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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

Campus São Gabriel

Graduação em Direito

A ADEQUAÇÃO DO JÚRI EM UM SISTEMA DEMOCRÁTICO DE DIREITO


Thainá Felipe Linhares Costa

BELO HORIZONTE

2021
SUMÁRIO

1. Introdução......................................................................................................3

2. Origem do tribunal do júri...............................................................................3


3. Conceito de Democracia................................................................................5
4. Estrutura social do júri....................................................................................8
5. O julgamento leigo no tribunal do juri..........................................................10
6. Conclusão....................................................................................................13

7. Referencias Bibliográficas...........................................................................14
1. INTRODUÇÃO
A metodologia deste trabalho consistiu em pesquisa doutrinária e
Bibliográfica acerca da evolução histórica do Júri, desde sua origem até sua
previsão na Constituição Federal de 1988, além de analisar as principais
características, sua soberania e seus veredictos. E têm por objetivo verificar a
importância e relevância do tribunal do júri no âmbito da democracia e da
cidadania, considerando o contexto histórico desde a origem nas civilizações
antigas, e a edição da Magna Carta até a contemporaneidade, os reflexos na
sociedade e o controle popular do Estado.

O tema central a ser abordado é o da adequação do Tribunal do Júri no


Brasil ao que se espera de um órgão com formação e atuação pautadas pelos
ditames de uma democracia em sua concepção moderna, pois os tribunais
populares fizeram-se mais necessários em épocas e locais cujo entendimento
sobre a democracia não era desenvolvido como atualmente, visto que eram
elementos essenciais para diminuir o alcance do poder do Estado absolutista.
De modo que se faz necessário o questionamento acerca do tema: Em face de
mais recentes pressupostos de atuação democrática, o Júri continua
mostrando-se como adequado e conveniente à administração judiciária
brasileira?

O Instituto do Tribunal do Júri, criado para reprimir os crimes dolosos


praticados contra a vida, desde longa data demonstra sua importância no
mundo jurídico, a saber, “O bem jurídico tutelado mais importante do nosso
ordenamento e de todos os países civilizados que é a vida”. A hipótese
adotada é a de que o Tribunal do Júri no Brasil, não obstante ser regido em
última instância por normas constitucionais com viés democrático, não
aparenta estar de acordo com o que atualmente se caracterizaria como
democraticamente apropriado.

2. ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI


Preliminarmente, convém destacar que ainda não há um consenso no
estudo do direito comparado no que se refere à origem do Tribunal do Júri, cuja
principal característica consiste em o réu ser julgado por seus semelhantes. Os
primeiros sinais do Júri remontam ao século V a. C., em Atenas na Grécia, por
meio da valorização da retórica com a participação do povo na república, época
em que o cidadão ateniense tinha livre acesso ao tribunal popular chamado de
Heliéia. Na Grécia antiga, Roma, Inglaterra e França, já se observavam
instituições que muito se assemelhavam ao que se conhece como o júri
atualmente. O Tribunal do Júri, também conhecido como tribunal popular,
existe no ordenamento jurídico brasileiro desde 1822, e sofreu diversas
alterações até alcançar a organização prevista no Código de Processo Penal e
na Constituição Federal. Saliente-se que o Júri parecido com o atual modelo
teve origem na Inglaterra, implantado pelo rei Henrique II entre 1154 até 1189,
a partir de então o Júri se espalhou por toda a Europa, embora cada um com
suas nuances, manteve-se o julgamento do réu por seus semelhantes.

Em 1137 na França, surge o tribunal de assises de Luís, o Gordo ou Rei


de Saint-Denis, séculos depois, após a Revolução Francesa (1789), criou-se o
júri clássico conhecido hodiernamente como a Cort D'Assise, pois o Tribunal do
Júri francês é baseado no escabinato, que é a presença mista de juízes leigos
e togados para julgar o réu. Em 1215, o Júri aparece na Magna Carta imposta
pelos barões ingleses ao rei João Sem-Terra, onde consta que “Nenhum
homem livre será preso ou despojado ou colocado fora da lei ou exilado, e não
se lhe fará nenhum mal, a não ser em virtude de um julgamento legal dos seus
pares”.

