaA escrita egípcia teria surgido, segundo os estudiosos, na época da


unificação do território. Chamada de hieroglífica consistia no uso de símbolos - ideogramas -
para representar palavras: os hieróglifos. Assim, o desenho de um olho significava "olho". Com o
tempo, os hieróglifos passaram a designar também os sons das palavras, os fonogramas. Por
exemplo, para escrever o nome do deus Osíris - Wosiri, em egípcio antigo -, eles desenhavam
um trono, Wos em egípcio, e um olho, que era iri. E para ninguém pensar que significava o "olho
do trono", em geral desenhavam ao lado uma bandeirola, emblema que designava um deus.
Quase simultaneamente ao desenvolvimento dos hieróglifos, foi criada também uma escrita
cursiva, mais simples, chamada hierática. Por meio dela, grande parte dos textos literários,

12
jurídicos e administrativos do Egito chegou até nós. Posteriormente, a escrita foi simplificada
ainda mais, surgindo, assim, a escrita demótica. (Fontes: Ernst Gombrich. A breve história do
mundo. São Paulo: Martins Fontes, 2001. r -;.' Jean Vercouf O Egito antigo. São Paulo: 1999)

Cenas da vida cotidiana

A sociedade egípcia era rigidamente estratificada, ou seja, estava dividida em grupos


sociais fortemente separados entre si. No topo da pirâmide social estava o faraó, considerado
filho do deus Amon-Rá, e seus familiares (veja a ilustração abaixo). A seguir vinham
sucessivamente os sacerdotes, a nobreza, os escribas (burocratas) e os soldados. O último
degrau era ocupado pelos camponeses e artesãos. Abaixo deles estavam os escravos.
Poucas cidades do Egito Antigo sobreviveram ao tempo e às cheias do Nilo. Mas sabe-se
que as moradias mais modestas eram de junco ou madeira e, geralmente, tinham pouco
mobiliário; uma pequena peça funcionava como sala de estar e dava diretamente para a rua.
Essas casas tinham também banheiro com lavatório separado, uma sala principal com um
pequeno altar, onde eram recebidas as visitas, quarto, cozinha e uma escada que levava ao
telhado, sempre plano, onde à noite os moradores se refugiavam do calor. As pessoas de
melhores condições viviam em casas de tijolo produzido com uma mistura de barro, areia e palha,
o adobe.

Muitos deuses

A religiosidade foi um dos aspectos mais marcantes da sociedade egípcia. Das diversas
divindades existentes, a mais importante era Amon (ou Amon-Rá), rei dos deuses e criador de
todas as coisas, que se identificava com o Sol.
A crença na imortalidade fez com que os egípcios encarassem a morte como um grande
acontecimento. As tumbas dos faraós continham pinturas que retratavam passagens de sua vida
e de seu governo com a intenção de mostrar aos deuses como eles foram bons para seu povo.
Era comum um faraó ser enterrado com familiares e funcionários, que iriam acompanhá-lo e servi-
lo na vida eterna. No túmulo do faraó Uadji (Antigo Império), foram encontrados outros 335
corpos.
Outra grande preocupação em relação à vida eterna era com a conservação do corpo, uma
vez que o conceito de "viver após a morte" implicava a permanência física do corpo. Por essa
razão os egípcios desenvolveram e aperfeiçoaram a prática da mumificação.

13
O poder das múmias
O processo de mumificação desenvolvido pelos egípcios incluía a desidratação do cadáver e a
aplicação de betume, substância destinada a conservar o corpo. Durante a Antiguidade, esse
produto também era empregado em outras regiões no tratamento de cortes e fraturas. Aliando
esse possível poder de cura do betume com os mistérios e magias que envolviam as múmias, a
partir da Idade Média médicos europeus passaram a prescrever o uso de carne mumificada no
tratamento de várias doenças. Como consequência, inúmeras tumbas egípcias foram saqueadas
e traficantes passaram a exportar pedaços de múmias secas ou em pó para o Ocidente.
Francisco I (1494- 1547), rei da França, por exemplo, tinha sempre consigo um suprimento de
carne mumificada para o caso de se ferir nas caçadas. (Adaptado de: Paul Johnson. História
ilustrada do Egito antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 224-7; 360-1)

Uma arte monumental e rígida

Impregnada de religiosidade e de sentimento hierárquico, a arte servia aos deuses e aos


faraós. Na arquitetura, as obras mais importantes foram os templos e os túmulos dos faraós - as
pirâmides. Já a pintura (assim como a escultura) obedecia a regras extremamente rígidas: as
cenas eram retratadas sem perspectiva; as figuras humanas apareciam com a cabeça, as pernas
e os pés de perfil, enquanto um dos olhos e o tronco eram mostrados de frente.

O conhecimento dos egípcios

Por sua prática na construção de diques e represas, os egípcios alcançaram grande


desenvolvimento em engenharia hidráulica. Seus tecelões eram hábeis na produção de tecidos
de linho. Na área de transporte, construíam embarcações de variados tipos e tamanhos, tanto
fluviais como marítimas. Como a moeda só começou a ser utilizada a partir de 400 a.C, até essa
data seu comércio era feito por meio da troca direta de produtos.
Conhecedores da anatomia humana, os egípcios obtiveram grandes avanços na Medicina,
chegando até mesmo a usar anestesia em cirurgias. Seus astrônomos criaram diferentes
calendários, como o que conferiu ao ano a duração de 365 dias e seis horas. Mais tarde, esse
calendário foi adotado, com modificações, pelo imperador romano Júlio César. Reformado pelo
papa Gregório XIII, no século XVI, constitui a base do calendário que utilizamos até hoje.

14
Capítulo 4 - MESOPOTÂMIA

As sociedades da Mesopotâmia

As Primeiras cidades
Mesopotâmia fazia parte de uma região onde hoje se encontram o Iraque, o Kuwait, a Síria
e o sul da Turquia, no Oriente Médio. Essa região formava com o Egito um arco semelhante à
Lua em quarto crescente. Em virtude disso, e também da qualidade de suas terras, ótimas para a
agricultura, esse arco ficou conhecido como Crescente Fértil (ver mapa a seguir).
Localizado entre os rios Tigre e Eufrates, o território da Mesopotâmia é formado
basicamente por uma planície ora desértica, ora pantanosa, com temperaturas que podem chegar
a 50 graus à sombra. Foi ali que, há milhares de anos, povos como os sumérios, acadianos,
hititas, babilônicos, assírios e caldeus se fixaram em aldeias e passaram a viver da agricultura.
Por volta de 4000 a.C. muitos desses pequenos núcleos se transformaram em cidades
autossuficientes e autogovernadas. Com o tempo, alguns de seus governantes passaram a
controlar, além do poder político, também o religioso.
A autoridade desses soberanos, contudo, ficava quase sempre restrita à sua cidade. É por
isso que os historiadores caracterizam tais centros urbanos como cidades-estados (veja no boxe
Desenterrando o passado como foi possível recuperar informações sobre as antigas cidades
mesopotâmicas).
Sumérios: os primeiros a chegar

Os sumérios foram os primeiros povos a se estabelecer na Mesopotâmia. Estudos


arqueológicos e linguísticos indicam que eles teriam vindo da Ásia centro-ocidental e se fixado no
extremo sul da Mesopotâmia por volta de 8500 a.C. O local foi escolhido porque a ação dos rios
Tigre e Eufrates ao longo dos séculos tornaram o solo ideal para a agricultura.
As cheias dos rios, no entanto, causavam grandes prejuízos à população. Para sobreviver,
os sumérios tiveram de se organizar e construir coletivamente diques e canais para conter as
inundações e irrigar as terras cultivadas.
À medida que aumentava o número de habitantes e surgiam novas atividades profissionais
- como as de cesteiros, pastores, marceneiros, etc., tornou-se necessário constituir um corpo de
funcionários públicos capaz de administrar a execução dos trabalhos. A necessidade de um
melhor controle do processo levou à invenção da chamada escrita cuneiforme).
A partir do terceiro milênio a.C. diversas cidades se constituíram no sul da Mesopotâmia,
entre elas Erídu, Ur, Nipur e Uruk. Todas funcionavam como Estados autônomos e eram
governadas pelo patesi, líder político, religioso e militar que, mais tarde, passou a ser chamado de
rei.

15
Os sumérios foram responsáveis por importantes conquistas da humanidade, como a
invenção do arado de cobre, o uso da força animal na agricultura e a construção de diques e
canais para levar água a regiões distantes dos rios.
Eles estabeleceram também a divisão do ano em doze meses, da hora em sessenta minutos
e do circulo em 360 graus; criaram o mais antigo sistema numérico da história, com base em
sessenta símbolos, e um calendário formado por meses lunares de 28 dias, que lhes permitia
prever com bastante exatidão o melhor momento de semear e colher. Atribui-se a eles, ainda, a
invenção do vidro e da roda.

O Primeiro Império Mesopotâmico

Enquanto os sumérios dominavam o sul, a região central da Mesopotâmia era ocupada por
povos de origem semitas, como assírios e acadianos. A partir de 2350 a.C, o rei da cidade de
Acad, Sargão, unificou sob seu governo não só as cidades do centro, mas também as do sul.
Nascia, assim, o Primeiro Império Mesopotâmico. Por volta de 2100 a.C, enfraquecido por
revoltas internas, esse império foi destruído por povos inimigos.

Uma cidade chamada Babilônia

Com o declínio do império fundado por Sargão, destacou-se na Mesopotâmia a cidade da


Babilônia, habitada pelos amoritas, povo originário do deserto da Arábia. A expansão da cidade
teve início por volta de 1800 a.C. Entre 1792 e 1750 a.C., um dos reis babilônicos, Hamurabi,
unificou toda a região. Dessa unificação surgiu o Primeiro Império Babilônico (1800-1600 a.C.),
cujos domínios iam da Assíria, no norte, à Caldéia, no sul. Hamurabi passou a nomear
governadores, unificou a língua e a religião e determinou que os vários mitos populares fossem
fundidos em um único poema - a Epopeia de Marduk, que passou a ser lido em todas as festas
do reino. Além disso, reuniu as diversas leis e sentenças pronunciadas no império e unificou-as
no Código de Hamurabi, um dos mais antigos corpos de leis de todos os tempos.

As supremacias hitita e assíria

Após a morte de Hamurabi, o Império Babilônico sofreu algumas invasões até se


desintegrar por completo em 1600 a.C. Nessa época, os hititas, povo originário da Anatólia (na
atual Turquia), conquistaram a supremacia territorial e política da Mesopotâmia.
Entre as inovações introduzidas por esse povo, destacam-se a utilização do ferro no
fabrico de armas e o desenvolvimento de carros de guerra com rodas de aros que tornavam
esses veículos mais fáceis de manobrar. Por

16
volta de 1200 a.C., os hititas foram dominados pelos assírios, povo que vivia no norte da
Mesopotâmia. Começava, assim, o Império Assírio (1200-612 a.C.).
Os assírios foram o primeiro povo a constituir um exército disciplinado. Seu império chegou
ao fim em 612 a.C. quando os babilônicos destruíram sua capital, a cidade de Nínive.

Capítulo 5 - OS FENÍCIOS

Os cananeus

O Líbano é uma nação do continente asiático encravada entre a Síria, Israel e o mar
Mediterrâneo. Com uma área de 10 mil quilômetros quadrados, seu território é formado por um
pequeno e fértil planalto ao centro, cercado por duas cadeias de montanhas.
Por volta de 3000 a.C. estabeleceram-se ali povos de origem semita que se
autodenominavam cananeus, uma vez que a região era conhecida pelo nome de Canaã. Os
cananeus construíram seus aldeamentos sobretudo às margens do Mediterrâneo. Com grande
atividade comercial, esse povoamento deu origem a diversas cidades portuárias, como Biblos,
Ugarit e Tiro.
Embora as cidades tivessem idioma e hábitos culturais semelhantes, não estavam
unificadas em torno de um único reino. Eram cidades-estados. Tinham, portanto, autonomia
política e administrativa. De modo geral, eram governadas por monarcas, em torno dos quais se
encontravam a aristocracia - composta de comerciantes e proprietários de terras - e um clero
poderoso. A grande massa urbana era formada por marinheiros e trabalhadores especializados
em fabricar jóias, vidros, tecidos e outros produtos.

O comércio e expansão pelo mar

A comunicação entre as diferentes cidades- Estado era feita principalmente pelo mar; com o
tempo, os cananeus passaram também a estabelecer relações mercantis com outras populações
mediterrâneas. Por volta de 2500 a.C. algumas cidades cananéias haviam se transformado em
ponto de encontro de caravanas de mercadores vindas das mais diferentes regiões, constituindo-
se em verdadeiros entrepostos comerciais. Esse foi, por exemplo, o caso de Biblos, que se tornou
o principal centro distribuidor do papiro fabricado no Egito.
Os cananeus se destacaram também pela produção de corantes, desenvolvendo uma
sofisticada técnica de tingir tecidos na cor púrpura. Teria sido por esse motivo que os gregos
chamavam Canaã de Phoenicia (púrpura), palavra da qual derivam Fenícia e fenícios.
Por volta de 1200 a.C. as regiões circunvizinhas da Fenícia foram ocupadas por diversos
povos, entre os quais os arameus, hebreus e filisteus.

