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LFG

CARREIRAS JURÍDICAS
INTENSIVO I
Módulo I

DIREITO PENAL
Cléber Masson

Livro CP para concursos.pdf o sujeito passivo mediato em todos os


crimes.
Livro CP Comentado Greco.pdf
3. Nomenclatura
Livro Penal Pacceli.pdf Direito Penal vs. Direito Criminal.
A expressão Direito Penal enfatiza a
Livro Penal Ponto a Ponto.pdf pena, enquanto Direito Criminal dá
destaque ao crime. Assim, o termo
Material de Apoio - D. Penal - Cleber criminal é mais abrangente. A nossa
Masson - Aula 01 on line introdutória primeira codificação foi o Código
ao DP.pdf Criminal do Império de 1830.
O correto hoje é utilizarmos a
expressão “Direito Penal”: primeiro
INTRODUÇÃO AO porque temos um Código Penal (DL n.
DIREITO PENAL 2848/1940, recepcionado pela CRFB/88
como lei ordinária) e, em segundo lugar,
porque a própria CRFB, 22, fala em
1. Conceito de Direito Penal Direito Penal.
Direito Penal é o conjunto de
regras e de princípios destinados a 4. Característica do Direito Penal
combater o crime e a contravenção Magalhães Noronha: “O Direito
penal mediante a imposição de uma Penal é uma ciência cultural,
sanção penal. Crime e contravenção normativa, valorativa e finalista.”
penal são espécies do gênero infração Ciência. O Direito Penal é uma
penal. ciência, i. é, está sistematizado em um
Sanção penal é a resposta do emaranhado de normas que formam a
Estado àquela infração penal. A sanção dogmática penal.
penal também é um gênero, que tem Cultural. Vale dizer, pertence à
como espécies as penas e as medidas de classe das ciências que estudam o
segurança. “dever ser”. Ao contrário das ciências
naturais, que estudam o “ser”.
2. Posição do Direito Penal na Teoria Normativa. Ou seja, o seu objeto
Geral do Direito de estudo é a norma penal, regras e
O Direito Penal é um ramo do princípios.
Direito Público, já que as normas desse Valorativa. Isto é, porque o
ramo são indisponíveis, cogentes e Direito Penal tem a sua própria escala
genéricas. de valores na apreciação dos fatos que
O Estado tem o monopólio do lhe são submetidos.
direito de punir. Além disso, o Estado é

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Finalista. Por fim, quando pequena parte da população viole suas
falamos de finalismo, o Direito Penal normas.
tem uma finalidade prática, e não
meramente acadêmica. A posição 5.3. Garantia
dominante na doutrina é que a O DP tem uma função de garantia.
finalidade prática do Direito Penal é a É uma consequência do princípio da
proteção de bens jurídicos. reserva legal. A Lei tem a exclusividade
O Direito Penal é constitutivo para criação de crimes e cominação de
ou sancionador? Zaffaroni: o Direito penas.
Penal é predominantemente sancionador Fran von Liszt já afirmou que “o
e, excepcionalmente, constitutivo. Código Penal é a Magna Carta do
Sancionador, o Direito Penal reforça a delinquente”. Ou seja, a primeira
proteção a bens jurídicos já protegidos impressão que a leitura do CP pode
por outros ramos do Direito (exemplo: o imprimir no leitor, de que se trata de
direito Civil já protege a propriedade e a uma legislação incriminadora, por outro
posse – Direitos Reais –, mas muitas lado, serve como garantia da liberdade,
vezes não dá conta do recado, surgindo pois a delimitação dos fatos criminosos
as figuras do furto, do roubo, do quer dizer que o quanto não previsto
estelionato etc.). Excepcionalmente, o está no âmbito de legalidade.
Direito Penal é constitutivo, já que
também cria novos institutos (exemplo 5.4. Função ético-social do Direito
do sursis - suspensão condicional da Penal
execução da pena). Também é denominada de função
criadora ou configuradora dos
5. Funções do Direito Penal costumes. Tem origem na estreita
São apontadas diversas funções relação entre o DP e os valores éticos da
pela doutrina, sendo que uma delas é a sociedade. Ou seja, o DP busca um
mais importante. efeito moralizador. É a teoria do
mínimo ético trazida à baila por
5.1. Proteção de bens jurídicos George Jellinek.
É a proposta de Claus Roxin, tido Exemplo: crimes ambientais, em
por quase todos o maior penalista da que houve uma grande conscientização
atualidade. A função do DP é a proteção das pessoas.
de bens jurídicos. Mas o DP não protege Contudo, é aqui que surge a tão
todos os bens, mas apenas aqueles mais criticada função educativa do Direito
importantes. O legislador penal tem Penal. Isto porque a bem da verdade, a
uma tarefa seletiva, que se chama de função do direito penal não seria mesmo
juízo de valor positivo, escolhendo essa, mas sim a aplicação das penas.
aqueles bens jurídicos que merecem sua
atenção. 5.5. Função simbólica
A proteção de bens jurídicos é a Essa função existe em todas as
missão precípua do Direito Penal. leis, mas é mais acentuada nas leis
penais.
5.2. Instrumento de controle social Tal função não produz efeitos
O Direito Penal busca a concretos, mas antes e apenas os efeitos
preservação da paz pública, i. é, da internos, quais sejam: 1) na mente dos
ordem e disciplina que devem reinar na governantes; 2) na mente dos cidadãos.
coletividade. Perceba: o DP se dirige a Em verdade, então, ela dá origem ao
todas as pessoas, embora somente uma que se chama atualmente de direito
penal do terror, com a hipertrofia do

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Direito Penal (penas cada vez mais aplicação lógica e racional do Direito
altas), a inflação legislativa (maior Penal.
quantidade de leis penais, sem maior A dogmática penal não se
reflexão e alcançadas a partir de uma confunde com o dogmatismo penal.
maior maturidade social, evidenciando Dogmatismo é a aceitação cega, sem
um Direito Penal de emergência). críticas, de uma verdade absoluta e
Assim, essa função simbólica imutável, sendo totalmente
deveria ser reduzida, pois no curto incompatível com a ideia de ciência.
prazo acaba servindo à propaganda de
um governo, o que não é papel do 6.2. Política criminal
Direito Penal. A longo prazo, essa A política criminal é o filtro entre
função simbólica acaba levando ao a letra fria da lei e a realidade social.
descrédito do Direito Penal. Nosso CP é de 1940, e pela política
criminal podemos ajusta-lo à nova
5.6. Função motivadora realidade social. Também por conta da
A ameaça de uma sanção motiva política criminal existem as famosas
as pessoas a não violarem as normas do “leis que pegam” e as leis que não
Direito Penal. pegam.

5.7. Função promocional 6.3. Criminologia


É o Direito Penal como Inicio da Criminologia. Estudos
instrumento de transformação social, de Cesare Lombroso. O homem
contribuindo para a evolução da delinquente. Lombroso era médico, e
sociedade. A fase de execução da pena não jurista. Levantou a tese de que
também demonstra esse viés do Direito algumas pessoas possuíam
Penal, ante sua pretensão de resocializar características típicas que os levavam a
o preso. delinquir. Mas a obra que inaugura a
criminologia é O cretinismo na
5.8. Função de redução da violência Lombardia.
estatal Segundo Antônio Garcia-Pablos
Segundo Jesús-Maria Silva de Molina, jurista uruguaio, a
Sanchez (penalista espanhol), esta Criminologia é uma ciência empírica –
função está ligada à noção de porque estuda aquilo que pode ser
intervenção mínima do Direito Penal. A provado na prática, estuda “o que é” – e
imposição de uma pena, embora interdisciplinar – já que entram no
legítima, representa uma agressão do estudo da criminologia fatores sociais,
estado contra o cidadão. econômicos, políticos, culturais etc.
Diferença entre o Direito Penal e
6. A Ciência do Direito Penal a Criminologia. O Direito Penal se
Tratam-se das ciências ligadas ao preocupa com as consequências
Direito Penal. Segundo José Cerejo Mir, jurídicas da infração penal. A
temos a “enciclopédia de ciências criminologia busca identificar as causas
penais”, formada pelas ciências que das infrações penais.
estudam o crime, a sanção penal, o
criminoso e a vítima. 6.4. Vitimologia
Trata-se do papel da vítima no
6.1. Dogmática Penal Direito Penal.
Nesse ponto, tratamos da O Direito Penal, historicamente,
interpretação, sistematização e sempre abandonou a vítima. Mais
recentemente, em movimento contrário,

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a vítima vem recebendo nova atenção, puniendi, que se trata de uma
principalmente sobre as críticas exclusividade do Estado.
lançadas a tudo que se exige do Estado
quanto ao tratamento que deve ter para 7.5. Direito Penal material
com os encarcerados, que não se revela (=substantivo) e formal (=adjetivo)
proporcional ao dispensado às próprias O direito Penal material é o
vítimas desses delinquentes. próprio Direito Penal, enquanto o
direito penal formal é o Direito
7. Divisões do Direito Penal Processual Penal. Aliás, há tempos já
não é adequado denominar esta última
7.1. Direito Penal fundamental ciência de “adjetivo”. Na verdade,
(=primário) e DP complementar quaisquer dessas expressões significam
(=secundário) a utilização de uma linguagem muito
O Direito Penal fundamental/pri- rebuscada.
mário é aquele previsto no Código
Penal, onde se consubstanciam as 8. Fontes do Direito Penal
normas gerais de Direito Penal. O Diz respeito à criação e
Direito Penal complementar ou manifestação do Direito Penal.
secundário está fora do CP, ou seja, a Essas fontes se subdividem em
legislação penal especial. duas: materiais, substanciais, de
produção, de um lado; e formais,
7.2. Direito Penal comum e especial cognitivas ou de conhecimento, de
Direito Penal comum é aquele outro.
aplicável a todas as pessoas, como o Fontes materiais se relacionam
próprio CP, a Lei de Drogas, a Lei dos com a criação, enquanto as formais
Crimes Hediondos. Já o Direito Penal coma manifestação prática do Direito
especial é aquele aplicável somente a Penal.
determinadas pessoas que preencham os A fonte material ainda se refere ao
requisitos previstos em lei, como do órgão encarregado de criar o Direito
Código Penal Militar (DL n. 1001/69), Penal que, por excelência, é a União, cf.
os crimes de responsabilidade de CRFB, 22, I. E quanto aos Estados, eles
prefeitos e vereadores (DL n. 201/67), podem legislar sobre Direito Penal? Em
os crimes de responsabilidade do regra, não, mas apenas
Presidente da República (DL excepcionalmente, o que depende de
1079/1950). dois requisitos: 1) autorização da União
por lei complementar (requisito formal);
7.3. Direito Penal geral e local 2) deve se tratar de uma questão de
Direito Penal geral é aquele interesse específico daquele Estado
produzido pela União, com incidência (requisito material). Por isso é tão raro a
em todo o território nacional (CRFB, ocorrência desse ato normativo, pois é
22, I). Já o DP local é aquele produzido mais fácil União legislar logo de uma
pelo Estado membro, e a aplicável vez, além do que é muito difícil constar
apenas em seu território (CRFB, 22, p. uma espécie criminal que seja de
ú.). interesse de um único Estado.
Fontes formais, cognitivas ou de
7.4. Direito penal objetivo e subjetivo conhecimento dizem respeito à
O Direito Penal objetivo é exteriorização e aplicação prática do
formado pelas leis penais em vigor. O Direito Penal. Elas podem ser
Direito Penal subjetivo é o chamado jus - imediatas ou primárias: trata-se
de lei, consequência do princípio da

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reserva legal, pois só a lei pode criar internacionais? Nesses casos, temos
crimes e cominar penas; e muitas polêmicas.
- mediatas ou secundárias: a Quanto à doutrina, ela não é
CRFB, os costumes, os princípios gerais obrigatória, pois cada um pode escrever
do Direito e os atos administrativos. o que bem lhe mais parece razoável, de
Sobre a Constituição Federal, ela forma que a doutrina não pode ser
contempla diversos dispositivos considerada fonte do Direito.
aplicáveis ao Direito Penal, daí a Da mesma forma, se a
expressão “Constituição Penal”. jurisprudência fosse obrigatória, é bem
Costumes. Costume é a repetição de se questionar qual seria o papel dos
de um comportamento em razão da juízes das instâncias iniciais. Contudo, é
crença da sua obrigatoriedade. Dessa de se observar que os precedentes vêm
forma, o costume possui dos elementos: ganhando força, principalmente se
o objetivo, que a repetição do estamos diante das súmulas vinculantes
comportamento, e o subjetivo, que se (esta sim, fonte do Direito Penal). Já os
trata da crença, da convicção de que é tratados internacionais, em princípio
obrigatório, diferenciando-o do hábito. não são fontes do Direito Penal, se
Temos como espécies de ainda não incorporados.
costumes:
a) secundum legem – ou 9. Interpretação da lei penal
interpretativo, que são aqueles que
ajudam o intérprete a compreender 9.1. Introdução
termos utilizados pelo Direito Penal, Carlos Maximiliano:
cujo grande exemplo histórico (não “interpretação é a atividade mental que
existe mais) era o conceito de “mulher procura estabelecer a vontade da Lei,
honesta”; hoje ainda temos o “ato isto é, seu conteúdo e seu significado.”
obsceno”; A interpretação deve sempre buscar a
b) contra legem – ou negativo, mens legis, e não a vontade de quem a
também chamado de desuetudo. fez (mens legislatoris).
Exemplo maior é o jogo do bicho. Toda e qualquer lei, por mais
Trata-se de um costume que contraria a clara que seja, deve ser interpretada.
lei, e que não tem força para revogá-la. Hermenêutica vs. exegese. A
Aliás, uma lei só pode ser revogada por Hermenêutica é a ciência que estuda a
outra lei; interpretação das leis; já exegese é a
c) praeter legem – ou integrativo, atividade prática de interpretação das
aquele que supre a lacuna da Lei. Esse Leis.
costume integrativo só pode ser usado
no campo das normas penais não 9.2. Espécies de interpretação
incriminadoras. O grande exemplo é a 9.2.1. Interpretação quanto ao sujeito
circuncisão, procedimento tradicional - autêntica ou legislativa:
de algumas religiões, que não configura efetuada pelo legislador, quando ele
uma lesão corporal. edita uma lei destinada a interpretar
Princípios gerais do Direito. Atos uma outra lei; surge a norma
administrativos. Quanto aos princípios interpretativa, que é obrigatória e com
gerais, teremos uma aula apenas sobre eficácia retroativa. O grande exemplo é
eles. Sobre os atos administrativos, eles o art. 327 do CP, que define funcionário
funcionam como complemento de público para fins penais.
algumas normas penais em branco. Essa norma interpretativa pode ser
E quanto à doutrina e à contextual ou posterior. No primeiro
jurisprudência, bem como os tratados caso, ela é editada no próprio corpo do

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texto legislativo interpretado (v. g., CP,
327, é contextual); no segundo caso, ela 9.2.4. Interpretação progressiva,
surge depois da norma a ser adaptativa ou evolutiva
interpretada. Aquela que acompanha as
- doutrinária ou científica: é modificações da sociedade, evitando
aquela efetuada pelos estudiosos do tantas reformas legislativas.
Direito Penal em livros, artigos, Certamente, na década de 1940, uma
pareceres, não tendo força obrigatória mulher usar um fio-dental seria um ato
(cada autor escreve sua interpretação). obsceno, bem como o tatuador deveria
A exposição de motivos de um texto ser considerado agente de um crime de
legal não é interpretação autêntica, mas lesão corporal.
apenas doutrinária, sendo uma mera
apresentação da lei, não integrando seu 9.2.5. Interpretação analógica ou intra
corpo; legem
- judicial ou jurisprudencial: Aqui, a lei penal é construída com
aquela levada a efeito pelo trabalho dos uma fórmula casuística, acompanhada
juízes e tribunais na decisão do caso de uma fórmula genérica:
concreto. Também não é obrigatória, “Homicídio qualificado
salvo em dois casos: coisa julgada no § 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de
caso concreto, e das súmulas recompensa, ou por outro motivo
vinculantes do STF. torpe;”

9.2.2. Quanto aos métodos Material de Apoio - D. Penal - Cleber


- gramatical, literal ou sintática: Masson - Aula 02 Online lei penal.pdf
flui do mero significado das palavras LEI PENAL
ditado pelo dicionário, tratando-se de
uma interpretação muito pobre e
primária;
- lógica ou teleológica: 1. Introdução
relacionada aos fins, como previsto na A lei é a fonte formal imediata do
LINDB, 5º Direito Penal, já que só ela pode criar
“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz crimes e cominar penas.
atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum.” A Lei penal é formada por um
preceito primário, que é a descrição da
9.2.3. Quanto ao resultado conduta criminosa, e de outro preceito
- declaratória: aquela em que há secundário, que é onde se encontra a
perfeita coincidência entre o texto da pena cominada.
Lei e sua vontade; A lei penal é descritiva, e não
- extensiva: aquela que corrige a proibitiva. No Brasil se adota o sistema
timidez do legislador, ou seja, a lei disse da proibição indireta.
menos do que queria. Exemplo: o CP
prevê o crime de bigamia, mas não 2. Classificação
proíbe a poligamia, da mesma forma a) incriminadoras; ou
que a extorsão mediante sequestro b) não incriminadoras.
também engloba a extorsão mediante Incriminadoras são as leis penais
cárcere privado; que criam crimes e cominam penas, que
- restritiva: nos casos em que a constam na parte especial do CP e na
Lei disse mais do que queria, de forma legislação extravagante. Não existem
que o intérprete deve diminuir o alcance normas incriminadoras na parte geral do
da Lei. CP.

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Não incriminadoras são c) completas ou perfeitas –
justamente as que não criam crimes nem apresentam todos os elementos da
cominam penas, e estão previstas conduta criminosa, ou seja, não
sobretudo na parte geral do CP, mas precisam de nenhuma complementação
também existem na legislação ou reforço.
extravagante. Exemplo: hipóteses de d) incompletas ou imperfeitas –
aborto permitido. são aquelas que reservam a
Temos subdivisões nas normas complementação da conduta criminosa
não incriminadoras: a uma outra lei, ato administrativo
b.1) normas normas permissivas - (normas penais em branco) ou ao
excludentes da ilicitude, e estão aplicador do direito (tipos penais
previstas em regra na parte geral do CP, abertos).
mas também na parte especial e na
legislação extravagante; 3. Características da lei penal
b.2) normas penais exculpantes – a) exclusividade – CRFB, 5º,
estabelecem a falta de culpabilidade do XXXIX e CP, art. 1º: só ela pode criar
agente, ou a impunidade de certos crimes e cominar penas;
delitos. São também chamadas b) imperatividade – o
dirimentes (excluem a culpabilidade) – descumprimento da Lei penal acarreta
v. g., CP, 26, caput – e escusas na imposição de uma sanção penal, i. é,
absolutórias (tornam impunes de uma pena ou de uma medida de
determinados delitos) – CP, 181, das segurança;
imunidades absolutas nos crimes contra c) generalidade – a lei penal
o patrimônio praticadas contra dirige-se indistintamente à pessoas em
ascendente ou descendente; geral;
b.3) interpretativas – são aquelas d) impessoalidade – a lei penal
que estabelecem o significado e o projeta seus efeitos para fatos futuros,
conteúdo de outras normas penais. visando qualquer pessoa que venha
Exemplo: CP, 150, § 4º, que traz o praticá-los. Temos duas exceções a essa
conceito de casa para o DP; o art. 327 impessoalidade, que são o abolitio
que apresenta o conceito de funcionário criminis e anistia, já que estas duas leis
público para o DP; se dirigem a fatos passados e concretos.
b.4) normas de aplicação, finais e) anterioridade – a lei penal
ou complementares – são aquelas que incriminadora deve ser anterior, prévia
delimitam o campo de validade da ao fato que pretende punir.
legislação penal, cujo grande exemplo é
o CP, 5º, que prevê o conceito de 4. Tempo do crime
território para fins penais. Lugar – ubiquidade;
b.5) diretivas – são aquelas que Tempo – atividade.
estabelecem os princípios vetores do “LUTA”
DP., cujo grande exemplo é o art. 1º do Em relação ao tempo do crime o
CP, que prevê o princípio da reserva art. 4º adota a teoria da atividade:
legal. “Tempo do crime
b.6) integrativas, complementares Art. 4º - Considera-se praticado o
crime no momento da ação ou omissão,
ou de extensão – são aquelas que ainda que outro seja o momento do
complementam a tipicidade na tentativa resultado.”
(CP, 14, II), na participação (CP, 29, Dessa teoria da atividade,
caput) e nos crimes omissivos extraímos alguns efeitos:
impróprios (CP, 13, § 2º). a) imputabilidade – deve ser
analisada no momento da conduta:

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“TÍTULO III crime continuado, o CP adota a teoria
DA IMPUTABILIDADE PENAL da ficção jurídica, onde os crimes
Inimputáveis
Art. 26 - É isento de pena o
parcelares são considerados apenas
agente que, por doença mental ou um.
desenvolvimento mental incompleto ou No crime continuado, como no
retardado, era, ao tempo da ação ou da crime permanente, aplica-se a lei mais
omissão, inteiramente incapaz de grave que superveio, enquanto durava a
entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse
continuidade ou a permanência.
entendimento.” Atenção! No campo da
b) aplica-se a lei penal que estava prescrição, o CP, 111, I, adota a
em vigor ao tempo da conduta, salvo se teoria do resultado. A prescrição
a posterior for mais favorável; começa a fluir da data em que o crime
c) STF, 711: “A lei penal mais se consumou.
grave aplica-se ao crime continuado ou
ao crime permanente, se a sua vigência 5. Lugar do Crime
é anterior à cessação da continuidade ou O CP adota a teoria da
da permanência.” ubiquidade, também chamada de
Crime permanente é aquele cuja teoria mista:
consumação se prolonga no tempo por “Lugar do crime
Art. 6º - Considera-se praticado o
vontade do agente. A prisão em crime no lugar em que ocorreu a ação ou
flagrante é possível a qualquer tempo, omissão, no todo ou em parte, bem como
enquanto durar a permanência. Há que onde se produziu ou deveria produzir-se
se lembrar também que a prescrição só o resultado.”
começa a fluir quando cessar a Essa teoria da ubiquidade somente
permanência. Exemplo: extorsão se aplica aos chamados crimes a
mediante sequestro, que se consuma no distância, ou crimes de espaço
momento da privação da liberdade da máximo. Se alguém leva um tiro em
vítima, e continua se consumando até a São Paulo e vai morrer no Rio de
libertação da mesma. Janeiro, não há crime a distância.
Crime continuado é uma Crimes a distância são apenas aqueles
modalidade de concurso de crimes, em que a conduta e o resultado ocorrem
prevista no CP, 71: em países diversos. Essa teoria é
“Crime continuado adotada em razão do respeito à
Art. 71 - Quando o agente, soberania dos países afetado pela
mediante mais de uma ação ou omissão, conduta criminosa, pois o crime
pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo,
interessa tanto ao país onde começou
lugar, maneira de execução e outras quanto àquele onde o resultado
semelhantes, devem os subseqüentes ser culminou. Inclusive, é possível que o
havidos como continuação do primeiro, apenado cumpra pena nos dois países,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, sem prejuízo de caracterizar bis in idem
se idênticas, ou a mais grave, se diversas,
aumentada, em qualquer caso, de um
a não contagem do prazo de pena já
sexto a dois terços. cumprido no exterior, cf. CP, 8º:
Parágrafo único – (...)” “Pena cumprida no estrangeiro
Art. 8º - A pena cumprida no
Exemplo: imagine-se uma
estrangeiro atenua a pena imposta no
empregada doméstica que descobre Brasil pelo mesmo crime, quando
onde a patroa guarda dinheiro e vai, ali, diversas, ou nela é computada, quando
retirando aos poucos, uma quantidade idênticas.”
mais ou menos imperceptível. A cada Não se deve confundir os crimes
semana, pega R$100,00. Assim, ao cabo à distância ou de espaço máximo com
de cinco semanas, furtou R$500,00. No

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os chamados crimes plurilocais ou de O território é o espaço em que um País
espaço mínimo. exerce a sua soberania política.
CRIMES À CRIMES “Territorialidade
DISTÂNCIA PLURILOCAIS Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira,
Conduta e resultado Conduta e resultado sem prejuízo de convenções, tratados e
envolvem países ocorrem em comarcas regras de direito internacional, ao crime
diversos. diversas, dentro do cometido no território nacional.
mesmo país. [o próprio art. 5º deixa claro que o
O problema diz Aqui, o problema é de princípio da territorialidade comporta
respeito a soberania. definição de exceções. Por isso se diz que nosso
competência, ou seja, Direito Penal adota como regra geral o
interno ao país. princípio da territorialidade temperada
Adota-se a teoria da A teoria adotada pelo ou mitigada, que tem a ver com as regras
ubiquidade. CPP, 70, caput é a do de Direito Penal Internacional]
resultado. Território brasileiro por extensão.
“CAPÍTULO I É o que consta do art. 5º, § 1º:
DA COMPETÊNCIA PELO LUGAR § 1º - Para os efeitos penais,
DA INFRAÇÃO consideram-se como extensão do
Art. 70. A competência será, de território nacional as embarcações e
regra, determinada pelo lugar em que aeronaves brasileiras, de natureza pública
se consumar a infração, ou, no caso de ou a serviço do governo brasileiro onde
tentativa, pelo lugar em que for quer que se encontrem, bem como as
praticado o último ato de execução.” aeronaves e as embarcações brasileiras,
Nos crimes plurilocais de mercantes ou de propriedade privada,
competência dos Juizados Especiais, que se achem, respectivamente, no
bem como nos de competência do espaço aéreo correspondente ou em alto-
mar.
Tribunal do Juri, adota-se a teoria da
Quanto às embaixadas, i. é, seus
atividade. No primeiro caso, há previsão
edifícios, não são considerados extensão
expressa da Lei; no segundo, trata-se de
do território do país respectivo. Se
criação jurisprudencial.
alguém pratica um crime na embaixada
dos EUA em SP, responde pelo crime
6. Lei penal no espaço
no Brasil. Essa situação não se
Estamos delimitando até onde se
confunde com a imunidade diplomática,
aplica a Lei penal. Temos dois vetores
que é pessoal.
fundamentais: § 2º - É também aplicável a lei
a) territorialidade – aplicação da brasileira aos crimes praticados a bordo
lei penal brasileira ao crime cometido de aeronaves ou embarcações
no Brasil (cf. CP, 5º); estrangeiras de propriedade privada,
b) extraterritorialidade - aplicação achando-se aquelas em pouso no
território nacional ou em vôo no espaço
da lei brasileira a crimes praticados no
aéreo correspondente, e estas em porto
exterior (cf. CP, 7º). ou mar territorial do Brasil.”
c) intraterritorialidade – é
estabelecida por normas de Direito 6.2. Outros princípios. Exceções à
Internacional, e consubstancia a territorialidade
aplicação da Lei estrangeira a um crime a) personalidade ou nacionalidade
praticado no Brasil. Exemplo: temos as – pode ser ativa ou passiva.
imunidades diplomáticas e chefes de Na personalidade ativa, temos o
governo estrangeiro. crime praticado no estrangeiro por autor
brasileiro. O agente será punido de
acordo com a lei brasileira,
6.1. Princípio da territorialidade independentemente da nacionalidade do
O princípio da territorialidade é a sujeito passivo e do bem jurídico. Está
regra geral da aplicação da lei penal no previsto no art. 7º, I, d e II, b;
espaço, e decorre da soberania do País.
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No princípio da personalidade ou não se aplicando a extraterritorialidade
nacionalidade passiva – aplica-se a lei para as contravenções penais.
brasileira ao crime cometido no
estrangeiro contra vítima brasileira. Está 7.2. Extraterritorialidade incondicionada
presente no art. 7º, § 3º; É aquela que não se sujeita a
b) princípio do domicílio – neste, nenhuma condição. A simples prática
o agente deve ser punido de acordo com do crime no exterior já autoriza a
a lei do País em que for domiciliado, aplicação da lei brasileira. Ela está
pouco importando a sua nacionalidade. prevista no art. 7º, I. Assim, a
Presente no art. 7º, I, d, segunda parte. extraterritorialidade se aplica aos
c) princípio da defesa, real ou princípios da defesa, da nacionalidade
proteção – presente no art. 7º, I, “a”, “b” ativa e do domicilío.
e “c”. Aplica-se a lei brasileira aos Além disso, conforme o § 1º,
crimes cometidos no estrangeiro que mesmo que condenado ou absolvido no
ofendam bens jurídicos pertencentes ao estrangeiro, ainda estará sujeito à
País, qualquer que seja a nacionalidade aplicação da Lei penal brasileira. Abate-
do agente e o local do delito. se eventual pena cumprida no
d) princípio da Justiça universal, estrangeiro.
cosmopolita, competência universal, Existe uma hipótese de
jurisdição mundial ou universal, ou extraterritoritorialidade incondicionada
universalidade do direito de punir – esse no art. 2º da Lei de Tortura.
princípio está ligado à chamada
cooperação penal internacional, pela 7.3. Extraterritorialidade condicionada
qual todos os Estados podem punir os Aplica-se os casos previstos no
autores de determinados crimes que se art. 7º, II e § 3º, quais sejam, o princípio
encontrem em seus respectivos da justiça universal, da personalidade
territórios, de acordo com tratados e ativa e passiva e do pavilhão.
convenções internacionais. Está A extraterritorialidade é
expresso no art. 7º, II, “a”. O condicionada porque devem ser
fundamento desse princípio é o dever de observados as condições elencadas nos
solidariedade na repressão de crimes §§ 2º e 3º.
que interessam a todos os Estados
signatários desses tratados. O grande
exemplo é o tráfico de pessoas.
e) princípio da representação, do “Extraterritorialidade
pavilhão, bandeira, subsidiário ou da Art. 7º - Ficam sujeitos à lei
brasileira, embora cometidos no
substituição – está previsto no art. 7º, II, estrangeiro:
“c”. I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do
7. Extraterritorialidade Presidente da República; [princípio da
É a aplicação da lei brasileira ao defesa, real ou proteção]
b) contra o patrimônio ou a fé
crime ocorrido fora do território pública da União, do Distrito Federal, de
nacional. O fundamento é o princípio da Estado, de Território, de Município, de
territorialidade temperada ou mitigada. empresa pública, sociedade de economia
Atenção! Segundo a Lei das mista, autarquia ou fundação instituída
Contravenções Penais, art. 2º, o pelo Poder Público; [princípio da defesa,
real ou proteção]
ordenamento jurídico brasileiro só c) contra a administração pública,
admite a extraterritorialidade da lei por quem está a seu serviço; [princípio
penal no tocante aos crimes praticados da defesa, real ou proteção]
no exterior sob algumas circunstâncias, d) de genocídio, quando o agente
for brasileiro [princípio da

10
personalidade ou da nacionalidade vítima brasileira ou encontrando-se o
ativa] ou domiciliado no Brasil agente em local sob jurisdição
[princípio do domicílio]; brasileira.”
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, *****
o Brasil se obrigou a reprimir; [princípio
da Justiça universal, cosmopolita,
competência universal, jurisdição
mundial ou universal, ou universalidade
do direito de punir] EFICÁCIA DAS
b) praticados por brasileiro; SENTENÇAS ESTRANGEIRAS
[princípio da personalidade ou
nacionalidade ativa]
c) praticados em aeronaves ou
embarcações brasileiras, mercantes ou de Os magistrados são agentes
propriedade privada, quando em políticos, e as sentenças são atos
território estrangeiro e aí não sejam representativos da soberania do Estado.
julgados. [princípio da representação,
do pavilhão, bandeira, subsidiário ou da
Em regra, a sentença é executada no
substituição] país em que foi proferida, mas existem
§ 1º - Nos casos do inciso I casos que ela pode ser executada no
[extraterritorialidade incondicionada], o estrangeiro.
agente é punido segundo a lei brasileira, Para que uma sentença estrangeira
ainda que absolvido ou condenado no
tenha eficácia no Brasil, ela em primeiro
estrangeiro.
§ 2º - Nos casos do inciso II, a lugar deve ter transitado em julgado
aplicação da lei brasileira depende do (STF, 420: “Não se homologa sentença
concurso das seguintes condições: proferida no estrangeiro sem prova do
a) entrar o agente no território trânsito em julgado.”). A competência
nacional;
para homologar sentença estrangeira no
b) ser o fato punível também no
país em que foi praticado; [princípio da Brasil é do STJ, cf. CRFB, 105, I, “i”
dupla tipicidade] NR EC n. 45/2004, pois antes era do
c) estar o crime incluído entre STF.
aqueles pelos quais a lei brasileira A sentença estrangeira
autoriza a extradição; homologada no Brasil pelo STJ tem
d) não ter sido o agente absolvido
no estrangeiro ou não ter aí cumprido a eficácia de título executivo judicial.
pena; “Art. 9º - A sentença estrangeira,
e) não ter sido o agente perdoado quando a aplicação da lei brasileira
no estrangeiro ou, por outro motivo, não produz na espécie as mesmas
estar extinta a punibilidade, segundo a lei conseqüências, pode ser homologada no
mais favorável. Brasil para:
§ 3º - A lei brasileira aplica-se I - obrigar o condenado à
também ao crime cometido por reparação do dano, a restituições e a
estrangeiro contra brasileiro fora do outros efeitos civis;
Brasil, se, reunidas as condições II - sujeitá-lo a medida de
previstas no parágrafo anterior: segurança.
[princípio da personalidade ou Parágrafo único - A homologação
nacionalidade passiva] depende:
a) não foi pedida ou foi negada a a) para os efeitos previstos no
extradição; inciso I, de pedido da parte interessada;
b) houve requisição do Ministro b) para os outros efeitos, da
da Justiça.” existência de tratado de extradição com o
país de cuja autoridade judiciária emanou
Lei n. 9455/97: a sentença, ou, na falta de tratado, de
“Art. 2º O disposto nesta Lei [que requisição do Ministro da Justiça.”
define os crimes de tortura] aplica-se Uma sentença penal estrangeira
ainda quando o crime não tenha sido com trânsito em julgado não necessita
cometido em território nacional, sendo a homologação do STJ para gerar

11
reincidência. Basta a prova da sua dias); e o ano é contado até a véspera
existência. (exemplo: 10-1-2015 a 9-1-2016).
“Reincidência O CP, na contagem do prazo,
Art. 63 - Verifica-se a adota um critério objetivo que,
reincidência quando o agente comete
novo crime, depois de transitar em
indiscutivelmente apresenta uma
julgado a sentença que, no País ou no utilidade prática: faciliar a contagem.
estrangeiro, o tenha condenado por crime Exemplo: contra a pena de um mês que
anterior.” começa em 10-1-2016, acaba em 9-2-
***** 2016. Contudo, esse critério traz
algumas injustiças, pois em alguns
casos penas idênticas na sentença
CONTAGEM DE PRAZO podem para um caso e outro, ser maior
o menor, levando em conta o mês que
iniciou o cumprimento da pena.
“Contagem de prazo Material de Apoio - D. Penal - Cleber
Art. 10 - O dia do começo
Masson - Aula 01.pdf
inclui-se no cômputo do prazo.
Contam-se os dias, os meses e os anos
pelo calendário comum.” PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL
Todo prazo tem dois termos, o
inicial (a quo) e o final (ad quem). 1. Introdução
Inclui-se o dia do começo e se exclui o Princípios são valores
do final. fundamentais que inspiram a criação e a
Os prazos penais são aplicação do Direito Penal.
improrrogáveis. Teoria geral do Direito. O Direito
Um prazo sempre tem natureza é composto por normas, que se dividem
penal sempre que é afeto ao direito de em regras e princípios. As normas são
punir do Estado, ainda que esteja rígidas, e os princípios flexíveis.
previsto no CPP (v. g., de decadência, Os princípios, portanto, têm a
de perempção). função de orientar a atividade do
Os prazos penais são legislador, e também do aplicador do D.
improrrogáveis, mas admitem causas Penal. Eles se destinam a limitar o
suspensivas e interruptivas, desde que poder punitivo do Estado.
previstas em Lei. Já no processo penal
(CPP, 798, § 1º), exclui-se do dia do 2. Princípio da reserva legal ou da
começo e se inclui o dia do final (cf. estrita legalidade
STF, 310: “Quando a intimação tiver
lugar na sexta-feira, ou a publicação 2.1. Origem
com efeito de intimação for feita nesse Nullum crimen nulla poena sine
dia, o prazo judicial terá início na lege. Este brocardo latino tem sua
segunda-feira imediata, salvo se não primeira manifestação no ano de 1215
houver expediente, caso em que na Inglaterra, no famoso instrumento
começará no primeiro dia útil que se “Magna Charta” do Rei João Sem
seguir.”). Terra.
“Contam-se os dias, os meses e os *O direito romano se preocupou
anos pelo calendário comum.” principalmente com o direito civil.
Calendário comum ou gregoriano quer Nos moldes atuais, o grande
dizer, que o dia é o intervalo entre 0:00 responsável pelo desenvolvimento do
até 0:00; meses são computados de princípio foi o alemão Feuerbach, que
acordo com o número correspondente a criou a teoria da coação psicológica: a
cada um deles (e não pelo período de 30

12
criação de um crime e a ameaça de uma ii) fundamento político – é a
pena dependem de lei. proteção do ser humano contra o
arbítrio do Estado. O penalista alemão,
2.2. Previsão normativa e conceito Franz von Liszt tem uma máxima
atual. famosa: “o Código Penal é a Magna
Esse princípio inaugura o Código Carta do delinquente”. O Código Penal
Penal: não existe para nos prejudicar, mas para
nos proteger do arbítrio do Estado. A
“PARTE GERAL partir da existência do CP, todas as
TÍTULO I condutas ali previstas devem ser
DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
evitadas, mas em todas as demais existe
11.7.1984) liberdade para serem praticadas.
Por conta disso o princípio da
Anterioridade da Lei reserva legal é compreendido como
Art. 1º - Não há crime sem lei direito fundamental da primeira geração
anterior que o defina. Não há pena sem
prévia cominação legal. (Redação dada
(ou dimensão), aqueles que buscam
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) afastar da vida do ser humano a
(...)” ingerência indevida do Estado.
iii) fundamento popular ou
Além de previsto no art. 1º do CP, democrático – muitos autores se
também está previsto no art. 5º, XXXIX referem à dimensão democrática do
da CRFB: princípio da reserva legal. Significa que
o povo é quem escolhe, através de seus
“XXXIX - não há crime sem lei representantes, o que deve ser crime e
anterior que o defina, nem pena sem as respectivas penas.
prévia cominação legal;”
2.4. Medidas provisórias no Direito
Em outras palavras, trata-se de um
Penal
direito fundamental dos seres humanos
Não há dúvidas de que as medidas
e como tal se trata de cláusula pétrea.
provisórias jamais podem ser utilizadas
Segundo esse princípio, a lei
para prejudicar o réu.
penal tem a exclusividade, o monopólio,
E para favorecer o réu, é possível
para criação de crimes e cominação de
a edição de medida provisória em
penas. Em outras palavras, a Lei é a
material penal?
fonte formal imediata do Direito
O STF entende que sim, cf. RHC
Penal.
117566. Recentemente o Estatuto do
Desarmamento, de 2003, previu prazos
2.3. Fundamentos do princípio da
para entrega voluntária de armas de
reserva legal
fogo. O prazo venceu diversas vezes,
São eles:
mas foi prorrogado por medidas
i) fundamento jurídico – trata-se
provisórias. O STF entendeu que é
da taxatividade, ou certeza ou
possível para favorecer o réu.
determinação. A Lei deve descrever
Uma segunda posição,
com precisão, o conteúdo mínimo da
constitucionalista, seguida por Rogério
conduta criminosa, o que legitima os
Greco e Cléber Masson, entendem que
crimes culposos, os tipos penais abertos
não se admite a edição de medidas
e as normas penais em branco.
provisórias em Direito Penal. Como a
Qual o efeito automático dessa
EC 32, que proibiu a utilização de MP
taxatividade? É a proibição da
em Direito Penal, é de 2001, entendem
analogia in malam partem (analogia
que o STF utilizou sua jurisprudência
prejudicial ao réu).