No Brasil, o Júri surgiu em 1822, pelo Decreto do Príncipe Regente Dom


Pedro, era composto por vinte e quatro cidadãos “bons, honrados, inteligentes
e patriotas”, inicialmente, em razão do contexto político e social da época, para
julgamentos de crime de abuso cometido pela imprensa, que eram revisados
pelo Regente, assim, a Constituição do Império de 1824 dispunha que os
jurados poderiam julgar causas cíveis e criminais, conforme determinassem as
leis que, por vezes, alteravam a competência do júri para incluir e excluir
crimes.

O Decreto 848 de 1890 criou o Júri Federal no Brasil e a Constituição


Republicana de 1891, em seu art. 72, §31, conservou o Tribunal do Júri, desta
feita, no tópico que tratava dos direitos e garantias individuais. A Constituição
de 1934 manteve o Júri, porém a de 1937 deixou a desejar sendo omissa em
relação ao instituto em comento, entretanto, o Decreto-Lei 167 de 1938
reafirmou a existência do Júri no Brasil. A Constituição de 1946 reinseriu o
Tribunal do Júri como direito e garantia individual, prevendo expressamente a
soberania dos veredictos, sendo mantido pela Constituição de 1967, mas a
Emenda Constitucional de 1969, apesar de também manter o Júri, não fez
referência à sua soberania, ao sigilo e à plenitude de defesa. Por fim, a
Constituição de 1988 reinseriu o Júri como direito e garantia individual,
ressuscitando os princípios previstos na Constituição de 1946, a saber:
soberania dos veredictos, sigilo das votações e plenitude de defesa, além de
criar a competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra a vida,
dando ao legislador infraconstitucional poderes de ampliar essa competência
para que outras infrações sejam julgadas pelo povo.

3. CONCEITO DE DEMOCRACIA
O termo democracia tem origem no antigo grego e é formada a partir dos
vocábulos demos (“povo”) e kratós (“poder”, “governo”). O conceito começou
a ser usado no século V a.C., em Atenas. Atualmente, a democracia é
considerada uma forma de organização de um grupo de pessoas, onde a
titularidade do poder reside na totalidade dos seus membros. Como tal, a
tomada de decisões responde à vontade geral. O conceito de democracia
segundo a doutrina clássica investigada por Schumpeter descreve a
democracia clássica como um arranjo institucional para a realização do “bem
comum”, ou seja, a “vontade do povo”, esta que seria o foco de toda e qualquer
ação política. A seguir debruçaremos sobre a definição de democracia.

Segundo BOBBIO (1986), a democracia é “a forma de


governo na qual o poder político é exercido pelo povo”, não se
podendo deixar à margem de tal conceituação a compreensão de que
ela deva ser vista sob o aspecto de um sistema de conceitos. Assim,
BOBBIO (2006) entende a democracia como a caracterização de “um
conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem
quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais
procedimentos”, vinculando-se tais decisões a todos os seus
componentes. A decisão da maioria, portanto, por si só, não pode ter
a prerrogativa de, ainda que obedecidas as regras vigentes, sustentar
uma democracia plena. Conforme BONAVIDES (2011), a democracia
está ligada à soberania popular, “cuja doutrina abrange suas versões
diferentes de poder constituinte: a versão francesa (revolucionária) e
a versão americana; ambas, igualmente, de inspiração
rousseauniana, mas de consequências distintas, senão até certo
ponto opostas”. Ou seja, enquanto, na versão francesa há uma
unidade dos conceitos de constituinte e de povo, na versão
americana tais conceitos são diversos, pois a conclusão do
constituinte não se legitima senão pela vontade popular
(BONAVIDES, 2011).

A decisão da maioria, portanto, por si só, não pode ter a prerrogativa de,
ainda que obedecidas as regras vigentes, sustentar uma democracia plena.
Como ensina FERRAJOLI (2001), a submissão às normas formais, ainda que
pela maioria, não supre a necessidade de respeito aos direitos fundamentais,
sobre os quais se encontram na esfera do indiscutível, não se podendo
interferir nos direitos de liberdade, e não se podendo recusar os direitos
sociais.