17
Para crescer e prosperar restava aos fenícios somente a opção de expandir-se pelo mar
Mediterrâneo. Foi o que fizeram.
Entre os fatores que permitiram a expansão marítima desse povo destaca-se seu grande
desenvolvimento náutico. Para garantir a segurança de suas embarcações, elas eram escoltadas
por barcos de guerra que levavam na proa um aríete de madeira e bronze utilizado para perfurar
os barcos piratas. Os fenícios conheciam também as correntes marítimas, o voo das aves
migratórias, a migração de alguns peixes e os ventos de cada região. De posse dessas
informações, eles podiam afastar-se cada vez mais de seu litoral e atingir regiões longínquas
(veja mapa na página seguinte). Segundo antigos relatos, no século VIII a.C. os fenícios teriam
realizado uma proeza que só seria repetida pelos portugueses mais de 2 mil anos depois: a
circunavegação da África.
Os fenícios obtinham grandes lucros com essas viagens. Nelas, trocavam cedro, armas, linho,
pedras preciosas, artefatos de vidro, objetos de marfim e tecidos coloridos por ouro, cobre,
estanho, ferro. Muitos dos lugares em que paravam para descansar ou se abastecer
transformaram-se em cidades comerciais fenícias - esse foi o caso de Cirene, Léptis, Oea (atual
Trípoli), etc. A mais importante de todas, porém, foi Cartago, fundada no século IX a.C. no norte
da África.
Graças à estreita relação mantida com outros povos, os fenícios sofreram um crescente
processo de universalização étnica e cultural. Ao mesmo tempo em que se miscigenavam com
habitantes de outras regiões, como os egípcios e os egeus, assimilaram aspectos culturais,
artísticos e religiosos dessas sociedades.
A partir do século IX a.C. a Fenícia entrou em decadência, sofrendo invasões de vários povos.
Primeiro, foram os assírios. Entre os séculos VII e IV a.C., babilônicos, persas e gregos
dominaram sucessivamente a região. Em 64 a.C. Roma incorporou as cidades fenícias aos seus
domínios, transformando-as em parte da província da Síria. A civilização fenícia chegava ao fim,
mas sua herança se perpetuaria pelos séculos graças, sobretudo a uma das maiores invenções
da humanidade: o alfabeto.

O nascimento do alfabeto

Por estarem intimamente voltados para o comércio, os fenícios tinham necessidade de


controlar por escrito suas transações comerciais.
Entretanto, as principais escritas empregadas na época - a hieroglífica e a cuneiforme - não
permitiam aos comerciantes elaborar seus próprios registros, pois seu conhecimento era
monopólio de alguns escribas.
Por volta de 1500 a.C. começou a tomar forma na cidade fenícia de Ugarit um sistema de
escrita muito mais simples e prático. Em vez das centenas de caracteres pictográficos, esse

18
sistema utilizava apenas 29 caracteres cuneiformes; a cada um deles era atribuído um valor
fonético, ou seja, cada sinal representava um som específico.
Mais tarde, os fenícios reduziram esse alfabeto para 22 símbolos correspondentes às
consoantes; como as vogais não eram escritas cabia ao leitor completar as palavras de acordo
com seu sentido.
Assim, o nome da cidade de Ugarit era grafado simplesmente com as letras g, r, t. Para tornar
a escrita ainda mais fácil, os fenícios deixaram de lado as barras de argila e passaram a registrar
suas anotações em rolos de papiro. Graças a essas mudanças, saber ler e escrever deixou de ser
privilégio de um pequeno círculo, tornando-se uma habilidade ao alcance de um número cada vez
maior de pessoas.
Além disso, o alfabeto fenício podia ser adaptado a qualquer idioma, já que seus caracteres
representavam fonemas. No decorrer do século IX a.C. os gregos acrescentaram-lhe vogais. Com
as mudanças introduzidas mais tarde pelos romanos, esse alfabeto Greco fenício daria origem ao
alfabeto latino, que sobrevive até hoje no mundo ocidental.

Capítulo 6 - A FORMAÇÃO DA GRÉCIA ANTIGA

A civilização cretense

Por mais de mil anos, a civilização grega exerceu forte influência em toda a bacia do
Mediterrâneo. Ela foi resultado de uma miscigenação cultural entre diversos povos. Além dos
invasores indo-europeus - aqueus, eólios, jônios e dórios -, também os egípcios, os fenícios e os
minoicos contribuíram com sua cultura, seus valores e seus costumes para a formação do povo
grego.
Pouco se sabe sobre as origens da civilização minoica - também conhecida como cretense
por ter se desenvolvido em torno da ilha de Creta -, mas o fato é que, por volta de 2500 a.C., já
podiam ser encontradas em

Creta importantes cidades, com residências de pedra e tijolo e artesãos hábeis no fabrico de joias
e de outros artefatos de metal. Para navegar entre as ilhas da região, os primeiros cretenses
utilizavam canoas escavadas em troncos de árvores.
No início do segundo milênio a.C., as primitivas canoas deram lugar a embarcações mais
sofisticadas, que permitiram aos cretenses expandir o comércio pelo Mediterrâneo. A localização
da ilha facilitou ainda mais essa atividade mercantil, pois ela estava a pouco mais de trezentos
quilômetros da Grécia continental e a menos de setecentos quilômetros do Egito.
Com o tempo, sua marinha mercante tornou- se a maior da época, e seus mercadores
passaram a dominar o comércio do Mediterrâneo. Como resultado de suas viagens, os cretenses
entraram em contato com outros povos e assimilaram traços de diversas culturas. Com os

19
mesopotâmicos, aprenderam a trabalhar o bronze; com os egípcios, a fabricar vasos de pedra. A
prosperidade advinda do comércio possibilitou um grande desenvolvimento urbanístico, com a
construção de portos, aquedutos e palácios ornamentados com afrescos. Um desses palácios, o
da cidade de Cnossos, ocupava uma área de 20 mil metros quadrados no alto de uma colina.

A organização social

Durante os primeiros séculos de sua consolidação, a sociedade minoica dividiu-se em vários


principados independentes. Por volta de 1450 a.C., os príncipes locais passaram a se submeter
ao controle do rei de Cnossos.
A pirâmide social cretense tinha no topo uma aristocracia formada pelo rei e por nobres,
mercadores e sacerdotes; seguia-se o grupo dos artesãos, artistas e burocratas; abaixo dele,
vinham os agricultores e pastores; na base da pirâmide, encontravam- se os escravos.
No início do século XV a.C., Creta foi devastada por terremotos e guerras internas.
Enfraquecida, passou a ser alvo de ataques dos aqueus, que invadiram e dominaram diversas
colônias cretenses no mar Egeu e, por volta de 1400 a.C., atacaram a própria cidade de Cnossos,
cuja destruição marcou o eclipse da sociedade minoica.

A civilização micênica

Os aqueus eram um povo de origem indo-europeia que, a partir do terceiro milénio a.C.,
estabeleceu-se na península Balcânica, sobretudo na Ática e no Peloponeso. Com menos
domínio tecnológico que os cretenses, fundaram cidadelas fortificadas, como Pilo, Tirinto e
Micenas (ver mapa). Esta última, localizada na região central do Peloponeso, se tornou a mais
influente cidade aqueia e acabou emprestando seu nome à civilização micênica.
Boa parte do desenvolvimento de Micenas deveu-se ao intercâmbio comercial com
mercadores minóicos. Em razão desse intercâmbio, os micênicos entraram em contato com os
valores culturais cretenses e, aos poucos, os incorporaram a seu cotidiano. Além de aprenderem
a fabricar armas de bronze e a produzir objetos de ouro, prata e marfim, assimilaram práticas
agrícolas e técnicas de navegação. Ao dominarem Creta, os aqueus assumiram o controle das
rotas comerciais do Mediterrâneo, o que lhes possibilitou grandes avanços econômicos. A partir
do século XIV a.C., porém, o comércio sofreu uma grande queda, e a economia micênica
declinou. Em contato com a escrita cretense, os aqueus desenvolveram um sistema de escrita
próprio, que misturava ideogramas com sinais representando sílabas.
Por volta de 1200 a.C. os aqueus teriam travado uma guerra com os habitantes de Tróia,
próspera cidade da Ásia Menor, na costa da Turquia atual. Considerados por alguns estudiosos

20
como lenda, os acontecimentos desse conflito, conhecido como Guerra de Tróia, ficaram
eternizados nas obras Ilíada e Odisseia, como mostra o boxe a seguir.
Na segunda metade do século XII a.C. a civilização micênica entrou em crise. Seu território foi
então ocupado pelos dórios, povo indo-europeu que expulsou os aqueus da região. Por volta do
ano 1000 a.C. os novos invasores já haviam conquistado quase toda a Grécia continental. Para
fugir deles, muitos aqueus, eólios e jônios - povos indoeuropeus que haviam chegado à Grécia
antes dos dórios - estabeleceram-se na Ásia Menor, onde fundaram cidades como Mileto, Éfeso e
Cnido.

Ilíada e Odisseia

Atribuídos a Homero, os poemas épicos Ilíada e Odisseia são considerados as mais antigas
obras da literatura grega. O primeiro narra a Guerra de Tróia, conflito entre gregos e troianos que
durou dez anos. De acordo com a obra, o confronto teria sido motivado pelo fato de Paris, filho do
rei de Tróia, em visita à Grécia, ter seduzido Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, e fugido
com ela para sua terra. Em represália, Menelau recrutou um exército chefiado por grandes
guerreiros, como Aquiles, Ajax, Agamenon e Ulisses, e atacou Tróia. Depois de cercar a cidade
por vários anos, os gregos conseguiram derrotar seus inimigos graças a um artifício: deixaram de
presente nos portões de Tróia um enorme cavalo de madeira com soldados escondidos em seu
interior. Quando os troianos levaram o cavalo para dentro das muralhas, os gregos saíram do
esconderijo, dominaram a cidade e levaram Helena de volta para a Grécia.

Já a Odisseia narra os dez anos que Ulisses (Odisseu, em grego) levou para voltar à sua
terra natal, o reino de Itaca, depois de ter combatido em Tróia.
Vários estudiosos contestam a autoria dos dois poemas, afirmando que Homero nem sequer
existiu. Essas obras seriam, nesse caso, uma compilação de diversos poemas, o que justificaria o
fato de terem estilos e linguagens diferentes.

Os dórios

Os dórios exerceram a supremacia sobre a Grécia entre os séculos XII e VIII a.C. Povo
nômade e guerreiro, estavam organizados em tribos pequenas e independentes umas das outras,
subdivididas em clãs, ou seja, em grupos de um mesmo ancestral familiar denominados genos.
Os chefes tribais que mais se destacavam nas guerras tornavam-se reis.
Com o crescimento da população, os dórios deixaram de lado os hábitos nômades e se
tornaram sedentários.

21
Ao mesmo tempo, os reis guerreiros se enfraqueceram, e o poder transferiu- se para as mãos
dos conselheiros que os auxiliavam na administração. Dessa forma, a monarquia desapareceu na
maior parte da Grécia. Em seu lugar formou-se um tipo de governo que os gregos chamavam de
aristocracia*, ou governo de poucas pessoas.
O aumento populacional intensificou as trocas comerciais entre as tribos, que cresceram e se
unificaram, transformando-se em cidades-estados, polis, em grego. Esse processo ocorreu quase
ao mesmo tempo em toda a Grécia, e não apenas nos territórios ocupados pelos dórios.

O conceito de polis

Por volta do século VII a.C. a Grécia encontrava- se constituída por diversas póleis, ou
cidades- Estado. Por falta de documentação, não se sabe o momento em que surgiram as
primeiras póleis. Historiadores acreditam que isso tenha ocorrido entre os séculos VIII e VII a.C.,
e que começou na Ásia Menor, onde se refugiaram grupos populacionais que rugiam dos dórios.
Em muitas póleis, o poder político era exercido diretamente pelos cidadãos por meio de
assembleias realizadas na agora, a praça central da cidade. Discutiam-se ali questões de
interesse público, tomavam-se decisões e elaboravam-se as leis. Nesse processo, alguns
cidadãos começaram a se destacar no interior da polis, dando origem à figura do político.

Entretanto, poucos habitantes da polis eram considerados cidadãos. Apenas os homens livres
detinham os direitos de cidadania. Entre eles estavam nobres, proprietários de terra, artesãos,
comerciantes e pequenos proprietários. Escravos e estrangeiros (metecos) não eram
considerados cidadãos: estavam, portanto, excluídos da polis. Também as mulheres estavam
impedidas de participar das assembleias. O boxe abaixo aborda algumas atividades femininas na
polis.
Dentre as diversas cidades-estados gregas duas se destacaram por sua capacidade de
liderança: Esparta e Atenas.

O militarismo de Esparta

Esparta foi fundada pelos dórios por volta do século IX a.C., a partir da união de quatro
aldeias vizinhas no sudeste do Peloponeso. Depois de um período de expansão, no final do
século VII a.C., Esparta dominava um terço de todo o Peloponeso.
Os governantes de Esparta mantiveram a cidade isolada das outras póleis e adotaram uma
rígida disciplina militar. Para tanto, criaram um exército permanente, pronto para guerrear a
qualquer momento. Ao lado disso, estabeleceram-se relações sociais e econômicas baseadas na
total subordinação do indivíduo ao Estado.

22
A sociedade espartana dividia-se em três grupos bem diferenciados:

Espartíatas ou espartanos - descendentes dos conquistadores dórios, eram os únicos a ter


direitos de cidadania. Possuíam as melhores terras e deviam dedicar todo o seu tempo à
política e ao exército;
Periecos - antigos habitantes das regiões conquistadas pelos dórios que não resistiram à
ocupação. Embora livres, eram submissos aos espartíatas. Sem direitos políticos, viviam
na periferia da cidade;
Hilotas - grupo formado pelos antigos habitantes do Peloponeso que resistiram à invasão dos
dórios e acabaram sendo transformados em escravos.
Todos os anos, deviam dar metade do que colhiam aos seus proprietários espartíatas.
Esparta era governada por dois reis que concentravam os poderes militar, religioso e
judiciário. Eles presidiam a Gerúsia, assembleia formada por 28 homens com mais de 60
anos (osgerontes), cuja função era decidir sobre questões importantes, propor leis, julgar
crimes.

Os gerentes eram eleitos pela Assembleia do Povo, composta de todos os espartíatas com
mais de 30 anos e que tinham por função votar as questões encaminhadas pela Gerúsia.
A Assembleia do Povo também elegia os éforos cinco magistrados que por um ano
integrariam o Eforato. Eles eram os verdadeiros chefes do governo, com autoridade para
fiscalizar a cidade, os funcionários e até mesmo os reis, contra quem poderiam mover
ações. Os éforos também supervisionavam a educação da juventude, descrita no boxe
"Uma educação espartana Graças a um exército poderoso, a cidade liderou, a partir do
final do século VI a.C., uma confederação de cidades Estado, a Liga do Peloponeso.