13
antiga em detrimento do novo texto da ordinário, no sentido da criminalização
CRFB. de determinadas condutas. São ordens, a
Vejamos o texto da CRFB: CRFB nesses casos manda, vinculando
o legislador a essa ordem. A CRFB está
“Art. 62. Em caso de relevância e repleta de mandados de criminalização.
urgência, o Presidente da República São espécies de mandados de
poderá adotar medidas provisórias, com
força de lei, devendo submetê-las de
criminalização:
imediato ao Congresso Nacional. i) expressos – constam claramente
(Redação dada pela Emenda do texto constitucional, v. g., artigo 225,
Constitucional nº 32, de 2001) § 3º (mandado de criminalização de
§ 1º É vedada a edição de crimes ambientais para pessoas físicas
medidas provisórias sobre matéria:
(Incluído pela Emenda Constitucional nº
ou jurídicas);
32, de 2001) ii) tácitos – são aqueles em que a
I – relativa a: (Incluído pela ordem está implícita, sendo extraída do
Emenda Constitucional nº 32, de 2001) espírito, do conjunto da CRFB. O maior
a) (...) exemplo é o combate à corrupção no
b) direito penal, processual penal
e processual civil; (Incluído pela Emenda
Poder Público, como se percebe do
Constitucional nº 32, de 2001)” somatório dos princípios da
administração pública (a corrupção é
Assim, em concursos: “Para o ilegal, pessoal, imoral, sigilosa e gera
STF é permitida a utilização de MP em ineficiência).
Direito Penal para favorecer o réu”;
“Segundo a CRFB, não é possível a 3. Princípio da anterioridade
edição de MP sobre Direito Penal”. Também consta no art. 1º do CP e
na CRFB, 5º, XXXIX.
2.5. Reserva legal e legalidade Significa que a Lei Penal deve ser
Reserva Legal Legalidade anterior ao fato cuja punição se
ou Estrita Legalidade pretende. Em outras palavras, só se
- CRFB, 5º, XXXIX CRVB, 5º, II; aplica a fatos futuros.
- demanda lei em - se contenta com Sua repercussão é que a Lei Penal
sentido estrito, i. é, qualquer espécie
lei em sentido formal normativa do art. 59,
só se aplica para fatos futuros, e não
e material. A forma da CRFB, i. é, com retroage, salvo para beneficiar o réu, o
decorre do processo qualquer ordem que se trata de outra cláusula pétrea.
legislativo previsto na estatal. Vacatio legis. Trata-se do
CRFB; o sentido intervalo entre a publicação da lei e sua
material é que trata de
matéria
entrada em vigor. Imagine-se que o fato
constitucionalmente incriminado foi praticado durante o
reservada à Lei (daí o período de vacatio legis. Não há crime
nome reserva de lei, nesse caso! O crime só vai existir se o
que no Direito Penal fato for praticado após a entrada em
deve ser lei ordinária).
*LC não foi exigida
vigor da lei. Para se respeitar o principio
pela CRFB para tratar da anterioridade não basta a existência
de Direito Penal! da lei, mas é preciso que ela esteja em
vigor.
2.6. Mandados de criminalização
Também chamada de mandados 4. Princípio da alteridade
constitucionais de criminalização. A Criação do alemão Claus Roxin:
palavra “mandado” vem de ordem, não há crime na conduta que prejudica
mandamento, determinação. São ordens somente quem a praticou (ninguém
emitidas pela CRFB ao legislador pode praticar um crime contra si

14
próprio, não caracterizando dano a 6.1. Teoria constitucional do Direito
outrem. Mas pode haver crime de Penal
estelionato quando se trata de fraude O Direito Penal só é legítimo,
contra seguro, ou para evitar serviço válido, quando tutela valores
militar etc.). consagrados na CRFB. Exemplo: o
E a posse de droga para consumo homicídio é crime porque a CRFB
próprio, do art. 28 da Lei n. assegura do direito à vida; assim em
11343/2006? Trata-se de crime! É relação à propriedade, à honra; assim o
diferente do uso pretérito da droga, que homossexualismo não pode ser
não é crime. Perceba-se que o art. 28 considerado crime, já que não existe
não existe o verbo usar, porque os descriminação na prevista na CRFB.
crimes da Lei de Drogas são crimes
contra a saúde pública e, se a droga não 6.2. A espiritualização de bens jurídicos
existe mais, a saúde pública não corre Claus Roxin. Desde a sua origem
perigo, não havendo crime: e mesmo até pouco tempo, o Direito
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, Penal se preocupou apenas de crimes
tiver em depósito, transportar ou trouxer contra bens jurídicos individuais.
consigo, para consumo pessoal, drogas
sem autorização ou em desacordo com
Contudo, mais recentemente também
determinação legal ou regulamentar será voltou sua atenção para crimes de
submetido às seguintes penas: perigo contra bens jurídicos difusos e
(...)” coletivos. É uma característica dessa
fase a preocupação do direito penal com
5. Princípio da ofensividade ou a evitação do dano, i. é, o DP assume
lesividade caráter preventivo: porte ilegal de arma
“O Direito Penal moderno é o de fogo, já que esta prática é ponte para
Direito Penal da proteção do bem outros crimes; depredação do meio
jurídico” (Min. Celso de Mello). Não há ambiente, que é essencial para a vida
crime na conduta que não lesa, ou que saudável presente e futura.
ao menos coloca em perigo de lesão um A expressão espiritualização,
bem jurídico penalmente protegido. liquefação ou desmaterialização de
bens jurídicos é justamente esse estágio
6. Princípio da exclusiva proteção de onde o DP passa a se preocupar com
bem jurídico uma atuação mais preventiva e
O papel do Direito Penal consiste relacionada a bens jurídicos difusos e
exclusivamente na proteção de bens coletivos.
jurídicos.
O que são bens jurídicos? São os 7. Princípio da proporcionalidade
valores e interesses relevantes para a
manutenção e o desenvolvimento do 7.1. Denominação
indivíduo e da sociedade. Na Alemanha, fala-se em
Nem todo bem jurídico é um bem proporcionalidade; na Itália, é comum
jurídico penal. O legislador penal só falar-se em razoabilidade; nos Estados
pode tutelar penalmente os bens Unidos, fala-se em convivência das
jurídicos mais importantes. É preciso liberdades públicas.
fazer uma eleição de quais bens
jurídicos devem ser objeto de proteção 7.2. A dupla face do princípio da
pelo DP. Essa escolha quem faz é a proporcionalidade
CRFB. Aqui surge a teoria A primeira face é o da proibição
constitucional do Direito Penal. do excesso, i. é, não se pode punir mais
do que o necessário para a proteção do

15
bem jurídico. Exemplo que não se A quantidade de pena previsto é
amolda a esse princípio é o CP, 273: tão absurdo que STF e STJ mandam
“Falsificação, corrupção, aplicar a pena do tráfico de drogas, que
adulteração ou alteração de produto por si já é uma conduta bem mais grave
destinado a fins terapêuticos ou
medicinais (Redação dada pela Lei nº
que vários das figuras previstas no
9.677, de 2.7.1998) dispositivo acima. Também é chamado
Art. 273 - Falsificar, corromper, do garantismo negativo.
adulterar ou alterar produto destinado a A segunda, a proibição da
fins terapêuticos ou medicinais: proteção insuficiente ou deficiente de
(Redação dada pela Lei nº 9.677, de
2.7.1998)
bens jurídicos:
“Art. 349-A. Ingressar, promover,
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15
intermediar, auxiliar ou facilitar a
(quinze) anos, e multa. (Redação dada
entrada de aparelho telefônico de
pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
comunicação móvel, de rádio ou similar,
§ 1º - Nas mesmas penas incorre
sem autorização legal, em
quem importa, vende, expõe à venda,
estabelecimento prisional. (Incluído pela
tem em depósito para vender ou, de
Lei nº 12.012, de 2009).
qualquer forma, distribui ou entrega a
Pena: detenção, de 3 (três) meses
consumo o produto falsificado,
a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº
corrompido, adulterado ou alterado.
12.012, de 2009).”
(Redação dada pela Lei nº 9.677, de
2.7.1998) Ou seja, levar um celular para um
§ 1º-A - Incluem-se entre os líder de uma facção criminosa
produtos a que se refere este artigo os determinar crimes em todo território
medicamentos, as matérias-primas, os nacional gerará uma punição muito
insumos farmacêuticos, os cosméticos,
os saneantes e os de uso em diagnóstico.
branda, incapaz de coibir a prática.
(Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Também é chamada garantismo
§ 1º-B - Está sujeito às penas positivo.
deste artigo quem pratica as ações
previstas no § 1º em relação a produtos 7.3. Espécies de proporcionalidade
em qualquer das seguintes condições:
São três espécies:
(Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
I - sem registro, quando exigível, i) proporcionalidade abstrata ou
no órgão de vigilância sanitária legislativa – é aquela realizada pelo
competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, legislador no momento da cominação
de 2.7.1998) da pena em abstrato. É uma
II - em desacordo com a fórmula
proporcionalidade precária, mas já é um
constante do registro previsto no inciso
anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de começo;
2.7.1998) ii) proporcionalidade judicial ou
III - sem as características de jurisdicional ou concreta – aquela
identidade e qualidade admitidas para a efetuada pelo magistrado, no momento
sua comercialização; (Incluído pela Lei da dosimetria da pena, i. é, de sua
nº 9.677, de 2.7.1998)
IV - com redução de seu valor aplicação. É a individualização da pena;
terapêutico ou de sua atividade; iii) proporcionalidade executória
((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) ou administrativa – ocorre na fase de
V - de procedência ignorada; cumprimento (execução) da pena.
(Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
VI - adquiridos de
estabelecimento sem licença da 8. Princípio da confiança
autoridade sanitária competente. Surgiu na Espanha, especialmente
(Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) para os crimes de trânsito. Significa que
Modalidade culposa quem respeita as regras da vida em
§ 2º - Se o crime é culposo: sociedade pode acreditar que as demais
Pena - detenção, de 1 (um) a 3
(três) anos, e multa. (Redação dada pela também as respeitarão.
Lei nº 9.677, de 2.7.1998)”

16
Depois esse princípio se ampliou intervenção mínima? O princípio da
para todo do Direito Penal, e não só intervenção mínima é um complemento,
para os crimes de trânsito. um reforço, ao princípio da reserva
legal. Quando surgiu o princípio da
9. Princípio da responsabilidade penal reserva legal, se tratou de uma imensa
pelo fato conquista, mas nos dias atuais ele já se
Aqui surge a dicotomia DP do tornou insuficiente, pois se reconhece
fato versus DP do autor. que em alguns casos o legislador abusa
O DP é um direito penal do fato, do fato de ter a lei à sua disposição.
que se preocupa dos fatos penais típicos
e ilícitos praticados pelo autor, pouco 10. 3. Divisões do princípio da
importando quem é esse agente. intervenção mínima
Direito penal do autor é aquele O p. da intervenção mínima se
que vai estereotipar, etiquetar, rotular, divide em dois outros:
estigmatizar determinadas pessoas i) princípio da fragmentariedade –
como criminosas. se manifesta no plano abstrato, se dirige
Exemplos históricos de direito ao legislador.
penal do autor: a polícia parou um ii) princípio da subsidiariedade –
grupo de pessoas e revista apenas os se manifesta no plano concreto, e se
negros daquele grupo; o Direito Penal destina ao aplicador do Direito.
da Alemanha Nazista, em que aquele *Alguns autores dizem justamente o
que não pertence à raça superior deve contrário, mas é minoritário. Inclusive o
ser eliminado. O exemplo moderno é o STF os entende da forma acima.
Direito Penal do Inimigo.
10. 3. 1. Princípio da fragmentariedade,
10. Princípio da intervenção mínima ou caráter fragmentário do Direito Penal
Também chamado de princípio da O Direito Penal é o último grau de
necessidade. proteção do bem jurídico. Numa noite
escura, o céu representa o Direito,
10. 1. Origem enquanto os pontos brilhantes os ilícitos
Surge na França, em 1789, pela penais. Dentro do universo da ilicitude,
Declaração Universal dos Direitos do poucos deles são penais. Exemplo:
Homem e do Cidadão: a lei só deve crime de fraude em concurso público,
prever as penas estritamente pois até algum tempo atrás acreditava-se
necessárias. Daí os nomes intervenção que o Direito Administrativo e o Civil
mínima ou da necessidade. davam conta de proteger o bem jurídico.
O conteúdo atual do principio é: o Nem tudo que é ilícito é ilícito penal,
Direito Penal só é legítimo quando mas este sempre corresponde a ilícitos
funciona como um meio indispensável nas demais searas.
para a proteção do bem jurídico. Fragmentariedade às avessas.
Trata-se do processo inverso, i. é, o
10. 2. Destinatários e finalidade crime já existia, foi necessário, mas
O primeiro destinatário é o deixa de ser crime. Exemplo:
legislador (no momento da instituição descriminalização do adultério.
do crime), e o segundo o operador do
Direito Penal (no momento da aplicação Material de Apoio - D. Penal - Cleber
prática). Masson - Aula 02 (1).pdf
Finalidade do princípio da 10.3.2. Princípio da subsidiariedade
intervenção mínima: qual a relação Se manifesta no plano concreto e
entre os princípios da reserva legal e da tem como destinatário o operador do

17
Direito Penal, visando à aplicação modelo de crime, previsto, descrito na
penal. lei.
Fala-se muito que o D. Penal é um A tipicidade material é a lesão ou
executor de reserva, ultima ratio perigo de lesão ao bem jurídico.
(medida extrema), ou seja, deve ser
aplicado quando outro ramo do Direito 11.3. Requisitos
não for suficiente para resolver o i) objetivos – ligados ao fato
problema. Isso é assim porque o Direito praticado. São quatro:
penal é muito agressivo, contundente, e a) mínima ofensividade da
deixa marcas muito fortes. conduta;
b) ausência de periculosidade
11. Princípio da insignificância ou da social;
criminalidade de bagatela c) reduzido grau de
*Tudo o que será explicado aqui será reprovabilidade do comportamento;
com base na jurisprudência do STF. d) inexpressividade da lesão
Julgados importantes serão jurídica.
mencionados. Também serão apontadas Em todos os julgados o STF
as divergências entre STF e STJ. aponta esses quatro requisitos objetivos.
Nem a doutrina nem o STF conseguem
11.1. Introdução e finalidade diferenciar esses requisitos. Eles
Origem. Surgiu no Direito encerram, em verdade, noções
Romano com base no brocardo de extremamente próximas. Isso significa
minimus non curat praetor. Os pretores justamente a possibilidade de se atribuir
(magistrados) não analisavam casos maior flexibilidade à sua aplicação
pequenos, irrelevantes. pelos Tribunais, como medida de
Mas no D. Romano, esse princípio política criminal.
era limitado ao D. Privado. Foi ii) subjetivos – dizem respeito ao
incorporado ao D. Penal apenas na agente e à vítima
década de 1970, pelos estudos de Claus Quanto ao agente:
Roxin, e está relacionado com o a) militares – não se aplica o
funcionalismo penal. Esse princípio princípio da insignificância aos crimes
ensina que o Direito Penal não deve se cometidos por militares, pela sua
preocupar com atos que não tenham hierarquia e disciplina, bem como pelo
repercussão sobre o bem jurídico. prestígio que gozam os militares perante
Finalidade. Em primeiro lugar, a sociedade;
trata-se de uma medida de política b) criminoso habitual – aquele que
criminal. Busca adaptar a letra da lei à faz do crime seu modo de subsistência
realidade social. Ele vai ser usado para acaba não fazendo jus à aplicação do
dar uma interpretação restritiva da lei princípio da insignificância ao seu
penal (STF, HC 104787). favor;
c) reincidente – segundo o STF,
11.2. Natureza jurídica não se aplica o p. da insignificância ao
Trata-se de uma causa supralegal agente reincidente, levando em
de exclusão da tipicidade. Por que consideração que o p. da insignificância
exclui a tipicidade? Porque a tipicidade é medida de política criminal. Polêmica:
moderna resulta da soma da tipicidade o STJ admite – cf. HC 299185, inf. 548,
formal e da tipicidade material. pois segundo esse Tribunal o p. da
A tipicidade formal é a adequação insignificância torna o fato atípico
do fato praticado na vida e a hipótese, o (materialmente), de forma que não se
confunde com a reincidência, que é

18
agravante genérica (ou seja, é uma posição seguindo esse último valor. Mas
solução estritamente técnica). o STJ mantêm o valor de R$10.000,00
Quanto à vítima: como patamar de aplicação do p. da
a) condições da vítima – caso da insignificância nos crimes de
bicicleta barra forte velha, podre, mas descaminho.
que servia para seu proprietário, um ii) inaplicabilidade – aos crimes
servente de pedreiro, pai de três filhos; contra a vida, contra a dignidade sexual,
ou o caso da costureira que teve sua ao roubo e demais crimes praticados
máquina de costurar furtada. com violência ou grave ameaça à
b) valor ou importância do bem pessoa.
para a vítima – o lado afetivo do bem Também não se aplicam aos
também é relevante para a determinação chamados crimes de máximo potencial
da aplicação ou não do p. da ofensivo: hediondos e equiparados
insignificância. Exemplo: roubo do (tráfico de drogas, terrorismo e tortura),
porta retratos onde estava a única foto racismo e ação de grupos armados
do único filho que morreu novinho, (CRFB, 5º, XLIII, XLII e XLIV). O que
ainda criança, da moradora. Outro caso têm de comum para serem assim
que teve repercussão foi do roubo do categorizados? São crimes em que a
disco de ouro (que na verdade não é de CRFB determinou um tratamento mais
ouro) que um artista ganha por alcançar severo.
um certo número de discos vendidos
(STF, HC 107615, inf. 639) 11. 5. Valoração pela autoridade
Conclusões: policial
- tem que ser analisado no caso Segundo o STJ, apenas o juiz
concreto e não em abstrato; pode aplicar o p. da insignificância (cf.
- o pequeno valor do bem por si HC 154949, Inf. 441). O STF não
só não autoriza a aplicação do princípio possui nenhum julgado direto sobre o
da insignificância. assunto.
Nos concursos para carreira
11. 4. Aplicabilidade e inaplicabilidade policiais deve ser seguida a orientação
i) aplicabilidade - é aplicável a que o Delegado de Polícia pode aplicar
todo e qualquer crime que seja com ele a insignificância, levando-se em
compatível, e não somente aos crimes consideração que tal princípio torna o
patrimoniais (tributários, ambientais, fato atípico.
contra a administração pública etc.).
Exemplo: crime de descaminho, CP, 11.6. Insignificância imprópria ou
334, crime contra a administração bagatela imprópria
pública que tem em verdade natureza Também não tem previsão legal,
tributária, para até R$20.000,00 (STF, tratando-se de uma criação recente da
HC 120620) ou R$10.000,00 (cf. STJ, jurisprudência alemã.
AgRg No REsp 1402207 inf. 536). Insignificância Insignificância
*Lei n. 10522/2002, que trata da PROPRIA IMPRÓPRIA
- exclui a tipicidade; - o fato é típico e
atuação da Procuradoria da Fazenda
- não há crime; ilícito, bem como o
Nacional, nos art. 20 e seguintes, prevê - não há ação penal agente é culpável;
que nos valores até R$10.000,00 serão (pelo promoção do - há crime e ação
arquivados sem baixa na distribuição. arquivamento ou pelo penal;
Mas esse valor foi atualizado pelas não recebimento da - desnecessidade da
denúncia). pena, funcionando
portarias do MF n. 75 e 130, ambas de
como causa legal de
2012, e esse valor passou para extinção da
R$20.000,00. Daí o STF modificou sua punibilidade.

19
Exemplo: um furto de R$1000,00. **como se tratam de teorias novas,
O processo criminal demora cinco anos alguns examinadores enxergam o
para chegar na fase da audiência. Desde funcionalismo como um todo, sem
o crime, o réu andou na linha: constituiu considerá-lo analiticamente. Se o
família, pai de dois filhos, abriu examinador não especificar qual
empresa, tem muitos funcionários, funcionalismo está falando, deve-se ter
impostos em dia etc. A pena gerará por base esse funcionalismo de Roxin.
algum efeito útil? i) funcionalismo moderado – de
*Essa bagatela imprópria não deve ser Claus Roxin (escola de Munique). O DP
aplicada, de forma nenhuma, em tem limites, impostos pelo próprio
concursos para promotoria ou direito penal, pelos demais ramos do D.
magistratura, mas apenas em concursos e também pela sociedade;
de defensoria. ii) funcionalismo dualista – o DP
***** é um conjunto de normas e valores, mas
coexiste com o restante do Direito em
harmonia;
EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO iii) funcionalismo de política
DIREITO PENAL criminal – política criminal é o filtro
entre a letra da lei os anseios da
1. Funcionalismo penal (ou pós- sociedade. Trata-se de um DP aplicado
finalismo) ao contexto da sociedade;
iv) racional-teleológico – racional,
1.1. Introdução posto que é um DP movido pela razão;
O funcionalismo penal é uma teleológico porque o DP além da razão,
corrente doutrinária que surge na leva em conta sua finalidade, que é a
Alemanha a partir da década de 1970. proteção de bens jurídicos.
Ela discute qual é a verdadeira Claus Roxin entende que a função
função do Direito Penal (como funciona do Direito penal é a proteção de bens
o Direito Penal?). Cada cientista jurídicos, e para isso se utiliza do
entende de uma forma a função do funcionalismo de política criminal: o
Direito Penal. DP é mais um instrumento, mais uma
ferramenta, que a sociedade tem para
1.2. Características fundamentais do resolver seus problemas (“o DP é um
funcionalismo escravo da sociedade”).
a) proteção do bem jurídico – o Para uma segunda corrente, o
DP só é legítimo na medida em que funcionalismo é radical, monista e
protege um bem jurídico; sistêmico, segundo Günther Jakobs, da
b) desapego da técnica jurídica chamada Escola de Bonn. O Direito
excessiva; penal só respeita os limites impostos
c) prevalência do jurista sobre o pelo próprio DP (radical); independe
legislador. O grande exemplo é a figura dos demais ramos do Direito (monista);
do princípio da insignificância. A lei é o e se trata de um sistema próprio de
ponto de partida, e posso dela me princípios e de regras que não interagem
afastar quando ela não protege com os demais ramos do Direito
corretamente o bem jurídico. (sistêmico).
Jakobs procura solução na teoria
1.3. Espécies de funcionalismo dos sistemas de Niklas Luhmann
*estudaremos os mais importantes, (lógica jurídica). Para este, o Direito
porque há uma vastidão de teorias; Penal é um sistema autônomo,
autorreferente e autopoiético:

20
- autônomo: independe dos direitos e garantias. Exemplo é a Lei n.
demais ramos do Direito; 9.099/95.
- autoreferente: todos os Essas duas velocidades são
conceitos, definições, referência que o aplicadas pelo Poder Judiciário. Tratam-
DP precisa estão no próprio Direito se de ilícitos penais.
Penal;
- autopoiético: “autopoiesis” - 3. Direito de intervenção ou direito
renovação por conta própria. intervencionista
Para Jakobs a finalidade do DP é a Trata-se de uma proposta de
proteção da norma, sendo que não é o Winfried Hassemer, alemão, Ministro
DP que deve se adaptar à sociedade, da Suprema Corte Alemã, que fala de
mas sim a sociedade que deve a ele se um direito de intervenção ou direito
adaptar. A função do Direito Penal é intervencionista. Segundo ele, o DP está
punir quem viola uma norma penal, e o muito carregado, se cobriu grande parte
resto não é seu papel. A norma penal só de ilícitos que o tornaram inoperante.
ganha respeito quando ela é severa e Boa parte desses ilícitos deveriam ser
reiteradamente aplicada. objeto de um novo Direito, chamado
“Direito de Intervenção”, devendo
2. Velocidades do Direito Penal receber parte do que hoje encontra-se
Trata-se de uma proposta de sob a regulação do Direito Penal. Neste
Jesús-Maria Silva Sánchez, penalista restariam apenas os crimes de dano e
espanhol na obra chamada “A expansão perigo concreto contra bens jurídicos
do Direito Penal”. O Direito Penal, com individuais, que consubstanciam o
essa finalidade de resolver todos os núcleo duro do DP. O resto das matérias
problemas acaba não dando conta de que são crimes contra bens jurídicos
papel algum, acabando ridicularizado. metaindividuais saem do DP e vão para
Lança a seguinte teoria: do DP o D. de Intervenção.
sempre se desenvolveu em duas Mas, vale dizer, o direito de
velocidades: intervenção não tem caráter penal, ou
1ª velocidade) DP da prisão, seja, as condutas que migrarem deixam
também chamado de Direito Penal de ser crimes. Significa que esse direito
nuclear, que são aqueles poucos crimes de intervenção não é aplicado pela
que inevitavelmente levam seu autor à Justiça Penal, mas pela Administração
perda da liberdade (homicídio Pública. Daí por que se aproxima do
qualificado, estupro, extorsão mediante Direito Administrativo sancionador.
sequestro etc.). Trata-se de um Direito
lento, porque se trata de um DP Material de Apoio - D. Penal - Cleber
extremamente garantista, com Masson - Aula 03 (1).pdf
procedimento mais longo (provas, 4. Direito penal do inimigo
recursos, incidentes), já que a liberdade Também chamado de “a 3ª
do ser humano está em jogo; velocidade do Direito Penal”.
2ª velocidade) DP sem prisão,
também chamado Direito Penal 4.1. Origem histórica
periférico, das penas alternativas e Essa teoria foi elaborada por
restritivas de Direitos e também da pena Güinther Jakobs, na década de 1980. O
de multa. A grande maioria dos crimes contexto é o da Alemanha divida pelo
não leva à prisão. É um DP muito mais Muro de Berlim, que a dividia entre o
rápido, já que a liberdade do ser capitalismo e o comunismo. O clima de
humano não está em jogo, admitindo-se desconfiança e de medo era permanente.
a flexibilização (e não eliminação!) de

21
O Direito Penal do Inimigo surge nesse de sua liberdade. Se o sujeito não quer
contexto de medo, de desconfiança. respeitar essa sociedade, deve ser
A teoria não vingou, posto que o expulso dela.
Mundo todo caminhava rumo à Imanuel Kant, que tratou dos
Democracia. imperativos categóricos de Justiça,
Na década de 1990 volta a tocar aquele que quer acabar com a sociedade
no assunto, com alguns artigos e ou com o Estado deve ser eliminado.
palestras, mas sem gerar maiores Thomas Hobbes, na sua obras
repercussões. Leviatã, que é o próprio Estado, o ser
Até que em 11-9-2001 tivemos o que vai ser sempre atacado, mas que no
episódio dos ataques terroristas às torres final sempre vence. A ideia de que o
gêmeas. A sua teoria volta com força. bem sempre vence o mal: o Estado
Em 2003 ele escreve o livro “Direito sempre será atacado pelo inimigo.
Penal do Inimigo”. Fichte e a teoria do Contrato
Cidadão, colocando em destaque o
4.2. Quem é o inimigo papel de cada um. O Direito deve se
Inimigo não é cidadão, mas preocupar com o cidadão, não com os
aquele que atenta contra a Estrutura do inimigos.
Estado. Trata-se da antítese do cidadão.
Toda pessoa nasce com status de 4.3. Efeitos da aplicação do DP do
cidadão. Como se torna inimigo? Inimigo
Trata-se de um histórico: pratica O Direito Penal do cidadão abarca
um crime grave; reitera a prática de um a grande maioria das pessoas, inclusive
crime grave; e por fim se torna um dos cidadãos. Ele é garantista, i. é,
criminoso habitual. Depois, quando respeito aos direitos e garantias do ser
ingressa numa organização criminosa humano. A teoria do Garantismo Penal
(Lei n. 12850/2013), estrutura ilícita de foi criada pelo italiano Luigi Ferrajole,
poder, atuando a margem do Estado, na obra “Direito e Razão”.Trata-se de
com regras próprias que fogem ao seu um Direito Penal retrospectivo, i. é, que
controle (toque de recolher ao se baseia na culpabilidade, olhando para
comércio; cavar minas para esconder o fato passado.
dinheiro e assim por diante). O Direito Penal do Inimigo, ao
Inimigo é aquele que não contrário, suprime garantias. Também, é
apresenta um mínimo de segurança prospectivo, se fundamentado naquilo
cognitiva, i. é, tem um comportamento que pode vir a fazer, face à
imprevisível (hj, é um pacato cidadão, característica instabilidade do inimigo
amanhã amarra uma bomba no corpo e (“homem bomba”). Trata-se de um
mata cinquenta pessoas). Direito Penal do autor e de guerra, na
Todo criminoso é inimigo? Nem qual o importante é vencer.
todo criminoso é inimigo. Para ser Características:
inimigo, deve cumprir todo o protocolo i) eliminação de direitos e
acima? Também não, bastando que garantias do ser humano – devido
entre para uma organização criminosa. processo legal, ampla defesa são
Base filosófica do Direito Penal abandonados. Sua defesa é meramente
do Inimigo: Hobbes, Kant, Rousseau e formal. Pode ficar incomunicável. Não
Fichte. existe sequer prova. Não há direito ao
Jean Jacques Rousseau, Contrato duplo grau de jurisdição;
Social. Quando os seres humanos ii) antecipação da tutela penal –
resolveram viver em sociedade, cada trata-se da criação de um direito Penal
um de nós teve que abrir mão de parte preventivo. No Direito Penal comum, o

22
crime é punido se foi ao menos tentado, Trata-se da proposta do argentino
i. é, só atos de execução. A antecipação Daniel Pastor, ou neopunitivismo ou
da tutela penal pune atos preparatórios pampenalismo. Direito Penal absoluto,
com a mesma pena do delito ou total.
consumado. Esse Direito Penal é mais severo e
iii) meio de prova – no Direito arbitrário que o próprio Direito Penal do
Penal comum adota-se o livre Inimigo. É aplicado a antigos chefes de
convencimento motivado. Não há Estado pela prática de crimes de guerra
taxatividade de provas, podendo acolher (antiga Iugoslávia; tribunal de Ruanda;
ou rejeitar provas, devendo fundamentar Saddan Roussein no Iraque).
sua decisão. É mais arbitrário que o DP do
No Direito penal do inimigo, a inimigo porque é aplicado por Tribunais
principal prova volta a ser a confissão ad hoc, criados para o Julgamento de
(raegina probatum), comprazendo-se fatos determinados. Viola o princípio do
com a tortura (interrogatório severo), Juízo natural. Além disso, não segue o
validado no princípio da sistema acusatório, pois as funções de
proporcionalidade (que vale mais: a acusar, defender e julgar são exercidos
integridade física e/ou moral do inimigo pela mesma pessoa.
ou a existência do Estado?). Também não segue nem os
iv) fortalecimento dos poderes da mínimos princípios da reserva legal e da
Polícia, que passa a atuar sem as anterioridade.
necessárias autorizações do Poder
Judiciário ou da intercessão do MP; *cuidado com uma alegada quinta
v) penas indeterminadas – a velocidade do Direito Penal. Parece ser
periculosidade do agente é que uma criação dessas doidas que
determina a aplicação da pena. aparecem na internet. Seria representada
pela presença maciça de policiais na
4.4. Terceira velocidade do Direito rua.
Penal ***
Utiliza a teoria das duas
velocidades do Direito Penal, mas uma LEI PENAL
combinação das duas: é um direito
penal de prisão e extremamente rápido. 1. Introdução
É a fonte formal imediata do
4.5. Direito Penal do inimigo no Brasil Direito Penal, pois somente ela pode
A teoria original, como proposta criar crimes e cominar penas.
por Jakobs, não se aplica. Segundo a Estrutura da lei penal:
CRFB, 5º, caput: todos são iguais - preceito primário – definição da
perante a Lei. Todos os dispositivos conduta criminosa;
penais do art. 5º da CRFB contrariam o - preceito secundário – cominação
Direito Penal do Inimigo. da pena.
Informalmente parece que ele O Direito Penal brasileiro se filia
vem sendo aplicável. Figuras como o à teoria das normas, criada por Karl
Direito Penal subterrâneo, dos crimes Binding, segundo a qual a lei penal é
cometidos na clandestinidade por descritiva, e não proibitiva (os tipos são
servidores públicos, como dos grupos criados sobre condutas, e não
de extermínio. proibições). A proibição que a lei
determina é indireta (sistema da
5. A quarta velocidade do Direito Penal proibição indireta).

23
2. Norma penal em branco c) norma penal em branco ao
avesso – também pode ser chamada de
2.1. Conceito norma penal em branco inversa. O
Também chamada de norma penal preceito primário é que depende de
“cega” ou “aberta”. Segundo Franz Von complementação. O grande exemplo é a
Liszt, são “corpos errantes em busca de Lei de Genocídio (Lei n. 2889/56), que
alma”. é crime contra a humanidade, de
Significa que o corpo da norma competência do juiz singular (será de
está presente, faltando um complemento competência do Júri se houver
para a mesma ser aplicada. conexão).
Nas normas penais em branco, o Na norma penal em branco ao
preceito secundário é completo; já o avesso, para respeitar o princípio da
preceito primário é incompleto. reserva legal, o complemento deve se
dar por lei.
2.2. Espécies de norma penal em branco d) norma penal em branco de
a) em sentido lato ou homogênea fundo constitucional – é aquela em que
– é aquela cujo complemento tem a o complemento está contido na CRFB.
mesma natureza jurídica da norma penal É o caso do abandono intelectual (CP,
complementada. 246), quando apenas na CRFB, 208, há
Pode ser homovitelina, quando a definição da idade escolar.
norma penal e seu complemento estão e) norma penal em branco ao
contidos no mesmo diploma legislativo, quadrado – é aquela em que o
v. g., o CP, 304; ou heterovitelina, complemento da norma penal também
quando a norma penal e seu depende de complementação. A lei n.
complemento estão contidos em 9605/98, art. 38, cujo complemento está
diplomas legislativos diversos (exemplo no Código Florestal, Lei n. 12651/2012,
do crime de apropriação de tesouro, CP, art. 6º, que ainda depende de
169, p. ú., I, cujo complemento está no complemento.
CC). “Seção II
b) em sentido estrito, ou Dos Crimes contra a Flora
Art. 38. Destruir ou danificar
heterogênea ou fragmentária – a norma floresta considerada de preservação
penal e seu complemento têm natureza permanente, mesmo que em formação,
jurídica diversas. Em outras palavras, o ou utilizá-la com infringência das normas
complemento da norma penal em de proteção:
branco é um ato administrativo. Pena - detenção, de um a três
anos, ou multa, ou ambas as penas
Essa possibilidade não ofende o p. cumulativamente.
da reserva legal. Um dos fundamentos Parágrafo único. Se o crime for
do princípio da reserva legal é a culposo, a pena será reduzida à metade.”
taxatividade (fundamento jurídico), pois “Art. 6º Consideram-se, ainda, de
basta a descrição do conteúdo mínimo preservação permanente, quando
declaradas de interesse social por ato do
suficiente para destacar o ato criminoso Chefe do Poder Executivo, as áreas
do conjunto de outros atos. cobertas com florestas ou outras formas
O melhor exemplo é o dos crimes de vegetação destinadas a uma ou mais
da Lei de Drogas (Lei n. 11343/2006), das seguintes finalidades:”
lei que só fala em drogas, mas cuja
relação está na Portaria n. 344/98 3. Lei penal no tempo
ANVISA. A mesma coisa a relação das
armas de fogo de uso permitido e de uso 3.1. Introdução
restrito para o Estatuto do Princípio da continuidade das
Desarmamento. Leis, que determina que a lei só é

24
revogada pela superveniência de outra As duas previsões devem ocorrer,
lei. porque pode ocorrer revogação formal
Toda e qualquer lei pode ser do tipo penal, mas não supressão
revogada, pois a atividade legislativa é material, o que se dá pela aplicação do
irrenunciável. princípio da continuidade normativa
Revogação total = ab-rogação; ou continuidade típico-normativa.
revogação parcial = derrogação. Foi o que ocorreu com o atentado
Atenção: costumes não revogam a violento ao pudor, que continuou
Lei, por mais tradicionais e arraigados subsistindo como estupro (cf. artigos
que sejam não têm esse capacidade. É o 214 e 213 do CP) que é um exemplo do
desuetudo, o costume contrário à lei, que se chama de deslocamento
mas que não a revoga. geográfico do crime ou transmudação
Decisão judicial também não topográfica do crime.
revoga lei. Ainda que seja proferida em ii) novatio legis in mellius – é a
sede de controle concentrado de nova lei que de qualquer modo favorece
constitucionalidade. o réu (em qualquer fase: persecução ou
execução penal).
3.2. Conflito de leis no tempo É provável que em algum caso a
A sucessão de leis no tempo lei demande o transcurso da vacatio
enceta alguns problemas. Surge então o legis para que entre em vigor. Nesse
Direito Penal intertemporal: conjunto de caso, deve ser aplicada antes da sua
regras e princípios que solucionam o entrada em vigor, já que
conflito de leis no tempo. inexoravelmente terá esse efeito daqui
A regra geral é tempus regit algum tempo? Duas correntes:
actum (o ato é regido pela lei em vigor 1º) sim, vai retroagir mesmo em
na época em que se verificou). Assim, período de vacatio legis, e deve ser
regra geral, aplica-se a lei que estava em utilizada em provas de Defensoria
vigor na época em que o crime foi Pública;
praticado. 2ª) não, mais segura, entende que
A exceção é a da retroatividade só pode retroagir depois da sua entrada
benéfica. em vigor. Isso foi bem visível quando
da publicação do CP de 1969, que teve
3.3. Retroatividade benéfica a maior vacatio legis já vista no Direito,
i) abolitio criminis – a natureza e que acabou sendo revogado antes de
jurídica é dada pelo art. 107, III do CP, entrar em vigor. Imagine-se o
i. é, causa de extinção de punibilidade, pandemônio se as partes benéficas
tirando do Estado a direito de punir. tivessem sido aplicadas
Na verdade, apesar da disposição antecipadamente!
legal, o que há é verdadeira exclusão da
atipicidade do fato. Material de Apoio - D. Penal - Cleber
Apagam-se os efeitos penais, mas Masson - Aula 04 (1).pdf
subsistem os extrapenais. Pontos comuns à abolito criminis
A abolitio criminis depende de e à novatio legis im mellius:
dois requisitos: 1) a retroatividade benéfica é
1) revogação formal do tipo penal; automática, i. é, independe de cláusula
2) supressão material do fato expressa;
criminoso. 2) a retroatividade benéfica
Exemplo: crime de adultério alcança inclusive fatos já
(antes previsto no art. 240). definitivamente julgados, i. é, a coisa

25
julga não é óbice à retroatividade
benéfica. 3.6. Combinação de leis
3) quem aplica? É o juiz que vai O juiz pode enxertar partes de
reconhecer e aplicar a retroatividade uma lei em outra para se chegar a um
benéfica. Qual juiz? Depende do estágio resultado mais benéfico ao acusado,
que se encontra a persecução penal: chegando-se a uma lex tertia ou lei
- se tramita em 1ª instância, híbrida?
aplicará a retroatividade benéfica o 1ª corrente) não! Nelson Hungria.
próprio juízo; Se fundamenta no princípio
- se tramita no Tribunal, seja em constitucional da separação dos
grau de recurso, seja por se tratar de Poderes. Esta teoria recebe o nome em
competência originária, o próprio Portugal de teoria da ponderação
Tribunal aplicará a lei benéfica; global ou unitária. Assim, ou o juiz
- se a condenação já transitou em aplica toda a lei nova ou toda a lei
julgado, quem aplica a lei benéfica é o velha.
juízo da execução (cf. art. 66 da LEP e 2ª posição) Sim! O grande nome
STF, 611: “Transitada em julgado a foi José Frederico Marques. Em
sentença condenatória, compete ao Portugal, é chamada teoria da
Juízo das execuções a aplicação de lei ponderação diferenciada. Admite a
mais benigna.”) combinação de leis penais pela junção
das partes benéficas das normas em
3.4. Novatio legis incriminadora e favor do autor do fato.
Novatio legis in pejus No tráfico de drogas essa
A novatio legis incriminadora, ou discussão demonstra sua função prática.
neocriminalização é a lei nova que Na Lei n. 6368/76, art. 12, a pena era de
insere um crime no Direito Penal (o 3 a 15 anos e multa para o tráfico. Com
crime não existia). a Lei n. 11.343/2006, a pena passou
A novatio legis in pejus é a nova para 5 a 15 anos e multa. Contudo, na
lei que, de qualquer modo, prejudica o nova Lei, há um grande benefício, que é
agente. O crime já existia. Aumentar a redução do 1/6 a 2/3 do art. 33, § 4º. A
pena, criar qualificadora, retirar um Defensoria Pública levou ao STF a
benefício etc. seguinte proposta: a pena do art. 12 da
Tanto a novatio legis Lei n. 6368/76 com a causa de
incriminadora quanto a novatio legis in diminuição da o art. 33, § 4º da Lei n.
pejus só se aplicam a fatos futuros 11.343/2004, chegando a uma pena
(nunca retroagem). É um final de 1 (um) ano. No começo o STF e
desdobramento do princípio da o STJ vacilava, até que o Plenário do
anterioridade da Lei penal. STF, no RE 600817, INF 727, entendeu
que não se admite a combinação de Leis
3.5. Lei penal intermediária Penais; da mesma forma a STJ, 501 se
firmou nesse sentido: “É cabível a
LEI B aplicação retroativa da Lei
LEI A LEI C
crime Sentença
11.343/2006, desde que o resultado da
Não é a lei que estava em vigor na incidência das suas disposições, na
época do crime, nem a que estava em íntegra, seja mais favorável ao réu do
vigor na época da sentença. No RE que o advindo da aplicação da Lei
418876 o STF permitiu essa situação, i. 6.368/1976, sendo vedada a
é, é retroativa para alcançar o fato combinação de leis.”.
passado, e também ultrativa, para servir
de base à sentença.

