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3ª edição
Revista e Ampliada
R
EDITORA LTDA.
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Rua Jaguaribe, 571
CEP 01224-001
São Paulo, SP — Brasil
Fone (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
JUNHO, 2017
Bibliografia.
17-04618 CDU-34:331.6:330.82
Índice para catálogo sistemático:
1. Capitalismo, trabalho e emprego : Direito do trabalho 34:331.6:330.82
Dedico este livro, nesta 3ª edição, aos meus
interlocutores fundamentais, em cursos, palestras e eventos
acadêmicos desenvolvidos ao longo das últimas décadas.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I
GLOBALIZAÇÃO E HEGEMONIA:
CENÁRIOS PARA A DESCONSTRUÇÃO DO PRIMADO DO TRABALHO E DO
EMPREGO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
I — INTRODUÇÃO...................................................................................................... 15
II — GLOBALIZAÇÃO: CONCEITO............................................................................... 15
III — GLOBALIZAÇÃO: PRESSUPOSTOS E REQUISITOS................................................ 16
1. Pressupostos da Globalização............................................................................ 17
A) Generalização do Sistema Capitalista........................................................... 17
B) Nova Revolução Tecnológica........................................................................ 18
C) Hegemonia Financeiro-Especulativa.............................................................. 19
2. Requisitos da Globalização................................................................................ 20
A) Pensamento Econômico Hegemônico........................................................... 22
Liberalismo Readequado.............................................................................. 24
B) Hegemonia Política Ultraliberal..................................................................... 25
C) Ausência de Contraponto Eficaz................................................................... 26
a) Contraponto Externo................................................................................ 26
b) Contraponto Interno................................................................................ 26
D) Internalização Dependente do Ultraliberalismo............................................ 28
IV — DERRUIÇÃO (AINDA QUE RELATIVA) DO PENSAMENTO CRÍTICO NA RECENTE
HEGEMONIA POLÍTICO-CULTURAL CAPITALISTA............................................... 30
1. Núcleo Social e Ético do Pensamento Crítico: Primado do Trabalho e do Emprego
no Capitalismo.................................................................................................. 30
2. A Tentativa de Desconstrução do Primado do Trabalho e do Emprego no
Capitalismo Contemporâneo............................................................................ 32
8 MAURICIO GODINHO DELGADO
CAPÍTULO II
O FIM DO TRABALHO E DO EMPREGO NO CAPITALISMO ATUAL:
REALIDADE OU MITO?
I — INTRODUÇÃO...................................................................................................... 35
II — O MUNDO DO TRABALHO NA CONJUNTURA CAPITALISTA DA VIRADA DOS
SÉCULOS XX E XXI — CONDIÇÕES DO “DESEMPREGO ESTRUTURAL”................. 35
1. Fatores de Impacto no Trabalho e no Emprego: síntese.................................... 36
III — INOVAÇÕES E ALTERAÇÕES TECNOLÓGICAS (TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUS-
TRIAL)................................................................................................................ 37
1. Avaliação Crítica................................................................................................ 39
IV — REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL..................................................................... 42
1. Estrutura Organizacional das Empresas............................................................. 42
2. Organização do Processo de Trabalho............................................................... 43
A) Redução de Cargos e Funções...................................................................... 44
B) Terceirização Trabalhista............................................................................... 44
C) Novos Sistemas de Gestão da Força de Trabalho.......................................... 46
Toyotismo/Ohnismo..................................................................................... 47
3. Reestruturação Empresarial: Avaliação Crítica ................................................... 49
V — ACENTUAÇÃO DA CONCORRÊNCIA CAPITALISTA.............................................. 53
1. Avaliação Crítica: adendos................................................................................. 54
VI — MATRIZ INTELECTUAL DESCONSTRUTIVISTA DO PRIMADO DO TRABALHO E
DO EMPREGO................................................................................................... 56
1. Avaliação Crítica................................................................................................ 58
VII — ALTERAÇÕES NORMATIVAS TRABALHISTAS..................................................... 60
1. Avaliação Crítica................................................................................................ 65
VIII — O ENUNCIADO DO FIM DO EMPREGO NO CAPITALISMO ATUAL — OMISSÃO
SINGULAR........................................................................................................ 66
CAPÍTULO III
CAPITALISMO SEM RECIPROCIDADE:
A POLÍTICA PÚBLICA DE DESTRUIÇÃO DO EMPREGO
I — INTRODUÇÃO...................................................................................................... 68
II — POLÍTICA PÚBLICA DE DESTRUIÇÃO DO EMPREGO — T RAÇOS RECORRENTES DA
ATUAL FASE CULTURAL, POLÍTICA E ECONÔMICA DO CAPITALISMO................ 69
1. Hegemonia Ultraliberal na Virada dos Séculos XX e XXI — síntese..................... 70
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 9
CAPÍTULO IV
DIREITO DO TRABALHO E INCLUSÃO SOCIAL:
O DESAFIO BRASILEIRO
I — INTRODUÇÃO...................................................................................................... 114
10 MAURICIO GODINHO DELGADO
CAPÍTULO V
O DESEMPREGO COMO ESTRATÉGIA NO CAPITALISMO DE FINANÇAS
I — INTRODUÇÃO...................................................................................................... 153
II — O DESEMPREGO E SEUS EFEITOS NA ECONOMIA, NA SOCIEDADE E NA DEMO-
CRACIA............................................................................................................... 153
III — EXPLICAÇÕES CORRENTES SOBRE O DESEMPREGO: INCONSISTÊNCIAS............ 156
IV — FATORES PRINCIPAIS DE PRODUÇÃO E INCREMENTO DO DESEMPREGO NO
CAPITALISMO.................................................................................................... 159
V — O DESEMPREGO COMO ESTRATÉGIA NO CAPITALISMO DE FINANÇAS.............. 161
GLOBALIZAÇÃO E HEGEMONIA:
CENÁRIOS PARA A DESCONSTRUÇÃO DO
PRIMADO DO TRABALHO E DO EMPREGO
NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO(*)
I — INTRODUÇÃO
II — GLOBALIZAÇÃO: CONCEITO
(*) A primeira versão deste texto foi originalmente publicada na Revista LTr, São Paulo: LTr, ano 69,
n. 5, p. 539-548, maio de 2005. Também na Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre: Síntese, ano
XVII, n. 194, p. 5-24, agosto de 2005.
16 MAURICIO GODINHO DELGADO
1. Pressupostos da Globalização
(1) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, p. 51.
18 MAURICIO GODINHO DELGADO
C) Hegemonia Financeiro-Especulativa
2. Requisitos da Globalização
(7) THERBORN, Goran. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoli-
beralismo — as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 44-45.
(8) BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. In: FIORI, José Luís (Org.). Estados
e moedas no desenvolvimento das nações. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 105.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 21
(9) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX — 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 552.
(10) O historiador e cientista político Francisco Fonseca prefere o termo “ultraliberal, em vez de
neoliberal”, não só diante da vulgarização do segundo, como pelo fato de que “[...] a ideia de um
22 MAURICIO GODINHO DELGADO
externas dos países em desenvolvimento e que passam ser chamados a partir dos
anos 90 — dentro do espírito do novo consenso — de mercados emergentes(11).
É bem verdade que, já antes do apelidado Consenso de Washington, vinha
se tornando recorrente e cada vez mais disseminado nos países latino-americanos
o receituário ultraliberalista, uma vez que padronizado em significativa medida,
desde o início dos anos 1980, por organismos multilaterais, como FMI, BIRD e BID.
referido Consenso de Washington seria, portanto, não mais do que continuidade
e desdobramento de tal processo.
No quadro de generalização de um pensamento econômico liberal-monetarista,
também cumpriu (e cumpre) significativo papel a própria comunidade acadêmica
de várias universidades de países centrais, em especial do gigantesco e sofisticado
complexo de universidades dos EUA, que propiciou (e propicia) a formação de
seleto e influente conjunto de economistas e burocratas estreitamente vinculados
a esse pensamento econômico oficial.
A propósito, aparentemente não por acaso, nesse processo de construção
intelectual de nova hegemonia, os dois maiores arautos do liberalismo readequado,
Friedrich Hayek e Milton Friedman, foram agraciados, na mesma década, em
curta distância temporal (1974 e 1976, respectivamente), com o Prêmio Nobel de
Economia(12).
Esse pensamento econômico com pretensões unívocas passa a ter influência
cada vez maior nas burocracias nacionais, em espe cial nos setores-chave de
finanças públicas e gestão de moeda, os quais preponderam sobre os demais,
inclusive o anteriormente importante setor de planejamento e formulação de
políticas públicas.
Por curioso que pareça, essa influência se preserva e se acentua muitas vezes
independentemente da própria aliança política interna eventualmente no poder.(13)
Tal pensamento passa a ser praticamente exclusivo também nos meios de
comunicação de massa, propiciando a geração de uma ideologia aparentemente
(11) FIORI, José Luís (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1999. p. 36 (destaques no original). A respeito desse e outros receituários e encontros
análogos, ver também outra obra do mesmo autor, Os moedeiros falsos. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1998.
(12) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 508.
(13) Os países dependentes chegam a ofertar grotescos exemplos de semelhante influência. Observe-
-se, por exemplo, fato ocorrido com a autoridade monetária brasileira, que tem papel decisivo na
gestão interna e externa das relações econômico-financeiras do Brasil com o exterior. O Banco Cen-
tral abriu concurso público para economista, em 1999/2000, privilegiando, no respectivo edital,
“... candidatos de 45 instituições de ensino superior e pós-graduação, dentre as quais 39 (78%)
norte-americanas”. A estas se somavam “quatro instituições inglesas, uma belga e uma espanhola,
contra apenas cinco escolas do Brasil (FGV-Rio, PUC-Rio, UFRGS, UNB, USP)”. Monitor Mercantil, ano
LXXXVIII, n. 23.650, Rio de Janeiro, 16.3.2000, p. 1 e 3. A discriminação resultante desse manifesto
viés ideológico foi objeto de questionamento judicial (loc. cit.).
24 MAURICIO GODINHO DELGADO
Liberalismo Readequado
Esse liberalismo readaptado — neoliberalismo ou ultraliberalismo — corres-
ponde a um conjunto orgânico de ideias, que se fortaleceu política e culturalmente
a contar dos anos 1970 nos países capitalistas desenvolvidos, dirigidas à estrutu-
ração do Estado e sociedade no sistema capitalista, em anteposição à matriz do
Estado de Bem-Estar Social, que foi hegemônica nas décadas subsequentes à Se-
gunda Guerra Mundial tanto nos EUA como, principalmente, na Europa Ocidental.
Em sua mais recente formulação, o liberalismo reascendeu a partir do veio
teórico de economistas como Friedrich Hayek (austríaco) e Milton Friedman (norte-
-americano), antepondo-se à linha teórica então hegemônica no Ocidente, que
conferia suporte ao Welfare State, lastreada, em grande medida, nas concepções
do economista John Maynard Keynes (inglês) e em vertentes pragmáticas das di-
versas tendências da social-democracia do pós-guerra.
