Você está na página 1de 25

A BAIXA DENSIDADE DEMOCRÁTICA NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM

CONSERVADORISMO DO PODER JUDICIÁRIO NA INTERPRETAÇÃO


CONSTITUCIONAL

Denival Francisco da Silva 1

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem


ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e
segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o
povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé
comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em
simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de
catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no
quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de
chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos.
Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o
sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos
chamando democracia. E não o é.
José Saramago. Este mundo da injustiça globalizada.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000302.pdf. Pesquisa
em 04/janeiro/2015.

Introdução

O constitucionalismo moderno manteve o tripé do movimento


revolucionário francês do século XVIII como paradigma para uma sociedade
democrática, regida sobre os princípios da liberdade, da igualdade e da
fraternidade. O diferencial, entretanto, é que não basta a simples concepção
formal desses legados, porque a sociedade não só os aspiram transcritos nos
textos constitucionais, como almejam sejam concretizados materialmente, com o
cumprimento dos objetivos e compromissos que representam.

A farsa ocorrida em muitos Estados ocidentais que, embora


herdando essa estrutura, mantendo textos constitucionais aparentemente de
índole democrática, exercia uma prática completamente distinta. Ou seja, a

1
Doutorando em Ciência Jurídica pela UNIVAI/SC. Juiz de Direito na Comarca de Goiânia/GO.
(*) O presente artigo constitui produto final da Disciplina Principiologia e Política Constitucional, ministrada
pelo Prof. Dr. Paulo de Tarso Brandão, no segundo semestre de 2014, no Curso de Doutoramento em Ciência
Jurídica da Univali/SC.

1
redação constitucional servia apenas de arremedo para os holofotes internos e
sobretudos externos, como um disfarce para tiranias. O que ocorreu no Brasil a
partir do golpe de 1964 é prova cabal desse fato. Mesmo violando o texto
constitucional o regime golpista manteve a descrição desses legados que
continuaram a constar no texto constitucional de 1946 – democrático – mesmo
com os remendos pelos Atos Institucionais2, e posteriormente com a sua
substituição total daquela Constituição por um novo texto outorgado em
15/03/1967.

Nesse aspecto, a Constituição outorgada em 1967 é exemplo


concreto da Constituição folha de papel mencionada por Lassale3. Não foi por
falta de expressões consentâneas com os princípios de liberdade, igualdade e
solidariedade4 na redação dessa Carta autoritária que se impediu a dureza do
regime de exceção, com supressão de direitos e garantias fundamentais.

2
Com o golpe de Estado de 1964, iniciou-se um período caracterizado por um regime de força, dirigido por
governos militares. Os diversos Atos Institucionais restringiram as liberdades públicas e outros direitos
assegurados na Constituição de 1946, mantendo-se, todavia, naquele momento, a vigência da Carta
naquilo que não fosse conflitante com aquelas medidas de exceção. Em 7 de Dezembro de 1966, por meio
de Ato Institucional n.4, o Congresso Nacional é convocado extraordinariamente para discutir, votar e
promulgar uma nova Constituição, com base em projeto apresentado pelo Presidente da República. Em 24
de Janeiro do ano seguinte é promulgada a Constituição do Brasil, que entra em vigor em 15 de Março de
1967. In: RÊGO, Geoavanna Partrícia. A Incorporação dos Direitos Humanos no Direito
Constitucional Brasileiro. In:
http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/4/constituicao.html. Pesquisa em 07/01/2015.
3
LASSALE, Ferdinad. A Essência da Constituição. 4ª edição. [sem indicação tradutor]. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 1998.
4
A esse propósito, o termo regime democrático aparece três vezes no texto: art. 148, I (quando trata de casos
a serem regulados por Lei Complementar sobre inelegibilidade); art. 149, I (ao se referir à organização,
funcionamento e extinção dos partidos políticos); art. 166, § 2º (ao abordar sobre as condições de
organização e funcionamento das empresas jornalísticas, de televisão e de radiodifusão). Garantia dos
direitos fundamentais aparece no art. 149, I (enfatizado como requisito para organização e funcionamento
dos partidos políticos).
O princípio da igualdade é o reiteradamente repetido no texto constitucional. É mencionado nos art. 150,
§ 1º, aqui abordado na sua generalidade formal (todos são iguais perante a lei), e art. 168, caput (quando
descreve a necessidade de se assegurar “igualdade de oportunidades” como direito de educação para todos).
Por seu turno o princípio da liberdade é repetido diversas vezes. Aparece como princípio geral no art.
150, caput, e especificamente, no mesmo artigo em seus § 5º (liberdade de consciência), § 20 (ao tratar do
direito ao Habeas Corpus para assegurar a liberdade de locomoção diante de ilegalidade ou ato arbitrário de
autoridade) e § 28 ( liberdade de associação). Ainda no art. 157, I (liberdade de iniciativa como princípio
da ordem econômica); art. 166, § 2º (liberdade de pensamento e de informação como princípio de
organização e funcionamento das empresas de mídia e comunicação); art. 168, caput (ideais de liberdade,
como princípio atinente ao direito de educação); art. 168, § 3º, VI (liberdade de cátedra)
Em relação à fraternidade, aparece como princípio de solidariedade no tópico que trata da educação, no
art. 168, caput, (ideal de solidariedade humana).

2
Restabelecida a democracia, com a promulgação de uma nova
Constituição Federal em 05/10/21988, mais do que nunca houve a preocupação
de resguardar os valores de uma sociedade realmente democrática. Esse texto,
em razão das demandas reprimidas da sociedade e do seu significado
político/histórico/social/jurídico, pedra sobre o período político nebuloso de nossa
história republicana recente, trouxe objetivos e compromissos extremamente
representativos em termos de direitos e garantias fundamentais. As conquistas
estabelecidas nessa Constituição são de tal relevância que Lenio Streck chega a
afirmar que sem dúvida [é] a mais democrática do mundo5, e, inclusive, com ela
abre-se o caminho para um novo constitucionalismo latinoamericano.6

Assim, não se trata mais de discutir ou de querer realinhar direitos


fundamentais, questões já superadas, e que se exige sejam efetivados a partir de
suas inserções descritivas e em caráter compromissório na redação
constitucional, decorrentes de seu princípio democrático.

