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Organizadores:
ANNA PAULA BAGETTI ZEIFERT
JOICE GRACIELE NIELSSON
MAIQUEL ÂNGELO DEZORDI WERMUTH
Z46b
CIÊNCIAS CRIMINAIS & DIREITOS HUMANOS - Volume II / Anna Paula Bagetti Zeifert,
Joice Graciele Nielsson, Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (orgs). Bento Gonçalves, RS:
Associação Refletindo o Direito, 2017.
814 f.
ISBN 978-85-67584-24-9
1. Novos direitos. 2. Jurisdição. 3. Democracia. 4. Direitos Humanos. I. Zeifert, Anna
Paula Bagetti II. Nielsson, Joice Graciele III. Wermuth, Maiquel Ângelo Dezordi IV. Título.
SUMÁRIO
1. AS (IM)POSSIBILIDADES DA PAZ EM UM CENÁRIO DE MEDO: A
CONTEMPORANEIDADE E O ESTADO DE GUERRA GLOBAL..............................12
Aline Michele Pedron Leves e Tamires De Lima De Oliveira
29. A VERDADE POR TRÁS DOS BASTIDORES: A DITADURA MILITAR NÃO MATOU
VAGABUNDOS, BANDIDOS, IMINIGOS INTERNOS E TERRORISTAS................396
Luane Flores Chuquel, Alef Felipe Meier e Ivo dos Santos Canabarro
1
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Trad. Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da
Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
A partir desta seletividade da atuação do sistema punitivo brasileiro, torna-se
possível ratificar que o verdadeiro e real poder por ele exercido hoje não é diferente
daquele que lhe era designado quando dos primórdios de nossa história: o controle
social dos setores economicamente hipossuficientes da sociedade, que são
inconvenientes à configuração social desencadeada pelo sistema de produção, no qual
são os grupos que detêm o poder econômico que possuem a capacidade de definir as
infrações criminosas, assim como de garantir a impunidade de suas próprias condutas
delitivas, configurando, deste modo, a realidade social de acordo com os seus
interesses. Neste contexto, o papel que o sistema punitivo brasileiro ainda desempenha
é o de garantidor/reprodutor da violência estrutural inerente ao modelo capitalista de
formação socioeconômica.
Nesse rumo, refere Andrade2 que a criminalidade é imputada aos estratos
economicamente hipossuficientes da sociedade mediante juízos atributivos que são
realizados a partir dos processos de criminalização primária e secundária, ou seja,
através da definição dos bens jurídicos a serem protegidos e dos comportamentos
ofensivos a estes bens – os quais são predominantemente relacionados às formas de
desvio típicas das classes desfavorecidas (delitos contra o patrimônio ou contra o
Estado), em detrimento daqueles que dizem respeito a bens e valores como a vida, a
saúde, etc –, bem como da seleção dos indivíduos que serão criminalizados dentre todos
aqueles que praticarem tais comportamentos, quais sejam, os oriundos dos níveis mais
baixos da escala social, como consequência lógica da criminalização primária. Destarte,
o etiquetamento do indivíduo enquanto delinquente está intrinsecamente relacionada
à posição social por ele ocupada.
A partir deste background, o livro que ora temos o prazer de apresentar afigura-
se como fruto de um conjunto de pesquisas que foram apresentadas durante a
realização do II Congresso Nacional de Ciências Criminais e Direitos Humanos, na
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, entre os dias 23 e
26 de maio de 2017. Partindo do panorama geral acima delineado, o presente livro
dedica-se a promover o debate de diferentes temáticas relacionadas às Ciências
2
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência
do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
Criminais, à luz dos Direitos Humanos. Trata-se de uma obra instigante que apresenta
contribuições de diversos autores sobre temas atuais e relevantes no âmbito da
Criminologia, Política Criminal, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direitos
Humanos, servindo como uma importante fonte de pesquisa para acadêmicos e demais
interessados no debate acerca da construção de um modelo de Direito Penal mais justo
e igualitário, em conformidade com os postulados de um Estado Democrático de Direito.
Os organizadores.
12
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ;
Mestranda e Bolsista CAPES do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Curso de Mestrado em
Direitos Humanos da UNIJUÍ. E-mail: alineleves@hotmail.com.
2
Mestre em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI, bacharel em Direito pela mesma instituição.
Advogada. E-mail: tamires.lo@outlook.com.
13
transforma-se na regra, ocupando desta forma um espaço da normalidade. Este fato torna
ai daà aisào s u aàaàdife e iaç oàe t eàaàdefi iç oàdeàgue aàeàdeàpolíti a,àu aà ezà ueà aà
guerra vai-se transformando no princípio básico de organização da sociedade, reduzindo-se a
políti aàape asàaàu àdeàseusà e u sosàouà a ifestaç es. à рá‘DT;àNйG‘I,à ,àp.à .
Com o impacto direto dessa nova era, a soberania e a autonomia dos Estados são
significativamente relativizadas e fragilizadas em virtude do extraordinário aumento das
interconexões globais, fazendo das fronteiras institutos cada vez menos rígidos. Isto é,
vivencia-se um novo cenário de extrema interdependência entre todas as nações do globo,
sendo essa uma característica estruturante da sociedade internacional contemporânea. Por
tais razões, Luigi Ferrajoli (2002, p. 49-50) preceitua que:
Fica claro, então, que a pluralidade de conflitos e riscos oriundos do referido fenômeno
da globalização – os quais anteriormente eram marcados pelo caráter estritamente local –, na
contemporaneidade, esses embates dizem respeito não somente à região na qual ocorre a
disputa, mas a todas as demais nações que compõem a aldeia global, atingindo e integrando
um número indeterminado de pessoas. Portanto, com a globalização dos conflitos, do
19
terrorismo, da violência banal e dos riscos mundiais, torna-se necessária a manutenção da paz
e a proteção universal dos direitos humanos na comunidade internacional da maneira mais
abrangente possível, de tal modo que se consiga enfrentar os confrontos e as contradições
que permeiam a realidade de uma sociedade repleta de incertezas e de crises planetárias.
Pode-se afirmar que os processos de globalização provaram que o poder dos Estados
nacionais, em relação aos inúmeros problemas que sobrecarregam a agenda internacional –
tais como a manutenção da paz, a luta contra o terrorismo, a tutela dos direitos humanos,
dentre outros –, caracterizam-se como funcionalmente desequilibrados e fora de escala.
Neste sentido, Michael Hardt e Antonio Negri (2005) sustentam que a nova configuração
mundial estabelecida pelo fenômeno da globalização acarretou a ruptura e o
desapa e i e toà doà siste aà Westfalia oà dosà йstadosà so e a os,à issoà po ue,à aà e aà daà
interdependência global, seria anacrônico apostar ainda no modelo de Westfália para garantir
a ordem mundial e aà a ute ç oàdaàpaz à )OэO,à ,àp.à .
Vale ressaltar que o sistema de equilíbrio dos Estados soberanos gerou aquilo que
Thomas Hobbes (2012), como dito, chamou de bellum omnium (guerra de todos), fazendo
com que os Estados, na busca incessante pelo poder, constituam-seà o oà leviatãs ,à
permanentemente dispostos à guerra. Tal sistema, conforme Danilo Zolo (2011, p.30) já
estaria obsoleto, uma vez que as prerrogativas de independência das nações apresentam-se
o oà p ete s esà eleit iasà eà o oà o st ulosà pa aà aà soluç oà dosà p o le asà u iaisà doà
planeta, a começar pela contenção dos particularismos étnicos que correm o risco de
p e ipita àoà u doàe àu aàgue aà i ilàge e alizada .
Além disso, a deflagração da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) desvendou os
extremos que podem ser alcançados quando se une o conflito bélico a intensos artefatos
tecnológico-militares. O fenômeno da guerra, que para Clausewitz (2010) consolida-se na
realização da política por outros meios, torna-se – com o advento dos governos totalitaristas
e das armas nucleares – a essência de novas e terríveis possibilidades: a rendição e a
destruição maciça de civilizações inteiras e, também, da própria vida existente no planeta.
Assim, as novas e destrutivas tecnologias empregadas na guerra demonstraram até que ponto
os antagonismos e as rivalidades dos Estados podem chegar quando vinculadas aos
exacerbados nacionalismos evidenciados num panorama de desequilíbrios políticos,
econômicos e sociais.
20
[...] deixa de ser a ultima ratio, ou seja, o elemento final das sequências de poder,
para transformar-se na prima ratio, ou seja, no principal fundamento da própria
política. A guerra assume a condição de única forma de coexistência global, cuja
consequência, que não surpreende, é justamente uma multiplicação em excesso dos
mesmos riscos que com a guerra se pretende evitar. Como resultado, tem-se uma
21
[...] não só inverteu, como perverteu de vez todo esse mortífero dispositivo
moderno, intercambiando necessidade e liberdade, no caso, política e naturalização
da máquina de guerra. Não é, portanto, incompreensível o pasmo provocado por
uma guerra que não foi colocada a nossa frente, na fórmula exata de um
desconsolado expert norte-a e i a o.à N sàopta osàpo àela .
Ademais, em relação aos Estados Unidos, enfatiza-se a tentativa desta grande potencia
mundial de apresentar as próprias guerras – que acarretam efeitos e impactos em âmbito
global – enquanto guerras conduzidas em prol de toda a humanidade. Neste sentido, para
Zolo (2011, p. 205):
É cabível neste momento uma retomada da ideologia inaceitável de guerra justa por
parte das políticas estadunidenses, as quais apresentam a guerra global contra o terrorismo
ou contra os Estados inimigos, enquanto uma guerra do bem contra o mal. Essa guerra seria
justificada não com base em objetivos ou interesses particulares, mas assumindo um ponto
de vista imparcial e superior, em prol dos valores que se presumem compartilháveis por toda
aà hu a idade,à o à oà i tuitoà deà mascarar à asà gue asà u ilate aisà eà ilí itasà ealizadasà à
22
A guerra que se perfila no horizonte não será somente uma guerra global,
assi t i a,à justa àeà hu a it ia ,à asàse àaàgue aà apazàdeàu a discriminação
doà i i igo,à poisà assu i à aà fo aà deà pe a e teà aç oà deà polí ia :à u aà polí iaà
internacional, obviamente controlada pelos Estados Unidos, que usará armas de
dest uiç oà e à assaà o t aà osà pe tu ado esà daà paz ,à se à e hu aà disti ç oà
entre tropas regulares e milícias irregulares, e entre militares e civis. Não será,
portanto, guerra entre Estados, suscetível de ser concluída com um tratado de paz,
asà se à u aà pe a e teà gue aà i ilà u dial à o duzidaà po à u aà g a deà
potência, para submeter ao controle policial-militar o planeta inteiro. (ZOLO, 2011,
p. 206).
Esta realidade da guerra atual transformou-se, desta forma, num fenômeno global
interminável, o que significa que pela existência dos inúmeros conflitos armados, fazemos
parte de uma verdadeira sociedade de risco, com alto grau de insegurança. Todavia, acima de
tudo, essa realidade é irrefutável, uma vez que se compõem em um panorama de
normalização da guerra e da violência nas suas formas mais cruéis e cada vez mais impassíveis
de regulação jurídica.
Deste modo, pode-se afirmar que o reconhecimento da guerra configura-se enquanto
uma condição geral da existência humana. Por isso,
Assim, a guerra já não é mais a mesma, globalizou-se e, mais do que isso, civilizou-se.
Além disso, tornou-se uma manifestação contundente de um estado de exceção global. Fato
é que, atualmente, não conseguimos saber se estamos em guerra ou em paz, sendo notória a
indistinção entre o que é exceção e o que é regra. Estamos, portanto, diante de um momento
híbrido extremo, no qual o Estado de guerra global se cristaliza na escalada massiva de uma
dominação pelo medo em campo aberto.
Por fim, a virtuosa manifestação dos homens em busca da paz e a desumana disposição
para a guerra são dois eventos que se colocam um ao lado do outro. Do mesmo modo, o
aumento da interdependência, das complexidades e dos inúmeros desequilíbrios e confrontos
sociais, permitiram que a temática da guerra e da paz fosse assentada sobre novos
pressupostos e reforçaram a tendência constante para a difícil, senão impossível, busca pela
solução pacífica dos conflitos na sociedade internacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
________.Vigilância Líquida: diálogos com David Lyon. Tradução de Carlos Alberto Medeiros.
Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
GENTILI, Alberico. O Direito de Guerra. Tradução de Ciro Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2006.
GROTIUS, Hugo. O Direito da guerra e da paz (De jure belli ac pacis). Ijuí: UNIJUÍ, 2005.
26
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: Guerra e democracia na era do Império. São
Paulo: Record, 2005.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
KANT, Immanuel. Para a paz perpétua, um esboço filosófico. In: GUINSBURG, J. [et al]. A paz
perpétua, um projeto para hoje. São Paulo: Perspectiva, 2004.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico-científico. São Paulo:
HUCITEC, 1997.
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A produção da vida nua no estado de guerra global. In:
Revista da Faculdade de Direito - UFPR. Curitiba: vol. 60, n. 1, jan./abr. 2015 (pp. 117-136).
Disponível em: http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/36715. Acesso em: 02 mai. 2017.
ZOLO, Danilo. Rumo a um Ocaso Global? Os direitos humanos, o medo, a guerra. Orgs. Maria
Luiza Alencar Feitosa e Giuseppe Tosi. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
27
RESUMO: O presente artigo tem por finalidade tratar sobre a criminalização da pobreza
através do Direito Penal e a justiça restaurativa como meio de solução. O sistema penal é o
modo pelo qual o Estado exerce seu controle social e repressivo. Dentro do sistema capitalista,
aqueles que não seguem os padrões impostos pela sociedade são considerados um mal social
para o Estado. O Direito Penal, então, tende a se comportar de forma estritamente seletiva,
fazendo uma seleção dos tipos de criminosos. Assim, a partir do método de abordagem
hipotético-dedutivo, e método de procedimento bibliográfico, será realizada uma reflexão das
formas de criminalização da pobreza e como a justiça restaurativa se torna uma forma de
solução através da inclusão social.
1 INTRODUÇÃO
O sistema econômico atual, que tem total enfoque no poder e geração de lucros,
sustentado pela dominação e exploração das classes menores, tem grande influência em
relação à seletividade e criação de estereótipos penais. Este força a sociedade a viver dentro
1
Acadêmica do 5º semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto
U uguaià eà dasà Miss es,à a pusà “a toà Â gelo.à Bolsistaà PIIC/U‘Ià doà P ojetoà deà Pes uisaà P‘йTO“,à POB‘й“à йà
PUTAS: os estereótipos nos discursos de uma sociedade penal punitivista e repressivista. Endereço eletrônico:
alinebeatriz09@hotmail.com
2
Acadêmico do 7º semestre do Curso de Graduação em Direito na Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões, campus Santo Ângelo. Endereço eletrônico: alissoncoffi@hotmail.com
28
deàpad es,àfaze doà o à ueàaàpopulaç oà i aàdeàa o doà o àasà e ig ias ,àouàe t o,àsejaà
excluída do sistema.
Assim, neste trabalho, será feita uma reflexão a partir da criminalização da pobreza e
como a justiça restaurativa pode ser uma alternativa de mudança. A inclusão social através
desse novo modelo de justiça, surge como solução, envolvendo toda a comunidade na busca
de soluções à conflitos que poderiam ser evitados e trazendo de volta ao grande grupo uma
parte da sociedade até então deixada de lado.
A pobreza há muito tempo tem sido alvo de preconceito por parte das classes
dominantes. Desde os séculos anteriores, a pobreza, ou melhor, os pobres, são vistos como
pessoas com a função de servir e ser subordinados àqueles pertencentes a classe alta.
O pobre nunca teve lugar de prestígio na sociedade, pelo contrário, foi sempre visto
como causa dos problemas existentes em um país, bem como a razão que impede um país a
chegar a um patamar de desenvolvimento. Por isso, entre as principais metas de um Estado,
erradicar a pobreza é sempre uma questão importante, independente de como aconteça o
processo de extermínio3.
ál àdeà istaà o oà et o essoàpa aàu àpaís,àaàpo ezaà à istaà o oàp i ipalà po taà
deà e t ada à daà i i alidade.à A partir disso, então, é dado início a um processo de
i i alizaç oàdaàpo eza,ào de,à o àoào jeti oàdeà e te i -la àoàйstadoàusaàdoàDi eitoà
Penal como método para atingir este objetivo, conforme o pensamento de Baratta:
3
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
29
Assim, o sistema penal propaga a ideia de que existe um inimigo social a ser combatido,
por este motivo o Estado utiliza seu aparato para selecionar as camadas sociais que serão
atingidos pelo sistema penal. Portanto,
O pobre, dessa forma, vítima da própria situação social em que se encontra, acaba
tendo seus direitos negados pelo estado. Questões básicas como, saneamento básico,
transporte público e acesso à justiça, por exemplo, muitas vezes são desconhecidas na
periferia, a grande maioria desconhece a existência desses direitos, bem como, pouco recebe
informações a respeito por parte da mídia.
Dentro do sistema penal, é possível perceber as diferenças quando se fala dos delitos
cometidos pelas classes marginalizadas em comparação aos crimes de colarinho branco. Para
Tho pso ,à oà ha adoà delitoà deà ola i hoà a oà à a ueleà o etidoà po à u aà pessoaà deà
respeitabilidade e elevado status sócio econômico, no exercício de suas atividades
e p esa iais à ,àp. .
O crime de ser pobre é um estereótipo predominante na sociedade devido a vários
fatores. Um dos principais fatores é o sistema econômico, capitalismo, o qual divide a
sociedade em classes, fazendo com que aqueles que se encontram nas classes inferiores, mais
necessitadas, se submetam das mais variadas formas àqueles que pertencem a classe
dominante.
áàdi is oàdaàso iedadeàe à Po esà à‘i os à foiàu aà o se u iaàge adaà aàá i aà
ao passar de um Estado-providência a um Estado penal e policial que levou ao fim de um
йstadoà a itati o à WáCQUáNT,à ,à p. -18). Após essa passagem, foi-se criando um
Estado onde seu lado social era cada vez mais dominado pelas classes privilegiadas, pois o
apoio do governo às classes média e alta, assim como às grandes empresas, sempre foi muito
grande, ao contrário dos programas sociais às pessoas mais necessitadas que sempre foram
limitadas e isoladas das demais atividades estatais. Dessa forma, criou-se uma situação onde
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A criação de leis, então, não parte das necessidades do povo, mas sim de interesses
dos grupos dominantes, sendo considerado crime, então, o interesse individual do legislador,
a partir da veemência de quem tem o poder nas mãos. Diante disso, sobre aqueles que
controlam as regras e ditam os interesses a serem representados através da legislação,
observa-se que
Embora se possa afirmar que muitas regras ou a maioria delas conta com a
concordância geral de todos os membros de uma sociedade, a pesquisa
empírica sobre uma determinada regra em geral revela variação nas atitudes
das pessoas. Regras formais, impostas por um grupo de pessoas
especialmente constituído, podem diferir daquelas de fato consideradas
apropriadas pela maioria das pessoas (BECKER, 2008, p. 28).
Grande parte da população já cometeu algum tipo de crime, porém, apenas uma
pequena parte deles são divulgados ou sofrem um processo judicial, Cadeia?àGua daàoà ueàoà
siste aà ãoà uis.àEs o deàoà ueàaà o elaà ãoàdiz 4. Assim, percebe-se que o sistema penal é
4
T e hoàdaà a ç oàdeà ap,àDi ioàdeàu àdete toàdoàg upoà‘a io aisàM s,àla çadaà oàa oàdeà , a qual aborda
a rebelião ocorrida no presídio do Carandiru, ocorrida em 2 de outubro de 1992. (WIKIPÉDA, acesso em 20 de
abril de 2017)
31
seletivo em relação a certos grupos, pois não importa o tipo de crime que se comete, mas sim
a situação do indivíduo na pirâmide social.
a sanção é, em tese, uma forma de punir um mal, com outro mal, ou seja, uma retribuição do
estado pelo crime cometido contra a ordem pública.
Éà o oàseàfosseàu aàesp ieàdeà i ga ça àdoàйstado,à o t aàa ueleà ueàfoià o t a as
o de sài postas,àassi àe t o,àfaze doà o à ueàesteà pagueàpeloà ueàfez ,àsejaàe àfo aàdeà
uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. O que acontece, é que está
visão de retribuir o mal cometido, olho por olho, dente por dente5, é uma visão predominante
dentro da própria sociedade, assim, em situações de conflitos, o processo judicial é visto
muitas vezes pelas partes como uma forma de prejudicar o outro, e não de fato solucionar o
conflito de forma dinâmica, que seja realmente produtiva para o autor, bem como para a
sociedade em geral.
Em oposição a este contexto antagônico entre vítima e réu, onde na forma retributiva
se busca com o processo, um vencedor e um perdedor, surge a Justiça Restaurativa, a qual
será estudada no próximo tópico.
A Justiça Restaurativa cria condições, onde autor e réu, através do diálogo, da reflexão
e do perdão, possam de fato encontrar a solução ao conflito de forma plena, onde as duas
partes saiam satisfeitas, sem raiva, e vejam o processo como algo bom, e não um criador de
inimigos. Diante disso, conforme o pensamento de Colet:
Cabe ressaltar que a Justiça Restaurativa não visa abolir o velho sistema penal, nem as
penas, mas sim mitigar seu efeito punitivo, incluindo a comunidade na participação da justiça
5
A lei de talião, do latim lextalionis (lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de talião, consiste
na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. Esta lei é frequentemente
expressa pela máxima olho por olho, dente por dente. É a lei, registrada de forma escrita, mais antiga da história
da humanidade. (WIKIPÉDIA, acesso em 28 de março de 2017)
33
e fortalecendo as relações humanas através do diálogo, que acabou sendo afastado com a
modernidade (SALIBA, 2009, p. 144).
Assim, a Justiça Restaurativa não deve ser entendida como uma forma privada de
realização da justiça – autotutela –, nem como uma justiça pública, como a que resulta do
funcionamento do sistema judicial, mas como uma justiça comunitária, menos punitiva, que
visa buscar o equilíbrio social (FERREIRA, 2008, p. 24-25).
A Justiça Restaurativa deve ser vista como uma nova forma de reparar os danos
causados, restaurar os relacionamentos entre as pessoas e impedir a reincidência, ao invés de
somente punir o infrator. Por conta disto, é fundamental a participação das partes envolvidas
e da comunidade. Cumpre ressaltar que a reparação dos danos deve ser compreendida de
u aàfo aàa pla,àpoisà o fo eàBia hi iàafi a,à oàda oà oà à edidoàape asà oàaspe toà
fi a ei o à ,àp.à .
Não se deve confundir Justiça Restaurativa com Justiça retributiva. Enquanto esta
enfatiza a necessidade de punição do agressor, aquela procura encorajá-lo a aprender novas
e melhores formas de estar em sociedade, possuindo um valor extremamente pedagógico e
preventivo (FERREIRA, 2008, p. 25-26).
Para a Justiça retributiva, o crime é um atentado contra o Estado, diante do
descumprimento da lei, e com uma finalidade vingativo-punitiva atribui-seàoà al àdaàpe aà
pa aà o ate à oà al à doà delito;à щ à aà щustiçaà ‘estau ati a,à oà i eà à o side adoà u aà
violação de relacionamentos, e para solucionar os delitos é utilizado as figuras da vítima, do
ofensor e da comunidade, valendo-se do diálogo e conscientização.
Assim, na Justiça Restaurativa são as próprias partes que buscam, através do diálogo e
com a ajuda de um facilitador capacitado, a resolução da divergência, tendo como objetivo a
discussão acerca dos motivos e consequências do crime para a vítima, ofensor e comunidade.
O Direito Penal é um ramo do Direito Público, que tutela os bens mais preciosos da
humanidade, tendo aplicabilidade somente nos casos mais graves, quando não há outro meio
de resolver os problemas, sendo regido por uma série de princípios para garantir sua aplicação
da forma mais adequada possível, observando as garantias constitucionais e
infraconstitucionais. Sendo assim, a Justiça Restaurativa, por se enquadrar no ramo do direito
penal, também deve observar a alguns princípios, sendo eles, em sua maioria, os aplicados ao
34
Direito Penal. Porém, possui também alguns princípios próprios, que será objeto de uma breve
análise no presente trabalho.
Os princípios norteadores da justiça restaurativa são: 1) princípio do processo
comunicacional; 2) princípio da voluntariedade; 3) princípio da consensualidade; 4) princípio
da resolução alternativa e efetiva dos conflitos; 5) princípio do respeito absoluto aos direitos
humanos e da dignidade da pessoa humana.
Conforme estipula o princípio do processo comunicacional, o processo deve ser
pautado pela comunicação entre as partes e participação da comunidade (SALIBA, 2009 p.
154). A seu turno, o princípio da voluntariedade estabelece que não deva existir nenhuma
forma de coação ou obrigatoriedade perante os envolvidos (BIANCHINI, 2013, p. 118).
O princípio da consensualidade diz respeito à anuência das partes em participar e
compreender a justiça restaurativa (BIANCHINI, 2013, p. 124). Por sua vez, o princípio da
resolução alternativa e efetiva dos conflitos traz efetividade às decisões judiciais, dando-lhe
cumprimento e conscientizando os envolvidos em respeitar os interesses alheios, exaltando a
solidariedade humana (SALIBA, 2009, p. 155).
De acordo com o princípio do respeito absoluto aos direitos humanos e da dignidade
da pessoa humana, não se pode ignorar, em nenhum momento, as questões relacionadas aos
direitos humanos e à dignidade da pessoa humana. Esse princípio serve de base para toda a
atuação da justiça restaurativa (SALIBA, 2009, p. 155-156).
Co fo eàpe saà“ali a,à aài lus oàso ialàpo à eioàdaàjustiçaà estau ati aàso e teàseà
ap ese taà o oà apazà o à aà o se iaà i est itaà dessesà p i ípios à ,à p.à .à Noà
tocante à aplicação da Justiça Restaurativa, observa-se que ela envolve a vítima, o ofensor e
a comunidade. Esse método participativo visa alcançar soluções alternativas ao caso concreto,
levando em conta as peculiaridades de cada caso e das pessoas envolvidas.
No processo restaurativo, discutem-se os motivos que levaram o ofensor a praticar o
crime, bem como as consequências para a vítima, o ofensor e a comunidade. Deve-se
entender como sendo comunidade todas as pessoas atingidas pelo delito, como por exemplo,
os familiares da vítima. Todo o processo baseia-se no diálogo e na conscientização da conduta,
ressaltando as interações humanas, visando alcançar a reconciliação das partes e a pacificação
social (SALIBA, 2009, p. 159).
35
Para a vítima, é assegurado todo o suporte e proteção necessários para que esta
supere o trauma causado pelo delito, bem como incentivada sua posição de destaque,
deixando, assim, de ser uma figura passiva e tornando-se uma figura ativa no processo
(SALIBA, 2009, p. 158-159). Ao ofensor, a Justiça Restaurativa busca trabalhar as questões
relativas à conscientização da sua conduta, bem como as consequências que esta importa na
vida da vítima, discutindo os motivos e as razões que o levaram a praticar o crime (SALIBA,
2009, p. 160).
A participação da comunidade é imprescindível para que a ressocialização aconteça de
forma efetiva, pautada pela solidariedade social, com o fim de evitar que novos delitos sejam
cometidos. Somente com participação da comunidade é que poderá se falar em inclusão
social, pois o atual sistema penal acaba por reforçar os estigmas sociais, justamente por excluir
a participação da comunidade do processo. O que se busca com a justiça restaurativa é o
oposto, incluindo a comunidade nas discussões processuais e superando essas discriminações
existentes atualmente, para construir uma sociedade mais justa e boa (SALIBA, 2009, p. 163-
164-165).
Conforme afirma Saliba:
6
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por
juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis
de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de
juízes de primeiro grau; (CF/1988).
7
Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas
socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho
de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de
1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993,
os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.
8
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as
seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV
- liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (ECA/1990).
37
outras pessoas, e que na maioria das vezes são muito maiores que o simples cometimento do
crime, também é um fator importante para o impedimento de que novos delitos sejam
praticados, pois o agente acaba se conscientizando da sua conduta e assume sua
responsabilidade (BIANCHINI, 2013, p. 174-175).
Há, também, a possibilidade de que a vítima perdoe o infrator, reconhecendo as causas
da prática do crime, e quebrando o distanciamento causado pelo rompimento das relações,
tornando a sociedade mais humanitária. (BIANCHINI, 2013, p. 175).
Nesse sentido, Saliba ressalta que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As classes mais pobres são consideradas como inferiores perante as classes mais
prestigiadas, carregando consigo um sentimento de desvalorização, subordinação, e sendo-
lhes atribuída a culpa de todos os males existentes na sociedade, inclusive da criminalidade.
Nesse sentido, o Estado passa a utilizar o Direito Penal como forma para erradicar a
pobreza da realidade nacional, como uma espécie de salvação da pátria, similar ao extermínio
de todos os males atualmente existentes, estipulando as classes mais baixas como o inimigo
da sociedade.
No sistema penal é nítido que a pena não cumpre sua função ressocializadora, tendo
em vista o alto índice de reincidências, e a dificuldade de reinserção social dos delinquentes
após seu cumprimento. Surge aí uma necessidade de alteração desse sistema.
O sistema restaurativo coloca as partes envolvidas no delito e a comunidade no centro
do processo, restaurando a comunicação social, as interações humanas e resgatando a
humanidade perdida com o surgimento da modernidade em um sistema capitalista.
Diante de toda a discussão anteposta, pode-se concluir que a justiça restaurativa é
uma alternativa extremamente viável para incluir as classes menos favorecidas na sociedade,
pois a partir do diálogo entre vítima, delinquente e comunidade promove-se uma integração
social, humanizando a sociedade que acaba por ignorar as diferenças econômicas, sociais,
raciais, sexuais, dentre outras, exterminando o caráter estigmatizador decorrente do atual
sistema penal e da diferença de classes.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2002.
BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2008.
BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: Um Desafio à Práxis Jurídica. Campinas, SP:
Servanda Editora, 2012.
39
SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo. Curitiba: Juruá, 2009.
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados unidos: A onde
punitiva. 3.ed.Rio de Janeiro: Revan, 2007.
ZAFFARONI, E. Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
ZAFFARONI, E. Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 9. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas
Athena, 2008.
40
RESUMO: O direito como ferramenta na luta pela paz entende os Direitos Humanos como
norteadores para que se alcance esse objetivo. O ambiente condicionado pela violência, que
se enraizou no modo de viver das pessoas, faz com que brote um sentimento: a necessidade
da busca por segurança. O problema é quando o objeto de perigo fica confuso. No âmbito das
migrações, tem-se fomentado um sentimento de medo para com o diferente, caracterizado
pela figura do negro, do refugiado, do muçulmano e, por fim, desencadeado na do imigrante,
interpretando-o através da lógica do terrorismo. A fobia que se desenvolve nos cidadãos
autóctones quando tais indivíduos entram na sua zona territorial e de direito se configura
como um sentimento de mixofobia, ou seja, o medo de misturar-se. Assim, precisa-se de
medidas que possam erradicar preconceitos que foram introduzidos, visando a igualar esses
sujeitos por sua condição inalienável: a humanidade.
INTRODUÇÃO
políticas migratórias nacionais (corolário tenaz da soberania), pois elas determinam os direitos
ueàosà ig a tesàgoza à aàp ti a. à нй‘á)á,à .àPa aàыo heà ,àp.à ,
Dessa forma, resta clara a importância da existência de leis que versem sobre a
imigração nos Estados Nacionais (países receptores), bem como meios que tornem possíveis
a sua real aplicabilidade. Esse avanço, não há o que se negar, exige um profundo processo de
reconhecimento do outro, que dentre diversos fatores inclui aspectos concernentes à
aceitação da estrutura cultural intrínseca ao imigrante, mostrando-se também, como uma luta
contra o egocentrismo cultural.
um corte entre o que deve viver e o que deve morrer; a consigna de que para
viver é preciso fazer morrer, mas o que era uma injunção guerreira, torna-se
biológica (a morte do outro, da raça ruim, inferior, degenerada, é o que em
geral vai deixar a vida mais sadia, mais pura); trata-se de eliminar, não os
44
Oà es oà auto à ai daà e fatizaà ueà seà aà i upç oà daà idaà aàhist ia,àpo à eioàdasà
epidemias e fome, pode ser chamada de biohistória, agora trata-seà deà iopolíti a .à Nesseà
se tido,à u iosa e te,à à ua doà aisàseàfalaàe àdefesaàdaà idaà ueào o e àasàgue as mais
a o i eisàeàge o idas à PйэBá‘T,à ,àp.à .à
Oàfil sofoàitalia oàGio gioàága e àdefe deà ueàago aàaà iopolíti aàseà efe eàaoà faze à
i e ,àpoisà aàteo iaà l ssi aàdaà iopoliti aàdeli eadaàpo àMi helàнou aultàeà o te tualizadaà
no século XVIII pa aàdesig a àu aàdasàfo asàdeàe e í ioàdeàpode àso eàaà ida:à àpo ueàoà
soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida. É essencialmente um direito de
espada à нOUCáUэT,à ,à p.à .à Dessaà fo a,à fazia-se da morte o ponto central de
espetacularizar o poder irrestrito do soberano. Porém quando se supera o regime da
soberania, a morte também perde a sua importância enquanto poder político sobre a vida
hu a a,à poisà seà o stataà ueà à elaà ueà oà i di iduoà es apaà aà ual ue à pode .à ássi ,à oà
inte esseàdoàpode àseàdeslo aàpa aàoà faze à i e ,àdeà odoà ueàaà o teà aià o oà ueàfo aàdeà
seuà ito à PйэBá‘T,à ,àp.à .à
Agamben (apud PELBART, 2011, p. 61), revendo os estudos de Foucault, demonstra
que os regimes políticos da contemporaneidade apoiam-seàso eàoà o eitoàdeà idaà ua à
(vida que politicamente não é qualificada), sob seus vieses histórico-filos fi os,àpoisà oàs à
vivemos num estado de urgência que o poder tem interesse em manter e explorar, mas
justificar-se e intensificar-se, mas ao mesmo tempo a vida nua, que desde sempre foi o
fundamento oculto da soberania, tornou-seàaà o a àe,àe àespe ial,àdesta aà ueàtalàp o essoà
não se percebe só no nazismo, mas também na democracia.
Tal contexto pode muito bem ser aplicado atualmente para designar a imigração no
século XXI e seus contornos biopolíticos, em especial e não raro, do imigrante que se encontra
em situação irregular. O atual estado de guerra global que, de certa forma, teve seu inicio com
o ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas,àsus ita doà e taà gue aàaoàte o is o àfazà
com que as pessoas sintam necessidade de todas as formas de proteção em relação aos
estranhos, pois não se identifica mais o outro como semelhante, mas sim, interpreta-o sob o
viés do inimigo, como uma ameaça à sua vida e aos seus direitos.
45
Uma vez clandestinos, ocorre uma série de violações de direitos, ao passo que na seara
da legislação trabalhista esses indivíduos indocu e tadosà oà e iste à eà passa à
despercebidos. Conforme destaca Érica Sarmiento da Silva (2006, p. 146),
48
Vale ressaltar também o quanto o dispositivo enfatiza o viés capitalista que permeava
as relações, o que não difere no quesito econômico dos dias atuais, mas evidencia-se que
desde o princípio das criações de normas o ser humano foi secundário ao patrimônio e ao
capital, tendo serventia desde que pudesse prestar mão-de-o aàe,àdeà ual ue àfo a,à se à
útil .à áà leià e à uest o,à es oà te doà sidoà iadaà e à u à o te toà políti oà ditato ial,à à oà
postulado normativo que até hoje legisla sobre a situação do imigrante no país, prevendo a
regulação do tema de forma arbitrária e obsoleta frente às novas necessidades socais. As
adversidades enfrentadas pelo imigrante que vem, são relacionadas à falta de legislação
básica para tratar do tema da imigração sem influências arbitrárias, portanto.
Para Fonseca Neto (apud Kenicke, 2016, p. 43), o Estatuto em questão
reflete uma época em que os fluxos migratórios não tinham tanta relevância de
forma geral, e em que a política do governo brasileiro passou a buscar a
autossuficiência. Essa atitude limitou a política de imigração que incentivasse a
i ig aç oàespo t ea,àistoà ,àa uelaàe à ueàoàsujeitoài ig aàape asà o à i tuitoàdeà
estabelecer-se de forma permanente no país de destino, local com o qual antes não
tinha ví ulo .
a Doutrina da Segurança Nacional (DSN), foi uma formulação teórica que decorreu
da ideia de defesa do Estado e de sua nação, e esteve presente principalmente nos
escritos de pensadores militares. O termo indeterminado "segurança nacional" é
anterior à doutrina porque fora editado em algumas leis, decretos e, inclusive,
Constituições brasileiras, o que veio a influenciar os atos normativos de exceção
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
através do papel de converter a atual situação da imigração no seu âmbito, bem como, para
depois, poder-se dizer que há uma efetivada cobertura de direitos baseadas nos Direitos
Humanos gerindo a imigração em nível mundial, não se esquecendo do teor educacional que
carregam os dispositivos normativos. A partir do momento em que o maior número de países
ratificarem a tratados internacionais que se baseiam nos Direitos Humanos, bem como que
esses tratados e convenções – também - tragam espaços nos quais institucionalizem a
respeito da imigração, maior será o nível de informação para possível conscientização da
população sobre a causa, pois como o exposto, ainda é tratada sob o viés da violência que
transforma a xenofobia em mixofobia, biopolítica em tanatopolítica, resultando em
tratamentos jurídico-políticos de afastamento embebidos pelo medo.
No âmbito do direito cosmopolita kantiano, todos foram chamados a contemplar um
domicílio em comum, que é o planeta terra, podendo, dessa forma, trafegar por seu território
e serem tratados de forma dócil pelos demais habitantes, podendo-se exercer um direito de
isitaç o .à йsseà a io í ioà podeà se à apli adoà aosà diasà deà hojeà pa aà aà efle oà ua toà à
maneira que seres humanos têm tratado aos seus semelhantes em relação ao
(des)acolhimento dos imigrantes quando estes chegam a seu território, tornando evidente a
necessidade de se mudar a ótica sob a qual se tem visto a situação, começando-se pela
mudança na legislação, que é o plano primário para as reformas sociais efetivas, de forma que
se torne possível a conversa entre Direitos Humanos e a vida política dos cidadãos.
REFERÊNCIAS
ACNUR. Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. Mais de 300 mil refugiados e migrantes
cruzaram o Mediterrâneo em 2016. Disponível em:
<http://www.acnur.org/portugues/noticias/noticia/mais-de-300-mil-refugiados-e-
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Horizonte: Editora UFMG, 2010.
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 2516/2015. Institui a Lei de Migrações, altera o
Decreto-lei nº 2.848, de 1940 e revoga as Leis nº 818, de 1949 e 6.815, de 1980. Disponível
em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_imp?idProposicao=1594910&ord=1&tp
=completa>. Acesso em: 21 abr. 2017.
54
BRASIL. Lei n.° 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no
Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6815.htm>. Acesso em: 26.10.20l6.
FARENA, Maritza Natalia Ferreti Cisneros. Os direitos humanos dos migrantes numa
perspectiva cosmopolita. Revista JuraGentium. Disponível em:
<http://www.juragentium.org/topics/migrant/pt/cosmopol.htm>. Acesso em 28 de mar.
2017.
PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2011.
SILVA, Érica Sarmiento da. áà oà de o a ia à dosà e luídosà algu sà po tosà daà políti aà
imigratória brasileira. Logos 27: Mídia e democracia, 2007.
SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos
Avançados, 2006.
TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; TUCCI, Rafaella, KOCHE, Rafael. Direito dos Migrantes. São
Leopoldo: UNISINOS, 2015.
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Direito Penal, migrações e mixofobia na União Europeia.
Revista InterScience Place, n 31, vol. 1, 2014.
55
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Direito Penal, migrações e mixofobia na União Europeia.
Revista da Faculdade de Direito UFPR, n. 1, vol. 60, 2015.
56
RESUMO: O presente artigo aborda a forma pela qual a justiça social oportuniza a
concretização de uma sociedade bem ordenada. A abordagem se dá a partir da obra do
fil sofoàщoh à‘a ls:à U aàTeo iaàdaàщustiça .àNaàteo iaàdaàjustiça,àaàdist i uiç oàdosàdi eitosàeà
deveres fundamentais se dá pelas instituições aos membros da sociedade. São elas ainda que
determinam a divisão das vantagens da cooperação social. Diante das informações obtidas na
teoria da justiça, constata-se que uma sociedade bem ordenada é possível, quando observado
os princípios fundamentais da justiça, pactuados entre os membros da sociedade em uma
posição original. Diante disso, buscou-se traçar o perfil dos transgressores da norma penal no
Brasil, e demonstrar de que forma a ausência da justiça social contribui para uma sociedade
mal ordenada.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado busca abordar, a forma pela qual a justiça social
opo tu izaàaà o etizaç oàdeàu aàso iedadeà e ào de ada,àaàpa ti àdaào aà U aàteo iaàdaà
justiça ,à doà fil sofoà щoh à ‘a ls.à Pa aà oà auto ,à aà est utu aà si aà daà so iedadeà à oà o jeto
principal da justiça. Ele busca alcançá-la através de dois princípios elaborados no discorrer da
teoria, fundamentados na distributividade. Rawls apresenta sua concepção de justiça, tendo
como fundamento à estrutura básica da sociedade a Teoria Contratualista, encontrada em
Locke, Rousseau e Kant.
Para o autor, as instituições são as responsáveis pela distribuição das parcelas de
direitos e deveres, vantagens e desvantagens, de forma equitativa, à todos os membros da
sociedade, e é a observação a esses princípios que torna a sociedade bem ordenada ou não.
Quando essa distribuição não acontece de forma justa, instala-se o caos. Assim, demonstra-
se que as instituições não são fortes o bastante para anularem as tentações dos membros da
sociedade de transgredirem as normas (RAWLS, 2008).
1
Bacharela em Direito pela UNIJUI. Advogada. E-mail: cb.daiane@yahoo.com.br.
2
Mestranda em Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIJUÍ, pesquisadora bolsista
da CAPES. Bacharela em Direito pela UNIJUÍ. E-Mail: anafoguesatto@hotmail.com.
57
(2011), autor que aborda a teoria da justiça de Rawls em uma de suas obras, qual seja,à áàideiaà
deàjustiça ,àde la aàoà ueà àe uidade:
Essa ideia fundamental pode ser conformada de várias maneiras, mas em seu centro
deve estar uma exigência de evitar vieses em nossas avaliações levando em conta os
interesses e as preocupações dos outros também e, em particular, a necessidade de
evitarmos ser influenciados por nossos respectivos interesses pelo próprio benefício,
ou por nossas prioridades pessoais ou excentricidades ou preconceitos. Pode ser
amplamente vista como uma exigência de imparcialidade. (p. 84).
Uma concepção de justiça se torna mais razoável que outra, ou mais justificada que
outra, quando pessoas racionais passam a escolher seus princípios, em uma situação original,
a fim de alcançar a justiça. Essa concepção deve ser classificada pela quantidade de pessoas
que na posição original aceitariam esses princípios. Isso vincula a teoria da justiça à teoria da
escolha racional.
O conceito de posição original, é o da interpretação filosoficamente preferida dessa
situação de escolha inicial para os fins da teoria da justiça. A preferência do autor pela escolha
desse status se dá por alguns motivos. Para a escolha desses princípios, é necessário que todos
careçam de informações que poderiam gerar discórdia entre os homens, e que os permitissem
se deixar levar por preconceitos no momento da escolha. O objetivo da situação original é
excluir o conhecimento de certos pontos de justiça. Vejamos o exemplo:
Se determinado homem soubesse que era rico, poderia achar razoável defender o
princípio de que os diversos impostos em favor do bem estar social fossem
considerados injustos; se ele soubesse que era pobre, seria bem provável que
propusesse o princípio oposto. Para representar as restrições desejadas, imagina-se
uma situação na qual todos carecem desse tipo de informação. (RAWLS, 2008, p. 22).
necessária para entender quais são os princípios adotados e agir em conformidade com eles.
Segundo o autor,
Rawls propõe em sua teoria da justiça, dois princípios distributivos fundamentais para
a estrutura básica da sociedade, os quais seriam definidos pelos indivíduos na sua situação
inicial, a fim de alcançar a justiça social:
aquela moldada para promover o bem de seus membros e regulada de forma efetiva
por uma concepção pública de justiça. Assim, a sociedade na qual todos aceitam e
sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e as instituições
sociais básicas atendem e se sabe que atendem a esses princípios. (RAWLS, 2008, p.
560).
Claudio Boeira Garcia (2011), também aborda o conceito de sociedade bem ordenada
na visão de Rawls. Vejamos:
Ela é bem ordenada quando faz e segue as regras que atendem a um conceito
público de justiça, onde cada um aceita e sabe que os outros aceitam os mesmos
princípios, e onde as instituições básicas os satisfazem.
[...]
Numa sociedade bem ordenada os participantes admitem um ponto de vista
comum, a partir do qual as reivindicações de cada um possam ser julgadas. A
convivência só é possível na medida em que se compartilhe de um conceito de
Justiça ou, ao menos, de certo grau de coincidência. Uma sociedade lida com os
problemas de coordenação, de eficiência e de estabilidade; eles devem ser levados
em conta, sobretudo suas soluções que devem atender aos princípios adotados.
(p.27)
Uma sociedade bem ordenada, segundo Rawls (2008), também é regida por uma
concepção pública de justiça. Isso implica no desejo que seus membros têm de agir conforme
exigem os princípios.
Uma sociedade bem ordenada resiste ao tempo, assim, presume –se que sua
concepção de justiça seja estável. Ou seja, quando as instituições são justas, os participantes
desses arranjos institucionais adquirem o correspondente senso de justiça e desejam fazer
sua parte para preservá-la.
Para melhor compreensão de uma sociedade bem ordenada, Rawls afirma ser
necessário que a concepção de justiça seja estável e equilibrada. Diante dessa necessidade
aborda-se o conceito de ambos adjetivos a fim de evitar confusões.
A estabilidade da concepção da justiça não se entende como sendo a não alteração da
sociedade, e sim, que tal sociedade conterá grande diversidade, e adotará ordenações
62
diferentes de tempos em tempos, porém, ainda que haja modificações, elas permanecem
justas ou aproximadamente justas, pois são realizados ajustes em razão de novas
circunstâncias sociais. Conforme o autor,
Uma concepção de justiça é mais estável que outra se o senso de justiça que tende
a gerar for mais forte e tiver mais probabilidade de anular inclinações
desestabilizadoras e se as instituições que permite gerarem impulsos e tentações
mais fracos a agir de maneira injusta. (RAWLS, 2008, p. 561).
áàesta ilidadeàdaà o epç oà aiàdepe de àdeàu àe uilí ioàdeà oti aç es,à oàse soà
de justiça que cultiva e os objetivos que incentiva devem normalmente ter preponderância
so eàasàp ope s esà ài justiça à ‘áWэ“,à ,àp.à .àPa aàa alia àaàesta ilidade de uma
concepção de justiça é necessário examinar a força relativa dessas tendências opostas.
O critério de estabilidade não é decisivo, pois algumas teorias éticas o desobedecem
completamente em algumas interpretações. A maioria das doutrinas tradicionais, por
exemplo, afirmam que em algum grau a natureza humana é tal que adquirimos um desejo de
agir com justiça, quando se vive em uma instituição justa e nos beneficiamos dela.
Oà siste aà deà e uilí io,à po à suaà ez,à assi à est à ua doà al a çaà u à estado que
persiste indefinidamente ao longo do tempo, contanto que não sofra pressão de forças
e te as à ‘áWэ“,à ,àp.à .àà Para definir com precisão o estado de equilíbrio, é
preciso traçar com critério os limites do sistema e definir com clareza suas características
determinantes. Três coisas são essenciais: em primeiro lugar, identificar o sistema e distinguir
entre forças internas e externas; em segundo lugar, definir os estados do sistema, sendo que
um estado corresponde a uma determinada configuração de suas características
determinantes; e, em terceiro lugar, especificar as leis que ligam esses estados.
É possível ainda, fazer uma diferenciação de um equilíbrio estável e equilíbrio instável.
Segundo Rawls,
Para o presente artigo, o sistema mais relevante é a estrutura básicas das sociedades
bem ordenadas correspondentes às diversas concepções de justiça.
Buscou-se abordar até o momento o que é uma sociedade bem ordenada a partir da
teoria filosófica de Rawls. Verificou –se que uma sociedade bem ordenada é aquela que aplica
os princípios da justiça fundamentados na distributividade equitativa, elaborados no decorrer
da teoria de Rawls, fazendo com os indivíduos de determinada sociedade não tenham desejo
de transgredir as normas, e sim o desejo de contribuir com a sociedade em geral.
A partir de agora buscaremos analisar o perfil dos transgressores da norma penal no
Brasil. Se tem como critério principal para a análise, o modo como os transgressores, antes de
praticar os delitos, foram assistidos pela justiça social.
Fica evidente, a partir dos dados informados, que a população carcerária do Brasil é
constituída por pessoas menos assistida pelo Estado, ou seja, pelas políticas públicas, pela
justiça social. Logo, se o Estado se abstém de proporcionar direitos e deveres de forma
equitativa aos membros da sociedade, há grandes chances de que ela seja mal ordenada. Essa
constatação se dá fundamentada na teoria de Rawls.
Verifica-se através dos dados estatísticos supracitados, que 70% dos apenados não
concluíram o ensino fundamental, ou seja, são de baixa escolaridade. Sabe –se que o direito
à educação é um direito fundamental previsto na Constituição Federal que deveria ser
garantido pelo Estado. Quando o Estado deixa de garantir os direitos fundamentais aos
membros da sociedade de forma equitativa, os cidadãos acabam recorrendo a outras formas
de sobrevivência, que infelizmente nem sempre são os melhores, recorrem a métodos que
levam a sociedade a um grau de desordem.
A educação é apenas um dos direitos fundamentais omitidos pelo Estado, outros
direitos ainda encontram-se restritos a poucos, entre eles, a saúde, moradia e a alimentação.
Diante disso demonstra-se a necessidade de políticas públicas que garantam a distribuição
dos direitos fundamentais de forma equitativa, a fim de assegurar aos seus membros uma
vida digna, mudando as perspectivas dos seus membros que transgridam as normas penais,
para agir em prol da cooperação social e da ordem na sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GARCIA, Boeira Claudio. John Rawls: os princípios de justiça em uma sociedade bem
ordenada – suas implicações. Direito em Debate. Ijuí: Ed. Unijuí, 1992, 24 – 39 p.
RAWLS, Jonh. Uma Teoria da Justiça. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, 725 p
SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, 492 p.
67
1 INTRODUÇÃO
As cotas raciais têm como importância, buscar, a longo período, uma sociedade mais
igualitária. A Lei 12.711/12, sancionada em agosto de 2012, é percussora de mudanças
significativas na democratização do acesso ao ensino superior e na redução nas desigualdades
sociais no país. Assim, analisar, a partir da história do Brasil, a forma de organização das cotas
raciais e quais os motivos que levaram a criação da lei 12.711/12, num país em que, ainda, são
inúmeros os casos de desigualdades materiais. As ações afirmativas, enquanto direitos
fundamentais proporcionam ao cidadão o direito a igualdade em diferentes dimensões.
Cogita-se, há muitos anos, a inclusão das cotas raciais analisando-se por meio das
vertentes teóricas, a minimização das desigualdades, a partir do momento em que as
universidades brasileiras adotaram certa porcentagem de cotas. Ao passo que, é possível
verificar a grande aprovação pela população brasileira com relação as cotas aplicadas as
escolas e no âmbito das universidades, analisando-se a importância das mesmas a nível
1
Estudando de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Santo
Ângelo. E-mail:Fagner.stasiaki90@yahoo.com.br
2
Professora e mestre em Direito na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI),
Campus Santo Ângelo –RS. E-mail: thaiskerber@hotmail.com.
68
3
Constituição Federal de 1988: "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
àigualdade,à àsegu a çaàeà àp op iedadeà[...] .
4
эeiàdeàCotas:àá t.à ºà[...]à po àautode la adosàp etos,àpa dosàeài díge asàeàpo àpessoasà o àdefi i ias,à osà
te osàdaàlegislaç o à[...].
70
[…]à Oà B asilà te eà e o esà a a çosà osà últi osà à a osà e à te osà deà cobertura
escolar e anos de ensino por estudante. A situação há duas décadas era muito ruim:
metade da população maior de 25 anos tinha menos de quatro anos de estudo. O
esforço que o país tem feito para assegurar a cobertura universal do ensino básico e
médio já registra significativa melhora no estoque [pessoas que já saíram da idade
escolar] e fluxo [que ainda estão em idade escolar]. Partindo do patamar bem baixo
que o Brasil tinha há 20 anos, o aumento da quantidade de anos de estudos foi uma
melhora espetacular. O que falta: universalização das creches e do ensino pré-
es ola ,à e à o oà elho a àaà ualidadeàdaà edu aç o.à“ oàosàdesafiosàatuaisà […]à
(CHEDIEK, 2014, s.p).
Essas desigualdades sociais, segundo o sociólogo alemão Karl Marx (WELFFORT, p. 06)
é acúmulo de capital, servindo para girar a roda da economia, uma vez que, quem detém o
capital, é quem detém as melhores condições de moradia, acesso a recursos e educação. Logo,
ue à est à doà out oà ladoà o oà e g e age à doà siste a ,à s oà osà t a alhado esà ue não
detêm a renda nem o capital, e estão na extremidade inferior da relação. Assim, as relações
de desigualdades foram se tornando cada vez mais complexas e crescentes. O professor Felipe
Medeiros, em matéria ao G1, explica que:
[…]àáà is oàdeàыa làMa x, que era muito mais economista do que mesmo sociólogo, deu
uma contribuição muito grande ao estudo sociológico. A desigualdade social está atrelada
necessariamente ao modo de produção capitalista que não é justo, não é igual. Possibilita
um processo de desigualdade muito intenso. Então o modo de produção que visa o lucro,
através do acúmulo de capital e da exploração de trabalho, na visão marxiana é uma visão
que possibilita a gente a entender porque essa desigualdade se estabelece e aqui a gente
visualizaàissoà[…]à MйDйI‘O“,à ,às.p .
É preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado, varia de acordo
com a necessidade de cada cidadão, uma vez que isso, garantindo essa prestação, garante a
liberdade de cada um, bem como os direitos a saúde e a da educação, entre outros direitos
sociais e fundamentais à população. Assim, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet
Branco, no livro, Curso de Direito Constitucional, referem que
71
[...] Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação
devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade especifica de cada cidadão.
Enquanto o Estado tem que dispor de um valor determinado para arcar com o
aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um
direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em
função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns
do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses
recursos. [...] (MENDES, 2014, p. 628).
A igualdade material na grande maioria das vezes vem das políticas públicas de
inclusão, fazendo-se necessário, hoje, no Brasil, a implantação de políticas para um futuro
mais igualitário. A Constituição Federal garante o acesso à educação e recrimina qualquer tipo
de exclusão, bem como garantindo, não só os direitos formais, mas também a igualdade
material de direitos. Tratando da igualdade social, por meio da educação e da inclusão social,
as cotas raciais buscam por esses meios garantidos em nossa carta magna, nada mais que a
igualdade material, proporcionando aos excluídos uma participação ativa no meio social.
Mendes ao referir-se sobre os valores variáveis enfatizou os direitos fundamentais,
garantindo a liberdade do cidadão, o direito de ir e vir, bem como o direito a escolha, sem
qualquer restrição, sendo o Estado o maior garantidor desses direitos, para fins de
proporcionar possibilidades igualitárias. Salienta-se que esses direitos se fazem necessários
para consertar uma cultura que, ao longo da história, excluiu algumas minorias de nosso meio
social.
Essas políticas públicas e garantias supracitadas à uma sociedade carente de recursos
e de políticas inclusivas, no decorrer da história, a curto, médio ou em longo prazo, irão
desaparecer no momento em que as mesmas tiverem alcançado o objetivo na sociedade.
Nesse sentido, Gilmar Mendes deixa claro:
[...] o caráter da historicidade, ainda, explica que os direitos possam ser proclamados
em certa época, desaparecendo em outras, ou que se modifiquem no tempo. Revela-
se desse modo, índole evolutiva dos direitos fundamentais. Essa evolução é
impulsionada pelas lutas em defesa de novas liberdades em face de poderes antigos
- já que os direitos fundamentais costumam ir-se afirmando gradualmente - em face
de novas feições assumidas pelo poder (MENDES, BRANCO, 2014, p. 144).
pessoa, como por exemplo, as políticas de cotas, garantindo apenas para negros, indígenas e
pardos, não auferindo mais do que a renda estipulada, ou seja, aproximadamente um salário
mínimo e meio. Assim, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, no livro, Curso
de Direito Constitucional, referem que:
[...] Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos
fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condições suficientes para
titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos fundamentais específicos,
porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos
fundamentais, há direitos de todos os homens - como o direito à vida -, mas há
também posição que não interessam a todos os indivíduos referindo-se apenas a
alguns [...] (MENDES; BRANCO, 2014, p. 143).
No que se referem aos direitos sociais, esses direitos indispensáveis para a realização
da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal, deixa claro:
Ao tratar das conquistas sociais, das lutas das minorias étnicas, bem como das ações
afirmativas, Habermas, refere que
[...] uma teoria dos direitos entendida de maneira correta vem exigir a política de
conhecimento que preserva a integridade do indivíduo, inclusive nos contextos vitais
que conformam sua identidade. [...] E sem os movimentos sociais e sem lutas
políticas, vale dizer, tal realização teria poucas chances de acontecer [...]
(HABERMAS, 2002, p. 235).
73
Além disso, Habermas, faz menção as decisões judiciais, fazendo ênfase a importância
doàPode àщudi i ioà oà ueàseà efe eàasàigualdadesàso iais:à u aào de àjurídica eticamente
neutra que deve assegurar chances iguais a todos, de modo que cada um possa orientar-se
po àu aà o epç oàp p iaàdoà ueàsejaà o à[...]à рáBй‘Má“,à ,àp. .
Assim, partindo da premissa que o direito constitucional brasileiro garante o princípio
da igualdade, e esse princípio garante não somente a igualdade formal, como também a
igualdade material, é essencial destacar que, as desigualdades existem e são reconhecidas
pelo Estado Democrático de Direito, se fazendo necessário tratar de modo desigual os
desiguais, não aprofundando as desigualdades, mas combatendo-as. E, por meio das cotas
raciais garantem-se os direitos sociais e fundamentais de modo que os que necessitam dessa
política de inclusão, se sintam seguros de que o Estado garanta a efetividade dessas ações
afirmativas.
Po à fi ,à рa e asà afi aà ueà [...]à u aà teo iaà deà di eito,à seà e te didaà deà fo aà
o eta,àja aisàfe haàosàolhosàpa aàasàdife e çasà ultu ais à[...]à рáBй‘Má“,à ,àp.à ,à
para a luta das minorias, conquistas sociais e o direito a igualdade. Então, as ações afirmativas
visam a inclusão não somente no meio social, como também no âmbito acadêmico e do
mercado de trabalho, efetivando assim, a igualdade material prevista na Constituição Federal
de 1988.
Os últimos anos foram marcadas com práticas de inclusão social (políticas públicas)
que, preocupados somente com a questão da desigualdade social, econômica e de renda,
também buscam introduzir essas minorias na sociedade, visando a igualdade material, bem
como a dignidade da pessoa humana e, entre outros diversos fatores que contribuíram para
a maior visibilidade das minorias.
Leonardo Secchi define política pública como um procedimento capaz de enfrentar os
problemas sociais de nossa sociedade, refere que tal diretriz foi criada para o bem geral da
coletividade, aduzindo que
74
Uma política Pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público,
[...] uma política possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e
resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o estabelecimento
de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido
como coletivamente relevante [...] (SECCHI, 2012, s.p).
Durante muitas décadas o Estado brasileiro não deu muita ênfase às Políticas Públicas,
não deixando a sociedade acompanhar essa evolução, voltado a atenção somente para
industrialização, não desempenhando um papel participativo, bem como deixando a desejar
políticas sociais que deveriam ser distribuídas de forma igualitária, refletindo, assim, uma
forma autoritária e conservadora ao tratar destas políticas sociais (SOCIOLOGIAS, 2006, p. 01).
O professor, Helder Baruffi, no livro Direito Fundamentais Sociais, faz a seguinte alusão:
[...] participar e usufruir desses direitos requer (a) a consciência destes direitos e (b)
a garantia de participação naquilo que a sociedade produz. Em outros termos, é ter
di eitosà e o he idosà pelaà so iedade,à Co oà di eitoà ela io adoà à dig idadeà da
pessoaà hu a a à eà à li e dade,à aà edu aç oà à di eitoà so ialà ueà isaà aoà ple oà
desenvolvimento humano [...] (BARUFFI, 2009, p. 106).
As políticas públicas são pouco discutidas por nossos parlamentares, uma vez que,
esses recursos deveriam ser usados para serem distribuídos de forma individual e social. É de
fundamental importância sabermos que, para proporcionar uma qualidade de vida digna,
igualitária e agradável aos brasileiros, garantir o básico é o primeiro passo rumo a uma
sociedade mais justa, como: moradia, vestuário, educação, saúde, segurança e lazer. E, é
somente com a positivação dessas políticas que é possível garantirem a redução das
desigualdades sociais.
O avanço das políticas públicas no Brasil no século XX foi marcante pela preocupação
do Estado com a promoção do bem estar social. Essas políticas são vistas como decisões do
ente público tanto nas áreas da educação como na área da saúde de maneira discricionária ou
com a combinação de esforços. O conceito de políticas públicas evoluiu com o tempo, eram
entendidas exclusivamente como a ação de produzir do sistema político, ou seja, existiam as
demandas sociais, o sistema político transformava essas demandas sociais em ações
propriamente ditas do Estado. Com o passar do tempo o entendimento no campo das políticas
públicas ganhou complexidade, então se passou analisar as demandas sociais e as ações do
Estado. Interessante o conceito elaborado por Elenaldo Texeira, que ressalta:
75
5
Nexo é um jornal digital. São Paulo. Tem o propósito de trazer fatos do cotidiano, para quem busca explicações
precisas e interpretações.
76
“egu doàaàauto aàNa àн ase à [...]àaàjustiçaàso ialàj à oàseà i geàs àaà uestões de
dist i uiç o,àa a ge doàago aàta à uest esàdeà ep ese taç o,àide tidadeàeàdife e ça ,à
trazendo uma ideia da importância das políticas públicas que hoje em nosso país fazem
enorme diferença diante das desigualdades ainda existentes. Foi a partir do ano de 2002 que
o Brasil desenvolveu inúmeras políticas públicas obtendo um importante destaque social, tais
como FIES, PROUNI, Minha Casa Minha Vida, farmácia popular, Luz para Todos, Mais Médicos
e o Bolsa Família, políticas essas que, segundo o Banco Mundial e as Organizações das Nações
Unidas (ONU), o Brasil é exemplo a ser seguido no mundo. A avaliação da diretora do Banco
Mu dialà Bi d àpa aàoàB asil,àDe o ahàWetzel:à [...] o Brasil soube manter as melhorias para as
camadas mais pobres da população e, ao mesmo tempo, preservar a estabilidade
a oe o i a. à
Assim, no Brasil há diversos exemplos de programas sociais como já mencionados
acima, que garantiram e garantem a muitas pessoas a dignidade, e auxiliou, ainda, na redução
da pobreza e da fome. No relatório "O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2015",
também divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO) 6, destaca os avanços brasileiros na redução do número de pessoas em situação de fome
conquistado nos últimos anos, explicou:
[...] O Brasil é o país, entre os mais populosos, que teve a maior queda de
subalimentados entre 2002 e 2014, 82,1%. No mesmo período, a América Latina
reduziu em 43,1% esta quantidade. Entre os mais populosos, o País também é aquele
que apresenta a menor quantidade de pessoas subalimentadas. São 3,4 milhões no
B asil,àpou oà e osàdeà %àdaà ua tidadeàtotalàdaàá i aàэati a,à , à ilh es.à Oà
relatório confirma o esforço e reconhece a trajetória do Brasil na ação de redução
daàpo ezaàeàdoà o ateà àfo e ,à essaltouàaà i ist aàdoàDese ol i e toà“o ialàeà
Co ateà à нo e,à Te ezaà Ca pello.à Oà B asil,à aoà o t ioà deà out osà paísesà doà
mundo, sempre foi um grande produtor de alimentos. E, mesmo assim, a população
passava fome. O nosso problema não era a disponibilidade de alimentos, era acesso
aosà ali e tosà eà à e da.à йà issoà o segui osà al a ça à o à políti asà pú li as à [...]à
(CIDADANIA E JUSTICA, 2015, s.p).
6
A redução da fome nos últimos anos no Brasil e as causas que levou essa redução.
77
o diretor da Oxfam, já estão sendo adotados por outras nações, deixando claro em entrevista
que: OàB asilàte àap ese tadoàu àpad oàdife e iado,àeàest àentre os poucos países que
est oà te doà su essoà e à di i ui à aà dife e çaà e t eà osà aisà i osà eà osà aisà po es à
(PROGRAMATICO POLÍTICO, 2014, s.p).
Para exemplo do que se refere o diretor da Oxfam, bem como para melhor
compreendermos a importância no que se referem políticas públicas, ressaltaremos que um
desses programas responsáveis pela redução das desigualdades sociais no Brasil, foi o Bolsa
Família, criado e sancionado em 2004, pelo então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com
a Lei 10.836/2004, que além de tirar o país do mapa da fome, reduziu a mortalidade infantil,
bem como desnutrição, ainda, reduzindo a desigualdade na educação do Brasil em 41%,
mantendo 17 milhões de crianças na escola. A revista Exame, em 2015, divulgou a seguinte
pesquisa:
[...] Estatísticas mostram que o Bolsa Família contribuiu para que o país reduzisse a
mortalidade infantil por desnutrição (65%) e por diarreia (53%). Os números indicam
ta à uedaà oàd fi itàdeàestatu aàdasà ia çasà asilei as.à йsteà oà à aisàu à
debate ideológico. Nos 12 anos do Bolsa Família, temos dados e estudos que
o p o a àosà o sà esultadosàdoàp og a a ,àdefe deuàCa pello.à ál àdisso,à o à
o programa, temos 17 milhões de crianças na escola, reduzindo a desigualdade da
edu aç oà oàB asilàe à aisàdeà % ,àa es e touàaà i ist a.àCa pelloà lassifi ouàoà
pla oà B asilà “e à Mis iaà deà u à saltoà aà o st uç oà dasà políti asà pú li asà ueà
estavam sendo desenvolvidas com os programas Fome Zero e Bolsa Fa ília .à Deà
acordo com ela, o amadurecimento dessas políticas permitiu que a pobreza fosse
combatida em suas diversas dimensões (EXAME, 2015, s.p).
Além disso, é certo que o Estado Democrático deve aparecer com a função de reduzir
antíteses econômicas e sociais e isto se torna possível com a devida aplicação da
Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide jurídica escalonada), que
representa o interesse da maioria (ADRIANA, p. 04).
Segundo Dalla i,à áàideiaà ode aàdeàu àйstadoàDe o ti oàte à aízesà oàs uloà
XVIII,à i pli a doà aà afi aç oà deà e tosà alo esà fu da e taisà daà pessoaà hu a aà [...] à
(DALLARI, 2006, p. 145). Essa ideia, ao decorrer dos anos, se mostrou necessária nas relações
sociais, garantindo direito e deveres à sociedade. Dessa forma Streck e Morais referem:
O Estado Liberal de Direito, com o passar dos anos e com a necessidade de relações
sociais, dá origem ao Estado Social de Direito, que da mesma forma que o anterior é
caracterizado pelo próprio ideário liberal. Deste modo começam a surgir os direitos
e deveres da sociedade, que são garantidos pela limitação dos poderes do Estado. O
personagem principal passa a ser o grupo de indivíduos, que vive em sociedade e,
assim, a lei assume uma segunda função aparecendo somente como um mecanismo
de facilitação de benefícios (STRECK, MORAIS, 2006, apud CASTRO, 2007).
Nessa busca de uma condição social mais igualitária, o Estado se torna o maior
protagonista, tendo o dever de realizar implantações de políticas públicas, com o propósito
80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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SECCHI, Leonardo, Políticas Públicas: Conceitos, Esquemas de Análise, Casos Práticos, 2012,
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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 2012, Ed.09,
Editora ADYOGADO.
Gabriel Maçalai1
VerônicaOttonelli2
Resumo: O mundo vive a maior crise migratória de refugiados por motivo de guerra e
perseguição política desde a Segunda Guerra Mundial, milhões de pessoas sendo forçadas a
abandonar seus países devido a utilização da violência e do medo como instrumento de terror,
grande parte buscando refúgio em países que a sociedade e governo não estão sabendo como
lidar com a situação. Diante deste cenário, este texto trabalha com a violação dos direitos
humanos deste individuo, com o medo em que a sociedade tem de abriga-los devido a sua
situação de refugiado e visa demonstrar que estes possuem garantias fundamentais e
igualdade de direitos básicos entre nacionais e estrangeiros, sem nenhum tipo de
discriminação.
INTRODUÇÃO
1
Bolsista o do Curso de Mestrado Direitos Humanos do PPGD da UNIJUI, teólogo, filósofo, advogado, professor
da FAISA Faculdades e da FAL, assessor jurídico e procurador do Município de Inhacorá/RS. E-mail:
gabrielmacalai@live.com
2
Acadêmica do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – UNIJUI. E-mail: veronica.ottonelli@hotmail.com
85
considerações feitas sobre o assunto pode ser é a promovida por Zygmunt Bauman (2009) em
suaào aà o fia çaàeà edoà aà idade .
Alemanha) para impedir a entrada dos refugiados, porém as constantes violações dos direitos
fundamentais dos migrantes colocaram esses países na mira dos principais órgãos de proteção
de direitos humanos.
A questão dos refugiados é um fenômeno da ordem internacional através do qual se
busca proteger e garantir os direitos fundamentais dos sujeitos que perderam a proteção no
seu país de origem ou de residência. No termo utilizado pela autora Liliana Lyra Jubilut[22],
há uma transferência de responsabilidade de proteção do indivíduo de um Estado para a
comunidade internacional.
Dentre os direitos garantidos à pessoa do refugiado é necessário destacar o direito
fundamental de não ser devolvido ao país em que sua vida ou liberdade esteja sendo
ameaçada. Tal direito constitui um princípio geral do direito internacional de proteção dos
refugiados e dos direitos humanos, princípio da não devolução. Tal direito encontra- se
consagrado no art. 33, n. 1 da Convenção de 1951.
ao menos que seja seguro e que tenham lugar para onde voltar, para milhares de pessoas essa
é uma perspectiva distante.
2 Propagação do medo
Em que pese, ainda não existir um conceito acadêmico absoluto sobre o tema, Olloqui
(2004), entende o terrorismo já era percebido na mitologia grega. O autor aponta para a
história do Minotauro, que possuía um corpo humano, mas a cabeça de um touro. Ele era
responsável por impor a sociedade da Ilha de Creta e de Atenas o terror em sua busca
insaciável por sangue, gerando insegurança e causando medo na sociedade. Teseo o mata,
tornando-se assim um herói. No dizer de Olloqui (2004, p. 4):
El Minotauro, al igual que los terroristas, há tenido sin embargo juicios más realistas
menos maniqueos. [...] El hombre a veces actúa como animal y a veces como persona,
tiene pasiones sangrentas pero también puede ser racional em suas actos y llevarlos
a cabo má ala de sus instintos, puede vivir y morir por sus ideas y las justifica com
base em sus propios deseos y miedos. Este podría ser también el perfil sociológico de
um terrorista que mata por um ideal, y aunque este ideal sea irracional, el tenerlo lo
distingue del asesino común. Stuación que nos lleva a enfatizar que, los terroristas
más que ser Buenos o malos, siguen pasiones y razoamientos humanos y claros
interesses políticos.
Nas palavras de Lira e Barreto (2016, p. 70), ao comentar Olloqui e a sua comparação
com a mitologia,
[...] se, na Grécia antiga, foi possível associar uma clara imagem do agente do terror
e do pânico, o problema da pós-modernidade consiste exatamente em identificar e
o eitua àesseà o st o àdisse i ado àdeà iol ia:àoàte o is o.
National Research Council (2001, p. 15), aponta para a os vícios conceituais que
qualquer estudioso pode cometer ao analisar o tema em questão.
Callegari (2016), por seu turno, aponta que o terrorismo pode não ser entendido como
uma guerra, por não seguir os princípios básicos de enfrentamento, como o tratamento de
doentes e feridos de guerras ou questões do mesmo nível.
O mesmo autor (2016) ainda menciona que não existe, para o terrorismo, a
delimitação de quem são as vítimas ou os agressores. Ou seja, qualquer pessoa pode ser a
próxima vítima, sem nenhuma motivação especifica, e qualquer pessoa pode estar recebendo
algum doutrinamento, para que, quando possível, possa fazer surgir um estado de terror. Isso
que, os atentados terroristas não permitem a construção de um mapa de locais mais ou menos
perigosos, ou a construção de um perfil de vítima, causando ainda mais instabilidade em todo
o globo. Uma coisa é certa, os atentados buscam, mais do que atingir exércitos ou campos de
batalha, atingir qualquer um. Fidel Castro (apud DUARTE, 2014, p. 33) afirmou que:
[...] as armas cada vez mais sofisticadas acumuladas pelos países mais ricos são
capazes de matar analfabetos, doentes, pobres e famintos, mas não podem acabar
com a ignorância, as doenças, a pobreza e a fome.
Na verdade, os ataques armados, quando, atingem civis, tem um peso muito maior.
Isto demonstra o despreparo do Estado vítima, que foi incapaz de proteger seus habitantes
ou de prepara-los para estes momentos. Mais do que isto, os ataques terroristas são contra
grandes conglomerados de pessoas, como os ataques de 11 de setembro de 2001, ou a locais
de festa, como casas noturnas, locais de cultos religiosos, escolas, hospitais, ou seja, onde
existe maior quantidade de civis, na maioria das vezes, sem nenhuma proteção.
Fica manifesto que o terrorismo se utiliza da força, da instabilidade e da surpresa, para
a promoção do pânico e propagação do medo, tais elementos podem ser considerados como
características do terrorismo, por isto, os atentados terroristas são todos filmados, mesmo as
mais simples execuções.
Ou seja, uma execução nos países árabes, por ser filmada e divulgada na internet e nas
emissoras de televisão, permitem que, por mais isolado que possa ser o caso, este abale e
afete a sociedade global, chegando em tempo real a diversos lares, gerando instabilidade e
demonstrando que não há segurança, com isto a sociedade sempre associa essas barbáries
aos migrantes que também estão fugindo.
O medo na verdade é mais um produto do que um problema, é um objeto de consumo
direito e indireto, que promove o capitalismo. Mas ao mesmo tempo é o instrumento que
89
milenarmente o terrorismo utiliza. Ocorre que tal problema tem se agravado e cada vez mais
faz mais vítimas diretas e indiretas e afeta a vida dos sujeitos, os escravizando e deixando
dominados e expostos a um perigo invisível.
Nesse diapasão, o que chama a atenção da comunidade internacional, principalmente
da ONU, é ação de terror realizada por grupos islâmicos. Tal perspectiva é observada com a
iniciativa do Secretário-Geral da organização com a elaboração do Plan of Action to Prevent
Violent Extremis (Plano de Ação para Prevenir o extremismo violento).
Senão vejamos o tópico n° 2 do referido documento:
lhe corresponde e nestes casos há também um fator quanto à potencialidade terrorista que o
estrangeiro sírio pode trazer infiltrado consigo.
A Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 surge como um instrumento
internacional e específico de proteção dos direitos dos refugiados enquanto pessoa humana
e dispõe de forma universal sobre a questão dos refugiados, sobre seus direitos e sobre seus
deveres.
mesmo, com medo dos indesejados, que migraram de outras nações, em busca de
oportunidades anunciadas pela publicidade das cidades, que seria o local de encontro, de
vivencias e de fazer a coisa pública.
No entanto, cada vez mais as pessoas se prendem em seus muros, escondem-se com
seus pares que possuem as mesmas caraterísticas e mesmas identidades. Com medo do
estrangeiro e do diferente, ou mesmo, de que a convivência com estes as torne outras. Fogem
ou se escondem, em locais distantes ou em suas casas, demonstrando a exclusão que marca
esta sociedade.
No segundo capítulo, o autor demonstra que as armas que promovem e os locais de
pretensa segurança, em que os moradores da cidade se esconde à dosà pe igos .à йstaà
segurança é uma ficção na realidade. Fica, então, demonstrado que o medo é um fruto do
apitalis o,à daà supe alo izaç oàdoà i di íduo,à eà daà e ist iaàdeàu à Me adoà doà edo ,à
e à o o,àu aà a uitetu aàdoà edo .àál àdisto,àu àdosà edos presentes na sociedade
pós-moderna é o medo da não evolução cultural que todos os indivíduos precisam passar.
Neste ponto é bem demonstrado quem é indesejado na cidade ou, noutros termos,
quem é supérfluo: todos aqueles que não possuem identificação com o local, não fazem parte
do mercado financeiro local, não possuem emprego fixo e nem elementos econômicos
suficientes. Tais sujeitos são estranhos a ordem local e por isto, são segregados por serem
migrantes econômicos ou sociais.
O autor deixa claro que cada vez mais as pessoas se protegem do estranho, mas
acabam se afastando mais de sua liberdade e de seus benefícios. Mais do que isto, a proteção
buscada é o que gera mais medo e mais perigos ainda, visto que, alimenta o mercado e nunca
pode ser saciada, cada vez mais impede o morador da cidade de viver livre. O medo, seu
mercado, arquitetura e tecnologias nunca poderão ser saciados diante do crescente número
deà est a hos àeà pe igos .
O terceiro capítulo, é na verdade um discurso de Bauman que, compilado, tenta
demonstrar a solução para o dilema do medo e da cidade, que demonstrou nos primeiros
capítulos. A primeira constatação é de que a Administração Pública, por si só, embora seja
cobrada, não pode resolver na localidade, problemas que na verdade são globais, como
mobilidade, infraestrutura e a questão ambiental. A solução precisa partir do ser humano,
92
buscando entrar uma cidadania que vá além da cidade e do prender-se em fortalezas, longe
do estranho e do indesejado.
Então, Bauman, apresenta como solução a tolerância, através da mixofilia, o interesse
em misturar-se, enquanto que a mixofobia deve, cada vez mais, reduzir-se. Isto exigiria um
novo olhar para o estranho, um olhar que não fosse de medo, raiva ou intolerância, mas de
compaixão, carinho e solidariedade.
Assim, se estaria apresentando a solução para o medo das cidades e criando ambientes
de confiança, para na Pós-modernidade, ser possível viver a pratica e o ambiente público, em
que, a cidade, cumpriria sua função social com integridade. Embora isto seja algo complicado
de ser alcançado, deve ser buscando, visto que, com harmonia, e respeito as diferenças, uma
sociedade melhor seria alcançada
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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de la difeencia). LOGOS. Anales del Seminário de Metafísica. n. 1, p. 121-141, 1998.
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<www.mj.gov.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp?> Acesso em: 05 de maio de 2017.
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Sciences. Washington: The National Academies Press, 2001
OLLOQUI, Jose Juan de. Introducción: reflexiones en torno al terrorismo. In: OLLOQUI, José
Juan de (Coord.). Problemas jurídicos e políticos del terrorismo. México: Universidad
Nacional Autónoma de México, 2004.
BRASIL, O PAÍS QUE MAIS MATA: UMA ANÁLISE CRÍTICA ACERCA DA VIOLÊNCIA CONTRA
TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
Resumo: A violência e a segregação fazem parte do pano de fundo das corajosas histórias de
muitas travestis e transexuais, as quais diariamente necessitam se impor para participar do
meio social. O Brasil, com dados alarmantes é mais uma vez considerado o país que mais mata
travestis e transexuais, sendo que a expectativa de vida destas pessoas é muito inferior
aquelas pessoas que seguem o contexto da heteronormatividade. Em meio a uma sociedade
firmada na heteronormatividade e no patriarcalismo, a violência e a discriminação andam de
mãos dadas com travestis e transexuais, haja vista que a sociedade ao buscar a promessa de
estabilidade e segurança trazida pela modernidade se depara com a diferença, agindo na
maioria das vezes da pior forma possível.
INTRODUÇÃO
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, pela Unijuí; Pós-graduada em
Metodologia e Didáticas pela CENSUPEG. Bacharel em Direito pela UNICRUZ. E-mail:
julianaoliveirasantos@yahoo.com.br
2
Bolsista Integral CAPES e Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Curso de Mestrado da
UNIJUÍ. Pós-graduanda em Direito Civil pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Bacharel em Direito pela
UNIJUÍ. Email: kaoanne.krawczak@gmail.com
95
Um estranho por definição, é um agente movido por intenções que, na melhor das
hipóteses, só podem ser adivinhadas – mas das quais nunca se pode ter certeza. Em
todas as equações que elaborarmos ao deliberarmos sobre o que fazer e como nos
o po ta ,àoàest a hoà àu aài g ita.àÉ,àafi alàdeà o tas,à u àes uisito ,àu àse à
bizarro e enigmático, cujas intenções e reações podem ser muito diferentes daquelas
das pessoas comuns (habituais costumeiras). [...] estranhos são
su o s ie te e te àdes o fo t eis;àsuaà e aàp ese çaàto aàai daà aisàdifí ilàaà
tarefa já assustadora de prever os efeitos de nossas ações e suas chances de sucesso.
respeito para com elas, não é possível vislumbrar efetividade destes mecanismos, levando à
afi aç oàdeà ueàaàp p iaàpolíti a,àoàp p ioà pode àso e a o àe luiàa uelesà ue,àdeàfato,à
não são iguais, sendo que travestis e transexuais são assim, apenas coadjuvantes de suas
próprias vidas.
Diante do conceito de vida nua, trazido por Giorgio Agamben, pode-se explicar a
violência e a morte de inúmeros travestis e transexuais sem que haja um grande clamor por
pa teàdaà ídiaàeàdaàso iedadeàe àge al,àpoisàestasà idas,àestasàf agilizadasà idasà uas ,à oà
apresentam na maioria das vezes valor em uma sociedade marcada pelos padrões de beleza,
pela heterormatividade e pela falta de diálogo com as diferenças.
Segundo André Duarte (2010, p. 278),
Agambem esclarece que o homo sacer definia no antigo direito romano o homem
que era incluído na legislação exatamente no instante em que dela era excluído e se
encontrava totalmente desprotegido: homo sacer era aquele indivíduo que, por ser
tipificado legalmente como homem sagrado, poderia ser morto por qualquer um
sem que tal morte constituísse um delito, desde que tal morte não fosse o resultado
de um sacrifício religioso ou de um processo jurídico.
O ser que vem é o ser qualquer [...] seja qual for, o ente é uno, verdadeiro, bom ou
perfeito, [...]. O Qualquer que está aqui em causa não supõe, na verdade, a
singularidade na sua indiferença em relação a uma propriedade comum (a um
conceito, por exemplo: o ser vermelho, francês, muçulmano), mas apenas no seu ser
tal qual é. A singularidade liberta-se assim do falso dilema que obriga o
conhecimento a escolher entre o carácter inefável do indivíduo e a inteligibilidade
do universal.
Nesta senda, trata-se de uma urgência abordar as questões que envolvem travestis e
transexuais, juntar a voz da academia a estes milhares de homens e mulheres que sofrem
muitas vezes calados e que experimentam a morte simbólica diariamente. Quanto vale uma
vida? Qual vida é digna de respeito e merecedora de direitos? Judith Butler (2009, p.61) refere
ueà po ueàsiàelàfi àdeàu aà idaà oàp odu eàdolo à oàseàt ataàdeàu aà ida,à oà alifi a como
idaà à oàtie eà i gú à alo .ààÉàp e isoà ueàaàso iedadeà ejaàal àdasàdife e çasàeàpe e aà
aàsi gula idadeàdeà adaàu àaà o diç oàdeàhu a o.à эaà uesti à ueà eàp eo upaà[...]àesàloà
que cuenta como humano, las vidas que cuentan como vidas y, finalmente, lo que hace que
u aà idaà algaàlaàpe a. à BUTэй‘,à ,àp. .
Neste rumo, a violência a que estão expostas travestis e transexuais Brasil a fora, não
pode ser naturalizada, não pode ser justificável. São muitos casos, das mais variadas formas,
não só durante a noite, mas a luz do dia.
Na maioria das vezes, a violência vem na forma de agressão verbal, mas não são
raros os casos em que gangues de jovens espancam travestis. Também é comum ver
gente que passa de carro lançar garrafas sobre elas. Algumas vezes chegam a
102
disparar armas de fogo contra travestis em plena rua. Normalmente as pessoas que
cometem esses crimes não são identificadas nem detidas. E quando o são, recebem
penas leves da Justiça (SILVA, 2007, p.47).
O ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas
acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a
imagem está no espelho. A espécie de cada coisa é sua visibilidade, a sua pura
inteligibilidade. Especial é o ser que coincide com o fato de se tornar visível, com a
própria revelação (AGAMBEN, 2007, p.46).
103
O ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas
acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a
imagem está no espelho. A espécie de cada coisa é sua visibilidade, a sua pura
inteligibilidade. Especial é o ser que coincide com o fato de se tornar visível, com a
própria revelação (AGAMBEN, 2007, p.46).
Por fim, há de se pensar que o gênero, sendo determinado pelo sentimento, é o que
impulsiona travestis e transexuais a apresentarem-se ao mundo diariamente, mesmo
sabendo que a violência e a segregação fazem parte do pano de fundo de suas corajosas
histórias, isto porque em nenhum lugar a violência é tão onipresente quanto na vida, e no
cotidiano de travestis e transexuais. Assim, faz-se latente a necessidade de enxergarmos em
cada ser humano, a condição de humano e através disso travar a luta pela paz e pela tão
sonhada democracia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o que já foi dito, o gênero é determinado pelo sentimento, sendo que
é em face deste conceito que travestis e transexuais apresentam-se ao mundo, mesmo
sabendo que a discriminação e que a violência fazem parte de suas histórias.
104
REFERÊNCIAS
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Lisboa, 1993.
______. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo
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iEA Academia, 2015.
SILVA, Hélio R. S. Travestis entre o espelho e a rua. Rocco Editora, Rio de Janeiro-RJ, 2007.
107
RESUMO: Com a promulgação da Lei 11.340/2006, foi criada uma das melhores legislações do
mundo dentre aquelas que buscam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher: a
conhecida Lei Maria da Penha. Com isso, passou-se a dar oficialmente maior valor em relação
a dignidade da mulher na sociedade. A versatilidade da Lei permite que o direito fundamental
da mulher de dignidade, faça-se valer em meios à agressões dos mais diversos tipos. Diante
disso, o objetivo do presente artigo é tentar entender como funciona a Lei Maria da Penha e
se ela pode ser aplicada, ou não, para proteger às transexuais, e de que forma isso ocorre
efetivamente.
INTRODUÇÃO
A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06) é fruto de uma luta histórica pela busca da
efetividade do princípio da isonomia, de modo a conferir maior proteção às mulheres vítimas
de violência doméstica e familiar. A nova lei traz mecanismos mais céleres e efetivos na tutela
dessas mulheres. De odoà ueàaàe p ess oà ulhe ,à o oà íti aàdeà iol iaàdo sti aà
sujeito à tutela da nova legislação, possui alcance controvertido tanto em sede
jurisprudencial, quanto em sede doutrinária.
U aà pa teà daàdout i aàe te deà ueà ulhe à s oà ape asà asà pessoas que possuem
sexo biológico feminino ou que sejam registradas como do sexo feminino em seus assentos
civis. De outro lado, os doutrinadores, de forma acertada, sustentam que a expressão
ulhe àde eàse àe te didaà o oàtodaàpessoaà ueàseàide tifi ueà o oàdo sexo feminino,
ainda que seu sexo biológico seja outro, mesmo sem a devida alteração registral.
Apesar não haver regulamentação legal para a embasar o entendimento mais acertado
da doutrina, a aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica e familiar
1
Bolsista Integral CAPES e Mestranda no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito – Curso de
Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ. Pós-graduanda em Direito Civil pela
Universidade Anhanguera/UNIDERP. Email: kaoanne.krawczak@gmail.com
2
Bolsita Taxa Escolar CAPES e Mestranda no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito – Curso de
Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ. Email: anafoguesatto@hotmail.com
108
Artigo 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
O preconceito de gênero enraizado no país arrastou a violência pra dentro dos lares,
tornando a mulher uma vítima do próprio companheiro. O estilo universal da família dos
séculos passados no ocidente, que consolidou-se no mundo inteiro e dura até hoje em alguns
países asiáticos, africanos e no Oriente Médio, ainda resiste indiretamente nas famílias
brasileiras.
Até a primeira metade do ano de 2006, não existia no Brasil legislação pertinente à
proteção da mulher sujeita a violência doméstica e familiar. Ocorre que pelo apelo
internacional de uma das milhões de vítimas de violência doméstica, Maria da Penha Maia
Fernandes, em 7 de agosto de 2006 entrou em vigor a Lei Maria da Penha.
Dentre alguns dos aspectos da Lei 11.340/2006, o mais relevante foi tornar a violência
doméstica e familiar contra a mulher crime e definindo-a. A Lei também tornou impossível o
110
Artigo 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I -
encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo
domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos
a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
forma mais breve e eficaz possível. A partir do momento em que é noticiada a prática da
violência doméstica e familiar ao juiz, este pode e, conforme o caso, deve aplicar as medidas,
tudo no prazo de 48 horas.
Das medidas impostas ao agressor, há preocupação em desarmá-lo, podendo o
Magistrado restringir o porte ou suspender a posse de arma. Se o agressor possui porte de
arma devidamente registrado na Polícia Federal, a suspensão ou restrição só pode se dar caso
a vítima solicite tal medida. Nos dizeres de Maria Berenice Dias (2012, p. 151):
Artigo 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles
de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
112
Para haver o cumprimento do inciso I do artigo 23, é necessário que o munícipio tenha
programa de atendimento especializado, o que não acontece na maioria das comarcas
brasileiras. Nesses programas, deve haver uma equipe multidisciplinar para atendimento às
vítimas e segurança, visto que estão, ao menos em tese, em situação de perigo constante.
A Autoridade Policial normalmente é quem reconduz a vítima ao seu domicílio, casa
haja a necessidade e a possibilidade. Se a vítima não for acolhida por algum programa de
proteção e se o homem-agressor não estiver na residência, a vítima será reconduzida para sua
moradia.
Outro ponto importantíssimo relacionado às medidas de proteção é o que reza o artigo
19 da Lei 11.340/2006:
Artigo 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a
requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério
Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente,
e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre
que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida,
conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se
entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio,
ouvido o Ministério Público.
A partir dessa breve explanação sobre a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06),
pretende-se nesse momento, abordar a questão da aplicabilidade da já referida lei em relação
às transexuais, discorrendo sobre a possibilidade ou impossibilidade de tal aplicação e como
esse os nossos tribunais tem se posicionado em relação a tal temática.
Contudo, antes de abordarmos a questão central, faz-se importante apresentar um
conceito a respeito do que é um transexual, nesse sentido, quanto a conceituação de
transexualismo, não existem divergências doutrinárias. De modo que, Diniz, citada por, L.
Araújo (2000, p.28), define o transexual como
1. Aquele que não aceita o seu sexo, identificando-se psicologicamente com o sexo
oposto [...] sendo, portanto, um hermafrodita psíquico [...] 2. Aquele que, apesar de
apresentar ter um sexo, apresenta constituição cromossômica do sexo oposto e
mediante cirurgia passa para outro sexto [...] 3. [...] é o indivíduo com identificação
psicossexual oposta aos seus órgãos genitais externos, com o desejo compulsivo de
mudá-los [...]
Ainda, Klabin (apud ARAÚJO, L., 2000, p. 29), concebe o transexual como
A partir destas conceituações pode-se observar que estes sujeitos que apresentam
u aà i o pati ilidadeàe t eàoàse oà iol gi oàeàaàide tifi aç oàpsi ol gi a à “UTйй‘àapudà
ARAÚJO, 2000, p. 29), ao apresentarem estas duas características juntas, é que são definidos
pela sociedade como pertencedores do transexualismo. Assim, tem-se que
Temos também que, essa falta de identificação acaba causando nos indivíduos um
p o essoàa gustioso,à o fliti oàeàdeli ado à á‘áÚщO,àэ.,à ,àp.à ,àoàge aàu àsof i e toà
intenso, pois os transexuaisà i e à oà o flitoà deà possui à u aà ge it liaà est a haà sà suasà
se saç es,àdesejosàeàfa tasias à á‘áÚщO,àэ.,à ,àp.à .àйàtudoàisso,àsi ples e te,àpo ueà
eles desejam pertencer a outro gênero, que possa melhor lhes representear e porque toda
essa fase de escolha não é bem compreendida pela sociedade que os rodeia.
Quanto à questão da escolha por um gênero mais adequado, explica Butler (2009) que,
embora se possa dizer que isso é uma escolha [...] de caráter dramático e profundo
[...] pode incluir um ou vários dos seguintes aspectos: a escolha de viver como outro
gênero, passar por um tratamento hormonal, achar e declarar um novo nome,
assegurar um novo estatuto jurídico para o seu gênero e submeter-se à cirurgia.
Pois bem, voltando a temática central de nosso artigo, passemos a analisar a questão
da aplicabilidade ou não da Lei Maria da Penha às transexuais quando estas forem vítimas de
violência doméstica ou familiar e o posicionamento dos tribunais brasileiros a respeito do
assunto.
Em primeiro luga à ài po ta teà ueàt ate osàdaàe te s oà ueàaàe p ess oà ulhe ,à
utilizada no texto da lei, representa no mundo jurídico. Ao passo que o alcance desse termo
possuiàduasà e te tesà o t o e tidas,àu aàdelasàdefe deà ueà ulhe às oàape asàosàsujeitosà
que nasceram com o sexo biológico feminino ou que foram registradas como sendo do gênero
feminino, enquanto que de outro lado estão aqueles que sustentam, de modo acertado, que
ulhe à àtodaàa uelaàpessoaà ueàseàide tifi ueà o oàse doàdoàse oàfe i i o,à es oàque
possua outro sexo biológico ou que seja registrado como sujeito do sexo masculino.
115
A partir disso, e do entendimento mais acertado, temos que às transexuais podem sim
ser tuteladas e protegidas pela Lei Maria da Penha, pois se identificam como mulher tanto
psicologicamente, quanto socialmente, apesar de nem sempre possuírem o sexo biológico
feminino – dependendo se optaram por realizar ou não a cirurgia de redesignação sexual – ou
alteração em seu registro civil. Pois é exatamente com relação a esses sujeitos - não operados
e com gênero masculino no registro civil – que paira a dúvida quanto a aplicabilidade ou não
de tal instituto.
Nesse sentido, nossos tribunais, a pesar de ainda não existir um posicionamento
dominante a respeito da matéria, tem se posicionado no sentido de admitir que às transexuais
sejam abrangidas e protegidas pela Lei n° 11.340/06. De modo que, conforme Ferreira (2014,
ps. 11 e 12), os tribunais chegam a tal conclusão a partir da utilização dos princípios gerais do
direito, especialmente aqueles previstos na Constituição Federal e nos Tratados e Convenções
Internacionais sobre Direitos Humanos, com destaque ao princípio da dignidade da pessoa
humana.
Ao passo que,
Assim, para confirmar o que foi exposto até aqui se faz necessário citar algumas
de is es.àDeà odoà ueà oà“upe io àT i u alàdeàщustiça,à oàjulga e toàdoàрCà . /‘“,àpo à
exemplo, explicita que a aplicabilidade da Lei Maria da Penha ao caso de violência de gênero
est à o di io adaà à o i iaàí ti aàeà àsituaç oàdeà ul e a ilidadeàdaà ulhe à нй‘‘йI‘á,à
2014, p. 12).
Passemos então aos julgados dos tribunais estaduais brasileiros. Em especial dos
tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre e Mato Grosso do Sul. Assim tem
que:
A Justiça [...] do Acre já tinham tomado decisões no mesmo sentido. Na mais recente
delas,à oà juizà Da ielà Bo fi ,à deà ‘ioà B a o,à e te deuà ueà o sexo biológico de
nascimento (masculino) não impede que a vítima, cuja identidade sexual é feminina,
seja reconhecida como mulher, sendo assim sujeita à proteção da Lei Maria da
Penha à рYPNйй“,à ,àg ifoàdoàauto .à
Em Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça local traz entendimento diverso. O
Desembargador José Augusto de Souza, no julgamento de Conflito de Competência,
expressamente em seu voto afasta a incidência da Lei Maria da Penha quando a
vítima for transexual que não tenha alterado seu registro civil. Em resumo, o relator
entende que mulher é apenas quem assim nasce, ou quem tenha em seu registro
civil o sexo feminino.11 Desconsidera, portanto, a situação fática, dando relevo à
situação jurídica, vale dizer, entende que o sujeito deve ser formalmente mulher
(FERREIRA, 2014).
[...] outra decisão também amplia a aplicação da Lei Maria da Penha, dessa vez para
transexual masculino (proc. N. 201103873908, Tribunal de Justiça de Goiás 1ª Vara
Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, vítima de
violência doméstica) (BIANCHINI, 2017).
117
Uma decisão inédita da Justiça de Santa Maria tem muito a ser comemorada. Na
segunda-feira, o Poder Judiciário deferiu uma medida protetiva em favor de uma
transexual. A jovem, que tem 20 anos e conseguiu a redesignação sexual aos 16,
sofria violência do seu companheiro há pelo menos um ano e meio. Ela já havia
procurado a Polícia Civil outras vezes, mas como ainda não tinha a Carteira Social, e
a Lei diz que apenas mulheres podem requerer medidas protetivas, ainda não
havia conseguido uma solução.
[...]
O magistrado explica que a decisão é baseada, principalmente, na interpretação de
gênero, já que o fato da vítima não ter o órgão sexual feminino não impede que ela
se enquadre em um caso de violência doméstica. Quando a relação é entre duas
mulheres, por exemplo, não há nenhum impedimento nem sequer para efetuar o
pedido.
Diante disso, fica evidente a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos casos de violência
doméstica contra transexuais. Tais decisões foram baseadas em razão de que o próprio texto
legislativo (Lei n° 11.340/06) traz em seus artigos, 2° e no parágrafo único do artigo 5°, a
vedação a qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual.
Artigo 5° Lei n° 11.340/06. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
[...]
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.
Ao passo que, sobre a aplicação da referida lei, Maria Berenice Dias (apud MELITO,
à й à fu ç oà dessaà efe ia,à ta à passouà aà seà e o he e à aà Ma iaà daà Pe haà
pessoas travestis e transexuais, já que as que têm identidade de gênero do sexo feminino
estariam ao abrigo da lei. Esse alargamento ocorreu por parte da doutrina e da
ju isp ud ia .à
Ainda, a mesma autora (apud TANNURI; HUDLER, 2015) afirma que
118
Ademais, tem-se que levar em conta que a aplicação se faz possível em razão do
gênero, que vem a ser mais importante do que sexo. Nestes termos
Ainda, segue o juiz dizendo que a decisão deve ser igual se chegarem casos parecidos
e que os transexuais devem ter o seus direitos garantidos, igual a qualquer outra pessoa. E
concluiu dizendo que (PAGNON apud CURCINO, 2016)
Não me vem na mente outro grupo de pessoas que tenha menos direitos garantidos.
