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R o g e r jo S c h ie t t i M achado C ruz

P r is ã o C au tela r:

D ra m as, P r in c íp io s
e A l t e r n a t iv a s

edição
2-
revista, ampliada e atualizada
de acordo com a Lei nQ12.403/11
(Lei das medidas cautelares pessoais)

Prefácio de
J.E Sepúlveda Pertence

E d i t o r a Lum en J u r is
Rio de Janeiro
2011
L u m e n h J u r is \Q d ito r a

www.lumenjuri5.cum.br

Edito»*
JoSo de Almeida
Jo io Luix da Silva Almeida

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Categoria: Processo Penal

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C964P
2.ed.

Cruz, Rogério Schietti Machado


Prisão cautelar : dramas, princípios e alternativas / Rogério Schietti Machado
Cruz. - 2.ed. - Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2011.
246p. : 21 cm

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978'85'375'U 04'6

1. Prisão (Direito penal). 2. Medidas cautelares. I. Título.

11-5070. CDU: 343.1


09.08.11 16.08.11 028768
DEDICATÓRIA

Dedico este livro à memória de


Levi G o n ç a l v e s P e r e ir a
Sumário

Apresentação..................................................................................... . xi
Prefácio..................................... .............. ........................................ xiii
Introdução......................................... .............. .................................... 1

Capítulo I
1 .0 Drama da Prisão Cautelar..................... ..................................... . 5
2. Finalidades e Legitimação da Prisão Cautelar no Ciuso da História.. 8
3. A Lógica do Sofrimento.......................... ......................................... 11
4. A Necessária Ponderação sobre os Malefícios da Prisão................ 16
Capítulo II
1. A Seletividade do Sistema Punitivo e, em Especial, da Prisão
Cautelar........................................ .................................................... 21
Capítulo III
1. Breve Escorço Histórico da Prisão Cautelar no Brasil................... 31
2. O Sistema Cautelar Anterior ao Código de 1941.......................... 33
3. O Processo Penal da Era Vargas....................................................... 36
4. A Progressiva Flexibilização do Código de 1941............................ 36
5 .0 Tratamento Jurídico Atual........................................................... 39
6. As Revogadas Prisões Decorrentes da Decisão de Pronúncia e da
Sentença Condenatória Recorrivel................................................. 45
Capítulo IV
1. Dos Princípios que Interferem no Tema......................................... 57
1.1. Favor fiei.................................................................. ................... 57
1.2. Dignidade da Pessoa Humana................................................... 59.
1.3. Proteção Penal Eficiente............................................................ 64
1.4. Presunção de Não-Culpabilidade............................................. 68
1.5. Excepcionalidade................ ....................................................... 74
1.6. Legalidade e Jurisdicionalidade................................................. 79
1.7- Provisoriedade......... ,........................... ..................................... 83
1.8. Motivação.................................................................................. 86
1.9. Proporcionalidade..................... ................................................ 91
1.9.1. Adequação ou Idoneidade................ ........... ..................... 93
1.9.2. Necessidade ou Subsidiariedade........................................ 94
1.9.3. Proporcionalidade em Sentido Estrito............................... 96
1.10. Duração Razoável da Prisão........................ .......................... 103
1.11. Iniciativa de Parte..................................................................... 111
1.12. Bilateralidade de Audiência (Contraditório)........................ 120
Capítulo V
1. As Medidas Alternativas como Aplicação da Subsidiariedade
Processual Penal.... ................................... ............................................ 127
2. A Abandonada Bipolaridade Cautelar do Sistema Brasileiro...... .... 130
3 .0 Novo Sistema Cautelar....................... ........................................ .... 132
4. A Mudança de Paradigma do Novo Sistema.......................................135
Capítulo VI
1. Das Novas Medidas Cautelares....................................................... 143
1.1. Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condi­
ções fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades..... 144
1.2. Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indi­
ciado ou acusado permanecer distante desses locais para evi­
tar o risco de novas infrações.................... ........... .................... 145
1.3. Proibição de manter contato com pessoa determinada quan­
do, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva 0 indiciado
ou acusado dela permanecer distante....................................... 146
1.4- Proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
s eja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução . 149
1.5. Recolhimento domiciliar no período notumo e nos dias de fol­
ga quando 0 investigado ou acusado tenha residência e traba­
lho fixos..... .......................................... ................................... 152
1.6. Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio
de sua utilização para a prática de infrações penais............... . 155

vül
1.7. Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes
praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (artigo 26 do
Código Penal) e houver risco de reiteração.................................156
1.8. Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o compa­
recimento aos atos do processo, evitar a obstrução do seu an­
damento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.. 158
1.8.1. Críticas à Nova Configuração da Fiança.......................... ...160
1.9. Monitoração ele trônica................... .............................................164
2. Finalidades das Cautelares Alternativas........................................ ...166
3. Prazo de Duração das Cautelares........................................................ 170
Capítulo VH
1. Outras Medidas Cautelares Alternativas à Prisão......................... ... 175
2. Uso de Medidas Alternativas não Previstas na Legislação (Poder
Geral de Cautela).............................................................................. ... 177
Capítulo VIII
1. Da Prisão Preventiva e da Prisão Temporária.....................................185
2. Requisitos comuns às prisões cautelares......................................... ... 185
3. Da Prisão Temporária................................................................ ...........188
3.1. Cabimento........... ....................................................................... ... 189
3.2. Prazo................................................................................................192
3.3. Outros Indicativos da Lei da Prisão Temporária..................... ....194
4. Da Prisão Preventiva............................................... .............................197
4.1. Cabimento............................................. .................................... ....198
4.1. Circunstâncias Autorizadoras....... ................................................202
4*1-1. A validade da Prisão Preventiva para Garantia da Ordem
Pública......................................................... .............................212
Referências Bibliográficas......................... ................................ ............217
Apresentação

Eis a segunda edição da obra Prisão Cautelar: dramas, princípios e


alternativas, revista, ampliada e atualizada, sobretudo em decorrência
da entrada em vigor da Lei n2 12.403, de 4 de maio de 2011, que in­
troduziu significativas alterações no processo penal cautelar brasileiro.
Dizíamos, na apresentação à primeira edição, que a prisão caute­
lar vem assumindo uma crescente função de oferecer imediata resposta
às expectativas sociais de punição efetiva e rápida. Como a justiça cri­
minal possui o seu tempo, quase nunca compatível com sua tão dese­
jada rapidez, tende-se a desvirtuar a função cautelar da prisão provisória,
que, amiúde, se reveste de um cariz punitivo, premidos que estão os profis­
sionais do direito pela necessidade de prontamente responder aos legítimos
anseios quer das vítimas dos crimes, quer da sociedade em geral.
O crescente uso da prisão cautelar é um fenômeno claramente
perceptível. O número de presos provisórios, entre 1990 e 2010, cres­
ceu 1253%, enquanto o de presos definitivos cresceu 278%. Dos quase
500 mil encarcerados no sistema prisional brasileiro no final de 2010,
mais de 40% eram presos ainda sem julgamento definitivo.
Esses números indicam que cada vez mais o sistema criminal uti­
liza a prisão provisória em proporção bem maior do que se verifica em
relação à prisão decorrente de sentença penal condenatória.
A Lei n- 12.403/11 certamente irá causar uma redução desse pre­
ocupante quadro, mas nada assegura que, ante os elevados índices de
criminalidade violenta no país, seja possível diminuir, significativamen­
te, o uso da prisão cautelar como instrumento (ainda) necessário não ape­
nas para proteger os meios e os fins do processo penal, mas também para
assegurar a toda a coletividade uma proteção penal minimamente eficiente
contra desvios graves de comportamento, de modo a garantir a segurança
pública e, por conseguinte, a própria liberdade de cada indivíduo.
As modificações promovidas pela novel legislação conferem, a
despeito de imperfeições técnicas e conceituais ainda presentes, maior
dose de racionalidade e de proporcionalidade ao processo penal caute­
lar brasileiro, alinhando-o a diversos outros países que já promoveram
reformas legislativas similares.
Vale o que dissemos na apresentação à primeira edição deste tra­
balho: se a pena privativa de liberdade é um mito que desmorona pau­
latinamente - com a crescente adoção das assim chamadas penas alter­
nativas nada mais racional do que também se pensar em alternativas
à prisão que antecede a sentença condenatória definitiva. E dizer, se a
privação da liberdade como pena somente deve ser aplicada aos casos
mais graves, em que não se mostra possível e igualmente funcional ou­
tra forma menos aflitiva e agressiva de punição, a privação da liberdade
como medida cautelar também somente há de ser empregada quando
nenhuma outra medida menos gravosa puder alcançar, com igual eficá­
cia, o mesmo objetivo preventivo.
Destina-se, portanto, este livro a instigar a análise, não meramen­
te dogmática, mas, acima de tudo, principiológica sobre os institutos
que subjazem às medidas cautelares pessoais do processo penal, com
freqüente auxílio do direito comparado, cada vez mais útil ante a glo­
balização jurídica e o crescente rompimento das barreiras culturais e
ideológicas que caracterizam o mundo pós-modemo.
Além da atualização da obra à nova realidade normativa brasilei­
ra, acrescentamos um novo capítulo destinado a tratar das duas moda­
lidades de prisão provisória vigentes em nosso sistema cautelar: a prisão
temporária e a prisão preventiva.
Esperamos, assim, que o leitor encontre, nas páginas seguintes, ador­
nadas e qualificadas pelo Prefácio de J. E Sepúlveda Pertence, um locus de
fecunda reflexão e de facilitada compreensão dos temas abordados.

Brasília, verão de 2011

Rogério Schietti Machado Cruz


Prefácio

Décadas se passaram desde que a doutrina brasileira do Direito Pro­


cessual Penal experimentou o salto de qualidade que representaram as Ins­
tituições, de Hélio Tomaghi, e os Elementos, de José Frederico Marques.
É auspicioso - não obstante a espantosa sobrevivência do Código
de Processo Penal de 1941, autoritário e anacrônico verificar a flo­
ração na matéria - sob o impulso da retomada do processo de demo­
cratização do País e o influxo do rol das garantias prodigalizadas pela
Constituição - , de numerosos estudos de grande valor, a grande maioria
dos quais irmanados na preocupação - enquanto a reforma não vem
da adequação da legislação processual ordinária e de sua interpretação
aos imperativos da Lei Fundamental.
Neles se insere, por mérito inquestionável, a obra doutrinária de
Rogério Schietti Machado Cruz, na qual - ao excelente Garantias
Processuais nos Recursos Criminais, que lhe valeu o mestrado na
Universidade de São Paulo soma-se agora este Prisão Cautelar -
drama, princípios e alternativas, que, gratificado pelo convite, tenho
a satisfação de apresentar.
Nesse novo trabalho, o Autor mantém estrita fidelidade à “pos­
tura de cariz garantista”, que declaradamente assumira na monografia
anterior, por partilhar “das idcias introduzidas com o Iluminismo, mercê
das quais a atividade punitiva do Estado vinculasse a valores superiores,
como a igualdade e a fraternidade entre os homens, restando a liberdade
como bem jurídico a ser preservado, sujeita a sacrifício apenas em casos
expressamente previstos, e mediante a obediência a regras legitimadas pelas
progressivas conquistas da história jurídica dos povos, as quais têm ccm 10
norte a dignidade da pessoa humana”: 1o estudo desvela a constância, em
cada tópico, da fé jurada na máxima de Montesquieu, que serve de
epígrafe à Introdução:

“Todo ato de autoridade de um homem em relação a outro que


não derive da absoluta necessidade é tirânico."

Para quem continua a ver o Ministério Público sob o prisma de


alguns implacáveis discípulos anacrônicos de Fouquier-Tinville, esse
compromisso de Rogério Schietti com as garantias liberais do proces­
so penal pode figurar-se contraditório: trata-se afinal de um integran­
te convicto do Ministério Público do Distrito Federal, prestes a findar
uma vitoriosa gestão na Procuradoria-Geral de Justiça.
Assim não é, entretanto, para quem realce, nas funções institu­
cionais do Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e do regime
democrático e, portanto, o compromisso primacial com a efetividade
da Constituição, que, no Estado de Direito, assinala o Autor, guarda
"verdadeira complementariedade funcional" com a lei processual penal:

"A Constituição Federa/ enuncia, sinaliza, programa; o Código


de Processo Penal realiza, cumpre, concretiza tal programa normativo.”

A prisão cautelar é, sem dúvida, a instituição mais cruel e angus­


tiante no paradoxo dramático de todo 0 processo penal que, como repe­
tidamente enfatizado, sendo em si mesmo um castigo, se instaura para
decidir afinal se é o caso de punir.
A obra de Rogério Schietti —a partir da visão "garantista” que a
perpassa nos primeiros capítulos, expõe com clareza, documenta com
pesquisa cuidadosa e analisa com acuidade os dramas ínsitos à prisão
cautelar e a realidade dos seus abusos, agravada pela potencialização -
que sua prática evidencia —, dos malefícios de toda prisão e da perversa

1 Rogério Schietti Machado Cruz: Garantias Processuais nos Recurso Criminais,


Atlas, 2002, p. 15.
seletividade social do sistema punitivo e, em especial, das prisões pro­
cessuais; o Autor não cede, porém, no ponto, à sedução - à qual, hoje,
se tem deixado arrastar membros do Ministério Público e magistrados
- , de responder à crítica da discriminação social da repressão penal
mediante a decretação açodada de prisões temporárias ou preventivas
dos suspeitos dos crimes de “colarinho branco”, de todo insustentáveis:
ao contrário, e com agudeza, na linha das observações de Illuminati -
das quais já me tenho servido1 no Vale Supremo Tribunal —identifica,
no barateamento da concessão a mancheias de prisões temporárias ou
preventivas, o ensaio, o sentido inequívoco de dissimular a impotência
da máquina judiciária para dar resposta, em tempo útil e razoável, às
expectativas sociais de repressão eficaz, quer à violência urbana, quer à
corrupção de govemos ímprobos, ou à criminalidade econômica.
O tratamento dogmático, que a obra versa, à luz dos princípios
e garantias constitucionais, da disciplina vigente da prisão cautelar -
incluídas as modalidades dissimuladas de prisão cautelar compulsória,
por força da pronúncia e da sentença condenatória recorrível - no ge­
ral, são irretocáveis.
Não calo a observação de que o Autor passa um pouco às pres­
sas sobre a questão recorrente do abuso do apelo à garantia da ordem
pública ou da ordem econômica para fundar prisões preventivas que
traem o mal disfarçado intuito de emprestar-lhes o sentido - que ele
próprio chama de “penalização de um instrumento eminentemente pro-
cessual” - de antecipar a aplicação da pena, para gáudio de um público
que - instigado pela mídia - está sedento de justiça sumária.
Valha a crítica pontual como contrapeso dos merecidos elogios ao
conjunto da obra.
Ela os merece e se inscreve sem favor na série de estudos que tem
marcado o desabrochar auspicioso da doutrina contemporânea do pro­

2 Voto vencido nu HC 80717, R T J189/625.


cesso penal brasileiro, dentre os quais ganham relevo os dedicados à
prisão cautelar.5
São primorosas a análise crítica da legislação processual ordinária
e da sua aplicação desatenta às garantias fundamentais e a reconstru­
ção dogmática do instituto da prisão cautelar, a partir, como se impu­
nha, dos grandes princípios constitucionais incidentes.
São antológicas, por exemplo, as páginas atinentes à interferência
na matéria do princípio da proporcionalidade, visando possibilitar a
convivência da presunção constitucional da não-culpabilidade com a
prisão processual, desde que adequada, necessária e estritamente pro­
porcionada.
A ênfase na submissão da prisão cautelar às três máximas da pro­
porcionalidade —, em especial à da estrita necessidade ou subsidiarieda­
de prepara o caminho para os capítulos finais da obra, seguramente,
os mais originais e instigantes.
Nela o Autor disseca com precisão a insuficiência do que chama
“a bipolaridade cautelar do sistema brasileiro" - reduzida à opção entre
a violência e os efeitos deletérios da prisão processual de um lado, e a
ineficácia da liberdade provisória, de outro para evidenciar a necessi­
dade da criação de medidas cautelares alternativas à detenção.
Segue-se o estudo minudente das medidas cautelares diversas
da prisão, objeto de proposição de iniciativa do Poder Executivo (PL
4208/01), que tramita há cinco anos na Câmara dos Deputados: a aná­
lise é precisa; as críticas pontuais ao projeto são agudas e pertinentes;
férteis, as sugestões de acréscimos e aprimoramentos.
As páginas finais da monografia são reservadas à sustentação - na
trilha de González-Cuellar Serrano —, da licitude da imposição pelo

3 Cf., a partir do clássico Processo Penal Cautelar, de Romeu Píns de Campos Barcos,
Forense, 1982, v.g., Antonio Magalhães Gomes Filho: Presunção de Inocência e Pri­
são Cautelar, Saraiva 1991; Macia Lucia Karon: Prisão e Liberdade Processuais, RBC
Crime 2/83; João Gualberto Garcez Ramos: a Tutela de Urgência no Processo Penal
Brasileiro, Del Rey, 1998; Roberto Delmanto Jr.: As modalidades de prisão provisória
e seu prazo de duração, 2a ed-, Renovar, 2001.
juiz penal de medidas cautelares atípicas, não previstas em lei, desde
que, menos gravosos que a prisão, sejam idôneas e eficazes.
O tema —do qual, curiosamente, não se tem ocupado no Brasil a
doutrina processual penal foi objeto de rica discussão, no campo do
processo civil, quando, na década final da vigência do Código de 1939,
silente a respeito, se construiu a doutrina do poder cautelar geral, ine­
rente à efetividade da função jurisdicional, que veio, então, a afirmar-se
na jurisprudência.
Expressamente acolhidas nos arts. 798 e 799 do C.Pr.Civil em vigor, a
admissibilidade das cautelares atípicas pode ser transplantada por analogia
pata o processo penal, onde teria, como demonstra o Autor, papel relevan­
te a desempenhar na tarefa imperativa de reduzir a prisão processual e suas
inevitáveis mazelas à dimensão de sua estrita necessidade.
Ter agitado o problema é um mérito a mais do trabalho.
Por tudo quanto apressadamente ficou dito —e muito mais a que
o tempo não me permitiu dar o relevo devido honra-me verdadei­
ramente prefaciar a nova obra de Rogério Schietti Machado Cruz
- estudo sério, meditado, profícuo e, ademais, bem escrito.

Brasília, 05 de junho de 2006.

J. P Sepúlveda Pertence
Introdução

“Todo auto de autoridade de um homem em relação


a outro que não derive da absoluta necessidade ê tirânico”
(Montesquieu).

Já se afirmou, com propriedade, que se alguém desembarca em um


país desconhecido e deseja saber se as liberdades públicas são protegi'
das, deve pedir para ver seu ordenamento processual penal. Isso por­
que, na ponderação dos interesses em jogo, que são, de um lado, o direi­
to à liberdade de todo indivíduo e a presunção de sua inocência e, de
outro lado, o direito da sociedade de manter a ordem e a segurança para
a convivência social pacífica, é possível avaliar a ideologia presente em
cada período histórico de um povo, de acordo com a primazia de um ou
de outros desses interesses, o que se faz, principalmente pelo estudo das
relações entre a potes tade punitiva (ius (mniendi) e a potestade coerci­
tiva (potestas coercendi), de um lado, e as liberdades públicas, de outro.
GOLDSCHMIDT (1935, p. 67) salienta que a estrutura do pro­
cesso penal de uma nação não é senão o termômetro dos elementos
corporativos ou autoritários de sua Constituição. Ou, como prefere
dizer ROXIN (2000, p. 10), “o processo penal é o sismógrafo da Cons­
tituição do Estado".
De fato, é o Código de Processo Penal de uma nação que permite
ao observador desvendar a relação existente entre o Estado e o indiví­
duo, relação essa que, em uma dada sociedade civilizada, não pode ser
vista como uma relação entre inimigos. No conflito entre o interesse
estatal na punição dos culpados (ius puniendi) e o interesse individual
na manutenção da liberdade (ius Ubertatis), é o Estado mesmo que está
obrigado a garantir ambas as metas apenas aparentemente opostas:
assegurar a ordem e a segurança públicas e defender a liberdade (em
sentido lato) do indivíduo.
Isso se realiza em um Estado de Direito, no qual a proteção da
sociedade contra os desvios de comportamento de seus integrantes,
assim definidos em um Código Penal, se resolve mediante regras pre­
viamente estabelecidas em um Código de Processo Penal, tendo como
norte e limite de atuação os valores, os princípios e as garantias funda­
mentais indicadas, explícita ou implicitamente, na Carta Maior.
O Código de Processo Penal relaciona-se, portanto, de modo
intenso e permanente com a Constituição, de modo a existir uma ver­
dadeira complementariedade funcional entre tais diplomas normativos.
A Constituição Federal enuncia, sinaliza, programa; o Código de Pro­
cesso Penal realiza, cumpre, concretiza tal programa normativo.
Mais do que tanto, o Código de Processo Penal é quem dita a
velocidade da persecução penal, principalmente por meio dos procedi­
mentos, que podem refletir um modelo mais escrito, segmentado, buro­
crático e pesado, como são, via de regra, os procedimentos previstos
no nosso Código de Processo Penal; ou podem ser mais abertos aos
princípios que melhor se ajustam a tal ideia, como é o caso dos Juizados
Especiais Criminais, regidos por critérios (ou princípios) de oralidade,
informalidade, economia processual e celeridade, este último nada mais
do que a natural conseqüência da aplicação dos anteriores.
No tocante ao perfil dos protagonistas do processo penal, que são
os condutores desse veículo normativo - nomeadamente os que agem
em nome do Estado - , a necessária percepção de que atuam sob o
regramento de um Estado de Direito Constitucional os impele a agir
com absoluto respeito ao devido processo legal, sine ira (CARULI,
1967, p. 149), de modo imparcial (o juiz), sob critérios de objetividade
(o Ministério Público), sem relação de antagonismo pessoal ou interes­
se material contraposto ao do réu, sem simpatias ou antipatias pessoais,
sem favoritismos ou perseguições.
Preocupados em descobrir a verdade, como condição prévia à rea­
lização da justiça, juiz e Ministério Público tomam, como norte de sua
atuação, os valores que permeiam a atividade jurisdícional, entre os
quais a liberdade, a segurança, a igualdade e a justiça. Devem, portan­
to, estar cientes de que, como destaca FIGUEIREDO DIAS (1984, p.
43), o fim do processo "só pode ser a descoberta da verdade e a realiza­
ção da justiça”, por meio de uma decisão obtida de modo “processual­
mente admissível e válido" (FIGUEIREDO DIAS, 1984, p. 49).
Isso porque "interessando à comunidade jurídica não só a punição
de todos os culpados, mas também —e sobretudo dentro de um verda­
deiro Estado de Direito - a punição só dos que sejam culpados, segue-se
daí que ao Ministério Público, como órgão de administração de justiça,
há de competir trazer à luz não só tudo aquilo que possa demonstrar a
culpa do arguido, mas também todos os indícios de sua inocência ou da
sua menor culpa”. Destaca o mestre lusitano que, mesmo sob o ponto
de vista prático, não faz sentido extirpar do parquet esse dever de obje­
tividade, pois graças a ele resulta um "muito menor número de processos
penais infundados ou mal fundados” com os quais os tribunais terão de
ocupar-se” (FIGUEIREDO DrAS. 1984, p. 369).1
Tanto o juiz quanto o órgão oficial de acusação devem, portanto,
agir dentro do modelo que CARRARA identificava como ‘informativo1,
em oposição ao modelo que ele chamava de ‘ofensivo’, no qual o julga­
dor se colocava no processo como um inimigo do réu, buscando o delito
no encarcerado.

1 Sobre o papel do Ministério Público no Processo Penal, consultar: CARNELLTlTl


(1971); FIGUEIREDO DIAS (1984); FREDERICO MARQUES (1965); JARDIM
(1991); LEONE (1968); LYRA (1989); MACHADO ( 2007); MAIER (1975); MAZ-
Z1LL1 (1991); POLASTRI (1997); PRADA (1999); RIBEIRO (2003); SCHIETTI
(2002); TORNAGHI (1959); TOURINHO FILHO (1992).
Capítulo I

1. O Drama da Prisão Cautelar

Toda medida cautelar1 tem por objetivo imediato a proteção dos


meios ou dos resultados do processo, servindo como “instrumento do ins­
trumento” (CALAMANDREI, 2000, p. 42) de modo a assegurar o bom
êxito tanto do processo de conhecimento quanto do processo de execução.
Todavia, na busca da proteção assegurada ao processo pelas pro­
vidências de cunho cautelar, interesses e direitos podem vir a ser sacri­
ficados, em maior ou menor grau.
ARAGONESES (1981, p. 258) bem observa que “o grande pro­
blema das medidas cautelares consiste em que, se não adotada, corre-se
0 risco da impunidade; se adotada, corre-se o perigo da injustiça”.
Ao mesmo tempo em que os estudiosos do tema se convencem,
cada vez mais, de que a prisão cautelar somente deve ser utilizada para
casos excepcionais, quando outros mecanismos idôneos para a proteção
dos bens, direitos e interesses perseguidos pelo processo penal tenham
falhado, ou não sejam suficientes para tal proteção, verifica-se, ao me­
nos no Brasil, um uso crescente das medidas cautelares pessoais previs­
tas em nosso ordenamento positivo, notadamente a prisão temporária.
E possível que se trate de um comportamento passageiro, fruto,
quiçá, do momento político-social por que passa o Brasil, que favorece
e estimula os profissionais que lidam mais de perto com o fenômeno da

1 O Código de Processo Penal de 194L, por sua deficiência técnica e ausência de siste-
matização científica, não possui divisão dos processos de conhecimento, de execução e
cautelar, cingindo-se a dispor, de maneira dispersa, sobre medidas coercitivas ou cau­
telares, pessoais ou reais, todas, porém, voltadas a salvaguardar a instrução criminal, a
efetividade da sentença ou mesmo a sociedade.
criminalidade urbana a reagirem mais pronta e eficazmente às violações
à lei penal. Não há como, em verdade, desvencilhar-se o operador jurí­
dico de uma certa “carga emotiva do momento político, social e econô­
mico do país" (GRECO FILHO, 1999, p. 261).
O fato é que têm sido rotineiramente noticiadas as operações
da Polícia Federal, de que resultam dezenas de prisões de suspeitos,
a maior parte das quais, saliente-se, apenas executada pela Polícia, já
que dependeram de prévia autorização judicial, em boa parte dos casos
mediante requerimento do Ministério Público.
Em uma palavra, não só os bônus, mas também os ônus dessas
prisões, marcadas pelo aparato espetacular das operações policiais, em
regra acompanhadas de câmaras de redes de televisão, que prolongam
o espetáculo até quando renda bons índices no IBOPE, devem ser atri­
buídos a todos os personagens envolvidos (não somente às polícias,
mas, também, ao Judiciário e ao Ministério Público).
Mas a pergunta a ser feita é: por qual razão se realizam tantas pri­
sões cautelares, principalmente sob a forma de prisão temporária?
Alguma tentativa de explicar o fenômeno poderia incluir o aumento
da criminalidade, a maior capacitação das forças de segurança, o desloca­
mento do foco das investigações das polícias e do Ministério Público, que
passam a incluir, também, os criminosos de colarinho branco etc.
O certo é que está havendo um cada vez mais freqüente deslo­
camento da resposta penal para as prisões cautelares, ao invés do que
seria mais natural, para a sentença condenatória. Na percepção de
ILLUMINATI (1999, p. 92), “garantir o procedimento cautelar como
se fosse o juízo de mérito significa que o processo não alcança o seu
objetivo senão através das medidas provisórias”. E a explicação dada
pelo mestre italiano é muito precisa: “todo o drama da custódia cau­
telar reside ainda na excessiva duração dos processos, que não conse­
guem chegar a uma sentença em tempo razoável. Por este motivo toda
a tensão se transfere sobre o sistema das cautelares, transformado no
ponto de maior relevância prática" (p. 105).
Precisamente, se é difícil oferecer à população uma resposta rápi-
da para os desvios criminais, de modo a que se tenha uma mínima sen­
sação de segurança e de credibilidade nas instituições, a mensagem que
grassa é*. “prendam-se cautelarmente os suspeitos, ainda que por alguns
dias." Desse modo, o recolhimento cautelar do suspeito a uma cela de
delegacia ou de um presídio significa, para a grande massa da popula-
ção, que: I a) o suspeito é o responsável pelo crime; 29) ele está sendo
punido; 3 D) a comunidade está mais segura.
Essa “penalização” de um instituto eminentemente processual,
que desborda funcionalmente de seus fins e limites, nada mais é do
que um dos reflexos do que CARRARA denominava "nomorréia
penal” e que encontra similar significado na moderna metáfora de
FERRAJOLI (“metástase legislativa"), em decorrência da qual se
corre o risco de que, com mais tipos e punições mais graves (more
o f the same), se produza, ao invés de redução dos crimes, maior vio-
lência social.
Essa é a compreensão de muitos criminólogos, entre os quais
podemos destacar BINDER (2000, p. 115) que, em conferência pro­
nunciada em 1997, assinalou: “O poder penal é um poder violento,
e como conseqüência disto existe o princípio de ultima ratio, que é
próprio de um Estado de Direito em uma sociedade democrática,
que indica o dever do Estado de utilizar o poder penal o menos pos­
sível. (...) Devem-se definir os fins do processo, não só como gera­
dor das condições para um castigo justo ou não-arbitrário, senão,
e isto parece paradoxal, que devemos sustentar que sua finalidade
é evitar o castigo, enquanto seja evitável, e minimizá-lo, enquanto
seja minimizável. E isso não é mais do que uma manifestação desse
princípio de ultima ratio, ”
Para BINDER (2000, p. 118), o poder penal do Estado deve ser
usado com maior cuidado, exatamente quando uma sociedade está pas­
sando por momentos de alta conturbação, pois, “se o que se pretende
é injetar violência por parte do Estado, o que se consegue é aumentar
essa conflituosidade e seus períodos de duração”.
2. Finalidades e Legitimação da Prisão Cautelar no Curso
da História

Volvendo nossa análise mais propriamente para a prisão caute­


lar, cumpre salientar que, ao longo da história, ela serviu a finalida­
des diversas das que hoje justificam sua existência nos ordenatnen-
tos processuais penais, ou seja, como forma de proteção dos meios
e fins do processo penal ou, excepcionalmente, como medida de
proteção ou defesa social.
No Direito Romano a prisão quase sempre foi utilizada em caráter
excepcional, pois era frequentemente substituída por outras medidas,
como a garantia fidejussória, admitida, entre os homens livres, para os
que houvessem confessado o crime. Era considerado, para a decreta­
ção da custódia, o grau de probabilidade de uma condenação, haja vis­
ta que a segregação do réu antes da sentença tinha o objetivo de
garantir eventual aplicação de pena (PISAPIA, 1979, p. 244). Não
tinha, porém, qualquer caráter aflitivo ou punitivo, como 0 compro­
va a célebre máxima de ULPIANO: carcer ad continendos homines,
non ad pumendos haberi debet.
Já na concepção inquisitorial, que predominou na Europa Con­
tinental a partir do Século XH, a prisão passou a ser empregada com
maior facilidade, notadamente como efeito natural da acusação, com
o propósito de permitir ao inquisidor ter o acusado à sua disposição.
Assim, “enquanto em Roma, após experiências alternadas, chegou-se a
proibir por completo a prisão preventiva, na Idade Média, como desen­
volvimento do procedimento inquisitório, ela se tornou o pressuposto
ordinário da instrução, baseada essencialmente na disponibilidade do
corpo do acusado como meio de obter a confissão per tormenta11 (FER-
RAJOLI, 2002, p. 443).
Desse modo, no período medieval deixou a prisão de ter um rosto
cautelar, passando a servir como meio para, mantendo preso 0 acusa­
do, submetê-lo a torturas, voltadas para alcançar a confissão.1 Além
disso, servia a prisão, na jurisdição canônica, como meio aflitivo, uma
condição necessária para que o réu pudesse, no isolamento do cárcere,
julgar-se a si mesmo, arrepender-se do delito e livrar-se da culpa por
haver violado a ordem divina (PISAPIA, 1979, p. 245).
A prisão começa a assumir sua feição moderna já no Século XVIII.
BECCARIA (1973, p. 69), um dos mais influentes pensadores e precur­
sores do direito penal moderno, assinalava que, “sendo a privação da
liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando o
reclamar a necessidade”.
Em meados do século seguinte, principalmente por vozes eleva­
das como a de CARRARA, passou-se a admitir que a prisão cautelar
tinha finalidades voltadas à salvaguarda da justiça (para impedir a fuga
do acusado), da verdade (para impedir que se percam ou se danifiquem
as provas) e da defesa pública (para impedir que certos acusados conti­
nuem seus ataques ao direito alheio). Ainda assim, enfatizava o mestre
italiano a necessidade de que a prisão cautelar somente fosse usada
para crimes graves, de forma brevíssima, proclamando mesmo ser o
encarceramento preventivo uma injustiça necessária.
SIQUEIRA (1924, p. 129), já no primeiro quarto do Século XX,
assinalava que a prisão preventiva - hoje preferencialmente denomi­
nada por alguns autores como “encarceramento cautelar” - era "uma
medida, imposta pela necessidade, para acautelar ou assegurar a admi­
nistração da justiça” (CHIAVARIO, 1984, p. 304).
Apenas, portanto, se fulcrada em rigoroso juízo de necessidade e
de excepcionalidade, mediante a observância de todos os princípios e
regramentos que serão objeto de análise no Capítulo IV, a prisão pro­
visória pode sustentar-se como providência estatal válida e legítima
decorrente de uma das razões de ser do próprio Estado, qual seja, a de

Z Atualmente, como observado por GIUSEPPE DE LUCCA (Uneamenti delia Tutela


Cautelare Pennle, 1953, p. 35), “com a abolição da tortura, o problema se resolve, uma
vez que no passado torturava-se para saber se se devia torturar, hoje se prende para
saber se se deve prender" (apuil FREDERICO MARQUES (1965, p. 56).
permitir e assegurar a vida em sociedade, com um mínimo de segurança
e paz sociais.
Na dicção de TORNAGHI (1988, p. 6) a prisão provisória se fun-
da "no direito que tem o Estado de exigir dos indivíduos certos sacri­
fícios para o bem comum”. Em paralelismo interessante - ainda que
sujeito a temperamentos, ele lembra que esses sacrifícios “podem recair
sobre o patrimônio (impostos), podem consistir na prestação de servi­
ços (jurados, testemunhas, soldados), podem até exigir o holocausto da
vida (como no caso do militar que morre na defesa da Pátria). Ninguém
diria que há injustiça em tudo isso, porque todos compreendem que
essa abnegação é 0 preço da vida em sociedade, e o homem somente
nela pode viver. Para o bem comum, cada qual entra com uma parcela
de si mesmo. Se, portanto, esse bem comum exige que o indivíduo seja
segregado a fim de que se possa apurar um fato e fazer justiça, não se
pode tachar de injusta a segregação”.
E sabido que “as medidas cautelares coercitivas são produto da
tensão entre dois deveres próprios do Estado Democrático de Direi'
to - de um lado, a proteção do conjunto social e a manutenção da
segurança coletiva dos membros da comunidade frente à desordem
provocada pelo injusto típico, através de uma eficaz persecução dos
delitos, e, de outro lado, a garantia e a proteção efetiva das liberda­
des e direitos fundamentais dos indivíduos que a integram” (LOPES
JÚ N IO R , 1987, p. 450).
Sem embargo, não se ignora que em alguns modelos atuais de
processo penal a prisão se desvirtua de suas finalidades cautelares ou
preventivas, visto que não se associa, impositivamente, a um juízo de
necessidade, mas apenas a um juízo de conveniência.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a prisão ocorre como efeito
natural - pode-se dizer automático - da reunião de indícios suficientes
para submeter o suspeito ã acusação, geralmente perante o Grande Júri.
É evidente que não se encarcera nos EUA com a finalidade de obter
confissão, mesmo porque a tradição norteamericana é forte no respeito
ao direito do acusado ou suspeito de não produzir prova contra si (direi­
to ao silêncio ou direito contra a auto-incriminação, objeto da V Emen­
da à Constituição dos EUA), e muito menos sugere qualquer motiva­
ção ou justificação religiosa. Mas 0 fato é que, a partir do momento em
que se reúnem indícios de autoria (probable cause) de um crime de certa
gravidade (felony), mesmo sem ordem de captura e independentemen­
te de situação de flagrância delitiva, o procedimento usual seguido peta
polícia é o de deter o suspeito, até que ele seja levado perante um juiz
para a determinação, se for o caso, de fiança.
Por sua vez, também em modelos que trabalham com a regra da
excepcionalidade da prisão, o seu uso acaba sendo direcionado a obter
do preso o maior número de informações possíveis para viabilizar uma
acusação. A custódia cautelar passa a ser, de meio de tutela da prova,
a meio para obter a prova, A captura é, dessa forma, “... ordenada, e
sobretudo mantida, para constranger o imputado a confessar ou a cola­
borar" (FERRAJOLI, 2002, p. 623), prática, já comum no Século XIX,
a que CARRARA denominava segreta, uma espécie de tortura masca­
rada, pois se valia de "meios de aflições morais e do desespero de não
ver jamais o término de um estado de isolamento tomado horrível”, o
qual fazia “o inocente confessar não menos que o culpado" (CARRA­
RA 1924, p. 377).

3. A Lógica do Sofrimento

Ao abrir o ano acadêmico na Universidade de Pisa, em 1862,


CARRARA (1955, p. 109), o nome mais importante da história do
Direito Criminal pós-Beccaria, iniciou sua aula com a seguinte excla­
mação -indagação:

“PUNIR! ETERNAMENTE PUNIR! Será, pois, uma per­


pétua herança da progenitura de Adão esse triste espetáculo de
homens dominados por malvadas paixões, que desconhecem os
direitos de seus irmãos; e de outros homens que, com consciência
de agir legitimamente, reagem contra os ofensores, às vezes ainda
raais furiosos, para despojá-los de seus direitos? Essa reciprocidade
incessante de violências e de dores será uma lei inalterável, um
vórtice do qual o gênero humano não poderá jamais esperar uma
saída na sua peregrinação terrena?”

CARRARA vale-se de todo o seu espírito científico, inquieto, e


de toda a sua sensibilidade, aguda, para mostrar como a reação dos
assim chamados "bons" contra os infratores do direito tem sido, ine­
xoravelmente, marcada, desde o seu episódio inicial com o fratricídio
cometido por Caim, pela inflição de um castigo, decorrente de uma
“necessidade humana”.
A leitura de CARRARA mostra familiaridade com a visão de
mundo cristã (algo que, no século seguinte se expressaria com igual
intensidade por outro prócer do Direito, CARNELUTTI) em virtude
da qual se acreditava - não mais? - na racionalidade e na essência divi­
na do homem civilizado. Dizia CARRARA que “não se conduz o ho­
mem para o bem com o terror. Deus lhe concedeu a razão e a aspiração
da justiça para que com elas se fortalecesse na luta contra as paixões
perversas. A razão, a simpatia, os sentimentos nobres e generosos, o
exemplo, são o arsenal infalível no que deve ter fé todo aquele a quem
lhe toque o pesado ofício de governar as multidões pelo caminho do
Direito" (CARRARA, 1955, p. 128).
Ao final de sua memorável lição, CARRARA (1955, p. 129) res­
ponde à indagação formulada no início da aula, confirmando que punir
é “o destino da humanidade”. Porém, “não se punirá já com ímpeto de
caprichoso furor, senão com amor fraterno. Não se punirá já aviltando
ou destruindo a personalidade humana, senão realçando no homem o
sentimento de sua própria dignidade, e chamando-o de novo ao amor
do bem. Não se punirá já para satisfazer fanáticos delírios ou exigências
tirânicas, senão para tutelar a ordem exterior, que Deus mesmo previu
ab eterno e impôs à humanidade".
Decerto que as palavras proferidas pelo incomparável professor de
Pisa ecoam no espírito de todo profissional do Direito que acompanha
o drama e o sofrimento que a prática de um crime inflige à vítima e
seus familiares, impotentes diante de um ato que, muitas vezes, parece
contradizer a essência divina do homem. De outro ângulo, gera inquie­
tação à mente de quem se debruça sobre o tema o fato de ainda não
termos sido capazes, em pleno Século XXI, de encontrar mecanismos
mais civilizados e racionais para responder ao ato criminoso.
Ao contrário do que ocorreu ao longo da trajetória humana na
Terra, quando se pensa, nos dias atuais, em punição penal, a pri­
meira alternativa imaginada - e a efetivamente mais utilizada - é a
prisão. E como se punição fosse sinônimo de prisão, ou como se não
fosse possível punir alguém de outra forma que não lhe impondo a
privação de sua liberdade.
Tentemos, então, fazer uma análise serena do tema, sem nos
envolvermos com a carga emotiva impertinente a qualquer abordagem
que se pretenda séria e voltada à reflexão neutra, nem sempre conduto-
ra a conclusões que pareçam simpáticas ou agradáveis à comunio opinio
doctorum ou mesmo à opinião pública.
As assim chamadas penas alternativas - multa, prestação de ser­
viços à comunidade, restrições de direitos - são aceitas como formas
menos aflitivas de punição, mas, no imaginário popular, somente
quando o criminoso é recolhido a uma prisão há, efetivamente, a
esperada punição.
Aceita-se que alguém que cometeu um pequeno furto, um este­
lionato, uma receptação, uma falsidade ideológica ou lesões corporais,
possa “pagar” a sua pena comparecendo regularmente a um hospital ou
a um asilo, para auxiliar no atendimento aos usuários ou para exercer
funções contábeis ou de secretaria. A mesma punição, todavia, não é
aceita quando se trata de autor de estupro, homicídio, roubo ou tráfico
de entorpecentes.
E que - isso parece óbvio - a sociedade tolera formas de puni­
ção alternativa à prisão para autores de crimes de menor monta, mas
para quem pratica crimes considerados muito graves pelo sentimento
popular somente a prisão se mostra capaz de atender às expectativas
punitivas. Não necessariamente porque temem possa 0 criminoso, per­
manecendo em liberdade, voltar a delinquir e pôr em risco a segurança
da comunidade. Isso também conta, mas o que parece transparecer no
sentimento popular é um ardoroso desejo de que autores de crimes mais
graves, ou mais repudiados pela comunhão social, sofram proporcional­
mente ao mal causado por seus atos.
De nada importa se o condenado eventualmente já esteja, em
tese, preparado para voltar a ser livre; irrelevante se ele, efetivamente,
arrependeu-se do que fez ou se já passou alguns anos preso. O que
verdadeiramente importa é que ele permaneça recolhido a um presí­
dio, por muitos e muitos anos, único modo de se entender suficiente
a punição.
Não é por outro motivo que muitos se indignam quando o autor
de um desses crimes mais nefastos é posto em liberdade condicional, ou
mesmo obtém autorização para o trabalho extemo, após cumprir uma
parte da pena, que se julga muito pequena para qualquer beneficio. A
opinião geral é de que esses criminosos precisam passar muitos anos na
penitenciária, para que possam estar "quites” com a sociedade e serem
novamente reintegrados ao convívio extramuros.3
Basta ver, a propósito, o que ocorre em julgamentos do Tribunal
do Júri. Quantas vezes não se veem populares indignados mesmo quan­
do o acusado foi condenado a penas elevadas? Sabe-se que o conde­
nado, em alguns casos, não cumprirá, recluso, sequer um terço desse
tempo, dada a benevolência de nossa Lei de Execuções Penais. Mas,
ainda assim, por que a sociedade espera que alguém fique preso pOr tão
longo período? Simplesmente porque se deseja que essa pessoa possa
"sentir” na própria came - pelo sacrifício de sua liberdade - a dor que
causou à vítima e aos seus familiares. Essa é a "lógica do sofrimento” a
que estamos sujeitos.

3 Essa forma de ver o processo penal nos faz lembrar do pensamento de AN ATOLE
FRANCE, referido por TOSTES MALTA (1935): “Os interesses da justiça são sagra­
dos; os interesses do delinqüente, duas vezes sagrados; os interesses da sociedade, três
ve2« sagrados."
Semelhante sentimento, saliente-se, é fortemente influenciado
por setores da mídia e da política, que deliberadamente infundem na
população uma contínua sensação de terror e de insegurança, cam-
po fértil para afirmar a ideia do encarceramento como panacéia para
os problemas da criminalidade urbana. O leitmotiv dos políticos de
plantão, dos criminólogos da corte e das mídias prontas a explorar o
medo do crime violento passa, como refere WACQUANT (2001, p.
75), a ser “íockem up and throw auiay the key" (“tranque-os e jogue
fora a chave”).
O que tem isso a ver com o tema da prisão cautelar? Tem tudo a
ver, porque quando se recolhe alguém preso a uma delegacia ou a um
estabelecimento prisional, não está a comunidade a indagar se a prisão
é cautelar ou se decorre de uma sentença condenatória; se o preso está
cumprindo pena ou se tão-somente está sendo preso de modo ainda
provisório. Esses detalhes técnico-jurídicos não apenas são incom­
preensíveis à população, como também lhe são irrelevantes. O que vale
para o homem do povo é a visão do autor de um crime sendo privado
de sua liberdade logo em seguida ao fato, o que, de algum modo, já lhe
soa como uma punição.
Mantê-lo solto implica não apenas a ideia da impunidade, mas,
além disso, a conclusão de que o crime não encontrou qualquer respos­
ta efetiva por parte do Estado. A sensação de insegurança, de medo, de
incredulidade, de ódio, aumenta, porque não se vê uma reação imedia­
ta e eficiente do Estado a um comportamento que incomodou ou indig­
nou certa comunidade. Efetuada a prisão, acalmam-se ou aliviam-se
tais sentimentos, diminuindo a pressão e a angústia do povo. Essa, sem
dúvida alguma, é a lógica que prevalece no tema das prisões, e que per­
passa nas mentes das pessoas de uma maneira geral.
Registre-se, então, que essa lógica do sofrimento é plenamente
compatível com nossa cultura, porque herdamos, ao longo da trajetó­
ria humana no planeta, esse modo de pensar, que provavelmente ain­
da perdurará por muito tempo, antes que se cumpra o prognóstico de
CARRARA.
4. A Necessária Ponderação sobre os Malefícios da
Prisão

É preciso que os profissionais do Direito, notadamente os que


representam o Estado na persecucão penal, quer investigando as infra­
ções penais (o Delegado de Polícia), quer coletando provas e promo­
vendo a ação penal (o Ministério Público), quer, ainda, assegurando as
liberdades públicas do acusado e julgando o mérito da pretensão punitiva
(o Juiz de Direito), estejam cientes dos males que qualquer encarceramen­
to, e em especial o provisório, produzem no sujeito passivo da medida.
Já no final do Século XVIII, DIDEROT] em suas “Observations s u t
le traicé des délits et des peines", dizia: “Outra atrocidade. A que atinge
o homem inocente, que foi detido nas prisões, seu crédito e fortuna
perdidos, seu comércio destruído, sua saúde alterada, e ele é devolvido
sem indenização. A lei toma tudo do culpado e não restitui nada ao
inocente. E-se muito feliz quando dela se escapa” (apud FERRAJOLI,
2002, p . 502).
Repudia-se o operador jurídico que age como um autômato apli-
cador da lei penal. Na justiça criminal, em particular, costumamos agir
como operários de uma grande linha de produção: a Polícia investiga,
reúne informações, identifica a autoria do crime e apresenta um maço
de papéis ao Ministério Público. O promotor de justiça, então, faz a sua
parte, ou seja, promove a ação penal O juiz, a seu tumo, aguarda a vez
de intervir na fabricação do produto, decidindo, ao final, se o acusado
deve ou não se transformar no resultado esperado de todo esse pro­
cesso: o condenado. Assim como o operário simbolizado por Carlitos,
cada um de nós, trabalhadores dessa complexa engrenagem, cuida de
“apertar o seu parafuso”, tentando fazê-lo da forma mais técnica e per­
feita possível, sem preocupar-se com o que se passou antes ou o que se
passará depois de nossa intervenção (HULSMAN, 1993, p. 59).
BERTOLINO (1986, p. 110) observa que, enquanto para o infra­
tor o respectivo processo criminal é um assunto vital, pois lhe afeta
a imagem, a honra, o patrimônio e a liberdade, para o Estado trata-
-se, geralmente, de apenas um assunto quotidiano, um caso a mais a
engrossar as estatísticas oficiais.
TORNAGHI (1988, p. 10), em memoráveis palavras sobre o tema
em foco, dizia que os juizes deveriam ser prudentes e mesmo avaros na
decretação da prisão cautelar, e alertava quanto aos perigos contra os
quais deveriam se premunir:

O perigo do calo profissional, que insensibiliza. De tanto


mandar prender, há juizes que terminam esquecendo os incon­
venientes da prisão. Fazem aquilo como um ato de rotina, como
o caixeiro que vende mercadorias ou o menino que joga bola
despreocupado da sorte alheia (...); o perigo da precipitação, do
açodamento, que impede o exame maduro das circunstâncias e
conduz a erros (...); e o perigo do exagero, que conduz o juiz a
ver fantasmas, a temer danos imaginários, a transformar suspeitas
vagas em indícios veementes, a supor que é zelo 0 que na verdade
é exacerbação do escrúpulo.

Quem lida com a liberdade humana jamais pode tratá-la como um


assunto cotidiano. Todo processo merece adequada atenção daqueles
por meio de quem o poder punitivo do Estado atua. Quando se trata de
requerer uma prisão cautelar, opinar a respeito de uma liberdade pro­
visória ou decidir sobre se alguém deve ser preso, não há como deixar
de proceder a uma ponderada avaliação também dos malefícios gerados
pelo ambiente carcerário, procurando, de outro ângulo, também não
deixar desprotegidos os legítimos interesses da sociedade e, mais parti­
cularmente, da vítima, entre os quais o direito à segurança, também de
estatura constitucional.
É fato que a prisão — “lugar povoado de maldade" (VARELA,
1999, p. 13) - despersonaliza e dessocializa o indivíduo, que se isola do
mundo externo, passando a conviver em outro grupo social, formado
por pessoas portadoras de rancor, de ódio, de angústia, de melanco­
lia, e tantos outros sentimentos presentes em quem se vê privado de
sua liberdade. Também no universo dos carcereiros, quase sempre se
encontrarão personalidades com sinais de desgaste emocional, agres­
sivas e pouco compreensivas, dominadoras e inibidoras de qualquer
manifestação que não se ajuste aos padrões de comportamento deter­
minados pelas regras do cárcere. Isso produz um ambiente onde "nin­
guém conhece a moradia da verdade” (VARELA, 1999, p. 11), em que
prevalece a rotina monótona e lenta, com privação de estímulos, em
local nada favorável ao crescimento interior ou à expansão da cons­
ciência individual.
Igual opinião já fora enfaticamente externada por LYRA (1971,
p. 111), quando dizia que "seja qual for o fim atribuído à pena, a prisão
é contraproducente. Nem intimida, nem regenera. Embrutece e per­
verte. Insensibiliza ou revolta. Descaracteriza e desambienta. Priva de
funções. Inverte a natureza. Gera cínicos ou hipócritas”.
Quando se trata de prisão cautelar, há ainda outros malefícios a
serem considerados. Primeiramente, dada a instabilidade do período da
estada carcerária, não há interesse em qualquer investimento pedagógi­
co sobre a pessoa do preso, que permanece aguardando ou a revogação
de sua prisão, ou a confirmação de sua pena, para que, aí sim, possa
saber por quanto tempo ainda restará preso.
Quem está preso cautelarmente sofre da particular angústia de
não saber se estará ainda preso no dia seguinte, na semana seguinte, no
mês seguinte ou mesmo no ano seguinte, haja vista que, enquanto não
houver nova decisão judicial, a sua custódia provisória se protrai até o
momento da definição de seu caso.
Como negar que o preso provisório muitas vezes se vê em situação
até pior em relação ao preso definitivo.7 Enquanto este último goza de
vários direitos como, por exemplo, direito ao trabalho, ao estudo, ao la­
zer (banho de sol, atividades esportivas etc), tendo, ainda, possibilidade
de saídas temporárias e outros benefícios previstos na Lei de Execuções
Penais, o preso provisório é geralmente mantido em locais absoluta­
mente impróprios, não separados, como exigido por lei,Hdos presos que
cumprem penas, muitos dos quais extremamente agressivos. Isso impli­
ca um suplemento mortificanre à pena, o qual não é decorrência natu­
ral e objetiva da própria privação da liberdade (GREVI, 2000, p. 21),
A prisão provisória - assevera TORNAGHI (1988, p. 9) - "põe
todos os homens em promiscuidade, bons e maus, inocentes e culpa­
dos; (...) Esse contato com gente má pode terminar, e frequentemente
termina, por amolecer o preso, por fazê-lo tolerar mazelas que antes lhe
pareciam repulsivas, por encará-las com naturalidade. (...); mas ainda
quando alguém consiga passar incólume, ou mesmo vacinado contra 0
vício, pelo horror do que viu, a prisão provisória não o deixa sem mácu­
la; a mancha da infâmia o acompanha (...)".
São essas as preocupações que devem estar presentes no momen­
to em que o delegado de polícia, o promotor de justiça e o juiz de direito
se veem diante do dever de decidir sobre a liberdade do investigado
ou acusado, não para impedir que uma eventual decisão que interfira
na liberdade humana seja tomada - quer para proteger o processo e a
própria jurisdição penal, quer para garantir a ordem pública, ou seja, a
segurança da vítima ou da sociedade - mas para que, além dos aspec­
tos jurídicos, sejam também objeto de ponderação esses pormenores de
igual importância para a visão de todo o problema.