Uma educação espartana


Quando as crianças de Esparta nasciam eram levadas para o conselho dos anciãos. Se fossem
consideradas doentes, deveriam ser jogadas do alto de um despenhadeiro ou adotadas por um
hilota. Caso fossem saudáveis, as meninas ficavam com as mães. Já os meninos, a partir dos 7
anos eram entregues ao governo e transferidos para quartéis. Até os 12 anos, eles se
dedicavam aos esportes. A partir de então, tinham aulas de música e poesia. Aos 18 anos,
iniciava-se para eles um período de treinamento militar intenso e rigoroso: tinham de andar
descalços e nus para ficarem com apele mais grossa e eram chicoteados até sangrar para
aprenderem a dominar a dor. Dos 20 aos 30 anos permaneciam nos quartéis à espera de
convocação para alguma guerra. Aos 30 anos, no fim do serviço militar, poderiam conquistar a
cidadania, mas somente aos 60 estavam liberados de suas obrigações para com o exército.

23
Situada na península da Ática, Atenas foi fundada pelos jônios entre os séculos IX e VII a.C.
No início, a cidade foi governada por um rei que também exercia a função de sacerdote principal.
Havia ainda o polemarca, que comandava as forças militares, e o arconte, principal autoridade
civil. Essas pessoas eram escolhidas entre os integrantes da aristocracia ateniense, os
eupátridas.
Com o tempo, a realeza foi abolida. Polemarcas e arcontes passaram a exercer o poder
político, militar e religioso, assessorados por um conselho de anciãos, o Areópago, formado pôr
eupátridas. Ao lado desse órgão, havia a Assembleia (Eclésia), composta de integrantes do
exército. Ela elegia os governantes, aprovava leis e decidia questões relativas à paz e à guerra.
As alterações políticas, contudo, não foram acompanhadas de mudanças na esfera social. As
desigualdades em Atenas eram grandes: enquanto os comerciantes enriqueciam, pequenos
camponeses e artesãos viviam na miséria. Muitos eram transformados em escravos por não
poder pagar suas dívidas. Entre os séculos VII e VI a.C. eclodiram conflitos sociais que obrigaram
os legisladores a promover novas reformas.
Uma das mais importantes foi realizada pelo arconte Sólon a partir de 594 a.C.: ele perdoou
os devedores, proibiu a escravidão por dívidas, devolveu aos antigos donos as pequenas
propriedades tomadas pelos grandes proprietários de terra, conferiu maiores poderes à Eclésia e
instituiu um tribunal popular, a Bule, cujos juizes eram escolhidos por sorteio entre os cidadãos.
Sólon também estabeleceu o mesmo peso para o voto dos cidadãos, fossem eles ricos ou
pobres.
Com essas mudanças, a aristocracia começava a se enfraquecer. Esse declínio se acentuou
entre 561 e 528 a.C., período em que Atenas foi governada pelo tirano* Pisístrato. Ele confiscou
grandes propriedades dos nobres, promoveu uma reforma agrária, realizou obras públicas que
geraram trabalho para muitos atenienses e incentivou as artes e o comércio, transformando
Atenas em importante centro comercial, artístico e cultural da Grécia.
O declínio da aristocracia ateniense se consumou pouco depois, quando o arconte Clístenes
(508-507 a.C.) promoveu nova e profunda mudança na organização do Estado. Clístenes dividiu
a Ática em cem unidades políticas e territoriais, os demos, cada qual reunindo indivíduos de
diferentes clãs e pessoas de todas as camadas sociais.
Cada demos tinha seu chefe, o demiarca, escolhido por meio do voto. Os demos foram
agrupados em dez diferentes distritos eleitorais, de modo que os cidadãos votavam ou iam para a
guerra como representantes de seus distritos.
O principal órgão do legislativo era a Assembleia, que se reunia a cada dez dias. Nessas
ocasiões, qualquer cidadão poderia pedir a palavra e expor sua opinião ou dar seu voto em
alguma questão colocada em pauta. Tais reformas fizeram com que nascesse na Grécia a
democracia, que significa governo dos demos, ou governo da maioria.

24
Embora mulheres, escravos, ex-escravos e estrangeiros representassem a maior parte da
população (cerca de 360 mil pessoas numa população de 400 mil no século V a.C.), não eram
considerados cidadãos e por isso estavam impedidos de participar das assembleias.
Com o tempo, Atenas se transformou em um Estado coeso e solidamente organizado.
Embora não beneficiasse a todos, com a democracia os cidadãos tinham assegurados três
direitos essenciais: liberdade individual, igualdade perante a lei e direito de expressar suas
opiniões nas assembleias.
O Helenismo
Os macedônios

De origem desconhecida, os macedônios viviam em uma região ao norte da Grécia. Seus


governantes eram membros de uma monarquia hereditária que se dizia descendente de Heracles,
lendário filho de Zeus e herói dos dórios (veja o boxe "A mitologia grega").
Em 359 a.C. assumiu o trono o rei Filipe II, que organizou um poderoso exército com o qual
iniciou a expansão territorial da Macedônia. Conhecendo a desunião das cidades-estados gregas,
Filipe fez uso da diplomacia e das armas para conquistar poder e influência sobre a Grécia. Em
338 a.C. foi aclamado governante de todo o território grego.
Assassinado dois anos mais tarde, Filipe foi sucedido no trono por seu filho Alexandre, jovem
de 20 anos que mudaria os rumos da humanidade.

A mitologia grega A religião era extremamente importante para os gregos. Assim como a
maioria dos povos da Antiguidade, eles eram politeístas, isto é, acreditavam na existência de
diversos deuses e achavam que essas divindades interferiam diretamente na sua vida. As
histórias que contavam a origem e a vida desses deuses - os mitos - eram transmitidas
oralmente de pais para filhos. Graças a elas, conhecemos hoje um pouco mais o pensamento e
os cultos religiosos da Grécia antiga.De acordo com a mitologia, a maioria dos deuses habitava
o alto do monte Olimpo, maior montanha da Grécia. Cada um deles tinha um atributo
especial.Embora fossem imortais, os deuses gregos costumavam ter comportamento
tipicamente humano: sentiam raiva, ciúme, amor, inveja, ódio, etc. Havia doze divindades
principais: Zeus, deus do trovão, o mais importante de todos, casado com Hera; Posêidon, irmão
de Zeus e senhor dos mares; Apoio, deus da música; Hefesto, do fogo; Ares, da guerra; Hermes,
deus mensageiro; Deméter, deusa da fertilidade; Atena, da sabedoria; Afrodite, do amor;
Ártemis, da caça; e Héstia, deusa dos lares. Existiam outras divindades, como Eros, deus do
amor, e entidades mitológicas, como faunos, ninfas e musas. Também se destacavam heróis
humanos, como Odisseu (o Ulisses da Ilíada e da Odisseia), e semideuses, filhos de um deus,
ou deusa, com um ser humano. Um dos mais conhecidos era Heracles (ou Hércules), filho de
Zeus e da mortal Alcmena.

25
O império de Alexandre

Em seus primeiros anos de reinado Alexandre enfrentou levantes na Grécia contra o


domínio macedônio.
Pacificado o território grego, o jovem rei decidiu atacar o Império Persa, governado por Dario
III. Para isso, reuniu um exército de 30 mil soldados e 5 mil cavaleiros. Contando com uma
poderosa arma de guerra, a sarissa, lança de madeira pontiaguda com seis metros de
comprimento, Alexandre partiu em direção ao Oriente na primavera de 334 a.C.
Ao desembarcarem na Ásia Menor, as tropas de Alexandre derrotaram o exército persa junto
ao rio Granico (na atual Turquia). Posteriormente conquistaram a Síria, a Fenícia e a Palestina,
que também estavam nas mãos de Dario III.
A última possessão persa no Mediterrâneo era o Egito. Recebido como libertador, Alexandre
foi adorado pelos egípcios como encarnação do deus Amon e aclamado sucessor dos faraós. No
delta do rio Nilo, o jovem rei fundou, em 332 a.C., a cidade de Alexandria, que viria a ser a mais
importante de todo o Mediterrâneo antes da ascensão de Roma A conquista da Pérsia
Alexandre, contudo, queria conquistar todo o Império Persa. Para isso, seguiu em direção à
Mesopotâmia, onde venceu o exército de Dario III em 331 a.C. Com a vitória, foi aclamado Rei
dos Reis e rumou em direção ao Oriente, alcançando o rio Indo, na índia, em 326 a.C.
De volta à Mesopotâmia, morreu de uma febre desconhecida em junho de 323 a.C., aos 32
anos de idade. Por seus feitos militares, passaria à posteridade como Alexandre, o Grande, ou
ainda Alexandre Magno.
Sem deixar herdeiros para o trono, já que não teve filhos, sua morte desestabilizou o império,
levando seus generais a uma sangrenta disputa pelo poder. O império foi então dividido em três
grandes reinos, cabendo cada um deles a um dos generais de Alexandre: o Egito passou para as
mãos do general Ptolomeu; o reino da Macedônia e da Grécia ficou sob o domínio do general
Cassandro; e a Síria, que incluía as regiões orientais do antigo império alexandrino e áreas da
Ásia Menor, foi entregue ao general Seleuco.

Esses reinos sobreviveram por mais de um século graças a laços de língua, comércio e
cultura. No entanto, lutas internas e o aumento da pobreza enfraqueceram pouco a pouco esses
laços. Ao mesmo tempo, uma nova potência surgia no Mediterrâneo, ameaçando em sua
expansão esses territórios. Era Roma, que, em 148 a.C., dominou a Macedônia e, dois anos mais
tarde, conquistou a Grécia, anexando-a a seus domínios. Um novo império estava nascendo.

26
REFERÊNCIAS

A AURORA da humanidade. Rio de Janeiro: Time-Life/ Abril Coleções, 1996. A ELEVAÇÃO do


espírito. Rio de Janeiro: Time Life/Abril Coleções, 1995.

A ERA dos reis divinos. Rio de Janeiro: Time Life/Abril Coleções, 1995. ALMANAQUE Abril
2003 — CD-ROM. São Paulo: Abril, 2003.

ATLANTE elementare De Agostini. Novara: Instituto Geográfico De Agostini, 1998.

ATLAS da história do mundo. São Paulo: Publifolha, 1995.

ATLAS mundial Melhoramentos. São Paulo: Melhoramentos, 1999.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.

BARSA — CD 2.0. São Paulo: Barsa Planeta Internacional, 2000. BÍBLIA sagrada. São Paulo:
Claretiana, 1980.

BOWKER, John. Para entender as religiões. São Paulo: Ática, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Sociedades do antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 1986.

CASELLI, Giovanni. As primeiras civilizações. São Paulo: Melhoramentos, 2000.

CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 1994.

CHILDE, Gordon. O que aconteceu na História. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.

A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1996.

DRUMMOND, Carlos. Viagem à grande China. São Paulo: Scritta, 1994. ESCOBAR, Pepe. 21
— O século da Ásia. São Paulo: Iluminuras, 1997.

FERREIRA, Olavo Leonel. Mesopotâmia: o amanhecer da civilização. São Paulo: Moderna,


1993.

GUIRAND, Felix. Mitologia general. Barcelona: Labor, 1965.

HAESBAERT, Rogério. China: entre o Oriente e o Ocidente. São Paulo: Ática, 1994.

IMPÉRIOS em ascensão. Rio de Janeiro: Time-Life/Abril Coleções, 1995.

JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

KAN, Lai Po. Os chineses. São Paulo: Melhoramentos, 1991.

KEEGAN, John. Uma história da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.

MAN, John. A história do alfabeto. Rio de Janeiro: Ediouro,2002.

MARÉS bárbaras. Rio de Janeiro: Time-Life/Abril Coleções, 1995.

27
APRESENTAÇÃO

DIDÁTICA DA HISTÓRIA

Conceito

História é um componente curricular obrigatórios no ensino fundamental e médio, porém,


nem sempre desenvolvido de modo adequado, considerando sua importância para a formação
dos indivíduos e de modo que possibilitem a construção de conhecimentos significativos. Essas
áreas do conhecimento tem muito a contribuir para a formação dos indivíduos, pois elas permitem
compreender as transformações socioeconômicas, políticas e culturais vivenciadas, desenvolver
valores, construir identidades, e ressaltar a importância de conceitos de tempo e espaço.
Dessa forma, a disciplina Didática da História busca demonstrar ao futuro professor os
principais conceitos de História, compreender os fundamentos teórico-metodológicos de seu
ensino e desenvolver habilidades relacionadas a essas áreas do conhecimento, buscando
fundamentar uma ação pedagógica reflexiva e transformadora.

Objeto

O estudo da disciplina Didática da História busca oferecer subsídios ao aluno para um bom
desempenho da prática de ensino da historia em sala de aula, através de temas e assuntos
contemplados pelo estudo da didática enquanto disciplina que oferece uma sólida base para a
formação do professor, mas, sobretudo, como disciplina integradora de diversos saberes.

Objetivos

 Conhecer o objeto de estudo da historia compreendendo a importância destas disciplinas


no contexto escolar e social.
 Adquirir conhecimentos sobre a didática aplicada as disciplinas de historia
contextualizando com a realidade do aluno.
 Conhecer propostas práticas para o ensino de História.

28
Capítulo 1
O QUE É HISTÓRIA

História é uma palavra com origem no antigo termo grego "historie", que significa
"conhecimento através da investigação". A História é uma ciência que investiga o passado da
humanidade e o seu processo de evolução, tendo como referência um lugar, uma época, um
povo ou um indivíduo específico.
Através do estudo histórico, obtém-se um conjunto de informações sobre processos e
fatos ocorridos no passado que contribuem para a compreensão do presente. A história pode
relatar a evolução não só de uma comunidade, mas também de eventos ou organizações de
diversos tipos. A história do futebol, por exemplo, conta os acontecimentos mais importantes
desse esporte, desde a sua criação até os dias de hoje.
Em sentido amplo, é tudo o que se refere ao desenvolvimento das comunidades humanas,
assim como os acontecimentos, fatos ou manifestações da atividade humana no passado, por
exemplo: História do Brasil.
História é o conjunto dos acontecimentos referidos pelos historiadores. O historiador grego
Heródoto é considerado o "pai da História". A ele são atribuídas as primeiras pesquisas sobre o
passado do homem, tornando-se pioneiro não só no estudo da história, como também da
antropologia e etnografia.