São pessoas que estão à sombra da sociedade e que, às vezes, nem trazem esses
casos à Justiça porque já têm introjetado uma negativa do Estado em atender os
seus direitos. O caminho do Juizado é esse, tutelar um grupo social que é esquecido
pelo Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de tudo que foi exposto até aqui, fica claro que existem diversos argumentos
capazes de ensejar a aplicabilidade da Lei Maria da Penha quando a violência de gênero tiver
como vítima o transexual. De modo que, quanto ao transexual sujeito ou não à intervenção
cirúrgica de trangenitalização, cujo registro civil não tenha sido alterado parece não haver
dúvidas que com a alteração do registro, a pessoa passa a ser reconhecida, formalmente, pelo
Direito, como sendo do sexo na qual se identifica.
Assim, tem-se que o transexual, entendido como a pessoa cujo sexo biológico não se
identifica com o sexo psíquico, deve ser reconhecido socialmente pelo sexo que se identifica.
A própria medicina assim o reconhece, razão pela qual regulamentou o tratamento do
Transtorno de Identidade de Gênero. De modo que a terapia médica tem por finalidade
119
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva,
2000.
BIANCHINI, Alice. Aplicação da lei maria da penha a transexual. Jus Brasil: 2017. Disponível
e :à <http://p ofesso aali e.jus asil. o . /a tigos/ /apli a ao‐da‐lei‐ a ia‐da‐
pe ha‐a‐t a se ual>.àá essoàe à àa à2017.
_______. Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. In: Vade Mecum
Jurídico. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de. Violência Doméstica: Análise da эeià Ma iaàdaàPe ha ,à
Nº 11.340/06. São Paulo: Juspodvim, 2012.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de
combate à violência doméstica e familiar conta a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012.
HYPNEES. Transexuais e travestis passam a ser protegidas pela Lei Maria da Penha. São
Paulo: Hypnees, 2016. Disponível em: <http://www.hypeness.com.br/2016/08/transexuais-e-
travestis-passam-a-ser-protegidos-pela-lei-maria-da-penha/>. Acesso em 25 abr 2017.
LAURIA, Thiago. É Possível Aplicar a Lei Maria da Penha a Lésbicas, Travestis e Transexuais?
São Paulo: JurisWay, 2006. Disponível em:
<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=59>. Acesso em 28 abr 2017.
MACEDO, Fausto. Tribunal manda aplicar Lei Maria da Penha para transexual. São Paulo:
Blog Fausto Macedo, 2015. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
121
MELITO, Leandro. Lei Maria da Penha também vale para transexuais; entenda a aplicação.
EBC, 2016. Disponível em: < http://www.ebc.com.br/cidadania/2016/06/lei-maria-da-penha-
entenda-quando-lei-pode-ser-aplicada>. Acesso em 30 abr 2017.
MIGALHAS. Lei Maria da Penha pode ser aplicada em favor de transexual. Migalhas, 2016.
Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI240416,21048-
Lei+Maria+da+Penha+pode+ser+aplicada+em+favor+de+transexual>. Acesso em 25 abr 2017.
TANNURI, Claudia Aoun; HUDLER, Daniel Jacomelli. Lei Maria da Penha também é aplicável
às transexuais femininas. Conjur, 2015. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-
out-02/lei-maria-penha-tambem-aplicavel-transexuais-femininas >. Acesso em 28 abr 2017.
Resumo: O presente trabalho versa analisar os dados dos órgãos que se dispuseram a fazer
pa teàdaàpes uisaà ealizadaàpeloàoàp ojetoàPIBIC,ài titulado:à Oàempobrecimento feminino sob
a ótica da prática da violência contra a mulher: um olhar na estatística social de Cruz Alta
ealizadaàju toàaàB igadaàMilita . à‘essalta-se que a metodologia utilizada foi bibliográfica, por
meio de análise doutrinária, bem como coleta de dados. Desta forma, é crucial que as
questões de gênero estejam sempre em pauta nas discussões, especialmente nas que
envolvem o cenário jurídico. Muito embora a Lei Maria da Penha tenha previsto uma série de
mecanismos de salvaguarda às mulheres em situação de violência, as estatísticas demonstram
que os agressores continuam agindo violentamente, mesmo após o deferimento de medidas
protetivas. Além disso a abordagem detalhada foi possível por efeito dos resultados coletados
junto aos órgãos responsáveis pela temática.
INTRODUÇÃO
No dia 7 de agosto de 2006, foi publicada a Lei Maria da Penha (11.340)3, que exigiu a
partir daí uma maior atenção por parte do judiciário e da sociedade para enfrentar tal
p o le a.à àй à ,àfoiàpu li adaàaàэeià .à . ,àla ga e teà o he idaà o oà эeiàMa iaàdaà
Pe ha .àáàpa ti àdeàe t o,àaàso iedadeàeàoàjudi i ioàpassa a a enfrentar o tema com mais
e e gia .à щй“U“,à .à
Neste contexto, percebe-se que, mesmo após decorridos mais de 10 (dez) anos, a
violência contra a mulher permanece acontecendo frequentemente em todos os lugares e
com todos os níveis sociais, envolvendo pessoas, inclusive, de todas as áreas de
conhecimento.
1
Acadêmico do 5º Semestre do Curso de Direito da UNICRUZ e bolsista do projeto PIBIC - Oàe po e i e toà
feminino sob a ótica da prática da violência contra a mulher: um olhar na estatística social de Cruz Alta realizada
ju toàaàB igadaàMilita .ààй-mail: jeanmalheiros2010@hotmail.com.
2
Professora do Curso de Direito da UNICRUZ e coordenadora do projeto PIBIC - Oàe po e i ento feminino
sob a ótica da prática da violência contra a mulher: um olhar na estatística social de Cruz Alta realizada junto a
B igadaàMilita .àй-mail: angelakeitel@unicruz.edu.br.
3
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226
da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
123
Deparando-se com a realidade exposta até o presente momento, este trabalho tem como
objetivo estudar e analisar os órgãos do Município de Cruz Alta/RS que trabalham/atuam nesse viés,
bem como obter resultados e dados do ano de 2016 a fim de entender a efetiva importância e atuação
deà adaà eioàe ol idoà esseà assíduoà o ate àaà iol iaà o t aàaà ulhe .
Assim, os dados apresentados no trabalho são oriundos de pesquisas realizadas no projeto de
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
TIPOS DE VIOLÊNCIA
3.1
Trecho original: "For the purposes of the present Convention, the term "discrimination against women" shall
mean any distinction, exclusion or restriction made on the basis of sex which has the effect or purpose of
impairing or nullifying the recognition, enjoyment or exercise by women, irrespective of their marital status, on
a basis of equality of men and women, of human rights and fundamental freedoms in the political, economic,
social, cultural, civil or any other field.". Disponível em:
http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/cedaw27/tun3-4.pdf.
125
4
Oàte oà op iati gà e àdeà othe à i o àeà app op iati g à ap op iaç o àeào o eà ua doàu àho e à
toma para si a ideia de uma mulher e ganha vantagens por isso. Disponível em:
http://movimentomulher360.com.br/2016/11/mm360-explica-os-termos-gaslighting-mansplaining-
bropriating-e-manterrupting/
4.1
Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio
como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para
incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
126
Assim, através da análise dos dados descritos na tabela acima, foi possível perceber
que no período compreendido entre os meses de janeiro e abril do ano de 2016, houve uma
uniformidade nos dados percentuais no que se refere ao número de vítimas cadastradas. No
129
entanto, o número de visitas realizadas mostrou-se mais elevado e os bairros com maiores
incidências de visitação se mantiveram praticamente os mesmos.
Pode-se perceber ainda que, muito embora as vítimas esperem um resultado positivo
da denúncia, ainda se sentem inseguranças quanto à decisão de dar seguimento a uma
responsabilização penal ao autor da violência.
O responsável pelo setor de Enc. Comunicação Social do 16º BPM aduziu em sua fala
o ente di e toà ua toà àposiç oàdoàauto àdaà iol ia,à aà aio iaàdosà asos:à “e ti osà ueà
osàauto es,àai daàseàse te àdeà e taàfo a,à i ati gí eis àpeloà açoàdaàjustiça,àpelaàde o aà
deàu aàde is oà a al .àDesseà odo,à oàh à o oàdei a àdeàladoàaà essal aàdeà ue a Lei existe,
mas ainda sofre fragilidades, causando uma deficiência na eficácia da mesma, sendo que isso
olo aàe à is oàaàso iedade,àu aà ezà ueàta toàaàaç oà o oàaào iss oàdeàalgoà est a ho àaà
lei se configura crime.
Nesse sentido, impende reescrever a conclusão aduzida pelo responsável da Patrulha
Maria da Penha no Município de Cruz Alta, de acordo com os itens fornecidos para o referido
trabalho:
É possível perceber que a Lei Maria da Penha tem uma marcante importância no
Ordenamento Jurídico Brasileiro, uma vez que, a mesma tem se encaminhado para um êxito
social ainda maior, pois apesar de todas as dificuldades enfrentadas, a Lei busca um princípio
de conscientização e punição aos agressores.
Pode-se dizer que a Lei Maria da Penha já possui uma significativa efetividade, apesar
de ainda não ser suficiente para cessar a violência, ela está avançando nesse sentido, avanço
130
este que pode ser verificado no próprio município de Cruz Alta, sendo que, as denúncias
aumentam gradativamente e isso faz entender que as mulheres agredidas estão se
empoderando e decidindo pelo fim da violência de gênero.
O município de Cruz Alta, no ano de 2016, contava com o Centro de Referência Maria
Mulher, o qual atendia e auxiliava mulheres vítimas de violência, a equipe de trabalho contava
com uma profissional da área da psicóloga, uma assistente social e uma coordenadora.
A fim de entender o trabalho e os resultados do Centro de Referência, foram coletadas
informações, bem como, realizadas entrevistas com as profissionais que trabalhavam no
órgão conforme serão expostas as informações abaixo.
De acordo com a psicóloga e a assistente social, profissionais responsáveis pelos
atendimentos, no ano de 2016 foram atendidas 62 mulheres, sendo que destas, 23 eram casos
novos, 14 casos de reincidência e 25 já estavam sendo acompanhadas desde 2015.
Conforme exposto acima, o número de atendidas não fora muito alto no ano de 2016,
mas pode-se dizer que a cada mês no município pelo menos 5 (cinco) mulheres foram
agredidas, sendo que a maioria, segundo relatou a psicóloga dizia que seu companheiro estava
alcoolizado ou sob efeitos de entorpecentes.
Das 62 mulheres atendidas pelo centro de referência, foi possível perceber que as
violências ocorriam na seguinte ordem: psicológica, física, patrimonial, sexual, e ainda, cárcere
privado.
Mister se faz salientar que do número de casos descritos acima, 4 (quatro) foram mais
graves, os quais exigiam que as vítimas fossem removidas da cidade, sendo havia uma carro
disponível para o CRMM, o qual fazia as buscas de mulheres agredidas e quando necessário
as removia do município, sendo que sempre um técnico acompanhava todo o procedimento.
Finalizando a entrevista, as responsáveis pelos atendimentos informaram ainda, que a
maioria das agressões ocorriam do companheiro/marido ou ex-companheiro, sendo que, dos
23 novos casos de 2016, 02 foram agressões praticadas por netos contras avós.
131
No mês de outubro de 2016 foi realizada uma reunião com a delegada de Polícia Lilian
Carús, responsável pela delegacia especializada da Mulher do município de Cruz Alta, a fim de
coletar dados e entender como funcionavam os atendimentos as mulheres agredidas.
Em sua fala, a delegada, enfatizou que um dos maiores causadores da violência contra
ulhe ,àai daàe a,àaà Cultu aàMa hista ,àpostaàe àp ti aàpo à ho e sài segu os ,à aà ualà
predomina o pensamento de ueà ue à a a,à a da .à
Ela destacou também, que os maiores vilões desta violência, eram respectivamente, o
álcool e as drogas. Normalmente nos finais de semana em que acontecem festas, a violência
acabava sendo mais marcante e frequente.
Não menos importante, a delegada nos informou também, que a ideia de que somente
pessoasà po es à passa à po à situaç esà e at iasà deà iol iaà o t aà ulhe à à u à ito,à
sendo que afirmou ela, que pessoas de classe alta e média, procuram advogado, e pessoas
pobres procuram a polícia.
Os atendimentos de janeiro a agosto de 2016 foram numerosos, sendo que será
possível perceber através da tabela abaixo:
Mês/ano Número de Atendimentos
Janeiro/2016 110 casos
Fevereiro/2016 76 casos
Março/2016 106 casos
Abril/2016 119 casos
Maio/2016 116 casos
Junho/2016 100 casos
Julho/2016 106 casos
Agosto/2016 124 casos
DELEGACIA ESPECIALIZADA DA MULHER – CRUZ ALTA/RS
da obrigatoriedade atualmente o Estado do Rio Grande do Sul conta com apenas 20 (vinte)
postos policiais para a Mulher e 16 (dezesseis) Delegacias de Polícia Especializada.
O presente artigo foi elaborado em âmbito qualitativo, por meio de uma pesquisa
bibliográfica. A pesquisa bibliográfica, por sua vez, é definida pela consulta de algumas
bibliografias pertinentes ao estudo proposto. É uma investigação que procura explicações
para os dados expostos, sendo realizada com diversos materiais para reunir dados distintos
com relação a um determinado tema.
Nessa direção, também foi realizada a coleta de dados junto a Patrulha Maria da
Penha, 16º Batalhão da Brigada Militar, Centro de Referência Maria Mulher e Delegacia
Especializada da Mulher.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, conclui-se que a violência está atrelada as mais diversas ordens do agir e do
pensar do ser humano, e não obstante, a coleta de dados junto ao 16º BMP da Patrulha Maria
da Penha do Município de Cruz Alta faz esse relato e reafirma tais posições, mostrando que
h à u àlo goà a i hoàaàseàt ilha ,à asàse àdú idasàhojeàest à aisàp i oàdoà ueào te ,à
oà ueàseà o fi aà o àoàe te di e toàdeàщesusà ,àpà à áà iol iaà o t aàasà ulhe esà à
um dos fenômenos sociais mais denunciados e que mais ganharam visibilidade nas últimas
décadas.àIssoàseàde eàaàseuàefeitoàde astado àso eàaàdig idadeàhu a aàeàaàsaúdeàpú li a.
Nesse sentido, não há como desconsiderar o grande efeito que a Lei Maria da Penha
(11.340/2006) tem repercutido na sociedade, ainda que, muitas vezes esta seja vítima de
violações, tem-se até o presente momento uma demanda crescente, de mulheres agredidas
tomando atitudes contra tal fato e procurando assegurar sua dignidade, tendo como base o
número de ocorrências fornecidos pelo 16º Batalhão da Brigada Militar do Município de Cruz
Alta.
Mister se faz salientar que o Município de Cruz Alta conta com o apoio de diferentes
órgãos a fim de combater a Violência contra Mulher, sendo, a Patrulha Maria da Penha,
conforme supracitado anteriormente, o Centro de Referência Maria Mulher e a Delegacia
Especializada da Mulher, todos objetos de pesquisa do presente ensaio.
A partir da pesquisa realizada nos órgãos mencionados foi possível concluir que os
principais motivos das agressões contra as mulheres, ainda são o álcool e a drogadição,
fi a doàe ide teà ueàoà a i hoàdeà o ateàaà iol iaà àlo goàeàp e isaàatua àe à g a deà
assa .àà
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos
do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. 21. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.
___________. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher [...]. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
134
___________. Lei n. 13.104, de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o Feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para
incluir o Feminicídio no rol dos crimes hediondos. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Atlas da Violência 2016. Brasília, DF: IPEA,
2016.
JESUS, Damásio de. Violência Contra a Mulher: aspectos criminais da Lei n. 11.340/2006. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
RIO GRANDE DO SUL – Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Disponível em:
http://www.rs.gov.br/conteudo/200247/cruz-alta-recebe-a-patrulha-maria-da-
penha/termosbusca=patrulha%20maria%20da%20penha. Acesso em 10 jul. 2016.
RESUMO: A escola tem um papel fundamental na vida das pessoas. Ao passo que tem uma
vasta possibilidade de atuação perante o individuo, tem demonstrado falha e insuficiência na
discussão de temas como diversidade, respeito, tolerância e dignidade da vida. Com as escolas
deixando de usufruir de discussões relevantes e necessárias, abre-se espaço para violência, o
sofrimento e o medo. Estas angústias virão refletir dentro da sociedade em diferentes
aspectos e que, na maioria das vezes, aparecem em forma de mais violência. Esta é a tese
central desse artigo, que busca demonstrar o quão significativo pode ser a inclusão de uma
educação em direitos humanos nas escolas, sendo capaz de prevenir futuras violências e
trabalhar na reparação e diminuição das já existentes. É função da escola é ensinar e incentivar
as relações humanas pacíficas, a dignidade da pessoa, o reconhecimento e a liberdade.
INTRODUÇÃO
1
Bolsista CNPq – UNIJUÍ. e-mail: matheus.vdh@gmail.com
2
Professor Doutor em Sociologia – Orientador do projeto de Pesquisa – Direitos Humanos na Escola e na
Educação Popular – UNIJUÍ. e-mail: eniowsil@unijui.edu.br
136
A escola é apenas mais uma instituição, que assim como a família, possui grande força
orientadora das ações dos indivíduos. No entanto seu potencial vem sendo negligenciado e
sufocado no objetivo de ensinar pelas ciências. O peso da formação social, dialógica e moral
dos estudantes não podem recair apenas sobre a família, a escola deve também assumir seu
protagonismo. Compromissos como a promoção da paz não é uma tarefa que deve ser
fragmentado entre escola e família, mas trabalhado em conjunto, realizando assim um dos
primeiros passos na colaboração para uma cultura de paz. Resta-nos pensar como a escola
pode sair desta condição de expectadora e buscar parceria com outros espaços educativos
para promover uma educação para paz.
diferentes formas, através da agressão física, psicológica, sexual, por negligência ou contra o
patrimônio, etc. Destacaremos aquela que consideramos a responsável por constituírem
indiretamente todas as demais, a violência psicológica pelo bullying.
As salas de aulas estão sempre cheias, sempre com novos alunos, cada um com
personalidade e vivências únicas. Em um mundo normal, todos conviveriam em harmonia,
com suas singularidades. Porém, são na falta de tolerância as diferenças que o bullying
aparece. Infelizmente, na sala de aula os alunos não são estimulados a interagirem e
expressarem seus sentimentos. Aliado a escolas mal estruturadas, falta de representação e
exclusão social, o bullying vem sendo responsável por realizar consequências emocionais
incalculáveis. Fernandes e Casari (2010, p.8) responsabilizam o modelo de produção
capitalista:
Violência, portanto, vem do próprio do sistema que detona com as relações humanas
na produção, na circulação e no consumo de mercadorias. A noção de mercadoria se espraia
por todo o universo social exacerbando os conflitos, tornando-os violência, uma vez que a vida
do outro se torna mais um coisa desprezada nos negócios.
Assim é a pratica do bullying: a concorrência pela estima do mais forte sobre o mais
fraco ou alguém que quer ver o outro fora do páreo, do jogo simbólico das influencias, que
quer certeza do enfraquecimento do outro para não impedir de fazer o que quero no espaço
do mercado de venda de imagens. Ali, se impede o mínimo diálogo. Ocorre é o silencio
aterrorizados e o rosnado da ameaça da agressão e da dor. O diálogo curaria a dor.
Na maioria dos casos as vitimas e os agressores sempre ficam marcados com os
resultados decorrentes do bullying. Suas consequências podem ser graves, dor, angústia,
intimidação, rebaixamento, humilhação, são apenas algumas das causas, mas já são
suficientes para provocar uma queda de autoestima descomunal aquele que está sendo
agredido, deixando-o vulnerável psicologicamente e passível de alternativas extremas.
Enquanto ao agressor poderão vir a ser adultos violentos e assediadores, se tratam de pessoas
sem empatia. Como diz Bourdieu (1983), a violência cresce com as dobras do corpo.
138
Os alvos dessa violência costumam ser identificados como pessoas mais retraídas e
com baixa autoestima. No ponto de vista do agressor, a vítima se percebe como alguém mais
fraco e diferente da maioria, qual ele ira despejar a sua intolerância com base nesses critérios.
No contexto escolar, a presença do bullying se demonstra entre os alunos que não estão
enquadrados no padrão da turma, sejam se tratando de questões físicas, raciais, gênero, etc.
Nesse momento, a escola, através de seus alunos, acaba por refletir o preconceito estrutural
presente na sociedade. Racismo, homofobia, xenofobia e machismo passam a ser legitimados
como atitudes aceitáveis, enquanto as vítimas permanecem totalmente silenciadas em um
cenário que deveria ser de discussão e diálogo.
Apesar de este fenômeno social estar presente em outros contextos além do escolar,
como prisões, o ambiente familiar e a internet (cyberbullying), ainda é no âmbito escolar que
ele tem maior destaque. Esse destaque se torna muito manifesto quando observamos a falta
de preparo, tanto dos pais como dos professores, para lidar em situações como essas. Sobre
a organização da violência psicológica nas escolas, Branco, Freire e Gonzalez (2012, p.34)
dize à ueà seà oà p e o eitoà fo à i e iadoà deà fo aà o tí ua,à aà po toà deà seà to a à u à
conceito estruturante nesse movimento desenvolvimental, ele pode acabar se tornando típico
dasài te aç esàso iaisàeà aseàpa aà o st uç esàsu jeti asàe t eàp ofesso esàdeàalu os .àPo à
isso o bullying não pode ser encarado como uma situação normalizada, um costume da escola
atual, onde qualquer esforço para combatê-lo seria inútil, desmotivando os alunos de pedirem
ajuda e os professores de intervirem por si próprios.
Encontramo-nos em uma situação escolar onde a relação entre professor e aluno é
praticamente mecânica. O aluno não tem no professor, que deve ser visto como sua maior
referência na escola, a segurança suficiente para pedir ajuda. Essa relação precisa ser
trabalhada com ações para que se estimule maior confiança entre ambos. É muito rara a
vítima de violência escolar se queixar, tanto por insegurança e por inclusive medo de se sentir
rebaixada. Criado um vínculo de confiança entre professor, aluno e família, as violências
sofridas devem vir à tona pelo diálogo e a probabilidade de que o caso seja resolvido será
muito maior. O apoio nesses momentos é de muita significância e deve ser bilateral (escolar
e familiar), abrindo-se possibilidades para aquele que antes se via completamente sozinho e
sem alternativas.
139
Em uma realidade que observamos professores cada vez mais ansiosos com sua
qualificação, sempre insuficiente, e com medo da responsabilidade de abrir demais para
atender demandas de alunos, que temem fugir da esfera das ciências diariamente abordadas,
sobre muito pouco espaço para nascer à necessidade de um aperfeiçoamento por parte dos
mesmos no que tange aos direitos humanos. Ele nem mesmo sabe o que é direitos humanos,
além daquilo que é falado na mídia, nas situações mais densas de crimes e violências.
Toda a reformulação curricular passa pela necessidade de que a escola contribua para
estimular a consciência critica dos alunos, porém, de mesmo modo que o professor deve estar
aberto a mudar, devem estar assegurados os meios que o qualificam. Por isso, oferecer
condições para esta qualificação dos docentes é uma das politicas publicas mais urgentes
diante das inciativas de combate a violência e criação de politicas de segurança. Quando
capacitado, o professor terá o potencial necessário para contribuir na aproximação dos alunos
e na luta ao silenciamento das minorias, combatendo de forma efetiva com o bullying, a
principal violência nas salas de aula.
Percebemos que a escola abrange culturas diversificadas que refletem em uma
diversidade representada por seus estudantes, tal fato só acaba por tornar mais necessário o
incentivo ao diálogo por parte dos alunos. Afinal, a prática demonstra que o simples fato de
141
ainda tem muito aperfeiçoar no tocante a ética e moral e sobre o papel da escola no
desenvolvimento da criança para uma educação em direitos humanos.
Sobre o ponto de vista mais psicológico, sabemos da importância de categoria
fundantes como afeto e emoção visando às interações cotidianas. Ou seja, ao modo que
desenvolvemos uma cultura baseada em afeto e interação, estamos abrindo espaço para o
individuo expressar sua autonomia. Analisando dessa forma sociocultural, demonstra-se
novamente a necessidade da escola adotar em sua grade métodos de ensinos voltados para
os direitos humanos, que contribuem para esse pensamento critico proposto.
Ao tratar questões como a autonomia infantil, não estamos querendo falar da
substituição do local de fala. Sabemos que o lugar da criança é na escola, porém, o que está
sendo proposto é justamente um novo modelo de ensino-aprendizagem, que estimulem as
crianças e as envolvam mais em seu aprendizado e dentro da própria sociedade. Sobre
interações entre professores e alunos no âmbito escolar, Manzini, Leite, Cardoso, González e
Branco (2012, p.321) explicam:
estrutura no âmbito escolar, também notamos certo conformismo daqueles que seriam os
principais responsáveis por essa mudança, e que acabam, por diversos fatores, a negligenciar
a educação dos detentores do futuro corpo social. O jovem representa uma fase de mudança,
tanto para o próprio individuo como para a sociedade. Essas mudanças não devem ser
ignoradas, mas sim trabalhadas, de forma a levar em consideração o potencial transformador
que cada geração tem em suas mãos. Não temos como mapear os pensamentos de indivíduos
com personalidades próprias, mas não devemos ignorar a perspectiva daquele que estamos
ensinando algo que também é bom e justo nos professores, tema este que será abordado no
próximo capítulo.
No Brasil, segundo estudos demográficos os jovens está cada vez mais afirmando a
necessidade de um lugar na sociedade, ressaltando sua autonomia e sua capacidade
transformacional e ao mesmo tempo imaginando o futuro. Porém, sabemos que se trata de
uma fase de mudanças, questionamentos e incertezas, onde alguém que compreenda sua
complexidade passa a ser essencial para uma formação adequada.
Em geral as transformações biológicas do ego do jovem se apresentam instáveis e
vulneráveis às pressões pulsionais e às influências externas, sendo altamente suscetíveis aos
fenômenos sociais.à A adolescência é a fase da trajetória de vida onde a pessoa está
abandonando a infância e indo ao encontro da fase adulta e é ali justamente que a escola mais
o atinge produzindo desconfortos incompatíveis com a complexidade biológica.
Por ser uma fase de passagem é uma fase de crise subjetiva, própria de um momento
rico na constituição da identidade, da personalidade. É o estatuto social do sujeito que é
provocada para que ele assuma papeis sociais que não sabem quais, pois vê os melhores
lugares sociais ocupados por sujeitos não exemplares. Estes espaços ambicionados estão
viciados e corrompidos pelo adulto de agora. Este espectro leva a um apelo a reação violenta,
a uma manifestação de indignidade, de incerteza com o futuro.
Mas é no corpo que se centraliza os aspectos das mudanças, onde se sai de si e
procura-se o outro como uma força de necessidade, de busca de satisfação de algo que não
se sabe bem o que é. É a imagem do indivíduo sobre seu corpo, sobre si mesmo e desafios de
144
ter uma linguagem que diga de si, daquilo que se destaca do corpo e vai fazer parte do
imaginário de si e de outros, nem tanto para si e muito para os outros. Buscam exemplares na
mídia, não na escola e nem na família. Desafia as estruturas adquiridas na infância e quer
sustentar outras que ainda não sabe quais.
Concentrado nos ímpetos do corpo, o adolescente se volitiva, se questiona, se sente
inseguro, teme o futuro e, ao mesmo tempo, tem forças físicas desordenadas para enfrentar
tudo, não se aquieta, luta, se excita. As respostas corpóreas o encorajam e lhe dão um
garantia. Perigos lhes rondam, pois não faltam ópios que lhes são oferecidos para criar falsas
coragens. Grande parte da violência na escola vem de alunos comprometidos com grupos fora
da escola que o oprimem no comercio lucrativo do ópio, no capitalismo de pilhagem alienante.
Mais do que consumir ele se compromete com a venda para ter dinheiro para ostentar o
consumismo. Consumismo é outro ópio que atinge indivíduos em todas as idades.
Na rede de linguagens em que indivíduo tão jovem se mostra, na rede de significantes
sociais ele produz diferentes imagens de si, inclusive, assustando professores e pais
conservadores. A sociedade teme o jovem, assim como teme toda a transformação. Ela quer
responsabilizar o jovem pelo futuro dela. Sabe que o adolescente é portador do novo, tem
poderes. O imaginário social estigmatiza o jovem e não lhes reserva lugar. A interação sujeito
e momento social tem na adolescência um momento crucial: o novo ser nada tem de seguro
ou o que lhe apresenta é nada amigável: os elogios ao corpo e ao belo, idealizado por alguns
lugares sociais já ocupados pelos adultos e servindo a objetivos instrumentais (lucro,
comercio, etc.), e, muitas vezes, longe das fontes parentais (familiares).
Neste sentido, no adolescente, o jovem, a imagem do outro é sempre força desviante
e ele se torna anormalizador: se embate com tudo e com todos, principalmente com os pais,
professores e governantes (MORIN, 2002, p.242).
Esta situação, por si só já conflitante. Essa característica de conflito deve ser
conhecida e o professor não querer que a criança e o jovem sejam um adulto. Muitas vezes é
isto que se passa: o professor toma o aluno por ele e não dialoga com a diferença. Afinal, não
estamos tratando de sujeitos já constituídos, mas de jovens em sua formação, rodeados de
questionamentos. Ao passo que se torna um desafio, também representa o momento ideal
para serem trabalhados princípios com valores pacifistas. Ao entender a perspectiva do jovem,
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
violador dos princípios de dignidade da pessoa humana, responsável por atenuar angustias de
crianças e adolescentes que por si só já estão cheias delas.
Sabemos que a escola não é o único lugar para a educação, mas onde a educação
cientifica se realiza. Quando não explorado seu potencial educacional, é, ao mesmo tempo,
negligenciado o potencial do jovem, que não encontra meios de exercer sua autonomia.
Estamos falando daqueles que irão moldar as futuras gerações e merecem uma atenção
especial, pois a escola tem tudo a ver com o futuro e menos com o presente. Falta de apoio e
estrutura não podem servir eternamente como bengala para uma instituição com tamanha
responsabilidade e poder de atuação, afinal, sabemos que esses são apenas um dos fatores
que travam a implementação de uma educação que preze pela intolerância, o respeito e a
liberdade.
Uma educação em direitos humanos traria novos métodos de ensino e resolução de
conflitos. Trazendo o diálogo e a aproximação do professor e aluno para dentro das salas de
aula. O jovem está em constante formação e é essencial que nessa fase sejam trabalhados
ideais e princípios pacificadores como mecanismos para efetivar uma cultura de paz. Não
podemos omitir a responsabilidade da família nesse processo, que possui grande influência
nas ações do individuo, em um momento que as escolas vêm influenciando muito pouco na
estruturação da cultura de socialização. A promoção da paz deve ser responsabilidade de
todas as instituições responsáveis pelo futuro da sociedade, encarando o jovem como
protagonista, sabendo que assim como ele precisa ouvir, acima de tudo, precisa ser ouvido.
REFERÊNCIAS
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democrática no contexto escolar. In: BRANCO, Angela; OLIVERA, Maria (Orgs.). Diversidade e
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147
MANZINI, Raquel; LEITE, Lorena; CARDOSO, Bruno; GONZÁLEZ, Alia; BRANCO, Angela. A
questão do bullying: prevenção da violência e promoção da cultura da paz. In: BRANCO,
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perspectiva sociocultural. Porto Alegre. Editora Mediação. 2012. p. 311-327.
SALGADO, João; FERREIRA, Tiago. Educação para paz: uma perspectiva dialógica. In: BRANCO,
Angela; OLIVERA, Maria (Orgs.). Diversidade e Cultura de Paz na Escola: contribuições da
perspectiva sociocultural. Porto Alegre. Editora Mediação. 2012. p. 51-65.
RESUMO: A prisão preventiva, embora questionada por diversos juristas brasileiros por sua
afronta ao princípio processual penal da presunção de inocência, trata-se de um instituto
jurídico em vigência no direito brasileiro, utilizado até mesmo pela suprema corte nacional.
Um caso recente (e inédito) envolvendo um senador brasileiro preso preventivamente pelo
Supremo Tribunal Federal - com base na ideia de estado de flagrância - durante o exercício de
seu mandato, coloca em xeque a previsão constitucional de imunidade parlamentar, gerando
um conflito jurídico entre normas e os poderes da República. Mais do que isso, tal decisão,
que se mostrou uma afronta à Constituição Federal de 1988, também demonstra ser um
ataque aos direitos fundamentais que preceituam o Estado Constitucional de Direito e a
democracia.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de um estudo de caso a partir de uma decisão do Supremo
Tribunal Federal. O método utilizado de pesquisa é o qualitativo (enquanto à abordagem),
aplicado (quanto à natureza), exploratório (quanto aos objetivos), bibliográfico e documental,
por meio da utilização de livros, textos na web e decisões de tribunal (quanto ao
procedimento).
Num primeiro momento, realiza-se um estudo acerca dos aspectos da prisão
preventiva, abordando sua perspectiva legal, doutrinária e crítica. Num segundo momento,
faz-se um estudo em torno da imunidade parlamentar (material e formal), bem como uma
explanação técnica sobre a prisão em flagrante, restringindo o debate a questões de cunho
positivista. Num terceiro momento, realiza-se um levantamento de caso específico, utilizando
a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao ex-senador da República, senhor
1
Mestrando em Direito no Programa de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, beneficiário de Taxa Integral CAPES. Graduado em Direito pela
Universidade Regional do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Advogado OAB-RS. Músico, escritor
e compositor. E-mail: zejosers@yahoo.com.br
2
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Servidora pública estadual na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, DPE-RS. E-mail:
regina.gcarvalho@hotmail.com
149
Delcídio Amaral, preso preventivamente pela corte constitucional, por meio de uma decisão
inconstitucional daquela corte. Diante disso, demonstra-se a irregularidade na instrução
daquele processo penal, adentrando, por fim, num debate acerca das garantias fundamentais,
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da aplicação das normas
constitucionais.
Por outro lado, embora tais institutos sejam uma realidade reiterada – seja na teoria
ou na prática jurídica - existem fortes debates em torno da (in)constitucionalidade da prisão
cautelar, tendo em vista que, segundo alguns juristas, a mesma seria uma infração à
150
presunção de inocência reconhecida pela Constituição Federal em seu artigo, 5º, inciso LVII,
o deà est à es itoà ueà i gu à se à o side adoà ulpadoà at o trânsito em julgado de
se te çaàpe alà o de at ia .àÉàjusta e teà esseàse tidoà ueàa gu e taàGo esàнilho,àpo à
meio da seguinte colocação:
Dessa forma, é preciso haver uma forte vigilância em torno da utilização de medidas
cautelares mais penosas, no intuito de não se permitir que a exceção se torne a regra no
andamento do processo penal brasileiro, buscando evitar que as prisões preventivas sejam
utilizadas como instrumentos de punição anterior ao esclarecimento de todos os fatos
relacionados ao processo, ou mesmo como formas de dificultar a defesa da parte interessada.
De acordo com a doutrina, a prisão preventiva – em termos gerais – se consubstancia
nos seguintes preceitos: 1. A ideia de ordem pública, que é baseada de forma integral na
hipótese de periculosidade do agente. Tal prisão, embora haja necessidade legal de
justificativa, em grande parte das vezes se dá por meio da arbitrariedade do magistrado; 2.
Como forma de cautela instrumental, ou seja, de proteção ao andamento do processo e
proteção das provas – o que, por outro lado, também pode ferir o direito de defesa e 3. Como
cautela final, no sentido de prever a asseguração da lei penal, evitando uma possível fuga do
acusado.
Federal (§ 1º). Diante disso, a lei constitucional prevê aos membros das câmaras legislativas
federais o direito de livre manifestação (embora com determinados limites) e o chamado foro
privilegiado (que entrega à corte constitucional o dever de julgá-los por seus atos).
A Imunidade Parlamentar possui origem na ideia moderna de divisão dos poderes do
Estado, tendo surgido como uma forma de proteger os parlamentares contra abusos de outros
poderes, dentro da própria tripartição republicana. Dessa forma, a imunidade parlamentar
visa assegurar que os membros dos poderes Executivo e Judiciário não exerçam qualquer tipo
de jugo em torno do livre exercício das prerrogativas dos membros do poder Legislativo, uma
vez que os poderes da República são (e devem ser) independentes entre si, e é justamente
por conta dessa previsão que a lei assegura ferramentas para sua efetivação. Segundo Pinto
Ferreira, existem duas formas de imunidades:
Essa segunda forma de imunidade parlamentar é visível por meio do que prevê o § 2º
do mesmo artigo constitucional (artigo 53), onde está positivado que
encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam
presumir ser ele autor da infração.
ambiental efetuada pelo filho de Nestor Cerveró e de seu depoimento ao Ministério Público
Federal. (AÇÃO CAUTELAR 4039, 2015).
O crime pelo qual foi acusado o ex-senador Delcídio é o de organização criminosa,
previsto do art. 2º, §1º, na forma do §4º, II, da Lei 12.850/2012, qual seja:
Diante disso, salta aos olhos o entendimento do órgão acusador no sentido de que a
proibição da prisão preventiva de parlamentar em exercício não pode ser absoluta, assim
como não são absolutos (conforme sua própria declaração) nem mesmo os direitos
fundamentais!
Tal afirmação, que necessariamente gera vários questionamentos em torno da
efetivação dos Direitos Humanos e das garantias constitucionais, assim como da atuação do
Ministério Público contemporâneo, é de uma gravidade sem precedentes, visto que o próprio
156
procurador-geral da República (enquanto membro de uma instituição que tem por função
central defender os direitos basilares dos cidadãos) assume – e leva a cabo – a fragilidade dos
direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, levando a crer, em outras palavras,
que a exceção – enquanto relativização dos direitos fundamentais e outros direitos previstos
na Constituição Federal – deve virar regra.
Esse posicionamento de desrespeito à Constituição Federal e suas garantias
fundamentais coloca em risco até mesmo a ideia de democracia, uma vez que os direitos do
Estado têm como chão os próprios direitos individuais (ainda nos pressupostos
jusnaturalistas) da pessoa humana, sendo impossível dialogar sobre a ideia de Estado sem
andar ao lado da ideia de Direitos Fundamentais. Diante disso, de acordo com o professor
garantista Alfredo Copetti Neto:
A fundamentação [...] garantista [...] encontra seu âmago na ideia de estado para os
direitos, em que o espaço daqueles direitos compreendidos como vitais assume a
conotação essencial do estado, [...] em que todos os homens são desses os únicos
titulares, o que acaba [...] por subscrever e direcionar a democracia,
substancializando–a contra restaurações e repressões que tendencialmente visem à
instrumentalização e/ou à subversão do conjunto de garantias constitucionais que
são destinadas à proteção da igualdade de todos em direitos – fundamentais. [...] a
democracia encontra na natureza rígida das constituições contemporâneas, cujo
estabelecimento se dá, especialmente, por conta da igual titularidade de todos em
relação aos direitos fundamentais – individuais e sociais –, a sua fonte de legitimação
su sta ialà ueàdete i a:à oà ueà oàpode ,àouàseja,àosàli ites,àe àfunção de sua
legiti aç oà su sta ialà egati a;à oà ueà oà podeà o ,à ouà seja,à osà í ulos,à e à
função de sua legitimação substancial positiva, aos conteúdos de toda a produção
jurídica. (2016, p. 43-44)
Dessa forma, vale dizer que o fato da Constituição Federal determinar os limites da
atuação do poder judiciário sobre um membro do poder legislativo, também é uma garantia
fundamental importante, tanto quanto qualquer direito que se estenda aos outros homens,
vez que essa igualdade é um pressuposto do Estado Constitucional de Direito, fundado na
ideia de democracia e na força normativa da constituição. Diante disso, ainda nas palavras de
Copetti Neto, a
Desta feita, percebendo-se que os argumentos que embasam a decisão pela prisão do
Senador são o estado de flagrância, considerando o referido crime como permanente e
inafiançável, e a relativização da regra constitucional da imunidade parlamentar contra prisão
cautelar, é visível, de forma ainda mais especial, a agressão aos preceitos constitucionais que
fundamentam o Estado brasileiro.
Diante da decisão, vale a crítica até mesmo no sentido de que a própria competência
para decidir a prisão em casos como o presente – o Supremo Tribunal Federal – está
equivocada, tendo em vista que a determinação de prisão de senador da República, conforme
prevê o artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, se trata de uma atribuição exclusiva do Senado
Federal. Destarte, importa ressaltar que
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Cattoni de. Empório do Direito. O Caso Delcídio – Imunidades parlamentares e princípio da
separação de poderes no Estado Democrático de Direito: Breves comentários a partir da
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MOREIRA, Rômulo de Andrade. ROSA, Alexandre Morais da. Empório do Direito. Para (não)
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<http://emporiododireito.com.br/para-nao-entender-a-prisao-de-um-senador-pelo-stf-por-
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STRECK, Lenio Luiz. O nome que o STF dá é o nome que fica? Eis o busílis do caso Delcídio!
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-dez-03/senso-incomum-nome-stf-fica-eis-
busilis-delcidio> Acesso em: 5 maio 2017.
1 INTRODUÇÃO
O referido trabalho traz como temática a discriminação de gênero sob a luz do direito
penal assim como seu processo gradual de construção no contexto histórico até seu estado
na sociedade contemporânea, abarcando desde os tempos antigos até a situação atual no
século XXI, assim compreendendo as diversas mudanças, de progressos a falta de efetividade,
de proteção à mulher no cenário penal brasileiro.
Embora a visibilidade feminina no complexo penal tenha progredido ao longo dos
anos, ainda é marcada por discrepâncias. Tais contrastes se devem ao fato de que o sistema
social fundamentado na égide patriarcal e machista impõe uma resistência histórica. Relata-
se que nos primórdios dos tempos, ainda na idade antiga, filósofos como Aristóteles e
Demócrito pregavam a conduta de subordinação à mulher. Esta se consagrou na Idade das
1
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:
carla_castro200@hotmail.com
2
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:
natalia.leticia@hotmail.com
3
Professora do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul- Unijuí, Mestre em Direito- UNISC. Doutoranda em Ciência Jurídica- UNIVALI. Advogada. E-mail:
dhieimy@yahoo.com.br
162
Além do mais, ainda segundo o referido documento, a mulher, advinda de uma costela
curvilínea, se contraporia à figura homem, dotado de postura vertical. Em virtude de tal
característica, era dotada de menor fé, mais fraca perante o homem em relação a isso, e,
portanto, propícia a ofender o Criador.
Uma ordem pautada no ideal de família, de uma moral cristã, que unida a tantos
fatores sociais vigentes na época colaboraram para a dicotomia, herdada até os dias atuais,
entre homem e mulher, o que é ou não feminino. Embora a ciência tenha rompido com a
Igreja, a moral cristã relacionada à sexualidade permaneceu nas entrelinhas, facilmente
percebida nos discursos criminológicos. Discursos estes, que fizeram uso também do discurso
médico e psicanalítico acerca da sexualidade e das diferenças entre masculino e feminino,
sendo transmitido entre gerações e participando da formação cultural assimétrica que impõe
estereótipos relacionados a papéis sexuais (SILVA, 1983 apud MARTINS, 2015, p. 114).
4
ásà açasà sà u as,à o fo eàй e so à“a tiago,àe a à ondas regulares de perseguições motivadas pela crença
geral do povo, que entendia ser necessário localizar e punir bruxas que praticavam ou supostamente praticavam
ituaisà e ot i os .à áti giaà esse ial e teà asà ulhe es,à pois,à segu doà oà i sà atoli ista,à se ia à asà figu asà
femininas seres deturpados, partindo da ideia de que foi Eva quem turvou a visão racional de Adão ao morder a
maçã no paraíso. Destaca-se como um período de intensa subjugação da mulher.
5
O documento Malleusmaleficarum (traduzido para o português como Martelo das feiticeiras) representa o
primeiro modelo integrado da Criminologia e Direito Penal. Concebido durante o século XV, representou um
manual destinado aos Inquisidores, voltado a identificar e processar as mulheres acusadas de bruxaria.
164
É comum ao estudar a sociedade antiga grega encontrá-la como uma das mais
evoluídas a seu tempo, pregando igualdade e poderio popular pelas suas ágoras. Contudo, o
que se mantêm calado é o viés essencialmente machista que esta disseminava. Através de
estudos como os de Aristóteles vê-se quão inferiorizada era a mulher. Conforme o filósofo, a
idade é relativa, pois independentemente desta, a mulher sempre se mantém inferior ao
homem. Assim, o elo feminino não tinha a capacidade racional do eixo masculino, estando
sujeita a sua sina de obediência.
Posteriormente, Demócrito apresentou os mesmos ideais, entre 460 a.C e 370 a.C. Este
classificou a mulher com o simples objetivo de satisfação carnal masculina. Condenava o que
chamava de ginocracia, o que definia como mulheres exercendo o governo que deveria
apenas ser destinado aos homens. É notável a ignorância de ambos e, principalmente, o cerne
machista de tais pensamentos.
Séculos depois, com a ascensão do capitalismo e o consequente surgimento de um
sentimento voltado à proteção patrimonial, destacou-se a concepção jurídico criminalista de
um grupo de juristas e filósofos em prol dos direitos humanitários contra as penalizações
corporais, típicas dos períodos anteriores. Emerge, nesse momento, um sistema punitivo no
qual o patrimônio e a moral viam-se tutelados por meio das leis penais. Grande parte das
codificações ocidentais inspirou-se nesse modelo. A mulher neste cenário ganhou tratamento
e destaque igual ao despendido ao homem. O que se observava eram as diferenciações
concernentes apenas à tipicidade do crime. Assim, o tipo legal da prostituição era atribuído
exclusivamente à figura da mulher.
Na Europa, no mesmo período, disseminou-se nos códigos a criminalização da
vagabundagem, homossexualidade e prostituição. Deste modo, se pode afirmar que a figura
da prostituta como degenerada moral e criminosa é a primeira referência feminina de
destaque nas codificações.
É nesse contexto que se legitima a concepção da família como instituição repressora,
uma vez que o discurso das autoridades da época explicitamente recomendava que os pais
deveriam cuidar das filhas que trabalhassem fora, pois nesses ambientes, por não serem em
165
2.2 A figura da mulher da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX
6
Rousseau, filósofo que teve seus valores como bases para os ideais da Revolução Francesa pregava a
importância da igualdade – porém exclusivamente entre homens. Conforme Jean Rousseau (apud SOUZA, 2014,
p.à à Qua doà aà ulhe à seà uei aà daà i justaà desigualdadeà ueà oà ho e à i p e,à oà te à az o;à essaà
desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão: cabe a quem
aà atu ezaàe a egouàdoà uidadoàdosàfilhosàaà espo sa ilidadeàdissoàpe a teàoàout o .
166
Corrobora, ainda, Miguel Reale Júnior (1983, p.184 apud BORGES, 2011, p. 19) que a
ulhe à doà C digoà Pe al à à oà opostoà daà ulhe à eal ,à ouà seja,à ulhe à ati aà oà o te toà
social, político e econômico, dotada de sensibilidade diversa.
A violência sexual, em seu cerne, está vinculada a ocorrência dos tipos legais do
estupro e do atentado violento ao pudor, consagrando-se como violência de gênero.
Tem-se, como fator propulsor da incidência dessas espécies criminais a cultura
arraigada no seio social da dominação masculina sobre o feminino. O ato sexual, não difere,
sendo concebido como uma forma masculina de dominação, de apropriação, de posse de um
corpo feminino sexualmente subordinado. A construção desse estereótipo de inferioridade é
o eixo estruturante do ato sexual não consentido. A mulher, nesse cenário, é vista como objeto
sexual, despida de sua posição de sujeito de direitos.
Nilo Odália (185, p. 23 apud BORGES et al, 2011, p. 17) adverte que, muitas vezes, um
ato violento pode passar despercebido, maquiado como comportamento natural. Verifica-se
a existência de mecanismos que legitimam tais ações, pois fazem a prática cotidiana violenta
integrar as relações sociais. Este discurso que, por vezes, é social e juridicamente aceito,
deposita a culpa pelo ato, na maioria das vezes, na própria vítima.
Ainda que o Brasil compute mais de quatorze mil ocorrências de estupro por ano,
estudos realizados demonstram que somente 10% dos crimes praticados são denunciados
pelas mulheres vítimas. A estatística acima corroborada decorre, na grande maioria dos casos,
das dificuldades vivenciadas para a comprovação do ato sexual quando da instauração de um
processo criminal. Outro fator justificante é a incerteza da punibilidade. Pesquisas tem
revelado que os agentes jurídicos se utilizam de estereótipos de gênero para desacreditar,
desestimular e intimidar a vítima. Nesse sentido, quando o acusado é conhecido da vítima, é
prática comum à defesa apropriar-se do argumento de que muitas mulheres, sob
determinadas circunstâncias, se utilizam da denúncia como forma de vingança, como a
exemplo, não haver aceitado o término de um relacionamento.
áà l gi aà ju ídi aà t a alhaà at a sà doà t i ioà o po ta e toà ade uado/à
edi ilidade/ e dade ,àsegu doàoà ualàseàesta ele e àpad esàdeà o po ta e tosàso iaisà
e sexuais como possíveis parâmetros à verdade. Têm-se, portanto, que apenas determinados
168
tipos de mulheres podem ser vítimas e somente alguns tipos de homens podem atuar como
agressores. A partir disso, é que se caracteriza a violência sexual como uma necessidade
natural e instintiva masculina, e se passa a buscar no agressor comportamento de
anormalidade e perversidade.
O agravamento penal nos casos de estupro e de atentado violento ao pudor – que por
meio de sua inclusão na lei dos crimes hediondos, além de aumentar a pena em ambos os
casos para de seis a dez anos de reclusão impossibilitou o recurso em liberdade – reitera essa
pe spe ti aà doà estup oà o oà i eà p ati adoà po à u à ho e à pe e so ,à ueà de eà se à
excluído do convívio social.
Não há, atualmente, na legislação pátria um entendimento acerca da violência sexual
como uma violência de gênero, decorrente das desigualdades econômicas, sociais, políticas e
culturais historicamente impostas às mulheres. Em virtude disso, a discriminação de gênero é
adotada nas próprias práticas institucionais.
Corrobora-se precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça do estado do
Rio Grande do Sul, julgado no ano de 2004, e que versa a respeito da incidência ou não da
tipificação do crime de estupro, quando, dada uma relação conjugal, o marido se utiliza do
emprego de violência ou grave ameaça para constranger a mulher à pratica de relações
sexuais.
Sobre o tema, tem-se que, doutrinadores mais conservadores, como Nelson Hungria e
E. Magalhães Noronha entendiam que tal situação não se enquadrava no ilícito penal do
estupro, vez que, para tal, a cópula deveria se dar fora do casamento. Perfectibilizado o
169
matrimônio se entendia que a relação sexual era constituída sob a forma de exercício regular
de direito, sendo, portanto, dever recíproco dos cônjuges.
Exemplo de discriminação se vislumbrava na tipificação do crime de atentado violento
ao pudor mediante fraude, no qual apenas poderia figurar no polo passivo a mulher vista
como sendo honesta perante a sociedade. Outra nomenclatura machista pertinente ao Código
Pe alàdeà àe aàaàdosà C i esà o t aàosà ostu es .àPauloàC sa àCo aàBo gesà ,àp.à
164 apudàBO‘Gй“,à ,àp.à àe pli aà ueàaàde o i aç oà ostu es à o espo diaà à o alà
pú li aàse ual . Faz-se, portanto, imprescindível na esfera penal uma reforma para a inclusão
de especificidades nos crimes sexuais. A última alteração penal, no Brasil, com o advento da
Lei n. 12.0157,àdeà àdeàagostoàdeà ,à eti ouàosàte osà ulhe àho esta ,à ulhe à i ge à
eà C i esà o t aàosà ostu es àdoàC digoàPe al,àsu stitui doàesteàúlti o,àpelaàde o i aç oà
C i esà o t aà aà dig idadeà se ual ,à u aà ezà ue,à o à osà a a ços obtidos no campo da
igualdade de gênero, ainda que insuficientes, promoveram sua inaplicabilidade jurídica.
Mas, por enquanto, têm-se redirecionado as atenções à violência doméstica e familiar,
que vem despertando grande visibilidade social no Brasil e em vários outros países da América
Latina, América do Norte e Europa.
7
A lei 12.015 de 2009 alterou a denominação do Título VI do Código Penal brasileiro, extinguindo a designação
Dosà i esà o t aàosà ostu es àeàadota doàoàtítuloà Dosà i esà o t aàaàdig idadeàse ual .à‘e ogouàoà i eà
de atentado violento ao pudor, ampliando a anterior abrangência do delito de estupro, que passou a abranger,
na nova redação, as figuras típicas do estupro e do atentado violento ao pudor.
170
vítimas, podendo ser habitual e crônica. A cada ano, mais de mil mulheres são mortas por seus
maridos, ex-maridos e namorados. Muitas outras perdem seus empregos, entram em
depressão, sofrem danos físicos e psicológicos irreparáveis.
A violência de gênero no espaço conjugal, nas últimas quatro décadas, sofreu
importante ruptura ao deixar de ser competência do âmbito privado, ou seja, simples briga
entre marido e mulher, para ser responsabilidade do Estado. Anterior as reinvindicações
encabeçadas pelo movimento feminista em meados de 1960, objetivando ser a violência
doméstica tratada como problema social, as autoridades e a justiça não intervinham no
problema. Foi iniciado um trabalho de mobilização que desencadeou um processo de
manifestações sociais, denúncias, congressos, publicações e reivindicações, sempre voltadas
à conscientização da sociedade e dos poderes públicos sobre a gravidade da violência conjugal
e a necessidade de criar medidas de proteção às mulheres agredidas (SAFFIOTI, 1999 apud
COULOURIS; BOSELLI, 2009, p. 134).
Apesar de toda a comoção pública gerada, o Poder Público tardou para a tomada de
providências eficazes ao combate da violência no seio doméstico e familiar. No Brasil, a
primeira legislação a tutelar a questão foi a Constituição Federal de 1988, que incluiu o
pa g afoà ºà aoà seuà a tigoà ,à esta doà assi ,à ue:à Oà йstadoà assegu a à aà assist iaà à
família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
oà itoàdeàsuasà elaç es .àOut o a,àdeu-se a instituição da primeira Delegacia Especializada
no Atendimento a Mulheres vítimas da violência.
Cita-se, ainda, a Lei 10.455 que alterou um artigo da lei dos Juizados Especiais Criminais
(Lei 9.099/95). O dispositivo legal passou a permitir na ocorrência de infração de menor
potencial ofensivo que o juiz determinasse medida cautelar, afastando o agressor do convívio
do lar e da vítima, antes que se desse o julgamento final do processo. Sendo assim, em se
tratando de tentativas de homicídio e lesões corporais de natureza grave, a incidência do
referido artigo não poderia ser invocada, o que representou uma grande deficiência
legislativa.
Já no ano de 2004, aprovou-se a Lei 10.886 acrescendo o parágrafo 9º ao artigo 129
do Código Penal que dispõe sobre o crime de lesão corporal. O novo dispositivo passou a
tipificar a violência doméstica. No entanto, não houve, de fato, melhorias no que se refere à
punição. Isto porque, a violência doméstica continuou sendo um crime de menor potencial
171
5 Lei Maria da Penha como o marco legislativo da rede protetiva à mulher e a nova lei do
feminicídio
casos de lesão corporal, bem como ao motivando a criação de Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra as Mulheres.
Corroboram-se alguns dos imprescindíveis ganhos ao respeito à mulher e à equidade
de gênero com o advento da Lei: coibir, nos meios de comunicação social, a partir da
disseminação do respeito, papéis estereotipados que validem ou legitimem a violência
doméstica e familiar; promoção de campanhas educativas visando prevenir a violência contra
a mulher, bem como a difusão da Lei e instrumentos de proteção à mulher; destacar em todos
os currículos de ensino as disciplinas relacionadas aos direitos humanos, à equidade de gênero
e à problemática da violência doméstica contra a mulher. Todavia, consoante Hauser e Weiler
(2015, p. 13):
Em que pese a necessidade de respostas punitivas, especialmente em relação às
situações extremas de violência, não se pode esquecer que a lógica exclusivamente
punitiva carrega um defeito extremamente perigoso, especialmente quando a
punição é vista como única ou melhor estratégia para a responsabilização dos
agressores e para o enfrentamento da violência contra a mulher.
Isto se deve ao fato de que o direito penal deve ser visto como a ultimaratio, ou seja,
como última instância de proteção e garantia da efetivação dos direitos. Seu caráter coercitivo
tem apego excessivo de punição, reforçando uma cultura de violência, pois responde esta com
mais violência e repressão, não tendo viés de prevenção, reintegração ou orientação. Assim
sendo, o aumento do rigor das leis não necessariamente atenua o número de casos de
violência contra a mulher, pois esta busca atuar nas consequências e não na causa destas
condutas. Como visto, a sustentação da violência de gênero é o sistema patriarcal e machista,
sendo que este complexo social deve ser superado.
Portanto, a solução a esta problemática não se encontra no aumento do poder
coercitivo sobre a mentalidade sexista dominante, mas na procura de libertação de tais
estereótipos por meio de políticas públicas promovidas pelo Estado, procurando sanar a
questão antes que chegue nas vias penalistas de fato, ou seja, em sua forma mais grave. Ao
romper a estrutura machista, naturalmente romper-se-á a cultura da violência. Contudo,
observa-se que este processo será complexo e extenso, necessitando de apoio de todos para
esta luta que está – e sempre estará – em permanente progresso até seu êxito no alcance da
paridade de gêneros.
173
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade, como se concebe nos dias atuais, resulta das concepções morais e
científicas de gerações anteriores, ou seja, significa dizer que o meio social extrai para si os
valores e concepções considerados corretos e imprescindíveis em determinado tempo
histórico. Em virtude do exposto, se pode observar que o instituto do Direito Penal, visando
satisfazer os anseios da população, impõe a esta, em suas codificações, os valores e a moral
consagrados no convívio em sociedade. Sob tal diretriz é possível vislumbrar que a figura
feminina, motivada por uma cultura patriarcal, por um longo período histórico, fora tratada
sob uma ótica discriminatória, condicionada a condição de inferioridade e fraqueza em
detrimento do homem.
Salienta-se que o Direito não pode ser entendido sob um viés de neutralidade, ao passo
que, é instrumento utilizado para expandir e perpetuar os interesses da classe dominante.
Nesse prisma, com o intuito de romper o status quo perpetrado na sociedade, passam a se
desenvolver teorias atreladas à Criminologia crítica, que veem o Direito como ferramenta
indispensável à transformação social, devendo, pois, romper com as perspectivas machistas
instauradas nos Códigos Penais ao longo da história, inserindo nestes, uma prospectiva acerca
da questão de gênero, e essencialmente, dos direitos humanos. Um exemplo notório de atos
discriminatórios formais, potencializadores das desigualdades sociais, é o Código Penal de
1940, ainda vigente. O referido diploma legal atenta ao principio da igualde perante a lei ao
preceituar, em inúmeras passagens, disposições machistas e moralistas conservadoras. Os
crimes sexuais, nesse sentido, não representam a tutela estatal despendida em face da
proteção à dignidade da mulher, mas sim, à sua sexualidade. A perda da virgindade da mulher
representa perante a sociedade, implicações de cunho moral, a ruptura com a pureza da alma
e do coração. A mulher, sob a ótica penal, é vista como uma figura ingênua que carece de
proteção.
Diversos fatores influenciam para o fomento de um sistema opressor à figura feminina,
como se pode observar no convívio familiar, nas instituições de ensino, no conteúdo
disseminado pela mídia, dentre os quais, se destaca o papel exercido pela religião e
exteriorizado pelos atos da Igreja. Natural, pois, que o Código penal reproduza tal visão. No
entanto, vale destacar que o art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, veda qualquer
emanação de preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor ou idade, colocando todos os
174
indivíduos sob a condição de humanos, iguais perante a lei. Em vista disso, não se faz mais
viável sustentar codificações, nos diversos âmbitos do Direito, seletivos e pautados em visões
arcaicas e retrógradas.
Salienta-se que, embora a passos lentos, o sistema penal tem apresentado,
paulatinamente, progressos no que se refere ao tratamento despendido à mulher. A Lei
11.340/2006, comumente conhecida como Lei Maria da Penha, representa uma conquista à
proteção de seus direitos e à equidade de gênero. O cerne da questão está na mentalidade
patriarcal vislumbrada na sociedade civil, ainda que implicitamente, entretanto, para tal
ruptura, mais do que normas repressivas como forma de controle social, a coletividade carece
de políticas de prevenção, pautadas na discussão da igualdade de gênero.
REFERÊNCIAS
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feminina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
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<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3296>. Acesso em: 29 abr. 2017.
175
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frente às alterações ao código penal brasileiro. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria,
RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/san_tasq_altcp.htm>. Acesso
em: 25 abr. 2017.
HAUSER, Ester Eliana; WEILER, Ana Luisa Dessoy. Violência contra a mulher, direito penal
simbólico e a nova lei do feminicídio. III Seminário Internacional de Direitos Humanos e
Democracia e III Mostra de Trabalhos Científicos. Ijuí: Unijuí, 2015.
176
Bianca Strücker1
Gabriel Maçalai2
INTRODUÇÃO
1
Acadêmica do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do PPGD da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, pesquisadora bolsista da CAPES, advogada. E-mail:
biancastrucker@hotmail.com.
2
Acadêmico do Curso de Mestrado em Direitos Humanos PPGD da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Teólogo, Filósofo, Advogado, Professor Universitário, Assessor Jurídico e
procurador do Município de Inhacorá/RS. E-mail: gabrielmacalai@live.com.
177
Ao receber nascer, o ser humano passa a pertencer a um lar, a uma família, seja ela
biológica ou afetiva. O Código Civil Brasileiro não define o que é família, entretanto, é
perceptível que sua conceituação difere-se conforme o ramo do direito em que é abordada.
Co fo eàGo çal esà ,àp.à à oàdi eitoàdeàfa íliaà ,àdeàtodosàosà a osàdoàdi eito,àoà aisà
intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm um
organismo familiar e a ele conservam-seà i uladasàdu a teàaàsuaàe ist ia.
O ser humano sempre viveu aglomerado, haja vista sua necessidade de estar em
comunidade, e de necessitar psicológica, social e economicamente um do outro, não sendo
possível viver isoladamente. Nesse contexto, surgem as famílias, muito antes do direito, dos
códigos e da religião. De fato, elas alternam-se a conforme o tempo, a cultura e a consolidação
de cada geração.
178
A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou significativamente
com a migração destes do meio rural para centros urbanos. Contudo, as famílias têm
apresentação distinta das antigas, especialmente no que concerne às suas finalidades,
composição e papeis dos sujeitos que a compõem (VENOSA, 2012), desafiando os juristas e a
legislação a amparar suas mais variadas formatações, tendo em vista sua função estrutural
para a sociedade contemporânea.
ássi ,àe ua toài stitutoà e ess ioà aà idaàdeà adaàsujeito,à e e eàestudo,àpoisà [...]à
a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, núcleo fundamental em
ueà epousaàtodaàaào ga izaç oàso ial. à GONÇáэVй“,à ,àp.à .àDestaàfo a,àaà o diç oà
jurídica dos filhos também assumiu papel importante no direito de família, em especial com a
implantação de novas leis, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990)
e a Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010).
Atualmente, outras instituições (como a escola) designam atividades que
originalmente eram dos pais. Os ofícios já não são mais transmitidos de pais para filhos, a
educação cabe ao Estado, além da religião não ocupar espaço tão importante, como outrora,
nos lares. Ainda: a mudança de economia agrária para industrial fez com que homens e
mulheres disputassem o mercado de trabalho, alterando drasticamente a composição familiar
original (VENOSA, 2012).
O que se pode afirmar é que, comumente, as famílias têm uma interdependência
variável entre os sujeitos, na intenção de promover características que minimizem fatores
negativos (como conflitos emocionais ou financeiros) e, por outro lado, disparem fatores
positivos, como a melhora nas relações afetivas entre os genitores e, consequentemente, a
garantia de desenvolvimento biopsicossocial dos filhos.
3
Po àg e oà eà efi oàaoàdis u soàdaàdife e çaàdosàse os.àйleà oàseà ela io aàsi ples e teà sàideias,à asà
também às instituições, às estruturas, as praticas cotidianas como aos rituais, e tudo o que constitui as relações
sociais. O discurso é o instrumento de entrada na ordem do mundo, mesmo não sendo anterior à organização
social, é dela inseparável. Segue-se então, que gênero é a organização social da diferença sexual. Ele não reflete
a realidade biológica primeira, mas ele constrói o sentido desta realidade. A diferença sexual não é a causa
179
feminino. Trata-se de uma forma de organização social, onde as relações são regidas pelos
preceitos de que as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens,
por sua vez, estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. Os valores
instituídos pelo patriarcado, que corrobora uma supremacia masculina, atribuíram maior
importância às atividades masculinas em detrimento às atividades femininas, legitimando-se
o controle do corpo, da sexualidade e da autonomia feminina, estabelecendo papéis sociais e
sexuais em que o gênero masculino possui mais vantagens e prerrogativas.
Deà a o doà o à нou ault,à oà o poà daà ulhe à foià a alisadoà –qualificado e
desqualificado- o oà o poà i teg al e teà satu adoà deà se ualidadeà [...] à ,à p.à .à
Portanto, a domesticação da mulher, vista como histérica e irracional, foi defendida como
condição de possibilidade da sobrevivência da família, que, por sua vez, passou a ser percebida
como célula matriz da sociedade.
Tomando o ponto de vista histórico e so iol gi o,àoàte oà fa ília ,àe àsuaào ige ,à
não se aplicava sequer aos cônjuges e filhos, remetendo-se somente aos escravos. Conforme
elucida Frederich Engels:
originária da qual a organização social poderia derivar; ela é antes, uma estrutura social móvel que dever ser
a alisadaà osàseusàdife e tesà o te tosàhist i os. à “COTT,à ,àp.à .
180
p. 44), pois de fato, a decência e os bons modos seriam virtudes necessárias às mulheres antes
eàap sàoà at i io.àCo fo eàMa iaàIzildaà“a tosàdeàMatosàeà‘a helà“aihetà ,àp.à ,à aà
ulhe ,à talà o oàde eàse ,àp i ipal e teàaàjo e à asada,àde eà ost a à o edi e toà osà
gestos, nos olhares, na expressão das emoções, as quais não deixará transparecer senão com
ple aà o s i ia .
A partir do final do período colonial, os valores tradicionais de submissão feminina
sutilmente passam a ser modificados, embora a autoridade permanecesse nas mãos da classe
masculina. A ausência do homem no ambiente familiar conferiu à mulher um grande destaque
no comando da família e, por consequência ou necessidade, algumas delas também
começaram a participar ativamente da sociedade através do seu trabalho, seja ele no próprio
lar ou na atuação em pequenos negócios. Entretanto, a denúncia da sub submissão feminina
só se deu com o fim de manutenção do sistema (BESSE, 1999).
A partir do século XX, o patriarca começa a perder a sua hegemonia, entretanto seu
poder é apenas diminuído, mas não totalmente diluído. No Brasil, as características patriarcais
prevaleceram, mesmo que este já não seja mais o único modelo familiar encontrado em todas
as regiões brasileiras. Tais características atravessaram os tempos e deixaram suas marcas
ainda na atualidade, o que podemos constatar se analisarmos a legislação e as conquistas
sociais que tentam postular a igualdade de direitos entre os gêneros.
A família não pode ser considerada como algo biológico ou natural. Família é uma
relação de gêneros, um produto gerado através de formas históricas de organização entre os
humanos que, motivados pelas necessidades de reprodução da espécie e condições materiais
de sobrevivência, inventaram diferentes formas de relação entre si e com a natureza.
Neste sentido, Pierre Bourdieu (2014, p. 21) explica que a divisão entre sexos esta na
ordem das coisas, está naturalizada tanto nos lares quantos na sociedade, presente nos corpos
e nos habitus da vivencia humana.
De acordo com o sociólogo francês, a força da ordem masculina não necessita de
justificação e a visão androcêntrica se impõe neutra, sem necessidade de discursos para
legitimá-la. Deste modo, a ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que
reafirma constantemente a dominação masculina sobre a qual se encontra alicerçada, a qual
se percebe na divisão sexual do trabalho, na distribuição das atividades designadas a cada um
dos dois sexos, dos seus locais, momentos e instrumentos; bem como na estrutura do espaço,
opondo os lugares públicos, como a assembleia ou o mercado, reservados aos homens, e os
privados, como a casa, reservada as mulheres; ou ainda, no próprio lar, entre a parte
masculina, como a sala de estar, e aparte feminina, como a cozinha (BOURDIEU, 2014).
As relações do patriarcalismo são marcadas por uma lógica de manutenção do poder,
desta forma, os casamentos funcionavam como tentativas de controle de questões
econômicas e sociais. Neste mesmo sentido, Francisco Rudiger acrescenta que o casamento
[...]àe aàu aàfo aàdeàassegu a àsuste toàeàau ílioàe tre os parceiros. Os valores familiares e
patrimoniais contavam mais que os afetos. Os compromissos eram morais e coletivos, mais
ueàpsi ol gi osàeài di idualistas à ,àp.à .àOà asa e toàe aàu aàesp ieàdeà eg ioà
realizado entre pessoas de mesma etnia e mesma classe social, onde o sentimento era
considerado algo dispensável (PERROT, 2012).
Com o passar do tempo, o casamento evolui e passa a ser visto como uma associação
de livre escolha, baseada no amor recíproco e não apenas na conveniência ou interesse
183
ate ial.àássi ,à uda çaàdosà asa e tosàa a jados 4 para os de livre escolha dos noivos,
assim como as modificações na configuração dos namoros foram extremamente relevantes
para uma maior aproximação afetiva entre a família:
A promoção mais saudável dos instintos sexuais era considerada através do casamento
monogâmico heterossexual, tendo em vista que o mesmo era considerado como a forma ideal
e cristã, capaz de legitimar as uniões entre os sexos. Somente a partir do século XX, o
pensamento acerca do prazer feminino começa abranger e se voltar para a importância da
satisfaç oàse ualàdaà ulhe à oà asa e to,àe t eta to,àai daà espe a a-se que ela encarnasse
tanto as virtudes tradicionais de inocência, doçura, submissão e resignação quanto as virtudes
burguesas antagônicas de competência, autoconfiança, eficiência, responsabilidade e
i i iati a à Bй““й,à ,àp.à .à
A imposição de papéis diferenciados de atuação dos gêneros na família patriarcal
burguesa parece ter atravessado os séculos, em especial no que diz respeito ao fator
econômico. A figura da mulher como cuidadora do marido, do lar e dos filhos ainda hoje é
encontrada na maioria dos lares e materializada na antiga crença de que a mãe deveria
dedicar-se integralmente à criação dos filhos. Quando isso não é possível, a mãe sente-se
culpada por afastar-se desse ideal.
Hodiernamente, as famílias brasileiras ainda apresentam dentro do ambiente
doméstico antigos estereótipos, no que tange a divisão de atividades e tarefas. As tarefas
domésticas ainda são delegadas predominantemente ao gênero feminino, mesmo que a
mulher também exerça atividade remunerada fora de casa e contribua, de forma igualitária
ou superior ao homem, com o orçamento familiar. A contribuição da mulher no sustento
econômico é muitas vezes desconsiderada, enquanto o trabalho doméstico continua sendo
4
Trata-se de expressão que representa o casamento em que a iniciativa de selar a união não parte dos noivos, e
sim de seus pais, ou outra pessoa responsável. Embora, praticamente sem utilização no ocidente, ainda é comum
em outras culturas.
184
Noà ueàta geàaàe p ess oàt azidaà oàtítuloà ela,à e atadaàeàdoàla à (VEJA, 2016), o
mesmo faz referência a recente manchete de notícia veiculada pela revista Veja, onde
apresenta a esposa do então Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Marcela
Temer. Note-se que o fato de uma mulher optar por assumir a vida do lar, ter hábitos de vida
mais discretos, casar-se, ter filhos não seria problema e objeto de discussão em diversos meios
críticos. Entretanto, quando tal expressão toma a manchete da notícia, a qual a justifica que
o marido é um homem de sorte, pelos hábitosàde,ài lusi e,à esti e tasà aisà e atadas àdaà
esposa deve-se assumir um olhar mais atento.
Durante séculos a mulher é subjugada, e lhe é imposta uma submissão aos homens,
um dever de cuidar da moral e dos bons costumes, e mesmo após anos de luta, é possível
perceber que a sociedade ainda não superou esta herança colonial do patriarcalismo. Ana
Maria Colling (2014) aponta que este é um fenômeno transgeográfico e transcultural que
resiste ao crescimento econômico e as legislações baseadas na igualdade.
O objetivo da reportagem era claro: apresentar uma boa primeira-dama, fazer sua
apresentação para a sociedade. Tal expressão, e uma reportagem de cunho extremamente
conservador, demonstram que muito embora o Brasil tenha avançado em vários aspectos com
relação à violência contra a mulher, e sua participação mais ativa na sociedade e na política –
185
exemplos são a chamada Lei Maria da Penha e cotas para mulheres na vida política, os
resquícios da formação patriarcal estão muito mais presentes do que se pensa.
I po ta teà desta a à ueà aà ideiaà deà ueà osà di eitosà daà ulhe à oà sig ifi a oà u à
ro pi e toà o àaàfa ília,à o àoàpapelàt adi io alàdeà eàeàesposa à áэVй“,à ,àp.à .à
Isto é, quando se fala em empoderamento da mulher, e a faculdade de optar-se por novas
modalidades de famílias, ou, simplesmente, abdicar-se de constituir uma, não se sustenta um
o pi e toàtotalà o àaà ha adaà fa íliaàt adi io al .àáàlutaàdosà o i e tosàfe i istasà à
de que se esta for a opção escolhida pela mulher, que de fato seja uma escolha, e não uma
imposição social.
do início do século XX até meados dos anos 60, houve o predomínio do modelo de
fa íliaà de o i adoà fa íliaà t adi io al ,à oà ualà ho e sà eà ulhe esà possuía à
papéis específicos, social e culturalmente estabelecidos. Ou seja, havia um aparato
so ialà eà ultu alà ueà esta ele iaà o oà atu ais à algu sà pap isà at i uídosà aos
homens e às mulheres (Torres, 2000). Segundo esse modelo, que seguia de perto a
di is oàso ialàdoàt a alho,àoàho e à àoà hefeàdaà asa ,àoàp o edo àdaàfa ília,àse doà
responsável pelo trabalho remunerado, tendo autoridade e poder sobre as mulheres
e os filhos, apresentando seu espaço de atuação ligado ao mundo externo, ou seja,
fora do ambiente familiar. A mulher, por sua vez, é responsável pelo trabalho
doméstico, estando envolvida diretamente com a vida familiar, dedicando-se ao
cuidado dos filhos e do marido, ou seja, a atividades realizadas no âmbito da vida
privada, do lar.
186
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família patriarcal foi uma das heranças mais fortes deixadas pela colonização
europeia no Brasil – não que outros povos também não exerçam esta forma de poder familiar.
Mesmo com a evolução da sociedade, e dos interesses políticos, econômicos e religiosos, a
mulher permanece sendo considerada incapaz, em relação ao homem de assumir as mesmas
responsabilidades, e receber a mesma confiança, em especial quando se trata de espaço
público.
Hodiernamente se vende a ideia de que o patriarcalismo já fora superado, e que a
proposta de modelos familiares distintos deste são uma aberração, um insulto contra a
tradicional família brasileira. De fato, fora travada uma grande luta em busca do
reconhecimento dos direitos das mulheres, e dos novos grupos familiares, que não se
encaixam ao padrão heteronormativo. Porém, existe um grande esforço, para que não se
abalem as estruturas do patriarcalismo, impondo à sociedade sutilmente seus ideais
patriarcais de família e esposa.
Exemplo é a reportagem da revista Veja, que intitulou esta pesquisa, a qual retrata a
ulhe à ela,à e atadaàeàdoàla ,àafi a doà ueàseuàesposoà àu àho e àdeàso te,àpo àte à
uma mulher que resguarda-seàaoàla ,àusaà oupasà ade uadas ,àeàe àout asàpala as,àgua daà
a moral de seu marido. Por outro lado, a mulher seria de sorte por ter um marido poderoso,
chefe da família, capaz de tratar de questões públicas, enquanto a mulher ocupa-se com as
tarefas domésticas.
187
Este artigo não assume por objeto alegar que as famílias que desta maneira se
estruturam estão por completo erradas, ou que não devam ser respeitadas. Contudo, deixa-
se uma crítica, pelo antiquado ato de padronizar algo que mais do que nunca deveria ser
despadronizado: a família. Não há um ideal de mulher, de marido, de composição familiar.
Mas, não se pode aceitar que a mídia, mesmo após toda a árdua luta pela conquista de
direitos, utilize seus canais de veiculação de informação para propagar ideias que
procrastinam a evolução social e humanística no âmbito do direito de família. Finalmente,
conquanto o patriarcalismo ainda esteja presente em nossa sociedade, a luta contra os
padrões morais da sociedade também fora travada.
Tal estudo, deixa evidente a necessidade da edição de uma lei que, cada vez mais
proteja os direitos das mulheres, evitando as inúmeras maneiras de violência contra ela e a
oisifi aç o àhist i aàpelaà ualàte àpassadoàeàaà olo adoàe àposiç esàdeài fe io idadesàe à
inúmeros casos, usurpando-lhe a dignidade. O Direito Penal é um elemento importante na
batalha pela construção de uma vida digna e valorizada.
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PáUàQUйàBáTйàйMàCрICOàNÃOàBáTйàйMàн‘áNCI“CO :àáà“йLйTIVIDáDйàDOàC‘IMйàDй
TRÁFICO DE DROGAS NO BRASIL DIANTE DO FRACASSO DA POLÍTICA PROIBICIONISTA1
INTRODUÇÃO
Cabe salientar que a Nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) vigente no Brasil é
aplicada em todo o território nacional, o qual compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os municípios. Nesse sentido, é basilar lançar reflexões criticas a respeito da
discriminação e estigmatização imputadas ao sujeito ativo do crime de tráfico de drogas,
tendo em vista a necessidade de se instaurar instrumentos idôneos para romper o controle
do tráfico de drogas no país, bem como promover uma análise em face da ausência na
distinção entre as condutas típicas abrangidas pelo artigo 33 da Lei.
Diante disso, o presente estudo, pretende abordar de maneira contextualizada a partir
da relação causal entre o popular ja g oà pauà ueà ateàe àChi oà oà ateàe àн a is o àeàoà
agente enquadrado em um ou mais verbos nucleares do tipo elencados no art. 33 da Lei nº
11.343/06, que a Política Criminal de repressão às drogas se utiliza de uma corrente
proibicionista, a qual enfatiza uma propulsão da seletividade penal, o que acarreta um
processo de criminalização do agente.
1
Artigo relacionadoà aoà segu doà apítuloà doà T a alhoà deà o lus oà deà u soà o à oà te a:à й a e a e toà
нe i i oà peloà t fi oà deà d ogasà oà B asilà so à aà pe spe ti aà daà i i ologiaà fe i ista ,à dese ol idaà ju toà à
disciplina de Direito Penal, sob orientação da Prof. Dra. Charlise Paula Colet Gimenez.
2
Acadêmica do 9º semestre do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – URI/ Campus Santo Ângelo-RS, estagiária de Direito na Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, e-mail:
gabriellescoladutra@gmail.com.
191
O crime de tráfico de drogas à luz do artigo 33 da lei 11.343/06 (nova lei de drogas)
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda,
oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-
prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade,
posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize,
ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena -
detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-
multa.
§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu
relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a
1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão
ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons
antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização
criminosa (BRASIL, 2006).
Trata-se, em regra, de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
Temos, no entanto, uma exceção, trazida pelo verbo prescrever, o qual exige
condição especial do agente (crime próprio), só podendo ser praticado por médico
ou dentista. Sujeito passivo primário é a sociedade, podendo com ela concorrer
criança, adolescente ou pessoa incapaz de discernimento ou autodeterminação (art.
40, VI3), e que receba a droga para consumi-la (CUNHA in GOMES, 2013, p. 164).
3
á t.à . As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: [...] VI -
sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída
ou suprimida aà apa idadeàdeàe te di e toàeàdete i aç o; à B‘á“Iэ,à .
195
[...]à à o side adaà t afi a te à ual ue à pessoaà ueà ealizaà uma das condutas
descritas na lei. Assim, é traficante de drogas, dentre outros, o agricultor que a
cultiva em suas terras, o empregado que a semeia e colhe, o caminhoneiro que a
transporta, o vendedor, seja do atacado ou do varejo, além dos chamados
aviõezinhos, que vão desde os jovens nas periferias da cidade, até as mulheres que
levam drogas para seus companheiros nos estabelecimentos prisionais. A
heterogeneidade de condutas que podem ser enquadradas como tráfico de
substância entorpecente é tão expressiva, que exige um tratamento diferenciado a
cada pessoa presa por tráfico de drogas (COSTA, 2008, p. 26).
Desse modo, a exaustividade das penas impostas ao sujeito ativo dos verbos nucleares
do tipo, elencados no artigo 33, remete a uma incongruência que ainda não foi dirimida pela
atual política criminal, qual seja: a resposta penal excessivamente repressiva ao traficante
(CARVALHO, 2010, p. 204-205). No entanto, a Lei nº 11.343/06 procurou sancionar apenas o
traficante, este que ela entende ser o exclusivo incurso e disseminador de substâncias
entorpecentes ilícitas. Amostra disso é que em nexo com o tráfico, estabelece normas
rigorosas em relação ao tratamento penal do traficante, com o objetivo de prevenir o
comércio ilegal de drogas em todo o território nacional compreendido à aplicação da norma
penal vigente (MORETTO, 2014).
Efetivamente, através da associação entre a Lei nº 11.343/06 e o poder de Punir do
йstadoàe àfa eàdoàeste e tipoàdeà i i oso àdia teàdaàso iedadeàa o dadoà aào aà Vigiar
eàpu i , Michel Foucault pondera:
N oào sta te,àaàtipifi aç oàdoà i e,àaà ualàsup eà [...]àu àa ploàe uad a e toàdeà
qualquer cidadão que tenha em depósito, traga consigo ou guarde substância entorpecente,
196
mais carentes, principalmente nas zonas periféricas do país, onde a droga atua com maior
intensidade.
Dessa forma, Michel Foucault, remete uma carga responsabilizadora ao legislador,
quando da aplicação da lei e a sensibilidade adapta-la ao meio social em que vigora:
conceitos de como nós devemos tratar essa matéria, não para criarmos uma
sociedade punitiva, porque não se faz um país com exacerbação do direito penal.
Um país se faz com educação, distribuição justa de renda e debate público
democrático de qualidade, como estamos tentando fazer aqui. Mas a verdade é que
o direito penal absolutamente leniente no andar de cima criou um país de ricos
delinquentes (BARROSO apud DIAS in FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO,
2017, s.p.).
Dessa maneira, a quantidade de droga encontrada em posse do sujeito não deve ser o
único elemento cabal e contributivo à tipificação da conduta, tendo em vista que a dinâmica
social das drogas impede que o legislador se restrinja apenas ao critério da quantidade da
su st iaàap ee dida,àe uad a doàta toàoàt afi a teàdeàfatoà ua toàoàusu ioà ueàle aà [...]à
consigo mais de uma dose, sendo preso ao acaso e, mesmo assim, a autoridade faz a
tipificação no art. 33, levando e à o taà ape asà aà ua tidadeà daà d oga à e,à aà aio iaà dasà
vezes, o classificando como traficante igualmente (THUMS; PACHECO, 2008, p. 69).
Diante do ineficaz aparato legislativo incapaz de solucionar as discriminações oriundas
do processo de criminalização de indivíduos pobres pelo crime de tráfico de drogas, o Ministro
Luiz Roberto Barroso refere,
[...] nós prendemos milhares de jovens primários e de bons antecedentes por delitos
associados ao tráfico. Pequenos traficantes, de 100 g, 200 g, até 1 kg. No mesmo dia
em que este jovem entra na prisão, por questão de sobrevivência se filia a uma
4
á t.à . Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal,
drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas: [...]§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à
quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias
sociais e pessoais,à e à o oà à o dutaàeàaosàa te ede tesàdoàage te à B‘á“Iэ,à .
5
Art. 52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os
autos do inquérito ao juízo: [...]I - relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a
levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o
local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a
ualifi aç oàeàosàa te ede tesàdoàage te à B‘á“Iэ,à .
199
facção e, então, passa a dever favor a ela, ele e sua família, que do lado de fora se
torna refém das facções que operam nos presídios. Para criar uma vaga no sistema
penitenciário, o Estado gasta R$ 40 mil e, para manter um jovem na prisão, R$ 2.000
por mês. Portanto, há um custo financeiro e, quando ele volta para a rua, há um
custo social. Mas há algo ainda pior. No dia seguinte ao que foi preso, há um exército
de reserva nas comunidades mais carentes para repô-lo. Portanto, a gente prende o
rapaz, destrói a vida dele, gasta dinheiro para mantê-lo na prisão, torna-o mais
perigoso e não produz nenhum impacto sobre o tráfico. Que política pública estúpida
é esta? (BARROSO apud DIAS in FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, 2017,
s.p.).
Então, Luís Carlos Valois refere Gustavo Badaró quando remete ao processo penal uma
carga responsabilizadora diante da aplicabilidade da norma em relação às drogas em um
Estado Democrático de Di eito:à e p ess esà o oà p o aàeà e dade àta às oàdotadasàdeà
uma grande carga emocional o cuidado deve ser redobrado em questões em que o próprio
eioàso ialàj àseàde o st aàse sí el à BáDá‘Óàapud VALOIS in SHECAIRA (Org.), 2014, p. 107).
Contudo, o Ministro Luiz Roberto Barroso ainda refere no que diz respeito a construção
social de como a questão das drogas influência no cotidiano:
Nós temos um problema maior, que é o poder do tráfico nas comunidades carentes,
onde ele se tornou o poder político e econômico. E seu poder vem da ilegalidade. O
tráfico perpetra a maior violação de direitos humanos que há no Brasil atualmente,
que é impedir um pai ou uma mãe de família decente de criar seu filho numa cultura
de honestidade porque o tráfico alicia esses jovens pelo dinheiro, pela intimidação
ou de outra forma (BARROSO apud DIAS in FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE
CARDOSO, 2017, s.p.).
[...] percebe-se como notória a timidez do legislador, não apenas por olvidar a
necessidade de descriminalização de algumas modalidades de condutas, como por
deixar de efetivamente diferenciar ações substancialmente diversas em relação à
200
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública. MJ divulga novo relatório sobre população
carcerária brasileira. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/radio/mj-divulga-novo-
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BIANCHINI, Alice. Lei de drogas. In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Lei de drogas comentada:
artigo por artigo: Lei 11.343, de 23.08.2006. 5. Ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial, volume 4. 9. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático
da Lei 11.3343/06. 5.ed. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: 2010.
COSTA, Elaine Cristina Pimentel. Amor Bandido: as teias afetivas que envolvem a mulher no
tráfico de drogas.2. Ed. rev. E ampl. Maceió: EDUFAL, 2008.
DIAS, Otávio. O que a questão das drogas tem a ver com justiça e democracia?. In Fundação
Fernando Henrique Cardoso. Disponível em:
<http://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/o-que-a-questao-das-drogas-tem-a-ver-com-
justica-e-democracia>. Acesso em: 07 mai. 2017.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
MENA, Ferna da.à Meuào jeti oà ú e oà à à ue a àoàpode àdoàt fi o ,àdizàBa oso.àI àFolha
de São Paulo. Disponível em: <http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1870541-meu-
objetivo-numero-1-e-quebrar-o-poder-do-trafico-diz-barroso.shtml?cmpid=compfb#>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
202
PRADO, Daniel Nicory do. Lei penal em branco: de drogas e legitimidades. Boletim de
Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Ano 24, nº 288,
novembro/2016.
THUMS, Gilberto; PACHECO, Vilmar. Nova lei de drogas: crimes, investigação e processo.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008.
VALOIS, Luís Carlos. O direito à prova violado nos processos de tráfico de entorpecentes. In:
SHECAIRA, Sérgio Salomão (Org.). Drogas: uma nova perspectiva. São Paulo: IBCCRIM, 2014.
WEIGERT. Mariana de Assis Brasil e. Uso de drogas e sistema penal: entre o proibicionismo e
a redução de danos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
203
1. Introdução
O Brasil está sofrendo uma das maiores crises em seu sistema prisional, essa crise não
é atual, e sim resultado de várias décadas de abandono e omissão de políticas públicas, que
visassem maneiras e alternativas que efetivamente consolidasse melhorias reais no sistema
penitenciário. No entanto após os massacres ocorridos no interior dos presídios brasileiros
recentemente no início do ano de 2017, em Manaus/AM e Boa Vista/RR, reacenderam os
debates sobre a real situação de calamidade das casas prisionais e o gravíssimo problema da
superlotação carcerária.
Assim, o presente estudo utiliza-se do método de abordagem dedutivo, junto ao
método de procedimento monográfico, além da utilização da técnica de pesquisa da
documentação indireta, alicerçando-se nos fundamentos teóricos gerais do processo penal
para alcançar os aspectos específicos do sistema prisional e do discurso de ódio que move o
Judiciário. Posto isso se busca discutir a política criminal e modelo de justiça criminal
1
Graduando em Direito na Faculdade Meridional (IMED) – Passo Fundo. Email: lucassantospf@gmail.com
2
Doutor em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Doutorado Sanduíche na Universidad de
Sevilla (Espanha). Professor da Faculdade Meridional (IMED) – Passo Fundo. Integrante do grupo de estudos em
Temas Emergentes de Criminologia Crítica (IMED). Advogado – felipevdias@gmail.com.
204
incorporado atualmente pelo Brasil, e qual sua relação com uma sociedade fundada e
enraizada em uma cultura punitivista, e consequentemente um processo penal de matriz
inquisitorial, onde é manifesto ainda sua presença nos operadores do campo do direito.
A pesquisa ora proposta visa analisar as principais razões que levaram o Brasil a
oste ta à aà a aà deà ua taà aio à populaç oà p isio alà doà u do,à eà dis uti à a e aà dasà
características culturais, discursos reproduzidos pelo senso comum punitivo, presentes na
sociedade brasileira que acabam sendo incorporados pelo Judiciário, na tentativa ilusória de
alcançar o controle social, através da expansão punitiva, sob a justificativa de combate à
criminalidade e que, por conseguinte acarretam nos altos índices de aprisionamento, e o
acelerado e crescente ritmo de encarceramento presentes na Justiça brasileira.
Nesse sentido, a partir do exame dos dados oficias do levantamento nacional de
informações penitenciárias (INFOPEN) produzidos em dois relatórios semestrais do mês de
junho e dezembro do ano de 2014, no qual é apresentando o retrato das prisões no Brasil. Em
complemento a esses levantamentos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apresentou no
ano de 2016, dados que confirmam o aumento das penas de encarceramento, e o relatório
produzido no início do ano de 2017, juntamente com os Tribunais de Justiça dos Estados, no
qual se apresentam os números de presos provisórios e presos condenados no Brasil, e o plano
de ação para conter tais números preocupantes.
No entanto além da enorme população carcerária de presos no Brasil, e o percentual
assustador de presos provisórios apresentados através dos relatórios, almeja-se discutir, o
perfil majoritário das pessoas em situação de privação de liberdade no Brasil, demonstrados
pelos dados oficiais. Logo, é relevante abordar as características como, faixa etária,
escolaridade, raça, e natureza do crime praticado, mostrando-se, a ação do processo de
seletividade do sistema penal, e sua busca em etiquetar determinados estratos sociais. Soma-
se ainda a definição de quais crimes receberão maior custódia/guarida, bem como após essa
defi iç oà deà e à ju ídi oà aisà alioso à dete i a à ualà e e e à aio à pe seguiç oà e,à
portanto, buscando a penalização dos indivíduos que buscarem atingi-lo.
Por fim a crítica e pesquisa visa compreender a incorporação de discursos do
medo/ódio produzidos pela mídia de grande massa, que instigam os desejos da sociedade
pela expansão do poder punitivo, e que grande parcela da Justiça Criminal do Brasil vem
adotando e reproduzindo na atualidade. Essa associação questiona a afetação do crescimento
205
O Brasil atualmente ostenta a marca de 654.372 mil presos, sendo desse número
433.318 (66%) são presos condenados, enquanto 221.054 (34%) são presos provisórios
(BRASIL, 2017), que ainda aguardam por julgamento, o que apresenta um quadro preocupante
quando se observa a atual postura (obcecada) priorizando a prisão, e não buscando
alternativas para estancar esses números. Desse modo, o país detém a quarta maior
população prisional do planeta, ficando atrás somente de países como Estados Unidos, China
e Rússia, no entanto o ritmo de encarceramento é acelerado, e a taxa de aprisionamento
aumentou em 119% entre os anos de 2000 e 2014 (BRASIL, 2014a).
No ano de 2000, haviam 137 presos para cada 100 mil habitantes, em 2014, essa taxa
chegou a 299,7 presos para cada 100 mil habitantes. Caso mantenha-se esse ritmo de
encarceramento, em 2022, a população prisional do Brasil ultrapassará a marca de um milhão
de indivíduos, em 2075, uma em cada dez pessoas estará em situação de privação de
liberdade. O número de presos é consideravelmente superior às quase 377 mil vagas do
sistema penitenciário, totalizando um déficit de 231.062 vagas e uma taxa de ocupação média
dos estabelecimentos de 161%. Em outras palavras, em um espaço concebido para custodiar
10 pessoas, existem por volta de 16 indivíduos encarcerados (BRASIL, 2014a).
No entanto a crise que acomete o sistema prisional brasileiro e que perdura por
décadas é fruto de uma cultura punitivista enraizada na sociedade, que pressupõe que a
pessoa em situação de privação de liberdade, mesmo sem deter condenação definitiva, deve
vivenciar no cárcere um verdadeiro inferno, mergulhadas em um abismo de constantes
sofrimentos e torturas. Por conseguinte, ao se tratar de um acusado, ou um indivíduo que
responda por um crime, ou seja, sob o viés punitivista um inimigo social, consequentemente
não deve possuir a remota possibilidade de receber tratamento digno, pois a ele deve ser
atribuído um tratamento distinto de seres humanos e que lhes refutem a condição de pessoa
(ZAFFARONI, 2007, p. 18).
206
A faixa etária da população brasileira acima dos 18 anos de idade está distribuída na
seguinte forma, pessoas entre 18 e 24 anos representam (11,16%), entre 25 e 29 anos (7,74%),
entre 30 e 34 anos (8,17%), acima de 35 anos (46,09%). As características étnicas, raciais e de
cor de pele da população brasileira está distribuída em (45,48%) de brancos, (53,63%) de
negros e pardos, (0,49%) de amarelos, (0,40%) de indígenas, (0,32%) outras (BRASIL, 2014b).
Embora apenas (11,16%) dos brasileiros tenham entre 18 e 24 anos, quando se verifica
a população carcerária brasileira, o perfil apontando é majoritariamente formado por jovens
entre 18 e 29 anos representando o percentual de (55,07%), para uma sobre-representação
de (61,67%) da população carcerária formada por negros, e ainda no que se refere à educação
apenas (9,54%) da população prisional brasileira possui ensino médio completo. O perfil dos
crimes praticados pela população prisional brasileira está dividido da seguinte forma, crimes
208
contra o patrimônio (46%), lei de drogas (28%), crimes contra a pessoa (13%), estatuto do
desarmamento (5%), crimes contra a dignidade sexual (4%), crimes contra a paz pública (2%),
outros (2%) (BRASIL, 2014b).
O perfil majoritário da população carcerária brasileira, mostra a manifesta relação
entre escolaridade/raça com sistema penal, através da reprodução das relações sociais e
conservação da estrutura vertical da sociedade. Encontra-se nas funções exercidas pelo
sistema penal mecanismos que visem selecionar estratos sociais inferiores, para sua
marginalização, para posteriormente definir quais delitos receberão maior proteção pelo
sistema. Resta assim notório que a partir do modelo de sociedade capitalista os crimes contra
a propriedade privada (excluindo-se aqui as demandas empresariais ou mesmo ilícitos das
classes mais abastadas) (BARAK, 2015), ou seja, os crimes contra patrimônio recebem maior
custódia, em relação aos crimes contra a pessoa, ficando explícita a relação, de quais crimes
serão selecionados para receber maior proteção pelo sistema penal, e resultante dessa
escolha, qual o perfil será selecionado para ser punido (BARATTA, 2011, p.175-176).
Diante disto, a natureza dos crimes que formam majoritariamente a população
carcerária brasileira, são os crimes contra o patrimônio, representando o percentual de 46%
de toda população carcerária brasileira (INFOPEN, 2014b). Deste modo identifica-se a
seletividade do perfil da população carcerária brasileira, a partir da seleção do bem jurídico
que receberá maior proteção do sistema penal, ou seja características de uma sociedade
capitalista avançada, que visa superior proteção aos bens patrimoniais, que interessam aos
idad osàditosàdeà e ,à o se ue te e teàse doàesseà e àju ídi o,ào jetoà ueà e e e à
maior guarida, e por conseguinte terá maior perseguição e busca por penalização dos
indivíduos que buscarem atingi-lo (ANDRADE, 2012, p.134).
Assevera o poder de seletividade do sistema penal brasileiro, uma população
carcerária formada por homens, jovens entre 18 e 29 anos, formada em sua maioria por
negros, de baixa escolaridade, Zaffaroni explica:
criminoso, um inimigo social que deve ser combatido, mas o mesmo o sistema penal seleciona
quais estereótipos, perfis de criminoso deve-se deixar de lado, ou seja, alguns sujeitos não
serão alvo da intervenção penal (como ocorre usualmente com as condutas de colarinho
branco ou mesmo fraudes e outras condutas no nível de classes sociais mais altas)
(ZAFFARONI, 2001, p.130).
Identifica-se com clareza, que com a atual postura do Poder Judiciário, não é capaz de
auferir a prisão preventiva uma medida de natureza excepcional, tendo em vista que se
ostenta uma população carcerária de 221.054 mil presos provisórios, aliado aos dados que
mostram que o Brasil possui em sete estados da federação uma população carcerária com
mais de (50%) de presos provisórios, superando a população de presos que possuem
condenação, nem se cumpre considerar uma medida de caráter provisório, pois, verifica-se
que a média de duração da prisão provisória oscila entre inicialmente com 172 dias e podendo
chegar até 974 dias, ou seja, podendo a prisão provisória chegar a mais de assustadores dois
anos e seis meses de prisão sem condenação.
Em complemento acerca da responsabilidade do Poder Judiciário no
superencarceramento, no dia 17 de outubro do ano de 2016, o Conselho Nacional de Justiça,
apresentou o anuário da justiça, no qual estatísticas revelam aumento das condenações de
encarceramento, com o objetivo de apresentar e debater os resultados do anuário justiça em
números de 2016, ano base de 2015, o relatório formulado a partir dos dados fornecidos por
Tribunais, distribuídos nos segmentos de Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho,
Justiça Militar, Justiça Eleitoral, além dos Tribunais Superiores (BRASIL, 2016).
Através do resultado do anuário justiça, foi apontado, o crescimento das penas de
encarceramento impostas pela Justiça no país. Em 2015, foram 281.007 mil penas privativas
de liberdade que começaram a ser cumpridas em todo o país, totalizando quase o dobro do
número de 2009 (148 mil). Tendo um crescimento de 6%, em relação ao ano anterior, e
crescimento de 90% em relação a 2009. A população carcerária brasileira é a quarta maior do
mundo, tendo crescido 267% nos últimos 14 anos. Além de aumentarem em termos absolutos
nos últimos anos, as execuções penais privativas de liberdade também corresponderam a
62,8% das penas iniciadas da Justiça Criminal brasileira realizadas em 2015 (BRASIL, 2016).
