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Biopolítica e Necropolítica

Foucault e Biopolítica
1970 — Foucault disseca a mecânica das relações de poder
empreendendo a “história das tecnologias de poder”.

Foucault identifica a existência de um poder que se concretiza no direito


de matar, sendo este o PODER SOBERANO.
Embora derivado da pátria potestas do direito romano, o PODER
SOBERANO, em seu contexto, já não era aplicado em sua forma incondicional.
Na fórmula clássica, este poder só poderia ser exercido pelo soberano
de forma indireta, quando sua existência é colocada em risco.
Poder Soberano condicionado ao Direito de Réplica

XVII — Foucault evidencia a formulação da biopolítica, forma de poder


que atua sobre a vida através dos corpos dos indivíduos.
Por meio de técnicas disciplinares os torna produtivos e, ao mesmo
tempo, politicamente débeis.
Controle da População.
Segundo Foucault, a função da necropolítica é “fazer viver e deixar
morrer”.
Morte arrastada para o âmbito privado e torna-se vergonhosa.
A biopolítica é responsável pela mortalidade da população, assim
afastando os efeitos deletérios que surgem naturalmente ao longo da vida.

QUESTIONAMENTO sobre como o antigo direito de matar, o poder


soberano, pode estar presente em uma sociedade biopolítica.
O direito da morte assombra a biopolítica pelo mecanismo denomidado
por Foucault como racismo.
Racismo como uma dicotomia entre uma “raça boa” e uma “raça ruim”.
“Raça ruim” sendo vista como um perigo em geral para a vida em
sociedade e, como tal, deve ser eliminada.
Foucault diz que “a morte da raça ruim [...] é o que vai deixar a vida em
geral mais sadia”.
DIFERENÇA ENTRE DISCURSO DE LUTA DE RAÇAS E DISCURSO
RACISTA
Deve-se compreender o ponto de vista de Foucault sobre o racismo,
sendo que este traça uma diferença entre o racismo em si, e o discurso antigo
de luta de raças.
O racismo, intrínseco na biopolítica, é apenas uma variação, ocorrida no
século XIX, dentro da Europa acerca do discurso sobre a luta de raças
ANTERIOR ao século XIX, o discurso da luta de raças possuía uma
postura de clivagem política, história e social entre dois grupos ou classes
socialmente distintas.
DURANTE o século XIX, com o processo colonizador capitaneado pela
Inglaterra e França, há uma mutação e o discurso da luta de raças torna-se um
discurso racista.
Isto ocorre devido ao surgimento de uma nova tecnologia de poder, A
BIOPOLÍTICA.
Com o poder protegendo e fomentando a vida do homem como ser vivo,
há a estatização do biológico.
Com essa cisão dividindo as raças em categorias de boa ou ruim,
inclina-se à mortalidade da raça ruim.
Foucault afirmou que “quanto mais indivíduos anormais forem
eliminados [...] mais eu — não enquanto indivíduo, mas enquanto espécie —
viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais poderei proliferar”.

CONCEITO DE RACISMO CONFORME FOUCAULT, APROFUNDADO


Fragmentar o campo biológico que o poder se incumbiu de administrar.
População como multiplicidade, realizando a fragmentação em espécies
e subgrupos — raças.
Mecanismo de viés biológico na medida em que a ideia de inimigo já não
é mais aquele inscrito somente no registro político.
Justifica a eliminação do outro em função da defesa da população.
Mecanismo-chave que permite o exercício do direito de morte em uma
sociedade de normalização, já que este direito passa a ser aceitável quando
está destinado a afastar ou eliminar um perigo biológico, assim fortalecendo a
própria espécie.
Este direito de matar não se atém apenas à morte de fato, mas sim à
todas as condutas que levam à exposição à morte.

Ao final do século XIX, houve maior inserção de teses biológicas no


discurso político.
Teoria evolucionista fazendo alusão à hierarquia entre as espécies, luta
pela vida e seleção natural que elimina os menos adaptados.
Este discurso político-biológico justifica as relações de colonização,
necessidades de guerra, criminalidade, loucura, doença mental, bem como a
divisão da sociedade em classes.
A ideologia, portanto, autoriza, não só submissão do colonizado, mas
também genocídio de outros povos, o extermínio seletivo de outras
populações.
Transformação do outro em inimigo baseado em caráter biológico.
Já no âmbito da guerra, compreende-se que a motivação passa de ser
política para ser biológica, juntamente à motivação de regenerar a própria raça
(conforme Foucault, “quanto mais numerosos forem os que morrerem entre
nós, mais pura será a raça a que pertencemos”).

Foucault considera que o ápice do racismo de Estado chega com o


nazismo.
Sociedade nazista desencadeou de forma mais completa o velho poder
soberano de matar, pois o direito de vida ou morte não era mais conferido
apenas ao Estado, mas sim à todas as pessoas, ainda que mediante uma mera
denúncia.
Desencantamento do poder soberano, tendo em vista que ele não
precisa mais ser ritualizado para ser concretizado.
No entendimento nazista, em que a guerra era seu objetivo central,
houve dois principais propósitos. Primeiramente, a aniquilação da outra raça,
segundamente, a exposição da população à morte.
Entende-se como exposição à morte não como um risco acidental, mas
sim um dever de obediência. Faz parte de sua política.
Biopoder e poder soberano andam de mãos dadas no regime nazista.
Nazismo levou o paradoxo da relação entre biopoder-poder soberano ao
extremo. Ademais, evidencia-se que Foucault não respondeu se este paradoxo
está presente nos Estados capitalistas modernos.