DIMENSAO HISTORICA DA DISCIPLINA


Para o ensino de História na Educação Básica, busca-se suscitar reflexões a respeito de
aspectos políticos, econômicos, culturais, sociais, e das relações entre o ensino da disciplina com
a produção do conhecimento histórico.
Ao revisitar o ensino de História no período da década de 1970 aos dias atuais, pretende-
se analisar também as principais características do currículo da disciplina, suas permanências,
mudanças, rupturas e a inserção da produção historiográfica nas práticas escolares, a fim de
definir diretrizes que orientem a organização do currículo para o Ensino Fundamental e Médio na
rede pública.
Na década de 1970, o ensino de História era predominantemente tradicional, fosse pela
valorização de alguns personagens como sujeitos da História e de sua atuação em fatos políticos,
fosse pela abordagem dos conteúdos históricos de forma factual e linear. A prática do professor
era marcada pelas aulas expositivas, a partir das quais cabia aos alunos a memorização e
repetição do que era ensinado como verdade. As origens dessas práticas no ensino de História
remetiam ao período imperial, quando a disciplina se tornou parte do currículo escolar.

29
A História como disciplina escolar passou a ser obrigatória, com a criação do Colégio D.
Pedro II, em 1837. No mesmo ano, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
que instituiu a História como disciplina acadêmica. Cabe destacar que os professores desse
Colégio, em maioria, faziam parte do IHGB. Esses intelectuais construíram os programas
escolares, os manuais didáticos e as orientações dos conteúdos que seriam ensinados.
Essas produções foram elaboradas sob influência da Escola Metódica e do Positivismo,
caracterizadas, em linhas gerais, pela História política, orientada pela linearidade dos fatos, pelo
uso restrito dos documentos oficiais como fonte e verdade histórica e, por fim, pela valorização
dos heróis.
A narrativa histórica produzida justificava o modelo de nação brasileira, vista como
extensão da História da Europa Ocidental. Propunha uma nacionalidade expressa na síntese das
raças branca, índia e negra, com o predomínio da ideologia do branqueamento. Nesse modelo
conservador de sociedade, o currículo oficial de História tinha como objetivo contribuir para
legitimar os valores aristocráticos, no qual o processo histórico conduzido por líderes excluía a
possibilidade das pessoas comuns serem entendidas como sujeitos históricos.
O modelo de ensino de História foi mantido no início da República (1889) e o Colégio D.
Pedro II continuava a ter o papel de referência para a organização educacional brasileira. Em
1901, o corpo docente alterou o currículo do Colégio e propôs que a História do Brasil passasse a
compor a cadeira de História Universal. Nessa nova configuração, o conteúdo de História do
Brasil ficou relegado a um espaço restrito do currículo, que, devido à sua extensão, dificilmente
era tratado pelos professores nas aulas de História.
O retorno da História do Brasil nos currículos escolares deu-se apenas no governo de
Getúlio Vargas, vinculado ao projeto político nacionalista do Estado Novo, por meio da Lei
Orgânica do Ensino Secundário de 1942. Cabe destacar que o acesso a essa etapa da
escolaridade era restrito à elite que se preparava para conduzir o povo, o que contribuía para
legitimar o projeto nacionalista. O ensino de História se ocupava em reforçar o caráter moral e
cívico dos conteúdos escolares.
O ensino de História foi marcado pelos debates teóricos sobre a inclusão dos Estudos
Sociais na escola desde o início da década de 1930. As experiências norte americanas na
organização da disciplina de Estudos Sociais passaram a fazer parte dos debates educacionais
por meio da Escola Nova. Para dar viabilidade à sua implementação, Anísio Teixeira (1900-1971),
um dos intelectuais desse movimento e à frente da Diretoria da Instrução Pública do Distrito
Federal, publicou uma proposta de Estudos Sociais para a escola elementar, em 1934,
denominada Programa de Ciências Sociais, com vistas à inserção desta disciplina nos currículos
escolares.
Na década de 1950, em continuidade a essas propostas, foi instituído o Programa de
Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (Pabaee), resultado do convênio entre os

30
governos federal, de Minas Gerais e norte-americano, para instituir o ensino de Estudos Sociais.
A proposta se efetivava com investimentos na formação dos professores da Escola Normal
Primária, na produção de materiais didáticos e na publicação dos trabalhos desenvolvidos nas
escolas primárias de Minas Gerais. Essas experiências serviram como referência para a posterior
instituição dos Estudos Sociais no Ensino de Primeiro Grau, por força da Lei n. 5.692, de 1971.
Durante o regime militar, a partir de 1964, o ensino de História manteve seu caráter
estritamente político, pautado no estudo de fontes oficiais e narrado apenas do ponto de vista
factual. Mantiveram-se os grandes heróis como sujeitos da História narrada, exemplos a serem
seguidos e não contestados pelas novas gerações. Modelo da ordem estabelecida, de uma
sociedade hierarquizada e nacionalista, o ensino não tinha espaço para análise crítica e
interpretações dos fatos, mas objetivava formar indivíduos que aceitassem e valorizassem a
organização da Pátria. O Estado figurava como o principal sujeito histórico, responsável pelos
grandes feitos da nação, exemplificado nas obras dos governantes e das elites condutoras do
país.
A partir da Lei n. 5692/71, o Estado organizou o Primeiro Grau de oito anos e o Segundo
Grau profissionalizante. O ensino centrou-se numa formação tecnicista, voltada à preparação de
mão-de-obra para o mercado de trabalho. Em decorrência dessa ênfase no currículo, as
disciplinas da área de ciências humanas passaram a ser tratadas de modo pragmático, na medida
em que assumiam o papel de legitimar, por meio da escola, o modelo de nação vigente junto às
novas gerações. No entanto, na configuração curricular definida pelo regime militar, as disciplinas
da área de ciências humanas perderam espaço nos currículos.
No Primeiro Grau, as disciplinas de História e Geografia foram condensadas como área de
Estudos Sociais, dividindo ainda a carga horária com o ensino de Educação Moral e Cívica
(EMC). No Segundo Grau, a carga horária de História foi reduzida e a disciplina de Organização
Social e Política Brasileira (OSPB) passou a compor o currículo. O esvaziamento da disciplina
deu-se também devido à proliferação de cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, que
abreviavam e tornavam polivalente a formação inicial, seguida da simplificação de conteúdos
científicos.
O ensino de História tinha como prioridade ajustar o aluno ao cumprimento dos seus
deveres patrióticos e privilegiava noções e conceitos básicos para adaptá-lo à realidade. A
História continuava tratada de modo linear, cronológica e harmônica, conduzida pelos heróis em
busca de um ideal de progresso de nação. Cabia ao aluno, assim como ao cidadão, deixar-se
conduzir nessa corrente inexorável rumo ao futuro.
O ensino de Estudos Sociais foi radicalmente contestado no início dos anos 1980, tanto
pela academia quanto pela sociedade organizada, sobretudo pela Associação Nacional dos
Professores Universitários de História (ANPUH). Esses defendiam o retorno da disciplina de

31
História como condição para que houvesse maior aproximação entre a investigação histórica e o
universo da sala de aula.
Apesar do avanço das propostas naquele contexto histórico, os documentos apresentaram
limitações, principalmente devido à definição de uma listagem de conteúdos que se contrapunha,
em vários aspectos, à proposta apresentada nos pressupostos teóricos e metodológicos.
Para o Primeiro Grau, o conteúdo foi dividido em dois blocos distintos: História do Brasil e
História Geral. A História da América Latina apareciam como estudos de caso, descolados dos
grandes blocos de conteúdos. Eram apresentados com pouca relevância nos contextos
estudados. Essa forma de organização curricular demonstrava a dificuldade da proposta em
romper a visão eurocêntrica da história.
Exemplo disso foi o uso de termos como comunidades primitivas para designar os grupos
indígenas, o que desconsiderava a abordagem antropológica da diversidade cultural e do
processo histórico dessas comunidades.
No encaminhamento metodológico, o Currículo Básico indicou o trabalho didático com
outras linguagens da História, sem tecer orientações para sua realização; indicou a importância
do trabalho com os conteúdos significativos, mas não os esclareceu adequadamente nem os
relacionou de modo efetivo aos conteúdos propostos. Por fim, tendeu a uma supervalorização dos
conteúdos em detrimento dos temas, subtemas que tinham como orientações as formações
sociais do processo histórico.
Apesar de apresentarem referências de autores da história cultural, os documentos
curriculares para o Primeiro e Segundo Graus não superaram a História linear e cronológica
porque houve um exagero na abordagem político-econômica da História, o que dificultava a
inserção de uma perspectiva cultural no tratamento dos conteúdos.
Durante as reformas educacionais da década de 1990, o Ministério da Educação divulgou,
entre os anos de 1997 e 1999, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
e Médio. Em consonância com as propostas das Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, os
parâmetros organizaram o currículo por áreas do conhecimento. Faziam parte das Ciências
Humanas e suas tecnologias as seguintes disciplinas: Geografia, Sociologia, Filosofia e História.
No Ensino Fundamental, os PCN apresentaram as disciplinas como áreas do conhecimento, a
História foi mantida em sua especificidade, integrada às demais pelos chamados Temas
Transversais.
As escolas estaduais que ofertavam o Ensino de Segundo Grau foram orientadas, a partir
de 1998 pela SEED, a elaborar propostas curriculares de acordo com esses referenciais. Na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), os PCN foram implementados no Ensino Fundamental e
Médio a partir de sua apropriação na proposta curricular para essa modalidade.
O reconhecimento dos novos cursos de Ensino Médio foi vinculado à construção de
bibliotecas e laboratórios de informática, para os quais a escola apenas receberia recursos do

32
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PROEM) se o aderisse e elaborasse sua
proposta de acordo com os PCN. Esses referenciais foram implementados também por outros
meios, tais como o PNLD, a TV Escola, PCN em Ação, PCN +, projetos interdisciplinares e
publicações periódicas elaboradas pelo MEC e incentivadas por meio dos programas de formação
continuada promovidos pela SEED desde o final da década de 1990.
Essa conjuntura teve implicações no currículo de história na medida em que os PCN têm
como preocupação formar cidadãos preparados para exigências científico tecnológicas da
sociedade contemporânea, pois estas são necessárias à preparação do indivíduo frente às
aceleradas mudanças sociais. Os conteúdos se tornaram, assim, meios para a aquisição de
competências e habilidades.
Nos PCN, a disciplina de História foi apresentada de forma pragmática, com a função de
resolver problemas imediatos e próximos ao aluno. Ressaltou-se a relação que o conhecimento
deve ter com a vivência do educando, sobretudo no contexto do trabalho e do exercício da
cidadania. Essa perspectiva abriu espaço para uma visão presentista da História porque não se
ocupava em contextualizar os períodos históricos estudados. Além disso, muitos conceitos foram
preteridos em nome da aquisição de competências.
Apesar dos PCN proporem uma valorização do ensino humanístico, a preocupação maior
era de preparar o indivíduo para o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e tecnológico,
principalmente no Ensino Médio. Para atender a essa demanda do mercado, a área de Ciências
Humanas perdeu espaço no currículo.
Não se pode negar que os PCN apresentaram inovações para o ensino de História. No
documento do Ensino Fundamental traziam um histórico da disciplina no Brasil. A historiografia
sugerida era atualizada e procurou aproximar o ensino da pesquisa em História de modo a
superar o ensino tradicional. Novas temporalidades, novos objetos, novas perspectivas, novas
metodologias presentes na discussão acadêmica foram incorporadas ao documento, tais como:
tempo, memória, fontes históricas, patrimônio histórico, bem como o incentivo à pesquisa e a
diversificação de metodologias de ensino.
Entretanto, com base em conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais, a
organização dos PCN privilegiou uma abordagem psicológica e sociológica dos conteúdos no
Ensino Fundamental, e minimizou a abordagem do objeto de estudos da disciplina de História e
do pensamento crítico.

33
Capítulo 2
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Na concepção de História explicitada nestas Diretrizes as verdades prontas e definitivas


não têm lugar, porque necessariamente o trabalho pedagógico na disciplina deve dialogar com
várias vertentes tanto quanto deve recusar o ensino de História marcado pelo dogmatismo e pela
ortodoxia.
Do mesmo modo, recusam-se as produções historiográficas que afirmam não existir
objetividade possível em História, e consideram todas as afirmativas igualmente válidas. Destaca-
se que os consensos mínimos construídos no debate entre as vertentes teóricas não expressam
meras opiniões, mas implicam fundamentos do conhecimento histórico que se tornam referenciais
nestas Diretrizes.
A História tem como objeto de estudo os processos históricos relativos às ações e às
relações humanas praticadas no tempo, bem como a respectiva significação atribuída pelos
sujeitos, tendo ou não consciência dessas ações. As relações humanas produzidas por essas
ações podem ser definidas como estruturas sócio-históricas, ou seja, são as formas de agir, de
pensar ou de raciocinar, de representar, de imaginar, de instituir, portanto, de se relacionar social,
cultural e politicamente.
As relações humanas determinam os limites e as possibilidades das ações dos sujeitos de
modo a demarcar como estes podem transformar constantemente as estruturas sócio-históricas.
Mesmo condicionadas, as ações dos sujeitos permitem espaços para escolhas e projetos de
futuro. Como objeto de estudo, portanto, deve-se considerar também as relações dos seres
humanos com os fenômenos naturais, tais como as condições geográficas, físicas e biológicas de
uma determinada época e local, que também se conformam a partir das ações humanas.
Segundo o historiador Christopher Lloyd (1995), os processos históricos estão articulados
em determinadas relações causais. Os acontecimentos construídos pelas ações e sentidos
humanos, em determinado local e tempo, produzem relações humanas, que ensejam um espaço
de atividade relativo aos acontecimentos históricos. Isso ocorre de forma não-linear, em ações
humanas que produzem outras relações, as quais também constroem novas ações. Assim,
A produção do conhecimento, pelo historiador, requer um método específico, baseado na
explicação e interpretação de fatos do passado. Construída a partir dos documentos e da
experiência do historiador, a problematização produz uma narrativa histórica que tem como
desafio contemplar a diversidade das experiências sociais, culturais e políticas dos sujeitos e suas
relações.
Fenômenos, processos, acontecimentos, relações ou sujeitos podem ser

34
analisados a partir do conhecimento histórico construído. Ao confrontar ou comparar documentos
entre si e com o contexto social e teórico que os constituíram, a produção do conhecimento
propicia validar, refutar ou complementar a produção historiográfica existente. Como resultado,
pode ainda contribuir para rever teorias, metodologias e técnicas na abordagem do objeto de
estudo historiográfico.
A finalidade da História é expressa na produção do conhecimento, que é
provisório, sob a consciência histórica dos sujeitos. Provisoriedade não significa relativismo
teórico, mas que existem várias explicações e/ou interpretações para um mesmo fato. Algumas
são mais válidas historiograficamente, de modo que são constituídas pelo estado atual da ciência
histórica em relação ao seu objeto e a seu método. De fato, o conhecimento histórico possui
formas diferentes de explicar seu objeto de investigação, a partir das experiências dos sujeitos.
Na virada do século XX para o XXI, passou a se verificar um conflito entre as diferentes
correntes historiográficas. Entretanto, esse quadro não caracteriza uma ruptura de paradigmas
inconciliáveis, mas novas configurações e construções que se expressam em contrapontos e
consensos.
É o caso das correntes historiográficas que fundamentam estas Diretrizes
Curriculares, as quais não são estanques, mas dialogam entre si. São elas: a Nova História
Cultural, que inclui alguns historiadores da Nova História e a Nova Esquerda Inglesa, a
partir de sua matriz materialista histórico-dialética.

