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MARCELLO J.

LINHARES

LEGÍTIMA DEFESA

3.ª edição
revista, atualizada e ,,. .aumentada
...

0807

FORENSE
Rio cie Janeiro
1989
1.a. edição - 1975
2.a. edição - 1980
3.~ edição - 1989

© Cow,ight
Marcello J. Linhares

·Unhares, Marcello Jardim, 1911 -


L7281 Legítima detesa /por/ Marcello J. Llnhares. 3. ed.
Rio de Janeiro, 'Forense, 1989.

Bibliografia

1. Legítima defesa (Direito) I. Título.


A minha querida esposa Bisuca
CDU - 343. 228 e à minha dileta filha Maria Sílvza.

Na harmonia do Universo, en-


quanto um astro se apaga outras
estrelas cinttlam.

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela


COMPANHIA EDITORA FORENSE
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMA RIO

Apreciação da primeira edição da obra do autor, feita pelo Prof.


Sebastián Soler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI
A opinião do Professor e Desembargador Sálvio de Figueiredo
Teixeira ................................................... XIII
Nota do autor .................................................. XV

Capítulo I - Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Capítulo - A Legítima Defesa na História dos Povos
II 14
Capítulo - A Legítima Defesa no Direito Comparado . .
III 51
Capítulo - A Legítima Defesa no Direito Comparado . .
IV 75
Capítulo - A Legítima Defesa no Direito Brasileiro . . . .
V 89
Capítulo - Doutrinas sobre os Fundamentos da Legíti-
VI
ma Defesa. Fundamentos Objetivos. Causas
de Escusa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Capítulo VII - Doutrinas sobre os Fundamentos da Legítima
Defesa. Fundamentos Objetivos. Causas de
Justificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Capítulo VIII - Doutrinas sobre os Fundamentos da Legítima
Defesa. Fundamentos Subjetivos . . . . . . . . . . . 137
Capítulo IX - Sujeitos Ativo e Passivo da Legítima Defesa 146
Capítulo X - Alcance .da Legitima Defesa . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Capítulo XI - Alcance da Legitima Defesa . . . . . . . . . . . . . . . 214
Capítulo XII - Alcance da Legitima Defesa . . . . . . . . . . . . . . . . 250
-Capítalo XIII Aleanee da Legitima-Defesa. Legitima Defe;-
sa Reeíproea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260
eaf)i.tuli::.--*f~=--A-k~,Ge-da...Legiti-ma-Befesa-:-I:Jegítima Defesa-
de Tereeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270
-eapttulo X.V Alcance da-tegi,ttma-Defesa. Legítima Defesa
-Sub~ 281
Capítulo XVI - Os Requisitos da Legítima Defesa . . . . . . . . . 291
Capítulo XVII - Os Requisitos da Legítima Defesa. Agressão
Injusta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 299
X MARCELLO J. LINHARES

Capitulo XVIII - Os Requisitos da Legitima Defesa. Agressão


Atual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 316
Capítulo XIX - Os Requisitos da Legítima Defesa. A Defesa
e seus Elementos Constitutivos. o Uso dos
Meios Necessários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
Capitulo XX - Os Requisitos da Legítima Defesa. A Defesa
e seus · Elementos Constitutivos. Moderação
A PRIMEIRA EDIÇAO DA OBRA DO AUTOR APRECIADA
na Repulsa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
Capitulo XXI - O Excesso na Defesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385 PELO PROFESSOR E JURISTA SEBASTIAN SOLER
Capitulo XXII - O Excesso na Defesa. Excesso Escusável.
Medo . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 395
Capitulo XXIII - O Excesso na Defesa. Excesso Escusável. Sur- "Estudio aei Dr. Sebastián Soler.
presa. Estado de Animo : . .. . . . . . . . 402 Buenos Aires, noviembre 14 de 1975.
Ga-pí:tu·le XXIV Legitlma.-I:>e-f-esa-e-eódigo-Pma Milit :tt-
Capitul **V - l.egitima efesa_e Legislação- Disci - línar Dr. Marcello J. Linhares
T.ra-balhista.-e-Despol'tiv ~ - 417
Capitulo XX:V: Legítim Bel-esa; Processo . . . . . . . . . . . . . . . . 423 Belo Horizonte
Capitulo XXVII - Legitima Defesa e Júri . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443 Brasil
Gap-~tu-1- ~I-H~xte l:rat-lno sua 'Fraàução . . . . . . . . . . . . 452
Distinguido Colega:
Bibliografia 482
tnâtce Onomástico 497 Quiero especialmente agradecerle la gentileza de haber-
ln-dice Alfabético de Assuntos 499 me enviado su nuevo libra: "Legítima Defesa", y felicitarlo por
la excelente monografía que Ud. há producido.
ttuiice da Matéria ............................................... 511
Pocos trabajos, en efecto, alcanzan a abarcar el tema
con la amplitud y el âetaüe con que Ud. lo ha hecbo.

Su libro resulta así una obra de consulta muy valiosa,


tanto desde el punto de vista teórico e informativo como del
punto de vista práctico.

Aâemâs, se aâsnerte en las soluciones, además de la


sapienza, la prudencia del jurista que conoce las instituciones
en. su real funcionamiento.

Lo felicito nueoemente, y lo saludo con ei mayor


ajeoto.

a) Sebastián Soler."

I
A LEGfTIMA DEFESA VISTA PELO PROF. SALVlO
DE FIGUEIREDO. TEIXEIRA.

(Desembargador do Tribunal de Minas Gerais, no Discurso de


Saudação ao Autor, na Solenidade em que foi agraciado com ,o
"cotar do Mérito Judiciário" pela mais Alta Corte do Estado)

"Alicerçada em rica pesquisa e elaborada com o saber e a


prudência do verdadeiro jurista, sua obra se impõe sobretu-
do pela força e solidez dos argumentos, com destaque para a
LEGfTIMA DEFESA, considerada o melhor estudo publicado
na matéria em língua portuguesa, onde versa o importante ins-
tituto sob os mais variados aspectos, inclusive, em relação à
honra, que examina com erudição sob os ângulos sociológico,
histórico e psicológico."
NOTA DO AUT OR

Despretensiosa contribuição ao estudo da Legítima Defesa,


condensa o presente trabalho anotações e pesquisas sobre a
doutrina do instituto, aplicada aos casos em que, durante largos
anos de intensa luta; nos dedicamos à árdua advocacia criminal.
Ao lado de conceitos que se tornaram quase uniformes no.
exame do assunto, vários há que revelam posição própria e que, 1
por isso mesmo, maís próximo estarão de erros. '
Para esses será adaptável a imortal frase de Terêncio:
"Eu, por mim, ainda que erre, ninguém se deve admirar".
CAPÍTUL O I

GENERALIDADES
1. O conceito de legítima defesa. 2. Definição. 3. Legítima
defesa e estado de necessidade. 4. Legítima defesa e coação
irresistível. 5. Legítima defesa e exercício de direito. 6. Legí-
tima defesa e obediência hierárquica. 7. Traço comum aos
institutos.

1. O CONCEITO DE LEGÍTIMA DEFESA

Ação.conforme ao direito, assim sancionada por todas as le-


gislações, foi a legítima defesa reconhecida em todos os tempos
e por todos os povos, consistindo em impedir pela força a violação
injusta e iminente de um interesse tutelado.
Antes de vir consignada nos códigos, já existia como lei da
natureza, como norma decorrente da própria constituição do ser,
dessas que o homem recebe antes de se estabelecer em sociedade.
Direito perfeito e superior, a defesa própria é direito contra
o qual não se levantou nenhuma voz, nenhuma religião, nenhum
sistema de moral, nenhuma filosofia, 1 sendo anterior à própria
obrigação.
Reflete o direito da natureza, é da essência desse ius natu-
rale, e para Hobbes a liberdade que cada um possui de usar seu

1 Alejandro Groizard y Gómez de la Serna. El Código Penal de


1870 concordado y comentado, Madrid, 1902, tomo 1, p. 256: "É um
direito perfeito, superior e anterior a toda lei positiva e tem raízes tão
profundas no modo de ser do homem, que, sempre que se vê em neces-
sidade de exercê-lo, o emprega e dele se serve com ânimo tranqüilo e
certeza de obrar dentro de seus deveres".
2 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 3

próprio poder para a preservação de sua vida, ou de fazer tudo os critérios gerais do direito romano, a injusta agressão (iniusta
aquilo que seu julgamento e razão lhe indiquem como meios aggressio) e a necessidade atual tpériculum praesens).
adequados a esse fim. 2 Como lei natural (Locke) passou à doutrina crista, regu-
Surgiu ao lado da idéia do castigo e da pena. lando as ações humanas, como as ciências regularam o mundo
Quando as primeiras legislações de Manu, de Zoroastro ou físico.
de Moisés despontaram, com uma sabedoria de conceitos que A razão natural permite ao homem defender-se contra o
ainda surpreendem os legisladores modernos, já se firmara como perigo: adversus periculum naturalis ratio permittit se de/en-
um principio universal, orientando-se pela ética e pelo justo, a dere (Dig. 1. 9, t. 2, fr. 4, Ad Legem Aquiliam); de modo que,
cujas exigências sempre esteve submetida, considerada como certamente, repelimos as ofensas; por este direito natural· re-
preceito máximo que a nenhuma lei civil ou humana será per- sulta que aquilo que cada um fizer em defesa de seu corpo con-
mitido derrogar. · sidera-se ter procedido com razão: ut vim atque iniuriam pro-
Sempre se consubstanciou em reação contra o perigo ou o pulsemus: nam iure naturali hoc evenit ut quid quisque ob tu-
ataque injusto e nisso foram uniformes as legislações; seus fins telam corporis suí fecerit jure fecisse existimetur (Dig. 9, 2,' fr.
e limites, porém, sofreram e ainda sofrem inflexões conceituais 4 pr. - Gaius).
no tempo. Informa Jousse que essa máxima, que também está no Dig.
De cunho preventivo, desempenha atividade repressiva. 1, t. 1, fr. 3, De justitia et iure, atravessou nosso velho direito
com todo seu poder, sendo reproduzida em todas as legislações.
Nasce de. uma necessidade atual e presente, existindo em
A lei social, com efeito, não pode exigir que o homem faça o sa-
proveito de quem a sente. 8 . crifício da sua segurança pessoal; ela é encarregada de o de-
A noção [urídíca da legitima defesa se desenvolveu e pre-
fender; mas, se falha a vigilância, ela não pode incriminar aque-
cisou na Idade Média e na Renascença com a Constituição Ca- le que defendeu a si próprio, quando outro meio não havia para
rolina (27 de julho de 1532). Admitia-se como justificação com- escapar ao perigo que o ameaçava (apud M. Chauveau Adolphe
pleta em tema de homicídio: '_'Quem for perseguido, atacado ou et M. Faustin Hélie, Théorie du Code Pénal, 4.ª ed., Paris, 1863,
golpeado por armas mortíferas, e que não puder fugir sem dano p. 172).
a si, à sua sorte ou à sua honra, pode, sem incorrer em qualquer
O princípio jurídico fundamental· da legítima defesa re-
pena, garantir a pessoa e a vida com a legítima defesa e não
se torna imputável se de tal modo matar o agressor. Não será monta à máxima de que todo direito tem por conteúdo neces-
para isso obrigado a receber um golpe". A Carolina reproduziu sário a faculdade da própria defesa. 4

2. DEFINIÇÃO
2 Thomas Hobbes de Malmesbury, Leviatã, trad. de João Paulo
Monteiro e Maria Beat~iz Nizza da Silva, São Paulo, 1974, p. 32: "A tez
naturalis é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante As múltiplas definições de legítima defesa seguem as dou-
a qual se proíbe a um homem fazer tudo que possa destruir sua vida trinas reunidas em torno de seus fundamentos filosóficos e ju-
ou privá-la dos meios necessários para preservá-la, ou· omitir aquilo que rídicos.
pense poder contribuir melhor para preservá-la".
:à A. Bertauld, Cours de. Droit Pénal et t.eçon« de Législation Cri- 4 J. Tissot, lntrotiuctioti Philosophique à l'étude du Droit en Gé-
minelle, 4.ª· ed., 1873, p. 362. néral, Paris, 1875, p. 285.
MARCELLO J. LINHARES LE GÍTIMA D EFESA 5
4

Reconhecendo-a como direito fundamental já proclamado sistir com um caráter essencial e primitivo nas relações entre
pelos códigos, acentuou o Digesto consistir no impedimento pela indivíduos; ou, em sentido mais técnico, defesa que justifica es
força da violação iminente e injusta de um direito (L. 1., § 27, fatos que seriam infrações se não tivessem tido a defesa como
D. De vi). fim (Degoís). 5 '

Dele deduziu Geyer (Dig., L. 20, Quod vi aut clam) sua ri- Comentadores do direito positivo italiano ressaltam a ne-
gorosa definição - ação praticada contra a segurança de quem cessidade da reação, a proporção utilizada para se afastar a
. tem o direito de se lhe opor. atualidade, e o perigo de uma ofensa injusta (Ranieri, Brasielo) ,
enquanto outros se preocupam em denunciar a corrente dou-
Outros doutrinadores alemães assim a conceituam:
trinária a que se filiam, no que respeita aos fundamentos do
- repulsa de uma agressão antijurídica e atual pelo ata-
instituto: consiste a legítima defesa no direito que tem o cida-
cado ou por terceira pessoa contra o agressor, quando não se
dão de repelir injusta ofensa quando a sociedade ou o Estado
t.raspasse a medida necessária para a proteção (Kohler); a defi-
não puderem oferecer a tutela (Maggiore); ou, representa a
nição é aproveitada por Jiménez de Asúa com o adendo - den-
tutela de um bem injustamente agredido, quando a reação
tro da racional proporcionalidade dos meios;
constitui a última maneira de evitar o seu sacrifício (Bettiol).
- defesa que se estima necessária para repelir uma agres-
Entendiam Fioretti e Zerboglio por legítima defesa a defesa que,
são atual e contrária ao direito, por meio de uma lesão contra
contra uma agressão a determinados direitos, é tolerada pela
o agressor (Von Liszt);
lei, se bem objetivamente se resolva em um ato que teria os ca-
- legítima defesa é a defesa necessária para repelir de si
mesmo ou de um terceiro um ataque atual e antijurídico racteres de um ilícito. 6
(Mezgerj-; Com alterações que não modificam a essência dos conceitos,
- é a defesa necessária para resistir a uma agressão anti- os doutrinadores ibero-americanos emprestam à legítima defesa
jurídica atual levada contra quem se defende ou contra um ter- o mesmo caráter de repulsa racional contra um ataque ao di-
. cetro; sua idéia fundamental é: o direito não precisa ceder ante reito próprio ou alheio, juridicamente defensável, lesado ou na
o injusto (Welzel) ; iminência de o ser por uma agressão injusta (Sisco, Soler, Euse-
- é defesa conforme ao direito de um injusto perigoso e bio Gómez, Cuello Calón e Fontán Balestra).
ameaçador, segundo a relação de forças e valores da situação, No direito brasileiro é festejada a enunciação de Bandeira
isto é, segundo a ponderação dos interesses contrapostos na si- de Mello: emprego de uma ação ou omissão que a lei penal de-
tuação (Sauer). fine como crime (dirigida contra um injusto agressor) para evi-
o código alemão simplificou o· conceito, definindo a legí- tar que esse agressor lese de modo grave, irreparável, inevitá-
tima defesa como a defesa necessária .para apartar um ataque vel por meios jurídicos, um direito nosso ou de terceiro. 1
presente, antijurídico, de si mesmo ou de outrem.
;, C. Dego:s, Traité Eléme11taire de Droit Criminel, 2.ª ed., Paris,
Entre autores franceses, é por igual posta a legítima de-
1S22, !). 128.
fesa como o direito de repelir uma agressão iminente e injusta ,; Julio Fioretti y Adolfo Zerbogiio, Sobre la Legitima Defensa,
(Bouzat), ou como o meio de salvaguardar, pelo emprego da Madrid, 1926, p. 139. _
força, um bem jurídico que um agressor pretende arrebatar ou Lydío Bandeira de Mello, Manual de Direito Penal, Belo Hori-
diminuir (Garraud), forma primeira de sanção do direito a sub- zonte, 1953. p. 166 e 193
6 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 7

Concisa, afinal, a redação da lei penal brasileira: "enten- dade o mal não é causado ao agressor, isto é, ao culpado, mas
de-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos sim a um terceiro inocente. 9
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, A principal distinção entre a legítima defesa e o estado de
a direito seu ou de outrem". necessidade está em que na primeira há uma vítima que repele
Tomando por base os conceitos expostos, podemos definir uma agressão injusta (ação-reação), o que não acontece no
a legítima defesa como a necessidade de se debelar uma situa- estado de necessidade, onde o pressuposto fático, "estado de
ção de perigo tal que imponha a reação, caracterizada pela necessidade" (status necessitatis, stricto sensuv justifica a con-
proporção dos meios utilizados, na medida de seu emprego. duta necessitada (Cardin) .10
Na legítima defesa, assim, o perigo é provocado pela vítima
3. LEG:tTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE eventual, origina-se no comportamento dela mesma; no estado
de necessidade, o perigo nasce de ato de terceiro ou de caso
Causas de exclusão de ilicitude, com o traço . predomi-
fortuito. o fato que dá lugar a este último não precisa ser in-
nante comum do perigo a [ustífícar a conduta do agente, a justo, mesmo quando atinge direito de terceiro inocente. Já o
legítima defesa e o estado de necessidade conservam identidade
que motiva a legítima defesa precisa ser necessariamente in-
nos meios, ambos se realizando por atos que reúnem elementos
de um delito, uma identidade de fiin, o de fazer justiça a si justo para justificar a reação.
próprio sem se recorrer à autoridade pública, e uma identidade No estado de necessidade, o ato lesivo se volta contra o bem
nos motivos dominados pela necessidade de agir rapidamente. 8 do indivíduo que não deu ocasião ao nascimento dele; na legí-
Extremam-se, contudo, sendo uma a repulsa de injusta tima defesa, é um bem do próprio agressor que resulta lesado
agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de outrem; pela reação do agredido.
outra, a necessidade de quem pratica o fato para resguardar Na defesa, o que se legítima é a reação, ou o contra-ataque,
de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia como se expressa Moriaud, 11 enquanto no estado de necessidade
de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifí- o que se legitima é o próprio ataque, a que Gautie!l' denomina
cio, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. "ataque legitimado".
Estado de necessidade e legítima defesa diferem em que As relações que ocorrem na legitima defesa são entre in-
esta implica defesa privilegiada ou qualificada. Ao sumo, seria divíduos, ao passo que, no estado de necessidade, elas se veri-
a espécie dentro do gênero. Paul Foriers refere-se a Servais como ficam entre o cidadão, de um lado, e o interesse público tute-
o mais ilustre representante da escola que vê na legítima de- lado de outro. 12
fesa uma aplicação limitativa do estado de necessidade. Mas,
distingue na legítima defesa o ato· de violência contra o agres- ' o Paul Foriers, De l'État de Nécesstté en Droit Pénal, Bruxelles -
sor injusto, exercendo o agente, vítima da agressão, um ato de Paris, 1951, ps. 212 e 213.
10 Eugenia Oswaldo Cardini, Estado de Necesidad, Buenos Aires,
polícia, isto é, pratica um ato de administração que, sem a ne-
1967, p. 25.
cessidade, seria injustificável; enquanto no estado de necessi- 11 Paul Moriaud, Du Délit Nécessa1.re et de l'État de Nécessité,
Genebre-Paris, 1889.
. s Walter, Droit de se Faire Justice à Soi-méme en Commettant 12 Vincenzo Manzini, Trattato di Diritto Penale, Torino, 1933, v. 2,
im Délii,Lyon, 1933, apud Edouard Tawfik Hazan, L'État de Nécezsiié , p. 328: "De fato na legítima defesa a relação entre os indivíduos, díscí-
en Droit Pénal Jnterétatique et tnternaiismel, Paris, 1949, p. 25. plinada pela lei, é originada ou justiticada pela necessidade de 'de-
LEGÍTIMA DEFESA 9
8 MARCELLO J. LINH.'\.RES

H. Bekaert anota que o estado de necessidade é a consa- constrangido a suportar o prejuízo, mínimo que seja, em decor-
gração de um processo psicológico do indivíduo em presença rência da agressão. u.
de uma circunstância estranha ao fato do homem; o que, evi- Idêntica diferenciação nas causas faz Bonini: 1': legítima
dentemente, exclui a legítima defesa do estado de necessidade; 13 defesa é reação à ação de outrem, é atividade contra quem ame-
ela é, com efeito, um ato de firmeza, animado por um espírito aça ofender; no estado de necessidade, ao revés, a salvação do
de justiça e destituído de qualquer paixão vingadora, 14 voltado próprio direito ocorre com o sacrifício de direitos pertencentes
contra o agressor injusto e contra esse agressor, contra ele ape- às pessoas que não determinaram a situação de perigo.
nas, de modo que as medídas de defesa serão objetivamente jus- Com relação ao comportamento reativo, ainda se diferen-
tificadas. ciam porque a proporção na legítima defesa não é tomada ne-
Oferece Grosso outros traços de diferenciação entre um e cessariamente, levando-se em conta um valor igual ou menor do
outro institutos, dizendo, entre eles, que, segundo a concepção que é posto em perigo, porque pode também ser uma ação pro-
comum, o eixo, seja da legítima defesa, seja do estado de neces- vocadora de mal mais grave que o ameaçado, não se reclamando
sidade, é sempre constituído de um conceito de necessidade-ine- entre os dois interesses rigorosa equiparação; já no estado de
vitabilidade. necessidade, inexistindo a injustiça da agressão, não se relacio-
nando a reação com o bem do agressor, mas com o de um ter-
Mas, este conceito, nas duas hipóteses, apresenta um con-
ceiro inocente, a equação entre os interesses opostos deve ser
teúdo diverso: na primeira, acharia limite na exigência de que o
considerada de modo mais rígido (Grosso). 17
indivíduo agredido não está obrigado a suportar nenhum dano
físico ou moral em conseqüência do ataque injusto; na segunda, . Os exemplos fornecidos por Luquet 18 marcam bem o ex-
não existe um limite análogo, e quem tenha de impedir a produ- tremo dos institutos: um ladrão me assalta e me ameaça com
ção de um certo dano deverá sempre usar o meio menos lesivo uma arma; eu o mato; eis a legítima defesa; se, porém, para
ao bem de terceiro, ainda ao preço de ter de suportar por sua fugir ao ataque que põe em perigo a minha propriedade e a mi-
vez um prejuízo. nha vida, eu empurro um terceiro estranho à agressão, e o pre-
cipito na escada, causando-lhe a morte, surge a figura do estado
Na reação contra a ofensa injusta, com efeito, parece natu-
ral que a exigência de se realizar uma conduta menos lesiva deva de necessidade.
encontrar um limite na segurança do agredido, que não pode ser
,1. LEGíTIMA DEFESA E COAÇÃO IRRESISTíVEL
1:1 Herman Bekaert, Théorie Générale de l'Excuse en Droit Péual,
Bruxelles, 1957, p. 14. São evidentes os traços de contato entre a legítima defesa e
u J. Ortolan, tléments de Droii Penal, Paris, 1886. apud Herman a coação irresistível, chegando esta a servir de base a uma das
Bekaert, ob. cít., p. 14. teorias que procuram explicar o fundamento objetivo daquela.
fender' um direito contra o perigo atual de uma ofensa injusta, isto é,
pela necessidade de voltar-se contra a causa voluntária do perigo. Quem, 1,, Carlo Frederico Grosso, Difesa Leçüiima e Stato di Necessitá,
ao revés, age em estado de necessidade, em nenhum caso se dirige Milano, 1964, p. 14.
contra uma causa imputável, mas se volta sempre contra o interesse 1n Giotto Bonini, I Codici Penali Annotati, Torino, 1932, p. 58.
público tutelado pelo preceito penal violado, e talvez mesmo contra uma 1i Carlo Frederico Grosso, ob. cit., p. 29.
pessoa ou uma coisa, que com a causa do perigo não conserva relação
rs Louis Lu.9-uet, Du Délit Nécessaire, Paris, 1902.
alguma".
10 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 11

A doutrina da violência moral desenvolvida por Puffendorf, coagida. É estado de necessidade o furto famélico, a ação do
com efeito, para dar como impunível o ato cometido em legíti- indivíduo que mata por ordem do tirano, para dele não ser ví-
ma defesa, encontra seu apoio justamente na perturbação de tima; não são formas de legítima defesa, porque neles não re-
ânimo, decorrente desse estado de espírito do agente. Esta dou- agimos contra quem nos causa perigo. Já a legítima defesa sur-
trina, difundida largamente na França, liga-se à idéia da "con- ge quando reagimos contra quem é causa atual do perigo,
trainte", que significa constrangimento, violência, força, expli- atacando-o ou dando-lhe morte para conjurar essa situação. l!)
cando o desaparecimento . da liberdade moral do homem em
conseqüência do perigo corrido, levando-o a obedecer, exclusi- 5. LEGÍTIMA DEFESA E EXERCfCIO DE DIREITO
vamente, ao instinto da própria conservação.
Mas a coação irresistível, prevista na norma jurídica como Se o instituto da legítima defesa constitui, em tese, o exer-
causa excludente de culpabilidade, é o emprego de força para cício do direito de defesa, ele, contudo, não se confunde com a
obrigar alguém a fazer ou a deixar de·fazer alguma coisa; e a norma jurídica que exclui de criminalidade aqueles exercícios
legítima defesa, como ficou mostrado, é repulsa a ataque in- de direito que decorrem de um preceito jurídico, ou do cumpri-
justo. mento de um dever imposto pela lei ou pela legítima determi-
Clara é a especificação da força física e a da força moral; na nação da autoridade.
primeira ocorre a inexistência do próprio nexo de causalidade Em relação a estes, a razão da justificação está na preva-
material entre o coagido e o evento; na segunda, uma simples lência do interesse de quem exerce o seu direito sobre o interesse
causa de exclusão de culpabilidade. Na coação física o coagido sacrificado através desse exercício. A ofensa é justificada por
deixa de ser agente para ser exclusivamente paciente; na co- uma norma de direito público, ou de direito privado.
ação moral o coagido contribui com sua vontade, a qual, por Também o cumprimento de um dever, ao lado do exercício
não ser livre, deixa de ser culpável. de um direito, constitui causa de licitude, que pode derivar de
Na legítima defesa é o agente provocado ou agredido, rea- uma norma jurídica ou de ordem de autoridade pública.
gindo por própria deliberação ou vontade; na coação física é O carrasco que mata o sentenciado comete em tese ilícito
uma força corporal que se exerce sobre o paciente, de modo a penal, mas que deixa de o ser por estar cumprindo estrita-
se corporificar em sua própria ação, em relação ao resultado; mente o seu dever. O policial que executa ordem de prisão, ven-
na coação moral o que ocorre é a ameaça de um mal grave, ca- do-se na contingência de usar a força, estará agindo em cum-
paz de determinar no paciente um comportamento caracteri- primento de um dever legal.
zado pela irresistibilidade do perigo que a acompanha e do qual Quem age em legítima defesa própria ou de terceiro, certa-
não lhe será possível libertar-se. mente, também, estará exercitando um direito: o direito que
Como informa Carrara, os criminalistas alemães dístín- nasce do fato da agressão injusta e do perigo dela advindo; mas
não estará agindo para dar cumprimento a uma norma de lei
guem a coação, que produz a ação, da coação que causa a rea-
ção. A primeira deriva do estado de necessidade, a segunda da ou a uma ordem superior.
A distinção para Vincenzo Cavallo entre legítima defesa e
moderação da tutela sem culpa (moderamen inculpatae tute-
lae). Assim, quando invado uma propriedade vizinha para dela
exercício de direito reside no fato de ser ela considerada, em
tirar uma escada ou a água para combater um incêndio que de-
to Francesco Carrara, Programa de Derecho Criminal, parte ge-
vora minha casa, não procedo sob reação coagida, mas sob ação neral, Bogotá, 1972, v. 1. p. 199.
- LEGÍTIMA DEFESA 13
.1 2 MARCELLO J, LINHARES

sua essência, como um direito subjetivo, isto é, como o poder nenhuma hipótese, à censura moral, nem à eventual ação civil
concedido à defesa de qualquer direito no momento em que o de danos: quia 'âammnti non facit, qui suo iure utitur.
Estado não pode intervir eficazmente; enquanto o exercício do A necessaria defensio, que é o próprio instinto de conserva-
direito exclui sempre a punibilidade do crime, a legítima defesa ção, frente a um ataque àtual e injusto, aconselha a reação ime-
se subordina a condições exigidas por lei para que juridicamente diata, desde que a realização individual não se sub-rogue arbi-
exista como causa de exclusão do crime. trariamente sem necessidade ou descompassadamente, pois isso
A legítima defesa pressupõe agressão a direito, próprio ou implicaria na produção dos mais tristes efeitos. 21
de outrem; já o exercício de direito, permanecendo livre, subor-
dina-se apenas a uma. situação que, segundo a avaliação média
dos homens, reconhecida pela lei, justifica a reação. 20
Em síntese, a legítima defesa nasce do comportamento · do
agressor; o exercício de um direito, ou o cumprimento de um
dever, estrutura-se na relação do cargo ou no desempenho da
função.

6. LEGtTIMA DEFESA E OBEDI~CIA HIERARQUICA

Na condição de obediência hierarquica, o fato de outro modo


antijurídico é cometido por disposição de lei ou por ordem de .
autoridade competente, ordem a que o inferior não poderá dei-
xar de obedecer.
Pela legítima defesa, entretanto, o fato violento de repulsa
se comete a fim de afastar de si ou de outrem um ataque atual
e injusto.

7. TRAÇOS COMUNS AOS INSTITUTOS

Em todos os casos citados, estado· de necessidade, co-


ação irresistível, exercício de direito ·ou obediência hierárquica,
se neles o fato em si pode, a rigor, afetar a moral, embora ex-
culpável, ou vitimar um inocente, na legítima defesa, como põe
em destaque Ugo Conti, a reação é sempre plenamente Iegítíma,
dirigindo-se contra um ataque injusto, e não dando lugar, em
~, Ugo Conti, Della Imputabilitá, e Delle Cause Che La Escludono
º Vincenzo Cavallo, L'Esercizio del Diritto nella Teoria Generale
2 o La tnmimuscono, colaboração ao Completo Trattato Teorico e Pratico
del Reato. Napoli, 1939, p. 129 e 130. di Diritto Penale, de Pietro Cogliolo, Milano, 1890, v. 1, parte 2.ª, p. 65.
LEGÍTIMP, DEFESA 15

Até então; era um dever que se transmitia de parente a pa-


rente próximo, numa sucessão de alternativos e recíprocos aten-
tados que, extirpando vidas, enfraquecia o poder dos grupos,
chegando a aniquilá-los.
Substituindo a violência, a pena pecuniária amenizou a
praxe da vingança, tão abusiva aponto de permitir a entrega do
CAPÍTULO II assassino ao clã da vítima para o castigo.
O talião é pena intermédia, forma mais rudimentar e re-
mota do instituto da legítima defesa; a vingança já é limitada
A LEGÍTIMA DEFESA NA HISTÓRIA DOS POVOS quanto à essência da punição e à medida do direito material.
Admitido pela lei de Moisés, era exercitado com extremado ri-
?
8 ... sentido histórico do 'jurista. 9. A legítima defesa na anti-
gor ou excessiva indulgência.
g~1~ade. 10. Idem. Mesopotâmia. 11. Idem. Israel. 12. Idem.
Hititas, 13. Idem. Grécia. 14. Idem. Egito. 15. Idem. índia. O período da composição abriu claros à concórdia e à paz,
16. A_ le_giti~a de~esa no direito romano. 17. A legítima defesa com a reconciliação e o perdão, marcando uma etapa de acen-
no direito interméâio italiano. 18. A legítima defesa no direito tuado avanço do direito penal.
germânico. 19. O Código da Baviera, de 1813. 20. A legítima A legítima defesa, ao lado de constituir um direito natural
defesa no direito canônico.
do indivíduo, vai receber regulamentação incipiente, quando,
8. O SENTIDO HISTóRICO DO JURISTA até então, não fora contemplada no direito ;positivo dos povos.
. Embora tendo no instituto sua explicação biológica, não
O instituto da legítima defesa refletiu em todos os tempos foi, entretanto, afirmada nas primitivas formas de grupamentos
~ma necessidade imposta ao homem pela leí natural, sendo por humanos.
isso mesmo reconhecida no direito das gentes como a harmonio- Janka anota ser um erro ver na legítima ' defesa um direito
sa manifestação dos sistemas jurídicos que as regeram durante que existia fora do Estado, pois antes dele nenhum direito se
sua longa evolução social. firmara; só após a união dos indivíduos em uma comunidade
foi que nasceram e se desenvolveram os direitos em geral.
O sentimento de justiça que dominava as relações entre os
Caberá ao jurista, aceitando o conselho de Cifuentes, sobre
grupamentos, sob a influência da superstição e da maldade, outro
o estudo genérico das instituições, recolher da experiência his-
não era senão o que resultava das guerras, nascidas do· extra-
tórica, desenvolvida em torno deste importante instituto de di-
vasamento da vingança.
reito público, o que ele realmente oferece de benéfico, purifi-
A legítima defesa caminhou em· paralelo com esse senti- cado e expungido cuidadosamente da rotina, dos preconceitos
mento, que tinha naquela espécie de justiça sua forma de ex- e dos anacronismos. 1
pressão mais primitiva e mais grosseira. Na tarefa que objetiva a definitiva construção do instituto,
A vingança era largada ao alvedrío da família, ainda sob o elemento histórico é, com efeito, indispensável à exata inter-
estado natural. pretação teleológica do direito vigente.
Direito pessoal, a repressão se fazia pelo processo da vin-
gança privada, só ultrapassando essa fase doméstica ao assu- 1 Rafael Llano Cifuentes, Curso de Direito Canônico, São Paulo
1971, p. 7.
mir a feição de vingança pública, regulamentada.
MARCELLO J. LINHARES 17
LEGÍTIM.'\. DEFESA

Nü rá o lado prático, apenas, o ângulo visual do advo- 2. Se um ladrão é surpreendido rompendo a porta de uma
r· ~o que Ih dará maior interesse, como se refere Jiménez de casa ou perfurando o muro para nela penetrar, é ferido e morto,
A ua: é pr~c~so, antes, pesquisar novas bases de seus pressu-
quem terá ferido não será culpado de sua morte;
postos, corrigir-lhe os erros, para melhor solução dos proble-
mas que a vida incessantemente suscita, :; ou como adve tí: 3. Quem matar um ladrão em pleno dia será punido com
Carra ., . ' rira pena ele morte por ter cometido homicídio; ou, se acontecer de-
ra, ~ ciencia moderna deve construir a teoria sobre bases-
nov~s, de~x~ndo as hipérboles, os exageros e a casuística da pois do nascer do sol, comete homicídio e por isso morrerá.
antiga pratica. O Capítulo XVII do Deuteronômio previa como de difícil so-
lução os casos de homicídio, assegurando, entretanto, proteção
9. A LEGíTIMA DEFESA NA ANTIGÜIDADE a quem o cometesse involuntariamente, ou por simples culpa.
O criminoso inocente não poderia ficar exposto às perse-
. A exemplo do que ocorreu com os demais institutos jurí- guições naquela sociedade patriarcal onde a pena de talião, a
dicos, a legítima defesa permaneceu na antigüidade e f vingança do sangue, significava o traço supremo de solidarie-
embrionária. m ase

Suas ==
se perdem na gênese da própria raça humana
desde qua~a?, para reprimir os instintos nascidos na caverna
dade.
A indistinção entre homicídio involuntário e homicídio
culposo poderia gerar uma série interminável de execuções pu-
nitivas; para evitá-las, criaram-se as cidades-refúgio, onde era
~a~ç~u Mo1ses aquele código "semi-selvagem e semi-sublime
c~:ca :, ~epassado de "crueldade taliônica e lapsos de incon~e exercido o direito de asilo.
ciencia infantis". a · · A legítima defesa encontra, nestes dispositivos, e ao lado
do homicídio involuntário, uma forma rudimentar de regula-
r . Ao lado __ das normas jurídicas que influenciaram todo O di
mentação: "o teu olho não poupará: vida por vida, olho por olho,
-~Ito subsequente, em relação a essa forma primitiva de defesa
dente por dente, mão por mão, pé por pé" (Deut., XIX, 21);
a~nda ressoa, no Antigo Testamento, a fala da planície do Jor
"quando houver contenda entre alguém e vierem a juízo, para
· ·· "para· que o vmgador
dão · do sangue não persiga o homicida
que os julguem, ao justo justificarão e ao injusto condenarão"
qua~do se lhe enfurecer o coração, e o alcançar, por ser longo o
(Deut., XXV, 1); "se o inculpado incorrer na pena de açoites,
cammho,. e, lhe tirar a vida; entretanto, contra esse homem não
o juiz fá-lo-á deitar-se e aplicará o número de golpes propor-
se proferira sentença de morte, porque não havia ódio nem
ontem, nem anteontem." 4 '
cional à sua culpa" (Deut., XXV, 2).
Ai estão esboçados os conceitos fundamentais da legítima
t O Capítulo XXII do 1!:xodo, contendo preceitos concernen defesa: a repulsa, em igualdade ao ataque; o reconhecimento
:s. ao furto, etc., fornece uma forma vaga e embrionária da le da conduta justificada; e, por fim, a necessidade da moderação,
gítíma defesa:
como critério avaliador do comportamento do agente.

:.! Luis Jiménez de Asúa Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires 10. "Idem". MESOPOTÂMIA
1952, t. IV, p. 24 e 26. '
ª Henry Thomas, História da Raça Humana, 3.ª ed., Porto Alegre O direito na Mesopotâmia era de constituição divina, atu-
4
Deuteronômio, XIX, 6.
ando o príncipe dos sacerdotes sumérios em representação do
18 MARCELl,O J. LINHARES I ,f.OÍTIMA DEFESA 19

deus da cidade e ao mesmo tempo come juiz supremo do seu 11:11


âmbito territorial.
Uma de suas mais importantes obras legislativas, o Código nc pção mais humana do dí-
de Hammurabi, 5 inspirou-se nas leis de Moisés e na revelação dos d através de modificações da
preceitos 'do Decálogo. 1 t rant .s.
Compreendendo 282 parágrafos, além de prólogo e epílogo, Tora 7 se impregnam,
inclui as leis da Assíria Média e escassos fragmentos dos esta- preocupação que re- _
tutos jurídicos neobabilônicos. d , inspira também
N1:1. parte destinada ao direito criminal, a prática suméria
prevê a indenização; a semita oriental, de acentuada influência xt · nam das gran-
no código, aplica o talião (olho por olho, dente por dente) e, com nqiu ut ódigos de Ham-
mais freqüência, a pena de morte. voltam à proteção do
Embora mais cruel, distinguia o direito dos assírios os deli- 1 s o estudo e a solução dos
tos voluntáríos dos culposos, admitindo escusas absolutórias por
fatos cometidos sem intenção criminosa.
A primeira parte do Código de Hammurabi é dedicada ao
direito de propriedade e nela está disciplinada; a faculdade de
poder matar quem fosse encontrado apropriando-se de bens
alheios.
Permitia por igual a repressão com a morte, nos casos de 1111 111 H
furto de escravos, de propriedade da Corte ou de libertos. 1 t ra teoricamente igual para todos, especialmente no
Era a honra suscetível de direito de defesa. Se alguém vio- , t 111· crtmlnal, onde não se estabeleciam privilégios de castas e
lasse a mulher que ainda não tivesse conhecido homem, vivesse , vnm identicamente os culpados de crimes.
1p 111
na casa paterna e tivesse contato com ela, sendo assim surpre- p rmítído transgredir-se uma norma legal quando se
1
endido, este alguém deveria ser morto e a mulher iria livre. 1 1 • ol11 l1 t o por ameaça de morte, é para salvar-se a vida, por-
Em caso de flagrante adultério também se admitia a defesa 11111 11 lG, rltura quer economizar a vida de um homem.
da honra. Encontrada a esposa deitada com outrem, poderiam M , se se trata de cometer uma morte, haverá de todas as
os dois ser amarrados e atirados-dentro d'água, ressalvado ao
111111H Iras a perda de vida de um homem; então, é melhor per-
marido traído o direito de perdoar ,o erro da mulher e ao rei o tlt ,. rópría vida sem cometer um crime, que causar a perda
de salvar a vida de seu súdito. 0
d I v l de um próximo praticando um crime.
a Hammurabi foi o 6.º rei da primeira dinastia semítica na Babi-
Talmud s assim se expressa: se se vê alguém que se afoga,
lônia (séc. 23 a,C.), identificado pelos assiriólogos como Amraphet do , 111 tacado por animal feroz ou por assaltantes, existe a abri-
Gênese <XIV, 1), reinando durante 55 anos, Seu código foi descoberto
em Susa., inscrito em uma estela de pedra, encontrando-se no Museu , Tora é o conjunto de leis extraídas dos cinco primeiros livros
do Louvre. É a mais velha coleção de leis conhecida. 1111 1 blla que formam o Pentateuco.
· 6 Robert Fra-:ncis Harper, The Code of Hammurobi, King of Ba- O Ta lmud é o nome sob o qual designam os judeus a vasta
, bylon, 2.ª ed., London, 1904, ~ 129. 1 ,1111pll cão das tradições orais, religiosas e civis interpretando a lei
20 MARCELLO J. LINHARES L'EGÍTIMA DEFESA 21

gação de salvá-lo, porque está escrito: não te porás contra o ,,.. 11 l'l'l'l'A
sangue de teu próximo (Levítico, Cap. XIX, v. 16).
, ot·<I .·oclul s regia por um código em
,111
Reconhece o Talmud outra classe de homicídio, o prati-
, , 1, d11 tlt•n111l e• dl ri ntais, pelo conteúdo de
cado em legítima defesa. Assim o Sanedrin estabeleceu que se
•11111·<1111Hlo trt os d contato com as leis
tem o direito de matar a quem se introduza no domicílio com o
rompimento de obstáculos, salvo quando se tenha a certeza de
111• p o do ''oi I t< 1 o · olh , dente por: dente".
que o intruso não leva a intenção de matar. Se o ladrão pene-
1111 v1d II l 1 1 1 /1 .I' lalíonis, se substituía
1

tra numa porta aberta, não se pode dar morte sem adverti-lo
e sem que haja convencimento de que se apresta a matar.
qu o assassino
Se um homem atacado mata seu agressor, quando possa , "dando" indiví-
evitar, merece pena de morte.
Deste modo, como discorre Goldstein," se legisla uma das
1 11111111 11 11 t dt I' <' 1 <' í
figuras mais importantes do direito penal, a que se refere à con-
e 1,1111111 ct I lt qw Jt u um de seus membros (Moshe Pearlman,

servação da própria vida, evidenciando até onde chega a posi-
N11 I tu o <I M isé , p. 135).
ção do legislador em salvaguardar a pessoa humana e sua abso-
risticas do império hitita contrastam mui for-
luta integridade, baseado no preceito dos dez mandamentos -
. demais políticas orientais do segundo milênio
"não matarás".
111 .e clt , como anotou Ceram, 10 dando um valor econô-
o·roubo noturno, com escalada ou rompimento, outorgava 111 lrn 111.> Utuivel à concepção de vida e subordinando a moral
ao dono da propriedade o direito de matar impunemente o seu d11 111 1 vfduo às necessidades econômicas da comunidade, isso
autor. Não podia ferir nem matar se o delito se cometia durante 1 1 i bíblica, em oposição, sustenta ser a vida humana

o dia e sem perigo de vida do domiciliário. , prema, excluindo a idéia de poder ela ser medida em
l I r 111111 1 dinheiro ou de propriedade. A culpa do assassino é ín-
Havia, destarte, uma espécie presumida de legítima defesa, 1 orque a vida assassinada é inestimável (Pearlman, ob.
que as legislações posteriores introduziram em seus diplomas,
como fórmula privilegiada: era essa da conduta violenta utili-
zada contra o ladrão noturno; .quem durante a noite manifes- l :1. "Idem". GRÉCIA
tasse o propósito de roubo, escalando o muro de uma proprieda-
de ou tentando arrombar a porta de entrada de qualquer pré- ispunha as leis criminais do Areópago J] que o cidadão,
dio, poderia ser contido por uma reação, até com sua morte. 1•1111 trangído pela necessidade, podia substituir momentanea-

C. W. Ceram, O Segredo dos Hititas, trad. de Milton Amado,


111
u Mateo Goldstein, tierecno Hebreo a través de la Biolia y el
11,,10 Horizonte, 1959, 3.ª ed., p. 203. ·
Talrnud, Buenos Aires, 1947, p. 89 e segs,
11 O Areópago era célebre tribunal ateniense, composto de nobres,
1 11m poderes para o julgamento das causas de maior importância. SuaE
de Moisés, das discussões que têm dado lugar e das decisões mais im- ,1 õ s se realizavam numa colina consagrada ao deus Marte (Arés,
portantes dos doutores da lei. Murt ; pagos, monte).
LEGÍTIMA DEFESA 23
M ARCELLO J, LJNHARES

11. "Jd. m", EGITO


mente a autoridade na reação de um fato que pessoalmente o
lesasse. r putação de sabedoria, auréola de uma velha his-
A despeito disso, e de haver em Atenas um tribunal desti-
pr porcíonou aos antigos o mais belo exemplo do
nado a julgar os homicídios que se sustentavam legítimos, não
ill1 1111 11111 1, nd o primeiro povo que conheceu o alto poder
surgiram nas leis gregas, entretanto, aqueles critérios nítidos
, p(1l1l1 r venção e repressão dos delitos.
com os quais os romanos armaram a legítima defesa.
No exagerado casuísmo de sua legislação penal, definiram ,., l L 1 gisladores desta gente tra-
os gregos várias espécies de homícídío, dentro das duas classi- l 1sl v com penas posterio-
ficações genéricas de homicídio doloso e homicídio involuntário. j 1 fz , e lebrado antes de
Discorre Platão 12 que se a Iegítíma defesa não podia ser d pessoas, sacer-
reconhecida em favor de quem estivesse na iminência de morte,
acometido por seus progenitores, pois nenhuma lei permite· a Ib m e usar dano a qualquer
J.)J'
eliminação do .próprío pai ou da própria mãe, esse direito era, uma célebre lei de atares, que con-
porém, afirmado . em relação ao irmão assassino do irmão em matas um boi, se caracterizavam por
uma desavença ou em situação semelhante.
A defesa se exercitava como se tivesse de ser dirigida contra
1 1 gípcía distinguiu o homicídio premeditado
um inimigo.
cl) lu l ímples e mais tarde·previu o homicídio violento
A mesma regra se aplicava ao cidadão em luta com outro,
, -env n n mento.
ou ao c~so de estrangeiros que conflitassem entre si; e idêntica
orientação regia os conflitos entre o cidadão que matasse um direito de perseguir o assassino era um princípio outor-
estrangeiro e vice-versa. à familia da vítima, podendo em certos casos avocar o Es-
No tocante ao direito de propriedade, se alguém matasse o sse direito, interferindo de ofício ..
ladrão noturno que lhe invadisse o lar para roubar, ou um as-
No século II é punido o homicídio com a pena de exílio e
saltante, não seria criminoso; também lícita era a legítima de-
110período dos papiros bizantinos o habitante de uma pequena
fesa contra quem violentamente cuidasse de roubar durante o
1 de que matasse um de seus companheiros ficava sujeito ao
dia. 13
PI amento de uma multa ou compensação. H
A defesa da honra abrangia: o caso de quem reprimisse a
ação do violador de mulher livre ou de um jovem; o ofensor po- No caso singular da legítima defesa, baseando-se em sen-
dia ser assassinado pela vítima, pelo pai, marido, irmãos ou t, nças e decretos dos reis, o direito punia todo aquele que, po-
filhos dela. cl ndo, deixasse de prestar auxílio a quem estivesse sofrendo
A defesa de terceiros era por igual admitida se. não tivesse ressão, pois deviam os homens ser guardiões entre si e nessa
o agredido provocado . a ofensa. 1· cíprocidade de deveres encontrariam uma via de fortaleci·
in nto e prevenção contra os malfeitores.
n Platão, "Dialogues, Laws", IX, Great Books, Enciycl. Britannica,
Chicago, 1952, p. 751. 11
Raphael Taubsenschlag, The Law of Greco-Roman E9•ypt in
13 Toonissen, Le Droit Pénal de la République Athenienne, Paris, l lt e Light ot the Par,iyri, p. 429 e segs.
1875.
24 MARCRLLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 25

J 5. "Idem". ÍNDIA Para se ter idéia da importância que se dava à defesa de


111 brâmane, recorde-se que era um sacerdote da religião de
A tradição na Índia distinguia duas sortes de litígios: os de Brama, considerado deus entre os homens, São os senhores guru
direito civil e os de direito criminal (himsasamudbhava). quem todos devem obediência, supremos mentores .da ordem
Usurpando dupla função, vela o rei pela observância da le humana (cf. glossário organizado para a versão portuguesa de
galidade e toma a iniciativa de promover o direito com a pro- J1 Cidade Antiga, de Foustel de Coulanges, Lisboa, 1950).
mulgação de leis novas. Outra regra, ainda mais incisiva, dispunha que "um homem
As instituições religiosas e civis, conhecidas como as leis li veria matar, sem titubeios, a quem quer que contra ele se
de Manu, JG no "ofício dos juízes" e no "capítulo das leis crimi- 1 nçasse para assassiná-lo, desde que não houvesse meio de
nais", asseguravam aos Dwidjas o direito de usarem das armas capar, mesmo que o agressor fosse seu diretor ou chefe, uma
quando fossem turbados nas práticas de seus deveres, ou quan- ríança, um velho ou um. brâmane muito . versado nas Sagra-
do, subitamente, um desastre afligia as classes regeneradas. cl s Escrituras".
Para sua própria segurança, em uma Juta empreendida para o direito de defesa se estendia aos casos de tentativa de
defender direitos sagrados, ou para proteger uma mulher ou morte: "matar a um homem que comete uma tentativa de as-
um homem ou um brâmane, quem matasse justamente não te- ssinato em público ou em lugar privado, não induz culpa ao
ria culpa alguma. matador; é o furor em combate com o furor". ,1o_

1 :; O livro das leis de Ma nu é conhecido como Mana va-Dharrna- 16. A LEGíTIMA DEFESA NO DIREITO ROMANO
-Sastra. Manu é o nome invariável dos catorze personagens heróicos
da índia, cada um o chefe e o princípio de um período de tempo, ao
Segundo os textos romanos, repelir a violência pela violên-
fim do qual experimenta o mundo uma destruição transitória. Embora
reine certo desajuste em relação à época em que foram redigidas estas ·1 é direito universalmente reconhecido, tendo como fonte a
Ieís, as investigações de Buhler colocaram fora de dúvidas que o código iuituralis ratio.
data do século II a.e., ainda que o núcleo principal, em forma de sutras, o Digesto assim o afirmava: "iure naturali hoc evenit ut
proceda de idade ainda mais remota. tJuid quisque ob tutelam corporis sui fecerit iure 'fecisse existi-
O código de Manu integra a coleção dos livros brâmanes, em quatro
compêndios: o Maabarata, o Omaiana, os Purunas, e as le's de Manu.
meiur" (De iustitia et iure, D. 1, 1, fr. 3).
Teria sido promulgado dez séculos depois do código de Hammurabi, e ins- Assegurou Fioretti ser debalde interrogarem-se as fontes
tituiu a vida estatal, o culto e as relações civis e criminais. É mais uma d> direito romano "procurando surpreender uma sociedade hu-
compilação de leis refletindo o pensamento hindu no período budista. m na no momento em que a idéia vai se esboçando no espírito
O livro primeiro das leis de Manu cuida da criação do mundo: o e• níuso dos povos primitivos. Na época a que remontam os prí-
segundo, dos sacramentos e do noviciado; o terceiro, do matrimônio e m iros documentos do direito romano esse instituto já estava
dos deveres do chefe da família; o quarto, dos meios de subsistência; o pi namente desenvolvido". 17
quinto, das regras de abstinência e purificação; o sexto. dos deveres
do anacoreta e do asceta; o sétimo rege a conduta dos reis e da classe 111 U.iys de Manu, tnstitucumes Religiosas y Civiles de la Ituiia,
militar; o oitavo refere-se ao oficio dos juízes e contém as leis civis e vors 10 do francês de Eduardo Borrás, Buenos Aires, 1945, ns. 348 a
criminais; o nono, às leis civis e comerciais; o décimo, às épocas de
1, p. 200.
penúria; o décimo primeiro, às penas; e o último, à transmigração da 11 Julio Fioretti, Sobre a Legítima Defesa, trad. de Otavio Mendes,
alma e à baatítude final. 1 d., Lisboa, 1918, p. 23.
LEGÍTIMA DEFESA 27
26 MARCELLO J, LINHARES

priedade, do direito penal e do direito público em geral (l.º pe-


Como adiante se mostra no exame do alcance (honra e ríodo da Repúl:f.l.ica: 453-451 a. e . ) .
pudor) e dos requisitos do instituto (agressão atual e iminente),
Conserva o talião, o que significa dizer que a vingança pri-
com a remissão a textos latinos originais, o direito romano re-
vada, não contida dentro de seus limites, é ilícita. Expungindo a
conhecia a legítima defesa pessoal, mas só a admitia ncfs limi-
vingança privada, regulariza a composição e, por fim, nivela as
tes da necessidade e da inevitabilidade, vale dizer, do modera-
classes diante das normas sancionadoras, estabelecidas pelo di-
men: Sin autem cum possit adprehendere eum·maluit occidere,
reito penal.
magis est iniuria fecisse videatur ergo et Corneliae tenebitur
(D. 9, 2, fr. 4) ou: Qui cum aliter tueri se non possumt: damno Referindo-se particularmente ao direito de legítima defesa,
innoxii sunt (idem, ibidem, fr. 45, § 4). Falava de quem prefe- o i~c. XII, concernente ao díreíto penal, dispunha que, "se al-
risse matar quando poderia prender ( o ladrão) , porque aí se es- guém cometer um furto à noite e for morto, seja ocausador da
taria cometendo maior agravo, ficando também sujeito à lei morte absolvido" (si nox furtum faxit, euni aliquis occidit, iure
Cornélia. Os que não podiam defender-se de outro modo, não caesus est).
seriam culpados de dano. O direito incondicional de matar o ladrão noturno teve,
A cíêncía romana, como lembra Tancredi Gatti, 18 não dei- todavia, efêmera duração. Gaio impôs-lhe uma primeira condi-
xou de colocar em relevo bem como de acentuar o caráter es- ção: "Lex Duodecim Tabularum furem noctu âep: ehensum
quisitamente subjetivo e o fundamento estritamente biológico occidere permittit, ut tarnem et ipsum cum clamore testifice-
e instintivo da descriminante, fazendo alarde da "naturalis ra- tur" (Dig., 1. 4, ad legem Aquiliam). 10
tio" : Si servum tuum latronem insidiantem mihi occidero se- . Uma segunda condição ao limite natural do direito surgiu
curus ero; nam adversus periculum naturalis raiio permittit se em Ulpiano: "Furem nocturnum si quis occiderit, ita demun
âetenâere (D. 9, 2, fr. 4, Gaius) , isto é, se eu matar teu escravo impune feret, si parcere ei sine periculo suo non potuii" (Dig.,
ladrão, que me espreita, ·estarei sossegado, pois a razão natural 1 . 8, ad legem Corneliam de sicariis) .
permite defender-se contra o perigo. Afinal, as Institutas de Justiniano dispunham: "Qni la-
Certo é terem os rudimentos do instituto surgido com a Lei tronem occiderit non tenetur atque si aliter periculum etiuqere
das XII Tábuas, que, com o Corpus turie, recopilado por Justi- non potesi" (IV, 3, § 2.º).
niano no século IV, constituíram-se nos dois diplomas funda- Essas restrições limitaram, assim, o amplo e primitivo con-
mentais dos romanos. ceito da legítima defesa. contra os ladrões, não sendo ela per-
Redigida 550 anos a. C. , pelos magistrados designados pelo mitida senão nos casos de furtos na zona rural, onde as condi-
povo para compendiar o direito consuetudinário pelo qual vinha ções de assistência e segurança oferecidas pelo poder público
se regendo (os decemviri legibus scribundis), e com o objetivo de
dar-lhe forma estável, a Lei das XII Tábuas inspira-se em igual- 1n "Montesquieu escreveu que a Lei das XII Tábuas permitia matar
dade social e política; sua eficácia foi longa no tempo como lei o ladrão noturno, tanto quanto o ladrão diurno que, sendo perseguido,
fendia-se. Mas ela queria que aquele que matasse o ladrão gritasse
penal fundamental; consolidou preceitos do direito processual,
, chamasse os cidadãos; e isso é algo que as lels que permitem fazer
. do direito de família, do direito sucessório, do direito de pro- Justiça com as próprias mãos devem sempre exigir. É o gríto da ino-
c• nela que, no momento da ação, chama testemunhas, chama juízes"
rs Tancredi Gatti, L'Imputabilitá, I Mbventi Del Reato E La Pre- 1 o Espírito das Leis .. São Paulo, 1973, p. 475).
venzione Criminale Negli Statuti ltaliani Dei Sec. XII-XVI, Padova, 1933.
28 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 29

eram evidentemente menos eficientes do que as oferecidas nas uma violência com outra. Quando um tribuno militar quis abu-
cidades (L. 1, Cod. quando liceat unicuique). sar licenciosamente de um soldado do exército de Caio Mário,
Em Cícero teve o instituto da legítima defesa sua mais plena parente deste general, foi morto por aquele, a quem fez a vio-
consagração. lência; porque o honesto mancebo antes quis arriscar a vida que
Desvinculado de qualquer escola, mas sentindo os influxos ometer tal torpeza; e a este livrou aquele grande homem de
da estóica, a que pertencia seu mestre Possidônío, defendia a perigo absolvendo-o do crime. Mas a um traidor, a um ladrão,
tese que o direito não é produto de arbítrio, mas um dado da que injusta morte se pode dar? Para que são estas nossas comi-
natureza: "natura iuris ab hominis repetentia est natura"; lei tivas? De que nos servem as espadas que de nenhum ínodo seria
eterna, expressão da razão universal. lícito trazer se não fosse para usar? Há, sem dúvida, Juízes, esta'
Em defesa de Milão, assassino de Clodio, partiu da argu- lei, não escrita, mas congênita, que não aprendemos, ouvimos
mentação de que nem tudo que é posto como direito é justo, ou lemos, mas participamos, bebemos e tomamos da mesma na-
porque, se assim fosse, o direito das tiranias seria justo. Há, en- tureza, na qual não fomos ensinados, mas formados, nem ins-
tretanto, um justo natural, imutável e necessário; "est quidern truídos, mas criados: que se a nossa vida criar em algumas ci-
vera lex recta ratio naturae conçruens, diffusa in onines, cons- ladas, e insultos e armas de inimigos e ladrões, todo modo de a
tans, sempiterna". alvar nos seja lícito. Porque as leis guardam silêncio entre as
Para justificar a repulsa pela força à agressão injusta, dis- armas; nem mandam que as esperem, quando aquele que as qui-
se: "a sabedoria da lei nos dá, de um modo tácito, a faculdade ser esperar primeiro há de pagar a pena injusta do que satisfa-
de nos defendermos, pois não só proíbe matar um homem, senão zer-se da merecida. Posto que com suma prudência, e como ta-
conduzir armas com intenção de fazê-lo; quer se julgue a inten- citamente a mesma lei dá poderes de nos defender, não só proi-
ção e se determine se as armas se levam para defesa própria ou bindo o homicídio, mas estar com armas a esse fim para que
com o propósito de matar alguém; estabelecido este princípio, quando se devassasse da causa, e não das armas quem para sua
não duvido de minha causa se tiverdes presente, e não podeis defesa usasse delas, se não julgasse tê-las para cometer homicí-
. esquecê-lo, que há um direito de matar a quem nos queira tirar dio. Portanto, Juízes, fique isto assentado na presente causa;
a vida". pois estou certo vos hei de provar a minha defesa, se vos lem-
brardes de que Vós não podeis esquecer que o traidor pode ser
A seguir, !!0 "ademais, se as XII Tábuas permitem que se
mate um ladrão durante a noite sob qualquer circunstância e morto com justiça". ~1
durante o dia se vá armado, c~mo se pode pensar que sejam Depois de se reportar aos fatos, à troca de golpes entre
quais forem as circunstâncias em que se mata alguém se deva Milão e Clódio, concluiu: "O agressor quedou vencido; a força
castigar o autor, quando se comprova que as mesmas leis nos oi rechaçada com a força, o valor triunfou da audácia. Se a ra-
põem as armas na mão para matar alguém?" zão dita aos doutos, a necessidade aos bárbaros, o costume aos
povos organizados e o instinto às feras que rechaça, em qual-
Prosseguindo: "por certo que se algum tempo há de matar
quer caso e por todos os meios possíveis a violência contra seus
um homem com justiça, cujos tempos são muitos, certamente
orpos, e vidas, não podeis Vós, Juízes, condenar a ação de Mi-
aquele é não só justo mas necessário, quando temos de repelir
l~ o sem declarar ao mesmo tempo que todo homem coagido
20 Marco Tulio Cicerón, En Defensa de Milón, introd., versão e notas ~1. Cícero, "Pro Milone", in Orações, trad. de P. A. Joaquim, Clá~-
de Juan Antonio Ayala, México, 1963, p. 17. . I os Jackson, v. 2, p. 6.
LEGÍTIMA DEFESA 31
30 MARCELLO J. LINHARES

e P~o~o, 26 o instituto se aplicava no direito romano à integrida-


por ladrões deve morrer nas mãos destes ou por Vossas sen-
de tísíca, sendo abrangente do direito à vida e saúde, do pudor
tenças". 2~ e dos bens, desde que envolvesse neste caso, concomitantemente
Apoiou-se Cícero em uma norma extrapenal que, conquan- proteção à pessoa. '
to não escrita, disciplina um desses casos em que a conduta se
compreende no exercício da liberdade, abrangente, essencial e Se alguém repelir com a espada o agressor que o ataca não
é responsabilizado como homicida porque de modo nenhum pa-
obrigatoriamente, do direito de vida.
rece haver delinqüido o defendente da própria vida: "si quis per-
Vários séculos antes de Cícero, já falava Aristóteles na jus-
cussorem ad se venientem gladio repuderit, non ut homicida te-
tiça e na injustiça que o homem tem, de algum modo a intui-
netur; quia defensor propriae salutis in nullo pecasse videtur"
ção, e que são comuns a todos, mesmo fora de toda comuni- (Cod., 1. 9, t. 16, fr. 3; Gordiano).
dade e de toda convenção recíproca. É o que expressamente diz
Tornou-se abrangente a defesa de terceiros em casos de
a Antígona de Sófocles, quando, a despeito da proibição que
vínculos domésticos, hierárquicos ou militares, indispensáveis
lhe foi feita, declara haver procedido justamente, enterrando
entre o defensor e o agredido.
Polenice: "era esse seu direito natural; não é de hoje, nem de
ontem, mas de todos os tempos que estas leis existem· e nin- As. normas gerais que inspiraram a legíslação romana para
guém sabe a origem delas". as o reconhecimento do direito de defesa, segundo La Medica 21
Daí por diante, este princípio de direito natural, assim re- eram estes: o critério da agressão injusta (iniusta aggressio)
velado com tanta propriedade, converteu-se em norma expressa apr:ci~da independentemente da vontade delituosa do agresso~.;
o díreíto de defesa decorre da necessidade de se conservar a si
no direito romano, inscrito no Digesto logo 'em sua primeira
página; e passou a reger, indistintamente, as questões relacio- n:esmo (ob tutelam corporis sui); e o da necessidade atual (pe-
riculum praesens), devendo essa necessidade de defesa apare-
nadas 'com a responsabilidade penal e civil, prestigiado também,
cer como simples e absoluta, na expressão de Cícero - "atque
neste último campo, pela decisão de Gaio, segundo a qual aque-
eiam hoc mihi videor dicere, esse necessituâines quasdam sem-
le que mata um escravo em defesa de sua própria vida não deve
plices ac absolutas, quasdam cum aâiunctione, . . Puto içiiur
ser compelido a compor os prejuízos causados por sua morte. 24
esse, hanc necessitudinem cui nulla vi resisti potest quae neque
Como deflui da conceituação doutrinária de quantos cui- mutari neque laesione potest".
daram da legítima defesa, sobretudo dos textos de Ulpiano ~5
l 7. A LEGfTIMA DEFESA NO DIREITO INTERMÉDIO
22 O trecho principal da oração Pro Milone, em latim, é este: "Est
igitur haec no1J- scripta seâ nata léx, quam non dídicimus, accepimus, ITALIANO
legimus, verum ex natura ipsa adripuimus, hausimus, expressimtlS: aâ
quam non âocii, sed [acti, non instituti, seâ imbuti sumus; ut si vita Elaborado o· instituto, sofreu ele, durante a Idade Média a
nosira in aliquas insidias, si in vim et in tela aut latronttm aut ini- nfluência de elementos germânicos e canônicos. O Edict~m
micorum incidisset, omnis honesta ratio esset expediendae salutis. Silent
Theodorici reproduziu as normas do direito romano.
enim leçes inter arma nec se expectari tubent, cum ei qui expectare
velit ante iniusta poena luenda sit quam iusta repetenda".
~,1 Aristóteles, Arte Retórica e Arte Poética, São Paulo, 1964, p. 84.
2" Paolo: "vim vi repellere licet omnes leges omniaque iura per-
mtttunt".
~. Gaio: "adversus periculum naturtüis ratio permittit se def en -
~7 Vincenzo la Medica, O Direito de Defesa, trad. de Fernando
ciere".
Miranda, São Paulo, 1942, p. 15.
UI piano: "vim vi repellere licet que ius natura eomparaiur",
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 33
32

Nesta fase ulterior de seu desenvolvimento jurídico, a le- Em sua Practíca Criminalis, Blancus, depois de definir a
gítima defesa tem como elemento básico, como fundamento legítima defesa como "iuris permissione, si quis ad defensam
biológico, o incoercível e insuprimível instinto de conservação: vitae suae alíum interfecerit, quia vim vi repellere licet et se
Item licitum est occidere vel offendere illum qui te aggreditur dejendere, omnes legs omniaque iure permitiunt", esclarecia que,
cum gladio evaginato irato animo scilicet animo occidendi; isto por ela não só o agredido tinha o direito de matar o agressor,
é, é igualmente lícito matar ou ferir aquele que, de espada de- mas também o filho o direito de defender o pai, o neto o avô,
sembainhada, te agride com ânimo encolerizado, com a inten- o irmão a seu irmão, o marido a esposa, o amante a sua con-
cão de matar (Bonifácio de Vitalinas, Tratado dos Delitos: cubina, o sócio a seu sócio, o amigo a seu amigo, o criado a seu
Quem pode ferir a outrem). No mesmo sentido a doutrina: amo, e mesmo ao estranho era lícito defender outro estranho.
Paulus Grillandi, De Relaxatione Carceratorurn Tractatus, De No direito intermédio, a defesa da propriedade e da honra
Absolutione Innocentis, Rub. 6, 4, Venetiis, Hieronymus Lilius, era tão legítima quanto a defesa da própria integridade.
excud., 1560. Submete a reação à condição de prova de ter o agente agido
Fora antes consignada nos Estatutos de Vallis Ambrae cm defesa de si mesmo.
(1208) e ' Pistorii' (1207), este consignando que "se eu souber O moderamen consiste na causa, no tempo e no modo, no-
que um cidadão matou a outro por prazer, e não para se de- tando que neste pode haver excesso e somente este deve ser
fender se tiver castelo e casa, mandarei destruí-los, e o expul- punido.
' cidade" e aquele, o do Vale do .Ambar, acentuan do " a
sarei da Farinaccio fez questão da igualdade dos meios defensivos,
não ser que tenha feito isso em sua legítima defesa" (cf. Sta- isto é, a paridade das armas: ubi quis aliquem aggredietur. sine
tuti di Valle Ambrae, Firenze, 1851, ed. Bonaini). armis, non licet adversus illum se defendere cum. armis.
Considerou-a própria a repelir ofensas à honra sexual:
Seguiram-se os Estatutos de Montagutolo, 1280, Tridenti,
"sodomitare aliquem tentans, occidi potest".
1307, Lucae, 1308, Montiscalerii, 1403, Tridenti, 1527, além de
A codificação preunítária, sob a orientação do Código Pe-
ser O assunto versado também em Constituições, inclusive na
nal francês, previu o instituto como disposição de caráter es-
Constituição Siciliana de Frederico II (1231) e em outros Esta-
pecial.
tutos (Bergami, 1221; Parmae, 1255; Pàduae, 1236; Taurini,
Mais tarde o Código Zanardelli a elevou à categoria de des-
1360, etc.), sempre presos à concepção da necessidade - "para
criminante geral, dando-lhe este conceito: "não é punível quem
se defender"; "a não ser que tenha agido em sua defesa; neste
comete o fato constrangido pela necessidade de afastar de si ou
caso esteja livre de punição"; "a não ser que tenha provado
de outrem uma violência atual e injusta".
que o matou em sua defesa"; ou "si quis vulneravit se defen-
dendo cum moderamine inculpatae tutelae." · 18. A LEGíTIMA DEFESA NO DIREITO GERMANICO
Júlio Claro, no século XVI, deu-lhe ampla definição, fun-
dando a legítima defesa no direito natural, como ela se ma- A época do predomínio dos bárbaros, ou época germânica,
nifestava para os romanos (de vim vi repellere), e a subordinou período bárbaro feudal, começa com a queda do império romano
aos pressupostos da justiça da reação e da moderação da re- ' se estende da invasão longobarda até os governos comunais.
pulsa. Prevalece nesta fase, que vai do século VI ao XI, o direito
Foi seguido. por Baldo, Bartolo, Alciato, Bossio e outros. rermâníco, invadindo todos os ramos do direito, especialmente
34 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 35

o penal. Já não é mais o direito penal primitivo como se apre- Dentro da sippe (parentela), havia um direito penal in-
senta até o século V, porque se -enriquecera e se aperfeiçoara terno, cuja pena mais grave era a expulsão, e um direito penal
atingindo acentuado grau de evolução. externo, para punir infrações de membros de uma contra os de
Segundo a antiga concepção germânica, o direito seria a outra sippe, conduzindo à faida, isto é, inimizade das sippes e
ordem da paz. Sua violação, por força de conseqüência, o rom- à vingança destinada a restaurar a honra lesada.
pimento dela; total ou parcial, conforme se tratasse de crimes A reposição da honra afetava não propriamente o culpado
públicos ou privados, se o rompimento fosse da paz pública ou da sippe inimiga, mas sim o seu melhor membro, alcançando a
da paz individual, f a ida até a quarta geração.
O direito germânico 28 não forneceu noção exata do que se A faida é, desta forma, a própria inimizade como conse-
deveria entender por legítima defesa. Pensava-se, por isso mes- qüência da vingança.
mo, negar ao agredido o uso dessa faculdade. Significa pena, estabelecida no interesse privado, e cuja
Nele atuaram o conceito da vingança privada, a composi- execução se abandona à família da vitima.
ção, a prevalência da pena pecuniária e a preocupação exclu- O Estado era indiferente, apenas reconhecendo esse direito
siva de se dar apreço ao elemento externo ou ao evento danoso e protegendo-lhe o exercício. O morto, em conseqüência da faida,
era deixado sem reparação (sine vindicta, absque compositione,
na avaliação do crime.
forbatutus) .
A presença da composição no sistema dessa primeira fase
A comunhão de sangue se apresentava como uma corpo-
da sociedade germânica denotava o atraso em matéria do ins-
ração de direito público e em seu respeito se protegiam os mem-
tituto da legítima defesa.
bros da comunidade, proporcionando-lhes a reconciliação ou
Reminiscências das leges barbarorum, inspirava-se o ins-
tocando-lhes o dever de defender o parente atacado, vingando
tituto na faida, autêntica modalidade do ius privatae violentiae
o ofendido.
(Víco) , mediante a qual ao parente do morto era assegurado o
Do século VI ao XI a faida vai se circunscrever, ínsurgín-
direito de perseguir o culpado e vingar impunemente, pela
do-se nesse período contra a vingança do sangue .
. morte, a injúria sofrida, voltando-se diretamente contra o ho-
micida ou indiretamente contra qualquer membro de sua fa- O Estado passa a reprimir os fatos contrários a seu inte-
mília. resse. Prescreve-se que a vingança não pode ser desproporcio-
nada, proibindo-a em relação aos delitos menores· mais tarde
O poder punitivo na comunidade familiar era exercido pelo ' '
também quanto aos delitos maiores.
senhor e, se era, em regra, suave; chegava até a morte, como no
Das leis que permitiam a determinada categoria de ho-
caso da infidelidade da mulher.
mens matar, sem a necessidade da composição, extraiu Fíorettíw
as o direito germânico se destacou em três períodos distintos: 1) o o embr!ão da legítima defesa entre os povos germânicos, an-
antigo, que compreendia as leis barbáricas tv otkrectit), escritas em latim glo-saxões e francos. A inexistência da composição para deter-
e baseadas em decisões populares; o mais antigo direito popular se
-crtstalíza na Lei Sálica.; 2) a Lei Carolina, ordenança para os Juízes, sn Julio Fioretti, ob. cít., p. 37
feita por Schwarzenberg e tornada lei do Império. Nela (Constitutio
Criminalis Carolina) o direito germânico, o consuetudinário tedesco e direito penal na Alemanha; 31 o direito penal comum (Gemeines
o direito romano se fundem, tornando-se as bases fundamentais do âeutsches Strafrecht), elaborado com base na "Carolina".
36 MÀRCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 37

minadas manifestações do assassinato é preliminar indispensá- O instituto da compensação, o Wergetd, * ou seja, o paga-
vel ao reconhecimento do direito de legítima defesa. mento de um determinado valor a título de indenização pelo
Para reconhecê-la, partia-se de um entendimento a con- dano sofrido, a seguir, funciona simbolicamente na morte dada
trario sensu: dispondo que determinada categoria de homicídios ao assassino, ao ladrão, ao adúltero e ao duelista: se um in-
não integrava o elenco das infrações praticadas em legítima de- truso fosse morto dentro do lar, devia-se pôr o seu corpo para
fesa, subentendia-se na lei o ·raciocínio, e .com ele a conclusão fora e sobre ele depositar três moedinhas ou a cabeça de um
inarredável, de que deveria haver casos onde a defesa era· de galo (Hahnkopf). A esta fonte de formação do instituto se dá
se proclamar. a denominação de Scheinbusse (dinheiro simbólico), ou falsa
Como no direito propugnado pelo Deuteronômio, a moda- multa, devida mesmo nos casos em que era permitido o homicí-
lidade do homicídio involuntário, a que está ligada a legítima dio (v.g., quando o proprietário dava a morte, em sua casa, a
defesa em suas origens históricas, justificava atenuação de pena, um malfeitor, e o marido ao adúltero colhido em flagrante).
sem prejuízo do direito de vingança do denominado redentor do Com tais medidas, ficava-se ao abrigo de todas as perse-
sangue. guições.'
A punição, por outro lado, podia ser convertida em exílio Esse uso é também anotado por Fioretti, com apoio em Ree
para se frustrar a vingança contra o assassino. (Die Entstchung des Gewissens, p. 118), acrescentando que em
A seguir, registra-se novo avanço na formação do instituto, outros casos, isto é, naqueles em que estava mais distanciado o
dado pelas leis visigótica e ostrogótica, as quais estabeleceram direito de matar com fundamento da friedlosigkeit (privação
que a vingança imediata de um homicídio não seria punível, ou, da paz) e mais se aproximavam do direito de uma verdadeira
em melhores termos, a morte não seria objeto de qualquer in- legftima defesa, o dinheiro era reduzido à metade. 32
denização.
Com isso, e como salientou Geyer, ªº se destacava a instan- ,:, Wergeld - "Os preços que, no direito germànco, devia o ofensor,
taneidade da reação defensiva, íuiedíata à ação, uma das prin- segundo a ofensa, pagar ao ofendido, e pelos quais se entendem valores
cipais fases do exercício da legítima defesa. e quantidades abstratas traduzíveis por objetos de troca usados em
cada uma das etapas econômicas da história primitiva, se fixavam se-
Sintetizando as regras que no direito germânico se relacio- gundo o valor social da vítima e mais tarde debaixo da influência de
navam com o instituto, lembra Mereje, 81 em primeiro lugar, novos costumes; e, ao contato do Império Romano, o foram segundo
que esse direito de matar impunemente o homicida ou alguém de o que se poderia chamar de seu valor público, isto é, segundo as funções
sua coletividade vinha do talião - mann gegen mann, o que, que exercessem e, sobretudo, os vínculos com o chefe da tribo, o rex
em síntese, seria uma forma antecipada de legítima defesa. primitivo. Representava o que valia o homem morto ou ferido; cha-
mou-se-lhes, pois, o preço do homem wergeld."
ao Geyer, Die L-ehre von der Nothwehr, Iena, 1857, p. 77: "Se um
o wergeld, enfim, era uma forma de resgate (cf. R. Salleiles, La
individualización de la pena, Madrid, 1914, p. 60 e segs.) .
homem mata outro homem e o criminoso é depois assassinado aos pés
do morto, no mesmo lugar e na mesma hora, que ele permaneça junto az No velho direito francês, influenciada pelas idéias da caridade
de seu. crime - ou então, se um homem mata outro homem e, sobre- cristã, a legítima defesa, por igual, perdia o seu caráter de direito
vindo o herdeiro do morto, fere o assassino, e o estende exânime aos para se tornar uma necessidade escusável, contida dentro de certos
pés da vítima, então fica homem por homem, isto é, vingado um limites; o homicida em legítima defesa deveria solicitar ao rei as cartas
assassinato por outro". de remissão, como um culpado necessitado de perdão (Ord. de Villers-
ai J. Rodrigues de Mereje, A Legítima Defesa, São Paulo, 1957. -ootterets, de 1539, art. 163; Grand Ord. Crim. de 1670, tit, XVI). O
o. 14. perdão não poderia ser recusado nos casos de legítima defesa da vida
38 MARCELLO J. LINHARES L EGÍTIM A D EFESA 39

Com a evolução do instituto, vai assim a legítima defesa e revolta que a violência provocava, a Lex Remiei estabeleceu
ganhando disciplina mais elástica e conceitos próprios, desta- condições segundo as quais os juízes deveriam se orientar.
cando-se da forma primitiva de assassinato não punível, en- Se era estuante a prova de legítima defesa em casos de
quanto não chegasse a atingir causa absoluta de impunidade. duelo, para obtê-la, entretanto, nas ocorrêncías de fatos insu-
Diversificada de qualquer espécie de homicídio não punido, ficientemente testemunhados, seria preciso subordinar sua va-
embora sem reconhecer isenção de culpa em favor do assassino, lidade a determinadas solenidades, autênticos rituais, constitu-
a legítima defesa surge novamente nas leis de Liutprando (ano tivos de presunções de direito em favor da incipiente descri-
de 743), segundo as quais quem matasse em sua defesa era obri- minante.
gado apenas à composição, com o pagamento do direito sim- Para ocorrer a legítima defesa, sem a necessidade da com-
bólico, quando se sabe que a pena então infligida em caso de posição, seria assim indispensável que o homicida não tocasse
homicídio doloso era a perda de toda a soma: "Si quis liber homo em qualquer bem pertencente ao morto, colocando-o com a
se defendendo liberum hominem occuierii, et si probatum fuerit, cabeça voltada para o oriente e os pés para o sentido do oci-
quod se defendendo liberum occiderit, si eum componat, sicut dente, ~obrindo-o com o escudo ou, se o não tivesse, fincasse em
in. anteriori Edicto coniinetur, quod Rotharius gloriosissimus terra uma lança, cercando-o com armas e amarrasse perto o ca-
instituii:" valo arreado e ornamentado; em seguida, denunciaria o fato
o perdão, através decretos de graça individual soberana, à primeira pessoa que encontrasse.
para solucionar os casos de infrações cometidas sob o império da Leis subsidiárias acrescentaram outros formalismos, sem
legítima defesa, veio a ser mais um elemento de· formação do cuja observância a legítima defesa não seria invocável, a saber:
ínstítúto, Mantinha-se o hábito. de condenar o homicídio dos devia o homicida marchar até o lugar habitado mais próximo,
que o tivessem praticado nessa situação, mas· assegurava-se o referir a aventura a quem primeiro encontrasse, assegurando-se,
direito ao apelo à graça soberana. 33 assim, um meio de prova (beweisferhung) quando os pais do
Afinal, para conciliar o critério da legitimidade da defesa morto davam queixa; não devia o assassino passar uma noite
de quem matasse in vindicata vel se defendendo, com sentimento sem revelar o acontecido; tinha o dever de permanecer junto
ao cadáver; deveria provar que, antes de reagir, havia recuado
H3 No instituto do Friedlosigkeit, explicou Geyer (ob. cít .. p. 76), tantos passos do agressor que o perseguia; ou que houvesse re-
como se desenvolveu especialmente no direito germânico, o agressor, em cebido lesão em alguma parte do corpo.
frente do agredido, torna-se no mesmo momento friedlos; funda-se Havia também o. costume de se perdoar o assassino, desde
. aquele direito de matar que se manteve até os últimos tempos com que obedecesse ao rito de se dirigir do local do fato ao túmulo
singular tenacidade. Quando aquele que é ofendido por um outro, ou
da vítima e vice-versa por três vezes, levando consigo sobre a
que, avocando as razões do morto, mata o ofensor, a ação não é consi-
àerada senão como uma execução que precede a condenação, segundo
cabeça uma espada. 34
a. feliz expressão de Wilda. Que, portanto, se possa falar de um direito Como se vê, se no antigo direito germânico a legítima de-
de matar na antiga legislação germânica, distinto do da legítima defesa, fesa não se emancipou daquela forma primitiva da vingança e
é um fato que se não pode negar e que tem a sua razão de ser unica- do direito de matar, em sua evolução, todavia, especialmente na
mente no Friedlosigkeit. . Idade Média, com a introdução dos direitos municipais e as
(Pierre Bouzat et Jean Pinatel, Traité de Droii Pénal et de Criminologie,
34 A espada de Dámocles sempre simbolizou a ameaça' de castigo.
tomo 1, Paris, 1970, p. 358).
LEGÍTIMA DEFESA 41
10 MARCELLO J. LINHARES

defesa na parte geral do estatuto penal, servindo de exemplo


compilações, começam a clarear, suficientemente definidos, os a várias legislações futuras.
amplos contornos do instituto. Casuísta. por excelência, uniformizou conceitos que a dou-
A Lei dos Visigodos (Lex Wisigothor11,m, 6, 5, 19, dispunha trina e a jurisprudência vinha firmando a respeito do instituto.
que "qui parricidium dum propriam vitam tuetur admiserit, A maioria de seus dispositivos ainda guarda atual oportunidade.
securus abscedat", seja "quem cometer o parricídio, para de-
Assim estava redigido:
fender a própria vida, fique tranqüilo." Seguiram-na o Edictum
Rottuiris, a Lex Burgundinorum, a Lex Baiuvarion·um e os Ca- Art. 121: "Não é passível de pena alguma a ação consu-
pitula Ludovici Pii e Lotharii. mada como conseqüência de uma violência irresistível, moral
A expressão notwehr, que significa legítima defesa, vai sur- ou física, ou de ameaça acompanhada de um perigo de morte,
gir entretanto, pela vez primeira, no direito municipal de Viena, atual e inevitável".
em 1221. A paz pública, a seguir, em 1235, dela cuidou - "nisi Art. 125: "Qualquer pessoa pode fazer uso da força para
in continenti ad tutelam corporis sui vei bonorum ·v'im vi re- desviar de si ou de outrem, ou da propriedade, as violências e
pellat, quod delictum notwehr." os ataques criminosos, quando lhe seja impossível o socorro da
A princípio, somente era lembrada para a proteção do corpo autoridade para fazê-los cessar, ou quando a intervenção da
e da vida, gerando o homicídio impunível, mas depois foi se es- autoridade for insuficiente para reprimi-los. A violência exer-
tender a direitos também essenciais, como a honra ou o pa- citada contra o agressor, ao dano que se lhe possa ocasionar, à
trimônio. morte, mesmo em caso .de legítima defesa, não lhe será aplicável
A Bamberger Halsgerichtsordmmg, chamada a mãe da nenhuma pena, desde que se não ultrapassem os limites do art.
"Carolirui" (Constitutio Criminalis Carolina, conhecida pela 127".
abreviatura CCC), do ano de 1507, e cujo autor foi Hans von
Schwarzenberg (1463-1528), definiu a legitima defesa e resolveu Art. 126: "Toda pessoa está autorizada a prestar ajuda
problemas práticos. a quem se encontrar em situação de legítima defesa, desfru-
Restrita a princípio aos crimes de morte, e disciplinando as tando para si e para a pessoa atacada de todos os direitos que a
modalidades de sua ocorrência na parte especial do código, mais legítima defesa garante, mas atendo-se às obrigações correspon-
tarde passou a ser objeto de dísposlção própria da parte geral do dentes como se fora diretamente agredido".
sistema. Art. 127 :· "O crime cometido em exercícios de legítima de-
Foi assim tratada por Globig e Huster em 1783, Erhard em fesa privada não será legítimo quando a pessoa atacada tivesse
1789, e Tittman em 1789, encontrando em Feuerbach o conso- podido facilmente adotar outros meios sabidamente idôneos
lidador desta concepção. para subtrair-se sem perigo ao ataque à pessoa e à propriedade,
Passou a influenciar uma série de códigos que hoje também d esviando o agressor". ·
a colocam em sua parte geral, dentre eles o húngaro, o aus-
tríaco, o holandês, o japonês e o brasileiro. Art. 128: "Ainda que o uso de atos violentos seja neces-
sário ao exercício da legítima defesa, os meios ofensivos, entre-
19 .. O CóDIGO DA BAVIERA, DE 1813 tanto, não poderão ir além daqueles que seriam suficientes para
afastar o perigo. Conseqüentemente, as sanções legais são apli-
O Código da Baviera, reino da antiga confederação germâ- cáveis: l.°) àqueles que, ao se defenderem, ocasionam a morte
nica, e que data de 1813, foi o primeiro a inserir a legítima
42 MARCELLO J. Ll:NHARES LEGÍTIMA DEFESA 43

do agressor, podendo limitar-se a atemorizá-lo ou a obrigá-lo a Art. 134: "O fato de agir alguém em legítima defesa nun-
cessar seu ataque com uma defesa negativa, em vez de adotar ca se presumirá. Ao acusado cabe o ônus da prova para con-
meios ofensivos; 2.º) àqueles que, podendo causar ao adversário firmá-lo".
uma lesão não perigosa, o tenham ferido mortalmente ou o te-
Art. 135: "Se das informações testemunhais, das declara-
nham matado".
ções do agressor ferido, e ainda das presunções e das circuns-
Art. 129: "Dentro dos limites anteriormente assinalados, tâncias peculiares do caso resulta verossímil que o imputado
a defesa é permitida: 1.º) contra todo ataque dirigido à pessoa, foi posto em estado de legítima defesa, em conseqüência a um
quando de natureza tal que ponha em risco a vida, a liberdade ataque perigoso, presumir-se-á, então, até que exista prova con-
e o pudor; 2.º) contra o culpado colhido em flagrante delito por t.ráría, que o ataque tinha sido legítimo e que foram respeitados
crime de furto; 3.º) contra os ataques criminosos de violência os limites da defesa".
que tenham como fim a distribuição ou dano da propriedade
Art. 136: "Que~ ferir ou matar alguém em estado de le-
imobiliária e mobiliária; 4.º) contra quem intente penetrar na
gítima defesa deverá denunciar o fato imediatamente à auto-'
propriedade imobiliária alheia empregando força, rompimento
ridade mais próxima. Não se cumprindo esta obrigação ou se
ou outro meio ilícito". ocultando o fato, levar-se-á a débito do presumido autor o fato
. Art. 130: "A ação não será imputável em caso de excesso de haver excedido os limites da legítima defesa, mesmo que,
dos limites da legítima defesa se decorrente de impulso da ins- posteriormente, se demonstre que contra ele existiu um ataque
tantãnea perturbação, · produzido por irresistível espanto, con- perigoso. Se a prova afirma esta presunção, não será respon-
sideradas as circunstâncias de lugar, tempo, pessoa e o modo de sável pelas lesões ou a morte do agressor, mas sofrerá a pena
produzir-se o ataque". de encarceramento de um dia a um mês pelo fato de haver
ocultado o fato ou se omitido em denunciá-lo à autoridade".
Art. 131: "Do mesmo modo, não será imputável o agre-
dido que, ao se defender, emprega meios desproporcionados à 20. A LEGfTIMA DEFESA NO DIREITO CANôNICO
agressão, ainda que produza ao agressor um dano que exceda
sua vontade e mais grave do que seria necessário no momento O direito sempre foi determinado também pela Igreja.
de repélir o ataque". a ões existentes entre o Estado e a Igreja, exercia
Art. 132: · "Compete aos tribunais decidir se foram ultra- e 1 ·urisdição enal não só sobre os cléri os
passados os limites da legítima defesa e se o excesso decorreu de mas, em alguns delitos, também sobre os laic . A execução das
imprudência, ou se foi, pelo contrario, conseqüência de inten- sentenças tinha lugar por meio de tribunais seculares.
ção malvada". Também a cultura medieval recebeu acentuada influência
do direito eclesiástico propriamente dito, sendo evidente a sua
Art. 133: "As lesões produzidas e a morte dada ao agres- presença até hoje, quando se fixaram as estruturas jurídicas
sor injusto, verificado o ataque, quando desvanecido estava o básicas dos direitos dos povos.
perígo, serão considerados atos de ilícita vingança e punidos Responsável pelos fundamentos da sociedade que se im-
como delitos voluntários, a menos que o fato não seja justificado plantou na Europa depois da luta entre imperadores e papas, a
t
de outro modo". começar. com Gregório VII, o Cristianismo influenciou podera-
44 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 45

sarnente sobre a formação e o desenvolvimento do direito penal, a mais ampla referência ao instituto da legítima defesa à luz
a cujos critérios punitivos emprestou inegável função mode- da Igreja, cujos objetivos primordiais são os de colocar o pri-
radora. mado da justiça acima de qualquer outro.
Combateu a pena de morte, fiel ao princípio "ecclesia abhor- Denominada moderamen inculpatae tutelae, a legítima de-
ret a sanguine", não tolerando as violências. Com o direito de fesa era reconhecida elo ireito canônico co '
asilo, colocou um freio às manifestações da vingança privada, vide a ataque violento.. assim definida pelo Corpus Iuris Cano-
que tiveram seu auge no direito germânico. Pregando a união nici: "quamvis vim vi repellere omnes leges et omnia iura per-
entre os homens como fórmula de paz universal, proibiu os due- mittant, tamen iâ debet fieri cum moderamine inculpatae tu-
los e combateu os ordálios. telae tum ad summenâani vindictam sed ad propulsandam iniu-
O Corpus luris Canonici reuniu os princípios que vigora- riam" e pelo Codex: "causa legitimae tutelae contra iniustum
ram durante séculos até serem substituídos pelos preceitos do aqçreseorem, si debitum servetur moderamen delictum omnino
Codex Iuris Canonici, direito comum e universal da Igreja, cuja aufertur; secus impossibilitatem tantummodo minuit, sieut
eficácia teve início em 1918. etiam causam provocationis. as

Informa Eduardo Fein que o direito canônico adotou da Embora repousando sua estrutura no direito natural, e a
despeito de a admitir como de reconhecimento universal, "omnes
tradição uma matéria que, à parte um núcleo de princípios
leges et omnia iura permittant" (C. 2, X, De hom.), preferia a
eclesiásticos, harmoniza em perfeito equilíbrio elementos do di-
Igreja, instituição social e jurídica, fazer exortar no homem a
reito público (romano) e do direito privado (germânico).
virtude sobrenatural da caridade a ter que transigir na severa
Vejam-se, a respeito, as disposições do 'Êxodo, XXI, 18 e 19,
repressão dos comportamentos violentos. ·
do Levítico, XIX, 16.
A caridade para com Deus e a caridade para com o próximo
Preocupou-se o direito canônico com a violência necessária:
são, segundo S. Tomás, uma só virtude, porque caridade é si-
"Si »ero clericum, vim sibi inferentem, vi quis repellat vel taeâai,
nônimo de amizade.
non debet propter hoc ad sedem apostolicam transmitti, si in
continenti vim vi repellat" (Cân. 3, X, 5, 39) - Se, porém, al- Os príncípíos cristãos destacavam a excelência da vida e
guém repelir com a força ou ferir um clérigo, que lhe faz violên- do convívio com o próximo. O verdadeiro amor não tem espaço
cia, não deve, por isso, ser levado à Sé Apostólica, a saber, se justificado para o egoísmo, não conhece reservas nem mesmo
repelir a violência com a violência imediatamente. diante do inimigo, porque Deus é pai dos maus e dos bons, dos
Passagem idêntica é retenda pelo C. 18, X, 5, 12: "Si vero ... justos e dos injustos. M
sacerdos iste prius ab illo percuesus sacrileço, mox eum cum
ª5 Codex Iuris Canonici, cânon 2. 205, § 4.0: "contra iniustum aç-
ligone in capiie repercussit." Mas, este sacerdote, ferido primeiro qressorem. uti licet necessaria defensione, aique vim vi repellere, etsi
por aquele sacrílego, logo o repeliu com uma enxadada na ca- fiat cum iniusti aggressoris occisione".
beça. :i{1 As Grasuies Religiões, Abril Cultural, 1.º v., p. 43.
Tendo alcançado perfeição jurídica de tamanho porte e in- Disse Cristiams que a moralidade é uma ressurreição. A alma perdeu
sua pureza pelo pecado original, sendo preciso o sacrifício de um Deus
fluência, por um poder normativo visível também em todos os
para redimi-la. O preceito fundamental da moral cristã é amar a Deus
ramos do direito, e pela profunda penetração dos elementos teo- e a teu próximo como a ti mesmo. O amor de Deus é geralmente inse-
lógicos e filosóficos fundamentais, na vida do direito, explica-se parável do amor e.o próximo, da caridade.
LEGÍTIMA DEFESA 47
46 MARCELLO J. L!NHARES

a todas as lesões, vulnerações e mutilações do corpo, quer pró-


Os homens não têm senão um mesmo fim e um mesmo prio, quer alheio. 4º
objeto, que é Deus, cujo amor os obriga a se amarem uns aos
Da harmonia dos conceitos resultou a regulamentação da
outros; ao próximo e a si mesmos. 37
gítima defesa. O Dec. de Gracíano (Dist. I, Cap. VII, e Dist. X,
A caridade tem no instinto de conservação um aliado tão Cap. X) já a reconhecia em princípio: "ius naturale est. . . vio-
poderoso que se a natureza humana estivesse perfeitamente or- lentiae per vim repulsio". (h:rc:f.t~o ~~·e.o
denada não precisaria ser o amor próprio objeto de manda- Era líci r s l da ' i ·cta mesmo
mento· divino. Nela há grande tendência ao perdão, visando à
substituição das penas, a moral a ocupar o posto do direito.
Sublima a Igreja este grande ensinamento da caridade, em m iusta defensione contra iniquum aggressorem seruari
que se resume, na sua aplicação prática, a substância viva de âebet moderamen inculpatae tutelae, seu nihil fieri debet, nisi
todo o Cristianismo: "a legislação eclesiástica da qual se com- id quod absolute necessarium est ad se tuendum; quia quod
põem as constituições sinodais tem como ponto central de irra- necessitas non excusat, est contra iustitiam".
diação a caridade: aquela que dos servos faz amigos de Deus, Definiu-a Regatillo: reação violenta individual para defen-
do sacerdócio um ministério altíssimo em benefício de toda a der-se e defender os direitos próprios contra um agressor que,
Igreja, que é o mesmo que dizer, não somente dos eclesiásticos, ao menos materialmente, é injusto.
mas através da ação destes, em benefício de toda ordem social". 38 Quando falta a tutela social da autoridade, a defesa pró-
o preceito de amar ao próximo, assim, se identifica com o pria é um direito natural, pois, sem essas circunstâncias, cres-
de amai' a Deus, porque quem o ama deve amar, também, por ceria a audácia dos malfeitores e perigaria a segurança de todos.
amor dele, a todo aquele que é feito à sua imagem. 39 - Inserindo no corpo do instituto o requisito do moãeramen
A proibição dos atentados à vida humana veio do Gênese, inculpatae tuteiae, nome com o qual a doutrina foi difundida,
IX, 6: quem derramar o sangue de um homem terá seu san- evidenciava o direito canônico, dessa forma, "a intenção mani-
gue derramado, porque o homem foi feito à imagem de Deus. festíssima de preocupar-se muito mais com os limites a impor
o preceito do Decálogo "non occides", a que faz alusão o que com os direitos a conferir ao agredido. Esse direito lhe pa-
:G:xodo, teria, entretanto, de se interpretar segundo a Teologia recia ser o de reduzi-lo às menores proporções possíveis". 41
Moral e o direito das gentes, que proclamavam a legítima defesa Dentro dessa compreensão e porque a violência colidia com
como tutela natural contra o injusto agressor. os sentimentos piedosos, sobretudo o perdão e as máximas da
O homicídio recebeu no direito canônico a conceituação caridade que ela pregava, a Igreja só tolerou a morte do b~
de morte injusta e violenta do homem: "homicidium est iniusta d outro gJianda ela ocorr.ess. s limites le-
et violenta occisio hominis a homine, nona causa naturali aut gitima defesa. entendendo que o direito humano, seu objeto,
a bruto, dolo maio facta". está sempre subordinado ao direito divino natural e positivo.
Na expressão lata do tum occiâes dirigia-se a norma, pri- - ' de defender-se le itima-
meiramente, aos casos de morte; a seguir, e conseqüentemente,
-to P. Joannis Petri Gury, Compendium Theologiae Moral:s, Lug-
:n São Marcos, XII, 29, 30 e 31. duni, 2.ª ed., 1875, t. l, p. 316.
as Ensinamentos de João XXIII, São Paulo, 1965, p. 240. .n Julio Fioretti, ob. cit., p, 51.
:w São Mateus, XXII, 40.
LEGÍTIMA DEFESA 49
48 MARCELLO J. LINHARES

o ata ue deveria ser in ·usto e.a.çãoJme- veis a legítima defesa dos bens e a da honra, e a muito custo
, oreasa, de modo a não SU{!lantar os li- se concedia a do pudor. 4ª
..rnites__cia..necessid e· "verum quum ad solam defensionem id A cruenta defensio, contudo, não quedou estanque.
[acere iiceat, homicidii vel laesionis reus est, qui, quando se de- Com a evolução da ciência jurídica, foi abranger o direito
fendit, ultra necessitatem, in laeâetuio vel necando adversarium ele terceiros e os bens de todos. Mas, a defesa de outrem não se
procedit; seu quod idem est, qui non servat moderamen incul- compreendia quando o agredido desistisse legitimamente de seu
patae tutelae". 42 direito: "nisi forte ille iure suo licet cesserit".
Condições que se requerem para que a defesa seja legítima Quanto aos bens, exigia-se que a ofensa trouxesse, implícita,
e para que se a exercite com a devida moderação pode ver-se em a idéia de um perigo atual, ou quando tivessem valor relevante,
qualquer tratado de ética e ele direito natural. 43 ou fossem de difícil recuperação: "seâ etiam pro defendendis
o limite da defesa, para S. Tomás, consistia em não se fazer banis [ortunae magni valoris".
ao agressor mal maior do que o necessário à defesa.
41 No julgamento dos casos específicos era envolvente a atua-
- Diante do perigo, era a fuga condição preponderante no ção da teologia moral, 46 para cujas lições raras vezes o homem
exame da conduta do agente: "quare si fuga secura est, haec é levado à defesa de outrem, salvo se ocorram vínculos de soli-
dariedade estreita, laços de profunda caridade ou motivos de
capi âebet".
absoluta necessidade.
Essa condição foi dispensada mais tarde para os nobres e
O direito canônico 17 de hoje conserva esses traços carac-
militares: "nisi forte viro nobili pro magno est".
rísticos, admitindo o uso da violência em defesa própria ou de
Até então, restringia-se o direito à tutela da pessoa agre-
terceiro, dos direitos e dos bens próprios e alheios, nos modos e
dida. Disciplinado na parte especial do código, na qual se in-
nas circunstâncias permitidas pela moral contra o injusto
cluía o homicídio entre as típicidades apenadas, e só ao homi-
agressor.
cídio se referindo, era certo o entendimento de sua inaplicabi-
A necessidade é a órbita em torno da qual gira a legítima
lidade a outros direitos, quais a propriedade e a honra.
defesa, sendo norma o vim vi repellere licet.
Isto se explica porque o desprezo pelos bens da terra, a de-
Praticada com moderação, a defesa exime do delito.
sestima que se tinha a qualquer ato que parecesse efeito da vai-
dade mundana, como informou Fioretti, tornavam inconcebí- Mas, as regras do moderamen exigem: 1) que seja proxi-
mamente iminente a lesão do direito próprio e a irreparabili-
42 Augustino Lehmkuhl, Compendium Theologiae Moralis, Friburg- dade dela; 2) que a lesão do direito alheio seja necessária para
-Brisgoviae, 1887, Friburg, p. 186.
~a Lorcnso Miguelez Domínguez e outros, Código de Derecho Canó- 1., Julio Fiorettl, ob. cít., p. 50.
nico, Madrid, 1952, p. 789. '" Segundo definição de São Tomás de Aquino, na Summa Theo-
H São Tomás: "Si aliquis ad defendendam propriam vitam utatur logica, I, I, l. 5, a Teologia, ciência especulativa, estuda, à luz da
majori violentia quam oporteat, erit illicitum; si vero moderate violen- revelação divina, Deus e as criaturas nas suas relações com Ele, bem
tU:irn repellat, erii licita defensio. Nam secundum iura, vim vi repelere corno D. conduta moral do homem em ordem ao seu íntimo fim.
licet cum moderamine inculpatae tutelae; nec est necessarium ad ·1 • Rafael Llano Cifuentes, ob. cit., p. 10: "O direito canônico regu-
saluiem, ut homo actum moderatae tutetae praetermittat ad evitandam lamenta a sociedade externa, formada por homens que vivem uma
occisionem aiierius; quia jure tenetur homo vitae suae providere quatn.
mesma fé acerca de Deus e que seguem os mesmos critérios para atin-
girem o seu último fim".
vitae alienae".
50 MARCELLO J. LINHARES

a defesa do próprio direito; 3) que o próprio direito ou o dano


iminente seja superior, ou, pelo menos, de igual valor ao dano
ou direito do agressor.
°" Não se requer se trate da própria defesa, podendo ser tam-
bém a de outrem e resguarde a vida, a integridade do corpo, ou
s bens materiais de grande valor. 4s CAPíTULO III
Disciplinando no direito atual a legítima defesa, o Códex
Iuris Canonici não vai assim além do que está estabelecido pela
teologia moral. L GíTIMA DEFESA NO DIREITO COMPARADO
A doutrina canonicista a esta vinculada e aos ensinamentos 21. Generalidades. 22. A legítima defesa como causa geral e
moralistas, em tudo independentes da vontade do legislador, como causa especial justificativa ou escusativa. 23. A legítima
adota princípios próprios com os quais se regula, em direito defesa e a Convenção Européia dos Direitos Humanos. 24. A
canônico, a legítima defesa. legítima defesa e a legislação dos países europeus. Alemanha,
Espanha, França, Inglaterra, Itália, Paises Escandinavos, Por-
A profunda diferença de fundamentação do instituto, com
tugal e Rússia. 25. Textos do direito positivo de outros países
base na moral, de um lado, e com fundamento na lei estatal e europeus.
lógica do direito, de outro, pode conduzir a fatos concretos de
defesa legítima por todos os modos lícitos no direito penal co- '
1
I. GENERALIDADES
mum, mesmo quando ocorra culpa moral bastante para tornar
ilícito o procedimento, apreciado pelo direito penal canônico. Descortinando a investigação dos fenômenos a ela ligados
Esta observação é de Guido Calori, reportando-se a Santo Agos- 110. diversos campos de sua atuação, o estudo da legítima defesa
tinho, ao colocar em evidência a inconciliável discrepância en- t l,1•, vês do direito comparado revela que o instituto obedece a

tre lei moral e lei de Estado, e ao, comentar desta forma um ato 11111 unidade histórica, produto de um mesmo fator ou de um
de legitima defesa: "Quapropter legem quidem ( civilem) non 111 • mo elemento de que é manifestação.
reprehendo quae tales permittit intes fiei, sed . quo pacto istos As variantes encontradas no direito escrito das sociedades
defendam qui occiâunt, non invenio". 4
:i 1111 as civilizações não lhe retiram o caráter e os traços comuns.