Neste ponto, FERRAJOLI (2006) conceitua democracia como


“o regime político que consente o desenvolvimento pacífico dos
conflitos, e por meio destes as transformações sociais e
institucionais”. Para SILVA (2014), a democracia não como “um mero
conceito político abstrato e estático, mas um processo de afirmação
do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai
conquistando no correr da história”. Na Grécia Antiga o conceito de
democracia designava “uma forma de governo, que naquele
momento, se diferenciava da tradição personalista marcante do
domínio político” (SILVA FILHO, 2013).

Portanto é evidente que a importância da democracia está em obter


unidade dentro de uma pluralidade. Ao mesmo tempo em que ouvimos várias
vozes e entramos em contato com inúmeras perspectivas sobre o mundo,
sabemos que todas essas ideias têm a mesma capacidade de se manifestar e
de se posicionar. É assim que a unidade de direitos se apresenta na
pluralidade de vozes, graças à democracia. O sociólogo Émile Durkheim
defende que o indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer
o contexto que está inserido. No entanto, percebe-se a irresponsabilidade da
sociedade no que concerne à questão da importância da democracia para
desenvolvimento da nação.

Nesse contexto, alguns aspectos fazem-se relevantes para a pertinência


desse entrave: como por exemplo, a falta de informação e influência midiática.
De acordo com Schumpeter, mesmo cada indivíduo sendo o melhor juiz do
próprio bem, não saberiam determinar o que é melhor para elas quanto a
questões públicas. O indivíduo comum possuiria um baixo nível de
racionalidade quanto à política. A doutrina clássica prega a existência de uma
“vontade geral” ou “bem comum” a todos os homens e que somente quem
possuísse interesses escusos teriam ideias e opiniões contrárias. Como o “bem
comum” era vontade de todos, a sociedade inteira era quem controlava os
negócios públicos. Schumpeter, porém, critica a existência de uma “vontade
geral” ou “bem comum” entre todos os homens da sociedade, pois segundo
ele, grupos e pessoas diferentes apresentam vontades e noções diferentes e
mesmo que houvesse um consenso seriam diferentes os métodos que estes
considerariam como certos para realização de suas vontades. O autor afirma
que são muitos os fatos que atuam na tomada de decisões dos indivíduos, há
uma forte ligação entre a doutrina clássica e a fé. Sua parceria com aspectos
básicos de fé protestante cristã fez da doutrina seu complemento político. Em
certas situações sociais, a doutrina clássica se ajusta dos fatos com grande
aproximação, por isso não se pode garantir que a decisão tomada no processo
democrático seja de maior aceitação popular.

Apesar do conceito de democracia ter existido durante tanto tempo,


Robert Dahl propõe que tal fato, em vez de ter levado à solidificação do que se
entende com o termo, gerou maior discordância sobre seu significado e
amplitude, pois “democracia” passou a significar coisas diferentes a depender
de para quem, em que época e em que local se fala sobre o assunto. O autor
cita o exemplo de James Madison (um dos Pais Fundadores e presidente dos
Estados Unidos, tendo vivido durante os séculos XVIII e XIX), que distinguia
uma democracia pura de uma república por seu tamanho ou modelo de gestão:
a primeira seria uma sociedade com poucos cidadãos que pessoalmente
administram o governo, e a segunda seria um governo com sistema de
representação (DAHL, 2001, p. 13, 26). Hoje em dia a diferenciação de
Madison provavelmente não faria sentido, pois as duas definições são
plenamente abarcadas pela amplitude semântica que o termo “democracia”
passou a ter.
4. ESTRUTURA SOCIAL DO JÚRI
A palavra “júri” deriva da expressão inglesa jury, de formação remota
latina. Advém do vocábulo jurare, que significa prestar juramento, porque o
prestavam as pessoas que formavam o conselho de julgamento. Giuria ou Giurì
é uma palavra que ingressou na língua italiana pelo Jury inglês, originário do
francês, para designar um corpo de cidadãos que, depois de prestarem
juramento, são chamados a julgar o fato no Tribunal de Assizes. O Tribunal do
Júri remonta aos primórdios da monarquia normanda na Inglaterra, mas as
primeiras normas inscritas são encontradas em Assizes Clarendon (1166) e
Northampton.