26
O CPM, art. 2º, § 2º proíbe Lei especial significa a lei geral
expressamente a combinação de Leis mais os elementos especializantes.
penais. Exemplo: CP, 121 vs. 123
***** “Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte
anos.”
CONFLITO APARENTE “Infanticídio
DE NORMAS PENAIS Art. 123 - Matar, sob a influência
do estado puerperal, o próprio filho,
1. Conceito durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis
É um instituto que se verifica anos.”
quando ao fato praticado pelo agente No infanticídio os elementos
duas ou mais normas penais se revelam especializantes são a mãe, o filho e o
aparentemente aplicáveis. estado puerperal, durante ou logo após o
O conflito aparente de normas é parto. Sem esses elementos, estaríamos
um tema ligado à interpretação da Lei diante de um homicídio.
penal. O princípio da especialidade,
São três requisitos para configurar como se vê, se manifesta no plano
o conflito aparente: abstrato, ou seja, comparam-se as
i) unidade de fato, que vai normas em conflito. Decorre da
diferenciar o conflito aparente do aplicação do princípio em abstrato que
concurso de crimes; não há qualquer repercussão a maior ou
*concurso formal é modalidade de menor gravidade.
concurso de crimes. Apesar de haver As normas penais podem estar em
apenas uma conduta, há dois ou mais diplomas legislativos diversos ou, então,
crimes. no mesmo diploma legislativo. No
ii) pluralidade de normas segundo caso, serve de exemplo o
aparentemente aplicáveis; acima dado do homicídio e do
iii) vigência simultânea de todas infanticídio. No primeiro caso, do
as normas, que diferencia o conflito contrabando, CP, 334-A e o tráfico
aparente do conflito de lei no tempo. internacional de drogas, cf. Lei n.
11343/2006, art. 33.
4. Finalidades
i) na teoria geral do Direito, 5.2. Princípio da subsidiariedade
manter a unidade e a coerência do A lei primária exclui a aplicação
Direito Penal, combatendo as da lei subsidiaria.
antinomias; e Lei primária é aquela que prevê o
ii) evitar a dupla punição pelo crime mais grave. Já a lei subsidiária
mesmo fato, ou bis in idem. aquela que prevê o crime menos grave.
Esse princípio se manifesta no
5. Solução do conflito aparente plano concreto. No caso concreto vamos
i) especialidade; identificar qual a lei que prevê o crime
ii) subsidiariedade; mais grave. Se não configurar o crime
iii) consunção; mais grave (lei primária), tentamos
iv) alternatividade; enquadrar o menos grave (leis
subsidiária ou soldado de reserva,
5.1. Princípio da especialidade segundo Nelson Hungria).
A lei especial exclui a aplicação Espécies de subsidiariedade:
da lei geral, vale dizer, tem preferência,
não significando revogação.

27
a) expressa ou explícita – a punindo o homicídio (todo) também há
própria lei penal se apresenta como punição da parte.
subsidiária: ii) progressão criminosa – o que o
“CAPÍTULO IV caracteriza é a mudança de dolo. O
DO DANO agente queria praticar um crime menos
Dano
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou
grave; depois de praticá-lo, decide
deteriorar coisa alheia: praticar outro mais grave.
Pena - detenção, de um a seis Qual a diferença entre crime
meses, ou multa. progressivo e progressão criminosa? A
Dano qualificado diferença está no dolo. No crime
Parágrafo único - Se o crime é
cometido:
progressivo, o agente tinha o dolo desde
I - com violência à pessoa ou o início de praticar o crime mais grave;
grave ameaça; na progressão criminosa o dolo passa
II - com emprego de substância por uma mudança.
inflamável ou explosiva, se o fato não iii) atos impuníveis ou fatos
constitui crime mais grave”
impuníveis – são aqueles que o Direito
Assim, se por exemplo, um sujeito
Penal deixa de punir em razão da
coloca uma bomba no iate do desafeto
punição de um ato principal. Podem ser
para mata-lo e este ultimo pousou num
anteriores, simultâneos ou posteriores
hotel. Se a pessoa tentava um
ao fato principal.
homicídio, então não seria dano, mas
a) anteriores – ou prévios ou
crime contra a vida. Como a vítima não
antefactum impunível. São aqueles que
estava no barco, caracterizaria o crime
funcionam como meio de preparação ou
de dano qualificado.
execução de um ato principal. No furto,
ii) tácita ou implícita – a norma
a violação de domicílio; no homicídio, o
penal não se apresenta como
disparo da arma de fogo.
subsidiária, mas esta característica é
Qual a diferença entre o ato
extraída das normas em conflito.
anterior impunível e o crime
progressivo? No crime progressivo a
5.3. Princípio da consunção
prática do crime anterior menos grave é
Também conhecido como
indispensável para se chegar ao crime
absorção.
mais grave. No ato anterior impunível,
A lei consuntiva exclui a
este acontece sem ser necessário (v. g.
aplicação da lei consumida. A lei
matar com as próprias mãos, furtar pela
consuntiva é aquela que prevê o fato
janela sem entrar na casa).
mais amplo, ou seja, o todo; a
b) concomitantes – ocorrem ao
consumida a que prevê o fato menos
mesmo tempo que o fato principal, e
amplo, ou seja, a parte. A palavra
ficam por este absorvidos (v. g., praticar
consunção vem do verbo consumir, de
um estupro durante a luz do dia, e o ato
forma que um lei absorve a outra.
obsceno é um meio de execução);
c) posteriores – fatos posteriores
5.3.1. Hipóteses:
impuníveis ou post factum impunível.
i) crime progressivo – é aquele
Ocorrem após a prática do fato
cuja prática reclama o cometimento de
principal, e funcionam como mero
crime menos grave. O crime menos
desdobramento deste (v. g., o furto de
grave é chamado de delito de
um celular que depois é quebrado pelo
passagem. O homicídio é o melhor
bandido, caso em que o dano é fato
exemplo, pois não há como matar sem
posterior impunível, pois o bem jurídico
ferir a vítima, o que seria uma lesão
não sobre um novo dano).
corporal (delito de passagem), mas

28
Obs.: STJ, 17: “Quando o falso se
exaure no estelionato, sem mais 1. Conceito
potencialidade lesiva, é por este O concito de crime varia em
absorvido”. Esta súmula faz uma conformidade com o critério que se
relação entre estelionato e falsidade adota para defini-lo.
documental, de forma que o estelionato i) Critério material ou substancial
absorve a falsidade documental. Essa – crime é a ação ou omissão humana (e
súmula se deu para aplicação nos casos também da pessoa jurídica nos crimes
de falsificação de cheques. Ela adota o ambientais) que lesa ou expõe a perigo
princípio da consunção, mas para o de lesão bem penalmente protegido.
STF há concurso de crimes. É um critério que cola em
destaque a relevância do mal produzido.
5.1. Princípio da alternatividade Além disso, funciona como um
É um princípio não muito aceito fator de legitimação do Direito Penal. A
pela doutrina. Espécies de atividade legitimatória só é legítima
alternatividade: quando há dano ou perigo de dano ao
i) própria – tipos mistos bem jurídico.
alternativos, crimes de ação múltipla ou Esse critério material funciona
de conteúdo variado. É o tipo que como reforço, um complemento, ao
contem vários verbos (núcleos) e, se princípio da reserva legal.
cometer mais de um desses núcleos ii) critério legal – crime é aquilo
contra o mesmo objeto material, que a lei define como tal, e está no art.
responde por um único crime. O grande 1º da LICP:
exemplo é o tráfico de drogas, que “Art 1º Considera-se “crime” a
possui dezoito núcleos. Se o sujeito infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer
importou, guardou, expôs à venda e isoladamente, quer alternativa ou
finalmente vendeu, responde por uma cumulativamente com a pena de multa;
vez só ao crime de tráfico. Mas se “contravenção”, a infração penal a que a
importou cocaína, vendeu maconha e lei comina, isoladamente, pena de prisão
exportou heroína, responde por três simples ou de multa, ou ambas.
alternativa ou cumulativamente.”
tráficos de drogas.
No Brasil temos um gênero, que é
Essa alternatividade própria é
a infração penal. Ele se subdivide em
criticada pois, em verdade, o conflito
duas espécies, o crime e a contravenção
aparece na mesma norma.
penal.
ii) imprópria – ocorre quando o
Assim, a diferença entre crime e
mesmo crime é disciplinado por duas ou
contravenção está no preceito
mais normas penais. Seria o caso do
secundário (pena) é que vamos saber se
furto previsto no CP e em uma lei
estamos diante de um crime ou de uma
extravagante. É, em verdade, um caso
contravenção penal. Crime, se no
de falta de técnica legislativa, i. é,
preceito secundário constar um pena de
mesmo crime tratado simultaneamente
detenção ou de reclusão, isolada,
em duas ou mais normas penais. Assim,
alternativa ou cumulativamente, com a
não há conflito aparente de normas
pena de multa. A contravenção tem
penais, mas um conflito de leis no
previsão de prisão simples e/ou multa.
tempo.
Aliás, pouco importa o local onde
*****
se encontra prevista a infração. Cf. p.
ex. na Lei de locações, onde há previsão
Material de Apoio - D. Penal - Cleber
de um “crime”, mas se trata de uma
Masson - Aula 01 (II).pdf
contravenção penal. Na Lei de
TEORIA GERAL DO CRIME

29
Contravenções há previsão de um as quais os delitos têm gravidade
crime. mediana.
A contravenção leva ainda os No Brasil, delito é sinônimo de
apelidos de crime anão, liliputiano ou crime, mas em algumas passagens, a
crime vagabundo. legislação utiliza a expressão delito
A CRFB expressamente excluiu como infração penal. Ex.: CRFB, 5º, XI,
da competência da Justiça Federal o ou CPP, 301 e 302.
julgamento de contravenções penais “XI - a casa é asilo inviolável do
(CRFB, 109, IV). A única hipótese em indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador,
que a JF vai processar e julgar salvo em caso de flagrante delito ou
contravenções penais, quando se tratar desastre, ou para prestar socorro, ou,
de réu que tenha foro por prerrogativa durante o dia, por determinação
de função no TRF (juiz federal ou judicial;”
membro do MPU). “CAPÍTULO II
DA PRISÃO EM FLAGRANTE
Não há diferença ontológica entre Art. 301. Qualquer do povo
crime e contravenção penal, i. é, não poderá e as autoridades policiais e seus
têm diferencia na sua estrutura ou agentes deverão prender quem quer que
essência. A diferença entre Crime e seja encontrado em flagrante delito.
contravenção meramente qualitativa Art. 302. Considera-se em
flagrante delito quem:
(reclusão e detenção vs. prisão simples) I - está cometendo a infração
e quantitativa (crimes têm penas mais penal;
elevadas). II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela
1.2.1. Crime e contravenção penal: autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer pessoa, em situação que faça
sistema dicotômico e sistema
presumir ser autor da infração;
tricotômico IV - é encontrado, logo depois,
No Brasil, delito é sinônimo de com instrumentos, armas, objetos ou
crime, já que adotamos o sistema papéis que façam presumir ser ele autor
dicotômico ou dualista, pois divide as da infração.”
infrações penais em crimes (mais
graves) e contravenções penais (menos 1.2.2. Conceito legal de crimes e o art.
graves). A escolha da gravidade é 28 da Lei de Drogas
política. Ex.: porte ilegal de arma de Segundo LFG, como não havia
fogo, que até 1997 se tratava de previsão de pena de detenção, reclusão,
contravenção penal; nesse ano, com a prisão simples ou multa. Dessa forma
Lei de Armas, passa a ser crime; depois, não seria nem crime nem contravenção.
com o Estatuto do Desarmamento, e Denominou a infração do art. 28 da LD
2003, passa a ser um crime bem mais como ilícito penal sui generis. Essa
grave. Uma boa comparação também é posição não foi acolhida.
aquela entre o jogo do bicho O STF, no RE 430105 e o STJ, no
(contravenção) e o ato obsceno (crime), HC 65242 assentaram o entendimento
quando se sabe que o jogo do bicho é que o art. 28 da LD configura crime.
uma atividade que atua como gatilho de Não houve a descriminalização, mas
outros crimes graves (lavagem de apenas despenalização, no tocante às
dinheiro, tráfico de drogas, homicídios penas privativas de liberdade. Quem
etc.). pratica esse crime não se submete a
Outros países adotam um sistema prisão em hipótese alguma.
tricotômico: crimes – delitos – e
contravenções. Nos países que os iii) critério formal, analítico ou
adotam, são então três espécies, dentre dogmático – é o critério que se baseia

30
na estrutura do crime, em seus voluntários, divisão essa que se baseia
elementos estruturais. Posições: na intervenção humana ou não. A queda
a) quadripartida – o crime é de um raio e a morte por ela ocasionada,
composto de quatro elementos: fato ou a só morte, produz efeitos jurídicos
típico; ilicitude; culpabilidade; e (sucessão, fim da sociedade conjugal,
punibilidade. Seu grande defensor foi fim da personalidade jurídica etc.). Os
Basileu Garcia (Brasil) e na Itália atos jurídicos voluntários se subdividem
(Giulio Battaglini). A falha dessa teoria em atos lícitos e atos ilícitos. O crime é
encontra-se na punibilidade, que não é um ato ilícito, mas continua sendo um
elemento do crime, mas consequência fato jurídico. Assim, como afirmar ser
dele. O crime não desaparece com a ele antijurídico, quando produz efeitos
extinção da punibilidade. Exemplo: no mundo jurídico? Como afirmar que o
marido mata a esposa e se suicida na crime é um fato jurídico antijurídico?
sequência. O homicídio deixa de Quem primeiro notou essa nuance foi
existir? Francesco Carnelutti. Perceba-se que
b) tripartida – crime é o fato em nenhuma lei brasileira essa palavra é
típico, ilicitude e culpabilidade. Nesse mencionada (muito menos no CP).
categoria podem ser nomeados tanto
autores clássicos (Nelson Hungria; 2. Sistemas penais
Magalhães Noronha; Aníbal Bruno)
como finalistas (Cezar Roberto 2.1. Sistema Clássico
Bitencourt; Luiz Regis Prado). A Liszt, Beling e Radbruch.
propósito, o finalismo, criado por Hanz A denominação “clássico”, foi
Welzel, nasceu como tripartido. atribuída pelos finalistas, de forma que
c) teoria bipartida – crime possui não era autoentitulado.
os elementos do fato típico e da Esse sistema é qualificado por
ilicitude. A culpabilidade não é duas características fundamentais:
elemento do crime, mas funciona como i) na conduta, adota-se a teoria
pressuposto de aplicação da pena. Quem causalista, mecanicista ou causal;
adota posição bipartida ii) na culpabilidade, a teoria
obrigatoriamente é finalista. Quem mais psicológica.
defendeu essa teoria foram Damásio de Fato Típico Ilicitude Culpabilidade
Jesus e Julio Fabbrini Mirabete, mas - conduta; - relação de -
-resultado; contrariedade imputabilidade;
que apresentou essa doutrina no Brasil
-relação de entre o fato -dolo
foi René Ariel Dotti, em seu artigo “O causalidade; típico e o (normativo, i.
incesto”. -tipicidade direito. é, que
Nosso Código Penal, com a contempla a
reforma dada pela Lei n. 7209/84 – consciência
atual da
Nova parte Geral é finalista.
ilicitude) ou
Originalmente o CP era clássico. culpa.
Quanto a ser tripartido ou Para teoria causalista, conduta é
bipartido, o Código não adotou comportamento humano voluntário que
expressamente qualquer deles. produz o resultado no mundo exterior.
*A expressão antijuridicidade não deve Para o causalismo, a conduta é a
ser utilizada como sinônimo de “fotografia do crime”.
ilicitude. Fato jurídico é todo e qualquer O autor clássico deve ser
acontecimento que produz efeitos no tripartido porque o dolo e a culpa estão
mundo do Direito. Os fatos jurídicos se na culpabilidade! Se retirarmos a
subdividem em naturais (ou culpabilidade de seu conceito de crime,
involuntários) e fatos jurídicos

31
cairíamos em uma situação de i) na conduta, adota uma teoria
responsabilidade penal objetiva. finalista;
ii) na culpabilidade, adota uma
2.2. Sistema neoclássico (ou teoria normativa pura.
neokantista) Fato típico Ilicitude Culpabilidade
Surge na Alemanha em 1907, - conduta -relação de -
(dolo e contrariedade imputabilidade;
quando Reinhart Frank desenvolve a
culpa); entre o fato -potencial
chamada teoria da normalidade das -resultado; típico e o consciência da
circunstâncias concomitantes. -relação de direito. ilicitude;
Na conduta, continua sendo causalidade; -exigibilidade
adotada a teoria causalista. A -tipicidade. de conduta
diversa
modificação corre apenas na
culpabilidade, pois o sistema O dolo e a culpa que estavam na
neoclássico adota uma teoria culpabilidade vão para a conduta (fato
psicológico-normativa. típico). No finalismo penal, toda
Fato Típico Ilicitude Culpabilidade conduta deve ser no mínimo ser
-conduta; -relação de -imputabili- culposa.
-resultado contrariedade dade; A consciência da ilicitude deixa
-relação de entre o fato - dolo de ser atual para ser potencial.
causalidade; típico e o (normativo) No finalismo penal, o dolo é
-tipicidade Direito; ou culpa;
-exigibilidade natural, aquele desvinculado da
de conduta consciência da ilicitude.
diversa. Além disso, no finalismo, surge a
A teoria da normalidade das culpabilidade vazia, porque ela foi
circunstâncias é que leva à exigibilidade esvaziada no tocante aos seus elementos
de conduta diversa. Só é culpável o psicológicos.
agente que pratica o fato típico e ilícito Conduta é a ação ou omissão
em uma situação de normalidade, ou humana, consciente e voluntária,
seja, quando lhe era exigível uma dirigida a um fim.
conduta diversa. Ou seja, a A teoria finalista afirma que a
culpabilidade que antes era um vínculo causalidade é cega. Não analisa o querer
apenas psicológico, passa também a ter interno do agente.
um componente normativo Já o finalismo, por ser guiado é
(exigibilidade de conduta diversa). vidente, enxerga o querer interno do
Esse sistema é que vai conseguir agente.
explicar a coação moral irresistível e a A culpabilidade pode ser vista
obediência hierárquica, por situações como pressuposto de aplicação da pena
em geral de inexigibilidade de conduta (conceito bipartido) como elemento do
diversa. crime (conceito tripartido), sem que
ocorra a responsabilidade penal
2.3. Sistema finalista objetiva.
Surge na Alemanha, no ano de Para alguns autores, o
1930, pelos estudos de Hans Welzel. funcionalismo penal é chamado de pós-
Ele escreve um livro de 38 páginas que finalismo.
revoluciona o Direito Penal: “O novo Para o funcionalismo penal, a
sistema jurídico penal”. Se o sistema estrutura do crime é o injusto penal
dele é o novo, o antigo, que ficou para mais a responsabilidade penal. O injusto
trás, é o clássico... penal é o fato típico e ilícito. A
As características fundamentais responsabilidade penal é a culpabilidade
impostas pelo sistema finalista são: e a necessidade da pena (o agente só

32
pode ser punido quando a pena é ambos se consuma se consumam com a
realmente necessária). prática da conduta. No crime de mera
conduta, o resultado nunca vai ocorrer;
3. Fato típico nos crimes formais, apesar do resultado
naturalístico não ser necessário para a
3.1. Conceito consumação, ele pode ocorrer, e quando
O fato típico é o primeiro ocorre estamos diante do exaurimento.
elemento do crime. É o fato praticado O exaurimento é instituto inerente aos
pelo ser humano (e também pela pessoa crimes formais e, por isso, Zaffaroni os
jurídica nos crimes ambientais) que se designa o exaurimento de consumação
amolda aos elementos do tipo penal. material.

3.2. Elementos do fato típico


i) conduta Material de Apoio - D. Penal - Cleber
ii) resultado naturalístico1 Masson - Aula 02 (II).pdf
iii) relação de causalidade CONDUTA
iv) tipicidade
Crimes materiais ou causais são
aqueles em que o tipo penal contêm 1. Conduta
conduta e resultado naturalístico. O conceito de conduta Vaira de
Apenas neles vamos encontrar todos os acordo com a teoria adotada.
elementos acima. O STF os denomina Para a teoria causalista -
crime de resultado.
Se nos crimes materiais Na teoria finalista, conduta é a
consumados estão presentes quatro ação ou omissão humana voluntária
crimes, nos demais crimes (materiais dirigida a um fim.
tentados e nos formais e os de mera “Erro sobre elementos do tipo
conduta) o fato típico será composto (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
apenas de conduta e a tipicidade. Art. 20 - O erro sobre elemento
Nos crimes formais, de constitutivo do tipo legal de crime
consumação antecipada ou de resultado exclui o dolo, mas permite a punição
cortado – o tipo penal contêm conduta e por crime culposo, se previsto em lei.
resultado naturalístico, mas prescinde (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)”
deste último para consumação.
A teoria finalista sofreu e ainda
Exemplo: extorsão mediante sequestro,
sofre críticas muitos fortes. A principal
no qual a consumação ocorre com a
diz respeito à sua incompatibilidade
privação da liberdade vítima.
com os crimes culposos. Nos crimes
O crime de mera conduta ou
culposos o resultado não é desejado
simples atividade, o tipo penal se limita
pelo agente, então como explicar a
a descrever uma conduta. Exemplo: ato
imputação.
obsceno.
O STF se refere aos crimes
2. Teoria cibernética
formais e de mera conduta como crimes
A conduta é a ação é a conduta
sem resultado.
biociberneticamente antecipada (1935,
O ponto comum entre os crimes
Hanz Welzel).
formais e os de mera conduta é que
Alguns anos depois ele próprio
1
abandona essa teoria, volta para o
Em provas de primeira fase, vai aparecer
finalismo e admite suas deficiências,
apenas resultado; já nas provas dissertativas e
oriais, resultado naturalístico, que é mas afirma que de todas as teorias é a
propriamente o elemento do fato típico.

33
melhor e fica com ele mesmo pode ser o quanto quiser má ou
(finalismo). perversa, desde que não exteriorize em
atividades essas suas tendências
3. Teoria social da conduta internas.
Johannes Wessels. Conduta é o
comportamento humano com 5. Espécies de condutas
transcendência social. Ou seja, a i) ação – crimes comissivos,
conduta deve obrigatoriamente produzir previstos em normas proibitivas
um resultado socialmente relevante. (sistema da proibição indireta)
*Não se confunde com o princípio da ii) omissão – crimes omissivos,
adequação social! em que se pune uma conduta negativa,
Esta teoria permite preencher o um não fazer, tipificados em normas
vácuo que existe entre a letra da lei e a penais preceptivas. Ex.: art. 269.
realidade social. Os crimes omissivos podem ser,
Por outro lado, ela permite quanto à forma da conduta:
interpretações muito distintas sobre o a) próprio ou puros – a omissão
fato socialmente relevante para cada está descrita no próprio tipo penal. Ex.:
julgador. art. 135. Quanto à pessoa que o pratica,
em regra são crimes comuns (= gerais).
4. Características da conduta Eles não admitem tentativa, posto que
a) não há crime sem conduta. O são unisubsistentes (aqueles em que a
DP não admite os crimes de mera conduta é praticada mediante um único
suspeita, espécie de crimes definida por ato suficiente para sua consumação).
Vicenzo Manzini, nos quais não há Além disso, em regra, são de mera
conduta penalmente relevante, e o conduta;
agente é punido pela mera suspeita b) impróprios, espúrios ou
despertada pelo seu estilo de vida ou comissivos por omissão – o tipo penal
modo de agir (cf. art 25 da LCP, que é descreve uma ação, mas a inércia do
considerado não recepcionado pelo STF agente que descumpre o seu dever de
- Plenário, RE 583523, Inf.. 722 – pois é agir (art. 13, § 2º), leva à produção do
típica manifestação de Direito Penal do seu resultado naturalístico. Quanto ao
autor); sujeito ativo, são crimes próprios
b) apenas o ser humano pode (=especiais), que exigem uma posição
praticar condutas penalmente relevantes fática ou jurídica em relação ao sujeito
porque apenas ele tem consciência e passivo. Esses crimes admitem a
vontade para tal. Fica a ressalva das tentativa pois são plurisubsistentes, i. é,
pessoas jurídicas nos crimes ambientais; conduta composta por dois ou mais atos
c) somente a conduta voluntária que se unem para a consumação.
interessa ao Direito Penal. Mesmo no Quanto ao resultado naturalístico, são
crime culposo persiste essa crimes materiais, i. é, cuja consumação
característica (neles, o resultado é depende da produção do resultado
involuntário); naturalístico.
d) somente atos projetados no
mundo exterior ingressam no conceito c) crimes de conduta mista – são
de conduta. aqueles que têm fase inicial praticada
Na cogitação não existe por ação, e uma fase final praticada por
exteriorização de qualquer ato, de forma omissão. O grande exemplo é o art. 169,
que não há sequer perigo ao bem apropriação de coisa achada.
jurídico (claustro psíquico). Além disso,
há o direito à perversão, i. é, a pessoa

34
Dica. Só se considera perdida em 1. Conceito
direito penal quando ela está em local É a consequência da conduta.
público ou aberto a esse.
2. Denominações/nomenclatura
5.1. Teoria sobre a omissão Alguns utilizam a expressão
Teoria naturalística. evento, mas ela não é referida na Lei.
Teoria normativa. A omissão não
é simplesmente um não fazer, mas sim 3. Espécies
não fazer o que a Lei impõe que seja i) resultado jurídico ou normativo
feito. – é a própria violação da Lei penal, com
Nos crimes omissivos próprios o ofensa ao bem jurídico penalmente
próprio tipo pena incrimina uma protegido;
conduta omissiva. Nos impróprios, a ii) resultado naturalístico ou
omissão está prevista no art. 13, § 2º. material – é a modificação no mundo
exterior provocada pela conduta
6. Exclusão da conduta criminosa. É algo visível, palpável.
Hipóteses que excluem a conduta: Existe crime sem resultado? Todo
i) caso fortuito e força maior, que crime tem resultado jurídico ou
são acontecimentos imprevisíveis e normativo, sob pena de não ser crime.
inevitáveis, que escapam à vontade do Mas existem crimes sem resultado
ser humano; naturalístico ou material, que somente
ii) sonambulismo e a hipnose; estará presente nos crimes materiais
iii) atos ou movimentos reflexos – consumados.
reações corporais a determinadas *****
provocações/estímulos.
Não devem ser confundidos com RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
as ações em curto-circuito (explosões
emocionais, repentinas, em resposta a
uma determinada provocação, onde 1. Denominação
existe vontade, pois o agente não se O CP fala em relação de
controlou mas poderia ter se controlado) causalidade, mas a doutrina também
e os movimentos habituais, mecânicos trata de nexo de causalidade. Cf. art. 13
ou automáticos (que o agente faz porque do CP.
gosta ou por vício, como dirigir com
uma mão só ou conferindo mensagem 2. Conceito
em celular). É o vínculo que se estabelece
iv) coação física irresistível ou vis entre a conduta e o resultado
absoluta – o coagido é controlado nos naturalístico.
seus movimento pelo coator. Tornando
o fato atípico porque exclui a conduta 3. Aplicabilidade
Não se confunde com a coação O estudo do nexo causal só tem
moral irresistível, também chamada vis relevância nos crimes materiais
relativa. Nela, há exclusão da consumados.
culpabilidade, de forma que fato
continua típico e ilícito. 4. Teorias sobre o nexo causal
***** i) teoria da equivalência dos
antecedentes – é a regra geral prevista
no art. 13 do CP, pela qual causa é todo
RESULTADO acontecimento que concorre de qualquer

35
modo para o resultado. Teoria da arma. O vendedor explica que deve ter a
condição sine qua non; autorização, depois o registro e, aí sim,
pode levar a arma para casa. Depois da
ii) teoria da causalidade adequada aquisição, o comprador a utiliza para
– é o acontecimento que contribui para matar uma pessoa. Neste caso, existe a
o resultado de modo eficaz. Adotada no causalidade física, pois sem a venda da
art. 13, § 1º. arma não existiria o homicídio.
Contudo, o vendedor não teve nem
iii) teoria da imputação objetiva – dolo, nem culpa para a conduta.
trabalha com a ideia de risco proibido Mas e, se no mesmo exemplo, o
em Direito Penal. Só se fala em causa vendedor esclarecesse toda a burocracia,
quando o agente cria ou aumenta um o comprador reclama que não
risco proibido ao bem jurídico. Não tem conseguirá a compra porque é foragido.
previsão legal, mas já foi acolhida em Contudo, o vendedor facilita a venda
alguns julgados, posto que é mais quando o comprador explica que queria
favorável ao réu. a arma para cometer um homicídio
contra uma pessoa que
4.1. A teoria da equivalência dos coincidentemente é desafeto do
antecedentes ou conditio sine qua non vendedor. Nesse caso, passa a haver
É a regra geral contida no art. 13, causalidade psíquica na conduta do
caput, parte final do CP. Para ela, não vendedor.
há diferença entre causa, condição e
ocasião. 4.2. Identificação da causa
“Relação de causalidade Para identificar a causa criou-se o
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de método da eliminação hipotética (1894,
11.7.1984)
Art. 13 - O resultado, de que
Thyren).
depende a existência do crime, somente é O crime deve ser imaginado com
imputável a quem lhe deu causa. um filme. Nesse filme hipotético,
Considera-se causa a ação ou omissão vamos voltar no tempo. Nesse
sem a qual o resultado não teria ocorrido retrocesso, vamos eliminando partes da
[como ocorreu e quando ocorreu].
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
história. Se a eliminação de um
11.7.1984)” acontecimento modifica o resultado,
Sua origem remonta aos estudos aquele acontecimento é causa ou, do
de Glaser, quando idealizada de forma contrário, não é causa.
precária, e sistematizada por Von Buri e Num homicídio, o resultado final
Stuart Mill em 1873. é a morte da vítima. Voltando no tempo:
A crítica feia a ela é que ela chega 1) o agente foi até uma loja e efetuou a
ao inconveniente do regressus ad compra da arma de fogo; 2) ele coloca
infinitum. munição nessa arma; 3) ele vai ate a
casa da vítima e fica atrás de uma
Material de Apoio - D. Penal - Cleber árvore esperando sua chegada; 4) a
Masson - Aula 03 (II).pdf vítima se atrasa, e naquele dia ela não
Afasta a crítica o fato de ela não chega; 5) o agente, faminto pela espera,
se esgotar na mera causalidade física, solicita a entrega de uma pizza; 6) a
posto que além dela o nexo causal pizza chega e ele se alimenta; 7) a
também reclama a causalidade psíquica, vitima chega e ele dispara a arma
i. é, presença de dolo ou de culpa, ao matando a vítima. São causa do crime
menos, na conduta do agente. os eventos 1, 2, 3 e 7 são causas da
Um exemplo para esclarecer. Vou morte; 4, 5 e 6 não são causa da morte.
a uma arma de fogo para adquirir uma

36
5. Relevância da omissão Aqui e o dever que resulta de lei.
“Relevância da omissão Lei aqui deve ser interpretada em
(Incluído pela Lei nº 7.209, de sentido amplo. Aqui o CP adotou a
11.7.1984)
§ 2º - A omissão é penalmente
teoria das fontes, que se refere a toda e
relevante quando o omitente devia e qualquer ordem jurídica emanada do
podia agir para evitar o resultado. O Estado (Constituição, lei, decreto,
dever de agir incumbe a quem: sentença etc.)
(Incluído pela Lei nº 7.209, de b) a quem de outra forma assumiu
11.7.1984)
a) tenha por lei obrigação de
a responsabilidade de impedir o
cuidado, proteção ou vigilância; resultado. É a figura do garantidor ou
(Incluído pela Lei nº 7.209, de garante da não ocorrência do resultado.
11.7.1984) Ele pode decorrer de contrato, ou
b) de outra forma, assumiu a mesmo sem contrato, das relações da
responsabilidade de impedir o
resultado; (Incluído pela Lei nº 7.209,
vida (exemplo: um banhista que se
de 11.7.1984) compromete a vigiar os pertences do
c) com seu comportamento outro que quer nadar; a enfermeira que
anterior, criou o risco da ocorrência do cuida de um doente; a babá e o bebê).
resultado. (Incluído pela Lei nº 7.209, As cláusulas civis de isenção de
de 11.7.1984)”
responsabilidade não têm nenhum efeito
no Direito Penal. Ex.: alguém decide
5.1. Aplicabilidade saltar de para-quedas e no contrato fica
Este artigo 13, § 2º somente se especificado que a empresa não se
aplica aos crimes omissivos impróprios, responsabiliza por eventuais acidentes,
espúrios ou comissivos por omissão. tratando-se de cláusula sem efeito no
Nos crimes omissivos impróprios, DP.
o tipo penal descreve uma ação, mas a Quando essa posição decorre de
inércia do agente, que descumpre seu um contrato de trabalho, o dever de agir
dever de agir, leva à produção do subsiste enquanto o agente permanece
resultado naturalístico. Assim, não se no local de trabalho, ainda que seu
aplica aos omissivos próprios/puros. horário já tenha se encerrado. Foi o caso
da cuidadora que, depois do expediente,
5.2. Critérios para definição do dever de deixou de vigiar a idosa porque a filha
agir desta chegou e, como há era fim de seu
O CP, no tocante ao dever de agir, expediente, horário de ir embora, como
adota um critério legal, i. é, as hipóteses estava chovendo muito, foi convidada a
do dever de agir estão previstas em Lei. ficar até a chuva amainar, mas se deu
Alguns juízes reclamam porque por desvinculada da obrigação de vigiar
engessam o julgamento, e realmente a idosa, que pulou da janela enquanto a
existem países que adotam o critério filha foi tomar banho. I. é, a cuidadora
judicial, em que o magistrado define no se descuidou porque achava que não
caso concreto o dever de agir. Contudo tinha mais obrigação de vigiar a idosa.
o critério legal impõe mais segurança. A cuidadora foi processada pois a
responsabilidade permanece enquanto o
5.3. Hipóteses do dever de agir agente continua no local de trabalho.
O dever de agir incumbe a quem: c) ingerência ou situação
a) quem tenha “por lei” obrigação precedente, quando o agente “com seu
de cuidado, proteção ou vigilância – é o comportamento anterior criou o risco
dever legal, como dos pais em relação da ocorrência do resultado”. Quem cria
aos filhos menores, dos policiais em uma situação de perigo tem obrigação
relação aos cidadãos, o tutor e o de impedir o resultado. Exemplo
curador, frente ao pupilo e ao interdito.

37
daquele que influencia outro a praticar surra ainda desmaiando, não satisfeito
esporte radical e daquele que joga o com isso, um deles buscou a camionete
outro na piscina, que não sabe nadar. ainda amarrou o rapaz e saiu arrastando
Todas as três hipóteses do dever o mesmo, que morreu desfigurado. As
de agir devem estar descritas na pancadas nos quebra-molas, na sarjeta,
denúncia detalhadamente. Cf. RHC nas árvores são concausas dependentes.
39627, inf. 538. As concausas dependentes não excluem
o nexo causal.
5.4. Poder de agir ii) independentes – são a
O agente tinha o dever de agir concausas capazes de produzir por si
mas preferiu se omitir. Ele responde sós o resultado.
automaticamente pelo crime? a) absolutas é aquela que não tem
Não. Não basta do dever de agir, origem na conduta do agente,
mas é necessário também “poder agir” totalmente desvinculada da conduta;
para evitar o resultado. Algumas b) relativas são aquelas que se
pessoas têm a obrigação de agir frente o relacionam com a conduta do agente.
perigo, mas a Lei não obriga que as
mesmas a tomar atitudes heroicas. Ex.: ii.1) concausas absolutamente
na praia de Boa-Viagem em independentes:
determinadas épocas há tubarões, num a) preexistentes – são aquelas que
caso desses, uma banhista que estava antecedem a conduta do agente.
sendo atacada estava rodeada por vários Exemplo: o sujeito efetuou um disparo
tubarões e o salva-vidas até se para matar a vítima; esta, ferida, foi
aproximou dela com o Jet-ski, mas não levada para o hospital; ela morre porque
podia socorrê-la pois na situação havia sido previamente envenenado pela
exigiria dele risco certo de ser própria mulher. O veneno é anterior e
abocanhado. Foi também o caso do absolutamente independente ao tiro e
policial que segurou a mãe que tinha um capaz por si só de matar.
bebê dentro da casa que estava sendo b) concomitantes – são aquelas
consumida pelo fogo, enquanto um que ocorrem simultaneamente à conduta
moleque, com roupa de homem aranha, do agente. Exemplo: o agente dá um tiro
corre dentro da casa e retira de lá a para matar a vítima; no mesmo instante
nenezinha sã e salva. que o projétil atinge sua cabeça, cai um
raio na cabeça da mesma, que morre
6. Concausas pela descarga elétrica. Perceba: é uma
concausa concomitante absolutamente
6.1. Conceito independente, totalmente desvinculado
É a concorrência de causas. É a da conduta.
convergência de uma causa estranha à c) supervenientes – são aquelas
conduta do agente e que interfere na posteriores à conduta do agente.
produção do resultado final. Exemplo: alguém passeia num navio de
cruzeiro; um turista, lá do alto do navio,
6.2. Espécies atira num pescador que está num barco
i) dependentes. São dependentes pequeno; enquanto o pescador
aquelas que só existem em reação da agonizava, uma onda imensa vira seu
conduta do agente. Assim, elas não são barco e ele morre afogado. Trata-se de
capazes de produzir, por si sós, o uma concausa superveniente
resultado final. Exemplo do caso em absolutamente independente (a onda
que após a saída da boate um rapaz não guarda nenhuma relação com o
apanhou de dez homens e ao fim da tiro).