.... A LEGfTIMA DEFESA COMO CAUSA GERAL E COMO


CAUSA ESPECIAL JUSTIFICATIVA OU ESCUSATIVA

s códigos penais dos diversos países ora colocam a legítima


clr 11 a como forma genérica de exclusão do crime ou como jus-
1 lllc l tiva, inserindo-a na parte geral do sistema, ora recorrem
• l 1•1 nica diversa, incluindo-a como causa especial justificativa
1 pt n s para tornar legítimos os crimes de morte e os de lesões
48 Cônego Oscar de Oliveira, De Delictis et Poenis, São Paulo,
, 111 p raís. ·
1951, p. 38.
~9 Guido catorí, "Legittima difesa, dir. canoníco" in Enciclopedia 1 ntre os que obedecem à primeira orientação, em expres-
del Diritto, Milano, 1974, vol. 24, p. 47. 1 1 aíoría, podem se apontar o código alemão, o austríaco,
52 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 53

o dinamarquês, o japonês, o italiano, o holandês, o húngaro, , p ssoa, como a liberdade, a segurança, a vida privada fami-
o norueguês, o sueco, o da União Soviética e os dos países his- 1 ln r, o domicílio, a correspondência, a honra, a liberdade de re-
pano-americanos, em quase sua totalidade. 111 t , de consciência, de expressão, de reunião ou de associa-
Seguem o segundo sistema os códigos francês, belga, lu- • o". t

xemburguês, e, na América, o da Bolívia, o da República Domi-


nicana e o do Haiti. ''I, A LEGtrIMA DEFESA E A LEGISLAÇÃO DOS PAíSES
Com a reprodução dos textos respectivos, que adiante será •,UROPEUS: ALEMANHA , ESPANHA, FRANÇA, INGLA-
feita, poder-se-á ver que alguns cogitam apenas de enunciar o 'l' ._,RRA, ITALIA, PAíSES ESCANDINAVOS, PORTUGAL
direito de defesa referindo-se, ora sim, ora não, aos bens e ínte- 11: RúSSIA
.. '
resses tutelados, enquanto outros, fixando os seus pressupostos
objetivos e os requisitos indispensáveis à licitude da reação, che- ilrnumha - Constituem fontes da legítima defesa no di-
gam, às vezes, como os do Equador e do México, a perigosos e 1 1111 111 mão o§ 32 do StGB (Código Penal) 2 e o art. 2.0, § 2.0,
extremados casuísmos. d I l •011v inção dos Direitos Humanos Europeus, de 4 de novem-
11111 1h L050 (H. v. Weber e Bchrôeder). 3 Segundo essa Conven-
23. A LF.GtrIMA DEFESA E A CONVENÇÃO EUROPÉIA DOS 11 11, t.01 nada lei federal em 17 de agosto de 1972, a morte co-

DIREITOS HUMANOS 111 t 111 11n stado de legítima defesa é lícita, desde que exercitada
1 11tl I o 111-10 de um recurso ilícito à força (Schoenke-Schrõeder,
A Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do 11 111 11'11)
Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma. . e, l,t. l.o lt• •·t l st : o ato punível é inexistente quando pra-
em 4 de novembro de 1950, é respeitada como direito interno '"" 111 < t do d l gítíma defesa.
dos membros do Conselho da Europa. 1 11! 1 11cl1 , t 111 11f'ltima defesa a reação necessária para
O art. 2.º, alínea 1, seguindo a Declaração Universal dos 1 1111 ele 011Ln rn um agr ssão atual ou ilícita.
Direitos do Homem, dispõe que o direito de toda pessoa à vida p1111hl 1 111 n praticado por precipita-
é protegido por lei, não podendo a morte ser infligida senão em
virtude de execução de sentença capital emanada de tribunal
competente e que o delito seja anteriormente punido com tal
pena pela lei.
Dispõe a alínea seguinte que a morte não será considerada 11rl1 1 1111 ti, l,1111/11111• IJ1•J1•11:11• •t Droii de l'Hotnrne, in Reuue
como infligida em violação a esse texto quando resultar de um 11111 t 11, 11111 ·I 1/1 <'1/111/1111/11{11<', Julho, 1976, p. 1.029.
1 " 111 111111 li o d
107 , ontr u cm vígor na Alemanha o novo
recurso à força tornado absolutamente necessária, dentre ou- , d11 < , 1111 o 1'1, 11 I,
qu • ontava mais de 100 anos de existência
tros casos: 1111111111 r, 111 d1 :i <111 Jnn•lro-BLRF, I, 1). Pelo art. l.º da segunda
it II r11n1111 do <li r lt p nal de 4 de julho de 1969, a Parte Geral
"para assegurar a defesa de toda pessoa contra a vio- , 1111111111.11m -nt transformada e também modificada em relação à
lência ilegal." num iraeão dos parágrafos (cf. Hans-Heinrich Jescheck,
1111111 rld n irecno Penal en Alemania, Buenos Aires, 1976).
Afirma, assim, em favor de qualquer cidadão lesado em 11 f b3 <lo Código Penal passou a ser o §. 32, conforme a vigente
seus direitos a faculdade de assumir a defesa respectiva quando 1 1 11 11 l.º d janeiro de 1975 (cf. J. Laube e J. Wiefels. Sctuiejjers
faltarem as autoridades; e isso ocorrerá "não só para defender 11111, 1, ,,,..~ Wtrtschaft, Dusseldorf, p. 50).
LEGÍTIMA DEFESA 55
54 MARCELLO J. LINHARES

Quanto à proporcionalidade, deve-se considerar que o cri-


agressão a direito próprio ou de outra pessoa. Assim, quem age. L rio legal da necessidade não pressupõe em si nenhuma pro-
em legítima defesa não age contra a lei (§ 32, I). O uso do porcionalidade entre os valores atacados e os protegidos, pois
direito passa a legitimar a injustiça que envolveria o ato de de- na legítima defesa não está em jogo o valor contra o valor, mas
fesa, singularmente considerado (Laube e Wiefels). O direito sim o direito frente ao injusto.
não precisa ceder ante o injusto (Welzel). Sobre o excesso, é estimado como injusto, porque não atende
Maurach explica que o texto representa para o legislador à medida da necessidade. Mas pode ser também culposo e sem
uma causa de justificação, com o significado exato do claro culpa. Nos casos de aturdimento, medo ou temor, atua· uma
parágrafo 227, do BGB (Código Civil): "uma ação indicada pela ausa de exclusão da culpabilidade, já que a possibilidade de
legítima defesa não é contrária ao direito". 4 gir de outro modo é dificultada pela excitação. 6
A legítima defesa, no direito alemão, protege. não só os di- A legítima defesa putativa é tratada como erro de direito
reitos materiais contra um ataque atual e antijurídico, mas tam- (erro de proibição sobre os caracteres do tipo e sobre a antíju-
bém tem eficácia relativamente aos direitos de ordem (discipli- rídícídade, tanto formal quanto material) (Sauer).
na, regulamentos, etc.). Abrange a vida, a honra, a liberdade
e o valor das coisas, inclusive a posse (Sauer) ; é válida contra Espanha - Surgiu a legítima defesa no direito codificado
ações jurídicas compreendidas em sentido técnico (v.g., pessoas spanhol com o direito visigótico, consolidando-se nas Partidas,
situadas em estado de necessidade, Welzel). nde se lia ser natural que todo homem tenha o poder am- de
A anti juridicidade da agressão é que dá. tom característico parar sua pessoa de morte contra alguém que o queira matar. 7
à necessidade e à. suficiência da defesa. Esse direito de defesa se estendeu à honra e à propriedade.
Os doutrinadores emprestam muita ímportãnc'a à vontade A primeira codificação, ocupando-se do homicídio, previu
de defesa,· sobre a qual deve descansar a ação. Trata-se, com u legítima defesa da própria vida e de terceiro contra uma agres-
efeito, de elemento subjetivo da justificação, sendo de se escla- ão injusta, desde que não ocorresse outro modo de a repelir,
recer a indiferença que à lei causam os móveis relativos a essa
o Hans Welzel, Derecho Penal, parte general, Buenos Aires, 1956,
vontade de defesa, os quais não precisam ser éticos. 1), 95.
A necessidade da defesa corresponde ao uso dos meios ne- Partidas. Partida VII. Título VIII. Dos homicídios. Lei II - Como
cessár.os em nosso direito. O termo necessário é o que determina 11 u le que mata outro deve sofrer pena de homicídio se o não fizer
tanto os limites inferiores quanto os superiores da defesa lícita, 1 11 defesa: matando algum homem, ou alguma mulher, ·a outro, cons-
1•lí ntemente, deve receber a pena de homicida, quer seja livre ou es-
deixando de ser necessária a espécie defensiva escolhida pelo 1•1·1 vo o que for morto, salvo se quem matar o fizer defendendo-se, isto
agredido quando à sua disposição .existam meios menos incisi- 1 , vindo o agressor contra ele trazendo à mão uma faca, uma espada,
vos. Sauer .esclarece: há de se considerar a situação global, com 111111 pedra ou um pau, objetos com os quais se possa matar. Se então

· inclusão e consideração de todas as forças concorrentes e valo- 1111111 a quem se acomete vier a matar aquele que, por qualquer dessas
l111·111Ll , o queira matar, não incorrerá em pena alguma, porque é coisa
res acompanhantes, segundo os princípios da justiça e do bem 111tl,11rnl e muito razoável que todo o homem tenha o poder de amparar
comum. 5 111 p soa contra a morte que alguém lhe queira dar; e também não
1 (1 sperar que o outro o fira primeiramente, porque poderia acon-
_4 Reinhart Mauracli. Tratado. de Derecho Penal, Barcelona, p. 377. 1 i-1 1 qu , ao primeiro golpe que se lhe desse, viria morrer e assim não
5 Guillermo Sauer, Derecho Penal, parte general, Barcelona, 1956, 111 ti, ri se amparar.
p. 188.
56 MARCELLO J. Ll:NHARES
LEGÍTIMA DEFESA 57

abrangendo nesse direito o de defesa da casa, da família e da


ela necessidade de defesa; a necessidade racional, ficando à
propriedade. Puniu brandamente o excesso da reacão J •
estimação subjetiva exclusiva de quem se defende, para alguns
O Código de 1848 adotou a fórmula geral da defesa
doutrinadores, ou, como quer Del Rosal, nem pura objetividade,
própria, a de um parente e a de um estranho, que permanece
nem só a perspectiva subjetiva, devendo combinarem-se ambos
até a atualidade.
os planos; 8 e, enfim, a falta de provocação suficiente, assim
Pelo art. 8.0 do Código vigente, a legítima defesa é causa
explicada por Pacheco: se provoco com meus atos ou. palavras
de isenção de responsabilidade, entendendo a doutrina que ela
a agressão de outrem, por mais que essa agressão seja ilegítima,
se considera causa de justificação (Pacheco), embora fundando
sempre é notada por mim; sou a primeira causa de tudo. o
sua legitimidade no interesse preponderante (Asúa, Quintano
Ripollés e Del Rosal, todos com pequenas variações). Essa provocação suficiente é deixada ao critério do Juiz, que
São alcançados pela legítima defesa a vida, a integridade apreclará a constelação das condições que a acompanham.
física, a honestidade, a inviolabilidade do domicílio, a honra, o França - Pelo termos do art. 328 do Código Penal francês,
patrimônio e o pudor. inexiste crime ou delito quando o homicídio, as lesões e os gol-
A reforma de 1963 suprimiu o disposto no art. 428 do Có- pes forem comandados pela necessidade atual da legítima de-
digo, que concedia escusa absolutória ao marido que surpreen- fesa própria ou de outrem.
desse a esposa e o amante em flagrante adultério. Daí para cá, Um ato criminoso, desta forma, perde este caráter pela
a situação é resolvida de acordo com os casos concretos, no plano ocorrência da legítima defesa, em virtude de permissão expressa
da inimputabilidade completa ou incompleta, mas não pelo ân- da lei, não acarretando z:iem a responsabilidade criminal, nem
gulo de legitimidade.
a responsabilidade civil de seu autor.
Com relação à defesa de bens patrimoniais, ela só ocorre
Observam Stefani e Levasseur que se o efeito da legítima
quando -o ataque constitua um delito e coloque os bens em pe-
rigo de deterioração ou perda iminente. defesa é certo, em troca o entendimento sobre sua aplicação
Quando o ataque à propriedade constituir mera falta, fica é duvidoso, porque o texto do código, justificando somente a de-
sem amparo defensivo, a despeito de opiniões contrárias, como fesa no caso de golpe e de lesões, e porque apenas eles se con-
as de Antón Oneca e Rodrigues Mufíoz, que não aprovam obri- sentem para resistir o ataque contra a pessoa, torna-se discutível
gar-se o proprietário a cruzar os braços diante de furtos ou de extensão do benefício a outras infrações, invocando-se a defesa
danos facilmente evitáveis. nos casos de agressão à honra, ao pudor ou aos bens. A deter-
Relativamente à defesa de terceiros, a lei diferencia a si- minação do fundamento e das condições da legítima defesa é
tuação dos parentes e dos estranhos, acreditando requisitos que vai permitir o exato entendimento do assunto. 10
não exigidos em referência à defesa própria: a ausência de par- Segundo primitiva concepção, o fundamento da legítima
ticipação do defensor numa possível provocação do agredido; !l Iesa repousava na impunidade, sempre com base na contrainte
e que, ao defender o estranho, o defensor não seja impulsionado
por vingança, ressentimento ou outro motivo ilegítimo. 11 J. del Rosal, "Legítima defensa", in Estudios Penales, Madrid,
Os requisitos são o da agressão atual e ilegítima, essencial 1 IMS, p. 226.
e básico, a necessidade racional do meio empregado, e a falta 11 J. F. Pacheco, El Código Penal Concordado 1y Comentado. Madrid,
de provocação suficiente, entendendo Cordoba Roda que a agres- 111,>0, t, 1, p. 154 .
111 G. Stefani et G. Levasseur, Droit Pénal Général et Procédure
.são deve implicar um risco determinante do estado de defesa,
111 tuüe, 2.ª ed., Paris, 1966, t. l, p. 134.
LEGÍTIMA DEFESA 59
58 MARCELLO J. LINHARES

haja alguma restrição doutrinária quanto à tutela destes últi-


(coação), restrição ou abolição da liberdade, verdadeira violên-
mos.
cia moral.
Era causa subjetiva de não-responsabilidade, ou, mais pre- Na necessidade, na atualidade e na injustiça do ataque
cisamente, causa de não-imputabilidade. estão concentrados os pressupostos da agressão e, na defesa
Por nova teoria, inspiradora do Código de 1810, a legitímá necessária e no uso moderado dos meios, o da repulsa.
defesa passou de causa de não-imputabilidade a causa justifi- Ainda prevê o direito francês casos privilegiados de legí-
cativa; a defesa individual se torna legítima em caso de agres- tima defesa, contra ataques noturnos, mediante escalada ou
são injusta. arrombamento, e contra autores de roubos praticados com vio-
No conflito de interesses entre agressor e agredido os do lência, como constava do código brasileiro de 1890.
primeiro serão mais respeitáveis que os do segundo. Inglaterra - No direito inglês, é feita a diferenciação do
13
Garson empresta à legítima defesa no direito francês um homicídio, que pode ser justificável (justifiable) ou escusável
fundamento bastante simples. A sociedade cessa de punir por- (excusable), como discorre Wilshere. 14
que seu interesse real não exige mais. Se ninguém deve fazer
É justificável, quando resulta do cumprimento de um dever
justiça a si próprio, certo é que quem se defende não pune, mas
legal, assim o atribuído a autoridades (execução de leis ou de
sim quer escapar do perigo. ordens), ou em legítima defesa própria contra assaltos moti-
Instituída para proteger o indivíduo, a sociedade não tem vadores de graves perigos, morte ou lesões corporais mais sé-
o direito de impedir, de assegurar a ele mesmo a sua inviolabi- rias (arrombamentos, roubos, assaltos), não se devendo empre-
lidade quando ela se acha impossibilitada de fazê-lo; se ela cessa g~r na reação, todavia, maior força que a necessária para repelir
. de garantir os direitos do agressor, este último pode tomar o
à agressão.
encargo por si próprio.
É escusável, quando cometido em defesa própria no decurso
A isso se acresce que quem comete um crime para se defen-
de uma súbita questão, provando-se que a força utilizada não é
der não . é criminoso perigoso que precisa ser punido.
desproporcionada ao ataque, bem como a inexistência de outros
A reação contra malfeitores, afinal, contribui para a ma-
meios de reação e a impossibilidade de se escapar (Smith. Cox.
nutenção da ordem social. 11
Cannif).
O art. 328 referido, embora aluda à defesa própria, nos ca-
sos de homicídio e lesões, colocada sob forma de justificativa' Russel nos fornece a definição da legítima defesa no direito
especial, tem interpretação mais ampla pelos doutrinadores e inglês (Crime, 12.ª ed., 1964, v. 1, p. 680): "o uso da força é
pelos tribunais, que admitem sua extensibilidade a todas as in- permitido pela necessidade da defesa própria, de terceiros ou da
frações. 12 propriedade; mas a justificação se limita à necessidade imposta
As condições gerais da legítima defesa se relacionam, como ela ocasião, constituindo o uso desnecessário da força uma
nas demais legislações, com os atos de agressão e os de defesa; gressão".
e seu objeto será a defesa da vida, da integridade corporal, como
10 O direito inglês carece de direito penal. As fontes do direito
também da virtude, do pudor, da honra e dos bens, embora
ll nal são os costumes (common law), a jurisprudência (case laws) e
1111 leis (statute law).
11 Émile Garçon, Code Pénal Annoté, Paris, 1956, v. 2, p. 156. 11 A. M. Wilshere, The Elements of Criminal Law and Procedure,
1~ R. Garraud, Traité Théorique et Pratique du Droit Pénal Fran-
t.ondres, 1922, p. 78 e 79.
çais, Paris, 1914, v. 2, n.0 442, p. 15 e 16.
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 61
60

A legítima defesa pode admitir o caso em que alguém use impede o nivelamento do homicídio à felonia, e os delitos por
da força não propriamente para conter um ataque, mas para acidentes (misadventure).
evitá-lo ou preveni-lo, desde que honesta e razoavelmente com- Há, assim, uma diferenciação de graus, estando-se ante um
preendido; neste caso a antecipação ou a iminência devem ato de justificação, na primeira das citadas hipóteses, e em face
ocorrer. de uma simples causa de inculpabilidade, ou de escusa, na se-
Inexistirá legítima defesa quando a reação obedecer ao de- gunda; por igual, no tocante à exigência dos requisitos respecti-
sejo de lutar (Knock), quando houver prévia malícia ou de- vos, maior rigor existirá para a configuração da primeira mo-
sígnio concertado (ex.: discussão pela manhã e desavença à dalidade de que a da segunda.
tarde), porque, neste caso, está o agente influenciado pela mal- A Lei de 1957, introduzindo modificações legislativas a uma
dade (Kel). jurisprudência tradicional, alterou noções fundamentais de ve-
Deixa esclarecido Turner 15 que se um ataque criminoso neráveis precedentes sobre as modalidades do homicídio no di-
(felonius) 16 é feito contra alguém, tem o agredido o direito de reito inglês.
conter seu agressor e resistir; se o mata, o homicídio será jus- Abandonando a constructive malice, exigiu para o homi-
tificado, demonstrada a razoabilidade dos meios empregados na cídio a malícia aforethought (premeditada, com intenção cri-
resistência, consideradas as circunstâncias de fato. minosa); ao lado da legítima defesa, já existente, admitiu a
Se a agressão, contudo, não é decorrente de felonia, o agre- escusa da provocação a ser apreciada objetivamente: fez distin-
dido deve procurar salvar-se por meio de uma possível retirada, ção entre o simple murtier e o capital murâer, distinção con-
não devendo usar a força contra o atacante, a menos que colo- forme a evolução da legislação repressiva dos países de common
cado em posição tal que de outra maneira não possa fugir à lau: (morte do primeiro e morte do segundo grau).
agressão; ou, como· vulgarmente se diz: he must flee until he No tocante à provocação, a reação será razoavelmente a ela
is driven to tne wall (deve recuar até ser colocado junto à pa- proporcionada, desde que se pretenda a desclassificação da in-
rede). fração para manslaughter (homicídio impensado).
Também Kenny 17 indica os casos de homicídio justificável Gilbert Marc diz que a aplicação da nova figura da provo-
e escusável, entre os primeiros incluindo os atos judiciais de cação, considerada a proporção na repulsa, tem comportado
execução, os praticados no interesse da justiça, a defesa pró- alguns riscos de confusão entre a noção dela e da legítima de-
pria contra delinqüentes, e o salvamento da vida contra qual- fesa: "é certo que no direito inglês, como no francês, a idéia de
quer pessoa, mesmo não-delinqüente; entre os últimos, os casos uma proporção entre a provocação e a reação tem sido con-
de rixa súbita, não procurada, onde a necessidade de defesa cebida neste último domínio, conciliando-se com um sistema de
1,, J. w. Cecil Turner, Kenny·s Outline ot Criminal Law, Cambridge,
apreciação objetiva dos comportamentos".
1952, p. 115. Não é impossível, entretanto, admitir-se que, ao lado da
1G Segundo os costumes, felony significa os crimes mais graves, proporção estrita, ou relativamente estrita, necessária à admis-
revelando intenso dolo, crueldade, vileza e malvadez do agente, ocor- são da legítima defesa, haja lugar a uma _proporção mais tole-
rendo, por exemplo, nos assaltos a mão armada, arrombamentos, se-
rante acarretando a aplicação de provocação. Mas, é preciso
qüestros violentos etc.
17 Courtney Stanhope Kenny, Esquisse de Droit Criminel Anglais, ompreender que um tal sistema, que podemos chamar de legí-
trad. de Adrien Paulían, Paris, 1921, p. 131 e segs. tima defesa atenuada, suprime uma das características essen-
62 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 63

ciais do murder (homicídio), a de ser uma infração intencio- nulidade absoluta do injusto, encontra, entretanto, seu caráter
nal. ia essencial na necessidade.
A lei em apreço estipula o seguinte em seus arts. l.º e 2.°: Quando ela origina uma relação jurídica, pelo simples fato
" quan d o uma pessoa ma t a outra no curso ou durante uma in- de achar-se em uma determinada condição ou situação, o indi-
fração, o homicídio não será considerado como um murtier, per- víduo torna-se sujeito dessa mesma relação sem que possua
petrado com o mesmo dolo preestabelecido (malice afore- qualquer título anterior, diverso daquele estado geral de su-
thou~-~t), explícita ou implicitamente necessário para que seja jeição e sem que, ao estabelecê-la, concorra sua vontade (Man-
qualítícado murtier um homicídio que não foi superveniente ao zini) 19
curso na ocasião de uma infração; para aplicação do texto pre- A fórmula utilizada pelo Código é esta:
cedente, o homicídio cometido na ocasião ou em vias de ser um Art. 52: "Não é punível quem tenha cometido o fato desde
ato de rebelião contra um agente de força pública, seja 'de um que constrangido a defender direito seu ou de outrem contra
ato ou resistência ou obstrução a uma prisão legal, seja de uma perigo atual de ofensa injusta, sendo a defesa proporcionada à
evasão ou de uma cumplicidade de evasão ou custódia legal, ofensa."
será considerado como um homicídio superveniente ao curso ou
à ocasião de uma infração". Países: escandinavos - O inciso primeiro do art. 13 do Có-
digo Penal da Dinamarca preceitua não serem puníveis os atos
Itália - O direito italiano codificou o moderamen inculpa-
praticados em legítima defesa desde que necessários para re-
tae tutelae do direito canônico, o vim vi repellere ommes leges
pelir ou afastar um ataque ilegítimo, começado ou iminente e
et omnia iura permittunt do direito romano, os princípios da
que, manifestamente, não excedam os limites dos meios [usti-
L. 20 D. quod vi aut clam; da L. 2 e. ad legem Com., da L. 1
ficáveis a se usarem em relação à gravidade do ataque, à pes-
Cod. urüie vi, da L. 3, § 9 D, de vi et de vi armata, os princípios
soa do agressor e à importância do bem atacado. E o inciso
da escola penal, da clássica e da positiva (cf. Ugo Conti), sendo
segundo do mesmo texto de lei só pune o excesso se a transgres-
nele posta a legítima defesa como uma necessidade que auto-
são deixar de ser justificada pelo pavor ou pela excitação de~
riza a imediata reação privada, desde que haja injustiça na
corrente do ataque.
causa, perigo atual iminente, inevitável, e proporção da defesa
O Código Norueguês define a legítima defesa como o ato
em função do ataque.
que em tese punível, é praticado em repulsa a uma agressão
Seu fundamento jurídico, se bem possa ser explicado como
ilegal, na medida em que ela não exceda o que for necessário,
uma eventual autorização do Estado ao indivíduo que o substitui
e desde que, levando-se em conta a gravidade do ataque, o grau
(defesa subsidiária), como um direito subjetivo de caráter pú-
de culpa do agressor e o bom direito da vítima, não possa ser
. blico, como causa justificativa de absoluta legitimidade, ou de
considerada, dita repulsa, como absolutamente inadmissível,
18 Gilbert Marc, L'Homiciâe en Droii Anglais depuis la Loi de causando um dano tão considerável como aquele visado pelo
1957, Paris, 1966, p. 68. ato (art, 48). Também escusa o excesso produzido por emoção
Para maior compreensão do assunto, bem como para uma noção ou pela perturbação de ânimo decorrente da agressão.
mais ampla da Lei Sobre Homicídio, veja-se Introduction Au Droit O direito sueco preocupa-se essencialmente com a defesa
Criminel de l' Angleterre, trabalho do Institut de Droit Comparé de da propriedade e dos bens. O assunto é regido pelo art. 1.0 do
l'Université Paris, publicado sob a direção de Marc Ancel e de Leon
Radzínowlcz, Paris, 1959 (Les Grands Systemes de Droit Pénal Contem-
11orains). rn Vincenzo Manzini, ob. cit., p. 281.
64 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 65

Capítulo 24. Por ele, o ato cometido por qualquer pessoa agindo Portugal _ o Código português considera a legítima defesa
em estado de legítima defesa, não será passível de sanção. Assim causa justificativa, dispondo em seus arts. 44, n.º 5, e 46 q':e
age quérr; procura conjurar um ataque delituoso contra a pes- 0 fato somente se considera justificado quando houver agressao
soa ou contra os bens, começado ou iminente; quem procura ilegal em execução ou iminente, que não seja motivada por pro-
vencer a resistência daquele que, pela violência ou ameaça de vocação, ofensa ou qualquer crime cometido po~ q~em se de-
violência, ou de outro modo, se oponha a que seus bens sejam fende, impossibilidade de recurso à autoridade ~ubllca e neces-
recuperados em caso de flagrante delito; quem procura impedir sidade racional do meio empregado para prevemr ou suspender
que alguém penetre ilicitamente em um quarto, em. uma casa, a agressão.
em um recinto fechado, ou em um navio; quem procura afastar Alcança todos os bens, por não ter feito o código qualquer
de um quarto, de uma casa, de um recinto ou de um navio
restrição e, no tocante à defesa da propriedade e da posse, con-
quem neles houver ilicitamente penetrado e, em sé tratando de
quanto o código civil a admita independentemente do re~urso
local habitável, quem se recusar a abandoná-lo depois de ter sido
à força pública, tem prevalecido, no conflito dos textos, ~ 1:1te~-
notificado para fazê-lo. A legitimidade da defesa leva em conta
a natureza do ataque, a importância de seu objeto e a intensi- pretação preconizada por Dias da Silva, 21 de que a exigencia
dade da repulsa, que não pode ser manifestamente injustificada. da norma penal não pode deixar de limitar os poderes confe-
ridos pela lei civil.
As soluções dadas a casos concretos pela jurisprudência
mostram os pontos de contato e as singularidades que o insti- Também, quanto à exigência de que se t.orne imp°:sí~el ~
tuto oferece no direito escandinavo. recurso à autoridade pública, isso, nos demais casos, so sigm-
ficará O reconhecimento do caráter subsidiário da defesa pró-
Ivar Strahl e Marc Ancel assim os apontam: o direito sueco
pri~ relativamente à defesa por parte dos órgãos do Estad~:
exige ser a agressão penalmente punível; aos outros basta ser
Trata-se tão-só de explicitar nesta perspectiva o que resulta ja
ilícito ou injusto; o sueco considera lesiva a agressão dirigida
contra a pessoa ou os bens; já essa limitação não fazem os có- da própria exigência da necessidade do meio em~re~ad~ .ª esta
digos dinamarquês e norueguês, para os quais é possível exer- luz· a idéia de impor o recurso à força pública nao sígnítica re-
cer legítima defesa contra agressões da autoridade ou para a núncía ao uso do meio necessário para prevenir ou evitar a
defesa de outros valores não cobertos pela expressão "pessoa agressão, v.g., abandonando a defesa para se recorrer à polícia
ou bens". Ponto comum nos três sistemas é o que guarda con- (Eduardo Correia) .
tacto com a necessidade dos meios, sendo eles legítimos, sem- . os requisitos coincidem com os previstos pelo código bra-
pre, salvo quando ultrapassarem, manifestamente, os limites sileiro, feita uma maior exigência, relativa ao que fora exti~pado
do que seria preciso para prevenir 1:1, agressão. Leva-se muito em de nossa legislação - necessidade de se invocar o socorro a au-
conta, no direito escandinavo, a questão do commodus âiscessus, toridade.
não se recorrendo à violência se o simples fechar de uma porta, Quanto à defesa, segundo Eduardo Correia, o anim~· de-
um pedido de auxílio, forem capazes de conjurar a situação. fendendi é elemento estrutural, que resta intocado pe!a mt~~-
Quanto à proporção entre a ação e a reação, não há critérios venção ou cumulação de quaisquer outros motivos ou f1ps utíli-
fixos, mas estima-se uma latitude favorável ao ator do fato. 20 zados por quem se defende.
20 Marc Ancel - Ivar Strahl, Le Droit Pénal âes Pays Scandinaves, 21 Dias da Silva, Estudos sobre a Responsabilidade Civil Conexa
Paris, 1969.
com a Criminal, 1886, v. I, p. 170.
LEGÍTIMA DEFESA 67
66 MARCELLO J. LINHARES

Sobre o excesso, conforme sua qualidade ou circunstância, Informaram René David e .John Hazard que o direito não
será o agente ou punido com pena de prisão ou absolvido de tem valor senão como instrumento de política socialista, como
pena, ficando sujeito à reparação civil pela sua falta, entenden- j ustificaçã.o única do princípio da legalidade. O processo judi-
do-se por excesso apenas o que se refere aos meios necessários cial não é o único meio de se resolver o litígio. Este processo lento
para prevenir ou sustar a agressão. e custoso deve ser substituído por outros mais expeditos, que
se acham à disposição da sociedade. O direito penal é uma re-
Rússia - A legítima defesa é instituto que concede ao ci- líquia do passado. Se o direito em geral é uma necessidade den-
dadão um direito de defesa ativa (reação) no confronto dos que tro da sociedade socialista, podem-se conceber hipóteses nas
atentem (agressão) contra os interesses do Estudo ou os direi- quais, especialmente no domínio do direito criminal, seja van-
tos próprios ou de terceiros, desde que não excedam os limites tajoso tomar decisões à margem do direito e das formas jurí-
fixados pela lei (art. 13). dicas. 23
A redação da norma é esta: não constitui crime a ação que, Vê-se, assim, que a questão da legítima defesa é também
conquanto revista os elementos de um fato previsto na parte colocada sob o prisma da necessidade, mas necessidade para se
especial do presente código, for praticada em legítima defesa. atingirem os fins da comunidade socialista. Certo, porém, que
Assim se entende o que for levado a efeito para defender os in- os textos dos arts. 11 e 12 do Código Penal sovíétíco, ao lado e
teresses do Estado soviético, da coletividade social, da pessoa, à margem das sanções penais, dispõem sobre os que tenham fe-
dos próprios direitos dela ou de qualquer outro, contra um aten- rido a sua vítima em legítima defesa, ressalvando as reservas
tado socialmente perigoso que ameace dano à pessoa que se habituais, segundo as quais as medidas de proteção não devam
defende, desde que se não excedam os limites da legítima defesa. exceder o tanto quanto preciso.
Consider.a-se excesso dos limites da legítima defesa a manifesta Entre os bens defendidos, inclui o código, prioritariamente,
desproporção entre a defesa de um lado e o caráter e a peri- os interesses do Estado soviético e os da coletividade social (in-
culosidade do atentado, de outro. violabilidade de fronteiras, custódia do segredo militar etc.),
o professor Romachkine coloca em destaque os requisitos dando assim extrema extensão ao instituto, o que pareceu a
da legítima defesa no direito russo: a) um ataque socialmente Tomaso Napolitano '.!l excessivo de qualquer cidadão não inves-
perigoso; b) o ataque deve ser real e não ilusório; e) ele deve tido de particular função.
preceder a defesa ou pelo menos ser simultânea a ela; d) a rea- Em uma série de casos os tribunais têm considerado o que
ção não deverá ser excessiva, correspondendo sua intensidade, se deva entender por legítima defesa: um homem tratava de
mais ou menos, à do ataque. defender o sobrinho, vítima de ataque por parte de exaltado
Acrescenta que a lei não Iímíta o número ou a qualidade grupo de rapazes; depois de espancado, com o sobrinho, sacou
de pessoas que têm lugar à legítima defesa e o exercício dela de uma navalha, ferindo um dos agressores. A Câmara Penal
independe da possibilidade ou da impossibilidade do socorro da Corte julgou que as medidas de defesa tomadas pelo acusado
por parte das autoridades. 22 se achavam justificadas pelas circunstâncias.
Depois da revolução socialista, a aplicação do direito cri-
minal na Rússia ficou subordinada às concepções socialistas da '.!:i René David e John Hazard, El Derecho Soviético, Buenos Aires,
1964, t. 2, p. 144, 145 e 208.
justiça.
:!4 Tomaso Napolitano, Il Nuooo Cotiice Penale Sovietico, Milano,
2~ P. Romachkine, Príncipes âü Droii Soviétique, Moscou, s/d, p. 437. 1S63, p. 111.
LEGÍTIMA DEFESA 69
68 MARCELLO J. LINHARES

Pelo contrário, ao que dera uma punhalada, depois de haver No confronto dos danos, a defesa é legítima mesmo quando
desarmado o agressor, se julgou haver excedido os limites da o mal causado é mais grave do que aquele que deveria ter sido
legítima defesa. O golpe fora por vingança, não para proteger-se imposto, desde que as circunstâncias assim permitam admitir.
( casos Larionov e Selikhov). Considera a jurisprudência que o agente nem sempre tem ca-
A honra da mulher, também, autoriza medidas extremas pacidade de apreciar com exatidão o caráter e o grau do mal
de. proteção, a se julgar por um caso no qual, sem embargo, ameaçado. 26
cabia dúvidas se a honra houvesse sido ameaçada. Na luta ini-
ciada para não ser violada, a acusada ferira três vezes o agressor 25. TEXTOS DO DIREITO POSITIVO DE OUTROS PAÍSES
causando-lhe lesões graves. A Câmara estimou tratar-se de caso EUROPEUS
justificador da legítima defesa, se bem estivesse comprovada
coabitação anterior das partes, e a ré se recusava acostar-se A ustria - § 2.'1, letra g: A ação ou omissão não é ímputada
ao homem somente porque o filho ainda não havia dormido como crime quando o fato resulta de legítima defesa. A legí-
(caso Kosonokova). tima deresa não será, entretanto, admitida senão em razão da
Em outro, não se estimou a defesa; disparara o acusado condição das pessoas, das circunstâncias de tempo e de lugar,
um tiro da janela de sua residência, que dava para um pátio, da natureza da agressão ou de outras circunstâncias, segundo
na suposição de que ladrões nela pretendiam penetrar. Decidin as quais seja fundado concluir que o autor se serviu unicamente
a Corte não ter havido ataque prévio, inadmitindo a justifica- dos meios de defesa necessários para repelir um ataque ilegí-
tiva. 25 timo contra sua vida, sua liberdade, ou seus bens, ou os de ter-
Relativamente ao uso dos meios necessários, à maneira de ceiro, ou que não tenha excedido os limites senão por pavor,
se defender, à natureza e à gravidade do dano imposto ao ofen- coação ou medo. Todavia, um tal excesso poderá, segundo a na-
sor, são questões que dependem das circunstâncias concretas tureza das circunstâncias, ser sancionado como uma infração
dos casos. por negligência, conforme as disposições da segunda parte do
Assim, para determinar a legitimidade dos atos defensivos, presente Código.
tem-se em conta a importância dos bens defendidos, o perigo
Bélgica - Art. 416: Não há crime nem delito quando o ho-
da agressão, sua impetuosidade ou intensidade, a idade e a
força, bem como o número dos agressores, os meios agressivos micídio, as lesões e os golpes são comandados pela necessidade
e a forma com que são utilizados, a subitaneidade do ataque, atual da legítima defesa própria ou de terceiro.
a realidade das circunstâncias prejudiciais, o lugar e o am- Bulgária - Art. 5.0 : O ato não é considerado como social-
biente, além do confronto de forças. mente perigoso quando praticado em legítima defesa para im-
A legitimidade da defesa não exige que o meio usado na pedir diretamente ou de um modo ilegal um ataque, seja contra
repulsa tenha sido o único possível para evitar a agressão so- os poderes públicos, seja contra uma pessoa ou seus bens. Não
cialmente perigosa. O agredido tem o direito de escolher o meio será punido o ato cometido fora dos limites da legítima defesa,
que, segundo ele próprio, lhe pareça o mais apropriado e o mais
se é provocado por medo ou por um distúrbio qualquer.
acessível.
2G Marc Ancel, A. A. Piontkovsky e V. M. Tchkikvadze. Le S,]Jsteme
1ií Decisões dos tribunais. citadas. por David e Hazard, ob. cit.,
Penal Souiétique, Paris, 1975, p, 45.
p. 144 e 145.
70 MARCELLO J. LlNHARES LEGÍTIMA DEFESA 71

Finlândia - § 6.0: Nenhuma pena será imposta contra Não é punível o ato que excede os limites da defesa neces-
quem cometer um ato que, embora reprimido pela lei penal, for sária, se seguido à imediata violenta emoção causada pelo
necessário para a proteção de seu autor ou de outrem, de sua ataque.
propriedade ou de propriedade alheia, contra um atentado em
via de execução, ou iminente. . . Hungria - Art. 15: 1. Um ataque injusto ou uma ameaça
indicando um ataque injusto e imediato, dirigido seja contra a
§ 7.0 :O direito de legítima defesa deve ser igualmente coletividade, seja contra a pessoa ou os bens dos particulares,
reconhecido quando o indivíduo penetrar sem autorízação no pode ser repelido pela pessoa atacada ou por qualquer outra
quarto, na residência, na propriedade ou no barco de outro, pessoa. O ato necessário para repelir o ataque - a legítima
ou que, sendo as.sim encontrado, resiste ao proprietário que defesa - não é punível.
queira retomar a posse de seus bens. 2. O ato não é punível se o autor excedeu, por coação ou
Grécia - Art. 22: 1: O ato praticado em legítima defesa
emoção escusável, os limites da legítima defesa. .
não é injusto. . . lsJândia - Art. 12: Os atos praticados em estado de legí-
2: Há legítima defesa quando uma pessoa se livra de um tima defesa não são puníveis desde que necessários para repelir
ataque necessário para repelir uma agressão injusta e atual um ataque ilegítimo, começado e iminente, em condição tal
contra ela ou contra um terceiro. que os meios de defesa empregados não tenham sido manifesta-
mente mais perigosos que o ataque e que não eram justificados
3: A necessidade da legítima defesa é apreciada em razão em consideração ao dano que se poderia acreditar do referido
do perigo que apresenta a agressão, da natureza do dano pos- ataque.
sível, do processo e da gravidade da agressão, bem como de ou- .
tras circunstâncias da infração Iugoslávia - Art. 11: Não se considera infração o ato
1.
cometido em estado de legítima defesa.
A.rt. 23: Excesso dos limites da legítima defesa: Aquele
2. É legítima defesa o ato indispensável que permita ao
que excede os limites da legítima defesa é punido com uma pena
autor afastar de si ou de outrem um ataque ilegal iminente.
atenuada, se o excesso é praticado intencionalmente; se é co-
3. Se o autor exceder os limites da legítima defesa, o Tri-
metido por imprudência, o autor é punido em conseqüência;
bunal poderá atenuar-lhe a pena; desde que cometido o ex-
mas esse excesso não lhe é imputado e não é punido se agir sob
cesso em seguida a uma excitação violenta ou de uma pertur-
o império de coação ou da confusão provocada pela agressão.
bação provocada pelo ataque, ele poderá até isentá-lo de toda
Art. 24: Legítima defesa culpável: Quem tenha provocado pena.
intencionalmente agressão contra si mesmo a fim de cometer
Liechtenstein - Causas que excluem a intenção dolosa:
contra a pessoa assim provocada um ato possível sob aparência
de legítima defesa, não fica subtraído à pena estabelecida pela Art. 2: Um ato ou uma omissão não é imputável como
lei. crime:

Holanda - Art. 41: Não é punível quem comete uma ação


comandada pela defesa necessária da vida, da honra, ou dos g: Quando resulta de uma coação irresistível ou constitui
bens próprios ou de outrem contra um ataque súbito e ilegal. um caso de legítima defesa.

825 • 6
LEGÍTIMA DEFESA 7J
72 MARCELLO J. LINHARES

Polônia - Art. 22. § l.º: Não comete delito aquele que


A legítima defesa não será admitida senão quando em razão em defesa que se faça necessária, indispensável, repele a agres-
da condição das pessoas, das circunstâncias de tempo e rugar, são direta e ilegal contra qualquer bem público ou de qualquer
da natureza da agressão, ou de outras circunstâncias, seja fun- pessoa física ..
dado concluir que o autor se serviu unicamente dos meios de § 2.0 : Age em defesa legal, particularmente, aquele que
defesa necessários para repelir um ataque ilegítimo contra sua toma iniciativa para reconstituir a ordem ou a paz pública,
vida, sua liberdade, ou seus bens, ou os de terceiro~ ou que não embora não sendo isto sua obrigação pelo cargo ou serviço a
tenha excedido os limites senão por pavor, coaçao ou medo. que pertença.
Todavia um tal excesso poderá, segundo a natureza das cir-
§ 3.<•: No caso de passar dos limites dessa defesa indispen-
cunstâncías ser sancionado como uma infração por negligên-
cia, conforme as disposições da segunda parte do presente có- sável, particularmente quando sua ação foi exagerada em pro-
porção à agressão, o Tribunal pode aplicar um abrandamento
digo (arts. 355 e 431).
extraordinário da pena, ou até abolir a mesma.
Luxemburgo 21 - Art. 416: Não há crime nem delito quan- (O novo Código Penal tornou-se vigente a l.º de junho
do O homicídio, as lesões e os golpes são comandados pela ne- de 1970).
cessidade atual da legítima defesa própria ou de outrem.
Romênia - Art. 34: o fato previsto na lei penal não cons-
Art. 417: Estão compreendidos nos casos de necessidade titui infração, se cometido em estado de legítima defesa. Con-
atual de legítima defesa os dois seguintes: sidera-se em legítima defesa quem comete o fato para evitar um
l.º: Se o homicídio foi cometido, as lesões feitas e os golpes ataque material, direto, imediato e injusto, dirigido contra si,
desfechados durante o repouso noturno, por meio de escalada ou coritra outrem, ou contra um interesse social e que coloque em
rompimento de obstáculos, muros ou entrada de, un:a casa ou grave perigo a pessoa ou os direitos daquele que é atacado, ou
de um apartamento habitado ou de suas dependências. o interesse social. Da mesma forma, considera-se em estado de
2.º: Se O fato teve lugar defendendo-se o agente contra legítima defesa quem, perturbado pelo medo, ultrapassa os limi-
os autores do roubo ou pilhagem executados com violência. tes de uma defesa proporcional à gravidade do perigo e às cir-
cunstâncias nas quais o ataque é produzido.
Art. 418: Adultério: A morte, as lesões e os golpes são es- Dá o Código grande importância aos delitos contra a segu-
cusáveis quando o crime ou o delito é cometido por um dos espo- rança do Estado, contra os interesses sociais e econômicos,
sos contra O outro e seu cúmplice, no momento em que o sur- principalmente à sabotagem, à destruição de instalações do Es-
preende em flagrante delito de adultério. tado e ao não-cumprimento de obrigações.
Mônaco - Art. 323: Idêntico ao código francês e ao de O Cód. Penal romeno foi promulgado em 21 de junho de
Luxemburgo. 1968, para entrar em vigor a 1.0 de janeiro de 1969. Incorpora
a legislação de 1936, da República Socialista Romena, e as mo-
Art. 319, parte final: No caso de adultério, a morte come- dificações nela introduzidas, que motivaram a republicação do
tida pelo esposo contra outro ou contra o cúmplice no ii:istan~ Código em 1948.
em que os surpreende em flagrante delito na ~asa conjugal e
escusável se o esposo não se achar no caso previsto no art. 336. São Marinho - Art. 24: Havendo falta de vontade livre
do agente inexiste a imputabilidade quando a vontade é cons-
~. Idêntica redação à do Código francês.
74 MARCELLO J. LINHARES

trangida por uma força moral à qual não podia resistir, como
no caso da legítima e necessária defesa da própria vida, de ou-
trem, e em todos os casos onde esteja suprimida a vontade de
querer.
Em 14 de novembro de 1960 o Grande Conselho Geral da
República constituiu uma Comissão de Reforma do Código Pe-
CAPÍTULO IV
nal, que apresentou em outubro de 1966 um novo projeto, ainda
atualmente em estudos.
A LEGÍTIMA DEFESA NO DIREITO COMPARADO
Suiça -Art. 33: Aquele que for injustamente (sem direito)
atacado, ou injustamente ameaçado de ataque iminente tem o 26. Direito nuicuimano . Países árabes. 27. A legítima defesa
direito de repelir esse ataque pelos meios proporcionados às em alguns paises da África e da Ásia. 28. Estaclos Unidos da
América do Norte. 29. A teuitima defesa nos países ibero-ame-
circunstâncias; o mesmo direito é concedido a terceiros. Ha-
ricanos. 30. Código Penal Tipo para a América Latina.
vendo excesso de legítima defesa o. juiz atenuará livremente a
pena (art. 66); mas se o excesso provier de escusável. estado de 26. DIREITO MUÇULMANO -- PAíSES ÁRABES
excitação ou de emoção causada pelo ataque, nenhuma pena
será aplicada. O direito muçulmano é o direito que rege os adeptos da
O art. 66, a que faz remissão o texto do art. 33, dispõe que, religião islâmica. A palavra musulmati deriva da palavra Islam,
no caso onde a lei prevê livre atenuação da pena, o juiz não que. significa submissão à divindade. O Islam é o conjunto de
fica vinculado nem ao gênero nem ao grau da pena prevista povos que aceitaram a religião revelada por Maomé no Corão.
para a infração . Estes povos representam uma parte importante da humanidade,
de 250 a 300 milhões de fiéis espalhados pelo Egito, Líbano,
TchecoslO'Váquia - Art. 13: Não constitui delito um ato,
Síria, Jordânia, Arábia, Kuwait, Sudão, Líbia, Tunísia, Marro-
que de outra forma seria punível, quando o indivíduo repele
cos e Argélia.
ataque iminente ou atual contra um interesse protegido pela
Por seu direito, não se exige que o indivíduo ameaçado em
lei. Não agirá em legítima defesa se a defesa for evidentemente
sua pessoa e seus bens proceda de modo a permitir que o mal
inadequada à natureza do ataque e ao perigo que ele ameaça.
se realize; concede-se-lhe, ao revés, permissão para reprimir,
Turquia - Art. 49: Não é punível quem tenha cometido em certos casos, ele mesmo (dar-) , o atentado.
o fato: 2. o - constrangido pela necesstdade · de repelir imedia- A expressão direito é empregada nas legislações árabes para
tamente um ataque ilegal dirigido contra sua vida ou contra significar uma relação entre credor e devedor, tendo o primeiro
sua honra, ou contra a vida ou a honra de outrem. o direito de reclamar do segundo uma determinada coisa ou a
prestação de algum serviço, a realização de um determinado
ato ou a abstenção dele.
Já a legítima defesa, como diferencia Mostafa, 1 é uma per-
missão legal dada ao agente para repelir a agressão, permissão
' Mahmoud M. Mostara. Príncipes de Droii: Penal des Pmys Arabes.
Paris. 1973.
76 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA '17

essa que não acarreta um dever. Assim, na elaboração do Código 27. A LEGíTIMA DEFESA EM ALGUNS PAfSES DA AFlUCA
Civil, o legislador egípcio, por exemplo, fala de caso de legítima E DA ASIA
defesa e não de direito de legítima defesa.
Etiópia - Art. 74: Não é punível o ato cometido pela ne-
A legítima defesa é causa geral (Egito, 245; Iraque, 42; cessidade de defender a si próprio ou a outrem de· um ataque
Líbia, 70; Kuwait, 50; Sudão, 56; Líbano, 184; Síria, 183; Jor- ou de u'a ameaça de ataque iminente e contrário ao direito a
dânia, 60; Marrocos, 83; e Argélia, 39), aplicando-se à pessoa, um bem juridicamente protegido, se o ataque ou a ameaça não
bens, a terceiros, e relaciona-se com todas as infrações penais. puderem ser de outra forma repelidos; e se a defesa for pro-
O direito egípcio a coloca, como no direito francês, para aten- porcionada às circunstâncias, notadamente ao perigo e à gra-
der aos casos específicos de homicídio e de lesões, mas se lhe vidade do ataque. e à importância do bem atacado.
dá elasticidade bastante para se estender a outros casos.
Art. 75: Quando quem repele o ataque ilícito ultrapassa
As legislações não exigem a gravidade da agressão, consi-
os limites da legítima defesa, usando de meios desproporciona-
derando o princípio de que o homem que atenta contra a vida
dos, ou indo além dos atos necessários para evitar o perigo; o
ou os bens de outro não tem mais direito à proteção legal.
juiz atenuará livremente a pena.
Mas, todos os textos fazem questão da necessidade, falando O juiz pode chegar até a isenção de toda a pena quando
em violência necessária, em sua maioria. Assim, como informa o excesso cometido resultar de coação, surpresa, ou exaltação
Louis Milliot, a reação deve ser proporcionada à ação; quem a escusável causada pelo ataque injusto.
exerce não está autorizado a infringir, quando possa evitar, Em caso de excesso de legítima defesa estrita, quem repelir
um prejuízo ma'or que o necessário para repelir o mal que o o ataque fica civilmente responsável pelo prejuízo decorrente
ameaça: não terá o direito de fazer justiça por si mesmo se tem do excesso.
tempo de se valer dos meios legais. 2
Somália - Art. 34: Não é punível quem comete o fato
O direito de matar é formalmente reconhecido para pro-
por ter sido constrangido pela necessidade de defender um di-
teger não apenas a vida e a integridade física, mas também oa
reito próprio ou alheio contra o perigo atual de uma ofensa
bens. Se o ladrão, durante a noite, foge levando consigo o pro-
injusta, sempre que a defesa for proporcionada à ofensa.
duto de seu roubo, o proprietário está legalmente autorizado
a persegui-lo e matá-lo para retomar o objeto roubado. 3 Art. 37: Quando ao cometer alguns dos fatos previstos nos
Em caso de prejuízo a seu imóvel, pode destruir por si mes- arts. 33 e 36 se excederem culposamente os limites estabelecidos
mo a causa, demolir, por exemplo, a construção do vizinho que pela necessidade, aplicam-se as disposições concernentes aos
delitos culposos, se o fato é previsto em lei como delito culposo.
invada seu terreno. ·
Pela mesma razão, cada um pode fazer respeitar seu direito Art. 38: Eximente putativa. - Se o agente supõe por erro
de usar a via pública, removendo todo objeto que a atravanque. 4 que existem causas eximentes, estas serão sempre consideradas
a seu favor. Todavia, se o erro for determinado por. culpa, a pu-
2 Louis Milliot, Introâuciion d l'Étude du Droit Musulman, Paris, níbílídade não restará excluída quando o fato for previsto pela
1953, n,v 982, p. 765. lei como delito culposo. s
.. Louis Milliot, ob. e loc. cits.
~ Idem, ibidem. Ren:lto Angelcuí, Godice Penale somato, Mllano, 1967.
LEGÍTIMA DEFESA 7'J
78 MARCELLO J. LIN HARES

China - O art. 36 do Código Penal da China tem a se- ampla remissão a seu conceito, pressupostos, requisitos e so-
guinte redação: O ato praticado em defesa de direitos próprios luções concretas no direito americano."
ou de outrem contra uma violação atual e ilegal não é punível. Em amplo sentido, legítima defesa (self defense) é a pro-
Mas, se o ato de defesa ultrapassa o que é necessário, a pena teção da própria pessoa ou da propriedade contra uma ofensa.
aplicável pode ser reduzida ou perdoada. 6 É ato afirmativo, positivo, intencional, não havendo legítima
defesa acidental.
Coréia - No Código Criminal da Coréia a legítima defesa Tecnicamente define-se, com relação à proteção da própria
é prevista em três partes, todas colocadas sob as disposições do pessoa, dizendo-se que legítima defesa ocorre na maioria das
art. 21: vezes quando uma pessoa é subitamente acometida por outra sem
qualquer culpa de sua parte e debaixo de certas circunstâncias
A conduta dirigida a repelir iminente e injusta agressão
1.
que lhe proporcionem uma justa e razoável crença de se encon-
a direitos próprios ou de outrem não é punível, desde que ra-
trar em perigo de perder a vida ou de sofrer grave ofensa cor-
zoavelmente exercida. 1

poral.
2. Havendo excesso dos razoáveis limites da legítima defesa, Em muitos casos, o ofendido não precisa esperar pela re-
a pena pode ser mitigada ou mesmo perdoada, segundo as cir- ceada ofensa de seu adversário, devendo resguardar sua vida
cunstâncias. o tanto quanto necessário para proteger-se.
3. Ocorrendo a hipótese da parte anterior, não é punida O perigo ou a aparência de perigo deve ser iminente
a conduta que for conseqüente a medo, surpresa, provocação (ímminency of danger), presente, não remoto; nem futuro.
ou confusão, durante a noite, ou ainda devida a outras circuns- . A vida humana não deve ser sacrificada sob a apreensão de
tâncias causadoras de perigo. um provável perigo, mesmo em futuro próximo.
O agredido deve agir s b a influência do perigo, não por
Japão - Os atos· inevitáveis à defesa de direitos próprios espírito de vingança.
ou de terceiros contra agressão iminente e injusta não são Justificando a morte ou a lesão grave, deve existir a real
puníveis. Conforme as circunstâncias, a pena pode ser reduzida causa razoável do medo (reastmableness of apprehernsion), não
ou escusada, se forem excedidos os limites da defesa. 7 bastando provar-se apenas o medo, porque este não escusa o
homicídio, se falta a demonstração de um ato prévio, hostil
28. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE do agressor.
O receio que se exige como justificador da repulsa é o que
Recebendo a influência inglesa, o direito americano admi-
se apresenta ao homem moderado (fair of reasonable man),
tiu as duas formas de reação, arribas legitimando a defesa, as
dotado de razão, racionalmente. prudente, corajoso, que conserva
quais atualmente se fundem em uma única. 8
o domínio de si mesmo.
Tal a excelência da contribuição que prestam os doutrina- Não faz !3- lei discriminações em favor do covarde, ou do
dores ao instituto da legítima defesa, oportuna se fará uma beberrão. As circunstâncias devem ser tais de modo a explicar
o justo temor, que deve ser o do homem médio.
"
Jean Escarra, Code Pénal de la République de Chine, Paris, 1930.
The Penal Code of Japon, Tokio, 1973.
" The American and English Encyclopedia of Laio, under super-
" T. Berlin Stuckner, Delitos y Penas en los Estados Unidos, trad.
vision of James Cockcroft.. 2.ª ed., 1903, v. 25, p. 262 e segs,
de Díaz Paios. Barcelona, 1959, p. 72.
80 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA St

Sobre o alcance da legítima defesa, pode ocorrer em res-


razoavelmente; não se pode usar uma arma mortífera para re-
guardo do direito à vida, como da incolumidade física. o perigo
de, mera indignidade ou de uma contenda na qual uma grave pelir ataque contra mãos desarmadas.
ofensa não é de se prever razoavelmente, não justifica a morte. Em alguns casos, se há um temor justificado de morte.
o· ato prévio (overact) que legitima a repulsa e que pode pode valer-se da arma, ajuizando-se pela natureza do assalto
ser entendido como agressão é o gesto, a conduta, a demonstra- e pelas circunstâncias envolventes se a repulsa é ou não legí-
ção ou qualquer atitude que evidencie razoavelmente o desígnio tima.
presente de ofender, sendo avaliado pela violência ou periculo- Relativamente à defesa da honra conjugal, pode o marido
sidade do agressor, assim notoriamente conhecido na comu- repelir o ataque contra quem esteja mantendo intimidades com
nidade. a esposa (criminal mtimacu uiith: wife), em sua presença, desde
A legítima defesa recíproca (mutual combat) não é admi- que acredite que um ato violador se comete ou esteja em vias
tida, por se entender inexistente legítima defesa contra legí- de execução; o adúltero, posto em perigo, não tem o direito de
tima defesa. defender-se, usando contra o marido traído uma arma mor-
Isoladas, as ameaças (threats) não escusam, mas se liga- tífera.
das a algum ato envolvido por intenção criminosa, podem for- Se, entretanto, sabendo da infidelidade da esposa, preme-
necer elementos de uma defesa legítima. dita o marido, delib radamente, uma cilada para o cúmplice,
Sustenta-se que quando alguém esteja errado na prática v. g., o pretexto de uma viagem, e a espera perto do lar, com
de um ato (intention), que não obedeça ao propósito de causar o propósito de vingança, tem o amante o direito de se defender
uma provocação, ou com conhecimento ou previsão de que po- do ataque, posto que, nesta circunstância, embora a agressão
deria_ produzir tal efeito, não ficará só por isso prejudicado do vise a um ato em começo de execução, ao marido cabia evitá-lo
direito à legítima defesa. e o amante, repelindo a agressão com a morte do ofensor, tem
A regra vigente no Texas é que a provocação (provocation) em seu favor a defesa justificada.
deve resultar de um ato ou palavra intencionais.
29, A LEGITIMA DE,FESA NOS PA1SES IBERO-AMERICANOS
Para privar-se o acusado do direito de defesa serão preci-
sos fatos, palavras ou ameaças praticados ·ou proferidas com
No direito ibero-americano, a legítima defesa vem tratada
intenção de provocar o adversário.
nos códigos da Bolívia, do Haiti, e da República Dominicana
Quem premedita um encontro (seeking interview) com
em sua parte especial, recebendo estes dois últimos códigos.
quem já tenha tido algum agr~vo não ficará privado do direito
obviamente, acentuada influência da legislação francesa.
de se defender, desde que seu propósito seja o de dialogar, de
Os códigos do Chile, da Nicarágua, de Honduras, da Gua-
modo Pacífico, ou de tentar uma reconciliação.
temala, do Salvador e do Uruguai acompanham a redação do di-
Não é elemento capaz de autorizar a morte em defesa a
reito positivo espanhol, que legisla autonomamente sobre a legí-
simples provocação; nenhuma palavra oprobriosa, nenhuma
tima defesa da propriedade; a de parentes e a de estranhos,
linguagem abusiva ou gestos ofensivos justificam ou escusam
a reação. com requisitos diversos.
Os códigos da Argentina, Peru e Costa Rica seguem a orien-
A força usada na repulsa (use of reasonable necessary force)
tação do código espanhol. mas legislam da mesma forma a legí-
deve ser apenas protetora, jamais agressiva, e ser empregada
tima defesa própria e a de terceiro, em apenas um inciso.
LEGÍTIMA DEFESA 83
82 MARCELLO J. LINHARES

, v I ntamente cuide de roubar, incendiar, invadir ou causar


Os demais guardam redação própria, anotando-se que o do
li um dano às pessoas, ainda que isso ocorra durante o dia,
Panamá inclui a legítima defesa e o estado necessário a um
, 111pr que não haja outro meio para impedi-lo.
tempo.
Outros imprimem aos textos uma orientação excessiva- 0
No de defender a liberdade própria ou a de outra pes-

mente casuística, como os do México e do Equador. ntra quem injusta e violentamente cuide de tirá-la, arre-
Argentina - Art. 34: Não são puníveis: 6.0 : O que agir ndo-a ao homicida ou a quem este defenda, ou causando-
em defesa própria ou de. seus direitos, sempre que concorram outra violência material em seus corpos, sempre que não
as seguintes circunstâncias: a) agressão ilegítima; b) neces- 11 1J outro meio de impedi-lo.
sidade racional do meio empregado para impedi-la ou repeti-la; 5.°: No de defender-se uma mulher honesta de algum
e) falta de provocação suficiente por parte de quem se defende. ultraje ou ataque violento que se faça a ·seu pudor no ato mesmo
Entender-se-á que concorrem estas circunstâncias a res- lo homicídio, não havendo outro meio de impedi-lo.
peito daquele que à noite repelir a escalada ou o rompimento
dos cercados, paredes ou entradas de sua casa ou local habi- Chile - Art. 10: Estão isentos de responsabilidade crímí-
tado ou de suas dependências, qualquer que seja o dano oca- 11 li :
sionado ao agressor. 4.0: O que age em defesa de sua pessoa ou direitos, sempre
Igualmente, a respeito daquele que encontrar um estranho
tt concorram as circunstâncias seguintes: 1) agressão ílegí-
dentro de seu lar, sempre que haja resistência.
tlma: 2) necessidade racional do meio empregado para ímpe-
7.0 : O que agir em defesa da pessoa ou direitos de outro, d l -ou repeli-la; 3) falta de provocação suficiente por parte
sempre que concorram as circunstâncias a e b do inciso anterior 1 lt• uem se defenda.
e em caso de ter havido provocação suficiente por parte do agre-
A defesa de parentes (inc. 5.0 ) e de terceiros (inc. 6.º) con-
dido, e a de que não tenha participado nela o terceiro defensor.
rva idêntica redação das letras B e C do art. 36 do Código
Art. 35: Quem tiver excedido os limites impostos pela lei, 1•11 no.
pela autoridade ou pela necessidade, será punido com a pena 11.°: O marido que, no ato de surpreender sua mulher em
estabelecida para o delito por culpa ou imprudência. 111wrante adultério, der morte, ferir ou maltratar a ela e a seu
Bolívia - Art. 497: Não estará sujeito a pena alguma o 1 1111 plice, contanto que a má conduta do marido não concorra

homicídio que se cometa em qualquer dos casos seguintes: 11 11·n tornar escusável a conduta da esposa. se apenas um for
vil mado, ou for causado um dano menor subsistirá a isencão
i.v: Na necessidade de exercer-se a defesa legítima e na- ' , 1

1 111 nos que se prove ter o marido agido intencionalmente,


tural da própria vida ou de outra pessoa contra o agressor in-
11111rt rme as circunstâncias do fato o revelem.
justo, no ato do homicídio.
2.°: No de repelir o agressor injusto que à noite invada vio- 'olõmbia - Art. 25: O fato se justifica quando se comete:
lentamente ou cuide de assaltar ou incendiar casa, habitação
~ 2: Pela necessidade de defender-se ou defender a outrem
ou herdade, ou rompa portas, ou escale paredes ou cercas.
111 a violência atual e injusta contra a pessoa, sua honra e
3.0: No de defender sua casa, sua família e sua propriedade
contra o salteador, ladrão ou outro agressor injusto, que aberta 1 ns e sempre que a defesa seja proporcionada à agressão.
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 85
84

Costa Rica - Art. 26: Estão isentos de responsabilidade: oncorram os seguintes requisitos: agressão atual ilegítima;
necessidade racional do meio empregado para repelir dita agres-
§ 5. 0 : o
que - agir em defesa de sua pessoa ou direitos ou
são, e falta de provocação suficiente de parte de quem se de-
da pessoa ou direito de outrem, sempre que concorram as três
seguintes circunstâncias: a) agressão ilegítima, devendo-se ter nde,
como tal o ataque que não provenha do exercício de um direito Guatenuüa - Art. 21: Idêntico ao art. 10 do Código chi-
ou da intervenção de uma autoridade no cumprimento de suas no.
funções; b) necessidade racional do meio empregado para im-
pedi-la ou repeli-la; e) falta de provocação suficiente da parte Haiti - Art. 273:Não existe crime nem delito quando o
do agredido. homicídio, as lesões e os golpes forem requeridos pela necessí-
dade atual da legítima defesa própria ou alheia.
Cuba -Art. 36: Está isento de responsabilidade por causa
de justificação: Honduras, - Art. 7.0, item 5.0: Redação idêntica à do art.
A) oque age em defesa de sua pessoa ou direitos sempre :rn do Código cubano.
que concorram as circunstâncias seguintes: 1.ª) agressão in- México - Art. 15: São circunstâncias excludentes da res-
justa, não provocada, nem procurada propositadamente por
quem se defenda; 2.ª) necessidade racional objetiva ou subje- ponsabilidade penal :
tiva do meio empregado para impedi-la ou repeli-la. III: Agir o acusado em defesa de sua pessoa, de sua honra
B) o que age em defesa da pessoa ou direito de seu côn- ou de seus bens ou da pessoa, honra ou bens de outrem, repe-
juge, seus ascendentes, descendentes, irmãos legítimos, natu- 1 ndo uma agressão atual violenta sem direito e da qual resulte
rais ou adotivos, de seus afins nos mesmos graus até o quarto t I perigo iminente; a não ser que se prove a ocorrência de algu-
grau civil, sempre que concorra a segunda circunstância da letra 11 s das circunstâncias seguintes: l.ª) que o agredido provo-
A antecedente e a de que, tendo havido agressão ou provoca- vou a agressão, dando causa imediata e suficiente para ela; 2.:.)
ção por parte do ofendido, dela não . tenha participado o de- qn previu a agressão e pôde facilmente evitá-la por outros
fensor. 111 ios legais; 3.ª) que não teve necessidade racional do meio
C) O que age em defesa da pessoa ou direito de um es- 1•1 pregado na defesa; 4.ª) que o dano que ia causar ao agressor
tranho, sempre que concorram a primeira e segunda circunstân- 1·i facilmente reparável por meios legais ou notoriamente de
cias prescritas na letra A precedente e a de que o defensor não pune importância, comparado com o que causou a defesa.
tenha sido impulsionado por víngança, ressentimento, ou outro
motivo ilegítimo. Para apreciar esta eximente o Tribunal aten- Nicarágua - Art. 21, 4.0 : Idêntica redação à do art. 10
derá ao estado de ânimo do defensor, consideradas as circuns- 111 digo chileno.
tâncias concorrentes.
J anamá - Art. 48: Não é punível quem executa um ato
Dominicana - Art. 328: Idêntica redação à dos códigos p 11• , I r caver-se a si mesmo ou a outrem de perigo grave e imi-
francês e belga. 1 1 l,1 que ameace a vida ou a honra quando não tenha sido

Equador - Art. 19: Não comete infração de nenhuma 111 voluntária do perigo quem se veja ameaçado por ele e
classe _o que age em defesa necessária de sua pessoa, desde que , 11 p sa evitá-lo de outro modo.
LEGÍTIMA DEFESA 37
M ARCEL LO J. LINHARES

Paraguai - Art. 22: Toda pessoa está autorizada a fazer Art. 55: Homicídio, questão de defesa própria, a quem se
, ti brneterá:
uso de sua força corporal com o objetivo de afastar de si mesmo
ou dos demais as violências ilícitas ou ataques criminosos con- A. decisão se um homicídio foi cometido em defesa própria,
tra a vida, a liberdade pessoal ou o pudor, quando contra tais ou não, se submeterá ao Tribunal ou jurados respectivos.
atos seja impossível solicitar o auxílio oportuno da autoridade.
Salvador - Art. 8.0 , inc. 4.0 : Idêntica redação à do Código
A violência exercida contra o agressor, o dano que se lhe rhileno.
possa causar e a morte mesma que se lhe possa dar não estarão
sujeitos a qualquer penalidade sempre que concorram os se- Uruguai - Art. 26: Redação idêntica à do Código chileno.
guintes requisitos: 1.º) agressão ilegítima; 2.0) perigo iminente; Art. 36: A paixão provocada pelo adultério faculta ao juiz
3.0) necessidade racional do meio empregado para a defesa. ntar de pena os delitos de homicídio ou de lesões, sempre que
Art. 21, 7.0: O marido que, no ato de surpreender inespe- eoncorram os seguintes requisitos: 1.0) que o delito se cometa
radamente sua mulher em flagrante delito de adultério, mata, p lo cônjuge que surpreenda em flagrante o outro cônjuge e
fere ou a maltrata, e a seu cúmplice, está isento de responsa- que se efetue contra este ou contra o amante; 2.º) que o autor
bilidade criminal se o abandono malicioso ou o adultério público 1. nha bons antecedentes e que a oportunidade para cometer o
t I lito não tenha sido provocada ou simplesmente facilitada, me-
ou escandaloso do marido não tenha tornado escusável a falta
til an te conhecimento anterior da infidelidade conjugal.
da esposa. \

Peru - Art. 85: Estão isentos de pena: venezuela - Art. 65: Não é punível:

2.c~; O que age em defesa de sua pessoa ou direitos ou da 3.U: O que age em defesa de sua própria pessoa ou direito,
pessoa ou direitos de outro, sempre que concorram as três cir- mpre que concorram as circunstâncias seguintes: a) agressão
cunstâncias seguintes: a) agressão ilegítima; b) necessidade legítima por parte de quem resulta ofendido pelo fato; b) ne-
racional do meio empregado para impedi-la ou repeli-la; e) falta rr-sstdade do meio empregado para impedi-la ou repeli-Ia; e)
de provocação suficiente da parte de quem faz a ofensa. l 1 1 t de provocação suficiente de parte do que pretenda haver
llfddo em defesa própria.
Porto Rico - ~ 54: Direito de defesa própria. Equipara-se à legítima defesa o fato com o qual o agente,
O direito da defesa própria em nenhum caso se estende à 1111 stado de incerteza, temor ou terror, exceda os limites da
inflição de maior dano que o necessário ao objeto. Para justifi.- dt•I' sa.
car um homicídio, em que se alegue defesa própria, é necessário
não só acreditar mas também ter· motivos fundados para crer IO. CóDIGO PENAL TIPO PARA A AMÉRICA LATINA
que, ao matar o agressor, se achava o agredido em iminente ou
imediato perigo de morte ou de grave dano pessoal. As circuns- A legitima defesa, no Código Penal Tipo para a América
tâncias deverão ser de tal natureza que levem o ânimo de uma é assim estimada:
1.11 l l 11 ,
pessoa de moderada prudência ao convencimento de que o
rt, 16 - Não comete crime quem age em legítima defesa
acusado se achava em perigo pela morte ou de grave dano pes-
1 pt oa ou de direitos, próprios ou alheios, desde que concor-
soal. Fundado temor não significa o temor de um covarde, mas
1 1111 os seguintes requisitos:
o temor de uma pessoa de moderado valor.
88 MARCELLO J. LINHARES

1 . agressão ilegítima;
2. necessidade razoável de defesa empregada para a im-
pedir ou a repelir.
A parte do documento pré-legislativo referente às causas
de justificação, foi entregue à delegação peruana, que, a res- CAPITULO V
peito da legítima defesa, considerou não ser necessária a in-
clusão, nela, de forma explícita, do requisito da falta de pro- A LEGÍTIMA DEFESA NO DIREITO BRASILEIRO
vocação suficiente, desde que, enunciado o requisito da agressão
ilegítima, se está logicamente supondo e considerando que há 31. A legislação reinol. 32. A legislação do Império. 33. A legis-
falta de provocação suficiente; assim como também quando se laçã·o da República. 34. Os projetos para a reforma de 1940.
usam os termos necessidade razoável da ação tendente a im- 35. A legítima defesa no Código Penal de 1940. 36. As reformas
pedi-la ou a repelir, se estará fazendo referência implícita a introduzidas no Código Penal de 1969. 36-a. A nova Parte Geral
outro requisito que se não coloca de modo expresso, qual seja do Código Penal, segundo a Lei n. 7.809, de 11 de julho de 1984.
a atualidade da reação, a atualidade do contra-ataque.
Quanto ao excesso, a delegação propõe ser punido com a 81. A LEGISLAÇÃO REINOL
pena de delito culposo. Nos casos em que o agente tenha exce-
dido por perturbação da mente, por temor, ou por uma excita- Também conhecido como as Ordenações e Leis do Reino
ção que as circunstâncias fizeram escusáveís, a Comissão estima . Portugal, o Código Fllipino previa legítima defesa em seu
que o excesso não deve ser punível. 1vro Quint-0, Título XXXV, assim dispondo: "Dos que matão,
u ferem, ou tirão com Arcabuz, ou Bé.sta.1 Qualquer pessoa,
O sujeito pode incorrer em excesso por excitação ou por
perturbação quando as circunstâncias não escusem o surgi- que matar outra, ou mandar matar, morra por ello morte na-
mento dessa excitação; o delito é culposo; e a pena é a que cor- 1 ural. Porém, se a morte for em sua necessária detensão, não
responde ao crime culposo, desde que previsto; quando a exci- averá pena alguma, salvo se nella excedeo a temperança, que
tação, a perturbação ou o temor forem escusáveis, então o ponto l vêra e podéra ter, porque então será punido segundo a qua-
de vista da delegação peruana é que o fato deve restar impune. 10 tl ade do excesso. E se a morte fôr por algum caso sem malícia
\ · vontade de matar, será punido, ou relevado .segundo sua
üpa, ou innocencia, que no caso tiver."
No Título XXXVIII se considerou lícita a morte dada pelo
1t1 rido à mulher ou ao adúltero surpreendidos em flagrante
1l iltéríc: "Do que matou sua mulher, pola achar em adulterío,

• Cândido Mendes de Almeida, Código Filipino ou Ordenações e


I, 1 elo Reino de Portugal, 14.ª ed., Rio, 1870, p. 1.184 fornece o sentido
li ta: contração da palavra batista, que é máquina bélica de arre-
10 Francisco Grisolia, Codigo Penal Tipo para Latinctnnerica, " 111 r pedras. Significa a arma. d_e atirar pesetas e pelouros. Constava
Chile, 1974, t. I. p. 126 e 185. corda.
90 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 91

Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente 33. A LEGISLAÇÃO DA REPúBLICA
poderá matar assi a ella, como o adultero, salvo se o marido for
peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso Dezembargador, ou pessoa Modificando o critério anterior, o primeiro código penal
de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma das sobre- da República 3 parece ter achado mais judicioso emprestar à
ditas pessoas, achando-a com sua mulher em adulterio, não legítima defesa o caráter de causa excludente do crime.
morrerá por isso mas será degradado para Africa com pregão O § 2.0 do art. 32, dispondo não ser limitada à proteção da
na audiencia pelo tempo, que aos Julgadores bem parecer, se- vida, compreendendo todos os direitos que podem ser lesados,
gundo a pessoa, que matar, não passando de três annos." julgava não criminosos os que praticassem o crime em defesa
legítima, própria de outrem.
Poderia, assim, em legítima defesa da honra, matar a mu-
Fixando os contornos do exercício da defesa, atualidade da
lher e o cúmplice, quando os achasse em adultério; e também
agressão, a impossibilidade de se prevenir e obstar a ação, ou
seria livre, sem pena alguma, salvo nos casos mencionados, se
de receber socorro da autoridade pública, o uso de meios capa-
entendesse de assim provar, e provando o adultério por prova
zes de evitar o mal em proporção da agressão, e a ausência da
lícita e bastante conforme ao direito.
provocação que a ocasionasse, a redação do art. 34 causava con-
.AJ5 Ordenações só consideravam lieita a morte dada pelo tudo perplexidade ao intérprete ao fazer emprego da expressão
marido à mulher, preferindo isentar simplesmente de pena as justificado, quando logo ali, em texto antecedente, já havia
demais mortes· praticadas em defesa. definido a legítima defesa não como causa justificativa do fato,
mas sim como excludente de criminalidade.
o ato da defesa deveria ser resguardado pela temperança,
sinônimo jurídico de moderação, requisito sem a ocorrência do . Não usou de melhor técnica legislativa ao se referir a crime
qual era o excesso apenado. e a delinqüente, no corpo do citado texto de lei: "Para que o
crime seja praticado no caso do parágrafo segundo do mesmo
32. A LEGISLAÇÃO DO IMPÉRIO artigo (art. 32), deverão intervir conjuntamente em favor do
delinqüente os seguintes requisitos ... "; vocábulos esses que ju-
No código criminal do Império, o crime feito em defesa da ridicamente seriam substituídos com vantagem por fato e agente.
própria pessoa ou de seus direitos, ou "em defesa da familia Com efeito, se é justificada a ação, se nela intervêm e se
do delinqüente", passou a ser justificável, não tendo lugar à completam os pressupostos que a lei estabelece em favor do
punição dele 2 desde que, porém, houvesse o simultâneo con- agredido, falar-se em crime e que seu autor é delinq_üente será
curso destas condições: certeza do mal que os delinqüentes se permitir-se evidente contradição, porque se a ação não é anti-
propusessem em evitar'; falta absoluta de outro meio menos jurídica, não se deve cogitar, conseqüentemente, de ilícito penal,
prejudicial; não ter havido de parte deles, ou de seus familiares, mas sim de simples fato; e, não havendo crime, afastadas as
provocação ou delito que ocasionasse o conflito. ondições de antijurídicidade do evento, absurda, por imprópria,
expressão criminoso, a menos que a forma peremptória de
Relativamente ao adultério, não autorizou a morte da mu-
xclusão da criminalidade adotada no art. 32 ,("não serão cri-
lher, considerando-a, apenas, circunstância atenuante, no § 4.0
do art. 18. :1 Decreto n.v 847, de 11 de outubro de 1890.
Mauro Graccho Cardoso, Código Penal dos Estados Unidos do Brasil,
1<10. 1917, p. 28 e 30.
Art. 14.
92 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 93

minosos") se modificasse para causa de isenção de pena, a qual 35. A LEGÍTIMA DEFESA NO CóDIGO PENAL DE 1940
pressupõe crime no fato e criminosidade em seu agente.
Seguindo a orientação da legislação estrangeira, o código Preferiu o Código Penal de 1940 5 adotar a redação do seu
penal de 1890 aceitou a legítima defesa presumida, equiparando art. 19 com a excelente definição do art. 21, considerando a
à defesa própria, ou de terceiro, o fato praticado na repulsa dos legítima defesa causa de exclusão da criminalidade: "Não há
que à noite entrassem ou tentassem entrar na casa de residên- crime quando o agente pratica o fato: ... II: em legítima de-
cia ou onde alguém estivesse, nos pátios ou nas dependências fesa".
dela, se fechadas, ressalvadas as hipóteses de permissão legal; E, "entende-se em legítima defesa quem, usando modera~
bem como o fato cometido em resistência a ordens ilegais, não damente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
sendo excedidos os meios indispensáveis para impedir-lhes a ou iminente, a direito seu ou de outrem".
execução. O parágrafo único desse dispositivo, disciplinando o excesso
na reação, está assim concebido: "O agente que excede culpo-
A redação dos arts. 32 a 35 foi mantida pela Consolidação
samente os. limites da legítima defesa, responde pelo fato, se
das Leis Penais, aprovada em 1932, por Decreto expedido com
este é punível como crime culposo".
base em trabalho que a respeito foi confiado à experiência do
Os requisitos diferem, como se vê, dos que eram fixados na
Desembargador Vicente Piragibe. 4 legislação pretérita, como está esclarecido na "Exposição de
Motivos": a ieçitima defesa apresenta-se sem certos requisitos
34. OS PROJETOS PARA A REFORMA DE 1940
de que se reveste na legislação em vigor. Na defesa de um direito,
seu. ou de outrem, injustamente atacado ou ameaçado, omnis
o
projeto do Código Penal de 1940, de autoria do Desem-
civis est mües, ficando autorizado à repulsa imediata. Também
bargadoi· Virgílio de Sá Pereira, propunha a seguinte fórmula é dispensada a rigorosa propriedade dos meios empregados, ou
para regular a legítima defesa: "Não comete crime o que com sua precisa proporcionalidade com a agressão. Uma reação ex
a repulsa se defende a si ou a outrem, d'uma agressão atual, improviso não permite uma escrupulosa escolha de meios, nem
ilegal e gratuita, inevitável sem humilhação e vergonha, desde comporta cálculos dosimétricos: o que se exige é apenas a mo-
que tenha usado dos meios que as circunstâncias lhe permitis- âeração do revide, o exercício da defesa no limite razoável da
sem e se não haja excedido". necessidade.
O de autoria de Alcântara Machado sugeria, entre algumas · Anote-se a alusão à necessidade, que na lei atual se prende
modificações, melhor regulamentação do requisito da modera- ao exercício da defesa, não se situando entre os requisitos obje-
ção, utilizando-se do adjetivo "manifesta" para qualificar e es- tivos, quais o da inevitabüidade da açressão.
pecificar a natureza da proporção que devia haver entre a agres- Enten ue ecessidade de def
são e a repulsa. está im ' · na resen a corrente do eri o não exigindo o
O art. 15 do projeto dizia assim: "inexistência de despro- ódigo a necess.idade inevitável da defesa, contentando-se com a
porção manifesta entre a repulsa e a gravidade da agressão ou utualídade ou iminência da agressao. 6
a importância do direito ameaçado" (n.? III). " Decreto-lei n.> 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal,
IJ 11 ed., Ed. Saraiva, São Paulo.
1 Vicente Piragibe, Consolidação das Leis Penais, 3.ª ed., Rio, 1936, 11 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Rio, 1949, v, 1,
p. 14 e 15. p 15.
LEGÍTIMA DEFESA 95
94 MARCELLO J. LJ:NHARES