Os magistrados de alguns tribunais de Justiça, como os do Rio de Janeiro (TJRJ), Ceará
(TJCE) e Espírito Santo (TJES), aplicaram penas de privação de liberdade em mais 90% dos
casos iniciados em 2015. Em complemento a esses dados o anuário estatístico da Justiça
Criminal produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, confirma a baixa adesão da
magistratura às penas alternativas que restringem direitos da pessoa condenada, mas não a
retiram do convívio da sociedade, no ano de 2015, as execuções não privativas de liberdade
representaram somente 37,1% de todas as penas aplicadas no país (BRASIL, 2016).
212
Posto isso, percebe-se que a compulsão do sistema punitivo pela prisão, é a ratificação
de um discurso do ódio, e concepção de direito penal do inimigo, que está sendo incorporado
por grande parcela do Poder Judiciário, e consequentemente, está propagando e confirmando
uma mentalidade/espírito inquisitorial de justiça criminal, ou seja, através da ostentação do
horror produzida pela mídia de grande massa, corroborando o ódio e medo na sociedade, o
Poder Judiciário acaba reproduzindo o senso comum punitivo, quando busca concretizar o
controle social através da prisão (ANDRADE, 2012, p.134).
Identifica-se através do relatório justiça, o baixo índice da utilização das medidas
cautelares diversas da prisão, e o crescimento das penas de encarceramento impostas pela
Justiça no Brasil. Tais comprovações vem fortalecer a postura de um Judiciário formado
majoritariamente por julgadores que absorvem um discurso do senso comum punitivista, isto
,àassu e àu à papel àdeà espo s eisàpo àu aà li pezaàso ial ,àouàsejaà uscando combater
a criminalidade e consequentemente diminuir a impunidade, mesmo, que para concretização
de tal resultado, seja necessário atropelar direitos e garantias fundamentais, apenas
confirmando suas mentalidades inquisitoriais (LOPES JÚNIOR, 2014, p.112).
No entanto em um Estado Democrático de Direito, onde vigora um sistema acusatório,
ou seja, um sistema onde verifica-se a clara divisão/separação de funções entre as partes e o
julgado ,à istoà ,à oà h à espaçosà pa aà juízesà ueà possue à u à uad oà e talà pa a oi o ,à
expressão de Cordero, que Coutinho utiliza para explicar posturas de juízes que por não
possuem a gestão de prova como em uma matriz inquisitorial, quando detém a possibilidade
de decidir antes, e posteriormente sair à procura do material probatório, para assim acabar
o fi a doàsuaà e s o ,à ultu aàaà ualà o e e àpelaà us aàpelaà e dade à COUTINNрO,à
2015).
O discurso do punitivismo penal é a situação, onde se pode revelar com facilidade os
intensos anseios, desejos, que buscam justificar, legitimar a punição, ainda que característico
dessa linguagem estar relacionada os melhores objetivos, como segurança, diminuição de
criminalidade. No entanto tais discursos, mesmo que tenham revestimentos das melhores
intenções, não revelam somente aquilo que exteriorizam, mas ocultam o manifesto desejo
daquilo que verdadeiramente se busca, ou seja, pelo que se luta, o desejo do controle, o
pode àdeàdefi iç oàdoà e àju ídi oà ueà e ue à aio àp oteç o,à o se ue te e teà aio esà
punições (ROSA, AMARAL, 2015, p. 57).
213
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, mesmo com alternativas/propostas que possam trazer mecanismos efetivos, e
capazes de combater, e solucionar questões das superlotações dos presídios, e combater a
visível seletividade do sistema penal para com os estratos sociais mais pobres, é importante
compreender que para ocorrer verdadeiras mudanças, e que dessas mudanças advenham
resultados eficazes, é necessário primeiramente a mudança de mentalidade. Entender que é
preciso haver uma ruptura na cultura do encarceramento presentes nos operadores do direito
e sociedade, isto é, compreender que a criação de leis ou alternativas, somente não possuem
a capacidade de transformar ou produzir mudanças de forma isolada, caso não ocorra a
ruptura com a visão punitivista e encarceradora que lesa não apenas o sistema prisional, mas
todo e qualquer sujeito que responda a um processo penal no Brasil.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além
da (des)ilusão. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Tradução: Juarez Cirino
dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
BARAK, Greg. The crimes of the powerful and the globalization of crime. Revista Brasileira de
Direito. v. 11, n. 2, jul-dez., 2015.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. Ed. Rev., atual. e ampl.- São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo Juiz no Processo Penal. Disponível
em: <http://emporiododireito.com.br/o-papel-do-novo-juiz-no-processo-penal-por-jacinto-
nelson-de-miranda-coutinho/>. Acesso em 23 de abril de 2017.
KARAM, Maria Lucia. Para conter e superar a expansão do poder punitivo. Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/viewFile/92/488 >.
Acesso em 20 de março de 2017.
KHALED JÚNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição
inquisitorial. 2 ed. Belo Horizonte. Letramento: Casa do Direito, 2016.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
ROSA, Alexandre Morais da, KHALED JÚNIOR, Salah H. In dubio pro hell: profanando o sistema
penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
ROSA, Alexandre Morais da, AMARAL, Augusto Jobim do. Cultura da punição: A ostentação
do horror. 2.ed. Rev. e ampl. Florianópolis: Emporio do Direito, 2015.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. Tradução: Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio
de Janeiro: Revan, 2007.
______. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio
de Janeiro: Revan, 2001.
217
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais – Direito, pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo
- IESA.
2
Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais – Direito, pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo
- IESA.
218
criminosos são associados aos espaços que supostamente lhe dão origem, isto é, as favelas e
osà o tiços,à istosà o oàp i ipaisàespaçosàdoà i e à CáэDйI‘á,à ,àp.à .à
Consoante Wermuth (2011) é necessário fazer uma análise de dois momentos
históricos do Brasil para comprovar o medo como mecanismo de disciplina social, que age nas
classes mais necessitadas em prol das classes conservadoras. O primeiro momento que
podemos averiguar é o período da pós-abolição da escravatura, quando a partir da
Proclamação da República procurou-se implantar a ordem burguesa, fazendo com que
su gisseàaài age àdoà aga u do ,àdoà o ioso àouà deli ue te àpa aà ueà ep ese tasse à
o inimigo da ordem social. O segundo momento, de acordo com Wermuth (2011) é quando
inicia a implementação do modelo neoliberal, no século XX, a partir da década de 80 que
perdura até os dias atuais, mesmo tendo a macrocriminalidade representada na figura do
traficante.
As estatísticas criminais no Brasil além de serem fonte para um estudo sobre a
criminalidade, são principalmente um instrumento de análise do controle e seletividade no
sistema penal. É possível, segundo Wermuth (2011) confirmar que essas estatísticas
distorceram a distribuição da criminalidade nas camadas sociais, criando uma falsa verdade
de que os crimes são originados das classes menos favorecidas, justificando a ação do sistema
penal sobre essas pessoas.
Além disso, no momento em que é apontado que a criminalidade real é extremamente
maior que a criminalidade mostrada nas estatísticas, é possível perceber que os princípios
pelos quais o sistema penal é embasado (a igualdade, segurança e direito à justiça), são
completamente corrompidos. A seletividade do sistema penal é dividida em quantitativa e
ualitati a,àaàp i ei aà ueàde i aàjusta e teàdeàsuaài apa idadeàope a io alàdeàsegui àaà
planificação do discurso jurídico-pe al à Wй‘MUTр,à ,àp.à .àйàaàsegunda, é marcada
pelaà espe ifi idadeàdaài f aç oàeàasà o otaç esàso iaisàdosàauto esà eà íti as ,àistoà ,àdasà
pessoasàe ol idas à áND‘áDй,à ,àp.à .à
O motivo da população carcerária no sistema penal brasileiro ser constituída por
pessoas quase que integralmente das classes mais baixas e com o mínimo de condições
econômicas, segundo Flauzina (2008) comprova que não existe um sistema de seleção de
atitudesà i i osas,à asàsi àdeài di íduosà ueà e e e oàoàeste e tipoàdeà deli ue tes .à
Essa seletividade, aduz Wermuth (2011), deve-se à ocorrência de que em sociedades onde há
219
Como aduz Wermuth (2011), é preciso frisar que a Constituição de 1824 não abrangia
os escravos ou as pessoas livres e pobres, mas apenas aqueles que de acordo com um
rendimento previamente estipulado poderiam participar da vida política, ao mesmo tempo
e à ueàoàC digoàC i i alà a a giaàtodosàosàseg e tosàso iais à NйDER, 2007, p. 185). Desse
modo, mesmo com a influência do liberalismo, o Código Criminal de 1830 sustentava uma
série de penas cruéis dirigidas sobretudo, para os escravos, com efeito para a continuidade
220
daàpe aàdeàaçoiteàp e istaà oàseuàa tigoà ,à hu a izada à oà ueàdizà espeitoà àli itaç oàdoà
ú e oà deà açoites,à ujoà ú e oà i oà oà pode iaà ult apassa à oà deà i ue taà po à dia à
(WERMUTH, 2011, p. 98).
Verifica-se nesse período certa aproximação das elites brasileiras com a organização
europeia de justiça criminal, que apesar de ser moderna era conservadora, a sustentação
social que até pouco tempo era embasada na escravidão segue responsável pela manutenção
dosàpode esàdasàelites,à esulta teà o fo eàNede àeàCe uei aàнilhoà ,à daàpe a iaà
de uma cultura jurídico-política baseada na obediência hierárquica e na fantasia absolutista
deà u à o t oleà a solutoà so eà osà o posà dosà t a alhado es à NйDй‘à eà Cй‘QUйI‘áà нIэрO,à
,à p.à .à Noà es oà se tido,à afi aà нlauzi aà à ueà oà a ejoà doà siste aà pe al,
principalmente pela difusão do medo e de seu poder desarticulador, cumpriu um papel
fu da e talà osàp o essosàdeà atu alizaç oàdaàsu alte idade à нэáU)INá,à ,àp.à .à
Ainda é preciso atentar para o fato de o Código Penal ter nascido momentos antes da
Co stituiç oà epu li a a,àdei a doà isí el,àsegu doàнlauzi aà à ueà oàfi àdoà egi eàdeà
trabalhos forçados reclamou prioritariamente um instrumento de repressão, deixando para
segundo plano uma carta de declaração de direitos e princípios que regulamentasse a vida em
so iedade à нэáU)INá,à ,àp.à .àDestaà a ei a,à àpossí elàafi a à o soa teàWe uthà
(2011) que a troca do trabalho escravo pelo trabalho livre resultou na formação de classes,
e à ueàaà lasseàdo i a te,à e t oà ep ese tadaàpelasàoligarquias cafeeiras ligadas à áreas
mais dinâmicas do ponto de vista econômico da sociedade brasileira da virada do século XIX
pa aà oà s uloà XX à Wй‘MUTр,à ,à p.à ,à p o u ouà deà algu aà a ei aà i pedi à aà
continuidade do monopólio da opressão das esferas inferiores (ex-escravos), mantendo um
controle da ordem e dos desvios.
Nas discussões ocorridas na Câmara dos deputados em 1888, o que preocupava mais
e aà oà o ateà aà o iosidade,à dadoà oà e te di e toà deà ueà aà a oliç oà t aziaà o sigoà osà
contornos do fantasmaàdaàdeso de à CрáэрOUB,à ,àp.à -67). A preocupação com esse
assunto era tanta que para resolver o problema houve a sugestão de recrutar todas essas
pessoas libertas para o exército.
O que embasava os debates era a concordância entre as elites sobre a índole dos ex-
escravos que,
em geral pensados como indivíduos que estavam desesperados para a vida em
sociedade. A escravidão não havia dado a esses homens nenhuma noção de justiça,
221
Para tal, segundo Wermuth (2011) era necessária uma justificativa ideológica para a
obrigatoriedade do trabalho nas classes baixas, a qual vai ser encontrada na noção de trabalho
o oàele e toàdaào de àso ial,àu aà et i uiç oàdoàt a alhado à àso iedade,à de tudo aquilo
ueà elaà lheà ga a te,à aà e e ploà daà segu a ça,à dosà di eitosà i di iduais,à daà li e dade,à et à
(WERMUTH, 2011, p. 102). Da mesma maneira, estabelece uma ligação do trabalho com a
moralidade, ou seja, quanto mais a pessoa trabalhar mais qualidades morais ele terá. É por
esse motivo, de acordo com Wermuth (2011), que dois anos após o fim da escravidão, em
1890, o Código Penal foi promulgado, na falta de legislação específica para os trabalhadores,
o Direito Penal ocupou a função do Direito do Trabalho, regulando as relações entre as classes
de uma forma repressiva.
Esse momento em que o Brasil começa a estabelecer um mercado de trabalho livre,
oàaugeàdaài pla taç oàdoà apitalis o,à oài di íduo,à esteà o te to,àouàe aàt a alhado àouà
era vadio e, conse ue te e te,à pe igoso,à de e do,à po ta to,à se à ep i ido à Wй‘MUTр,à
2011, p. 102). Sobre essa questão da ociosidade Chalhoub (2001) ressalta que a mudança do
trabalho escravo para o trabalho livre implicou em uma necessidade de transformação da
mentalidade das elites brasileiras, com relação ao trabalho que antes os senhores eram donos
dosàes a osàeà o se ue te e teà oà u doàdoàt a alhoàesta aào ia e teà i u s itoà à
esfe aà aisà a plaà doà u doà daà o de ,à ueà o sag a aà oà p i ípioà daà p op iedade à
(CHALHOUB, 2001, p. 103).
Outra situação que piorou com a abolição da escravatura foi que embora os ex-
escravos estivessem livres para o mercado de trabalho, eles foram descartados da maioria das
profissões por serem analfabetos e sem qualificação necessária, assim sendo eles ficavam com
osà t a alhosà is,à alàpagosàeàse àp o essaàdeàas e s oàso ial à NйDй‘àeàCй‘QUйI‘áàнIэрO,à
2006, p. 28), nas palavras de Chalhoub (2001) o negro apenas passou de escravo a trabalhador
livre, mas isso não mudou absolutamente nada na constituição da estrutura social.
222
esse medo branco que aumenta com o fim da escravidão e da monarquia produz
uma República excludente, intolerante e truculenta com um projeto político
autoritário. Essa foi sempre a síndrome do liberalismo oligárquico brasileiro, que
funda a nossa República carregando dentro de si o princípio da desigualdade legítima
que herdara da escravidão (BATISTA, 2003a, p. 37).
Conforme Wermuth (2011) é necessário deixar claro que todo esse discurso brasileiro
era ancorado no pensamento europeu onde a Criminologia surgia como ciência, com a
justificativa sociológica e psicológica de garantir que a elite prevalecesse, foi assim que surgiu
oà i i osoà asilei o à ueà ga houà o osàade eços,à ela io adosà sàtesesàdaà is ige aç oà
racial e às elucubrações sobre a presença de ex-escravos de origem africana nas cidades
asilei as à NйDй‘àeàCй‘QUйI‘áàнIэрO,à ,àp.à .àй p eàWe uthà 2011) que,
é, portanto, da soma desses fatores – e essidadeà deà i posiç oà doà o t ole à daà
população de ex-es a osàpo à eioàdoàt a alhoàeà edoà a o àdeàu a possível
insurreição negra – que, à luz da criminologia racista- iologistaà àlaà asilei a ,àsurge
aà figu aà doà ala d o ,à ouà seja,à doà adio ,à o oà p i ei aà figu aà pe seguidaà
majoritariamente pelo sistema punitivo brasileiro. É por isso que o Código Penal de
1890 tipifica como crime, em seu artigo 399, a vadiagem, e, no artigo 206, criminaliza
a greve (WERMUTH, 2011, p. 107).
й àout asàpala as,à aàtipifi aç oàdaà adiage àeàdaàg e eà ep ese taàu aàte tati aà
das classes dominantes da época de impor àquela população, por meio do Direito Penal, a
o de àso ial à Wй‘MUTр,à ,àp.à .àDestaàfo a, buscou-se o adestramento dos corpos
que agora eram livres, por meio da ordem e da disciplina, para o trabalho industrial, pois havia
no momento o estabelecimento de uma economia de mercado. Como afirma Chalhoub (2001)
oào iosoà àa ueleài di íduoà ue,à egando-se a pagar sua dívida para com a comunidade por
meio do trabalho honesto, coloca-seà à a ge àdaàso iedade à CрáэрOUB,à ,àp.à .à
Desta forma, caracterizar a vadiagem como crime, para Wermuth (2011), pretendia
garantir a abolição da escravatura, que os negros continuassem de alguma forma sujeitados
aoàt a alhoàeà o seguisse àoà o t oleàdessaàpopulaç oàespe ífi a,àat a sàdaà est at giaàdaà
223
suspeição generalizada, com os afro- asilei osà istosà o oà suspeitosà p efe e iais à
(BATISTA, 2003a, p. 38). Portanto devido ao medo das elites de que as classes populares se
revoltassem, isso passou a ser aniquilado com o medo que as pessoas começaram a ter do
Direito Penal, pois a eficácia desse sistema segundo Neder (1995) apenas se baseia na
intimidação das classes subalternas. Quando não foi mais possível manter a produção na
p op iedadeà pelaà pessoaà doà t a alhado ,à su giuà aà teo iaà daà suspeiç oà ge e alizada à asà
palavras de Chalhoub (2001) e Batista (2003a),
das camadas mais necessitadas, o sistema penal os reencontra como objetos que não são para
garantir os seus direitos, mas para fortalecer os direitos das vítimas em potencial.
Por este ângulo é possível observar que para Andrade (1997) o processo de
criminalização não faz mais do que aumentar a especialidade seletiva do Direito Penal, pois as
aio esàp o a ilidadesàdeàse àsele io adoàpa aàfaze àpa teàdaà lie telaàpe alà eàse àsujeitoà
de sanções, especialmente as estigmatizantes, como a prisão, aparecem, de fato,
concentradas nos níveis mais baixos daà es alaà so ial à áND‘áDй,à ,à p.à .à ái daà deà
acordo com a autora, a posição incerta no mercado de trabalho e os problemas na constituição
familiar e escolar, são características dos indivíduos das camadas mais necessitadas e que para
a Criminologia positi istaàs oàasà ausasàdaà i i alidade.àássi àse do,à aà a i elàp i ipalàdaà
distribuição desigual do status de delinquente parece indubitavelmente ser, à luz das
i estigaç esà e e tes,àaàposiç oào upadaàpeloàauto àpote ialà aàes alaàso ial à Bá‘áTTA,
1982b, p. 171-172).
Através desse fundamento, podemos ver o Direito Penal como uma ideologia
extremamente sedutora, onde temos ao mesmo tempo a liberdade e a defesa da sociedade.
йà o àoàfo tíssi oàapeloàlegiti ado àat a sàdoà ualàoàsiste aàpe alàp omete, em suma, que
oàpa aísoàpassaàpelaàsuaà ediaç o à áND‘áDй,à ,àp.à .àPa aàfaze àjusàaàessasàp o essasà
o sistema penal coloca em prática um conjunto de mecanismos técnicos que irá substituir o
o he idoà a as o.à ‘e o duzi doàaoà o t oleàso ialàglobal, o sistema penal aparece, por um
lado, como filtro último e uma fase avançada de um processo de seleção que tem lugar no
o t oleà i fo alà fa ília,à es ola,à e adoàdeàt a alho à áND‘áDй,à ,à p.à .à Po à
esses mecanismos de controle atuam lado a lado com o controle penal efetivo, dentro de um
grande sistema de poderes.
O Relatório Temático (2016) expõe que a prisão influência de diversas formas a vida
deà ulhe esà eà ho e sà eà seusà fa ilia es,à oà des asoà à p ese teà j à osà p i ei osà diasà deà
privação de liberdade e também se verifica na desassistência à família do detento,
evidencia doàaà iol iaài stitu io alizadaàdoàйstadoà asilei o à ,àp.à .àál àdoà ais,à
o encarceramento em massa e as superlotações no sistema prisional não mudam em nada os
níveis da violência, mas pelo contrário, vemos no sistema carcerário diversos tipos de violação
aos Direitos Humanos, e o Estado aparece como principal personagem desse controle.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
BARATTA, Alessandro. Las fuentes del derecho. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1983a.
Primeres Jornades Jurídiques de Lleida – 13 y 14 de mayo de 1982b.
BATISTA, Malaguiti Vera. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história.
ed. 2. Rio de Janeiro: Revan, 2003a.
BATISTA, Nilo. Os sistemas penais brasileiros. In. ANDRADE, Vera Regina Pereira de (org.).
Verso e reverso do controle penal: (des)aprisionamento a sociedade da cultura punitiva. Vol.
1. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2002.
CALDEIRA, Teresa P.R. Cidades de muros. Crime, segregação e violência em São Paulo. São
Paulo: Edusp, 2000.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e projeto genocida
do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
NEDER; CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Criminologia e poder político: sobre direitos, história e
ideologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
______. Discurso jurídico e ordem burguesa no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1995.
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do júri: símbolos e rituais. Ed. 3. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998.
229
RESUMO: O presente artigo busca trazer elementos acerca das novas mídias, a partir do
debate sobre a sociedade em rede e do avanço no Brasil, no último período, de mídias
alternativas e independentes, que enfocam pautas relacionadas aos direitos humanos, a partir
de reportagens investigativas e de um trabalho colaborativo e multiprofissional, se
contrapondo ao trabalho da mídia tradicional. Essas novas mídias se beneficiam dos recursos
tecnológicos e realizam um trabalho plural, inclusive com olhar atento para os excessos
cometidos no que tange à justiça criminal, o que acaba por ferir, em diversos momentos, os
mais elementares direitos fundamentais e humanos.
1 INTRODUÇÃO
Entre os direitos humanos e fundamentais também se encontra o direito à
comunicação e informação: livre, democrática e plural. No Brasil, a dificuldade de se efetivar
esse conceito é histórico, devido ao poder construído por grandes oligopólios midiáticos,
concentradores de recursos, meios e métodos, e que barram qualquer processo de avanço na
construção de um novo conceito regulamentado de mídia, mais adequado aos dias atuais.
Para entender de que forma esse processo pode avançar, este artigo estará analisando
a moderna sociedade da informação, baseada em uma estrutura de relacionamento em rede,
viabilizada através dos recursos tecnológicos que estão acessíveis para boa parte da sociedade
e que beneficiam o surgimento de novas mídias e, ao mesmo tempo, auxiliam no
fortalecimento do conceito e da visão sobre direitos humanos.
Mídias alternativas e independentes, que se expandem e se consolidam no Brasil,
serão exemplificadas e interpretadas, a fim de que se possa demonstrar a importância que a
comunicação social possui para aprofundar a proteção aos direitos humanos em um país ainda
carente dessa cultura de respeito aos direitos mais elementares de qualquer cidadão ou
cidadã.
Poder interligar os direitos humanos, o jornalismo, a cidadania e a construção de uma
proposta que dignifique a luta de tantos envolvidos com esses setores, é um caminho
importante para a ampliação da análise e do aprofundamento sobre um tema essencial na
atualidade.
230
demarcando aquilo que se convencionou dizer como era da convergência midiática. E também
expande a mobilização social no campo da comunicação, para além da luta contra a
concentração midiática, como JENKINS (2008, p. 331) expõe neste trecho:
A luta contra a concentração de poder na mídia é apenas uma das batalhas que
deveriam preocupar os reformadores dos meios de comunicação. O potencial de uma
cultura midiática mais participativa também é um objetivo pelo qual vale a pena lutar.
Neste momento, a cultura da convergência está provocando constantes flutuações na
mídia e expandindo as oportunidades para os grupos alternativos reagirem aos meios
de comunicação de massa. [...] promover formas de educação e letramento midiático,
que auxiliem as crianças a desenvolver as habilidades necessárias para se tornarem
participantes plenos de sua cultura.
Na última década do século XX, uma nova grande mudança chega com as redes
cibernéticas que vêm revolucionar todo o status quo conhecido até então, da
economia às comunicações, passando a configurar uma realidade que passou a ser
chamada de sociedade da informação, ou a era da informação.
Todas as sociedades ditas civilizadas estão de certo modo dependentes deste sistema
de informação e tecnologia, em que a interação tornou-se instantânea. São novos formatos
de comunicação, com uma variedade infindável de opções para a grande massa, onde se veem
excessos, mas também onde se constrói muitas alternativas, se for pensado na questão de
fortalecer as ações e as iniciativas que buscam os diversos caminhos dos direitos humanos.
Porém, esta aproximação das redes e esta tomada de conhecimento ainda não estão
acessíveis para a totalidade da população. Este paradigma é que deve servir para a utilização
da comunicação e informação a favor da visão humana.
Resta claro que com a expansão das tecnologias, o poder do grande capital acaba por
também se afirmar a partir destas premissas, com concentração de tecnologias e de métodos
para deter o maior número possível de informações, o que acaba sendo um risco para a
soberania de muitas nações e para os direitos individuais de cada cidadão.
Casos como o WikiLeaks, uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada
na Suécia e que faz a publicação de documentos e informações oficiais, vazadas de governos
ou empresas, demonstram o grau de dificuldade para a limitação de algumas ações e, ao
mesmo tempo, a importância de mecanismos como esses para a transparência em setores
altamente protegidos, mas que muitas vezes são de interesse público.
A organização afirma defender a liberdade de imprensa e define-seà o oàu à g upoà
global e independente de pessoas com longa história de dedicação à ideia de uma imprensa
li eàeàdaàt a spa iaà ueàdelaàad àpa aàaàso iedade à WIKILEAKS, 2010, tradução nossa).
Esse debate, a partir do caso WikiLeaks, reacende o debate acerca do respeito,
autonomia e liberdade dos usuários, pois o projeto suscita críticas, tentativas de impedimento
233
e fica a mercê das estruturas que são de propriedade das grandes corporações e de seus
vínculos com governos e empresas poderosas.
No Brasil, desde a segunda metade dos anos 2000, cresce o número de novas mídias
dispostas a romper com o padrão tradicional de coberturas jornalísticas, influindo
diretamente no direito à informação e na liberdade de expressão e de comunicação. Mídias
que aproveitam as novas modalidades tecnológicas, a partir da expansão da internet, e que
aprofundam o debate a respeito de diferentes temáticas que se ligam diretamente aos
direitos humanos.
John Downing (2002, p. 49), em sua principal obra, realizou uma pesquisa consistente
que interpreta as mídias alternativas através do modelo de contra-informação, em que a mídia
adi alà u p eàaàfu ç oàdeà ue a àoàsil io,à efuta àasà e ti asàeàfo e e àasà e dades .à
Essa afirmação do teórico é realizada a partir da realidade de países ditatoriais e opressores.
Em regimes democráticos mais consistentes, como no Brasil, sua percepção é a seguinte:
a mídia radical tem a missão não apenas de fornecer ao público os fatos que lhe são
negados, mas também pesquisar novas formas de desenvolver uma perspectiva de
questionamento do processo hegemônico e fortalecer o sentimento de confiança do
público em seu poder de engendrar mudanças construtivas (DOWNING, 2002, p. 50)
Essa constatação está nítida no Brasil, pois é justamente a partir da ascensão de novas
mídias alternativas, que buscam pautas e informações que fogem da visão factual e pré-
produzida, que começam a brotar ações e movimentos que buscam contestar aquilo que é
entregue pela grande mídia. A própria democratização dos meios de comunicação começa a
ser tratada e entendida de uma forma mais clara por boa parte da sociedade.
O sentido de cidadania se reforça a partir do trabalho que apresenta uma perspectiva
diferente daquela costumeiramente apresentada. É nesse contexto que as novas mídias
ganham fôlego e se mostram necessárias para uma sociedade que necessita cada vez mais
discutir direitos humanos em sua plenitude.
Além de receber a informação, o cidadão deve situar onde pode ter participação efetiva, não
apenas como sujeito passivo, mas também atuante. A partir disso, MARTÍN-BARBERO (1998,
p. 07) merece ser destacado, pois faz uma reflexão acerca do sentimento que muitas vezes
engana a interpretação social nos tempos atuais:
a defesa intra sige teà dosà di eitosà hu a os .à Osà p i ipaisà ei osà i estigati osà s o:à osà
impactos dos megaeventos esportivos; tortura e violência dos agentes do Estado;
megainvestimentos na Amazônia; crise urbana; e empresas e violações de direitos humanos.
Para fortalecer o ideário da mídia independente e propagar o bom trabalho
desenvolvido por profissionais em diferentes partes do Brasil, a Pública divulgou o mapa do
jornalismo independente, listando uma série de veículos de comunicação comprometidos
com pautas sociais.
Modelos como esse, em que as pautas são construídas de forma coletiva, com
interesse público e cidadão, visando aprofundar temas que não são abordados no cotidiano
do jornalismo e que servirão como matérias gratuitas para serem veiculadas por qualquer
veículo de comunicação parceiro, demonstram o acerto em apostas alternativas e
independente como essas, sintonizadas com o mundo atual.
A visão de Juremir Machado da Silva (2001, p. 129), apresenta uma crítica contundente
ao jornalismo protagonizado por grandes redes, detentoras de poder e concentração
econômica:
têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil
como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta
milhares de pessoas.
Outro trabalho que ganhou repercussão e se consolidou como referência em matéria
de comunicação alternativa, é a Mídia Ninja, criada a partir da rede de comunicadores do Fora
do Eixo, rede de coletivos políticos e culturais, espalhada pelo Brasil. Durante as
manifestações populares de 2013, a Mídia Ninja se estabelece, acompanhando em tempo real
os protestos, denunciando abusos e debatendo questões que também versam sobre direitos
humanos e cidadania.
Já a Ponte tem como foco, pautas ligadas à segurança pública, com enfoque na justiça
eàdi eitosàhu a osà ueàsu giuàdaà o i ç oàdeàu àg upoàdeàjo alistasàdeà ueàjo alis oàdeà
qualidade sob o prisma dos direitos humanos é capaz de ajudar na construção de um mundo
aisàjusto ,àte doàsu gidoàaàpa ti àdoàapoioài stitu io alàdaàág iaàPú li a.
O seu trabalho jornalístico é desenvolvido a partir de investigações sobre gênero,
racismo, violência policial, entre outros temas, praticamente proibidos de serem tratados de
forma isenta em grandes redes de comunicação comerciais.
Esses novos olhares possibilitados através de mídias alternativas, passam cada vez
mais a ganhar o respeito e a apreciação de um público numeroso e qualificado. Mas esse
processo somente poderá se solidificar a partir de uma formação educacional e humana das
pessoas, construindo sujeitos ativos que saibam a importância da consolidação de seus
direitos. RADDATZ (2014, p. 116) apresenta considerações que dialogam com essa
problemática:
Não bastam apenas as normas para fazer valer os direitos. É preciso um conjunto de
planejamento e de ações públicas, de incentivo à democratização dos meios de comunicação,
para que realmente sejam implementadas as mudanças.
237
O grande desafio hoje, parece estar na consolidação e garantia dos direitos humanos,
a partir de uma pluralidade que possa convergir de forma positiva. Onde a cidadania seja
proativa, na busca por ações que não sejam omissas perante retrocessos.
As novas mídias e o papel das mídias jornalísticas independentes e alternativas, podem
ser caminhos preciosos para se alcançar um patamar digno de respeito às diferentes versões
do cotidiano que nos cerca.
238
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 17 ed. Rio de
Janeiro: Editora Campus, 1992.
CASTELLS, Manuel. O poder da comunicação. Rio de Janeiro : Editora Paz e Terra, 2015.
DOWNING, John D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São
Paulo : Senac, 2002.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2 ed. São Paulo: Editora Aleph, 2012.
239
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Comunicação e Cidade: entre Meios e Medos. In: Grupo de Estudos
sobre Práticas de Recepção a Produtos Mediáticos, I, n. 01, 1998. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/view/51311/55378>. Acesso em:
01/05/2017.
RADDATZ, Vera Lúcia Spacil. Direito à informação para o exercício da cidadania. Revista
Científica Direitos Culturais. Santo Ângelo, v. 9, n. 19, pp. 108-117, 2014.
SILVA, Juremir Machado da. A miséria do jornalismo brasileiro. In: As (in)certezas da mídia. 2
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
240
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar a luta dos movimentos sociais contra
as arbitrariedades impetradas pelo governo ditatorial militar, assim como, resgatar a memória
histórica do Brasil e ressaltar a importância das Cortes Internacionais na busca da verdade e
aplicação da justiça. Para tanto, a metodologia adotada para elaboração da pesquisa é do tipo
exploratória, utilizando-se no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas
disponíveis em meios físicos e na rede de computadores.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Importante é a reflexão trazida pelo professor José Damião de Lima Trindade (2002)
ao relatar que desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França,
uitosà algozes,à ditado es,à auto atasà seà utiliza à daà e p ess oà Di eitosà рu a os à pa aà
falsear suas verdadeiras intenções e espalhar terror e sangue. Assim aconteceu com Hitler,
que declarava em seus comoventes discursos que os Direitos Humanos estavam acima dos
Direitos do Estado, Osà Estadosà U idosà daà á i a,à paísà ueà e si aà seusà estuda tesà aà
repetirem de memória passagens libertárias de sua Declaração da Independência, não
hesitaram em apoiar ou instalar ditaduras ao edo àdoà u doà ... (TRINDADE, 2002, p. 15).
No Brasil, não ocorreu de forma diversa, os militares ao oficializar o golpe de 64, com a
publicação do Ato Institucional nº 1, declararam que o faziam para assegurar a ordem
democrática, a liberdade e a dignidade da pessoa humana, no entanto, macularam a
democracia, oprimiram a população e negaram a verdadeira memória histórica da nação.
Com a independência sendo adquirida, através de árduas lutas dos movimentos
sociais, pelas ex-colônias, a partir do século XIX, as grandes potências, ex-metrópoles, viram-
se obrigadas a mudar sua estratégia de controle, substituindo a dominação colonial pela
subordinação econômica, ou, nas palavras de José Damião Trindade (2002, p.196).
1
Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), e-mail:
(aline_klinger@hotmail.com).
² Professora do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS/FURB,
e-mail: joice.gn@gmail.com
241
(...) o apoio dos Estados Unidos muito forte ao golpe de Estado de 64 e com o
discurso muito bem construído e vitorioso, sem dúvida, de defesa de democracia.
Então, você usurpa a democracia, você rasga a Constituição de 46, em nome da
democracia (...) então, como você não tinha inimigo externo, que seria a construção
do subversivo, se construiu um inimigo interno que foi taxado do comunista (...) se
construiu uma ideia de que quem lutava contra o golpe de 64, na verdade, queria
impor um regime estrangeiro, que não era nacionalista e nessa figura do comunista.
Garrastazu Médici; 1974 a 1985, governo do General Ernesto Geisel e do General João Batista
de Figueiredo.
A primeira fase da ditadura, 1964 a 1968, foi marcada por intensa repressão e
perseguição. No governo do marechal Humberto Castelo Branco, 378 pessoas tiveram seus
direitos políticos cassados, 10.000 funcionários público perderam seus cargos e 40.000
pessoas foram investigadas em decorrência da instauração de 5.000 inquéritos, aponta
Comissão Nacional da Verdade (2014, vol. I).
Do ponto de vista social econômico, denunciam José Murilo de Carvalho (2010) e
Comissão Nacional da Verdade (2014, vol. I), que essa fase foi evidenciada pela anulação das
reformas estabelecidas no governo de Jango, revogação dos decretos de nacionalização das
refinarias e de desapropriação para fins de reforma agrária assinados no dia 13 março de 1964,
troca da estabilidade trabalhista pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), queda
do salário mínimo, autos níveis de inflação e abertura para o mercado internacional sem
limites para remessa de lucros ao exterior.
Também, foram instituídos o AI2, o AI3 e o AI4, que deram amplos poderes ao
Presidente da República perante o Congresso Nacional, designaram a competência da Justiça
Militar para julgar os crimes contra a Segurança Nacional, extinguiram os antigos partidos
políticos dividindo-os em dois, ARENA e MDB, como forma de controle dos parlamentares
contrários e a favor do governo, determinaram eleições indiretas para os governadores,
nomeação dos prefeitos das capitais e revogação definitiva da Constituição Federal de 1946
pela promulgação de uma nova Constituição de iniciativa presidencial, narra a Comissão
Nacional da Verdade (2014, vol. I).
Em 15 de março de 1967, assume a Presidência da República o Marechal Artur da Costa
e Silva, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. O primeiro ano de governo foi marcado
por greves operárias, manifestações estudantis e a insatisfação do Congresso Nacional. Em
uma das manifestações pela democratização, promovida pela UNE, na cidade de São Paulo, o
estudante Edson Luis foi assassinado pela polícia, gerando grande comoção popular. Para
reiterar a dominação exercida pelo governo militar, o Marechal Costa e Silva decreta o AI5 e
fecha o Congresso. Declara Costa e Silva Qua tasà ezesàte e osà ueà eite a àeàde o st a à
ueàaàRe oluçãoà ài e e sí el? ,à(CNV, 2014, vi. I, p. 100).
247
Com Médici, o regime ditatorial-militar brasileiro atingiu sua forma plena. Criara-se
uma arquitetura legal que permitia o controle dos rudimentos de atividade política
tolerada. Aperfeiçoara-se um sistema repressor complexo, que permeava as
estruturas administrativas dos poderes públicos e exercia uma vigilância
permanente sobre as principais instituições da sociedade civil: sindicatos,
organizações profissionais, igrejas, partidos. Erigiu-se também uma burocracia de
censura que intimidava ou proibia manifestações de opiniões e de expressões
culturais identificadas como hostis ao sistema. Sobretudo, em suas práticas
repressivas, fazia uso de maneira sistemática e sem limites dos meios mais violentos,
como a tortura e o assassinato.
248
da Verdade (2014, vol. III) que na operação referida foram utilizadas inúmeras técnicas de
guerra e tortura contra integrantes do movimento, camponeses e silvícolas. Conclui, ainda, a
referida comissão, após análise de documentos elaborados pelo governo militar:
metalúrgico, teve o fatídico destino e, em ambos os casos, o Exército divulgou que a morte
era decorrente de suicídio, explana a Comissão Nacional da Verdade (2014, vol. II).
A perseguição, cassação de mandato, suspensão de direitos políticos e prisão de
políticos opositores ao governo ocorreram de forma expressiva, apesar das promessas de
abertura do sistema repressivo. Em protesto, no dia 8 de abril de 1977, o MDB lança,
simbolicamente, candidatos para presidente e vice-presidente, general Euler Bentes e Paulo
Brossard, ocasião em que a Arena segue a indicação proferida pelo Presidente Geisel de
empossar como sucessor ao cargo presidencial o general João Baptista de Oliveira Figueiredo.
Ainda no governo Geisel, em outubro de 1978, é aprovada a Emenda Constitucional
nº11 que, entre as diversas medidas adotadas, revogava o AI5, extinguindo a autoridade do
presidente para colocar o Congresso em recesso, cassar parlamentares ou privar os cidadãos
dos seus direitos políticos, assim como, restabelecia o habeas corpus para crimes políticos e
abolia as penas de morte, prisão perpétua e banimento, ressaltam José Murilo de Carvalho
(2010) e Comissão Nacional da Verdade (2014, vol. I).
O general João Figueiredo assume a Presidência da República no dia 15 de março de
1979. A crise econômica, a eclosão dos movimentos sociais, as divergências dentro das Forças
Armadas e a pressão internacional são características deste governo conturbado.
À época, foram muitas as vítimas da tirania do Estado repressivo e, mesmo aqueles
que com muito sacrifício conseguiam fugir e se refugiar em outros países, continuavam sobre
constante controle do governo militar. Conclui o relatório de investigação da Comissão da
Nacional da Verdade (2014, vol. I) que o Brasil, por intermédio dos Consulados, obtinha a
constante vigilância dos brasileiros que estavam no exterior. Cada passo era informado.
Alguns Estados, como Uruguai, Chile, Argentina, França, Alemanha, Portugal, atendendo ao
pedido do governo brasileiro, detinham documentos, negavam a renovação de passaportes e
procediam a interrogatórios.
Essa colaboração com a repressão ilegal ocorreu por meio de duas vias principais.
Primeiro, a omissão em diversos incidentes envolvendo cidadãos brasileiros; por
exemplo, diante dos brasileiros detidos no Estádio Nacional de Santiago de Chile,
depois do golpe militar de 1973. Quando as autoridades chilenas pediram salvo-
condutos para libertar os brasileiros, cuja detenção não mais lhes interessava, o
governo brasileiro, em vez dos salvo-condutos, enviou equipes de militares e
policiais para interrogá-los e, segundo depoimentos, torturá-los, com total descaso
pela proteção de nacionais, enfrentando situações de risco fora do Brasil. Segundo,
o MRE atuou de forma direta, como no Chile, na cooperação internacional com
ditaduras do Cone Sul – a Operação Condor; fornecendo lista de centenas de
251
passapo tesà e t a iados à aà paísesà o oà aà ‘epú li aà нede alà daà ále a ha;à ouà
monitorando a entrada e saída de nacionais fora do país. Ao compartilhar tais
informações com o aparato repressivo, o MRE colocou em risco a vida de muitos
cidadãos brasileiros, em alguns casos, destinados ao assassinato por agentes de
Estado. E, no âmbito da Operação Condor, também a de estrangeiros no Brasil. (CNV,
2014, vol. I, p.212).
No dia 28 de agosto de 1979, o Presidente sanciona a Lei de Anistia, Lei nº 6.683, fruto
de uma luta que se iniciou com a formação do Movimento Feminino pela Anistia, em 1975, e
que ganhou força com a criação do Comitê Brasileiro pela Anistia, em 1978, com
ep ese taç oà e à di e sosà estadosà eà e à out osà países,à ei i di a doà u aà a istiaà a pla,à
ge alàeài est ita .àáà efe idaàleiàte eàduploàefeito,àseàpo àu àladoà e efi ia aàaosà o de adosà
por crimes políticos ou conexos, por outro lado, impedia a responsabilização dos agentes que
violaram os direitos humanos em nome do Estado. A Comissão Nacional da Verdade (2014,
vol. I) anuncia que, no momento de sua promulgação, a Lei beneficiou 4.650 pessoas que
estavam presas, cassadas, banidas, exiladas ou destituídas dos seus empregos, como por
exemplo, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes e Francisco Julião.
Apesar da contrariedade de parte das Forças Armadas com os pacotes de liberalização
do sistema repressivo, em novembro de 1979, foi aprovado lei que extinguiu os partidos
criados pelo governo militar, Arena e MDB, autorizando a criação de novos partidos, então,
surgiram o PDS, PMDB, PP, PTB, PT e PDT.
O início da década de 80 é marcado por diversos eventos terroristas da ala insatisfeita
das Forças Armadas. Em agosto de 1980, foram enviadas cartas-bombas ao vereador do Rio
de Janeiro, Antônio Carlos de Carvalho, do PMDB, e ao presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Em 30 de abril de 1981, ataque terrorista com explosão de duas bombas em
um evento que reunia cerca de 20 mil pessoas, no Riocentro, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
O regime procurava monitorar o processo político, mas, na esfera pública, as
movimentações na sociedade civil já haviam adquirido vida e força consideráveis. A
partir de janeiro de 1980, e durante vários meses, o país assiste a uma série de
manifestações terroristas de direita, em oposição a essa vaga liberalizante (CNV,
2014, vol. I, p.107).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
NETO, Roque Collage. A cidadania sempre adiada: da crise de Vargas em 54 à Era Fernando
Henrique. Ijuí: UNIJUI, 2002.
TRINDADE, José Damião de Lima. A história social dos direitos humanos. São Paulo:
Peirópolis, 2002.
255
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, URI, campus Santo
Ângelo/RS (2014). Mestra em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul,
UNIJUÍ, campus Ijuí/RS. Advogada. E-mail: alinefsdiel@gmail.com
2
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014). Mestre em Direito pela
UNISINOS (2010). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2008). Graduado em Direito pela UNIJUÍ (2006). Professor do
Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ. Professor dos Cursos de Graduação em Direito da UNIJUÍ e
da UNISINOS. E-mail: mdwermuth@gmail.com
256
de poder (relação entre súdito e soberano, através do direito de causar a morte ou de deixar
viver, as disciplinas do corpo e, por fim, a biopolítica), Foucault (2003) analisa como o poder
em si é constituído dentro da sociedade e suas consequentes transformações e efeitos,
buscando revelar os mecanismos de poder que se escondiam em lugares dissimulados,
constituindo uma rede que comporta variadas formas de relações, tanto entre súdito e
soberano, quanto dentro da própria organização social e suas instituições.
É a partir destas primeiras escavações que Foucault percebe que as relações de poder
analisadas não são meramente constituídas como uma relação de força que se desloca
unicamente de forma vertical, possuindo o Estado como nascente reprodutiva através de uma
iol iaà i stitu io alizadaà eà legal,à asà oà pla oà dasà dis ipli asà eà deà seusà efeitosà deà
o alizaç oà eà o alizaç o à нOUCáUэT,à ,à p.à .à Oà se tidoà deà pode ,à assi ,à e à
нou ault,à seà ealizaàpo à eioàdeàpositi idades,àeà oàdeà ep ess esàeà egati idades à BOнн,à
2008, p. 190). Importante salientar que Foucault não buscou arquitetar uma teoria do poder,
mas unicamente expor como as relações que o envolvem se aplicam de forma orquestrada na
sociedade, através de diferentes polos propagadores. Desta forma, o conceito de poder para
o filósofo francês
não deve ser equivalente aos conceitos de repressão, lei, soberania, instituições e
aparelhos do Estado como comumente é analisado. Foucault não se refere a uma
forma de sujeição realizada por leis e regras, nem a um sistema de dominação de
uns sobre outros. Ao contrário, poder é entendido como multiplicidade de
correlações de forças, como jogo, estratégias móveis. Ou seja: poder visto como
potencialidade criadora, própria do ser humano, que se faz aparecer nas práticas e
nas relações humanas. Falamos em poder enquanto relações de forças, enquanto
prática, enquanto poder circulante, não estático e nem centralizado em um ponto.
Falamos de exercício de poder e não de aquisição do mesmo. O poder também não
pertence a alguém, isto é, não provém de uma relação entre dominados e
dominadores; não é uma instancia dual, binária, mas sim uma instância onipresente,
isto é, se produz a cada instante, em todos os pontos, em todas as relações (BOFF,
2008, p. 190).
deà i flu iasà dis u si asà dotadasà deà e dades à e iadasà po à siste asà deà pode à ueà asà
disseminam, tonando-as padronizadas dentro do núcleo social e, consequentemente,
normalizadas.
Foucault, desta forma, acaba desmistificando as relações de poder e descentralizando-
as. Suas escavações genealógicas permitem, desta forma, identificar variadas linhas
hierárquicas e diversas formas de exercício de poder que não se constituem com exclusividade
através de um único polo, mas que se enraízam em inúmeras formas e domínios sociais. E é
a partir desta análise geral acerca das relações de poder que Foucault (1988) identifica na
teoria clássica da soberania uma primeira forma de tomada de poder, marcadamente
centralizada e hierarquizada, constituída como uma das características – e um dos privilégios
– doàpode àso e a oàpo à uitoàte po,à ueàfoiàoàdi eitoàdeà idaàeà o te,àouàseja,à oàdi eitoàdeà
causar a morte ou de deixar i e à– característica primordial da relação súdito/soberano. Esta
elaç oàdeàpode àsig ifi aà ueà oàsúditoà oà ,àdeàple oàdi eito,à e à i oà e à o to.àйleà ,à
do ponto de vista da vida e da morte, neutro, e simplesmente por causa do soberano que o
súdito tem direito de estar vivo ou tem direito, eventualmente, de estar morto (FOUCAULT,
1999, p. 286).
Na época clássica, estas relações de poder sofrem considerável transformação, agora
a a te izadasà oà aisà po à suaà e t alidadeà asà po à seà e aiza e à e à luga esà
heterogêneos e dispersos, espalhando-se por toda aà so iedade à DUá‘Tй,à ,à p.à .à
Surge, então, o que se pode denominar, a partir das percepções de Foucault (1988), uma
segunda fase dos mecanismos de poder, que se desenvolveu a partir do século XVII. É neste
o e toà ueà oà di eitoà deà o teà te de à a se deslocar ou, pelo menos, a se apoiar nas
e ig iasà deà u à pode à ueà ge eà aà idaà eà aà seà o de a à e à fu ç oà deà seusà e la os à
(FOUCAULT, 1988, p. 128).
Nesteàpe íodo,àoàdi eitoàdeà idaàeà o teà àsu stituídoà po àu àpode àdeàcausar a vida
ou devolver à mo te. à ,àp.à - .àйsseà o oà pode àso eàaà ida ,àdi idiu-se em dois
polos de desenvolvimento interligados: no primeiro
Esse primeiro polo marca as disciplinas do corpo.3 Segundo analisa Boff (2008, p. 191),
esteàpe íodoà ueàa a geàta àoàs uloàXVIII à seàte àu aàespe ialàdes o e taàdoà o poà
enquanto objeto de poder. O corpo passa a ser manipulado, moldado, treinado, docilizado e
utilizadoàpeloà o t oleàdasàideias. àнou aultà ,àp.à àpe e eà ueàaàdis ipli aàdosà o posà
a a gia,à todosàa uelesàp o edi e tosàpelosà uaisàseàassegu a aàaàdist i uiç oàespa ialàdosà
corpos individuais (sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e em vigilância) e
aà o ga izaç o,à e à to oà dessesà o posà i di iduais,à deà todoà u à a poà deà isi ilidade. 4
3
As disciplinas do corpo marcam as características da sociedade disciplinar que, conforme lecionam Hardt e
Negri (2001), ilustra toda a primeira fase de acumulação capitalista (na Europa e em outras partes) excedendo a
ilustração limítrofe acerca do poder disciplinar na sociedade francesa clássica, como referenciado por Michel
Foucault. É de Hardt e Negri (2001, p. 42, grifos no original), também, que se pode compreender a sociedade
dis ipli a à o oà a uelaà aà ualàoà o a doàso ialà à o st uídoà edia teàu aà edeàdifusaàdeà dispositivos ou
aparelhos que produzem e regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas. Consegue-se pôr para
funcionar essa sociedade, e assegurar obediência a suas regras e mecanismos de inclusão e/ou exclusão, por
meio de instituições disciplinares (a prisão, a fábrica, o asilo, o hospital, a universidade, a escola e assim por
dia te à ueàest utu a àoàte e oàso ialàeàfo e e àe pli aç esàl gi asàade uadasàpa aàaà az o àdaàdis ipli a. à
4
Co fo eà e elaàнou aultà ,àp.à à em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes
muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto são novas nessas
técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo,
como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção
sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal
sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna;
a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do
exercício. A modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta, constante, que vale sobre os processos da
atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo
o tempo, o espaço, os movimentos. Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que
pode osà ha a àasà dis ipli as .àMuitosàp o essosàdis iplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos
exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas
ge aisàdeàdo i aç o. à
261
a embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-
la implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa
técnica disciplinar previa. Essa nova técnica não suprime a técnica disciplinar
simplesmente porque é de outro nível, está noutra escala, tem outra superfície de
suporte e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes (BOFF, 2008, p. 194).
e suas respectivas condições tem íntima relação com as condições mais gerais da
existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor
assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie. O trabalho
e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à
futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano. A ação, na medida
em que se empenha e, fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a
lembrança, ou seja, para a historia. O labor e o trabalho, bem como a ação, têm
também raízes na anualidade, na medida em que sua tarefa é produzir e preservar o
mundo para o constante influxo de recém-chegados que vem a este mundo na
qualidade de estranhos além de prevê-los e levá-los em conta.
5
Pa aàá e dtà a,àp.à ,à oàla o à àaàati idadeà ueà o espo deàao processo biológico do corpo humano,
cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas
e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida. O trabalho é a
atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência essa não contida no eterno ciclo vital
daàesp ie,àeà ujaà o talidadeà oà à o pe sadaàpo àesteàúlti o.àOàt a alhoàp oduzàu à u doà a tifi ial àdeà
coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida
individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição
humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem
a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e
oàoàрo e ,à i e à aàTe aàeàha ita àoà u do.
262
Arendt (1989a) foca na politização dos processos vitais da vida de uma dada
população, nos quais a vida do sujeito e, consequentemente, da população, acabam inscritos
osà l ulosàe plí itosàdoàpode ,àouà oà ueàнou aultà àde o i ouà o oà assu ç oàdaà
idaàpeloàpode àouà u aàto adaàdeàpode àso eàoàho e àe ua toàse à i o,àu aàesp ie
deà estatizaç oà doà iol gi o .à Notada e te,à esteà pode ,à pa aà á e dtà ,à p.à ,à
o espo deà àha ilidadeàhu a aà oàape asàpa aàagi ,à asàpa aàagi àe à o e to.àOàpode à
nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência
apenas na medida em que o grupo conserva-seàu ido. 6
6
A análise arendtiana acerca do poder, corresponde em linha com a arqueologia desenvolvida por Michel
нou ault,à o fo eàpo de aàэafe à ,àp.à ,àg ifosà oào igi al .àá e dtà eto aàsuaà efle oàso eàoàpode à
afirmando que ele não é opressão nem coerção, mas sim a aptidão humana para agir em conjunto. Trata-se de
um fenômeno coletivo – plural – que surge da comunicação entre os homens, ensejando a concordância quanto
a um caminho comum de ação. O poder reside no povo – poestas in populo – e, para Hannah Arendt, esta
premissa é não só teórica quanto prática. Para ela o poder e sempre potencial, como se vê nas palavras
correspondentes em grego, dynamis, e em latim, potentia. O poder fala a linguagem da persuasão, dando
Hannah Arendt realce, na sua análise ao processo de geração do poder. É por isso que contesta a distinção entre
governantes e governados, que cuida apenas do emprego e da manutenção do poder – o que para ela, é um erro
conceitual, pois o poder pode ser atualizado ex parte populi através da geração de mais poder, mas não pode ser
estocado ex parte principis para ser empregado ou mantido.
7
Co fo eàdesta aà‘uízà ,às.,àp. àá e dtàde a aàsuaàpes uisaà o àaàdisti ç oà e t eàosàte osàt a alhoàeà
labor. O termo trabalho era utilizado na antiguidade greco-romana para designar o esforço realizado para a mera
sobrevivência humana. O trabalho se restringe ao ciclo vital da produção e o consumo, ao qual os seres humanos
estão presos enquanto seres biológicos que necessitamos subsistir. O trabalho representa o ciclo reprodutor da
vida; nele só se reproduzem as necessidades vitais, animais, da mera sobrevivência. Por esse motivo, para os
antigos, o trabalho não dignificava nem conferia humanidade para o ser humano. Pelo contrário, quanto mais os
seres humanos estivessem obrigados a ficar circunscritos às tarefas do ciclo de produção e consumo, mais
cooptados estavam pela necessidade natural e menos humanos eram, porque ficavam no espaço da mera
reprodução da vida natural, zoe. O trabalho era uma atividade que embrutecia porque limitava a vida à mera
reprodução cíclica do consumo daquilo que produzia, a vida natural. O trabalho, para os antigos, escraviza, não
humaniza. Por limitar a vida humana ao ciclo reprodutor do consumo, o trabalho é o meio de escravizar-se. Para
ser humano, haveria que sair do ciclo de produção e consumo imposto pelo trabalho. Os cidadãos livres da polis
acharam a solução para se libertar do trabalho transferindo essa ocupação para os escravos. O trabalho escraviza
263
moderno em torno do trabalho passou a ser de dignificação, que acaba selecionando o sujeito
útil ao sistema de gerenciamento da vida, processo lógico da biopolítica.
A tese arendtiana se enquadra, desta forma, no conceito de biopolítica na medida em
ueà de o st aà eà a alisaà asà p i ipaisà isesà políti asà daà ode idadeà ta dia,à asà uaisà
experimentamos a política sob diferentes modalidades da violência, seja ela a violência
extraordinária do totalitarismo, ou a violência ordinária levada a cabo por meios burocrático-
poli iaisà asàde o a iasà eal e teàe iste tes à DUá‘Tй,à ,àp.à .à
Logo, o caráter específico de gerir a vida abrange, no sentido biopolítico, a morte de
um contingente de indivíduos que representam uma ameaça a determinado grupo – entende-
se população, massa – se doàestaà o teà a a te izadaà o oàu aà elho iaàso ial ,àdeàfo aà
ueà aà o teà doà out oà oà à si ples e teà aà i haà ida,à aà edida em que seria minha
segurança pessoal; a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do
degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais
pu a à нOUCáUэT,à ,àp.à .
A morte social não se cara te izaàpeloàassassi atoàdi etoàdosài di íduos,à asàtudoàoà
que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o risco
deà o teàou,àpu aàeàsi ples e te,àaà o teàpolíti a,àaàe puls o,àaà ejeiç o,àet à нOUCáUэT,à
1999, p. .à “ oà o tosà legiti a e teà uelesà ueà o stitue à u aà esp ieà deà pe igoà
iol gi oà pa aà osà out os à нOUCáUэT,à ,à p.à .à ássi ,à aà iopolíti aà eà seuà pa ado alà
modus operandi, o qual, para produzir e incentivar de maneira calculada e administrada a vida
de uma população, pode vir a promover o genocídio sobre um corpo populacional
e por isso o trabalho, para os antigos, era ocupação dos escravos. Escravo é aquele que não tem possibilidade de
sair do trabalho. O trabalho escraviza porque embrutece e por isso reproduz sua condição de escravo. Tudo o
que os seres humanos tinham em comum com as outras formas de vida animal não era considerado humano,
mas meramente natural. Humano era aquilo que podia ser construído para além da mera vida natural. Aristóteles
não negava aos escravos a capacidade de serem humanos, mas só poderiam ser humanos quando conseguissem
se libertar do trabalho que os mantinha sujeitos à reprodução das necessidades, presos à condição de mera vida
atu al,àzoe. àNesteàse tido,àoàauto àai daàdesta a,àe à o ple e toà àa liseàa e dtia a,à ueàэi eà àa ueleà
que pode sair do ciclo reprodutivo do trabalho para exercer a ação, ou seja, a práxis criativa e o logos
emancipador. A liberdade dos antigos era concomitante à superação do ciclo de produção e consumo a que
estavam submetidos pelo trabalho aqueles que tinham que dele sobreviver. Contudo, faziam da austeridade uma
técnica para libertar-se do ciclo de consumo e produção. Arendt propõe o conceito de labor para designar as
atividades que vão além do mero ciclo de produção e consumo e está destinado a construir o mundo, a
permanecer no mundo, a criar um mundo. O labor constrói para além do consumo com expectativa de
durabilidade. Embora não seja a ação própria da política entre seres humanos, é uma atividade que possibilita
criar o mundo em que vivemos e criar o mundo como desejamos. Ele é a atividade que vai além da necessidade
imposta pelo ciclo da produção e do consumo, próprio do trabalho.
264
o side adoàpe igoso à DUá‘Tй,à ,àp.à ,àg ifosà oào igi al .àCo fo eàdes e eàCast oà
(2014, p. 49), Foucault faz uma ressalva ao afirmar que
8
Conformeàdes e eà‘uizà a,àp.à à aào aàdeàága e àfazàu aài u s oàepist i aà oàdi eitoàeà aàpolíti aà
pelo viés da vida humana. Ela tenta captar (e capturar) uma tensão muito pouco percebida pela qual o direito e
a política ocidentais existem correlacionadas com a captura da vida humana. Neste ponto, Agamben dissente de
Foucault ao afirmar que a biopolítica não é uma característica da modernidade, mas algo inerente à política
ocidental desde suas origens. Embora concorda com Foucault que a modernidade expandiu a biopolítica de
forma capilar ao tentar governar de forma útil e produtiva, objetivando-a para tanto como um mero recurso
atu al.
265
jurídico-política pela qual uma pessoa, ao ser proclamada sacer, era legalmente
excluída do direito (e consequentemente da política da cidade). Tal condição de
sacer impedia que ela pudesse ser legalmente morta (sacrificada), porém qualquer
um poderia matá-la sem que a lei o culpasse por isso.
Assim, Sacer é a vida abandonada pelo direito pelo fato de não se ter adaptado à
organização política-social. O Homo Sacer constitui a vida que não vale a pena ser vivida,
devendo ser excluída da vida em comunidade, ensejando uma morte simbólica. O indivíduo
declarado sacer deixa de constituir a bios,àouàaà idaàe à o u idade;à uma vida matável por
esta àfo aàdoàdi eito,à asàpo àissoà es oàelaà oàpodeàse à o de adaàju idi a e te .àйsteà
abandono se caracteriza pela e posiç oà à ul e a ilidadeàdaà iol iaàpo àse àdesp o idaàdeà
ual ue àdi eito,àse doà ueàtalà ul e a ilidadeàseàde i aàdeàu àatoàdeàdi eitoà ueàaàe luiu à
(RUÍZ, 2013a, p. 33).
Arendt, na explanação de Ruiz (2012), percebe este limiar na constituição do Animal
Laborans eà aàa uies iaàdaà e oluç o àdaà e aà idaà àvita activa, como observa o autor:
9
Ruíz (2013a, p. 33) complementa que a figura do homo sacer é um conceito-limite do direito romano que
delimita o limiar da ordem social e da vida humana. Nele transparece a correlação entre a sacralidade e a
soberania. Ambas são estruturas originárias do poder político e jurídico ocidentais porque revelam os dois
personagens que estão fora e acima da ordem: o homo sacer e o soberano.
266
Ca alhoà ,à p.à à e te deà ue,à aoà des a ta à aà pessoaà sup flua ,à oà йstadoà
recorre à maximização dos apa elhosà ep essi osà deà o t oleà pe alà eà a e io,à logo,à aà
alte ati aàaoàйstadoàp o id ia,àpo ta to,àpassaàaàse àoà йstadoàpe it ia ,à o figu a doà
uma máxima que parece ser a palavra de ordem na atualidade: Estado social mínimo, Estado
penal máxi o. àDestaàfo a,àCa diottoà ,àp.à -23) vê a alte iaàe t eàesta àde t oà
e fora da prisão, [...] como um fator não desprezível de produção da insegurança social, a qual,
por sua vez, desperta na população a demanda pelo controle policial ostensivo. à йà de t oà
desteàsiste a,à estaà u aàsaídaàplausí elàpa aàa uelesà ueàfo a àdestituídosàdaà idada ia:àaà
marginalização social potencializada pelo incremento da máquina de controle penal,
so etudoà a e ia à Cá‘VáэрO,à ,à p.à .à Oà o t oleà pe alà a ontece a partir do
consenso de grande parte da população, a qual pensa que, conforme argumenta Candiotto
(2012, p. 22-23),
o policiamento e o encarceramento são mecanismos de combate à delinquência.
Raramente levam em conta que eles são mecanismos produtores da insegurança ao
se valerem da normalização e regulação da delinquência para gerir e pulverizar as
manifestações políticas e sociais, mas também para legitimar de fato a atuação,
muitas vezes ilegal, do estado e seus aparelhos repressivos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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271
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______. Por que a guerra? De Einstein e Freud à atualidade. Santa Cruz do Sul: Essere nel
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273
INTRODUÇÃO
O Direito Penal é o instrumento utilizado pelo Estado para promover a harmonia social.
A regulação das condutas consideradas puníveis por transgredirem a ordem de boa
convivência está abarcada juridicamente na legislação brasileira. O Poder Judiciário é
convocado a dirimir os conflitos tipificados no ordenamento legal e promover, quando
devidamente instruído e comprovado na persecução penal, a punição do agente.
O princípio da insignificância, que encontra seu respaldo e aplicação no seio material
e processual penal, é corriqueiramente abordado nas teses defensivas. De ordem garantista,
o referido mandamento, que não encontra guarida legislativa, vem sendo constantemente
debatido na seara doutrinária e jurisprudencial ao lado do instituto, previsto no Código Penal,
da reincidência.
A contraposição entre um princípio absolutório e uma agravante ou circunstância
desfavorável ao réu, qual seja, a conduta criminosa reiterada, é levada aos tribunais brasileiros
com expressiva frequência. Os julgadores, pois, precisam analisar o caso e definir quanto à
aplicabilidade da bagatela ou sua objeção quando enfrentada, de forma fática, com a
reincidência.
1
Aluno do Curso de Graduação em Direito na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (UNIJUÍ). E-mail andre_castro500@hotmail.com
2
Aluna do Curso de Graduação em Direito na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (UNIJUÍ). E-mail: yanapaula04@hotmail.com
274
vítima não sofreu nenhum dano ou ameaça de lesão relevante, configurando-se a atipicidade
e a não justificação da aplicação criminal.
Já na bagatela imprópria, Alice Bianchi, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio
Go esà apudà“áNCрй“,à ,àp.à àp e eitua à ueàdizà espeitoà uelaà ueà as eà ele a teà
para o Direito Penal [...], mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso
concreto apresenta-seà total e teà des e ess ia .à Desseà odo,à i pe a a importância de
aplicar a lei, mas não de punir o agente, uma vez que não atende à proporcionalidade.
O Supremo Tribunal Federal, a partir dos julgados criminais, tem firmado o
entendimento de que o princípio da insignificância, da bagatela ou preceito bagatelar, guarda
fundamento na retirada da própria tipicidade penal da conduta, descaracterizando a moldura
existente entre o fato e a norma. O resultado é, pois, a absolvição do réu, por absoluta
irrelevância do caso para a persecução penal.
Verifica-se, portanto, que a doutrina e jurisprudência, de forma majoritária, defendem
o instituto da insignificância para o afastamento da tipicidade criminal. Assim, o juiz traz para
as partes uma sentença penal absolutória, não sendo imputado ao réu qualquer consequência
prevista na legislação penal, visto que nulla poena sine crime ,àouàseja,à oàh à ueàseàfala à
em aplicação de pena sem haver um crime que deva ser punido.
O instituto da reincidência consiste no agente praticar uma infração penal após ter sido
condenado definitivamente, isto é, com sentença transitada em julgado. Segundo o artigo 63,
doàC digoàPe al,à erifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime
a te io .
Nesses termos, faz-se necessário que o indivíduo tenha praticado um delito anterior,
já com prolação de sentença condenatória sem possibilidade de interposição de recurso, bem
como tenha ele, na sequência, infringido novamente a lei penal. As especificações são
legalmente prescritas no Diploma Penal. O artigo 64 declara que o novo crime deva ocorrer
dentro de cinco anos após o trânsito em julgado, com cumprimento extintivo da pena, uma
vez que fora desse lapso desencadeia-se a perda da eficácia e aplicabilidade da reincidência.
278
Nota-se, diante disso, que a prática delitiva no prazo superior a cinco anos traz ao
agente a condição de primariedade. Essa situação é corroborada por Nucci (2011, p. 488), ao
e io a à ueà àp i ioà ue à oà à ei ide te;àeste,àpo àsuaà ez,à àa ueleà ueà o eteà
novo delito nos cinco anos depoisàdaàe ti ç oàdaàsuaàúlti aàpe a .à“alie ta-se, porém, que o
marco de contagem diz respeito ao cumprimento ou extinção da última pena, e não do
trânsito em julgado da sentença condenatória.
A aplicação da reincidência na dosimetria da pena gera muitas discussões, uma vez que
esta ia,à e à tese,à o t adita doà o à oà p i ípioà doà eà isà i à ide , ou vedação da dupla
punição pelo mesmo fato, ou seja, a primeira ação delituosa não deveria servir de agravação
para a pena de outra. Porém, esculpido no seio penal, o instituto da reincidência é aplicável
nas sentenças e tais decisões são aceitas majoritariamente pelos tribunais.
Além disso, a “ú ulaà àdoà“upe io àT i u alàdeàщustiçaàp ofe eà ueà aà ei id iaà
penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como
i u st iaàjudi ial à B‘á“Iэ,à .àNesseàse tido,àoàjuiz,à o soa teàNu ià ,àp.à à
podeàle a àe à o side aç oàosà ausàa te ede tesàeàaà ei id ia,àdesdeà ueà oàte ha ,à
como base fática, as mesmas condenações .
Constata-se que o instituto da reincidência gera consequências negativas para o réu.
Os efeitos, segundo Nucci (2014, p. 386), são os seguintes: a) existência de uma agravante que
prepondera sobre outras circunstâncias legais; b) possibilidade de impedir a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa; c) quando por crime doloso,
impedimento à obtenção do sursis; d) possibilidade de impedir o início da pena nos regimes
semiaberto e aberto; e) motivo para aumentar o prazo de obtenção do livramento
condicional; f) impedimento ao livramento condicional nos casos de crimes hediondos,
tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo, tratando-se de reincidência específica; g)
aumento do prazo de prescrição da pretensão executória em um terço; h) causa de
interrupção do curso da prescrição; i) possibilidade de revogação do sursis, do livramento
279
Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes e Christiane Parisi Infante (2010) afirmam que o
direito brasileiro, por meio de seus doutrinadores e julgadores, tem calcado o entendimento
de que o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade. Assim,
embora haja previsão legal, o fato praticado, consoante as características já descritas, é
irrelevante para o direito penal.
Todavia, a jurisprudência nacional tem discutido constantemente acerca da
aplicabilidade da referida bagatela criminal. Nem sempre o réu é primário e cometeu um
delito de menor potencial ofensivo ao patrimônio de outrem. Por vezes, a coisa furtada,
exemplificativamente, é irrisória, mas, de outra banda, o acusado é assíduo no crime, ou seja,
é reincidente ou registra maus antecedentes criminais.
Nessa seara jurídica, Luiz Regis Prado (2010, p. 158) proclama:
O STF, diante disso, firmou o entendimento de que a reincidência não é elemento a ser
isoladamente considerado como óbice à aplicabilidade do princípio da insignificância,
cabendo ao magistrado confrontá-la com os demais elementos subjetivos e objetivos do caso
em discussão. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido as suas demandas com base
nessa interpretação, conforme Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial
2016/0301691-0, com relatoria do ministro Jorge Mussi:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado brasileiro, por meio de sua legislação penal, tem encontrado grandes
debates acerca da punibilidade dos agentes transgressores da lei. As sanções impostas pelo
283
REFERÊNCIAS
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Oitava Câmara Criminal. Comarca de Origem: Uruguaiana. Relatora: Isabel de Borba Lucas.
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285
a_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26v
ersao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D700
67954123%26num_processo%3D70067954123%26codEmenta%3D7251385+70067954123+
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8&numProcesso=70067954123&comarca=Comarca%20de%20Uruguaiana&dtJulg=26/04/20
17&relator=Isabel%20de%20Borba%20Lucas&aba=juris>. Acesso em: 06 maio 2017.
286
RESUMO: Esse artigo apresenta uma análise sobre a manifestação da cultura do estupro,
trazendo aspectos introdutórios sobre a relação entre a cultura e a perpetuação da prática do
estupro, bem como destacando aspectos históricos acerca da constituição e da prática dos
crimes sexuais, em específico a respeito do crime de estupro. Do mesmo modo, busca
empreender uma breve discussão sobre a cultura do estupro e especialmente os
comportamentos cotidianos que a reforçam e naturalizam, abordando o assédio sexual, a
construção da verdade nos casos deàestup o,àoàdes espeitoàaoà o àfe i i o,à o side a doà
que todos estes fatores são decorrentes da cultura patriarcal que, através de estereótipos de
gênero produz a objetificação da mulher. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida com base no
método hipotético dedutivo e na técnica de revisão bibliográfica.
1 Introdução
A prática de todas as formas de violência de gênero tem se tornado uma constante na
realidade brasileira, ademais dos vários instrumentos legais disponíveis no intuito de sua
coibição. Vários são os casos com os quais nos deparamos no dia a dia, e uma das mais
destacadas, embora a mais envolta em preconceitos seja a violência sexual, mais
especificamente o crime de estupro.
Em comum, a grande maioria dos casos apresenta uma dimensão simbólica que tende
a promover a relativização, a justificação e a consequente naturalização da violência,
mediante a inversão que passa a questionar a palavra da vítima, ou mesmo justificar, em
algum comportamento desta, a ação do agressor, tida como natural de seu gênero. Todos
estes fatores fazem parte de um processo simbólico e subjetivo de perpetuação da cultura do
estupro, que se reproduz através de atitudes de cada um que contribuem para a reprodução
de comportamentos que passam a ser vistos como naturais, em vez de serem observados
através da perspectiva cultural na qual estão inseridos.
Neste sentido, o presente artigo pretende analisar a manifestação desta cultura na
atualidade, suas principais características, formas de manifestação e impactos que provoca
1
Acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ. brubronzatto@hotmail.com
2
Professora do Curso de Direito da UNIJUI, Doutora em Direito pela UNISINOS. joice.gn@gmail.com
287
Assim, foi sendo debatida a definição de cultura e o impacto que ela gera nas
comunidades. Mais tarde, Teixeira Coelho (1997, p.103,) através do Dicionário Crítico de
Políticas Culturais, observa que o termo cultura possui várias designações:
Em sua conceituação mais ampla, cultura remete a ideia de uma forma que
caracteriza o modo de vida de uma comunidade em seus aspectos global,
totalizante. Num sentido mais estrito, como anota Raymond Williams, cultura
designa o processo de cultivo da mente nos termos da terminologia moderna e
cientificista ou do espírito para adotar um ângulo mais tradicional. Sob esse aspecto
o termo aponta para: 1. Um estado mental ou espiritual desenvolvido, como na
e p ess oà pessoa deà ultu a ;à .à Oà p o essoà ueà o duzà aà esseà estado,à deà ueà
são parte as práticas culturais genericamente consideradas; 3. Os instrumentos (ou
os media) desse processo, como cada uma das artes e outros veículos que expressam
ou conformam um estado de espírito ou comportamento coletivo.
E, finalmente, uma relação que nos permitirá analisar de uma forma ainda mais
concreta o papel que a cultura exerce sobre os sujeitos, em especial no âmbito da violência
deàg e oà àaàdeàDe sàCu heà ,àp. ,ào deàafi aà ueà a noção de cultura se revela
então o instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos
comportamentos humanos. A natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela ultu a .
Logo, com todas essas observações atemporais a respeito de cultura, podemos afirmar
que é um compilado de características e comportamentos que se colocam sobre o homem
288
dentro de um grupo social. Tais comportamentos, apesar de serem vistos como naturais pela
comunidade a qual a cultura pertence, estão condicionados a essa cultura, e por ela foram
construídos.
Este aspecto cultural, no que tange ao tema deste estudo, se alia à prática de crimes
sexuais. O histórico dos crimes que hoje são designados crimes sexuais já foi muito
controverso. O Código Penal da República de 1890 trazia essas tipificações no título Dos crimes
contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor. Isso,
ju ta e teà o àaàtipifi aç oàdeà deflo a e to à ueàt ata aàespe ifi a e teàso eàaàpe daà
da virgindade e somente era considerado crime com um exame moral do comportamento da
vítima, reproduziu a impunidade nos crimes sexuais, na maioria das vezes culpabilizando a
vítima.
No Código Penal atual que entrou em vigor em 1940, tais crimes estavam presentes
nos crimes contra os costumes, aspecto que somente em 1980 foi problematizado pelo
movimento feminista. A reivindicação era para que fossem incluídos no capítulo Dos crimes
contra a pessoa, o que não foi exatamente a alteração feita. Somente mais tarde, em 2009,
com a Lei 12.015/09, tivemos o título alterado para crimes contra a dignidade sexual. Dessa
maneira, tivemos um grande avanço dos direitos individuais das mulheres.
De todas essas tipificações, o objeto desse estudo é o crime de estupro. Previsto hoje
no Código Penal Brasileiro e àseuàa tigoà àte àoàsegui teàtipoàpe al:à constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
eleàseàp ati ueàout oàatoàli idi oso .àNesseàse tido,àaà o dutaà i i osaà àa pla,àa o da doà
qualquer ato que seja libidinoso.
Todavia, o pensamento de permeia a sociedade, inclusive as instituições protetivas, é
de que o estupro deve ser necessariamente um ato violento. E, ainda, que somente marcas
físicas de violência são meio de prova do não consentimento. Nesse sentido, confirma Daniella
Georges Coulouris (2004, p.6), onde não há grave violência não há estupro: ou a mulher é
vítima e seu comportamento ou as marcas de agressão comprovam sua passividade, ou a
mulher é cúmplice de sua própria denúncia
289
A expressão cultura do estupro foi utilizada pela primeira vez por feministas norte-
americanas na década de 70 e sugere que a sociedade cultiva crenças e convenções que
naturalizam a violência sexual contra as mulheres (FERREIRA JÚNIOR, 2015). A ideia da palavra
cultura é justamente demonstrar que esses comportamentos não devem ser vistos como
naturais.
Ao analisarmos os casos de estupro podemos notar padrões de comportamento que
são comuns à grande maioria deles. Conforme dados levantados na Nota Técnica nº11 do IPEA
(2014), mais da metade dos casos de estupro praticados contra crianças e adolescentes foram
cometidos por pessoas conhecidas, como pais, padrastos, tios, namorados e amigos. Ainda,
nos crimes que vitimam adultos, os conhecidos são autores em 40% dos casos.
Além disso, a mesma pesquisa evidencia que a vítima, em 88% dos casos é mulher,
enquanto a figura do agressor é o homem em 90% das vezes. Não é coincidência que mulheres
são basicamente as vítimas à medida que os homens são os agressores. Isso significa que o
papel da cultura em naturalizar comportamentos e papéis de gênero, o qual ratifica a
hierarquia que coloca o homem em posição de superioridade sobre a mulher, contribui de
forma muito significativa para a violência de gênero.
Neste sentido, pode-se elencar muitos comportamentos sociais que evidenciam,
naturalizam, permitem e até mesmo promovem a permissividade de invasão à liberdade
sexual das mulheres.
Apesar de ser amplamente discutido o assédio sexual no trabalho, ele está presente
em todos os lugares, principalmente nas ruas. Caracteriza-se por ser toda a manifestação de
que atente contra a liberdade sexual da mulher. Assim, partindo do pressuposto que a mulher
tem a liberdade de escolher com quem e quando quer ter relações sexuais, qualquer
p o i idadeà a ide tal à oàt a spo teàpú li oàeà ual ue àasso ioà aà uaàs oà o side adosà
assédio sexual.
Dessa forma, quanto a esse comportamento, é imprescindível a reflexão de que essas
situações ocorrem de maneira tão incessante que acabam por tornarem-se invisíveis, levando
aà ualidadeà ueà o ais .àCo stitui do-se, assim, parte da própria cultura, o que dá origem
a cultura do estupro.
Outro dado relevante que a Nota Técnica nº11 do Inep aborda é a estimativa de que
apenas 10% do número de casos de estupro que são denunciados pelas vítimas. Esse baixo
índice pode ser atribuído a vários fatores, como a exposição que a vítima sofre ao denunciar,
a violência moral e psicológica que ela sofre por parte do agressor, através de ameaças e até
mesmo por não receber apoio da própria família para denunciar, considerando que muitas
vezes o agressor é um familiar.
O que gera repúdio em relação a isso, é que nesses raros casos em que a mulher faz a
denúncia, ela enfrenta o descrédito da própria justiça, que é ainda mais relutante em acreditar
aà ulhe à ua doà oà ag esso à oà pe te eà aoà este e tipoà doà estup ado .à Te de-se a
acreditar que quem pratica violência sexual contra uma mulher é um se à a o al ,àisoladoà
da sociedade, com problemas psicológicos e usuários de drogas ou alcóolatra.
Nesse sentido, afirma Daniella Georges Coulouris (2004, p.4-5):
Segundo Esteves (1989), em todos os discurso jurídicos do final do século XIX e início do
Século XX, o padrão de honestidade estava associado ao comportamento e à conduta social
(apud Coulouris, 2004, p.120). Nesse processo, uma conduta exemplar, suficiente para
inocentar um homem dizia respeito à sua relação com o trabalho, onde bastava-se comprovar
esta àt a alha do,à se àt a alhado .àй ua toàisso,àaà o dutaàdaà ulhe àesta aà ela io adaà
à sua vida sexual, onde qualquer comportamento que não se enquadrasse na moralidade da
época, automaticamente a culpava pelo fato (COULOURIS, 2004).
Hoje, ainda é possível identificar vestígios desse modelo, principalmente quando a
vítima é desacreditada pela própria sociedade, que muitas vezes encontra maneiras de culpá-
la pelo crime, seja pelas roupas que usava, pelo local que estava ou pelo fato de ter ingerido
bebida alcóolica. Dessa forma, Lívya Ramos Sales Mendes de Barros e Alline Pedra Jorge-Birol
(2007, p.24) afirmam:
Quanto ao Judiciário, ainda temos julgamentos dos crimes de estupro pautados não
pelos fatos e pela lei, mas sim pela posição ocupada pelas partes envolvidas na sociedade e
no julgamento moral que o modelo patriarcal estabelece. Por isso, a composição desigual da
verdade num crime, que por si só já é extremamente cruel e traumático para a vítima,
contribui para a perpetuação da cultura do estupro.
O crime de estupro é previsto no artigo 213 do Código Penal (BRASIL, 1940) e consiste
e à o st a ge à ulhe à à o ju ç oà a alàso à iol iaàouàg a eàa eaça .àй plí itoàta à
é o bem jurídico protegido pelo Código Penal: a liberdade sexual. Logo, o consentimento
torna-se indispensável à proteção desse direito.
Out oà o po ta e toà ueàest à uitoàp ese teà oàu i e soàfe i i oà àte àoà o à
dito ser totalmente desconsiderado. Existe o entendimento de que quando uma mulher nega
as investidas de um homem ela está apenas fazendo um jogo de sedução, onde ela, na
verdade, quer, mas diz que não para que o homem insista. Entretanto, sabemos que o crime
se consuma no momento em que a vítima expressa o não consentimento, inclusive,
entendimentos mais atuais consideram que basta não haver consentimento expresso para
ocorrer o crime.
Nesse sentido, entende-se que mesmo em um cenário onde a mulher na iminência do
ato sexual consentido, desista ou manifeste negativa, mesmo tendo consentido até certo
ponto, não se pode falar em ato sexual cometido, e sim em estupro. Ainda, tratando-se de
situação onde a mulher não consiga expressar o consentimento, como, por exemplo, estando
desacordada ou sob efeito de alguma substância entorpecente, também caracteriza-se crime.
Então, o consentimento é fundamental para a ocorrência de qualquer relação sexual.
Quando a mulher não consegue manifestar seu consentimento, ou ainda, mesmo o
desinteresse e tendo sua vontade desconsiderada por parte dessa interpretação de que ela
desejaà se à o e ida ,àelaàte àsuaàli e dadeàse ualàlesada.àйsseà o po ta e toàp ati adoà
pelos homens reforça a existência de cultura do estupro, visto que desrespeita a escolha da
mulher e fere sua dignidade.
293
Esse fenômeno ocorre principalmente nos meios midiáticos, onde se apela para o
corpo feminino, na maioria das vezes quase desnudo e em posições degradantes a fim de
chamar a atenção masculina para o produto. De acordo com Bourdieu (1999),
Todo esse processo que está perpetrado na sociedade atual faz com que o homem veja
a mulher como um objeto. Isso acaba refletindo no pensamento de que a mulher pode
pertencer ao homem, o que gera um grande índice de violência doméstica, visto que se a
mulher é um objeto, não possui opinião ou vontade, e como pertence ao homem cabe a ele
fazer com ela o que ele bem entender.
Conclusão
Como conclusão deste estudo, pode-se observar que a cultura na qual estamos
inseridos reforça papéis e naturaliza comportamentos desrespeitosos promovendo a
desigualdade e a violência de gênero. Esta cultura, portanto, faz parte de uma construção
cultural machista e patriarcal que vem se desenvolvendo há muitos séculos, e se perpetua até
a atualidade.
Estamos sempre presenciando os comportamentos discorridos nesse trabalho e o fato
de não prestarmos nem atenção a esse tipo de atitude é o que permite a reprodução da
violência, assim, negamos a liberdade sexual da mulher e ainda permitimos que ela seja
considerada culpada por isso. Esse fenômeno configura-se na naturalização da cultura do
estupro, que faz com que todos nós convivamos com ela, e normalizamos a sua existência.
Portanto, por mais controversa e questionável que possa ser a afirmação da existência
da cultura do estupro na atualidade, é importante observar que a sua formação advém
justamente através da naturalização dessas condutas. À medida que todo esse contexto for
problematizado, assim como vem fazendo o movimento feminista, poderemos acreditar em
uma futura igualdade de gênero e uma considerável redução nos índices de violência.
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296
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Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste Intercom Sudeste. São Paulo:
Intercom. 2014. p. 1-15.
297
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito Mestrado e Doutorado, pela Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) Campus Santo Ângelo - RS. Bolsista CAPES no programa acima
referido. Pós-graduada em Direito Eleitoral pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Advogada voluntária
no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SAJU/UFRGS),
especificamente no Grupo Anti-Manicomial de Atenção Integral (GAMAI). E-mail: carhlaalves@hotmail.com
2
Graduada em Psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUI) Campus Santa Rosa/RS. Psicóloga. E-mail: brunagmichael@hotmail.com
298
segregação da loucura, pois esta era considerada como uma particularidade do ser humano,
era constituída como um erro, falha da razão, ou ilusão (FOUCAULT, 2008). Ocorre que,
segundo Foucault, na Idade Clássica os insanos passaram a ocupar o lugar de exclusão que
antes, durante a Idade Média, era ocupada pelos leprosos. Quando a ameaça que a lepra
causava foi afastada, os espaços físicos, leprosários, bem como os espaços sociais e
ideológicos, vieram a ser preenchidos pelos loucos. Mudou-se o enfoque de exclusão.
O conceito de loucura era restrito, definia-se a partir do aspecto físico e
comportamental da pessoa, não existindo, ainda, avaliação médica para constatar ou não o
diagnóstico. Não existia o estigma de doente mental, a loucura era entendida como uma
expressão das forças da natureza. O louco era considerado uma pessoa possuída por espíritos
demoníacos, ou por manifestações paranormais, os quais precisavam ser tratados pela Igreja,
a partir de rituais e rezas. Em alguns momentos, foram marcados pela exclusão e, em outros,
por piedade.
Entretanto, é a partir do início da Renascença que a loucura deixa de ser considerada
uma particularidade do ser humano, e de ter relação com a natureza ou forças divinas. A partir
desse momento a loucura é vinculada a não razão e, consequentemente, o louco passa a ser
um infringente da moral. Ou seja, a loucura ganha um caráter moral, e os loucos não podiam
mais ocupar os espaços sociais como antes. Observa-se, desse modo, que por meio de
edidasà ep essi asà ueàesseà p o le aàso ial à eioàaàse à esol ido.àásài stituiç esà eligiosasà
não tinham função curativa, mas puniam a ociosidade, pois o louco era visto como um
des ia teàdaà az o,àeà oà o oàu àdoe te,à o e toà ueàнou aultà o eiaà o oà G a deà
I te aç o .
Portanto, a justificativa da presente pesquisa encontra-se em desvendar os contrastes
entre a lei e a prática. Até quando a loucura será tratada como uma anomalia e a segregação
como uma necessidade? O objeto de análise da presente pesquisa é demonstrar a
ressignificação da loucura e os objetivos e impactos da Reforma Psiquiátrica - Lei 10.216/01 -
na busca pela garantia da dignidade humana e, consequentemente, concretização da
cidadania dos pacientes mentais.
Para o objetivo deste estudo se requer ainda, como método de abordagem o
hipotético-dedutivo. O método de procedimento utilizado nesse artigo consistirá em uma
abordagem bibliográfica em fontes variadas, a partir de livros, revistas, artigos, e análises
299
2 DESENVOLVIMENTO
A noção de doença mental foi construída de forma nociva, de modo que o único modo
de proteger a sociedade e impedir a desintegração das instituições é a partir da psiquiatria. O
louco é estigmatizado como alguém violento, e ao estar à margem da sociedade, acaba por
seàto a àu ài dig oàdeàte àu aà idaàe à o u à o àosàditosà o ais à “)á“),à .àOà
mundo da loucura acaba por se tornar o mundo da exclusão.
Somente a partir da Revolução Francesa, com ideias de liberdade, igualdade e
fraternidade, bem como a declaração dos Direitos Humanos, que as internações arbitrárias
passaram a serem denunciadas. Nenhum cidadão mais seria encarcerado, a não ser o louco,
tendo em vista serem pessoas perigosas, que não poderiam conviver em sociedade. Nas
palavras de Foucault:
(...) restituídos à liberdade, podem tornar-se perigosos para sua família e o grupo no
qual se encontram. Daí a necessidade de contê-los (...) as antigas casas de
internamento, sob a Revolução e o Império, foram paulatinamente reservadas aos
loucos, mas desta vez aos loucos apenas. Os que a filantropia da época liberou são
então todos os outros, exceto os loucos; estes encontrar-se-ão no estado de serem
os herdeiros naturais do internamento e como os titulares privilegiados das velhas
medidas de exclusão (FOUCAULT, 1994, p. 81).
É nesse momento que a loucura passa a ser considerada uma doença, e é quando
acontece o nascimento do manicômio, após a publicação da obra de Philippe Pinel (1745-
1826), conhecido como pai da psiquiatria. Pinel rompe com a tradição demoníaca da loucura
e passa a considerá-la como doença mental, pois acreditava que o louco precisava de
cuidados, remédios e, principalmente, apoio das outras pessoas. Várias experiências e
tratamentos são desenvolvidos e difundidos pela Europa. É nesse momento que surge a
primeira revolução psiquiátrica, fazendo com que o século XIX fosse considerado o século dos
manicômios, tendo em vista a quantidade de hospitais psiquiátricos que, em decorrência da
loucura, foram construídos.
O tratamento nos manicômios, defendido por Pinel, baseia-se principalmente na
reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das condutas
300
Com a junção dos campos jurídico e penal, dá-se a criação de outra instituição, os
chamados manicômios judiciários, tendo em vista os loucos infratores. Birman (1978) afirma
301
que a separação entre loucos delinquentes e loucos dóceis justificava-se por razões de ordem
pú li a,àassi à o oàdeàsegu a ça.àй,àpa aàCa a a,à aàideiaà e t alà àdeà ueàlou osàpe igosos,à
ouà ueàesti esse àe ol idosà o àaàjustiça,àde e ia àse àsepa adosàdosàalie adosà o u s à
(1998, p. 148).
Da união dos saberes da psiquiatria e do Direito Penal, nasceu o rótulo da
periculosidade, utilizado até os dias de hoje, como forma de classificação e qualificação dos
indivíduos que possam ameaçar a segurança (FOUCAULT, 1994). Os termos periculosidade e
perigoso são comuns nos discursos para qualificar pessoas que cometeram crimes e estão
atrelados a noção de risco. Desse modo, a periculosidade acaba tornando-se a principal
característica do louco, inaugurando a diferença entre imputabilidade e inimputabilidade,
tendo em vista a necessidade de separação do ambiente social, em busca de defesa, que
acaba resultando no surgimento das denominadas medidas de segurança (FOUCAULT, 1994).
As demandas jurídicas resultantes de delitos praticados pelos loucos acabam
aproximando os saberes da psiquiatria à criminologia, momento em que nasce uma nova
etapa, onde além de descobrir o autor e classificar o delito, é necessário desvendar qual é o
nível de realidade do crime cometido, ou seja, há que se conhecer a origem do crime, mas
além disso, como punir? (FOUCAULT, 2008).
A psiquiatria acaba assumindo uma função sanitária, tendo por alvo a higiene do
espaço público. A loucura estava atrelada à miséria e as consequentes epidemias resultantes
da urbanização. A punição estava relacionada com a natureza e identidade do infrator, e não
com o crime praticado. Conforme relatado por Foucault, o que se tentava investigar era
ue à à o ? ,àte doàe à istaà ueàoà i eàe aà o etidoàse à az o,à us a a-se, portanto,
uma explicação sobre quem era o criminoso. Punia-se por conta do que tornava a pessoa
criminosa, ou seja, pela loucura, já que a conduta era reflexo do que ela era: louca. E é a partir
desseà o e toà ueàsu geàaà lassifi aç oàdeà i di íduoàpe igoso ,à ueà e àaàse o principal
objeto da ação punitiva desde o século XIX (FOUCAULT, 2010).
Os criminólogos positivistas, Enrique Ferri (1856-1929), Cesare Lombroso (1835-1909)
e Raffaele Garofalo (1851-1934), defendiam a patologia psicológica nata do criminoso.
Lombroso, na busca do entendimento da criminalidade, apoiou-se em aspectos biológicos e
sociais. Estabeleceu padrões comportamentais, psicológicos e físicos, tais como assimetrias
cranianas, tamanho dos ossos, tatuagens, cabelos escuros, entre outros. Sua teoria defendia
302
aàe ist iaàdeàu à i i osoà ato ,àalgu sài di íduosàe a à iologi a e teàp epa adosàpa aà
delinquir, e através dessas características seria passível de reconhecimento, e passível de
segregação e cura (MATTOS, 2006). Garofalo, por sua vez, nomeou seus estudos a categoria
de delito natural, classificava os criminosos através de elementos físicos e comportamentais.
Já Ferri acreditava que o delito era consequência de uma combinação de fatores, e não
exclusivo de uma patologia individual.
A partir de debates dos profissionais da saúde, criou-se o Manicômio Judiciário no Rio
de Janeiro, inaugurado em 1921. Os loucos criminosos não poderiam mais se alojar em
hospícios, precisando, portanto, de uma prisão de caráter especial, que atendesse suas
necessidades, também especiais. E assim iniciou-se a criação de outros manicômios, além de
outras propostas de asilamento como, por exemplo, as colônias agrícolas de tratamento. Foi
então que a Liga Brasileira de Higiene Mental, juntamente com o movimento dos
trabalhadores da saúde, e logo em seguida o Movimento Reformista, que propunha a
antipsiquiatria, inspirado nos modelos da Itália, que os loucos passaram a serem vistos como
portadores de transtornos mentais.
Após a criação dos manicômios judiciários, e com o advento do Código Penal de 1940,
nasce a medida de segurança, destinada a loucos infratores, com o intuito de prevenção e
tratamento dos indivíduos que apresentavam um alto grau de periculosidade. Para
determinar o cumprimento da medida de segurança, é necessário, além do requisito de
periculosidade, a prática de um delito penal, sendo que seu cumprimento será em hospitais
de custódia, não mais denominados manicômios judiciários, mas na realidade altera-se
somente a nomenclatura. Nas palavras de Carvalho:
Neste cenário, o direito penal brasileiro trabalha com distintas respostas jurídicas
aos autores de condutas consideradas ilícitas: primeira, aplicação de pena ao
imputável; segunda, aplicação de pena reduzida ou de medida de segurança ao
semi-imputável; terceira, aplicação de medida de segurança ao inimputável
psíquico; quarta, aplicação da medida socioeducativa ao inimputável etário
(adolescente em conflito com a lei) (2013, p. 500).
Conforme determina o Código Penal vigente, no artigo 97, quando a infração cometida
for apenada com reclusão, a internação ocorrerá de forma compulsória, e se a pena for de
detenção, poderá o juiz determinar tratamento ambulatorial. Quando se comete um crime e
a pessoa acusada alega não ter responsabilidade do ato delituoso cometido, por ser portador
de algum transtorno mental, será considerada inimputável, e irá ser submetida a medida de
segurança, conforme prevê o artigo 26 do Código Penal. Para melhor entendimento, ressalta-
se a importância dos termos imputabilidade e inimputabilidade.
O termo imputar significa atribuir culpa a outro, portando, é imputável alguém que
compreende seus atos, que tem um senso de responsabilidade. Já os inimputáveis
subdividem-se em duas categorias, quais sejam, inimputáveis e semi-imputáveis. Os semi-
imputáveis, formados por pessoas que não são inteiramente capazes de entenderem seus
atos, são indivíduos incapazes, isentos de pena, mas não de culpa, tendo sua pena reduzida
ouà su stituídaà po à edidaà deà segu a ça,à aà se i-imputabilidade é uma categoria
i te edi iaà e t eà aà apa idadeà eà aà i apa idadeà ple as à Cá‘VáэрO,à ,à p. .à Osà
inimputáveis são formados por pessoas que não possuem nenhuma capacidade de
compreender seus atos, e consequentemente, a natureza do ato delituoso, sendo
considerados totalmente incapazes. São inimputáveis aqueles que comprometem sua
capacidade de imputação, parcial ou total em função de:
potencial de perigo não for mais passível, o indivíduo consiga retornar ao convívio social.
Co fo eà p e à oà a tigoà ,à pa g afoà ºà doà C digoà Pe al,à aà i te aç o, ou
tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for
averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá
se àdeà à u àaà à t s àa os .àU aàdasà aio esàdis uss esàdaà edidaàdeàsegu ança está no
seu caráter temporal, pois a medida tem tempo mínimo e não possui um tempo máximo, o
condenado não sabe a duração de sua penalidade.
A punição ao louco é muito mais rigorosa que a punição imposta às pessoas ditas
normais, uma vez que a internação não tem prazo para acabar. É uma espécie de prisão
perpétua sujeita à condição resolutiva da cura improvável, sujeita a uma condição quase
impossível (JACOBINA, 2008). Conforme Salo de Carvalho
própria vida pelo crime cometido, uma espécie de morte em vida, uma vez que a possibilidade
de sair da instituição de tratamento é mediante a sua cessação de periculosidade.
Como se percebe, esse tipo de internação compulsória acaba se tornando perpétua,
já que tem prazo mínimo, mas não tem limite máximo. Ainda nos dias atuais, os manicômios
judiciários são mantidos no Brasil, com características de uma instituição híbrida, e
misturando funções de instituições hospitalares e prisionais. Historicamente as medidas de
segurança foram aplicadas a partir de uma cultura de exclusão daquilo que a loucura
representa para a sociedade, e que acaba por buscar proteção por meio do exílio perpétuo
no manicômio judiciário (DELGADO, 1992). A loucura vem escancarar a impossibilidade da
sociedade de aceitar que não existe uma cura, um remédio que a solucione definitivamente,
ou seja, a loucura entra como um freio ao discurso social e a ilusão de que podemos saber e
curar tudo.
A realidade social manicomial necessita ser compreendida, assim como o conjunto de
relações existentes entre crime e loucura. A necessidade de transformação do modelo de
atenção à saúde mental no Brasil, a Reforma Psiquiátrica surge de uma confluência política,
onde a rápida privatização da saúde, a partir da década de 60, acaba transformando a loucura
em um comércio. Na década de 70 formou-se no Brasil o Movimento dos Tratamentos em
Saúde Mental, protagonizando o movimento da reforma nacional, questionando a função
asila à oà t ata e toà eà seuà efeitoà te ap uti o,à o à oà ja g oà po à u aà so iedadeà se à
a i ios à áMá‘áNTй,à .à
A desconstrução do manicômio e a desinstitucionalização da loucura requer a
des o tage àdeàu àapa atoà ate ial,àeàta àte i oà o eitual.àCo fo eàBi a ,àosà
saberes psiquiátricos tradicionais passam a ser questionados, ao mesmo tempo em que
emergem novas formas de se conceber a saúde, a doença e a própria ciência (1999).
O Deputado Paulo Delgado (PT-MG) apresentou, em 1997, ao Congresso Nacional, um
projeto de lei versando sobre a desospitalização e os direitos correspondentes às pessoas
portadoras de transtorno mentais, catalizador nos debates no Brasil, o qual foi inspirado pelos
movimentos sociais e pelos usuários dos hospitais psiquiátricos.
Encontra-se ressonância nas políticas de saúde do Brasil que tiveram um marco teórico
e político na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), na 1ª Conferência Nacional de Saúde
Mental (1987), na 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), culminando na 3ª
307
aplicada aos inimputáveis. A Legislação Antimanicomial prevê que a internação é uma medida
excepcional, e só será aplicada quando esgotadas as tentativas de tratamento extra-
hospitalar. Ademais, a Constituição Federal proíbe penas de caráter perpétuo.