O pensamento liberal renovado sustenta, em síntese, na linha da velha matriz
oriunda dos séculos XVIII e XIX, o primado do mercado econômico privado na
estruturação e no funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão
do Estado e das políticas públicas a tal prevalência.
Em consequência, a atuação econômica estatal deve ser restringida de modo
muito substantivo, em contraponto ao modelo multifacetado, normatizador e
intervencionista do Welfare State.
Deve o novo Estado neoliberalista centrar seu foco, em essência, na gestão
monetária da economia e na criação de condições cada vez mais favoráveis aos
investimentos privados.
Pela gestão monetária da economia, o Estado, a um só tempo, conferiria
respaldo à nova hegemonia do segmento financeiro-especulativo do sistema, por
meio das políticas de gestão da dívida pública, de juros e de câmbio, assim como
enquadraria o dinamismo do maior agente econômico de qualquer sociedade
capitalista — o Estado mesmo — à busca da máxima restrição de suas próprias
atividades econômicas.
A criação de condições cada vez mais favoráveis aos investimentos priva-
dos passaria, de um lado, pela redução da presença do Estado na dinâmica da
economia, o que seria alcançado quer mediante programas de privatização de em-
presas estatais, quer por meio de programas de desregulamentação de atividades
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 25
econômicas já situadas no âmbito privado. Essa criação passaria ainda pela inces-
sante procura de novos campos para a desregulamentação normativa, de modo
a reduzir o antigo império da norma jurídica —
enquanto síntese de certa vontade
geral — sobre os movimentos dos agentes econômicos privados.
As condições econômicas mais favoráveis ao capital supõem, ainda, a derru-
bada de barreiras ao chamado livre comércio, a par da garantia de livre acesso de
capitais às diferentes partes do globo.
Em anteposição ao forte intervencionismo estatal — seja direto, via empresas
estatais, seja indireto, via regulamentação econômico-social —, tão característico
do Estado de Bem-Estar Social, o neoliberalismo advoga, desse modo, o conceito
de Estado mínimo, transformado em mero indutor das livres forças do capital
privado na economia(14).
(14) Sobre essa matriz neoliberal (ou ultraliberal), consultar FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. 4.
ed. Petrópolis: Vozes, 1998, passim; também FONSECA, Francisco. O consenso forjado — a grande
imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2005 (Introdução e
Capítulo 1).
26 MAURICIO GODINHO DELGADO
a) Contraponto Externo
No plano externo, desapareceu do universo comparativo dos países ocidentais
aquilo que o Historiador do Capitalismo, Eric Hobsbawm, chamaria de “ameaça
política digna de crédito ao sistema”.(15)
A ausência desse contraponto, no âmbito internacional, verificou-se pelo
desaparecimento do império soviético, em rápido processo experimentado em fins
da década de 1980 e início da seguinte. De fato, o império europeu da URSS ruiu
em 1989 (queda do muro de Berlim), desaparecendo, logo a seguir, a própria
União Soviética, no âmbito da Rússia e de diversas repúblicas anteriormente
vinculadas (1991).
A ausência de um contraponto externo realmente eficaz ao sistema econômico
ocidental hegemônico, em um quadro de inevitável refluxo do movimento operário
nos países do Ocidente (plano interno desse fator), favoreceu a adoção de ideologias
e políticas públicas sem qualquer preocupação com contrapartidas sociais.
De fato, uma estratégia de assumida irresponsabilidade social do Estado
dificilmente imperaria no complexo cenário do Ocidente caso pudesse, politica-
mente, colocar em risco a sorte do conjunto do sistema capitalista. Apenas em um
instante histórico específico de desaparecimento da lancinante ameaça política
socialista, no leste da Europa, e de grave enfraquecimento das forças populares,
nos países ocidentais, é que se tornou viável, do ponto de vista político, a consu-
mação de uma estratégia de atuação interna do Estado sem qualquer consistente
preocupação social.
b) Contraponto Interno
O historiador Eric Hobsbawm, ao mencionar a ideia de contraponto, dirige-a,
essencialmente, ao plano internacional, em face da alta relevância, naquele
contexto, do fim do império soviético.
(15) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX — 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 552.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 27
Entretanto, não pode haver dúvida de que, também no plano interno dos
países capitalistas, tornou-se elemento importante para a hegemonia neoliberal
o enfraquecimento, a partir de fins dos anos 1970, das forças sociopolíticas e
culturais classicamente opositoras da noção de império do mercado econômico
privado no âmbito das sociedades democráticas.
O enfraquecimento desse contraponto democrático-popular ao estuário
teórico liberal resulta de três processos distintos, embora claramente combinados:
de um lado, o refluxo do movimento sindical, a contar da crise econômica de
meados dos anos 1970; de outro lado, a perda de consistência dos projetos
políticos democrático- populares europeus a partir dessa conjuntura adversa,
ainda que eventualmente conquistada ou recuperada, nesse mesmo período, a
direção política do Estado por vitórias eleitorais trabalhistas ou social-democratas;
finalmente, uma relativa derruição do pensamento crítico clássico, que passa a
acolher, ainda que de modo indireto, certos pressupostos da matriz explicativa
ultraliberal sobre a sociedade capitalista mais recente.
No que tange ao refluxo do movimento sindical, ele não é, evidentemente,
uniforme em toda a Europa, não se mostrando sequer relevante em determinadas
experiências históricas (países nórdicos, por exemplo). Contudo, ele é claro em
alguns países, cuja importância estratégica no imaginário do Ocidente é inequívoca.
E o que se passa, ilustrativamente, com a Grã Bretanha.
O refluxo do sindicalismo origina-se, em parte, da crise econô mica de
meados dos anos 1970 e do incremento profundo do desemprego despontado
nos anos subsequentes. É bem verdade que esse incremento do desemprego já
seria resultante da nova orientação econômica imposta aos países capitalistas
desenvolvidos pelo receituário ultraliberal em expansão — responsável no Ocidente,
nas décadas seguintes aos anos 1970, por taxas de desocupação inusitadas se
comparadas aos índices tradicionais do período de Welfare State.
Esse refluxo também decorre, sem dúvida, da nova linha de enfrentamento
das questões sociais por parte das lideranças ultraliberais ascendidas ao poder
desde 1979/1980, que se mostraram duras e inflexíveis com a atuação e reivindi-
cações sindicalistas(16).
No que concerne à perda de consistência dos projetos políticos democrático-
-populares europeus, no último quartel do século XX, também não é obviamente
elemento absoluto, nem mesmo uniforme às distintas experiências europeias; con-
tudo, tal perda manifestou-se, ainda que de modo diferenciado e relativo, em
alguns exemplos fundamentais, dotados de largo potencial de propagação.
(16) É ilustrativo dessa nova postura estatal o enfrentamento por Margaret Thatcher da greve de
mineiros de 1984/1985, que durou mais de um ano, sem quaisquer concessões governamentais.
28 MAURICIO GODINHO DELGADO
(17) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 273-274.
(18) O economista José Carlos de Assis discorre, com ilustrativos exemplos, sobre a guinada
conservadora de parte importante das lideranças de esquerda e de sua curio sa ambiguidade
ideológico-programática, nessa fase histórica do Ocidente. ASSIS, J. Carlos de. Trabalho como
direito — fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2002. p. 67-79.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 29
(19) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003, São Paulo: 2003. p. 160.
30 MAURICIO GODINHO DELGADO
(20) A importância do emprego no capitalismo é óbvia, uma vez que, mesmo após todo o fluxo
desregulamentador e flexibilizatório dos anos 1980/1990 na Europa Ocidental, ainda tende a
abranger cerca de 80% do pessoal ocupado em importantes países daquele continente (por exemplo,
Alemanha e França). A respeito, dirigir-se ao capítulo IV do presente livro. Consultar também, se for
o caso, DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed./1ª reimpr. São Paulo: LTr,
2005, Capítulo I, item V, p. 58-62 (a edição 16ª, de 2017, é a mais recente desse Curso).
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 33
(21) A respeito, HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1981, passim.
(22) A respeito, consultar: HUNT, E. K. Ob. cit., passim. Ver ainda: POMERANZ, Lenina et al. Dinâmica
econômica do capitalismo contemporâneo — homenagem a M. Kalecki. São Paulo: EDUSP/FAPESP,
2001, passim. Cite-se, por fim, KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da
moeda. São Paulo: Atlas, 1992.
34 MAURICIO GODINHO DELGADO
I — INTRODUÇÃO
(*) A primeira versão deste artigo foi originalmente publicada na Revista O Trabalho — suplemento
especial de doutrina em fascículos, Curitiba: Decisório Trabalhista, ano 23, n. 278, encarte n. 103,
p. 2.906-2.926, setembro de 2005.
36 MAURICIO GODINHO DELGADO
(1) O exame de tal política pública será efetuado no capítulo III deste livro.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 37
Surge aqui outro fator que acaba por influenciar, direta ou indiretamente, a
dinâmica da equação emprego/desemprego. Trata-se das modificações jurídicas
implementadas na configuração institucional do mercado de trabalho e das normas
que regulam suas relações integrantes (ou modificações normativas trabalhistas).
Esses cinco fatores, que têm trazido forte impacto à área do trabalho e do
emprego desde os anos 1970/1980, serão examinados nos itens a seguir.
Esclareça-se, porém, de início, que não existe, necessariamente, gradação
temporal ou de importância entre esses fatores, uma vez que tendem a se
configurar mediante combinações, ritmos, intensidade e momentos diferenciados,
em conformidade com cada experiência histórica específica. Em consequência, a
ordem aqui estipulada tem caráter meramente expositivo, sem traduzir qualquer
valoração classificatória.
O primeiro de tais fatores destaca-se por um complexo signi ficativo de
inovações ou alterações tecnológicas ocorridas ou acentuadas nas últimas
décadas, que se passou a denominar de terceira revolução tecnológica, indutora,
em seu conjunto, de mudanças relevantes no campo da estruturação e dinâmica
do trabalho.
O segundo desses fatores diz respeito ao importante processo de
reestruturação empresarial vivenciado nestes últimos 30/40 anos, que também
provocou forte impacto no mundo do trabalho.
O terceiro fator concerne ao aprofundamento e à generalização da concor-
rência capitalista, em todos os planos, inclusive internacional, acirrando, de modo
muito mais intenso do que verificado em épocas anteriores, a competição entre
empresas e economias, com reflexos importantes no mundo do trabalho.
O quarto fator, de incomparável relevância, abrange a formação de matriz
intelectual apologética (ou resignada) quanto ao su posto fim do emprego
e, mesmo, do próprio trabalho. O alegado fim da sociedade do trabalho e do
emprego, o suposto ocaso do emprego e, até mesmo, do trabalho que essa matriz
intelectual propaga, tudo terá, evidentemente, forte impacto no mundo laborativo.
O quinto fator, por fim, tem vinculação com as próprias modificações
implementadas na configuração institucional e jurídica do mercado de trabalho e
das normas que regulam suas relações integrantes.