Porém, o texto constitucional atual, apesar dos seus objetivos e


compromissos (arts. 3º, 4º, CF) expressamente definidos, passa a se assemelhar
aos textos editados em regimes autoritários quando não sai de um vazio
discursivo. Nesse aspecto, muita pendência ainda carece ser superada.
Decorridos mais de um quarto de século da edição da “Constituição cidadã”7,
resta, urgentemente, firmar as conquistas nela estabelecida, concretizando seu
acervo de direitos e garantias que não podem ser postergados sob nenhum
pretexto (quer sob argumentos de cunho teóricos jurídicos, servindo desse modo
de instrumento de manutenção de poder; quer em face de escolha ou vontade
política, que nesse caso não pode atropelar o que definiu a constituinte originária;
quer, principalmente, em torno da insaciabilidade e urgência da pauta dos direitos
fundamentais que não pode serem atendidos ao bel prazer do poder público e
seus dirigentes), afinal este é o seu cerne e compromisso democrático.
5
STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? 4 ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2013. p. 114.
6
“...cabe registrar que a primeira etapa de reformas constitucionais que irão introduzir os horizontes do
Constitucionalismo tipo pluralista (final dos anos 80 e ao longo dos 90) pode ser representado pelas
Constituições brasileira (1988) e colombiana (1991).” In: WOLKMER, Antonio Carlos e MELO, Milena
Petters (org.). Constitucionalismo Latino-Americano. Tendências Contemporâneas. Curitiba: Juruá,
2013. p. 29/30.
7
Adjetivação dada por Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, na
Sessão derradeira com o ato de promulgação do texto Constitucional, em 05/10/1988.

3
Ocorre que embora tenha havido a mudança paradigmática, para
o restabelecimento democrático, velhas estruturas, arraigadas nos privilégios de
minorias, conquanto com forte poder político/econômico e social, fundadas no
conservadorismo retrógrado de antigas oligarquias e de um modelo pouco
republicano, conseguem impedir ou dificultar transformações sociais necessárias,
muito disso devido à forma dirigida de leitura e interpretação constitucional, que
ao contrário não é dotada desse subjetivismo ou alternatividade que se imagina
possa dela extrair. Há uma convergência de princípios e valores que devem ser
atendidos como normas constitucionais que são, não merecendo a opção do
dirigente do momento, em especial se isso decorre de um debate político eleitoral,
ofuscado no velho debate de direita e esquerda. Nesse quadro, a opção pelos
direitos fundamentais é uma escolha esquerdista, o que exige políticas inclusivas
e que na prática, muitas delas, implicam em programas de inserção social e de
acolhimento aos mais necessitados como se exige a ideia de igualdade material
prevista no art. 5º.

O Poder Judiciário tem grande parcela de contribuição nessa


contenção democrática, porque como interprete derradeiro nos temas que lhe
chegam, tem sido reticente quanto ao desiderato democrático estampado no texto
constitucional que é, sobretudo, o acolhimento dos direitos fundamentais. Embora
sendo inerte, como princípio, ao ser acionado em muitas das vezes se acovardou
ou negligenciou na efetivação da vontade soberana constituinte. Para isso, adotou
artimanhas políticas e jurídicas engendradas com o fito mesmo de negar ou
postergar aquilo que haveria de ser imediatamente implantado.

Acontece que não se pode tergiversar sobre direitos


fundamentais. Num regime verdadeiro democrático, não se trata de escolhas
partidárias ou de ideologia política, mas razão de existir da própria estrutura de
Estado, tanto que nessa nova perspectiva constitucional, diferenciando dos textos
antecedentes (mesmo de índole democrática), o cidadão é colocado em primeiro
plano na sua redação, numa clara alusão de que precede.

Os compromissos e objetivos da República Federativa do Brasil,


são mandamentos extensivos a todos os poderes e a sociedade, não se trata de
escolhas de um ou outro governo. Chamado a intervir, o Judiciário tem que
reafirmar o que tais compromissos, fazendo com que seja atendido, no caso

4
concreto, o que determina o texto constitucional que privilegia os direitos
fundamentais como sentido de toda ordem jurídica e política brasileira.

1 Compromissos e objetivos da República Federativa do Brasil com os


direitos fundamentais

O Estado Democrático de Direito transcende a ideia simplista de


democracia formal. Não basta nesse regime a mera descrição no texto
constitucional de direitos fundamentais, exigindo-se que sejam concretizados.

Abordando o tema sobe a ótica do garantismo jurídico de Luigi


Ferrajoli, enfatizado no respeito à dignidade humana e nos direitos fundamentais,
Alexandre Morais da Rosa, destaca:

[...] diante da complexidade contemporânea, a legitimação do Estado


Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia formal, para
alcançar a democracia material, na qual os Direitos Fundamentais
devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da
deslegitimação paulatina das instituições estatais. Dito de outra forma,
tendo-se em vista a supremacia constitucional dos direitos positivados
no corpo de Constituições rígidas ou nela referidos (CF, art. 5º, § 2º),
como a brasileira de 1988, e do princípio da legalidade, a que todos os
poderes estão submetidos, surge a necessidade de garantir esses
direitos a todos os indivíduos.8

Nessa perspectiva não se nega o viés garantista da Constituição


de 1988. Ao cumprir o desiderato de sobreposição do regime autoritário, não só
restabeleceu o regime democrático, como enalteceu a dignidade humana como
seu eixo vetor (art. 1º, III, CF), assegurando daí os direitos e garantias
fundamentais como primazias dessa nova ordem jurídica e política da sociedade
brasileira.

Referido texto constitucional marca um grande avanço histórico e


político, não só por contrapor o que representou os anos de segregação das
liberdades, mas principalmente por formular de forma expressa os rumos para

8
ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 4.

5
uma sociedade onde os fundamentos de uma democracia substancial de fato se
efetivem. A partir de então a opção democrática e em relação aos direitos
fundamentais não se trata mais de meras inspirações jurídico-filosóficas, mas
compromissos expressos de imediato nos seus primeiros artigos, ao destacar os
princípios republicano, democrático e destacar seus fundamentos, nos princípios
da soberania, cidadania, da dignidade humana, do pluralismo político e do
respeito aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º), e ao
estabelecer objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, com garantia do desenvolvimento nacional, voltado a erradicação da
pobreza e da marginalização, com redução das desigualdades sociais e regionais,
promovendo o bem de todos, sem quaisquer formas de preconceitos ou
discriminação (art. 3º).

Tomado isto como parâmetro é importante destacar que a noção


de direitos fundamentais acolhida na Constituição segue o contexto do
constitucionalismo moderno, transcendendo a estreita descrição dos direitos
denominados de primeira geração, ligados somente às liberdades civis e políticas,
para açabarcar igualmente os direitos sociais e econômicos. Não se pode, de
fato, considerar de modo estanques esses grupos. A noção de liberdades exige
que o indivíduo possa dispor de meios para fazer suas escolhas e definir seu
próprio destino, assim como de mecanismos e instrumentos jurídicos que lhe
assegure as opções tomadas.

Daí porque Luigi Ferrajoli define como fundamentais “todos


direitos subjetivos que dizem respeito universalmente aos seres humanos
enquanto dotados do status de pessoa, ou cidadão ou de pessoa capaz de agir.” 9
E conclui afirmando que tais direitos correspondem ao pacto constitucional
essencial em torno

[...] daquelas necessidades substanciais cuja satisfação é condição da


convivência civil e também causa ou razão social daquele artifício que é
o Estado.

