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RESENHA CRÍTICA

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.


(Syn)Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2012, p.23-32.
Aparecida Paulina das Chagas1

Luís Roberto Barroso, jurista, atual presidente do TSE e professor titular de direito
constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), produziu o artigo publicado
na Revista (Syn)Thesis, em 2012, intitulado “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade
democrática”. Dividido em cinco itens, trata acerca da relevância e das problemáticas atinentes à
judicialização, ao ativismo judicial e à concretização da legitimidade democrática.
Em seu primeiro item, Barroso apresenta que, mundialmente, em diferentes regiões e
épocas, verifica-se a centralidade das supremas cortes em decidirem a respeito de problemáticas
que envolvem questões políticas e morais, sendo evidente, no Brasil, a ampla atuação decisória
do Supremo Tribunal Federal (STF) na vida institucional brasileira nos últimos anos. Diante de
tamanha responsabilidade, bem como da visibilidade do STF, em razão da transmissão ao vivo
de seus julgamentos na TV aberta, há considerável contribuição para a efetivação da
transparência das decisões, do controle social e, ainda, da democracia.
A judicialização se trata da discussão de temas com vasta repercussão política ou social,
os quais são julgados pelos magistrados, no âmbito do Poder Judiciário. Sua decorrência se deu
principalmente em virtude da redemocratização do país, essencialmente com a Constituição
Federal de 1988 (CF), acarretando a expansão do Poder Judiciário e a crescente demanda por
justiça pela sociedade, conforme a população passa a exercer de modo mais presente a cidadania.
Outra importante causa da judicialização no Brasil foi a larga constitucionalização das
matérias de direito que antes eram contempladas pela legislação ordinária, por exemplo. Dessa
forma, conforme o autor destaca, ao constitucionalizar um assunto, é possibilitada a sua
transformação em uma potencial pretensão jurídica, isto é, a Política passa a ser Direito (2012,
p.24).
Por fim, a judicialização também teve a influência do sistema de controle de
constitucionalidade, com a característica híbrida por combinar os sistemas europeu e americano:
conforme o primeiro, é possível o controle via ação direta caso a matéria necessite de apreciação
direta pelo STF; e, pelo segundo, permite-se o controle incidental e difuso, onde o julgador
poderá deixar de aplicar lei considerada inconstitucional.