Esse sistema de julgamento difundiu-se no final do século. Em 1166, no


conselho de nobres realizado em Clarendon, Henrique 2º trouxe o júri inglês
para a matéria criminal, quando promulgou uma série de instruções aos juízes
reais conhecidas como “assize of Clarendon”  e que criava, entre outras
providências, o “presentment jury”, hoje chamado “grand jury” . Inicialmente
composto por doze homens (posteriormente ampliado para 24), ele tinha
funções de informar à “sheriff’s court” quais os suspeitos do cometimento de
“crimes graves”. Trata-se da figura do “indictment”, considerada genial por
Cordero ao combinar a autonomia local com a ação pública como solução para
o oferecimento de acusações com legitimidade popular: “è una voice of the
country l’accusa”.

O “grand jury” tinha funções apenas de acusação e indicação de


suspeitos à coroa (pela via dos juízes reais itinerantes), os quais, por algum
tempo, eram então submetidos às ordálias ou ao julgamento por duelo. Aos
poucos, o “grand jury” passou a determinar também qual a forma mais
adequada de julgamento (por ordálias, duelo ou conjuração), até que, em
alguns casos, assumiu também funções de julgamento. Com o advento do IV
Concílio de Latrão (1215), o Papa Inocêncio 3º baniu o envolvimento de padres
nas “ordálias unilaterais”, o que foi logo seguido pelas autoridades seculares
como uma proibição do uso das ordálias em seus julgamentos, momento em
que, na maioria da Europa continental, instalaram-se os tribunais de inquisição.
Sem poder invocar forças sobrenaturais para dar a palavra final às acusações
trazidas pelo “grand jury”, no mesmo ano, a Coroa (Rei João Sem-Terra) editou
um writ que passava aos juízes reais a autoridade para decidir como proceder,
os quais optaram por tornar o júri a prática padrão na Inglaterra também para a
fase de julgamento, com a criação do “petty jury”.

Entre nós, o formato estrutural do Tribunal do Povo encontrou em


Tourinho Filho um arguto observador, que transpôs para as linhas do seu
magistério o peculiar significado institucional do Tribunal do Júri. Assim,  o júri é
um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, pertencente
à justiça comum colegiado e heterogêneo formado por um juiz togado, que é
seu presidente, e por 25 cidadãos, que tem competência mínima para julgar os
crimes dolosos praticados contra a vida, temporário (porque constituído para
seções periódicas, sendo depois dissolvido) dotado de soberania quanto às
suas decisões, tomadas de maneira sigilosa e inspiradas pela íntima
convicção, sem fundamentação, de seus integrantes leigos.

Para os alemães, há conexão etimológica entre a palavra para


julgamento, urteil, e a palavra para ordálio, gottesurteil (julgamento de Deus). O
julgamento divino se daria pelo ordálio, mas não é fácil determinar o que
significava o ordálio para a mente arcaica, embora à primeira vista pareça que
o homem primitivo acreditasse que os deuses indicavam quem estava certo ou
em que direção o destino deveria ir, o que era tido como a mesma coisa, pelo
resultado de um teste. Para os antigos, a ideia de que a prova da verdade e do
direito vem com a vitória na competição faz com que surjam provas com esse
objetivo, mas o ordálio só surge especificamente como meio revelador da
justiça divina em fase mais avançada da religião. Assim, o resultado de
competições anteriores era visto como uma decisão dos deuses, e que de certa
forma ainda seguimos essa mesma linha de raciocínio quando estabelecemos
o voto popular majoritário como meio consagrado de decisão (HUIZINGA,
1980, p. 81, 82. O ditado vox populi, vox dei (a voz do povo é a voz de Deus),
registrado desde o tempo das antigas Grécia e Roma até os dias de hoje,
indica pensamento muito semelhante ao acima, em particular acerca do amplo
uso de decisões majoritárias na democracia.