(2) A quinta inovação da terceira revolução tecnológica, envolvendo a descoberta de nova fonte
de energia (no caso, a atômica), por não se ter amplamente disseminada — talvez em face de seus
elevados custos e riscos —, não chegou a produzir efeitos profundos e generalizados no mundo do
trabalho.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 39
1. Avaliação Crítica
(3) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003, São Paulo: Abril, 2003. p. 84.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 41
IV — REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL
B) Terceirização Trabalhista
(6) A distinção do jurista Márcio Túlio Viana encontra-se em seu artigo “Terceirização e sindicatos: um
enfoque para além do direito”. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte: PUCMINAS,
v. 7, n. 13 e 14, p. 50-82, 1º e 2º sem. 2004.
(7) A chamada terceirização empresarial corresponde a um simples processo de descentralização
de empresas, pela qual uma delega parte de suas atividades a outra(s) entidade(s) empresarial(is),
esta(s) com estabelecimento e empregados próprios. Conforme já advertido, não se deve utilizar
tal expressão (preferindo-se descentralização empresarial, subcontratação de empresas ou outra
semelhante), a fim de se evitar confusão com fenômeno distinto e de grande repercussão no mundo
do trabalho e de seu ramo jurídico regulador — que é a terceirização trabalhista.
46 MAURICIO GODINHO DELGADO
Trabalho, em face das inúmeras peculiaridades que passa a criar, em função dos
tipos de segmento econômico, de empresa e de trabalhadores envolvidos. Tais
peculiaridades provocam dispersões na própria compreensão e regulação do
fenômeno pela ordem jurídica, assim como pelos operadores desta ordem, como
o sistema judicial e o sistema de fiscalização trabalhista.
Finalmente, o artifício da terceirização, em virtude de todos os fatores citados,
dispersa a atuação sindical pelos trabalhadores, dificultando o intercâmbio entre o
trabalhador terceirizado e o empregado efetivo da entidade tomadora de serviços.
Trata-se, portanto, de fórmula de gestão social, de gerenciamento da força
de trabalho, que tem tido grande impacto na redução dos ganhos do trabalho no
mundo capitalista.
Toyotismo/Ohnismo
A partir dos anos 1970, entretanto, modificações importantes irão ocorrer
nesse padrão de gestão empresarial e da própria força de trabalho.
No cenário da forte crise econômica então desencadeada no Ocidente,
com a exacerbação da concorrência interempresarial e mundial, inclusive com a
célere invasão, naqueles anos, do mercado econômico europeu e norte-americano
pelo novo concorrente japonês, tudo associado ao desenvolvimento da chamada
terceira revolução tecnológica e das condições macropolíticas então desfavoráveis
ao Estado de Bem-Estar Social, passa-se a assistir à incorporação de novos sistemas
de gestão empresarial e laborativa.
Entre esses, o que produz maior impacto, sem dúvida, é aquele apelidado de
toyotismo ou ohnismo.
Em sua origem, tais novas proposições de gestão empresarial foram marcada-
mente influenciadas pelo revigorado capitalismo japonês do período subsequente
à Segunda Guerra Mundial, em especial a partir das experiências de gestão imple-
mentadas por algumas de suas grandes empresas, particularmente a Toyota, cujo
vice-presidente era o engenheiro Taiichi Ohno(9).
Sintetizados, em consequência, pelas expressões toyotismo e ohnismo,
esses novos sistemas de gestão das empresas, inclusive de sua força de trabalho,
evidentemente foram aprofundados e readequados, na própria ambientação do
capitalismo ocidental, ao longo dos anos seguintes à década de 1970. Pode-se
dizer, de certo modo, em decorrência de tais aprofundamentos e readequações,
que toyotismo e ohnismo representam, hoje, fundamentalmente, um emblema ou
(9) Em 1978, Taiichi Ohno descreveria suas proposições, implementadas na empresa automobilística
japonesa Toyota, no livro O Espírito Toyota.
48 MAURICIO GODINHO DELGADO
(10) Na verdade, são inúmeros os sistemas e as teorias aplicáveis à gestão das empresas e de sua
força de trabalho formuladas ao longo do século XX e, notadamente, nas últimas décadas (para
ilustração, consultar: PLANTULLO, Vicente Lentini. Teoria geral da administração. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001; FERREIRA, Ademir Antonio et al. Gestão empresarial: de Taylor
aos nossos dias — evolução e tendên cias da moderna administração de empresas. São Paulo:
Thomson, 2002; SILVA, Benedicto. Taylor e Fayol. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1987; RAMOS, Guerreiro. Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho. Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950). Em consequência dessa diversidade, o simples
contraponto entre a matriz fordista-taylorista e a matriz toyotista, muito comum na bibliografia,
embora expresse uma comparação indubitavelmente re levante, não esgota, por óbvio, toda a
temática da gestão administrativa e trabalhista das empresas no capitalismo dos últimos cem anos.
(11) OHNO, Taiichi. O espírito Toyota, cit. In: GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização
do automóvel. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 65.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 49
(13) SALAMA, Pierre. A financeirização excludente: as lições das economias latino-americanas. In:
CHESNAIS, François (Coord.). A mundialização financeira — gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã,
1999. p. 245 (edição original em francês: 1996).
(14) Embora a excelente obra de David Harvey, em que se lança a expressão acumulação flexível,
seja bastante crítica no tocante ao novo quadro operacional do sistema capitalista, a expressão eleita
(acumulação flexível) tem algo de claramente eufemístico (HARVEY, David. Condição pós-moderna.
10. ed. São Paulo: Loyola, 2001, passim. A obra original é de 1989, sob o título: The Condition of
Postmodernity — an inquiry into the origins of cultural change).
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 53
1. Avaliação Crítica
entre si, elabora sua reflexão a partir, principalmente, de três tipos de parâmetro:
o tecnológico, o organizacional e o mercadológico.
O parâmetro tecnológico — entre todos, o que mais impressiona — tem sido
inclusive aquele que mais embeveceu parte da intelectualidade oriunda da própria
tradição marxista.
Por esse parâmetro, as concepções desconstrutivistas do primado do trabalho
e do emprego na sociedade capitalista sustentam que as mudanças derivadas da
chamada terceira revolução tecnológica do capitalismo teriam sido tão intensas,
diversas e disseminadas que abalaram, de modo implacável, o primado do emprego
e do próprio trabalho nesse sistema socioeconômico.
Ao teor dessa diretriz entende-se que a terceira revolução tec nológica
teria ocorrido de modo tão intenso e criativo que comprometeu a antiga crucial
necessidade do trabalho e do emprego pelo sistema capitalista, levando ao eclipse
tais modalidades de inserção do ser humano na dinâmica econômico-social. Como
resultado de tais transformações, não haveria mais se falar em centralidade do
trabalho e do emprego no mundo atual.
Conforme já examinado neste capítulo, é muito evidente o equívoco deste
fundamento tecnológico que dá suporte a semelhantes matrizes intelectuais. Afinal,
como visto, as inovações derivadas da tecnologia não têm caráter estritamente
negativo com respeito à geração de trabalho e emprego; a relação tecnologia/
emprego não é, pois, meramente unidirecional. Ao revés, os avanços tecnológicos
podem, sem dúvida, produzir repercussões bastante favoráveis quanto à geração
de trabalho e emprego nas economias.
No fundo o que se percebe é uma exacerbação do argumento tecnológico
como meio ao primado do trabalho e do emprego na sociedade capitalista.
Também o parâmetro organizacional, dotado ainda de razoável atratividade
lógica, conta com certa adesão junto a vertentes oriun das do pensamento
crítico clássico. Sua hegemonia incontestável, entretanto, situa-se no segmento
intelectual direcionado às práticas administrativas e gerenciais dentro das empresas
capitalistas.
Pelo parâmetro organizacional, as concepções desconstrutivistas do primado
do trabalho e do emprego na sociedade capitalista sustentam que as mudanças
vivenciadas desde os anos 1970 na estrutura organizacional das empresas e na
forma de gerenciamento de sua força de trabalho foram tão intensas, múltiplas
e disseminadas que abalaram, de modo implacável, o primado do emprego e do
próprio trabalho nesse sistema socioeconômico.
Não obstante, é também muito claro o equívoco desse funda mento
organizacional, que confere suporte a semelhantes matrizes intelectuais, à luz do
60 MAURICIO GODINHO DELGADO
(17) BAYLOS, Antonio. Prólogo. In: REY, Joaquín Pérez. Estabilidad en el empleo. Madrid: Trota,
2004. p. 14.
(18) BAYLOS, Antonio. Loc. cit.
(19) REY, Joaquín Pérez. Estabilidad em el empleo, Madrid: Trotta, 2004. p. 62.
(20) BAYLOS, Antonio. Loc. cit. Sobre o percurso flexibilizatório trabalhista espanhol, consultar ainda
BAYLOS, Antonio. Las relaciones laborales en España desde Ia Constitución hasta nuestros dias
(1978-2003). Madrid: GPS, 2003.
62 MAURICIO GODINHO DELGADO
(21) A impressionante e insensata paridade cambial (1 peso = 1 dólar), criada e mantida no Governo
Menem, durou nada menos do que cerca de 10 anos, de 1991 até fevereiro de 2002. In: Almanaque
Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 160-163.
(22) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003, São Paulo: 2003. p. 160. Diversas referências legais
quanto ao processo de desregulamentação e flexibilização trabalhistas na Espanha e na Argentina
são encontradas em GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. Capítulo 6.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 109-140.
(23) Sobre a Lei do FGTS e suas mudanças no sistema regulador da permanência do contrato de
emprego no Brasil, consultar DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 4. ed. 1ª reimpr. São
Paulo: LTr, 2005, Capítulo XXVIII, item IV, e Capítulo XXXII. Sobre a Lei do Trabalho Temporário e a
terceirização trabalhista, consultar, do mesmo autor e livro, o Capítulo XIII.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 63
Ocidente, inclusive no Brasil, consultar também POCHMANN, Márcio; MORETTO, Amilton. Reforma
Trabalhista: a experiência internacional e o caso brasileiro. In: Cadernos Adenauer— Sindicalismo e
relações trabalhistas. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, ano III, n. 2, p. 69-89, 2002.
(26) Segundo o economista Márcio Pochmann, a partir de dados do Ministério do Tra balho
e Emprego, em 1999, por exemplo, existiam apenas 22,3 milhões de assalariados com carteira
assinada no País (in O emprego na globalização — a nova divisão internacional do trabalho e os
caminhos que o Brasil escolheu. 1. ed./1ª reimpr. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 98). Dados do
IBGE, relativos a dois anos após (2001), por sua vez, indicam que o total da PEA ocupada — excluídos
os desempregados, pois a lcança cerca de 75 milhões de pessoas (in Almanaque Abril Brasil 2003
— Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003, p. 136 e 138). Conforme ressaltado, somente a partir do
período 2003-2013, é que se passou a reverter, efetivamente, o isolamento do Direito do Trabalho
no mercado laborativo brasileiro, com o incremento de aproximadamente 20 milhões de novos
empregos formalizados em cerca de 11 anos. A respeito, consultar, no capítulo IV deste livro, o seu
item V (“Adendo: a inclusão socioeconômica deflagrada no século XXI, no Brasil, pelo caminho da
relação de emprego e do Direito do Trabalho”).
