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FACULDADE DE DIREITO
SÃO PAULO
2020
Estado Democrático de Direito é um conceito que resulta de um longo processo de
conquista do poder político a partir da classe burguesa. Inicia-se, principalmente, a partir do
Século XVII com as Revoluções Inglesas (1640-1688) na atual Grã-Bretanha, é difundido
pelo mundo a partir de 1789, com a Revolução Francesa, e consolidado, finalmente, após o
término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o surgimento e ratificação da
Organização das Nações Unidas, no ano de 1945.
Desde então, o termo foi e vai além de uma mera definição que conceitua uma forma
de Estado ou Governo; ele carrega consigo valores como Democracia e direitos inerentes da
pessoa humana, ambos inalienáveis em qualquer lugar e situação do planeta terra. Nessa
visão, o papel do Executivo seria, primeiramente, assegurar todos esses valores que
constituem o Estado de Direito, contanto com a ajuda das Instituições, em especial, utilizando
o Direito como instrumento para esses fins.
Parte desta ideia também está presente quando se fala de pena e direito penal; a título
de exemplo, a Filosofia Iluminista, uma das bases teóricas do Estado de Direito, também
estendeu sua influência até a chamada Escola Clássica de Direito Penal (séculos XVII/ XVIII)
o que faz com que as análises conjunturais e valorativas -, tanto da Escola Clássica, quanto do
Estado Democrático-, sejam pautadas pelo liberalismo e, portanto, por um idealismo que
passa pelo reconhecimento de direitos naturais (jusnaturalismo), do livre-arbítrio e da
igualdade perante a lei para justificar e ratificar a função da pena como a resposta necessária a
uma má conduta de determinado indivíduo.
Ou seja, tratando do sistema brasileiro, com uma sociedade organizada sob o modo de
produção capitalista, o Direito possui como função a manutenção e reprodução do próprio
capitalismo. Para justificar esse processo, analisemos rapidamente seu início: desde a
expansão marítima burguesa dos séculos XV/XVII, que buscava novas fontes de exploração
para seu modo de produção, o mundo foi dividido entre colônias e metrópoles.
1
MARX, Karl; ENGLES, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista, 1848.
Não se pode deixar de comentar que, boa parte das pessoas reconhece que, ainda hoje,
132 anos após a abolição no país, as condições do povo negro no Brasil são precárias;
entretanto, nem sempre se evidencia que toda a estrutura organizacional das classes e da
economia de nosso país, é pautada pelo racismo. Isso porque ele é uma mazela criada -e
aproveitada- pelo Capital, que serve de justificativa para a existência de uma mão de obra
barata e descartável. É como se o racismo servisse de acautelamento a burguesia: não importa
qual seja o cenário econômico do país (crise ou aceleração), sempre vai existir a parcela
pobre, preta e necessitada, “pronta” para ser explorada, seja em subempregos, seja recebendo
salários menores que seus colegas brancos. 2
Para destacar o impacto do Direito Penal como instrumento construtor desse cenário,
destaca-se a adoção do positivismo criminológico no contexto brasileiro. Surgido no século
XIX, essa escola de pensamento tinha como foco e objeto de estudo a figura do criminoso; o
“delinquente” e utilizava-se do determinismo para concluir que os infratores das normas
violavam o direito porque nasceram assim: eram criminosos por conta de condicionantes
biológicas, antropológicas e hereditárias.
E assim, a difusão desse pensamento fez com que a simples existência da pessoa negra
se configurasse como uma ameaça a ordem, afinal, essa figura seria infratora, violenta e
criminosa por natureza, e que, portanto, deveria ser contida; além disso, esse desejo de
domínio teria trazido três consequências sentidas até hoje: (i) o uso da prisão como forma de
resolução de problemas sociais; (ii) o fato de que a maioria das prisões é resultado de delitos
2
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2019, de forma geral, há uma diferença
salarial de 45% entre trabalhadores brancos e negros. Fonte: FREIRE, Simone. Racismo é causa da diferença
salarial de 31% entre brancos e negros com ensino superior, diz pesquisa. Alma Preta, 08 Janeiro 2020.
Disponível em << https://www.almapreta.com/editorias/realidade/racismo-e-causa-da-diferenca-salarial-de-31-
entre-brancos-e-negros-com-ensino-superior-diz-pesquisa >> Acesso: 06/12/2020
sem vítimas, ou seja, agressões à ordem pública e (iii) criar uma “imagem fixa” do infrator faz
com que ele, o “outro”, não seja visto como igual e por isso pode receber penas rígidas.
Na cultura popular, música, cinema e artes são instrumentos de denúncia desse cenário
injusto. Grupos como Racionais MCs, NSC e Comunidade Carcerária trabalham expondo as
falhas do sistema penal e os tratamentos desiguais reservados aos negros e outras minorias (no
que tange à acessibilidade de direitos). Um dois exemplos que ilustram essa desigualdade é a
música Banco dos Réus, de Carlos Eduardo Taddeo possui trechos que se relacionam, com o
que foi dito, por isso, cita-se alguns de seus trechos:
“Favelado é culpado até provado o contrário// Chego no fórum da barra funda quase
inconsciente// Pelas sessões de espancamento feita pelos agentes (...) Ódio de classe pulsante
do ideário burguês// Excluído,não é ser-humano no tribunal // É só a personificação de uma
ficha criminal (...) Me condenam pela condição de favelado// Pelas passagens e feição
comum do retrato-falado// Princípio do contraditório e da ampla defesa// Não é direito dos
que assombram a máfia burguesa”4
3
ACAYABA, Cíntia; REIS, Thiago. Proporção de negros nas prisões cresce 14% em 15 anos, enquanto a de
brancos cai 19%, mostra Anuário de Segurança Pública. G1. 19/10/2020. Disponível em
<<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-
14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml>>Acesso: 08/12/2020
4
CARLOS EDUARDO TADDEO. Banca dos Réus. Duração: 4min25seg.
classes e toda a perversidade advinda disso, tal como as grandes tragédias humanitárias, a
fome, guerras financiadas por empresas multinacionais ou tragédias ambientais.
Por fim, todos dos esses exemplos, fatos e teorias, concorrem paralelamente com o
Estado Democratico de Direito e com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, algo, no
mínimo, paradoxal e que conflita com os postulados liberais do sistema vigente. Com isso,
reforça-se a tese exposta de que o Direito é exercitado pensando no seu papel perpetuador do
capitalismo, não como instrumento pelo qual se dá a prática da justiça, e que para superar essa
contradição, deve-se primeiro superar a existência de uma sociedade de classes.
REFERÊNCIAS