38
Qual efeito dessas concausas c) supervenientes – a situação das
absolutamente independentes? Todas concausas supervenientes relativamente
elas rompem o nexo causal e, independentes, pois o CP as dividiu em
consequentemente, o agente não dois grupos:
responde pelo resultado final, mas c.1) aquelas que não produzem
apenas pelos atos praticados. O agente por si sós o resultado. A infecção
responde apenas pela tentativa. hospitalar e a imperícia médica são os
As concausas absolutamente exemplos sempre lembrados. Exemplo:
independentes são solucionadas pela a agente atinge a vítima com um tiro
teoria da equivalência dos antecedentes. com a intenção de mata-la; o médico
que a atende comete uma imperícia
ii.2) concausas relativamente absurda. Perceba-se a imperícia médica
independentes – têm força para produzir ou a infecção hospitalar não matam por
por si só o resultado, mas é relativa, se si só, mas as pessoas que são pacientes
relacionando com a conduta do agente: ou que estão com imunidade baixa.
a) preexistentes – são aquelas que Nas concausas supervenientes
antecedem a conduta do agente. relativamente independentes que não
Imagine-se que o agente quer matar a produzem por si sós o resultado, não há
vítima e atinge a mesma com um tiro; rompimento do nexo causal, e o
esse tiro pega de raspão e, em condições agente responde pelo resultado. Mais
normais, não iria matar, mas ela morre uma vez, a situação se resolve com a
por agravamentos decorrentes da teoria da equivalência dos antecedentes.
hemofilia da vítima. Temos aqui uma c.2) aquelas que produzem por si
concausa preexistente relativamente sós o resultado. Os grandes exemplos
independente, pois a hemofilia é capaz são o capotamento da ambulância e o
de matar por si só, mas no caso concreto incêndio no hospital. Exemplo: o agente
a hemofilia é relativamente atira na vítima para matá-la; a caminho
independente, pois só matou em razão do hospital, um caminhão se choca com
da conduta do agente. a ambulância e o paciente, já
b) concomitantes – imagine a estabilizado, morre; ou, no segundo
futura vítima que mora numa exemplo, a vítima já hospitalizada, mas
propriedade rural e para lá se dirige a pé o hospital sofre um incêndio e acaba
numa noite gelada. O seu desafeto carbonizada. Essas duas concausas
(agente) a encontra e aproveita o local supervenientes relativamente
ermo para atirar na vítima, para matá-la. independentes que por si sós produzem
Erra o tiro fatal mas acerta na perna. O o resultado rompem o nexo causal, e o
tiro em si não mata, mas a vítima não agente não responde pelo resultado, mas
consegue socorro e acelera-se um apenas pelos atos praticados.
processo de congelamento. O frio é uma A teoria do nexo causal aplicada
concausa concomitante relativamente aqui é outra: teoria da causalidade
independente (o frio, por si só, poderia adequada. Causa adequada é apenas
matar). No caso, contudo, o frio é aquela que concorre para o resultado de
relativamente independente, pois não forma eficaz, obtida com o que
fosse o tiro a vítima não estaria morta. normamente acontece, ou máximas da
A concausas preexistentes e experiência (id quod plerunque accidt),
concomitantes relativamente um juízo estatístico.
independentes não rompem o nexo “Art. 13
causal, e o agente responde pelo Superveniência de causa
independente (Incluído pela Lei nº
resultado. Nos dois casos acima, o autor 7.209, de 11.7.1984)
responde por homicídio consumado.

39
§ 1º - A superveniência de causa para o Direito Penal o estudo da
relativamente independente exclui a imputação objetiva.
imputação quando, por si só, produziu o
resultado; os fatos anteriores, entretanto,
Em 1970, na obra de Claus Roxin
imputam-se a quem os praticou. “Reflexões sobre a problemática da
(Incluído pela Lei nº 7.209, de imputação objetiva no Direito Penal.”
11.7.1984)” Essa teoria da imputação objetiva
Existem doutrinadores (Paulo José no Direito Penal é intimamente ligada
da Costa Jr., p. ex.) que entendem que a ao funcionalismo penal.
teoria da causalidade adequada deve ser Finalismo Imputação Objetiva
adotada não apenas para as concausas -equivalência dos 1)causalidade física;
supervenientes relativamente antecedentes 2)criação ou
(conditio sine qua aumento de um risco
independentes que por si só produziram non). A relação de proibido;
o resultado, mas para toda e qualquer causalidade depende 3)causalidade
causa relativamente independente que de uma causalidade psíquica (dolo ou
produza por si só o resultado, ou seja, física e outra psíquica culpa).
também nas preexistentes e na (presença do dolo ou
culpa).
concomitantes quando por si só não
produzem o resultado (tese de Questões frequentes em
Defensoria pública). concursos:
*imputação objetiva será estudada mais - a teoria da imputação objetiva é
à frente totalmente diferente da responsabilidade
***** penal objetiva. Ao invés, a teoria da
imputação objetiva limita, ainda mais, a
imputação do resultado ao agente, ou
TEORIA DA IMPUTAÇÃO seja, é ainda mais protetiva, criando
OBJETIVA mais um requisito para configuração da
relação de causalidade. Tanto assim,
que alguns autores entendem que ela
Obs.: essa matéria foi dada na aula extra deveria ser chamada “teoria da não
on line de legítima defesa. Fiz as imputação objetiva”;
anotações nesse local do caderno para - quanto à aplicabilidade. A teoria
ficar mais organizado. da imputação objetiva é aplicável
Material de apoio - Direito Penal - somente a crimes materiais. O que a
Cleber Masson -Legitima Defesa.pdf teoria busca é dificultar a imputação do
resultado naturalístico.
A teoria da imputação objetiva
tem a ver com relação de causalidade, 2. Requisitos
por isso será aqui estudada. Criação ou aumento de um risco;
o risco deve ser proibido pelo Direito;
1. Origem histórica realização do risco no resultado.
Surgiu em 1927, pelos estudos do
alemão Karl Larenz, em sua obra “A 2.1. Criação ou aumento de um risco
teoria da imputação de Hegel e o Risco é a ação que provoca uma
conceito de imputação objetiva”. Essa possibilidade real de dano ao bem
obra diz respeito à teoria geral do jurídico.
Direito, e não apenas ao Direito Penal. O risco deve ser identificado por
Em 1930, Richard Honig publica um prognose póstuma objetiva.
uma obra chamada “Causalidade e Prognose significa “olhar para o
imputação objetiva”. Aqui, sim, traz futuro”, “póstuma”, tendo em vista que
o juiz vai olhar a posição do agente
depois do fato praticado; e “objetiva”

40
porque essa prognose póstuma é regras da vida em sociedade, posso
efetivada de acordo com as capacidades confiar que os outros também as
de uma pessoas de medianas respeitarão. Está muito presente na
inteligência e prudência. obediência às regras de trânsito;
Exemplo: um sobrinho quer ficar 2) autocolocação da vítima em
com a herança do tio. Daí incentiva que situação de risco – v. g., sou dono de um
esse tio viagem de avião, para tentar que zoológico, onde existe um leão, e um
ele seja vítima de um acidente de avião. visitante doido pula a grade para tirar
Numa prognose póstuma objetiva, uma foto de perto e acaba sendo
viajar de avião é uma prática segura e, devorado; em outro caso, cerco minha
se o avião cair, não haverá como casa com várias placas avisando da
imputar-lhe algum acidente e a morte do presença de cãoes bravos, e alguém
tio. Ao contrário, se sabia de antemão ainda insiste em pular o muro, e acaba
que o avião será alvo de um ataque sendo atacado pelos cães e morre. Em
terrorista. todos esses casos, essas pessoas se
Exclusão da criação ou aumento colocaram em situação de risco.
do risco: 3) contribuições ou ações
1) quando o risco for socialmente neutras – v. g., o padeiro
juridicamente irrelevante (colocar vive de vender pães. Se, por acaso, o
alguém num avião; colocar alguém num padeiro sabe que alguém vai utilizar o
avião que sabe que será objetivo de uma pão para envenenar alguém, o padeiro
alvo terrorista). Não há possibilidade não pode receber a imputação pelo
real, concreta, de dano ao bem jurídico. crime de homicídio cometido por
Exemplo: o sujeito quer matar o próprio outrem.
pai e pede para que ele vá ao mercado 4) princípio da adequação social –
para que, eventualmente, o pai seja os comportamentos socialmente
vítima de uma bala perdida; adequados, aceitos pela sociedade, não
2) diminuição do risco – Jackobs podem gerar crimes. Exemplo: alguém
dá um exemplo: um criminoso avisa o vai implantar um piercing, e nesse caso
outro que vai roubar um mercado, daí aquele que vive dessa atividade não
esse outro demove o primeiro da sua pode ser considerado criminoso;
intenção inicial, convencendo-o a também não pode ser considerado crime
roubar uma quantia menor suficiente o trote universitário moderado, que não
para pagar sua conta. podem ser considerados lesões
corporais, roubos ou mesmo
2.2. O risco deve ser proibido pelo constrangimentos ilegais.
Direito 5) proibição de regresso – temos a
Nem toda atividade perigosa é ação dolosa e a ação não dolosa. Não há
proibida pelo Direito (exemplo: esportes crime quando a ação não dolosa de
radicais, uma luta de boxe etc.) São alguém antecede a ação dolosa de um
fatos atípicos as lesões praticadas numa terceiro. Exemplo: um policial esqueceu
luta de boxe, mas em uma briga comum a arma dentro de um bar; um terceiro
entre pessoas não desportistas, o Direito pega essa arma e mata alguém; o
não admite as lesões. policial não pode responder pelo crime
O risco é inerente à vida moderna, tendo em vista que não se pode regredir
e apenas aqueles proibidos pelo Direito a uma ação não dolosa para encontrar a
podem ser criminalizados. causa do crime.
Excludentes:
1) princípio da confiança – a 2.3. Realização do risco no resultado
partir do momento que respeito as

41
Aquilo que muitos denominam de
fim de proteção da norma. O risco TIPICIDADE
deve ser decisivo na produção do
resultado.
Excludentes: 1. Conceito
1) lesão sem relação com o risco É o elemento do fato típico que
proibido – falta, aqui, qualquer vínculo está presente em todos os crimes. Não
de causalidade; existe crime sem tipicidade.
2) danos tardios – exemplo: um Modernamente fala-se em
camarada agrediu alguém, quebrando tipicidade penal. Não há um conceito
sua perna; essa vítima nunca se fechado de tipicidade.
recuperou da lesão. Dez anos depois, A tipicidade penal é o somatório
essa vítima, por conta dessa dificuldade, da tipicidade formal com a tipicidade
acaba caindo de uma escada e morre. material.
3) comportamento indevido e Tipicidade formal é a mera
posterior de um terceiro – briguei com subsunção do fato à norma. O fato
um desafeto e quebrei uma perna dele; praticado na vida real se ajusta ao
levado a um hospital, o médico que o modelo de crime previsto na norma
atendeu cometeu um erro médico e lhe penal.
causou uma hemorragia que o levou ao Tipicidade material é a lesão ou
óbito. perigo de lesão ao bem jurídico.
4) choques traumáticos – matei
meu desafeto. Quando mãe toma 2. Evolução doutrinária
conhecimento, acaba sofrendo um i) Direito Romano
ataque cardíaco e também morre. Não O crime nada mais era do que o
há crime decorrente de choques corpo de delito (“corpus delicti”). Não
traumáticos; se fazia a diferenciação entre os
5) ações perigosas de salvamento vestígios da atividade criminosa e seus
– coloco fogo na casa de uma senhora elementos (fato típico, ilicitude e
velhinha; quando ela chega, vê a casa culpabilidade).
em chamas e entra na casa para salvar ii) 1906, Alemanha, Ernst Von
as fotos que são lembranças do filho e Beling cria a denominada “fase da
do marido e acaba morrendo independência do tipo”.
carbonizada. Só responde pelo dano e iii) 1915, Alemanha, Max Erns
não por homicídio. Meyer, discípulo de Beling, em
aprofundamento dos estudos, dá início à
Crítica do professor: a teoria da fase da “fase da tipicidade como
imputação objetiva é recheada de regras indício da ilicitude” ou “teoria
desnecessárias. Para ele, aplicando-se a indiciária da ilicitude” ou, em latim, a
teoria da equivalência dos antecedentes “teoria da ratio cognoscendi”. Por ela,
com inteligência, razoabilidade e bom a tipicidade passa a ser compreendida
senso é suficiente para responder a como um indício da ilicitude. A
todas as necessidades da relação de tipicidade acarreta uma presunção de
causalidade. Essa teoria já foi adotada licitude, i. é, todo fato típico presume-se
pelo STJ, mesmo sem ter previsão legal, também ilícito. Uma presunção que
porque é favorável ao réu. admite prova em contrário, com o
efeito prático de inverter o ônus da
***** prova no tocante às excludentes da
ilicitude.

42
Essa teoria indiciária da ilicitude é conglobante. Para falar em tipicidade
a mais acatada desde então tanto na deve estar presente a ilicitude. Não se
doutrina quanto na jurisprudência. tratam de um só elemento, e a ilicitude
iv) 1931, Alemanha, Edmund deve analisada antes.
Mezger, fase da “tipicidade como
essencia da ilicitude”. Em latim, a fase
da “ratio essendi”.
Aqui surge a ideia de ilicitude Material de Apoio - D. Penal - Cleber
tipificada e o injusto penal. Este é o Masson - Aula 04 (II).pdf
fato típico e ilícito se unindo em um
único elemento. A) Adequação típica
v) Teoria dos elementos negativos É a tipicidade formal posta em
do tipo. Alemanha, Hellmuth Von prática.
Weber, que cria o tipo total de injusto.
Para ele, as excludentes da ilicitude Espécies de adequação típica
funcionam como elementos negativos i) imediata – ou se subordinação
do tipo. Para esta toeira o CP 121 imediata o fato praticado encaixa-se
estaria definido “Matar alguém, salvo diretamente no tipo, não sendo
em legítima defesa, estado de necessário se valer de qualquer outra
necessidade, exercício regular de norma. Ex.: homicídio consumado
direito e estrito cumprimento de dever
legal.” ii) mediata – ou se subordinação
vi) Tipicidade conglobante de mediata, ampliada ou por extensão. O
Eugênio Raul Zaffaroni. Conglobar é fato praticado pelo agente não se
sinônimo de englobar. A tipicidade amolda diretamente no tipo legal,
conglobante significa a tipicidade havendo necessidade de uma outra
penal somada à antinormatividade. norma (normas de extensão da
Para se falar em tipicidade não basta tipicidade ou normas complementares à
que o fato viole a Lei penal, é preciso tipicidade).
que se viole o ordenamento jurídico Ela ocorre em três situações:
como um todo. a) tentativa – art. 14, II; na
Exemplo: suponha-se que a pena definição legal do crime deve constar,
de morte fosse corriqueira no Brasil, por por exemplo: “art. 121 c/c art. 14, II
fuzilamento. Esse militar matou ambos do CP”. Trata-se de uma norma
alguém? O fato que ele praticou é de extensão temporal da tipicidade;
típico. Mas como alguém que cumpre a b) participação – é a norma de
Lei (decisão judicial) pode ter cumprido extensão prevista no art.29, caput. O
um fato típico? Zaffaroni entende que autor pratica o núcleo (“verbo”) da
isso não é justo. Imagine-se um oficial conduta criminosa. O partícipe é quem
de justiça que vai á casa de um devedor concorre de qualquer forma para o
buscar um bem para responder a uma crime. Ex.: o pistoleiro é o agente,
execução. Ele subtraiu uma coisa alheia enquanto quem o contratou é partícipe.
móvel para outrem, fato típico do furto, A definição na peça constaria, p.
porem acobertado por uma excludente ex., “art. 121, caput c/c 29 caput,
de ilicitude (estrito cumprimento do ambos do CP”. Não se utiliza o art. 29
dever legal). Contudo, para Zaffaroni, para coautoria!
trata-se de uma incongruência tratar tal O art. 29 é uma norma de
ato como fato típico. extensão pessoal, pois permite aplicar a
Zaffaroni antecipa a análise da norma penal a pessoas diversas dos
ilicitude com sua teoria da tipicidade autores.

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c) omissão penalmente relevante – iii) função seletiva do tipo penal –
art. 13, § 2º. Imagine-se a mãe que o legislador com o tipo penal vai
dolosamente deixa o seu filho recém escolher as condutas efetivamente
nascido morrer de fome e sede. A merecedoras de proteção penal. Não é
imputação ficaria “art. 121, caput c/c qualquer conduta que pode se
art. 13, § 2º ambos do CP”. caracterizar como crime (cf. os
A omissão penalmente relevante é princípios da lesividade, ofensividade e
norma de extensão da conduta. da exclusiva proteção de bens jurídicos,
bem como ...)
iv) função indiciária da tipicidade
– a tipicidade é indício da ilicitude.
TIPO PENAL Todo fato típico enseja a presunção de
OU TEORIA DO TIPO sua contrariedade ao Direito.

3. Estrutura do tipo legal


1. Conceito Em regra: (núcleo + elementos)
Tipo penal é o modelo genérico e que é o tipo fundamental e, em alguns
abstrato previsto em Lei da conduta casos (núcleo + elementos +
criminosa ou da conduta permitida. circunstâncias), que é o tipo derivado.
Tipos incriminadores ou legais é Núcleo é o verbo da conduta
aquele que descreve a conduta criminosa, o ponto de partida da
criminosas. Estão previstos na parte construção do tipo incriminador. Todo
especial do CP e na legislação tipo penal tem um núcleo (matar,
extravagante. subtrair, constranger etc.).
Tipos não incriminadores Ao núcleo o legislador agrega
permissivos ou justificadores são as elementares (elementos). A modalidade
causas de exclusão da ilicitude. básica do crime, o tipo fundamental,
Não se pode confundir tipicidade possui apenas o núcleo e elementares.
com tipo. Segundo Zaffaroni, tipo é a Os elementos se subdividem em
figura que resulta da três categorias (para alguns, em quatro,
imaginação/criatividade do legislador; o que será visto mais à frente):
tipicidade é a adequação prática daquela i) objetivos/descritivos – eles
figura imaginada pelo legislador. possuem um juízo de certeza, podendo
ser compreendidos por qualquer pessoa.
2. Funções do tipo Exemplos: no homícidio, o “alguém”
i) função de garantia – muito mais ii) subjetivos – eles se referem ao
do que punir, incriminar plano anímico do agente, ou seja, a uma
comportamentos, os tipos penais servem especial finalidade buscada pelo agente.
para proteger as pessoas, protegendo-as Vão ser chamados de elementos
do arbítrio do Estado, da sanha punitiva. subjetivos do tipo ou elemento subjetivo
Franz Von Liszt já dizia que o CP do injusto, i. é , o que vai além do dolo.
é a Magna Charta do criminoso (cf. Exemplo: CP, 146 vs. CP, 213:
primeira aula). “Constrangimento ilegal
O Direito Penal não admite a Art. 146 - Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, ou
analogia in malan partem, o que é uma depois de lhe haver reduzido, por
garantia do cidadão. qualquer outro meio, a capacidade de
ii) função fundamentadora – a resistência, a não fazer o que a lei
existência do tipo penal fundamenta o permite, ou a fazer o que ela não
direito de punir do Estado. manda:”
“Estupro

44
Art. 213. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a 4. Classificação doutrinária dos tipos
ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro
penais
ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)” 4.1. Tipo normal vs. tipo anormal
Perceba que nos dois o fim É aquele que contém apenas
especial de obter a vantagem de cunho elementos objetivos (v. g. o homicídio).
sexual é que diferencia os tipos. Também é chamado de tipo neutro,
Outro exemplo é o CP, 155 acromático ou avalorado.
(ânimo de assenhoramento definitivo Tipo anormal é o que, além dos
que se percebe de “para si ou para objetivos, contém elementos subjetivos
outrem”) vs. furto de uso, que não é e/ou normativos.
crime.
iii) normativos (juízo de valor) – 4.2. Tipo fechado vs. tipo aberto
elementos normativos são aqueles cuja Tipo fechado ou cerrado é aquele
compreensão reclama um juízo de valor, que apresenta uma definição minuciosa
dependem do caso concreto para se da conduta criminosa.
determinar sua presença ou não. Tipo aberto é aquele que não
Esses elementos normativos apresenta uma descrição detalhada,
podem ser jurídicos ou extrajurídicos, minuciosa, da conduta criminosa. Eles
também chamados de morais ou sempre possuem elementos normativos.
culturais. Os jurídicos têm seu conceito Ex.: art. 233 (ato obsceno).
fornecido pelo próprio Direito A culpa é um elemento normativo
(“duplicata simulada”; “documento”; que reclama um juízo de valor para ser
“funcionário público”). Os elementos identificada. Todos os crimes culposos
normativos extrajurídicos têm seu estão previstos em tipo aberto, com
conceito dado por outros ramos do exceção da receptação (CP, 180, §3º).
conhecimento que não o Direito
(“veneno”; “ato obsceno”; “ato 4.3. Tipo congruente vs. tipo
libidinoso”). incongruente
Elementos modais (quarta Congruente é aquele em que há
espécie, para alguns autores). São coincidência entre a vontade do agente e
aqueles que dizem respeito ao tempo, o resultado previsto na Lei. Ocorre nos
lugar e ao modo de execução do crime. crimes dolosos consumados.
Ex.: art. 123 (infanticídio), “durante o Tipo incongruente já é aquele em
parto ou logo após”. Para quem não que não há essa coincidência entre a
adotam os elementos modais, eles vontade do agente e o resultado por ele
seriam elementos já incluídos em uma produzido. Ocorre nos crimes culposos
das três categorias tradicionais. e também nos crimes tentados.
Circunstâncias. Geram o tipo
derivado. São os dados que se agregam 4.4. Tipo simples e tipo misto
ao tipo fundamental para aumentar ou Simples é o tipo que contém
diminuir a pena. São as qualificadoras e apenas um núcleo.
figuras privilegiadas, as causas de O tipo misto possui dois ou mais
aumento e de diminuição da pena. núcleos. Pode ser:
Exemplo. No crime de homicídio, i) alternativo – crimes de ação
se for agregado “por motivo de múltipla ou de conteúdo variado. O tipo
relevante valor social ou moral”, geram penal contem dois ou mais núcleos e, se
o privilégio, enquanto o motivo torpe ou o agente praticar mais dois ou mais
fútil o qualificam.

45
núcleos, contra o mesmo objeto iii) teoria do consentimento –
material, responde por um único crime. complementa a teoria da vontade. Existe
Exemplo: tráfico de drogas tem dolo tanto quando o agente quer o
dezoito núcleos (art. 33, caput da LD). resultado, como quando o agente
Se o agente importa, guarda, expõe a assume o risco de produzir o resultado.
venda e vende um bloco de cocaína, O CP adota a teoria da vontade e a
comente um só crime; se importa teoria do consentimento (cf. art. 18, I).
maconha, guarda cocaína e vende crack, A teoria da representação está associada
pratica três crimes. á culpa consciente.
ii) cumulativo – neles, o tipo “Art. 18 - Diz-se o crime:
penal tem dois ou mais núcleos e, se o (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
agente os pratica, ele responde por Crime doloso (Incluído pela Lei
todos os crimes praticados em concurso. nº 7.209, de 11.7.1984)
Ex.: CP, 244. I - doloso, quando o agente quis o
resultado [teoria da vontade] ou assumiu
4.5. Tipo preventivo o risco de produzi-lo [teoria do
consentimento];(Incluído pela Lei nº
Já foi usado expressamente pelo 7.209, de 11.7.1984)”
STJ, cf. HC 211823 (inf. 493), nos
chamados crimes de obstáculo (Direito 3. Elementos do dolo
Penal Italiano), em que o legislador São dois elementos:
incrimina de forma autônoma um ato i) um elemento cognitivo, ou
que seria uma mera preparação de outro intelectual – consciência;
crime. i) elemento volitivo – é a vontade
Exemplos: associação criminosa, de realizar os elementos do tipo penal.
cf. art. 288 do CP; porte ilegal de arma A consciência e a vontade devem
de fogo. englobar todos os elementos do crime
(inclusive qualificadoras).

4. Espécies de dolo
DOLO i) dolo natural e dolo normativo –
(CRIME DOLOSO) dolo natural é o dolo finalista,
desvinculado da consciência da
ilicitude. Também é chamado de dolo
1. Introdução incolor, avalorado ou acromático;
No finalismo penal, o dolo está na ii) dolo normativo, colorido ou
conduta, no fato típico. valorado – é o dolo da consciência da
O dolo funciona no finalismo ilicitude da teoria clássica
como um elemento da conduta, seu
elemento psicológico. 4.2. Dolo direito e indireto
No sistema clássico e no i) dolo direito, determinado,
neoclássico, o dolo integrava a imediato ou incondicionado – é aquele
culpabilidade. em que a vontade do agente se dirige a
um resultado determinado;
2. Teorias do dolo ii) dolo indireto ou imediato . Tem
i) teoria da representação – para duas espécies:
existir o dolo, basta a previsão do a) dolo alternativo – o agente quer
resultado; produzir um ou outro resultado, com
ii) teoria da vontade – nesta, só se igual intensidade. No dolo alternativo, o
pode falar em dolo quando o agente agente sempre responde pelo crime
quer o resultado; mais grave;

46
b) dolo eventual – é aquele em O dolo presumido é típica manifestação
que o agente não quer o resultado, mas da responsabilidade penal objetiva.
assume o risco de produzi-lo. Seu
fundamento é a teoria positiva do 4.6. Dolo geral
conhecimento (criada pelo Alemão Também chamado de dolo por
Reinhart Frank): o dolo eventual é erro sucessivo ou dolus generalis. É
fundamentado pela forma “seja como aquele que ocorre quando o agente
for, dê no que der, de qualquer modo eu pratica uma conduta e acredita ter
não deixarei de agir”. atingido o resultado desejado. Em
O dolo eventual é admitido em seguida, ele pratica uma nova conduta,
todo e qualquer crime que seja com ele com finalidade diversa e posteriormente
compatível. Em regra, todo crime se descobre que foi essa segunda
doloso admite tanto o dolo direito conduta que produziu o resultado
quanto o eventual. inicialmente desejado.
Não há diferença de qualidade Exemplo: o agente encontra o
entre o dolo direito e o eventual pelo desafeto no alto de uma ponte, saca o
CP. revolver e dispara contra seu desafeto,
Contudo, alguns crimes só que cai aparentando ter morrido por ter
admitem o dolo direto: receptação. sido atingido. Daí, o agente joga o
corpo ao mar, para ocultar o cadáver.
4.3. Dolo de propósito ou refletido e Alguns dias depois, aparece na praia. A
dolo de ímpeto ou repentino perícia demonstra que a morte foi
O dolo de propósito manifesta-se produzida pela asfixia. O agente
nos crimes premeditados, em que o responde pela morte, já que ele queria
agente reflete sobre o crime e delibera matar e matou.
praticá-lo. Mas, e a qualificadora da asfixia,
O dolo de ímpeto ou repentino vai incidir? Temos duas correntes:
decorre de explosões emocionais. Ele é 1) sim, porque o dolo era de
muito comum nos crimes passionais. matar, de qualquer forma;
2) não, porque o dolo era apenas
4.4. Dolo genérico e específico de matar, e não matar por asfixia.
Ela foi muito tratada no sistema
clássico, mas encontra-se superada. 4.7. Dolo de primeiro grau e dolo de
O dolo genérico é o atual “dolo”, segundo grau (=dolo de consequências
dizendo mais diretamente ao núcleo do necessárias)
tipo (ex.: no furto, o dolo é de inverter a Dolo de primeiro grau o agente
propriedade do bem). quer e persegue apenas um determinado
O dolo específico refere-se ao resultado empregando os meios
elemento subjetivo específico do tipo necessários para tanto.
(cf. acima), que alguns vão chamar de O dolo de segundo grau, o de
elemento subjetivo do injusto. Trata-se consequências necessárias (Claus
de uma especial finalidade buscada pelo Roxin), o agente quer o resultado
agente. determinado, mas para produzi-lo ele
aceita a produção de efeitos colaterais
4.5. Dolo presumido (ex.: colocar uma bomba no avião para
Vem do latim dolus in re ipsa, matar uma determinada pessoa, mas
aquele que não precisa ser provado no acaba matando todos os demais
caso concreto. Não é aceito pelo atual passageiros e tripulação).
Direito Penal. O dolo nunca se presume, Dolo de 3º grau? (MPGO) O
mas deve ser provado no caso concreto. exemplo da bomba do avião. Dolo de

47
primeiro grau quanto à vítima; segundo
grau, quanto às demais pessoas; terceiro Qual o fundamento para a punição
grau quanto ao aborto. O dolo de da culpa? O fundamento é o interesse
segundo grau já engloba todas as público, pois o Direito não pode
demais infrações. permitir que pessoas incautas,
relaxadas, despreparadas, abusadas,
imprudentes coloquem em risco valores
relevantes para a vida em sociedade.
Material de Apoio - D. Penal - Cleber Ex.: trânsito.
Masson - Aula 05 (II).pdf Contudo, os crimes culposos
CULPA sempre possuem penas menos graves
(CRIME CULPOSO) que aquelas previstas para os crimes
dolosos. Mas por quê disso, se o
1. Introdução desvalor do resultado é idêntico? Tanto
A culpa é o elemento normativo no homicídio culposo quanto no doloso
da conduta. Ou seja, envolve um juízo o resultado é a morte da vítima, por
de valor. exemplo. Contudo, no crime culposo o
Assim é que os crimes culposos desvalor da conduta é bem menor.
estão previstos em tipos abertos, i. é,
naqueles que não apresentam uma 3. Conceito de crime culposo
descrição minuciosa da conduta. Ex.:
CP, 121, § 3º: É aquele que se verifica quando o
“Homicídio culposo agente, deixando de observar o dever
§ 3º Se o homicídio é culposo: objetivo de cuidado, por imprudência,
(Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três
negligência ou imperícia, realizam a
anos.” conduta voluntária, que produz um
Existe uma hipótese de crime resultado naturalístico, não previsto
culposo com tipo penal fechado: nem querido, mas objetivamente
“Receptação previsível, e excepcionalmente previsto
Art. 180 - Adquirir, receber, e querido, que podia, com a devida
transportar, conduzir ou ocultar, em atenção, ter evitado.
proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para
que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba 4. Elementos
ou oculte: (Redação dada pela Lei nº
9.426, de 1996) a) conduta voluntária – a conduta
Pena - reclusão, de um a quatro é voluntária, mas é, por si só,
anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
9.426, de 1996)
penalmente irrelevante, ou de outra
(...) forma configura um crime diverso
[receptação culposa] daquele crime culposo final. Veja o
§ 3º - Adquirir ou receber coisa exemplo: CTB, art. 311, crime de
que, por sua natureza ou pela direção perigosa:
desproporção entre o valor e o preço, ou “Art. 311. Trafegar em velocidade
pela condição de quem a oferece, deve incompatível com a segurança nas
presumir-se obtida por meio criminoso: proximidades de escolas, hospitais,
(Redação dada pela Lei nº 9.426, de estações de embarque e desembarque de
1996) passageiros, logradouros estreitos, ou
Pena - detenção, de um mês a um onde haja grande movimentação ou
ano, ou multa, ou ambas as penas. concentração de pessoas, gerando perigo
(Redação dada pela Lei nº 9.426, de de dano:
1996)” Penas - detenção, de seis meses a
um ano, ou multa.”
2. Punição da culpa

48
Se não atropelar ninguém, ainda tudo que pode fazer, mas ainda assim o
sim é crime. A conduta em si é um paciente morre.
crime diverso, que pode causar um *Nas provas práticas, sempre deve ser
crime de homicídio em direção de descrita com minúcias, detalhadamente,
veículo automotor. Contudo, se a no que consistiu a imprudência,
direção perigosa fosse num local ermo, negligência ou imperícia.
não haveria crime nenhum, mas apenas
alguma infração administrativa. c) resultado naturalístico – eles
ingressam na categoria dos crimes
b) violação do dever objetivo de materiais (cuja consumação depende da
cuidado – ela se dá por imprudência, produção de um resultado naturalístico).
negligência ou imperícia (modalidades
da culpa, e não espécies!). Veja, não d) nexo causal – exige-se o nexo
possui conceito, mas é aquele nível de de causalidade entre a conduta e o
cuidado que se exige para a vida em resultado naturalístico, pois se trata de
sociedade. crime material;
Imprudência. Chamada também
de culpa positiva ou culpa in agendo, e) tipicidade – a conduta e a
pois consiste em uma ação. É fazer algo tipicidade são elementos de todo e
que o bom senso não recomenda. qualquer crime, portanto no crime
A imprudência se desenvolve culposo também a tipicidade é
paralelamente à ação, à conduta do elemento.
agente (ex.: velocidade do carro
aumenta, aumenta a imprudência; volta f) previsibilidade objetiva – é a
a velocidade para a velocidade possibilidade de uma pessoa comum
regulamentar, esvai-se a imprudência). (homem médio, homem standard,
Negligência. Ou culpa negativa ou aquela figura representativa da
culpa in omitendo. Ela é anterior à normalidade das pessoas, inteligência e
conduta do agente (ex.: pneu do carro prudência medianas) prever o resultado
careca, freio defeituoso, antes da final.
viagem. Ex.: policial deixa a arma em Daí porque se fala em
cima da mesa, e seu filho se mata com a previsibilidade objetiva, e não subjetiva.
mesma). Esta seria aquela que leva em conta o
Imperícia. Também chamada de agente do caso concreto.
culpa profissional. Isto porque só pode
ocorrer no desempenho de uma g) ausência de previsão – ocorre
profissão, arte ou ofício. quando o agente não previu o resultado
Atenção! A imperícia não se que o homem médio seria capaz de
confunde com o erro profissional. Na prever.
imperícia, a culpa é do agente, ou seja,
há crime culposo; no chamado erro 5. Espécies de culpa
profissional, não há culpa do agente, e
não há crime culposo. O erro a) culpa inconsciente vs. culpa
profissional é aquele que resulta da consciente – a primeira, também
falibilidade das regras científicas, i. é, a chamada de culpa sem previsão ou ex
culpa não é do agente, mas da própria ignorantia e a segunda como culpa com
ciência, que não está pronta para previsão ou ex lascívia.
enfrentar determinadas situações. Na primeira, o agente não previu
Exemplo: um paciente, com câncer o resultado objetivamente previsível ao
avançado no cérebro, e o médico faz homem médio. Ex.: pessoa dirigindo em

49
uma avenida relativamente aqui a culpa deve ser provada no caso
movimentada e passa a ler e responder concreto. De outra forma, caracterizaria
mensagens no whatsapp. responsabilidade penal objetiva.
A culpa consciente, com previsão
ou ex lascivia é aquela em que o agente d) culpa mediata ou indireta -
prevê o resultado, mas acredita aquela em que o resultado final é
sinceramente que ele não ocorrerá. indiretamente, mediatamente, produzido
A culpa consciente guarda uma a título de culpa.
grande proximidade com o dolo
eventual. O ponto em comum é que nos 6. Graus de culpa
dois o agente prevê o resultado.
Segundo Reinhart Frank, na teoria No direito romano havia culpa
positiva do conhecimento, segundo a levíssima (aproximava-se do caso
qual no dolo eventual o agente prevê o fortuito e da força maior), leve e grave
resultado, e assume o risco de produzi- (aproximava-se do dolo). No Direito
lo, enquanto na culpa consciente o brasileiro estes graus de culpa já não
agente também prevê o resultado, mas existem. Ou existe e o agente responde,
acredita honestamente que ele não ou não existe.
ocorrerá.
7. Compensação de culpas
b) culpa própria (ou culpa
propriamente dita) e culpa imprópria – a Não há compensação de culpa da
primeira, o agente não quer o resultado, vítima com a do agente. Isso é muito
muito menos assume o risco de produzi- comum no Direito Privado, para
lo. diminuir ou eliminar a indenização, mas
Na culpa imprópria, também não em Direito Penal.
chamada de culpa por extensão, por A compensação de culpas não
assimilação ou por equiparação, o pode ser confundida com a culpa
agente prevê o resultado e quer produzi- exclusiva da vítima. Se a culpa é
lo, porque ele atua com erro inescusável exclusiva da vítima, não resta qualquer
quanto à ilicitude do fato (supõe responsabilidade para o agente.
situação de fato que se existisse tornaria Exemplo: a vítima tem um surto
sua ação legítima). Se ele quer o psicótico e se joga na frente de um carro
resultado, não se trata de dolo? Na que vinha passando.
verdade, a culpa imprópria é uma figura
híbrida, i. é, a ela é dolo que, por 8. Concorrência de culpas
política criminal, o legislador decidiu
punir como se fosse culpa. Lembrar do Esta é possível no Direito Penal.
exemplo do pai que mata a filha, por Exemplo: um motorista cruza uma
engano, achando que se tratava de um avenida em excesso de velocidade,
criminoso, que chegava em casa depois quando outro entra na mesma avenida
da balada. na contramão. No meio dos dois carros
A culpa imprópria é a única forma uma idosa morre.
de crime culposo que admite tentativa. Não há concurso de agentes na
Em regra crimes culposos não admitem concorrência de culpas. Não há porque
tentativa, mas na culpa imprópria há falta o vínculo subjetivo.
exceção a essa regra.
9. Caráter excepcional do crime culposo
c) culpa presumida ou culpa in re
ipsa – não é admitida no Brasil, pois

50
Trata-se da excepcionalidade do Trata-se de uma figura híbrida,
crime culposo. Está no art. 18, p. ú. do misto de dolo e culpa.
CP: No CP existe apenas uma hipótese
“(...) de previsão expressa, da lesão corporal
Crime culposo (Incluído pela Lei seguida de morte (CP, 129, § 3º):
nº 7.209, de 11.7.1984) “Lesão corporal seguida de
II - culposo, quando o agente deu morte
causa ao resultado por imprudência, § 3° Se resulta morte e as
negligência ou imperícia. (Incluído pela circunstâncias evidenciam que o agente
Lei nº 7.209, de 11.7.1984) não quís o resultado, nem assumiu o
Parágrafo único - Salvo os casos risco de produzí-lo:
expressos em lei, ninguém pode ser Pena - reclusão, de quatro a doze
punido por fato previsto como crime, anos.”
senão quando o pratica dolosamente.
(Incluído pela Lei nº 7.209, de
Trata-se da conjugação do dolo no
11.7.1984)” antecedente e culpa no consequente
(resultado agravador).
10. Exclusão da culpa
a) caso fortuito e força maior – 2. Versari in re illicita
são acontecimentos imprevisíveis e “Mexer em coisa errada.”
inevitáveis que escapam do controle do Envolver-se com algo ilícito.
agente. Não há culpa do agente. No crime preterdoloso, a culpa
b) erro profissional – a culpa é da também deve ser provada.
própria ciência, a falibilidade está nas “Agravação pelo resultado
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
próprias regras da ciência. 11.7.1984)
c) risco tolerado – existem certos Art. 19 - Pelo resultado que
riscos que são admitidos para que a agrava especialmente a pena, só
própria sociedade possa evoluir; responde o agente que o houver causado
d) princípio da confiança - ao menos culposamente.(Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
princípio criado na Espanha para
solucionar os crimes de trânsito. Depois
3. Crimes qualificados pelo resultado
foi ampliado para todas as áreas da
culpa. Quem respeita as regras da
a) Conceito
sociedade pode confiar que todas as
É aquele que possui uma conduta
outras também as respeitarão.
básica, definida como crime autônomo,
mas também existe um resultado que
aumenta substancialmente a pena. Ex.:
latrocínio é o roubo qualificado pelo
PRETERDOLO
resultado morte.
CRIME PRETERDOLOSO
b) Espécies
- dolo no antecedente e dolo no
1. Introdução
resultado agravador. Ex.: extorsão
Praeter dolum: é aquilo que vai
mediante sequestro qualificada pelo
além do dolo. Trata-se de uma conduta
homicídio da vítima;
dolosa com um resultado agrando
- dolo no antecedente e culpa no
culposo.
consequente. São os crimes
Crime preterdoloso aquele em que
preterdolosos. Ex.: lesão corporal
uma conduta dolosa produz a título de
seguida de morte;
culpa um resultado mais grave do que o
- culpa no antecedente e culpa no
inicialmente desejado pelo agente.
consequente. CP, 250, § 1º e 258:
“Incêndio culposo