4 A propósito, desde a Constituição do Império há um solene descumprimento às normas


pertinentes, bastando indagar da efetividade do arr. 179 daquela Carta, cujo inciso XXI
previa: “As Cadêas serSo seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para
separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes.”
Capítulo II

1. A Seletividade do Sistema Punitivo e, em Especial, da


Prisão Cautelar

Atribui-se a um ex-Arcebispo de San Salvador uma frase dc hu­


mor sardônico sobre a seletividade do sistema punitivo: “A justiça é
como as serpentes: só morde os descalços.”
De fato, a nossa história - e a história de muitos outros povos - é
farta em exemplos de seletividade do sistema de repressão penal, tanto
no direito material quanto no processual.
Um dos mais insólitos exemplos remonta às normas editadas em
janeiro de 1825 pelo intendente de polícia Francisco Alberto Teixeira
de Aragão, as quais se tornaram conhecidas como o "Toque de Ara-
gão”, e que, basicamente, autorizavam a polícia a revistar todos os que
fossem considerados suspeitos, permitindo o uso da violência aos resis­
tentes e estabelecendo, inclusive, recompensas para a captura de crimi­
nosos. Pois bem, esse decreto previa um toque de recolher, após o qual
as patrulhas estavam autorizadas a parar e revistar as pessoas encontra­
das nas ruas. A ordem, porém, continha uma restrição: que não fosse
adotada "para com as pessoas notoriamente conhecidas e de probida­
de” (HOLLOWAY, 1997, p. 59).
Diferenças de tratamento entre as pessoas também se verificavam
na forma de punir, como, por exemplo, no emprego da pena de açoites,
prevista no Código Criminal de 1830, a despeito da Constituição de
1824, em seu artigo 179, item 19, banir semelhante modalidade puniti­
va. Essa forma de sanção, tolerada durante o Império, não era aplicada
aos homens livres, mas apenas à classe dos escravos, cuja punição era
estimulada pelo Estado, que, inclusive, provia o local e os meios para a
inflição de tão infamante pena.
Com efeito, no Rio de Janeiro, por exemplo, funcionou até 1874
o Calabouço, local aonde eram conduzidos os escravos infratores, pelos
seus próprios senhores, para as “devidas correções". No último ano de
seu funcionamento, de junho de 1873 a maio de 1874, 554 escravos
foram enviados ao Calabouço, dos quais 399 eram brasileiros natos e
155 africanos, 395 homens e 159 mulheres. Poucos, porém, eram puni­
dos por ordem judicial: em 1870, por exemplo, 632 escravos passaram
pelo Calabouço, mas apenas três receberam castigo corporal por ordem
judicial (HOLLOWAY, 1997, p. 214).
Não era de estranhar-se esse tratamento punitivo dado aos negros
escravizados no Brasil colonial e imperial, porquanto, como observado
por BATISTA (2002, p. 152) “o escravo era coisa perante a totalidade
do ordenamento jurídico (seu seqüestro correspondia a um furto), mas
era pessoa perante o direito penal”. O que se mostra mais preocupante,
continua o mestre fluminense, é que “essa dualidade perversa costuma
reapresentar-se hoje, sob a forma de uma cidadania - categoria jurí­
dica da revolução burguesa muito em moda hoje, no Brasil - à qual
os pobres acedem somente através do direito penal”, uma cidadania,
portanto, exercida pelo seu lado oposto, como defesa ao ataque das
agências punitivas do sistema penal.
Merece enfatizar, portanto, que esse modelo de punição sumária e
arbitrária não se interrompeu com a abolição da escravatura. Ocorreu
apenas a mudança no alvo principal da atividade repressiva policial:
num primeiro momento, os imigrantes e os ex-escravos; em seguida,
todas as classes assim consideradas ‘‘inferiores’1.
Na percepção de REALE JÚNIOR (1983, p. 218) o negro, após
a abolição, foi reduzido à condição de um pária social. “Sem profissão,
sem perspectivas, vivendo na promiscuidade, sofreu grande parcela da
população negra, com o término da escravatura, um processo de margi-
nalização. Trocou o preto o senhor da Casa Grande por uma escravidão
ao sistema capitalista, criando-se uma cultura da pobreza.”
[

Até mesmo em situações de detalhada picardia - típica das orde­


nações antigas —vê-se o quanto certas classes de pessoas eram trata­
das de modo privilegiado. Curioso exemplo é extraído das Ordenações
Filipinas - vigente até a promulgação do nosso Código Criminal de
1830 - cujo item 38, intitulado “Do que matou sua mulher por a achar
em adultério”, previa:

Achando o homem casado sua mulher em adultério, lici­


tamente poderá matar assim a ela como o adúltero, salvo se o
marido for peão e o adúltero fidalgo ou nosso desembargador, ou
pessoa de maior qualidade (...).

Mais especificamente no que diz com as prisões cautelares, as Or­


denações Filipinas possuíam, em seu Livro V, interessante dispositivo,
também consagrador de privilégio processual:

120. Mandamos que os fidalgos de solar ou assentados em


nossos livros, e os nossos desembargadores, e os doutores em
leis ou em cânones, ou em medicina, feitos em estudo universal
por exame, e os cavaleiros fidalgos ou confirmados por nós, e os
cavaleiros das Ordens Militares de Cristo, Santiago e Aviz, e os
escrivães de nossa Fazenda e Câmara, e mulheres dos sobreditos,
enquanto com eles forem casadas ou estiverem viúvas honestas,
não sejam presos em ferros, senão por feitos em que mereçam
morrer morte natural ou civiL

Esse passado de privilégios e discriminações trespassou o tempo


e mancha o nosso presente, que continua a exalar um forte cheiro de
direito penal de classe (STRECK, 2005, p. 180).
Em sua conhecida obra, que condensa pesquisa feita entre os anos
de 1986 e 1995, contabilizando 682 casos definidos como de crimina--
Iidade econômico-financeira, CASTILHO (2001, p. 140) aponta que
a Polícia “tende a ser compreensiva para com os suspeitos que exibem
uma imagem de conformidade com o direito”, e que, coerentemente,
“quanto maior for o poder e 0 statiu do infrator, menor será a probabili­
dade de ele ser formalmente investigado pela Polícia".
Especificamente em relação aos crimes “de colarinho branco"
(white coíiflr crimes), CASTILHO aponta, ao longo de sua obra, outras
dificuldades de apuração e punição dos seus autores, sendo de enfatizar
a falta de fiscalização eficiente por parte do Banco Central sobre as ins­
tituições financeiras e a demora ou ausência na comunicação das infra­
ções constatadas. Além disso, à morosidade e ao desaparelhamento na
investigação policial - as estatísticas evidenciaram que o tempo médio
gasto pela Polícia na conclusão dos inquéritos alcançou dois anos e cin­
co meses indica, como dificuldades para a punição desses crimes, a
desqualificação das condutas criminosas e a demora excessiva na con­
clusão dos processos, no âmbito judiciário - média de um ano e nove
meses entre o oferecimento da denúncia e a sentença.
Enfatiza, ainda, já agora em estudo mais resumido, CASTILHO
(2002, p. 68), que "também são diferentes o zelo demonstrado pelos
advogados dos réus do colarinho branco e o cuidado dos juizes no exa­
me da culpabilidade deles em relação ao que ocorre nos processos de
réus de crimes convencionais. A avaliação moral das condutas reper­
cute no julgamento sobre o caráter moral dos réus e, portanto, tende
a favorecer os agentes da criminalidade econômica”. Essa maior difi­
culdade de punir os criminosos do colarinho branco se explicaria pela
natureza altamente técnica de muitas operações e transações comer­
ciais e pela ambigüidade da lei em relação às condutas, quase sempre,
saliente-se, encobertas sob o manto das pessoas jurídicas ou de "laran­
jas” por meio das quais as ilicitudes são cometidas, mantendo seus ver­
dadeiros autores no anonimato.
Disso resulta que “a impunidade dos comportamentos acaba por
reafirmar que o sistema penal não incide nos autores das classes que
detêm o poder político ou econômico. Continua a ser desigual apesar
da promessa de incidir nos chamados criminosos do colarinho branco”
(CASTILHO, 2002, p . 68).
A análise de GOMES (1995, p. 166) também desemboca na ila­
ção de que “o Poder Jurídico, neste final de segundo milênio, ainda é,
apesar dos avanços constitucionais, o grande ausente da cena macro­
econômica, desequilibradamente dominada pelo Poder Político”.
Tal assertiva é confirmada pelos resultados da pesquisa empreen­
dida por CASTILHO, demonstrando que, dos 682 casos examinados,
77 foram objeto de algum ripo de decisão. Desses, 62 foram arquivados
sem denúncia do Ministério Público e 15 chegaram ao fim do proces­
so, dos quais 10 resultaram em sentença absolutória e apenas 5 foram
condenados, o que representa 0,88 % do total inicial de ocorrências ofi­
cialmente investigadas, desconsiderada, portanto, a cifra negra (crimes
não notificados) que, nesse tipo de criminalidade, é ainda maior do que
na convencional.
A seletividade do sistema penal e processual penal também é
demonstrada por Marina QUEZADO (2008) em estudo no qual,
mediante análise de 3.249 Habeas Corpus e Recursos de Habeas Corpus
julgados pelo STJ, de 07/04/1989 até 07/04/2004, com o tema “tran-
camento" de inquérito policial e de ação penal, constata-se que 20%
deles, ou seja, 661 casos, obtiveram decisões concessivas e, portanto,
excludentes do indivíduo do sistema penal.
Os dados mais importantes desse levantamento indicam, entre
várias outras relevantes conclusões, que:

1Q houve um número bem maior de habeas corpus impetrados


por advogados constituídos do que por defensores públicos
e pelos próprios pacientes, o que indica que a grande maio­
ria dos impetrantes tinha recursos financeiros para custear o
patrocínio de um advogado, confirmando a boutade existente
no foro criminal, de que “o advogado do réu pobre é o juiz”;
22 a sustentação oral do advogado esteve presente em quasé
23% dos julgados concessivos, mostrando a contribuição que
a defesa oral da tese jurídica tem para os debates e para o
resultado do julgamento, inclusive pela menção expressa à
sustentação, nos votos proferidos.
32 os crimes de maior ocorrência, nas impetrações e recursos
para trancamento, foram crimes que não costumam ser pra­
ticados por pessoas de classe social economicamente inferior
(crimes contra a honra, contra a ordem tributária, esteliona­
to e outras fraudes, crimes contra a fé pública, crimes contra
a administração pública e a administração da justiça, homicí­
dio culposo, contravenções penais, crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional etc.).

Em pesquisa de campo, a partir de dados coletados na justiça cri­


minal de algumas capitais brasileiras, entre os anos de 2000 e 2004,
Fabiana COSTA OLIVEIRA Barreto (2007, passim) demonstrou que
0 tempo de prisão dos réus autuados por crime de furto que tinham
até o ensino fundamental foi maior que o de réus que cursaram ensino
médio ou superior. Em Recife, por exemplo, os que possuíam ensino
fundamental permaneceram, em média, 140,9 dias presos, ao passo que
os que cursaram ensino médio ou superior ficaram em média 43 dias
encarcerados. Em Porto Alegre, os dados são ainda mais contrastantes,
pois a média de dias de prisão cautelar para os autores de furto com
escolaridade fundamental foi de 37,1, enquanto os presos de ensino
médio ou superior ficaram, em média, 6,5 dias presos.
Outro importante dado dessa pesquisa, a reforçar o senso comum
de que pessoas pobres são mais expostas ao encarceramento, indica
que os réus que constituíram advogado particular saíram mais cedo da
prisão se comparados aos que foram patrocinados pela defesa pública
(COSTA OLIVEIRA, 2007).
A seletividade do sistema punitivo também pode ser apontada na
maior preocupação do legislador em preservar certas esferas de liber­
dade que costumam mais ser utilizadas para a obtenção de prova exa­
tamente no tipo de criminalidade praticada pelas camadas sociais eco­
nomicamente melhor aquinhoadas. É o caso das exigências feitas para
a quebra do sigilo das comunicações telefônicas e do sigilo bancário e
fiscal, a revelar um zelo do legislador com a ideia da subsidiariedade da
medida cautelar - cite-se, como exemplo, a previsão de que a intercep-
tação telefônica não será admitida quando “a prova puder ser feita por
outros meios disponíveis" (artigo 2a, inc. II, da Lei ne 9.296/96) - nem
sempre percebido quando se cuida de analisar, em hipótese de crimi­
nalidade comum, pedidos de prisão preventiva (FLACH, 2000, p. 89).
Esses dados parecem respaldar os discursos espontâneos do povo,
tendentes a afirmar a ideia de que cadeia no Brasil é para os pobres.
Essa percepção generalizada, de que efetivamente sempre fomos
um país devoto aos privilégios de minorias, gesta um fértil sentimento
popular de indignação, do qual deriva o descrédito das agências oficiais
do Estado responsáveis pelo funcionamento do aparato repressivo.1
E bem verdade que de uns anos para cá, passou-se a ver, com
maior frequência, cenas de conhecidos políticos e grandes empresários
algemados e conduzidos ao cárcere preventivo, o que denotou a per­
cepção de uma certa “democratização” da rigorosa aplicação da prisão
cautelar (GONÇALVES DA SILVA, 2003, p. 80).2
Deveras, esses personagens da sofisticada crônica policial brasilei­
ra invariavelmente foram presos por determinação de juizes de primei­
ro grau, mas passaram pouco tempo cautelarmente presos, mercê da
obtenção de ordem de Habeas Corpus, fomentando, assim, o referido
sentimento de indignação popular.
Sem embargo dessa realidade, que traduz uma discriminação ima-
nente no sistema punitivo brasileiro, não se há de justificar a utilização

1 Essa indignação popular foi muito bem traduzida no texto de André Petry (“E a cara
do Brasil”), publicado na Revista Veja, edição de 29 de maio de 2005, onde contrapõe
a estória da empregada doméstica Maria Aparecida de Matos, que permaneceu presa
durante um ano e sete dias por haver tentado furtar um xampu e um condicionador
em uma farmácia de São Pauli>, às inúmeras situações que integram as crônicas do q u o
tidiano político brasileiro, envolvendo atos de expressiva corrupção e malversação de
dinheiro público, quase nunca punidas com similar rigor.
2 Indicativo dessa seletividade do sistema punitivo brasileiro se evidencia pelo faro de
que a primeira condenação de um parlamentar à prisão, pelo Supremo Tribunal Fede­
ral, ocorreu somente no ano de 2010, em caso relativo a deputado federal sentenciado
a cumprir sete anos de reclusão em regime inicial semiaberto.
de pessoas política ou economicamente melhor situadas para servirem
de instrumento de posturas estatais supostamente moralizadoras do
aparato judicial, sendo irracional sairmos da generalizada impunidade em
relação a uma camada da população para institucionalizar-se uma repres­
são abusiva contra todos, jogando no ralo a custosa construção dos valores
e princípios do direito penal moderno (GOMES, 1995, p. 166).
De outra angulação, forçoso é considerar que a magistratura e
o Ministério Público, embora não se legitimem pelo pensamento da
maioria e muito menos devam render-se a apelos punitivos, amiúde
otimizados por uma mídia descompromissada com a informação fide­
digna,3 não podem ignorar o malefício causado às instituições do país
quando restituem, por argumentação nem sempre reproduzida em ca­
sos de criminalidade comum, a liberdade de quem teve a prisão cautelar
decretada de maneira suficientemente fundamentada em razões sólidas
justificadoras da cautela, em casos de macrocriminalidade política ou
econômica.
Vale recordar que o Código de Processo Penal passou a prever,
como motivo da prisão preventiva, a necessidade de garantia da ordem
econômica - prisão referida por RAMOS (1998, p. 145) não como cau­
telar, mas como medida judiciária de polícia - o que, em princípio, entrea-
briu as portas que permitem a segregação cautelar dos autores de ilíci­
tos penais definidos como macrocriminalidade econômica.
A igual resultado parece conduzir a Lei n2 7-492/86, por seu artigo
30, ao dispor que, sem prejuízo da prisão preventiva regulada pelo ar­
tigo 312 do Código de Processo Penal, “a prisão preventiva do acusado
da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da
magnitude da lesão causada”.4

3 Consulte-se, a esse respeito, o libelo S imprensa brasileira feito por TORON (outubro-
dezembro/2001, p. 257).
4 No julgamento do HC n° 60.717/SP (DJ 05-03-2004, p. 15), em que se pretendia ver
reconhecida a ilegalidade da prisão preventiva do paciente açusado da prática de crime
contra o sistema financeiro nacional, fundada na magnitude da lesão causada, nos ter­
mos do art. 30 da Lei n° 7.492/86 (“Sem prejutzo do disposto no art. 312 do Código de
Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nfi 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão
preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada
Releva acentuar, no entanto, que a redação original desse dispo­
sitivo era mais esclarecedora e precisa, porquanto dizia que a prisão
do acusado de crime contra o sistema financeiro nacional poderia ser
decretada "quando, cm razão da magnitude da lesão causada pelo fato
ou do clamor público por ele provocado, esteja configurada situação
em que a liberdade do mesmo comprometa a segurança ou a credibi­
lidade do sistema financeiro nacional”. Assim redigido, o permissivo
para a prisão cautelar nesse tipo de delinqüência, se nivelaria ao que,
na prática, já se verifica em relação à criminalidade comum, quando os
tribunais legitimam a prisão preventiva para garantia da ordem pública,
em face daqueles que são acusados de cometerem crimes que repugnam
a consciência da comunidade de tal modo a comprometer a própria cre­
dibilidade da Justiça Criminal se mantidos em liberdade.

em razão da magnitude da lesão causada”), o pleno do Supremo Tribunal Federal, por


maioria, indeferiu a ordem. Entendeu-se fundamentado o decreto de prisão preventiva
expedido contra o paciente com base na necessidade dc garantir a ordem pública para
guardar a respeitabilidade das instituições públicas, vencidos, neste ponto, os Ministros
Sepúlveda Pertence, relator, limar Galvão, Celso de Mello e Marco Aurélio, sob o fun­
damento de que a garantia da ordem pública invocada como fundamento do decreto se
caracteriza como antecipação da sanção penal c que a “magnitude da lesão11, por si só,
não é motivo suficiente para justificar a prisão preventiva sem a ocorrência dos requisi­
tos do art. 312 do CPR
Capítulo III

1. Breve Escorço Histórico da Prisão Cautelar no Brasil

Aqui convém fazer algumas referências do tratamento dado no


direito brasileiro ao tema das prisões cautelares e liberdade provisória
ao longo de nossa história de país independente.
Antes, julgamos importante sublinhar a relevância de estudar
a origem e a evolução, no tempo e no espaço, de qualquer instituto
jurídico objeto de investigação. Cremos evidente a afirmação de que o
estudo do passado permite ao intérprete e aplicador do Direito desen­
volver uma compreensão mais acurada e racional da realidade presente
e dispor de elementos mais seguros para, eventualmente, projetar (ou
preparar-se para) o futuro.
Quiçá uma das maiores carências do ensino jurídico —não apenas
no nível de bacharelado, mas também em alguns cursos ministrados a
título de pós-graduação - seja a de negligenciar a análise das raízes his­
tóricas dos institutos que compõem os diversos ramos do Direito.
Não é preciso constituir-se em historiador, e muito menos se
debruçar, analítica e detidamente, sobre cada um dos períodos de for­
mação do direito de uma nação - embora tal empresa seja das mais pra­
zerosas e fecundas - mas não se há de renunciar a um olhar ao menos
curioso sobre como surgiram, no passado, os institutos que são corren­
temente analisados em manuais jurídicos, muitas vezes de modo abso­
lutamente superficial e sem qualquer preocupação em explicar de que
modo surgiram ou como eram aplicados em tempos anteriores ao nosso.
No tema que ora estamos a analisar, essa tarefa mostra-se de
indiscutível importância, porquanto nos auxilia a tentar responder a
certas questões, algumas relevantes, outras apenas indicativas de um
espírito curioso. Exemplos destas últimas: de onde vêm as expressões
“sumário de culpa”, “livrar-se solto", “se por al não estiver preso”, con­
dução do réu “debaixo de vara"? Exemplos daquelas outras, mais rele­
vantes: por que se faz confusão, na Constituição Federal e no Código
de Processo Penal, entre liberdade provisória com fiança e liberdade
provisória sem fiança?; de onde vem a expressão “fiança definitiva”?;
de onde vem a previsão de que a prisão preventiva é cabível somente
durante o inquérito ou em qualquer fase "da instrução criminal”?; por
que o CPP confere à autoridade policial poderes tão amplos como o
de arbitrar fiança, e ao juiz de direito funções que lhe comprometem
a imparcialidade, como as de conduzir investigações e decretar prisão
preventiva, durante o inquérito policial, independentemente de provo­
cação da parte legitimada?
São inquietações que o verdadeiro estudante do direito deve
nutrir, se não meramente para aguçar o espírito especulativo, mesmo
quando não há tanta relevância prática em ter conhecimento das coi­
sas, mas, principalmente, para não se limitar a agir qual um a t e n d e n t e d e
telemarketing, programado para decorar e enunciar as mesmas respostas
a perguntas óbvias, e incapaz, por falta de preparo e não necessaria­
mente de inteligência, de raciocinar e investigar o significado verda­
deiro das coisas.
Exemplificando com duas propostas de reforma legislativa - de
fértil discussão apenas em terras brasileiras, saliente-se - relativas à
conveniência de adotar-se o juizado de instrução (juiz investigador),’
e sobre instituir-se novamente a prisão preventiva obrigatória para cri­
mes mais graves, seria indispensável, a qualquer um que sobre o tema
ousasse opinar, empreender uma breve pesquisa para constatar, com
relação à primeira ideia, que se trata de modelo de persecução penal
repudiado por toda a comunidade jurídica internacional e progressi­
vamente abandonado pelos países que o adotaram; e, com relação à

1 Para uma abrangente análise dos modelos de juizado de instrução nos ordenamentos
que ainda o adotam, consultar AURY LOPES JÚNIOR, Súienuu de investigação prelimi­
nar no processo penal. 2a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
segunda proposta, que se cuida de instituto absolutamente anacrônico,
que contribuiu para manchar nosso Código de Processo Penal de 1941
até que, em pleno auge do regime militar - vejam o paradoxo - viesse a
ser extirpado de nosso direito.

2. O Sistema Cautelar Anterior ao Código de 1941

Feitas essas considerações, lançamos apenas algumas informações


que nos parecem importantes para que se alargue a compreensão sobre
o tema das prisões cautelares no Brasil, a partir do momento em que se
iniciou a construção de nosso próprio direito criminal.2
Logo que o Brasil alcançou sua independência política,1foi outor­
gada a nossa primeira Carta Política, a Constituição do Império, de
1824, cujo artigo 179 dispunha que ninguém poderia ser preso "sem
culpa formada", exceto nos casos declarados em lei (inc. VIII) e que
mesmo com culpa formada, ninguém poderia ser conduzido à prisão,
ou nela ser conservado, se prestasse fiança idônea, se cabível.4 Dizia-se

2 Recomenda-se a leitura dos obras de TOSTES MALTA (1935), principalmenfp da


segunda parte do livro, que trata da evolução do instituto em exame desde os primór-
dios da civilização ocidental, e, principalmente, de ALMEIDA JÚNIOR (1920, vol. 1,
Livro II).
3 Antes mestno da Proclamação da Independência, o Príncipe Regente D. Pedro, em 23
de maio de 1821, após considerar o fato de que "alguns governadores, juizes criminais,
magistrados, violando o sagrado depósito da jurisdição que se lhes confiou, mandam
prender por mero arbítrio, e antes de culpa formada, pretextando denúncias em segre­
do, suspeitas veementes e outros motivos horrorosos 3 humanidade, para impunemente
conservar em masmorras, vergados com o peso de fenos, homens que se congregam pe­
los bens que lhes oferecera a instituição das sociedades civis, o primeiro dos quais é, sem
dúvida, a segurança individual", decretou que, a partir da edição de tal ato, “nenhuma
pessoa livre no Brasil possa jamais ser presa sem ordem por escrito do juiz ou magistrado
criminal do território, exceto somente o caso de flagrante delito, em que qualquer do
povo deve prender o delinqüente".
4 Na realidade, já nos primórdios do Brasil-ColÔnia regulava-se a prisão em função da
formação de um mfnímo de prova da autoria delitiva, a assim chamada 'culpa formada'.
Comentando a Lei da ReformaçSo da Justiça, de 6 de dezembro de 1612, Vanguerve
destacava que “por direito antigo ninguém podia ser preso antes da culpa formada do
delito; e era tal a observância que, ainda que depois da prisão sobrevenha prova do
deliro, não pode o preso ser retido e há de ser restitufdo à sua liberdade" (ALMEIDA
JÚNIOR, 1920, p. 349).
ainda que, tratando-se de crime punido com pena não superior a seis
meses de prisão ou que não fosse “de desterro para fora da Comarca",
poderia o réu “livrar-se solto” (inciso IX), ou seja, obter de volta sua
liberdade sem pagar fiança.
A assim chamada "formação da culpa"5era regulada pelos artigos
134 e seguintes do Código de Processo Criminal de Primeira Instância
(Código Imperial, de 1832), e tinha como objetivo permitir ao juiz, após
o oferecimento de denúncia ou queixa, convencesse da existência do
delito e de quem era seu autor, caso em que assim o declarava por des­
pacho nos autos, dando prosseguimento ao processo com vistas ao jul­
gamento definitivo.
Tal “culpa formada", que representava um filtro para a admissibi­
lidade da acusação, tinha como apoio as provas até então produzidas
(perícias, testemunhos e interrogatório do acusado) e, uma vez pronun­
ciada a convicção judicial, o nome do réu era lançado em livro próprio e
era ordenada, automaticamente, sua prisão (artigo 146). A justificativa era
de que a prisão decorrente de pronúncia possuía um lastro mais seguro do
que a prisão preventiva, por ser aquela decorrente de uma instrução preli­
minar contraditória (FREDERICO MARQUES, 1965, p. 84).
O Código Imperial também previa a prisão, mesmo sem culpa for­
mada, para aqueles que viessem a ser detidos em flagrante delito, ou
para os que fossem indiciados por crimes em relação aos quais não cou­
besse fiança (artigo 175).
Sobrevindo a reforma de 1841 (Lei n2 261, de 03/12/1841), intro­
duziram-se mudanças significativas no processo criminal do Império,

5 Infere-se de tal terminologia a origem da ainda hoje expressão "sumário de culpa”, con­
sistente cm colher a prova necessária para levar o acusado a julgamento pela autoridade
competente (principalmente pelo Tribunal do Júri, onde é mais corrente O uso daquela
expressão). MENDES DE ALMEIDA, 1973, p. 56) indica, como origem do sumário de
culpa, as Ordenações Manuelinas, onde se previa que, quando alguém “dava querela”,
o juiz prendia o querelado, exceto nos casos de crimes e infrações de menor gravidade,
que exigiam também uma prova sumária do que era alegado pelo acusador. A exceção
se tomou regra com as Ordenações Filipinas, de 1503, que passaram a dispor que as
querelas, para obrigarem a prisão, dependiam do sumário conhecimento de trfa ou qua­
tro testemunhas.
sobretudo, a implantação daquilo que veio a ser conhecido como poli-
cialismo judiciário. Essa expressão traduziu uma estrutura e funciona­
mento da justiça criminal, durante 30 anos, em que a Polícia prendia,
investigava, acusava e pronunciava os acusados de certos crimes de
menor importância.6 Outrossim, a confusão entre as funções policiais
e judiciais era tamanha que a própria nomeação dos Chefes de Polícia
e dos Delegados se fazia por ato de nomeação do Imperador ou dos
Presidentes das Províncias (corresponderiam aos atuais Governadores
de Estado), escolhidos dentre os Desembargadores e Juizes de Direito,
respectivamente (artigos 1B e 2- da Lei n- 261/1841).
Os Chefes de Polícia, aliás, passaram a exercer as atribuições ante-
riormente acometidas aos Juizes de Paz, de modo que assumiram a com­
petência para processar e julgar contravenções às posturas municipais,
bem assim os crimes punidos com prisão, degredo ou desterro até seis
meses (artigo 58, 6e do Regulamento n- 120, de 31/01/1842).
Essa situação foi mitigada pela Lei n2 2.033, de 20 de setembro de
1871, que, embora mantendo a possibilidade de nomeação de Chefes
de Polícia dentre magistrados (artigo Ia, § 5Q), deles retirou a compe­
tência para julgar certas infrações penais, ainda que lhes mantendo o
poder de arbitrar fiança (que passou, nesse caso, a ser provisória, na for­
ma do artigo 10, § 2S c/c artigo 14). A maior novidade, todavia, dessa
reforma legislativa de 1871 foi a criação do Inquérito Policial, por meio
do Decreto ne 4.824/1871 (que regulamentou a Lei ns 2.033/1871),
instituindo-se uma rotina policial que, consolidada no tempo, é quase
idêntica à que ainda hoje, passados mais de 140 anos, se utiliza nas
delegacias de polícia.
É importante sublinhar que, com a proclamação da República,
criamos um modelo federativo parecido com o que é adotado pelos
Estados Unidos da América, outorgando-se a cada Estado-Membro a

6 Exemplo dessa anômala competência se extrai do art. 54 da Lei n° 261/1841, ao pre­


ver que “as sentenças de pronúncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de
Polícia, Juizes Municipais, e as dos Delegados e Suhdelegados, que forem confirmadas
pelos Juizes Municipais, sujeitam os réus à acusação, c a serem julgados pelo Jury, pro-
cedendo-se na forma indicada no art. 254 e seguintes do Código de Processo Criminal".
competência para legislar em matéria processual. Ainda assim, algumas
unidades da Federação, como São Paulo, Mato Grosso, Alagoas, Pará e
Goiás, não abandonaram o Código Imperial e mesmo aqueles que edi­
taram códigos próprios, não destoaram do modelo de persecução penal
até então utilizado.

3. O Processo Penal da Era Vargas

Chegamos, então, ao Código de Processo Penal de 1941, elabo­


rado na ambiência autoritária que caracterizou o Estado Novo de Getúlio
Vargas, influenciado pela matriz fascista italiana de Mussolini, e, conse­
quentemente, pelos códigos elaborados nesse regime de cariz totalitário.
Na seara das prisões cautelares, o recrudescimento legislativo foi
anunciado expressamente na Exposição de Motivos do Código de Pro­
cesso Penal de 1941, após a afirmação de que a prisão em flagrante
e a preventiva passavam a ser "definidas com maior latitude do que
na legislação em vigor”, uma vez que “o interesse da administração da
justiça não pode - dizia-se - continuar a ser sacrificado por obsoletos
escrúpulos formalísticos...”.
Quanto à prisão preventiva em particular, buscou-se libertá-la dos
"limites estreitos” (sic) traçados à sua admissibilidade, prevendo-se seu
cabimento quando o reclamasse “o interesse da ordem pública, ou da
instrução criminal, ou da efetiva aplicação da lei penal”.
A grande novidade, contudo, resultou da introdução do instituto
da “prisão preventiva obrigatória", que, cabível para os autores de cri­
mes em que se cominasse pena máxima de reclusão igual ou superior a
dez anos, dispensava-se "outro requisito além da prova indiciária con­
tra o acusado”.

4- A Progressiva Flexibilização do Código de 1941

Esse rigor excessivo do legislador de 1941, que vincou o Código


"com as marcas indeléveis da era totalitária em que foi promulgado”,
r

passou por sucessivos temperamentos após transcorrido um quarto de


século, curiosamente em plena vigência de outro período de exceção ao
Estado de Direito, o regime militar instaurado em 1964 (FREDERICO
MARQUES, 1965, P. 58).
A prisão preventiva obrigatória foi expurgada pela Lei ns
5.349/67,7 que conferiu a redação atual ao artigo 311 do Código de Pro­
cesso Penal. A possibilidade de manter-se em liberdade o réu pronun­
ciado ou condenado veio com a alteração dos artigos 408, 594 e 596 do
CPP pela Lei nQ5.941/73, a cognominada Lei Fleury, em homenagem
àquele que, por motivos espúrios, lhe inspirou a apressada edição.8 O
alargamento da liberdade provisória sem fiança, que passou a ser cabí­
vel, na forma do parágrafo único acrescentado ao artigo 310 do CPR
quando o juiz verificasse “a inocorrência de qualquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva”, veio com a Lei nQ6.416/77.
Releva enfatizar que o Constituinte de 1988 continuou a empre­
gar uma terminologia que já não correspondia à realidade normativa
infraconstitucional, passando a definir algumas infrações como inafian­
çáveis, o que gerou - e ainda gera - diferentes interpretações quanto

7 Não procede, assim, a opinião externada por PACELLI DE OLIVEIRA (2004, p. 564),
de que “a Lei n° 8.072/90, quase cinqüenta anos depois da vigência do nosso Código de
Processo Penal, restaurou o regime de prisão preventiva obrigatória, ao dispor que os
crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e
o terrorismo são insuscetíveis de fiança e dc liberdade provisória". De fato, não cabe, ex
vi lege, liberdade provisória para tais modalidades de crimes, mas isso não significa que
o juiz é obrigado a decretar a prisão dos seus supostos autores. Poderá fazê-lo, se presen­
tes os pressupostos e requisitos elencados no art. 312 do CPR em decisão devidamente
fundamentada na necessidade da cautela, bem diferente, portanto, do automatismo e
inexorabilidadc da prisão compulsória do regime prí-1967.
8 Sérgio Paranhos Fleury era Delegado do DOPS - Departamento da Ordem Pública
e Social - e um dos principais agentes de que se valeu o regime militar na repressão
à criminalidade política e comum. Foi acusado de torturar e matar inúmeras pessoas,
à frente do que veio a ser conhecido como o “Esquadrão da Morte". Após a corajosa
atuação do então Promotor de Justiça Hélio Bicudo, Fleury chegou a ser preso, mas,
contando com o apoio oficial, o Congresso aprovou, no prazo recorde de trinta dias, a
Lei n8 5.941, de 22 de setembro de 1973 (proposta pelo deputado Cantídio Sampaio,
líder do governo na Câmara Federal), que proibiu a prisão automática, por ocasião da
pronúncia, de “réus primários e de bons antecedentes", o que, tecnicamente, era o caso
daquele delegado.
ao alcance da vedação para os crimes hediondos e assemelhados (artigo
5e, incisos XLII, XLIII e XLIV). É dizer, não fora a mudança do CPP em
1977, dúvidas não haveria em afirmar que permaneceria cautelarmente
segregado durante toda a persecução penal - ou, ao menos, até a pro­
núncia ou sentença condenatória recorrível, se portador de bons ante­
cedentes - quem viesse a ser preso em flagrante por crime inafiançável.
A reforma processual de 1977, aliás, acabou por reduzir o insti­
tuto da fiança a uma quase inutilidade. De fato, visto que o autor de
qualquer crime passou a poder ser beneficiário de liberdade provisória
sem fiança (artigo 310, parágrafo único do CPP) - deixamos de lado
a polêmica relativa aos crimes hediondos e assemelhados a fiança
passou a servir apenas para que o autuado em flagrante delito por crime
punido com prisão simples ou detenção pudesse ser posto em liberdade
com maior rapidez (TOURINHO FILHO, 2003, p. 556) pela própria
autoridade policial, porque em tal hipótese, prevista no artigo 322 do
CPP não se exige a participação prévia do juiz e do Ministério Público.
Por sua vez, tratando-se de infração penal de menor potencial ofensi­
vo, a lei não exige, para a libertação do autor do fato, o pagamento de
fiança, mas tão-somente a assinatura de termo de comparecimento a
uma futura audiência, conforme dispõe o artigo 69 da Lei ne 9.099/95 .g
Concluindo essa abordagem etiológico-histórica do instituto
da prisão cautelar e da correspondente liberdade provisória no Bra­
sil, observamos a irracionalidade que caracterizou as normas que se
seguiram ao longo do Império e da República, pela sucessão de leis que
frequentemente condicionaram a sorte do indivíduo a fatores muitas
vezes irrelevantes para a justa e correta avaliação da necessidade de
mantê-lo preso.
O fato é que, como muito bem observado por CHOUKR (2005,
p. 2), “conhecemos uma história legislativa republicana sem que tenha­

9 A situação já foi bem diferente, em época na qual a liberdade do acusado dependia


meramente da classificação do crime a ele atribuído, pois, sendo ele afiançável, a qual-
quer momento poderia ser-lhe concedido o direito de responderão processo em liber­
dade, da mesma forma que, pelo simples fato de haver cometido infração penal inafian­
çável, poderia ver contra si decretada a prisão preventiva.
mos um Código de Processo Penal integralmente nascido da atividade
democrática parlamentar”.
Deveras, as dificuldades legislativas para a aprovação de um novo
diploma processual penal, do que resultaram em fracasso as tentativas
nesse sentido, induziram os últimos governos a lançar mão do pragmá­
tico expediente de promover reformas pontuais do Código de Processo
Penal, o que, se de um lado o modernizou em alguns aspectos, confe­
riu-lhe, de outro, aparência de Frankenstein, visto que seus remendos,
além de retirar-lhe a unidade conceituai e a necessária configuração
sistêmica, cria verdadeiras antinomias internas difíceis de contornar,
como a que apontamos logo acima.
Se essas dificuldades políticas impedem que se aprove um novo
Código de Processo Penal, pelos mecanismos legislativos ordinariamen­
te utilizados para a edição de leis, já é hora de pensar-se na possibilidade
de adotar-se estratégia igual à empregada na Itália. Nesse país, domi­
nado por similares dificuldades, o governo valeu-se do instrumento da
Lei Delegada, por meio da qual uma resolução do Congresso Nacional
especifica o conteúdo da futura lei e os termos de seu exercício, poden­
do fixar os princípios e as diretrizes a serem seguidas pelo Poder Exe­
cutivo na elaboração do diploma legal, o que funcionou perfeitamente
para a edição do Código de Processo Penal italiano de 1988.
Entretanto, não se cogita, entre nós, do uso de Lei Delegada para
a edição de um novo Código de Processo Penal, ao argumento de que
se incorreria na vedação do artigo 68, § l 2, inciso II, da Constituição
Federal, haja vista que um Código de Processo Penal implica regular o
exercício de direitos individuais.

5. O Tratamento Jurídico Atual

Para resumir o que se destacou como mais importante na evolu­


ção (ou involução, em alguns aspectos) do instituto da prisão cautelar,
desde os primórdios de nossa história política de país independente,
podemos dizer que:
A) Até o Código de 1941, a conjuntura de ser preso em flagran­
te —e não a avaliação da concreta necessidade de alguém
ser preso - não impedia que o autuado fosse posto em liber­
dade, mediante o pagamento de fiança, em relação aos cri­
mes classificados como afiançáveis, ou sem qualquer ônus,
por tratar-se de infração de que o autuado “livrava-se solto”
(contravenções ou crimes punidos com até seis meses de pri­
são - posteriormente reduzidos a três meses - ou de desterro,
desde que não vadios e com domicílio certo);
B) Não tendo sido preso em flagrante, a sorte do suspeito depen­
dia do mero arbítrio judicial e da classificação do crime, visto
que poderia ser decretada a prisão do indiciado por crime
inafiançável, ou daquele que, embora respondendo por crime
afiançável, não houvesse recolhido o valor da fiança definido
pela autoridade judiciária;
C) Se o acusado, embora permanecendo solto durante o sumá­
rio de culpa, viesse a ser pronunciado, seria automaticamen­
te recolhido à prisão, salvo se, afiançável o crime, prestasse a
fiança. Ressalte-se que a pronúncia implicava a prisão do réu
processado por crime inafiançável, mesmo quando já trans­
corrido um ano depois do cometimento do crime.10
D) Fora dos casos de flagrante delito, ninguém poderia ser pre­
so cautelarmente senão em virtude de ordem da autoridade
competente, que, lembre-se, não era necessariamente um
juiz de direito.

Com o advento do Código de 1941, houve um significativo avan­


ço e, para compensar, um injustificável retrocesso, como já menciona­
do. Avanço, porque se passou a exigir - ao menos no texto legal - que

10 A referência se justifica em face da vedação prevista no art. 29, § 2a, do Decreto nc


4.824. de 22 de novembro de 1871: “§ 3fi Não poderS ser ordenada ou requisitada nem
executada a prisão de réu não pronunciado, se houver decorrido um ano depois da per-
petração do crime.”
a prisão preventiva do indiciado ou acusado fosse precedida de análise
quanto à sua necessidade, por critérios que, a despeito de nem sempre
precisos, conferiram maior objetividade a tal decisão. Retrocesso, por­
que se introduziu a regra inexorável da prisão obrigatória para crimes
punidos com pena máxima igual ou superior a 10 anos de reclusão.
A partir do final da década de 60 vieram à lume importantes
modificações no Código de 1941, como já ressaltado, de modo que,
atualmente, temos a seguinte situação:

A) Estando o investigado ou o acusado solto, vale a regra de que:


A .l. Ninguém pode ser preso antes da sentença condenató-
ria definitiva, salvo se autuado em flagrante delito, ou
mediante ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária (artigo 5S, inc. LXI, da CF), nos casos pre­
vistos em lei, em virtude de prisão temporária ou pre­
ventiva (artigo 283 da Lei nQ 12.403/11). Assim, quem
responde a investigação criminal ou a ação penal em
liberdade somente pode ser preso se, presente o pres­
suposto inerente a qualquer medida cautelar pessoal -
fumus comissi delicti, é dizer, elementos informativos que
indiquem a ocorrência do crime e indícios suficientes de
autoria do sujeito passivo da medida - , caracterizar-se,
concretamente, a necessidade da prisão, observando-se o
juízo de proporcionalidade (idoneidade, necessidade e pro­
porcionalidade em sentido estrito), e desde que não cabível
a substituição da prisão indicada no próximo item;
A .l. Nada impedirá que, tratando-se de infração a que se co-
mine pena privativa de liberdade, o juiz natural impo-
nha ao investigado ou ao acusado alguma ou algumas
das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP
de forma isolada ou cumulada, atendendo aos crité­
rios indicados no artigo 282 do CPP podendo, ainda,
simplesmente conceder ao agente liberdade provisória,
mediante termo de comparecimento a todos os aros pro­
cessuais (artigo 321 do CPP);
B) Estando preso o indiciado ou acusado, é preciso distinguir:
B .l. Está preso em flagrante. Em tal situação, ele poderá ob-
ter sua liberdade sob as seguintes modalidades:
B.1.1. Cometeu infração punida com pena máxima não
superior a quatro anos e não há vedação legal
à fiança (artigos 323 e 324): o juiz ou o próprio
delegado de polícia poderá arbitrar a fiança e sol­
tar o autuado (artigo 322, caput).
B .l.2. Cometeu infração punida com pena superior a
quatro anos: somente o juiz poderá conceder a
fiança (artigo 322, parágrafo único), o que tam­
bém vale para a hipótese em que o preso, por sua
situação econômica, não puder pagar o valor da
fiança (artigo 350).
B. 1.3. Cometeu infração não passível de arbitramento de
fiança, em face da natureza do crime ou por cir­
cunstâncias impeditivas (Constituição Federal,
artigo 52, inc. XLII, XLIII, XLIV artigos 323 e
324 do CPP): somente a autoridade judiciária
competente poderá - desconsiderada a polêmi­
ca relativa aos crimes hediondos e assemelhados
- conceder ao autuado a liberdade sem fiança,
ou por entender que o agente praticou o fato em
situação que exclua a ilicitude da conduta (artigo
310, parágrafo único), ou por entender que não
está presente qualquer dos motivos que justifica­
riam a prisão preventiva e afastariam a aplicação
de outra cautela (artigos 310 c/c 312 e 321).
B.2. Está preso em decorrência de prisão temporária (Lei na
7.960/89): a liberdade do acusado estará condicionada
ao escoamento do prazo da prisão temporária sem que
se tenha obtido sua conversão em prisão preventiva (art
2a, § 7a, da Lei na 7.960/89), ou, em qualquer das duas
hipóteses, quando não mais presente o motivo que justi­
ficou a cautela (artigo 282, § 5e).
C. Se houve detenção do autor de fato definido em lei como
de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a
. dois anos, na forma do artigo 2C, parágrafo único, da Lei n2
10.259/01 c/c artigo 61 da Lei na 9.099/95), deverá ele ser
posto em liberdade, sem pagamento de fiança, obrigando-se
tão-somente a comparecer futuramente ao Juizado (artigo 69,
parágrafo único, da Lei n2 9.099/95), não mais se aplicando
o disposto no artigo 321 do CPP (hipóteses em que o indicia­
do "se livra solto”), dada a regência das normas relativas ao
Juizado Especial Criminal.

Em complemento ao que se disse no item B. 1.3, certamente have­


rá forte polêmica sobre a possibilidade de o juiz conceder a autor de cri­
me hediondo liberdade provisória cumulada com outra (s) medida (s)
cautelar (es), salvo fiança. Ê que a proibição constitucional diz respeito
à fiança11e tinha como referência um sistema normativo apoiado sobre

11 Registre-se que a jurisprudência do STF n3o costuma distinguir a fiança como uma
espécie do gênero liberdade provisória. Daí por que acaba por admitir como válidas
as normas iniraconstitucionais (como a do artigo 2o, inciso II da L. 8.072/90, mesmo
com a alteração promovida pela L. 11.464/07) que proíbem a liberdade provisória, de
qualquer espécie, a quem é acusado de ser autor de crime hediondo ou assemelhado.
Exemplo se vê no julgamento, pelo STF, do HC 103.399/Sfí 11 T , rei. Min. Ayres Bric-
to, j. 22-06.2010, DJe n. 154, de 20.08-2010: (,..)1. Se o crime é inafiançável e preso o
acusado em flagrante delito, o instituto da liberdade provisória nâo tem como operar. O
inciso II do art. 2“ da Lei 8.072£X), quando impedia a "fiança e a liberdade provisória",
de cerca forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso
XLIII do art. 5° da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada
pelo art. lc da Lei 11.464/Ü7, no retirar o excesso verbal e manter, tão-somente, a veda­
ção do instituto da fiança. 2. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no
sentido de que “a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente
do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais:
[...] seria ilógico que, vedada pelo art. 5a, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória
mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade
provisória sem fiança" (HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence).
a prisão em flagrante. Com a reforma de 2011, em razão da qual, além
da perda de autonomia da prisão em flagrante - cujas existência e va­
lidade passam a ser efêmeras e precárias - adota-se um novo modelo
cautelar, que “individualiza” a medida provisional para cada situação
concreta, toma-se bem ponderável sustentar que nada estará a impedir
o juiz de, ouvido o Ministério Público, conceder ao autuado liberdade
provisória sem fiança, mediante imposição de uma ou mais medidas
cautelares diversas da prisão, mesmo em casos de autores de crimes
hediondos ou assemelhados.12
Nesse sentido se posiciona LOPES JR (2011-B, p. 156), ao pregar,
mesmo para hipótese de crime hediondo, que “diante de um flagrante
por crime inafiançável, não estando presente o periculum libertatis da
prisão preventiva ou, ao menos, não em nível suficiente para exigir a
prisão preventiva, poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem
fiança, mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para
tutelar a situação fática de perigo”. Isso porque, como mais adiante
acentua, “a inafiançabilidade acaba por impor, para concessão da liber­
dade provisória, a submissão do imputado a uma ou mais medidas cau­
telares diversas, mais gravosas do que a fiança, entre aquelas previstas
no artigo 319 do CPP” (2011-B, p. 166).
No trecho por nós destacado, cremos, reside o ponto nodal da
questão. Não será qualquer medida cautelar que poderá ser imposta ao

12 Em complemento à nota anterior, em relação ao crime de tráfico de entorpecentes,


previsto na Lei 11.343/06, o Plenário da Suprema Corte, ao julgar o HC 97.256/RS,
relatado pelo Ministro Ayres Britto, declarou, por maioria, a inconstitucíonalidade in-
cidental da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, bem como da expressão "vedada
a conversão em penas restritivas de direitos", prevista no § 4B do art. 33 do mesmo
diploma legal. De todo modo, permanece inalterado, até o momento, o entendimento
de que é legítima a proibição de liberdade provisória nos crimes de tTáfico ilícito de
entorpecentes, por considerar que ela decorre da inafiançabilidade prevista no art. 5®,
XLIU, da Carta Magna c da vedação estabelecida no art. 44 da Lei 11.343/36 (STF,
HC 103.406/SP, 1* T , tel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24.08.2010, D je n. 168, de
10.09.2010). No mesmo senado: STF, HC 102.715/MG, l* T., rei. Min. Dias Tóffoli, j.
03.08.2010, D]e n. 200, de 22.10.2010; STF, HC 98.548/SC, 1* T , tel. Min. Cármen
Lúcia, j. 24.11.2009, Dje n. 232, de 11.12.2009; STT- HC 103.399/Sp I» T , rei. Min.
Ayres Britto, j. 22.06.2010, Dje n. 154, de 20.08.2010; STF, H C 102.55S/PR, 2» T., rei.
Min. Joaquim Barbosa, j. 09.02.2010, Dje n. 45, de 12.03.2010.
investigado ou acusado de crime hediondo ou assemelhado, mas tão
somente aquelas que lhe tragam alguma restrição maior se compara­
das com a fiança. A não ser assim, o juiz deixará de levar em conta, ao
apreciar o auto de prisão em flagrante, que o propósito do constituinte
de 1988 foi o de conferir tratamento mais rigoroso - penal, processual pe­
nal e penitenciário - aos autores de crimes hediondos e assemelhados, de
maneira a impingir, também no plano judicial, um rigor maior no momento
de interpretar e aplicar, em casos tais, o novo sistema cautelar.