1 Graduanda(o) do 4º período do curso de Direito (NOVA FACULDADE /MG).


Em complemento, soma-se o direito dos órgãos, entidades públicas e privadas em propor
ações diretas de inconstitucionalidade, contemplando assim quase a totalidade das questões
políticas e morais a serem conduzidas à apreciação pelo STF. Dentre as diversas decisões já
manifestadas, Barroso ressalta que todas se limitavam à apreciação dos pedidos requeridos,
tampouco havendo prévio conhecimento pelo Tribunal a quo, quando cumpridos os requisitos de
cabimento.
Uma vez que a judicialização decorre do modelo constitucional adotado, sendo dever do
julgador conhecer e decidir acerca de determinada matéria, por outro lado, tem-se o ativismo
judicial, o qual se caracteriza por ser uma faculdade de interpretação da CF, ampliando-a
conforme seu sentido e alcance cabível para o efetivo atendimento das demandas sociais.
O ativismo judicial se relaciona à maior participação do Poder Judiciário na consumação
dos valores e objetivos constitucionais, assim como elevada interferência no âmbito de atuação
dos Poderes Legislativo e Executivo. Nesse sentido, são elencados os seguintes exemplos: a
aplicação direta da CF em casos não inseridos no texto legal, independente da existência de
manifestação do legislador ordinário; a declaração da inconstitucionalidade de atos normativos
elaborados pelo legislador; a imposição de medidas ao Poder Público a respeito de políticas
públicas (2012, p.26).
Ainda que o ativismo judicial tenha sido originado na América do Norte, com raízes
conservadoras, ao ser encontrado fundamento pela Corte para permitir a segregação racial e para
invalidar leis sociais em geral, essa realidade foi totalmente alterada a partir da década de 1950,
por meio do desenvolvimento de jurisprudência progressista no que tange aos direitos
fundamentais dos negros e mulheres.
Barroso também destaca que o contrário do ativismo é chamado de autocontenção
judicial, ou seja, quando ocorre a redução das interferências do Poder Judiciário nas ações dos
demais Poderes, sendo essa a postura vista no Brasil até a promulgação da CF de 1988. Após a
inversão dessa linha de atuação, um dos exemplos mais relevantes de ativismo judicial, tem-se a
determinação da distribuição de medicamentos e de terapias, por decisão judicial, mesmo que
não constantes nas orientações do Ministério da Saúde ou de suas secretarias estaduais e
municipais (2012, p.27).
Em face ao modelo adotado pela maior parte dos países, em que supremas cortes ou
tribunais constitucionais são competentes ao exercício do controle de constitucionalidade,
observa-se o constante movimento pendular entre o ativismo e a autocontenção judicial.
Portanto, ainda que o Poder Judiciário esteja atendendo questões sociais não analisadas
satisfatoriamente pelo parlamento, há também a exposição dos problemas por ele enfrentados, o
que não ocorre no Brasil atualmente.
Segundo o autor, a crescente judicialização, em especial, o ativismo judicial, se depara
com as objeções dos riscos à legitimidade democrática, a indevida politização da justiça e os
limites da capacidade institucional do judiciário (2012, p.27). A respeito da primeira, questiona-
se a legitimidade do STF invalidar as decisões dos atores políticos escolhidos pelo povo, sendo
elencadas duas justificativas, uma normativa e outra filosófica.
O motivo advindo das normas seria a existência da atribuição constitucionalmente
prevista para que o Judiciário assim atue, principalmente o STF. Já o fundamento filosófico
surge da ideia de que a Constituição foi elaborada com o intuito de assegurar a proteção aos
valores e direitos fundamentais, ainda que contrarie a vontade circunstancial daqueles que
constituem a maioria. Portanto, o STF não deve ser regido ou ter suas decisões influenciadas
pelas ideologias políticas ou religiosas, por exemplo, mas sim em conformidade com o modelo
democrático e observando o cumprimento dos direitos fundamentais.
Quanto ao risco de politização da Justiça, importante elucidar as diferenças entre Direito
e Política, afastando-as por suas definições. Enquanto o Direito se aproxima da Ética, no sentido
de servir como meio para alcançar a legitimidade, a justiça e a efetivação da dignidade da pessoa,
a Política passaria a definir o correto e o justo conforme a vontade de quem detém o poder. O
Direito se afasta da definição de Política no sentido de permitir escolhas livres ou tendenciosas,
sendo necessário até mesmo contrariar a opinião majoritária da sociedade caso contrarie os
direitos fundamentais.
Apesar das diferenças entre ambos, também há uma proximidade do Direito à Política no
que concerne à elaboração do Direito como fruto da vontade da maioria, estabelecido pelas
normas, assim como sua aplicação também possui certa associação ao âmbito político por ter
efeitos no meio social e, ainda, os juízes, por serem humanos, poderão induzir as decisões por
juízos de valor de conforme a subjetividade de cada um. Nessa linha, o julgador deve basear sua
atuação na CF e nas leis, respeitando a presunção de validade destas, e buscando, na medida do
possível, a harmonização do seu entendimento com o sentimento social, tendo em vista que
exerce certo poder representativo.
Finalmente, Barroso traz a problemática da capacidade institucional do Judiciário e seus
limites, visto que, apesar de todos Poderes terem a competência de interpretação da CF, o
Judiciário dita a palavra final. É necessária a prática de uma autolimitação espontânea do Poder
Judiciário, considerando a existência de decisões extravagantes ou sentimentais, por exemplo,
quando deveriam haver apenas intervenções necessárias e meritórias, equiparadas pela avaliação
da própria capacidade institucional do Poder Judiciário (2012, p.30).
Em conclusão, o autor reforça que ao Poder Judiciário é incumbido o dever de proteger a
CF, em respeito aos valores e direitos fundamentais nela constantes, mesmo diante dos demais
Poderes e do sentimento majoritário da sociedade. As decisões devem encontrar fundamento na
razão, na motivação, na correção e na justiça, sendo também o ativismo judicial uns dos
elementos que permitem a solução de diversas questões expostas, devendo apenas ser utilizado
de modo moderado e eventual, a fim de evitar as problemáticas de seu excesso.

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