A partir do julgamento do Habeas Corpus 84.219/SP em 2005, o Supremo Tribunal
Federal firmou entendimento que a medida de segurança não poderia ter duração superior a
30 anos, tendo em vista que, de acordo com o Código Penal, esse é o tempo limite para o
cumprimento de uma pena privativa de liberdade. E, de acordo com o artigo 5º, inciso LVII,
alínea b, que proíbe pena de caráter perpétuo no Brasil, estendendo o limite fixado como
parâmetro temporal para a medida de segurança. Além do mais, a dignidade e a cidadania
são fundamentos do Estado Democrático de Direito, elencados na Constituição Federal de
1988, que tem também como garantias fundamentais os direitos à liberdade e igualdade.
Ademais, a saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme estipulado no texto
constitucional, e esse conjunto é o que forma a rede de proteção do louco infrator.
Aderindo aos preceitos da Reforma Psiquiátrica, os profissionais da saúde
desenvolvem propostas como, por exemplo, centros de cultura e convivência, e programas
de inclusão social por meio do trabalho, como forma de buscar acessibilidade aos usuários da
edeàpú li aàdeàsaúde.àNas e a àp og a asà o oàoà Deà oltaàpa aà asa ,ào deàpa ie tesàdeà
longa internação, institucionalizados nos hospitais, recebem auxílio para reencontrar suas
famílias ou novas residências. Oco eà ueàtalàp opostaàpossuíàalgu asàfalhasàest utu ais,à aà
desospitalização após uma medida de segurança não deve depender somente do Estado. Caso
a família não aceite o infrator em casa, rege-se uma nova medida, a medida de segurança
administrativa opera deà fo aà aà dei a à oà pa ie teà o oà o ado à daà alaà psi ui t i a à
(CAIXETA, 2012, p. 70).
Conforme Goffman (1961), reintegrar o louco infrator funciona com o intuito de
reatualizar e reaprender a interagir no social, fora dos muros, rompendo a sequência dos
papeis representados pelo louco infrator e pela sociedade, tendo em vista que as instituições
limitam as regiões de sua atuação, através de um ato continuo de totalização. Muitas são as
barreiras existentes, ainda, no campo jurídico junto a esfera da saúde mental relacionando a
Reforma Psiquiátrica.
Observa-se, no entanto, que as normas de direito e garantias previstas no sistema
jurídico não estão sendo amparadas, pois não têm sido utilizadas como proteção da
309
população de loucos infratores, pois estes continuam segregados pelo marco normativo
hegemônico, pelo estigma da doença mental e do perigo eminente, e suas existências são
esquecidas. O acesso a direitos, no campo da loucura criminosa, não é igualitário.
Os hospitais forenses, por não estarem submetidos as leis e bases do Sistema Único de
Saúde (SUS), não se caracteriza por uma instituição que visa a saúde do paciente. Sendo então,
uma instituição penal, que não tem um tempo máximo de permanência, onde o sujeito dito
louco não fica aos olhos da sociedade. Uma saída viável seria a revisão do hospital forense não
mais como uma instituição penal, mas uma instituição de saúde. Um sistema de assistência
orientado pelos princípios fundamentais do SUS, quais sejam, universalidade, equidade e
integralidade, vem sendo construído, assim como a proposta de desinstitucionalização,
ultrapassando limites das práticas e atingindo o imaginário social, assim como as formas
validas, culturalmente, de compreensão da loucura.
A punição do louco infrator é a de ser submetido à marca da periculosidade, bem
como, a enclausura da medida de segurança que visa um tratamento. Sendo assim, duas
perguntas são necessárias: por que o tratamento em hospitais forenses não acompanha o
mesmo giro que outras instituições de saúde mental deram após a reforma psiquiátrica?
Podemos pensar em tratamento onde não há interação social e manutenção de laços
afetivos?
A psiquiatria falhou com a cura da loucura - justamente porque esta cura não existe -
seus tratamentos não fizeram nada além do que apagar as nuances da humanidade que ainda
restava em seus pacientes. Para a psicanálise, não há uma cura para a loucura, sendo esta
uma forma de ser no mundo diferente da dos sujeitos ditos normas, ou seja, os neuróticos.
Mas qual seria, então, uma forma de tratamento possível?
Exige-se, portanto, imaginação, criatividade e reflexão crítica, na formação de
profissionais dotados de sensibilidade, bem como o comprometimento da sociedade, que
segundo Frichembruder e Cruz (2001):
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
a saúde do paciente, sendo necessário uma forma outra de cuidado e atenção com o louco
infrator.
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314
RESUMO: O presente trabalho tem como viés estudar a saúde pública dos transexuais no
sistema carcerário brasileiro. De modo que a saúde, enquanto direito social fundamental,
deve ser garantida a toda a população, independentemente de seu status social ou,
principalmente de seu gênero, devendo ser garantida aos transexuais, da mesma forma como
é garantida a qualquer cidadão. Ao passo que o direito à saúde dos transexuais deve ser
respeitado e garantido inclusive dentro do sistema penitenciário brasileiro. Pois os transexuais
são sujeitos de direitos e merecem todo o respeito quanto à sua identidade de gênero, sendo
inclusive permitido que eles continuem seu processo hormonal dentro do cárcere.
INTRODUÇÃO
Os anos iniciais do século XXI no Brasil vêm sendo marcados por diversas mudanças
sociais e culturais, as quais são consequências do próprio movimento de universalização dos
conceitos de direitos humanos e dignidade da pessoa humana. Isso traz à tona estudos como
o ora apresentado, sobre os direitos que devem ser assegurados à população e as garantias
de defesa dos cidadãos como um todo, sem excluí-los por suas diferenças. É nesse debate que
entra o estudo do direito à saúde.
Assim, tem-se que o direito à saúde no Brasil está garantido na Constituição e é
decorrência da grande mobilização política da sociedade, que envolveu e comprometeu as
instituições públicas e o conjunto da Assembleia Nacional Constituinte, luta esta que ganhou
oà o eà deà Mo i e toà pelaà ‘efo aà “a it ia à asilei a.à Dessaà fo a,à aà pa ti à daà
Constituição de 1988, a saúde passou a ser integrante do Sistema de Seguridade Social em
função do conceito de saúde adotado, ou seja, o de que a saúde é o resultado do acesso das
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Curso de Mestrado da UNIJUÍ. Bacharel em Direito
pela UNIJUÍ. Advogada. Email: carolina_barriquelo@hotmail.com;
2
Bolsista Integral CAPES e Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Curso de Mestrado da
UNIJUÍ. Pós-graduanda em Direito Civil pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Bacharel em Direito pela
UNIJUÍ. Email: kaoanne.krawczak@gmail.com;
3
Doutora em Direito (Univerisità Roma Tre), Mestre em Direito (UNISC) e Especialista em Demandas Sociais e
Políticas Públicas (UNISC). Professora na graduação em Direito e no Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUI,
Professora na graduação em Direito da Faculdade Dom Alberto. Advogada. E-mail: janaina.sturza@unijui.edu.br.
315
pessoas e das coletividades às políticas, aos bens e serviços sociais que promovem a qualidade
de vida.
Nestes termos, é sabido que os direitos humanos têm sido um tema recorrente na
América Latina desde os primeiros movimentos de redemocratização experimentados pelos
países do continente meridional. Por ser relevante para alcançar alguns dos principais direitos
individuais fundamentais do ser humano, a discussão de temas como direitos sociais, direitos
econômicos e culturais tornou-se uma indicação da democracia. Assim, neste cenário passou
a ser discutido o papel do estado social na vida de todos os cidadãos, sem diferenciá-los de
forma injusta e precipitada, sem desprezá-los à condição de pseudocidadãos quanto à sua
participação ativa e prolongada na vida em sociedade.
Entretanto, a saúde nem sempre foi tratada com zelo e preocupação por parte de
quem detinha o poder, contudo, a partir da Constituição da Organização Mundial de Saúde de
1946, tentou-se mudar essa perspectiva, ao conceituar pela primeira vez o direito à saúde, e
promover a garantia desse direito fundamental à população. De modo que o Brasil, com
considerável atraso, aderiu a essa proteção em 1988 com a Constituição Federal, garantindo
acesso à proteção, promoção e recuperação da saúde.
Sendo assim, a saúde pública se tornou o cerne de diversos debates, contudo, apesar
das diversas tentativas, ainda não foi capaz de atingir sua plenitude e garantir o efetivo acesso
aos cidadãos em geral. Nesse sentido, percebe-se a dificuldade de implantar esse direito de
forma efetiva em vários setores da sociedade. E é justamente aí que entra o estudo do direito
à saúde no sistema prisional, e no caso do deste artigo, tratando-se especificamente da saúde
dos transexuais que se encontram no cárcere.
Assim cabe referir que a transexualidade e a travestilidade são experiências
relacionadas à identidade e foram socialmente construídas, da mesma forma que a identidade
de homens e mulheres. Entretanto, ao serem formadas em resistência às normas de gênero,
são socialmente marginalizadas e acabam restando vulneráveis a violências físicas e
simbólicas. De modo que no caso das penitenciárias, isso não é diferente, e os transexuais
tendem a passar por ainda mais dificuldades que o restante da população carcerária, devido
ao preconceito largamente difundido em nossa sociedade, ainda mais em uma sociedade
marginalizada, como é o caso da população que vive nas prisões.
316
pois se é direito de todos, a todos deve ser garantido ao menos o mínimo acesso à saúde e as
necessidades básicas para a real efetivação desta.
Portanto, para a efetivação deste direito, previu-se expressamente no texto da
Constituição Federal de 1988, a criação de políticas sociais, dentre as quais está a
implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) com a previsão de princípios e diretrizes a
serem seguidos. Além disso, a Lei n° 8.080/90 instituiu a regulamentação infraconstitucional
do Sistema de Saúde. Essa evolução ocorrida com a implementação do SUS se deu
principalmente devido ao fato de que o Sistema Nacional de Saúde vigente até então, não
teria se mostrado eficiente.
Dando seguimento, Carvalho e Santos (2001, p. 55), conceituam o Sistema Único de
“aúdeà “U“ ,à o oàoà o ju toàdeàaç esàeàse içosàpú li osàdeàsaúdeàe e utadosàouàp estadosà
por órgãos, entidades ou instituições federais, estaduais e municipais da administração direta,
i di etaàouàfu da io al .à áde ais,à à sa ido,à ueà oàdi eitoà à saúdeà à u à di eitoà hu a oàeà
fundamental indisponível, que é garantido pela nossa Carta Magna de 1988 e previsto na
Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), devendo ser assegurado pelo Estado.
ál à disso,à aà saúdeà [segu doà Neu a ],à à oà e à aisà aliosoà doà se à hu a o,à oà
i po ta doàseuàstatusàso ial. à CU‘Y,à ,àp.à .
De modo que a saúde possui claramente caráter de universalidade, sendo um direito
de toda e qualquer pessoa, brasileira ou não. Sendo que, para Carvalho e Santos (2001, p. 71-
72), deve-seàassegu a àaà u i e salidadeàdoàa essoàaosàse içosàdeàsaúdeàe àtodosàosà í eisà
de assistên ia ,à o oàu aàga a tiaàdeàtodosàosà idad osài depe de te e teàdeà ual ue à
requisito. Além disso, a assistência remete à atenção individualizada, de acordo com as
exigências e necessidades de cada caso, empregando-se os meios necessários para a
efetivação doà di eito.à áoà passoà ueà pa aà “a letà eà нiguei edoà ,à p.à ,à asà aç esà eà osà
serviços de saúde devem ser [...] articulados e integrados em todos os aspectos [...] e níveis
deà o ple idadeàdoà“U“ .
Contudo, nos últimos anos, o Brasil tem passado por uma grande dificuldade na
garantia de acesso à saúde pública à população, o que se dá por diversos fatores, seja o
aumento populacional, a carência de recursos, o aumento da demanda, ou a utilização do
método de recuperação da saúde em detrimento da promoção e proteção. Essa dificuldade,
no entanto, não exclui a população carcerária do direito ao acesso à saúde, devendo estes ter
318
os mesmo direitos em relação a prestação de serviços de saúde, assunto este que será
abordado no próximo tópico deste artigo.
Com base nas considerações feitas anteriormente, pode-se afirmar que o direito à
saúde, enquanto direito fundamental de prestação positiva compreende também a população
carcerária, que será abrangida pelos programas e políticas públicas dirigidos aos cidadãos,
devendo ter acesso a meios que possibilitem o cuidado prévio e a recuperação da saúde.
Assim, no sistema prisional, foco do presente estudo, é relevante destacar que
inúmeras são as carências da população carcerária, que vão desde carências sanitárias à
dificuldade de acesso à saúde. Isso se explica pelas superlotações e pelos escassos recursos
para atender esta população, que cresce a cada dia. Nessa linha, Santos (2010, p. 28) aduz que
aàsaúdeà àu aà uest oà o plexa, por ser um conceito difuso, por não resultar apenas de
fatores biológicos e genéticos, decorrendo também de fatores socioambientais, econômicos
eà ultu aisàeàdoàestiloàdeà idaàaà ueàaàpessoaàest àe posta .
Diante disso, deve-se avaliar a saúde pelo viés da dignidade da pessoa individualmente
apreciada, não se desconsiderando a dimensão social que a dignidade abrange. Nesse ponto,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDр,àe àseuàp e ede teà Niñosàdeàlaà alle à
identifica o direito à vida com dig idadeà o oàse doà oàape asàaào igaç oà egati aàdeà
não privar a ninguém da vida arbitrariamente, senão também a obrigação positiva de tomar
asà edidasà e ess iasà pa aà assegu a à ueà oà sejaà ioladoà a ueleà di eitoà si o .à
(FIGUEIREDO, 2007, p. 55). Nesse sentido, fica evidente que a saúde deve ser garantida a
todos, independentemente de seu status social, como aduzido anteriormente.
Sendo que a saúde tem como escopo, segundo Rodrigues (2000), efetivar a
socialização, através de programas especiais do Estado em relação ao cidadão encarcerado,
não o excluindo de suas prestações em razão da reclusão. Com base nisso, aduz-se que a
população encarcerada inclui-se no direito à ter saúde, o qual é garantido a todos os cidadãos,
brasileiros ou estrangeiros residentes no país. Portanto, em razão disso e pelo fato de o
Estado, quando priva seus cidadãos da liberdade, ter responsabilidade por estes, é que a
garantia deverá ser assegurada de forma igualitária.
319
Nestes termos, essa garantia tem como fundamento humanizar o sistema carcerário e
manter a saúde da população em geral em boas condições, a fim de que se garanta o direito
humano à vida do encarcerado e não haja transmissão de doenças para o restante da
sociedade por maus cuidados com os reclusos. Com o objetivo de garantir esses cuidados, a
O ga izaç oàdasàNaç esàU idasà ONU àe àsuaàCa tilhaà ‘eg asàdeàMa dela:à‘eg asàMí i asà
dasàNaç esàU idasàpa aàoàT ata e toàdeàP esos àdefi iuàe àsuaà‘eg aà . à ue
Esta mesma cartilha, definiu ainda, em sua Regra 101. à ueà ásàp e auç esàfi adasà
para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores livres devem ser igualmente
o se adasà asà u idadesà p isio ais. à Po ta do,à dia teà dessasà ‘eg asà daà ONU,à hega-se à
conclusão do dever do Estado de zelar e resguardar a saúde da população encarcerada, da
mesma forma que trata da saúde da população em geral. Além disso, é um direito assegurado
pelaàэeiàdeàй e uç oàPe alà эeià . / àe àseuàa tigoà ,àaoàaduzi à ueà Co stitue àdi eitosà
do preso: [...] VII - assist iaà ate ial,à àsaúde,àju ídi a,àedu a io al,àso ialàeà eligiosa .
Portanto, não resta dúvidas que é imprescindível um serviço de saúde eficiente e
adequadamente equipado nas penitenciárias, a fim de garantir as necessidades da população
encarcerada. Para efetivar essa garantia, as Regras Mínimas da ONU preconizam que cada
estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de, pelo menos, um médico, com
conhecimento de psiquiatria e que os serviços médicos devem ter sua organização
estreitamente relacionada com a administração geral dos serviços de saúde da comunidade
ou da nação, sendo assegurado que todo o preso poder valer-se dos cuidados de um dentista
devidamente habilitado.
Conforme referido anteriormente, fica evidente que o Estado possui obrigação de
preservar e restaurar a saúde das pessoas privadas de liberdade, pois estão sob sua
responsabilidade. É importante mencionar, que as condições em que a população carcerária
é mantida, possui grande influência sobre sua saúde e bem-estar. Por esse motivo, as
administrações penitenciárias, segundo Coyle (2002), devem assegurar os padrões adequados
para garantir a saúde e a higiene dos presos, contribuindo para que as pessoas que não se
320
A partir de tudo que foi exposto até aqui, cabe agora tratar do assunto principal deste
artigo: o direito à saúde de transexuais nas penitenciárias brasileiras. Em um primeiro
momento, importante trazer um conceito a respeito do que são transexuais, a fim de elucidar
melhor o assunto. Nestes termos, Diniz, citada por, L. Araújo (2000, p.28), define o transexual
como
1. Aquele que não aceita o seu sexo, identificando-se psicologicamente com o sexo
oposto [...] sendo, portanto, um hermafrodita psíquico [...] 2. Aquele que, apesar de
apresentar ter um sexo, apresenta constituição cromossômica do sexo oposto e
mediante cirurgia passa para outro sexo [...] 3. [...] é o indivíduo com identificação
psicossexual oposta aos seus órgãos genitais externos, com o desejo compulsivo de
mudá-los [...]
Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se
livra àpo à eioàdeà i u gia. àValeà essalta ,àai da,àoàe te di e toàdeàыla i à apudàá‘áÚщO,à
L., 2000, p. 29), que concebe o transexual como
A partir destas conceituações pode-se observar que estes sujeitos que apresentam
u aà i o pati ilidadeàe t eàoàse oà iol gi oàeàaàide tifi aç oàpsi ol gi a à “UTйй‘àapudà
ARAÚJO, 2000, p. 29), ao apresentarem estas duas características juntas, é que são definidos
pela sociedade como pertencedores do transexualismo. Temos também que, essa falta de
identificação acaba causandoà osài di íduosàu à p o essoàa gustioso,à o fliti oàeàdeli ado à
á‘áÚщO,àэ.,à ,àp.à ,àoà ueàge aàu àsof i e toài te so,àpoisàosàt a se uaisà i e à oà
o flitoàdeàpossui àu aàge it liaàest a haà sàsuasàse saç es,àdesejosàeàfa tasias .à á‘áÚщO,à
L., 2010, p. 55)
Esse processo de angústia se torna ainda pior em relação aos transexuais que se
encontram no sistema prisional, pois são os sujeitos que mais apresentam vulnerabilidades
de t oàdoà e e.à Nesseàse tido,àoàa ie teàp isio alàde a daàu àp epa oàespecífico para
lidar com a população LGBT, de forma a garantir direitos básicos à dignidade, liberdade, à
saúdeàeà[...]à àsegu a çaàpessoal .à “й“TOыá“,à ,àp.à .àDeà odoà ueà aà oo de ado aàdeà
Diversidade Sexual do governo de Minas, Walkíria La Roche, declarou que `dentro das cadeias,
osàt a estisàs oàusadosà o oà oedaàdeàt o aàe t eàosàp esos´ .à “й“TOыá“,à ,àp.à
Além disso, o sistema penitenciário brasileiro apresenta problemas no acolhimento de
presos, e com relação aos transexuais, a questão é ainda pior, conforme aduz Rosa (2016, s.p.)
Neste sentido, conforme Sestokas (2015, p. 2), não permitir que estes sujeitos
expressem sua orientação de gênero constitui uma conduta discriminatória e uma violação à
diversidade e à dignidade, constituindo também uma violação não permitir aos transexuais a
continuidade do processo de adequação social, não interromper seu tratamento hormonal,
assim como poder utilizar roupas de acordo com seu gênero.
Existem casos notórios e chocantes que exemplificam bem essa violação dos direitos
humanos dos transexuais dentro das penitenciárias brasileiras, um deles ocorreu no ano de
2015 no Estado do Ceará, onde
uma transexual foi levada à audiência de custódia, ocasião em que, com marcas de
espancamento, chorando e vomitando, ela relatou que não queria voltar à prisão, e,
se isso acontecesse, ela se mataria. Isso porque passou 20 dias presa na Penitenciária
masculina de Caucaia, sendo espancada e estuprada por quatro detentos. Durante a
audiência de custódia, um dos presos disse ao juiz que ouviu os gritos da transexual
durante a noite pedindo socorro. O caso ainda está sendo apurado. (ROSA, 2016,
s.p.)
Outro exemplo que gerou muita repercussão, e levou o Estado de Minas Gerais a criar
uma ala específica para gays – tornando-se o primeiro estado brasileiro a ter uma ala
específica para transexuais no Brasil – é o de Vitória R. Fontes que mutilava seus braços para
chamar a atenção da administração do presídio masculino onde estava presa. Através do
relato da própria Vitória fica evidente a gravidade da situação.
[...] era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência.
Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse
aosà a e ei os.àChegueiàaàse àleiloadaàe t eàosàp esos.àU àdelesà eà e deu àe à
troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. [...] Fiquei calada
até o dia em que não aguentei mais. Cheguei a sofrer 21 estupros em um dia. Peguei
hepatite e sífilis. Achei que iria morrer. Sem falar que eu tinha de fazer faxina na cela
e lavar a roupa de todos. Era a primeira a acordar e a última a dormir .à ‘O“á, 2016,
s.p.)
323
[...] pessoas privadas de liberdade ou visitantes das pessoas presas devem ter
preservado o direito à sua orientação sexual e à identidade de gênero, incluindo o
direito ao tratamento pelo nome social. Às pessoas que passaram por procedimento
cirúrgico de transgenitalização é previsto o direito de serem incluídas em Unidades
Prisionais do sexo correspondente. O setor de saúde da unidade prisional deve
atenção à saúde e cuidado às pessoas presas transexuais e travestis, conforme suas
necessidades. Ainda, deve ser assegurada a participação de pessoas presas LGBT nos
ambientes internos de trabalho e nos cursos de educação e qualificação profissional
e no ambiente de trabalho. (SESTOKAS, 2015, s.p.)
324
Nestes termos, a Política de Saúde LGBT, por meio dos seus nove artigos, indica as
responsabilidades de cada esfera de gestão (federal, estadual e municipal) para execução de
ações que tenham por finalidade a garantia do direito constitucional à saúde pela população
LGBT com qualidade, acolhimento e humanização. (BRASIL, 2013)
Mas, de acordo com Lionço (2009), o ideal seriam iniciativas transversais entre
diferentes políticas de saúde, a fim de otimizar a implementação de ações em saúde já
estimuladas no SUS de acordo com as especificidades de transexuais, não apenas entre os
recortes de gênero, mas incluindo também e principalmente a questão da saúde no sistema
326
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do que discorreu-se até aqui, conclui-se que o processo de produção de saúde
é uma tarefa que envolve diversos recursos e áreas para sua efetivação. Pois o campo das
Políticas Públicas de Saúde é coletivo, não só porque Saúde Pública é, entre nós, Saúde
Coletiva, mas, sobretudo porque não há como pensar os problemas que aí se colocam sem o
esforço de diversos profissionais. Portanto, diante de todo exposto no decorrer deste artigo,
ressalta-se que as demandas por direito à saúde para pessoas lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais (LGBT) é um dos eixos necessários a serem incorporados para o
aprofundamento da democracia.
A partir do estudo ora efetuado, constata-se que a saúde ainda não está efetivamente
garantida aos transexuais nas penitenciárias brasileiras, uma vez que muitos transexuais tem
suaà i ti idadeà ioladaà aoà se e à t atadosà o oà oedaà deà t o a à pelosà de aisà dete tos,à
sendo estuprados e em muitos desses casos, não bastasse o sofrimento dessa violência, ainda
adquirem doenças sexualmente transmissíveis.
327
Outro ponto que chama atenção é o fato de os transexuais, por serem vítimas do
preconceito em nossa sociedade que ainda tem grande dificuldade de aceitá-los, serem
frequentemente vítimas de violência física e psicológica nas penitenciárias, tanto por parte
dos detentos, quanto por parte de agentes, fato inúmeras vezes já debatido em noticiários e
matérias bibliográficos que tratam do tema, o que afeta diretamente seu direito fundamental
à saúde. Ademais, em relação aos transexuais submetidos ao processo de transgenitalização
e/ou hormonoterapia, a principal queixa, conforme mencionado anteriormente, refere-se à
ausência de acesso aos hormônios, interrompendo seu tratamento, o que designa uma clara
violação do direito ao acesso à saúde.
Diante disso, pode-se afirmar que o trabalho no sentido de garantir a efetivação do
aceso à saúde aos transexuais reclusos está apenas em seu início, pois tem um longo caminho
a percorrer até chegar-se a plena efetivação desse direito assegurado pela Carta Magna de
1988 e que ainda possui severos problemas de aplicabilidade, bem como da dificuldade de
atendimento das diretrizes e determinações previstas na Política Nacional de Saúde Integral
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, formulada pelo Sistema Único de Saúde.
Assim sendo, o presente estudo não pretende esgotar o tema, e sim, demonstrar um
problema recorrente e não tão atual quem vem sendo enfrentado em nosso país, a fim de
evidenciar que os transexuais devem ter seus direitos assegurados como todo o restante da
população. Porém, esta garantia é ainda mais difícil nas penitenciárias por tratar-se de uma
população marginalizada que já não teve auxílio anteriormente, seja da família ou do Estado
e, por necessidade, viveu diretamente a influência da violência, e ao chegar às penitenciárias
tem este problema ainda mais forte e se vê diante do problema da dificuldade de ver
assegurado um direito básico como a saúde, a fim de garantir um pouco de dignidade.
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330
Celso Gabatz1
INTRODUÇÃO
Ao contrário do que ocorria em tempos passados onde havia uma grande afinidade
entre o Estado e a religião, a ponto de legitimar uma ordem social, o que pode ser observado
nos dias atuais, na maioria das sociedades ocidentais, é a existência de uma separação entre
a esfera religiosa (espiritual) e a esfera secular (temporal). Poucos são os Estados
confessionais, ligados a um determinado grupo religioso.
Por outro lado, é preciso salientar também que a religião não tem hoje a influência e
domínio que possuía em tempos passados, como, por exemplo, no medievo ou na antiguidade
clássica. O que vemos na contemporaneidade remonta a pluralidade das expressões religiosas
com um conseqüente enfraquecimento de tradições e dogmas consolidados nos percursos da
história.
Para analisar os processos sociais e históricos de enfraquecimento das instituições
religiosas e a separação entre o Estado e os diversos grupos religiosos é que surgem os
conceitos de secularização, laicismo e laicidade. É preciso salientar, contudo, que uma grande
parcela dos cientistas sociais, historiadores, juristas e filósofos acabam alinhados com o senso
comum ao descortinar diferentes premissas conceituais como sinônimos que, supostamente,
fazem referência a um mesmo fenômeno. Trata-se de conceitos distintos mesmo fazendo
1
Doutor em Ciências Sociais (UNISINOS). Mestre em História Regional (UPF). Pós-Graduado em Ciência da Religião e
Docência no Ensino Superior. Graduado em Sociologia (UNIJUI), Teologia (EST) e em Filosofia (CEUCLAR). Contato:
gabatz12@hotmail.com
332
1. O CONCEITO DE SECULARIZAÇÃO
[...] não há como deixar de notar que inexistem exemplos históricos concretos de
países, por mais politicamente liberais que sejam em que tenha sucedido plena
neutralização da ação estatal na economia religiosa (2001, p. 118).
âmbito religioso no espaço público. Todavia, para Ernst Gellner, a secularização ainda seria
uma realidade presente em grande parte das sociedades ocidentais.
Cabe aqui ressaltar que a secularização não pode ser confundida com
desencantamento do mundo, nos termos daquilo que havia sido preconizado por Max Weber.
Tal compreensão é descrita por Antônio Flávio Pierucci de forma bastante incisiva:
É básico para um cientista social que se pretende especializar no estudo das religiões
entender, por exemplo, que desencantamento em sentido técnico não significa
perda para a religião nem perda de religião, como a secularização, do mesmo modo
que o eventual incremento da religiosidade não implica automaticamente o conceito
de reencantamento, já que desencantamento em Weber significa um triunfo da
racionalização religiosa (2003, p. 120).
2. O CONCEITO DE LAICIDADE
No Brasil, nos dias atuais, muito se tem debatido acerca de um Estado laico, de uma
escola pública com caráter laico, da autonomia estatal ao fomentar políticas públicas de
inclusão e cidadania. No entanto, é preciso referir que não há tanta clareza ou discernimento
no que tange ao significado de laicidade. Trata-se, pois, de um processo social estreitamente
335
exemplo, dos países escandinavos (BARBIER, 2005). No Brasil, a constituição imperial de 1824
lançou as bases para as garantia e o direito à liberdade religiosa a outras denominações além
do catolicismo. Apesar da união entre Estado e a Igreja, existia um sentido mínimo de
liberdade religiosa (MARIANO, 2001).
Tanto a laicização como a secularização são processos que não podem ser
generalizados e nem universalizados, mas, contextualizados na sua perspectiva e amplitude
histórica, cultural, religiosa e social. São fenômenos que não ocorrem de forma idêntica em
diferentes países. Há sempre um conjunto de características e circunstâncias que possibilitam
formas variadas de consolidação. Uma das preocupações neste sentido é descortinada por
John Rawls (2001), para quem o grande desafio é que:
A laicidade, mais do que garantir direitos aos cidadãos e cidadãs, obriga o Estado a
protegê-los. Para tanto, são princípios inalienáveis a todo indivíduo, ter crença religiosa ou
não; praticar uma religião, caso a tenha; trocar de religião; não ser perseguido nem ofendido
por práticas religiosas; decidir acerca da educação religiosa, ou não, na família; o respeito às
convicções religiosas pessoais e a não discriminação por outros indivíduos, organizações ou
mesmo pelo serviço público em função de sua(s) crença(s).
3 O CONCEITO DE LAICISMO
Para compreender o laicismo de forma mais profunda é importante observar que ele
não busca uma não confessionalidade passiva do Estado, mas uma não confessionalidade
ativa definida no compromisso de criar e sustentar um espaço cívico e político delimitado pela
ética e o simbolismo civil, afastando desta maneira toda e qualquer ação politica derivada de
intenções ou influências de cunho religioso (OTAOLA, 1999, p. 11).
O laicismo adota uma postura na qual desconsidera a importância da dimensão
religiosa na sociedade. Compreende a religião como algo capaz de alienar e que, portanto,
necessariamente, não deveria fazer parte do cotidiano da esfera pública, já que o Estado por
ser laico não poderia (ou deveria) permitir que assuntos de ordem religiosa viessem demarcar
discussões públicas. Trata-se de um radicalismo civil, hostil e de perseguição à religião, sob o
argumento de uma pretensa garantia de preservação da liberdade, da imparcialidade e do
estabelecimento de uma ordem jurídica exclusivamente neutra e alheia às interferências de
qualquer fundamento religioso (ALVAREZ, 2010, p. 55).
Pa aà ‘afaelà Cifue tesà ,à p. à e iste,à po ta to,à e t eà Ig ejaà eà йstado,à e t eà
religião e política, uma separação lícita e necessária, a laicidade, e uma separação
i dife e tistaàeài suste t el:àoàlai is o .àйleàe te deà ueàaàlai idadeà àu aà p e ogati aà
consubstancial à ordem autonômica do Estado e o laicismo supõe a ruptura arbitrária e
artificial do elo essencial que une toda a atividade com a ordem teonô i a à p. .
É importante destacar as questões pontuadas por Carl Schmitt que concebe uma
neutralidade do Estado no século XIX como não intervenção, desinteresse e tolerância passiva.
A neutralidade do Estado frente às religiões seria um dos aspectos determinantes nos ideais
propostos pelo liberalismo que almejava uma absoluta liberdade para as religiões, inclusive,
para os ideais contrários à religião e o tratamento isonômico para todos.
a visão liberal, uma função subordinada, sendo a esfera política autônoma e independente.
As demais esferas da vida social, como o ensino e as políticas de inclusão e cidadania, por
exemplo, também deveriam ser autônomas e não subordinadas aos valores religiosos.
A educação e o ensino deveriam estar a serviço dos valores cívicos e seculares, pois as
referências religiosas, em última análise, são concernentes ao foro íntimo de qualquer
indivíduo. A dissociação e a autonomia das diversas esferas da vida social: política, educação,
arte, ciência, direito é um dos elementos fundamentais do ideário liberal. Cabe destacar que,
e à algu sà países,à esteà idealà a a ouà seà t a sfo a doà asà e essidadesà deà ep oduç oà doà
cont atoà so ialà eà deà justifi aç oà doà papelà hist i oà daà Naç oà sa aliza doà oà p ofa o à
(CATROGA, 2006, p. 143). Concretamente, a laicidade não se expressa, portanto, a partir de
uma neutralidade, pois, na sua essência, revela uma visão de mundo, um conjunto de crenças
e valores.
Esta relação entre o poder político e os grupos religiosos sempre foi marcada pelos
o flitosà aà edidaàe à ueà e isteà oài te io àdeà uaseàtodasàasà eligi esàu aàte d iaàaà
e usa àaàlai idade à DйэáCáMPáGNй,à ,àp. .àPo àout oàlado, em muitos casos os grupos
laicistas se mostraram anticlericais e carregados de preconceitos ao fazerem uma defesa, por
vezes intransigente, da exclusão da esfera da religião da vida social e cotidiana. Algo que
acabou suscitando, inclusive, perseguições violentas contra instituições, pessoas e símbolos
religiosos.
Brechón (1995), Peiser (1995) e Willame (2003), estabelecem uma distinção entre a
laicidade de combate, mais agressiva, que busca uma posição contrária a esta influência da
religião e dos sacerdotes e uma laicidade de coabitação ou laicidade de tolerância e flexível
que pe iteàu à aio àespaçoàpa aàoà eligiosoà aàesfe aàpú li a.àNaà lai idadeàdeà o ate àaà
religião é excluída do universo escolar.
substitui a religião divina por uma religião secular, como os seus grupos de
pensamento e seus rituais. Certas crenças são enaltecidas: a razão, o progresso, o
bem da humanidade, a livre discussão. (BRECHÓN, 1995, p. 5).
Há que se enfatizar ainda que laicidade e a secularização são termos que não se
referem a idênticos processos históricos e sociais. De acordo com o jurista português
Fernando Catroga (2006), observam-se em diversos países europeus, sociedades altamente
secularizadas como a Inglaterra e a Dinamarca, onde as práticas e os comportamentos
religiosos declinam, mas, entretanto, sem que se trate de Estados laicos. Há também países
nos quais há uma quase laicidade. Exemplos são a Alemanha, a Bélgica e a Holanda. Trata-se
de Estados não confessionais, mas que apoiam e subsidiam as religiões.
Em países como Portugal, Espanha e Itália, configura-se um Estado laico juridicamente,
mas, capaz de celebrar tratados que acabam privilegiando grupos religiosos majoritários.
Trata-se de nações altamente religiosas, não secularizadas, e, sob o enfoque jurídico, laicas.
Os processos de laicização e secularização, de emancipação das diversas esferas da vida social
da religião, apresentam-se de forma diferenciada nos países católicos e nos países
protestantes. Nos países católicos a emancipação é marcada pelo conflito entre grupos
clericais, religiosos e grupos laicistas, anticlericais (MACLURE; TAYLOR, 2011).
Segundo Françoise Champion (1999, p. 8), a lógica que prevaleceu nos países católicos,
àu aàlai izaç oà aà ualà oàpode àpolíti oàfoià o ilizadoàpa aàsu t ai ,à o pleta e teàouà
pa ial e te,àasàpessoasàeàasàdife e tesàesfe asàdaàati idadeàso ialàdaài flu iaàdaàIg eja .à
Desta forma a religião foi relegada à esfera privada. Nos países protestantes, por sua vez, não
se configurou a oposição entre dois campos, religioso e laicista, mas a emancipação da religião
ocorreu segundo uma lógica de secularização, de forma menos conflituosa do que a
perspectiva laicizante. As igrejas protestantes, em suas diversas ramificações, se tornaram
subordinadas ao Estado. Nos países protestantes, a igreja não amplia a sua concorrência com
o Estado, tal como em países de maioria católica, mas reforça a prerrogativa de uma
instituição ligada ao Estado, assumindo responsabilidades particulares.
No caso brasileiro há uma semelhança com o que ocorreu em países da Europa que
tiveram uma grande influência católica no tocante às relações entre Estado e Igreja,
configurando-seà o oàu aà uaseàlai idade à CáTROGA, 2006). É importante sublinhar que
ao longo da história brasileira, mesmo com a separação formal entre o poder político e a
o ga izaç oà eligiosaà ajo it ia,à se p eà hou eà í ulos,à o p o issos,à o tatos,à
341
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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de Abril 2017.
344
RESUMO: O presente trabalho traz à academia dados e situações capazes de uma reflexao
sobre como atores internacionais privados (empresas transnacionais) em uma sociedade
mundial globalizada se desenvoveram de forma tão agressiva, que violam diretos humanos
visando apenas os seus interesses econômicos. Não havendo neste momento uma
normatividade capaz de impor sanções às corporações quando estas violam direitos
fundamentais, pelo contrário, a situação se torna alarmante ao perceber que são as próprias
empresas que desenvolvem e aplicam s normas as quais estão vinculadas.
1 INTRODUÇÃO
Estamos na era da globalização, na qual não há limites territoriais para as
comunicações, capital, ciência, tecnologia, as quais tem o poder de conectar o mundo em
tempo real, às fronteiras territoriais estão enfraquecendo diante desta nova conjuntura social,
podendo-se afirmar que vivemos em uma sociedade mundial.
Em uma sociedade mundial globalizada, a qual é guiada pelos interesses econômicos,
atores privados, como é o caso das Empresas Transnacionais (ETNs) tem um campo fértil para
o seu desenvolvimento e expansão. Desenvolvimento este, que devido às estruturas jurídicas
e políticas dos Estados- nação e do direito internacional não se consegue ter um controle
efetivo destes atores, gerando consequências graves aos direitos humanos.
A pesquisa se direciona a analisar situações fáticas de transgressões aos direitos
humanos pelas Empresas Transnacionais, sob um plano normativo extra-estatal (mais
especificadamente os códigos de conduta/ códigos corporativos desenvolvidos pelas
empresas transnacionais).
Na atual conjuntura social, pode-se alegar que o Estado-nação é capaz de impor
mecanismo de controle normativo às empresas transnacionais para que se busque uma
efetividade ao respeito aos direitos humanos? Por muito tempo os direitos humanos foram
1
Acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS. Bolsista PIBIC/UNIJUÍ/RS. E-mail: fer.bonfada@gmail.com
2
Doutor em Direito (Unisinos/RS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (Mestrado)
da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ/RS. Advogado.
346
arquitetados por organizações internacionais com intuito de buscar uma uniformidade global
em respeito a direitos fundamentais inerentes aos indivíduos, contra práticas dos Estado-
nação, mas atualmente este ator não é o único responsável por transgressões, devido a busca
incessante por lucro das corporações, estas sobrepõem seus interesses acima do respeito aos
direitos humanos. As ETNs desenvolvem normas jurídicas-códigos de conduta, os quais são
normas desenvolvidas por elas e para elas, sendo estes apenas uma cortina de fumaça, não
havendo uma efetividade contra as violações dos direitos humanos.
Será analisado previamente o que são os direitos humanos e casos fáticos e reais de
transgressões a estes pelas empresas transnacionais em um cenário global, e a sobreposição
de interesses de vários sistemas da sociedade. Por conseguinte, será visto como se desenvolve
a estrutura jurídica-normativa desenvolvida e aplicada pelas ETNs, e a sua relação com as leis
do Estado-nação e de Direito Internacional.
Para o desenvolvimento deste trabalho utilizou- se o método de abordagem
hipotético-dedutivo, com uma pesquisa exploratória de bibliografias e autores relacionados
ao tema proposto e que tivessem propriedade sobre o tema. Assim, a partir das bibliografias
encontradas, foi possível a descrição de casos reais de transgressões cometidas pelas
empresas transnacionais e como estas organizam a sua estrutura jurídica-normativa.
Para melhor situação das violações dos direitos humanos, será intentado uma breve
explicação sobre tal. Podemos dizer que Direitos Humanos é uma nomenclatura para os
direitos fundamentais inerentes ao ser humano. Tudo que esta nomenclatura representa,
começou a ter respaldo jurídico a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos aderida
pela Assemblei-Geral da ONU em 1948. Esta declaração não visa a criação de novos direitos,
mas o reconhecimentos dos direitos fundamentais já existentes. Para John Gerard Ruggie
,àp. ,à [...]àosàsiste asàdeàdi eitosàhu a osàdaàONUàeàoà egio al,àaliadoà sà o e ç esà
da OIT e do Tribunal Penal Internacional – formam o que normalmente é chamado de
e oluç oàdosàdi eitosàhu a os àdoàs uloà .
O sistema não é uma norma nuclear para todos os Estados- Nações, devido ao fato de
que são tratados voluntários, os países os ratificam conforme suas vontades e interesses; e
347
hoje ainda não há um mecanismo internacional de real efetividade para solução deste conflito
de padronização. (RUGGIE, 2014) Como resultado, veremos a seguir as violações das empresas
transnacionais.
Gunther Teubner (2016a) relata o caso do Endronax, uma droga antidepressiva,
fabricada pela Pfizer, que continha em sua fórmula o Reboxtine, licenciado na Alemanha e na
União Europeia, embora falhada a tentativa de licenciamento da droga nos Estados Unidos. O
British Medical Journal, em 2010, revelou que nem todos os testes sobre esta droga haviam
sidos publicados, pelo contrário, foram publicados devidamente somente os testes positivos.
Os quais não mencionavam que em comparação aos placebos o medicamento era ineficaz e
possuía efeitos colaterais.
Outro caso é da BASF e Dong, a Boots Pharmaceuticals (agora a Knoll Pharmaceutical
Company), uma subsidiária da BASF, encomendou uma pesquisa do cientista Betty Dong da
Universidade da Califórnia em San Francisco para investigar a eficácia do Synthroid, um
medicamento frequentemente utilizado nos EUA para o tratamento de tireóide. Porém, no
contrato havia cláusulas de que o contratado não poderia publicar resultados negativos do
estudo, sem o consentimento da contratante. Foi verificado que o medicamento não continha
eficácias vantajosas frente a outros medicamentos genéricos com a mesma finalidade. O caso
veio a público pelo Wall Street Journal, em 1996, e a BASF teve que enfrentar ações coletivas
de aproximadamente cinco milhões de reclamantes por supressão inadmissível do estudo,
práticas de concorrência desleal e violação dos regulamentos de proteção ao consumidor. A
BASF chegou a um acordo final.
Percebe-se que não são fatos isolados, há um histórico significativo a serem
considerados, sobre as violações das indústrias farmacêuticas. As informações farmacêuticas
que chegam ao consumidor final são seletas, há uma ausência de informações quanto as
consequências e malefícios das drogas comercializadas. Teubner (2016a) nos traz que, estas
manipulações ocorrem de diversas formas, sendo as mais corriqueiras através de cláusulas de
censura em contratos de pesquisa, o uso de escritores-fantasmas, a pressão em investidores
para impedir a realização de estudos, ou até mesmo a demissão de pesquisadores. Há um
conflito sobre o viés de publicação, quando dados são publicados de forma suprimida ou
manipulados. Estudos empíricos apontam que o viés de publicação é um problema mundial,
em decorrência dos conflitos de interesses entre as industrias farmacêuticas, sistema de
348
saúde, editoras, investidores e órgãos políticos de regulação. As consequências aqui não são
sobre o capital e livre concorrência, mas principalmente de saúde e de vidas, que não são
mensuráveis em dinheiro.
Há um choque entre vários grupos distintos, entre os grupos farmacêuticos
transnacionais - no sucesso da venda de seus produtos; os interesses da comunidade de
pesquisas – para que não haja barreiras na publicação de seus resultados; e o interesse dos
consumidores/pacientes- na proteção efetiva da saúde. O viés da publicação não pode ser
tratado apenas como corrupção, a ser controlada por órgãos dos governos estatais. Com base
nas atividades mundiais das grandes empresas farmacêuticas e pesquisas acadêmicas, há um
conflito transnacional e ao mesmo tempo estrutural na sociedade, o qual só poderá ser
tratados em fatos isolados, sem uma efetividade no tratamento do problema, visto que é um
conflito entre diferentes sistemas sociais.
As violações aos direitos humanos não são apenas da indústria farmacêutica, mas de
empresas transnacionais atuantes em todos os setores. Outro caso que nos permite
vislumbrar como um ato ou omissão acarreta consequências gravosas a vida de toda uma
comunidade, como é o caso do desastre ambiental da Shell no Delta do Rio Níger na Nigéria.
A Shell é uma das empresas com maior representatividade de exploração de petróleo
cru na Nigéria, enquanto ela ganha milhões sobre os barris de petróleo seus trabalhadores da
região local recebem míseros salários, dos quais mal subsidia a alimentação. Ainda, ela é
responsável pelo vazamento contínuo de petróleo sobre os rios da região local, o
derramamento de óleo por ano é equivalente ao desastre da Exxon Valdez no Alasca. A
população que vive em torno do Delta do Níger teve sua expectativa de vida diminuída para
40 anos, não há mais água potável para consumo, não há mais peixes nos rios, sendo que a
pesca era uma das formas de sobrevivência de parte da população deste local. Estudos
mostram que a recuperação do local demoraria cerca de 30 anos e custaria milhões. Porém a
Shell empurra sua culpa para outros atores, alegando sabotagens.
No caso em tela, está claro que os interesses econômicos subtraíram todas as formas
de dignidade desta população, desde a questão salarial, mas principalmente a questões
ambientais que afetam a todo o globo terrestre, diminuindo o acesso da população a água
potável que é fonte da vida, como outras questões de sobrevivência.
349
O que alarma ainda mais a situação, é que tal catástrofe não é noticiada em massa
como aconteceu no caso da Exxon no Alasca, ou o derramamento de óleo no Golfo do México.
Mas qual o motivo? Será que é por se tratar de um país pobre? Que é visto apenas para
subtração de bens naturais e tem uma população que tem dificuldades de reinvindicações
sociais?
O caso se torna ainda mais alarmante e preocupante, quando não há esfera estatal
capaz de buscar reparação por parte da Shell, visto que o governo passa pelas mãos dos
ditadores militares, os quais realizam leis e contratos com as empresas petrolíferas as dando
poderes absolutos para a extração do petróleo.
Conforme Teubner (2016b) houve uma série de escândalos envolvendo as empresas
transnacionais quanto a violação de direitos humanos. Podemos os relacionais com as
decisões tomadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), decisões essas que
ameaçam o meio ambiente e a saúde das pessoas em nome do livre comércio, informações
que podem prejudicar a esfera privada e riscos nos mercados financeiros.
Taisàa o te i e tosà [...]àaumentaram drasticamente a consciência pública sobre os
efeitosà egati osà de o e tesà daà t a s a io alizaç oà deà e p ee di e tosà o e iais.
(TEUBNER, 2012, p.109) Levando ao movimento de grupos da sociedade civil pela busca de
uma adequação das condutas das ETNs.
As ETNs são vistas aqui como corporações pertencentes aos seus acionistas que
tiveram uma oportunidade de expandir seus interesses a partir de um processo de
globalização da sociedade, e nesta senda
Elas estão sujeitas às ordens jurídicas dos Estados onde mantém sua sede e de onde
exercem suas atividades (FERREIRA; FORNASIER, 2015), porém os Estados não possuem
mecanismos regulatórios ou fiscalização suficientemente capazes de restringir ações das
ETNs, ainda mais quando se trata de países emergentes. Neste sentido
podemos até ousar falar uma horizontalidade de autonomias. Ainda, ao que parece uma
constituição mundial não seria capaz de estabilizar conflitos entre normas, visto que olhará
sob um único viés a todos os casos de uma sociedade complexa.
O ideal é utópico, no qual todos os conflitos devessem ser dirimidos a partir de uma
preponderância dos direitos humanos, ou seja, quando houvesse um conflito entre normas, a
regra a ser utilizada é aquela mais benéfica aos direitos fundamentais, quando estes tivessem
sido envolvidos. No entanto, encontramos estes conflitos nos tribunais quando estão
buscando a tutela de seus interesses exclusivamente econômico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por muito tempo buscou-se a concretização dos direitos humanos frente apenas aos
Estados-nação, esquecendo-se por vezes de outros atores sociais que por meio de uma
complexificação social e pelo fenômeno da globalização tiveram a oportunidade de
crescimento: as empresas transnacionais.
As empresas transnacionais foram uma criação da própria sociedade para suprir
atividades que não estariam sendo desenvolvidas pelos Estados, Porém, ela foi tomando
forma e poder que o próprio Estado não possui mais o seu controle. Ela foi estruturada para
atender as necessidades de seus acionistas, que nada mais é o do que o lucro, o capital.
Diante dos casos apresentados, percebe-se que as corporações não mediram as
consequências e seus atos para conquistarem seu objetivo, e aqui não há de se falar em
objetivo final, de que um lucro alcançado em determinado mês será o ponto final, pelo
contrário, é um objetivo incessante, que nunca termina, e que consome cada vez mais da
sociedade e dos recursos naturais. Não levando em consideração os meios para alcançar.
Diante de lacunas normativas entre o Estado-nação e Direito Internacional,
desenvolveu-se com autonomia os códigos de condutas empresarias, a partir de uma pressão
social, quando estas restaram escandalizadas pela onda de violações aos direitos humanos
pelas corporações.
Enquanto as normas do Estado possui apenas recomendações às ETNs, os códigos
corporativos foram desenvolvidos com normas duras, porém o ponto que precisa ser
observado é que estas normas são desenvolvidas pelas próprias empresas (levando em
353
consideração seus interesses econômicos) e também são aplicados por ela. E outro ponto, é
que não há um mecanismo eficiente desenvolvido para fazer cumprir suas regras. Muitas
vezes quem faz o papel de fiscalização são as ONGs, os grupos da sociedade civil, que por sua
vez não possuem recursos suficientes para tal.
Não há uma resposta fácil para buscar a concretização dos direitos humanos pelas
empresas transnacionais, enquanto a sociedade mundial for movida apenas pelo interesse
econômico. Também não será por meio de uma constituição mundial que os problemas serão
solucionados – até porque não há de se considerar que haveria um consenso mundial quando
levando em consideração interesses econômicos e culturais. O mais próximo, mas ainda não
o ideal seria o caminho de uma normatividade global e setorial, que analisasse cada sistema
social.
Contextualizar os direitos constitucionais não deve limitar-se a adaptar esses direitos às
particularidades do direito privado. Deve ir além disso e levar em conta as normatividades
particulares das instituições sociais autônomas que estão em risco. Em vez de impor deveres
para proteger exclusivamente os atores estatais, deve-se abordar os atores privados que
violam os direitos constitucionais e, ao mesmo tempo, ativar a sociedade para que se una e
lute contra as empresas violadoras, pois uma comunidade é capaz de determinar o futuro de
uma corporação em determinado local.
Direitos humanos devem ser vistos de forma horizontal, em que todos os atores sociais
devem respeitar e prezar, deve ser a diretriz de todas as relações jurídicas. Porém, ainda não
há mecanismo eficientes e capazes de seguir esta linha. Há uma longa luta pela concretização
dos direitos humanos por todos os atores sociais, principalmente quando estão em jogo os
interesses econômicos. Enquanto as corporações visarem apenas o lucro sem a pretensão de
serem aceitos socialmente como cidadãos-corporativos da sociedade e tomar ciência da sua
responsabilidade como tais, os códigos de condutas serão apenas cortinas de fumaça, que
estarão apenas para servir os interesses das corporações, sem um respeito aos direitos
humanos.
354
REFERÊNCIAS
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2014.
TEUBNER, Gunther; HENSEL, Isabell. Horizontal Fundamental Rights as Collision Rules: How
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Philippe Robé (Org.) Constitutionalisation of the World Power System. Ashgate, Farnham,
2016b.
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Corporate Social Responsibility. Indiana Journal of International Law, v. 22, 2016c.
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Double Fragmentation of World Society In: YOUNG, Margaret (Org.). Regime Interaction in
International Law: Theoretical and Practical Challenges. Cambridge: Cambridge University
Press, 2012b.
355
RESUMO: Atualmente o conceito social, com fundamentos na moral e nos bons costumes,
vem aos poucos perdendo seus valores humanos, com o passar do tempo. A teoria fundante
de um conceito moral e ético, criado por Immanuel Kant, a partir de um pensamento
relacionado a dignidade humana. Os imperativos, impotéticos e categóricos, por definição de
vontade, pura ou não determinam as ações do ser humano, sendo estas a direção de sua
conduta, que reflete, efetivamente, no meio social.
INTRODUÇÃO
A busca incessante pela melhor qualidade de vida, pela felicidade e, modernamente
pelo direito de ser e estar em um momento de liberdade constante, vem conduzindo o ser
humano, desde os primórdios, a uma atividade cognitiva que o leve a tal conhecimento. A
filosofia, como forma de pensar o conhecimento a partir da sua ignorância, traz consigo a
necessidade de atividade intelectual, sendo somente propiciada ao ser humano, devido a ser
racional, fato que o torna soberano em relação a suas vontades, vontade esta, a partir do
contrato social, intrínseca a moral que acompanha a constância da evolução social.
Para Immanuel Kant, todo ser humano é dotado de razão, sob tal aspecto isto lhe
pe iteàu aà efle o,àe àыa tà ...aà az oà osàfoiàdadaà o oàfa uldadeàp ti a,àistoà ,à o oà
fa uldadeà ueàde eàe e e ài flu iaàso eàaà o tade... à ыáNT,à ,àpg.à ,àassim nosso
querer é diretamente ligado a nossa forma de pensar para que possamos decidir sobre a
vontade, e sob seus atos, assim as pessoas decidem, e, sobre seu querer, podem protagonizar.
Ademais as ações humanas passam pelo crivo das vontades, sendo a formação destas, em
conformidade com o desenvolvimento moral atinente ao indivíduo.
[...] seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma vontade, não só boa quiçá como
meio para outra intenção, mas uma vontade boa em si mesma, para o que a razão
era absolutamente necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com
acerto na repartição das suas faculdades e talentos. Esta vontade não será na
verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser contudo o bem supremo e a
condição de tudo o mais, [...]KANT (2007, p. 25-26):
356
Na Grécia antiga, Sócrates (KANT, 2007, P.36) dizia que todo homem era naturalmente
dotado de virtude, e quem naturalmente não a tivesse, não fosse agraciado com tal dom
natural quando do nascimento, deveria servir aquele que o tinha naturalmente adquirido,
sendo que, para a sociedade, cultura da época, a pessoa sem virtude, não era considerada
o oàpessoa,àeàassi àde e iaàse àape asàu ài st u e toàdeàse id oàpa aàoà se à i tuoso ,à
pois este sim nasceu com finalidade superior.
Em contraponto a este entendimento, Immanuel Kant dizia que, todo ser humano é
dotado de capacidade reflexiva, e, portanto um ser racional, cabendo a cada um, a
possibilidade de buscar este dom chamado virtude. Buscar este atributo positivo, pela razão,
para que assim pudesse ser reconhecido como pessoa, e, buscar uma igualdade, ser visto e
reconhecido, e fazer parte de uma sociedade, era na época necessário para ser reconhecido
como pessoa, ser dotado de capacidade e querer.
O texto Kantiano traz na ideia de dignidade humana um pensamento ligado a boa
vontade, em que a pessoa, ser racional é capaz de refletir e tomar uma atitude, esta ação, em
seu objeto finalístico é que determina a questão moral.
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para
alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão somente pelo querer, isto é em si
mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do
que todo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer
inclinação [...] (KANT, 2007,p.23)
A boa vontade é uma ação, sem finalidade em si mesma, mas simplesmente pela razão
natural de ser, que a torna pura e simples em seu momento, espontânea, que é simplesmente
o sentido natural desta. Não busca uma finalidade de satisfação, um agir condicionado a
determinado retorno, mas pura e simplesmente o agir pelo agir, pois assim deve ser.
[...] a razão, que reconhece o seu supremo destino prático na fundação duma boa
vontade, ao alcançar esta intenção é capaz duma só satisfação conforme à sua
própria índole, isto é a que pode achar ao atingir um fim que só ela (a razão) //
determina, ainda que isto possa estar ligado a muito dano causado aos fins da
inclinação. (KANT, 2007, p.26)
Para Kant uma ação praticada somente por dever, sem uma finalidade egoísta,
simplesmente por realiza-la, é uma ação de boa vontade, pois nesta não existe uma finalidade
de interesse, apenas a ação, espontânea a sua razão de ser, que como tal deveria ser realizada,
357
conforme sua convicção natural, uma simples ação por dever, uma boa ação, pois esta ação
tendo como finalidade determinada, terá a questão moral viciada, pois seu agir é para atingir
tem um propósito pessoal, egoístico.
A filosofia de Kant divide os imperativos em hipotético e categórico, sendo o primeiro
refere-se a uma necessidade prática da ação, como um meio para alcançar algo desejado, um
objetivo final; e o segundo uma ação necessária por ela mesma não buscando uma finalidade,
um fim como objeto da ação.
[...] todos os conceitos morais têm a sua sede e origem completamente a priori na
razão, e isto tanto na razão humana mais vulgar quando na especulativa em mais
alta medida; [...] que exatamente nesta pureza da sua origem reside a sua dignidade
para nos servirem de princípios práticos supremos; [...] as leis morais devem valer
para todo o ser racional em geral, é do conceito universal de um ser racional em
geral que se deve deduzir.
Por sua vez, a boa vontade reide em cumprir o dever pelo respeito ao dever (e não pelo
espeitoàaàlegalidade .à Ba etto,à ,àpg. .àássi àp essup e-se chegar a ações de justiça,
pois sem interferência apenas se busca, a partir de uma ética/moral, cumprir com seu dever,
ações livres de finalidade, age-se somente pelo agir, de forma correta com o dever.
Costas Douzinas (2009, p. 200), por sua vez, refere que
não sofrimento da pessoa, em tais níveis que, mesmo em países adeptos a pena de morte, se
pensa em evitar sofrimento daàpessoaàeàassi àp opo io a àu àsa ifí ioà dig o .àÉàu à oà
sofrer, com objetivo de trazer o ser humano ao seu mínimo existencial, o que possui de mais
precioso a sua integridade da característica humana, seu sentir, maneira como é visto por seu
semelhante, garantia a sua integridade física, incluindo até mesmo a disponibilidade de sua
estrutura corporal.
Conforme Dürig (-apud SARLET, 2015, p. 68):
[...] buscando assegurar uma existência com dignidade, constatação esta que, em
linhas gerais, tem servido para justificar um direito fundamental (mesmo não
expressamente positivado, como já demonstrou a experiência constitucional
estrangeira) a um mínimo existencial, compreendido aqui – de modo a guardar
sintonia com o conceito de dignidade proposto nesta obra – não como um conjunto
de prestações suficientes apenas para assegurar a existência (a garantia da vida)
humana (aqui seria o caso de um mínimo apenas vital), mas sim, bem mais do que
isso, ou seja, uma vida com dignidade, no sentido de uma vida saldável como deflui
do conceito de dignidade adotado nesta obra, ou mesmo daquilo que outros tem
designado de uma vida boa.
para que assim possam usufruir de uma coexistência, com liberdade a nível que possibilite um
desenvolvimento social coeso com os princípios norteadores do Estado Democrático de
Direito, para um saudável exercício de seus direitos e deveres, para possibilitar relações
interpessoais, independentes de vontades absolutas singulares.
A polícia, braço do Estado, age através de seus agentes, pessoas do convívio social, da
comunidade, que investido do cargo, e, dentro da legalidade, fazem cumprir as leis e
regulamentos, para que a população conviva com a desejada harmonia e um relativo
sentimento de segurança, para assim exercer a plenitude de sua cidadania, exercendo seus
direitos e deveres, os quais são assegurados, inicialmente pela atividade de polícia, pois desta
relação estado/povo, é a polícia, a mais presente para o povo, cidadão, e que deste emana
todo poder do Estado Democrático de Direito, garantido o exercício pleno pelo poder
Judiciário.
Versa Vicente de Paulo Barretto (2001, p. 49-50):
Os homens conservam a sua vida conforme //ao dever, sem dúvida, mas não por
dever. Em contraposição, quando as contrariedade e o desgosto sem esperança
roubaram totalmente o gosto de viver; quando o infeliz, com fortaleza de alma, mais
enfadado do que desalenta ou abatido, deseja a morte, e conserva contudo a vida
sem a amar, não por inclinação ao medo, mas por dever, então a sua máxima tem
um conteúdo moral.
A ética do policial é o fiel cumprimento das leis e regulamentos, sendo que estes
refletem diretamente em suas ações, e buscam, acompanhados de uma moral social e própria,
assegurar o bem estar do povo. Sendo que a ética do cidadão está no fiel cumprimento das
leis e regulamentos, pois este é o regramento social, e este é o modo de vida, tanto do povo
quanto do agente de segurança pública, pois somente um entendimento plural dos princípios
éticos e morais é que farão a estrutura estatal, leis e regulamentos terem efetividades, pois o
fim é direito e dever, do Estado e do Povo.
As relações interpessoais existentes dentro das corporações policiais, todas com a
missão de proteger o povo e manter a ordem pública, são em regra de subordinação,
acatamento a ordens e seu cumprimento, agindo assim presume-se ética profissional, tal
comportamento se faz necessário para a manutenção da instituição.
O cumprimento destes preceitos, afirmando leis e regulamentos, enseja uma
animosidade entre povo e estado, visto sua atividade coercitiva ligada a função de controle
social, sendo que, esta animosidade, possui como primeiro interventor o policial, este é povo,
mas também é estado. Se faz necessário a flexibilidade do agente, para análise de casos
específicos à sofrerem intervenção, de até mesmo atos incoerentes do Estado, pode terminar
por não prestar o devido auxílio a este cidadão, e, ao próprio policial, pois, o que em muito se
percebe é o povo, objetivando a satisfação de interesses próprios, e acabam por não agir com
a necessária ética.
362
Direitos humanos são mais do que apenas uma componente da democracia. Eles são
a pré-condição para o funcionamento de um sistema democrático. O
desenvolvimento e a consolidação de direitos humanos é apenas possível, quando
as pessoas vivem numa democracia, porque só aí elas próprias concebem as suas leis
e conseguem controlar publicamente os três poderes [...].
A busca pela proteção, exercida pelo ser humano desde épocas longínquas, sempre
teve seu pilar de sustentação, para tomada de decisões, o não sofrimento do próprio ser, e
apenso a este sentimento ocorreram as maiores guerras, os maiores massacres de seres
humanos, as maiores barbáries inerentes a inércia de um pensar no semelhante, refletindo
hodiernamente em direitos humanos e fundamentais, na dignidade da pessoa humana, pilar
das sociedades democráticas.
Para Eugenio Raul Zafaroni (1997, p. 66):
estava justificado pela necessidade. Daí que nenhuma delas pudesse deter-se em
o st ulosàfo aisàeàseào ie tasseàpo àseuàp p ioà di eitoà atu al .
Na busca pela liberdade o ser humano, em inúmeras vezes, foi capaz de sepultar seus
próprios princípios de soberania e bem estar humano, e, sempre estes atos foram para
ratificar sua característica humana, sua necessidade humana de afirmar sua humanidade. A
democracia é o resultado desta afirmação de humanidade, uma liberdade intrínseca ao
humano a sua capacidade cognitiva, expressa na razão, pois ao abrir mão do Estado de
Natureza, e, escolher alguns do povo para sua representação, mostrou seu espírito coletivo
humano.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Advogado, Editora, 2013.
365
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366
áàPй‘“PйCTIVáàDáàCLÍNICáàáMPLIáDáàNOàCONTйXTOàP‘I“IONáL:à P‘ODU)INDOà
LIBй‘DáDй“
INTRODUÇÃO
No cenário atual das políticas penais é possível encontrar diferentes discursos que
favorecem o aumento da população carcerária e que colocam a necessidade da construção
de novos estabelecimentos prisionais em detrimento às intervenções voltadas ao cuidado das
pessoas privadas de liberdade. Dado a isso, os altos índices de aprisionamento não foram
acompanhados de melhorias, na magnitude em que eram necessárias, das condições físicas,
humanas e estruturais das prisões, ferindo os princípios constitucionais da dignidade humana
e da individualização da pena (BRASIL, 1988).
Embora a individualização da pena seja um direito constitucional previsto no art. 5º,
XLVI, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), despontado o presídio como o local
p p ioàdoà out o ,àda ueleà ueà o peà o àoàpa toàso ialàeà ueài stau aàaàdeso de ,à eleà
1
Técnica Superior Penitenciária – Psicóloga da SUSEPE, com formação em Psicologia e Especialista em Gestão de
Pessoas pela URI - Campus Santo Ângelo, Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade
de Direito de Santa Maria (FADISMA) e Especialista em Saúde Mental pela UNIJUÍ.
2
Psicóloga, Enfermeira, Sanitarista, Mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ e doutoranda em Ciências:
Práticas Sociais em Saúde e Enfermagem pela UFPEL, ênfase em Saúde Mental Coletiva.
367
são atestadas as mais severas violações de direitos fundamentais, sem que estas importem
em um maior questionamento acerca de seus efeitos ou significações.
Está previsto que o processo de individualização da pena ocorra em três momentos: o
primeiro, no legislativo em que se observa a gravidade do ato cometido pela pessoa privada
de liberdade versus a sanção penal. O segundo é da individualização judiciária em que se
aplicam e determinam o modo de execução das penas. E o terceiro, consiste na execução das
mesmas, chamado individualização executória, em que se determina o cumprimento
individualizado da sanção aplicada (MIRABETE, 2004).
Ao passo que a Lei de Execuções Penais – LEP3 garante em temos de legislação o
T ata e toà Pe alà I di idualizado à eà oà a essoà aosà di eitosà hu a osà eà so iaisà dasà pessoasà
privadas de liberdade, há uma dificuldade por parte dos diferentes operadores que atuam no
sistema prisional em lograr êxito ao que se propõe a referida Lei, tendo em vista as complexas
condições do cárcere em total descompasso com os princípios dos direitos humanos
(DEMARCHI, 2008).
Para tanto, seria necessário que o sistema prisional repensasse as práticas nesse
campo. Emerge a necessidade de se questionar e refletir sobre em que efetivamente consiste
a atuação dos diferentes operadores envolvidos no trabalho prisional (agentes penitenciários,
agentes penitenciários administrativos e técnicos superiores penitenciários), pensando-se
numa prática que possa ir além daquela que já se exerça e que, muitas vezes, restringem-se
as demandas imediatas da instituição prisão.
Acresce-se a isso o fato de que a institucionalização tende a produzir a perda da
identidade e referência, produzindo efeitosà o tifi ado esà doà eu ,à o oà aà o se ü iaà
psi ol gi aà daà pe a iaà e à i stituiç esà totais à GOннMáNN,à .à Nasà i stituiç esà
totais, como os presídios, estão presentes as formas mais acabadas de controle sobre os
indivíduos (RAUTER, 2003). Ainda referindo-se a Goffmann (2008) uma das características é
dispor de um plano reacional único, supostamente planejado para atender aos objetivos da
própria instituição.
áài di idualizaç oàdaàpe aàpodeàse àu aàfo aàdeà e upe aç o àdaàpessoaàp i adaàdeà
liberdade. Contudo, para tanto, é necessário considerar e negociar com seus desejos,
vontades, necessidades individuais e coletivas e com os seus valores socialmente construídos.
3
Lei de execução Penal Nº 7.210, promulgada em 1984.
368
Recomenda-seà ueàaà i di idualizaç o àsejaàt a alhadaàdesdeà aàpo taàdeàe t ada àda pessoa
no sistema prisional. As ações relacionadas à individualização da pena precisam implicar cada
sujeito na sua construção, para que faça sentido em sua vida, resgatando o seu protagonismo.
A execução penal não pode ser igual para todos – justamente porque não são iguais e
tampouco a execução ser homogênea no período de seu cumprimento (MIRABETE, 2004).
Soma-se a isso, que em 2003, no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário
(PNSSP, 2003), firmou a necessidade da organização de ações e serviços de saúde no sistema
penitenciário com base nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), dentre
eles o da universalidade (BRASIL, 1990). Deste modo, o PNSSP fomentou a responsabilização
conjunta das políticas sociais de saúde e de segurança, sendo sua proposta voltada para a
garantia de ações integrais de saúde, enfatizando, além da assistência, a prevenção e a
promoção de saúde às populações masculina, feminina e das medidas de segurança, que são
também formas de produção de saúde mental (OMS, 2001).
Ainda, pelo PNSSP, pela primeira vez, a população confinada nas unidades prisionais é
objeto de uma política que possibilita o acesso a ações e serviços de saúde que visam a reduzir
os agravos e danos provocados pelas atuais condições de confinamento em que se encontram,
ao encontro do que propõe o Sistema Único de Saúde - integralidade, equidade e
universalidade (BRASIL, 1990). É nesta esteira, de garantia dos princípios sanitários, que se
propõem a Humanização em qualquer serviço de saúde (BRASIL, 2003, 2010), à qual se
viabiliza também pela incorporação do conceito de Clínica Ampliada (CUNHA, 2005).
A Clínica Ampliada foi proposta Gustavo Tenório Cunha na relação com a Atenção
Básica (CUNHA, 2005), a partir das proposições de Eduardo Campos aào aà “aúdeàPaid ia à
(CAMPOS, 2003). Opera com a situação de saúde da pessoa e o processo de trabalho dos
profissionais que atuam no cuidado a saúde humana. Sob esta perspectiva, o mesmo também
pode ser utilizado no sistema prisional, dado que passa a considerar a pessoa em privação de
liberdade em sua singularidade e contexto de vida, contribuindo para que construa outras
possibilidades de existência, que se articula com o viver no ambiente da prisão e fora do
mesmo.
Ao considerar o exposto, sob implicação com processos de produção de subjetividade
e humanização, mobilização com o formato até então desenvolvido no sistema prisional
quanto à homogeneidade no processo de individualização da pena, da baixa efetividade do
369
como sujeito implicado nos processos que agencia (SPINOZA, 2007). Os afetos tendem serem
os impulsionadores de pesquisas com essas características, assim como o foi este estudo,
deflagrado a partir da inserção como servidora penitenciária, com formação e na função de
Psicóloga na 3ª Delegacia Penitenciária, mais especificamente atuando junto ao Presídio
Estadual de Santo Cristo, que compreende o território escolhido para o diálogo entre o afeto
de uma inquietação despertado aàa ade iaàeàoà a seio àpo à esposta,à i idoà aàp ti aàdoà
contexto funcional.
Sendo assim, o estudo refere-se à narrativa de uma experiência de construção de um
programa individualizador de atenção à pessoa privada de liberdade, juntamente com um
coletivo de servidores na Superintendência dos Serviços Penitenciários – SUSEPE, no período
de 08 de novembro de 2015 até 02 de dezembro de 2016, junto ao Presídio Estadual de Santo
Cristo. Cabe salientar que na referida unidade prisional já se vivia a preocupação em pensar o
processo de individualização da pena, mas sem respostas efetiva.
Deste modo, a pesquisadora levou consigo como ferramentas – seu desejo de
mudanças e o conceito da Clínica Ampliada. O caminho da pesquisa foi narrado na forma de
escrita em diário de campo, que se pautou, na escrita sobre o vivido, desde o início deste
trabalho de reinvenção do processo de individualização da pena, junto ao Presídio Estadual
de Santo Cristo.
O conceito da clínica ampliada ao encontro do vivido foi o disparador para esse
movimento de reinvenção da individualização da pena no sistema prisional, e é isso que se vai
apresentar, de modo cartográfico, como um recorte dessa realidade vivida, por meio da
descrição desse processo, apresentação de seus efeitos via escrita e uso de documentos,
fotografias e jornais desde que disponíveis de forma pública, respeitado aos preceitos éticos
em pesquisa (BRASIL, 2012).
O NASCEDOURO DA QUESTÃO
a vida das pessoas privadas de liberdade, bem como, dos demais atores envolvidos na
questão, e de si mesmo.
A intenção de pesquisar geralmente tem a ver com a trajetória profissional. No caso,
atuando como psicóloga no âmbito prisional, em uma jornada profissional de
aproximadamente doze anos, capturada pelas rotinas, muitas vezes, mecanicistas e
laudatórias a serviço do judiciário e, muito distante do trabalho em equipe. A psicologia
sempre ingressou no sistema prisional sob o viés avaliativo e pericial, diretamente vinculada
à injunção legalista da Lei de Execuções Penais (LEP), bem como sob a concepção de sujeito
psicológico centrado, onisciente e racional, tendo como pano de fundo pregações positivistas
de busca da ordem social.
Esgotada dessa prática impetuosa, via a necessidade de buscar novas perspectivas com
intuito de minimizar as consequências do conflito ético que vivenciava. Sentia que precisava
exercitar a análise do que estava produzindo/reproduzindo e qual o sentido de meu trabalho,
quais os efeitos do mesmo, e nessas indagações, estava a buscar sempre possibilidades para
uma atuação eticamente em prol do outro e de si, dado que nos tornamos aquilo que somos
a partir das relações estabelecidas (FOUCAULT, 2006; DELEUZE, 1992).
Foram esses momentos de busca e angústia que me despertaram para algumas ações
de cuidado. Durante o percurso no curso de pós-graduação e participação no Núcleo do
Sistema Prisional do Conselho Regional de Psicologia com subsede em Santa Maria - RS, essas
intenções de reinvenção do cotidiano e de si ganham corpo, clareiam-se trajetórias e
movimentam-se fluxos de ideias para construir uma proposta de cuidado e atenção, no
âmbito prisional. Soma-seàaàisso,àoà o eitoàdeà Clí i aàá pliada àeàoàage ia e toàdeàu à
colegiado de servidores penitenciários no Presídio Estadual de Santo Cristo para construção
de um Programa Individualizador da Pena.
NOà P‘OCй““Oà Dйà ‘йINVйNÇÃOà Dáà INDIVIDUáLI)áÇÃOà Dáà PйNá:à P‘ODUÇÃOà Dйà
LIBй‘DáDй“
que vão ao encontro do conceito da Clínica Ampliada, ou seja, como produzir liberdades em
um local, a princípio, pelas suas características, avesso a essas possibilidades? Como construir
um modelo de se atuar e gerir saúde de forma qualificada e dialogada através de uma equipe
de referência?
Das inquietações compartilhadas surgem outras pistas e novos rumos passam a ser
estudados. O cenário favoreceu o entendimento da proposta e constituição de uma Equipe
de Referência no Presídio Estadual de Santo Cristo dando significado e importância para as
pessoas que ali se inseriam no processo de construção. Logo, tudo se tornou inovador,
inclusive a quem pesquisa, impressionada com a movimentação da equipe em prol de uma
mudança de pensamento/estratégia, ou seja, torção do olhar punitivo para o do cuidado.
O entendimento do trabalho em equipe entre os servidores envolvidos na rotina
prisional, mais especificamente, o administrador, a agente penitenciária administrativa, a
assistente social e o agente penitenciário responsável pela segurança institucional do PESC
compuseram uma Equipe de Referência (ER), sendo que essa passou a se responsabilizar pela
atuação no cuidado a pessoa em situação de privação de liberdade.
Além da Equipe de Referência, também se constituiu uma Equipe de Apoio, que é outro
dispositivo da Clínica Ampliada, composta por profissionais da 3ª Delegacia Penitenciária
Regional de Santo Ângelo, incluso quem pesquisa, juntamente com outros atores (uma
psicóloga e uma advogada). A função da Equipe de Apoio não é fazer pela Equipe de
Referência, mas estar junto, sempre que necessário, nas discussões dos casos, garantido a
autonomia e o espaço protegido singular da Equipe de Referência. Com isso, a Equipe de
Referência e de Apoio é utilizada neste processo como possibilidade de ampliar as
possi ilidadesàdeà a pliaç oàdaà lí i a àaoàe o t oàdoà ue propõe Campos e Domitti (2007),
ou seja, no caso do sistema prisional de garantir a singularização do processo de
individualização da pena.
Por este viés, viu-se a construção de ações pautadas na lógica da interdisciplinaridade
possibilitando espaços de troca entre as Equipes a fim de se articular estratégias de cuidado
juntamente com pessoas em cumprimento de pena, o que proporcionaria a pessoa em
desacordo com a lei uma nova experiência, dando voz à mesma e acima de tudo respeitando
sua singularidade. Gálvan (2007) refere que a interdisciplinaridade não anula a
disciplinariedade, pois implica em uma consciência dos limites e potencialidades de cada
375
campo do saber, na busca de um fazer coletivo. E do mesmo modo, não anula o saber popular,
ao contrário, o inclui.
Contudo, há diversas formas de se buscar a interlocução necessária para a realização
de um trabalho mais amplo e consistente. Porém, quando se fala no trabalho em equipes,
sabe-se que este não é um caminho que se constrói sem percalços, principalmente em relação
aos entraves que o sistema prisional provoca. E de fato, a primeira dificuldade elencada pelos
servidores surge quando a equipe convida a pessoa privada de liberdade para participar do
encontro de equipe a fim de estruturar uma proposta de intervenção.
Percebe-se que diferentes sentimentos se atravessam, já que questões de seguranças
emergem, por exemplo, uma pessoa privada de liberdade dependente química, usando
drogas na instituição. Como trabalhar isso em equipe? Como desconstruir
situações/intervenções altamente punitivas num trabalho em equipe? Como os agentes de
segurança podem interpretar isso? Visualizava-se um conflito ético-moral instaurado a partir
de uma demanda revelada pela pessoa privada de liberdade, no que se observa que povoa o
se soà o u à efo çadoàpeloà odeloàpu iti o.àNu aàsituaç oà o fliti aàe t eà e osàdaà
equipe, como prosseguir?
Assim, durante todo o processo de construção, muitas incertezas ganharam evidencia,
dificuldades soavam, no entanto a coesão do encontro se mantinha presente. Momentos de
estudos, busca de estratégias, novos arranjos, foram às alternativas encontradas na busca de
respostas ao desconhecido. A partir da leitura da demanda encontrada, viu-se, também, a
necessidade de buscar no território, na comunidade, na família mais elementos de vida dessas
pessoas. Com isso, sentia-se a necessidade de articulação com outros saberes em igualdade,
de familiares, comunidade, escola, serviços de apoio social, serviços de saúde e tantos outros.
A realidadeàdasà pessoasà p i adasàdeà li e dadeàdesi estidasà deà uaseà tudo à o à oà
qual as Equipes precisam lidar, consiste num constante exercício de persistência e tolerância
visto que o cárcere reduz a identidade dessas pessoas ocorrendo um processo que Goffman
àdefi iuà o oà despe so alizaç o .àássi ,àu ài di íduoà oà à aisàu ài di íduo;àeleà
passa a ser uma engrenagem no sistema da instituição, e a obedecer a todas as regras da
mesma; caso não o faça, será "reeducado" pelos próprios companheiros ou pela equipe
dirigente. É como se lhe tirassem as próprias memórias e as substituíssem por memórias da
própria instituição que visam à padronização dos sujeitos.
376
Neste contexto enfrentar tal realidade juntamente com a pessoa privada de liberdade
nos convida a reconstruir a identidade perdida e a de quem se envolve, através de novas
formas de cuidado, contando, inclusive com outros territórios do entorno. Neste viés,
vislumbra-se o acontecimento em ato da proposta da Clínica Ampliada aonde se abraça o
investimento na tecnológica do cuidado. A Clínica de que se fala, consiste em uma interação
complexa entre sujeitos (CUNHA, 2005) que, no âmbito prisional, se desenhou através do
movimento de todos os atores inseridos num mesmo processo de construção. A participação
da pessoa privada de liberdade foi vista como uma experiência potente e inovadora,
oportunizando a mesma um espaço de fala, escuta e visibilidade.
Neste ponto de atenção, verifica-se que as visitas às famílias das pessoas privadas de
liberdade, possibilitaram as equipes de Referência e Apoio uma proximidade diferenciada
como um recurso importante de acesso à dinâmica familiar. Este foi o fio condutor desta
clínica, de fato, ampliada, expandida, que atravessou os muros do cárcere a fim de percorrer
o território da pessoa privada de liberdade.
No caminho percorrido entre facilidades e dificuldades, o trabalho interdisciplinar na
ampliação do cuidado remetia-se constantemente para árduos desafios. Via-se a necessidade
no fortalecimento do espaço de discussões entre a área da segurança e a área técnica, a fim
de desencadear novos deslocamentos, tencionando ampliação da concepção do cuidado em
saúde, em especial para o trabalho em rede. Entretanto, pode-se considerar que a
heterogeneidade de saberes seria capaz de criar possibilidades para a construção de outros
faze es,à a i doà u aà pe ue aà f esta à pa aà aà o posiç oà deà o asà p ti asà oleti asà deà
integração disciplinar, na tentativa de envolver o todo, através da junção das partes, dos
diferentes olhares sobre um mesmo fenômeno.
No fundo do olhar das equipes via-se a grandeza das possibilidades que a perspectiva
da Clínica Ampliada poderia acrescer num ambiente desprovido de olhares. Aos poucos as
equipes foram conseguindo contornar e trabalhar com suas dificuldades o que tornava o
processo de construção cada vez mais empolgante, principalmente quando os diferentes
saberes que circulam no cárcere e que estavam, quiçá, pela primeira vez, dialogando de um
modo diferente.
Quando os primeiros efeitos da equipe começaram a surgir, a equipe de referência do
presídio se mostrou com vontade de divulgar os primeiros resultados ao judiciário. Assim, em
377
setembro do corrente ano, foi realizada uma visita de rotina pelo juiz da Vara de Execução
Criminal a unidade prisional de Santo Cristo. Ao mesmo, foi apresentada pelas Equipes de
Referência e de Apoio, a proposta de trabalho que já se desenhava na instituição prisional na
fo aàdeàu à P og a aàdeàáte ç oà àPessoaàP i adaàdeàэi e dade .àáài te ç oàfoià ost a àosà
efeitosà ueàaàpe spe ti aàdaà Clí i aàá pliada à i haà epe uti doà oà o te toàp isio alàda doà
conta do processo de individualização da pena como uma inovadora possibilidade de
intervenção, incluindo a importância de todos os saberes que compõem as equipes,
principalmente o da pessoa em situação de privação de liberdade.
áà g a de àsu p esaàfoiàoàe ol i e toàdoàpode àjudi i ioàapoia doàaà o aàp opostaà
de trabalho, dando voz ao Programa nas redes sociais, jornais locais e concedendo entrevista
a Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal, onde esclareceu a importância desse tipo de
iniciativa no âmbito prisional (Anexo A). Tal impulso do Judiciário fortaleceu a equipe
enquanto grupo de trabalho comprovando que, quando se deseja algo construído em equipes,
dentro de um compromisso ético, se produz liberdades ainda que mínimas, mas consistentes
e necessárias.
Após apresentação do Programa ao Judiciário ocorreu um misto de sentimentos: alívio
pela aceitação da proposta que passou a ser formalmente aceita, mas ao mesmo tempo medo
do desconhecido, já que o Judiciário depositou confiança na equipe em apresentar a proposta
para o Ministério Público e Defensoria Pública de Santo Cristo, assim como, propagar o
Programa para demais casas prisionais da região.
Neste contexto, abrolha momentos de reflexão entre as equipes e,
consequentemente, o aperfeiçoamento daquilo que está em construção, ou melhor, em
p oduç oàdeàli e dades àe àsi,àpa aàp oduç oàdeàli e dadesà out osà o te tos,àpassaàaàse à
mais dialogado/discutido/refletido.
Pelas circunstâncias do novo momento, outras pistas surgiram/surgem ao mesmo
tempo em que novas contribuições delineavam-se. Tempo atravessado continuamente por
descobertas, impedimentos, novas percepções e, consequentemente, redirecionamentos.
Após esses efeitos e desfechos, as equipes se reuniram em prol da organização logística do
Programa, desenhando um roteiro de ações, um fluxograma, tendo em vista a
o p ee s o/se si ilizaç oà dosà g a desà ope ado esà doà di eito ,à ouà seja,à pa aà ueà oà
378
CONSIDERAÇÕES FINAIS
йsteàt a alhoàde o st ouàaàpot iaàdaàaç oàso àaàpe spe ti aàdoà o eitoàdeà Clí i aà
á pliada à aà ei e ç oàdoàp o essoàdeài di idualizaç oàdaàpe aàdeàpessoasàe àsituaç oàdeà
privação de liberdade, como potente dispositivo na relação com a saúde mental, via produção
de existência. É o efeito dos afetos mobilizados pelo desejo de reinvenções no sistema
prisional.
A partir da experimentação do conceito de Clínica Ampliada, percebeu-se que para
construir um projeto de individualização de pena era preciso produzir liberdades, necessidade
esta, conhecida no caminho. Liberdades no sentido de se libertar de algumas padronizações,
conceitos que sustentavam a aplicação do mesmo plano para todos. Liberdades de se dispor
379
a estar com outros atores e dialogar, pensar junto, planejar, e executar de modo a gerar
processos de inclusão.
O enveredar-se por caminhos novos e paisagens desconhecidas requeriu coragem e ao
mesmo tempo persistência para seguir, mas foi justamente o que estimulou a caminhada.
Assim, apesar de toda complexidade instituída por uma instituição total, como a prisão, a
experiência iniciada a partir do conceito da Clínica Ampliada constituiu-se em potente
opo tu idadesà deà p oduç oà deà li e dade à pa aà o po à o osà e ios,à e à o o,à testa à
novos dispositivos de cuidado dando voz às pessoas pelas tecnologias de cuidado inseridas
durante todo o processo de construção.
Em nenhum momento do presente estudo houve o desejo de esgotar a discussão
acerca da proposta da Clínica Ampliada no processo de individualização da pena, até porque
isso seria sua mortificação, dado que a produção de liberdades consiste nesta potente
movimentação, conforme conhecemos seus efeitos. A ativação do desejo de mudança
contribuiu para avançar e pensar noutras possibilidades de intervenção, em que novos
arranjos foram criados e serão recriados na ativação/agenciamento de outros setores/pessoas
a fim de que a Clínica esteja constantemente em ampliação.
Por fim, torna-se imprescindível revelar o quão rica foi à experiência de vivenciar a
criação de um movimento de transformação no cárcere, iniciado com a pessoa privada de
li e dadeàeà hegadoàaosà ope ado esàdoàdi eito .àйà ua doàseàfalaàe àp oduzi àli e dades, é
justamente fazer com o outro, e para o outro, e para si, formando um complexo enredo de
relações em um cenário vivo e pulsante que a todo o momento se movimenta. Isso é produção
de liberdade!
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
380
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v. 10, n. 2, Rio de Janeiro, dez. 2007
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PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade, Porto Alegre: Sulina, 2015.
382
RESUMO: O presente trabalho investiga de que modo o processo de flexibilização das relações
trabalhistas em curso no Brasil, especialmente com a aprovação do PL nº 4.302/98, afeta o
ingresso, a permanência e a condição das mulheres no mundo do trabalho. Neste sentido,
avalia que as relações de trabalho e gênero vêm se transformando ao longo do tempo, de
modo que as mulheres, inicialmente responsáveis pelas atividades privadas e não
remuneradas do cuidado, passaram a ocupar cada vez mais o espaço público e o mundo do
trabalho, o que, no entanto, não representou uma alteração significativa na relação de
responsabilidade dentro do lar. A presente pesquisa utilizará o método histórico, e como
técnica de pesquisa, a documentação indireta.
1 INTRODUÇÃO
A desigualdade de gênero foi construída e legitimada historicamente, colocando a
mulher em uma posição inferior ao homem e reservando à ela poucas funções reconhecidas
na sociedade. Diante desse cenário, à mulher sempre foi atribuídas as atividades domésticas
e relacionadas ao lar como responsabilidade natural, enquanto ao homem foi reservado o
espaço público, através da execução de atividades de maior prestígio social.
Esse contexto, é a base da divisão sexual do trabalho, reservando para as mulheres
espaços específicos no mundo do trabalho, caracterizados, geralmente, por menores salários,
posições inferiores e precarização. Essa situação foi acentuada, pois a entrada das mulheres
no mercado de trabalho se deu conjuntamente com o processo reestruturação produtiva do
capital a partir da segunda metade do século XX. Esse processo trouxe inúmeras mudanças
ao mundo do trabalho, tornando as relações de trabalho cada vez mais flexíveis, através do
aumento de postos de trabalho precários.
Desta forma, o presente estudo aborda a desigualdade de gênero e seu impacto nas
relações de trabalho no cenário brasileiro da atualidade, buscando averiguar de que modo a
divisão sexual do trabalho e a reorganização capitalista ocorrida no final do século XX, que se
1
Este artigo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso, homônimo, desenvolvido como requisito para colação
de grau no Curso de Direito da UNIJUI.
2
Acadêmica de Direito do 9º Semestre da UNIJUÍ. E-mail: letiiiciabf@gmail.com.
3
Doutora em Direito pela UNISINOS. Professora do Curso de Direito da UNIJUÍ. Orientadora da pesquisa. E-mail:
joice.gn@gmail.com.
383
intensificou no Brasil no século XXI ocasionando a precarização das relações trabalhistas tem
afetado a situação das mulheres trabalhadoras, especialmente com a aprovação do PL nº
4.302/98.
Diante deste cenário, o artigo analisa incialmente, como a construção social do gênero
e a dicotomia público-privada tem impacto direto na divisão sexual do trabalho. Na segunda
etapa, analisa como se deu a inserção das mulheres no mercado de trabalho e o processo de
precarização das relações e direitos de trabalhistas. Por fim, na última etapa, analisa de que
modo este processo atinge a condição das mulheres trabalhadoras, um grupo já
tradicionalmente discriminado no mundo público do trabalho.
Grande parte do trabalho doméstico pode ser realizado por uma menina muito
criança; habitualmente dele os meninos são dispensados; mas permite-se, pede-se
mesmo à irmã, que varra, tire o pó, limpe os legumes, lave um recém-nascido, tome
conta da sopa. A irmã mais velha, em particular, é assim amiúde associada às tarefas
384
maternas. Por comodidade, hostilidade ou sadismo, a mãe descarrega nela boa parte
de suas funções; ela é então precocemente integrada no universo da seriedade; o
sentido de sua importância ajudá-la-á a assumir sua feminilidade, mas a gratuidade
feliz, a despreocupação infantil são-lhe recusadas.
Diante disso, o papel da mulher na sociedade sempre foi restrito à esfera privada,
enquanto ao homem foi reservada à esfera pública. Nessa senda, as teorias feministas
afirmam que a mulher nunca alcançará sua plena autonomia enquanto sua imagem estiver
associada a família e ao lar. Destarte, Flávia Biroli (2014, p.34) aponta que:
Essa segregação entre o público e o privado disfarça a sua acentuada contribuição para
a desigualdade de acesso a oportunidades para os indivíduos, figurando como o centro das
desigualdades de gênero, representando perversas consequências para as mulheres (BIROLI,
2014). Isso pois, a naturalização do papel tido como feminino, inviabiliza o acesso à esfera
pública pelas mulheres pois, vistas pela sociedade como inadequadas ou incapazes para essa
ocupação por serem subordinadas aos homens e à família (OKIN, 2008).
Diante dessas circunstâncias o mundo do trabalho se constituiu, uma vez que há a ideia
universal de que os homens inseridos na cadeia produtiva têm mulheres em casa, as quais
cuidam do lar para que eles possam provê-lo,à assi à oà o t oleà deà e u sosà ate iais
permanece nas mãos dos homens, mesmo que dedicação e a rotina de que são fruto
depe da àdoàt a alhoà oà e u e adoàdo sti oàdaà ulhe à BI‘OэI,à ,àp. .à
Foi com a ascensão do movimento feminista na década de 1970, que o conceito de
divisão sexual do trabalho passou a ser estudado e debatido. Nesse período, houve uma
conscientização geral da exploração sofrida pelas mulheres. O movimento feminista
compreendeu que uma grande porcentagem de trabalho é realizado de forma gratuita pelas
mulheres, um trabalho não reconhecido pela sociedade, e realizado para outros, em razão da
ideia universal de que a mulher é a responsável natural pelo trabalho realizado dentro do lar
(HIRATA; KERGOAT, 2007).
Desta forma, compreende-se a divisão sexual do trabalho como sendo:
385
[...] a forma de divisão social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do
que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos.
Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como característica a
designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera
reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com
maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares, etc). (HIRATA;
KERGOAT, 2007, p. 599).
Com a entrada do século XXI, esse processo perdurou. De acordo com os dados
divulgados pelo IBGE, no ano de 2008 da porcentagem de pessoas ocupadas em seis regiões
metropolitanas investigadas pela pesquisa mensal de emprego, 44,4 % eram mulheres. Em
que pese, o grande percentual de mulheres no mercado de trabalho no século XXI, as
desigualdades continuam sendo verificadas.
Conforme os dados do IBGE, no ano de 2012 do total de trabalhadores domésticos no
Brasil, 92% eram mulheres. Além disso, observou-se que, no ano de 2014, 64,6% das mulheres
formalmente contratadas, estavam trabalhando em setores relacionados à saúde, educação
e administração pública. Esses dados, demonstram que apesar de todas as modificações
ocorridas no mercado de trabalho e na sociedade, a divisão sexual do trabalho segue, sendo
refletida nas segregações setoriais pois, as mulheres são colocadas em posições em que sua
387
presença já é tradicional, como por exemplo o serviço doméstico, o qual tem grande peso para
as mulheres no mercado de trabalho. Segundo Maria Betânia Ávila:
É importante ressaltar que apesar das mulheres terem conquistado avanços por
intermédio da sua inserção no mundo do trabalho e em outros espaços da vida
social, esta ainda se dá de forma precarizada e subordinada em relação aos homens,
à exemplo das atividades desenvolvidas pelas mulheres estarem voltadas à
dimensão da prestação de serviços a outrem, terem um caráter complementar ao
trabalho dos homens, pouco prestígio social e aferirem baixa remuneração em
relação ao trabalho masculino.
Assim, diante do contexto em que a mulher foi inserida no mundo do trabalho e da sua
divisão sexual, onde persistem as formas de desigualdade de gênero e de práticas informais
de trabalho, nas quais estas representam a grande maioria dos trabalhadores, têm-se como
uma realidade que o processo de flexibilização da legislação trabalhista no Brasil, agravado
mediante a aprovação do PL 4.302/98, irá atingir de forma mais acentuada os direitos e
garantiras trabalhistas da mulher trabalhadora.
O projeto de lei nº 4.302/98, aprovado pela Câmara dos Deputados em 22 de março
de 2017 e convertido na Lei Ordinária nº 13.429/17, liberou a terceirização irrestrita para
empresas, atribuindo responsabilidade subsidiária à empresa contratante quanto às
obrigações trabalhistas oriundas do período no qual ocorrer a prestação de serviço, além de
permitir a subcontratação pelas empresas prestadoras de serviços de outras empresas para a
realização dos serviços que oferecem, entre outras medidas (BRASIL, 2017).
Nessa senda, compreende-se que a terceirização é uma das formas de empregos mais
precárias do mundo do trabalho, a partir dela uma empresa transfere a outra a
responsabilidade pela realização de tarefas necessárias ao funcionamento das atividades
389
Nesse contexto, as mulheres que sempre estiveram nos setores mais precários do
mercado de trabalho, serão as mais afetadas pela publicação da Lei da Terceirização, pois as
desigualdades já verificadas tendem a se acentuar. Até a aprovação do projeto de lei a
terceirização estava limitada apenas aos setores de vigilância, limpeza e conservação, bem
como para prestação de serviço relacionada às atividades-meio das empresas, por força da
súmula 331 do TST.
Nesse quadro, de acordo com os dados fornecidos pela DIEESE (2017), em 2014
existiam cerca de 12,4 milhões de trabalhadores terceirizados no Brasil, desse número as
mulheres correspondem a aproximadamente 1/3 (TEIXEIRA, 2015). Os trabalhadores
terceirizados são penalizados com as remunerações relativamente mais baixas, com a alta
rotatividade e com jornadas de trabalho mais longas e exaustivas.
No ano de 2014, a diferença salarial entre um trabalhador terceirizado e um
trabalhador contratado diretamente pelo tomador era cerca de 27%. Enquanto o primeiro
recebia em média R$ 2.639,00, o segundo recebia cerca de R$ 2.021,00 (DIEESE, 2017). Essa
é uma questão preocupante pois, o salário da mulher que já tende a ser menor mesmo quando
contratada diretamente pelo empregador, poderá ser reduzido ainda mais quando contratada
por empresas terceirizadas. No ponto de vista de Felipe e Queiroz (2015, p. 286):
O salário daà ulhe àe àg a deà edida,àai daà à istoà o oàu aà ajuda àeàseuàpapelà
reprodutivo que implica em fatores domésticos e familiares causam interferência em
sua inserção no mercado de trabalho. Sendo assim, a divisão sexual do trabalho
separa locais de homens e mulheres no mundo do trabalho encarregando-as pelo
trabalho doméstico e desvalorizando as atividades por elas realizadas.
Por outro lado, em pesquisa realizada no ano de 2014 com as trabalhadoras de limpeza
do campus da Universidade Federal do Paraná, observou-se que as empresas terceirizadas
contratantes dessas funcionárias permanecem na instituição por um período aproximado de
cinco anos. No entanto, a rotatividade das trabalhadoras se mostrou elevada, visto que quinze
das colaboradoras estavam prestando serviços para a empresa a menos de dois anos (DRESCH;
ZANARDINE; FAUX, 2014).
Durante o estudo, constatou-se que as demissões não ocorriam por solicitação das
funcionárias, sendo a maioria dispensadas pelas empresas sob pretexto de serviço mal
prestado. Diante disso, as pesquisadoras observam que o elevado nível de rotatividade é uma
das características da precariedade dos serviços terceirizados (DRESCH; ZANARDINE; FAUX,
2014). Assim, afirma Ferreira (apud FELIPE; QUEIROZ, 2015, p. 281):
391
Em análise realizada pelo IPEA (2017), foi demonstrado que a jornada semanal total
média de trabalho das mulheres – somando o trabalho remunerado e afazeres domésticos –
em 2015, foi de 53,6 horas, enquanto a dos homens era de 46,1 horas, ou seja, as mulheres
trabalham em média semanalmente 7,5 horas a mais que os homens.
Essa circunstância relacionada ao trabalho da mulher e suas atividades domésticas,
ocorre pois, conforme pontua Renata Gonçalves (2003), a precarização das condições de
trabalho acontece sem que haja uma desconstrução dos papéis atribuídos à mulher. Desta
forma, a jornada de trabalho daquelas é sempre justificada pelo discurso de conciliação entre
oà t a alhoà fo alà eà oà t a alhoà deà asa ,à situaç oà ueà o t i uià ta à pa aà ueà suaà
inserção se dê em condições precárias e inseguras, geralmente levando à intensificação da
392
a gaàdeàt a alho,à à eduç oàdaà e u e aç oàeà àpe daàdaàp oteç oàofe e idaàpelaàlegislaç o à
(SEADE apud GONÇALVES, 2003).
Nesse contexto a situação das mulheres que já não é favorável se agrava quando se
trata de trabalhadoras terceirizadas, visto que de acordo com dados divulgados pela DIEESE
(2014) os trabalhadores terceirizados trabalham semanalmente cerca de 3,0 horas a mais em
relação aos trabalhadores tipicamente contratados, ou seja, a dupla jornada de trabalho se
torna mais exaustiva ainda para a mulher que possui uma ocupação terceirizada.
Observa-se então, que a precarização das relações de trabalho coexiste com a divisão
sexual do trabalho. Nesse contexto, a terceirização é a forma que mais se destaca nesse
processo atualmente tendo em vista sua expansão, representado sérias consequências aos
trabalhadores brasileiros, sobretudo, às mulheres.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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GONÇALVES, Renata. Dinâmica sexista do capital: feminização do trabalho precário. In: Dossiê
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PEDROSO, Mária Naiar Cerdote. O trabalho e suas transformações: um olhar sobre o brasil
no final do século XX. 1 ed. Bauru: Canal 6, 2015.