9
FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais. Trad. Alexandre Salim,
Alfredo Copetti Neto, Daniela Cademartori, Hermes Zaneti Júnior, Sérgio Cademartori. Porto
Alegre:Livraria do Advogado, 2011. (sem título original nessa edição) p. 9.

6
[...] os direitos fundamentais prescrevem aquilo que podermos chamar
de a esfera do indecidível; do não decidível que, ou seja, das proibições
correspondentes aos direitos de liberdade, e do não decidível que não,
das obrigações públicas aos direitos sociais. Estado.10

Essa definição, claramente acolhida pelo constituinte de 1988,


dispõe de um núcleo de direitos e garantias descritos no texto constitucional que
são intangíveis devido a rigidez e impossibilidade de qualquer alteração ou
modificação por conta da vontade constituinte que os gravou como cláusulas
pétreas (art. 60, § 4º, IV, CF). Agregado a isso, a Constituição estabeleceu como
objetivos da República Federativa do Brasil o cumprimento dessa pauta de
direitos e garantias fundamentais, impondo como dever satisfazer os objetivos
traçados no art. 3º, em suma o projeto de uma sociedade mais igualitária, com
superação da pobreza e das desigualdades sociais.

O reconhecimento ampliado dos direitos fundamentais no texto


constitucional de 1988 é destacado por Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo ao
assegurarem que

Todos os direitos sociais são fundamentais, tenham sido eles expressa


ou implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF
(dos direitos e garantais fundamentais) ou dispersos pelo restante do
texto constitucional, ou se encontrem ainda (também expressa e/ou
implicitamente) localizados nos tratados internacionais regularmente
firmados e incorporados pelo Brasil.

Com corolário desta decisão em prol da fundamentalidade dos direitos


sociais na ordem constitucional brasileira, e por mais que se possa, e,
até mesmo (a depender das circunstâncias e a partir de uma exegese
sistemática) por mais que se deva reconhecer possíveis diferenças de
tratamento, os direitos sociais – por serem fundamentais, comungam do
regime pleno da dupla fundamentalidade formal e material dos direitos
fundamentais. Com efeito, para além de poderem ser reconhecidos
como protegidos contra uma supressão e erosão pelo poder de reforma
constitucional (por força de uma exegese necessariamente inclusiva do
artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF) os direitos sociais (negativos e
positivos) encontram sujeitos à lógica do art. 5º, § 1º, da CF, no sentido

10
Ibidem, p. 26.

7
de que a todas as normas de direitos fundamentais há de se outorgar a
máxima eficácia e efetividade possível, no âmbito de um processo em
que se deve levar em conta a necessária otimização do conjunto de
princípios (e direitos) fundamentais, sempre à luz das circunstâncias do
caso concreto. Em outras palavras, também as normas de direitos
sociais (inclusive de cunho prestacional) devem, em princípio, ser
consideradas como dotadas de plena eficácia e, portanto, direta
aplicabilidade, o que não significa (e nem poderia) que sua eficácia e
efetividade deverão ser iguais.11

E é importante frisar que a Constituição tem caráter


compromissório, não sendo mais um texto abstrato, de vazio conteúdo ou
promessa que pode deixar de ser cumprida. Ao contrário é taxativa a
determinação para efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, reforça-se a ideia de que os direitos fundamentais são


acoimados pela irrenunciabilidade, indisponibilidade, e impossibilidade de
adiamento ou indefinição de quando e como serão tomadas as medidas e
políticas públicas para o imediato cumprimento.

2 Compromisso do Poder Judiciário com a ordem democrática.

Embora não sendo o único intérprete da norma jurídica, o Poder


Judiciário tem nisso sua tarefa primordial, fazendo-o rotineira e necessariamente
em suas decisões. Ao fim, tem a versão final da interpretação constitucional e
legal, conquanto diante de fatos produzidos no processo.

No entanto o processo interpretativo por parte do Poder Judiciário


tem enfrentado no pós-Constituição de 1988 verdadeiras dissemias, distanciando
do núcleo significante do próprio texto e de sua axiologia, como expressão da
vontade constituinte.

Assim, embora não tendo a responsabilidade exclusiva de


interpretar e sequer dispondo do domínio sobre essa tarefa, em última análise o

11
SARLET, Ingo Wolfgang & FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e
direito à saúde: algumas aproximações. p. 11/53. In: SARLET, Ingo Wolfgang & TIMM, Luciano Benetti
(organizadores). Direitos Fundamentais orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. P. 17/18.

8
Judiciário é onde ressoa a derradeira esperança de materialização dos
compromissos constitucionais. Se também falha na leitura consentânea com os
desígnios garantistas previstos no texto constitucional, mortificam as chances do
próprio plano constitucional, de uma sociedade que se quer substancialmente
democrática, onde os direitos fundamentais sejam compromissos vivencialmente
assumidos pelo Estado brasileiro.

Em relação a essa atuação do Poder Judiciário, José Eduardo


Faria afirma que isso se deve a uma crise nas instituições judiciais expressa por
três importantes tipos de problemas: legislação antiga; formalismo e
individualismo do Judiciário; magistratura com formação civilista.12

Na mesma linha de raciocínio, Maria Tereza Sadek, pesquisadora


que também tem se dedicado a analisar o funcionamento do Judiciário, sustenta
que a crise da justiça está relacionada com a incapacidade dos juízes em lidar
com questões de ordem administrativa-econômica com aquilo que devem gerir.13
É como se todos os problemas verificados, como do emaranhado legislativo, da
dificuldade de acesso à justiça, da efetividade dos julgados, etc, pudessem ser
sanados a partir da aplicação de uma gestão mais profissional e técnica no
Judiciário, com emprego de modelos e experiências advindas da própria
administração privada.

Ainda que tais elementos sejam importantes para ganho de


eficiência, não se pode desprender que serviços públicos, em especial nestes em
que o poder público detém a exclusividade, em razão de suas próprias naturezas
e importâncias, não podem ser equiparados aos serviços desempenhados pela
atividade privada. O sistema de justiça adequa exatamente nessa condição e
avaliação de sua qualidade não pode partir de parâmetros privatistas, com
abordagem numérica de processos julgados e a imediaticidade nos julgamentos.

A Emenda Constitucional 45/2004 a propósito de promoveu a


reforma do Judiciário, pautou sobre essas premissas, buscando soluções de
“harmonização” (diria padronização) de julgamentos e cerceando de alguma

12
FARIA, José Eduardo. A crise no Poder Judiciário no Brasil. In: Justiça e Democracia: Revista Semestral
de Informação e Debates. Publicação Oficial da Associação Juízes para a Democracia. V. 1, primeiro semestre
de 1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 21-22.
13
SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

9
maneira o acesso à justiça, ao instituir instrumentos nos tribunais superiores para
aglutinação de processos para um só julgamento, e introdução da súmula
vinculante como forma de estacar a possibilidade de decisões dissonantes nas
esferas inferiores. Em nada melhorou a forma de prestação jurisdicional na
primeira instância, o grande gargalo da justiça brasileira e onde estão
concentradas as demandas dos mais fragilizados (quando conseguem estar ali),
os mais carentes de justiça.

