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NECROPOLÍTICA E O ESTADO

Para falar de necropolítica, primeiramente temos que entender o que


significa a formação do Estado contemporâneo, a partir do século 18 e 19, e
entender a mudança que o papel do Estado teve, com as grandes
transformações econômicas até o final do século 20, mais propriamente nos
anos 70.

Com isso deve se compreender, que quando há a formação do Estado


contemporâneo, existe o estabelecimento de certos processos de dominação,
onde se deve destacar, que não existe política sem estabelecer certos
mecanismos de dominação.

Já para Michel Foucault, filósofo francês, quando se tem uma


formação do Estado contemporâneo, há o estabelecimento da chamada
biopolítica, que é justamente a ideia de você poder controlar a vida, a
administração da sociedade se dá a partir da suspensão da morte.

Assinalo aqui (...) alguns dos pontos a partir dos quais se constitui
essa
biopolítica, algumas de suas práticas e as primeiras das suas áreas
de
intervenção, de saber e de poder ao mesmo tempo: é da natalidade,
da morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos efeitos do
meio, é disso tudo que a biopolítica vai extrair seu saber e definir o
campo de intervenção de seu poder. Foucaut, p. 292.

Criando assim os grandes sistemas de saúde, onde as pessoas


dependem do Estado pra viver. Se esse serviço público for retirado, como por
exemplo o SUS, as pessoas acabam morrendo.

Agora o que o filósofo Achille Mbembe, que se inspirou em Foucault


e é o criador do termo Necropolítica nos demonstra em seu livro de mesmo
nome, é que o papel do Estado mudou quando, se tem um estabelecimento
que se chama neoliberalismo, porque o neoliberalismo se implica em uma nova
forma de gestão da política que vai fazer com que aquilo que era excepcional,
como a produção da morte em massa, que é tipicamente do Estado colonial,
passe a colonizar, o centro do capitalismo e colonizar por exemplo, o Brasil, os
EUA, a Europa, ou seja, todos os lugares do mundo vão ter que ser geridos a
partir, não da suspensão da morte, mas da produção da morte.

Administrando a produção da morte, produzindo estado de exceção,


suspendendo a Lei, “[...] o lugar em que a soberania consiste
fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei (ab legibus
solutus) e no qual a ‘paz’ tende a assumir o rosto de uma “guerra sem fim”
(2018, p. 32-33).
Para Mbembe (2018, p. 5) “ser soberano é exercer controle sobre a
mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação do poder”
Então a necropolítica, é essa forma de pensar a dominação do Estado,
é a forma de gestão do Estado a partir do momento que o capitalismo se
estabelece dentro do seu parâmetro neoliberal.

A expressão máxima da soberania é a produção de normas gerais


por um corpo (povo) composto por homens e mulheres livres e iguais.
Esses homens e mulheres são considerados sujeitos completos,
capazes de autoconhecimento, autoconsciência e
autorrepresentação. A política, portanto, é definida duplamente: um
projeto de autonomia e a realização de acordo em uma coletividade
mediante comunicação e reconhecimento. (MBEMBE, 2018a, p. 9).

Outra coisa que é importante destacar sobre necropolítica é que não


se entende o que é necropolítica, sem entender o que é o racismo, que é um
elemento fundamental. O conformismo de muitas pessoas com a morte, é
quando se dá na produção de corpos negros. A morte é vista nos corpos
negros.

[...] racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o


exercício do biopoder, “este velho direito soberano de matar”. Na
economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição
da morte e tornas possíveis as funções assassinas do Estado.
Segundo Foucault, essa é “a condição para aceitabilidade do fazer
morrer” (Foucault. 2018, p. 18).

O que Mbembe está querendo dizer é que como isso se torna uma
gestão, todo mundo vai ter seu dia de “preto”, quer dizer, todo mundo mesmo,
até mesmo os brancos, vão aprender o que os negros já sentiam antes,
quando há restrições econômicas, corte nos direitos sociais.
Porque tudo que os brancos vão sentir, já foi treinado nos corpos dos
pretos, ou seja, racismo é uma tecnologia de poder que vai se exercer logo
sobre os brancos.

