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A NECROPOLÍTICA NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DA

AMAZÔNIA DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

Thiago Tenório Pereira


Lilian Layane da Costa Pinto
Jhone Tavares Pinto

1. EXPLORANDO A NOÇÃO DE NECROPOLÍTICA

O objetivo deste capítulo é abordar a noção de necropolítica, de Achille Mbembe, com


base no seu ensaio “Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte”
e problematizar as implicações deste conceito na realidade brasileira pós pandemia COVID-19,
especialmente nas comunidades quilombolas da amazônia.
O filósofo e cientista social camaronês é reconhecido como o pensador que cunhou o
termo necropolítica. Certamente que palavras próximas correspondente a essa ideia tenham sido
usadas anteriormente, não se pode negar que a construção da relação entre política e morte, bem
como a elaboração conceitual da noção em torno do termo, somente foi aprofundada com o
referido autor.
No ensaio acima citado em que o autor desenvolveu a noção de necropolítica, Achille
Mbembe mostra que a morte, enquanto um objeto de gestão, foi apropriada pelo poder político,
o qual não se limita apenas em indicar medidas sobre como a vida deve ser gerida, mas também
apontar como devemos morrer e, sobretudo, quem deve morrer.
Além disso, em certos territórios, os indivíduos vivem a partir de níveis tão mínimos
de sobrevivência que a distinção entre vida e morte se torna muito sutil, fazendo com que o
risco da morte seja iminente. Por conta disso, entender a necropolítica na atualidade é
extremamente relevante, uma vez que não se trata de um fenômeno isolado.
Valéria Bontempo (2020) explica que essa noção está interligada à própria reprodução
do capitalismo, no mundo contemporâneo, visto que é a partir das ideias do filósofo camaronês
que a necropolítica faz parte de um novo modelo para lidar com as consequências da crise do
capitalismo, que tem a morte de pessoas negras como um de seus efeitos.
Nessa perspectiva, o forte na ideia de necropolítica é o fato de ela carregar toda uma
potencialidade de crítica, além de exercitá-la, a partir da periferia do capitalismo. Ela nos mune
das condições teóricas para encarar/analisar as factualidades mesmas como estão postas no seio
social.
Notavelmente, observamos uma sociedade em que o sistema está em crise e faz-se
necessário atacar as suas causas, principalmente no que tange a morte de pessoas negras e
quilombolas, tornando fundamental analisar as especificidades das diferentes realidades, e
identificar as tecnologias do racismo, as quais têm toda uma história e precisam ser combatidas
veementemente.
Nessa direção, o entendimento da noção de necropolítica pode possibilitar a
oxigenação dos movimentos que fazem resistência ao capitalismo em sua versão neoliberal.
Portanto, aqui se faz necessário compreender os pilares deste conceito redirecionando para o
que o filósofo francês Michel Foucault chamou de biopoder, gênese teórica do conceito de
necropolítica.

1.1. A CONTRIBUIÇÃO FOUCAULTIANA PARA A NOÇÃO DE


NECROPOLÍTICA

O filósofo francês busca evidenciar as principais tecnologias de poder empregadas no