Tomados esses indicativos apontados pelos pesquisadores como


determinantes para a dita “crise”, não seria passado do momento para se indagar
as razões da manutenção dessa situação, afinal sendo perceptíveis e
relativamente fáceis (dependendo de vontade política) de serem equacionados,
porque essa realidade não é modificada? Ou, para além de qualquer “crise”, ao
contrário não há de fato interesse em que o Judiciário seja incapaz de dar solução
as demandas que lhe são apresentadas, a tempo e a hora? Há sempre um jogo
de empurra e transferência de responsabilidades entre as esferas de poder, de
modo que ao final nada é feito ou modificado.

O peso de um sistema de justiça extremamente burocrático (mais


do que a formalidade processual haveria de exigir, naquilo que lhe é plenamente
dispensável, em contraposição ao atropelo de formas em nome de uma
celeridade processual que por vezes ocorre gerando desequilíbrio de
oportunidades entre as partes) e que ao invés de pronta solução (sem significar
atropelo ao devido processo) consegue perenizar problemas, adiando e
postergando políticas e decisões que façam cumprir a pauta dos direitos
fundamentais.

Porquanto, embora os diagnósticos devam ser investigados e


atacados com maior profundidade, a reiterada “crise” no sistema de justiça
brasileira não se resume a isso, ou isso ainda não é o ponto essencial. Aliás,
tornou-se bordão falar-se em crise quando se refere ao Judiciário. É um discurso
que se repete a décadas, inovando apenas em termos argumentativos quando
falham as versões precedentes, surgindo a necessidade de se adaptar para
novos enredos.

10
As debilidades do sistema de justiça, para além da questão de
gerenciamento (também caótica), relacionam-se muito mais com a forma como a
magistratura e o próprio poder Judiciário distribui “justiça”. Há uma equidistância
dos anseios sociais e dos verdadeiros fins a que se destina. Nesse enredo,
quanto mais se caminha para automatizar e dar dinamicidade aos processos,
como correções de rumo ao Judiciário numa perspectiva quase que
industrializada, seja abreviando ou informalizando procedimentos (irrompendo
com o princípio do devido processo), impedindo que a ação seja instaurada
(inibindo o acesso à justiça), entregando decisões repetitivas (ofendendo o
princípio da necessária fundamentação), mas se afasta do desiderato principal
que é a solução dos conflitos dentro dos parâmetros constitucionalmente válidos.

Para usar a análise de Lenio Streck, os diagnósticos (e as


soluções) apresentadas (pelos estudos indicados) nem de longe abordam à
questão da necessidade de julgamentos democráticos,14 e a qualidade das
decisões judiciais coerentes com os princípios e normas constitucionais, com um
sistema que assegure de chofre o pleno acesso à justiça. Ninguém vai ao
Judiciário pretendendo alcançar uma fórmula pronta (decisão proferida noutros
julgamentos). A rigor, quer e espera que seu caso seja analisado detida e
particularmente, sem os prejulgamentos que significa a adoção de métodos como
“...sobre o tema já decidiu o TJ; ou STJ; ou STF...”, ou já tem “...súmula sobre o
assunto”. Todavia, a par de se dar dinamicidade aos julgamentos (sem nenhuma
preocupação com um decidir democrático: com qualidade e atento aos ditames de
uma ordem constitucional que exige o cumprimento do acervo de direitos
fundamentais) e em nome de uma falsa segurança jurídica (como se fosse
sinônimo de repetição do que já disseram os tribunais, ainda que não exatamente
iguais as demandas, até porque impossível) há muito tempo a jurisprudência
deixou de ser fonte de direito para escravizar (ou acomodar) o julgador15,
passando a ser “regra cogente” de decisão.

Nesse sentido, a decisão sempre precede ao próprio julgamento,


porque para o caso já existe a fórmula pronta e acabada, bastando seja aplicada.

14
STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? 4 ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2013. p. 46.
15
SILVA, Denival Francisco da. Aforismos e outros foras jurídicos. Brasília: Gomes Oliveira, 2014. p. 34.

11
Muitas das vezes implica na rejeição formal da pretensão, com base em algum
precedente jurisprudencial, sem a mínima análise do caso apresentado em
particular. Essa prática ofende uma série de princípios constitucionais. Cerceia o
direito de acesso à justiça no sentido de que não há uma apreciação
individualizada da questão trazida em juízo (art. 5º, XXXV) e tolhe a necessária
fundamentação dos julgamentos (art. 93, IX).

Em relação à legislação, se há um desejo de solução da


mencionada crise, e se ela passa pela necessidade de atualizar a legislação, que
se mobilizem as esferas políticas necessárias e os poderes responsáveis para
que isso aconteça. Enquanto isso, toda a legislação não consentânea com o texto
da Constituição de 1988 não pode ser aplicada, porque não passou pelo crivo da
repristinação.

Exemplo claro dessa situação é que muitas regras processuais


editadas na década de 1940 (penal) e 1970 (civil) são ultrapassadas e não
condizem com o novo paradigma constitucional. Em relação ao processo penal,
em particular, os ditames processuais estão hoje previstos na Constituição
Federal, como já dito de viés garantista, inclusive e que, em muitos aspectos,
deixou de recepcionar aquela legislação varguista. Conquanto, nem assim vê-se o
desapego àquela legislação nas lides forenses. Nesse sentido, o vício não está na
legislação, mas quem dela não desapega embora superada pelo tempo e,
sobretudo não coerente com a nova Constituição. Apesar de esconjurar o termo
“operador do direito”, parece que aqui bem se justifica, porque demonstra a
incapacidade do usuário do direito de análise, crítica e interpretação condizente
com a nova ordem16, deixando inclusive de reconhecer na prática a existência de
um texto constitucional de índole democrática.

Quanto ao legislativo, o que se percebe é que há outros


interesses que impedem ou fazem desmerecedores à atualização legislativa, e

16
Alexandre Morais da Rosa utiliza o termo ator jurídico em contraposição ao “operador jurídico”. E
justifica: Emprega-se o termo “ator jurídico” ao invés “operador jurídico” por se entender que o primeiro
pressupõe a consciência da participação no fundo dos fatos pelo intérprete, enquanto o segundo facilita a
objetivação e o seu distanciamento. As formas clássicas de interpretação do Direito propostas pela
dogmática jurídica apresentam o intérprete dissociado da realidade social (sujeito objeto), envolto numa
realidade virtual, favorecendo, com isso, a comodidade e o (des)compromisso das decisões. ROSA,
Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p. 19, nota rodapé 41.

12
diante dessa omissão, também convenientemente, continua-se a aplicar a
legislação existente, no mínimo de duvidosa receptividade pelo texto
constitucional.