Capítulo 3
O QUE SE ENSINA E O QUE SE APRENDE EM HISTÓRIA

“A História não é uma disciplina a parte; é uma maneira de pensar todos os problemas
humanos”.
(Vitorino Magalhães Godinho).

E se não ensinássemos história? O que aconteceria? E se substituíssemos a disciplina de


história por outra? Quais os problemas que isto acarretaria na formação de nossos alunos? Quais
conteúdos que a disciplina história ensina que deixariam de ser ensinados? Isto traria algum
prejuízo para as crianças e para os futuros adultos? Enfim, para que serve o ensino de História?
Qual a importância do
seu estudo?
Segundo Gaddis (1998, p.26) O estudo do passado não é um guia seguro para predizer o
futuro. Poderíamos dizer que o conhecimento do passado nos prepara para o futuro, expandindo

35
nossa experiência, fazendo com que possamos aumentar nossas habilidades, nossa energia e se
tudo for bem, nossa sabedoria.
E como sabemos sobre o passado? O “cego” Faustino, personagem do romance “Viva o
povo Brasileiro” de João Ubaldo Ribeiro, fala sobre isto ao definir o que é a História:
Mas explicou o cego, a História não é só essa que está nos livros, até porque muitos dos
que escrevem livros mentem mais do que os que contam histórias de Troncoso. (...) Toda história
é falsa ou meio falsa, e cada geração que chega, resolve o que aconteceu antes dela, e assim a
História dos livros é tão inventada quanto a dos jornais, onde se lê peta de arrepiar os cabelos.
Poucos livros devem ser confiados, assim como poucas pessoas, é a mesma coisa.
Além disso, continuou o cego, a História feita por papéis deixa passar tudo aquilo que não
se botou no papel, e só se bota no papel o que interessa (...). Então toda História dos papéis é
por interesse de alguém. E tem mais, falou o cego, o que para um é preto como carvão, para
outro é alvo como jasmim. (“...) que para um é importante, para outro não existe. (RIBEIRO, 1984,
p.121).
Como então, pensando como o personagem do livro, nós, professores, ensinamos história
em sala de aula? Como este conhecimento que temos sobre o passado transforma-se em
conteúdos a serem ensinados e qual a importância destes conteúdos para a formação de nossos
alunos?
Segundo o historiador Winock,
A história (...) contribui, em primeiro lugar para entendermos o mundo presente. Como em
uma cidade coexistem através da arquitetura, das crenças, dos mitos e superstições do passado
e presente. A história ajudaria a decifrar esta paisagem. A História também ajudaria a entender
que além de tudo o que está gravado na pedra ou sepultado debaixo da terra as atitudes e os
comportamentos humanos perante a doença, o sofrimento, a morte, as idades da vida não são
eternos. Pertencem à temporalidade, têm um principio e um fim. A história é a arte de aprender
que o que é nem sempre foi, que o que não existe pôde alguma vez existir; que o novo não o é
forçosamente e que, ao contrário, o que consideramos por vezes eterno é muito recente. Esta
noção permite situarmo-nos no tempo, relativizar o acontecimento, descobrir as linhas de
continuidade e identificar as rupturas (WINOCK apud MATTOZZI, 1998, p.26).
A pergunta que podemos fazer é como tendo esta ideia do sentido de história podemos
ensinar história para crianças? Pensando que antes de qualquer coisa esta história precisa levar
em consideração que a criança é capaz de aprender história e pensar historicamente. Ensinar a
pensar historicamente significa desenvolver a capacidade de transitar de um modo de argumentar
para outro, de relacionar a experiência humana com a vida prática de cada um. Este pensar se
concretiza a partir da constituição da narrativa quando o indivíduo interpreta o passado seguindo
os princípios e regras da ciência da história (RUSEN, 2001).

36
Da mesma forma que o saber da história se interessa pelos grupos humanos, pelas
relações entre eles e pelo meio ambiente, o ensino da história precisa se relacionar com os
sujeitos que aprendem começando pela tarefa de ensinar aos alunos a sua história e seu papel
enquanto sujeitos históricos. Para esta tarefa podemos aproveitar os livros didáticos para o
segundo ano do ensino fundamental,
que se dedicam em sua maioria a estudar a vida da criança e seu entorno.
Vejamos um exemplo de atividade que podemos realizar utilizando esta perspectiva.

A história no olhar da s crianças


A história que a criança consegue contar: A história nos depoimentos Depoimento das
crianças sobre suas histórias: que história é essa que a gente carrega e transporta junto com a
nossa vida?
A história que a criança consegue ver: A história na fotografia A criança traz para escola fotos
de sua trajetória no tempo começando a perceber que a história é esta experiência. Por que
escolhi estes registros e não outros?
A história que a criança consegue ler: A história nos documentos escritos A criança traz para
escola documentos escritos sobre sua vida, certidão de nascimento, carteira de vacinação,
Ao final da atividade a criança ao pensar sobre sua vida pode perceber que produziu uma história
compondo documentos, informações e memórias, transformando as lembranças e relíquias
pessoais em documentos históricos que podem contar histórias de pessoas e de lugares. Assim
consegue entender como o historiador seleciona os documentos para compor uma história.
Adaptado de SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BRAGA, Tânia. Recriando
histórias de Araucária. Universidade Federal do Paraná, 2008.

A seleção de conteúdos escolares pressupõe por parte de professores, manuais


curriculares e livros didáticos uma determinada concepção de história. As definições de
conteúdos históricos escolares envolvem também as demandas relacionadas aos poderes
constituídos, nesse sentido definir o que se ensina na disciplina de história caracteriza-se antes
de qualquer coisa por disputas em torno da memória e constituição da nação e de seus sujeitos.
Cada sociedade marca e reproduz passados ancorados na história que os contam. Todas as
culturas necessitam de um passado, mas nem sempre este passado é aquele referendado pela
investigação histórica.
O que ensinamos de história na escola é parte dos conhecimentos historiográficos
produzidos pelos historiadores e ainda uma parte destes conhecimentos é aquele que está nos
programas de cursos e currículos para as disciplinas e também nos livros didáticos.
O fato de termos que selecionar conteúdos e fazermos escolhas sobre o que ensinar no
ensino de história nos remete a uma questão importante: Tudo é História? Como converter esta

37
imensidão de possibilidades em escolhas? Segundo Eric Hobsbawm (1998, p.71), “todo estudo
histórico, portanto, implica uma seleção minúscula, de algumas coisas da infinidade de atividades
humanas do passado, e aquilo que afetou essas atividades. Mas não há nenhum critério geral
aceito para se fazer tal seleção”.
Selecionar conteúdos é uma tarefa difícil. Como o professor das séries iniciais que trabalha
com todos os conteúdos consegue selecionar matérias para todas as séries? No caso do ensino
de história, o livro didático auxilia na seleção de conteúdos e de procedimentos didáticos,
ajudando a entender como se processa o conhecimento na área de história dialogando através do
manual do professor. Uma
tarefa importante é entender como os livros didáticos selecionam os conteúdos. Qual a história do
ensino de história? Os conteúdos ensinados sempre foram os mesmos?

Capítulo 4
DEMANDAS SOCIAIS, FORMAÇÃO DE CIDADÃOS E ENSINO DE

HISTÓRIA
Décio Gatti Júnior

Nós, professores de História, que lidamos cotidianamente com o ensino dessa disciplina
nas mais diversas escolas brasileiras, pudemos perceber mudanças nas orientações e nas
determinações curriculares do conteúdo a ser trabalhado em sala de aula, sobretudo, a partir da
aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996 (BRASIL, 1996).

Porém, as mudanças no ensino escolar de História não resultam exclusivamente de


alterações legais e governamentais, mas sim, respondem, fundamentalmente, às pressões
exercidas pelo movimento de docentes de História que, após o término do período da Ditadura
Militar, em 1985, fomentou alterações nos programas de ensino e nos livros didáticos de História.
Nessa direção, podemos perceber alterações em nossas práticas e nas de um bom
número de colegas que buscaram levar seus alunos à compreensão da forma de produção e de
disseminação do conhecimento histórico, com abordagem de novos temas nas salas de aula, tais
como o da história dos indígenas e dos afrodescendentes, da história da mulher e da criança,
entre outras inovações.
Além dessas novidades temáticas, ocupa lugar central, no ensino de História, a
compreensão e a preparação para o exercício da cidadania, em torno do que se articulam
temáticas presentes na disciplina na atualidade, tais como a do respeito à diversidade de
comportamentos culturais; a liberdade de afiliação e escolha política e religiosa; a compreensão

38
das desigualdades sociais; a situação da criança, da mulher, do idoso, dos negros e dos
indígenas na sociedade brasileira etc.
Tendo em vista que essas novidades na realidade do ensino de História no Brasil são
bastante perceptíveis para todos nós, perguntamos: Quais são os fundamentos históricos e
filosóficos vinculados à emergência desses novos temas e abordagens no ensino escolar da
História? Que práticas escolares podem ser sugeridas aos professores de História para o trabalho
com esses novos temas e conteúdos?
Tentativas de responder a estas duas questões estão presentes no texto que
apresentamos aos colegas neste capítulo, com a esperança de contribuirmos para seu
aperfeiçoamento profissional. Vamos lá!

1. A escola e suas finalidades em uma sociedade liberal


Historicamente, podemos perceber a importância da escola e de seu funcionamento na
conformação e no alcance de finalidades sociais mais amplas provenientes de diferentes grupos
sociais que disputam o poder político em uma dada sociedade. Contraditoriamente, é possível
também que enxerguemos momentos históricos em que a escola abrigou indivíduos que tiveram
papel ativo nos processos de mudança social, articulados em torno da defesa de ideias que se
opunham ao poder estabelecido.
A escola, como as demais instituições sociais, abriga indivíduos que estão vinculados a
grupos sociais que lutam por suas ideias e crenças e que, por vezes, utilizam-se do espaço
escolar para disseminar seus pontos de vista em relação à forma de viver em sociedade.
A partir dessas ideias iniciais, podemos tratar da emergência do liberalismo como doutrina
política que desde meados do século XVII, a partir, sobretudo, das ideias de Jhon Locke,
alimentava o ideário burguês de então, em articulação com o movimento que tomaria corpo mais
a frente, nomeadamente, o Iluminismo.

Liberalismo
Termo datado de 1858 e que se constituiu como uma “doutrina cujas origens remontam ao
pensamento de John Locke (1632-1704), baseada na defesa intransigente da liberdade individual,
nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra ingerências excessivas e atitudes
coercitivas do poder estatal” (Dicionário Houaiss, 2007).
Ao longo do tempo, destacaram-se nessa corrente de pensamento: Adam Smith, David Ricardo,
Voltaire, Montesquieu, Friedrich Hayek, Milton Friedman, entre outros.

Iluminismo
Termo datado de 1836, Iluminismo, em Filosofia, refere-se ao movimento intelectual do Século
XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento

39
filosófico, o que implica recusa ao dogmatismo, especialmente o das doutrinas políticas e
religiosas tradicionais (Dicionário Houaiss, 2007).
O expoente desse movimento filosófico foi Immanuel Kant, tendo contado com diversos outros
pensadores, tais como Voltaire, Diderot, Rousseau, Lessing etc.

Novas ideias, indústria, cidade e escola...


Estas doutrinas conjugadas, Liberalismo e Iluminismo, alinharam-se ao processo de
consolidação dos Estados Nacionais, o que se somaram as ações relacionadas à urbanização, à
industrialização e ao cientificismo, formatando o que se convencionou chamar de Modernidade no
seio da sociedade contemporânea.
A essas ações, somaram-se, em mesmo nível de importância, as iniciativas de
escolarização dos saberes, com introdução da temática da formação de cidadãos, que exerceu
grande influência sobre os conteúdos explícitos disseminados no interior das escolas que, a partir
dos séculos XVIII e XIX, em sua maioria, passariam a ser públicas e estatais, em substituição à
proeminência das iniciativas religiosas, em especial, católicas e protestantes.
Assim, de meados do século XIX ao início do século XX, as disciplinas escolares da área
das Humanidades e, em especial, as disciplinas de História e de Geografia, ocuparam papel
relevante no processo de instrução elementar e secundária, com ênfase na necessidade de
instituir em crianças e jovens uma mentalidade de pertencimento a uma nação coesa em termos
de identidade e em
termos espaciais.

2. Estado liberal, cidadania e finalidades educacionais no brasil atual


Na atualidade, vivemos, no Brasil, um processo de difícil construção democrática, com
consequência para o ensino de História, pois, dado que a finalidade desse ensino não é mais o de
disseminar de modo pouco crítico um ideário patriótico e conformista, houve necessidade de
inovar o ensino da disciplina, em termos de conteúdo e de métodos de ensino. Nessa parte do
capítulo, convidamos os colegas professores a percorrerem as finalidades sociais mais amplas
que têm conformado o ensino de História no Brasil atual.
É inegável que o Estado brasileiro, após o fim da Ditadura Militar, em 1985, teve novas
lideranças políticas, muitas provenientes de importantes movimentos sociais, dos trabalhadores,
das mulheres, das etnias etc. que se destacaram no empreendimento da reconstrução do país
nos marcos das doutrinas liberais, sem direcionamento consistente contrário ao liberalismo como
doutrina política e ao capitalismo como forma de produção econômica.
Desse modo, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988,
adotou princípios liberais, tais como aqueles que prezam a liberdade de opinião e de ação, com a

40
manutenção pelos indivíduos associados de espírito aberto, tolerante, distanciados dos
autoritarismos, das ortodoxias ou das formas tradicionais de pensar ou de agir.
No Brasil, das duas últimas décadas, teve centralidade na política nacional o ideário do
liberalismo social, que parte do princípio de que inexistem oportunidades econômicas e
educacionais iguais para os diferentes indivíduos e grupos que vivem em sociedade, o que
dificulta, senão mesmo impede, o desenvolvimento humano,
sendo que os a adeptos do liberalismo social combinam a defesa intransigente dos direitos
humanos e civis, com a defesa de uma economia na qual o Estado desempenhe um papel de
regulação, por meio da definição de marcos reguladores estáveis que asseguram direitos sociais
fundamentais à totalidade da população.