n_:oderação dos meios, senão a seu uso; a necessidade é que en-


tao aparece como condição dos meios.
~ seu pensar, os juízes brasileiros devem antes de tudo
exa~mar se esses meios são necessários, como requisito índís-
p_ensavel, sem o qual não há defesa, nem perfeita, nem exces-
s1v~. Só depois entrarão a ajuizar a moderação que com esses
me.os se empregue, que é no que consiste a proporção.
Em suma, a proporção e a necessidade, ante o exposto são
duas condições diferentes. 7 '

~~~..i,t.J..,..!,j,u.i;l,li!le~ot-~-·'-lf,:Y..i::i::~~o..11,1-..8.~!.<.14s~• 36. AS REFORMAS INTRODUZIDAS PELO CóDIGO PENAL


V r 1 OU DE 1969*
Marte o ~~ÍJ....'......,....,~~~~~~~~-
Não lhe parece, assim, judicioso o entendimento de Gal- O Código Penal de 1969 conservou nos arts. 27 e 29 a re-
dino Siqueira, que fala de "reação necessária contra agressão dação dos textos dos arts. 19 e 21 do Código de 1940. ·
inevitável", recorrendo a inaceitáveis exemplos: o indivíduo avi- . . Parec~ mais feliz a modificação do parágrafo único deste
sado de que o inimigo está a sua espera em determinado lugar, ultimo artigo para regulamentar, mais casuisticamente e com
para agredi-lo, deve abster-se de sair de casa, ou mudar de ca- maior clareza, o excesso na reação, mais tolerante quantitati-
minho, se não pode receber socorro da autoridade pública; do vamente em apená-lo, e mais humano, prevendo como escusá-
contrário, se tiver de reagir contra a agressão esperada, não v:1' o ex~c~so decorrente do medo, da surpresa ou da perturba-
lhe será dado invocar legítima defesa; também não poderá alegar çao de ammo em face da situação.
a descriminante o defensor que podia ter obtido a intervenção
de terceiros, gritando por socorro. A nova fórmula é esta:
Asúa critica a redação imprimida ·à Exposição de Motivos.
do Ministro Francisco Campos, que ligaria a idéia de necessuiaâe "Art. 30: O agente que, em qualquer dos casos de exclusão
à de proporção, o que, para ele, lhe parece errôneo: "O que se do crime, excede culposamente os limites da necessidade, res-
exige é apenas a moderação no revide, o exercício da defesa no ponde pelo fato, se este é punível a título de culpa.
limite razoável da necessidade".
§ 1.°: Não é punível o excesso quando resulta de escusá-
A defesa é que deve ser essencial e necessária: "De sua ne-
cessidade teremos de julgar não em relação às circunstâncias, v,:l medo, surpresa, ou perturbação de ânimo em face da situa-
çao. ·
já que não podemos circunstancialmente adotar outro meio,
mas sim em relação ao bem jurídico tutelado, já que temos de
. § 2.º: Ainda quando punível o fato por excesso doloso, 0
empregar essencialmente este meio, porque os outros, a nosso
juiz pode atenuar a pena".
alcance, não permitiriam salvaguardar o bem que periga sem
destruir outro preponderantemente em superlativo". 7
__ Luiz Jirnénez de Asúa, El Criminalista, Buenos Aires, 195 5
Entretanto, louva a propriedade da fórmula usada no texto, !.>.,
.. serie ' p . 136 e se gs. , t. 1.
onde se emprega a redação "moderadamente dos meios neces- '' Revogado.
sários", falando ser ele sumamente sábio por não se referir à
96 MARCIELLO J. LINHAUS

São, como se observa, três modalidades decorrentes do mau


uso dos meios defensivos: o excesso escusável, o excesso culposo
e o excesso doloso, as duas últimas formas punidas como crime
culposo, ou como crime doloso mais suavemente apenado, espé-
cies que serão examinadas em capítulo próprio.
CAPÍTULO VI
36-A. A NOVA PARTE GERAL DO CóDIGO PENAL
SEGUNDO A LEI N.º 7.809, DE 11 DE JULHO
DOUTRINAS SOBRE OS FUNDAMENTOS DA
DE 1984
LEGÍTIMA DEFESA. FUNDAMENTOS
OBJETIVOS. CAUSAS DE ESCUSA
A nova Parte Geral do Código Penal, objeto da Lei n.o 7.809,
de 11 de julho de 1984, não introduziu qualquer modificação ao 3;'. Esquema geral. 38. Fundamentos objetivos; causas d€ es-
instituto de legítima defesa, conservando assim a sua caracte- cusa. 39. Impunidade. Teoria da necessidade iminente em que
rística de causa e exclusão da ilicitude. se acha o agredido. 40. Impunidade. Teoria da retribuição do
mal com o mal. 41. Inimputabilidade. Teoria da violência ou
Os arts, 23 e 35 são os que agora o disciplinam, conservan-
coação moral. 42. Irumpuiabiliâaâe. Teoria da exclusão de anti-
do a mesma redação anterior dada aos arts. 19 e 21 da lei pre- furidicidade. 43. Teoria do instinto. 44. Teoria dos limites da
cedente. função punitiva.
O excesso punível é objeto de trato no parágrafo único
do art. 23. 37. ESQUEMA GERAL

Inúmeras são as teorías que procuram explicar o exato sen-


tido filosófico e jurídico da legítima defesa.
Com o desenvolvimento do estudo de cada uma das prin-
cipais doutrinas, ver-se-á a seguir que às vezes apresentam tra-
ços comuns, em outras parecem se chocar em flagrante contra-
dição, mas é certo que no fundo se integram e se completam,
como anotou La Medica: "umas são complementares das outras
e por vezes se identificam com sensíveis divergências, mais for-
mais que essenciais".
Difícil pois destacá-las, como tentamos proceder, sinteti-
zando-se em um quadro geral, apresentado para uma visão global
do sistema .
. A margem dos conceitos reunidos em cada grupo, segundo
as posições de seus expositores, outros há que, de modo singular,
segundo suas preferências ou convicções, dão à legítima defesa
características diversas.
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102 MARCELLO J. LINlL\US LEGÍTIMA DEFESA 103

tentada por Penso, fundada no poder de defesa privada do di- O autor da agressão injusta receará mais a reação pessoal
reito. do agredido·do que uma eventual ameaça de sanção penal. 11
A inclinação de La Medica é pela falta de interesse em pro- Nos rumos das doutrinas mais modernas, Caraciolli, estu-
teger quem se mostra revoltado contra a lei. O fato não é con- dando o exercício do direito, esclarece que um dos fundamentos
trárío, mas conforme à ordem jurídica; é estranho e indiferente da legítima defesa estaria no princípio de não-contradição. 12
ao delito e não pode constituir infração. Não é possível que a lei confira um direito subjetivo, seja o
Filiado à escola positiva, Fioretti vê na legitima defesa uma direito à· vida ou a qualquer outro bem que tutela o ordena-
das formas de luta contra o crime representando aquela parte mento, e ao· mesmo tempo vede, pela incriminação, o exercício
do magistério social e repressão que, sem perigo, pode ser dei- da ação necessária à defesa dele.
xado à iniciativa particular. Mais recentemente ainda Friedrich Christian Schroeder fir-
Entre os brasileiros, Vieira de Araújo doutrina que o agre- mou sua atenção sobre a legítima defesa como fator indicativo
dido não é imputável quando na defesa tenha se comportado de idéias fundamentais políticas.
como teria devido comportar-se, segundo sua individualidade e Nos escritos em homenagem a Relnhart Maurach (Festshrift
sua honesta convicção, nas circunstâncias especiais do caso com für Reinhart Maurach zum 70, Geburtstag, Herausgegeben, von
· o fim de defender-se. 9 Fr. Chr. Schoroeder und Heins Zipp verlag C. 1',. Muller, Karls-
Jorge Severiano refere-se a duas idéias encerradas no estado ruhe, 1972), expõe um conceito de legítima defesa correspon-
de defesa - estado de defesa por força de instinto individual e dente às opiniões políticas atuais através do princípio da pro-
estado de defesa por força de instituição social. Na primeira Pº:cionalidade.
hipótese não padece dúvida de que se trata de um ato de direito Em conclusão, tantas são, como se vê, numa referência
natural. meramente exemplificativa, as posições doutrinárias, tão diver-
sos os conceitos, que Maggiore chega a dizer que os erros e de-
Quem age por força exclusivamente de . um instinto indi-
feitos de todas as teorias levam, em conclusão, ao reconhecimento
vidual não pode ser considerado socialmente um bom.
de que a legítima defesa opera como causa de exclusão de anti-
Na segunda hipótese, o fundamento de sua impunibilidade juridicidade, tornando legítimo o que seria ilegítimo, transforma
reside na normali dade do ato, segundo a consciência coletiva. 10 o crime em não-crime, a s e Alimena espantou-se dizendo estar-se
O critério de utilidade é para Roque de Britto a essência diante um desses casos em que a ciência, por querer saber de-
da legítima defesa. A humanização e a simplificação eliminaram masiado, corre o risco de fazer duvidar o que é induvidoso.
a característica de acessoriedade ou subsidiariedade da legitima
defesa, fixando-a sob uma tonalidade principal e precípua, ava- 38. FUNDAMENTOS OBJETIVOS. CAUSAS DE ESCUSA
liada em seu alto critério de utilidade.
Seria medida de dupla função, forma de proteção ao direito Os sistemas que descobrem na legítima defesa uma causa
objetiva de escusa, ou de impunidade, partem do princípio de
e luta eficaz contra a razão do delito.
que quem mata por necessidade o faz obedecendo à vontade de
9 João Vieira de Araujo, Código Penal Comentado Teórica e Pra-
11 Roque de Brit~ Alves, Direito Penal, Recife, 1973, v. 1, p. 489.
ticamente, Rio-São Paulo, 1896, v. 2, p. 19.
12 Ivo Caraciolli, L'Esercizio del Diritto, Milano, 1965, p. 41.
10 Jorge Severiano Ribeiro, Código Penal dos· Estados Unidos do
13 Giuseppe Maggiore. Diritto Penale, Bologna, 1951, v. 1, t. 1, p. 307.
Brasil, Rio, 1941, v. 1, p. 259.
825 - 8
104 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 105

matar. Mas, em decorrência da causa que motiva o fato, isto Dentro desta subdivisão, a impunidade, a seu turno, vai des-
é, a_çonserv 3-i*'~ria existência, o bomicídía se-t~ le%,' cobrir suas razões na necessidade do agredido ou na retribuição
do mal com o mal; a inimputabilidade decorrerá da coação mo-
j;imo e a morte escusável.
ral ou violência moral; o estado de necessidade, ligado ao direito
O injusto é algo substancial e antijurídico, sendo assim o
natural, se prende a uma questão do instinto.
predicado de uma conduta determinada. Esta passa a ser per-
Quanto às justificativas, as teorias assim se aglutinam.
mitida pela ordem social, dizendo Welzel que a ação se move
anulação da injustiça, ou nulidade absoluta do injusto; legiti-
dentro da ordem ético-social já histórica da vida em comum,
midade absoluta; direito de necessidade; adequação social;' e
estando por ela consentida. defesa subsidiária (exercício de função pública).
Conforme se depreende do quadro díscrímínatívo que orga-
nizamos, os fundamentos genéricos que se agrupam na orla do 39. · IMPUNIDADE. TEORIA DA NECESSIDADE IMINENTE
instituto são. de ordem objetiva e subjetiva, neles se consubstan- EM QUE SE ACHA O AGREDIDO
ciando os primeiros grandes troncos das doutrinas mais homo-
gêneas. Por esta doutrina, funda-se a legítima defesa na impuni-
Os primeiros são os que apagam a criminalidade do fato, ine- dade da ação, dada a iminência da necessidade em que é posto
rentes à infração em si mesma; os segundos ligam-se ao estado o agredido. Nenhuma necessidade pode ..transformar a injustiça
psíquico de seu autor. em justiça; mas, como a necessidade não decorre de lei, e como
Entre os fundamentos· de ordem objetiva estão as causas quando ela se apresenta a lei não pode agir, resulta daí que o.
ate, em relação ao qual a pena não pode exercer influência,
escusativas e as causas justificativas.
permanece impune. Pelo exposto, a defesa privada não é uma
Carrara qualifica de intolerável erro atribuir-se à legítima
ação inculpável, mas, propriamente, é uma ação não punível.
defesa causa de escusa, argumentando que "quando defendi
Esta é a teoria defendida por Kant em sua Die Metaphysilc
minha vida ou a de outro de um perigo de um mal injusto,
der Sitten: a defesa do agredido, causando um dano ao agres-
grave e inevitável de outro modo, que ameaçava a pessoa hu-
sor, é por si mesma injusta, e a pena, mal abstrato e futuro,
mana, não tive necessidade de uma escusa; exercitei, antes, um deixa de intimidar ante a ameaça do mal concreto e presente.
direito, um verdadeiro e sagrado dever, porque tal é a conser-
Kant deu extensão ao conceito de Bacon sobre a dístincão
vação da própria pessoa. Seria um delito horrível castigar-me;
entre ação não condenável e ação não punível. •
seria um insulto nascido de ignorância e de crueldade, dizer-me
Em todo o século XVIII e até mesmo nos princípios do sé-
que me outorgava uma escusa". 14 •
culo seguinte, foi essa explicação a mais difundida. A neces-
As escusativas, pelo sistemà geral constante do quadro pró- sidade restabelecia o homem ao estado primitivo da natureza ou
prio, são explicadas pela impunidade, pela inimputabilidade, dava a cada um o direito de se fazer justiça: "necessitas reducit .
pela ausência de antijuridicidade, pelo estado de necessidade ad macrum ius naturae". ·
(instinto) ou pelos limites da função punitiva. O fundamento do instituto da legítima defesa, assim, teria
raízes no contrato social: os indivíduos, cedendo seu direito de
14 Francesco Carrara, Programma del Corso di Diritto Crim!nale, defesa ao Estado, reservaram a faculdade de se defenderem a si
Lucca, 1877, t. 1, § 294; nota 1, p. 197. mesmos em caso de necessidade, de perigo iminente.
106 M ARCELLO J. LINHARES LsGiTIMA DDESA 10'1

Grotius aderiu a essa orientação doutrinária, desenvolvida Alimena faz idêntica objeção: sendo de necessidade abso-
por Kant e seguida por Feuerbach, Montesquieu e Beccaria. luta, a pena não pode curvar-se a razões de necessidade e de
A origem de tudo, para a teoria da necessidade, estaria no oportunidade. 11
direito natural, nó interesse dos princípios da reta razão, se-
gundo os quais discernimos nas ações humanas a honestidade 40. IMPUNIDADE. TEORIA DA RETRIBUIÇÃO DO MAL
e a desonestidade, graças à discordância ou a conveniência que COM O MAL
essas ações apresentam com a natureza social e racional. A mãe
do direito é a natureza social do homem. Geyer a formulou nestes termos: a defesa privada . é essen-
Com base em tais concepções, Grotius encontrou a legiti- cialmente injusta, porque o direito de punir é exclusivo do ~
mação da justiça privada, como a da guerra pública, na justiça tado. Mas, quem agride injustamente o direito de outrem faz
da causa, fazendo provir esta de uma injúria.
um mal que justamente vem retribuído com outro mal,»
O delito cometido em estado de legitima defesa acharia sua
Feuerbach desenvolveu as idéias de Kant, defendendo o con-
antecipada compensação na injusta agressão.
ceito por ele expendido, mas dando-lhe um sentido próprio. Co-
O sistema penal fundado na teoria da retribuição do mal
ordenou a teoria com a da coação psicológica, insurgindo-se
com o mal físico, calculado conforme a justiça ou a igualdade,
contra a aplicação de sanções penaís contra quem se achar em
é o mais antigo. A vingança não é uma base, um princípio de
estado de defesa necessária e aceitando em parte as idéias de
Puffendorf de um direito natural, extraído da constituição da
penalidade. Nela já se mostra certa necessidade da justiça ou
da medida. A justa reciprocidade· não se concebe desde logo,
sociedade.
mas com um principio de igualdade material absoluta: é o
Também Impalomeni, sintetizando idéias de Feuerbach,
talião brutal,. irracional, injusto em sua igualdade. ·
conclui que a defesa individual da própria e de outra pessoa
O raciocínio assim se desenvolve: a injustiça da defesa re-
contra uma violência atual e injusta é legítima, porque é deter-
minada por um motivo correspondente à necessidade jurídica
sulta do fato da substituição da fórmula impessoal - deve-se
de tutelar a incolumidade pessoal, de evitar um dano irrepa-
retribuir o mal com o mal - por esta outra de sentido essen-
rável, num momento em que a defesa do Estado não pode exer-
cialmente pessoal - eu devo retribuir o mal com o mal. se, por-
citar-se, ou é insuficiente, 1r;
tanto, pelos dois motivos apontados, isto é, por ser privativo
ao Estado o direito de punir e porque uma fórmula preestabe-
~obre a teoria de Kant escreve Maggiore que ela remonta
lecida, normativa, é substituída por outra de cunho individual,
ao direito canônico, o qual, conforme os princípios cristãos,
a defe~a será sempre injusta, não sendo compreensível que a
não podia aprovar a idéia da morte de um homem, mas a decla-
necessidade (fundamento da teoria kantiana) possa converter
rava, no entanto, não punível, por motivos de oportunidade.
em direito o que, sem ela, seria uma injustiça.
Refere-se ao conceito como· sustentado sem coerência, por-
, Por esta teoria a ação se iguala à reação e o mal decorrente
que, em seu sistema, a pena é de necessidade absoluta e categó-
da defesa in~ividual fica compensado com o mal provocado pelo
rica; assim - indaga - como poderá deixar de ser aplicada
taque, motivando o estado de indiferença da sociedade.
em razão da oportunidade? 10
1"Bernardino Alimena, Principii di Diritto Penaze, Napoli, 191"~,
·1.~, G. B. rmpatomení. Jstituzioni dí Diri.tto Penale, p. 301:. . 130.
1,; Giuseppe Maggiore, ob. cít., p. 305. rs Geyer, ob. cít., p. 21.
108 MARCELLO J. LINHARES LEGiTIKA DEFESA 109

A doutrina se junta a um conceito de atos intrinsecamente perigo, representa justamente a retribuição igual à que dava
ilícitos, mas autorizados pela lei (Geyer), 19 que não está muito direito o ato do agressor. A pena não acharia fundamento algum
distanciado do critério seguido pelo direito canônico, como tam- na ameaça acontecida porque esta foi absorvida inteiramente
bém se mostrou em relação à teoria anterior. em justificar a reação do agredido. E, no entanto, não há quem
Será mais certo, entretanto, preferir-se a conclusão, para não veja que isto seria um perigoso absurdo".21
se justificar a legítima defesa, de que o ato não se castiga; nunca Entre outras objeções principais à teoria de Geyer, todas
que seria o ato não punível. elas calcadas no argumento de não ser possível na legítima de-
Fíorettí estranha essa contradição, consistente em declarar fesa estabelecer um critério exato de absoluto equilíbrío entre
condenável uma ação para em seguida deixar-se de puni-la. a ação e a repulsa, e no de que aceitá-la seria o mesmo que
Seria o "carcoma" que rói continuamente o edifício silogístico , equiparar o instituto à justiça privada, está a de Nélson Hun-
de Geyer, porque, concentra, de modo absoluto, a função re- gria: "Se a reação não está condicionada à efetividade da ofensa,
pressiva 'do delito nas mãos do Estado, negando ao cidadão a não há falar em compensação integral de males; além disso,
menor partícula dela. admitindo-se que o mal ocasionado pela defesa é a retribuição
Ao fundamento da teoria, segundo o qual, na legítima de- suficiente, não se surpreenderia que o agressor que sobrevivesse
fesa o moderamen consistiria na perfeita igualdade da agressão continuasse passível de pena pelo mal que haja efetivamente
e da repulsa, e que a imposição de uma pena não teria mais causado ao defensor." 22
qualquer sentido, porque o mal já se retribuíra com outro, res-
ponde F'loretti que, a retribuição implica dois males que se com- 41. INIMPUTABILIDADE. TEORIA DA VIOI.1:NCIA OU
pensam Mas, na legítima defesa o que se quer retribuir não COAÇÃO MORAL
é o mal acontecido, mas sim o mal simplesmente ameaçado. E,
"em virtude de que princípio se poderá estabelecer esta relação Puffendorf capitaneou a doutrina da violência moral, se-
de igualdade entre o mal simplesmente ameaçado e um mal gundo a qual a defesa individual é causa de escusa propter per-
realmente infligido?" 20 t.urbaiionem animi, 23
Ainda aponta Fioretti outra dificuldade insuperável à dou- 1:: a teoria da causa psíquica.
trina: "ela conduz a um absurdo muito mais grave. Se o exer- Pretende-se assimilar o estado do agente que atua em legí-
cício da defesa não teve como conseqüência a morte do agres- tima defesa a uma causa de inimputabilidade. O instinto de con-
sor; se por um complexo qualquer de circunstâncias for servação está demasiadamente arraigado no ser humano e, ante
bastante uma pequena ferida que lhe foi feita, será preciso dizer a iminência do perigo, o agredido sofre uma perturbação em
que a sociedade conserva o direito de punir a agressão? Para se seu ânimo.
ser fiel ao princípio da retribuição, dever-se-ia responder que Carmignani assim explica a teoria: "os que sustentam a
não. Se o quantum da defesa se devia proporcionar unicamente liberdade de querer, elemento indispensável da imputabilidade,
ao perigo corrido e se este perigo o substitui pelo dano real,
· 21 Julio Fiorettl, ob. clt., p. 67
não se poderá negar que a reação foi suficiente para afastar o 2.2 Nélson Hungria, ob. clt., v. 1, p. 405.
23 De o/fieis hominis et civis, secundum teçem naturalem, v. 1,
1" Geyer, Zur Lehre von Notstcmd, Münchcn. 1973. Cap. V, §§ 12 e 20. Puffendorf, Le Droit de la Nature et üe« Gens. chez
~" Julio Fioretti, ob. ctt .. p. 65. Emanuel Thourneisen, Paris, 1.711, v. 1, cap. 4, § 5.0, n.º 65.
11 0 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DE,'ESA 111

observam que a força maior que vence o espírito impele o corpo, a se deixar matar por ele; o instinto de conservação é, por exce-
pela violência moral, a determinados atos, que, na ausência de lência, a coação moral.
outras operações possíveis e escolhíveis, são coatos. Assim, o O problema é transportado ao domínio do subjetivo: ante
constrangimento que exercita o aspecto de um grave mal imi- a iminência de um mal, o agredido se situa na alternativa de
nente sobre a alma do homem lhe violenta a determinação e sofrê-lo ou na de ter de cometer um ato ilícito que lhe éimposto.
a torna coata, necessitada, e, conseqüentemente, não imputável, Como se vê, a doutrina atribui à legítima defesa uma ver-
não punível; ou não incrimináveis a ação e a reação, se o mal dadeira necessidade de caráter· psicológico, determinando o
. ameaçado é grave, injusto, inevitável, isto é, improvisado, pre- agente a atuar; é uma violência que o impede de formular livre-
sente, absoluto". 24 · - mente um juízo sobre a ação praticada. ·
A doutrina de Puffendorf é reminiscência da teoria anterior A ameaça do mal nada mais é que a força irresistível que
de Damhouder, 25 que considerava a legítima defesa causa de aniquila a vontade.
escusa, fundada no imenso temor que o agredido sofreu antes Essa teoria foi seguida por Stelzer, Heymans, Hye, ~ü Tem-
27
de ter se defendido. me, Carmignani, 28 Puccioni e Pessina, que incluem a coação
Quem age para se defender de um perigo iminente não pode moral como causa bastante para excluir a liberdade de querer.
ser responsável, desde que esteja sob perturbação da mente. O Embora se filiando, quanto ao fundamento jurídico e filo-
perigo que corre a vida cria uma profunda emoção que arrasta sófico da legítima defesa, a outra corrente, Carrara fornece va-
a ação defensiva. O agente não é punível por se achar coato. liosos subsídios à doutrina da coação moral, aliás expressamente
Excluída nele a liberdade de querer, ipso facto estará excluído relacionada no direito italiano (cf. Relação Vigliani) como fun-
o dolo. damento da legítima defesa: o critério da gravidade do assalto
corresponde ao conceito de coação, porque, para: que o temor
Em outras palavras, a doutrina funda-se em uma espécie
cause o potente efeíto de legitimar a reação violenta, é absolu-
de vis compulsiva, que impede o agente de formular um juízo
tamente preciso que o mal ameaçado seja grave.
exato sobre a ação praticada. Ante um ataque iminente, a reação
Para ele a coerção é, no sentido da palavra, a pressão que,
também não poderá deixar de se caracterizar por um processo
à vista de um grande mal iminente, exerce sobre a alma hu-
fulminante. mana, cuja determinação sofre desse modo a violência. A vista
o temor que inibe a vontade e que fundamenta a causa da do perigo prestes a desabar-se sobre a pessoa, fica esta estar-
escusa é a vis moralis, a contrainte, que serve aos franceses de recida. Só a presença de um perigo iminente já é uma vio-
fundamento à legítima defesa. lência. 2il
Bertauld, por exemplo, discorre que o homicídio é legítimo Mesmo provido de vontade, coagido, o homem tem volição
quando comandado pela necessidade da defesa pessoal. O prin- e se determina, pelo livre exercício de sua faculdade psicológica;
cípio de que ninguém pode fazer justiça a si mesmo não está a preferir ó mal de outrem a permitir que lhe pratiquem lima
em jogo; o atacado não julga o agressor, mas o repele e se não violência.
pode se salvaguardar senão o imolando, nenhuma lei o condena 2
G Hye, Das õstetreictüsche Strafgesetzbuch, § 198, Wien, 1855.
27
Temme, Lehrbuch aes schweizerischen stratrecnts, Aarau, 1855.
u. Carmignani, reoria delle Leggi della Siccurezza Sociale, · v. 2, 2s Carmignani, turis criminalis elementa, §§ 151 e 152.
29
p. 233. Francesco Carrara, Opusculo, v. 1, p. 119 (no Programma ~ co-
~ü n::imhouder. Praxis rerum criminalium, Venezia, 1555. locara sob a rubrica "coação", § 284).
LEGÍTlMA DÉFESA 113
112 MARCELLO J. LINHARES

medo que o autorizam a matar ou a ferir o agressor para se


o fundamento de fato da coação, em síntese, é o temor, que defender; ele tem um direito independente da perturbação do
pressupõe a iminência de um mal por vir. espírito, que pode ser exercido sangue frio, mesmo quando não
á

Contra a teoria da violência moral ou da coação moral apre- determine o ataque nenhuma emoção séria, direito que é superior
sentou-se volumosa corrente de doutrinadores a criticá-la. a ioda escusa proveniente do medo e da fragilidade humana".
o próprio Carrara, que lhe deu reforços, contestou-a, qual Fala~se também ser fácil observar que o -dolo é alheíô ao
Saturno devorando os próprios filhos. A legítima· defesa pode ser
praticada não só como conseqüência de uma alteração psico- caso e o agredido pode ter agido em estado de perfeita calma
lógica do espírito, mas também estando o agente sob o domínio psíquica e com plena liberdade de querer, sem que, por isso,
de perfeita lucidez mental. A doutrina justificaria a defesa de seja menor o direito de defender-se.
' ,,

quem, injustamente atacado, sofresse perturbação de ânimo; em Bettíol acrescenta a essas objeções o argumento de que nada
troca, não seria aplicável a quem, agredido, conservasse seu nos diz deva a ação reativa ser praticada num estado de pertur-
sangue frio ante o perigo. bação mental. H:i
De Luca também não aceita a teoria da coação, que se Como o fizera Penso, 34 indaga comó se explicaria o fãto de
funda no temor, porque, prescindindo das consíderaçes que há ser punido ô excesso culposo em face desta doutrina, quando o
homens que não temem o perigo e o afrontam impávidos, por agente venha ultrapassar os limites da defesa, por não ter ava-
ser o risco para eles condição de vida, o temor, pelo mais, não liado com exatidão os meios empregados na. repulsa. Ao con-
alberga no peito de quantos corajosamente impelem um senti- trário, conclui, o agredido avalia com calma a situação concreta
mento altruístico e defendem os outros contra um ataque extra- em que a ação reativa deve desenvolver-se para não exceder
ordinariamente perigoso. 30 certos limites e tornar-se delítuosa,
Pessina si parafraseou esta teoria, explicando a legítima de- Estranha Fioretti possa a coação representar o exercício de
fesa como causa de força maior e exclusão do dolo. O agente um direito, só concebível quando a agente tenha livre sua von-
seria inimputável, por ter agido debaixo de coação, que anula a tade. Se alguém é obrigado à servir-se, contra seu desejo, das
vontade de querer. coisas que lhe pertencem, em vez de exercício de direito, tem-se
Para Georges Vidal, 32 aceitar a teoria seria dar ao instituto a sua violaçã . Por outro lado, tanto a doutrina da coação, que
uma conceituação imprópria, porque a legítima defesa deve, induziria n individuo o direito de se defender e na sociedade
antes de ser a resultante de uma coação, ser aceita como -um a cessação do d punir, como a teoria da perturbação, que não
direito do cidadão. A perturbatio animi não escusa senão ob pune, ob mi rationem liumanae imoectutaus, não podem admi-
muerotionem humanae imbecílitatis, ao passo que a legitima tir a defesa daquilo que não seja absolutamente irreparável,
defesa tem um caráter mais elevado e mais honroso, sendo um excluindo, s ím, necessariamente, a dos bens; querem que a
autêntico direito: "Sê, efetivamente, quem é violentamente ata- agressão n ão s Ja prevista, e para serem conseqüentes, devem
cado e ameaçado em sua vida experimenta uma perturbação e . consagrar, também, a obrigação da fuga. as
uma emoção incontestáveis, não são essa perturbação e esse
33
Glusr p · Bettiol, Direito Penal, trad. de Fernando Miranda. Co-
30 Francesco De Luca, Principii di Criminologia, Ca.tanla, 1920, v. 2, imbra l!J70, t, 2, p. 225. ·
p. 57. 34 Glrotruno Penso, ob. cít.
31 Enrlque Pesslna, Elementi di Diritto Penale, v. 1, p. 192. 35 Jul!o Floretti, ob. cít .. p. BL
s2 Georges Vida!, ob. cít., p, 298.
114 1\/[ARCELLO J. LINHARES . LEGÍTIMA DEFESA 115

Saba tini ao censura ter a teoria partido d.e um pressuposto. Também Garçon admite que esta teoria leva a conseqüên-
aue de nenhum modo corresponde à realidade. Confunde as· ,. 1 inaceitáveis. A conirainte, fundada no instinto de conser-
causas psicológicas. comuns de não-punibilidade com esta parti- v 1 • , não pode justificar a defesa privada, que, para afastar
cular, que é de natureza essencialmente objetiva. un p rigo de morte, ou, pelo menos, um atentado grave à ínte-
Quem age nesse estado de defesa não é punível, ainda que 1· 1 de da pessoa, _é a. solução prática aceita por aqueles .que

o faça, corno comumente se vê, com plena consciência e com a 1 Hl piram nessa idéia.
precisa intenção . de praticar um fato. lesivo de bem [urídiao
alheio. 1', NIMPUTABILIDADE. TEORIA DA EXCLUSÃO DE
A propósito, expõe Ranieri que o estado de necessidade, a A NTIJURIDICIDADE
legítima defesa e a obediência à ordem da autoridade são causas
onstrução moderna, tem como fontes a ciência alemã
que influem sobre o elemento objetivo, excluindo a antijurídl-
· de renomados juristas italianos.
cidade, e não sobre o elemento subjetivo do crime. 37 bém denominada a doutrina da licitude da ação.
Com os mesmos fundamentos adotados por. Saba tini, João 1 1 ru se considerar criminoso deve o fato ser contrário ao
Vieira, entre nós, doutrina que "se não há um abismo entre 1111 tio. Assim não é tido aquele com o qual se repele uma ín-
a violência moral e a legítima defesa, elas entretanto se dis- 111 l 11 1 • de um direito. Falta-lhe um dos requisitos obje-
tinguem tanto teórica como praticamente; o
constrangimento 11 v11 , ; 1 1 1 s i:ara se tornar criminoso.
pressupõe a. supressão, ou, quando não, a diminuição da von- '1111 1 1 r r crime a resistência de quem não aceita ser morto
tade; mas, independentemente desse pressuposto, a defesa pode 1111.111 11111> «to s rá andar contra a natureza.
ser exercitada também legitimamente. A perturbação é antes t. o c•m lto propugnado por Battaglini, 40 que encontra a
subjetiva que objetiva, enquanto o estado de · defesa é antes 11 , 1 1 1 l I t l d f sa m seu elemento objetivo. Quem usa
objetivo que subjetivo. O constrangimento não. é criminoso por- 11111 ti rc to 11hJ< tv p prío não ofende o direito e, portanto,
que o fato atribuído subjetivamente não lhe é imputável; quem 11 ti li II l ti 1 111 f I' li l'l t
defende não é criminoso porque o fato não lhe é imputável obje~ 111 t 11111 11 q11 li rlrn 1 nj us o. agressão, desde que
l l'I f

tívameríte". 38 111 d 11111111 lcll1•l1lil(lt' 11111 li v , · mpanhar todos os ili-


Fontán Balestra afirmou que Puffendorf, na elaboração de
ilícita in genere. Embora vio-
seu pensamento, 'teve em consideração, apenas, a defesa da vida,
ime insubsiste. Nem ao menos se
e não a dos demais direitos. De- outro lado, a tendência não ex-
do elemento subjetivo, como ainda
plica satisfatoriamente a intervenção defensiva de terceiros. :ii,
til tu Uni. D lado o modo de se entender ó dolo, não
qu e r que a descriminante se funda num motivo que
att Guglielmo Sabatini, Istitu~ión,i di Diritto Penale, 4.ª ed., Catania,
1d II 'I\\ 1 mento subjetivo.
1948, V. 2, p. 89. .
ar Sílvio Ranieri, ~olpevolezz·a e Personalità del Reo, Milàno, · 1933, 1 e M r ico assim explica a doutrina: no conflito entre a pro-
J).43. l um bem do injusto agressor e a proteção do mesmo
ss João Vieira de Arauío, Ensaio de Direito Penal, p. 189. outro bem do agredido, nega o Estado ao primeiro e, ne-
ao Carlos Fontán Balestra, Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires.
1970, 2:a ed., t. 2, p. 139. Ili Iulío Battaglini, Diriito Penale, Padova, 1949, v . 1, p. 322.
116 . MilCILLO J. LINHAllS LEGÍTIMA DEFESA 117

gando-a a este, concede-a ao segundo. Entre a ação e a reação, será causa de legitimação do comportamento, significando a
entre a ofensa e a defesa, abstém-se de intervir, deixando que impunidade uma conduta conforme à finalidade que o ordena-
o direito ofendido pela ameaça seja restabelecido pela ação ime- mento jurídico persegue; é meio de dar ao ofendido um estado
diata do ameaçado; o que dá lugar a uma transformação obje- de tranqüilidade que lhe permita a defesa.
tiva da índole da infração, isto é, ao desaparecimento da objeti- A teoria da ausência de antijurídicidade, também adotada
vidade jurídica das infrações. por Nelson Hungria e pelo nosso direito positivo, é a que domina
Informa La Medica u ser esta a doutrina dominante na na doutrina pátria.
Alemanha, tendo ~ frente Von Hippel, e seguida na Itália por Ela se concilia perfeitamente com a teoria da não-exigibi-
Rocco.•2 Evidencia que a ilicitude jurídica ou a antijuridici;. lidade da abstenção, desenvolvida pelos juristas alemães.
dade da ação nada mais é que um atributo ou um predicado Basileu Garcia H entende que· a doutrina, entretanto, não
merece ser considerada como uma teoria própria; a explicação
da ação; ou, mais precisamente, é um predicado da reação.
de que quem age em legítima defesa procede de acordo com
A ação que representa uma invasão proibida na esfera do
o direito, razão por que o seu ato não é punível, não deve ser
poder juridicamente protegido de outra pessoa, considera-se
rígida nos extremos e na excelência de uma doutrina· nada
objetivamente antijurídica. Mas, o principio comporta exceções. . '
mais será que a positivação objetiva do fato, independente-
Uma ação sancionada com uma pena, v.g., pode ser permitida
mente das razões filosóficas e primeiras da eliminação do ca-
pelo direito, como é o caso da legítima defesa, ou até ordenada,
ráter criminoso da conduta do agente.
como é o do exercício regular do dever do funcionário policial;
Contudo, não se pode negar que, conceitualmente, · e no
em certos casos, por motivos especiais, conseqüentemente, falta
sistema geral, constitua esta teoria, como as demais, um funda-
a antíjurídícídade objetiva, não havendo íntração, apesar da
mento filosófico e jurídico relevante e esclarecedor do instituto.
sanção de ordem geral.
Lemos Sobrinho e Sady Gusmão lhe dão especial realce,
Sua conclusão é a de que quem comete um homicídio para
' crevendo o primeiro . que quem repele agressão responde legi-
defender direito próprio pratica uma ação excepcionalmente
Ilmamente se lhe imputarem o ato como criminoso - jeci, sed
permitida. O fundamento do instituto da legítima defesa tem
ture [eci; sua ação não oferece o caráter antijurídico próprio
base de caráter objetivo e a apreciação da antijuridicidade do
d<• todo o crime, conforme o ditado execuiio iuris non habet
fato é feita sem qualquer referência ao sujeito. · /11/11riam, ,i;; e este último que, realmente não há crime a punir,
Borghese parece filiar-se também a este grupo, ao admitir
43
11,1 [ue respeita ao direito material; só se impõe a instância
que a ofensa não constitui propriamente um crime, ainda que 1 11 l porque o fato é, em tese, contrário à normalidade e neces-
praticada com o emprego de meios que, em tese, o integram e ll,1 ter os contornos da descriminante examinados dentro do
desde que o agente se oponha contra uma violência atual e p,·or sso próprio. 40
injusta.
A verdadeira razão da impunidade está na licitude origi- M Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, S. Paulo, HJ51,
nária imposta pela lei da natureza, é o pensamento de Altavllla. I, L. 1, p. 304.
Mais que atribuir, esta reconhece um direito. A legítima defesa
0 Antonio Lemos Sobrinho, Da Legítima Defesa, 1939, s. Paulo,
li
.f.l La Medica, ob. cit., p. 37. ,n , ndy Cardoso de Gusmão, "Legítima defesa" (direito penal),
42 Rocco, L'Oggetto dez Beato, p. 473. t , ncrtôrto Enciclopédico do Direito Brasileiro, de Carvalho Santos,
:li, p. 90.
4.3 Sofo Borghese, n Codice Penale Italiano, Milano, 1953, p. 87. 11
118 . MARCZLLO J. LINHARJCS LEGÍTIMA DEFESA no

43. TEORIA DO INSTINTO Para Manfredo Pinto, 4" a legítima defesa corresponde a essa
»dgêncía natural, ísto é, ao instinto de conservação que leva o
A doutrina que descobre no instinto a causa de escusa do redído a repelir a agressão a um bem tutelado, mediante a
ato cometido em revide a um ataque injusto, Insíta em várias ão de um bem do agressor; representa forma primitiva de
outras, algumas das quais já versadas, parte do entendimento r ção contra uma violência injusta.
de que as mesmas razões que aceitam o procedimento do neces- Q conceito é o mesmo em Bettíol: 40 "A defesa tem um sen-
sitado explicariam a não-criminalidade do ato decorrente· de L o ético-positivo porque não está escrito que a máxima evan-
legítima defesa. llca, que manda oferecer a outra: face ao agressor, contenha
Fiorentino, conservando a tradição, reconduziu à natureza 111u comando positivo. É um conselho para os que aspiram ao
o princípio que a deva explicar. 11 · .smo; mas isso tem um caráter excepcional. A moral não
Trata-se mais de uma teoria ligada. ao fundamento psico- pnd •, efetivamente, estar em oposição ao instinto natural que
lógico da reação que propriamente uma coaceítuação autônoma 1111 1 va a defender-nos quando somos injustamente agredidos."
a respeito do fundamento do instituto. O próprio Altavilla, que parece mais vinculado à teoria da
Parte da premissa de. ser o homem, com. efeito, impotente etusão de antijurídicidade, emprestou à legítima defesa um
ante os estímulos do instinto de conservação; especialmente e cu t údo mais naturalístico, dizendo que a verdadeira razão

quando diretamente arrastado ao perigo. . .. J I tiva da não-punibilidade do ato deve procurar-se numa
A razão fundamental disso esbarra na naturalis ratio, no li •ltud orí ínáría imposta pelas leis da natureza, de maneira
direito natural universalmente reconhecido (est haec non scr.ipta q111, 1 \ 1 q tríbuír, reconhece-se um direito .
seâ nata Zex), . por ser do caráter do instituto sua uniformidade . N, t 1,1 d r n s encontra uma daquelas ações que, ao
em todos os indivíduos da mesma espécie. . u ontrasta -com uma norma penal, se har-
Explica Ugo Conti que, 'em.se falando de legítima, a defesa n 1 cíaís, com as necessidades da vida
indica a sua natureza de· direito, isto é, direito de conservação xi t n ia, quer em relação a seu
'ante uma injusta agressão. Quem se defende exercita, d~ fato,
voluntariamente, um direito, mais propriamente que reagir 'ir- q , aparentemente,
resistivelmente a um perigo. o agente poderia deixar-se atacar 1 1 11 xc pcíonal, substan-
e ser niorto, se quisesse: mas, reagindo, ele não opera. por força to 11, ur 1, tamos a examinar um
irresistível (vis maior) 1 mas em nome de um direito (facultas •or n t 1 normal. no
agendi), do mais sacrossanto direito natural, direito diante do
n •la., limitado nos excessos egoístas
qual devem. se curvar todas as leis sociais. Recorda Petrarca: ln tlnt , na lição de Manzini, irrompe de seu
pr t>l lUHI > st psíquico com toda sua primitiva força selvagem
"perchê naturalmente s'aita contro · la morte ogni animal ter-
t mulo de extraordinária contingência. Uma lei elemen-
reno ... ,, . tur za é tudo a que se reduz a norma de direito.
A enucleação da fórmula da legitima defesa segundo o di-
reito natural tem como ponto de partida o fenômeno biológico: ,~ Manfredo Pinto, Sistema di Diritto Penale Italiano, Milano, 1922,
aâeo ui ipsa queque rerum natura quodam nos impetu concitet li 1 6.
11, Oluseppe Bettiol, ob. cit., t. 2, p. 213 e 224.
àd propulsandam iniuriam. •1
Enrico Altavilla, Teoria Soggetiva del Reato, Napoli, 1933, p. 298;
•1 Mathei; De Criminibus, L. 48, D1g., 'l'it. 5, Cap. 3, trttmale di Diritto Penale, Napoli, 1934, p. 104.

,n
120 MARCELLO ,J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 121

Pela teoria do instinto o ato fica impune utüitaiie causa. Opondo-se à doutrina do constrangimento moral, La Medica
A legítima defesa é estado de necessidade, opinião que coincide raciocina que o dolo é estranho à dirimente, a qual não atende
com o velho adágio do direito canônico, necessitas leges non imputabilidade, mas à responsabilidade. O agente exposto ao
habet. perigo de ofensa injusta pode agir completamente calmo, com
São os mesmos os conceitos desenvolvidos por Prins, Ferri pl na liberdade de determinação, sem que, por isso, deixe de
e Borghese. Com a infração, fenômeno ao mesmo tempo bioló- l r o direito de se defender.
gico, físico e social, acompanhando o instinto brutal e sangui-
A lei exclui textualmente que, nesta matéria, seja tomada
nário do homem, que viveu desde os primeiros séculos uma
-m consideração a liberdade de querer, se se tiverem presentes
existência agitada, cheia de guerras privadas, e o homicídio era
1 sutis indagações impostas ao indivíduo a fim de que ele con-
incidente comum, também a legítima defesa obedece ao instinto.
< nha sua reação dentro dos limites certos, para cuja exata
O princípio do vim vi defendere não responde senão indire-
precíação é necessário presumir que o indivíduo deve encon-
tamente ao instinto de conservação do individuo e da espécie,
t 1· r-se num estado de plena serenidade de espírito.
de que provém o instinto de defesa-ofensa, em todos os seres
vivos, e ainda um direito natural e incoercível. 51 Para Émile Garçon 55 a doutrina conduziria a autorizar a
Georges Vida! cuida do direito do indivíduo se defender em d r sa toda vez que o perigo exista, não somente quando a agres-
caso de ataque violento e de reprimir a força pela força. justa, mas quando também injusta, porque o instinto de
Considera ser isto um direito natural, derivado da neces- é também forte em um e outro casos. E, se é ver-
sidade. Jll 1 ítíma defesa se funda no instinto de conservação,
Parece filiar-se ao fundamento do estado de necessidade, 1 l 1 1 •0111111 J r com o constrangimento moral. Mas, eviden-
noticiando que os doutrinadores alemães afirmaram a existência d as teorias distintas.
de um direito de necessidade, 52 entretanto, oferece a motivação
da repulsa sob o fundamento da impotência momentânea da 1 1 DA FUNÇAO PUNITIVA
proteção social cuja intervenção eficaz poderia por si só colocar
ínexís-
um obstáculo à reação individual. 53 ·

Contra esta doutrina ponderou Nelson Hungria que "não é s da função penal
o instinto de conservação no. seu cru _positivismo que funda- m nte à norma.
menta a reação legítima contra uma agressão violenta. Antes, o penal se circunscreve
· o direito, como disciplinador dos institutos, e produto da cultura, contraste entre o inte-
é que justifica a defesa privada; desde que ela apresente ade- forças antagônicas que
quada proteção a bens ou interesses jurídicos arbitrariamente
atacados ou ameaçados". 54 no il t r ss social o Estado incrimina o ilícito através
r . t p nal, por outro lado, em seu direito positivo, também
1
51 Adolphe Prins, Science Pénale et Droit Positif, Bruxelas-Paris,
111 n sta interesse pela não-incriminação, quando regula as
1899, p, 193, n.0 133. Henrique Ferri, Sociologia Criminal, p, 75. Sofo
Borghese, La Filosofia della Pena, Milano, 1952, p. 227. e• u I s de exclusão ou de cessação da função penal.
62 Georges Vidal, ob. cit., p. 351.
ns Georges Vidal, ob. cit .. p. 357. nn Émile Garçon, ob. cít., p. 155.
54 Nelson Hungria, ob. cit., p. 444. ~., Cocurullo, 1 Limiti della Tutela Penale, Napoli, 1936.
122 MARCELLO J. LINHARES

Dentre essas causas que limitam a tutela penal está ex-


pressa a legítima defesa, onde se retrata o manifesto desinte-
resse d? Esta~o e~ proteger o agressor, precisamente quem se
revela ínsubmísso a lei.
· ~i.zendo ser exata a conceituação desta doutrina, por incluir
a legítima defesa entre as causas que fixam os limites da funcão
punitiva,:'ª Medicam conclui que, em todos os casos que legttí- CAPÍTULO VII
~ª1:11 ~ açao, os f~tos se desenrolam dentro de uma esfera em que
o d1~eit0 penal e totalmente indiferente. Não se pode, por tal . DO.UTRINAS J;OÍ3RE OS FUNDAMENTOS DA
motiv~,,falar em infração não punível ou de infração justificada, LEGÍTIMA DEFESA. FUNDAMENTOS
mas sim que essa infração inexiste, isto é, o fato corresponde a OBJETIVOS. CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO
uma não-mtração. · ·
45. Fundamentos objetivos; causas de justif.icação. 46. Teoria
da legitimidade absoluta. 47. Teoria da nulidade absoluta do
injusto ou da anulação da injustiça. 48. Teoria do direito de
necessidade. 49: Teoria da adequação social.· 50. Teoria, da
âejesa subsidiária.

45, FUNDAMENTOS OBJETIVOS; CAUSAS DE


JUSTIFICAÇÃO

A artir de São Tomás os canonistas consideraram


tima defesa causa de justificação do fato.
_6llpriroída a injuridicidade. os atos se converteriam ef!!.
llcitDS-O.J ' ic , orientação doutrinária defendida por Car-
rara, seguido de Bettiol. A defesa individual contra um ataque
violento e sério é sempre um direito, é mesmo um dever, porque
cada um tem não só o direito, mas também o dever, de velar
pela própria conservação. · · .
A argumentação de Carrara era esta: "quando eu mato
agressor, não digo que o matei justamente por haver ele me-
meu]
recido a morte; digo que o matei justamente porque tinha o
direito de me salvar de uma morte injusta, iminente, que não
podia evitar de outro modo". 1
E a de Bettiol assim se resume: "p_ela nossa parte, pensamos
que a legítima defesa constitui uma circunstância justificativa,

~7 La Medica, ob. cit., p. 39. 1 Francesco Carrara, Prograrnma, § 294, nota l.


124 LEGÍTIMA DEFESA 125
MARCELLO J. LINHARES

tos características negativas do tipo: sua existência deve ser


um pressuposto para o tipo e, como inversa, sua existência deve
excluir o tipo.
Também Baumann considera a legítima defesa uma das
mimm pr.ate.ção" 2 /
mais importantes causas de justificação, porque por ela se faz
O, entendimento é reforçado com os subsídios de Jiménez aparecer uma conduta típica. Assim, exemplifica: A corre o pe-
de Asua, que confessa as dificuldades e as vacilações quando rigo de ser ofendido por V. Deve existir, antes, uma agressão
~e ~~~ca ~ fu.ndamento da legítima defesa, mas sempre causa de atual e antijurídica. Se V não foi ameaçado por A, sua agressão
Jus I ~caçao, 3 e com os de Soler, ao destacar ser uma causa será antijurídica. A defesa de A contra esta agressão é também
~~p:cial de ju~tificação que tem valor objetivo de exclusão da necessária; do contrário, como poderia evitar o golpe? Em con-
ilicit~de; o objeto da legítima defesa coincide totalmente clusão: A teria atuado tipicamente, mas não em forma anti-
o obJet~ do direito, qual seja, a proteção dos bens jurídico:~:n jurídica. Não tendo cometido injusto penal, não seria correto
Ass:m desenvolve _os. co~ceitos: "Já que a legítima defesa também cuidar de questão da culpabilidade. 6
r::supoe um~ ª-g~essao ílegítíma, isto é, a ameaça injusta con-
um bem [urídíco, o particular que, para evitar esta lesão
A legítima defesa foi assim colocada em vários códigos pe-
nais, com destaque, pelo código francês e pelo espanhol, dizendo
opere, atua a vontade primária da lei". ' Pacheco, em comentários a este último, que a defesa é ato lícito
e por ele infringimos um dever porque exercitamos um direito
_ ~crescen~a: "Quem se opõe à violação dos bens jurídicos
nao e a autoridade, mas sim a lei; a autoridade só evita a lesão maior.
quando possa fazê-lo e isso é de sua função específica. Não se Entre as teorias que apontam a legítima defesa como causa
objetiva de justificação do fato, agrupam-se as seguintes: a da
concebe. uma ordem jurídica na qual os bens somente sejam
legitimidade absoluta; a da nulidade absoluta do injusto, tam-
tutelados q~a~do em concreto o possam ser e no qual os parti-
bérn denominada a da anulação da injustiça; a do direito de
cul~re1:, se. lI1:1item a presenciar passivamente a cotidiana vío-
necessidade; a da adequação social; e a da defesa subsídíáría,
la?ª~ do direito. Quem, com sua ação, evita que suceda O que a
ou da cessação do direito de punir.
lei nao _quer que ocorra, cumpre a lei no sentido mais puro; dele
pode dizer-se que é, a um tempo, súdito e sentinela da lei a 46. TEORIA DA LEGITIMIDADE ABSOLUTA
qu~ obedece no mais íntimo do seu ser, onde esta já não tenha
mais poder coativo". Pela teoria da legitimidade absoluta, o fundamento da legí-
tima defesa não deve ser descoberto em razões de ordem polí-
Os fu~damentos da justificação, conforme entendimento de
tica, mas sim em motivos de ordem privada, ou em opiniões que
Welzel, 5 te_m por efeito eliminar a antijuridicidade indicada
o apontem como causa de exclusão de culpa.
pelo cumprimento do tipo; e Merkel fala serem esses fundamen-
É, antes de tudo, encontrado no caráter da própria reação
2
do agente, procedida conforme o direito, que a permite, en-
Giuseppe Bettiol, ob. cít .. p. 226.
quanto não danosa para a sociedade.
: Jiménez de Asúa, Tratado. . . cít., t. 4, p. 66.
t. 1, p. Sebastián
401.
Soler, Derecho Penal Arçentino
, Buenos Aires, 1951, s Jürgen Baumann, Derecho Penal, trad. da obra Grundbegriffe
und System des Strafrechts, de Conrado. A. Finzi, 4.ª ed., Buenos Aires,
5 Hanz Welzel, Derecho Penal, trad. de
Buenos Aires, 19 , p. _ Carlos Fontán Balestra, Hl73. p. 43.
56 90
126 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 127

Já Carpzovius (Quaestiones) e Struvius (De vindicta pri- luta deve ser encontrada no princípio da colisão de dois di-
vata) procuravam demonstrar que a legítima defesa constituía reitos.
não só um direito, mas se erigia, também, num dever. Segundo A seu turno, julga Ranieri a reação ,do agente conforme ao
tal critério, afirmou Alimena que ela é um obstáculo à consu- direito, que a consente. 10
mação de uma injustiça. · Na França, Vidal-Magnol,~1 é Bouzat-P.inatel 1i2 acompa-
É a teoria da preferência de lhering. O grau de energia, nhando Ihering, insistem que a legítima defesa não é só um
que no indivíduo é capaz de defender seu direito, permite medir direito, mas também um dever. O caráter de direito reconhe-
a intensidade do sentimento de liberdade pública de um povo. 1 cido à legítima defesa faz com que os atos de violência que com-
A legítima defesa é, para ele, direito e dever, a um tempo. porta seu exercício não acarretem nem responsabilidade penal,
. É direito enquanto 9 sujeito existe para si mesmo; é dever quan- nem sequer responsabilidade civil. Não será a legítima defesa
do o cidadão existe para o mundo. um ato de necessidade, mas também um ato de justiça.
Não se pode dizer ilícito o esforço que um direito desenvolve Na Argentina, Molina, Damianovich e Vergara sustentam
para se afirmar contra qualquer perigo de lesão que provenha que, acima das especiais formulações, estamos em presença de
do exterior. O direito deve viver, e para viver deve lutar, porque uma causa que recolhe o motivo mais decisivo de licitude de
só através da luta pode afirmar-se. um ato externamente ilícito, 13 identificando-se, no conceito de
A esta doutrina se opõem as seguintes ponderações: na le- Frias Caballero, o fim do direito com o fim da ação individual.
gítima defesa não se pode 'reconhecer propriamente um direito,
e muito menos um dever, porque não há direito a que não cor- 47. TEORIA DA NULIDADE ABSOLUTA DO INJUSTO OU
responda uma obrigação, sendo absurdo dizer tenha o agressor DA ANULAÇÃO DA INJUSTIÇA
a obrigação de se deixar matar ou espancar; não se deve falar,
A legítima defesa, para a doutrina da anulação da injus-
por outro ladó, em dever, desde que a defesa privada não é ím-
tiça, é um procedimento afirmativo de um direito, porque, sendo
posta coativamente pela lei.
a agressão a negação de um direito, a legítima defesa será a ne-
Certo, porém, ter sido a teoria consagrada por festejados
gação desta negação (isto é, a reação), um ato tendente a anu-
juristas. Recebe, na Itália, o apoio de Maggiore, quando discorre
lar a injustiça e, portanto, um autêntico direito, a plena afir-
que -o ato de quem age por legítima defesa - enquanto· não
contrário, mas conforme ao ordenamento jurídico - falta em mação do direito. ·
Aí se depara um desdobramento da justiça absoluta acerca
seu elemento de antijurídicidade, sendo perfeitamente [ustífí-
da finalidade da pena, como cuida de esclarecer Basileu Garcia:
. cável: não pode dizer-se um crime, mas sim um niio-crime. a
"A reação retribui a agressão, tal como a pena retribui o
Também o de Sabatini, 9 pará quem a razão da não-punibi-
lidade reside no fato segundo o qual, declarando a lei penal- crime". 14
mente lícita a conduta do agente,. quando concorrem os extre- 10 Sílvio Ranieri, Manud.le de Diritto Penale, Padova, 1952, v. l ,
mos nela indicados, vem a faltar a antijurídicidade substancial p. 142.
e, pois, a objetividade jurídica do crime. Informa que Bettiol 11 Georges Vidal-Magnol, ob. cit., p. 357.
é sectário da doutrina, embora explique que a legitimidade abso- 12 Pierre Bouzat - Jean Pinatel, ob. cít., Paris, 1970, p. 359.
1a José F. Argibay Molina, Laura T. A. Damianovich, Jorge R.
1 Rudolph von Ihering, La Lutte pour le Droit, p, 32. Moras Moro e Esteban R. Vergara, Derecho Penal, parte general, v. 1,
8 Giuseppe Maggiore, ob. cit., l, p. 305. p. 248, Ediar, 1972, Buenos Aires.
9 Guglielmo Saba:tini, ob. cít., v. 2, p. 89 .. H Basíleu Garcia, ob. cít., v. 1, p. 303.
128 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 129

Capitaneada por Hegel e seguida por Alfpe~, ;Ifeffter, Kitstun, No mesmo sentido é a opinião de Maurach. 11
Levita, Glasser, Janka e Wessley, a teoria parte da n@eesaiqade O nosso Costa e Silva escreveu que a verdade, pura e sim-
da conservação da vida.
ples, é que a legítima defesa não passa de um ato de exercício
Em caso de extremo perigo não se nega o direito ao sacrifí- do direito - é o próprio direito atacado em luta. No processo
cio dos bens jurídicos de outrem.
judicial o direito se faz valer por meio do poder público, para
A legítima defesa será um ato de exercício do direito de isso constituído; na legítima defesa, pela força do indivíduo. 18
necessidade.
Para exprimir o seu pensamento de que a legítima, defesa 48. TEORIA DO DIREITO DE NECESSIDADE
assim se compreende, isto é, que seu fundamento repousa na
necessidade do emprego da força para reprimir a força, afir-: Ao lado de sua teoria sobre a legítima defesa, fundada na
maram os jurisconsultos alemães a existência de um direito de nulidade do ilícito, retro-examinada, formulou Hegel uma outra,
necessidade, do qual decorre o direito de defesa e ô estado de baseada no direito de necessidade.
necessidade. A legítima defesa não é senão um ato de exercício Somente a necessidade do presente imediato pode facultar
do direito, é o próprio direito atacado em luta. uma ação antijurídica, já que em sua omissão mesma faz a co-
Hegel, particularmente, explicou que da parte do agressor missão de uma ilicitude, a mais alta de todas, qual seja, a da
está a infinita violação da existência, ou a falta total do direito; total negação da existência da liberdade.
do lado do agredido, que se defende, está a violação de uma Soler sintetiza esta teoria da seguinte forma: a vida é expres-
simples existência limitada pela liberdade. 1s
são mais simples e concreta da totalidade dos fins humanos; em
Se ao homem em perigo de vida não fosse consentido agir caso de extremo perigo, não se lhe pode negar o direito ( e não
de maneira a se conservar, seria ele qualificado de privado do a simples faculdade) de sacrificar o bem jurídico de outro.
direito e, pois, sentenciado à morte.
Como forma concreta, a vida tem um direito frente ao di-
A antijuridicidade se prende à prevalência que a vida jurí- rei to abstrato, pois, negar à vida seu direito à autoconservação,
dica tem de dar ao justo sobre o injusto.
importará considerar o homem como carente em geral de direito,
O direito não tem de recuar ou ceder nunca diante da liber- levando-se a negar, integralmente, sua liberdade.
dade. A legítima defesa realiza o mais alto de todos os valores, De outro lado, a reconhecer-se o direito de necessidade, não
que é a força de sua essência, a defesa da ordem jurídica.
se nega, em princípio, o direito de quem sofre a lesão, apenas
Assim, segundo Wegner, quem exercita a legítima defesa que só se declara a eventual e restrita necessidade de que a su-
não é um agressor em autodefesa. mas um órgão da ordem ju- porte. 19
rídica. 1a ·
Registra Copelli, 20 a respeito da máxima evangélica, de que
Dizendo ser a legítima defesa obstáculo à ilicitude, afirma os fins justificam os meios, se é inaceitável em caráter geral,
Beleza dos Santos estar ela conforme ao direito público por fa- admite compreensão diversa, sendo exemplo disso a legítima
vorecer o são sentimento da luta pelo direito, correspondendo
a um geral sentido ético. Perante um perigo imediato, mais vale 11Reinhart Maurach. ob. cít .. v. 1. ~ 26. I.
prevenir, defendendo, que simplesmente remediar. 18Antonio José da Costa e Silva. Código Penal dos Estados Unidos
1
do Brasil, São Paulo, 1930, p. 258.
"· Hegel, Grundilinien des Philosophie eles Rechts, § 127; Linea- i9 Sebastián Soler, ob. cit .. p. 397.
menti di Filosofia del Diritto. § 127. 1
0 Pericle Copelli, 1l delitto di Falso Documentali, Bologna, 1911.
; " Wegner. Strafrech.t, p. 122. p. 3{H
l\'l.ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 131
130

defesa. Quando se comete dada ação com o fim de legítima Para ele, "é socialmente adequada e não típica a ação per-
defesa, ela será perfeita em tudo como crime se o fim não va- mitida pela ordem social já histórica", ou a ação que, "moven-
lesse a torná-la inimputável. do-se dentro da ordem ético-social, já histórica, da vida em co-
mum, está por ela consentida".
49; TEORIA DA ADEQUAÇÃO SOCIAL Posteriormente Welzel abandonou a teoria, para considerar
a adequação social da ação, não como uma restrição de tipici-
É uma ligeira variante da teoria da falta de antijurídici- dade, mas como causa de exclusão do ilícito. 22 E mais tarde
dade. reputou a adequação social, tanto no fato doloso como no cul-
Como todas as demais ações lícitas, a legítima defesa pode poso, causa geral de justificação; a final, a incluiu, novamente,
ser eliminada do âmbito do direito penal, ainda que o seja ape- no que respeita à culpa, dentro da tipicidade.
nas para fins de uma consideração meramente formal.
A partir da 9.ª edição de seu tratado, eliminou as inconse-
Quem age sob o comando da lei exercita um direito, corres-
qüências e voltou à antiga tese, segundo a qual a adequação
pondendo o princípio a uma necessidade lógica, pois não se com-
social produz a exclusão do tipo, também em relação aos fato.s
preenderia que a lei concedesse a liberdade de agir, considerado
um determinado interesse e, ao mesmo tempo, viesse a censurar dolosos.
por ilícita tal atividade, lesiva de um bem que ela mesma pro- Ponderou Baumann que, para esta teoria, foi decisivo o re-
conhecimento de que, na vida atual, existe uma quantidade de
tege.
Então, o fundamento da doutrina é o de que o exercício ações que não despertam suspeita alguma e cuja tipicidade é
do direito de defesa estará adequado ao interesse social, por tão-só fictícia. Acrescenta ser bastante sensato para investigar,
este reconhecido na prevalência da ofensa justificada sobre o desde o ponto de vista penal, ações, como a de uma viagem por
ferrocarril, somente lhe parecendo duvidoso que o consenti-
comportamento antijurídico do agressor.
Ao lado. das causas genuínas de justificação, distingue mento do passageiro se referia realmente a que fora transpor-
Welzel _21 as ações socialmente adequadas, que representam não tado a um lugar e não a outro. Neste último caso pode parecer
a exceção, mas a normalidade da vida social, como, v.g., as lesões t~lvez socialmente adequado que quem dirige _p serviço de trens
ocorridas em práticas esportivas ou intervenções médico-cirúr- se permita, em dadas circunstâncias, modificar o itínerárlo.F'
gicas.
50. TEORIA DA DEFESA SUBSIDIARIA
Tais ações excluem a tipicidade.
A teoria tem uma agitada história, avançando em certa
Também conhecida como a teoria do exercício da função
medida com os subsídios doutrinários de Welzel.
pública, a doutrina da defesa subsidiária, como fundamento
Em seu começo restringia a tipicidade aparentemente am-
objetivo de legitimidade, decorre da cessação do direito de punir
pla e não considerava como típicas condutas que, ao que parece,
que, Em tese, se outorga à sociedade.
realizavam o tipo. Exemplo, se alguém toma um trem e lhe é
possível descer em determinada estação, não existirá aí nenhu .. Diante da momentânea impossibilidade em que se encontra
ma privação típica da liberdade. o Estado, é justo e lícito que o cidadão pessoalmente se defenda.

~1 Hans Welzel, Das deutsche Strafrecht, Berlim, 1947, p. 36 e 87; ::2 Hanz Welzel, Lehrbuch, ~ 14, I, 3.
3.ª ed .. 1954, p. 58. ~a Jürgen Baumann, ob. cit., p. 186.
132 MARCELLO J. LINHARES LE;;ÍTIMA DEFESA 133

E, fazendo-o, o cidadão que se defende está cooperando com a A teoria é vista por Maggiore sob o mesmo ângulo; "exi-
autoridade, substituindo-a na função de manter a ordem. gência ética e jurídica, a legítima defesa consiste no direito que
O direito da autoridade social, como está na lição de Car- tem o indivíduo de repelir injusta agressão quando a sociedade
rara, 24 promana da lei eterna da ordem, que erquer se dê ao pre- ou o Estado não possa providenciar a sua tutela. A ordem deve
ceito normal uma sanção pronta e eficaz. ser conservada a qualquer custo; onde ocorra que ela seja lesada
Completa-se, assim, a lei natural, garantindo energicamente e o Estado não possa imediatamente reintegrá-la, este dever de
os direitos por ela mesma conferidos; pela defesa pública, a hu- reintegração toca ao indivíduo contra quem a lesão é dirigida.
manidade impotente, ante as investidas privadas dos malfeito- O indivíduo que se defende não ofende o direito; antes, coopera
res, estará plenamente assegurada. na sua realização. Não age como um particular, mas exercita
A defesa do direito vai repousar, então, numa dupla força uma verdadeira e própria função pública". 21
- a do Estado e a do cidadão; quando uma não estiver em con- Difundida como a teoria de Carrara, é seguida na Itália por
dições de atuar, a intervenção .da outra, então, é de ser legiti- Florian, "~ Alimena, Pessina, Vannini, Bettiol :!'l (em parte),
mamente evidenciada. Manzini, Santaniello 30 e Grosso, dentre outros; na França, por
Competirá à defesa social, obviamente, atuar em caráter Garraud, Garçon e George Vidal; na Espanha, por Cuello Calón;
prioritário, embora a função social da pena tenha cunho mera- na Argentina, por Rubianes; no Brasil, por Lima Drummond. 3i
mente subsidiário. Muito combatida, lembrando a teoria contratualista que
Mas, quando a defesa social não puder intervir, a defesa remonta a Grotíus, ou legada a pressupostos individualistas e
individual, direito originário, retoma o seu império, cessando, contratualistas, de todo inaceitáveis, como se refere Maggiore,
em conseqüência, o jus puniendi por parte do Estado. recebeu a doutrina da defesa subsídíária o influxo de novos
Essa substituição momentânea impede que a violência pre- argumentos encontrados por Manzini, que a adotou como pró-
pria, sob a denominação de "delegação do poder de policia".
valeça sobre o direito. 25
Ele a definiu como uma concessão ao particular de um meio
Assim, toda vez que se apresentarem situações dessa natu-
de tutela imediata aos interesses do cidadão contra os perigos
reza, quando a autoridade não puder acudir em auxílio de
de uma agressão injusta, numa situação em que não seja pos-
quem venha a ser injustamente agredido, não é possível, ante
sível invocar-se tempestivamente a intervenção da admítínístra-
o desamparo, a ele impor-se o dever de permanecer inativo, com
ção pública. 32
o risco de sucumbir à agressão injusta.
Não se trata de direito público subjetivo, como se poderia
A reação, como professa Cuello Calón, 2ª manifestada con-
admitir, mas de autorização eventual, de mero interesse pro-
tra a agressão sofrida, é perfeitamente lícita e conforme ao di-
tegido.
reito. A ação não será antijurídica, não havendo crime.
21 Giuseppe Maggiore, ob. cít., t. 1, v. 1, p, 304.
2,1Francesco Carrara, "Diritto della difesa pubblica e privata", in. 2s Eugénio Plorlan, Trattato di Diritto Penale, Milano, v. 1, p. 414.
Opuscoli, v. 1, § 105 e Programma, § 291: "Na impossibilidade · de o 2, Giuseppe Bettiol, ob. cit., p, 223 e 224.
Estado evitar a agressão e proteger o injustamente atacado, é justo e ªº Giuseppe Santaniello, Manuale di Diritto Penale, Milano, 1957,
lícito que este se defenda. A defesa privada é substitutivo causado quan- p. 92.
do a necessidade o exige". ai. - Lima Drurnmond, Lições de Direito Criminal, Rio, 1915, 2.ª ed ..
2õ Girardi, Della Difesa Leçittima, Napoli, 1884, p. 73. p. 152.
20 Eugenio Cuello Oalón, Derecho Penal'. Barcelona, 10.ª ed. u Víneenzo Manziní, ob. cít., v. 1\ p. 115 e 2, p. 282.
LEGÍTIMA DEFESA 135
134 MARCELLO J. LINHARES

A idéia filosófica da teoria, extraída do ditado popular que . Seu pensamento é assim exposto: "Esta descriminante (a
a necessidade não tem lei, é por ele referida quando diz ser ta- legítima defesa) constitui um resíduo da ação dirigida em· um
refa vã a pesquisa em torno do fundamento da legítima defesa sistema que se arroga, ao revés, como regra, o poder-dever de
fora do direito positivo e da necessidade. resolver os conflitos entre os cidadãos. o ordenamento jurídico
. Quando a necessidade ocasiona uma relação jurídica, o tutela determinados interesses humanos, predispondo, por isso
indivíduo, por se achar diante de determinada. situação;' se in- mesmo, os meios preventivos e repressivos, ao fim de garantir
veste daquela relação, independente de um título anterior, di- a observância desta tutela. Quando o sujeito pode invocar a in-
verso daquele do estado geral de sujeição e sem que, ao esta- tervenção dos órgãos predispostos à defesa do ordenamento e
salvar por esta .torma os próprios bens, evidentemente deverá
belecê-lo, concorra a sua vontade. .
A legítima defesa representa, em síntese, uma delegação fazê-lo. Há, todavia, hipóteses nas quais tais órgãos não podem
hipotética e condicionada do poder de polícia que o Estado ou- intervir tempestivamente. Sendo do interesse superior do Es-
torga ao cidadão em razão da necessidade, quando reconhecê tado que seus preceitos sejam observados, é natural que eles se
que não pode prestar a ele ou a outrem, eficazmente, sua terd- utilizem, então, da defesa privada".
pestivã proteção. . Várias objeções têm sido apresentadas a esta teor.a,
A teoria da defesa subsidiária, assim defendida por Manzini Primeiramente, convém ressalvar que a delegação hipotéti-
e aplaudida por Vanníní (Manuale, p. 151), é considerada por ca e condicionada que o Estado confere ao particular não signi-
Pioletti como a mais sugestiva, a ela porém se devendo observar fica que ao Estado venha a faltar o poder de punir, nem que
que o Estado, se deve tutelar o interesse do agredido, deve tam- renuncie ou delegue o poder ao particular, como observam Flo-
bém defender o agressor da ação defensiva; ainda mais que a rian 35 e Nelson Hungria. A verdade é que estes casos são estra-
prevenção não atua mediante. atos que constituem crimes ( nemo nhos ao poder de punir, porque 'não são atos criminosos o cum-
pius turis in alium transferre potest quam ipse ha1Jeat).
33 primento de um dever, que a própria lei impõe, ou o exercício
La Medica prefere dar à teoria da defesa subsidiária uma de um direito que a lei reconhece. - ·
modalidade autônoma, a da delegação do poder de polícia que, Em segundo lugar, como pensa De Luca, a essência jurí-
para outros doutrinadores, como se viu, se confunde e se in- dica da defesa privada não é inteiramente aquela. de um direito
tegra na_ primeira. . público subjetivo, mas sim de um interesse protegido. Deixando
A doutrina é insistentemente defendida, e mais recente- de lado a distinção entre direito público e interesse protegido,
mente, por Grosso, ao repetir, diversas vezes, com ênfase, que a acrescenta: "deve-se recordar que a fonte do direito não é a
legítima defesa constitui uma fórmula de defesa. privada que o vontade do Estado, mas sim· a vontade da sociedade; é esta so-
Estado concede na situação em que seus órgãos não possam ciedade, nascida da determinação das necessidades e dos inte-
agir em tempo. 34 resses gerais, que precisa ter resguardo para fixar e decidir se
É um instituto de defesa preventiva, através do qual, se um determinado fato é penalmente lícito ou não. Ora, se a cons-
torna lícito um comportamento nocivo do agressor; neste sen- cíênc a pública não reconhece ilícita a reação do agredido ou
tido, constitui, como é reconhecido por uma teoria difusa, uma de quem o defende, então por que falar de uma concessão hipo-
forma de sanção. tética e condícíonada quase por graça, feita pelo Estado, que
pudesse ser excessivamente Umitada, em prejuízo dos homens
:i:1 Ugo Pioletti, .Mantiale di tnrttto Pena'zé, parte geriera le, Napoli,
1969, p. 282.
Carlo Frederico Grosso, ob. cit., p. 117, 124 e 134. ::~ Eúgenio. Florian, ob. cít., p. 412.

825 - 10
136 MARCELLO. J. LINHARES

de bem e em favor dos velhacos?" A defesa privada, para ele, é


lícita como verdadeiro direito subjetivo, que não tem necessi-
dade de ser consagrado por uma disposição da lei criminal; as
ações lícitas estão estampadas na consciência pública, não de-
I
vendo estar indicadas no código penal, bastando a . proibição
dos fatos puníveis. 36 CAP1TULO vnr
Admite Bettiol que a argumentação de Manzini, apoiando-se
na defesa subsidiária, pode ser exata, mas não parece que se DOUTRINAS SOBRE OS FUNDAMENTOS DA
tenha, com admiti-la, abandonado uma justificação de caráter LEGÍTIMA DEFESA. FUNDAMENTOS SUBJETIVOS
formal; seria necessário que essa hipotética delegação de fun-
ção pública, que o Estado faz ao particular, tivesse uma justifi- 51. Fundamentos subjetivos. 52. Teoria do direito subjetivo de
cação substancial. 37 caráter público. 53. Teoria da escola positiva. 54. Posição inter-
A doutrina também recebe a crítica de De Marsico, ao dizer média. Teoria da colisão de direitos.
que a concepção, segundo a qual se reconhece na autotutela
uma forma de assistência que o indivíduo presta à polícia do 51. FUNDAMENTOS SUBJETIVOS
Estado, levaria a reconhecer na legítima defesa uma hipótese de
exercício privado das funções públicas. Retornando à primeira grande divisão, dentro do quadro
Tem-se observado, entretanto, continua expondo, que na geral, e ao lado dos fundamentos de ordem objetiva, seguem-se
legítima defesa o indivíduo reage, em regra, não pelo Estado, os fundamentos subjetivos da legítima defesa, a que se filiam
mas em seu interesse próprio. Nenhum poder delegado pode ser as teorias do direito subjetivo de caráter público e a da escola
diverso daquele que tiver o poder delegante. E nunca sucede que
positiva, ou da sociabilidade dos motivos .
. o Estado, para prevenir a violação de um direito, tenha neces-
sidade de praticar fatos que correspondam ao modelo legal de Finalmente, como se costuma considerar, de doutrina inter-
uma infração. 38 mediária, ainda no grande quadro classificador, destaca-se a
A escola positiva, por sua vez, também se opõe à doutrina teoria da colisão de direitos, relacionada com a salvaguarda do
da defesa subsidiária, combatendo-a sob o fundamento de que, interesse preponderante.
a se adotar a legítima defesa como cessação do direito de punir, Segundo os fundamentos de ordem subjetiva, a culpabili-
não haveria necessidade de fazer-se o processo para a apuração · dade fica subordinada à ilicitude voluntária e consciente do
da responsabilidade de quem cometeu o fato nessa situação; e, sujeito.
ainda, quando fosse o cidadão auxiliado pela autoridade pú- Deixa o delito de existir quando não houver a voluntária e
blica, não haveria como, nem por que, admitir-se a legítima
onsciente ilicitude.
defesa.
Casos há, realmente, onde se verifica o cometimento de atos
bjetivamente ilícitos, aos quais falece a intenção; então, a falta
R6 Francesco De Luca, ob. cít., v. 2, p. 58. e ilicitude acarretará consigo, automaticamente, a inexistência
a1 Giuseppe Bettiol, ob. cít., p. 226. lo delito.
38 Alfredo De Marsico, Diriito Penale, Napoli, 1935, p. 158.

LEGÍTIMA DEFESA 139
138 MARCELLO J. LINHARES

Trata-se de causas de exclusão de imputabilidade e de res- pública, substituindo a sociedade e o 'Estado, a quem compete
3
ponsabilidade, circunstâncias da infração, que se referem mais o direito de punir para o restabelecimento da lei e da ordem.
aos elementos subjetivos da culpabilidade que aos elementos Grammatica defende a inteligência de que -o direito à vida,
objetivos do delito. 1 ainda que não tenha sido expressamente disciplinado por qual-
Os subjetivistas consideram um contra-senso que arruína a quer norma legal, implicitamente se deduz de todo sistema legis-
estrutura jurídica de qualquer legislação, o fato de sustentarem lativo. Assim, quando em legítima defesa o homem vê amea-
os atuais sistemas que o exercício de um direito seja escusado çado este direito à vida, reconhecido pela lei, e reage, não faz
em virtude de uma norma permissiva negativa; defendem, ao mais que exercer um. de seus direitos, levando a efeito, pois, uma
ação, em si, lícita e legitima. Será absurdo dizer-se que se trata
revés, que se um direito é exercitado, ou se do exercício de um
de uma ação penalmente antijurídica excepcionalmente· não
direito deriva um ato que, em outro caso, constituiria um ilícito,
não será preciso que seja seguidamente escusado, originando-se castigada pela lei. 1 ·

de um direito ou de um dever, com o qual se confunde. Penso garante haver Carrara elevado a legítima defesa da
categoria de justificação à de direito; e, depois dele, ninguém
Não descobrem ilicitude onde existir vontade ou permissão
contesta seja exercício de um direito subjetivo, quer considerada.
da lei, sobretudo na intencionalidade do indivíduo, encaminhada
de caráter público, quer em-seu aspecto objetivo e subjetivo, eon-
a tal direito ou a tal dever; não haverá ilicitude nem culpabili-
dade, supérflua a norma que declare excepcionalmente lícitas juntamente."
Embora encontrando na legitimidade absoluta do ato o prin-
as ações que, em contrário, são originariamente lícitas.
cipal nmdamento da legítima defesa, Sabatini acrescenta que
o mesmo ocorre com a legitima defesa, porque, se é legí- ela constitui um direito subjetivo da pessoa agredida. A lei o
tima, isto é, se está fundamentalmente reconhecida a legitimi-
indica com· o uso da expressão genérica "exercício de uma ta-
dade da âção, não pode ser considerada ilícita em seu resultado. ::?
culdade legítima". 6
O ensinamento de Frosali é o de que toda vez que a lei prevê
52. TEORIA DO DIREITO SUBJETIVO DE CARATER
uma causa de justificação,. vem atribuir o direito subjetivo de
PúBLICO
operar nas condições determinantes da licitude do fato; exemplo,
o agredido tem direito de defender o agressor, no sentido da
A legítima defesa assume conteúdo de direito subjetivo de
lei. 7
caráter público, outorgado a todo cidadão, harmonizando-se com
Capitaneada por Binding, seguida por. Rocco, Logoz, Mas-
a função de policia do Estado.
sarí e Pessína, a teoria é refutada por Ferneck, para quem o
8
Esta teoria atende ao interesse da sociedade, de um lado,
e à conservação do indivíduo, de outro. a Giuseppe -SantanieUo.' Manuale di Diriito Penale, Milano, 1957,
Quem se defende não ofende o direito, mas coopera para p. 92.
a sua realização, devendo considerar-se ter agido não como um 4 Filippo Grammatica, ob. cít., p. 304 e 305.
particular, mas exercitando uma verdadeira e própria função Girolamo Penso, ob. cít., p. 37.
,; Guglieimo Sabatini, ob .. cít., v. 2, p. 100.
Raoul Alberto Frosali; "L'esercizio di un diritto nel sistema delle
1 Filippo Grammatica, Princípios de Derecho Penal Subjetivo, cause di non punibilità", in Scritti Giuridice in Onore di Vincenzo Man-
trad, de Juan del Rosal e Victor Conde, Madrid, 1941, p. 289 e 290. zini, Padova, 1954, p. 226.
~ Grammatica, .ob, cít., p. 303 e 305. s Massari, Le uottrine Generazl del tnritto PenaZe, p. 82.
140 MARCELLO J, LINHARES
141
LEGÍTIMA DEFESA

agredido não é titular de um direito subjetivo. Assim, o agressor


Seus adeptos, Ferri, Florian e Fioretti à frente, dão prefe-
não tem a obrigação de suportar a legítima defesa.
rência ao estudo do homem, em consideração aos motivos deter-
Sofre a contestação de Manzini, de que a essência pública
minantes do fato.
da potestade da defesa privada não é aquela de um direito pú-
A ação realizada pelo concurso da condição objetiva, da C?-
blico subjetivo, do qual são, de modo igual, titulares todos os sú-
lisão jurídica, e da condição psicológica, não só não é possível
ditos do Estado; trata-se de simples autorização eventual, de
como não constitui crime; quem a praticou pode dizer: eu inten-
mero interesse protegido, cuja atuação depende de evento estra-
nho à vontade do sujeito. 0 cionalmente quis suprimir o direito de outrem, mas sú.prim!-o
Registre-se, ainda, a objeção de que a defesa privada protege
secundum ius e por motivos legítimos; pelo que não sou um cri-
minoso, sou um homem honesto que praticou uma ação apa-
tal ou qual direito subjetivo atacado, mas não importa no dever
de passiva obediência do agressor ao facultativo emprego de vio- rentemente criminosa, mas, na realidade, sem ofender o dírelto.>
lência por parte do agredido (Nelson Hungria). o raciocínio para legitimar a defesa é assim armado: a de-
fesa, quando constitui ato juridicamente não criminoso, alheio
53. TEORIA DA ESCOLA POSITIVA a seu exame o sujeito que nele intervém, é legítima; na impo-
sição da pena visto o delito e não o criminoso. Invertidas as
é

Também conhecida como a da sociabilidade dos. motivos, a posições, examinado o agente em primeiro plano, e o fato em
doutrina da escola positiva é defendida por doutrinadores que segundo, lógica será a conclusão: tratando-se de ato juridica-
enfatizam o caráter social e jurídico dos motivos. mente proibido por lei, antijurídico, portanto, não se deve atri-
A legitimidade da defesa residirá nesse caráter, determi- buir. primordial importância ao fato; deve-se, antes, preferir
nante da reação do agredido. investigar o agente, pesquisando-se, se, no momento em que
É tutela do direito próprio. exercia o direito, revelava, apesar dele, índole anti-social que
Estando a legitimidade da defesa privada baseada na mora- impedisse sua absolvição.
lidade do motivo de agir, concluir-se-á daí que o fato típico dei- A legítima defesa nada mais é que a normal reação da víti-
xará de ser considerado criminoso quando praticado por motivos ma; e o caráter anti-social do ato dirigido contra ela, denotando
moralmente louváveis. a perículosídade de seu autor, basta para justificar a legitimi-
Por outro lado, quem age em legítima defesa não quer ofen- dade da reação.
der, mas defender a si ou a outrem. Pode dizer: teci sed iure teci. Como se vê do exposto, há dois aspectos a serem encarados,
Não há periculosidade no agente e per isso seria inócua a sanção como raciocina Ferri: o objetivo e o subjetivo. O primeiro é a
da pena. colisão de bens, resolvendo-se o caso, não como sugere Von Buri .
A escola positiva reconhece a juridicidade da reação, que e os sectários da teoria da colisão, sacrificando-se o bem menos
constitui o exercício de um direito. A repulsa é justa porque o valioso; o segundo, de que se deverá levar em conta a condição
agressor revela-se perigoso e, assim, tudo que se faça para repelir subjetiva - os motivos determinantes devem ser conforme ao
o mal será ato de justiça social. 10 direito e não anü-socíaís, sendo a condição subjetiva a causa eli-
minadora do injusto.
!• Vincenzo Manzini, ob. cit., v. 2, p. 281.
1
º Fioretti y Zerboglio, Sulla Leqiitima Difesa, Turim, 1894, p. 89
e 98. 11 Henrique Ferri, Princípios de Direito Criminal, trad. de Luiz de
Lemós D'OUvelra, São paulo, 1931, p. 447.
LEGÍTIMA DEFESA 143
142 MARC!LLO · J. LíNliARilS

A teoria é louvada por La Medica, por se envolver de inegá- O argumento nela deduzido, puramente subjetivo, de cará-
vel fundo de verdade, ao dar a devida importância ao elemento ter social dos motivos, encerra uma petição de princípio, porque
subjetivo, que não pode ser desprezado na investigação sobre o supõe· admitido e demonstrado que a defesa individual é um
mecanismo psíquico do delito; e não esquecer, por outro lado, direito legítimo.
o caráter jurídico do instituto (o exercício de um direito) não
54. POSIÇAO INTERMÉDIA. TEORIA DA COLISÃO DE
considera, todavia, o aspecto fundamental dele em relação com
DIREITOS
a ordem jurídtca objetiva.
Quem lhe emprestou maior solidez e profundidade foi Fio- A legítima defesa é conceituada como uma ação praticada
rettí, com estas noções essenciais: a pena não se refere a um ante um conflito de direitos, causado pelo agressor, conflito que
fato passado e tampouco à legítima defesa. A única diferença se resolve com a predominância do direito atacado e conseqüen-
consiste em ser esta. uma defesa individual, e aquela uma defesa te afastamento da responsabilidade penal.
social; o critério da temibilidade; concreta e iminente na legi- É ainda enunciada desta formá: quando dois direitos en-
tima defesa, abstrata e longínqua na aplicação da pena, forma tram em colisão, de modo que a sobrevivência de um importa
a base comum dos dois institutos, o homogêneo primitivo, no na sucumbência de outro, deve o Estado· optar 'pela conservação
seio do qual foram pouco a pouco se diferenciando. daquele proeminente, com a destruição do menos importante.
A legitimidade da violência é consectário da ilegitimidade
Continua discorrendo Fioretti que circunstância de relevo a
se considerar é a da agressão injusta, refletindo a temibilidade da ofensa que tende a impedi-la.
Estes são os· conceitos de Venezian 11 e de Thon. :r.
do agente; tudo o que tender à eliminação do perigo para o agre-
•. Expllca Nuvolone que, em sua essência racional, a legítima·
dido e das forças criminosas do agressor, redundará em benefício·
defesa tem· sua raiz· no princípio da prevalência do interesse
da sociedade; quem repele o agressor injusto pratica um ato de
·qualificado, e por interesse qualificado. se ~ntende o do agente
justiça social; sua ação é exercício de direito; a legislação penal que sofre em primeiro lugar os efeitos da ação contrária à norma:
deve favorecer a coragem de quem, com o seu direito, defende "O fato mesmo da existência da norma leva consigo a avaliação
o direito da sociedade; é preciso que o nome de legítima, que se negativa da sua espontânea violação e o jurídico impedimento
acrescenta ao de defesa, não seja uma palavra vã, mas a expres- de tal violação. Não se admitir isto significará colocar o direito
são de uma idéia alta e generosa, que se encarna neste ins- em contradição consigo mesmo". 1<1
tituto. 12 Responsável pela elaboração da doutrina, aponta Von Buri
Zerboglio, todavía, conteve os avanços jurídicos do positi- qual seja o .díreito de meno1: significação que se (leva sacrificar:
vismo, ao considerar que a defesa· só se torna legítima na me- é justamente o do agressor, porque· desenvolve seu comporta-
dida em que se não manifeste a qualidade anti-social do defen- mento à margem de toda justificada legalidade. 17
sor. Mais do que de legítima defesa, dever-se-á falar de defesa
14 venezían .. "Danno e rísarcímento tuorí dei contratti", in Opere
impune.13 Giuridiche, Roma, 1919.
Objeta-se à doutrina que, no ordenamento jurídico, o fim so- ~" Thon, Norma Giuridica e Diritto Soggetivo, Padova, 1951,- p. 27
cial só por si não exime a vontade punível. 1G Pietro Nuvolone, I Limiti Taciti della Norma Penale, Palermo
1947, p. 88.
1, · Von Buri, Notstand und Noituoehr, Gerichtssaal, 1878, À '°XX
12 Julio Fioretti, ob. cit., ps. 69 e 109.
]). 434.
13 Floretti y Zerbogllo, 'ob. cit. e loc, clt.
144 M.\RCELLO J. L1NHAR1i1S LEGÍTIMA DEFESA 145

Mezger e sauer partem da consideração de que ao juiz eum- Em tal emergência, um deles vai ser sacrificado pelo império
pre realizar a justiça e o bem comum, procurando êvit~r o mal da lei ou por impossibilidade de se conduzir o conflito a uma
maior e favorecer o bem mais valioso, o mais alto dever; a maior solução jurisdicional da autoridade. A ação psicológica está nos
utilidade cultural. Essa exigência sociológica precisa também motivos determinantes que sejam conforme ao direito e não anti-
realizar-se no campo do direito, como lei fundamental jurídica. -sociais. A ação realizada pelo concurso destas duas condições
Pessina a ela se refere, juntamente com a necessidade, como não só resta impunível, como não constitui crime; quem o
fundamento da legítima defesa: "Quando uma agressão ilegí- comete pode dizer: feci sed iure feci. 21
tima se apresenta de tal modo que à sociedade é impossível A objeção de Fioretti é formulada em forma indagativa: "se
acudir em defesa do indivíduo, qualquer pessoa que trata de de- a retribuição supõe dois males que se compensam e se na legí-
fender o injustamente agredido não pode, por aquela situação tima defesa o que se quer é retribuir não um mal acontecido,
de necessidade e de colisão de direitos, ser considerada e apenada mas um mal simplesmente ameaçado, em virtude de que prin-
como voluntária transgressora da lei". 18 cípio se poderá estabelecer esta relação de igualdade entre esses
o critério que reconhece a legitimidade da defesa indivi- dois males?" 22
dual na salvaguarda do interesse preponderante é aplaudido por A colisão de interesses, e não a colisão de direitos, é o que
Asúa; no caso, embora da mesma significação os bens colidentes, admite Altavilla. 23 De direito se pode falar apenas de quem age
deve prevalecer o do agredido: "O defensor restabelece o direito impedindo a violação de um seu interesse legítimo. Mas, não se
atacado, porquanto, na colisão de interesses prevalece o bem ju- deve falar de colisão jurídica que acaso implicasse um direito
ridicamente protegido, mediante o sacrifício do interesse ilegí- no agressor.
timo do atacante". 19 Não compreende Maggiore como possa o Estado querer o
Os fundamentos da doutrina foram taxados de "bárbaros" sacrifício do direito menor e não o do maior, ambos de difícil
por ,Carrara, absurdos e capazes de conduzir a exageradas con- distinção. Poder-se-ia opinar que devesse o Estado, ao revés, pro-
clusões.. Se o atacante ameaça privar uma vida, perderia o direito teger o direito menor. 21
à própria. Se quem ataca .um direito perde os próprios direitos, Repete a lição de Alimena, para quem não é fácil admitir
quem faça um ataque à propriedade poderá assim ser impune- direitos que aumentem ou diminuam, sendo ainda arbitrário
mente roubado, dois absurdos. A força de coerção deve ser pro- e perigoso admitir que o portador do direito maior deva ser pre-
curada no atacado e não no agressor que se tornou vítima do 'ferido ao do direito menor. 25
ato. 20 Von Burí reformulou os seus conceitos para admitir que a
Contestando também a teoria, argumenta Ferri que a ques- legítima defesa mais deriva da necessidade social da salvaguarda
tão de fazer prevalecer um dos dois males, o menor, não é exata, do interesse maior, ou para admitir a escusa da perturbatio
pois o problema não é de mais nem de menos, mas é .conjunta- animi.
mente jurídico e psicológico. A condição objetiva da legítima
defesa está na colisão jurídica, no conflito de dois interesses.
21 Henrique Ferri, Princípios ... , cit., p. 447.
1sEnrique Pessina, Elementos de Derecho Penal, trad. de González 22 Julio Fioretti, ob. cít., p. 67.
del Castillo, Madrid, 1936, p. 348. aa Enrico Altavilla, Teoria·Soggetiva del Reato, Napolí, 1933, p. 298.
1s Jiménez de Asúa, Tratado ...• cit. p. 71. 2-t Giuseppe Maggiore, ob. cit., p. 306.
20 Francesco Carrara, Programma, § 294. 25 Alimena, ob. cít., v. 1, p. 551.
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LEGÍTIMA DEFESA 147'

admitido os ani-

CAPITULO IX

SUJEITOS ATIVO E PASSIVO DA LEGíTIMA DEFESA

55. sujeito ativo e sujeito passivo. Imputáveis e inimputáveis.


56. Co-partícipe da agressão. 57. Erro sobre a pessoa. 58. Pes-
soas jurídicas. 59. Pessoas que gozam de imunidades. 60.. Mul- 1 111 11 q111 v, 111 111·1 lll'llJ> 1 1 s doutrinadores: saber se
tidão. 61. Animais. 1 111111111111111 tl11 ti 1·1 li.o d c.l r s stá ou não subordinada à
111 tl'ld 11 1 ti< dln Lo 1 n l d quem a exercita.
55. SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO.
IMPUTAVEIS E INIMPUTAVEIS ot1tll l d imputabilidade do agente é expressamente
t
1·1 l1, !ln p
>t' • lb tini: sem capacidade para praticar atos [urí-
o agente ativo da legítima defesa é qua~q~er pes_so~ que d 1 111111111 1· lc v ntcs, jamais o homem constituiria uma rela-
se encontre ante a necessidade de defender díreíto propno ou , ltt p1otl11trn· f itos jurídicos, tanto no campo do lícito como
de outrem. ti ,. li I' to, por · r comum a ambos o caráter da juridicidade. 3
Implicando a conduta humana um processo volitivo e in- r r 'ídos doutrinadores peninsulares, desta forma, ne-
telectivo, logicamente pressupõe a pessoa física individual como 1 11n 1 gítíma defesa ao infante ou ao louco que se defendem,
a única capaz de a realizar. 1•111110 sim também procedem Bettiol e La Medica, não poden-
Sujeito ativo da legítima defesa, conseqüentemente, é o tln 11r ua ação penalmente apreciável.
homem. . 111 íns, entretanto, admite que o menor pode estar em legí-
Da violência só ele é capaz, como sujeito de reflexão. A l l111n f sa, até contra seu pai, no. momento em que defende
força é comum ao homem, ao animal e aos elementos. O am- u11 vlda, 4
biente em que vive tem força latente, como se expressa Fu- 1..ntendem os que recusam admitir a legimitidade da defesa
naícli 1 revelando-se como perigo supremo para ele: "mas, a 1111 Incapazes que o procedimento· ante uma injusta situação de
natureza não conhece violência.. o evento natural, ainda que P ri justificará Em seu favor a isenção de culpa por outro
influente sobre o homem, chamar-se-á força maior ou caso for- l lll damente.

tuito" Esta solução vem de Carrara, que a colocou nestes termos:


Daí afirmar-se, com tbarra, 2 que as coisas carentes de von- 1 ndo a ação cometida no estado de necessidade, sempre ímpu-

tade e razão não podem ser consideradas como sujeito de con- 1 v l como fato do agente, mas não, porém, imputável como
dll' JLo, a forma mais exata será que não é incriminável porque
1 Funaioli La Teoria deZZa Violenza nei Negozi Giuridici, 1927, p. 24.
2 Miguel Angel cortes Ibarra, tierecno Penal Mexicano, México :i Guglielmo Sabatini, ob. cit., p. 92.
1971, p, 97. 1 Adolphe Prins, ob. cit., p. 193.
/

J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 149


148 MA RCELLO

a punibilidade tanto pode derivar de não-criminalidade por não Não seria, todavia, nem jurídica, muito menos humana em
ser o fato delituoso, como por ser o fato realmente não impu- r lação ao irresponsável por insanidade mental, resvalar-se pela
tável ao agente, desde que resultante de força maior ou caso for- lução simplista que o desse como isento de pena por enfermi-
tuito. dade da mente, sem a necessidade de indagação em derredor de
As inclinações teóricas levam profunda repercussão ao cam- , ua conduta pelo prisma jurídico, pois isso estaria em antino-
po da aplicação do direito, seja quando se cuida, por exemplo, mia com o fundamento da própria doutrina inspiradora de nosso
de julgar a ação do menor que tenha cometido o fato em estado ódigo, da ausência de antijurídicidade do fato, como também
de legítima defesa, seja quando o agente, por doença mental, com o próprio interesse da defesa social.
ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, era, ao No concurso de duas causas, uma que leve à isenção de
tempo da ação, incapaz de entender o caráter criminoso do fato, P na, outra à exclusão de crímínalídade, não pode deixar de so-
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. hr 1 var esta última, porque o exame do fato, que é o antece-
Com relação ao primeiro, embora plenamente irresponsá- d nt , deve sempre ter proeminência no julgamento das espé-
" t, . Se é conforme ao direito, estará, obviamente, despido de
vel, sob o aspecto penal, estará sujeito a normas fixadas na le-
1(11 lquer parcela de antijurídicidade, sendo assim irrelevante
gislação especial; e entre essas está, em tese, a internação em
/ Hh ar-se do subseqüente, isto é, se o agente que lhe deu causa
estabelecimento para infratores de menor idade, ou, em casos ou nã imputável.
excepcionais, em seção especial de estabelecimento destinado a
M , n m só por isso se deve reconhecer nos atos cometidos
adultos, toda vez que se lhe atribuir um fato de que se deduza 11111 1111 nnr insanos mentais a suscetibilidade da legítima
a evidência da periculosidade. cl 11
Então, para que possa o Juiz decidir sobre a orientação e 1 .s, num caso onde a defesa se apresente como intrín-
destino à serem dados ao menor, obviamente terá que julgar o 11•1111m Just , mas que, longe de se afirmar a condição obje-
caráter da infração; e, podendo absolver, caso em que lhe restaria 111 lll n I d ilicitude, se antecipe o juízo de sua não-
a entrega do menor aos pais, tutor, ou pessoa encarregada de 111q111!11l lllcl cl , 1,\ILom ttc m nto surgírá a questão de ordem
sua guarda, sem condições, 11 nada obsta à proclamação da legí- 1 1 11, 1 1 1 11 11 l o ,. . r m nto do dano.
1 1•1 111
tíma defesa, retirando ao fato todo cunho de antijurídicidade. 111 1111 o. r I n {J v is p la obrigação de índe-
No que tange ao insano mental, não são outras as conse- 11 .111 v 1 11111 1111 1 11 pt 1· t por uma conduta que a própria
qüências de ordem prática, porque, isento de culpa em função lt I d, t 111 1· 111w r 1 · a ao direito.
da carência de responsabilidade, a ele deverá ser imposta me- ntr -s nso foi anotado por Rípollés, 6 que aponta a
dida de segurança, em cunho obrigatório, na forma dos arts. 11111 • is ajustada. Será aquela que opta pela legítima de-
76 e 78 do vigente Código Penal (Cód. Penal de 1969, art. 93), ' J rqu , embora incapaz, o alienado é também um homem
segundo os quais sua aplicação pressupõe periculosidade do llotl d de instinto e de reações vitais, devendo a lei conceder-lhe
agente; e esta é implícita em todos os casos onde a absolvição 1 od s as garantias possíveis de proteção. Do contrário, a res-
se fundamenta na isenção da pena prevista. no art. 22 do Có- po, bilidade civil decorrente da afirmação da inimputabili-
digo de 1940 (art. 31 do Cód. Penal de 1969). d1 d iria proporcionar o ilícito enriquecimento do agressor-ln-
Ju t
e1 Decreto-Lei n.º 17.943/A, de 12 de outubro de 1927, art. 73, a;
11
Decreto-Lei n.O 6.026, de 24 de novembro de 1943, art. 2.0. A. Quintano Ripollés, Comentarias al Código Penal, Madrid, 1946.
V 1, p. 107.
Lei n.º 6.697, de 10 de outubro de 1979, art. 100.
150 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 151

Sujeito passivo de legítima. defesa, ou paciente, é quem so- No mesmo sentido, Sauer: "o ataque pode proceder de todos
fre a reação do ofendido; é também a pessoa. humana, vale os homens, inclusive de crianças e não imputáveis". 9
afirmar, qualquer pessoa imputável ou não; e também a pessoa Também Mezger compreende que a legítima defesa exige
jurídica. um ataque antijurídico, e o inimputável pode atuar antijurídi-
No exame da questão ressurge, em primeiro plano, a con- camente, conforme a teoria da antijurídicidade objetiva, mas não
dição dos inimputáveis. o ataque culpável. 10
Manzini entende que, por lhes faltar a condição de distin- Entre os doutrinadores italianos, Santaniello argumenta,
guir entre agressão injusta e agressão justa, seu comportamento com acerto, que se não deve aceitar a opinião daqueles que des-
não poderia ser julgado de injusto, de modo a permitir a defesa cobrem no ataque do incapaz um caso de estado de necessidade,
sob o ângulo estrito de sua legalidade. porque a antíjur.dícídade tem um valor objetivo, sendo também
Seu ataque não é antijurídico, em decorrência da incapa- . contra ius a ação injusta efetuada por um enfermo da mente. 11
No mesmo sentido, a Bettiol basta que a ofensa seja obje-
cidade de agir.
tivamente injusta; o caráter objetivo da injustiça da ofensa
. Por isto, deve-se recair no caso genérico de quem emprega
autoriza o recurso à legítima defesa, mesmo contra as ações
a força para salvar-se de perigo atual contra ofensa não injusta,
de menores ou de loucos; e Eduardo Correia, em Portugal. estra-
· agindo, conseqüentemente, em estado de necessidade, e não em
nha que se devam remeter tais hipóteses ao âmbito de outra
legítima defesa.
causa excludente de criminalidade, como o estado de necessi-
São seus estes conceitos: "quanto às pessoas não imputá-
dade, onde. haveria a ponderação dos interesses do atacante e
veis, ainda que capazes, sua atividade, sendo inconsciente e in-
do defendente. 12
voluntária, não .é injusta, sempre que o estado de não-impu-
tabílídade no qual age o indivíduo não derive de uma causa No rol dos publicistas franceses, Merle e Vitu explicam que
voluntária (dolosamente· preordenada, ou culposa), porque em o aráter ilícito da agressão subsiste, sendo via de conseqüên-
tal caso a injustiça da causa será suficiente a determinar a do d i dmí iv l a defesa quando o agressor se beneficia de uma
efeito, não sendo necessário que a ofensa seja igualmente deli- ('1111 1 1 f 1 1 1 btlid d p nal, como o caso do de-
tuosa". 7 u d irresponsabilidade subjetivas
l' ntracíonal dos atos cometidos por seus
Para Wegner, uma defesa contra incapazes não serviria de·
base à legítima defesa. Esse direito só existe nos casos patoló- u o menor, embora inaptos à sanção pe-
JH l, nã t m o direito de matar ou de ferir. Seus ataques são
gicos, só externamente como direito formal. Seu exercício seria
materialmente culpáveis e suscetíveis de legítima defesa.
um· abuso, uma espécie . de subterfúgio.
Em rigor de técnica, para Aníbal Bruno, não se pode deixar
Assim não pensa, contudo, a corrente doutrinária domi-
nante. Welzel diz que a agressão não precisa ser nem antijurídica d reconhecer o caráter de legítima defesa à repulsa à agressão
- adequada ao tipo - nem menos culpável; por isso, é admissí-
" Guillerrno Sauer, ob. cít.. trad de Juan del Rosal e José oerezo,
vel contra ameaça de dano de coisas, não doloso, e contra agres- Barcelona, 1956, p. 189.
sões de incapazes de culpa (crianças e enfermos mentais). 8 1" Edmund Mezger, Tratado de tierecno Penal, trad. de José Artur
Rodriguez Muií.oz, Madrid, v. 2, p. 100.
t 1 Giuseppe Santaniello, ob. cit., p. 93.
Vincenzo Manz ini, ob. cít., p. 193.
1" : Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, 1968, v. 2, p. 37 e 38.
~ Hans Welzel, ob. cít., p. 92 (Derecho Penal).
825 - li
152 MAIÍCELLO J. LIN'.l:IARES LEGÍTIMA DEFESA 153

de um inimputável; mas essa condição de inimputável do agres- a legítima defesa, então voltada contra o real agressor, tenha
sor, se conhecida do agredido, imporia a este maior diligência por igual manifesta aplicabil.dade contra o terceiro provocador.
no evitar, e maior moderação no repelir o ataque." A adesão de vontades, nesta conduta plurissubjetiva, é fato
Todas essas manifestações aplaudem o juízo de Prins,14 de
que o Estado, que ordena, por exemplo, que se não deva matar, que não escapa aos exemplos comuns, que a vida dos tribunais
protege a vida do homem, mesmo contra o alienado, porque, retrata.
velando pela segurança pública, e equiparando o alienado ao Mesmo. quando efetivada essa participação ilícita e injusta
assassino que sabe o que faz, recomenda sua internação. sem o emprego de atos materiais, poderá ser repelida pela força,
A seu turno, e citado por Von Liszt, que o apóia, Binding quando significar vínculo de vontades, consistente em despertar
também se íncíína pela legítima defesa praticada contra o in-
ou reforçar uma deliberação criminosa, ato injusto, portanto,
capaz: "admitindo-se que a agressão de pessoas incapazes co-
loca somente em estado de extrema necessidade, chega-se a de- que coloca o agredido em real situação de risco.
ploráveis conseqüências. Se o louco ataca o seu médico ou o seu Os mesmos critérios jurídicos informativos da co-autoria,
guarda, uma pessoa estranha não poderá vir em socorro do quanto às condições que cooperam para a produção do evento,
agredido; se um menino puser fogo à casa, mas não houver prevalecem por força da indivisibilidade deste.
perigo para o corpo ou para a vida de alguém, o proprietário
não terá direito de defesa. Ignorando o atacado se o agressor Na convergência das atividades há uma associação de cau-
está ou não no gozo de suas faculdades mentais, deverá infor- sas conscientes que se tornam causa única, devendo-se atribuir
mar-se primeiramente para então, causa cognita, fugir ou resis- a cada uma das forças concorrentes, solidariamente, a respon-
tir. Estes absurdos não encontram o mínimo fundamento no sabilidade pelo todo. 16
antigo, nem no direito atual"."
. É isto o que consta da "Exposição de Motivos" que acom-
Relativamente ao ataque de um velho, o simples fato de
se tratar de pessoa de idade avançada não retira à defesa o seu panha o Código de 1940, como corolário da teoria da equivalên-
caráter legítimo, desde que a exteriorizada agressividade do cia das causas, adotada em seu art. 11, e mantida no Código de
ofensor de outra forma não puder ser contida, senão pelo uso 1969, consagrador da concepção unitária da participação.
da força. Ante tal conceituação, não precisará, pois, aguardar o
56. CO-PARTtCIPE DA AGRESSÃO agente da legítima defesa que se esclareça o nexo da causalidade
material da ofensa que vai repelir, porque, se acaso vier a retar-
Assumindo a conduta de terceiro, que se coloque ao lado dar a repulsa, ela poderá surgir tardiamente.
do agente agressor, o caráter de ilícito penal, como, v.g., o caso Entende Vergara, incensuravelmente, que a avaliação do
de quem insufle um insano mental a agredir; o de quem, ante
a vacilação do agressor que, empunhando uma arma, ameace perigo numa emergência como esta deve ser feita segundo o
a integridade corpórea de outrem, o. incite a fazer disparos; ou juízo de realidade com que se afigura ao agredido e, desde que
de quem, procurando intervir no fato, ante iminente agressão, se induza racionalmente que o perigo depende da atividade de
tenta fornecer uma arma ofensiva para que com ela possa ser determinada pessoa, estará autorizado a agir contra esta. Tal
mais eficiente o ataque; em todos esses casos, dando com isso será o caso de alguém que for atacado por cães e que, supondo
uma adequada contribuição ao agente, ter-se-á de admitir que

Anibal Bruno, Direito Penal, Rio, 1956, I, t. 1, p. 368.


13 ia No Código Penal Italiano, o preceito do art. 119 determina que
u Adolphe Prins, ob. cit., n.0 283, in fine, p. 169. as circunstâncias objetivas que excluem a pena se. estendam a tantos
111 Franz Von Llszt, Tratado de Direito Penal Alemão, trad .. de José quantos concorrem para o crime. Veja-se Marco Boscarelli, Concorso di
Hyglno Duarte Pereira, Rio, 1899, p. 228. Persona nel Reato, Padova, 1958, p. 92.
154 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 153

serem estes açulados por alguém, alveja e mata a esse, para Já. no julgamento do Recurso extraordinário n.? 72. 956,
livrar-se do perigo (Penso). 11 resolveu-se que se não deve suprimir ao júri a atribuição de jul-
Estas regras disciplinam a ação do agressor, não se desta- gar os co-réus de um acusado já absolvido por legítima defesa.
cando, para a respectiva observância, a atividade de cada um Em relação aos ainda não julgados, o entendimento do jurado
dos agentes envolvidos no fato, desde que sua conduta, em re- ou do Juiz pode ser outro, admissível até a aplicaçãcde medida
lação ao resultado, tenha sido eficiente e decisiva ao evento. de segurança, mesmo havendo absolvição. 19
Já no exame da legítima defesa, que será a exceção, diver-
sas serão elas, se exercitada por mais de um agente. 57. ERRO SOBRE A PESSOA
Num conflito onde duas ou mais pessoas sejam agredidas,
e em que uma delas esteja em legítima defesa, pode ocorrer que Ocorre aberratio ictus, como é de conceituação uniforme,
qualquer· das outras fique em posição diversa, por uso imode- quando, por erro de execução do crime, ou por outra causa; é
rado dos meios utilizados na reação, ou por outra razão de na- ocasionado dano ou lesão a pessoa diversa daquela a quem era
tureza fática. · a ofensa dirigida.
Evidente que os julgamentos não se farão, para uns e ou- Trata-se de erro de execução, no qual ainda se tenha, não
tros acusados, sob critério uniforme, não havendo extensibilidade obstante o errei, uma identidade substancial entre o fato dese-
da defesa, que acaso venha a ser outorgada ao primeiro deles, jado e o cometido, a individuação da pessoa ofendida pelo crime
plenamente afirmada em seus elementos objetivos, aos demais não é necessária à noção do dolo. E ainda que sejam iguais as
agentes cujo comportamento possa conduzir a conclusão diversa, conseqüências jurídicas·derivantes do fato querido e as que de-
rivam do fato cometido, o erro não poderá ter, nem mesmo nessa
no campo jurídico.
Em hipótese de mandato criminal, incompatível em tese hipótese, relevância alguma. 2º
Pode ocorrer, -também, no caso de pluralidade de eventos,
com a legítima defesa, a questão singular suscitou apreciações
como o de quem não só atinge a pessoa visada-como também a
colidentes no egrégio Supremo Tribunal Federal. ·
Em decisão tomada no Recurso de habeas corpus n.v 42.313, terceiro inocente.
Em qualquer das hipóteses, com unidade ou não de resul-
afirmou-se que a absolvição do mandatário deveria aproveitar
tados, há sempre um comportamento a ser examinado sob o
o mandante, mesmo sem ser julgado este pelo júri. Se o pri-
ângulo penal, mesmo que não desejado em relação à vítima ca-
meiro exercera o direito de defesa de modo legítimo, a figura do
mandato estava prejudicada, conquanto inextensível a decisão sual.
Irrecusável, nestes casos, que havendo legítima defesa em
em sua parte concludente, isto é, .quando admitiu que o man- relação a um dos eventos, haverá também causa de exclusão de
datário se opunha a uma agressão atual, injusta e antijurídica. tá
cr imlnalldade em relação ao resultado involuntário.
A absolvição do júri o que afastou foi a idéia de co-autoria As soluções, entretanto, não são as mesmas na doutrina, no
e, sem esta figura, a ação penal ficava trancada, sem a neces- tocante à causa da exculpação. Se há quem indique à legítima
sidade do exame da espécie em relação ao mandante. defesa como fórmula de retirar ao fato a parcela da antijuridi-
17 Pedro Vergara, Da Legítima Defesa Subjetiva, 2ii ed., Rio, 1949, 10 Supremo Tribunal Federal, Acórdão de 19-06-1972, relator Min.
nota 134, p. 153. · · Eloy da Rocha, in Rev. Trim. de Jur., 62/719.
li- Supremo Tribunal Federal, Acórdão de 02-06-1965, relator Min. 20 Leonardo Galli, L'Erroré. di Fatto nel Diritto Penale, Milano,
Gonçalves de Oliveira, in Rev. Trim. de Jur., 33/809. 1948, p. 34 e 35.
156 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 157

cidade, extensiva a todos os resultados, há também quem opte O nosso vigente Código Penal estabelece a regra de que, no
pela causa de escusa mencionada apenas em relação à vítima caso de erro de pessoa, não se consideram as condições ou qua-
yoluntária, preferindo-se o estado de necessidade para justifi- lidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente
car a atuação quanto ao evento casual. queria praticar o crime. Assim, por essa ficção jurídica, a so-
Garraud formulou o exemplo e assim o solucionou: um in- lução acertada na prática será admitir-se a legítima defesa
divíduo, atacado por aqueles que o rodeiam, é colocado em situa- também em relação à vítima acidental, embora a ela não seja
ção de defesa, lançando sobre eles tiros de revólver, matando imputável uma agressão atual e injusta.
um transeunte, alheio à cena; deve-se admitir que a morte é O art. 22 do Código de 1969 foi mais explícito a pro-
justificada, porque quem a cometeu acreditou agir em legítima
pósito, dispondo que quando o agente, por erro de percepção
defesa, e porque a defesa foi dirigida contra o legítimo agressor;
ainda que se quisesse adotar outra compreensão, ter-se-ia como ou no uso dos meios de execução, ou outro acidente, atinge uma
certo haver no caso um delito sem delinqüente; a culpabilidade pessoa em vez de outra, responde como se tivesse praticado
deve ser apreciada subjetivamente, em relação ao agente com sua contra aquela que realmente pretendia atingir, devendo-se ter
vítima real; se ele se defendeu, tinha o direito de fazê-lo por em conta não as condições da vítima, mas as da outra pessoa,
todos os meios, não sendo culpado. ii para configuração, qualificação ou exclusão do crime.
Parece a Welzel que no caso de duplo efeito estará o agente oerro pode provocar a reação do terceiro neutro ofendido,
em legítima defesa quanto ao agressor e em estado de necessi- e assim sucessivamente, causando-se uma reação em cadeia se,
- dade quanto ao terceiro atingido, com a conseqüência importante de uma conduta, vierem, por sua vez, a ser alcançadas outras
de que o atingido, a sua vez, pode exercer legítima defesa em
vítimas involuntárias.
relação ao primitivo defendente, já que não precisava tolerar
a lesão do primeiro ofensor. Nesta singular situação, seja judicioso admitir-se a toma-
R~corre também ao exemplo: A é agredido por B; defen- da da primeira reação ao ataque como ponto de partida para
de-se, lançando um objeto que atinge a C. Somente a lesão con- a avaliação dos demais comportamentos; se é Iegítíma, não po-
tra B estará conforme ao direito, sob o ponto de vista da legítima derão ser assim consideradas as demais, pelo foco da legítima
defesa; em relação a C existe estado de necessidade. 22 defesa, porque, em tese, ínadmite-se legítima defesa contra legí-
Defende Nelson Hungria a mesma tese, de que na aberratio tima defesa; as reações subseqüentes deverão ser exculpadas
ictus ou no error in persona não se pode reconhecer a legítima por outro fundamento, como, v.g., pelo estado de necessidade.
defesa, inexistente fora de suas condições objetivas, entre as
quais a de que a repulsa seja exercitada contra o injusto agres- 58. PESSOAS - JURÍDICAS
sor; mas, aplica-se a regra sobre o erro de fato, isto é, o agente
não responderá, sequer, a título de culpa, se o erro for escusá- A questão de serem ou não as pessoas j uridicas ou morais
vel. 23
sujeito de legítima defesa é corolário da que examina a respon-
sabilidade criminal das pessoas coletivas, negada em regra no
21 R. Garraud, ob. cít., t. 2, p. 28.
22 direito positivo dos povos, segundo o adágio societas non âelin-
Welzel, ob. cit., p. 94; Eduard Kern Casos de Derecho Penal,
Buenos Aires. 1976, parte general, p. 24 e 56.' quere potest; adágio conhecido, mas inexato, porque não se dis-
23 Nelson Hungria, ob. cit., v. 1, p. 460. cute mais, nesta altura da evolução do direito, possa uma sacie-
158 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA

dade delinqüir, praticar uma infração (v.g., a falência fraudu- relativamente às sociedades comerciais por ações, o que se pro-
lenta; somente para efeitos de imposição de pena, os diretores, curou fazer, nesse sentido, foi obra de maior proteção a interesses
administradores, gerentes ou Iíquidàntes das sociedades estão particulares, a par de se estabelecerem maiores medidas. de, n~tu ·
equiparados ao devedor ou falido ut singuli - Lei de Falências, reza preventiva e de assistência às própria~ pess?as. jurídicas,
art. 191). por via de funcionários do Governo, consel_?eir~s tecn~cos encar-
O que acontece, porém, é que, não podendo a pessoa jurí- regados de esclarecer dúvidas sobre questoes fmanceiras : con-
dica ou moral responder, ser punida ou beneficiada pelos efe'- tábeis, com O que se acreditava evitar o cometimento de mfra-
tos preventivos da pena ou pelos seus efeitos curativos, as pes- ções mais graves.
soas físicas, seus membros, é que vão ser perseguidas e punidas, E embora nas diversas legislações se tivessem criado figuras
como professa Legros. 2·1 novas de delitos-tipo, nenhum progresso se verificou, entretanto,
Quais? - indaga; e aí surge para ele um novo problema de em relação à responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.
imputabilidade, resolvido pela lei, quando indica a pessoa res- como tais propriamente consideradas.
ponsável (imputabilidade legal), ou pelo juiz (imputabilidade As diversas normas do direito positivo europeu, com efeito,
judiciária), decidindo· qual a pessoa física, órgão ou preposto apenas prevêem a responsabilidade dos conselhos ~e administra-
que, no comportamento punível da sociedade, assumirá a res- ção das sociedades por faltas cometidas na execuçao ~e s_eu man-
ponsabilidade penal. dato, geralmente de caráter civil (Alemanha e Belg1c~) ; ~a
Segundo jurisprudência constante, quando se tratar de uma França, o Código Penal estabelece, em seu art. 55, a solidarie-
sociedade, pessoa jurídica ou ser moral que não pode delinqüir, dade no caso de ilícito criminal, daí resultando que, sendo con-
determinará o juiz, com os elementos da causa, qual essa pes- denados o presidente e os diretores em razão do mesmo fato,
soa, representante legal ou preposto, que seja cm realidade o serão também todos solidariamente responsáveis pela re-
autor do fato e que, conseqüentemente, deverá ser punido. paração civil; a Irlanda criou a responsabilidade p:nal dos _admi~
O critério que se tem adotado é o da individualização do nistradores em vários casos, como as contravençoes relativas a
dever, a obrigação de se precisar a pessoa física, membro da constituícão da assembléia constitutiva, à prestação de contas
pessoa moral, que deva finalmente responder, seja quando co- no fim dos exercícios, falsa declaração de solvabilidade, ent~e
. missivo o fato, seja quando omissivo, envolvendo, neste último outros delitos-tipo (Hippolyte Wouters, Van Wynendaele e M1-
caso, o preposto que, incumbido de realizar a obrigação, haja chéle Huybrechts, Le Droit des Sociétés Anonymes dans les Pays
negligenciado em fazê-lo conforme a antiga fórmula de que as de la communauté Économique Européenne, Bruxelles, 1973).
obrigações penais sancionadas pesam penalmente· sobre os re- Também como noticiam Adolphe Touffait, Jean Robin, An-
presentantes legais, aqueles que têm. o dever de realizar o fato. dré Audureau e Jacques Lacoste (Délits et Sanctions d:ans les
Apesar da considerável extensão de escândalos financeiros Sociétés, Paris, 1973, pág. 272), geralmente os diretores das so-
que se verificaram na Europa, especialmente na França, tornan- ciedades na França, o presidente, os administradores ou os dire-
do necessária uma legislação financeira-penal especial para tores gerais, os membros da diretoria ou dos conselhos e_ os
criar figuras novas de delitos e estabelecer sanções · adequadas,
gerentes são aqueles que respondem como autore~ de de~1~os
nas respectivas sociedades (sociedade anônima de tipo trad1c~o-
24 Robert Legros, "Imputabilité pénale et enterpríss économique",
in Revue de Droit Pénal et de Crt?;:.inologie, ns. 5 e 6. Bruxelles, 196.9.
nal sociedade anônima de tipos novos, sociedade de comandíta
p. 365 e segs, por ações e sociedade de responsabilidade limitada).
160 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 161

Aos próprios dirigentes de fato se estende a responsabili-


competência para dar queixa contra seus ofensores, m~s não
dade, desde que, diretamente ou por interposta pessoa, tenham
lhes reconhecendo capacidade para delinqüir como entidades
exercido a direção, administração ou a gestão da sociedade, de-
distintas de seus membros.
baixo da orientação e no lugar dos seus representantes legais.
Acarretando com a criação de empresas a proliferação das
A cumplicidade se pune na mesma forma do direito comum
pessoas jurídicas, especialmente as sociedades anôni~as,. ~ g~-
e nada obsta a que um terceiro, alheio aos quadros da administra-
rando, em decorrência, uma categoria de novos atos mev1tav~ns
ção da sociedade, responda pelos abusos dos bens sociais e como
e nocivos à comunidade, suscetíveis de específica catalogação,
tendo se beneficiado de somas provenientes de desvios ou fur-
tos de valores. os avanços da técnica comercial e industrial vêm despertando
a argúcia do legislador, que deve estar realmente advertido pa~a
Também acentua F. Goyet (Droit Pénal Spécial, atualizado a tarefa de multiplicação de novas íncrím.naçêes, com as quais
por Rousselet, Arpaillange e Patin, 8.ª ed., Paris, 1972), que. a deva fazer cessar estes perigos acrescidos, esforçando-se por as-
responsabilidade criminal se dirige sempre a seu autor, em ca- segurar a reparação dos riscos advindos dessas novas condições
ráter pessoal, embora visem as disposições penais aos dirigentes de existência.
das sociedades, distinguindo as decisões judiciais duas categorias Dentro desta preocupação, o Congresso Internacional de
de ações: as ações sociais, que se limitam aos casos da socieda- Direito Penal levado a efeito em Bucarest em 1926, deliberou
de mesma, tendo por causa o efeito resultante de inexecução de que se deveriam estabelecer no direito penal interno medidas efi-
obrigações contratuais que derivam do mandato outorgado aos cazes de defesa social contra as pessoas jurídicas quando se tra-
administradores; e as segundas, a que têm direito os acionistas tar de infracôes cometidas com o propósito de satisfazer o seu
pelos prejuízos a eles causados em decorrência de faltas crimi- interesse col~tivo ou com recursos por elas proporcionados, en-
nosas ou quase-criminosas por esses mesmos administradores. volventes de suá responsabilidade, tudo sem prejuízo da afirma-
No direito pátrio a matéria foi expressamente prevista no ção da responsabilidade individual, relativam~nte a ~uem vier
Código de 1890. Nos crimes em que tomassem parte membros de a tomar parte na administração ou na direçao dos mteresses
uma corporação, associação ou sociedade, a responsabilidade re- da pessoa jurídica, ou que tenha cometido a infração valendo-se
cairia sobre cada um dos participantes do ato criminoso. dos meios por ela proporcionados.
José Hygino, 25 inobstante, manifestava-se favorável à res- A sugestão atendeu não só ao acentuado influxo do contínuo
ponsabilidade coletiva, dizendo que o legislador não fora conse- crescimento e da importância das pessoas morais, representando
qüente, pois cominara pena de dissolução contra a corporação inegável e considerável força social na vida moderna, como tam-
que cometesse o crime previsto no art. 103 (reconhecimento de bém ao grau de perturbação que à ordem legal podem causar
superior fora do paísj ;> esclareceu, todavia, que, pelo direito as atividades que impliquem violação à norma.
positivo, as pessoas jurídicas podem· ser objeto de crime, tendo Dando mais um passo à evolução do direito penal e à sua
25 aplicação cada dia mais importante no vasto setor das ativi~ad_es
· José Hygino Duarte Pereira, trad. do Tratado de Direito Penal
Alemão de Franz von Liszt, Rio, 1899, p. 193. industriais, comerciais, econômicas e financeiras, a Com1ssa~
" Art. 103: "Reconhecer o cidadão brasileiro algum superior tora "Droit et vie âes affaires'' da Faculdade de Direito da Universi-
do país, prestando-lhe obediência efetiva, pena de prisão celular por 4 dade de Líêge consagrou, em 1939, um seminário ao estudo da
meses a 1 ano. responsabilidade penal dos dirigentes e elementos das e~pre-
Parágrafo único: Se este crime for cometido por corporação, será sas, no qual se concluiu' pela necessidade de uma prevençao ~o-
esta dissolvida ... ".
letiva, de assegurar uma repressão rápida e eficaz das íntrações
LEGÍTIMA . DEFESA
162 M ARCELLO J. LINHARES

Asúa não crê Iígurareni as pessoas jurídicas entre quem pcs-


das pessoas jurídicas, sugerindo Wilmart a convemencia de se
sa exercitar a legítima defesa. Se um de seus membros empreen-
inscrever uma alteração no direito criminal clássico, do princí -
de, como tal, uma reação contra ataque alheio, presente ou imi-
pio da irresponsabilidade das pessoas morais, devendo o direito
nente, de caráter ilegítimo, estará agindo em defesa própria ou
aplicado à vida econômica se caracterizar por uma tendência de terceiro, ·D:ão se podendo d'zer que é a corporacão que se
marcante, de modo a reconhecer a responsabilidade de tais pes- defende. zs
soas. 26 Coloca-se em paralelo a Manzini: as pessoas de direito pú-
Dever-se-á ter a coragem, como se referiu, de se prever uma blico ou privado não podem, como tal, agir diretamente em de-
técnica de responsabilidade coletiva a cargo de toda empresa, fesa própria, o que não obsta a que, acs elementos de qualquer
solução justificável bem mais por uma idéia de eficácia e de fa- coletividade, agindo individualmente, se outorgue a faculdade
cilidade na repressão da rentab.lidade, diriam os economistas, de legítima defesa.Tora dos eventuais poderes e deveres ineren-
que pela idéia segundo -a qual todos seriam culpados de falta tes à relação de dependência ou de subordinação. :!!>
individual nitidamente caracterizada.· A mesma orientação se encontra em González de La Vega, :m
O Código do México já prevê, em seu art. 11, o caso de co- reportando-se ao Código do México. O preceito de seu art. 11,
metimento de crime por membro ou representante de uma pes- prescrevendo a faculdade de suspensão judicial ou de díssolu-
soa jurídica, ou de uma sociedade, corporação ou empresa de ç.ão de cert~s pe5-:oas jurídicas contém aparência de responsabí-
qualquer classe; tom exceção das ínst.tu.ções cio Estado, empre- lldade coletiva, nao contrariando a tese de que só as pessoas físi-
gando os meios que para tal fim lhe proporcionem essas enti- .cas podem ser possíveis sujeitos ativos de delito. Se a lei se refere a
dades, e de tal forma que o resultado corresponda ao amparo algum membro ou representante da pessoa moral, logicamente
da representação social ou em benefício dela. alude à pessoa física de um homem, isto é, àquele que comete
Frutificou, pelo visto, o Congresso de Bucarest. ª- infração, porque só as pessoas físicas individuais, a seu ver,
Afirmando a responsabilidade penal da pessoa moral e de sao capazes de delinqüir, como exclusivas sujeitas de conduta.
seus membros, adota o Código mexicano, no preceito que Car- As pessoas morais, ao revés, têm uma natureza espetral,
ranca y T'rujillo, taxa de "modelo de timidez", 2, como sanções gasosa, fantástica, para que a luta penal possa lidar com elas
únicas as penas de suspensão e de dissolução; rejeita, sem bastan- como_ ocorre com os seres de carne e osso; e se as pessoas sociais
não podem delinqüir por si mesmas, carentes como são de apti-
te justificação, as penas pecuniárias e as que dizem respeito à
dão física para fazê-lo, podem, entretanto, ser feridos de morte,
reputação, talvez por entender que possam repercutir sobre os
com a dissolução, ressuscitando, todavia, com facilidade, bas-
membros inocentes da corporação,' mas esquecendo que também
tando trocar a sua denominação. 31
as primeiras podem levar sua incidência a estes, maior ou
Cita De Marsico o caso de uma pessoa que, prejudicada por
menor, eoniorme as espécies.
uma sér.e de deliberações de uma sociedade comercial, torna-
~i; Jean Wilmart, "La responsabilité des dirigeantes et cadres d'en- 1~ Jiménez de Asúa, ob. cít., p, 95 .<Tratado>.