Veja o exemplo no próprio Judiciário. Muito se fala, internamente,


no primeiro grau de jurisdição, sobre a urgência de democratizá-lo. Bonito o
discurso. Conquanto a proposta apresentada visa apenas abrir oportunidade para
que os juízes de primeiro grau participem, juntamente com os integrantes do
segundo grau de jurisdição que já o fazem, do processo de escolha dos novos
dirigentes, via processo eleitoral. Só isso! É óbvio que a partir daí a primeira
instância assumirá uma posição política extremamente relevante nas
administrações judiciárias, porque o peso do voto dos juízes de primeiro grau é
que definirá aqueles integrantes do segundo grau que serão os administradores.

Pergunta-se, o que isso reflete de positivo ao Judiciário enquanto


Poder que tem a incumbência de prestação de serviços à sociedade? O que a
população ganha com isso? O Judiciário não é feito apenas de juízes. Aliás, os
magistrados correspondem a uma parcela ínfima diante do contingente de
pessoal que o compõe e não menos importante. O quadro de servidores e
auxiliares que o integram é muito maior, mas pela proposta são alijados de
qualquer discussão quanto a este processo supostamente democrático de
escolha dos administradores dos órgãos judiciais. E outros setores que lidam
direta e cotidianamente junto ao Judiciário, peças fundamentais na engrenagem
judiciária, como os advogados, defensores públicos, membros do Ministério
Público, não devem também ser ouvidos e igualmente participar dos rumos
administrativos do Poder?17 E outros setores da sociedade que embora não
estejam diretamente envolvidos, numa perspectiva mais ampla não deveria
também participar dos destinos do poder, podendo e merecendo por isso ser
ouvidos?

17
[...] o sistema de justiça é mais amplo do que o poder judiciário. A rigor, o juiz é apenas uma peça de um
todo maior. O sistema de justiça envolve diferentes agentes: o advogado, pago ou dativo; o delegado de
polícia; funcionários de cartório; o promotor público e, por fim, o juiz. (sublinhei). In: SADEK, Maria
Tereza (org.). O Sistema de Justiça. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais - www.bvce.org , 2010. p. 9/10. Pesquisa em 15/12/2014.

13
Na verdade, quanto mais se puder ampliar o leque, maior será a
possibilidade de se qualificar a administração judiciária, até porque virá o olhar
externo e não somente o risco do corporativismo e do enquadramento político
para eleição desse o daquele membro.

E a participação nos destinos do Judiciário – seja ela de um


contingente mínimo, como propõe a magistratura, ou mais amplo, como haveria
de ser para a verdadeira noção democrática – não pode se restringir ao processo
de escolha de dirigentes, afinal democracia não é apenas o direito de voto. Outros
temas são mais importantes para democratizar o Judiciário e que se refere as
escolhas estratégias da administração e os projetos de atendimento da sociedade
para proporcionar a concessão, na linguagem de Lenio, de serviços judiciários
democráticos.

3 A necessidade do Judiciário ocupar o seu devido espaço

Não existe um vácuo de poder a ser ocupado pelo Judiciário e


sequer seria consentâneo com a independência e harmonia que devem ser
preservados entre os poderes (art. 2º, CF). Mas, é importante destacar que os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, CF), bem como
de toda carga de princípios e mandamentos do texto constitucional, destina-se a
todos os poderes, respeitadas suas atribuições, e que estão sujeitos às cobranças
e imposições formais por suas omissões.

Não obstante a este fato, no Estado Democrático de Direito é


imperiosa a pauta dos direitos fundamentais, para qual não comporta teses
negatórias como se os mandamentos constitucionais fossem simples normas
programáticas18 e, mais recentemente, com o discurso da reserva do possível19,

18
“As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo normativo, enquanto outros preferem restringir-
lhe a eficácia à legislação futura, constituem no Direito Constitucional contemporâneo o campo onde mais
fluidas e incertas são as fronteiras do Direito com a Política. Vemos com frequência os publicistas
invocarem tais disposições para configurar a natureza política e ideológica do regime, o que aliás é
correto, enquanto naturalmente tal invocação não abrigar uma segunda intenção, por vezes reiterada, de
legitimar a inobservância de algumas determinações constitucionais. Tal acontece com enunciações
diretivas formuladas em termos genéricos e abstratos, às quais comodamente se atribui a escusa evasiva
da programaticidade como expediente fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional.”
In: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8ª edição. São Paulo: Malheiros Editores,
1998. p. 218.

14
tudo para afastar ou postergar a atuação do poder público com os compromissos
assinalados na Constituição.

É óbvio que o atendimento às políticas voltadas ao acolhimento


dos direitos fundamentais, sobretudo de índole positiva, exige dotação
orçamentária cujos recursos públicos nem sempre são suficientes para acolher
toda a demanda. Conquanto, diante das limitações existentes, e tratando-se de
algo previsível, porque constante dos compromissos previstos na Constituição,
depende da escolha política do governante para decidir as prioridades a serem
socorridas. Nisso, não se pode trocar a prestação de direitos fundamentais por
outras metas, em especial quando se adequa o modelo econômico ao ditame do
modelo econômico globalizado que exige a produção de superávit primário para
pagar juros de atividade especulativa de agentes financeiros internacionais.

Nesse contexto, antes de qualquer teoria excludente da atuação


estatal no acolhimento de políticas e programas atinentes a atender as demandas
conhecidas em relação aos direitos básicos da população, em especial em face
às prestações sociais, é preciso reconhecer o papel compromissório da
Constituição Federal pela qual se impõe a todas as esferas de poder, na
perspectiva democrática nela estampada, o pronto e imediato cumprimento da
pauta dos direitos fundamentais.

Essa é a referência elementar do texto constitucional democrático,


e que não dependeria de maiores debates dada a clareza expressa das
disposições nela contida, como sobressai do art. 5º, § 1º: As normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Sob essa ótica chega ser absurda a necessidade de ter-se que


aportar no Judiciário para cobrança pela efetivação de tais direitos. Ou seja,

19
“A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na Alemanha, especialmente
a partir do início dos anos de 1970. De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos
direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma
vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir
disso, a “reserva do possível”(Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina
majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a
prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado,
disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e
parlamentares, sintetizadas no orçamento público”. SARLET, Ingo Wolfgang & FIGUEIREDO, Mariana
Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. p. 11/53.
In: SARLET, Ingo Wolfgang & TIMM, Luciano Benetti (organizadores). Direitos Fundamentais
orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 29.

15
melhor seriam que as demandas decorrentes desse acervo dos direitos
fundamentais não dependessem de provocação do detentor do direito subjetivo
junto ao Judiciário. Todavia, exigindo-se, no pode a esfera judicial furtar-se no
acolhimento da pretensão apresentada. E não se exige pré-requisito com
supressão de etapas noutras esferas públicas para que isso ocorra. A omissão na
concessão e garantia do direito já basta para que caracterize a possibilidade de
ação. Afinal, o Judiciário não está adstrito à declaração de negativa de outros
órgãos quanto ao não cumprimento dos direitos fundamentais do indivíduo, não
podendo ainda mais reforçar a negligência, também falhando ao deixar de
garantir a prestação fundamental reivindicada.