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 65
1. Avaliação Crítica
(27) O Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963 (Lei n. 4.214/63), estendeu a legislação trabalhista
brasileira ao campo, suplantando a original restrição do art. 7º da CLT. No entanto, mesmo nas
décadas seguintes, não se cumpriu um real e eficiente processo de generalização dessa ordem jurídica
a grande maioria da população economicamente ativa ocupada do Brasil, conforme evidenciado
pelos dados oficiais acima descritos.
(28) A regressão jurídica trabalhista retomou força no Brasil a partir dos anos de 2016/2017,
com a apresentação de graves reformas legais precarizantes no Direito do Trabalho, ao lado do
recrudescimento de certo tipo de interpretação jurídica liberalista do Direito Social do País.
66 MAURICIO GODINHO DELGADO
(29) O ideário ultraliberalista perdeu certo prestígio, reconheça-se, em face das inúmeras crises
econômicas e sociais que provocou desde o início dos anos 1980 (a começar pela “crise da dívida”, com
início em 1981/1982, que fez sucumbir a grande maioria dos países latino-americanos), culminando
com a ampla crise socioeconômica ocidental iniciada nos EUA em 2007/2008 e propagada pela Europa
e pela América Latina. Entretanto despontam ainda assim, em certos países, refluxos de reformas
trabalhistas desregulamentadoras do mercado de trabalho e flexibilizadoras da ordem jurídica
trabalhista. A Espanha ilustra isso: ao enfrentar a crise econômica iniciada em 2007/2008, o País, logo
a seguir, iria retomar uma anterior e malsucedida agenda legislativa precarizadora do trabalho e do
emprego, aprofundando, dentro de suas fronteiras, o próprio desemprego e a desigualdade social. O
Brasil de 2016/2017, sem dúvida, também representa lamentável exemplo desse refluxo ultraliberalista
e antissocial, com as propostas de reformas trabalhistas e previdenciárias deflagradas nesses anos.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 67
(30) A respeito dessa política pública econômico-financeira e sua influência no sistema mundial e nos
países capitalistas ocidentais, inclusive da América Latina, no final do século XX e despertar do novo
século, consideradas ainda suas repercussões na equação emprego/desemprego, dirigir-se ao capítulo
III do presente livro (“Capitalismo sem reciprocidade: a política pública de destruição do emprego”).
Consultar, ainda, ilustrativamente: FIORI, José Luís; MEDEIROS, Carlos (Org.). Polarização mundial e
crescimento. Petrópolis: Vozes. 2001; TAVARES, Maria da Conceição: FIORI, José Luís (Org.). Poder e
dinheiro — uma economia política da globalização. 3. ed. Petrópolis: Vozes. 1997; FIORI, José Luis. Os
moedeiros falsos. 4. ed. Petrópolis: Vozes. 1998; POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização
— a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 1. ed./1ª reimpr. São
Paulo: Boitempo, 2002; ASSIS, J. Carlos de. Trabalho como direito — fundamentos para uma política
de promoção do pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002; PLIHON, Dominique.
Desequilíbrios mundiais e instabilidade financeira: a responsabilidade das politicas liberais. Um ponto
de vista keynesiano. In: CHESNAIS, François (Coord.). A mundialização financeira — gênese, custos e
riscos. São Paulo: Xamã, 1998.
CAPÍTULO III
I — INTRODUÇÃO
(*) A primeira versão deste artigo foi originalmente publicada na Revista LTr, São Paulo: LTr, ano 69,
n. 8, p. 915-937, agosto de 2005.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 69
(1) Conforme já indicado neste livro, o cientista político e historiador Francisco Fonseca prefere
“... utilizar a expressão ultraliberal, ao invés de neoliberal, em razão do radicalismo tanto dos
pressupostos desta doutrina quanto da forma de agir de seus adeptos”. FONSECA, Francisco. O
consenso forjado — a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil. São Paulo:
HUCITEC, 2005. p. 49. Na presente obra, como já esclarecido, temos alternado o uso das duas
expressões, por considerá-las reveladoras do mesmo conteúdo.
72 MAURICIO GODINHO DELGADO
(2) HUNT, E. K. História do pensamento econômico — uma perspectiva crítica. 7. ed./22ª tir. Rio de
Janeiro: Campus, 1981. p. 147.
(3) O presente rol foi retirado da obra de E. K. Hunt, cit., passim.
74 MAURICIO GODINHO DELGADO
(8) Não por acaso, a mais célebre obra econômica de Keynes intitula-se A teoria geral do emprego,
do juro e da moeda.
(9) HUNT, E. K. Ob. cit., p. 202.
(10) Conforme E. K. Hunt. Ob. cit., p. 316.
(11) O mais renomado livro de Keynes. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda,
data de 1936.
76 MAURICIO GODINHO DELGADO
(12) As referências às obras de Piero Sraffa, Joan Robinson e Michal Kalecki foram retiradas de:
Dicionário de economia — consultoria de Paulo Sandroni, São Paulo: Best Seller/Nova Cultural, 1987,
respectivamente p. 412-413 (Sraffa), p. 381-382 (Robinson), p. 220-221 (Kalecki). Quanto a Joan
Robinson e Michall Kalecki, consultar também o artigo de HELLER, Cláudia, “Progresso técnico e
nível de emprego: o teorema de Kalecki e o modelo de Joan Robinson”. In: POMERANZ, Lenina et al
(Org.). Dinâmica econômica do capitalismo contemporâneo — homenagem a M. Kalecki. São Paulo:
EDUSP/FAPESP, 2001. p. 157-185.
(13) Ressalte-se que Michal Kalecki melhor se enquadra como teórico marxista do que integrante da
linha neoclássica-intervencionista. Contudo seus estudos sobre desenvolvimento e emprego dentro
do capitalismo muito bem o associam às preocupações centrais do keynesianismo. Sobre o autor
polonês, consultar a importante obra coletiva: POMERANZ, Lenina et al (Org.). Dinâmica econômica
do capitalismo contemporâneo — homenagem a M. Kalecki. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 2001.
(14) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 221 e 253-281.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 77
(16) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 266.
(17) HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios — 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.
461. A economista Leda Paulani aponta o mesmo isolamento das vozes ultraliberais, mencionando
que, no período da hegemonia keynesiana, pré-anos 1970, “advogar a redução da presença do
Estado ou insistir no caráter virtuoso do mercado era quase uma heresia. Os liberais estavam então
completamente na defensiva”. PAULANI, Leda. Modernidade e discurso econômico. São Paulo:
Boitempo, 2005. p. 122.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 79
(21) A dívida federal norte-americana era de US$ 322 bilhões em 1970, US$ 906 bilhões em 1980,
saltando, após o governo Reagan (1980-1988) e seu programa militar “Guerra nas Estrelas”, seguido
por um mandato do também republicano Bush (pai), para o montante de US$ 4.061 bilhões, em
1992. Fonte: CHESNAIS, François. Introdução geral. In: CHESNAIS, F. (Coord.). A mundialização
financeira — gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998. p. 27.
(22) Por isso é que o economista ítalo-americano Franco Modigliani, laureado com o Prêmio Nobel
de Economia em 1985, sustenta, em obra concluída no ano de 2001, que os EUA têm seguido de
perto os ensinamento de Keynes, ao contrário dos países europeus ocidentais desenvolvidos. In: ob.
cit., p. 157.
82 MAURICIO GODINHO DELGADO
(24) Dicionário de Economia, consultoria de Paulo Sandroni. São Paulo: Best-Seller/Nova Cultural,
1987, respectivamente p. 185.
(25) Nesse rol de importantes instituições multilaterais e internacionais, cabe hoje acrescentar-se a
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que se tem também mostrado
bastante ajustada à visão de mundo neoliberalista. Ver, a esse respeito, Valor Econômico, 13.7.2005,
p. A-9 (“Sem reformas, crescimento da EU cairá pela metade, afirma a OCDE”).
84 MAURICIO GODINHO DELGADO
(26) NAGELS, Jacques. Elementos de economia política — crítica do pensamento único. Lisboa:
Piaget, 2001. p. 23.
(27) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 508.
(28) LOUREIRO, Maria Rita. Os economistas no governo — gestão econômica e democracia. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 33.
(29) LOUREIRO, M. R. Ob. cit., p. 23. O primeiro curso de pós-graduação em economia somente
surgiu, conforme Ricardo Bielschowsky, “em meados dos anos 60, na Fundação Getúlio Vargas. Antes,
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 85
tudo o que se teve foram cursos de aperfeiçoamento em planejamento econômico, organizados pela
Cepal, em colaboração com o BNDE”. BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro —
o ciclo ideológico do desenvolvimento. 5. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. p. 7.
(30) LOUREIRO, Maria Rita. Ob. cit., p. 23. Em direção semelhante, BIELSCHOWSKY, Ricardo.
Pensamento econômico brasileiro — o ciclo ideológico do desenvolvimento. 5. ed. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2004. p. 7.
(31) LOUREIRO, M. R. Ob. cit., p. 65. Grifos acrescidos.
(32) LOUREIRO, M. R. Ob. cit., p. 67.
(33) LOUREIRO, M. R. Ob. cit., p. 68. Esclarece a autora que, estando associada “... ideologicamente
ao chamado imperialismo norte-americano e vista, consequentemente, como expressão de colo-
nialismo cultural, a ‘americanização’ dessa disciplina não se deu de forma homogênea nas diversas
escolas do Brasil” (ob. cit. p. 69). Entre as instituições que apresentaram maior resistência ou rejeição
a semelhante processo estaria o Instituto de Economia da Unicamp, que, entre seus 28 professores-
-doutores existentes em 1991, apenas dois “fizeram PhD nos Estados Unidos” (loc. cit.).