terpr.sc au regar d du droit pénal commercial, économíque et rtnancter".
:!H Vincenzo Manzini, ob, cít., p. 284.
m Remie de Droit Pé nal et de Criminologie. Brnxc:l"s I06'J. ns. 5 c 6 ..
p, 519.
3° Francisco González de La· Vega, El Código Penal dé 1870 Con-
cordado ly--Cornentado, Salamanca, 1895, p. 80.
~. Raul Carranéa y Trnjillo, Derecho Penal Mexicano. México. 1974.
:<1 González de La Vega, ob, cít., p. 81.
t. 1. p. 190,
164 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 165

das públicas de período em período, lhe interrompe o curso, pu-


O que ocorre em relação a essas pessoas é que as imunida-
blicando contra ela uma carta aberta repelindo a conduta que
des dizem respeito, unicamente, à obrigação de sofrerem a pu-
lhe pareceu injusta.
nição ou à isenção de jurisdição. Seus atos antijurídicos, conse-
Não ignorando a realidade jurídica das pessoas morais, os
códigos, dentre eles o nosso, prevêem casos onde elas aparente- qüentemente, possibilitam em favor do agredido, a argüição da
mente atuam como sujeito ativo do direito. Exemplos são os cri- defesa.
mes contra a administração do trabalho, previstos no Título IV A provocação não é de excluir, desde que a imunidade não
da Parte Especial, onde pode estar presente, na generalidade apaga o fato injusto, mas apenas a aplicabilidade da sanção.
dos casos, o comportamento ilícito de grupos patronais ou de Pela peculiaridade dos casos, o problema p~rece assumir fei-
sindicatos trabalhistas. ção estritamente teórica, por serem limitadíssimos os casos de
Mas, a menos que se considere o interesse-fim do órgão como imunidades penais e dificilmente na prática ocorrerá a hipótese
critério determinador da imputabilidade da pessoa jurídica, os
de envolvimento dessas pessoas em ilícitos penais.
textos penais não abalam o entendimento de que a responsabi-
lidade penal deva ser atribuída individualmente a cada membro Os tratadistas italianos apontam duas pessoas apenas como
que participe do ilícito. excluídas da capacidade de direito penal, na sua legislação, am-
Se não se concede o direito de legítima defesa às pessoas bas por motivos de natureza política: o rei e o Papa, porque as
morais, como se mostrou, parece que a recíproca, de poder esse prerrogativas diplomáticas, reconhecidas pelo direito consuetu-
direito ser centra elas manifestado, é admissível. dinário internacional, não constituem causa de exclusão da ca-
Almada reconhece a possibilidade de serem elas sujeito pas- pa~idade de direito penal.
sivo da legítima defesa, desde que, titulares do direito ou de um O mesmo se poderá dizer em relação a senadores e depu-
'
bem jurídico tutelado, venham a ser sacrificadas por uma injusta tados, em favor dos quais, nas legislações de vários países, se
agressão. O próprio Estado, seg.r ido alguns autores, pode ser concede uma relativa imunidade, a qual, conquanto possa ser
sujeito passivo da legítima defesa. 32 pertinente à imputabilidade de certos e determinados crimes,
Nem só autores, pois vários códigos, especialmente dos pai- não atinge, todavia, o grau absoluto da falta de capacidade de
ses comunistas e dos que recebem a sua influência, incluem ex- direito penal. ·
pressamente o Estado ou a coletividade social como sujeitos pas- Relativamente a esses sujeitos que gozam de imunidade es-
sivos da legítima defesa (ofensa a seus bens, a seus serviços, vio- pecial, como, v.g., o Chefe de Estado e o Chefe da Igreja, se fosse
lação de fronteiras, violação de segredos militares, etc.). admitido que ele correspondesse à dispensa da obrigação de res-
peitar a lei, de tal modo que fossem considerados verdadeiramen-
59. PESSOAS QUE GOZAM DE IMUNIDADES
te lege sotuii, não ofereceria dúvidas sobre o incabimento da le-
As agressões ilegais partidas de pessoas a respeito das quais gítima defesa. É este o ensinamento de Bettiol : "não podendo
militam circunstâncias meramente pessoais, que excluam a pena, invocar o estado de necessidade, o agredido deveria suportar as
não deixam, só por isso, de constituir o agredido em estado de conseqüências lesivas sem possibilidade de reação. Tendo, porém,
legítima defesa. admitido que as imunidades se referem apenas à obrigação de
sofrer a sanção, ou são isenções de jurisdição, segue-se que as
a2 Célia de Melo Almada, Legítima Defesa, São Paulo, 1958, p. 67.
ações destes sujeitos podem qualificar-se, quando seja caso dís-
LEGÍTIMA D.EFESA 167
166 MARCELLO J. LINHARES

Calón e Aníbal Bruno, a repudiam, preferindo resolver o caso


so, como antijurídicas, e a legítima defesa, portanto, será admis-
pelo estado de necessidade.
sível". '~ Maurach prestigia. a opinião de Mezger, afirmando que os
animais podem agredir: cão feroz .. O fato de poder a defesa ser
60. MULTIDÃO
articulada com base em outra justificativa não contraria a legí-
Não deixará de ser legítima a defesa exercitada contra a tima defesa desde que o concurso de causas de justificação não
multidão; conquanto em seu todo inorgânico reúna elementos só é possível, como ainda freqüente .
. nos quais se possa reconhecer culpa e inocência, isto é, pessoas . A explicação de Calón é esta: a injustiça na agressão é
ativas ao lado de outras inertes. tomada em sentido meramente objetivo, mas há de ser, porém,
Autores há que asseguram em favor de quem se dirige con- um ato humano; ao ataque de animais não se reconhecerá o
tra a multidão o direito ao estado de necessidade, não o da legí- caráter de agressão, porque aí falta mesmo o elemento runda-
tima defesa; parece mais convincente, entretanto, a opinião mental, que é a ação.
de que não seria a culpa dos componentes do grupo que daria Não há ação justa nem injusta, e o caso se resolverá pelo
origem à legítima defesa, mas a ofensa injusta, considerada do estado de necessidade. Assim, o ataque de um animal, a menos
ponto de vista do atacado. Na multidão há uma unidade de que seja açulado por um homem, não constitui agressão ilegí-
ação e fim, no meio da infinita variedade de seus movimentos, tima e, portanto, a defesa contra ele não será legítima defesa. 34
com uma só alma (Maggiore). Mostra Ibarra, todavia, que se não deve esquecer que em
Labatut Glena aconselha essa solução, mas apenas no caso tempos passados se consideraram os animais agentes ativos de
de o perigo provir de uma turba ou de uma multidão desen- delito. A história nos proporcionou uma multidão de exemplos
freada. 33• a respeito. Cita-se o caso do elefante Charlie que foi absolvido
Poderemos reforçar essa posição com um exemplo: se atro- por legítima defesa; é notável o exemplo de um galo condenado
pelo alguém e logo sou ameaçado de agressão iminente da mul- à morte por haver bicado os olhos de uma criança; recorda-se
tidão, como um complexo que se aglomera irritado contra o também o processo instaurado contra o papagaio que dava vi-
evento, com intenção de linchar-me, lógico que terei o direito vas ao rei, infringindo assim as novas concepções revolucioná-
de defender-me, porque o ato da agressão em si é injusto e ao rias; assinalam-se exemplos, por igual, de cavalos homicidas,
me proteger estarei considerando não os componentes singula- veados infanticidas e de cachorros acusados de crimen bestiau-
res da multidão, mas sim o todo unitário. tatis. 36
Há coincidência de opiniões quando alegítima defesa se opõe
61. ANIMAIS ao ato de alguém açular animais, servindo estes como simples
As divergências doutrinárias ainda não foram suplantadas instrumento. Será ela, então, pertinente, evidentemente, contra
no que concerne a agressões partidas de animais. o agente humano.
· Se Mezger admite a legitima defesa nesta conjuntura, opi- Segundo Sauer, se A açula um cachorro sobre B, este se en-
niões conspícuas, contudo, como as de Sauer, Welzel, Cuello contra frente a A em legítima defesa e em estado de necessidade
frente ao cachorro.
"' o exame das imunidades relacionadas com a libertas convin- 34 Cúello Calón, ob. cit., ps. 341 e 368.
ciandi, está desenvolvido no item 73 do Capítulo X.
· :rn Gustavo Labatut Glena, Derecho Penal, Chile, 1972, p. 279.
Sll _ Mi~~el An~el cortee :i:'barra, ob. cit., p .. 97.
LEGÍTIMA D:,: FESA 16i)

Quando se discutiu o Projeto do Código italiano, transfor-


mado em lei, pretendeu-se a substituição da palavra direito pela
expressão, que seria mais abrangente - interesse juridicamen-
te protegido -, precisamente no intuito de se coartar a dúvi-
da se certos interesses legítimos podem ou não assumir a ca-
tegoria de um autêntico direito.
CAPÍTULO X A cautela de Rocco era esta: há uma série de interesses
legítimos tutelados pela lei penal, relativamente aos quais se
ALCANCE DA LEGÍTIMA DEFESA pode discutir sejam propriamente direitos, todavia acobertados
pela legítima defesa.
62. Conceituação legal e doutrinária. 63. Bens alcançados pela Mesmo a vida humana, a liberdade, a honra e o pudor são
legítima defesa. 64. Vida. 65. tnteçriâaâe física e saúde. 66.
Liberdade. 67. A defesa privada dos bens no direito antigo.
valores que comportam interpretações divergentes.
68. Propriedade. 69. O requisito da atualidade da agressão. 70. A interpretação que parte da negativa de existência de di-
Posse. 71. Defesa da posse ilegítima. 72. Valores morais. 73. reitos concernentes à própria pessoa conclui que tais valores
Honra. 74. Pudor. não se erigem à categoria de direito, sendo simplesmente obje-
to de tutela da lei penal; e tanto isso é verdade que, longe de
62." CONCEITUAÇAO LEGAL E DOUTRINARIA se acharem sob a proteção de um procedimento judicial que
possa partir dos próprios interessados, sua defesa, ao revés, fica
O art, 25 do vigente Código Penal dispõe: "Entende-se em entregue à iniciativa do Ministério Público.
legítima -detesa quem, usando moderadamente dos meios neces- Sendo indubitável que a legítima defesa é extensível aos
sários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu valores mencionados, é de se convir que a fórmula direito não
ou de outrem.': será suficiente.
A Relação Ministerial preferiu conservar a redação do Pro-
A fórmula empregada - a direito seu ou de outrem -
jeto, acolhendo sugestão de Manzini, para quem bastaria enten-
corresponde à do art. 52 do Código italiano: "Não é punível
der-se direito em sua acepção lata.
quem cometeu o fato constrangido pela necessidade de defen-
Se o fundamento do instituto não designa limites aos di-
der um direito próprio ou de outrem contra o perigo atual de
reitos a proteger, prevê, contudo, condições imprescindíveis ao
uma ofensa injusta, sempre que a, defesa seja proporcionada à
exercício da tutela.
ofensa".
Tanto um como outro códigos, .como se deduz de seus ter- Nestes conceitos se inspira o Projeto, também em harmo-
mos, dão uma concepção genérica à expressão direito; e nesse nia com a tendência doutrinária e legislativa hoje prevalente
sentido deve ser interpretada, expungida das divergências dou- em todas as nações.
trinárias acerca de suas definições analíticas e formais. Não seria, assim, necessária a substituição da palavra di-
O direito, para ambos, é tomado em seu duplo sentido, o reito por outra abrangente de qualquer interesse tutelado só
objetivo e o subjetivo, especialmente este último, fundamento porque, como era dos escrúpulos de Rocco, freqüentemente se
da doutrina do interesse, sustentada por Ihering: o direito pode duvidar se um determinado interesse, como o pudor, v.g.,
subjetivo é um interesse juridicamente protegido. seja um direito.
LEGÍTIMA DEFESA 171
170 MARCELtO J. LINHARES

diante ação penal do Ministério Público. Se se tivesse usado a


O instituto da. legítima defesa, por sua própria origem, li- fórmula interesse juridicamente protegido,' em vez de direito,
mita-se, realmente, aos direitos em sua aplicação prática. Mas, estaria alargado o conceíto de legítima defesa, acrescentando
essa origem revela que, por vezes, só é possível admitir a defesa a compreensão de defesa de interesses não tutelávei~ mediante
privada quando o interesse que se quer proteger assume um tal
ação". 2
grau de individualização que adquire a dignidade de verdadeiro É necessário distinguir, em primeiro lugar, na expressão
direito subjetivo. direito próprio (Código Penal italiano), a que corresponde di-
Com. isto, é claro, não pretendia a Relação afirmar, para reito seu (Código Penal brasileiro) a pessoa física da pessoa
haver legítima defesa, a necessidade de que o direito seja acio- jurídica.· Inimputável, fica esta excluída da tutela da lei, que,
nável, pois há direitos subjetivos. tutelados de maneira diversa por sua vez, só se relaciona com os bens jurídicos inerentes à
da ação judiciária. pessoa humana. Esses bens jurídicos são os que se integram·
Para .julgar a extensão proposta, basta citar algumas ca- na categoria de direito tutelado pela 'Iegítíma defesa.
tegorias de interesse como os que se referem à conservação da
vida, da incolumidade pessoal, do pudor, da honra, cuja ver- 63. · BENS ALCANÇADOS PELA LEGÍTIMA DEFESA
dadeira e específica condição de direito subjetivo é também re-
conhecida pela doutrina .. Do que ficou exposto, resulta ser a legítima defesa invo-
Esta compreensão, que é a dominante, como decorre da cável para a proteção de todos os bens jurídicos, isto é, de qual-
letra da norma penal, teve, antes do Direito italiano, aceitação quer interesse jurídicamente protegido, 3 não se distinguindo
no Código espanhol de 1848, como informa Asúa, reportando- entre esses qual deva ter maior ou menor tutela.
-se ao que escreveu Pacheco: "É de se admitir, antes de tudo, . Será então apropriada para a proteção da vida, da liber-
que a lei não limitou o direito de defesa aos casos em que se dade pessoal, da liberdade do lar, da liberdade de correspon-
pretenda prejudicar nossa pessoa, mas compreendeu também dêncía, da liberdade sexual, da liberdade de trabalho, da hon-
os casos em que se queira ofender nosso direito. Esta palavra ra, do sentimento moral ou religioso, dos direitos políticos, do
tem um conceito muito lato e em sua extensão compreende pudor, da propriedade, da posse, de tudo, enfim, que esteja na
uma multidão de coisas, umas mais, outras menos importan- Esfera jurídica do alcance do ataque.
tes. Em nosso direito se .designam os bens mais. preciosos e os Capazes de defesa são não só o corpo e a vida, senão tam-
menos preciosos que possuímos: os foros mais respeitáveis do bém a honra, a liberdade e o valor das coisas, a tal efeito tam-
decoro e da honra e as mais fúteis prerrogativas de convencio- bém a posse, como enfatiza Sauer. 4
nal distinção. Tudo entra em nosso direito, porque todos são Já a teologia moral, cuidando da cruenta defensione, es-
direitos que nos pertencem ou nos. assistem". 1 clarecia ser a legítima defesa lícita não só pro defensione vitae
Significa a palavra direito para Eattaglini que "a legítima sed etiam pro defendendis membris, pudicitia, banis fortunae
defesa pode se dar só por um direito subjetivo. Poder-se-á obje- magni valoris, qualis generatim non est res unius vel aiterius
tar que a vida, a integridade pessoal, a honra etc., não são di- aurei. c.
reitos subjetivos, porque não são tutelados por meio de ações.
Deve-se considerar, porém, que se trata de direitos subjetivos 2 Giulio Battaglini, ob. cit., p. 325.
compreendidos em um interesse público, o qual é tutelado· me- 3 Teucro Brasiello, 1l Nuovo Codice Penale, Napoli, 1935, p. 83.
4 Sauer, ob. cit., p. 188.
G Lehmkuhl, ob. cít., p. 1_86.
1 Pacheco, apud Jiménez de 'Asúa, Tratado ... , cít., p, 125.
172 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 173

Dentre os direitos essenciais da personalidade que podem O Código Penal da Polônia, ao lado da fórmula geral, pre-
ser lesados pelo ataque injusto, enumera Ihering a integrida- vê como caso singular da legítima defesa o da intervenção com
de física, a honra, os bens, a liberdade individual. o propósito de restabelecer a paz ou a ordem jurídicas.
La Medica dá relevo à vida moral, não bastando ao homem A norma do código, na Argentina, usa da expressão qual-
sua vida física: o direito é também condição da existência mo- quer bem, o que parece a Molina 7 estar muito distante da arbi-
ral, e sem ele cai o homem na esfera da animalidade; não é trária limitação que circunscrevia a justificativa à proteção da
mais que a totalidade de seus institutos. Cada um deles tem vida ou de certos imprecisos direitos pessoais ou inerentes à
uma peculiar e específica condição moral de existência, a pro- pessoa, não autorizando assim a lei a distinção entre bens
priedade como o patrimônio, o contrato como a honra. Abdicar determinados.
de uma só dessas condições é coisa tão juridicamente impossí- O Código brasileiro de 1890 empregou termos adequados,
vel como abdicar do direito tomado em sua totalidade. perfeitamente compativeis com a inteligência extensiva que se
Dentro dessa amplitude conceitual, Binding admite a le- dava doutrinariamente ao instituto.
Disse em seu art. 32 que a legítima defesa não ficava res-
gítima defesa como meio de proteger todos os sujeitos de di-
trita à proteção da vida, compreendendo, ao revés, todos os
reito e todos os bens jurídicos, estendendo-a aos particulares
direitos que possam ser lesados.
contra espiões inimigos, contra quem trai os segredos de Esta-
Inspirado em idéias mais abrangentes que as do código da
do, ou contra a mãe que tenta abortar.
Monarquia, fazia inteligível a interpretação de Costa e Silva de ·
Esta tendência de alargar a esfera de proteção, que vai tu- que a vida, a integridade corpórea, a liberdade, o patrimônio,
telar desde os bens materiais ou físicos até os que se relacionam a inviolabilidade do domicílio, a honra, o nome, os direitos de
com as necessidades mais imperiosas do corpo e do espírito, ou estado e de família, cívicos, todos esses bens podem ser ataca-
aquelas que servem para satisfazer as exigências especiais da dos. Apenas não abrange as meras expectativas.
existência, informam o sentido e a letra de códigos penais vi- Decorrência de todo o exposto é que, sendo a repulsa ne-
gentes, como o japonês, no Extremo Oriente, ou o nosso, em cessária colocada em termos de proporcionalidade aos valores
quadrante oposto, em eloqüente afirmação da universalidade do que defende, será lógico o consectário de que qualquer bem ju-
instituto e de sua quase-uniforme conceituação no direito das rídico, desde o mais relevante ao de mais fácil reparação, pode
gentes. ser tutelado pela legítima defesa contra atual e injusto atentado.
O direito penal soviético, subordinando-se às concepções É a lição de Garraud: todos os direitos são suscetíveis de

socialistas da justiça e às instruções dadas pelo Comissariado defesa, desde que praticada sem excesso e em proporção à im-
do Povo, que manda aos juízes aplicar as penas tal como o portância do bem ameaçado; e a de Von Hippel: é indiferente
exijam as circunstâncias do caso, e à conveniência revolucio- a índole do interesse juridicamente ,protegido contra o qual o
nária, 6 inclui entre os bens defendidos pela legítima defesa os ataque se dirige; pode ser o corpo e a vida, a liberdade, a honra,
interesses do Estado Soviético e da coletividade social entre a honestidade, a situação jurídica familiar, o patrimônio, a
' posse.
eles a inviolabilidade das fronteiras e a custódia dos segredos
Não havendo, realmente, outra alternativa possível, como
militares.
explica Eduardo Correia, a utilização do único meio capaz de
(; Tomaso Napolitano, ob. cít., p. 111.
r José T. Argibay Molina, ob. cít .. p. 79.
LEGÍTIMA DEFESA 1~··
i ,)

174 ·. MARCELLO. J. LINHARES

extorsão não estiver em curso. A razão está em que o compor-


obstar a agressão é sempre legítima, mesmo quando seiaenor- tamento injusto se equipara à agressão. iminente.
10

míss_ima a desproporção entre o dano causado por esse meio As vias de fato são também dela suscetíveis, quando co-
e o interesse por ele defendido. Com isso, afasta a tese segun- mandadas pela necessidade.
do .ª qual haveria certos bens que, por sua insignificância, L- Quanto aos direitos de crédito ou obrigações, as doutrinas
cariam sem defesa, sobretudo quando houvesse enorme despro- só os têm considerado objeto de tutela em casos restritos, por·
porção entre o direito defendido _e o mal causado. Conclui, des- que o não-cumprimento doloso ou culposo das obrigações con-
ta forma; que se não pode deixar de negar legítima defesa tratuais é, em regra, delito meramente civil; os direitos .de cré-
relativamente à mera comodidade ou ordem, corno por exem- dito, por si mesmos, podem obter a tutela. legítima quando sua
plo, para proteger-se o agente contra apertos ou empurrões em violação se apresenta sob forma de apropriação indébita ou de
um magazine ou estabelecimento, nos casos de procura de rou- fraude.
pas em um vestiário, contra o incômodo causad; por urna lâm- O devedor estará, pois, em legítima defesa frente a todos
11
pada elétrica que à noite se foque contra alguém, contra o com- os atos ilícitos de justiGa própria cometidos por se1:1 credor.
portamento de um ébrio, etc. (cf. Direito Criminal, Coimbra. A jurisprudência tem estimado agir em legítima defesa
· 1963, V. 1, p. 47). . quem se oponha à cobrança de dívida exercida por meios vexa-
O único escrúpulo do legislador, adotando essa amulitude tórios que algumas agências adotam para compelir devedores
de .incidência de instituto, é o de expurgar da 'deresa toda des- .: :.. saldar seus débitos. 12
proporção intolerável, para faso recorrendo ao critério da gra- Ante o expendido, compreende-se que nossa vida, nossa
vidade da ofensa, sustentado por Carrara, e o da irreparabili- integridade corporal, nossa saúde, nosso pudor e nossa liber-
dade desta, propugnado por Carmignani. · · dade podem ser objeto de defesa ainda que se utilizem os mais
Com· seus claros perfis de acerto, insiste Asúa que todos extremos meios.
A perda desses bens seria irreparável e é inevitável o peri-
o~ bens são defensáveis, inclusive a honra, ameaçada por injú-
go, pelo que não devemos esperar que os tribunais nos dêem
nas, e o patrimônio.
razão, como no caso de inadimplemento de um contrato. Tudo
A legítima defesa envolve-se com toda espécie de crimes gira em redor da necessidade da defesa, enfocada ao bem que
e contravenções e
se estende ao compromisso matrimonial
desejamos salvaguardar. ·
(Welzel) : ~ à paz doméstica, cobrindo não apenas direitos reais Examinando o tema pelos efeitos civis que acarreta, Pon-
e absolutos, também a vida embrionária; é ;dmissível contra a tes de Miranda extraiu da norma jurídica o entendimento co-
concorrência. desleal; abrange as relações do direito de família, mum de que à expressão legítima defesa. deve-se dar a mais
como os esponsais (Maurach). !> ampla compreensão: desde as ocorrências contra a vida, até
Segundo a casuística recoihida· por Zaffaroni, a legítima os ataques pela imprensa. 13
defesa aplica-se contra casos de extorsão. Assim, agirá legitima-
mente o agente que se apoderar de uma fita mao·netofônica iu Eugenia Raul Zaffaroni, 1'eoria del Delito, Buenos Aires, 1973,
sub-reptícíamente gravada com o propósito de promover chan- p, 475 e 476.
n Paul Logoz, Commentaire du Code Pénal Suisse, partie général,
tagem, ou quando destruir o aparelho, mesmo ;e o processo Ela
Neuchâtel-Paris, 1976, p. 170.
12 Revista dos Tribunais, v. 330, p. 481.
~ welzcl, ob. cít., p. 91. 1:i Pontes de Miranda, Manual do Código Civil, v, 16.
" Maurach, ob. cit.. p. 370 e 379.
176 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 177

Considerando este mesmo campo, completa Sady Gusmão te agredido, não se- possa salvar a própria, senão com o sacri-
informando que se os sistemas legislativos se assemelham, no fício do agressor.
que toca à legítima defesa, a jurisprudência, até certo ponto, O direito de repelir tudo quanto parcial ou integralmente
também, admitindo uma concepção muito ampla dela. destrua a vida é .natural decorrência desse direito de viver.
Trazendo à colação" Henri e León Mazeaud, conclui que Esta prlm ira e elementar espécie de legítima defesa rela-
toda medida empregada para evitar um prejuízo qualquer con- c.ona-se, a um L mpo, com a gênese histórica e o conteúdo bio-
tra quem procura causá-lo é suscetível de constituir medida de lógico do instituto: qiü parricidium dum propriam vitam tue-
legítima defesa. tur admiserit, urus abscedat (quem cometer o parrícídío
Nem é necessário que a pessoa física seja ameaçada; uma quando defend própria vida, fique tranqüilo - Lei dos Vi-
ameaca aos bens basta para legitimar a defesa, com a condição sigodos, 6,5,19).
de não ser excessiva; 14
Ao int r sse pel inviolabilidade da vida se associa o su-
64. VIDA premo interesse do Estado, por compreensíveis razões de ordem
demográfica, como condições de vida e de desenvolvimento do
Entre os valores naturais ditados por este direito absoluto agregado social. É esta a explicação de Vannini: "a vida huma-
e necessário, que é base do direito positivo, entre esses direitos na se afirma, em sua tradução subjetiva, na realidade de um
inalienáveis e irrenunciáveis, figura, em primeiro plano, na dúplice interesse estatal - a inviolabilidade da vida individual,
escala hierárquica, o direito à vida, que, na estrutura geral do como bem dos particulares, supremo bem· dos consociados; e o
direito, não é considerada como o fim supremo do homem, mas interesse da conservação da vida humana, como interesse de-
um bem condicionado a outros fins, como valor transitório. mográtíco, como condição da vida e desenvolvimento do agre-
o aacriticío que em seu nome fazem o mártir ou o herói gado social, corno condição de força moral e material de um
não será a renúncia que a vida representa, antes a permuta povo politicamente organizado". 10
de um valor por outro mais significativo. Pode a vida humana sofrer agressão mediante a qual ve-
Nossa 'vida, como salienta Hãring, iõ é um dom que Deus nha a ser destruída, lesada em sua integridade, ou encontrar-
nos confiou, estando sob nossa responsabilidade. Por covardia se ante uma situação em que a destruição ou a 'Iesâo da inte-
ou indiferença não temos o direito de permitir que o assassino gridade se manifestem possíveis ou prováveis. Neste último
no-la roube. caso, notável possibilidade ou probabilidade da destruição da
O direito à vida é o direito de manter e desenvolver nossa vida ou da. diminuição da integridade, se diz que a vida humana
existência como meio de atingi].' certos fins, que são os fins está em perigo.
morais da conduta. Esse direito à vida abrange, obviamente, o direito à tran-
A vida é dada para que possa ser vivida, para a concreti- qüilidade de vivê-la. Assim, tem-se estimado defensável a tran-
zação de determinados ideais, na medida da fragilidade das qüilidade noturna contra o bêbado perturbador, sempre que
forcas humanas.
contra ele se empregue um meio racionalmente necessário,
· Tendo, pois, o homem o direito de viver, daí resulta. o dever
como por exemplo um balde d'água; ou contra quem moleste
de justiça de se lhe respeitar a vida, salvo quando, injustamen-
a tranqüilidade doméstica.
;r Sady Cardoso de Gusmão, ob. cit., p. 82.
i: Bernhard Hârmg, A Lei de Cristo, São Paulo. 1960. 16
Ottorino Vannini, Deliiti Contra la Vita, Milano, 1946, p. 5.
MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 17.9
178

1 gítíma defesa e a reação procedida nos justos limites, mas


65. INTEGRIDADE F1SICA E SAúDE
d pois de curada a lesão a ela se ajunte uma doença índepen-
o dever de conservação da vida tem como corolário o da d nte, produzindo êxito letal? A ação primitiva não constituirá
conservação da integridade física e da saúde. uma concausa Implicando responsabilidade." 21
Qualquer lesão aos órgãos humanos diminui-lhes o po_der A legítima defesa cobre, desta forma, todo e qualquer ato
de resistência, enfraquecendo a vontade e impedindo a realiza- <1 reação contra os ataques à integridade pessoal - homicí-
ção de certos fins sociais. . . _ dio, lesão corporal e violências corpóreas de menor significa-
Demais a conservação da saúde, como a da vida, nao cons- : tiullus auâeat capere auquam personam nec Zigare manus
titui apenas um direito, mas, antes disto, um alto dever social. Z ad pannos dilaniando ei vez manus posuerü aâ nasum, non
Deve o homem, pois, defender sua integridade .pessoal no I cfondo predicta aâ sui âefensionem. (ninguém ouse prender
reu complexo de órgãos, funções e faculdade~. . . P oa alguma, nem atar-lhe as mãos ... ) .
Este era o conselho de Alberto de Gandmo: prímeiramen-
te se deve saber que, quando alguém perpetra um de~ito ou ff. LIBERDADE
homicídio ou outro crime para a defesa de seu corpo, nao deve
por isto ser punido; 17 As Constituições do reino da sícüía, do A liberdade é o poder de fazer ou de não fazer uma coisa.
imperador Frederico II, também isentavam de pena aqueles A liberdade física consiste em estarmos livres de qualquer
violência externa ou interna.
que 1 desacatados por violentas injúrias, - sucedessem
d
empregar
necessariamente a defesa para a proteçao e seu corpo. 18Qs É um bem precioso, que pode ser exposto a perigo pela
Estatutos Criminais da comunidade de Leonado, a seu turno, r pectíva do encarceramento injusto.
repetiam: estabelecemos que, se alguém cometer um homicíd!o Jt também um direito inerente à vida, que se integra com
repelindo violência com violência para a defesa de seu corpo, nao r llcidade e esta só existe quando existe a liberdade.
seja punido com nenhum castigo, antes seja isento dele para' que, realmente, significaria a dntegrldade física sem o
todos os efeitos. 19 liberdade?
No mesmo sentido os Estatutos de Aviano: se alguém ma- que se não queira aceitá-lo como direito público sub-
tar ou ferir, e puder provar que fez isto em defesa de seu corpo i b a conceituação clássica, 22 o direito de liberdade é
ou de seus filhos, com nenhum castigo será ferido. 20 11c n Inação que pertence à terminologia tradicional.
A legítima defesa tem extensão ao caso de lesão que, agra- u tutela jurídica é tutela do comportamento, proveníen-
vada por evento posterior, venha a causar a morte, decorr~nt: 11 t > m smo sujeito protegido.
de fato superveniente. É a hipótese formulada por Battaglini. tutela penal exprime, assim, o comportamento índispen-
"Quid iuris no caso em que a ação primitiva seja escusada pela inviolabilidade da liberdade pessoal; para que dela não
vldamente privado, pode o homem recorrer ao ínstitu-
11 Albertus de Ga.ndino, Tractatus de Maleficiis, De defenslonlbus
f tíma defesa.
a reo faclendls, rubr., 1.
1s constitutiones Regni Stciliae, Frlederlcl II Imperatorls, 1231, I, 8.
19 statuta Criminalia Comunitatis Leonati, sec, XIV, e, 40, De
lullo Battagllni, t/tnterruzume del Nesso Causale, Milano, 1954,
GO. .
homícídío facto a casu fortuito, rubr. Vi , Ltbertà Giuridica e Diritti Fondamentali, Milano, 1947,
20 statuta Aviani, 1403, e. 14.
Nota: os textos le,tinos originais acham-se no final desta obra.
180 MARCELLa° J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 181

Nem só a liberdade física fica sob a proteção jurídica; tam- a liberdade de correspondência, compreensiva não só da
bém as liberdades morais, que, supondo uma liberdade radical liberdade de segredo e correspondência epistolar, mas a de toda
e essencial, outra coisa não é senão o livre-arbítrio. forma de comunicação, telefônica, telegráfica, ou por via de
Por livre-arbítrio se entende o poder que tem a vontade televisão.
de determinar-se por si própria, por sua escolha a uma coisa Todos esses direitos de liberdade, que emanam de leis na-
ou a outra, a agir ou não agir, sem ser constrangido a isso por turais e que estão assegurados nos direitos dos povos, como ga-
força alguma externa ou interna. rantias constitucionais, correspondem ao processo prático da
o livre-arbítrio é prerrogativa essencial do homem. atuação do homem em sua vida coletiva, sendo uma das formas
A violência pode, sem dúvida, privá-lo da liberdade física
ou moral; o livre-arbítrio deve pairar acima de tudo e enquan- mais eloqüentes de manifestação do direito à vida.
to conservar a razão, ser-lhe-á sempre livre querer ou não Um atentado à liberdade é, assim, ato de violência contra
querer. a pessoa, como falam Trebutien, Ortolan e Garraud. o indiví-
A liberdade se manifesta por. múltiplas formas, todas elas duo preso e arbitrariamente seqüestrado terá o direito de re-
com lugares comuns no instituto da legítima defesa: cuperar sua liberdade mesmo pela força, ou o de escapar por
a liberdade cívica, isto é, o livre exercício dos direitos ind. todos os meios, quebrando os obstáculos materiais que o façam
viduais (voto, etc.); prisioneiro.
a liberdade de domicílio, compreendido este como o lugar Como síntese, a legítima defesa pode tutelar a liberdade,
isolado do ambiente externo destinado legítima e voluntaria-
tomada em seus dois sentidos, subjetivo (liberdade para deter-
mente ao uso doméstico, ao uso da habitação, do estudo pro-
minar-se e para manifestar o cidadão a sua própria vontade);
fissional ou da residência; 23
a liberdade do pensamento, que não é apenas a faculdade obj tivo (atuação da própria vontade, a saber, disponibilidade
de pensar livremente, fenômeno puramente individual, mas o <lo próprio corpo, movimento de si mesmo no espaço). Enfim,
direito de manifestar por palavras o que se pensa e o que Si: 1 P, ncia civil do homem livre.
sente; inclui a liberdade de opinar, de criticar, de discutir;
a liberdade de trabalho; 1 7. A DEFESA PRIVADA DOS BENS NO DIREITO ANTIGO
a liberdade de religião, que não é· só a crença interna, mas
o direito de propagar crença pelo culto externo; u No direito antigo distinguia-se a situação da legítima de-
t,. 1 e a propriedade ou a posse eram objeto de ataque pelo
2H Giuseppe Abbamonte t.ioert« e Convivinza, Napoli, 1954, p. 73. 1 1( l ru noturno ou pelo ladrão diurno.
24 A perturbação de culto religioso não dá ao eclesiástico, para
alguns, o direito de defesa. Von Calker considera o ato de defesa, mas
Digesto (fr. 4, § l.º, D. 9, 2) permitia a morte do ladrão
reconhece arriscada sua opinião. Von Liszt acha irrelevante perturbar urpr ndido à noite, mas exigia que o fato fosse testemunha-
com gestos uma assembléia paroquial. A Cassazione entende de modo di- do rum gritos; quanto ao ladrão diurno, era ainda condição
verso; o ministro. de culto católico, injuriado no sagrado ministério e
q111 e•. uv sse armado.
em lugar destinado a seu exercício, tem o direito de legítima defesa
(dec. de 21.12.1931, in Giustizia Penale, 1932, v. 2, p. 1.411). - A r ra foi temperada por Paulo, que admitia a defesa,
Para melhor estudo do assunto, veja-se Eugenia Florian, Delitti 111 1 li ons lhava: melhor terá agido quem apresentar o agres-
Contra la !,ibertá di Culto, Trattato, Milano, 1923, p. 262; e também,
111 , Jll'I HO, ao magistrado, para ser enviado ao governador.
Campizi, I reaii di Villipendio, p. 116.
LEGÍTIMA DEFESA 183
182 MARCELLO J. LINHARES

se faça aos gritos" (Éditos, 1140, e. 26). No mesmo sentido os


Não faltaram a seguir prosélitos do entendimento que em
Estatutos de S. Geminiano: "se alguém encontrar algum suspeí-
prestava à regra grande restrição: à defesa dos bens se deveria
to furtando em s_ua casa e o ferir, não deve sofrer castigo" (1415,
somar o requisito do real perigo à pessoa. Assim, se alguém ma-
tar um ladrão noturno, ficará impune se não puder poupá-lo lII, 23) ·. ~: por 1g~al, os Estatutos ~a cidade de Verona (1450,
III, 40). se alguem matar a alguem, encontrando, de noite,
sem risco seu (Ulpiano) .
roubando em sua casa, tal matador não seja punido."
O direito romano impôs ainda outras. condições: se um
ladrão for encontrado arrombando e, ferido, for morto, não se ~uanto à específica defesa da posse contra o ladrão que
deve culpar de homicídio a alguém. Se, porém, o dia despontar 1e~g1sse ou que fugisse, assim tratava do caso o Estatuto de
sobre este alguém, será réu. Percebe-se, pois, que não existe Avíano: "se alguém encontrar de noite um ladrão em sua casa
homicídio, quando é morto um ladrão noturno; mas, quando e não puder prendê-lo, porque, por exemplo, se defende ou foge
for um diurno, haverá homicídio. Isto é o que proclama, na com os bens furtados, pode matá-lo, impunemente contanto
verdade: se o dia despontar sobre este alguém, etc., porque po- que grite, na frente ou atrás do mesmo, de sorte que possa ser
dia discernir se veio para furtar e não para matar; e, por isso. ouvido" (1403, e. 45).
não devia ser morto. Isto também se vê nas leis profanas; mais
antigas do que elas é, entretanto, esta, a saber, que o ladrão Apenas exigia-se a condição da captura, como punha de
noturno seja morto impunemente, de qualquer modo; o diur- manifesto Bonifácio de Vitalinas, em Tratado dos Delitos.
no, porém, se defender com arma; com efeito, já 'agora é mais Quem pode ferir a outrem, rub. 1: é-me lícito matar um ladrão
do que ladrão (Agostinho, C, 3, X, 5,. 12). noturno, que foge com meus bens; e se lia no Estatuto da ci-
Julius Clarus, por igual, doutrinava: quanto ao ladrão no- dade de Portonaon, 1366, 71: e não pôde prendê-lo porque, por
turno, conclui-se que é lícito matá-lo impunemente, se isto se xemplo, se defende ou foge com os bens furtados.
faz em defesa de si próprio ou de seus bens. 2:i
A respeito do ladrão diurno, dele voltaram a tratar os prá-
A defesa privada dos bens, cuja origem romana do instí-
Ll os, da seguinte forma: mas não é lícito matar um ladrão
', uto encontrava sua raiz psicológica e histórica no. fundamente
l urna,. a não ser que se defenda com arma, desde que, entre-
comum da defesa pessoal, no instinto de conservação, vai a se-
Ln to, isto se faça, em um e outro caso, aos gritos (Alberto de
guir perdendo esse caráter, para se tolerar lícita a morte do
ladrão noturno nos casos de simples flagrância, sem o requisito ndino); é lícito contudo matar o ladrão diurno se se deten-
da violência ou resistência de sua parte, ou a exigência de estar com armas e aos gritos (Bonifácio de Vitalinas); do mesmo
armado e oferecer perigo ao possuidor. Assim legislaram as rn do, posso matar impunemente os que, nas estradas, muito a
Constituições e os Éditos do Reino .da Sicília: "sobre os homi- IH údo ficam em emboscadas, visto que é melhor prevenir en:

cídios que devem ser punidos: quem contudo matar aos gritos vi a do que reclamar em juízo, depois da morte (Alberto de
um ladrão noturno, que não pôde de outro modo agarrar, ne- Cl ndino).
nhuma acusação deverá por isso sofrer, de acordo com os esta- desforço íncontínentí era também forma lícita para tu-
tutos de nossos divinos antepassados" (Const. de Frederico II, posse. A resistência e a reintegração direta do desapos-
1231, I, 14); e: "quem matar um ladrão noturno, ficará impu-
u simplesmente perturbado em sua posse era legítima.
ne, se não puder agarrá-lo de outro modo, contanto que isso
1111 m m caso de emprego de meios violentos _:_ "nisi [ecerit
1 111•( po sessionem, seu alia bana defendendo".
~:; ,!ulius Clarus, Practica Crimiruüis, Homicidium, rub. 47.
184 M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 185

Bonifacio de Vitalinas dizia ser lícito matar quem foge com É, por definição, o direito de usufruir e dispor de uma coisa
os· bens alheios. Clarus, em sua Prática Criminal, completava: com exclusão de outrem.
quando o senhor descobre que alguém tira seus bens e com Pela doutrina social católica, a propriedade resulta de um
eles foge, nem podem ser recuperados por outro modo. Esta- direito natural, como assim se referiu a Encíclica Rerum No-
tutos, como os de Monte Carlo e da comuna de Florença, dis- »arum, conforme à natureza, da qual é emanação.
punham: se alguém matar um ladrão estando ainda em seu o direito romano a conceituou como "ius utendi., [ruetuii
encalço, fique isento de punição; os delitos não terão lugar et abutendi" entendendo-se pelo primeiro o direito de usar ou
quando alguém interditar ou contestar a alguém a benfeitoria servir-se da coisa, salva rei substamtia; pelo segundo o direito
de alguma residência ou a posse de alguma coisa. de usufruir ou recolher os frutos; e pelo último o direito de
Alberto de Gandino formulava questões e as solucionava: destruir a coisa ou aliená-la,
"mas suponha que você me expulsou de minha herdade e eu, A importância do direito de propriedade está em que tudo
convocados os amigos, o tenha expulsado não imediatamente quanto é indispensável ao ser para que possa alcançar o seu
mas algum tempo depois, e tenha recuperado minha posse, per· fim pertence à própria natureza dele.
gunta-se: porventura pude fazer isto licitamente? diga que sim.
Privado do direito de propriedade, nem o homem, nem a
Se expulso de minha herdade, fui para casa e desisti, em aten-
sociedade poderiam subsistir e expandir-se normalmente con-
cão a meus amigos· e se esperei durante um dia ou mais para
forme as exigências da natureza.
convocar os amigos e depois fui ao local e recobrei minha posse,
As sociedades organizadas, por tais conceituações, discipli-
porventura fiz isso em minha defesa e imediatamente? diga que
naram o direito de propriedade oferecendo-lhe garantias, e dele
sim, porque não foi interposto nenhum ato estranho. Do mesmo
faz~ndo um direito positivo, objeto de tutela penal.
modo, posso matar impunemente o destruidor ou devastador
Intimamente ligada à condição de existência humana, ex-
dos campos, visto que é melhor prevenir em vida do que recla-
plica Lemos Sobrinho que se a propriedade '.'representa n~da
mar em juízo depois da morte".
menos que a periferia de uma pessoa estendida a uma co:.sa.
Esse desforço era objeto, ao mesmo tempo, de dispositivos u projeção da personalidade e da liberdade humanas e, a~sn~,
expressos de lei: fiquem livres de punição aqueles que ferirem, 0 seu sentimento é tão imperioso que importa no da propria
de noite, aos que encontrarem cortando seu trigal (Estatutos conservação (Garofalo), representando conseguintemente a sua
da cidade de Pístóía, 1546, V, 35); se, entretanto, for encontra- perda ou destruição um prejuízo irreparável, ou, .p~lo menos,
do na seara, ou no vinhedo, ou no jardim de outrem e, com a de uma reparabilidade muito incerta, sejam materiais (subtra-
advertência aos danos, não quiser sair dali ou dar fiança, é lí- ção da coisa, ocupação do solo), sejam imateriais (direitos so-
cito ao senhor açoitá-lo moderadamente mas não tanto que o bre as coisas representados por títulos e documentos), com-
fira (íd, da comuna de Bolonha, 1252, II, 30). .reende-se que não se possa deixar de estender a ela os meios
de defesa que se concedem à integridade corporal, à liberdade
68. PROPRIEDADE ao pudor".
Porque se considerava, a princípio, que nem sempre o bem
Derívaçao do direito que todo homem tem à vida e ao re- agredido, tutelado através da ação reativa, como é ~ caso d.o
conhecimento da personalidade é o direito de propriedade, con- m patrimonial, é mais relevante que o bem ofendido, o d~-
sistente em possuir, como coisa própria, bens materiais. r ito antigo, influenciado pelas divergências de âmbito doutrí-
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 187
186

nário, custou admitir a defesa plena do patrimônio, negada Sob tal ângulo visual, como acentuou Bettiol, o bem do
por Grotius sob o argumento da desnecessidade da violência agredido adquire um relevo e um significado positivo todo par-
defensiva a esta categoria de valores. ticular, relativamente ao bem do agressor.
No direito antigo era expressamente vedada a defesa dos Os bens patrimoniais, como os demais bens jurídicos, pre-
bens, considerada cousa culpável "pro conservando »üünu: re- cisariam ser protegidos por si próprios, mas se deveria ter cui-
bus et transitoriis tam acriter in alias exardescere". au dado no exato papel que, ao legitimar uma reação pela força, de-
Mostrou-se, com a remissão ao histórico do instituto que sernpenha o fator da necessidade dela.
o direito romano, entretanto, passou a consagrar a defesa âos Reputando o patrimônio como apreciável em todo homem,
bens: "recte possidenti ad defendendam possessionem quam Viada também ponderou que se devia ter presente, porém, que
sine oitio tenebat inculpatae tutelae moderatione illatam vim a defesa de nossos direitos está muito subordinada à necessi-
propulsare licet", dade racional dos meios empregados para repelir o ataque leva-
do a efeito contra os mesmos e que, portanto, sempre que hou-
Mas, como explicou Ulpiano (fr. 3,§ 5.º, De vi et de vi ar-
ver outros meios naturais e legais para reprimir ou reparar a
mata, Dig., XLVIII, 16), necessitava ocorrer algum risco ao
dono da coisa: "qui armati venerunt et si armis non sunt usi agressão, a defesa pelas vias de fato deixa de ser legal. 27
aâ discendum sed discerunt, armata vis facta esse videtur;
O grau de desenvolvimento do instituto, afinal, atingiu
sufficit enim terror armorum, ut videantur armis tieiescisse",
definitiva estrutura com base no princípio de ilimitações ao
direito de defesa do patrimônio, sempre que for atacado e que
O instituto só protegia o direito de propriedade contra o
a defesa se justifique como necessária, extensiva a bens de qual-
ladrão noturno ou contra o diurno que empregasse a força.
quer natureza, ainda que de ínfimo valor, mesmo que se recor-
Quem matasse o ladrão noturno só restaria impune, todavia.
ra à morte do agressor, porque o direito não pode ceder passo
se sem perigo não tivesse podido poupá-lo, ainda como estava
à injustiça. ·
na lição de Ulpiano (fr. 9, Ad legem Corneliam, Dig. cit., 8).
Mas, o assunto ainda provoca a divergência dos doutos. Al-
quando se tratava de ladrão diurno, a morte só se legitimava
guns sustentam que na legítima defesa da propriedade o que
si se telo defendat (Gaio, fr. 55, § 2.º, De furtis, Dig. cit., 2).
se deve ter em vista é o risco dos bens, e não considerar-se o
Até então eram comuns as dificuldades postas pelos dou-
perigo a que possa ficar exposto o seu proprietário. O apego às
trinadores para reconhecer a defesa irrestrita da propriedade,
teorias do direito romano, que descia a casuísmos, distinguin-
não só pelo apego ao critério humanitário dominante, da repug- do entre ladrão diurno e ladrão noturno, ladrão armado e la-
nância pela morte como via de defesa de simples bens mate- .drão desarmado, só permitindo a reação quando houvesse peri-
riais, como pelo respeito dogmático às teorias informativas do go à pessoa (si sine periculo suo ei parcere non potuit), não
instituto, criado com base no condicionamento da reação à gra- encontra qualquer explicação dentro da norma de direito po-
vidade do mal e à irreparabilidade deste. sitivo, a qual, estimando a defesa de qualquer direito, e logica-
Mas, com a evolução do direito, ponderou-se que o balan- mente o da propriedade, não subordina o seu reconhecimento
.ceamento dos bens em conflito não poderia ser feito segundo a outras condições senão às que se prendem à proporcionali-
critérios meramente abstratos e genéricos, devendo o da preva- dade do processo reativo, atendendo, por outro lado, à própria
lência quantitativa, na comparação dos interesses em jogo, ser evolução da vida, com os constantes atentados ao direito de
substituído pelo da prevalência qualitativa.
26 João Vieira de Araújo, ob. cít., p. 21. ~. Salvador Viada y Vilaseca, Código Penal, 4.ª ed., 1890.
LEGÍTIMA DEFESA 189
188 MARCELLO J. LINHARES

propriedade, evolução a que o direito não poderia deixar de não só tendo-se em vista a dísponíbílídade dos meios, no mo-
acompanhar. Julius Clarus sustentava a doutrina da legitima- mento da ação, mas também segundo as conseqüências da rea-
ção do homicídio para a defesa dos bens, em qualquer hipótese. ção, que deve afastar resultados aberrantes, como no caso de
A Manzini é indiferente qualquer desproporção entre a de- se querer legitimar a morte de um miserável ladrão quando
fesa exercitada pela força contra o perigo atual de ser privado outro recurso inexistir para impedir o furto. 31 ·

alguém de pequena quantidade de fruta, ou contra o simples A idéia está contida na lição de Fioretti e Zerboglio: a de-
ladrão que invada o galinheiro, direitos esses que, como aque- fesa restará impune quando os bens ou o direito, embora obje-
les que se ligam a interesses de maior valor, como os que se tivamente exíguos, não o sejam em relação a quem se vê ata-
opõem ao assalto à residência ou à caixa-forte de um banco, cado, despertando-lhe afetos tão fortes, de modo a reclamar
recebem a mesma tutela penal, ressalvada, todavia, e sempre. uma tutela mais enérgica; exemplo: o roubo de uma carteira
a proporção dos meios defensivos empregados. sem dinheiro, mas que contenha documento preciosíssimo para
Esse pensamento foi seguido essencialmente na Alemanha, a honra de alguém e que, de tal índole, se divulgado, pode pro-
onde se chega a afirmar que se deva admitir a legítima defesa duzir um dano; a soma dos afetos e dos receios que desperta
da propriedade até o ponto de matar o ladrão, mesmo que le- um furto de tal natureza pode legitimar uma defesa extrema. 3·i
sando um mínimo direito patrimonial (Berner es e Liszt 2n). No direito espanhol sempre se aceitou o critério de se po-
Tal maneira de sentir, para Logoz, tem algo de chocante der defender os bens até com a morte do agressor, servato mo-
e não foi sem razão que recebeu a qualificação de "moral de deramine inculpatae tutelae (Pereda, Lugo y Molina). Se é
assassino". Indaga ele: "pode-se permitir, por exemplo, que o lícita a defesa da vida, deduz-se, como conseqüência lógica,
proprietário de um pomar tenha eventualmente o direito de também será a defesa dos bens. Desde que esses bens temporais
abater com um golpe de fuzil o pequeno gatuno que furte as sejam absolutamente necessários para a vida, se há de poder
suas maçãs?". defendê-los com a mesma vida.
Uma segunda corrente apega-se ao balanceamento dos A Convenção Européia dos Direitos Humanos, dispondo em
bens. Kern, na mesma Alemanha, no caso referido por Berner seu art. 2.0, item II, que a morte de uma pessoa só será admi-
e Liszt, vê muita- incerteza, porque, se de um lado o direito de tida para se evitar uma violência contra outra pessoa, agitou
legítima defesa não estabelece fundamentalmente o princípio na Alemanha o tema da extensão da legítima defesa ao direito
da avaliação dos bens jurídicos, não obstante, se o dano não ele propriedade, revivendo assim as discussões que pareciam ter
guardar certa proporção com o dano que o ataque ameaça, a chegado a um denominador comum. Embora divididas as opi-
defesa será abusiva, sob o ponto -de vista jurídico. 30 niões, a maioria dos tratadistas entende que não há nenhum
Para uma terceira tendência, deve-se adotar um meio ter- impedimento à admissão da legítima defesa da propriedade a
mo, como no prudente conselho de Pagliaro: o exame do requi- custo de uma vida, porque a Convenção apenas cuidou de re-
sito da proporção entre a defesa e o ataque deve ser examinado ger .as relações do Estado com seus cidadãos e não destes entre
as Berner, Trattato di Diritto Penale, traduzido por Bertola, Mi-
si.
lano, 1887, p. 124.
29 Franz von Liszt, Tratado de Derecho Penal, trad. de Asúa, Ma- Antonio Pagliaro, principii di Diritto Penale, Milano, 1972.
ai

drid, 3.ª ed., § 33, p. 345. Julio Fioretti & Adolfo Zerboglio, Sobre la Legítima Defensa,
a2
:io Eduard Kern, obr. cít., vol. 1, p. 25 e 86. Madrid, 1926, p. 156.
190 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 191

Não haverá legítima defesa, contudo, quando, não haven- 69. O REQUISITO DA ATUALIDADE DA AGRESSÃO
do perigo da perda da coisa, a autoridade social for suficiente
para restituí-la a seu proprietário. A atualidade da agressão, na legítima defesa da proprie-
dade, está ligada à duração da invasio rei ou ao ataque contra
A entrada em terreno alheio com o emprego de violência,
a coisa.
a usurpação, a turbação da posse, que é a fotografia do direito
Díaz Palos discorre que, para a maioria, o ataque dura
de propriedade, levam o titular à faculdade de usar da defesa até que o ladrão se ponha a salvo, de modo que é lícito reagir
que se tornará sempre legítima para afastar o perigo de ofensa contra o ladrão em fuga, advertindo-se-lhe para que se dete-
assim tão injusta e, por igual, o arma do direito de conservar nha. O requisito está em íntima relação com o momento con-
pela força o que é seu, com esteio nos princípios conjugados sumatívo do furto. A defesa deve ser feita incontinenti; uma
do vim vi repellere licet e do qui continuat non attentat. vez que o ladrão possua a coisa pacificamente, passou o tempo
Contra a introdução de animais em propriedade alheia, ou para a reação defensiva e só restará o caminho judicial para
a recuperação: da invasio rei se passou à detentio rei. :ii
o comportamento abusivo de quem dela se utiliza para apas-
centamento de gado, impedindo as manifestações especiais do
70. POSSE
direito de propriedade, bem assim contra o procedimento de
quem constrange o dono a suportar limitações ilegítimas a esse Como desmembramento. e e:x;teriorização do direito de pro-
seu direito, ameaçado de dano ou já sofrendo dano, é por igual priedade, a posse também pode ser defendida com o emprego
irrecusável a legítima defesa, irrelevante o perigo físico à pes- de. víolêncía.
soa do defensor. O Código Civil reconhece ao possuidor dela turbado ou nela
Prevendo como infração matar ou tornar imprestável des- esbulhado o direito de manter-se ou restituir-se por sua própria
necessariamente o animal que pertença a outrem, como tipici- força, conquanto que o faça logo (art. 502).
dade especial, ressalva a lei italiana (art. 638 do Cód. Penal) Aos contornos da defesa, de ordem geral, como está na lei
não ser punível o fato praticado em defesa da propriedade con- penal, se devem somar os que a lei civil especificamente exige:
tra animais voadores que a ela estejam causando dano. Atende os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do indis-
a duas finalidades: determina um presunção iuris de necessi- pensável à manutenção ou restituição da posse.
dade em casos freqüentíssimos que ameaçam a produção, e indi- A defesa privada se exercitará em caso de agressão à posse
ca ao :intérprete o caminho a séguir para o acertamento da e no de auto-reintegração de bens subtraídos.
necessidade; ocorre encontrar-se, no conflito de interesses para A questão parece tranqüila, segundo avaliação doutrinária,
afirmar a necessidade, a prevalência do interesse que deterrni- quando os bens estão sendo simplesmente ameaçados, ou quan-
na a morte ou o dano ao animal alheio, como mais conforme do a conduta do agressor ainda esteja em fase incipiente de
no in teresse social. aR execução. Ganha profundidade a divergência, todavia, no caso
de furto consumado e quando procura a vítima a retomada do
produto do ilícito em mãos do espoliador.
1
~' Alfredo de Marsíco, Delitti contra il Patrimonio, Napoli, 1951,
p. 127 e 128. ai Fernando Díaz Falos, La Legítima Defensa, Barcelona, 1971, p. 39.
192 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 193

O entendimento dominante é o de que, ainda nesta última -se não de defesa do direito sobre a coisa, mas do direito de
hipótese, não se pode deixar de considerar lícita a ação, voltada recuperá-la. 38
à recuperação de uma posse atual, se levada a efeito em estado
A nós nos parece lícito o comportamento de quem, dili-
de quase-flagrância e desde que o prejudicado não perturbe a
genciando a retomada da coisa, manifesta zelo por sua custó-
ordem pública mais do que esta já fora perturbada com o crime
praticado pelo ladrão. dia numa esfera limitada de ação, mas sempre que a perse-
guíção ao agressor se fizer sem quebra de continuidade do fator
Ocorrentes tais condições, procurar 'a recuperação daquilo
tempo. Nada influi estar o ladrão fora do local do furto, se a
que lhe pertence não constitui exercício arbitrário da própria
razão pelo possuidor, porque a própria lei autoriza a prisão em custódia do objeto ainda não é segura.
flagrante e a apreensão do objeto que constitui o corpo de de- A Pagliaro se afigura legítima a reintegração, ainda que
lito das infrações, faculdade extensiva a qualquer pessoa do pela força. É possível atordoar o ladrão que f~ge co~ a res
povo. furtiva, porque sendo o; direito imediatamente remtegravel~ po-
Na mesma direção está apontada a doutrina do direito ale- de-se dizer, do ponto de vista de quem se d:f en~e, que a situa-
mão, cabendo a legítima defesa contra o ladrão portador de ção de perigo ou de dano efetivo ainda nao foi ultrapassada.
objetos roubados no momento de sua fuga (Berner); 35 e a do
direito belga, que admite a reação, mas com fundamento na 71. DEFESA DA POSSE ILEGÍTIMA
contrainte morate.
Entendendo que o furto se consuma, não com a apreensão, Quanto à posse ilegítima por sua origem, nada impede a
mas com a cessação da custódia da coisa, Von Liszt julga lícita proteção penal contra, ataque atual e injusto.
a legítima defesa contra o ladrão que foge, enquanto a custó- o detentor estará também protegido, porque nem só o le-
dia da coisa por parte do ofendido não cessou de todo. se Adota gítimo proprietário da coisa tem o direito de exercer o direito
a lição de Vitalinis: "furem ... fugientem cum rebus meis licet de posse sobre ela.
mihi occidere".
Como pensa Pannain, também o ladrão, que tenha a co~a
Para Von Hippel a possibilidade da legítima defesa termi- como se sua fosse, manüesta de modo mais amplo a intençao
na quando o ladrão consegue possuir a coisa sem ser pertur- de tê-la como própria, podendo até usucapí-la; é um caso cer-
bado, opinião que coincide com a de Welzel, 37 ao entender que
to de posse, reconhecido pelo direito civil. 39
a agressão persiste também depois da consumação formal de
um delito, durante tanto tempo .quanto ela ainda intensifica Assim a aplicação de tais princípios poderá conduzir a
' '

a lesão de um bem jurídico; assim, diz ele, por esse motivo uma solução curiosa, qual o da ladrão ameaçado de furto ou
é admissível defesa legítima contra quem foge com a presa mesmo desapossado da coisa que haja anteriormente adquiri~o
furtada. também por furto. Não será de se aplicar o popular refrão.
Contra a admissibilidade da legítima defesa para tutelar "quem rouba de ladrão tem cem anos de perdão", mas a reg_ra
a retomada da coisa, manifesta-se Brasiello, dizendo tratar- penal de que nem somente quem rouba a coi~a do proprie-
tário é ladrão, mas também quem rouba do ladrao.
35 Berner, Lehrbuch des deutschen Strafrechts, Leipzlg, 1898, p. 152.
ao Franz von Liszt, ob. cit., p. 230. 38 Teucro Bra.siello, ob. cit., p. 84.
37 Hans Welzel, ob. cít., p, 92. :l!> Remo Pannain, Il Possesso nel tnrüto Penale, Roma, 1946, p. 17.
194 MARCELLO J. UNHARES LEGÍTIMA DEFESA 195

72. VALORES MORAIS O comportamento humano, no âmbito da convivência, está


subordinado aos sentimentos do bom costume e ao uso correto
o sentimento da dignidade é o fundamento de todos os de- que se faça do bem comum.
veres que o homem impõe a si mesmo como fonte de sua mo- A tutela da manifestação da liberdade de convivência é
ralidade pessoal e efeito da consciência que tem de seu valor, posta como via de defesa contra os abusos que se dirigem aos
como um ser livre e capaz. fins individuais, abrangendo os bens morais, de que são exem-
Este sentimento de dignidade humana se entrelaça com plos não só a liberdade pessoal, mas também a honra-pudor.
o da honra, em que se assenta toda a moral. Se todos os direitos e interesses juridicamente relevantes
Atributo do direito de personalidade, dos bens espirituais o podem ser protegidos mediante o impedimento do ataque, tam-
primeiro, reflete a honra todo o esplendor da virtude e do mê- bém a honra, tomada em seu duplo sentido, de reputação ou
rito pessoal do homem, segundo a justa apreciação que dele dignidade, e honra sexual, de que são significativas modalida-
fazem seus semelhantes. des o pudor e a honra conjugal.
Condição indispensável.:...)à confiança mútua e freio contra
. Desde o direito romano eram as ofensas à honra punidas
o vício, a honra é, pois, objeto do dever que ao homem se irroga mais pelas conseqüências que decorriam da turbação da ordem
de a conservar e dela não ser injustamente despojado. pública que propriamente pelos efeitos que atingiam o direito
Punem os códigos, em sua homenagem, quando alguém se da pessoa.
oponha ao sentimento da virtude, desde que o atentado se ma- Nas Leis das XII Tábuas e no direito romano se previam
nifeste contra a boa reputação alheia, pelo julgamento teme- a canção difamatória e o libelo difamatório, o carmen famosum
rário fundado em razões manifestamente falsas ou imprecisas; e o' libellus [amosus, ofensas cujas desmedidas proporções equi-
quando se manifeste exteriormente contra alguém por via de param-se às estrepitosas difamações de hoje, veiculadas pela
ultrajes imerecidos; ou pela forma da calúnia, quando se acuse · imprensa, e pelos diversos meios de difusão.
alguém mendazmente; seja, enfim, pela maledicência, revelan- As normas que reprimem ofensas desta natureza visam a
do-se, sem razão, assuntos de natureza privada que possam pro- resguardar, também no hodierno, aquilo que era objeto do di-
vocar o mal. reito antigo, isto é, o interesse do Estado à incolumidade moral
A maledicência também é contrária à justiça porque, como da pessoa, no tocante ao decoro e à reputação.
freqüentemente se diz, um infeliz conceito que em tese não assu- Se a proteção da vida e da integridade corpórea interessam
miria o caráter de desonra pública, às vezes pode ser assim à existência física do indivíduo, a tutela da honra vai além,
julgado se, generalizado, provocai a grave conseqüência de tur- objetivando a proteção de sua existência social e moral.
bar a paz pública, multiplicar o escândalo, tomar a punição Na Relação Ministerial sobre o projeto do Código Penal
mais difícil, ou, encorajando obstinações, puder levar alguém italiano de 1887, as razões pelas quais deve a norma jurídica
ao desespero. tutelar a reputação humana foram assim encarecidas: "Repre-
o fenômeno da convivência humana, que tem garantia· no sentante do valor moral do indivíduo, a honra une os cidadãos
regulamento jurídico, aí não se exaure. Nele interferem comple- com ·Õ maior dos vínculos, que é o da confiança e o da. estima
xos de sistemas pertencentes a outras ordens normativas que se recíprocas, assegurando-lhes as maiores vantagens da convivên-
diferenciam não só pelo grau de eficácia e natureza das sanções, cia civil. Compreendendo-se, por isso, ser ela mais que um sim-
senão também pela matéria mesma que lhe forma o objeto. . ples bem jurídico, uma condição para a aquisição e a conser-
196 MARCELLO J. LINHARES LE GÍTIM A D EFESA 197

vação . de uma soma determinada de bens, a palavra iniuria, A boa fama é necessária na vida social para que possa o
que por sua origem denota toda ofensa aos direitos alheios cidadão, com ela e por ela, ser contido e cercado em seu ofício,
(quod iure et iustitià caret), é colocada na linguagem jurídica nos trabalhos que empreende.
quase por antonomásia, para significar um ataque à persona- Melhor sem haveres que sem honra - mellius est nomen
lidade de outrem: 'epeciauter autem iniuria âicitur contume- bonum quam divitiae multae.
lia'. Corri a honra, deve a lei tutelar e proteger a reputação do A lesão ilícita e injusta à fama e reputação alheias assume
homem, isto é, aquela estima largamente difundida que com a. forma de calúnia toda vez que se impute falsamente a alguém
seus atos consegue alcançar na sociedade e ainda o seu decoro fato definido na lei como crime; de difamação, quando esse
e dignidade pessoal. Esta tutela torna-se tanto mais apreciável fato ofenda a reputação; e de injúria, quando lhe atinja a dig-
quanto mais geral a necessidade, porque diante dela toda de- nidade e o decoro.
sigualdade social aparece". · Todas essas formas de ofensas à honra são previstas e pu-
Integrando a personalidade, segundo Garofalo, não pode nidas pelo direito positivo e se confundem, 'genericamente,
a honra deixar de estar incluída na categoria dos direitos abso- como exteriorização da malícia humana.
lutos, ao lado dos direitos reais. Contundindo direitos juridicamente tutelados, _a eles pode
Os bens .fundamentais da individualidade e da inviolabi- ser oposto o direito de defesa: qui iniuste laesit honorem pro-
lidade física e moral da pessoa não podem deixar de merecer ximi, debet illum restituere, sicut laesit; si laesit publice, pu-
a tutela do que se convencionou destacar como direito da blice; priuatim, si privatim laesit.
personalidade. Como a liberdade e a vida, a honra, com efeito, é atributo
Na opinião comum, esses bens se tutelam através de poderes da .personalídade ; direito absoluto, inalienável, constituindo,
conferidos às pessoas pelo ordenamento público, por via de ver- como os demais direitos especiais, a capacidade juridicamente
dadeiros direitos subjetivos, os quais, implicando uma posição abstrata.
do titular, em confronto com os demais cidadãos, se situam A lei penal, conseqüentemente, ao admitir a legítima de-
Entre os direitos absolutos. fesa em concernência a qualquer direito, logicamente a permi-
A tutela se faz no campo objetivo, contra o fato lesivo de te em relação à honra.
outrem. As ofensas à honra, na exemplificação de Frola, podem
Em presença do fato lesivo surge um direito voltado contra consistir no gesto, no escarro, no bofetão, na pancada, fatos
o mesmo. Assim, será lícito matar para proteger a honra sexual estes constitutivos de injúria, como também alguns atos rela-
própria, que representa, para uma rapariga honesta, um valor cionados com o animus jocandi, a ironia ou a sátira.
superior ao da vida. 40 Entre as injúrias reais, inclui o fato de tentar alguém abra-
çar ou beijar à força uma mulher ou de quem, para desafogar
73. HONRA· ódios, causando afronta, risca o nome de uma pessoa em exem-
plares de artigos expostos ao público. 41
A fama é o bom conceito que o homem desfruta junto a A esses exemplos se somam os de Borciani, que inclui no
seus semelhantes; a honra é essa mesma estima, segundo o seio das injúrias os risos, as vaias e as ironias, bem como todos
ângulo da dignidade pessoal.
-n J. P. Frola, Das Injúrias e Difamações, trad. de Souza costa,
40 R. Garofalo, Criminologia, S. Paulo.. 1893, p. 15 e 18, Lisboa, 1912, vol. 1, p. 346.
198 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 199

os fatos, como as palavras verbais ou escritas que exteriorizem reage injuriando, usando de contra-ofensa proporcionada, não
o pensamento da ofensa. poderá ficar excluído da legítima defesa. , 1
Quando, portanto, se tratar de injúria verbal, a legitima A questão se resumirá, na prática, apenas, à indagação -sc
defesa poderá ser exercida com a retorsão imediata (Cód. Pe- houve ou não proporção entre a ofensa e a defesa.v-
nal, art. 140, ou art. 144 do Cód. de 1969); neste caso, injusto Nenhum preceito jurídico impede, realmente, que o detra-
o fato provocante, nem mesmo se exígírá proporção na defesa . tor seja contido fora do terreno dos pretórios toda vez que a
pela via retorsiva, porque, quando se repele ofensa moral com reparação do injusto, por sua rumorosa repercussão no meio
outras, seja injúria, calúnia ou difamação, a proporção é evi- social, exigir pronta reação, indispensável a impedir que o agre-
dente em si mesma. dido, por impassividade, fique exposto à execração e ao escárnio
Contra injúrias, a legitima defesa foi expressamente pre- públicos.
vista por Pugliese •2 e por Borciani, 43 porque a resposta. de uma Julgava Chauveau, em contrário, que a injúria, qualquer
injúria por outra exclui o· tmimus injuriandi, pelo que falta o que fosse sua intensidade, não podia ser considerada víolêncía
dolo. pessoal. Tanto a injúria quanto o ultraje não podiam consti-
Acentua este último doutrinador que a razão de não punir tuir razões de escusa. Em geral, a injúria verbal não poderia
ou de punir menos as injúrias proferidas em legitimo desagra- justificar as vias de fato, por não ser permitido repelir uma
vo deriva do estado de provocação e, até certo ponto, de legitima injúria com uma via de fato. Se não havia escusa, a pena, en-
'
defesa em que se encontra quem reage à ofensa alheia. . tretanto, para ele, deveria ser reduzida, como era o conselho
dos doutores: "licet nazi licitum. sit percutere eum qui ver balem
Quando as ofensas se caracterizarem por vias de fato, o re-
inisiriam. injert, et si quis percutiat, aut vulnerat, aut. occuut ..
curso ao emprego da força será legitimo, não sendo justo de- puniatur, sed non poena ordinaria propter provocationem"
sarmar-se o agredido dos meios de defesa de que deva dispor, (Farinacius, Quest., 125, n. 98) .
. mesmo dos que se identlfiquen com o desforço físico. Mas, não será necessário que se siga a prudência do direito
Ainda na primeira hipótese, de injúrias verbais, quando o antigo, de que a injúria somente se deveria escusar pela injúria
. caráter grave e danoso de uma calúnia, 'de uma injúria, ou de (iniuriam. mihi illatam, alia iniuria propulsare possum); a via
um processo difamatório, assumir proporções tais que, dene- de fato, a repulsa, conforme a espécie, longe de constituir uma
grindo, chegue a comprometer a reputação do cidadão, a este agressão, ou uma reação excessiva, se comportará na modera-
não se pode retirar a legitimidade de sua imediata repulsa ~la ção da defesa.
força, cujos contornos estejam· especificamente estabelecidos Partindo-se, pois, do princípio de que todo bem pode ser
na lei. juridicamente tutelado, desde que haja moderação na dinâmi-
A defesa privada, em tais casos, é bem admissível, não ca da proteção e racionalidade entre o ataque e a qualidade
duvidando Falchi do asserto: se alguém investe contra uma do bem defendido, caberá aos juízes, apenas, a prudente apre-
pessoa e esta com a finalidade de parar as ulteriores injúrias ciação dos motivos de ordem subjetiva que informarem a reação

"2Pugllese, apu4 Sofo Borghese; 1Z Codice. . . clt., p. 90. H Giuseppino Ferruccio Falchi, Injuria e Dif tamazione nel Diritto
" Alberto Borclanl, As 0/ ensas à Honra, trad. de Fernando Mi- Petiale Italiano, Padova, 1938, p. 165. ·
randa, São Paulo, 1940, p. 43. .,:; Giotto Bonini, ob. cit., p, 58.

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LEGÍTIMA DEFESA 201
200 MARCELLO J. LINHARES ·

faça, usando de sua prerrogativa; com essa compreensão, seu


Também a jurisprudência vem admitindo o uso da força, comportamento, ainda que atinja as raias de uma provocação,
conforme as circunstâncias, para conter as ofensas verbais à
não se reputa fato injusto; via de conseqüência, não pode jus-
honra. tificar-se contra ele a argüição de legítima defesa.
Certa feita, em que se apurara ter sido a agente torpemen-
Se gozam os parlamentares de tal imunidade, que é afir-
te injuriada quando agrediu seu ofensor a porretadas, julgou-
mada pelo poder legislativo, e sempre reconhecida pelo poder
-se o procedimento perfeitamente contido nos limites do mode-
judiciário, seria estranho que se concedesse ao particular o que
ramen, por ter sofrido agressão injusta e atual e não fora pro-
se não concede aos membros de outros poderes, isto é, a facul-
vocada; para fazer calar o injuriador, outro meio não encon-
dade de reagir impunemente contra eles, o que constituiria,
trara senão o de que se valera, isto é, cacetadas em suas costas;
reação moderada, por não ter sido excedido o razoável limite para Manzini, manifesta e perigosa contradição. is
da necessidade; proporcional, por outro lado, à gravidade das Outra questão que pode surgir, neste grupo de casos reu-
injúrias e à importância do direito lesado, honra de senhora nidos para efeitos meramente explicativos, é a das imunidades
honesta. 4G judiciárias, as quais, não assumindo caráter objetivo absoluto
Em paralelo se colocam outros casos idênticos: o revide a das imunidades anteriores, atingem, todavia, uma proporção
soco, apesar de se tratar de ofensas à honra, verbais, constitui considerável de ordem subjetiva e relativa.
legítima defesa, devendo considerar-se moderado o emprego Trata-se também de um instituto de direito público, criado
desses meios. 4í no interesse da liberdade de discussão de assuntos forenses.
A defesa da honra contra agressões verbais provoca uma . Em conseqüência de tal imunidade, as ofensas contidas em
série de conseqüências de ordem fática que devem ser solucio- escritos apresentados pelas partes, ou na discussão por elas pro-
nadas à ·1uz do direito. nunciadas, não são puníveis, porque o fato não constitui crime,
Uma delas é a do caso em que o agente, para defender-se, ainda que possa estar sujeito a sanções de ordem disciplinar.
é levado, obrigatoriamente, a revelar fatos degradantes e imo- Não há falar, assim, em exercício de legítima defesa a qual-
rais atribuídos a pessoas diversas daquela que o tenha ofendi- quer das partes ou terceiros que se lhes oponham. Aliás, a rea-
do. Ainda nesse caso, será legítimo o procedimento porque os ção seria supérflua, porque o mesmo direito lhes é facultado,
meios a serem empregados na repulsa serão adequados à neces- em cunho de igualdade e a retorsão de uma ofensa por outra
sidade dos fins, e se deve ter em vista a reação como dirigida estaria contida dentro do perímetro traçado pela lei ao conce-
ao agressor. der a todos o direito à imunidade que se discute.
Outra que se aponta é a de quem procure se defender re-
Já o terceiro que for atingido pela agressão não poderá se
torquindo ofensa partida de pessoa que goze de imunidades,
opor por via de defesa.
das quais as mais comuns são as parlamentares.
Abre-se uma exceção ao limite do uso e gozo do direito re-
A liberdade decorrente do exercício da função, que é um
ius singulare, retira ao agente o caráter ilícito do ataque que lacionado com a imunidade: se o abuso ofende sem necessi-
dade, será incriminável; e assim pode estar sujeito a uma legí-
46 Wilson Bussada, Legítima Defesa Interpretada pelos Tribunais, tima reação.
Rio, 1957, p. 47 e 152.
.rr Idem, ibidem, p. 62; Revista dos Tribunais, 352/256, 379/228, 48 Vincenzo Manzini, ob. cít., vol. 8, p. 374.
395/288 e 411/335.
202 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 203

74. PUDOR A lei penal extraiu desses conceitos o próprio, tutelando o


pudor como o sentimento e opinião média da população sobre
Do latim pudor, puâoris, em sua significação etimológica a moralidade sexual e como norma consuetudinária reconheci-
pudor significa vergonha, pejo, pudicícia, castidade, honra, ho- da pela lei de convivência civil a respeito do elemento sexual;
nestidade, pureza, virtude. entendendo-se por honra sexual a opinião que a generalidade
Expressa o sentido de vergonha que a pessoa experimenta da população professa em torno dos requisitos pelos quais uma
toda vez que um fato lhe possa ferir a pureza, a honestidade, pessoa deve resguardar-se moralmente incensurável sob o aspe-
ou a decência do sexo. to sexual.
Marciano o definiu como uma sensibilidade especial do gê- Radicado tanto no homem quanto na mulher, mais profun-
nero humano que, segundo os povos e os costumes do tempo, damente nesta, o sentimento do pudor está desenvolvído, com
impele a uma natural circunspeção relativamente ao pensa- maior ou menor intensidade, nas diversas camadas sociais, nas
mento e atitudes que evocam, embora em forma abusiva, os pessoas cultas e equilibradas, e mesmo nas abjetas e depravadas.
mistérios da geração e da vida dos sentidos. Vive sob forma rudimentar nos idiotas e deficientes men-
Prins o conceituou como uma regra geral, moral e jurídi- tais, nos quais se excluem todas as influências ambientais como
ca, que vincula com caráter abstrato o comportamento dos ho- causas determinantes. 40
mens. Manifesta-se como imperativo ético-jurídico que torna o Isso se mostra desde o esboçar da infância, interpretando-
-se o pudor como um senso inato da espécie, que a natureza
indivíduo responsável perante a sociedade. associou ao impulso sexual para frear os efeitos de sua irrup-
Entre os fatos que mais afetam a pudicícia individual, cão na vida espiritual dos jovens.
aponta Carrara o estupro, em primeiro lugar, a violência carnal Só pela aproximação da maturidade poderão fazer uso de
e o ultraje violento ao pudor. uma consciência inspirada nas leis religiosas e socíaís.
A integridade moral é tão sagrada como a integridade ma- Sua representação se faz, assim, pela reação motora e vis-
terial e qualquer força e resistência em defesa do pudor é e será ceral que se repete de vários modos em todos os instintos, só
sempre lícita. entrando no campo da faculdade mental superior com a evolu-
Um beijo lascivo, um apalpo obsceno, equivalem à ameaça ção do individuo para provocar contrastes emotivos entre o
àe estupro, autorizando a repulsa. "eu" inconsciente e os hábitos e costumes do meio, sanciona-
dos pela ·convivência civil.
Para os psicólogos, o pudor será, com suas diversas teorias,
Fornecendo uma excelência de conceitos sobre o pudor,
o senso da vergonha, reminiscência dos primogênitos bíblicos,
.aduz Carlo Ceni que no homem é assaz radicado, mantendo
depois do pecado original, que os compeliu a cobrir a nudez do
inalterado seu primitivo significado de força inata, de altíssimo
corpo; será uma reação emotiva, provocada pela violação ao
valor espiritual que serve para equilibrar a caudalosa brutali-
modo de agir e fixada, com sua evolução habitual, no campo
dade do erotismo, conformando-se ao sentimento ético da raça.
da vida sexual dos diversos povos; será o fenômeno do contras-
te interno do indivíduo, que tende a evitar a atenção alheia A impudicicia e qualquer ato de exibicionismo repugnam
sobre sua conduta sexual; será uma questão de hábito, adqui- o homem porque ofendem a razão.
rido no ambiente através dos tempos e gerações, fixado no
4D Carlo Ceni, L'Anima della Donna e le Leggi Naturali, Torino,
instinto. IS47, p. 150 e 151.
LEGÍTIMA DEFESA 205
204 M.ARCELLO J. LINHARES

o pudor é colocado no domínio do direito como bem jurí- propriedade de atrair a felicidade. Havia pinturas que represen-
dico e sua ofensa é objeto de tutela penal. tavam cenas de amor, e um grupo símbolízava a cópula de um
A moralidade pública e os bons costumes são atingidos sátiro e uma cabra" (Vida, Morte e Ressurreição de Herculano
quando houver uma violação ao sentimento de pudor e ao res- e Pompéia, Belo Horizonte; 1958, p. 171).
peito à honra sexual. Na Babilônia, as mulheres se prostituíam publicamente no
. As legislações resguardam a relativa moralidade média entre templo de . Mylitta. 111 . ,.
A prostituição religiosa era honrosa na Locnde, na Judeia,
os povos, a conduta comum em torno da sexualidade na vida
na Armênia e na Fenícia, onde foi exercida até os tempos de
social.
Santo Agostinho.
Quer se proteger a normal sensibilidade ética destes povos, A legislação de Licurgo permitia a mostra pública dos ór-
segundo uma equilibrada concepção da vida humana e da vida gãos genitais como finalidade sadia de, com o hábito, tornar-
social. -se a medida freio à excitabilidade dos .sentidos.
Tomando-se por base esse valor do homem normal, que vive Em Roma se venerava o culto de Vênus. As meretrizes se
com equilíbrio na sociedade de seu tempo, considera-se ofensivo apresentavam nuas nas festas e as atrizes se desnudavam nas
ao pudor o ato que constitua exaltação de instintos eróticos ou representações dos espetáculos.
suscite repugnância em pessoas normais. Os reis egípcios Ramsés e Keops prostituíram as próprias
O conceito de pudor, como o de outras objetividades jurí- filhas por dinheiro.
dicas é sempre suscetível de mudança no tempo e no espaço. Segundo Heródoto, as mulheres antigas de Sidra "ê ofere-
No seio de um mesmo povo, às vezes dentro de uma mesma re- ciam-se livremente aos estrangeiros. Certos bons costumes, ain-
gião geográfica,. e maior ainda entre povos diferentes, repre- da por ele mencionados, como os de Agatirsi e dos Messageti,
senta não um juízo estatístico, mas uma aferição de valor. hoje, segundo nossos conceitos éticos, não poderiam ser consi-
Na antigüidade, cujos costumes foram inspirados por maior derados mais torpes.
tolerância, com quebra ao conceito dominante de moral, o culto A própria Bíblia descreveu os banquetes lascivos do rei Bal-
do prazer sexual, por exemplo, era simbolizado pelo phallus, 50 tazar (Daniel, V).
exagerado membro viril, levado triunfalmente nas procissões e Montesquieu refere-se às "regras de pudor observadas em
venerado nas festas do Egito, índia, Sicília, Pompéia e Sião. quase todas as nações do mundo; seria absurdo violá-las na
Narra Comte Corti que nos trabalhos de pesquisa das es- punição dos crimes. Os orientais que expuseram mulheres a ele-
cavações de Herculano e Pompéia foram descobertos afrescos fantes amestrados para um abominável gênero de suplício qui-
de caráter erótico, dando provas de que os antigos se davam .eram violentar a lei pela lei? Quando a magistratura japonesa
às maiores liberdades nesse domínío; não hesitando em pintar determinou que mulheres nuas fossem expostas em praças pú-
ou esculpir cenas que hoje rejeitamos por imorais: "Cs orgãos blicas e obrigou-as a· andar como animais, fez fremir o pudor;
sexuais, como os símbolos da força e do poder criador, eram n.as quando quis coagir uma mãe . . . quando quis coagir um
freqüentemente representados; .suspendiam às paredes das ca- filho ... não posso concluir, fez fremir a própria natureza". ãa
sas piuülus de bronze ou de mármore, aos quais atribuíam a
;;1 Mylitta é d~usa assíria, referida por Heródoto e Strabão. Corres-
eo Figura que representa as partes sexuais do homem e que, nas
ponde Afrodite grega e à Astartéia fenícia.
à
.-,ê Golfo da costa de Trípoli.
festividades de Baccho, levavam seus admiradores como símbolo da
.. · Montesquieu, ob. cit., p. 185.
geração.
206 .MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 207

Com o evento do cristianismo, operou-se uma moderação bém que alguém poderia matar a quem quisesse atacá-lo com
nos costumes e, na Renascença, como se tem conhecimento, ofensa verbal, o que aberra de todo direito e razão. 56
através produções artísticas contemporâneas, o obsceno não era No período da Contra-Reforma, a arte figurativa começou
desprezado, nem reprimido. a se inspirar em princípios rígidos e moralístícos, Os costumes
No direito romano, a legítima defesa relativa à honra não correntes, embora revolucionários, não eram de todo favoráveis
podia faltar num povo em que o sentimento da honra era ele- à dilatação do obsceno, havendo ao lado de sua aceitação maio-
vadíssimo e as leis romanas nessa matéria eram severíssimas. res e mais fortes grupos de reação.
Assim, doutrinou Albertus de Gandino: julgaria mais ver- Hoje, por igual, não se prescindem· os elementos kantia-
dadeiro não tornar o homicídio inteiramente impunível por nos de tempo e de espaço para se conceituar o obsceno, ou o
motivo de honra, salvo nos casos expressos pelo direito, como que ofenda o pudor. O que é normal em licenciosidades em
no caso de quem mata o .estuprador, porque não existe homi- Cannes, Saint-Tropez, Bordighera ou San Remo, pode ser ao
cídio naquele que mata alguém que quer cometer o estupro mesmo tempo condenado em regiões centrais da França e da
pela força. 54 Itália, onde a exibição de regiões impudicas do corpo ou atos
que talvez na Riviera não tenham maior significação, podem
Ainda aí levava-se em conta a supremacia do instinto de
entretanto chocar a consciência média da gente simples da vida
conservação, revelado pela necessidade de se manter a integri-
rural.
dade física da pessoa.
Também, entre nós, o que se tolera rio litoral do país, onde
A honra da mulher, de modo especial, se tutelava como o nativos ou turistas se desnudam, em avanços que se avizinham
bem mais precioso da vida. Quem contra ela também tentasse do primitivismo, evidentemente não é aceito na comunidade
por via do rapto podia ser impunemente morto. interiorana, impregnada de um conformismo conservador, onde
Sênecà preferia a própria morte à perda da pudicícia. :;5 o freio da religião ainda atua como fonte de equilíbrio e
É conhecidíssima a famosa Lex Julia "De adulteriis coer- moderação.
cendis", que concede ao pai o direito de matar a filha e o Ocasiões há nas quais a licenciosidade faz armistícios, como
amante. durante a insensatez dos carnavais ou nos congraçamentos
Os Estatutos de Aviano acolheram o princípio, a que de- hippies; então, o que à vista da coletividade não causará es-
ram esta forma: quem encontrar um estuprador em sua casa, panto em momentos singulares, pode sofrer severa recrimina-
com a esposa, filha, mãe ou nora, pode matá-lo impunemente. ção moral em situações normais, nas quais os sentidos estejam
À tentativa de se ampliar o quadro da legítima defesa para mais prevenidos.
abranger a tutela do decoro e da reputação pública se opôs a A exibição impudica dos seios e do púbis, moda hoje nas
reputada doutrina de Farinacius, para quem a proposta amplia- metrópoles, jamais será compreendida pela mulher maometana
tiva de ser lícito matar em defesa da honra de modo algum de- ou muçulmana, cujos corpos encobertos velam ainda por sua
veria ser aceita, pois se a tese fosse verdadeira, seguir-se-ia tam- virtude elementar.
Por todos esses motivos os autores entendem tratar-se de
n•Albertus de Gandino, ob. cit., rub. 3. costumes a serem interpretados secundum legem (Bettiol), "'
05Sêneca - "Prcxima ab iis sunt, sine quibus possumus quidem
vivere, sed ut mors potior sii, tanquam libertas, et pudicitia et mens 56 Farinacius, Praxis et Theoricae Criminalis, quaest, 125, 42.
bana" (De benef ., l. 1, Cap. II). ~; Giuseppe Bettiol, L'Etficacia delle Consuetudine, p, 22.
208 MA RCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 209

preferindo outros considerar a matéria como regida por uma O juiz apreciará o caráter dela em face da espécie concre-
norma de direito não escrito, derrogante do direito escrito ta, julgando-a como um homem médio, agindo não com a ca-
(Maggíore). cs pacidade pessoal de avaliação do bem lesado, mas conforme ao
Será evidente, para Nuvolone, que quando fala a lei em sentimento da massa, que, no atual período histórico de sua
ultraje ao pudor ou em atos contrários à decência, refere-se ne- gente, tenha determinado a evolução ou o retrocesso r
dos
cessariamente a conceitos cujo conteúdo é' determinado, fora costumes.
da lei, pela consciência social, isto é, alude a conceitos essen- A ofensa ao pudor que a lei vai tutelar pela legítima de-
cialmente variáveis e cuja formulação, em larga medida, é de- fesa, portanto, é o ultraje à sensibilidade do homem normal, o
pendente de subjetividade de quem é chamado a julgar; fórmu- sentimento próprio de homens equilibrados e sãos, eqüidistan-
la aberta, encontra um ponto de referência muito incerto nos tes dos que se enrubescem ante atentados mínimos à ética se-
mesmos princípios estruturais da instituição. 59 xual, e dos estóicos às mais ostensivas exibições do sexualismo.
Ante o visto, a proteção do pudor, cuja ofensa é irrecusa- Cuida a lei, em síntese, de reprimir· os comportamentos
velmente' tutelada pela legítima áefesa, subordina-se à história lascivos, ao mesmo tempo em que se preocupa em endereçar a
dos costumes do povo que a considera, e de seu direito, devendo faculdade humana num desses sentidos socialmente válidos.
ser aplicada com base em seus hábitos, sem um critério uni- Explicam Chauveau e Hélie que o crime de violação e a
forme ou uma orientação normativa dogmática; porque aquilo tentativa desse delito colocam a pessoa, necessariamente, em
que no século passado ofendia o pudor de um povo pode não estado de legítima. defesa.
conservar hoje o mesmo valor negativo; bem como o que no o homicídio que se comete para se defender ante uma
oriente pareça à sua gente atentado ao pudor pode ser irrele- agressão ao pudor é legítimo, decisão que remonta à lei roma-
vante à ética ocidental. na: "Divus Hadrianus rescripsit; eum, qui stuprum sibi, vel
Os países nórdicos deram notícia de congresso recentemen- suis per vim inferentem occiderit dimittendum" (Dig., Ad Le-
te levado a efeito na região com o objetivo de exaltar a porno- gem Cornelia de sicariis, fr. 1, § 4, D. 48, 8).
grafia, o que, refletindo a evolução cios costumes locais, não A razão dada pelos antigos autores é que a desonra é coisa
deixa de ser escandalizante a. outros centros de cultura do mais grave e mais terrível que a própria morte: "plus est siu-
mundo. prum quam mors, et maior est tumor stupri quatti mortis"
A que.stão se prende, assim, ao elemento histórico e etno- (Farinacius, Quaest., 125, n. 44).
gráfico de cada gente, pelos quais se informa não haver noção Esses autores ensinam que é lícito, em conseqüência, ma-
ética mais variável no tempo q~anto a da moralidade pública tar o culpado: "pro defensione sui honoris ticituni est stupra-
e dos bons costumes. torem occidere".
A ofensa ao pudor, capaz de· suscitar uma reação legíti- Para Jousse a mulher que mata ·seu raptor para conservar
ma, vai ser entendida dentro de um critério, segundo o qual se sua pudicícía estará acobertada pela legítima defesa, sendo
traduza como um ato ofensivo ao sentimento comum da dig- mais digna de recompensa que de censura ou castigo.
nidade pessoal nos assuntos pertinentes ao sexo, em relação ao Outros doutrinadores chegam a justificar o crime se come-
tempo ou ao lugar onde se viva. tido depois da violação: "violentiam castitatis non solum quis
potest propulsare ne fiat, sed etiam inferentem hanc violentiam
ns Giuseppe Maggiore, .ob, cit., p. 121. in. flagranti crimine, licet occidere animo ulcisetuii" (Farina-
nn Píetro Nuvolone, ob. cít., p. 131. cíus, loc. cit.).
LEGÍTIMA DEFESA 211
210 MARCELLO J. LINHARES

Neste caso, entretanto, a legítima defesa haverá apenas no uma mulher, abraçada ou beijada, leia no coração de quem a
abraça e a beija para saber se ali se deterá, ou se prosseguirá
ato do flagrante; se o agressor perseguido sucumbir sob os gol-
violando-a; nem se pode pretender que sofra uma injúria, que
pes do agente, a violação consumada não justificaria o homi-
sempre manchará sua reputação, porque se as leís se aplicam
cídio assim cometido.
os homens sobre a terra e não para os que vivem no mundo
Com fruto em considerações de toda índole expostas, pode- oa Lua, deve-se admitir que o pudor pode perder-se irrepara-
-se dizer que. age em legítima defesa quem repele agressões pú- velmente inclusive antes que se perca a virgindade física; nem
blicas contra o decoro e a decência; quem age contra aquele se pode pretender que se deixe abraçar e beijar, esperando tran-
_que pratica atos obscenos em lugares abertos; quem se mani- quilamente para iniciar sua defesa quando a intenção do agres-
festa moderadamente lançando objetos contra os que, nesses sor se revelasse manifesta, quando para ela seria demasiado
lugares, realizem representações escandalosas; a mulher que se tarde". G<J
oponha pela força à insistência de quem procure atraí-la ou
Entre os casos de defesa do pudor, aponta o de uma mu-
induzi-la à prostituição; ou que a impeça de abandoná-la; a
lh r que sinta a mão impudica de um homem sobre o seu corpo
mulher que se oponha a seu rapto; quem não permitir, pela ne-
»n lugar de aglomeração ou em um veículo de transporte co-
cessidade do emprego da- força, o trabalho de corrupção que se
1 tívo e que, em revide, esbofeteie o inquietador; a legítima de-
exerça: ou que, por via de violência, se insurja contra propó- / a será perfeita e necessária; a reação não seria porém lícita
sitos de constranger alguém a praticar atos de libidinagem ou
meio empregado na defesa fosse um tiro de arma de fogo
simplesmente a presenciá-los; ou, com mais forte razão, a mu-
1,11 11 1 ão cometida com arma branca.
lher que tente resguardar sua virgindade ou, não sendo mais
Jl r ncluír, cita o exemplo que cada caso deve ser exa-
virgem, mesmo prostituta, se veja ante a iminência de ceder
d ntro de um prisma próprio e que, em cada bem ata-
pela violência; todas essas pessoas legitimamente se oporão a
·nc.l , faz precisa a imprescindível condição da necessidade
um ataque injusto à honra sexual.
<11 • pulsa, sem a qual não existe legítima defesa, nem perfeita,
Um beijo lascivo, dado ou tentado com violência, um to- 11!'111 1 m xcessiva.
que obsceno se equiparam, para os doutrinadores, ao estupro 1 1 n I l l ítím d f a m r lação a atos que, atin-
iniciado. 1il11 111 11 p11 ll r, l m p rígo que possa ser objeto de
Em relação, pois, ao problema da legítima defesa da honra, 1· 1 ' o 1 1 r anízação da vida social oferece por
que não deve ser tomada em sentido estrito, senão também no • e li ór o n tituidos mais que os particulares, a ela cabe
de honra sexual, é exata a explicação de Asúa, de que uma 1·< p llr ou punir ataques dessa natureza.
das mais comuns formas características desta é o pudor. Não será lícito o uso de arma para reprimir a ação de quem,
Reporta-se a Carrara, que se limita a falar que a agressão f ndendo o pudor, exibe seus órgãos genitais a uma senhora
contra o pudor se considera grave e que, portanto, pode ser u a uma moça inocente, ou de quem, em público, pratique fatos
repelida violentamente (Programma, 1, 314); e invoca Alimena que envolvam aberração do instinto sexual.
que, ponderando ser indiferente subordinar-se a defesa à imi- Se, entretanto, se esteja constrangendo torpemente algum
nência da violação, como exigiam Chauveau et Hélie, forneceu m nor à prática de atos obscenos ou sexuais, ou a cometer atos
valiosos conceitos com os quais justifica o caráter legítimo da uja dimensão se afastem daquela concepção social do pudor,
repulsa: "Basta notar que esta (a exigência da iminente viola-
. ção) não pode ter valor prático, porque não se pode pensar que ºº Alimena, apud Jiménez de Asúa, ob. cít., v. 4, p, 131 e 132 ..
212 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 213

provocando a justa revolta em quem assim surpreenda o agen- cuja reparação possa obter-se por via judicial, senão um ultraje
te responsável, é razoável que se justifique o comportamento que imprime mancha indelével sobre a vítima, máxime quan-
moderado visando a neutralizar a conduta anti-social do do, como diz a lei romana, não se consegue nunca restituir a
agressor. 61 castidad ou a virgindade: quum virginitas vel castitas corrup-
Nos tratados mais recentes sobre a legítima defesa, o pudor l a r titui non potest.
não deixa de ser considerado como bem essencial, tutelado pelo No mesmo sentido da admissibilidade da . defesa, mesmo
instituto. ·om o sacrifício da vida, em caso de ofensas à honra e ao pu-
No que toca ao Código do México, reúne Ibarra soluções dor, com os limites traçados pela moderação e pela necessida-
práticas dadas pelos tribunais em torno da legítima defesa da de, estão conduzidas as orientações jurisprudenciais dos países
honra; nela duas situações se apresentam: da América Latina especialmente do Brasil.
Sobre o vínculo matrimonial e a conseqüente dependência
a) a da mulher, a quem se queira impor cópula carnal, que dele resulta para a mulher, pondera Bento de Faria que
normal ou anormal, contra sua vontade; ou ao varão, contra ele não retira a esta última o direito de legítima defesa de seu
a natureza, sem seu consentimento; neste caso, de honra e de pudor contra o próprio esposo. Assim, quando pretenda sujei-
pudor sexual, a própria vítima os pode salvaguardar, mediante tá-la a práticas contra a natureza, reveladoras de psicopatia
a legítima defesa, dela ou de outra pessoa, se concorrem os libidinosa, ou quando embriagado ou infeccionado, constituir 0
requisitos da causa de justificação, integrantes da legítima de- ato sexual uma séria ameaça de mal iminente, pode ela pre-
fesa do pudor; servar a própria saúde, evitando a fecundação nociva. Tais atos
b) o do cônjuge, em1 relação adulterina, ou a filha com do marido devem ser tidos como violência injusta, permitindo
seu corruptor, que voluntariamente se entreguem à cópula e a reação pela força. (lJ
são surpreendidos em tal ato ou em ato próximo à respectiva
consumação, pelo cônjuge inocente ou pelo pai, que tenha esta
última sob seu poder. Nesta situação, o pudor, a honra e a li-
berdade sexual do cônjuge culpado ou da filha não são objeto
de agressão por parte de quem copula com tais pessoas, e o côn-
juge inocente, privando da vida, ou lesando os ofensores, não
repele agressão atual com perigo iminente para a honra deles,
por se achar consumada a injúria, não se evitando, com sua
atitude, mas só se produzindo um desabafo passional pela for-
ma de vingança; e não se poderá falar, portanto, em legítima
defesa. 62
Os doutrinadores alemães afirmam que a honra é para a
mulher um direito tão apreciado quanto a própria existência.
Não é esta ofensa como a injúria comum, verbal ou de fato,

ut Adolphe Prins, ob. cít., p. 192. ºª Antonio Bento de Faria, Código Penal Brasileiro Comentado, Rio,
i;~ Miguel Angel Cortes Ibarra, ob. cít., p. 153 e 154. 1958, V. 2, p. 202.
LEGÍTIMA DEFESA 215

-
Entre os antigos lacedemônios, houve tempo em que o adul-
tério não era considerado como crime, mas até passava por um
fato comum da vida cotidiana. Mas esse estado de coisas não se
manteve, chegando-se depois a considerar o adultério crime
punível com pena de morte.
CAPI.TULO XI Os atenienses não eram mais indulgentes que os seus vizi-
nhos, adotando a pena capital.
ALCANCE DA LEG1TIMA DEFESA Já os gregos não se simpatizavam muito com o crime pas-
:;! nal, porque sabiam· muito bem arranjar-se com as mulhe-
75. Honra conjugal; flagrante adultério. 76. Correntes doutri- 1· s e praticavam um certo gênero de poligamia.
nárias negando a legítima defesa da honra conjugal. 77. Opi- Nós temos, dizia Demóstenes, hetairas para os nossos pra-
niões favoráveis. 78. Posições intermédias. 79. Nossa posição.
z res, concubinas para o serviço cotidiano, mas as esposas desti-
80. Idem. · A consciência coletiva brasileira em torno da honra
nam-se a dar-nos filhos legítimos e a velar fielmente pelos ne-
conjugal. A pressão do meio. 81. Idem. O homem médio. 82.
Idem. o argumento de concessões legais e do recurso às vias gócios da casa. 1
cíveis. 83. Idem. O histórico do direito pátrio. 84. Idem. A A Lei das XII Tábuas omitiu-se quanto à punição, embora
tutela da honra conjugal. 85. O adultério do marido. rias Leis Régias fosse o assunto duramente tratado.
Jayme de Altavilla nos informa que "nas estilhas do livro
75. HONRA CONJUGAL; FLAGRANTE ADULTÉRIO de Rossi 2 há um dispositivo que manda o marido e os irmãos
punirem convenientemente a mulher adúltera. Só no longo e
o vigente Código Penal brasileiro pune o adultério com fecundo tempo de Augusto foram promulgadas as Leges Juliae
quinze dias a seis meses de detenção, em seu art. 240, pena em que, entre outros imperativos, continha de adulteriis. Natural-
que também incorre o co-réu (§ 1.0 ). mente, com a patria potestas, o delito ficava circunscrito ao tri-
Adultério é a conjunção carnal voluntária mantida por um bunal doméstico e somente ressumavam à epiderme social aque-
dos cônjuges com pessoa diversa. * les casos de suma importância, pela notoriedade das partes. Mas,
nem todo mundo tinha a concepção de Júlio César, de que a
Violando a ordem jurídica matrimonial, que é instituição de
sua mulher, mesmo inocente, não deveria ser suspeita a nin-
direito público, e a conseqüente lesão do interesse estatal cor- guém". :i
relato, foi o adultério punido desde as antigas legislações.
Sob o direito romano, em todo o período republicano, não
Do código cuneiforme de Hamurabi, retirado dos escom- era o adultério condenado com pena pública, se bem constituísse
bros de Susa, consta que, se a esposa de alguém é encontrada em um fato moralmente reprovado que interessava sobremodo a fa-
contato sexual com outro, deve-se amarrá-los e lançá-los n'água, mília. O marido ou o pater familias da mulher se a surpreendesse
salvo se o marido perdoar à mulher, ou o rei, seu escravo. em flagrante, poderia matá-la e· o co-réu do adultério (ictu et

1 León Rabinowicz, O Crime Passional, São Paulo, 1934, p. 143.


• Adulterium est accessus ad torum aZienum; quare praeter luxuriae
- Filippo de Rossi, Ritrato di Roma Antica, Roma, 1645.
reatum malitiam habet Zaesi turis aZieni gravissttni, ejusque sacro ena- '1 Jayme de Altavilla, Origem dos Direitos dos Povos, São Paulo,
raetere sacramenti aff ectt. p. BL
216 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 217

. '

uno impetu utrumque debet occidere, L. 23, Dig., Ad Leg. Jul. de de defesa contra o violador da honra conjugal surpreendido in
Aâuiteriis, Farinacius, Quest., 121, n. 24). ipsa turpitudine, in ipsis rebus Veneris.
Para o primeiro, a faculdade correspondia a um exercício re- Até então a lei admitia que a morte fosse dada no primeiro
gular do poder de vingança a ser exercido em caso de flagrante; momento de indignação, porque a cólera não sabe distinguir
para o segundo, uma decorrência do ilimitado pátrio poder, que entre os culpados: "quia lex parem in eos qui deprehensi sunt
atingia os limites do direito de vida ou de morte; e que podia indignationem exigit et requirtt" (L. 32, Dig., Ad Leg. Jul. de
ser praticado, mesmo sem a ocorrência da condição do flagrante, Adulteriis).
se a respeito consultados parentes ou vizinhos. O direito romano concedia esse poder de vingança ao pai,
Sob o principado, várias cominações foram estabelecidas mas o interditava ao marido - patri, non marito, mulierem
para punir a mulher adúltera: a infâmia, a relegatio, a deporta- permissum et occidere (L. 22 cit.).
tio, além da morte a que estava sujeita, quando encontrada em Partindo da opinião de ser ridículo levar diante dos juízes
flagrante pelo pater familias (patri datur ius occidendi aâuite- uma culpa puramente moral, devendo o adultério escapar-se à
rum cum filia quam in potestate habet - L. 20, Díg., Ad Legem sanção do direito (Voltaire - a sociedade fez uma convenção
Jul. de Adulteriis). secreta de não perseguir os delitos, estando acostumada a rir ... ),
A punição extrema perdurou no direito pós-clássico e [ustí- ou da posição assumida por Beccaria, Filangieri, Pessina e
nianeu a despeito da influência do cristianismo, preocupado com Lucchini, criticando o sistema tradicional que nada mais apa-
a mais ampla defesa da família. r nta senão o instrumento do baixo sentimento de vingança,
O direito intermédio obrigava o marido, ainda quando coni- 11m fort corrente doutrinária chega à extremada concepção
vente ou instigador da mulher na prática do adultério, a matá-la, 1. órica de Manzini, Bettiol, Antolisei e La Medica, os quais,
no caso ein que os adúlteros fossem encontrados em flagrante. d ntre alguns outros, negando o direito de defesa ao marido
Só com o triunfo dos ídeaís da Revolução Francesa foi o traído no flagrante adultério da mulher, a liberalizam em favor
d agressor repelido pela violência.
adultério colocado em bases totalmente diversas.
Também Borghese concede ao amante violador do domi-
Substituído o conceito de matrimônio como "sacramento"
1•flto, surpreendido em flagrante, o benefício da legítima defesa
pelo simples conceito de "contrato", o cônjuge traído teria ape-
· ntra o marido ou o pai, ainda admitindo que, nesse caso, a
nas no divórcio o remédio de ordem civil para a solução dos casos
ação dele, como primeiro agressor, tenha sido contrária ao dí-
de inadimplência; abrandando o rigor das primitivas, as leis
penais passaram a considerar o adultério crime contra a ordem
r ito.
da família, punindo-o mais brandamente. E Ranieri professa que, podendo ser injusta a agressão pro-
vocada pelo agredido, lícito será a este defender-se contra o ma-
76. CORRENTES DOUTRINARIAS NEGANDO A LEGfTIMA rido que o agrida, entendendo que a provocação não se envol-
DEFESA DA HONRA CONJUGAL verá de caráter doloso, isto é, não se caracteriza pela intenção
de ofender ulteriormente o agressor ou de procurar deliberada-
A longa referência ao processo de incriminação do adulté- mente uma escusa.
rio na história serve ao reforço da posição dos que, embora com Radical é o pensamento de La Medica: podem a mulher
prudência ou vacilações íntimas, enfrentam essa poderosa le- adúltera e o amante surpreendidos em flagrante adultério in-
gião de doutrinadores que negam ao cônjuge inocente o direito vocar a legítima defesa se responderem com violência à violên-
218 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 219

eia vingadora do marido traído? As violências do marido são con-


mesmo como causa justificadora, preferiu depois admiti-la como
sideradas injustas e podem fazer surgir no provocado agredido
forma de circunstância eximente ou atenuante; e finalmente
a faculdade de repelir a força pela força. 1
elogia os códigos alemão e italiano, para situar o homicídio in
Jiménez de Asúa censura essa "forma curiosa", como se re-
rebus Veneris no plano da inimputabilidade absoluta ou rela-
fere, de defesa da honra conjugal. Se a legítima defesa consiste
tiva e não mais no da justificação, coÍn notável rigor técnico que
em impedir ou repelir uma agressão atual ou iminente, e como
priva o ato criminoso de seu clássico conceito de direitos. u
se sabe, nunca pode ser alegada quando ela é passada, o marido
que se sabe enganado, que zela, fiscaliza e afinal logra sur- Aderindo às orientações que negam a legítima defesa da
preender os amantes juntos para matá-los, conforme as mais honra conjugal, mesmo em caso de flagrante adultério, na Amé-
exigentes e clássicas regras, não repele ou impede uma suposta rica Latina, dentre outros, se incluem Mendoza, na Venezuela,
agressão contra a sua honra, que sabe ter sido consumada há Diego Vicente Tejera, em Cuba, González de la Vega e Carranca
muito tempo, a menos que se invoque um preceito legal equí- y Trujillo, no México.
voco ou uma falsa interpretação do artigo em que se configura Os atos alheios, discorre González, morais ou imorais não
a legítima defesa. 5 imputáveis, não podem afetar nossa honra. 7
Segundo Díaz Palos, o homicídio in. rebus Veneris, que é um Entende Carranca que a liberdade de conduta da esposa,
homicídio por justa dor, afetando mais a culpabilidade, como mesmo quando distanciada do costume do meio, não pode esti-
está nos códigos alemão, suíço e argentino, deveria figurar entre mar-se como agressão contra a honra do marido; o uxorícída,
as causas que afetam a culpabilidade e não as de justificação, m caso de adultério, representa de todos os modos um indi-
como constava de alguns códigos e mesmo na Espanha até 1963. víduo perigoso, ao qual se não deve aplaudir; ainda que se qui-
Ainda quando na hipótese de flagrante, a mentalidade de sesse admitir que defende sua honra, não será possível tratar
hoje estima totalmente desproporcionada tamanha reação, pas- de igual maneira o homicídio cometido em legítima defesa
sados os tempos em que tais ofensas à honra precisavam ser la- com o que é realizado para vingar o direito à fidelidade e que
vadas com sangue. Hoje, a concepção de honra conjugal é dis- teria sido ultrajada. x
tinta, não pela maior depravação dos costumes, senão porque Atente-se, entretanto, para a contradição com o que adiante
se entende _que a dignidade do homem reside em seus atos e escreve, no mesmo local de seu Tratado: "o adultério constituí
não na conduta do cônjuge. uma patente agressão contra a fidelidade conjugal, agressão
A troca de mentalidade em tal matéria, para ele tão cir- ilegítima, porque nenhum preceito legal a autoriza, nem ao
cunstancial e influenciada pela valoração social, forçosamente menos as conveniências sociais" (Tejera).
irá refletir no seu tratamento jurídico. Admite, como se vê, uma autêntica agressão, a que decorre
Assinala o magistrado espanhol que o penalismo de sua do desrespeito à fidelidade conjugal, e a deixa desguarnecida.
terra já se alinha neste pensamento, sendo significativa a evo- Para ele, a perda dos direitos de família será a conseqüên-
lução de Quintano Ripollés a respeito do assunto. Se a princípio cia única do descumprimento dos deveres conjugais. 11
havia ele admitido a possibilidade da legítima defesa da honra
como causa de inimputabilidade, atraindo a crítica de Asúa, ou " Fernando Díaz Palas, ob. cit., p. 36 e 37.
• Francisco González de la Vega, Derecho Penal Mexicano, 3.ª ed.,
La Medica. ob. cít., p. 72. México. 1944 . t. 1, p. 105.
Jiménez de Asúa, Trat .... , cit., p. 145. " Raúl Carranca y Trujillo, ob. cít .. t. 1, p. 335.
11 Idem. ibidem.
220 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 221

I~~oca o magistério de Macedo, em comentários ao Código conduta da esposa e do amante. Os atos de desforço do marido
do México de 1871: "Não é o caso de legítima defesa o uxoricí- serão, pois, de vingança, por isso que a ofensa já estará consu-
dio por adultério, porque então não há nem agressão nem vio- mada. Afinal, matando, ele não salvará sua honradez, concor-
lência; mas, como o motivo de quem o cometeu foi um senti- rendo, ao revés, para tornar mais pública e escandalosa a con-
mento elevado que, longe de fazê-lo temível, se acredita como duta condenável do outro cônjuge. 11
~101:r~do e ~igno, reduz-se consideravelmente a pena porque 0 Lemos Sobrinho reuniu outros argumentos, classificando
indivíduo nao é um criminoso perigoso, sua temibilidade é ín- de indulgência, destituída de qualquer justificativa, a absolvi-
fima; teoricamente, contudo, não há legítima defesa". ção do marido que mata a esposa infiel, porque a lei a repele e
A defesa da honra conjugal é repudiada, como se vê, sob 0 a justiça a. condena: "É, dizem, uma concepção errada da de-
fundamento comum de que a dignidade do cônjuge, longe de fesa da honra, fomentando, por esta forma, a prática de delitos.
es,tar na conduta do adúltero, reside, ao revés, em seu próprio Incontestavelmente, a fidelidade é um dever dos casados. O côn-
proceder, em sua nobre e serena conduta perante a família e no juge infiel comete um crime, é indigno de continuar na vida
convívio social. conjugal, cujos liames vilmente rompeu. Mas, acrescentam, não
Ilegítima a reação sob o ponto de vista jurídico-penal, não é assassinando a infiel que o marido lava a sua honra e desa-
se ~o~e pretender que o cônjuge atingido pelo adultério tenha grava a moralidade do seu lar; ao contrário, mancha as suas
o direito de matar ou ferir. mãos. torna-se criminoso e derrama no lar, já desonrado, o san-
~ão as credenciadas opiniões, no direito brasileiro, de Ma- gue de uma vítima, para satisfazer os caprichos de sua vai-
galhaes Noronha e Frederico Marques. dade ofendida".
O primeiro pergunta: "Por que se dizer desonrado o marido Empresta certa razão aos que assim pensam, explicando
que, ao se saber iludido, divorcia-se ou desquita-se? Se ele se que a mentalidade antiga era simples conseqüência dos costu-
porta com dignidade e correção no _convívio social, por que será mes, porque a mulher, ao casar-se, ficava sob a autoridade· do
desonra~o? E sobretudo, por que colocar-se sua honra na con- marido, que substituía a do pai.
duta abjeta de outra pessoa, e, principalmente numa parte não Mas, "a época atual deu nova orientação à educação do-
adequada de seu corpo? méstica, estabelecendo um novo regime de relações entre a es-
Para ele, desonrada é a mulher que prevarica, sendo absur- posa e o marido", tornando-se em tais condições necessário co-
~o querer que o homem arque com as conseqüências de sua locar a legislação e a moral na conformidade dos costumes.
falta. Diz da evolução da vida, não se podendo lançar mais sobre
Não há, assim, legítima defesa· no caso, mas sim na frase os maridos a pecha de ridículos, unicamente porque as esposas
b:ut~l, ~as verdadeira, de Rabinowicz, "orgulho de m~cho ofen- lhes enxovalham o lar: "Quando isto acontecer, isto é, quando
~1do , nao passando "esses pseudodefendentes da honra" de as ironias da sociedade caiam única e devidamente sobre as mu-
meros matadores de mulheres". 10 lheres que traírem, indicando-as como entes abomináveis e des-
N~a~a encontrando de legítima defesa na morte dada por prezíveis, e não sobre os homens que forem traídos, deixarão
um co~Juge a outro no flagrante adultério, pondera também eles certamente de matá-las num assomo de dor irreprimível,
Frederico Marques não haver desonra para O marido na má pelo menos com a freqüência que ainda se observa".
10
Edgard Magalhães Noronha. Direito Penal São Paulo 19o;9 v 1 José Frederico Marques. Curso de Direito Penal. São Paulo, v . 2.
p. 247. ' ) V> ' •
!). 1 '2~.
223
222 MARCELLO J. LINHARES

Vacilante, a jurisprudência ora pende para negar, ora para rantias e consectáríos do processo judicial, mas morte imposta
admitir a defesa da honra em caso de flagrante adultério. pelo ofendido, sem forma nem figura de juízo, num pretório de
paixão, em que falam, apenas, as vozes cegas da cólera e da
Reuniu Almada 12 uma série de decisões de nossos tribunais
mostrando a inclinação contrária à outorga da escusativa, sob vingança. 13
a súmula de que a infidelidade da mulher não autoriza o des-
Também Bussada agrupou outra série de julgados, nos
forço do marido contra o sedutor dela. E em nossa obra prática
quais se firmaram conceitos idênticos aos anteriormente ex-
"Co-Autoria e Legítima Defesa", S. Paulo, 1979, v. 2, p. 492 e postos. H

segs., fizemos uma coletânea de decisões, mais recentes ainda, Além de todos esses motivos, tem-se argumentado com
que dão à matéria a mesma orientação. outros: a lei erige em causa especial de diminuição de pena, ou,
A honra, como atributo personalíssimo, não depende de ato
quando pouco, em circunstância atenuante, o fato de haver o
de ninguém, não havendo razões, por isso, para que se consi-
agente cometido o crime sob o domínio de injusta e violenta
dere desonrado um homem só por lhe ser infiel a esposa.
emoção logo em seguida à injusta provocação de sua vítima; e
se disciplina tal espécie, certamente nela prevê o homicídio co-
Nem seria edificante admitirem-se impulsos criminosos com
metido em flagrante adultério, não se concebendo que se possa
amparo na justiça, quando ela própria, pelo direito positivo, in-
reconhecer a escusativa numa modalidade de fato para o qual
dica e oferece outras soluções, diversas do crime, possibilitando
ao marido ultrajado libertar-se da mulher indigna.
exista uma norma especifica regulando-o.
Em uma de suas mais recentes manifestações, o Tribunal
Mais contundentes, certas inclinações argúem que a con-
de Justiça de São Paulo, embora por maioria de votos, voltou a
cepção de honra e o direito de vida ou morte do marido sobre a
negar a defesa da honra em caso de homicídio perpetrado quan-
mulher -~ignificaria legitimar a regressão a tempos primitivos,
do da prática de adultério. m
dando à honra conceituação excessivamente sexual, largando
Os fundamentos do julgado foram os seguintes: "Invocada
de lado o patrimônio espiritual que, antes, necessita refletir.
a infidelidade conjugal, só há ressaltar que o direito não auto-
Se a mulher acede e concede, se é adúltera, não há que in-
riza a pena de morte que se pretende justificar, imposta à exe-
vocar a legítima defesa em favor do marido, que terá no des-
cutada pelo cônjuge traido, à revelia dos tribunais. A lei prevê
quite o meio civil de resguardar o recato e o patrimônio moral
para a hipótese sanções outras, de ordem civil ou criminal, e
da família; ou, na queixa pelo crime de adultério, o instru-
adverte que a emoção ou a paixão não excluem a responsabili-
mento penal para atingir o culpado, se não preferir a nobreza
dade penal. Sustentado que o adultério desonrou o cônjuge ino-
do silêncio ou o castigo do despre~o.
cente, bem é de ver que a violência homicida não defende um
O que se não poderá admitir é que se possa "lavar" a alvu-
bem que já deixou de existir. Apenas vinga-o, exigindo em troca
ra da honra maculada, tingindo-a rio sangue de uma vida, que
o sacrifício de outro bem, por igual personalíssimo: a vida pela
nem por mal vivida é vida que nos pertença.
ra Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, in B.evista dos
Não se pode tolerar que o homicídio por adultério passe a
Tribunais, 199/96.
ser, contra a tradição civilizadora do país, "contra toda a do- 1.t. Wilson Bussada, ob. cít., p. 44, 47, 48, 53, 54, 56, 60, 61, 62.
çura de nossos foros jurídicos", o único delito punido com pena 1G Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 9 de agosto
de morte. E morte infligida não pelo Estado, através das ga- 1971, na Ap. n.0 111.306, rei. Des. Acácio Rebouça, in Revista dos Tri-
bunais, 432/308. Manteve a orientação no acórdão publicado na· Bevf&ta
12 Célio de Melo Almada, ob. cít., p. 125 e segs. dos Tribunais, 549/303, relator Onei Rafael.
224 MARCELLO J. L:ENHARES LEGÍTIMA DEFESA 225

honra. O labéu permanece, a honra atingida não se restabelece sua personalidade e ainda determinam a sua conduta. O Prof.
mais, e ao desonrado só resta o conforto íntimo de haver lavado Charles Blondel mostra que os símbolos e as crenças, os costu-
o cadáver de sua honra com o sangue do ofensor. Daí por que mes, inclusive o que se diz preconceitos, penetram no conteúdo
não há vislumbrar defesa, mas vingança tão-somente". das consciências individuais, modificando-as, determinando,
imperativamente, o comportamento de cada um. Não será assim
77. OPINIÕES FAVO RÃ VEIS justo. julgar um homem sem se atender a esses fatores que o
grupo social lhe impõe, exigindo-lhe a superação de si mesmo,
Iniciemos pela jurisprudência, mostrando que, em contra- ou que ele se eleve a um sistema de regras de convivência pró-
partida, nem menos numerosos, nem menos substanciais, tal a prias de pessoas de nível intelectual muito mais refinado do que
profundidade de seus alicerces, apontam-se incisivos julgados o seu".
defendendo a tese do cabimento da legítima defesa para os casos
Natural que esses conceitos também sirvam para justificar
de flagrante adultério.
a defesa da honra por flagrante adultério em casos de simples
Desde uma cautelosa decisão, que disse ter agido "com
uniões de fato, nas quais, se realmente o vínculo do casamento
muita prudência e moderação" o marido que surpreendera, no
está alheio, nem por isso se dispersam os laços de fidelidade e
recesso do lar, a esposa nos braços do amante, e "simplesmente
mútuo respeito que não decorre apenas do compromisso civil.
o agredira", tu até a destemida, humanitária e sobretudo irre-
preensível solução dada à questão do companheiro que elimi- Salientou oportunamente o Desembargador Maércio Sam-
nara a amiga e o homem em colóquios amorosos no pobre leito paio que, se réu e vítima, amasiados por longo tempo, coabi-
conjugal, sobreestimando a união, dessas muito comuns nos tavam e residiam sob o mesmo teto, não há negar que, em tal
meios rurais, todas elas, que não são poucas, partem da ínar- emergência, não obstante a união ilícita, subsistia um dever de
redável premissa de ser o adultério ofensa a bem relevante, ju- fidelidade entre ambos, uma vez que se não cuidava de relações
ridicamente protegido, fazendo surgir entre os deveres dos côn- esporádicas, mas de união com traços de permanência.
juges o da fidelidade conjugal. "A não se entender dessa maneira, principalmente no meio
Exigir outra conduta do marido que mata a mulher ao rural, em que as uniões de fato são costumeiras e geram uma
surpreendê-la em flagrante adultério é o mesmo que afastar a prole que é protegida, inclusive sob o aspeto da honra familiar,
realidade da vida, tal como o concebe o homem comum, de cujo e se teria a justiça a legitimar a infidelidade nos lares, em nome
meio são escolhidos os jurados. 17 de sua formação irregular."
Julgou o Desembargador Odyr Porto, na apelação a que se Ora, no caso em exame, o agente encontrara a amásia em
fez referência (nota 15), que "se é c_erto que no impulso da rea- plena realização de um congresso, em seu próprio leito, daí re-
ção do ódio e da vingança do marido que surpreende a mulher sultando a agressão que vitimou os amantes.
em flagrante adultério existem fatores negativos relacionados a
Assim concluiu: "Não há que se dizer que a honra é atri-
preconceitos sociais, vigentes em algumas camadas da coletívi-
buto pessoal e intransferível, que a justiça, sem discrepância,
dade,· não se pode porém julgar um homem sem a considera-
ção dessas normas culturais que atuaram sobre a formação de tem repelido a defesa. Ao revés, em vários julgados .essa exclu-
dente de criminalidade tem sido acolhida pelos tribunais, es-
Hl Revista dos Tribunais, 403/300. pecialmente quando a ofensa foi verificada na sua flagrância
11 Revista dos Tribunais, 389/101. pelo réu ofendido (Rev. dos Tribs. 389/101); neste destacou-se
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 227
226

o sentimento de nosso homem comum, que não se compadece o marido foi surpreendido ante a consumação do delito e desde
com situações dessa natureza, em que, a seus olhos, se vê atin- que não tenha tido outro meio de o prevenir senão o homicídio,
gido e sofre pela honra ultrajada". rs ele estará coberto pela necessidade da legítima defesa. 20
Também o Desembargador Cardoso Rolim, em acórdão do Apesar de seu direito prever como causa especial de redu-
Tribunal de Justiça de São Paulo, como relator, mostrou ser ir-
relevante argumentar-se que o mau procedimento da esposa ção de pena o homicídio cometido pelo cônjuge contra qual-
não enegrece a honra do marido, porque tal não é o entendi- quer dos culpados por adultério encontrados em flagrante, ou
mento popular que ainda vigora na sociedade brasileira, mor- em sua própria consumação, ou contra ambos, alguns doutrina-
mente nos meios rurais de pouca ilustração. O conceito genera- dores mexicanos, mesmo assim, ante a indicação normativa tão
lizado é que o marido é atingido no máximo em seu decoro de específica para a solução do caso, preferem colocar-se na po-
homem casado, sentindo-se humilhado e completamente dimi-
nuído perante seus familiares e conhecidos, ficando enxovalhado sição partidária do reconhecimento da legítima defesa.
e para sempre desacreditado se não tiver uma reação à altura. Dentre eles, Demetrio Sodi e Clotario González.
Segundo seu voto, proferido em acórdão tomado à unani- Carranca y Trujillo estuda o conjugicídio por adultério e
midade, "ninguém em sã consciência pode negar que a honra relembra que, nas Partidas, de tanta influência sobre· a forma-
do cônjuge está intimamente ligada à do outro enquanto durar
ção .do direito em sua pátria, se permitia ao marido matar, sem
o matrimônio e subsistir a convivência. Assim, se um deles pre-
pena nenhuma, o homem vil que encontrasse em sua casa ou
varica, especialmente se for a mulher, o outro sente-se humi-
lhado e ofendido. A honra do casal é como se fosse uma só. O noutro lugar, jacente com sua mulher.
descrédito de um reflete no outro e o ataque desferido contra Esta ficava poupada, mas seria entregue ao julgador, para
o marido ou a mulher atinge sem dúvida a mulher ou o marido. que· contra ela se fizesse a justiça que a lei manda.
E nem se-poderia entender de modo contrário quando é a pró- Na Novíssima Recopilación, que punia com pena de morte
pria sociedade que condena, que escarnece, por indigno, o pro·
cedímento, a conduta conformada do esposo, ante o adultério da o homicídio, se ressalvou o caso de quem encontrasse sua mu-
consorte". 19 lher em sua casa em prática de adultério.
Na doutrina, festejada é a opinião de Bertauld: a mulher De idêntica forma foí o assunto regulado pelo primeiro or-
e o amante surpreendidos em flagrante adultério no lar con- denamento penal mexicano, o Código de Vera Cruz, de 1835, se-
jugal não têm o direito de matar o marido para a proteção de gundo o qual não estava sujeito a pena alguma o homicídio que
seus dias contra uma vingança que a lei declara escusável, por-
que eles são os agressores; eles são atacados não pela vida do se cometesse, dentre outras hipóteses, quando qualquer dos
marido, mas por sua felicidade e por sua honra doméstica. Se cônjuges encóntrasse o outro em ato de adultério, em ação pre-
paratória, ou próxima; dispositivo esse revigorado pelo Código
as Maércio Sampaio, voto como relator na Ap. n. 99 .182, de São de 1929, que consagrou uma escusa absolutória, desde logo des-