 O racismo é a linha que demarca as pessoas quem existem e não


existem, as que tem relevância e as que não tem. E essas pessoas que não
tem relevância, já não são nem consideradas mortas.

Há um outro aspecto na relação da necropolítica, que é o deixar


apagar-se. Podemos pensar essa relação enquanto as diferenças de dados
do governo federal, em relação as mortes pela covid-19 no Brasil. Quando o
presidente, desdenha do destino dessas pessoas, dizendo que não é coveiro,
essas mortes também são invalidadas.

Podemos também citar Marx, que é um pensador revolucionário,


porque o foi o primeiro a compreender o Estado não como uma instância que
mediaria o conflito dos homens no estado de natureza, como pensa uma certa
tradição filosófica contratualista liberal, como Locke por exemplo.

Para Marx o Estado não é uma instância abstrata que supera o conflito
entre os homens, o Estado é a continuidade jurídico política da dominação
entre os homens. Para Marx,

Através da emancipação da propriedade privada em relação à


comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular, ao lado e
fora da sociedade civil; mas este Estado não é mais do que a forma
de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no
interior como no exterior, para garantir recíproca de sua propriedade e
de seus interesses (MARX, 1993, p.98).

Então o Estado na verdade, é a forma por meio da qual a classe


dominante exerce o seu domínio, só que agora ideologicamente, abstratamente
segundo uma entidade jurídico política.
O Estado, portanto, é uma forma de dominação, sempre controlando a
vida das populações e mais recentemente, das grandes massas, das grandes
populações.

Historicamente falando os grupos sociais que foram mais objetos de


necropolítica foram os escravos, os povos colonizados, os judeus na Alemanha
nazista, os trabalhadores dos Gulags soviéticos, as pessoas negras no regime
de Apartheid, o povo palestino, entre os principais, e há uma série de formas
contemporâneas de necropolítica nas sociedades, podendo ser chamadas de
necroliberais.

Focando apenas no Brasil, podemos citar as pessoas que moram em


favelas que convivem com o estado de exceção, que é a suspensão do Estado
de direito. Com um exemplo de policiais adentrando a favela e atirando em
todas as direções, sem nenhum parâmetro exercendo assim a necropolítica, na
sua expressão pura. Além disso temos a maior gestão de necropolítica de
massa no Brasil, sendo a política de encarceramento.

A política de encarceramento tem como objeto principal a juventude


negra. O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, e mais
de 40% dessa população é feita de presos preventivos ou provisórios, ou seja,
pessoas que não tiveram julgamento. Isso é com certeza uma gestão
necropolítica de excelência.

No livro Crítica da Razão Negra, também de Mbembe, a hipótese ali


apresentada por ele é de que isso é uma gestão, que poderia ser chamada de
resto social do capitalismo liberal, ou seja, os contingentes populacionais que
não quer incluir é que se torna objeto de necropolítica, sobre tudo de tecnologia
de encarceramento.

Desse indivíduo, o negro, tenta-se retirar seu território, a sua cultura, a sua
dignidade, e o seu corpo que, agora, à mercê do Estado, está submetido a toda
a forma de submissão e degradação.
Talvez a única coisa que lhe reste seja a sua memória, e o
conhecimento que carrega consigo:
O corpo propriamente dito não possui, no entanto, nenhum sentido
intrínseco. Por outras palavras, no drama da vida, o corpo em si,
nada
significa. É um entrelaçamento ou, ainda um conjunto de processos
que, em si, não tem qualquer sentido imanente. A visão, a
motricidade, a sexualidade, o toque não têm qualquer significado
primordial. Assim, existe sempre uma parte de coisidade em qualquer
corporeidade. O trabalho para a vida consiste precisamente em evitar
que o corpo caia na coisificação absoluta; consiste em evitar que seja
por completo um simples objeto. (Mbembe, p. 244.)

Enfim, as características sobre necropolítica definidas pelo o


autor, tendem a nos ajudar a analisar e compreender como os Estados
contemporâneo, adotam suas políticas de morte. Usando muitas vezes
por meio da força policial, com discurso de política de segurança para a
maioria.
REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade; 2 ed. tradução de Maria


Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2018.

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.

MARX, Karl. A ideologia alemã. 9º ed. São Paulo: Hucitec, 1993

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