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nacional de trabalho e gênero: Associativismo, profissões e políticas públicas, 2010, Goiânia.
Trabalho e gênero. Goiânia, UFG, 2010, p. [s.p]. Disponível em: <
https://strabalhoegenero.cienciassociais.ufg.br/up/245/o/ELAINE.pdf>. Acesso em:
05/05/2017.
RESUMO: A ditadura militar brasileira foi marcada por um regime autoritário, repressivo e
punitivo que confrontava e desrespeitava os direitos humanos e a dignidade humana. As
pessoas que eram contrárias às ideologias impostas à época e denunciavam as barbáries
causadasàpeloàapa elhoà ep esso ,àe a à o side adosàpelosà ilita esà o oàse doà i i igosà
i te os ,à aga u dos ,à a didos à eà te o istas .à эogo,à e a à al osà deà pe seguiç es,à
detenção arbitrária, tortura, morte e a ocultação de cadáver eram sistematicamente utilizadas
contra aqueles que se revoltassem, objeto de abordagem do presente trabalho. Para tanto,
utiliza-se o método de abordagem dedutivo, enquanto método de procedimento
monográfico.
1 INTRODUÇÃO
O Golpe Militar de 1964 consistiu em um período de extrema repressão e
autoritarismo, na medida em que houve a ruptura dos direitos individuais e sociais, ferindo,
automaticamente, direitos humanos e fundamentais. As Forças Armadas tinham como vítimas
cidadãos comuns, que sonhavam e idealizavam em um país justo e igualitário, onde o direito
à expressão, o direito à dignidade da vida humana, o direito à liberdade, o direito individual,
o direito social, o direito à manifestação e voto direto fossem respeitados e garantidos pela
Norma Constitucional.
Nesse sentido, milhares de cidadãos foram alvos dos agentes de Estado, considerados
pelos militares como sendo inimigos i te os 5,à aga u dos ,à a didos àeà te o istas , sofrendo
1
Este artigo é resultado de um recorte teórico no qual se pretende desenvolver o Projeto de Dissertação
vinculado ao Programa de Pós-Graduação stricto-sensu, Mestrado em Direitos Humanos, da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ, Ijuí/RS. Este trabalho foi desenvolvido com o apoio
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
2
Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, campus Santo
Ângelo/RS. Mestranda em Direitos Humanos na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul - Unijuí, Ijuí/RS. Bolsista Capes, e-mail.: luanechuquel@hotmail.com.
3
Mestrando em Direitos Humanos no Programa de Pós-graduação stricto-sensu em Direito da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ - Brasil), graduado em Direito pela mesma
instituição, e-mail: aleffelipe93@hotmail.com.
4
Professor orientador, Doutor em História, Docente do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ, e-
mail.: icanabarro@yahoo.com.br.
5
Considera-seà i i igoà i te o à todasà asà fo çasà so iais,à ope ios,à a po eses,à estuda tesà eà soldados,à
juntamente com pequenos partidos e parlamentares nacionalistas e esquerdistas eram consideradas perigosas
397
sob as mãos dos torturadores violências físicas, psíquicas e sexuais. Havia a implantação do
medo e do terror utilizando-se da prática de tortura, sequestros, desaparecimentos, mortes,
ocultação de cadáver e exílio. Essas práticas eram justificadas pelo governo com o fim de
combater subversão e instaurar a Segurança Nacional no país.
A partir da elucidação dos fatos, mostra-se o total desrespeito aos direitos humanos,
visto que milhares de pessoas ainda encontram-se desaparecidas; sabe-se, também, que em
determinados casos o aparelho repressivo atestou versões falsas sobre as causas que
ensejaram o óbito de certas pessoas. Ainda há a ocultação de cadáver.
Importante salientar que, o regime militar brasileiro criou fantasiosamente e mentiu
para a população brasileira ao justificar seus atos repressivos era uma forma de deter os atos
deà a dalis o,àte o is oàeà a ditis o,à ealizadosàpelosà i i igosài tei os .àáfi a a à ue,à
apenas estes grupos eram alvos de repressão, com o objetivo de manter a ordem interna
Nacional.
Sabe-se que, as pessoas que lutavam por um país mais justo, digno, igualitário, livre e
com mais direitos, que denunciavam as atrocidades cometidas pelos Agentes dos estados não
eram inimigos i te os ,à aga u dos ,à a didos à eà te o istas , mas sim estudantes,
universitários, jornalistas, atores, cantores, trabalhadores em geral, professores, etc.; todos
assassinados voluntariamente e covardemente pelos Agentes dos Estados.
[...] opositores políticos do regime – e todos àqueles que de alguma forma eram
percebidos por este como seus inimigos – foram perseguidos de diferentes
maneiras. Os exemplos são muitos: cassação de mandatos eletivos e de cargos
públicos censura e outras restrições à liberdade de comunicação e expressão,
punições relativas ao exercício da atividade profissional (transferências, perda de
comissões, afastamento, demissões) e exclusão de instituições de ensino (2014,
p.278).
Observa-se que durante o regime militar brasileiro houve a ruptura desses direitos
básicos que deveriam ser tutelados pelo Estado, como, por exemplo, normas fundamentais à
dignidade da pessoa humana que, no entanto, n oàe a àzelados.àPo àassi àdize ,à áàto tu a,à
asàpe seguiç esàeàassassi atosàp ati adoàpeloàйstadoàeàpo àg uposàpa a ilita es àfo a àu aà
prática comum no Brasil (MAGALHÃES, 2000, p.35). Nesse diapasão:
Fala-se em revanchismo, talvez vingança, mas a verdade não é nenhum dos dois. Para
ue àsof euà aàpele àaàsel age iaàdeàu àestadoàdeàe eç oà utal,àouà es oàosàfa ilia esà
que passam pela dor de perder seu ente querido que, em diversos casos, não puderam nem
ao menos enterrá-los, a palavra revanchismo não se justifica. Alguém precisa ser
responsabilizado.
Havia um objetivo para sequestrar, torturar, matar e sumir com os corpos. Estas
práticas marcaram este período, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.
egi e.àN oào sta te,à [...]àu à ú e oà uitoà aio àdeàpessoasàfo a àp esas,àto tu adas,6
perseguidas, impedidas de trabalhar, exiladas e banidas, mas que não chegaram a morrer
di eta e teàpelaàaç oà ep esso a à COMI““ÃOàй“PйCIáэà“OB‘йàMO‘TO“àйàDй“áPá‘йCIDO“à
POLÍTICOS MINÚS SILVA FILHO, 2008, p.155).
A ocultação dos cadáveres, consequentes das práticas de tortura impostas, consistia
em uma espécie de proteção do Estado e de seus aliados (torturadores) como forma de evitar
futuras represálias. Neste interim:
Para não deixar rastros, os Estados ocultavam os corpos das vítimas – por meio, entre
outros, da criação de cemitérios e valas clandestinas; da identificação das pessoas
como indigentes; e do despejo de corpos no fundo de lagos, de rios ou do mar
(atirados de aviões e helicópteros). Milhares de presos políticos morreram assim, e
até hoje, na maioria dos casos, não se tem notícias do seu paradeiro (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.290).
6
Entende-seàa uiàpo àto tu aà ual ue àatoàpeloà ualàdo esàouàsof i e tosàg a es,àdeà atu ezaàfísi aàouà e tal,à
são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou
confissões; [...] castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter
cometido; [...] intimidar ou coagir essa pessoa ou outras pessoas, ou por qualquer motivo baseado em
discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por funcionário público ou
outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
a uies ia à нOэйYàáPUDàá‘áNTй“,à ,àp. .àáàe e ploàdisso,àe à àdeà aioàdeà ,à aà idadeàdeà‘e ife,à
o padre Antônio Henrique Pereira Neto, coordenador de Pastoral da Aquidiocese de Olinda e Recife, professor e
especialista em problemas da juventude, foi sequestrado. A tragédia aconteceu em razão de que a vítima,
juntamente com o arcebispo Dom Hélder Câmara, denunciaram os métodos de repressão que eram utilizados
peloàpode à ige te.àDiasàdepois,àseuà o poàfo aà e o t adoàpe du adoàdeà a eçaàpa aà ai oàe àu aà o e,à
com hematomas, queimaduras de cigarro, cortes profundos por todo o corpo, castração e dois ferimento
produzidosàpo àa aàdeàfogo ,àe àu à atagalàdaàCidadeàU i e sit iaàdeà‘e ifeà COMI““ÃOàй“PйCIáэà“OB‘йà
MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS, 2007, p. 96).
7
Nesse sentido, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas de 1994, conceitua
o desaparecimento forçado, por assim entender: [...] a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas,
seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com
autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguidas de falta de informação ou da recusa a reconhecer a
privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais
e das garantias processuais pertinentes (artigo 2º).
8
[...] a) casos derivados de detenções não reconhecidas oficialmente, seguidas pela negação de informações
sobre o paradeiro da vítima: trata-se do modelo de desaparecimento que se tornou padrão, entre os anos 1973
e 1974, em que militantes eram capturados pelos órgãos da repressão em um contexto de operações de
inteligência em torno das organizações e do intenso monitoramento sobre os militantes, muitas das vezes na
clandestinidade; b) casos derivados de detenções oficialmente reconhecidas, seguidas de negação de
401
a morte da vítima,9 seusà estosà o taisà oàfo a àe o t adosàouàple a e teàide tifi ados à
(2014, p.294).
A ordem era de que quem praticava a censura, seja por meio da imprensa, do teatro,
da música, da literatura e das artes, ou, ainda, quem possuísse amizades com políticos
influentes exilados, seriam alvos de torturas11, sequestros, desaparecimentos, mortes e
ocultação de cadáver ou exilados.
áàde o i aç oàdeà te o istas ,à aga u dos ,à a didos ,à i i igosài te os à oà
condizem com quem lutou por um Brasil melhor, sem desigualdades e injustiças e pagou com
informações sobre o paradeiro da vítima: embora raros e esparsos, tais casos ocorreram em relação a militantes
que não viviam na clandestinidade e cuja morte, aparentemente não planejada, não poderia deixar rastros; e c)
mortes oficialmente reconhecidas, com ausência de plena identificação dos restos mortais: trata-se de padrão
que pretendia eximir a responsabilidade do órgão de repressão, com montagem de versões oficiais falsas para
mortes causadas por tortura. Essas versões sustentavam-se, por um lado, pela participação de médicos-legistas
que não faziam registrar as marcas de tortura, por meio da reprodução a crítica da narrativa oficial pela imprensa
e, especialmente, pelo sepultamento como indigentes, impedindo a identificação das vítimas pelos familiares
(COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.294).
9
o oà e tid oàdeà ito,àlaudoà ada i o,àde la aç esàfo aisàdeàauto idadesàestataisàouàfotosàdoàI stitutoà
Médico-эegalà IMэ à COMI““ÃOàNáCIONáэàDáàVй‘DáDй,à ,àp. .
10
Em 1967 o Colégio Militar elegeu Arthur da Costa e Silva como presidente da República. Neste governo foi
i stau adoà oà áIà º à ueà da aà p e ogati asà ditato iaisà aoà p eside te,à o oà o fis a à e sà e à asoà deà
e i ue i e toà ilí ito ,à eà oà o ede à habeas corpus aos indivíduos enquadrados na Lei de Segurança
Na io al à “CрNййBй‘Gй‘,à ,àp.à g ifo .àUtiliza do-se das prerrogativas dispostas no AI nº 5, Arthur da
Costa e Silva prendeu milhares de pessoas em todo o país, fechou o Congresso Nacional por prazo indeterminado,
cassou os mandatos de 110 deputados, afastou ministros do Supremo Tribunal Federal. Após sofrer problemas
de saúde, o General Costa e Silva é substituído. Quem assume o governo é Garrastazu Médici (1969 a 1974),
marcado pelo ápice das torturas e desaparecimentos; foi o período de maior violência de todo regime militar
(SCHNEEBERGER, 2006, p. 331). Posteriormente, sucedeu na presidência da República Ernesto Geisel (1974 a
1979), marcado pela ação democratizante, visando retirar a severa censura imposta aos meios de comunicação
e extinguiu todos os atos institucionais que vigoraram na imposição arbitrária da ditadura.
11
Osà todosà o u sàutilizadosàpa aàaàp ti aàdeàto tu aàeàdeà ausàt atosà o oà [...]à ho uesàel t i os,[...],à
suspensão do corpo, bater nas solas dos pés, sufocamento, falsa execução de morte ou ameaça de morte e
confinamento prolongado em solitária. [...], su e s oàe à gua,à olo a àto osàdeà iga oàa esoà oà o poà[...] à
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2000, p.18).
402
a vida12. Com certeza os atos praticados no período ditatorial não foram razoáveis, justificando
assim a busca pela verdade e a consequente reparação aos atos desumanos praticados.
Dentre as tantas vítimas da sombria época da Ditadura Militar local, está o assassinato
de Vladimir Herzog13 [...]à to ou-se uma personagem icônica da História do Brasil e da
o st uç oàdaà ossaàde o a ia .
[...] foi assassinado no dia 25 de outubro de 1975, sábado, num antigo prédio da rua
Tomás Carvalhal, no Bairro do Paraíso, em São Paulo, onde funcionava o
Destacamento de Operações de Informações (DOI), departamento do Centro de
Operações de Defesa Interna, (CODI), órgão subordinado à Segunda Divisão de
Exército, parte da organização hierárquica do Comando Militar do Sudeste, sediado
na capital paulista (TOJA, 2017, s.p.).
[...] a luta pela redemocratização do país, a começar pelo ato ecumênico realizado
na Catedral de São Paulo seis dias depois de sua morte, conduzido pelo cardeal D.
Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor James Wright, no qual
oito mil pessoas enfrentaram o medo e os cercos militaresàpa aàdize à asta àdeà i aà
oz.à á ueleàfoiàu à o e toàdeàu i oàdeàfo çasàaàpa ti àdoà ualàfi ouà la oàpa aàoà
regime que a sociedade civil caminharia determinadamente para a reconstrução da
de o a ia ,àdizàáud lioàDa tas,àe t oàp eside teàdoà“i di atoàdos Jornalistas e um
dos articuladores daquela manifestação (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, s.a, s.p.).
12
Estudos estatísticos apontam que cerca de 56% (cinquenta e seis por cento) dos presos a partir da implantação
do AI- àe a à [...]àestuda tesàu i e sit iosàouàdete to esàdeàu àdiplo aàdeà í elàsupe io à OэIVйI‘á,à ,à
p.11). O perfil dos torturados, no entanto, advinda das mais variadas classes sociais, a saber: sindicalistas, esposas
de aprisionados, professores universitários e/ou de educação básica, políticos, mulheres grávidas, estudantes,
sindicalistas, crianças, profissionais liberais, membros da igreja católica, jornalistas, artistas que sofriam
repressão, dentre outros (ARNS, 1987, passim).
13
Nascido em 1937 em Osijsk, antiga Iugoslávia, foi jo alistaà doà jo alà Oàйstadoà deà “ oà Paulo à e à à eà
professor da Universidade de São Paulo (USP). No começo da década seguinte casou-se com Clarice. A partir do
Golpe de 1964, o casal foi para a Inglaterra, onde Vladimir arrumou um trabalho na BBC de Londres. Após quatro
anos voltou para o Brasil, onde então, no ano de 1975 iniciou a direção do jornalismo da TV Cultura (TOJA, 2017,
s.p.).
403
Apenas em 2013, a família teve nas mãos uma nova certidão de óbito, na qual a
morte foi registrada como resultado de les esà eà ausà t atos à i fligidosà oà IIà
Exército (DOI-CODI à – um eufemismo ainda para abuso, tortura, homicídio, mas
mesmo assim significativo de uma enorme transformação política ocorrida no Brasil
com o impulso das forças democráticas que não esmoreceram diante do poder
fardado e da violência (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, s.a., s.p.).
Contudo, sabe-se que, ainda hoje, familiares e amigos de Vladimir Herzog lutam pelo
direito à justiça. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos irá analisar, entre
osàdiasà àeà àdeà aioàdoà o e teàa o,àeàa alia àaà [...]àsituaç oàdeài pu idadeàe à ueàseà
e o t a àaàdete ç oàa it ia,àto tu aàeà o te àdeàVladi i à щO‘NáэàDOàB‘á“Iэ,à ,às.a.,à
s.p.).
Manoel Fiel Filho14 foi mais uma vítima, dentre os milhares que foram covardemente
assassinadas pelo regime militar brasileiro (EBC, 2016, s.p.). De acordo com documentos
confidenciais encontrados em arquivos, localizados no antigo Dops de São Paulo, o que
justificou sua prisão arbitrária, tortura e, consequentemente, sua morte, foi de ter cometido
oà i eàdeà e e e àoàjo alà VozàOpe ia à MйMÓ‘Iá“àDáàDITáDU‘á,às.a.,às.p. .
Ainda, segundo informações contidas no Relatório do Ministério Público Federal, [...]à
um dos envolvidos no crime é o militar [...] Audi à“a tosàMa iel,à aà po aà hefeàdoàDOI ,à ue,à
emitindo ordens ao
14
Operário metalúrgico que, em janeiro de 1976, fora preso por dois agentes do DOI-Codi, no local de seu
trabalho, sob acusação de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro, dias depois, em em 17 de janeiro foi dado
como morto (TOJA, 2017, s.p.).
404
Filho, os agentes levaram o cadáver do operário para uma cela especial, onde
amarraram meias em seu pescoço e simularam um enforcamento. Na parede,
forjaram frases de arrependimento da vítima, na tentativa de tornar verossímil a
versão de suicídio. Para oficializar a falsa causa do óbito, os peritos Ernesto Eleutério
e José Antônio de Mello emitiram laudos nos quais atestaram a ausência de sinais
de agressão, apesar dos evidentes hematomas principalmente no rosto e nos pulsos
da vítima. A família do metalúrgico só conseguiu a liberação do corpo mediante o
compromisso de sepultá-lo o mais rápido possível. Fiel Filho foi velado em um caixão
lacrado, sem que os parentes pudessem ver as claras marcas de violência
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, p. 264, 2017).
15
[...] incansável oponente da violência do governo militar. Mãe de Stuart Edgar Angel Jones, torturado e
assassinado pela ditadura, Zuzu passou anos denunciando as arbitrariedades da repressão até morrer em um
a ide teàdeà a oàsuspeitoàe à à MйMÓ‘Iá“àDáàDITADURA, s.a., s.p.).
405
por denunciar o desaparecimento de seu filho, Stuart Edgar Angel Jones (1946-1971) e ter tido
aà o tadeàdeàda àu àsepulta e toàaoàseuà o po à ,àp.à .
Zuzu representa diversas mães que tiveram seus filhos vitimados pelo regime militar
que, ao invés de ficar silente, pagou com sua própria vida ao ir a público e denunciar o
desaparecimento de seu filho, Stuart Edgar Angel Jones e de lutar para esclarecer os fatos,
saber da verdade real, encontrar seu corpo e ter um sepultamento digno. A luta de Zuzu
também era a mesma de outros milhares de mães, pais, filhos, irmãos, netos, avós, esposas e
primos que, tinham como objetivo o direito à verdade e à justiça.
Outro importante cidadão que lutou contra as ideologias impostas a época do período
ditatorial, foi Honestino Guimarães16 e, como resultado de sua luta e bravura foi vítima do
aparelho repressivo. A trajetória de Honestino frente à militância estudantil iniciou-se em
1965, ocasião em que sua liderança se revelou:
16
Natu alàdeàIta e aíà GO àfo aà p eside teàdoàDi et ioàá ad i oàdeàGeologiaàdaàU B àdaàU i e sidadeàdeà
B asília;àp eside teàdaà нede aç oàdosàйstuda tesàdaà U i e sidadeàdeàB asíliaà нйUB ;à p eside teàdaà U i oà
Nacional dos Estudantesà UNй àeà e oàdaàáç oàPopula à áP .àP esoàdu a teàosàa osàdeà ,à ,à àeà
.à áosà àa osàdeàidade,àfoiàp esoàpo àage tesàdoàCe t oàdeàI fo aç esàdaàMa i haà Ce i a à oàdiaà à
deàoutu oàdeà àe,àdesdeàe t o,àpe a e eàdesapa e ido .àрo estino fora um líder político importante para
o movimento universitário da época, por isso o interesse dos agentes do Estado brasileiro em investigá-lo e
controlá-lo (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.1320). Como forma de reconhecimento pela sua luta
й Salvador, em 1979, os 10 mil estudantes universitários que se reuniram no congresso de reconstrução da
UNE enfeitaram o ambiente com um gigantesco painel estampando o rosto de Honestino, e deixaram na mesa
que presidiu o evento uma cadeira vazia em sua homenagem. O DCE da Universidade de Brasília foi batizado
com o seu nome e em 26/08/1997, o reitor João Cláudio Todorov outorgou o título de Mérito Universitário a
Honestino Guimarães. O nome de Honestino já foi conferido, em homenagem, a vários equipamentos públicos
em diferentes estados. Em São Paulo, a prefeita Luiza Erundina inaugurou o complexo viário João Dias, composto
de três viadutos. Um deles recebeu o nome de Honestino Guimarães e os outros dois de Sônia Maria de Moraes
Angel Jones e Frederico Eduardo Mayr. Mais recentemente, em 15 de dezembro de 2006, foi inaugurado, ao lado
da Catedral de Brasília, o majestoso edifício do Museu Nacional Honestino Guimarães, construído pelo Governo
do Distrito Federal e executado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que o inaugurou no dia em que completava 99
anos. Como parte dos preparativos para comemoração do 70º aniversário de fundação da UNE, seus dirigentes
pla eja à la ça à ofi ial e teà oà Ce t oà deà йstudosà рo esti oà Gui a esà daà U i oà Na io alà dosà йstuda tes à
(COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS, 2007, p. 356).
406
saber o que aconteceu com ele, que passou a fazer parte da lista de desaparecidos
da ditadura de 1964 (FARIA, s.a., s.p.).
Por volta das 18h, a PM dispersou uma manifestação que pretendia alcançar o prédio
da Assembleia Legislativa. Os estudantes se abrigaram dentro do restaurante. Às
h ,à oà te e teà áloísioà ‘aposoà o a douà aà i as o.à Deuà o de sà pa aà ue a à
tudo àeàati ouà à uei a-roupa no peito de Edson Luís. Os jovens reagiram com paus
e pedras, fazendo a polícia recuar. Para impedir que a PM desaparecesse com o
corpo no Instituto Médico Legal, os estudantes o carregaram nos braços até a
Assembleia, onde dois médicos realizaram a autopsia. Coberto com a bandeira do
Brasil e com cartazes de protesto, o corpo de Edson Luís foi velado no saguão do
prédio. [...]. No fim da tarde de 29 de março, cerca de 50 mil pessoas acompanharam
o cortejo fúnebre até o cemitério em Botafogo, onde Edson Luís foi enterrado ao
so àdoàрi oàNa io alàeàaosà adosàdeà Mata a àu àestuda te.àPodiaàse àseuàfilho .à
Naquele dia, houve manifestações de protesto contra a ditadura e greve geral de
estudantes em todo o país. O Rio praticamente parou no dia do sepultamento. Numa
alusão à violência, os letreiros dos cinemas da Cinelândia exibiam os títulos de três
fil es:à áàNoiteàdosàGe e ais ,à âàQuei a-‘oupa àeà Co aç oàdeàэuto .àOàe te oà
de Edson Luís marcou o início da ascensão do movimento estudantil no país, que iria
culminar na Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho (Revista FORUM, 2017, s.p.).
Dessa forma, revela-se a história de mais uma vítima pelos Agentes do Estado. O
assassinato de Edson Luís emergiu a necessidade da união e o aumento de forças e resistência
daàpopulaç oà asilei aàe àple oà á osàdeàChu o .
407
A secretária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Lyda Monteiro foi assassinada
em 27 de agosto de 1980, por agentes do Centro de Informação do Exército (CIE), ao
abrir uma carta-bomba, revelou hoje (11) a Comissão Estadual da Verdade do Rio de
Janeiro (CEV-Rio), vinculada ao governo do estado. A correspondência era
endereçada ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes, mas foi
aberta por Lyda, secretária dele. Na época, a OAB denunciava desaparecimentos e
torturas de perseguidos e presos políticos. Com base em depoimentos de
testemunhas, fotos e retratos falados, a comissão identificou a participação do
sargento Magno Cantarino Motta, codinome Guarany, que entregou a bomba
pessoalmente na sede da OAB; o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que
confeccionou o artefato e o coronel Freddie Perdigão Pereira, que coordenou a ação
(EBC, 2015, s.p..).
17
Nascido em Santos/SP, em 26 de dezembro de 1929. Tinha na época, 41 anos(FONTELES, 2014, s.p.).
18
й àseuàli o,àtituladoà o oà нelizàá oàVelho ,à elataàdetalhada e teà e asàdeàsuaài f ia ao relembrar a
última vez que o viu, dos momentos de dor, sofrimento e angústia após ver o seu pai ser retirado coercitivamente
de dentro de seu lar e ser levado por agentes das forças armadas, no dia 20 de janeiro de 1971. Seu
desaparecimento tornou-se u à ist io,àe à i tudeàdeàoàgo e oà ilita àte àde la adoà ueàoà es oà oàseà
e o t a aàp eso ,àt oàpou oàsuaàesposaàeàfilhaà PáIVá,à ,àp. , .àátual e teàh àu àpa e e àdaàCo iss oà
Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos desvendando o lugar e as causas que ensejaram a sua morte,
es la e e doà ueàoà es oà [...]à o euà asàdepe d iasàdoàPIC;àQueàe àfu ç oàdasàes o iaç esàap ese tadasà
por RUBENS PAIVA, o declarante admite que o mesmo tenha sido torturado, evidentemente não podendo
afirmar em queàlo al à нONTйэй“,à ,às.p. .
19
[...] torturado e assassinado nas dependências de um quartel militar entre 20 e 22 de janeiro de 1971, seu
corpo foi enterrado e desenterrado várias vezes por agentes da repressão, até ter seus restos jogados ao mar,
na costa da cidade do Rio de Janeiro, em 1973, dois anos após sua morte (TOJA, 2017, s.p..).
20
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV
tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de
outubro de 1988.
21
Apresentada em um texto assinado pelo coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles
(BENEVENUTI, 2013, s.p.).
408
Naquela época ficou claro o grande desinteresse por parte do então governo militar
para descobrir provas sobre fatos, fazendo crer a motivação política no atentado criminoso. A
então desculpa mais admissível da morte de Lyda, foi de que o crime teria sido feito por um
então dito grupo, composto por militares que estariam insatisfeitos pela abertura política, e
também pela Lei de Anistia aprovada em 1979 (COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E
DESAPARECIDOS POLÍTICOS, 2007, s.p.).
Estes homens, jovens, mulheres e mães são apenas alguns dos milhares de cidadãos
brasileiros que na época foram alvos de prisões arbitrárias, desaparecimentos, torturas,
mortes e ocultação de cadáver, onde se verifica a violação da dignidade da pessoa humana,
em que eram tratados de forma violenta e covarde pelas mãos daqueles que deveriam dar
segurança.
Esse período obscuro da história brasileira merece e deve ser contado para presentes
e futuras gerações do país, incentivando, por meio de políticas públicas pelo Governo Federal
para que não caia no esquecimento do povo brasileiro. A memória é de extrema importância
na apuração da verdade e da justiça, na medida em que envolve a proteção de Direitos
Humanos como âmbito de força, refletindo na preservação da verdade e memória durante o
regime militar.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou trazer à tona um pouco do que se sabe sobre aquele
soturno período ditatorial vivido no Brasil. Revelou-se que não foram exterminados tão-
somente os direitos fundamentais dos cidadãos da época, mas também, vidas de pessoas
fo a à eifadas,àpo ,à o ti ua a à i os ,àpa aà us a à espostasàso eàalgu sàdosà asosà
aqui apresentados.
O presente tema nos revela a cristalina importância acerca da história que se revela,
sua forma dolorosa que é uma evidente marca, além de toda a imposição dos então
autoritários ditadores, que faziam de si, o Estado máximo, tentando aplicar naquele tempo
uma ideologia política instável desde o seu início.
Mostrou-seà ueà oàfo a àape asà aga u dos ,à a didos ,à i i igosài te os àeà
te o istas à ueà pe de a à aà idaà a ueleà fatídi oà te po,à asà si à pessoasà deà p op sitosà
409
ímpares tais como: filhos (as), pais e mães de família, que lutaram não apenas pela
democracia, mas também pelo direito de cada um daqueles que se calaram.
A divisão deste trabalho possibilitou, analisar brevemente o período histórico da
ditadura militar brasileira (1964 à 1985), afirmando-se toda a violação de direitos
fundamentais sofridos na época, bem como, as constantes práticas de tortura, sequestro, e
mortes de alguns cidadãos brasileiros, vítimas daquele sangrento tempo vivido nesta pátria.
REFERÊNCIAS
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Editora EDAI, 2001.
ARANTES, Maria Auxiliadora de Almeida Cunha. Dor e Desamparo – Filhos e Pais: 40Anos
depois. v. 20, n. 2. Rio de Janeiro: PSIC. CLIN., 2008.
ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: Nunca mais. 20. ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1987.
BENEVENUTI, Patrícia. A verdade sobre Rubens Paiva. Publicado em: 15 de fevereiro de 2013.
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2017.
CARVALHO, Lucas. "Minha mãe morreu por isso", diz filha de Zuzu Angel sobre localização
do irmão desaparecido Disponível em: <
http://www.portalimprensa.com.br/noticias/brasil/70053/minha+mae+morreu+por+isso+di
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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Violações aos Direitos dos Povos Indígenas. Tomo I - Parte
II. Disponível em: http://docslide.com.br/documents/i-tomo-parte-2-violacoes-aos-direitos-
dos-povos-indigenas.html. Acesso em: 02 de maio de 2017.
410
EBC, AGÊNCIA BRASIL. Secretária da OAB morta em 1980 foi vítima de agentes do Exército,
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“йUàнILрO . Disponível em: <http://www.une.org.br/2014/03/edson-luis-presente/>. Acesso
em 10 de maio de 2017.
RESUMO: Aprovada em 1990, a Lei 8.078 apresenta a proteção e defesa dos consumidores no
território brasileiro. Tendo em vista que a sociedade atual capitalista é intensamente
estimulada pelo consumo, este instituto se faz de extrema relevância social, uma vez que
todos os cidadãos, conforme dispôs Kennedy em seu discurso, são consumidores. Entretanto,
embora o Código de Defesa do Consumidor brasileiro disponha da conceituação de práticas
ilícitas, observa-se que muitas ainda sucedem. Logo, é essencial destacar a gravidade do crime
de publicidade abusiva e enganosa, definindo a responsabilização penal do anunciante, ora
objetivo principal do presente trabalho.
1 INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea, no auge das relações consumeristas do século XXI, a
publicidade vem como um meio de aproximar consumidor e fornecedor, de forma que este
último anuncie seus produtos e serviços para que induza naquele o sentimento de consumo
afim de que adquira o que lhe propõe, instigando a indústria, os lucros e, consequentemente,
fomentando o desenvolvimento econômico no sistema capitalista.
É sob esta ótica das relações consumeristas, através da propagação de ofertas por
meio da mensagem publicitária, que o presente trabalho traz como temática a importância da
compreensão acerca da publicidade enganosa e abusiva, bem como seus reflexos para com
aqueles que compõe o elo mais vulnerável das relações de consumo: os consumidores.
Quanto à matéria, o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, Lei 8.078/90, trouxe
em seus artigos 36 ao 38, a modalidade de publicidade ilícita, classificando-a em duas formas:
a enganosa e a abusiva, sendo que esta disposição busca garantir um patamar de igualdade
entre fornecedor e consumidor, visto que este último encontra-se em posição vulnerável ao
desconhecer as informações que o fornecedor detém.
1
Artigo escrito para o II Congresso Nacional Ciências Criminais e Direitos Humanos, UNIJUÍ.
2
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Email:
natalia.leticia@hotmail.com
3
Docente do Curso de Direito da UNIJUÍ, Mestre em Direitos Humanos pela UNIJUÍ, Advogada. Email:
eliete.schneider@unijui.edu.br
413
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Contexto histórico da proteção e defesa dos direitos dos consumidores
pu idoà o à a hoà es alda te .à ásà pu iç esà e a à e t e a e teà igo osas,à aseadasà osà
ideais da Bíblia Sagrada.
Com a crise do feudalismo, que fundamentava-se na posse e servidão, os povos
europeus buscaram a expansão através de rotas comerciais, através dos mares, criando um
novo sistema que seria o mercantilismo. Diferentes povos iniciaram um método de compra e
venda, adquirindo produtos que não possuíam em suas localidades, dando em troca aqueles
que lhes eram comuns e raros para estes. Em 1280, Veneza tornou-se uma potência
internacional, pelas suas ligações marítimas, obtendo produtos como a seda e porcelana e
vendendo madeira e ferro. As consequências foram às grandes navegações que levaram a
colonização do Brasil, a título de exemplo (PARCIANELLO, 2013).
Por conseguinte, a área rural deu espaço ao desenvolvimento urbano, dando-se ênfase
a satisfação individualista, o que fomentou as relações de consumo. As Ordenações Filipinas
(apud PARCIANELLO, 2013), em seu quinto livro, dispunham quanto estes vínculos
consumeristas, citando que comum era a pena de morte para aqueles que infringissem os
direitos dos consumidores, assim como o envio de exílio para as terras brasileiras.
divulgação de produtos para consumo. Entretanto, o mesmo período foi marcado por guerras
e após o advento da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os consumidores estavam cercados
pela falta de qualidade e preços altos, assim como uma escassa proteção consumerista.
(SANTANA, 2014, p. 55)
Com base nos fatos mencionados, dia 15 de março é dito como o dia mundial da
proteção ao consumidor, como consequência da disposição de John F. Kennedy. Esta refletiu
no Brasil a obrigação reproduzida no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal brasileira,
que impõe ao Estado o dever de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor e,
posteriormente, a efetivação da lei 8.078 de 1990, o conhecido Código de Defesa do
Consumidor, que está em vigência até os dias atuais que elaborou normas seguindo as
proposições apresentadas.
esclarecer todas as informações acerca do produto, de forma clara e objetiva, pois, ao dispor
das informações, o fornecedor possui controle um controle maior sobre o produto que não é
conferido ao consumidor, sendo uma visível desigualdade (MACEDO, 2012, p. 277)
Co soa teàйfi gà ,àp.à àapudàCá‘VáэрO,à ,àp.à à pa aàefeitosàdaàapli aç oà
doàCDC,àoà o su ido à àp esu i el e teà o side adoà ul e elàf e teàaoàfo e edo .àáoà
se submeter a relação de consumo, o cidadão adquirente aceita as práticas de produção. Logo,
de acordo com o autor, procurando uma equidade entre estas divergências, a legislação
contempla o elo mais vulnerável, partindo do princípio de tratar com desigualdade aqueles
que são desiguais, para almejar convivências embasadas na justiça.
Assim, sancionado em 1990, entrou em vigência em março 1991 o Código de Defesa
do Consumidor no brasil – aproximadamente três décadas após o pronunciamento de John F.
Kennedy o que caracteriza uma resposta do Brasil para uma demanda tão imprescindível e
significativa – visando uniformizar a disciplina das relações consumeristas.
De acordo com o artigo 1º da legislação referida, esta estabelece que as normas de
proteção e defesa ao consumidor possuem caráter de ordem pública e interesse social,
permiti do,àsegu doàCa alhoà ,àp.à à oàjulgado à o he e àdeàofí ioà ual ue à uest oà
elati aà sà elaç esàdeà o su o,à oàseàope a doàso eàelasàoàefeitoàdaàp e lus o .àTa à
de grande importância, o artigo 6º institui, em seus incisos VI e VII, alguns dos principais
direitos básicos do consumidor:
Desta forma, o Código de Defesa ao Consumidor é uma disciplina exclusiva que buscou
diferenciar a relação consumerista das relações contratuais do Código Civil brasileiro, sendo
aplicável sempre que houver uma relação de consumo, não abrangendo apenas aquelas
pertencentes exclusivamente ao Direito Privado, como a compra e venda eventual entre
pessoas físicas que não classifica nenhuma das partes como fornecedora de produtos ou
serviços.
418
no inciso III do art. 6º do CDC4, que expõe o dever do fornecedor informar, clara e
adequadamente, quanto ao produto ou serviço que está a ofertar, não devendo omitir ou
alterar disposições destes.(VADE MECUM, 2016, p. 802)
Nota-se aqui a ocorrência da publicidade enganosa, disposta no parágrafo §1 e §3 do
artigo 37 que se caracteriza pela divulgação de serviço ou produto de forma que esta
mensagem possa levar o consumidor a interpretação deturpada, ao erro, fazendo com que
este adquira produto diferente do desejado. Basta que a comunicação seja capaz de induzir
ao erro para se concretizar o fato punível.
Esta subdivide-se em duas modalidades, sendo uma efetuada através de conduta
comissiva e outra, omissiva. Na primeira forma, o fornecedor expressa anúncio inautêntico,
na sua total ou parcialidade, agindo de maneira ativa para a ocorrência da falsa ideia. Assim
dispôs o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
4
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(...)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
ap ese te .
420
Este tipo de publicidade ilícita se difere de outra modalidade, também proibida por lei,
denominada abusiva. Embora sejam utilizadas comumente como sinônimos, não o são. Está
se dá de forma comissiva, estando disposta no parágrafo §2 do artigo 37.
Sua consumação se efetiva com a propagação de publicidade que contenha viés
discriminatório, incitando a violência, medo ou superstição, se aproveitando, desta forma, do
consumidor leigo, deficiência de julgamento e experiência de criança. Pode afetar ainda
valores ambientais ou levar o consumidor a agir de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde
ou segurança. Dispõe de um maior potencial ofensivo. (OLIVEIRA, 2015)
Com a concretização de tais condutas, o fornecedor, ou seja, o anunciante, deverá
responder por seus atos. Assim, conforme Oliveira (2015), este terá a obrigação de assumir
danos morais e patrimoniais provenientes, ensejando em responsabilização penal, civil e
administrativa. Poderá ser solidária a agência publicitária que contribuir para a efetivação do
caso, do contrário, encontrar-se-á de forma subsidiária (MACEDO, 2012, p. 285).
5
O §4 do referido artigo, divergindo do seu caput, inclui uma exceção, tratando da responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais que poderá ser apurada mediante verificação de culpa.
421
serviço, que leva o consumidor ao erro. Ainda incorrerá nesta pena aquele que patrocinar a
oferta, segundo o artigo 67. De forma atenuada será a pena daquele que incidir de modo
culposo, sendo de um a seis meses ou multa – nota-se que a multa não se soma a de detenção,
podendo sobrevir apenas esta. Visto os fatos, menciona-se
A especificidade abusiva, penalizada pelo artigo 68, tem caráter mais severo se
comparada a anterior. Isto pois, como já dito, pode levar o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa para sua saúde ou segurança. Sua conceituação se dá de
ma ei aà aisàa pla,àse doà ue,à o fo eàCa alhoà ,àp.à à es oà ueà e dadei a,à
elaà oà à pe itida .à ássi ,à apli a -se-á a sanção de seis meses a dois anos e multa.
Complementa o art. 69 com a omissão ao organizar dados fáticos, técnicos e científicos que
são base da publicidade, incorrendo o responsável na pena de um a seis meses ou multa.
Outrossim, segundo o art. 6º, VI complementa que os danos morais e patrimoniais, em
decorrência da publicidade enganosa ou abusiva, devem ser ressarcidos de forma integral ao
consumidor prejudicado.
Ação Civil Pública Publicidade voltada ao público infantil Venda casada caracterizada
Aquisição dos relógios condicionada à compra de 05 produtos da linha "Gulosos"
Campanha publicitária que infringe o artigo 37 do Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária Utilização de verbos no imperativo inadequada Proibição
pelo Conar do uso dessa linguagem em publicidade voltada às crianças Prática comum,
que deve ser repudiada Publicidade considerada abusiva, que se aproveita da
ingenuidade das crianças Sentença reformada Apelo provido Verbas sucumbenciais
impostas à ré. (TJ SP, Ação Cível Pública: 03423849020098260000 SP, Relator: Ramon
Mateo Júnior, 8/03/2013)
6
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
423
campanha de publicidade para público infantil, sem a observância de regras próprias, fixando
uma pena multa de R$50.000,00 caso a ré descumprisse o preceito. Ainda houve a
condenação na quantia de R$ 300.000,00 de indenização a sociedade pelos danos produzidos
pela sua publicidade ilícita.
Constata-se que a ré se aproveitou da inexperiência e ingenuidade das crianças, pois,
se os consumidores, como um todo, são vulneráveis nas relações consumeristas, o público
infantil, pela inocência na interpretação, torna-se ainda mais indefeso diante da conduta dita.
O artigo 37 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, que normatiza
as regras ao se efetuar um anúncio dirigido à crianças e jovens, também foi violado, pois se
feriu algumas regras. Outra questão foi a divulgação do relógio o oà i de ,àse doà ueàestaà
nomenclatura pressupõe a gratuidade daquilo que será recebido.
No fim de 2013 a Pandurata apresentou Recurso Especial, visando reformular a
decisão. Em 2014, o Tribunal da Justiça negou o provimento deste, de forma que a empresa
interpôs Agravo – que foi convertido em Recurso Especial novamente em 2015.
Julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 10 de maio de 2016,
com o relator Min. Humberto Martins e cinco votos favoráveis – deu-se de forma unânime –
a confirmação de publicidade abusiva por parte da Bauducco, bem como a reafirmação da
venda casada e da prioridade das crianças nas relações de consumo, manteve-se a sentença.
No mesmo ano, a empresa opôs Embargos de Declaração, sendo que o Instituto Alana e o
Ministério Público apresentaram impugnação. Culminou na rejeição, unanimemente, dos
embargos – ainda mantendo-se a decisão do acórdão. (TJ SP, Recurso Especial Nº 1558086 SP
2015/0061578-0, Relator: Min. Humberto Martins, 10/03/2016)
O Recurso Extraordinário para apreciação do Supremo Tribunal Federal foi interposto
pela Bauducco em 2016, não sendo admitido no STJ. Assim, em dezembro do mesmo ano,
apresentou Agravo em Recurso Extraordinário e o Ministério Público, em fevereiro de 2017,
apresentou sua impugnação ao Agravo. Aguarda-se, no momento, a análise do recurso no STF.
(RECURSO ESPECIAL Nº1558086 SP - PROCESSO ELETRÔNICO Petição Eletrônica (CmARE)
00040650/2017 recebida em 10/02/2017)
Observa-se que a incidência destas condenações nas relações consumeristas ainda é
insipiente, devido ao caráter destas disposições legislativas consumeristas serem recentes,
estimuladas apenas após 1962, com o advento das prerrogativas de John F. Kennedy.
424
Entretanto, embora tenha havido uma condenação na esfera civil, se dá como marco histórico
nacional visto a jurisprudência advinda desta, determinando à proibição de publicidade que
se volte ao público infantil, reafirmando a vedação à venda casada, daí vinda a importância de
abordá-la neste presente trabalho.
Todavia, destaca-se que, embora este tipo de publicidade possa ser visto como normal
e aceitável, seus elementos a tornam abusiva. É necessário que esta conduta seja repudiada
e, para a garantia dos direitos dos consumidores, principalmente daqueles que são
hipossuficientes, fazer-se efetivar a exigência de uma ação mais adequada por parte do
responsável, de modo que estas não voltem a se suceder.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
4 REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Aluisio Santos de. Publicidade enganosa no CDC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-
4862, Teresina, ano 20, n. 4257, 26 fev.2015. Disponível
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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ação Cível Pública: 03423849020098260000 SP,
Relator: Ramon Mateo Júnior, 8/03/2013
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Cível: 71003216363 RS, Relator:
Ricardo Torres Hermann, Data de Julgamento: 27/10/2011, Primeira Turma Recursal Cível,
Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/10/2011.
VADE MECUM. Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva: São Paulo, 2016. 21ª ed.
VIEIRA, Fernando Borges. O Direito do Consumidor no Brasil e sua breve história. 2012.
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427
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Colu ia,à o stituiuàoà í di eàdaà aldade àdist i uídoàe à àite s,à us a doà o p ee de àeà
disti gui à asà dife e çasà eà asà se elha çasà e t eà osà assassi atosà eà osà i di íduosà ueà osà
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podeàse àdefi idaà o oàu à alà aàfo aç oàdaàpe so alidadeàdaàpessoaà o à aseàfisiol gi a,à
ouàseja,àu aàte d iaà oti adaàpeloàsiste aà e oso,ào deàoàlo oàp ‐f o talàeàaàa ígdalaà
e o t a ‐seà e osàaptosàaài te p eta àasàelu idaç esàe o io aisàeàpa aàto a àde is esà ueà
seja àfa o eisàaoàseuà e ‐esta àpessoalàeàdeàout e .àCo oà o se u iaàte ‐seài pa toà
aosà í eisà doà siste aà e osoà e t al,à p ejudi a doà asà elaç esà i te pessoais,à afeti asà eà
o po ta e taisàdoàsujeito,à esulta doà aàalte aç oàdasàe oç esàeà az esàdoài di íduo,àoà
ualà à i apazà deà de o st a à edo,à a siosidade,à est esse,à e patia,à ulpaà eà de aisà
a a te ísti asàe o io aisà o al e teà islu adasàe àtodoàse àhu a o.
áde ais,à taisà sujeitosà opta à f e ue te e teà po à u à estiloà deà idaà a tisso ial,à
e t eta to,à oà h à e ata e teà u à o se soà e à elaç oà aoà seuà odoà deà ida,à poisà o oà
e e osà logoà adia te,à aà psi opatiaà ap ese ta‐seà e à iosà í eis,à oà ueà i pedeà u aà
o stataç oàdefi iti aàdeà o oàtaisàpessoasà i e ,àpo ,àaàfa ilidadeàe à e ti ,à a ipula à
eàasàpa ti ula idadesà o oàpo àe e plo,àaàsupe fi ialidade,àaàelo u ia,àoàego e t is o,àaà
429
egalo a iaàeàaàpo ezaàdeàe oç es,àpode àope a àdeàfo aàaà o t i ui àpa aàasà elaç esà
so iaisà o àaà o u idadeàe à ualàest ài se ido.
ál àdisso,àosàPsi opatasàte de àaàse e ài pulsi os,à o àu àauto o t oleàfalho,à o à
u aàde asiadaàfaltaàdeà espo sa ilidadeàeà o àu aàdete i adaà e essidadeàdeàe itaç o,à
oà ueà e à o ju toà o à osà de aisà t açosà de o st ados,à o e te‐seà e à at i utosà
e t e a e teà pe igososà pa aà idaà e à oleti idade.à áà psi opatiaà fi ouà a adaà o oà aà
doe çaàdosàse iaisàkille s3,àpoisàdu a teàa osàosàp i ipaisàeà aisà u isà asosàdeàassassi atosà
o etidosà oà o ide te,àfo a à o etidosàpo à sujeitosà ueàdeti ha àdestaà patologia,à asosà
o à í eisà deà aldadeà eà ueldadeà u aà a tesà istosà eà o oà de o ia,à ge a a à u aà
g a deà epe uss oàso ial,à idi ti a,àju ídi aàeà ie tifi a.
Casosà o o,àйd a dàGei ,àoàfa osoàassassi oàeàpsi opataàa e i a o,à as idoàe à à
eàte doàaàsuaà o teà o fi adaà oàa oàdeà ,àfoiàse àdú idas,àu àdosàp i ipaisàpo tado esà
daàpatologiaàestudada,àagi doàdeàfo aàt oà utalà ue,à ealizouàe t eàosàa osàdeà àeà ,à
iasà iolaç esàdeàtú ulos,àaàfi àdeàutiliza àdosà estosàdeà o posàfe i i osàe àde o posiç o,à
o oà e osà ute síliosà do sti os,à te doà o oà e e plo,à iosà o oà tigelas,à a ilos,à
a izesà eà l iosà o oà aça etasà eàpu ado esà po à todaà aà suaà esid iaà “OU)áà eà “áIB‘O,à
.àál àdisso,àйd a dàGei àfoià espo s elàpo ài ú e osàeà utaisàassassi atosàdu a tesà
osà a osà e à ueà este eà e à ati idade,à de t eà osà uais,à oà aisà a a teà eà oà ueà oà le ouà aà
julga e to,à foià oà assassi atoà deà Ma à рoga ,à suaà p i ei aà íti a,à o à aà ualà efetuouà
utilaç esà su eais,à eti a doà todaà aà peleà deà seuà o poà eà aà esti doà e à seguida,à
poste io e teàde epouàaàge it liaàdaà íti aàeàp osseguiuàsepa a doàosàossosàdoà o poàpa aà
utiliza àe àsuaà esid ia,àpa aàal àdeàout asàat o idades.
Co oà o se u iaàdeàseusàatos,àйd a dàGei àfoiàp esoàeàap sàoàde idoàp o essoàlegalà
doàsiste aàpe alàdosàйstadosàU idos,àfoià o side adoàtotal e teài apazàdeàseusàatosàpeloà
agist ado,àpo ueà aà apa idadeà e talà desteà foià ap e iadaà o oà i sa aà eà o oà pe aàfoià
e a i hadoà pa aà u aà i stituiç oà di aà o deà pe a e euà at à suaà o te,à po à oà se à
o side adoàu àsujeitoà o àpossi ilidadeàdeà eg essoàaàso iedade.
й t eta to,à de e‐seà essalta à ue,à osà psi opatasà oà s oà esse ial e teà assassi osà
u is,à asàe àge al,àsegu doàaàpsi uiat aàá aàBeat izàBa osaà“il aàe o t a ‐se:
3
Oà Ma ualà deà Classifi aç oà deà C i esà doà нBIà à defi eà oà assassi atoà se ialà o oà t sà ouà aisà e e tosà
sepa adosàe àt sàouà aisàlo aisàsepa adosà o àu àpe íodoàdeà esf ia e toàe o io alàe t eàosàho i ídios .à
(NEWTON, 2005, p.49)
430
нig.à à‘egi esàdoà e oàe ol idasà o àaàto adaàdeàde is esà o ais,àPsi opatasà‐à o oà e o he e‐losàeàseàp e e i ,àe à .
“egui doà estaà li haà deà a io í io,à estudosà ealizadosà e e te e te,à o stata a à aà
dife e çaà iol gi aàdeàu àpsi opataàe à o pa aç oàaàu àsujeitoà o u .àássi ,àasà easà ueà
de o st a a àdife e çasàfo a àoà te àp ‐f o talà e t o edialà PнC àeàasàa ígdala,àistoà
,à o oà e io adoàa te io e te,àaà egi oà espo s elàpelasàe oç es.àPa aàыoe igsà apud,à
‘OMáN)OTI,à à s oà йssasà duasà est utu asà oà e o,à ueà egula àoà o po ta e toà
so ialàeàaàe oç o,àpa e e à oàesta àseà o u i a doà o oàde e ia .
4
Sistema límbico é um grupo de estruturas no cérebro associado às emoções e impulsos. É constituído por quatro
estruturas: amígdala, hipocampo, regiões do córtex límbico e a área septal.
432
Te doàe à istaàasàa lisesàeà o p ee s esà ealizadasàat àoàp ese teà o e to,à o àaà
e pli aç oà po à di e sasà esfe asà daà patologia,à i i ia‐seà e t oà aà p i aà etapaà doà p ese teà
estudo,à aà ualà àfu da e talà o p ee de àosàefeitosàju ídi osàdaàpsi opatia,àasà uest esà
ela io adasà aà fu ç oà doà di eitoà pe al,à daà pe aà o oà e a is oà deà e upe aç oà o alà eà
so ialàdoàsujeito,à asài pli aç esà efe e tesàaà apa idadeàpe alàdoà i i osoàeàpo àfi ,àosà
efeitosà daà psi opatiaà oà pla oà daà i i ologia.à P i ei a e te,à e à ueà peseà aà fu ç oà doà
5
Pessoas com transtorno de personalidade esquizoide também tendem a ser distantes, individualistas, e
indiferente aos relacionamentos sociais. São solitárias, preferem atividades solitárias e raramente expressam
emoções fortes.
6
Transtorno caracterizado por um comportamento excêntrico e por anomalias do pensamento e do afeto que
se assemelham àquelas da esquizofrenia.
7
Caracteriza-se pela associação da passividade com a agressividade. Manifesta-se através da apatia e
desinteresse generalizados, com ausência quase completa de estímulos e incentivos.
434
Di eitoàPe al,àesteàte ‐seàoàseuàp i ipalào jeti oà aàp oteç oàdosà e sàju ídi osàesse iais,à
p ese a doà deà odoà legalà eà efi ie teà taisà pat i iosà i t í se osà aà todosà osà sujeitosà doà
йstadoà De o ti oà deà Di eito.à й à elaç oà aà fu ç oà doà Di eitoà Pe al,à ‘og ioà G e oà
o p ee deà ue:
áà fi alidadeà doà Di eitoà Pe alà à aà p oteç oà dosà e sà ju ídi osà aisà i po ta tesà eà
e ess iosàpa aàaàp p iaàso e i iaàdaàso iedade.àPa aàefeti a àessaàp oteç oà
utiliza‐seàdaà o i aç o,àapli aç oàeàe e uç oàdaàpe a.àáàpe aà oà àaàfi alidadeàdoà
di eitoàpe al.àÉàape asàu ài st u e toàdeà oe ç oàdeà ueàseà aleàpa aàaàp oteç oà
dessesà e s,à alo esàeài te essesà aisàsig ifi ati osàdaàso iedade.à G‘йCO,à....,àp.
ààààààNesteà se tido,à so eà oà Di eitoà Pe al,à Ceza à ‘o e toà Bite ou tà oà des e eà daà segui teà
a ei a:
OàDi eitoàPe alàap ese ta‐se,àpo àu àlado,à o oàu à o ju toàdeà o asàju ídi asà
ueàte àpo ào jetoàaàdete i aç oàdeài f aç esàdeà atu ezaàpe alàeàsuasàsa ç esà
o espo de tesà —à pe asà eà edidasà deà segu a ça.à Po à out oà lado,à ap ese ta‐seà
o oà u à o ju toà deà alo aç esà eà p i ípiosà ueà o ie ta à aà p p iaà apli aç oà eà
i te p etaç oàdasà o asàpe ais.à BITйNCUO‘T,à ,àp.
“e doàassi ,àoà a oàpe alàdoàdi eitoàte àoàofí ioàdeà ia iliza àaàp oteç oàdosàdi eitosà
doà idad oà asilei o,à e à o oà a te à sa io at io,à aà fi à deà pu i à asà t a sg ess esà
p ese tesà aà so iedade,à deà fo aà p opo io alà aosà delitosà o etidos,à p opo io a doà aoà
deli ue teàaàpossi ilidadeàdeà ei teg aç oà oàg upoàso ial,àap sàaàsupostaà ea ilitaç oàdoà
sujeitoà aàesfe aà o al,àso ialàeàju ídi a,àle a doàe à o side aç oà ueàtalà espo deuàpo àseusà
i es.
àáde ais,àpa aà ueàsejaà i elàaà o p ee s oàdoàta a hoàdoài passeà i e iadoàpeloà
o de a e toàju ídi oàe àjulga àosà asosàdeàpsi opatia,àfaz‐seàfu da e talàoàe te di e toà
daà fu ç oà daà pe aà eà osà esultadosà ueà est à de eà p oduzi à pa aà o à oà t a sg esso .à Naà
pe spe ti aàso ialàdaàpe a,àCesa eàBe a iaàes la e eà ueàoàDi eitoàPe alàde eàagi àdeàfo aà
p e e ti a,à o fo eàsegue:
Éà elho à p e e i à osà i esà doà ueà te à deà pu i‐los;à eà todoà legislado à s ioà de eà
p o u a àa tesài pedi àoà alàdoà ueà epa ‐lo,àpoisàu aà oaàlegislaç oà oà àse oà
aà a teà deà p opo io a à aosà ho e sà oà aio à e ‐esta à possí elà eà p ese ‐losà deà
todosàosàsof i e tosà ueàseàlhesàpossa à ausa ,àsegu doà l ulosàdosà e sàeàdosà
alesàdestaà ida.à BйCCá‘Iá,à ,àp.à
435
Pa aà‘e atoàMa oàaàat i uiç oàdaàpe a,à aiàal àdeàpu i àouàp e e i àosàdelitos,à
asàap ese ta‐seà o oàu à e a is oàdeà esso ializaç oàdoà i i oso,à o fo eàsegue:
áàe e uç oàpe alàde eào jeti a àaài teg aç oàso ialàdoà o de adoàouàdoài te ado,à
j à ueàadotadaàaàteo iaà istaàouàe l ti a,àsegu doàoà ualàaà atu ezaà et i uti aàdaà
pe aà oà us aàape asàaàp e e ç o,à asàta àaàhu a izaç o.àO jeti a‐se,àpo à
eioàdaàe e uç o,àpu i àeàhu a iza .à Má‘CÃO,à ,àp.à
[...]à p op e,à o oà u aà esp ieà deà e s oà positi aà doà o eitoà deà se ti e toà deà
ulpa,àoà o eitoàdeàe ol i e to,à ue,à asàsuasàpala as,à o i iaàpositi a e teàoà
fe e oà ueà à o e toà egati a e teà pelaà ulpa .à Oà se ti e toà deà ulpa,à seà
a tidoà de t oà deà li itesà ple a e teà supo t eis,à à i dispe s elà aoà
dese ol i e toà doà auto o t oleà eà à atu idadeà psí ui a...“eà oà “e ti e toà deà
ulpa,àp o e ie teàdeàu àsupe egoàfle í el,àap ese ta‐seàple a e teàsupo t el,àeleà
o duzà à epa aç o.à apudà“ã,à ,àp.
Out ossi ,à e à elaç oà aà apa idadeà deà e ol i e to,à Do aldà Woodsà Wi i ott,à
o p ee deà ue:
Oà e ol i e to,à dizà Wi i ott,à à aà apa idadeà deà oà i di íduoà seà espo sa iliza à
pessoal e teàpelaàdest uti idadeà ueàe isteàde t oàdele.àй ol eàaà aio ài teg aç oà
dosài pulsosà o t adit ios,à aio àdese ol i e toàdoàse doàdeà espo sa ilidade.à
apudà“ã,à ,àp.
àCo stata‐seà assi ,à aà i po t iaà doà e ol i e toà doà deli ue teà pa aà ueà sejaà
possí elàaàsuaà e upe aç o,àpo à o oàosàpsi opatasà oàdet àdoàse ti e toàdeàe patia,à
o pai oàeàosàde aisàsup a e io ados,à uais ue à ueàseja àasàte tati asàdeà ea ilitaç oà
doàsujeitoàse oà e a e teài efi azes,àse àaà o p ee s oàdosàli itesàlegaisàdeàsuasàaç esàeà
oà àpossí elàp opo io a‐laàdesat eladaàdaà o tadeàdoài di íduoà ueàdeli uiu.
Noàe ta to,àde e‐seà o side a à ueàaàfaltaàdeà o he i e toàt i oàdaà atu ezaàeàdoà
pote ialàofe si oàdosàPsi opatas,àe p e àu aà a iaà oàsiste aàju ídi oàpe alà asilei oà
estesà asos,à oà ueà o oà o se u ia,à esultaà aà aus iaà deàpolíti asà i i aisà eà pe asà
aisàp opo io aisàaàpe i ulosidadeàdeàtaisàsujeitos.àápesa àdaào o iaàdaà i i alidadeà
se à e t e a e teà dist i uídaà e t eà i ú e osà delitos,à le a doà oà o de a e toà ju ídi oà aà
a e igua à asà situaç esà i i aisàdeàfo aà ho oge ia,à à i dispe s elà ueà oà es oàpode à
i i ieà u aà o ilizaç oàpe alà pa aà a alisa àosà asosà deà i esà efetuadosà po àpsi opatasà deà
fo aà aisà p opo io alà aoà pote ialà ofe si oà deste,à oà ueà a a eta iaà e à sa ç esà
e ui ale teàasàaç esà uitasà ezesà u isàdoàpsi opata.
áde ais,à apesa à daà afi aç oà deà ueà asà pe asà aà se e à apli adasà aà taisà i i osoà
de e àse à aisàp opo io aisàaosàseusà i esà utais,àaàp i ipalàdis uss oàdoào de a e toà
ju ídi o,à de e‐seà olta à aà apa idadeà pe alà destasà pessoasà fisiologi a e teà eà
psi ologi a e teàp ejudi adas.àOàpsi opataà ue,à o al e teà à o side adoàdeli ue teàeà
sof eà deàu àp o essoàpe alà o u ,à de eà se à o side adoà po àtodosàosà oti osà at à e t oà
e p essos,ài i put eisàouàse i‐i put eisà ua toàaà o de aç oàdeàseusàatosàilí itos,àouàseja,à
à oà sujeitoà i tei a e teà i apazà deà o p ee de à aà ili itudeà deà suasà aç esà ouà e o aà
apa e te e teàs o,à oàte àoàgozoàdaàple aà apa idadeàdeàassi ila àoà a te àilí itoàdoàfatoà
eà agi à deà a o doà o à esseà e te di e to,à eà o oà esultadoà a a aà dete i a do‐seà e à
o fo idadeà o à seuà e te di e toà i iado,à ag ega doà aà istoà aà suaà faltaà deà e patia,à
o pai o,à ulpaà eà aus iaà deà uais ue à se ti e tosà deà e o soà ouà a epe di e tos,à
agi doàdeà odoài pulsi o,àaàfi àdeàsatisfaze àseusàa seios.
й à ueàpeseàasà o epç esàso eàosàsujeitosài i put eis,àCeza à‘o e toàBite ou tà
e te deà ue:
Pode‐seàafi a ,àdeàu aàfo aàge i a,à ueàesta àp ese teàaài puta ilidade,àso à
aà ti aàdoàDi eitoàPe alàdoà asilei o,àtodaà ezà ueàoàage teàap ese ta à o diç esàdeà
437
o alidadeà eà atu idadeà psí ui asà í i asà pa aà ueà seà possaà se à o side adoà
o oà u à sujeitoà apazà deà se à oti adoà pelosà a da e tosà eà p oi iç esà
o ati os.àáàfaltaàdeàsa idadeà e talàouàaàfaltaàdeà atu idadeà e talàpode àle a à
aoà e o he i e toàdaài i puta ilidade,àpelaài apa idadeàdeà ulpalidade.àPode à
le a ,à dize os,à po ueà aà aus iaà daà sa idadeà e talà ouà daà atu idadeà e talà
o stituiàu àdosàaspe tosà a a te izado esàdaài puta ilidade,à ueàai daà e essitaà
deà suaà o se u ia,à istoà ,à doà aspe toà psi ol gi o,à ualà seja,à aà apa idadeà deà
e te de à ouà deà autodete i a ‐seà deà a o doà o à esseà e te di e to.à
BITйNCUO‘T,à ,àp.
йà oà ueàta geàosàage tesàse i‐i put eis,àoàpa g afoàú i oàdoàa t.à àdoàC digoà
Pe alàB asilei o,àoà o p ee deà o oà o agente, em virtude de perturbação de saúde mental
ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-seàdeàa o doà o àesseàe te di e to .
й ata e teàpo àdete e àdeàu àpote ialàofe si oàeàdeàu aàpe i ulosidadeàso ialà e à
supe io àaosà i i osoà o u s,àaosàpsi opatasààde e àse ài postasàasà edidasàdeàsegu a ça,à
aisàespe ifi ada e teà oà ueàdisp eàoàa t.à àdoàC digoàPe alàB asilei o,àe àseuài isoàI,à
i te aç oà e à hospitalà deà ust diaà eà t ata e toà psi ui t i oà ou,à à falta,à e à out oà
esta ele i e toà ade uado ,à po à te poà i dete i ado,à hajaà istaà ueà oà h à t ata e tosà
pa aà talà patologia,à poisà o fo eà j à e io ado,à t ata‐seà deà u à aspe toà fisiol gi o,à
psi ui t i oàeàpsi ol gi oàe à o ju to,àeàat àoà o e to,à oàh àestudosà ueà o p a a àaà
u aàpa aàoàp o le a.
‘efe ias:
“IэVá,àá aàBeat izàBa osa.à Me tesàPe igosas:àOàPsi opataà o aàaoàlado.à àed.à“ oàPaulo:à
Glo o,à .
G‘йCO,à‘og io.àCu soàdeàDi eitoàPe alà–àPa teàGe al.à àed.à‘ioàdeàщa ei o:àI petus,à .
440
MOUTá,à Nídia.àá liseà daà Psi opatiaà рo i idaàeà suaà pu i ilidadeà oà atualà “iste aà Pe alà
B asilei oà eà seusà efeitosà aà esso ializaç o.à Dispo í elà e :à
<https://jus. o . /a tigos/ /a alise‐da‐psi opatia‐ho i ida‐e‐sua‐pu i ilidade‐ o‐
atual‐siste a‐pe al‐ asilei o‐e‐seus‐efeitos‐ a‐ esso ializa ao>àá essadoàe :àMaio,à .
á)йVйDO,à Tiago.à T a sto oà daà Pe so alidadeà йs uizóide:à Causas,à si to as,à t ata e tos.à
Dispo í elà e :à <http://psi oati o. o / / /t a sto o‐da‐pe so alidade‐es uizoide‐
ausas‐si to as‐t ata e tos.ht l>àá essadoàe :àMaio,à .
VIйGá,à“a a.àCo oàide tifi a àoàt a sto oàdeà pe so alidadeàpassi o-ag essi a.àDispo í elà
e :à<https://saude.u o o. o . /a tigo/ o o‐ide tifi a ‐o‐t a sto o‐de‐pe so alidade‐
passi o‐ag essi a‐ .ht l>àá essadoàe :àMaio,à .
INTRODUÇÃO
1
Acadêmica de Direito; Bolsista de Iniciação Científica Pibic/CNPq do Projeto Mídia e Sociedade: o direito à
informação com o Subprojeto Direitos Humanos na Internet: informação e cidadania, desenvolvido junto ao
PPGD – Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado em Direitos Humanos – Unijuí. E-mail:
rafa.w.mallmann@hotmail.com
2
Dra em Comunicação e Informação; Professora do PPGD - Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado
em Direitos Humanos – e dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, da Unijuí; Coordena o Projeto
Mídia e Sociedade: o direito à informação. E-mail: verar@unijui.edu.br
442
aoà ho e à e ua toàho e à p.à à eà oà seà efe e à aoà seuà o teúdo,à asà aoà estatutoà
desejado,à di eitosàdoàho e às oàa uelesà ueàpe te e ,àouàde e ia àpe tencer, a todos
osàho e s,àouàdosà uaisà e hu àho e àpodeàse àdespojado à p. .
Trata-se do reconhecimento da humanidade do homem, independente da cultura e
t adiç esàdeàdete i adosàg upos.àэu asà ,àp. àe pli aà ueàaà oe ist iaà o alàdeà
todos os homens, independentemente do pertencimento a determinada condição histórico-
cultural, deve orientar, de forma direta, a compreensão, também moral, dos direitos
hu a os .à Co side aà ueà essesà di eitosà de e à le a à oà ho e à à efle oà so eà aà suaà
condição última enquanto ser universal, fortalecendo a compreensão acerca de sua existência
si gula àeàele a doàoàt ata e toàju ídi oàdeàsuasà elaç esàaàu à í i oà ti o à p. .
Com o artigo XIX da DUDH é declarado o direito à liberdade de opinião e expressão,
sendo que esteàdi eitoài luiàaàli e dadeàde,àse ài te fe ia,àte àopi i esàeàdeàp o u a ,à
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
f o tei as .àáàpa ti àdaàglo alizaç oàeàoàsu gi e toàdaàe aàdigital,àaàso iedadeàpassa a usar os
meios de comunicação como forma principal para exercer os direitos expressos no artigo XIX
daà DUDр,à oà ueà Castellsà à ha aà deà so iedadeà e à ede ,à p oduzi doà o osà
comportamentos e relações através da Cibercultura (Lévy, 1999).
O caso Ca a di u,àa uiàa alisado,ài i iouà o àu aà e eli o à oàPa ilh oà à aàCasaàdeà
Detenção do Carandiru, localizada na zona Norte de São Paulo. Homens da Tropa de Choque,
da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (ROTA), Comando de Operações Especiais (COE) e o
Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), invadiram a Casa para pacificar a rebelião. Essa é a
versão dada pela mídia a partir da documentação que o sistema de justiça produz até o
momento para relatar o caso.
METODOLOGIA
a fim de observar as questões relativas aos direitos humanos. Com a inserção da palavra
di eitosà hu a os à asà edesà so iaisà Facebook, e Twitter bem como a ferramenta de
pesquisa Google, são selecionadas informações e comentários acerca do assunto. Com o
resultado da pesquisa no mês de setembro de 2016, obteve-se este assunto como o mais
comentado nas redes sociais, a partir da decisão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, que no dia 27 de setembro de 2016 anulou o julgamento dos 74 policiais
militares condenados em primeira instância por estarem envolvidos no massacre do
Carandiru.
afirmou na mídia que se houver absolvição dos policiais acusados, haverá o reforço de que a
impunidade é regra no Brasil.
É pela comunicação cidadã que a democracia ganha forma. Dominique Wolton (2010)
ale taà ueàaà edeàpodeà ia àoà o u ita is oàeàoàdes espeitoà sàdife e çasàeà àalte idade:à áà
sociedade em rede remete ao individualismo e ao comunitarismo, desviando-se do modelo
aisà o pli adoàdaàalte idadeàeàdaàso iedade. à WOэTON,à ,àp. .àOàauto à efleteàso eà
o fato de que a tecnologização e a abundância de informações produz a incomunicação e que
é preciso valorizar a informação relacional que privilegia o outro ser humano, a convivência e
oàaài di idualidade:à Co u i a à à adaà ezà e osàt a s iti ,à a a e teà o peti ,àse doà
adaà ezà aisà ego ia àe,àfi al e te,à o i e . à WOэTON,à ,àpà .
A partir da divulgação da decisão do desembargador Ivan Sartori surgem comentários
na rede social Twitter (2016,on line) como:à 111 mortos em meia hora, média de 5 tiros na
a eçaàeà asà ostas.àái daà e à ueàfoiàlegiti aàdefesa,àse oài agi aàoà assa eà ueàse ia! ,à
o e taàoàusu ioà .àáà espostaà e àe àseguida:à aíàse iaàu àescândalo, né? Uma afronta
aosàdi eitosàhu a os ,àdizàoàusu ioà .àйàfi al e te,àoàusu ioà à o fi a:à U àes dalo,à
vergonha para o Brasil, desrespeitos aos direitos humanos! Mas foi legitima defesa, podemos
do i àt a uilos .
Segundo o Código Penal (1940, On-line àatualà й te de-se em legítima defesa quem,
usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
di eitoàseuàouàdeàout e .à“ oàosà e uisitosàdaàlegíti aàdefesa:àaà eaç oàaàu aàag ess oàatualà
ou iminente e injusta; a defesa de um direito próprio ou alheio; a moderação no emprego dos
meios necessários à repulsa; e o elemento subjetivo.
Nu ià ,àp.à àdefi eà eiosà e ess iosà o oàse doà osàefi azesàeàsufi ie tesà
para repelir a agressão ao direito, causandoàoà e o àda oàpossí elàaoàata a te .àNu ià à
afirma que deve ser razoável a proporção entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, que
merece ser apreciada no caso concreto, de modo relativo, consistindo na medida dos meios
necessários. Se o meio fundamentar-se, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a
moderação basear-se-á no número de tiros necessários para deter a agressão.
445
Segue a narração de que há pouca luz e muita fumaça no corredor. Os PMs portavam
lanternas e assim que passavam os presos corriam entre as celas xingando os policiais.
Prosseguindo os relatos, é possível ver a ação violenta dos policiais. Dionísio de 29 anos
conta à Veja (On-line) que o guarda chamou o detento carioca e encostou o revólver na cabeça
dele, e àseguida,àpe gu touàseàeleàesta aàassustado,àe t oà a io aà espo deuàpedi doà peloà
a o àdeàDeusàpa aà oà o e ,àe àseguida,àoàPMàati aàt sà ezes.
Dráuzio Varella (1999, p.293), em Estação Carandiru, narra a ação dos policiais por
eioàdeàu aàe t e istaà o àosàdete tosà ueàso e i e a àaoàata ue:à Tudoàalu i a te,à aà
velocidade, e (...) o polícia não teve dúvida: parou a escada na hora e pou, pou, dois tiros, na
f e teàdeàtodoà u do .
Varella (p. 292) narra como foi a disposição no pátio interno do pavilhão
ordenaram que todos sentassem com os braços cruzados sob as coxas e a cabeça
entre os joelhos. Quem levantasse o olhar para ver o que se passava, tomava
cacetada e mordida dos pastores alemães. Ficaram horas sentados no pátio, pelados,
em silêncio, com a Pm e os cachorros excitados em volta. (...) Lá pelas dez da noite a
Pm tomou posição na escada e nas galerias e começou a recolher os presos. Subiram
446
os cinquenta ou sessenta da primeira fila. Minutos depois, mais tiros, gritos e latidos.
No pátio, com medo das balas, os homens procuravam se arrastar, discretamente,
para as filas de trás. Gaguinho, um apontador de jogo do bicho e vendedor de
maconha que trabalhava na copa dos funcionários, descreveu assim o caminho de
volta: - Na subida da escada, tem uma coisa interessante: estava lavado de sangue,
um monte de cadáver espalhado. Não podia parar a fila, os polícias mandavam correr
e ameaçavam: se alguém me espirrar sangue, vai morrer! Tinha que correr descalço
naquela sangueira, sem levantar os pés para não sujar os elementos, que eles
queriam achar pretexto pra matar.
Com a morte dos detentos e a violência praticada pela polícia, fica visível a violação
dos direitos humanos que ocorreu no massacre do Carandiru. Os direitos humanos podem ser
entendidos como direitos inerentes a todos os seres humanos. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948, on-line ,à e à seuà a tigoà Ià disp eà ueà Todoà se à hu a oà te à
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem
disti ç oàdeà ual ue àesp ieà[...] .à
Os direitos sociais estão estabelecidos na Constituição Federal (1988) e são
considerados como dever do Estado. A situação precária que os detentos viviam, sem
condições de saneamento básico e com superlotação nas celas prejudica o direito ao bem-
estar e a segurança, o que leva à revolta dos presos.
Foi apresentada denúncia formal contra o Estado brasileiro perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) devido à grave violação dos direitos humanos.
Também foi mencionado o fato da morosidade da Justiça brasileira em identificar, julgar e
punir os responsáveis. A conclusão do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos
рu a osà àapo taà ueàoà asoàde u iadoà a a te izaàu à assa eà oà ualàoàйstadoà
iolouà osà di eitosà à idaà eà à i teg idadeà pessoal à On-line). O Relatório recomenda a
investigação dos fatos, a punição dos responsáveis e a concessão de reparação às vítimas, bem
como a adoção de medidas para evitar que se repitam violações desse tipo.
entre gangues rivais e que por se tornar incontrolável a situação, a tropa de choque recebeu
auto izaç oà pa aà e t a à oà pa ilh o,à se doà e e idaà aà ti os,à pedaçosà deà pau,à pedaçosà deà
ferro, facas contaminadas com sangue dos aidéticos, sacos plásticos contendo urina; bem
o oà iosàpoli iaisà ilita esàe t a a àe à o tatoà o poàaà o poà o àosàp esidi ios .àOà
esultadoà daà ope aç oà foià elatadoà o oà à poli iaisà ilita esà fe idos;à à p esidi iosà
mortos; 13 revólveres apreendidos; 165 estiletes de ferro; 25 pedaços de ferro; 1 marreta de
fe o;àpo ç esàdeà o aí aàeàdeà a o ha p. .
O inquérito policial militar foi concluído em menos de um ano. Sendo juntada aos autos
uma série de laudos do Instituto de Criminalística do Departamento Estadual de Polícia Civil e
doàI stitutoàM di oàэegalàeàou idasà àpessoas,àe t eà ofe didosàp s à àofi iaisàeà àp açasà
ueàfo a àfe idosàdu a teàaàope aç o,à o oàoà el.àU i ata ;à ofe didosàdete tos à àp esosà
vítimas de fe i e tos ;àeà teste u has .àásà teste u has àfo a àdi ididasàe àt sàg uposà
p i ipais:à p açasà ueà e t a a à oà pa ilh oà à eà ati a a à ;à ofi iaisà doà atalh oà deà
ho ue à ;à eà p aças à ueà oà ati a a ,à ueà oà e t a a à oà pa ilh oà eà out asà
testemunhas civis (251).
A divergência dos depoimentos se dá entre os PMs e os presos. Os policiais dizem que
ati a a à e à e ideà sà ag ess esà ueà e e ia ,à apo ta do,à ai da,à asà difi uldadesà
encontradas no decorrer da operação, principalmente em razão da fumaça, escuridão e piso
es o egadio .à ái daà deà a o doà o à oà juiz,à ega a à te à dispa adoà o t aà p esosà ua doà
estesà esta a à oà i te io à deà suasà elas à eà i fe e‑se que os tiros que efetuaram tinham
ta àoào jeti oàdeài ti ida àosàdete tos,àfaze doà o à ueà eto asse àpa aàsuasà elas .à
Negando confronto, os presos dizem que se sentaram no chão com as mãos na cabeça
logo que a polícia entrou no pavilhão. Alguns afirmam terem visto policiais atirando
diretamente em presos, outros afirmam terem sido espancados ao andar pelos corredores em
direção ao térreo. A conclusão do exame de levantamento do local relata que a trajetória dos
p oj teisài di ouà ati ado à es àposicionado(s) na soleira da respectiva porta, apontando sua
a aàpa aàosàfu dosàouàlate ais àeà ueà oàseào se ouà uais ue à estígiosà ueàpudesse à
denotar disparos de arma de fogo realizados em sentidos opostos aos descritos, indicando
confronto entre as vítimas‑al oàeàosàati ado esàpostadosà aàpa teàa te io àdaà ela p. .
Oàlaudoà o luià ueàoài í ioàdaàope aç oàdaàPolí iaàMilita àfoià a adoàpo à tu ultoà
ge e alizado,à o àaà a e age à e t alàe à ha as àeà ueà pode‑se inferir que o propósito
448
principal da operação policial militar foi o de conduzir parte dos detentos à incapacitação
i ediata .àTa àafi aà ueàfi ouà e ide teà ueà efe idaàaç oàfoiàdi igidaà o t aàg uposàdeà
eaç oàpe seguidosàpelosàpoli iais ,àe à az oàdaà o stataç oàdeàdi e sasà elasàsem qualquer
ti oàeà seusào upa tesài lu es .à
A partir da análise dos laudos do IML que serviram de base para o parecer médico‑legal
realizado pelo Departamento de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo e requisitado por Paulo Sérgio Pinheiro, observa-se que o parecer conclui que
grande parte dos presos mortos foi atingida por mais de cinco projéteis e que quase todas as
vítimas que receberam tiros morreram. É notável a falta de preservação do local do crime e a
incapacidade técnica do Instituto de Criminalística de realizar o laudo de confronto balístico.
Os peritos afirmaram que o local dava nítidas demonstrações de que fora violado, o
que dificultou a perícia. Também no exame das armas de fogo, a falta de cuidado com a
preservação das provas é notada. Os peritos asseguram que a pesquisa de resíduos de pólvora
o ustaà asàa asà ela io adasàfi ouàp ejudi adaà fa eàaoàte poàde o idoàe t eàaàdataàdaà
ocorrência e a do recebimento das mesmas no i.c., tendo em conta a pouca estabilidade dos
p odutosào iu dosàdaà o ust oàdaàp l o a .àOàlaudoà o lui,àassi ,à ueà aàpe í iaà oàpodeà
afi a àseàasà e io adasàa asàati a a à e e te e te à p. .
Quanto ao exame de confronto balístico, embora requerido pela autoridade militar
que conduziu o inquérito, não foi feito em razão de dificuldades técnicas apontadas pelos
peritos do Instituto de Criminalística. Com esse exame seria possível determinar de qual arma
disparou o (ou os) tiro (s) que atingiu cada detento. Sendo possível a individualização das
mortes.
Apesar das recomendações da CIDH, o Brasil continua sendo a quarta maior população
penitenciária do mundo. Em dezembro de 2014 foi publicado o último relatório do
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). É apontado o Brasil como
um sistema carcerário com 622.202 pessoas, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000),
China (1.657.812) e Rússia (644.237). Outro fato alarmante é que entre os detentos
449
brasileiros, 40% são provisórios, ou seja, não tiveram condenação em primeiro grau de
jurisdição.
Analisando o perfil socioeconômico dos detentos, observa-se que 55% têm entre 18 e
29 anos, 61,6% são negros e 75,08% têm até o ensino fundamental completo. Com esses
dados é possível perceber que a grande massa presente no sistema carcerário conta com
homens, pobres, negros e de baixa escolaridade. É apto o apontamento de que as
desigualdades sociais presentes no Brasil (analisando o aspecto local e não mundial) são o
principal problema que gera criminalidade.
Quanto à natureza dos crimes pelos quais estavam presos, 28% dos detentos
respondiam ou foram condenados por crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por
furto e 10% por homicídio. O diretor-geral do Depen, Renato De Vitto, afirmou que o
crescimento da população penitenciária brasileira nos últimos anos não significou redução nos
í di esà deà iol ia.à Peloà o t io,à es oà o à oà au e toà dosà e a e a e tos,à aà
sensação de insegurança não diminuiu. Isso significa que é preciso se repensar a prisão como
instrumento de política pública para o ate àaà i i alidade ,àdesta ou.
O diagnóstico também apontou que, se considerado o número de pessoas que
entraram e saíram do sistema penitenciário nacional ao longo de 2014, pelo menos um milhão
de brasileiros vivenciaram a experiência do encarceramento, no período de um ano. De Vitto
afi aà ueà Éài po ta teà essalta àosàda osà ueàaàp is oàa a etaà oàape asàpa aàasàpessoasà
e a e adas,à o oà ta à pa aà seuà í uloà fa ilia .à Co side aà se à p e isoà i esti à e à
soluç esà pe aisà aisà sofisti adas,à o o alternativas penais, programas de trabalho e
edu aç o,à e t eà out as,à ueà p o o a à u aà ealà ei se ç oà desseà i di íduoà à so iedade à
(2016, On-line).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das situações relatadas acima se constata a violação aos direitos e à dignidade
humana dos detentos que presenciaram o massacre do Carandiru. O direito à segurança,
saneamento e bem estar que o Estado deixou de proporcionar aos presos também é
observado em relatos da época do fato. Por conseguinte verificou-se que houve excessos no
direito de legítima defesa que foi garantido aos policiais, tornando o ato uma violência.
450
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Luisa Moraes Abreu; MACHADO, Marta Rodriguez de Assis; MACHADO Maíra
Rocha. Massacre do carandiru: vinte anos sem responsabilização. Revista Novos Estudos.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014,
p. 237.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 229.
VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.293.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito no PPGD, URI campus Santo Ângelo – RS. Especialista em Direito Processual com ênfase
em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo
(IESA). Bacharel em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo (IESA). E-mail:
r_adv@hotmail.com
453
Inicialmente, para se conceituar Bioética, deve-se partir da ideia do que seja ética,
como algo construído por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais, sendo
defi idaàhisto i a e teà aà ti aà doàg egoàethos, modo de ser) é um conhecimento racional
que, partindo da análise de comportamentos concretos, caracteriza-se pela preocupação em
defi i àoà ueà à o à MO“й‘;à“Oá‘й“,à ,àp. .à
Embora o estudo da ética exista há muitos anos, o emprego da palavra bioética foi
utilizado pela primeira vez em 1970 por Van Renssealer Potter da seguinte maneira:
Na segunda metade do século XX, em 1970, Van Resselaer Potter, bioquímico norte-
americano dedicado à investigação oncológica na Universidade de Wisconsin, em
seu artigo Bioethics, the Science of Survival (Bioética, a ciência da sobrevivência),
utiliza o termo bioética. No ano seguinte, Potter escreve a obra Bioethics: Bridge to
the Future (Bioética: ponte para o futuro), cujo o propósito primeiro era buscar uma
saída para o progressivo desequilíbrio criado pelo homem na natureza (MOSER;
SOARES, 2006, p. 19).
Acredita-se, portanto, que a Bioética, nada mais é que uma consequência das
o uistasà hist i asà daà ti a,à se doà o side adaà aà pa teà daà Éti a,à a oà daà нilosofia, que
e fo aàasà uest esà efe e tesà à idaàhu a a à “йG‘й,à ,àp. ,àte do,àassi ,àaà idaà o oà
objeto de estudo, tratando também de aspectos relativos quanto á morte no sentido em que
a Bioética:
454
É sob essa ótica que é necessário analisar o tema em questão. São desafios como estes
que nos instigam e nos posicionam diante de incertezas que conduzem o mundo moderno à
frente de tantas novas tecnologias reprodutivas como é o caso dos embriões excedentários.
Com relação ao tópico sub oculis, é preciso destacar que há uma série de divergências
de entendimento se o embrião é pessoa humana desde a concepção, questão problemática
esta que está inexoravelmente atrelada ao direito à vida.
Nesse diapasão, é preciso examinar de que maneira é feita a proteção do embrião
humano no ordenamento jurídico brasileiro, onde podemos verificar que o art. 2º do Código
Ci ilà asilei oàdisp eà ueà aàpe so alidadeà i ilàdaàpessoaà o eçaàdoà as i e toà o à ida;à
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitosàdoà as itu o .à
Em outras palavras:
Cumpre ressaltar, dessa forma, que a doutrina majoritária entende que o embrião tem
seusàdi eitosà esgua dadosàdesdeàaàsuaà o epç o,àhajaà istaàj àpossui à idaàp p ia,àpoisà aà
vida intrauterina, até mesmo em caso de fertilização assistida in vitro, dever-se-á ter o mais
absoluto respeito pela vida e integridade física e mental dos embriões pré-implantatórios ou
dosà as itu os à DINI),à ,àp.à .
457
й àseàt ata doàdaàp oteç o,àaà uest oà aià pa aàal àdoàde ateài te i elàa e aà
do estatuto ontológico do embrião humano, a ética e o direito determinam, não o que é o
embrião, mas como devemos tratá-lo. E se para isso se inspiram em um critério razoável,
devem concluir que resulta necessário respeitá-loà o oàaàu aàpessoa à áDO‘NO,à ,àp.à
267).
Nesse sentido:
Tem-se, pois que ao nascituro já são assegurados diversos direitos, como o direito à
vida, direito aos alimentos, à imagem, dentre outros. Não obstante, apesar da legislação
resguardar os direitos do nascituro, como pode haver simples descarte dos embriões
excedentários nas técnicas de reprodução in vitro?
Por esse motivo que, quando se trata de temas envolvendo embriões e nascituros, não
é possível deixar de mencionar alguns aspectos jurídicos atinentes à personalidade jurídica.
Nesse ínterim, há três posicionamentos da doutrina, sendo eles: natalista, condicional e a
concepcionista.
Nesse contexto, apesar do Código Civil ter se filiado a teoria natalista, quanto aos
direitos patrimoniais, haja vista assegurar que a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida, admite, entretanto, que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos
no nascituro.
Apesar de haver muita discussão a respeito de qual teoria é realmente adotada,
verifica-se queà ua toàaosàdi eitosàe t apat i o iaisàoàC digoàCi ilàB asilei oà seàfiliouà àteo iaà
concepcionista, sob o argumento de que a parte final do art. 2º resguarda os direitos do
nascituro, desde sua concepção, contudo, tais direitos abrangem apenas os da personalidade,
se à o teúdoàpat i o ial,àpoisàestesàseàsujeita àaoà as i e toà o à ida à DINI),à ,àp.à
204).
Logo entende-se que:
458
Sendo assim, mesmo diante do fato de que o Código Civil adotar a teoria natalista, a
teoria concepcionista também é admitida tendo em vista a parte final do artigo 2º do referido
Código, contando com diversos adeptos na doutrina.
Sob a ótica do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro, podemos verificar que,
apesar da personalidade jurídica para a vida civil iniciar após o nascimento com vida, o direito
à vida, e demais direitos, são assegurados ao nascituro desde a sua concepção. Apesar disso,
nas técnicas de Reprodução Humana Assistida são retirados e fecundados diversos óvulos e
espermatozoides, para implementação no útero da mulher, apesar de somente dois ou três
serem inseridos.
Salienta-se que esse polêmico caso dos embriões inutilizados, descartados nas
técnicas de reprodução artificial, são muito comuns durante os procedimentos de fertilização.
Nesse mesmo sentido verificamos que:
Ora, se analisarmos o tema sob a perspectiva de que, se a Lei põe a salvo os direitos
do nascituro, ou seja, daquele que vai nascer, o direito a vida do embrião já fecundado, ainda
que in vitro, deveria, em tese, ser resguardado da mesma forma.
Em razão das diversas controvérsias que tem o assunto, e com o intuito de dar um
desti oàaosàe i esà i utilizados àad eioàaàэeiàdeàBiossegu a çaàpa aà egula e ta àalgu asà
questões a respeito dos embriões excedentários, prevendo em seu art. 5º o seguinte:
Conforme pode ser verificado, a Lei supracitada só trouxe novidade quanto à utilização
dosà e i es,à ap sà suaà i utilizaç o à de o e teà daà fe tilizaç oà i à it o,à oà a a ge doà
nenhuma questão no que se refere ao direito à vida desses embriões ou sequer alguma
regulamentação quanto à retirada de apenas o número necessários de óvulos e
espermatozoides a serem fecundados para posteriormente serem implementados.
Cabe salientar que tal artigo chegou a ser, inclusive, objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.510-0, julgada em 29 de maio de 2008, sob a alegação de que tal
460
artigo violaria o direito á vida e a dignidade da pessoa humana, sendo que o Supremo Tribunal
Federal decidiu pela constitucionalidade do referido artigo, com base, principalmente, no
princípio da dignidade da pessoa humana.
7 BIOÉTICA X BIODIREITO
O Biodireito e a bioética são duas áreas do conhecimento sobre o agir humano, as quais
buscam refletir sobre regras e limites no âmbito das possibilidades trazidas pela ciência
moderna. Isso porque as novas tecnologias implicam questionamentos sobre a liberdade
científica, a autonomia da pessoa, o direito à vida, entre outros. Também, porque o progresso
da técnica moderna deve vir acompanhado da reflexão ética e de um discurso regulador e
normativo, papel este que cabe ao direito. Acerca de ambas as áreas do conhecimento:
A Bioética é uma das faces mais dinâmicas no panorama da ética atual. Ela adquiriu
metodologia e cabedal de conhecimentos éticos para analisar e avaliar os principais
problemas que afetam a vida humana. A este progresso de conhecimento ético não
correspondeu ainda uma contrapartida jurídica. A bioética, para ser eficaz e incidir
nos procedimentos que implicam a vida humana, necessita de um biodireito. Aos
poucos, acorda-se para essa necessidade e surge uma nova área nas ciências
jurídicas. É compreensível e necessário que o direito intervenha depois da ocorrência
dos fatos e sua análise ética (JUNGUES, 1999, p. 124).
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ciência sempre buscou trazer novos meios para resolver problemas da sociedade, no
entanto, no que tange à reprodução assistida, hodiernamente, os avanços da ciência e da
tecnologia propiciam conquistas até pouco tempo inimagináveis em termos de possibilidades
de reprodução humana, que não por métodos naturais.
Uma das técnicas mais utilizadas e inovadoras no âmbito da medicina reprodutiva é a
fertilização artificial, em especial a in vitro, da qual normalmente surgem os embriões
excedentes/inutilizados. No entanto, há uma série de divergências de entendimentos acerca
dos direitos do embrião, pois se discute se o mesmo é considerado pessoa humana desde o
momento da fertilização in vitro, realizada em laboratório, ou desde a implantação do produto
da fertilização in vitro no útero da mulher.
462
REFERÊNCIAS
ADORNO, Roberto. Bioética y dignidade de La persona, p. 107 apud CASABONA, Carlos María
Romeo; QUEIROZ, Juliane Fernandes (coords). Biotecnologia e suas implicações ético-
jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria geral do Direito Civil. 26 ed. São
Paulo:Saraiva, 2009.
DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2010.
JUNGUES. José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. 1ª ed. São Leopoldo: Unisinos, 1999.
JUNIOR, Paulo Hamilton Siqueira e OLIVEIRA, Miguel Augusto Machado de. Direitos
Humanos, liberdades públicas e cidadania. São Paulo: Saraiva, 2016.
463
MALUF, Edison. Manipulação genética e o direito penal. São Paulo: Editora Juarez, 2002.
MOSER, Antônio; SOARES. André Marcelo M. Bioética do consenso ao bom senso. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 2006.
PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de Bioética. São Paulo:
Edições Loyola, 2000.
SANTOS, Boaventura de Souza. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo:
Cortez, 2014.
SANTOS, Joel Rufino dos. A bioética e o Brasil. In RIOS, André Rangel et al. Bioética no Brasil.
Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1999
SEGRE Marco. Definição de Bioética e sua Relação com a Ética, Deontologia e Diceologia. In
Segre M, Cohen C (eds): Bioética, 3.ª ed. São Paulo, Edusp, 2002
VAERCELLONE, PAOLO. As Novas Famílias. Trad. Nice Rizzoni. In: Ajuris, n.48. Porto Alegre:
Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 1990, pp. 160-1. Apud GOMES, Renata
Raupp. A Construção do Novo Paradigma Jurídico-Familiar Na Ordem Constitucional de
1998. Dissertação de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 1996.
Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/76967/105183.pdf?sequence=1&is
Allowed=y. Acesso em: 19 Out. 2016.
464
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmica do curso de graduação em Direito, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ), câmpus Três Passos, atualmente no 7º semestre. Exerce estágio junto à Promotoria de Justiça de
Tenente Portela/RS. E-mail: schirleykamile@hotmail.com.
2
Acadêmica do curso de graduação em Direito, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ), câmpus Três Passos, atualmente no 7º semestre. Exerce estágio junto à Defensoria Pública de Três
Passos/RS. E-mail: quadrosbibi@gmail.com.
465
violências, o que perpassa o imaginário social do brasileiro, e que parece se estender ao redor
doà u do,à à deà ueà so osà u à paísà o dial,à ge tilà eà pa ífi o à ‘IBйI‘O,à à apudà
CADEMARTORI; ROSO, 2012, p. 398). A partir de suas variadas formas de manifestação, a
reconhecemos presente nos mais diversos setores da sociedade, e isso em nada é alterado
pela condição econômica, social ou étnica dos sujeitos envolvidos. Ainda, muito embora a
diversidade cultural e étnica seja algo tão presente no Brasil, são corriqueiros os casos
envolvendo preconceitos em virtude da cor da pele, do gênero e da opção sexual. Infelizmente
tais comportamentos não são afastados em períodos festivos, como exemplo a famosa
comemoração que é o carnaval. É neste momento que, pela lógica do vale tudo, da libertação
de eventuais concepções morais e da criação de um espaço democrático, demonstrado pela
utilização de máscaras e demais fantasias, que a própria sociedade (por nós composta) revela
a sua face, a da agressividade.
É a partir desta relação temática que no presente artigo será abordada a violência
contra a mulher, nas suas variadas formas, sob à ótica da cultura, do fenômeno em si, e mais
especificamente a partir deste movimento social festivo que é o carnaval, tendo como pano
de fundo as imposições históricas atribuídas a homens e mulheres. Para tanto, este estudo foi
dividido do seguinte modo: (a) o carnaval como festa cultural: antecedentes históricos, (b)
papéis de gênero, desigualdade e cultural patriarcal, (c) violência contra a mulher e
responsabilização da vítima e (d) a violência contra a mulher no carnaval: patriarcado,
discriminação, cultura do estupro e violência física.
ássi ,à Doà í petoà dosà o fetesà à ag ess oà o t aà aà ulhe à à u aà te tati aà deà
reflexão produzida associando o momento de festividades que é o carnaval, através dos
confetes, com as variadas formas de violência e suas diversas manifestações contra a mulher
que ocorrem neste período (assim como nos demais dias do ano), desde as relações íntimas
de afeto entre o agressor e a vítima – que atravessam até mesmo os casos nos quais o agressor
não possui nenhum vínculo com a ofendida. A tentativa se alicerça, também, em alertar e
buscar alternativas, para a presente e resistente desigualdade no Brasil entre homens e
mulheres, que produz efeitos destrutivos, ainda que invisíveis e naturalizados. Por fim,
salientamos que todas as conceituações, pesquisas e exemplos aqui trazidos não objetivam
generalizações, até porque nossa sociedade contemporânea abarca uma amplitude de
culturas e personalidades que vão além das restrições trazidas por definições.
466
Dez mil anos antes de Cristo, homens, mulheres e crianças se reuniam no verão com
os rostos mascarados e os corpos pintados para espantar os demônios da má
colheita. As origens do carnaval têm sido buscadas nas mais antigas celebrações da
humanidade, tais como as Festas Egípcias que homenageavam a deusa Isis e ao
Touro Apis. Os gregos festejavam com grandiosidade nas Festas Lupercais e
Saturnais a celebração da volta da primavera, que simbolizava o Renascer da
Natureza. Mas num ponto todos concordavam, as grandes festas, como
o carnaval, estão associadas a fenômenos astronômicos e a ciclos naturais.
O carnaval se caracteriza por festas, divertimentos públicos, bailes de máscaras e
manifestações folclóricas. Na Europa, os mais famosos carnavais foram ou são: os de
Paris, Veneza, Munique e Roma, seguidos de Nápoles, Florença e Nice.
agregação de diversas culturas, atribui ao festival valores como libertinagem, festa, banquete
e orgia.
O advento do cristianismo, no século V, certamente dá novo significado ao carnaval.
Houve tentativas de reprimir a comemoração – o que falhou, devido à sua grande
popularidade. Para suprimir o caráter subversivo da festividade a Igreja passou,
gradualmente, a atribuir nomes e significados cristãos a ela, moldando a comemoração
conforme as indigências cristãs, para fins de contenção social. Neste sentido, importante
destacar uma peculiar tradição do carnaval: a inversão de papéis que, de acordo com Janice
Isaac (2013, p. 44), tratava-seàdeàu aàesp ieàdeàe t ete i e toàe à ueà ha ia inversão de
gênero, de classe e de papéis sociais – mulheres vestidas como homens e vice-versa,
camponeses adornados como nobres. Máscaras e fantasias davam ao usuário anonimato e
li e dadeàpa aàagi à o àu aà edidaàdeài pu idade .àйssaàp ti aà e eteàaàuma importante
característica carnavalesca – a impunidade – que se pode observar ainda nos dias atuais, como
resultado de toda essa construção sociocultural.
A inversão de papéis, no que dizia respeito aos negros (escravos dos senhores
europeus), se dava como uma paródia: apenas os escravos que se apresentariam eram
autorizados a participar das festividades. As mulheres negras não podiam se vestir como suas
senhoras; as mulheres brancas, por suaà ez,à estia -se como escravas negras, fingindo que
seus maridos as desejassem como, de fato, eles desejavam as mulatas. Esse exemplo ilustra
como raça, sexualidade e colonialismo se cruzam para reproduzir e perpetuar o espetáculo do
out o à рall,à , p. 24; Young, 1995, p. 170). Válido ressaltar que essa tradição permitia
468
aos jogadores desfrutar de uma liberdade que, na vida real, eles não possuíam, especialmente
as mulheres quanto à sua sexualidade.