Paulo, Revista dos Tribunais, .407/100.
10 Cardoso Rolim, voto como relator na Ap. n. 31.191, de Sertão- conhecendo sua punição, depois da inflexão legislativa sofrida
zínho, São Paulo, Revista dos Tribunais, 325/365. · com o Código de 1871, que, a exemplo do Código espanhol,.em
No mesmo sentido dos acórdãos precedentes, anotem-se os seguin-
tes, proferidos supervenientemente à 2.ª edição da· presente obra: que se inspirara, havia preferido atenuar a pena e não exculpar
1) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, relator Ivo. Sell, in Ju-
risprudência Catarinense, v. 29, p. 460; 2) do Tribunal de Justiça de
o fato.
Minas Gerais, relator Freitas Teixeira, in Jurisprudência Mineira,
v. 84, p. 221; 3) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relator ~0 A. Bertauld, Cours de Ccâe Pénal et Leçotts de Législation Cri-
Ladislau Fernando Rohnelt, in .Revista de Jurisprudência do Tribunal mrnelle, Paris, 1373, p. 363.
de Justiça do Rio Grande do Sul.
228 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA

Na Espanha é conhecido o pensamento de Castán Vásquez, na recente tese de Roque de Brito Alves, Homicídio por Adul-
favorável à admissão da legítima defesa da honra como castigo tério, favorável à plena legitimidade jurídica e cultural da
aos adúlteros. 21 ação defensiva da honra conjugal contra a flagrância do adul-
No Brasil, Tobias Barreto, embora. negando a possibilidade tério". 21 Igualmente, Olavo Oliveira. 2r,
da legítima defesa em caso de flagrante adultério, escusa quem, Roque de Brito defende a legítima defesa perante o fla-
ao entrar no leito conjugal, deparando a viva prova da infide- grante adultério, sob os mesmos princípios e exigências legais
lidade de sua mulher, assassina de ímpeto os dois culpados, para a defesa de qualquer bem jurídico, caso haja necessidade
por ser vítima de uma espécie de violência moral; o sentimento de uso de meio drástico, da violência física, embora com re-
da honra ofendida, em certas condições, é também uma força sultado fatal para o agressor injusto. zu
irresistível, que exclui a criminalidade. 22 O Código Penal da França considera escusável o homicídio
Viveiros de Castro sentenciou que a honra conjugal pode cometido pelo marido que mata a esposa, o cúmplice, ou a am-
estar perdida, mas o que o cônjuge defende é a própria honra, bos no instante em que os surpreende em flagrante adultério
e não mais a do lar, a sua dignidade, o seu bom nome, o con- no lar conjugal, dispositivo esse tradicional, remontando aos
ceito da sociedade, e não apenas a reputação. conceitos primitivos do direito romano.
Borges da Rosa acentuou que quem não atender ao impe- Desde que a mulher e seu cúmplice sejam surpreendidos em
rativo imposto pela opinião geral pode considerar-se moral- situação na qual não se permite duvidar que o adultério acaba
mente morto. de ser cometido ou que se irá praticar, como no caso de se acha-
Entendia Leão Starling ser indispensável à legítima defesa rem os cúmplices solus cum sola in eodem lecto, existe o fla-
da honra.conjugal a concorrência dos requisitos da legítima de- grante, evidente a culpabilidade.
fesa pessoal, e, assim, se o marido, tempos depois de saber que a A cólera do esposo traído é escusada nestas circunstâncias,
esposa lhe é infiel, mata o co-réu adúltero, exerce simples ato de com a vingança da honra conjugal.
vingança. Já à mulher que surpreender seu marido em flagrante de-
Só terá o direito de invocar legítima defesa se o crime for lito de adultério no próprio lar conjugal, não se estende o mes-
cometido em flagrante adultério. 23 mo direito, restrição universalmente criticada.
Discorreu Custódio da Silveira que, "na prática forense, o Exige a norma penal que o fato aconteça dentro do lar con-
uxoricida invoca sempre a legítima defesa da honra, buscando jugal, para que se justifique a defesa da honra. ·
amparo no art. 21 do Código, e com êxito, por assim dizer in- O Código de Mônaco consigna o mesmo direito em favor
variável, fato que parece revelar curiosa contraposição do sen- do marido traído, em seu art. 319, 2.ª parte.
timento popular ao sistema legal. O tema é dos mais contro- O Código do Paraguai isenta de pena o marido que, no ato
vertidos na doutrina e na jurisprudência, como se poderá ver de surpreender inesperadamente sua mulher em flagrante de-
lito de adultério, mata, fere ou maltrata a ela ou a seu cúm-
21 J. M. Castán Vásquez, La Protección al Honor en el Derecho plice, se o abandono malicioso, o adultério público ou escan-
Esr,ecial, 1956, p. 19 e 20
!:!!:! Tobias Barreto de Menezes. Menores e Loucos em Inreito Cri- ~1 E. Custódio da Silveira, Direito Penal, Crimes contra a Pessoa,
minal, Rio, 1951, p. 117 e 118. 1959, São Paulo, p ..66.
~:i Leão Vieira Starling. Teoria e Prática Penal, São Paulo, 2.ª ed., ~5 Olavo Oliveira, O Delito de Matar, São Paulo, 1962, p. 130.
!S50, p. 311. ~,: Roque de Brito AfvP<;, ob. cít., p. 524.
LEGÍTIMA DEFESA 231
230 MAlt CELLO J, LINHAUS
Não se trata de crime passional, como anota Eusebio Gó-
daloso do marido não tomem escusável a falta da mulher (art. mez, assim qualificado por erro vulgar de apreciação. O estado
21, item 7.0). afetivo em que o delito se resolve e se executa não chega a re-
o do Chile, com dispositivo igual ao do Paraguai, consi- vestir os atributos da paixão, mas sim de simples delito emo-
dera o fato como circunstância que exime de responsablidade cional.
penal (art. 10, item 11); também, o do Uruguai (art. 36). "O cônjuge que, surpreendendo o seu consorte em flagrante
adultério, fere ou mata os culpados, ou um deles, o pai ou o ir-
78. POSIÇÕES INTERMltDIAS mão que fere ou mata a quem encontra violentando sua filha
ou irmã menor, a mulher que fere ou mata a quem intenta rou-
No direito positivo dos povos, ao lado dos códigos que es- bá-la ou violentá-la não obram sempre influídos por uma exal-
cusam, eximem ou justificam o crime cometido em flagrante tação passional do amor, da honra ou do ciúme. Tais fatos são
adultério, como já foi mostrado, outros diplomas preferem con- o efeito de um raptus emocional, desprovido de toda prepara-
ção, que sobrevém, repentinamente, à só presença do fato gera-
siderar o fato como causa especial de mitigação da pena. O ho-
dor do estado emotivo". 27 Acrescenta: "O fundamento filosófico
micídio passa a ser punido mais brandamente. da isenção de pena consagrada tradicionalmente por nossa le-
o Código italiano reguia o assunto no texto de seu art. 587: gislação 28 coincide com o estado de alma em que se determina
se, no ato em que descobre a ilegítima relação carnal do côn- o agente: a justa dor que a lei atribui ao cônjuge ofendido. A
juge, da filha ou da irmã e, no estado de ira, determinado pela justa dor não é exclusiva, não se pode supor exclusiva de quem
ofensa à sua honra e de sua familia, ocasiona o culpado uma reage diante de fato torpe, ante a surpresa in ipsa turpitudine,
lesão· corporal ou morte, as penas estabelecidas para os respe- in ipso actu Veneris, segundo a clássica expressão de Ulpiano.
tivos crimes são reduzidas de um terço, no primeiro caso, e va- Justa dor experimenta o homem honrado e esposo amante que
recebe 'dos lábios de sua consorte a confissão palatina de sua
riam entre dois e cinco anos, no segundo. *
própria infelicidade. Justa dor experimenta o marido a quem a
A lei argentina coloca a matéria como motivo especial de esposa estigmatiza com um insulto que quer dizer violação da
diminuição da penalidade no art. 81, letra a, como vem inter- fé conjugal. Justa dor experimenta o esposo a quem a mulher
pretando a jurisprudência: impor-se-á reclusão de três a seis atribui a indizível afronta de lhe haver transmitido vergonhosa
anos, ou prisão de um a três anos, a quem matar a outrem en- infecção. O código penal não contempla semelhantes situações
centrando-se em estado de violenta emoção, escusável pelas cir- e a jurisprudência não pode apartar-se dele. Por isso, diante
cunstâncias. delas, estabelece penas, mas reconhece as causas atenuantes". 2n
Menos tolerantes que os doutrinadores favoráveis à plena
e legítima defesa da honra conjugal, e menos radicais que os
• A imprensa noticia a recente eliminação do texto, conforme pro-
jeto que recebeu aprovação desde os comunistas até os neofascistas, intransigentes com o homicídio cometido no ato do flagrante
baseado em um movimento feminista, que queria colocar por terra o
chamado "divórcio à italiana". ~. Eusebio Gómez, Paixão e Delicto, Buenos Aires, p. 12.
o Ministro da Ju~tiça da Itália elogiou a atitude do Senado, expres- ~~ A lei argentina não mais exime o fato praticado em flagrante
sando-se que a lei então vigente representa uma tábua de valores re- adultério, mas somente lhe diminui a pena.
:::> Eusebio Gómez, ob. e loc. cít.
pulsiva, por considerar a honra. sexual mais importante que a vida
humana. 325 - 16
232 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 233

adultério, colocam-se em posição intermédia outros tratadistas, modo de sua disciplina pelos diversos povos, e insignificantes
para os quais, se a reação do homem, cuja honra estaria sendo as variações em torno de sua doutrina, o mesmo não se observa
atingida, não é legítima, nem por isso se concederia ao côn- na valorização de certos direitos ou interesses a que o instituto
juge culpado ou a seu cúmplice o direito de defesa contra o se dirige, como se mostrou em capítulo anterior, com relação
ataque do marido ultrajado. ao sentimento do pudor, e idênticas razões se aplicam à honra
Realmente, repugna à humana compreensão dar-se o di- conjugal.
reito ao culpado, o mesmo direito que se retira ao inocente. Inegável é, em primeiro plano, a influência do ambiente e
Carrara sempre negou a possibilidade da defesa em caso da herança na formação da alma das raças humanas.
de provocação do agredido, como no caso do adúltero que, sur- O fenômeno a que obedece o mundo físico, onde o meio am-
preendido e ameaçado na vida pelo marido, o mata. :i,., biente não compreende apenas o clima, mas envolve todas aque-
Na mesma esteira, Manfredo Pinto, pelo fundamento de que las incidências debaixo de cujo império o homem se constitui e
o adúltero, ameaçado da ação, lhe deu causa imediata. :n se desenvolve como gérmen e embrião, para atingir a juven-
E Jousse: "neste caso, aquele que mata o marido não é tude e a seguir a maturidade, esse fenômeno também está pre-
escusável, é mesmo punível de morte". sente no mundo social de um povo.
Também Soler: "aquele que injuriou gravemente alguém O homem físico vive e prospera no meio que a natureza
que reage com armas, o que foi surpreendido in ipsis rebus Ve- lhe destinou, pródiga às vezes, pouco dadivosa não raro, em re-
neris pelo ultrajado, o ladrão que fugindo com a res furtiva é giões do mundo onde as diferenças fundamentais das raças e
perseguido pelo dono, o cônjuge ofendido, ou o proprietário, dos .sentimentos não conseguiram o ideal de sua maior apro-
mesmo quando nenhum deles proceda legitimamente, senão ximação.
ilegitimamente quando pretendam matar o adúltero, o injuri-
Recentes estudos de geografia humana, Max Sorre e Barrow
ante ou o ladrão. O que provocou não pode invocar a legítima
à liderança, revelam essas modificações que no homem produz
defesa, mesmo quando a reação motivada seja injusta, sempre
o mundo físico, acusando em todo ser vivo iniludíveis correla-
que esta seja escusável". 32
ções com· o meio ambiente, a ponto tal de serem as possibilida-
79. NOSSA POSIÇÃO des de existência e de expansão determinadas pelas circunstân-
cias que o envolvem.
Não nos parece censurável· conceder-se a legítima defesa O que se escreveu concernentemente ao andino, para sig-
ao marido que, surpreendendo a -esposa em flagrante adultério, nificar ser ele dotado de uma personalidade bioclimática dis-
dentro do lar conjugal, fere ou mata os amantes, ou qualquer tinta, a imprimir vestígios em sua fisiologia, em sua morfologia
deles. e em sua genética; em sua saúde e em sua enfermidade; em
De princípio pondere-se que, se o conceito da legítima de- suas atitudes espirituais, na guerra e na organização de socie-
fesa, como instituto universal, é único, por se tratar de lei abso- dades; em sua vida e enfim em sua morte; tudo isso tem apli-
luta e natural, non scripta sed nata lex, variável apenas no cação a todos os povos e raças do universo.
O fenômeno do mundo físico segue as regras do mundo
no Carrara, programma, v. l, § 297.
lll Manfredo Pinto, ob. cít., p, 157.
espiritual, porque uma mesma lei universal, única, governa a
:i2 Sebastián Soler. ob. eít., p. 414. vida.
LEGÍTIM A D EFESA 235
234 MARCELLO J. LINHARES

Mesmo as mais sábias, as leis não convêm a todos os lu-


As sociedades obedecem a normas morais e jurídicas pró- gares e a todos os tempos, pois as sociedades se transformam.
prias, fruto da influência do meio, da tradição de costumes e de Não se pode, assim, em primeiro lance, deixar de lado a
condições morais que o cotidiano aumento das migrações e de concepção própria do brasileiro, de seu homem médio, a res-
intercâmbio não consegue diluir as dessemelhanças. peito da honra conjugal, como valor absoluto, para se preferir
Montesquieu já assinalava que muitas coisas governam os a comunicabilidade de juízos que sobre ela emite a jurisprudên-
homens; o clima, a religião, as leis, as máximas do governo, os cia alienígena, entre eles o da restrita interpretação da legítima
exemplos das coisas passadas, os costumes, as maneiras, resul- defesa, no ponto em exame, instituto que deve mesmo ser regido
tando disso a formação de um espírito geral: "à medida que· por um temperamento autóctone, congruente com as tradições
em cada nação uma dessas causas age com mais força, as de- locais e aplicáveis às condições de vida do povo.
mais lhe cedem outro tanto. Entre os selvagens, a natureza e o A consciência dessa massa é que deve influenciar na cons-
clima dominam quase sozinhos; as maneiras governam os chi- tituição e força do direito, como ensinava Duguit, como fonte e
neses; as leis tiranizam o Japão; os costumes serviam de regra, norma dele.
Registre-se, também, que a lei do Brasil, quanto à eficácia
outrora, na Lacedemônia; as máximas de governo e os costu-
no espaço, atinge não apenas os dez milhões de habitantes de
mes antigos o faziam em Roma". ::a
suas capitais, mas a todos cem milhões (estatísticas aproxima-
Cada povo, como afirmava Puchta, tem sua conscíêncía das) espalhados por sua imensa superfície, o quinto país do
jurídica e o direito, como as línguas, seus provincialismos; ver- mundo em extensão, duzentas vezes maior que vários Estados
dade essa que já estava com Aulus Gelius: "leqes . . . ut facies onde a população se aglomera pelos centros já em fase de civi-
caeli et maris ... varientur". lízação mais evoluída.
Se a universalização do direito é tarefa inglória, conquanto Não legisla apenas para o intelectual, ou para o homem da
semelhanças fundamentais entre as instituições de povos di- metrópole, mais tolerante com certos costumes com os quais o
ferentes poderão facilitar, mais como emanação da própria na- espírito conservador do homem médio não transige.
tureza humana · que de sua comum origem, maior ainda será Essa média demográfica não vai entender, como a própria
querer uniformizarem-se graus conceituais de valores jurídicos maioria do homem de nível superior também não irá justificar,
que podem apenas guardar um indício irrecusável a influir so- que se possa negar o direito de legítima defesa ao marido, ul-
bre a fenomenalidade social do direito. trajado em sua dignidade e em sua honra, que surpreende no
Salientou Clóvis Beviláqua, fazendo o estudo do direito-com- tálamo conjugal a esposa em flagrante adultério, e que a mata
ou ao amante; e muito menos que, em troca, se dê esse mesmo
parado, as analogias do direito e· da justiça, mas elas não apa-
direito de legítima defesa ao violador do lar alheio que mata o
gam as divergências acentuadas nas correntes em que se tem
homem traído, que contra sua injusta ofensa se lança em hu-
dispersado o direito humano. O concurso de toda uma série de
mana e compreensiva atitude de reação.
fatos, aproximando a relação entre os povos, nunca será capaz Se essa concepção de justiça, que dá ao culpado e que nega
de afastar completamente o polimorfismo jurídico, a hetero- ao inocente, está mesmo no consenso dos povos cujos juristas a
geneidade legislativa, ou a divergência dos caracteres peculi- proclamam, ela desmente o conceito de ser a generalização dos
ares a cada sistema. institutos e dos princípios morais conseqüência forçosa da iden-
tidade fundamental da natureza do homem.
:n Montesquieu, ob. cit., p. 274.
236 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 237

E, se a imitação, como professa Clóvís, tem acentuada in- A imagem da mulher ainda está fortemente marcada pelos
fluência na formação do direito, é de se concluir, no entrecho- hábitos, valores e expectativas de comportamento herdados
que de tão opostas opiniões, sobre relevante tema, que a boa pelos padrões sociais da sociedade patriarcal.
razão deveria levar, na recíproca receptividade do direito, à pre- Produto da miscigenação de várias etnias, o homem bra-
valência da regra de se dar ao inocente e negar-se ao culpado, sileiro tem características próprias, nele envolvendo a noção de
e não negar-se ao inocente a legítima defesa e dá-la ao cul- um padrão normal, um juízo de valor. Diz-se que uma pessoa
pado, lembrando-se o ensinamento de Del Vecchio, de que o tem caráter se reúne a média das boas qualidades morais.
valor dos institutos jurídicos supera os motivos e as contingên- A classe média brasileira, moralizadora e puritana, reve-
cias de onde surgiram. lando inconformismo com os erros, especialmente com os des-
M. David fala que .a diversidade do direito dos povos obe- vios de conduta, convencionou como valor absoluto, entre outros,
dece a ordens distintas de considerações, resultante de fatores a honra conjugal, não transigindo com o desrespeito a ela.
sobre causas acidentais (juristas formados de diferentes ma- Trata-se de um valor ético de imensa significação. Basta
neiras- ou inspirados em teorias diferentes) ou sobre fatores de ser valor ético para se revestir, segundo a axiologia, de uma
ordem ideológica (as regras de direito são diferentes porque nos força da opinião pública, que atua sobre todos os membros da
diferentes países se dá uma concepção diversa do justo e do in- comunidade e que só se supera, segundo Scheler, por valores
justo, do que é conveniente, ou não, à regulamentação das re- mais absolutos, como os valores religiosos.
lações sociais). 34 A ofensa máxima que a ela se pode fazer é a do descaso que
Justo e injusto que, para Pascal, mudam de qualidade mu- do lar alheio faça o cidadão, e sua violação com propósitos se-
dando o clima, bastando três graus de elevação do pólo para xuais.
que se pônha por terra toda uma jurisprudência; um meridiano Como costume, a conduta que obriga o homem de caráter
decide da verdade; pensamento, como disse Clóvis, em que se a não se acomodar, ante a ostensividade de ofensa tão grave, ela
exagera o verdadeiro princípio da influência do meio cósmico precede a própria lei positiva.
sobre a idéia do justo; se o meio físico age sobre o indivíduo e a Quem surpreende a esposa adúltera em flagrante compre-
sociedade, é forçoso que atue também sobre o direito, que é a enderá perfeitamente que se tornará ridículo à opinião pública
principal normalização da coexistência humana. 35 se não reagir. Rabinowicz lembra a referência de Van der Bosch
ao sapateiro que matara a amante a facada e que ao juiz da
80. "Idem". A CONSCU:NCIA COLETIVA BRASILEIRA EM instrução, quando este o interrogara a respeito das causas do
TORNO DA HONRA CONJUGAL. A PRESSÃO DO MEIO crime, declarou: "ela tornara-me ridículo aos olhos de toda a
aldeia". Diz mais, que os maridos podem suportar tudo, menos
Predomina ainda no país a família monogâmica, tipo de isso. Que pesem sobre eles as piores coisas, que se comentem
família que se desenvolveu com o Cristianismo, expressão de publicamente os seus vícios, tudo podem tolerar, mas "ser corno"
laços morais, culturais e econômicos mais potentes. é ser um homem liquidado, que perdeu todo o seu respeito e toda
sua consideração de seus semelhantes. 36
3JMarcel David, Cours de Droii Civil Comparé, Paris, 1949. Tudo isso decorre de explicação filosófica.
35Clóvis Beviláqua, Resumo das Lições de Legislação Comparada
sobre Direito Privado, Rio, 1897, p. 16. :ii; León Rabinowicz, ob. cít., p. 155.
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 230
238

Como é de elementar sabedoria, os costumes (mos majorum) O meio convencionou entre nós o respeito da pessoa hu-
seguem a lei e não raro a precedem. Podem modificá-la, inter- mana pelo semelhante, como ela mesma necessita ser respeita-
pretá-la ou ampliá-la; por isso, em sua interpretação, deve a lei da, não por simples preocupação biológica e solidarista, como
ser acomodada às circunstâncias pela simples ação dos costu- na falsa moral da solidariedade, mas sim a título de portadora
mes. O direito não pode, com efeito, prescindir da realidade. de valores, que são bens absolutos e com outros tantos reflexos
O homem necessita viver em sociedade para ser solidário e da divindade na fisionomia do homem.
para que assim possa sobreviver. Essa solidariedade, segundo A projeção do meio sobre este é assim fenômeno que se in-
Durkheim, não só é orgânica como mecânica, baseando-se na clui na estimativa jurídica entre as máximas que Stammler for-
identificação do comportamento. E, para que se seja bem con- mula como meios auxiliares na tarefa de produzir um direito
ceituado na sociedade, condição de sobrevivência, .deve possuir justo.
o homem boa reputação, que é o seu primeiro bem espiritual. Esses princípios ou máximas se agrupam em duas classes,
A moral que nele se forma é a que provém do conjunto de como explica Siches: uma de respeito recíproco, outra de parti-
obrigações parciais que a vida social cria e que impõe a todos os cipação. Quanto aos princípios de respeito recíproco, o querer de
membros da comunidade sem os violentar. É um vínculo aná- uma pessoa, a dizer, seus fins e meios não devem nunca ficar à
logo, como discorre Jolivet, ª7 ao que une umas às outras as for- mercê do direito subjetivo como capricho de outra pessoa. Toda
migas de um formigueiro, ou as células de um organismo. exigência jurídica deve tratar o obrigado como um próximo,
A obrigação moral faz-se pois sentir à consciência como isto é, como um sujeito que tem fins próprios, que é o fim em si
uma pressão; no que tem de original e de fundamental, ela ê ne- mesmo, nunca como um simples meio para fins alheios. 30
cessariamente infra-intelectual, e nunca pode constituir senão . Na formação do caráter do homem, que nada mais é que a
uma moral estática, fechada, visto ter como efeito bloquear, de personalidade valorizada, entram não só os elementos psicoló-
alguma sorte, todos os indivíduos e todos os sentimentos indi- gicos, como os que resultam da constituição psíquica, dos há-
viduais nos limites do grupo social e uni-los na solidariedade bitos, e sobretudo a pressão do meio, gerados por uma série de
estabelecida pela natureza. valores morais, de sentimentos, de preconceitos, como descreve
O meio psicossocial não é, pois, estranho ao homem. Se- Pinto Ferreira. 411
gundo Bernard, em forma de tradições, costumes, crenças, con- :i!i Luís Recaséns sícbes. Tratado General de Filosofia dei Derecho,
venções, usos, ele se comunica entre os indivíduos. É capaz de 4.ª ecl., México, 1970, p. 550 e 551.
exercer pressões em forma de estímulos e controles que con<i!.:___
111 Pinto Ferreira, Curso de Educação Moral e Cívica, Rio, 1972:
"O caráter se rorma com atributos positivos e desejáveis, eliminando
cionem as respostas do homem e Jazer com que sua personali- ã,:fc.itos como bases negativas. Forma-se lentamente sobre a base do
dade seja o que é. 3~ temperamento e da constítuíçâo biológica, através da ação permanente
da educação. A família, os amigos, a vizinhança, a escola, a igreja, o
w; Regis Jolivet, Moral, trad. de Gerardo Dantas Barreto, Rio, 1966. Estado, são elementos decisivos na formação do caráter, o qual se
p. 166. orienta pelo conhecimento dos princípios morais de bom senso, da jus-
~N L. L. Bernard, Psico-logía Social, versão espanhola de Ruben tica e prática das virtudes".
Landa, México. 1946: "Conduta individual é a reação do organismo
integrado ante os estímulos de seu meio. A conduta coletiva é a apa- voluntária. A conduta coletiva e a uniformidade de reação decorrem
rição de reações idênticas ou análogas em vários indivíduos ao mesmo da identidade de organização interna dos indivíduos, ou porque estes
tempo e no mesmo lugar, ou como reação e estímulo iguais, ou análogos estejam condicionados por estímulos idênticos ou análogos. Quando as
ou de reações distintas nue tenham entre si uma relação recíproca e gentes respondem de maneira análoga, falamos delas como de grupos".
240 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 241

sr. "Idem". O HOMEM MÉDIO da pessoa humana, é o que resguarda com a pronta reação o
plano de valores espirituais e morais que esse universalismo
A legítima defesa da honra conjugal, ante a concepção do criou.
homem· médio, não se prende, assim, a simples questão de resi- É pr cí que se atente, por outro lado, ao fenômeno de or-
dir a: honra do cônjuge em sua dignidade, em sua nobre atitude dem sentím ntal com base no próprio instinto, motivado pela
de proceder, nunca na conduta do adúltero. justa dor d homem alcançado pela ofensa, produzindo-lhe uma
O homem médio é o que possui a mentalidade do grupo, pen- modífícaçâ orgânica depressiva e involuntária, derivante ime-
sando sempre com um mínimo que corresponde ao pensamento diatam nt d percepção do objeto provocador, em síntese, a
do próprio grupo social (Ingenieros). coação m r 1 que xerce a injusta agressão e que, no conceito
O conceito do homem médio é o caráter psicoafetivo da da doutrina d Puff ndorf, seguida especialmente na França.
pessoa. retira ao at todo qualquer caráter de antijuridicidade.
Não será, assim, o homem perfeito psiquicamente, nem A fisiologia, com efeito, explica a dinâmica de processo rea-
tampouco o homem virtuoso (Dolce). 41 tivo: "Pelo efeito do espasmo ou da paralisia vasomotora, ope-
Não é o que se abstém do crime porque falho de impulsos . ram-se substanciais alterações nas condições circulatórias do
criminosos ou o que prontamente reprime por sentimento mo- cerebelo, o qual, provocado por um motivo de natureza grave
ral ou por sentimento religioso. e emotiva, é levado, segundo uma expressão clínica, a um es-
É o que se abstém do crime por temor da sanção penal, que
tado de psicopatia transitória. Neste estado de exaltação vio-
tem o mínimo de equilíbrio psíquico e de freios inibitórios para· lenta, a percepção, a imagem representativa dos fatos, espe-
cialmente a idéia da posse exclusiva da mulher amada, trans-
impedir. os impulsos criminosos.
corre rapidissimamente, avizinhando-se de uma celeridade ver-
Por outro lado, não é o mero orgulho do "macho ofendido" '----tiginosa. A corrente que percorre o círculo da ideação é velo-
que explica a reação violenta do marido traído, mas o reflexo císsima, não persiste no centro cerebral, não encontra a menor
das idéias e dos sentimentos que sobre o homem atuam os va- resistência, e descarrega, como ensina Maudsley, imediatamente
lores e os· condicionamentos básicos que formam uma cons- no campo externo, dando lugar a uma viva reação ideomotriz.
tante em nosso meio. que 'se manifesta no caos dos atos e das palavras. A desintegra-
O homem de caráter para o brasileiro não pode ser o tipo ção· dos centros nervosos ocorre imediatamente, desintegração
conjuntivo, manso e resignado, falho de emotividade, -amorfo ou difusa, confrontando-se com a rapidez tumultuosa das vibra-
apático da classificação de Heymans, ante o mundo circundante, ções celulares, as quais repercutem, por assim dizer, sobre os
que acaso aceite compassivamente a cena de um flagrante adul- elementos motores. Nestas condições, a consciência se acha in-
tério dentro de seu próprio lar (ultimum supplicium remitti versamente proporcional à quantidade ativa da difusão exter-
potest, cum sit difficilimum justum dolorem temperare). na, ou, em melhores termos, a consciência deve falhar e os fatos
Não é este o tipo médio do brasileiro. O caráter que preva- o comprovam. O uxoricida, quando comete o delito, recorda
lece dentro de nossa comunidade, compatível.com a dignidade como se fora um sonho, os fatos precedentes". 42

ft Raffaeie Dolce, Lineamenti di una Teoria delle Scusanti nel 4z Vincenzo Melluci, Delinquente âeü'Amore, Roma, 5.ª ed., 1932,
Diriito Penale, Milano, 1957, p. 127 e 128. p. 279.
242 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 243

Deve-se considerar, ainda, que a honra sexual, por ser se- O argumento será válido no direito mexicano, po~ exemplo,
xual, não perde o seu valor como honra, como está expresso nos porque, aprec.ando sob outro ângulo, e certamente sob possí-
códigos. Manzini insiste que uma família ou uma pessoa podem veis impulsos sociais, a figura do homicídio assim cometido,
ser honrados no sentido de probidade ou de outra virtude e não prevê expressamente uma pena mais doce para a morte come-
o ser em relação à moralidade sexual. H tida em flagrante adultério. Isso se lê em Castellanos. De acor-
É natural, assim, que se compreenda, na defesa da honra do com a legislação do Distrito e Territórios Federais, em vigor
conjugal conturbada, uma justa reação contra a influência de ( Cód. Penal de 1931), o cônjuge que mata ou lesa seu cônjuge
teorias alienígenas, com raízes fincadas em solo diverso, onde eu quem com ele realiza o adultério, ou a ambos, não se acha
talvez a frieza do espírito possa evitar, dos entrechoques da amparado pela causa de justificação da legítima defesa; só se
vida afetiva, maior repercussão na alma, e onde mais eficaz h neficia com uma pena atenuada (sem ficar excluído da res-
seja o poder frenatório para contê-los. ponsabilidade penal), desde que se reúnam os requisitos do art.
É preciso que se lembre, com Asúa, ao escrever sobre o ins- :no: "se imporá de três dias a três anos de prisão ao que, sur-
tituto da legítima defesa, que há nele, ainda, imperfeições que pr cndendo seu cônjuge no ato carnal, ou próximo à sua con-
só O· ângulo visual do advogado pode mostrar maior interesse: sumação, mate ou fira qualquer dos culpados ou a ambos, sal-
"é necessário buscar novas bases a suas mais importantes con- v o caso em que o matador tenha contribuído à corrupção do
dições", porque a matéria, realmente, tantos problemas novos <' njuge. Neste último caso se imporá ao homicida a pena de
suscita. !'ln o a dez anos de prisão".
Diz ainda Castellanos que, para Carranca y Trujillo, "a
82. "Idem". O ARGUMENTO DE CONCESSÕES LEGAIS E DO
úntoa interpretação correta do texto legal é que o homicídio ou
RECURSO AS VIAS CíVEIS
• 1 sõ s aos adúlteros devem dissociar-se por completo da le-
o argumento de que, prevendo como causa especial de di- ~tUm def sa da honra, pois se o legislador fixa penalidade à
minuição de pena a relevância do valor moral ou a violenta emo- i n fr1 çno ion Ist nt m matar ou ferir em presença do ato car-
ção, sob cujo domínio agiria o marido em caso de flagrante adul: 11 li 1111, 11111 cio r n lu dúlt -ro, tal ato não significa agressão
tério, impediria a concessão da legítima defesa cm seu favor, e 1111111 , 1• pi 1•11 q111• 11 1 L> rd d d conduta da esposa, mesmo
. ainda mais especioso e constitui uma autêntica petição de prin- 1p1111<111 11il 11111 11 1 1•or11 o, · , tum s de nosso meio, não pode es-
cípio. 1 mur: ' ·rn>1 > n11· H ao · h nra do marido; e o uxoricídio, em
A lei brasileira não criou a modalidade do homicídio pri- 1· 1, ( ti<· 11 ult ri , r pres nta de todos os modos um sujeito pe-
vilezíado para atender o caso da morte ou da lesão dadas por 1·1 •oso, pelo que sua conduta não pode considerar-se legítima e·
b . "
ocasião em que a vítima é surpreendida in reous Veneris; preve, 111 ln I mo deve dar lugar à pena, se bem que atenuada". ·1-i
antes, uma situação especial de mitigação da penalidade que lm nte, Carranca y Trujillo assegura que o fato, es-
abrange todos os casos onde o caráter antijurídico da infração 1• u l\ el, E' que deve ser tratado com indulgência, não pode, con-
é abrandado por fatores que atuam sobre a personalidade, que tido, ser considerado legítimo, porque a lei o sanciona com pena
tanto pode ser uma injúria grave, verbalmente assacada, uma ,, -nuada, a impõe como expressão da censura social, como
provocação de. fato, ou a ocorrência de razões ponderáveis.
11,i Fernando Castellanos, Lineamientos Elementales de üerecno
H vmcenzo Manzini, ob. cit., v. 8, p. 118. t'vnol, México. 1974, p. 193.
2-H MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 245

advertência, dirigida à coletividade, de abster-se da execução de 83. "Idem". O HISTÓRICO DO DIREITO PÁTRIO
certos atos (Vidal, Cuello Calón). 4ú
o mesmo ocorre com o direito italiano e o direito argentino; Como mostramos no Capítulo IV, item 22, em nosso direito
mas não com o direito brasileiro, que não legislou de modo explí- antigo as Ordenações dispunham que "achando o homem ca-
cito, estabelecendo, como os códigos mencionados, penalidade sado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim
específica para a violência cometida nos casos de flagrante adul- a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero
tério. Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade".
o outro argumento, de preferencial recurso às vias cíveis, O texto empregava o vocábulo licitamente por certo para
indicado para resolver questões relacionadas com a quebra do l.írar ao comportamento do agente a antijurídicidade que a lei
dever de fidelidade conjugal, também não prospera. pune.
Fala-se no judiciário como o rumo adequado para nele se O direito se aplicava, mesmo no caso em que o flagrante não
encontrar a fórmula própria de punição do adultério, "única ocorria, mas desde que houvesse a certeza do adultério, cuja
infração punida com a pena de morte no direito pátrio". onstatação se subordinava à prova eficaz, conforme ao direito.
Estranha-se ser o argumento invocável, apenas, para o caso Ainda aí o ato era lícito.
de homicídio cometido em defesa da honra conjugal, ultrajada O fato de não ter sido reproduzido o texto na legislação
pelo flagrante adultério; e que se esqueça do mesmo raciocínio subseqüente é irrelevante, incapaz de forçar o entendimento de
para as hipóteses de defesa opostas a ofensas a outros direitos, 1 aver abolido a faculdade do exercício da defesa.
como o de propriedade, o de liberdade ou a outros valores juridi- Usaram os códigos posteriores de boa técnica legislativa, ín-
camente tutelados. s rindo o instituto na parte geral, com eficácia extensiva a quan-
Também em relação a estes o homicídio, que os doutrina- ta típícidades foram previstas em sua seção especial.
dores apontam como "solução bárbara e anti-social", poderia
ser substituído por fórmulas de paz, como, v.g., contra o ladrão
"---
IM. "Idem". A TUTELA DA HONRA CONJUGAL
que se apossa de valores dentro do lar, a queixa à polícia, con-
sumado o crime; a ofensa ao direito de liberdade, como, v.g., o Como síntese de todo o exposto, se concluirá que se o objeto
crime de seqüestro, pelo posterior processo e punição do autor ífico da tutela penal é o interesse alimentado pelo Estado
do atentado, e assim por diante. garantir a ordem pública contra a perturbação ocasionada
Tudo isso implicaria a restrição do instituto ao simples lo adultério da mulher; 47 se o adultério se coloca, na maioria
caso de real perigo de vida, on~e falaria um sentimento maior, legislações, como delito de certa gravidade, pela complexi-
absoluto, da própria conservação. 1 d de seus efeitos, como lembrou Boler, e como se referiu a
Afinal, o texto legal, aludindo a todos os direitos como sus- 1 lação Ministerial da Itália sobre o projeto de 1887; é de se
cetíveis de defesa, não exige a ofensa material, não só porque e· mpreender, então, que o ato de quem o comete constitui uma
fala genericamente em direito, como também porque a palavra p t nte agressão à fidelidade conjugal, e sobretudo ilegal, íle-
agressão não tem o sentido restrito de ataque físico ou cor- l'f Uma, como se expressa Carranca, porque nenhum preceito
póreo. -rn 1 gnl a autoriza, nem mesmo as conveniências sociais. 48

4J Raúl C:1rranca y Tru.iillo, ob. cit., p. 335. 'li Vlncenzo Manzini, ob. cit., v. 7, p. 624 e 630.
4<, Magalhães Noronha, ob. cit., p. 248 ·18 Carranca y Trujillo. ob. cít., p. 335.
246 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 247

Dizer-se, assim, que a reação do cônjuge ultrajado será vín quando dele já tenha conhecimento. Informa que alguns auto-
gança, e não defesa, porque a agressão à honra conjugal esta- res são de parecer que se o marido não supondo somente, mas
ria integralmente consumada com o resultado lesivo, será o conhecendo estas relações, comanda e prepara uma emboscada,
mesmo que também ínadmitír-se a legítima defesa contra e, espreitando o momento propício, age por vingança, as con-
agressão física quando um golpe do agressor já tivesse atingido dições da legítima defesa não se reuniriam; outros, ao contrá-
sua vítima. rio, e com mais razão, entendem que esta forma singular de
Se, por outro lado, injusta é a agressão e se ela ofende um agressão se funda, mais do que qualquer outra, na ofensa ex-
bem jurídico inegavelmente tutelado, qual a honra, não se en- perimentada com o adultério ou o coito ilegítimo, da qual a sur-
tende como a repulsa possa corresponder a uma modalidade presa em flagrante mais não é que uma condição para que a
de vingança. defesa tenha eficácia jurídica.
Negando o benefício ao cônjuge traído, parte Asúa de um Explicam estes últimos que a lei se limita a exigir que o fato
pressuposto que, obviamente, não se nivela ao caso do marido seja cometido no ato da surpresa, mas não que seja imediato à
inocente, que sofre a revelação cruel da conduta da esposa no resolução crímínoss : "Ora, a surpresa pode ser acidental ou
ato em que a surpreende em flagrante adultério. Formula ele querida, acontecendo mesmo, no maior número dos casos, que o
o exemplo do marido enganado que espreita, diligenciando para marido ultrajado, cônscio da própria desventura e decidido a
"surpreender os amantes no colóquio e matá-los conforme "às desafrontar-se, espreita, armado, a ocasião em que a mulher se
mais exigentes regras clássicas". encontre com o seu amante, para intervir, ferindo ou matando,
Mas, evidentemente, não é esta a espécie que se discute: no momento em que a sua culpa é patente com a averiguação
porque, realmente, quanto ao marido que se sente traído e pro- positiva do atentado à fé conjugal".
cura uma oportunidade para "lavar a honra", como comumente Essa circunstância não desvirtua o caráter da justificativa,
se diz, a este seria exagerado conceder-se defesa tão equívoca. ~ma vez que "o cônjuge ofendido, para coonestar sua ação aos
Ele mesmo se mostra inseguro quando encara eventual- olhos do público e da justiça, faz subordiná-la à condição de
mente a situação do homem que defronta o quadro da infideli- . urpresa em flagrante, verificando-se assim que ele não teria
dade de seu cônjuge; admitindo, então, a "violentíssima emo- igído sem haver experimentado a prova dolorosa do testemunho
ção", sugere que se adote a fórmula de se reconhecer a inim- os próprios olhos, o que faz inquestionavelmente presumir que
putabilidade dá agente, quando a legislação própria admitir agíu impelido por uma irreprimível comoção de ânimo". no
uma causa eximente de inconsciência ou de transtorno mental; O fato de serem colhidos, casual ou premeditadamente, os
ou outra similar se o ambiente for consagratório àquilo a que mantes é indiferente a Impallomeni. O que importa conside-
denomina de "vingança calderoniana"; afinal, se o indivíduo rar é a brutal angústia de sentimentos, tremenda carga que se
não houvesse chegado nem à inconsciência, nem ao transtorno impõe ao marido ultrajado. A lei não poderia nem saberia ín-
mental passageiro, invocar-se a inexigibilidade de outra con- t rvir para distinguir com lentes avaras quanto à justa dor de
duta. -rn uem surpreende preparado difira da daquele que surpreende
Alude Lemos Sobrinho à distinção que deve ser feita em Jmpreparado. 51
um e outro casos, isto é, quando o agente ignora o adultério e
fJ11 Lemos Sobrinho, oh. cit., p. 127.
-1~ Jiménez de Asúa, ob. cít., p. 145. ~1 Idem, ibidem.
248 MAltCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 249

Mas, quando o marido atrai à sua casa, mediante artifício, tio redditur quod majus puiauit legislator quod in domum pa-
o amante da esposa, se tem uma surpresa assim predisposta, tris aut mariti a usa fuerit filia aâulterum inducere" (Dig., L.
ela, sendo preordenada, não pode deixar de afastar a legítima 22, § 2.º, Ad leg. Jul. de adult.).
defesa.
É necessário que o marido seja estranho ao fato, não con- 85. O ADULTÉRIO DO MARIDO
correndo de qualquer modo para que este se verifique. 52
Como síntese se poderá dizer que se as razões do agente se Com apoio em Garraud, salienta Lemos Sobrinho que ne-
prendem a valores inegáveis, se o móvel de seu comportamento nhuma razão teórica existe, ao ponto de vista da agressão, para
é um sentimento elevado, que, longe de o revelar um homem te- se fazer diferença entre o adultério dos dois consortes, por isso
mível, o acredita como honrado e digno, a pena não seria de se que "a indignação da mulher que surpreende o marido em
explicar, tão ínfimo o grau de culpa. flagrante delito de adultério, é tão viva, tão escusável, como a
Nos casos em que os rigores da lei se desvitalizam em seus do marido que surpreende a mulher - sendo indiferente, as-
efeitos intimidativos, tão repetidos os pronunciamentos do júri, sim, para a repulsa a ultraje da infidelidade do marido, que
consagrando escusas absolutórias que a razão explica e a lei não sta seja praticada nestas ou naquelas condições, isto é, com
desautoriza, a interpretação dos institutos deverá ser feita de concubina teúda é manteúda, ou passageiramente com uma
modo a se atenderem, antes de tudo, os fatores sociais. mulher".
Esta também é a lição de Engish, de ser dever do direito De fato, os princípios são comuns a um e a outro, na reci-
formar a individualidade; através da pena somente quando é procidade de direitos e deveres que a ambos impõe a lei, ina-
oportuno e sentido como justo estímulo de quem delinqüe, para ceitável a máxima de Schopenhauer, de que a honra só exige
evitar em futuro, com maior atenção, uma ofensa jurídica. Eli- o castigo da mulher e não do amante.
minar com a pena defeitos do intelecto ou inexperiência não é, "---- Entendendo que o marido não tem legítima defesa contra
quanto menos, um tratamento adequado. a esposa e seu cúmplice no flagrante adultério, Haus encarece
Há quem equipara ao flagrante adultério a situação de a recíproca: a mesma regra se aplica à mulher (ob. cit., p. 359,
quem recebe a brutal confissão de culpa do cônjuge culpado, n. 485).
suscitando-lhe um ímpeto de reação.
Isso ocorrerá no caso em que haja efetivamente um ino-
cente, porque a própria tormenta da dúvida já é uma circuns-
tância que difere da situação de .quem age imediatamente após
a descoberta de um fato de que jamais suspeitou.
Para nós, entretanto, a causa· de honra só deve atuar no
momento da. cólera imediata, naquele que constitua a mais gra-
. ve injúria, isto é, quando ousa a mulher introduzir o amante
no lar conjugal: "Quare ubicumque deprelienâerit pater, per-
mittitur ei occidere, sed âomi: suae generive sui tantum; illa ra-

r.~ Impallomeni, apuâ Lemos Sobrinho, ob, e loc. cit. Impallomeni.


L'Oniicidio nel 1Jiritto Penale. Turim, 1900.
LEGÍTIMA DEFESA 251

sempre o problema se apresentou angustioso e controverso, uma


coisa apenas havendo de. evidente, como cautelosamente se re-
fere Vannini, aos olhos dos profanos ou dos juristas: é o con-
ceito de tentativa se afirmando em contraposição ao conceito
de consumação. 2
Fora daí, com efeito, tudo se aprofunda em tempestuosus
CAPÍTULO XII
pelagus, que o consenso da doutrina não consegue acalmar.
Parece, porém, uniforme o juízo de que tentar não significa
ALCANCE DA LEGÍTIMA DEFESA agir ao fim de efetuar um determinado evento antijurídico; quer
dizer, antes, iniciar a execução idônea de um delito dolosa-
86. Legítima defesa e tentativa. 87. Legítima defesa e crimes mente. 3
culposos. 88. Legítima defesa e crimes continuados e perma-
nentes. 89. Legítima defesa e contravenções. 90. Legítima de- Importa isso na afirmativa de que a iniciação do cometi-
fesa e dano a bens de terceiros. mento do fato, embora em tese dolosa, segundo sua definição
típica, dada pela norma positiva, obedece a uma necessidade
-86. LEGtl'IMA DEFESA E TENTATIVA objetiva dirigida ao evento.
Essa direção objetiva (atos dirigidos à prática do d~li_to),
As irremovíveis questões relativas à intenção de matar, sem- que define a tentativa, não afasta a possibilidade da legitima
pre tormentosa na doutrina e "muito grave e difícil do juiz re- reação onde prevaleça, sobretudo, a finalidade da defesa.
solver", 1 provocam inevitáveis reflexos no exame dos eventos · Ela deve preponderar sobre a intenção, concomitante, de
resultantes do exercício de defesa. ~raticar o fato, em tese definido em lei como antijurídico.
Desde as velhas regras que recomendavam a investigação o conceito de tentativa adotado pelo Código Penal, segundo
do intento criminoso tomando-se por base o êxito (dolus determi- 0 qual, à sua ocorrência basta que no fato se reúna~ todos os

natus determinatur ab exitu), superadas pelo avanço de teorias elementos da definição legal, explicado pela "Exposiçao de Mo-
mais modernas, e criticadas por ser injusto fazer alguém respon- tívos", para a qual "a consumação não diz co~- a inteireza d~
der por crime voluntário, pelo simples resultado, sem se levar em fato mas com a verificação integral das condições a que a lei
conta a vontade; passando pelos critérios ínsítos em preceitos subordina a existência do crime", talvez possa afastar a polê-
mica que ainda se levanta sobre a compossibilidade ou não da
normativos, estabelecendo presunções segundo as quais a morte,
legítima defesa e da tentativa de crime. _
as lesões e os golpes se consideram sempre voluntários, denun-
ciadores da intenção de matar ou de' ferir, se o contrário não se Parece irrefutável o raciocínio, a propósito, de Magalhaes
Noronha, por esclarecer que se a legítima d~f~sa excluf a ilici-
demonstre; ou pelas idéias da orientação subjetivista, à qual bas-
tude do crime consumado, certamente excluira a do crime me-
ta qualquer manifestação de certo modo inequívoca, revelando o
ramente tentado: "nada impede que alguém, em legítima def~sa,
grau de periculosidade do agente, para se inferir a intenção; até
tente matar seu agressor. Se a tentativa se distingue do crime
a orientação realística, acolhida por nosso código, de se caracte-
rizar a tentativa só mediante o início de execução do delito-tipo; :2 ottorino Vannlnl, IZ Problema Gittridico del Tentativo, Milano,
1943, p. l.
. 1 Marcello Finzi, La Intenzione di Ucciâere. Milano, 1954, p. 3. .J Marcello Finzi, ob. cít., o. 43 .
252 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 253

consumado, exclusivamente porque num ocorre o evento ou connatus a chamada teoria objetiva não quer dizer que deva-
resultado, ao passo que noutro, não, sendo o elemento subjetivo mos olhar a intenção do agente. O maior empecilho que en-
o mesmo, e a mesma a execução, não se compreende por que se contro para admitir a convivência da tentativa e legitima defesa
possa matar em legítima defesa e não se possa tentar matar". 4 está na possibilidade de ser negada a necessidade ou a mode-
Perdura, entretanto, o desencontro de opiniões. Decisões há ração. Se tal ocorrer, ter-se-á de formular indagação a res-
em rumo contrário, de que "o reconhecimento da tentativa de peito do excesso culposo. Se o júri o admite, que pena aplicará?
homicídio, que se informa essencialmente num dolo específico, A tentativa culposa não pode, porque toda tentativa é dolosa.
na vontade determinada de matar, vai de encontro, positiva- A de lesões corporais ou de homicídio culposo tentado, também
mente, à situação da legitimidade de quem se defende, cujo único.
não, o motivo é evidente. Então, em tema de tentativa teremos
escopo é, tão-só, a prática da ação limitada pela necessidade da
repulsa". 5 uma legítima defesa sui qenerl«, dada a impossibilidade de re-
conhecimento do excesso culposo". 6
A corrente é reforçada pela lição de Lima Torres. Para ele,
não existe antijurídicidade no exercício do ius defensionis; a No Tribunal de Minas Gerais prevalece tese contrária, como
conduta é lícita, embora haja obrigatoriamente ofensa ao pre- julgou Erotides Díniz: "O que é apenas uma aparê~cia de im-
ceito; quem age sob o pálio de descriminante não procede dolo- possibilidade da referida convivência, porque na _realldade o que
samente. Na tentativa, que visa a um resultado, isto é, o re- primeiro nos ocorre quando de um crime tentado é que o agent:e
sultado que a norma veda, só não se consegue o resultado por não quis apenàs cometer uma tentativa, mas consumar um cri- ·
c'rcunstâncias alheias à vontade do agente. me. Esta é a intenção criminosa que ele deseja realizar em sua
Assim desenvolve sua argumentação: "A tentativa só se es- própria defesa. o fato de seu desejo frustrar-se, não ultrapas-
tuda em termos de culpabilidade, que é um juízo de reprovação sando as lides de uma tentativa, não significa que haja ele pro-
do fato (Pannain). O dolo na tentativa é o do homicídio, dolo cedido em defesa própria. A não-consumação do crime que ele
de intenção, a vontade de praticar uma ação e produzir um foi levado a cometer em face de que lhe assistia defender-se
efeito e, como tal, representa a força que move e anima a mate- contra uma agressão atual, injusta, pode produzir o efeito dese-
rialidade do crime. O agente da tentativa só não obtém o re- jado, isto é, fazer cessar a agressão"," .
sultado que a norma veda por circunstâncias alheias à sua von- Parece-nos mais simples a solução da divergência pelo pns-
tade e por isso mesmo a tentativa, sob pena de contradição, não ma da definição dada pelos arts. 14, item II, e 18, item I, d~ vi-
pode ser justificada. No caso de homicídio, a lei estaria reconhe- gente Código Penal. É doloso o crime q~ando o ag:nte quis o
cendo o direito de matar". resultou ou assumiu o risco de produzi-lo. Ora, tão doloso é
Por outro lado, "a lei, quando justifica a conduta de quem G> crime consumado quanto a tentativa dele.
mata, não está consagrando o ius necanâi, mas a necessidade da Se não há crime, por outro lado, quando o fato é cometido
ação precisa à defesa de direito ameaçado por perigo atual In- em legítima defesa, e se crime tanto é a atividade consumada
justo. O haver o Código Penal adotado na conceituação do
6 José Maria de Lima :rorres, voto na Ap. n.' 7 .838, Acórdão de
1Magalhães Noronha, ob. cit., p. 129. 14 de abril de 1972 do Tribunal de Justiça de Minas, tn Jurtsprudência
t Darcy Arruda Miranda, Repertório de Jurisprudência do Código Mineira, 51/387.
Penal. São Paulo, 1959, v. 1, n.> 74, p. 38; Minas Forense, 11/147 e 1 Erotldes Diniz, voto proferido na apelação a que se reporta a
12/297.
nota antecedente.
254 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 255

como a tentada, é lógico que posso querer um resultado morte Já a Garçon não parece impossível que os delitos de homi-
atendendo a uma finalidade legítima, de salvaguarda de minha cídio e de golpes por imprudência desapareçam pelo efeito da
vida ou de outros direitos tutelados. legítima defesa. Dá um exemplo: o do indivíduo que, desejando
assustar o agressor, atira para o alto, atingindo acidentalmente
87. LEGtTIMA DEFESA E CRIMES CULPOSOS um terceiro. O caso, para ele diverso da aberratio ictus, seria
involuntário, porque o agente não teve a intenção de matar e
Já os crimes culposos se caracterizam de modo diverso, dan- estaria acobertado evidentemente pela legítima defesa. 9
do-lhes o agente causa por imprudência, negligência ou impe- Levasseur e Chavanne preferem acompanhar a melhor dou-
rícia. trina, dizendo que só as infrações involuntárias não podem ser
Neles não há a consciência da antijuridicidade, embora haja beneficiadas pela legítima defesa, porque, por definição, o ato
culpa consciente e culpa inconsciente. Responde, entretanto, de defesa, que é legítimo, deve ser um ato voluntário e cons-
por culpa quem produziu o resultado sem o querer (Soler), ao ciente. 10 E a Corte de Cassação estima inconciliável a legítima
contrário da sentença augustiniana, de que não se concebe de- defesa com o caráter ínvoluntáríoda infração (F. Goyet, Rous-
lito, nem pecado, fora do voluntário (non est peccatum. nisi vo- selet, Arpaillange e Patin, Droit Péruü Spécial, 8.ª ed., Paris,
luntarium) . s
1972, p. 453).
Da concepção normativa de culpa, compreende-se desde logo
a incompossibilidade entre legítima defesa e delitos culposos. 88. LEGtTIMA DEFESA E CRIMES CONTINUADOS E
Forneceu o Código Penal de 1969 melhor definição de fato PERMANENTES
culposo, como sendo o delito no qual, deixando o agente de em-
· Quando o agente, com unidade de propósitos e de direitos
pregar a cautela ou a diligência ordinária, ou especial, a que
violados, executa, em momentos distintos, ações diversas, cada
estava ôbrigado em face das circunstâncias, não prevê o resul-
uma das quais integra uma figura delituosa, não estará consti-
tado que podia prever, ou, prevendo-o, supõe levianamente que
não se realizaria ou que poderia evitá-lo. tuindo mais que a execução parcial de um só e único delito.
Essa definição, de Cuello Calón, que para Camargo Her-
Reforça o entendimento da incongruência entre a defesa,
nández é uma das que primam por precisão e clareza, 11 implica
que pressupõe a vontade de defender contra ataque injusto, e
a idéia de uma unidade do bem jurídico lesado, a unidade do tipo
o ato culposo, antijurídico, que o próprio agente causou.
básico (Mezger) e a homogeneidade da execução (Merkel).
Se, pois, a defesa não está ligada ao evento por um nexo
psicológico, a conduta culposa não é abrangida pela legítima Sendo figura jurídica considerada somente para fins de
defesa. pena, a repetição de crimes (no caso de crimes continuados) não
modifica o relacionamento da figura tipo com a legítima defesa.
Outro raciocínio leva a idêntico resultado: se o fato é defi-
O mesmo se dá com relação aos crimes permanentes ou com
nido, por exemplo, como homicídio culposo, no qual há carên-
os progressivos. Nessas infrações, a violação do direito não se
cia de intenção para se produzir o efeito danoso, não se pode
exaure em um instante, co~o nas infrações instantâneas, sendo,
alegar legítima defesa, que pressupõe a intenção de eliminar
o perigo da ofensa atual, vale dizer, a consciente vontade diri- !! Émile Garçon, ob. cít., p. 166.
gida à realização de um fato de outro modo punido. .'" G. Levasseur e A. Chavanne, Droii Pénal et procédure Pénale.
Paris, 1972, n. 98, p. 49.
8Antonio Quintano Ripollés, Derecho Penal de la Culpa, Barce- 11 César Camargo Hemández, El Delito Continuado, Barcelona,
lona, 1958, p. 184. 1951, p, 22.
256 MA RCELL O J. LINRARE S
LEGÍTIMA DEFESA 257

ao revés, o direito ofendido a cada instante da duração dos atos


Não é de fato impossível que a fim de defender a si ou a
em cadeia, dada a persistência do agressor no estado prolonga-
outrem de uma violência injusta, durante a defesa se cometa
do no tempo que caracteriza o ilícito ( caso do seqüestro em
uma transgressão, como aquela do porte de arma sem licença, o
que o direito à liberdade é violado não só no momento inicial
lançamento perigoso de um objeto, o mau governo de um vei-
mas durante todo o período de sua duração). 12 '
culo (Ugo Conti).
Nesta h~pótese, a legítima defesa é admitida, desde que se De fato, a extensão não pode deixar de se fazer, levando-se
achem reunidas, a cada momento da duração da ínfracão as em conta violar a contravenção um direito objetivo e o direito
co~d!ções previstas na lei, ou como se expressa Giuliani, ~ode imposto pelo Estado no sentido da observância das normas; pro-
verificar-se e dizer respeito a qualquer fase da permanência. 13 voca a possibilidade de um perigo eventual e, embora não ofen-
dendo direitos subjetivos, lesa as condições ambientais dos mes-
89. LEGITIMA DEFESA E CONTRAVENÇõES mos (Carnevale); apresenta um perigo à utilidade pública e ao
direito alheio; ofende as condições secundárias, acidentais e
Partindo-se do princípio de que a contravenção consiste em contingentes da convivência soc1al-(Zerboglio); enfim, é uma
fato contrário ao interesse da administração estatal, e tendo atividade contrária ao interesse administrativo do Estado
= como .º~jetivo a tutela do direito ou a proteção dos negó-
eos materíaís ou morais da coletividade, proteção que se exerce
(Rocco). 15
A legítima defesa concerne, para Manzini, do mesmo modo,
preventivamente, a legítima defesa, como forma de tutela indi- a todas as espécies de crimes com ela compatíveis, tanto de de-
vidual, exercida em substituição à atividade de polícia, evidente- litos como as contravenções, referindo-se à decisão da Cassa-
men:e se aplica às contravenções em geral, no sentido de pre- ção· de Roma, de que, absolvido o réu pela legítima defesa, por
vençao de causas de perigo e dano. um delito de lesão praticado com uso de arma, não poderá ser
condenado por contravenção, relativamente ao fato que consti-
?ando reforço a tal entendimento, Marchetti consignou o tui o meio empregado (disparo). 10
segumte, recorrendo a caso concreto: o cidadão, da janela, vê
O Tribunal de França também estimou que a legítima de-
uma pessoa seriamente ameaçada por um agressor ou por um fesa se aplica à contravenção de violências ligeiras (vias de
cão hidrófobo; em socorro dispara sua arma de fogo; no mo- fato). 17
me~ to em que lança o projétil sobre a via pública, comete ma-
ten~lmente uma contravenção, fazendo-o, inobstante, pela ne- 90. LEGÍTIMA DEFESA E DANO A BENS DE TERCEIROS
cessidade de defender outrem; então, onde a legitimidade de
motivo se justifica em tema de delito, deve também justificar A defesa levada a efeito para repelir ataque antijurídico
em tema de contravenção. 14 pode causar dano a bens de terceiro alheio ao conüíto (quem se
vale, por exemplo, de um objeto valioso com o qual, inutilizan-
12
Angelos Tsarpalas. Le Moment et la Durée des Infracttons Pé-
nales, Paris, 1967, p. 64. 111 Luigi Conti, "Contravvenzione", in Enciclopedia del Diritto,
13 Milano, 1962, 10/226.
Ubaldo Giuliani, La Struttura Del Reato Permanente, Padova,
1967, !). 16. rs Manzini, ob. cit., p. 283.
14
Marchetti, Teoria Generale delle Contravvenzioni, Mllano, 188.9, ,, Cour de Cassation, Chambre Criminelle, dec, de 16.2.1967, Bull.,
p. 69. · n. 761, p. 1.357; Repertoire de Droit Criminel et de Proceâure Pénal,
mlse a jour 1966, p. 407.
258 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 25[1

do-o, atinge a cabeça do agressor) com repercussões diversas no A legítima defesa supõe para ele um conflito de um inte-
cenário jurídico, especialmente no que diz respeito ao campo do resse legítimo (o do agredido) e um ilegítimo (o do agressor).
direito civil. é uma reação que só deve recair sobre o agressor. Na legítima
Regulado em 1870 na "Carolina", que considerava impuní- defesa se fala em um conflito entre esses interesses, na reação
veis as lesões irrogadas a terceiros por quem se achasse em contra uma ação antijurídica e no dano do agressor (apenas do
situação de legítima defesa, o assunto foi assim considerado na agressor); e nada disso ocorre na situação hipotética criada
doutrina alemã, ora dentro de tal entendimento (Frank, Von entre o agredido e o terceiro não co-partíoípe, porque nesta o
Calker, Mayer e Liszt), ora no sentido de estado de necessidade conflito de interesses legítimos é irrecusável; verifica-se ausên-
ou outra causa de justificação (Mezger, Sauer, We1ze1, Maurach, cia de reação, porque a vítima não agrediu, sendo neutra; e,
Von Beling, Von Hippel). · enfim, o prejuízo é do terceiro inocente. 19
Empregando a pitoresca expressão "vestidos alheios", de A conclusão, outra não pode rer: a lesão de um bem jurí-
que o agente se serve para defender-se contra o ataque, ao exa- dico de um terceiro neutro, como'{esultado da repulsa contra
minar o efeito sobre o terceiro desinteressado, indaga Sauer se uma agressão antijurídica, nunca pode estar amparada pela jus-
podem também seus bens ser lesados pelo defensor legítimo, res- tificativa da legítima defesa.
pondendo que sim, quando seja absolutamente impossível uma
separação dos bens por motivos objetivos.
Só para evitar isso não se necessita tolerar o ataque. Se os
bens jurídicos são separáveis, ainda que com dificuldade, a legí-
tima defesa não cobre o bem de terceiro. Assim, se alguém em
um restaurante se defende com uma garrafa de cerveja alheia,
ou se em um espaço reduzido em um refúgio anti-aéreo é um
terceiro também atingido (ainda Sauer).
Em todos esses casos "o defensor legítimo está, frente ao
terceiro desinteressado, em estado de necessidade; seu ataque
frente a ele está justificado, pelo menos desculpado, e então o
terceiro pode encontrar-se, em troca, também em estado de ne-
cessidade". is
Para Fontana, como por igual nos parece exato, jamais a
lesão de um bem jurídico de um terceiro neutro pode ser ampa-
rado pela legítima defesa. A impunidade da ação da legítima de-
fesa não quer significar que ela alcance qualquer resultado, sem
importar a quem ou a que chegue a afetar a ação defensiva em
realidade. O que se deve entender é que a legítima defesa abran-
ge apenas os fatos relativos ao agressor, caso único em que será
correto e próprio falar-se de defesa.
ui Raúl José Silvano Fontana, Legítima Defensa y Lesión de
18 Sauer. ob. cit .. p. 193. Bienes de Terceros, Buenos Aires, 1970, p. 65.
LEGÍTIMA DEFESA 261

Concluiu ser lícito a ambos, em tal emergência, fazer uso


dos meios defensivos, porque estariam em estado subjetivo de
legítima defesa.
Disse, a propósito, Salgado Martins que, no conflito defendido
por Ferri, ocorrido em São Miguel de Ravena, tratava-se de um
caso típico de rixa, que exclui a legítima defesa; o exemplo do
CAPITULO XIII
encontro dos dois homens poderia, quando muito, configurar
para o dono da casa a espécie da legítima defesa putativa, fun-
ALCANCE DA LEGÍTI.MA DEFESA
dada no erro de fato essencial, e a reação do outro a defesa real. 1
LEGÍTIMA DEFESA RECÍPROCA
Ferri não só continuou sustentando a defesa recíproca como
91. Sua origem. na doutrina. 92. A divergência de opiniões. 93. ainda se vangloriou da receptividade de sua tese, que teria adqui-
O direito brasileiro e as soluções práticas. 94. Nossa posição. rido, desde então, a figura de um "direito de cidadania na dou-
trina e na jurisprudência".
91. SUA ORIGEM NA DOUTRINA
92. A DIVERGÊNCIA DE OPINIÕES
Quem parece haver se ocupado pela primeira vez com o
problema da legítima defesa recíproca foi Ferri, ao submeter A.inda a respeito do caso invocado, anotou Salgado Martins
a tese ao júri de Ravena, Itália. queseria um contra-senso, para determinada corrente doutri-
Prendia-se o fato a uma rixa nascida entre participantes nária, admitir-se a legítima defesa recíproca, porque ela nada
de dois grupos antagônicos que, em conseqüência a forte desin- mais refletiria que legítima defesa contra legítima defesa; e
teligência, iniciaram vias de fato com ataques recíprocos. a doutrina de Ferri, como os seus prognósticos, teriam assim
Da luta, cessada pela intervenção policial, resultou um saldo falhado, porque "a quase-unanimidade dos escritores a repele
macabro, com mortes e lesões corporais. e a jurisprudência, só raramente, por equívoco na apreciação do
O fundamento da defesa era o de que, havendo medo e problema, tem admitido a sua existência". ~
tensão nervosa de ambos os lados, alguns dos contendores legi- Realmente, na própria Itália, onde fora plantada, a semente
tímamente supuseram achar-se ante situação de perigo criada não gerou bons frutos, pois a jurisprudência repudiou a legítima
pelos adversários. defesa recíproca, entendendo não ser admissível legítima defesa
Presente o risco iminente, a reação, desordenadamente ocor- contra legítima defesa.
rida, se comportaria, relativamente a quantos participaram do Ainda assim houve seguidores da doutrina.
conflito, nos estritos limites da legítima defesa. Impallomeni, citado pela decisão a que se reporta Bussada, :,
A ilustrar o trabalho, recorreu Ferri ao exemplo talvez não xemplifica o caso de dois inimigos, cada um sabendo que num
muito construtivo, porque relacionado com hipótese diversa, do
cidadão que, retornando ao lar à noite, encontra ao fundo àe 1
· José Salgado Martins, Direito Penal, São Paulo, 1974, p. 109.
um corredor mal iluminado um indivíduo a que julga ser la- 2Idem, ob. cit., p. 199.
drão; ao sacar da arma, provoca a reação do intruso, presente 3
Wilson Bussada, ob. cit.. p, 326; Impallomeni, L'Omicidio tiel
ao local com intenção diversa do furto. Diritto Pena/e, edição de 1900, p. 489.
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 263
262

encontro seriam mortos, um pelo outro. Certo dia, se encontram por novas violências. r; O mesmo sustentam Georges Vidal e
·e contemporaneamente disparam suas armas. Ninguém sai fe- Degois. i
rido. Ambos, para ele, podem invocar a legitima defesa. No direito penal belga, é conhecido o pensamento de Haus:
Mas, os doutrinadores peninsulares, pelo menos em extensa o dir;i~o de_ defesa inexiste quando o ataque é injusto. Como
corolário, nao pode haver legítima defesa contra legítima de-
maioria, mudaram a direção, ao entendimento de que o que se
fesa. Aquele que, por agressão injusta, colocou seu adversário
deve considerar recíproco não é só a defesa, senão também a
em necessidade atual de se defender, não tem o direito de repelir
violência que a precede, caso em que os antagonistas, como
a força pela força. O atacado é quem se acha em legítima de-
acontece no duelo, não podem invocar a legítima defesa.
fesa ~ l~vando os golpes ao agressor nadz mais faz que exercer
No caso, então, de participação de várias pessoas no inci- um dir~ito; as violências que exerce são licítas, o agressor pode
dente, de que exemplos são as rixas, mesmo quando haja neces- se esqu~var pela fuga ou cessando imedia amente o ataque. Mas,
sidade de defesa dos contendores, a situação não se altera, por- se continua a lutar e no combate dá a morte a seu adversário
que a coincidência de opiniões revela uma situação de provo- = se pode justificar invocando o direito de defesa, porque não
teria matado para se defender. A morte é conseqüência de sua
cação recíproca.
Majno raciocinou que quando na legítima defesa o agente agressão, a continuação da mesma ação. s
pratica um ato, precisamente porque é legítima a sua defesa, No direito hispano-americano, Ripollés não aceita essa for-
o outro, contra o qual é dirigida a reação, não pode dizer que ma, ~upla de defesa e muito menos Soler: "Não é possível a
se defende legitimamente, porque o seu ato, determinando a legitima defesa contra legítima defesa, considerados os fatos
repulsa do adversário, não era justo. Os dois atos são logica- objetivamente, salvo o que se estabelecerá em relação aos casos
mente contraditórios, incompatíveis, sem objetividade prática - de erro e a legítima defesa putativa; a admissibilidade de tese
seria como se dois corpos pudessem ocupar o mesmo lugar no contrária importa a superposição do problema da justificação
com o da existência da mesma causa de inculpabilidade". n
espaço. ·1
. -~astellanos combate a defesa recíproca porque, para serem
De igual maneira, Prins: a agressão de que alguém, legiti-
Just1~1cadas as atitudes antagônicas, precisaria que com elas se
mamente, se defende, deve ser ilegal. 5 ~ep~l~sse uma agressão injusta, e as condutas não podem ser
La Medica defende o ponto de vista segundo o qual, na reci- jurídicas e antijurídicas a um tempo: "Quem injustamente in-
procidade, a causa do perigo é atribuível a ambos os antago- veste so~re outro, não pode fazer valer a defesa legítima quando
nistas, os quais, em vez de cooperarem, como no delito coletivo o agredido :ontra-ataca; seu ato consistiria não em repulsa de
em geral, para atingir um fim delituoso comum, ofendem-se uma agressao contrária ao direito, mas em reação a uma con-
reciprocamente, como nas hipóteses típicas do duelo e da rixa duta legitimada, isenta de antijuricidade". 10
a
Entre os franceses, posição é a mesma, como está na lição
~ R. Garraud, Compêndio de Direito Criminal trad. de A. T. de
de Garraud: se a agressão põe a pessoa atacada em estado de
Menezes, Lisboa, 1915, 1/280. '
legítima defesa, não pode o agressor legitimamente defender-se 7 e. Degois, ob. cit., p. 136 e 137.
s J. J. Haus, Príncipes Généraux de Droit Pénal Belge Gand 1869
4 Luigi Majno, Commento al Godice Penale Italiano, 21l, ed., Ve-
p. 354, n. 479. · ' ' '
rona, 1902, p. 134. 9 Sebastián Soler, ob. cit., p, 407.
5 Adolphe Príns, ob. clt., p. 196.
1
° Fernando Castellanos, ob: cit., p. 200.

825 - 18
264 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 265

93. O DIREITO BRASILEIRO E AS SOLUÇÕES PRATICAS guém tem o direito de dizer que o seu ato foi ilegal, só por ter
se verificado que à ação do outro contendor era também justa. rn
Na doutrina do direito pátrio, indica Nelson Hungria o con- A jurisprudência dominante no país é no sentido de conce-
tra-senso de se dizer que dois indivíduos possam estar, em face der a legítima defesa recíproca, havendo contra ela, entretanto,
um do outro, simultaneamente, em situação de legítima defesa. uma profusão de julgados. O problema, todavia, nem sempre é
Nos exemplos que certos autores oferecem como de legítima de- posto em suas justas proporções, preferindo-se examinar os casos
fesa recíproca, explicando a conduta como gerada pelo simples concretos em face do erro de fato, que dá lugar à defesa putatí-
temor de perigo iminente, ou pela "galopante" imaginação, onde va, ou pelo da ausência de uma prova suficiente para, sem in-
não há objetivamente mal nenhum a debelar, "o que se poderia justiça, condenar-se qualquer dos adversários. _/
reconhecer, em tal caso, ab utraque parte; é a legítima defesa A solução encontrada por Nelson Hungria é a de se dar absol-
putativa. Para decidir-se de outro modo seria preciso identifi- vição a um e outro, como se ambos tivessem agido em legítima
car-se uma causa excludente de culpabilidade (erro de fato) defesa; mas isso por injunção decorrente de irredutível insufi-
. com uma causa excludente de crime (legítima defesa)". 11 ciência de prova in concreto, e não pelo reconhecimento de uma
reciprocidade de legítima defesa. 11
A Basileu Garcia parece poder verificar-se em tese a legí-
Basíleu Garcia, de modo idêntico, entende que casos há
tima defesa recíproca, mas desde que se admita, com base no onde se devam absolver os contendores que reciprocamente se
erro de fato, a defesa putativa. Exemplifica: dois policiais à digladiarem. Se não há legítima defesa contra legítima defesa,
procura de um criminoso, em compartimento mal iluminado, só estando sob o império da justificativa aquele que houvesse
percebendo um deles que o· outro vai lhe atirar, ao mesmo tempo sido-inicialmente atacado, entretanto será de se conceder absol-
saca de. arma e atira. no imaginário antagonista, que é seu vição ao outro por erro essencial.
colega; vêem-se nesse caso os dois homens em legítima defesa Não estranha o veredicto absolutório em um mesmo processo
recíproca, por efeito do engano que faz com que cada um deles em favor de acusados de agressão mútua, sob o fundamento da
se suponha em face de agressão injusta e atual. 12 descriminante, explicando, contudo, que, em realidade, "só um
A questão de exigirem os textos legislativos para a legítima deles estará em legítima defesa; mas pode acontecer que o fato
defesa que a agressão seja ilegal, injusta e sem direito, carece não seja testemunhado ou por outro motivo não se esclareça
de maior significação para Leão Starling. A lei apenas formula suficientemente para saber-se qual dos dois contendores ini-
um conceito abstrato, enérgico; mas a ilegalidade ou a injustiça cialmente agrediu ao outro. Não sendo jurídico condenar sem
de uma ação para urri homem que é agredido é também uma certeza, ambos deverão ser absolvidos". 15
questão de foro íntimo, um caso de julgamento individual. O Tanto um quanto outro de nosso citados comentadores dão
que pode parecer justo a alguém, pode se apresentar como injusto ênfase, apenas, à dúvida sobre a precedência do ataque, deixan-
a outrem, conforme as circunstâncias pessoais em que estiverem do de examinar a matéria sobre o preciso ângulo de melhor inte-
colocados. Portanto, se em determinada hipótese à agressão se resse, qual seja o da concomitância das ações, praticadas sem
pode atribuir o conceito de injusta e pelo reator, razoável, nin- destaque temporal, ambas idênticas entre si em tudo, hipótese

1:1 Leão Vieira Btarling. ob. cít., p. 312 e 313.


11 Nelson Hungria, ob. cit., p. 468. H Nelson Hungria, ob. cít., p. 469.
1~ Basileu Garcia, ob. cít., p. 318. 10 Basileu Garcia, ob. cit., p. 318 e 319.
266 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 267

que a prática diária dos tribunais mestra ser possível acontecer. O certo é que tal desate, ditado pela indecisão (isto é, não
Porque, se realmente não há concomitância de atitudes, não se se podendo negar, mas também não se podendo reconhecer a
pode falar em defesa recíproca; o primeiro atacante, criando a legítima defesa em prol de um dos agentes, à míngua de prova
situação de perigo, não estaria em legítima defesa frente ao estreme de dúvidas ou incertezas, o que se deve fazer é absolver
adversário. Mas, no caso de simultaneidade de movimentos, o a ambos) é por todos os títulos insustentável.
aspeto muda.
Ambos, então, apontam inaceitável solução, contraditória 94. NOSSA POSIÇÃO
com as próprias doutrinas, porque, se não há legítima defesa
como então se absolverem todos os contendores? Sob que funda- Na legítima defesa a que se dá o nome de defesa recíproca,
mento? Pela negativa do fato principal? Mas não seria violen- o que se deve considerar é a posição de cada co-partícipe em
tar-se a consciência negar-se um fato evidente, só pela incerteza destaque, como se procede no tribunal do júri, onde as séries
da colocação de uma realidade fática na conceituação teórica de quesitos são autônomas para cada acusado. Deve estar pre-
do instituto? Por outro lado, a absolvição pela legítima defesa, sente no exame dos fatos o estado psicológico que domina cada
sob o motivo da carência de prova, seria ainda mais absurda, um deles na objetiva situação de perigo criada pelo antagonista.
afetando o princípio universalmente consagrado de que a de- E pode estar em situação legítima tanto um quanto outro
monstração do estado de legítima defesa incumbe a quem alega. de dois desafetos que se defrontem, e, em ação coeva, concomi-
Se o agente não produziu prova bastante para convencer a ocor- tante, sem destaque temporal, venham a fazer uso de sua arma
rência da excludente, como aceitar-se teoricamente a solução ou dela procurem se utilizar, criando cada um deles, em relação
que o absolvesse? 111 ao outro, evidente e indisfarçável situação de perigo, necessária
de ser coibida pela força.
O conselho, que vem sendo aceito pela jurisprudência, im-
A lei se contenta com a iminência do ataque, e é tão iminen-
porta na adoção de soluções práticas diametralmente afastadas
te o perigo criado por um indivíduo que saca de sua arma para
das regras teóricas que as devem ditar.
me alvejar como o perigo que eu crio para meu desafeto, sacando
A admitir-se o raciocínio desenvolvido, concluir-se-á que as o meu revólver com o mesmo desígnio, pretendendo atingi-lo.
conclusões refogem às premissas, pois de duas uma: ou se con- Terá ele, na emergência, a mesma concepção subjetiva do
denarão ambos os contendores, por não conseguir nenhum pro-, risco, decorrente da objetividade do fato criado, de que está sendo
var a escusa, ou se absolve um deles apenas, justamente o que injustamente atacado, como eu também a terei de estar na imi-
tenha ficado prioritariamente exposto a perigo por ataque in- nência de ser ofendido.
justo. Ainda aí se daria uma solução arbitrária e sobretudo di- Se legítima defesa é, na maior.ia das vezes, antecipação, por
versa da questão, que não é de precedência de ação sobre outra, que se pretender falar que a reação empreendida por qualquer
mas de concomitância delas, ataque e defesa desfechados no deles é injusta?
mesmo momento. Não nos parece assim que a solução teórica conducente ao
reconhecimento da legítima defesa de ambos os contendores, que
io Safo Borghese, Il Godice Penale ... cit., p. 87; Arturo San toro,
se batem sem intervalo de tempo ou sem preeminência de inicia-
Manuale di Diritto Penale, Torino, 1958, p. 214, 1.º v. Reportando-se à
Cassazione, fala que, havendo· dúvida sobre a prova da legítima defesa,
tiva, possa contrariar os fundamentos filosóficos do instituto,
o Juiz não pode absolver valendo-se da forma dubitatíva, mas sim con- nem as teorias que sobre ele se desenvolveram, desde que, na
denar. visualização fática, a conduta de cada um estiver posta ao outro
268 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 269

como capaz de acarretar um perigo atual ou iminente a ser de Mostra-se, assim, coerente, pois estabelece a diferenciação:
pronto repelido. nas ações não-simultâneas, um dos agentes poderá estar em legí-
No caso em que entre uma ação e outra ocorra razoável tima defesa, mas o outro não; nas concomitantes, a ambos falece
intervalo de tempo, evidentemente não haverá legítima defesa a argüição.
para ambos os adversários, porque aí a prioridade da ofensa ou Por ele citados, Frosali, Pannain e Contu assinalam que se
<lo perigo será antijurídica e irá colocar o antagonista em si- naturalmente o fato de dois contendores não puderem invocar
tuação legítima. Mas, na hipótese da precisa coincidência de a legítima defesa para ambos não exclui que possam invocar a
ações, no tempo e em intensidade, o mesmo não se dirá, porque eximente putativa e restar absolvidos por esta razão.
as condutas opostas, isoladamente consideradas, são as mesmas. Mas, não ponderaram todos que a legítima defesa presu-
Caberá aqui, em reforço, a indagação feita por Grosso: mida, fundada em erro de fato, exige à sua configuração, entre
"Qual o elemento que permite afirmar que uma conduta cons- os demais pres.supostos integrantes, o da injustiça da suposta
titua uma agressão, e outra, ao revés, uma defesa descrimi- agressão e assim se volveria à estaca zero, porque, se a legítima
nante?" 17 defesa pudesse ser proclamada em favor daquele injustamente.
Para ele, o critério para a resposta, que não nos parece sa- agredido, não poderia, ao mesmo tempo, ser concedida ao autor
tisfatória, repousa na modalidade cronológica que as distinga: dessa suposta injusta agressão. Não se poderia falar, portanto,
"ilícita será a conduta iniciada em primeiro lugar, justificada em legítima invocação da tutela para ambos os contendores.
a sucessiva". 1 ~ · Resídíría ai, portanto, uma incoerência: não podem argüir
Este também é o rumo seguido por Nuvolone: "É interesse a defesa real, mas poderão invocar a putativa, esquecendo-se os
qualificado o interesse daquele que, entre os sujeitos em con- doutrinadores invocados que uma e outra se sujeitam aos mes-
flito, sofre primeiro a ação contrária à norma". mos· requisitos.
A resposta de Grosso, com efeito, não é satisfatória, porque Afinal, não nos parece absoluto o critério de Grosso, da mí-
desvia a questão, a que só retorna páginas adiante, para refor- nima diferenciação de segundos, a decidir da justiça ou da juri-
mular o problema que, agora, confessa ser altamente complexo: dicidade de uma repulsa e da antijurídicidade de outra. Não se
quando duas pessoas, possuídas de velho rancor, tão logo se de- consegue entender que essa simples e insignificante circunstân-
frontam, façam uso contemporâneo de armas de fogo, dispa- cia de tempo separando atos opostos possa fornecer elementos
rando contra o adversário, retribuindo calculadamente a con- para se conceituar uma ação como realizada secundum ius e
duta alheia, à primeira vista pode parecer estranho que o sujeito, outra como contra ius, se ambas, por uma ínfima questão de
por ter iniciado o incidente, instaurando uma situação de perigo, tempo, desencadeadas a descompasso, refletiriam defesa contra
e que deva por isso ser punido, possa invocar a eximente sobre defesa, o que, a ele e aos demais doutrinadores citados, causa
a qual tenha agido como uma segunda pessoa. Conclui assim: espanto.
nenhum dos contendores poderá invocar a aplicação da legítima
defesa toda vez que as ações antagônicas sejam absolutamente
contemporâneas, desde que entre elas não haja pelo menos um
pequeno destaque temporal.

J"7 Carla Federico Grosso, ob. cit., p. 170.


1, Idem. ob. e loc. cit.
LEGÍTIMA DEFESA

do mesmo grupo familiar: pai, mulher, filhos e irmãos (vel ob


tutelam filii, patris, fratris, uxoris - Albertus de Gandino, Trac-
tatus de Maleficiis, De poenis reorum, rub. 3).
Só depois estendeu-se ao amigo, ao hóspede, ao vizinho.
Em primazia, estava a proteção da pessoa cio pai: mas, se
CAP1TULO XIV um filho cometer um homicídio por causa da proteção de seu
pai? Diga que está desculpado; depois,. a dos irmãos e filhos:
ALCANCE DA LEGtTIMA DEFESA. e se eu cometer o mesmo delito por causa da pessoa de meu
LEGtTIMA DEFESA DE TERCEIRO irmão, isto também é permitido em razão da afeição; ou -:-:-
igualmente, o que é lícito em prol do meu corpo é lícito tam-
95. Origens. 96. Fundamentos. 97. O terceiro beneficiado. bém em prol do corpo de meu Jilho; a seguir, da esposa: mas,
98. Direitos tutetaâos. 99. Os requisitos.
se alguém cometer algum homicídio, por causa da. proteção de
sua esposa? Diga que está desculpado, porque são dois em uma
95. ORIGENS
só carne (cf. Albertus de Gandino, Tratado dos Delitos, citado).
Seguindo a tradição doutrinária e a orientação anterior, o Sempre se afirmava o estreitíssimo vínculo de sangue, dan-
Código Penal não só prevê a legítima defesa própria como a do ao instituto o seu conteúdo bíológíco. Tratava-se de instinto
legítima defesa de terceiro. As expressões nele empregadas são de conservação prolongado, difundido fora do cidadão, mas em
as de que em legitima defesa se entende quem repele agressão órbita limitada e restrita aos laços biológicos.
a direito seu ou de outrem. · Negava-se, a princípio, a descriminante ao terceiro estra-
Trata-se de direito que é da própria essência da solidarie- nho ao grupo, salvo exceções, porque fora dos laços restritíssimos
dade humana. 1 de sangue não se descobria o fundamento biológico para a me-
Narra o :txodo, 2: 11, que um dia Moisés, já sendo homem, dida. Essas exceções se faziam para os casos de parentes di-
saiu até perto de seus irmãos e viu um egípcio esperando um versos dos indicados ou mesmo de estranhos quando uns e ou-
hebreu, um do seu povo. O fato de ter ido ver a espécie de tros, no momento da agressão, estivessem em companhia de
vida que levavam e como eram tratados sugere que tenha par- quem deles mesmos se fizesse defensor (item ... vel ob tute-
tido com a idéia de que poderia de algum modo ser capaz de lam. ... aiterius qui esset in societate mea). Presumia-se em tal
melhorar sua sorte, embora dificilmente pudesse ter previsto hipótese provável que, sendo os companheiros agredidos, tam-
que sua viagem terminaria numa ação espontânea que o obri- bém viesse a sê-lo. O perigo se estendia e assim a defesa de
garia a fugir do país. Matou o feitor egípcio que estava maltra- terceiro se confundia com a defesa própria, aí ainda uma vez
tando o servo hebreu e enterrou seu corpo na areia.2 ressurgindo a justificativa biológica originária da legítima. de-
fesa, fundada no estado de conservação: sicut si aliquis aggre-
Esta a origem bíblica do instituto:
tieret me et coniunciam. personam vel extraneam, qui tunc
O beneficio vem do direito romano, onde, todavia, era conce-
licet et easdem personas defendere (se alguém, por exemplo, me
dido com algumas restrições. A defesa só abrangia os membros
agredisse, a mim· e a um parente ou pessoa estranha, então
1 Enrique Pessina, ob. cit., p, 194. seria lícito também defender as mesmas pessoas - o mesmo
2 Moshe Pearlman, ob. cit., p. 30. Albertus de Gandino citado, rub. 3).
272 MA RCELLO J. LINHARE S LEGÍTIMA DEFESA 273
•,

Mas, para os servos era dever abater o agressor de seu se- Por sua vez, Blancus detalhava: o neto deve defender o avô;
nhor, para os soldados o de seu chefe. o irmão, o irmão; o marido, a mulher; o amásío, a concubina;
Negava~se, contudo, a descriminante ao terceiro estranho ao o amigo, o amigo; o servo, o dono; o abade, o monge. 6
grupo. . . ;.. . ,
N~ direito canônico, a defesa de terceiro era nao so um 96. FUNDAMENTOS
direito mas um dever de humanidade. ·
Tamanha era a consideração que se dispensava a esse ~i- Sua razão está no móvel altruísta e eminentemente huma-
reito que se chegou ao extremo de estabelecer uma presunçao nitário a que responde; 1 está na própria natureza da descri-
de culpabilidade contra quem, podendo libertar outrem de_ uma minante, porque não se admite queira a lei impor ao espectador
violência. não O fizesse: "non sunt imunes a scelere, qu: non a sua ímpassíbílídade ante os ultrajes e as ofensas dirigidas a
libemnt eos, quos possunt a facto liberare".
um seu semelhante, pouco importando a inexistência de laços
de dependência, amizade, ou de simples relações de cortesia.
Bcherma estranhou a maneira de se regular o assunto no
A legítima defesa, própria, ou de terceiro, basta a existência
direito canônico; se de um lado, a fim de se frearem sentimentos
egoísticos, se reduzia a limites restritos a legít~ma defesa p~ó- do perigo, causado por um ato injusto, e a necessidade da re-
pulsa.
. pria, por outro, e para se desenvolverem os sentimentos altr~1s-
ticos, a defesa de terceiro era não só permitida, mas tambem se o direito existe sempre para proteger interesses jurídicos
próprios, também existe, e com mais fortes razões, para tutelar
imposta. 3 .
interesses jurídicos da ordem (não matar) e o interesse público
Os doutores discorriam que os atos, cuja finalidade era a relativo à integridade pessoal.
defesa. do semelhante injustamente oprimido, não podiam cons-
tituir crime: "cuivis homini iurà permittunt defendere ac citra Carrara escreveu que negar a legítima defesa alheia seria
negar o próprio Evangelho.
crimen omnem protegere confratrem suum, etiam ignotissimum,
ab altero graviter oppressuan", 4
Ligados a tal compreensão, reconheceram os doutores a
legítima defesa de terceiro, para Nicolini um "nobilíssimo ato",
· o Digesto dava como razão que a natureza estabeleceu entre para Alimena "mais nobre e mais formosa que a defesa pró-
os homens um certo grau de parentesco: ''cum inter nos ~og~~- prí a", acrescentando Pacheco que.?o instinto de conservação e o
tionem quandam natura constituerit" (Dig., L. 3, De iustitia
sentimento da personalidade obrígam o homem a defender seus
et iure):
parentes; a generosidade, o amor do [usto: a sublevação natural,
Carpzovíus também. admítía a defesa de te~ceiro de~d~ que contra a opressão que o forte exerce sobre o fraco; tudo isso o
ocorressem simultaneamente, um ataque inopinado e Injusto, impele a defender os estranhos".8
a Zaesio in;hoata, a existência do perigo e a possibilidade de um
Florian fala do "princípio santíssimo pelo qual é consagrada
dano irreparável. õ a juridicidade da cooperação dos cidadãos para a mútua assis-
tência jurídica e para a alteração do direito".
:i Salvatore Scherma, IZ Diritto di Difesa, Palermo, 1897, p. 26.
4 Farinacio, Quaest., 125, n. 287; Damhouder, Praxis Criminalium,
6 Blaneus, Practica Criminalis, Venetiis, 1.555, p. 114.
Cap. 80. T Emilio Dias, El Código penal Argentino, p. 88.
G Carpzovius, Practica Nova, Quaest. 28, n. 33. s ;. F. Pacheco, ob, cít., p. 153.
274 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 275

E Bentham ser a defesa de terceiro "um belo movimento t r sse ameaçado, seja a vítima capaz ou não, pessoa indivi-
ante o espetáculo do forte maltratando o fraco. É uma bonita lu da ou desconhecida.
ação aquela que faz esquecer nosso perigo pessoal e correr aos As pessoas de direito público estão nesse rol; se não podem,
primeiros gritos de socorro; a lei deve abster-se inteiramente t , agir diretamente na própria defesa, como ficou expia-
de enfraquecer esta generosa aliança entre a coragem e a huma- m capítulo próprio, elas também podem ficar expostas
nidade; que ela louve, antes, que ela recompense aquele que de- r1 .
sempenha tão abnegadamente a função de magistrado em favor uir m, objeto da lei, ante o exposto, é qualquer um, este
do oprimido, pois que importa à salvação comum que todo ho- n u Z ; qu figura perfeitamente justificado a Manzini,
mem honesto se considere como protetor natural de todos os ri , f t < 11 t d f sa a parentes, concedendo
outros. Neste caso, nada há de mal; ao contrário, os efeitos m um restrito sentimento
são benéficos".
ndo-a ao generoso, justa-
Todos entendem ser mais digna de escusa a intervenção p nas aos sentimentos éticos
que se faz em favor do desprotegido, que propriamente a defesa r moral superior, o que exerce a
exercitada em benefício direto, considerando-se a nobreza e o 111 r 1v< 1· um desconhecido. 0
desprendimento de quem, ante a iminência de grave risco, pode t m dmite a legítima defesa de terceiro, mostra-se
expor até a vida em prol do próximo. • Ior ttl mais cauteloso em sua concessão, devendo-se
rítérios mais rígososos .
. 97. O TERCEIRO BENEFICIADO
m nte para punir o excesso, mas também para reco-
11h · r dlr ito de defesa exercido dentro dos chamados limites
Não. faz a lei qualquer distinção entre aqueles em favor dos
llo. 11 ,z ramen, será necessário ter em vista as relações de pa-
quais é exercida a legítima defesa.
co xlstentes entre o agredido e aquele que corre em seu
Diz ocorrer a defesa a direito de outrem, isto é, de outro, e, >" .
de outras pessoas. 1 . nvolvendo o raciocínio, acrescenta: "é preciso não se
Não desce a norma áo casuísmo do direito espanhol, que lln llt bre a freqüência desse generoso instinto que impele um
se refere ao cônjuge, ao ascendente, ao descendente, ao irmão m socorro de seu semelhante. Justamente porque este
legítimo, ao natural ou ao adotivo, aos afins e aos consangüí- ntímento nobilíssimo e próprio das naturezas superio-
neos, para depois falar em defesa de terceiro estranho e vin- ,, , preciso ter cautela em suas manifestações. A relação de
cular a legitimidade desta a determinados elementos apriorís- 1 r ntesco, de ordinário, leva a socorrer o parente que está em
ticamente fixados para cada caso. .
1 • ri o; e portanto a afeição que existe entre os dois dá direito
Nossa lei penal tem como irrelevante a condição de amizade, rguer a presunção de que o socorro foi prestado realmente
do parentesco, da nacionalidade ou do conhecimento pessoal, ma idéia de praticar um ato de abnegação, antes de que com
satisfazendo-se com o evento que se caracterize pela injustiça da o fim oculto de satisfazer uma tendência criminosa".
agressão e por uma premente necessidade de sua repulsa. Entretanto, conclui, "onde esses laços de parentesco não
O terceiro, assim, pode ser qualquer um, sem ser preciso a xi tem, surge, ao contrário, mais forte a presunção de que o ato
existência de vínculos, de um sentimento ou de um dever moral 1 praticado por instintos não perfeitamente altruí.sticos e so-
ligando o agente ao defendido; mas, sim, será necessário o 11 Vincenzo Manzini, ob. cit., p. 288.
276 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 277

ciais. . . Seria preciso distinguir se aquele que prestou socorro Não só a vida e a integridade pessoal estão na órbita da
provocou ou não de qualquer modo o conflito, se existia entre proteção jurídica, a serem defendidas pelo estranho. Também
ele e o agredido qualquer fato de criminosa associação". 10 pudor, a honra, a propriedade, a posse, e demais interesses
A prudência nesse exame se acresce a que se deve observar tutelados, onde a maior ou menor extensão do valor irá canela-
no socorro a ser prestado com cálculo e razão, como tal se en- mar a mais intensa ou a menos profunda atuação defensiva.
tendendo o que é usado mais no sentido de fazer cessar a luta A expressão direito de outrem não se limita à pessoa, mas
do que propriamente como uma inclinação parcial para o lado t mbém se estenderia ao nascituro, conforme concepções dou-
de quem está sendo atacado. trinárias então dominantes. Segundo estas, o aborto, que é ten-
Se, entretanto, tal a situação do conflito, esse cálculo e t do p la xpulsão violenta do feto, pode ser repelido por terceiro.
essa razão, como ressalta Crivelari, não consigam conduzir o r rm d tut l d direito à vida, colocando-se o
lo (' 11 . t outrem a que se refere a lei
agente, não deverá ser ele constrangido a responder pelo seu
(d, lt II li l,t 1· •e• 1·0 • N ntido, Maunz-Dürig, Grandgetz,
áto, que, antes de tudo, é generoso; a menos que esteja evidente
11 t IV, 11 • , r .t, 2 , II, nQ 21; Mezger, Leipziger Kommentar,
a intenção malévola de causar dano. 11
§ a, 2, •. A [uda em favor do feto é possível; o aborto constitui
Estes são os seus conselhos: "se for impossível saber à pri- iu a ã que lesa o bem jurídico vida do nascituro, ou seja,
meira vista de que lado está a justiça, jamais deverá o agente um ataque para o qual inexiste qualquer causa de justificação
sofrer o castigo de uma ação destituída de qualquer idéia de 1• u seria, pois, antijurídico.
dolo. É certo que se o socorro devesse sempre andar ligado ao Esta é a observação de Manzini: "Quando a mulher use ou
cálculo e à razão, e se se tivesse de esperar que o caráter e fuçà usar contra si a violência (toda manobra abortiva é perigo
as circunstâncias do acontecimento devessem sempre mostrar d fensa injusta) para expelir o feto, pode discutir-se se com-
suficientemente à primeira vista de que lado está a justiça, o pete a terceiro a faculdade de defender com o uso da força o
moderamen da defesa de terceiro não passaria de um direito nascituro. A defensibilidade pode se fundar na autorização geral
ilusório, porque ninguém, conquanto estivesse iminente o perigo ue cada um tem de impedir a perpetração de crimes. O aborto
de outrem, se arremessaria em meio à luta para salvar o peri- um delito contra a íntegridade da estirpe, cuja objetividade
clitante, ante a perspectiva de sofrer as graves conseqüências jurídica está em paralelo com o direito do Estado, donde se
da sua ação generosa". 12 onclui que a ação privada violenta, dirigida a impedir o aborto,
justificada pela legítima defesa de u:r;n direito de outrem." 13
98. DIREITOS TUTELADOS Essa questão, em princípio discutível, acaba de ser revivida
m importante decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos,
Segundo a conceituação legal, se não há lugar a qualquer m janeiro de 1973, quando encarou o aspecto constitucional das
diferenciação na individualidade do agredido, também não ha- sentenças Roe uersus Wade e Doe versus Bolton, admitindo à
verá em relação aos direitos a ele inerentes. mulher grávida contestar a legitimidade constitucional da nor-
ma do Estado de Texas, que não permitia sotopor-se a uma
10 Julio Fioretti, ob. cít., p. 124. a
lícita intervenção médica dirigida e interromper maternidade.
11 Crivelari, apud Lemos Sobrinho, ob. cít., p. 207.
1:! Crivelari, ob. cit., p. 207. 1~ Vincenzo Manzini, ob. cít., p. 289.
278 M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 279

Considerou que a lei, não permitindo o aborto, senão no em direito de legítima defesa do nascituro a ser exercida por
objetivo de salvar a vida da mulher, violava a esfera exclusiva estranho, porque a interrupção da maternidade estará na esfera
do segredo (right of privacy), uma das garantias constitucio- de um direito constitucionalmente legítimo.
nais que, embora não explicitamente afirmada, constitui um Em relação ao cadáver, pode também ser defendido por
direito subjetivo constitucional "inominado", integrante do di- · intervenção de qualquer pessoa, contra sua profanação.
reito de liberdade da pessoa. Não podendo o cadáver revestir-se de personalidade jurí-
Admitiu que o Estado tem, sem dúvida, o direito de preo- dica, porque são apenas sujeito de direito as pessoas vivas,
cupar-se pela saúde da gestante e de pretender que as opera- quando a intervenção se faz em favor dele considera-se em
ções dirigidas a interromper a maternidade não produzam risco prol da sociedade, que tem interesse de fazer respeitar a me-
de vida. Mas, sob esse ponto de vista, os progressos da medicina mória e a honra dos defuntos. 15
moderna reduziram em muito os perigos que acompanham o Os casos de dissecação de cadáver só são considerados jus-
aborto quando a mulher é assistida pelo médico; e o direito do tificados quando tenha havido consentimento prévio para estu-
Estado, de regular o direito ao aborto, considerado em função dos ou transplante de órgãos, não se compreendendo a justifi-
da tutela da vida e da saúde da gestante, não pode ser senão cativa com base em consentimento presumido (Rolando Riz).
muito reduzido. Caso raro, mas não de impossível ocorrência, é o de que
Considerou mais que as expressões "pessoa" e "vida", que a defesa vá se operar contra a vontade do terceiro ameaçado
o Estado sempre tutelou, relacionadas com o direito constitu- ou agredido. Exemplo: a amásia, rudemente espancada pelo
cional, não atingem a classe dos concebidos, mas ainda não nas- amante, que, pressentindo a iminente reação de um círcunstan-
cidos, aplicando-se o conceito estritamente aos organismos hu- te, a este se oponha, para que não seja ofendida a pessoa amada,
manos já vindos vivos à luz. preferindo suportar os castigos físicos a vê-la vitimada por uma
O juiz terá em conta os elementos relativos ao bem-estar intervenção inamistosa de terceiro. Será de se negar ao cir-
da mulher sob o aspecto não só físico, mas também fisiológico e cunstante a defesa legítima em favor da mulher atacada?
familiar, que possa fazer considerar oportuno o aborto. Há quem pense afirmativamente, porque a defesa deve sem-
A liberalização da disciplina do aborto é hoje tendência pre se dirigir a uma agressão contra ius; e desde que a expressa
largamente difundida em quase todo o mundo, acreditando idônea manifestação de vontade do terceiro agredido, impor-
Bognetti que em um tempo não muito distante os ordenamen- tando na exclusão da ilicitude da ofensa, retira a antijuridi-
tos italiano e tedesco introduzam inovações em sua legislação cidade do ato, este não seria mais contra o direito. Residiriá
sobre o aborto justificado. 14 ai um . consentimento válido à lesão de um direito disponível.
Desde que se reconheça, portanto,' em favor da mulher, o Não nos parece acertada a solução, por dois motivos: pri-
direito de abortar, com a assistência de seu médico particular meiro, porque o direito do agredido não é disponível; a ordem
ou oficial, conforme o caso, não se poderá falar, logicamente, jurídica o inclui entre os direitos indispensáveis (vida, sanidade)
jamais permitindo sua violação; segundo, porque a renuncia-
14 Giovanni Bognetti, "La libertà de abortire", in Rivista Italiana bilidade da defesa pelo agredido não se estende ao terceiro cír-
in Diritto e Procedura Penale, 1974, p. 8 e segs.
A lei italiana n. 194, de 22 de maio de 1978, intitulada "Normas para
cunstante, que tem o dever de intervir.
a tutela social da maternidade e sobre a interrupção voluntária da gra-
videz", prevê uma série de relevantes questões de técnlcà jurídica. ir. Oirolamo Penso, La Dijesa Leçtttima, Milano, 1939, P: 214.
280 MARCELLO J. LINHARES

Há, assim, em situações como esta, de distinguir entre di-


reitos, como a posse e a propriedade, suscetíveis de disponibili-
dade sobre o interesse; outros há, porém, definidos como ina-
lienáveis, em relação aos quais se não tolerá a sua violação. A
renúncia aos primeiros não teria reflexos na legítima defesa de
terceiro, porque, logicamente, ninguém iria procurar defender
bens materiais de outrem em caso manifesto de desinteresse do CAPiTULO XV
exercício da faculdade defensiva pelo principal ofendido, má-
xime no de expressa renúncia a tal direito. ALCANCE DA LEGÍTIMA DEFESA.
Mas, quanto aos bens indisponíveis, como a vida ou a ín- LEGÍTIMA DEFESA SUBJETIVA
tegrídade corpórea, a vontade do atacado não afasta da inter-
100. O elemento histórico. 101. Conceito. Exemplos de legítima
venção do defensor o caráter legítimo de sua conduta, nem o
defesa putativa. 102. Fundamentos. 103. Exclusão de culpabi-
priva do dever de atuar. lidade e isenção de punibilidade. 104. Os pressupostos.

99. OS REQUISITOS
100. O ELEMENTO HISTÓRICO
Os requisitos da legítima defesa de terceiro são os mesmos
exigidos para os casos de legítima defesa própria, sem a ne- A legítima defesa subjetiva, também denominada legítima
cessidade de se referir expressamente, como o fez o direito es- defesa putativa, fundada em suposição errônea do fato, já cons-
panhol, 1~ à condição de, havendo provocação do atacado, não tava do direito positivo alemão, ao tempo de Carlos V, sob cujo
ter o defensor dela tomado parte, para o caso de defesa do império a "Carolina" considerava como isento de pena quem
parente; ou de não ter o defensor agido por vingança, ressenti- errasse defendendo-se.
mento ou outro motivo relevante. Em sua elaboração dogmática atuaram não só os doutri-
Todos esses detalhes e exigências estão abrangidos pela re- nadores, para ela muito influenciando também as decisões judi-
dação genérica dada pela nossa lei penal e serão adiante exa- ciais, como informa Asúa: "Desde os primeiros anos do século
minados. presente apareceram em língua alemã monografias sobre o as-
sunto - e muito antes já se falava de defesa putativa nos
10 O Código Espanhol (art, 10, n. 5) concede a legítima defesa a Tratados-, merecendo recordar-se as escritas por Ballin (1902),
quem age em defesa da pessoa ou diréito de seu cônjuge, de parentes Haselbarth (1904), Jerschke (1911), Siegert (1930), Engish
consangüíneos legítimos em toda linha reta e na colateral até o quarto (idem) etc. Na Itália se ocuparam do importante tema V. P.
grau inclusive, de seus afins legítimos em toda linha reta e na colateral
Gesué (1930),Bonini (1936) e Penso (1940)".1
até o segundo grau inclusive, de seus pais ou· filhos naturais ou ilegí-
timos reconhecidos; mas ressalva: em caso de ter havido provocação As decisões judiciais aceitavam a idéia de inimputabilidade
por parte do acometido, a legítima defesa só se concede se o defensor por erro, desde que o agente acreditasse estar na iminência de
não houver participado dessa provocação. ser atacado, sem que, em verdade, estivesse nessa situação real
Comenta a propósito Labatut Glena que em tal caso surge um novo
de perigo.
vinculo causal entre o defensor do paciente e o agressor, sendo legí-
tima a sua intervenção mesmo que o paciente tenha provocado o ataque
de que é vítima. 1 Jiménez de Asúa, El Criminalista, p. 214 e 215.
282 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 283

Na necessidade de defesa se levava em conta não só essa Do conceito decorre que, abstraído o seu aspecto subjetivo,
suposição, como também a opinião fundada de que o agente a legítima defesa putativa nada tem de comum com a legitima
pudesse realmente formar sobre sua existência a gravidade. defesa objetiva ou real, guardando apenas identidade de nomes
A agressão ilegítima, embora ausente em sua efetividade em gênero, como destaca Nelson Hungria: "Dentro da l?gica
.
reside na representação mental de quem age influenciado pelos
' jurídica, a não ser que a lei intervenha como uma ficção em
~tos externos,. anteriores e concomitantes, capazes de sugerir um sentido contrário, seria erro grosseiro o confundir-se uma com
Juízo que revista os caracteres próprios da ação real. outra. Na legítima defesa a ação é objetivamente lícita; na legí-
tima defesa putatíva, ao contrário, a ação é objetivamente ilí-
101. CONCEITO. EXEMPLOS DE LEGfTIMA DEFESA cita". X
PUTATIVA A legítima defesa putativa, como se deduz de seu conceito
e do exemplo normativo dado, extrema-se essencialmente da legi-
O conceito de legítima defesa subjetiva deve ser extraido tima defesa real. A licitude de ação desta corresponde a ilicitude
dos textos do vigente código penal, especialmente do art. 20 daquela, ambas examinadas sob ângulo objetivos.
0
§ 1. : "~ isento de pena quem, por erro plenamente justificad~ Se na real não se pode falar de existência de crime, na sub-
pelas circunstâncias, supõe situação de fato que se existisse jetiva este existe, mas não é punível; na putativa fica-se no
tornaria a ação legítima". ' ' domínio da suposição, bastando a crença do agente de se achar
Mantendo a tradicional distinção entre erro de direito e erro na iminente necessidade de violar o direito alheio para preservar
de fato, o novo Código assim conceitua este último: "É isento o próprio.
de pena quem, ao praticar o crime supõe, por erro plenamente · Mas, na ressalva de Magalhães Drummond, a ilusão de quem
escusável; a inexistência de circunstância de fato que o constitui se defende quanto à realidade da agressão, há de ser tal que iluda
ou a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima". qualquer homem criterioso, ficando excluída a possibilidade de
Do entrosamento dos dispositivos que regulam a legítima percepção do engano e com ele a hipótese de culpa em sentido
defesa real, objetiva, com o que disciplina o erro de fato con- estrito.
cluir-se-á que na legítima defesa s~bjetiva o agente alimenta a Bandeira de Mello, seguindo penalistas que, como Von Liszt,
crença d: estar real~ente a_gindo em repulsa a um ataque real, inadmitem justificação para as defesas putatívas, por não ter
a agressao ou o perigo só vivem em sua imaginação, não tendo ninguém o direito de matar a outrem sem absoluta certeza de
qualquer representação efetiva no domínio da realidade. estar sendo agredido, admite todavia a exceção para os casos
Defesa putatíva, assim, para nos valermos da excelente sín- de erro invencível ou imposto pela própria vítima, dando os
tese de Asúa, quer dizer defesa suposta, imaginária. "Putativo seguintes exemplos:
vem do latim putaiiuus, puto, putas, putare, que sígníãca pen- "a) um indivíduo, que ele desconhece, aponta um revólver
sar, reputar; isto é, tido por tal. Aplicado à defesa não é outra contra o réu e diz-lhe ameaçadoramente, em 'uma estrada de-
. '
coisa que reputar, pensar ou crer que temos que nos defender serta: 'apronte-se para morrer'. Ou então: 'a bolsa ou a vida'.
contra uma agressão que em verdade não existe e que nos parece · o réu saca de uma arma de fogo e atira contra ele, matando-o
real, mas que não é". 2
:i Nelson Hungria, A Legítima De! esa Puta tiva, p. 96, apud Pedro
2 Jiménez de Asúa, Trat. .. . , clt., p. 221. vergara, Da Legítima Defesa -Sul:Jjetiva, Rio, 1949, p. 127.
284 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 285

ou ferindo-o. Descobre-se, depois, que o revólver do desconhecido o perigo, na defesa subjetiva, não é conseqüência de um
não tinha balas. Ou que era imprestável; ato ou fato que tenha significação exterior, objetivamente exis-
b) um assassino impiedoso e protegido condena um desa- tente, senão na hipótese, na abstração.
feto à morte. Manda-lhe um recado terminante: - diga a Fu- Sabatini diz que para a putativa deve subsistir objetiva-
lano que desapareça das minhas vistas, se tem apego à vida. mente um perigo de ofensa e esta, embora erroneamente supos-
Porque, onde quer que eu o encontre, ele será um homem morto. ta, deve ser sempre avaliada como injusta por parte de quem
Juro pelo que tenho de mais sagrado. O ameaçado deixou até atua a ação defensiva. Ocorre, entretanto, que se o perigo existe,
de sair de casa. Porém uma noite, transido de medo, teve que ir se é objetivamente avaliável, não se cuidará mais de legiti~a
à farmácia do bairro, buscar remédio para um filho doente. Já defesa subjetiva, mas sim de legítima defesa objetiva, real. Nao
era tarde e não havia viv'alma na rua. Nisto, ouviu passos atrás é, pois, só a agressão que deve ser suposta, mas também o perigo.
de si. Cousa de uns vinte metros de distância. Voltou a cabeça o que para ele deve ser objetivamente apreciável é o fato
e viu o assassino que jurara matá-lo. Estugou o passo e dobrou (irrelevante em sua conseqüência) que gera a ilusão de perigo
uma esquina. O outro dobrou !3, esquina estrás dele. Não teve dú- e a falsa consciência da agressão iminente. 4
vidas. O outro seguia-o para matá-lo. Sacou de um revólver e A suposta ação de defesa, para Maurach representa ação
atirou no valentão. Verificou-se depois que este viera desarmado dolosa tipicamente antijurídica, que cumpre, à sua vez, os pres-
e saíra de casa também para ir à farmácia". supostos de agressão antijurídica frente ao presumido agressor.
Basíleu Garcia fornece outros exemplos de modalidades de Este incorre em situação de defesa podendo exercer este direito;
legítima defesa subjetiva: legítima defesa própria frente a suposta legítima defesa. Em
1) quem mata o antagonista que lhe aponta o revólver determinadas circunstâncias pode resultar excluída a culpabi-
descarregado; não tem motivos o agente para imaginar que a lidade do sujeito incurso em erro. Não há assim justificativa
arma esteja sem munição; subjetivamente, achar-se-á em legí- alguma se o autor erra sobre os pressupostos da ação de defesa. 5
tima defesa, se praticar a repulsa; Como exemplo normativo da legítima defesa putativa, po-
de-se apontar o dispositivo do § 54 do Código Penal porto-rique-
2) o indivíduo que a caminho de sua casa foi atacado por
um amigo brincalhão, disfarçado em bandido, e matou-o supon- nho, que dela muito se aproxima: para justificar-se um homi-
do-o autêntico salteador; cídio em que se alegue defesa própria, será necessário acreditar
como também haver motivos para acreditar que ao matar o
3) o homem que matou por .engano a esposa que se le- agressor achava-se o agredido em iminente ou imediato perigo
vantara à noite do leito; tomando-a por um ladrão, na obscuri-
de morte ou de grave dano pessoal.
dade, alvejou-a com tiros.
É a crença, a suposição de uma situação objetiva, que vive
Pode-se ainda lembrar o caso do indivíduo que questionara no subjetivismo do agente.
asperamente com outro e leva a mão ao bolso para tirar o relógio,
Fala o dispositivo, ainda, que as circunstâncias deverão ser
fazendo com que o contendor pense com fundamento, tais os de tal natureza que levem ao ânimo de uma pessoa de moderada
antecedentes do fato, e pela polêmica havida, que vai sacar da
arma; assim supondo, o adversário saca de sua arma e o mata. 1 Guglielmo Sabatini, ob. cít., v. 2, p. 100.
Não se poderá dizer que o fez dolosamente. õ Maurach, ob. cit., p. 388·.
286 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 287

prudência o convencimento de que o acusado se achava em pe- ser prejudicial; daí explicar-se que o fundamento da legítima
rigo. Essa crença, ou esse temor serão o de uma pessoa de mo- defesa é o erro, fundado em um vício da inteligência, e que pode
derado valor, não significando o temor de um covarde. cobrir, não só a total ausência do perigo, como a completa ino-
cência do agressor; gira sobre a quantidade da reação, sendo
102. FUNDAMENTOS admitido como conseqüência da emoção, do medo ou de qualquer
outro fator psicológico, como fundamento e origem na realidade,
O fundamento da legítima defesa putativa, como foi dito, num fato concreto ou num conjunto de circunstâncias obje-
é o erro de fato, o erro segundo o qual supõe o agente uma tivas". 7
situação tal que, se existente, tornaria a ação legítima.
Acredita estar sob a iminência de perigo, sem que realmente 103. EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE E ISENÇÃO DE
esteja. PUNIBILIDADE
Por erro entende-se o inexato ou o ineficiente conhecimento
daquilo que guarda relação com a norma penal por si mesma Não passando o perigo de uma representação, não sendo
ou com o fato nela previsto. qualquer coisa objetivamente existente, mas sim uma suposição
ou uma hipótese, quem agir erroneamente persuadido de que
Reflete uma deformação ou exageração da verdade. É a pri-
está no dever de o repelir não comete uma ação correspondente
vação da verdade causada na inteligência pela falsa imaginação
à figura abstrata do homicídio punível, mas sim uma ação só
do agente e deriva da ignorância da legítima situação do fato.
levada a efeito por força da representação subjetiva de seu valor
Essa deformação ou exagero da verdade, que dá sentido ao ético-jurídico, diversa da que lastreia o dolo. É o pensamento
erro escusável da legítima defesa putativa, encontra explicação de De Marsico. 8
nos sentidos elementares da vida psíquica, de igual importância Também Mezger exclui o dolo do agente, não só no caso de
finalística aos que dirigem os atos intencionais ou volitivos, cuja errônea crença de que existem os pressupostos da legítima de-
base é a real percepção dos fenômenos físicos. fesa (o sujeito crê, por erro, na existência dos pressupostos de
Granata explica: de frente a um indivíduo que se vê apro- fato concernentes às causas de exclusão do injusto), como tam-
ximar em atitude que parece ameaçadora, no escuro, quando bém no caso em que ditos pressupostos de fato, que erronea-
todos os complexos ambientais e psicológicos concorrem a criar, mente admite, concernem às causas de exclusão de crimina-
em relação ao comportamento do agente, a sensação de um lidade.
perigo iminente, pode bem confígurar-ss o estado de legítima Para haver dolo, com efeito, requer-se o conhecimento de
defesa. 6
todos os elementos componentes do resultado, porque dolo é a
Sempre ligado ao temperamento ·e às condições pessoais de vontade livre e consciente dirigida no sentido de um resultado
quem se defende, o movimento da legítima defesa, ainda que contrário ao direito. Faltando esse elemento, e isso ocorre sempre
se revista de um sentido intencional, não perde sua qualidade quando houver erro sobre a apreciação do fato, perde este o
e sua estrutura instintiva, como professa Vergara: "a repulsa caráter de antijurídicidade de que se poderia envolver.
tem o mesmo caráter; os animais superiores e os homens expul-
sam de si, com a rapidez do reflexo, tudo aquilo que lhes pode 7 Pedro Vergara, ob. cít., p. 130.
H Alfredo de Marsico, Coscienza e Volontà nella Nozione del Dolo,
,; Luigi Granata, L'Omicitiio nel Diritto Penale, Roma, 1949, p. 116. p. 147.
288 MARCELLO J. L!NHARES
LEGÍTIMA DEFESA 289

Entre as causas de inculpabilidade, pois, está o erro, que


são efetiva, íncompossível com a legítima defesa putativa, 11
é o falso, ou o equívoco conhecimento de alguma coisa.
seja capaz, entretanto, de incutir no espírito do agente a figu-
O erro, consoante Carranca y Trujillo, é o inverso do.dolo; ração do prenúncio de uma ofensa, suscitando o medo e criando
é essencial quando recai sobre alguns dos elementos integrantes o estado psicológico de defesa;
do núcleo de uma excludente de responsabilidade· (por exemplo,
b) a errônea suposição do fato, que deve ser razoável, fun-
em legítima defesa putativa, dando morte a Ticio, por se acre-
dada em um vicio da inteligência; não basta à defesa putativa
ditar vítima de agressão injusta, atual, violenta e perigosa, em
alegar-se a simples condição de temor pelo perigo de um dano
habitação escura, a altas horas da noite, ao descobri-lo inespe- iminente; é também indispensável, como exige Borghese, 12 q~e,
radamente, de pé, com um objeto nas mãos; quando, em ver- além dos fatos positivos que justifiquem a errônea interpretaçao,
dade, em estado de embriaguez, Tício se introduziu na habitação haja a razoabilidade deste temor, medida num confronto entre
que encontrou com a porta aberta). 0 a média da sensibilidade humana e das normais percepções psí-
Esse erro que dá lugar à imunidade penal da atividade pra- quicas nas circunstâncias peculiares do acontecimento; ou, "não
ticada em estado de defesa putativa é o que se prende aos re- é suficiente que haja desconformidade entre a cognição e a
quisitos da legitima defesa objetiva. realidade, mas é necessário que o sujeito, através da represen-
tação, ajunte ainda a persuasão de que a realidade efetiva-
é
Para Nelson Hungria, trata-se de uma aberração da per-
mente como se lhe é apresentada", como propõe Frosali; 1ª
cepção da realidade, induzindo o agente a supor que sua ação
se enquadra nesse caso excepcional de exclusão de antijurídi- e) que a suposta agressão seja injusta; é preciso que a
cidade. injustiça da ofensa seja erroneamente suposta, pois de outro
E deve ser invencível, porque se o agente pode superá-lo, a modo faltaria um dos pressupostos da legítima defesa: "é por
isso que se o agente tiver dado causa ao aparecimento de um
impunidade do fato não deve ser reconhecida, devendo-se ser
eventual perigo contra si, não pode invocar a descriminante,
punido, quando menos, como culposo.
ainda que agisse na errônea suposição da existência do perigo
provocado: u faltando a existência real do perigo, não é possível
104. OS PRESSUPOSTOS
estabelecer uma proporção com o que não existe e que só er-
roneamente se supõe. O elemento da proporção pode determinar
Para a configuração da legitima defesa putativa, será ne-
o excesso da defesa, o que pressupõe sempre a existência real
cessária a existência das seguintes . condições:
a) um ato alheio, suscetível, segundo a lógica comum, de 11 "A legitima defesa putativa não ·se compadece com a existência
ser interpretado como capaz de fazer periclitar um direito, cujo de uma agressão atual; resultante como é do erro de fato e, portanto,
titular, assim, se considera agredido ·(Magalhães Drummond); 10 de circunstância imaginária, exclui pela sua própria natureza a pos-
o ato deve ser de natureza tal que, não constituindo uma agres- sibilidade do evento concreto que a venha determinar" (Rev. dos Tribs., ·
177/514).
12 Sofo Borghese, IZ Godice Penale ... cit., p, 88.
!J Carranca y Trujillo, ob. cít., p, 246.
10 ia Raoul Alberto Frosali, L'Errore nella Teoria del Diritto Penale,
J. de Magalhães Drummond, Comentários ao Código Penal, Rio,
1944, V. 9, p. 19.
Roma, 1933, p. 35.
14 La Medica, ob. cít., p. 71.
290 MARCELLO J. LINHARES

do perigo, nunca a legítima defesa putativa, que não deve ser


tomada em consideração quando exista, de fato, a realidade do
perigo";
d) que tenham sido usados os meios necessários para re-
pelir a suposta agressão; e, finalmente,
CAP1TOLO XVI
que o uso desses meios tenha sido feito com a relativa
e)
moderação. OS REQUISITOS' DA LEG1TIMA DEFESA
Como estão enumerados, fácil é concluir-se que os três
105. Os elementos objetivos da defesa. 106. Agressão. 1D7. Agres-
últimos pressupostos se identificam com os correlatos da legí- são jurídica e agressão antijurídica.
tima defesa real, de que a putativa só se diferencia; para Maga-
lhães Drummond, no elemento de ordem interna do agressor. 1" 105. OS ELEMENTOS OBJETIVOS DA DEFESA
A respeito do último, que La Medica entende supérfluo na
legítima defesa subjetiva, Nelson Hungria o julga ligado ao erro O Código Penal de 1940 repetido pela reforma introduzida
na apreciação- do cálculo da proporção que deve existir entre o à sua Parte Geral pela Lei n,v 7.209, de 1984, dispõe sobre os
ataque, e .a repulsa. elementos objetivos da defesa, ao mesmo tempo em que regula
o processo da reação para que possa ela se tornar legítima.
Na legítima defesa putativa sobreleva o problema do exces-
so, que pressupõe um mínimo de perigo real a que o erro atribui 'Segundo seus termos, são pressupostos objetiv°ª da legí-
o máximo de potencialidade ofensiva; esse. mínimo de realidade, tima defesa:
que gera o máximo ae certeza, assume o papel de fator prin-
cipal e por isso o excesso é nele absorvido, como fator secundá- a) agressão
rio, é, a bem dizer, um ato meramente reflexo. b) atualidade ou iminência dela
e) injustiça do ataque
d) repulsa.

A legitimidade da reação se subordina às seguintes condi-


ções:
a) necessidade dos meios nela utilizados
b) uso moderado desses meios.

O excesso na reação, acaso decorrente de imoderação, pu-


ne-se a título de:
a) culpa
15 Magalhães Drummond, ob. cit., p. 19. b) dolo.
292 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 293

Só se considera plena, causa eximente, quando à defesa con-


Chaveau et Hélie dão à provocação uma inteligência que
corram, simultaneamente, os requisitos objetivos que. devem in- bem pode definir também a agressão i "t todo fato que possa
tegrar a repulsa. excitar a indignação e a cólera do a.gente. obstanda-Jbe a ne-
Havendo distorção na dinâmica da repulsa, caberá indagar- cessária liber de de esiili1t.cL a ir com reflexão". 1
-se se o excesso é conseqüência de culpa, punindo-se então o fato Considera Magalhães Drummond agressão não apenas a
como crime culposo, se admitida essa modalidade. ofensa que se perfaz, também a que se anuncia. Não é só o
Qúando a falta de moderação não for devida a culpa, mas que efetivamente lesa o direito, mas também aquilo que dá a
sim a dolo, plenamente descaracterizada fica a defesa, sendo o outrem a consciência do perigo iminente. É o ato alheio sus-
evento punido a tal titulo. cetível, dentro da lógica comum, de ser interpretado como capaz
de fazer periclitar um direito, cujo titular fica, assim, agredido. 2
106. AGRESSÃO Entre os doutrinadores, o conceito de agressão é invariável.
É sintetizado por Welzel como a ameaça de lesão, mediante
Não define a lei o que seja agressão. ação humana, de interesses vitais juridicamente protegidos.
A conceituação etimológica é deixada aos léxicos e sua con- Idêntica é a definição de Maurach - a lesão produzida por
cepção jurídica subordinada à compreensão dedutiva, a se ex- um ser, de interesses juridicamente protegidos. Não precisa o
trair dos textos que fixam os contornos da legítima defesa. agente levar consigo intenção lesiva, bastando que a conduta
Etimologicamente, agr~ (do latim, aggressio, aggressio- represente objetivamente uma ofensa ameaçadora, pouco im-
nis)_§!gilÍfica acometimento, ataque~ilidade; é o ato de aco- portando, por outro lado, que a lesão não seja querida e nem
meter ou e zer al u_ma-hostilid_ade · eir · ' bém ins- conhecida do agressor.
ti a ão ou rovoca ão (com palavras ou fatos). Para Von Hippel, agressão será a ingerência na esfera do
Agressor (também do latim, aggressor, aggressoris), termo poder alheio juridicamente protegido, não só, como nos tempos
usado nas Pandectas, equivale a acometedor, batalhador. passados, contra o corpo e a vida.
No sentido jurídico, o termo era empregado para significar No mesmo sentido são os conceitos de Von Liszt, Frank,
Stooss; Manzini simplifica: o termo ofensa, ou agressão, corres-
salteador, ladrão. ponde a lesão jurídica.
Agressor é quem assalta, ou quem acomete primeiro para
A agressão se manifesta por atos positivos ou por atos
ferir, matar, ou para perpetrar algum mal ou qualquer outro negativos, isto é, por ação ou por omissão. Em regra, no pri-·
crime; é quem quebra a paz primeiro, quem ofende primeiro, meiro caso, consiste no emprego de violência, que tanto pode
o que tenta outrem ("Se tu tens a capa na mão, como diz que ser material, decorrente de força física, como também força
foi José o agressor?" - Morais); é, em síntese, quem começa moral, revelada pelo uso de ameaças, ofensas à honra, ou ao