Apesar dessa obviedade parece existir um dilema que emperra


uma atuação proativa do Judiciário e que por isso ainda não conseguiu
reconhecer suas verdadeiras atribuições no Estado Democrático de Direito.
Quando surgem decisões consentâneas com o sentido democrático, há sempre
discursos prontos para repudiá-las como se o Judiciário estivesse imiscuindo em
searas indevidas, pertencentes a outras esferas de poder.

É essa fala que nega à participação incisiva do Judiciário sob


esse viés constitucional, deitando-se ácida crítica ao que chamariam de ativismo
judicial.20 Não se é preciso entrar nessa discussão para compreender que o juiz
em tal situação nada mais faz do que cumprir seu papel democrático, julgando
consoante dispõe a literalidade da Constituição.

O inverso, entretanto, não é questionado ou criticado. Isso ocorre,


por exemplo, quanto ao manuseio da legislação infraconstitucional editada antes
Constituição Federal de 1988. Não que a Constituição exigisse de imediata uma
renovação completa do arcabouço legislativo. Isso seria inviável e impossível.
Mas são certas as incompatibilidades que devem ser resolvidas dentro do novo
paradigma constitucional. Para isso, exige-se do julgador um exercício

20
[…] “o ativismo judicial praticado pelos tribunais que, através de sua ação no tecido social, obriga os
demais poderes a agirem também. Creio, porém, que devemos ter cautela diante da afirmação de Haberle.
De pronto, consigno que, quando o judiciário age – desde que devidamente provocado – no sentido de
fazer cumprir a Constituição, não há que se falar em ativismo. O problema do ativismo surge exatamente
no momento em que a Corte extrapola os limites impostos pela Constituição e passa a fazer política
judiciária, seja para o “bem” ou para o “mal”.” (grifei; os demais destaques do original). STRECK, Lenio
Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2013. Nota rodapé 9. p. 22.

16
hermenêutico fixado na Constituição, para averiguar se a norma específica foi
recepcionada, ou, se ao contrário deve ser rechaçada ou adequada.

Não obstante essa lógica na prática há pouca preocupação com o


desencontro legislativo com o texto constitucional, inclusive do ponto de vista
formal. O apego à lei em si é tamanho que não raro descuida-se da falta de sua
adequação à Constituição. Fora isso, a atenção deve ser constante, inclusive
mesmo com os textos legislativos produzidos depois da nova ordem
constitucional, porque muitos desviam-se dos princípios e limites estabelecidos na
Constituição.

Acrescendo a estes dramas, a urgência pretendida na prestação


jurisdicional como símbolo de sua eficiência (ainda que não se tenha atingido este
fim); o aumento das demandas judiciais, resultado inclusive do princípio
democrático e fundamental de acesso à justiça;21 o comodismo no sentido de não
se querer envolver com novas discussões e a praticidade que isso proporciona (o
dissenso exige argumentos, justificativas, contraposições ao que já está
estabelecido, etc.); a repetição irrefletida de comentários jurídicos e a reprodução
jurisprudencial, mesmo ultrapassada; a falta de análises críticas e mais profundas
sobre os temas colocados são alguns dos fatores que ainda fazem da decisão
judicial, em linhas gerais, produto de pouca evolução.

A pergunta a ser feita é por que o Poder Judiciário cria tantas


dificuldades e resistências para interpretar a Constituição na exata perspectiva
democrática que fora editada,22 onde se tem expressamente compromissos de
todos os Poderes da República com os Direitos Fundamentais?

O apego a uma interpretação formalista acaba por distanciar a


magistratura de uma postura mais contundente, no sentido de posicionar a
atividade que lhe é entregue em sintonia com os problemas afluentes do dia-a-dia

21
Constituição Federal. Art. 5º. [omissis] XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento
de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder; b) a obtenção de certidões; XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito; LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos;
22
[...] um dos vícios da jurisprudência brasileira tem sido o do relativo descaso devotado aos princípios
constitucionais, o que acaba despindo o processo de interpretação e aplicação da Constituição da sua
dimensão ética mais profunda. In: SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição
Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2003. p. 51.

17
na sociedade. A constatação clara deste fato é que a jurisprudência brasileira
mantém-se conservadora, apartada da ordem de valores descritos no texto
constitucional. Não se dá importância à base de princípios que resguardam os
Direitos e Garantias Individuais, como quis o constituinte ao eleger a Dignidade
Humana como o eixo central da nova Constituição.

Outro fator de peso quanto a essa sensação de indiferença é que


a burocracia hierarquizada entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, até
chegar ao seu topo no STF (Supremo Tribunal Federal), juntamente com o
princípio da celeridade e o instituto da súmula vinculante, introduzidos pela
Emenda Constitucional 045/2004,23 bem como outras inovações decorrentes
desta emenda, transformou o sistema de justiça brasileira, mais ainda, numa
estrutura de produção de decisões em série e basicamente uniformizadas. Sob a
exigência da máxima rapidez – as metas estabelecidas pelo CNJ (Conselho
Nacional de Justiça) 24 é uma camisa de força aos juízes – porque tudo deve ser
realizado com maior celeridade possível em nome da segurança das decisões
judiciais e sua efetividade. O que se busca é simples quantidade, com pouca
preocupação com qualidade.

O entendimento jurídico ditado pelos tribunais superiores


dissemina imediatamente para as esferas inferiores como razão de decidir. Com
isso, há um engessamento da consciência crítica dos juízes25 que utilizam estes

23
Constituição Federal. Art. 5º, LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso acrescido pela
EC 045/2004);
Constituição Federal. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua aplicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (artigo crescido
pela EC 045/2004);
24
Constituição Federal. Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais
de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma
recondução. § 4º. Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que
lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura.
25
O perfil de um bom candidato [juiz] é, mesmo sendo incapaz de criar uma linha de pensamento, o de
recorrente ao lugar comum nesse mundo: códigos, decisões mansas e pacíficas, teorias jurídicas tradicionais.
O mais importante é o recurso ao estabelecido. Nada de conhecimento crítico ou criativo. Como resultado,
em inúmeros casos, são aprovadas pessoas despreparadas, que muito cedo trazem problemas ao Judiciário e,
pior, à sociedade. In: ANDRADE, Lédio Rosa de. O Juiz Alternativo e o Poder Judiciário. 2 ed.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 67/68.

18
referenciais sem contraposição e, mais, passam a acreditar – como de fato se
quer que acreditem – que ali estão fórmulas prontas que não oferecem riscos de
equívocos, desprezando a própria necessidade de individualização dos
processos, a possibilidade de evolução e de inovação do entendimento, de
críticas, essenciais às relações humanas neste jogo democrático.