86 MAURICIO GODINHO DELGADO
econômicas do Brasil, que menciona ... desde o primeiro número de cada uma
delas, são de autores americanos ou ligados a universidades americanas. (...) Em
contrapartida, o peso quantitativo dos estudos gerados em outros países, em
particular a Inglaterra e a França, vem caindo sistematicamente no conjunto do
período analisado, que se estende de 1946 até 1992”.(34)
A pesquisa sociológica demonstra, por fim, diversas facetas dessa profun-
da incorporação do pensamento hegemônico nos Estados Unidos em alguns dos
mais importantes cursos de pós-graduação em economia do Brasil: um peso me-
nor, nos processos seletivos, à prova de “economia brasileira” em comparação
com as provas de “teoria econômica” e de “métodos quantitativos”;(35) na grade
curricular, uma presença irrisória de disciplinas com abordagem histórica e institu-
cional, privilegiando-se, ao invés, as disciplinas ligadas aos métodos quantitativos,
matemáticos e estatísticos;(36) a absoluta prevalência de uma bibliografia muito
recente (“... uns poucos, mais antigos, são do final dos anos 70 e início dos 80”),(37)
na linha do mainstream acadêmico norte-americano das últimas décadas, sem
presença relevante dos clássicos da economia (Alfred Marshall, Joan Robinson,
Schumpeter, Keynes, Kalecki, por exemplo) e de linhas alternativas ou críticas à
corrente ora hegemônica; a absoluta prevalência de textos em inglês (90% e 78%,
respectivamente, em dois cursos enfocadas pela socióloga)(38); as “estratégias de
carreira” com intensa participação no circuito internacional, especialmente norte-
-americano, “e ainda em agências internacionais como o FMI, o Banco Mundial,
etc.”(39), valorizando-se “teoricamente o papel do mercado no sistema econômico”,
ao mesmo tempo em que se estabelecem “laços estreitos com empresas privadas,
particularmente com bancos, onde são consultores”(40).
(34) LOUREIRO, M. R. Ob. cit., p. 69 (observação entre colchetes acrescida ao original). A autora
reporta-se, quanto a essa pesquisa, à seguinte fonte: LOUREIRO, M. R.; LIMA, G. T. A internaciona-
lização da ciência econômica no Brasil. Revista de Economia Política, São Paulo: Nobel, 14(3), p. 44,
jul./set. 1994.
(35) Idem, p. 71.
(36) Idem, p. 71-73.
(37) Idem, p. 72.
(38) Idem, p. 73.
(39) Idem, p. 74.
(40) Idem, p. 76-77.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 87
(41) NAGELS, Jacques. Elementos de economia política — crítica do pensamento único. Lisboa:
Piaget, 2001. p. 23.
(42) Conforme já exposto, Francisco Fonseca prefere o termo “ultraliberal, em vez de neoliberal” não
só em face da vulgarização do segundo, como pelo fato de que “... a ideia de um ultraliberalismo
revela-nos a radicalidade — no sentido de implementação de uma agenda bem determinada e em
razão de seu modus operandi — com que os liberais do século XX atuaram visando à obtenção da
hegemonia”. Noutras palavras, a escolha se faz “... em razão do radicalismo tanto dos pressupostos
desta doutrina quanto da forma de agir de seus adeptos”. In: O consenso forjado — a grande
imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil, São Paulo: HUCITEC, 2005. p. 28 e 49.
88 MAURICIO GODINHO DELGADO
(45) Monitor Mercantil, ano LXXXVIII, n. 23.650, Rio de Janeiro, 16.3.2000, p. 01 e 03.
(46) Monitor Mercantil, loc. cit.
90 MAURICIO GODINHO DELGADO
(47) LOUREIRO, Maria Rita. Os economistas no governo — gestão econômica e democracia. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 90.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 91
(48) FIORI, José Luis (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1999. p. 36 (destaques no original). A respeito deste e outros receituários e encontros
análogos, ver também outra obra do mesmo autor, Os moedeiros falsos. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
1998.
92 MAURICIO GODINHO DELGADO
(49) A respeito, HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1981, passim.
(50) A respeito, consultar: HUNT, E. K. Ob. cit., passim. Ver ainda: POMERANZ, Lenina et al. Dinâmica
econômica do capitalismo contemporâneo — homenagem a M. Kalecki. São Paulo: EDUSP/FAPESP,
2001, passim.
(51) KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Alias, 1992.
94 MAURICIO GODINHO DELGADO
(52) Conforme já exposto neste livro, há autores que buscaram pesquisar essa linha teórica de
fragmentação do pensamento crítico, apontando as inconsistências de suas elaborações contrárias à
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 95
centralidade do trabalho e do emprego na dinâmica capitalista mais recente. É o que se passa com
estudos importantes do cientista social brasileiro Ricardo Antunes, Professor Titular da UNICAMP.
Citem-se, por exemplo, dois de seus livros nessa específica direção: Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre
as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 16. ed., São Paulo: Cortez, 2015 (1ª
edição: 1995) e, igualmente, Os Sentidos do Trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 2. ed./10ª reimpr., São Paulo: Boitempo, 2015 (1ª edição: 1999). Nesses livros – e em
outros de seus estudos e publicações -, o Professor Ricardo Antunes apresenta sólidos argumentos no
sentido oposto ao professado pelos notáveis autores do pensamento crítico europeu, como Jürgen
Habermas (1929-at.) e Claus Off (1940-at.), ambos da Alemanha, além de André Gorz (1923-2007),
este oriundo da Áustria mas com carreira acadêmica especialmente na França, os quais, em seu
conjunto, advogaram pela perda da centralidade do trabalho e do emprego nas contemporâneas
economia e sociedade capitalistas.
96 MAURICIO GODINHO DELGADO
A) Tecnologia
O parâmetro tecnológico — entre todos, o que mais impressiona — tem sido
inclusive aquele que mais embeveceu parte da intelectualidade oriunda da própria
tradição marxista.
(53) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX — 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 95. Apenas nos EUA, durante a década de 1920, a taxa média de desemprego
era favorável, em torno de 4% (loc. cit.).
(54) HOBSBAWM, E. Ob. cit., p. 97.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 97
Por esta diretriz, entende-se que a terceira revolução tecnológica teria sido
tão intensa e inovadora que comprometeu a antiga crucial necessidade do trabalho
e do emprego pelo sistema capitalista, levando ao eclipse tais modalidades de
inserção do ser humano na dinâmica econômico-social. Como resultado de tais
transformações, não haveria mais como se falar em centralidade do trabalho e do
emprego no mundo atual.
Insista-se no sentido dessa tese: as mudanças decorrentes da chamada
terceira revolução tecnológica do capitalismo teriam sido tão intensas, diversas
e disseminadas que abalariam, de modo implacável, o primado do emprego e do
próprio trabalho nesse sistema socioeconômico.
Não obstante o prestígio dessa vertente, torna-se muito claro o equívoco
desse fundamento tecnológico, que dá suporte a semelhantes matrizes intelectuais.
Afinal, as inovações derivadas da tecnologia não têm caráter estritamente negativo
com respeito à geração de trabalho e emprego; a relação tecnologia/emprego
não é, seguramente, apenas unidirecional. Ao invés, os avanços tecnológicos
podem, sem dúvida, produzir repercussões bastante favoráveis quanto à geração
de trabalho e emprego nas economias.
Aliás, o próprio universo dos países capitalistas não evidencia existir relações
tão claras e automáticas entre economias altamente desenvolvidas, do ponto de
vista tecnológico, e desemprego, ao lado de economias menos desenvolvidas
tecnologicamente e baixas taxas de desemprego.
No fundo, o que se percebe é uma exacerbação do argumento tecnológico,
como meio político-cultural relevante para o combate ao primado do trabalho e do
emprego na sociedade capitalista(55).
B) Organização
(55) A respeito dos equívocos do fatalismo tecnológico quanto ao emprego e ao trabalho, consultar
capítulo II deste livro.
98 MAURICIO GODINHO DELGADO
C) Mercado
(59) CHESNAIS, François. Introdução geral. In: CHESNAIS, F. (Coord.). A mundialização financeira —
gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998. p. 12.
(60) Dominique Plihon esclarece que “... dentro da Comunidade Europeia, conduzida por uma
Alemanha obcecada pela inflação, que as políticas foram mais restritivas”. In: ob. cit., p. 101.
(61) Importante exceção a essa uniforme política monetária de juros altos encontra-se, ladinamente,
nos EUA, mormente desde os anos 1990.
(62) Aqui também, os EUA despontam, sagazmente, como exceção no cenário dos países capitalistas
ocidentais mais importantes. É que o governo Reagan, não obstante o grande aumento de juros
em sua época, promoveu elevadíssimo investimento estatal de natureza bélica durante os anos
1980, favorecendo, no conjunto, a manutenção do bom desempenho da economia interna e dos
respectivos índices de emprego.
102 MAURICIO GODINHO DELGADO
(63) HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos — o breve século XX — 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p. 552.
(64) A expressão capitalismo desenfreado, como já exposto, encontra-se em NAGELS, Jacques.
Elementos de economia política — crítica do pensamento único. Lisboa: Piaget, 2001. p. 29.
(65) HOBSBAWM, E. Loc. cit.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 103
(66) ASSIS, J. Carlos de. Trabalho como direito — fundamentos para uma política de promoção do
pleno emprego no Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. p. 93-94.
104 MAURICIO GODINHO DELGADO
enfraquecimento, a partir de fins dos anos 1970, das forças sociais, políticas e
culturais classicamente opositoras da noção de império do mercado econômico
privado no âmbito das sociedades democráticas.
A debilitação desse contraponto democrático-popular ao estuário teórico
ultraliberalista resulta de três processos distintos, embora claramente combinados:
de um lado, o refluxo do movimento sindical, a contar da crise econômica de
meados dos anos 1970; de outro lado, a perda de consistência dos projetos
políticos democrá tico-populares europeus a partir dessa conjuntura adversa
(ainda que eventualmente conquistada ou recuperada, em torno dessa fase, a
direção política do Estado por vitórias eleitorais trabalhistas ou socialdemocratas);
finalmente, uma relativa fragmentação do pensamento crítico clássico, que passa
a acolher, ainda que de modo indireto, certos pressupostos da matriz explicativa
liberal sobre a sociedade capitalista mais recente.
No que diz respeito ao refluxo do movimento sindical, ele não é, evidentemente,
uniforme em toda a Europa, não se mostrando sequer relevante em determinadas
experiências históricas (países nórdicos, por exemplo). Contudo, ele é claro em
alguns países, cuja importância estratégica no imaginário do Ocidente é inequívoca.
É o que se passa, ilustrativamente, com a Grã-Bretanha.
O refluxo do sindicalismo origina-se, em parte, da crise econômica de meados
dos anos 1970 e do profundo incremento e durabilidade do desemprego então
despontado.
É bem verdade que esse incremento e essa duração do desem prego já
seriam resultantes da nova orientação econômica imposta aos países capitalistas
desenvolvidos pelo receituário liberal em expansão — responsável, no Ocidente,
a partir dos anos 1980, por taxas de desocupação inusitadas se comparadas aos
índices tradicionais do período de Welfare State. Entretanto, a permanência e
profundidade desse desemprego, em um contexto de atuação de outras variáveis
adversas — inclusive a rendição teórica ocorrida em segmentos importantes da
própria esquerda —, tudo contribuiu para que a debilitação sindical cumprisse
papel significativo na consolidação da nova hegemonia liberalista.
É ainda claro que esse refluxo sindical também decorre da nova linha de
enfrentamento das questões sociais por parte das lideranças ultraliberais ascendidas
ao poder desde 1979-1980, que se mostraram duras e inflexíveis com a atuação e
reivindicações sindicalistas(67).