as hostilidades. pudor. Não precisará ser uma forma de ataque à pessoa, bas-
Sob lo ·urídico, agressao é o atenta ,_mesmo sem tando representar uma intromissão em um direito subjetivo
o co imento d iolência contra qualquer direito lurídíca- próprio.
~ ~ essoa, tais como a vida, a incolumidade
física, a ro riedade, a honra, o pudor, a boa fama. i Chauveau et Hélie, ob. cít., p. 142.
..- J,de Magalhães Drummond, ob. cít., p. 17 .
294 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 295

Nem precisa integrar uma ação cominada com pena (por A agressão não precisa ser dolosa, podendo também por
exemplo, defesa contra o furto de uso). culpa se agredir, isto é, se pode aparecer a alguém como capaz
Segundo Asúa, há agressão em quem nos injuria, em quem de lhe fazer um mal, dando-lhe a consciência do perigo, susci-
nos desapossa de bens, tanto como no ato de alguém agredir tando-lhe o medo ou criando-lhe um estado de defesa. Esta é a
violentamente o nosso corpo. 3 lição de Magalhães Drummond, exemplificando: "uma impru-
O ataque, assim, pela modalidade ativa, pode realizar-se de dência, um gracejo mal calculado e inoportuno, um fingimento
qualquer forma, desde que contenha em si um perigo injusto, inocente na intenção, mas ameaçador na aparência, pode criar
atual e iminente, a um direito do agredido. noutrem a falsa consciência de perigo, uma ilusão do mal imi-
nente, uma verdadeira alucinação angustiante, vale dizer, a
. Lembra, a propósito, Bandeira de Melo que depois da inven-
noção de uma agressão, e conseqüentemente uma reação emo-
ção das armas de fogo os casos de legítima defesa se multi-
tiva, capaz de desencadear verdadeira tormenta psíquica. Não
plicaram, essencialmente no que diz respeito à legitima defesa
estará aí - porque objetivamente, com todas as aparências de
putatíva, As agressões assumem, com o progresso, outras formas
verdade, uma agressão, isto é, uma atitude humana, embora
e aspectos, com reflexos evidentes na doutrina. Com a dissemi-
não dolosa, capaz de dar a outrem a consciência do perigo e,
nação e aperfeiçoamento das armas atômicas e de pequenos
logo, pô-lo em estado de defesa?" 7
mísseis, dirigidos sem pilotos, outras modalidades de defesa se
Não precisa a agressão ser também culposa, porque atos
farão sempre necessárias.
involuntários, como os cometidos em estado de epilepsia (Wel·
Por igual, não se exigirá ao conceito de agressão a idéia zel), atos não dolosos, de crianças, dementes, de quem atua por
de violência fisica no sentido de energia predominante de es- erro; ou em estado de inexigibilidade, podem constituir agressão.
forço (p.g., impedir a saída de uma pessoa, interpondo um Manzini alude à provocação putativa. "
braço entre ela e a porta). 4 São exemplos de Schõnke-Shroeder:
Também pode a agressão· ocorrer com a prática de fatos
fazer para um automóvel disparando um tiro contra seu pneu;
omissivos, geralmente em caráter de exceção. Isso se verificará
impedir de descer uma pessoa do veículo que transporta, não
quando existir o dever de atuar.
parando, a seu ped.do. 5
Observa Padovani a complexidade de poder a conduta omís-
Outros casos nos quais é perfeitamente hipotético um efeito siva constituir ofensa injusta; se ela se explica como um dis-
de coação absoluta que não deriva de violência fisica nos são pêndio de energia física, então não seria admissível; mas a lei
indicados por Bajno: o assaltante dizer para o agredido com a não fala em violência e sim em ofensa (agressão), conceito no
arma apontada: ''a bolsa ou a vida"; o excursionista que se qual o desvalor jurídico do comportamento que lese ou ponha
vê ameaçado pelo seu guia de ser .por ele abandonado; o do Em perigo um direito prevalece sob o aspecto naturalístíco. O
paciente ameaçado pelo cirurgião de interromper a operação se bem da vida pode ser ofendido, seja cometendo algo que se não
não atender a determinada exigência. 6 deve cometer, seja omitindo qualquer coisa que se deva fazer.
Assim, pareceria absurdo .para ele conceder-se a legítima
aJiménez de Asúa, El Criminalista, t. 1, p. 205.
Antonio Pecoraro Albani, Il Concetto di Violenza nel Diritto Pe-
1 ·
defesa a uma violência exercitada contra a mãe ·para impedir
nale, Milano, 1962, p. 6 e 7. de matar o filho sufocando-o e negar-se a mesma legítima defesa
r. Scbõnke-Shroeder, stratçesetzoucn, 1961.
" Ricardo Bajno, Pro/ili Penalistici Della Vis Publica, Padova, 1974, 1 J. de Magalhães Drummond, ob. cít., p. 17.
p. 87. s Víncenzo Manzini, ob. cit., p. 201.
296 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 297

à violência exercitada para obrigá-la a nutri-lo; ou admitir-se nio jurídico de alguém, como está nas definições, não precisa
a violenta invasão do domicílio e negá-Ia, se dirigida a evitar o ser de natureza grave, nem típica. Desnecessita atingir os limi-
permanecer nele invito domino. A diferença entre ambos é que, tes de infração à norma penal, de revestir o caráter de crime
no caso de perigo criado por uma ação, o conceito de perigo é doloso ou culposo e mesmo de atingir os limites de uma simples
um conceito puramente naturalístico, enquanto o juízo de pro- contravenção. O exemplo ainda edifica: se o condutor de um
babilidade de lesão vem formulado sob a base única de dados veículo precipita seu carro por uma via públíca.: expondo a
reais de fato; a omissão é conceito de caráter normativo, su- risco a vida· de passageiros e transeuntes, qualquer um pode
bordinada a relação de causalidade à existência de um úever contê-lo com ameaça ou praticando violência para que modere
jurídico de agir. 0 ou para que o faça parar, tudo independendo do caráter doloso
No caso da mãe que tem o dever de cuidar do filho, Bau- ou culposo atribuído ao comportamento do motorista.
mann entende que a falta de ministração de alimentos se equi- O não-cumprimento de obrigações civis não gera agressão
para a uma ação positiva (asfixia). 10 para fins de legítima defesa, de acordo com o brocardo nemo
Já Maurach compreende que a agressão supõe atividade; o ad factum cogi potest.
não-fazer não integra qualquer agressão; mas pode representar A agressão pode caracterizar-se pela unidade ou pela plura-
agressão se o sujeito tinha o dever de atuar; assim, o viajante lidade de atos.
que, num trem que chegue ao ponto terminal, se negue a aban- Nas infrações permanentes, como no crime de cárcere pri-
donar o leito do carro onde dorme. vado ou no de prisão ilegal, perdurará a agressão enquanto
Mezger admite a omissão como forma de agressão; desde durar o estado antijurídico.
que por ela se pratique o delito: a omissão atinge comporta- · As ameaças também se acham envolvidas no conceito de
mento agressivo quando não se dá liberdade ao recluso depois agressão, e elas, para Mezger, se identificam com o ataque .• Em
de terminado o tempo de prisão a que foi condenado. seu apoio estão os conceitos de Asúa, 12 Carranca y Trujillo rn e
Logoz defende o princípio de que o ataque pode resultar Sabatini. H
de uma omissão impropriamente dita. Cita o exemplo de Thor-
mann-von Overbeke: o cão de A, em presença de seu dono, 107. AGRESSÃO JURfDICA E AGRESSÃO ANTIJURtDICA
ataca B; A poderia evitar o perigo chamando seu cão, mas pre-
feriu ficar mudo. 11 Cumpre distinguir entre agressão jurídica e agressão anti-
Aos exemplos citados se pode acrescentar o do indivíduo jurídica.
que se planta à porta de minha· habitação, impedindo-me a ' Jurídica, quando. decorre de ações legítimas e por estas se
liberdade de trânsito (Antolisei). entendem as autorizadas por lei,· dentre as quais se apontam
A gravidade da ofensa, por outro lado, é irrelevante ao as ações inerentes ao exercício de cargos (o policial, no exercí-
conceito da agressão. Sendo esta qualquer ataque ao patrímó- cio ou cumprimento de seu dever; o desforço incontinenti utili-
zado pelo possuidor esbulhado em sua posse); serão ilegítimas,
!i Tullio Padovani, "La condotta omissiva nel quadro della difesa todavia, se cometidas sem se conterem nos limites próprios.
legittíma", in Rivista Italiana de Diritto e Proceâura Penale, Milano.
1970, p. 675. 12 Jiménez de Asúa, ob. cit., p. 165.
10 Jürgen Baumann, ob. cít., p. 137. 1:1 Carranca y Trujillo, ob. cít., p. 69.
11 Logoz, ob. cít., p. 170. 14 Guglielmo Sabatini, ob. cit., p. 352.
298 MARCELLO J. LINHARES

Antijurídica, a que é dirigida contra as normas objetivas


de valoração do direito (Frank e Binding). Ataque antijurídico,
segundo Sauer, é o que corresponde a uma conduta não ampa-
rada pelo direito, tendente à lesão ou perigo de bens vitais
alheios.
Será, assim, antijurídico todo ataque a que a pessoa ataca- OAPlTULO XVII
da não seja obrigada a suportar.
O agressor é o ser vivo, o ser humano. As coisas inanima- OS REQUISITOS DA LEGtTIMA DEFESA
das se nega a possibilidade de agredirem. Contra atos da natu- AGRESSAO INJUSTA
reza, vendavais, furacões, enchentes, catástrofes, será inadmis-
sível invocar-se legítima defesa, podendo aplicar-se o estado .de 108. Definição. 109. AgressOes justificadas. 110. Idem. Agentes
necessidade. da autoridade. 111. Idem. Agressão de particulares. 112. Idem.
A agressão tanto pode partir diretainente do homem, ten- Exercício de profissões, 113. Idem. Relaçoes familiares. 114.
Idem. Relaçõe« matrimoniais. 115. o conceito de perigo. 116.
do-o como executor, como de alguma força ou elemento, mesmo
Critérios avaliadores do perigo. 117. Duração do perigo.
um animal, como já se mostrou, posto a seu serviço.
A responsabilidade pelo fato antijurídico não será, aí, in- 108. DEFINIÇÃO
culcada ao meio ou instrumento da agressão, mas a quem lhe
deu causa.
Utiliza-se o Código Penal no adjetivo injusta para qualificar
Não se pode negar, de fato, que a atividade· danosa, pro-
a agressão que autoriza a repulsa.
vocada por um comando humano, qualquer que seja o instru-
mento utilizado, deixe de corresponder à imputação de dolo ao A orientação vem do direito romano, cujas regras impu-
agente determinante. O elemento usado será simples elemento nham essa condição para a defesa se considerar legítima: "vi
executivo da atividade criminosa. facit tam is qui protubitu« facit quam is qui, quo minus prohi-
beatur, consecuius est periculo puta adversaria denunciato aut
janua puta. praeciusa:' (Paulo, Qu<>t vi aut clom, Dig., 48, fr. 20).
A norma refere-se a agressão injusta, a direito próprio ou
de outrem. Deve-se entender que as expressões constituem duas
fases de uma única questão, isto é, o dado de valor que deve
estar presente, porque ao mesmo tempo em que proíbe a alguém
uma determinada lesão de interesse juridicamente protegido,
consente a outrem a defesa do direito ameaçado.r
Direito traduz o aspecto positivo da tutela que o ordena-
mento jurídico oferece a determinados interesses; reflete o as-

1 Carlo Federico Grosso, "Legittima difesa" (Dir. penale), in En-


ciclopedia del Díritto, Mllano, v .. 24, p. 30.
300 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 301

pecto, sempre positivo, da ilicitude que concorre para revelar a A agressão injusta, pois, deve _giar uma situação contrária
conduta de quem os ameaça; a injustiça, ao revés, intervém rara ~~w·~·iP, interpretado o termo em seu sentido genérico.
marcar o elemento negativo da ilicitude; deixa claro que o impe-
Cuello Calón define a agressão ilegítima como, o mal que
dimento ocorre tantas vezes menos quantas o agressor atue se-
e remete ou põe em ri o a a ou os direitos de a '
guro de uma situação eximente qualificável em termos do exer-
ou quando menos constitui uma ameaça séria e grave de um
cício de uma faculdade legítima.
mal material e iminente.
Antijurídica, ilegal ou injusta, são expressões cujo rigor
pode tomar sentidos autônomos e diversos, mas se parificam em A primeira condição de legitimidade da defesa consiste em
seu significado quando cuidam de conceituar, no direito pátrio, ser legítima na causa, o que implica a exigência da injustiça do
o caráter da agressão contra a qual, a repulsa se faz legítima. ataque.
Os conceitos de injustiça e de arbitrariedade por igual se A injustiça ou a ilegalidade da agressão é que comand~ a
confundem, segundo entendimento de Chiaroti e Morselli. ~ reação, pressupondo a deresa uma violência ou uma forç_a in-
A agressão injusta (aggressio iniusta dos romanos), que é justa empregadas contra o autor do fato ou contra terceiro.
avaliada em relação à tutela do interesse ou do direito agredido, Essa injustiça da agressão deve ser admitida em conformi-.
é o mesmo que agressão antijurídica, não justificada ou não dade com o razoável ponto de vista do sujeito ativo, indepen-
autorizada; é a agressão iníqua, sine iure, ou contra ius; é a dentemente das condições individuais que acarretam ao ofensor
agressão ilegal, ilícita, contrária a uma disposição estabelecida a falta de capacidade de sofrer a imputação moral.s
para proteger determinado direito ou interesse. A legítima defesa é assim admitida mesmo que o agressor
O conceito de injustiça não coincide, para Maggiore, com o não tenha a consciência da injustiça de sua agressão, bastando
de críminosídade. A agressão não deve constituir um ilícito penal, ser esta injusta em si mesma.
mas pode constituir um ilícito civil. 3
A falta do direito de ofender ou de atacar e o fato de nã.o
O conceito da antijuridicidade da agressão, no pensamento
ser nin u bJ:igado-a.sui)Oliai:..a..m; a essão sem lhe o r
de Welzel, deve entender-se em sentido não-técnico. Não há de
resistência bastam ara tornar 'tima.
ser visto desde o agressor, mas sim desde o agredido.
Não será preciso que na condição consistente na ilicitude
Ataque antijurídico, na concepção de Sauer, é a conduta
da agressão exista a presença de determinado su~strato .su~je•
não amparada pelo direito. tendente à lesão ou perigo de bens
vitais alheios. Üvo; é suficiente a realização objetiva de uma lesao de díreíto."
Injusto é aquilo que contraria a norma, que a viola.
109. AGRESSÕES JUSTIFICADAS
Comportamento injusto é o que ofende o preceito ou atinge,
prejudicando, qualquer interesse juridicamente tutelado; com-
Como corolário do exposto, descabe a reação quando a agres-
portamento contra ius é o que realiza o conteúdo de uma proi-
são for lícita, ísto é, conforme ao direito.
bição jurídica, verificável com o cometimentó de uma ação do-
losa ou simplesmente culposa. · · A ofensa que se funda sobre o cumprimento de um dever
ou sobre o exercício de um direito. ».ç., não ofende a esfera do
~ Elio Morselli, La Reazione agli Atti Arbitrari del Pubblico Uffi-
ciale, Padova, 1966, p. 76.
4 Basileu Garcia, ob. cit., p. 307.
:: Ginseppe Maggiore. ob. cit .. v . 1. t. 1. p. 309.
e; Carla Federico Grosso, ob. cít., p. 33.
LEGÍTÍMA DEFESA 303
302 MARCELLO J, LINHARES

direito alheio; é legitima, porque imposta ou autorizada pela em ato administrativo da autoridade, ou se não são manifesta-
lei. 11 mente ilegais; desde que se não cumprem ordens ilegais, justa
· Nos casos de agressões justificadas se incluem também as será a oposição.
medidas disciplinares aplicadas pelo superior a seu subordinado, A questão da licitude da defesa contra atos arbitrários e
contra elas não se admitindo a legítima defesa. 7 injustos das autoridades, realizados com violência, tem apartado
Toda vez que for justo o ataque, a defesa cessa de o ser: as opiniões doutrinárias, inadmitindo-a os penalistas franceses
"ubi ottensio est ucita, ibidem defensio est illicitum". 8 (Garraud, Garçon e Chauveau et Hélie, Merle e Vitu) e afir-
mando o direito de defesa os alemães (Binding, Mayer). No
110. "Idem". AGENTES DA AUTORIDADE direito espanhol registrem-se os pontos de vista· favoráveis de
Alvaro Martínez e contrário de Pacheco, Outros doutrinadores
São justas as agressões, antes de tudo, quando comandadas distinguem: Moreno considera procedente a defesa quando o
pêla necessidade ou ordenadas por lei e executadas por auto- funcionário atua fora de suas atribuições; González Roura a
ridades legítimas, ou por agentes delas (ex.: execução de um admite quando . há evidência da ilegalidade e prejuízo irreme-
condenado à pena de morte ou o homicídio praticado pela força diável; Asúa, acompanhando Carrara e Alimena, a aceita com
policial opondo-se a uma sedição) . amplitude a respeito do funcionário que atua ilegalmente, pois
Inocorre a legitima defesa contra essas autoridades, agindo ele perde sua qualidade como tal; Nufiez, também, em caso de
em cumprimento de determinações legais ou judiciais (o fiscal ilegalidade formal, inclusive de abusos substanciais.
municipal que quebra caixotes de mercadorias expostas à venda Comentando o código argentino, Eusebio Gómez assinala
com infração às posturas, ou as inutiliza; o que apreende gêne- que 9 exercício da autoridade, que em regra se considera perfei-
ros deteriorados; o policial que executa ordem de prisão). tamente legítimo, torna-se injusto quando, salvo os limites re-
Nesses casos, realmente, inocorre legítima defesa porque a queridos para se tornar efetivo, degenera em abuso. n
agressão não é injusta: o ato ou se comporta no regular cum- Esta era a tradição do direito romano, exigindo para o
primento de dever ou emana de regular exercício de direito; a agente se amparar pela chamada ''obediência hierárquica", que
reação deixa de ser legítima por não haver direito contra di- seus feitos não se revestissem da "atrocitatem fascínoris", pois
reíto, A lei não pode, em contradição, legitimar o ato que auto- quando os fatos tinham aparência atroz ou aparência delituosa
riza e, ao mesmo tempo, a defesa praticada contra esse ato. a eles se podia opor resistência legítima.
A oposição à execução de um ato legal, mediante violência, Realmente, a reação defensiva, desde que apareça imposta
pelo exposto, além de não ser tolerado, porque ilegítimo, pode pela necessidade em termos iniludíveis, atenta a iminência real
até se erigir em tipicidade penal (desobedíêncía, resistência, ou do perigo, é em tal caso legítima. Assim, em caso de ilegalidade
desacato). da ordem ou de extravasamento de funções, do exorbitante exer-
No tocante ao cumprimento de ordens, será relevante exa- ciclo dessas, a defesa será oponível. Nem mesmo a boa fé do
minar-se o aspeto de sua legalidade, se efetivamente têm origem agente, levando-o à compreensão ilusória da ordem, ilegítima
sob seu conteúdo jurídico, embora legítima no errôneo conven-
11 Remo Pannain, Manuale di Diritto Penale, Torino, v. 1, parte ge-
cimento, impedirá a legitimidade da reação.
nerale, p. 733.
• Decisão do Tribunal de· Justiça de Pernambuco, in Rev:sta Fo-
o Eusebio Gómez, Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires, 1939,
rense, v. 218. p. 383.
11 Farinacio, ob. cit., n. 112, p. 125. v. 1. !l, 563.
304 MARCELLO J. LINHARES
·305
LEGÍTÍMA DEFESA

Não se deve por outro lado aceitar o rigor da técnica fran- O tratamento médico é comumente considerado lícito mes-
cesa quando, considerando a ilegalidade dos comandos da auto-
mo em falta de consentimento. A razão dessa licitude é expli-
ridade, ou a incompetência notória do agente, aconselha a re- cada por uma infinidade de opiniões: ausência de fato típico,
sistência passiva ou o simples protesto, porque· isso importa · negotiorum gestio, estado de necessidade, exercício de direito,
em tirar ao ofendido todo o seu sentimento de dignidade ·~ de consentimento presumido, causa de exclusão de culpa, causa
bravura. de justificação não codificada, adequação social, limite tácito,
111. "Idem". AGRESSÃO DE PARTICULARES interesse prevalente, justo meio a justo fim, costume, ausência
de responsabilidade. 10
Aos particulares, em determinados casos, também se atri- Nuvolone alude expressamente ao dever jurídico de intervir
buem comportamentos que podem justificar a agressão contra que ao médico se impõe para salvaguardar os bens da conser-
outrem. vação da vida e da saúde do paciente, aí se incluindo o de inter-
Quem usa da faculdade prevista na lei processual penal de nação, tornando lícito o seu ato. i i
executar a prisão em flagrante de um criminoso, pode se ver Não se poderá nessas hipóteses argüir legítima defesa con-
na contingência de ter de o dominar pela força; a vítima de tra a intervenção profissional, por ser lícita a conduta, e a
um crime de furto necessitará às vezes conter pela violência o reação tipicamente injusta.
ladrão que acaba de se apossar de seus bens. Nem ao ladrão,
nem ao preso em flagrante, logicamente, se dará o direito de 113. "Idem". RELAÇÕES FAMILIARES
reagirem legitimamente contra seus detentores.
.A.o lado dos sentimentos afetivos, há forte vínculo unindo
112. "J.dem". EXERCÍCIO DE PROFISSÕES pais e filhos nas relações familiares, dele decorrendo o dever que
No que concerne ao exercício de uma atividade profissional, aos primeiros incumbe de os educar e a estes ímnondo a obri-
sempre se admitiu a licitude jurídico-penal do tratamento mé- gação de os venerar, ou, pelo menos, de os respeitar.
dico-cirúrgico, podendo sua intervenção se tornar até obrigató- O poder de correção ou a disciplina da conduta dos filhos
ria, contrariando as regras do volenti rum fit iniuria, * toda vez é função inerente ao exercício do pátrio poder, tendo vasto
que surgir a necessidade de um meio terapêutico de cura ou da campo de aplicação, abrangente de toda sorte de descendentes,
adoção de um processo simplesmente preventivo, imposto mesmo o filho adotivo. ou menor posto sob tutela.
O

pela norma jurídica ou por ela consentido (ex.: caso de meios Anto1isei estende o vínculo aos rapazes confiados para a
coercitivos - uso de camisa-de-força imposto ao insano mental, educação, instrução ou vigilância; às pessoas internadas para
quando no paroxismo da moléstia; vacinação compulsória em tratamento em hospitais, manicômios, sanatórios, aos aprendizes
massa, prevenindo epidemia; recolhimento obrigatório em hos- colocados junto aos artesãos para o aprendizado de profissão ou
pital, ou o isolamento de paciente portador de moléstia alta- arte; enfim, a outras pessoas subordinadas a uma autoridade
mente contagiosa; também o comportamento do engenheiro, pública ou privada, titular do poder disciplinar. 12
compelido a ofender quem se oponha à recomendacão eminen- 111
Rolando Riz, Il Tratamento Medico e Le Cause de Giustifica-
temente técnica, indispensável para conservar vidas contra ris- ziotie, Padova, 1975. p. 29.
cos iminentes de desabamento, ou de inundações). 11 Pietro Nuvolone, ob. cit., p. 130.
1 ~ Francesco Antolisei, Scritti di Diritto Peruile, Milano, 1955, p.
__ Não se faz injúria a quem consente.
387 e 388.
306 MARCELLO J. LINHARES 307
LEGÍTIMA DEFESA

O ius corrigendi é, de fato, um exercício de direito, quando


Exigir-se-ão, todavia, maior cuidado ·e mais rígido critério
não, uma "permissão costumeira", aceita sem hesitação por
na apreciação dos fatos atuando sobre esta os sistemas pedagó-
todas as jurisprudências, extraindo sua força justificativa de
gicos seguidos no meio.
um direito civil latente.
O parricídio, embora o direito positivo francês não o exculpe
Autores há que propõem a solução do problema pelo ângulo
(art. 323), para Garçon pode ser perfeitamente justificável. 11
da adequação social. Já à primeira vista será lícito excluir a
E com razão. Se o parricídio é crime particularmente odioso
relevância penal de similar conduta, julgando-a adequada aos
cm tese, haverá ocasiões onde, entretanto, a ação do filho, Ire-
fins essenciais da família e da sociedade (cf. Kienapfel Fíore,
qüentemente espancado por um mau pai ou mau marido, cor-
Gregori). 13
responda a uma imperiosa -iecessidade de defesa própria ou da
Quando um pai corrige, não ofende um interesse jurídico
progenitora, desde que o seu afastamento do local seja preju-
penalmente protegido, porque o seu direito limita a proteção do
dicado pela impossibilidade decorrente da presença irremovível
direito do filho à incolumidade pessoal.
Toda vez que a intervenção da autoridade paterna despon- do perigo.
tar como necessária através processos corretivos, ela se com- O filho, que não dispõe de outro meio, senão matar seu pai
preenderá como exercitada em benefício do menor, cuja educa- para não ser por ele morto, não é juridicamente responsável.
ção tem plena supremacia sobre simples interesses individuais. Sem dúvida, neste caso, como está no julgamento de Bertauld,
Salvo se -abusivamente excedidos, os processos coercitivos, seria melhor ao filho receber que dar a morte, mas nenhuma
que nunca se consideram antijurídicos, legitimam a agressão lei pode, sob pena de castigo, impor o martírio. 13
moderada contra a criança, colocando-se em nível de igual rele- . No direito alemão, Kern fornece exemplo de hipótese na
vância o castigo físico, a privação de sua liberdade, ou a ofensa qual o ato se considera justificável: o do pai bebedor, grosseiro,
moral de finalidade proveitosa. habituado a maltratar continuamente a família. i,;
Guardadas as devidas proporções, a regra se aplica às rela- Quanto a filhos, logicamente, o problema se restringe aos
çõss entre professor e aluno, respeitados os princípios éticos da que ainda se situem sob o pátrio poder. Os maiores, sui iuris,
elementar educação, e os preceitos da pedagogia, que substi- escapam à guarda e educação dos pais.
tuem a instrução pelo temor pela moderna orientação da edu-
cação pelo amor, compreensão e mútuo respeito. 114. "Idem". RELAÇÕES MATRIMONIAIS
Ao mesmo tempo em que afirma a prevalência do interesse
da educação sobre os direitos do menor educando, não pode a No que tange às relações matrimoniais, embora divergentes
lei tolerar, entretanto, o exercício de. meios extremos ou violen- os critérios, parece dominar aquele segundo o qual, sendo o poder
tos, preferindo, antes, a adoção de processos normais e racionais marital inspirado no sentido de reafirmar a exigência da uni-
de correção. dade doméstica, enquanto o poder de correção implica uma ne-
Realmente, os excessos do pai que bate imoderadamente no cessidade educativa, diferenciam-se os princípios e as soluções,
filho, os do professor que aplica castigos intoleráveis, transcen- falecendo ao marido o poder de corrigir a esposa; assim, a agres-
dendo os limites do razoável, podem comportar reação defensiva. são que lhe fizer não deixará de ser injusta.

ia Giorgio Gregori, Adeguatezza Sociale e Teoria del Delitto, Pa- H Émile Garçon. ob. cit., p. 166.
dova. 1969. p. 38. 1:; A. Bertau'd. ob. cit., p. 363.
1" Kern, ob. cit., p. 22 e SR.
308 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTHvIA DEFESA 309

A autoridade do marido em relação à esposa deve realmente Em oposição, esse poder marital passa a ser tido como agres-
sé firmar pela adoção dos princípios morais e meios persuasivos, são injusta se desvirtuado em sua sadia moralidade. Quando a
sem o emprego da vilência tolerada em relação aos filhos. relação íntima SB caracterizar por um pretenso ato anômalo do
Com a progressiva emancipação da mulher e sua efetiva sexo, se o homem quiser obrigar a mulher a sujeitar-se a prá-
igualdade, segundo as concepções modernas mais aderentes à ticas contra a natureza ou a suportar caprichos libidinosos re-
prováveis, sua conduta equivalerá a uma ofensa injusta, capaz
realidade das relações entre os cônjuges, passou o matrimônio
de autorizar a reação pela força, debaixo do fundamento da
a ser ordenado pela igualdade moral e jurídica de ambos, con-
indisfarçável defesa do pudor.
forme os limites estabelecidos pela lei para garantia da unidade
Terá ainda a mulher direito a opor-se à cobrança do âebi-
familiar.
tum conjugale toda vez que o marido se apresentar em estado
Segundo recente projeto que no direito italiano se apresen- de embriaguez, ou quando portador de moléstia venérea infec-
tou para a ab-rogação dos crimes de adultério e de concubinato, ciosa. Será cabível a invocação de defesa sob alegação de cautelar
típicidades que já não mais despertariam o interesse estatal por medida relacionada com a fecundação da prole, que poderia ser
sua punição, se o núcleo familiar e sua unidade são ainda ele- afetada pelo contágio, bem como sob a invocação de resguardo
mentos basilares da vida social, essa unidade não pode entre- à própria saúde.
tanto ser fundada sobre discriminação e imposição de caráter Será ainda legítima a conduta da mulher que se oponha
feudal, mas sobre a confiança, respeito e consideração e ainda à deliberação do marido que a queira obrigar a se entregar a
sobre o princípio jurídico, religioso e ético da identidade do outro homem.
recíproco dever de fidelidade conjugal. 17
A liberdade de movimentos que hoje se concede à mulher 115. O CONCEITO DE PERIGO
casada, cooperando economicamente na manutenção do lar pelo
exercício de atividades externas, e a extensão de direitos que Para a ccorrência da legítima defesa examinada_ajnda sob
lhe são afirmados, concorrem para desfigurar o poder marital. o ângulo de agressão injusta, é preciso que exista sempre uro
p rígo, efetivo ou potencial: in; tiubio vitae discrimine (L. Cor-
Geram, ainda, uma instabilidade matrimonial, fenômeno
nelia de sicariis).
decorrente da autonomia econômica, influenciando poderosa-
O conceito da injusta agressão está na dependência do que
mente no processo de relaxamento das uniões entre os cônjuges,
se deva entender por perigo.
as quais se desfazem com assustadora freqüência.
É uma situação de fato que traz em si a probabilidade de
Há comportamentos, porém, que ainda se regem por prin-
um evento lesivo, isto é, a virtualidade de um acontecimento
cípios uniformemente consagrados. A. mulher não pode se opor
danoso, sempre avaliada em sentido concreto, real, efetivo e não
ao legítimo direito do marido à conjunção carnal, desde que não abstrato (Maggiore).
ofenda ao pudor nem exceda os limites normais do ato. Decorre
Significa a ameaça de um mal, a exposição de alguém a
daí o direito do marido de constrangê-la, mediante o uso de mo- risco.
derada violência.
Não será, assim, a mera eventualidade de dano, mas, antes,
1, Riuista Italiana di Diritto e Proceâura Penale, Milano, 1969,
a possibilidade de um dano qualificado por uma apreciável in-
;). 447. tensidade, a provável violação de um interesse.
310 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 311

..Ari,BtóteJes conceituou a periga como a aproximação de um O juízo indutivo, continua o tratadista, "vem confiado ao
_1!.cautecimento que receamos/Tememos o que é suscetível de r:os legislador, o qual considera o seu preceito sob o seguinte silo-
causar penas profundas ou de nos fazer perecer; mesmo_ ass11:1 gismo: habitualmente, do fato A deriva o evento B; na espécie
é necessário que esta ameaça não apareça afastada, ~n~o p~o- ocorre o fato A; assim, é provável ou notavelmente possível o
xirna, quase iminente. O que está muito afastado nao mspira evento B. Deve ser repetido pelo juiz, a quem incumbe o dever
temor. o que tememos parece que está próximo. rn de interpretar e aplicar a norma, e que deve recorrer ao silogismo
Segundo Bettiol, perigo é a possibilidade de um dano, isto legislativo em adesão .à espécie concreta, e reportando-se ideal-
é, situação objetiva que permite formular um juízo acerca da mente no momento da ação julgada como se os efeitos desta não
probabilidade da verificação de uma lesão. Não é qualquer coisa fossem manifestados".
imaginada, mas deve estar radicado à própria natureza das Em outros termos, "deve o juiz formular a seguinte propo-
coisas. i:i sição: da ação atribuída a T deriva, secundum id quoâ plerumque
Manzini o considera como a previsão lógica de um aconte- acciâit, provavelmente, ou com notável possibilidade, o evento
cimento nocivo, em vias de se concretizar, a potencialidade atual danoso; T cometeu a ação; ele deve ser condenado ou absolvido.
de um dano, ínsita em determinada situação com modificação Para estabelecer se a ação cria uma situação de perigo, o juiz,
do mundo int~or, não precis~n-do ser concreto para legitima.r portanto, deve usar a expressão de Liszt, uma 'prognose póstu-
a reação. Basta uma mera previsao, desde que fundada em reali- ma', ou, 'um juízo ex ante', como se exprime Antolisei." 21
dade aparente, capaz de provocar em nosso juízo, firmado com
Perigo de ofensa injusta será tudo que importar violação ao
base na experiência, a possibilidade de um dano. Não se dev
interesse que tem o homem de não ver os seus bens destruídos
distinguir, assim, na legítima defesa, o perigo concreto e o
ou ameaçados. Esse perigo que desafía defesa como meio de
abstrato, porque, como todo outro juízo lógico, é sempre uma
reação ou mesmo de antecipação ao ataque pode provir de uma
abstração, satisfazendo-se o exegeta, na seu exame, com a união
ofensa ou ameaça de ofensa física ou moral, voluntária, ou mes-
do critério objetivo (situação de fato) com o subjetivo (valo-
mo involuntária; é irrelevante que a vontade de ocasionar um
rização da possibilidade ou da probabilidade do dano). 20
mal seja dolosa ou culposa, que o perigo seja resultante da in-
A doutrina moderna concentra a definição de perigo em
tenção malévola de o produzir,.ou fruto de mera imprudência,
torno do conceito de probabilidade ou notável possibilidade, é Jmperícía, negligência, ou inobservância de norma.
0 que discorre Di Lorenzo: "A probabilidade ou notável possi-
. bilidade é um juízo presuntivo pelo qual se deduz de um fato Embora tendo um caráter comum, resultante da manifes-
notório um desconhecido: o fato conhecido representado pela tação humana.iparígo e dano não se confundem; o primeiro
aquisição da experiência humana, e o fato ignorado represen- ,sendo apenas uma P-Qssibilidade do segundo; este já implica a
tado pelo perigo de determinadas situações em conexã~ ~om idéia de modificacão do mundo .exterior, revela o resultado oca-
aqueles fatos de que, secundum id quod plerumque accuiii, a sionado ou não impedido de uma conduta incidindo sobre a
experiência ensina que derivam determinados resultados lesivos". privação ou a limitação de um valor, causadora de uma restrição
a um interesse juridicamente protegido.
1 s Aristóteles, ob. cít., p. 114.
i,J Giuseppe Bettiol, ob. cit., p. 228.
~.J Vincenzo Manztní, ob. cit., p. 277 e segs, 21 Antimo di Lorenzo, I Limiti tra Dolo e Colpa, Napoli, 1955, p. 190.
LEGÍTIMA DEFESA 313
312 MARCELLO J. LIN~S

de outrem; de todo indiferente é a atitude de quem, ameaçado,


Um ê a possível perda ou a possível diminuição de um bem,
e o outro a perda ou a diminuição de um bem; possível restrição vem a ser salvo por um terceiro. 24
de um bem, um; e efetivo sacrifício, outro. Também a Mantovani parece que a conduta defensiva não
é mais necessária, senão livremente desejada quando o perigo é
O conceito de perigo deve ser construído segundo não só
voluntariamente causado pela mesma pessoa que reage; dizendo
um sentido objetivo, senão também no da posição peculiar do
a lei necessidade de meios, o requisito da voluntariedade do pe-
individuo agredido ou ameaçado de agressão, porque, como des-
taca Fioretti, "a diversidade de condições sociais implica uma rigo nela estará implícito. 25
diversidade de condições de existência física e moral". 22
116. CRITÉRIOS AVALIADORES DO PERIGO
As teorias objetiva e subjetiva explicam a seu modo o perigo
e a possibilidade de dano. Para esta, o perigo é uma figuração Quem se encontra. em situação de perigo, ante a iminência
do espírito, não sendo qualquer coisa objetivamente existente.
de um mal, nunca tem uma idéia exata das circunstâncias de
Será simples hipótese, suposição; não será um fato nem uma
fato que dificultam ou favorecem um comportamento ou uma
realidade, mas sim abstração subjetiva, jamais entidade con-
ação. Não calcula com aconselhável sangue frio e antecipada-
creta. O perigo não é mais do que a possibilidade de um dano,
vivendo no campo subjetivo. A outra teoria pretende convencer mente os efeitos que derivam de determinadas causas.
que tanto a possibilidade de dano como o perigo em si devem A presença do perigo torna os detalhes confusos, envoltos
residir no campo da objetividade. em sombra, não permitindo que a atenção se firme de preíe-
Como explica Antolisei, se em determinadas circunstâncias rêncía sobre um ou outro pormenor do fato, dificultando o pro-
um fenômeno tanto pode dar-se como não se dar, esse fenômeno cesso de su colocação so o domínio dar ão.
é objetivamente possível; e, se existe a possibilidade objetiva, A1:, s fisiológic e psicológic da atenção icam
existe perigo objetivo. nem mpre uma servaçao e e pleta e exata apaz dei
Perigo, para esta corrente doutrinária, é nada mais nada a v. rificação g_bjetiva dos fa s da interpre ção mais menos
menos que a possibilidade objetiva de um evento danoso. !l~ bjetiva ,9>1Í se lhe poss dar. . /
No. exame da legítima defesa o perigo e a possibilidade do Ante uma situação de perigo, pode existir sempre alguma
dano se baseiam nas regras da experiência e obedecem à pre- influência alheia à percepção. E esta mesma, em grande parte
visão. das vezes, nada mais é que uma multidão de inferências que
Atente-se, afinal, que o perigo ·que legitima a reação pela inconscientemente se aglutinam ~ s dados prin\itivos dos sen-
força deve ser aquele não voluntariamente causado, como está tidos( @.0. ~ .u-t'\ MIW\Ov ~ ~ ., ~. )

na advertência de Grosso: "na ausência de um indício verda- Esses fenômenos levam influência sobre o sentido objetivo
deiramente seguro, o perigo causado sem culpa, casualmente, qué se empresta ao exame da ínjustíça da ofensa.
ou sem dolo. Este perigo não deve ser motivado intencional-
mente pelo sujeito que defende a si próprio ou age em proteção
24 Carlo Federico Grosso, Studi in Onore di Francesco Antolisei,
Milano, 1965, p. 55.
22Julio Fioretti, ob, cít., p. 114.
.211 Pettoello Mantovani, votontarietâ del Pericolo e Legittima Di-
23Alfredo d'Agostino, La Condotta Susseguente al Reato, Milano,
tesa, in Rivista Penale, 1955, n, n. 866.
l959, p. 33.
314 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 315

Se bem haja quem sustente que a agressão injusta deve ser A doutrinadores de outros países não será preciso que o
apreciada pelo lado de quem a sofre (Mezger), é ela tomada em agressor tenha consciência da injustiça de seu ataque, bastando
sentido meramente objetivo, nada tendo a ver com a culpabi- que a agressão seja injusta em si mesma, ou que o agressor não
lidade (Aníbal Bruno). 26 tenha nenhum direito de atacar, nada impondo a obrigação de
Parecem ser a respeito tranqüilas as doutrinas italiana e sofrer a morte sem qualquer resistência.
brasileira: basta que a ofensa seja objetivamente injusta; mas, o exato sentido do direito positivo brasileiro a respeito é
em certos casos, quando a ilicitude derivar de determinada ati- dado por Nelson Hungria, para quem, por igual, a injustiça deve
tude psíquica do sujeito ativo, a ofensa pode ficar na depen- seravaliada objetivamente, nada importando a opinião do agre-
dência de elementos subjetivos (Bettiol). 2; dido ou do agressor. Injusta é a agressão desde que seja amea-
Ugo Conti aconselha o exame da atualidade do perigo pelo çado, sem causa legal, um bem ou interesse juridicamente tute-
lado subjetivo; o perigo, de fato, pode ter desaparecido, ou ainda lado. o que decide é a ilicitude objetiva do perigo. A injustiça
se conservar à distância, mas se isso não é conhecido do presu- deve ser objetiva, não putativa, em virtude do princípio que
mível agredido, se este considera de modo razoável o perigo como ignorantia legis non excusat.
atual, deverá ter lugar, sempre, a legítima defesa. ~~ Assim, a objetividade da injustiça prescinde da capacidade
de direito penal do agressor 'como nos referimos em capítulo
Sabatini escreve: "ofensa injusta é a que não constitui o
próprio, sobre o sujeito passivo da legítima defesa.
exercício de legítima defesa, cumprimento de um dever imposto
A jurisprudência consagrou estas interpretações: agressão
pela lei ou pela autoridade pública, ou que não deve revestir o
injusta provém da provocação; não importa o estado de consci-
caráter de um fato legítimo; injusta quando, por incapacidade
ência do agressor; tenha este noção da legitimidade ou não do
ou erro da, pessoa que ameaça, não seja sentida por ele como
ato, seja imputável ou não, menor, demente, bêbado, hipnoti-
tal, bastando que a injustiça caracterize objetivamente a ofensa.
zado ou louco; a repulsa ante a injustiça da agressão justifica-s
A injustiça da ofensa relaciona-se diretamente com a ação que
plenamente. :ii
o agressor ameaça de efetivar". :.w
Em relação ao agente, deve ser considerada em seu caráter 117. DURAÇÃO DO PERIGO
objetivo, posto que deva ser avaliada subjetivamente no confron-
to de quem a sofre. Alguns perigos, como figura o exemplo de Pagliaro, duram
No direito francês, a gravidade do perigo é apreciada de no tempo: se Tício golpeia com os punhos a Caio, não haverá
maneira subjetiva. :w legítima defesa pelos golpes já recebidos, mas pelo que Caio possa
ainda receber. :i~
:!<;Anibal Bruno, ob. cit., p. 368.
'.!,Giuseppe Bettiol, ob. cit., p. 230.
:!~ Ugo Conti, ob. cit., p. 78.
:!!l Guglielmo Sabatini, ob. cít., p. 91 e 94.
:m Georges Levasseur-Jean Paul Doucet, Le Droit Pénal Appliqué,
Paris, 1969, p. 88; decisão da Cour de Cassatíon, Chambre Crlminelle, 31 Anais da Primeira conferência de Desembargadores, Rio, 1944,
ele 14 de fevereiro de 1957, in Bulletins des arrêts de la Chambre Crimi- p. 78.
nelle de la Cour de Cassation, n. 155, p. 265. a2 Antonio Pagliaro, ob. cít., p. 418.
LEGÍTIMA DEFESA 317

As Constituições do reino da Sicília, do Imperador Frederi-


co II, dispunham que se a alguém, provocado por injúrias vío-
lentas,' acontecer empregar a defesa para a proteção de seu
corpo, cabe-lhe empregá-la sem demora (1231, I; 8). E os Es-,
tatutos da cidade de Pistóia usavam a expressão imediatamen-
te . . . possit se defenâere . . . incontinenti . . . et sit sine poena
CAPÍTULO XVIII (1546, V, 15).
Assinala Cortes Ibarra que antes do ataque não há mal a
OS REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA.
conjurar, sendo desnecessária a autodefesa; e, depois de con-
AGRESSÃO ATUAL
sumado o mal, é inútil. 1
118. Conceituação. 119. A laesio inchoata. 120. Agressão futura. O gue. precisa ser atual é o perigo, não propriamente a
121. Agressão finda. .122. Agressão iminente. 123. Ameaças. agressão; 2 o que, pois, interessa é a atualidade do perigo, não
importando que derive da iminência de uma lesão.
118. CONCEITUAÇÃO G. Penso esclarece o assunto com um exemplo: se alguém
ameaça matar-me dentro de determinado prazo, caso não me
Agressão atual significa Etuação de perigo que se cria no disponha a assínar um documento, não fico na obrigação de
momento do fato. Serve a especificar a presença do perigo (pe- ver esgotar-se o tempo para que possa legitimamente reagir;
riculum. praesens), que não deve pertencer ao passado, nem ao desde que a ameaça -do perigo seja atual, apresenta-se a possi-
futuro, mas ao instante em que a reação vai se operar. bilidade de subtrair-me do perigo; se agrido, estou autorizado
A inteligência é a mesma, vinda do direito antigo, exigin- a fazê-lo. 3
do a imediatez da violência: et predicta intelligo licere fieri, Tais conceitos já convinham aos antigos doutores, como
dummodo fiant incontinenti - e entendo que é lícito fazerem- se lê no Dígesto: "eum igitur qui. cum armis uenit possumus
-se as coisas citadas (matar, ferir, etc.), contanto que se façam armis repellere seâ hoc conteetim, non ex intervallo". 4

imediatamente. A reação deve se dar in flagranti rixa et in ipso actu off en-
Essa imediatez deveria ser não só cronológica, in ipso actu, sionis porque, cessado o ataque, a reação não mais .refletirá um
ato de defesa.
ocorrendo a contextualidade e a contemporaneidade das duas
ações, agressão e defesa, ou seja, a unidade de determinação Justificando a defesa no requisito da atualidade, Carrara
dos atos de reação, ainda que sucessivos à agressão, demons- ensinava que sua legitimidade estava no fato de o a ente, não
trada a falta de atos intermediários estranhos entre agressão e er o socorro do o er úblico · a tutela
e reação por parte do agredido, tudo como ensinava Bonifacius de seu direito, decorrente de preceitos naturais.
de Vitalinis: ... antes que passem a alguns atos estranhos; se
Cortes !barra, ob. cit., p. 144.
a alguém se fizessem as coisas citadas com intervalo de tempo, 2 Remo Pannaín, ob. cit., p, 533.
seria vingança e não defesa (Tractatus de maleficiis, Quis s Girolamo Penso, ob. cit., p. 103.
alium possit ojienâere, rub. 2 e De insultu defensione, rub. 9): • L. 4, De vi et de vi armata, Díg., 48.
MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA

Atual, assim, é a agressão que ocorre quando o agente rea-


liza o ato inaugural do acontecimento (sacar de arma, revelar , pode dar lugar, numa realista situação de periga à jnstifiçati-
disposição de usá-la); é a agressão subsistente, iniciada e não .._va da legítima defesa ,;
concluída. Se a legítima defesa se aplica em atenção a seu elemento
O ato do agressor pertence ao presente; sua ação executi- objetivo, permite, porém, a quem se veja na iminência do ata-
va, desde o momento em que cria o perigo até o alcance do que, reagir à simples percepção do perigo, em sua projeção
fim, integra a agressão atual, dando a noção plena da consu- externa.
mação do injusto. Essa percepção do perigo, autorizando a repulsa, logica-
mente pressupõe, antes de mais nada, uma sensação que a pro-
Fala Merkel de presença do ataque, presença da agressão,
voca, ou seja, a modificação experimentada pelo homem ao
ou perigo de lesão iminente; conseqüência do perigo atual, a
contato imediato com o mundo externo. O gesto, por exemplo,
lesão já é ataque presente.
de .sacar de uma arma, se em regra não constitui uma agres-
Na agressão atual, o perigo é dado como um estado de fato são ilegítima, para Sisco ele se reveste de significativa impor-
denunciador da possibilidade de uma lesão jurídica. O direito tância desde que circunstâncias especiais do caso atribuam ao
de defesa o supõe, -não podendo nascer senão dele. fato tal caráter.•
Para usar esse direito de defesa, explica Puffendorf, é pre-
ciso que o perigo esteja presente, encerrado num ponto indivi-
sível, e este ponto é aquele momento exato no qual o agressor :Ma::--ae;,,.Nypeis, não
"---
inicia o ataque. 6 ~ _pr.eciso que o agressor tenha íntensão de nos dar a morte;
O ato constitutivo da agressão atual, se deve transcender basta que nas ataque de maneira tal que possamos razoaye1- ....
os limites de simples ameaça, não precisa, entretanto, para to- mente supor que a nossa existência au a int.egri.dade da uo.ssº-
mar corpo, que a agressão em si esteja realmente começada. _çorpo estão seriamente ameaçados. 8 r<.t ---------Lt
Os conceitos sobre a atualidade da agressão parecem con-
-1:);ef·-V e o momento em ue se descubra no a ressor uma
vergentes nos doutrinadores.
~ atitude notória, denunciaciararoeote agressiva ou inequivoca-
Agressão atual é a que vale não só no ato, também a pró-
mente causadora dum risco a se desencadear, já se trata de
xima, abrangendo a ameaça, porque esta faz necessitar uma
a ressão atual.
defesa (Brasiello) ; u
no perigo atual o agente está de frente à iminência da
agressão; só esta iminência de agressão é que torna não puní-
vel a ação; se se trata de simples ameaça não acompanhada
de nenhuma circunstância segundo a qual se defronte iminen-
te a execução, haverá só um perigo futuro (Battaglini);
rometedor ri orosamen-
te conceituável como agressão atual. ,; Luigi Granata, ob. cít., p. 113.
• Luís P. Sisco, La Defensa Justa, Buenos Aires, 1949, p. 35.9.
~ J. S. G. Nypels, Le Code Pénal Belge, Bruxelles, 1898, v. 3, p. 8Z.
ó Puffendorf, ob. cit., p. 498. !• Teucro Brasiello, ob. cit., p. 82. d<> /_. ox, - ect
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MARcELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA si1

a atualidade do perigo não pode ser excluída nem da con- diata predisposição objetiva (agressão iminente); em qualquer
. dição da excelência física do agredido nem do fato de poder dessas hipóteses está-se na órbita de legitimidade da reação.
ele contar com a intervenção de terceiro (Borghese); O que é necessário é que se apresente um perigo concreto,
o perigo da injusta agressão deve ser atual, consistir ou que não permita demora à repulsa; e tal perigo existe não só
em uma ameaça já em curso de atuação no momento da rea- quando a agressão, já iniciada, perdura, como quando está a
ção (perigo de ofensa maior) ou em uma ameaça de ofensa pique de iniciar-se (Nelson Hungria).
iminente (Manzini); Resumindo-se, o que se exige é a presença de um perigo
o perigo deve ser atual; o perigo, não a agressão (Pannain); concreto, que não tolere contemporização na repulsa. 11
não precisa ser o perigo ímprevísto QU inesperado (Labatut
Glena); ' 119. A "LAESIO INCHOATA"
pelo que diz respeito aos requisitos, é preciso, antes do mais,
a presença de um perigo atual, e é nisso que tem uma de suas De todos esses conceitos conclui-se não ser indispensável
razões justificativas a ação reativa (Bettiol); o começo da agressão para que a repulsa se processe legitima-
também não é necessário que a agressão tenha chegado até mente. Não será preciso a laesio inchoata.
uma tentativa em sentido penal (exemplo de Welzel - legíti- A. Ordenação Criminal de ·'carlos V, conhecida como a "Ca-
ma defesa do guarda-florestal contra o caçador furtivo que não rolina", dispunha a respeito que o agressor não é obrigado a
depõe a espingarda ante a intimação). esperar o golpe para poder resistir; a Ordenação de Bamber-
Relativamente. aos atos preparatórios, se possível for con- gue, denominada "a Bamberguense", acrescentou: "como as
figurá-los como agressão iniciada, não há dúvida que a repulsa pessoas não avisadas supõem".
a eles será legítima. Quem furta o revólver da. pessoa· que o Invocando o magistério de Alimena, diz Lemos Sobrinho
comprou para matar um terceiro, age em defesa deste. '.É que que a atualidade do perigo há de ser entendida em sua fatal
se justifica a defesa contra os atos de preparação que terão realidade, tal como se apresenta ao espírito do agredido, sendo
por resultado a lesão posterior do bem jurídico. 10 conseguintemente possível que o perigo comece antes· de ser
Entendia Carrara que a reação deve se operar logo, por que dado início à agressão.
tantas vezes a proteção da justiça social for tardia e impotente Sustenta que "muitas vezes a melhor defesa está em ante-
para impedir o mal que se ameaça e a defesa particular puder cipar-se. à agressão virtual, quando esta não saiu da sua po-
com menor mal impedi-lo, outras tantas vezes surge o direito tencíalídade para tomar, no mundo exterior, uma· expressão de-
de defesa particular; a necessidade do momento dá, ao mesmo finitiva e unívoca; ou melhor, quando pelo agressor ainda ne-
tempo, a causa e a medida do exercício dele .. nhum objetivo foi realizado, quando apenas se esboça o ataque,
Também pacífico é o entendimento .no direito brasileiro a no seu primeiro ímpeto". 12
respeito da atualidade da agressão. Em outra passagem, explica: "Não é necessário, pois, que
a agressão tenha começado; basta que tentem consumá-la, que
A agressão, que é toda atividade tendente a uma ofensa,
esteja iminente, isto é, a ponto de começar, tal como acontece
seja ou não violenta, pode ser considerada em sua fase mili-
no direito civil, em que a atualidade do interesse de agir, um
tantemente ofensiva (agressão atual) ou na sua fase de íme-
11 Revista dos Tribunais, 380/60.
10 Borghese, ob. cit., p. 89. 12 Lemos Sobrinho, ob. cít., p. 58.
322 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 323

dos requisitos indispensáveis para que o direito de ação se obje- Pode acontecer que a provocação tenha limites mais dila-
tive, não requer a prévia existência de uma lesão de direito tados, motivando no agredido mais duradouro estado de exci-
' tação ou de cólera. Nesta emergência, é razoável que se aceite
mas abrange conceitualmente a ameaça fundada, a iminência
da lesão, como se verifica na ação de manutenção de posse, na 8. reação como repulsa atual, exercida em tempo, como acon-

de dano infecto, no preceito cominatório, no pedido de refor- selhava Farinacio: "crederem incontinenti dici etiam post ri-
ço de garantia ante a mudança de estado do devedor etc.". xam, dummodo cessante calote rixae et irae off ensus non de-
Quando a agressão envolve um perigo atual, não se espera »erterit ad extraneos actus", 1" regra que foi estendida por
o agressor, é a sua conclusão: "Temos o direito de empregar a Baiardus: "propulsatio iniuriae dicitur facta incontinenii si
força não só· para repelir, mas também para prevenir uma âie sequenii facta fuerit" (Ad Julium Clarum, ~ homicidium,
agressão injusta de que estamos gravemente ameaçados, e que n. 113, Boerius, dec. 168, n. 6).
'se nos afigura inevitável. O primeiro golpe poderia tornar im- Enquanto a agressão perdura, é atual. Foi esta uma feliz
possível toda a defesa. Não são os golpes que tornam legítima fórmula ~ncontrada por~nibal Bruno para significar o sentido
a defesa, mas o perigo que nasce da agressão". da extensão dela no tempo: "enquanto se mantém a a~
Para os doutrinadores alemães, a atualidade da agressão leO'ítima em 1 ·ar· ão ·á se deu, pro-
inclui a iminência; não se requer a espera, de um lado, do co- cede a defesa, se prese te o perigo de o dano seja conti-
meço da agressão; de outro, também pode ser repelida a agres- nuado ou agravado". 1-1 ) verv ,
são começada, desde que permaneça (Von Liszt); Mayer decla- Realmente, durante todo o te po que dure a agressão e
ra ser a presença da agressão perigo de lesão iminente; a lesão sua atualidade pode a pessoa legitimamente se defender.
ameaçadora é já ataque presente, sempre que a realização ins- . Dentro deste ponto de vista, a defesa é aplicável à infração
tantânea da ameaça deva esperar-se. continuada, porque nela, em cada instante, acham-se reunidos
os requisitos integrantes da infração.
Exigindo o direito positivo que a agressão seja atual, a amea-
A violação do direito, como doutrina Pedia, não se evapora
ça que a insinue deve ser feita no momento do fato, não tendo
num só instante como nas infrações instantâneas, mas é vio-
o caráter de atualidade a que é anteriormente feita, como, por
lável a cada instante de duração da infração contínua pela
exemplo, a que se manifeste por carta, ou a que se relacione
persistência do agente neste estado prolongado no tempo que
com um acontecimento futuro.
caracteriza a infração; a pessoa seqüestrada, por exemplo, pode
Por sua vez, a reação deve seguir imediatamente a ofensa.
legitimamente atacar o culpado de seu seqüestro porque seu di-
Perde a defesa seu cunho legítimo quando o provocado tenha reito à liberdade não foi violado só no campo do ilícito, mas du-
tido tempo de reflexão, que pode transformar a dor em cólera,
rante todo o tempo da duração dele. 1'·
ou inflamar o ódio, criando-se oportunidade a reações ilegítimas. O .ínstítuto da legítima defesa, examinado o prisma da
A reação escusável, deste modo, deve efetuar-se numa rela- atualidade da agressão, não fica desfigurado só pela preexisten-
tiva e racional medida de tempo. te inimizade entre agressor e agredido. Pelo contrário, se as
Explicou Puffendorf, com razão, que todos os privilégios dos regras da prudência aconselham que um e outro se devam evi-
cidadãos se reduzem à simples permissão de rechaçar, por si
1:1 Farinacio, ob. cit., p .. 342.
mesmos, o perigo presente; no que respeita à satisfação da 14 Aníbal Bruno, ob. cit., p. 370.
injustiça e a segurança do futuro, deve-se contudo deixar ao 11, Pedio, "In tema dí legittima difesa contra le offese costituenti
cuidado dos juízes. reati permanenti", in. Giustizia Penale. cit., p. 756.
324 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 325
tar, nada obsta, todavia, que num encontro casual faça um
deles uso adequado da força para afastar o perigo ante o ata- à legítima defesa, porque o agredido terá tempo de invocar efi-
que ou a ameaça. Uma anterior desafeição reforçará, ao revés, cazmente a proteção do Estado.
a posição do agredido, por ser de se acreditar na maior eficiên- · O recurso à autoridade pública será o caminho apropria-
eia do ataque, revelado em sua atualidade. do para tentar frustrar-se a realização do mal.
O perigo pode subsistir e ser atual ainda. no caso de ter O que se disse, a respeito da agressão atual, sobre as me-
sido consumada a ofensa, se a ação do agressor ainda perdu- didas prévias de defesa, maior alcance terá no que concerne à
rar, tornando-a mais nociva ao bem jurídico (agressor que pro- agressão futura. Ameaçado pelo inimigo, tem o homem o incon-
cura repelir golpes espaçadamente aplicados; contra agressões testável direito de preparar os meios para repelir uma agressão
sucessivas, o agredido se defende legitimamente; crimes de ca- futura, na ocasião apropriada.
ráter permanente, como o seqüestro; reação contra o agressor Essas medidas preventivas, írrecusavelmente legítimas, não
que impede o socorro à vítima já ferida). são inconciliáveis em aparência com a necessidade atual da de-
Serão acaso incompatíveis com o requisito da atualidade fesa, entrando na definição de premeditação condicional; se o
· da agressão as médídas de precaução? ataque se realiza, quem fizer uso da arma para a proteção de
São comuns .os casos em que, por medida cautelar, vê-se sua vida deve ser justificado. rn
a pessoa na contingência de armar-se, acobertando-se contra Merle e Vitu também defendem em favor da pessoa amea-
eventuais ataques (ter de passar por lugares despoliciados, em- çada de morte o direito de preparar os meios de repelir uma
preender viagens por zonas desabrigadas e que não ofereçam agressão súbita conduzindo uma arma; e se mata o agressor
proteção, ou mesmo precaver-se contra inimigos ou assaltantes). não .se lhe pode imputar a premeditação de homicídio. Haverá
Não se poderá dizer que com essa prudência se cometa um premeditação somente de legítima defesa. 11 .
ato de predisposição ao crime, ou que o comportamento corres- De Luca examinarâ a questão dizendo do cabimento da
ponda a um desafio, porque a mera previsibilidade do evento escusativa quando a agressão, mesmo prevista e futura, se re-
não retira o caráter de injustiça real do ataque, não desejado vestisse do cunho de inevitabilidade, isto é, de modo que o agre-
nem previsto em concreto. dido não pudesse recorrer à força pública, apta a garanti-lo,
Síntese de todo o exposto, para se· entender a agressão porque nem sempre a agressão é imprevista e improvisada.
como atual, não será de rigor querer-se que o ato de força ma- Acontece o caso no qual o agredido prevê o ataque do inimigo
terial se tenha consumado; basta que se adote urna atitude e se prepara para o rechaçar. Cabe no caso a descriminante?
violenta, capaz de gerar a certeza de seu emprego, pelos fatos, É fácil responder. Se o agredido não tiver provocado a agres-
pelas frases ou gestos do agressor que produzam no espírito do são com atos ilícitos, inconvenientes, a descriminante o assiste.
agredido, por sua objetividade, uma crença riatural e fundada Pretender que o agredido, com todo cuidadq e com toda pre-
de achar-se em perigo de mal sério, grave e atual ou iminente. caução, evite o encontro com o agressor, ou renuncie à livre
e lícita explicação da sua múltipla faculdade para exconjurar
120. AGRESSÃO FUTURA o perigo não merecido, é o mesmo que encorajar as inclinações
perversas, excessivas dos prepotentes, favorecendo ou impondo
De quanto ficou deduzido no item antecedente, concluir- a velhacaria aos honestos. Será o mesmo que tolher a legítima
se-á que o perigo meramente futuro· ou a· nua probabílídade de
que em seguida se verifique uma situação perigosa não basta 111 Émlle Garçon, ob. cít., n. 98, v. 2, p. 165.
17
Roger Merle e André Vitu, ob. cit., p. 313 (2.ª ed., 1973, p. 434).
326 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 327

defesa, a eficaz prevenção dos crimes, pois que a firme cora- Neste pormenor, dever-se-á atentar para a índole do agente,
gem dos honestos é o melhor meio de conter o pravo instinto a natureza dos motivos, o caráter do fato provocado e não ape-
dos malfeitores, obrigando-os ao respeito ao direito alheio. 1~ nas para o decurso do tempo, do período situado entre um e
outro, porque não devem ser confundidas a imediatez e a su-
121. AGRESSÃO FINDA cessividade deles.
O simples decurso de tempo entre a ofensa e a reação não
Para que se dê a repulsa legítima, não pode a agressão exclui o nexo de causalidade entre uma e outra manifestações.
estar concluída. Para Jiménez Huerta não se atua em legítima defesa quan-
Produzido o resultado, concretizado fica o perigo pela efe- do cessou totalmente o perigo que originou a agressão, uma
tiva lesão do interesse, não sendo possível falar-se de agressão vez que, por se ter esfumado a situação de necessidade que
fundamenta a legítima defesa, o agente carece de direito para
atual.
atuar por si. Se o mal que nos ameaça se realizou plenamen-
A vingança que se exerce a distância do ultraje, segundo
te, não existe legítima defesa, senão ato de vingança, de ine-
Chauveau et Hélíe, não é mais o ato impetuoso que a vontade quívoca índole antíjurídíca.u
é impotente de reter; a reflexão a amadureceu, o arrebatamen- A subitaneidade da reação defensiva só ganhará relevãn- .
to cessou. rn eia se houver um intervalo que dê para se converter a agressão
A reação que assim se fizer contra a ofensa equivalerá a atual em agressão já consumada: "conjestim rum ex intervallo
uma forma de vingança: "illum solum qui vim infert ferire.' ... non ex intervallo sed ex incontinenti".
conceâitur, et hoc si tuendi duntaxat, non etiam ulscisâenâi Realmente, é muitas vezes difícil distinguir o instante pre-
causa factum sit" (Ulpiano, fr. 9, Ad legem Corneliam de sica- ciso em que a defesa cessa, como pondera Garraud: uma ques-
é

riis et veneficis, D. 48, 8; L. 45, s ,Jen., D. ad legem Aquiliam, tão de fato a resolver em cada caso; mas não é duvidoso que
Paolo, L. 8, 45, § 4.0 , D. 9, 2). a necessidade de perigo atual obriga a receber um primeiro
golpe,»
A doutrina vem negando caráter lícito à ação realizada
Mas, se o perigo cessou, seja com a desistência manifestada
nesta oportunidade, como dá notícias Núfiez. 20
pelo agressor de persistir no ataque, seja porque qualquer outra
O ataque não guardaria conexão com a primitiva agressão, causa o impediu de continuar, a reação perde o seu objeto e
deixando de constituir a defesa do injusto. nada mais traduzirá senão um ato de vingança.
O fator tempo, decorrido entre. a ofensa e a reação, tem Irrepreensível, ante o exposto, o conceito de Majno, de que
alguma importância, a fim de se apreciar se a agressão está se o ataque foi repelido, e sem razoável motivo de temor que
ainda presente ou se ela já se considera finda. Se o perigo pas- o agressor persevere, retornando à hostilidade, o agredido con-
sou, a ação não será mais defensiva. tra ele transcende a violência ulterior, não sendo assim invo-
cável o moâeramen=
is Francesco de Luca, ob. cit., v. 2,- p. 72 e 73.
21
rn Chauveau et Hélie, ob. cít., p. 135. Jiménez Huerta, La Antijuridicidad, México, 1952, p. 262.
22
20 Ricardo Núiíez, Derecho Penal Argentino, Buenos Aires, 1959, R. Garraud, Compêndio de Direito Criminal, cit., v. · 1, p. 277.
Y. 1, p, 367. aa Luigi Majno, ob. cit., p. 141.
328 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA· DEFESA 329

Conseqüência do expendido é que se não permit'rá legíti- 1Z2. AGRESSÃO IMINENTE


ma defesa quando usada a agressão no caso de fuga do agres-
sor, nesta situação alcançado e ferido; quando o agredido tenha Iminente é a agressão enunciada por sinais manifestos,
subjugado o ofensor, despojando-o de sua arma, com ela mes- autorizando a lícita antecipação contra quem intente agredir:
ma o ofendendo; quando o agressor tenha se tornado inofensivo "is qui aggressorem vel quemcumque alium in tiubio vitae dis-
pelo esgotamento de sua munição. crimine constitutus occiderit, nullam ob id iactum catumtiiam
Esses eram os conselhos do direito e da doutrina romano.s: metuere debei" (L. 2, Ad Legem Corneliam de stcariis, C6:i
dum' vero statutum permittit offenso prosequi offendentem 9, 160).
puta fugientem, cum tunc non dicatur of f endere ad defensam Éo perigo em via de realização, de se transmudar em dano, .
sed potius ad vindictam (mas, quando o estatuto permite ao y::rigo próximo que apenas se avizinha da efetividade.
ofendido perseguir o ofensor, que por exemplo foge, não se diga
Pelas Partidas, já no século XIII, se permitia a defesa con-
então que ofende para defender-se, mas, antes, para vingar-se
tra o perigo que iminentemente se fazia evidente ante atitude
- Antonius Conciolus, Statuta Civitatis Eugubii Collata, líber
ameaçadora, sob o raciocínio de que não deve o homem esperar
IV, p. 527, ou Estatutos propostos da cidade de Eugúbío):
e início da agressão, porque então poderia morrer e já não se
Alberto de Gandino, cuidando das defesas a serem feitas poderia amparar (Lei 2.ª, Tít: VIII, Partida 7.ª).
pelo réu, professava: ... pois, se te ataco com armas e começas
Se se esperasse que o agressor atuasse o seu manifesto pro-
a resistir, e nos ferimos mutuamente, e tu me matas, pareces
pósito de violar um direito fundamental da pessoa ameaçada,
ter agido em defesa; mas, se combatendo assim tu, mais forte,
esta poderia sofrer um dano irreparável antes de se defender
me vences, projetando-me ao chão, e me atas e depois me ma-
e o instituto da legítima defe.sa seria inútil. Não será preciso,
tas, parece fazeres isto para vingar-te (Tractatus de Maleficiis,
pois, como tranqüiliza Haus, que a iminência do· perigo seja
rub. 5).
certa, porque nesses casos a certeza é impossível; para obtê-la
Asúa faz, neste último caso, uma ressalva: "quando somos seria necessário receber o primeiro golpe.
agredidos por uma pessoa armada de uma navalha e a desar-
Para que a legítima defesa seja invocada com base na imi-
mamos, mas o agressor, fisicamente mais forte, persiste no ata- nência da agressão é suficiente um temor fundado de ofensa:
que, embora sem arma, podemos legitimamente nos defender "nemo tenetur expectare donec percuiiatur"; mas será preciso
ante o perigo de que retome a arma, arrebatando-a de nossas a razoabilidade de tal temor, aceita como a sensibilidade hu-
mãos e com ela nos fira e mate". 24 mana e segundo as normais circunstâncias do fato.
Lembre-se, oportunamente, que também no caso de uma Se a ameaça deve. realizar-se imediatamente, ensina Tre-
primeira agressão que dê para se supor uma segunda, para evi- butien, 26 se por exemplo um homem armado ameaça a vítima
tar esta, tem-se o direito de atacar preventivamente o agressor. 25 ele disparar sobre ela, o perigo é iminente e o emprego de força
A defesa, em síntese, deve ser medida de precaução e não legítimo; a vítima não está obrigada a esperar que as vias de
atitude vingativa. fato hajam começado, pois o primeiro golpe poderia colocá-lo
na impossibilidade de defender-se.
Jiménez de Asúa, El Criminalista, cit., p. 137.
:!~
Pierre Bouzat, Traité Th.éorique et Pratique de Drott Penas
:!r. 2.t\ E. Trebutien, Cours Élérnentaire de Droii Criminel, 2~ ed .. Paris,
Paris, 1951, p. 215. 1884.. t. 1, p. 409.
330 MARCELLO J. LIDA RES LECÍTIMP. DEFESA 331

Outro não é o ensinamento de Pacheco: "basta para auto- 123. AMEAÇAS


rizar o exercício do direito que seja iminente a ação, que o fato
constitua ameaça, que haja em realidade uma tentativa con- A atualidade da agressão pode ser avaliada também pelas
tra nós outros". umeaças, desde que revelem uma resolução séria de cometer
um atentado contra a pessoa, porque equivalem ao perigo.
Merle e Vitu 27 falam das equívocas atitudes do adversá-
De efeito imediato, ameaça é o temor a pender sobre a
rio: suas intenções profundas são desconhecidas; seus gestos,
vontade da vítima, impedindo-lhe a motivação normal. ~•i
suas palavras, a expressão de seu olhar, ou mesmo sua repu-
tação de violência tornam verossímil a agressão. Convém distinguir entre ameaça verbal proferida em mo-
mente de exaltação, vaga e irrefletida, daquela outra conscíen-
Acrescentam que a legítima defesa deve ser plausível ao te, bem determinada, envolvida de caráter sério, capaz de ins-
espírito do autor da infração, mais que ao dos juízes, cada um pirar um sentido de alarma.
podendo crer, razoavelmente, no perigo. Esta é a legítima de- Quanto à primeira, nada indicando, senão insignificante
fesa justificada, porque basta que o perigo corrido seja obje- jactância, efêmera e sem conseqüência, evidentemente não pode
tivamente verossímil. se nivelar à agressão atual e iminente: Soler nega a legítima
Esclarecem que esta legítima defesa não se confunde com defesa quando a agressão ainda não tenha se produzido e se
limite apenas a ser uma ameaça verbal (perigo de perigo);
a legítima defesa putativa, embora dela próxima, devendo dis-
quem ameaça ou injuria não é um agressor se não unir a ação
tinguir-se a legítima defesa verossímil, que repousa sob aparên-
à palavra, embora eventualmente possa ser considerado provo-
cias objetivas, sensível a todos, e a legítima defesa putativa,
cador. Também Lemos Sobrinho acentua que a ameaça não é
que inexiste, senão na imaginação do autor.
uma ofensa real a que se deva necessariamente opor uma ofen-
O difícil, para Díaz Paios, será, às vezes, distinguir entre sa ativa.
o iminente (futuro imediato) e o que já se passou. Quanto à segunda, dando a noção de um perigo, justifica
a repulsa da pessoa contra quem é dirigida. Se vem acompa-
Com relação ao primeiro, os clássicos já travaram polêmi-
ca em torno do caso de quem espreita matar insidiosamente e nhada de vias de fato, então se tornará indiscutível por deno-
espera ocasião propícia; não poderá adiantar-se a vítima pre-
sumida e matar o insidioso oculto?
Alguns juristas atenderam ao critério temporal da imedia-
tez, o que prevalece entre os modernos; e Azpilcueta distingue
se havia ou não morae inierpositio, de modo que, se há tempo 'ut~riz :io
para frente não poderá levantar-se o ameaçado. Tão hábeis em discernir as nuanças da criminalidade das
Com relação ao segundo, é de se atender ao critério da con- ações, os antigos autores não hesitaram em declarar o homicí-
sumação mesma do delito.2s · dio escusável todas as vezes em que a ameaça parecia prestes

~:i Cesare Pedrazzi, Inganno ed Errore nel Diritto contra il Patri-


21 Merle e Vitu, ob. cít., p. 314. monio, 1955, Milano, p. 150.
as Díaz Paios, ob. cit., p. 60, ao Émile Garçon, ob. cit., p. 159.
332 MARCELLO J. LINHARES

a. se efetuar: "dummodo minans sit in actu vulnerandi vel occi-


âendi; »el quando periculum est in expectatione et appareant
fn minante aliqua signa offendendi". (Farinacio, Quaest. 125,
n. 70).
Comentando o código francês, escreveu Trebutien que, de-
vendo a agressão traduzir-se por vias de fato, as ameaças, então, CAPITULO~
por mais graves que fossem, mesmo as de morte, não perrnit-
riam o emprego da força; isso porque a lei exige uma necessi- OS REQUISITOS DA LEG1TIMA DEFESA.
dade atual, e a ameaça não assumiria esse caráter, podendo-se, · A DEFESA E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.
para se defender contra ela, obter a proteção da a{itorídade. O USO DOS MEIOS NECESSARIOS
Mas, não se deverá exagerar tal idéia, porque se a ameaça deve
124. A defesa. 125. O animus defendendi. 128. Os elementos
ser realizada de imediato, se por exemplo um homem armado
constitutivos da deifesa. 127. D·efesa necessária e meios neees-
ameaça a vítima de atirar contra ela, o perigo é iminente. A sários. 128. Critério. valorizador da necessidade dos meios. 129.
vítima não está obrigada a esperar o início· das vias de fato, Idem. Regras observáveis. 130. Idem. O objetivismo e o sub;e-
porque o primeiro golpe poderia colocá-la na impossibilidade tiVismo da defesa. 131. Idem. Paridade de valores e armas. 132.
de se defender. Idem. O critério da ;usta conveniência. 133. A fuga. 134. O
commodus discessus. 135. Uso de obstáculos contra agressões
(offendlcula).

124.. A DEFESA

~ defesa é a ação de repelir a agress- - a arredá-la


em urr ' - a ara fora ou ara lo ge: é obstar a ação, evitá-la;
indica uma ação que, "embora realizando uma tipicidade con-
creta aparentemente correspondente àquela da norma íncrímí-
nadora, no caso específico, entretanto, tende a remover, eiimi-
nar ou atenuar a causa do perigo, dirigindo-se contra a mesma
pessoa que a tenha ocasionado" (Pannain).
O conceito da repulsa é uniforme: ação de repelir o ataque
(Mezger); é da essência da ação de defesa que se dirija contra
o agressor (Frank) ; é o proceder contra o agressor (Von Hippel) ;
é uma reação por meio da qual se repele quem nos ameaça com
perigo iminente (Carrara); enfim, é repulsa violenta contra
agressão (Asúa).
Deve sempre a lesão preceder a ofensa ao bem juridicamen-
te tutelado porque, quando se exercitar tardiamente, a defesa
carecerá de objeto, ao Estado se transmitindo o ônus de resolver
o conflito.
334. MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 335

Por dupla forma pode a defesa se manifestar: à) é irrelevante à defesa se o agressor atua dolosa, culpo-
samente ou sem culpabilidade; a defesa Independe da avaliação
a) pela modalidade simplesmente defensiva (o agredido da culpabiiidade e a retribuição se rege melhor por critérios
se limita a conter o agressor, desarmando-o; ou impedindo-o, utilitários. 1
de consumar o ataque ou de nele prosseguir);
b) pelo processo ofensivo (emprego de conduta ativa para 12S. O "ANIMUS DEFENDENDI"
contê-lo - vim vi).
Qualquer meio utilizado - reação defensiva ou repulsa Vários doutrinadores, maior inclinação para os alemães,
ofensiva - será válido. fazem questão do animus defendendi como condição de legiti-
midade da reação.
A reação se explica como impulso instintivo, natural e hu-
mano atuando a vo e com eemênci ~ A vontade de defesa será elemento subjetivo da justificação.
A intenção é exigida pelo consenso geral, mesmo pelos teó-
A inibição é fenômeno que no homem se evidencia ante a
ricos que não aceitam o elemento subjetivo como pressuposto
iminência do risco, nele aumentando, ao mesmo tempo, as ma-
genérico legitimando as causas de justificação.
nifestações orgânicas que, às vezes, se processam desordenada-
mente. Não raro lhe faltará o raciocínio rec·so o cálculo ade- Bau.mann, por exemplo, escreve que muitas causas de justi-
ficação contêm, com razão, elementos subjetivos de justificação
a
(correspondentemente aos elementos subjetivos do injusto, ou
esta comumente
seja, a circunstâncias subjetivas de fato nas normas típicas);
A defesa deve ser considerada, segundo regras aconselha- assim, é necessário, para a legítima defesa, uma defesa que só
das por -Sauer, em relação ao ataque: se dê, segundo opinião dominante e aceitável, se o autor possuir,
a) segundo seu modo de comissão, sua intensidade, vio- ao atuar, a vontade de defesa. Portanto, a defesa é um elemento
lência, duração, preparação, com precaução de defesa própria; subjetivo de justificação, com a conseqüência de que uma "de-
quanto mais elevado o grau, tanto mais ampla a autorização fesa tão-só objetiva" não basta a justificar a conduta do autor. "
das medidas imagínáveís de defesa; nos ataques completamente A legítima defesa ficará, deste modo, na dependência dessa
inofensivos, há de se utilizar o meio mais simples de defesa vontade, muito embora os fins secundários não interfiram pre-
legítima; judicialmente na afirmação da descriminante.
b) a gravidade do resultado, por conseguinte, do dano que Se, por um lado, a vontade de defender se erige em condi-
ameaça, previsível, normalmente· esperado, considerado neste ção necessária, ela será bastante para justificar a legítima de-
aspecto o valor do bem agredido; a defesa, de fato, deve ser fesa, sem ser preciso perquírirem-se os móveis, que não precisam
diferente para casos em que o agressor ameace bens quase sem ser éticos.
valor, rápida e facilmente substituíveis, ou para o caso em que O elemento subjetivo, destarte, não será motivo nem mo-
se tratar de valores vitais irreparáveis; mento volitivo de eficácia exclusiva, podendo, ao revés, ocorrer
e) a pessoa do agressor também merecerá consideração, simultaneamente com outros motivos, fruto de sentimentos, co-
embora em segundo plano; são mais suportáveis os ataques de
crianças, dos perturbados mentais e dos bêbados, mais facil- 1 Sauer, ob. cit., p. 192.
mente repelidos, sem a utilização precipitada de armas de fogo; 2 Baumann, ob. cít., p. 193.
M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 337

mo o ciúme ou o ódio, ou como expressão da direção da vontade 126. OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA DEFESA
(desejar produzir um sofrimento especial no ofensor).
São elementos constitutivos da defesa:
Até a vingança está incluída por Manzini entre esses sen- ~ o emprego dos meios necessários;
timentos, desde que associada à intenção de defesa; se esta é @) a moderação em seu uso.
proporcionada, o plano de vingança não modifica a objetividade
do fato, sendo a atitude psíquica juridicamente irrelevante. 3 127. DEFESA NECESSÁRIA E MEIOS NECESSARIOS
Nenhum desses comportamentos, fins secundários, retira a
qusm se detende a vontade de defesa, ·1 não constituindo obstá- Antes de ser proporcionada ao ataque, exercida com o em-
culo ao seu reconhecimento. prego de meios adequados, a repulsa deve ser necessária para
se tornar legítima.
O que se deve levar em conta é o fim objetivo da ação, não
O nosso Código Penal não fala em necessidade da reação,
os fins subjetivos do agente. 5
mas a exigência está implícita na norma quando requer, para
É de se convir, todavia, que reside a questão apenas no que ocorra a legitimidade da defesa, a atualidade da ofensa
campo estritamente teórico, sem maiores conseqüências prá- e a injustiça desta.
ticas, porque, na aplicação do direito, a menos que a despropor- Sel'ldo a justa repulsa comandada por essas contingências
ção da repulsa, desvirtuando o caráter legítimo da defesa, de- objetivas, é lógico que se explique como uma necessidade para a
nuncie os fins secundários que acaso inspiram a vontade, ou o salvaguarda dos direitos ou interesses em risco.
simples reforço desta, dificilmente se penetrará no subconsciente . ~ necessidade, assim, estará em função da existência do
do ager::!e para nele se descortinar a vontade de se defender. perigo, da atualidade deste; mas não do simples perigo, que,
Discorre Tancredi Gatti que os tratadistas não deixaram de só por si, não autoriza o direito à reação. ·
analisar o conteúdo psicológico de tal extremo aparentemente ;\ Iegitímídade da defesa é que sr, subordina à condição
material e objetivo, avistando justamente no moâerameti o cri- de necessidade, necessidade atual de se defender, determinada (
tério discretivo para diferenciar o fato determinado pelo motivo por uma agressão injusta e também atual ou iminente no ato
..J
da reação.
de defesa e de conservação daquele provocado pelo sentimento
Sem esta condiçào a defesa não é necessária e, não sendo
de vingança ou pelo desejo de represália: "o agredido parece
necessária, não será legítima.
sempre agir em sua defesa; Odofredo afirma diferentemente
Se o mal pode ser evitado, se a reação não é necessária,
que aquele que é agredido sempre parece agir a título de vin-
pela ineficácia do ataque, não há falar e.m legítima defesa.
gança. . . a não ser que prove o contrário. . . Mas, como pode- Prevalecerá, então, a lei da ordem, devendo-se adotar o meio
remos saber se o fez para vingar-se ou para defender-se? Res- inocente para evitar o dano próprio ou o dano alheio.
pondo que o fato e a quantidade dos fatos revelam isto. u (Alber- Embora indiquem uma mesma conseqüência de ordem prá-
tus de Gandino, Tractatus de maleficiis). tica, "defesa necessária" e "emprego de meios necessários" são
conceitos que, no exame teórico do instituto, não se confun-
Manzini, ob. cit., v. 2, p. 383. dem, malgrado as sutilezas que os possam vincular e o respeito
i Maurach, ob. cít., p. 383.
com que devam ser encaradas opiniões que, em contrário, pos-
Mezger, ob. cít., p. 458.
1• Tancredi Gatti. ob. cit .. p. 16·1.
sam ser oferecidas.
338 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 339

Na legítima defesa é prioritário o exame da necessidade da Para De Marslco, a necessidade é o constrangimento, a


reação, cujo resultado poderá ou não prejudicar a avaliação dos impossibilidade de escolher entre várias soluções, entre o agir
meios necessários nela empregados. e o não-agir.
Defesa necessária é a que se apresenta como solução única Esse conceito é temperado por considerações de relatividade,
compatível com o comportamento antijurídico, injusto e atual, mas não se parífica com o conceito de inevitabilidade.
contra direito próprio ou de outrem. . A totalidade dos códigos mais conhecidos que incluem o
Meios e essários são a primeira medida dessa defesa, esta- vocábulo necessidade na legítima defesa, também a ligam à
.helecí e modo 21 ue ela tal a cautela ue a todo cidadão idéia da reação. O Código alemão fala que a legitima defesa
e xige na re ulsa · osad ~eg,ymlo u crttériQ yªIcu:iz_ad_or é a oposição necessária para afastar o ataque. O francês e os
que a lei expressa sob a figura da "moderação", possa se con- que o acompanharam, o belga e o luxemburguês, falam em re-
siderar legítima. pulsa comandada pela necessidade atual de legítima defesa; o
Defesa necessária não é assim, ante o exposto, o mesmo que flnlandês refere-se a ato necessário para a proteção do autor;
meios necessários, porque a defesa tanto pode se apresentar os da Islândia e Holanda usam da fórmula "defesa necessária".
necessária, como desnecessária. Se desnecessária, a repulsa está Píolettí chama a atenção para os cuidados a se observar
sacrificada. Se necessária, a reação se justificará em tese. Será no exame do extremo da necessidade que legitima a defesa,
legítima ou ilegítima segundo os meios, estes sim, sempre ne- considerados os direitos diversos ao da integridade pessoal. se
cessários para qualificar a defesa, isto é, compatíveis, propor- algum malfeitor se inclina a pôr fogo na gavela que se acha
cionais à agressão e conformes à moderação posta em seu em- no pátio, o proprietário poderá defender o seu direito de pro-
prego. priedade disparando da janela, primeiro, para intimidar, e depois,
Para Viada y Vilaseca, a necessidade racional dos atos· exe- para ferir. Não será, ao mais das vezes, necessário ferir o ladrão
cutados por quem se defende, estriba-se na proporção dos meios que rouba a fruta do pomar, porque bastará intimidá-lo dispa-
empregados para impedir ou repelir a agressão, e os utilizados rando para o ar; mas se a turba de delinqüentes que está devas-
pelo agressor para intentá-la e cometê-la, e não no maior dano tando o pomar não desistir em seguida ao disparo intimidativo,
que este cause ou resulte da defesa," estará em legitima defesa o proprietário que, não podendo re-
Os meios necessário~ a moderação, em síntese, são si ples correr a outro meio para fazer cessar a destruição, dispare sobre
did s da defesa. os culpados.8
A necessidade da defesa é fórmula ampla, abrangente dos
requisitos objetivos, é condição fundamental do instituto da 128. CRITl!:RIO VALORlZADOR DA NECESSIDADE
defesa. DOS MEIOS
Ela foi definida por Romagnosi como aquilo cujo oposto é
Pelo art. 25 do vigente Código Penal, deve o agente usar
impossível. Por isso, é um estado tal de coisas que impede con-
ceber-se o estado contrário. dos meios necessários para afastar o perigo, meios esses que
devem, qualitativamente, guardar relação com o ataque e a
A faculdade de ser ou de fazer o contrário exclui a idéia reação.
de coação ou de necessidade.
8 Ugo Pioletti, Manuale di -Diritto Penale, parte generale, NapoU,
7 Viada y Vilaseca, ob. cit., v. 1, p. 135. 1969, p. 289.
340 MAltCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 341

Lembra-se, na legítima defesa, o princípio da reação igual A reação, fato ligado à sensação de perigo, é consciente
e contrária à ação, enunciado no domínio da física por Newt.on: fruto de algo experimentado e percebido.
"uma força não pode exercer uma ação sem no mesmo instante A sensação de perigo na legítima defesa é, assim,' distinta
fazer nascer uma reação igual e diretamente oposta". do ato que a provoca. A explicação encontra-se em Taine: a
Estas forças são repulsivas ou atrativas. Quando se exerce propriedade pertence ao objeto e não a nós, ao passo que a sen-
uma pressão ou uma tração sobre um ponto qualquer de um sação nos pertence e não ao objeto.
corpo, este exerce em sentido contrário uma pressão ou uma Sendo distinta da modificação fisiológica que a condiciona,
tração da mesma grandeza absoluta; reage com uma força igual e sendo um fato da consciência, a sensação de perigo oferecida
e contrária à que lhe é aplicada. por . um ataque momentâneo, inesperado e súbito, sobretudo
r Se as forças iguais se desenvolvem em sentidos opostos, é injusto, é qualitativa, isto é, capaz de maior ou de menor inten-
evidente que elas se neutralizam e provocam o equilíbrio. sidade, excluindo absolutamente qualquer idéia de medida co-
( O que se pretende com a reação proporcionada pelos meios mum quantitativa e de composição propriamente díta.9
necessários na legítima defesa, mutatis muianâis, é o mesmo Por isso mesmo, sujeitas a ilusões, as percepções, sejam as
resultado que se observa de acordo com os princípios fixados primitivas, sejam as adquiridas, estas em maior intensidade,
pelas leis da mecânica: uma reação que se proceda por meios podem expor quem reage ante a presença do perigo a inter-
comedidos, necessários, capazes de neutralizar o ato injusto, pretações inexatas ou mais facilmente sujeitas a enganos.
devolvendo o equilíbrio às relações jurídicas. Não como forma A re a é ue em situa ão de eri o o homem não con-
de um castigo ao ofensor, mas como simples defesa do direito serva o angu_eJriº-.b~ r e i
atacado, causando ao agressor o menor dano possível. e -sua a - . Farinacio usou de expressão curiosa: non habet
Evidente que no campo fisiológico e no psicológico; onde stateram in manu.
atuam fenômenos humanos, concorrem outras leis, como a da O erro de interpretação pode ser tal que desfigure o conceito
atenção, a que pertencem a preocupação do espírito e certos de defesa sob seu aspecto real, mas ainda assim será capaz de
fatores ainda mais característicos, como por exemplo o da estu- justificá-la sob o ângulo subjetivo, proporcionando a legítima
pefação; à ação ajunta-se uma reação deliberada, que apreende defesa putativa.
o objeto da ação, sobre ele concentrando as suas faculdades;
Mas, se não adquire feições tão manifestas, ele 'não se
é a atenção reflexa que, como a percepção externa do mundo
torna inconciliável com o aspecto objetivo com que a agressão
sensível, obedece a fenômenos psicológicos e fisiológicos que 'a
deva ser encarada. Se a reação é ato) a um tempo, do reflexo
rapidez e a injustiça de um ataque podem alterar profunda-
e do instinto, movimento da corrente de um intermediário psi-
mente, influenciando sobre a conseiêncía, desde que tanto esta
cológico, que na legítima defesa é a provocação, supõe sempre
como a percepção externa, por sua forma, são funções expe-
rimentais. a sensação e a representação mais ou menos vaga do ato que
se vai opor. Essa provocação, como excitação externa, é a causa
A reação pela força no mundo físico não é influenciada
direta da reação, a oportunidade que justifica a sua existência,
senão pela própria força que lhe é oposta, projetando-se auto- sob o impulso interno das tendências motrizes do organismo.
maticamente com a mesma intensidade. Isso não ocorre na
mesma proporção dosimétrica no mundo fisiológico, onde im- e e. Lahr, Manual de Filosofia, resumido e 9idaptado do Cours
pera a relatividade. de Philosophle de· e. Lahr por G. P., 5.ª ed., Porto, 1950, p. 52.
342 MAltCELLO J. LINlJARi:$

Porque tudo obedece a fenômenos fisiológicos e psicoló-


gicos, avultando-se as dificuldades quanto a um juízo exato e
129. "Idem",
LEGÍTIMA 'DEFESA

REGRAS OBSERVAVEIS
o
.precíso, ante a anômala situação de perigo, diversa daqueles As regras, pois, a serem atendidas no exame do pressuposto.
outros estados nos quais a calma ou a reflexão conduzem ao são as que prescrevem os doutrinadores:
estudo sereno do comportamento, os legisladores têm se preo- a ação deve ser necessária para a defesa, e a necessidade
cupado com o critério avalíador dos requisitos do "emprego dos se determina _de acordo com a força real da agressão (Welzel:
meios necessários" e o da "moderação" na legítima defesa, como "a defesa pode ir tão longe quanto seja necessário para a defesa
fórmulas de se temperar a repulsa, sempre afeiçoados, entre- real da agressão, mas não mais além do absolutamente neces-
tanto, ao princípio de que nunca se deve proceder com into- sário"; "o agredido deve aplicar o meio mínimo, que, entretanto,
lerância em seu exame, e que o fiel da balança deve pender para pode ir até a morte, quando seja este o último meio para a
o lado do agredido, por ser quem, no confronto de Interesses em _defesa"); 111
conflito, se mostra digno de melhor proteção. a escolha das meios deve obedecer aos reclamos da sitnaçãa
Assim aconselha Grosso: inexistindo qualquer critério tn- · concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção me-
terpretativo seguro, deve-se, em caso de dúvida, adotar a solu- ~ânica entre~! Jm,s-=em eonflito~ A~-C~;? {;" J)€PE5A
ção favorável ao réu, aceitando-se a interpretação que forneça a paridade absoluta de armas, como propunha Farinacio ·-
vantagem àquele que se ache constrangido à necessidade de de- quando alguém agride a outrem sem armas, não é lícito contra
fender-se de uma agressão injusta. ele defender-se com armas - é velharia superada pela concei-
tuação moderna do instituto; segundo Carrara, o agredido usa,
Os Códigos de Portugal e Espanha falam expressamente nàs suas necessidades, daquela arma que primeiro lhe oferece a
em necesstdade racional de meio empregado para evitar ou re- ocasião; dado o direito de defender-se, cada um se defende como
pelir a agressão, e o da Noruega dispõe haver legítima defesa pode; o completo moderamen pode ocorrer mesmo em face de
quando o ato é praticado para se defender ou se proteger con- um agressor inerme e em favor de um agredido, munido de
tra uma agressão ilegal, onde o dito ato não exceda aquilo que armas; 11
seria necessário a tal efeito, em consideração à gravidade do a necessidade da situação ficará melhor explicada, como
ataque, à culpabilidade do agressor ou do bom direito da vítima, sugere Sauer, interpretando o Código alemão (§ 53, primeira
deixando, outros códigos, de punir o excesso, quando a reação parte), considerando-se a situação global com inclusão e pon-
resultar de imediata e violenta emoção causada pelo ataque. deração de todas as forças concorrentes e valores acompanhan-
tes, segundo os princípios da justiça e o bem comum;
Põe-se muito de caráter subjetivo na reação, a despeito do
sentido objetivo que impregna a agressão., Mezger, contudo, faz 10 Welzel, ob. cit., p, 93.
11 Carrara, Proçramma, § 339: "a gravidade do mal não deve
questão do exame do requisito dentro de cada caso concreto, de
apresentar-se na realidade, mas somente na razoável opinião do agre-
acordo com critérios objetivos.
dido; não só a defesa privada é necessária, seja ou não reparável o mal
Pelas razões expostas foi que a Exposição de Motivos do ameaçado, mas ainda quando seja ou não grave, verdadeiro ou não,
e temível, o perigo iminente. A completa justificação, basta que o agre-
Código Penal assinalou que "o exercício da defesa deve ser feito dido, naquela circunstância, tenha razoavelmente acreditado como ne-
no limite razoável da necessidade". cessária a reação".
M ARCELLO J. LINHARES

a proporção do meio empregado é circunstância que "abre


porta ao juiz cumular de exigências humanas o exercício da
LEGÍTIMA DEFESA

i tvt:~PE"II.IUJ.4
nal de quem se defende de inopinada e injusta agressão, estado
que pode ir do medo ao terror, ou da cólera ao furor, conforme
e
legítima deresa, já que os tribunais não podem inclinar-se pela a constituição mais ou menos normal do agredido, do seu tem-
afirmação ou negação da proporcionalidade, sem valer-se da peramento, educação, hábitos de vida, e conforme a temibili-
contribuição dos dotes de fino e penetrante psicólogo na con- dade do agressor e violência da agressão, certo que não poderá
fluência formada pela situação" (Sauer); ter sempre a reflexão precisa para dispor sua defesa em eqüi-
a utilização dos meios necessários se fará, não pela forma polêncía com leta com o ataque. Mesmo que a agressão não
arcaica de paridade de armas, mas sim com as armas da razão; . . NB'fJPt
seja · 1 a d e a lt eraçao,
A e prece did ., d e msu
. lt os, nem sem-
nos limites da legítima defesa deve-se atender ao que seja pre o agredido pode calculadamente defender-se, de modo a
socialmente tolerável ou intolerável, em relação à relevância da proporcionar exatamente a repulsa à agressão".
agressão (será intolerável, como conceituam Welzel, Mayer e
Essa relatividade é também rememorada por Florian: n "os
Sauer, a morte do agressor por subtração de um pedaço de pão).
meios com os quais a defesa se exerce, e nos que a defesa con-
Tudo, porém, deve ser objeto de um juízo singular a cada siste, podem ser variadíssimos. A multiplicidade dos meios é cor-
caso, como adverte Sauer: "as menores causas de justificação relativa à amplitude dos direitos que se defendem. Mas, os meios
exigem uma jurisprudência do caso concreto, porque muitos
devem convergir todos ao fim essencial de repelir a ofensa imi-
problemas controvertidos se originaram porque se tinham em
nente. Entre o ato defensivo executado e este fim deve existir
vista fatos de diversas classes; não é aconselhável a solução
uma relação de proporção. O Código não atende mais que à
geral e abstrata, a qual se orienta por falsos caminhos me-
tódicos". necessidade, pois aquela está implícita".
Definindo o excesso dos limites da repulsa, utiliza-se o Có-
digo russo de uma redação feliz; fala de uma manifesta, clara
e evidente desproporção entre o mal ameaçado e o infligido Bastará o emprego de armas distintas, uma, arma branca, por
pela defesa (art. 13). exemplo', outra, arma de fogo, para que se retire o caráter le-
A evolução do instituto da legítima defesa se fez no sentido gítimo da defesa, ajuizada segundo seu sentido literal.
de retirar da teoria adotada pelo direito canônico aquela con- De outro lado, como lembra Iheríng, em cada caráter se
cepção de simples faculdade limitada a um direito subordinado
encontra um sentimento específico, sofrendo as injunções das
a determinados limites. A exata paridade de forças, objeto do
condições particulares de sua existência, de sua classe social,
moderamen inculpatae tutelae, cedeu lugar a doutrinas mais
sentimento que comandará a reação, tanto mais forte e mais
humanas no julgamento da adequação 'dos meios utilizados e da
decisiva quanto mais· afetada a sensibilidade individual.
moderação no _revid.e. ~ ~eio~ vóA.D06
A proporc10nalldade ha de ser entendida dentro de certa o sentimento jurídico, contudo, apresenta uma sensibili-
relatividade. ~rário, a exigência da rigor roatemáticq - dade diversa avaliando o caráter ofensivo da lesão do direito
' .
defesa igual a ataque - importaria em tornar }ºe~ '"vela unicamente pelo intere s g_ue u a c resse de ter em a não
defesa/como -observou Galdino Siqueira: 1~ "no etado emocío- suportar.jje . /J-yn ~(Ã.) J:JÍ ~Hº o,, f1
) .Ar/} -i,:;/'w.t . ~'?J~o~ fwYfl~
1
~ Galdino Siqueira, Direito Penai Brasileiro, v. 1, p. 43 . 1··
··
·
tX4íAYYltN,-e;
Flonan, ob. ~1t., p. 418. J.ip,o rfe, aqM de«:
1
&q
tV>yi QJt, •
346 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 347

130. "Itiem", O OBJETIVISMO E O SUBJETIVISMO


. DA DEFESA intenta sacar do revólver ou lhe aponta a arma, ou arranca de
de uma faca, não seja proporcional, uma vez que ele pratica,
Por tais razões, autores há que, embora filiados ao caráter nessa emergência, nada mais, nada menos, que aquilo que fosse
objetivo da legítima defesa, não prescindem do subjetivismo no praticado contra si". 17
exame dos requisitos da adequação dos meios e no da modera- Embora dê à estrutura da legítima defesa caráter nitida-
ção no revide. mente objetivo, decorrente do vocábulo necessidade empregado
pelo direito italiano, reconhece Grosso todavia existir, no im-
Entre eles, Lima Drummond e Pedro Vergara, para quem a
pulso psicológico exercido pela realidade na qual o agente é
objetividade dos fatos externos não constitui um elemento ex-
chamado a operar contra a realização do comportamento ilícito,
clusivo e absorvente do fenômeno defensivo, nem sequer é um
um requisito de ordem subjetiva.
elemento equivalente. Estes fatos externos, pelos quais se ma-
nifestam a agressão, e a reação, constituem o efeito de uma Nesse processo de reação, o agente se vê constrangido pela
causa: efeito, perigo e defesa; causa, intenção de agredir e in- necessidade, como expressamente fala a norma penal, a impedir,
tenção de defender-se. em todo ou em parte, que se verifique a lesão do bem ou do
direito próprio ou de outrem. 18
No direito francês, a gravidade do ato da agressão é apre-
ciada de maneira subjetiva, 1·1 como já nos referimos. Os meios empregados pelo agredido, pois, devem ser aqueles
de que possa dispor ante a súbita situação de perigo com a
No direito alemão, von Buri registra que o critério da in-
qual se defronte, proporção que não pode ser apreciada em
justiça, da violência, não deve ser estimado objetivamente, mas
abstrato, mas na situação concreta em que se desenvolveu· a
subjetivamente, isto é, segundo as impressões recebidas pelo
ação defensiva.
agredido. J ::~
Por isso mesmo, expõe Saba tini que "a necessidade se atém à
Na Itália, dentre outros, o mesmo é o pensamento de. Co- razão para justificar a defesa do bem jurídico injustamente
gliolo e Ugo Conti. ameaçado e ofendido; já a proporção resguarda à medida que
Segundo Vergara, "a proporcionalidade dos meios na legí- a lei prevê entre os meios idôneos a atuar a defesa e a entidade
tima defesa subjetiva reside no conceito do agente, na sua da ação que se é autorizado a realizar a tal fim. J;: um tempera-
razoável opinião diante do perigo, sendo em tais condições opi- mento para que a defesa não transcenda ao abuso". 1"
nativa: Tício supõe que vai ser morto e mata; supõe que vai
ser ferido e fere". ir. 131. "Idem". PARIDADE DE VALORES E ARMAS
Verdade é que Vergara cuida da. defesa putativa, mas é
inarredável o seu argumento, com extensão à defesa objetiva, Se um bem de pequeníssimo valor pode ser defendido até
quando acrescenta ao exame fornecido: "não se pode absoluta. a morte, porque, como é de uniforme aceitação, não pode o
mente pretender que a defesa do provocado, quando o agressor direito ceder passo à injustiça, e se em tal caso a proporção não
seria de se entender no sentido de que o direito ofendido e o
,-1 G. Levasseur et J. A. Doucet, ob. cít., p. 88. direito posto em perigo devem ser de igual importância, é de
1.-, Von Buri, Stato di Necessitá e Legittima Difesa, in Rivista Pe-
nale, XlII, p. 452. " Idem, ibidem.
1
'' Pedro Vergara, ob. cít., p. 15. 1 H Grosso, ob. cit., p. 6 e 7.
1!, Sabatini, ob. cit., v. 2, p. 97.
M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 349

se admitir o acerto conceitual de Ugo Conti, quando desenvolve lei desaconselha a punição cio agressor, seja armado ou mesmo
argumento a respeito dos meios necessários e sua proporcional inerme, por intermédio de armas, que para outra coisa não
relação aos meios realmente usados pelo agressor. foram inventadas, como argumentou Cícero.
Indaga ele: "proporção em armas? mas o agredido, em Seguindo essa esteira, firmaram-se as opiniões de Carrara
relação ao qual se tem de resolver a dúvida, usa da primeira e de Majno.
arma que se acha à mão, e o agressor pode ser temível, embora o primeiro censurou a exigência da igualdade absoluta de
sem armas; proporção em golpes? mas é coisa rudimentar que armas entre agressor e agredido: "idéia ridícula, sim, porque o
na luta súbita, na luta do momento, sob a ação do medo, do agredido usa, ante a necessidade sua, qualquer arma, a pri-
terror, os golpes não podem ser dados ad mensuram; propor- meira que a ocasião lhe propicia; sim, porque um feroz agressor
cionalidade, enfim, entre a agressão e a defesa? mas pretender pode matar-me com um bastão, ou mesmo com robustas mãos
exata correspondência entre a ação e a reação equivale a negar que me constrinjam o pescoço. Como poderá definir-se uma
todo o exercício da defesa privada; tal proporção não pode ser regra relativa à proporção em armas? Dado o direito de defen-
senão relativa". ~0
der-se, cada um faz como pode".
_ Continua doutrinando qu-=-e,_,-=:..._:d=e=f=e.n:.
::.: d:.::
::: e:.:.r-..:s::..:e2..,..:.é:.......:i::.:n::::s:.ti:.:
::: ·n:..:t:.::o:.....::n::::a=---rl- o segundo explica que "não deve a proporção ser entendida
tural a utiliza - o.meío mais~ ~=,.,.,_,,._e....,e',é'f~ic~a:::z~e:_::n~ã::o~d~o~m~a:: i:~s~çt--
de modo farisaico, exigindo-se que para a legítima defesa ocorra
proporcionado.
perigo de ferimentos, se quem se defendeu feriu, e perigo_ de
A regra será o exame de cada caso particular, ficando a morte, se quem se defendeu matou. O que se deve ter em vista
constatação da gravidade da temida violência na dependência são-os meios de que podia dispor no momento da agressão, a
do estado de alma do agredido, do seu caráter, seus costumes, possibilidade de proceder de outra forma e conforme o seu estado
enfim de todas as circunstâncias que envolvam o fato.
de espírito em face do perigo iminente.
O que dará luzes ao magistrado para pesar a existência
Também conhecida é a manifestação de Civoli, segundo a
ou não do moderamen será o critério psicológico, justamente o
elemento subjetivo. 11 qual se se quisesse assumir como critério avaliador dos limites
da reação a igualdade dos meios usados para agredir, se retor-
Os doutrinadores antigos forneceram prudentes regras rela-
naria à censurável regra que preconizava o bastão para se opor
cionadas com o uso dos meios necessários, considerando-os per-
ao bastão e a espada para enfrentar a espada.
sonalíssimos, relativos e análogos, mas nunca idênticos em cada
caso, e essas regras ainda podem sei: observadas, por sua exati- Aliás, não seria preciso o socorro a tamanhas forças do
dão e oportunidade. entendimento, para se demonstrar o óbvio. Bastará a compre-
Comentando a Lei Cornelia de sicariis, esclareceu Salomo- ensão literal do direito positivo, para se conceituarem os meios
nius que à legítima defesa nem sempre será preciso que se necessários da legítima defesa.
resista com armas iguais, porque, se estiver de posse de uma São os que tenham de ser, os que não possam ser de outro
lança e alguém me agredir de mãos vazias, nada me obriga a modo, indispensáveis, essenciais, convenientes, requeridos, re-
desfazer-me dela para que a reação se repute justa. Nenhuma clamados ou exigidos, fatais.
zu Ugo Conti, Trattato di Diritto Penale, direção de Cogliolo, v. 1,
o requisito não pode ser tomado em seu sentido absoluto,
Parte 2, p. 107. mas relativo, avaliado em concreto, segundo as condições envol-
21 Ugo Conti, ob. cit., p. 107. ventes do fato, pois uma mesma agressão pode produzir con-
350 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 351

seqüências relativas diversas, segundo o momento e o lugar onde o religioso deveriam preferir a fuga a ter que matar; já o mesmo
se efetive, no dia ou à noite, em lugar policiado ou em trecho não se estendia aos militares e aos nobres. ~~
despovoado. Sob a influência de tal orientação aconselhavam os autores
Também, se o meio possa ser desproporcional, revólver con- que o agente procurasse a fuga, a fim de evitar um juízo con-
tra porrete, por exemplo, machado contra sopapos, nem por trário em seu julgamento, particularmente quando não dispu-
sesse de um meio proporcionado para repelir a ofensa.
isso fica descaracterizada a defesa, ainda que o mal cometido
seja maior que o ameaçado. o direito intermediário italiano também considerava a fuga
como condição indispensável à apreciação e juízo da necessidade
132. "Idem". O CRITÉRIO DA JUSTA CONVENIÊNCIA da reação, salvo se o agredido estivesse em risco iminente, por
ser o agredido "homo carnosus, debilis, vel alias non aptus ad
currendum", ou não quedasse infamado por correr.
O critério a se seguir, enfim, será o da justa medida, da
justa conveniência; e no exame de tal critério não poderão o antigo direito romano exigia para a legítima ofensa ao
atuar as regras rígidas de sua determinação. agressor a defesa necessária (si parcere ei sine periculo suo noti
potuit), não impondo a obrigação da fuga porque o "effugere",
O julgador se municionará de uma flexibilidade plena ao
termo usado pelos textos codificados (si aliter effugere non
aplicar o direito às espécies singulares. O juízo da relatividade
potest) evidentemente não significa "se de outro modo não
nem sempre é fácil, segundo recorda Borghesi, mas se recorre
possa fugir, mas sim "se de outro modo não possa evitar". O
a um prudente ajuizamento do fato em todos os seus particula- verbo não é fuggire, mas sim sfuggire, este significando evitar.
res e de um exame sensato das condições psíquicas do imputado
no momento de o cometer. · o assunto comportou extensa literatura jurídica através dos
tempos e da evolução do instituto.
Desde que haja, senão equiparação, pelo menos um apro-
Em esplêndida síntese, Jorge Severiano mostra como foi
ximado equilíbrio entre as duas ações em contraste - conduta
tratado: "Puffendorf entendia que a possibilidade de fuga, por
e meios - admitir-se-á a escusativa.
parte do agredido, prejudicava o estado de defesa; entre os ro-
A reação é considerada não pelos efeitos que podem ser gra- manos, parece, essa era a regra dominante. Permitido só era
víssimos, sem tolher a proporção entre as duas condutas postas matar. Interpretando as Institutas, Ortolan não fala, entre-
de frente. tanto, como prejudicando o estado de defesa, a possibilidade
de fuga. Da opinião de Puffendorf, poucos escritores participam.
133. A FUGA 1

Chauveau, sem contestar seja ela perfeitamente exata, no foro


da consciência,· discorda quanto aos seus efeitos no campo ju-
O direito canônico exigia como condição da legítima defesa rídico. Fioretti acompanha nesse particular Chaveau e aduz:
o recurso preliminar à fuga. Seria uma forma de evitabilídade ' convém não esquecer que, depois dos acontecimentos, raros são
do perigo. Fez uma distinção entre necessidade evitável e ne- os casos em que não se possa pretender que a fuga seja pos-
cessidade inevitável da defesa, preferindo, no primeiro caso, que sível; a fuga é meio desonroso, ensina Whitaker. Salvo se se
o agredido fugisse, desde que materialmente pudesse fazê-lo.
Mais tarde passou a transigir com tal condição, se o processo -- Covarruvias, Clement: Unica, de Homic .., V, Parte III. ' único
da fuga implicasse infâmia do agredido. O plebeu, o sacerdote. 11. 144.
352 MA~CELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 353

trata de uma agressão de pai a filho, adverte Rogron. Costa e .di_tiva da legítima d.efes.a (Bettiol); a-lei não põe a condíçãn.de
Silva não admite a fuga como prejudicando o estado de defesa inevitabilidade do perigo com meios diverso da_r:eação_violenta
só porque a agressão parte de um indivíduo inimputável. Assim
e não pode querer o encorajamento das delinqüentes e a vileza
também pensa Stoos, contestando a opinião de Von Buri. O ,dos honestos-éManzíní}.
atacado, diz ele, não tem a obrigação de fugir. Tem o direito de
São as mesmas as opiniões de Carrara, Ranieri, Sabatiní,
defender-se. Impallomeni vai mais além, considera a fuga como
Santoro e Vannini. Welzel discorre não er a fuga exigível ao
incompatível com a dignidade pessoal. O comum, prescreve
J:E,TedidoJem princípio, mas se· sua honra não sofrer desdouro
E. Díaz, é fazer frente ao ataque. Tampouco pode afirmar-se
· ao evitar a agressão, 'ela equivalerá à aceitação de ajuda alheia.
seja a fuga uma defesa. Maior perigo se correrá muitas vezes
Frente a um agressor a fuga é nociva, indica vileza, acen-
fugindo que dando a cara ao inimigo.· Escritores há que dis-
tuam Antoliseí, Maggiore e Venditti: se uma reação proporcio-
tinguem a fuga em possível e útil e impossível e inútil, con-
nada é eficaz, para neutralizar o perigo, a ela pode legitima-
cluindo que a primeira prejudica o estado de defesa. Contra
mente recorrer o agente, não sendo lícito exigir-lhe a fuga.
eles se insurge Florian, declarando que do ânimo agitado do
Para a doutrina soviética, também concorde, a fuga con-
agredido não é possível exigir-se tal distinção. Fernando Puglia
traria os princípios da moral comunista. 25
não discorda 'de Florian. Von Ihering é de todos o mais radi-
calista, no .que diz respeito à fuga diante do inimigo ou da Perdem consistência, ante o visto, a opinião dos que ainda
agressão, pois acentua: a fuga diante da agressão vale por um entendem que a possibilidade de fuga prejudica a legítima de-
fesa, a despeito da ressalva do perigo e da 'desonra, circunstân-
atentado contra a idéia do direito e do sentimento jurídico.
cias que atuariam decisivamente como causas explicativas da
Entre nós contestam seja a fuga diante da agressão uma das
inevitabilidade da reação. Lima Drummond, que adota tal ponto
formas que prejudicam o estado de defesa - Romeiro, Costa e
de vista, admite todavia não ser lícito fugir sem perigo mas
Silva, Lin'í.a Drummond, Bento de Faria. Macedo Soares e Oli-
com desonra, assim como não ser lícito fugir com desonra, mas
veira Escorel se limitam a externar as diversas opiniões dos
sem perigo. ~n
vários tratadistas do assunto". :!:i
Devendo a lei destinar-se à maioria, não pode impor-lhes
Concisamente discorreu a propósito Costa e Silva: "não
coisas inacessíveis ao comum dos homens; não deve prevenir
pode ser imposta ao agredido ou ameaçado, embora sem perigo
atos heróicos, ou, como se expressou.N.els_on Hungria<:não pode
e humilhação (a fuga). Só mal entendida moral cristã (caritas
~ir que se leia pela cartilha dos covardes e pusilânimes".
christiana) pode pretender que por essa forma se avilte o direito
frente à justiça. Poder o prudente aconselhar ao fraco que se
134. O "COMMODUS DISCESSUS"
dobre covardemente à justiça. Mas ao Estado não fica bem
exigir dos cidadãos que assim procedam, pois seria arvorar a
poltronaria em dever jurídico". 24
o cômodo afastamento do local (commodus discessus) é
diverso da fuga. É a conduta de quem, ante a iminência de
A matéria tornou-se tranqüila no consenso da doutrina uma agressão, pode, para evitá-la, afastar-se prudentemente do
atual, para a qual o fato de ser possível )1. fuga não tini ao., perigo por via de um processo que não denote quebra de sua
agredid~ faculdade de reagir contra o agressor; n~é impe: reputação.
1
:!' Jorge Severiano Ribeiro, ob. cít., v. 1, p. 271.
::~ Tomaso Napolitano, ob. cít., p. 111.
:!t Costa e Silva, ob. cít., p. 261.
:!li Lima Drummond, ob. cit., p. 159.
354 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 355

É a retirada, não só possível, como perfeitamente segura e 135. USO DE OBSTÁCULOS CONTRA AGRESSÕES
que, por ser fácil e não vergonhosa, constitui em alguns casos ("offendicula")
até um dever.
É de comum entendimento que nas relações entre pais e São comuns os casos de emprego de meios mecânicos para
filhos, por exemplo, nas quais o recurso à exortação e à fuga a delesa da propriedade, colocados sob a forma de armadilhas,
é dever imposto ao filho, e a preferência por esta, longe de ser corrente elétrica, disparadores automáticos, vidros sobre muros
ato penoso e covarde, traduz um comportamento moral louvável divisórios, explosivos e outros artifícios, com os quais se arma
e sobretudo honroso. o direito do morador contra a insídia e a audácia de assaltantes.
O critério para a avaliação da inevitabilidade do perigo, Processo muito difundido nas propriedades rurais, hoje,
em tal emergência, muda, não sendo o mesmo aconselhado para também adotado nos centros populosos, onde a perfeição dos
o caso de fuga. meios sub-reptícios dos ladrões desafia pronta resposta, tem
Se é possível afastar-se um caso de lamentável colisão de sido objeto de preocupações doutrinárias, especialmente quando
interesses, numa relação de índole ético-jurídica, como os que se indaga se constituirá ou não um meio necessário para repri-
reúnem pessoas de um mesmo tronco familiar, especialmente mir o mal que não estaria ainda presente, mas sim condicionado
naquele em que haja laços vinculando ascendentes e descen- à eventualidade de uma agressão futura.
dentes, não será justo permitir-se, sem maior rigor, a inevita- No direito intermediário a questão já fora posta e se resol-
bilidade do perigo, se ele pode ser afastado por meio menos via como fórmula de defesa legitimamente utilizada para dar
prejudicial. morte ao ladrão: "si quis posuit offendiculum ad [enestram
Quando, pois, a retirada do agredido não só é possível, mas pro capiendo fure nocturno, si jur cedidit et moriatur, tunc
até segura; fácil e não vergonhosa, ou quando o pedido ou ipse non tenetur". ~.,
outro meio pacífico de evitar um mal é possível e não deson- Mas havia quem preferisse excluir o dolo e não legitimar
roso, quem prefere afrontar o, perigo da ofensa de outrem não o fato, admitindo culpa punível: "poena homicidii non tenetur,
pode invocar a escusativa. Registre-se, contudo, que o afasta- qui dum off endiculum ad iaunam. suae domus poneret, ut fures
mento da legítima defesa só se permitirá quando não resultar prehenderet, ingredientem furem occidit, non enim dolo egit". ~!;
para o agente o caráter de ação vil e desonrosa. No direito moderno, o assunto vem sendo versado de modo
A questão residirá no exame da espécie concreta, não se tranqüilo e uniforme, considerando-se lícitas essas medidas de
chegando, todavia, aos limites do Código francês, que se extrema proteção contra ofensas futuras, como os estrepes, as armas
desconhecendo a legítima defesa no parricídio (art. 323). ~7 automáticas etc., desde que não ultrapassem os limites da de-
Registre-se a inflexibilidade de Maggiore, entendendo que fesa necessária (Battaglini, De Marsico, Galli, '1º Maggiore, Ra-
mesmo no caso do commoâus discessus não tem o homem o nieri, Vannini, Capalozza e Mantovani). :., Contra há a opinião
dever de fugir ou de se esconder; para o homem de honra ou de
coragem é uma necessidade afrontar o perturbador, o provoca- :!·" Blancus, ob. clt., n. 64. p. 118.
dor, o malfeitor; só uma moral mórbida e malsã pode impor "" Menochíus, De arbitrariis iudicium quaestionibus, Venetiis, 1569,
p. 311.
uma gloriosa retirada, que poderá trocar-se, encorajando o mal-
::o Leonardo Galli, Il Problema Penale, p. 818; id., Jl Problema Degli
vado, que persegue o adversário em uma contenda. O [ienâicula, in Giustizia Penale, 1938, II, col. 814 segs.
11
' Capalozza, La Questione Degli Offendicula Secando il Codice
"' Art, 323: "O parricídio nunca é escusável". Rocco. i11 Riuista Italiana di Diriito Penaie, 1933, p. 251.
356 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍl'IMA DEFESA 357
de Caraceiolí, levando mais em consideração o princípio lógico
da não contradição (art. 51 do Código Penal Italiano), de que ceração das carnes de um ratoneíro de frutas, surpreendido, por
o balanço material dos interesses em conflito oferece uma so- um mastim feroz, roubando uns cachos de uvas na propriedade
lução negativa ao problema, afirmando que a norma sobre o de rico avarento.
direito de propriedade não admite de fato essa defesa. :,~ Nesses exemplos, a defesa não estaria contida dentro da
No direito positivo alemão existe expressa proibição de co- moderação e dos meios necessários, devendo ser examinada sob
locação das mencionadas armas, em lugares públicos ou habi- o prisma do excesso, para ele punível.
tados, sem prévia autorização da polícia (Código Penal alemão, Ressalva, entretanto, hipótese diversa, a de um estabeleci-
art. 367, n.v 8). mento bancário que instale proteção de segurança em volta de
Para os citados doutrinadores pouco importa que ao titular sua caixa-forte; aí o valor social do conteúdo pode perfeita-
do direito agredido se apresente antecipadamente a eventua- mente justificar o eventual ferimento ou a morte do arrom-
lidade de um. perigo futuro. bador. :L;
Bettiol prefere encontrar no exercício regular de um direito A legitima defesa estará sempre na dependência da avalia-
a explicação do procedimento do agente, fiel à regra geral de ção concreta dos bens em conflito.
se pressuporem a necessidade da defesa e a existência de um
Como pareceu aos doutrinadores peninsulares citados, a
perigo atual na defesa legítíma; e Borghese, sem convencer,
Manzini também será legítimo ao homem fazer tudo que a lei
prefere considerar excesso culposo a defesa exercida por meio
explícita ou implicitamente não veda, corolário do direito cons-
de off endicula. :i~
titucional da liberdade, significando o regular exercício de um
Dolce e Vincenzo Cavallo reputam a oposição das oiien- direito tudo que faça e não seja impedido pela norma. Assim
dicula também como exercício de um direito, que se inclui na se entende o ter em casa armas e outros meios ofensivos não
faculdade do direito de propríedide, desde que é lícito ao titular proibidos e destinados à defesa própria do lar e do patrimônio.
predispor os meios idôneos à respetiva tutela; quem faz o que Se o delinqüente, invadindo casa alheia, sofre qualquer dano ou
não é vedado, exercita um direito e como tal se entende o ter mal, imputet sibi. se
em casa própria o que melhor pareça ao proprietário, inclusive
Pondera, todavia, que o direito em questão deve ser limitado
armas, e outros engenhos ofensivos não vedados pela lei para
nos casos em que o comportamento humano possa se defrontar
a tutela da pessoa, do domicílio e do patrimônio.::,
com os interesses da tutela da incolumidade pública, porque não
Essa faculdade inerente ao direito de propriedade é também é lícito expor-se a perigo a pessoa que, sem intenção criminosa,
reconhecida por Bettiol, na medida em que é lícito ao titular
possa avizinhar-se ou entrar no lugar protegido pelos meios pre-
de um direito predispor os meios idôneos à respetiva proteção; ventivos ou lesivos de que se trata. Daí a necessidade de o pro-
mas entende ser excessivo pretender-se colocar arma automá-
prietário, ao predispor os engenhos ofensivos, conter-se em con-
tica para garantir a segurança de um simples galinheiro, repug-
tornos que não ameacem a incolumidade pública. No exemplo
nando-lhe a perda da vida de um pobre ladrão que tente se
de quem envenena a fruta do jardim ou a água do poço para
apoderar de algumas galinhas; nem se lhe afigura lícita a dila- matar quem delas tentasse se apossar, indica como solução o
3:! Ivo Caraccioli, ob. cit., p. 125 .
dolo informando o procedimento .e punível o fato a esse título.
. ,.. , Borghese, ob. cit., p. 90.
ai Dolce, ob, cít., p. 145; Vincenzo Cavallo, ob. cít., p. 153. ~ã Bettiol, ob. cít., p. 211 e 212.
:w Manzini, ob. cit., p. 318.
LEGÍTIM A D EFESA 359
358 MARCELLO J. LINHARES

dem proporcionar o dano que produz o perigo posto em ser


Quanto à questão de que, com o uso dos o'istáculos ante- pelo agressor. Assim, podem operar uma reação sem que subsista
cipadàmente colocados para a defesa da propriedade, haveria uma agressão, como no caso de quem se avizinhe por impru-
a falta do requisito da atualidade, se poderá responder que o dência e se vitime. 11~
efeito desses instrumentos somente vai ter início com a violação Inclinações recentes, com base na conduta usual, conside-
do direito de propriedade, e a atualidade, desse modo, não deixa rando o critério estatístico, qualitativo, de avaliar se a "norma-
de ficar evidenciada, como pensam Maurach, Mezger e Beleza lidade" ou a "usualidade" de certas condutas em relação ao
dos Santos.
sentimento comum de um determinado ambiente cultural, a
Também reíeríndo-se à debatida questão do fundamento e que se denomina de "adequação social", consideram o offendi-
limites da não-punibilidade dos eventos ofensivos causados pelos culurn, dentro desse contexto de idéias, como medida social-
meios predispostos para a defesa dos próprios bens (propriedade mente adequada à defesa da propriedade. :i;,
e mesmo vida), Padovani mostra a constante oscilação das opi-
niões entre a descriminante do exercício do direito e a legítima
defesa, parecendo-lhe haver uma contínua insatisfação pela pre-
ferência de uma e outra soluções.
Contra a legítima defesa aponta-se a falta de necessidade
da defesa e a da atualidade do perigo, e mesmo a falta de pro-
porção. Contra o exercício de direito, objeta-se que por esta
via se pode justificar apenas o fato da colocação em funcio-
namento dos meios defensivos e não a ofensa.
É razoável para ele concluir que o direito de defesa pre-
ventiva dos próprios bens, mediante obstáculos, subsiste até
quando, em relação à particular natureza dos mesmos, resulte
rião necessária a adoção de cautelas, ou de outra forma, seja
consentida a adoção de precauções necessárias a salvaguardar,
suficiente e proporcionalmente, a importância dos bens a pro-
teger contra a incolumidade alheia. Afastar-se-á do direito o
uso dos meios no confronto dos quais a situação de fato não
permitir medida idônea para a proteção da incolumidade alheia,
ou quando um perigo, reduzido, restar desproporcionado à im-
portância do 'bem a se proteger. :"
No direito russo, a propriedade é um bem que, embora tute-
lado pela lei, não pode ser defendido por meio de uma reação
produtora de danos à pessoa. Os off endicula são dispositivos que
funcionam independentemente da vontade do homem e não po-
ss M. Míchailov, "La legittima difesa", in Giustizia Scuietica, 1962,
p. 17.
37 Fernando Mantovani, "Esercizio del diritto" (dir. penall, in :rn Giorg io Gregori, ob. cit., p. 37 e 38.
Enciclopedia del Diritio, Mllano, v. XV, p. 673 e segs.
LEGÍTIMA DEFESA 361

térios projetores opostos da moderação ou do excesso, legiti-


mando ou não a defesa. A lei exime apenas o procedimento neu-
tralizador do perigo.
Convém, antes de tudo, se repita a letra da lei: "Entende-se
em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios ne-
CAPÍTULO XX
cessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem".
OS REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA. A DEFESA o requisito da moderação vem do direito canônico: "se al-
guém, para defender a própria vida, usar de violência maior do
E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
MODERACÃO NA REPULSA que for necessária, será isto fato ilícito; se, porém, moderada-
mente repelir a violência, será lícita a defesa. Com efeito, se-
136. A orientação adotada pelo Código Penal brasi(eiro. 137. O
gundo os princípios do direito, é lícito repelir a força com a
confronto dos meios necessários com a proporção do seu uso. força, com a moderação de tutela sem culpa; não é indispensá-
138. Moderação e normas que a informam. 139. Os aspetos obje- vel à proteção da vida que o homem omita um ato de proteção
tivo e subjetivo da moderação. 140. Moderação e integridade moderadamente para evitar a morte de outro; por isso o homem
pessoal do agredido. 141. Ausência de provocação. 142. Rele- é obrigado a prover sua vida antes que a de outrem".
vância da provocação. 143. Legítima defesa e desafio. 144. O
auctor ríxae. 145. Legítima defesa e rixa. Dos termos de nossa lei se deduz ser a moderação o segun-
do limite da defesa, cuja concomitância com o anterior já exa-
minado, relativo ao emprego dos meios necessários, dá consis-
136. A__,ORIENTAÇÃO ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL
tência ao caráter legítimo de todo o processo reativo.
BRASILEIRO
A concorrência de ambos coroa a legítima defesa, tirando
do ato o aspeto antijurídico de que poderia se revestir.