seio social ressaltando o modus operandi do poder soberano, a disciplina e o biopoder. Nessa
linha, dissertaremos brevemente sobre cada uma delas, com o propósito de verificar se elas
serão capazes de explicar e revelar o cenário de violência e banalização da vida no Brasil e nos
demais países da periferia do capitalismo, sobretudo nas comunidades quilombolas isoladas da
amazônia.
A primeira tecnologia de poder explicitada por Foucault, ao longo de Vigiar e Punir,
diz respeito ao exercício da soberania sobre a vida dos súditos. Materializada na violência e na
ostentação de punições corporais e dolorosas, o poder soberano encontrava no suplício da
expressão máxima e mais emblemática (Foucault, 2015b, p. 47).
Dentro do campo de atuação do poder soberano, era com a dor e o sofrimento que um
súdito era punido por algum delito cometido. E era por meio dessa punição, marcada e
materializada diretamente no corpo do condenado, que o soberano exercia seu poder sobre o
indivíduo. Logo, o suplício, ato de execução pública, funcionava ainda como forma de exibição
desse poder perante a sociedade: não só o público assiste à punição do criminoso, mas ele
próprio era levado a anunciar sua culpa.
A segunda tecnologia de poder explicitada por Foucault, a disciplina, manifesta-se a
partir da fase de desenvolvimento industrial do capitalismo (compreendida entre os séculos
XVII e XVIII) e é colocada em prática dentro de instituições intrinsecamente conectadas a esse
desenvolvimento: hospitais, escolas, fábricas, etc. Estas instituições figuram como dispositivos
disciplinares, os quais, segundo Foucault (2015b, p. 148), conferem livre espaço de atuação de
táticas de disciplina, controle e docilização dos corpos que nelas são inseridas.
Entre as funções do poder disciplinar, destaca-se o adestramento do corpo dos
indivíduos, de sorte a "desenvolver a economia, espalhar a instrução, elevar o nível da moral
pública; fazer crescer e multiplicar" (Foucault, 2015b, p. 231) e, através disso, fortalecer as
relações sociais por meio das quais o poder se exerce. Por fim, chegamos ao terceiro – o
biopoder.
Define-se por biopoder, na esteira do pensamento foucaultiano, a partir de duas
formas: por um lado refere-se ao corpo, em uma anátomo-política, e por outro faz menção à
população, quando assume o nome de biopolítica. Quando falamos a respeito do biopoder
exercido sobre o corpo, referimo-nos aos dispositivos disciplinares anteriormente explicitados
que têm por um de seus objetivos extrair do corpo humano, a partir do controle e do
adestramento, sua força produtiva. Já a biopolítica, por sua vez, atua de maneira análoga, porém
com foco em regular as massas através da gestão das taxas de natalidade, dos fluxos de
migração, do controle de epidemias e de tecnologias capazes de aumentar a longevidade
(Foucault, 2015a).
Grosso modo, como o próprio nome sugere, a biopolítica relaciona-se com o controle
sobre a vida, e diz respeito a fazer viver e deixar morrer. A produção e manutenção da vida em
larga escala, no que tange tanto ao corpo quanto à sociedade, configurava-se como base de um
sistema econômico no qual a produtividade é a palavra-chave.
O biopoder, diferentemente do poder soberano, preocupa-se mais com a melhoria da
vida do que com sua subtração: diferencia-se, portanto, da primeira “por buscar otimizar as
vidas, retirando o poder de morte como a principal característica do exercício do poder, como
também por buscar eliminar tudo que possa colocar em risco o desenvolvimento e
aprimoramento da saúde, das forças destes corpos e vidas rentáveis” (Oliveira, 2018, p. 32).
É necessário ressaltar, entretanto, quem são esses corpos cujas vidas interessam, posto
que isso acompanha a necessidade de fazer viver, vem também a negligência em deixar morrer
alguns outros. É a partir da reflexão sobre o problema da possibilidade de exercício do poder
de morte dentro de um sistema político centrado no biopoder (ou seja, a biopolítica) que
Foucault identificará o racismo como o corte principal, a linha divisória entre os indivíduos que
têm direito a viver e aqueles que devem morrer (Foucault, 2005, p. 304). Ele atua como uma
maneira de defasar alguns grupos no interior da população em relação a outros, e, a partir disso,
fragmenta o campo biológico que é incumbência do poder.