Liberalismo e cidadania: articulações necessárias


A ideia de cidadania, nesse sentido, é fundamental para a doutrina liberal em geral e para o
liberalismo social em particular. O termo cidadania, segundo consta do Dicionário Houaiss (2007),
é recente, datado de 1913, significando, em sua acepção jurídica, a “condição de pessoa que,
como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida
política”. Remonta, porém, ao termo cidadão (cidade + -ão) que, na Grécia antiga, significava o
indivíduo que desfrutava do direito de participar da vida política da cidade, o que era vedado à
mulher, ao estrangeiro e ao escravo e, na Roma antiga, o indivíduo nascido em território romano
e que gozava da condição de cidadania. Atualmente, o termo cidadão significa indivíduo que,
como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo mesmo Estado e
desempenha os deveres que, nesta condição, são atribuídos a ele ou ainda indivíduo que goza de
direitos constitucionais e respeita as liberdades democráticas.

O período da Ditadura Militar não permitiu que o Brasil desenvolvesse plenamente o


processo de construção de uma sociedade de direitos, de uma sociedade liberal, nem em termos
legais e, sobretudo, nem em termos reais. Mas o que é uma sociedade de direitos? Para
compreender essa expressão, é necessário retroceder ao final do século XVIII, quando ocorreram
a Independência dos Estados
Unidos da América (1776) e, sobretudo, com o advento da Revolução Francesa (1789).

É interessante notarmos que os marcos inauguradores da sociedade liberal consagrados pela


historiografia valorizam o processo de construção de uma sociedade de direitos, constitucional e
marcada pelo direito a liberdade, tal como podemos examinar na iconografia que representa a
inauguração dos Estados Unidos da América

41
A Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, movimentos que, em vários
aspectos, demonstraram na prática a possibilidade de rompimento com o chamado Antigo
Regime, uma verdadeira sociedade de ordens, na qual grassava a distinção social fortemente
ancorada em direitos de nascimento. Franco Cambi, ao tratar da contemporaneidade, aponta o
processo de construção de uma verdadeira sociedade liberal, uma sociedade de direitos, pois
[...] ao lado da industrialização e dos movimentos nas classes sociais que ela ativa, ao lado
da consciência de classe que ela veio a produzir, a contemporaneidade é também a época dos
direitos, do seu reconhecimento teórico e de sua firmação prática. São direitos do homem, do
cidadão, da criança, da mulher, do trabalhador, depois das etnias, das minorias, dos animais e da
natureza, num processo que desde 1789 se expande de modo concêntrico e não-linear [...], para
incluir aspectos cada vez mais amplos e também distantes do homem, para tutelar sua existência
e especificidade (CAMBI, 1999, p. 379).
Pelo mundo todo, podemos perceber que, ao longo do tempo, diferentes e ativos
movimentos sociais (de trabalhadores, de mulheres, de negros, de indígenas etc.) pressionaram
os governantes dos mais diversos países na direção de garantir o exercício de direitos
fundamentais, tais como o de participação política, de liberdade de expressão, de liberdade
religiosa etc.
Nessa direção, em período mais recente, o papel da Organização das Nações Unidas
(ONU) foi fundamental, sobretudo, com a aprovação, em 1948, de prerrogativas universais que
estabeleceram os direitos fundamentais da pessoa humana.

A importância da Organização das Nações Unidas em uma sociedade liberal de direitos


A Organização das Nações Unidas é uma instituição internacional formada por 192 Estados
soberanos, fundada após a 2ª Guerra Mundial, em 1946, para manter a paz e a segurança no
mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores padrões
de vida e direitos humanos. Os membros são unidos em torno da Carta da ONU, um tratado
internacional que enuncia os direitos
e deveres dos membros da comunidade internacional. As Nações Unidas são constituídas por
seis órgãos principais: a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e
Social, o Conselho de Tutela, o Tribunal Internacional de Justiça e o Secretariado.
Todos eles estão situados na sede da ONU, em Nova York, com exceção do Tribunal, que fica
em Haia, na Holanda.
Ligados à ONU há organismos especializados que trabalham em áreas tão diversas como saúde,
agricultura, aviação civil, meteorologia e trabalho – por exemplo: OMS (Organização Mundial da
Saúde), OIT (Organização Internacional do Trabalho), Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário
Internacional).
(Fonte: http://www.onu-brasil.org.br/conheca_onu.php)

42
O conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, atualiza e
complementa o conteúdo das declarações de direitos anteriores, dos Estados Unidos e da
França, com ênfase nos direitos individuais, tais como a eliminação da escravidão, da tortura,
bem como o direito à cidadania, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, de consciência, à
educação etc. Dela destacamos os seguintes artigos:

Artigo 1° – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados
de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Artigo 2° – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na
presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua,
de religião, de opinião política ou outra, de origem
nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será
feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do
território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou
território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. [...]
Artigo 21 – 1) Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do
seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2) Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu
país.
3) A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se
através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto
secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. [...]
Artigo 26 – 1) Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a
correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino
técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto
a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2) A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos
do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o
desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3) Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, contém princípios


fundamentais afetos ao proclamado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, tais

43
como, a adoção do caráter de Estado democrático de direito. Nessa direção, são fundamentos da
Constituição Brasileira a soberania,
a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político, com a defesa da ideia de que todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente (BRASIL, 1988, Art. 1º).
Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dispostos no Art. 3º da
Constituição Federal, incluem: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.

Brasil redemocratizado: a incorporação legal da Doutrina dos Direitos Humanos


“Constituição Cidadã”.
Foi desse modo que Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte,
designou a Constituição Brasileira aprovada em 1988. A designação demonstra o traço liberal que
marcou a nova constituição, sendo que a mesma incorporou de modo marcante o ideário da
Doutrina dos Direitos Humanos. É evidente que entre a legislação aprovada e a realidade
brasileira da época existia uma grande distância, o que, em boa medida, ainda constitui enorme
desafio para a sociedade brasileira.
[Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/foto/0,,15580468-EX,00.jpg]

A carta constitucional em vigor define também os direitos e garantias fundamentais,


tratando:
1) dos direitos e deveres individuais e coletivos;
2) dos direitos sociais, dentre os quais a educação;
3) da nacionalidade; dos direitos políticos;
4) dos partidos políticos (Título II). Quanto aos direitos sociais, o texto constitucional
afirma que são [...] direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988, Art. 6º). Sabemos, no entanto, das
enormes dificuldades enfrentadas para que esses objetivos sejam atingidos!
Marcas do liberalismo social, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da
educação vista como direito social são visíveis na formulação dada ao capítulo do texto
constitucional brasileiro que se refere à educação, no qual se pode ler que a educação é um
direito de todos e um dever do Estado e da família, com finalidade do pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,
1988, Art. 205), com necessidade de estabelecer igualdade de condições para o acesso e

44
permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino (BRASIL, 1988, Art. 206).
Nessa direção, o Estado tem o dever de garantir, entre outras coisas, o ensino fundamental
obrigatório e gratuito, a progressiva universalização do ensino médio gratuito; atendimento ao
educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (Art. 208).
Percebemos, desse modo, a importância que ganhou no Brasil que nossos alunos tenham
acesso aos livros didáticos que são utilizados nas diferentes disciplinas escolares, bem como a
importância deles conseguirem se locomover de casa para a escola e de, na escola, terem
acesso ao alimento que, por vezes, não têm em suas próprias residências. O cumprimento
desses requisitos legais tem colaborado sobremaneira para a diminuição das diferenças sociais
no que diz respeito à oferta educacional no país.
Quanto aos conteúdos de ensino, a Constituição em vigor, define que o Estado fixará
conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (BRASIL, 1988, Art.
210). Além disso, houve abertura para a existência do ensino religioso nos currículos escolares
das escolas brasileiras (estatais, confessionais e da sociedade civil), ainda que a matrícula nessa
disciplina seja facultativa (BRASIL, 1988, Art. 209).
Assim, o processo de reconstrução jurídica nos marcos da redemocratização do país após
o fim da ditadura militar, em 1985, demandou pelo menos dezessete anos (1985-2001) e ainda
permanece longe de termos superado as dificuldades e de atingir as ambições de
desenvolvimento humano apresentadas no texto constitucional de 1988.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, reitera pontos
fundamentais do texto constitucional quanto aos princípios e fins da educação nacional (BRASIL,
1996, Art. 2º e 3º), bem como quanto às garantias do Estado em relação à educação escolar
pública (BRASIL, 1996, Art. 4º.). É importante observar uma exigência do texto da LDBEN quanto
ao ensino de História
do Brasil e que será marcante na definição do marco que subsidia a composição do conteúdo
escolar e dos livros didáticos na área de História, a saber:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais
da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. […]

45
§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e
etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e
européia (BRASIL, 1996, Art. 26)

Portanto, as mudanças, que percebemos nos livros didáticos e nos programas de ensino
de História em todo Brasil, resultam das pressões dos movimentos sociais, especialmente, de
professores, sobre os legisladores e o governo, com resultados que significaram a entrada de
temas ausentes das aulas de História em passado recente.
Em consonância com a aprovação da LDBEN, são publicados, em 1997, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), documento fundamental para a definição dos conteúdos das
disciplinas escolares nas escolas, bem como na proposição de temas transversais a serem
desenvolvidos no interior das mesmas. Em 1998, a Câmera de Educação Básica (CEB) do
Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou resolução que instituiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNEF).
Sinteticamente, podemos perceber a incorporação de aspectos doutrinários do liberalismo
social, às prerrogativas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como à emergência
dos direitos sociais no conteúdo que se refere à política do livro didático escolar e mesmo da
literatura destinada aos professores das escolas públicas estatais, o que levará o Estado
brasileiro a empreender a avaliação dos livros didáticos, segundo uma lógica particular de
possibilitar a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas, evitando políticas autoritárias que
possam levar, por exemplo, a confecção pelo Estado de livros únicos, conforme a disciplina e a
orientação político-ideológica do governo estabelecido no poder.

3. Estado brasileiro, livro didático e currículo escolar


Em 2007, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) efetuou a compra
de 102,5 milhões de livros de alfabetização e das disciplinas de Português, Matemática, Ciências,
História e Geografia, que foram distribuídos aos 28,7 milhões de alunos das redes públicas do
Ensino Fundamental até o início do ano letivo, o que segundo informa o Fundo, beneficiará 15, 4
milhões de alunos das
quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e 13, 2 milhões de estudantes das quatro últimas
séries desse mesmo nível de ensino escolar (ABRELIVROS, 2007), o que totalizou gastos de
aquisição e distribuição de aproximadamente 540 milhões de reais.
De fato, o FNDE adquiriu mais de 120 milhões de livros das editoras brasileiras, por meio
de diversos programas (PNBE, PNBE-Braille, PNBE-Libras, PNLD, PNLD-Dicionários, PNLD-
Braille, PNLD-Libras, PNLEM, PNLEM-Braille, PNLD-Periódicos e PNLEMPeriódicos), com gasto
total na casa de 710 milhões de reais.

46
Desse modo, o esforço de ampliação dos processos de aquisição e distribuição de livros
pelo Estado brasileiro tem atendido as novas demandas oriundas dos textos legais do país, em
especial ao processo de inclusão social, que a educação vista como direito social comporta, por
meio do oferecimento de material didático-escolar (livros e dicionários) aos alunos que
frequentam as escolas públicas
estatais e por meio do atendimento de alunos e professores com necessidades especiais (livros
em braille e libras) em todo país.
Por outro lado, percebe-se uma série de iniciativas concretas do Estado brasileiro
redemocratizado em substituir os conteúdos vinculados à educação patriótica pela disseminação
de valores de estímulo a convivência social, ao respeito, à tolerância e à liberdade, no intuito da
formação de cidadãos que busquem uma sociedade justa e igualitária, o que se tem feito por
meio de:
• um processo de avaliação dos livros didático-escolares exercido pelo Estado brasileiro, com o
apoio de especialistas do mundo acadêmico e, mais recentemente, de professores dos sistemas
de ensino, que tem levado em conta a questão da formação/construção da cidadania, a
atualidade das metodologias de aprendizagem e a qualidade da construção do pensar
historicamente dos alunos;
• um processo de aquisição de livros didáticos para os alunos do Ensino Fundamental a partir das
escolhas dos próprios professores que recebem subsídios avaliativos em guias preparados pelo
governo federal;
• um processo de distribuição de livros didáticos aos alunos das escolas públicas estatais, em
parceria estabelecida entre o governo federal e os órgãos estaduais e municipais de educação de
todo país.
De modo geral, o governo federal afirma que “seja qual for a disciplina a que sirva, o livro
didático deve contribuir para a construção da ética necessária ao convívio social democrático, o
que o obriga ao respeito à liberdade e ao apego à tolerância” (BRASIL, 2002).
Define que os critérios avaliativos comuns e eliminatórios compreendem questões
relacionadas à:
1) correção dos conceitos e informações básicas;
2) a coerência e adequação metodológicas;
3) observância de preceitos legais;
4) a observância de preceitos éticos (também designado em alguns editais de contribuição
para a construção da cidadania) (BRASIL, 2005).