No que concerne à perda de consistência dos projetos políticos democrático-
-populares europeus no último quartel do século XX, também não é obviamente
elemento absoluto, nem mesmo uniforme às distintas experiências europeias; con-
(67) Ilustra muito bem essa nova postura estatal o enfrentamento por Margaret Thatcher da greve
de mineiros de 1984-1985, que durou mais de um ano, sem quaisquer concessões governamentais.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 105
(68) Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 273-274.
(69) O economista José Carlos de Assis discorre, com ilustrativos exemplos, sobre a guinada
conservadora de parte importante das lideranças de esquerda e de sua curio sa ambiguidade
ideológico-programática, nessa fase histórica do Ocidente. ASSIS, J. Carlos de. Trabalho como
Direito — fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no Brasil, Rio de Janeiro:
Contraponto, 2002. p. 67-79.
106 MAURICIO GODINHO DELGADO
(70) Sobre essa fragmentação (relativa) do clássico pensamento crítico ao capitalismo (ou das
vertentes reformistas desse sistema), com suas compreensões acerca do suposto ocaso do trabalho
e do emprego, consultar o capítulo II deste livro. Ainda sobre o mesmo processo de fragmentação
do denominado “pensamento crítico do capitalismo”, consultar estudos relevantes do cientista social
brasileiro, Ricardo Antunes, Professor Titular da UNICAMP, tais como, ilustrativamente, Adeus ao
Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 16. ed., São
Paulo: Cortez, 2015 (a edição original da obra é de 1995), e Os Sentidos do Trabalho. Ensaio sobre
a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed./10ª reimpr., São Paulo: Boitempo, 2015 (a edição
original da obra é de 1999). Nesses dois livros — e em outros de seus vários estudos e publicações —,
o Professor Ricardo Antunes apresenta sólidas contraposições ao segmento do pensamento crítico
europeu que advoga a contraditória tese da perda da centralidade do trabalho e do emprego no
capitalismo contemporâneo. .
(71) HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro, São Paulo: Zahar, 1985. A obra data do início do
século XX (1910), examinando o processo de desenvolvimento do capitalismo na época.
(72) PLIHON, Dominique. Ob. cit., p. 113.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 107
(73) CHESNAIS, François. Introdução geral. In: CHESNAIS, F. (Coord.). A mundialização financeira —
gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998. p. 25 (grifos acrescidos ao original).
(74) CHESNAIS, François. Loc. cit.
(75) CHESNAIS, François. Ob. cit., p. 12.
(76) PLIHON, Dominique. Ob. cit., p. 111.
(77) THERBORN, Goran. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-
-Neoliberalismo — as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
p. 44-45.
108 MAURICIO GODINHO DELGADO
(78) BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. In: FIORI, José Luís (Org.). Estados
e moedas no desenvolvimento das nações. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 105.
(79) PLIHON, Dominique. Ob. cit., p. 112.
(80) THERBORN, Goran. A crise e o futuro do capitalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neo-
liberalismo — as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 44-45.
(81) THERBORN, Goran. Ob. cit., p. 44-45 (grifos acrescidos).
(82) CANUTO, Otaviano. Mobilidade de capital e equilíbrio de portfólios. In: FERRARI FILHO,
Fernando; PAULA, Luiz Fernando de (Orgs.). Globalização financeira — ensaios de macroeconomia
aberta. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 107 (grifos acrescidos).
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 109
1. Exacerbação do Ultraliberalismo
(85) PLILHON, Dominique. Ob. cit., p. 107. O nível elevado das taxas de juros que caracterizou
também a Europa Ocidental a partir dos anos 1980 refluiu com a crise econômica deflagrada a partir
de 2007/2008 nos EUA, com repercussões na economia da zona do euro. Como parte das medidas
para combater a recessão, a autoridade monetária europeia diminuiu o padrão dos juros do sistema
econômico-financeiro para patamares bem inferiores aos vigorantes nas décadas precedentes.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 111
(86) No caso brasileiro, tal política pública antissocial, de manifesta destruição de empregos, em seu
conjunto, foi seguida em largo período da década de 1990, conforme exaustivamente exposto no
presente livro. Lamentavelmente, foi retomada, com rigor e radicalidade impressionantes, a partir
dos anos de 2016/2017 (tendo certos antecedentes no próprio ano de 2015) — fato que deflagrou o
rápido e acelerado aumento das taxas de desemprego no País, em seguida a vários anos de notável
redução do desemprego.
CAPÍTULO IV
I — INTRODUÇÃO
(*) Este artigo, como tal, era inédito na data da 1ª edição deste livro (janeiro de 2006). Entretanto
vários dados e reflexões nele expostos já haviam sido inseridos pelo autor em outros estudos
divulgados tempos atrás. Ilustrativamente suas ideias foram expostas no Fórum Internacional sobre
Direitos Humanos e Direitos Sociais, realizado entre 29 de março e 1º.04.2004, em Brasília, no
Tribunal Superior do Trabalho, com a participação de autoridades e intelectuais do Brasil, da OIT
e de outros países e instituições internacionais. No painel “Discriminação”, este autor abordou o
tema retomado no presente capítulo IV, na época sob o título Discriminação e Exclusão Social – As
Grandes Maiorias e o Direito do Trabalho. Com esse mesmo título, o estudo foi publicado no livro
coletivo referente ao Fórum Internacional, a saber: DELGADO, Mauricio Godinho Discriminação e
Exclusão Social — As Grandes Maiorias e o Direito do Trabalho. In: Tribunal Superior do Trabalho.
Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. São Paulo: LTr, 2004, p. 366-376.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 115
(1) Entre os tipos de trabalhadores não empregados (eventuais e autônomos, por exemplo), no
Brasil, a categoria portuária de trabalhadores avulsos destaca-se por ter a vantagem de receber
a incidência do Direito do Trabalho no tocante à sua prestação de serviços nos portos marítimos
do País. Mais recentemente, por meio da Lei n. 12.023, de 2009, foi regulada a contratação, via
sindicato profissional, de trabalhadores no segmento de atividades de movimentação de mercadorias
em geral (os chamados portos secos). Esses trabalhadores, embora não sejam empregados, devem
ter seus direitos trabalhistas devidamente observados, em correspondência com a gestão de mão
de obra organizada pelo respectivo sindicato profissional. Sobre os antigos e novos avulsos (ou seja,
marítimos e não marítimos), consultar DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de direito do trabalho.
14. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 364-370.
116 MAURICIO GODINHO DELGADO
É verdade que esse caráter progressista não se percebe com tanta clareza
no caso brasileiro, principalmente em vista de não ter merecido aqui o Direito
do Trabalho generalização significativa no âmbito do mercado laborativo do País.
De fato, curiosamente, em nossa economia e sociedade, o padrão normativo
trabalhista tende a abranger fração pequena do impressionante universo de mais
de 80 milhões de trabalhadores que formam a população economicamente ativa
do País (essa curiosa defasagem será examinada no item III deste capítulo, à
frente). Não obstante, cabe enfatizar — como faz o economista Marcio Pochmann
— que, ainda assim, “o emprego assalariado formal representa o que de melhor
o capitalismo brasileiro tem constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem
acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista”(2).
Insista-se um pouco mais nessa função jurídico-trabalhista especial: é que
o Direito do Trabalho, do ponto de vista socioeconômico, se generalizado na
respectiva realidade nacional, torna-se importante incentivo ao crescimento do
capitalismo, assumindo papel indutor do progresso socioeconômico no respectivo
país.
Esse seu caráter modernizante e progressista resulta de, pelo menos, dois
fatores combinados.
De um lado, do fato de o Direito do Trabalho estruturar, impelir e organizar o
mercado interno de absorção dos próprios bens e serviços gerados pela economia,
mantendo-o renovado e dinâmico, por suas próprias forças de sustentação. Ora,
ao elevar as condições de pactuação da força de trabalho, esse ramo jurídico não
só realiza justiça social, como cria e preserva mercado para o próprio capitalismo
interno, devolvendo a este os ganhos materiais socialmente distribuídos em
decorrência da aplicação de suas regras jurídicas.
De outro lado, esse caráter modernizante e progressista se manifesta pelo
fato de esse ramo jurídico, ao incrementar o nível de pactuação do trabalho,
induzir os empregadores ao investimento tecnológico, como meio de redução
numérica de suas próprias necessidades laborativas.
Nota-se, portanto, que a primeira das funções desse ramo jurídico (elevação
das condições de pactuação da força de trabalho) é, do ponto de vista econômico,
atenuada por sua segunda função (caráter modernizante e progressista), de modo
a permitir que seu critério de inserção das pessoas no sistema socioeconômico não
seja irracional, mas bastante compatível e favorável ao próprio capitalismo.
Não é por outra razão, a propósito, que os países mais desenvolvidos, do
ponto de vista econômico, social e cultural, são os que apresentam o nível mais
elevado de retribuição ao trabalho. Ilustrativamente, considerada a moeda Euro,
eis os dados de salários, encargos sociais e custos totais por hora de trabalho em
alguns países desenvolvidos, no ano de 2004, segundo o órgão alemão de pesqui
sas econômicas, Instituto Wirtschaft Köln — IW, em quadro divulgado pelo jornal
Valor Econômico:(3)
(3) Valor Econômico, 11.8.2005, p. A-9, “Custo do trabalho na Alemanha é o 2º maior”. A pesquisa
indica também os números correspondentes a certos países europeus menos desenvolvidos, situados
fora da zona do curo. Ilustrativamente, Hungria: sal./hora: 2,55; enc. soc./hora: 1,97; cust. tot./hora:
4,53; República Tcheca: sal./hora: 2,45; enc. soc./hora: 2,04; cust. tol./hora: 4,49.
(4) É evidente que a análise acerca de certos países arrolados, como Portugal e Grécia, passa pelo
fato exponencial de seu ingresso na comunidade europeia, que teve fortíssimo impacto em suas
economias e sociedades.
(5) Conforme já discorrido no capítulo III deste livro, a persistente combinação de baixas taxas de
crescimento e elevado desemprego que a Europa Ocidental tem demonstrado nas últimas décadas
deve-se, claramente, à prevalência de rigorosa políti ca monetarista imposta pelos respectivos
bancos centrais nacionais — principalmente o alemão — e, hoje, capitaneada pelo Banco Central
Europeu (contração monetária, contração de crédito, baixo investimento público, juros elevados, por
exemplo). A isso se soma mais recentemente a artificial elevação do valor da moeda única, Euro, fato
que só tem acentuado tais efeitos econômicos contracionistas (nota de rodapé da edição original
do livro, de janeiro de 2006). Acrescente-se, por outro lado, que a crise econômica deflagrada em
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 119
Note-se, por fim, que todas essas importantes funções do ramo jurídico
trabalhista passaram a se destacar desde as primeiras décadas de sua formação
na Europa Ocidental, ainda na segunda metade do século XIX. No entanto, é claro
que se acentuaram durante o século XX, especialmente ao longo do período de
vigência do Estado de Bem-Estar Social e da prevalência da orientação keynesiana
de gestão econômico-social do capitalismo.