Relação entre o racismo traçado por


Foucault e a necropolítica de Mbembe
O mecanismo do racismo foucaultiano representa exatamente uma
necropolítica de Mbembe?

Pode-se evidenciar a harmonia entre o entendimento de ambos os


conceitos, sendo que ambos optam pela rasura da história de colonização e
terror sofrida por uma cultura de matriz não-europeia.
No entanto, as pesquisar de Foucault são no âmbito de um local
geograficamente determinado, e cada sociedade possui seu regime e o
discurso acolhido, funcionando como verdadeiros ou falsos. Portanto, não se
deve universalizar as compreensões deste acerca do poder e aplicá-las
indistintamente a qualquer local ou cultura.
Portanto, a necropolítica não é uma mera variação do racismo
racionalizado por Foucault. A primeira trata-se de um mecanismo de poder
peculiar que emerge do processo histórico de colonização dos povos
americanos e africanos. Dessa forma, servindo-se em um molde de sociedade
europeia e perpetuando-se por meio da iminente globalização, neoliberalismo e
colonialismo.

Entende-se a Necropolítica de Mbembe como um texto anticolonial que


coloca a morte como um mecanismo central da política global.
Necropolítica apaga fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e
redenção, martírio e liberdade.
Mbembe determina espaços em que a necropolítica é atuante, já que a
biopolítica não seria o instrumento mais adequado como paradigma de análise.
Deve-se compreender então a necropolítica como uma dinâmica
invertida da biopolítica foucaultiana.
Enquanto a biopolítica para Foucault é uma tecnologia de previdência,
de poder, que procura estabelecer o equilíbrio interno da população, em
sentido regulamentador, incentivando para que as pessoas vivam, para que
possa controlar o modo em que elas vivem, agindo na função de prolongar a
vida; Mbembe articula as suas argumentações com base em três conceitos, 1.
A noção de biopoder de Foucault, os conceitos de soberania e estado de
exceção.
Estado de Exceção é o entendimento de Carl Schmitt, em consonância
com Giorgio Agamben, em que o soberano é aquele que suspende o direito,
regra ou lei vigente. Utiliza da exceção para suspender o que é de direito de
um indivíduo. Por meio de normas ou atos normativos com força de lei, é criado
um não-lugar, aonde o sistema jurídico vigente é regularmente suspenso.
Portanto, as categorias elencadas por Mbembe compreendem a
soberania como uma espécie de tecnologia de poder que transforma
determinados espaços políticos em campos de morte, produzindo a
“instrumentalização da existência humana e a destruição material de corpos
humanos e populações”.
Dessa forma, Mbembe entende que a soberania constrói conforme a
articulação do estado de exceção e da ideia de inimigo, para assim consolidar
o direito de matar. Trata-se, portanto, de uma tecnologia política voltada ao
massacre populacional.
Logo, este ainda entende que a necropolítica possui a constante noção
de inimizade, aonde o Outro é percebido como um perigo, não só contra a
segurança, mas também contra a vida.
Lógica da inimizade: a vida do Outro não é ameaçadora para alguns
aspectos da segurança física ou outra forma de segurança, é uma ameaça à
vida em sua totalidade. Eliminação física do Outro torna-se a abordagem
necessária para tal ameaça percebida.
A necropolítica centraliza-se no direito de morte do soberano.
“Qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa tratar
da escravidão, que pode ser considerada uma das primeiras manifestações da
experimentação biopolítica” Mbembe.
Mbembe evidencia o plantation, sistema colonial de organização de
produção, como exemplo de estado de exceção (suspensão do ordenamento
jurídico, subtração da condição política do homem e força de lei).
Ao ser levada ao extremo, o “estado de exceção” reduz a condição
humana a simples corpos biológicos (tanto no sistema platation ou no
escravocrata, os explorados perdiam condição humana para se tornarem
coisas — devir-objeto)
Nos regimes de colonização europeia instaurados ao redor do mundo, é
clara a relação de morte e vida. Inclusive, até para os escravos, embora
possuíam sua utilidade vivos, é compreendido que estes passavam por um
processo de morte em vida (perdendo seu lar, família, direito sobre seu corpo e
destituição de todo e qualquer status político).

Em suma, para Mbembe a necropolítica diferente do racismo


foucaultiano, aparece durante a colonização europeia na modernidade, seja na
escravidão de povos africanos ou no extermínio da população indígena.
Nesse âmbito, entendendo-se que o direito do soberano,
substancializado na forma da morte, é de decidir quem importa ou não viver,
quem é digno ou não.

No contexto atual, Mbembe entende que o direito soberano de matar


não é mais monopólio do Estado. Este destaca a existência de grupos
segmentados constituídos por homens armados, mercantilizando o poder
bélico, que antes era pertencente ao Estado. Logo, tornou-se tudo um mercado
movido por grupos privados. Exemplifica-se também com a problemática
enfrentada no Rio de Janeiro com as facções criminosas responsáveis pelo
tráfico e o crescente domínio territorial de milícias.
Necropolítica está presente na governamentabilidade neoliberal, o que
se manifesta nas zonas periféricas reforçadas por este neoliberalismo. Assim,
traduz-se o crescente aumento das práticas discriminatórias, aumento dos
discursos de ódio, grandes extermínios étnicos, expurgos em massa de
determinadas populações e aumento do número de assentamento de
refugiados.
Mbembe afirma que a governabilidade neoliberal abriga as duas
espécies de técnicas de poder, biopolítica e necropolítica.

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