6. As Revogadas Prisões Decorrentes da Decisão de


Pronúncia e da Sentença Condenatória Recorrível

Do ponto de vista histórico, resta, ainda, indicar duas modali­


dades de prisão provisória que eram previstas no Código de Processo
Penal, antes da Reforma de 2008: as prisões que decorrem da decisão de
pronúncia (antiga redação do artigo 408, § l e) e da sentença penal conde­
natória recorrível (artigo 594, antes de sua revogação pela L. 11.719/08).
Releva destacar que, pelas razões já examinadas acima, de cunho
histórico, a normatização que compunha o sistema do Código de Pro­
cesso Penal de 1941, em sua versão original e seguindo a tradição que
vinha desde o Código Imperial, não deixava alternativa ao juiz na hipó­
tese de pronúncia ou condenação de autor de crime inafiançável (ou
afiançável, quando não prestada a fiança): o recolhimento à prisão era
efeito automático de ambas as decisões.
Trabalhava-se com uma espécie de presunção de necessidade da
prisão, ao velado argumento de que se o acusado fosse pronunciado
para ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, ou, a fortiori, se
condenado por qualquer crime inafiançável, o risco de fuga era muito
grande e, portanto, justificada estaria a prisão ante tempus. Essa lógica
foi temperada com o advento da Lei ne 5.941/73, que passou a permitir
ao réu pronunciado ou condenado manter-se livre, desde que primário
e portador de bons antecedentes.
Dizíamos, na primeira edição deste livro, que:
T

No sistema normativo atual, não vislumbramos como possam ambos os


dispositivos citados - bem assim o do artigo 595 do CPP - sobreviver a uma aná­
lise isenta e sedimentada na razoabilidade e em princípios que compõem o nosso
sistema processual penal, informados pela Constituição Federal.”
A jurisprudência a esse respeito tem caminhado, já há vários anos, na
direção de acolher a concepção de que a prisão decorrente de pronúncia ou
de sentença penal condenatória recorrível somente não ofende o principio
da presunção de inocência se for devidamente demonstrada, na fundamen­
tação da sentença condenatória ou na decisão de pronúncia, a necessidade da
prisão ad custodiam. Assim o é em Telação ao Superior Tribunal de Justiça1’ e
em relação ao Supremo Tribunal Federal.MCaso contrário, caracterizam-se
como prisões automáticas, como mera derivação inexorável de ato proces­
sual, o que, convenhamos, destoa da racionalidade do sistema atualmente
pensado e aplicado.
Registre-se a posição liberal que mais recentemente vem sendo ado­
tada pelo Supremo Tribunal Federal, sob sua nova composição, a partir de
meados de 2003. Exemplo disso I o julgamento da Reclamação n° 2.391-

13 “À luz da nova ordem constitucional, que consagra no capítulo das garantias indivi­
duais o princípio da presunção de inocência (Cf; 5-, LVII), a faculdade de recorrer em
liberdade objetivando a reforma de sentença penal condenatória é a regra, somente
impondo-se o recolhimento provisório do réu à prisão nas hipóteses em que enseja a
prisão preventiva, na forma Inscrita no art. 312, do CPE A regra do art. 594 do CPP
deve hoje ser concebida de forma branda, em razão do aludido princípio constitu­
cional, não se admitindo a sua incidência na hipótese em que o réu, por força de
habeas corpus concedido pela Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, teve
a prisão preventiva revogada, permanecendo em liberdade durante todo o curso do
processo e não se demonstrou no dispositivo da sentença a necessidade da medida
constritiva ou a existência de qualquer fato novo que justificasse o encarceramen­
to. Habeas corpus deferido" (H abeas Corpus 10118-MS, 6a T , rei. Min. Vicente
U a i, j. em05/10/99, D) de 03/11/99).
14 “(..•) O juixpronundante deve, sempre, motivar a sua decisão, quer para decretar, quer
para revogar, quer para deixar de ordenar a prisão provisória do réu pronunciado. (...) A
conservação Je um homem na prisão requer mais do que um simples pronunciamento
jurisdicional. A restrição ao estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente
fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos” (HC na 68.53Q-7-DI5 Relator
Min. Celso de Mello, OJU 12/4/91). Em outro julgado contemporâneo, assentou-se
igual entendimento, wrrfris: “(...) A prisão para apelar só se legitima quando se eviden­
cia a sua necessidade cautelar, não cabendo inferi-la exclusivamente da gravidade em
abstrato do delito imputado; é possível, contudo, extrair do contexto do fato concreto
- que revela a existência de complexa organização criminosa de dimensões internacio­
nais - base empírica para a afirmação do risco de fuga dos condenados, fundamento
idôneo para a cautela da prisão provisória imposta" (HC n- 69.818-SI} Rei. Min. Sepúl-
veda Pertence, DJU de 27/11/92).
MC/PR,14 na qual se discutiu a constitucionalidade dos artigos 9a da Lei ne
9.034/95 (“o réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta
Lei”) e 3a da Lei na 9.613/98 (“os crimes disciplinados nesta Lei são insusce­
tíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória,
o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade").
Consoante noticiou o Informativo nQ334 do STF considerou-se, sob
a liderança dos votos do Ministro Relator, Marco Aurélio, e do Ministro Ce-
zar Peluso, que ambos os dispositivos denotam desproporcionalidade entre a
execução da decisão judicial nas esferas penal e civil, bem como contrariam o
princfpio constitucional da não-culpabilidade (CF/88, artigo 5U, LVII).
Sob essa perspectiva, proclamaram, incidentalmente, a inconstitucio-
nalidade do artigo 9a da Lei nQ9.034/95, emprestando ao artigo 3fi da Lei n“
9.613/98 interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o juiz, na
hipótese de sentença condenatória, fundamente sobre a existência ou não
dos requisitos para a prisão cautelar, posição seguida pelos Ministros Joaquim
Barbosa e Carlos Britto.
Decisão ainda mais impactante está para ser proferida, também pela
composição plena do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso
Ordinário em Habeas Corpus na 83.810-RJ (o julgamento encontra-se sus­
penso desde dezembro de 2003). A confirmar-se o prognóstico formado a
partir dos votos já proferidos e tendo em vista a tendência mais liberal assu­
mida recentemente pela Corte,16provavelmente se julgará não recepcionado
pela Constituição Federal dc 1988 o artigo 594 do Código de Processo Penal.
O caso diz respeito a um acusado por crime de latrocínio, condenado
a trinta anos de prisão e que, por haver permanecido foragido durante todo
o processo, teve negado o processamento da apelação interposta pela defesa.
Mantido, pelo Superior Tribunal de Justiça, o acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, coube ao Ministério Público Federal a iniciativa de recor­
rer ao Supremo contra a denegação do urrit.
Iniciado o julgamento em 17 de dezembro de 2003, o Ministro-Rela-
tor, Joaquim Barbosa, após observar que o entendimento tradicional do STF

15 O julgamento não foi concluído, tendo o Tribunal, por unanimidade, considerado pre-
ludicada a questão de ordem na Reclamação n° 2.391-5/PR.
16 Tome-se como exemplo nítido dessa afirmação a decisão proferida, em 23.02.2006, no
julgamento do HC na 82.959/SR relatado pelo Min. Marco Aurélio. Por maioria aper­
tada. (6 votos contra 5), o Plenário declarou a inconstitucionalidade parcial do § 1- do
art. 2Bda Lei na 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumpri­
mento da pena nos crimes definidos cúmú hediondos, reformando jurisprudência até
então consolidada na própria Corte ao longo de mais de [5 anos.
tem sido no sentido de que a Constituição de 88 recepcionou o artigo 594
do CPIÍ permitindo inferir que a regra, para apelar, é o prévio recolhimento
do sentenciado à prisão, afirmou: "Creio, no entanto, que à luz do princípio
da não-culpabilidade, deve prevalecer o inverso, ou seja, a regra é o acusado
recorrer em liberdade, podendo o juiz determinar seu recolhimento à prisão
caso estejam presentes os pressupostos e requisitos do artigo 312 do Código
de Processo Penal.”
Recordou, ainda, que a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nB8.072/90) con­
sente ao acusado recorrer em liberdade, pois a prisão prolatada na sentença
ainda tem cunho cautelar, devendo ser decidida pelo juízo condenatório,
mediante suficiente fundamentação. Arrematou o voto, acentuando que o
não conhecimento da apelação pelo fato de o réu ter sido revel durante a
instrução ofende o princípio que assegura a ampla defesa, bem como a regra
do duplo grau de jurisdição prevista cm pactos internacionais, como o de São
José da Costa Rica, assinados pelo Brasil posteriormente à edição do Código
de Processo Penal. Sua decisão foi, portanto, no sentido de determinar que o
TJ/RJ faça novo exame de admissibilidade da apelação, sendo seguido pelos
Ministros Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso. Por sua vez, o Ministro Gilmar
Mendes, acompanhando o Min. Joaquim Barbosa, e na linha da tese defen­
dida no voto por ele proferido na RCL n2 2.391 MC/PR, acima mencionada,
emprestou efeitos ex nunc ã decisão.
Como se percebe, a nova interpretação do Código de Processo Penal e
das referidas leis, pelo STF; implicará uma radical mudança na jurisprudência
dos tribunais, que provavelmente seguirão a trilha da Corte Suprema, permi­
tindo o processamento de apelações interpostas por acusados que, durante o
decurso da ação penal em primeiro grau, não se tenham apresentado ã pri­
são, em cumprimento a ordem judicial consubstanciada na própria sentença
condenatória, ou mesmo antes.
Até o presente momento, todavia, a doutrina e a jurisprudência atuais
contentam-se, insista-se, em afirmar a validade do decreto de prisão cautelar
lançado no corpo da sentença condenatória, quando explicitada a necessida­
de da cautela. No entanto, não enfrentam a questão que se afigura, a nosso
sentir, ainda mais relevante, qual seja, a regra que condiciona o recebimento
e processamento do recurso do condenado ao seu prévio recolhimento à pri­
são (artigo 594 do CPP).
Entendemos-como já registrado (SCHIETTI, 2002, p. 153), acompa­
nhando qualificada doutrina17—que a decisão que exige o recolhimento do
acusado à prisão, como condição para apelar, não deixa de maltratar, mesmo
se apoiada na necessidade da cautela, os princípios da ampla defesa, do con­
traditório (artigo 5a, inc. LV da CF), e do duplo grau de jurisdição, à medida
que acaba por impedir, ou, ao menos, restringir o livre exercício dos meios
de defesa postos à disposição do réu (de que é exemplo o recurso contra a
decisão de pronúncia ou de condenação), bem assim o próprio direito ao
recurso, o qual também decorre, no plano legal, do artigo 8a, ns 2, alínea "h",
do Decreto nu 678/92, e do artigo 9a, § 4ü, do Decreto nfi 592/92 (que incor­
poraram ao nosso direito intemo a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, respectiva­
mente). Ademais, o artigo 594 do CPP atinge o princípio da igualdade, visto
que desequilibra a balança processual, impondo pesado ônus à defesa, para
poder exercer um direito que é de ambas as partes.
Não se desconhece - até porque indispensável para o saudável e pací­
fico convívio social - o direito do Estado de ordenar a prisão cautelar de
acusados em processo criminal, presentes os pressupostos exigidos em lei.
Todavia, essa potwíos coercendi do Estado não pode estar atrelada, insepara-
velmente, ao direito do acusado de exercer uma defesa ampla na causa por
meio da interposição do recurso cabível contra a sentença condenatória ou
de pronúncia.
Assim, para exemplificar, se o acusado ameaça fugir do país, será ple­
namente legítima a decretação de sua prisão cautelar na própria sentença,
ou mesmo após. Contudo, de nenhum modo essa noticiada tentativa de fuga
ou a não-apresentação em juízo do acusado portador de maus antecedentes
poderá servir de fundamento para o não-conhecimenco da apelação.1SA des­
vinculação do poder de prender, pelo Estado, com o direito de recorrer, pelo
acusado, autoriza aquele a decretar a prisão do último, ante a sua concreta
ameaça de fugir à aplicação da lei penal, mas de nenhum modo pode impedir

17 Sugerimos a leitura, mter alia, de CARVALHO (2009); GOMES (1994): GRINO-


V ER et aiii (1996); SILVA FRANCO (julho/1994); TOURINHO FILHO (julho-
setembro/1994).
18 Mostrando toda a falta de critério e coerência do legislador processual penal brasilei­
ro, não se costuma opor obstáculo ao acusado que, porta dor de maus antecedentes, e
condenado definitivamente por crime inafiançável, faça uso da Revisão Criminal, a fim
de tentar obter o que lhe fora negado pela via impugnativa ordinária. Nesse sentido,
alinha-se a Súmula 393 do STF, verbis: “Para requerer revisão criminal o condenado
não é obrigado a recolher-se à prisão."
que, enquanto não cumprido o mandado de prisão, seja a impugnação pro­
cessada, conhecida e julgada.10
O fenômeno, porém, não é verificado apenas em terras brasileiras,
ante a notfcia da resistência da Corte de Cassação da França ãs normas
supranacionais, nomeadamente às positivadas na Convenção Européia dos
Direitos Humanos,^’ postura que levou o Tribunal Europeu de Direitos Hu­
manos a condenar aquele Estado a indenizar cidadãos que, após terem sido
condenados por tribunais franceses, foram impedidos de terem seus recursos
examinados, porque não se sujeitaram, voluntariamente, à ordem de captura
emanada dos tribunais onde o processo foi julgado em instância ordinária.
Em leading case muito referido na literatura estrangeira pertinen­
te - Poitrimol vs. França, 23/11/1993-1 - o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos entendeu que a inadmissão do recurso de cassação pela fuga do
recorrente constituía uma sanção desproporcional e, portanto, ilegítima.
Em julgados mais recentes - Omar vs France e Guérin vs. França,
ambos ocorridos em 29/7/98 - voltou a reconhecer o TEDH que o direito
a recorrer para um tribunal superior, embora não seja absoluto e possa estar
sujeito a limitações, não pode implicar a violação desse direito, pois toda
limitação deve perseguir um fim legítimo. Para justificar a condenação do
Estado francês, o TEDH destacou, entre outros fundamentos externados em
longa decisão, que:

43. A Corte pode somente anotar que, onde uma apelação


baseada em questões de direito é declarada inadmissível unicamente
porque, como no caso atual, o apelante não se rendeu à custódia con­
forme a decisão judicial desafiada na apelação, esta regra compele o
apelante a sujeitar-se antecipadamente à perda de sua liberdade como
decorrência da decisão impugnada, embora tal decisão não possa ser
considerada definitiva até que a apelação esteja decidida ou o prazo

19 Igual raciocínio há de ser válido também para a situação versada no art. 595 do Código
de Processo Penal, em que o recurso é considerado deserto ante a fuga do apelante,
restando-lhc tão-somente aguardar o trânsito em julgado para ajuizar revisão criminal.
20 Exemplo desse comportamento do Judiciário francês pode ser visto em decisão de 1993
da Corte de Cassação, ao afirmar que uma sentença da Corte européia não incide sobre
a validade da norma de direito interno (A1MONETTO, 2002, p. 156).
21 Bemard Poitrimol fora condenado por um tribunal correi ional fiancês, a um ano de pri­
são, por não haver devolvido o filho à mãe que detinha sua guarda, após exercer direito
de visita. A Corte de Apelação e, depois, a de Cassação, deixam de examinar o recurso da
defesa, ao argumento, amparado no Código de Processo Penal francês, de que o acusado
deveria sujeitar-se ao mandado de prisão para poder exercer seu direito de apelo.
para manejar o recurso tenha expirado. Isto compromete a essência do
direito de apelai; impondo um ônus desproporcional ao apelante, dese­
quilibrando a balança que deve ser ponderada entre, de um lado, o inte­
resse legítimo de assegurar que as decisões judiciais sejam cumpridas, e,
de outro lado, o direito de ter acesso à Corte de Cassação e exercitar os
direitos de defesa.”

A propósito, impende lembrar que a jurisprudência que prevalece em


nossos tribunais superiores é contrária a esse entendimento do Tribunal Eu­
ropeu, no que concerne à possibilidade de manter-se o acusado em liberdade
quando já esgotadas as vias impugnativas ordinárias, mas ainda possível a
senda que leva aos tribunais superiores. Com efeito, tem-se entendido que
os recursos especial e extraordinário, por não terem efeito suspensívo (artigo
27, § 2a, da Lei na 8.038/90), não impedem a imediata execução do acórdão
condenatório, permitindo-se excepcionalmente a suspensão da execução do
acórdão, na pendência de REsp. ou RE (Medida Cautelar na 763-PB, de
16/4/97), ou se o crime é afiançável e o réu pretende prestá-la (Habeas Cor-
pus n2 74.452, DJU 25/4/97).

Essas páginas, escritas na primeira edição desta obra, expressaram


tanto a análise da situação então reinante em nossa doutrina e jurispru­
dência, quanto os prognósticos para as transformações que já se anteviam.
Tardaram, ainda, alguns anos até que, premido pela doutrina e,
mais recentemente, pela mudança de posicionamento da jurisprudên­
cia, tanto do S T J’’ quanto do STF2,1, o Congresso Nacional aprovasse a
Lei na 11.719, de 20 de junho de 2008.

22 GUÉRIN vs. FRANÇA, julgado pela Corte Européia dos Direitos Humanos em 29/07/98.
23 No STJ a questão chegou a ser sumulada, pelo verbete nB 347: O conhecimento de
recurso de apelação do réu independe de sua prisão.
24 No STF, apás longos anos, o Pleno concluiu o julgamento do RHC 83.810, consoli­
dando a tendência daquela corte, prognosticada no trecho acima transcrito, excerto da
primeira edição, sobre o reconhecimento da não recepção do artigo 594 do CPfi Curio­
so, porém, observar que o julgamento foi conclufdo quando já revogado tal dispositivo
legal, por força da reforma processual de 2008. Eis a emenra: EMENTA: "RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PE­
NAL. CONHECIMENTO DA APELAÇÃO E RECOLHIMENTO DO RÉU CON- '
DENADO À PRISÃO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA
AMPLA DEFESA. RECURSO PROVIDO. 1 .0 recolhimento do condenado à prisão
não pode ser exigido como requisito para o conhecimento do recurso de apelação, sob
Julgado de suma importância para a definição do tema ocorreu
em 2009, quando o STF acolheu o Habeas Corpus n- 84.078/MG. Em
decisão majoritária, o Tribunal Pleno assentou, definitivamente, o en­
tendimento de que o acusado não pode ser preso em decorrência do
acórdão ainda pendente de recursos de natureza extraordinária, salvo a
título de prisão cautelar, observados os requisitos do artigo 312 do CPR
A decisão restou assim ementada:

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA


CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5e,
LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. ART Ia, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. I. O art.
637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito
suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado,
os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença".
A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constitui­
ção do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5fl, inciso LVII, que "ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84,
além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, tem­
poral e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP 3. A prisão antes
do trânsito cm julgado da condenação somente pode ser decretada a
título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo res­
trito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natu­
reza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento
do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena
e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária,
restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e pu­
nição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos”

pena de violação aos direitos de ampla defesa e à igualdade entre as partes no processo.
2. Não recepção do art. 594 do Código de Processo Penal da Constituição de 1988. 3.
Recurso ordinário conhecido e provido. RHC 8381 O/RJ, Relator Min. Joaquim Barbosa,
J. 05/03/2009, Tribunal Pleno, DJe-200 p. 23-10-2009."
exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetisou na
seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, na
fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao
próprio delinqüente". 6- A antecipação da execução penal, ademais de
incompatível com o texro da Constituição, apenas poderia ser justificada
em nome da conveniência dos magistrados — não do processo penal. A
prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ
e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subse­
quentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso”. Eis
o que poderia ser apontado como incitação ã ‘'jurisprudência defensiva",
que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias consti­
tucionais. A comodidade, a melhor operacionalidadc de funcionamento
do STF não pode ser lograda a esse preço. 7- No RE 482.006, relator
o Ministro Lewandowskí, quando foi debatida a constitucionalidade de
preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos
de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a pro­
cesso penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2e da
Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou,
por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto
no inciso LVII do art. 5e da Constituição do Brasil. Isso porque — disse
o relator — “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em
tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem
que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de
qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução
das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por
unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito
da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime
a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade
anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente
prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da
propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade,
mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às
liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas demo­
cracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa
qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas,
inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua
dignidade (art. I a, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua
exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstân­
cias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode
apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada
qual Ordem concedida. HC 84078/MG, Relator Min. EROS GRAU, j.
05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010, p. 26-02-20 L0.

No que diz com a prisão decorrente de pronúncia e de sentença


condenatória recorrível, a mudança legislativa consolidou o entendi­
mento de que esses dois atos processuais não mais podem constituir
título autônomo de prisão cautelar. Antes, exigem que o juiz, ao pro­
nunciar ou ao condenar o réu, promova uma análise sobre a liberdade
deste, quer para mantê-la ou suprimi-la, quer para restaurá-la, o que
fará à luz dos pressupostos e requisitos de validade da prisão preventiva,
indicados no artigo 312 do Código de Processo Penal.25
Em raciocínio coerente com o que se expôs, podemos afirmar que:

A. Se o acusado respondeu ao processo penal em liberdade - ain­


da que sujeito a alguma das cautelares previstas no artigo 319
do CPP - por não haver dado causa à decretação de sua pri­
são preventiva, somente poderá ser preso por ocasião da pro­
núncia ou da sentença condenatória se surgir, então, algum
motivo novo que autorize a decretação da medida extrema,
conforme resta claro do artigo 282, § 5E c/c os artigos 312 e
313 do CPP;

25 Os artigos que, respectivamente, tratam da prisão decorrente de pronúncia e de sen­


tença penal condenatória recorrível passaram a contar com a seguinte redação: Art.
413. (...) 3a O juii decidirá, mutivadamenre, no caso de manutenção, revogação ou
substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e,
tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição
de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Art. 387. (...)
Parágrafo único. O juiz decidirá, fúndamentadamente, sobre a manutenção ou, se for
o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do
conhecimento da apelação que vier a ser interposta.
B. Se o acusado permaneceu preso duranre o processo, ou, ao
menos, encontrava-se em tal situação quando prolatada a
decisão de pronúncia ou a sentença condenatória, provável'
mente permanecerá preso.26 A razão é simples: se estava preso
até o encerramento do iudicium accusationis (que encerra a
primeira fase do procedimento relativo ao Tribunal do Júri)
ou até o desfecho da ação penal em primeiro grau, é porque,
de duas uma:
B .l. ou fora preso em flagrante e teve essa pré-cautela trans­
formada em prisão preventiva, na forma do artigo 310
do CPFJ e não houve juízo de suficiência ou adequação
para a escolha de medida cautelar alternativa à prisão;
B.2. ou, tendo permanecido inicialmente solto, veio a ser
preso, no curso da ação penal, a título de prisão preven­
tiva, cujo motivo - por perdurar até a sentença, pois,
não sendo assim, a prisão adquirira vício insanável tão
logo cessado a causa da cautela - provavelmente con­
tinuará presente até o termo final da causa ou da fase
procedimental, o que, saliente-se, não pode ser objeto
de presunção, mas, ao contrário, deve merecer clara e
específica indicação no corpo da decisão terminativa ou
definitiva, em conformidade, respectivamente, com os
artigos 413, § 3Ce 387, parágrafo único, do CPE

26 Essa é a orientação jurisprudencial que sempre predominou, como, e. f., se extrai da


ementa de julgado do STJ (RHC n“ 1.523-GO, DJU de 18/11/91): “O art. 594, CPP,
confere ao réu o dirciro de apelar em liberdade, sendo primário e de bons antecedentes,
assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre sol-
to. O dispositivo legal se dirige ao réu em liberdade. Diverso, contudo, quando estiver
com o siatus kberuitis afetado. Persistirá, nesse caso, o smiuj qun ante. Abrem-se duas
exceções: a) se a prisão preventiva foi decretada exclusivamente para resguardar a ins­
trução do processo; b) se fato superveniente tomar a constrição desnecessária."
Capítulo IV

1. Dos Princípios que Interferem no Tema

1. 1. Favor Rei

Antes de adentrarmos a análise dos princípios mais próximos ao


tema das prisões cautelares, impõe-se um destaque àquele que exerce
papel fundamental em todo o processo penal: o princípio do favor rei
(também chamado favor defensionis, favor innocentiae ou favor libertatis),
presente em todo Estado autenticamente regido, em suas ações polí­
ticas e em seu ordenamento jurídico, pelos valores da democracia, da
liberdade e da dignidade humana (BETTIOL, 1977, p. 262).
Em regimes mais voltados para a defesa social, em detrimento das
liberdades públicas, minimiza-se a proteção do indivíduo em nome de
uma maior eficiência do sistema punitivo, sob a falsa ideia de que es­
ses dois objetivos são incompatíveis entre si. Semelhante concepção de
política criminal do Estado, típica dos regimes nacional-socialistas da
primeira metade do Século XX, implicou, aqui e alhures, a adoção de
uma legislação penal e processual penal mais extremada, a exemplo da
norma inserida no artigo 311 da versão original do Código de Proces­
so Penal de 1941, que previa a prisão preventiva obrigatória, cabível,
automaticamente, para acusados de crimes punidos com pena igual ou
superior a 10 anos de reclusão.
A seu turno, o princípio do favor libertatis é típico de sistemas
de cariz mais democrático, onde, ao invés de fomentar-se a ilusão e o
fácil discurso de que uma intervenção muito severa do Estado produz
um maior controle da criminalidade e, portanto, a punição de todos
os culpados e de alguns inocentes, prefere-se trabalhar com a ideia,
reverberada, inter alia, por FERRAJOLI (2002, p. 84), de que "nenhum
inocente pode ser punido, mesmo que isso implique a não punição de
alguns culpados”.
Em nosso ordenamento processual penal, há algumas derivações
do favor rei. Merecem destaque o recurso de Embargos Infiringentes,
as ações de Revisão Criminal e de Habeas Corpus, bem como as regras
positivadas nos artigos 615, § l e, infine, e 664, parágrafo único, in fine,
do Código de Processo Penal, que definem a favor da defesa eventual
empate no julgamento de recursos de Habeas Corpus.1
Não se desconsidere, ainda, a importância do princípio do favor
rei como um dos componentes a inspirarem a tarefa de interpretação e
aplicação da norma, de modo a induzir o profissional do direito, ante
a incerteza quanto à vontade da lei, a optar pela solução mais benigna
aos interesses do acusado.2
Trata-se de regra antiga, consagrada no Direito Romano, onde já
se previa que in dubio pro libertate. Libertas omnibus rebus favorabilior est
- (“Na dúvida, pela liberdade. Em todos os assuntos e circunstâncias, é
a liberdade que merece maior favor”) .
MAX1MILIANO, reportando-se ao ensinamento de BATTA-
GLINI e MANZINI, nos alerta para o fato de que a interpretação
extensiva e mesmo a analogia, ao contrário do que se dá no Direito
Penal, podem ser empregadas no Direito Processual Penal ainda que em
desfavor do acusado. Salienta, porém, que, “quando se tratar de limi­
tações à liberdade individual, ao exercício de direitos ou a interesses
juridicamente protegidos, o texto considerar-se-á taxativo, será com­
preendido no sentido rigoroso, estrito. Assim sucederá, por exemplo,
quanto às prescrições que autorizem a prisão preventiva, o seqüestro
dos bens do indiciado, ou restrições ao direito de defesa” (1965, p. 341).

1 Sobre o tema, ver nosso Gototuúu fmocesswüu nus recursos criminais. São Paulo: Aclas,
2002, pp. 102 ss.
2 Em sentido contrário ao texto se coloca MANZINI, verbú: “O suposto princípio exe-
gérico 'in duíw pro ren’, se é falso para o direito penal, é ainda mais falso para o direito
processual penal. Na dúvida, de fato, nada autorüa a interpretar a lei a favor do impu­
tado: nem a razão, nem o direito" (1949, p. 116).
Seguindo essa linha doutrinária, DELMANTO JÚNIOR (1998,
p. 263) considera, em atenção ao disposto no artigo 3° do Código de
Processo Penal, que, em nome do favor liberta tis, o uso da interpretação
extensiva, da analogia e do recurso aos princípios gerais do direito deve
ser limitado, "na medida em que não autorizam o aplicador da lei a
manter alguém cautelarmente preso sem que esteja estritamente carac­
terizada a incidência legal da prisão provisória e, uma vez verificados os
seus pressupostos e requisitos, que ela seja imposta por mais tempo do
que o expressamente previsto, diante do princípio favor libertatis, que
está acima de qualquer outro”.

1.2. Dignidade da Pessoa Humana

O respeito pela dignidade da pessoa humana á atualmente acei­


to como um princípio universal, presente no ordenamento jurídico de
qualquer nação civilizada. Todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade - foram as palavras
que, inscritas no artigo I a da Declaração Universal dos Direitos Hu­
manos, de 1948, sintetizaram o ideário libertário do homem, cons­
truído ao longo da sua história.
Entre nós, a dignidade da pessoa humana é tratada como "funda­
mento da ordem política e social” (FELDENS, 2005, p. 145) da Repú­
blica Federativa, constituída em Estado Democrático de Direito (art.
Ia, III, C.F.). Trata-se, na dicção do Tribunal Constitucional da Espa­
nha, do “ponto de arranque, o ‘prius’ lógico e ontológico para a existên­
cia e especificação dos demais direitos” (STC 53/1985).
No conflito imanente à persecução penal - poder-dever de punir
(e poder de coerção) de um lado, e direito à liberdade de outro lado -
verifica-se que o sujeito passivo dessa relação, o acusado, da tradicional
condição de mero objeto da lide, pessoa sobre a qual o Estado detinha
ampla liberdade de extrair a "verdade” dos fatos, inclusive com o uso da
tortura, passa, sob a batuta do princípio da dignidade da pessoa huma­
na, a merecer tratamento na condição de titular de direitos e destinatá­
rio da proteção do próprio Estado que o submete à jurisdição criminal.3
Ser sujeito e não mero objeto do processo significa assegurar ao
acusado "posição jurídica que lhe permita uma participação constituti­
va na declaração do direito do caso concreto, através da concessão
de autônomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão
de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal"
(DIAS, 1984, p. 428).
Daí, portanto, a necessidade de que o processo penal moderno
facilite a elevação do acusado à condição de protagonista da atividade
processual, promovendo sua “personalização" para que passe a ser um
sujeito processual com voz ativa perante o órgão julgador participando
na produção do seu caso (BIDART, 1996, p. 25).
Isso implica a necessidade de que o órgão que acusa e o que julga
0 acusado conheçam, efetivamente, quem é a pessoa que acusam ou
julgam, não bastando, para tanto, a sua qualificação pessoal (nome,
filiação, data e local de nascimento). E preciso que investiguem o seu
passado, a sua trajetória de vida, é dizer, se foi uma criança como qual­
quer outra, ou se foi rotineiramente agredida ou mesmo violentada em
seu ambiente doméstico, que tipos de privações suportou, qual o
seu grau de instrução, se teve país presentes, ou, ao contrário, abso­
lutamente desinteressados no desenvolvimento psíquico do réu, se
cresceu em ambiente social saudável, quais foram os acontecimen­
tos marcantes em sua vida etc.
CARNELUTTI (1995, p. 51) sentencia que "de há muito os juris­
tas se aperceberam de que, para o juízo penal, precisa, além do fato,
conhecer o homem; e não é possível conhecer o homem sem recons­
truir-lhe a história”. Não partilhamos, contudo, de igual otimismo, pois,
na prática do foro, o que se vê é uma acomodação generalizada, sendo
rara a atitude interessada do juiz e do promotor com algo que vá além

3 “Diz-me como tratas o arguido, dir-te-ei o processo penal que tens e o Estado que o
instituiu" £ um slogtm que, na opinião de FIGUEIREDO DIAS (1984, p. 428), confere
a dimensão do tema relativo aú papel do acusado no processo penal.
da mera qualificação pessoal do acusado, o qual passa, então, a ser, simples-
mente, a pessoa contra quem se imputa determinada conduta, levando o
julgador a decretar uma medida restritiva da liberdade ou a proferir a sen­
tença final contra alguém que, induvidosamente, desconhece.
O processo deveria ser, também, um instrumento para que se
conhecesse não o homem abstrato, identificado com um nome qual-
quer, mas o homem real, de carne e osso (RIVERO SANCHEZ, p. 75).
Essa postura traria inevitável humanização do processo, colocando o
réu como o “centro do sistema punitivo" a merecer toda a atenção do
acusador e do julgador em qualquer decisão a ser tomada no curso da
relação processual (SILVA FRANCO, 2000, p. 4).
Na elevada tarefa de julgar homens, o magistrado há de permear-
se pelo bom uso da razão e pela sensibilidade, sem as quais a exata
compreensão da dimensão do humano é impossível. Ressalve-se que
tal compreensão simpatética não se identifica “com os hábitos mentais
do sujeito em julgamento, como a que proviria de uma romântica fusão
afetiva, mas em uma ‘participação imaginativa indireta e mediata’, que
é de tipo racional, porque se baseia na ‘representação da situação de
fato’ submetida a julgamento. Ainda menos reflete a subjetividade emo­
cional e parcial do juiz. Ao contrário, é o produto de um esforço inten­
cional do juiz dirigido a prescindir o mais possível de suas ideologias
pessoais, seus preconceitos e de suas inclinações para ‘compreender’ ou
participar das ideologias, inclinações e condicionamentos do sujeito em
julgamento” (FERRAJOLI, 2002, p. 132).
Semelhante abordagem, que se pretende respeitosa, da pessoa do
acusado, por parte do Estado e seus agentes, não é, todavia, bem aceita
quando se trata de processo por prática de crime bárbaro, quando se cos­
tuma identificar o réu como um ser animalesco, indigno de merecer o mais
remoto sentimento benevolente, já que não foi capaz de demonstrar qual­
quer vestígio de humanidade em seu comportamento odioso.
Mas é precisamente em tais situações-limite, nas quais os instin­
tos e sentimentos induziriam a uma reação emocional ao ato crimino­
so, que o Estado, por seus agentes responsáveis pela persecução penal,
deve manter a racionalidade necessária para agir sem o ímpeto das pai­
xões, mas com equilíbrio e objetividade, de tal modo a servir de contra­
ponto entre a barbárie do crime e a civilidade da reação estatal.
Essa postura aparentemente fleugmática não importa desprezo
com os sentimentos da vítima e de seus familiares. Antes, reflete a pró­
pria razão de ser da Justiça Pública, que não pode mover-se por paixões
perfeitamente compreensíveis para quem se viu afetado pelo conflito,
mas inadequadas aos órgãos oficiais encarregados da persecução penal.
É de salientar-se, todavia, que a aplicação objetiva e serena do
direito penal e processual penal é plenamente compatível com o rigor
que eventualmente se mostre necessário na adoção de medidas caute­
lares ou punitivas, dentro, é óbvio, dos limites da lei, bem amplos para
o operador do direito, relevando salientar que foi o próprio constituinte
quem incluiu, sob o mesmo título “dos direitos e deveres individuais e
coletivos”, normas de cunho restritivo à liberdade, nomeadamente as
que previram tratamento penal mais rigoroso em relação a determina­
das condutas (objeto de regulamento nos incisos XLII, XLHI e XLIV do
artigo 5e da C.F.).
Despiciendo observar que, quando esse rigor houver de ser res­
ponsavelmente empregado, juizes de direito e promotores de justiça
haverão de estar cientes de que suas manifestações não irão esgotar-se
em uma folha de papel, mas poderão ferir, como um punhal, a carne
dos seus destinatários; cumprirá, então, a esses profissionais do direito
estar conscientes também de que, ao exercerem os poderes que a lei
lhes confere, "se eventualmente confortam o titular de um direito vio­
lado, ou a dor dc quem foi vítima de um crime, trazem, por outro lado,
ao autor da conduta e aos seus familiares, um sofrimento que, muitas
vezes, ao menos estes últimos não mereceriam padecer.
O respeito pela dignidade do acusado em processo penal exige,
portanto, não apenas esse comportamento exemplar dos agentes esta­
tais a quem compete a prática de atos coativos e decisórios, mas, antes
ainda, um respeito aos limites do próprio poder, para que, ao pretexto
de proteger os direitos humanos, o agente estatal não se tome tirânico
e arbitrário (PERELMAN, 1996, p. 400).
Por outra angulação, quando se fala em dignidade da pessoa
humana impõe incluir-se o respeito que deve ser dispensado à vítima
(e familiares) do crime imputado ao acusado. Como alerta REMESAL
(1997, p. 174), "da importância da vítima como ponto de referência
fundamental para as reações punitivas na época do Direito Penal da
vingança privada se passou posteriormente, com o surgimento do Di­
reito Penal como Direito Público, à postergação daquela, o que desem­
bocou praticamente em sua redução a mero objeto do delito”.
De fato, a neutralização da vítima como ator principal do proces­
so penal modemo - preço de uma atuação objetiva e desapaixonada do
poder punitivo - significou, na prática, o seu abandono, a sua fragiliza­
ção, o seu distanciamento do cenário repressivo, onde passou a exercer
um papel “puramente testemunhai" (MOLINA, 1992, p. 43).
Assim não deveria ser. O fato dc haver o Estado se apropriado
do conflito penal, originalmente pertencente ao próprio particular para
que exercesse a sua própria vingança, não importa em menosprezar
quem foi diretamente afetado pelo crime. É preciso ter a percepção,
como assinala FERNANDES (1995, p. 124) de que “a vítima atua tam­
bém como membro e representante da comunidade, tendo esta interes­
se jurídico em participar do processo porque a ação criminosa deve ser
reprimida para maior tranqüilidade social".
Sem essa preocupação e zelo para com os interesses daquele que
sofreu, de forma concreta, os danos da ação criminosa, acaba por pro­
duzir uma vitimização secundária do ofendido, impondo-lhe um outro
sofrimento, desta vez pelo próprio Estado, que, além de ter falhado na
outorga de segurança que poderia ter evitado a ocorrência do crime,
impinge à vítima novo padecimento, quer pela indiferença aos seus
interesses, quer pelo modo desrespeitoso de tratá-la quando é chama­
da a participar, como colaboradora, dos atos processuais necessários à
instrução do caso.
Para CHRISTIE (1998, p. 161) a distância que os personagens
principais do processo mantêm em relação à vítima "pode ser um dos
motivos para a sua insatisfação e para as freqüentes afirmações de que
os criminosos livram-se da cadeia muito facilmente. Os pedidos de pe­
nas mais severas podem ser uma conseqüência da falta de atenção à
necessidade que as vítimas sentem de dar vazão às suas emoções, mais
que a desejos de vingança”.
Deveras, na experiência do foro, percebemos que a vítima ou os
familiares desta desejam muitas vezes apenas ser informados sobre o
que está acontecendo ou o que pode acontecer e quais são os seus direi­
tos. No entanto, não é freqüente a preocupação judicial com a vítima,
cuja comunicação com o juízo cinge-se, via de regra, à intimação para
comparecer à audiência onde será tomado o seu depoimento. Não lhe
informam que a denúncia foi oferecida, que o réu foi preso ou solto,
qual a pena que lhe foi imposta ou mesmo se foi absolvido, como tam­
bém não é orientada sobre a possibilidade de mover ação civil ex delicto
contra o acusado ou de executar a sentença condenatória. Enfim, cos­
tuma ser tratada como uma incômoda visita, principalmente quando se
habilita como assistente da acusação.

1.3. Proteção Penal Eficiente

A dimensão dos direitos fundamentais inerentes à persecução


penal não se esgota no dever estatal de proteção do acusado, em ge­
ral consubstanciado nos direitos e garantias individuais a que aludem
vários dos incisos do artigo 5S da Constituição Federal.
Inserem-se nesse preceito constitucional outros mandamentos
endereçados ao Estado, que podem, eventualmente, resultar na res­
trição das liberdades públicas, em nome de outros bens e interesses
também protegidos pelo poder estatal, por igualmente interessarem à
comunidade.
Entre esses direitos sobressai o direito à segurança, colocado ao
lado do direito à liberdade logo no caput do artigo 5Cda Carta Magna,
o que implica afirmar que o Estado está obrigado a assegurar tanto a
liberdade do indivíduo contra ingerências abusivas do próprio Estado4 e
de terceiros, quanto a segurança de toda e qualquer pessoa contra ata­
que de terceiros —inclusive do acusado —mediante a correspondente e
necessária ação coativa (potestas coercendi) ou punitiva (ius puniendi).
O direito à segurança também constitui uma das formas de rea­
lização da dignidade da pessoa humana. Certamente, “a preocupação
em se estabelecer um ambiente em que reina a tranqüilidade e a paz
social, livre da instabilidade gerada pelas infrações penais, justifica-se
por conta da necessidade em se assegurar o desenvolvimento da pessoa
humana, cujo exercício pressupõe a existência de harmonia" (BECHA-
RA, 2005, p. 44) .5
Como paralelo ao dever estatal de assegurar a liberdade humana, o de­
ver de garantir segurança, como imperativo constitucional (artigo 144, caput,
CF), “não está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam direitos
fundamentais de terceiros, mas também na devida apuração (com respeito
aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o
caso, da punição do responsável (FISCHER, 2010, p. 36).
No direito penal e processual penal - salienta ÁVILA (2006, p.
55) - “podem ser identificados, ao menos, três titulares de interesses
contrapostos: acusado, vítima e coletividade. E do equilíbrio desses
interesses que resulta a ponderação complexa do dever de proteção
penal- (...) Em relação à vítima e à coletividade, há um direito funda­
mental de proteção penal, no sentido de que o Estado proteja os bens
jurídicos mais relevantes à agregação do tecido social mediante normas
incriminadoras, com penas proporcionais, bem como exige a realização
concreta desse sistema de justiça criminal de forma eficiente".

4 Bem observa FERRAJOLI (2002, p. 277) que “a segurança e a liberdade de cada um


são, com efeito, ameaçadas não apenas pelos delitos, mas também, e frequentemente,
em medida ainda maior, pelas penas despóticas e excessivas, pelas prisões e pelos pro­
cessos sumários, pelos controles arbitrários e invasivos de polícia, vale dizer, por aquele
conjunto de intervenções que se denomina 'justiça penal' e que, talvez, na história da
humanidade, tenha custado mais dores e injustiças do que todos os delitos cometidos".
5 Para uma compreensão do direito à segurança pública, compromissada com os direitos
humanos, consultar Antonio SUXBERGER (2010, especialmente o Capítulo 4).
Esse dever de proteção penal eficiente possui relevância até mes­
mo para a convivência harmônica e ordenada da sociedade, que deve
estar, e sentir-se, segura diante de situações conflitivas que ameacem ou
turbem sua liberdade e sua incolumidade física. A propósito, observa
ÁVILA (2006, p. 69), reportando-se ao ensinamento de HEINZ ZlPfj
que "a ausência de uma tutela penal efetiva favorece a tendência de
fortalecimento de instâncias extra-estatais de penalização (como, e. g.,
grupos de extermínio), a quebra de confiança na tutela jurídica eficaz e
Ofomento das tendências de autodefesa”.
Essa, aliás, seria a função mais importante do Direito Penal no
entender de FERRAJOLI (2002, p. 270), que identifica na proibição e
na ameaça penais o meio legítimo para proteger os possíveis ofendidos
contra os delitos, e no julgamento e inflição de pena, o instrumento de
proteção dos réus (e dos inocentes suspeitos) contra vinganças e outras
reações, formais ou não, mais severas.
Em igual direção se põe ROXIN (1993, p. 76), ao asseverar que “o
direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de interven­
ção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo
de uma repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a
sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo”.
É dizer, quando se adota medida coativa em desfavor do acusado
não se está a negar a proteção de que este goza como sujeito passivo da
persecução penal. No dizer de GREVI (2000, p. 13), a busca da efici­
ência no processo penal não se contrasta com a necessária salvaguarda
das garantias individuais. Antes, em um sistema processual bem orde­
nado, as garantias concorrem para assegurar a eficiência do processo.
Daí o porquê de propor-se uma perspectiva objetiva dos direi­
tos fundamentais, que não somente legitima eventuais e necessá­
rias restrições às liberdades públicas do indivíduo, em nome de um
interesse comunitário prevalente, mas também a própria limitação
do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais - preservando-
se, evidentemente, o núcleo essencial de cada direito —que passam
a ter, como contraponto, correspondentes deveres fundamentais
(SARLET, 2001, p. 146).
Esse dever de efetivação, que, no âmbito criminal, poderia ser
denominado dever de proteção penal, impõe ao Estado a obrigação de
"zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos direitos funda­
mentais dos indivíduos não somente contra os poderes públicos, mas
também contra agressões provindas de particulares e até mesmo de
outros Estados” (SARLET 2001, p, 150).
Por conseqüência, ao Estado-juiz, como órgão responsável pela
jurisdição penal, caberá apreciar qual dos interesses aparentemente
contrapostos, o poder punitivo ou o poder de coerção, de um lado, e o
direito à liberdade, de outro, há de prevalecer na situação concreta
que lhe é colocada a decidir. Particularmente no que diz com a pri­
são cautelar, esse dilema se resolverá a favor da proteção do direito
subjetivo do acusado, fundamental à liberdade, ou a favor do dever
fundamental de prestar segurança à vítima, a terceira pessoa ou à
comunidade como um todo, eventualmente ameaçadas pelo com­
portamento do acusado. E dizer, será tanto ilegítima a omissão esta­
tal do dever de proteção da sociedade, por atuação insuficiente dos
seus órgãos repressivos, quanto o excesso eventualmente cometido
em desfavor do imputado, ao argumento de ser devida a proteção
penal efetiva de toda a coletividade.
Assim, ao lado do garantismo negativo, que se traduz na proibi­
ção de excesso dos órgãos e agentes estatais em relação ao indivíduo a
quem se imputa a prática de infração penal, fala-se, como contraponto,
em garantismo positivo, identificado com a proibição de proteção insu­
ficiente de toda a coletividade, pelo mesmo Estado (STRECK, 2005, p.
180). Aludindo ao ensinamento de João Baptista Machado (Introdução
ao Direito e ao discurso legitimador. Coimbra Editora, 1998), STRECK
acentua que “a ideia de Estado de Direito se demite da sua função
quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que
se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e liberda­
des dos cidadãos" (2005, p. 180).
1.4. Presunção de Não-Culpabilidade

Seguramente a mais importante derivação do princípio do favor


rei, a presunção de inocência, ou presunção de não-culpabilidade, exige
que, no processo penal, se conceda ao acusado o direito de não ser con­
siderado culpado antes do trânsito em julgado da condenação.
Cuida-se de regra que, desde seu expresso reconhecimento, na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) ,b não mais
deixou de fazer parte de todas as modernas constituições.
Em sua celebérrima obra, “Dos delitos e das penas", BECCA-
RIA (1973, p. 39) dizia que "um homem não pode ser chamado réu
antes da sentença do jui2, e a sociedade só lhe pode retirar a prote­
ção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos
quais ela lhe foi outorgada".
No tocante à prisão cautelar e à liberdade provisória, nossa Car­
ta Magna, a despeito de prever exceções ao favor libertacis, consagra a
regra-vetora de que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido,
quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (artigo
5e, inciso LXVI, da CF).
A presunção de não-culpabilidade (ou presunção de inocência,
como prefere a maioria da doutrina)7 se apresenta ora como regra pro­
batória (ou regra de juízo), ora como regra de tratamento do acusado.
Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a
presunção de não-culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do
acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando
que somente a certeza pode lastrear uma condenação, Além disso, não
se impõe ao acusado a prova da sua inocência, pois é ao órgão acusador
que se atribui o ônus de provar a culpa daquele a quem imputa a prática
da infração penal.

6 Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, sc jufear indispensável prendê-h,
todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela Ia.
7 O texto constitucional brasileiro (an. 5" inc, LVII, da CF) segue a terminologia italiana,
que, ao invés de presumir a inocência do acusado, determina que Timputato non é conside­
ram cotycvole sino aüa condartna dejmiàva" (art. 27 da Constituição da República italiana).
A presunção de inocência impõe, desse modo, ao órgão acusa­
dor o ônus de comprovar as afirmações de responsabilidade penal feitas
ao acusado, sob pena de, restando qualquer dúvida sobre o objeto da
prova, resolver-se aquela a favor da defesa (in dubio pro reo). E dizer, o
acusador afirma a existência de um fato criminoso, atribui sua autoria
ao acusado, mas deverá comprovar, sob as regras do devido processo
legal (due process ofkuv) que integram a ideia do julgamento justo (fair
triflí), que essas afirmações encontram respaldo em provas consisten­
tes, submetidas ao crivo do contraditório, de modo a não restar dúvida
além do razoável (beyond a reasonable doubt) sobre os fatos atribuídos
ao acusado.
Como regra de tratamento, o princípio da presunção de inocên­
cia exige que o acusado seja tratado com respeito à sua pessoa e à sua
dignidade e que não seja equiparado àquele sobre quem já pesa uma
condenação definitiva. Eqüivale isso a dizer, no que concerne ao tema
objeto deste estudo, que o acusado somente pode ser preso diante de
uma imperiosa necessidade, devidamente justificada e apoiada em cri­
térios legais e objetivos, de modo a conferir o caráter realmente caute­
lar à prisão ante tempus.
Significa, ainda, na dicção do legislador constituinte, que nin­
guém poderá ser mantido preso “quando a lei admitir a liberdade pro­
visória, com ou sem fiança” (artigo 5a, inciso LXVI, da C.E), pois, na
expressão de MARTINS BATISTA (1985, p. 36), o "direito à coerção
mais benigna” - a liberdade provisória - também se revela como uma
das manifestações do princípio de inocência.
Outrossim, o uso de algemas naquele que se apresenta ao Tri­
bunal ou juiz, para depor ou para presenciar uma audiência, somente
se justifica ante o concreto receio de que, com as mãos livres, fuja ou
coloque em risco a segurança das pessoas que participam do ato proces­
sual. Cabe lembrar, a esse respeito, que, desde o Decreto ns 4.824, de
1871, o legislador pátrio manifestou preocupação com eventuais abusos
na execução do encarceramento humano, prevendo que “o preso não
será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo caso extremo de
segurança, que deverá ser justificado pelo condutor...”. Já em nosso direito
atual, somente o Código de Processo Penal Militar faz a devida limitação,
assinalando, no seu artigo 234, § l 2, que: “O emprego de algemas deve ser
evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do pre­
so, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242."*
FERRAJOLI (2002, p. 41) sintetiza essa dupla vertente da pre­
sunção de inocência ao afirmá-la como, a um só tempo, “garantia de
liberdade" e “garantia de verdade" e também "uma garantia de segurança
ou, se quisermos, de defesa social: da específica ‘segurança’, formada
pelo Estado de Direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justi­
ça, e daquela específica ‘defesa’ destes contra o arbítrio punitivo”.
Enfim, assegurando-se ao acusado o respeito aos seus direitos e
dando-lhe a garantia de não ser tratado como culpado antes da conde­
nação definitiva, têm-se as condições mínimas para um processo justo
e civilizado. Como acentua GOMES FILHO (1991, p. 48), inspirado em
CHIAVARIO, "se de um lado a própria existência da imputação caracte­
riza, por si só, uma condição de desvantagem do cidadão em face do poder
punitivo estatal, a afirmação constitucional dos princípios da presunção de
inocência e do 'devido processo legal’ destina-se a contrabalançar essa car­
ga negativa, indicando ao juiz não apenas uma atitude em face do acusado,
ou uma regra de julgamento na hipótese de dúvida, mas o próprio modo
pelo qual deve realizar-se a atividade processual, através da integração do
direito ao processo com os direitos no processo".
Releva destacar, outrossim, que a presunção de inocência “vale
e impõe, sem quaisquer graduações, até ao trânsito em julgado” (TAI­
PA DE CARVALHO, 1997, p. 311), sendo repudiável, por carregar a

8 O Supremo Tribunal Federal, ante a lacuna da lei, editou a Súmula Vinculante ns 11,
que dispõe: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de tercei­
ros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar
civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a
que se refere, sem prejufeo da responsabilidade civil do Estado”. Para uma abordagem
mais aprofundada sobre o uso das algemas pelo acusado, durante a persecuçãu penal,
consultar P1TOMBO, fevereiro/lW ); GOMES FILHO (deiembro/1992) e FIGUEI­
REDO (novembro/deiembro/2005).
ideia da prisão cautelar como uma antecipação da expiação da pena,
uma concepção gradualista da presunção de inocência, segundo a qual
a presunção se enfraquece progressivamente ao longo das sucessivas
decisões processuais desfavoráveis ao acusado (recebimento da denún-
cia, pronúncia e sentença condenatória ainda recorrível).
Bem diversa é a possibilidade de estabelecer um marco final, antes
do trânsito em julgado da condenação, para a incidência dessa garan­
tia. E dizer, não fora a redação do artigo 5e, inciso LVII (“ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal conde­
natória”), inexístiria óbice, como ocorre em outros sistemas punitivos, para
iniciar-se a execução da pena antes da imutabilidade da sentença.
Sim, porque a formulação da presunção de inocência poderia se­
guir, por exemplo, o texto positivado no artigo 8Q(Garantias Judiciais)
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (incorporada ao
direito positivo brasileiro por meio do Decreto ne 678/92), que assim
dispõe: “2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma
sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa."9 Nes­
se caso, não haveria vinculação da presunção de inocência ao trânsito
em julgado da sentença condenatória, mas sim à comprovação da culpa
do réu. Eqüivaleria isso a dizer que, tão logo esgotada a jurisdição or­
dinária, locus próprio para a produção de provas, argumentação fática
e, portanto, para a comprovação (ou não) da culpa do réu, cessaria a
comentada garantia.
Em suma, tudo se define pela política criminal estabelecida sobe­
ranamente por cada país, denotada pela escolha que se faz no momento
de positivar ou interpretar a presunção de inocência-10

9 O dispositivo, aliás, segue a formulação original da Declaração dos Direitos do Homem


e do Cidadão de 1789, cujo artigo 9a preceitua; “Todas as pessoas são consideradas
inocentes até que sejam declaradas culpadas"
10 Não vislumbramos, portanto, impedimento a que se promova a alteração do texto
positivado no art. 5B, inciso LVII da Carta de I98fl, prescrevendo algo como “todos
devem ser considerados inocentes até que se prove o contrário", ou “o acusado em um
processo penal deve ser considerado inocente até que se prove sua culpa", fórmulas
que permitiriam - por não vincularem a presunção de inocência ao trânsito em julgado
da condenação - o início do cumprimento da pena mesmo na pendência de eventual
Compreende-se, assim, o porquê do repúdio ao princípio em foco
nos regimes políticos intervencionistas da primeira metade do Século
XX. Famosa, nesse particular, a crítica de MANZINI (1949, p. 197)
ao comentar que a relação ministerial (Exposição de Motivos) sobre o
projeto preliminar que deu origem ao Código de Processo Penal da Itá­
lia de 1913 rejeitou, por completo, a ideia da presunção de inocência,
reconhecido como uma "stravaganza" derivada dos princípios da Revo­
lução Francesa, que conduziram a “exagerados e incoerentes excessos
de garantias individuais. Sacro e inviolável é, sem dúvida, o direito de
defesa; certo e indiscutível é o princípio de que o imputado não pode
ser considerado culpado antes da sentença irrevogável de condenação;
mas que se deva considerá-lo inocente, enquanto é processado porque
acusado de um crime, é uma tal enormidade, uma tão patente inversão
do sentido lógico e jurídico, que não pode ser admitido nem mesmo
como modo de dizer. Enquanto pendente um procedimento (dizia no
meu discurso no Senado), não há nem um culpado, nem um inocente,
mas somente um acusado: somente no momento em que sobrevem a
sentença se saberá se o acusado é culpado ou se é inocente".
Se empreendermos a análise desse princípio sob uma angulação
meramente lógico-jurídica, não haverá reparo algum a fazer na crítica
de MANZINI, pois não faz sentido afirmar que o acusado é inocente
se o processo somente foi instaurado exatamente porque se reuniram
provas (ou indícios) de sua responsabilidade penal, a ser, evidentemen­
te, esclarecida, em sentido positivo ou negativo, na instrução criminal.
Ora, se indícios são fonte de presunções, com base no que rotineira­
mente acontece (id tjuod plerunque accidit), logo, havendo indícios de
que o acusado cometeu determinado crime, seria de presumir-se sua culpa,
pois, a não ser assim, uma contradição lógica estaria caracterizada.

recurso especial ou extraordinário, onde, como sabido, não se permite discussão sobre
matíria fática ou probatória. Decerto, segundo cremos, que tal modificação não im­
portaria em supressão ou abolição da referida garantia - o que reclamaria incidência
da vedação contida no art. 60, § 4B, da C.R. - pois o núcleo essencial da presunção de
inocência continuaria preservado.
Daí, portanto, se infere a compreensão de que a presunção de
não-culpabilidade deve ser vista como uma presunção de natureza polí­
tica, e não meramente jurídica e muito menos lógica.
Para obviar aquela contradição, basta que se dê ao princípio em
foco a dimensão que ele, em verdade, deve possuir. Cuida-se, portanto,
de asseverar que o acusado em um processo penal não poderá receber
tratamento equivalente a alguém já considerado culpado, por sentença
definitiva. O princípio em foco importa "... em atribuir a toda pessoa
um estado jurídico que exige ser tratado como inocente, sem importar,
para tanto, o fato de que seja, realmente, culpado ou inocente pelo fato
que se lhe atribui” (BOVINO, 1998, p. 131).
Eis por que parece mais palatável a expressão utilizada pelo consti­
tuinte brasileiro - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em jul­
gado da sentença penal condenatória" (inc. LVII do artigo 52 da C.E) - que
segue o modelo da Constituição da Itália (de 1948). Seguramente é menos
paradoxal afirmar que o acusado não pode ser considerado culpado antes do
trânsito em julgado da condenação, do que afirmar que ele, a despeito de
acusado formalmente de um crime, é presumido inocente.
Nessa linha de raciocínio se coloca TUCCl (1985, p. 379), apoia­
do no escólio de GUGLIELMO SABATINI, ao preferir, à usual expres­
são presunção de inocência, afirmar que o acusado tem o direito à não-
consideração prévia de culpabilidade, de modo a lhe assegurar 0 "direi­
to de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória
venha a transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então, a coisa
julgada de autoridade relativa".
No mesmo sentido se põe MARTINS BATISTA (1985, p. 30) que,
apoiado em GIOVANNILEONE, afirma que “considerar alguém não-cul-
pado implica presumi-lo inocente, mas o só dizer que ‘não se considera’
alguém culpado, não tem outro significado senão 0 de negar qualquer pre­
sunção de culpabilidade em seu desfavor. A exclusão do juízo de culpabili­
dade não impõe, necessariamente, a inclusão do de inocência”.
Mesmo com esse temperamento, parte da doutrina não isenta o
princípio da presunção de inocência de questionamentos relativos à sua
convivência com a prisão cautelar. Cite-se, como exemplo, IBANEZ
(1997) que, reportando-se a outros partidários de igual opinião, asse­
vera que o trabalho de quem administra um instituto como o da prisão
provisória termina sendo, inevitavelmente, um “trabalho sujo". Vale a
pena ler seu pensamento:

Trata-se, em suma, de reconhecer que não existem práticas


limpas da prisão provisória; (...) Pois, do princípio ao fim, a prisão
provisória é sempre e já definitivamente pena. E é precisamente
atecipando, de iure e de facto, esse momento punitivo que cum­
pre o fim institucional que tem objetivamente fixado. (...) Se o
processo penal vigente na generalidade dos países pode permitir-
se ser como é, mantendo o extraodinário grau de infidelidade ao
modelo ideal-constitucional, o impressionante nível de desfun-
cionalidade e divergência em relação aos fins proclamados nesse
plano, que o caracteriza, é porque a prisão provisória - e com ela o
processo - ocupa, em notável medida e não de maneira acidental,
o lugar da pena, e absorve boa parte do papel repressivo que a esta
juridico-formalmente corresponde.