É necessário se perceber que, mesmo considerada a dominância da matriz
ultraliberalista de gestão econômico-social na Europa desde fins dos anos 1970, o
Direito do Trabalho manteve ali sua amplitude e abrangência, de modo a preservar
a essência dos fundamentais papéis por ele cumpridos no capitalismo.
De fato, tomados dois parâmetros muito ilustrativos (Alemanha e França),
com dados aplicáveis à década de 1990 (portanto, bastante pertinentes ainda),
vê-se que o Direito do Trabalho tem sido, no desenrolar do sistema econômico-
-social contemporâneo, notável instrumento de inclusão social das grandes massas
populacionais dos países capitalistas desenvolvidos. Enfocadas as situações da Ale-
manha e da França, percebe-se que mais de 80% da população economicamente
ativa daqueles países, já excluído o percentual de desempregados, insere-se no
mercado laborativo capitalista com as proteções inerentes ao Direito do Trabalho.
Em síntese, mais de 80% do pessoal ocupado nesses dois países europeus de-
senvolvidos, mesmo após longos anos de fluxo desregulamentador e flexibilizatório
oriundo da década de 1970, encontra-se, sim, regido pelo Direito do Trabalho.
A respeito da Alemanha, assim expõe Wolfgang Däubler:
Nas estatísticas, os autônomos aparecem como exceção relativamente
insignificante. Apenas 8,53% de todas as pessoas economicamente
ativas exerciam em maio de 1987 uma atividade autônoma. 1,78%
(6) Sobre as funções jurídico-trabalhistas na História, consultar também MAIOR, Jorge Luiz Souto. O
direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 121
(7) DÄUBLER, Wolfgang. Direito do trabalho e sociedade na Alemanha. São Paulo: LTr/Fundação
Friedrich Ebert/ILDES, 1997. p. 41-42 (grifos acrescidos).
(8) Perfil da Alemanha, Frankfurt/Menos: Societäts-Verlag, 1996. p. 386.
(9) JAVILLIER, Jean-Claude. Manuel droit du travail. Paris: LGDJ, 1998. p. 50.
122 MAURICIO GODINHO DELGADO
(10) O art. 7º da CLT, como se sabe, cuidadosamente dispunha que seus preceitos, de maneira
geral, não se aplicavam aos empregados rurais. A propósito, a exclusão também se estendia aos
empregados domésticos.
(11) O Censo de 1940, “o primeiro a dividir a população brasileira em rural e urbana, registra que
31,1 % dos habitantes estavam nas cidades”. Almanaque Abril 2003 — Brasil 2003. São Paulo: Abril,
2003. p. 166.
(12) Em 1940, a taxa de urbanização era de 31,1 %, como já visto. Passou a 44,67% em 1960 e,
finalmente, no censo de 1970, atingiu 55,92%. Em meados dos anos 1960, portanto, a urbanização
alcançou a metade da população do País. Fonte: Almanaque Abril 2003 — Brasil 2003. São Paulo:
Abril, 2003. p. 147 e 166.
124 MAURICIO GODINHO DELGADO
1. Dados Históricos
(13) Conforme já exposto, o Censo de 1940, “o primeiro a dividir a população brasileira em rural e
urbana, registra que 31,1 % dos habitantes estavam nas cidades”. Almanaque Abril 2003 — Brasil
2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 166.
126 MAURICIO GODINHO DELGADO
(16) Os dados da citada Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), do IBGE, de 2001,
encontram-se em: Almanaque Abril 2003 — Mundo 2003. São Paulo: Abril, 2003. p. 136 e 138.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 129
(17) “Comissão de Modernização da Legislação do Trabalho, Relatório”. In: Revista LTr, São Paulo:
LTr, ano 57, v. 4, p. 396-409, abril de 1993.
(18) Os órgãos de interpretação e aplicação do Direito do Trabalho, contudo, de 1995 em diante,
submetendo o novo dispositivo legal (novo parágrafo único do art. 442 da CLT) ao conjunto da
ordem jurídica, inclusive Constituição da República, acabaram por reduzir sua conotação ofensiva
ao universo de princípios e regras trabalhistas, considerando, assim, o preceito como instituidor
de simples presunção relativa no âmbito do mercado de trabalho (e não uma regra imperativa
excludente das normas trabalhistas). É o que se percebeu a partir da atuação da auditoria fiscal
trabalhista (Ministério do Trabalho), do Ministério Público do Trabalho, a par da jurisprudência
majoritária da Justiça do Trabalho.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 131
(19) Para exame das normas jurídicas de flexibilização e desregulamentação trabalhistas, desde
o regime militar até o final do Governo Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, consulte-se
GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização trabalhista. Belo Horizonte: Mandamentos,
2004. p. 159-266. Sobre essa onda de mudanças legais trabalhistas no Ocidente, inclusive Brasil,
reporte-se também a POCHMANN, Marcio; MORETTO, Amilton. “Reforma Trabalhista: a experiência
internacional e o caso brasileiro”. In: Cadernos Adenauer-sindicalismo e relações trabalhistas, Rio de
Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, ano III, n. 2, p. 69-89, 2002.
132 MAURICIO GODINHO DELGADO
(20) Ressalte-se, porém, que o Tribunal Superior do Trabalho, a partir da Resolução Administrativa
n. 121, publicada em 19.11.2003, iniciou importante processo de reestruturação de praticamente
toda a sua jurisprudência sumulada. Essa reestruturação, felizmente, passou a balizar, de modo
muito claro, as fronteiras máximas do processo interpretativo flexibilizatório, colocando aparente
termo final à tendência dominante na década de 1990.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 133
(21) No tocante à Alemanha, expõe Wolfgang Däubler: “Nas estatísticas, os autônomos aparecem
como exceção relativamente insignificante. Apenas 8,53% de todas as pessoas economicamente
ativas exerciam em maio de 1987 uma atividade autônoma. 1,78% eram colaboradores familiares
que podem ser encontrados sobretudo na agricultura, no varejo e em atividades artesanais. 80,62%
de todos os ativos eram operários e empregados. 9,07% eram funcionários públicos e militares.
Assim, praticamente nove entre dez pessoas economicamente ativas são assalariadas, pois de lá
para cá não houve mudanças maiores nesta relação. Enquanto a condição de funcionário público se
fundamenta em ato administrativo, sendo regulamentada exclusivamente por lei, estão os operários
e empregados sujeitos ao direito do trabalho”. In: Direito do trabalho e sociedade na Alemanha.
São Paulo: LTr/Fundação Friedrich Ebert/ILDES, 1997. p. 41-42 (grifos acrescidos). Note-se que o
autor, embora se fundando em dados de 1987, afirma, em sua obra de fins dos anos 1990, não
ter havido “mudanças maiores nesta relação”. De todo modo, a obra Perfil da Alemanha, editada
pela Societäts-Verlag, de Frankfurt/Meno, daquele país, em 1996, dispõe que os “trabalhadores,
empregados, aprendizes e funcionários públicos, isto é, os chamados assalariados, perfazem na
Alemanha 89,5 por cento dos 36,1 milhões de pessoas ativas (29,7 milhões nos antigos estados e 6,7
milhões nos novos estados). Além dos assalariados, há 3,3 milhões de autônomos, que atuam como
empregadores. Ao lado dos 488.000 familiares que os ajudam, os autônomos empregam também
134 MAURICIO GODINHO DELGADO
um grande número de assalariados” (ob. cit., p. 386). No tocante à França, referindo-se ao ano de
1996, expõe Jean-Claude Javillier que a população assalariada, regida pelo direito do trabalho, atinge
em torno de 19,5 milhões de pessoas, sendo de 22,5 milhões a população ativa ocupada, em um
contexto de uma população total de 58,4 milhões. In: Manuel droit du travail. Paris: LGDJ, 1998, p.
50. A respeito desses dados relativos à Alemanha e à França, consultar também o final do item II do
presente capítulo.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 135
(22) O presente item V deste Capítulo IV somente foi inserido na 2ª edição do livro, que foi publicada
em setembro de 2015. Naturalmente que recebeu aperfeiçoamentos redacionais na presente 3ª edição.
(23) CAGED significa “Cadastro Geral de Empregados e Desempregados”, tendo sido criado pela
Lei n. 4.923, de 1965, sendo administrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Já a RAIS traduz
“Relação Anual de Informações Sociais”, criada pelo Decreto n. 76.900, de 1975. Os dados do CAGED
referem-se a relações de trabalho formalizadas, no sentido amplo, ou seja, empregados formalizados,
trabalhadores avulsos formalizados e servidores públicos, quer celetistas ou administrativos. Os dados
mensais e anuais do CAGED, inclusive sua relação anual histórica, são publicados pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), em seu sítio eletrônico, na internet, no denominado Portal do MTE:
www.mte.gov.br/A descrição desses dados encontra-se ainda em: DELGADO, Mauricio Godinho.
Curso de Direito do Trabalho. 14. ed., São Paulo: 2015, p. 55-58.
(24) Fonte: RAIS-CAGET/DES/SPPE/MTE. Texto: “Características do Emprego Formal - Relação Anual de
Informações Sociais - 2014”. Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 137
(25) Sobre a política de incremento contínuo do valor do salário mínimo, consultar MELLO, Roberta
Dantas de. Relação de Emprego e Direito do Trabalho — papel histórico, crise e renascimento. São
Paulo: LTr, 2015. p. 193-213.
138 MAURICIO GODINHO DELGADO
(26) O presente item V deste Capítulo IV somente foi inserido na 2ª edição do livro, que foi publicada
em setembro de 2015. Naturalmente que recebeu aperfeiçoamentos redacionais na presente 3ª edição.
140 MAURICIO GODINHO DELGADO
(27) A respeito desses princípios humanísticos e sociais da Constituição de 1988, consultar DELGADO,
Mauricio Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo
do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017, particulamente em seu Capítulo II (“Princípios Constitucionais
do Trabalho”).
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 141
empregatícia — preceitos mais à frente indicados neste próprio item VI, em seu
subitem 1. A intenção do PLC n. 38/2017 parece clara no sentido de mercantilizar
(ou remercantilizar), ao máximo, a força de trabalho na economia e na sociedade
brasileiras, retirando, no que for possível, controles jurídicos e civilizatórios no que
tange à gestão trabalhista e à própria análise institucional dos temas e conflitos
trabalhistas.
Seguindo nessa linha de desregulamentação e flexibilização trabalhistas
extremadas, o PLC n. 38/2017 enfraquece, enormemente, os sindicatos de
trabalhadores, por meio de diversos mecanismos expostos no interior do diploma
normativo aprovado pela Câmara dos Deputados — alguns deles também indicados
mais à frente neste item VI, em seu subitem 1. O PLC n. 38/2017 claramente
enfraquece ou afasta, no possível, no interior da relação de emprego a normatização
heterônoma estatal de proteção às pessoas humanas trabalhadoras; enfraquece,
no possível, as entidades sindicais representativas desses trabalhadores; e eleva, no
possível, a margem de atuação do poder empregatício, apesar de o contrato de
trabalho se tratar, conforme se sabe, de evidente contrato de adesão (o qual já
favorece, naturalmente, de modo significativo, o polo empresarial da avença).
