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Marta Lança
NECROPOLÍTICA
“Se imaginarmos a política como uma forma de guerra, devemos interrogar-nos: qual é o
reservado à vida, à morte e ao corpo humano (em particular, ao corpo ferido ou assassinado)?
Que lugar ocupam dentro da ordem do poder? P. 108
A nossa preocupação prende-se com essas figuras de soberania cujo projecto central não é a
luta pela autonomia, mas, antes, a instrumentalização generalizada da existência humana e a
destruição material de corpos humanos e populações. Estas figuras de soberania estão longe
de representar alguma espécie de insanidade rara ou alguma expressão de ruptura entre os
instintos e os interesses da mente e do corpo, respectivamente. Na verdade, elas são, tal como
os campos de extermínio, aquilo que constitui o nomos do espaço político, ao qual ainda
pertencemos. P. 111
Em Hegel a morte baseia-se num conceito bipartido de negatividade. Por um lado, o ser
humano nega a natureza (negação exteriorizada pelo esforço humano em reduzir a natureza
às suas próprias necessidades); e, por outro, transforma o elemento negado através do seu
trabalho e da sua luta. Ao transformar a natureza o ser humano cria um mundo; mas nesse
processo ele permanece exposto à sua própria negatividade. Segundo o paradigma hegeliano,
a morte humana é essencialmente voluntária. É o resultado dos riscos assumidos
conscientemente pelo sujeito. Na opinião de Hegel, com estes riscos, o “lado animal”,
constituinte natural do sujeito humano acaba por ser derrotado.112
Defende Bataille que a morte é a putrefação da vida, o fedor que é, simultaneamente, a fonte
e a condição repulsiva da vida. P113
Ao considerar a soberania como a violação das proibições, Bataille reabre a questão dos limites
da política. A política, neste caso, não é o movimento dialéctico progressivo da razão. Ela só
pode ser traçada como uma espiral de transgressão, uma diferença que desorienta a própria
eidea de limite. Mais especificamente, a política é a diferença posta em acção pela violência de
um tabu. P. 115
De facto, nos termos de Foucault, o racismo é acima de tudo uma tecnologia orientada para
permitir o exercício do biopoder, “esse ancestral direito soberano à morte”.
A percepção da existência do Outro como um assalto à minha vida, como uma ameaça mortal
ou um perigo absoluto, cuja eliminação biofísica pudesse fortalecer a minha possibilidade de
vida e de segurança, não é mais do que um dos muitos imaginários característicos da
soberania, tanto da pré como da pós-modernidade. 117
Emerge uma nova sensibilidade cultural, na qual a eliminação do inimigo do Estado é uma
extensão do jogo. Surgem formas mais íntimas, sensacionalistas e lúdicas de crueldade. 119
EMANCIPAÇÃO DO VIVENTE
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade.
Parece-me que um dos fenômenos fundamentais do século XIX foi... uma tomada de poder
sobre o homem enquanto ser vivo, uma espécie de estatização do biológico ou, pelo menos,
uma certa inclinação que conduz ao que se poderia chamar de estatização do biológico. 286
Em certo sentido, dizer que o soberano tem direito de vida e de morte significa, no fundo, que
ele pode fazer morrer e deixar viver; 286
O efeito do poder soberano sobre a vida só se exerce a partir do momento em que o soberano
pode matar. Em última análise, o direito de matar é que detém efetivamente em si a própria
essência desse direito de vida e de morte: é porque o soberano pode matar que ele exerce seu
direito sobre a vida. 286-287