O carnaval, portanto, alberga o heterogêneo, o assimétrico, o misógino; representa,
pa aà uitosàte i os,àaàj à e io adaà l ulaàdeàes ape àdoàe teàestatal,àutilizadaà o oàu à
mecanismo de controle da população. Mikhail Bakhtin (1985), teórico russo, compreende o
ealis oàg otes o àdoà a a alà o oàalgoà e olu io ioà– os moldes de representação das
estruturas e relações cotidianas, em que as pessoas são ambos, o assunto e o objeto do qual
se dão risadas, era parte de um processo de mascarar, assim como de desmascarar. A cultura
se transmite através do tempo e do espaço; o número de nações atingidas por essa expressão
cultural (o carnaval) cresce através dos séculos. Nesse sentido, não apenas escravos e
colonizadores foram trazidos pelas embarcações portuguesas, como também o carnaval
migrou para o Brasil. O país do carnaval, contudo, adquiriu características bastante peculiares
nesse aspecto. O Brasil herdou diversos costumes portugueses, como exemplo a própria
língua. No que tange à festividade, não foi diferente. Esse primeiro contato, todavia, era
o he idoà o oà й t udo à pala aàlati aà ueàsig ifi aà i t oduç o ,à o e latu aà ati aà
de Portugal, cuja prática, especialmente no século XVII, era típica de escravos e considerada
violenta, tanto que posteriormente foi criminalizada. A elite da época, por sua vez, valia-se
dos bailes de carnaval em ambientes fechados. Mas o caráter festivo que hoje conhecemos
provém da intensa participação do povo africano, que andava pelas ruas com música e dança.
Embora seja notória a influência da cultura afrodescendente no carnaval brasileiro, as culturas
indígena e mestiça têm sua relevância de contribuição com a comemoração. Além disso, os
aspectos europeus – sobretudo libertinagem e orgia – estiveram sempre muito presentes,
aliás, estão.
A abolição da escravidão (1888) também foi determinante no que diz respeito ao
caráter do carnaval brasileiro: as autoridades permitiram a formação de grupos de carnaval,
constituídos principalmente pelos sujeitos urbanos, inclusive os escravos libertos – então
reunidos em periferias. Muitas das características marcantes dessa festividade têm início a
pa ti à deàu aà o e o aç oà ha adaà нesti alàdeà ‘eis ,à ueà o o iaà e à ‘e ife,à o fo eà
Cláudia Lima (2007). Da popularização dessa comemoração em todo o país, criaram-se
estigmas relacionados à violência – tanto sexual, em razão da objetificação da figura feminina,
quanto física, devido à ideia de libertinagem (advinda de tempos ainda mais remotos, como
469
Falar sobre papéis de gênero pode nos conduzir a cenários não imaginados. Isso se
de eà aoà fatoà deà ueà uitasà dasà o dutasà ueà s oà atu al e te à at i uídasà aà ho e sà eà
mulheres são, em verdade, frutos de construções históricas, imposições, melhor dizendo. Para
didaticamente adentrarmos neste aspecto, relevante se faz buscar uma definição ao termo
g e o àeàissoà e àse p eà àu aàta efaàf il.àOàg e oà àalgoàdi e soàdoàse oà iol gi o,àouà
seja, a exteriorização por intermédio da genitália. Judith Butler (DE LARA et al, 2016), feminista
contemporânea, defende que existe uma larga variedade de posições sobre gênero,
desgarrando-se do binarismo masculino e feminino, consistido na forma como determinada
pessoa se identifica. Configura-se, dentro dessa lógica binária, como uma construção social
que busca categorizar pessoas.
áà o st uç oà dosà pap isà deà g e o,à ouà seja,à oà ueà à oisaà deà ho e à eà oisaà deà
ulhe ,à seà d à desdeà aà aisà te aà idade,à se doà ueà oà dese ol i e toà daà ia çaà se à
permeado pelo o que ouve, aprende e vê sendo reproduzido no ambiente em que convive. As
diferenças surgem antes mesmo do nascimento dos pequenos, isso é demonstrado, por
exemplo, quando a mulher toma conhecimento da gestação. A partir disso há a preparação
para o nascimento, adquirindo-se o conhecido enxoval, o qual poderá ser de duas formas:
rosa ou azul, a depender do sexo do bebê, daí em diante as diferenças socialmente construídas
s às oàa e tuadas.àápesa àdeàpa e e ài ele a te,àtudoàissoà o p eàu à epe t ioàsi li oà
artificialàeàa it io 3.
O patriarcado, por sua vez, quer dizer o sistema de dominação masculina, hoje ainda
existente através de mecanismos de reprodução. Quanto ao termo, MIGUEL e BIROLI (2014,
p. 19) tecem algumas observações, especialmente com relação ao sentido de que o
patriarcado remete a sociedades pretéritas, as quais não se coadunam com a hodierna
sociedade democrática. Assim,
3
Expressão utilizada na obra #MeuAmigoSecreto: Feminismo além das redes, p. 18, com maiores informações
constantes nas referências bibliográficas, utilizada para reflexão acerca das categoriais sociais que são criadas a
partir do sexo biológico.
470
pela Revista Veja4 no primeiro semestre do ano de 2016, referindo-se a Marcela Temer,
esposa do então Vice-Presidente da República.
4
Eletronicamente disponível em: <http://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/>.
Acesso em: 26 abr. 2017.
472
sua alma. A dor imensurável de ser violentada pelo companheiro ou familiar5 trazem efeitos
extremamente penosos. Essa violência se traduz quando um dos parceiros, seja qual for o seu
sexo,
tenta impor seu poder pela força. É a proximidade afetiva que cria a gravidade dessa
violência: é de onde circulam os afetos mais fortes que podem emergir os
sofrimentos mais intensos. É uma dominação do mais forte sobre o mais fraco, e,
obviamente, a mulher é culturalmente a mais fraca (HIRIGOYEN, 2006, p. 15).
5
Ressalta-se que não se está a restringir a compreensão de violência doméstica e familiar apenas à conduta
praticada por pessoa do sexo diverso do da mulher, posto que as agressões ocorridas no âmbito das relações
homoafetivas também estão amparadas pelo Estado. Do mesmo modo, o autor do fato não apenas é o
companheiro, mas também namorado, pai, irmão, tio, filho, dentre outros.
473
seà asà ulhe esà sou esse à o oà seà o po ta ,à ha e iaà e osà estup os ,à , %à
concordaram com a afirmação. 6 Isso quer dizer que para expressiva parcela da sociedade a
ulhe à àaà espo s el,àdeàalgu aàfo a,àpeloàestup oàdeà ueàfoià íti a,à ha a osàissoàdeà
culpabilização da vítima, comportamento diretamente relacionado à cultura do estupro. (...)
a cultura do estupro pode ser definida como uma forma de violência simbólica que consiste
aàjustifi aç o,à aàtole iaàouà oàestí uloàdoàestup o à Dйàэá‘áàetàal,à ,àp. 164).
Dentre as formas de violência, além do já citado, existem variadas maneiras de
exteriorização. A física como já mencionada é a mais facilmente reconhecida e se manifesta,
a título de exemplo, através de empurrões, chutes, o ato de bater, amarrar; a psicológica, no
ato de humilhar, insultar, isolar, perseguir, ameaçar, controlar; a moral, na calúnia, injúria e
difamação; a patrimonial e econômica, nos atos de controle sobre o dinheiro da mulher, as
li itaç esà ua toà à pe iss o à pa aà ealiza à o p as,à dest ui à o jetos,à o ulta à e sà eà
propriedades e impedir que a mulher trabalhe; e a sexual, por fim, manifesta-se no ato de
pressionar, exigir prática que a mulher não goste, se negar a usar preservativo, obrigar a
manter relação sexual seja de qualquer modo, negar o direito a métodos contraceptivos,
dentre outros.
No ano de 2006 passou a vigorar a Lei de nº 11.340/2006, também chamada de Lei
Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher. Essa possui em seu artigo 7º a disposição de variadas formas de violência contra a
mulher, que são as citadas anteriormente. Dispõe também que configura violência doméstica
e familiar qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito doméstico,
familiar e também em qualquer relação íntima de afeto, independentemente de coabitação
(artigo 5º). Apesar de ser sabido que a maioria dos incidentes ocorrem nas dependências da
moradia, ou seja, no âmbito doméstico, no presente estudo retrata-se com atenção ao
exercício da violência no ambiente externo, praticado pela sociedade (como exemplo na
culpabilização da vítima) e por quem mantém contato esporádico com a ofendida (como nas
festividades carnavalescas).
6
35,3% concordam totalmente e 23,2% concordam parcialmente. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal /images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres _novo.pdf >.
Acesso em 22 abr. 2017.
474
7
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/03/mais-de-mil-relatos-de-violencia-fisica-
contra-a-mulher-foram-registrados-no-carnaval>. Acesso em: 10 abr. 2017.
475
e,à aoàmesmo tempo, as análises de gênero demonstram que esta visão da sexualidade como
impulso biológico instintivo é historicamente aplicada muito mais à sexualidade masculina,
ueàdo i a,à o t olaàeà à iole ta,àjusta e teàpo àse àdifi il e teà o t ol el à GIнFIN, 1994,
p. 150). Ademais, o exercício da sexualidade para a mulher é um campo permeado de tabus,
isso como um reflexo dos papéis de gênero, trazendo como consequência a sua repressão, a
ualà te àu aàga a tiaàhist i aàeàpolíti aà ueàaàsuste ta,ào deàpoder, saber e sexualidade
se p eàfo a ài te ligadosàpelaà ep ess o à нOUCáUэT,à ,àp.à .
A construção cultural, portanto, coloca a mulher numa posição de fonte potencial de
p aze àdispo í elàeàoàho e à u aà o diç oàdeào igadoàaàusuf ui àdesseà o jeto , já que a
ele é conexo o estereótipo da virilidade. O advento do carnaval corrobora com essa visão à
medida em que, desde as músicas até as propagandas durante esse período, se enfatiza a
ideia de que os homens estarão livres para fazer uso da figura feminina. Ruben George Oliven
,àp.à àfazàu aàa liseàdasà úsi asàpopula esà asilei asàeà o luià ue,à aà e dade,àaà
figura feminina é essencial e, ao mesmo tempo, ambivalente, representando, por um lado,
uma fonte potencial de prazer na condição de amante, mas significando também, na mesma
o diç o,àaà ulhe àpi a haà ue,àaoàa a do a àoà ala d o,àoàt a sfo aàe àot io .àáàtodoà
esse processo de desconsideração da sexualidade da mulher e sua comparação a de um
objeto, sobre o qual o sistema machista e patriarcal se impõe, MIGUEL e BIROLI enfatizam
que:
áà ultu aà doà estup o à est à p ese teà e à todasà asà esfe asà so iaisà eà otidia as,à e à
como nas atividades não tão habituais, que é o caso do carnaval. Além da repressão e do
elemento da negação, há a culpabilização da vítima:
A culpa por refugir aos padrões de controle socialmente impostos. Aos padrões de
comportamento aos quais devem estar enquadradas as mulheres nas sociedades
patriarcais: os padrões do recato, da submissão, do despoder. O estupro, então, é
praticado pelo sujeito perverso, também como modo de desempoderar uma mulher
476
que aos seus olhos lhe pareceu empoderada e desafiadora das hierarquias de poder.
O intuito não é, simplesmente, satisfazer o seu desejo em relação a ela, mas,
principalmente, desempoderá-la, destruí-la, minar a sua potência e a sua capacidade
de subverter as estruturas arcaicas do poder patriarcal. Se a intenção, fosse tão
somente de satisfazer um desejo sexual, ao invés do estupro, o seu autor poderia
dar-se ao trabalho de seduzir a mulher (CAMPOS, 2016, p. 09).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
gênero, apesar do enredo criado pelo imaginário social crer que neste momento são afastados
variados preconceitos. Assim, fatos históricos foram trazidos objetivando melhor
compreender o presente, a fim de possibilitar a construção de um futuro diverso.
A Lei Maria da Penha (de nº 11.340/2006) sem dúvida representou um grande avanço
no combate à violência de gênero, mas padece de diversas falhas, especialmente nos quesitos
de prevenção e fiscalização. Assentamos que eventual majoração de condutas típicas, por si
só, não possuirão o condão de modificar uma nefasta realidade, porquanto, como já
mencionada, trata-se de reflexos produzidos através de uma cultura patriarcal enraizada,
construída e mantida por muito tempo ao longo da história da humanidade. Neste sentido
surge uma dúvida, já trazida por Cadermatori e Roso (2012), o processo de democratização
nacional conseguiu estabelecer formas de igualdade social?
Devemos ressaltar que o clima de festa do período carnavalesco não pode, assim
como nenhuma outra atratividade, tirar a atenção da lógica de convivência humana: o
respeito ao outro, o respeito aos direitos humanos. Como medidas, acreditamos que políticas
públicas de enfrentamento da violência de gênero, que se traduzem em investimentos, são
essenciais a fim de que as ações estatais não só repousem em produções legislativas, cujas
críticas a pouco abordamos. A divulgação de medidas e o investimento em educação e
empoderamento das mulheres devem ser impulsionados, mas principalmente, conduzir à
libertação dos sexos dos papéis de gênero e estereótipos que a eles são atribuídos (a homens
e mulheres) e, desse modo, lutar pela desconstrução do sistema patriarcal, o qual mantém
tantos outros sistemas, como o da cultura do estupro. O encerramento do presente estudo
recai sobre o mesmo motivo que o possibilitou iniciar, qual seja refletir sobre a violência no
nosso país, que não se restringe a apenas uma esfera e o quão necessário é enfrentar tal
problemática sob à égide da educação.
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1985.
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Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 08 de agosto de 2016.
478
CAMPOS, Adriana Almeida. A cultura do estupro como método perverso de controle nas
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Pesquisas Sociais, 2010.
YOUNG, Robert. Colonial Desire: Hybridity in Theory, Culture and Race. London:
Routledge, 1995.
480
RESUMO: O presente trabalho irá tratar sobre o (s) motivo (s) que levam os agressores a
praticarem violência física, psíquica, moral e sexual contra suas companheiras, onde quase
que na totalidade, são motivos fúteis, como: o ciúmes e a traição, chamados, portanto, de
crimes passionais. Além deste motivos, mostrar com os gráficos o grande número de
homicídios de mulheres, e ao mesmo tempo, tentar entender o porquê ainda não foi criado
em nosso estado e no nosso país políticas públicas voltadas ao agressor e ao todo ente familiar
que convive com estas violências, onde, na maior parte dos casos, acaba fatidicamente
ocasionando o homicídio da mulher por este agressor não ter um tratamento reabilitador
adequado, que compreenda e analise fielmente a motivação criminosa.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O referido artigo visa abordar as motivações criminosas dos agressores que praticam
violência domestica ou familiar, verificando cada tipo de agressão, porquê ela ocorre e como
ocorre.
Também, será abordado o feminicidio, a figura legislativa criada que pune o agressor
que age motivado por razões da sua vítima ser do sexo feminino, onde a lei 13.104/2015,
alterou o artigo 121 do Código Penal, parágrafo segundo, inciso VII caracterizando o
feminicidio como homicídio qualificado, incluindo também como qualificadora dos crimes
hediondos previstos no artigo 1º da lei 8.072/1990.
1
Mestranda em Direito com ênfase em Políticas Públicas de Inclusão Social pela Universidade de Santa Cruz do
Sul- UNISC. Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- UNIJUI.
2 Professora de Direito Penal e Prática Jurídica Penal na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul- UNIJUÍ; Mestre em Direito- UNISC; Doutoranda em Ciência Jurídica- UNIVALI. Advogada; Endereço
eletrônico: dhieimy@yahoo.com.br
481
ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz
podeà eduzi àaàpe aàdeàu àse toàaàu àte ço .
Não se trata de elementares típicas, mas de causas de diminuição de pena, também
conhecidas como minorantes, que não interferem na estrutura da descrição típica,
permanecendo esta inalterada. (BITENCOURT, 2012, p.73).
O motivo portador de destacado valor social é o consentâneo aos interesses coletivos.
Já o motivo de relevante valor moral é aquele cujo conteúdo revela-se em conformidade com
os princípios éticos dominantes em uma determinada sociedade. Ou seja, são os motivos
nobres e altruístas, havidos como merecedores de indulgência. (PRADO, 2006, p.61-62).
Segundo o referido artigo, existe duas figuras privilegiadas, que estão relacionadas aos
motivos determinantes do crime, o valor social ou moral. O motivo determinante constitui a
fonte propulsora da vontade criminosa, não há crime gratuito ou sem motivo. (BITENCOURT,
2012, p. 73-74).
Os motivos que levam a prática do crime de homicídio podem ser morais, imorais,
sociais e antissociais. Quando os motivos têm natureza social ou moral, privilegiam a ação de
matar alguém; quando, no entanto, a motivação tem natureza imoral ou antissocial, está-se
diante de homicídio qualificado. (HÚNGRIA, 1943, p.66).
Cumpre salientar que com a figura privilegiadora, a ação continua punível, apenas sua
reprovabilidade é mitigada, na medida em que diminui o seu contraste com as exigências
ético- jurídicas da consciência comum. A relevância social ou moral da motivação é
determinada pela escala de valores em que se estrutura a sociedade. (BITENCOURT, 2012,
p.74).
Tem-se a causa especial de diminuição de pena quando o crime é praticado por
relevante valor social, os motivos que dizem respeito aos interesses ou fins da vida coletiva
revelam menos desajuste e diminuta periculosidade. O homicídio praticado por relevante
valor moral, que diz respeito aos interesses individuais, particulares do agente, entre eles o
sentimento de piedade e compaixão. Assim o autor do homicídio praticado com o intuito de
livrar um doente, irremediavelmente perdido, dos sofrimentos que o atormentam (eutanásia)
goza de privilegio da atenuação da pena. (MIRABETE, 1999, p.67).
482
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
[...]
Feminicídio
VII – (...) contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro
grau, em razão dessa condição. (BRASIL, CÓDIGO PENAL, 2017)
483
Feminicídio é quando crime for praticado contra a mulher por razões da condição de
ser do sexo feminino. A Lei n.o 13.104/2015 alterou o artigo 121 do Código Penal, passando o
feminicídio como modalidade de homicídio qualificado, incluindo também como qualificadora
dos crimes hediondos previstos no artigo 1º da Lei n.o 8.072/1990.
O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da
vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um
objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da
sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como
destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como
aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou
degradante. (BRASIL, 2013, p. 1003).
Conforme os ensinamentos de Bianchine (2015, p.3), conclui-se que:
a violência doméstica e familiar que configura uma das razões da condição de sexo
feminino (art. 121, § II-A) e, portanto, feminicídio, não se confunde com a violência
ocorrida dentro da unidade doméstica ou no âmbito familiar ou mesmo em uma
relação íntima de afeto. Ou seja, pode-se ter uma violência ocorrida no âmbito
doméstico que envolva, inclusive, uma relação familiar (violência do marido contra
a mulher dentro do lar do casal, por exemplo), mas que não configure uma violência
doméstica e familiar por razões da condição de sexo feminino (Ex. marido que mata
a mulher por questões vinculadas à dependência de drogas). O componente
necessário para que se possa falar de feminicídio, portanto, como antes já se
ressaltou, é a existência de uma violência baseada no gênero (Ex.: marido que mata
a mulher pelo fato de ela pedir a separação).
Percebe-se que as razões que levam os agressores a cometerem o homicídio são fúteis,
em nenhuma das razões apresentadas vemos justificativa para tanto, claro que não existem
justificativas para alguém tirar a vida de outrem, mas não se pode aceitar, por exemplo, o
homicídio de uma mulher pelo simples fato de o agressor não aceitar sua esposa convivendo
com alguém ou tendo liberdade de escolher o que quer da sua vida daquele momento a
diante.
Ainda, analisa-se a perspectiva de gênero aplicada à investigação das mortes violentas
de mulheres.
485
em tese, significa homicídio por amor, ou seja, a paixão amorosa induzindo o agente
a eliminar a vida da pessoa amada. Totalmente inadequado o emprego do termo
a o àao sentimento que anima o criminoso passional, que não age por motivos
elevados nem é propulsionado ao crime pelo amor, mas por sentimentos baixos e
selvagens, tais como o ódio atroz, o sádico sentimento de posse, o egoísmo
desesperado, o espírito vil da vingança. E esse caráter de crime passional vê-se mais
nitidamente no modo de execução, que é sempre odioso e repugnante. O
486
passionalismo que vai até o homicídio nada tem que ver com o amor (CAPEZ, 2011,
p. 60).
Ciúmes, segundo Ferreira; A uottià ,àp.à ,à àu àse ti e toà ueàsu geàaàpa ti àdaà
i segu a ça,à edoàdeàpe da,àdepe d ia,àsí d o eàdaài fe io idade .à
Com a manipulação social que cada vez mais nos faz desejar ter o belo ao lado,
inicialmente fortalece e traz mais autoconfiança. Mas, com o passar do tempo, o ciúme
t a sfo aà osà i di íduosà e à a io etesà doà edoà eà se ti e tosà daà dest uiç o à
(MAZZUCHELL; FERREIRA, 2007, p. 3).
O ciumento sempre desconfia da outra pessoa. Por isso jamais acredita nela, mesmo
que esta consiga provar que suas suspeitas são fantasiosas e infundadas. Por aí se pode
perceber que o ciúme se apresenta quase como um verdadeiro delírio, ainda que esse termo
seja reservado para casos mais graves, verdadeiras doenças psiquiátricas, em que a simples
desconfiança se transforma na mais absurda convicção. (SANTOS, 2007 p. 12).
Percebe-se com estes significados que o ciúme, parte do próprio medo do agressor de
perder aquela pessoa, de achar que és dono dela, e se não for sua, não será de mais ninguém,
prefere cometer o homicídio da sua companheira, do que ver ela bem, ou, até mesmo com
outra pessoa.
Em se tratando de violenta emoção, aplica-se o artigo 121, § 1º, do Código Penal:
Sobre a paixão, sabe-se que o homem que se torna alvo desse sentimento dominador
abandona a razão e passa agir como fantoche da paixão. E no seu interior acontece uma
mistura explosiva de sentimentos de posse, dependência, dor, amor e compulsão. Como se
487
um homem comum e racional fosse dominado por essa explosão e perdesse completamente
a razão (MAZZUCHELL; FERREIRA, 2007, p. 4).
Pla idoàeà“il aà ,àp.à àdize à ueà [...]à[ ual ue àfatoà ueàp oduzaà aàpessoaà
emoção intensa e prolongada, diz-seà pai o,à o à a te à i o .à Noà e ta toà aà pai oà
decorrente do amor não é o único tipo de paixão. Epícuro fala sobre outras três: o desejo, a
alegria e a dor. (MAZZUCHELL; FERREIRA, 2007,p.4).
Como visto, a doutrina possui vasta definição aos sentimentos e motivações trazidos
pelos agressores. Ocorre, que a ausência de políticas públicas educativas, levam a sociedade
a manter o senso comum, totalmente desprendido da razão, agindo, em seus relacionamentos
a base da emoção, o que justifica uma sociedade de jovens doentes e sem motivações
profissionais e visões de futuro.
A mídia contribui para a ridicularização da moral feminina, a publicidade dos produtos
mais consumidos por jovens e homens expõe a figura da mulher em rótulos, consome-se o
produto, com a rotulagem da mulher.
Atualmente, se vislumbra o nascimento de um movimento tendente a abolir tais
práticas, mas com certeza, será um longo caminho, e, muitas mulheres ainda terão suas vidas
ceifadas pela ilógica emocional, tão atrelada à mulher, mas que é terrivelmente praticada pelo
homem.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se verificar em cada caso estudado a importância que a lei do Feminicidio tem
no cotidiano de cada mulher.
Ademais, pode-se perceber que tanto o agressor como a vítima merecem cuidados e
respeito, sempre considerando que são seres humanos e merecem ser compreendidos e
atendidos com dignidade tanto pela sociedade quanto pelos seus familiares e amigos.
Ainda, resta necessário estabelecer que antes de qualquer julgamento, devem-se
conhecer verdadeiramente os fatos ocorridos, perquirindo-se a fundo os elementos
formadores da conduta e personalidade do agressor.
Por fim, e como parte de sua condenação, possibilitar ao agressor e suas vítimas, a
reabilitação, cumprindo-se assim o papel ressocializador e reintegrador do cárcere, sendo
488
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito Penal.- 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
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490
Pala as- ha e:àT i u alàdoàщú i;àP i ípiosà o stitu io ais;ààdi eitoàfu da e tal.
1
Bacharel em Direito pela UNICRUZ, Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal - Verbo Jurídico,
Delegado de Polícia. Contato: robertoaudino78@gmail.com.
2
Mestrando em Direito pelo PPGD – UNIJUÍ, Bacharel em Direito pela UNICRUZ, Graduado em História pela
PUC/RS, MBA em Gestão das Tecnologias de Informação e Comunicação em Educação pela PUC/RS, Pós-
Graduação em Docência do Ensino Superior pela UFRJ. Contato: evandro.sippert@gmail.com.
3
Bacharel em Direito pela UNICRUZ, Advogado. Contato: joaoalfredotrelhagoulart@gmail.com.
491
Oà p ese teà a tigoà us aà dispo ,à deà fo aà e e,à so eà asà a a te ísti asà ge aisà doà
T i u alàdoàщú i,àsuaài lus oà oào de a e toàju ídi oàp t io,àa o da doàaài flu iaà ueàaà
Ca taàMag aàpossuià so eà oà T i u alàdoà щú i.à Dispo à so eà à aà i po t iaà daà apli aç oà dosà
p i ípiosà o teado esà daà i stituiç o,à à es oà ueà deà fo aà su i ta,à aà apli aç oà deà à taisà
p i ípiosà ueà de e à eg a à aà I stituiç oà eà osà julga e tosà ealizadosà peloà щú ià Popula ,à osà
uaisààga a te àu àjulga e toàjustoàeài pa ialàaoà u,àa pa adoàpelosàdi eitosàeàga a tiasà
fu da e tais,àosà uaisàs oà asila esàdoàйstadoàDe o ti oàdeàDi eito.
àDese ol i e to
. àCo side açõesàso eàoàT i u alàdoàщú ià oàdi eitoà asilei o
Oàщú ià àu aài stituiç oàju ídi aàt adi io alà oàdi eitoàp o essualàpe alà asilei o.àÉà
u à g oàdoàPode àщudi i ioà i uladoàaàeste,à asàde idoàaoàstatusà ueàlheà o fiaàoàte toà
o stitu io al,à oàe o t aàp e is oà oàa tigoàdesti adoàaosàÓ g osàdoàPode àщudi i io,à asà
si à oà Títuloà daà Ca taà Mag aà efe e teà aosà di eitosà eà ga a tiasà fu da e tais,à oà ueà lheà
ga a teàoàtítuloàdeàt i u alàespe ial.à
Naà liç oà deà нй‘‘áщOэIà apudà эOPй“à щ .à ,à p.à ,à à oà T i u alà doà щu ià
dese pe houà u à i po ta teà papelà aà supe aç oà doà siste aà i uisit io,à te doà oà
pe sa e toàli e alà l ssi oàassu idoàaàdefesaàdoà odeloàdeàjuizà idad oàe à o t asteà o à
osàho o esàdaài uisiç o .àCo fo eàle io aàNu ià ,àp. :
Éàp ati a e teàpa ífi oà aàdout i aàse àoàjú iàu à g oàdoàPode àщudi i io,àe o aà
lheà sejaà e o he idaà aà suaà espe ialidade.à N oà o staà doà olà doà a t.à à daà
Co stituiç oàнede alà o oà g oàdoàPode àщudi i io ,àe o aàoàsiste aàjudi i ioà
oàa olhaàe àout osàdispositi os,àto a do‐oàpa teàài teg a teàdoà efe idoàPode àdaà
‘epú li a.
á tesàdeàse àfo uladaàaàp ete s oàpu iti a,àde eàoàjuizàdize àdaàad issi ilidadeàdaà
a usaç o.àPa aàta to,àfo a‐seàu àp o edi e toàp eli i a à ueàseàe e aà o àoà
judi iu à a usatio is,à aà fi à deà ue,à edia teà atosà p i ipal e teà i st ut ios,à
possaà oà juizà e ifi a à seà h à p o a ilidadeà deà se à e ataà aà i putaç oà deduzidaà aà
de ú ia.àP o elàaà e a idadeàdaài putaç o,àoàjuizàde la aàaàde ú iaàp o ede teà
pa aà ueàsejaàe àseguida,àap ese tadaàeàjulgadaàaàa usaç o.
á tesàdeàse àfo uladaàaàp ete s oàpu iti a,àde eàoàjuizàdize àdaàad issi ilidadeàdaà
a usaç o.àPa aàta to,àfo a‐seàu àp o edi e toàp eli i a à ueàseàe e aà o àoàjudi iu à
a usatio is,àaàfi àdeà ue,à edia teàatosàp i ipal e teài st ut ios,àpossaàoàjuizà e ifi a àseà
h àp o a ilidadeàdeàse àe ataàaài putaç oàdeduzidaà aàde ú ia.àP o elàaà e a idadeàdaà
i putaç o,à oà juizà de la aà aà de ú iaà p o ede teà pa aà ueà sejaà e à seguida,à ap ese tadaà eà
julgadaàaàa usaç o.
Oàjuizàdeàdi eito,à o oàp eside teàdoàT i u alàPopula ,à àoàe a egadoàdaàdi eç oà
dosàt a alhos.àCa eà àp esid iaàdoàщú i,àai daà aàfaseàdeàp epa aç oàdoàjulga e to,àalista à
a ual e teàosà e osàdoà o poàdeàju ados,ào ga iza àaàlistaàdeàju adosàsuple tes,àp o ede à
aoà so teioà dosà ju adosà ueà de a à to a à pa teà doà T i u alà doà щú ià daà sess oà pe i di aà eà
493
o o a à oà щú i.à Éà oà juizà ue à i à p esidi à oà julga e to,à de idi à asà uest esà i ide tes,à
i te oga àoàa usadoàe,à o fo eàaàde is oàdosàju ados,àp ofe i àaàse te ça.
Oà p eside teà doà T i u alà doà щú ià à oà g oà pe a e te,à ue,à sal oà asosà
e ep io ais,àde eàesta ,àdu a teàtodoàoàte poàdaà eu i oàte po iaàdosàju adosàeàda ueleà
t i u al,à àtestaàdeàseusàt a alhos,à oàs ào ga iza doàoàp p ioàщú i,à o oàai daàdi igi doà
seusàjulga e tosàouàsess esà Má‘QUй“, ,àp.à .
Éà e o he idaà aà i stituiç oà doà щú i,à o à asà o ga izaç esà ueà lheà de à aà lei,à
assegu ados:
a àaàple itudeàdeàdefesa;
àoàsigiloàdasà otaç es;
àaàso e a iaàdosà e editos;
d àaà o pet iaàpa aàoàjulga e toàdosà i esàdolososà o t aà idaà B‘á“Iэ,à ,à
p.à .
Osàp i ípios,àassi à o oàasà eg as,às oà o asàju ídi as,àdife e àape asà oàse tidoà
deà ueàestasàs oàdi etas,àouàseja,àpossue àu à e o àg auàdeàa st aç oàeàa uelasàs oà aisà
a a ge tes,àdotadosàdeà aio àg auàdeàa st aç o,à e essita doàpa aàsuaài te p etaç oàjuízoà
deàpo de aç o.àássi àle io aàBastosà ,àp.à àaà espeitoàdosàp i ípiosà o stitu io ais:
Osàp i ípiosàCo stitu io aisàs oàa uelesà ueàgua da àosà alo esàfu da e taisàdaà
o de à ju ídi a.à Istoà s à à possí elà aà edidaà e à ueà estesà oà o jeti a à
egula e ta àsituaç esàespe ífi as,à asàsi àdeseja àla ça àaàsuaàfo çaàso eàtodoà
oà u doàju ídi o.àál a ça àosàp i ípiosàestaà etaà àp opo ç oà ueàpe de àoàseuà
a te à deà p e is oà deà o teúdo,à istoà ,à o fo eà oà pe de doà de sidadeà
se ti a,à elesà as e de à aà u aà posiç oà ueà lhesà pe iteà so essai ,à pai a doà
so eàu aà eaà uitoà aisàa plaàdoà ueàu aà o aàesta ele edo aàdeàp e eitos.à
Po ta to,àoà ueàoàp i ípioàpe deàe à a gaà o ati aàga haà o àfo çaà alo ati aàaà
esp aia ‐seàpo à i aàdeàu àse ‐ ú e oàdeàout asà o as.
o e toà deà iaç oà dasà o asà i f a o stitu io ais,à sejaà aosà juízes,à oà o e toà daà
apli aç oàdoàdi eito,àsejaàaosàp p iosà idad os,à oà o e toàdaà ealizaç oàdosàseusàdi eitosà
fu da e tais.
.à àOsàp i ípiosà o stitu io aisà oàT i u alàdoàщú i:ài st u e tosàpa aààefeti aç oàdosà
di eitosààhu a osàeàfu da e tais
“ oà osà p i ípiosà o stitu io aisà a uelesà alo esà hie a ui a e teà supe io esà aosà
de aisà e à u à o de a e toà ju ídi o,à poisà s oà eles,à aà ha eà deà todoà oà siste aà o ati o.à
á igadosàpelaàCa taàCo stitu io alàpossue àaàfi alidadeàdeàda àsiste atizaç oàaoàte toàdaà
эeiàMaio àeàse i à o oàpa et oàpa aài te p etaç esàeàeste de àosàseusà alo esàso eàtodoà
oà u doàju ídi o.
Osà p i ípiosà o stitu io aisà ueà o teia à oà T i u alà doà щú ià Popula ,à e ua toà
di eitoàeàga a tiaàdoà idad o,àest oàele adosà oàa tigoà ºàdaàCo stituiç oàнede alàdeà ,àeà
s o:àaàple itudeàdeàdefesa,àoàsigiloàdasà otaç es,àaàso e a iaàdosà e editosàeàaà o pet iaà
í i aà pa aà julga à i esà dolososà o t aà aà ida.à Taisà p i ípiosà dispostosà aà эeià Maio à
o ie ta àosàp o edi e tosà elati osàaài stituiç oàdoàщú i.àCo fo eàosàe si a e tosàdeàNu ià
,àp. :
й àp i ei oàluga ,àoàdi eitoà àli e dadeà àu àdosà aisài po ta tesà àe ist iaàeà
dese ol i e toàdoàse àhu a oàeàjusta e teàpo àissoà à o side adoàu àdi eitoàfu da e talà
deàtodaàpessoaàhu a a,àpoisàse àaàli e dadeàoàho e à oà o segui iaàga a ti à e à es oà
oàdi eitoà à ida.àOsàse esàhu a osà as e àli esàe,à iaàdeà eg a,àso e teàpode àse àp i adosà
destaà li e dadeà oà asoàdeà apli aç oà deà u aà pe a,à sa ç oà doà йstado,à o à aàfi alidadeàdeà
esgata à aà o de à eà aà li e dadeà e à so iedade.à ássi à oà di eitoà à li e dadeà oà à a soluto,à
e o aà u aàpe aàoàseuàaspe toàdeàfu da e talà NUCCI,à .
496
O jeti a doà oi i à osà a usosà po à pa teà doà йstadoà eà assegu a à oà dese ol i e toà
egula àdosàp o essos,àosàlitiga tesàe àge al,àaoàse e àsu etidosàaàu aàde a daàjudi ial,à
o ta à o àdoisàp i ípiosà si os,à uaisàseja :àoà o t adit ioàeàaàa plaàdefesa,àdi eitosà
ueà o siste à aàopo tu idadeàdosàa usadosàp oduzi e àp o asàaàseuàfa o àeà us a àp o a à
suaà i o ia.à O o eà ueà o side a doà asà a a te ísti asà doà T i u alà doà щú i,à aà defi iç oàà
o stitu io alàpa aàaàdefesaà àdife e iada,àouàseja,à osàp o essosàdoàщú iàelaà oà àape asà
a pla,à asàple a.àNesseàse tidoàai daàNu ià ,àp.à :
Out oàp i ípioà o stitu io alà ueà alizaàosàp o edi e tosàdoàT i u alàPopula àeàdeà
g a deài po t iaà àoàdoàsigiloàdasà otaç es,à ueàte àpo ào jeti oàga a ti à ueàoàju adoàaoà
de idi àestejaàsegu oàeàli eàdeàp ess oàe te io ,àoà ueà oào o e iaàseà oà o e toàde is io,à
oà ju adoà esti esseà e à pú li o,à aà f e teà doà a usadoà eà deà todasà asà out asà pessoasà ueà
esti esse àa o pa ha doàoàjulga e to,à o oàpa e tesàeàa igosàdaà íti aàeàdoà u.
Osàju ados,àu aà ezàso teados,à oàpode oà o u i a ‐seà o àout e àeàta pou oà
a ifesta àsuaàopi i oàso eàoàp o esso.àáài o u i a ilidadeàdosàju ados,àap sàoàso teioà à
u àp i ípioà ueàest à ela io adoàaoàsigiloàdasà otaç es.à“o eàoàassu toàoàauto àPo toà ,à
p.à ,àassi àseà a ifesta:
áàpu li idadeàdosàatosàp o essuaisàp e istaà aàCo stituiç oàнede alà àu aàga a tiaà
fu da e talàdoàho e àeàdeàsu aài po t iaàe à ual ue àsiste aàju ídi oàde o ti o,àoà
ue,à aà p i ei aà ista,à suge eà u aà o t adiç oà o stitu io al,à te doà e à istaà oà fatoà deà aà
Co stituiç oà e io a àe àseuàa tigoà ,àIX,à ueàtodosàosàjulga e tosàdoàPode àщudi i ioà
se oà pú li os,à e à o oà e à seuà a tigoà º,à эX,à dispo à ueà aà leià s à pode à est i gi à aà
pu li idadeà dosà atosà p o essuaisà ua doà aà defesaà daà i ti idadeà ouà oà i te esseà so ialà oà
e igi e ,àe,àpo àout oàlado,àp es e e à ueà osàp o essosàdeà o pet iaàdoàщú iàPopula àse à
assegu adoàoàsigiloàdasà otaç es.à
O o eà ueà oà o stitui te,à o he edo à dasà a a te ísti asà doà T i u alà doà щú i,à
p i ipal e teà oà to a teà aà faltaà deà ga a tiasà aosà ju ados,à suaà i e pe i iaà eà faltaà deà
o he i e toà t i o,à p o u ouà assegu a à ueà oà julga e toà ealizadoà peloà Co selhoà deà
“e te çaàfosseàoà aisài pa ialàpossí el,àfi a doàoàp e eitoàdeà ueàaà otaç oàsejaàsigilosa,à
e o aà oà julga e toà o o aà e à pú li o,à espeita doà oà p i ípioà daà pu li idadeà ueà egeà
todosàosàatosàp o essuaisàeàest à o sag adoà aàCo stituiç oàнede alà NUCCI,à .
498
áoàdeli ita àosàp i ípiosà ueàde e àesta àse p eàp ese tesà osàp o edi e tosàdoà
T i u alàPopula ,àoàlegislado ào igi ioàesta ele euàaà o pet iaà í i aàp e istaàpa aàosà
julga e tosàpelaài stituiç o,à ualàseja,àjulga àosà i esàdolososà o t aàaà ida,à o su adosàouà
te tados.àÉàaà ha adaà o pet iaàe à az oàdaà at ia,à ueà oà asoàdoàщú iàPopula ,à e à
esta ele idaà aàMag aàCa ta.à“egu doàN lso àрu g iaàapudàMa uesà ,àp.à :
Destaàfo a,àosà i esàdolososà o t aàaà idaà ueà o pete àaoàT i u alàPopula àoà
julga e toàs oàosàp e istosà oà apítuloàIàdoàTítuloàIàdoàC digoàPe alà asilei o,àouàseja,àosà
delitosà ujoàщú iàpossuià o pet iaàpa aàjulga às oàosà oltadosàespe ifi a e teà o t aàaà idaà
eàs o:àoàho i ídio,àoài duzi e toàouài stigaç oàaoàsui ídio,àoài fa ti ídioàeàoàa o to.
Nesteàdiapas o,à aàdout i aàdeàэopesàщ à àte osà ueàaà o pet iaàdoàjú ià à
ta ati a,àouàseja,à oàad iteàa alogiasàouài te p etaç esàe te si as,ào deà oàse oàjulgadosà
i esà o oàlat o í io,àe to s oà edia teàse uest o,àestup oà edia teàse uest oààe à ueàseà
ep oduzàoà esultadoà o te,à asà ueà oàesteja ài se idosà osà i esà o t aàaà ida.à Noà asoà
dosàdelitosà ueàs oàag a adosàpelaào o iaàdoà esultadoà o te,ààaà o pet iaà oà àdoàT i u alà
doàщú i,à asàsi àdoàjuizàsi gula .àNelso àрu g iaàapudàMa uesà ,àp.à àafi a:
Nota‐seà ueàestesà i esà oàpossue àoàfi àespe ífi oàdeàate ta à o t aàaà ida,à asà
possue ào jeti osàout osà ueà oàaà o teàdaà íti a,à o oàsu t ai àoàpat i ioàalheio.
De e‐seào se a à ueàaàp p iaàCo stituiç oàнede alàe ep io aàaà o aàdoàa tigoà
º,ài isoàXXXVIII,àalí eaàd,à ua doàt ataàdosà asosàdeàp e ogati aàdeàfo o,àouàseja,àe iste à
auto idadesà ele adasà aà Ca taà Mag aà ueà es oà ueà o eta à i esà dolososà o t aà aà
ida,àesta oàafastadosàdaà o pet iaàdoàT i u alàdoàщú i.
500
Oàщú iàPopula àest à o sag ado,àhisto i a e te,à aàlegislaç oà asilei aà o oàdi eitoà
eàga a tiaàfu da e talàdoàho e ,àassegu a doàaàli e dadeà ueàoàa usadoàpossuiàeà ueàs à
pode à se à e eadaà o à oà de idoà p o essoà legal,à ouà seja,à oà julga e toàdoà uà pelosà seusà
pa es,à ueà de e oà julga à oà uà espeita doà osà p i ípiosà eg ado esà doà щú i,à a alisa doà oà
i eà doà po toà deà istaà daà so iedadeà aà ualà pe te e,à fi a doà oà e à ju ídi oà ioladoà
su etidoà di eta e teà à ap e iaç oà popula à e,à esteà se tido,à à ta à oà di eitoà
fu da e talàdoà idad oàdeàpa ti ipa àdaàjustiçaà aàso iedadeàe à ueà i e,àjulga doàu àdosà
delitosà aisà ep o elàdaàso iedade,àoà i eàdolosoà o t aàaà ida.
Noà es oàse tido,àdesta a‐seàaài po t iaàdosàp i ípiosà egulado esàdoàT i u alà
doàщú iàele adosà aàCo stituiç oàdoàB asil,à osàjulga e tosàdeà o pet iaàdoàщú iàPopula .à
Taisàp i ípiosàp o u a àga a ti àaoàa usado,àsu etidoàaoàjulga e toàpopula ,àu aàse te çaà
o etaà eà i pa ial,à e à o oà ga a ti à aoà idad oà i estidoà daà fu ç oà deà ju adoà ueà oà
sof e à ep es liasàouàp ess oàe te aàdu a teàoàe e í ioàdaàfu ç oàdeàjuizàleigo.
Cu p eàsalie ta à ueàaàp ete s oàdesteàestudoà oà àesgota àoàte a,àse doà ueà e à
aoà es o,àde idoàaoàseuàsi tetis o,ààade t ouàaàte asà o oà uitoàdi e ge tesà aàdout i aà
asilei a,à o oà oà asoàdoài àdu ioàp oàso ietate,àoàusoàdeàalge asà aài stituiç oàdoàT i u alà
doàщú iàeàout osàdispositi osà ueàaosàpou osà oàse doàsedi e tadosàta toà asàlegislaç esà
ua toà oàposi io a e toàdout i ioàeàju isp ude ial.
501
Po à fi ,à s oà osà p i ípiosà o stitu io aisà doà T i u alà doà щú i,à ueà seà e o t a à
solidifi adasà algu asà dasà aisà i po ta tesà a ifestaç esà dasà ga a tiasà dosà di eitosà
fu da e taisàdoàho e .àDestaàfo a,àoàйstadoàDe o ti oàdeàDi eitoàassegu aàaoà uàsuaà
ple aà defesa,à eà aosà pa es,à aà possi ilidadeà deà ealiza à u à julga e toà deà fo aà justa,à
o sag a doàeàefeti a doàaàp o oç oàdaàdig idadeàhu a a.
‘efe ias
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BUйNO,àн a is oàdaà“il ei a.àDi io ioàйs ola àdaàLí guaàPo tuguesa.à àed./à ªàti age .à‘ioà
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B‘á“Iэ.àCo stituiç oàнede al.àCódigoàPe al.àCódigoàdeàP o essoàPe al.àO ga izado :àN lso à
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“upe io àdoàMi ist ioàPú li oàdoà‘ioàG a deàdoà“ul,à .
Ná““Iн,àá a is.àщú i:ài st u e toàdeàso e a iaàpopula .àPo toàáleg e:àэi a iaàdoàád ogado,à
.
OэIVйI‘á,à йd u do.à Oà T i u alà doà jú ià aà ad i ist aç oà daà щustiçaà C i i alà osà йstadosà
U idos.àI :àT‘IBUNáэàdoàjú i:àestudoàso eàaà aisàde o ti aài stituiç oàju ídi aà asilei a.à
502
“ oàPaulo:à‘T,à .àp.à ‐ .
PO‘TO,à рe í ioà ál e toà Ma ues.à щú ià P o edi e toà eà aspe tosà doà julga e toà –à
Questio ios .à ªàed.à“ oàPaulo:àMalhei os,à
‘OTрйNBU‘G,àWalte àClaudius.àP i ípiosàCo stitu io ais.àPo toàaleg e:à“ gioàá to ioàнa isà
йdito ,à .
“T‘йCы,àэ ioàэuiz.àT i u alàdoàщú i,àsí olosàeà ituais.à àed.à e .à od.àeàa pl.àPo toàáleg e:à
эi a iaàdoàád ogado,à .
________.à T i u alà doà щú i,à sí olosà eà ituais.à à ed.à e .à eà od.à Po toà áleg e:à эi a iaà doà
ád ogado,à .
1.Introdução
1
Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2016). Pós-graduanda
(lato sensu) em Direito de família e das sucessões pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogada. E-mail:
biancapivettanunes@gmail.com.
2
Bacharel em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2016). Advogado. E-
mail: felipe_abreu99@hotmail.com.
504
. Do homicídio doloso
Oàdolo,à o oà i os,à àaà o tadeàdeà o etiza àasà a a te ísti asào jeti asàdoàtipo.à
Noàho i ídio,à àaà o tadeàdeà o etiza àoàfatoàdeà ata àalgu .àN oà àaàsi plesà
ep ese taç oàdoà esultadoà o teà ueà o stituiàsi plesàa o te i e toàpsi ol gi o.à
й igeà ep ese taç oàeà o tade,àse doà ueàestaàp essup eàa uela,àpoisàoà ue e à oà
seà o i e taàse àaà ep ese taç oàdoà ueàseàdeseja.àOàCPà asilei oàadotouàaàteo iaà
daà o tade,àpoisàoàa t.à ,àI,àdete i a:à Diz‐seàoà i eàdoloso,à ua doàoàage teà uisà
oà esultadoàouàassu iuàoà is oàdeàp oduzi‐lo .àássi ,à oà astaàaà ep ese taç oàdaà
o te,àe igi do‐seà o tadeàdeàp ati a àaà o dutaàeàdeàp oduzi àaà o teà ouàassu i à
oà is oàdeàp oduzi‐la .à
V ‐seà ue,à oà doloà oà ho i ídioà seà a a te izaà pelaà o tadeà li eà eà o s ie teà deà
eli i a àu aà idaàhu a a,àoà ueà oàseàe igeà ual ue àfo aàpa aàisso,àoàho i ídioàpossuià
fo aàli eàdeàaç o.àDestaàfo a,àdoloàde otaàf aude,àu aà àf ,àu àagi àei adoàdeà o tadeà
delituosa.àÉàu àatoà ealizadoà o s ie te e te,àu aà o tadeàdi igidaàaàu àfi àespe ialàdeà
o te ç oàdeàu à esultadoà i i oso,àouàoà is oàdeàp oduzi‐lo.
‘ealiza à u aà o dutaà o à doloà sig ifi aà dize à ueà oà age teà possuià aà i te ç oà deà
o te ç oàdeàu àdete i adoà esultadoà o àu àfi àu i a e teà i i oso,àouàseja,àpossuiàaà
o tadeàdeà ausa àu à alà ueàseà ate ializaàpeloàagi àdelituoso.àщ àpa aà BITйNCOU‘T,àCй)á‘à
‘OBй‘TO,à .àp.à àoàtipoàsu jeti oàdoàho i ídioà :
Éà po à eioà daà a liseà doà a i usà age dià ueà seà o segueà ide tifi a à eà ualifi a à aà
ati idadeà o po ta e talà doà age te.à “o e teà o he e doà eà ide tifi a doà aà i te ç oà –à
o tadeàeà o s i iaà–àdesteàpode à lassifi a àu à o po ta e toà o oàtípi o.
Oàele e toàsu jeti oà ueà o p eàaàest utu aàdoàtipoàpe alàdoà i eàdeàho i ídioà
à oà dolo,à ueà podeà se à di etoà ouà e e tual.à “egu doà aà defi iç oà doà ossoà C digoà
Pe al,àoà i eà àdolosoà ua doàoàage teà uisàoà esultadoàouàassu iuàoà is oàdeà
p oduzi‐lo à a t.à ,àI .àйssaàp e is oàe uipa aàoàdoloàdi etoàeàdoloàe e tualà[...]àPelaà
suaàdefi iç o,à o stata‐seà ueàoàdoloà à o stituídoàpo àdoisàele e tos:àu à og iti o,à
ueà à oà o he i e toà doà fatoà o stituti oà daà aç oà típi a,à eà u à oliti o,à ueà à aà
o tadeàdeà ealiz ‐la.
й à eg a,àdeàa o doà o àaàlegislaç oàpe alà asilei a,àoà i eàse àtipifi adoà oà odoà
doloso,à e ep io a do‐se,à po ,à ua doà oà age teà p oduzà oà esultadoà po à eglig ia,à
i p ud iaàouài pe í ia.àNasàPala asàdeà й“TйнáM,àáND‘É,à ,àp.à :
Qua doà seà estudaà u aà o dutaà dete i adaà pelaà ulpa,à o oà seà à pelosà
e si a e tosàe t aídosàa i a,àpe e e‐seà ueàaàp ese çaàdaà ulpaàest àligadaàaàu aàaç oà
e i e te e teà o à u à fi à lí ito,à e t eta to,à ua doà aà u aà ue aà doà de e à deà uidadoà
pelaà o stataç oà daà p ese çaà deà eglig ia,à i p ud iaà eà i pe í ia,à te e osà o oà
o se u iaàu à esultadoà ueà es oàilí ito,à oàfoiàal ejadoàpeloàage teà ueà e à es oà
oà ue iaàeà uitoà e osàassu iuà o oàpossi ilidade.à‘efe eà CáPй),àнй‘NáNDOà ,àp.à :
Pa aà e àilust a osàaàhip teseà ite osàoàe e ploà aisà otidia o:àu ài di íduoà aà
di eç oàdeàseuàauto elài p i eà aio à elo idadeàpa aà hega à aisà pidoàaoàseuà
t a alho.àVe ifi a‐seàa uià ueàháàu aàaç oàdi igidaàaàu aàfi alidadeàlí ita,à ualàseja,à
hega à aisà dep essaà aoà t a alho;à o tudo,à po à esta à i p i i doà elo idadeà
e essi aà e à seuà auto el,à oà o segueà f eá‐loà aà te poà deà i pedi à oà
at opela e toà deà u à t a seu te.à Veja‐seà ueà oà esultadoà at opela e to à oà
oi idiuà o à aà fi alidadeà i i ialà doà age te,à ueà e aà lí itaà hega à aisà pidoà aoà
t a alho .
ái daà oà e a eà daà ulpa,à CáPй),à нй‘NáNDOà ,à p.à à aà dife e iaà deà doloà daà
segui teàfo a:
Pe e a‐seàaàdife e çaàe t eàaà ulpaàeàoàdolo.àNesteàoài di íduoà ue àouàassu eàoà
is oàdeàu à esultadoàilí ito.àй à o t apa tida,à aà ulpa,àoàage teà oà ue àja aisà
o etiza à oà esultadoà ilí ito,à e à es oà assu eà oà is o;à esteà aà ealidadeà
so e àpo àu aà ue aàdoàde e àdeà uidado.àCite osàta àout oàe e ploà
uitoà o u :à di oà ueà ealizaài te e ç oà i ú gi aàe àseuàpa ie teàse à ealiza à
osà e a esà e ess iosà à à e ifi aç oà daà possi ilidadeà dessaà i te e ç o,à i doà oà
pa ie teàaà o e .àPe e a‐seà ue,àdaà es aàfo a,à esteàe e ploàaàfi alidadeàdoà
age teàéàlí ita,à ualàseja,à u a àoàpa ie teàat a sàdeàu aài te e ç oà i ú gi a,à as,à
po àseào iti à aà autelaà e ess iaà ue aàdoàde e ào jeti oàdeà uidadoàat a sàdeà
u aà o dutaài pe ita ,à ualàseja,à oàte à ealizadoàp e ia e teàosàe a es,àad eioà
u à esultadoàilí ito,àe àdesa o doà o àaàsuaàfi alidadeài i ial.
ú e osà eflete à so e teà osà e ol idosà di eta e teà osà e e tosà oà t sito,à seà fo e à
a aliadosàosài pa tosài di etosà o o,ài di íduosà ue,àdeà a ei aài di eta,àap o i a ‐seàdoà
p o le aà fa ilia es,àpoli iais,àso o istas,àet . à–àosà ú e osàto a ‐seàepid i os.
Oà“iste aàdeàI fo aç oà“o eàMo talidade,àe àseuà elat ioàdeà àapo touà ueà
. à idasà s oà pe didasà oà t sitoà doà B asil,à ú e osà deà íti asà fataisà oà lo al,à asà
so adasàasà o tesàdu a teàoà esgateàeà osàhospitaisàoà ú e oàpassaàdeà . à itos.àOsà
e e tosà deà t au aà ela io adosà aoà t sitoà ep ese ta à aà segu daà aio à ausaà deà
o talidadeàeàaàse taàdeài te aç esàhospitala es.à
ái da,à efe eàoàdo u e toà ueàessesà ú e osàs oàde astado es,àse doà ueàpode à
ai daàse e à e à aio es,àj à ueà uitosàa ide tesàse à íti asàfataisà ueào o e à oài te io ,à
e àest adasà i i aisà o àt au asà e o es,à uitasà ezesà e à hega àaàse à otifi ados.
“a e‐seà ueà uitoàdosàa ide tesàpode ia àse àe itadosàseàhou esseàu aà aio àeà aisà
ígidaàfis alizaç oàpo àpa teàdosàpoli iaisàeàta àseàasàest adasàdeàtodoàoàpaísàesti esse à
e à o diç esàaptasàaoàt fego,àoà ueà e àse p eà àpossí el,àassi à o oàseàaàedu aç oà oà
t sitoàfosseà aisàefeti a.à“o a‐seàaàestaà ealidadeàoàh itoàdeàdi igi àal oolizadoàdeà uitosà
oto istas,à ueà es oà o à oà igo à daà эeià deà tole iaà ze oà eà ultasà altas,à o ti ua à
di igi doàeà ata doàpeloàpaís.
Oàdo u e toàdoàDe at a àdeà à o àu aàP opostaàpa aàoàB asilàpa aà eduç oàdeà
a ide tesàeàsegu a çaà i iaàapo ta à ue:
[...]à o side a doà oà o e toà políti oà fa o elà e à ueà out osà à paísesà seà
p op e àaàto a àu aàatitudeàpa aàaà e e s oàdaà iol iaà oàt sitoà oà u do,à à
e ess io,à oà B asil,à e f e ta à o à o age à aà ultu aà daà i pu idade,à daà ualà
pa ti ipa à idad osà eà est utu asà i pu es,à o oà osà i f ato esà o tu azes,à
e tidadesà ueàde e ia àe si a àe,àaoà o t io,ài e ti a àaàp ti aàdeàilegalidadesà
eàf audes,à g osà ueàde e ia àfis aliza àeà oàfis aliza ,àpaisàeà espo s eisàpo à
fa íliasà ueài e ti a àseusàfilhosà aàp ti aàdeà us a àfa ilidades,àe à ezàdeàe si ‐
losàaàpe o e à a i hosà ti osà[...].à3
Osà a ide tesà deà t sitoà est oà e t eà asà p i ipaisà ausasà deà itoà oà B asil,à
e ide ia doàu àg a eàp o le aàdeàsaúdeàpú li a,à oàs àpelasàpe dasàdeà idaàeàse uelasà
esulta tes,à al à dosà ustosà di etosà eà i di etos,à ueà ausa à u à i po ta teà usà pa aà aà
3
DENATRAN. Década de ação pela segurança no trânsito – 2011-2020. Resolução ONU nº 2, de 2009 - Proposta
para o Brasil para redução de acidentes e segurança viária. Disponível em:
<http://www.denatran.gov.br/download/decada/Proposta%20ANTP-CEDATT-
Instituto%20de%20Engenharia%20SP.pdf>. Acesso em: 21 set. 2015.p. 04.
511
so iedade.à йà possue à u à ag a a teà ua doà estesà a ide tesà s oà ausadosà po à oto istasà
e iagados.
Oàho i ídioà ausadoàpo àe iaguezà aà o duç oàdeà eí uloàauto oto àest àp e istoà
oàa tigoà ,à§à ºàdoàC digoàdeàT sitoàB asilei oà ,àoà ualàdete i aàu aàpe aàdeà
e lus oàdeà à dois àaà à uat o àa os,àpode doàai daàse àdete i adoàpeloàjuizàaàpe daàdaà
Ca tei aàdeàрa ilitaç oàeàdoàdi eitoàdeào te àaààpe iss oàouàha ilitaç oàpa aàdi igi à eí uloà.
‘йICрйNрйIM,à M.à й,à à elataà ueà e à ,à osà itosà ela io adosà aoà t sitoà
ep ese ta a à uaseà %àdeàtodosàosà itosàpo à ausasàe te asà oàB asil.àáàta aà asilei aà
e t eàosà a osàdeà àeà à , à po à . à ha ita tesàpo àa o à e aà supe io à à diaà
u dial.àáàpa ti àdeà à o eçouàaào o e àu àde lí ioàeàasàta asàpe a e e a àe àto oà
deà àpo à . .àáàposiç oàdoàB asilàpe a e euàp i aà à diaàdaàá i aàэati aàeàdoà
Ca i eà , à po à . ,à asà ai daà a i aà deà algu sà países,à o oà á ge ti aà , à po à
. à eà Chileà , à po à . ,à e o aà a ai oà deà out os,à o oà йlà “al ado à , à po à
. .àPa aàesseàauto ,àoàde lí ioàdeàap o i ada e teà %àpodeàse àat i uídoàe àpa teà
aoàC digoàNa io alàdeàT sito,àdeà ,à ueài luià oàape asàoà u p i e toàest itoàdoàusoà
doà i toà deà segu a çaà eà asà leisà efe e tesà aoà o su oà deà l ool,à o oà ta àp e à
pe alidadesàg a esàpa aàosà oto istasài f ato es.4
. à Daà apli aç oà doà doloà e e tualà eà daà ulpaà o s ie teà osà ho i ídiosà de o e tesà deà
e iaguez
4
REICHENHEIM, M. E.; SOUZA, E. R. de; MORAES, C. L.; JORGE, M. H. P. de M.; Jorge, SILVA, C. M. F. P. da;
MINAYO, M. C. de S. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Saúde no Brasil
5. Publicado Online em 9 de maio de 2011. Disponível em:
<http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf>. Acesso em 17 set. 2015.
512
osàho i ídiosàdeàt sito,à e ess ioàseàfaze àaàdisti ç oàdaàapli aç oàdoàC digoàdeàT sitoà
B asilei oàouàdoàC digoàPe alàB asilei oà estesàtiposàdeàdelito,àdestaàfo a,à й“TйнáM,àáND‘É,à
,àp. àfazàu aàdife e iaç oà ueà e e eàse àestudada:à
I agi e,àe t o,à ueàu à e i o,àdu a teàoà o se toàdeàu àauto el,à oài te io à
deà u aà ofi i a,à oà a io eà a ide tal e te,à p o o a doà aà o teà deà seuà olegaà deà
t a alho.àрáà ho i ídioà ulposoà o u à CP,àa t.à ,à§à º àouàdeàt sitoà CTB,àa t.à
?àáà espostaàe o t a‐seà oàa t.à ºàdoàC digoàdeàT sito,àoà ualàdefi eàoà itoà
deà apli aç oà doà efe idoà diplo aà Oà t sitoà deà ual ue à atu ezaà asà iasà
te est esàdoàte it ioà a io al,àa e tasàà à i ulaç o,à ege‐seàpo à esteà C digo à —à
aput;à Co side a‐seàt sitoàaàutilizaç oàdasà iasàpo àpessoas,à eí ulosàeàa i ais,à
isoladosàouàe àg upos,à o duzidosàouà o,àpa aàfi sàdeà i ulaç o,àpa ada,àesta io a‐à
e toàeàope aç oàdeà a gaàouàdes a ga à—à§à º .àNoàe e ploàfo ulado,àpa aà ueà
oà esteàdú idaàalgu a,àoàfatoàseàsu so eàaoàC digoàPe al,à istoà ueà oà o etidoà
du a teàaà i ulaç oàdoàauto elàpelasà iasàte est esàa e tasàà à i ulaç o.à
‘estaà la oà ue,à aà apli aç oà doà C digoà deà T sitoà B asilei oà seà da à se p eà ueà oà
i di iduoà o etaàalgu àilí itoà aàdi eç oàdeà eí uloàauto oto à oà itoàdasà iasàte est es.
Deà a ei aàge al,àosàa ide tesàdeàt sitoà ueàseàtipifi a à o oà i esàdeàho i ídioà
possue àu aà o dutaà ulposaàdoàage te,àsejaà o s ie teàouài o s ie te,àe t eta to,àpode à
se à e o he idosàaà odalidadeàdoàdoloàe e tualà estesàtiposàdeàdelitos,àdesdeà ueàhajaàu à
e a eà ap ofu dadoà doà asoà o à aà pe epç oà su jeti aà daà o tadeà doà age te.à йsseà
e te di e toàte àge adoàe o eà epe uss oà oà itoàdout i ioàeàju isp ude ial,àissoà
po ue,àpa aà uitos,àoà i eàdeàt sitoàde eàse àt atadoàu i a e teàpo àlegislaç oàespe ialà
eà oàpeloàC digoàPe al.à
áde ais,à ua doàfala osà aàapli aç oàdoàdoloàe e tualàesta osàpo àafi a à ueàoà
age teà ueài ge iuà l oolàouà ual ue àout aàsu st iaàa loga,àassu eàoà is oàdaàp oduç oà
doà esultadoà o teàe àout aàpessoa,àa o te eà ue,àta àoàage teàesta à olo a doàe à
is oàaàp p iaà ida.àássi ,àseàest àp ese teà à o s i iaàeàa u iaàe p essaàdoà esultadoà
o te,àesta osàpo àa alisa àu aàte tati aàdeàsui ídio,àde idoà àa eitaç oàeàp e isi ilidadeàdoà
e e toà o teàpa aàoàp p ioà ausado .
Éà po à issoà ue,à aà a liseà daà apli aç oà doà doloà e e tualà eà daà ulpaà o s ie teà osà
ho i ídiosàdeàt sito,àp i ipal e teàosàde o e tesàdeàe iaguezàaoà ola te,àdepe de à
doàestudoàdeà adaà aso,àpoisàaàapli aç oàdeàu àouàdeàout oài stituto,àt a àaoài putadoàu aà
dife e çaà uitoàg a deà oà ueà o e eàaà ua tifi aç oàdaàpe a,àeisà ue,àseàfo à e o he idaà
aà odalidadeàdaà ulpaà o s ie te,ài idi àoàage teà asàsa ç esàp e istasà oàa tigoà àdoà
513
C digoà deà T sitoà B asilei o,à ueà p e à so e teà aà odalidadeà ulposa.à й t eta to,à seà fo à
e o he idaàoàdoloà aà o dutaàdoàage te,à espo de àeleàpelaà o i aç oàlegalà o tidaà oà
a tigoà ,àI,ài àfi i,àdoàCP,àouàseja,àho i ídioàdolosoà aà odalidadeàdoloàe e tual.5
ássi ,à aà a liseà daà o dutaà doà age teà de eà se à i u iosa,à eà à i p es i dí elà
esta ele e àu àestudoàdeà adaà asoà o eto,àpo ueàoàe p egoàdeà ual ue àu aàdasàteo iasà
e seja àaoài putadoàu aàsa ç o,àassi ,àaàapli aç oàp e ipitadaàeàe eaàdeà ual ue àu aà
delasà ausa à i justiçaà aà de is o,à o t a ia doà u à dosà p i ípiosà o teado esà doà Di eitoà
Pe alà ode o,à ualàsejaàoàdaàp opo io alidade.
NestaàBa da,àso eàoàestudoàdaàapli aç oàdoàdoloàe e tualàeàdaà ulpaà o s ie teà osà
ho i ídiosà de o e tesà deà e iaguez,à algu sà dout i ado esà t à opi adoà oà se tidoà deà
ha e àaàpossi ilidadeàdeàapli aç oàdoàdoloàe e tual,àassi à o oàp e eituaà MI‘áBйTй,àщUэIOà
нáBB‘INIàйàнáBB‘INI,à‘йNáTOàN.à ,àp. :
áào o iaàdeà o teà oàt sitoàpodeà o stitui àho i ídioà o àdoloàe e tual.àáà
ju isp ud iaà te à a eitadoà essaà teseà ua doà seà e ifi aà ue:à oà age teà esta aà
total e teà al oolizado;à esta aà so à i flu iaà al o li a,à di igi doà e à elo idadeà
i ade uadaàeà aà o t a oàdeàdi eç oà[...].
áàa liseàdosàele e tosà ueàdisti gue àaàapli aç oàdeàu àouàout o,à e ue àpo àpa teà
doàjulgado àdoà aso,àu àdetalhadoàe a eàdasàpe epç esàeàdosà oti osà ueàagi a àso eàaà
psi ueàdoàage te,àoà ueà o duzàoàjuizàaàu aàdetalhadaàa e iguaç oàdosà aisàp ofu dosàpo tosà
daà e teàhu a a.àйssaàdifi uldadeàdeàpe epç oàso eàaà o tadeài te aàdoàage teàfazà o à
ue,àe à uitosà asos,àsejaàdeàfatoàapli adaà à ulpa,àse doàoà ueàp e àoàC digoàdeàT sitoà
B asilei oà oàseuàa t.à ,àoà ualàt azàso e teàaà odalidadeàdoàho i ídioà ulposo,àdei a doà
aàapli aç oàdoàdoloàpa aàosàjulgado es.
á edita‐seà ueà aà i su g iaà pelaà apli aç oà doà doloà e e tualà estejaà fo te e teà
at eladaàaosàapelosàdaàso iedade,àpoisà astaàa i osàosàjo ais,àouàat à es oàsai osà sà
uasàpa aà ota àoà es e teàau e toàdestesàtiposàdeàdelitos.àOàg a deà ú e oàdeà eí ulosà asà
uasà eà aà f e u iaà o à ueà essesà i esà a o te e ,à pote ializadosà pelaà g a idadeà eà
eifa doà idasàdeàtodasàasàidades,àfazà o à ueàaàso iedadeàe àge alà la eàpo à aisà igo à asà
pu iç es,àoà ueàle aàalgu sàjulgado esàaà e o he e àeàapli a àtalài stituto.
5
BRASIL, Decreto Lei nº 2.848, de 7 de setembro de 1940. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm Acesso em: 17 set. 2015.
514
Dia teà disso,à o stata‐seà ueà oà te aà es olhidoà foià deà g a deà aliaà pa aà oà
dese ol i e toà eà a pliaç oà doà de ateà a e aà doà doloà e e tualà eà daà ulpaà o s ie te,à
esse ial e teà po ueà taisà i stitutosà s oà alizado esà daà i putaç oà pe alà estatalà ua doà
o se a osà osà ho i ídiosà de o e tesà deà e iaguezà aà di eç oà deà eí ulo.à Oà estudoà
p opo io ouàt aze àpa aàdis uss oàaàe o eàdifi uldadeà ueàosàjulgado esàe f e ta àaoàseà
depa a à o àu à asoà o eto,àte doà uitasà ezesà ueàade t a à aà o s i iaàdoàage teà
pa aàdes o i àosàele e tosàsu jeti osà ueàpe eia àsuaà o duta,àu aàta efaàdifí ilàeà ueàdeà
e asà oà àal a çada,à asài p es i dí elàpa aàaàde is oàso eàaà espo sa ilidadeàpe alàdoà
a usado.
Destaàfo a,àpe e eu‐seà ue,àpa aàaàe ist iaàeà a a te izaç oàdoàdoloàe e tualà à
e ess ioà al à daà p e is oà doà esultadoà aà suaà a eitaç o,à se doà ueà essesà ele e tosà
so e teàse oàaufe idosà oàe a eàdaà o s i iaàdoàage te.àássi ,àe à ueàpeseàoàg a deà
ú e oàdeàde is esàa tag i asàeàdife e tes,àaàju isp ud iaàsupe io àte àseài li adoàpa aà
aàpossi ilidadeàdeà a a te izaç oàdoàdoloàe e tualà essesàho i ídios,àissoàpo ue,à o oà isto,à
ua doà p ese tesà aà ate ialidadeà deliti aà eà sufi ie tesà i dí iosà deà auto ia,à e à o oà aà
aus iaàdeà ual ue ài di ati oàdaàp ese çaàdeà ulpa,àeàpelaào se iaàaoàp i ípioàdoà i à
d ioàp oàso ietate ,àde e àoàa usadoàse àsu etidoàaàjulga e toàpeloàщuizà atu alàdaà ausa,à
ueà esteà asoàse àoà o selhoàdeàjulga e toài stituídoàpeloàT i u alàdoàщú i.
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17 set. 2015.
1 Introdução
Em uma formulação social nem tão recente de sociedade, a de controle, Giles Deleuze
(1992) certifica a perda da identidade do indivíduo, tornando-o dividual, amostra, mercado
estatístico, nada mais do que uma massa populacional3. A sociedade de controle separa,
segrega. Sob essa ótica, a reflexão de Lyra (2013) reconhece que a saída mais confortável
encontrada pelas vias capitalistas foi a de catalogar o indivíduo nos chamados grupos de risco.
A sociedade pós-fordista4 vive um paradoxo, pois subordina direitos e garantias ao pleno
emprego, ao passo que estimula uma relação de produção que precariza o trabalho, formando
um suplus de mão de obra que ocasiona exclusão e contribui para a violência que subjaz aos
conflitos sociais.
Contudo, a violência não é uma mazela exclusiva da sociedade de controle, pelo
contrário, apesar de ser a causa indireta da criminalidade, a violência operou como um marco
1
Doutor em Direito pela UNISINOS-RS. Mestre em Direito pela UNIJUI-RS. Especialista em Direito pelo IESA e
UNIJUÍ, RS. Professor do Curso de Mestrado em Direito da URI-RS. Também, leciona, na mesma instituição, as
disciplinas de Direito Penal e Processo Penal. Professor de Direito Penal no IESA, Santo Ângelo/RS. Juiz de Direito.
2
Mestre em Direito pela URI-RS. Especialista em Direito pelo IDC e ANHANGUERA/UNIDERP, RS. Advogado.
3
Deleuzeà su li haà aà uda çaà pa adig ti aà asà so iedadesà deà o t ole,à o deà oà esse ialà oà à aisà u aà
assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha, ao passo que as sociedades disciplinares são
reguladas por palavras de ordem (tanto do ponto de vista da integração quanto da resistência). A linguagem
numérica do controle é feita de cifras, que marcam o acesso à informação, ou a rejeição. Não se está mais diante
do par massa-indivíduo. Os indivíduos tornaram-se "dividuais", divisíveis, e as massas tornaram-se amostras,
dados, mercados ou "bancos". (1992, p. 222).
4
Nesse sentido ver: LYRA, José Francisco Dias da Costa. As mutações do leviatã no trânsito do fordismo ao pós-
fordismo: edificação da sociedade do controle e a criminologia do atuarismo penal. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. v. 103, p. 289-321, jul./ago. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
519
fu da teà aàedifi aç oàdoàdi eitoà o te po eo,àpostoà ueà elàde e hoàtu oàsie p eà ueà
ver com la solución de conflictos que posiblemente se hubieran solucionado de manera
iole ta .à эUрáMNN,à ,àp.à .àDeàfo aàp e isa,àoàauto àalemão constata que, foi a
necessidade de se estabelecer normas como resposta a violência que levou a conquista
evolutiva e sistemática dos procedimentos a que o próprio direito estivera subordinado.
5
Pa aàGa iaàBla o,àoàDi eitoà oà puedeàe olu io a àha iaàsuàfo aà ode aàdeàa ti ula i ,àfu io al e teà
diferenciada, si la violencia no está de su lado. Ahora bien, la violencia no puede representar ya un recurso
sistemático de las propias proyecciones normativas, y como tal ha de ser disociada del derecho, adoptando la
forma de acción aislada y no jurídicamente intencionada. La evolución del derecho está vinculada, en
consecuencia, a la domesticación de la violencia". (2011, p. 458).
6
Nessa direção, consultar: BENJAMIN, Walter. Para una critica de la violencia. In: BENJAMIN, W. Ensayos
escogidos. 2. ed. México: Edicionas Coyacán, 2001.
520
Ora, a operação de fundar, inaugurar, justificar o direito, fazer a lei, consistiria num
golpe de força, numa violência performativa e portanto, interpretativa que, nela
mesma, não é justa e nem injusta. (...) Nenhum discurso justificador pode, nem deve,
assegurar o papel da metalinguagem com relação a performatividade da linguagem
instituinte ou à sua interpretação dominante. O discurso encontra ali seu limite: nele
mesmo, em seu próprio poder performativo. (DERRIDA, 2010, p. 24/25).
Dessa maneira, há uma violência que constitui o direito, haja vista que não há direito
que não implique nele mesmo. Apesar de paradoxal, é com a violência proveniente da força
conservadora da lei que a Constituição pode contradizer o preceituado pelo próprio direito
fundante e se conservar. Consiste em um fator fundamental de linguagem, da construção e
imposição de certo campo simbólico. Todavia, Derridaà afi aà ueà oà йstadoà te à edoà daà
violência fundadora, isto é, capaz de justificar, de legitimar ou de transformar relações de
di eito,àeàpo ta toàseàap ese ta à o oàte doàu àdi eitoàaoàdi eito .à ,àp.à -82.), dado
que a violência que se opõe ao Estado possui a mesma natureza fundante da violência que o
concebeu7.
Ultrapassada a instância fundamental da violência - para o direito, importa observar
de que forma tal fenômeno se reproduz na sociedade. Slavoj Zizek (2014) reflexiona a
violência ao investigar de maneira inovadora suas causas e os seus diferentes gêneros. O
grande diferencial de sua abordagem é a concepção de que a violência está instalada como
uma forma de linguagem, oculta e profundamente arraigada às bases dos subsistemas
político, econômico e social. A sua análise evidencia a violência física proveniente da
criminalidade como uma forma de reivindicação dos excluídos, uma espécie de
empoderamento pela violência8. A primeira categoria de violência analisada por Zizek, a
7
Nessaàdi eç oàGa iaàBla oàle io aà ueà laà iole iaàpuedeàse àta toàu àsopo teàdelào de àesta le ido como
una amenaza para el mismo. En sí misma no contiene garantía alguna de ser el fundamento de proyecciones
normativas institucionalmente amoldables, pues también puede ser un medio de expresión e imposición de
aspiraciones normativas defraudadas por elào de àesta le ido .à(2011, p. 458).
8
Oàe pode a e toàpelaà iol iaà àdes itoàpo àBe ja i à oàt e hoàe à ueàassi àle io a:à tal ezàde aàseàle a à
em consideração a surpreendente possibilidade de que o interesse do direito em monopolizar o poder diante do
indivíduo não se explica pela intenção de garantir os fins jurídicos, mas de garantir o próprio direito. Possibilidade
de que o poder, quando não está nas mãos do respectivo direito, o ameaça, não pelos fins que possa almejar,
mas pela sua própria existência fora da alçada do direito. De modo mais drástico, a mesma suposição pode ser
sugerida pela reflexão: quantas vezes a figura do "grande" bandido não suscita a secreta admiração do povo, por
521
mais repugnantes que tenham sido seus fins. Isso é possível não por causa de seus feitos, mas apenas por causa
do poder que se manifesta nesses feitos. Nesse caso, portanto, o poder - que o direito atual procura retirar do
indivíduo em todas as áreas de atuação - se manifesta realmente como ameaça e, mesmo sendo subjugado,
ainda assim suscita a antipatia da multidão contra o direito. Através de que função a violência parece, com toda
a razão, tão ameaçadora para o direito, tão temida por ele? Isso se mostra justamente nos casos em que, mesmo
segundo a ordem judiciária atual, o emprego da violência ainda é ad itido .à ,àp.à -163).
9
O conceito de poder simbólico é encontrado no pensamento de Bourdieu, segundo o qual pode ser definido
o oàpode àdeà o st ui àoàdadoàpelaàe u iaç o,àdeàfaze à e àeàfaze à e ,àdeà o fi a àouàdeàt a sfo a àaà
visão do mundo e, desse modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo, poder quase mágico que permite
obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica) graças ao efeito específico de
mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder
simbólico não reside nos sistemas simbólicos em forma de uma illocutionary force, mas que se define numa
relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer,
isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras
e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e
daquele que as pronuncia, e çaà ujaàp oduç oà oà àdaà o pet iaàdasàpala as .à ,àp.à -15).
522
10
Nesse sentido ver: LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília: Universidade de Brasília, 1985.
523
desfavorecidos, tem provocado uma batalha pelo reconhecimento, a qual é travada por meio
de instrumentos violentos. Como contra-ataque o sistema jurídico estabelece medidas
legislativas de controle e tipificação de condutas, tornando-se uma prática recorrente. Nesse
ponto, a legislação simbólica tem por escopo principal não a regulação de condutas ou a
garantia de expectativas, mas atender aos anseios do jogo político.
Nas palavras de Zapatero11, parafraseado por Hommerding (2012), as leis simbólicas
são usadas com o intuito de subornar os cidadãos com promessas ou insinuações de que os
problemas restarão resolvidos, o que denota o risco de manipulação apresentado pela
legislação simbólica. Segundo Pérez Luño (2011), a legislação simbólica possui um significado
que encobre e manipula. Quem a elabora produz uma realidade fictícia e uma falsa
consciência sobre a idoneidade dos meios jurídicos para salvaguardar a segurança dos
cidadãos, o legislativo torna-se vítima de um auto-engano, pois os políticos e parlamentares
que crêem nesse tipo de legislação acabam acreditando em respostas normativas fictícias e
puramente simbólicas.
Apoiando-se na teoria dos sistemas de Luhmann (2009), na qual o acoplamento entre
sistema político e jurídico ocorre através da Constituição, e a generalização de expectativas
na dimensão social é feita através da institucionalização das normas, é possível afirmar que a
legislação simbólica não cumpre as expectativas de redução da complexidade presentes no
ambiente, istoà ueàseàdefi eàpelaà p oduç oàdeàte tosà ujaà efe iaà a ifestaà à ealidadeà
é normativo-jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de
a te à oà espe ifi a e teà o ati oà ju ídi o à NйVй“,à ,à p.à .à эogo,à aà legislação
simbólica demarca a superioridade do simbolismo da lei (fundamentalmente político
ideológica) em prejuízo da função jurídico-instrumental (de caráter jurídico-normativo).
Naà is oàdeàMa eloàNe es,àaà a a te izaç oàdoàsi olis oàlegislati oà deve referir-se
abrangentemente ao significado específico do ato de produção e do texto produzido [...] a
referência deôntico-jurídica de ação e texto à realidade torna-se secundária, passando a ser
relevante a referência político- alo ati a .à ,àp.à /31). Os atos de produção legiferante
em conjunto com os textos normativos produzem efeitos essencialmente políticos e não
11
Nesse sentido consultar: ZAPATERO, Virgilio; GARRIDO GÓMEZ, Maria Isabel. El derecho como processo
normativo: leciones de teoria del derecho. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá, 2007.
524
12
áàlegislaç oà li i,à oàpe sa e toàdeàMa eloàNe es,à de o eàdaàte tati aàdeàda àapa iaàdeàu aàsoluç oà
dos respectivos problemas sociais ou, no mínimo, da pretensão de convencer o público das boas intenções do
legislador. Como se tem observado, ela não apenas deixa os problemas sem solução, mas além disso, obstrui o
a i hoàpa aà ueàelesàseja à esol idos .à ,àp.à .à
525
jurídicas confrontam-se com variações orientadas por outros códigos que não o lícito/ilícito,
to a doà aà esoluç oàdosàp o le as da sociedade dependente da interferência de variáveis
não normativo-ju ídi as .à áà i age à deà u à estadoà ueà espo deà o ati a e teà aosà
problemas reais da sociedade é criada pela edição de legislações álibis, uma espécie de
a ipulaç oà ouà ilus oà ueà i u iza o sistema político contra outras alternativas,
dese pe ha doàu aà fu ç oà ideol gi a .à Po ,à aà legislaç oà li ià ta à podeà a a eta à
u à se ti e toàdeà e àesta àeàle a àaà esoluç oàdaàte s o.àNoàe ta to,àoàusoàe essi oà
pode induzir ao seu constante fracasso e provocar a descrença no sistema jurídico,
transformando o direito num sistema desacreditado, os políticos em cínicos e o povo em
coadjuvante. (NEVES, 2007, p. 39/41).
Contribuição significativa é igualmente tecida por Hommerding e Lyra (2014), no
sentido de que em determinados casos o legislador mesmo sem editar a lei, a legislação álibi
ta à o segueàseàdeso e a àdasàp ess esàpolíti asàpo ueàasà epassa àaoàщudi i io ,àoà
legislador evita o conflito com seus eleitores ou até mesmo com seus opositores, transferindo
a sua responsabilidade ao poder judiciário. Cria-se com isso uma situação de conveniência, o
que de certo modo justifica a crescente judicialização da política, haja vista atribuir aos
intérpretes do direito funções que precipuamente não eram suas, e sim do legislativo.
(HOMMERDING, LYRA, 2014, p. 21/22).
Há também entre as espécies de lei simbólica a legislação como expressão de
compromisso dilatório, que tem por objetivo prolongar a solução de divergências sociais
através de demorados ajustes. Tais ajustes, ou nos dizeres do autor compromissos, são
manejados consensualmente entre grupos políticos opositores através de atos legislativos que
sa ida e teà est oà ei adosà deà i efi ia.à Oà a o doà oà seà fu daà e t oà oà o teúdoà doà
diploma normativo, mas sim na transferência da solução do conflito para um futuro
i dete i ado .à NйVй“,à ,àp.à .à
Desse modo, a legislação simbólica alcança unicamente objetivos relacionados à
promoção das intenções, dos valores ou da relação do legislador com as inquietações de seus
eleitores, eximindo-o da inoperância legislativa e contribuindo para o inflacionamento do
ordenamento jurídico brasileiro. Na práxis, a atuação legiferante dos parlamentares não
atinge eficazmente os objetivos aguardados pelos grupos sociais, pois as leis simbólicas são
leis feitas para não serem cumpridas, ou melhor, para não produzir os efeitos reivindicados.
526
13
Para Luhmann, liberdade implica em risco, e o risco na possibilidade de que as expectativas não se confirmem,
dessaà a ei a,à aà ista da liberdade de comportamento dos outros homens são maiores os riscos e também a
complexidade do âmbito das expectativas. Consquentemente as estruturas de expectativas têm de ser
construídas de forma mais complexa e variável. O comportamento do outro não pode ser tomado como fato
determinado, ele tem que ser expectável em sua seletividade, como seleção entre outras possibilidades do
out o .à ,àp.à .
14
Jock Youg explica as ligações existentes entre as mudanças nas relações de mercado que ocasionaram o
trânsito da sociedade inclusiva à sociedade excludente, sublinhando as mutações, os entendimentos e as
expectativas de cidadania que transformaram o crescimento contemporâneo da criminalidade e de seu controle.
Nesseàse tido:à áàt a siç oàdaà ode idade à modernidade recente pode ser vista como um movimento que se
dá de uma sociedade inclusiva para uma sociedade excludente. Isto é, de uma sociedade cuja tônica estava na
assimilação e na incorporação para uma que separa e que exclui. Esta erosão do mundo inclusivo do período
527
comportamentais violentos por parte dos sujeitos excluídos do projeto universalista. Desse
modo, a busca legítima por reconhecimento-inclusivo através do direito é substituída pela
descrença no estado e consequentemente pelos conflitos por igualdade. Logo, as diversas
formas de violência impostas na e pela sociedade contemporânea são a chave para alcançar
o status e a condição social desejada. Isso ocor eàe à az oàdeà ueà aàp p iaà i i alidadeà à
uma exclusão, como o são as tentativas de controlá-la através de barreiras, encarceramento
eàestig atizaç o .à YOUNG,à ,àp.à .
Nessa esteira, certifica-se que a emergência do estado penal está diretamente ligada
ao fenômeno da exclusão. Porém, é possível que se estabeleça uma associação correlata a
outras duas abstrações: a concepção de risco e a sucessão de instantes denominada tempo.
Na sua análise sistêmica da sociedade do risco, Luhmann (1992) indica que o conceito de
risco15 está conectado a aptidão alcançada pela sociedade em refletir sobre si mesma, e, em
especial, a capacidade do direito refletir a sociedade16. Nesse contexto, a sociedade de risco17
apresenta-se inserida na modernidade reflexiva18, onde a dependência dos processos
decisórios estão cada vez mais conectados ao futuro e a incerteza, implicando numa
observação da sociedade que reflita não apenas sobre o presente, mas também na construção
da memória de seu passado e na projeção de seu futuro.
Neste fluxo, a sociedade ao acumular no presente o acervo de expectativas que antes
estava voltada para o futuro, alterou consideravelmente a percepção do tempo social.
Descompasso temporal entre direito e tempo que pode ser observado no debate proposto
por François Ost, obra na qual as incertezas estão diretamente relacionadas com porvires que
seà ap ese ta à e dadei a e teà o ti ge tes,à eal e teà i dete i ados,à oà i sta teà
e dadei a e teà i sta t eo,à suspe so,à se à se ue iaà p e isí elà ouà p es ita .à 99, p.
324). O que se verifica é a imersão do corpo social numa realidade cultural e temporal do
imediatismo, consagrada pela consecução instantânea do objetivo, haja vista que o controle
sobre o futuro já não existe e a conquista de resultados somente interessa quando obtida no
ago a;à à oàp ese teà ueà o e t aàtodaàaà a gaàdeàe pe tati aà o al e teàla çadaàso eà
o futuro, e é na injunção imediata do instante - logo, na urgência - que a acção é chamada a
produzir-se .à O“T,à ,àp.à .
À vista disso, a formação de um estado de emergência ocorre na medida em que o
caráter emergencial permaneça atrelado a um estado de exceção e de transitoriedade, cuja
gravidade autoriza a súbita intervenção, ainda que mediante o descumprimento das normas
constitucionais. Todavia, não é este o cenário ilustrado. A decadência do Estado Social19
combinada à depreciação do ideal de controle - acontecimento indicativo da sociedade de
risco - torna o horizonte propício ao contínuo estado de urgência. Hodiernamente, as
estratégias voltadas à redução do risco giram em torno de medidas aceleradas, abalizadas
pelo discurso funcionalista do mercado de capitais, no qual a velocidade - hoje aplicada a todas
as esferas - está intimamente atrelada à eficiência20. Assiste razão a Ost ao demonstrar que a
ug iaà est à lo geà deà esol e à deà i ediatoà eà e à defi iti oà u aà situaç oà p o le ti a,à
parece comprometer-seà aà iaàdeàu àp o is ioàpe a e te ,à e ela doàpo àfi àoàp o essoà
autofágico ao qual está submetida, alimentando-se de si mesma e fazendo com que cada
resolução intervencionista necessite de uma medida subsequente. (1999, p. 356).
Em suma, o estado de urgência retrata a perda de confiança no futuro e nas promessas
democráticas, pois conserva a sociedade numa temporalidade disforme e contínua,
substituindo o Estado Providência pela Sociedade de Risco. O aumento do individualismo nas
19
Consoante a óptica de Luhmann, a crise do Estado de Bem Estar está continuamente vinculada à contrariedade
existente entre o advento da sociedade funcionalmente diferenciada - a qual não dispõe de centro ou vértice, e
a teoria política tradicional - para a qual Estado e Política são os centros de poder da sociedade. Pa aàoàauto à laà
orientácion teórica y política del presente reside entonces en ver si se puede tolerar la idea de una sociedad
carente de centro, y sin ello se pueden percibir las condiciones para una política democrática efectiva [porque]
no se puedeà e t a àso eàlaàpolíti aàu aàso iedadeàfu io al e teàdife e iadaàsi àdest ui la .à(2007, p. 44).
20
Ver nesse sentido: VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 1996.
529
relações sociais faz com que se discuta segurança ao invés de solidariedade, e o que sobrevém,
para além das espécies de risco e os seus efeitos, é
21
A sociedade atual é qualificada por Lipovestky à o oà so iedadesà doà te poà eal ,à desti adasà aà
olatilidadeà doà te poà eà aà a ia ilidadeà dasà odas,à istoà ,à oà i p ioà doà ef e o .à Oà auto à e pli aà ueà asà
so iedadesàseàto a a à so iedades- oda ,ài de adasàaàu aà o aào ie taç oàdeàte po alidade,àa uela que
caracteriza a moda no presente, no agora. Para saber mais, consultar: LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero:
a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia das Letras, 2009. Ver ainda: BAUMAN, Zygmunt.
Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
22
Pa aàOst,à aàfigu aà iti izada,àju ta e teà o àaàheu ísti aàdoà edoàeàaàt sàfo asàdeà is oàs oà o se u iasà
daàso iedadeàdeà is o .à ,àp.à -347). Nesse sentido, a vitimização pode ser descrita como a permanente
sensação de insegu a çaàeà edo,àse ti e toà ueà aàaus iaàdeàpode àaspi a àaàu àtituloàge al,àu àdi eitoà
social, resta à vítima gritar a injustiça e pedir reparação ao juiz. Daí o aumento potencial correlativo da vítima na
so iedadeàdoà is o .à O“T,à ,àp.à .àá erca do medo na sociedade moderna, consultar: BAUMAN, Zygmunt.
Medo líquido. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.
23
A obra fundamental de Carl Schmitt que influencia Giorgio Agamben na sua teorização sobre o soberano e o
estadoà deà e eç oà à Teologiaà políti a , na qual o autor alemão discute acerca do combate pela ordem em
contrariedade a anomia por meio da decisão. Nesse sentido, consultar: SCHMITT, Carl. Teologia Política. Belo
Horizonte: Ed. Del Rey, 2006.
530
acentuado pelo absolutismo que o caracteriza. A obra do autor italiano traduz de forma
definitiva a atual realidade excepcional de controle24.
A ausência de uma teoria moderna acerca do estado de exceção enseja uma discussão
sobre a legalidade e a legitimidade de sua instauração, haja vista tratar-se de uma anomia
jurídica. Agamben (2004) estabelece que os defensores do regime excepcional
fundamentaram a teoria em dois pontos capitais: nas circunstâncias de necessidade - uma vez
que a necessidade não possui lei - isto é, a necessidade cria a sua própria lei; e nas lacunas da
lei, nas quais se garantiria a vigência do ordenamento, fazendo necessária a sua suspensão
como uma ficção jurídica, uma lacuna fictícia com o objetivo de salvaguardar a existência da
norma e sua aplicação em tempos de normalidade.
Nesse sentido, o estado de exceção caracterizar-se-ia pela amplitude temporal em que
a aplicação e a norma manifestam sua disjunção, criando-se um paradoxo, pois a força da lei
aplica determinada norma desaplicando regras cuja imputação foi interrompida. Sua
instauração compreende um atroz significado biopolítico25, uma vez que a suspensão de
direitos acarreta diretamente na anulação de estatutos protetivos individuais, gerando seres
inomináveis, inclassificáveis: o homo sacer.
O homem sacro representa o excluído de hoje, um indivíduo que (sobre)vive a margem
da sociedade, onde possui uma vida matável, porém insacrificável. A ideia de homem sacro
nos remete ao direito romano arcaico, no qual o caráter de sacralidade liga-se pela primeira
vez a vida humana. Agamben (2002) procura sentido para esta enigmática e obscura figura.
Para isso, combina estudos Aristotélicos sobre politização da vida com a biopolítica de
нou ault.àDesseà odo,àaàe t adaàdaàzo à idaà atu al à oà í uloàdaàp lisà idade à assi alaà
uma transformação radical das categorias político-filosóficas do pensamento clássico ,à o oà
24
Diante do incessante avanço da guerra, da violênciaàeàe àg a deà edidaàdoà is o,à oàestadoàdeàe eç oàte deà
cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esse
deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar
radicalmente - e, de fato, já transformou de modo muito perceptível - a estrutura e o sentido da distinção
tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como
um patamar de indeterminação entre de o a iaàeàa solutis o .à áGáMBйN,à ,àp.à .
25
No sentido arendtiano, a biopolítica opera transformando a vida humana com o objetivo de reduzir a
biopolítica dos indivíduos ao mero fato biológico. No sentido focaultiano, a biopolítica atua de maneira
individualizante e totalizante, num processo de disciplinamento corporal, possuindo uma dimensão
normalizadora (medicina) e uma de controle (governo). Nesse sentido, consultar: ARENDT, Hannah. Origens do
totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; e FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade
de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
531
se a política fosse o ambiente em que o viver devesse se converter em viver bem, e a vida a
ser politizada (bíos) fosse a vida nua. (2002, p. 12-15).
A politização da vida na esfera da cidade26 estabelece o poder do soberano como
produtor da vida nua, a exceção se torna a regra. Situa-se a margem do ordenamento e
oi ideà o àoàespaçoàpolíti o,à e lus oàeài lus o,àe te oàeài te o,à íosàeàzo ,àdi eitoàeà
fatoàe t a àe àu aàzo aàdeài edutí elài disti ç o .à áGáMBйN,à ,àp.à .àáà idaà uaàdoà
cidadão, como conceito de biopolítica, traduz-se na vida matável, porém insacrificável do
homo sacer, a qual é incluída no ordenamento unicamente sob a forma de exclusão. O
significado do homem-sa oàpodeàse ài te p etadoà o oàa uiloà ueàest à so àdo í ioàdos
deuses ,àouàseja,àe t egueàaào ipot ia.àPa ado al e te,à oàpodeàse ào jetoàdeàsa ifí ioà
pelas leis estabelecidas - pois já possui a sacralidade -, mas pode ser morto, permanecendo
num linear tênue entre o ius divinum e o ius humanum, isto é, num limbo jurídico. (AGAMBEN,
2002, p. 80-81).
A consequência da criação de homens-sacros num estado de exceção constante é uma
crescente batalha emancipatória por inclusão, uma permanente busca por reconhecimento
que se traduz na forma como os indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual. A
inclusão excludente é a lógica que rege o contexto da sociedade de risco, onde o estado27 cria
suas leis baseadas na urgência, fazendo da exceção a regra, do transitório o duradouro. Em
síntese, limitam-se direitos e liberdades sob o manto da insegurança e do medo, numa
atuação voltada à criminalização e ao atuarismo penal.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG,
2002.
26
Pa aàága e àaàdife e çaàe t eàaà de o a iaà ode aàe à elaç oà à l ssi a,à à ueàelaàseàap ese taàdesdeà
o início como uma reivindicação e uma liberação da zoé, que ela procura constantemente transformar a mesma
vida nua em forma de vida e de encontrar, por assim dizer, o bíos da zo . (2002, p. 17).
27
Noàpe sa e toàdeàэ a,à oàpapelàdoàйstado,àhojeàe àdia,àseàli itaàaoàe dossoàofi ialà daà e lus o,à ueàseà
tornou lugar-comum na modernidade líquida. O poder pós-panóptico do Estado não mais desenvolve suas
habilidades para incluir (veja-se que os miseráveis, na atualidade são muitos), senão para manter os indesejáveis
fo astei osàouài te os àdoàladoàdeàfo a .à ,àp.à .
532
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ZIZEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo, 2014.
534
RESUMO: As maiorias fazem a lei, não as minorias. Desta proposição deriva a investigação a
seguir concernente ao quão abrangente deve ser o alcance legislativo de uma maioria e quais
as proteções inflexíveis que devem circundar as minorias. Se por um lado uma democracia
formal é realizada pelo poderio das maiorias, a democracia substancial, por outro, abarca o
rol de limites e ela impostos. Assim, através de normas fixas cujo conteúdo sensível deve ser
estipulado com demasiado cuidado, a maioria política se encontra subordinada à garantia de
direitos, o que significa dizer que um legislador ordinário jamais poderá alterar normas
hierarquicamente superiores, mas pelo contrário, tem seu poder de criação moldado pelas
mesmas. A norma fundamental é tanto um bem como uma maldição: limita o legislar, mas é
fonte de poder arbitrário e inflexível.
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ,
RS; bolsista Fapergs no p ojetoàdeàpes uisaà Di eitoàeàй o o iaà sàVestesàdoàCo stitu io alis oàGa a tista ,à
coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto.
2
Os termos direito fundamental e norma fundamental são utilizados no decorrer do texto como sinônimos.
535
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 POR UM CONCEITO DE TIRANIA DA MAIORIA
3
Norberto Bobbio (2011) em Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política conceitua poder
como sendo a capacidade de determinar o comportamento dos outros, seja na esfera política, econômica ou
moral.
4
Autonomia é o termo utilizado por Luigi Ferrajoli (2011) para se referir a uma lacuna na liberdade que
representa o poder. A liberdade política possui um poder atrelado a si chamado de tirania da maioria; na
liberdade econômica, da mesma maneira, há um poder atrelado a si chamado acúmulo de riquezas. Philippe
Kourilsky (2013) segue a mesma lógica ao amalgamar o direito à liberdade ao dever de altruidade, ou seja, ele
reconhece a existência de lacunas na liberdade às quais adere possibilidade de responsabilidade subjetiva
individual universal.
536
O fato de uma maioria tomar corpo e decidir em uma democracia não conota, de
maneira inexorável, que a decisão seja virtuosa ou moral. Só porque a vontade da maioria é a
fonte suprema do poder político não significa dizer que não poderá ser um poder canalizado
de maneira arbitrária. Em outras palavras, não há verdade na maioria simplesmente por esta
ser quantitativamente superior (HAYEK, 1994).
537
As maiorias estão sempre certas é o grito que ecoa, mesmo que minimamente, sob a
forma do pressuposto ideológico de um sistema democrático, em razão de premiarem-se as
maiorias consolidadas enquanto que o indivíduo sozinho encontra-se em posição desfavorável
(KARSTEN; BECKMAN, 2013).
A relação entre existirem muitas pessoas que creem veementemente em alguma
doutrina e estarem certas em decorrência de seu número expressivo se mostra como erro de
pensamento, afinal, maiorias já acreditaram em tópicos contemporaneamente ultrapassados
como serem os animais imunes à dor, ser a Terra plana, ser um rei o representante de Deus
na Terra e serem negros, judeus e mulheres naturalmente inferiores em decorrência às suas
características naturais (KARSTEN; BECKMAN, 2013).
É inegável que os indivíduos devem se submeter à decisão da maioria, mas isso não
significa que tudo deve estar ao seu alcance ou que as maiorias sejam infalíveis. As maiorias
representam os mais fortes, não os mais sábios; pode até ser injusto permitir que as maiorias
decidam, mas seria ainda mais injusto permitir que minorias o fizessem. Quando a sociedade
tem de tomar uma decisão, maiorias ou minorias terão de triunfar (CONSTANT, 2007).