1.5. Excepcionalidade

A conseqüência lógica da presunção de não-culpabilidade, no


que diz com as prisões cautelares, ê a de que não se pode ter a restrição
à liberdade humana como regra, mas sim como exceção.
Essa concepção é a que prevalece nos ordenamentos processuais
modernos, bem como em tratados e convenções internacionais.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, firmado na
cidade de Nova Iorque, em 1966, estabelece, em seu artigo 92, item 3,
que “... A detenção prisional de pessoas aguardando julgamento não
deve ser regra geral, mas a sua libertação pode ser subordinada a garan­
tir que assegurem a presença do interessado no julgamento em qualquer
outra fase do processo e, se for caso disso, para execução da sentença."
No mesmo sentido se alinham as Regras de Tóquio, ou Regras
Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-Privativas de Liber­
dade, nomeadamente o artigo 6.1, onde se prevê que: "A prisão preven­
tiva deve ser uma medida de último recurso nos procedimentos penais,
tendo devidamente em conta o inquérito sobre a presumível infração e
a proteção da sociedade e da vítima.”
Deve-se ter em conta que o princípio da excepcionalidade obriga
tanto o legislador, quando produz normas relacionadas ao regime de
coerção processual, como os juizes, quando interpretam e aplicam, con-
cretamente, às disposições legais relativas ao encarceramento preven­
tivo (BOVINO, 1998). A propósito, vale mencionar que o artigo 14.
item II, do Código de Processo Penal da Guatemala, prevê a observân­
cia do princípio da excepcionalidade, ao exigir que se interpretem res­
tritivamente as disposições que suprimam ou restrinjam a liberdade do
imputado, algo que pode ser interpretado como nada mais do que uma
"incisiva aplicação do princípio do favor rei” (LEONE, 1968, p. 31).
Por outro lado, ainda subsistem modelos nos quais a regra é a pri­
são cautelar do indiciado, que nessa condição permanece se não obtiver
recursos suficientes para comprar a sua liberdade. Cite-se, como exemplo,
o que ocorre nos EUA, onde o cidadão, logo após ser preso (não é neces­
sário estar em situação de flagrância delitiva ou ter contra si um mandado
judicial previamente expedido), deve ser levado à presença do juiz, para
uma audiência em que se discutirá o valor da fiança (bai1hearing).
O grave problema do sistema criminal norteamericano, nesse
particular, é que os juízes, muito embora tenham, em geral, critérios
objetivos11 para a fixação do quantum da fiança, arbitram valores exor­
bitantes quando não desejam colocar em liberdade o acusado,12 sendo
raras, a propósito, as hipóteses em que se permite a liberdade provisória

11 O C<5digo de Processo Criminal Je Nova York, por exemplo, indica, no § 5 10.30 (Appli­
cation for RecognizdíKe or Boil, Rulej o f Lãw anJ Criterw) diversos critérios para a fiança,
como a sua personalidade, sua reputação, seus hábitos e condições mentais, emprego e
recursos financeiros, seus vínculos familiares, duração de sua residência, seus registros
criminais, inclusive como adolescente.
12 A despeito do teor da 8a Emenda à Constituição dos EUA, que proíbe a acessive bail.
sem o pagamento de fiança (release on own recognizance). O resulta­
do é, além de injusto em sua essência, discriminatório em relação aos
acusados mais pobres, que, por não disporem da importância fixada, e
por não estarem aptos a se socorrerem dos bail bondsmen - uma espécie
de “agiotas legalizados” que são autorizados a cobrarem taxas do preso
para honrar o valor da fiança diretamente ao tribunal, na hipótese do
desaparecimento do afiançado - permanecem presos, mesmo quando
se mostre desnecessária ou abusiva a prisão provisória. O mais inusita­
do, porém, é que, dentro desse sistema monetário de administrar a jus­
tiça criminal, o dinheiro, e não a racional avaliação da necessidade da
custódia, acaba por determinar a soltura ou a manutenção do acusado
no cárcere (NEUBAUER, 1996, Capítulo 10).
Na América Latina a situação é também preocupante. Estudo
comparativo realizado no início da década de 80 sobre o número de pri­
sões provisórias em países latino-americanos de formação romano-ger-
mímica (CARRANZA, 1983) informa que a média de encarceramento
provisório nesses países era de 68,47% sobre o total de pessoas presas.
No final da primeira década do Século XXI a situação nos paí­
ses da América Latina não sofreu alterações significativas, como se
depreende do quadro abaixo, a mostrar o número de presos provisórios
em relação ao total de encarcerados:

1 Bolívia 78.7%
2 Paraguai 71.2%
3 Uruguai 66.4%
4 Venezuela 66.2%
5 Peru 59.6%
6 Argentina 57.6%
7 Suriname c.55%
8 Equador 44.4%
9 Guiana c.41%
10 Brasil 36.9%
11 Colômbia 30.8%
12 Chile 20.3%
hKp://vmw.priKrn»tuii«vor|/in/ci/wcdibrwr/wpt)^suH,php?«jefl==wnirhamSa:ateSDrv=wh_precml
Outra nítida manifestação da não incidência do princípio da
excepcionalidade da prisão cautelar é a previsão, em alguns ordena­
mentos processuais penais do século XX, do instituto da prisão preven­
tiva obrigatória, cabível para responder a determinados crimes, mais
gravemente repudiados pela comunhão social.
Exemplos históricos nos dão os Códigos de Processo Penal italia­
no, de 1930, e brasileiro, de 1941, que, para crimes mais gravemente
apenados, previam a automática decretação da custódia preventiva,
com proibição de liberdade provisória, mesmo após sentença absolutó-
ria de primeiro grau.!í
Curiosamente, a abolição dessa modalidade automática de prisão
preventiva ocorreu, no Brasil, em pleno regime autoritário, em 1967.
Todavia, manteve-se no Código original a ideia de que a liberdade
concedida ao acusado, para substituir prisão cautelar válida, sujeita-
se a vínculos e obrigações que a tornam precária, passível a qualquer
momento de perder sua eficácia - o que justificaria o adjetivo de provi­
sória - , restabelecendo-se a segregação ad custodiam.
Não foi por outro motivo que no sistema processual penal intro­
duzido na Itália em 1988 suprimiu-se o adjetivo “provisória11 do subs­
tantivo “liberdade", por seu caráter estigmatizante e conceitualmente
equivocado. Considerou o legislador reformista que qualquer denomi­
nação à liberdade de quem é solto por carência de exigências cautelares
seria inoportuna, pois, sendo fisiológica a liberdade de quem é simples­

13 Emblemático, a esse respeito, o que ocorreu no mais famoso caso de erro judiciário
do Brasil, o “Caso dos Irmãos Naves”. Após terem sido absolvidos, com justiça, pelo
Tribunal do Júri de Araguari, em face da acusação de homicídio de um comerciante que
anos depois foi encontrado vivo, os irmãos Sebastião e Joaquim Naves, mantidos presos
desde o início das investigações e mesmo após a absolvição de primeiro grau, vieram a
ser condenados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (não havia, então, a soberania
do veredicto), tendo ambos cumprido, por mais de S anos, a pena privativa de liberdade
que lhes fora imposta em grau de recurso (inicialmente a 25 anos e 6 meses de reclusão,
depois reduzida a 16). Um dos irmãos, Joaquim, morreu logo após obter a condicional, e
o outro. Sebastião, somente em 1960, após 23 anos de suplícios e humilhações, obteve,
após uma batalha judicial, o direito a uma indenização para si e para os herdeiros do
irmão (ALAMY FILHO, 1993, pourm).
mente acusado em um processo penal, “o anormal é estar sob custódia”
(CORDERO, 1991, p. 440).
No Brasil, o adjetivo “provisória” acrescido ao vocábulo “liberda­
de” também é criticado por parte da doutrina, pois denota uma ideia
de excepcionalidade da liberdade, quando, na verdade, a exceção é a
prisão. O uso do termo “provisória” se justificaria no sistema original
do Código de Processo Penal de 1941, como, de resto, no período que
antecedeu tal diploma, quando “a prisão em flagrante autorizava o juízo
de antecipação da responsabilidade penal", de modo a caracterizar a
liberdade como meramente provisória, porquanto, ao final do processo,
o acusado posto em liberdade provavelmente perderia o status libertatis
(PACCELI, 2004, p. 489).
Nada mudou, nesse aspecto, na recente reforma legislativa, por­
quanto a Lei nc 12.403/11 continua a empregar tal expressão com sig­
nificado equívoco. De fato, o artigo 310, III e seu parágrafo único, e o
artigo 321, mantêm a expressão “liberdade provisória”, instituto que
será mais adiante analisado.
Sem embargo, a nova redação dada aos artigos que compõem o
Título IX do Código de Processo Penal deixa mais clara a exigência
de que a prisão preventiva, por ser a medida mais extremada (extrema
ratio) entre todas as cautelares pessoais, só deve ser imposta ao indi­
ciado ou acusado quando outras medidas, agora elencadas no artigo
319 do CPFJ se mostrarem inadequadas ou insuficientes às exigências
cautelares.
Exemplos dessa opção normativa nos dá a nova redação do
artigo 282, tanto pelo § 4C (que fala em decretar a prisão preventi­
va “em último caso"), quanto pelo § 62 (que fala da decretação da
preventiva quando não cabível sua substituição por outra medida
cautelar); também se pode extrair a característica da excepcionali­
dade da prisão preventiva do inciso II do novo artigo 310 do CPP
que condiciona a conversão da prisão em flagrante em preventiva
ã constatação de que são inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão.
1.6. Legalidade e Jurisdicionalidade

A Constituição Federal, em seu artigo 5e, inciso LIV, estabelece


que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal", complementado por preceito inscrito no inciso LXI, o
qual determina que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competen-
te, salvo em casos de transgressão militar ou crime propriamente mili­
tar, definidos em lei”.
De ambos os dispositivos se extraem as respectivas regras da lega­
lidade e da jurisdicionalidade, de acordo com as quais:

Ia somente pode haver privação da liberdade humana se hou­


ver previsão legal expressa, devendo o procedimento seguir
as regras estabelecidas em lei (due process oflaw ) ;
2E somente a autoridade judiciária previamente competente
pode ordenar a prisão cautelar de alguém, salvo na hipótese de
flagrante delito, em que qualquer pessoa pode - e a Polícia deve
- dar voz de prisão a quem se encontre em situação de flagrante.

No Direito brasileiro, por conseguinte, além de estarem previstas


no Código de Processo Penal, ou em lei extravagante (no caso da prisão
temporária), a regra é de que todas as modalidades de prisão cautelar
devem submeter-se ao prévio exame judicial.14

14 No tocante ao princípio da jurisdicionalidade, vale mencionar que em alguns sistemas,


como, por exemplo, o italiano e o espanhol, permite-se ao Ministério Público, excep­
cionalmente, ordenar a prisão do investigado, por algumas horas, até convalidação pos­
terior da autoridade judiciária. Na Itália, por exemplo, admite-se o /ermo, previsto no
art. 3S4 do Código de Processo Penal, instrumento utilizado para deter pessoas sobre as
quais recaiam graves suspeitas de prática de crime punido com prisão perpétua ou com
reclusão não inferior, no mínimo, a dois anos de reclusão e, no máximo, superior a seis
anos. Em reforma ocorrida em julho de 2005, incluiu-se no rol dos crimes passíveis de
fermo os relativos a armas de guerra e explosivos ou cometido com finalidade terrorista
ou com subversão da ordem democrática. Em qualquer caso, o Ministério Público deve­
rá, em 48 horas contadas da efetivação da prisão, requerer ao juiz competente (ghídice
Sem embargo, a prisão decorrente de flagrante delito se realiza
sem a prévia intervenção judicial. E, portanto, medida efêmera, que,
na forma do artigo 310, com a redação dada pela reforma de 2011,
dura somente até o momento em que o juiz recebe o auto de prisão
em flagrante. Busca-se conciliar, desse modo, a “reserva de jurisdição",
em tema de cerceamento da liberdade individual, com as exigências de
segurança pública, a justificarem tal modalidade de prisão por quem
não detém o poder jurisdicional (JARDIM, 1997, p. 257).
Convém destacar que, para compensar a ausência de ordem judi­
cial prévia, a lei processual penal exige a observância de algumas for­
malidades para a lavratura do auto de prisão em flagrante, tais como a
necessidade de ouvir-se o condutor e as testemunhas que o acompa­
nharam (ou, pelo menos, as testemunhas de apresentação do preso),
a indicação expressa de que o acusado foi cientificado de seus direitos
(previstos nos incisos LXU, LXIII, LXIV, da CF), a entrega, em 24 ho­
ras, da nota de culpa ao preso.
De extrema importância, portanto, o cumprimento do disposto
na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da
Costa Rica) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
de Nova York, ambos firmados pelo Brasil e transformados em norma
interna, por força dos Decretos 678/92 e 592/92, respectivamente. Em
ambos os textos normativos, prevê-se o dever de condução da pessoa
presa, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autoriza­
da por lei a exercer funções judiciais (artigo 7e, § 52, da CADH, e artigo
9Q, § 35, do PIDCPNY).
Afigura-se-nos evidente que o efetivo cumprimento desses dispo­
sitivos legais pelos tribunais pátrios criaria um mecanismo mais célere
de controle da legalidade da prisão em flagrante, além de servir como
importante instrumento de minimização de atos violentos contra pes­
soas encarceradas, caracterizadores ou não do crime de tortura.

per le indagim prclimiruirí) a convalidação da pré-cautela, se não ordenar, ele próprio, a


soltura do indiciado (art. 390 do CPP).
O certo é que, além da necessária participação judicial, não se
decreta e muito menos se mantém qualquer prisão provisória sem a
observância dos requisitos legais correspondentes a cada uma delas.
Há, neste particular, pontos comuns presentes em todas as moda-
lidades de prisão ad custodiam, os quais di2em respeito à própria caute-
laridade da medida. Assim, para além de sua validade normativo-for-
mal (previsão legal), também se exige a validade material da medida,
consistente em verificar-se, concretamente, a presença do pressuposto
fundamental de qualquer cautela - o lastro probatório que demonstre
a existência do crime e os indícios suficientes de autoria (fumus comissi
delicti) - e o requisito do periculum in libertatis,1! ou seja, a constatação
do(s) motivo(s) justificador(es) da utilização da prisão provisória como
meio idôneo e necessário à preservação do bem ameaçado, mediante
0 sacrifício da liberdade física do investigado ou acusado. Em outras
palavras, é preciso, para a legitimação da medida cautelar, a presença
tanto da urgência da cautela quanto da aparência jurídica de um futu­
ro julgamento favorável a quem a postula (FOSCHINI, 1965, p. 502).
Inferível, dessarte, que a prisão preventiva (em sentido estrito)
é a que se poderia considerar o epicentro do sistema de prisões cautela-
res, porquanto nenhuma outra modalidade de cautela provisória pode
ser decretada e subsistir (partindo-se, obviamente, do pressuposto de
que existam provas ou indícios que evidenciam o fumus comissi delicti)
sem que esteja presente o periculum libertatis, identificado nas hipóteses

15 A terminologia aqui empregada, relativamente a pressupostos e requisitos, não é uni-


voca. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (2004, p. 312) explica que pressuposto, "numa
visualização exirínseca do ato, diz respeito à sua própria conformação; requisito, por
sua vez inrrinsecamente considerado, consubstancia-se num elemento concernente à
estrutura deste. Sem o pressuposto, o ato não tem como ser concretizado; sem o requi­
sito o é, porém irregularmente". Já DALIA &. FERRAIOLÍ (2003, p. 108) destacam
que os pressupostos são os limites normativos além dos quais não se pode exercitar o
poder cautelar (crimes sujeitos a prisão, exigência de/umus comissi delicti e utilidade da
cautela), enquanto as condições - ou exigências (requisitos) cautelares - são as situações
singulares que devem ser salvaguardadas pelo poder coercitivo (perigo de destruição ou
de dispersão da prova, perigo de fuga e perigo de reiteração criminosa). Sem embargo
dessa diferenciação terminológica, a falta de qualquer dos pressupostos ou requisitos
elencados no art. 312 do CPP toma inválida e ilegal a prisão cautelar.
positivadas no artigo 312 do Código de Processo Penal - ou, no caso
da prisão temporária, nos incisos do artigo I a da Lei 7.960/89 —a saber,
necessidade da prisão “como garantia da ordem pública, da ordem eco­
nômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal”.
Mesmo quando se previam as prisões decorrentes de pronúncia e
de sentença penal condenatória recorrível, derrogadas pela reforma de
2008, já estava pacificado o entendimento de que tais modalidades de
custódia provisória somente se justificavam, como providências caute­
lares, se a autoridade judiciária fundamentasse a cautela à luz de moti-
vo(s) autorizador(es) da prisão preventiva stricto sensu.
Também no tocante à prisão em flagrante, a despeito de caracte­
rizar-se como um título autônomo de custódia cautelar, ou pré-cautelar
como prefere, inter alia, CHIAVARIO (2000, p. 358), essa medida de
cunho pessoal somente perdura como válida se incabível a liberdade
provisória, com ou sem fiança. Tal é a ilação que se faz da leitura do
artigo 5S, incisos LXV e LXVI, da Constituição Federal, ao disporem,
respectivamente, que "a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária" e que "ninguém será levado à prisão ou nela man­
tido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
Na verdade, a prisão em flagrante perdura somente até o momen­
to em que o juiz, ao receber o respectivo auto flagrancial, na dicção do
artigo 310, irá: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do
artigo 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes
as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade
provisória, com ou sem fiança.
Passa-se, então, a exigir explícita fundamentação também na
decisão - hoje implícita - de manter a prisão provisória do autuado,
já agora sob outro título. Não pesará sobre o autuado o ônus de provar
que a prisão não é necessária, mas o inverso.
Com efeito, "do mesmo modo que ao Estado impõe-se a demons­
tração da presença das causas e circunstâncias justificadoras da pre­
ventiva, é a ele também que deverá ser atribuído o ônus processual da
prova da necessidade da manutenção da prisão, porque, no flagrante
delito, não se pode mais, ao menos diante da nova ordem constitucio­
nal, reconhecer a legitimação para qualquer juízo de antecipação da
culpabilidade, único suficiente a fundamentar a continuidade do encar­
ceramento flagrancial, sem a prova da sua necessidade" (PACELLI DE
OLIVEIRA, 2004, p. 553),
Portanto, com a ressalva referida no artigo 5e, inc. LXI, da C.F.,
a prisão de natureza cautelar somente pode ser decretada e mantida
se autorizada por lei, e se for ordenada por decisão, suficientemente
fundamentada, de autoridade judiciária, cabendo a esta ter em conta,
como assinala BOVINO (1998, p. 128), que, "diante de toda omissão
ou ação de um órgão de qualquer dos poderes do Estado que afete ou res­
trinja ilegitimamente a liberdade de uma pessoa inocente, é o poder judi­
cial, exclusivamente, quem pode e deve cumprir a tarefa de proteger seus
direitos fundamentais e de impedir ou fazer cessar toda detenção ilegítima".
Ainda que tratado de maneira mais aprofundada no capítulo pró­
prio, mais adiante, é conveniente antecipar que, em decorrência do
princípio da legalidade, veda-se a imposição de medidas de coerção
processual não previstas em lei, o que afasta, em princípio - e se afir­
ma "em princípio” porque mais adiante (Capítulo VII, item 2) iremos
sustentar certa flexibilização dessa regra - o uso de medidas cautelares
inominadas, derivadas do poder geral de cautela do juiz.

1.7. Provisoriedade

Qualquer medida cautelar, como enfattea FREDERICO MAR­


QUES (1965, p. 14), tem caráter provisório, pois seus efeitos “persistem
enquanto não emana do Judiciário a providência jurisdicional que ela
procura garantir ou tutelar”.
Ressalve-se que, mesmo antes de a providência principal ser
alcançada, a medida cautelar pode perimir, se deixar de existir o motivo
ou a necessidade que a legitimou. Daí por que não coincidem, necessa­
riamente, as ideias de provisoriedade e de temporariedade. A proviso­
riedade, destaca FOSCHINI (1965, p. 504),

Implica o conceito de temporariedade, mas não coincide


com esta. A singular temporariedade de uma situação, ou seja, a
sua duração limitada no tempo, não é suficiente para caracterizar
como provisória, e portanto como cautelar, uma situação, mas é
necessário que o limite de tal duração seja em função do surgi­
mento (ou não) de uma situação processual posterior que, com
sua relevância jurídica, ou absorve a medida cautelar ou a contra­
diz e assim, em ambos os casos, lhe elimina qualquer justificação
e a faz cessar. A provisoriedade, portanto, é uma temporariedade
condicionada à verificação de uma situação futura.

Assim é que se pode, igualmente, inferir que uma medida caute­


lar, no âmbito penal, jamais se toma definitiva, porquanto é estrutu­
ral e funcionalmente caracterizada como instrumental, em relação ao
processo de conhecimento ou de execução, e provisória (FOSCHINI,
1965, p. 505). Mesmo quando sobrevêm sentença condenatória irre-
corrível e persista a prisão do sentenciado, já não é mais ele sujeito pas­
sivo de uma medida cautelar pessoal, mas, sim, de uma sanção penal.
E, pois, em razão dessa conceituação teórica que a decisão que decre­
ta a prisão cautelar é uma decisão tomada rebus sic scanübus, pois está sem­
pre sujeita à nova verificação de seu cabimento, quer para eventual revoga­
ção, quando cessada a causa ou motivo que a justificou, quer para sua subs­
tituição por medida menos gravosa, na hipótese em que seja esta última tão
idônea (adequada) para alcançar o mesmo objetivo daquela.
Com a reforma de 2011, deu-se nova redação ao antigo texto do
artigo 317, agora § 5Bdo artigo 282, que estabelece que o juiz poderá revo­
gar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que
subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Nenhuma prisão é, portanto, definitiva. A prisão-pena tem um
prazo máximo de duração, fixada na sentença, mas pode ser abrevia­
da pelos benefícios previstos na Lei de Execuções Penais. A prisão caute­
lar, por sua vez, não tem prazo definido, devendo perecer tão logo cesse o
motivo que a justificou. Mesmo a prisão temporária, que possui prazo de
duração fixado em lei—entendemos que o prazo legal é apenas um limite,
podendo o juiz fixar número de dias inferior ao máximo previsto16— tam­
bém deve cessar tão logo se tome desnecessário manter o indiciado preso.
Releva salientar que a prisão inicialmente legítima toma-se ilegal
a partir do momento em que desaparece algum requisito essencial à
sua validade. Essa ilegalidade derivada em nada se diferencia daquela
originalmente verificada, pois em ambas as situações a conseqüência
deverá ser igual, i.e., o imediato relaxamento da custódia, em confor­
midade com o que dispõe o artigo 5S, inciso LXV, da C.F., sob pena de
caracterizar-se abuso de poder, sanável por habeas corpus (artigo 5e, inc.
LXVIII, da C.E).
Sob tal preocupação, alguns diplomas processuais penais de perfil
mais moderno preveem um “procedimento examinatório", de modo a
exigir que o magistrado proceda a uma reavaliação periódica da legali­
dade da prisão cautelar.
O novo Código de Processo Penal da Costa Rica, por exemplo,
prevê, em seu artigo 257, inc. I, que a prisão preventiva deverá cessar,
em qualquer momento do processo, quando “nuevos elementos de jui-
cio demuestren que no concurren los motivos que Ia fúndaron...". Para
dar efetividade a tal regra, a legislação da Costa Rica determina que o
juiz analise, de ofício, ou por provocação da parte “por Io menos cada
tres meses, los presupuestos de la prisión o internación y, según el caso",
que determine “su continuación, modificación, o sustituición por outra
medida o la libertad dei imputado” (artigo 253, par. II).
Similar regra é encontrada na StPO da Alemanha, (§ 122), bem
como no Código de Processo Penal de Portugal, ao prever, no artigo
213s, que: “Durante a execução da prisão preventiva o juiz procede oficio­

16 Ver, sobre o tema, de nossa autoria, 60 dias de prisão temporária: é razoável! (2004)-
samente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos
daquela, decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada.”
Dispositivo nesse sentido constava do § 7° do artigo 282 do Subs­
titutivo do Senado ao Projeto n. 4.208/01, impondo ao magistrado o
reexame obrigatório da cautela a cada 60 dias. Porém, ao retornar o
projeto para a Câmara dos Deputados, rejeitou-se o acréscimo de tal
dispositivo à sua versão original, recuo que acabou se refletindo na con­
seqüente Lei ns 12.403/11.

1.8. Motivação

A motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do arti­


go 93, IX, da Constituição Federal (“Todos os julgamentos dos órgãos
do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade..."), funciona como garantia da atuação imparcial
e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador.
Como bem leciona Antônio Magalhães GOMES FILHO, a mo-
tivação exerce quer uma função política, quer uma garantia processual.
Como função política, a motivação das decisões judiciais "transcende
o âmbito próprio do processo” (GOMES FILHO, 2001, p. 80), alcan­
çando o próprio povo em nome do qual a decisão é tomada, o que a
legitima como ato típico de um regime democrático. Como garantia
processual, dirige-se à dinâmica interna ou à técnica do processo, asse­
gurando às partes um mecanismo formal de controle dos atos judiciais
decisórios, de modo a “atender a certas necessidades de racionalização
e eficiência da atividade jurisdicional" (GOMES FILHO, 2001, p. 95).
Presta-se, assim, a motivação dos atos judiciais a servir de con­
trole social sobre os atos judiciais, e de controle das partes sobre a ati­
vidade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir,
considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes, e
se bem aplicou o direito ao caso concreto.
O dever de motivação é uma garantia instrumental, garantia de
segundo grau, ou “garantia das garantias", como acentua FERRAJOLI
(2002, p. 492), porquanto permite saber, pelo exame das razões indica­
das na decisão, se os demais direitos e garantias do acusado (as garan­
tias primárias, que seriam o contraditório, o ônus da prova da acusação
e a defesa) foram observadas, até para que se viabilize o controle recur-
sal do ato supressor da liberdade, quer por meio de habeas corpus, quer
por meio de recurso previsto na legislação processual. Nesse sentido,
dispõem os tratados internacionais, particularmente o Decreto 678/92
- que positiva, em nosso sistema processual penal, o Pacto de San Jose
(Convenção Americana sobre Direitos Humanos) - cujo artigo 7S, item
6, prevê que "Toda pessoa privada de liberdade tem direito a recorrer
a um juiz ou tribunal competente, a fim de que se decida, sem demora,
sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a
prisão ou a detenção forem ilegais”.
Intoleráveis, portanto, decisões judiciais que se limitam a uma
vazia repetição de jargões ou de expressões jurídicas abstratas, repro­
dutores, muitas vezes, de um comodismo intelectual daqueles a quem a
parte confiou uma prestação jurisdicional mais qualificada.
De qualquer modo, é dever do magistrado explicitar o seu con­
vencimento quanto à necessidade da segregação cautelar. Tal funda­
mentação somente será, a seu turno, possível se forem indicados os
motivos pelos quais se decreta a prisão, não sendo satisfatório, eviden­
temente, limitar-se a autoridade judiciária a dizer que a prisão temporá­
ria é “imprescindível para as investigações do inquérito policial" (inciso
I do artigo Ia da Lei 7.960/89), ou que a liberdade do acusado “põe
em risco a ordem pública" (artigo 312 do CPP). Cumpre, sim, indicar
os motivos concretos pelos quais se torna absolutamente necessária a
prisão ante tempos.
Neste sentido se alinha o pensamento sempre lúcido de TOR-
NAGHI (1988, p. 87) ao lecionar que “o juiz deve ainda mencionar
de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessária
a prisão para garantir a ordem pública ou para assegurar a instrução
criminal ou a aplicação da lei penai substantiva. Não basta de manei­
ra alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as
garantias da liberdade o fato de o juiz dizer apenas: “considerando que
a prisão é necessária para a garantia da ordem pública ..." ou então
“a prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução
criminal Fórmulas como essas são a mais rematada expressão da
prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam displicência, tirania ou
ignorância, pois além de tudo envolvem petição de princípio: com elas
o juiz toma por base exatamente aquilo que deveria demonstrar”.
Também da inteligência de TORNAGHI (1988, p. 159) provém
a seguinte lição:

O Estado expressa na lei sua vontade a respeito de cad


relação ou situação jurídica, pacífica ou litigiosa. Mas o faz
de maneira geral e abstrata, sem atenção às peculiaridades de
cada caso específico e concreto. Ao surgir a necessidade de
dizer o que é direito em determinada hipótese (jurisdizer), o
juiz deve se pronunciar sobre qual a norma aplicável ao caso
(quaestio iuris) e sobre como os fatos se apresentam (quaestio
facti). Em seguida, tem de submeter o fato à lei. Tudo isso exige
uma atividade racional.

E o que também diz a doutrina estrangeira. Nas palavras de


TARUFFO (1988, p. 45):

A legalidade da decisão não se reduz, todavia, à legitimi-


dade da solução que se dá à quaestio iuris. Decisão legal significa
também decisão fundada sobre um acertamento racional e verda­
deiro dos fatos, até porque é suficiente uma determinação errada
ou arbitrária dos fatos para tornar injusta a decisão, visto que
produz a errônea aplicação da norma. Então, também o correto
acertamento dos fatos é condição necessária para a legalidade
da decisão. Disso deriva que a justificação do juízo de fato é,
na motivação, não menos importante do que a justificação do
juízo de direito.
Mais especificamente sobre o tema sob análise, GREVI (1976, p.
149) sublinha que o dever de motivação das decisões judiciais é ainda
mais exigido quando há interferência na liberdade do acusado, por ser
imperiosa a demonstração da compatibilidade da prisão com a presun­
ção de inocência. E arremata:

Trata-se de evitar que a garantia da motivação possa ser


substancialmente afastada - o que não é raro ocorrer na prática
- mediante o emprego de motivações tautológicas, apodícticas ou
aparentes, ou mesmo por meio da preguiçosa repetição de deter­
minadas fórmulas reiteradvas dos textos normativos, em ocasiões
reproduzidas mecanicamente em termos tão genéricos que pode­
riam adaptar-se a qualquer situação.

SERRANO (1990, p. 278) enfatiza que

toda norma restritiva de direitos fundamentais deve conceder aos


juizes a discricionariedade suficiente para evitar que sua aplica­
ção resulte desproporcionada no caso concreto, por não haver
sido possível valorar as circunstâncias concorrentes (...); "as dis­
posições limitativas de direitos constitucionalmente garantidos
são somente admissíveis como disposições de poder1, nunca ‘de
dever’ (...).

Conclui o tratadista espanhol salientando a inconstitucionalidade


de qualquer norma que determine, obrigatoriamente, restrições à liber­
dade, porque priva o magistrado

da possibilidade de controlar a proporcionalidade das medidas no


caso concreto e, ademais, porque a aptidão da norma para alcan-'
çar um fim determinado depende das possibilidades que se conce­
dam ao juiz para graduar a gravidade da ingerência, assim como
para adotar medidas mais benignas, questões que não podem ser
nunca decididas 'ex ante’ e tampouco ‘ex post’ frequentemente.

Essa tem sido, aliás, a percepção dos tribunais pátrios, que, após
um longo período de tolerância das prisões que decorrem do simples fato
de ser alguém, portador de maus antecedentes, pronunciado ou conde­
nado por crime inafiançável, passaram a assentar que, independente­
mente da gravidade do crime imputado ao réu pronunciado ou conde­
nado, e mesmo diante dos seus maus antecedentes, a prisão decorrente
de pronúncia ou sentença penal condenatória recorrível - antes da
eliminação de ambas pela reforma legislativa de 2008 - somente seria
legitima se evidenciada a necessidade concreta da cautela, à luz dos
parâmetros estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Ao decidir acerca da prisão cautelar de indiciado ou acusado, a auto­
ridade judiciária competente deve, portanto, indicar os fundamentos fáti-
cos e jurídicos que alicerçam sua decisão, cuidando para explicitar:

1B__a existência dos pressupostos fáticos para crer na existên­


cia de um crime, sujeito ao encarceramento cautelar objeto
da decisão, e na existência de indícios suficientes de autoria
(expressão utilizada para a decretação da prisão preventi­
va, conforme o artigo 312 do CPP), ou fundadas razões de
autoria ou participação do indiciado (expressão utilizada
para a decretação da prisão temporária, conforme o artigo
l e da Lei 7.960/89);
2e a necessidade concreta da medida cautelar, i.e., o pericu­
lum libertatis, traduzido em alguma ou algumas das expres­
sões referidas no artigo 312 do Código de Processo Penal,
que indicam os fins legítimos da prisão ante tempus, a saber,
a necessidade de garantir a ordem pública ou a ordem eco­
nômica, a conveniência {rectius: necessidade) de preservar a
instrução criminal, e/ou a necessidade de assegurar a aplica­
ção da lei penal.
Vale sublinhar que a Lei nü 12.403/11 foi bem clara ao exigir
fundamentação tanto para a decisão que impõe medida cautelar ao
investigado ou réu, sobretudo a prisão preventiva, quanto para a
decisão que concede ao investigado ou réu liberdade provisória ou
que lhe relaxa a prisão ilegal, conforme indicam os artigos 310 e 315
do CPP com nova redação.
Faltando com o dever de motivação suficiente e clara, a magistra­
tura não apenas fere de morte o direito à liberdade do indivíduo, mas
também se expõe àqueles que postulam a redução dos poderes jurisdi-
cionais dos juizes, para outorgá-los ao legislador, na linha do aforisma
atribuído a Bacon: "a melhor lei é a que deixa ao juiz o menor arbítrio"
(optima est lex quae mmimum relinquit arbítrio iudicis).

1.9. Proporcionalidade

A noção de proporcionalidade das medidas cautelares e, em parti­


cular, das que interferem na liberdade do indivíduo é de extrema impor­
tância para a própria possibilidade de convivência dessas medidas com
a presunção de não-culpabilidade, não sendo raras as vozes que apon­
tam a incompatibilidade desses institutos.
Ensina CANOTILHO (1989, p, 488) que “...uma lei restritiva,
mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adote
‘cargas coativas’ de direitos, liberdades e garantias ‘desmedidas', ‘desa­
justadas’, ‘excessivas’ ou 'desproporcionadas' em relação aos resultados
obtidos” (...).
Para obviar aquelas críticas, costuma-se afirmar que a prisão pro­
cessual, quando se reveste do caráter puramente cautelar, sem assumir,
portanto, função punitiva ou penal, podem coexistir plenamente com a
presunção de não-culpabilidade.
Daí a importância da análise, no caso concreto em que se decreta
uma custódia provisória, da presença ou não das três máximas parciais
que compõem o conceito de proporcionalidade: adequação, necessida­
de e proporcionalidade em sentido estrito.
Essas máximas parciais, ou suprincípios da proporcionalidade,
têm sido reconhecidas expressamente em alguns diplomas processuais
penais modernos, como é o caso do Código de Processo Penal da Itália,
de 1988, cujo artigo 275 prevê:

Art. 275. (Criteri di scelta delle misure). 1. Nel disporre le


misure, il giudice tiene conto delia specifica idoneitá di ciascuna
in relazione alia natura e al grado delle esigenze cautelari da sod-
disfare nel caso concreto. 2. Ogni misura deve essere propomonata
all’entitá dei fatto e alia sanzione che si ritiene possa essere irroga-
ta. 3. La custodia cautelare in cárcere può essere disposta soltanto
quando ogni altra misura risulri inadeguata, (Critérios de escolha das
medidas). I. Ao decidir sobre as medidas, o juiz leva em conta a es­
pecífica idoneidade de cada uma em relação à natureza e ao grau
das exigências cautelas a satisfazer no caso concreto. 2. Toda medida
deve ser proporcional à magnitude do fato e à sanção que se conside­
ra possa ser imposta. 3. A prisão cautelar somente pode ser imposta
quando qualquer outra medida resulte inadequada.)

No mesmo sentido dispõe a legislação portuguesa, por meio do


artigo do Código de Processo Penal de 1987, assim redigido:

Artigo I93e. Princípio de adequação e proporcionalidade


1 - As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar
em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o
caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções
que previsivelmente venham a ser aplicadas.
2 - A prisão preventiva só pode ser aplicada quando se reve­
larem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.

Com a reforma de 2011, os artigos 282 (incisos I e II, e seus pará­


grafos 4S e 6S) e 310, II, do CPP passaram a reconhecer que toda me­
dida cautelar deve sujeitar-se à verificação de sua adequação (idonei­
dade), de sua necessidade (subsidiariedade) e de sua proporcionalidade
em sentido estrito, subprincípios ou máximas em que se decompõe o
princípio da proporcionalidade

1.9.1. Adequação ou Idoneidade

Antes de mais nada, uma medida cautelar qualquer somente se


legitima quando seja capaz de produzir o resultado esperado, isto é,
quando mostrar-se eficaz, adequada, idônea para proteger o direito que
se encontra ameaçado na situação concreta.
Cuida-se de averiguar a relação medida-fim, a aptidão para e sua
conformidade com os fins que justifiquem a sua adoção.
Assim, a decretação, com apoio na Lei n2 7.960/89, de uma prisão
temporária será inadequada e, portanto, ilegal se, por exemplo, tiver como
objetivo assegurar a futura aplicação da lei penal, ameaçada pelo compor­
tamento do indiciado, que sinaliza pretender evadir-se do país. Ora, sabe-
-se que, em tal hipótese, existe outra modalidade de prisão provisória, a
preventiva stricto semu, adequada para regular semelhante situação, desde
que, evidentemente, configurada diante da análise do caso concreto.
Em outro exemplo, faltará idoneidade a uma medida judicial de
interceptação das comunicações telefônicas do acusado que, ferido duran­
te a prática do crime, esteja internado em um hospital, em estado de coma
profundo. Não porque inexista uma adequação abstrata - já que a inter­
ceptação telefônica é um meio idôneo para obter prova —, mas porque,
concretamente, falta aptidão à medida para alcançar-se o fim pretendido.
O juízo de adequação “pressupõe que, conceitualmente, saiba-se
o que significam meio e fim e que, empiricamente, identifique-se clara­
mente o meio e o fim que estruturam a restrição de direito fundamen­
tal" (STEINMETZ, 2001, p. 149). Porém, o juízo de adequação nada
informa acerca de qual dos meios idôneos deve prevalecer, pois não diz
qual é o mais ou menos eficaz, mas apenas se um determinado meio é
ou não idôneo, útil, apto, apropriado (STEINMETZ, 2001, p. 150).
Essa escolha da medida - dentre as igualmente idôneas - apta
para o atingimento do fim almejado deverá resultar da análise de qual
dessas escolhas representa o menor gravame ao direito sacrificado, o
que constitui a faceta da subsidiariedade ou necessidade da medida,
abaixo examinada.
A positivação expressa do princípio da proporcionalidade e, mais
particularmente, de seus subprincípios, ainda não é a regra dos orde­
namentos constitucionais ou processuais, o que não constitui óbice al­
gum a que se aceite a existência desse princípio. SERRANO (1990, p.
155) sublinha que, embora a Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola
não reconheça expressamente o princípio da idoneidade, “semelhante
omissão, sem embargo, não é relevante, dado que a Constituição Espa­
nhola constitui norma de aplicação direta, e o princípio de proibição
de excesso encontra seu apoio normativo nos preceitos constitucionais
que garantem os direitos fundamentais. Tampouco na Alemanha, por
sua parte, a StPO menciona expressamente o princípio de idoneidade,
e sua vigência, derivada da Lei Fundamental, é aceita sem dificuldade”.

1.9.2. Necessidade ou Subsidiariedade

Também denominado princípio da intervenção mínima, da indispen-


sabilidade, ou da proibição de excesso, essa máxima - que será novamente
objeto de abordagem no capítulo relativo às medidas alternativas à prisão
preventiva - significa que, além de ser adequada ou idônea para atingir o
fim esperado, a medida cautelar deve ser a alternativa menos onerosa ou
gravosa, sob a ótica do sujeito passivo, entre as previstas em lei.
Infere-se o princípio da subsidiariedade do princípio da propor­
cionalidade, que por sua vez deriva do Estado Democrático de Direito:
“como o direito penal possibilita a mais dura de todas as intromissões
estatais na liberdade do cidadão, só se pode aceitar essa interferência
quando outros meios menos duros não prometam um êxito suficiente. Su­
põe haver uma vulneração da ‘proibição de excesso* no fato de o Estado
lançar mão da afiada espada do Direito penal quando outras medidas de
política social possam proteger igualmente, ou até com mais eficácia, um
determinado bem jurídico” (ROXIN, apud AMARAL, 2003, p. 146).
Trata-se de uma escolha comparativa, entre duas ou mais disponíveis,
igualmente idôneas para atingir o objetivo a que se propõe com a providên­
cia cautelar, cumprindo ao magistrado, portanto, identificar c escolher qual
delas representa a menor lesão ao direito à liberdade do investigado ou
acusado, sem prejuízo do resultado concreto e da efetividade da iniciativa.
Por esse subprincípio pretende-se “evitar a adoção de medidas
restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas,
não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Cons­
tituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não
for possível outro meio igualmente eficaz, mas menos ‘coativo’, relativa­
mente aos direitos restringidos” (CANOTILHO, 1989, p. 488).
A análise da eficácia da medida, porém, não deve ter em mira o
meio mais eficaz, mas o meio suficientemente eficaz, visto que “a medi­
da mais gravosa assegura com maior intensidade que a medida mais
benigna a consecução do fim perseguido, de sorte que o juízo de neces­
sidade simplesmente deixaria de existir, sendo substituído pelo critério
da maior eficácia” {FELDENS, 2005, p. 164).
Pertinente a observação de SERRANO, para quem o sacrifício da
maior segurança produzida pelos meios excessivamente gravosos - a prisão
preventiva como o mais nítido exemplo - é compensada em muitos casos
pelas benéficas conseqüências causadas pelas medidas menos lesivas, "as
quais são ao mesmo tempo suficientemente aptas para satisfazer os fins a
que se destinava a medida substituída e eficazes também para a obtenção
de resultados positivos no aspecto humano e social” (1990, p. 198).
Ressalva-se, todavia, a incerteza quanto à possível e suficiente efi­
cácia da medida menos gravosa para satisfazer as exigências cautelares do
caso concreto, uma vez que, ao transpor-se tal análise para o plano práti­
co, o prognóstico estará a depender “do estudo dos meios e capacidades,
humanas e materiais, do aparelho estatal” (FLACH, 2000, p. 95).
A Ley de Enjuiciamiento Criminal indica, com clareza, a ideia de
que se deve optar sempre pela medida menos gravosa, dentre as pos­
síveis, para satisfazer as exigências cautelares e alcançar-se o objetivo
pretendido com a cautela. Confira-se:

Art. 502. 2. La prisión provisional sólo se adoptará cuan-


do objetivamente sea necesaria, de conformidad con lo esta-
blecido en los artículos siguientes, y cuando no existan otras
medidas menos gravosas para el derecho a la libertad a través
de las cuales puedan alcanzarse los mismos fines que con la
prisión provisional.

1.9.3. Proporcionalidade em Sentido Estrito

Esse subprincípio implica o entendimento de que há uma relação jus­


ta e adequada entre os benefícios obtidos com a medida e os meios empre­
gados para levá-la a termo. No tocante à prisão cautelar (ou qualquer
outra medida cautelar), estará ela, portanto, justificada desde que se
guarde relação de proporcionalidade entre o bem que se objetiva pro­
teger e o sacrifício da liberdade humana. Em outras palavras, somente
se mostrará legítima a prisão cautelar quando o sacrifício da liberda­
de do investigado ou acusado for razoável (ante os juízos de idonei­
dade e necessidade da cautela) e proporcional (em termos comparati­
vos) à gravidade do crime e às respectivas sanções que previsivelmente
venham a ser impostas ao sujeito passivo da medida.
Na dicção de BOVINO (1998, p. 153) trata-se de impedir

“que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da


pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a coerção meramen­
te processual resulte mais gravosa que a própria pena. Em conse­
qüência, não se autoriza o encarceramento processual, quando,
no caso concreto, não se espera a imposição de uma pena priva­
tiva de liberdade de cumprimento efetivo. Ademais, nos casos
que admitem a privação antecipada da liberdade, esta não pode
resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicável.
Se não fosse assim, o inocente se acharia, claramente, em pior
situação do que o condenado”.

Deve-se, assim, evitar a prisão ante tempus para delitos considera­


dos leves, que não cominem pena privativa de liberdade ou para aque­
las situações em que, em avaliação racional, não se espera a efetiva
imposição dessa modalidade de sanção. Outrossim, a custódia cautelar
deve cessar quando já tenha transcorrido o tempo equivalente à pena
estimada para o caso concreto.
Daí por que o juiz, ao analisar pedido de prisão preventiva, ou
mesmo se já preso o acusado, para manter a custódia de forma legíti­
ma, deverá avaliar, diante das circunstâncias concretas deduzidas na
acusação e já recolhidas na instrução criminal, se a pena que resultará de
eventual sentença condenatória justifica o encarceramento preventivo,
porquanto 6 bem possível que a sanção criminal que se antevê aplicável ao
caso concreto seja bem inferior ao máximo cominado em abstrato para o
ilícito penal em apuração. Com efeito, aparenta irrazoável suprimir a liber­
dade de alguém a título de prisão-cautela, se essa pessoa, ao cabo do pro­
cesso, não será efetivamente encarcerada a título de prisão-pena.
Esse prognóstico a ser feito pelo juiz, ao decidir sobre a decretação ou
não de prisão cautelar, mostra-se ainda mais justificável a partir das modifi­
cações ocorridas na legislação brasileira, desde 1995. Primeiramente, com a
promulgação da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais,
competentes para julgar, com as modificações legislativas posteriores, infra­
ções penais de menor potencial ofensivo, assim definidas as que preveem
pena máxima não superior a 2 (dois) anos de detenção.
Posteriormente, com a edição da Lei 9.714/98, que alterou os
artigos 43 e seguintes do Código Penal, quando se passou a permitir
a substituição de penas privativas de liberdade por penas alternativas
nas condenações até quatro anos de reclusão, desde que praticada a
infração penal sem violência ou grave ameaça. Assim, o Direito bra­
sileiro passou a reduzir em muito as hipóteses de efetiva execução de
pena privativa de liberdade, pois, ao lado de institutos já existentes,
como a suspensão condicional da pena e do regime aberto para a exe-
cução da sentença condenatória, o rol das penas alternativas (artigos
43 e seguintes do Código Penal) foi ampliado e introduziram-se os ins­
titutos da transação penal (artigo 76 da Lei 9.099/95) e da suspensão
condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95), de modo a exigir
maiores cuidados na avaliação da necessidade da decretação da custó­
dia provisória.
Decerto que não se defende a elaboração de prognóstico irres­
ponsável e subjetivo sobre a qualidade e a quantidade da pena a ser
eventualmente imposta ao acusado, e muito menos não se cuida de
antecipar o mérito da pretensão punitiva, o que, se ocorresse, pode­
ria efetivamente comprometer a imparcialidade do magistrado. Mas, é de
convir-se que, pela sedimentação da jurisprudência e da doutrina acerca da
individualização judicial da pena cominada, e ressalvada alguma margem
de erro, pode-se perfeitamente trabalhar com certa previsão sobre o desfe­
cho da ação penal em relação ao provável apenamento do acusado.
Mutíitis mutandis, é o que já se fazia em relação à prescrição da
pretensão punitiva em perspectiva, reconhecida na praxe forense - sem
apoio, todavia, dos tribunais superiores - como motivo para determi­
nar o arquivamento de inquéritos policiais, ou mesmo para rejeições de
denúncias, sob o fundamento de carência de condição para o exercício
do ius actioms, qual seja, o interesse de agir ou interesse processual (falta
de utilidade do processo).17
No campo normativo, pode-se citar como exemplo de semelhan­
te concepção principiológica o Código de Proceso Penal de la Nación
(Argentina), cujo artigo 312 estabelece, em seu inciso I, que cabe a
prisão preventiva quando "al delito o al concurso de delitos que se le
atribuye corresponda pena privativa de libertad...”. Por sua vez, o artigo

17 Com a Lei n. 12.124, de 5 de maio dle 2010, que deu nova redação ao parágrafo único
do artigo 110 do Código Penal, dispondo que a prescrição retroativa não pode ter por
termo inicial “data anterior à da denúncia ou queixa", não mais se sustenta a possibili­
dade de arquivamento de inquéritos policiais utilizando como justificativa a falta de uti­
lidade processual em razão cU eventual prescrição retroativa da pena a sor futuramente
concretizada em sentença.
317 prevê as circunstâncias que justificam a revogação da prisão (excar-
celación): l e) na hipótese em que há isenção de prisão; 2e) quando o
imputado houver cumprido em prisão preventiva o máximo da pena
prevista para o crime objeto da ação; 3Q) quando o imputado houver
cumprido em prisão preventiva a pena solicitada pelo Ministério Público
que, à primeira vista, resultar adequada; 4a) quando o imputado houver
cumprido a pena imposta na sentença ainda sujeita a recurso; 5Q) quando
0 imputado houver cumprido em prisão preventiva um prazo que, em caso
de condenação, permitiria o benefício da liberdade condicional.
No mesmo sentido o artigo 275, itens 2 e 2.bis, do Código de
Processo Penal da Itália:

Art. 275 (...)


2. Ogni misura deve essere proporzionata all’entità dei fatto
e alia sanzione che sia stata o si ritiene possa essere irrogata. (Toda
medida deve ser proporcional à gravidade do fato e à sanção que
tenha sido ou que se considere possa ser imposta.)
2. bis. Non può essere disposta la misura delia custodia cau-
telare se íl giudice ritiene che con la sentenza possa essere conces-
sa la sospensione condizionale delia pena. (Não pode ser imposta
a medida de prisão cautelar se o juiz considera que com a sentença
possa ser concedida a suspensão condicional da pena.)