O PLC n. 38, de 2017, entretanto, também atua sobre o Direito Processual
do Trabalho, criando inúmeros mecanismos de restrição do acesso à jurisdição à
pessoa humana do trabalhador — mecanismos que serão, logo a seguir, indicados
neste mesmo item VI, em seu subitem 1. Neste campo jurídico (Direito Processual
do Trabalho), o número de regras danosas (algumas já mencionadas, pois atuam
em campos complementares) alcança em torno de 15 preceitos!
Naturalmente que não cabe, neste estudo, se analisarem todos os dispositivos
do Projeto de Lei da Câmara, por ser tarefa que escapa aos objetivos deste livro e
deste item VI do presente Capítulo. Serão indicados, essencialmente, as dezenas
de regras jurídicas que, em seu impressionante conjunto, promovem notória
regressão normativa, cultural, democrática, social e até mesmo econômica no
plano das relações empregatícias no País.
(30) Sobre o sentido constitucional de Estado Democrático de Direito, com o seu tripé conceitual
distintivo, claramente estruturado pela Constituição de 1988 no Brasil, consultar o artigo de
DELGADO, Mauricio Godinho. Constituição da República, Estado Democrático de Direito e Direito
do Trabalho, originalmente publicado em 2012 e que consta, como Capítulo II, do seguinte livro:
DELGADO, M. G.; DELGADO, G. N. Constituição da República e Direitos Fundamentais — Dignidade
da Pessoa Humana, Justiça Social e Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2017.
152 MAURICIO GODINHO DELGADO
(31) Conforme exposto neste item VI deste Capítulo IV, a partir de janeiro de 2015, o antigo governo
passou a adotar, equivocadamente, medidas ultraliberalistas em sua política econômica; porém,
sem dúvida, não incorporou o ideário ultraliberal nas demais políticas públicas. Apenas a contar
de 12 de maio de 2016, com o início da derrubada do governo eleito em fins de 2014, é que,
realmente, o novo governo instalado passou a seguir, com intensidade, rigor e generalidade, a
agenda ultraliberalista em todos os níveis da atividade estatal e das políticas públicas, inclusive no
campo do Direito de Seguridade Social (reforma previdenciária) e do Direito do Trabalho e seus
distintos segmentos (reforma trabalhista).
CAPÍTULO V
I — INTRODUÇÃO
(1) O presente Capítulo V somente foi inserido na 3ª edição deste livro, divulgada no mês de junho
de 2017.
154 MAURICIO GODINHO DELGADO
(2) Esclareça-se que houve um curto período de desemprego nos EUA em meados dos anos de 1970,
com a denominada crise do petróleo (1973/1974) e anos subsequentes da mesma década. Porém,
a contar do Governo Reagan — posse em janeiro de 1981; término do mandato em janeiro de 1989
—, com o (mal) chamado “keynesianismo de guerra” daquele governo, retomou-se o crescimento
econômico no país, reduzindo-se, em consequência, com certa rapidez (em comparação com a
Europa), o desemprego nos Estados Unidos.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 155
(3) MOORE JR, Barrington. Injustiça — bases sociais da obediência e da revolta. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 157
(4) Vide distintos países da Ásia, onde imperam políticas públicas do tipo keynesianas, há
várias décadas, com enorme sucesso quanto às baixas taxas de desemprego e bons índices de
desenvolvimento econômico. Aliás, com a exceção do Japão (que tem ostentado, desde os anos
de 1990, claros problemas quanto ao desempenho de seus índices econômicos e de emprego/
desemprego). Neste específico país (Japão), curiosamente, prepondera a influência de um Banco
Central que, nas últimas décadas, foi reconhecidamente influenciado e disciplinado no seguimento
da linha monetarista rigorosa elogiada no imaginário das políticas públicas do Ocidente.
158 MAURICIO GODINHO DELGADO
(5) Dados oficiais brasileiros (IBGE: mês base de referência: dezembro) demonstram que os índices
de desemprego ostentaram números superiores a 10,0% da população economicamente ativa do
País até o ano de 2003 (dezembro de 2003: 10,9%), caindo, acentuadamente, a partir de então,
até atingir índice inferior a 5,0% relativamente aos meses de dezembro de 2011 até dezembro de
2014. Notem-se os índices do IBGE, todos relativos a dezembro de cada ano: 2002 — 10,5; 2003
— 10.9; 2004 — 9,6; 2005 — 8,4; 2006 — 8,4; 2007 — 7,4; 2008 — 6,8; 2009 — 6,8; 2010 — 5,3;
2011 — 4,7; 2012 — 4,6; 2013 — 4,3; 2014 — 4,3; 2015 — 6,9; 2016 (neste caso, fevereiro) — 8,2.
Conforme se percebe, depois de dezembro de 2014, tais índices voltaram a subir aceleradamente,
atingindo já 8,2% em fevereiro de 2016. (FONTE: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de
Trabalho e Rendimento. Pesquisa Mensal de Emprego: mar.2001-fev.2016. URL: http://www.ibge.
gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_defaulttab_hist.shtm Acesso em
12/05/2017, às 17:05h). A elevação dos índices de desemprego, a partir do ano de 2015 (em
dezembro de 2014, relembre-se, tal número estava em apenas 4,3%) — e em crescimento acentuado
e constante já por dois anos, desde o primeiro semestre de 2015 até o presente primeiro semestre de
2017 -, coincide exatamente com a alteração da política econômica e financeira do Brasil, na direção
monetarista extremada (neste caso, a partir de janeiro de 2015) e, a contar de maio de 2016, até
mesmo na direção ultraliberalista, em sentido mais geral. O último índice divulgado pelo IBGE (até a
data do fechamento da redação deste livro, em maio de 2017), foi concernente ao mês de março de
2017, que atingiu o patamar superior a 13%, em conformidade com a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (FONTE: IBGE. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua. Indicadores para população de 14 anos ou mais de idade.
BRASIL. Divulgação em 18 de maio de 2017). Embora esta última pesquisa se trate de investigação
e/ou análises distintas das explicitadas na primeira tabela acima exposta, o fato é que ambas as
pesquisas e seus dados foram coletados, examinados e divulgados pelo IBGE. Para não haver dúvidas,
esclareça-se que os dados recém publicizados pelo IBGE, relativamente à pesquisa “PNAD Contínua”,
evidenciam o seguinte: Taxa de Desocupação: jan-fev-mar/2016 — 10,9; out-nov-dez/2016 — 12,0;
jan-fev-mar/2017 — 13,7. De todo modo, qualquer que seja a pesquisa considerada, os dados e seu
sentido são, efetivamente, manifestos, isto é, o tipo de política pública é que, fundamentalmente,
cria, aumenta e/ou mantem elevados os índices de desemprego no capitalismo de finanças. .
CAPITALISMO, TRABALHO E EMPREGO 159
(6) O índice de 13% de desemprego (na verdade, 13,7!), relativamente ao mês de março de 2017,
foi divulgado pelo IBGE em 18 de maio de 2017, conforme exposto na nota de rodapé anterior,
referindo-se, porém, à pesquisa «PNAD Contínua». Conforme já explicitado, o próprio IBGE apresenta
números um pouco diferentes sobre o tema dos índices do desemprego no País, em conformidade,
é claro, com os métodos, cenários e pesquisas considerados. Não obstante essa relativa disparidade,
o fato é que os números demonstram uma clara e lógica evolução: quando o País adota políticas
públicas ultraliberalistas, com o seu receituário monetarista rigoroso característico e outras medidas
ultraliberais vinculadas, os índices do desemprego se aceleram; quando as políticas públicas ostentam
outros teor e direcionamento, os índices de desemprego recuam.
160 MAURICIO GODINHO DELGADO
tecnológicos, além de se destacar por ser um dos setores da economia que menos
necessita, para operar, de força de trabalho intensiva. Este fato, aliado à influência
generalizada do pensamento econômico ultraliberalista — em si, um padrão de
explicação da economia e da sociedade elaborado preponderantemente sob a
perspectiva do segmento financeiro-especulativo —, tudo leva à percepção muito
mais benevolente, pelo pensamento dominante, acerca dos altos índices de
desemprego no mundo concreto da vida econômica e social.
Historicamente se sabe que os segmentos dominantes no capitalismo jamais
ostentaram inteira ojeriza e repulsa perante os altos índices de desemprego. Há
quase 75 anos, em texto publicado no ano de 1943 (“Aspectos Políticos do Pleno
Emprego”), o economista Michal Kalecki insistia que o pleno emprego elevava,
significativamente, o valor do trabalho e do próprio trabalhador na realidade
econômica e social (fato que não era de especial agrado do poder econômico), ao
passo que o desemprego, sob a perspectiva desses mesmos setores econômicos
dominantes, reduzia a força, a organização e o valor econômico, social e político
dos trabalhadores, em seu conjunto.(7) Em impressionante inferência, o autor chega
a estatuir que se pode esperar, das forças econômicas dominantes, “a oposição
à manutenção do pleno emprego e não apenas à tentativa de evitar profundas e
prolongadas depressões econômicas”.(8)
No capitalismo de finanças, entretanto, a tensão e o dilema entre o combate
às recessões econômicas versus a suposta necessidade, para o capitalismo, de
certo grau de desemprego na sociedade, se tornaram claramente resolvidos: as
últimas décadas demonstram que o pensamento ultraliberalista dominante fez
a clara escolha pela criação ou mantença de elevados índices de desemprego na
economia e na sociedade, negligenciando, manifestamente, o manejo de políticas
públicas de combate à recessão, o desaquecimento ou a letargia econômicos.
Ou seja, para esse tipo de pensamento ora hegemônico - que é expressão típica
do capitalismo de finanças -, prevalece a concepção no sentido da relevância do
desemprego como estratégia em benefício do sistema econômico, no contexto da
permanência de certo (suposto) necessário grau de desaquecimento da economia
e também da pressão trabalhista no âmbito socioeconômico.
O desemprego, na qualidade de fato social impactante e de estratégia
de gestão política, social e econômica, efetivamente enfraquece, desalenta e
desorganiza as pessoas humanas que vivem do emprego e do trabalho, propiciando,
em decorrência, a consecução de mudanças supressivas de direitos no plano da
sociedade política e da sociedade civil.
(7) KALECKI, Michal. Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego. In KALECKI, Michal. Crescimento e
Ciclo das Economias Capitalistas. Ensaios selecionados e traduzidos por Jorge Miglioli. 2. ed. São
Paulo: HUCITEC, 1987, p. 54-60. O texto original em inglês (Political Aspects of Full Employment) foi
publicado em revista da Grã-Bretanha, Political Quarterly, em 1943. Na internet, existem hoje versões
traduzidas em Português e em Espanhol do relevante texto desse economista, falecido em 1970.
(8) KALECKI, Michal. Ob. cit., p. 58 (grifos no original).
164 MAURICIO GODINHO DELGADO
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