Por outro lado, a autossuficiência proclamada pelo Poder


Judiciário, no sentido de detentor quase exclusivo do saber jurídico, verticaliza em
demasia a solução dos conflitos numa perspectiva puramente formal. Mesmo com
o monopólio da jurisdição – hoje nem tanto em razão de outras instâncias de
solução, inclusive privadas, como as Cortes de Arbitragens – o Judiciário se retrai
no individualismo assinalado por Faria, não permitindo o compartilhamento de
suas reflexões com outras esferas de Poder e de conhecimento.

Ainda na série de problemas tem-se algo fora do Poder Judiciário,


mas interno às ciências jurídicas e que também repercute sobre sua atividade e
que diz respeito à formação do profissional do direito. Os programas dos cursos,
atendendo aos interesses do próprio uso desse conhecimento na sociedade
capitalista, como instrumento servil à regulamentação do direito de propriedade e
dos contratos em geral, privilegiam uma formação quase que detidamente no
direito privado. Faz parte de nossa cultura jurídica esta formação civilista. Nisso, o
juiz não é preparado para o enfrentamento de temas mais candentes. Quando
uma questão de maior enfoque social é colocada, não raramente a solução segue
a mesma linha positivista/civilista aprendida nos bancos de faculdade e nos
manuais de doutrina.26

No que tange à seara jurídica e precisamente quanto a


administração da justiça, cada vez mais o direito é resultado das aspirações
sociais e ao mesmo tempo expressão da força política predominante. Neste jogo
de forças, entre interesses antagônicos típicos de um regime democrático, o
Poder Judiciário tem um papel decisivo, embora por vezes não o perceba como
previsto na Constituição de 1988. No dizer do ministro do STF Carlos Ayres Britto,
26
A força pública, ressalvados os casos para resolver problemas meramente individuais, sempre que
convocada por decisão judicial, o foi para dissolver movimentos sociais, agindo contra a massa. [...] O poder
emana do povo e em seu nome será exercido, é norma constitucional, mas os juízes usam e abusam do poder
puro e simples contra a população, sempre alegando estarem garantindo leis e efetivando Justiça. Isso é o
corolário da aplicação cotidiana do positivismo jurídico. ANDRADE, Lédio Rosa de. O Juiz Alternativo e
o Poder Judiciário. 2 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 108 e 110.

19
em verdade, falta-nos uma cultura da Constituição e por isso é que o nosso
Judiciário tem sido arredio ao itinerário lógico que vai da Lei Maior à Lei Menor, e
não o inverso.27 Ao invés de adentrar nas grandes questões sociais donde
decorrem os conflitos, prefere acomodar-se nos limites dos processos com foco
na legislação infraconstitucional, sequer fazendo o filtro da constitucionalidade,
como que alheio a tudo que ocorre fora dos autos e no cenário político, sempre
candente na sociedade onde o próprio julgador está inserido.

Conforme a teoria realista,28 em face da qual a decisão judicial


nada mais é do que produto da interpretação humana – percepção somente
ocorrida em meados do século passado – e porquanto dotada de subjetivismo e
valores pessoais, como éticos, religiosos, políticos, morais, culturais e
sociológicos, não existe um julgar isento. Não obstante, ainda seja corrente no
meio jurídico o axioma da neutralidade da jurisdição, enquanto, em regra, é
expressão de valores e interesses dominantes numa sociedade.

Acrescido a isso, ou como seu complemento, a apatia dos órgãos


de jurisdição serve também para manutenção da situação vigente de uma
sociedade desigual. Em nome da preservação de uma estrutura da qual se diz
exigir estreita formalidade, se amontoam outros vícios que em nada contribui para
o exercício da jurisdição no sentido de inovação do processo democrático,
escusando-se em arcaicas e conservadoras tradições, como se isso fosse de sua
própria essência.

Parece que ainda se faz presente a figura do juiz como a boca da


lei, expressão cunhada por Montesquieu29 e que não se concretiza no modelo de
Estado Democrático de Direito, dada a exigência de adequação constante dos
textos legais pelo julgador aos casos concretos. Embora a Constituição Federal e
instrumentos internacionais de direitos humanos resguardem a necessidade de se
assegurar direitos fundamentais, a linguagem jurídica propalada nos tribunais,

27
BRITTO, Carlos Ayres. As cláusulas pétreas e sua função de revelar e garantir a identidade da
Constituição. p. 193. In: Rocha, Cármen Lúcia Antunes (coord.). Perspectivas do Direito público: estudos em
homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 175-195.
28
ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança: Uma teoria do controle judicial de constitucionalidade.
Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 58.
29
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a
divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. 5 ed. Trad. Pedro Vieira Mota. São Paulo:
Saraiva, 1998.

20
repleta de subjetivismos, encontra caminhos para se esquivarem de
compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil, afastando, por
exemplo, à aplicação imediata dos direitos sociais, esquecendo, entretanto, que
tais direitos, como descritos no texto constitucional, representam apenas o
mínimo existencial e imprescindível a assegurar a dignidade humana.

Disposições finais

Como adverte Alain Touraine, não se pode falar em Estado


Democrático de Direito sem que sejam assegurados os direitos fundamentais30.
Quanto a estes, na fala de Norberto Bobbio,31 não dependem mais de debates
filosóficos, mas de vontade política efetiva para suas concretizações. E, a função
judicial é, por excelência, política.

A ideia de que o julgador é um simples mediador de conflitos e


que diante disso deve ser neutro, é concepção que não se adequa mais frente às
mudanças da atividade jurisdicional impostas pelo modelo do Estado
Constitucional de Direito. O juiz de agora deve estar focado nos critérios de justiça
plasmados na Constituição [...] cuja função principal é garantir direitos
fundamentais, exigindo-lhe uma tomada de posição, um abandono da
neutralidade e a tomada de partido na busca da concretização constitucional.32

Não obstante o Judiciário brasileiro, em grande medida, ainda se


mantém tímido e resistente quanto à necessidade de se dar uma interpretação
consentânea com a garantia dos direitos fundamentais, a ponto, inclusive, de
atropelar princípios basilares na esfera dos direitos humanos, resultado de
conquistas históricas e que por isso não comportam caminhada em sentido
oposto. O mais grave é que, em alguns temas onde já se registravam avanços na

30
TOURAINE, Alain. O que é democracia? Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes,
1996.
31
O problema fundamental em relação aos direitos humanos, hoje, não é tanto o de justifica-los, mas o de
protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8ª
edição. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
32
OLIVEIRA NETO, Francisco José de. Estrita legalidade e atividade jurisdicional [recurso eletrônico].
Dados eletrônicos. Itajaí: UNIVALI. 2012. – (Coleção Osvaldo Ferreira de Melo; v. 6). Livro eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web: http://www.univali.br/ppcj/ebook. Pesquisa em 15/11/2013. p. 59.