Compreende-se, destarte, que as exigências derivadas do princí­


pio da proporcionalidade visam impedir ou restringir a prisão cautelar,
com o escopo de evitar que o acusado sofra um mal maior do que a
própria sanção penal.
Porém, essa formulação teórica apresenta um aspecto problemá­
tico de difícil superação e que demanda muito cuidado no momen­
to de aplicar a regra da proporcionalidade ou homogeneidade. É que
"o princípio da proporcionalidade, ao ligar inexoravelmente a prisão
processual à magnitude da pena, revela o caráter material da privação
da liberdade cautelar, que funciona, de fato, como pena antecipada”
(BOVINO, 1998, p. 156).
De fato, como manter a natureza essencialmente cautelar de uma
prisão que, para ser justificada, impõe ao magistrado conectá-la à pri-
sáo-pena? Ora, se a exigência é cautelar, objetivando preservar interes-
ses e bens que dizem respeito ao bom andamento do processo (cautela
instrumental) ou â utilidade do provimento de mérito (cautela final),
ou mesmo a interesses da sociedade (defesa social)18, não estaria a pri­
são ante tempus impregnada de uma certa função penal ao ser condicio­
nada à previsão de eventual sanção de natureza material?
Constatado que essa vinculação entre pena e medida cautelar,
em razão do princípio da proporcionalidade, termina, nesses casos indi­
cados, resvalando no princípio de inocência, invoca-se a proteção de
uma garantia autônoma, criada pelo direito internacional, qual seja, a
exigência de limitação temporal da prisão cautelar a um prazo razoável.
"Em conclusão, deve-se advertir que somente por meio da articulação
do princípio da proporcionalidade com a limitação temporal da prisão
processual resulta possível aproveitar o poder limitativo daquele princí­
pio e, ao mesmo tempo, evitar os efeitos negativos que lhe são próprios”
(BOVINO, 1998, p. 157).
Há, outrossim, aspectos ainda mais importantes a considerar para
a aplicação descontextualizada desse raciocínio, e isso ocorre, pelo me­
nos, em duas situações problemáticas.
A primeira refere-se àquelas situações nas quais a pena prevista
para o acusado, se vier a ser condenado, não importará em recolhi­
mento à prisão, quer pela pequena quantidade da pena privativa de
liberdade, quer pela sua inevitável substituição por pena restritiva de
direitos. A segunda situação diz com a forte probabilidade de que a
pena privativa de liberdade que vier a ser imposta possa, também pela

18 Não se pode diíer que o processo penal persiga uma finalidade de defesa social, porém
6 inegável que, como estrutura de atuação da lei penal substantiva, também o processo,
ainda que de modo indireto, por meio da sentença condenatória, acabe absorvendo
uma finalidade de defesa social. (GREVI, 2000, p. 11)
análise favorável das circunstâncias, autorizar o condenado a iniciar o
cumprimento da pena em regime semiaberto.
Nesta segunda hipótese, em que pese respeitável entendimento
doutrinário contrário (LOPES JR, 2011, p. 69; RANGEL, 2004, inter
alia), não vislumbramos incompatibilidade entre o regime semiaberto e
a prisão cautelar, visto que, a par das diferenças de fundamento de uma
e outra prisão, o regime intermediário se inicia com o recolhimento do
condenado a um estabelecimento prisional, que somente passa a gozar
de benefícios extramuros (saídas temporárias, trabalho externo, etc),
com a análise objetiva e subjetiva dos requisitos previstos em lei, por
decisão do Juízo da Execução Penal.
É dizer, quando alguém é condenado a cumprir pena no regime
semiaberto, significa que será recolhido ao cárcere e que, somente
se cumprir os requisitos legais (por exemplo, bom comportamento
e proposta de emprego), poderá deixar o presídio durante o dia e
retornar à noite.19
Quanto ã primeira hipótese acima indicada - prisão cautelar im-
posta a acusado cuja pena privativa de liberdade provavelmente será
convertida em restritiva de direitos - entendemos que, em caráter mui­
to excepcional, diante da gravidade concreta do caso e da inexistência
de outro meio para acautelar o bem (a vida da vítima, por exemplo)
ameaçado pela liberdade do réu, a prisão provisória será o único meio
idôneo, necessário e proporcional para satisfazer as exigências cautela­
res do caso sob exame judicial.
Um bom exemplo disso ocorre nos crimes cometidos contra a mu­
lher e contra a criança, em contexto de violência doméstica, drama
familiar que a Constituição da República, em seus artigos 226, § 8o e

19 Confira-se o seguinte julgado, da Relatoria do Ministro Paulo GALLOTTI (...) 3. Não


há incompatibilidade entre a fixação do regime semi-abertoe a manutenção da custódia
provisória, desde que presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. 4.
Habeas corpus denegado, cassada a liminar. [HC 89773/RJ Relator Ministro NILSON
NAVES, Relator(a) p/ Acórdão Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA,
Data do Julgamento 18/09/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 28/10/2008). No mes­
mo sentido, HC 106674/RJ, Relator Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA J.
02/09/2008 - DJe 28/10/2008.
227, enfatizou como de enfrentamento prioritário, de modo a conferir
efetiva proteção penal às vítimas desse tipo de ação violenta, sendo
seguida pela edição da Lei n2 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
Imaginemos, então, uma situação bem corrente, de agressão do­
méstica à esposa ou companheira, que engendrou a imposição ao agres­
sor de medida protetiva, a qual, todavia, foi descumprida. Em tal hipó-
tese, ante a ineficácia de qualquer outra medida protetiva ou cautelar
cabível, haja vista o declarado propósito do agressor de voltar a ofender
a integridade física da vítima, que outra medida se poderá conceber
para dar efetiva proteção penal à vítima?
Ainda que se tenha como provável, na hipótese de condenação, a
conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, e ainda
que a sanção relativa ao crime não seja elevada, forçoso reconhecer que a
segregação cautelar do acusado é o único instrumento processual idôneo a
assegurar a integridade física da vítima e evitar que o crime pelo qual o réu
está sendo processado acabe por transmutar-se para outro de elevadíssima
gravidade, além de irremediável no que concerne à proteção da vítima.
A esse respeito, ante o caráter instrumental do direito punitivo,
para a proteção do fraco contra o mais forte, ou seja, “do fraco ofendido
ou ameaçado com o delito, como do fraco ofendido ou ameaçado pela
vingança” (FERRAJOLI, 2002, p. 270), bem observa SUXBERGER
(2011) que o juízo de cautelaridade próprio da prisão preventiva “deve
guardar sentido aproximado com as razões que justificam o Direito ma­
terial veiculado pela persecução penal”.
Acentua, ainda, SUXBERGER:

As razões de homogeneidade ou proporcionalidade, que leva­


das ao extremo impediriam tout court a imposição de custódia
cautelar na maior parte dos casos de violência doméstica e fa­
miliar contra a mulher, ainda que iterativa, estão a reclamar do
intérprete leitura contextualizada e principalmente, vinculada
as razões do próprio Direito penal instrumentalizado na perse­
cução penal.
Interessante observar que a ideia de proporcionalidade - por meio
de seus subprincípios - inerente às medidas interventivas na esfera de
liberdade do indivíduo se propaga a outras áreas da convivência huma­
na, inclusive nas relações entre países onde ocorram situações graves
de violação a direitos humanos. Com efeito, Kofi Annan (2005), ex-
-Secretário-Geral da ONU, em pronunciamento asseverou que “Para
ajudar a forjar consenso acerca de quando e de que forma o uso da força
é aceitável, o Conselho de Segurança deve levar em conta a gravidade
da ameaça, se a ação proposta realmente terá efeitos sobre a ameaça
em questão, a proporcionalidade da ação proposta, se a força está sendo
contemplada como último recurso e se os benefícios do uso da força
seriam maiores que os custos de não nos utilizarmos dela”.20

1.10. Duração Razoável da Prisão

Em meados do século XVIII, BECCARIA (1997, p. 72) antevia


uma percepção ainda hoje carente de realização efetiva: “A prontidão
da pena é mais útil porque, quanto mais curta é a distância do tempo
que se passa entre o delito e a pena, tanto mais forte e mais durável é,
no espírito humano, a associação dessas duas ideias, delito e pena, de
tal modo que, insensivelmente, se considera uma como causa e a outra
como conseqüência, necessária e fatal”.
Com efeito, afigura-se

...de todo inaceitável a delonga na finalização do processo de


conhecimento (especialmente o de caráter condenatório), com a
ultrapassagem do tempo necessário à consecução de sua finalida­
de, qual seja, a de definição da relação jurídica estabelecida entre
o ser humano, membro da comunidade, enredado na persecuüo
crimmis, e o Estado: o imputado tem, realmente, direito à pronta

20 Para outras referências sobre o princípio da proporcionalidade no processo penal, suge­


rimos a leitura de Suzana de Toledo BARROS (1996) e Denilson Feirosa PACHECO
(2007).
resolução do conflito de interesses de alta relevância social que os
respectivos autos retratam, pelo órgão jurisdicional competente
(TUCCI, 2004, p. 287).

Uma das grandes dificuldades dos sistemas modemos tem sido a


de conciliar o desejo por uma justiça rápida com a exigência de uma
justiça que preserve as garantias e os direitos dos acusados. Na medida
em que se prolonga um litígio por um tempo além do razoável, perde-se
em qualidade da prestação jurisdicional e, em certos casos, até mesmo
se compromete a legitimidade da decisão.21 Mas a recíproca também
pode ser verdadeira, cabendo o alerta de FOSCHINI (1965, 501) para
quem “fazer rápido é possível somente até o ponto no qual não se com­
prometa o fazer bem".
De fato, o processo penal é submetido —como acentua GÉRARD
PIQUEREZ, referido por DELMANTO JÚNIOR (1998, p. 274) - a
dois imperativos contraditórios: “assegurar a celeridade do processo" e
“garantir a segurança da justiça". Nessa mesma linha também se colo­
ca outro autor francês, JEAN PRADEL, para quem “a celeridade não
significa precipitação, que é um grande mal”, e visa a conferir ao pro­
cesso penal um ritmo tão rápido quanto possível, sem ferir os princípios
fundamentais, como a presunção de inocência, ou os direitos da defesa
(DELMANTO JÚNIOR, 1998, p. 275).
Na jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos, tem-
-se procurado estabelecer critérios para aferir a razoabilidade ou irra-
zoabilidade do prazo excedido pelo Estado reclamado. Para concluir,
portanto, se um processo ultrapassou ou não o prazo razoável de sua
duração, levam-se em consideração fatores como: (a) as circunstâncias
particulares de cada caso e a complexidade do litígio; (b) a conduta
processual das partes ou, mais proximamente, do acusado; (c) a condu­

zi Para conferir a aplicação dessas ideias a um caso concreto, sugere-se a leitura do pare­
cer que lançamos no Habeas Corpus nB 3.820-4, julgado pelo Tribunal de Justiça do DF
e Territórios, em que discorremos com maior vagar sobre os malefícios da tardia presta­
ção jurisdicional (SCHIETTI, 2004, p. 201).
ta das autoridades responsáveis pela condução do processo, sejam elas
administrativas ou judiciais22 (PAES, 1997, p. 230).
Como observa BERTOLINO (1986, p. 79) “...não é de modo al­
gum razoável que o processo penal se prolongue mais do que o necessá­
rio para o cumprimento de seus fins próprios, alongamento que, defini­
tivamente, incide sobre o imputado e sobre seus legítimos direitos a que
se defina sua situação frente à função penal do Estado”.
O tema acabou sensibilizando o Congresso Nacional, que apro­
vou reforma da Constituição, fazendo inserir, por meio da Emenda
Constitucional ne 45/2004, um inciso a mais no artigo 5S, § 2S, da nos­
sa Carta Magna, que passou a prever que "a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (inciso LXXVIII).
Embora a referência seja mais voltada para a duração do processo,
é de incluir-se também a garantia de que ninguém possa ser mantido
preso, durante o processo, além do prazo razoável, seja ele definido por
lei, seja ele alcançado por critério de ponderação dos interesses postos
em confronto dialético. É dizer, todos - e aqui a garantia não se limita
apenas ao indivíduo acusado - têm o direito de que o processo se deci­
da em prazo razoável e também o direito de não serem mantidos presos
por prazo irrazoável.
No que toca à prisão de natureza cautelar, portanto, impõe obser­
var que:

le a prisão somente pode perdurar enquanto preservar o seu


caráter cautelar e, portanto, enquanto presentes os seus
pressupostos e as causas que a motivaram. Assim, sobrevindo
sentença absolutória, decisão de impronúncia ou de absolvi­
ção sumária, ou mesmo de rejeição da denúncia, a custódia
cautelar há de cessar. De igual sorte cessará 0 encarceramen­

22 Esse alerta nos remete a TOSTES MALTA, quando dií que “ordenada a prisão, cuide-
-se da celeridade do processo, lembrando-se o magistrado que as suas horas de lazer são
para odetido horas de cativeiro" (1935, p. 22).
to ad custodiam se extinto ou significativamente enfraquecido
o motivo ou justificativa que autorizou sua decretação.
1- a prisão do acusado, após o trânsito em julgado da sentença
condenatória, não deve mais persistir com a qualificação de
cautelar, instrumental, porquanto, formado o título executi­
vo judicial, a privação da liberdade do sentenciado passa a
revestir-se de natureza penal, punitiva.

Ao contrário do que ocorre em outros países, como, v.g., na Es­


panha, onde o artigo 17.4 “in fine” da sua Constituição estabelece que
“(...) por Ley se determinará el plazo máximo de la prisión provisionar,
tal mecanismo protetor da liberdade humana não se verifica no Brasil, à
exceção da prisão temporária, sujeita que é ao prazo máximo de 5 dias,
ou, se hediondo o crime imputado ao investigado, 30 dias, prorrogáveis,
em ambas as hipóteses, por igual período.
Sobre a prisão temporária, aliás, cumpre acentuar que, muito
embora a letra da lei pareça indicar que a custódia deverá, se decreta­
da, durar 5 dias (ou 30, se hediondo ou a ele assemelhado o crime), será
inconsistente, diante do Estado de Direito entre nós vigente, advogar o
entendimento de que a lei proíbe o juiz de fixar prazo menor do que os
mencionados.25 Em face da excepcionalidade de qualquer medida limi­
tadora da liberdade do indivíduo, tais prazos hão de ser compreendidos
como limites máximos à constrição do ius libertatis, o que implicará a
avaliação, caso a caso, do tempo necessário à segregação do indivíduo
do convívio social (SCHIETTI, 1995).

23 Para aqueles que se insurgem contra o instituto da prisão temporária por acreditarem
que se cuida, na verdade, de uma legalização da odiosa e de triste memória ‘prisão para
averiguações' - tão comum nos períodos de regime político autoritário - , é interessan­
te recordar que, desde meados do Século XIX se nutria a preocupação com o abuso
policial consistente em deter pessoas suspeitas sem o necessário amparo legal. Dizia o
Ministro da Justiça Francisco José Furtado, acerca dos Avisos de 2 de janeiro de L865,
de 27 de abril de 1888 e de 3 de julho de 1889 - que admitiam expressamente tal ilegalida­
de - que “as prisões pelo motivo vago de 'indagações policiais' são manifestamente ilegais,
porquanto, ou O indivíduo está indicado em algum crime inafiançável, e nesse caso se lhe
deve declarar o crime que lhe é imputado, ou não está, e a autoridade não pode prendê-lo
antes de culpa formada sem ofensa das leis citadas" (SIQUEIRA, 1924, p. 125).
É sabido, conforme já exposto, que a palavra-chave para o uso e a
manutenção de qualquer prisão cautelar é a sua efetiva necessidãde, que
traz consigo as ideias correlatas da idoneidade da cautela e proporcio­
nalidade dos meios empregados em relação aos fins perseguidos.
Se a decretação da prisão temporária é necessária e idônea para
o sucesso das investigações policiais, e razoável, ante a ponderação dos
interesses em conflito, a custódia cautelar do indiciado pela prática de
um dos crimes elencados no inc. III do § l 2 da Lei 7.960/89, a sua
manutenção se condicionará à contínua presença daqueles requisitos
legais de que já falamos.-'1
Logo, sendo necessária a prisão do indiciado para que, v.g,, seja
ele interrogado, identificado e reconhecido pela vítima, não mais pode
perdurar a sua custódia se aqueles atos já tenham sido realizados, con­
figurando-se, pois, como eventualmente excessivo 0 prazo de 5 dias
(e, afoniori, 10, 30 ou 60 dias) para a conclusão das investigações que
inicialmente justificaram a prisão pré-cautelar.25
Admitindo-se, por conseguinte, que a decretação da prisão tem-
porária por 5 dias possa ser, em alguns casos, necessária, ante a even­
tual possibilidade de que tal prazo seja proporcional aos objetivos que
a medida visa a atingir,26 não há como negar que, no tocante à prisão

24 Essa éa expressa determinação do art. 52S da Ley de Enjuiciamiento Criminal da Espa­


nha, ao prever que “La prisión provisional sólo durará lo que subsistan los motivos que
la hayan ocasionado. El detenido o preso serí puesto en libercad en cualquier estado
de la causa en que resulte su inocência. Todas Ias Autoridades que intervengan en un
proceso estarán obligadas a dilatar lo menos posible la detención y la prisión provisional
de los inculpados o procesados."
25 Convém anotar que não se há de legitimar a prática de atos de investigação em relação
ao indiciado preso como se solto estivesse, ou seja, sem a preocupação de concluir as
diligências o mais rápido possfvel, viabilizando-se, o quanto antes, a formação da optnio
delkti do Ministério Público, acompanhada ou não da transformação da prisão tempo­
rária em prisão preventiva, se presentes obviamente os seus requisitos legais. Saliente-
-se, a propósito, que uma das Recomendações tomadas no XV Congresso Internacional
de Direito Penal, realizado em setembro de 1994, no Rio de Janeiro, foi no sentido de
que "... deve-se proibir ordenar ou manter a prisão provisória se não existem indícios
sérios de culpabilidade e uma vontade real por parte das autoridades competentes em
levar a cabo o processo".
26 A hipótese sc amolda na “zona de incerteza" de que fala SERRANO (1990, p. 155),
ao esclarecer que o princípio da proporcionalidade apresenta três zonas diferenciadas,
temporária por 30 dias (renovável por igual período), a irrazoabilidade
ou desproporcionalidade da medida é flagrante.
Entendimento diverso se adotaria se a hipótese fosse de prisão
preventiva, que não se adstringe à fase inquisitorial da persecução pe­
nal, podendo prolongar-se, a despeito da letra limitadora do artigo 311
do Código de Processo Penal, até mesmo para depois da sentença con­
denatória recorrível.” Neste caso, não se consideraria irrazoável dispo­
sitivo legal que permitisse a duração de uma prisão preventiva por um
período bem maior ao que se aceita atualmente como limite máximo
para a conclusão da instrução criminal, desde que, efetivamente, tal
prazo fosse previsto e respeitado.
O fato é que, em nosso país, as demais modalidades de prisão cau­
telar que não a temporária não são reguladas por prazos próprios e aca­
bam por ser legitimadas enquanto não se esgotar, no cômputo geral, o
prazo previsto para o procedimento penal relativo à ação penal que o
engendrou.
No Brasil, costuma-se calcular a soma dos prazos relativos a cada
ato processual para averiguar-se o total máximo permitido para a dura­
ção da prisão cautelar, o que gera incertezas e dificuldades na definição
desses prazos, os quais, ressalte-se, costumam ser excedidos e tolerados
por juízes e tribunais, inclusive os superiores, com amparo em juízo de
razoabilidade, ante a complexidade da causa, devido ao elevado núme­
ro de acusados ou às dificuldades da instrução.

quanto à facilidade de seu controle: uma zona de certeza positiva, "dentro da qual as
medidas se consideram constitucionalmente aílmiss(veis, porque resulta claro que não
infringem o princípio de proporcionalidade”; uma zona de certeza negativa, que com­
preende “aquelas medidas cuja desproporção é evidente”; e a zona de incerteza, em que
se agrupam “as ingerências cujo respeito por dito princtpio é duvidoso".
27 Entendemos que a prisão preventiva pode ser decretada a qualquer retupo e grau de
jurisdição, não se aplicando a restrição imposta no art. 311 do CPfj explicável, confor­
me bem observado por PACELLI DE OLIVEIRA (2004, p. 538), em virtude do sistema
original do Código de 1941, que determinava o recolhimento do réu à prisão como
efeito automático da sentença condenatória. Assim, na hipótese de não ter sido preso
preventivamente até o encerramento da instrução criminal (art. 311), o acusado passa­
ria por tal desdita quando viesse a ser condenado por crime inafiançável, ou afiançável
enquanto não prestada a fiança (art 3 9 3 ,1).
Detalhe importantíssimo a sublinhar, todavia, é que esses prazos
são contabilizados apenas até o encerramento da instrução,28 o que aca-
ba por permitir que, a partir de então, seja desconsiderado o excesso de
prazo dos atos processuais, sujeitando-se o acusado a permanecer preso até
que eventualmente se entenda, por mera liberalidade do tribunal, não mais
razoável ou justificável a manutenção do encarceramento cautelar.
Vale lembrar que em alguns países a lei indica, para cada fase da
persecução penal (investigação, instrução e julgamento em primeiro
grau, recursos), um prazo máximo de duração da cautela, além do prazo
global; em outros se trabalha apenas com prazos globais máximos.
Na Itália, por exemplo, os prazos de duração da prisão provisória
são aumentados de acordo com a gravidade do crime, oscilando desde
três meses, quando se trate de delito para o qual a lei estabeleça a pena
de reclusão não superior a seis anos, até seis anos, na hipótese de crime
cuja pena seja de prisão perpétua ou de reclusão superior a vinte anos
(artigo 303 do Codice di Procedura Penale), sendo de relevar que esses
prazos são contabilizados, autonomamente, em cada uma das sucessi-
vas etapas da persecução penal.
Também em Portugal adota-se tal previsão escalonada por fases
da persecução penal. O artigo 215° do Código de Processo Penal esta­
belece que a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início,
tiverem decorrido seis meses sem que tenha sido deduzida acusação;
dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida
decisão instrutória; dezoito meses sem que tenha havido condenação
em primeira instância e dois anos sem que tenha havido condenação
com trânsito em julgado. Esses prazos podem ser prorrogados, na forma
dos itens 2 e 3 do artigo em comento, até o limite de quatro anos, para

28 Sobre isso dispõem as súmulas 21 e 52 do STJ, iwbts: “Pronunciado o réu, fica supera­
da a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução"
(Sum. 21); “EncerTada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangi'
mento por excesso de prazo" (Sum. 52). Essas súmulas, porém, têm sofrido abranda­
mento por vários julgados, do próprio ST| e de outros tribunais, notadamente após a
entrada em vigor da. EC 45/2004, que acrescentou ao art. 59 o inciso LXXVIII, assim
redigido: “ a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
alguns crimes que o próprio CPR em seu artigo 209, especifica, desde
que haja complexidade relativa ao número de acusados ou de ofendi­
dos, ou em razão do caráter organizado do crime.
Na Espanha (artigo 504 da Ley de Enjuiciamiento Criminal), os pra­
zos oscilam de três meses, para os crimes mais leves, até dois anos, para
aqueles punidos com pena superior a três anos, podendo haver prorro­
gações que levem 0 prazo máximo ao total de quatro anos.
Na Alemanha (§ 121 da StPO), prevê-se um prazo bem menor,
de seis meses, para a duração máxima da prisão provisória, deixando-se
aberta, porém, a possibilidade de ultrapassar-se tal prazo por dificulda­
de particular, pela complexidade das investigações ou por “outro moti­
vo importante".
Merece referência especial a solução radical adotada pelo legis­
lador do Paraguai, que, ao editar o novo Código de Processo Penal em
2000, inseriu, em seu artigo 141, que trata da “Demora nas medidas
cautelares pessoais”, a previsão de que,

Cuando se haya planteado la revisión de una medida caute­


lar privativa de libertad o se haya apelado la resolución que
deniega la libertad y el juez o tribunal no resuelva dentro
de los plazos establecidos en este código, el imputado podrá
urgir pronto despacho y si dentro de las veinticuatro horas no
obtiene resolución se entenderá que se ha concedido la liber­
tad. En este caso, el juez o tribunal que le siga en el orden de
turno ordenará la libertad.

Cumpre reconhecer, todavia, o esforço que tem sido envidado


pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Mi­
nistério Público, bem assim pelos Tribunais e Ministérios Públicos, para
reduzir, ao máximo, o tempo de tramitação dos processos.
Mutirões, estabelecimento de metas, tramitação eletrônica de fei­
tos, desburocratização e facilitação de acesso ao Judiciário são algumas
providências que vêm se tornando notícia freqüente nos sítios eletrô­
nicos dos tribunais e do CNJ. Demais disso, institutos como as Súmu­
las Vinculantes, a Repercussão Geral, os Recursos Repetitivos, entre
Outros, se não têm esvaziado os escaninhos de cartórios e gabinetes do
Poder Judiciário, ao menos estão freando o crescimento de feitos em
andamentos em todas as instâncias da justiça brasileira.19
Frente a essa dificuldade de obviar as dificuldades para que a Justi-
ça Criminal cumpra a contento seu papel de prestar jurisdição de modo
efetivo e em tempo razoável, não faltam exortações, como a seguinte:

Seja para reformular totalmente os recursos excepcionais,


seja para retomar a jurisprudência que admitia a execução
penal provisória, seja para estabelecer prazos mais longos de
prescrição e novas causas de suspensão do seu curso durante
a tramitação dos recursos excepcionais, é importante que tais
temas sejam debatidos sem dogmas e que mudanças sejam
implantadas pelo Congresso e pelo STF, sem reduzir garan-
tias do acusado e sem relegar a segundo plano os direitos das
vítimas e dos demais cidadãos aos seus bens jurídicos segu­
rança, vida e liberdade (ARAS, 2011, p. 26).

1.11. Iniciativa de Parte

Tema de relevo atual, teórico e prático, diz com a possibilidade


ou não de decretação de prisão cautelar por parte da autoridade judi­
ciária sem a provocação da parte interessada. Como um corolário do
princípio da inércia da jurisdição (ne pmcedat iudex ex officio), tem-se

29 Vale registrar que, em discurso proferido na abertura do Atio Judiciário de 2011, o


Ministro Cezar Peluso, Presidente do STF e do CNJ, propôs a “modificação da natureza
dos recursos extraordinários, para lograr razoável duração das causas judiciais e restau­
rar a certeza do Direito e a credibilidade da justiça”, como também para ilidir "mano­
bras processuais que retardam o cumprimento de sentenças e impedem o exercício de
um dos direitos mais fundamentais dos cidadãos, aliás, objeto agora de ostensiva regra
constitucional: o acesso a uma Justiça rápida e eficiente”. De acordo com a proposta, a
interposição, pelo réu, de recurso especial ou extraordinário não impediria a imediata
execução da pena definida no acórdão condenatório.
como medida salutar a exigência de requerimento da prisão cautelar,
pela parte interessada, algo que, na doutrina e jurisprudência espanho-
Ias, se costuma chamar de princípio da justiça rogada.
A esse respeito, releva destacar que, no Direito Processual pe-
nal brasileiro, somente em relação à prisão temporária não se admite
tout court a decretação da cautela ex ojficio. De fato, o artigo 2- da Lei
7.960/89 prevê que “a prisão temporária será decretada pelo Juiz, em
face da representação da autoridade policial ou de requerimento do
Ministério Público,...”
Já no que toca ã principal modalidade de prisão cautelar, a preven­
tiva (stricto sensu), a anterior letra do artigo 311 do CPP era muito clara
ao admitir que, “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução
criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a
requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante
representação da autoridade policial”.
Para quem advoga um processo penal de matriz puramente acu-
satória,w em que a autoridade judiciária não exerça qualquer função
coadjuvante na condução do processo e na busca da verdade proces­
sual, não há, por coerência, de ser tolerada a possibilidade de decre­
tação de prisão cautelar sem que haja prévio requerimento31 da parte
interessada. Para esse segmento doutrinário, a imparcialidade do magis­
trado estaria comprometida se pudesse o juiz que conduz a causa, ou
mais ainda, o que supervisiona a investigação preliminar, decretar a
segregação cautelar do investigado ou acusado, sem provocação da par­
te ou do órgão com atribuições assim definidas em lei.

30 Para uma melhor compreensão da evolução dos modelos de persecução penal (acu-
satârio, ínquisitivo e mista ou reformado), e a situação atual no mundo e, mais parti­
cularmente, na América Latina, consultem-se os ensaios de MAIER (1996); MAIER,
KAI AMBOS e JAN WOISCHNIK (2000); GRINOVER (abr./jun. 94), CHOUKR
(2000); MENDES DE ALMEIDA (1973); PRADO (2001); LOPES JR (2006; 2011) e,
particularmente, ANDRADE (2009).
31 Nos casos em que a lei faz menção à representação da autoridade policial (artigos 282,
§ 29 e 311 do CPP e artigo 2a, caput, da Lei 7.960/89), deve-se entender tal ato como
mero encaminhamento de uma opinião policial, porquanto somente pode haver reque­
rimento, no sentido próprio da palavra, por quem é parte na relação processual e, por­
tanto, detém legitimidade ad causam.
Em linhas gerais, foi essa percepção que engendrou a modificação
legislativa em alguns códigos, a exemplo do que ocorreu nos Códigos
de Processo Penal da Espanha e da França, países que, sublinhe-se,
seguem ainda uma tradição mais próxima do modelo misto ou refor­
mado, nos moldes do código napoleônico de 1808. Como se sabe, após
breve período em que se tentou introduzir na França republicana pós-revo-
lução o sistema utilizado nos países anglo-saxões, o pêndulo que coordena
as ações da história encontrou seu ponto de equilíbrio - na perspectiva do
mundo de então - para adotar um formato de sistema misto, do qual o “jui­
zado de instrução" passou a ser a instituição mais representativa.
Na Espanha, é de mencionar que o modelo originalmente previsto
na Ley de Enjuiciamiento Criminai de 1882 é essencialmente inquisitó-
rio, pois, similarmente ao congênere francês, se estrutura sobre uma
espécie de juizado de instrução, restando claro que as funções de instruir
a causa e de julgá-la são acometidas a magistrados distintos. Tal mode­
lo, porém, foi levado a uma configuração ainda mais inquisitorial em
1967, quando a LO 3/1967 passou a atribuir a instrução preliminar e o
julgamento da causa a um mesmo juiz. Somente em 1988, por meio de
uma decisão do Tribunal Constitucional (Sentença 145/1988 do TC),
reconheceu-se a inconstitucionalidade daquela modificação legislativa,
em face da lesão ao direito a um juiz imparcial.
Logo, nada mais natural do que, serodiamente é bem verdade,
alterar-se a legislação ao propósito de limitar a função inquisitiva do
juiz de instrução. Na Espanha, isso foi feito mediante a nova redação
dada ao artigo 505 da LEC, estabelecendo, como requisito prévio para a
decretação da prisão provisória, a necessidade de requerimento expres­
so nesse sentido, pela parte acusadora; na França, 0 enfraquecimento
do modelo misto se deu pela recente criação de um juiz das liberdades e
da detenção, distinto do juiz de instrução, conforme será mencionado no
próximo item.
A despeito dessa tendência, quer-nos parecer acertada a posição
daqueles que fazem uma importante distinção entre o papel exercido
pelo juiz durante a fase pré-processual da persecução penal, onde ainda
não há partes, não há acusação, não há contraditório efetivo e pleno,
e o papel exercido pelo juiz durante a ação penal, quando já se encon­
tra regularmente instaurada a relação processual, mediante acusação
formulada pelo órgão a tanto legitimado (ou pela própria vítima, nos
crimes de ação penal privada).
Durante as investigações normalmente consubstanciadas em atos
de um inquérito policial - mas não necessariamente por esse instru­
mento, haja vista a quantidade enorme de colheita de elementos infor­
mativos por outros meios e por outras instituições que não a Polícia
Civil ou a Polícia Federal - é imperioso ter-se como certo que ainda
não existe, nessa fase da persecução penal, uma acusação formalizada
contra o suspeito.
Mesmo nas hipóteses em que já houve identificação do suposto
autor da infração penal, quer esteja indiciado, quer não, é incorreto
afirmar que ele se encontra em posição jurídica de “acusado”, Quando
sofre algum tipo de restrição d sua liberdade, pode-se até chamá-lo,
como alude TORNAGHI (1959, p. 158), um quasi-imputacus, mas ain­
da não há, por parte do Estado, qualquer acusação formal, que reclame a
intervenção judicial além da necessária para regular essas situações ineren­
tes às providências cautelares que configurem reserva de jurisdição.
Isso implica dizer que o juiz, durante a tramitação da investigação
criminal, desempenha um papel de garantidor dos direitos fundamen­
tais do investigado, diligenciando para que o Estado-Administração,
por meio da Polícia ou do próprio Ministério Público, não adentre a
esfera de liberdade jurídica do indivíduo além do que é permitido na
Constituição e nas leis. O juiz, assim, protege o iuj Ubertatis do inves­
tigado tanto quando denega pedido de prisão cautelar como quando
a concede, já que o faz seguindo regras e princípios que limitam a sua
atividade, garantindo ao sujeito passivo da medida cautelar que não
sofrerá nenhuma restrição ao seu direito mais do que permitido pela lei.
No Brasil, por força de um código erguido sob a regência da Cons­
tituição de 1937, chamada “carinhosamente1’ por TORNAGHI (1988,
p. 19) de “Portaria de 1937”, não temos essa figura do juiz bem defini­
da, de modo que o magistrado que recebe a denúncia, instrui a causa e
profere a sentença costuma ser o mesmo que “presidiu” as investigações
policiais. Em outros países, com legislações mais modernas, separam-se
tais funções, de acordo com a etapa da persecução penal: em Portugal,
cabe ao juiz de instrução (o nome é equívoco, pois sugere um modelo - o
juizado de instrução-já abandonado naquele país) interrogar o argui-
do detido, aplicar medida de coação e medidas cautelares ctc. (artigos
268 e 269 do CPP português); na Itália, também se defere ao giudice
per le indagini preliminari (GIP) similares funções (artigo 328 do CPP
italiano); de igual modo, na França, ao juge des libertés et d ela détention
(artigo 137-1 do CPP francês), e assim o é em vários outros países.
Pois então, na fase das investigações destoa das funções do magis­
trado exercer qualquer atividade que possa caracterizar um auxílio à
acusação, um reforço à atividade investigatória estatal, um interesse em
obter provas que possam servir ao titular da ação penal para provocar
a jurisdição. O que lhe compete, repita-se, é, eventualmente, permitir
que a parte interessada tenha acesso a fontes de prova - autorizando,
por exemplo, busca e apreensão de documentos ou do próprio corpo de
delito - ou decretar a supressão provisória da liberdade do indiciado
como condição necessária e suficiente para que, em juízo de propor­
cionalidade e em caráter excepcional e subsidiário, seja preservada a
prova, o resultado do processo ou a própria segurança da sociedade. E,
acima de tudo, ao juiz nessa fase da persecução penal cabe impedir vio­
lações ilegais aos direitos do investigado.
Entretanto, uma vez provocada a jurisdição por denúncia do Mi­
nistério Público ou queixa-crime do particular ofendido (ne procedat
iudex ex officio), passa a autoridade judiciária competente a deter
poderes inerentes à própria jurisdição penal, que, saliente-se, jamais
pode ser equiparada, em razão de suas inúmeras peculiaridades, à
jurisdição civil.n

32 Consultar, para uma abrangente compilação das peculiaridades que tomam o processo
penal merecedor de análise diferenciada em relaçfto ao processo civil, a obra de TEI­
XEIRA GIORGIS (1991, especialmente o capftulo III).
No terreno das provas, por exemplo, o nosso sistema é claro em
permitir o uso de poderes instrutórios pelo juiz, na busca da verdade
processual, desde que o faça de modo equilibrado, imparcial e sujeito
a limites de várias ordens. Essa é a ideia da “inquisitividade” da ação
do juiz —que não se confunde com o “modelo inquisitivo" de processo
penal, em desuso - a qual “... não visa excluir a atividade processual das
panes, mas tão-só suprir-lhes a falta" (TUCCI, 1986, p. 150).
Se o processo penal modemo não mais pode abrigar a figura do
juiz com poderes hipertrofiados, “sufocador de qualquer atuação dos
sujeitos parciais na direção da instrução”, muito menos se há de tolerar
que o magistrado se tome um “refém dos sujeitos processuais parciais,
senão no processo civil, com muito mais razão no âmbito processual
penal” (ZILLI, 2003, p. 31).35
Daí por que é o juiz autorizado pelo Código de Processo Penal a
determinar, ex ofjicio, a realização de novo interrogatório (artigo 196), a
oitiva do ofendido (artigo 201) e de testemunhas (artigo 209), a busca e
apreensão (artigo 242) ou simplesmente a juntada de documentos (ar­
tigo 234), podendo, enfim, realizar quaisquer diligências ao propósito
de dirimir dúvida sobre ponto relevante (artigo 156, II c/c 404), mesmo
já estando encerrada a fase probatória.’'1
É de notar que toda a atividade judicial relativa à prova é desen­
volvida no curso da ação penal, até porque não compete ao juiz, duran-
te o inquérito policial, conduzir a investigação como se fosse delegado

33 Releva enfatizar que mesmo em países com sistemas de cariz acusatóriu não se proíbe o
juiz de determinar, ex officio, a produção de provas durante a ação penal. Exemplo con­
tundente nos dão os Estados Unidos, pais em que o sistema acusatório é marcadamcnte
adversarial, mas onde, nem por isso, se veda ao juii tal atividade, como o demonstra a
regra 614 da lei federal de 2010 que regula as provas no processo penal (Federal Rules of
Evidence). Com efeito, a Ride 614 (Calling and Interrogarion of Witnesses by Court) dis­
põe que "o Tribunal pode, por sua própria iniciativa ou por sugestão de uma parte, chamar
testemunhas, e todas as partes podem reperguntar as testemunhas assim chamadas” (The
court may, on ics own motion or ar the suggestion of a party, call witnesses, and afl parties
are entided to cross-examine witnesses thus called.)
34 A este respeito, também merecem consulta BEDAQUE (1991), e, com maior proximidade
ao afirmado acima, GRTNOVER (1999) e ZILLI (2003). Para uma crfdca mais acentuada
aos que não admitem o uso de poderes judiciais instrutórios, ver ANDRADE (2009).
de polícia ou promotor de justiça. Não faria o menor sentido o compor­
tamento do juiz que, durante o inquérito policial, passasse a examinar
os autos para determinar, sem provocação do Ministério Público ou da
autoridade policial, essa ou aquela providência de cunho investigató-
rio’5. Seria incompatível com o sistema entre nós vigente e comprome­
teria a imparcialidade judicial a decisão que, tomada ex officio, deter­
minasse a oitiva de determinada pessoa, a busca e apreensão de algum
documento, a interceptação telefônica etc.w 57
No que diz com o tema objeto deste estudo, o raciocínio é similar:
não pode o juiz adotar, sem provocação da parte legitimada, qualquer
providência de natureza cautelar no curso das investigações.
Situação bem diversa há de ser a do juiz que, no curso da ação
penal, defronta-se com situações que lhe exijam a tomada de deci­
sões, independentemente da manifestação prévia de alguma das partes.
Com o propósito de exercitar a jurisdição penal - que, sublinhe-se, não
interessa tão-somente às partes, mas a toda coletividade - e oferecer
uma prestação jurisdicional que corresponda aos anseios de justiça e
que atenda aos interesses superiores que subjazem à persecução penal
(liberdade, honra, dignidade da pessoa humana etc.), o juiz deve ser

35 Não foi essa, contudo, a percepção dg legislador da reforma promovida em 2008 no


CPÍJ por meio da L. 11.690/08. Deveras, a nova redação dada ao artigo 156 faculta ao
juiz realizar de ofício a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, "mesmo
antes de iniciada a ação penal” (inciso I).
36 A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar pedido formulado na ADI no 1.570,
reconheceu a inconstituciotialidade parcial do art. 3o Lei 9.034/95, que instituiu algo
equivalente a um Juizado de Instrução, conferindo ao juiz poderes de investigação
incompatíveis com sua necessária imparcialidade. Na ementa se afirma o descabimento
da participação de magistrado como investigador c inquisidor, durante a fase inquisito-
rial da persecução penal, visto serem tais funções privativas do Ministério Público e das
Polícias Federal e Civil, conforme indicam os artigos 1 2 9 ,1 e VIII e § 2o; e 144, § lo,
1 e IV, e § 4e da Constituição da República). ADI 1570-DF, Pleno, Rei. Min. Maurício
Corrêa, DJ 22-10-2004, p. 4).
37 Sobre o tema externamos, logo após a publicação da aludida lei, a opinião de que, “ele­
vando a intimidade e ã privacidade do indivíduo a patamar mais elevado e sagrado do .
que o próprio ius libertatis, adiante tratado sem igual preocupação garantista, o legisla­
dor acometeu ao juii funções de verdadeiro investigador policial, em total arrepio às
tradições de nosso Direito Processual Penal, estruturado sob 0 princípio acusatório."
(SCHIETTI, 1995).
autorizado, se necessário e nos limites e condicionamentos legais, a to-
mar decisões como a de decretar a prisão preventiva do acusado.
Deve assim o magistrado “dispor de instrumentais necessários à
garantia da efetividade do processo, sobretudo porque o interesse jurídi­
co posto ali não é e nem se assemelha a um interesse de parte", já que,
no processo penal, não se busca "a satisfação de um interesse exclusivo
do autor, mas de toda a comunidade jurídica, potencialmente atingida
pela infração penal” (PACELLI DE OLIVEIRA, 2004, p. 529).18
Com efeito, vale recordar que o processo penal visa a assegurar, de
um lado, a “liberdade jurídica do indivíduo, membro da comunidade”,
e, de outro lado, preocupa-se também com a “garantia da sociedade,
contra a prática de atos penalmente relevantes” (TUCCI, 2004, p. 34).
Sem dúvida alguma, um processo penal à luz de uma concepção
publicista, deve ser efetivo, haja vista que “seus fins confundem-se
com os fins do próprio Estado” (ZILLI, 2003, p. 32),19 Estado que, ao
estabelecer os objetivos a serem perseguidos no exercício da atividade
persecutória (encontro da verdade processual e realização da justiça),
não pode permitir que seus agentes e, particularmente o magistrado, se
mantenham "omissos, inertes e passivos” (ZILLI, 2003, p. 177).
Trouxe-nos satisfação constatar que o reformador de 2011 acom­
panhou esse entendimento que expressáramos anteriormente na pri­
meira edição deste trabalho. A nova redação dada ao artigo 311 rea­
liza essa importante distinção quanto ao momento em que pode o juiz
valer-se de seus poderes cautelares ex o ffic io . Assim, prevê agora o ar­

38 No sentido da possibilidade de o juiz decretar a prisão preventiva, de oficio, somente na fttse


processual da persecução penal, também se coloca, mteralia, RANGEL (2004, p. 615).
39 Ao longo de sua obra, ZILLI (2003) explora o pensamento de MIRJAN DAMASKA
(The faca o f justice and State authorúy. New Haven: Yale University, 1986), para quem
há duas formas de atuação de um Estado: uma delas, conüguradora de um Estado ativo
ou ativista, voltada ao gerenciamento completo da sociedade, com a preocupação de
implementar políticas de bem estar social; a outra, que caracteriza um Estado reativo,
que apenas fornece os meios pelos quais os cidadãos possam atingir objetivos por eles
mesmos fixados, em concepção afinada com o individualismo típico do século XIX
e ainda hoje verificado em alguns países, principalmente da família anglo-americana,
Dessas duas concepções antagônicas de Estado, derivam, respectivamente, um “proces­
so penal de implementação política" ou um "processo penal de solução de conflitos”.
tigo 311 que “em qualquer fase da investigação policial ou do processo
penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no
curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do que-
relante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”
(grifo nosso). Nesse mesmo sentido passa a dispor o artigo 282, § 2- do
CPP em relação às medidas cautelares em geral.
Por outro lado, a nova redação dada ao artigo 310 do CPP pela
Lei ns 12.403/11, estabelece que o juiz adotará uma das decisões ali
previstas - relaxar o flagrante ilegal (I), converter a prisão em flagrante
em preventiva (II), ou conceder ao autuado liberdade provisória, com
ou sem fiança (III) - sem, contudo, aludir à prévia oitiva do Ministério
Público, como expressamente dispunha a redação anterior do Código.
Temos por incompreensível tal retrocesso. Como antecipação ao
que se dirá no próximo item, o legislador avançou muito - a ponto
de gerar perplexidade em alguns - ao estabelecer a possibilidade de
contraditório prévio para a decretação da prisão ou de medida caute­
lar (§ 39 do artigo 282 do CPP). Ora, se essa é a regra, excepcionada
apenas nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida,
não faz sentido alijar o titular da ação penal do direito de participar de
qualquer decisão que venha a intervir no jus libertatis do investigado ou
acusado, mesmo porque a condição de preso ou solto poderá interferir
na instrução criminal, na aplicação da lei penal e na manutenção da
ordem pública, fins cautelares umbilicalmente vinculados ao exercício
da pretensão punitiva.
Poderíamos até compreender tal opção legislativa no que concer­
ne à prisão ilegal, visto ser comando constitucional que a prisão ile­
gal será imediatamente relaxada (artigo 52, inciso LXV). No entanto,
tratando-se de decisão sobre o cabimento e a escolha das possíveis me­
didas cautelares pessoais a serem impostas ao preso, ou, ainda, sobre
a possibilidade de conceder-lhe liberdade provisória, é injustificável
dispensar-se a prévia oitiva do órgão do Ministério Público, que, além
de representar os interesses punitivos da sociedade, exerce o não menos
relevante papel de fiscal do direito (custos iuris).
Oxalá percebam os intérpretes e aplicadores da lei que, em nome
de tais interesses e funções, e como forma de prestigiar o contradito-
rio, com o incremento natural das chances de produzir-se, pela inter-
locução, uma decisão mais acurada, é necessário ouvir previamente o
representante do Ministério Público antes da decisão referida no artigo
310 do CPP ainda que o texto desse dispositivo não o determine ex­
pressamente.

1.12. Bilateralidade de Audiência (Contraditório)

A atividade processual direcionada à decretação de uma prisão


preventiva sempre se afastou, por completo, da possibilidade de permi­
tir ao sujeito passivo da medida exercer um contraditório antecipado
sobre essa decisão.40 Em outras palavras, a decretação de uma prisão
preventiva parece não se ajustar à ideia de que o destinatário da ordem
judicial - o acusado - possa ter a oportunidade de opor-se à medida
antes que ela se ultime.
A explicação é simples: a natureza cautelar e, consequentemente,
urgente da cautela pessoal, bem assim a necessidade de conferir imedia­
ta proteção de um bem jurídico, ou mesmo de uma pessoa, sob pena de
manter-se uma situação de risco à liberdade do investigado ou acusado,
não autorizam que se adie a decisão que decreta a custódia cautelar.
Outrossim, soa razoável inferir que o conhecimento prévio da ordem
judicial de prisão pode, em muitos casos, frustrar a eficácia da medida,
tomando-a inócua em razão da consumação da lesão ao bem jurídico
protegido.
Imagine-se, nessa linha de raciocínio, que o acusado seja comuni­
cado sobre a possibilidade de ser decretada, contra si, a prisão preven­
tiva, tendo em vista os indícios de que está na iminência de evadir-se
do país. Não é leviano concluir que, ao tomar conhecimento de que o

40 Para uma análise detalhada do princípio do contraditório, na relação processual penal,


e em particular no segundo grau de jurisdição, reportamo-noí ao capitulo VI de nosso
Garaniiai (jfOcesJHais nos recursos criminais. São Paulo: Atlas, 2002.
juiz da causa está considerando a hipótese de prendê-lo cautelarmente,
provavelmente irá consumar sua inicial intenção, evadindo-se. Pensar
de forma diversa seria, convenhamos, muita ingenuidade.
Sem embargo, alguns países vêm modificando seus códigos de pro­
cesso penal para introduzir, no sistema normativo, a possibilidade de um
contraditório antecipado em relação às medidas cautelares pessoais.
A França, pioneira nessa iniciativa, efetuou tal inovação em
1984, quando estabeleceu, por meio da Lei 2000-516, de 15/6/2000,
novo procedimento relativo ao instituto da détention [rrovisoire4' e das
medidas cautelares em geral.
A providência, aparentemente esdrúxula em tema de prisão cau­
telar, possui algumas vantagens. Como acentuado por AIMONETTO
(2002, p. 140) “... é inegável que ouvir as razões do acusado pode levar
o juiz a não adotar o provimento limitativo da liberdade, nüo só no caso
macroscópico de erro de pessoa, mas também na hipótese em que a versão
dos fatos fornecida pelo interessado se revele convincente, ou quando ele
consiga demonstrar a insubsistência das exigências cautelares”.
Releva destacar que a França, na reforma legislativa de 2000,
introduziu a figura do juiz das liberdades e da detenção (juge des
libertés et de la détention), que, estranho à atividade instrutória pró­
pria do juiz de instrução (juge d'instT uctio n) , está em melhores condi­
ções de assegurar “um olhar neutro e objetivo sobre o caso” (AIMO­
NETTO, 2002, p. 132).
O mecanismo adotado para a aplicação de uma détention provisoi-
re prevê a convocação, pelo juge des libertes et de lã détention, de uma
audiência para a análise do cabimento e da necessidade da medida. O
juiz, então, convoca o imputado, que deve estar assistido por um advo­

41 “Article 145. Le juge des libertés et de la détention saisi par une ordonnance du juge
d'instnjction teudant au placemenc en détention de la personnc mise en examen fait
comparaítre cette personne devant lui, assistée de son avocat si celui-ci a déjà été
désigné, et procède confuimément aux dispositions du prísent article." (O juiz das
liberdades e da detenção, por ordem do juiz de instrução dirigida à detenção da pessoa
acusada, farí comparecer essa pessoa diante de si, assistida por seu advogado, se já
estiver designado, e procederá em conformidade com as disposições do presente artigo.)
gado, e, após breve análise sobre a viabilidade da medida cautelar, lhe
comunica a intenção de decretar sua detenção provisória, indagando
se deseja um prazo para preparar sua defesa, ou se aceita que a decisão
(de decretar ou não a cautela) seja tomada, após um debate contraditó­
rio na mesma audiência. Se o imputado solicitar a concessão de prazo,
o juiz pode determinar a “incarcération" pelo prazo máximo de quatro
dias, findos os quais se realiza a audiência que fora suspensa (AIMO-
NETTO, 2002, p. 133).
A Espanha seguiu o exemplo francês, adotando mecanismo simi­
lar. Confira-se, a esse respeito, o que reza o artigo 505 da Ley de Enjui­
ciamiento Criminai, com as modificações introduzidas pela LO 13/2003,
de 24 de outubro:

Art. 505. "1. cuando el detenido fuere puesto a disposición


dei juez de instrucción o tribunal que deba conocer de la causa,
éste, salvo que decretare su libertad provisional sin fianza, con­
vocará a una audiência en la que el Ministério Fiscal o las partes
acusadoras podrán interesar que se decrete la prisión provisional
dei imputado 0 su libertad provisional con fianza. 2. La audiên­
cia prevista en el apartado anterior deberá celebrarse en el plazo
más breve posible dentro de las 72 horas siguientes a la puesta
dei detenido a disposición judicial y a ella se citará al imputado,
que deberá estar asistido de letrado por él elegido o designado
de oficio, al Ministério Fiscal y a las demás partes personadas. La
audiência habrá de celebrarse también para solicitar y decretar,
en su caso, la prisión provisional dei imputado no detenido o su
libertad provisional con fianza."

Vê-se, portanto, que na Espanha o imputado, estando detido,


ou mesmo em liberdade, deve comparecer a uma audiência perante o
juiz de instrução ou tribunal competente para a causa, onde, mediante
contraditório entre o Ministério Público e a defesa, se decidirá sobre a
decretação da prisão provisória ou, alternativamente, a concessão de
liberdade provisória com fiança.
Na Itália, prevê-se a realização de um interrogatório “di garan-
zia”, assegurando-se ao acusado, após ser preso, o direito de ser con­
duzido à presença do juiz que decretou a cautela pessoal, no prazo
máximo de cinco dias após o início da execução da medida (artigo
294 do CPP).
Entre nós não havia tal procedimento, até o advento da L.
12.403/11, cujo § 3Qdo modificado artigo 282, passou a prever a regra
da bilateralidade da audiência nos casos de decretação de medida cau­
telar, nos seguintes termos:

§ 3DRessalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficá­


cia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar,
determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de
cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo
os autos em juízo.42

Tal providência diz respeito especificamente a medidas caute­


lares, que deverão, portanto, ser precedidas do indicado contraditó­
rio, desde que, obviamente, não haja comprometimento da eficácia
da medida.
Não é ocioso sublinhar que o contraditório prévio referido no §
3C do artigo 282 do CPP não deve valer apenas para a decretação de
prisão ou de medida cautelar dela diversa, mas também há de servir
para pedidos de revogação da prisão (temporária ou preventiva) ou de

42 O texto não indica se o juiz deverá implementar o contraditório simplesmente dando


oportunidade â parte contrária (dcduz-se que seja o investigado ou acusado) um praio
(não se diz qual) para manifestar-se por escrito, ou se designará audiência com o pro­
pósito de, oralmente, formar sua convicção sobre a necessidade e adequação da cautela
pessoal. Nesse particular, é mais clara a redação do projeto de reforma do CPP (PLS
156/09), aprovado no Senado Federal, ao dispor, verbis: “Art. 531. Ressalvados os casos
de perigo de ineficácia da medida, o jui:, ao receber o pedido cautelar, determinará a
intimação do Ministério Público, da parte contrária e dos demais interessados, para que
se manifestem no prazo comum de 2 (dois) dias.”
sua substituição por medidas a ela alternativas e, ainda, para modificação
das medidas anteriormente deferidas.
Útil, por derradeiro, registrar nossa opinião expressa na edição
anterior deste livro, de que haveria dificuldade de acolhida, pela comu­
nidade jurídica, da regra da bilateralidade da audiência, constante do
então PL 4.208/01.
Fizemos, então, referência a outra providência que os juizes deve­
riam também adotar após a efetivação de uma prisão cautelar, dando
cumprimento à regra positivada tanto no artigo 79, § 5°, do Decreto
678/92 (Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San
Jose da Costa Rica), quanto no artigo 9° § 3e, do Decreto n° 592/92
(Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque),
ambos em plena vigência em nosso ordenamento, que conferem o direi­
to do indivíduo preso a ser conduzido, sem demora, à presença de um
juiz ou de autoridade que detenha atribuição judiciária.
A implementação dessa providência, por parte dos tribunais, pro­
vendo um serviço de plantão que atendesse a todos os casos de prisão
temporária e prisão em flagrante, e mesmo de prisão preventiva, tra­
ria enorme benefício não apenas para o pretendido contraditório (que
seria, no caso, posterior ao ato constritivo), permitindo ao preso, em
poucas horas após sua prisão, ter a oportunidade de sustentar, perante
uma autoridade judiciária, eventual equívoco ou mesmo abuso da pri­
são (incluindo o emprego de tortura, física ou moral), como permitiria
ao Judiciário melhor aquilatar a necessidade da cautela.
Isso porque, ante a praxe judiciária corrente, passam-se muitos
e muitos dias até que a pessoa presa cautelarmente possa comparecer
a uma audiência judicial. No caso de prisão em flagrante, posterior­
mente convertida em prisão preventiva, ou mesmo quando esta última
for originalmente decretada no início da persecução penal, o réu irá
comparecer à presença de um juiz somente na audiência de instrução
e julgamento, semanas ou até meses depois de sua prisão. Na hipótese
de prisão temporária, a situação é muito pior, porquanto a Lei 7.960/89
prevê a possibilidade de perdurar a custódia por até 60 dias, quando se
cuidar de crime hediondo ou a ele assemelhado.
Desse modo, a condução do preso, sem demora, à presença da
autoridade judiciária - não para ser propriamente interrogado, mas
para ser informal e rapidamente entrevistado pelo magistrado (atuan­
do qual verdadeiro "juiz garante”, similar, mutatis mutandis, ao juge des
libertés et de la détauion francês) - permitiria verificar se os direitos do
preso foram observados e se a prisão é legal e necessária.41

43 Com esse propósito, no exercício da Procuradoria-Geral de Justiça do DF, endereça- 1


mos, sem êxito, ofício à Presidência do Tribunal dc Justiça do DF e Territórios, em
outubro dc 2004, solicitando implementar, junto ao plantão judiciário local, uma rotina
de atendimento aos casos de pessoas presas em flagrante.
Capitulo V

1. As Medidas Alternativas como Aplicação da


Subsidiariedade Processual Penal

Principalmente a partir do último quarto do século XX consoli-


dou-se tendência mundial em adotarem-se formas alternativas de puni­
ção, não mais adstritas ou centradas na pena privativa de liberdade.
Os malefícios causados pelo encarceramento penal - assunto já
abordado no início deste trabalho —forçaram a adoção de alternativas
punitivas, principalmente por meio de medidas restritivas de direitos
que não o da liberdade humana.
As diretrizes estabelecidas nas Regras das Nações Unidas sobre
Medidas não-privativas de liberdade, as conhecidas Regras de Tóquio,
de 1990, condensaram o que já se previra em outros textos internacio­
nais relativos aos direitos humanos. Nos consideranda do documento,
afirma-se a convicção "de que as penas substitutivas da prisão podem
constituir um meio eficaz de tratar os delinqüentes no seio da coletivi­
dade, tanto no interesse do delinqüente quanto no da sociedade" e de
que ‘‘as penas restritivas de liberdade só são justificáveis do ponto de
vista da segurança pública, da prevenção do crime, da necessidade de
uma sanção justa e da dissuasão e que o objetivo último da justiça penal
é a reinserção social do delinqüente".
Já no que toca ao encarceramento provisório, as Regras de Tóquio
firmaram a convicção de ser tal medida cautelar o último recurso a
ser adotado nos procedimentos penais, propondo a adoção de medidas
substitutivas, “sempre que possível” (item 6,2.).
Essa declaração oficial das Nações Unidas refletiu a percepção, já
incorporada ao direito positivo de alguns países ocidentais, de que as
medidas cautelares, principalmente as de natureza pessoal, por priva­
rem o sujeito passivo da persecução penal de um de seus mais preciosos
bens - a liberdade - quando ainda não houve decisão definitiva sobre
sua responsabilidade penal pelo fato que lhe é imputado, devem possuir
um caráter de excepcionalidade e, outrossim, devem ser utilizadas ape­
nas quando não for possível a adoção de outra medida menos gravosa,
porém de igual eficácia.
Tal é o significado do princípio da proporcionalidade no processo
penal, em sua máxima parcial (ou subprincípio) da necessidade ou sub-
sidiaridade (chamado, também, de princípio da intervenção mínima, da
indispensabilidade ou da proibição de excesso) que, conforme já adian­
tamos no capítulo anterior, encontra-se materializado, mter alia, nos
Códigos de Processo Penal da Itália (artigo 275), de Portugal (artigo
193), da Espanha (artigo 502.2.), da Alemanha (artigo 116) e da Fran­
ça (artigo 137).
Trata-se, assim, de um fenômeno normativo irreversível, que pau­
latinamente se estende a outros países, inclusive ao Brasil, onde vingou
0 Projeto de Lei ne 4.208/01, convertido na Lei 12.403, de 4 de maio de
2011, de que iremos cuidar logo adiante. A novel legislação introduz
outras medidas cautelares diversas da prisão, abrindo-se um leque de
alternativas ao juiz natural da causa para, de acordo com as peculiaridades
e necessidades de cada caso examinado, escolher a (s) medida (s) adequa­
da (s) e suficiente (s) para responder aos fins colimados pela cautela.
Releva destacar que, no âmbito do Direito europeu, berço e fonte
de toda a nossa legislação, tem sido fértil a produção do Tribunal Eu­
ropeu dos Direitos do Homem sobre o assunto.1Sem embargo, o docu­
mento mais importante a tratar da matéria, no âmbito da Comunidade
Européia, é a Recomendação R (80) 11, do Conselho de Ministros, de
27 de junho de 1980, na qual se enfatiza a necessidade de reduzir-se,

1 Para uma referência aos casos julgados pelo TEDH desde 1961 até 1985, consulte-se
V1LAR (1988, pp. 160-162).
por razões humanitárias e sociais, o uso das prisões provisórias nos paí­
ses ao mínimo compatível com os interesses da Jusciça, mediante os
seguintes princípios:

1. A detenção provisória somente pode ser decretada contra


os que legitimamente sejam suspeitos de haver cometido um
delito e existam razões sérias para crer-se na ocorrência de
perigo de fuga, de obstrução do curso da justiça ou do come-
timento de uma infração grave;
2. Ainda que existam, esses perigos somente justificam a prisão
provisória de modo excepcional, para responder a situações
particularmente graves.
3. Para decretar a prisão provisória, o juiz deverá levar em
consideração as peculiaridades do caso concreto, particu-
lamente as circunstâncias relativas à natureza da infração
penal, a importância dos índícios que pesem sobre o sujei­
to passivo da medida, a pena susceptível de ser-lhe impos­
ta em caso de condenação, a personalidade, os antecedentes
judiciais do réu, sua situação pessoal e social e seus vínculos
sociais, e, por último, o comportamento do réu, sobretudo
em relação às obrigações que lhe foram impostas em processo
penal anterior.
4- A prisão provisória não deve ser ordenada se a privação da
liberdade é desproporcional em relação à natureza do crime
atribuído ao réu e à pena a ele correspondente.
5. Toda decisão que decrete a prisão provisória deve indicar o
mais precisamente possível o seu objeto, e ser especialmente
motivada.