2. O RASCIMO COMO DIRETRIZ DA NECROPOLÍTICA

Achille Mbembe (2018, p. 4) enfatiza que o pensamento contemporâneo se esqueceu


de que, para seu funcionamento, o capitalismo, desde suas origens, sempre precisou de
subsídios raciais. Ou melhor, sua função sempre foi produzir não apenas mercadorias, mas
também raças e espécies.
Desde o período que compreendeu as grandes navegações e suas consequentes
“descobertas”, no século XV, proliferam-se em grande velocidade e quantidade as teorias sobre
a diversidade humana e sobre raças na cultura ocidental, buscando classificar e definir o que e
quem era a humanidade – necessidade essa oriunda do encontro entre a dita civilização europeia
e os ameríndios, os negros africanos e as populações asiáticas.
É a partir desse momento que a ideia de raça passa a figurar como uma das principais
justificativas para hierarquizar diferentes grupos humanos dentro de um cenário de colonização.
De acordo com Mbembe, o colonialismo é entendido como um projeto de universalização com
o objetivo de “inscrever os colonizados no espaço da modernidade” (2018a, p. 175).
Como consequência, surge, no século XVIII, com o advento do Iluminismo, a
distinção entre o selvagem e o civilizado; ou, ainda, entre o civilizado e o primitivo. No decorrer
do século seguinte, a cor da pele passa a figurar como um dos critérios para essa classificação,
além de outros critérios morfológicos como o tamanho do crânio, formato do nariz, espessura
dos lábios, dentre muitos outros – critérios esses que serviram até mesmo para o surgimento de
doutrinas e práticas dentro da Criminologia que possuíam como intuito enquadrar determinados
indivíduos com determinadas características físicas como criminosos (Lombroso, 2001; Ferri,
1998; Rodrigues, 1894).
Conhecida como racismo científico, essa corrente de pensamento busca legitimar a
classificação de seres humanos em raças através de argumentos ditos científicos que adotam
uma concepção equivocada da biologia humana, utilizando o próprio conceito de raça como
suporte para justificar a subjugação permanente de indivíduos e povos outros. Conjuntamente
a essa classificação, uma tentativa de hierarquização das raças ganhou ênfase, seja pela ideia de
superioridade biológica ou de superioridade cultural.
Em ambos os casos, a civilização branca europeia foi privilegiada na escala
hierárquica. É somente no século XX que parte da antropologia (Lévi-Strauss, 1995;
Guimarães, 1999) passa a despender esforço em demonstrar a inexistência de determinações de
caráter biológico ou cultural capazes de hierarquizar povos humanos e suas culturas. Após a
Segunda Guerra Mundial, considerando as práticas nazistas de genocídio, o fato de que “a raça
é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito
socioantropológico” (Almeida, 2019, p. 31) passa a ganhar força e substituir o entendimento
anterior.
Nesse sentido, “raça” não pode ser entendido como um termo fixo, estático (Almeida,
2019, p. 24). Ao contrário, são as circunstâncias históricas em que é utilizado que definirão seu
sentido, que envolverá contingência, conflito, poder e decisão. É, portanto, um conceito
histórico e relacional. Entendemos o fenômeno do racismo como situado em um espaço
histórico e social caracterizado com o advento da raça como categoria nos séculos XVI e XVII
europeus, ao passo que se torna também um conceito central que faz com que as políticas de
guerra e morte dentro das colônias e postas em prática através da escravidão possam operar
livremente.
A raça e o racismo atuam como uma ideologia necessária para justificar a expansão do
capitalismo, o colonialismo, a escravização de povos africanos, a submissão e destruição de
populações indígenas, e, por outro lado, as teorias a respeito da supremacia branca, da pureza
racial e da superioridade do Homem europeu em detrimento de outras populações. E, embora
tais conceitos façam parte de uma narrativa imaginária, seus efeitos sobre o mundo são muito
reais.
Retomando a discussão em termos foucaultianos, voltemos ao papel do racismo de
Estado no exercício do biopoder. O Estado, ao exercer esse biopoder tem por função eliminar
os potenciais perigos à vida, a fim de preservá-la, ou seja, ele traz para si a pseudo–
responsabilidade de ser o “protetor da integridade, da superioridade e da pureza da raça”
(Foucault, 2005, p. 95). É aqui que Foucault identifica a segunda função do racismo:
estigmatizar, marcar, segmentar o outro, para que seja possível transformá-lo em inimigo e
possibilitar a “morte da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado)” (Foucault, 2005, p. 305)
– e a proteção da vida em geral.
O que verificamos nas periferias do capitalismo, no entanto, parece não estar restrito
à preocupação majoritária com a vida explicitada por Foucault. Sob o paradigma biopolítico, a