4. Explorando a temática da cidadania em sala de aula


O trabalho com a temática da cidadania em sala de aula é facilitado pela quantidade e pela
multiplicidade de situações que ocorrem cotidianamente na própria sala de aula e na escola e,

47
principalmente, na vida social em sentido mais amplo. Nessa direção, televisão, revistas e jornais
trazem para nós, professores, e para nossos alunos, informações de todos os lugares do mundo
que favorecem enormemente a entrada da temática da cidadania.
De modo geral, os autores de livros didáticos de História têm inserido esta temática, da
cidadania, permeando os diferentes conteúdos dos volumes que compõem as coleções didáticas,
bem como permeando os conteúdos dos capítulos que compõem os livros regionais. Assim,
usualmente, não se trata desse tema em
uma unidade específica, mas em diversos momentos, sendo que há abundância de atividades
propostas nos livros didáticos de História que os alunos recebem, mas, também, nos manuais
destinados exclusivamente aos professores.
Deste modo, sugerimos, primeiramente, que no planejamento do trabalho didático dos
professores de História, sejam observadas as sugestões de conteúdo e de atividades que podem
ser bem aproveitadas em sala de aula!
Porém, a seguir, tomamos a liberdade de fornecer aos colegas professores algumas
sugestões que possam ser objeto de trabalho pedagógico em sala de aula. Para tanto, partimos
dos direitos da criança que estão expostos em documento aprovado pelo Congresso Nacional,
em 1990, nomeadamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pois, na construção de
uma sociedade de direitos, vivenciado na época contemporânea, o conteúdo desse documento
revela um grande avanço, mas também demonstra a situação precária em que vivem muitas
crianças e adolescentes do país. Vamos lá!

4.1. Brincar, praticar esportes, divertir-se...


Nessa primeira atividade, partimos do princípio de que as crianças brasileiras têm
assegurados, em termos legais, o direito de brincar, praticar esportes e divertir-se. A escola, por
sua condição formadora, trata da temática do trabalho e, particularmente do trabalho infantil.
Assim, a atividade proposta parte de uma ação orientadora na qual nós professores
podemos sugerir aos alunos que manifestem as brincadeiras e os esportes que comumente
praticam, sendo que esse levantamento poderá ser demonstrado em formatos que julgarmos
mais adequados, tais como exposição em murais, com depoimentos dos alunos etc.
Além disso, podemos sugerir aos alunos que indaguem as pessoas com as quais residem,
pais, avós, tios etc. sobre as brincadeiras, os esportes praticados e as formas de diversão de
quando estes eram crianças, o que também poderá ser apresentado em sala de aula.
Por fim, sendo possível, pode-se procurar em jornais e revistas, crianças que por
contingências sociais e familiares não usufruem desses direitos fundamentais.
O objetivo dessa atividade é demonstrar a existência de direitos das crianças no Brasil, as
diferenças entre as ações humanas no passado e na atualidade, mas a permanência do fato de

48
que nem todas as crianças usufruem de direitos que estão assegurados em termos legais, o que
consiste em desafio para a sociedade brasileira.
A utilização de imagens e notícias de jornais e revistas poderão ajudar no desenvolvimento
das atividades sugeridas.

4.2. Moradia, alimentação, transporte, lazer público...


Outra atividade que podemos realizar em sala de aula refere-se à demonstração aos
alunos que as crianças e os adolescentes têm direito a uma moradia digna, a alimentar-se
corretamente, ao transporte de sua casa para a escola e ao lazer público.
Nessa direção, podemos formular questões para os alunos responderem em seus
cadernos, com exposição das respostas sendo lidas pelos alunos para seus colegas em sala de
aula, nas quais as perguntas tratem da forma como eles moram, alimentam-se, locomovem-se de
casa para a escola e sobre os lugares onde brincam e se divertem. Além disso, podemos sugerir
aos alunos que verifiquem como as demais pessoas da cidade vivem essas mesmas situações.
A partir das respostas dos alunos, podemos trabalhar com a ideia de que essas situações
de moradia, alimentação, transporte e lazer público são também direitos das crianças e dos
adolescentes, destacando os exemplos que possam revelar o atendimento e o não atendimento
desses direitos e refletindo sobre os desafios de sua cidade para sanar essas deficiências.

4.3. Prédio, material e merenda escolar...


Por fim, uma última sugestão de atividade que podemos desenvolver em sala de aula,
refere-se justamente ao direito de frequentar uma escola que apresente boas condições de
atendimento das necessidades dos alunos.
Nesse sentido, é um direito das crianças e dos adolescentes que tenham uma escola
aparelhada, com mobiliário e material escolar apropriado, bem como que a alimentação na escola
permita que frequentem as aulas com a tranquilidade necessária. Podemos solicitar aos alunos
que busquem informação sobre a situação das escolas que seus pais e parentes mais próximos
frequentaram quanto a estes itens, comparando com a situação da escola que os alunos
frequentam atualmente. O que melhorou? O que ainda precisa melhorar? Essas são questões
que podemos propor aos alunos, a partir do que trouxerem de resposta à pesquisa que fizeram.
Novamente, podemos utilizar imagens, recortes de jornais e de revistas, notícias
veiculadas na internet no desenvolvimento da atividade.

49
Capítulo 5
CONTEÚDOS ESTRUTURANTES

Conteúdos estruturantes são saberes, conhecimentos construídos historicamente e


considerados fundamentais para a compreensão do objeto e organização dos campos de estudos
de uma disciplina escolar. Deles derivam os conteúdos específicos que compõem o trabalho
pedagógico e a relação de ensino aprendizagem no cotidiano da escola. Eles devem ser
trabalhados de forma articulada entre si.

5.1 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES PARA O ENSINO FUNDAMENTAL


Na disciplina de História para o Ensino Fundamental, as dimensões da vida humana
constituem enfoques significativos para o conhecimento da História. Assim, os conteúdos
estruturantes para este nível de ensino são:
 a dimensão política;
 a dimensão econômico-social;
 a dimensão cultural.
Como afirma Barros, “uma dimensão implica um tipo de enfoque [...] ou algo que se
pretende ver em primeiro plano na observação de uma sociedade
historicamente localizada” (2004, p. 20). É importante ressaltar que tais dimensões visam à busca
de grandes sínteses. O aluno não pode ficar a mercê de compreender a História sob recortes com
sentido fechado em si, mas deve ser estimulado a compreender fenômenos de amplo efeito sobre
diferentes recortes sincrônicos, diacrônicos, permanências e continuidades, a partir de
movimentos de inter-relações, em que os conteúdos não sejam tomados de forma isolada, pois:

[...] apesar de falarmos freqüentemente em uma “História Econômica”, em uma


“História Política”, em uma “História Cultural”, e assim por diante, a verdade é
que não existem fatos que sejam exclusivamente econômicos, políticos ou culturais. Todas as
dimensões da realidade social interagem, ou rigorosamente
sequer existem como dimensões separadas. Mas o ser humano, em sua ânsia de [...]
compreender melhor o mundo, acaba sendo obrigado a proceder a recortes e a operações
simplificadoras, e é neste sentido que devem ser considerados os compartimentos que foram
criados pelos próprios historiadores para enquadrar os seus vários tipos de estudos históricos
(BARROS, 2004, p.15).

5.1.1 Dimensão política

50
O interesse pela dimensão política na História se mescla à própria história da ciência de
referência. Na Antigüidade greco-romana, já era visível tal preocupação. Estudiosos do passado
como Tucídides (470 a.C. – 395 a.C.), Políbio (200 a.C. – 118 a.C.), Cícero (106 a.C. – 43 a.C.),
Tito Lívio (64 a.C – 12 d.C.)3, entre outros, buscavam compreender sua época nos fatos políticos,
nas guerras, nos governos, nos Estados.
Nascia, assim, a História como “mestra da vida”, isto é, “ligada intimamente ao poder, essa
História pretendeu ser também memória. Coube-lhe. então, durante séculos, lembrar e ensinar
pelos exemplos reais e ilustres de que era a única depositária” (FALCON 1997, p. 63).
Na chamada Idade Média, a dimensão do político também se faz presente no estudo da
História, desta feita, apropriada principalmente pela Igreja Católica. Eclesiásticos e escribas leigos
a serviço da Igreja, escreveram textos hagiográficos (história de santos, narrativas sobre
translados, milagres, descoberta de relíquias etc), anais e crônicas, de modo que ressaltavam os
valores e idéias daquela instituição.
Política e poder se confundem. Na historiografia humanista e renascentista, estudos do
passado eram feitos sem muito apego às fontes, a serviço de famílias e/ou indivíduos poderosos,
em que se privilegiavam histórias de príncipes, dinastias e reinos. Exemplares neste período são,
entre outros, os escritos de Lorenzo Valla (1407–1457), Accolti (1415–1466) e Maquiavel (1469–
1527), este último, de grande importância para a ciência política.
Por sua vez, a historiografia do século XIX consolidou essa realidade em que o Estado era
sua expressão política. Um de seus representantes foi o alemão Leopold von Ranke (1795–1886).
Segundo ele, o historiador deveria reunir os fatos a partir dos documentos oficiais e registrá-los
passivamente. A partir destes fatos, a narrativa histórica organizar-se-ia e não caberia ao
historiador fazer julgamentos sobre o passado nem instruir seus contemporâneos.
A promoção do Estado-nação à condição de objeto da produção histórica significou o
triunfo da história política, em que o poder era o poder do Estado; os acontecimentos eram
sempre os fatos políticos, dignos de atenção dos historiadores.
No século XIX, a História era incorporada como disciplina escolar e trazia para a sala de
aula a tradição de uma historiografia metódica, também denominada positivista, baseada na
leitura de documentos oficiais/escritos, no estudo da pátria, dos “heróis”, na linearidade e na
seqüencialidade dos fatos, na compreensão das causas e conseqüências. Também a partir desta
tradição, passavam a compor o universo escolar as chamadas festas cívicas. Em última instância,
consolidava-se a
chamada História tradicional.
Segundo Barros (2004), o que autoriza classificar um estudo como História política é o
enfoque no poder, não apenas estatal mas, também, nos micropoderes presentes no cotidiano:
família, escola, fábricas, prisões, hospitais, hospícios etc. São perceptíveis as influências do

51
pensamento de Michel Foucault e outras contribuições teóricas que favorecem a releitura da
História política, como os escritos de Gramsci, Geertz, Bourdieu, entre outros.
Propõe-se uma nova forma de trabalhar a dimensão política. A partir de conceitos como
práticas, representações, hegemonia, entre outros, busca-se romper o ensino tradicional da
História, até então centrado nos chamados “grandes homens”, nas batalhas, tratados, datas etc.
Para tanto, ressalta-se a importância de inserir o sujeito comum na Históriaa partir do estudo de
espaços e de relações sociais pautadas pelas relações de poder.

5.1.2 Dimensão econômico-social


A dimensão econômico-social da História se faz presente, desde o início do século XX, em
estudos de Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), fundadores da Revista dos
Annales (1929). Influenciados pelo marxismo, esses autores procuraram desenvolver uma teoria
que superasse a visão essencialmente política da História, isto é, uma teoria que se opusesse à
História tradicional de base rankeana.
A partir dessas publicações, as pesquisas na área da História ganharam novo impulso.
Historiadores optaram por aproximar a História de outras áreas das ciências humanas como a
Sociologia, a Geografia, a Psicologia, a Economia, de modo a incorporar outras dimensões e
articular diversos aspectos da sociedade na análise do processo histórico.
Como conseqüência destas medidas, surgiram novas metodologias para a produção do
conhecimento histórico. Tais produções chegaram ao seu auge na década de 1950, sob a
liderança do historiador Fernand Braudel (1902-1985), marcando a segunda geração dos
Annales.
Para Castro (1997), foi significativa a influência da História econômica e social, à maneira
dos Annales, nas abordagens adotadas pelos historiadores brasileiros nas décadas de 1950 e
1960. O próprio Fernand Braudel, esteve no Brasil entre os anos de 1935 a 1937, quando
ministrou aulas na Universidade de São Paulo (USP) e deixou aqui sua influência.
Contudo, para além da História dos Annales, intelectuais brasileiros de formação marxista,
como Caio Prado Jr.(1907-1990), Celso Furtado (1920-2004), Ciro Flamarion Cardoso(1942- ),
entre outros, criaram modelos explicativos para a História do Brasil, a partir do viés econômico, e
influenciaram toda uma geração de historiadores.
Assim, a organização da História do Brasil em ciclos econômicos (ciclo da cana-de-açúcar,
ciclo do ouro, ciclo do café), por exemplo, acabou por servir de referência a currículos e a
produção de materiais didático-pedagógicos de História, identificados, inclusive, em alguns
trabalhos recentes.
Uma apropriação reducionista e mecanicista desses modelos gerou uma
interpretação que subordinava as relações políticas, sociais e culturais ao viés

52
economicista. A partir destes ciclos econômicos, organizados em torno de produtos agrícolas e de
extração, produzidos para o mercado externo, buscava-se explicar a formação da sociedade
brasileira.
Nestes moldes, a História social se limitou a tratar as relações sociais sob o enfoque dos
modos de produção, quais sejam: a exploração do trabalho humano aliada ao uso de
equipamentos, maquinários e propriedades, denominados meios de produção. Assim, explicava-
se o passado por meio de relações de causas e conseqüências dos eventos, isto é, em papéis
predeterminados em função do capital, como por exemplo: senhores versus escravos, na
produção açucareira e na mineração.
Uma das possibilidades de superar esta abordagem economicista e reducionista que tem
marcado o ensino de História, e que preserva a análise da dimensão econômico-social, é a
ampliação de seu referencial teórico-metodológico. Aí está a importância, por exemplo, da Nova
Esquerda Inglesa, quando propõe a articulação entre a dimensão econômico-social e a cultural.
Os intercâmbios com a antropologia, permitiram o uso de fontes ligadas à repressão, como:
processos judiciais, inquéritos policiais, processos inquisitoriais, entre outros. Para o estudo da
História, também são importantes as fontes orais, que possibilitam resgatar o passado dos
sujeitos comuns. Os trabalhos de Paul Thompson (1935 - ) são exemplares desta afirmação.

Para Joutard, a fonte oral “não mais se trata apenas de uma simples fonte complementar do
material escrito, e sim ‘de uma outra história’, afim da antropologia, que dá voz aos ‘povos sem
história’, iletrados, que valoriza os vencidos, os marginais e as diversas minorias” (1996, p. 45).

Por fim, cabe ressaltar que a dimensão que ora se apresenta pode ser abordada tanto do
ponto de vista da macro-história como da micro-história. Como conteúdo estruturante, a dimensão
do econômico-social traz toda essa contribuição, quando tratada sob o prisma das correntes
historiográficas referendadas nessas Diretrizes, em especial a Nova Esquerda Inglesa, com seus
conceitos, fontes e metodologias, associados às outras duas dimensões; isto é, a dimensão
política e a cultural.