E, naquilo que mais diz respeito ao tema ora em exame, a Re­


comendação R (80) 11 afirma a ideia de que a autoridade judiciária,
para poder decretar a prisão cautelar (provisória), deve examinar
se alguma medida alternativa pode ser aplicada no lugar da prisão.
Parece, enfim, haver um consenso de que a prisão-cautela possui
os inconvenientes e malefícios da prisão-pena, com o agravante de que
nem mesmo pode servir como meio de ressocialização ou reeducação
do preso, se é que isso pode ainda ser defendido como um dos objetivos
da pena em sistemas penitenciários com perfil similar ao do brasileiro.
Logo, se a pena privativa de liberdade, como zênite e fim último
do processo penal, é um mito que desmorona paulatinamente, nada
mais racional do que também se restringir o uso de medidas homólo­
gas (não deveriam ser) à prisão-pena, antes da sentença condenatória
definitiva. E dizer, se a privação da liberdade como pena somente deve
ser aplicada aos casos mais graves, em que não se mostra possível e
igualmente funcional outra forma menos aflitiva e agressiva, a privação
da liberdade como medida cautelar também somente há de ser utili­
zada quando nenhuma outra medida menos gravosa puder alcançar o
mesmo objetivo preventivo.
A tal conclusão se chega com maior facilidade quando se relembra
que a prisão cautelar é aplicada a quem ainda é considerado inocente,
ou, pelo menos, deve ser tratado como tal. Ora, se mesmo em relação
a quem já foi considerado culpado a prisão é vista como um mal, um
mal necessário, o que dizer de aplicar-se igual privação de liberdade a
quem não foi julgado? No mínimo, que se trata de um mal, necessário
que seja, ainda maior.

2, A Abandonada Bipolaridade Cautelar do Sistema


Brasileiro

Na primeira edição deste livro, acentuamos uma característica


do sistema processual penal brasileiro, no que se referia às medidas
cautelares. Permeado pela mesma carga científica e ideológica dos lon­
gínquos anos 40 do Século XX, quadra histórica na qual estávamos
mergulhados em uma visão de mundo absolutamente distinta da atual,
com costumes bem diversos, com uma economia de mercado ainda ine­
xistente e uma sociedade regida por valores e condicionamentos que o
tempo cuidou de modificar radicalmente.
Nosso sistema processual penal trabalhava, no tocante ao tema
objeto deste estudo, com soluções antípodas, é dizer, ou o acusado res­
pondia ao processo com total privação de sua liberdade, ou, então, lhe
era concedido o direito à liberdade dita “provisória”, quer mediante o
simples compromisso de comparecimento aos atos processuais (no caso
da liberdade provisória sem fiança), quer, se exigida a fiança, mediante
a obrigação de não mudar de residência sem autorização judicial e de
não ausentar-se por mais de oito dias sem comunicar ao juiz. Assim, a
única medida cautelar alternativa è prisão ad custodiam em nosso país
era a liberdade provisória, que se qualificava, por ser mero substitutivo da
prisão em flagrante, como uma contracautela.
Saliente-se, a propósito, que nosso sistema não admitia subme­
ter alguém ao regime de liberdade provisória sem que estivesse previa­
mente preso em flagrante. Em outras palavras, se alguém respondesse
ao processo solto, não poderia ser submetido ao regime de liberdade
provisória - que importava obrigações processuais - , pois esta pressu­
punha que o acusado tivesse sido preso em flagrante, ou, quando muito,
preso em razão de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível,
se admitida a autonomia jurídica dessas duas modalidades de prisão.
É importante enfatizar que a liberdade provisória, no sistema en­
tão vigente, não substituía a prisão preventiva (ou mesmo a temporá­
ria), medidas inconciliáveis entre si. Quem estivesse preso a título de
prisão preventiva stricto sensu ou a título de prisão temporária poderia
ser posto em liberdade quer por revogação da cautela, ante sua desne­
cessidade, quer por relaxamento da prisão ou concessão de ordem de
habeas corpus, em face da ilegalidade da custódia. Em ambas as hipóte­
ses o réu era posto em liberdade sem assumir qualquer dever processual
e sem sujeitar-se às obrigações a que aludiam os artigos 310, 327 e 328
do Código de Processo Penal porque, repita-se, não era beneficiário de
liberdade provisória, mas de liberdade pura e simples.
Antes, portanto, da Lei 12.403/11, existia uma única medida
alternativa à prisão cautelar: a liberdade provisória (ou, se ilegal a pri­
são, o seu relaxamento, hipótese em que nenhuma obrigação era im­
posta ao autuado).
A liberdade provisória, por conseguinte, era considerada uma
medida de contracautela, que traduzia uma situação intermediária entre
a liberdade total, sem qualquer vínculo, e a prisão cautelar.

3. O Novo Sistema Cautelar

Em 2001, como parte de uma política de reformas pontuais do


Código de Processo Penal, o Poder Executivo remeteu ao Congresso
Nacional vários projetos de lei, entre os quais o PL 4.208/01, cujo de­
clarado propósito era o de “proceder ao ajuste do sistema às exigências
constitucionais atinentes à prisão e à liberdade provisória e colocá-lo
em consonância com modernas legislações estrangeiras, como as da Itá­
lia e de Portugal" (Exposição de Motivos).
O texto tramitou por uma década nas duas casas legislativas, so­
frendo algumas modificações ao longo desse período, até resultar na Lei
n2 12.403/11, cujo artigo 319 (complementado pelo artigo 320) restou
assim redigido:

CAPÍTULO V
DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:


I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas con­
dições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados luga­
res quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indi­
ciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o
risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a per­
manência seja conveniente ou necessária para a investigação ou
instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias
de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e tra­
balho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de ativi­
dade de natureza econômica ou financeira quando houver justo
receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de cri­
mes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (artigo 26 do Có­
digo Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o
comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu an­
damento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
§ 1 ° (Revogado).
§ 2 e (Revogado).
§ 3e (Revogado).
§ 4a A fiança será aplicada de acordo com as disposições
do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras
medidas cautelares.” (NR)
"Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunica­
da pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do
território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para en­
tregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.” (NR)

Além dessas alternativas à prisão preventiva, a Lei 12.403/11 pre­


viu a possibilidade de o juiz substituir a prisão preventiva cumprida em
estabelecimento prisional, por prisão domiciliar, em situações bem res­
tritas, indicadoras da inconveniência e da desnecessidade de se manter
o recolhimento em cárcere.
Nenhuma dúvida parece existir de que a prisão domiciliar é ape­
nas um modo menos oneroso de cumprir—por razões humanitárias —a
prisão preventiva. É dizer, o acusado tem contra si um decreto de prisão
preventiva, por estarem presentes os Tequisitos legais (artigos 311, 312
e 313 do CPP), mas, ao invés de cumprir tal medida em estabelecimen­
to prisional, é autorizado, nos estritos limites da lei, a permanecer preso
em sua própria residência.
A prisão domiciliar consistirá, nos termos dos artigos 317 e 318
do CPÍ> no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só
podendo dela ausentar-se com autorização judicial, desde que o agente
se enquadre em uma das seguintes situações: I - maior de 80 (oitenta)
anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III -
imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos
de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês
de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Percebem-se, assim, algumas diferenças dessas hipóteses se com­
paradas às previstas na Lei de Execução Penal (Lei n- 7.210/84) para a
prisão domiciliar, como alternativa ao cumprimento da pena em regime
aberto. Com efeito, enquanto o condenado faz jus ao regime de prisão
domiciliar completados 70 anos de idade, para a prisão domiciliar como
substituto da prisão preventiva a exigência etária é maior, de 80 anos.
Outrossim, se somente a condenada pode obter o benefício da execu­
ção penal em razão da necessidade de cuidados a sua prole (e nesse
ponto a LEP só faz alusão a '‘filho menor”, bem assim a deficientes físi­
cos e mentais) o investigado ou condenado (não faz a lei distinção de
sexo) pode obter tal beneficio processual apenas se a criança for menor
de 6 anos ou deficiente. Por fim, não será qualquer gestante que, como
ocorre na execução penal, poderá postular a prisão domiciliar, mas tão
somente a gestante que se encontrar já no sétimo mês de gravidez ou
quando esta for considerada, e provada, de alto risco.
Com essa nova realidade normativa, passou o juiz da causa a dis­
por de maiores opções —que não apenas a liberdade provisória - para
a proteção dos bens e interesses que estejam sob ameaça em razão da
existência de um processo penal, sem, necessariamente, sacrificar total'
mente a liberdade do acusado, a quem se impõem obrigações adequa­
das às peculiaridades do caso concreto, de modo proporcional à gravi­
dade do crime e às exigências cautelares.

4. A Mudança de Paradigma do Novo Sistema

Em que pese o avanço da novel legislação, houve falhas de cunho


sistêmico e científico, a denotar a falta de perfeita percepção quanto à
mudança de paradigma decorrente do abandono do sistema anterior. A
principal dessas falhas reside no artigo 321 do CPP com a redação que
lhe deu a Lei n° 12.403/11. Tal preceito normativo dispõe, com nosso
destaque: "ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se
for o caso, as medidas cautelares previstas no artigo 319 deste Código e
observados os critérios constantes do artigo 282 deste Código.
Ora, as medidas alternativas à prisão preventiva não pressupõem,
ou não deveriam pressupor, a inexistência de requisitos ou do cabi­
mento da prisão preventiva, mas sim a existência de uma providência
igualmente eficaz (idônea, adequada) para o fim colimado com a medi­
da cautelar extrema, porém com menor grau de lesividade à esfera de
liberdade do indivíduo.
E essa, precisamente, a ideia da subsidiariedade processual penal,
que permeia o princípio da proporcionalidade, em sua máxima parcial
(ou subprincípio) da necessidade (proibição de excesso): o juiz somente
poderá decretar a medida mais radical —a prisão preventiva - quando

1 Merece destaque, na redação, a mudança do verbo que denota o poder judicial de


decidir sobre a liberdade do réu. De fato, o novo texto dispõe que o juiz, se for o caso,
“deverá'1 conceder a liberdade ao acusado, abandonando a expressão “poderá", cons­
tante da redação anterior do artigo 310 do CPP (que tratava da concessão da liberdade
provisória do autuado).
não existirem outras medidas menos gravosas ao direito de liberdade do
indicado ou acusado por meio das quais seja possível alcançar os mes-
mos fins colimados pela prisão cautelar.
Trata-se, como já dito no Capítulo IV (item 1.9), de uma escolha
comparativa, entre duas ou mais medidas disponíveis —i n c a s u , a pri­
são preventiva e alguma (s) das outras arroladas no artigo 319 do CPP
- igualmente adequadas e suficientes para atingir o objetivo a que se
propõe a providência cautelar.
Desse modo, é plenamenre possível que estejam presentes os
motivos ou requisitos que justificariam e tomariam cabível a prisão
preventiva, mas, sob a influência do princípio da proporcionalidade e
à luz das novas opções fornecidas pelo legislador, deverá valer-se o juiz
de uma ou mais das medidas indicadas no artigo 319 do CPP desde que
considere sua opção suficiente e adequada para obter o mesmo resulta­
do - a proteção do bem sob ameaça - de forma menos gravosa.
Para tornar esse argumento mais claro, consideremos o exemplo
de alguém que, respondendo a um processo por crime de corrupção
ativa, sinalize a intenção de fugir do país, em virtude de atos concretos
como a venda de seus bens, a lavratura de procuração com amplos poderes
a terceira pessoa, além da compra de passagem para o exterior. Inegavel­
mente se trata de situação concreta em que se mostram presentes todos os
pressupostos e requisitos para a decretação da prisão preventiva.
Isso porque:

1. 0 crime é doloso e punido com pena máxima, privativa de


liberdade, superior a quatro anos, ou seja, a cautela é cabível
(artigo 313 do CPP);
2. há provas da materialidade do crime e há indícios de sua au­
toria, o que satisfaz o pressuposto de qualquer cautela pes­
soal -fu m us camhsi delicti - conforme exigido no artigo 312,
segunda parte, do CPP;
3. encontra-se evidenciada a exigência cautelar, em razão do
perigo que a plena liberdade do agente representa—periculum
libertatis - para a aplicação da lei penal, nos termos da primei'
ra parte do artigo 312 do CPP

Logo, não há dúvidas de que poderia o magistrado, cabível a pri­


são preventiva, decretá-la, pondo a salvo, assim, o bem ameaçado pela
liberdade do agente. No entanto, em avaliação criteriosa, o juiz poderá
entender que, para a mesma proteção ao bem ameaçado pela liberdade
do agente, é adequado e suficiente proibir o indiciado ou acusado de
ausentar-se do País. E, para implementar e tornar mais segura a eficácia
de tal cautela, o magistrado providenciará a comunicação da decisão
às autoridades de fiscalizar as saídas do território nacional e intimará o
indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 horas,
nos termos do artigo 320 do CPP5
No exemplo citado, ao indiciado ou acusado poderá ainda ser
imposta a monitoração eletrônica (inciso IX do artigo 319 do CPP),
restrição à liberdade que, somada à retirada do passaporte, assegurará,
de modo tão idôneo e eficaz quanto a prisão preventiva, porém com
carga coativa menor, a proteção do bem ameaçado pela total liberdade
do indiciado ou réu.
É dizer, semelhante opção judicial produzirá o mesmo resultado
cautelar - evitar a fuga do réu e o conseqüente prejuízo à aplicação da
lei penal - sem a necessidade de suprimir, de modo absoluto, a liber­
dade do acusado. Alem do menor custo pessoal e familiar da medida,
pois o não-recolhimento ã prisão do réu poupa-o, bem assim seus entes
mais próximos, de um sofrimento desnecessário, o Estado também se
beneficia com essa escolha, porquanto poupa vultosos recursos, huma­
nos e materiais, indispensáveis à manutenção de alguém sob custódia,
a par de diminuir os riscos e malefícios inerentes a qualquer encarcera­
mento (lesões corporais, tortura, ou mesmo homicídio, eventualmente

3 Não há como deixar sem registro que a medida cautelar em apreço - proibição de
ausentar-se do País, com recitada do passaporte do indiciado ou acusado - não foi
incluída no rol das medidas cautelares do artigo 319. como constava da versão inicial
do PL 4.201/01. Esse cochilo do legislador possivelmente abrirá uma brecha para ques­
tionamentos acerca da admissibilidade de tal providência cautelar.
cometidos por outros presos ou por carcereiros, transmissão de doenças
infecto-contagiosas, criminalização do preso, estigmatização etc).
E mais. A cabeça do artigo 282 do CPP deixa claro que “as medi­
das cautelares previstas neste Título [o que inclui, desse modo, tanto
a prisão quanto as outras medidas cautelares e a liberdade provisória]
deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investiga­


ção ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,
para evitar a prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstân­
cias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.”

O primeiro inciso é muito claro ao mencionar os mesmos moti­


vos ou circunstâncias que, na letra do artigo 312, primeira parte,
autorizam a decretação da prisão preventiva. Esses motivos emanam
da necessidade de sacrificar a liberdade do investigado ou acusado, por
representar ela um perigo {periculum libertatis) à investigação ou instru­
ção do processo (cautela instrumental), à aplicação da lei penal (caute­
la final) ou à ordem pública ou econômica.
Sendo assim, tanto a prisão preventiva (jtncto sensu) quanto as
demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei nfi 12.403/11
destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do
processo penal (a realização da justiça, cora a restauração da ordem
jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena ao
condenado ou a absolvição do inocente), ou, ainda, a própria comu­
nidade social, ameaçada pela perspectiva de novas infrações penais. O
que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final da cautela, mas
a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
Alegra-nos, no particular, constatar que esse pensamento, já de­
senvolvido na primeira edição deste trabalho, em 2006, encontra resso­
nância no acurado pensamento de LOPES JR (2011, p. 131), ao dizer,
em relação às cautelares pessoais alternativas ã prisão, que "não se trata

J
de usar tais medidas quando não estiverem mais presentes os funda­
mentos da prisão preventiva. (...) A medida alternativa somente deverá
ser utilizada quando perfeitamente cabível a prisão preventiva, mas, em
razão da proporcionalidade, houver uma outra restrição menos onerosa
que sirva para tutelar aquela situação.
Decretar a prisão preventiva ou determinar o recolhimento domi-
ciliar noturno tem, na sua ratio essendi, igual preocupação em proteger o
processo, a jurisdição ou a sociedade, variando apenas a quantidade - se
é que assim podemos nos referir - da liberdade retirada do âmbito de
disponibilidade do investigado ou acusado.
Isso eqüivale a dizer que os motivos justificadores da prisão pre­
ventiva são os mesmos que legitimam a determinação do recolhimento
noturno ou qualquer outra das medidas cautelares a que alude o artigo
319 do CPP sendo equivocado condicionar a escolha de uma dessas
últimas ao não cabimento da prisão preventiva.
Na verdade, a prisão preventiva é, em princípio, cabível, mas a sua
decretação não é necessária, porque, em avaliação judicial concreta e
razoável, devidamente motivada, considera-se suficiente para produzir
o mesmo resultado a adoção de medida cautelar menos gravosa.
Semelhante entendimento é esposado por BARREIROS (apud
MAIA GONÇALVES, 1991, p. 301), quando salienta que qualquer
medida cautelar de natureza pessoal toma como parâmetro as mesmas
circunstâncias que justificam a decretação da prisão preventiva e algo
mais. “E esse algo mais deverá ocorrer porque as circunstâncias que
acabamos de elencar fas que, no Direito lusitano, autorizam a preven­
tiva] são aquelas ocorrências sem as quais nenhuma medida coacti-
va - por mais benigna que se configure - poderá ser decretada; para
a prisão preventiva mais exigente, muito mais exigente, deverá ser o
intérprete."
A ideia toma-se ainda mais clara em sistemas - como o alemão
- em que o dispositivo indica o uso da medida cautelar alternativa à pri­
são como uma medida de “suspensão’1da execução da ordem de prisão.
Vejamos o que prevê o § 116 da StPO:
§ 116. O juiz suspende a execução de uma ordem de detenção
que somente está justificada por perigo de fuga quando medidas
menos radicais atendam suficientemente ao prognóstico de que o
fim da prisão preventiva poderá também ser alcançado por elas.

Mais adiante, no item 4 desse mesmo artigo, reforça-se essa ideia,


ao estabelecer-se que

O juiz pode suspender a execução de uma ordem de prisão


que tenha sido emitida de acordo com o § 112a, quando está
fundado suficientemente no prognóstico de que o imputado
seguirá determinadas instruções e que por isso se alcançará o
fim da prisão.

A leitura desses dispositivos legais torna evidente no direito ale­


mão o que, para nós, ainda não parece suficientemente claro: a liber­
dade obtida por meio da aplicação de uma medida alternativa à prisão
preventiva deixa subsistente a decisão que serve de lastro a tal provi­
dência extrema, pronta, todavia, a ser efetivada se as medidas menos
radicais impostas ao acusado e que lhe permitem manter sua liberdade
corporal não cumprirem sua finalidade. (MA1ER, 1982, p. 88).
Logo, a dicção normativa do artigo 321, ao condicionar, se for o
caso, a imposição das medidas cautelares - observados os critérios cons­
tantes do artigo 282 do Código - a que estejam “ausentes os requisitos que
autorizam a decretação da prisão preventiva”, suscita a seguinte indagação;
Com base em quê será autorizada a providência cautelar menos
gravosa, dentre as previstas no artigo 319?
Haja vista que os requisitos das cautelares indicados no artigo 282,
I, se aplicam a quaisquer das medidas previstas em todo o Título IX do
CP3 não será o periculum Ubertatis - que também justifica uma prisão
preventiva - o fundamento para autorizar, por exemplo, a proibição de
o réu manter contato com uma testemunha (inciso III do artigo 319
do CPP) que se diz ameaçada pelo acusado para não depor contra ele?
Decerto que nem todas as medidas cautelares possuem os mesmos
requisitos exigidos para a decretação da medida restritiva extrema. For­
çoso, então, concluir que pode ser cabível uma medida cautelar pessoal
qualquer e não ser cabível a prisão preventiva.
Deveras, para a decretação de uma prisão preventiva, é mister,
nos termos do artigo 313, inciso I, do CPFJ que o crime seja punido
com pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, ou que se
trate de uma das hipóteses previstas nos incisos II e III, bem como no
parágrafo único, do mesmo dispositivo.
Já para a decretação de uma das medidas cautelares previstas no
artigo 319 do CPI? a única vedação que se faz é quanto à infração “a
que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena
privativa de liberdade." (artigo 283, § 1Q, do CPP). Divergimos fron-
talmente, nesse particular, da posição de LOPES JR (2011-B, p. 120),
segundo quem as medidas cautelares em geral seguem as mesmas limi­
tações previstas para a prisão preventiva (artigo 313 do CPP), o que
tornaria "incabível qualquer das medidas cautelares diversas se, por
exemplo, o crime for culposo ou com apenamento máximo inferior a 4
anos, (grifo original)11
Assim, os requisitos que autorizam a decretação de uma prisão
preventiva podem justificar a imposição das medidas cautelares refe­
ridas no artigo 319 do CPP mas os requisitos que autorizam essas me­
didas nem sempre serão bastantes para impor ao indiciado ou acusado
uma prisão preventiva.
Em suma, e empreendendo-se uma análise global da Lei ne
12.403/11, é possível concluir que a reforma abandona o sistema bipo-
lar - prisão ou liberdade provisória - e passa a trabalhar com várias
alternativas à prisão, cada qual adequada a regular o caso concreta-
mente examinado. Então, pelo novo sistema, o juiz, nos termos do arti­
go 282 do CPP deverá observar:

1. se a plena liberdade do investigado ou acusado representa um


risco (periculum libertatis) que justifica a necessidade da caute-
la, para resguardar a aplicação da lei penal, a investigação ou
a instrução criminal, ou, nos casos expressamente previstos,
para evitar a prática de infrações penais;
2. se está presente o pressuposto básico de qualquer cautela, ou
seja, prova da existência de um crime e indícios suficientes de
autoria (fumus comissi delicti) ;
3. a adequação da medida à gravidade do crime, às circunstân­
cias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado.
Capítulo VI

1. Das Novas Medidas Cautelares

A Lei 12.403/11, ao modificar grande parte dos dispositivos que


compõem o Título IX do Código de Processo Penal, promove substan­
ciais mudanças no sistema cautelar penal.
São indicadas 9 (nove) medidas de natureza cautelar, hábeis a
substituir a prisão preventiva, que há de ser reservada para os casos
em que a providência menos gravosa seja considerada inadequada ou
insuficiente à proteção do bem ameaçado pela irrestrita e plena liber­
dade do indiciado ou acusado.
Releva enfatizar que as medidas a seguir comentadas podem ser
aplicadas “isolada ou cumulativamente” (artigo 282, § l e), por decisão
adotada “de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso
da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou
mediante requerimento do Ministério Público” (artigo 282, § 2S), e,
ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida,
após dar oportunidade ao acusado para manifestar-se sobre o pedido
(artigo 282, § 32).
De todo modo, ao analisar o caso concreto, para fins de ava­
liação do cabimento e da escolha da medida ou das medidas a serem
aplicadas, deverá o magistrado observar, nos termos do artigo 282
do CPP a
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou
a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a
prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do
fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Também é importante anotar que as medidas cautelares alter­
nativas ã prisão preventiva podem, em regra, ser aplicadas a autores
de quaisquer infrações penais a que se cominar pena privativa de
liberdade, o que inclui crimes culposos e crimes a que a lei preveja
a possibilidade de substituição da pena, com a ressalva do que dis­
semos quando tratamos da proporcionalidade em sentido estrito, no
Capítulo IV
Há tão somente duas restrições à possibilidade de imposição das
medidas cautelares: a primeira refere-se à internação provisória do acu­
sado, considerado inimputável ou semi-imputável, cautela que apenas
poderá ser aplicada quando se cuidar de crimes praticados mediante
violência ou grave ameaça (artigo 319, inc. VII do CPP); a segunda
restrição diz respeito à fiança, cuja utilização é vedada nas situações
indicadas nos artigos 323 e 324 do CPP
Vale, por derradeiro, recordar que o descumprimento, pelo acu­
sado, de medida aplicada poderá resultar na decretação da prisão pre­
ventiva, como uma espécie de sanção processual ao comportamento de
quem não soube merecer o benefício de medida menos gravosa.
Passemos, então, a uma breve análise de cada dessas medidas
alternativas à prisão cautelar.

1.1. Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas


condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar
atividades

Cuida-se de providência já utilizada como condição do sursis pro­


cessual, na forma do artigo 89, § l e, inciso IV, da Lei 9.099/95.
O objetivo é, principalmente, o de verificar que o acusado con­
tinua à disposição do juízo para a prática de qualquer ato processual.
Implícito também está o propósito de ser o juízo informado sobre
que atividades (escolares, laborativas, sociais etc.) o acusado está exer­
cendo, permitindo ao magistrado acompanhar-lhe os passos na vida co­
tidiana e certificar-se do seu paradeiro.
O legislador pátrio exige que o comparecímento se dê perante a
autoridade judiciária, ao contrário do que ocorre em outros sistemas,
onde se permite que tal obrigação seja satisfeita perante outra autorida­
de (é o caso da Alemanha e da Áustria).
Vale salientar que essa obrigação não se confunde com a que já é
prevista no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal,
qual seja, de comparecímento a todos os atos processuais, bem assim
com a que se fez alusão logo acima - condição do sursis processual. Com
efeito, enquanto o comparecímento periódico a juízo, para informar e
justificar suas atividades, é uma medida cautelar autônoma (que pode
ser acumulada com outra ou outras), o compromisso de comparecimen-
to aos atos processuais é obrigação a que se sujeita o acusado para poder
substituir a prisão em flagrante pelo regime de liberdade provisória; por
sua vez, a medida positivada na Lei 9.099/95 é mera condição para a
validade da suspensão condicional do processo.
As conseqüências de uma e de outras também diferem: o ina-
dimplemento da condição do simis processual pode gerar a revogação
do acordo (§ 4a do artigo 89 da Lei 9.099/95) e a retomada do curso
do processo; o não-comparecimento do acusado a ato processual pode
resultar-lhe a revogação do benefício da liberdade provisória, com o
retomo do réu ao cárcere, não mais a título de prisão em flagrante - que
perde sua autonomia tão logo se veja o juiz a proferir uma das decisões
indicadas no artigo 310 do CPP - mas a título de prisão preventiva, se,
evidentemente, não for adequada e suficiente outra (s) cautelar (es)
menos gravosa (s).

1.2. Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares


quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado permanecer distante desses locais
para evitar o risco de novas infrações

Essa medida cautelar alternativa à prisão já possui um outro obje­


tivo, visivelmente profilático ou preventivo: evitar que a frequência do
réu a determinados lugares possa criar condições favoráveis para a repe­
tição do crime objeto do processo em curso ou mesmo de outros crimes
quaisquer.
Tem-se como certa a ilação de que as circunstâncias e as peculia­
ridades subjacentes a certas práticas delitivas podem ser fatores indu­
tores da criminalidade. O bar que costuma ser freqüentado pelos desa­
fetos do acusado, entre os quais o que veio a se tomar vítima de lesões
corporais, é um exemplo de lugar do qual deve o acusado manter-se
distante, de modo a evitar novas situações criminógenas.
Por não ter uma clara finalidade de proteger o processo ou a juris­
dição penal, e muito menos de assegurar a presença do réu no proces­
so, essa providência se assemelha a uma medida de defesa do próprio
acusado e da sociedade, assumindo, com menor onerosidade, mas com
similar preocupação, função homóloga à desempenhada pela prisão
preventiva para garantia da ordem pública ou econômica. De observar,
no entanto, que a terminologia aqui empregada é mais moderna, além
de ajustada ao que prevê, para as cautelares em geral, a nova redação
dada ao artigo 282, inciso I, parte final, do CPP
A maior dificuldade relativa a essa medida cautelar diz respeito à
fiscalização de seu cumprimento, que demandaria visitas periódicas ao
local cujo comparecimento é vedado ao acusado, por pessoas encarre­
gadas judicialmente desse mister. Daí por que se mostra aconselhável
a cumulação desta medida cautelar com a de monitoração eletrônica
(inciso IX do artigo 319 do CPP), sempre útil nas hipóteses em que se
deve fazer um acompanhamento das atividades e dos deslocamentos do
investigado ou do acusado.

1.3. Proibição de manter contato com pessoa determinada


quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
indiciado ou acusado dela permanecer distante

Trata-se de medida cautelar muito similar à prevista no inciso


anterior, mas com objetivo mais específico, que é o de proteger determi­
nada pessoa, em situação de risco ante o comportamento do acusado.
Enquanto a medida positivada no inciso II visa à proteção da
sociedade em geral ou de pessoas incertas - ainda que circunscritas
a um grupo, como, por exemplo, os empregados e freqüentadores de
determinado estabelecimento comercial - potencialmente coloca­
das sob risco de lesão em face do possível comportamento criminoso
do acusado, em razão de circunstâncias relacionadas ao crime pelo
qual já responde, a cautela aqui referida tem como foco uma dada
pessoa, ou mesmo mais de uma, que, também por fatores inerentes
ao fato criminoso, se veja{m) em situação de vulnerabilidade ante a
presença física do réu.
É o caso típico da esposa do acusado que, ameaçada de morte
em momentos de crise conjugal, deva ser mantida longe do marido, de
sorte a obviar situações de discussão que venham a potencializar o risco
de que as ameaças se repitam ou, o que seria pior, se cumpram.
Decerto que também haverá dificuldade de fiscalizar o cumpri­
mento dessa medida, como anotado em relação à providência indicada
no item II. Porém, como aqui as pessoas para cuja proteção se volta a
cautela são as maiores interessadas em que ela seja respeitada, qualquer
tentativa de aproximação por parte do acusado será suficiente para que
tal fato seja levado ao conhecimento do juiz da causa, a fim de que, se
for o caso, decrete a prisão preventiva daquele que descumpriu a obri­
gação assumida judicialmente.
Poder-se-á objetar que, no exemplo ora citado, será impossível a
decretação da prisão preventiva, tendo em vista a circunstância de ser
o crime a que responde o acusado passível de pena máxima não supe­
rior a 6 (seis) meses de detenção (artigo 147 do CPB), insuficiente para
a decretação da medida extrema, em face da redação dada ao artigo
313 do CPP que exige ser o crime punido com pena máxima superior a
quatro anos.
De fato, é muito difícil sustentar a legalidade da prisão pre­
ventiva de quem é acusado de praticar crime de ameaça (salvo na
situação descrita no inciso III do artigo 313 do CPP), antes de fazer
uso de alguma outra medida menos gravosa, dentre as elencadas no
artigo 319 do CPE
E que, com a nova sistemática das medidas cautelares introduzida
pela reforma ora comentada, a prisão preventiva passa a ser, efetiva'
mente, a idtima ratio como providência cautelar dirigida a assegurar não
apenas a manutenção da vida humana ameaçada, mas também, sob o
aspecto processual - e aqui reside, sob a ótica cautelar, a justificativa
endoprocessual da medida a preservação da principal fonte de prova
do crime em apuração.
A questão a merecer reflexão é: será mesmo que o legislador
continuou a impedir a proteção do bem maior - a vida de alguém
- em nome da tutela de um bem evidentemente menos relevante,
embora digno de merecer a necessária e possível proteção estatal - a
liberdade?
No cotidiano do foro é extremamente constrangedor explicar
para vítimas de ameaças que a lei não autoriza a prisão preventiva de
quem as praticou. Os profissionais do Direito a quem cabe a iniciativa
de representar (autoridade policial), requerer (titular da ação penal)
ou decretar (autoridade judiciária) a prisão preventiva não conseguem
disfarçar o mal-estar quando dizem à vítima, desesperada e clamando
proteção, que a lei não permite manter sob custódia aquele que lhes
ameaça matar. E tal mal-estar transforma-se em inútil sentimento de culpa
e impotência quando essas autoridades recebem a notícia de que, por falta
da devida proteção do Estado, a ameaça se concretizou.
Nesse ponto é preciso uma releitura do quadro normativo intro­
duzido com a reforma do sistema cautelar, de modo a perceber a neces­
sidade de que, ao lado das regras técnicas e até de princípios instituídos
e reconhecidos com o propósito de proteger o acusado contra o arbítrio
estatal, se considerem também outros valores, de igual ou maior rele­
vo, subjacentes a um processo penal que deve assegurar proteção penal
eficiente a todos.
Conforme já realçado no Capítulo IY item 1.3, o Estado está
obrigado a assegurar tanto a liberdade do indivíduo contra ingerências
abusivas do próprio Estado e de terceiros quanto a segurança de toda
e qualquer pessoa contra ataque de terceiros - inclusive do acusado -
mediante a correspondente e necessária ação coativa ou punitiva.
Assim, na ponderação de dois interesses em conflito —a liber­
dade do acusado e a vida da pessoa por ele ameaçada —não há como
deixar de, em avaliação serena e racional, fazer pender a balança
a favor do direito à vida, impondo-se ao Estado, por conseguinte,
valer-se do instrumental jurídico para desincumbir-se, a contento,
do seu “dever de proteção penal”, ainda que, para tanto, tenha de
sacrificar, provisoriamente, o direito à liberdade, o qual costuma
permanecer incólume em situações de menor dignidade penal da
infração atribuída ao seu titular.
Observação ainda importante a fazer refere-se ao fato de que
medida complementar à que ora examinamos já integra o ordenamen­
to positivo brasileiro, tanto por força da alteração produzida pela Lei
ne 10.455, de 13 de maio de 2002, que conferiu nova redação ao artigo
69 da Lei 9.099/99 - possibilitando ao juiz determinar, como medida
de cautela, o afastamento do autor do fato do lar, domicílio ou local
de convivência com a vítima quanto pela introdução, via Lei n2
11.340/06 (Lei Maria da Penha), de medidas protetivas de urgência,
elencadas no artigo 22 desse diploma legal.

1.4- Proibição de ausentar-se da Comarca quando a


permanência seja conveniente ou necessária para a
investigação ou instrução

O inciso prevê que a proibição de que o réu se ausente da comar­


ca pode ser determinada quando sua permanência seja conveniente ou
necessária para a investigação ou instrução.
De início, afigura-se inadequado relacionar uma medida cautelar
restritiva da liberdade humana a razões de mera conveniência. A crítica
vale também, a fortiori, para a redação do artigo 312, onde se prevê,
como um dos motivos para a decretação da prisão preventiva, a “con­
veniência da instrução criminal": deveria o legislador limitar-se tão so­
mente a razões de efetiva necessidade da cautela, sob pena de afrontar
a regra da excepcionalidade de toda medida dessa natureza.
De toda sorte, a medida cautelar referida no inciso IV do artigo
319 terá aplicação nas hipóteses em que se deva praticar ato instrutório
para cuja produção seja indispensável a presença física do acusado, tal
como se dá em alguns exames periciais (pense-se no exame de depen­
dência toxicológica ou de verificação de DNA), no reconhecimento
formal do acusado, na reconstituição do crime, na acareação etc., com
a ressalva, por óbvio, de que tais meios de prova dependerão da volun­
tária aquiescência do imputado, protegido que está pelo direito de não
produzir prova que o incrimine (privilege agamst selfincrinunation), na
interpretação elástica que lhe tem sido dada pela jurisprudência pátria.
Este item merece uma explicação a mais, em face da alteração do
texto do Projeto 4 208/01 durante sua tramitação no Congresso Na­
cional. Deveras, na redação do projeto aprovado na Câmara dos De­
putados, o inciso IV do artigo 319 permitia a imposição da cautela de
“IV - proibição de ausentar-se da Comarca para evitar fuga, ou quando
a permanência seja necessária para a investigação ou instrução". O S e­
nado Federal (onde o PL 4-208/01 se transformou no PLC 111, de
2008, sob a relatoria do Senador José Eduardo Cardozo), acertada-
mente complementou tal dispositivo, acrescentando, à proibição de
ausentar-se da comarca, também a proibição de ausentar-se do país.
O inciso IV portanto, na redação final do substitutivo do Senado,
restou assim redigido: “IV - proibição de ausentar-se da Comarca ou
do País, quando a permanência seja conveniente ou necessária para
a investigação ou instrução;"
O único reparo a essa nova redação foi a supressão do motivo
principal para tal providência cautelar, qual seja, “para evitar fuga”,
o qual constava expressamente da versão aprovada na Câmara dos
Deputados.
O fato éque, ao voltar para asua casa original, o PL 4.208/01 aca­
bou recebendo, nesse particular, uma terceira redação, dando origem ao
atual inciso IV do artigo 319, verbis: “IV - proibição de ausentar-se da
Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para
a investigação ou instrução;” prevendo-se, em artigo próprio (320),
que “a proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às
autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional,
intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas.”
É de concluir-se, então, que muito embora o artigo 320 fale de
proibição de ausentar-se do país, com a possibilidade de impor outra
cautela de caráter subsidiário —a retirada do passaporte do indiciado
ou acusado —, a proibição de ausentar-se do país não constou do elenco
das medidas cautelares indicadas no artigo 319. Além disso, a proibição
de ausentar-se da comarca ficou vinculada apenas à necessidade de
proteger a investigação ou a instrução, não indicando 0 objetivo voltado a
evitar a fuga do investigado ou acusado.
Provavelmente essa falha legislativa produzirá questionamentos
judiciais, centrados em alegações de ofensa à legalidade da proibição
de ausentar-se do país e da retirada do passaporte, mas, em uma inter­
pretação sistemática e teleológica, cremos ser possível sustentar que
tais providências cautelares complementam o rol do artigo 319 e se
justificam ante eventual necessidade da cautela para a aplicação da lei
penal (artigo 2 8 2 ,1).
Feita essa ressalva, vale acrescentar que a proibição de ausentar-
-se do país - para evitar a fuga do investigado ou acusado e para, con­
sequentemente, assegurar a aplicação da lei penal - não significará, se
isoladamente aplicada, nada além de mera exortação judicial a que o
acautelado não se ausente do país.
Será mister, por conseguinte, que o juiz se valha de outras provi­
dências cautelares autorizadas pela reforma, a saber, o comparecímento
periódico em juízo (artigo 319, inc. I) e a comunicação da proibição às
autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional,'
cumuladas com a retirada do passaporte do iminente evasor, no prazo
de 24 (vinte e quatro) horas (artigo 320).
Com tais providências, dificilmente se sustentará qualquer prisão
preventiva decretada para impedir a fuga do acusado, a menos que se
mostre provável que ele planeja empregar meios ilícitos para a fuga (fal­
sificação de passaporte, corrupção de agentes responsáveis pelo con­
trole de aeroportos etc.)- Mesmo assim, acentue-se a dificuldade a ser
enfrentada pelo acusado de manter-se muito tempo foragido, visto que,
no mundo globalizado atual, os povos se interconectam facilmente, e
cada vez mais estabelecem regras de direito internacional e procedi­
mentos policiais voltados a impedir que autores de crimes comuns, fugi­
tivos, permaneçam impunes.

1.5. Recolhimento domiciliar no período notumo e nos dias de


folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos

Neste inciso se prevê medida cautelar muito similar, ainda que


com objetivos diversos, à prisão-albergue (artigo 93 da LEP), destinada
aos presos definitivos que cumprem a pena em regime aberto (artigo
36 do CPB) ou dos que cumprem pena de limitação de fim de semana
(artigo 48 do CPB).
Assim como ocorre em relação aos presos definitivos que cumprem
suas penas sob tais condições, a medida cautelar em exame baseia-se na
autodisciplina e senso de responsabilidade do acusado, que, para não
perder seu emprego e poder manter sua rotina de vida praticamente
intacta, sujeita-se tão-somente à obrigação de não se ausentar de sua
residência durante a noite e nos dias em que não trabalha.
O PL 4.208/01 previa que o recolhimento domiciliar somente
poderia ser deferido a quem respondesse a processo por crime puni­
do com pena mínima superior a dois anos, a indicar que o seu uso
seria direcionado a pessoas acusadas de crimes mais graves, excluin­
do de igual benefício aqueles a quem se atribuem crimes de média
potencialidade lesiva.
Dissemos, na primeira edição deste livro, que essa opção legisla­
tiva não se mostrava feliz. A uma, porque, se o propósito do legislador
reformista era o de reservar tal medida cautelar, alternativa à prisão
preventiva, a crimes mais graves (pena mínima superior a dois anos),
acabou por excluir do âmbito de incidência dessa medida alguns crimes
também relativamente graves, embora punidos com pena mínima infe­
rior ou igual a dois anos de reclusão (de que são exemplos os crimes de
quadrilha ou bando, favorecimento à prostituição, rufianismo, estelio­
nato, furto, lesões corporais graves etc.). A duas, porque, se o objetivo
era precisamente o de permitir ao magistrado uma opção intermediária
entre as duas que lhe seriam então permitidas - conceder liberdade
provisória ou decretar a prisão preventiva não haveria sentido em
afastar essa opção precisamente em crimes de menor gravidade, quan­
do, para satisfazer as exigências cautelares, bastava que se assegurasse a
permanência do acusado em sua residência, nos dias de folga e durante
o período noturno.
Em suma, se prevalecesse a redação original do projeto, estaria
afastada a lógica que deve nortear a avaliação das medidas cautelares
alternativas à prisão, que devem estar sempre condicionadas ao exame
da suficiência, adequação e proporcionalidade da providência.
Felizmente houve a devida correção do projeto: a Lei nfi 12.403/11
não fez qualquer distinção, na redação dada ao inciso V do artigo 319
do CPR quanto à gravidade ou espécie de crime a ensejar, ao seu autor,
a aplicação da medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno.
Vale registrar que o recolhimento domiciliar noturno e nos dias de
folga não se confunde com a prisão domiciliar de que tratam os artigos
3 1 7 e 3 l8 d o CPFJ embora em ambas as hipóteses se tenha como propó­
sito obviar a prisão preventiva.
A prisão domiciliar prevista no Capítulo IV é justificada por
razões humanitárias, visto que se aplica às situações em que o sujeito
passivo da medida é, nos termos do artigo 318, maior de 80 anos (inciso
I), extremamente debilitado por motivo de doença grave (inciso II),
imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos
de idade ou com. deficiência (inciso III) ou gestante a prtir do 7e mês de
gravidez ou sendo esta de alto risco (inciso IV).
Já o recolhimento domiciliar noturno, positivado no Capítulo V
(artigo 319, inciso V) cinge-se aos critérios de idoneidade e suficiência
da medida, como alternativa à prisão preventiva, para a salvaguarda do
direito ameaçado pela completa liberdade do acusado.
Em outras palavras, tanto uma quanto outra das mencionadas
medidas cautelares assentam-se em pressupostos fáticos inerentes a
toda medida dessa natureza -fum us comissi delicti —e se mostram úteis
e suficientes como alternativa à prisão ad custodiam. A primeira, porém,
pode ser compreendida como uma espécie de prisão preventiva atenua­
da, já que impõe ao acusado a obrigação de manter-se dentro de sua
residência, salvo autorização judicial expressa (artigo 317). A segunda
é, efetivamente, uma modalidade menos gravosa de manter alguém em
regime de liberdade parcial, já que se lhe permite trabalhar durante o
dia, recolhendo-se à residência apenas à noite ou nos períodos de folga.
Dito ainda de modo mais simples, a prisão domiciliar a que faz
menção o artigo 317 está mais para a prisão preventiva enquanto o
recolhimento domiciliar referido no artigo 319, inc. Y está mais para a
liberdade provisória.
A maior dificuldade de uma e de outra medida diz respeito ao seu
efetivo cumprimento, a requerer um meio eficaz de vigilância, o que
pode ocorrer de diversas formas, conforme a necessidade do caso con­
creto ou as conveniências e disponibilidades administrativas.
A modalidade mais simples de vigilância é a policial, na qual são
estabelecidas rondas diumas e noturnas para verificar se o sujeito pas­
sivo da medida permanece em sua residência (prisão domiciliar) ou se
a ela retoma e ali fica durante a noite e nos dias de folga (recolhimento
domiciliar).
Outra possibilidade a ser considerada, para impedir ou ao menos
dificultar o descumprimento dessa obrigação, é o arbitramento de um
valor a título de fiança (também elencada como medida cautelar passí­
vel de ser cumulada com qualquer outra, na forma do artigo 319, inciso
VIII e seu parágrafo único).
Nenhuma outra medida de controle, porém, parece ser tão efi­
caz - embora mais dispendiosa - quanto a monitoração eletrônica
(artigo 319, inciso IX), que implica a instalação de equipamentos,
móveis ou fixos, junto ao próprio corpo do acusado, ou em sua resi­
dência, de modo a permitir a vigilância à distância, conforme iremos
detalhar mais adiante.

1.6. Suspensão do exercício de função pública ou de atividade


de natureza econômica ou financeira quando houver
justo receio de sua utilização para a prática de infrações
penais

Trata-se de medida destinada a regular aquelas situações em que


o acusado, permanecendo desimpedido de exercer sua função pública
ou atividade de natureza econômica ou financeira, possa vir a praticar
nova infração penal, valendo-se dessa função ou atividade.
E, portanto, providência cautelar bem direcionada e específica, a
ser utilizada principalmente para a criminalidade de colarinho branco
—mas não apenas —, em que o sujeito ativo da infração penal costuma
deter certo poder político ou econômico com o qual tem facilidade para
interferir na prova do crime ou mesmo para a reiteração delitiva. Em
qualquer dessas situações haverá razão suficiente para justificar uma
prisão preventiva,. quer para assegurar a instrução criminal, quer para
garantia da ordem publica ou econômica.
Obviamente que a providência indicada neste inciso é útil apenas
para aquelas infrações penais que decorrem do exercício de uma função
pública (pensemos, por exemplo, em atos de corrupção ativa e passiva,
ou em prevaricação) ou de atividade econômica ou financeira (gestão
temerária ou fraudulenta de instituição financeira, por exemplo), não-
servindo, portanto, para evitar outros crimes não relacionados a tais
circunstâncias laborativas.
1.7. Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes
praticados com violência ou grave ameaça, quando os
peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável
(artigo 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração

A medida indicada neste inciso visa a prevenir a possível reitera­


ção delitiva na hipótese em que o acusado apresente quadro psíquico
de inimputabilidade ou de semi-imputabilidade e represente, em face
do modo com que teria cometido o crime - mediante violência ou gra­
ve ameaça - um perigo para a sociedade.
Não há distinção assinalada entre quem já era, por assertiva peri­
cial, inimputável ou semi-imputável ao tempo do crime e aquele outro
que teve a enfermidade psíquica supressora ou redutora de sua imputa­
bilidade desenvolvida após a infração penal.
Essa diferenciação perde relevância desde que se tenha a medida
ora analisada como efetivamente de cunho cautelar, destinada a pro­
teger a ordem pública, potencialmente ameaçada pelo comportamento
perigoso do acusado, assim definido por prova pericial. A situação hipo­
tética renderia ensejo à decretação de prisão preventiva - presentes,
evidentemente, os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Pro-
çesso Penal substituível, porém, pela internação provisória do acusa­
do, providência menos gravosa.
Essa nova figurar cautelar vem preencher a lacuna do sistema nor­
mativo anterior, em que, embora prevista a possibilidade de imposição de
medida de segurança provisória (artigo 152, § Ia, do CPP), consistente na
“internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabeleci­
mento adequado", afastava-se a validade desse dispositivo legal.
De toda sorte, no regime normativo anterior à Lei ns 12.403/11 a
inimputabilidade, antes ou depois do crime, não servia de impedimento
para que, presentes os pressupostos e requisitos dos artigos 312 e 313
do CPP fosse decretada a prisão preventiva do acusado, com recolhi­
mento, por óbvio, não a uma penitenciária comum, mas a um estabe­
lecimento adequado para a custódia do preso inimputável, ou mesmo
a uma ala psiquiátrica separada pertencente ao presídio reservado ao
preso provisório.
Agora, ao invés de, em casos tais, decretar-se a prisão preventiva,
bastará fazer uso da providência cautelar inscrita no inciso VIII do arti­
go 319 do CPI] a qual se apresenta como medida subsidiária e alterna­
tiva à prisão preventiva, desde que suficiente (necessária) e adequada à
proteção do bem ameaçado pela liberdade do investigado ou acusado.
Deveras, não se trata mais, frise-se, de “medida de segurança pro­
visória", mas de possibilidade, em tese, de decretação de prisão cautelar,
substituída, porém, nos termos do artigo 319, inciso VII, pela interna­
ção do réu, se adequada e suficiente para evitar a reiteração criminosa.
Sendo assim, a internação provisória do acusado terá como moti­
vos justificadores os mesmos necessários para a decretação da custódia
preventiva, voltada, todavia, a quem, comprovadamente, se encontre em
estado de inimputabilidade ou semi-imputabilidade (VILAR, p. 238).
Não custa reforçar o alerta de que, por envolver privação da liberdade
de quem ainda não foi definitivamente julgado, essa internação sujeita-se
aos mesmos requisitos inerentes a toda cautela, particularmente os que exi­
gem a observância da motivação judicial, da proporcionalidade (em seus três
aspectos) e da provisoriedade da medida, esta última a impor a revogação da
providência cautelar quando cessados os motivos que a autorizaram.
Merece, ademais, observar que a medida em apreço possui, inequi­
vocamente, um componente material, qual seja, o de pretender facilitar a
recuperação ou a cura psíquica do acusado, quer pela desintoxicação quí­
mica, quer pela assistência psicológica apropriada. A finalidade da inter­
nação, portanto, “será a de pôr o imputado à disposição médica para, com
o devido tratamento, tentar sua cura a fim de poder submeter-se, desse
modo, ao julgamento, e também prevenir, visto ser suspeito de haver come­
tido um delito, para que não se cometam outros crimes, os quais, pelo esta­
do de enfermidade mental, poderiam ser mais graves" (VILAR, p. 241).
Quanto ao tempo de duração da cautela, é imperativo que fique con­
dicionada à manutenção dos seus eventuais motivos justificadores, não
podendo, de qualquer modo, exceder o que seria tolerável em se tratando
da medida mais giavosa substituída, qual seja, a prisão preventiva, na linha
da razoabilidade do prazo máximo definido no exame do caso concreto.