51
§ 2º - Se culposo o incêndio, é Temos uma fase interna, que é a
pena de detenção, de seis meses a dois cogitação, e uma fase externa, que se
anos.
(...)
subdivide em preparação, execução e
Formas qualificadas de crime de consumação. O exaurimento não integra
perigo comum o iter criminis.
Art. 258 - Se do crime 2. Cogitação
doloso de perigo comum resulta lesão
corporal de natureza grave, a pena
É a fase interna, já que se
privativa de liberdade é aumentada de processa exclusivamente na cabeça do
metade; se resulta morte, é aplicada em agente. Era chamada por Nélson
dobro. No caso de culpa, se do fato Hungria de claustro psíquico, ou seja, a
resulta lesão corporal, a pena aumenta-se prisão que existe na mente do agente.
de metade; se resulta morte, aplica-se a
pena cominada ao homicídio culposo,
A cogitação nunca é punível. Não
aumentada de um terço. há qualquer ameaça ao bem jurídico.
(...)”; A cogitação se divide em três
- culpa no antecedente e dolo no momentos distintos:
consequente. Ex. CTB, 302: a) idealização – surgimento da
“Seção II ideia criminosa;
Dos Crimes em Espécie b) deliberação – sopesamento de
vantagens e desvantagens;
Art. 302. Praticar homicídio
c) resolução – decisão pela prática
culposo na direção de veículo automotor:
do crime.
Penas - detenção, de dois a Direito à perversão. Como a
quatro anos, e suspensão ou proibição de cogitação nunca é punível, surge esse
se obter a permissão ou a habilitação direito, nos pensamentos qualquer
para dirigir veículo automotor.
pessoa pode ser cruel.
§ 1º No homicídio culposo
cometido na direção de veículo
automotor, a pena é aumentada de 1/3 3. Preparação
(um terço) à metade, se o agente:
(Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) Atos preparatórios. São aqueles
(Vigência) indispensáveis para a prática do crime.
(...)
III - deixar de prestar socorro, Em regra, não são puníveis: cf. art. 14, a
quando possível fazê-lo sem risco tentativa reclama ao menos início da
pessoal, à vítima do acidente; (Incluído execução.
pela Lei nº 12.971, de 2014) Crime obstáculo. Aquele em que
(Vigência)” o legislador pune de forma autônoma a
Assim, crime preterdoloso é uma mera preparação de outro crime.
espécie dentre os crimes qualificados Exemplo:
pelo resultado (apenas a segunda “Petrechos para falsificação de
hipótese acima). Todo crime moeda
preterdoloso é qualificado pelo Art. 291 - Fabricar, adquirir,
resultado, mas nem todo qualificado fornecer, a título oneroso ou gratuito,
possuir ou guardar maquinismo,
pelo resultado é preterdoloso. aparelho, instrumento ou qualquer objeto
especialmente destinado à falsificação de
moeda:
Pena - reclusão, de dois a seis
ITER CRIMINIS anos, e multa.”
Nos crimes de obstáculo temos o
1. Conceito tipo penal preventivo.
Itinerário do crime, são as etapas,
fases de realização do crime. 4. Execução

52
“Atos executórios”. CP, 14, II. Já agente realizam o núcleo do tipo, bem
existe a “figura pintada” de um crime. como os atos que lhes são
O ato executório deve ser idôneo imediatamente anteriores, de acordo
e inequívoco. Idôneo é o ato capaz de com o plano concreto do autor.
lesar o bem jurídico (ex. de um revólver
municiado e dispará-lo). Inequívoco é o 5. Consumação
ato que se dirige à lesão do bem jurídico É a última etapa do iter criminis.
(disparo de arma de fogo direcionada a CP, art. 14. Quando nele se reúnem
uma vítima). todos os elementos da sua definição
Material de Apoio - D. Penal - Cleber legal, temos o crime consumado.
Masson - Aula 06 (II).pdf É por essa razão que o crime
4.1. Transição dos atos preparatórios consumado é chamado crime completo
para executórios (teorias) ou perfeito ou ainda crime pleno ou
i) teoria subjetiva – não há summatum opus.
diferença entre ato preparatório e ato Nos crimes materiais, a
executório. Para essa teoria tudo é consumação se dá com o resultado
considerado ato executório. O que vale naturalístico; nos formais e mera
é a vontade do agente. conduta se consumam com a simples
prática da conduta.
ii) teorias objetivas – atos
executórios reclamam o início da 6. Exaurimento ou crime exaurido ou
realização do tipo penal. São quatro crime esgotado
teorias: Trata-se do conjunto de efeitos
a) teoria da hostilidade ao bem posteriores à consumação do delito.
jurídico. Foi criada pelo alemão Max O exaurimento é um instituto
Ernst Mayer (no Brasil, Nelson Hungria atinente ao chamados crimes formais
e José Frederico Marques). Ato de (ou de consumação antecipada ou de
execução é o que ataca o bem jurídico, e resultado cortado), pois dispensam o
preparatório aquele que não o ataca, que resultado naturalístico para sua
mantém inalterado o estado de paz. consumação, apesar de o tipo penal
b) teoria objetivo-formal ou prever também o resultado naturalístico,
lógico-formal – foi criada pelo alemão não se falando corretamente em
Franz Von Lizt. Ocorre o ato de exaurimento em crimes materiais.
execução quando agente começa a O grande exemplo é o da extorsão
realizar o núcleo do tipo. É a preferida mediante sequestro, em que a
no Brasil. consumação se dará com o pagamento
c) teoria objetivo-material. Criada do resgate, que pode ocorrer mas não é
pelo alemão Reinhart Frank. necessário. Segundo Zaffaroni o
Expressamente adotada pelo CP exaurimento é a consumação material
português no art. 22. Ato de execução é de um crime formal.
aquele em que o agente inicia a Reflexos jurídicos do
realização do núcleo do tipo, bem como exaurimento. Apesar de não integrar o
aqueles que lhes são imediatamente iter criminis, ele é considerado na
anterior, de acordo com a visão de um primeira fase da dosimetria (pena-base),
terceiro observador. cf. art. 59 (“consequências do crime”
d) teoria objetivo-individual. engloba o exaurimento).
Teoria criada pelo alemão Hans Welzel Existem causas que o exaurimento
(criador do finalismo), com seu grande pode ser causa de aumento de pena (CP,
adepto atual Zaffaroni. Para essa teoria, 317 – corrupção passiva, crime formal
atos de execução são aqueles em que o que se consuma com o pedido de

53
vantagem indevida por conta da função O Brasil adota como regra a teoria
– e no § 1º o exaurimento é causa de objetiva, realística ou dualista, cf. art.
aumento de pena), ou então como uma 14, p. ú. : “pune-se a tentativa com a
qualificadora (CP, 329, § 1º - quando a pena correspondente ao crime
resistência ocasiona a não execução do consumado diminuída de um a dois
ato, o exaurimento é qualificadora). terços.” O perigo ao bem jurídico é
menor, e a pena deve ser menor.
Quando o próprio dispositivo diz
“Salvo disposição em contrário, ...”, há
TENTATIVA exceções, adotando-se a teoria
subjetiva. Estas exceções caracterizam
os crimes de atentado ou de
1. Conceito empreendimento, em que a tentativa
É o início de execução de um recebe a mesma pena da consumação. O
crime que somente não se consuma por grande exemplo no CP é o art. 352 –
circunstâncias alheias à vontade do evasão mediante violência contra
agente (CP, 14, II). A tentativa reclama pessoa. Outro exemplo, o Código
no mínimo um ato de execução. Eleitoral, art. 309 – votar ou tentar votar
mais de uma vez ou em lugar de
2. Nomenclatura outrem.
A tentativa também é chamada de
conatus, mas pode também ser chamada 4.2. Diminuição da pena
de: crime incompleto, crime imperfeito. O critério do quantum da
diminuição é a maior ou menor
3. Elementos da tentativa proximidade da consumação. Faz todo
São três: sentido com a teoria objetiva acima
i) início da execução do crime; vista.
ii) não consumação por Cuidado com o CPM
circunstâncias alheias à vontade do (DL1001/69), art. 30, p. ú., em que
agente; e casos de excepcionais gravidade aplica-
iii) dolo de consumação. se a pena do crime consumado.

4. Punibilidade da tentativa 5. Espécies de tentativa


Teorias que buscam explicar a i) tentativa branca ou incruenta –
punibilidade da tentativa: é aquela em que o objeto material não
i) teoria subjetiva, monista ou foi atingido;
voluntarística – para essa teoria, não há ii) tentativa vermelha ou cruenta –
diferença entre crime consumado e é aquela em que o objeto material é
crime tentado, o que se leva em conta é atingido;
a vontade do agente; iii) tentativa perfeita vs. tentativa
ii) teoria sintomática – a tentativa imperfeita – na primeira, também
é um sintoma (manifestação) da chamada de acabada ou crime falho. O
periculosidade do agente. Deve ser agente esgota todos os meios de
punido por essa periculosidade. execução que tinha a sua disposição, e o
iii) teoria objetiva, realística ou crime não se consuma por
dualista – circunstâncias alheias a sua vontade.
Na segunda, imperfeita, inacabada
4.1. Teorias adotadas pelo nosso Direito ou tentativa propriamente dita, o agente
Penal não esgota os meios de execução que
tinha a sua disposição, e o crime não se

54
consuma por circunstâncias alheias à agente. Exercício ilegal da medicina.
vontade dele. Por esse motivo, no passado, sempre
prevaleceu que crime habitual não
6. Admissibilidade e inadmissibilidade admitia tentativa, pois a reiteração
da tentativa gerava o crime. Atualmente, a doutrina
A regra geral no Brasil é o admite, dependendo do caso concreto, a
cabimento da tentativa, desde que sejam tentativa no crime habitual. Quem
plurissubsistentes. Pouco importa se ele primeiro levantou essa tese foi
é material, formal ou de mera conduta. Mirabete.
Não admitem tentativa:
i) crimes unissubsistentes – 7. Crimes punidos somente na forma
crimes em que a conduta se exterioriza tentada
em um único ato, suficiente para a Lei n. 7170/83 – Lei de Segurança
consumação. Podemos mencionar os nacional, artigos 9º e 11.
crimes de perigo abstrato (risco “Art. 9º - Tentar submeter o
presumido de forma absoluta pelo tipo território nacional, ou parte dele, ao
domínio ou à soberania de outro país.
penal) e os crimes omissivos próprios Pena: reclusão, de 4 a 20 anos.
ou puros; Parágrafo único - Se do fato
ii) crimes culposos – o resultado é resulta lesão corporal grave, a pena
involuntário, de forma que não se pode aumenta-se até um terço; se resulta morte
falar em início da execução do crime e aumenta-se até a metade.
(...)
sua não consumação por circunstâncias Art. 11 - Tentar desmembrar parte
contrárias à vontade do agente. do território nacional para constituir país
Exceção: culpa imprópria – dolo independente.
punido a título de culpa. Pena: reclusão, de 4 a 12 anos.”
iii) crimes preterdolosos – já que
tem uma parte culposa;
iv) contravenções penais – LCP,
art. 4º (DL3648/41); DESISTENCIA VOLUNTÁRIA E
v) crimes condicionados – são ARREPENDIMENTO EFICAZ
crimes condicionados à produção do
resultado previsto em Lei. Ex.: CP, 122
– induzimento, instigação ou auxílio a 1. Distinção com a tentativa
suicídio, que exigem a consumação do CP, 15:
suicídio ou pelo menos o resultado lesão “Desistência voluntária e
arrependimento eficaz (Redação dada
corporal de natureza grave; pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
vi) crimes subordinados a uma Art. 15 - O agente que,
condição objetiva de punibilidade – o voluntariamente, desiste de prosseguir na
grande exemplo são os crimes execução ou impede que o resultado se
falimentares; produza, só responde pelos atos já
praticados.(Redação dada pela Lei nº
vii) crimes com tipos penais
7.209, de 11.7.1984)”
formados por condutas extremamente Desistência voluntária e
abrangentes – ex. L6766, art. 50; arrependimento eficaz também são
viii) crime obstáculo – o conhecidos como tentativa
legislador incrimina de forma autônoma abandonada.
o mero ato preparatório de outro crime. Na tentativa, o crime não se
Ex.: porte ilegal de arma de fogo. consuma por circunstâncias alheias à
Cuidado. Atenção! Nos crimes vontade do agente. Já na desistência
habituais, compostos por reiteração de voluntária e no arrependimento eficaz
atos indicativos do estilo de vida do não se consuma por vontade do agente.

55
A desistência voluntária é
2. Fundamento incompatível com os crimes
A razão de existir da desistência unissubsistentes.
voluntária e do arrependimento eficaz é
de política criminal, tendo origem na 5. Arrependimento eficaz
Alemanha, no chamado direito premial. Também chamado resipiscência
Franz von Liszt entendia que eles são a (adaptação do termo original italiano).
ponte de ouro do Direito Penal. No arrependimento eficaz, o agente já
*Segundo alguns autores a ponte de encerrou a execução do crime, mas ele
prata seria o arrependimento posterior, e adota providências para impedir a
ainda por cima com se fosse de Franz consumação.
von Liszt. Alguns doutrinadores Ele só é cabível nos crimes
argentinos se utilizam a expressão ponte materiais, que possuem conduta e
de prata para se referir à desistência resultado naturalístico obrigatório para
voluntária e ao arrependimento eficaz consumação.
posto que de qualquer forma vai ainda
responder por alguma coisa, não 6. Requisitos comuns
entendendo muito correta a expressão i) voluntariedade – voluntário
ponte de outro posto que ela daria a significa livre de coação, ou seja, o
entender que por nada responderiam. sujeito não foi obrigado a praticá-lo;
Voluntariedade é diferente de
3. Natureza jurídica espontaneidade, que é aquilo que brota
i) para a primeira posição – são com sinceridade do íntimo do agente. O
causas pessoais de extinção da CP se contenta com a voluntariedade,
punibilidade (Nelson Hungria; não sendo necessária a espontaneidade.
Zaffaroni); ii) eficácia – a desistência
ii) são causas de exclusão da voluntária e o arrependimento eficaz só
culpabilidade – Claus Roxin é seu maior vão se configurar se não se consumar o
defensor, segundo o qual retiram a crime.
culpabilidade do agente; Se o crime se consumou, o único
iii) causas excludentes da benefício que pode receber é a
tipicidade – dominante no Brasil, tanto atenuante genérica do art. 65, III, 1ª
na jurisprudência quanto na doutrina. parte.
Cf. STJ, HC 110504. Os motivos que levaram o agente
a desistir ou se arrepender são
4. Desistência voluntária irrelevantes.
O agente que, voluntariamente
desiste de prosseguir na execução. Não 7. Incompatibilidade com os crimes
esgota os meios executórios que estava culposos
à sua disposição. A desistência voluntária e o
Em regra, ela ocorre por uma arrependimento eficaz são
omissão, i. é, por um ato omissivo, incompatíveis com os crimes culposos,
conduta negativa. i. é, só podem ocorrer nos crimes
Nos crimes omissivos impróprios dolosos.
a desistência voluntária será Isto se deve ao fato de que no
exteriorizada por uma ação. crime culposo o resultado é
“Eu quero, mas não posso; eu involuntário, de forma que o agente não
posso mas não quero” (fórmula de pode por si só arrepender.
Frank).

56
8. Comunicabilidade no concurso de fato atípico. Entretanto, por conta desse
pessoas erro do CP, existem autores que
A posição dominante é que é chamam o crime impossível de tentativa
possível, sim, a comunicabilidade na inidônea, inadequada ou impossível.
desistência voluntária e no
arrependimento eficaz no concurso de 3. Teoria adotada pelo CP
pessoas, desde que não ocorra a Teoria objetiva temperada ou
consumação do crime. intermediária (que se opõe a uma teoria
objetiva pura).
9. Tentativa qualificada Pela teoria adotada, não se pune a
A doutrina disse que ela ocorre tentativa quando por ineficácia
quando um crime mais grave, tentado, “absoluta” do meio ou “absoluta”
aloja no seu interior menos grave já impropriedade do objeto, ou seja, não
consumado. existia hipótese alguma de consumar
Ex.: comecei a matar a vítima e um crime. Se forem relativas a
desisti. Dentro desse crime que se ineficácia do meio ou a impropriedade
desistiu já existe uma lesão corporal já do objeto, é tentativa, pois havia meios
consumada. de consumar.
Ou seja, de tentativa só tem o Ex.: STJ, 567 – sistema de
nome (tentativa abandona, tentativa vigilância realizado por monitoramente
qualificada). Cuidado com essas eletrônico ou por existência de
confusões da doutrina. segurança no interior do
estabelecimento comercial, por si só,
não torna impossível a configuração do
crime de furto.
CRIME IMPOSSÍVEL
4. Espécies de crime impossível
i) crime impossível por ineficácia
1. Conceito absoluta do meio – refere-se ao meio de
“Crime impossível (Redação execução, absolutamente ineficaz, ou
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) seja, aquele incapaz de produzir o
Art. 17 - Não se pune a tentativa
quando, por ineficácia absoluta do
resultado, por mais reiterado que seja a
meio ou por absoluta impropriedade do sua utilização. Ex.: tentar matar alguém
objeto, é impossível consumar-se o com uma reza, com uma arma de
crime.(Redação dada pela Lei nº 7.209, brinquedo. Ela deve ser avaliada no
de 11.7.1984)” caso concreto, mas nunca em abstrato.
Também é chamado de crime ii) crime impossível por absoluta
oco. No passado, quase crime (na impropriedade do objeto – a pessoa ou a
redação original do CP), porque o coisa sobre a qual recai a conduta
agente era submetido a uma medida de crimninosa. O objeto é aquele que não
segurança. existia ao tempo da conduta. Ex.:
praticar manobra abortiva numa mulher
2. Natureza jurídica que não está grávida. Ex.2: matar quem
Trata-se de uma causa de exclusão já morreu. Se a impropriedade do objeto
da tipicidade, ou seja, no crime era relativa haverá tentativa.
impossível o fato é atípico. Crime
impossível de crime só tem o nome. 4.1. STF, 145
Apesar do CP, 17 falar que “Não Não há crime quando a
se pune a tentativa quando...”, na preparação do flagrante pela polícia
verdade não se trata de uma tentativa. torna impossível a sua consumação.
Não há crime na forma tentada, mas
57
Trata-se do crime impossível por
obra do agente provocador. Também 3. Teorias da culpabilidade (evolução
chamado crime de ensaio, crime de histórica)
experiência, flagrante provocado ou Atenção: aqui é importante
preparado. relembrar as aulas de sistemas penais.
Ele reclama um momento de - teoria psicológica – sistema
indução seguido de outro de clássico;
impedimento. - teoria psicológico-normativo –
Não se confunde com o flagrante sistema neoclássico;
esperado. - teoria normativa pura – sistema
finalista.
5. Crime impossível e aspectos
processuais 3.1. Teoria adotada pelo CP
Em primeiro lugar, o MP deve Nosso código penal é finalista,
pedir o arquivamento do inquérito adotando uma teoria normativa pura
policial pela atipicidade do fato. (sendo formada por imputabilidade,
Se o MP oferecer denúncia, o juiz potencial consciência da ilicitude e
deve rejeitá-la, cf. art. 395, III do CPP. exigibilidade de conduta diversa). I – P
Se, ainda assim, o juiz não rejeitar – E é a dica mnemônica.
a denúncia, deve absolver o réu, com
base no CPP, 386, III. 3.2. Teoria normativa pura e suas
O HC não é instrumento adequado variantes
para pleitear o reconhecimento do crime - teoria normativa pura extremada
impossível, tendo em vista que não ou extrema ou estrita;
admite produção de provas, salvo em - teoria normativa pura limitada;
casos absurdos. Ambas possuem os mesmos
***** elementos (“IPE”). O que muda dentro
das duas? O tratamento que é dado às
descriminantes putativas.
Material de Apoio - D. Penal - Cleber
Masson - Aula 07 (II).pdf 4. Dirimentes
CULPABILIDADE É o nome utilizado para se referir
às excludentes da culpabilidade, sejam
estas legais (criadas pelo legislador) ou
1. Natureza jurídica e conceito então supralegais (criadas pelos juristas
A natureza jurídica da na solução do caso concreto).
culpabilidade varia de acordo com o Não se deve confundir as
conceito analítico de crime adotado. dirimentes com as “eximentes” (estas
Quem adota o conceito tripartido, são as excludentes da ilicitude).
a culpabilidade é elemento do crime;
para quem adota um conceito bipartido,
a culpabilidade é pressuposto de 5. Coculpabilidade
aplicação da pena. Trata-se de uma teoria construída
por Eugenio Raúl Zaffaroni.
2. Conceito Coculpabilidade significa concorrência
de culpabilidades, i. é, temos a
Culpabilidade é o juízo de censura culpabilidade do agente, mas também
sobre a formação e a manifestação de ao seu lado acompanha a culpabilidade
vontade do agente, para saber se ele da família, sociedade e Estado. Nem
merece ou não sofrer uma pena. todas as pessoas tem ou tiveram as

58
mesmas oportunidades (família, 6.1. Imputabilidade
carinho, educação, esporte, cultura, 6.1.1. Introdução
lazer etc., tudo o que forma a Primeiro elemento da
personalidade e o caráter de um ser culpabilidade. O CP não define a
humano, tarefas da família, sociedade e imputabilidade penal, mas apenas a
Estado), e as pessoas abandonadas inimputabilidade, cujo conceito pode
sempre estão mais sujeitas aos atrativos ser aproveitado a contrario senso.
do mundo do crime, de forma que existe
uma culpabilidade externa ao agente. 6.1.2. Conceito
Daí, é lógico que a sociedade também CP, 26:
deve pagar um preço pela sua “TÍTULO III
culpabilidade. DA IMPUTABILIDADE PENAL
Inimputáveis
Essa teoria, que não tem previsão Art. 26 - É isento de pena o
legal no Brasil, mas pode ser adotada? agente que, por doença mental ou
Duas posições: 1ª) SIM, mesmo sem ter desenvolvimento mental incompleto ou
previsão legal. Segundo seus adeptos, retardado, era, ao tempo da ação ou da
ela pode ser utilizada com base no art. omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de
66 do CP, que prevê as atenuantes determinar-se de acordo com esse
inominadas, também denominadas entendimento. (Redação dada pela Lei nº
atenuantes de clemência. Essa teoria já 7.209, de 11.7.1984)”
foi adotada como gabarito em prova Imputabilidade é a capacidade de
anterior do MPF; 2º) NÃO, atual entender e de querer. É a capacidade
posição do STJ (cf. HC 187132). mental de entendimento e de
autodeterminação.
5.1. Coculpabilidade às avessas Imputabilidade penal é a
São duas perspectivas: capacidade mental de entender o caráter
1ª) identificação crítica da ilícito do fato e de determinar-se de
seletividade do sistema penal, e a acordo com esse entendimento.
incriminação desta própria No campo da imputabilidade o
vulnerabilidade, ou seja, é fato que o Direito Brasileiro adotou o critério
sistema penal é seletiva, claramente cronológico. Toda pessoa com 18
discriminatória (o Direito Penal pune (dezoito) anos ou mais é
pobres, marginalizados e minorias); presumidamente imputável, presunção
2ª) tratamento mais severo no que apenas cede mediante prova em
tocante às pessoas dotadas de elevado contrário.
poder econômico. A imputabilidade penal é
Essa teoria da coculpabildiade às composta de dois elementos:
avessas pode ser utilizada no Brasil? i) intelectivo – capacidade de
Quem defende sua utilização entende entendimento;
que se aplica nos termos do art. 59 ii) volitivo – capacidade de
caput (circunstância judicial determinar-se de acordo com esse
desfavorável). Contudo, em qualquer entendimento.
caso, não pode ser utilizada como
agravante genérica, por falta de previsão 6.1.3. Momento para análise da
legal (as agravantes prejudicam o réu, e imputabilidade penal
não se admite em DP analogia in malam A imputabilidade penal deve ser
partem). constatada ao tempo da conduta (cf. art.
26). Trata-se de um desdobramento da
6. Elementos da culpabilidade teoria da atividade no que diz respeito
ao tempo do crime.

59
Sistema biológico encontra-se
6.1.4. Inimputabilidade previsto no art. 228 da CRFB e no art.
São cinco causas: 27 do CP.
i) menoridade; “Art. 228. São penalmente
ii) doença mental; inimputáveis os menores de dezoito
anos, sujeitos às normas da legislação
iii) desenvolvimento mental especial.”
incompleto; “Menores de dezoito anos
iv) desenvolvimento mental Art. 27 - Os menores de 18
retardado; (dezoito) anos são penalmente
v) embriaguez completa, fortuita inimputáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial.”
ou acidental.
Em relação aos menores de 18
(dezoito) anos incide uma presunção
6.1.4.1 Sistemas para identificação da
absoluta (jure et de jure) quanto à sua
inimputabilidade
inimputabilidade.
São três os sistemas:
A menoridade deve ser provada,
i) sistema biológico – para alguém
cf. STJ, 74: “Para efeitos penais, o
ser inimputável basta a presença de uma
reconhecimento da menoridade do réu
enfermidade mental. Se a pessoa não
requer prova por documento hábil.”
tem o pleno desenvolvimento mental,
Menor de 18 (dezoito) anos e
ela é inimputável;
emancipação civil. O menor de dezoito
ii) sistema psicológico – pouco
anos civilmente emancipado no Direito
importa se a pessoa tem ou não alguma
Penal continua inimputável.
enfermidade mental, bastando que no
momento do crime ela apresente uma
6. 1. 5.1. Menoridade penal e crimes
alteração de comportamento;
militares
iii) sistema biopsicológico – é a
CPM, 50:
fusão dos dois anteriores. Trata-se de “Menores
um misto do biológico com o Art. 50. O menor de dezoito anos
psicológico. O sujeito possui alguma é inimputável, salvo se, já tendo
enfermidade mental que afeta seu completado dezesseis anos, revela
comportamento. suficiente desenvolvimento psíquico para
entender o caráter ilícito do fato e
Qual(is) desses sistemas o Brasil determinar-se de acôrdo com êste
adotou? A regra geral é o sistema entendimento. Neste caso, a pena
biopsicológico, adotado no art. 26, aplicável é diminuída de um têrço até a
caput: metade.”
“Inimputáveis Essa parte final (sublinhada) não
Art. 26 - É isento de pena o foi recepcionada pela CRFB.
agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da 6.1.5.2. Crimes permanentes e
omissão, inteiramente incapaz de superveniência da maioridade penal
entender o caráter ilícito do fato ou de Crimes permanentes são aqueles
determinar-se de acordo com esse em que a consumação se protrai no
entendimento.” tempo pela vontade do agente, que
Quanto aos menores de 18 anos, o deliberadamente opta por manter aquela
sistema adotado é o biológico. situação contaria ao Direito Penal ao
O sistema psicológico foi adotado longo do tempo. Ex.: extorsão mediante
na embriaguez completa fortuita ou sequestro.
acidental. Nesse caso, se o agente encerrou a
prática do crime apenas após atingir a
6. 1.5. Menoridade

60
maioridade, será culpável – HC 169510 portaria (do delegado ou do juiz), em
(STJ). que formula os quesitos para serem
perguntados para o perito. Também abre
6.1.6. Doença mental vista para que as partes formulem seus
Em direito penal, a expressão quesitos. O incidente de insanidade
doença mental é interpretada em sentido pode ser instaurado de ofício ou por
amplo para abranger toda e qualquer provocação de qualquer das partes.
enfermidade, congênita ou adquirida, O incidente de insanidade mental
permanente ou transitória que atinja o tramita em autos apartados, i. é, não está
aspecto psíquico do ser humano. nos próprios autos da ação penal.
Um exemplo de doença mental Esse incidente suspende o
transitória são os delírios febris, processo (cf. CPP, 149, § 2º). Resolvido
principalmente dos pneumônicos e dos o incidente a ação penal volta a correr.
acometidos de febre tifoide. Apesar de suspender o processo,
não suspende a prescrição!
6.1.6.1. Doença mental e intervalo de O laudo pericial vincula o juiz?
lucidez Cf. CPP, 182, não vincula (o juiz é o
O doente mental que pratica um peritum peritorum). O juiz não ficará
crime num intervalo de lucidez será adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou
considerado imputável. rejeitá-lo, no todo ou em parte. Pode
mandar fazer outro laudo, mas não pode
6.1.7. Desenvolvimento mental fazer o laudo, mesmo sendo médico.
incompleto e desenvolvimento mental
retardado 6.1.8. Efeitos da inimputabilidade
Os maiores de dezoito anos, Menores de 18 (dezoito) anos não
segundo a doutrina, sem o pleno se submetem à Justiça Penal, mas
desenvolvimento mental é o índio, e o apenas ao ECA.
desenvolvimento mental retardado o Demais inimputáveis serão
surdo mudo. processados e julgados perante a Justiça
Se o índio está adaptado à Penal. Mas a sentença proferida sobre
sociedade, torna-se imputável. Se está eles sempre será absolutória.
mais ou menos adaptado, torna-se A absolvição pode ser:
inimputável ou semi-imputável. i) absolvição própria – o juiz
Da mesma forma o surdo-mudo absolve o réu e não aplica nenhuma
que, se tiver sido educado (leitura labial, sanção penal (não tem pena nem medida
p. ex.), também se torna imputável. Se de segurança);
está mais ou menos adaptado, torna-se ii) absolvição imprópria – o juiz
inimputável ou semi-imputável. absolve o réu e aplica medida de
segurança. O juízo de culpabilidade é
6.1.8. A perícia médica substituído pelo juízo de periculosidade.
A partir dos dezoito anos de idade *Trata-se daquilo que equivale a uma
todo ser humano é presumidamente condenação do inimputável. Havia tudo
imputável. para condenar, mas não pode haver
A perícia médica é o meio legal porque falta a culpabilidade.
de prova da inimputabilidade. Trata- CPP, 386, p. ú.:
se do incidente de insanidade mental, “Parágrafo único. Na sentença
que pode ser realizado tanto na fase do absolutória, o juiz:
(...)
inquérito policial quanto na fase judicial III - aplicará medida de
(mas na prática geralmente é só na fase segurança, se cabível.”
judicial). Ele tem início com uma 6.1.10. Semi-imputabilidade

61
Existem penalistas que não Os semi-imputáveis são
aceitam essa nomenclatura “semi- conhecidos como fronteiriços.
imputabilidade”, pela aplicação da regra Na sequência, o juiz, se for o
lógica do terceiro excluído. caso, substitui a pena atribuída por
Imputabilidade diminuída, restrita ou medida de segurança. Atenção! O juiz
culpabilidade diminuída são as substitui a pena por medida de
denominações por eles preferidas. Mas segurança quando o réu necessita de um
vale apontar que a própria lei consagra a especial tratamento curativo.
expressão semi-imputável: cf. CPP, O CP, na redação atual (após a
319, VII. reforma da parte geral), no tocante ao
semi-imputável, adota o sistema
6.1.10.1. Conceito vicariante (=substitutivo) ou unitário.
A semi-imputabilidade é uma Ele ou cumpre a pena diminuída ou a
causa de diminuição da pena. Ela não medida de segurança, as duas jamais,
exclui a culpabilidade. sob pena de bis in idem.
O semi-imputável, *Na redação original do CP, adotava o
obrigatoriamente, é maior de 18 anos. sistema do duplo binário, dos dois
CP, 26, p. ú.: trilhos ou da dupla via.
“Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser Material de Apoio - D. Penal - Cleber
reduzida de um a dois terços, se o agente,
em virtude de perturbação de saúde
Masson - Aula 08 (II).pdf
mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era 6.1.11. Emoção e paixão
inteiramente capaz de entender o caráter “Emoção e paixão
ilícito do fato ou de determinar-se de Art. 28 - Não excluem a
acordo com esse entendimento” imputabilidade penal:
A perturbação de saúde mental I - a emoção ou a paixão;
também é uma doença mental, e a (...)”
diferença diz respeito apenas ao grau de O CP, 28, I adotou então um
afetação, posto que na inimputabilidade critério legalista.
retira completamente a capacidade de
entendimento e de autodeterminação. 6.1.11.1. Observação histórica
No CP de 1890, republicano,
6.1.10.2. Sistema adotado segundo da nossa História, art. 27, § 4º,
Na semi-imputabilidade, adotada- constava que a perturbação dos sentidos
se o sistema biopsicológico. e da inteligência afastava a
culpabilidade. Por isso é que era comum
6.1.10.3. Efeitos da semi-imputabilida- na época a absolvição de autores de
de homicídios passionais. Até da década de
O semi-imputável se submete 1970 essa tese era ainda muito forte.
(processo e julgamento) à Justiça penal. Quem mais lutou contra esse tese foi
Será submetido à perícia médica. Roberto Lyra, o “príncipe dos
A sentença contra ele proferida é promotores”, considerado o maior
condenatória, pois tem culpabilidade, promotor do Júri de toda a História,
apesar de em menor grau. conseguindo derrubá-la. Afirmava que
O juiz deve diminuir a pena de um “o verdadeiro passional não mata. O
a dois terços. O critério será o prejuízo amor é, por natureza e finalidade,
que a semi-imputabilidade causou ao criador, fecundo, solidário, generoso.
seu grau de entendimento e Ele é cliente das pretorias, das
autodeterminação. maternidades, dos lares, e não dos
necrotérios, dos cemitérios, dos

62
manicômios. O amor jamais desceu ao 6.1.11.4. Disposições especiais do CP
banco dos réus. Para os fins da O CP, cf. art. 65, III, “c”, 121, §
responsabilidade, a lei considera 1º e art. 129, § 4º reservam um
apenas o momento do crime e, nele, o tratamento diferenciado para a emoção
que atua é o ódio. O amor não figura em detrimento da paixão.
nas cifras da mortalidade, e sim nas da “Circunstâncias atenuantes
natalidade. Não tira, põe gente no Art. 65 - São circunstâncias que
sempre atenuam a pena:
mundo. Está nos berços, e não nos I-
túmulos” (ler depois dos concursos a II -
obra: Como julgar, como defender, III - ter o agente:
como acusar). (...)
c) cometido o crime sob coação a
que podia resistir, ou em cumprimento de
6.1.11.2. Posição atual do CP ordem de autoridade superior, ou sob a
Já vimos que o art. 28, I, adotado influência de violenta emoção,
o critério legal, a emoção e a paixão não provocada por ato injusto da vítima;
excluem a imputabilidade penal. Ele (...)”
trata da emoção e da paixão normais, “Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
inerentes a todas as pessoas. Todos se Pena - reclusão, de seis a vinte
emocionam e se apaixonam durante a anos.
vida. Caso de diminuição de pena
Agora, se a emoção ou a paixão se § 1º Se o agente comete o crime
tornem de ordem patológica, ela será impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de
equiparada a uma doença mental. E,
violenta emoção, logo em seguida a
como tal, pode excluir a imputabilidade injusta provocação da vítima, o juiz pode
penal, mas nos termos do art. 26, caput. reduzir a pena de um sexto a um terço.”
Amor doentio, inveja doentia, ganância “Lesão corporal
doentia, acessos de fúria por ciúmes Art. 129. Ofender a integridade
corporal ou a saúde de outrem:
incontroláveis seriam exemplos desses
(...)
casos. Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime
6.1.11.3. Emoção e paixão. Conceitos e impelido por motivo de relevante valor
distinção social ou moral ou sob o domínio de
i) emoção – é o sentimento que violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode
altera de forma transitória o aspecto reduzir a pena de um sexto a um terço.”
psicológico do ser humano. Exemplos:
o medo, a alegria, a surpresa, o susto, a 6.1.12. Embriaguez
vergonha, etc.
ii) paixão – é o sentimento 6.1.12.1. Conceito
duradouro, que altera o aspecto É a intoxicação aguda do
psicológico do ser humano. Exemplos: organismo humana produzida pela
amor, inveja, ciúme, o fanatismo ingestão do álcool ou de substâncias
religioso ou político. A paixão é análogas.
duradoura, mas não necessariamente Perceba-se que o CP faz uma
eterna. Segundo Kant, a emoção é a interpretação analógica ou intra legem
água que rompe com violência o dique e (não é analogia!), ou seja, a fórmula
se espalha rapidamente; a paixão é a casuística, seguida de uma fórmula
torrente que escava o seu leito e nele se genérica. O éter, o morfina são
incrusta; a emoção é uma embriaguez; a exemplos de outras substâncias de
paixão é uma doença. efeitos análogos.