necessidade do sistema capitalista pelo maior número de indivíduos sujeitados à lógica
econômica predominante, de sorte a integrar um contingente de força produtiva apta ao trabalho
e à produção, configura o propósito primordial das tecnologias de poder direcionadas à gestão
da vida.
Nos países periféricos, dentre os quais o Brasil, particularmente afetados pelas crises
cíclicas do capitalismo, a análise do biopoder parece ser insuficiente para a compreensão das
ações políticas em curso. Além disso, em escala global, o que se verifica atualmente não é mais
uma época expansionista do sistema econômico, mas sim, um período marcado pelo declínio e
pelo iminente colapso da economia.
A lógica do sistema parece, portanto, alterar-se a partir do momento em que o
capitalismo deixa de expandir-se e passa a entrar em um cenário de contenção. De que modo,
então, as alterações na lógica econômica extrapolam-se para as relações sociais e o modo de
atuar da política nas periferias do capitalismo em momentos de crise?
Falamos a respeito de vidas cuja força produtiva torna-se desnecessária ao modus
operandi do capitalismo atual. Vidas que agora são consideradas supérfluas, marginalizadas,
criminalizadas, e não mais interessam vivas: convertem-se em vidas matáveis. Assim atua a
necropolítica, conceito explicitado pelo pensador camaronês Achille Mbembe (2003) com o
intuito de expandir o conceito de biopoder e a análise biopolítica foucaultiana aos tempos atuais
e, principalmente, às periferias do capitalismo, onde a política pode ser traduzida como a
“destruição material dos corpos e populações humanas julgadas como descartáveis e
supérfluas” (Mbembe apud Hilário, 2016, p. 205).
O momento do capitalismo em questão, portanto, passa a se desfazer de grandes
massas humanas. Alguns indivíduos passam a “sobrar”, na medida que não são mais rentáveis
e a eles não se atribui força produtiva. Tal contexto, se traduzido em termos políticos, enseja
maior ênfase em tecnologias de cunho necropolítico.
Achille Mbembe (2003) considera a necropolítica como um trabalho de morte, uma
ação política de morte, ou, ainda, um fazer morrer que se constitui nas periferias para onde esses
corpos “sobrantes” foram mandados. Nesse sentido, parece mais adequado encaixar as
negligências com as comunidades quilombolas durante a pandemia como o modus operandi da
necropolítica.
Mbembe considera a instrumentalização generalizada da existência humana e a
destruição material de corpos humanos e populações como o projeto central da soberania
contemporânea, projeto esse que vive às sombras de nossa herança colonial, no sentido de que
“qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa tratar da escravidão, que
pode ser considerada uma das primeiras manifestações da experimentação biopolítica”
(Mbembe, 2003, p. 14).
Aparato fundamental de controle e disciplina sobre os corpos para o desenvolvimento
de uma tecnologia biopolítica, o racismo de Estado é o mecanismo de divisão entre aqueles que
devem viver e aqueles que são deixados para morrer. A distribuição da espécie humana em
grupos e sua subdivisão em subgrupos opera com base em uma cesura entre uns e outros; o que
constitui, conforme já previamente abordado, a “raça” ou “racismo”.
Sobre essa temática, versa Mbembe: que a ‘raça’ (ou, na verdade, o ‘racismo’) tenha
um lugar proeminente na racionalidade própria do biopoder é inteiramente justificável. Afinal
de contas, mais do que o pensamento de classe (a ideologia que define história como uma luta
econômica de classes), a raça foi a sombra sempre presente sobre o pensamento e a prática das
políticas do Ocidente, especialmente quando se trata de imaginar a desumanidade de povos
estrangeiros – ou dominá-los. (Mbembe, 2003, p. 17)
O racismo assume dimensões ainda maiores e mais profundas no seio das sociedades
colonizadas: suas práticas enraízam-se no imaginário social e perpetuam-se como formas de
dividir aqueles que devem morrer daqueles que podem viver, bases ônticas da atuação da
necropolítica.
Hoje o racismo apresenta-se de forma cada vez mais devastadora, visto que o
genocídio da população negra é uma realidade inegável. Um aspecto agravante dessa situação
é o fato de a necropolítica incluir atores que não estão personalizados apenas no Estado.
De um modo geral, Achille Mbembe aborda a noção de necropolítica a partir de uma
atualização da noção de biopoder de Foucault, enquanto um instrumento de controle que o
Estado exerce sobre o corpo dos indivíduos. Entretanto, o filósofo explicita que a ideia de
biopoder é insuficiente para compreendermos as formas contemporâneas de submissão da vida
ao poder da morte, por isso o olhar atento para a questão racial e suas implicações.
Torna-se urgente elucidar os diversos mecanismos raciais de poder no mundo