Diversamente de outros, que silenciam sobre a proporcio-

.
A interpretação teleológica do texto é dada pela "Exposição
nalidade dos meios defensivos, como o da Alemanha 1 e o da de Motivos", de meridiana clareza. Ao legislador são· indiferen-
Itália, 2 o Código Penal brasileiro cogita expressamente de per- tes a rigorosa propriedade dos meios empregados e sua precisa.
quirir o comportamento social do agente que reage ante uma proporcionalidade com a agressão.

1
agressão atual e injusta. Uma reação inesperada não permite a escrupulosa escolha
_A extensão da repulsa, contida em precisos limites, sufi- de meios, nem comporta cálculos dosimétricos. O que se exige
cientes à proteção do direito atacado, e a que, os extravasan- é apenas a moderação no revide, o exercício da defesa no li-
do, cause um mal desnecessário ao agressor, constituem os cri- mite da necessidade.

137. O CONFRONTO DOS MEIOS NECESSARIOS COM A


1 Schõnke, ob. cít., p. 2. 047: "A chamada proporcionalidade não
se exige como regra". PROPORÇÃO DO SEU USO
'.! Alimena, ob. cit., t. 1, p. 139: "A proporção deve estar expressa
na antiga fórmula - moderamen inculpatae tutelae; tanto esta quanto Deve-se advertir, de início, que a proporcionalidade a que
a inevitabilidade devem-se avaliar segundo um ponto de vísta de todo se refere a lei é a que se prende ao caráter da ofensa e não ao
subjetivo". direito lesado, objeto da defesa.
LEGÍTIMA DEFESA 363
362 MARCELLO J. LINHARES

Entre os autores alemães predomina, do mesmo modo, a


A agressão vai denotar maior ou menor periculosidade,
idéia de ser a gravidade do ataque elemento único da medida da
quanto mais relevante ou menos significativo aparentar o bem
reação, e assim qualquer bem jurídico é suscetível de defesa, in-
posto em perigo.
clusive com a morte do agressor (Binding, Mayer).
Os golpes vibrados contra uma pessoa provocam reação ime-
O direito de defesa se concede, conforme Beling, não sim-
diata, seja quando apenas tentem lesar o direito à vida ou à plesmente dentro dos limites da comparação dos bens, mas
incolumidade física, seja quando consigam efetivamente ofen- permitindo-se qualquer dano ao agressor, sem se considerar
dê-los; o resultado é sempre irrelevante, lesão mais grave ou me-
maior ou menor o dano que ameace o agredido (ex.: morte do
nos extensa. agressor para proteger um interesse patrimonial pequeno). A
Desse modo, a proporção vai ser deduzida, não do valor do razão legal é que o agressor não pode queixar-se, se ele mesmo
bem ofendido, mas do confronto entre os meios usados e os que se expôs ao perigo; deveria abster-se do erro, consistente em
se achavam à disposição dele, sendo estranha à agressão a im- expor a sua vida. ·1
portância do bem tutelado. Disse, a propósito, Soler que o rigorismo do princípio que se
Molari ensina que, tanto no estado de necessidade, como prende apenas à gravidade do ataque, e que Binding e Mayer
na legítima defesa, a proporção tem o mesmo significado; a acham mesmo excessivo, reclamando um efeito moderador, é
propósito de ambas, nega-se que deva dizer respeito de um con- entre os países latinos abrandado pelo critério da necessidade
fronto entre o valor do bem ameaçado e o do bem sacrificado. racional, considerando-se também a natureza e a importância
Realmente, o dano infligido pode ser, tanto num como noutro do bem que se tutela.
institutos, superior, sem que por isto seja lícito excluir a des- .Assim discorre: "é verdade que, em princípio, ninguém
criminante; a proporção, de fato, não se estabelece tanto sobre pode ser obrigado a sofrer um dano injusto pelo simples fato
o paradigma do balanço de interesses, sendo melhor acertada de ser ele ressarcível, mas não se trata de sancionar este prin-
sobre a base de um confronto entre os meios defensivos que o cípio e sim de optar pelos dois males, de modo que à grave fa-
sujeito tenha à própria disposição e os meios em concreto usa- culdade de tutelar privativamente os direitos corresponda um
dos. De modo que, se estes, observadas as circunstâncias do caso, motivo relevante grave: mas, entenda-se bem - sempre que,
eram os únicos de que o sujeito podia servir-se com sucesso, o para se evitar um pequeno mal, seja necessário uma medida
fato será descriminado da mesma forma se isso incida sobre extrema. Todo bem pode ser legitimamente defendido, mas com
um bem cuja lesão represente um bem ainda muito mais rele- moderação e racionalidade do meio empregado, em relação ao
vante que o evitado. 3 ataque e à qualidade do bem defendido"."
Para medir a adequação ou o excesso de defesa, como está O princípio da intensidade do ataque, para Mayer, atinge
na concepção de Manzini, não se deve instituir o confronto entre a limite tal que até um fósforo, para ele, pode ser defendido com
o mal sofrido ou ameaçado e o mal infligido pela reação, o qual todos os processos indispensáveis para sua conservação, e com
pode ser superior ao primeiro, sem que, por isso, não ocorra a isso convence que, para a doutrina alemã, é irrelevante à le-
justificativa. O confronto, ao contrário, deve-se verificar entre gítima defesa a natureza do bem.
os meios reàtivos ue o agredido tinha à sua dis si ão e os
meios utilizados. 't Ernst von Beling, Esquema de Dereclio Penal, trad. de Sebastián
Soler, Buenos Aires, 1944, p. 27.
5 Soler, ob. cit .. p. 404 e 405.
:: Alfredo Molari, Profili Dello Stato Di Necessitã, Padova, 1964, p. 76.
364 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 365

Esse exagero é. temperado por Oetker, procurando fazer


tão de fato, todos eles com sua peculiaridade, livres de regras
distinção entre legítima defesa e simples reação contra atos
preconstituídas, ou de conceitos empíricos que, neste assunto,
impertinentes, que se explicam como sendo agressões incapazes
por inúteis ou prejudiciais, podem conduzir a decisões preci-
de provocar uma situação de necessidade. '1
pitadas.
Forma de sanção pública, o moderamen está em função da
conduta do reagente, que deve limitar-se à defesa do direito
138. MODERAÇÃO E NORMAS QUE A INFORMAM
ameaçado ou atacado, sem necessidade de impor um mal des-
necessário ao agressor.
A proporção é um freio posto à inculpatae tutelae, "linha Conceitos tradicionalmente seguidos, todavia, dão uma

L de demarcação entre a defesa e a luta privada sem medida e


sem lei'_' (Maggiore) ~ devendo a reação se proporcionar à ofensa
nos meios e nos graus.
A questão é bem posta por Nuvolone, quando examina o
interesse maior e o interesse menor. Se o interesse da vida de-
orientação normativa, da qual, em tese, não se tem afastado a
inteligência comum.
-{) Será absurdo exigir-se do agredido a prudência írrepreen-j'
sível da reação, a ponto de ter de se medir a força desta em pa-J
ralelo à profundidade do ataque.
vesse ser sacrificado pela necessária tutela do interesse patri- Não se irá, também, ao extremo oposto de pretender que,
monial agredido, se desrespeitaria a hierarquia dos interesses por ter-se controlado de modo a revelar um domínio pleno ante
sancionada pelo direito. uma situação de perigo, vá ficar o agredido destituído do direito
Esclarece que no instituto da legítima defesa emerg~ uma à legítima defesa.
lei natural: no conflito de dois interesses, de que o primeiro, o . Em seus Opúsculos, lecionou Carrara que o homem coato
agredido, seja de menor valor, a legitimidade do sacrifício do in- também raciocina, calcula e se determina na escolha do cami-
teresse prevalente do agressor pode ser sancionado unicamente nho que tem a seguir, não se lhe podendo negar o direito de
por uma norma expressa. Portanto, onde um ordenamento le- preferir a própria salvação à do agressor. s
gislativo prevê tal legitimidade só no confronto de determinados
interesses, a extensão, em pura linha lógica, não é admissível. Conforme pensamento de Nelson Hungria, no seu perfil ju-
Acrescenta que se não pode, assim, nesta hipótese, ter li- rídico a legítima defesa não é concedida somente aos que se
mites tácitos homogêneos. Daí nasceu a regra do moderamen perturbam diante do perigo, mas também ao cidadão horaciano;
inculpatae tutelae. é facultada aos hiper ou hipoemotivos.
Conclui desta forma: O problema deriva, de fato, da con- Dever-se-á também ponderar que se o agredido dispõe ape-
fluência do princípio do interesse prevalente com o do interesse nas de um meio. capaz de produzir um mal superior ao que re-
qualificado, a admissibilidade do sacrifício do interesse de me- sultará da agressão, nada impedirá que dele faça uso, porque
nor valor que se refere àquele que agride. 7 o confronto a se fazer, consoante ficou assinalado, para se pro-
A verificação do processo da moderação é trabalho que se ceder à adequação da defesa, é aquele entre os meios defensivos
desenvolverá em cada· espécie sujeita a julgamento, como ques- de que o agredido pode dispor e os de que venha realmente a
lançar mão.
o Oetker, "Notwehr und Notstand", in Gerischtssaal, 1928, V.D.A.,
II, p. 283. 3 Carrara, "Discorso sul diritto della difesa pubblica e privata", in
7 Nuvolone, ob. cit., p. 89. Opuscoli, v. 1, p. 52.
366 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 367

As lições aplicáveis parecem uniformes. O ponto de vista de Spizuoco é o de que na legítima defesa
A de Maggiore é a.de que o confronto não deve ser instituí- deve haver proporção entre a ofensa do agressor e a defesa do
do entre os meios que o agredido podia em abstrato usar e aque- agredido, tendo em conta os meios reativos à disposição e os
les que usou, mas sim entre estes e os meios que tinha a sua dis- que foram usados. A adequada defesa não vai ao ponto de se
posição; se estes eram os únicos que em concreto podiam ser fazer o confronto entre o mal sofrido ou ameaçado e o mal cau-
empregados, não se pode falar em excesso, qualquer que seja o sado por reação, mas sim entre os meios reativoskque o agre-
mal ocasionado. A reação excessiva é um lógico desenvolvimento dida tinha à sua disposição, e os meios usados; se estes eram os
da injusta agressão originária. 9 únicos concreto tornava ' el a re n-
A de Ranieri é de que a proporção se atende no sentido cia de outrem, não há-ex sso unív i a ~j
do meio usado, com o que se poderia usar para alcançar o fim o al sofrido elo agressor. A entidade mínima do interesse ou
justo. 10 Por igual, é esta a opinião de Spezia (Necessttã e Pro- do direito pelo qual se reage não influi sobre a legítima defesa,
porzine nella Legittima Difesa, in Scuola Positiva, 1934, v. 2, podendo haver absolvição por legítima defesa por crime gravís-
p. 378). simo sendo a ofensa para a proteção de um interesse de má-
E a de Vannini é de que na necessidade se recorre ao cri- xima entidade porque é a proporção entre a defesa e a ofensa
tério do mínimo meio: a defesa deve ser proporcionada à enti- que deve ser evitada dos processos violentos. ,2
dade da ofensa e não necessariamente à importância do inte- A Corte de Cassação de Roma desce ao inaceitável extremo
resse que se quer defender. de dizer que o juízo de proporção é necessário ainda quando o
Battaglini adota posição singular: quer que a proporção ofendido serviu-se só do meio à sua disposição, já que, ainda
seja pesada ante a importância dos bens em conflito; não porém neste caso, não pode prescindir da avaliação do bem agredido, da
que o direito lesado e o posto em perigo devam ser quantítatí- reação por parte do ofendido e da exigência da proporção. Assim,
vamente de igual importância (quantitativamente, é mais im- não pode descriminar o fato de quem dispara a arma contra o
portante o bem que recebe maior tutela jurídica); a honra se- ladrão de fruta, só porque, no momento, não tinha outro meio
xual é qualitativamente menos importante que a vida. Ainda para impedir a remoção da coisa roubada. rn
que seja lesado um· direito sob aspecto quantitativamente de A nós nos parece, entretanto, que, mesmo que por sua alta
maior importância de que o posto em perigo, a defesa é propor- eficácia, o meio utilizado venha a produzir, efetivamente, um re-
cionada sempre que a reação seja indispensável a remover um sultado desproporcionado em relação à entidade do mal amea-
perigo de um bem estimável, no conflito determinado, de . ter çado, nem por isso se falará em falta de moderação, por não ser
a prevalência segundo um juízo qualitativo (no qual tem in- lícito exigir-se do agredido um comportamento heróico, supor-
fluência a idéia ético-social e política. dominante). O meio esco- tando estoicamente sem repulsa à situação de perigo que se lhe
lhido de per si não implica desproporção; esta surge de modo criar. Mas, é lógico que, como reflete Sauer, entre as várias pos-
que, com o meio, na circunstância dada, vem operando. Se sibilidades de proteção, há de se escolher a mais natural em cer-
exorbita os limites da necessidade do meio que tem à disposição, to mal, ou adequada, a que pareça justüicada. Defesa de um
ainda que seja único, dele se fez uso imoderado. 11
12
Renato Spizuoco, La Reazione agli Atti Arbitrari del Pubblico
9
Maggiore, ob. cit .. p. 315 e 316. Ufficiale nel Diriito Penale, Napoli, 1950, p. 151.
13 Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, 1958,
10 Ranieri, Manuale, p. 144.
11 Battaglini, Diritto Penale, p. 327. p. 840.
368 M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 369

golpe com outro mais forte e, em caso necessário, pelas vias de Outra recomendação de prudência no exame do requisito é
fato; de simples furto caseiro, com a detenção do culpado e co- "' que se prende aos ataques à distância. Se o ameaçado dispõe
municação à polícia; não se há de colher arma de fogo que acar- de um meio de defesa proporcionado, deve reagir logo. Desde que
reta, a maior parte das vezes, lesão grave ou mortal. Deve sem- não o faça, permitindo maldosamente a aproximação e com isso
pre preceder a advertência, ameaça, força ligeira, disparo sem criando uma privilegiada posição para melhor ofender, exterio-
visar. Se há possibilidade de defesas igualmente imediatas, se riza uma inclinação antijurídica, impregnada de dolo, a menos
há de preferir a de natureza mais conveniente, em caso neces- que as condições do evento o obriguem a assim proceder, no
sário, mais suave, mais moderado. 14 sentido de evitar o risco iminente. Se não houver outro meio pro-
porcionado, ao agredido será então assegurado o direito de exer-
Nas hipóteses em que mais de um meio defensivo possa ser
citar a defesa no momento propício.
empregado, ter-se-á em conta que, em sua escolha, se deverá
preferir o de menor eficácia ofensiva, porque, como ensinam os Se prefere valer-se intencionalmente de uma arma mais po-
derosa que uma de menor alcance que tenha às mãos, também
doutrinadores, o instituto foi criado para legitimar a defesa de
capaz de neutralizar o perigo, estará o agente revelando atitude·
um direito ameaçado e não para punir o ofensor.
altamente lesiva e prejudicial, cometendo um excesso ímperdoá- '.
A respeito, era costume antigo adotar-se uma forma con- vel, que acentuará dolo ou, quando não, culpa.
creta e específica relativa ao uso dos meios, fazendo-se questão do Os exemplos melhor iluminam o panorama: se o agredido
equilíbrio e equivalência deles. Assim, v.g., dispunha O Estatuto pode se defender utilizando-se de um punhal, de uma bengala
da cidade de Eugúbio (ou Gúbio): "que é lícito ferir um agressor ou de um pedaço de pau, sua atitude não será louvável se se in-
e feridor, rub. :. Porque é lícito repelir a violência com a violência, clinar pelo golpe da arma branca, que poderá ser letal, quando
estabelecemos que se alguém ferir a alguém, é lícito ao próprio a pancada, de força ofensiva menos prejudicial, for bastante para
ferido ferir também; o da cidade de Pistóia: "Por isso, ferindo conter o agressor; se a espingarda puder ser utilizada como ins-
na própria luta, entenda-se que se defende, contanto que fira trumento contundente, em condições de afastar, pela pancada
com mãos vazias (sem armas) se for ferido com mãos vazias, e com ela vibrada, um agressor desarmado, será malicioso o com-
com mãos carregadas (de armas) se for ferido com mãos car- portamento de quem, com ela podendo dominar, preferir dis-
regadas". Tais textos, casuístas, reportam-se, como se vê, ao en:- pará-la para matar.
prego de meios específicos de ofensa e de defesa - mãos, armas, Como síntese, deve o agente escolher, entre os possíveis, o
etc., falando também o Estatuto de _Casale: "Se alguém for agre- meio menor que resulte suficiente para seu objeto, como está
dido com espada, pode defender-se, sem punição, com espada." no conselho de Oneca. i;;
Esses critérios de prudência chegam a ser exagerados por
Saliente-se todavia que o direito brasileiro não desce a p~r~
alguns doutrinadores, que negam a defesa privada quando o
menores excessivos.
agredido possa ter, no ato do ataque, suficiente cobertura do
. Entre as condições de legitimidade que estabelece não está poder público, a ele presente, por seus representantes policiais,
a do exame das múltiplas condutas, pois o que se pretende saber com o inconveniente de não ter qualquer sentido a defesa subsi-
é se a eficácia defensiva não excedeu os limites do razoável. diária.

14 Saner. ob. cit.. p. 188. i., · .J Antón Oneca. Derecho Penal, v. 1, p. 247.
370 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 371
139. OS ASPETOS OBJET:cyo E SUBJETIVO DA MODERAÇÃO
por Baumann: dado que o § 32 não exige uma proporciona-
Outra regra que pode ser estabelecida a. priori é a que diz lidade entre o bem agredido e o destruído pela defesa, é comple-
respeito à apreciação. do requisito em seu aspeto psicológico. tamente razoável admitir-se um elemento subjetivo de justi-
ficação.
É certo que se não poderá descambar para um critério ex-
clusivamente subjetivo no estudo de um instituto cujos pressu- Sobrelevam na Itália os entendimentos de Ferri, Sabatini
postos se assentam em bases eminentemente objetivas. e Majno, devendo-se ter em vista, para este último, os meios
Mas, será razoável permanecer-se no campo próximo da de que o agente devia dispor no momento da agressão, e a pos-
objetividade, informado por um critério de relatividade, ou por sibilidade, em face do perigo iminente, de proceder de outra ma-
um cálculo aproximativo, como está na preleção de Nelson neira e conforme ao estado de seu espírito.
Hungria: "não se trata de pesagem em balança de farmácia, Não descobre Grosso qualquer indício verdadeiramente . de-
mas de uma aferição ajustada às condições de fato do caso ver- cisivo acerca do fundamento, objetivo ou subjetivo, nos elemen-
tente. Não se pode exigir uma perfeita equação entre o quan- tos constitutivos da legítima defesa.
tum da reação e a intensidade da agressão, desde que o neces- Mas, partindo das premissas de que, em caso de dúvida, na
sário meio empregado tinha de acarretar, por si mesmo, inevi- interpretação do vocábulo usado pela lei italiana, costretto
tavelmente, o rompimento da dita equação. Um meio 'que, pri-
(constrangido), será preferível seguir a regra da eficácia obje-
ma facie, pode parecer excessivo, não será tal se as circunstân-
tiva; considerando ainda o princípio segundo o qual, dentre
cias demonstrarem sua necessidade in concreto. Assim, quando
um indivíduo franzino se defende com arma de fogo contra um diversas interpretações possíveis, a escolha deve recair sobre. a
agressor ,Q.esarmado, mas de grande robustez física, não fica mais favorável ao réu; e a interpretação objetiva, permitindo a
elidida a defesa". ro interpretação da descriminante às hipóteses em que não haja
intercorrência, entre o sujeito agente e a situação de fato, al-
As opiniões comuns são neste sentido; a reação, realmente.
guma relação psicológica, é realmente a mais vantajosa; en-
será sempre encarada sob o ponto de vista objetivo, mas com
certa dose subjetiva. fim, a interpretação objetiva melhor explicando a disciplina do
socorro de necessidade, sobretudo onde se discute uma interven-
Há poderosa corrent€ favorável à ampla concepção sub-
jetiva. ção que, evitando o mal de uma pessoa, provoca umdano idên-
tico em outra, numa posição tal que o resultado será o salva-
Na Alemanha, apontam-se os critérios defendidos por Bin-
mento de uma delas; por tudo isso, de todas essas premissas,
. ding: o legislador deve considerar a defesa como necessária, em
conclui estarmos frente a um complexo de indícios convergen-
tudo quanto o indivíduo a aprecia como homem criterioso;
tes que testemunham a robustez.da solução objetiva. lí
por Berner: cada um tem o direito de defender-se confor-
me a medida de sua individualidade; Entre os penalistas ibero-americanos, Cuello Calón_ e Quin_-
tano Ripollés julgam mais exato não o critério de pura objeti-
por Wãchter : o momento do perigo deve ser apreciado com-
vidade, mas o de quem se defende; e Juan del Rosal quer que a
pletamente do ponto de vista de quem se achava sob a pressão
dele; avaliação da proporcionalidade se faça por um duplo processo,
objetivo e subjetivo, a um mesmo tempo.
1,1 Nelson Hungria, ob. cít., p. 462.
1, Grosso, ob. cít., p. 254 e 255.
372 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA

Anota Soler que a primeira medida para julgar a necessi- gundo sua honesta convicção nas circunstâncias especiais tio
dade do meio empregado a subministram a natureza e a gravi- caso com o fim de defender-se"; zo
dade da agressão. Explica: "isto resultará, em cada caso, de uma de Almada: "o requisito da proporcionalidade da reação deve
comparação não só dos instrumentos usados, senão também das ser apreciado sob o ponto de vista subjetivo"; :n ·..,.,, ';..
1
condições pessoais do agressor e do agredido. Sem embargo, o _g.e Basileu Garcia;_ "o exame da moderação deve ser feito
juízo, acerca do estado de necessidade e da racionalidade do levando-se em conta as condições pessoais e as circunstâncias
meio empregado, deve ser estritamente concebido desde o ponto especiais em que se encontrou o agente, o que, aliás, se dá na !
de vista de um agredido razoável no momento da agressão (Car- apreciação de todo~7PS requisitos da legítima defesa; é mister
. . (YJ A. o . - d d
>
rara) e não com a objetividade que pode corisentír a reflexão que rb JUI~e co oqueona posiçao o acusa o e mentalmente
anterior". procur reconstruir o lance em que ele se viu envolvido, para ,
Cria Asúa a fórmula a que denomina "individualização". verificar se os atos pra icados foram p oporcio ai. à fensa 1
recebida"·~~ éCOWln:..etA: o..·(...(,'°".' }q1r" n~J +o -~,
O problema, objetivado e ao mesmo tempo individualizado, é ' ~ ,A, ('(l.(Dtc.u,o.vu ode,

assim posto: "para que se dê a legítima defesa perfeita há de ., e o de A ·y ranco: "a proporção entre a ação e a agressão
existir proporcionalidade entre a repulsa e o perigo causado é o que há de mais subjetivo; ao indivíduo que é atacado não
pelo ataque, medida individualmente, em cada caso, mas não se pode exigir que vá medir a reação que deve usar - o critério
subjetivamente, senão conforme ao critério objetivado do ho- dessa proporção deve ser personalíssimo". '.!a
mem razoável que nesse instante e circunstâncias se vê agre- Roque de Brito defende a maior humanização no exame
dido". dos. requisitos da legítíma defesa, colocando o instituto mais a
par 'da realidade da vida, possibilitando, inclusive, uma sua
Em nosso direito são conhecidas as opimoes de Costa e
avaliação subjetiva, especialmente no seu requisito da modera-
Silva: o perigo subjetivo e não o objetivo deve ser o critério para ção na repulsa. 21
se decidir se houve ou não moderação; acreditando o agredido
na proporcionalidade do meio de repulsa empregado, terá por
140. MODERAÇÃO E INTEGRIDADE PESSOAL DO
si a legítima defesa, pois nessa matéria o putativo equivale ao
real; is AGREDIDO

de Lima Drummond: "o conceito de moderação na repulsa Como está na consagração doutrinária, a necessidade da
é personalíssimo e essencialmente subjetivo; para bem apreciá-lo defesa não será assim ajuizada sob um critério frio e sereno de
deve transportar-se mentalmente o· julgador à situação em que quem esteve alheio ao conflito. O perigo é o que se coloca diante
se deparou o agredido no momento da agressão, apuradas de- dos olhos do ofendido de boa fé e não o que se apresenta aos do
vidamente as circunstâncias personalíssimas do mesmo agre- julgador (Wãchter).
dido nesse momento"; '"
de Vieira de Araújo: "o agredido não é imputável quando na ::
11
Vieira de Araújo, ob. cit., p. 19.
defesa se tenha comportado como teria devido comportar-se se- "' Celío Almada, ob, cít , p. 94.
-- Basileu Garcia, Insiüuiçôes de Direito Penal, cít., p. 308.
1
~ Costa e Silva, ob. cít., p. 263. -" Ary Azevedo Franco, Direito Penal, Rio. 1934, v, 1. p. 295.
1
n Lima Drummond. ob. cít., p. 160. ~, Roque-de Brito Alves, ob. -cít., vol. 1, p. 489.
M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DZFESA 375

Dá a escola positiva singular relevo à presença do elemento Não serão idênticos os elementos normativos para o militar,
subjetivo no mecanismo psíquico ou nas manifestações que .a para o camponês ou para o comerciante, cada qual com sua
ele se oponham. sensibilidade específica, reagindo diversamente com maior ou
Reporta-se Fioretti aos dois critérios jurídicos da Iegítíma meno:r intensidade, segundo a natureza da ofensa e sua for-
defesa que formam o arcabouço de sua construção - o da con- mação.
servação da integridade pessoal do cidadão honesto, e o inte- O oficial que passivamente suporte uma ofe~sa à honra ..
resse da repressão ou da eliminação da atividade criminosa que torna-se imprestável, porque guardar a própria honra é dever
se manifesta na injustiça da agressão; prudente será, como lo- de cada um; trata-se de sentimento a que corresponde valor tão
gicamente discorre, "abster-se de enunciar, em teses gerais, qual elevado que significa para a personalidade uma imprescindível
deve ser a natureza e extensão dos direitos postos em perigo pela condição de existência; uma classe que deve representar, por
agressão; bastará indicar que estes direitos não devem repre-
sua estrutura, a personificação do valor individual, não pode
sentar um interesse pequeno, porque, então, a proporção entre o
sofrer a vileza dos membros que a integram, sem comprometer
impulso interno e a reação defensiva, que ele provoca, desper-
a própria existência.
taria no agredido sua índole criminosa e· imprimiria um caráter
ele crime à sua ação". 25 Defendendo com a mais encarniçada obstinação sua pro-
Tudo isso, para ele e para sua escola, tem muita impor- priedade, mostra o homem rural, em relação à honra, a mais
tância, pela diversidade de condições sociais e suas implicações singular indiferença, justamente por ter uma justa intuição de
sobre as condições de existência física ou moral das pessoas. suas especiais condições de existência.
Daí encarecer que, assim como os direitos individuais re- · A profissão não lhe incute a coragem, senão o trabalho,
presentafn justamente as condições física e moral que a socie- sendo a propriedade a materialização de seu esforço.
dade garante a seus membros, em troca da furição social que O lavrador indolente, negligenciando com a terra e os ha-
eles exercem, assim também a personalidade jurídica estará veres, não goza de conceito em seu meio; da mesma forma, o
sujeita a variações individuais múltiplas e profundas que os ju- militar que, na caserna, não sabe resguardar a dignidade.
ristas metafísicos nem ao menos pensam reconhecer.
Continua Ihering discorrendo que nenhum militar censu-
rará o colega por dirigir mal seus bens materiais, do mesmo
modo que a um camponês não ocorrerá criticar outro por não
haver se batido com o desafeto. Para este último, a terra que
cultiva e os animais que cria formam a base de sua existência.
Contra quem lhe invada a terra irá desencadear, na luta pelo
direito, um processo conduzido com terrível pertinácia, do mes-
mo modo que o militar reagirá em defesa de seus brios com a
priori.· arma em punho. Ambos se sacrificarão com a. mesma abnega-
ção, deixando de prever ou calcular as conseqüências de sua
conduta. E o fazem porque nisto nada mais manifestam que a
2ã Fioretti, ob. cít., p. · 113 e 114.
~6 Iheríng, apÚd Fioretti, ob. cit., p. 115 e 116. obediência à lei particular de sua existência moral e jurídica.
376 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA D::FESA S77

Já para o comerciante, a honra residirá no crédito; quem Fontán Balestra; a necessidade real é criada em aparência, e
duvidar de sua pontualidade em cumprir os compromissos irá maliciosamente, pelo próprio agredido, não havendo nele a von-
feri-lo mais dolorosamente do que quem o ofender pessoalmente tade ou o ânimo de defender-se.
ou dele subtrair valores materiais. Quer a lei é a proteção de interesses autorizados, jamais
Em cada um dos três - o militar, o camponês e o comer- permitir a injustiça e uma aleivosa lesão.
ciante - se operará diversamente a reação, embora a ação ofen- A injustiça na ofensa é o mesmo que ofensa sine iure, sem
siva seja de uma só identidade qualitativa. Cada qual defen- motivo razoável.
derá no próprio direito as condições éticas de sua existência. 2• Carrara sempre negou a defesa quando há provocação do
Essas observações de Ihering, acima mencionadas, e que ameaçado. O adúltero surpreendido em flagrante, ameaçado
Fioretti endossa por sua perfeita adequação à doutrina da le- de morte pelo cônjuge ofendido, o ladrão perseguido, não po-
gítima defesa, dão reforço à afirmação de Berner, de que cada
_um tem o dir · der-se conforme a medida -
a in-
dividualidade; e a de Binding, já citada, preceituando que o le-
dem invocar a legítima defesa porque a ação de ambos cons-
titui provocação, integrante de delitos próprios.
Responde Maggiore que, no entanto, a maioria de manifes-
gislador deve considerar a defesa como necessária em tanto tações doutrinárias não exige pressuposto de tal índole.
quanto o cidadão a aprecia, como homem criterioso. Com ele pensam Mezger e Beling: 29 a legítima defesa não
é excluída pelo fato de haver o agredido motivado a agressão
141. AUStNCIA DE PROVOCAÇÃO por sua culpa.
Para que se exercite regularmente a legítima defesa é pre- Ainda, Merkel: a circunstância de haver sido causa cul-
ciso que o ato não tenha sido praticado por provocaçã de quem pável do ataque, não exclui em geral a injustiça ou a antijurí-
a invoca;" dicidade do mesmo, nem por conseguinte a legítima defesa. 3~
Por provocação se entende tudo quanto suscite a cólera. zs Do exame que procedeu em torno da legítima defesa no
Traduz o ato de excitar, incitar, insultar, tentar, fazer alguém direito brasileiro, concluiu Asúa que a· falta de provocação su-
sair do seu estado normal de tranqüilidade. ficiente por quem executa a legítima defesa será também um
requisito a integrá-la. ·
No exame da legítima defesa deve a provocação ser debitada
Decorreria da inteligência dada aos termos do parágrafo
a quem lhe der causa. Se concorrer com certa atitude para que
único do art. 23 do vigente Código Penal, os quais não se re-
o perigo ocorra, o recurso à defesa não provirá de necessidade,
mas de fato próprio: lacionam apenas com o excesso dos meios, falando ainda em
excesso culposo dos limites da legítima defesa.
Não há legítima defesa, assim, se o agente provoca mali-
ciosamente a situação de perigo com a finalidade de cometer Se tal excesso está na causa, pode-se aplicar também o dis-
impunemente o ilícito. Desde que o perigo é desejado, não ha- posto no parágrafo único do art. 23 citado; mesmo não expresso,
verá legítima defesa, mas sim pretexto dela. Nesse caso; a agres- estaria no latente conteúdo do artigo em questão o requisito
são é dolosa, nem mesmo tendo a simulação de legítima defesa da "falta de provocação" por parte de quel!1 exercita a defesa. 31
o caráter propriamente de uma provocação. É isto o que ensina
29 Belmg, ob. cít., § 10, p. 28.
27 30 Adolfo Merkel, Derecho Penal, trad. castellana, s/d., v. 1, p. 232.
Iheríng, apuâ Fioretti, ob. cít., p. 115 e 116.
8 31 Asúa, El Criminalista, cit., v. 1, · p. 146 (A Legítima Defesa no
~ Virgílio Antônio de Carvalho, Direito Penal e Comento Sinté-
tico do Código Penal Brasileiro, Rio, 1942, p ..69. Direito Brasileiro).
378 LEGÍ'IIMf, DEHS.'1 37D
MARCELLO J. LINHARES

Contrariando a exegese· dada por Asúa, entendem nossos bastante idônea para explicar de modo satisfatório a reação do
doutrinadores que a provocação do agredido não elimina a in- provocado; significa que quem se defende não deve ter sido o
causador da agressão, dando origem com sua conduta ao ata-
justiça da agressão, posto que não constitua, em si, uma real
que de que é vítima. É preciso, todavia, ter presente que provo-
agressão. 32
car não é o mesmo que dar motivo ou ocasião a uma reação de-
A razão de não ser legítima a defesa, quando a agressão é terminada (cf. ob. cit., pág. 282). Ante tais acertados concei-
maliciosa, reside no fato de não se dever eliminar a responsa- tos, uma provocação que não traga consigo um grau capaz de
bilidade do agente que, com a atitude aparentemente legítima, dar lugar ao ímpeto de uma agressão não será suficiente para
possa encobrir propósitos realmente nocivos. desarmar o seu autor se a reação contra ele se procedeu despro-
Quem procura a vingança como forma para extravasar porcionadamente.
sentimentos secretos, excitando o desafeto para matá-lo delibe- Se um sujeito injuriado saca de um revólver para matar o
radamente ante a inevitável reação, pode procurar justificar-se injuriador, dada a desproporção entre um e outro fato, este
por todos os meios que pretender, menos sob a alegação de ter último poderá defender-se legitimamente, apesar de haver in-
agido em legítima defesa. sultado, pois sua provocação não pareceria suficiente para se o
julgar injusto agressor; em troca, a reação armada teria ido
142. RELEVANCIA DA PROVOCAÇÃO além da necessidade, pelo que, sendo ilícita, poderia legitima-
mente ser repelida. 34
Deve porém ser relevante a provocação para retirar a seu Não será, assim, qualquer injustiça que fará com que todos
autor o direito de defesa. os atos subseqüentes do provocador sejam a ele completamente
Provocação suficiente para Groizard e ·Gómez de la Serna debitados.
quer dizer provocação que, atendida a ordem geral com que su- Segundo ensinamento de Majno, há também de se levar em
cedem as coisas, produza, excite ou influa na agressão. Quando conta que a injustiça impeditiva da aplicação da legítima de-
essa provocação não é imediata, não serve para destruir nem· tesa é a que está em proporção com a última conseqüência que
para menoscabar o direito de defesa. Quando, pelo contrário, se trata de julgar. ª"
nela há uma ameaça, injúria grave, há um estímulo real, uma'
excitação a entregar-se às vias de fato; vicia-se o direito de de- 34 Soler, ob. cít., p. 413.
fesa e é impossível a declaração da isenção. Tudo aqui é corre- ss Majno, ob. cít., p. 141: "Quem expõe outrem em perigo de vida
lativo; se a provocação atenua a agressão contrária, pela mesma e depois reage e mata vendo o perigo próprio pela resistência oposta
pelo agredido, não tem título algum de escusa. Mas pode dar-se que uma
destrói nosso ulterior direito. Se a justificasse completamente, primeira injustiça seja sucedida por parte daquele que a sofre e o
então a agressão não seria legítima e faltaria deste modo o pri- ato· não justificado, provocando uma reação ulterior por parte do pri-
meiro fundamento que nos exigiu a lei. 33 meiro ofensor. Segundo a doutrina prevalente, o caso do proprietário
ou do marido que surpreende o ladrão ou o adúltero põe sua vida em
Para Labatut Glena, provocação suficiente é a de tal na- perigo e se torna vítima de reação defensiva deste. É o caso do provo-
tureza, atendidas as circunstâncias; que pode ser estimada ou cador que fere ou mata o provocado, o qual, a uma simples provocação
respondeu com atentado à vida. Nestes casos, a injustiça originária
32 Anibal Bruno, ob. cit., p. 369. não guarda proporção com o efeito último dos atos recíprocos dos dois
33
Groizard e Gómez de la Serna, ob. cít., t. 1, p. 296. adversários".
360 MARCELLO J, LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 381

143. LEGíTIMA DEFESA E DESAFIO No direito Italiano o assunto é versado com fôlego, dentre
outros por Antoliseí: a agressão é injusta mesmo quando pro-
Não é justa a defesa por parte de quem aceita desafio para vocada pelo agredido, porque a provocação não exclui a ilicitu-
desforço pessoal. Não só age contra ius quem o provoca, como de do fato; ao Battaglini: o provocador, se mata ou fere pela
quem, longe de evitá-lo, prefere aceitar a afronta. necessidade de tutelar a própria incolumidade pessoal, se acha
Para invocar a legítima defesa o agente não pode nem deve nos termos da legítima defesa; 37 e Maggiore: nenhuma dispo-
ocasionar a situação de perigo. Havendo aceitação, o agredido sição de lei, jurídica ou moral, atribui ao provocado o direito de
não dirá não ter desejado essa situação.
vida e de morte sobre o provocador; ainda aí, a este compete o
Entendem os doutrinadores que se deva abrir uma exceção direito de legítima defesa. 38
para quem, no conflito onde os adversários tenham aceitado
voluntariamente a situação de perigo, se veja qualquer deles Contudo, o direito de defesa resta eliminado nos casos de
ante um fato novo, superveniente aos aspectos primeiros do agressão provocada intencionalmente para ofender o agressor
evento, como, por exemplo, uma ameaça mais grave que apre- debaix~ da aparência da defesa necessária, pois aí não existirá
vista, reação desmedida e arbitrária, acarretando nova e diver- nenhuma defesa do direito contra o injusto.
sa situação de perigo.
A sutil observação de Vannini, de que, contra ofensa in-
O equilíbrio ajustado pelos contendores se romperia, po-
justa, reativa à provocação, não é legítima defesa quando ~uem
dendo justificar, então, uma repulsa também mais grave por
parte do ameaçado. se defende tenha provocado ao fim de achar-se na necessidade
Compreende-se, nesta hipótese, que o comportamento ines- de reagir da forma com .que reage, não escapou o exemplo: Tí-
perado suscite a justa reação do adversário, inicialmente fora de cio · com o fim de criar uma ocasião para dar cabo de Caio, seu
sua cogitàção. rival, o provoca, o leva a atos de violência, dos quais não pode
No comportamento preliminar estaria uma conduta agres- defender-se de outra maneira senão matando-o. Tício respon-
siva de ambos, mas na legítima defesa esse animus deve ser derá por homicídio doloso. 39
sempre defensivo.
Fora desta exceção, prevalece o entendimento geral de que
"se o primeiro a ser ofendido com uma injúria simples, a so-
144. O "AUCTOR RIXAE"
breleva, injuriando para além dos limites da provocação, este
transbordamento não tem, evidentemente, toda sua causa na
A provocação do agredido não elimina a injustiça da agres-
são, posto não constitua, em si mésma, uma real agressão. ofensa. o excesso é todo de quem se excede, o qual, é certo,
Não exclui, com efeito, a legítima defesa o simples fato de ocorre por ocasião da ofensa, mas não tem, evidentemente, esta
haver o agredido motivado a agressão por sua culpa. São estas por causa". 40
as opiniões dos comentadores de nosso direito positivo, todos
eles defendendo a posição de que a desproteção do auctor rixae 36 Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, 1955, p. 211.
37 Battaglini, ob. cit., p, 324.
é velharia do direito romano, não sendo conforme ao direito ar-
as Maggiore, ob. cit., v. 1, t. 1, p. 311.
güir-se que a inicial provocação do agente o reduzisse a ficar ao vannini, Manuale di Diriito Penale, parte generale, Firenze,
sem defesa, à mercê de toda a violência do agressor, não se 1954. p. 174. , • . . .
podendo condenar à morte sem defesa quem primeiro provoca. io Vergara, Da Legítima Defesa Subietioa, cít., p. 162.
382 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 383

145. LEGfTIMA DEFESA E RIXA


Flávio Queiroz de Morais, entretanto, discordando, entende
haver sempre legítima defesa em favor do terceiro, incondicio-
·A participação de rixa, ainda que não ocorra morte ou .le-
nalmente: "Não há condicionar-se o reconhecimento da legí-
são corporal, é tipicidade penal, fato portanto antijurídico. tima defesa de terceiro à maior ou menor intensidade do perigo
Como tal, elimina a possibilidade de defesa, sob o prisma da para o qual tenha concorrido a pessoa que se quer defender. Isto
escusa tiva. porque, sob esse aspeto da questão, estão em igualdade de con-
Havendo troca de violência entre os rixentos, tranqüila é a dições todos os contendores. Todos os co-rixentos são responsá-
doutrina no sentido de não admitir a configuração do estado de veis, do mesmo modo, pela situação, no momento em que inter-
legítima defesa (Battaglini). ~1 vém o ofensor". 13 Para tanto, apóia-se na Exposição de Moti-
vos, ao esclarecer que não haverá crime se a intervenção cons-
Abre a lei uma exceção, justamente em favor de quem na
tituir legítima defesa, própria ou de terceiro, e em tratadistas
rixa intervém com propósito pacifista e que, mal compreendido,
pátrios.
é atacado.
Mas a regra geral é a de que, relativamente aos partici-
Formula Vanniní uma série de hipóteses de contlitcs e suas pantes da rixa, a estes, em seu favor, não pode ser acolhido o
conseqüências que podem advir de uma rixa. e assim as solu- conceito jurídico da legítima defesa, porque nada mais é que
ciona: uma via de fato onde os participantes de um e outro lado agem
a)não há legítima defesa em relação ao homicídio ou à e reagem com recíproca intenção de ofender e defender, ex-
lesão cometidos para reagir contra uma agressão voluntaria- cluindo, desta forma, da essência dos comportamentos, o con-
m~nte determinada pelo reagente; será, ao revés, possível ao ceito daquela injusta agressão que coloca o agredido na necessi-
co-rixento, no caso em que a agressão contra a qual reage, con- dade de repelir a violência para defender a própria liberdade
eretizar uma v.olêncía mais grave do que a do reagente mesmo, pessoal.
voluntariamente aceita ou provocada; A exceção, entretanto, deve-se abrir quando a ação de uns
sobrepujar a dos outros em maior energia e intensidade, colo-
b) um terceiro estranho, intervindo improvisadamente na
cando a vida em risco: exemplo: numa luta a braços, um dos
rixa para defender um parente ameaçado, mata o agressor; em
participantes saca de uma arma branca ou de fogo e ofende
outros termos, cabe a legítima defesa em favor desse terceiro
rixento? No caso em que o perigo contra o qual se quer defen-
um opositor. Seria iníquo retirar o caráter legítimo a uma rea-
cão com meios idênticos por parte de quem é surpreendido pelos
der o terceiro exceda aquele voluntariamente provocado pelo excessos imprevistos.
terceiro mesmo, a resposta não pode. ser senão afirmativa (ex.: Preferimos, assim, modificando pensamento exposto na edi-
rixa de mão, um saca o revólver e está em vias de disparar quan- ção anterior, adotar a lição de Impalomeni, H de ser erro crer-se
do uma pessoa estranha, para defender o amigo, age mais rá- que a descriminante da legítima defesa não deva ocorrer em
pido, matando o agressor). Mas, no caso de agressão não exce- uma rixa. A rixa é uma luta improvisada de duas ou mais pes-
dente à provocação, aí não caberá a legítima defesa. 12 soas e numa ação improvisada, como também numa ação pre-

t1 Battaglini, ob. cít., p. 325. 4,i Flávio Queiroz de Morais, Delito de Rixa, São Paulo, p. 165 e segs.
~2 Vannini, Diliiti Contra la Vita, cit.; p. 205. H G. E. Impalomeni, L'Omicidio, nel tnritto Penale, Torino, 1900,
p. 481.
381 MARCELLO J. LINHARES

meditada, pode acontecer que uma delas aja apenas com inten-
ção de defender-se. O estado de violência vingativa ou de outro
modo excessivo é reprovado por lei, qualquer que seja a causa
que o tenha produzido, quaisquer que sejam as condições em
que tenha se verificado e não há motivo para se fazer exceção
ao direito da defesa privada; 45 ou, ainda, preferimos seguir a
lição de Pagliaro, para quem "na rixa a legítima defesa é admi- CAPÍTULO XXI
tida contra uma ofensa mais grave e mais perigosa do que aque-
la originariamente previsível" (cf. Cassazione Penale, vol. 1970, O EXCESSO NA DEFESA
pág; 647).
Conforta-nos a opinião de Córdoba Roda, reportando-se a 146. As hipotese« legais. 147. O excesso culposo. Noção. 148.
Antón Oneca, Quintano Ripollés e Díaz Palos, de que a doutri- Idem. A intenção. 149. Idem. O caráter do excesso culposo. 150.
na científica destaca o criticável do critério jurisprudencial que Idem. Regras práticas para a avaliação do excesso. 151. O
excesso doloso.
descobre incompatibilidade entre a agressão ilegítima e a situa-
ção de rixa. 46
146. AS HIPÓTESES LEGAIS

O processo de defesa, para ser legítimo, exige o concurso


das. condições já examinadas - os meios necessários e a mode-
ração no seu emprego.
Os meios que convêm ao in.stituto são os suficientes a neu-
tralizar o perigo. Seguindo a regra do uso proporcional deles,
tem o agredido ante si os limites que deverão conter a reação,
os quais não poderão ser ultrapassados,
Toda vez que se fizer má escolha voluntária dos meios, de
tal maneira que seu uso provoque desnecessariamente um mal
superior ao indicado pela situação, toda vez que, embora escolhi-
dos esses meios, apropriados a uma reação menos dolosa, se
fizer ulterior emprego deles descompassadamente, em ambos
esses casos haverá vício na dinâmica da ação defensiva, que
deverá deixar de ser justificada.
Convém lembrar que legítima defesa, antes de tudo e como
Pagliaro, ob. cit., p. 420.
45 a definimos, é a necessidade de se debelar uma situação de pe-
46
Juan Córdoba Roda e Gonzalo Rodriguez Mourullo, Comentarias rigo tal que imponha a reação, caracterizada pela proporção
al Codigo Penal, Barcelona, 1972. v. 1, p. 242. dos meios utilizados, na medida do seu emprego.
386 MAR CELLO J. LINl!ARES LEGÍTIMA DEFESA 387

A normalidade ou a exorbitância da reação, se evitável, será São, assim, quatro direções que o resultado do comporta-
sancionada, na forma do direito positivo. mento indica:
O vigente Código Penal disciplina a questão do excesso, em
1. A legítima defesa plena, com o reconhecimento de todos
seu art. 23, parág. único, dizendo que o agente responderá pelo os seus requisitos; ausente a injurldicídade do fato, excluída
excesso, doloso ou culposo. Se é culposo, responde por culpa, fica a criminalidade;
se a este título é. punível o fato.
2. a reação dolosa, que empresta ao fato caráter punitivo;
Corolário, a contrario sensu: se o excesso é conscientemente
neste caso, considerada a injustiça do ataque e a atualidade do
desejado, responde o agente por crime doloso, pouco importando
o estado inicial da legítima defesa. risco, causas principais do ilícito, pode o juiz atenuar a pena;
Então, se o agredido se excede voluntariamente, preferindo 3. a reação, comandada por relevante causa subjetva
entre os meíos a seu alcance (algum menos prejudicial) aquele atuando sobre a vontade, não é punível - excesso escusâoei;
que se tornou em evidente desproporção com o utilizado na 4. a reação excessiva, devendo ou podendo ter suas con-
agressão, o resultado lhe será imputado como fato doloso; se, po- seqüências previstas, informará uma ação culposa - o agente
rém, o excesso, embora não querido, decorrer de erro de cálculo responde por crime culposo.
quanto ao processo reativo, ou quanto à inexata e macroscópica
representação do perigo, o excesso se punirá a título de culpa. 14 7. O EXCESSO CULPOSO. NOÇÃO
Parecendo levar em conta as diversas manifestações da con-
duta, a do agressor e a do agredido, e compreendendo que nos Excesso é a ultrapassagem dos limites legais ou convencio-
casos de reação precipitada o rigor da lei ia ao extremo da in- nars de determinada medida. É a desproporção quanto ao di-
justiça, o-Código Penal de 1969, transformando em principio reito e à lei, à ordem e à necessidade, impostos ou consentidos.
normativo uma orientação doutrinária já preconizada por Nel- Culpa é a conduta que contrasta com preceitos codificados
son Hungria, 1 cria a modalidade do erro escusável e estabelece ou com as normas ditadas pela perícia e pela prudência comuns;
nova causa de atenuação de pena:
ou a voluntária omissão de diligência no calcular as conseqüên-
Excesso culposo - "Art. 30. O agente que em qualquer dos cias possíveis e previsíveis do fato. Ocorre por imprudência, por
casos de exclusão do crime excede culposamente os limites da ne-
imperícia, ínobservãnca de leis, regulamentos, ordens e dísci-
cessidade, responde pelo fato, se este é punível a título de culpa. plinas,
Excesso escusável - § 1.º Não é punível o excesso q.uand(
No quadro da culpabilidade psicológica, define Dolce a culpa
resulta de escusável medo. surpresa, m1 perturbação de ânimc
em face da situação". como a que consiste somente na voluntariedade da ação (ele-
mento positivo) e na atitude negativa da vontade com respeito
Ao mesmo tempo, admitiu o código uma forma facultativa
de atenuação da penalidade, para o fato punível por excesso ao evento (elemento negativo). 2
doloso: Comportamento culposo é o que constitui v.olação de uma
Excesso doloso - "§ 2. Ainda quando punível o fato por
0 obrigação ou de uma situação que permita ao sujeito uma es-
excesso doloso, o juiz pode atenuar a pena". pontânea adequação à vontade normativa.

1 Nélson Hungria, ob. cít., p. 465. Dolce; ob. cit., p. 92.


388 MARCEi.LO J. LnmARES
LEGÍTIMA DEFESA 389

O excesso culposo deduzir-se-á desses conceitos.


O excesso, relacionado com essa vontade, é realmente do-
Na legítima defesa, onde a medida está na reação, nos meios
loso, em regra; o sujeito não só prevê como também quer o efeito,
empregados e na moderação do seu uso, o excesso relacionar-se-á
isto é, o fato mais grave que o necessitado; se, contudo, ele se
com tais limites. Não deve ser nem consciente, nem voluntário,
converte em ato involuntário, quando determinado por erro de
pois do contrário se cuidará de dolo. O agente deverá levar em
avaliação das situações jurídicas constitutivas dos pressupostos
conta a gravidade do perigo e atentar a que os meios sejam pro-
da defesa (meios necessários e moderação de seu emprego), o
porcionados, isto é, usá-los, mas não querer fazê-lo desproporcic-
comportamento vai ser explicado pelo caso fortuito, de outra
nadamente. ·
forma não punível, ou como conseqüência a uma conduta culpo·
Quando assim se erra na avaliação da gravidade do perigo sa que a lei pune.
ou se excede no emprego dos meios reclamados pela necessidade,
mesmo substituindo a causa· de legitimação ou de justificação,
148. "Idem". A INTENÇÃO
falar-se-á de excesso, se faltar a proporção entre a necessidade
e o comportamento a esta imposto.
Deve-se, pois, compreender que, quando se manda aplicar,
A culpa no excesso consiste nesse erro de avaliação da ne-
no caso do excesso, as dispos'ções concernentes aos delitos cul-
cessidade de defender-se, erro que, a seu turno, leva como con-
posos, não é porque o agente tenha cometido o fato sem a in-
seqüência os preparativos dos meios de defesa excessivos em re-
lacão à entidade do perigo. tenção de o praticar, mas sim porque errou na avaliação da ne-
, O indivíduo conhece todos os dados da realidade fenomêni-
cessidade e na proporção ao cometê-lo.
ca, mas excede porque a causa de excessiva precipitação atribui. Para Merkel, a admissão da culpa decorre de que, se fosse
ao próprio comportamento aquela característica de conformi- adotado um comportamento segundo um dever, seria evitada a
dade corrro direito que subsiste só ao fim de um certo limite: contradição com a exigência do direito.
acha-se em erro sobre a legalidade da própria conduta. Não se- No excesso, com efeito, a intenção é irrelevante. Não por
rão duas violações, como adverte Mantovani, mas uma só - o
sua referência ao evento, mas pela avaliação desse elemento de
que o agente quer é defender-se ou exercitar um direito, e o ato
fato que torna legítima ou não punível a conduta.
de vontade com o qual o sujeito provoca (com o excesso) a lesão,
não constituí uma volição separada, cindível da intencionalida- Tal é a posição defendida por Altavilla: nas causas de legi-
de lícita, que anima o comportamento justificado. 3 timação ou de justificação a. intenção tem escassa relevância
A lei penal brasileira regula o excesso culposo, dizendo que, porque ao fenômeno naturalístico que tem de a ocasionar, por
quando o agente excede culposamente os limites da necessidade, partcular contngêncía, faltam caracteres de antijuridicidade.
responde pelo fato, se este é punível a titulo de culpa (Cócl O carrasco que executa uma sentença de condenação à morte,
Penal, arts. 18, II, e 23, parág. único. , . ou o agredido que mata seu injusto agressor, perseguem um fim
Poderá causar perplexidade que ao ato voluntario, como o lícito, agem numa esfera de atividade imposta pelo' dever, con-
homicídio, por exemplo, praticado em legítima defesa, como sentida ou simplesmente tolerada, porque lesam um direito in-
evento desejado, se aplique o conceito de culpa, diametralmente dividual que não pode mais ser considerado um direito subjetivo.
oposto. Agem legitimamente, mantendo a exata proporção imposta pelo
dever ou pela necessidade. 4
:: Luciano Pettoelo Mantovani, Ctmceito Ontologico del Reato,
Milano, 1954, p. 186.
4 Enrico Altavílla, La Coipa, Roma, 1949, p. 158.
390 MARCELLO J. LINRAJIES LEGÍTIMA DEFESA 391

149. ''Idem". O CARATER DO EXCESSO CULPOSO grando-ss na própria defesa e com ela formando um mesmo
O excesso culposo liga-se à causa objetiva do crime. Ocorre corpo. Se o agente se convence de que fez o que deveria ter feito
quando se produz um evento mais grave que o necessário, resul- como as circunstânc'as o obrigaram, ao seu comportamento não
tante de erro vencível, sobre a necessidade concreta do uso de se poderá dar um qualificativo de excedente do limite tolerado
dados meios e sobre a extensão dos limites também concretos pa_ra fins punitivos. Se o excesso não exorbita, como aparênci~
que a situação impõe. evidente da vingança, as proporções reclamadas pela defesa, é
exculpável.
Em termos mais explícitos, usados por Malizia, para ser li-
cita a ação, deve ela manter-se nos limites fixados pela lei, pela , ~ornece Lemos Sobrinho elementos relacionados com a pru-
ordem ou pela necessidade reclamada na norma justificadora; dência para a pesquisa do caráter do excesso de defesa, dentro
a superação desses limites, se dependente de defeito culpável de daquela compreensão objetiva que já apontamos ao examinar
conhecimento da parte do agente, ou da inobservância de outra requísíto anterior do instituto: "O moâeramen. deve ser sempre
norma de conduta em que pode manifestar-se a culpa, relativa exammado conforme ao depoimento racional daquele que se
ao uso desses meios ou à modalidade de atuação do fato, se vê ameaçado e não segundo o que com frio cálculo ou maduro
converte em excesso culposo.5 exame vem a ser conhecido posteriormente. Se o erro foi gros-
O agente não quer o evento constitutivo do críme, mas um seiro e inescusável, haverá precipitação e imprudência; se re-
evento diverso." sulta de uma suposição razoável e escusável, não há culpa se-
O excesso é abuso de direito, consistente na malograda ava- quer. Mas, em ambos os casos, se quem errou em calcular o
perigo e os meios da própria salvação agiu com a consciência de
liação da proporção entre o perigo e a reação posta em ser ao
fim de o repelir (Battaglini) .1 praticar ato legítimo, não se lhe pode nunca imputar o dolo." a
Carmignani distingue duas espécies de excesso na legítima Na identificação do excesso culposo, prefere Nelson Hungria
defesa: 1) aquele em que o agente, de ânimo deliberado, ultra- a conduta intermédia, conjugadas as circunstâncias objetivas e
passa os contornos da defesa, visando a fim diverso daquele im- as subjetivas do caso concreto, para admitir a relatividade com
posto pela necessidade de debelar o perigo (fins vindicativos ou que, de caso em caso, deve ser apreciada a anormalidade do
impulsos perversos); 2) aquele em que o excesso se confunde excesso.
com os próprios atos da reação, nada mais significando que um Coloca-se na mesma posição de Binding, ao exculpar O ex-
desdobramento dela; a primeira modalidade do excesso é a que cesso apenas quando o agredido, calculando o perigo, não con-
se identifica com o excesso na c~usa e a segunda, com o ex- trastava o tipo do homem criterioso. Seu conselho é repudiar o
cesso nos fins. · critério subjetivo para adotar-se o relativismo com que, "ocor-
Se assim acontece na doutrina, 'também na lei o trato não rendo efetivamente uma agressão, se deve apreciar o erro de
é idêntico, pois pune o primeiro a título de dolo, porque, imo- cálculo no tocante à gravidade do perigo e ao moâus da rea-
derada a repulsa, ela se equipara a uma agressão, tendo o mesmo ção", ou, por outras palavras, para se averiguar se o excesso
sentido jurídico desta; e considera irrelevante a segunda, inte- de defesa é doloso, culposo ou isento de qualquer culpabili-
11 Saverio Malizia, "Eccesso colposo", tn Encíclopedta âe; D_iritto, dade. g
Milano, v. 14, p. 119.
6 Vannini, DeZitti contro la Vtta, cit., p. 112, Lemos Sobrinho, ob. cit., p. 148.
7 Battagllnl, ob cit., p. 285. '' Nelson Hungria, ob. cit., p. 466.
392 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 393

O conceito de Manzini, a propósito da adequação da repulsa. e) se a intenção foi a de matar e a vítima ficou simples-
prima por judiciosa orientação: o confronto entre o mal sofrido mente ferida, o· agente será convencido de crime de lesão cor-
ou ameaçado e o mal causado pela reação não deve ser o crité- poral culposa;
rio dessa medida, pois este último pode ser bem mais elevado
que o primeiro sem que, só por isso, se desfigure a descriminan- d) não poderão ser proclamadas circunstâncias secundá-
te; o confronto deve ser feito entre os meios reativos que o agre- rias, na imposição de pena, senão as que forem cornpatíve's com
dido tenha à sua disposição e os meios utilizados; se estes eram os fatos culposos;
os únicos, não haverá excesso punível, por maior que seja o mal e) aos fatos culposos se podem aplicar as regras relativas
imposto ao agressor; devem ser confrontadas as condições pes- ao concurso de infrações, com extensão ao concurso material e
soais dos antagonistas (superioridade e inferioridade físicas);
formal, toda vez que, seja com o mesmo ato, se violem dois ou
no uso dos meios materialmente excessivos, seja devido a erro
mais interesses tutelados, seja quando com pluralidade de ações
não çulposo, haverá a justificação, porque o excesso subjetivo
ou omissões se violem vários direitos;
inexiste; onde houver, ao contrário, vontade dolosa sobrevinda,
haverá responsabilidade pelo fato cometido. Em síntese, tudo f) no caso de uma única atividade culposa de que resul-
constituirá um juízo de fato. 10 tem lesões a vários interesses tutelados, se aplicarão as normas
A tais regras se poderá acrescer a justa advertência de do concurso material;
Penso, segundo a qual havendo dúvida sobre se o cálculo podia g) em caso de aberratio ictus o excesso verificado em re-
ter sido feito com menor imprecisão, tal dúvida será resolvida lação à pessoa a quem se pretendia ofender se comunicará ao
em favor de quem reage, e sempre contra o agressor, que com tato acontecido com a pessoa ou as pessoas diversas;
sua conduta ilegítima deu causa à ação defensiva. 11
h) no caso em que o agente em defesa se antecipe contra
150. "Idem". REGRAS PRATICAS PARA AVALIAÇÃO DO um grupo de pessoas emboscadas em lugares diversos, e para
EXCESSO não morrer decida matá-los, ocorrendo nos atos os extremos da
legítima defesa, com excesso dos meios empregados, em relação
Algumas conseqüências práticas podem assim ser indicadas, ao perigo que corria, nada impede que se considere o procedi-
conforme aos critérios doutrinários expostos, em caso de imode- mento como crimes de morte culposos continuados.
ração na repulsa: se é feito uso de uma arma em defesa, vários
resultados podem ser alcançados: · A respeito deste último exemplo, da modalidade continuada
de crime culposo, explica Altavilla que é realmente possível um
a) a vítima não é atingida e qualquer que seja a intenção
o fato não constituirá crime porque a tentativa não é punível, desígnio comum abraçando diversas intenções dirigidas à de-
incompatível com a atividade culposa; fesa, mas viciadas pela desproporção, A admissibilidade da con-
b) se a intenção é ferir e se a vítima é morta, responderá tinuação, todavia, se deve em função de outro critério: a vio-
o agente por homicídio culposo; lação repetida de urna mesma disposição de lei unificada pela
resolução comum. 12
111 Manzini, ob. cít., p. 311 e 312.
it Penso, "Difesa legíttima", in Nuovo Digesto Italiano. 1~ Altavilla, La Colpa, p. 180.
394 MARCELLO J. LINHARES

151. ó EXCESSO DOLOSO

Responde a título de dolo o agente quando, perseguindo o


mesmo objetivo que a legislação considera como causa de ex-
clusão de cr.mínalídade, supera ele voluntariamente os limites
da necessidade, usando imoderadamente, de forma consciente,
os meios encontrados para repelir a agressão. CAPÍTULO XXII
Se realmente o ofendido, para repelir o mal, podia dispor
de outros meios que os conscientemente utilizados, se o fez imo- O EXCESSO NA DEFESA. EXCESSO
deradamente e se nenhuma causa escusável influenciou em seu ESCUSÁVEL. MEDO
comportamento, v.g., morte do agressor sem necessidade, sofrerá
a pena de crime doloso, para o qual admite a nova lei penal a
152. Espécies de excesso escusável. 153. Medo. Conceituação.
faculdade da sua redução pelo juiz. 154. Medo grave e medo leve. 155. Medo racional. 156. O fenô-
É a modalidade do excesso intensivo ou consciente, que meno. 157. Medo e i.,;stinto de conservação. 158. A razoável
ocorre por exclusão, nos casos não previstos pela lei como ex- moderação sob a pressão do .medo.
cesso culposo, ou como excesso escusável.
Corresponde à intenção de infligir ao adversário um mal 152. ESPÉCIES DE EXCESSO ESCUSAVEL ( *)
supérfluo, dada a evidente desproporção entre a ação defensiva
e a ofensiva, evidenciando-se ostensivamente, porque, se é certo Excesso inculpável é o que não pode ser censurado ou incri-
que há, no processo doloso, de início, um processo defensivo, minado, o que não compromete o agente. -
concluír-âê-á, pela conduta do agredido, achar-se o mesmo asso- Ocorre quando se encontra este em situação psicológica tal
ciado a um propósito delituoso, obedecendo à consciência de que mesmo pretendendo executar o seu direito de legítima de-
produzir um mal desnecessário à remoção do perigo. fesa dentro dos limites objetivos e subjetivos traçados pela lei,
o faz, em realidade, fora destes confins.
É, como explica Vincenzo Cavallo, uma emergência entre
a situação opinada e a real, a qual pode ser devida a todas as
causas de erro prático não dependente de culpa.
O fato, conseqüente a uma turbação íntema ou a uma cau-
sa fortuita externa, justificando o erro de apreciação em torno
dos limites de seu legítimo exercício, resta excluído de qual-
quer culpa.

( ,:, ) Embora revogado o Código de 1969, as modalidades que intro-


duzira à legítima defesa, do excesso escusável (medo, surpresa e estado
de ânimo) servem como elemento informativo ao estudo do excesso
doloso e do excesso culposo do instituto, e daí a razão pela qual não
eliminamos desta edição os conceitos expendidos na anterior, relativos
<J. esse estado de espírito do agente que se vê agredido.
396 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFES A 397

Não sendo culposo, o excesso não será crrmmoso; o erro Todas as explicações, léxicas, servem ao sentido jurídico
não culposo, sobre a existência das condições da legítima de-
exato desse estado de alma que pode impelir o agente a preci-
f€sa, representa um erro de fato; também por esta razão não
é punível; finalmente, agindo em defesa de sua pessoa, na con-
pitar-se ante a presença do perigo, porque a apreensão do medo
vicção de existirem todas as condições para que ela se torne é ordinariamente nascida de opiniões erradas e o sentimento,
legítima, ainda em caso de erro, a situação é favoravelmente que o acompanha, é quase puramente mecânico.
interpretada de modo a excluir a punibilidade.
o conceito do medo, a que se reporta o direito positivo, e
É escusável o excesso que resulta de medo, surpresa ou per-
como está no novo Código Penal, é mais que o simples receio
turbação de ânimo em face da situação.
Trata-se de inovação do Código Penal de 1969, inspirada, ( dúvida se o mal que se nos apresenta acontecerá ou não) e
seja em razões psicológicas que ditam a consciência do agente atinge o temor, que é a apreensão razoável e bem fundada dos
na repulsa a um perigo injustamente provocado, seja no direito fenômenos naturais ou de algum poder legítimo irritado, o re-
positivo dos outros povos, seja enfim na humana interpretação ceio fundado de um risco futuro.
dada ao requisito da moderação pelos tribunais.
A fórmula já vinha consagrada com expressões sernelhan-
o medo
é erro dos sentidos; motiva o espanto, perturbação
tes nos direitos alemão, austríaco, dinamarquês, grego, norue- maior ainda, por ser mais penetrante.
guês e em outros, com aplausos da doutrina favorável à inimpu- esta perturbação causada pelo medo, a angústia pela pre-
É
tabilidade do agente, nem mesmo a título de culpa, quando a sença de um mal que realmente ameaça ou que assim se afi-
imoderada reação esbarrasse em qualquer das circunstâncias
apontadas. gura à imaginação, que interessa ao conceito do excesso escusá-
A culpa é atenuada, conforme Welzel, quando houver ator- vel no instituto da legítima defesa.
doamento, medo ou temor, sempre antijurídicos, mas impossi- o medo
atua em toda a escala biológica e veio com a cria-
bilitando, pela excitação que causam, a atuação de outro modo; ção do mundo.: primus in orbe Deus fecit timorem. É, assim,
este fundamento da atenuação chega a transformar-se em com-
tão velho como a própria vida.
pleta causa de exclusão de pena (art. 53 do Cód. Penal alemão).
Como expõe Mira y Lopez, nisso coincidem o ponto de vista
153. MEDO. CONCEITUAÇÃO religioso e o científico, pois para· o biólogo moderno, o medo -
gerado da morte - nada mais é que a emoção com que se
Medo é o receio, o temor de algum mal que se julga irre- acusam, nos níveis superiores do reino animal, os fenômenos de
sistível; é a apreensão de um mal grave que talvez julgamos
paralisação ou detenção do curso vital, que se observam nos
iminente, acompanhada de um sentimento que nos excita viva-
mente a evitá-lo. mais singelos seres vivos unicelulares, quando se vêem subme-
É o temor ou o susto resultante da idéia de um perigo real tidos a bruscas e desproporcionadas modificações em suas con-
ou aparente, ou causado pela presença do objeto perigoso ou dições de existência.
estranho.
É ainda a perturbação da alma causada pela apreensão de
1 Emillo Mira y Lopez. Quatro Gigantes da Alma, Rio-São Paulo,
algum mal iminente ou remoto.
1949, p. 24.
LEGÍTIMA DEFESA
398 MARCELLO J. LINHARES

155. MEDO RACIONAL


154. MEDO GRAVE E MEDO LEVE
Cruz Malpique diz do medo racional, o que entronca no
A teologia moral distingue entre o medo grave e o leve, instinto de conservação (ter medo de uma fera, de um crími-
exemplificando: o primeiro, como o receio da morte, mutilação, noso, de um desconhecido é racionalíssimo, porque por detrás
prisão, perda da honra e de bens; o segundo, como receio de de tudo isso pode haver um oculto ou claro perigo para a nossa
perda de coisas de menor valia ou ofensa exígua da honra. existência). 4
O medo grave é absoluto quando o mal traz em si verda- Ante a sensação externa causada pela ameaça do perigo
deira causa grave de se temer; relativo, mas também grave, ou pela atualidade dele, o homem pode ser levado ao medo pela
quando, embora leve em si, se considera grave em relação às associação de elementos ativos que formam um complexo, na
pessoas (menores, mulheres ou velhos). ordem do instinto, a que está presente e que diz respeito, prin-
cipalmente, à conservação da vida ou da integridade física e,

r
Se diante de.uma ameaça de risco o medo atingir as pro-
porções de um medo grave, o ato que nele tiver origem, e que muito particularmente, ao instinto de defesa.
em tese deveria ser livre, não tem significação penal.
156. O FENÓMENO Gl-iRWlADO fn6D0
Bluteau faz a separação do medo em metus cadens in virum
constantem e o metus cadens in virum inconstantem; um é a· O medo, que passa por diversas fases, como as discrimina
veemente opinião que tenha o homem de que lhe hão de fazer o Mira y Lopez, a da prudência, a da concentração, atinge a do
mal injusto proximamente; este temor não se opõe à constância estado de alarme, a da angústia ansiosa, chegando ao pânico
e à fortaleza, porque ele se vê obrigado a escolher o menor mal (; ao temor.
que provavelmente ameaça e, assim, por este modo pode ser Na fase de alarme já se provocam movimentos supérfluos,
amedrontado qualquer varão forte e constante; o outro, é pelo exagerando-se atos inoperantes e aparecem alterações do ritmo
que o homem admite o· maior mal, por evitar o menor, e que e segurança da conduta motora; reduz-se o· campo perceptivo
se opõe à constância e fortaleza porque seu fundamento ame- que aumenta a imprecisão; começa a exagerar-se a refletivida-
dronta o varão inconstante e fácil. 2 de medular e a alterar-se o curso práxico; no estado da angús-
A fisiologia não só aceita essa distinção como a explica: ao tia ociosa o medo já se torna incontrolável, pelo desapareci-
lado dos medos constantes e que denunciam com perfeita evi- mento do normal equilíbrio entre os processos de excitação e
dência a natureza do seu temperamento ou do seu caráter, ain- inibição, chegando a impulsos excessivos, arrastando a cólera;
da há os medos não constantes, que podem assaltar ou pertur- na seguinte, de pânico, a conduta tem uma direção automáti-
bar o homem mais destemido, mercê de um conjunto de cir- ca, a tempestade se torna cinética, e os atos se caracterizam
cunstâncias a isso conducentes; 3 a valentia é relativa e um por audácia ou agressividade, achando-se seu autor em estado
homem normalmente corajoso, ante uma situação de perigo, de subconsciência; afinal, no último estado de intensidade do
pode ser vítima de um medo perfeitamente racional e perfei- medo, o processo de anulação individual atinge o seu limite
tamente compreensível. máximo, o terror, que aniquila a vontade."

4 Cruz Malpique, "Diário de um Ignorante", in Labor, apud Gon-


~ Raphael Bluteau, Vocabulário Portuçuez e Latino, Lisboa, 1717,
p. 395.
çalves Viana, ob. cit., p. 47.
;; Mira y Lopez, ob. cit., p. 56 e segs.
:i Mário Gonçalves Viana, Psicologia do Medo, Porto, p. 46.
- 401
-...._ LEGÍTIMA DEFESA·

Louve-se, então, o legislador ressalvando a conduta huma- corno, sobre a gênese desse sentimento, discorre Gonçal-
É
na que, ante o perigo efetivo ou potencial (legítima defesa pró- ves Viana: "tudo quanto para o homem oferece perigo é fonte
pria) ou imaginário (legítima defesa putatíva) , vê agravada a do medo. Quando o ser humano foge, grita ou esbraveja, re-
realidade pelas reações do momento, às quais, não raro, se so- ceando morrer, tem medo. Os movimentos instintivos da legíti-
mam predisposições patológicas; comoções morais anteriores, ma defesa são, no fundo, modalidades e formas primárias do
psicoses ou sugestões justificáveis, considerando que o medo, medo". 7
.... paralisando processo lógico e inteligente, tanto pode desvai-
ô
Relembra o professor Grasset que o homem nasce, desen-
rar como até enlouquecer.
volve-se, reproduz-se e morre; durante toda sua vida defende-
Não lhe esteve ausente o lato de que, dada a natureza fi- -se e defende a espécie contra elementos estranhos. O que ca-
siopsicológica do homem, os fatos extrínsecos o levam facilmen- racteriza o ser vivo é a função de defesa antixênica, isto é, a
te ao medo quando se vê ante uma força bruta quase sempre orientação de todos seus atos para a defesa do indivíduo e da
injusta contra a qual tenha de se opor em defesa. espécie.
i-----compreendeu o fenômeno uníversal e constante na alma
humana, vitimando não só os fracos ou os indivíduos menos 158. A RAZOÁVEL MODERAÇÃO SOB A PRESSÃO
robustos, como, também, os mais destemidos e valentes. DO MEDO
)

A valentia ê sempre relativa, vulnerável ante comporta-


A perfeita moderação da repulsa não pode passar por um
mento de pessoas fisicamente mais pos.santes e resolutas e só
processo. onde só atuem fatores psíquicos normais.
predomina até quando uma força maior lhe faça frente e a
domine. Também nos casos onde o poder de imaginação, ante a
sensação externa de perigo, sofra a influência do medo, ampli-
e I' o em rudente se irá exigi.E_, ante a iminência do ficando a percepção do fenômeno e avolumando o real em p_:1-
rlsco, outra form _de reação, senão esta que é às vezes condu-
ralelo à fantasia, também aí, quando os limites da moderaçao
-zida elo medo. medo do homem prudentenãÕ é este medÕ
não puderem ser contidos, o excesso acaso verificado será
instintivo, irracional e desvairado, como tantas outras varieda- oxculpável.
des do fenômeno. A prudência é uma forma de medo que não
Basta que se prove a reação emocional causada pela viva
domina, mas é também dominada.
e persistente representação do mal iminente, não o vão temor
inanis timoris iusta excusatio non est), para que seja aplicado
157. MEDO E INSTINTO DE CONSERVAÇÃO
o conceito que a norma penal irá tutelar.
A quem é presa do medo, pode-se concluir com Lemos So-
Com a nova redação, irá o direito positivo reger uma con-
duta que encontra raízes no instinto da legítima defesa, por- brinho: "em vão se pedirá conta do que deliberou e do que fez,
que é nesta que o medo vai procurar suas próprias raízes. pois não sabia o que deliberava nem o que fazia; nem se lhe
pode pedir conta do medo que o assaltou, pois que isso não
Thibot coloca o medo como a primeira manifestação do
dependeu de sua vontade, mas sim das condições exteriores a
instinto de conservação em sua forma defensiva. 0 que o sujeitou a maldade alheia ou a sua má fortuna." 8
n Th. Thibot, La Psicología de los Sentimientos, trad. de Ricardo Mário Gonçalves Viana, ob. cit. p. 435.
Rubio, Madrid, 1924, p. 274.
s Lemos Sobrinho, ob. cit., p. 160.
LEGÍTIMA DEFESA 403

fugaz paralisia que imobiliza e se explica porque não se reage


1 r ntamente, dando tempo a um ágil e rápido malfeitor de ín-
rpor grande distância entre ele e sua vítima. 1
Pela surpresa se pretende suprimir totalmente a defesa de
1 lguém, cobrindo-se o agressor do risco que procede da reação

CAPl!I'ULO XXIII <I agredido.


É abuso de superioridade, meio que debilita a repulsa. 2
O EXCF.SSO NA DEFESA. EXCESSO ESCUSAVEL. Ataque de surpresa é o mesmo que agir com violência. 3
SURPRESA. ESTADO DE ANIMO* A rapidez e a insídia do ato se envolvem de um caráter es-
• < ncial, forma de violência, nela se vendo indício de periculo-
159. Surpresa. 160. Estado de ânimo. 161. Idem. A ira. 162. , l dade do culpado, que permitirá comensurar a reação sancio-
Idem. A violenta emoção. 163. A relação temporal entre a ação no. ora de sua personalidade. 4
e a reação.
Traz às vezes consigo a emboscada, a traição, a dissimula-
; um gesto, um movimento, um ímpeto será o bastante. Nela
159. SURPRESA
tá o maior indício de aleivosia: "não se pode falar de surpresa
m falar de premeditação ou de deliberação, e logo de maior
Entre os estados de espírito que escusam o excesso na legí- Jnt nsidade de dolo. Visa sempre a dificultar ou impossibilitar
tima defesa, o Código Penal de 1969 incluiu a supresa, ao lado d · fesa do ofendido". 5
do medo e da perturbação de ânimo. Natur 1 rá qu , ínesp radamente colhido em tal situação,
Previu o caso de ser o agredido excitado por um distúrbio -. pr v 111 o d pr parado o agredido, reflita nele o compor-
decorréiite do ínopíno do ataque, circunstância expressamente L m nto do agressor uma sensação exagerada do perigo, cau-
considerada pelos códigos, dentre eles usando o da Grécia a 1o11 ndo maior veemência da reação, conseqüência do enfraque-
fórmula ampla da "confusão provocada pela agressão", e o da lm nto dos processos inibitórios e de uma modificação orgã-
Holanda exculpando a "emoção violenta causada por um ata- 1 1 m seus poderes sensorais.
que súbito e inesperado". fenômeno da excitabilidade, com o desencadeamento da
A surpresa é precisamente o comportamento de alguém que, tívídade funcional do sistema por influência do agente exte-
por sua ação imprevista, causa espanto ou sobressalto a outrem. rior ou provocado por mecanismos internos, nervosos ou hor-
Caracteriza os incidentes ínopínados, motivando pasmo e monaís, é explicado pela psicologia, que mostra a di?-âmica das
perturbação. manifestações locais conseqüentes à recepção dos estímulos pre-
A surpresa é o mais alto .grau do estupor, é um choque que paradores da resposta.
se produz por aquilo que é novo e ·inesperado (Ribot); ela se
determina;· como uma fascinação, pela qual a consciência se 1 Enrico Altavilla, Psicologia Giudiziaria, Torino, 1949, p. 75.
~ César Camargo Hernández, La Aleivosia, Barcelona, 1953, p. 85.
imobiliza na contemplação de uma coisa, ou de um aconteci- :: Janitti Piromallo, Dei Delitti Contra la Moralità Pubblica e il
mento, não percebendo nada que esteja' fora do círculo lumi- Bium Costume, p. 90.
noso assinalado pela concentração da atenção. Determina uma ·.1 Alessandro Malinverni, "Circostanze del Reato", in Enciclopedia
clel Diritto, Milano, 1960, v. 7, p. 66.
• Vide nota em rodapé à p. 395. G Pedro Vergara, Das Circunstâncias Agravantes, Rio, 1948, p. 157.
404 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 405

Essa resposta ao estímulo, que no caso será· a reação ao· Nasce daí, conforme explica, o ímpeto da necessidade vio-
ataque de surpresa, justifica a modificação do comportamento lenta de se livrar do mal: "quando essa necessidade, por força
no tempo do processo reativo. do mal que se sofre, toma uma tal força que se lhe não pode
A defesa desproporcionada deve se exercitar logo em segui- resistir, tem-se o masoris rei impetus cui resisti tum potest, e
da agressão, guardando-se, todavia, certa discricionalidade em
'à cessa toda a imputabilidade, coisa que sucede tanto pela força
seu exame, no qual mais influenciará o estado de ânimo decor- de um mal atual, como pelo medo irresistível de um mal imi-
rente da perplexidade causada ao agredido que propriamente o nente".
ato insidioso do agressor. · Já se não está em caso de ímpeto em sentido restrito, con-
Desde que não será causa plena de exclusão de antijuridi- tinua dissertando, mas sim de caso de coação da vontade; já
cidade, mas de simples escusa do excesso, os cuidados no ajuiza- se não trata de caso de desculpa, mas de circunstâncias justi-
mento do fator tempo entre um e outro atos obedecerão a regras ficativas. 6
mais maleáveis que as estabelecidas para o exame do requisito Os movimentos reflexos produzidos por uma forma externa,
da moderação. irresistível e absoluta, atuarão decisivamente na avaliação do
Examinando a atenuante da moderação no direito francês, lemento moderador da repulsa, considerando-se que os proce-
Chauveau et Hélie ponderam que a lei não desce ao rigor de dimentos de ímpeto são em regra escusáveis e que a emoção,
considerar a simultaneidade dos dois atos (ataque e repulsa) modificando a percepção e a psique do agente, provoca descon-
como circunstância especial para a admissão da escusa, nenhum trole de forças ante o objeto provocante.
de seus termos a supondo; basta constatar a coincidência de Se, pois, a reação vier a se proceder ao largo de previsões
duas ações no mesmo espaço de tempo para que se deva con- u de cálculos, ·mot',vada pela perturbação de ânimo em face
cluir a influência do fato provocador e a espécie de fatalidade da ltuação criada pelo agressor, não se falará mais em respon-
que arfãstou o agente; em caso contrário, é preciso que ele s bilidade a titulo de excesso.
prove que sua emoção não foi refeita, resfriada, que não tenha Os estados emotivos, com efeito, sempre exerceram dentro
diversificado dos outros atos, que agiu ainda sob o império da dos códigos· eficácia atenuante, quando não são considerados
primeira impressão. causa que exclui ou diminui. a capacidade de entender e de que-
r r.
160. ESTADO DE ANIMO As paixões e as emoções, atuando como vícios da mente, são
sempre reputadas em conexão com os motivos que as originam,
Falou também a lei em perturbação de ânimo em face da constituindo circunstâncias. normais ligadas a toda atividade
situação como outra razão de excesso escusável. psíquica individual.
Como está na conceituação comum dos doutrinadores, o
constrangimento exclui a voluntariedade do ato, sendo a con- 161. "Idem". A IRA
duta, se não juridicamente relevante, pelo menos exculpável,
conforme o caso. Entre as formas ofensivas do instinto de conservação, colo-
. ca-se em primeiro plano a ira, estado de ânimo que deriva da
Refere-se Malatesta à atuação rápida e violenta dos impul-
ofensa a todo o sentimento, atuando em extraordinária rapidez
sos externos despertando paixões cegas e não raciocinadas, sob
cujo império o espírito já não raciocina com calma ' sentindo a
. G Framarino dei Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Cri-
necessidade de se livrar dos espinhos trazidos pelo mal. minal, Lisboa, 1912, v. 2, p. 294 e 295 (trad. de J. Alves de Sá)
406 l\lIARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEF ESA 40'7

e veemência, em conseqüência do enfraquecimento dos órgãos Nesses três momentos desta evolução ascendente o que in-
de controle e da excitação geral inerente à modificação orgânica dica sua identidade de natureza e seu fundo comum é que o
devida à própria emoção. ódio, se cessa o poder que o detém, se converte em cólera franca,
A reação no estado de ira exclui necessariamente o cálculo, e esta, se aumenta, toma a forma de agressão real, volvendo,
o propósito, a reflexão presente, e todo processo psíquico incom- assim, ao tempo primitivo. a
patível com a noção da emoção estênica. A ira é emoção-choque que impele o agente a afastar violen-
Como emoção estênica, por excelência, a cólera é justa- tamente o obstáculo desagradável, causa da ofensa (Ley et
mente chamada furor brevis, não só pelos atos impensados que Wauthier). 9
determiria, como pela profunda obnubilação da consciência que Para os estados de ânimo a que se referem os psicólogos e
produz. O homem irado pratica atos automáticos de que não sobre os quais vimos discorrendo, onde a constante será o arre-
conserva memória, vê confusamente o · que passa debaixo de batamento; debalde será o prudente conselho de Bentham: "o
seus olhos, como se, em estado de. embriaguez, tolhesse seus sol não deite sobre vossa cólera, eis o preceito da Escritura; o
órgãos do sentido de sua precisão. 7 sono deve acalmar o transporte das paixões, a febre dos senti-
A ira tem raízes profundas no instinto de defesa como forma dos e dispor o espírito à influência dos motivos tutelares".
violenta e destruidora. Cuidando da irritabilidade celular, Mira y Lopez diz das
Segundo Darwin, é a segunda das emoções que surgem no substâncias que guardam a propriedade de reagir ante peque-
homem dentro da cronologia do processo vital. nas excitações, despendendo grande quantidade de calor e ener-
Conserva um caráter complexo, fisiológica ou psicologica- gia, como o que ocorre com os explosivos; também todas as for-
mente respondendo ao sucesso exterior, ao choque imediato, mas. de substância viva apresentam de maneira constante esta
consistindo em uma curta depressão, estado penoso, seguido de propriedade, que se poderá denominar de explosiva, no sentido
reação oíensiva. de serem capazes de "devolver mais que receberam", ou seja, de
Em suas manifestações, como anota Ribot, em forma ani- r sponder aos excessos, transformando-os de sensíveis em
mal, ou de agressão real, tem a violência de um furacão ou de atuantes, ao se verem afetados com determinada intensidade
uma força desencadeante da natureza, porque relacionada com pelos chamados estímulos ou excitantes que, desta forma, se
instintos poderosos na forma efetiva; pela preponderância do transformam em incitantes. 1º
elemento psíquico ou, pelo menos, pelo desaparecimento relativo
dos movimentos destruidores, revela-se o momento típico da 162. "Idem". A VIOLENTA EMOÇÃO
cólera, como força de emoção. .
Neste estado é mais freqüente, ainda na explicação A perturbação de ânimo em face da situação criada pela
agressão é, assim, crcunstâncía que influi decisivamente sobre
científica de Ribot, que o homem se limite à ameaça, com algu-
o comportamento do agente; em seu, subjetivismo, dando-lhe
ma ".iolência, sem destruição; na forma intelectualizada vão se
encontrar as forças antagônicas, o instinto agressivo que im- uma concepção às vezes irreal do perigo iminente contra o qual
pulsiona o agente de um lado, e a razão e o cálculo que limitam se defende.
e refreiam a tendência ao ataque, de outro, dando em resultado R Ribot, ob ..cít., p. 2.92. . .
"a suspensão do desenvolvimento". o A~gusto Ley et M.' L. Wauthier, ·Études de Psychoiogie Instinctive
et AfJectiv'e, 1946, p. 42. . . . . ' . ;
7
Altavilla, Psicologia Giudiziaria, cit., p. 78. 10 Mirá fLopez, ob. cít., p. 91. ··
408 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 409

Quanto mais robusta a fantasia, mais débil o raciocínio


(Vico). defesa consistirá justamente no excesso dela ... É evidente, pois,
observa o Dr. Melo César, que no caso de legítima. defesa o ho-
Se ela não serve de fundamento racional de causa escusa-
mem sente às vezes até necessidade de agir sem consciência,
tiva, atua preponderantemente como causa eliminadora do ex-
isto é, repelir imediatamente e o mais rapidamente possível o
cesso, seja no cálculo do próprio perigo, seja nos limites da rea.-
ção. perigo que o ameaça". . . . .
A inovação trazida pelo Código de 1969, considerando es- Em lições que ora se corporificam em nosso direito pos1t~vo,
insinuava Lemos Sobrinho que o excesso, por todas essas razoes,
cusável o excesso em decorrência da perturbação de ânimo, tem
se deveria considerar impunível, por haver resultado de uma
alto sentido biológico e encontra significação científica e jurí-
circunstância fortuita, ou por . erro de cálculo, ou de previsão
dica na doutrina de· Puffendorf, que baseia na necessidade de
caráter psicológico, determinando a situação do ofendido, o fun- provenientes de uma veemente emoção de ânimo, de uma com-
damento da legítima defesa. pleta abolição da consciência, coincidindo aí a legítima defesa,
no ângulo do excesso, com a dirimente da completa perturba-
Ante o ataque iminente, a reação far-se-á de modo fulmi-
ção dos sentidos e da inteligência, então' prevista no art. _27,
nante, despindo o comportamento humano da liberdade plena
de querer, impedindo o agente de formular livremente o juízo ss 4 . o ' do antigo Código: exigir que o agredido pense bem, reflita,
..
delibere num desses terríveis momentos, é o mesmo que exigrr
sobre a ação praticada.
que ele se deixe vencer pelo adversário; equivale, enfim, a ne-
A perturbação de ânimo do agredido, como causa justifica-
gar-lhe o direito consagrado e garantido pelo Código Penal. 11
dora do excesso na legítima defesa, já fora em nossa doutrina
analisada por Lemos Sobrinho, cujos conceitos insinuava, ainda
163;. A RELAÇÃO TEMPORAL ENTRE A AÇÃO E A REAÇÃO
na vigência do Código de 1890, a adoção de uma regra que rom-
pesse com o rigorismo do exame do pressuposto da moderação
Também, em relação ao estado de ânimo, como no ataque
no instituto, justamente por' ser difícil compreender-se, no em-
de surpresa, o arrebatamento emocional deverá coincidir com
bate entre defesa e ataque, a inocorrência dessa alteração do
0 ato da repulsa, que dela será conseqüência imediata, colocan-
estado mental do agredido.
do-se o problema no quadro cronológico e convertendo-se o fator
Ordinariamente, acentuou ele, "o agredido encara de modo
tempo no representante sensível do processo mental subjacente
exagerado a situação de violência em que é inopinadamente co-
à conduta examinada.
locado, não podendo conservar o sangue frio necessário para
observar a medida exata da defesa. O homem fraco ou tímido Mas, na prudente anotação de Majno, não se descerá a ~i-
vê o perigo maior do que é; outro imagina que o primeiro ataque 'núcias excessivas, porque os critérios para julgar a provocaçao
não é senão o prelúdio de uma emboscada mais perigosa. As não devem ser deduzidos simplesmente do relógio, mas da razão
sensações bruscas e violentas, como são, em regra, as provocadas jurídica e moral da escusante. Não se deve exigir a súbita rea-
pelos ataques que põem em perigo a vida e outros direitos subs- ção, bastando que ela ocorra quando o sentimento de ira e de
tanc'ais, determinam uma das form~ especiais de emoção - dor ainda não esteja abolido.
o medo e a cólera". Neste pormenor, a idéia da escola positiva do direito penal,
É claro, continua o conceituado monografista, que "não para ele, é ainda mais resoluta do que possa permitir um traço
podendo o homem encolerizado ou enfurecido defender-se com ortodoxo da teoria clássica, porque a escola positiva mede a te-
uma resistência moderada ou proporcional à agressão, a sua 1
11 Lemos ·sobrinho, ob. cit .. p. 177 e 1 78.
410 MARCELLO J. LINHARES

mibilidade do delinqüente pela moralidade dos motivos que o


excitaram a agir e não pela acidentalidade de um intervalo de
tempo. 12
Segundo a explicação de Ramos, o nexo causal entre a ação
e a violenta emoção se assegurará mediante uma relação tem-
poral de caráter inverso, posto que o imediato ou coincidente
(1:1í~imo de _tempo) constitui a melhor garantia de sua proce- CAPÍTULO XXIV
dêncía emocional; e, pelo contrário, um lapso prolongado ín-
ter~ondo-s~ entre os extremos do binômio anularia tal qualifi- LEGÍTIMA DEFESA E CÓDIGO PENAL MILITAR
cativa. Assim se expressa: "nossas relações diferidas não coin-
cidem ou não aparecem de imediato à causa desencadeante da 164. Natureza política das milícias. 165. Fundamento da legí-
tima defesa na lei penal militar. 166. Alcance. 167. Requisitos.
v'olenta emoção". 13

164. NATUREZA POLíTICA DAS MILÍCIAS

Compreende-se a regulamentação própria do instituto da


legítima defesa no Código Penal Militar, dada a natureza po-
lítica das milícias, no seio das quais a
violação da disciplina
e dos deveres militares turba o seu organismo com acentuados
reflexos em seus meios e em seus fins. '
Põe-se um rigor especial no exame da legítima defesa, aten-
dendo-se ao critério de que, para o bem do serviço, deve o mi-
litar manter-se inflexível no cumprimento de seus deveres e que
a ofensa alheia não deve fazê-lo desviar-se da observância
deles.~
A isso se acresce que as forças armadas são constituídas
de rapazes ainda jovens, aos· quais se confia o porte de armas,
explicando-se assim, seja sob o aspecto da disciplina militar,
seja sob o da oportunidade, que a legítima defesa deva ativar-
-se dentro de confins bem definidos. 3
Venditti assinala, a propósito das infrações militares, que
o particular que reage a um agressão não está sujeito, de re-
gra, a algum vínculo particular, nem a respeito do ordenamen-

1 Pietro Vico, Diritto Penale Militare, Milano, 1917, p. 106.


12 Majno, ob. clt., p. 151. 2 Pietro Vico, ob. cit., p. 137.
_ 1,3 • Juan P. Ramos, Curso de Derecho Penal, apud José Angel e a Giuseppe Ciardi, "Difesa legittima, Dir. penale militare", in Nuo-
Tíburcío de la oarcova, El Hom,icidio Emocional, Buenos Aires, p. 36. vissimo Digesto Italiano, Torino, 1960, v. 5, p. 628.
412 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 413

to estatal, nem a respeito à pessoa do agressor; já o militar que . a) é causa que exclui o crime, aplicando-se a qualquer
reage, praticando um fato concreto correspondente ao tipo de infração militar, desde que se veríüque a hipótese de alguém
um crime militar, viola sempre o vínculo de disciplina que e · repelir de si ou de outrem uma injusta agressão, atual ou
liga ao ordenamento militar, e muito freqüentemente quando iminente;
a .agressâo é feita a um superior hierárquico, violando o dever b) guarda características idênticas à legítima defesa do
derivante de relação de subordinação. Código Penal comum, se bem resultem em todos os casos, mais
. A necessidade do direito penal militar, pelo exposto, é a rigorosos e circunscritos, os límítes da aplicação e os efeitos so-
necessidade mesma da sociedade militar, da qual ela conserva bre a responsabílídade, tal o rigor conceituai da disciplina
os mesmos elementos· vitais para exprimi-la em conteúdos po- militar. 6
líticos equivalentes.
166. ALCANCE
165. FUNDAMENTO DA LEGíTIMA DEFESA NA LEI
PENAL MILITAR A legítima defesa na lei penal militar tem ampla área de
aplicação, desde· que o fato se cometa para repelir do agredido
Pelo Código Penal Militar, a legítima defesa é também qualquer violência injusta e atual, contemplando a norma as
posta como o exercício de uma violência reclamada pela neces- · agressões à integridade pessoal, própria ou de outrem, indepen-
sidade de tutelar a vida, os haveres, e a honra, exigindo, para dentemente do grau ou posto do militar, ofendido ou ofensor. r.
a respectiva configuração, . os mesmos requisitos e os mesmos Assim, é direito destinado à defesa da vida, da integridade
limites de fato e de direito que a defesa legítima no .díreito corporal, da propriedade, da posse ou da honra, recebendo esta
penal comum. a restrição de Malizia. 7
Particularizando o estudo das leis penais, em seu campo, As aplicações práticas mostram-se favoráveis à defesa de
e assumindo um ramo especial do direito penal, o direito penal honra. Entendeu-se que agira briosamente o militar agressor
militar conserva estreita coordenação com os princípios gerais de seu superior que lhe desrespeitara o lar e a esposa durante)
que disciplinam a ciência penal geral. sua ausência, e de quem recebera resposta insultuosa quando
Se se encontra uma razão de ser para a adaptação da lei o interpelara.
penal comum às exigências militares, isso deve ocorrer com Nenhuma limitação é feita a direito de terceiros, por for-
mais propriedade com relação à parte especial, havendo quem ça desse gesto de solidariedade humana que até pode se trans-
sugerisse a adoção dos preceitos gerais do Código Penal comum, formar em dever militar, como nos casos de socorro aos ne-
de uniforme aplicação aos dois ramos do direito público penal, cessitados.
sem a superfetação e redundância das repetições nas legisla- Considera-se particular a situação do sentinela que venha
ções. próprias. a fazer uso de armas. Age em situação prívüegíadíssíma, cos-
Os princípios que informaram as disposições do Código Pe-
nal Militar, relativamente à legítima defesa, podem assim s Ciardi, I Nuovi Codici Penali Militari, Milano, 1942, p. 134.
resumir-se: " Gaetano Tei, Nuovi Lineamenti del Diritto Penale Militare, Mi-
lano, 1951, 2.ª ed., v. 1, p. 136.
~ Rodolfo Venditti, "La Iegíttíma difesa n"el diritto penale militare", 7 savertç
~ . J)
Malizia, Codici Penali Militari di Pace e di Guerra, Mi-
iti Rinista Italiana di Diritto e Proceâ-rra Penale, 1955, p. 190. Iano, 1956. p. 31. ·
414 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 415

tumando-se dizer, mais do que em estado de legítima defesa, só admitir a legitima defesa em casos excepcionais, dentro de
em realidade no uso legítimo das armas. Não será .apenas uma confins mais rígidos que os consentidos aos civis.1º
faculdade, mas também um dever, anda que o faça contra um Destaque especial dão alguns autores ao requisito da ade-
superior, porque estará protegendo não a si próprio, mas a na- quação da proporção dos meios utdlízados na repulsa, com re-
tureza do serviço que presta. s ferência ao sentimento específico do militar, o da bravura, que
A legítima defesa putativa é também admitida na lei penal o leva a uma reação mais forte e mais enérgica.
militar, segundo interpretação uniforme, quando o agente en- Fala Esmeraldino Bandeira do dever funcional do militar
frenta uma situação que, em todos os seus contornos o induza da luta armada a que está permanentemente exposto, "não se
a crer tratar-se de uma agressão a direito seu ou de' outrem, podendo compreender a existência de um exército composto de.
que busca repelir. Exemplo de legítima defesa putativa é o caso timoratos, medrosos e cobardes. Por isso é que, sendo a cobar-
da sentínelà q_ue atira contra um vulto que, desobedecendo inti- dia um simples defeito moral nos paisanos, no militar constitui
um crime funcional dos mais graves".»
mação de alto, · caminha e faz menção de tirar do bolso algum
O requisito, destarte, como também ocorre no direito pe-
objeto, podendo ser uma arma, quando em realidade era um
salvo-conduto.
nal comum, deve ser pesado conforme a situação material e
social do agredido, examinando-se o problema do excesso por-
167. REQUISITOS
ventura havido na reação dentro de regras mais tolerantes,
indormadas en. raison. dw trouble dlesprit, considerada, princi-
Os requisitos da legítima defesa no Código Penal Militai palmente, a situação do agredido, criada exclusivamente pelo
são os !nesmos exigidos pelo direito penal comum, tal a iden- ato injusto do agressor.v
tidade de redação dos Códigos: "entende-se em legítima defesa A perturbação que no paisano nasce do medo,. do espanto
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele ou do terror da agressão, ao. militar advém da emoção causada
injusta agressão, atual e iminente, a direito seu ou de outrem" pela subítânea e inevitável necessidade de defender imediata-
(Cód. Penal Militar, art. 44). mente, com o seu direito atacado, o sentimento básico e orgâni-
co de sua classe social, que é a bravura militar.
No exame de todos eles, como assinala Badaró, devem-se Segundo Malizia, para a aplicação da legítima defesa não
levar em conta as condições pessoais e as circunstâncias espe- se deve medir a proporção entre a violência atual e injusta e a
ciais em que se achava o agredido, devendo o juiz colocar-se. reação à constatação e à valorização póstuma dos eventos.
mentalmente, na posição do acusado e reconstituir a situação, A proporção é relativa aos meios de que o agente dispunha
para verificar se os atos praticados foram proporcionais à. para defender-se do perigo objetivamente existente ou subjeti-
agressão. 9 vamente avaliado.
Com rigor excessivo, Lo Cascio defende maiores exigências Já a Martins Teixeira o Código Penal Militar não deve dei-
dos requisitos do instituto no campo penal militar, a ponto de xar, à semelhança do comum, a porta aberta para que, apre-
8 == J. Colombo, El perecho Penal Militar u la Disciplina, 10
11
Manlllo Lo cascío, tnntto Penale Mtlitare, Milano, 1958, .p. 60.
Buenos Aires, 1953, p. 302. Esmeraldino O. T. Bandeira, Direito, Justiça e Processo Militar
!J Ramagem Badaró, Comentários ao Código Penal Militar de 1969 Rio, 1919, 2.ª ed., v. 1, p. 153. '
São Paulo, 1972, v. 1, p. 219. ' 12 Esmeraldino Bandeira, ob. cít., p. 154.
416 MARCELLO J. LINHARES

texto de legítima defesa, sejam praticados crimes impunemen-


te. É necessário que o juiz verifique os requisitos e sobretudo o
que se relaciona com o excesso; indagando-lhe as causas. rn
A possibilidade de fuga não impede a escusativa, nem torna
impeditiva a inevitabilidade do mal.
Entre os cuidados exigidos para a reação, doutrina Manas-
sero, não se faz questão da possibilidade da fuga, tese que, ado- CAPÍTULO XXV
tada em relação aos cidadãos pelo direito penal comum, com·
mais forte razão se aplica aos casos dos militares. 14 LEGÍTIMA DEFESA E LEGISLAÇÃO DISCIPLINAR
Sobre a aplicação prática do instituto na lei militar, anota TRABALHISTA E DESPORTIVA
Battaglini que a limitação à necessidade de afastar de si uma
violência atual e injusta, isto é, o perigo atual e iminente de 168. Generalidades. 169. Legítima defesa e legislação do tra-
ofensa à pessoa, é mantida na lei especial. No exército um mais ·balho. A justa causa para a rescisão do contrato de trabalho e a
amplo conceito disciplina o dano da hierarquia e da disciplina. ressalva de legítima defesa. 170. Fatos que constituem agressão.
171. Regras para -a avaliação da legítima defesa da Justiça Tra-
Especialmente nas hipóteses de insubordinação e de abuso de
balhista. 172. Casos de inaplicabilidade da legítima defesa. 173.
autoridade, prevê-se uma autodefesa de maior extensão.
Legítima· defesa e Justiça Desportiva. 174. Revide e legítima
Cíardi tem o cuidado de fornecer critérios especiais para defesa. Diferenciação dos institutos. 175. Caráter restrito da
a solução de conflitos entre o superior e o inferior, assim legítima defesa na Justiça Desportiva.
aconselhando:
a) _.§e a ameaça é exercida do superior contra o inferior, é
óbvio que este não deve ser, sem qualquer razão, autorizado 168. GENERALIDADES
2. infringir o vínculo hierárquico e reagir, salvo casos de excep-
Além do penal militar, em dois outros campos de incidên-
cional gravidade;
b) se exercitada pelo inferior contra o superior, este pode cia do instituto da legítima defesa sobreleva a preocupação ins-
reconduzir o inferior à razão, utilizando a força e o terror dos titucional da disciplina como forma de equilíbrio e garantia das
regulamentos, agindo assim não à causa da legítima defesa, relações intersubjetivas do cidadão e das regras imperativas de
mas no cumprimento de um próprio dever, sendo enfim autori- sujeição a que está exposto.
zado a fazer uso de arma nos Iimítes consentidos; Esses campos são o do direito do trabalho e o da justiça es-
.e) quando a ameaça for de par a par, isto é, recíproca, portiva, ambos de grande interesse para a aplicação do direito,
ainda aí subsiste a idéia da necessidade, salvo casos excepcio- onde se consideram a situação jurídica ativa (poder disciplinar)
nais, de não autorizar, no interesse da disciplina, a reação do
e a situação jurídica passiva (sujeição ou resp.abilidade dis-
ameaçado. 15
ciplinar) ..
13 Silvio Martins Teixeira, Novo Código Penal Militar do Brasil, Em ambos os setores se afirma um poder de comando. No
Rio. São Paulo, 1.946, p. 100. primeiro, embora vinculado a certas normas disciplinares, as-
14 Aristide Manassero, 1 Codici Penali Militari, MUano, 1951, 2~ ed.,
Y. 1. p. 136.
sume o patrão uma supremacia especial sobre o empregado; no
15 Ciardi, Difesa Leçittima. cít., p. 628. segundo o desportista se sujeita a um poder de supremacia
418 MARCELLO J. LINHARES LEGÍ'.l'IMA DEFESA 419

geral, poder soberano que exercita a ação disciplinar através Como justa causa, pode a ofensa, cometida em serviço, ser
de regras aplicadas pelos órgãos punitivos. punida com a rescisão do contrato, independentemente do pa-
Num caso, a falta (agressão) é sancionada com a rescisão gamento de indenização, qualquer que seja a vitima da agres-
livre do contrato de trabalho; noutro, com penalidades que va- são - colega de trabalho, inferior, superior hierárquico, ou
riam entre uma suspensão temporária de atividades e a elimi- mesmo o terceiro estranho à relação de emprego; e, na outra
nação do atleta. hipótese, quando, mesmo fora do serviço e em local diverso do
Como forma e causa legítimas impeditivas da cominação recinto do trabalho, for a ofensa dirigida contra o superior.
de sanções, tem a legítima defesa singular significado para o As ofensas, pelo visto, como está no ensinamento de Rus-
juiz incumbido de fiscalizar, no campo trabalhista, a exatidão somano, devem ocorrer em razão do emprego ou, se fora, du-
do conteúdo da punição e, no campo desportista, para o juiz a rante o expediente e no recinto dele, pois incidentes à margem
que cabe o acertamento das responsabilidades para a punição ctà relação empregatícia são irrelevantes aos efeitos da lei. 1
do fato. A redação da letra k - "contra o empregador e superiores
hierárquicos" - não deixa de causar perplexidade se, despre-
169. LEGÍTIMA DEFESA E LEGISLAÇÃO DO TRABALHO zado o conteúdo teleológico do texto, a ele se emprestar inter-
- A JUSTA CAUSA PARA A RESCISÃO DO pretação léxica. Tal foi a observação de Giglio: "A intenção
CONTRATO DE TRABALHO E A RESSALVA gramatical do texto leva a concluir que as ofensas físicas pra-
DA LEGÍTIMA DEFESA ticadas só contra o empregador não configurariam justa causa,
assim como não haveria justa causa se as ofensas fossem diri-
Desde o Decreto n.? 20.465, de 1931, os dispositivos que gidas apenas a um superior híerárquícó ou a superiores hierár-
sempre regeram as relações de trabalho entre patrões e em- quicos. Seria preciso que as ofensas físicas fossem praticadas
pregados, considerando justa causa para a dispensa do em- contra o empregador e mais de um superior, o que, evidente-
pregado a ofensa física praticada no serviço contra qualquer mente, não é a mens legis. Ademais, a expressão "qualquer pes-
pessoa, ou fora dele contra superiores, ressalvaram os casos de soa", da letra j, abrange, obviamente, também os superiores
legítima defesa própria ou de outrem. hierárquicos e o próprio dono da empresa, tornando pleonástica
A Consolidação das Leis do Trabalho disciplina atualmente a menção deles, na letra k". i
a matéria em duas letras do art. 482, dispondo constituir justa
causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador 170. FATOS QUE CONSTITUEM AGRESSÃO
a prática de ofensas físicas praticadas no serviço contra qual-
A ofensa física tem, no direito do trabalho, conceituação
quer pessoa (letra j) e essa mesma prática, contra o empregador
ampla, abrangente do homicídio, da tentativa, da lesão corporal
e superiores hi árquicos (letra k).
seguida de morte, da lesão grave ou leve, da exposição de al-
Manteve, relativamente a ambas as hipóteses, a restrição guém a risco de vida, da rixa, do desforço pessoal, dos maus-
das leis anteriores - "salvo em caso de legítima defesa, própria
ou de outrem". · 1 Victor Russomano, Comentários à Consolidação das t.ei« do Tra-
1 São; assim, duas situações autônomas - a prática de lesões balho, Rio, 1957, p. 734.
2 Wagner D. Giglio. Justa Causa para Despedimento do Empregado,
: em serviço e a prática de lesões fora dele.
São Paulo, 1966, p. 278.
<:20 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 421
-tratos (violência contra aprendizes) e mesmo a injúria, desde
que consistente em violências ou vias de fato e que, por sua 173. LEGÍTIMA DEFESA E JUSTIÇA DESPORTIVA
natureza ou meio empregado, se considere aviltante.
O Código Brasileiro Disciplinar de Futebol distingue a legí-
Russomano incluiu, ao lado das agressões, as simples ten- tima defesa do revide, prevendo a primeira como causa exclu-
tativas, entendendo que seus efeitos, para a relação de emprego, dente da infração (art. 4.º, letra a) e o segundo como simples
são os mesmos, isto é, agressões consumadas. circunstância atenuante de penalidade (art. 29, letra b).
A lei, com efeito, preocupa-se mais com o ato da agressão Por legítima defesa se entende a reação imediata, neces-
que propriamente com seus efeitos, incidentes no domínio do sária e sem excesso, contra injusta e atual agressão física (§ 1.0 ,
direito penal comum. Atende à finalidade da disciplina, con- do citado art. 4.0).
dição essencial à harmonia das classes e fundamento da paz e Deixa o Código de definir o que constitui o revide '.
da estabilidade sociais.
17 4. REVIDE E LEGÍTIMA DEFESA - DIFERENCIAÇÃO
171. REGRAS PARA A AVALIAÇÃO DA LEGfTIMA DEFESA DOS INSTITUTOS
NA JUSTIÇA TRABALHISTA
Parece claro, ante a redação dos textos, o extremo · de um
e outro institutos. O revide pode ser caracterizado como sim-
As regras estabelecidas para a avaliação do comportamento
ples resposta a ato desleal ou a ofensa física cometida durante
do agente são as estabelecidas pelo art. 21 do Código Penal,
a competição.
cujos requisitos devem se agrupar em todos os seus contornos
. Prevendo o Código outra modalidade de revide como forma
para descriminar o ato atribuído ao autor da agressão. Com
de contestação (ofensa moral), isto é, dizendo. constituir ate-
esta guarda estreitos laços a provocação, cabendo ao julgador,
nuante a ação cometida em desafronta a grave ofensa moral,
por serem muito comuns as hipóteses de provocação no campo
forçoso será entender-se que o revide, forma especifica de re-
trabalhista, por meio de chacotas entre colegas, de ameaças, etc.,
dução da pena, só se explica como veículo de instintiva reação
perquírir a origem e a natureza do ato, na tarefa de bem deci-
contra o ato físico ou mecânico. · ·.
dir sobre o moderamen, desde que a reação não pode deixar de
:€ o comportamento de quem devolve um golpe desleal do
guardar uma proporcionalidade, pelo menos relativa e razoável,
adversário, assim como a troca de pontapés entre atletas que
com o processo que a motive.
disputam um lance, ou, como considera Serrano Neves, "dá-se
a ação objeto do revide quando, na disputa da bola, um atleta,
172. CASOS DE INAPLICABILIDADE DA LEGtTIMA
DEFESA infringindo às regras do jogo, aplica um golpe desleal no adver-
sário e este, prontamente, devolve-lhe o golpe". 3
Revide, pois, é a mera retribuição, compensação de uma
A doutrina só vem admitindo motivo capaz de elidir a pena
conduta antidesportiva do atleta, praticada por um gesto re-
de rescisão do contrato, a ocorrência de legítima defesa real,
flexo; é a manifestação instintiva por ato mecânico de incon-
deixando de emprestar efeitos idênticos à legítima defesa sub,
formismo daquele que é atingido por atitude menos leal de seu
jetiva, considerando não eximir esta última, fundada em erro
competidor. É a reação sensorial ou motora,. involuntária mes-
de fato, a responsabilidade civil do agente pelo seu ato. Isenta-o ma, a um estimulo ou impulso exterior.
somente de pena.
:: Serrano Neves, Direito Penal Desportivo, Rio, 19&3, p, 9'7.
M ARCELLO J. LINHARES

Legítima defesa, ao revés, forma de exclusão de culpa, é


ato consciente, deliberado, oposto a uma agressão física, atual,
· injusta, empregado no sentido de afastá-la ou de neutralizá-la.
Presume ato deliberado do agente agressor, ato intencional
por este injustamente praticado, visando a atingir, com o pro-
pósito evidente de ofender, o seu adversário, o que não ocorre
CAPÍTULO XXVI
com o revide, voltado, na maíoría.das vezes, contra um ato não
dolosamente deliberado. LEGíT1MA DEFESA E PROCESSO
175. CARÁTER RESTRITO DA LEGÍTIMA DEFESA NA
176. Legítima defesa, flagrante e prisão preventiva. 177. Legí-
JUSTIÇA DESPORTIVA tima defesa e denúncia. 178. Legítima defesa e prova. 179.
A palavra do réu. Valor. 180. A negativa da autoria e legítima
A legislação disciplinar desportiva se reserva a missão fun- defesa. 181. A presunção de legítima defesa. 182. Legítima
damental de exigir a lealdade nas competições, coibindo toda dej esa e absolvição sumária. 183. Legítima defesa e habeas
e qualquer forma de vjolência entre atletas participantes das corpus. 1~4. O assunto regulado pelo novo Código. de Processo
disputas, dentro de um sentido altamente pedagógico que, sem Penal.

despersonalizar o atleta, procura evitar os seus excessos e o seu


descontrole emocional. 176. LEGITIMA DEFESA, FLAGRANTE E PRISÃO
Dentro desta linha de atuação, não permite a legislação PREVENTIVA
especial senão a legítima defesa em favor da própria pessoa
atingida, desconhecendo a legítima· defesa de terceiro, obvia- Faculta o art. 310 do Código de Processo Penal conceder o
mente por tratar de espetáculos onde a afluência de autori- juiz liberdade provisória ao réu mediante .termo de compareci-
dades públicas, ou mesmo a de assistentes, pode vantajosamente mento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, quan-
evitar a violência, sem os riscos da intervenção de partidários do verificar, pelo auto de prisão em flagrante, ter praticado o
deste ou daquele grupo, cujos propósitos legítimos só serão jus- fato em legítima defesa.
tificados quando cuidarem de separar contendores desajus- Ao mesmo tempo, prescreve, em seu art. 314, que a prisão
tados. preventiva em nenhum caso será decretada se verificar, pelas
Nem mesmo a legítima defesa presumida, abrangente de
provas constantes dos autos, ter o agente praticado o fato nas
modalidade logicamente incompatível com as desinteligências
condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal (art. 23, I,
próprias da competição desportiva, pode, por tais razões, ser in-
II e III, da nova Parte Geral do Código vigente).
cluída entre as causas de descriminação do comportamento do
atleta. Na vigência dos dispositivos que regiam a prisão preventiva
. Tentativas levadas a efeito no sentido de ampliar os efeitos compulsória, para que isso ocorresse seria necessária a evidên-
da legítima defesa na justiça especializada não vingaram, como cia de uma prova que deixasse antever, no juízo global dos ele-
se discutiu e se deliberou no 1.° Congresso Brasileiro de Jus· mentos do inquérito, a reunião dos pressupostos da legítima
tíça Desportiva (cf. Anais, Rio, 1969, Teses XXXIII e XXXIV). defesa.
424
LEGÍTIW. DZFESA 425
MARCELLO J. LINHARES

Isso se explica porque as medidas cautelares só devem ser


Sem esse caráter, duvidosa a instrução em torno de um dos
aplicadas com base em razoável previsão de que poderão pro-
requisitos legais que fosse, haveria lugar à decretação da me-
duzir efeito definitivo, convalidando-se por uma sentença con-
dida, obrigatória nos casos de homicídio e de tentativa de ho-
denatória definitiva. 2
micídio.
Aconselha Basileu Garcia a aplicação desses princípios com
Mudando o critério, a lei aboliu a prisão preventiva com-
a devida prudência, evitando-se o prejulgamento da causa.
pulsória, o que possibilita um juízo mais maleável das regras
dos arts 310 e 314 do Código de Processo Penal. 177. LEGÍTIMA DEFESA E DENÚNCIA
Basta, assim, um esboço de prova do inquérito sobre a cons-
tataçao da legítima defesa para que o flagrante e o decreto de Apurando-se dos autos da instrução policial ter o agente
prisão preventiva envolvam coação, como neste último caso já praticado o fato em legítima defesa, nada obsta à aplicação da
parecia a Ivair Nogueira Itagiba, devendo prosseguir o processo regra do art. 43 do estatuto processual, que recomenda a rejei-
estando o indiciado em liberdade. 1 ção da denúncia toda vez que o fato não constituir crime.
Não será necessária a consistência de uma prova plena, Ilícitos, em tese, o homicídio ou a tentativa de morte, pas-
qual a referida pelo art. 411 citado e exigida para a absolvição sam a ser considerados escusáveis em seu sentído objetivo, se
sumária, desde que os textos legais disciplinam o exame do praticados na forma do art. 25 do vigente Código· Penal.
assunto em fases autônomas e distintas do processo. A questão de ser necessário o estabelecimento da relação
A interpretação é a prevalente, segundo a qual exigir-se, processual para a devida apuração da prova em campo adequa-
na quadra em que se aplicam os arts. 310 e 314, prova irrecusá- do, .que seria o do juízo da instrução, foi considerada por Darcy
vel, a mesma que sempre deve ser apresentada no final da íns- Arruda Miranda, entendendo que, se a hipótese refoge à regra
~··--
trução, seria confundir-se a verificação de que cuida o art. 411 do art. 314 do Código de Processo Penal, não há falar em crime
com a conveníência exigida pelo art. 314. e, via de conseqüência, em denúncia ou instauração da ação
Ao juiz não se imporá a certeza absoluta de ter sido o fato penal.
cometido em legítima defesa, desde que esteja segura a mera São seus os seguintes argumentos: "Se dó inquérito deflui,
presunção ou a probabilidade de terem os fatos ocorridos na sem sombra de dúvida, que o agente praticou o fato em estado
forma relatada pelo inquérito policial, .mesmc ante a eventual de legítima defesa, sem excessos, não é admissível, sob pena de
possibilidade de inflexão da prova no curso da instrução; e, con- javertismo judiciário, ab-rogante da lei, que se o submeta à
seqüentemente, concederá líberdade pro~isória ao agente ou prova de um verdadeiro leito de Procusto, como seria o processo
abster-se-á de decretar a prisão preventiva. Terá agora mais for- judicial na hipótese". 3
tes razões para fazê-lo, por não ser compulsória a segregação de Do mesmo pensamento comunga Atahide Monteiro da Sil-
acusado. va. Ao Ministério Público não é defeso deixar de exercer o ius
Quando se delinear, pois, de modo razoável, a defesa, dei- denuntiandi, caso se convença de haver o agente praticado o
xando antever um resultado que o .favoreça, constituirá evidente fato sob o pálio da legítima defesa, porque não estará julgando
coação, por falta de justa causa, a antecipada privação da liber-
dade do agente.' 1 Giuseppe de Luca, La Carcerazume Preventiva, Padova, 1953, p. 34.
'! ª Darcy Arruda Miranda, Repertório de Jurisprudência do Cód.igo
de Processo Penal, Rio, 1958, v, VII, p. 335.
· 1 Ivair Nogueira Itagiba, in Arquivo Judiciário, v. 125, p. 222.·
426 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 427

o réu. Para julgar seria mister a pretensão punitiva, o que ino- Será por igual de se aplicar a regra do art. 574, item II do
correrá na hipótese de arquivamento, onde não há o res in ju· Código de Processo Penal, obrigando-o ao 1.lSO do recurso ex of-
dicio âeâucta. Para que possa o Ministério Público agir é ne- ficio, por não se compreender que a lei imponha essa modali-
dade de recurso no caso do art. 411 (absolvição sumária), depois
cessário que ocorra um fato penal típico. Se não há crime na
do filtro de uma instrução, fjpando a decisão tomada na fase
legítima defesa, não haveria objeto à pretensão punitiva: a
vestibular do processo desabrigada da ação revisora da superior
denúncia não lastreada no substrato probatório também acar-
instância.
reta abuso de poder, tal o constrangimento ilegal que pode en-
sejar, dando margem à impetração do remédio constitucional 178. LEGÍTIMA DEFESA E PROVA
do habeas corpus. 4
Ressalte-se, contudo, a existência de conspícua corrente [u- No direito romano, em face da contradição entre certos tex-
risprudencial em sentido contrário, cedendo ante o princípio tos, não era fácil a conciliação das regras sobre a prova da legíti-
da obrigatoriedade do processo penal, malgrado admitir o mo- ma defesa, porque se alguns, conforme interpretação da doutri-
nopólio da iniciativa da ação ao órgão da acusação; entende na, levavam à compreensão de sempre se presumir haver o agre-
que o arquivamento só se explica quando atípico o fato, faltan- dido agido em defesa, outros admitiam a inteligência· de que
do-lhe elementos da definição legal; não podem ser de plano a presunção, ao revés, era a de ter cometido o fato por vingança,
apreciadas causas de exclusão de antijuridicidade em simples salvo se o contrário pudesse demonstrar (nisi prooet contra-
pedido de arquívamento.s riums,
Parece-nos, entretanto, preferível o entendimento preceden- A escola italiana se inclinou nitidamente na direção de
temente exposto, afeiçoado a tendências de teorias modernas, corrceder maior liberalidade no exame dessa prova.
segundo. as quais as causas de justificação, ou escusativas, ele- Júlio Claro, apoiando Baldus, aceitava uma prova simples,
mentos negativos da espécie, são colocadas juntamente com os de que o agente agiu em sua defesa; para provar que esteve em
elementos positivos da tipicidade criminosa, num mesmo plano risco de vida bastava demonstrar que o adversário caminhou
de igualdade, estando a descriminante ínsíta na própria estru- armado contra ele: "non enim tenetur quis expectare, · quoâ
tura do fato. Desde que ela ocorra, o fato se despe de tipicidade, prius ab alio percutiatur, potest ipse statim iUum percutere.
não constituindo ofensa ao direito positivo. Est enim iusta causa timoris, quod veniat animo percutietuii,
etiam. si non expectatur percussio",
Essas mesmas regras se aplicam ao caso em que o próprio
Acompanhado por Strikio, Carpzovio também se guiou pelo
representante do Ministério Público; discorrendo sobre os fatos
critério da aceitabilidade de uma prova imperfeita, não se in-
em sua notiria criminis, admitir a ocorrência da escusativa.
comodando com a prova plena ou perfeita: "secus ubi agitur
Convém explicitar que o comportamento do juiz equivalerá pro sanguine aâ liberationem, tunc enim pro ejus innocentia
a uma exceção, dele reclamando-se -um especial equilíbrio no probaruia sutiiciunt probationes imperfectae". Considerava
exame da espécíe, porque tal solução importa no trancamento atendível essa prova, mesmo quando resultante do testemunho
do. exercício da ação, antes mesmo de sua propositura. das pessoas ligadas ao acusado por laços de sangue ou de afe-
tividade; assim, poderiam depor os domésticos em favor dos
4 Atahide Monteiro da Silva, in, iusuua, 1968, n. 62, p. 93 e n. 65, patrões; os consangüíneos, em benefício recíproco; o irmão em
p. 231.
favor do irmão; a mulher em favor do marido, etc. e vice-versa.
11 Mârio Boa Nova Rosa, voto, in Revista, Forense, v. 215, p. 307.
428 MAllCELLO J. LnmAJtEs
LEGÍTIMA DEFESA 429

Costumava-se, também, dar a absolvição por ausência de


Lembra, a propósito, o ensinamento de Vouin, para quem
prova; em falta de testemunhas, as presunções e as conjecturas
não cabe ao réu produzir uma prova plena e completa em apoio
bastavam à prova da defesa Neste caso, Strikio mandava re-
de sua defesa, porquanto a prova insuficiente pode mostrar ser
correr à tortura: se o agredido, a ela submetido, perseverasse
nrovável a existência da causa excludente e justificar, assim,
alegando a legítima defesa, a absolvição então seria o caminho
; absolvição pela razão de que a dúvida aproveita o inculpado. 9
a se seguir: "Breoitert Tunc torturae subjiciendus esi, et vez
homictdium pure confiteatur, vel in tortura perseoerans peniius o princípiode caber o ônus da prova a quem invoca o fato,
absoluatur", sem a qual a afirmação resulta privada de toda eficácia, ou aten-
. dibilidade, segundo pressuposto do actore non probante reus
As normas observáveis sobre a prova da legítima defesa são
absolvitur, cede lugar, no processo penal, ao critério do livre
hoje as constantes do Código de Processo Penal, especialmente
convencimento, parecendo a Manzini ser a máxima de perten-
as que fazem objeto aos arts. 386, VI, 411, influenciando em
cer o ônus da prova a quem acusa ou a quem defende mero
sua avaliação os princípios doutrinários dominadores da prova
em geral. princípio lógico, mera afirmação de sentido comum, nada mais
que uma regra de direito. 10
Quanto ao seu ônus, é regra exigir-se de quem alega o fato
o dever de prová-lo (onus probatuii incumtnt ei qui asserit), Ao juiz cabe procurar a prova, aconselhando De Marsico,
seja a probatio agressiva, seja a probatío âetensiua» _ não julgar-se segundo o alegado e provado, mas, antes, pelo
Assim, como ao Ministério Público se irroga a obrigação de seu livreconvencimento, não fixando a lei, nem dosando antecí-
evidenciar o seu libelo, ao agente se impõe, correlatamente, a ' pactamente, o valor de nenhuma prova, mas fazendo obra com
responsabilidade de demonstrar a ocorrência da legítima de- a coordenação lógica de elementos recolhidos na pesquisa da
fesa. verdade.
Mas, se essa demonstração incumbe ao réu, não será, con- As recomendações [urísprudencíaís são no sentido de se
tudo, um dever até o ponto de se negar a escusatíva quando aplicar a legítima defesa em favor do imputado quando exista
algum princípio sério de prova resulte em seu favor.7 a prova plena e certa da situação de fato que a justifique (pe-
Não se desincumbíndo o réu, satisfatoriamente, do ônus que rigo atual da ofensa e necessidade de defesa), não podendo· ser
se lhe atribui, não se segue daí, necessariamente, que deva ser beneficiado por uma prova dubitativa, porque esta não é apta
condenado. a afirmar a causa de licitude jurídica na qual se concretiza a
eximente.
Como professa Frederico Marques, "se dúvida houver
quanto à ilicitude ou quanto à culpabilidade de sua conduta, Entretanto, as teorias modernas inclinam-se no sentido de