63
“Art. 28 - Não excluem a Pode ser completa ou total (aquela
imputabilidade penal: que já chegou à segunda ou terceira
(...)
Embriaguez
fase) e incompleta ou parcial (que se
II - a embriaguez, voluntária ou limita à primeira fase).
culposa, pelo álcool ou substância de
efeitos análogos.” 6.1.12.4.2. Quanto à origem
A embriaguez pode ser:
6.1.12.2. Denominação e tratamento i) voluntária – também chamada
legal intencional, o sujeito quer se embriagar.
O art. 28, II se refere à chamada O agente quer se embriagar. Não quer
embriaguez aguda, simples ou praticar nenhum crime, sua vontade se
fisiológica. Ou seja, o simples excesso limita à embriaguez;
no consumo do álcool. ii) culposa – o sujeito não quer se
Ela não se confunde com a embriagar, mas por imprudência ele se
embriaguez crônica ou patológica, excede no consumo do álcool e acaba
equiparada a doença mental, de forma a embriagado;
poder excluir a imputabilidade penal Tanto a embriaguez voluntária
com base no art. 26, caput. Ocorre em quanto a culposa não excluem a
duas situações: quando o agente é imputabilidade (CP, 28, II).
dependente ou viciado, não iii) preordenada – também
conseguindo viver sem o álcool; ou chamada de embriaguez dolosa. O
quando o organismo do ser humano não agente quer se embriagar, para cometer
consegue se livrar dos efeitos do álcool um crime. Ela funcionada como quebra
(efeito esponja). dos freios inibitórios. Não exclui a
imputabilidade penal e, além disso, cf.
6.1.12.3. Fases, etapas ou períodos da CP, 61, II, “l”, constitui uma agravante
embriaguez genérica;
1ª fase) eufórica – aquela em que “Circunstâncias agravantes
o ébrio se torna agitado; fica desinibido, Art. 61 - São circunstâncias que
falante, o erotismo se manifesta com sempre agravam a pena, quando não
constituem ou qualificam o crime:
maior intensidade. A Medicina Legal (...)
também chama essa “fase do macaco”; II - ter o agente cometido o crime:
2ª fase) agitada – “fase do leão”. (...)
O ébrio fala alto, com voz pastosa e l) em estado de embriaguez
andar cambaleante. Nessa fase é comum preordenada.”
os crimes que envolvem violência física iv) fortuita ou acidental – emana
e agressões sexuais; de caso fortuito ou de força maior.
3ª fase) comatosa (coma) – o exemplo: a perícia mostra que do lado
ébrio sente sono, até que ele da casa do agente existia uma fábrica
progressivamente entra em coma. clandestina de cachaça, e o vapor do
Também chamada de “fase do porco”. álcool era inalado por ele que, sem
Nas duas primeiras fases, o agente perceber, ficou embriagado, e por conta
pode praticar crimes tanto por ação disso cometeu o crime; outro exemplo:
quanto por omissão. Na terceira fase, o uma pessoa que está passando por
sujeito só pode praticar crimes algum tratamento e não sabe que o
omissivos (próprios ou impróprios). remédio é incompatível com o álcool, e
sem querer fica embriagada com uma
6.1.12.4. Espécies da embriaguez pequena dose de bebida que já era
6.1.12.4.1 Quanto à intensidade acostumada a consumir; em outro caso,
o criminoso obriga a pessoa a beber
para que não se lembre dos fatos do

64
assalto e a vítima, embriagada, comete antecipa a análise da imputabilidade
algum crime na sequência. para o momento anterior à embriaguez,
A embriaguez fortuita ou pois a causa da embriaguez também foi
acidental, se completa, isenta de pena a causa do crime.
(CP, 28, § 1º), mas se incompleta, não A polêmica começa quando se
isenta de pena, mas é causa de trata de embriaguez voluntária e na
diminuição de 1/3 a 2/3 (CP, 28, § 2º). culposa. Isto porque no momento
“§ 1º - É isento de pena o agente anterior à embriaguez, não há dolo para
que, por embriaguez completa, cometimento do crime. A doutrina
proveniente de caso fortuito ou força
maior, era, ao tempo da ação ou da
dominante, então, entende que o CP, 28,
omissão, inteiramente incapaz de II acolheu a teoria actio libera in causa,
entender o caráter ilícito do fato ou de e se trata de um resquício da famigerada
determinar-se de acordo com esse responsabilidade penal objetiva. Mas
entendimento. realmente é um caso desse tipo de
§ 2º - A pena pode ser reduzida de
um a dois terços, se o agente, por
responsabilidade? Para a primeira
embriaguez, proveniente de caso fortuito posição, sim, e consequentemente esse
ou força maior, não possuía, ao tempo da art. 28, II não pode ser utilizado, posto
ação ou da omissão, a plena capacidade que inconstitucional (Aníbal Bruno).
de entender o caráter ilícito do fato ou de Para a segunda posição, também se
determinar-se de acordo com esse
entendimento.”
considera responsabilidade penal
Vimos que enquanto o objetiva, mas justificada pelo interesse
inimputável é absolvido, com aplicação público (Paulo José da Costa Júnior,
de uma medida de segurança, o semi- segundo o qual o legislador brasileiro
imputável tem a pena reduzida de 1/3 a cometeu uma covardia, pois deveria ter
2/3 e, se for o caso depois a substitui se manifestado abertamente pela
por medida de segurança. Na responsabilidade penal objetiva, mas
embriaguez fortuita ou acidental, não se com a tal justificação do interesse
aplica a medida de segurança (já que público superior).
não possui nenhuma doença mental), Uma terceira posição (acatada
equivalendo a uma inimputabilidade. pelo professor Cléber Masson), é que
não se trata de responsabilidade penal
6.1.12.5. Prova da embriaguez objetiva, tendo em vista que a pessoa,
A embriaguez admite qualquer por mais embriagada que esteja, se
meio de prova, sendo as mais comuns: consegue praticar um crime, ainda
- exame clínico; possui uma vontade residual. Posição
- exame laboratorial; também defendida por Nélson Hungria
- prova testemunhal. e por Giulio Battaglini (este, da Itália).
Contudo há que se lembrar do Para a embriaguez fortuita ou
brocardo nemo tenetur se detegere, pelo acidental, não se aplica a teoria da actio
qual ninguém é obrigado a produzir libera in causa, tendo em vista que o
prova contra si mesmo (v. g., não ser sujeito não quis livremente consumir o
forçado a fazer exame de sangue). álcool.
Atenção! Atualmente essa teoria
6.1.12.6. Teoria actio libera in causa tem sido aplicada para todo e qualquer
Significa “ação livre na causa”. crime em que o agente se coloca
Ela foi criada na Itália para livremente em um estado de
regulamentar os crimes praticados em inconsciência para cometer o crime.
estado de embriaguez preordenada. Exemplo: a mãe quer matar um filho
Essa teoria funciona bem para a recém-nascido, mas não tem coragem
embriaguez preordenada, pois ela para tal, daí se embriaga com a intenção

65
de colocar a criança na própria cama consciência da ilicitude não se utiliza o
para dormir consigo, pois sabe que com juízo técnico, juízo do jurista, ao que se
seu sono agitado pode lesionar o contrapõe.
infante, ou mesmo por sufocamento, Valoração paralela da esfera do
levando a criança ao óbito pretendido. profano, então, significa que para
analisar a PCI, vamos examinar a
6.2. Potencial consciência da ilicitude situação do agente paralelamente ao
mundo em que vive (condições
6.2.1. Introdução pessoais: cultura, relações sociais e
A pena só pode ser aplicada para profissionais etc.).
quem tinha ao menos a possibilidade Exemplo: molestar cetáceo em
de conhecer o caráter ilícito do fato. águas jurisdicionais brasileiras, com
pena de 1 a 5 anos (caso que o professor
6.2.2. Natureza jurídica contou sobre a laranja na cabeça do
Nos sistemas clássico e golfinho).
neoclássico, a consciência atual da
ilicitude integrava o dolo. 6.2.4. Excludente
No sistema finalista houve uma A potencial consciência da
separação, e o dolo passou a constar ilicitude possui o erro de proibição
dentro da conduta, sendo que na inevitável (CP, 21):
culpabilidade ficou a consciência da “Erro sobre a ilicitude do fato
ilicitude que, por sua vez, de atual, Art. 21 - O desconhecimento da
lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude
passou a potencial. Essa foi a grande do fato, se inevitável, isenta de pena; se
mudança protagonizada pela teoria evitável, poderá diminuí-la de um sexto a
finalista. um terço.
*Nota: “Hans Welzel notou, também, Parágrafo único - Considera-se
que o dolo deve possuir apenas dois evitável o erro se o agente atua ou se
omite sem a consciência da ilicitude do
elementos: consciência e vontade fato, quando lhe era possível, nas
(“dolo natural” ou “dolo neutro”). A circunstâncias, ter ou atingir essa
consciência da ilicitude deve ser consciência.”
retirada do dolo e mantida na Será tema da próxima aula por
culpabilidade, mas não como razões didáticas (o erro no direito
consciência atual (individual), e sim penal).
como consciência potencial da
ilicitude.” [André Estefam – Direito 6.3. Exigibilidade de conduta diversa
Penal 1 – Parte Geral – pag. 65 –
Coleção Curso e Concurso]. 6.3.1. Conceito e evolução histórica
Esse elemento da culpabilidade
6.2.3. A valoração paralela da esfera do surge em 1907, Alemanha, pelos
profano estudos de Reinhart Frank. Este autor
O autor que mais trata do assunto desenvolve a teoria da normalidade
é Jorge de Figueiredo Dias (português), das circunstâncias concomitantes,
na obra “O problema da consciência da incluindo a exigibilidade de conduta
ilicitude no Direito Penal”. diversa na culpabilidade. Vale lembrar
Para tal teoria, para se identificar que neste momento também surge a
a potencial consciência da ilicitude, teoria psicológico-normativa da
adota-se um critério intermediário, ou culpabilidade, no sistema neoclássico
seja, identificado com base no juízo do do Direito Penal.
leigo, juízo comum, juízo profano. Ou Segundo Frank só é culpável
seja, para identificarmos a potencial quem praticou o fato típico e ilícito em

66
uma situação de normalidade, i. é, cometido pelo coagido contra o próprio
quando lhe era exigível uma conduta coator (“almoça antes de ser jantado”).
diversa.
São excludentes legais, cf. CP, 22: 6.3.2.4. Efeitos
- coação moral irresistível; i) exclui a culpabilidade do
- obediência hierárquica. coagido;
ii) somente o coator responde pelo
6.3.2. Coação moral irresistível crime.
Ou seja, não há concurso de
6.3.2.1. Dispositivo legal e pessoas. Estamos diante de um típico
aplicabilidade caso de autoria mediata (cf. na aula de
“Coação irresistível e concurso de agentes).
obediência hierárquica #MPGO. João e Maria estavam
Art. 22 - Se o fato é cometido sob
coação irresistível (...), só é punível o
namorando numa praça, em uma cidade
autor da coação (...).” pequena do interior de Goiás. Aparece
Existem dois tipos de coação Pedro, com uma arma e ameaça: fiquem
irresistível: os dois quietos!; daí Pedro: “ – João, sei
COAÇÃO FÍSICA COAÇÃO MORAL que você trabalha na empresa X, e que
IRRESISTÍVEL IRRESISTÍVEL você possui a chave do cofre; sei
- exclui a conduta; - exclui a também que ali tem R$200.000,00 em
culpabilidade;
dinheiro vivo. Vai lá, pega esse dinheiro
- e o fato é atípico, já - o fato é típico e
que não há vontade ilícito, mas não e coloca ele pra mim nessa mochila. Se
penalmente relevante. culpável, pois retira a você não voltar ou se a polícia aparecer,
exigibilidade de eu mato a Maria. João fica desesperado
conduta diversa. Há e vai lá para a empresa. Lá, como tem a
vontade, embora chave, abre o cofre, põe na bolsa o
viciada pela coação.
dinheiro e, na volta, a entrega para
Por que sabemos que há exclusão
Pedro. Questões: qual crime praticou
da culpabilidade e não da conduta? A
João?; qual praticou Maria?; qual
expressão “só é punível” demonstra que
praticou Pedro? Maria não praticou
estamos tratando excludente da
nenhum crime; João praticou o crime de
culpabilidade; ao contrário, para excluir
furto, mas está isento de pena, por
a conduta, deveria dispor “não há
coação moral irresistível; Pedro
crime”.
responde pelo “furto”, pois só o coator
responde pelo crime praticado pelo
6.3.2.2. Fundamento
coagido, juntamente com o crime de
A coação moral irresistível exclui
tortura (Lei n. 9455/97, art. 1º, I, “b”).
a culpabilidade porque o Direito não “Art. 1º Constitui crime de
pode exigir das pessoas atitudes tortura:
heroicas. I - constranger alguém com
emprego de violência ou grave ameaça,
6.3.2.3. Requisitos causando-lhe sofrimento físico ou
mental:
i) ameaça do coator; b) para provocar ação ou
ii) inevitabilidade do perigo por omissão de natureza criminosa;”
outro modo; Conclusão: na coação moral
iii) caráter irresistível da ameaça; irresistível, o coator sempre responde
iv) ao menos 3 (três) pessoas pelo crime praticado pelo coator,
envolvidas. juntamente por tortura.
Excepcionalmente pode haver Observação. Coação resistível.
coação moral irresistível com apenas 2 Na coação resistível, existe concurso de
(duas) pessoas: quando o crime é pessoas. O coator responderá pelo crime
67
com a agravante do CP, 62, II, enquanto - legal – não há crime para
o coagido responde pelo crime com uma ninguém (estrito cumprimento de dever
atenuante do CP, 65, III, “c”, 1ª parte. legal);
- ilegal – se a ordem é ilegal,
6.3.2.5. Temor reverencial ambos respondem pelo crime, havendo
Trata-se do receio de desagradar concurso de pessoas. Para o superior,
uma pessoa pela qual se nutre profundo haverá uma agravante, cf. CP, 62, III, 1ª
respeito. Não caracteriza coação moral parte e, para o subalterno, haverá uma
irresistível. Inclusive, vale dizer, no atenuante, cf. CP, 65, III, “c”;
Direito Civil sequer anula o negócio - não manifestamente ilegal – a
jurídico, de forma que no Direito Penal ordem que trata o art. 22. Ordem não
não gera nenhum efeito. manifestamente ilegal é a ordem ilegal,
porém de legalidade aparente. Nesse
6.3.3. Obediência hierárquica caso, apenas o superior responde pelo
crime, enquanto o subalterno fica isento
6.3.3.1. Dispositivo legal de pena. Não há concurso de pessoas, e
“Coação irresistível e estamos diante de um caso de autoria
obediência hierárquica mediata.
Art. 22 - Se o fato é cometido
(...) em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior Material de Apoio - D. Penal - Cleber
hierárquico, só é punível o autor (...) da Masson - Aula 09 (II).pdf
ordem.” 6.3.3.4. Causas supralegais de exclusão
da culpabilidade ou dirimentes
6.3.3.2. Conceito supralegais
É a excludente da culpabilidade São aquelas causas de exclusão da
fundamentada na inexigibilidade de culpabilidade não previstas em lei.
conduta diversa que se verifica quando A culpabilidade possui três
um funcionário público subalterno elementos com dirimentes legais: a
pratica um fato típico e ilícito no imputabilidade (menoridade, doença
cumprimento de ordem não mental, desenvolvimento mental
manifestamente ilegal emitida pelo incompleto ou retardado ou embriaguez
superior hierárquico. completa proveniente de caso fortuito
ou força maior); a potencial consciência
6.3.3.3. Requisitos da ilicitude (erro de proibição
i) ordem não manifestamente inevitável); e a exigibilidade de conduta
ilegal; diversa (coação moral irresistível e a
ii) ordem emanada de autoridade obediência hierárquica).
competente; Apenas a exigibilidade de
iii) relação de direito público; conduta diversa é que, além das
iv) presença de no mínimo 3 (três) excludentes legais, também apresenta
pessoas – superior hierárquico, excludentes supralegais.
funcionário público subalterno e vítima A origem histórica dessas
do crime excludentes supralegais da
v) cumprimento estrito da ordem culpabilidade é na jurisprudência da
– a ordem deve ter sido cumprida Alemanha, no início do séc. XX, mais
exatamente como determinada pelo especificamente em dois casos:
superior. a) cavalo bravio – num desfile de
A ordem pode ser de três data comemorativa, alguém precisando
modalidades: vender um cavalo seu para apurar algum
dinheiro, manda um servo seu nele

68
desfilar para fazer a propaganda. Seu ERRO NO DIREITO PENAL
servo aconselha que o cavalo ainda não
estava preparado. Mas o dono do cavalo
ainda assim determinou, sob pena de 1. Erro de tipo
demitir seu servo. O cavalo realmente 1.1. Nomenclatura
acabou se descontrolando e pisoteou Ou erros sobre elementos do tipo
uma criança que acabou morrendo. O (CP, 20). Esse nome foi dado pela
servo foi julgado pelo homicídio. L7209, pois na redação original do CP
b) parteira dos filhos dos de 1940, tratava de erro de fato.
mineradores – numa cidade pobre, em “Erro sobre elementos do tipo
que não havia médicos, uma parteira (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
realizava os partos. O mineiro tirava Art. 20 - O erro sobre elemento
apenas um dia de folga para conhecer o constitutivo do tipo legal de crime exclui
filho. Quando as crianças nasciam aos o dolo, mas permite a punição por crime
domingos, o mineiro perdia a folga. A culposo, se previsto em lei. (Redação
parteira foi obrigada, pelo presidente do dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
sindicato, sob pena de perder o
emprego, a anotar os nascimentos dos 1.2. Conceito
domingos nas segundas-feiras. Tanto o Erro no direito em geral. Erro no
presidente do sindicato quanto a parteira Direito Penal é utilizada em sentido
acabaram julgados pela fraude. amplo, com conteúdo abrangente,
Nos dois casos, a justiça alemã englobando tanto o erro propriamente
entendeu que se configuravam casos de dito, quanto a ignorância. Erro
inexigibilidade de conduta diversa. propriamente dito é a falsa percepção
No Brasil, essas causas sobre algo, como confundir um cavalo
supralegais de exclusão da com uma zebra. A ignorância é o total
culpabilidade são amplamente acatadas desconhecimento do agente sobre algo.
pela doutrina e pela jurisprudência, de Erro de tipo significa dizer que a
maneira quase unânime, quando o caso falsa percepção ou a total ignorância do
revelar uma situação de inexibilidade de agente incide sobre um ou mais
conduta diversa. Lembrar do caso elementos do tipo penal. Estamos
julgado pelo STJ da moça que, recém tratando do erro de tipo essencial, que
chegada em SP de MG, em busca de um recai sobre os elementos, dados que
emprego, deixou a filha de três anos de formam a modalidade básica do crime.
idade sozinha em casa e a criança, Exemplo: quando poucos modelos de
desesperada em casa, acabou subindo carro circulavam, alguma pessoa pega
num armário e se machucou. Julgada, se um fusca branco na rua achando que era
chegou a um veredicto de o seu (por engano, pois a chave de seu
inexigibilidade de conduta diversa. carro serviu, coube no segredo do carro
O MP não enxerga com bons alheio) e leva para casa como se fosse o
olhos a inexigibilidade de conduta seu próprio carro, e depois acaba
diversa nos crimes de competência do recebendo uma visita da polícia, quando
Tribunal do Júri. Isto porque essa tese se esclarece o erro.
gera muita insegurança, incerteza para o
julgamento pelos membros do Conselho 1.3. Erro de tipo escusável, inevitável
de Sentença. ou invencível vs. erro de tipo
***** inescusável, evitável ou vencível
A figura do homem médio,
standart, que representa a generalidade,
a maioria das pessoas é que vai defini-
lo. Significa que o erro de tipo
69
escusável é aquele em que o agente percebe a “falcatrua”, ocorre concurso
errou, mas o homem médio em seu de pessoas.
lugar também erraria.
No erro de tipo escusável, não há 1.5. Erro de tipo acidental
culpa do agente (não foi imprudente, Em oposição ao erro de tipo
negligente ou imperito). essencial, o erro de tipo acidental
No erro de tipo inescusável, o incide ou sobre as chamadas
agente errou, mas o homem médio, em circunstâncias do tipo penal, ou sobre
seu lugar não erraria. dados irrelevantes do crime.
Efeitos. O erro de tipo (em Circunstâncias são aqueles
qualquer modalidade) “sempre” exclui elementos que se agregam ao tipo
o dolo. Segundo Zaffaroni, o “erro de fundamental para aumentar ou para
tipo é a cara negativa do dolo”. diminuir a pena. O erro de tipo acidental
O erro de tipo escusável, em que não exclui o crime (dolo ou culpa), que
não há culpa do agente, exclui também continua existindo. Ele se subdivide em
a culpa. Já o inescusável exclui o dolo, seis modalidades:
mas permite a punição por crime i) erro sobre a pessoa;
culposo, se previsto em lei. ii) erro sobre a coisa ou objeto;
Obs. 1: é possível que um erro de iii) erro sobre a qualificadora;
tipo seja inescusável e o agente não *“crimes aberrantes” daqui em diante:
responda pelo crime? Sim, desde que o iv) erro sobre o nexo causal
crime não admita modalidade culposa. (aberratio causae);
Obs. 2: é possível que o erro de v) erro na execução (aberratio
tipo seja escusável e o agente responda ictus);
por “algum” crime? Sim, quando vi) resultado diverso do
mesmo com o erro de tipo escusável, pretendido (aberratio delicti).
opera-se a desclassificação para algum
outro crime. Ex.: estaciono o carro na 1.5.1. Erro sobre a pessoa
rua. Quando volto para pegar o carro, Também chamado error in
vejo alguém comum perto do carro persona. É o erro sobre a vítima do
anotando a placa. Daí você nervoso crime. Temos uma vítima real, e uma
manda o cara sair, chama ele de vítima virtual. O agente faz uma
vagabundo, desgraçado e maconheiro. confusão entre tais pessoas. Vítima
Por fim, ele afirma que é agente de virtual é a pessoa que o agente queria
trânsito (não estava fardado). Sai de atingir, enquanto vítima real é aquela
questão o desacato (erro de tipo), mas efetivamente atingida.
há desclassificação para injúria. Ex.: o agente está de mal com o
pai há 20 anos. Descobre que o pai está
1.4. Erro de tipo espontâneo e erro de rico, e sabe que é o único herdeiro.
tipo provocado (ou determinado por Planeja matar o pai. Então, no
terceiro) momento, mata o tio, irmão gêmeo do
No erro de tipo espontâneo, o pai, quando este estava numa viagem de
agente erra sozinho. No caso do erro negócios. Segundo o art. 20, § 3º:
provocado por terceiro, esse terceiro é “Erro sobre a pessoa (Incluído
que vai responder pelo crime e, pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 3º - O erro quanto à pessoa
importante, não há concurso de pessoas, contra a qual o crime é praticado não
pois aquele que erra não possui vinculo isenta de pena. Não se consideram, neste
subjetivo com o que provocou o erro. caso, as condições ou qualidades da
Obs.: se o agente que estaria em erro vítima [real], senão as da pessoa contra
quem o agente queria praticar o crime.

70
(Incluído pela Lei nº 7.209, de Depois, o corpo aparece na praia. Na
11.7.1984)” perícia se descobre que a morte se deu
O Código Penal adotou a teoria pela asfixia do afogamento.
da equivalência dos bens jurídicos. O erro sobre o nexo causal é
Ex.: o tipo penal do homicídio é matar acidental e, portanto, irrelevante.
alguém, que pode ser o pai, o tio, um
terceiro qualquer. No exemplo, como 1.5.5. Erro na execução
agente queria matar o pai, será aplicada Também aberratio ictus.
a agravante genérica de crime contra “Erro na execução
ascendente, embora tenha matado o tio. Art. 73 - Quando, por acidente ou
erro no uso dos meios de execução, o
1.5.2. Erro sobre a coisa agente, ao invés de atingir a pessoa que
pretendia ofender, atinge pessoa diversa,
Também chamado de erro sobre o responde como se tivesse praticado o
objeto material. crime contra aquela, atendendo-se ao
Ex.: um segurança de um disposto no § 3º do art. 20 deste Código.
Shopping cobre todo um andar durante No caso de ser também atingida a pessoa
a noite. Numa de suas diárias, ele que o agente pretendia ofender, aplica-se
a regra do art. 70 deste Código. (Redação
aproveita o momento e furta a joalheria. dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Depois fica sabendo que são meras É a modalidade de erro de tipo
réplicas. acidental que se verifica quando o
Esse erro é acidental. No crime de agente, por acidente ou erro no uso dos
furto, por exemplo, não se fala de valor meios de execução, ao invés de atingir
no tipo, pois a coisa de qualquer forma quem pretendia ofender, atinge pessoa
integra o patrimônio alheio. diversa.
Esse erro é compatível com o A relação é pessoa vs. pessoa.
princípio da insignificância. Nada Temos também uma vítima virtual e
impede que no erro sobre a coisa, seja outra, vítima real. A primeira, quem o
aplicado o princípio da insignificância. agente queria atingir; a segunda, a
No exemplo acima, imagine-se que a realmente atingida.
réplica era avaliada em R$50,00. A diferença do erro sobre a pessoa
com o erro na execução: no primeiro, há
1.5.3. Erro sobre a qualificadora confusão do agente em relação à vítima;
A qualificadora nada mais é que no segundo, o que há é uma falha na
circunstância ou dado relevante do tipo. execução do crime. No erro na
A qualificadora é excluída, mas o crime execução, o crime também não se altera,
subsiste na forma fundamental. mas apenas as pessoas envolvidas.
Espécies de erro na execução:
1.5.4. Erro sobre o nexo causal i) erro na execução com resultado
Também aberratio causae. O único ou com unidade simples – o
agente acredita que pratica o crime por agente atinge somente pessoa diversa da
uma determinada causa. O agente desejada. Efeito jurídico: aplica-se a
pratica uma conduta e acredita ter regra do art. 20, § 3º (cf. acima);
praticado o resultado desejado; em ii) erro na execução com resultado
seguida, realiza uma nova conduta com duplo ou com unidade complexa – o
finalidade diversa e posteriormente se agente atinge a pessoa que desejava
descobre que foi a segunda conduta que atingir e também uma pessoa diversa.
levou à consumação do crime Nesse caso, responde pelos dois crimes
inicialmente desejado. em concurso formal (cf. art. 70).
Ex.: após achar ter matado a Atenção! Só existe erro na
vítima por disparos de arma de fogo, a execução com resultado duplo quando o
joga no mar para ocultar o cadáver.
71
segundo crime é culposo. Temos falta um ou mais elementos do crime
julgado nesse sentido: STF, HC 73548; (pratica um indiferente penal).
STJ, REsp 1250950. Ex.: alguém quer praticar um
crime. O agente, de repente, se cansa da
1.5.6. Resultado diverso do pretendido vida de homem honesto. Vende todos
Também chamado aberratio seus bens, se dirige a um traficante e
delicti ou aberratio criminis. Art. 74. compra todo o valor em drogas.
“Resultado diverso do pretendido Começa a vendê-la. Depois descobre
Art. 74 - Fora dos casos do artigo que foi enganado, estava vendendo
anterior, quando, por acidente ou erro na
execução do crime, sobrevém resultado
farinha de trigo.
diverso do pretendido, o agente responde
por culpa, se o fato é previsto como 2. Erro de proibição (Art. 21)
crime culposo; se ocorre também o 2.1. Nomenclatura
resultado pretendido, aplica-se a regra do Esse nome não existe no CP.
art. 70 deste Código. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Trata-se de uma denominação da
A relação aqui é crime vs. crime. doutrina, quando o CP em cota marginal
Queria praticar um crime mas, por erro, denomina de erro sobre a ilicitude do
pratica outro. Nesse caso, responde pelo fato. esse nome foi dado pela reforma
crime praticado. da parte geral do CP (L7209). Na
O exemplo mais referido, criado redação original, era chamado de erro
por Giuseppe Maggiore: joga-se uma de direito.
pedra para quebrar a vidraça, mas erra e
acerta a cabeça do morador (desejava-se 2.2. Desconhecimento da lei e erro de
um crime de dano e pratica um crime proibição
contra a pessoa). O desconhecimento da lei é
Esse resultado diverso do inescusável. Cf. CP, 21 e LINDB, 3º.
pretendido também pode ser: Isso decorre de razões de segurança
i) com resultado único ou unidade jurídica, pois teríamos uma situação
simples - quando o crime praticado não incontrolável se os cidadãos pudessem
admite a figura culposa, responde pelo assim se declarar. O nosso sistema
crime virtual na forma tentada. jurídico parte da presunção absoluta de
ii) resultado duplo ou unidade que, depois de publicada, a Lei será de
complexa – o agente pratica o crime conhecimento de todas as pessoas.
desejado, e também o crime diverso. Mesmo sendo inescusável, o
Responde pelos dois crimes em desconhecimento da lei produz dois
concurso formal. efeitos em Direito Penal. Em primeiro
lugar, é uma atenuante genérica (art.
1.6. Erro de tipo vs. crime putativo por 65, II); o segundo efeito do
erro de tipo desconhecimento da lei é autorizar o
São institutos totalmente opostos perdão judicial nas contravenções
entre si. penais (art. 8º da LCP).
No erro de tipo, o agente pratica O erro de proibição, segundo o
um fato que não sabe que está previsto CP:
“Erro sobre a ilicitude do fato
como crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
Crime putativo, ou crime 11.7.1984)
erroneamente suposto, só existe na Art. 21 - O desconhecimento da
mente do agente. O crime putativo por lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude
erro de tipo, então, o agente acredita que do fato, se inevitável, isenta de pena; se
evitável, poderá diminuí-la de um sexto a
pratica um crime, mas não o faz, pois um terço. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)”

72
No erro de proibição, o agente crimes omissivos impróprios (dever
conhece a Lei, mas desconhece a legal, garantidor e a ingerência, art. 13,
ilicitude do fato, ou seja, ignora o § 2º). O agente tem o dever de agir para
conteúdo da Lei. O conteúdo da lei só evitar o resultado, mas no caso
se adquire com cultura, com vivência concreto, acredita que está liberado
prática, o que é diferente saber que desse dever de agir. Ex.: policial que
existe uma lei. não se envolveu na briga de torcidas
porque achava que as pessoas com
2.3. Erro de proibição inevitável máscara estavam doentes por medo do
(invencível ou escusável) vs. erro de contágio, mas na verdade estavam com
proibição evitável (vencível ou a máscara para se proteger da gripe
inescusável) H1N1.
É um instituto ligado ao perfil
subjetivo do agente, e a diferença entre 2.5. Erro de proibição vs. crime putativo
os dois ai reside. por erro de proibição
No erro de proibição inevitável, No erro de proibição, o agente
por mais que ele se esforçasse, com seu desconhece que pratica um fato previsto
conhecimento, sua cultura, ainda assim como crime. No crime putativo por erro
o erro ocorreria. Ex.: homem que mora de proibição, ou delito de alucinação, o
longe da cidade pode não compreender agente acredita que pratica um crime,
que um tatu não possa ser caçado. mas não o faz, porque o fato por ele
O erro de proibição inevitável cometido não é previsto como crime.
isenta de pena (exclui a culpabilidade, já Ex.: o pai mantém relações
que elimina a potencial consciência da sexuais com a filha, maior de idade e
ilicitude). plenamente capaz, com o consentimento
O erro de proibição evitável, o dela. O incesto não é crime, mas ele
agente erro, mas se tive se esforçado, o acredita que se trata de crime.
erro não teria ocorrido. Assim, não
isenta de pena, mas a pena será
diminuída de 1/6 a 1/3. Material de Apoio - D. Penal - Cleber
“Parágrafo único - Considera-se Masson - Aula 10 (II).pdf
evitável o erro se o agente atua ou se 2.6. Relembrando: erro de tipo vs. erro
omite sem a consciência da ilicitude do
fato, quando lhe era possível, nas
de proibição
circunstâncias, ter ou atingir essa cons- Erro de Tipo Erro de Proibição
ciência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, Art. 20 Art. 21
de 11.7.1984)” Fato típico (dolo e Culpabilidade
culpa – quando (potencial consciência
escusável) da ilicitude)
2.4. Erro de proibição direto; erro de
Diz respeito à Refere-se à realidade
proibição indireto; erro de proibição realidade fática, tanto jurídica (era chamado
mandamental que já foi chamado de de erro de direito). O
Erro de proibição direto, ou erro de fato (o agente agente sabe o que faz,
propriamente dito, que falamos até não sabe o que faz). mas não sabe que
agora, é aquele em que o agente aquilo é contrário ao
Direito.
desconhece a ilicitude do fato.
Erro de proibição indireto,
2.7. O erro de tipo que recai sobre a
sinônimo de descriminante putativa,
ilicitude do fato
será analisado mais à frente (próxima
Todo erro que recai sobre a
aula).
ilicitude do fato é erro de proibição. Isto
Erro de proibição mandamental
porque, alguns tipos penais, possuem
refere-se ao conhecimento do dever de
agir para evitar o resultado, ou seja, aos
73
elementos normativos de ordem jurídica proibição indireto ou erro de tipo
(que dizem respeito à ilicitude do fato). permissivo.
Exemplos: Exemplos de erro na legítima
“Divulgação de segredo defesa putativa. O erro pode recair
Art. 153 - Divulgar alguém, sobre a) existência da legítima defesa
sem justa causa, conteúdo de
documento particular ou de
(ex.: o agente encontra sua mulher em
correspondência confidencial, de que é flagrante de adultério e entende que
destina-tário ou detentor, e cuja pode assassiná-la). Temos erro de
divulgação possa pro-duzir dano a proibição; b) os limites da legítima
outrem: defesa (uma pessoa chega em casa e
(...)
Violação do segredo profissional
encontra um moleque furtando roupas
Art. 154 - Revelar alguém, no varal; ele acha que pode, nesse caso,
sem justa causa, segredo, de que tem matar o ladrão). Também temos erro de
ciência em razão de função, ministério, proibição; ou c) sobre seus pressupostos
ofício ou profissão, e cuja revelação fáticos (dois sujeitos brigaram. Um
possa produzir dano a outrem:”
colocou uma arma na boca do outro e
A expressão “sem justa causa”
prometeu que, se voltasse a encontrá-lo,
coloca a ilicitude do fato como
o mataria. Cinco anos depois, aquele
elemento do tipo, e então teremos erro
que teve a arma na boca, andando na
de proibição ao invés de erro de tipo.
rua, encontra o primeiro. Ele atravessa a
rua para não topá-lo e o outro segue seu
3. Descriminantes putativas
movimento. Eles vão se aproximando.
3.1. Conceito
Então ele chega à conclusão que será
Descriminante (“o que
atacado. Percebe que o outro vai levar a
descrimina”) são as causas de exclusão
mão dentro da jaqueta. Nesse caso, ele
da ilicitude. Estado de necessidade,
se adianta e saca uma arma e mata seu
legítima defesa, exercício regular de
inimigo. Ao se aproximar, com ele já
direito, estrito cumprimento de dever
morto, procura sua arma e encontra um
legal.
bilhete de desculpas dentro da jaqueta).
“Putativa” é algo aparente.
Nesse caso, temos erro de tipo
Descriminantes putativas são as causas
permissivo, o erro era inescusável, mas
de exclusão da ilicitude erroneamente
afasta-se o dolo e pune-se a título de
imaginadas pelo agente.
culpa, se esta for prevista em lei.
Essas considerações poderiam ser
3.2. Natureza jurídica
feitas também sobre o estrito
A natureza jurídica das
cumprimento do dever legal, exercício
descriminantes putativas varia de
regular de direito e estado de
acordo com a teoria da culpabilidade
necessidade.
que se adota.
Qual teoria é adotada pelo nosso
Na teoria normativa pura
Direito. A doutrina se divide, e temos
extremada, extrema ou ..., a
aqui uma grande polêmica sobre se
descriminante putativa sempre será erro
adotou a teoria normativa pura limitada
de proibição, ou erro de proibição
ou a teoria normativa pura extremada.
indireto (e vai produzir os efeitos do
Na exposição de motivos, item 19, diz-
erro de proibição). Se escusável, isenta
se que adotou a teoria limitada da
de pena; caso não, diminui a pena de
culpabilidade. Contudo, a exposição de
1/3 a 2/3.
motivos vale como doutrina.
Para quem adota a teoria
*****
normativa pura limitada, a
descriminante putativa pode ser erro de

74
“Colaboração”. Concurso de
CONCURSO DE PESSOAS pessoas é a colaboração entre duas ou
mais pessoas para a prática de um crime
ou de uma contravenção penal.
1. Previsão legal
Artigos 29 a 31 do CP. 4. Requisitos
“TÍTULO IV São cinco:
DO CONCURSO DE PESSOAS i) pluralidade de agentes;
Regras comuns às penas
privativas de liberdade
ii) relevância causal das condutas;
Art. 29 - Quem, de qualquer iii) vínculo subjetivo;
modo, concor-re para o crime incide nas iv) unidade de infração penal para
penas a este comina-das, na medida de todos os agentes;
sua culpabilidade. (Redação dada pela v) existência de fato punível.
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de
Sobre a existência de fato punível,
menor im-portância, a pena pode ser muitos autores não se referem a esse
diminuída de um sexto a um terço. requisito, parando no quarto elemento,
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de já que ele estaria implícito nos demais.
11.7.1984) Também sobre o primeiro
§ 2º - Se algum dos concorrentes
quis par-ticipar de crime menos grave,
elemento, a pluralidade de agentes, é
ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena certo que sejam todos culpáveis. Em
será aumentada até metade, na hipótese provas objetivas é provável que se
de ter sido previsível o resultado mais explore apenas a “pluralidade de
grave.(Redação dada pela Lei nº 7.209, agentes”, sem referência a exigência de
de 11.7.1984)
serem culpáveis ou não.
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter 4.1. Pluralidade de agentes culpáveis
pessoal, salvo quando elementares do Esses dois agentes podem realizar
crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, condutas principais, dando ensejo à
de 11.7.1984)
coautoria. É possível uma conduta
Casos de impunibilidade
Art. 31 - O ajuste, a determinação principal, para o autor, e outra
ou instigação e o auxílio, salvo acessória, para o partícipe.
disposição expressa em contrário, não Quanto ao número de agentes os
são puníveis, se o crime não chega, pelo crimes são doutrinariamente
menos, a ser tentado. (Redação dada pela classificados em três grupos:
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
i) crimes unissubjetivos,
unilaterais ou de concurso eventual –
2. Denominação
são aqueles, em regra, praticados por
O legislador utiliza a expressão
uma única pessoa, mas que admitem o
“concurso de pessoas”, mas também é
concurso de agentes. Exemplo:
utilizado “concurso de agentes”.
homicídio.
Na redação original do CP, ainda
ii) crimes plurissubjetivos,
era utilizada a expressão “coautoria”,
plurilaterais ou de concurso necessário
pois o concurso de pessoas era apenas
– são aqueles em que a pluralidade de
coautoria, não havendo previsão de
agentes é exigida pelo tipo penal.
participação no CP de 1940. Atualmente
Exemplos: rixa; associação criminosa;
o concurso de pessoas é gênero, que tem
organização criminosa (L12850)
como espécies a coautoria e a
iii) crimes acidentalmente
participação. Assim, cuidado com
coletivos – são aqueles que podem ser
examinadores mais idosos nesse ponto.
praticados por uma única pessoa, mas a
pluralidade de agentes faz surgir uma
3. Conceito

75
modalidade mais grave do delito. colaborar para o crime de terceiro, ainda
Exemplo: furto qualificado pelo que este desconheça a colaboração.
concurso de duas ou mais pessoas; no A ausência desse requisito exclui
roubo majorado, o concurso de pessoas o concurso de pessoas, e faz surgir a
é causa de aumento de pena. autoria colateral.
Este concurso de pessoas que No vínculo subjetivo temos o
estamos estudando só serve para a princípio da convergência no concurso
primeira classe, i. é, para os crimes de pessoas. É que o concurso de pessoas
unissubjetivos, utilizando-se as regras reclama uma vontade homogênea, i. é,
dos artigos 29 a 31. Os crimes de “ii” e se o crime é doloso, todos os agentes
“iii” não se utiliza a parte geral do CP, devem concorrer dolosamente. Se
mas a parte especial, pois o próprio tipo culposo, todos devem concorrer
penal prevê regras para o concurso, de culposamente. Assim, “não há
forma que se afasta a aplicação da participação dolosa em crime culposo” e
regras gerais previstas parte geral. “não há participação culposa em crime
Exemplo: no furto qualificado pelo doloso” (CESPE). Se um agiu com dolo
concurso de pessoas, o juiz vai e outro com culpa, não há concurso de
condenar como incurso no “art. 155, § pessoas, e cada um responde por crime
4º, IV” e não como incurso no “art. 155, autônomo.
§ 4º, IV c/c art. 29, caput”. Vínculo subjetivo não se
E essa diferenciação é muito confunde com o prévio ajuste. Vinculo
importante, posto que nos crimes de “ii” subjetivo é o menos, prévio ajuste, o
e “iii” é possível que haja concurso mais. No concurso de pessoas, via de
entre agentes culpáveis e não culpáveis. regra, na prática, está presente o “mais”,
Assim, existe concurso de agentes mas o prévio ajuste não é exigido. O
culpáveis e não culpáveis, desde que vínculo subjetivo pode ocorrer mesmo
não em crimes unissubsistentes. sem o prévio ajuste. Este é o efetivo
acordo de vontades.
4.2. Relevância causal das condutas Ex.: alguém me confidencia que
Dois ou mais agentes, duas ou quer matar outra pessoa. Encontro essa
mais condutas, e todas a condutas pessoa na rua, ataco ela e a coloco em
contribuem, concorrem para o resultado situação desacordada, telefono para meu
final. Cf. art. 29: “Quem, de qualquer amigo e ele vem e mata a pessoa.
modo, concorre para o crime...”
Participação inócua. Não há 4.4. Unidade de infração penal para
concurso de pessoas na chamada todos os agentes
participação inócua. Subjetivamente, o No concurso de pessoas, temos
agente quer concorrer para o crime, mas pluralidade de agentes e unidade de
objetivamente não concorre. Ex.: crime. Cf. art. 29, caput, “...o crime...”.
alguém chega na sua casa e afirma que Assim o CP adota uma teoria unitária
está decidido a matar a sogra, e avisa ou monista em seu art. 29, caput.
que não adianta tentar demovê-lo e A unidade de crime acarreta,
você, consentindo, empresta o revolver. automaticamente, na mesma unidade
No outro dia, seu amigo mata a sogra pena para os agentes? Na verdade, não,
com um veneno colocado no café. pois o CP adota expressamente o
princípio da culpabilidade: “...na
4.3. Vinculo subjetivo medida da sua culpabilidade...”, cf.
Também é chamado de liame parte final do CP, 29.
psicológico ou, ainda, de concurso de Exceções pluralistas. A regra do
vontades. Trata-se da vontade de concurso de pessoas, da teoria unitária

76
ou monista, não impede a existência de modo para o crime, sem executá-lo (ex.:
exceções pluralistas: quem empresta a arma para o autor).
“Aborto provocado pela Essa teoria precisa ser
gestante ou com seu consentimento complementada pela chamada autoria
Art. 124 - Provocar aborto em si
mesma ou consentir que outrem lho
mediata, que é a espécie de autoria em
provoque: (Vide ADPF 54) que o agente se utiliza de uma pessoa
(...) sem culpabilidade para executar o
“Aborto provocado por terceiro crime. Não há concurso de pessoas
(...) porque 1) não há mais de uma agente
Art. 126 - Provocar aborto com o
consentimento da gestante: (Vide ADPF
culpável; e 2) não há vinculo subjetivo.
54)” A executor é mero instrumento do
“Descaminho crime.
Art. 334. Iludir, no todo ou em ii) teoria do domínio do fato –
parte, o pagamento de direito ou imposto também é uma teoria restritiva,
devido pela entrada, pela saída ou pelo
consumo de mercadoria .
admitindo o autor e o partícipe. Ela foi
Facilitação de contrabando ou criada na Alemanha, em 1939, por Hans
descaminho Welzel (criado do finalismo penal).
Art. 318 - Facilitar, com infração Essa teoria é intimamente relacionada
de dever funcional, a prática de com o finalismo. Ela serve para ampliar
contrabando ou descaminho (art. 334):”
o conceito de autor, utilizando a teoria
Nos dois casos, perceba: o objetivo-formal como base, e
abortamento do feto é o objetivo dos acrescentando algo mais.
das duas pessoas; no caso do Para a teoria do domínio do fato, é
descaminho, ambos estão concorrendo autor: a) aquele que executa o núcleo do
para a realização do descaminho. Outro tipo; b) o autor intelectual, i. é, mentor,
exemplo seria a dupla corrupção passiva arquiteto do crime, aquele que planeja
e ativa. Nos dois casos, apenas por toda a atividade criminosa, sem
haver a previsão expressa é que o executá-lo; c) o autor mediato que, na
fenômeno ocorre. verdade, deixa de existir, não sendo
mais necessário se falar em autor
4.5. Existência de fato punível mediato, mas penas autor; e d) aquele
O concurso de pessoas reclama a que tem o controle final do fato (daí o
prática de um crime ou contravenção nome da teoria “domínio do fato”).
penal. Trata-se do princípio da *Não é porque se trata de um partícipe
exterioridade do concurso de pessoas. que ele terá penas menos grave que o
autor. No caso em que Marcola mandou
5. Forma de concurso matar um juiz, ele como partícipe
i) coautoria; e (assim foi denunciado pelo MP de SP)
ii) participação. teve pena maior que os executores.
Obs. 1: aplicabilidade da teoria do
6. Autor domínio do fato. Esta teoria é aplicável
Sabendo quem é o autor, sabemos exclusivamente aos crimes dolosos. Ela
quem é o partícipe. Quem é o autor? é incompatível com os crimes culposos,
pois o resultado é involuntário (como
6.1. Teorias falar do controle final de um fato que
i) teoria objetivo-formal – teoria não quero?);
restritiva. Ela restringe o conceito de Obs. 2: a teoria do domínio do
autor, também admitindo a existência fato admite e figura do partícipe? Nesta
do partícipe. Para esta teoria, autor é teoria, o partícipe é quem concorre de
quem executa o núcleo do tipo. qualquer modo para o crime, sem
Partícipe é quem concorre de qualquer