21
interpretação das normas garantidoras, chega-se, inclusive, com novas
interpretações, promovendo verdadeiros recuos quanto a historicidade evolutiva
dos direitos fundamentais. Este procedimento contrasta com o princípio protetivo
da prevalência dos valores fundamentais e sociais, o qual inibe a incidência de
retrocessos,33 cujo princípio somente foi dito no STF no ano de 2000, 34 mais de
uma década da nova Constituição.

O fato de o Judiciário resolver as questões no varejo35, porque


suas decisões, ressalvadas o caso de controle direto de constitucionalidade e
algumas de caráter difuso, não têm força erga omnes, e por isso trazer poucos
reflexos coletivos, não impede ou inibe que o julgado imponha obrigações ao
Estado para cumprir uma pauta pendente dos direitos fundamentais em relação
ao postulante. Primeiro não se nega a um só indivíduo a satisfação de um direito
constitucional. Depois, poderá a decisão servir de incentivo a que outros busquem
iguais direitos. Terceiro, provoca as instâncias públicas responsáveis que cumpra
a pauta reconhecida amplamente, sem que haja nova ação. Acima de tudo,
cumpre o Judiciário com o seu papel de fazer valer a democracia substancial e

33
O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais
já realizados e efetivados através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido,
sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios,
se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A
liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado. CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Livraria Almedina: Coimbra, 1998.
34
O princípio da vedação do retrocesso chegou pela primeira vez no STF pelo voto do ministro Sepúlveda
Pertence na ADIN 2.065-0/DF, isso já no ano de 2000. Ainda assim, nesta ação, a Corte deixou de apreciar o
mérito por questões formais. Em seu voto, destacou o relator: [...] Certo, quando, já vigente à Constituição, se
editou lei integrativa necessária à plenitude de eficácia, pode subsequentemente o legislador, no âmbito de
sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente integrativa do preceito constitucional
programático ou de eficácia limitada; mas não pode retroceder – sem violar a Constituição – ao momento
anterior de paralisia de sua efetividade pela ausência da complementação legislativa ordinária reclamada
para implementação efetiva de uma norma constitucional.
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1778260. Pesquisa em
15/10/2011.
35
Esse é mais um dos argumentos daqueles que diverge que o Judiciário possa ter uma atuação mais incisiva
quanto ao tema dos direitos fundamentais, fazendo cumprir pautas pendentes no texto da Constituição. Isso
porque alijaria outros em iguais situações e que não promoveram ação, obrigando o Estado a diferenciá-los
no tratamento. Apesar das justificativas, parece muito cômodo o argumento. É como se o Judiciário visse e
reconhecesse a omissão, a necessidade de supressão, “mas” estaria atado sob o argumento de ofensa ao
princípio da igualdade. A par de socorrer este princípio, negam-se outros(?!), inclusive a perda do estímulo
para que outras pessoas venham tomar a mesma iniciativa. O importante é destacar a posição de
reconhecimento do Judiciário em relação aos temas que lhe são levados à apreciação. Não se nega direito
fundamental a uma pessoa que seja e não se pode esperar que a solução se dê extensivamente para que seja
outorgado aquele que a procurou. Mas do que o fato isolado – que já significa muito em razão o
reconhecimento de um direito fundamental – é a resposta política à demanda, podendo, inclusive, servir de
orientação para que outras esferas do poder tomem providências de forma extensiva a todos os indivíduos.

22
que estaria num estágio mais avançado se tivesse, desde o primeiro momento em
que lidou com o texto constitucional de 1988, sido o seu intérprete coerente com a
vontade constituinte, resultado de uma enorme demanda democrática pela qual a
sociedade brasileira amargou durante longo período de regime de cerceamento
das liberdades e das garantias individuais e coletivas.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Lédio Rosa de. O Juiz Alternativo e o Poder Judiciário. 2 edição.


Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8ª edição. Tradução Carlos Nelson


Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8ª edição. São Paulo:


Malheiros Editores, 1998.

BRASIL. STF. ADIN 2.065-0/DF. Relator ministro Sepúlveda Pertence.


http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=17782
60. Pesquisa em 15/10/2011.

BRITTO, Carlos Ayres. As cláusulas pétreas e sua função de revelar e


garantir a identidade da Constituição. In: Rocha, Cármen Lúcia Antunes
(coord.). Perspectivas do Direito público: estudos em homenagem a Miguel
Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 175-195.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da


Constituição. Livraria Almedina: Coimbra, 1998.

ELY, John Hart. Democracia e Desconfiança: Uma teoria do controle judicial de


constitucionalidade. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2010.

FARIA, José Eduardo. A crise no Poder Judiciário no Brasil. In: Justiça e


Democracia: Revista Semestral de Informação e Debates. Publicação Oficial da
Associação Juízes para a Democracia. V. 1, primeiro semestre de 1996. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

23
FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais.
Trad. Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, Daniela Cademartori, Hermes Zaneti
Júnior, Sérgio Cademartori. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2011. (sem título
original nessa edição).

LASSALE, Ferdinad. A Essência da Constituição. 4ª edição. [sem indicação de


tradutor]. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis: as formas


de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus
parlamentarismo. 5 ed. Tradução Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 1998.

OLIVEIRA NETO, Francisco José de. Estrita legalidade e atividade


jurisdicional [recurso eletrônico]. Dados eletrônicos. Itajaí: UNIVALI. 2012. –
(Coleção Osvaldo Ferreira de Melo; v. 6). Livro eletrônico. Modo de acesso: World
Wide Web: http://www.univali.br/ppcj/ebook. Pesquisa em 15/11/2013.

RÊGO, Geoavanna Partrícia. A Incorporação dos Direitos Humanos no Direito


Constitucional Brasileiro. In:
http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/4/constituicao.html.
Pesquisa em 07/01/2015.

ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de


Constitucionalidade Material. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

SADEK, Maria Tereza (org.). O Sistema de Justiça. Rio de Janeiro: Biblioteca


Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais -
www.bvce.org , 2010. p. 9/10. Pesquisa em 15/12/2014.

______. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: Editora FGV,


2006.

SARAMAGO, José. Este mundo da injustiça globalizada.


http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000302.pdf.
Pesquisa em 04/janeiro/2015.

SARLET, Ingo Wolfgang & FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do


possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. p.
11/53. In: SARLET, Ingo Wolfgang & TIMM, Luciano Benetti (organizadores).

24
Direitos Fundamentais orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal.


Rio de Janeiro: Lumen Juirs, 2003.

SILVA, Denival Francisco da. Aforismos e outros foras jurídicos. Brasília:


Gomes Oliveira, 2014.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isso – decido conforme minha consciência? 4


edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

TOURAINE, Alain. O que é democracia? Tradução Guilherme João de Freitas


Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

WOLKMER, Antonio Carlos e MELO, Milena Petters (org.). Constitucionalismo


Latino-Americano. Tendências Contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013.

25

Você também pode gostar