1.8. Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o


comparecimento aos atos do processo, evitar a obstrução
do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à
ordem judicial

Já expressamos, em outra parte deste trabalho (Capítulo III) e alhu­


res (SCHIETTI, 2004), nossa crítica em relação ao instituto da fiança, que
tem servido como se fora uma espécie de preço ou taxa que o indivíduo é
instado a pagar como condição para responder ao processo em liberdade.
E de nossa antiga tradição - ao menos até a década de 70 do Século XX
- considerar a fiança como instrumento usual para a obtenção da liberdade
assim chamada pmvisóriã, nas hipóteses em que o investigado ou acusado
se encontrasse preso em flagrante. Eqüivale isso a dizer que a fiança sempre
foi concebida como uma coraracauleia à prisão em flagrante, não servindo,
porém, como substitutivo da prisão preventiva ou da prisão temporária.
Com a reforma introduzida no Código de Processo Penal pela Lei ns
12.403/11, a fiança passa por uma reformulação conceituai e funcional, in­
tegrando o rol das diversas medidas cautelares diversas da prisão provisória,
Como novas características da fiança podemos destacar:

l e a fiança pode ser agora aplicada a quaisquer crimes, independen­


temente de sua gravidade, salvo nos casos de vedação constitu­
cional (incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5- da C.R.);
2e a fiança passa a ser uma medida cautelar, podendo ser aplica­
da isolada ou cumulativamente com as demais cautelas posi­
tivadas no artigo 319 do CPP;
3e a autoridade policial passa a deter maior poder de decidir so­
bre a liberdade de quem é preso em flagrante, autorizado que
está, pelo artigo 322 do CPI} a arbitrar fiança quando o crime
praticado for punido com pena privativa de liberdade não
superior a 4 (quatro) anos;
4e o valor da fiança passa novamente a ter como referência o salário
mínimo, devendo, em princípio ser fixado de acordo com a pena
máxima cominada para o crime, nos seguintes patamares:
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar
de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau má-
ximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando
o máximo da pena privativa de liberdade cominada for
superior a 4 (quatro) anos.
5e o juiz passa a dispor de uma ampla flexibilidade de aumentar
ou diminuir o valor da fiança, de modo a melhor prover o caso
concreto, de acordo com a situação econômica do preso, po­
dendo reduzir a fiança em até 2/3 ou aumentá-la em até 1.000
(mil) vezes;
6e a fiança, por ser uma (entre tantas outras) medida cautelar,
pode ser imposta ao investigado ou acusado que esteja em li-
berdade, abandonando-se a lógica anterior - como assinalado
no Capítulo V, item 2 - de que a fiança se destinava apenas a
substituir a prisão em flagrante.1
7S Outra importante mudança diz respeito ao quebramento da
fiança e aos seus consectários. O quebramento da fiança ocor­
rerá, nos termos do artigo 341 do CP? quando o acusado:

I Nesse ponto o PLS 156/09, aprovado no Senado Federal, foi bem claro, ao prever, no
artigo 567, § 1B, verbis; “No cuiso do processo, a fiança poderá ser exigida do réu solto,
se a medida for necessária para assegurar o seu comparecímento, preservar o regular
andamento do feito ou, ainda, como alremativa cautelar à prisão preventiva”. Aliás, o
Código de Processo Criminal de Primeira Instância, de 1832, já previa, em seu artigo
106, que “A n. 106. Afiançada, pu depositada a quantia, será dado ao réo contramanda-
do para não ser preso, soitando-se immediatamente, quando o esteja." Observa, a pro­
pósito, J. A. PIMENTA BUENO, que a fiança, na legislação imperial, era cabível “em
todo e qualquer estado da causa ou processo, esteja o réu preso ou solto, compareça por
si ou por procurador, penda a decisão da primeira instância ou já do ju(zo da apelação"
(1057, p. 109).
I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de
comparecer, sem motivo justo;
II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento
do processo;
III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente
com a fiança;
IV - resistir injustificadamente a ordem judicial;
V - praticar nova infração penal dolosa.

Por sua vez, o artigo 343 do CPP reforça o caráter excepcional da prisão
preventiva, ao estabelecer que o quebramento injustificado da fiança impor­
tará na perda de metade de seu valor, mas não implicará automática decreta­
ção da cautela extrema, cabendo ao juiz "decidir sobre a imposição de outras
medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.”
Cuida-se de salutar providência, que visa a conferir maior efeti­
vidade a uma medida que se apresenta como alternativa à prisão pre­
ventiva. Com efeito, ao invés de somente impor ao afiançado, a par do
ônus financeiro, as obrigações indicadas nos artigos 327 e 328 do CPP
{comparecimento aos atos do inquérito e do processo, comunicação do
local onde estará hospedado, em caso de ausência por mais de oito dias
de sua residência, bem assim permissão judicial em caso dc mudança),
a novel legislação exige maior compromisso do afiançado com o bom
andamento do processo e com o seu próprio comportamento pessoal.
Por outra angulação, o afiançado não será mais recolhido ao cár­
cere, de modo inexorável, ante o descumprimento de uma das obriga­
ções elencadas nos artigos 327, 328 e 341 do CPFJ pois deverá o ma­
gistrado avaliar se as medidas menos gravosas ainda disponíveis podem
prover de modo satisfatório as exigências cautelares do caso concreto.

1.8.1. Críticas à Nova Configuração da Fiança

Sem embargo dessas importantes alterações no instituto da fiança,


entendemos que a nova normativa contém um grave erro conceituai,
na definição do cabimento da fiança. É que, além das vedações consti-
tucionais à concessão da fiança previstas no artigo 323 do CPP ou “nos
casos de prisão civil ou militar” (inciso II do artigo 324), bem como dos
impedimentos a que se beneficiem dessa medida quem houver “quebra­
do fiança anteriormente concedida ou infringido, sem justo motivo, as
obrigações a que se referem os arts. 327 e 328", a lei prevê, no inciso IV
do artigo 324, o não cabimento da fiança “quando presentes os motivos
que autorizam a decretação da prisão preventiva (artigo 312)”.
Ora, conforme procuramos salientar no capítulo anterior - vale
repetir as medidas alternativas à prisão preventiva não devem pres­
supor a inexistência de motivos ou requisitos para a decretação daquela
prisão, mas sim a existência de uma providência igualmente eficaz para
o fim colimado com a medida cautelar principal, porém com menor
grau de Iesividade à esfera de liberdade do indivíduo.
Trata-se de uma escolha comparativa, entre duas ou mais dispo­
níveis - in casu, a prisão preventiva e alguma (s) das outras medidas
elencadas no artigo 319 do CPI? inclusive a fiança - igualmente idôneas
para atingir o objetivo a que se propõe com a providência cautelar.
Desse modo, é plenamente possível que estejam presentes os
motivos ou requisitos que justificariam a prisão preventiva, mas, sob a
influência do princípio da proporcionalidade e à luz das novas opções
fornecidas pelo legislador, deverá valer-se o juiz de uma ou mais das
medidas indicadas no artigo 319 do CPIj desde que considere sua opção
suficiente e idônea para obter o mesmo resultado - a proteção do bem
sob ameaça - de forma menos gravosa.
Assim, havendo risco de que a aplicação da lei penal se encon­
tre ameaçada de não efetivar-se em razão da fundada suspeita de que
o acusado pela prática de crime punido com pena de reclusão está na
iminência de fugir - motivo bastante para a decretação da prisão pre­
ventiva - , bastaria ao juiz condicionar a manutenção da liberdade do
acusado ao pagamento de fiança em quantia elevada, à qual poderiam
acrescer-se, para maior efetividade da cautela, outras obrigações cons­
tantes do rol artigo 319 do CPP como, v.g., a proibição de ausentar-se
do país (inc. IV) e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias
de folga (inc. V), determinando-se, outrossim, a fiscalização das fronteiras
do país e a entrega, pelo acusado, de seu passaporte (artigo 320).
Essa opção judicial produziria o mesmo resultado - evitar a fiiga
do réu e o conseqüente prejuízo à aplicação da lei penal - sem a neces­
sidade de privar o acusado de sua liberdade de modo absoluto.
Ao contrário do sistema atual, que não permite arbitrar fiança
se presente motivo para a preventiva, a interpretação teleológica que
deve agora prevalecer - contrária à interpretação literal, que conduz a
resultado totalmente diverso - passa a admitir que, ao invés de decretar
a prisão preventiva, poderá o magistrado optar por impor ao acusado
medida igualmente eficaz e suficiente para o fim colimado pela provi-
dência cautelar, porém sem sacrifício à liberdade do réu.
Na verdade, a prisão preventiva é cabível, mas a sua decretação
não se mostra necessária, porque, em avaliação judicial concreta e
razoável, devidamente motivada, considera-se suficiente para produzir
o mesmo resultado a adoção de medida cautelar menos gravosa.
Em reforço ao que já dissemos no capítulo anterior, resta clara a
impressão de que, muito embora se tenha avançado para outro modelo
normativo, o reformador permaneceu com um pé fincado no sistema
cautelar anterior, o qual, insista-se, trabalhava apenas com duas hipóte­
ses: prisão cautelar ou liberdade provisória, sendo esta apenas possível
de ser deferida, com ou sem fiança, ante a ausência de motivo para a
prisão preventiva.
Outro aspecto que não pode passar em branco na crítica constru­
tiva que se faz ao novo texto legal diz respeito à manutenção da regra
que permite à autoridade policial, no ambiente de uma Delegacia de
Polícia, arbitrar a fiança, “nos casos de infração cuja pena máxima de
prisão não seja superior a quatro anos”.
Vê-se que a proposta confere ainda mais poder à autoridade poli­
cial do que a redação anterior do CPP a qual autorizava a fiança em
Delegacia apenas aos crimes punidos com pena de detenção ou prisão
simples (artigo 322).
Entendemos que o Fórum - e não uma repartição administrativa
- é o ambiente mais adequado e seguro para a prática de tão impor­
tante ato processual como é o da concessão de liberdade provisória ao
indivíduo preso em flagrante. Dessa tarefa há de incumbir-se o magis­
trado, garante dos direitos do preso, e não quem exerce funções ligadas
essencialmente à investigação de crimes, nem sempre compatíveis com
a função de tutelar a liberdade humana.
Para obviar eventual e justa crítica de que tal medida redunda­
ria em atraso na soltura do autuado, quando cabível, bastaria que se
estabelecesse o direito do réu em ser conduzido, tão logo lavrado o
auto de prisão em flagrante, à presença da autoridade judicial, para ser
ouvido informalmente e para avaliar-se o cabimento, ou não, de liber­
dade provisória, com ou sem fiança, providência, aliás, já passível de ser
colocada em prática, bastando aos juizes dar cumprimento ao disposto
no artigo 7a, item 5, do Decreto 678/92 (Convenção Americana sobre
Direitos Humanos).
De notar-se, aliás, que a nova redação do artigo 310 do CPP já
seria suficiente para dar solução rápida à pré-cautela imposta ao preso
pelo Delegado de Polícia, sem necessidade de outorgar a esta autori­
dade também o poder de soltar o autuado. Expliquemo-nos: se o pro­
pósito do legislador, ao prever a possibilidade - agora ampliada - de o
próprio Delegado de Polícia arbitrar fiança foi o de restituir a liberdade
ao preso, o mecanismo positivado no artigo 310 do CPP já bastaria
para prover a situação, porquanto, recebendo o juiz o auto flagrancial
até 24 horas após a realização da prisão (§ l 9 do artigo 306 do CPP),
ela somente será mantida se, a par de legal, não puder ser substituída
por medida cautelar pessoal alternativa à prisão, restando, ainda, ao
magistrado permissão para arbitrar fiança ou até mesmo conceder ao
indiciado liberdade provisória sem fiança.
Logo, para quê autorizar o Delegado de Polícia a soltar o autuado
se, 24 horas após a prisão do autuado, tal providência já poderá ser
determinada por um Juiz de Direito?
1.9. Monitoração eletrônica

No inciso IX o legislador reformista previu a monitoração (ou mo­


nitoramento) eletrônica, medida cautelar subsidiária voltada a conferir
maior grau de eficácia a outras medidas alternativas à prisão, nomea­
damente aquelas que impõem ao sujeito passivo da medida permanecer
em determinado local ou não se aproximar de pessoas ou lugares.
O monitoramento eletrônico foi inventado no início da década de 60,
mas somente utilizado a partir dos anos 80, quando passou a popularizar-se
principalmente nos Estados Unidos da América, onde, em levantamento
feito em 1999, já era utilizado em 95.000 pessoas (ALBERTA, 2000).
Há três principais finalidades associadas ao uso de monitoramen­
to eletrônico: detenção, restrição e vigilância.
Como forma de detenção, o monitoramento eletrônico pode ser
utilizado para assegurar que o indivíduo permanece em determinado
lugar; como forma de restrição, o seu uso destina-se a assegurar que
0 indivíduo não entre em áreas ou locais proibidos, ou se aproxime de
certas pessoas; pode, ainda, servir como meio de vigilância, de modo a
permitir o permanente acompanhamento de pessoa portadora do equi­
pamento (BLACK e SMITH, 2003).
Existem dois tipos de sistema de monitoramento eletrônico. Nos
sistemas ativos, o dispositivo - geralmente um bracelete ou pulseira - é
acoplado ao pulso ou tornozelo do indivíduo e emite um sinal contínuo
que é monitorado por uma central, mais ou menos como se faz em rela­
ção aos sistemas de alarmes residenciais. Nos sistemas ditos passivos, o
indivíduo é contactado periodicamente por telefone no local onde deve
permanecer e é identificado de algum modo (por senha, voz, impressão
digital ou mesmo por scan de retina).
O maior obstáculo ao uso mais freqüente dos sistemas de monito­
ramento eletrônico é o seu elevado custo: nos EUA, em dados de 1999,
estimava-se um dispêndio entre 5 e 25 dólares por dia para cada usuá­
rio, o que redunda em um gasto anual individual oscilante entre US$
1.825 a US$ 9.125 (ALBERTA, 2000).
Há que se ponderar, todavia, que o díspêndio com monitora-
mento eletrônico de pessoas submetidas a restrições em sua liberdade
ambulatorial é compensado pelas vantagens desse meio de fiscalização
do cumprimento das medidas cautelares. As principais são a redução
da população carcerária e o conseqüente alívio do sistema prisional, a
possibilidade de o acusado manter algumas rotinas e atividades, como o
trabalho e o estudo, e a faculdade de permanecer junto ao seu habitat e
ao seu grupo familiar e social. Mas a principal vantagem é, sem dúvida
alguma, a de evitar todos os malefícios pessoais da prisionização (BLA­
CK e SMITH, 2003), já mencionados no Capítulo II deste trabalho.
A monitoração eletrônica, como já dito, é atualmente utilizada
em vários países (Canadá, Reino Unido, Suécia, Suíça, Holanda, Itá­
lia, França, Austrália, Nova Zelândia, Singapura, África Do Sul, entre
outros), que venceram resistências apoiadas em preconceitos que se
mostraram injustificados,2 porquanto, em pesquisas realizadas em algu­
mas das cidades norteamericanas e canadenses que adotaram essa prá­
tica, a expressiva maioria dos próprios usuários se revelou favorável ao
seu emprego (ALBERTA, 2000).
Na Itália, o controllo mediante mezzi elettronici da prisão domiciliar
foi introduzido por reforma legislativa ocorrida em 2000, que conferiu
nova redação ao artigo 275 do Código de Processo Penal, permitindo
ao juiz, com a concordância do acusado, valer-se de tal mecanismo tec­
nológico, desde que o considere “necessário em relação à natureza e ao
grau das exigências cautelares a satisfazer no caso concreto".
Importa destacar que o uso do equipamento acoplado ao corpo do
sujeito passivo da medida não é obrigatório, embora, evidentemente,
seja oferecido como alternativa à prisão cautelar, o que acaba levando
0 acusado a sujeitar-se a essa providência menos gravosa.

2 O principal deles, certamente, tendente a considerar a medida muito invasiva à esfera


de intimidade do indivíduo que se submete a esse meio eletrônico de vigilância, como
se a privação da liberdade, ou a vigilância pessoal do réu não fosse ainda mais danosa
tanto à liberdade ambulatorial quanto à privacidade do indivíduo.
Recorde-se que em 2010 foi sancionada a Lei nQ 12.258/10, a
qual introduziu no sistema normativo brasileiro a possibilidade de
utilização de meios eletrônicos de controle de pessoas que cumprem
pena privativa de liberdade. O texto legal aprovado no Congresso
Nacional previa amplo uso do monitoramento eletrônico pelo juí­
zo da execução penal, mas o então Presidente da República vetou
diversos dispositivos, restando apenas a possibilidade de aplicar o
novo sistema nas autorizações de saída temporária e de prisão domi­
ciliar do detento.
Cremos ser inevitável a crescente utilização deste e de outros
mecanismos de controle de pessoas que estejam sob algum tipo de
vigilância autorizada por lei, mas ainda é preciso muito inves­
timento dos governos estaduais nessa área, haja vista que, na
entrada em vigor da Lei n e 12.403/11, a quase totalidade das uni­
dades da Federação ainda não possuía o sistema de monitoramento
em funcionamento.
Talvez, em futuro não muito remoto, quando as inovações tec­
nológicas oferecerem possibilidades tanto mais eficazes para a ma­
nutenção da ordem pública e quanto menos invasivas à esfera de
liberdade dos indivíduos, possamos olhar para o passado e observar,
como fazemos hoje em relação à escravidão, à tortura e às formas
cruéis de punição de outrora, que já não precisamos recorrer a tais
práticas para responder civilizadamente aos desvios do comporta­
mento humano.

2. Finalidades das Cautelares Alternativas

Quiçá uma das maiores dificuldades na aplicação das novas cau­


telas pessoais será a de decidir, ante as especificidades do caso concreto,
qual (ou quais) das providências indicadas no artigo 319 melhor servirá
para atender às exigências cautelares.
A lei deixa ao juiz uma prudente margem de discricionariedade,
regrada, todavia, por critérios indicados no artigo 282 do CPP Cumpri­
rá então ao juiz:
a) decidir se decreta ou não a cautela pessoal, ante um juízo de
necessidade da medida para o atingimento de um ou mais en­
tre os objetivos indicados no inciso I;
b) escolher qual ou quais das cautelas pessoais é mais adequada
para prover a situação concreta, atento à gravidade do crime,
às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado
ou acusado (inciso II).

Convém relembrar a regra de proibição de excesso materiali­


zada nos artigos 282, § 69 e 310, II, do CPP a indicar a excepciona­
lidade da prisão preventiva, a qual é cabível apenas se as medidas
cautelares diversas da prisão se revelarem inadequadas ou insufi­
cientes para prover a situação concreta. Porém, na apropriada ob­
servação de PACELLI DE OLIVEIRA (2011, p. 14), nem sempre
deverá o juiz optar por providência cautelar alternativa à prisão,
pois “há casos em que, a gravidade do fato, as circunstâncias de sua
execução, aliadas à natureza da ação, a revelar fundado receio de
novas investidas, seja no âmbito da própria vítima e seus familiares,
seja em relação a terceiros, autorizam a decretação da preventiva
desde logo (artigo 311, CPP).”
Feita essa ressalva, é de dizer que, ao examinarem-se as medidas
cautelares diversas da prisão arroladas no artigo 319 do CPP (com o
acréscimo da cautela indicada no artigo 320), percebe-se que algumas
delas fazem referência ao fim a que se propõem, enquanto outras nada
dizem a respeito.
E possível, enrão, fazer uma correlação entre cada uma das
medidas cautelares diversas da prisão e os respectivos fins a que
se dirigem, conforme proposto no seguinte quadro elaborado por
Antônio Suxberger, em exposição sobre o tema, durante curso re­
alizado no Auditório Promotor de Justiça Andrelino Bento Santos
Filho, no Ministério Público do DF e Territórios, entre os dias 27 e
3 0 de junho de 2011.
Segue, então, o referido quadro.
MEDIDAS ALTERNATIVAS À FINS A Q U E SE D ESTIN A M AS CAUTELAS
PRISÃO (CPP, artigo 2 0 2 , 1)
(artigOí 3 1 9 e 320)
Necessidade paia Necessidade Necessidade para
aplicação da lei para a invcS' evitar a prática
penal tigação ou de infrações
a instrução penais (nos casos
crumiul expressaroenre
previstos)

I - comparccimcnto periódico em juízo,


no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, X X
para informar t justificar atividades;

U - proibição de acesso ou frequência


a determinados lugares quando, por cir­
cunstâncias relacionadas ao fato, deva a
indiciado ou acusado permanecer distante
X
desses locais para evitar o risco de nouis
infrações;

H1 ~proibição de manter contato com


pessoa determinada quandi>, por crrcimi-
íâtKUH rdUciowdas ao fatu, deva o indiciado X X
ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se: da
Comarca quando a permanência seja
conveniente ou necessária para a X X
investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período


noturno e nos dias de folga quando o
investigado ou acusado tenha residência e
X
trabalho fixos;

V I x suspensão do exercício de função


pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver X X
juíco receio de sua utilização para a prática
de infrações penais;

V II - internação provisória do acusado


nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça, quando os
peritos concluírem ser inimputável ou X X
srtní-imputável {artigo 26 do Código
Perral) e houver risco de niteração;

VIII - fiança^ nas infrações que a admi­


rem, para assegurar o comparecímento a
âtos do proccàio. evitar a obstrução do X X X
seu andamento ou em caso de resistência
injustificada à ordem judicial;

I X - monitoração eletrônica. X X X
Entrega do passaporte (CPR artigo 320) X X
Tal correlação não é integralmente fornecida pela lei, haja vista
que os incisos I, III, V e IX não fazem expressa referência à finalidade
das respectivas cautelas. De outra angulação, há certas medidas que re­
clamam outras finalidades cautelares além da indicada expressamente.
Cite-se, como exemplo, a fiança, medida cautelar revigorada com
a Lei ne 12.403/11 e que passa a ter uma amplitude infinitamente maior
de aplicação.
Normalmente a fiança tem por objetivo principal assegurar o
comparecimento do afiançado aos atos do processo, sob a premissa de
que terá todo interesse de não descumprir tal obrigação para não perder
metade do valor depositado (artigo 343 do CPP). No entanto, como
também se incluem entre as causas de quebramento da fiança a prática
de nova infração penal dolosa (inciso V do artigo 341) e a não apresen-
taçáo do condenado para o início do cumprimento da pena definitiva­
mente imposta - a implicar perda total da fiança (artigo 344) - pode-se
afirmar que a fiança não visa apenas assegurar o comparecimento a
atos do processo e evitar a obstrução do seu andamento, mas também
objetiva assegurar a aplicação da lei penal e evitar a prática de novos
crimes. Em outras palavras, a fiança atinge os três objetivos de toda
medida cautelar, indicados no inciso I do artigo 282 do CPP
Daí por que PACELLI DE OLIVEIRA (2011, p. 26) conclui que,
“desde que mantida a vinculação da fundamentação da cautelar às fi­
nalidades genéricas de sua concessão (artigo 2 8 2 ,1 e II, CPP), nada im­
pedirá a aplicação de qualquer uma delas, mesmo quando afastada da
definição legal de seu objetivo. Entendimento contrário, além de conduzir
a grave retomo a um arcaico positivismo legalista, em que se vê o legislador
como ser onipotente e incapaz de erros ou limitações, poderá justificar o
incremento e a preferência pela prisão preventiva, sempre que uma finali­
dade cautelar não estiver contida na respectiva definição legal”.
Cumpre, por fim, notar que o inciso VIII do artigo 319 do CPP
alude ainda ao cabimento da fiança “em caso de resistência injustifica­
da à ordem judicial”.
Nada mais obscuro. Se as duas outras justificativas previstas no
mesmo inciso (para assegurar o comparecimento a atos do processo e para
evitar a obstrução do seu andamento) se ajustam, ainda que com diferente
redação, a dois dos objetivos a que se refere o inciso I do artigo 282 do
CPFJ não se sabe, ao certo, o que pretendeu o legislador dizer no final
do inciso VIII do artigo 319 do mesmo codex.
Que tipo de ordem judicial seria essa? Se é uma ordem, certamen­
te tem amparo legal e, em tal caso, a própria lei já prevê alguma sanção,
penal ou processual. Não nos parece constitucional utilizar-se a fian­
ça para sancionar o investigado ou acusado porque deixou de cumprir
uma ordem judicial qualquer. Qual seria a cautelaridade dessa medida?
Em verdade, afigura-se tratar de uma medida punitiva, uma sanção, e
não é para isso, por óbvio, que serve a fiança.
Uma possibilidade aventada na doutrina (PACELLI DE OLIVEI­
RA, 2011, p. 22) é a de que tenha o legislador estipulado um “reforço
de fundamentação quanto à necessidade do comparecimento obrigató­
rio a todos os atos do processo e sempre que a tanto intimado, nos pre­
cisos termos do artigo 327 e artigo 328, CPP” Ainda assim, não vemos
sentido algum na previsão legal.

3. Prazo de Duração das Cautelares

Resta-nos dizer algumas poucas linhas sobre a duração das medi­


das cautelares.
Já tratamos, no Capítulo IV item 1.10, da questão relativa à dura­
ção razoável da prisão provisória.
Ali ressaltamos que, ao contrário do que ocorre em outros países,
como, v.g., na Espanha, onde o artigo 17.4 "in fine" da sua Constituição
estabelece que “(...) por Ley se determinará el plazo máximo de la pri­
sión provisional”, tal mecanismo protetor da liberdade humana não se
verifica no Brasil, à exceção da prisão temporária, sujeita que é ao prazo
máximo de 5 dias, ou, se hediondo o crime imputado ao investigado, 30
dias, prorrogáveis, em ambas as hipóteses, por igual período.
No Brasil, costuma-se calcular a soma dos prazos relativos a cada
ato processual para averiguar-se o total máximo permitido para a dura­
ção da prisão cautelar, o que gera incertezas e dificuldades na definição
desses prazos, os quais, ressalte-se, costumam ser excedidos e tolerados
por juizes e tribunais, inclusive os superiores, com amparo em juízo de
razoabilidade, ante a complexidade da causa, devido ao elevado núme­
ro de acusados ou às dificuldades da instrução.5
Se o tema é ainda sujeito a muitas indefinições no que toca à
prisão provisória, mais ainda o será, doravante, em relação às medidas
cautelares diversas da prisão, que, aparentemente, não possuem um
prazo máximo de duração.
Bem pontifica ZANOIDE DE MORAES (2010, p. 373) que “criar
várias medidas anteriores e menos invasivas aos direitos do cidadão,
quando comparadas com a prisão provisória, não as desnatura como
medidas restritivas e, portanto, excepcionais”.
Estamos de acordo, pois qualquer restrição à liberdade do indiví­
duo - em forma de supressão total, como no caso da prisão provisória,
ou em forma de restrição parcial, como se dá com as cautelas alterna­
tivas - há de ser precedida de criteriosa análise da excepcionalidade,
da adequação e da suficiência da cautela, indicada em decisão funda­
mentada, de modo a poder sujeitar-se ao controle interno, das partes, e
extemo, da vítima e da sociedade.
Provavelmente por assim pensar, SCARANCE FERNANDES
(2011, p. 6) sustenta que “na inexistência de disciplina a respeito deve-
-se, em princípio, seguir as normas sobre prisão preventiva e fiança. Em
princípio, a medida pode perdurar até a sentença, se antes nada justi­
ficou a sua revogação ou substituição e, na sentença, se condenatória,
deve o juiz resolver sobre a continuidade da medida, como, aliás, prevê
o artigo 387, parágrafo único."

3 Registre-se que o Projeto de Lei do Senado (PLS 156/09, atualmente cm tramitação


na Câmara dos Deputados), que cria um novo Código de Processo Penal, dedica vários
artigos para estabelecer prazos de duração, por fase da persecução penal, à prisão pre­
ventiva, a exemplo do que já e feito em outros patses.
Ainda assim, é de indagar-se: por quanto tempo poderá perdurar,
para exemplificar, uma proibição de manter contato com pessoa deter­
minada, ou uma proibição de frequência a determinado lugar, ou mes­
mo de recolhimento domiciliar noturno? Valerão os mesmos critérios
de razoabilidade que têm orientado a jurisprudência de nossos tribunais
a considerar justificados alguns alegados excessos de prazo de duração
da prisão cautelar?
Obviamente que a medida cautelar não poderá durar após decisão
de arquivamento do inquérito policial, de rejeição da denúncia e de
anulação do processo, ou após sentença absolutória (e de absolvição
sumária) ou de extinção da punibilidade, porquanto passaria a faltar
O pressuposto de toda cautela, o fumus comissi delicti, na pendência do
recurso da acusação.
Também não vemos como possível decretar uma cautela pessoal
diversa da prisão se a sentença, embora condenatória, impôs tão so­
mente pena de multa ao réu, ou, tendo imposto pena privativa de li­
berdade, o condenado já permaneceu preso preventivamente por mais
tempo do que o quantum fixado na sentença.
Em ambas as hipóteses, terá deixado de existir o requisito exigido
para a aplicação de medidas cautelares em geral —cominação de pena
privativa de liberdade - positivado no artigo 283, § l c do CPP e in­
terpretado à luz do princípio da proporcionalidade em sentido estrito,
conforme já explanado no item 1.9.3 do Capítulo IV.
Salvante tais hipóteses, em que deve cessar a cautela pessoal, não
vemos motivo para desautorizar a permanência de qualquer das medi­
das previstas nos artigos 319 e 320 do CPP até o trânsito em julgado da
sentença condenatória, desde que, evidentemente, permaneça inalte­
rado o quadro fático motivador da imposição da providência cautelar.
Nesse sentido se posiciona também PACELLI DE OLIVEIRA (2011,
p. 31), que invoca, como fundamento legal desse entendimento, os ar­
tigos 387, parágrafo único, e 413, §3e, ambos do CPP a permitirem a
manutenção e, se for o caso, a decretação de medidas cautelares por
ocasião da sentença penal condenatória e da decisão de pronúncia.
Em abono a essa posição invoque-se, de lege fcrenda, o que prevê
o artigo 560, § 4Cdo projeto de novo Código de Processo Penal, o PLS
156/09, aprovado no Senado Federal:

§ 4QVerificado excesso no prazo de duração da prisão pre­


ventiva, o juiz, concomitantemente à soltura do preso, poderá
aplicar medida cautelar pessoal de outra natureza, desde que pre­
enchidos todos os requisitos legais.
Capítulo VII

1. Outras Medidas Cautelares Alternativas à Prisão

Como já salientado no capítulo anterior, a adoção de medidas


alternativas à prisão cautelar tem sido uma tendência consubstancia­
da na doutrina e na legislação de vários países (VILAR, 1988, p. 168).
A Lei ne 12.403/11, a despeito de algumas falhas técnicas e de­
feitos conceituais apontadas neste trabalho, veio conferir maior racio-
nalidade ao processo penal cautelar brasileiro, que se fincava em uma
matriz jurídica e ideológica totalmente superada, em face das profundas
transformações ocorridas na sociedade brasileira ao longo dos 70 anos
de vigência do Código de Processo Penal.
Assim como se buscam, no âmbito do Direito Penal, soluções al­
ternativas à pena privativa de liberdade, a legislação processual penal
dos países centrais tem procurado oferecer alternativas ao encarcera­
mento preventivo, de modo a causar, com igual eficácia cautelar e simi­
lar garantia para o processo, menor dano à pessoa humana. (MAIER,
2002, p. 381).
Um dos primeiros países a perceber a necessidade de criar alterna­
tivas à medida extrema da prisão provisória foi a FRANÇA, que intro­
duziu, no início da década de 70, diversas modalidades de controle judi­
ciário, previstas no artigo 138 do Código de Processo Penal.
Nenhum outro país foi tão pródigo em oferecer alternativas à
autoridade judiciária, de modo a facilitar a tarefa de encontrar a medi­
da ou as medidas mais adequadas e suficientes para satisfazer as exi­
gências cautelares do caso concreto. As medidas previstas a título de
contrôle judiciaire, principalmente com o propósito de prevenção e de
vigilância do sujeito passivo da medida (PRADEL, 1980, p. 439), são,
resumidamente, as seguintes:

1B não deixar os limites territoriais determinados pelo juiz de


instrução;
2e não se ausentar de seu domicílio ou da residência fixada pelo
juiz de instrução;
3B não freqüentar certos lugares;
4e informar o juiz de instrução de todo deslocamento além dos
limites determinados;
5e__apresentar-se periodicamente à autoridade designada ou ao
juiz de instrução;
6S responder às convocações das autoridades designadas;
1- entregar documento de identidade e passaporte à autorida­
de, mediante recibo;
82 abster-se de conduzir veículos e entregar sua carteira de
habilitação, ressalvada avaliação judicial quando for a con­
dução de automóveis necessária à atividade profissional do
acusado;
92 abster-se de ter contato com certas pessoas;
10c_subme ter-se a medidas curativas, inclusive mediante inter­
nação hospitalar;
11a oferecer caução;
12s não exercer determinadas atividades de natureza profissional
ou social;
13s não emitir cheques;
14e não guardar ou portar arma;
15E constituir, por período e montante fixado pelo juiz de instru­
ção, garantia pessoal ou real;
16Q demonstrar que contribui para os encargos familiares ou que
provê regularmente os alimentos a que foi condenado a pagar
por decisão ou acordo judicial.
Na Alemanha também se estabeleceu, no § 116 da StPO (com
redação dada por reforma legislativa ocorrida em 1972), medidas de sus­
pensão da execução da ordem de prisão contra o réu, com foco nas obri­
gações de apresentar-se periodicamente perante a autoridade designa­
da, de não abandonar o domicílio sem permissão judicial, de deixar a
residência somente sob vigilância de uma pessoa determinada, de prestar
caução e de não entrar em contato com corréus, testemunhas ou peritos.
Em Portugal, preveem-se, nos artigos 196 e seguintes do Códi­
go de Processo Penal de 1987, medidas de coação ao arguido, similares
às já mencionadas, a serem utilizadas como alternativas à providência
cautelar mais radical, que somente deverá ser decretada “se [o juiz]
considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas"
(artigo 202).
Igualmente na Itália os artigos 280 e seguintes do Código de Pro­
cesso Penal de 1988, com as modificações introduzidas por reforma
legislativa ocorrida em 2001, enumeram diversas medidas cautelares a
que se sujeita a pessoa do acusado, as quais se classificam em medidas
interditivas (que atingem o exercício de faculdades ou direitos conexos
à profissão) e medidas coercitivas (que impõem limitações à esfera de
liberdade individual), semelhantes às adotadas pelos citados países da
Europa continental.

2. Uso de Medidas Alternativas não Previstas na


Legislação (Poder Geral de Cautela)

Questão de extrema relevância e atualidade diz respeito à possibi­


lidade de valer-se o juiz penal de medidas alternativas à prisão cautelar
não previstas, expressamente, no ordenamento jurídico. Poderia o juiz,
em outras palavras, em que pese não estar prevista qualquer medida
alternativa menos gravosa do que a prisão, impô-la ao acusado como
condição para manter sua liberdade ou evitar seu segregamento caute­
lar? E nos países que já preveem certas medidas, seria possível adota­
rem-se outras, valendo-se de experiências estrangeiras?
O tema foi bem colocado por SERRANO (1990), referindo-se ao
seu país de origem, Espanha, onde a legislação processual não permitia
ao magistrado escolher medidas cautelares menos gravosas do que a
prisão provisória.
A tese sustentada por SERRANO é a de que, mesmo na ausência
de previsão legal, os juizes podem aplicar medidas alternativas atípicas,
tanto por meio do socorro ao princípio de intervenção mínima, do qual
a proibição de excesso ou subsidiaridade processual é uma possível deri­
vação, quanto por meio de uma interpretação das normas em sentido
mais favorável à efetividade dos direitos fundamentais.
Este último aspecto nos parece suficiente para uma aceitação da
tese defendida por SERRANO, porquanto o que se visa, acima de tudo,
ao submeter o acusado a uma medida cautelar pessoal que restrinja,
mas não suprima, o direito de ir e vir do acusado, é precisamente o de
obviar o recurso ao meio mais lesivo e extremado à esfera de liberdade
do indivíduo.
SERRRANO propõe, todavia, que se observem três condições
necessárias ao uso de medidas alternativas atípicas, de modo a evitar a
arbitrariedade judicial, o excessivo desconhecimento das formalidades
legais e a falta de eficácia da substituição (1990, p. 200).
As condições são as seguintes: (a) idoneidade e menor lesividade
da medida alternativa; (b) cobertura legal suficiente da limitação dos
direitos que a medida restrinja; e (c) existência da infiraestrutura neces­
sária para sua aplicação.
A primeira delas já foi objeto de extensa explanação neste traba­
lho (Capítulo iy item 1.9), principalmente quando tratamos do princí­
pio da proporcionalidade, em suas três vertentes ou máximas parciais,
que impõem a escolha da medida cautelar que seja idônea ou adequada
ao êxito dos fins cautelares, e que não se mostre por um lado excessiva
ou, por outro enfoque, insuficiente para a preservação do direito prote­
gido pela providência cautelar.
A segunda condição demanda a necessária previsão legal para o
sacrifício de direito fundamental do indivíduo, o que constitui a essên­
cia do princípio da legalidade. A questão que se coloca, agora, diz res­
peito à possibilidade de adoção de medidas não previstas em lei, porém,
em avaliação criteriosa, menos danosas em relação às normativamente
positivadas.
A medida alternativa menos gravosa, repita-se, assegura a con­
secução do fim cautelar mediante a restrição daqueles direitos que a
medida excluída limita de forma excessiva. Logo, sendo certo que a
medida mais danosa - a prisão preventiva - já se encontra prevista em
lei, “a restrição do direito limitado pela medida alternativa dispõe de
cobertura legal, já que a lei autoriza a limitação em um volume maior
que o finalmente ocasionado pelo meio substitutivo menos gravoso”.
Conclui o autor espanhol salientando que “a relativização do princí­
pio de legalidade que esta maneira se produz é tão-somente parcial, de
caráter quantitativo e em face do interesse do cidadão, que vê limitados
os seus direitos em um grau menor do que o previsto pela lei em caráter
geral” (SERRANO, 1990, p. 201).
Em palavras simples, “quem pode o mais pode o menos”, cum­
prindo ao aplicador da lei sempre escolher “o menos”, desde que igual­
mente eficaz cautelarmente, mormente na esfera criminal, onde vigora
o princípio favor libertatis.
A terceira condição para que se possa lançar mão de medida cau­
telar atípica, de acordo com a proposta em exame, é a existência de
uma infra-estrutura adequada para a eficácia da aplicação da medida.
No entanto, forçoso é sublinhar que esta condição não é inerente às
medidas atípicas, mas sim a qualquer providência de cunho cautelar,
cujo grau de eficácia dependerá dos meios materiais e humanos a serem
providos pelo Poder Público para a execução e fiscalização do cumpri­
mento das medidas adotadas.
Dizíamos, na primeira edição desta obra, que faltava maior emba­
te acadêmico sobre o tema do poder geral de cautela do juiz criminal,
provavelmente em face da então completa ausência de previsão norma­
tiva de medidas alternativas à prisão provisória. A partir do momento
em que passamos, com a Lei nc 12.403/11, a dispor de um novo sistema
cautelar no âmbito processual penal4, a discussão terá como objeto a
possibilidade de serem utilizadas outras medidas além das que foram
elencadas como alternativas à cautela extrema.
Em terras brasileiras a ideia encontra razoável resistência doutri­
nária, que invoca o princípio da legalidade como o principal obstáculo
ao uso do poder geral de cautela do juiz, na fixação de medidas caute­
lares não expressamente previstas na legislação.
Uma dessas criticas vem formulada por LOPES JR (2011, p. 57),
para quem não existem medidas cautelares inominadas no processo
penal, sendo inviável que se admita "uma ampliação, por analogia e
importação de categorias do processo civil, do poder punitivo estatal”.
Daí por que conclui, já em obra mais específica (20H-B, p. 10), que
somente as medidas de cautela pessoal previstas na Lei na 12.403/11
podem ser aplicadas ao investigado ou ao acusado em processo penal.
O argumento é de difícil superação se entendermos que o rol do
artigo 319 do CPP é taxativo, a não admitir aplicação analógica ou
sequer interpretação extensiva.
Impende, então, observar que a lei que alterou o Título IX do Li­
vro I do Código de Processo Penal previu, além das medidas elencadas
no novo artigo 319 do CPE| outras providências de cunho cautelar (en­
trega de passaporte, prisão domiciliar, além da própria liberdade provi­
sória) em preceitos distintos, a permitir a complementação das opções
de que dispõe o magistrado no momento de prover a situação concreta,
de modo adequado e suficiente.
Marcellus POLASTRI, em monografia sobre a tutela cautelar no
processo penal, rebate os argumentos que costumam ser opostos à pos­
sibilidade do uso do poder geral de cautela no processo penal, notada-
mente o de que faltaria legalidade à providência urgente. Referindo-se
a outros autores que trataram do tema, enfatiza POLASTRI (2005,

4 Falar de sism ut cautelar no Direito Processual Penal brasileiro chega a ser quase uma
heresia jurídica, visto que o nosso Ctfdigo de Processo Penal pouco prima pela sistema-
tização de seu conteúdo, principalmente no tema das medidas cautelares. dispersas pelo
código sem a necessária coesão e unidade principiotógica características de um sistema.
p. 120) que o poder geral de cautela "é previsto na lei processual civil
[Art. 798 do CPC: Além dos procedimentos cautelares específicos, que
este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar
as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito
da outra lesão grave e de difícil reparação.] e o Código de Processo
Penal admite a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito
(art. 3a do CPP).
Outrossim, vale recordar que outras normas já preveem medidas
cautelares pessoais, como a que admite “a suspensão da permissão ou
da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua
obtenção” (artigo 294, caput, da Lei ns 9.503/97) e a que permite o
deferimento de “medidas protetivas de urgência” à vítima de violência
doméstica (artigo 22 da Lei Maria da Penha, ns 11.340/06)5.
Bem a propósito do tema, é a própria Lei 11.340/06 que, logo
após prever essas medidas protetivas à mulher vítima de violência do­
méstica, abre a possibilidade de serem aplicadas outras providências de
cunho cautelar, ao estabelecer, verbis:

§ I a As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação


de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança
da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providên­
cia ser comunicada ao Ministério Público, (grifamos)

5 Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar cuntra a mulhen nos
termos desta Líi, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou sepa­
radamente, aí seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão
da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos
termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro dc 2003; II - afastamento do lar, domicilio
ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, en'
tre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando
o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus
familiares e restemunhas por qualquer meto de comunicação,' c) ireqiientação de de­
terminados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV
- restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de aten­
dimento muitidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionaís ou
provisórios.
Por conseguinte, cremos ser possível, para prover a exigência cau­
telar do caso concreto, que se faça uso da analogia e se aplique medida
não prevista no Código de Processo Penal, desde que presente a mesma
ratb essendi da norma positivada em outro diploma (como, v.g., a que
justifica o inciso I do artigo 22 da Lei Maria da Penha); ou, então, que
se dê interpretação extensiva aos incisos que integram o artigo 319 do
CPP de modo a abranger situações que a mera literalidade do preceito
não pareça autorizar.
Um exemplo poderá clarear o argumento referente a esta última
hipótese: imaginemos que alguém seja acusado de haver praticado a
conduta tipificada no artigo 241-A do ECA, que pune, com pena de
reclusão de 3 a 6 anos de reclusão, além de multa, a conduta de “ofe­
recer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar
por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou
telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de
sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”.
Logo, trata-se de crime passível de decretação de prisão preventiva,
pois a pena máxima supera 4 (quatro) anos de reclusão. Em tal hipó­
tese, não poderia o juiz natural da causa, atento aos critérios do artigo
282 do CPP - nomeadamente o que esclarece ser a prisão preventiva
uma medida cautelar que somente pode ser imposta “quando não for
cabível a sua substituição por outra medida cautelar” (artigo 282, § 6e
do CPP) - determinar a proibição de acesso à internet pelo acusado?
Ainda que a parte final do último dispositivo legal citado faça
alusão ao artigo 319 do CPE| não seria a providência alvitrada suficiente
para evitar a prática de novas infrações penais? Não seria tal medida
menos onerosa ao acusado do que a cautela extrema, que até poderia
ser decretada, porque preenchidos os requisitos legais?
A resposta a essas perguntas há de ser positiva, ou seja, poderá o
juiz proibir o acusado de ter acesso à internet. E ao fazê-lo invocará o
inciso II do artigo 319 do CPP como fundamento legal de sua decisão,
porque o “acesso a determinados lugares” pode, com um mínimo de
esforço interpretativo para dar atualidade e maior amplitude à letra da
lei, abranger também o acesso por meio da informática. Ou alguém
poderá duvidar que, com os recursos tecnológicos do mundo moder­
no, uma pessoa pode estar virtualmente presente em qualquer lugar do
planeta?
Se, portanto, quem é acusado de distribuir ou divulgar material
relativo a sexo explícito ou pornografia infantil o faz “entrando” na
internet, bastará vedar seu acesso a esse "lugar", evitando o risco de no-
vas infrações sem, ao menos em um primeiro momento, ser necessário
recorrer à prisão preventiva.
Cremos, portanto, que não se poderá subtrair do julgador a possi­
bilidade de fazer uso de seu poder geral de cautela, de forma excepcio­
nal, tendo como objetivo evitar a prisão preventiva. Poderá o magistra­
do, então, impor ao investigado ou acusado medida que, embora não
conste literalmente do rol positivado no artigo 319 do CPP seja prevista
em outra norma do ordenamento, ou possa ser considerada, por meio
de interpretação extensiva, abrangida na dicção de algum dos incisos
que compõem o elenco das cautelares pessoais diversas da prisão, pre­
vistas no referido dispositivo.6
Vale registrar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal admitiu, em
julgamento de Habeas Corpus, a possibilidade da utilização do poder
geral de cautela do juiz criminal. O julgado restou assim ementado:
PROCESSUAL PENAL. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES JU­
DICIAIS (ALTERNATIVAS À PRISÃO PROCESSUAL). POSSI­
BILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. PONDERAÇÃO DE
INTERESSES. ART. 798, CPC; ART. 3o, CPC. 1. A questão jurídi­
ca debatida neste habeas corpus consiste na possibilidade (ou não) da
imposição de condições ao paciente com a revogação da decisão que

6 Mais uma ve: remetemos o leitor ao Projeto de novo Código de Processo Penal, em
tramitação no Congresso Nacional, que incluiu, nas medidas cautelares pessoais, não
somente o bloqueio de endereço eletrônico na internet (art. 605), como, ainda, três
outras medidas não incluídas no rol do artigo 319 do atual CPP: suspensão da habilita­
ção para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave (artigo 598); suspensão do
registro de arma de fogo e da autorização para porte (artigo 603) e suspensão do poder
familiar (artigo 604).
decretou sua prisão preventiva 2. Houve a observância dos princípios e
regras constitucionais aplicáveis à matéria na decisão que condicionou
a revogação do decreto prisional ao cumprimento de certas condições
judicias. 3. Não há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CR art. 5o,
XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponde-
ração dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. 4. A
medida adotada na decisão impugnada tem clara natureza acautelató-
ria, inserindo-se no poder geral de cautela {CPC, art. 798; CPP art. 3o).
5. As condições impostas não maculam o princípio constitucional da
não-culpabilidade, como também não o fazem as prisões cautelares (ou
processuais). 6. Cuida-se de medida adotada com base no poder geral
de cautela, perfeitamente inserido no Direito brasileiro, não havendo
violação ao princípio da independência dos poderes (CF, art. 2o), tam­
pouco malferimento à regra de competência privativa da União para
legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). 7. Ordem denegada.
HC 94147/RJ, Relatora Min. Ellen Gracie, J. 27/05/2008, p. DJe-107,
13-06-2008.
Capítulo VIII

1: Da Prisão Preventiva e da Prisão Temporária

No presente capítulo, Ora acrescido à edição original deste livro,


pretendemos minudenciar os requisitos necessários para que seja decre­
tada ou mantida uma prisão provisória, quer sob a modalidade de prisão
preventiva, quer sob a modalidade de prisão temporária.
Não cuidaremos da prisão em flagrante, porque passa ela a, nitida-
mente, ter o caráter de pré-cautela, necessária apenas para fazer cessar
a atividade criminosa, impedir a fuga do seu autor e preservar a prova
para futura avaliação das partes e do juiz natural da causa penal.
A nova disciplina normativa introduzida pela Lei ne 12.403/11
deixa claro, entre outras ilações que de sua leitura podem extrair-se,
que a prisão em flagrante possui duração efêmera, porquanto em 24
horas após a detenção do autuado o juiz competente receberá o auto
flagrancial, e adotará uma das providências indicadas no artigo 310 do
CPR qualquer delas suficiente para desconstituir a prisão efetuada pela
autoridade administrativa.
Isso nos leva a relegar, para outra oportunidade, o estudo dessa
medida de pré-cautela, centrando nossos esforços —posto que sem a
pretensão de abranger todas as possíveis questões subjacentes ao tema
- sobre as duas prisões provisórias atualmente existentes.

2. Requisitos comuns às prisões cautelares

É bem conhecida a alegoria de Francesco Camelutti a respeito


da relação entre o Direito Processual Penal, o Direito Penal e o Direito
Processual Civil, ciências cuja importância e beleza ilustrou com a es­
tória da Cinderela, ou seja, a infeliz donzela que, ao contrário de suas
irmãs, vestia-se mal e somente lidava com o serviço duro da casa.
Na verdade, assim como Cinderela se contentava em usar os
vestidos velhos de suas afortunadas irmãs, o Direito Processual Penal
pavimentou seu caminho quase integralmente adaptando para si os ins­
titutos e os conceitos do Direito Processual Civil. Em uma palavra, dizia
CARNELUTTI (1950, p. 18), “la teoria dei processo penal se halla
todavia em uma fase de neta dependência respecto de la teoria dei pro-
ceso civil”.
No caso brasileiro, em que pese o enorme crescimento dos es­
tudos e da literatura processual penal dos últimos anos, continuamos
a ter um Código de Processo Penal dogmaticamente mal construído,
ideologicamente fincado em um modelo de Estado ultrapassado, e cien­
tificamente mal estruturado.
No terreno que nos interessa aqui abordar, percebe-se que não
temos propriamente um sistema cautelar, até porque sequer temos, ver­
dadeiramente, ações cautelares, mas apenas medidas cautelares - de
variada natureza — espalhadas por todo o Código de Processo Penal
(TUCCI, 2002, p. 107).
Com essa ressalva, podemos dizer que as medidas cautelares pe­
nais podem ser classificadas em

a) pessoais, divididas em
a.l. prisões cautelares, ou seja, prisão preventiva (que pode
ser cumprida sob a forma de prisão domiciliar, nos moldes
do artigo 317 do CPP) e prisão temporária, regulada pela
Lei n- 7.960/89;
a.2. medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos arti­
gos 319 e 320 do CPP;
b) patrimoniais ou reais, consistentes nas medidas assecuratórias
de seqüestro (artigo 125), arresto (artigo 132) e hipoteca legal
(artigo 136);
c) instrutórias, relacionadas à obtenção de provas do crime em
caráter urgente, de que são exemplos a busca e apreensão
(artigo 240), o depoimento antecipado, ad perpetuam rei me~
moriam (artigo 225), os exames de corpo de delito (artigo
158), além da interceptação telefônica (Lei n- 9.296/96) e
dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas de que cuida a Lei n2
9.034/95.

Todas essas medidas possuem um traço comum: a cautelaridade.


E, sendo assim, sujeitam-se aos pressupostos e requisitos inerentes a
toda cautela, que, de um modo geral, são conhecidos como a plausibi-
lidade do direito reivindicado o (fumus boni iuris) e o perigo da demora
(periculum in m ora).
SCARANCE FERNANDES (1999, p. 279) aponta, com muita
clareza, que os provimentos cautelares se justificam ante o risco de
ocorrerem, no curso de uma relação jurídica processual —ou mesmo
antes - eventos que podem comprometer a atuação jurisdicional ou
afetar a própria eficácia e utilidade do julgado. As medidas cautelares,
então, eliminam ou, minimizam esse perigo, sujeitando-se, para serem
válidas, aos dois pressupostos referidos no parágrafo anterior.
Entretanto, não se tem uma posição doutrinária unívoca quanto à
natureza dessas exigências inerentes a toda medida cautelar. Enquanto
SCARANCE FERNANDES, como visto, fala indistintamente de pres­
supostos e requisitos, tal como já lecionava FREDERICO MARQUES
(1965, p. 48), RANGEL (2003, p. 585) alude a pressupostos e LOPES JR
(2011, p. 56) identifica, como o requisito das cautelares, o fumus comissi
delicti e, como fundamento, o periculum libertatis.
Deixando de lado essas variações terminológicas (ver Capítulo IV
nota 14), o que nos parece essencial identificar é qual tipo de urgência
ou de exigência cautelar justifica a adoção de qualquer das medidas
referidas acima. Em outras palavras, qual deve ser a análise do juiz com­
petente para, por exemplo, decretar a prisão preventiva do acusado,
para produzir antecipadamente um depoimento testemunhai, ou para
determinar o seqüestro dos bens do investigado?
No que diz respeito ao pressuposto fático de qualquer medida cante-
lar - independentemente de sua natureza (pessoal, real ou instrutória) - é
de exigir-se, nos autos do inquérito policial, das peças de informação ou
do processo, a prova da ocorrência de uma infração penal e os indícios
suficientes de que o sujeito passivo da cautela foi seu autor ou partícipe. E,
ao invés da genérica expressão "fumaça do bom direito” (fumus boni iuris),
categoria mais empregada no Direito Processual Civil, é preferível falar de
"fumaça do cometimento do delito” (fumus comissi delicti), expressão que
melhor se ajusta às especificidades do Direito Processual Penal.
Quanto às circunstâncias autorizadoras das cautelares, que justificam
ou motivam a providência de caráter urgente, é mister distinguir as medi­
das de cautela pessoal em relação às demais. E dizer, enquanto as providên­
cias que interferem na liberdade humana são motivadas pela verificação
de que a plena liberdade do investigado ou acusado representa um perigo
à investigação ou instrução do processo (cautela instrumental), à aplica­
ção da lei penal (cautela final) ou à ordem pública ou econômica (cautela
social), as providências que objetivem preservar fontes de prova (cautelas
instrutórias), bem assim as que visem a acautelar o patrimônio do agente
(cautelas reais) têm como fator desencadeador o perigo de que a demora
do provimento final do processo possa comprometer a atividade jurisdicio-
nal ou a eficácia do resultado do processo.
Daí por que se pode utilizar, nestas últimas hipóteses, a consagra­
da expressão periculum tn mora, reservando-se a expressão pericidutn
libertatis para tão somente as hipóteses em que a liberdade do investi-
gado ou do acusado é a responsável por demandar, do Poder Judiciário,
um provimento cautelar.