77
executá-lo e sem ter o controle final do produção do resultado. No exemplo
fato. anterior, os dois esfaqueiam a vítima.
Enfim, qual foi a teoria adotada
no Brasil? O CP, expressamente, não se 7.2. Coautoria, crimes próprios, crimes
filia a nenhuma. Tradicionalmente na de mão própria
doutrina entende-se que foi adotada a Crimes próprios ou especiais são
teoria objetivo-formal. Principalmente a aqueles que reclamam uma situação
partir da AP 470 (“Mensalão”), alguns fática ou jurídica diferenciada no
ministros do STF adotaram a teoria do tocante ao sujeito ativo. Ex.: peculato só
domínio do fato. Ela vem ganhando pode ser praticado pelo funcionário
também força na jurisprudência. Mas o público. Os crimes próprios admitem a
STF não abandonou a primeira. Assim, coautoria e com a participação.
na criminalidade tradicional, cabe a Crimes de mão própria, também
primeira; já para a criminalidade chamados de crimes de atuação pessoal
moderna, cabe a segunda. Na L12850 ou de conduta infungível. São aqueles
(lei do crime organizado), art. 2º, § 3º, que somente podem ser praticadas pela
quando dispõe “ainda que não pratique pessoa expressamente indicada no tipo
pessoalmente atos de execução” se penal.O melhor exemplo é o falso
aproxima muito da teoria do domínio testemunho.
fato. Segundo uma posição difundida,
eles admitem a participação, mas não a
6.2. Autoria de escritório e teoria do coautoria. Ex.: testemunha pode ser
domínio da organização induzida a mentir, pelo advogado, pela
A autoria de escritório é parte, pelo promotor, mas nunca mentir
denominação proposta por Zaffaroni, no lugar dela.
enquanto a Teoria do domínio da Existe um crime de mão própria
organização é de Claus Roxin. que admite a coautoria, que é a falsa
Essas duas teorias só podem ser perícia, também previsto no art. 342.
aceitas se adotada a teoria do domínio Um laudo falso elaborado por dois
do fato. As duas, nada mais são do que peritos.
uma especificidade da teoria do Para os adeptos da teoria do
domínio do fato. Elas são utilizadas domínio do fato, os crimes de mão
apenas para identificar a utilização da própria admitem coautoria. Exemplo:
teoria no âmbito das estruturas ilícitas uma testemunha funcionário do autor, e
de poder, que são as organizações este a instiga a mentir.
criminosas e grupos terroristas.
Material de Apoio - D. Penal - Cleber
7. Coautoria Masson - Aula 11 II.pdf
É a modalidade de concurso de 8. Participação
autores em que há dois ou mais autores. Tem natureza acessória, enquanto
o autor pratica a conduta principal. Só
7.1. Espécies existe a participação se existir um autor
i) parcial ou funcional – os que praticou uma conduta criminosa.
autores praticam atos diversos, que Quem é o partícipe no direito
somados levam à produção do penal é aquele que concorre de qualquer
resultado. Ex.: um segura a vítima e modo para o crime, mas sem executá-lo.
outro a esfaqueia; Para quem adota a teoria do domínio do
ii) direta ou material – os agentes fato, é quem concorre dde qualquer
praticam atos iguais, que juntos levam à modo para o crime, sem praticar ato

78
executório e sem ter o controle final do posterior que não caracteriza
fato. participação (concurso de pessoas), mas
sim por favorecimento pessoal, CPP,
8.1. espécies de participação 348:
i) moral e material “Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à
A participação moral se divide em ação de autoridade pública autor de
crime a que é cominada pena de
induzimento e instigação. A reclusão:
participação moral é o mesmo que Pena - detenção, de um a seis
auxílio. meses, e multa.
A participação moral influi no § 1º - Se ao crime não é cominada
ânimo do agente. Ela se limita a ideias, pena de reclusão:
Pena - detenção, de quinze dias a
sugestões, palavras, conselhos, pedidos três meses, e multa.
etc., influenciando a mente. § 2º - Se quem presta o auxílio é
Induzir, induzimento é fazer ascendente, descendente, cônjuge ou
surgir na mente de alguém a vontade irmão do criminoso, fica isento de pena.”
criminosa que, até então, não existia.
Instigar é reforçar na mente do 8.2. Participação de menor importância
agente uma vontade criminosa que já Art. 29, § 1º:
existe. “§ 1º - Se a participação for de
menor importância, a pena pode ser
O induzimento e a instigação diminuída de um sexto a um terço.
devem se dirigir a uma pessoa ou (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
pessoas determinadas e, também, a um 11.7.1984)”
crime determinado. A expressão “pode” deve ser
Não há participação, e interpretada como “deve”.
consequentemente concurso de pessoas, Participação de menor
no induzimento e instigação de natureza importância é aquela de reduzida
genérica. Exemplo: banda Planet Hemp eficácia causal. Concorre para o
no início da década de 1990; obra de resultado final, porem em menor grau.
Goethe (literatura), denominada “O Ela independe das condições
sofrimento do jovem Werther”, que pessoais dele, agente. Deve ser
causou um grande número de suicídios. analisada de forma objetiva, não
Auxilio é a participação material. subjetiva.
Também chamado cumplicidade. Ou Também, não se deve confundir a
seja, é concorrer materialmente para o participação de menor importância com
crime, sem executá-lo. Exemplo: a participação inócua. Ele até pode
emprestar a arma utilizada no crime; querer concorrer, mas não concorre, não
levar o agente ao local do crime. configurando concurso de pessoas.
O auxílio ocorre durante os atos Como o CP fala em participação
preparatórios, em regra. Contudo, de menor importância, essa diminuição
também é possível durante os atos da pena não se aplica, em hipótese
executórios. Exemplo: emprestar a faca alguma, ao coautor. Em outras palavras,
quando a vítima já estava sendo a coautoria nunca será de menor
estrangulada. importância (cf. STF, HC 72893; STJ,
Não se admite o auxílio posterior HC 20819).
à consumação, salvo se ajustado
previamente. Exemplo: acertar com o 8.3. Participação impunível
autor que deve estar em tal local com a Art. 31 do CP:
mala que ele utilizará para fugir do País “Casos de impunibilidade
após praticar o ato. Se não houve o Art. 31 - O ajuste, a determinação
ou instigação e o auxílio, salvo
ajuste prévio, trata-se de auxílio
disposição expressa em contrário, não

79
são puníveis, se o crime não chega, pelo terceiro. Exemplo: pedir para um amigo
menos, a ser tentado. (Redação dada pela vá induzir um pistoleiro a realizar um
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
crime.
A participação tem natureza
acessória. Num crime que não se
8.7. Participação sucessiva
chegou a tentativa, não há como punir a
Ela ocorre quando um mesmo
participação. Trata-se do princípio da
indivíduo é induzido, instigado ou
executividade da participação. Ex.:
auxiliado por duas ou mais pessoas a
não ocorre participação na contratação
praticar o crime.
de alguém para matar se esse nem chega
a tentar o homicídio.
8.8. Punição do partícipe
Ou seja, o art. 31 é uma causa de
Teorias da acessoriedade: o que o
atipicidade da conduta do partícipe.
autor deve fazer para que o partícipe
“...salvo disposição expressa em
seja punido?
contrário...” Significa que há situações
i) acessoriedade mínima – para se
que o Direito Penal brasileiro pune a
punir o partícipe basta que o autor
mera união para a prática de crimes,
pratique um fato típico (essa teoria
ainda que nenhum venha a ser
exagera por mínimo);
praticado. São os chamados crimes
ii) acessoriedade limitada – para
obstáculo, ou seja, a mera
ser punido como partícipe, exige-se que
preparação. São exemplos a incitação
o autor pratique um fato típico e ilícito;
ao crime, associação criminosa,
iii) acessoriedade máxima ou
organização criminosa.
extrema – para se punir o partícipe, é
necessário que o autor pratique um fato
8.4. Participação por omissão
típico e ilícito e, também, que ele seja
É possível a participação por
culpável;
omissão? Sim, desde que aquele que se
iv) hiperacessoriedade ou ultra-
omite tenha o dever de agir para evitar o
acessoriedade – para se punir o
resultado.
partícipe, é necessário que o autor
Exemplo: alguém, sendo policial,
pratique um fato típico e ilícito, que ele
vê uma mulher sendo estuprado na rua.
seja culpável e que tenha sido punido
Nada faz, porque fica excitado com a
(essa teoria acessoriedade peca pelo
cena.
exagero).
Durante muito tempo, no Brasil, a
8.5. Conivência
doutrina seguia a teoria da
Participação negativa, de
acessoriedade limitada. Contudo, essa
concurso absolutamente negativo, ou
teoria acaba redundando em autoria,
crime silente.
tendo em vista que o “autor” não
Conivência é a omissão de quem
culpável é mero instrumento do crime...
não tem o dever de agir para evitar o
Assim, nos concursos, atualmente,
resultado.
adota-se a teoria da acessoriedade
Na conivência não há concurso de
máxima ou extrema.
pessoas (participação).
9. Executor de reserva
8.6. Participação em cadeia
Ele tanto pode ser coautor ou
Também é chamada de
partícipe.
“participação da participação”. No
Executor de reserva é aquele que
Brasil é possível e punível.
presencia a execução de um crime, e
Ela ocorre quando alguém induz,
fica aguardando eventual intervenção.
instiga ou auxilia uma pessoa para que
esta vá induzir, instigar, ou auxiliar um

80
Se essa intervenção ocorre, torna- circunstâncias forma o chamado tipo
se coautor. Se não, é partícipe. derivado.
As circunstâncias podem ser, de
10. Cooperação dolosamente distinta um lado, pessoais/sujetivas, ou
“§ 2º - Se algum dos concorrentes reais/objetivas. As pessoais/subjetivas
quis participar de crime menos grave, dizem respeito ao agente, como
ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa
pena será aumentada até metade, na
exemplo, temos os motivos do crime.
hipótese de ter sido previsível o As reais, dizem respeito ao fato
resultado mais grave.(Redação dada pela praticado pelo agente (como os meios
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” de execução do crime).
Também é chamada “desvios Condições são fatores que existem
subjetivos entre os agentes” e independentemente da prática do crime.
“participação em crime menos grave”. Também podem ser pessoais/subjetivas
Precisamos pelo menos de dois agentes (quando dizem respeito ao agente) e
e dois crimes (uma mais, outro menos reais/objetivas (quando dizem respeito
grave). ao fato).
Nós temos aqui uma mitigação à
teoria monista? Em verdade, não, pois 11.2. As regras do art. 30
só existe concurso de pessoas no tocante São cinco:
ao crime menos grave. i) as elementares sempre se
Contudo, há possibilidade de comunicam no concurso de pessoas,
aumento de pena até a metade, na desde que sejam do conhecimento de
hipótese de ter sido previsível o todos os agentes;
resultado mais grave. A expressão ii) as circunstâncias
utilizada pela lei é “previsível”, que não pessoais/subjetivas nunca se
significa “querer”. Se houve a comunicam;
previsibilidade, responde pelo aumento. iii) as circunstâncias reais ou
objetivas se comunicam, desde que
11. Circunstâncias incomunicáveis sejam do conhecimento de todos os
“Circunstâncias agentes. Seguem a mesma sistemática
incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as
das elementares;
circunstâncias e as condições de caráter iv) as condições
pessoal, salvo quando elementares do pessoais/subjetivas nunca se
crime. (Redação dada pela Lei nº comunicam. Exemplo: a reincidência;
7.209, de 11.7.1984)” v) as condições reais ou objetivas
Comunicar é transferir, passar de se comunicam, desde que sejam do
um para o outro. conhecimento de todos os agentes.
Exemplo: noite.
11.1. Elementares, circunstâncias e
condições 11.3. Infanticídio, estado puerperal e
Elementares são os dados que elementares personalíssimas
compõe a modalidade básica de um “Infanticídio
crime. Elas formam o chamado tipo Art. 123 - Matar, sob a
fundamental. No homicídio, por influência do estado puerperal, o
exemplo, temos “matar alguém”. próprio filho, durante o parto ou logo
após:
Circunstâncias são os dados que Pena - detenção, de dois a seis
se agregam ao tipo fundamental para anos.”
aumentar ou diminuir a pena. Formam Nelson Hungria, para tentar
as qualificadoras, privilégios, causas de explicar esse caso, esboçou a
aumento e de diminuição da pena. As “elementar personalíssima”. Essas

81
elementares personalíssimas, com o
estado puerperal, não se comunicariam.
Contudo, na última edição de sua obra Material de apoio - Direito Penal -
(Comentários ao Código Penal, 5ª Cleber Masson - Ilicitude.pdf
edição), modificou seu entendimento.
Assim um pai que, sob indução da mãe ILICITUDE
sob estado puerperal mata o próprio
filho, incide em infanticídio.
1. Conceito
12. Autoria colateral Ilicitude é a relação de
Coautoria imprópria ou autoria contrariedade entre o fato típico e o
parelha. Na autoria colateral, duas ou ordenamento jurídico.
mais pessoas realizam atos de execução A ilicitude pressupõe,
de um mesmo crime, cada uma delas obrigatoriamente, um fato típico. O
desconhecendo a atuação da outra. juízo de ilicitude depende
Não há, na autoria obrigatoriamente do juízo de tipicidade,
colateral/coautoria imprópria/autoria que lhe é anterior.
parelha, concurso de pessoas, já que
falta um dos requisitos para tal: o Ilicitude formal e ilicitude
vínculo subjetivo. material. Ilicitude formal é a mera
Na autoria colateral, é possível oposição entre o fato típico e a norma
identificar quem deu causa ao resultado penal (o fato é contrário à norma). No
final. Quem atingiu o resultado, Brasil prevalece o entendimento de que
responde pela consumação; o outro prevalece a ilicitude formal.
autor, colateral, responde por tentativa. Por sua vez, a ilicitude material
Em concursos, utiliza-se o pega (=substancial) é o caráter antissocial,
“instantes depois atirou”, o que injusto do fato, i. é, não basta a relação
transforma a segunda ação em crime de contrariedade entre o fato e o Direito,
impossível. exige-se uma violação do sentimento
social de justiça. Somente a ilicitude
13. Autoria incerta material permite a construção de causas
Pressupõe a autoria colateral, mas supralegais de exclusão da ilicitude.
não se consegue apurar quem produziu
o resultado. Não há concurso de Ilicitude genérica e ilicitude
pessoas. Aplicando-se o in dubio pro específica. Genérica é aquela que se
reo, os dois agentes responderão por situa fora do tipo penal, ou seja, o tipo
tentativa de homicídio. penal não contém nenhum elemento
relacionado à ilicitude (exemplo:
14. Autoria desconhecida “Matar alguém”, não contém nenhuma
Não se confunde com a autoria ilicitude ai prevista). Já a ilicitude
incerta, que se trata de instituto de específica é aquela em que o tipo penal
Direito Penal. A autoria desconhecida é contém, no seu interior, algum elemento
instituto de Direito Processual Penal. ligado à ilicitude do fato, como um
Na autoria desconhecida um elemento normativo (exemplo: “sem
crime foi praticado, mas não há sequer justa causa” do art. 153; “salvo quando
indícios de quem foi o seu autor. A a lei o permite” do art. 345)
autoria desconhecida leva ao “SEÇÃO IV
arquivamento do IP. DOS CRIMES CONTRA A
INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
***** Divulgação de segredo

82
Art. 153 - Divulgar alguém, sem causas de exclusão da ilicitude servem
justa causa, conteúdo de documento para derrubar essa presunção de
particular ou de correspondência
confidencial, de que é destinatário ou
ilicitude presente na tipicidade. O ônus
detentor, e cuja divulgação possa de provar a presença da causa de
produzir dano a outrem: exclusão da ilicitude é do réu (ônus da
Pena - detenção, de um a seis defesa), pois a acusação deve provar a
meses, ou multa.” tipicidade para que se presuma a
“Exercício arbitrário das
ilicitude.
próprias razões Cuidado com a terminologia. As
Art. 345 - Fazer justiça pelas excludentes da ilicitude são também
próprias mãos, para satisfazer pretensão, chamadas de justificativas,
embora legítima, salvo quando a lei o justificantes, causas de justificação,
permite:
Pena - detenção, de quinze dias a
descriminantes, tipos penais
um mês, ou multa, além da pena permissivos ou eximentes.
correspondente à violência. *Atenção! Não confundir
Parágrafo único - Se não há eximentes com dirimentes
emprego de violência, somente se (=excludentes da culpabilidade).
procede mediante queixa.”
Na ilicitude específica, a As excludentes da ilicitude podem
presença de alguma excludente afasta ser genéricas ou específicas. Genéricas
a própria tipicidade. são aquelas previstas na Parte Geral do
CP (art. 23), aplicáveis a todo e
Terminologia. Ilicitude vs. qualquer crime.
antijuridicidade. Qual a expressão “Exclusão de ilicitude
correta? No Brasil, diversos autores Art. 23 - Não há crime quando o
entendem que estes termos são agente pratica o fato:
sinônimos. É fato que o CP não utiliza I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
nenhuma vez o termo antijuridicidade.
III - em estrito cumprimento de
Já “ilicitude” ocorre no art. 23. dever legal ou no exercício regular de
Francesco Carnelutti foi o primeiro a direito.”
estabelecer essa diferenciação. As específicas estão previstas na
Na teoria geral do Direito temos Parte Especial do CP e na legislação
que fatos jurídicos são todos os fatos extravagante, e são aplicáveis
que produzem efeitos no Direito. Estes exclusivamente para aquele crime para a
fatos jurídicos se dividem em qual prevista, v. g., CP, 128 e o art. 37
naturais/involuntários, e voluntários. da Lei n. 9605/98:
Estes, se dividem em atos lícitos e atos “Art. 128 - Não se pune o aborto
ilícitos, de acordo com sua praticado por médico: (Vide ADPF 54)
conformidade ou não com o Direito. O Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar
grande exemplo de atos ilícitos é o a vida da gestante;
crime e, portanto, o crime é um fato Aborto no caso de gravidez
jurídico. Daí que a expressão resultante de estupro
antijuridicidade é muito inapropriada. II - se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando
Causas de exclusão da ilicitude. incapaz, de seu representante legal.”
No Brasil, a teoria preferida é a teoria
indiciária da tipicidade, ou seja, a “Art. 37. Não é crime o abate de
tipicidade é um indício da ilicitude animal, quando realizado:
(presunção relativa de ilicitude: todo I - em estado de necessidade, para
saciar a fome do agente ou de sua
fato típico também é ilícito, salvo se família;
presente uma causa de exclusão). As

83
II - para proteger lavouras, melhor que seja o legislador. Além
pomares e rebanhos da ação predatória disso, essas causas supralegais de
ou destruidora de animais, desde que
legal e expressamente autorizado pela
exclusão da ilicitude não ofendem o
autoridade competente; princípio da reserva legal, tendo em
III – (VETADO) vista que são favoráveis ao réu, já que
IV - por ser nocivo o animal, excluem o crime (analogia in bonam
desde que assim caracterizado pelo órgão partem).
competente.”
O grande caso mencionado é o
consentimento do ofendido, nos bens
Caráter das excludentes da
jurídicos disponíveis (a Comissão que
ilicitude.
tratou do CP antes de 1940 expressou a
i) teoria objetiva – para
desnecessidade de constar essa causa
caracterização da excludente da
expressamente no texto do CP, tendo
ilicitude, basta a presença dos elementos
em vista que a mesma seria logicamente
objetivos previstos pela Lei (José
óbvia).
Frederico Marques e Magalhães
Requisitos para o consentimento
Noronha);
do ofendido excluir a ilicitude, além do
ii) teoria subjetiva – atualmente
bem jurídico disponível: 1)
majoritária, segundo a qual as
consentimento o ofendido deve ser
excludentes da ilicitude não se
expresso (oral ou escrito); 2) obtido de
contentam com os elementos objetivos
forma livre (sem violência, grave
indicados na lei, exigindo-se também
ameaça ou fraude); 3) não pode ofender
um aspecto subjetivo, ou seja, o
a moral e os bons costumes; 4) só exclui
conhecimento da excludente da
a ilicitude quando é prévio ao fato; 5) o
ilicitude, i. é, o agente deve saber que
ofendido deve ser capaz para consentir
age coberto pela excludente (defendida
(maior de 18 (dezoito) anos e
por Julio Fabrini Mirabete; Heleno
mentalmente são) e o representante do
Claúdio Fragoso; Francisco de Assis
incapaz não pode consentir em nome
Toledo). Exemplo: alguém saca um
dele.
revolver para te matar (pela simples
vontade de te matar), mas nesse exato
Excludentes legais:
momento você se preparava para matar
i) estado de necessidade – CP, 24,
uma senhora idosa. Esse alguém que
caput:
sacou um revolver para te matar não “Estado de necessidade
tinha intenção de realizar a defesa de Art. 24 - Considera-se em estado
daquela senhora que você ia matar. de necessidade quem pratica o fato para
Assim, não estará coberto pela salvar de perigo atual, que não provocou
excludente de ilicitude. por sua vontade, nem podia de outro
modo evitar, direito próprio ou alheio,
cujo sacrifício, nas circunstâncias, não
Causas supralegais de exclusão era razoável exigir-se.”
da ilicitude. O Código Penal brasileiro A pedra de toque do estado de
silenciou a respeito da possibilidade necessidade é a colisão de interesses
enquanto o CP Português, por lícitos de pessoas diversas. O Estado
exemplo, em seu art. 31, n. 1. abre fica de fora dessa briga. Exemplo:
espaço expressamente para causas alguém está passando fome (interesse
supralegais de exclusão da ilicitude. lícito em saciar a fome) e subtrai
A doutrina e a jurisprudência alimentos de um supermercado
amplamente dominantes, mesmo (interesse lícito em proteger o
diante do silencio do CP, admitem patrimônio).
tais causas, posto que nenhuma lei
esgota a totalidade do Direito, por

84
Natureza jurídica. O estado de importância, é consideràvelmente
necessidade é uma causa legal de inferior ao mal evitado, e o agente não
era legalmente obrigado a arrostar o
exclusão da ilicitude (CP, 23, I). perigo.”
O estado de necessidade é um
direito ou uma faculdade? É tanto Requisitos do estado de
direito quanto faculdade: um direito necessidade. CP, 24, caput e § 1º:
contra o Estado; uma faculdade diante “Estado de necessidade
dos titulares do direito envolvido. Art. 24 - Considera-se em
Teorias que buscam explicar o estado de necessidade quem pratica o
estado de necessidade (duas principais): fato para salvar de perigo atual, que
não provocou por sua vontade, nem
a) unitária – porque o estado de podia de outro modo evitar, direito
necessidade sempre exclui a ilicitude. próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
Adotada pelo Código Penal: o estado circunstâncias, não era razoável exigir-
de necessidade exclui a ilicitude desde se.
que o bem sacrificado possua valor § 1º - Não pode alegar estado de
necessidade quem tinha o dever legal
igual ou inferior ao preservado (“cujo de enfrentar o perigo.”
sacrifício, nas circunstâncias, não era Temos dois grupos de requisitos:
razoável exigir-se”). Embora seja a) situação de necessidade – é o
razoável exigir-se o sacrifício do direito quadro que caracteriza o estado de
ameaçado, a pena poderá ser reduzida necessidade. Os requisitos são: 1)
de um a dois terços (§ 2º); perigo atual; 2) perigo não provocado
b) diferenciadora – vem do voluntariamente pelo agente; 3) ameaça
Direito Alemão, pois ali existe a a direito próprio ou alheio; 4) ausência
justificante, que exclui a ilicitude, e a do dever legal de enfrentar o perigo.
exculpante, que exclui a culpabilidade. b) fato necessitado – é o fato
A justificante é o sacrifício de um bem praticado em estado de necessidade: 1)
de menor valor diante de outro de valor inevitabilidade do perigo por outro
maior. No estado de necessidade modo; 2) proporcionalidade.
exculpante, que exclui a culpabilidade, Analisando cada um deles:
para preservar um bem, o agente a.1) perigo atual – perigo, em
sacrifica um outro de valor igual ou até Direito Penal, é a probabilidade, o risco
mesmo superior. O Código Penal de dano ao bem jurídico.
Militar adotou essa teoria A origem do perigo pode ser um
diferenciadora: fato da natureza (ex.: começa uma
“Estado de necessidade, com
excludente de culpabilidade tempestade, caindo raios, o indivíduo
Art. 39. Não é igualmente culpado arrebenta a porta de uma casa para se
quem, para proteger direito próprio ou de proteger), estar num ato de um animal
pessoa a quem está ligado por estreitas (ex.: caminhando na rua, vejo um
relações de parentesco ou afeição, contra pitbull vindo em minha direção para me
perigo certo e atual, que não provocou,
nem podia de outro modo evitar, atacar, daí quebro o vidro de um carro
sacrifica direito alheio, ainda quando para me proteger ali dentro), ou ainda
superior ao direito protegido, desde que mesmo de uma atividade humana (vejo
não lhe era razoàvelmente exigível uma criança sendo atropelada e o agente
conduta diversa.” fugindo. Furto um carro para levar a
“Estado de necessidade, como
excludente do crime criança para atendimento médico). Esse
Art. 43. Considera-se em estado perigo deve ser real/efetivo, i. é, deve
de necessidade quem pratica o fato para ser provado no caso concreto.
preservar direito seu ou alheio, de perigo O CP menciona apenas “perigo
certo e atual, que não provocou, nem atual”. Que significa? É aquele que está
podia de outro modo evitar, desde que o
mal causado, por sua natureza e

85
acontecendo. Exemplo: a criança já está de dolo ou de culpa, não pode invocar o
atropelada. estado de necessidade (Nelson Hungria;
Questões polêmicas: Magalhães Noronha; Cléber Masson) -
- o perigo iminente, i. é, aquele interpretação sistemática cf. art. 13, §
que está prestes a se iniciar, autoriza o 2º, c (quem cria o perigo deve evitar o
estado de necessidade? Duas posições: resultado). Exemplo: em um barco há
1ª) não, o CP só previu o estado de apenas um salva-vidas; culposamente
necessidade para o perigo atual (silêncio coloco fogo no barco; tenho o dever de
eloquente). No caso do CP, 25, a abdicar de me proteger e entregar o
legítima defesa refere-se a atual e a salva-vidas para outrem.
iminente, demonstrando a vontade do a.3) ameaça a direito próprio ou
legislador em excluir o perigo iminente alheio – no estado de necessidade de
do estado de necessidade; 2ª) sim direito alheio exige-se algum laço de
(majoritária), pois é impossível separar amizade, afetivo ou parentesco? Não é
um perigo atual de outro iminente exigível, pois o que prevalece é a
(exemplo: o cachorro já está perto de solidariedade entre as pessoas.
mim a 30 metros, a 20 metros, a 10 Quando o CP refere-se a direito
metros, a 5 metros – onde está o perigo próprio ou alheio, no Brasil qualquer
atual?); direito pode ser protegido pelo estado
- perigo futuro ou remoto – não de necessidade, desde que seja legítimo
admite o estado de necessidade. (exemplo: um preso não pode matar o
Exemplo: daqui a 2 anos estarei em carcereiro alegando sua liberdade). No
situação financeira difícil, por isso hoje direito penal italiano, apenas a vida e o
já vou furtar comida para me garantir...; corpo humano podem ser protegidos
- perigo passado ou pretérito – através do estado de necessidade.
já acabou não autoriza o estado de a.4) ausência do dever legal de
necessidade. Exemplo: algumas enfrentar o perigo – “o fundamento da
semanas atrás passei fome; hoje já norma é evitar que pessoas que têm o
consegui um trabalho. dever legal de enfrentar situações
a.2) perigo não provocado perigosas se esquivem de fazê-lo
voluntariamente pelo agente – “que não injustificadamente. Aquele que, por
provocou pela sua vontade”. Quem mandamento legal, tem o dever de se
criou a situação de perigo não pode submeter a situações de perigo, não está
invocar o estado de necessidade. autorizado a sacrificar bem jurídico de
A grande polêmica diz respeito à terceiro, ainda que para salvar outro
expressão “voluntariamente”. Quem bem jurídico, devendo suportar os riscos
provoca dolosamente o perigo não pode inerentes à sua função. Exemplo: não
invocar o estado de necessidade pode um bombeiro, para salvar um
(exemplo: atropelei uma criança morador de uma casa em chamas,
dolosamente com a bicicleta, já que não destruir a residência vizinha, quando
gosto daquele menino chorão. Não possível fazê-lo de forma menos lesiva,
posso alegar um estado de necessidade ainda que mais arriscada à sua pessoa.
nesse caso). Contudo, a norma deve ser interpretada
Mas e se o agente provocou o com bom senso: nos casos em que há o
perigo culposamente? Duas correntes: dever legal, ninguém pode ser obrigado
1ª) Sim! A palavra voluntária é adotar atitudes heroicas (exemplo:
indicativa de dolo, e o perigo criado salva-vidas ser obrigado a enfrentar um
culposamente libera a invocação por tsunami para salvar um banhista).
quem o criou (Damásio de Jesus); 2ª) Esse dever legal deve ser
Não! Quem cria o perigo, seja a título interpretado em sentido amplo: todo

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aquele reconhecido pelo direito, assistir-lhes-á direito à indenização do
inclusive aquele instituído por contrato. prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do
Exemplo: a babá percebe que a criança art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de
saiu de casa, num dia em que estava terceiro, contra este terá o autor do dano
nevando (temperatura negativa); ela não ação regressiva para haver a importância
pode ficar ali na lareira vendo a criança que tiver ressarcido ao lesado.”
falecer porque não poderia adquirir uma Estado de necessidade defensivo:
pneumonia. a agente sacrifica um bem pertencente
b.1) inevitabilidade do perigo por ao próprio causador do perigo. O agente
outro modo – é também conhecido não tem a obrigação de reparar o dano.
como commodus discessus (existência
de um meio menos lesivo para escapar Estado de necessidade e erro na
da situação de perigo). Para escapar do execução (aberratio ictus). CP, 73. O
cachorro posso apenas subir no carro, estado de necessidade é compatível com
ou abrir a porta, não sendo necessário o erro na execução? Sim! Exemplo: o
quebrar o vidro. Deixa claro o caráter cachorro vem para me pegar; saco um
subsidiário do estado de necessidade, revolver para matá-lo e acabo acertando
que é a última alternativa. um transeunte (não responde pelo
b.2) proporcionalidade – é o homicídio, incidindo o estado de
requisito que diz respeito à importância, necessidade).
ao valor do bem jurídico em perigo. O
bem preservado deve ser de valor igual ii) estrito cumprimento de dever
ou superior ao sacrificado legal
Natureza jurídica. Trata-se de
Espécies de estado de uma causa legal de exclusão da ilicitude
necessidade. Já estudamos alhures o (CP, 23, III).
estado de necessidade próprio e o Fundamento. Seria totalmente
alheio, bem como as descriminantes contraditório o direito impor ao agente o
putativas (aula de erro no direito). dever e, ao mesmo tempo, incriminar
Ainda temos: essa conduta. Ou seja, o agente tem o
a) estado de necessidade recíproco dever, obrigação, de cumprir aquilo que
– duas pessoas encontram-se a Lei determina.
simultaneamente em estado de O que é o dever legal? É todo
necessidade, uma contra a outra. O aquele, direta o indiretamente,
exemplo clássico é a tábua de salvação resultante da Lei, de um decreto, de
disputada por dois náufragos. O outro uma portaria, de uma sentença.
exemplo, aquele do caso dos Dever moral, social, religioso não
exploradores de caverna. O Estado fica autorizam o reconhecimento da
alheio, não se intromete na solução excludente de ilicitude.
encontrada pelos envolvidos; Atenção também porque o CP
b) estado de necessidade prevê “estrito” cumprimento de dever
agressivo e defensivo – o agente legal, ou seja, os limites legais devem
sacrifica um bem pertencente a um ser observados à risca, sob pena de
terceiro inocente (agressivo), no qual o responder pelo excesso ou pelo crime de
agente tem o dever de obrigação de abuso de autoridade.
reparar o dano, com direito de regresso Destinatários da excludente. Num
contra o causador do perigo (cf. CC, primeiro momento, o destinatário da
929 e 930). excludente é o funcionário público (CP,
“Art. 929. Se a pessoa lesada, ou 327). Mas pode alcançar o particular,
o dono da coisa, no caso do inciso II do como no caso do advogado, do
art. 188, não forem culpados do perigo,

87
psicólogo e do médico que tem Cuidado! Se o ofendículo não
imunidade à obrigação de estiver visível, estaremos diante de um
testemunharem sobre fatos cujo “meio mecânico de defesa da
conhecimento se deu sob sigilo durante propriedade”. Exemplos: armar um
atuações profissionais (dever de sigilo). trabuco na porta da casa; minas. O
Nesses casos, inclusive, sob pena de agente responde pelo excesso nesses
caracterizar crime de divulgação de casos.
segredo e/ou infração ético-disciplinar Atenção! Polêmica. Natureza
perante o conselho profissional. jurídica dos ofendículos. Posições: 1ª)
Essa excludente tem natureza trata-se de exercício regular de direito
objetiva, de forma que se comunica às (majoritária); 2ª) legítima defesa -
demais pessoas que praticaram o ato preordenada – da propriedade
juntamente com aquele que tem o dever (minoritária).
legal.
Material de apoio - Direito Penal -
iii) exercício regular de direito Cleber Masson -Legitima Defesa.pdf
Natureza jurídica. É uma iii) legítima defesa
excludente da ilicitude (art. 23, III). Fundamento. Ela é compreendida
Fundamento. O exercício de um como um direito natural, ou seja, é
direito não pode ser classificado como inerente ao ser humano, integra a
crime. O Direito é um só, e a divisão em condição humana. É, em verdade, um
áreas e subáreas é exclusivamente para direito reconhecido por todos os
fins didáticos. Não podemos imaginar Estados, todas as nações.
que uma conduta tolerada por um ramo Todos sabemos que o Estado
do direito seja por outro considerada chamou para si o poder jurisdicional, e
crime. Exemplo: o CPP não autoriza não podemos fazer justiça pela próprias
qualquer pessoa prender alguém que se mãos. Contudo, em alguns momentos o
encontre em flagrante delito? Se existe Estado não está por perto para nos
essa autorização legal, o CP não pode proteger. Dada essa ausência, ele me
classificar essa conduta como criminosa confere o poder de autodefesa, seja
(v. g., como constrangimento ilegal). própria ou de terceiro.
Limites. O exercício regular de
direito exclui o crime, mas pode Conceito. Natureza jurídica. A
caracterizar uma infração extrapenal. legítima defesa é uma causa legal de
Exemplo: dois advogados em audiência, exclusão da ilicitude: art. 23, II do CP.
e um acusa o outro de criminoso, Seu conceito é extraído do art. 25 do
“vagabundo”, mas ele tem imunidade; CP:
contudo, pode responder a processo “Legítima defesa
disciplinar perante a OAB. Art. 25 - Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente dos
Um belo exemplo do exercício meios necessários, repele injusta
regular de direito são as lesões em agressão, atual ou iminente, a direito seu
atividades esportivas. Elas caracterizam ou de outrem”
exercício regular de direito. Contudo, Esse art. 25 apresenta os
não pode haver abuso/excesso. requisitos da legítima defesa.
Ofendículas, ofendículos,
ofensáculas. São os meios defensivos e Requisitos da legítima defesa.
visíveis da proteção de um bem, Tratam-se de requisitos cumulativos:
normalmente a propriedade. Exemplos: a) requisitos ligados à agressão:
cerca elétrica, arame farpado, pregos no 1) agressão injusta; 2) atual ou
muro.

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iminente; 3) contra direito próprio ou a.2) agressão atual ou iminente –
alheio; atual é a agressão presente, aquela que
b) requisitos ligados à reação: 1) já se iniciou e ainda não se encerrou.
emprego dos meios necessários; 2) uso Iminente é aquela que está prestes a
moderado desses meios necessários. ocorrer, vai se tornar atual em futuro
a.1) agressão injusta – a agressão imediato.
é atividade exclusiva do ser humano As agressões futura/remota
(não pode ser realizada por animais, (convite para a luta, duelo) e
coisas, pela natureza). Ela reclama a passada/pretérita (vingança) não
consciência e a vontade de atingir um autorizam a legítima defesa.
bem jurídico. a.3) contra direito próprio ou
Contra animais e situações da alheio – qualquer bem jurídico pode ser
natureza podemos encontrar o estado de protegido pela legítima defesa (vida,
necessidade, v. g., um cachorro que vive integridade física, patrimônio,
sozinho na rua tenta agredir um dignidade sexual etc.). Já houve época –
transeunte, que revida o ataque e o mata Direito Romano – em que somente a
com arma de fogo. Atenção! Se o vida e a integridade física podiam ser
animal foi usado como instrumento da protegidas pela legítima defesa.
agressão por uma pessoa, pode Direito próprio ou alheio. Não só
caracterizar a legítima defesa. o bem próprio, mas também o alheio,
A agressão pode partir de um podem ser protegidos em legítima
inimputável, cabendo a legítima defesa. defesa, com fundamento na
O exemplo corriqueiro é o caso em que solidariedade humana.
um adolescente tenta roubar, com uma Na legítima defesa de terceiro, a
faca, um motorista parado em seu carro reação pode se dirigir contra o próprio
perante o semáforo, que revida e se titular do bem jurídico protegido? Sim,
defende com uma arma de fogo. é o que ocorre em lesões corporais no
A agressão, via de regra, é próprio corpo, no suicídio, ou uma
praticada por ação. Mas pessoa que está usando cocaína
excepcionalmente, temos a agressão por compulsivamente.
via omissiva, v. g. o carcereiro que Também, na legítima defesa de
recusa a soltura do preso que já tem terceiro é possível a legítima defesa do
direito de sair, e o preso o agride na feto.
tentativa de se livrar. Da mesma forma, a legítima
Injusta é a agressão contrária ao defesa da pessoa jurídica, inclusive do
Direito, ilícita. Essa agressão injusta Estado. Exemplo: imagine que uma
não precisa constituir crime, mas via de empresa ou repartição pública está
regra é uma figura típica. Agressão sendo furtada, e o terceiro imobiliza o
injusta é aquela que o sujeito não está ladrão e chama a polícia.
obrigado a suportar. Exemplo: furto de b.1) emprego dos meios
uso, onde o desconhecido quer pegar o necessários – é aquele que o agente tem
carro para dar uma volta, eu não a sua disposição para repelir a agressão.
permito, podendo defender meu Nesse caso, o meio pode ser inclusive
patrimônio. desproporcional, se é o único que o
A agressão injusta pode ser dolosa agente tem a sua disposição. Exemplo:
ou culposa. No segundo caso, por imagine uma pessoa franzina sendo
exemplo, alguém me confunde com um atacada por um lutador de MMA, e o
seu agressor e vem me confrontar, mais fraco reage com uma arma de fogo
quando eu me defendo. contra as agressões do troglodita.