cumpre ao juiz absolvê-lo por não existir prova suficiente para que as causas de justificação, como os elementos impeditivos ou
a condenação"," elementos específicos constitutivos da ilicitude, são, também,
conforme novos ensinamentos, elementos negativos da espécie,
6 Eugenio Florian, Elementos de Derecho Procesal Penal, Barcelona, elementos· que se inserem, isto é, ao lado dos elementos positi-
1934, trad. de L. Prleto Oastro, p. 322; F. Whltaker, Júri, São Paulo, vos e sobretudo sob um mesmo plano, na tipicidade criminosa.
6.ª ed., 1930, p. 151, n. 188. '
7 Borghese, ob. cit., p. 87. o Robert Vouin, Manuel de Droit Criminel, 1949, p. 317.
s José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 10 Vincenzo Manzini, Trattato di Diritio Processuale Penale. 3.ª ed.,
Rio, São Paulo, 1961, v. 2, p, 288. I'or ino, 1949, v. 3, p. 168.
430 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 431

Uma vez, pois, que se admita a descriminante ínsita na 179. A PALAVRA DO RÉU. VALOR
estrutura do fato criminoso, no mesmo plano dos requisitos p:-
sitivos, não se compreende porque um efetivo estado de dúvida Sobre a questão da insuficiência da prova da defesa, even-
sobre a existência de um requisito positivo vá legitimar uma tualidade que não é só prerrogativa do fato constitutivo, como
absolvição por insuficiência de prova, e não possa, ao mesmo tem- se viu, mas que também subsiste para os fatos extintivos ou im-
po, estabelecer idêntica situação de dúvida sobre a subsistência peditivos, i:; pode acontecer que o evento não seja testemunhado
de uma causa de justificação; deve levar a uma posição corres- ou seja insuficientemente testemunhado, circunstância que
pondente, como do mesmo modo correspondentes devem ser as avulta o cuidado no exame das declarações do réu, porque não
conseqüências em matéria de prova. 11 1 se deve ir logo aceitando, sem maior cautela, só por se tratar
Venditti também entende que a descriminante é elemento de caso de difficilioris probationem, o princípio do favorabiliores
negativo do crime, e se a norma incriminadora real resulta da rei, potius quam. accusatores habentur, a que se refere Sabati-
síntese de todas as normas que descrevem qualquer elemento es- ni, 1r. sendo, contudo, irrecusável a sua afirmação de que se o
sencial (positivo ou negativo) do crime, segue-se logicamente convencimento final não se alcançar, nenhuma providência deve
que o acertamento de um crime deve guardar relação com to- ser tomada a seu dano.
dos os elementos essenciais, objetivos e subjetivos, positivos e Não havendo testemunhas a acudir, aconselha Tissot, 17
negativos. 1~ Portanto, a insuficiência de prova de descriminante cabe aos juízes examinar atentamente os fatos e ver se suficien-
confunde-se com a insuficiência de prova de um elemento es- tes presunções não permitirão o uso da indulgência, lembrando
sencial (negativo) do crime, e assim insuficiência de prova so- que a Ordenação de Carlos V traçava sobre este ponto pruden-
bre a existência do fato mesmo. 13 · tes regras (Muy de Vougl).
A. lição de Galdino Siqueira é a de que, quanto à defesa Se as declarações do réu se situam, na técnica processual
direta, ba~tante será uma prova semiplena para justificar 2 brasileira, entre os meios de prova, não quer isto significar que
absolv. ção do réu, e isso porque tal prova pode produzir ums elas, só por si, constituam prova, autores havendo, como Ga-
dúvida suficiente para que se deixe de aplicar o rigor penal. brieli, 18 que chegam a negar ao interrogatório esse caráter de
Reconhece que a defesa tem direitos superiores aos da prova, por servir a contestar essencialmente
.. a causa e receber a.
acusação, porque, enquanto houver uma dúvida ninguém pode, eventual desculpa; deve-se admitir que o interrogatório pode,
conscientemente, condenar o seu semelhante. apenas, constituir fonte de prova, quando se refira a elemen-
Diz que "preciso é, porém, que haja essa prova semiplena tos idôneos para a pesquisa probatória.
para tal resultado; po.s, se por mal aduzida, defeituosa, sem Assinala, porém, Guarneri que o imputado no processo é:
condições de credibilidade, nem semiplena pode ser, o juiz deve chamado a desenvolver uma dupla série de funções: como parte
repeli-la, embora seja prova de defesa". 14
rn· Ottoríno Vannini. Mamuile di Diritto rrocesnuue Penale Italiano.
11 De Marsico, Lezioni di Diritto Processiuüe Penale, Napoli, 1952. Milano, 1946, p. 162.
p. 174. rn Guglielmo Sabatini. Principii di Diritto Processuale Penale, ca-
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1963, p. 914 e 915.
1:! tanta, 1948, v. 1, p. 476. ·
1aRodolfo Venditti, in Rivista 'Italiana di Diriito e Procedura Pe- 1
1 Tissot, El Derecho Penal, trad. de José Ortega García, Madrid,
nale, 1960, p. 241 e segs. 1880, V. 1, p. 73.
u Galdino Siqueira, Curso de Processo Criminal, São Paulo, 2.ª ed .. is Francesco Pantaleo Gabrieli, Istitueioni ·di Diritto Processuale
1930, p. 465. Penale, 2.ª ed., Roma, 1946, p. 325.
432 MARCELLO J. l.INHARES
433

e como colaborador da administração da justiça, apresentan- Se o individuo que reconheceu ter cometido uma morte
do-se, nessa segunda condição, com outras vestes e, assim, é ajunta à sua declaração a afirmativa de o ter feito em estado
indiscutível que pode intervir como órgão de prova. Suas ati- de legítima defesa, esta confissão é divisível para o juiz, que,
tudes e as respostas dadas ao juiz, em uma palavra, a sua per- estimando estar a culpabilidade pela morte estabelecida pela
sonalidade constitui elemento de maior importância para o juiz confissão, pode fazer abstração da circunstância da legitima
aos efeitos da convicção que plasmará na sentença.19 defesa.
Cuidando do princípio do in dubio pro reo, Saraceno sus- Malatesta também formulou a hipótese de quem, embora
tenta a tese que deve ser aplicada a qualquer espécie de fato, afirmando a materialidade de sua ação homicida, nega a cri-
seja constitutivo (fato material), seja extintivo (causa de ex- minalidade dela, invocando a legitima defesa; nada faz senão
tinção de crime), seja impeditivo (legítima defesa) .20 desculpar-se de um modo absoluto, sob o ponto de vista da subs-
Se a prova, no que respeita à autoria do fato e à legítima tância; mas é costume considerar separadamente as duas par-
defesa, resulta apenas da palavra do acusado, a doutrina vem tes desse testemunho, isto é, materialidade da ação e legítima
valorizando a circunstância sob prismas nem sempre invariá- defesa e, com critério formal prevalente, ela é considerada como
veis. confissão qualificada. as
Dosi lembra que, mesmo no caso de se achar a confissão Não será possível, para ele, dividi-la legitimamente, rejei-
confortada, por outras resultantes objetivas, será errado falar-se tando-se uma parte e aceitando outra, se a parte rejeitada não
de confissão constituindo fontes de convencimento, posto que, se apre.senta como reprovada, e a parte aceita se não apresenta
em realidade, fontes de convencimento são as outras resultan- como comprovada.
tes processuais, isto é, a prova, jamais a confissão.21 .
·Assim, entretanto, não pensa Florian, doutrinando que se
Na mesma trilha, sustenta Foschini a aplicação do princí- o imputado confessa haver cometido o fato em estado de em-
pio do in dubio pro reo - no conflito entre o interesse do Esta- briaguez, ou em condição de legitima defesa, poderá o juiz
do à repressão e o da proteção à l'iberdade do individuo, é este considerar o fato como provado, repudiando o acréscimo, sob o
último que deve prevalecer, quando o juiz duvida da· existência amparo de uma côngrua e legal motivação. 24
de algum elemento ou circunstância de qualquer natureza. Noticia Mittermayer que a doutrina antiga forneceu regras
o princípio · da indivisibil'idade da confissão, tradicional- pouco satisfatórias em matéria de apreciação da confissão qua-
mente admitido em matéria civil, escapa ao campo penal, con- lificada, pretendendo-se aplicar-lhe princípios de direito civil,
forme assinalou Bouzat,22 é conseqüência do princípio da prova sobre a divisibilidade ou a indivisibilidade dela, com o inconve-
pela íntima convicção. niente de se transportar para o processo penal o sistema das
exceções do processo cívil; sustentou-se que as restrições da con-
19 Giuseppe Guarneri, Sulla Teoria Generale del Processo Penale, fissão qualificada são outras tantas exceções, cuja prova in-
Napoli, 1952, p. 174. .
20 Pasquale saraceno, "Il dubb.io sul fattl impeditlvi ed estlntlvi
cumbe ao acusado; assim, se a prova da exceção não fosse com-
nel processo penale", in Bivista Italiana di Diritto Penale, 1940, p. 195 pleta, a confissão deveria ser aceita contra o indiciado, sem se
e segs. levar em consideração as restrições que ela contém.
21 Ettore Dosi, Sul Principio âe; Libero Convincimento deZ Giudice
nel Processo Petuüe, Mllano, 1957, p. 25. 23 Malatesta., ob. clt., v. 2, p. 214, 215 e 225.
22 Pierre Bouzat, ob. cit., p. 746. :. Eugenio Florian, neue . Prove. Penali, Mllano, 1924, v. 2, p. 43.
4.34 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 435

Mas, para ele; a legítima defesa não pode ser considerada da ímpunib'Iidade; ou se resolverá mais propriamente que o
como exceção de direito civil; quando o réu a alega, não concede confessado é, em resumo, favorável, posto que só é o reconheci-
ser a acusação verdadeira em sua totalidade, o que ocorre na mento de um fato lícito; e, neste caso, por falta de condição
exceção civil; pelo contrário, afirmar a legítima defesa é negar respectiva, se rechaçará totalmente também dita confissão, ou .
o dolo, e as declarações que repelem a acusação constituem um se declarará que não a teve em absoluto; mas, de todos os mo-
todo indivisível. ras, terá que absolver, na carência suposta de outros dados con-
O juiz, conclui o doutrinador alemão, dirigirá a sua aten- vincentes, ao restar incomprovado, então, o fato mesmo que se
ção para as circunstâncias alegadas; se o acusado, para dar veriguava, isto é, a intervenção punível do réu no homicídio;
mais peso à legítima defesa, argumentar com o mau caráter do '1 qual só tinha por base sua asserção excluída". ~0
adversário, com as ameaças que lhe fe.z etc., indagará se tudo
isso é verdade; examinará a conduta de ambos, procurando saber IIW, A NEGATIVA DA AUTORIA E LEGÍTIMA DEFESA
qual dos dois andava armado etc.; decidirá, então, se a palavra
merece crédito. C rrara apontou o erro em que incorriam os práticos anti-
A tal propósito, realmente, não poderão de xar de ser leva- gos, até hoje seguidos em algumas decisões de nossos tribunais,
dos na devida consideração os precedentes do fato e dentre estes que a escusativa não se podia admitir em favor do réu que hou-
sobreleva a vida de relação dos agentes, determinando cada rea- vesse negado pertinazmente. Esse erro, escreveu ele, que hoje
ção anterior, de certo modo, as reações subseqüentes. 25 alguns astutos acusadores pretendem insinuar aos jurados, foi
o assunto foi objeto, por igual, de cuidadoso estudo de anatematizado com muita razão pelos doutos.
Acero: "Quando um detido confessa haver matado em legítima .Essa questão fora proposta por Júlio Claro, nestes termos:
defesa, sem que haja no processo declarações ou dados, senão a se o réu primeiramente negasse a morte e depois, vendo pro-
sua confissão, se tem patente, com efeito, a unidade do confes- vada a sua ocorrência, quisesse demonstrar haver matado para
sado e a impossibilidade das distinções separatórias que autori- se defender, respondo afirmativamente, dando ao acusado a fa-
zariam a condição mediante uma fé parcial e uma incredibili- culdade da prova: "nam reus non prohibetur proponere diver-
dade do resto". sas, et etiam. contrarias exceptiones.
A legítima defesa no homicídio não aparece como "coisa Com efeito, negando a autoria do delito, estará o réu exer-
distinta" para ele, sendo uma forma e maneira de o cometer, citando um irrecusável direito de defesa, desde que ninguém
maneira· e forma que não podem existir por si mesmas, sem a é obrigado a acusar-se.
substância, sem o fato a que se referem, como tampouco o Iate
concreto pode desligar-se nem subsístír sem tal forma. 181. A PRE$UNÇÃO DE LEGíTIMA DEFESA
Assim, de duas uma - é a sua conclusão: "Ou se estimará
toda a declaração de haver verificado um homicídio em legítima Várias legislações consagram a presunção de legítima de-
defesa como contrária a seu autor, e em tal caso, como confissão fesa no caso de ação penal cometida contra quem, durante a
que reúne todos os requisitos, se lhe dará fé em sua integridade, noite, penetrar em casa, lugar habitado, ou em suas dependên-
tendo por acreditada, ao lado da execução do ato, a exculpante cias, qualquer que seja o dano causado ao agressor ..
25 e. J. A. Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Cr:;niwil. 2
0 Julio Acero, Procedimiento Penal, 4.ª ed., México, 1956. p. 271
trad. de Alberto Antonio Soares, Rio, 1871, v. 2, p. 58 e 64. ~ 272
4.36 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 437

A orientação vem do direito antigo, dspondo a Lei das Doze Outros diplomas eram ainda casuístas, em relação ao tem-
Tábuas que o ladrão noturno poderia ser morto se se defendesse po de durabilidade da proteção; os de Luca e de Ferrara fala-
com armas. Os Estatutos da comunidade de Regio dispunham vam do direito do morador contra as pessoas suspeitas de furto,
que se algum habitante da cidade encontrar alguma pessoa em após as 19 horas, podendo matá-las impunemente.
sua casa ou residência após a segunda hora da noite (após as O Digesto regulou a matéria permitindo a morte do ladrão
19 horas), e entrar na dita casa, é lícito, de bom grado, ao dito noturno desde que o fato fosse comprovado por gritos (Fr. 4,
morador matar ou ferir impunemente o dito intruso ou despo- § 1.0 , D. 9, 2); mas somente ficaria impune se não pudesse pou-
já-lo, pelo mesmo direito (v. Textos Latinos traduzidos, no final pá-lo sem risco seu (Fr. 9, D. 48, 9, Ulpiano).
da obra, n. 23). Também os Éditos do reino da Sicília declaravam Entre os práticos, Julio Claro concluía ser lícito· matar im-
impune quem matasse o ladrão noturno se de outro modo não punemente o ladrão noturno, se isso se fizesse em defesa de si
pudesse agarrá-lo, contanto que o fizesse com gritos. A ocupa- próprio ou de seus bens; mesmo quando com esses bens fugia
ção da casa ou a propriedade alheia pela violência justificava de outra forma não pudessem ser recuperados. Gaio conside-
o homicídio, pelos Estatutos da comuna de Florença. rava legítima defesa a ação contra o ladrão que simplesmente
A proteção contra os transgressores à tranqüilidade notur- · espreita: "si servum tuum latronem. insidiantem mihi occuiero
na, no direito antigo, chegou a limites extremos, a ponto de tu- securus era" (se eu matar teu escravo ladrão que me espreita,
telar o proprietário contra os que, embora não revelando claros estarei sossegado) (Fr. 4, pr. D. 9, 2).
propósitos de roubo, manifestavam entretanto atitudes suspet- O direito penal brasileiro (Código de 1890) consignou espe-
tas: "si aliquis in nocte iuerit circa domum vel curtivum ali- cificamente como forma de legítima defesa a reação contra· a
cuis et non clarnaoerit, si per aliquem de domo percussus [uerit entrada ou a simples tentativa de entrada em casa onde alguém
vel interfectus damnum patiatur, nec de aliquo damno qui peT- mor r ou estiver, nos pátios ou suas dependências, desde que
cusserii vel occuierit possit costringi" ("se alguém andar de fechados (art. 35, § 1.º).
noite em redor da casa ou pátio de alguém e não chamar em Tratava-se de presunção que se estimou absoluta pela boa
altas vozes, se for ferido ou morto por alguém da casa, sofra o doutrina, fundada na necessidade de melhor proteção da se-
dano, e quem o ferir ou matar não pode ser preso por algum gurança pessoal contra a violação do domicílio: "As circunstân-
dano" - Estatutos de Cêneda, 1339, III, 95). Idêntica era a cias da noite e de se achar fechada a casa, presumindo-se os
redação dos Estatutos de Parma (1255, fl. 279), de S. Gemi- moradores em repouso, colocados em posição de não medirem
niano (1415, íII, 23) e de Aviano (1403, c. 45) - "se alguém en- precisamente a extensão do perigo, fazendo corresponder a de-
contrar a alguém, de noite em sua casa, às escondidas e secre- vida repulsa; a temibilidáde do assaltante revelada por essas cir-
tamente, e o matar ou ferir, não exercerei vin~ança contra ele. cunstâncias, e de trazer certamente o propósito de não recuar
ante o assassinato ou ofensas corporais, e para tal vindo mu-
A simples ocultação em casa alheia por qualquer motivo nido de armas ou de meios precisos, tudo isso concorreu para
dava ao morador o direito de licitamente molestar o invasor levar o leg slador a considerar a repulsa feita como caso de le-
· (Estatutos de Luca). Os Estatutos de Casale continham a mes- gítima defesa, na presunção fundada de correr iminente e grave
ma disposição - "se alguém encontrar a alguém em casa ou perigo a segurança pessoal do morador" ... Essa foi a explica-
pátio após o toque da sineta dos guardas à noite e se entrar ali ção encontrada por Galdino Bique'ra, 27 invocando Tuozi, para
às escondidas ou ocultamente, e o ferir e o matar, não pague
dano, nem sofra castigo". -· Gald:no S ,,ueira Direito Pet:al Brasileiro, Rio. 1932, l.º v . p, 467.
438 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 439

quem o caso seria de temor para a segurança pessoal, que se presumido não ter cometido nenhum excesso, porque a lei pre-
tem como fundado, salvo prova em contrária. A acusação caberá tendeu absolvê-lo de um movimento precipitado e infeliz, cujas
provar que tal situação não podia resultar da entrada ou ten- conseqüências tenham ultrapassado a importância da falta co-
tativa de entrada, isto é, que o agente não levasse o dolus malus; metida pelo autor da escalada. aa
e desde que essa prova não fosse produzida, ficaria o acusado De tal forma, mesmo que o homicídio ou as lesões não es-
a salvo, protegido pela presunção de haver agido em estado de tiverem em relação à gravidade da provocação, devem ser ex-
legítima defesa. culpados. Não será justo que quem repele uma escalada à noite
O Código Penal de 1940, bem como o de 1969, não previu não se ampare pela legítima defesa.
expressamente a questão, deixando, assim, à regra geral, a
Bouzat e Pínatel advertem até dos inconvenientes de dis-
solução dos casos concretos. Será então necessário o recurso ao
cussões a propósito, pois se aqueles que têm a intenção de pene-
exame dos pressupostos da legítima defesa, encerrados em sua
trar durante a noite em lugar habitado vierem a saber que o
definição legal (art. 21), cuja prova, não obstante, deve a nosso/ habitante tem o índíscutível direito de atirar sobre eles, quais-
entender ser avaliada com critério mais tolerante, por atuar
quer que sejam as circunstâncias, é provável que tal risco os
em favor do agente o fator de ser o evento cometido à noite, o incite à sabedoria. 29
que constitui o núcleo de uma presunção iuris tantum estabe-
lecida em seu favor.
182. LEG:t'l'IMA DEFESA E ABSOLVIÇÃO SUMARIA
A agressão ou a simples tentativa de agressão à noite a
bens pessoais, com efeito, admite a idéia de perigo implícito na Consagra a lei processual a hipótese de absolvição de plano,
noturnidade, na escalada, no rompimento de obstáculos, no uso sumariamente, autorizando-a, dentre outras hipóteses, quando
de chave falsa, ou de outros expedientes que afastam a possí- se convencer o juiz da circunstância que exclua o crime, isto é,
bilidadé ..de se exigir certa racionalidade ou proporcionalidade quando faltar a este antijurídicidade, como é o caso de legí-
nos meios em pregados em defesa. tima defesa.
Nestes casos, de verdadeira angústia, como os considera
Exige, porém, prova ampla da escusativa, verificável prima
Víllalobos, a Iei consagra e reconhece a legitimidade de um pro-
cedimento racional, prevenindo vacilações e possíveis injusti- facie, e o rigor de sua apreciação só não será ultrapassado pelo
ças, não sendo razoável exigir-se do agente provas de uma agres- que deve ser posto no exame da prova indispensável ao arquiva-
são real, que ameaçava com danos conhecidos e determinados, mento do ínquéritó, antes de instaurada a relação processual,
para se julgar se eram de muita ~u de pouca importância, com- assunto versado anteriormente.
parados com o causado pelo agressor, se os danos poderiam ser Discutiu-se, sendo assunto superado, a questão da incons-
conjurados pelos meios legais, etc. · titucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal, em face
Parece-nos justo que, a presidir o exame dos requisitos obje- do dispositivo da Constituição Federal que outorga ao júri a
tivos da legítima defesa, desde que o código remete a matéria competência privativa para o julgamento dos crimes dolosos con-
à regra geral, deverão juiz e jurado atuar com maior flexibili- tra a vida, consumados ou tentados.
dade, especialmente no tocante ao pressuposto, da proporciona-
lidade, da resposta à intensidade do ataque. De boa prudência ~' Savey-Cassard, Réjlections sur l'ariicle 329 du Code Penal, in
é a regra preconizada por Savey-Cassard, examinando a legisla- Revue de Science Criminelle et de Droit Comparé, 1960, p. 2.9.
ção francesa, segundo a qual o agente será irrefragavelmente ~!• Pierre Bouzat et Jean Pinatel, Droit Péruü, 1970, p. 366.
440 MARCELLO J. LINHARES
lEGÍTIMi', DEFESA 441

Mostrou Frederico Marques,. em límpida conceituação, que


Já de outra feita, admitiu ser o habeas corpus, meio próprio
se a pronúncia pode fundar-se na inexistência de prova do fato
para verificar se houve ou não a argüida legítima defesa.
típico, também a ela se estendem os fundamentos da antijurí-
Negara o Tribunal a quo a ordem impetrada, para que o
dicidade e da culpabilidade. O júri julga obrigatoriamente os
crimes dolosos contra a vida, fazendo-o apenas quando há crimes paciente respondesse em liberdade ao processo por homicídio.
O exame do mérito fora regularmente procedido e a função do
ainda não decididos. Se o juiz absolve o réu, não há delito a ser
julgado. ao Supremo Tribunal, admitindo o cabimento do remédio, exami-
nando o valor da prova, se estendera à ampla revisão dos ele-
mentos desta, para dizer afinal que o paciente não atuara em
183. LEGfrIMA DEFESA E "HABEAs CORPUS"
legítima defesa. 32
habeas corpus é remédio heróico .para coibir coação ilegal
O Parece-nos mais convincente a solução que se inclina pelo
decorrente de ausência de justa causa para limitar-se a liber- reexame dos fatos pela instância do recurso, desde que, eviden-
dade de ir e vir. · temente, para o exame ·da falta de justa causa, gênese da ilegal
Questão é se saber se; havéndo prisão em flagrante, prisão coação, imprescindível será não só o estudo do direito, sobretu-
preventiva decretada, ou denúncia recebida, haverá ou não lugar· do dos fatos que o geram.
ao habeas corpus para examinar a situação do agente que in-
voca a prática do fato em situação de legítima defesa. 184. O ASSUNTO REGULADO PELO NOVO CóDIGO DE
PROC ESSO PENAL*
As opiniões têm divergido, ao sabor da interpretação das
normas .penaís e das que regulam a admissibilidade do recurso · O projeto do novo Código de Processo Penal (n. 633/75),
excepcional.
• 9.... embora modifique a legislação vigente, conserva os seus prin-
No recurso de habeas corpus a que se refere o acórdão pu- cípios e o seu sentido quanto aos efeitos do flagrante, da prisão
blicado na Revista Trimestral de Jurisprudência, 33/413, o su- preventiva, da denúncia e da absolvição sumária, em suas rela-
premo Tribunal Federal, em acórdão de que foi relator o Min. ções com a legítima defesa, caso em que, mutatis mutandis, os
Cândido Motta Filho, considerou que a prisão preventiva, de- conceitos expendidos em itens anteriores deste Capítulo não
cretada em base em elementos de convicção, não dá margem a perdem a sua oportunidade, face aos novos textos.
habeas corpus para desfazê-la. Assim, o art. 8.0 inadmite ação penal sem justa causa, sen-
Não encontrara o Tribunal de origem elementos para o re- do a acusação rejeitada de plano quando nela não se descobrir
conhecimento da legítima defesa e a matéria poderia ser consi- fundamento razoável para o processo.
derada em processo ordinário. O habeas corpus não corrigiria O texto do art. 259 arma o Ministério Público de arbítrio e
uma injustiça, com o inconveniente de poder cortar pela raiz a poder para determinar o arquivamento do inquérito policial ao
possibilidade de punição por um crime grave. ~1 entender ausente esse fundamento razoável à propositura da
A orientação foi mantida em decisão de 4 de novembro de ação.
1971, relatada pelo Ministro Adalício Nogueira, e publicada na
mesma Revista, v. 61, p. 334. a2 Recurso de habeas corpus n. 42. 803, Acórdão de 25-10-1965, rel.
Min. Hahnemann Guimarães, Revista Trimestral de Jurisprudência,
~º Frederico Marques, A Instituição do Júri, São Paulo, 1963, p. 24. 35/288.
•11 Recurso de habeas corpus n. 42 .138, Acórdão de 12-5-1965. ( ,:, ) O projeto do novo Código de Processo Penal teve seu anda-
mento sustado por decisão governamental.
442 MARCELLO J. LINHARES

V
No despacho liminar, o Juiz, a seu turno, poderá indeferir
a denúncia, se manifestamente inepta, assim se entendendo,
dentre outros casos, a que envolver fato que não constitua crime
p~~'f&:J·
(art. 272, § l.°, e 273, II). Julgando antecipadamente a lide, pode '{J'ô ~
também absolver desde logo o réu (art. 290, I, combinado com ·~ \J:>rU
682 e seguintes). AI~ \RJ"cyu-
Explica-se, também, manterem-se as referências aos dispo-
sitivos do Código de Processo em reforma, dada a necessidade
de serem os casos iniciados sob sua vigência examinados à sua
t y' ,
CAPÍTULO XX:VII

LEGITIMA. DEFESA E JÚRI


luz, pelo menos no que respeita aos atos já praticados.
185. Quesitos. Regras observáveis. 186 ..Defesas cumulativa-
mente argüidas. 187. Função corretiva dos tribunais.

185. QUESITOS. REGRAS OBSERVAVEIS

Para se evitar complexidade, devem os quesitos pertinentes


à legítima defesa acompanhar a letra do código que a disciplina,
feito o racional desmembramento dos pressupostos que a in-
tegram. 1
Indagarão sobre a conduta do agressor e do agredido.
Primeiro, sobre a existência da agressão, se a direito pró-
prio ou de outrem, com alusão ao bem juridicamente relevante,
lesado ou simplesmente ameaçado (O réu cometeu o fato repe-
lindo agressão à sua pessoa? ou, o réu cometeu o fato em defesa
de ... ?) ; se a agressão era injusta (A agressão era injusta?) ;

1 O projeto do novo Código de Processo Penal manteve, nos arti-


gos 727 e seguintes, as mesmas normas a serem observadas no julga-
mento pelo Júri, inclusive quanto aos quesitos, que devem ser propostos
em proposições simples e destacadas, respondidos cada um deles por
meio de cédulas onde estão escritas as palavras "sim", ou "não".
Emenda e subemendas apresentadas, entretanto, propõem a modi-
ficação do sistema, para que o jurado apenas diga se absolve ou se
condena o réu, sem ser inquerido sob matéria que, relativamente à
legítima defesa, indaga, conforme recomendação atual, sobre a ocor-
rência ou a inocorrência de cada um dos requisitos da escusatíva.
O processo virá simplificar, evitando perplexidades com as quais
comumente o Júri se defronta; e a possibilidade de nulidades de julga-
. mento por contradição entre respostas a quesitos.
444 MARCELLO J. LINHAU:S LEGÍTIMA DEFESA 445

se era atual, ou se iminente (Essa agressão era atual? Essa que se desdobra: a) se resultou de supresa; b) se, de medo; e)
agressão era iminente?) .2 se, de perturbação de ânimo em face da situação.
Essas indagações, como se deduz de sua redação, dizem res- A resposta afirmativa a qualquer das perguntas sobre as
peíto ao comportamento do agressor, por excelência, vinculan- diversas modalidades do excesso escusável importaria na impu-
do, secundariamente, a conduta do agredido, agente da legítima nidade do agente, embora previamente afirmada a existência
defesa. da antijurídicidade do fato.
Seguir-se-ão as perguntas que possibilitam legitimar-se a Irremediavelmente condenado o agente por excesso doloso,
repulsa, estas mais diretamente vinculadas ao comportamento poderia o juiz atenuar-lhe a pena, na forma do art. 30.
do réu em julgamento. Quando se tratar de séries distintas, pela pluralidade de
Uma dirá respeito ao uso dos meios necessários (O réu usou eventos e de vítimas, alcançadas por ações diversas, embora
dos meios necessários para repelir a ofensa?); outra, à mode- simultâneas, os quesitos serão desdobrados em tantas séries
ração no emprego desses meios (O réu usou moderadamente. quantas as atividades típicas.
desses meios?). Havendo aberatio ictus, obedecerá a formulação dos quesi-
Com a resposta afirmativa a todos os elementos da legitima tos à redação própria que, evitando decisões contraditórias, pos-
defesa, que deverão constar de Itens destacados, um objeto de sibilite a aplicação prática da recomendação contida na norma
cada indagação, estará o agente absolvido. do § 3.º, do art. 2.0 do vigente Código Penal, segundo a qual
Negado qualquer deles (salvo o quesito relativo à atualidade não se consideram, em caso de erro de pessoa, as condições
da agressão, que pode ser proveitosamente coberto pela afirma- da vítima, mas as da pessoa contra a qual queria o agente
tiva do seguinte, relacionado com a iminência dela), impor-se-á cometer o fato, tudo para efeitos de configuração, qualificação
a condenação, que poderá ser por crime doloso ou culposo. ou exclusão do crime.
Doloso se, negados o uso dos meios necessários e/ou a mo- Assim, os quesitos indagarão primeiro sobre os fatos, relati-
deração na defesa e indagado o júri e o excesso na reação foi vamente a uma ou mais vítimas, sempre em itens distintos, se-
decorrente de culpa, igualmente negativa for a resposta. guindo-se a série ou séries de quesitos de defesa, cujas respostas,
Culposo se, negados o uso dos meios necessários e/ou a afirmativas ou negativas, se aplicarão aos eventos plúrimos.
moderação, o quesito adicional próprio afirmar que o excesso Na legítima defesa putativa, tudo girará em torno da supo-
adveio de culpa. sição. Dirá o júri se o agente cometeu o fato em conseqüência
O Código Penal de 1969 * obrigaria, em caso de negativa da de erro plenamente justificado pelas circunstâncias, esclare-
defesa plena, além da pergunta a respeito do excesso culposo, cendo em que consistiu esse erro.
a indagação sobre o excesso escusável, também em quesitos Sobre o fator tempo, não se formulará, na defesa subjetiva,
autônomos, cada um concernente às seguintes modalidades em a pergunta sobre a atualidade da agressão, porque, quando isto
ocorre, a defesa sai do domínio da potencialidade para assumir
2 Hermínio Alberto Marques Porto, Júri, São Paulo, 1973, p. 223:
sua feição real. 3 Quanto aos demais quesitos, acompanharão os
"Dizendo a atualidade de uma agressão (em conotação como o critério
de tempo} que estã sendo realizada, e a Iminência de uma agressão da defesa real, com a referência ao elemento subjetivo (suposta
que está para ganhar o sentido de atual, porque 'em fase de imediata agressão) e não simplesmente objetivo (agressão).
predisposição objeUya', evidente. a diferenciação de ambas, disso decor-
rendo que, na votaçao do questionãrio, a aceitação da primeira prejudica
a votaçao da segunda" .. s Revista Trimestral de Jurisprudência, 45/407, Acórdão de 17-5-
• Código revogado. -1968, do Supr. Trib. Fed., Rec. extr. n. 61.479, rel. Min. Hermes Lima.
446 MARCELLO J. LINHARES LEGiTI?4A DEFESA 447

ú.nico q~esi~o: "O r-.


Ary Franco sugeriu, sem aprovação, a formulação de um
por_ erro plenamente justificado pelas
circunstãncías, supos situação de fato que, se existisse tornaria
Basileu Garcia censura os quesitos que englobam os requí-
sitos numa só pergunta: "O réu usou moderadamente dos meios
necessários?" Seria complexa a pergunta.6
a ação legítima?" '
O segundo desencontro de opiniões se observa a respeito das
Seria realmente perigosa a adoção de tal fórmula sem 0 conseqüências da negativa ao quesito que indaga sobre a neces-
filtro,d.os requisitos seguintes exigidos para a defesa real, quando sidade dos meios.
a legitima defesa putativa a ela em tudo se equipara, salvo no
campo das respetivas percepções. Enquanto a uns parece negada a legítima defesa, prejudi-
cadas as perguntas sobre a moderação e o excesso, a outros se
Relativamente aos quesitos da defesa (reação, isto é, em-
prego dos meios necessários e moderação) e ao do excesso ainda convence de que a simples negativa do quesito sobre os meios
não é tranqüila a jurisprudência dos nossos tribunais. ' necessários não prejudica a possibilidade de se afastar o crime
doloso pela afirmativa dos dois quesitos restantes,"
· Já Frederico Marques observava as relevantes divergências
sobre a formulação do questionário da legítima defesa em geral, Atualmente, contudo, é pacífica a jurisprudência do egrégio
parecendo-lhe "injustificável essa complicada ciência que se vem Supremo Tribunal Federal, como anota Hermínio Porto (n.o 7, ·
el~?º:ando em torno dos requisitos" respectivos, e sugeria que infra) e se vê de remançosos julgados.
o jun fosse sempre indagado tão-somente sobre a existência da
excludente de ilicitude. O quesito seria um único e simples admi- e Basileu Garcia, Comentários ao Código de Processo Penal, Rio,
tindo-se outro para o excesso culposo. ' 1945, v. 3, p. 310: "Cuidando da proporção entre a agressão e a. repulsa,
a lei fala em emprego de meios necessários e moderação. E;xigia-se,
Tucfõ o que sair daí - afirmou - "é complicação acadêmi- antigamente, a necessitas inevitabilis. Os meios atendem ·à necessidade
ca, dedutivismo estéril de superada e formalista euremátíca, que de defender o direito (inevitabilidade), o que ele faz sem exorbitar (com
moderação). Apesar do entrelaçamento dos dois elementos, é possível
somente serve para infundir uma atmosfera de mistério à litur- separá-los conceitualmente". ·
gia do júri". 4 7 Hermínio Alberto Marques Porto, ob. cit., p. 232: "O Supremo
Tribunal Federal considerou como cumulativamente prejudicados os
A ~o caso particular dos quesitos de defesa, a primeira díver- quesitos (ia moderação e do excesso culposo, desde que negado, pelos
gencia surge em torno da separação ou do englobamento dos jurados, o quesito indagador da necessidade; posteriormente, mostrando
dois elementos que a constituem, sustentando uma corrente a orientação pela regra da votação dos dois quesitos (moderação e neces-
sidade), bem como pela obrigatoriedade da presença no questionário,
sua autonomia, e para a qual a fusão produz complexidade quando pela defesa alegada a justificativa da legítima defesa, do que-
capaz de anular a votação; outra,· defendendo a correção do sito sobre o excesso culposo, firmou orientação que, reiteradamente, vem
questionário que aglutina num só quesito a pergunta quanto sendo expressada em julgados do Tribunal paulista". A matéria parece
ao uso dos meios necessários e à moderação. õ hoje pacífica no Supremo ,Tribunal Federal, que entende poder dar-se
o excesso culposo de defesa, mesmo quando o agente usa de meios não
necessários (Ementário Forense, ano XXIX, n. 338, janeiro de 1977).
4
José Frederico Marques, O Júri no Direito Brasileiro, 2.a. ed., São
Paulo, 1955, p. 264. sário se indague a respeito do excesso culposo. No sistema do desne-

5
José Maria de Lima Torres, voto proferido na Ap. n. 8. 604, em
_
cessário desdobramento, se o júri nega terem sido necessários os meios,
a~ordao do Trib. de Just. de Minas Gerais: "Reconhece o júri que o . impõe-se a votação do quesito a respeito do excesso. Parece-me lniqüi-
dade a condenação do agente em pena de homicídio doloso depois de
reu usou moderadamente dos meios necessários? Se negativa, é neces- se haverem. reconhecido os elementos objetivos da descriminante".
448 MARCELLO J, LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 449

A uma terceira corrente só é possível submeter-se a júri o Pode acontecer que, argüida a defesa própria em conjunto
quesito do excesso culposo quando negada a moderação e desde com a de terceiro, neguem os jurados a injustiça do ataque na
que afirmada a repulsa necessária. série referente à defesa real; nem por isso se considerará preju-
Negados os meios necessários, desaparece a excludente. 8 dicada a defesa de outrem sob o fundamento de que a resposta
negativa ao quesito da série anterior seria extensível à série
Também reina discordância no tocante à obrigatoriedade de imediata, pela identidade de redação dos quesitos. A resposta
se submeter ao júri â pergunta sobre o excesso culposo; se de- primitiva nunca será invocável como paradigma à solução da
cisões consideram imprescindível a indagação ex officio, outras defesa do questionário seguinte, de nenhuma relação de subor-
só reputam pertinente o quesito se sugerido pela defesa. A este dinação ou dependência com o precedente.
propósito, são conhecidas decisões conflitantes no próprio Su-
premo Tribunal Federal. u 187. FUNÇÃO CORRETIVA DOS TRIBUNAIS

Ascassações das decisões do júri contra absolvições funda-


186. DEFESAS CUMULATIVAMENTE ARGttIDAS
das em legitima defesa só se darão nos casos onde, segundo a
regra geral da lei processual, forem manifestamente contrárias
Nada impede ao agente, dentro do princípio de amplitude
à prova dos autos.
constitucional de defesa, alegar, a um tempo, a ocorrência cumu-
Segundo Gorphe, dever-se-á procurar a eqüidade apropriada
lativa da legítima defesa própria, real ou.putativa, a de terceiro, a cada caso, buscando-se a solução mais justa em concreto. Uma
ou a da propriedade, caso em que deverão todas guardar um eqüidade razoável desempenha papel preponderante, sem opor-
absoluto t1Jtço de autonomia e independência entre si, de modo -se ao direito justo; o de temperar o rigor das regras cuja irres-
que a negativa de qualquer pergunta a quesito de uma série de trita aplicação conduziria ao summum ius summa iniuria.
defesa jamais influenciará sobre a correspondente indagação na Se não houver um ponto de vista puramente objetivo a
série seguinte. esclarecer o exame da matéria, o Tribunal não se apartará,
então, de um juízo valorativo subjetivo e, mesmo em caso de
Mostrou André Martins que, ainda colidentes as defesas, ao vacilação, a uma determinação da vontade arbitrária.
juiz falece arbítrio para recusar quesito sobre qualquer uma Considerará que o jurado traça sempre um círculo mais ou
delas, pois o que a lei não tolera são as respostas contraditórias menos amplo, interpretando os fatos e a lei com certa liberdade,
e não as perguntas, que abrem ensanchas ao júri para livre- indo buscar em suas decisões um ponto de apoio em concepções
mente se pronunciar sobre uma ou outra, que reputar proce- dominantes no meio e tendo por base a experiência.
dente. Não são proibidos os quesitos alternativos de defesa. 10 Se a prova não afasta a hipótese favorável ao réu, a reforma
de uma decisão não se justificará.
8 Revivendo a questão do in âubio como solução legal nos
Revista Trimestral de Jurisprudência, 59/223, Acórdão do STF,
de 9-2-1971, Rec. extr. n. 70.892, rel. Min. Amaral Santos. processos em que se manifesta uma carência de prova plena
f) Revista Trimestral de Jurisprudência, 51/356, Acórdão do STF, de fatos constitutivos, impeditivos ou extintivos, ou mesmo sim-
de 7-6-1968, habeas corpus n. 45.394, rel. Min. Eloy da Rocha. plesmente modificativos, Pasquale Saraceno estabelece entre as
10 André Martins de Andrade, A Reforma do Júri, Belo Horizonte, regras a serem atendidas a de que a insuficiência de prova sobre
1940, p. 161. os fatos extíntívos, atenuantes, minorativos, ou circunstâncias
450 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 451

que modificam o título do crime ou impeditivas do fato, deve ser A medida da legítima defesa.
sempre creditada ao acusado. 11
Procedimento humano, reação desenvolvida no sentido de
o recurso à instância superior, como doutrina Ary. Franco, proteção de interesses contra agressões injustas, a legítima de-
só se justifica quando a decisão do júri, de si tão contrária à fesa é fruto de desenvolvimento instintivo, espontâneo.
verdade, constitua evidente desrespeito à prova inequívoca dos
autos. Onde existir matéria sujeita ao critério da observação Quaisquer que sejam suas conseqüências, devem se medir
pessoal do julgador, dependente para firmar-se, não da força mais pela honestidade da intenção que as tenha inspirado.
dominadora da realidade indubitável, mas da aprecíáção subje- Lembrar-se-á, antes de tudo, ter sido a vida feita para ser
tiva de cada um, não se poderá cogitar da evidência. 12 vivida; se aos fracos abate, na imortal manifestação do poeta,
De fato, quando se trata de examinar uma decisão tomada aos bravos ela só pode exaltar.
pelo tribunal popular, se deverá compreender ainda mais que,
em legítima defesa; dificilmente há evidência objetivada, como
pondera Bulhões Pedreira: "A prova só gera uma decisão após
o processo de filtração mental a que se submete o juiz. Um jul-
gamento não pode ser manifestamente contrário à prova quando
represente o sentido moral e jurídico por ele divisado através
a sua interpretação. Sempre que a prova, por si mesma, não
determinar uma única convicção, dando ensanchas a que o fato
se veja diversamente, consoante o ângulo visual do observador,
a sentença que o aprecie, embora não se lhe ajuste em rigor
técnico, nem por isso poderá ser inqüinada da eiva de contra-
riar evidentemente a prova, em ordem a legitimar o recurso.
Entre a prova e a decisão que a interpreta, há lugar para certo
arbítrio, que participa da essência do tribunal popular, e nessa
flexibilidade de julgamento, capaz de humanizar o direito, reside
toda a sua razão de ser atual". 13
Orozímbo Nonato deixou a lição de que, no julgamento dos
delitos da competência do júri, a Constituição confiou mais na
intuição psicológica e no poder e sensibilidade da captação das
circunstâncias do juiz popular, do que na severidade, na rigidez
dos critérios jurídicos da gente de toga.

11 Pasquale Saraceno, La Decisione sul Fatto Incerto nel Processo


Penale, Padova, 1940, p. 274.
12 Ary Azevedo Franco, O Júri e a Constituição Federal de 1946,
Rio-São Paulo, 1950, p. 267 e 275.
1:1 Mário Bulhões Pedreira, in Revista de Crítica Judiciária, 6/234.
L E G ÍT IM A D EF ESA 453

5. Adversus periculum naturalis ratio permittit se defendere.


A razão natural permite defender-se contra o perigo
(Gaio).

6. Aggressus semper videtur [acere ad de/ ensionem. Odofredus


CAPíTULO XXVIII aliter dicit quod semper ille qu; aggreditur videtur [acere
aâ vindictam. . . nisi probet contrarium. . . seâ quomoâo
TEXTOS LATINOS E SUA TRADUÇÃO poterimus scire utrum [ecerit ad vindictam uet acl âeiensio-
nem? responde o quoâ factum et quantitas f actorum hoc
188. OS TEXTOS E SUA TRADUÇÃO indicat.
O agredido parece sempre agir em sua defesa. Odofre-
1. Actore non probantur reus absolvitur. do afirma, diferentemente, que aquele que é agredido
Não provadas pelo autor, o réu é absolvido. sempre parece agir a título de vingança. . . a não ser
que prove o contrário. . . mas como poderemos saber
2. Adeo quoâ repercutiens in ipsa mischia intelligatur se de- se o fez para vingar-se ou para defender-se? Respondo
! endere dumodo repercutiat manibus vacuis si manibus que o fato e a quantidade dos fatos revelam isto (Al-
vacuis fuerit percussus, et manibus plenis si manibus plenis berto de Gandino) .
[uerit percussus.
Por isso, ferindo na própria luta, entenda-se que se 7. Causa legitimae tutelae contra iniustum aggressorem, si de-
·defende, contanto que fira com mãos vazias (de ar-
bitum. servetur moderamen delictum omnino auiertur; secus
mas), se for ferido por mãos vazias, e com mãos car-
impossibilitatem tantummodo minuit, sicut eiiam: causa
regadas' (de armas), se for ferido com mãos carrega- provocationis.
das (Estatutos da cidade de Pístóía, 1546, V, 15).
Pelo direito da legítima defesa contra o injusto agres-
3. Adeo ut ipsa quoque rerum natura quedam. nos impetu con- sor, se a moderação é conservada quanto ao débito, o
citet ad propulsandam iniuriam. delito é afastado inteiramente; de modo diverso, so-
Por isso que também a própria natureza das coisas nos mente diminui a responsabilidade, assim como a causa
leva a repelir a injúria com um certo ímpeto. da provocação.

4. Adulterium est accessus ad torum alienum; quare praeter 8. Coniestim non ex intervallo; non ex intervallo sed ex incon-
luxuriae reatum malitiam habet laesi iuris alieni gravissimi, tinenti.
ejusque sacro charactere sacramenti aff ecti.
Sem demora, não com intervalo, mas logo em seguida.
Adultério é o acesso ao leito alheio; por isso que, com
exceção da acusação de luxúria, tem a malícia de um
9. Contra iniustum aggressorem uti licet necessaria defensio-
gravíssimo direito alheio ferido e afetado pela marca
ne atque vim vi repellere, etsi fiat cum iniusti aççressort«
vigorosa daquele pacto. occisione.
M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA
455

Contra o injusto agressor é lícito usar a necessária de- 15. Dum uero stabui urn. permittii offenso prosequi offenden-
fesa e repelir a força com a força, ainda que se faça tem puta fugientem, curn. tunc non dicatur of f eruierc aâ
com a morte do agressor. defensam sed potius ad uinâictam.
Mas, quando o estatuto permite ao ofendido perseguir
Crederem incontinenti dici etiam post rixam, dummodo
o ofensor, que, por exemplo, foge, não se diga então
cessante caZore rixae et irae off ensus non deverterit ad ex-
que ofende para defender-se, mas, antes, para vingar-
traneos actus.
-se (Antonio Conciclo, Estatutos propostos da cidade
Eu aceitaria que isto fosse dito também logo após a
rixa, contanto que, cessando o calor da rixa e da ira, de Eugúbio, livro IV, p. 527, anotação 6).
o ofendido não se afastasse para atos exteriores.
16. Dummodo minans sit in actu vuZnerandi uei occidendi vez
Cuuns homini iura permittunt def enâere ac citra crimen quando periculum est in expectatione et appareant in ' mi-
omne protegere confratreni suum, etiam. ignotissimum, ab nante aliqua signa offendendi.
altero graviter oppressum. Contanto que esteja ameaçando com um ato de ferir
Os direitos de qualquer homem permitem defender e ou matar, ou quando o perigo existe em expectativa e
proteger, contra todo crime, seu confrade oprimido gra- apareçam alguns sinais de ofensa.
vemente por outrem, mesmo que inteiramente desco-
nhecido. 17. Et idem clico si fiat pro defensione personarum. Nam. si
·tieret ex intervallo esset uinâicta et non defensio.
De i'i et vi armata.
Pela força e pela força armada. E o mesmo eu digo, se se fazem em defesa de pessoas.
Se, com efeito, se fizessem com intervalo de tempo,
Dic secundum canones quod ego teneor me interponerc seria vingança, e não defesa (Bonifácio de Vitalinas).
verbis vel alio honesto modo et licite. . . sed secundum ius
cimle non, nisi in his quos habes corrigere ui [ilios vez 18. Et in quolibet casu praetiictorum assatitus et trumumissus
servos. possii se def endere. . . in continenti. . . et sit sine poena.
Diga que, segundo nossos estatutos, sou obrigado a in- E, em qualquer caso dos citados, o assalariado e o al-
tervir com palavras ou por outro modo honesto e líci-
forriado podem. defender-se. . . imediatamente. . . e
to. . . mas, conforme o direito civil, não, a não ser que
sem punição (Estatuto da cidade de Pistóia, 1546, V,
se trate daqueles que você tem de corrigir, como os
15).
filhos ou escravos (Alberto de Gandino).

Divus Hadrianus rescripsit eum, qui stuprum. sibi vel suis 19. Et ipsuni capere non potuerit, ut puta quia se defendat vez
cum rebus ablatis fugiat.
per vim inferentem occidit, dimittendum (Adriano):
o divinoHadriano tornou a castigar aquele que mata, E não pode prendê-lo, porque, por exemplo, se defen-
lançando do alto quem provoca o estupro pela vio- de ou foge com os bens furtados (Estatutos da cidade
lência. de Portonaon, 1366, III, 71).
L E G ÍT IM A D E F ESA 457
456 MARCELLO J. LINHARES

24. Favorabiliores rei, potius quam accusatores tiabentur.


20. Et praedicta intelligo licere [ieri, âurnotio fiant inconiinenti. As coisas mais favoráveis ao réu sejam consideradas
.E entendo que é lícito fazerem-se as coisas citadas antes que as do acusador.
(matar, ferir, etc.), contanto que se façam imediata-
mente (Bonifácio de Vitalinas, Tratado dos Delitos). 25. Fur nocturno tempore captus in furto; curn. res furtivas
secum portat, si fuerit occisus, nulla ex hoc hornicidio que-
21. Et primo sciendum est quod quando aliquis committit de- rela nascatur.
lictum, vel homicidium vel aliud maleficium ad sui corpo- O ladrão surpreendido no furto à noite, se for morto
ris defensionem, quod ex hoc puniri non debet, etc. enquanto leva consigo as coisas roubadas, nenhuma
E primeiramente se deve saber que, quando alguém querela nasça deste homicídio.
perpetra um delito ou homicídio ou outro crime para
26. Furem diurnum tamen licet si se telo defendit et cum
defesa de seu corpo, não deve ser por isso punido, etc.
clamore.
(Alberto de Gandino) .
É lícito, contudo, matar o ladrão diurno, se se defen-
22. Eum igitur qui cum armis venit possumus armis repellere
de com arma e aos gritos (Bonifácio de Vitalinas).
seâ hoc confestim, non ex intervallo.
27. Furem noctu deprehensum occidere permittit, ut tamen
Com efeito, podemos repelir com armas aquele que id ipsum cum clamore testificetur: interdiu autem depre-
com armas vem, mas isto imediatamente, não em se- ensum ita permittit occidere, si se telo defendat: ut tamen
guida a um intervalo. · aeque cum clamore testificetur.
Permite matar um ladrão surpreendído à noite, de
23. Facilitatem delictorum comprimentes staiuimus quod si sorte, porém, que testemunhe isto, mesmo com gritos;
quis habitans in civitate Regii vel burgis post secundam mas permite matar o ladrão surpreendido durante o
horam noctis invenerit aliquam personam in domo suae dia, se este se defende com arma, de tal modo, entre-
habitationis quae intraverit dictam domum ooluntate liceat tanto, que testemunhe também com gritos (Fr, 4, § 1,
âicto habitatori dictus (sic) ingressum occidere impune vel D. 9, 2).
vulnerare, vel derobare ipso iure.
Refreando a facilidade dos crimes, determinamos que, 28. Furem nocturnum fugientem cum rebus meis licet mihi
se algum habitante da cidade de Régio, ou de povoa- occidere.
ções, encontrar alguma pessoa na casa de sua residên- É-me lícito matar o ladrão, que foge com meus bens
cia, após a segunda hora da noite (após as dezenove (Bonifácio de Vitalinas).
horas) e entrar na dita casa, é lícito, de bom grado,
29. Furem, nocturnum si quis occiâerii, ita dernum impune
ao dito morador matar ou ferir impunemente o dito
feret, si parcere ei sine periculo suo noti potuit.
intruso ou despojá-lo pelo mesmo direito (Estatutos
Se alguém matar um ladrão noturno, somente ficará
da magnífica comunidade de Régio, 1480, III, 3, Sobre
impune se não puder poupá-lo sem risco seu (Fr. 9,
o que mata ou fere a pessoa encontrada de noite, em
D. 48, 9, Ulpiano).
sua casa, rub.).
458 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA· DEFESA 459

30. Homicidium est iniusta et violenta occisio hominis ab tio- 37. ln dubio vitae discrimine.
mine, non a causa naturali aut a bruto, dolo malo facta.
O homicídio é a violenta e injusta morte de um ho- Na dúvida, com perigo de vida.
mem por outro, não por uma causa natural ou por um
ser bruto, praticada com intenção criminosa. 38. ln flagrante rixa, et in ipso actu offensionis.
No flagrante da rixa, no próprio ato de defesa.
31. Ictu et uno impeto utrumque debet occidere.
Com um só golpe e um só ataque um deve matar o 39. ln fure nocturno [acienâa est conclusio quod licet impune
outro. illum occidere, sit fiat pro âetensione sui ipsius, vel rerum
suarum.
32. Idem est quod eos qui in itineribus [requetüissime stant in
Quan.to ao ladrão noturno, conclui-se que é lícito ma-
insiâiis, possum impune occidere, cum melius fit in tempus
occurrere, quam post exitum vindicare. tá-lo impunemente, se isto se faz em defesa de si pró-
Do mesmo modo, posso matar impunemente os que; prio ou de seus bens (Júlio Claro, Prática Criminal,
nas estradas, muito a miúdo ficam em emboscadas, Homicídio, rub. 47).
visto que é melhor prevenir do que reclamar em juí-
zo, depois da morte (Alberto de Gandino). 40. ln iniusta defensione contra iniquum aggressorem servari
debet moderamen inculpatae tutetae, seu nihil fieri debet
33. Idem est quod nocturnum agrorum depopulatorem vel de- nisi id quod absolute necessarium est ad se tuendum; quia
vastatorem possum impune occiâere, cum melius tit in
'quoâ necessitas non excusat, est contra iustitiarn.
temp_us occurrere, quam post exitum. vindicare.
Do mesmo modo, posso matar impunemente o destrui- Na justa defesa contra iníquo agressor, deve ser man-
dor ou devastador noturno dos campos, visto que é me- tida a moderação de uma proteção não culposa, vale
lhor prevenir em vida do que reclamar em juízo, de- dizer, nada deve ser feito, a não ser aquilo que seja
pois da morte (Alberto de Gandino) . absolutamente necessário para se proteger: por isso
aquilo que a necessidade não justifica é contra a
34. Ignorantia legis non excusat.
justiça.
A ignorância da lei não escusa.
41. ln ipsa turpitudine, in ipsis rebus Veneris.
35. Illum solum qui vim infert [erire conceditur; et. hoc, si
tuendi duntaxat non etiam ulciscetuii causa factum sit Na própria torpeza, nas próprias façanhas de Vênus.
(Paulo, 9, 2, ad legem aquiliam).
Ê permitido ferir aquele que emprega a violência, e isto 42. ln. vindicata vel se defendendo.
seja feito somente para proteger e não também para Reivindicando ou se defendendo.
vingar.
43. Is qui aggressorem vel quemcumque alium. ui tiubio vitae
36. ln continenti, ex proprio Marte.
discrimine constitutus occiderit, nullarn ob iâ factum ca-
Imediatamente, do próprio Marte.
lumniani metuere debet.·
460 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 461

Aquele que, colocado em risco de vida, matar o agres- Por este direito natural resulta que aquilo que cada
sor, ou, na dúvida, qualquer outro que seja, nenhum um fizer em defesa de seu corpo considera-se ter pro-
mal deve temer por causa deste fato. cedido com razão.
44. Item fallit in eo qui occidit aliquem volentem stuprum in-
49. Inris permissione, si quis ad defensam suae vitae alium
ferre per vim, ut, etc.
inieriecerit quia vim repellere licet et se defendere omnes
Igualmente, não existe (homicídio) naquele que mata
leges omniaque permittunt.
alguém que quer cometer estupro pela força, etc. (Al-
berto de Gandino) . Com permissão do direito, se alguém, para defender
sua vida, matar a outrem, porquanto é lícito repelir a
45. Item licitum est occidere vel âeienâere illum qui te aggre- torça e defender-se, todas as leis e todas as coisas
ditur cum gladio evaginato irato animo scilicet animo oc- permitem.
cidendi.
Igualmente, é lícito matar ou ferir aquele que, de ~s- 50. Jus naturale est violentiae per vim repulsio.
pada desembainhada, te agride com ânimo encoleriza- O direito natural é a ação de repelir a violência pela
do, isto é, com intenção de matar (Bonifácio de Vitali- força.
nas, Tratado dos Delitos, Quem pode ferir a outrem).
51. Leges ... ut iacies caeli et maris ... varientur.
46. Item quod licet pro meo corpore licet etiam pro corpore As leis. . . como a imagem do céu e do mar. . . diver-
filii mei ad argumentum ...
sificam.
Ig'üalmente, o que é lícito em prol do meu corpo, é lí-
cito também em prol do corpo de meu filho, como ar- 52. Lex Duoâecini Tabularum furem noctu deprehensum ita
gumento'. .. (Alberto de Gandino). occidere permittit, s:i i8' se telo defendat ut tamen aeque
cum clamore testificetur.
47. Item statuimus quod si quis homicuiium commiserit ...
vim vi repellendo et aâ sui corporis âejensionetti ... nuUa
A Lei das XII Tábuas estabelece que é permitido que
poena puniatur imo ab ipsa effectualiter eximatur.
se mate o ladrão que rouba de noite, se este se defende
Estabelecemos igualmente que, se alguém· cometer um com arma, de tal modo, porém, que seja testemunha-
homicídio . . . repelindo vlolência com violência para do com palavras.
defesa de seu corpo, não seja punido com nenhum cas-
tigo, antes, seja isento dele para todos os efeitos (Es- 53. Licet non licitum sit percutere eum qui verbalem iniuriam
tatutos Criminais da comunidade de Leonado, sec. 14, infert, et si quis percutiat, aut vulnerat, aut occidit punia-
e. 40, Sobre o homicídio praticado casualmente, rub.). tur, sed non poena ordinaria propter provocationem.
Ainda que não seja lícito bater em alguém que lança
48. Jure naturali hoc evenit ut quoâ quisque ob tuielani cor-- uma injúria verbal, mas, se alguém bate, ou fere, ou
paris sui fecerit, iure iecisse existimetur (Fr. 3, D. 1, 1, · mata, seja punido, mas não com a pena comum, por
Florentinus). causa da provocação.
462 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA ·163

54. Mellius est nomen bonum, quam dioitiae muitae. 61. Necessitas reâucit ad macrum ius naturae.
Melhor sem haveres que sem honra. A necessidade torna mínimo o direito da natureza.

55. Metus cadens in uirurn constantem; metus caâene in uirum 62. Nerno tenetur expectare donec percutiatur.
inconstantem.
Ninguém é obrigado a ficar olhando enquanto é ata-
O medo que cai sobre o homem seguro e o medo que cado.
cai sobre o homem inseguro.
63. Nisi ad suam defensionem fecerit, quo casu sit imrnunis a
56. Moderamen inculpatae tutelae. pena.
A moderação da defesa sem culpa. A não ser que tenha agido em sua defesa, neste caso
esteja livre de punição (Estatutos de Monte Carlo.
57. Nam si te aggredior cum armis et tu incipis resistere ei 1.403, c. 38) .
percutiamus adinvicem et tu me interficias, defensionis
causa videris fecisse; sed si sic proelianâa, tu iortior me 64. Nisi forte ille jure suo licet cesserit,
incisii projeciendo me in terram et ligasti me et postea in- É lícito, a não ser que ele se tenha afastado de seu
terficias me, videris hoc facere ad oiruiictam. direito.
Pois, se te ataco com armas e começas a resistir, e nos
ferimos mutuamente, e tu me matas, pareces ter agi- 65. Nisi forte viro nobili pro magno est.
do em defesa; mas, se combatendo assim, tu, mais for- A não ser para um homem nobre ou um poderoso.
t~i me vences, projetando-me ao chão, e me atas e de
pois me matas, pareces fazer isto para vingar-te (Al- 66. Nisi incontinenti ad tutelam corporis sui nei bonorum virn
berto de Gandino, Tratado dos Delitos, Das Defesas a vi reppelat, quod delictum "nothwehr".
serem feitas pelo réu, rub. 5). A não ser que repila imediatamente a força com a for-
ça para a tutela de seu corpo ou de seus bens, que é
58. Natura iuris ab hominis repetenda est natura; est quuiani delito justificado por legítima defesa.
uera lex ratio, naturae congruens, diffusa in omnes, cons-
tans, sempiterna. 67. Nisi illuâ jecerit aâ suam legitimam deiensionem,
A natureza do direito deve ser tirada da natureza do A não ser que tenha feito isso em sua legítima defesa
homem; na verdade, a lei verdadeira é a razão, coinci- (Estatutos do Vale do Ambar, 1208, c. 1).
dente com a natureza, espalliada por todos, constante,
eterna. 68. Nisi probaverit quod illum ad suam defensionem occideri.t.
A não ser que tenha provado que o matou em sua de-
59. Necessitas facit Zicitum quoâ non est licii.um legc. fesa (Estatutos de Trento, 1527, III, 97).
A necessidade torna lícito o que não é lícito por lei.
69. Nocturnum furem qui occiderit impune feret si tüiter com-
60. Necessitas leges non habet. prehendere nequierit, si modo cum offenderit poenam sol-
A necessidade não tem lei. vere non debeat.
464 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 465

Quem matar um ladrão noturno, ficará impune, se não


Mais é o estupro que a morte e maior a dor do estupro
puder agarrá-lo de outro modo, contanto que isso se
que a da morte.
faça aos gritos (Éditos do reino da Sicília, 1140, c. 26).
70. Non sunt imunes a scelere, qui non liberant eos quos pos- 77. Poena homicidii non tenetur, qui dum offendiculum ad
sunt a facto liberare. ' iaunam suae domus poneret, ut fures prehetuieret, ingre-
Não são isentos de crime aqueles que não liberam (des- dientem furem occidit, non enim. dolo egit.
vencilham, defendem) os que possam liberar do fato. Não é preso pela pena de homicídio aquele que, con-
tanto que tenha posto um obstáculo junto à porta de
71. Nullum crimeri patitur is. qui tum prohibet, cum prohibere sua casa para que prendesse ladrões, mata o ladrão
non potest.
que entra, pois não agiu com dolo.
Nenh_uma acusação sofre aquele que não impede, quan-
do nao pode impedir.
78. Praedicta ampliatio sic simpliciter et çeneratiter proposita.
72. ut pro defensione honoris omnímodo liceat inierjicere tiul-
Nullus audet capere tüiquam. personam nec Zigare manus
nec sbadagiare ... salvo quoâ illos· qui inventi fuerint in Zatenus recipienda est; si enim vera esset et sequereiur
domo vez orto. . . de nocte. quod quis posset interficere volentem verbali iniuria aiii-
Ninguém ouse prender pessoa alguma, nem atar-lhe cere, quod est ab omni iure et ratione alieno.
~s mãos, nem (termo desconhecido), salvo quanto A ampliação supracitada, assim proposta simples e
aqueles que forem encontrados, de noite, na casa ou genericamente, a saber, que seja de todo lícito matar
._no jardim (Estatutos de Novocomo, 1296, e. 5). em defesa da honra, de modo algum deve ser aceita;
se, com efeito, fosse verdadeira, seguir-se-ia também
73. Omnis defensio quae a iure conceditur facienda est cum
que alguém poderia matar a quem quisesse atacá-lo
moderamine inculpatae tutelae.
com ofensa verbal, o que aberra de todo direito e razão
Toda defesa permitida pelo direito deve ser feita com
(Farináceo, Prática e Teoria Criminal, questão 125, 42).
a moderação própria de proteção não culpada ( de le-
gítima defesa) - Alberto de Gandino.
79. Praedicta etiam non vindicent sibi locum. quando aliquis
7 4. Patri datur ius occidendi adulterum cum. filia quam in po- interdixerit vel contradixerit alicui laborerium alicuius ha-
testate habet. . · bitationis vez possessionis alicuis domus.
Ao pai é dado o direito de matar o adúltero com a filha Os citados (delitos) não terão também lugar, quando
que tenha sob seu poder. alguém interditar ou contestar a alguém a benfeito-
ria de alguma residência ou a posse de alguma casa
1 75. Patri, non marito, mulierem. permissum est occidere. (Estatutos da comuna de Florença, 1415, III, 32).
1
Ao pai, e não ao marido, é permitido matar a mulher.
80. Praedicta non vindicent sibi locum quando aliquis occupa-
· 76. Plus est stuprum quam mors et maior est tumor stupri
quam mortis. uerit vez per violentiam intraverit âomum vel possessionem
aiterius.
466 LEGÍTIMA DEFESA 467
MARCELLO J. LINHARES

86. Quamvis vi vim repellere omnes ieçes et omnia · iura per-


Os citados (delitos) não terão lugar quando alguém
mittunt, tamen id debet fieri cum moderamine inculpatae
ocupar a casa ou a propriedade de outrem, ou nelas
tutelae non ad sumendam vindictam sed ad propulsandum
entrar pela violência (Estatutos da comuna de Floren-
ça, 1415, III, 32). iniuriam (Inocêncio III) .
Embora todas as leis e todos os princípios de direito
81. Pro deiensume sui honoris liciturn est stupratorem occidere. permitam repelir a força com a força, todavia isto deve
Em defesa àa própria honra é justo matar, em caso de acontecer com moderação de tutela não culposa, não
estupro. para se tomar uma vingança, mas para rechaçar uma
ofensa.
82. Propterea uerius crederem honoris causam non reddere
homicidium ex omni parte impunibile. . . praeter quam in 07. Quapropter legem quiâeni ( civilem) non reprehendo qua~
casibus a jure expressis, sicut de occidente stupratorem dixi tales permittit interiici, sed quo pacto istos defendam qui
infra. occidunt non invenio.
For isso julgaria mais verdadeiro não tornar o homi- Por isto, na verdade, não censuro a lei civil que permite
cídio inteiramente impunível por motivo de honra, sal- que tais sejam mortos, mas não sei de que modo de-
vo nos casos expressos pelo direito, conforme digo fenderei aqueles que matam.
abaixo sobre o que mata o estuprador (Alberto de
Gandino, Tratado dos Delitos, Dos Castigos dos Réus, 88. Quare si fuga secura est, haec capi debet.
rub. 1).
Por isso, se a fuga é segura, isto deve ser impedido
83. Proptüsatio iniuriae dicitur facta incontinenti si âie se-
quenti facta fuerit. 89. Quare ubicumque deprehenderit pater, permittitur ei occi-
A ação de repelir a injúria é dita feita imediatamente, dere, sed domi suae generive sui tantum; illa ratio reddi-
se foi feita no dia seguinte. tur quoâ majus crimen putavit leçislator quod in domus
patris aut mariti ausa fuerit filia adulterum ituiucere.
84 .. Proxima ab iis sunt sinc quibus possumus quiâeni vívere, Por isto, em qualquer lugar que o pai prender, é per-
sed ut mors potior sit, tanquam libertas, et tnuiititia ei mitido a ele matar, mas somente em sua casa ou de
mens bana.
sua família; aquela razão é dada porque o legislador
Estão próximas daquelas coisas sem as quais podemos julgou crime maior que a filha tenha ousado levar o
na verdade viver, mas que .a.morte é melhor (sem elas) adúltero na casa do pai ou do marido.
como a liberdade, a honra, e o bom discernimento.
90. Qui aggressorem. . . in âubio vitae discrimine constitutus
85. Quando reperitur a domino exportare res suas et cum illis
occiderit, nullam ob id factum calumniam. metuere debet.
auiuçere negue aliter poterant recuperari.
Qui aggressorem ad se venientem ferro repiüerit, non ho-
Quando o senhor descobre que (alguém) tira seus bens
micida seâ defensor saiutis, etc.
e com eles foge, nem podem ser de outro modo re-
cuperados (Júlio· Claro, Prática Criminal, O Homicídio, Quem, posto em crítico risco de vida, matar o agres-
rub. 47). sor, nenhuma inquietação deve temer por este fato.
468 MARCELLO J, LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 469

Quem repelir com a espada um agressor que avança


96. Quia lex parem in eos qui deprehensi sunt indignationem
em sua direção, não é homicida, mas defensor da vida, exigit et requirit.
etc. (Lei Cornélia). ·
Por isto a lei pede e exige igual rigor (indignação)
91. Qui armati venerunt et si armis non sunt usi ad discendum contra aqueles que são presos em flagrante.
seâ discerunt armata vis facta esse videtur; sufficit enim
terror armorum, ut videantur armis deiescisse. 97. Qui parricidium dum propriam vitam tuetur tuimiserit,
Aqueles que vieram armados e se não usaram das ar- securus abscedat.
mas para ameaçar, mas ameaçaram, a violência pare- Quem cometer o parricídio, para defender a própria
ce ter sido feita armada; basta com efeito o terror das vida, fique tranqüilo (Lei dos Visigodos, ~. 5, 19).
armas para que eles pareçam ter atacado com armas.
98. Qui tamen nocturnum furem cum clamore, quem aliter
92. Qui cum aliter tueri se non possunt damno inoxii sunt. comprehendere non txüebat occiâerit, juxta âiuorum. paren-
Como não podem defender-se de outro modo, não são tum nostrorum statuta propterea nullam ctüumnuim. sus-
culpados de dano (Fr. 45, § 4, D. 9, 2). tinere debebit,
Quem, contudo, matar, aos gritos, o ladrão noturno,
93. Qui iniuste laesit honorem proximi, âebet illum resiituere,
que não pôde, de outro modo, agarrar, nenhuma
sicut laesit; si laesit publice, publice; privatim, si privatim
taesit. acusação deverá, por isso, sofrer, de acordo com os es-
tatutos de nossos divinos antepassados (Constituições
Aquele que injustamente lesou a honra do próximo,
do reino da Sicília, do Imperador Frederico II, 1231,
deve restabelecê-la como a ofendeu; se a ofendeu pu-
I, 14, Sobre os Homicídios que devem ser punidos).
blicamente, publicamente; particularmente, se lesou
particularmente.
99. Quia vim vi repellere licet statuimus quod si quis percusse-
rit aliquem. ... liceat ipsi percusso eotiem modo repercutere.
94. Qui latronem caedem sibi inferentem vel alium quemlibet
stuprum inferentem occiderit, puniri non placuit; alius Porque é lícito repelir a violência, estabelecemos que.
enim vitam, alius pudorem publico facinore âeieruiit (Pau- se alguém ferir a alguém, é lícito ao próprio ferido fe-
lus, rec. sent., 5, 23, 3). rir também (Estatutos da cidade de Eugúbio, 1624,
Não convém ser punido aquele que matou um ladrão IV, 34).
que levava a morte a si ou a 'desonra a outro qualquer;
com efeito; um defende do crime a vida, outro o pudor 100. Quicumque se in domo alterius occultaverit ex quacunque
público. causa illiciia, possit impune offendi usque aâ moriem
exclusive.
95. Qui Zatronem occiderit non tenetur atque si aliter peri- Todo aquele que se ocultar na casa de outrem, por
culum effugere non potest.
qualquer motivo ilícito, pode ser molestado impune-
Aquele que matar um ladrão não será preso, desde que mente, até a morte exclusive (Estatutos de Luca, 1539,
não possa afastar o perigo. IV, 105).
470 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 471

101. Quod qui stupraiorem. invenerit in domo sua cum uxore, 106. Seâ pane quod tu deiecisti me de fundo et ego convoca-
filia, matre, vel nuru impune ipsum possit occuiere. tis amicis non incontinenti, seâ ex intervallo deieci te et
Quem encontrar um estuprador em sua casa com a meam possessionem recuperavi quaeritur numquiâ hoc
esposa, filha, mãe ou nora, pode matá-lo impunemen- licite facere potui? - dic quod sic.
te (Estatutos de Aviano, 1403, c. 31). Mas suponha que você me expulsou de minha herda-
de e eu, convocando os amigos, o tenha expulsado, não
102. Recte possuienii ad defendendam possessionem quam sine imediatamente, mas algum tempo depois, e tenha re-
oiiio tenebat inculpatae tutelae moderatione illatam vim cuperado minha posse; pergunta-se: porventura pude
propulsare licet. fazer isso licitamente? - diga que sim (Alberto de
Gandino).
É lícito ao que possui retamente que, para defender a
posse que tinha sem vício, repila a violência lançada, 107. seã quid si aliquis ob tutelam uxoris suae fecerit? âic
com moderação de tutela não culposa. quod ezcusatur . . . quia surü duo in carne una ut etc.
Mas, se alguém cometer algum (homicídio) por .causa
103. Seti etiam. pro defendendis bonis fortunae magni valoris. da proteção de sua esposa? diga que está desculpado ...
Mas também para defender os bens da fortuna de porque são dois. em uma só carne (Alberto de Gan-
grande valor. dino).

104. Sed furem diurnum non licet occiâere, nisi se tela âeien- lOR. Sed quiâ si inferatur aliis coniunctis personis iniuria,
âat, dum tamen utroque casu clamore hoc fiat ui ... numquid licet hos defendere?. . . alias autem non licet
personam coniunctam defendere.
Mas não é lícito matar um ladrão diurno, a não ser
Mas, se alguém se dirige com injúria a outros paren-
que se defenda com arma, desde que, entretanto, isto
tes, porventura é lícito defendê-los? já não é lícito, po-
se faça, em um e outro caso, aos gritos, conforme, etc.
rém, defender um parente (Alberto de Gandino).
(Alberto de Gandino).
109. Seâ quid si [ilius aliud f ecerit ob tutelam patris sui? dic
105 Sed pane quoâ ego eram praesens in loco ubi Titius per- quoâ excusatur. Idem et de persona mei fratris, hoc etiam
cutiebat uel oerberabat et occuiere nitebatur Sempronium, conceâitur ratione affectionis, etc.
quaeriiur numquid debeam et tenear me interponere et Mas, se um filho cometer um (homicídio) por causa
prohibere ne dictum homiciâium commitatur. da proteção de seu pai? diga que está desculpado. E
Mas suponha que eu estivesse presente no lugar em (se eu cometer) o mesmo (delito) por causa da pes-
que fulano feria ou açoitava ou procurava matar bel- soa de meu irmão, isto também é permitido, 'em razão
trano; pergunta-se: "porventura devo e sou obrigado da afeição, etc. (Alberto de Gandino).
a pôr-me de permeio e impedir que o dito homicídio
110. Si aliquis ad def endendam propriam »itam utatur maiori
seja perpetrado?" (Alberto de Gandino, Tratado dos violentia quam oporteat erit illiciium; si vero moderate
Delitos, Das defesas a serem feitas pelo réu, rub. 12). violentiam repellat erit licita defensio. Nam secundum
472 MARCELLO J . .LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 47a

iura, vim vi repellere licet cum moderamine inculpatae Se alguém andar de noite ao redor da casa ou pátio
tutelae; nec est necessarium ad salutem, ut homo actum de alguém, e não clamar em altas vozes, se for ferido
moderate tutelae praetemitta ad evitandam occisionem ou morto por alguém da casa, sofra o dano, e quem o
alterius; quia plus tenetur homo vitae suae providere, ferir ou matar não pode ser preso por algum dano
quam vitae alienae. (Estatutos de Cêneda, 1339, III, 95).
Se alguém, para defender a própria vida, usar de vio-
114. Si aliquis invenerit aliquem in domo sua vel iti curte post
lência maior do que for necessária, será isto fato ilíci- campanam guardiarum 'quae pulsatur de nocte, et qui
to; se, porém, moderadamente repelir a violência, será intraverit ibi [urtiue vel occuite et ipsum vulneraverit vel
lícita a defesa. Com efeito, segundo os princípios do interfecerit, non solvat bannum nec poenam patiatur.
direito, é lícito repelir a força com a força, com a mo- Se alguém encontrar a alguém em sua casa ou pátio
deração de tutela sem culpa; não é indispensável à após o toque da sineta dos guardas, à noite, e (se) en-
proteção da vida que o homem ·omita um ato de pro- trar ali às escondidas ou ocultamente e o ferir ou ma-
teção moderadamente, para evitar a morte de outro; tar, não pague o dano, nem sofra castigo (Estatutos
por isso o homem· é obrigado a prover sua vida antes de Casale, 1370, c. 92).
que a de outrem.
115. Si aliquis interfecerit vel vulneraverit, et probare possit
111. Si aliquis aggressus fuerit gladio se defendere possit aos- quoâ aâ iieiensionem sui corporis. . . hoc fecerit. . . nulla
que pena cum gladio. 'f!Oena pun.iatur.
· Se alguém matar ou ferir e puder provar que fez isto
-Se alguém for agredido com espada, pode defender-se,
em defesa de seu corpo, com nenhum castigo será pu-
sem punição, com espada (Estatutos de Casale, 1370, nido (Estatutos de Aviano).
c. 99).
116. Si cognovero aliquem civem alterum studiose interfecisse,
112. Si aliquis committeret praedicta se defendendo, nulla poe- nec pro se defendendo, si habuerit turrim et casam faciam
na solvatur, si fiat defensio cum moderamine inculpatae destruere et üium. de ciuitate expellam.
tutelae. Se eu souber que um cidadão matou a outro por pra-
Se alguém, defendendo-se, cometer (os delitos) citados, zer, e não para se defender, se tiver castelo e casa,
nenhuma- pena seja (por ele) sofrida, se a defesa se mandarei destruí-los, e o expulsarei da cidade (Esta-
faz com a moderação própria de· proteção não culpada tutos de Pistóia, 1207, 118).
~;

(de legítima defesa) - Estatutos de Turim, 1360, I, 117. Si contigerit alicui violentis iniuriis prouocato ob tutelam
fl. 709.
sui corporis. . . defensionem adhibere, ipsam eidem incon-
tinenti.
113 Si aliquis in nocte iverit circa domum vez curtivum ali- Se a alguém, provocado por injúrias violentas, aconte-
cuis et non clamaverit, si per aliquem de domo percussus cer empregar a defesa para proteção de seu corpo, ca-
[uerii vel interfectus damnum patiatur, nec de aliquo be-lhe empregá-la sem demora (Constituições do rei-
damno qui percusserit vez occiderit poseit costringi. no da Sicília, do Imperador Frederico II, 1231, I, 8).
474 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA. DEFESA 475

118. Si defendendi domini gratia aliquis fecerit rationem ei Se um ladrão for encontrado arrombando e, .íerido, for
constare apparet. morto, não se deve culpar de homicídio a alguém. Se,
Se alguém fizer empenho em defender seu senhor, é porém, o dia despontar sobre este alguém, será réu.
evidente que (isto) chegará a seu conhecimento. Percebe-se, pois, que não existe homicídio, quando é
morto um ladrão noturno; mas, quando o for um diur-
119. Si ego expulsus a fundo ivi aâ domum et misi pro arrueis no, haverá homicídio. Isto é o que proclama, na ver-
meis, steti per diem vel ultra ad convocand.um amicos et dade: "Se o dia de.spontar sobre este alguém, etc.",
postea ivi aâ locum et possessionem meam recuperavi, porque podia discernir se veio para furtar, e não para
numquiâ videor hoc fecisse ad defensionem et incontinen- matar; e por isso não deve ser morto. Isto também se
ti? dic quoâ sic, quia actus extraneus intermedius non vê nas leis profanas; mais antiga do que elas é, en-
fuit ... tretanto, esta, a saber, que o ladrão noturno seja mor-
to impunemente, de qualquer modo; o diurno, porém,
Se, expulso de minha herdade, fui para casa e desisti,
se se defender com arma. Com efeito, já agora é mais
em atenção a meus amigos, (se) esperei, durante um do que ladrão (Agostinho, C. 3, X, 5, 12).
dia ou mais, para convocar os amigos, e depois fui ao
local e recobrei minha posse, porventura fiz isso em 122. Si quis aliquem in nocte invenerit 'in domo sua furtive
minha defesa e imediatamente? Diga que sim, porque sive absconse, et eum [erierit et interfecerit, vindictarn in
não. foi interposto nenhum ato estranho, etc. (Alfredo eum nom faciam.
de Gandino) . Se alguém encontrar a alguém, de noite, em sua casa,
às escondidas ou secretamente, e o ferir e o matar, não
] 20. Si nox furturn faxit, eum. aliquis occidit, iure caesus est.
exercerei vingança contra ele (Estatutos de Parma,
Se alguém praticou um furto à noite e outrem o ma- 1255, fol. 279).
tou, aquele foi morto · com razão.
123. Si quis aliquem suspectum. in domo sua invenerit. . . ju-
121. Si perfodiens inventus fuerit fur, et percussus mortuus rantem et eum offenderit poenarn solvere non debeat.
[uerit, non est illi hornicidium imputandum. Si autem Se alguém encontrar algum suspeito furtando em sua
oriatur sol super eum: reus erit. Intelligitur ergo, tum casa. . . e o ferir, não . deve sofrer castigo (Estatutos
non pertinere ad eum homicium, si iur nocturnus occi- de S. Gemíníano, 1415, III, 23).
datur; si autem diurnus [uerit, ad homicuiium pertinere.
Hoc est enim, quod ait: "Si oriatur sol super eum, etc.", 124. Si quis domum per violentiam intraverit, et dominus
· quia poterat discernere, quod ad furandum, non ad occi- dorrius enim in ipsa domo interfecerit, nulla poena pu-
dendum venisset, et ideo non âebet occidi. Hoc etiam in niatur.
antiquis legibus saecularibus, quibus ista tamen est anti- Se alguém entrar em alguma casa, pela violência, e o
quior, invenitur, impune scilicet occidi nocturnum furem senhor da casa o matar dentro da mesma casa, não seja
quoquo modo, diurnum autem, si se tela defenderit. Iam punido com nenhuma pena (Bstatutos de Aviano, 1403,
enim plus est quam fur. c. 47).
LEGÍTIMA DEFESA 477
476 MARCELLO J, LINHARES

129. Si quis percusserit aliquem vel ceperit per capillos sive ad


125. Si quis habitans in oppido Lugi post sextam horam noc- pectus vel ad pannus dilaniando ei vel manus possuerit
tis invenerit aliquam. personam in domo suae habitationis ad nasum, non faciendo predicta ad sui defensionem, etc.
suspectam de furto, adulterio vel homicídio, liceat occide- Se alguém ferir a alguém ou agarrá-lo pelos cabelos,
re impune. seja para lhe rasgar o peito ou as vestes, seja para lhe
Se algum morador da cidade de Lugo encontrar, na chegar as mãos ao nariz, não faz as coisas citadas em
casa de sua residência, após a sexta hora da noite sua defesa, etc. (Breve dos Cônsules da cidade de Pisa,
(após a meia-noite, alguma pessoa suspeita de furto, 1164, III, 6).
adultério ou homicídio, é lícito matá-la impunemente
(Estatutos da cidade de Lugo, '1520, III, fol. 44). 130." Si quis percussorem ad se venientem gladio repulerit, non
ut homicida tenetur; quia defensor propriae saluiis in
126. Si quis furem nocturnum vel tiiurnum cum. se telo defen- nullo peccasse videtur.
deret, occuierit, hac quidem lege non teneiur, seâ melius Se alguém repelir o atacante que venha a si com uma
fecerit, qui eum comprehensum transmittendum ad prae- espada, não seja tido como homicida; porque o defen- ·
sidem magistratibus obtulerit. sor da própria vida parece em nada ter pecado.
Se alguém, ao defender-se com arma, matar um ladrão
noturno ou diurno, certamente não está compreendi- 131. Si quis post secundam horam noctis moenerit aliquem .
do por esta lei; mas terá agido melhor quem o apre- personam in domo suae habitationis, liceat âicto habita-
sentar, preso, aos magistrados, para. ser enviado ao go- tori dictum ingressum occidere impune, vel vulnerare vel
vernador (Paulo). derobare (sic) ipso iure ... et ad probandum talem inven-
tum esse et fuisse mortuum in domo admittantur testes
127. Si quis in domo sua furem de nocte inuenerii, et ipsum domestici et de familia ipsius occidentis.
capere non potuerit, ui puta quia se defendat, vel cum Se alguém, após a segunda hora da noite (após as de-
rebus ablatis fugiat possit eum impune occidere, dummo- zenove horas), encontrar alguma pessoa na casa de sua
do ita clamet contra ipsum vel post ipsum, quod audiri residência, é lícito ao dito morador matar ou ferir im-
possit. punemente ou despojá-lo (sic) pelo mesmo direito. . . ,
Se alguém encontrar, de noite, um ladrão em sua casa, e, para provar que foi encontrado e morto em sua casa,
e não puder prendê-lo, porque, por exemplo, se defen- sejam apresentadas testemunhas domésticas e da fa-
de ou foge com os bens furtados, pode matá-lo impu- mília do próprio matador (Estatutos da cidade de Fer-
nemente, contanto que grite na frente ou atrás do rara, ref. 1567, III, 79).
mesmo, de sorte que possa ser ouvido (Estatutos de
Aviano, 1403, c. 45). 132. Si quis posuii offendiculum ad [enestrani pro capiendo
fure nocturno, si fur cecidit et moriaiur, tunc ipse non
128. Si quis interficeret. . . aliquem repertum. in domo de noc- tenetur.
te furantem, talis interficiens non puniatur. Se alguém colocou um obstáculo junto à janela para
Se alguém matar a alguém, encontrado, de noite, rou- pegar um ladrão noturno, se o ladrão cai e morre,
bando em sua casa, tal matador não seja punido (Es- então ele não é preso.
tatutos da cidade de Verona, 1450, III, 40).
M ARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 479

Si quis vulneraverit se defendendo cum. moãeramine in- 138. Si vero sacerâos iste prius ab illo percussus sacrillego, mox
culpatae tutelae, absolvatur. eum cum ligone in capite repercussit ...
Se alguém, defendendo-se com a moderação própria Mas. . . este sacerdote, ferido primeiro por aquele sa-
de proteção não culpada (de legítima defesa), feriu, crílego, logo o repeliu com uma machadada na cabeça.
seja absolvido (Estatutos de Pádua, 1236, fl. 754).
139. Sicut si aliquis aggrederetur me et coniunctam personarn
Si seruum tuum latronem insidiantem mihi occiâero se- vel extraneum, quia tunc licet et easdem personas de-
curus ero; nam adversus periculum naturalis ratio per- f endere.
mittit se def endere. Se alguém, por exemplo, me agredisse a mim e a um
Se eu matar teu escravo ladrão, que me espreita, esta- parente ou pessoa estranha, então seria lícito também
rei sossegado, pois a razão natural permite defender-se defender as mesmas pessoas (Alberto de Gandino) .
contra o perigo (Gaio, Fr. 4, pr, D, 9, 2).
140. Sin auteni cum possit adprehendere eum maluit occiâere,
Si tamen inventus fuerit in segete vel vinea vel orto alie- magis est iniuria fecisse videatur, ergo et Corneliae te-
rius nec admonicione dominorum inde exire voluerit vel nebitur.
pignus dare, liceat domino eurn modice verberare non ta- Mas, se preferiu matá-lo, quando poderia prendê-lo,
men quod eum vulneret. ' parece ter cometido maior agravo; portanto, está su-
Se, entretanto, for encontrado na seara ou no vinhe- jeito também à (lei) Cornélia.
do ·ou no jardim de outrem e com a advertência dos
d_?..~os, não quiser sair dali, ou dar fiança, é lícito ao 141. · Sint immunes a poenis ... etiam hi qui [erierint aliquos
senhor açoitá-lo moderadamente, mas não tanto que quos invenerint de nocte in domo sua.
o fira (Estatutos da comuna de Bologna, 1252, II, 30). Sejam também livres de punições. . . aqueles que feri-
rem aos que encontrarem, de noite, em sua casa (Es-
Si vel etiani persequendo furem quis occuierit, sit immu- tatutos da cidade de Pistóia, 1546, V, 35).
nis a poena.
Se alguém, por exemplo, matar um ladrão, estando 142. Sint immunes a poenis hi qui ferierint de nocte eos quos
ainda em seu encalço, fique isento de punição (Esta- invenerint secantes bladum suum.
tutos de Monte Carla, 13991 e. 41). Fiquem livres de punição aqueles que ferirem, de noi-
te, aos que encontrarem cortando seu trigal (Estatu-
Si vera Clericum, vim sibi inierentem, vi quis repellat vel tos da cidade de Pistóia, 1546, V, 35).
laedat non debet propter hoc ad sedem apostolicam trans-
mitti, si in continenti vim vi repellat. 143. Specialiter autem iniuria âicitur contumelia.
Se, porém, alguém repelir com a força cu ferir um clé- Em particular, porém, a injúria é chamada contumélia.
rigo, que ihe faz violência, não deve, por isso, ser leva-
do à Sé Apostólica, a saber, se repelir a violência com 144. · Ubi offensio est licita, ibidem defensio est illzcita.
a violência imediatamente. Quando a ofensa é lícita, aí mesmo a defesa é .üícíta.
M ARCELLO J. LINHARES L EGÍTIM A D EFESA

Ubi quis aliquem aggrediatur sine armis non licet aâuer- 151. Vim vi defendere omnes leges omniaque iura permittunt,
sus illurn se defendere curti armis. O direito e todas as leis permitem defender a força
Quando alguém agride a outrem sem armas, não é lí- com a força.
cito contra ele defender-se com armas.
152. Vim vi repellere licet; idque ius natura comparatur.
Ultimum supplicium remitti potest, cum sit difficilimum
justum dolorem temperare. Élícito repelir a força pela força; e nisto o direito se
O último suplício pode ser afastado, já que é dificílimo compara à natureza.
temperar (abrandar) a justa dor.
J53. Violentiam castiiatis non solum. quis potest propulsare ne
Ultra necessitatem in Zaedendo vez necando adversarium fiat, sed etiam. inferentem hanc violentiam iti flagranti
procedit; seu quod idem est, qui non serva moderamen crimine, licet occiâere animo ulciscetuii.
inculpatae tutelae .. Não só àquele que pode repelir a violência da castida-
Vai além da necessidade, no ferir ou no matar, o adver- de, para que não seja cometida, como também àquele
sário, ou, o que é a mesma coisa, aquele que não con- que encontrar esta violência em crime flagrante, é lí-
serva a moderação da proteção sem culpa. cito matar com espírito de vingança.

Vel antequam eant ad aliquos extraneos actus ut 1. 154. Volenti non fit iniuria.
raptores.
A injúria não é feita ao que consente.
Ou antes que passem a alguns atos estranhos, como I.
raptores (Bonifácio de Vitalinas).
:·"_..

Vel non fe.cerint pro se defendendo, in quo casu def ensio-


nis pene predicte locum non habeant.
Ou não o fizeram para se defender; neste caso, não
tem quase que por antecipação ensejo de defesa (Es-
tatutos de Luca, 1308, III, 38).

Verum quum ad solam defensionem id facere liceai, homi-


cidii vez lesionis reus est, qui, quando se âeienâit, ultra
necessitatem, in laedendo vel tiecasuio aâuersarium. proce-
dit; seu quod idem est, qui non servat moderamen incul-
patae tutelae.
Na verdade, como é lícito fazer isto somente para a
defesa, é réu de homicídio ou de lesão aquele que, quan-
do se defende, procede além da necessidade, ferindo ou
matando o adversário, ou, o que é o mesmo, que não
conserva a moderação de tutela não culposa. . ,,
L EGÍTIM A D EFESA 483

B
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ALCIATO - 32 FERNECK - 139
z AHRENS - 99 FEUERBACH - 40 e 106
A ULUS GELIUS 234 FILANGIERI - 217
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BALLIN - 281 GAIO - 3, 26 e 30
BARROW - 233 0AUTHIER - 7
BARTOLO - 32 0ESSUÉ - 281
BECCARIA - 106 e 217 0LASSER - 128
BELLEZA DOS SANTOS - 128 GLOBIG - 40
BENTHAM - 27 4 e 407 OORDIANO - 31
BINDING - 298 e 363 GRASSET - 401
Boccto - 32 0ROHMAN - 99
BUHLER - 24 HASELBARTH - 281
CARNEVALE - 257 HEFFTER - 128
CHIAROTI - 300 HERÓDOTO - 205
CIVOLI - 349 HEYMENS - 111 e 240
CLOTÁRIO GONZÁLEZ - 227 0
HUSTER - 40
CONTU - 269 JANKA - 15, 99 e 128
CRIVELLARI - 276 JERSCHEK - 281
CRISTIAMS - 45 JoUSSE - 3 e 232
DARWIN - 406 JULIUS CLARUS - 32, 182, 188 e 437
DEL VEOCHIO - 236 KANT -105
DEMETRIO SODI - 227 KASTLIN - 128
·DEMÓSTENES - 215 KEL - 60
DIODORO SÍCULO - 23 KNOCK - 60
DOHNA - 99 KOHLER - 4
DUGUIT - 235 LEVITA - 128
EDUARDO FEIN - 44 LICURGO - 205
498 MARCELLO J. LINHARES

LIEPMANN - 99 RUSSEL - 59
LIUTPRANDO - 38 S. AGOSTINHO - 50
LOCKE - 3 SALOMONIUS - 348
LUCCHINI - 217 SCHELER - 237
LUGO - 189 SCHWAZENBERG - 34
MACEDO SOARES - 352 SERVAIS - 6
MAUDSLEY - 241 SIEGERT - 281
MAX SORRE - 233 STELTZER - 111 ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS
MENOZA - 219 STILMARK - 99
MUY DE VOUGL - 431 STRIKIO - 428
NEWTON - 340 Aberratio ictus - 155, 393 e 445 - injusta - 297, 299, 300
TAINE - 341
NICOLINI - 273 - jurídica - 297
TEJERA - 219 , Aborto - 277
PASCAL -;- 236 -- justrícada - 300, 301 e 453
TEMME - 99 Absolvição sumária - 431, 439,
PAULUS - 31, 181 e 299 - Laesio inchoata - 321
TITTMAN - 40 441
PEREDA - 189 - no exercício de profissão - 304
ULPIANO - 27, 30, 182 e 437 Ação de duplo efeito - 101
PUCCIONI - 111 - na disciplina trabalhista - 419
PUCHTA - 234 Vrco - 34 e 408 Ações socialmente adequadas
130
Agressor - 292
PRUEMER - 101 VINCENZO LANZA - 99
- consideração que merece - 334
PUGLIA - 352 VON CALKER - 258 Adequação - 130
- injusto - 47
REE - 37 VON HrPPEL - 192, 293 e 333 Adultério - 18, 34, 72, 80, 89, 90, - v. também "Sujeito ativo"
REGATILLO - 47 VOLTAIRE - 217 214, 215 e 452 Alcance - 31, 40, 49, 53, 54, 56, 58,
Rocco - 139, 169 e 257 WACHTER - 99, 370 e 373 - do marido - 249 65, 8~ 173,175,413
ROMEIRO - 352 WESSLEY - 128 -..e.. flagrante -- 18, 56, 72, 81, 83, 84,
- apertos e empurrões - 174
ROUSSEAU -= 99 36 e 99 214, 216, 225, 227, 232, 240, 242
WILDA - - atos abusivos - ·175
e 245
- compromisso matrimonial -
Agentes da autoridade - 302 174
Agredido - melhor proteção - contravenções - 256
342 e 457 - concorrência desleal - 134
Agressão - 292 - conveniência revolucionária
-- à distância - 369 172
- a si próprio - 70 - crimes continuados - 255
- antijurídica - 297, 300 - crimes culposos - 254
- a tos negativos - 293 - crimes permanentes - 255
- atos positivos - - 293 - culto religioso - 180
- atual - 191, 316, 453, 456 e 458 - dano a bens de terceiro - 257
··- coação sobre a ação - 294 - direito de crédito - 175
-- conceito - 292 - espiões inimigos - 172
- culposa - 295 - esponsaís - 17 4
- de particulares - 304 - -fronteiras - inviolabilidade
- finda - 326 65
- futura - 324 - honra - 195 e 210
- gravidade - 111 e 296 - conjugal - ~14 e 245
- ilusória - 66 - v. também "Honra"
- iminente - 329 - injúria verbal - 199 e 381
500 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 501

Alcance (cont.) Arquivamento - inquérito - 425, Conflito - V. "Confronto de in-


Cartas de remissão 37
- integridade física - 178 e 473 439 teresses"
Case Laws - 59
- interesse da coletividade - 65 Asilo - 44 Confronto - de interesses - pre-
Caso fortuito - 146
- interesses de Estado - 65 Ataques à distância - 369 valência - 58, 94, 109, 115, 141,
Cassação de decisões do Júri -
- justiça desportiva - 421 Atitudes equívocas - 318, 329, 436 449 144, 145, 343 e 457
- liberdade - 180 e 453
Castidade - V. "Honra" Confusão - 402
- de correspondência - 181 Atos obscenos - 210 e 211 Consentimento do ofendido - 279
- no direito trabalhista - 417 CCC - V. "Carolina"
Atos preparatórios - 320 Coação - 57 Constitutio Criminalis Carolina -
- na lei penal militar - 411 Auctor rixae - 380 - V. "Carolina"
- na Consolidação das Leis do - física - 10
Aves predadoras - 190 Constitutionis Regni Siciliae
Trabalho - 417 - irresistível - 9, 10 e 57
- moral - 10, 106, 109, 110, 114, 178 e 182
- no Código de 1940 - 93 B 115 e 192 Constructive malice - 61
- no Código de 1969 - 95
Co-autoria - 152 Contrainte - v. "Coação"
- no Código Penal Militar - 411 Bamberger Halsgerichtordnung
40 Codex Iuris Canonici - 45, 49 e Contravenção - 174 e 255
- no direito soviético - 66, 172
Bêbado perturbador - 177 50 Contrato social - 105
- posse - 184, 190, 191
Beijo lascivo - 202 e 210 Código Criminal do Império - 89 Convenção Européia dos Direitos
- ilegítima - 193
Bens - 31, 48, 49, 56, 63 e 181 Código da Baviera, de 1813 - 40 Humanos - 52 e 189
- propriedade - 56, 184 e 457
- pudor - 202 - alcançados pela legitima defesa Código de Hammurabi - 18, 19 e Conveniência revolucionária
- 171 e 186 214 172
- recíproca - 260
- balanceamento - 188 Código Filipino - 67 Corpus Iuris - 26
- segredos militares - 67 e 172
- de pequeno valor - 188 189 e Código Hitita - 19 Corpus luris Canonici - 26, 44 e
- tentativa - 250
347 ' Código Penal Militar - 414 45
- terceiros - 23, 31, 56, 270, 274,
454, 460, 471, 474 e 479 - de terceiros - 257 Código Penal Tipo para a Amé- Correção disciplinar - 305, 307 e
- defesa privada no direito an- rica Latina - 87 454
- tranqüilidade - 177
tigo - 181 Código Zanardelli - 33 Costumes - 208 e 238
- valores morais - 194
- via pública - 76 - públicos - 73 Cólera - 408 Covardia - 94
- vida - 171, 176, 456, 458, 467 e Beweisf erhung - 39 - v. também "Ira" Crimes continuados - 255 e 393
469 Boa fama - 194 Colisão de interesses - v. "Con- - culposos - 254
- virtude - 58 fronto de interesses" - permanentes - 255
Brâmanes - 24 e 25
Ameaças - 80, 111, 318 e 331 Commodus discessus - 64, 94 e 353
Cristianismo - 43, 46 e 236
Bravura militar - 415
Amraphet - 18 Cruenta def ensio - 49 e 171
common Law - 59 e 61
Animais - 166 Culto religioso - 180
e Comodidade - 177
Aves predadoras - 190 Cumprimento de dever - 11
Compensação - v. "Composição"
Animus defendendi - 54, 65 e 335 Cadáver - 279 Composição - 15, 21, 23, 30, 34. 35.
Animus injuriandi - 198 Calma - 113 37, 38 D
Arumus jocandi - 197 Calúnia - 197
Compilações - 40 Dafc - direito muçulmano - 75
Areópago - 21 Capital murâer - 61
Comunicabilidade - de circuns- Dano - a bens de terceiro - 257
Armadilhas - 355 Capitula Lotharii - 40
tâncias objetivas - 153 e 154 Debitum coniuçale - 309
Armas - 28, 29, 345, 452 e 462 Capitula Ludovici Pii - 40
Conceito - 1 Decálogo - 18 e 46
- as que devem ser preferi- Caráter - 240 Concorrência desleal - 134 Decemviri Legibus Scribundis -
das - 369 Caridade - 37, 45 e 46 Confissão - 432 26
- paridade - 33, 344, 345, 368 Carmen f amosum - 195
Declaração Universal dos Direitos
- indivisibilidade - 432
e 369 Carolina - 2, 34, 40, 258 e 321 Congresso de Bucarest -- 161 do Homem - 52
502 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 503

Declarações do réu - valor - 431 - Bulgária -- 69 Direito ( cont. l Egito - 23


Decoro - 206 e 210 - Chile - 83 - Panamá - 85 Emboscada - 183, 403 e 458
Defesa - 333 e 337 - China - 78 - Paraguai - 86 Encíclica Rerurn Nonarurn. 185
- fins secundários - 334 - Peru - 86 Envenenamento -- 23
- Código Penal Tipo - 87
-- limites - direito canônico - Colômbia - 83 - Polôn:a - 73 Erro - 282
47 - Porto Rico - 86
- Convenção Européia - 52 - de fato - v. "Leg itma de-
- necessária - 337 - Coréia - 78 ·- Portugal - 65 fesa putativa"
-- objetivismo e subjetivismo - Costa Rica - 84 - Roménia - 73 -- de direito - 55
346 - Cuba - 84 - Rússia - 66 - plenamente justificado - 156,
- subsidiária - 62 e 131 · - Dinamarca - 63 - Salvador - 87 282
Defesas cumula tivas - 448 - Dominicana - 84 - São Marinho - 73 - sobre a pessoa -- 155
Definição - 3, 4, 5, 6, 9, 33, 47, 50, - Egito - 76 ·- Síria - 76 - v. também "Ab~rratio ictus"
59, 63, 141 - Equador - 84 - Somália - 77 Esbulho - v. "posse"
Delegação hipotética - 134 135, - Espanha - 55 - Sudão - 76 Escola positiva - 140 e 374
136 - Estados Unidos 78 - Suécia - 63 Escravo - 18
Denúncia - 425 - Etiópia - 77 - Suíça - 74 Espada de Dâmocles - 39
Deportatio - 216 - Finlândia ·- 70 - Tchecoslováquia - 74 Espiões - inimigos - 172
Desafio -- 380 - França - 57 - Turquia - 74 Esponsals - 174
- Grécia - 70 - Uruguai - 87 Esposa - proteção - 471
Desforço incontinenti - 183 e 297
-- Guatemala - 84 - Venezuela - 87 Estado - 66 e 73
Detentio rei - 191
- Haiti - 85 - de ordem - 54 Estado dr ânimo - 95, 404 e 409
Deuteronômio - 17 e 36 - inglês -- 59
- Holanda -- 70 Estado de necessidade - 6 e 362
Devastador de propriedades - 458 - ·muçulmano - 75
-- Honduras - 85 Estados ernot.vos - 405
Dever - ';_ direito - 126 - municipal - 39
- Hungria - 71 Estatutos - v. "Statuta"
Dever e direito - 126 - Inglaterra - 59 -- romano - 25 Estupor - 402
Diferenciação de outros institutos -- Iraque -- 72 - seu (próprio/ - 168 e 171 Estupro _:_ 200, 209, 454 e 460
- 6, 9, 11 e 12 - Islândia - 71 Direitos humanos - V. "Conven- Evidência - v. "Prova"
-- e coação irrestível - 9 - Itália - 62 ção Européia dos Direitos Hu- Excesso - 55, 66, 113 e 385
-- e estado de necessidade - 6 -- Iugoslávia - 71 manos" e "Declaração Universal - culposo - 113, 386 e 387
- e obediência hierárquica - 12 dos Direitos do Homem" -- doloso - 386, 390 e 394
- Japão -- 78
- e exercício de direito - 11 Disciplina - 54 - escusável - 386, 395 e 402
- Jordânia - 76
-- traços comuns - 12 - militar -- 411 - v. também "perturbatio animi"
- Kuwait - 76 Dissimulação - 403
Digesto - 25 . - Líbano - 76 - ira - 403
Dívida - cobrança vexatória
Dinheiro simbólico - 37 - Líbia - 76 - manifesto -- 5q,
175
Direito -- 75, 169 e 299 - Liechtenstein - 71 - regras para avaliação - 392
Dom icili o - proteção - 53, 435 e
-- canônico - 43, 4.7 e 49 - Luxemburgo - 72 - relação temporal - 409
437
·-- comparado - 51 - Marrocos - 76 - surpresa - 402
Duelista - 37
- Alemanha - 53 - México - 85 - violenta emoção - 410
Dúvida - 265, 432 e 449
-- Argélia - 76 - Mônaco - 72 Exclusão do ilícito --:- 131
Dwidjas --- 24
-- Argentina - 82 -'- Nicarágua - 85 Exercício de direito - 11 e 128
-- Austria - 6~ - Noruega - 63 E Exercicio de profissão - 304
Bélgica - 69 Etiicturn. Rotharis - 40 Exílio - 23, 35 e 36
- Países árabes - 75
- Bolivia -· 82 -- Países escandinavos --- 63 Edictum Theoâorici - .31 Êxodo - 16, 44, 46 e 270

825 - ~1
504 -MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DI::F'ESA 505

Exposição de Motivos ao Código - legitimidade absoluta - 125 Homem críteroso - 370 Integridade - física - 31, 178,
Penal - 94 e 153 - nulidade do injusto - 127 Homem médio - 70 e 240 461 e 473
Extorsão - 174 - suoieticos - teorias - 137 · Homem nobre - 463 - pessoal do agredido - 373
- colisão de direitos - 143 Homicídio - 22 e 46 Intenção - 389
F - direito subjetivo de caráter - culposo - 17 - honestidade da - 451
Faida - 34 e 35 público -- 138 - definição - 47 e 458 v. também "Animus defen-
Fec-i sed iure feci - 145 - Escola postíva -- 140 - escusável - 59 e 60 dendi"
Fe/onius, Felony - 59 e 60 Furor - 25 - involuntário - 17, 21 e 35 Interesses - da coletividade
Filhos - v. "Terceiro" Furor brevis - 406 . - justifiable - 59 e 60 do Estado - 65
Fins Just'fícando os meios - 129 Furto - V. "Ladrão" - por prazer - 32, 473 - juridicamente protegido - 169
Fins secundários - 335 ·- de uso - 294 - premeditado - 23 - maior e menor - 145 e 364
Flagrante adultério - v. "Adul- - _f amélico - 11 - violento - 23 - preponderante - 137
tério" - noturno - 27 Honra - 18, 22, 49, 68, 195, 196, - qual o que deva ser sacrificado
Friedosigkeit - 37 e 38 206 e 210 - 58, 143, 342, 364
Força ......::. 454 G - conjugal - 55, 81, 214, 216, 224, Intruso - 451, 464, 469 e 477
Força maior - 112 e 146 230, 232, 236, 245 Invasio rei - 191
Formalidades - 36, 39 Gado - comportamento abusivo - - e vida - 366 Inviolabilidade de fronteiras -
Frontei~as - ínvíotabndade - 67 190 . - sexual - 33 67
e 172 Gênese - 46 Hóspede - 271 Ira - 405
Fuga - 48, 113 e 350 Gesto - 318 Humanismo - 99 Jus corrigendi - 306
Função corretiva dos tribunais - Guru - 25 Humanização da defesa - 102 e Jus abutendi - 185
449 314 Jus denunciandi - 425
Fundamentos da legítima defesa H
Jus fruendi - 185
- 26 e 97 I Jus puniendi - 132
- esquema geral - 97, 98 Habeas corpus - 440
Idé' as políticas - 103 Jus naturale - 2, 3, 25, 26 e 29
- obietioos - teorias - 103 Haiuikop] -,37
- causas de escusa - 51, 103 Hammurabi - v. "Código de Ham- Ignorância da lei -- 458
Igreja - 43, 45, 46 e 47 J
- estado de necessidade - 105 murabi"
- exclusão de antijuridicidade Herdade -- 184 Ilusões - 341
Juízes - como psicólogos - 349
- 115 História - 14 Imediatez - 316
Jurado - 450
- instinto 13, 26, 32, 109, - antígüídade - 14 e 16 Imputáveis - 146, 149 e 150
Jus - v. "Ius"
114, 115, 118, 119, 120 e 400 - direito brasileiro - 89 Imunidades - 164 e 201
Justa conveniência - 350
- limites da função punitiva -.: direito canônico - 43 Incapaz - v. "Sujeito"
Justa causa - 418
- 121 - direito germânico - 33 ln dubio - 432
Justa dor - 231 e 480
- retribuição do mal com o ·- direito intermediário "tal íano - Infidelidade - v. "Honra
Júri - 443 e 449
mal - 107 31, 33 conjugal"
Justiça desportiva - 421
- violência ou coação moral -- - direito romano - 25 Inibição - 334
109 e 111 - caráter restrito da legítima
-- Egito - 23 Inimizade entre agressor e
- causas de justificação - 51, defesa - 422
- Grécia - 21 agredido - 323
54, 65, 123 - Hititas - 21 Inimputáveis - 146 e 148
- adequação social - 130 - Índia - 24 L
Injúria verbal - 196, 199, 379, 381,
- defesa subsidiária - 131 - Israel - 19 461 e 481 Ladrão - 17, 20, 26, 27. 181, 192,
-- d.reito de necessidade - 129 - Mesopotâmia - 17 Instinto - v. "Fundamentos" 355, 359, 468, 478
506 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEF'ESA 507

Ladrão t cont.) M
Moderação (cont.) Notwehr - 40
- diurno - 17, 23, 27, 181, 182, 183, - desafio - 380
Maabarata - 24 Novíssima Recopilation - 227
186, 187, 459, 466 e 476
Malice aforethought - 61 e 62 - integridade do agred d0...1,,-- 373
- noturno - 17, 20, 22, 23, 27, 76, - medo - 401
181, 182, 183, 186, 187, 435, 436, Malícia - 60 o
Mal - a ser imposto na reacâo - - normas informativas - 365
437, 457, 463, 469, 474, 475, 477 Obediência hierárquica - 12
69, 107, 363 e 364 • - princípios jurídicos fundamen-
e 478 tais - 3 · Objetivismo da defesa - 57 313,
Laesio inctioaia - 321 Manava-Dharna-Sastra - 24
- relevância da provocação _ 378 346 e 370 '
Lavrador - 375 Mann gegen mann - 36
- rixa - 262 e 382 Obrigações civis - 73 e 297.
Legis Barbaroruni - 34 Manslaugheter - 61
- sujeito ativo - 146 Obstáculos - 355
Legislação - desportiva - 422 Manu - v. "Leis de Manu"
- sujeito passivo _ 146 Ocultação em casa alheia - 436
- do Reino - 89 Medidas de precaução - 324 ódio·- 405
Moderamen inculpatae tutelae
- trabalhLsta - 417 Medo - 79, 81, 95, 112, 396 a 401 e Offendicula - 355 e 477
462 10, 26, 30, 31, 32, 33, 45, 47, 48,
Lei - das Doze Tábuas - 26, 27, 49, 55, 61, 62, 94, 108, 189, 344, Ofensas verbais - v. "Honra"
195, 215, 427, 436 e 461 - e instinto de conservação - Omaiana - 24
110, 111 e 400 364, 365, 388, 391, 420, 453, 459,
- de atares - 23 Omissão - 293
- grave - 398 462, 464, 467, 478 e 480
- Cornelia de sicariis 209 Obrigação - de suportar a defesa
- leve - 398 Morae interpositio - 330
- dos Visigodos - 40 - 140
Moral cristã - 45, 50 e 352
- eterna -« 28 - o fenômeno - 396 e 399 Oração pro Milone - 28 e 29
Moralidade pública - 45
- moral - 50 - racional - 399 Ordem jurídica e social - 58 73
- v. também "Pudor"
- não escrita - 29, 30, 118 e 232 - razoável - 79 e 397 128, 139, 172 ' '
Motivo - 141
- natural - v. "Jus naturale" -- vão temor - 401 Ordem legal - 303
Motivos - sociabilidade - 140
- Sálica - 34 :M:eio - pressão do-,- 233 e 236 Outrem - conceito - 275, 277
Movimentos reflexos - 405
- sobre o~homicídio na Inglaterra Meios necessários - 68, 333, 339 Multa - v. "Compensação" Ovef act - 80
- 61 - commotius discessus - 64, 353 e Multidão - 166
- social - 3 467 p
Murder capital - 61 e 62
Leis - de Liutprando 38 - critério valorizador _ 64 186 Murâer simple - 61
- de Manu - 2, 24, 25 187, 188, 189 e 339 ' '
Mutual combat _ 80
Pacto social - 99
- de Moisés - 2 - defesa necessária - 333 Paixão - 405
- de Zoroastro - 2 - fuga - 48, 113 e 350 Palavra do réu - valor - 431
- religiosas - 19 N Papa - 165
- justa conveniência - 350
Levítico - 20 e 44 -- ottendncuta - 355 e 477 Nascituro - 277 Parentela - v. "Sippe''
Lex - Baiuvàriorum - 40 -: paridade de armas e valores ~ Natureza - 146 Paridade - de armas e valores -
- Burgundinorum - 40 33, 344, 345, 347, 480 Necessaria defensio - 13 33, 344, 345, 347 e 472
-- Inuioâecini Tabularum - regras observáveis para a ava- Necessidade - 31, 32, 48, 62, 67, Parricídio - 22, 40, 177, 307, 354 e
- v. "Lei das Doze Tábuas" liação - 343 76, 95, 105, 110, 120, 128, 129, 134, 469
- Henrici - 39 :M:oderação - 344, 360, 388, 403, 404· 337, 339 e 462 Partidas - 55, 227 e 329
- Julia de adulteris - 206 e 215 405 e 415 ' -· de meios - quesitos ao júri _ Pasto abusivo - 190
- Wisigthorum - 36, 40, 177 - aspectos objetivos e subjetivos 441 Paz - 34 e 177
Libellus famosus - 195 - 343, 370 - racional - 57, 338, 342, 363 - pública - 24, 40 e 73
L'berdade - 53, 179, 180 -- auctor rixae - 380 Negativa de autoria - 435 Pena - 105
Livre-arbítrio - 180 -- ausência de provocação 378 Nobres - 48 - de morte - 44
Louco - v. "Inimputável" -- confronto de meios - 345 Noite - 78, 435 e seguintes ·- pecuniária - v. "Compensacão''
No1i occides - 46 Pentateuco - 19 •
508 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEFESA 509

Perdão - 38 e 39 Prova - 427 Rei - 165 - imputáveis - 147


Perigo - conceito - 7, 79, 187, - absolvição sumára - 439 Rejeição da denúncia - 425 - inimputáveis - 147
309, 312 e 322 - confissão - 432 Relação temporal - 184, 266, 330, - multidão - 166
- critérios avaliadores do - 313 - in dubio - 265, 432 e 449 455, 456, 466, 471 e 474 - passivo - 150
- duração - 315 - negativa da autoria - 435 Relações - familiares - 305 - pessoa jurídica - 157
- iminente - 111 - palavra do réu - 431 - matrimoniais - 213, 307 - pessoas que gozam de imuni-
- imprevisto - 320 - presunção - 435 Relegatio - 216 dades - 164
- percepção - 341 - probatio defensiva - 428 Relatividade - juízo de - 350 statuta
- inesperado - 320 - probatio of fensiva - 428 Reputação - 206 - Avíano - 178, 183, 206, 436
- verossímil - 111 - tortura - 428 Rerum Nooarúni - encíclica - - Bergamo (Bergami) - 32
Permissão costumeira ~ 306 Provocação - 80,378 e 379 185 - Bolonha (Bononiae) - 184
Perturbatio animi - 10, 88, 95, 109,
- ausência de 57. 61, 88, 376, Res furtiva - 193 - Cêneda (Cenetae) - 436
377 e 378 Retorsão - 198
112 e 408 - Casale (Casalis) - 368, 436
- do agredido 380 Revide - 421
Pessoa jurídica - 157 - Eugúbio (Statuta Civitatis Eu-
- putativa - 281 e 295 Requisitos - 31, 56, 66, 291, 414
Pornografia - 208 gubii Collata) - 328 e 368
- relevância - 378 B,esponsabilidade civil - 149 - Ferrara (Statuta Urbis Ferra-
Posse - 184, 190, 191, 193, 465, 471
- ilegítima - 193 - suficiente -- 57, 88 e 378 Rixa - 60, 261, 382, 454 riae) - 437
Prudência - 44 e 365 Roubo - v. "Ladrão" - Florença (Florcntiae l - 184 e
Premeditação - 403
- de legítima defesa - 325 e 328 Pudor - 33, 169 e 202 436
Presunção de legítima defesa - Purunas - 24 s - Leonado (Statuta Criminalia
20, 59, 72, 82, 181, 435, 476 e 477 Putativa - legítima defesa putatí- Communitatis Leonati) - 178
va - 55, 77, 86, 281, 331, 341 Sabotagem - 73
Prevenção - 323 e 324 Banedrlm - 20 - Luca (Lucae) - 436, 437
Prisão - .em flagrante - 423 - conceito - 281 - Lugo (Statuta Oppidi Lugi)
- exclusão de culpabilidade Sangue frio - 113
- preventiva - 423 Saúde - 178 476
287 - Montagutolo - 32
Privação da paz - 37 Scheinbusse -· 37
- exemplos - 282 - Monte Oarlo (MontiscaleriiJ
Pro Milone - 28, 29 e 30 Seara - 184
- fundamentos - 286 32 e 184
Probatio aggressiva - 428 Seeking >interview - 80
- histórico - 281 - Nuvocomo (Novicomí J - 464
Processo - 423 Segredos militares - 67, 172
- pressupostos - 288 -- Pádua (Paduae) - 32
- a nova lei - 441 Self defense - 79
- absolvição sumária - 439 - Portonaon (Portunnaonis 1 --
Sentimentos - 99 183 e 368
- defesas cumulativas - 329 Q
Seqüestro - 181 - Régio (Statuta Magnificae
- denúncia - 311 e 425 Simple murder -- 61
- flagrante - 423 Quesitos - 443 Communitatis Regii) - 436
Sippe - 35 - Pistoia (Pistorii) - 32, 184, 317
- função corretiva dos tribunais Socorro à autoridade - 65 - S. Geminiano (S. GeminianiJ
449 R Soldado - 272 - 183 e 436
- Júri - 443
Subjetivismo da defesa - 57, 68, -- Sicília (Constitutiones Regni
- habeas corpus - 440 Razão natural - v. "Jus naturale" 111, 114, 142. 313. 346, 370 Siciliae, Frederici Ill - 178,
- prisão preventiva - 423 Receio - v. "Medo" Sujeito - 146 182, 317, 436
- quesitos - 443 Recíproca - 260 - animais - 166 Turim (Taurini) - 32
Proporção - relatividade - 344, Recuperação - de objetos furta- - ativo - 146 - Trento (Tríde nti i - 32
346 e 361 dos - 192, 193 - co-partícipe de agressão - 152 - Vale de Ambar (Vale Ambraa i
Propriedade - 56, 184 e 457 Regulamentos - 54 -- erro sobre a pessoa - 155 - 32
510 MARCELLO J. LINHARES

- Verona (Veronae) - 183 Uxoricídio - 241


Statut Laws - 59
Surpresa - 95, 386 e 402
V
Velho - 152
T Via pública - '16
Valores morais - 194
Talião - 15, 16, 17, 21, 25, 27 e Vinis timorts - 401
107 1ND1CE DA MAT.aRIA
Vestidos alheios - 258
Talmud - 19
Vias de fato - 331 e 477
Teologia Moral - 46, 49, 50, 171 Sumário ..............................• , .. , , . , , · · · · · · ·•· ·, · · · · • IX
- v. também "Contravenção"
Temibilidade - 142 Apreciação da primeiro edição da obra do autor, feita pelo Prof.
Vida - 172
Temor fundado - 329 Sebastián Soter .......................• · .........••.•.•..•..•
- v. também "Medo" Vida privada familiar - 53 Xl
Vínculo matrimonial - 307 A opinião do Professor e Desembargador Sálvio de Figxetredo
Tentativa - 250
Vingança -' 14, 27, 34, 35, 36, 39, Teixeira ........................•........•.•.......•...•..• XIII
Terceiros - 23, 31, 33, 56, 270, 454,
460, 471, 473 e 479 44, 107, 326, 327, 328, 336, 453, Nota do autor .......................•.......... , . XV
Textos latinos e sua tradução - 455 e 462
452 Vinhedo - 184 CAPÍTULO I
1'h7'eats - 80 Violenta emoção 407 GENERAL IDADES
Tora - 19 Violência moral - 10, 47, 49
Tortura - 428 - carnal - 209 1. O conceito de legitima defesa , ,., 1
Traição - 403 - necessária - 44 2. Definição ..................•................ · . · · . · · · · · · · · · · 3
Tranqüilidade - 117 e 177 Vis compulsiva - V. "Coação" 3. . Legitima defesa e estado de necessidade . 6
- noturna - 436 Vis maior - 118 4. Legítima defesa e coação irresistível . 9
Tratamento médico - 305 Vítima - beberrão - 79 5. Legitima defesa e exercício de direito .•.................... 11
Tribunais - função corretiva - covarde - 79 6. Legitima defesa e obediência hierárquica .............•..... 12
449 - periculosidade - 80 7. Traços comuns aos institutos ...................•........... 12
- juízes como psicólogos - 349 Vizinho - 271
.- seculares - 43 CAPÍTULO II
Volkrecht - 34
Trigal - 184
Vontade - v. "Animus defen- A LE01TIMA DEFESA NA HISTóRIA 008 POVOS
dendi"
u Vestidos alheios - 258 8. O sentido histórico do jurista . 14
9. A legitima. defesa na antigüidade . 16
Uso de armas - 324 e 325 10. Idem. Mesopotâmia , ,.
Utilidade - essência da defesa - w 1'1
102
11. Idem .. Israel ...........•......... , , · •. · · ·.· · · · · · · 19
Wergeld - 37
12. Idem. Hititas , . ·, · ·. · · · • · · · · · · · · · · · 21
13. Idem. Grécia ·. · · · · · 21
14. Idem. Egito ....................................•.. · .. • ·. · · · · 23
15. Idem. índia · ··• · · · · · · · · · · · · 24
16. A legitima defesa no direito romano , 25
17. A legitima defesa no direito intermédio italiano . 31
18. A legitima defesa no direito germânico , 33
19. o Código da Baviera, de 1813 . 40
20. A legitima defesa no direito canônico .....•.......... , .. ·. 43
LEGÍTIMA DEFESA 513
512 MARCELLO J. LINHARES .

40. Impunidade. Teoria da retribuição do mal com o mal 107


CAPfTur.o m 41. Inimputabilidade. Teoria da violência ou coação moral .... 109
A LEGf.TIMA DEFESA NO DIREITO COMPARADO 42. Inimputabilidade. Teoria da exclusão de antijuridicidade 115
43. Teoria do instinto . 118
21. Generalidades .................................•........... 51 44. Teoria dos limites da função punitiva . 121
22. A legítima defesa como causa geral e como causa especial
justificativa ou escusatíva ; . 51 CAPÍTULO VII
23. A legitima defesa e a Convenção Européia dos Direitos
Humanos ~ . 52 DOUTRINA SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LEGITIMA
24. A legitima defesa e a legislação dos países europeus: Ale- DEFESA. FUNDAMENTOS OBJETIVOS.
manha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Países Escandi- CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO
navo.s, Portugal .e Rússia . 53 123
45. Fundamentos objetivos; causas de justificação .
25. Texto do direito positivo de outros países europeus . 69 125
46. Teoria da legitimidade absoluta .
47. Teoria da nulidade absoluta do injusto ou da anulação da
CAPiTur.o T:V
injustiça . 127
A LEG1TIMA DEFESA NO DIREITO COMPARADO 48. Teoria do direito de necessidade . 129
49. Teoria da adequação social . 130
26. Direito muçulmano. Países árabes . 75 is:
50. Teoria da defesa subsidiária .
27. A legitima defesa em alguns países da Africa e da Asia . 77
28. Estados Unidos da América do Norte . 78 CAPÍTULO VIII
29. A legitima defesa nos paises ibero-americanos . , . 81
DOUTRINA SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LEGÍTIMA
30. Código Penal Tipo para a América Latina . 87 DEFESA. FUNDAMENTOS SUBJETIVOS.
CAPÍTULO V 51. Fundamentos subjetivos . 137
52. Teoria do direito subjetivo de caráter público . 138
A LEG1TIMA DEFESA NO DIREITO BRASILEIRO
53 . Teoria da escola positiva . 140
31. A legislação reínol . 89 54. Posicão intermédia. Teoria da colisão de direitos . 143
32. A legislação do Império . 90 CAPÍTULO IX
33. A legislação da República . 91
34. Os projetos para a reforma de 1940 . 92 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO DA LEGITIMA DEFESA
35. A legitima defesa no Código Penal de 1940 . 93 55. Sujeito ativo e sujeito passivo. Imputáveis e inimputáveis .. 14G
36. As reformas introduzidas pelo Código Penal de - 1969 . 95 56. Co-partícipe da agressão . 152
36-a A nova Parte Geral do Código Penal, segundo a Lei n.O 7.809, 57. Erro sobre a pessoa . 155
de 11 de julho de 1984 , .' . 96 58. Pessoas jurídicas . 157
59. Pessoas que gozam de imunidades . 164
CAPÍTULO VI
60. Multidão _ . 166
DOUTRINAS SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LEGtTIMA '61. Animais . 16G
DEFESA. FUNDAMENTOS OBJETT:VOS.
CAUSAS DE ESCUSA CAPÍTULO ·x
ALCANCE DA LEGITIMA DEFESA
37. Esquema geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
38. Fundamentos objetivos; causa de escusa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 62. Conceituação legal e doutrinária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
39. Impunidade. Teoria da necessidade iminente em que se acha 63. Bens alcançados pela legítima defesa .... , . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
o agredido : ·. . . . . 105
5i4 MARCELLO J. LINHARES
LEGÍTIMA DEFESA 515

64. Vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............................. .. . 176


93. O direito brasileiro e as soluções práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
6~. Integridade física e saúde ............................. .. . 178
94. Nossa posição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
66. Liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . .............................. .. . 179
67. A defesa privada dos bens no direito antigo . . . . . . . . . . . .. . 181 CAPÍTULO XIV
68. Propríedads . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
69. O requisito dá atualidade da agressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 ALCANCE DA LEGITIMA DEFESA.
70. Posse .... . . .. . . . . .. . . . . .. .. .. .. .. . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 191 LEGtTIMA DEFESA DE TERCEIRO
71. Defesa da posse ilegítima .. .. .. .. .. .. .. . . .. .. .. . . . . 193
72. Valores morais . 95. Origens . 270
194 96. Fundamentos , .
73. Honra ...... '.' . 273
196 97. O terceiro beneficiado .
74. · Pudor .............................................. ..... 274
•'• 202
98. Direitos tutelados . 276
CAPÍTULO XI 99. Os requisitos ............................................ '. 280
ALCANCE DA LEGtTIMA DEFESA CAPÍTULO XV
75. Honra conjugal; flagrante adultério . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214 ALCANCE DA LEGtTIMA DEFESA.
76. Correntes doutrinârias negando a legítima defesa da honra LEGtTIMA DEFESA SUBJETIVA
conjugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216
77. Opiniões favoráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224 100. O elemento histórico . 281
78. Posições intermédias ;.................. 230 101. Conceito. Exemplos de legítima defesa putativa . 282
7f}o. Nossa positão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232 f 102. Fundamentos . 28~
80. Idem. A consciência coletiva brasileira em torno da honra 103. Exclusão de culpabilidade e isenção de punibilidade . 287
conjugal. A pressão do meio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236 1104 .. Os pressupostos . 288
81. Idem. O homem médio . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240 1
82 . I ':'~mi:-?
argumento de concessões legais e do recurso às CAPÍTULO. XVI
vias civeis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242 OS REQUISITOS DA LEGtTIMA DEFESA
83. Idem. O histórico do direito pátrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
84. Idem. A. tutela da honra conjugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245 i 105. Os elementos objetivos da defesa . 291
85. O adultério do marido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 ! 106. Agressão , . 292
l 107. Agressão jurídica e agressão antijurídica . 297
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XVII
ALCANCE DA LEGíTIMA DEFESA
.. OS REQUISITOS DA LEGITIMA DEFESA .
8'. Legitima defesa e tentativa . 250
87. Legítima defesa e crimes culposos· . AGRESSÃO INJUSTA
254
88. Legítima defesa e crimes continuados e permanentes . 255 108. Definição . 299
89. Legitima defesa e contravenções .. , . 256 1109. Agressões justificadas . 301
90. Legítima defesa e dano a bens de terceiros . 257 110. Idem. Agentes da autoridade .
1
302
CAPÍTULO XIII 1111. Idem. Agressão de particulares . 30-1
112. Idem. Exercício de profissões . 304
ALCANCE DA LEGITIMA DEFESA. j113. Idem. Relações familiares . 305
LEGtTIMA DEFESA RECtPROCA ,114, Idem. Relações matrimoniais . 307
91. Sua origem na doutrina . 115. O conceito de perigo . 309
260
92. A divergência de opiniões . 116. Critérios avaliadores do perigo . 313
261
117. Duração do perigo · . 315
516 MARCELLO J. LINHARES LEGÍTIMA DEF'ESA 517

CAPÍTULO XVIII CAPÍTULO XXI


OS RE'QUISITOS DA LEGíTIMA DEFESA. O EXCESSO NA DEFESA
AGRESSÃO ATUAL
118. 146. As hipóteses legais · · .. · 385
Conceituação . 316
119. 147. O excesso culposo. Noção · · 387
A Zaesio inchoata . 321
120. 148. Idem. A intenção · .. · . · · · · · · ······ 389
Agressão futura . 324
121. 149. Idem. O caráter do excesso culposo · 390
Agressão finda . 326
122. 150. Idem. Regras práticas para a avaliação do excesso . 392
Agressão iminente . 329
123. 151. O excesso doloso · ·.· ·· · · · ·· · 394
Ameaças · · . 33!
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XIX
O EXCESSO NA DEFESA.
OS REQUISITOS DA. LEGiTIMA DEFESA.
EXCESSO ES'CUSAVEL. MEDO
A DEFESA E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.
O USO DOS MEIOS NECESSARIOS 152. Espécies de excesso escusável . 395
124. A defesa . 153. Medo. Conceituação · . 396
333
125. O animus defendendi . 154. Medo grave e medo leve · · .. · · · 398
335
126. Os elementos constitutivos da defesa . 155. Medo racional : . 399
337
127. Defesa necessária e meios necessários . 337 156. O fenômeno ····.······· 399
128. Critério valorizador da necessidade dos meios . 157. Medo e instinto de conservação · · 400
339
129. Idem. Regras observáveis . 158. A razoável moderação sob a pressão do medo . 401
343
130. Idem. O objetivismo e o subietívísmo da defesa . 346 CAPÍTULO XXIII
131. Idem. Paridade de valores e armas . 347
132. Idem. O critério da justa conveniência . 350 O EXCESSO NA DEFESA.
133. A fuga . 350 EXCESSO ESCUSAVEL. SURPRESA. ESTADO DE ÃN!MO
134. O commoâus discessus . . 353
135. 159. Surpresa · . · .. 402
O uso de obstáculos contra agressões (offendiculaJ . 355 160. Estado de ânimo . . . . . . . ... . . ......... .... . . . . . . . . . . . . . . . . . 404
CAPÍTULO XX 161. Idem. A ira . . . . . . . . . . . . . .. ... . ...... ...... . . . . . . . . . . . . . . . . 405
162. Idem. A violenta emoção .... . .......... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 407
OS REQUISITOS DA LEGíTIMA DEFESA.
163. A relação temporal entre a ação e a reação . . . . . . . . . . . . . . . . 409
A DEFESA E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.
MODERAÇÃO NA REPULSA CAPÍTULO XXIV
136. A orientação adotada pelo Código Penal brasileiro .. 360 LEGÍTIMA DEFESA E CóDIGO PENAL MILITAR
137. O confronto dos meios necessários com a proporção do
seu uso . 361 164. Natureza política das milícias . 411
138. Moderação e normas que a informam . 365 165. Fundamento da legítima defesa na lei penal militar 412
139. Os aspectos objetivo e subjetivo da moderação .. 166. Alcance ········ ···· ·· ·· ·· · · · ··· · 413
370
140. Moderação e integridade pessoal do agredido . 373 167. Requisitos . 4l4
141. Ausência de provocação ...........................•....... 376 CAPÍTULO XXV
142. Relevância da provocação . 378
143. Legítima defesa e desafio , . 380 LEGíTIMA DEFESA E LEGISLAÇÃO DISCIPLINAR
144. O auctor rixae , . 380 TRABALHISTA E DESPORTIVA
145. Legítima defesa e rixa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 382 168. Generalidades ·. ·. ·· · ·· · · ·· · · 417
518 MARCELLO J. LINHARES

169. Legítima defesa e legislação do trabalho. A justa causa para


a rescisão do contrato de trabalho e a ressalva da legítima
defesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 418
170. Fatos que constituem agressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419
171. Regras para a avaliação da legítima defesa na Justiça
Trabalhista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420
172. Casos de inaplicabilidade da legítima defesa . . . . . . . . . . . . . . 420
173. Legítima defesa e Justiça Desportiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 421
174. Revide e legítima defesa. Diferenciação dos institutos . . . . . . 421
175. Caráter restrito da legítima defesa na Justiça Desportiva 422
CAPÍTULO XXVI

LEGITIMA DEFESA E PROCESSO


176. Legítima defesa, flagrante e prisão preventiva . . . . . . . . . . . . 423
177. Legítima defesa e denúncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425
178. Legítima defesa e prova :. ...... . .... .. . . . 427
179. A palavra do réu. Valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431
180. A negativa da autoria e legítima defesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435
181. A presunção de legítima defesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435
182. Legítima defesa e absolvição sumária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439
183. Legítima defesa e habeas-corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440
184. O assunto regulado pelo novo Código de Processo Penal 441

CAPÍTULO XXVII
LEGITIMA DEFESA E JÚRI
185. Quesitos. Regras observáveis . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 443
186. Defesas cumulativamente argüidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448
187. Função corretiva dos tribunais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449
CAPÍTULO XXVIII
TEXTOS LATINOS E SUA TRADUÇÃO
188. Os textos e sua tradução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 482
índice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 497
índice Alfabético de Assuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 499

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