moderno, os quais se expressam de forma muito dinâmica e fluida. Nesse contexto, torna-se
premente esclarecer de onde vem esse controle, de modo que o empoderamento dos cidadãos
pela defesa dos direitos humanos possa fazer um firme contraponto à centralização do poder.
O racismo, nos moldes foucaultianos, assume, aqui, uma posição fundamental: “a raça
foi a sombra sempre presente no pensamento e na prática das políticas do Ocidente,
especialmente quando se trata de imaginar a desumanidade de povos estrangeiros – ou a
dominação a ser exercida sobre eles.” (MBEMBE, 2018a, p. 18).
Em Foucault (2010, p. 214), o racismo se constitui em condição de possibilidade para
a aceitabilidade do “fazer morrer” em um regime alicerçado na economia do biopoder: no
contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção das raças, a
hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras, ao contrário, como
inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do biológico de que o poder
se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, uns grupos em relação aos
outros. [...]
Isso vai permitir ao poder tratar uma população como uma mistura de raças ou, mais
exatamente, tratar a espécie, subdividir a espécie de que ele se incumbiu em subgrupos que
serão, precisamente, raças. Essa é a primeira função do racismo: fragmentar, fazer cesuras no
interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder.
A segunda função do racismo radica na legitimação da morte do “outro” a partir de
uma maneira inteiramente nova: “a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou
do degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia.” Em outras
palavras, “a função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado funcione
no modo do biopoder, pelo racismo.” (FOUCAULT, 2010, p. 215).
É por isso que, segundo Ayub (2014, p. 109), “o racismo é o mais novo disfarce com
o qual entra em cena o poder de soberania.” Segundo Mbembe (2018a, p. 41), a soberania, nesse
caso, “é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e
quem não é.” Nesse sentido, a raça funcionaria como verdadeiro “dispositivo de segurança
fundado naquilo que poderíamos chamar de princípio do enraizamento biológico pela espécie.
A raça é ao mesmo tempo ideologia e tecnologia de governo.” (MBEMBE, 2018b, p. 75).
Faz-se de extrema importância, portanto, verificar os seus modos de operação na
contemporaneidade, a fim de sinalizar e identificar práticas de aniquilação e extermínio de
populações estigmatizadas e segregadas nas periferias do capitalismo, territórios nos quais a
tecnologia necropolítica, desde o período colonial, é testada e aprimorada. Aqui pensamos, em
relação ao pensamento foucaultiano, juntamente com Mbembe, em dois principais fatores: a
expansão e o deslocamento. Tais fatores referem-se à capacidade de um conceito como o da
necropolítica de englobar e trazer ao cerne da discussão os países da dita “periferia do
capitalismo”.
Consideremos o dito “terceiro mundo”. Nos termos de Roberto Schwarz (2008),
quando falamos em periferia do capitalismo, estamos pensando em uma espécie de quintal do
mundo. Um lugar onde não acontece o essencial da sociedade contemporânea e da sociedade
moderna. Faz-se necessário encontrar a maneira pela a qual essas inferioridades se articulam
com as ditas superioridades do centro, e mais, uma vez que entendamos como elas se
complementam, a periferia passa a ser uma perspectiva crítica importante para entender e
discordar da direção que os países centrais, que o grupo central do capitalismo está dando ao
curso da história contemporânea. O Brasil, enquanto integrante de tal periferia, constitui um
importante epicentro do necropoder e da implementação de tecnologias voltadas ao extermínio.
A teoria de Mbembe, portanto, se mostra essencial para entender o contemporâneo,
porque multidisciplinar: nela, há uma análise social, política, filosófica, arquitetônica,
geográfica. Para além, demonstra-se altamente interdisciplinar.
O filósofo camaronês também conclui que a noção de biopoder foucaultiana é
insuficiente para exemplificar as formas contemporâneas de assassínio em que se criam
“mundos de morte” com foco na morte eficiente – destruição máxima – de pessoas. No
necropoder, as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, martírio e liberdade
desaparecem. (MBEMBE, 2018a).
Por tudo que foi discutido atinente a questão racial a partir da noção de necropolítica
da obra do camaronês Achille Mbembe, vislumbramos o seu uso como pano de fundo para
contextualizar a morte em massa de pessoas majoritariamente pobres e negras no Brasil
contemporâneo. Nesse cenário é que adentraremos para analisar os impactos dessa postura
frente as adversidades enfrentadas pelas comunidades quilombolas na Amazônia brasileira.