Um sistema democrático demanda quantidade objetiva de eleitores, enquanto que se
assenta apenas subjetivamente em sua qualidade. Em outras palavras, prima-se pela ideia de
que um homem não pode ter mais erudição do que muitos homens, afinal, não há um
requisito qualitativo para o exercício político, enquanto que o requisito quantitativo mínimo
se mostra presente (MILL, 2011).
As maiorias são as verdadeiras donas da sociedade, detendo o poder de impor seus
deuses, seus costumes e seus valores. São grupos de homens escolhidos para impor uma
concepção de bem, um juízo de valor ávido de preponderar, não apenas excluindo os demais,
mas reprimindo qualquer dissidência através da tirania da opinião. A morte da individualidade
pode se dar através do império de valores tanto moral quanto legal, e o meio democrático
ilimitado é uma forma viável de se alcançar isso (WALZER, 2008).
tomaram corpo são ignorados e têm suas vozes abafadas pelos verdadeiros candidatos, ou
seja, aqueles sustentados pelo maior número (WALZER, 2008).
Para Michael Walzer (2008) o Estado deve possuir o poder de impedir que maiorias
promovam o que Karl Jaspers (2013) chama de Oligarquia de Partidos, o que significa dizer
um controle do poder político por grupos preestabelecidos de maneira a monopolizá-lo em
detrimento dos cidadãos. Assim, o Estado, por meio de sua intervenção, daria uma voz aos
grupos ainda não corporizados, de maneira a informar o eleitor e combater a tirania dos
grupos majoritários.
O número inexpressivo de um grupo tende a fomentar sua exclusão de debates
anteriores às eleições, o que restringe o ponto de vista democrático às castas dominantes e já
consolidadas, fazendo da democracia um sistema de governo de cartas marcadas e
meramente formal (WALZER, 2008).
Na eleição à presidência dos Estados Unidos da América, em 2016, o sistema
democrático impediu a participação de dois candidatos à presidência, Gary Johnson (Partido
Libertário) e Jill Stein (Partido Verde), aos três principais debates televisionados, o que já se
tornara um costume de exclusão dos partidos minoritários. O primeiro debate, ocorrido em
26 de setembro (AHMANN; WALSH, 2016), o segundo, ocorrido em 9 de outubro (RICHARDS,
2016) e o terceiro, ocorrido em 19 de outubro de 2016 (STRAUSS, 2016) foram assistidos por
pessoas em todo o mundo.
Trata-se de candidatos que representaram uma parcela ínfima dos eleitores e, em
razão disso, foram impedidos de se pronunciar nos três debates presidenciais mais
importantes do ano por não atingirem uma quota mínima de 15% dos votos. É raro que um
partido minoritário tenha acesso aos debates presidenciais norte-americanos, o que só
aconteceu uma vez, em 1992, por meio do candidato Henry Ross Perot (PETERSEN, 2016).
Ao ser restringido às ideias consolidadas e preestabelecidas, o eleitor, eleição após
eleição, estará feliz ao operar a superfície diversificada da democracia, mas sua materialidade
será unívoca. O sistema democrático, ao excluir partidos da oportunidade de serem
informativos, está a agir em fomento do formalmente diverso e materialmente unilateral
(WALZER, 2008).
O comitê de classes dominantes oferece purpurina a um homem faminto, fazendo-o
esquecer de que, muitas vezes, a diferença é palpável entre o que a sociedade quer e o que a
539
sociedade precisa. Até mesmo antitéticos. Isso porque a sociedade não possui todos os
fatores, toda a informação disponível, mesmo que acredite que o tenha, para fazer juízo de
valor acerca de quem merece seu voto (WALZER, 2008).
que espreitam a liberdade. Através do direito fundamental, elenca-se tudo aquilo que deve se
encontrar distante do alcance de qualquer modificação (FERRAJOLI, 2014b).
A esfera do indecidível contempla tudo aquilo que rompe com a onipotência política
das maiorias; tudo aquilo ao que é vedado decidir sobre (liberal), assim como tudo aquilo que
é obrigatório decidir sobre (social). Essa esfera, presente através das normas fundamentais,
as quais são, segundoà нe ajolià ,à p. ,à [...]à di eitosà i dispo í eis,à i alie eis,à
i iol eis,à i t a spo í eisà eà pe so alíssi os ,à sus itaà u aà s ieà deà uestio a e tosà
perigosos e complexos sobre a sua substância.
Constant (2007, p.84-85, grifo meu) nos diz sobre a materialidade do direito
fundamental:
A maioria pode apenas fazer leis para as questões sobre as quais a lei tem que se
pronunciar. Naqueles casos em que a lei não precisa fazê-lo, o desejo da maioria não
é mais lídimo que o da menor das minorias. [...] A maioria é juiz quando age dentro
de sua competência, e se transforma em facção quando excede seu papel. Não
existe força externa que impeça a maioria de sacrificar a minoria, ou que evite que
um punhado de homens, que se autoproclama de maioria, controle todos. Por
conseguinte, é vital que se compense a inexistência dessa força externa com
princípios fixos dos quais a maioria jamais se desvie.
Assim também afirma Friedrich August Von Hayek (1994) dizendo que o que tende a
impedir a chamada tirania da maioria ou movimento de facção de Constant (2007) é o
empreendimento de um programa que implique em limites ao poder do eleitor e de seus
representantes, o qual se dá através de normas fixas.
É ao conteúdo destes princípios fixos que Constant (2007, p.90) indaga:à Co oàpodeàoà
pode àse à est i gidoàaà oàse àpeloàp p ioàpode ? àáoàse àli itadoàoàpode àdasà aio iasà
através da norma fundamental, está-se a conferir poder à segunda. Quem limita o poder
daquele cujos poderes restringem poderes? Quem vigia o vigilante? Quem cuida do cuidador?
Como inspecionar aquilo que se encontra intocável? Quem limita o direito fundamental?
(BOBBIO, 2015).
áàp opostaàdeàнe ajolià ,àp. à o p ee deà ueà [...]àosàdi eitosàfu da e taisà
vêm de fato a se configurar [...] a garantia de interesses e necessidades de todos estipulados
o oà itais,àouàe ata e teà fu da e tais à aà ida,àaàli e dade,àaàso e i ia à – tanto às
de is esàdeà aio iaà ua toàaoàli eà e ado.
541
A existência de uma esfera do indecidível significa dizer que todo o governo eleito
democraticamente será submisso a determinados princípios preestabelecidos sob a forma do
direito fundamental. A abrangência da esfera do indecidível fomenta a sobreposição de
políticas valorativas e inflexíveis ao modelo de governo e ao indivíduo sob a justificativa de
haver na liberdade uma lacuna rotulada de autonomia (FERRAJOLI, 2011).
нe ajolià ,à p. à di à ueà [...]à seà ue e osà ga a ti à u à di eitoà o oà
fu da e tal à de e osà su t aí-lo da disponibilidade política e da disponibilidade do
e ado. àPoisà e ,àpasse osàaài ui i àso eàaàsu st iaàdaà o aàfu da e tal,àaà ualàseà
encontrará distante das garras da democracia, do mercado e do indivíduo.
É claro que, se de um lado o direito fundamental impede a tirania da maioria e do
governante, de outro tiraniza o indivíduo com a possibilidade de um conteúdo arbitrário
inflexível. A norma fundamental não limita a liberdade, mas sim a autonomia, ou seja, o poder;
em outras palavras, a norma fundamental limita apenas o que Ferrajoli (2014a) conceitua
como poder e protege apenas aquilo que o mesmo conceitua como liberdade. Os termos
liberdade e poder, na doutrina Garantista, são compartimentos estanques, presos às suas
definições premeditadas.
No momento em que considero o liberismo uma liberdade, como crê Hayek (1994)5, e
não um poder, como crê Ferrajoli (2014a), estarei a propor que o direito fundamental limita a
liberdade, e não o poder. A mesma lógica serve para as maiorias, as quais deverão prestar
submissão ao império dos conceitos de liberdade e poder prescritos no cerne das normas
fundamentais.
A norma fundamental oferece limites às esferas de poder, erigindo sobre si tudo aquilo
que deve ou não ser decidido; uma esfera perigosa, isso porque restringe a diversidade
política enquanto que promove um conceito de bem previamente estabelecido e unilateral
(FERRAJOLI, 2011).
5
Em O caminho da Servidão, Friedrich August Von Hayek (1994) difunde a ideia de que a intervenção do Estado
na economia é o mesmo que intervir na vida privada das pessoas, afinal, somos mais ou menos livres na medida
em que dispomos de recursos financeiros mínimos para satisfazer nossas vontades; a abstração do que significa
o termo mínimo é dever individual, não estatal. Seguindo esta lógica, a intervenção trataria indivíduos
qualitativos como quantitativos ao tentar propor uma concepção de igualdade substancial; isto é, para o Estado,
o essencial pode ser educação, saúde e segurança, mas para um indivíduo pode compreender castelos, empresas
bilionárias, etc. Assim, pessoas diferentes devem ter o poder de elencar o seu conceito de grau mínimo essencial
para usufruto de uma qualidade de vida razoável, e não o Estado.
542
6
Este é o fim proposto pela teoria Garantista, a efetivação de um mínimo material relativo à dignidade e à
subsistência individual. Em outras palavras, o acúmulo de riquezas de poucos é elencado como inviável frente à
necessidade de sobrevivência de muitos. Neste sentido, da tirania da maioria à tirania da norma fundamental,
afinal, se o interesse inicial era combater a tirania da maioria, em decorrência e através do direito fundamental
fora proposta a possibilidade de tomar de poucos tudo aquilo que satisfará os fins de muitos. Em outras palavras,
as maiorias devem ser restringidas em questões políticas, mas jamais em questões econômicas (COPETTI NETO,
2016).
543
7
Na obra A rebelião das massas, José Ortega y Gasset (2016) expõe o homem-massa não como um homem
financeiramente pobre, mas culturalmente. Em Apologia de Sócrates, Platão (2013) demonstra que a morte de
Sócrates foi consequência de sua exposição de sábios-ignorante, isto é, homens-massa, os quais beiravam sua
realidade grega. Eram mestres em uma determinada arte e, em decorrência a isso, entendiam estar em posição
propícia a opinar em uma infinidade de outros segmentos, posição esta supostamente legitimada pela possessão
de seu conhecimento específico, ao que Sócrates enxergava como errôneo. Desta maneira, o homem-excelente
não se confunde jamais com o homem-massa.
8
O homem-excelente é o oposto do homem-massa, no sentido de que não apenas sabe que não sabe, mas
transcende os liames de sua consciência terrena: trata-se de um homem que compreende a limitação de si em
determinado plano e sujeito a determinados efeitos (ORTEGA Y GASSET, 2016).
9
Em The State, Franz Oppenheimer (1922) elenca o Estado como sendo um grupo dominante e detentor de
poder político que subjuga, através deste, a casta dominada e a explora economicamente. Roubo bélico é o
produto maciço e sistemático da tomada de recursos inflexível perpetrada pelos detentores de poder político
através de seu monopólio de violência. O Estado é como um urso que cansou de destruir colmeias (sociedades)
e passou a explorar as abelhas (indivíduos), oferecendo seus serviços de segurança (contra ele mesmo) em troca
de mel (recursos).
10
Na obra Os Limites da Ação do Estado, Wilhelm Von Humboldt (2004) prega pela não intervenção do Estado
em quaisquer áreas que não aquelas relativas à segurança externa e interna, isso porque, se o fizer, o Estado
estaria a impedir o homem de evoluir. Em outras palavras, a intervenção do Estado produz um sentimento
amoral em seus cidadãos por remover destes a possibilidade de resolver seus litígios através de meios não
coercitivos; a intervenção os faz menos homens, afinal, pagam com a moeda por sua incapacidade de interação.
544
intervenção – a qual age em detrimento daqueles que já são livres efetivamente11. Em outras
palavras, a primeira liberdade faculta a qualquer homem o consumo de bens de qualidade,
mas é apenas através da segunda, ou seja, através de meios financeiros, que terá seu exercício
efetivado (BOBBIO, 2011).
Essa vantagem tira a escolha individual de tomar partido sobre ser quantificado ou
não; perder dignidade por se tornar um produto financeiro ou não; seguir a maré da norma
jurídica ou não. Pois que permitam que cada indivíduo faça juízo de valor acerca de serem
quantificados ou permanecerem como seres qualitativos, isso porque não cabe à norma, mas
a cada indivíduo conceber seu corpo como propriedade ou identidade12; cabe ao ser, e não ao
dever ser (FERRAJOLI, 2011).
Trata-se da falácia da agregação, isto é, a ideia de que podemos conceder doses de
igualdade sem mutilar a liberdade individual. Na tomada e realocação de recursos, uma parte
perde liberdade enquanto que a outra pode receber igualdade; ao impor convívio com
homens possuidores de características que os tornam repulsivos aos demais, está-se matando
a liberdade de ir e vir de uma parte, enquanto que à outra se está concedendo possível
igualdade (SCRUTON, 2015).
Existe uma antítese que compreende a liberdade e a igualdade que toma a forma de
que não se pode aumentar a liberdade sem reduzir a igualdade, assim como aumentar a
igualdade sem se reduzir a liberdade (BOBBIO, 2013).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A norma fundamental não limita o poder, mas uma concepção de poder; não garante
a liberdade, mas um conceito de liberdade. A autonomia política é limitada, mas tudo aquilo
que não abrange o termo autonomia não é levado em consideração, o que, em decorrência,
11
A liberdade potencial é uma mera teoria, enquanto que a liberdade efetiva é a prática; teoricamente podem
todos os homens sobreviver ao inverno se bem agasalhados, mas só poderão de fato fazê-lo se detiverem de
agasalhos, recintos acalorados e meios financeiros que tornem propício sua liberdade em potencial (BOBBIO,
2011).
12
Ferrajoli (2011) acredita ser o corpo e a mente individual parte da identidade do homem, ou seja, quem cada
um é toma a forma de seu corpo e mente. Isso significa dizer que ninguém é dono do meu corpo em razão de
não se tratar de um bem, mas de quem eu sou. Por ser o homem apenas titular de seu direito à vida, não lhe
cabe prostituir-se (alugando o corpo), escravizar-se (vender seu corpo), vender seus órgãos (quantificando-os).
Devo ser livre, mesmo sendo escravo do direito fundamental que ordena um conceito unívoco de liberdade que
me aprisiona em seus liames.
545
leva a uma deslegitimação do dever cívico subjetivo – afinal já me coagem a ser altruísta -, da
democracia – afinal já estipulam qual governo e como governar.
Se uma série de princípios foi estipulada como últimos e inexoráveis à saúde da
sociedade e do indivíduo, o poder de governo e individual não apenas se encontram
enfraquecidos, mas também sua liberdade; presos, impedidos de prosseguir em meio aos
entraves proporcionados e assegurados pelo antagônico modelo de Estado de Direito
garantista.
Mais do que um atraso pernicioso à evolução da sociedade como um todo e em partes,
as dores que a tirania da maioria evoca migram para a tirania da norma fundamental, a qual
sufoca o indivíduo e o coletivo com sua substância arbitrária. Como afirma Constant (2007),
mais tirano do que o mais forte triunfar é quando o mais fraco o faz, assim, no momento em
que o direito fundamental representa a vontade dos mais fracos, o que se está a promover
são os interesses da minoria em detrimento dos da maioria.
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548
Palavras-chave: Análise Crítica; Política criminal; Criminologia; Direito Penal; Última Parada
174.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo, apresentar algumas ponderações que, ora de
forma direta, ora de forma indireta, estão ligadas com a questão da exteriorização da violência
em nosso cotidiano e que vão muito além da simples ação ou efeito de delinquir (sendo este
o ápice de toda uma estrutura institucional, social, simbólica – designada como falha no
cumprimento de suas tarefas). A partir da análise crítica contextual da obra cinematográfica
i tituladaà Últi aàPa adaà ,à aseadaàe àfatosà eais,ààte e -se-ão algumas considerações e
críticas à forma como a própria política criminal trabalha a temática penal-social, e, então,
a a a àpo àfo e ta àoà í uloà i iosoàeà o ple oà ueà ul i aà o àasàp ti asàdelituosasà-
deà u à lado,à aà i se ç oà doà i f ato à oà papelà deà i i igo ,à deà out o,à to a do-o excluído,
anulado, objetificado à margem do convívio social, o homo sacer. Nesta linha, a crítica
1
Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijui
(Ijuí/RS). Pós Graduada em Direito Penal e Criminologia pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER,
Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS.
2
Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
Unijui (Ijuí/RS). Graduada em Direito pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA (Santo
Ângelo/RS).
549
. àB‘йVйà‘йLáTOà“OB‘йàáàOB‘áàCINйMáTOG‘ãнICáàINTITULáDáà ÚLTIMáàPá‘áDáà
Da análise de todo enredo acima descrito, e, sem negligenciar acerca dos inúmeros
enfoques a partir dos quais poderiam ser levantadas críticas e encaradas problemáticas
551
diversas, elegeu-se as seguintes pontuações para serem trabalhadas nesta observação crítica,
a citar: 1. A fragilização/desmoronamento do núcleo familiar (enquanto instituição que forma
o sujeito, lhe confere identidade, representação e referência) assim como a ausência de
instituições sociais, como circunstância propulsora da delinquência (em específico, aqui, a
juvenil). 2. Os contrastes econômicos, sociais e culturais visualizados na sociedade
contemporânea, capitalista, globalizada e sua vinculação com a acentuação dos processos de
exclusão e marginalização social. 3. A violência física, visível, como resultado de reiterados
processos de violações dos diversos campos que integram a dignidade humana no seio social.
4. A inadequação com que o Estado (enquanto detentor do monopólio da violência legítima e
da atividade jurisdicional), e, no âmbito do Direito, com que o Direito Penal e Processual Penal
lida com infrações penais e, sobretudo, com os conflitos a partir dos quais as práticas delitivas
emergem no âmbito juvenil.
Primeiramente, verifica-se, no transcorrer do longa-metragem, a desestruturação
familiar presente na vida de ambos os protagonistas, Alessandro e Sandro. Este viu a vida de
sua mãe ser ceifada por bandidos que assaltaram o estabelecimento da família. Aquele, foi
retirado à força dos braços de sua mãe, viciada em drogas e álcool, pelo seu suposto pai (um
dosàg a desàt afi a tesàdaàfa elaàe à ueà esidia ,à o oà eioàdeàpaga e to àdaàdí idaà ueà
ela possuía com o tráfico. Pequenos núcleos familiares solapados pelos males das drogas e
dos vícios, e, destruídos pelo acerto de contas, pela vingança privada, tão comum e
prevalecente em lugares aonde a tutela estatal não chega (a tempo) e o Estado-Providência
sequer deixa rastros de existência, abrindo brechas, assim, para a sedimentação de um direito
oà ofi ial,à ou,à ai da,à u à di eitoà a gi al ,à omo nomina Faria (1997), erigido sob as
pilast asàdaàleiàdoà aisàfo te/pode oso,à ujoà digoàdeà o dutaà a t àsuaàp p iaà ti a à
e,àasà pe as àpa aàsuaà iolaç oàs oà igo osas,à e tasàeàte idas.à
Após a ida dos jovens ao centro do Rio de Janeiro, mais uma vez, nota-se o afastamento
de ambos com quaisquer pessoas, ícones ou entidades/instituições forjadoras/fortalecedoras
da identidade e sociabilidade dos sujeitos, não restando alternativa aos meninos a não ser
adequar-seà à l gi aàdoàsiste a àdasà uasàe do tráfico, iniciando-se, a partir daí, o ingresso no
mundo do crime.
552
o sujeito, privado das referências que lhe dão uma identidade e que estruturam sua
personalidade, procura no contato com a justiça uma muralha contra o
desabamento interior. Em face da decomposição do político, é então ao juiz que se
recorre para a salvação. Os juízes são os últimos a preencher uma função de
autoridade – clerical, quase que parental – abandonada pelos antigos titulares (2001,
p. 27),
de modo que, sob o prisma jurisdicional, [...] o juiz torna-se igualmente uma referência para
o indivíduo perdido, isolado, sem raízes – produzido por nossas sociedades -, que procura no
confronto com a lei o último resquício de identidade (2001, p. 24). Dell aglioàeàNa dià ,à
fazendo uma digressão teórica acerca da delinquência juvenil, valendo-se de autores tais
como Patterson, Reid, Dishion e Shoemaker, apresentaram dois modelos de abordagem de tal
temática. O primeiro propõe o desenvolvimento do comportamento antissocial em quatro
etapas: a primeira, relacionada à incidência de práticas antisociais no âmbito do próprio grupo
fa ilia à daà ia ça/adoles e te;à aà segu da,à i uladaà aoà espelha e to à daà o dutaà
antissocial ocorrida na família à instituições externas a ela, tais como a escola; a terceira etapa,
diz de uma propagação da etapa anterior, agora para outros ambientes e instituições, porém,
buscando, a criança/adolescente, identificar-se e inserir-se em grupos que convalidem e
incentivem as práticas delinquentes, conferindo-se,à destaà fo a,à u à efo çoà ide tit io à
desta natureza ao jovem; por fim, a quarta etapa, incidente no período adulto, exterioriza-se
pela continuidade das práticas antissociais, associadas a problemas com vícios, de
relacionamentos e demais campos que orbitam esta fase da vida.
O segundo modelo de abordagem trazido pelas autoras, apresenta-se em três níveis:
est utu al,à i di idualà eà so iopsi ol gi o.à Oà p i ei oà [...]à refere-se às condições sociais e
abrange a incapacidade de organizações, grupos ou indivíduos de uma mesma comunidade
pa aà esol e à oleti a e teàp o le asà o u s à ,àp.à -71). O nível individual relaciona-
se a aspectos de ordem subjetiva do jovem e que contribuem/influem para a inclinação à
práticas antissociais; o sociopsicológico:
553
nesse nível é dado um maior destaque para a família, pois ela é vista como a
instituição capaz de exercer maior controle sobre o jovem, tendo em vista que as
relações estabelecidas dentro da família terão implicações nas condutas sociais
futuras dos jovens e adultos (2010, p. 71).
O item 3 é eleito como um dos que mais requer destaque no cenário do filme. Explica-
se. O emprego da violência física, brutal, bem como o sofrimento da mesma pelos
personagens é presença constante do início ao fim da história, ora como atitude ofensiva, ora
reativa. Alessandro vale-se de tal mecanismo para lograr êxito na vida de traficante, incutindo
medo naqueles que são seus devedores, mantendo-se, desta forma, no posto de relativo
p estígioà eà espeita ilidade à de t oà daà adeiaà doà t fi o.à “a d oà i i ial e teà oà pa e eà
predisposto a delinquir, malgrado o cenário de risco em que estava inserido, porque guardava
em seu íntimo, o sonho de ser um grande rapper e ver seu trabalho musical reconhecido.
Porém, em um segundo momento, ao ver cada vez mais seu sonho distando da realidade e,
555
a instituição que aplica a medida constitui, muitas vezes, a fonte de apoio social mais
próxima e organizada na vida do adolescente infrator, podendo favorecer uma
vinculação aisàpositi aàe t eàoàjo e àeàsuaàfa íliaà Dйээ áGэIO;àNá‘DI,à ,àp.à
74),
bem como o seio social, promovendo uma revalorização do indivíduo sobre si e suas
potencialidades, o resgate dos vínculos identitários rompidos, uma remodelação das condutas
557
antissociais, para, por fim, ser possível contar com mais um cidadão envolvido no projeto
democrático e social ambicionado pela nação brasileira, positivado em nossa Constituição.
Aquilo que define a condição do homo sacer, então, não é tanto a pretensa
ambivalência originária da sacralidade que lhe é inerente, quanto, sobretudo, o
caráter particular da dupla exclusão em que se encontra preso e da violência à qual
se encontra exposto. Esta violência – a morte insancionável que qualquer um pode
cometer em relação a ele - não é classificável nem como sacrificio e nem como
homicídio, nem como execução de uma condenção e nem como sacrilégio.
Subtraindo-se às formas sancionadas dos direitos humano e divino, ela abre uma
esfera do agir humano que não é a do sacrum facere e nem a da ação profana, e que
se trata aqui de tentar compreender. Nós já encontramos uma esfera-limite do agir
humano que se mantém unicamente em uma relação de exceção. Esta esfera é a da
decisão soberana, que suspende a lei no estado de exceção e assim implica nele a
vida nua (AGAMBEN, 2002, p. 90).
idad os .à Nesseà se tido,à oà si tag aà homo sacer nomeia algo como a relação política ou
originária – a sacralidade é a forma originária de implicação da vida nua na ordem jurídico-
políti a.àága e à àso ele aàaà ata ilidadeàdoàho oàsa e ,à o deàsa e àsig ifi aàu aà
idaà at el à- no sentido contraditório ao que é sacro.
Vinculando o exposto à doutrina de Batista (2014), é possível concluir que o exercício
do poder punitivo é constante – à essaàt a sfo aç oàdosà o posàe à o posàd eis,à essaà
do eàutilidade,à essaàdu tilidadeàdaà idaàhu a a,à ueà aiàseàesp aia àaà i ofísi aàdoàpode à
(BATISTA, 2014, p. 95). Neste i loàpu iti o,àosà so ial e teà a gi alizadosàs oà o e tidosà
em potenciais infratores e, como tal, tornam-se os clientes do controle social, seja da política
da pena e da criminalização (estigmatizados como criminosos), seja da política social e do
assiste ialis oà estig atizadosà o oà g uposàdeà is o à áND‘áDй,à ,àp.à .àOà odeloà
de justiça penal propaga a seletividade estrutural, disseminando a cultura de segurança
baseada no controle e na criminalização de camadas pauperizadas pela sociedade - além de
nitidamente calcadas na conduta de sujeitos determinados -, assoberbando o cunho de
e essi aà i i alizaç oà dia teà dasà o dutasà i di iduaisà isí eis à o t aà oà pat i ioà eà
secundariamente contra a vida, visíveis sobretudo à ação policial (primeiro filtro de ambos os
siste as ,à a à i i alidadeàfoiàse doàide tifi adaàeà o st uídaà o oàaà i i alidadeàdeà ua,à
ou seja, como a criminalidade da pobreza (dominantemente masculina e não branca) e a ela
si li aàeài stitu io al e teà eduzida à áND‘áDй,à2009, p. 05).
Neste contexto, traz-se à baila a contribuição de Eugenio Raul Zaffaroni na perspectiva
deà ueà oà pode à pu iti oà se p eà dis i i ouà osà se esà hu a osà eà lhesà o fe iuà u à
tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava
apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como
inimigos da sociedade, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro
dosà li itesàdoà di eitoàpe al[...] à )áннá‘ONI,à ,à p.à .àPo de a-se que a criminalidade
abordada na obra cinematográfica é objeto da construção social. A cultura da criminalização
é oriunda de processos colonizadores, como forma de reação diante de um conjunto de
relações sob as quais vivem os indivíduos, interferindo diretamente em suas ações, ditando
quais são os sujeitos aceitos ou não dentro da sociedade
Associando o exposto à doutrina de Agamben, vislumbra-seà ueàoàfil eà Últi aàPa adaà
àde o st aàte po al e teàaà o st uç oàdeà“a d oà o oàoàhomo sacer: indivíduo que
560
3. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução Henrique Burigo.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A segurança pública no brasil e o paradigma punitivo:
segurança da ordem versus segurança dos direitos. 1ª Conferência Nacional de Segurança
Pública. 2008-2009. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2013v34n67p335.
Acesso em 10/03/2017
561
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 11ª edição,
2007.
BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan,
2014.
Dйээ áGэIO, Débora Dalbosco; NARDI, Fernanda Lüdke. Delinquência Juvenil: Uma Revisão
Teórica. In: Acta Colombiana De Psicología, vol. 13, n.2 (2010), p. 69-77.
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos e globalização econômica: notas para uma discussão.
In: Estudos Avançados 11, (30), 1997.
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan,
2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. 2. ed. Rio
de Janeiro: Revan, 2006.
562
RESUMO: O presente estudo investiga as teses dos filósofos Michel Foucault e Giorgio
Agamben visando a compreender a biopolítica e a produção da vida nua na
contemporaneidade, relacionando-as ao paradigma denominado por Agamben de Estado de
Exceção. Nesse sentido, analisa quem são os indivíduos rotulados como Homo Sacer e em que
medida a expansão do Direito Penal interfere nas políticas de Segurança Pública, o que se
revela, no caso dos presídios brasileiros, na determinação do perfil da massa carcerária no
país. Com isso busca-se compreender a crise do atual paradigma de governo que vem se
implementando na contemporaneidade, o qual está utilizando estes métodos como técnica
de governo. Agamben denomina este novo modo governar a vida em sociedade de Estado de
Exceção, o qual adquire uma conotação biopolítica, estruturada em um Direito de suspensão.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ
(2016). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP
(2013). Possui graduação em Direito La Salle - Canoas (2010). Atualmente é advogado.
2
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2014). Mestre em Direito pela
UNISINOS (2010). Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2008). Graduado em Direito pela UNIJUÍ (2006). Professor do
Curso de Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ.
563
Penal como se fosse o único meio satisfatório capaz de solucionar os problemas da Segurança
Pública.
Ainda que já decorridas quase duas décadas desse trágico ato terrorista nos EUA, seus
reflexos ainda são sentidos no mundo todo. Percebe-se que o Estado, a fim de satisfazer seus
interesses escusos, mas com o discurso político de que suas ações são de interesse público, se
utiliza de práticas biopolíticas como a vigilância e políticas de coerções, as quais privilegiam
apenas uma pequena parcela da sociedade, beneficiando tão somente as pessoas adaptadas
ao sistema capitalista em uma sociedade de consumo. Nesse ínterim, a forma como o Estado
age frente à sociedade tem sido objeto de estudo por especialistas no assunto, haja vista que
esse novo modelo de Estado de Exceção tende cada vez mais a se arraigar como um novo
paradigma de governo na contemporaneidade, gerando um cenário marcado pela
insegurança, vulnerabilidade, medo, afronta aos Direitos Humanos e à Dignidade da Pessoa
Humana. Nesse Estado de Exceção, o filósofo italiano Giorgio Agamben destaca práticas
totalitárias praticadas pelo soberano. Esta forma de agir do soberano deveria ficar restrita a
acontecimentos excepcionais, possuindo suas limitações a um determinado espaço de tempo
e lugar. Entretanto, o que era para ser exceção torna-se a regra devido ao uso permanente
das medidas exercidas no Estado de Exceção. Depreende-se que a excepcionalidade tornou-
se o paradigma adotado pelo governo na contemporaneidade como uma técnica de governo.
Nesse Estado de Exceção o poder soberano acaba por capturar a vida humana, estando
alicerçado no estado de necessidade, retornando à máxima da teoria da necessitas legem
non habet ,àouàseja,àaà e essidadeà oà e essitaàdeàlei.àNessaàa epç o,àoàйstadoàdeàй eç oà
constitui um ponto de desequilíbrio entre o direito público e o fato político.
2 DESENVOLVIMENTO
Carl Schmitt, em sua obra Politische Theologie de 1922 (FRANCO DE SÁ, 2009, p.7),
começa a desenvolver a teorização da relação do Estado de Exceção com a soberania,
(AGAMBEN, 2007), definindo o soberano, como sendo aquele que tem o poder de decidir
sobre o estado de exceção (AGAMBEN 2007, p.15). De acordo com a definição de Carl Schmitt:
“o e a oà à ue à de ideà so eà oà estadoà deà e eç o à Cá“T‘O,à ,à p. .à Oà estadoà deà
exceção é um dispositivo com o qual o poder soberano acaba por capturar a vida humana
(FOUCAULT, 2010, p.85), estando calcado no estado de necessidade retomando a máxima da
564
teo iaàdaà necessitas legem non habet ,àouàseja,àaà e essidadeà oà e essitaàdeàlei (TEIXEIRA,
2015, p.108). Nessa acepção o Estado de Exceção constitui um ponto de desequilíbrio entre o
direito público e o fato político.
O Estado de Exceção, na Alemanha, ganhou o nome de Ausnahmezustand ou
Notstand; na Itália e na França os termos empregados foram decretos de urgência e estado
deà sítioà políti oà ouà fi tí ioà état de siège fictif .à Nasà te asà o teadasà peloà direito anglo-
sa i o,àoà o eàe p egadoàfoià martial law e emergency powers (AGAMBEN, 2007, p.15).
Agamben (2014) entende que a denominação mais correta a ser empregada ao Estado de
Exceção é aquele nome batizado pela Alemanha, devido ao seu alcance ao ponto fulcral do
presente tema, definindo um conceito limite o qual delineia um limite e dois conceitos, o que
seria à mercê do direito em relação ao sujeito na qual este não encontra abrigo nas leis, dando
muito mais ênfase a uma ideia voltada ao âmbito militar bélico (CASTRO, 2015, p.86).
Com relação ao Estado de Exceção, este não diz respeito a um determinado ramo
específico do direito, mas está além deste, é algo intangível de difícil contenção, o que é
inapreensível e, segundo Agamben (2014), com relação ao Estado de Exceção ainda não se
tem uma teoria definida na esfera do direito público. Neste sentido, o Estado de Exceção se
encontra em uma situação paradoxal entre o fático e o jurídico, não se encontrando em
nenhum desses por completo, apenas em uma pequena parcela, nascendo assim a dificuldade
em situar com precisão a qual ramo do direito o Estado de Exceção pertence. Contudo,
observa-se que o Estado de Exceção possui uma importantíssima relevância ao
funcionamento do estado de direito considerando-o a base propulsora, sendo a resposta
imediata no caso de guerras, revoltas e insurreições (AGAMBEN, 2008, p.12).
O Século XX foi marcado por uma guerra civil considerada legal sob o ponto de vista
jurídico. Com a criação do Estado nazista Adolf Hitler, assim que tomou posse do poder, em
28 de fevereiro, promulgou o Decreto com a justificativa da proteção do povo alemão e do
Estado suspendendo os artigos da Constituição de Weimar, os quais previam as liberdades
individuais (AGAMBEN, 2007, p.12). Do ponto de vista jurídico, o estado nazista, ou seja, o
Terceiro Reich, é considerado o típico exemplo de um Estado de Exceção, o qual perdurou
pelo período de doze anos (TEIXEIRA, 2015, p.98), em que o totalitarismo moderno foi
implementado através do dito Estado de Exceção, legitimando todas as ações de uma guerra
civil, a qual permite o aniquilamento por completo da forma física dos adversários políticos,
565
qualquer pessoa que se opunha ao regime nazista vigente na época ou a quem de alguma
forma era indesejável ao sistema político. Os motivos do aniquilamento (FOUCAULT, 2014)
e a à osà aisà di e sos.à Po à e e plo,à p is oà deà oposito esà o u istasà eà i stalaç oà deà
t i u aisàdeàe eç o,àaptosàaà o de a ài di íduosà àpe aàdeà o te à TйIXйI‘á,à ,àp. .
Desse momento em diante, com o surgimento do Estado de Exceção, ainda que de
forma esporádica, mas voluntariamente vem interpondo-se embora não sendo declarado no
sentido técnico, é adotado e praticado pelos Estados contemporâneos, até mesmo por
aqueles os quais se declaram democráticos (AGAMBEN, 2007, p.13).
A fim de ilustrar melhor o conceito de Estado de Exceção na contemporaneidade, a
hist iaàap ese taà iosàe e plosàdeà ditadu aà o stitu io al ,àe e tosào o idosàe t eà à
e 1948, em detrimento da crise que se implementou na Europa resultando na ruína da
democracia europeia, na qual o poder executivo usurpou os poderes no âmbito do legislativo
através de emanação de leis e decretos utilizando-se da urgência para justificar tais práticas.
Desse momento em diante, as democracias ocidentais e o poder legislativo passam a ser
percebidos como apenas ratificadores dos decretos com força-de-lei (TEIXEIRA, 2015, p.94)
oriundos do poder executivo (CASTRO, 2013. p.77).
Nesse ínterim, o Estado de Exceção encaminha-se cada vez mais forte a se estabelecer
como paradigma de governo dominante na política contemporânea. Ocorre que o Estado de
Exceção deveria ser uma medida provisória e excepcional, entretanto transformou-se em uma
técnica de governo que contribuiu com mudanças drásticas em relação à distinção tradicional
das diversas formas de constituição (FOUCAULT, 2013). Nesse sentido, o Estado de Exceção
revela-se como um lugar de irresolução do que seria democrático e absolutismo (AGAMBEN,
2007, p.13). O Estado de Exceção revela-se, também, sob o prisma da ótica militar,
extravasando limites e expandindo suas fronteiras, o que outrora tratava-se de exceção,
contemporaneamente passa a ser considerado normal (TEIXEIRA, 2015, p.92).
Nesse estado de sítio político ou fictício, nota-se que o estado de exceção se direciona
p og essi a e teà à e a ipaç oà doà itoà deà gue a ,à aà ualà o stituià aà g eseà daà suaà
e ist ia.à Pa aà ága e à ,à deà fato,à oà u soà doà s uloà XX,à assisti osà aà u à fatoà
paradoxal, ao que se denominou uma guerra ci ilàlegal .à“o àessaàpe spe ti a,àoàestadoàdeà
exceção instaura-se contemporaneamente como uma guerra civil legal (CASTRO, 2011, p.76).
Segundo Agamben (2007), a exceção é um modelo de exclusão e se trata de um caso
566
singular no qual quem for excluído não está fora do alcance da norma, mas sim a norma se
mantém relacionada ao indivíduo em forma de suspensão. Um exemplo de um Estado de
Exceção contemporâneo biopolítico é o caso dos EUA, onde o direito inclui em si o indivíduo
através da própria suspensão, o queà fi aà e ide iadoà pe e pto ia e teà o à aà military
order Cá“T‘O,à ,à p. ,à p o ulgadaà peloà p eside teà dosà йstadosà U idosà e à à deà
No e oà deà à eà ueà auto izaà aà ha adaà i defi iteà dete tio à apli a do-se àqueles
cidadãos os quais são suspeitos de envolvimento em atividades terroristas, o que não se
confunde com os tribunais militares de guerra (AGAMBEN, 2007, p.14). Nesse sentido, o
“e adoàdosàйUá,àe à àdeàOutu oàdeà ,àat a sàdoà Pat iotàá t ,à o se teàat a sàdoà
procurador geral a mantença da prisão, por um período de sete dias, a todos aqueles que
forem considerados suspeitos de atividades que geram perigo à segurança nacional dos
Estados Unidos. Após esse prazo, o estrangeiro deverá ser extraditado ou acusado de violar a
lei de imigração ou alguma lei penal. O escopo da ordem é anular drasticamente todo estatuto
jurídico que proteja o indivíduo, o que consequentemente produzirá um ser juridicamente
inominável e inclassificável (AGAMBEN, 2007, p.14). As consequências para todos aqueles que
forem capturados é ficar à mercê da lei, tendo em vista não encontrarem respaldos em
nenhuma lei, uma vez que não estão amparados pela Convenção de Genebra, devido a não
ha e à ual ue à p e is oà legalà oà estatutoà dosà p isio ei osà deà gue aà POW ,à ta pou o,à
encontram respaldo na legislação Norte-Americana. Esses indivíduos que por hora não são
o side adosàp isio ei os,à e àta pou oàa usados,à asàape asàde o i adosà detai ees ,à
ou seja, apenas detidos, acabam se tornando objeto de pura dominação (FOUCAULT, 2013)
de fato e se tornando vítimas de uma detenção que não possui um tempo determinado,
estando totalmente fora do alcance de qualquer lei ou de um controle por parte do judiciário
(AGAMBEN, 2007, p.14).
A única possível comparação a essa situação jurídica e de fato é o caso ocorrido no
holo austoà эage à azista,à o e toàe à ueàosàjudeusàa a a a àpo àpe de àsuaà idada iaàeà
suaàide tidadeàju ídi a,àape asàe a àide tifi adosàpo àjudeus.à Co oàщudithàButle à ost ouà
claramente, no detainee de Guantánamo, a vida uaà ati geà suaà i aà i dete i aç o à
(AGAMBEN, 2007, p.14). Hitler, através de decreto, passa a suspender direitos e garantias
pessoaisàdaàCo stituiç oàdeàWei a .àCo oàjustifi ati aàрitle àaduzàoàes opoàdeà p oteç oàdoà
po oàeàdoàestado à Cá“T‘O,à ,àp. 6).
567
3
Termo utilizado pelos juristas alemães, em especial Schmitt, o qual indica os poderes excepcionais do Reich de
acordo com a Constituição de Weimar em seu artigo 48. (AGAMBEN, 2007. p.18).
568
competência da justiça Brasileira em julgar ou questionar os atos praticados pela Junta Militar,
O Decreto também previa que o Chefe do Governo teria o poder para nomear interventores
os quais poderiam agir em qualquer lugar do país (TEIXEIRA, 2015, p.105).
Após o conturbado período de Novembro de 1937, através de um golpe de Estado, o
Presidente Vargas, por motivos relacionados à ordem econômica, passa a implementar o
Estado Novo. O que tendencialmente aponta para uma intervenção estatal em atividades
privadas. Tais características denotam a implementação de um Estado de Exceção que
encontra respaldo nas fontes do direito através do princípio da necessidade, e quanto maior
for a necessidade maior será a intervenção estatal em atividades privadas (TEIXEIRA, 2015,
p.105).
Esse período do Estado Novo foi marcado pela dissolução do Parlamento, promulgação
da Constituição de 1937, em que previa ao chefe do executivo a amplitude e excepcionais
poderes, passando a extinguir os partidos políticos e a centralizar os poderes em si mesmo
aqueles relacionados aos Estados Federativos. Esse período também foi marcado pela
inobservância aos Direitos Humanos os quais foram feridos devido à intensa repressão contra
aqueles denominados como comunistas e rebeldes, passando à pratica constante da tortura,
declarando-se por guarida a Lei de Segurança Nacional (TEIXEIRA, 2015, p.105).
O segundo episódio está relacionado ao Regime Militar, ocorrido em 1º de Abril de
1964, o qual foi marcado também pelos Decretos com força-de-lei. Um dos seus principais
decretos é o Ato Institucional de número 1 e o Ato Institucional de número 5. O primeiro ato
foi editado logo após a tomada do poder pelos militares. Esse decreto previa em seu artigo 10
ueà oà asoà doà i te esseà daà pazà eà daà ho aà a io al,à eà se à asà li itaç esà p e istasà aà
Co stituiç o àosàCo a da tes-em-chefe tinham o poder de suspender os direitos políticos
pelo período de dez anos e, até mesmo, cassar mandatos legislativos, retirado também a
possibilidade do judiciário apreciar suas deliberações (TEIXEIRA, 2015, p.105).
Sob a vigência do ato Institucional de número I, ocorreu um número bem expressivo
de cassações. Em um balanço, chega-se a um resultado de 378 atingidos:
– 61). Nessa perspectiva, o chefe do executivo poderá se utilizar deste recurso a fim de
implementar seus interesses políticos, entretanto tais ações devem ser de imediato
submetidas à apreciação do Congresso Nacional (PLANALTO, 2017). José Afonso da Silva
considera o artigo 62 como sendo demasiadamente longo e caótico em seus parágrafos e a
respeito da medida provisória não precisaria mais que o caput para sua elucidação para se
constatar a seara na qual se está se imiscuindo (SILVA, 2003, p.443,450 e seguintes). O artigo 84
em seu inciso XXVI, da Constituição Federal ratifica o artigo 62, em que se evidencia que a
edidaàp o is iaà o peteàp i ati a e teàaoàP eside teàdaà‘epú li a .
A medida provisória e o decreto autônomo são exemplos de ato provindo do Chefe do
Executivo. No Brasil, em nível nacional, estão representados na figura do Presidente da
República, estes atos por sua vez têm o poder de estar no mesmo patamar da lei, obrigando
a todos seguirem seus preceitos. Percebe-se que tanto no artigo 62 quanto no 84 da
Co stituiç oà нede al,à su geà aà e p ess oà fo çaà deà lei .à Ve ifi a-se que há uma grande
concentração de poder em uma única pessoa, na figura do Presidente da República, o qual
acaba usurpando a competência de 513 Deputados Federais e 81 Senadores da República
(TEIXEIRA, 2015, p.132).
O referido artigo 62 é composto por doze parágrafos, compete destacar dois aspectos
referentes a esses, sendo o primeiro deles o descrito no parágrafo 6º: em que a medida
provisória possui o prazo de quarenta e cinco dias contados de sua publicação, para sua
apreciação ou entrará em regime de urgência em cada casa do Congresso Nacional,
permanecendo sobrestada, até que se realize a votação e demais deliberações legislativas a
ser realizadas pela respectiva casa em que estiver tramitando. Destaca-se nesse parágrafo, a
preferência de tramitação da medida provisória, uma vez que ao ingressar no Congresso
Nacional possui preferência de votação e tramitação diante das demais, a fim de que este
ratifique ou não, seu conteúdo, com isso acaba por mudar a ordem de tramitação da Casa
(TEIXEIRA, 2015, p.132).
O próximo aspecto a ser destacado em relação à medida provisória é o filtro feito com
base na urgência e relevância, uma vez que fica a critério subjetivo do Chefe do Executivo
apontar o que é urgente e relevante. Para este pode ser urgente e relevante uma determinada
matéria, entretanto outro titular de iniciativa legislativa pode entender que a mesma matéria
não seja urgente nem relevante. Com o exposto, percebe-se a deturpação das funções
573
Schmitt se utiliza por muitas vezes de Santi Romano e seus trabalhos, em que este
defendia que o Estado de Exceção tinha sua gênese no estado de necessidade,
compartilhando com ele a ideia de que o direito não se esgota na lei. Schmitt percebe que o
Estado de Exceção em que o Estado e o direito contrastam suas discrepâncias, o Estado de
Exceção em sua forma Estatal permanece perene enquanto o direito desaparece (SCHMITT, IN
SANTI ROMANO,1983, p.39).
Por fim, diante do exposto, nota-se que o Estado de Exceção diz respeito à captura da
vida humana (CASTRO, 2012, p.75), alicerçado no estado de necessidade retomando a máxima
daàteo iaà necessitas legem non à AGAMBEN,2007, p.11), ou seja, a necessidade não necessita
de lei. Nesse contexto, surge a figura do soberano o qual é dotado de poder em decidir sobre
o Estado de Exceção (FRANCO DE SÁ, 2009. p.4). O que constitui um ponto de desequilíbrio entre
o direito público e o fato político (AGAMBEN, 2007, p.11). Nesse Estado de Exceção, o soberano
575
passa a governar através de decretos com força-de-lei (AGAMBEN, 2007, p.11), usurpando a
função do legislativo. Ocorre que o que era para ser a exceção tornou-se a regra, constituindo
um Estado de guerra. O presente tema define um conceito limite na qual seria à mercê do
direito em relação ao sujeito, uma vez que se suspendem seus direitos deixando-os em um
vazio de direitos, uma região anômala, ou melhor, um não direito, mas ao alcance desses.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Alcalá de Henares, n. 16. Invierno 2006.
576
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Ramalhete. 41. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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2007.
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Malheiros, 2003.
TEIXEIRA, Eduardo Tergolina. O estado de exceção a partir da obra de Giorgio Agamben. São
Paulo: LiberArts, 2015.
578
1 INTRODUÇÃO
1
Doutora em Direito UNISINOS/FURB. Professora do DCJS UNIJUI.
2
Mestranda em Direitos Humanos UNIJUÍ.
579
pela Lei Maria da Penha é objeto de muita disputa e enfrentamentos no seio da dogmática
jurídica. Esta será a abordagem da segunda parte.
Por fim, se apresenta um cenário de esperança, no qual se acredita que a crítica
feminista possa, a partir dos apontamentos e questionamentos feitos, contribuir para a
própria reestruturação da teoria jurídica moderna. O feminismo assim poderá contribuir para
a superação do modelo de cientificidade positivista e para a afirmação de um direito cada vez
mais voltado à realidade social e à efetivação da justiça.
3
A crítica feminista ao direito é diversa, de modo que não há uma análise única, mas várias visões, assim como
oàh à u àfe i is o.àâsà iasàpe spe ti asà ueàaàteo iaàfe i istaàdoàdi eitoàap ese ta,à o espo de àao
desenvolvimento da teoria feminista de um modo mais geral, que tem passado por várias fases, como o
feminismo da igualdade; feminismo da diferença; feminismo da igualdade/diferença; feminismo pós-moderno
(CAMPOS, 2011).
4
Que corresponderia historicamente ao feminismo igualitário liberal, que tem como focos principais de suas
preocupações a luta contra a tese da inferioridade feminina, a busca de uma igualdade formal entre os sexos e
a extensão da cidadania às mulheres, de modo que, para elas, o direito não é essencialmente masculino, apenas
o é por causa de distorções que podem ser reformuladas (NUSSBAUM, 2013 e OKIN, 2008).
5
Perspectiva vinculada aos feminismos da diferença ou radicais, para os quais o compromisso que o direito tem
com a dominação masculina e heterossexual não seria contingencial, mas faria parte da própria natureza do
jurídico (SMART, 2000).
6
Posição vinculada aos feminismos pós-modernos, interessado em compreender o modo como o gênero opera
no direito e ajuda a construí-lo (SMART, 2000).
580
interfiram nas liberdades dos outros de perseguir um fim similar que possa ser compatível
com a liberdade de qualquer outra pessoa de acordo com uma possível lei geral.
Deste modo, de acordo Nussbaum (2013), o que pode ser exigido é que todas as
pessoas limitem sua liberdade em função da liberdade dos outros, e esse direito é entendido
pelos teóricos clássicos como um direito pré-político, pertencente a cada membro da
comunidade como ser humano, uma vez que cada um é capaz de possuir direitos. Além disso,
as doutrinas do contrato sustentam que suas partes começam a negociação em uma situação
de igualdade, não apenas moral, mas uma igualdade aproximada de capacidades e recursos
(FORST, 2010). Para tanto, todas as vantagens e hierarquias existentes entre os seres
humanos, que são criadas por riqueza, status, classe, etc. devem ser deixadas de lado,
considerando o ser humano na sua forma nua, e neste caso, não haveria grandes diferenças
entre eles no que diz respeito a poderes básicos, capacidades e necessidades. É a tese
defendida por Hobbes (1999) em seu Leviatã, e por Locke (1994).
Portanto, as grandes diferenças entre os homens seriam frutos das condições sociais,
e, basicamente, os seres humanos são portadores de uma aproximada igualdade, tanto moral,
quanto de capacidades. A semelhança de capacidades seria suficiente para o reconhecimento
do status de reciprocidade de fins em si mesmos, e tal semelhança soa como necessária para
a igualdade moral, de modo que uma desigualdade de capacidades pode autorizar um
tratamento inferior. Esta é, segundo Nussbaum (2013), a maneira incorreta de fundamentar
a igualdade moral, uma vez que esta não poderia envolver a dependência a uma suposta
igualdade de capacidades. É possível sustentar que os seres humanos sejam igualmente
morais, sem sustentar que sejam basicamente iguais em poder e capacidade, e é possível
sustentar o contrário também, uma vez que pessoas com capacidades distintas teriam
tratamento distintos das instituições da sociedade.
Além de livres e iguais, as partes do contrato social deverão ser independentes. Isto
significa que não estão sob a dominação ou assimetricamente dependentes de qualquer outro
indivíduo. Cada parte do contrato é, portanto, uma fonte independente de cooperação social,
ou, conforme Rawls ,àp.à ,à u à e oà o pleta e teà oope ati oàdaàso iedadeàaoà
lo goàdeàtodaàaà ida ,àouàseja,à aàposiç oào igi alàestasàs oà utua e teàdesi te essadas.àIstoà
não implica necessariamente egoísmo, mas preocupação em avançar com suas próprias
concepções de bem, não com as dos outros.
582
Assim, teoria do contrato social que se refere à história da liberdade, segundo Pateman (1993)
trata-se da metade da história, pois a outra metade refere-se ao pacto sexual, ou seja, o
contrato original é um pacto sexual-so ial.àPa aàPate a à ,àp.à à aàdife e çaàse ualà à
uma diferença política; a diferença sexual é a dife e çaàe t eàli e dadeàeàsujeiç o .àPo ta to,à
as mulheres não participaram do contrato social como parte, que transforma sua liberdade
natural em uma liberdade civil, pois não eram livres. A mulher participou do contrato social
como objeto, pois os homens transformaram o seu direito natural sobre as mulheres na
segurança do direito patriarcal civil. Assim, somente um sexo foi capaz de desfrutar da
liberdade civil (masculino) abrangendo o direito de acesso sexual às mulheres, portanto
paralelamente ao contrato social originador do estado, foi destinado os espaços, papéis e
comportamentos de homens e mulheres, sendo aos homens o espaço público, às mulheres o
espaço privado.
Nessa vertente, uma linha divisória separa a sociedade civil do Estado. A sociedade
representa o espaço da liberdade pessoal, a esfera em que os indivíduos experimentariam a
i depe d iaàpe feita ,àu aà ezà ueàaliàesta ia àaàsal oàdaà oe ç oàdoàйstado,à est itaà à
esfera pública (CYFER, 2010, p. 137). Foi neste espaço que as primeiras feministas guardaram
um espaço em que a mulher pudesse gerir sua conduta sem a interferência estatal na
distribuição de papéis sociais. Segundo a autora, reivindicações feministas típicas como o
direito ao aborto, ao trabalho, à liberdade sexual, entre outros, aparecem frequentemente
vinculadas a esta espécie de autonomia, de não intervenção estatal na privacidade do sujeito.
No entanto, os limites desta separação logo se demonstraram destrutivos para as
mulheres. O espaço privado foi isolado, permanecendo fora do escopo da justiça, fora do
campo de ação da sociedade política e o que acontecia no âmbito da família, passou a estar
fora da preocupação do direito, da política, ou mesmo da justiça. Mulheres, portanto, estavam
confinadas ao espaço doméstico no qual a sociedade política não poderia e não deveria
intervir, devendo nele exercer suas atividades (não remuneradas e não reconhecidas) do
cuidado, desenvolvendo sua plena essência irracional, passiva e emotiva. Desta forma,
estavam fora das qualidades necessárias à participação na sociedade política, e no direito.
Estes dois pontos fundantes da teoria normativa moderna foram desvelados pela
crítica feminista, revelando assim, os limites da justiça construída por suas instituições,
inclusive o Direito. Segundo Martha Nussbaum (2001), o que se tem como sujeito de direitos
584
é a ficção de uma idade adulta competente e produtiva, que não faz jus as condições reais da
vida humana. As pessoas reais começam suas vidas como crianças e permanecem em um
estado de extrema dependência, tanto em termos físicos como mentais, por um longo
período, e voltam a tal situação por um novo longo período durante a velhice.
Este é um problema fundamental para o feminismo, uma vez que, em virtude do
contrato sexual, em qualquer lugar do mundo, as mulheres realizam grande parte do trabalho
do cuidado, normalmente sem qualquer espécie de pagamento ou remuneração, e
frequentemente sem o reconhecimento de que efetivamente esta atividade se trata de um
trabalho. E isto faz com que elas sejam prejudicadas em várias outras esferas da vida, dentre
as quais o direito, fazendo com que suas demandas tenham, muitas vezes, ficado fora do
escopo da justiça, liberalmente e contratualmente constituídas.
Por isso, para as feministas, tornou-se importante romper com a separação
público/privada e demonstrar que a vida pessoal já é intrinsecamente construída por fatores
públicos, sendo esta uma questão decisiva para sua luta, uma vez que permite um
questionamento dos papéis sociais/sexuais, o reconhecimento do trabalho doméstico como
efetivo trabalho, a identificação das diversas situações de injustiça que ocorrem na vida
familiar, entre outras coisas. (RABENHORST, 2009).
Mais do que isto, a crítica à separação público/privado tem enorme relevância para o
direito, afinal, tal separação aparece como uma espécie de pano de fundo jamais explicitado
de muitas das categorias legais e doutrinarias do direito (RABENHORST, 2009). Permite
também compreender o desinteresse das teorias da justiça pela família, e a consequente
ausência das perspectivas feministas nas abordagens sobre o direito da família, embora esta
possa ser considerada o núcleo primário de agregação e convivência, bem como de relações
deàpode ,àouà oàluga ào deàosài di íduosàfazia àoàp i ei oàap e dizado da desigualdade e da
i justiça à ‘áBйNрO‘“T,à ,àp.à .
É a partir deste desvelamento que o feminismo faz dos pressupostos do pensamento
jurídico liberal da modernidade e, principalmente das exclusões e das estruturas de
dominação e poder por ele perpetuadas que se estruturam as mais diferentes percepções
feministas sobre o direito.
585
7
Cabe lembrar aqui que Carol Smart, é uma socióloga inglesa, feminista pós-estruturalista e pós-moderna, que
analisa a relação entre feminismo e direito, que a leva a propor uma reorientação da estratégia feminista, no
sentido de descentrar e desconstruir o direito, estratégia que não é adotada no presente artigo.
587
(2000) se refere ao afirmar que a força do direito depende de regras restritas sobre quem está
autorizado a falar, sobre o que se pode falar, e de que forma isso deve ser feito.
Neste sentido, Carol Smart defende que o direito não se limita a oprimir as mulheres,
mas as constrói. Ou seja, as identidades de gênero e também o corpo sexuado são
constantemente produzidos e reproduzidos através e no discurso jurídico e, portanto, para
Smart (2000), o feminismo deve explorar o modo pelo qual o direito, produz e reproduz as
mulheres enquanto sujeitos genderizados, enquanto, por exemplo, prostitutas, vítimas de
violência sexual, mães, criminosas, lésbicas ou trabalhadoras. E é na busca deste
desvelamento que a crítica feminista tem se dirigido ao direito, e é também neste campo que
se estruturam as maiores disputas teóricas e resistências8.
Isso é observável nas críticas à Lei Maria da Penha. Segundo Campos (2011), os vários
deslocamentos discursivos sobre o tema da violência doméstica, produzidos por ela são objeto
de disputa política entre posições feministas e não feministas. Esses deslocamentos são
insistentemente contrapostos, no intuito de que retornem ao seu lugar de origem, ao seu
status quo, de modo que as concepções sobre as formas de violência e o tratamento jurídico
trazido pela Lei acabam refletindo as disputas sobre quem fala e o quê se fala 9.
Nesse sentido, como lembra Campos (2011), o conceito de violência doméstica
adotado pela Lei ultrapassa a limitada noção dos crimes de lesão corporal de natureza leve ou
ameaça prevista no Código Penal. Inscrevem-se outras categorias que ampliam o conceito de
crime e essas passa à aà se à uestio adasà o oà oà ju ídi as .à Igual e te,à aà uptu aà
dogmática entre as esferas civil e penal, com a criação de um juizado híbrido, sofre
resistências, tanto de natureza teórica quanto prática. No primeiro caso, pelo questionamento
8
Rabenhorst (2010) afirma que a teoria feminista do direito permanece ignorada por juristas brasileiros de
diversos matizes. Segundo o autor, dificilmente se verifica a inclusão de textos acadêmicos feministas, ou mesmo
a discussão sobre teoria feminista do direito, em referências bibliográficas em disciplinas jurídicas.
Diferentemente de países como o Canadá, os Estados Unidos, Inglaterra, Dinamarca, dentre outros, onde a
dis ipli aà teo iaàfe i istaàdoàdi eito à àofe e idaà egula e te.à
9
Exemplar é a forçada interpretação da admissibilidade da suspensão condicional do processo em casos de
violência doméstica, proibida expressamente pela Lei 11.340/2006. O Supremo Tribunal Federal, por
unanimidade, considerou constitucional a exclusão da suspensão condicional do processo, em decisão datada
de 24/03/2011. Habeas Corpus (HC) 212106- Mato Grosso do Sul. Ou, a posição de grande parte da doutrina que
parece não compreender o deslocamento discursi oà ua doà iti aà aà e p ess oà ulhe esà e à situaç oà deà
iol iaàdo sti a .
588
10
Logo após a edição da Lei 11.340/2006, vários magistrados arguiram a inconstitucionalidade da proteção penal
exclusiva das mulheres, do afastamento da Lei 9.099/1995 e da criação dos juizados com competência civil e
penal. Essa disputa levou a Advocacia Geral da União a ingressar com uma Ação Declaratória de
Constitucionalidade, que aguarda julgamento no STF desde 2006.
589
fim das opressões e desigualdades, tanto das mulheres, quanto de vários grupos que se
encontram nesta situação, e ao mesmo tempo, fazer do feminismo um importante
instrumento de reconstrução da teoria jurídica.
A crítica feminista ao direito não tem apenas o sentido da denúncia de um suposto
compromisso da cultura jurídica com uma estrutura sexista, mas ela passa, também, pela
exigência de que o saber jurídico seja capaz de desvelar aquilo que nele está oculto,
principalmente quanto ao sujeito que o pratica e a quem se destina. Fazendo uso mais uma
vez de Bourdieu, diríamos que antes de objetivar o mundo normativo, o jurista deveria ser
capaz de objetivar a si mesmo e de entender que seu discurso é menos sobre um objeto e
mais sobre sua relação com ele.
Desta forma, o desenvolvimento desse processo, inclusive interno, produziu um
conhecimento que não pode mais ser caracterizado como mera crítica ao malestream
(SMART, 2000), mas reflete diretamente na estrutura da teoria do direito e nas bases do
positivismo jurídico11 e sua cientificidade, engendrado a partir da Teoria Pura do Direito de
Hans Kelsen12, tornando urgente uma reaproximação entre direito, moral e justiça.
O feminismo contribui então para evidenciar que, cada vez mais sem a inclusão dos
valores no âmbito jurídico, o direito se resumiria ao que Gomes (2008, p. 216) chamou de um
a a ouçoàdeà o asàpassí eisàdeà ual ue à o teúdo,ài lusi eàda uelesà ueàaoài sàdeà
dignificar o ser humano poderiam convertê-lo em mera "coisa", como foi típico dos tempos
de es a id oà ofi ialà se p eà dis ipli adaà eà "legiti ada"à peloà o de a e toà ju ídi o ,à e à
como das desigualdades de gênero por ele perpetuadas.
Portanto, as respostas não poderão ser encontradas no formalismo jurídico, na sua
pretensão de cientificidade, racionalidade, e decisão proferida por um juiz neutro e imparcial
(fruto do sujeito da modernidade: homem, racional). Está-se diante da superação do
positivismo jurídico e seu formalismo, representada, segundo o jusfilósofo brasileiro, Albert
11
De acordo com Norberto Bobbio, o positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito
numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas,
naturais e sociais.
12
Oà odeloàdeà i iaàdoàdi eitoàpe sadoàpo àыelse àe àsuaàTeo iaàPu aàdoàDi eito (...) é formalista (...). Para a
elaboração de normas válidas é suficiente a observância da forma prevista em norma hierarquicamente superior.
Em outras palavras: basta a observância formal do procedimento legislativo para que as normas dele resultantes
sejam válidas. (...). De acordo com ele, é juridicamente possível converter qualquer conteúdo em norma válida,
sem preocupação com a justiça ou injustiça de tal conteúdo. Desde que, é claro, sejam observadas as
formalidades previstas legalmente para a elaboração daquela norma. O procedimento normativo é suficiente
pa aàlegiti a àasà o asàdeleào iu das .à GOMй“,à ,à -137).
590
Calsamiglia pelo pós-positivismo, que é, sobretudo, uma nova forma de se pensar o Direito.
Deixa para trás todas as teorias baseadas em juízos de fato, constituindo um conjunto de
juízos de valor acerca de uma determinada realidade. Agrega o melhor do jusnaturalismo e
do positivismo13 para tornar o Direito mais flexível, mais humano, mais justo, tencionando
suprimir quaisquer possibilidades de validar ordens jurídicas ofensivas aos valores mais caros
do ser humano e da sociedade (ATIENZA, 2004).
E isto implica uma reformulação total nos pressupostos apontados por Bourdieu
(2000) sobre quem está autorizado a falar, sobre o que se pode falar, e de que forma isso deve
se àfeito.àI pli aàassi àu à desplazamiento de la agenda de problemas que interesan14 ,àaà
inclusão de novos olhares para relatos alternativos da realidade social, o reconhecimento de
outros saberes, outras experiências, outros sujeitos, não tão voltado à norma, e mais
preocupado com a realidade social.
E este reconhecimento de outros sujeitos e outros olhares implica na ruptura dos
pressupostos da teoria político normativa moderna apontados pela crítica feminista. Significa
incluir na agenda, enquanto sujeitos do processo os grupos antes ignorados, como as
mulheres, para pensar um direito que se encontre em constante diálogo com valores, com a
ética, com a moral, que seja um instrumento para a realização e concreção dos ideais, anseios
e afãs da sociedade, sendo legitimado, em parte, por elementos supralegais. É um meio cujo
fim é a paz, a equidade e a ordem, sem perder de vista a realização do ser humano (de todos
os seres humanos), em todos os contextos sociais e em todos os seus aspectos pessoais.
Radbruch (2004, p. 416), eminente jurista alemão, um dos precursores de concepções
pós-positivistas, nos ensina que Di eitoà ue àdize àoà es oà ueà o tadeàeàdesejoàdeàjustiça .
E é este anseio por justiça, por um olhar inclusivo para a realidade social que o feminismo tem
legado ao Direito, podendo com isso, representar uma verdadeira transformação no seio de
sua teoria.
13
Cabe lembrar que, de acordo com Calsamiglia, o pós-positivismo não elimina por completo as teses do
positivismo jurídico nem as ignora, mas implica uma releitura destas, principalmente a tese de distinção entre
Direito, moral e justiça como se esferas estanques e incomunicáveis fossem.
14
De acordo com Calsamiglia as características principais do pós-positivismo são a reaproximação entre direito
e justiça, e o alastramento do campo de interesse do direito e suas fontes. (CALSAMIGLIA, p. 210-212).
591
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O constante avanço que a teoria jurídica vem passando, não elimina o visível
desconforto causado pela simples menção a determinados temas que ultrapassam os
tradicionais limites do conhecimento jurídico. O saber jurídico ainda está estruturado sobre
os pressupostos liberais contratualistas da modernidade, e longe de se encontrar
definitivamente aberto a novas experiências, olhares e saberes.
Neste sentido, a crítica feminista tem sido responsável por desvelar alguns dos
pressupostos fundamentais do modelo liberal contratualista sob o qual nossa sociedade e suas
instituições estão regidos. Tal teoria político normativa produziu um modelo de sujeito
excludente, e um contrato sexual fictício que privilegiou algumas características (masculinas)
no desenvolver da nossa sociedade política. Sob tais pressupostos, segundo a crítica feminista,
o direito tornou-se pretensamente masculino, científico, neutro, racional, eficiente, que acaba
por produzir e reproduzir estereótipos de gênero, criando categorias, lugares e papéis sociais,
e reforçando a opressão e desigualdade destinadas as mulheres. Desta forma, o direito ainda
constrói, afirma e reafirma o gênero, representando com isso um campo de disputas
constantes entre o avanço e o retrocesso.
Porém, ademais de tais constatações, acredita-se que o campo jurídico é essencial para
a superação deste status, de modo que, cabe ao próprio feminismo, a partir dos
desvelamentos e das críticas elaboradas, contribuir para uma reformulação da teoria jurídica
moderna. Isto porque, considera-se que a linguagem dos direitos desempenha um papel
fundamental no processo de emancipação dos sujeitos excluídos, uma vez que, para quem
nunca teve sua dignidade reconhecida ou dela foi despojado, poder se ver como sujeito de
direito é uma aquisição fundamental no processo de emancipação.
Portanto, neste processo conexo entre feminismo e direito, mais do que o direito
construir e reconstruir o gênero, tem-se que a crítica feminista representa, ademais de todas
as resistências enfrentadas, uma fonte de transformação e reconstrução da própria teoria
jurídica. Mais do que propor uma teoria geral do direito, a crítica feminista aponta para
mudanças fundamentais na maneira como se deve perceber o direito, e o principal desafio
proposto por sua prática é fazer com que seja corrigido o olhar, buscando menos a norma
592
jurídica e mais as relações sociais, reintroduzindo assim a preocupação com a justiça no campo
normativo.
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RESUMO: Este artigo busca, através de uma abordagem bibliográfica qualitativa, analisar as
influências, ainda que indiretas, da ordem econômica sobre a política criminal. Existem, de
fato, demandas sociais que clamam por uma política criminal mais severa, capaz de, por conta
de sua severidade, coibir as práticas criminosas? Demandas sociais e políticas criminais como
a da tolerância zero são impulsionadas pelo momento econômico vivido pelo país ou refletem
apenas a ideologia da população? Para encontrar uma resposta satisfatória a essas questões,
este trabalho analisa a influência da ordem econômica sobre o modelo punitivo adotado, o
estereótipo criado pela mídia e verificado nas prisões, que atuam como mantenedoras do
status quo social e a indústria sustentada pelo encarceramento de parcelas da população não
produtivas do ponto de vista econômico.
1 INTRODUÇÃO
Dentre as recentes polêmicas que ocupam o espaço da mídia nacional nos últimos
meses se destacam as atinentes às questões de política criminal. A redução da maioridade
penal, já aprovada em segundo turno pela Câmara de Deputados Federal, e as reincidentes
manchetes de bandidos que são amarrados a postes e agredidos após o cometimento de
pequenos delitos são claros exemplos de questões relevantes para o Direito Penal que
circundam a mídia e dividem a opinião pública.
Diante da relevância e da atualidade do tema, o presente trabalho trata da política
criminal, mais especificamente, se refere ao direito penal do inimigo e à política de tolerância
zero, propondo investigar e analisar a influência da ordem econômica sobre tal.
O tema é abrangente e complexo, possibilitando diferentes vertentes de análise que
vão desde a ideia de demandas sociais até a concepção de poder e como ele estrutura a
1
Acadêmica do curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões – URI Campus
Santo Ângelo e estagiária na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Endereço eletrônico:
graciana.maas@gmail.com
2
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista
em Teoria dos Recursos pela Acadêmica Brasileira de Direito Processual (ABDPC). Mestre em Direito pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões (URI – Santo Ângelo). Advogado e Professor
Universitário.
595
sociedade moderna. Para tanto, buscar-se-ão possíveis respostas trazendo recortes de uma
análise bibliográfica qualitativa de obras de Foucault, Bauman, Zaffaroni, Christie, Wacquant
e outros importantes autores da temática em questão.
Não se busca, com isso, exaurir a profundidade das obras de tais autores, mas tão
somente buscar nelas esclarecimentos acerca do assunto proposto. A análise se concentra na
possível influência que a ordem econômica vigente exerce sobre a política criminal, mesmo
que indiretamente. Há, de fato, demandas sociais que clamam por uma política criminal mais
severa, capaz de, por conta de sua severidade, coibir as práticas criminosas? Demandas sociais
e políticas criminais como a da tolerância zero não são impulsionadas pelo momento
econômico vivido pelo país, refletindo apenas a ideologia de uma população?
Para encontrar uma resposta satisfativa aos questionamentos suscitados, o trabalho
em questão apresenta, respectivamente, em seus capítulos: a implantação prática da teoria
do direito penal do inimigo na década de 1960, em Nova York; a conveniência econômica que
é velada pelas demandas sociais positivistas e o discurso criminológico que determina
questões de política criminal na atualidade; a relação da política criminal com a economia de
mercado; e, por fim, o aparato industrial que se alimenta do sistema punitivo atual.
É justamente no sentido de estabelecer as devidas correlações entre o modelo
econômico e as aparentes demandas sociais punitivistas com a política criminal que este
trabalho se justifica, sobretudo, com o intuito de, ao evocar diferentes nomes de filósofos,
sociólogos e penalistas, analisar o papel do criminoso e do crime, bem como o papel da
economia e das políticas criminais sobre os temas que têm dividido a opinião pública no Brasil
atual.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO
Três tendências basilares caracterizaram a evolução penal dos Estados Unidos desde a
virada social e racial esboçada no início dos anos 1960: a expansão vertical do sistema ou a
hiperinflação carcerária (as instalações carcerárias se quadruplicaram em 16 anos); a extensão
horizontal da rede penal (juntamente com o cancelamento das liberdades antecipadas) e, por
fim, o crescimento excessivo do setor penitenciário no seio das administrações públicas (entre
596
1979 e 1990, os gastos penitenciários dos estados cresceram 325% a título do funcionamento
e 612% no capítulo da construção).
Além destas, outras tendências foram observadas na prática: para reduzir o custo
unitário da detenção, as autoridades suprimiram privilégios concedidos aos prisioneiros;
inovaram a tecnologia para melhorar a produtividade de vigilância; transferiram uma parte
dos custos da carceragem para os presos e suas famílias; reintroduziram o trabalho
desqualificado em massa no seio das prisões; privatizaram o encarceramento e, por fim,
houve o ressurgimento da indústria privada carcerária e a implementação de uma política de
ação afirmativa carcerária.
O direito penal do inimigo, criação atribuída a Jakobs, segundo Meliá, é, em sua
essência, uma reação de combate do ordenamento jurídico contra indivíduos especialmente
perigosos e se caracteriza essencialmente por três elementos: (a) toma como ponto de
referência o futuro (o ato que pode ser ou que será cometido), ao invés de se articular em
perspectiva ao presente, ou ao ato cometido; (b) prevê penas desproporcionalmente altas,
não levando em conta a barreira da punição como fator a amenizar as penas previstas e (c)
relativiza e até mesmo suprime determinadas garantias processuais (MELIÁ, 2016, p. 17).
Foi a teoria da vidraça quebrada (adaptação do ditado popular quem rouba um ovo,
rouba um boi), sem nenhuma comprovação empírica, que motivou William Bratton a
reorganizar o trabalho policial no metrô de nova York a fim de refrear o medo da classe média
e alta por meio da perseguição permanente dos pobres nos espaços públicos. Foi a essa nova
política que as autoridades da cidade atribuíram a queda da criminalidade em nova York.
No entanto, a política gestada na Nova York dos anos 1960 só foi recepcionada por
diversos outros países por encontrar o interesse e a anuência de autoridades que buscavam
solucionar o problema do desemprego reduzindo seus gastos sociais através de uma política
de menos Estado que possibilitou a flexibilização do trabalho assalariado.
Torna-se cada vez mais evidente que a identificação que o ordenamento penal faz de
um infrator como um inimigo não diz respeito à fonte de perigo que ele representa, uma vez
que não o declara como um fenômeno natural a neutralizar. Pelo contrário, é mediante a
demonização do infrator que o Estado encontrou um meio de justificar seu direito de punir.
É ao aceitar o infrator como um inimigo, e aceitar como prioridade primeira a defesa
contra os riscos, que uma determinada categoria de sujeitos é excluída do círculo de cidadãos.
597
se comprazem as classes pobres, por sua vez, é o terreno natural do crime (WACQUANT, 1998,
p. 14).
Atualmente, o que se percebe é o abandono do discurso criminológico ressocializador
e a consideração da punição como simples instrumento de encarceramento de uma parte da
população que não gera benefícios para a ordem econômica. O modelo capitalista que
abrange praticamente todos os países atrela o sucesso dos empreendimentos econômicos à
nova fase da política criminal, que deixa nítida uma maior preocupação com a segurança
pública.
Nesse sentido, ao analisar o papel do Governo nas sociedades contemporâneas,
Bauman chama a atenção para sua atuação no sentido de varrer das ruas os mendigos,
perturbadores e ladrões, reforçar os muros das prisões e investir na segurança pública para
obter a confiança dos investidores.
Fazer o melhor policial possível é a melhor coisa (talvez a única) que o Estado possa
fazer para atrair o capital nômade a investir no bem-estar dos seus súditos; e assim
o caminho mais curto para a prosperidade econômica da nação e, supõe-se, para a
se saç oà deà e -esta à dosà eleito es,à à aà daà pú li aà e i iç oà deà o pet iaà
policial e destreza do Estado. (BAUMAN, 1999, p. 128)
Onde está, afinal, a correlação entre essa economia punitiva que surgiu a partir do
século XIX, ou até mesmo as políticas criminais que norteavam o sistema judiciário na época
dos suplícios e a ordem econômica vigente?
O que diferenciou e fez sobressair a obra de Foucault foi justamente a visão de que o
corpo está intimamente ligado ao campo político e por isso é usado como uma ferramenta do
poder. Para esse pensador, as práticas penais são apenas uma consequência de teorias
jurídicas, e a relação de poder que envolvem tem alcance imediato sobre o corpo e se
manifesta através dele. São as relações de poder que o obrigam a cerimônias, sujeitam-no a
trabalho, supliciam-no etc.
Os suplícios são um bom exemplo de como as práticas penais são apenas uma
consequência das teorias jurídicas e das relações de poder que permeiam. Na idade média o
processo era o mais diligente e o mais secreto que se pudesse fazer. Esta forma secreta e
escrita fazia jus ao princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era
pa aà oà so e a oà eà seusà juízesà u à di eitoà a solutoà eà u à pode à e lusi o.à oà eià ue e iaà
mostrar com isso que a força soberana de que se origina o direito de punir não pode em caso
algum pertencer a multidão à нOUCáUэT,à ,àp.à .
Em um contexto de processos sigilosos, a verdade é produzida nas relações de poder.
Nos suplícios, o corpo do criminoso é levado a reproduzir a verdade do crime. O corpo é o
elemento que,
através de todo um jogo de rituais e provas, confessa que o crime aconteceu, que
ele mesmo o cometeu, mostra que o leva inscrito em si e sobre si, suporta a operação
do castigo e manifesta seus efeitos da maneira mais ostensiva. O corpo várias vezes
supliciado sintesa (sic) a realidade dos fatos e a verdade da informação, dos atos de
processo e do discurso do criminoso, do crime e da punição. Peça essencial,
consequentemente, numa liturgia penal em que deve constituir o parceiro de um
processo organizado em torno dos direitos formidáveis do soberano, do inquérito e
do segredo (FOUCAULT, 1987, p. 41).
O suplício imposto pelo poder judiciário da época é além de tudo um ritual político, na
medida em que faz parte de um organismo de cerimônias que manifestam o poder do
soberano sobre os corpos dos seus súditos. Essa mesma lógica é aplicada ainda hoje nas ações
penais incondicionadas. Nesses casos, o estado toma o papel da vítima porque o crime não
atacou somente a pessoa a quem se dirigiu o ato criminoso, mas sim o poder do estado que
diz através da lei a sua vontade.
Rusche e Kirchheimer, bem relacionaram os suplícios como o efeito de um regime de
produção, ou seja, como efeito da ordem econômica vigente, que na época não via utilidade
nem valor de mercado nas forças de trabalho e consequentemente no corpo humano. O que
não ocorre, contudo, em uma sociedade de tipo industrial, em que o corpo tem valor na
medida em que é importante sua força de trabalho (FOUCAULT, 1987, p. 25).
A própria natureza dos crimes tende a se modificar de acordo com a ordem econômica.
Foucault retrata que houve, durante o decorrer do século XVIII, uma modificação no jogo das
pressões econômicas e uma elevação no nível da vida que adveio de uma multiplicação das
riquezas e propriedades e da necessidade de segurança que resultou em uma diminuição
602
considerável dos crimes de sangue, e de um modo geral, das agressões físicas. Os crimes mais
violentos passaram a dar lugar a delitos contra a propriedade e crimes de roubo, isso dado à
circunstância econômica vigente.
Com a mudança na forma como era vista a propriedade e com as novas formas de
acumulação de capital, as práticas criminosas deixaram a ilegalidade dos direitos para
voltarem-se à ilegalidade dos bens, acompanhando o modelo econômico em uma sociedade
que deixou de se basear na apropriação jurídico-política para basear-se na apropriação dos
meios e produtos do trabalho. A economia da ilegalidade, de fato, passou a se reestruturar
com o desenvolvimento da sociedade capitalista.
A evolução institucional das instâncias do sistema penal, segundo García, (2004, p. 33)
se produz na mudança do Estado providencia (fordista) para o modelo Estatal atual (pós-
fordista), e na consequente substituição da concepção dos grupos sociais excluídos como
destinatários de assistência, para a concepção desses mesmos grupos como destinatários de
controle.
Essa readaptação contemporânea das funções do sistema penal baseou-se nos
mesmos princípios das ideologias que pregam, por exemplo, a desnecessidade de assistência
social aos grupos excluídos, já que isso incentivaria seu parasitismo, tendo em vista que o
trabalho é o meio para o êxito socioeconômico.
Além disso, a política de tolerância zero, ao abandonar os fins assistencialistas,
corroborou a promoção do individualismo competitivo e a culpabilização do excluído (que é
tido como o único responsável por sua situação).
Essas ideologias neoconservadoras acabaram por tirar do trabalho o status de um
direito que deve ser garantido, para impor-lhe o status de um dever que condiciona a inclusão
social (o que resulta, finalmente, na imposição do trabalho assalariado, mesmo que precário,
como forma de inclusão social).
Foi deveras alarmante para o Estado se deparar com aqueles que não mais eram
controlados por capatazes, e reclamavam por seu direito a participar da atividade de produção
para, através dela, promover sua inclusão social, que se dá, é claro, através do consumo.
603
O motivo do alto número de presos não pode ser reduzido, no entanto, a uma crise de
solidariedade em uma sociedade individualista e competitiva, muito menos ser visto apenas
como um indicador do número de crimes. Uma série de fatores tais como a estrutura e a
distância social, as revoluções políticas, o sistema legal adotado, o interesse econômico e o
nível industrial das sociedades em questão certamente influenciam quantitativamente nos
encarceramentos.
O que não podemos desconsiderar é que prisões significam dinheiro. Elas exigem o
investimento em construções, equipamentos, administração. Elas, por mais disparatado que
possa parecer, geram empregos resolvendo assim alguns problemas comuns à maioria dos
países industrializados.
A prisão resolve, assim, alguns problemas dos países altamente industrializados. Nos
estados de bem-estar social, reduz a contradição entre a ideia de assistência aos
desempregados e a ideia de que o prazer do consumo deveria ser resultado da
produção. Também coloca sob controle direto parte da população desocupada e cria
novas funções para a indústria e seus proprietários. Em última análise, os presos
adquirem uma nova e importante função. Eles se transformam na matéria-prima
para o controle. É um mecanismo engenhoso (CHRISTIE, 1998, p. 121-122).
Nos estados em geral pode-se perceber que a prisão é um instrumento que produz
controle e tem se tornado, em si, cada vez mais uma parte do sistema produtivo. O que
acontecerá, portanto, com a política criminal se o desenvolvimento industrial se prolongar
indefinidamente? Autores como Wacquant e Bauman apontam para a generalização quase
instantânea do sistema capitalista em todo o globo, e vão além: atribuem à nova política
criminal o sucesso da maior parte dos empreendimentos econômicos.
A atenção do poder estatal para o controle penal vem se intensificando com base no
slogan difundido acerca da importância da gestão da segurança pública, como bem expressa
Bauman:
No mundo das finanças globais, os governos detêm pouco mais que o papel de
distritos policiais superdimensionados; a quantidade e qualidade dos policiais em
serviço, varrendo os mendigos, perturbadores e ladrões das ruas, e a firmeza dos
u osà dasà p is esà asso a à e t eà osà p i ipaisà fato esà deà o fia çaà dosà
i estido es à e,à po tanto, entre os dados principais considerados quando são
tomadas decisões de investir ou de retirar um investimento. Fazer o melhor policial
possível é a melhor coisa (talvez a única) que o Estado possa fazer para atrair o capital
nômade a investir no bem-estar dos seus súditos; e assim o caminho mais curto para
a prosperidade econômica da nação e, supõe-se,àpa aà aà se saç oàdeà e -esta à
605
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do exposto podemos perceber que a economia influi de fato sobre o modelo punitivo
adotado. Bauman corrobora tal ideia ao afirmar que no atual estágio do capitalismo
globalizado a economia dos Países é proporcional ao número de investimentos que estes
recebem, o que suscita uma maior preocupação com a segurança pública, a fim de conquistar
a confiança de investidores estrangeiros.
Outro aspecto a ser levado em conta é o gasto que os governos, de modo geral, têm
com a criação e manutenção de políticas públicas que visam à inclusão social. O Brasil, por
exemplo, vem fazendo grandes investimentos em programas como o FIES, Bolsa Família, Fome
Zero, PROUNI etc., com o intuito de erradicar a miséria, tirando milhões de famílias de
situações de extrema pobreza.
De fato, o grupo social menos favorecido economicamente, que é o alvo desses
projetos, como afirma Wacquant torna-se improdutivo do ponto de vista econômico, e passa
a ser visto como lixo que deve ser varrido das ruas. De outra banda, a própria população adota
essa ideia (que interessa àqueles que têm poder político e econômico). A mídia, neste
contexto, possui papel relevante, na medida em que é através da exposição exagerada de
606
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Medo Liquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
GARCÍA, José Ángel Brandariz. Itinerarios de evolución del sistema penal como mecanismo
de control social en las sociedades contemporâneas. <
http://www.ikusbide.org/data/documentos/0058.pdf> Acesso em: 20 Outubro 2015.
MELIÁ, Manuel Cancio. Deà ue o:à ¿ de e hoà pe al à delà e e igo?.à Disponível em: <
https://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/articulos/a_20080526_26.pdf> Acesso em: 01
Novembro 2015.
MULLER, Friedrich. O que é o povo: a questão fundamental da democracia. São Paulo Max
Limonad, 2003.
PASTANA, Debora Regina. Economia e punição: uma relação histórica na perspectiva das
ciências sociais. Disponível em: < http://seer.fclar.unesp.br/estudos/article/view/5428>
Acesso em: 30 Outubro 2015.
SILVA, Raíssa Zago Leite da. Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à
seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização. In Revista Liberdades, n.º 18,
jan/abr 2015, p. 101-109.
________________. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos EUA. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2007.
Resumo: Este artigo tem como objetivo tratar da política de guerra às drogas, desde sua
fundamentação teórica, até as suas causas práticas e resultados ao longo dos anos em que foi
aplicada, além de apontar, por fim, quais seriam os benefícios de uma legalização. Nesse
contexto, serão levados em conta, os princípios essenciais do sujeito contemporâneo, ou seja,
compreendido como sujeito de Direitos, dando atenção, principalmente, às suas liberdades
individuais.
1 Considerações Iniciais
Desde a exclusão de direitos de uma parte dos indivíduos, até uma privação das
liberdades individuais de toda a população, tem-se um movimento chamado de guerra às
drogas, iniciado com força no Brasil a partir do início da Ditadura Militar de 1964 e presente
até os dias atuais. Inspirada na política desenvolvida pelos Estados Unidos, esta estratégia,
amplamente adotada no Brasil, tem como fundamento o combate às drogas a partir de uma
perspectiva bélica, na qual o sistema jurídico penal exerce papel fundamental, e não como um
problema de saúde pública.
Fundamentada na teoria político criminal do Direito Penal do Inimigo, de Günter
Jakobs, que retira de alguns indivíduos, aqueles que fazem parte do crime organizado, a
condição de cidadão, deixando de garantir os direitos essenciais de um Estado Democrático
de Direito, tal política relativiza valores essenciais a este modelo de organização política
sendo, portanto, incompatível com o mesmo. Quando são retirados os direitos de alguns
indivíduos, a sociedade fica a um passo de retirar o direito de todos os indivíduos.
Este artigo faz a abordagem dos temas supracitados, além de discutir, sem pretensão
de esgotar o tema, a eficácia de tais políticas. Ainda, deve-se ter em mente todos os benefícios
que a alteração das políticas públicas relativas às drogas ilícitas poderia produzir, ou em outras
palavras, os benefícios advindos da substituição de um modelo de guerra, baseado no
proibicionismo e no confronto bélico entre traficantes e policiais, por um sistema baseado na
1
Artigo Científico para o II Congresso Nacional de Ciências Criminais e Direitos Humanos, pela Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ.
2
Cursando da graduação de Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ (2017),
atualmente no terceiro semestre. E-mail: bleonarczykbomfim@bol.com.br.
610
A Teoria do Direito Penal do Inimigo foi elaborada por Günther Jakobs, sendo de suma
importância sua discussão, pois ela nos traz uma nova forma do direito penal lidar com a
criminalidade na sociedade. O grande princípio do Direito Penal contemporâneo parece ser
o t aàoàte o àdasào ga izaç esà i i osasàoàte o is oàdoàйstado à Cá‘VáэрO,à ,àp.à
256). Jakobs analisa
Toda a sociedade possui valores e estes servem como base para o processo de formular
as normas jurídicas. Uma prática delitiva, quando realizada, sendo contrária à norma penal
estabelecida, chama o Estado, que é o responsável, em suma, pela ordem social a tomar uma
atitude, ou seja, encontrar uma solução para o problema. É deste pressuposto que parte a
Teo iaàdeàщako s,àpoisàeleà uestio aà oà o eitoàdeà e àju ídi oàeàaàfo aà o oàoàйstadoà
deve proceder a fim de tornar eficazes os preceitos esta ele idosàpelaà o a à DáVID,à ,à
p. 4).
611
Desde o início do direito penal, ou melhor, desde que este se torna necessário a ser
executado pelo Estado, existem bens específicos a serem tutelados, como a vida e o
patrimônio, por exemplo. O ponto principal é que existem lesões a esses bens que são
naturais, como por exemplo, uma doença que atenta contra a vida, ou a ferrugem que
deteriora um veículo. Jakobs se dá conta que o direito penal não resguarda os bens em si, mas
a ameaça de outrem a ele. Em outras pala as,à oà Di eitoà Pe alà oà isaà p otege à oà e à
jurídico de forma genérica, mas, sim, busca resguardá-lo da simples ameaça de que outras
pessoasà pode oà ata a à esteà e à ouà daà e pe tati aà deà ueà o osà ata uesà oà o o a à
(DAVID, 2008, p. 4).
Logo, é possível perceber que a proteção ao bem resguardado é relativa, uma vez que
este pode ser defendido apenas da ameaça de terceiros. Quando essa ameaça acontece, é
papel do Estado, segundo Jakobs, realizar ações coercitivas que visem a retomada da ordem,
ou seja, que tenham como papel principal a defesa da lei penal (DAVID, 2008, p.5).
A principal construção teórica de Jakobs é o estabelecimento de dois Direitos Penais.
Oà p i ei o,à di igidoà aoà idad o,à isaà eti a à osà eiosà deà dese ol i e toà ue,à apesa à deà
terem cometido um delito, não almejaram, em hipótese alguma, atingir o núcleo da estrutura
estatal à DáVID,à ,àp.à .àOàsegu do,à ha adoàDi eitoàPe alàdoàI i igo,à isaà o ate àasà
ações daqueles que perturbam a ordem social e a credibilidade estatal, estes não podem,
segu doàщako sà se à o side adosà idad os,à asài i igosàdaàso iedade,àde e doà e e e ,àpo à
parte do Estado, um tratamento diferenciado daqueles, ou seja, devem ser excluídos das
relações jurídico-so iaisàdeàfo aàdefi iti a à DáVID,à ,àp.à . Em síntese
Entretanto, existem aqueles que não se pode confiar que respeitarão a vigência das normas,
tornando-as instáveis e enfraquecendo a ordem estatal, para estes
O direito penal do inimigo visa manter a vigência da norma e a expectativa desta criada
pela sociedade. Para isso, são usadas algumas medidas fundamentais, são elas: a) progressão
dos limites da punibilidade, ou seja, pune-se não pelos atos praticados, mas sim pelos atos
que se irá praticar; b) falta de proporcionalidade das penas, com aumento expressivo das
possibilidades de intervenção penal; c) passagem da legislação de direito penal limitadora do
poder estatal a uma legislação de combate a criminalidade, pretendendo intensificar a
coerção de indivíduos delinquentes, principalmente daqueles que participam do crime
organizado, como o tráfico de entorpecentes e o terrorismo; d) supressão de garantias
processuais, pois aquele que é inimigo da sociedade não pode usufruir dos mesmos benefícios
que os membros desta (DAVID, 2008, p. 7 e 8). Isso significa que a probabilidade, mesmo que
genérica, do dano, legitimaria
também, se dirige aos atos futuros como forma de prevenir a tendência deste
i di íduoàdeàate ta à o t aàaà ig iaàdaà o aà o a e te à DáVID,à ,àp.à .
A produção legislativa com relação às drogas começa de fato em 1921, após a primeira
guerra, quando o Brasil se vê obrigado a cumprir os tratados internacionais que já haviam sido
assinados até aquele ano. A primeira lei brasileira com relação às drogas, por sanção do então
Presidente da República Epistácio Pessoa, trata-se do decreto nº 4294, 6/07/1921
(CARVALHO, 2011, p. 8). O decreto objetivava, dentre ouras coisas,
O artigo 5º desta mesma lei foi nitidamente influenciado pela lei seca estadunidense,
uma vez que regula pela primeira vez o comércio de bebida alcoólica no Brasil. Mais tarde, em
abril de 1936, foi criada a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE), pelo
decreto nº 780. Esta visava o estudo e a elaboração de normas com relação a todas as fazer
de produção e de comércio da droga, bem como a repressão do tráfico e do uso de
entorpecentes (CARVALHO, 2011, p. 9). Após a elaboração das leis, a Comissão às submetia
ao legislativo, e após a elaboração dos estudos, estes eram publicados no Diário Oficial ou
eram submetidos às organizações internacionais.
614
O projeto nacional de políticas públicas sobre drogas, embora tenha sido idealizado no
período da ditadura, só veio a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, onde a
produção de leis com relação ao tema torna-se astronômica. Hoje, a política de combate às
drogas no país está inserida na Lei Federal nº. 11.343/06. Apesar de conter avanços com
relação às leis anteriores sobre o mesmo tema, ainda sim é uma lei muito repressiva,
espe ial e teà de idoà aoà au e toà dasà pe asà esta ele idasà eà à a plaà a ge à deà
discricio a iedadeàjudi ialàpa aàsuaàfi aç o à DáVID,à ,àp.à .
Cabe citar aqui que a Lei 11.343/06, que em seu artigo 33 reprime a produção, o
transporte e o comércio de drogas, ou seja, toda a logística do tráfico de drogas. Além disso,
o artigo 28 dessa mesma lei, embora não imponha penas privativas de liberdade a quem
615
possui drogas para si com fins de uso pessoal, ainda criminaliza o usuário. O resultado dessa
repressão são 28% das pessoas cumprindo penas em de decorrência crimes relacionados a
entorpecentes, contribuindo para o aumento de pessoas no sistema carcerário (DEPEN, 2014,
p. 33). Cabe destacar que o tráfico de drogas é equiparado aos crimes hediondos conforme a
Lei 8.077/98, o maior impacto é o maior tempo de cumprimento de pena necessário para a
progressão.
A história tem demonstrado que a política de drogas, baseada na lógica da guerra, tem
conduzido a resultados preocupantes no campo da violência. Dados estatísticos indicam que
os períodos de maior violência coincidem justamente com aqueles momentos de maior
repressão. Conforme o gráfico a seguir, trazido por Luís Fernando Moreira (2012, p. 643) os
períodos de maior número de assassinatos nos Estados Unidos foram durante as maiores
repressões, ou seja, durante a Lei Seca e o período de Guerra contra as drogas, justamente
ua doàoà ú e oàdeàaç esàestataisà ueà isa àaà segu a ça às oà aisàf e ue tes:
homicídios a partir dos 13 anos de idade: as taxas pulam de 4,0 homicídios por 100 mil para
75,0 aàidadeàdeà àa os à WáI“йэнI“),à ,àp.à .àйssasàs oàta asàaltíssi asà ueàgua da à
influência na repressão bélica do tráfico de entorpecentes no Brasil.
Muitos autores se referem à legalização ou descriminalização como fatores de
aumento do consumo de drogas. Entretanto, a experiência de Portugal com relação à
descriminalização das drogas, que já conta com 10 anos, não sustenta essa tese. Na verdade,
em Portugal
Moreira (2012, p. 645), nos mostra que quanto maior era o gasto, nos Estados Unidos, com o
combate ao narcotráfico, maior era a diminuição do preço da droga.
do povo, entretanto, a tributação pode ser muito mais onerosa, além disso, esta pode ser
muito mais efetiva para redução do consumo.
Nesseà o te to,à oà efeti oà poli ialà fo a iaà aisà aà fis alizaç o,à i pedi doà aà e as oà
fiscal dos agentes econômicos produtores evitando a produção informal; noutros termos, o
aparato estatalà de e iaà se à utilizadoà deà odoà aà to a à aà p oduç oà ilegalà uitoà a a à
MO‘йI‘á,à ,àp.à .àái daàsegu doàMo ei a,à aàpa teà aisàfas i a teà à ueàaàlegalizaç oà
e a tributação das drogas poderiam permitir reduzir, por exemplo, o imposto sobre a renda
dasàpessoasàfísi asàse ài pa toàso eàaàa e adaç o à ,àp.à .
Poderia ser garantida a qualidade do produto, pois quando um produto é vendido
ilegalmente, não há controle de qualidade, inclusive, boa parte dos problemas de saúde
relacionados às drogas podem ser causados por este aspecto. As drogas, observando suas
p op iedades,à tal ezà ausasse à e osà o tesà seà oà esti esse à aà ilegalidadeà eà asà
e p esasàatua tesà esseà e adoàfosse ào igadasàaàga a ti àaà ualidadeàdeàseusàp odutos à
(MOREIRA, 20 ,àp.à .àÉài po ta teà essalta à ueàaàp oi iç oàe àsià oà aiàe ita à ueàoà
indivíduo experimente a droga, nem que se torne dependente, mas, se isso acontecer, a
probabilidade de se tornar um dependente morto é maior sob a política atual de combate ao
a ot fi o à MO‘йI‘á,à ,àp.à -649).
Pode haver um maior controle de publicidade e propaganda, pois no caso álcool e o
tabaco, que são, de longe, as duas drogas de maior impacto sobre a saúde brasileira, causa
espanto que a publicidade seja quase livre, principalmente no caso do álcool. O fato de uma
droga ter sua produção e consumo legalizados não implica total liberdade ao produtor e ao
consumidor. Poderia não ser permitida a propaganda desses produtos ou de quaisquer outras
drogas por qualquer meio, o seu consumo poderia estar restrito a certos locais como bares,
cafés, boates, shows e, obviamente, à residência de quem desejasse fazer uso delas, o
consumo na rua ou em qualquer local não permitido poderia ser punido com multas pesadas
e trabalhos comunitários (MOREIRA, 2012, p. 649).
Com a geração de empregos formais a legalização poderia ter um impacto grande
so eà aà e o o ia,à esteà se ia:à todaà aà e eitaà doà seto à atual e teà aà i fo alidadeà se iaà
edi e io adaàpa aàseto esàfo ais à MO‘йI‘á,à ,àp. 649). Além disso, novas empresas
começariam a produzir, distribuir e vender, gerando empregos. E o melhor de tudo é que todo
o dinheiro circularia de forma legal pela economia do país (MOREIRA, 2012, p. 649).
619
6 Considerações Finais
Com o advento do crime organizado, aos poucos, faz-se necessário uma teoria que
desse fundamento a ações repressivas ilimitadas por parte do Estado contra esses grupos de
indivíduos. Esta teoria é a do Direito Penal do Inimigo, que traz a ideia de dois grupos de
pessoas, o cidadão, detentor de direitos, e o inimigo da sociedade, o sujeito que faz parte de
organizações criminosas e que não tem os mesmos direitos dos cidadãos.
Essa ideia passa a ganhar um bom respaldo por parte da sociedade e por parte do
Estado, logo, não tarda sua aplicação. Assim nasce a guerra às drogas, um verdadeiro
confronto bélico contra os traficantes de entorpecentes, que acaba, na verdade, tirando vidas,
620
de todos os lados. Além disso, tal política fracassou, pois a oferta de drogas aumenta tanto
quanto os gastos extremamente altos por parte do Estado, que poderiam ser aplicados em
áreas mais importantes, como a saúde e a educação.
É importante destacar que a criminalização do porte de drogas para consumo próprio,
mesmo que não resulte em uma pena privativa de liberdade, é inadequado à luz dos direitos
fundamentais da Constituição de 1988. Isso porque o indivíduo que consome drogas não
causa mal algum aos outros, apenas a si mesmo, logo, não é um problema que deveria ser
tratado pelo direito penal, através de sanções, mas sim através da conscientização e do auxílio
médico ao dependente.