3. Da Prisão Temporária

Introduzida pela Lei nc 7.960, de 1989, a prisão temporária en­


controu muita resistência doutrinária em seu nascedouro, que ora a
identificava como uma “legalização" das nefastas “prisões para averi­
guações", tão presentes era nossa tradição ditatorial, ora a acoimava de
ser inconstitucional, visto que fora introduzida no sistema normativo
por meio de uma Medida Provisória, instrumento legislativo impróprio
para legislar sobre matéria de direito penal e de direito processual penal.
Em nenhum momento essas objeções encontraram eco na juris­
prudência dos tribunais, de modo que, atualmente, não faz mais sentido
afastar a utilidade e a legitimidade de o Estado recorrer a essa provi­
dência de cunho cautelar para prover, excepcionalmente, situações que
reclamem a pronta intervenção do Poder Público, ante a necessidade
de proteger a atividade investigatória preliminar à ação penal.

3.1. Cabimento

As hipóteses de cabimento da prisão temporária vêm indicadas no


artigo l 2 da Lei n2 7.960/89, que dispõe:

Art. Io Caberá prisão temporária:

I. quando imprescindível para as investigações do inquérito po­


licial;
II. quando 0 indicado não tiver residência fixa ou não fornecer
elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III. quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer pro­
va admitida na legislação penal, de autoria ou participação do
indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 22);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ l e
e2°-);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ I a, 2S e 32);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ Ia e 22);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§
I a, 22 e 3a) ;
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art.
223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combi­
nação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223
caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § l 2);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentí­
cia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput,
combinado com art. 285);
1) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1Q, 2- e 3- da Lei ne 2.889, de l 2 de outu­
bro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei ne 6.368, de 21 de outu­
bro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei ne 7.492, de 16 de
junho de 1986).

A leitura desse dispositivo legal evidencia que o objetivo primor­


dial da prisão temporária é o de acautelar o inquérito policial, proce­
dimento administrativo voltado a esclarecer o fato criminoso, a reunir
meios informativos que possam habilitar o titular da ação penal a formar
sua opinio delicti e, por outra angulação, a servir de lastro à acusação.
Logo, ocorrendo situação concreta que ponha em risco o êxito dessa
atividade investigatória oficial, o Estado deve intervir, cautelarmente,
sacrificando temporariamente a liberdade do investigado.
Portanto, a exigência cautelar a justificar a medida reside na cons­
tatação de que a prisão é "imprescindível para as investigações do in­
quérito policial" (inciso I do art l s da Lei n- 7.960/89). Não se trata,
destaque-se, de conveniência ou comodidade da cautela para o bom
andamento do inquérito policial, mas de verdadeira necessidade da me­
dida, aferida caso a caso.
Não é, todavia, suficiente que a prisão temporária, em face do
periculum libertatis, seja considerada imprescindível para as investiga­
ções de inquérito policial; é necessário que existam "fundadas razões,
de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria
ou participação do indiciado nos seguintes crimes”, ou seja, nos crimes
indicados no inciso III do mesmo artigo 1Dda Lei ne 7.960/89.
Eis aí o fumus comissi delicti, com a restrição de que não basta ha­
ver indícios de autoria ou participação em qualquer crime, mas apenas
naqueles que a lei explicita, o que se mostra acertado para evitar a
banalização dessa modalidade de prisão.1
O certo é que a prisão temporária somente pode ser decretada se
conjuntamente presentes os incisos I e III do artigo l e da Lei nc 7.960/89.
E quanto ao inciso II do mesmo preceito legal, que permite a pri­
são temporária “quando o indicado não tiver residência fixa ou não
fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”?
Poderia haver decretação dessa cautela simplesmente associando-se o
inciso II com o inciso III do multicitado dispositivo legal?
Entendemos que não, na linha do que defende LOPES JR (2011,
p. 149), para quem o inciso II “é completamente contingencial, ou seja,
sozinho não autoriza a prisão temporária e sua combinação apenas com
0 inciso I ou apenas com o inciso III não justifica a prisão temporária.”
Sim, porque, a falta de esclarecimento sobre a identidade do in­
vestigado ou mesmo o fato de não possuir residência somente autori­
zará a supressão de sua liberdade se entender-se que uma dessas duas

1 Dissentimos, a propósito desse tema, da opinião extemada por NUCCI (2011, p. 10).
que identifica diferenças de graduação entre os medidas cautelares em relação à prisão
preventiva, chegando a afirmar que “não se exige prova segura da materialidade e in­
dícios suficientes de autoria" para a decretação das medidas cautelares em geral, “tal
como se fosse uma prisão preventiva". No tocante à prisão temporária, sustenta haver
tão somente “um mínimo de provas em relação à existência do crime e de sua autoria,
mas em grau diminuído, quando confrontado com a prisão preventiva”. Não se mos­
tra, segundo pensamos, defensável tal posicionamento, porquanto estabelece, a primi.
inferioridade qualitativa e quantitativa do juízo de verossimilhança sobre os elementos
informativos suficientes (ou náo) para lastrear uma medida cautelar tão drástica quan­
to o é ü prisão temporária, a qual, vale lembrar, pode perdurar por até 60 dias se o crime
imputado ao investigado for considerado hediondo ou assemelhado.
circunstâncias poderá comprometer o êxito das investigações e que
somente a prisão poderá obviar esse risco. É dizer, o inciso II deve ser
lido como se estivesse incluído na imprescindibilidade do inciso I, pois
“apenas reforça o fundamento da prisão” (LOPES JR, 2011, p. 149).

3.2. Prazo

A Lei ns 7.960/89 fixa o prazo de 5 dias para a duração máxima


da prisão temporária, prorrogável por igual período em caso de extrema
e comprovada necessidade (artigo 22, caput), o que diferencia, também
neste aspecto, a prisão temporária em relação à preventiva, pois nesta
última não há previsão de qualquer prazo de duração.
Por sua vez, o artigo 2S, § 4S da Lei nc 8.072/90 - aplicável aos cri­
mes hediondos, tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo - prevê
que a prisão temporária “terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável
por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade”.
Tal dispositivo nos levou a sustentar (SCHIETTI, 1994) a incons-
titucionalidade do prazo da prisão temporária para os crimes hediondos
e assemelhados, dada a notória violação do princípio da proporciona­
lidade, por não ser razoável (proporcional) que uma prisão que serve
apenas ao inquérito policial possa durar até 60 dias, simplesmente por
tratar-se de um crime hediondo, que, pelo simples fato de ser assim
legalmente qualificado, não pressupõe, a priori, uma tal complexidade a
exigir prazo tão dilatado para sua apuração.
Insustentável, a nosso sentir, a crença de que o êxito das inves­
tigações policias possa vir a depender da mantença, no cárcere, do
indiciado por tão longo período, sendo certo que um interrogatório,
um reconhecimento formal, uma reconstituição do crime, entre ou­
tras diligências investigativas, não duram mais do que alguns poucos
dias para ser conduzidas a termo. É de indagar: que outra providência,
dependente da presença do indiciado, dura mais do que alguns poucos
dias para ser ultimada?
É inegável, sem embargo, reconhecer o quão difícil é estabelecer,
a priori, o tempo necessário para que a prisão do investigado atinja o
objetivo que a motivou. Estamos a tratar, em tais situações, da zona
de incerteza de que fala NICOLAS SERRANO ( 1990, p. 315), ao es­
clarecer que o princípio da proporcionalidade apresenta três zonas di­
ferenciadas, quanto à facilidade de seu controle: uma zona de certeza
positiva, "dentro de Ia cual las medidas se consideran constitucional­
mente admisibles, porque resulta claro que no infiringen el principlio
de proporcionalidad”; uma zona de certeza negativa, que compreende
“aquellas medidas cuya desproporción es evidente"; e a zona de incerte­
za, dentro da qual se agrupam “las injerencias cuyo respeto por dicho
principio es dudoso".
Concluímos, então, que a prisão temporária, quando não apoiada
em razões de estrita necessidade, a justificar sua manutenção por tão
longo período, pode acabar servindo a propósitos que não simplesmen­
te o de acautelar as investigações e, indiretamente, o processo penal a
ser eventualmente instaurado.
Daí por que propusemos (SCHIETTI, 1994) —e assim procura­
mos agir em nossa atuação funcional em casos criminais - a flexibiliza­
ção do prazo previsto em lei, de acordo com a efetiva necessidade da
cautela. Se a lei fala em prisão por 5 dias ou por 30 dias (para as hipóte­
ses previstas na Lei n- 8.072/90), por que não se avaliar, sopesando-se
as explicações da autoridade policial, o tempo realmente necessário à
custódia? Se o que se pretende com a prisão temporária é, e.g., o reco­
nhecimento formal do indiciado, ou o seu interrogatório , ou a recons­
tituição do crime , por que não se decretar a prisão por período menor
do que 5 dias? Se o crime é considerado hediondo, e são muitas as di­
ligências policiais a serem cumpridas, necessariamente com a presença
do suposto autor do ilícito investigado, por que não fixar prazo bem
inferior aos 30 dias?-

2 Neste sentido, a Constituição da Espanha, cujo art. 17.2 determina que “la detenciân
preventiva no podrá durar más de! tiempo estrictamentc necesario para la rcaliración
de las averiguaciones tendentes al esclarecimieto de los hechos".
Conquanto a letra da lei pareça indicar que a prisão temporária
tem 0 prazo de 5 dias (ou de 30, se hediondo ou a ele assemelhado o cri­
me), será inconsistente, diante do Estado de Direito entre nós vigente,
advogar o entendimento de que a lei proíbe o juiz de fixar prazo menor
do que os mencionados. Em face da excepcionalidade de qualquer me­
dida limitadora da liberdade do indivíduo, tais prazos hão de ser com­
preendidos como limites máximos à constrição do ius liberta eis, o que
implicará a avaliação, caso a caso, do tempo necessário à segregação do
indivíduo do convívio social.
Demais disso, se a decretação da prisão temporária é necessária
e idônea para o sucesso das investigações policiais, e justificável, em
nome do interesse coletivo, a custódia cautelar do indiciado pela práti­
ca de um dos crimes elencados no inc. III do § I o. da Lei 7.960/89, a sua
manutenção se condicionará à contínua presença daqueles requisitos
legais de que já falamos.
Convém anotar, para encerrar este tópico, que é ilegítima a práti­
ca de atos de investigação em relação ao indiciado preso como se solto
estivesse, ou seja, sem a preocupação de concluir as diligências o mais
rápido possível, viabilizando-se, o quanto antes, a formação da opinio
delicti do Ministério Público, acompanhada ou não da transformação
da prisão temporária em prisão preventiva, se presentes obviamente os
seus requisitos legais.
Saliente-se, a propósito, que uma das Recomendações tomadas
no XV Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em setem­
bro de 1994, no Rio de Janeiro, foi no sentido de que “....deve-se proibir
ordenar ou manter a prisão provisória se não existem indícios sérios de
culpabilidade e uma vontade real por parte das autoridades competen­
tes em levar a cabo o processo”.

3.3. Outros Indicativos da Lei da Prisão Temporária

Algumas breves observações sobre a prisão temporária hão de


ser feitas.
A primeira delas diz respeito, em complemento ao item anterior, à
condução do preso à presença da autoridade judiciária competente
para decretar a prisão temporária, conforme previsto no artigo 2a, § 2S,
da Lei n2 7.906/89.
Semelhante providência, se adotada, poderia resultar não só em
efetiva simetria entre o direito legislado e o direito praticado como tanv
bém permitiria ao Poder Judiciário exercer um controle mais acurado sobre
essa modalidade - mas não apenas sobre ela - de prisão provisória.
A referência é à determinação que consta do Decreto na 678/92
(Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou Pacto de San
José), em seu artigo 7e, item 5e, vcrbis: “Toda pessoa detida ou retida
deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra auto-
ridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser
julgada dentro de um prazo razoável, ou a ser posta em liberdade sem
prejuízo de que prossiga o processo...” .
Já fizemos a devida abordagem do direito a ser conduzido sem
demora à presença do juiz quando tratamos do contraditório sobre as
decisões cautelares (Capítulo IV, parte final do item 1.12), mas aqui a
importância da concretização dessa regra genericamente positivada no ar-
tigo 7fi, 5S, do Decreto nQ678/92 é ainda mais premente, máxime quando
se cuida de investigação por crime hediondo ou assemelhado, em que o
prazo da prisão temporária pode perdurar, ex vi legis, por até 60 dias.
Outro dado interessante, correlato ao anterior, pois diz respeito
à duração da medida cautelar imposta antes do processo: se o autor
de um crime hediondo é preso em flagrante, o § l s do artigo 306 do
CPP determina que, em 24 horas, seja o auto de prisão em flagrante
encaminhado ao juiz competente, o qual deverá, então, adotar uma das
providências indicadas no artigo 310 do CPP podendo até, entre as ini­
ciativas ali mencionadas, determinar a soltura do preso, impondo-lhe
tão somente, se for o caso, alguma ou algumas das medidas cautelares
previstas no ardgo 319 do CPI? à exceção da fiança (por vedação cons­
titucional) ; por sua vez, se o autor do mesmo crime hediondo é preso
a título de prisão temporária, provavelmente permanecerá nessa
condição por 60 dias, quando só então haverá a substituição da pri-
são temporária por prisão preventiva ou pelas medidas cautelares
retrorreferidas.
Por fim, merece menção o conteúdo da parte inicial do caput do
artigo 2e da Lei ne 7.960/89, ao prever que a prisão temporária somen­
te poderá ser decretada pelo juiz em face de provocação, quer da au­
toridade policial (por representação), quer do Ministério Público (por
requerimento).
Ressaltamos, como aspecto negativo, a manutenção do protago-
nismo tradicionalmente dado em nosso sistema à autoridade policial na
propositura ao juiz competente de medidas cautelares, providência que
deveria ser deixada ao titular da ação penal. Com efeito, na distri­
buição dos papéis que há de desempenhar cada um dos personagens
que integram o cenário da persecução penal pública, a Polícia fica
com a investigação, orientada, teleologicamente pelo órgão respon­
sável por levar a pretensão punitiva à esfera judicial, a partir do
resultado dessas investigações.
Herdamos, porém, um modelo em que a Polícia já exerceu papel
de julgador, em que Juiz já exerceu papel de policial, em que Ministério
Público já se confundiu com o próprio Judiciário. De fato, essa postura
inquisitorial é bem percebida quando se examina a história da persecu­
ção penal no Brasil, sobretudo no período de vigência da Lei ns 261,
de 3/12/1841 (que inaugurou o que passou a ser conhecido como o
período do “policialismo judiciário”) , pela qual os Desembargadores e
Juizes de Direito eram escolhidos pelo Imperador ou pelos Presidentes
das Províncias para exercerem, também, a função de Chefe de Polícia
e Delegado. Por sua vez, a confusão das funções desempenhados pelo
Ministério Público em nosso passado pode ser exemplificada pelo artigo
21 do Decreto n2 5618, de 2 de maio de 1874, que dizia: “Artigo 21.
Nos feitos em que não tiverem de intervir como órgãos do Ministério
Público, os Procuradores da Corôa das Relações das Províncias julgarão
como os outros Desembargadores” (grifamos).
Nada mais natural, portanto, do que a regra encontrada não só no
artigo 2- da Lei ns 7.960/89, como também nos artigos 282, § 2e e 311 do
CPI? relativamente às medidas cautelares pessoais e, em particular, a prisão
preventiva, todas a legitimar a autoridade policial a dirigir-se diretamente
ao juiz competente para representar pela decretação de uma cautela, o que
pode ser nefasto para a qualidade da prestação jurisdicional e para a preser­
vação dos direitos e bens que subjazem à persecução penal.
O aspecto positivo a ressaltar, no dispositivo sob análise, diz com a
vedação de que o juiz decrete a prisão temporária sem essa provocação
externa, quer mediante requerimento do Ministério Público, quer me­
diante representação da autoridade policial, ressalvada nossa opinião
quanto ao desacerto desta legitimação policial.
A propósito, já ressaltamos no Capitulo IV {item 1.11) o avanço
que a reforma de 2011 trouxe acerca desse tema, ao estabelecer, na
nova redação dada aos artigos 282, § 2Ce 311 do CPP que a iniciativa
judicial ex officio, para a decretação de medidas cautelares, somente é
autorizada após o início do processo, quando já existente uma relação
processual, com partes definidas, a partir de uma acusação formal sobre
a qual o juiz competente deverá decidir, com o uso de seus poderes
inerentes à jurisdição, entre os quais o de julgar a pretensão punitiva
mas também o de prover cautelarmente situações de urgência que re­
presentem um perigo ao desenvolvimento e ao resultado do processo.

4- Da Prisão Preventiva

Com a nova redação dada ao artigo 283, caput, parte final, do


CPP, a única prisão cautelar possível de ser decretada no curso da ação
penal é a prisão preventiva, que sofreu algumas alterações importantes
no tocante ao seu cabimento e às hipóteses em que pode ser utilizada.*

3 Note-se que o artigo 311 do CPR com a reforma de 2011, corrige o equívoco da redação
anterior, que dizia caber prisão preventiva cm qualquer fase do mquérito fwitcúl ou da
mstruçõo criminal, o que limitava injustiücadamente, em uma interpretação meramente
literal, o alcance da medida. Agora, a nova redação do referido preceito legal evidencia
que a cautela extrema pode ser decretada em qualquer fa x da investigação policial ou do
4.1. Cabimento

Antes da entrada em vigor da Lei nc 12.403/11, a prisão preventi­


va era cabível, em regra, contra autores de crimes dolosos punidos com
reclusão. Excepcionalmente, permitia-se a cautela extrema em crimes
punidos com detenção quando o agente fosse vadio ou houvesse dúvida
sobre sua identidade, se fosse reincidente em crime doloso ou, ainda, se
o crime envolvesse violência doméstica e familiar contra a mulher, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Agora, a prisão preventiva contínua regulada pelo artigo 313,
com diversa redação:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admiti­
da a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liber­
dade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sen­
tença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do
caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar con­
tra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência;
IV - (revogado).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventi­
va quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou
quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la,
devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a
identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção
da medida. (NR)

processo penal. Com isso, autorizado está o uso da preventiva até mesmo em grau recur-
sal, como, aliás, já se reconhecia posstvet pela doutrina e jurisprudência mais abalizadas.
A maior inovação, portanto, foi a substituição do critério reclusão-
detenção pelo critério quantidade da pena, indicado no inciso I do artigo
313 do CPE Passa então a caber prisão preventiva, como regra, contra
autores de crimes dolosos punidos com pena máxima superior a 4
(quatro) anos, o que afasta, em princípio, a possibilidade da cautela
contra autores de crimes culposos e, evidentemente, de crimes com
pena máxima igual ou inferior a esse patamar.
O crime mais atingido pela novel legislação é o de furto, que, pelo
novo critério, não permite mais a medida extrema, salvo se cometido
na sua forma qualificada, em que a pena máxima salta de 4 para 8 anos,
ou então se praticado em situação de concurso de crimes (material, for­
mal ou continuado) Nestas últimas hipóteses, seguindo a mesma lógica
que motivou a edição das súmulas na 243 do STF e 723 do STF, a pena
será acrescida ou somada - de acordo com a regra própria prevista no
Código Penal - de modo a, necessariamente, ultrapassar o limite máxi­
mo de 4 (quatro) anos.
O cabimento da prisão preventiva pela reincidência em crime
doloso (inciso II) não sofreu alteração, mas o mesmo não se deu em
relação à hipótese positivada no inciso III.
Com efeito, desde o advento da Lei 11.340/06, era permitida a
prisão preventiva contra autores de crimes praticados em situação de
violência doméstica e familiar contra a mulher, mas apenas contra ela,
para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Agora, o
dispositivo é mais amplo e abrange a violência cometida, no contexto
doméstico e familiar, também contra criança, adolescente, idoso,
enfermo ou pessoa com deficiência,
Muito salutar a mudança, que vem suprir uma injustificável lacu­
na da legislação abrogada, passando a conferir proteção penal eficien­
te a pessoas igualmente fragilizadas no ambiente familiar, em razão da
idade ou da reduzida capacidade de resistência à violência do agressor.
Por último, caberá prisão preventiva contra a pessoa que, ante a
existência de dúvida sobre sua identidade civil, não fornecer elemen­
tos suficientes para esclarecê-la. O parágrafo único do artigo 313 faz,

A
porém, importante ressalva: o preso deve "ser colocado imediatamente
em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar
a manutenção da medida". Parece, portanto, nítida a intenção do le­
gislador de que a prisão de quem se encontra em situação de incerteza
quanto a sua identificação é efêmera, devendo durar apenas o tempo
necessário para esclarecer-se tal dúvida.
Ou seja, a prisão preventiva prevista no parágrafo único do arti­
go 313 do CPP assemelha-se a um mandado de condução coercitiva
para que, verificada uma das situações previstas no artigo 3e da Lei nô
12.037/09, seja o preso identificado criminalmente e volte, em seguida,
a gozar de plena liberdade, salvo se, em avaliação judicial, for necessá­
ria a manutenção da prisão - por outro motivo que não mais a incerteza
quanto à identidade - ou a imposição de medida cautelar diversa da prisão.
Outra importante ilação a extrair da novel legislação - nomeada­
mente da redação dada ao artigo 313 do CPP - é a de que a regra relati­
va à quantidade máxima da pena para o cabimento da cautela extrema
não se aplica às hipóteses dos incisos II e III, bem assim à hipótese do
parágrafo único do mesmo dispositivo.
Isso eqüivale a dizer que o investigado ou o acusado poderá ser
preso preventivamente quando praticar crime cuja pena máxima não
exceda quatro anos, mas que se ajuste a uma das situações positivadas nos
referidos incisos e no parágrafo único do mencionado preceito legal.
Não é despiciendo, a seu turno, enfatizar que as hipóteses ma­
terializadas no artigo 313 do CPP não dispensam a verificação dos
requisitos inerentes a qualquer medida cautelar já analisados acima,
quais sejam, a existência de prova da ocorrência de um crime e indícios
de que o sujeito passivo da cautela foi seu autor ou partícipe, e a veri­
ficação de que a liberdade deste representa um concreto risco à aplica­
ção da lei penal, à instrução criminal ou à ordem pública ou econômica.
Ou seja, é mister conjugar, sempre, a hipótese de cabimento da prisão
preventiva (artigo 313) com os requisitos autorizadores indicados no
artigo 312 do CPP
Também resta claro, pela inequívoca redação do artigo 314 do
CPfJ que não caberá prisão preventiva quando o agente houver pra-
ticado o crime - independentemente de sua natureza ou gravidade
- em situação que, em juízo de verossimilhança, configure uma das
excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal, haja vista
que, em qualquer dessas situações, faltará um componente do pressuposto
inerente a toda cautela {fumus comissi delicd), i.e., a prova da existência de
um crime, cujo conceito inclui a ilicitude do comportamento.
Há, ainda, outra hipótese legal de cabimento da prisão preven­
tiva, disciplinada no parágrafo único do artigo 312 do CPP, aplicável
“em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por
força de outras medidas cautelares (artigo 282, § 4Q)
Assim, tendo o juiz competente aplicado ao investigado ou acusa­
do alguma (s) das medidas cautelares alternativas à prisão, atendendo
à regra da excepcionalidade da cautela extrema (§ 62 do artigo 282), e
verificando o descumprimento injustificado de qualquer das obrigações
impostas, poderá impor ao agente a prisão preventiva, desde que, em
conformidade com o § 4e do mesmo dispositivo legal, não considere
mais adequado ou suficiente a substituição da medida ou até o acrésci­
mo de alguma outra.
Portanto, o descumprimento de obrigação relativa a medida cau­
telar diversa da prisão não implicará, automaticamente, o recurso à
providência mais extremada, mas é uma hipótese possível de ocorrer
mediante a devida fundamentação judicial.
Por derradeiro, convém fazer breve referência ao disposto no ar­
tigo 310 do CPÇ que prevê a possibilidade de conversão da prisão em
flagrante em preventiva. Vale aqui a mesma advertência, qual seja, a
de que a cautela mais gravosa somente se justificará, na dicção do in­
ciso II, "quando presentes os requisitos constantes do artigo 312 deste
Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas caute­
lares diversas da prisão”.
Em resumo, podemos concluir que caberá a prisão preventiva —
desde que presentes o fumus comissi delicd e o periculum libertatis (artigo
312 do CPP): a) a qualquer tempo, como providência cautelar autôno­
ma; b) como conversão do auto de prisão em flagrante; c) como con­
seqüência do descumprimento de obrigação relativa a cautela pessoal
imposta anteriormente.
Nesta última hipótese, acertadamente observa PACELLI DE
OLIVEIRA (2011, p. 33) que a prisão preventiva possui caráter sub-
sidiário, bastando, para sua decretação, 0 "descumprimento da medida
cautelar imposta e a reafirmação da necessidade da prisão, segundo os
requisitos do artigo 312, CPP independentemente das circunstâncias e
das hipóteses arroladas no artigo 313, CPP". E dizer, será possível impor
a cautela extrema ao investigado ou acusado, presentes os requisitos do
artigo 312 do CPP ainda que se trate de crime punido com pena pri­
vativa de liberdade igual ou inferior aos 4 (quatro) anos normalmente
estabelecidos como parâmetro para os demais casos.

4.1. Circunstâncias Autorizadoras

Não houve mudança do tratamento legal da prisão preventiva no


que diz respeito aos motivos, circunstâncias autorizadoras ou exigên­
cias cautelares, previstas na primeira parte do artigo 312 do CPP
Continua, portanto, a justificar a cautela extrema uma ou mais
das seguintes circunstâncias: necessidade da prisão para garantir a
Ordem pública ou econômica, a instrução criminal e a aplicação da
lei penal.
As duas últimas exigências cautelares são de fácil percepção e não
costuma haver oposição ao seu uso, desde que, evidentemente, cercado
dos cuidados e critérios legais.
No que toca à prisão preventiva por conveniência da instrução
criminal, a crítica que de início se faz diz com a expressão mantida
pelo reformador, como se fosse possível cercear a liberdade humana por
simples razões de conveniência. Se na década de 40 do século passado
ninguém se insurgiria contra esse poder discricionário do magistrado, o
avanço da ciência processual penal e, principalmente, a nova ordem
constitucional não admitem mais qualquer tipo de medida de restri­
ção ou de supressão da liberdade humana sem que esteja caracteri­
zado, em decisão suficientemente fundamentada, um juízo de estrita
necessidade da medida.
Essa circunstância autorizadora da prisão preventiva possui ní­
tido caráter instrumental, sendo, pois, impregnada de cautelaridade,
porquanto objetiva proteger os meios do processo penal, ou seja, as
provas que devem ser produzidas sem peias, perturbações, ameaças,
desvios de finalidade, contrafação ou qualquer outro ato tendente a
interferir na verdade dos fatos sob apuração.
Assim é que eventual ameaça, chantagem ou promessa de van­
tagem a testemunhas ou ao ofendido, interferências no trabalho dos
peritos, produção de prova documental falsificada e atos similares po­
dem ensejar a decretação da prisão preventiva do investigado ou do
acusado, desde que, não é ocioso reiterar, se mostre inadequada ou in­
suficiente a escolha de medida (s) diversa (s) da prisão.
Também se reveste de caráter instrumental a prisão preventiva
para a aplicação da lei penal, porque visa a proteger os fins do pro­
cesso penal, a saber, a definitiva prestação jurisdicional veiculada em
uma sentença penal de que resulta a condenação do acusado, com a
imposição de sanção criminal.
Dada a complementariedade funcional do Processo Penal em re­
lação ao Direito Penal - porquanto, em face do monopólio punitivo
estatal, este último somente se concretiza por meio daquele - qualquer
iniciativa do acusado tendente a furtar-se à aplicação da lei penal po­
derá ser corrigida com sua segregação preventiva.
Mais difícil é identificar a cautelaridade da prisão preventiva para
garantia da ordem pública ou econômica.
Desde Faustin Helie, em meados do Século XIX, a prisão pre­
ventiva para evitar a repetição de crimes tem sido compreendida mais
como uma espécie de medida de segurança do que, propriamente, uma
medida cautelar.
FREDERICO MARQUES (1965, p. 49) minudencia tal entendi­
mento, verbis:

Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de


providência cautelar, constituindo antes, como falava Faus-
tin Hélie, verdadeira medida de segurança. A potestas coer-
cedendi do Estado atua, então, para tutelar, não mais o pro­
cesso condenatório a que está instrumentalmente conexa,
e sim (...) a própria ordem pública. No caso, o periculum in
mora deriva dos prováveis danos que a liberdade do réu pos­
sa causar - com a dilação do desfecho do processo - dentro
da vida social e em relação aos bens jurídicos que o Direito
Penal tutela.

Na mesma linha de pensamento se coloca RAMOS (1998, p. 143):

A prisão preventiva decretada por garantia da ordem pública


não é cautelar nem antecipatória, mas medida judiciária de
polícia, justificada e legitimada pelos altos valores sociais em
jogo. A magistratura, formada por agentes políticos do Estado,
tem papel suficientemente importante na defesa social que a
legitima politicamente para decretar a medida, não referen­
te, todavia, à atividade concreta que desenvolve no processo
penal condenatório.

Também GOMES FILHO (1991, p. 68), com lastro em doutrina


italiana, aponta, entre outras funções não cautelares da prisão para ga­
rantia da ordem pública, a de "pronta reação do delito como forma de
aplacar o alarme social”, favorecendo a tomada de uma decisão judicial
com forte aparência de uma "justiça sumária”.
LOPES JR (2010, p. 115) chega a sustentar, por ausência de cau­
tela ridade, a inconstitucionalidade da prisão preventiva para garantia
da ordem pública ou da ordem econômica. Trata-se, segundo afirma,
“de grave degeneração transformar uma medida processual em ativida­
de tipicamente de polícia, utilizando-as indevidamente como medidas
de segurança pública. A prisão preventiva para garantia da ordem pú­
blica ou econômica nada tem a ver com os fins puramente cautelares
e processuais que marcam e legitimam esses provimentos.” Especifica­
mente em relação à ordem econômica, a crítica é ainda mais contun­
dente, embora, a nosso juízo, acabe por refletir a seletividade do sistema
penal, como já tivemos oportunidade de acentuar no Capítulo II deste
livro. Diz LOPES JR (2011, p. 119):

Quanto à prisão para garantia da ordem econômica; seria ri­


sível se não fosse realidade. Num país pobre como o nosso,
ter uma prisão preventiva para tutelar o capital especulativo
envergonha o processo penal. E elementar que, se o objetivo é
perseguir a especulação financeira, as transações fraudulentas
e coisas do gênero, o caminho passa pelas sanções ã pessoa
jurídica, o direito administrativo sancionador, as restrições co­
merciais, mas jamais pela intervenção penal, muito menos de
uma prisão preventiva.

Em lado oposto se coloca a doutrina mais tradicional. MIRA-


BETE, por exemplo, aceita sem problema a possibilidade de invocar
a garantia da ordem pública como motivo para a preventiva, rever-
berando julgado do STF (RHC 65.043-RS, Rei. Min. Carlos Madeira,
DJU, 22/5/1987, p. 9756) no qual se decidiu que “o conceito de ordem
pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas tam­
bém a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face
da gravidade do crime e de sua repercussão” (MIRABETE, 2004, p. 418).
Fábio Ramazzini BECHARA (2005, p. 156), por sua vez, elabora
uma argumentação bem sedutora, ao pregar que:

A ordem pública aqui é concebida como sinônimo de harmonia


e pacificação, ou, ainda, instrumento de defesa social, ou mes­
mo núcleo essencial do direito social à segurança. Isso implica
reconhecer no processo penal, como já visto, ao lado do esco­
po jurídico, traduzido na aplicação do direito penal, verifica-se
o escopo social, desde que se identifique como instrumento
de pacificação social e restabelecimento da ordem, ou seja, os
fins do processo penal, embora convergentes, manifestem-se a
partir de pontos de vista distintos. Na realidade democrática
atual, consoante o objetivo constitucional de construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, não é possível dissociar
da persecução criminal e, consequentemente, do processo pe­
nal, o objetivo social almejado.

Em direção similar se alinha VARALDA (2007, p. 167), ao pon­


tuar que

não há motivos de ordem técnica-jurídica (mas somente razões


de natureza política) para desconsiderar a prisão preventiva
enquanto medida de defesa social com vista ao asseguramento
dos desejos sociais de segurança, ainda que esta função acar­
rete uma certa ideia de prevenção especial (meio de impedir a
voltar a delinquir) e geral (intimidação), igualmente existente
na prisão em flagrante delito.

E, nesse particular, é de reconhecer-se que os países centrais com


quem temos maiores vínculo e afinidade jurídica positivam a questão
de maneira mais consentânea às novas exigências no tratamento da
matéria, ao estabelecerem requisitos mais específicos e concretos para a
decretação da cautela extrema.
Com efeito, a começar pelo Código de Processo Penal da França
—pioneiro no trato da matéria e inspirador da legislação de quase todos
os países centrais - observa-se que ele conserva, sem meias palavras,
a nota característica da referida modalidade de prisão preventiva, ao
prever, no seu artigo 137, que: “A pessoa acusada, presumida inocente,
permanece livre. Porém, em razão de necessidades da instrução ou a
título de medida de segurança, ela pode ser submetida a uma ou mais
obrigações decorrentes de controle judiciário. Se elas se revelarem in­
suficientes em relação aos seus objetivos, ela pode, a título excepcional,
ser colocada sob detenção provisória”i (grifo nosso, tradução livre).
E mais. No artigo 144 o legislador francês não hesita em precei-
tuar que a prisão provisória pode ser ordenada, entre outras hipóteses,
para “pôr fim à infração ou impedir sua renovação” e para “pôr fim à
perturbação excepcional e persistente à ordem pública, provocada
pela gravidade da infração, as circunstâncias de seu cometimento
ou a importância do prejuízo por ela causado. (...)”5.
Em outros países europeus se verificam similares previsões nor­
mativas. Assim, o artigo 503 do Código de Processo Penal da Espa­
nha estabelece a prisão provisional “para evitar que o imputado possa
atuar contra bens jurídicos da vítima, ou para evitar o risco de que
o imputado cometa outros fatos delitivos"6; na Itália, prevê-se que as
medidas cautelares são dispostas (artigo 274) quando, “por específicas
modalidades e circunstâncias do fato e pela personalidade da pessoa
investigada ou do acusado, deduzida de comportamentos e atos concre­

4 Arricle 137: La pcisonne mise en examen, prfsumée innocente, reste lihre. Toutefois,
en raUon des nécessités de rinstruction ou à títre de mesure de sCireté, elie peut être
astreinte à une ou plusieurs obligarions du comrôle judiciaire. Lorsque celles-ei se ré-
vfclent insufiisantes au regard de ces objecriís, elle peut, à títre exceptionnel, être placíe
en détention provisoíre.
5 Article 144. La détention provisoíre ne peut être ordonnéc ou pmlongée que s’il est
démontré, au regard des éléments précis et circonstanciés résultant de la procldure,
qu'elie consdtue 1’unique mnyen de parvenir à l’un ou plusieurs des objectifs suivants et
que ceux-ci ne sauraient être atteínts en cas de placement sous contTÔle judiciaire: (...)
6® Mettre fin à 1'infraction ou prÉvenir son renouveliement; 7a Mettre fin au trouble
exceptionnel et persistant à 1’ordre public provoqué par la gravité de 1'infraction, les
circonstances de sa commission ou 1'importanee du préjudice qu'elle a causí. Ce trou­
ble ne peut résulter du seul retentissement médiatique de 1'affaire. Toutefois, le présent
alinéa n'est pas applicahle en matière correctioimelle.
6 Z. También pcidrá acordanse la prisíãn provisional, concumendo los requisitos estahle-
cidos en los ordinales 1 y 2 dei apartado anterior para evitar el riesgo de que el imputa­
do cometa otros hechos delicrivos. Para valorar la existencia de este riesgo se atenderá
a las circunstancias dei hecho, ast como a la gravedad de los delitos que se pudieran
cometer.
tos ou dos seus precedentes penais, subsiste o concreto perigo de que
estes cometam crimes graves com uso de armas ou com outros meios de
violência pessoal ou dirigidos contra a ordem constitucional, ou delitos
de criminalidade organizada ou da mesma espécie daquela pela qual é
processado’’7; por fim, em Portugal, o Código de Processo Penal estabe­
lece, como requisitos gerais para as medidas de coação pessoal (artigo
204), entre outros» o “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias
do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a acti-
vidade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranqüilidade
públicas."
Percebe-se, portanto, que a prisão cautelar também se utiliza
em outros ordenamentos com funções de medida de segurança ou
de defesa social, o que é compreensível ante a necessidade de pro­
teger a sociedade contra investidas criminosas que perturbam a paz
e a ordem públicas.
Tal constatação não ilide, porém, o acerto da observação de ZA-
NOIDE DE MORAES (2010, p. 397), no sentido de que as expressões
“ordem pública" e “ordem econômica” carecem de legalidade estrita e
de proporcionalidade.

Falta-lhes legalidade ‘estrita’ porquanto são conceitos abertos


e não estão acompanhados de qualquer referência limitadora
em sua extensão, ou que possa servir de parâmetro para o
juiz extraí-los a partir do caso concreto. E, ainda, não há
limite, por exemplo, para inferências subjetivas e advindas
de razões midiáticas, pseudo-eficientistas ou, ainda, de es­
colhas íntimas do julgador.

7 Art. 274. Esigenze cautelari. 1. Le misure cautelari sono disposre (...) c) quando, per
specifiche modalità e círcoscanie dei fatto e per Ia personalità delia pereona sottoposra
alie indagini o deirimpucato, desunta da comportamenti o atti concreti o dai suoi pre-
cedenti penali, sussiste il concreto pericolo che q u « á commetta gravi delicti con uso di
armi o di altri mezzi di violenza personale o diretti contro 1'ordine costicuzionale owero
delittt di criminalità organizzata o delia stessa specie di quello per cui si procede. (...)
De fato, tem sido fértil a denotação da expressão “garantia da or­
dem pública” (e “econômica”) em seara jurisprudencial.
Entre outras hipóteses verbalizadas por juizes e tribunais, não são
raros os casos de decretos de prisão preventiva

a) em face da gravidade ou magnitude da infração (ex: Lei


7.492/86, art. 30);
b) para assegurar a credibilidade da justiça e das instituições;
c) como uma satisfação do sentimento de justiça da sociedade;
d) em razão do clamor público gerado pelo crime;
e) para dar segurança ao investigado ou réu;
f) para servir de exemplo a outros possíveis criminosos;
g) como resposta eficaz e pronta à conduta do réu.

Percebe-se, facilmente, que essas justificativas se apoiam em fun­


damentos e objetivos estranhos ao processo penal e acabam por servir a
outros propósitos que não os decorrentes das exigências cautelares que
legitimam a constrição da liberdade antes de uma condenação definitiva.
Com efeito, a magnitude ou gravidade da infração tem sido re­
conhecida como válida para autorizar a prisão cautelar apenas quando
decorre da gravidade concreta do comportamento do agente, e não de
simples presunção legal, abstrata, algo que, se aceito, resgataria a extin­
ta (pela Lei 5.349/67) prisão preventiva obrigatória. Especialmente no
que se refere à hipótese referida na alínea "a”, bem enfatiza PACELLI
DE OLIVEIRA (2011, p. 36) que a magnitude da lesão causada pelo
crime contra o sistema financeiro, nos termos do artigo 30 da Lei nB
7-492/86, não seria amenizada e muito menos teria seus efeitos diminu­
ídos em virtude da prisão do seu suposto causador. Mais eficaz e ade­
quada seria a adoção - na linha do que também sustenta LOPES JR,
conforme já indicado (2011, p. 119) - de medidas como “o seqüestro e
a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração”
Nas hipóteses indicadas nas alíneas b e c tem-se bem evidenciado
0 propósito de usar a medida extrema para atingir objetivos que até
poderiam ser tidos como legítimos desde que não se valesse o Estado do
indivíduo como mero instrumento para suas políticas públicas. O impe­
rativo prático de Kant se ajusta aqui como uma luva: "Age de tal modo
que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas
como um meio”.
Em verdade, a credibilidade do Judiciário e das instituições, bem
assim o sentimento de justiça pela sociedade podem e devem ser al­
cançados com o funcionamento regular e eficiente das instituições que
compõem o aparato repressivo estatal, desde que observadas as regras
e princípios tão arduamente conquistados no processo civilizatório mo­
derno. Demais disso, invocando a lição de Luigi FERRAJOLI (2002, p.
369), “a justiça, como a moral, não é questão de maiorias”. Em outra
passagem de sua monumental obra, o jus-filósofo italiano, em lição que
serve para orientar a interpretação e a aplicação de todo o sistema pu­
nitivo, pontifica:

O objetivo do direito penal não pode ser reduzido à mera defesa


social contra os delitos. O objetivo é a proteção do fraco contra o
mais forte: do fraco ofendido ou ameaçado com o delito, como do
fraco ofendido ou ameaçado pela vingança; contra o mais forte,
que no delito é o réu e na vingança é o ofendido ou os sujeitos
públicos ou privados que lhe são solidários. Precisamente - mo­
nopolizando a força, delimitando-lhe os pressupostos e as moda­
lidades e precluindo-lhe o exercício arbitrário por parte dos sujei­
tos não autorizados - a proibição e a ameaça penal protegem os
possíveis ofendidos contra os delitos, ao passo que o julgamento
e a imposição da pena protegem, por mais paradoxal que pareça,
os réus (e os inocentes suspeitos de sê-lo) contra as vinganças e
outras reações mais severas. Assim a lei penal se justifica como a
lei dos mais fraco, voltada para a tutela dos seus direitos contra a
violência arbitrária do mais forte. Sob essa base as duas finalidades
preventivas se conectam e legitimam a necessidade política do
direito penal, enquanto instrumento de tutela dos direitos fun­
damentais, os quais lhe definem, normativamente, os âmbitos e
os limites, enquanto bens que não se justifica ofender nem com
os delitos nem com as punições. Essa legitimidade não é demo­
crática, no sentido de que não provém do consenso da maioria.
(FERRAJOLI, 2002, p. 270)

Outra motivação recorrente para a decretação da prisão preven­


tiva é o clamor público, expressão cuja origem normativa no Brasil
remonta ao Código de Processo Criminal do Império, de 1832, cujo
artigo 131 permitia a prisão em flagrante de quem fosse encontrado
cometendo algum crime ou de quem estivesse fugindo “perseguido pelo
clamor público”. Em nossa legislação recém derrogada também se pre­
via, como razão para negar a fiança ao preso em flagrante (inciso V
do artigo 323 do CPP), a existência do clamor público. Não obstante,
parte da jurisprudência tem-se insurgido contra esse reducionismo sim­
plista da significância da expressão “garantia da ordem pública”, como
se percebe do seguinte excerto do RHC na 79200, julgado pela I a
Turma do STF em 1999, sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Per­
tence: “Prisão preventiva: a falta da demonstração em concreto do
periculum libertatis do acusado, nem a gravidade abstrata do crime
imputado, ainda que qualificado de hediondo, nem a reprovabilida-
de do fato, nem o conseqüente clamor público constituem motivos
idôneos à prisão preventiva: traduzem sim mal disfarçada nostalgia
da extinta prisão preventiva obrigatória”.
Curiosa, para dizer o mínimo, é a hipótese que mencionamos na
letra e, acima, em que, a pretexto de proteger o suposto autor do cri­
me contra as reações violentas da vítima, de seus familiares e amigos
ou da comunidade em geral, o Estado lhe decreta a prisão preventiva,
mantendo-o privado de sua liberdade, a salvo das agressões.
Tal circunstância, releva dizê-lo, não é de todo implausível de ser
invocada ao se constatar que outros povos dela se valem para determi­
nar a prisão cautelar do acusado. Exemplo disso nos dá o legislador francês,
que expressamente previu, no artigo 144,4a, do Código de Processo Penal,
que caberá a cautela extrema para "proteger a pessoa acusada”.
Também nas últimas duas situações, indicadas nas alíneas / e g
- prisão para servir de exemplo a outros possíveis criminosos e como
resposta eficaz e pronta à conduta do réu - a cautela assume um ca­
ráter de prevenção, geral ou especial, e desborda, nitidamente, de sua
natureza cautelar. E, ao fazê-lo, fere de morte sua legitimidade consti­
tucional, por antecipar, tangencialmente, uma punição que somente
pode, sob pena de violar a presunção de não culpabilidade, deconer de
uma sentença penal condenatória definitiva.

4.1.1. A validade da Prisão Preventiva para Garantia da Ordem


Pública

Inafastável, cremos, a conclusão de que o legislador pátrio foi


muito infeliz ao escolher essa vaga expressão “garantia da ordem pú­
blica” para autorizar a prisão preventiva do investigado ou do acusado
em processo penal. Mais infeliz ainda foi o reformador de 2011 ao nada
inovar quanto a isso, mantendo a mesma redação dada ao artigo 312 do
CPP pelo Código de 1941.
Mostrava-se, a propósito, mais apurada a redação do PL 4-208/01,
em sua versão original, ao permitir a prisão preventiva - ao que tudo
indica, por inspiração do homólogo código italiano - ante "fundadas
razões de que o investigado, suspeito ou acusado (...) venha a praticar
infrações de criminalidade organizada, de grave ofensa à probidade ad­
ministrativa ou à ordem econômica ou financeira, ou mediante violên­
cia ou grave ameaça à pessoa.”
Ainda que carente de aperfeiçoamento, semelhante redação te­
ria, ao menos, a vantagem de evidenciar que a prisão preventiva, como
medida de defesa ou de segurança social, somente teria cabimento para
acautelar a comunidade contra o perigo que a liberdade do agente pu­
desse representar, ante fundadas razões da prática de infrações penais
de maior monta e que geram maior perturbação ou dano social.
Aliás, foi demonstrado, no item anterior, que as legislações dos
países centrais não descuram da necessária proteção do meio social, ao
dizer que cabe a prisão preventiva para “por fim à perturbação excep­
cional e persistente à ordem pública” (França), para “evitar o risco de
que o imputado cometa outros fatos delitivos” (Espanha), para afastar
o perigo de que o investigado ou réu “cometam crimes graves com uso
de armas ou com outros meios de violência pessoal ou dirigidos contra
a ordem constitucional, ou delitos de criminalidade organizada ou da
mesma espécie daquela pela qual é processado” (Itália) ou, ainda, para
impedir que o argido “continue a actividade criminosa ou perturbe gra­
vemente a ordem e a tranqüilidade públicas." (Portugal).
Em todas essas normas estrangeiras vê-se nitidamente o propósito
de autorizar a prisão provisória para a proteção da sociedade, diante
de fundadas razões para acreditar que, em liberdade, o investigado ou
acusado irá cometer novos crimes.
LOPES JR (2011, p. 121) a esse respeito sustenta que tal mo­
dalidade de prisão, “sob o argumento de “perigo de reiteração” bem
reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja
do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda
o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, in­
determinado, imprevisível).” Em outro trecho da mesma página, aduz
LOPES JR que a prisão provisória sob tal fundamento "além de ser
um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para casos
de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois
a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela
permanece intacta em relação a fatos futuros.”
Divergimos desse entendimento, sobretudo porque consideramos
que tanto o Direito Penal quanto o Processual podem, sim, legislar ten­
do como perspectiva a provável ocorrência de fatos no futuro, a partir
de dados do passado. No terreno do Processo Penal cautelar essa pos­
sibilidade é quase a própria justificativa da sua existência. Deveras, há
objetivo maior em todo provimento cautelar que não o de prevenir
danos futuros?
Especificamente no que concerne às medidas cautelares pessoais,
o conceito de periculum libertatis denota exatamente a percepção de
que a liberdade do investigado ou acusado pode trazer prejuízos futuros
para a instrução, para a aplicação da lei ou para a ordem pública. E essa
avaliação sobre a periculosidade do sujeito passivo da medida cautelar
é aferida, na mor das vezes, por seu comportamento processual, ou por
seu modo de agir perante o grupo social, a tomar necessária a restrição,
parcial ou total, de sua liberdade.8

8 Essa percepção faz parte de instrutiva ementa referente a Habeas Corpus recentemen­
te julgado pelo Supremo Tribunal Federal e que merece ser integralmente transcrita:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PR1SÁ O PREVENTIVA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CREDIBI­
LIDADE DA JU STIÇA E CLAMOR PÚBLICO. TENTATIVAS CONCRETAS DE
INFLUENCIAR NA COLETA DA PROVA TESTEMUNHAL. ORDEM DENEGA-
DA. 1. O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumiJade das
pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui
em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado
com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de
terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes
e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito
nem cominaçáo de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como
imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação ou de
insegurança que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes.
Náo da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravida­
de na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, O agente
reincidirá no delito ou, de qualquer forma, representará agravo incomum a uma objeti­
va noção de segurança pública. Donde o vínculo operacional entre necessidade de pre­
servação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem
pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio
alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente
à noção de acautelamento do meio social. 2 . É certo que, para condenar penalmente
alguém, o órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os fatos delituosos
e suas coordenadas dão conta da culpabilidade do acusado. Já no tocante à decretação
da prisão preventiva, se tambfm É certo que 0 juiz valora esses mesmos fatos e vetores,
ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente. Náo propriamente da
culpabilidade. Pelo que o quantum da pena eítS para a culpabilidade do agente assim
como o decreto de prisão preventiva tstS para a periculosidade, pois í tal periculosida-
de que pode colocar em risco o meio social alusivo à possibilidade de reiteração deli tiva
(cuidando-se, claro, de prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pú­
blica). 3. Náo se acha devidamente motivado o decreto de prisão que, quanto à ordem
pública, sustenta risco à credibilidade da justiça e faz do clamot públic o fundamento da
custódia preventiva. É que tais fundamentos não se amoldam ao balizamento constitu­
cional da matéria. 4. Na concreta situação dos autos, esse ponto de fragilidade não se
Daí por que nos parece que se pode ter como válida a prisão pre­
ventiva para garantia da ordem pública, de modo a evitar a prática de
novos crimes pelo investigado ou acusado, ante sua periculosidade, ma­
nifestada na forma de execução do crime, ou no seu comportamento,
anterior ou posterior à prática ilícita.
A toda evidência isso não eqüivale a sustentar qualquer prisão
simplesmente porque o réu cometeu um crime violento ou porque pos­
sui maus antecedentes penais. Justiça penal não se faz por atacado e
sim artesanalmente, examinando-se atentamente cada caso para dele
extraírem-se todas as suas especificidades, a tomá-lo singular e, portan­
to, a merecer providência adequada e necessária.
Por isso mostra-se responsável e madura a posição sustentada por
ZANOIDE DE MORAES (2010, itens 5.4.1.2.1.3 e 5.4-1.2.1.4), que
propõe uma alternativa conciliadora entre os que denomina represen­
tantes da corrente prvcessualista (para quem a presunção de inocência
impede qualquer tipo de prisão com fundamento material), e represen­
tantes da corrente materialista (para os quais os interesses públicos aten­
didos pela prisão provisória sobrepõem-se aos interesses individuais do
acusado). A proposta é a exigência de requisitos cumulativos para a
aceitação da garantia da ordem pública como circunstância autorizado -
i ra da prisão preventiva. Tendo como foco o ato ocorrido, e afastando,
portanto, fatores e elementos a ele estranhos, ZANOIDE DE MORA­
ES sustenta que a prisão preventiva poderá ser determinada com base
na “ordem pública”, desde que: 1) se trate de crime com pena elevada;
2) as circunstâncias e a forma de cometimento do crime sejam parti-

escende, porém, ao segundo fundamento do decreto de prisão preventiva. É felar: a se­


gregação cautelar para o resguardo da instrução criminal não c de ser afastada pela ca­
rência de fundamentação idônea. Isso porque, no ponto, o decreto de prisão preventiva
está assentado em manobras operadas pelo paciente para tentar alterar depoimentos
de testemunhas. O que é suficiente para preencher a finalidade do art. 312 do Código
de Processo Penal, no ponto em que autoriza a prisão preventiva paia a preservação da
instrução criminal, mormente nos casos de crimes dolosos contra a vida. Crimes cujo
julgamento é timbrado pela previsão de atos Irvstrutõrios também em Plenário do Júri
(arts. 473 a 475 do CPP). 5. Ordem denegada. HC 102065 / PE Relator M io . AYRÉS
BRITTO, j. 23/11/2010, DJe-030 p. 15-02-2011
cularmente conotativas da sua gravidade; 3) exista pequena distância
temporal entre 0 cometimento do crime e o decreto de prisão.
Semelhante proposta possui o grande mérito de buscar um ponto
de equilíbrio no embate imanente ao processo penal, entre o poder pu­
nitivo do Estado e o direito à liberdade do indivíduo. E uma tentativa
de atender tanto os sagrados interesses do indivíduo contra exces-
sos do poder coercitivo estatal, quanto os legítimos interesses da
sociedade contra comportamentos que colocam sob risco grave e
concreto o pacífico e ordeiro convívio social
Para encerrar, cremos ser importante recordar que, quando se co-
gita de identificar os fins ou objetivos do processo penal, fala-se em
descoberta da verdade, realização da justiça, estabilidade da ordem ju­
rídica, promoção da paz pública, proteção de bens jurídicos, proteção
do indivíduo contra os abusos do Estado e proteção da própria vítima e
da sociedade em geral.
Mas nenhum desses objetivos pode ser considerado isoladamente.
O próprio Direito Processual Penal guarda relação umbilical com o Di­
reito Penal e nem sempre será possível divisar os fins de um e de outro.
A lição de FIGUEIREDO DIAS (1981, p. 45-46) é sempre bem-
-vinda: ao advertir-nos sobre a tentação de levar ao extremo os valores
presentes em um processo penal, nomeadamente os valores da justiça
e o da segurança, acentua “nada haver de mais perigoso que a absolu-
tização de valores éticos singulares, pois aí se inscreverá a tendência
irresistível para uma santificação dos meios pelos fins."
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