É possível que a preferência pela representação de uma maioria social


como meio de resolução das questões do grupo seja justamente uma tentativa
dos povos antigos de materializarem a vontade divina, tornando perceptível a
influência do determinismo teleológico baseado em credo religioso, que ao
enxergar a dimensão abstrata da justiça como um valor, o faz sempre de forma
secundária, seja vinculada necessariamente à vitória, seja dotada de pouca
importância quando vista como fim a se alcançar devido a imperativos morais.
Não é à toa que o Tribunal do Júri possa ser comparado com uma tradição
arcaica de disputa argumentativa, pois os valores que norteiam os debates em
plenário guardam considerável semelhança com os de procedimentos judiciais
de civilizações antigas. Neste ponto há de se chamar a atenção para como a
estrutura do tribunal popular brasileiro, de forma geral, assemelha-se à
estrutura de manifestações culturais que ainda estão presentes em nossa
sociedade devido ao Júri, apesar de ultrapassadas.

5. O JULGAMENTO LEIGO NO TRIBUNAL DO JÚRI


O sistema de júri, tal como nos conhecemos, é basicamente um sistema
constituído por indivíduos escolhidos aleatoriamente do público em geral para
assistir e ouvir os julgamentos judiciais, pelo que eles são encarregados da
responsabilidade de dar um veredicto final. No sistema do júri, o livre
convencimento dos jurados e a soberania dos vereditos são tão relevantes que
a lei permite ao juiz leigo absolver o réu mesmo quando tenha apontado, no
preenchimento dos quesitos, a presença da materialidade do crime e da autoria
delitiva.

Ocorre que, muitas vezes os jurados são pessoas despreparadas para


exercer uma função tão relevante que é julgar outro ser humano, pois em
diversas oportunidades o processo se mostra complexo e de difícil
compreensão para uma pessoa leiga. Ainda, podemos perceber que os jurados
não raramente são pessoas de baixa instrução, o que traz uma dificuldade
maior. Esta ideia pode ser bem compreendida numa passagem de Guilherme
de Souza Nucci: “A missão de julgar requer profissionais e preparo, não
podendo ser feita por amadores. É impossível constituir um grupo de jurados
preparados a entender as questões complexas que muitas vezes são
apresentadas para decisão no Tribunal do Júri”. Comumente, os jurados fazem
um julgamento em razão do que o réu é e não efetivamente pelo delito que
este cometeu. No tribunal do Júri muitas das vezes vige o tão combatido direto
penal do autor, no qual julga-se com base em características pessoais do réu,
através de sua folha de antecedentes criminais e sua conduta perante a
sociedade.

Nessa premissa, necessária e conveniente de participação do povo do


poder, é importante a análise do exercício desse poder pela inserção do
cidadão na administração da Justiça, pois não há instituição com maior força
de participação do cidadão no Poder Judiciário que o tribunal do júri, instituição
presente na maior parte dos países em que vigora o Estado Democrático de
Direito. Considerando sua importância histórica e o fato de ser um órgão por
meio do qual o povo pode participar diretamente da administração judiciária, a
maior parte da população e dos juristas do Brasil parece afirmar que o Tribunal
do Júri é um grande representante da democracia. Contudo, a alegação é
falaciosa quando atribuída ao órgão deste país, pois leva a crer que está
estruturado de modo a corresponder a teorias democráticas modernas, ou que
no mínimo respeitaria a Constituição Federal originada no período mais recente
de democracia brasileira, o que se mostrou não ser verdade.

Em “O futuro da democracia”, Norberto Bobbio afirma que seus


argumentos apenas poderiam ser válidos num contexto que apresente ao
menos o que batizou de “definição mínima de democracia”, esta formada por
um grupo de regras procedimentais destinadas à tomada coletiva de decisões,
que necessariamente deve permitir a participação de todos os interessados de
forma tão extensiva quanto possível. Porém, em continuação ao raciocínio,
indica que a mera participação de grande número de indivíduos e a precisão de
regras para a tomada de decisões não são suficientes, mesmo tratando de uma
definição mínima. A estas características deve estar somada a possibilidade
real de escolha entre as opções postas à mesa pelo regime democrático,
garantindo aos decisores o poder de proferir suas próprias convicções num
ambiente de liberdade de expressão individual ou coletiva (BOBBIO, 1997, p.
12, 20). Contudo, é de amplo conhecimento que o Tribunal do Júri brasileiro
nega aos jurados expressão livre durante o procedimento, medida estabelecida
pela própria legislação na forma do art. 466, §1º do Código de Processo Penal
(BRASIL, 2017), que determina que após o sorteio, os membros do conselho
de sentença estarão proibidos de estabelecerem comunicação entre si ou com
outras pessoas, impedimento que se estende a qualquer forma de
manifestação de opinião acerca do processo até o fim da sessão de
julgamento, cuja punição é a exclusão do conselho de sentença e pagamento
de multa.