3. A NECROPOLÍTICA NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DA


AMAZÔNIA DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19

Nomeados como quilombos, sítios, bairros rurais negros, comunidades negras rurais,
mocambos, terras de preto ou terras de santo, as comunidades remanescentes de quilombo são
territórios étnico-raciais que remontam às estratégias de sobrevivência material e simbólica de
negros e negras antes e após a abolição (GUSMÃO, 1996). São comunidades que sempre
estabeleceram contatos com a sociedade envolvente, outras fazendas e cidades, através de trocas
de mercadorias ou nas relações de trabalho.
Neste sentido, nunca estiveram isoladas nem estáticas, mas em constante circulação e
trocas, produzindo cultura na relação com a sociedade e, inclusive, sofrendo as influências das
transformações na estrutura social. São comunidades que elucidam os agenciamentos
territoriais no Brasil, caracterizados por ciclos econômicos, interesses coloniais e especulação
imobiliária, tornando-se territórios reveladores dos profundos efeitos da escravidão, e as
inúmeras formas pelas quais negros e negras resistiram e resistem às opressões sociais e ao
racismo.
De certo modo isso pode ser verdade, visto que o vírus realmente não tem uma
predileção racial, mas pensar sobre essa crise sobre a luz do pensamento de Abdias do
Nascimento é necessário para se perceber a política da morte estabelecida socialmente diante
da pandemia. Ilusoriamente, há uma construção da ideia de uma doença democrática, mas os
mecanismos de ação do Estado são sistemáticos e silenciosos ao caminho do genocídio das
populações negras, em destaque as comunidades quilombolas.
As políticas de ação demoraram significativamente para alcançar as comunidades
quilombolas da Amazônia por duas questões básicas referente ao negacionismo absoluto que
foi declarado no início da pandemia por parte do governo e, posteriormente, pelo
“esquecimento” de incluir as comunidades quilombolas no espectro de ações na saúde pública
federal.
No decorrer do surgimento e implementações de políticas de saúde pública, apesar de
posteriormente essas comunidades serem incluídas, negligenciou-se inúmeras especificidades
atinentes a localização, logística e estrutura. Esta incapacidade de planejamento reflete o
despreparo com estas comunidades são tratadas desde o seu surgimento.
Retomando o cenário histórico brasileiro, o que se enxerga é um país com histórico
escravocrata e de marginalização da população negra desde a colonização até os dias atuais.
Todas as políticas públicas não direcionam de forma satisfatória condições destes povos
usufruírem de aspectos básicos de cidadania e dignidade.
Isso refletiu no caráter não democrático com que o governo manejou a sua estrutura
governamental de enfrentamento a pandemia. Indiscutivelmente, há formas escalonadas de
importância em relação a atenção governamental, onde claramente as comunidades negras estão
na marginalidade, sobretudo quando se fala em comunidades negras no meio da floresta
amazônica.
Em relação aos quilombos, nota-se desde suas formações a destituição de humanidade
dos/as quilombolas, visto que os/as negros/as escravizados/as perderam seus lares, o direito
sobre seus corpos e seus estatutos políticos. Desse modo, foram sujeitos forjados diante da
animalização, o que se confirma com o fato de que os quilombos foram formados no contexto
em que pessoas negras no Brasil eram mercadorias.
Aliado a isso, a ideia de um inimigo do Estado se dá desde esse período escravocrata,
colocando a imagem do negro como um inimigo do país e um ser não dotado de humanidade,
o que facilita a utilização de técnicas para conduzir estes a morte (MBEMBE, 2018). Mesmo
após o fim do período escravocrata essas pessoas não tem a dignificação da humanidade plena.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ajudam a enxergar esse cenário de
política da morte que incide sobre a população negra. Cerca de 75% das pessoas mortas em
operações policiais, em ações do Estado, eram negras, além da predominância negra entre as
vítimas de feminicídio, de violência sexual, de homicídios entre jovens e entre as vítimas totais
de homicídio (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019). Quando se trata dos quilombos, tem-se um
crescimento de 350% dos assassinatos de quilombolas entre 2016 e 2017, subindo de 4 para 18,
tendo vítimas que eram lideranças de suas comunidades (CONAQ, 2018).
Esses dados servem para visualizar com mais clareza o tamanho da questão que está
posta sobre a expansão do coronavírus nos quilombos brasileiros. Como não bastassem estas
comunidades estarem descobertos em uma “guerra” com grileiros da amazônia brasileira, ainda
precisam combater ofensivas veladas por parte da estrutura governamental que descartam sua
cidadania, silenciando-a.
Ou seja, as pessoas de comunidades quilombolas vem tendo sua humanidade negada
até os dias atuais, a partir de discursos que se modificam conforme o passar do tempo,
intensificando-se em governos autoritários e fascistas. De modo geral, o tratamento
condicionado a estas comunidades sempre estão sobre a ótica da necropolítica.
Por conta disso, faz-se necessário compreender qual o impacto da pandemia do
coronavírus sobre os/as quilombolas, visto que junto com os dados de assassinatos os quilombos
podem estar diante de um genocídio permanente desde o período escravocrata. E mais, todas
estas informações são de conhecimento do governo que continuamente negligenciam políticas
públicas de proteção.
Bihr (2020) aponta que a crise do coronavírus é multidimensional, atingindo não só a
questão da saúde, mas política e econômica também, por exemplo. No caso específico dos
quilombos, entende-se aqui que a pandemia tem consequências sobre a saúde e sobre a política
da morte, necropolítica.