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O o CP fala em reação com os - própria – o agente defende um
meios necessários. Se o sujeito reagir bem da sua titularidade, v. g., defender a
com meios desnecessários, estará própria vida;
caracterizado um excesso na legítima - de terceiro – o agente protege
defesa. O agente responde pelo excesso. um bem jurídico alheio, v. g., agredir o
A legítima defesa não exige estuprador quando já iniciava a prática
commodus discessus – saída mais delitiva.
cômoda – (exigido no estado de 3) aspecto subjetivo do agente:
necessidade). O Direito não obriga a - real – é aquela em que todos os
pessoa a “fugir”, o Estado não pode requisitos do art. 25 do CP estão
obrigar alguém a ser pusilânime. Trata- presentes;
se de escolha do agredido sair da “Legítima defesa
situação pela situação mais cômoda ou Art. 25 - Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente dos
enfrentá-la. meios necessários, repele injusta
b.2) uso moderado desses meios agressão, atual ou iminente, a direito seu
necessários – estamos diante de uma ou de outrem.”
aplicação do princípio da - putativa – também chamada
proporcionalidade. legítima defesa imaginária, em que o
O meio necessário é um revólver sujeito supõe erroneamente que está em
para um franzino diante de um lutador legítima defesa. Exemplo: estar parado
de MMA, sim, mas apenas com um tiro no carro, em um local deserto, quando
no chão, ou um tiro na perna se ele se percebe alguém batendo no vidro do
continua a avançar. carro e, sem pensar, já saio atirando
Além disso, é necessário realizar com minha arma por supor estar prestes
o balanço dos bens. Exemplo: matar a ser vítima de um roubo.
uma pessoa diante de uma agressão à Trata-se de uma descriminante
honra. putativa. Na teoria normativa pura
extremada da culpabilidade, a
Desafio e legítima defesa. Não há descriminante é um erro de proibição
legítima defesa no desafio, duelo, indireto, enquanto para a teoria
convite para luta. Os contendores normativa pura limitada, ela pode erro
respondem pelos crimes que praticarem. de tipo e de proibição.
Vingança e legítima defesa. - subjetiva – também chamada de
Vimos que a é um caso de agressão legítima defesa excessiva, quando existe
passada. Pode ser que a legítima defesa um erro no tocante aos limites da
ocorra num mesmo momento em que há legítima defesa, quando o sujeito
também um ânimo vingativo (exemplo: ultrapassa seus limites. Exemplo:
rixa antiga e nova agressão). imagine um camarada fraco, atacado
Espécies de legítima defesa. por um fortão; o grandão consegue
Podemos ter: acertar um soco no nariz do grandão
1) quanto à forma de reação - mas, assustado, não acredita que ele está
legítima defesa pode ser: nocauteado e continua batendo, até
- agressiva/ativa – é aquela em fazer o grandão chegar em coma
que a reação caracteriza um fato (perceba: ele não acreditou que apenas o
definido como crime; ou primeiro golpe foi capaz de nocautear o
- defensiva/passiva – a reação se inimigo, e continuou as agressões, que
limita a cessar a agressão. Exemplo: consubstanciaram excesso).
imobilizar um agressor.
2) quanto à titularidade do bem Existe legítima defesa presumida?
protegido: NÃO! Ela deve ser sempre provada no

90
caso concreto. Temos como preferencial indisponível (ex.: a vida), não é
a teoria indiciária da tipicidade, necessário consentimento.
presumindo-se a ilicitude, de forma que
a acusação prova o fato típico, e a Existência simultânea de legítima
defesa prova a excludente de ilicitude. defesa e estado de necessidade? SIM!
Na Bíblia, em Êxodo XXIII, fala em Exemplo: estou em um bar e percebo
legítima defesa presumida, bem como que alguém vai me assaltar e, daí, pulo
no Direito Romano (furto noturno, que para o lado de dentro do balcão e furto
trazia uma presunção que a vítima seria uma faca para me defender.
morta pelo ladrão).
Legítima defesa e sua relação
Legítima defesa e erro na com outras excludentes.
execução (“aberratio ictus”). CP, 73. A 1) Admissibilidade
legítima defesa é compatível com o erro a) legítima defesa real vs. legítima
na execução. Exemplo: estou sendo defesa putativa – ou seja, alguém pode
atacado por alguém, tomando tiros; saco se valer da legítima defesa contra
meu revólver e também começo a atirar; alguém que lhe ataca em legítima defesa
acabo acertando um pedestre que passa putativa.
pela rua. Este mesmo raciocínio deve ser
“Erro na execução utilizado para todas as excludentes de
Art. 73 - Quando, por acidente ou licitude putativas;
erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que
b) legítima defesa putativa vs.
pretendia ofender, atinge pessoa diversa, legítima defesa putativa – também
responde como se tivesse praticado o chamada legítima defesa putativa
crime contra aquela, atendendo-se ao recíproca. Exemplo: dois desafetos se
disposto no § 3º do art. 20 deste Código. encontram na rua; um coloca a mão no
No caso de ser também atingida a pessoa
que o agente pretendia ofender, aplica-se
bolso para pegar um celular, enquanto o
a regra do art. 70 deste Código.(Redação outro também coloca a mão no bolso
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” para pegar o celular; nesse momento, os
dois pensam que cada qual vão atacar o
Legítima defesa sucessiva. É a outro, daí eles começam a lutar entre si.
reação contra o excesso. No exemplo do c) legítima defesa real vs.
fraquinho que derrubou o grandão, subjetiva;
quando o fraquinho passa para o ataque, d) legítima defesa real vs. legítima
o grandão pode voltar à carga e se defesa culposa – você me confunde com
defender, quando estará em legítima um desafeto seu que jurou te matar e me
defesa. atira; para mim, tenho a possibilidade
de reagir a essa legítima defesa culposa;
Legítima defesa de terceiro e e) legítima defesa vs. excludente
consentimento do ofendido. Para da culpabilidade – é cabível legítima
defender um terceiro é necessário seu defesa contra qualquer excludente da
consentimento? Depende do bem culpabilidade. Exemplo: recebo em
jurídico. Tratando-se de um bem minha casa um estrangeiro em cujo País
jurídico disponível, não é necessária; se não existe propriedade privada; essa
disponível, a falta de consentimento pessoa entende que pode pegar qualquer
desautoriza a defesa do bem jurídico. objeto de minha casa – agindo em erro
Exemplo: vejo um homem xingando de proibição, faltando-lhe a potencial
uma mulher, só se autorizando a consciência da ilicitude. Eu estou sendo
legítima defesa se vítima não se opor. vítima de uma agressão injusta ao meu
Ao contrário, se o bem jurídico é

91
patrimônio e posso atuar na legítima penalmente irrelevante, posto que não
defesa. há vontade.
2) Inadmissibilidade iv) exculpante – aquele que deriva
a) legítima defesa real vs. legítima da profunda alteração de ânimo do
defesa real – não cabe legítima defesa agente provocada pelo medo, temor,
real recíproca. Requisito fundamental susto pela situação em que se encontra.
da legítima defesa real é a agressão Não é um tema pacífico, sendo que para
injusta, que falta aos dois agentes. concursos de MP e policiais, não deve
Este mesmo raciocínio deve ser ser admitido, já que falta previsão legal,
usado para todas as demais excludentes enquanto em concursos de Defensoria a
de ilicitude reais. tese deve ser defendida.
No CPM, art. 45, p. ú., há
Excesso. Está previsto no art. 23, previsão de que ele não é punível:
p. ú. no CP. “Excesso culposo
“Exclusão de ilicitude Art. 45. O agente que, em
Art. 23 - Não há crime quando o qualquer dos casos de exclusão de crime,
agente pratica o fato: excede culposamente os limites da
I - em estado de necessidade; necessidade, responde pelo fato, se êste é
II - em legítima defesa; punível, a título de culpa.
III - em estrito cumprimento de Excesso escusável
dever legal ou no exercício regular de Parágrafo único. Não é punível o
direito. excesso quando resulta de escusável
Excesso punível surprêsa ou perturbação de ânimo, em
Parágrafo único - O agente, em face da situação.”
qualquer das hipóteses deste artigo, O art. 20, § 6º do CP Espanhol
responderá pelo excesso doloso ou entende que o medo, no caso concreto,
culposo.” pode caracterizar uma causa excludente
O CP admite o excesso punível, da culpabilidade.
dolo ou culposo, para todas as
excludentes da ilicitude. Mas na redação O excesso também pode ser
original do CP, antes da Lei n. 7209/84, intensivo ou próprio e extensivo ou
só cabia o excesso culposo na legítima impróprio. O primeiro é o que ocorre
defesa. no contexto da excludente da ilicitude,
Todas as excludentes legais da ou seja, estão presentes os requisitos da
ilicitude tem limites, e o agente deve excludente. Já o excesso extensivo
atuar dentro desses limites. ocorre quando já cessou a excludente da
Conceito. Excesso é a ilicitude e, na verdade, é um crime
desnecessária intensificação de um fato autônomo.
típico inicialmente acobertado por uma *****
excludente da ilicitude.
Espécies de excesso. Temos: Obs: nesta aula o professor ainda
i) dolo – ou consciente é aquele deu a matéria imputação objetiva. Para
voluntário e proposital. Ele caracteriza o caderno ficar mais organizado, resolvi
um crime autônomo. anotá-la mais acima, junto com Nexo de
ii) culposo – ou inconsciente, Causalidade.
aquele que deriva de imprudência,
negligência ou imperícia. O agente vai Material de Apoio - D. Penal - Cleber
responder pelo crime culposo que Masson - Aula 12 (II).pdf
praticou;
iii) acidental ou fortuito – deriva PRESCRIÇÃO
de caso fortuito ou força maior. É
1. Introdução

92
Ao pensar em prescrição, Assim, a prescrição não apaga o
automaticamente pensamos no ius crime, mas somente retira do Estado o
puniendi, que se trata de um monopólio direito de punir.
do Estado. Esse direito de punir, Atenção! Favor perder o vício de
modernamente é encarado em tríplice dizer “o crime prescreveu”, para dizer
dimensão: “a pena do crime prescreveu”.
- direito de punir;
- poder de punir; 4. Localização da prescrição na Teoria
- dever de punir. Geral do Direito
Ou seja, não se trata, em nenhum A prescrição é matéria de Direito
momento, de uma faculdade. Penal. Além disso, se trata de matéria
O direito de punir é genérico e de ordem pública, ou seja, deve ser
abstrato, já que recai indistintamente reconhecida a qualquer tempo, e em
sobre todas as pessoas. Quando a Lei qualquer grau de jurisdição, inclusive de
penal é violada, o direito que era ofício pelo Juiz.
genérico e abstrato passa a ser concreto. Mais ainda, trata-se de matéria
Contudo, esse direito de punir, preliminar. É composta de prazos
que é um monopólio do Estado, tem improrrogáveis (prazos que não se
limites, que podem ser materiais (como suspendem nem se interrompem).
princípio da reserva legal, da
insignificância etc.); formais (o devido 5. Fundamentos da prescrição
processo legal penal); e temporais São três seus fundamentos:
(prescrição). a) segurança jurídica
(estabilidade, certeza nas relações
2. Conceito jurídicas);
Prescrição é perda da pretensão b) inutilidade da sanção penal
executiva ou executória durante aplicada muito tempo depois do crime;
determinado prazo legalmente previsto. c) combate à ineficiência do
A pretensão punitiva é o interesse Estado.
do Estado em aplicar a pena a quem
violou a Lei penal. Ela ocorre, sempre, 6. Imprescritibilidade penal
antes do trânsito em julgado para ambas O primeiro CP que tivemos foi o
as partes ou apenas para a acusação (cf. do Império, de 1830, que dizia no art.
abaixo melhor essa questão). 65 que as penas aplicadas aos
A pretensão executória diz condenados nunca prescreviam. Nos
respeito ao cumprimento da pena. É o códigos republicanos (1890 e 1940) a
interesse do Estado em fazer com que regra geral é que as penas em geral
uma pena já aplicada seja efetivamente prescrevem, inclusive dos crimes
cumprida. Ela somente se manifesta hediondos e equiparados.
após o trânsito em julgado para ambas Contudo, temos duas hipóteses
as partes. de imprescritibilidade, que são o
racismo e a ação de grupos armados,
3. Natureza jurídica civis ou militares, contra a ordem
A prescrição é uma causa de constitucional e o Estado democrático
extinção da punibilidade. de Direito (cf. CRFB, art. 5º, XLII e
“Extinção da punibilidade XLIV). Esses dois casos referem-se a
Art. 107 - Extingue-se a situações historicamente bem
punibilidade:
(...)
delineadas, que foram: 1) o racismo do
IV - pela prescrição, decadência apartheid sul africano e o próprio
ou perempção; (...)”

93
racismo no Brasil; e 2) e a recém saída 7. Diferenças entre prescrição e
do País de uma Ditadura militar. decadência.
*Os crimes de racismo estão previstos Prescrição e decadência são
na Lei n. 7.716/1989; a ação de grupos causas extintivas da punibilidade,
armados contra, civis ou militares, previstas no art. 107, IV do CP que
contra a ordem constitucional e o ocorrem em razão do titular de um
Estado Democrático de Direito, na Lei direito durante determinado prazo
n. 7.170/1983. previsto em Lei.
O racismo se caracteriza: na Entretanto, tais institutos
ofensa generalizada em razão da raça, apresentam as seguintes diferenças:
ou a segregação, exclusão de alguém
com base em elementos raciais. Prescrição Decadência
É possível que sejam previstas - atinge a pena de - só é possível nos
todo e qualquer crime, crimes de ação
novas hipóteses de imprescritibilidade
salvo as hipóteses de privada e nos de ação
penal? Existem duas posições sobre o imprescritibilidade, pública condicionada
assunto. Para a primeira corrente, não é previstas no art. 5º, à representação ou
possível, posto que a sua só previsão XLII e XLVI da requisição do
dentre os direitos e garantias CRFB; Ministro da Justiça;
- pode ocorrer a - só pode ocorrer
fundamentais como exceções faz
qualquer tempo antes da iniciada a
entrever que, indiretamente, a CRFB (antes, durante ou ação penal;
afirmou que todos os demais serão após da ação penal);
prescritíveis, de forma que a prescrição -atinge diretamente o -atinge diretamente o
se torna um direito fundamental do ser direito de punir; direito de ação e,
humano de ser investigado, processado indiretamente, o
direito de punir.
e punido dentro de um prazo
previamente definido na Lei.
8. Espécies de prescrição
Essa posição era unânime no
Temos as seguintes espécies:
Brasil, até que surgiu a segunda
i) prescrição da pretensão punitiva
corrente, decorrente da jurisprudência
– se subdivide em três: propriamente
do STF, no RE 460971, onde a questão
dita (não há transito em julgado da
não foi objeto do julgamento, mas obter
decisão para ambas as partes);
dicta, em que afirmou que a prescrição
retroativa; e intercorrente ou
do art. 366 do CPP fica suspensa de
superveniente (nas duas últimas, há
forma indefinida, de forma que seria
transito em julgado para a acusação,
possível criar novas formas de
mas não para a defesa);
imprescritibilidade.
ii) prescrição da pretensão
Obs.: Estatuto de Roma. Tribunal
executória (há transito em julgado para
Penal Internacional – TPI. O Brasil é
ambas as partes) – também chamada de
signatário do tratado e o incorporou
prescrição da condenação.
pelo Decreto n. 4388/2002. A
competência do TPI é subsidiária, e atua
8.1. Efeitos da prescrição e competência
apenas na omissão da Justiça do Estado
para reconhecê-la
parte. Sua competência não é para
i) prescrição da pretensão punitiva
qualquer crime, mas apenas para crimes
(PPP):
de guerra. Se esse crime chegar no TPI,
a) a PPP impede o exercício da
há previsão expressa no art. 29 daquele
ação penal;
tratado que dispõe sobre a
b) apaga todos os efeitos de
imprescritibilidade dos crimes que ali
eventual sentença condenatória já
sejam objeto de julgamento.
proferida;

94
c) a competência é do Juízo ou Pena máxima em abstrato, daí
Tribunal em que tramita a ação penal. encontramos o prazo correspondente no
ii) prescrição da pretensão art. 109 do CP.
executória: Invertendo a ordem do art. 109 na
a) extingue somente o efeito tabela:
principal da condenação “pena” (ao Pena Máxima Prescrição
imputável ou semi-imputável); em Abstrato
“Inferior” a 1 ano 3 anos
*a medida de segurança aplicada ao
Pena de 1 a 2 anos 4 anos
inimputável não é pena); + de 2 até 4 anos 8 anos
b) aplicada pelo juízo da execução + de 4 até 8 anos 12 anos
(LEP, art. 66, II). + de 8 até 12 anos 16 anos
+ de 12 anos 20 anos
9. Prescrição da pretensão punitiva O CP adotou um critério lógico e
propriamente dita ou prescrição da objetivo: quanto maior a pena, mais
ação grave é o crime e mais tempo tem o
Estado para punir.
9.1. Previsão legal O menor prazo de prescrição da
Está prevista no art. 109, caput, ação previsto no CP é o de três anos,
do CP: criado pela L12234/2010. A finalidade
“Prescrição antes de transitar do legislador foi dificultar a prescrição
em julgado a sentença nas contravenções penais e nos crimes
Art. 109. A prescrição, antes de
transitar em julgado a sentença final,
de menor gravidade (teoria das janelas
salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste quebradas).
Código, regula-se pelo máximo da pena Esse prazo de 3 (três) anos é o
privativa de liberdade cominada ao menor prazo previsto no CP para a pena
crime, verificando-se: (Redação dada privativa de liberdade.
pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da
No CPM temos ainda, para pena
pena é superior a doze; privativa de liberdade, a previsão de
II - em dezesseis anos, se o prazo prescricional da pena de 2 anos,
máximo da pena é superior a oito anos e cf. art. 150, VII daquele diploma.
não excede a doze; Aquela lei modificou o CP, mas não o
III - em doze anos, se o máximo
da pena é superior a quatro anos e não
CPM.
excede a oito; Quanto ao art. 28 da Lei de
IV - em oito anos, se o máximo da Drogas, sobre a posse de droga para
pena é superior a dois anos e não excede consumo pessoal, cujas penas também
a quatro; prescrevem em 2 (dois) anos, é outra
V - em quatro anos, se o máximo
exceção.
da pena é igual a um ano ou, sendo
superior, não excede a dois; Quanto à pena de multa, cf. art.
VI - em 3 (três) anos, se o 114, I, quando for a única cominada ou
máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. aplicada, prescreve em 2 (dois) anos.
(Redação dada pela Lei nº 12.234, de A pena de morte prescreve no
2010).” prazo de 30 anos (cf. CPM, 125, I). Não
se confunde com o prazo de 20 anos,
9.2. Fundamento maior prazo aplicável às penas
Se não há trânsito em julgado para privativas de liberdade.
ninguém, podemos considerar a Diminuição pela metade: art. 115
hipótese de haver aplicação da pena. do CP. Este art. 115 é aplicável a todas
as modalidades de prescrição.
9.3. Cálculo “Redução dos prazos de
prescrição

95
Art. 115 - São reduzidos de contornos de contrariedade ao quanto
metade os prazos de prescrição quando o disposto expressamente no CP.
criminoso era, ao tempo do crime, menor
de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da
Obs.: com o Estatuto do Idoso,
sentença, maior de 70 (setenta) anos. segundo o STF, apesar da nova
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de definição do idoso a pessoa com 60
11.7.1984)” (sessenta) anos, não teve o condão de
modificar o quanto previsto no CP,
Material de Apoio - D. Penal - Cleber tendo em vista que os diplomas têm
Masson - Aula 13 (II).pdf finalidades completamente diversas: a
Os casos são: redução pela metade não é para proteger
i) menoridade relativa – ou seja, a pessoa com debilidades físicas e
menor de 21 (vinte e um) anos, sendo psicológicas, enquanto o EI protege a
apurada de acordo com a data da prática pessoa do abandono, exploração,
do crime. desídia ou agressões da família, do
Segundo STJ, 74, essa Estado, da sociedade. Cf. HC 89969.
menoridade deve ser provada, não
bastando ser alegada. 9.4. Termo inicial da prescrição da
O fundamento dessa redução é pretensão punitiva
que a parte geral do CP, em sua redação “Art. 111 - A prescrição, antes
originária, estava em compasso com a de transitar em julgado a sentença
contemporânea previsão do CC/1916 final, começa a correr: (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
que previa incapacidade relativa entre I - do dia em que o crime se
18 e 21 anos de idade. Contudo, essa consumou; (Redação dada pela Lei nº
diminuição pela metade continua 7.209, de 11.7.1984)
valendo (cf. CC, art. 2043) II - no caso de tentativa, do dia
“Art. 2.043. Até que por outra em que cessou a atividade criminosa;
forma se disciplinem, continuam em (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
vigor as disposições de natureza 11.7.1984)
processual, administrativa ou penal, III - nos crimes permanentes, do
constantes de leis cujos preceitos de dia em que cessou a permanência;
natureza civil hajam sido incorporados a (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
este Código.”; 11.7.1984)
IV - nos de bigamia e nos de
ii) maior de 70 (setenta) anos na falsificação ou alteração de
data da sentença – é a chamada assentamento do registro civil, da data
senilidade. Deve-se levar em conta a em que o fato se tornou conhecido.
“sentença” ou “acórdão” (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
“condenatório”. Também, deve-se 11.7.1984)
V - nos crimes contra a
produzir prova hábil para tanto, não dignidade sexual de crianças e
bastando a mera alegação. adolescentes, previstos neste Código ou
Historicamente, o STF sempre em legislação especial, da data em que
entendeu que a idade de 70 anos deveria a vítima completar 18 (dezoito) anos,
ser considerada apenas quando da salvo se a esse tempo já houver sido
proposta a ação penal. (Redação
primeira condenação (posição de dada pela Lei nº 12.650, de 2012)”
décadas). Mais recentemente, mudou Regra geral, a prescrição começa
seu entendimento, julgado a AP 516/DF a correr da data do dia em que o crime
(cf. Inf. 738). Foi um caso pontual, que se consumou (teoria do resultado), cf.
envolveu uma figura expoente, membro art. 111, I.
da Câmara dos Deputados. Assim, Se houver uma dúvida insuperável
aguarda-se novos posicionamentos para sobre a data da consumação do crime,
se confirmar essa interpretação que tem levamos em conta a situação mais
favorável ao réu.

96
Exceções (rol taxativo, posto que 9.5. Impedimento e suspensão da PPP
são prejudiciais ao réu, não cabendo a “Causas impeditivas da prescrição
analogia in malam partem): Art. 116 - Antes de passar em
julgado a sentença final, a prescrição
i) tentativa – “no caso de não corre: (Redação dada pela Lei nº
tentativa, do dia em que cessou a 7.209, de 11.7.1984)
atividade criminosa”, ou seja, a partir I - enquanto não resolvida, em
do último ato de execução; outro processo, questão de que dependa
ii) crimes permanentes – “nos o reconhecimento da existência do
crime; (Redação dada pela Lei nº
crimes permanentes, do dia em que 7.209, de 11.7.1984)
cessou a permanência”; II - enquanto o agente cumpre
*Extradição 1150, Inf. . Um torturador pena no estrangeiro. (Redação dada
da ditadura Argentina teve sua pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
extradição pedida para o Brasil. Sobre Essas mesmas causas podem ser
as pessoas ainda desaparecidas, a Min. impeditivas ou suspensivas, a depender
Relatora entendeu que os respectivos do momento em que ocorrem. O CP
prazos prescricionais ainda não trata apenas de causas impeditivas, mas
iniciaram a contagem, por se tratar de também podem ser suspensivas. É
crime permanente. impeditiva quando o prazo ainda não
iii) bigamia e falsificação ou começou a fluir; e suspensiva quando a
alteração de registro civil – “nos de prescrição já começou a fluir, e a causa
bigamia e nos de falsificação ou para seu curso.
alteração de assentamento do registro Cf. o inc. I acima, estamos
civil, da data em que o fato se tornou tratando das questões prejudiciais,
conhecido”. Cf. RHC 7206 (STJ), previstas nos artigos 92 e 93 do CPP. O
refere-se ao conhecimento pelos órgãos juiz criminal pode resolver todas as
que devem deflagrar a persecução questões prejudiciais, salvo as questões
penal; sobre o estado civil das pessoas.
iv) crimes contra a dignidade “Art. 92. Se a decisão sobre a
existência da infração depender da
sexual de criança e adolescente – “nos solução de controvérsia, que o juiz repute
crimes contra a dignidade sexual de séria e fundada, sobre o estado civil das
crianças e adolescentes, previstos neste pessoas, o curso da ação penal ficará
Código ou em legislação especial, da suspenso até que no juízo cível seja a
data em que a vítima completar 18 controvérsia dirimida por sentença
passada em julgado, sem prejuízo,
(dezoito) anos, salvo se a esse tempo já
entretanto, da inquirição das testemunhas
houver sido proposta a ação penal. e de outras provas de natureza urgente.
(Redação dada pela Lei nº 12.650, de Parágrafo único. Se for o crime
2012)” de ação pública, o Ministério Público,
Essa L12650/2012 é apelidada Lei quando necessário, promoverá a ação
civil ou prosseguirá na que tiver sido
Joanna Maranhão (nadadora brasileira
iniciada, com a citação dos interessados.
que foi vítima de abusos sexuais dos 9 Art. 93. Se o reconhecimento da
aos 13 anos por seu treinador). existência da infração penal depender de
Atenção! Se já proposta a ação decisão sobre questão diversa da prevista
penal, a contagem do prazo é comum, no artigo anterior, da competência do
contando-se de quando o crime se juízo cível, e se neste houver sido
proposta ação para resolvê-la, o juiz
consumou. A previsão legal, em criminal poderá, desde que essa questão
verdade, é importante por conta de uma seja de difícil solução e não verse sobre
característica própria dos crimes sexuais direito cuja prova a lei civil limite,
contra menores, pois a grande maioria suspender o curso do processo, após a
dos casos ocorre na própria família. inquirição das testemunhas e realização
das outras provas de natureza urgente.

97
§ 1º O juiz marcará o prazo da queixa (considera-se publicado quando
suspensão, que poderá ser razoavelmente o escrivão certifica o recebimento em
prorrogado, se a demora não for
imputável à parte. Expirado o prazo, sem
cartório dos autos com o despacho
que o juiz cível tenha proferido decisão, respectivo, não sendo necessária a
o juiz criminal fará prosseguir o publicação na imprensa oficial).
processo, retomando sua competência Não ocorre a interrupção da
para resolver, de fato e de direito, toda a prescrição se a denúncia ou a queixa for
matéria da acusação ou da defesa.
§ 2º Do despacho que denegar a
rejeitada. O recurso cabível é RESE, ou
suspensão não caberá recurso. apelação na L9099. O Tribunal deu
§ 3º Suspenso o processo, e provimento ao recurso, a prescrição se
tratando-se de crime de ação pública, interrompe no momento da sessão de
incumbirá ao Ministério Público intervir julgamento pelo Tribunal.
imediatamente na causa cível, para o fim
de promover-lhe o rápido andamento.”
O recebimento da
Já o inc. II do art. 116 trata do denúncia/queixa por Juízo
impedimento da prescrição quando o absolutamente incompetente não
agente cumpre pena no estrangeiro. Em interrompe a prescrição (STJ, RHC
respeito a soberania do outro Estado, 29599). Já o recebimento por juízo
enquanto ele cumpre pena ali não será relativamente incompetente interrompe
extraditado. a prescrição (cf. STJ, RHC 40514).
Se o despacho de recebimento foi
9.6. Causas interruptivas da prescrição anulado pelo próprio juiz, ou pelo
Estão no art. 117, incisos I a IV: Tribunal, perde automaticamente sua
“Causas interruptivas da prescrição força interruptiva (ato nulo não produz
Art. 117 - O curso da prescrição efeitos jurídicos).
interrompe-se: A segunda causa interruptiva é a
I - pelo recebimento da pronúncia (decisão interlocutória mista
denúncia ou da queixa;
não terminativa, que encerra a primeira
II - pela pronúncia;
III - pela decisão confirmatória fase do rito do Júri). A interrupção
da pronúncia; ocorre com a publicação da pronúncia,
IV - pela publicação da o que deve ocorrer na audiência
sentença ou acórdão condenatórios (dispositivo do CPP). Se o juiz não
recorríveis; (Redação dada pela Lei nº
pronunciar, e o MP recorrer, e este
11.596, de 2007).
V - pelo início ou continuação do conseguir sucesso, considera-se
cumprimento da pena; (Redação dada interrompida com a sessão de
pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) julgamento do recurso.
VI - pela reincidência. (Redação Se houver desclassificação pelos
dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)” Jurados, a pronúncia anterior continua
Períodos prescricionais são os valendo como causa interruptiva?
intervalos dentro dos quais a prescrição Segundo a STJ, 191, continua sendo
pode ocorrer. causa interruptiva.
Essas causas interruptivas estão Se houver recurso contra a
previstas em rol taxativo, já que a pronúncia, sendo ela confirmada, a
analogia criaria situações prejudiciais ao prescrição será novamente interrompida
réu. na sessão de julgamento do recurso pelo
A primeira causa interruptiva é o Tribunal. Ou seja, existem duas causas
“recebimento” da denúncia ou da interruptivas no rito do Tribunal do Júri,
queixa. Ou seja, apenas com o juízo de já que ele é mais dilatado, dificultando
admissibilidade é que se dá a com as duas a ocorrência da prescrição.
interrupção. A prescrição estará Por fim, com a publicação
interrompida com a publicação do sentença ou acórdão condenatórios
despacho que recebe a denúncia ou a
98
recorríveis. A publicidade se dá com a no furto interrompe tanto a prescrição
entrega dos autos em mãos do escrivão. própria do furto quanto do estelionato.
O acórdão é publicado na data da sessão Nós usamos como exemplo a sentença
de julgamento pelo Tribunal. condenatória, mas poderia ser qualquer
Em Direito Penal existe acórdão outra causa interruptiva.
condenatório em duas situações: em
grau de recurso, e nos crimes de Material de Apoio - D. Penal - Cleber
competência originária dos Tribunais. O Masson - Aula Online Extra.pdf
acórdão “meramente” confirmatório da 10. Prescrição retroativa
condenação não interrompe a É uma modalidade da prescrição
prescrição. Ele não se confunde com o da pretensão punitiva.
“acórdão confirmatório”. No primeiro, Tem um pressuposto fundamental:
o Tribunal mantêm integralmente a o trânsito em julgado para a acusação,
condenação. Já no acórdão no tocante à pena aplicada.
confirmatório, a interrupção ocorre Se existe o trânsito em julgado
quando ele aumenta substancialmente a para a acusação, a prescrição retroativa
pena, modificando o prazo é calculada com base na pena aplicada.
prescricional. Em eventual recurso da defesa, na
A sentença ou acórdão anulados melhor das hipóteses, a pena aplicada
não interrompem a prescrição. será mantida, de forma que se torna
imutável para a acusação (princípio non
9.6.1. Comunicabilidade das causas reformatio in pejus – i. é, a situação do
interruptivas da prescrição da pretensão réu não pode se agravada em recurso
punitiva exclusivo da defesa).
CP, 117, § 1º: A expressão “retroativa” vem do
“§ 1º - Excetuados os casos dos fato de que ela é contada da sentença
incisos V e VI deste artigo [que são condenatória para trás.
causas interruptivas das PPE], a
interrupção da prescrição produz
Esse instituto só existe no Brasil.
efeitos relativamente a todos os Instituto vergonhoso.
autores [cf. abaixo] do crime. Nos Vamos dar um exemplo: um furto
crimes conexos, que sejam objeto do simples, com pena de 1 a 4 anos,
mesmo processo, estende-se aos demais praticado em 10-10-2010; denúncia
a interrupção relativa a qualquer deles.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
recebida em 10-02-2011. Imagine que,
11.7.1984)” por um motivo qualquer, a instrução
Comunicabilidade é a transmissão processual durou muito, e a sentença
do que pertence a um crime ou pessoa condenatória foi proferida em 09-02-
para outro crime ou pessoa. 2015, onde constou a pena mínima, i. é,
Na parte em negrito acima 1 ano. No começo do processo, tinha
(primeira parte) temos a uma expectativa de uma pena de até 4
comunicabilidade das causas anos, daí a prescrição ocorrer em 8
interruptivas da PPP no concurso de anos. Contudo, com a condenação a 1
pessoas. A palavra “autores” deve ser ano, temos que a prescrição ocorre
interpretada como envolvidos (autores, então em 4 anos. Dessa forma,
coautores e partícipes). observando que a prescrição é
Na segunda parte (parte matéria de Direito Penal, ocorreu a
sublinhada), temos a comunicabilidade prescrição em nosso exemplo, já que se
no concurso de crimes. Ex.: João, num inclui o dia de início e exclui-se o de
mesmo processo, é processado por furto final.
e estelionato. É condenado pelo furto e Essa prescrição não constava no
absolvido no estelionato. A condenação CP, mas vinha sendo criada pela

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jurisprudência do STF. Com a reforma Trata-se de uma espécie da
de 1940 ela foi implantada no CP. A prescrição da pretensão punitiva, porque
prescrição retroativa na fase do não há trânsito em julgado para ambas
inquérito policial foi retirada do CP. as partes.
“Prescrição depois de transitar Seu pressuposto é o trânsito em
em julgado sentença final julgado para a acusação no tocante à
condenatória
Art. 110
pena aplicada, como na prescrição
(...) retroativa. Ou seja, também deve-se
§ 1º A prescrição, depois da observar o princípio non reformatio in
sentença condenatória com trânsito pejus.
em julgado para a acusação ou depois A prescrição retroativa era
de improvido seu recurso, regula-se
pela pena aplicada, não podendo, em
calculada da sentença condenatória para
nenhuma hipótese, ter por termo inicial trás. Já a prescrição superveniente é
data anterior à da denúncia ou queixa. calculada sentença condenatória para
(Redação dada pela Lei nº 12.234, de frente.
2010). Exemplo. Retomando o exemplo
§ 2º (Revogado pela Lei nº
12.234, de 2010).”
anterior, do furto simples, com pena de
A Lei n. 12234/2010 tinha a 1 a 4 anos. Na sentença condenatória, o
intenção de acabar com a prescrição juiz aplicou uma pena de um ano, e
retroativa. Contudo, em seu trâmite, foi transitou em julgado para acusação, que
modificada e, como dito, apenas acabou prescreve então em 4 anos. A prescrição
o termo inicial ainda no inquérito. superveniente pode ocorrer em duas
Assim, na fase investigatória, situações:
temos uma nova hipótese de - passe o prazo de quatro anos e o
imprescritibilidade penal? Não, pois réu não foi intimado da sentença;
pode haver a prescrição com base na - réu é intimado, recorre, mas o
pena máxima em abstrato (PPP Tribunal no prazo de 4 anos não julga
propriamente dita). seu recurso.
A prescrição retroativa pode ser Daí porque do nome intercorrente:
decretada na própria sentença entre dois momentos – após a sentença
condenatória? NÃO. O juiz não pode condenatória, mas antes do trânsito em
reconhecê-la, porque ainda falta seu julgado para defesa.
pressuposto, que é o trânsito em julgado Nos dois casos acima, quando um
para a acusação. dia o Tribunal for finalmente apreciar o
Com o trânsito em julgado para recurso, ele nem julga, apenas se
acusação, quem pode reconhecê-la? resumindo a declarar a ocorrência da
Temos duas posições: 1ª) apenas o prescrição.
Tribunal pode reconhecer a prescrição
retroativa (minoritária), pois ao proferir 11. Prescrição virtual, antecipada,
a sentença o Juiz esgota sua atividade projetada, prognostical, retroativa em
jurisdicional; 2ª) o próprio juiz pode e perspectiva
deve declarar a prescrição retroativa, Virtual, porque não tem previsão
por questões de celeridade e economia legal.
processual (CPP, 61). Antecipada, porque decretada
“Art. 61. Em qualquer fase do antes de efetivamente ocorrer.
processo, o juiz, se reconhecer extinta a Projetada e prognostical, porque
punibilidade, deverá declará-lo de decretada com base numa projeção que
ofício.” provavelmente será aplicada pelo Poder
Judiciário.
11. Prescrição intercorrente,
superveniente ou subsequente
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Retroativa em perspectiva, tendo Na prática, mesmo tendo sido
em vista que decretada com base no proscrita pelos tribunais superiores, ela
entendimento de que inevitavelmente continua sendo aplicada, já que
será decretada. nenhuma das partes recorre.
Também só existe(iu) no Brasil.
Tratou-se de uma construção doutrinária 12. Prescrição da pretensão executória
e jurisprudencial. A prescrição da pretensão
Exemplo: mais uma vez, um furto executória (PPE) também chamada de
simples, com pena de 1 a 4 anos. O fato prescrição da condenação. É a perda do
foi praticado no dia 10-10-2008. O interesse em fazer com que uma pena já
recebimento da denúncia se deu em 10- aplicada seja efetivamente cumprida, i.
06-2009. Com um trâmite da ação penal é, execução da pena.
muito lento, chegamos a uma audiência Leva-se em consideração a pena
de instrução, debates e julgamento em definitiva, i. é, que transitou em julgado
10-06-2016 (sete anos depois de para a acusação e defesa. STF, 604: “A
recebida a denúncia). Pena máxima de 4 prescrição pela pena em concreto é
anos, de forma que haveria prescrição somente da pretensão executória da
em 8 anos. Ainda não houve a pena privativa de liberdade.”.
prescrição. Compulsando os autos, Se o condenado é reincidente, o
percebe-se que o crime não foi de prazo da PPE é aumentada de um terço:
gravidade (crime em si e a pessoa do “Prescrição depois de transitar
réu). Numa discussão informal, em julgado sentença final
condenatória
percebe-se que a pena a ser aplicada não Art. 110 - A prescrição depois de
gerará uma prescrição, pois apenas uma transitar em julgado a sentença
condenação próxima do máximo da condenatória regula-se pela pena
pena cominada, que não será o caso. aplicada e verifica-se nos prazos fixados
Então, o que se verificava era a no artigo anterior, os quais se aumentam
de um terço, se o condenado é
necessidade de obediência à economia reincidente.
processual, pois a pena estaria fadada à (...)”
prescrição. Faltaria também interesse Atenção! STJ, 220: “A
processual (falta utilidade). reincidência não influi no prazo da
Durante muito tempo essa prescrição da pretensão punitiva.” Ou
prescrição teve apoio dos Tribunais seja, influi apenas na PPE.
Superiores. Mas o que acontecia na A menoridade e a senilidade (CP,
prática é que os promotores e juízes 115) reduzem pela metade todas as
abusavam dessa tese. Diante desses modalidades de prescrição. Mas a
abusos, STF e STJ deixaram de aceitar a reincidência só aumenta o prazo da
prescrição retroativa em perspectiva (cf. PPE, não interferindo na PPP.
STF, INQ 3574, inf. 788 – alegaram Fuga do condenado e revogação
falta de previsão legal, bem como do livramento condicional. A PPE é
princípio da não culpabilidade, pois calculada com base no restante da pena.
seria admitir a condenação, além do que Termo inicial da PPE. Só pode
no trâmite do processo poderia ocorrer ser reconhecida com o trânsito em
condenação por outro crime; STJ, 438 julgado para acusação e defesa, mas
“É inadmissível a extinção da conta-se do trânsito em julgado para
punibilidade pela prescrição da acusação (CP, 112, I).
pretensão punitiva com fundamento em “Termo inicial da prescrição
pena hipotética, independentemente da após a sentença condenatória
existência ou sorte do processo irrecorrível
penal.”).

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Art. 112 - No caso do art. 110 crimes. No caso da PPE, não se
deste Código, a prescrição começa a comunicam em nenhum caso: por falta
correr:
I - do dia em que transita em
de previsão legal e porque são
julgado a sentença condenatória, para personalíssimas.
a acusação, ou a que revoga a suspensão
condicional da pena ou o livramento
condicional;
II - do dia em que se interrompe a
execução [fuga], salvo quando o tempo
da interrupção deva computar-se na
pena.”
Causa impeditiva da PPE. CP,
art. 116, p. ú.:
“Causas impeditivas da
prescrição
Art. 116
(...)
Parágrafo único - Depois de
passada em julgado a sentença
condenatória, a prescrição não corre
durante o tempo em que o condenado
está preso por outro motivo.”
Claro, o Estado não tem como
executar a nova pena.
Causas interruptivas da PPE. CP,
117, V e VI:
“Causas interruptivas da
prescrição
Art. 117 - O curso da prescrição
interrompe-se:
(...)
V - pelo início ou continuação do
cumprimento da pena;
VI - pela reincidência.”
- início de cumprimento da pena:
imagine-se um foragido. A PPE está
correndo. Assim que for capturado,
iniciando o cumprimento da pena, zera
a contagem da PPE;
- continuação do cumprimento da
pena: se o preso foge, a PPE começa a
correr pelo restante da pena. Quando
capturado, zera de novo a contagem da
PPE;
- reincidência: temos duas
reincidências:
1) reincidência
antecedente/anterior à condenação –
aumenta de 1/3 o prazo da PPE;
2) reincidência
subsequente/posterior à condenação –
interrompe a PPE.
As causas interruptivas da PPP
comunicam-se no concurso de pessoas e

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