O Tribunal do júri não representa nossa sociedade. Não é democrático,


o juiz faz a gestão da prova, é inquisitório, tem máscara de democrático, mas
quem decide é uma classe e não o resto da sociedade. É fato que enquanto,
na maioria das vezes, na posição de acusado se encontram pessoas com
menos recursos culturais e financeiros, entre os jurados figuram pessoas com
maior acesso à cultura e com maiores facilidades financeiras. Há uma
disparidade entre essas classes e quem acaba decidindo é a classe escolhida
para estar entre os jurados (funcionários públicos, estudantes de direito, entre
outros). Isso significa que os acusados, que em sua maioria são pessoas
excluídas da sociedade não são efetivamente julgadas pelos seus iguais.
Quando se fala em provas, há de se considerar que muitas delas já foram
produzidas na fase de inquérito policial, sendo que nesse momento não há
contraditório, nem ampla defesa. Mesmo assim, são essas provas que servem
de base para a denúncia e até mesmo na fase de pronúncia. E mesmo após
pronunciado, o presidente do Tribunal do Júri também pode continuar a
produzir provas, num forte traço inquisitivo do sistema. Como ressalta Fauzi
Choukr, atualmente a produção probatória perante o juiz natural “é uma
exceção, na medida em que é na fase de admissibilidade que são produzidos
elementos de convicção que restarão encartados nos autos e serão, na
apreciação do mérito, levados ao conselho de sentença e ‘transformados’ em
prova mediante simples leitura, sem que sua produção tenha sido efetivada
perante o juiz natural, num marcante traço inquisitivo do sistema.” A parte de
gestão da prova no tribunal do júri é, portanto, caracterizada pelo sistema
inquisitório, pois as provas começam a ser produzidas na fase em que o
acusado não pode se defender. E mesmo quando há o dito contraditório, o
acusado e seu defensor ainda ficam “à mercê” do juiz, que pode produzir e
indeferir as provas.
6. CONCLUSÃO
O Tribunal do Júri é tido por muitos como um baluarte da democracia,
principalmente em vista de sua importância histórica como resposta ao domínio
do Estado absolutista em relação ao Poder Judiciário, sendo um meio de
participação direta do povo neste ramo da administração estatal.

No entanto, com base em estudo sobre a democracia, conclui-se de que


o Tribunal do Júri brasileiro não apresenta estrutura condizente para
proporcionar o que se considera atualmente como um apropriado processo
igualitário de tomada de decisão coletiva entre membros de uma associação,
visto que não apresenta (ou só o faz parcialmente) diversas características
tidas como necessárias para que se considere uma instituição como adequada
ao caráter democrático moderno.

As afrontas à democracia estão igualmente presentes no próprio


procedimento do Júri, pois permite que os cidadãos elegíveis sejam
selecionados para um dever de cidadania por meio do arbitrário critério da
notória idoneidade; impede comunicação efetiva entre os jurados após serem
selecionados, desconsiderando que a democracia é um método de gestão
baseado no estabelecimento de relações dialógicas entre os participantes;
introduz em seu próprio sistema normativo a prerrogativa dos julgadores
utilizarem suas próprias concepções sobre o que o Direito deve ser, podendo ir
contra o que foi construído historicamente na esfera jurídica sem ao menos
suscitar os motivos para tanto; e autoriza, por exemplo, que de forma
corriqueira em sua atuação sejam violadas garantias fundamentais como a
regra do in dubio pro reo, que decorre da presunção de inocência, uma norma
de natureza constitucional.
7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A falácia democrática do tribunal do júri no brasil. Dissertação. Disponível em


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Madrid: Editora Trotta, 2014.
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Disponível em < https:// camposesilvaadvogados.com.br/2022/03/18/origens-
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SILVA FILHO, João Antônio da. A democracia em Norberto Bobbio.


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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo:
Malheiros, 2014.

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