Como o coronavírus trouxe uma situação sem precedentes recentes, é importante
pensar sobre o pós-pandemia, e nesse sentido Bihr (2020) apresenta três possibilidades no
cenário econômico e que tem desdobramentos sobre as políticas adotadas pelo Estado. A
primeira é a retomada do neoliberalismo, sendo essa a posição que muitos países já adotaram e
montam estratégias para essa reativação da relação entre forças produtivas e de capital.
Nesse caso, há uma pretensão estatal e de empresários para uma retomada do sistema
produtivo estabelecido nas últimas décadas. Este intento acaba descartando “usuários” não
potenciais dentro da lógica de consumo capitalistas.
A segunda é o que autor chama de “un giro neo-socialdemócrata” (BIHR, 2020, p.10).
Isso significa que a pandemia em um contexto de má gestão da saúde por conta do modelo
neoliberal pode resultar em medidas de austeridade por parte dos estados, ou seja, pode emergir
um programa de reformas por conta de reivindicações de movimentos sociais.
E a terceira possibilidade é abrir caminhos na perspectiva de uma ruptura
revolucionária, ou seja, a partir de uma percepção geral dos limites do capitalismo e da
necessidade de superá-lo, se abra um caminho para um cenário pós-capitalista. Os três cenários
são postos em ordem de possibilidade, do mais provável ao menos provável (BIHR, 2020).
Em vista disso, o que se pode notar é uma taxa de letalidade elevada nas comunidades
quilombolas em relação a taxa geral brasileira no período de pandemia, onde, da mesma forma
que o resto da população brasileira, houve uma baixa realização de testes, afetando sabermos
com clareza o número de quilombolas adoecidos.
Como já enunciado acima, o Brasil como um todo apresenta uma baixa quantidade de
testes para coronavírus, sendo notadamente um dos países que menos testa proporcionalmente
sua população (BBC, 2020). Assim, se nas grandes metrópoles a testagem é baixa, acaba
ficando fácil imaginar que nas comunidades quilombolas a quantidade de testes é ainda mais
escassa, chegando em algumas regiões a serem inexistentes.
Desse modo, o dado sobre quilombolas doentes pode ser consideravelmente maior do
que os números disponibilizados pela CONAQ, o que consequentemente pode significar uma
diminuição na taxa de letalidade nos quilombos. Segundo, a ausência do sistema público de
saúde nas comunidades quilombolas pode contribuir para a alta letalidade do coronavírus para
essas pessoas.
Essa inclusive é uma das lutas permanentes dos quilombolas, dos movimentos negros,
a facilitação destes em acessar o sistema público de saúde. Desse modo, também fica fácil de
imaginar que um povo que historicamente enfrenta dificuldades para acessar a saúde pública
tenha uma alta taxa de letalidade diante uma pandemia como essa, já que seus suportes
especializados são escassos.
Discutido as duas questões anteriores e seguindo o raciocínio, temos que as
comunidades quilombolas têm no acesso à saúde um problema histórico e a falta de testagem
para essa população vem justamente ao encontro desse problema que não iniciou durante a crise
do coronavírus. Em uma junção das duas primeiras problemáticas, se tem um cenário possível
com uma alta taxa de subnotificação em casos e também em número de óbitos, o que
demonstraria uma taxa de letalidade realmente alta por conta de dificuldades que vão além da
doença, mas que se agregam a questões políticas que antecedem essa crise atual.
O que é necessário perceber é que independente da hipótese, é perceptível a ação
necropolítica sobre as comunidades quilombolas. Como já dito, a formação dos quilombos se
deu por meio de negros escravizados que tentavam fugir dos mandatos escravocratas, o que aos
olhos da elite da época já dava a essas organizações um caráter sub-humano.
Daí em diante a história das comunidades quilombolas no Brasil é cercada de disputas
políticas em torno da busca da sua legitimidade humana e de condições básicas para
sobrevivência. Exemplo disso é o Quilombo de Alcântara, no Maranhão, que em meio a
pandemia de coronavírus recebeu a notícia de remoção por meio de resolução assinada pelo
ministro chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto
Heleno (ARAÚJO, 2020).
Quilombolas também enfrentam uma disputa por suas terras com mineradoras, como
é o caso do Quilombo de Mata Cavalo, em Mato Grosso. O que se percebe é uma ação
governamental, e de empresários, no sentido do deixar morrer dos quilombolas. Um deixar
morrer físico mas também simbólico e material, na medida em que a retirada de assistência
nestas comunidades a deixam vulneráveis.
Constantemente essas pessoas são deixadas morrer, perdem o direito a terras em que
vivem há séculos, tem sua ancestralidade arruinada por um projeto de Estado que não coloca
esses indivíduos como agradáveis. Enfim, são muitas as lutas por reconhecimento que estão
postas nas comunidades quilombolas do país durante suas histórias.
Estudos e pesquisas mais aprofundadas podem mostrar isso com mais clareza e
detalhamento, mas o ponto que pretende-se ressaltar e chamar a atenção aqui é que por conta
dessa crise sanitária, é possível que tenha acontecido o maior genocídio em curto período de
tempo da população quilombola no Brasil desde o período escravocrata. Para se ter uma noção
da gravidade da situação, como já dito anteriormente, em 2017 foram 18 assassinatos de
quilombolas no Brasil e somente até o dia 20 de maio de 2020, já eram 31 mortos com a
confirmação de coronavírus.
Entre 2008 e 2017 foram 38 assassinatos de quilombolas (CONAQ, 2018), mostrando
assim que a crise do coronavírus vai deixar um legado de mortes maior do que quase uma
década inteira de assassinatos. Diante disso, evidencia-se a não ação do Governo Federal para
conter essa crise, chegando-se à conclusão de que podemos estar diante de um processo de
genocídio sem precedentes.
Diante disso, o que se desdobra dentro de nossa reflexão são as consequências que