5.1.3 Dimensão cultural


Ao se propor a cultura como uma das dimensões para o estudo da História, entende-se
como aquela que permite conhecer os conjuntos de significados que os homens conferiram à sua
realidade para explicar o mundo.
O conceito de cultura hoje é polissêmico, tal a quantidade de contribuições e
reinterpretações articuladas com as ciências sociais, ao longo dos séculos XIX e XX, as quais
ampliaram e permitiram mudar um campo que se preocupava de modo exclusivo com a alta
cultura – das elites –, intimamente ligada à dimensão política.

53
Com as mudanças ocorridas nos últimos trinta anos, os modelos de explicação do passado
têm sido questionados. As verdades totalizantes e as certezas absolutas se perderam em meio a
uma dinâmica social que não se apegava mais à razão. Essa crise dos paradigmas explicativos
ocasionou rupturas profundas na História e permitiu a inclusão de diferentes propostas e
abordagens que incluíam a cultura como ponto de partida para a análise histórica.
No Brasil, obras pioneiras foram Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre (1900-
1987) e Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda (1921-1982). Ambas são
consideradas precursoras de uma História cultural, tanto do ponto de vista teórico como
metodológico.
Na década de 1990, em decorrência da crise dos modelos explicativos do passado, suas
obras são retomadas e servem de referência para os estudos sobre a cultura nacional, presente
na sociabilidade, no cotidiano, na vida pública/privada e na mentalidade do povo brasileiro.
Esta dimensão perpassa desde a construção dos símbolos até a apropriação destes pelos
sujeitos em diversas sociedades ao longo do tempo. Por esse viés, pode-se decifrar os sentidos
atribuídos às palavras, ações e relações entre os diversos atores sociais e os contextos
históricos. O uso dos conceitos como prática, representação, apropriação, circularidade cultural e
experiência, por exemplo, amplia a abordagem da História na escola, na medida em que contribui
com novas leituras e interpretações do passado e valoriza diferentes fontes e métodos de
pesquisa.

Capítulo 6
AVALIAÇÃO EM HISTÓRIA

Ao se propor reflexões sobre a avaliação no ensino de História, objetiva-se favorecer a


busca da coerência entre a concepção de História defendida e as práticas avaliativas que
integram o processo de ensino e de aprendizagem. A avaliação deve estar a serviço da
aprendizagem de todos os alunos, permeando o conjunto das ações pedagógicas, e não como
elemento externo a este processo.
Refutam-se as práticas avaliativas que priorizam o caráter classificatório, autoritário, que
desvinculam a sua função da aprendizagem, que não se ocupam dos
conteúdos e do seu tratamento conforme as concepções definidas no projeto político-pedagógico
da escola. Uma avaliação autoritária e classificatória materializaria um modelo excludente de
escolarização e de sociedade, o qual a escola pública tem o compromisso de superar, para
diminuir as desigualdades sociais e para colaborar na construção de uma sociedade justa e mais
humana.

54
Ao propor maior participação dos alunos no processo avaliativo, não se pretende
desvalorizar o papel do professor, mas ampliar o significado das práticas avaliativas para todos os
envolvidos. No entanto, é necessário destacar que cabe ao
professor planejar situações diferenciadas de avaliação.
Ao considerar os conteúdos de História efetivamente tratados em aula, essenciais para o
desenvolvimento da consciência histórica, é necessário ter clareza
que avaliar é sempre um ato de valor. Diante disto, professor e alunos precisam entender que os
pressupostos da avaliação, tais como finalidades, objetivos, critérios e instrumentos, podem
permitir rever o que precisa ser melhorado ou o que já foi apreendido. Para tanto o professor
poderá lançar mão de várias formas avaliativas tais como:
 Avaliação diagnóstica – permite ao professor identificar o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos para pensar em atividades didáticas que possibilitem a
compreensão dos conteúdos a serem trabalhados;
 Avaliação formativa – ocorre durante o processo pedagógico e tem por finalidade retomar
os objetivos de ensino propostos para, a partir dos mesmos, identificar a aprendizagem
alcançada desde o início até ao momento avaliado;
 Avaliação somativa – permite ao professor tomar uma amostragem de objetivos
propostos no início do trabalho e identificar se eles estão em consonância com o perfil dos
alunos e com os encaminhamentos metodológicos utilizados para a compreensão dos
conteúdos. Esta avaliação é aplicada em um período distante um do outro, como por
exemplo o bimestre, trimestre ou semestre.
Mesmo com estes três tipos de avaliação, ainda fica a questão: o que avaliar? Como avaliar
em História? O professor é o único responsável pela avaliação do aluno? Esta sugestão tem por
finalidade mostrar ao professor as possibilidades de substituir as práticas avaliativas baseadas na
memorização de conteúdos. O professor poderá propor estas atividades associativas, tais como:
 atividades que permitam desenvolver a capacidade de síntese e redação de uma
narrativa histórica;
 atividades que permitam ao aluno expressar o desenvolvimento de idéias e
conceitos históricos;
 atividades que revelem se o educando se apropriou da capacidade de leiturasde
documentos com linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia,quadrinhos,
músicas e televisão, relativos ao conhecimento histórico.
Tais critérios não esgotam o processo de avaliação pelo professor de História. São
indicativos a serem enriquecidos para orientar o planejamento das práticas avaliativas em
consonância com estas Diretrizes.
Ao longo do Ensino Médio, o aluno deverá entender que as relações de trabalho, as
relações de poder e as relações culturais articulam e constituem o processo histórico. É preciso

55
que esteja esclarecido sobre o fato de que o estudo do passado se realiza a partir de
questionamentos feitos no presente, por meio da análise de diferentes documentos históricos.
O aluno deverá compreender como se encontram as relações de trabalho no mundo
contemporâneo, como elas se configuraram e como o mundo do trabalho constituiu diferentes
períodos históricos, considerando os conflitos inerentes às relações de trabalho.
No que diz respeito às relações de poder, o aluno deve compreender que se apresentam
em todos os espaços sociais. Também deve identificar, localizar as arenas decisórias e os
mecanismos que as constituíram.
Quanto às relações culturais, o aluno deverá reconhecer a si e aos outros como
construtores de uma cultura comum, consideradas a especificidade de cada grupo social e as
relações entre eles. O aluno deverá entender como se constituíram as experiências culturais dos
sujeitos ao longo do tempo e detectar as permanências e mudanças nas diversas tradições e
costumes sociais.
Para o Ensino Médio, a avaliação da disciplina de História, considera três aspectos
importantes:
 a apropriação de conceitos históricos;
 a compreensão das dimensões e relações da vida humana (conteúdos
estruturantes);
 o aprendizado dos conteúdos específicos.
Esses três aspectos são entendidos como complementares e indissociáveis. O professor
deve recorrer a diferentes atividades, tais como: leitura, interpretação e análise de textos
historiográficos, mapas e documentos históricos; produção de narrativas históricas, pesquisas
bibliográficas, sistematização de conceitos históricos, apresentação de seminários, entre outras.
Tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, após a avaliação o professor e
seus alunos poderão revisitar as práticas desenvolvidas até então, de modo que identifiquem
lacunas no processo pedagógico. Esta ação permitirá ao professor planejar e propor outros
encaminhamentos para a superação das dificuldades constatadas.
Deseja-se que ao final do trabalho na Disciplina de História, os alunos sejam
capazes de identificar processos históricos, reconhecer criticamente as relações de poder neles
existentes, bem como que tenham recursos para intervir no meio em que vivem, de modo a se
fazerem também sujeitos da própria História.

56
Capítulo 7
CATEGORIAS DE ANÁLISE: TEMPO E ESPAÇO

O estudo do passado dos seres humanos, investigado por historiadores ou por professores
de história e seus alunos, realiza-se no presente à luz de uma expectativa de futuro. Nesse
sentido, as noções de tempo e espaço tornam-se categorias de análise e quando articuladas aos
conteúdos estruturantes possibilitam a delimitação e a contextualização dos temas a serem
problematizados.

7.1 Tempo
O conceito de tempo foi construído historicamente e modificou-se de acordo com o
surgimento e a transformação das sociedades. A concepção de tempo de uma sociedade se
articula à consciência histórica de seus sujeitos.
Nas sociedades agrárias, o tempo tinha um caráter cíclico e mítico; já nas sociedades
industriais, tem uma marca cronológica e disciplinadora. Nas primeiras, predominava uma
experiência do tempo que leva a uma consciência histórica tradicional, que aceita e repete os
modelos culturais dados. Na sociedade industrial, as experiências apresentam dimensões e
durações temporais diversas. Nesta sociedade, tais experiências são acessíveis a um número
maior de sujeitos, os quais se defrontam no seu cotidiano com concepções temporais, como:
estruturas ou fatos de massa; conjunturas ou fatos institucionais; a intervenção do acaso e das
ações dos sujeitos e grupos (VILAR apud FONTANA, 2004, p. 326).
Na escola, a compreensão dessas múltiplas experiências temporais pode provocar nos
alunos o desenvolvimento de uma consciência histórica crítica ou genética.
A articulação entre as dimensões temporais se expressa nas relações de temporalidade,
tais como: processos, mudanças, rupturas, permanências, simultaneidades, transformações,
descontinuidades e deslocamentos. Estas temporalidades podem ser periodizadas, o que
consiste em classificar, arbitrariamente, a sucessão ou as rupturas entre processos e
acontecimentos criados pelas diferentes sociedades históricas e investigados pelas correntes
historiográficas, cujas referências, neste documento, consideram determinadas temporalidades e
periodizações.
Com relação à temporalidade, os historiadores da Nova Esquerda Inglesa valorizam a
relação dialética entre as permanências e as mudanças e privilegiam as rupturas como elementos
dinamizadores do processo histórico.
Quanto à periodização, rompem com a concepção etapista dos modos de produção, mas
consideram as estruturas materiais e simbólicas (modos de produção) como grandes contextos
que delimitam e possibilitam as ações humanas no tempo.

57
Sob este aspecto, Hobsbawm, a partir de Gramsci, propôs o conceito de bloco histórico,
uma forma de periodização que leva em conta uma macro-estrutura espaço temporal que valoriza
a análise das relações entre as ações humanas e as estruturas sócio-históricas, em um período
definido por marcos históricos precisos. Um exemplo disso são os marcos temporais das obras de
Hobsbawm: A era das revoluções (1789-1848), A era do capital (1848-1875), A era dos impérios
(1875-1914) e A era dos extremos (1914-1991).
Os historiadores da Nova Historia Cultural tenderam a adotar o conceito de temporalidade
criado por Fernand Braudel relativo à longa duração (estruturas), à média duração (conjunturas) e
à curta duração (acontecimentos). O historiador Roger Chartier procurou detectar quais as
permanências e mudanças presentes nas práticas e nas representações culturais dos sujeitos.
Por sua vez, Carlo Ginzburg investigou como as temporalidades se relacionam com a
circularidade cultural entre os sujeitos.
Esta corrente historiográfica geralmente adotava a periodização quadripartite (Idade Antiga,
Medieval, Moderna e Contemporânea) para classificar os contextos históricos.
Nestas Diretrizes, considera-se que o estudo das ações e das relações humanas do
passado parta de problematizações feitas no presente. Assim, a partir da temática proposta pela
problematização, o professor historiador e o aluno determinam o período que define os marcos
temporais que balizam seu estudo.
Portanto, busca-se a superação de periodizações tradicionais determinadas a priori, como,
por exemplo, determinado uso da periodização quadripartite da história, pela valorização de
diferentes temporalidades históricas escolhidas de acordo com o objeto a ser pesquisado e os
questionamentos relativos ao passado.

7.2 Espaço
A conceito de espaço também contextualiza e articula os conteúdos estruturantes
propostos nestas Diretrizes Curriculares. O local onde os sujeitos históricos atuam delimita as
possibilidades de ação e compreensão do processo histórico. Os historiadores, os professores e
os alunos delimitam, pela problematização, o contexto temporal e espacial a ser estudado.
Os historiadores ligados à Nova Esquerda Inglesa delimitaram grandes
contextos espaciais em suas análises. Hill e Thompson tenderam a abarcar todo o território
do Reino Unido, pois este foi o local de ação dos movimentos sociais que eles investigaram.
Entretanto, ambos historiadores também analisaram como as estruturas sócio-históricas
interferem na vida de indivíduos e nos costumes de pequenas comunidades e como estes reagem
a elas. Hobsbawm, em suas principais obras, investigou os processos históricos mundiais que
ocorreram e interferiram em diversos locais em determinado contexto histórico, de modo que
construíram novos modelos teóricos para seus objetos.

58
Os historiadores da Nova História Cultural, tais como Carlo Ginzburg e Giovanni Levi
compreenderam, por meio da micro-história, que a relação entre o local e o universal é um
problema de escalas. Para eles esta diferença se refere a distintos graus nas perspectivas de
análise. Um olhar local é um procedimento fundamental para perceber as fissuras nas estruturas
sócio-históricas e aponta caminhos que mapeiam as transformações estruturais que ocorrem
durante a constituição do processo histórico.
Seja natural, rural ou urbano, o ambiente – as paisagens, os territórios, os caminhos, as
conquistas territoriais, as migrações, etc. – faz parte do conhecimento histórico bem como da
memória coletiva de uma sociedade. Nesta perspectiva, espaço e tempo constituem categorias de
análise que permitem delimitar os marcos históricos necessários ao estudo de um tema.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Holien Gonçalves. Conceitos básicos: Ensino de História: conteúdos e


conceitos básicos. In: Karnal, Leandro (Org). História na sala de aula: práticas e
propostas. São Paulo: Contexto, 2003, p. 37-49.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2004.

CAINELLI, Marlene; OLIVEIRA, Sandra. Entre o conhecimento histórico e o saber


escolar: uma reflexão sobre o livro didático de História para as séries iniciais. In:
OLIVEIRA, Margarida Dias; STAMATTO, Maria Inês Sucupira (Orgs). O livro
didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN,
2007, p. 89-98.

COOPER, Hilary. O pensamento histórico das crianças. In: Barca, Isabel (org). Para
uma Educação Histórica de Qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação
Histórica: Universidade do Minho, 2006, p. 55-73.

59

Você também pode gostar