esses acontecimentos poderão implicar nos modos de existência, enquanto grupo, das
comunidades quilombolas. Sobretudo, o impacto que terá nas comunidades quilombolas
isoladas por grandes faixas de terra e sem menor assistência governamental.
Alain Bihr (2020) aponta três cenários possíveis para o momento posterior a crise do
coronavírus, destacando de início a manutenção do neoliberalismo. No entanto, como essa crise
vai gerar um aprofundamento da crise econômica e social, muitos movimentos reivindicatórios
irão agir e se apresentar como solução de problemas que eles mesmo ajudaram a potencializar.
Bihr (2020) aponta que esse é o cenário mais provável mais provável é o do
aprofundamento das condições sociais globais que negligenciam as demandas das populações
quilombolas. Aliás, negligências que são reforçadas pelo próprio governo através da
marginalização e incitação de ódio e exclusão sobre esta população.
O segundo cenário diz respeito a uma espécie de estado de bem-estar social,
caracterizado por uma série de reformas e ações de austeridade que serão reivindicadas pelos
movimentos sociais. Emergiria então um pacto global para a saída conjunta dessa crise,
buscando assim ações de auxílio para as pessoas mais pobres e afetadas pela pandemia.
Nesse cenário as comunidades quilombolas surgem como um forte movimento político
que deverá aparecer reivindicando uma presença do Estado, como nas áreas de saúde e
educação. No entanto, não haveria uma garantia de uma transformação política a longo prazo
que pudesse vir a trazer o desaparecimento da ação necropolítica do Estado sobre esses
indivíduos.
E o terceiro cenário é o de crise do capitalismo é uma lacuna disponível para a
implementação de uma transformação política, surgindo assim um período pós-capitalista.
Nesse caso as comunidades quilombolas poderiam estar diante de um período favorável, visto
que uma mudança tão radical abre espaço para a luta quilombola e a conquista de espaço por
essas pessoas no campo político da ação estatal.
As comunidades quilombolas enfrentam esse cobertor de invisibilidades que lhes
foram postas desde a escravidão, não sendo reconhecidos suficientemente como cidadãos. Há
cada tempo a necropolítica praticada sobre elas ganham novas roupagens através de discursos
que carregam na sua significação formas veladas de exclusão e discriminação.
Notavelmente, os negros são os maiores alvos da necropolítica governamental,
fazendo do Estado um “capitão do mato institucional” que massacre através do não fazer, ou
seja, da negligência contínua com que é tratado o racismo presente nas redes factuais da
sociedade.
O poder maçante da necropolítica intensifica-se na medida que as comunidades
quilombolas estão distanciadas dos centros neoliberais de poder. Por isso, o negro da periferia
ou de uma comunidade isolada da Amazônia são significativamente atingidos e mais
potencialmente marginalizados, tratados como cidadãos de segunda classe, algo contrário aos
princípios norteadores da Constituição brasileira.
Um dos problemas mais relevantes que corroboram a argumentação acima é a
inexistência de dados oficiais, justificados pelo “necessário” corte de recursos atinentes ao
recenseamento e, posteriormente, por conta do advento da pandemia. Nesse sentido, a
invisibilidade é promovida pelas inexistências de mecanismo burocráticos que retratem esta
população.
Por tudo, é inegável observamos, através de uma reflexão crítica, que o termo cunhado
pelo filósofo camaronês Achille Mbembe nos instrumentaliza a identificarmos as diversas
formas com que o Estado implementa políticas de subjugação, exclusão e morte das
comunidades negras dos quilombos brasileiros, especialmente os da Amazônia.
Indo além, entende-se que há um mecanismo dentro do processo necropolítico que
promove a valoração de aspectos humanos que auxiliam na exclusão e eliminação. Em termos
mais específicos, as redes de poderes que alimentam a necropolítica selecionam indivíduos ou
classe destes cuja morte são menos relevantes do que outros.
Estamos, com isso, diante de uma espécie de hierarquização da vida fomentada por
mecanismos de poderes instrumentalizados, sobretudo, por instâncias governamentais. Aqui,
importante refletirmos que não somente o poder executivo promove necropolíticas, mas como
o legislativo e o judiciário avalizam tais práticas com medidas muitas vezes potencializadoras.
As instâncias governamentais estão cooptadas por uma sistemática lógica de
governabilidade que refletem modos de manifestação necropolítica. Os valores econômicos
estão sempre presentes nos discursos, projetos e planos governamentais como elemento
primordial e fundamental, tornando onipotente diante de outros valores.
Por conta disso, princípios importantes na sistemática brasileira são deixados de lado,
como o princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio, aliás, constitui-se como matriz
de toda a sistemática jurídica do país, sendo primordial a sua presença nas práticas
governamentais que, necessariamente, deveriam viabilizar condições de vida minimamente
dignas.
Nesse sentido, não há espaço para hierarquizações de vidas, posto que todas possuem
o mesmo valor, independente das qualificações que carregam. Impropriado qualquer prática
que destoe da lógica de valorização e proteção da vida, principalmente, daquelas que mais
necessitam de proteção.
Vidas de quilombolas da Amazônia carregam valores tão caros quanto vidas dos
grandes centros urbanos, devendo-se serem incluídas nos mecanismos governamentais,
sobretudo políticas de inclusão que garantam dignidade mínima de cidadania. Há uma
necessária e urgente reformulação política que transforme desde a lógica do sistema, planos e
práticas governamentais que não determine quem morre ou quem deve viver.
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