Após ser realizado este trabalho, é importante dizer que a política repressiva de guerra
às drogas, que ataca a vida humana e os direitos fundamentais dos indivíduos, ao que parece,
não funciona. O excesso de influência estatal é ruim para a dignidade humana, liberdade
individual e para a economia. Trocar a política de guerra às drogas por uma política de saúde
pública, de legalização e desestímulo gradativo do uso, pode ser extremamente benéfico e
eficiente ao Brasil.
Referências
CARVALHO, Jonatas Carlos de. Uma história política da criminalização das drogas no Brasil: a
construção de uma política nacional. In: SEMANA DE HISTÓRIA E SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA: POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE, 4/3., 2011, [Rio de Janeiro, RJ]. Anais
eletrônicos... [Rio de Janeiro, RJ]: [UERJ], 2011. Disponível em
<http://www.neip.info/upd_blob/0001/1170.pdf>. Acesso em: 21 de abr. de 2017.
CARVALHO, Salo De. A Política Criminal de Drogas na América Latina entre o Direito Penal do
Inimigo e o Estado de Exceção permanente. Revista Crítica Jurídica, São Paulo, v. 1, n. 25, p.
253-267, Jan/Dez. de 2006. Disponível em
<http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/view/256>. Acesso em: 21 de abr. de
2017.
CAZON, Ana Paula Finger. Direito Penal do Inimigo. Raízes Jurídicas, Curitiba, vol. 8, n. 1,
jan./jun. 2016, p. 325 – 402. Disponível em
<http://ojs.up.com.br/index.php/raizesjuridicas/article/view/17/pdf_13>. Acesso em: 01 de
maio de 2017.
DAVID, Marcos Vinícius Nespolo de. Direito Penal do Inimigo: realidade e eficácia. Tese de
Conclusão de curso (Bacharel em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2008. Disponível em
621
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2008_1/m
arcos_vinicius.pdf>. Acesso em: 17 de abr. de 2017.
MARTINS, Vera Lúcia. A política de descriminalização de drogas em Portugal. Serv. Soc. Soc.,
São Paulo, n. 114, p. 332-346 abr./jun. 2013. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n114/n114a07.pdf>. Acesso em: 21 de abr. de 2017.
MOREIRA, Luís Fernando. Drogas, Economia, Tributação e a Ética Liberal. Análise Social,
Lisboa, v. XLVII, n. 204, p. 632-654, Set./Dez. de 2012. Disponível em
<http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/AS_204_d03.pdf>. Acesso em: 21 de abr. de 2017.
WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2014. Os jovens do Brasil. Brasília. Instituto
Sangari; Ministério da Justiça, 2014. Disponível em
<www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/.../mapa2014_jovensbrasil.pdf>. Acesso
em: 01 de maio de 2017.
622
Resumo: A prova testemunhal, muitas vezes é o único meio de prova a embasar uma acusação
e, depende exclusivamente da memória para recordar o fato delituoso ocorrido e, dessa
função recognitiva da memória é que surgem as falsas memórias, que são influências de
elementos externos e internos, permitindo alterações nas lembranças do indivíduo, podendo
não ser a memória tão confiável como se pensa. Ademais, será abordado a influência dessas
contaminações no testemunho infantil, pois aspectos como as falsas memórias,
sugestionabilidade, afetam o desenvolvimento cognitivo da criança, causando embaraço em
relatar fatos constrangedores, como suspeita de abusos sexuais e, também contribuem para
abalar a credibilidade do testemunho.
1 Introdução
Pode-se afirmar que muitos foram os processos que, por falta de provas materiais
técnicas, baseou-se apenas na prova testemunhal.
1
Graduada em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ
2
Professora da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, Mestre em Direito Público
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Advogada.
623
3
“egu doàI a àIz uie do,àaàle a çaà oà àigualà à ealidade:à aà e iaàdoàpe fu eàdaà osaà oà osàt azàaà
rosa; a dos cabelos da primeira namorada não a traz de volta, a da voz do amigo falecido não nos recupera o
a igo .à ái da,à a es e ta:à oà e oà o e teà aà ealidadeà e à digosà eà asà e o aà po à eioà deà digos .à
(IZQUIERDO, 2006, p. 17).
4
Elizabeth Loftus é professora de psicologia e professora auxiliar de Direito na Universidade de Washington. Ela
recebeu o PhD em Psicologia da Universidade de Stanford em 1970. Sua pesquisa concentra-se em memória
humana, depoimento de testemunha ocular e procedimentos de Tribunal. Loftus publicou 18 livros e mais de
250 artigos científicos e serviu como especialista ou assessora em testemunhas em centenas de julgamentos,
inclusive no caso de molestamento na pré-escola McMartin. Seu livro Eeitness Testimon ganhou o National
Media Aard da Fundação Psicológica Americana. Ela recebeu doutorados honorários da Universidade de Miami,
Universidade de Leiden e da Faculdade John Ja de Justiça Criminal. Loftus foi eleita presidenta da Sociedade
Psicológica Americana recentemente.
624
policiais, por advogados de defesa, pelo Ministério Público, pelos Magistrados e outros
interrogandos.
Loftus (2016), na pesquisa da distorção da memória remonta os estudos ao efeito da
informação incorreta, alegando que, quando as pessoas que testemunham um evento são
posteriormente expostas a informação nova e enganosa sobre ele, as suas recordações
frequentemente se tornam distorcidas5, mostrando, assim, que a informação enganosa pode
mudar a memória de um indivíduo de um modo previsível e às vezes muito poderoso.
áài duç oàouàsugestio a e toàpodeàa o te e àta toà aài ui iç oàdasà íti asàeàdasà
testemunhas, através de questionamentos com viés eminentemente acusatório, como
também através da mídia,àaà ualàp o u aàse p eàfaze àdoà i eàu àespet ulo à DIàGй“U,à
2010, p. 129). O cenário midiático faz com que muitas vezes a pessoa misture o que viu e ouviu
na televisão, rádio ou internet com seus pensamentos, causando distorções nos fatos e
levando a erros.
De modo a ser importante a maneira como lhe é perguntado algo, como lhe é
insinuado à questão a ser respondida, principalmente para crianças6, pois estas são mais
suscetíveis à criação de falsas memórias, para que, também, a pessoa no momento que
contará a respeito do fato, não se sinta coagida com a pergunta e, seu estado emocional se
altere, gerando confusões e falsas memórias, dificultando até mesmo, o reconhecimento de
coisas e pessoas. A tensão emocional, combinada a pressão social e a indução, é capaz de
distorcer a memória a ponto de fazer com que as pessoas acreditem erroneamente que
cometeram um crime ou que presenciaram fatos que não viram.
5
Em um exemplo, participantes viram um acidente de automóvel simulado em um cruzamento com um sinal de
Pare. Depois do ocorrido, metade dos participantes recebeu uma sugestão de que o sinal de tráfego era um sinal
de passagem preferencial. Quando perguntados posteriormente que sinal de tráfego eles se lembravam de ter
visto no cruzamento, os que haviam sido sugestionados tendiam a afirmar que tinham visto um sinal de
passagem preferencial. Aqueles que não tinham recebido a falsa informação eram muito mais precisos na
lembrança do sinal de tráfego. (LOFTUS, 2016).
625
compara as duas experiências. O responsável pela diligência pergunta se o sujeito está frente
ao mesmo objeto (pessoa ou coisa). (FRANCO CORDERO, 2000, p. 106).
A exatidão da percepção e a capacidade de distinguir detalhes depende, geralmente,
do conhecimento prévio acerca do objeto ou da pessoa a ser identificada, trata-se da
percepção precedente, a qual pode, inclusive, ser fomentadora de erros 7, sendo que a
importância da percepção precedente para o processo penal está justamente no
reconhecimento de objetos e de pessoas (DI GESU, 2010).
7
й i oàálta illaà ,àp.à àe e plifi aà e àaà uest o:à Ped oàeàPauloà e àdeàlo geàoà es oào jeto.àPed oà
já o viu de perto outras vezes, Paulo nunca o viu. Pedro distingue nele detalhes que Paulo não vê. E, no entanto,
nenhum deles têm melhor vista do que o outro. A conclusão que se impõe e, antes de mais nada, que Pedro não
teria uma sensação visual tão distinta do objeto se não o tivesse visto de perto, por diversas vezes; em segundo
lugar que as sensações ou percepções visuais das partes que são confusas para Paulo, e que o seriam igualmente
para Pedro se não tivesse já visto o objeto de perto, se tornam mais claras e distintas para Pedro em virtude das
i age sà ueàdespe ta àeà ueàasà efo ça .
8
É aquela prova que, apesar de não se encontrar relacionada na lei, é admitida pelo juiz na composição do
processo.
9
Redução da capacidade de identificação, pois a tendência do ofendido é se fixar na arma e não nas feições do
agressor.
626
Di Gesu (2010, p. 132) sustenta que, além disso, muitos reconhecimentos são positivos
justamente devido à crença das pessoas de que a polícia somente realiza um reconhecimento
quando já tem um bom suspeito.
A principal causa do erro de reconhecimento se encontra na semelhança entre as
pessoas e a sensação de já tê-la visto antes, o que leva, da dúvida de ser tal pessoa de fato o
criminoso, sujeita a contaminação de transcurso de tempo, até a certeza de que tal pessoa é
eal e teàoà i i oso.àNasàpala asàdeàэoftusà ,àdoà esseà àoà ueà aisàseàpa e e à aoà
olha à pa aà aà foto à pa aà euà te hoà aà a solutaà e tezaà ueà à esseà oà ho e à aoà -lo
pessoalmente)10.
Ademais, diante do excesso de formalismo do artigo 226 do Código de Processo Penal,
falte a estrutura necessária para seu cumprimento, na medida em que deveria se ter pessoas
semelhantes ao acusado no momento do reconhecimento visual pelo ofendido, a fim de que
se evitem ao máximo as falsas memórias e o reconhecimento seja o mais certo possível.
Como expressa Di Gesu (2010, p. 132-133):
10
Caso de Steve Titus, estudado por Elizabeth Loftus.
627
O fator de transcurso do tempo é o de maior atenção, pois quanto mais o tempo passa,
maior o esquecimento e, consequentemente, maior a possibilidade de a testemunha ser
induzida por fatores internos e externos.
É sabido que o tempo do direito não acompanha o tempo social, pois este está sempre
em constante mutação. Ambos correm em velocidades diferentes (DI GESU, 2010, p. 138).
Ainda assim, o direito não pode estar alheio, mas sim atento às transformações do
meio social, e, é por isso, que o processo cria e está sempre tentando criar mecanismos
artificiais de adaptação do direito ao tempo social, como forma de dar uma resposta rápida e
condizente com a aceleração dos ritmos temporais, relativizando-se. (DI GESU, 2010).
O artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, assegura a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação em garantia
dos princípios fundamentais.
Em relação ao que o efeito do transcurso de tempo gera em relação aos
acontecimentos armazenados na memória, enfatiza (DI GESU, 2010, p. 141):
11
Segundo Nereu José Giacomolli e Cristina Carla Di Gesu (2016), o complexo processo mnemônico é dividido,
em três momentos: aquisição, retenção e recordação: aquisição destaca que as recordações não são réplicas de
acontecimentos percebidos, por serem limitados pela natureza do fato (tempo de observação, luminosidade,
atenção aos detalhes, existência de violência, caráter estressante), e nem pelas próprias características e
limitações da testemunha, tais como expectativas, estresse emocional, entre outros. Na retenção, a informação
é menos completa e exata, relacionando-se com o transcurso do tempo entre a observação do episódio e a
recordação posterior, bem como com as informações obtidas após o fato.
628
Tais como chamar um garçom em restaurante para que traga comida, o choro do
bebê para que a mãe lhe dê leite, evitar colocar os dedos em uma tomada para não
levar um choque. Entretanto, a repetição de estímulos condicionados sem o seu
efo ço ,àistoà ,àse àoàestí uloài o di io ado,àp o o aàaàe ti ç oàdaà e ia.
Assim, se percebemos que com o choro não conseguimos o leite, paramos de chorar
(DI GESU, 2010, p. 146).
12
й pli aàI)QUIй‘DOà ,àp.à ,à ueàaà e ti ç oà ,àassim, um fenômeno semelhante à habituação: perante a
repetição de um estímulo condicionado, deixamos de repetir a resposta correspondente. Na habituação,
paramos de responder, porque isso não é necessário: o estímulo nunca é pareado com outro. Na extinção,
pa a osàdeà espo de ,àpo ueàistoàj à oà à aisà e ess io:àoàestí uloài o di io adoàj à oà e à ais .
629
Pisa e Stein (2006) baseadas em pesquisas sobre a memória, que sustentam que a
repetição de entrevistas é uma forma de efeito benéfico, de prevenir o esquecimento e, de
acordo com esse entendimento, seria importante a testemunha repetidamente recordar os
detalhes do evento de forma a não esquecê-los.
13
PISA e STEIN falam sobre pesquisas realizadas com crianças em entrevistas, ao qual será abordado no Capitulo
3 (três) do presente trabalho.
630
2.3.5 Mídia
14
Como foi o caso do homicídio da menina Isabela Nardoni e do menino Bernardo, ambos assassinados por
pessoas da família e, que geraram grande comoção nacional.
631
sempre de forma parcial, sem que se tenha conhecimento acerca da realidade que foi careada
ao processo, gerando um imenso grau de contaminação, pois com o cenário imposto pela
mídia pode confundir a testemunha sobre aquilo que efetivamente percebeu no momento o
delito, com o que leu sobre o fato ou com o ouviu posteriormente.
A fragilidade do depoimento colhido por profissional despreparado (seja no momento
do inquérito policial ou na instrução do processo) pode demonstrar que a prova talvez não
seja suficiente para embasar uma condenação exclusiva nesse depoimento. Pois devido a falta
de preparo do entrevistador e, também, a indução presente nos questionamentos (resquícios
do sistema inquisitorial), através das entrevistas e também, ao que é visto através da mídia
(quando o caso gera repercussão) leva a formação de falsas memórias nos entrevistados, pois
a pergunta induzida ou mal formulada, juntada as emoções do depoente, gera depoimentos
imprecisos e incertos, o que faz com que o juiz elabore sua convicção somente no
depoimento oral, muitas vezes, por falta de provas materiais técnicas, sendo que o perigo
reside em pessoas expostas a emoção, pois são mais vulneráveis, principalmente crianças.
Enfatizar-se-á assim, no capitulo seguinte, o depoimento infantil, pelo simples fato de crianças
serem mais suscetíveis a indução, e serem estes os casos, mais difíceis de serem analisados
no processo.
vítima ser criança não retira o valor de suas declarações. No entanto, vários fatores
como desenvolvimento cognitivo, linguagem, coação, fantasia, memória e
sugestionabilidade podem comprometê-las.
Estudos sugerem que as repostas das crianças para perguntas dos adultos podem,
às vezes, refletir o que elas pensam que o adulto quer ouvir, no lugar do que elas
lembram. Na tentativa de demonstrar sua cooperação com o adulto, a criança
a a e teà espo deà euà oàsei ,à es oà ua doà oà o p ee deàasàpe gu tas.à
Para demonstrar que são companheiros sociáveis e cooperativos dos adultos,
quando a mesma pergunta é formulada mais de uma vez, a criança seguidamente
muda sua resposta. As crianças parecem interpretar a pergunta repetida como eu
devo não ter dado a resposta correta, então para ser agradável, eu devo fornecer
novas informações.
633
Segundo Lisboa (2017) recomenda-se a realização de perguntas abertas (do tipo "como
tal coisa aconteceu?" ou "descreva como foi aquele dia"), que não conduzam a criança à
resposta "desejada". Outras técnicas, como desenhos e atividades lúdicas em geral, também
podem ajudar no processo de investigação. De toda a forma, a possibilidade de erro - ou seja,
de que a pessoa acusada seja inocente - não pode ser descartada. Isto não significa
desacreditar a vítima, mas entender que as pessoas em geral, e especialmente crianças,
podem fantasiar situações.
Como expressa Pisa e Stein (2006, p.234) de que é mais provável a criança acreditar
em adultos que em outras crianças, e elas estão mais dispostas a aceitar os desejos e a
incorporar convicções dos adultos em seus relatos. As crianças desde pequenas supõem que
adultos têm mais conhecimento que elas, motivo pelo qual podem tornar-se altamente
sugestionáveis quando alguma questão lhe é imposta (STEFANELLO, 2016).
A criança pode, também, ser sensível para status e poder diferente no meio de adultos,
como de policiais, juízes, e pessoas da área médica (PISA E STEIN, 2006, p. 235). Completa
Stefanello (2016) que esta variável é considerada recorrente entre crianças, especialmente
nos tribunais, que acabam expondo o infante a uma situação de excessiva inferioridade em
relação ao entrevistador. Por isso é de essencial trabalhar o viés do entrevistador perante a
criança.
Conclusão
REFERÊNCIAS
ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Vol. 1. Tradução de Fernando de Miranda. 2. ed. São
Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva Editores, 1945.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 19. ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2016.
CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Tomo II. Trad. Jorge Guerrero. Santa Fé de Bogotá –
Colômbia: Editorial Temis, 2000.
DI GESU, Cristina. Prova penal e falsas memórias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
GIACOMOLLI, Nereu José; DI GESU, Cristina. As falsas memórias na reconstrução dos fatos
pelas testemunhas no processo penal. 2016. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/brasilia/06_191.pdf>
Acesso em: 10 out. 2016.
PISA, Osnilda e STEIN, Lílian Milnitsky. Entrevista Forense de Crianças: técnicas de inquirição
e qualidade do testemunho. Revista da AJURIS, v. 33, nº 104. Porto Alegre, 2006.
RESUMO: o artigo propõe uma aproximação entre a doutrina dos standards probatórios
oriunda do direito norte-americano com o modelo de valoração probatória vigente no sistema
processual penal brasileiro, demonstrando sua contribuição no que concerne à elucidação dos
limites da atuação judicial para avaliação de provas. O estudo se orienta na linha desenvolvida
por Lenio Streck, denominada Crítica Hermenêutica do Direito, preocupada sobretudo pela
delimitação do campo de atuação legítimo do Poder Judiciário dentro do Constitucionalismo
Contemporâneo, de modo a encontrar parâmetros dos quais se possa considerar adequada –
e não puramente discricionária – a avaliação judicial da prova. Como elemento adicional, será
exposta uma investigação empírica demonstrando que a problemática probatória no processo
penal atinge não apenas a doutrina, mas também os próprios tribunais brasileiros.
1 INTRODUÇÃO
A Crítica Hermenêutica do Direito, desenvolvida por Lenio Luiz Streck, vem
direcionando suas pesquisas quanto a problemática da interpretação jurídica, o que se
relaciona diretamente com os limites da atuação judicial. Ao longo do desenvolvimento de
uma teoria da decisão judicial adequada ao paradigma constitucional contemporâneo, um dos
principais aspectos envolvidos nessa atividade encontra-se precisamente no direito
probatório. Mais precisamente, nos modos pelos quais é possível (ou melhor,
constitucionalmente legítimo) realizar a valoração da prova no processo judicial.
Trata-se de uma questão decisiva, uma vez que ao juiz incumbe realizar o
procedimento de avaliação pelo qual se considera algo estar (ou não) provado
processualmente. Em seu recente livro em formato de diálogos, Streck aponta para a
expressiva omissão doutrinária em relação a aspectos fundamentais da Teoria do Direito
brasileira. Sobre a aplicação da pena criminal, por exemplo, o professor gaúcho refere que
1
Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, como bolsista
CAPES/PROEX. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Membro do DASEIN
- Núcleo de Estudos Hermenêuticos. Advogado. OAB/RS 102.395. E-mail: rafaelgdb1@gmail.com.
2
Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, como bolsista
CAPES/PROEX. Graduado em Direito pela Universidade FEEVALE. Membro do DASEIN - Núcleo de Estudos
Hermenêuticos. Advogado. OAB/RS 105.413. E-mail: galledietrich@gmail.com.
637
[...]à a gente constrói doutrinas para saber o que é carnaval, o que são quesitos para
o carnaval. Nós sabemos muito mais sobre carnaval [...] mas não temos doutrina sobre
insignificância, não temos doutrina sobre a pena, doutrina sobre habeas corpus (STRECK,
2017, p. 171).
Tal gap doutrinário não poderia ser diferente no que toca à valoração probatória.
Tendo tal aspecto como base, o presente artigo busca, por meio de uma análise comparativa
com um dos modelos norte-americanos, trazer um contraponto ao modelo dominante de
valoração probatória em matéria criminal que se estrutura sob uma série de jargões retóricos
o oà oà p i ípioà daà e dadeà eal ,à aà li eà ap e iaç oà daà p o a ,à oà li eà o e i e toà
oti ado ,à et .à Naà p ti aà judi i ia,à taisà p e eitosà fu io a à ape asà o oà ai os à
retificadores do elemento discricionário do qual o juiz se valeu para valorar a prova,
flexibilizando direitos e garantias fundamentais e trazendo enorme instabilidade jurídica.
A partir desse ponto de partida, o modelo de valoração probatória orientado por
standards probatórios permite trazer contribuições significativas ao debate processual
brasileiro, além de convergir com o modelo proposto pela Crítica Hermenêutica do Direito.
Com os cuidados que devem ser tomados com a importação de qualquer teoria alienígena ao
modelo brasileiro, o artigo pretende demonstrar que há, nesse contexto, compatibilidade
entre esses dois cenários. E essa proximidade se dá na medida em que os standards
probatórios permitem identificar com maior clareza os limites dos quais se pode afirmar que
uma fundamentação em relação à valoração probatória pode ser considerada
constitucionalmente adequada. Há, portanto, ganhos teóricos no sentido de identificar os
limites da atuação judicial em matéria probatória.
A valoração probatória é um tema complexo e, paradoxalmente, encontra-se
relativamente pouca doutrina tentando estabelecer critérios e diretrizes para uma correta
avaliação de provas. A teoria dos standards probatórios, desenvolvida no Direito norte-
americano e que tem recebido pouca atenção no Direito brasileiro3 - pode ser uma excelente
aliada à superação desse gap. Tal teoria é bastante iluminadora, na medida em que é capaz
3
Uma rara exceção nesse sentido, é a obra de Da iloà ы ij ik,à ueà defe deà aà suaà teo iaà dosà odelosà deà
o stataç o à o à aseà e à u aà az oà deà o de à políti a à eà de o ti a,à aà edidaà à ueà osà odelosà deà
constatação ou standards p o at iosà ep ese ta ,à aà suaà o epç o,à u aà fo aà deà ia iliza à oà u
mecanismo de controle numérico-quantitativo – o que seria, obviamente, irrealizável -, mas uma pauta ou
it ioà àluzàdoà ualàoàjuízoàdeàfatoàpodeàse àfo adoàeàsu etidoàaoà o t adit io .àыNIщNIы,àDa ilo.àA prova
nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 37.
638
de servir não somente para um melhor controle acerca da valoração da prova, mas, também,
para explicar e justificar situações em que, por força de circunstâncias do direito material,
admite-se um grau de exigência menor para que o material probatório acostado aos autos
sirva (ou não) para fundamentar a decisão judicial.
Um exemplo clássico e repetido na prática judiciária a ponto de tornar-se quase um
fenômeno natural é a inversão do ônus probatório em matéria criminal. Não são raras as vezes
em que, ainda que reconhecida a ausência de provas, o réu é condenado criminalmente.
Motivo principal: a inversão do ônus da prova em relação ao próprio acusado. Desde os
primeiros Estados Liberais, o princípio da presunção de inocência tem sido o sustentáculo
primordial para a perpetuação de qualquer sociedade civilizada. Isso não é apenas uma figura
de linguagem, mas implica uma série de consequências e responsabilidades por parte do
Estado. Uma delas – e talvez a principal – é a necessidade de o próprio Estado ser incumbido
a produção de provas contra qualquer ato do indivíduo. É ele – Estado – o encarregado de
afastar a presunção de inocência por meio da demonstração de provas, caso deseja
responsabilizar criminalmente o indivíduo, e não o contrário. No entanto, não é esta a
realidade forense brasileira.
O final do Século XIX trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro o Código Penal da
‘epú li aà deà ,à ueà e à seuà a tigoà à j à a ota aà ueà e hu aà p esu ç o,à po à aisà
ee e teà ueàseja,àda àluga àaài posiç oàdeàpe a .àй àoutras palavras, não seria legítimo o
ato estatal que punisse penalmente um indivíduo por meros indícios, uma vez que seriam
considerados insuficientes para afastar a inocência presumida pela lei. Passados quase um
século, vemos que o direito brasileiro contempla expressamente a presunção de inocência no
a tigoà º,àэVII,àdaàCo stituiç oàнede al,àdispo doà ueà i gu àse à o side adoà ulpadoàat à
oà t sitoà e à julgadoà deà se te çaà pe alà o de at ia .à ái daà ueà oà p i ípioà te haà sidoà
historicamente ofuscado - como nos lembra Ferrajoli -, atualmente, no mesmo sentido da
previsão constitucional, são frequentes as referências ao cumprimento desse princípio em
639
4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 107.448/MG. Pacientes: José Rodrigues Lanes Junior e
Rogério Lugão Veltem. Impetrante: Eduardo Xible Salles Ramos e outro. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski.
Brasília, 18 de junho de 2013. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28107448.NUME.+OU+107448.AC
MS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mzyslmu>. Acesso em: 23 de abril de 2015.
5
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 97.701/MS. Paciente: José Amaro da Silva. Impetrante:
Defensoria Pública da União. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, 03 de abril de 2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2897701.NUME.+OU+97701.ACMS.
%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/pvwgn78>.. Acesso em: 23 de abril de 2015.
640
6
TJ/AC: Apelações nº 0000183-63.2011.8.01.0007, 0019450-73.2010.8.01.0001, 0012801-58.2011.8.01.0001;
TJ/ AL: Apelações nº 0033297-52.2009.8.02.0001, 0033297-52.2009.8.02.0001, 0003398-48.2005.8.02.0001;
TJ/AP: Apelações nº 0002353-74.2008.8.03.0001, 0031739-86.2007.8.03.0001, 0007972-40.2012.8.03.0002;
TJ/BA: Apelações nº 0001464-86.2009.8.05.0274, 0120422-45.2007.8.05.0001, 0003428-74.2011.8.05.0103;
TJ/CE: Apelações nº 4996609200880600011, 11762200980601211, 545278200580600641; TJ/DF: Apelações nº
2014 09 1 011323-6, 2013 09 1 030694-2, 2013 09 1 030694-2; TJ/ES: Apelações nº 0013928-71.2009.8.08.0012,
0014285-22.2012.8.08.0020, 0008739-13.2008.8.08.0024; TJ/GO: Apelações nº 447157-87.2013.8.09.0076,
403801-70.2012.8.09.0175, 59147-25.2014.8.09.0006; TJ/MA: Apelações nº 0002000-19.2008.8.10.0040;
TJ/MT: Apelações nº 119818/2014, 90972/2014, 80795/2012; TJ/MS: Apelações nº 0000632-55.2010.8.12.0005,
0003597-79.2010.8.12.0013; TJ/MG: Apelações nº 1.0474.13.004064-2/001, 1.0363.12.004795-8/001,
1.0525.13.022099-5/001; TJ/PA: Apelações nº 201330149499, 201330184487, 201230066826; TJ/PR: Apelações
nº 1287572-8, 1250688-4, 1094630-2; TJ/PE: Apelações nº 2983368, 2165722; TJ/PI: Apelações nº
201400010049905, 201100010061527; TJ/RJ: Apelações nº 0001479-23.2007.8.19.0052, 0002135-
35.2009.8.19.0011, 0000077-17.2002.8.19.0072; TJ/RN: Apelações nº 2012.018470-5, 2011.009956-8,
2010.000902-3; TJ/RS: Apelações nº 70048102735, 70056718596, 70059406819; TJ/RO: Apelações nº 0004544-
84.2010.8.22.0004, 0051826-22.2004.8.22.0007, 0016033-48.2011.8.22.0501; TJ/RR: Apelações nº
0010.13.004856-3, 0010.06.006198-2; TJ/SC: Apelações nº 2011.035774-5, 2010.027136-3, 2013.066848-6;
TJ/SP: Apelações nº 0040895-43.2012.8.26.0564, 0066635-56.2013.8.26.0050, 0032194-76.2012.8.26.0602;
TJ/SE: Apelações nº 2006309260, 2007305239; TJ/TO: Apelações nº 0007782-46.2014.827.0000,
500130031201338270000, 50009070920138270000.
641
inversão do ônus probatório em matéria criminal, considerável parcela dos tribunais estaduais
(ainda) aplicam a tese em seus julgamentos, fragilizando as garantias processuais penais
historicamente conquistadas e a própria Constituição enquanto limite (formal e material) ao
Direito Penal (FELDENS, 2005, p. 40).
Conforme mencionado nas linhas iniciais do presente ensaio, a teoria dos standards
probatórios pode ser uma excelente aliada da Crítica Hermenêutica do Direito na empreitada
ueà isaàaà o st uç oàdeàu aà ite iologia àpa aàaà alo aç oàjudi ialàdaàp o a.àNoàDi eitoà
norte-americano, o estudo dos standards probatórios parte do pressuposto de que o a prova
pode induzir a diferentes graus de persuasão (LEUBSDORF, 2016, p. 1595). Essa premissa
relaciona-se diretamente a outra particularidade do Direito norte-americano, a qual não
costuma receber muita atenção nos sistemas de civil law: a diferença entre ônus da prova
(burden of evidence) e ônus de persuasão (burden of persuasion). Essa distinção visa a
demonstrar que, no processo judicial, não podem ser considerados iguais o risco da não-
persuasão (the risk of non-persuasion) e o ônus de produzir provas (the bruden of evidence).
Essa divisão foi decisiva para que, naquele sistema, já se admitisse, há mais de um século, a
inversão do ônus de produzir prova (shifting of the burden) sem que isso importasse uma
manipulação do ônus de persuasão (JAMES JR., 1961, p. 51-62). Na verdade, as considerações
sobre a equanimidade (fairness) envolvem, no Direito americano, uma preocupação com o
fato de uma das partes em um caso particular ter maior acesso a determinados fatos do que
a outra, o que torna bastante aceitável uma realocação do ônus de provar, sem nenhuma
necessidade de tornar o tema alvo de grandes controvérsias (SPRUNG, 1996, p. 1307) tal qual
ocorre no Direito brasileiro.
No que diz respeito ao tema do presente ensaio, interessa destacar que, ao dar
especial atenção ao ônus da persuasão, a doutrina americana costuma surpreender a sua
análise a partir de dois componentes, quais seja, o risco da não-persuasão e o standard
probatório (SCHWARTZ; SEAMAN, 2013, p. 434). Este último acaba servindo para atender a
diferentes propósitos, dentre eles determinar como alocar os riscos entre os litigantes e
642
indicar a importância que acompanha a decisão final, na medida em que é comum estabelecer
um standard probatório mais pesado quando direitos fundamentais ou liberdades estão em
causa (SCHWARTZ; SEAMAN, 2013, p. 435). No entanto, talvez a principal referência que é
feita diante dos standards p o at iosà esideà aà e essidadeà deà o t ola à osà p o essosà
e taisàdoàjú i ,àesta ele e doàu aà edidaà e ess ia de persuasão (JAMES JR., 1961, p.
53), notadamente em razão de, no Direito americano, a atuação do júri ocorrer tanto em
causas cíveis, quanto em causas penais.
Esse detalhe é decisivo para compreender a existência de diferentes standards
probatórios e o seu longo desenvolvimento no Direito americano. É que, diante da diferença
existente entre os direitos que estão em jogo nas causas cíveis e penais, torna-se necessário
estabelecer também uma diferença quanto ao grau de persuasão exigido para cada uma
dessas causas. Nesse sentido, os standards probatórios acabam servindo como espécies de
regras de decisão tendentes a instruir o júri (e também os juízes) em casos de incerteza
(ALLEN; STEIN, 2013, p. 559). Essas regras, no entanto, pressupõem um controle racional e
intersubjetivo do convencimento que se dá a partir de uma interpretação das narrativas
f ti asàdaà ausa.àN oàseàt ata,àpois,àdeàpe segui àaà e dadeà eal à o oào o eà oàB asil,à aà
medida em que uma vez preenchido o standard necessário, tem-se uma verdade sobre um
fato, vale dizer, tem-se um fato provado. Não se recorre, assim, a verdades metafísicas
ontoteológicas7.
7
É importante distinguir a metafísica enquanto ontoteologia (que passa a ser alvo de todas as críticas do presente
ensaio) e a metafísica no sentido do segundo caminho de Aristóteles, por ele denominado de epistéme
zetouméne, ou seja, ciência procurada. Para tanto, parte-se da lição de Ernildo Stein:à ássi àse,àpo àu àlado,àaà
ontoteologia nos impõe a teoria do conhecimento para poder continuar a questionar o problema do saber na
Filosofia, podendo este, no entanto, multiplicar-se indefinidamente, sempre trazendo novos argumentos de
fundamentação; por outro, a ontoteologia nos impede uma Filosofia da finitude, na qual pudesse ser recuperada
uma nova tarefa de pergunta pelo ser. Assim sendo, não é tão inocente essa manobra que nos impõe a
ontoteologia pela teoria do conhecimento. [...]. Quando falamos em metafísica hoje, não falamos num regresso
a um nicho protetor numa atitude regressiva. Apenas é preciso ter o cuidado para saber de que metafísica
faça os.à Éà po à issoà ueà o à epeti à oà oteà deà рeidegge :à áà supe aç oà daà etafísi aà oà à oà fi à daà
etafísi a .àCo àele,àoàfil sofoàsal a a a grande metafísica de Aristóteles do platonismo, mantendo-a certamente
num movimento de abertura como ciência procurada sob dois aspectos. Primeiro, como uma ciência incompleta,
na medida em que não podia se desenvolver a partir do discurso humano da predicação de que faziam uso as
Ciências Naturais, ou então como as outras formas de conhecimento. Como o ser continuava aí, entretanto, ele
também não se podia desenvolver por meio de uma experiência direta, mas implicada no discurso humano. O
segundo aspecto pelo qual ela permanecia incompleta era porque sempre se moveria numa situação paradoxal
ou antitética. A metafísica era, por outro lado, necessária, porque a questão do ser enquanto ser acompanhava
toda a experiência, e, por outro, era impossível, porque não há uma teoria do ser como a teoria das ciências, o
ser é uno, e da unidade não se pode fazer um discurso científico. Aristóteles, porém, sustenta essa impossível
necessidade, e essa necessária impossibilidade, na medida em que lança essa questão da ciência procurada do
ser quanto ser no ideal. Mesmo que seja impossível uma ciência una do ser, a ideia de tal ciência subsiste,
643
contudo, como um desejo, como uma exigência sempre presente. É por isso que Aristóteles afirma que o ideal
da ciência una do se à àoàidealàdeàu aà i iaà p o u ada ,àouà elho ,à ete a e teàp o u ada .à“TйIN,àй ildo.à
Às voltas com a metafísica e a fenomenologia. Ijuí: Unijuí, 2014, p. 48-50.
644
prueba de un hecho, los criterios que indican cuándo está justificado aceptar como verdadera
laàhip tesisà ueàloàdes i e à áBйээãN,à ,àp.à .àDesseà odo,àaà o st uç oàdeàdife e tesà
standards deàp o aàte iaàpo ào jeti oà e o t ar fórmulas ou critérios intersubjetivos para
e o st ui àaàjustifi aç oàdaàde is oàp o at ia à áBйээãN,à ,àp.à .àNoàfi alàdasà o tas,à
o que se verifica nessa formulação do tema é uma tentativa de controlar racionalmente a
valoração da prova, extirpando do ambiente probatório o fantasma do livre convencimento,
corolário do paradigma da subjetividade (STRECK, 2014, p. 283), que foi, inclusive, eliminado
do novo Código de Processo Civil.
Alguém poderia ainda acusar a teoria dos standards probatórios de possuir pretensões
geo t i as ,à aà edidaàe à ueà us aàdeli ea àes uad osàpa aàoà o t oleàdaà alo aç oàdaà
p o a.àPo àisso,àpode iaàpossui àu à i sà a tihe e uti o .àO a,à à e dadeà ueàtaisàteo iasà
não desenvolvem aportes filosóficos com maior sofisticação. Entretanto, como pode ser visto
ao longo do presente ensaio, estão preocupadas em contrapor justamente o cerne da (vulgata
da) filosofia da consciência que se manifesta no Direito, ou seja, possuem a ambição de conter
oà li eà o e i e to à aà alo ação da prova e tentam estabelecer um meio para tanto.
Aliás, MCBAINE (1944, p. 247) já refutou tal argumento, o que reforça a ideia de que imaginar
que tais teorias tentam repristinar a prova tarifada ou algo do gênero não aparenta ser uma
leitura sob sua melhor luz.
De mais a mais, parece inegável que a teoria dos standards probatórios não despreza
a finitude compreensiva do juiz, pois reconhece que a valoração dos fatos, na excelente
olo aç oà deà йdua doà щos à daà нo se aà Costa,à perpassa pela recomposição historial do
passado a partir dos seus vestígios sobreviventes, ou seja, a partir daquilo que Krónos [Κρόνος]
oàe goliu à CO“Tá,à .àщusta e teàpo àissoàesta ele eàosàstandards, pois é consciente
de que a busca pela verdade em estado de pureza bruta é uma empreitada fadada ao
insucesso. Daí a certeira crítica – e sua compatibilidade com a Crítica Hermenêutica do Direito
- de que é um mito pensar que juízes da civil law atua àso e teàdia teàdeàfatosà e dadei os à
e que, justamente por isso, é necessário estabelecer critérios para a valoração probatória.
Veja-se que, no processo penal em que vige o princípio constitucional da presunção de
inocência (e por isso não é possível inverter o ônus probatório aqui), é acertado falar em ampla
defesa, bem como exigir, para condenar alguém, elementos probatórios muito mais robustos
que aqueles exigidos em uma demanda de natureza cível. Elementos probatórios que sejam
645
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
muitas vezes são desrespeitadas pela busca da verdade real) e os standards probatório servem
justamente para se contrapor ao voluntarismo interpretativo e afastar problemas como o livre
convencimento judicial, a inversão do ônus da prova em matéria penal, etc.
É importante ressaltar ainda que a teoria dos standards p o at iosà oà àaà sal aç o à
para o problema de valoração probatória que ocorre no Brasil. Entretanto, tal teoria auxilia a
esclarecer o papel da tradição para a valoração da prova, demonstrando compatibilidades
com a Crítica Hermenêutica do Direito, na medida em que a exigência de observância de
standards probatórios nada mais é do que escutar o que a tradição - pré-juízos que abarcam
a faticidade e historicidade de nosso ser-no-mundo (STRECK, 2014, p. 225) – transmite ao
intérprete. Exatamente por isso que ao valorar uma prova, o juiz não pode ser surdo para tais
standards (tradição) julgando com base no seu livre convencimento. Devemos sempre nos
perguntar acerca do modo e em que condições a tradição está nos entregando os sentidos
acerca de uma narrativa. Existem, assim, razões hermenêuticas para que se diga se algo está
provado ou não no processo. E tais razões se dão de forma intersubjetiva na (e pela)
linguagem, como Wittgenstein bem referiu em relação à impossibilidade uma linguagem
privada (WITTGENSTEIN, 1994, p. 114).
O grande trunfo das teorias dos standards probatórios se liga no auxílio da
compreensão dos motivos pelos quais a inversão do ônus probatório no processo penal é um
severo equívoco no paradigma do Estado Democrático de Direito. Sob uma perspectiva dos
standards, para que alguém seja condenado é necessário que o conjunto probatório seja
robusto ao ponto de afastar qualquer outra narrativa possível. E presunção deve ser
entendida aqui como admissão que uma, dentre as várias narrativas possíveis é a mais
provável, sem que, todavia, tais narrativas estejam excluídas. Contudo, ao inverter o ônus da
prova, se está, em última instância, presumindo que o réu tenha cometido determinado ato
ilícito, cabendo a ele provar o contrário. As teorias dos standards, por outro lado, são claras
no sentido de estabelecerem que para que um indivíduo seja condenado, é necessária que
não exista nenhuma dúvida além do razoável, vale dizer, que apenas uma narrativa seja
possível – aquela cuja única conclusão plausível seja a que leva à condenação do réu.
Eis o ponto: se investigarmos a origem da formulação da inversão do ônus da prova no
processo civil – e isso nada mais é do que uma das formas de manifestação da tradição (em
sentido gadameriano da palavra) -, veremos que tal instituto é legítimo pelo fato de que, nesse
647
REFERÊNCIAS
ALLEN, Ronald J.; STEIN, Alex. Evidence, probability, and the burden of proof. Arizona law
review, Tucson, v. 55, p. 557-602, set-nov. 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 107.448/MG. Pacientes: José Rodrigues
Lanes Junior e Rogério Lugão Veltem. Impetrante: Eduardo Xible Salles Ramos e outro. Relator:
Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 18 de junho de 2013. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28107448.NUME.
+OU+107448.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mzyslmu. Acesso em:
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 97.701/MS. Paciente: José Amaro da Silva.
Impetrante: Defensoria Pública da União. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, 03 de abril
de 2012. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2897701.NUME.+
OU+97701.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/pvwgn78.Acesso em: 23
de abril de 2015.
648
CLERMONT, Kevin M. Standards of proof revisited. Vermont law review, Royalton, v. 33, p.
469-487, 2009.
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Direito deve avançar sempre em meio à relação entre prova
e verdade. Consultor Jurídico, São Paulo, 20 dez. 2016. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2016-dez-20/direito-avancar-sempre-meio-relacao-entre-
prova-verdade>. Acesso em 07 fev. 2017.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. de Ana Paula Zomer Sica
e outros. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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1961.
KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
LEUBSDORF, John. The surprising history of the preponderance standard of civil proof. Florida
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MCBAINE, J. P. Burden of proof: degrees of belief. California law review, Berkeley, v. 32, p.
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SPRUNG, Marshall. Taking sides: the burden of proof switch in Dolan v. City of Tigard. New
York university law review, NY, v. 71, p. 1301-1337, nov. 1996.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e jurisdição: diálogos com Lenio Streck. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2017.
649
STRECK, Lenio Luiz; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. O Que é Isto – As Garantias Processuais
Penais? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
1 INTRODUÇÃO
1
Aluna do 10º semestre do Curso de Graduação em Direito da Unijuí, mai_muller@msn.com.
2
Professora orientadora, Mestre em Direito, Especialista em Direito Público, Curso de Graduação em Direito -
Unijuí, pmoura@unijui.edu.br
651
ou mesmo décadas. Esta ainda pode ser dividida em memória procedural e memória
declarativa. Aquela se vincula às memórias de capacidades ou habilidades motoras ou
sensoriais, como andar de bicicleta, nadar, entre outros; e a memória declarativa registra
fatos, eventos ou conhecimento, e é responsável pelo armazenamento de dados passíveis de
serem declarados. (IZQUIERDO, 2011).
É sobre este último aspecto da memória que se devem dirigir as implicações jurídicas.
Todos os estudos e pesquisas experimentais realizados no âmbito da neurociência e da
psicologia cognitiva apontam que a memória está sujeita a falhas. Não é possível armazenar
imagens na mente como se armazenam fotografias em um computador. Antônio Damásio
(2012, p. 105) refere exatamente isso:
A partir desse raciocínio, percebe-se que, diferente do que muito se acredita, a mente
humana não recorda os fatos do mesmo modo que um filme fica salvo no computador, dentro
de uma pasta, em um sistema operacional. A complexidade do modo em que ocorre o próprio
armazenamento dos fatos revela uma imensidão de variáveis que não podem ser deixadas de
lado ao se falar em memória.
Como delineado, a memória humana é suscetível a falhas. Porém, não somente o
esquecimento é um risco, como existe a possibilidade do surgimento de falsas memórias na
mente de quem precisa recordar algo.
No tocante a implicações jurídicas, há sérias consequências que podem decorrer do
fenômeno das falsas memórias quando da produção de provas orais, tal como é o
reconhecimento pessoal.
Segundo Márcia de Moura Irigonhê (2015, p. 60, grifo nosso),
Para buscar entender a ocorrência das falsas memórias, deve-se ter em mente que elas
podem surgir e se manifestar das mais variadas formas. Por isso, costumam ser classificadas
conforme a origem do processo de falsificação, e recebem então a denominação de falsas
memórias espontâneas e falsas memórias sugeridas. (IRIGONHÊ, 2015).
As falsas memórias espontâneas, segundo Lilian Stein (2011, p. 23), ocorrem quando
a lembrança é alterada internamente, fruto do próprio funcionamento da memória, sem a
interferência de uma fonte externa à pessoa .àEm tal caso, a interpretação de um fato pode
se tornar a informação original, como uma substituição de dados. Um exemplo trazido pela
autora é quando se recorda de uma informação referente a um evento como pertencente a
outro, de modo que se lembra de uma história como tendo sido relatada por um amigo
quando, na verdade, os fatos são oriundos de um programa de televisão ao qual se assistiu.
Ou seja, nesse exemplo percebe-se que a falsa memória espontânea ocorre internamente na
mente do indivíduo, sem qualquer intervenção de terceiros.
As falsas memórias sugeridas advêm da sugestão de falsa informação, vindo de fora do
sujeito, de maneira externa. Segundo Stein (2011), isso ocorre quando se aceita uma
654
informação falsa após o evento, e se incorpora essa inverdade na memória original, podendo
acontecer esse fenômeno de modo acidental ou propositado. Após presenciar um
acontecimento, há um transcurso de tempo no qual uma informação nova é apresentada
como parte do evento original, o que resulta na redução das lembranças verdadeiras e
aumento das falsas.
Pode-se, ainda, questionar se as memórias então são passíveis de influência por outras
pessoas. E a resposta é afirmativa. Sim, a memória pode ser distorcida mediante sugestões
externas, posteriores aos acontecimentos. E, além disso, as percepções e as interpretações de
outras pessoas podem acabar por influenciar a forma como se recorda os fatos. (STEIN, 2011).
Deàa o doà o àI igo h à ,àp.à ,à aàsugestio a ilidadeàpodeàap ese ta -se até mesmo
nas formas mais sutis, tais como em interrogatórios sugestivos ou lendo-se e assistindo-se
notíciasàso eàu àfatoàe pe i e tado .à
A falsa memória não é uma mentira. A pessoa que narra um fato recordado – fruto,
por exemplo, de uma falsa memória sugerida – crê que aquilo é verdade. E por ser diferente
de uma mentira, questiona-se quanto à possibilidade de se reconhecer a existência das falsas
e ias,àu aà ezà ueà aàpessoaàsi e a e teàa editaà ueà i euàa ueleàfato,àeà aà e ti aà
ela está consciente de que o narrado por ela não aconteceu, mas sustenta a história por algum
oti oàpa ti ula .à áэVй“;àэOPES, 2007, p. 46).
Trazendo para o Direito todos esses estudos da Psicologia, é preciso que se admita a
necessidade de uma avaliação sobre o modo que tem se dado a coleta das provas embasadas
na memória. Gustavo Ávila e Gabriel Gauer (2009, p. 7) defendem que a interdisciplinaridade
de e iaàse à elho àt a alhadaà oà eioàju ídi o,àu aà ezà ueà oàDi eitoàe o t aàdifi uldadesà
pa aàlida à o àaà ealidadeà o te po ea .
Um tema como este é importante de ser analisado, tanto para a segurança do processo
penal, como para conscientizar os operadores do Direito, de modo que é preciso estudar a
relação das falsas memórias com a propensão de sua formação nos contextos em que se dão
os reconhecimentos pessoais, uma vez que lembranças não verdadeiras podem se formar
através de entrevistas indutivas e perguntas tendenciosas.
Além de perderem detalhes pelo esquecimento, os reconhecedores podem
acrescentar outros que não existiam, pois foram contaminados pela mídia, por interrogatórios
655
indutivos ou ainda, por terem sofrido algum trauma ao presenciar o ato, e em função disso,
criam em sua mente memórias sobre coisas que nunca ocorreram. (ALVES; LOPES, 2007).
Relevante destacar que existem muitas variáveis que influenciam a prova oral. Lopes
Jr. (2014, p. 707, grifo nosso) aborda uma problematização do reconhecimento desde a
Psicologia Jurídica, dado que é um meio de prova dependente da complexa memória humana:
[...] se devem considerar as expectativas da testemunha (ou vítima), pois as pessoas
tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir. Daí porque os estereótipos
culturais (como cor, classe social, sexo etc.) têm uma grande influência na percepção
dos delitos, fazendo com que as vítimas e testemunhas tenham uma tendência de
reconhecer em função desses estereótipos (exemplo típico ocorre nos crimes
patrimoniais com violência – roubo – em que a raça e perfil socioeconômico são
estruturantes de um verdadeiro estigma).
confusão de fontes. Relatos como esses espantam e fazem refletir: quantos depoimentos
contaminados já causaram a condenação de pessoas inocentes?
No Brasil também há fatos assim. Irigonhê (2015, p. 73) relata o seguinte caso:
Quinze dias após o fato, foi concedida liberdade provisória a Vinícius, com a
condicional de cumprimento de medidas cautelares. Em seguida, houve novo depoimento da
vítima fornecido pela Polícia Judiciária, onde a mesma afirmou que o local do crime não era
bem iluminado e que viu o rosto do agente por apenas alguns instantes. Admitiu a copeira
que poderia ter se enganado ao reconhecer Vinícius. Retratando-se a vítima e acolhido
parecer do Ministério Público, o Juízo determinou o arquivamento do feito em 11 de março
de2014, pois ausente justa causa para a ação penal. (IRIGONHÊ, 2015).
Um fato assim traz questionamentos indeclináveis, tais como: se tivesse outro tom de
pele,àse à ueàse iaà e o he idoàdeàfo aàe adaà o oàauto àdeàu à i e?àOuàai da,à uaisà
são as pessoas que, invisíveis e despidas da sorte de serem relativamente conhecidas em
escala nacional aportam ao cárcere e nele se mantém devido a reconhecimentos
e ui o ados? .à I‘IGONрÊ,à ,àp.à .
Quanto ao juízo de percepção precedente, conceito trazido no item anterior, tem-se o
exemplo de um taxista que foi assaltado quando fazia uma corrida. O investigador mostrou à
vítima duas fotografias de suspeitos, após o ocorrido, mas o taxista não reconheceu nenhum
dos homens das fotos como sendo um dos assaltantes. Alguns dias depois o taxista foi à
delegacia para proceder ao reconhecimento dos suspeitos, tendo identificado dois deles como
autores do delito. Contudo, os homens identificados eram exatamente aqueles das fotografias
658
que o taxista tinha dito que não eram os assaltantes. Alguns meses depois, dois rapazes foram
detidos por roubo em cidade vizinha e ao serem questionados, confessaram diversos crimes,
inclusive o assalto ao taxista. (IRIGONHÊ, 2015).
É comum nas delegacias de polícia que se apresente álbuns de fotografias às vítimas
do crime ou testemunhas, contendo fotos de pessoas que já tem passagens na polícia. O ideal,
na praxe, é que a testemunha identifique no álbum e depois confirme o reconhecimento na
linha. Porém, tem-seà e eladoà ue,à aàpa ti àdoà o e toàe à ueàaàteste u haàfo e eàu aà
identificação dentre as fotografias, há uma baixa probabilidade de que mude suas afirmações
nos reconhecimentos subsequentes, a qual diminui progressivamente à medida que o tempo
passa .à I‘IGONрÊ,à ,àp.à .
Ou seja, de acordo com Irigonhê (2015), se houver o reconhecimento de pessoa que
não era o real autor do crime na fase de apresentação da fotografia, o efeito é muito danoso,
pois faz com que a testemunha ou a vítima consolide em sua memória a imagem reconhecida
na foto, sem ter a percepção de que a imagem se remete ao momento do reconhecimento
fotográfico, e não do cometimento do delito.
ássi ,ào o eàoà ha adoàdeà efeitoà o p o isso à I‘IGONрÊ,à ,àp.à ,à ueàse iaà
o sentimento que tem o reconhecedor de apresentar consistência em suas afirmações para
colaborar com a investigação.
Necessário abordar, em virtude da temática, o paradigmático caso da Escola Base em
São Paulo, trazido por Lopes Jr. em artigo publicado no site Conjur, caso este que trouxe a
discussão acerca do papel da mídia e sua postura irresponsável, além de evidenciar o
despreparo da polícia judiciária:
Em 1994, duas mães denunciam que seus filhos participavam de orgias sexuais
organizadas pelos donos da Escola de Educação Infantil Base, localizada no bairro da
Aclimação, em São Paulo. Uma das mães disse que seu filho de 4 anos de idade lhe
teria contado que havia tirado fotos em uma cama redonda, que uma mulher adulta
teria deitado nua sobre ele e lhe beijado. A fantasia inicial toma contornos de rede
de pedofilia e, após um laudo não conclusivo sobre a violência sexual que o menino
teria sofrido (depois ficou demonstrado que tudo não passou de problemas
intestinais), é expedido um mandado de busca e apreensão que foi cumprido com
irresponsável publicidade por parte da polícia. Era o início de uma longa tragédia a
que foram submetidos os donos da escola infantil. (LOPES JR., 2014, p.1).
Além dos graves erros por parte da polícia e dos principais meios de comunicação, foi
demonstrada a implantação de falsas memórias nas duas crianças e também a manipulação
659
dos depoimentos. O modo de condução dos depoimentos impressiona, visto que as perguntas
eram fechadas e induziam as respostas, cujas crianças de 04 anos respondiam por
o ossíla osà si àeà o àouàpo à e aà epetiç oàdaàp p iaàpe gu ta.à эOPй“àщ‘.,à .
Em artigo publicado pelo Jornal Folha de São Paulo em 2015, pelo autor Guilherme
Rosa, tem-se o caso de Israel de Oliveira Pacheco, de 27 anos, que está preso há sete anos,
acusado de estuprar uma jovem no Rio Grande do Sul. Ele foi reconhecido pela vítima e por
algumas testemunhas como sendo o autor do crime, mas uma das testemunhas não manteve
o reconhecimento em juízo. Em setembro de 2015, a defesa recorreu aos tribunais, na
esperança de ser absolvido, pois um exame de DNA atestou não ser seu o material genético
correspondente ao sangue da cena do crime. (ROSA, 2015).
Também sobre esse caso supracitado, o defensor público Rafael Raphaelli que
ep ese taàoà u,àat a sàdeà otí iaà ei uladaà oàsiteà OàI fo ati oàdoàVale àpelaàjo alistaà
Natalia Nissen em 2015, trouxe informações no sentido de que o Tribunal de Justiça indeferiu
o pedido de revisão criminal e a sentença condenatória foi mantida, mesmo após a
apresentação da prova pericial (NISSEN, 2015). Contudo, segundo a notícia:
Sem memória, a vida não teria o senso de continuidade que tem. A vida consistiria
apenas de experiências momentâneas sem relação umas com as outras. Sem
memória, não poderíamos lembrar o que queremos falar e nem teríamos este senso
de continuidade para saber que somos nós. Ao mesmo tempo, como minhas
660
O Innocence Project, que pode ser traduzido como Projeto Inocência, foi fundado em
1992 por Peter Neufeld e Barry Scheck, na Escola de Direito Benjamin N. Cardozo, na
Universidade de Yeshiva. Em 2004 tornou-se uma organização sem fins lucrativos. Sediado em
Nova York, Estados Unidos, esse projeto se intitula como uma organização de política pública
com litigância nacional. É um instrumento que busca inocentar aqueles que foram
condenados erroneamente, através de exames de DNA, para reformar o sistema de justiça
criminal e evitar futuras injustiças. Sua missão é libertar aquelas muitas inocentes pessoas que
permanecem encarceradas, trazendo mudanças para o sistema responsável por sua prisão
injusta. (ABOUT INNOCENCE PROJECT, 2016).
A condenação de inocentes no processo penal brasileiro é um risco que se corre
quando não observados os procedimentos legais para efetuar o reconhecimento pessoal.
Contudo, mesmo que se faça tudo nos moldes previstos na lei, é preciso admitir que o risco,
apesar de diminuir, não desaparece. Além disso, como demonstrado no Caso Escola Base, o
papel que a mídia desenvolve no curso de uma investigação é algo que deve ser repensado,
pois culmina em vários danos à vida daqueles que são reconhecidos ou acusados de forma
errada.
2.3 Reconhecimento pessoal como único indício da autoria delitiva e a valoração judicial
memórias, Lopes Jr. e Di Gesu (2007, p. 67) afirmam que para problemas complexos não
existem soluções simples, por isso:
Entende-se que, das medidas citadas, a mais importante é a que aborda a colheita da
prova em prazo razoável. O tempo é um grande inimigo da memória, além de possibilitar o
surgimento das falsas memórias.
Tal compreensão, relacionando-se especificamente ao reconhecimento de pessoas
como meio probatório, pensa-se que a descrição do art. 226, inciso I, poderia ser gravada,
dado que a memória que irá relatar as características físicas, detalhes acerca da altura, da cor
da pele e do cabelo, está possivelmente menos contaminada do que após ver a fotografia que
lhe será mostrada ou o grupo onde pode estar o suspeito.
Stein (2011, p. 205) oferece à melhoria da coleta de depoimentos a alternativa da
Entre istaàCog iti a,à ujoàp i ipalào jeti oà à o te à elho esàdepoi e tos,àouàseja,à i osàe à
detalhesàeà o à aio à ua tidadeàeàp e is oàdeài fo aç es .àIstoàpo ue,àdeàa o doà o à
Lopes Jr. (2016, p. 515), o modo de atuar de quem conduz o reconhecimento é de extrema
i po t ia,à poisà pa aà al à daà possi ilidadeà deà ia à falsasà e iasà falsosà
reconhecimentos) de forma explícita, também existe a indução involuntária, através do
o po ta e toà e alàouà oà e al .à
Deste modo, sugere-se que nos reconhecimentos efetuados na delegacia de polícia o
investigador não esteja presente, e que a pessoa que conduzir o reconhecimento não faça
fazer parte do grupo investigatório. A intenção disso é criar condições para que o
reconhecedor receba níveis menores de indução ou contaminação. (LOPES JR., 2016, p. 515).
Além disso, conveniente apenas mencionar que há duas formas de reconhecimento
pessoal:à oà si ult eoà eà oà se ue ial.à “egu doà эopesà щ .à ,à p. ,à ossoà C digoà deà
Processo Penal, como visto, optou pelo sistema simultâneo, em que todos os membros são
662
ost adosà aoà es oà te po.à йsseà à oà todoà aisà sugesti oà eà pe igoso .à ‘efe eà ueà
atualmente, é o reconhecimento sequencial que a psicologia judicial tem apontado como mais
seguro e confiável.
De fato, é difícil ou quase impossível afirmar que o magistrado tenha a capacidade de
descobrir se o reconhecedor possui falsas memórias. Logo, o interessante é buscar evitar a
formação delas no trâmite processual, por meio da adoção das medidas citadas, como colheita
da prova em tempo hábil e inquirição do reconhecedor de modo não indutivo.
Diferente das memórias que podem ser falsas, verdadeiro é o problema causado ao
ignorá-las por completo. Deixa-se o processo nas mãos de vítimas ou testemunhas, as quais
não armazenam as informações de maneira precisa, e que podem, por suas palavras,
erroneamente subsumir a conduta de alguém em um tipo penal. Refletir acerca dos modelos
vigentes no processo penal é necessário quando se constata a condenação de um inocente,
que unicamente era culpado de ser parecido com outra pessoa e não ter um álibi conciso para
o momento do crime.
Co fo eàáu àэopesàщ .àeàále a d eàMo aisàdaà‘osaà ,àp.à ,àaà contaminação por
falsas memórias é algo ainda pouco estudado no sistema brasileiro. Uma pequena entrevista
o àp ofissio aisàde o st aàaàig o iaàso eàalgoà ueà oàpodeàse àdes o he ido .àй à
tempos atuais, isso é inadmissível por parte daqueles que têm por ofício tornar eficaz a tão
falada justiça.
É mais do que necessário, então, questionar: Como valorar uma prova que pode estar
inconscientemente contaminada? Como ter segurança jurídica diante do perigo de condenar
alguém que não era o autor de um crime? O autor Jorge Trindade (2011) refere que se deve
adotar a máxima cautela ao judicializar uma memória-fato, isto em virtude do risco de
produção de injustiças, por exemplo, ao condenar o acusado com base somente no
reconhecimento de pessoas, quando a memória era, na verdade, falsa. Da mesma forma
Lopes Jr. (2016, p. 513) se posiciona o sentido de que deve o reconhecimento pessoal ter valor
p o at ioàa e izado,à istoà ueà à e ide teàsuaàfaltaàdeà edi ilidadeàeàf agilidade .
Ou seja, o reconhecimento deve ter sua valoração relativizada, carecendo de cautela
por parte do magistrado ao analisar esse meio de prova. Em hipótese alguma pode servir o
reconhecimento, exclusivamente, de base para uma sentença de pronúncia ou condenação,
sem a corroboração de outros meios de prova, justamente por efeito da presunção de
663
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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<http://www.uniritter.edu.br/eventos/sepesq/vi_sepesq/arquivosPDF/27981/2405/com_id
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DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Trad. Dora
Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Cia das Letras, 2012.
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LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
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______; ROSA, Alexandre Morais da. Memória não é Polaroid: precisamos falar sobre
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665
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STEIN, Lilian Milnitsky; et al. Falsas memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações
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TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 5. ed. Porto
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666
DйCI“Õй“àQUйàPODйMà“й‘àCON“IDй‘áDá“àáTIVI“Tá“àNáàй“нй‘áàPйNáL:àáVáNÇO“àOUà
‘йT‘OCй““O“?
àààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààRose a aàU se 2
INT‘ODUÇÃO
1
Advogada; Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Direito pela Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI – Santo Ângelo/RS. Especialista em Direito Processual
Civil pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina; I teg a teàdoàG upoàdeàPes uisaà TutelaàdosàDi eitosà
eàsuaàйfeti idade ,à i uladoàaoàCNP ,àso àaà oo de aç oàdoàP of.àD .àнlo is alàdeà“ouzaàDel Ol oàeàdoàP ojetoà
de Pesquisa, vinculado à linha de Pesquisa Políticas de Cidadania e Resolução de Conflitos do Programa de Pós
Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI,
Campus Santo Ângelo.
2
Graduada em Direito pela Unijui. Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto do Uruguai
e das Missões - Campus Santo Ângelo (URI).
667
àCON“IDй‘áÇÕй“à“OB‘йàáTIVI“MOàщUDICIáL
Po àati is oàjudi ialàde e‐seàe te de àoàe e í ioàdaàfu ç oàju isdi io alàpa aàal à
dosàli itesài postosàpeloàp p ioào de a e toà ueài u e,ài stitu io al e te,àaoà
Pode à щudi i ioà faze à atua ,à esol e doà litígiosà deà feiç esà su jeti asà o flitoà deà
i te esses àeà o t o siasàju ídi asàdeà atu ezaào jeti aà o flitosà o ati os .
Cla issaà Tassi a ià ,à p.à à t azà suaà o epç oà so eà ati is oà judi ialà se doà
et atadoà o oà aà o figu aç oà deà u à Pode à щudi i ioà e estidoà deà sup e a ia,à o à
o pet iasà ueà oàlheàs oà e o he idasà o stitu io al e te .
ààààààààààààààáà pa ti à dessesà o eitosà pode osà dize à ueà oà ati is oà judi ialà seà efe eà aà u aà
postu aà doàpode àjudi i ioàpa aà al à dosà li itesà o stitu io ais.àйssesà a a te esà daà o aà
ealidadeà o stitu io alà osà olo a àdia teàdeàu à odeloàestatalàe à ue,àaà adaàdia,àoàPode à
щudi i ioàte àassu idoà aio ài po t iaàeàa plia doàsuaàatuaç o,àde ota doàout oàpesoà
desteàPode à aà l ssi aà ala çaàidealizadaàpo àMo tes uieuàeàadotadaàe àtodosàosàйstadosà
e igidosàso eàasà asesàdoàCo stitu io alis oàMode o.
669
áoà fala à deà ati is oà judi ial,à oà ueà seà est à aà efe i à à aà ult apassage à dasà li hasà
de a at iasà daà fu ç oà ju isdi io al,à e àdet i e toàp i ipal e teà daà fu ç oà legislati a,à
asàta ,àdaàfu ç oàad i ist ati aàe,àat à es o,àdaàfu ç oàdeàgo e o.àáào se iaàdaà
sepa aç oà dosà Pode esà i po ta,à de t eà di e sosà out osà o se t ios,à aà a ute ç oà dosà
g osàdoàPode àщudi i ioà osàli itesàdaàfu ç oàju isdi io alà ueàlheà à o fiadaàeàpa aà ujoà
e e í ioàfo a àest utu adosà ‘áMO“,à ,àp.à .
“eà aà ati idadeà ju isdi io alà de eà e o t a à suaà alidadeà aàfu da e taç oà de t oà
dasà alizasàdoàp p ioào de a e toàju ídi o,àe,àseàpo àout oàlado,àoàsiste aàatualàdeà o t oleà
deà o stitu io alidadeàpe iteàa plaà a ge àdeàatuaç oàaliadoà à at ia‐p i aàpostaà àsuaà
disposiç o,à ualàseja,à l usulasàa e tasàeàp i ípiosà o stitu io aisà ujaàt aduç oàpe ite àaà
aisà a plaà a iedadeà deà o otaç esà pa e eà la aà aà o lus oà deà ueà h à espaçoà pa aà aà
e pa s oà doà ati is oà judi ial,à dia teà dessaà o aà feiç oà doà Pode à щudi i io,à istoà à fato,à
de e osào se a àalgu asàdasà az es,àal àdosà oti osàdeào de àt i o‐ju ídi a.àà
Pa aàTassi a ià ,àp.à :
o side eà osà p i ípiosà daà oe iaà doà di eitoà eà daà segu a çaà ju ídi aà o oà li itesà à suaà
ati idade .
áàauto a,àtoda ia,àe pli aà POG‘йBIN“CрI,à ,àp.à :
àái da,à Pog e i s hià ,à p.à ,à p ossegueà afi a doà ueà oà ati is oà judi ialà
i pli aàe àto adaàdeàposiç oàpolíti a;àoàjuizàati istaàdefi e‐seà o oàu àage teàpolíti o .
Em um sentido geral, de acordo com Keenan Kmiec3 (2004), a partir da exploração de
pesquisas e estudos acerca dessa temática, podem ser enumeradas em cinco as principais
acepções que giram em torno da definição do termo: a) invalidação judicial de promulgação
legislativa de outros poderes4; b) processo de ignorar ou desrespeitar o precedente5; c) leis
sendo criadas por juizes nos tribunais6; d) incapacidade de utilizar adequadamente os canônes
3
KMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial review.Califórnia Law Reviw, vol. 92, 2004.
Disponível em: < http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em 27 jul.
2016. Disponível em: < http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em: 27
jul. 2016.
4
Na opinião de Kmiec, esta definição condiz com a observação da separação dos poderes. Nesse sentido tal ato
ocorre quando o tribunal intervém e declara inconstitucional, ou restringe a aplicação de um ato normativo
devidamente promulgado. Ocorre que o simples fato de o tribunal decidir pela invalidação ou pela restrição de
uma lei, não quer dizer que ele é ativista, o autor cita como exemplo, o caso de uma lei vir a estabelecer uma
religião, se o tribunal invalidar essa lei claramente inconstitucional, ninguém iria sugerir que ele havia se
envolvido em ativismo judicial, em outros casos quando a constituição não proíbe claramente/expressamente a
intervenção judicial em matérias políticas, dependerá muito da interpretação do órgão julgador do texto
constitucional.KMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial review.Califórnia Law Reviw, vol. 92,
2004. Disponível em: < http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em: 27
jul. 2016.
5
Em resumo, esse conceito traz a violação a precedente, vertical ou horizontal. Vertical é quando o tribunal
inferior deve seguir as diretrizes alinhadas pelos precedentes formulados pelo tribunal superior, ao passo que,
horizontal é a observação pelo próprio tribunal dos precedentes emanados das suas próprias decisões em casos
semelhantes. Esta definição é debatida na medida em que stare decisis em si pode ser inconstitucional, se o
tribunal fizer uma leitura errada da Constituição. Se um precedente vai na direção oposta da Constituição, os
tribunais não tem a obrigação de segui-lo, devem antes de tudo respeitar os mandamentos constitucionais.
Enfim, os precedentes não são tidos como um elemento de comando inexorável, como intuitivo, podem ser
ignorados em alguns casos. O ativismo judicial nessa situaçãodeve ser considerado à luz do fato concreto. KMIEC,
Keenan D. The origin and current meanings of judicial review.Califórnia Law Reviw, vol. 92, 2004. Disponível em:
< http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em: 27 jul. 2016.
6
Os órgãos judiciais ao interpretar a Constituição de forma criativa atribuem outro viés, o que se supõe que
estariam criando uma nova lei que se adéque ao caso em concreto. KMIEC, Keenan D. The origin and current
671
meanings of judicial review. Califórnia Law Reviw, vol. 92, 2004. Disponível em: <
http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em: 27 jul. 2016.
7
Ativismo para essa corrente significa: a aplicação de forma equivocada dos instrumentos interpretativos postos
à disposição para extrair o exato sentido do texto constitucional, os instrumentos seriam o juiz levar em conta a
finalidade, o desenvolvimento histórico da lei, a dout i aà eà et .à [...] Embora haja alguma linha de base do
consenso, estudiosos e juristas não estão de acordo sobre o que constitui a maneira "apropriada" para
i te p eta àaàCo stituiç o .àKMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial review. Califórnia Law
Reviw, vol. 92, 2004. Disponível em: < http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>.
Acesso em: 27 jul. 2016.
8
Nessa espécie de ativismo há intencionalidade, os valores, a vontade do julgador é considerada para prolatar
determinada sentença. Aqui se sobressai à dificuldade em visualizar e apontar que determinada decisão foi
ativista nesse sentido, pois há uma complexidade em detectar os elementos subjetivos utilizados pelo
magistrado em determinado caso concreto. KMIEC, Keenan D. The origin and current meanings of judicial review.
Califórnia Law Reviw, vol. 92, 2004. Disponível em: <
http://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4/>. Acesso em: 27 jul. 2016.
672
Para dar ao trabalho maior consistência, é necessário exemplificar, para tanto, citam-
se algumas decisões julgadas pelo STF: menciona-se em primeiro lugar, a edição dos
Enunciados nº 11 e nº 14 da Súmula Vinculante9 que tratam da disciplina e limitação do uso
de algemas e do acesso ao procedimento investigatório pelo defensor, respectivamente. A
aprovação desses verbetes refletem o "papel emergente da Suprema Corte como último
estágio da garantia das liberdades fundamentais10.
Em relação à aprovação que disciplina o uso de algemas, identificou-se a preocupação
com o princípio da dignidade humana, onde restou patente diante da análise dos debates
acerca da aprovação do texto, especificamente ao enunciado nº 14, o Ministro Celso de Mello,
em seu voto pela aprovação do texto, evidencia a preocupação na limitação do poder do
Estado a fim de coibir potenciais abusos a serem cometidos na esfera penal. Asssim,
destacam-se as palavras do Ministro Celso de Mello:
(...) o Estado não pode ignorar nem transgredir o regime de direitos e garantias
fundamentais que a Constituição da República assegura a qualquer pessoa sob
investigação criminal ou processo penal. Ninguém ignora, exceto os cultores e
executores do arbítrio, do abuso de poder e dos excessos funcionais, que o processo
penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda das liberdades individuais. Daí
porque se impõe, às autoridades públicas, neste País, notadamente àquelas que
intervêm no procedimento de investigação penal ou nos processos penais, o dever
de respeitar, de observar e de não transgredir limitações que o ordenamento
normativo faz incidir sobre opoder do Estado. (...) O fascínio do mistério e o culto ao
segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade livre, práticas estatais
cuja realização, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos
básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos de
persecução criminal (...)11
9
Súmula vinculante nº 11, STF: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga
ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade
e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado";
Súmula vinculante nº 14, STF: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".
10
Voto do Min. Menezes Direito, PSV 1/DF, aprovação da Súmula Vinculante nº 14, Plenário 02.02.2009, DJ
27.03.2009, DJe 59/2009.
11
Voto do Min. Celso de Mello, PSV 1/DF, aprovação da Súmula Vinculante nº 14, Plenário 02.02.2009, DJ
27.03.2009, DJe 59/2009.
673
12
Por todos: STF, HC nº 87.585/TO, DJU 25.06.2009 e RE nº 349.703/RS, DJU 05.06.2009.
13
Voto Min. Celso de Mello, STF, HC nº 87.585/TO, DJU 25.06.2009.
14
Por todos: STF, HC 98152/MG, DJU 05.06.2009.
15
Ibiden.
674
mais, o cidadão alvo da persecução criminal, veja-se, conforme relato do Ministro Celso de
Mello na decisão do HC 98152/MG:
16
STF, HC 98152/MG, DJU 05.06.2009.
675
CONCLU“ÃO
Éà ot ioà ueà oà Pode à щudi i ioà h à uitoà e à seà desta a doà eà au e ta doà suaà
atuaç oàju isdi io alàpe iti doàu aàg a deà a iedadeàdeài te p etaç es.àOàt a alhoàa o douà
aàas e s oàdoàPode àщudi i ioàeàseuàP otago is o,à e à o oàt ou eàde is esàdoà“Tнà ueà
pode à se à o side adasà ati istasà aà esfe aà pe al.à De is esà essasà ueà epe uti a à
so e a ei aà aàso iedadeà o oàu àtodo.
àáàpa ti àdaàa o dage àdoàte to,àpode osàpe e e àaàp eo upaç oà o u àdosàju istasà
sà íti asà ati e tesà aoà espaçoà deà olu ta is osà eà de is esà desp o idasà deà a gaà
he e uti aàeà o ati a,àoà ueàdes atu aàaàfu ç oàdoàdi eitoà o oàu àsiste aà o ati oà
eà olo aàoàpode àjudi i ioàe àu aàposiç oàati ista,àdese ha doàosà u osàdaàso iedade,àpa aà
al àdasàde is esàto adasàpeloàpode àlegislati o,àoà ueàde eàse ào se adoà o àoào jeti oà
deàe ita àe essosàeàf agiliza àaàde o a ia,àpoisà osàpa e eà istali aàaà o lus oàdeà ue,àoà
te e oà àf tilàpa aàoàati is oàjudi ial.
Portanto, faz-se mister que causas justificadoras de eventuais práticas de ativismo
judicial sejam cuidadosamente analisadas, para que não sejam utilizadas pelo Poder Judiciário
como um instrumento nocivo às necessidades dos cidadão sou ao interesse do Estado, o que
ocorre quando os juízes ou os tribunais, com a sua livre e arbitrária convicção, ultrapassam as
racionalidades Políticas e jurídicas, atuando ao seu bel-prazer, gerando insegurança jurídica e
deslegitimando a Política.
‘йнй‘ÊNCIá“
Tá““INá‘I,àCla issa.àщu isdiç oàeàáti is oàщudi ial:àLi itesàdaàátuaç oàdoàщudi i io.àэi a iaà
doàád ogado.àPo toàáleg e,à .
677
1 INTRODUÇÃO
1
Aluna do Curso de Graduação em Direito, lcbonfada@gmail.com.
2
Professora do Curso de Graduação da Unijuí, Mestre em Direito, Especialista em Direito Público,
pmoura@unijui.edu.br.
678
2 DESENVOLVIMENTO
Da mesma maneira, conforme Moura (2016), foi destacado que a União não estaria
repassando aos Estados recursos do FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional -, apesar de
disponíveis e necessários à melhoria do quadro. Verifica-se, então, que mesmo prevista em
pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, a audiência de custódia não vinha sendo
observada pelo Poder Judiciário.
O que se nota, finalmente, é que o estado de coisas inconstitucional do sistema
penitenciário brasileiro serviu de preceito para a impetração da APF 347/2016 e,
consequentemente, para destacar alguns pontos já previstos na legislação processual penal
brasileira. Exemplo disso são as medidas cautelares diversas ao cárcere que restam elencadas
no artigo 319, do Código de Processo Penal brasileiro, que, infelizmente, apesar de instituídos
com a alteração legislativa de 2011, ainda são pouco usadas, em comparação com a prisão
preventiva.
Digno de nota, como referido, que apesar de ainda não prevista pela lei processual
penal brasileira, a audiência de custódia está conjecturada em pactos internacionais
devidamente ratificados pelo Brasil.
681
[...] toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o
direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo
de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que
assegurem o seu comparecimento em juízo.
No mesmo sentido, o artigo 9.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
aduz que:
[...] qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser
conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei
a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser
posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não
deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias
que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os
atos do processo e, se for necessário, para a execução da sentença.
Assinala-se, então, que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, apesar de
ter sido aprovado em 1966, entrou em vigor apenas dez anos depois, em 1976, tendo em vista
que somente nesta data atingiu o número necessário de assinaturas para tanto, com base no
que aduz Flávia Piovesan (apud NUNES; TÓPOR, 2015). Nesse viés, destaca-se que o Brasil
ratificou o referido pacto através do Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1992,
e o promulgou pelo Decreto Executivo nº 592, de 6 de julho de 1992.
Por conseguinte, o que se verifica é a precisão considerável da realização da audiência
de custódia em todas as Comarcas do território brasileiro. Primeiro, porque, apesar de não
prevista em norma infraconstitucional, está elencada em tratados internacionais de que o
Brasil é subscritor e, mesmo assim, não os cumpre de forma integral. E segundo, porque é
682
mais das vezes, diante de uma prisão em flagrante. Então, indaga-se: será que o simples
encaminhamento do auto da prisão em flagrante, ou seja, uma folha de papel contendo dados
mínimos do preso à autoridade judiciária é capaz de fazer com que o magistrado decida acerca
do melhor caminho que deve ser proporcionado àquele preso? É justamente essa a questão
que se procurará responder ao longo do presente tópico.
Ainda, com base no que ensinam Lopes Jr. e Morais da Rosa (apud NUNES; TÓPOR,
2015, p. 59), a audiência de custódia deve seguir os seguintes passos:
Nesse viés, uma vez que já plausível o conceito da audiência de custódia bem como ela
deve ser procedida é que se adentra em suas finalidades. Segundo Tópor e Nunes (2015), a
audiência de custódia possui duas finalidades: evitar prisões ilegais e prevenir maus
tratos/tortura, além de garantir os princípios do contraditório e da ampla defesa durante o
procedimento cautelar.
Considerando tais objetivos, percebe-se que na audiência de custódia prevalece o
intuito de superar a fronteira do papel, estabelecida através do encaminhamento do auto de
prisão em flagrante, haja vista a previsão imediata do encontro entre detido e juiz. Além disso,
outro propósito é evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo, desnecessárias,
tendo em vista que o processo penal pode agir na contenção do poder punitivo, conforme
corroboram Tópor e Nunes (2015).
Não bastasse isso, tal contato imediato do flagrado com a autoridade judiciária está
relacionado com a prevenção de tortura policial, assegurando, pois, a efetivação do direito, a
integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade, como colacionam Tópor e Nunes
(2015).
684
Nesse sentido, inclusive, segundo os referidos autores (TÓPOR; NUNES, 2015), decidiu
a Corte Internacional de Direitos Humanos que a apresentação imediata ao juiz é essencial
[...]àpa aàp oteç oàdoàdi eitoà àli e dadeàpessoalàeàpa aàouto ga àp oteç oàaàout os direitos,
o oàaà idaàeàaài teg idadeàfísi a .
Outrossim, no que tange aos princípios do contraditório e da ampla defesa, além de
estarem previstos na Constituição Federal brasileira, são inerentes ao sistema acusatório de
garantias. Portanto, é indiscutível a relevância da audiência de custódia também para a
valorização de tais princípios, uma vez que com o contato imediato entre preso e autoridade
judiciária se terá a possibilidade de analisar as razões de fato para manter ou não a
segregação.
Ademais, com base no sustentado por Caio Paiva (apud OLIVEIRA; MESSIAS, 2016, p.
124), a principal e mais elementar finalidade da implantação da audiência de custódia no Brasil
é ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
Percebe-se a importância do sublinhado por Paiva, uma vez que de nada adianta o país ser
subscritor de Tratados Internacionais e não utilizar as normas neles previstas.
Outro aspecto que Morais da Rosa (apud OLIVEIRA; MESSIAS, 2016, p. 125) considera
relevante acerca da audiência de custódia é a análise dos custos da condenação de um
acusado. Segundo ele, um processo judicial demanda a existência de estrutura de investigação
(Polícia Civil e Ministério Público) e também do processo judicial, restringindo-se ao Poder
Judiciário (Tribunais, Juízes e Ministério Público, Defensoria, servidores, etc.).
Além disso, deve-se considerar a estrutura carcerária necessária para que os presos se
mantenham em condições mínimas de sobrevivência. Tendo em vista, então, os elevados
gastos que advém de uma condenação, bem como a péssima infraestrutura em que se
encontra o sistema prisional brasileiro nos dias atuais, além da descrença acerca de
ressocialização do segregado com sua prisão, não seria útil que o Estado utilizasse destes
investimentos para propor medidas alternativas, que realmente visassem à reinserção do
segregado ao meio social?
Portanto, a audiência de custódia é um instrumento importantíssimo para a
humanização do processo penal, uma vez que possibilita um diagnóstico mais precioso de
eventuais práticas extorsivas, abusos e violências, além de estabelecer um contraditório
efetivo entre as partes perante o juiz, antes de ele decidir se: (1) relaxa o flagrante, diante do
685
vício de forma; (2) concede a liberdade, pura e simples, ou vinculada ao cumprimento de uma
ou mais medidas cautelares; (3) mantém a prisão, convertendo o flagrante em preventiva,
quando não se mostrarem cabíveis outras medidas, revelando-se o caráter excepcional das
prisões provisórias, conforme preconizam Tópor e Nunes (2015).
Haja vista o já ilustrado, especialmente no que diz respeito à prisão em flagrante, a
alegação do Estado de Coisas Inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e as
irregularidades que perduram em meio às decretações de prisões provisórias é que se
concluirá o referido estudo, buscando apontar os resultados que a audiência de custódia vem
trazendo tanto para a política criminal contemporânea do Brasil, como para as políticas
públicas de segurança.
Nesse viés, entende-se relevante destacar índices apontados pelo Conselho Nacional
de Justiça brasileiro (CNJ, 2017) no que tange à realização da audiência de custódia em todo
território nacional, bem como, a partir das solenidades já efetivadas, ter conhecimento dos
percentuais de conversão em prisão preventiva ou concessão da liberdade provisória: até o
mês de janeiro do presente ano, foram realizadas em todo território nacional, nos estados os
quais já foi implantada a audiência de custódia, 186.455 (cento e oitenta e seis mil,
quatrocentos e cinquenta e cinco) solenidades, sendo que destas 85.568 (oitenta e cinco mil,
quinhentos e sessenta e oito), ou seja, equivalente a 45,89% resultaram em liberdade; ainda,
das mesmas audiências, 100.887 (cem mil, oitocentos e oitenta e sete), equivalente a 54,11%
foram convertidas em prisão preventiva. Outrossim, em 8.279 (oito mil, duzentos e setenta e
nove, correspondente a 4,68%, houve alegação de violência no ato da prisão e em 20.519
(vinte mil, quinhentos e dezenove) casos, equivalente a 11% houve encaminhamento do preso
em flagrante a atendimento social/assistencial.
O que se verifica, portanto, é que apesar de ainda ser elevado o número de prisões em
flagrantes, e consequentemente de realização de audiência de custódia, significativa parcela
destas, em alguns estados brasileiros, tiveram outro destino que não a conversão em prisão
preventiva, diante da realização de tal solenidade. Talvez a justificativa para esses resultados
possa partir da constatação de que o contato imediato do detido com a autoridade judiciária
faz com que esta tenha melhores condições de decidir, casuisticamente, qual será o destino
do preso, uma vez que o envio tão somente do auto de prisão em flagrante muitas vezes não
demonstra a real situação, tanto do flagrado, quanto das condições em que se deu a prisão.
686
Conforme Moura (2016), ainda é cedo para se poder fazer uma análise qualitativa
desses resultados, até porque, para tanto, haveria também a necessidade de que se pudesse
a alisa à oà a tesà eà oà depois ,à e assim, comparativamente, fosse possível afirmar que a
audiência de custódia de fato contribui para a redução da população carcerária no Brasil. O
que importa é que ela seja massivamente implantada, a fim de possibilitar ao juiz, ante à
apreciação de um auto de flagrante, melhores condições de analisar casuisticamente qual a
melhor medida a ser adotada para o indivíduo preso, pensando-se no que se seguirá à prisão
em flagrante.
Portanto, pode-se concluir que a audiência de custódia realmente é um importante
passo para que se atinja a humanização do processo penal brasileiro. Embora se esteja longe
deà esol e à aà p o le ti aà doà ha adoà йstadoà deà Coisasà I o stitu io al à doà siste aà
penitenciário brasileiro, ao menos se busca implantar uma medida que possa contribuir para
minimizar suas mazelas, já que um de seus maiores problemas é atingido, qual seja o da
superlotação dos presídios.
Diante dos resultados já concretizados com sua realização, sem sequer estar prevista
em lei infraconstitucional, evidencia-se que tal ato pode ser um marco na melhor utilização
das medidas cautelares diversas ao cárcere e, até mesmo das prisões preventivas, objetivo
previsto na Lei nº 12.403/2011, mas que infelizmente ainda não se alcançou plenamente.
Destaca-se que a audiência de custódia tem muito a acrescentar, tanto para o sistema
processual penal brasileiro, quanto para o sistema penitenciário do país. Verifica-se a
necessidade de sua utilização tanto para contribuir para uma política criminal alternativa,
como para garantir direitos fundamentais do encarcerado e da sociedade.
E foi com esse intuito que se abordou a audiência de custódia, desde seus fundamentos
até a necessidade de sua realização, uma vez que ao longo do desenvolvimento da pesquisa
notou-se que, de fato, este é um meio a ser utilizado que pode trazer significativas melhoras
ao sistema processual penal brasileiro, e ao sistema penitenciário. Outrossim, se verificou a
estrita relação existente entre os fundamentos da audiência de custódia e as medidas
cautelares previstas na Lei 12.403/2011, uma vez que o instituto veio a satisfazer os propósitos
da citada lei, ou seja, fazer da prisão cautelar uma medida excepcional e não precípua.
Portanto, o contato do detido após a comunicação da prisão em flagrante com a
autoridade judiciária, dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, certamente tem o condão
687
de se fazer uma melhor utilização das medidas cautelares, da prisão preventiva e até mesmo
da concessão de liberdade provisória, uma vez que o contato pessoal possibilita uma melhor
análise das reais condições do preso. Diante disso, verifica-se a relevância do estudo em
comento, inclusive da necessidade de sua aplicação nas mais diversas comarcas do Estado.
Talvez com isso se tenha um sistema penitenciário mais digno, em que o preso tenha
garantido direitos fundamentais. E, da mesma forma, possivelmente se possa ter um resultado
positivo quanto àqueles que apesar de realizada a audiência de custódia, necessária se faz sua
segregação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
papel, o que ocorre ainda nos dias atuais, quando é enviado apenas o auto de prisão em
flagrante para análise judiciária.
Ademais, tendo em vista o caótico sistema penitenciário atual, é que foi arguido o
Estado de Coisas Inconstitucional do sistema prisional brasileiro, surgindo, então, os primeiros
fundamentos da audiência de custódia. Nessa senda, concluiu-se que a audiência de custódia
de fato pode amenizar, ainda que minimamente, as mazelas do sistema processual penal e
sistema penitenciário; essa afirmação se dá uma vez que o contato pessoal entre preso e
magistrado possibilita que este dê outro destino ao detento que não o cárcere, evitando, da
mesma forma, prisões desnecessárias que certamente contribuiriam para a superlotação do
presídio.
Não bastasse tais dados, verificou-se que infelizmente a sociedade livre não dispõe do
real intuito de reinserção social do preso, tampouco está preocupada com condições dignas e
seguras para a vida no cárcere. E muito menos compreende o quanto tal situação poderia
reverter em benefício do próprio corpo social, integrado pela parcela dos que vivem em
liberdade.
Diante disso, é importante que se compreenda o papel da audiência de custódia para
a política criminal contemporânea do país, bem como para a segurança pública como direito
fundamental. Pois, pensando-se no que motivou a implantação da audiência de custódia,
apenas daquilo que se constituiu, no plano jurídico, como seu discurso fundante, no sentido
deàseàde la a àoà estadoàdeà oisasài o stitu io al àdoàsiste aà a e ioà asilei o,àpa e eà
que, num primeiro momento, pode ser um avanço no sentido de estabelecer uma política
voltada para a segurança, numa perspectiva de proteção aos direitos fundamentais daqueles
que vivem no cárcere, a começar por reduzir o índice da população carcerária no Brasil.
Situações como essa não só permitem um processo penal mais humanista, em respeito
ao princípio da presunção de inocência e ao direito à dignidade da pessoa humana,
independentemente de sua condição de homem livre ou não, acusado ou não. Também, se
apresentam como um caminho para a implementação das medidas cautelares de coerção
pessoal, em substituição à prisão preventiva, quiçá reduzindo-a efetivamente às hipóteses em
que de fato se faça necessária como garantia da investigação e da instrução criminal, coibindo
o uso indiscriminado, como se tem revelado até então.
689
REFERÊNCIAS
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Estado das coisas inconstitucional. Publicado em 2015. Disponível
em: http://dirleydacunhajunior.jusbrasil.com.br/artigos/264042160/estado-de-coisas-
inconstitucional. Acesso em 24 Abril. 2017.
MELLO, Daniel. Relatório diz que presídio de Pedrinhas ainda tem tortura e superlotação.
Publicado em 01 Mar. 2016. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
humanos/noticia/2016-03/relatorio-diz-que-presidio-de-pedrinhas-ainda-tem-torturas-e.
Acesso em 24 Abril. 2017.
TÓPOR, Klayton Augusto Martins; NUNES, Andréia Ribeiro. Audiência de custódia: controle
jurisdicional da prisão em flagrante. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
690
Poliana Dill1
Eloisa Nair de Andrade Argerich2
Resumo: Oàte aà ueào aàseàdis uteàfoiào jetoàdoàT a alhoàfi alà ealizadoà e e te e te,à oà
u soàdeàg aduaç oàe àDi eitoàe,àa teàsuaài po t iaàeàatualidade,à ealiza‐seàu aàa liseà
so iol gi aàso eàaà o upç o,àa a ge doàseusà o eitos,à a a te ísti asàeà ausas.àVe ifi a,à
ta ,à uaisàasàfo asà aisà o u sàat a sàdasà uaisàesteàfe e oàseà a ifesta.àйstudaà
o oàaà o upç oà à o atida,àhoje,à oà itoàdaàád i ist aç oàPú li a,àt aze doàe e plosà
dosà e a is osàdeàp e e ç o,à o ito a e to,à o t oleàeà espo sa ilizaç oà ueàj ài teg a à
oà a a ouçoà o ati oà deà defesaà daà o alidadeà pú li a,à u aà ezà ueà aisà es dalosà
e ol e doàage tesàpú li osàeàpolíti os,àale àdeàseà o stitui àe ào st uloà à idada ia,àt à
sidoàal oàdosà oti i iosàeàdaà ídiaàeàdoàMi ist ioàPú li oàнede al.
Pala as- ha e:àád i ist aç oàPú li a;àCo upç o;àCo t ole;àMo alidade;à‘espo sa ilizaç o.
àINT‘ODUÇÃO
Pa aàseàfaze àu aàa liseàso eàaà o upç oà aàád i ist aç oàPú li a,ài i ial e teà à
e ess ioàte e àalgu asà o side aç esàa e aàdaàati idadeàad i ist ati aàdoàйstado.àйlaà à
o teada,àp i ipal e te,àpelosàp i ípiosàdaàsup e a iaàeàdaài dispo i ilidadeàdoài te esseà
pú li o.à áà sup e a iaà à supe io idadeà doà i te esseà pú li oà f e teà aoà pa ti ula ,à eà aà
i dispo i ilidadeà à aà i possi ilidadeà deà oà ad i ist ado à dispo à doà i te esseà pú li oà pa aà
fa o e e àoàseuàouàdeàout e .
áà ád i ist aç oà Pú li a,à pa aà ealiza à asà suasà fu ç es,à e o e,à f e ue te e te,à à
ola o aç oà deà e p esasà p i adasà eà deà te ei os,à ale do‐seà deà e sà eà se içosà dosà
pa ti ula es.à Qua doà feitaà aç oà o ju taà doà йstadoà o à aà i i iati aà p i ada,à fo a‐seà oà
o t atoàad i ist ati oà–àajusteà ue,àaoàse àfi adoà o àoàpa ti ula àouàout oàe teàpú li o,à
possi ilitaàaà o se uç oàdeài te esseà oleti o.
Pode‐seàafi a à ueàesteà o t ato,à o àoàpassa àdosàa os,àad ui iuà aio à ele iaà
ua doàseà e ifi aà ueàoà e eàdaà uest oà ueàe ol eàosà o t atosàad i ist ati osà oàdizà
espeitoàaoàfi à ueàse àati gido,à asàsi àaàfo aà o àaà ualàeleàse à ealizado.àOuàseja,àpa aà
1
Egressa do curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí);
advogada associada junto à Riboli Advocacia Empresarial, em Porto Alegre, RS. E-mail: poli.dill@gmail.com.
2
Mestre em Desenvolvimento pela Unijuí; docente do curso de Direito da Unijuí, no componente curricular
Direito Constitucional e Administrativo. E-mail: argerich@unijui.edu.br.
691
aà ealizaç oà doà o t atoà ad i ist ati o,à h à deà seà faze à p ese teà u aà s ieà deà e uisitosà eà
fo alidadesà ue,à uitasà ezes,à seà to a à aisà difi ultososà ueà aà p p iaà fi alidadeà doà
o t ato.
Nesteà se tido,à pode‐seà dize à ueà osà e t a esà u o ti osà ueà pe eia à asà aç esà
ligadasà à ád i ist aç oà Pú li a,à otada e teà o à elaç oà aosà o t atosà ad i ist ati os,à
esti ula à aà o upç o,à ueà adaà aisà à doà ueà aà iolaç oà deà u à de e à posi io al,à à aà
t a sg ess oàdeàalgu asà eg asà ueà ege àosà a gosàouàfu ç esàda uelesà ueàaàp ati a .
Pa ti doàdessasà o side aç es,à se à aà p ete s oàdeàesgota à oà assu to,àp ete de‐à seà
efetua à u aà e eà a liseà daà эeià ºà . / ,à o he idaà po à эeià á ti o upç oà ue,à
ju ta e teàaosàde aisà e a is osàdeàp e e ç o,à o ito a e toàeà o t oleàe iste tesà oà
B asil,à isa à o ate àaà o upç o,à e à o oàaà espo sa ilizaç oàdosàauto esàeàpa ti ipa tesà
deàatosàlesi osàaoàpat i ioàpú li o.
I p es i dí elà seà faz,à pa aà elho à o p ee s oà doà te a,à a o da à oà sig ifi adoà deà
o upç o,à ausasà eà fo asà ueà o t i ue à pa aà aà p ti aà a usi aà po à pa teà dosà age tesà
pú li osà eà políti os,à ueà ge a à des a dosà eà atosà oà o dize tesà o à osà p i ípiosà
o stitu io aisàdaàád i ist aç oàPú li a.àà
P i ei a e te,à i po ta teà efe i ,à destaà fo a,à ueà pa aà e te de à aà o upç oà
e iste teà oà seioà daàád i ist aç oàPú li a,à oà seà podeà p es i di à deà o he e à oà seuà ealà
sig ifi ado,à uaisàsuasà a a te ísti asàeà ausas.à
Oà o eitoàdeà o upç oà a iaàdeàa o doà o àaàpe spe ti aà aà ualà àe p egada,àe,à
ai da,àh àdi e g iasàe t eàosàauto esà ua toàaoàseuàe te di e to.àPo àisso,àfa ‐se‐ àu aà
a liseà aisàa a ge te;à àfato,àe t eta to,à ueàoàse soà o u àaàdefi eà o oàsi i oàdeà
ilegalidade.
Ca losàрe i ueàá o,àDese a gado àdoàT i u alàdeàщustiçaàdoàйstadoàdeà“ oàPaulo,à
aduzà ueà oàp o essoàlesi oàaoàe ioà o taà o àoà o upto àeàoà o upto,àu aà e dadei aà
pa e iaàpú li o‐p i ada,à aà ualàoàdi hei oà àdilapidadoàeàosà of esàseà esse te àdosàilí itos,à
oàe ta to,àde o a àpa aà o stata àasài egula idades.
692
sob o prisma léxico múltiplos são os significados do termo corrupção, expressão que
se origina do latim corruptione, que dá a idéia de corromper, que por sua vez significa
decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, devassidão, suborno ou
peita, chegando-se até a afirmar que suas raízes se insinuam no cerne da alma
humana, eis que os atos que a caracterizam se encontram ligados a uma fraqueza
moral. Assim, em resumo, a corrupção tanto pode indicar a idéia de destruição como
a de mera degradação, ocasião em que assumirá uma perspectiva natural, como
acontecimento efetivamente verificado na realidade fenomênica, ou meramente
valorativa.
legislati oàouàju isdi io al,àe à o ate àeàpu i àp ti asà ueàe ol e à o upç oà oàseioàdaà
ád i ist aç oàPú li a,àte àsidoàu ài duto à à o upç o.
щos àá thu à‘iosà ,àp.à ‐ àt ataàdosàdi e sosà o eitosàdeà o upç o,àfaze doà
e ç oà aosà e te di e tosà deà Ma uia elà eà Mo tes uieu.à Qua doà ela io adoà o à aà
ád i ist aç oàPú li a,àle io aà ue:
deg adaç oààdosà ostu es,ààeàdes espeitoà sàleis,àeàaàpou aàaptid oàpa aàaà idaàli e,à
su geà daà desigualdadeà e iste teà e à u aà idade.à ássi ,à o upç oà podeà se à
ide tifi adaà o àoàafasta e toàdaà i t à í i aàeàdaà idaàli eà[ i e eàli e o]àeà o àaà
a e tuaç oàdaàdesigualdade.à
estatalàp opi iaà ueàissoào o a,à ezà ueà oàh àu aàefeti aàeàsufi ie teàfis alizaç oàdoàpode .à
O se a àKátia Paulino Santos e Arley Felipe Amanajásà à ue
ásàfo asàdeà o upç oàs oàasà aisà a iadasàe,àassi à o oàoàseuà o eito,à uda àdeà
a o doà o à aà ultu a,à egi o,à í elà deà es ola idade,à et .,à deà ue à asà a a te iza.à áà B itishà
B oad asti gà Co po atio à BBCà B asil à di ulgouà u aà pes uisaà ealizadaà pelaà U i e sidadeà
нede alàdeàMi asàGe aisàeàpeloàI stitutoàVo àPopuli,ào deà uaseàu àe à adaà uat oà asilei osà
% àafi aà ueàda àdi hei oàaàu àgua daàpa aàe ita àu aà ultaà oà hegaàaàse àu àatoà
o uptoà Dйээáà Bá‘Bá,à .à O a,à da à di hei oà aà fu io ioà pú li o,à al à deà se à u aà
p ti aàeti a e teà o de el,à à i eàdeà o upç oàati a,àele adoà oàa tigoà àdoàC digoà
Pe alàB asilei o.à
áà es aàpes uisaàap ese taàalgu sàtiposàdeà o upç oà ueàfaze àpa teàdoàdia‐a‐diaà
deà uitosà asilei os,à taisà o oà oà da à otaà fis al,à da à t o oà e ado,à fu a à fila,à falsifi a à
assi atu as,à o p a àp odutosàfalsifi ados,àe t eàout as.à
De t eàasàdi e sasàfo asàdeà o upç oàpode àse àele ados,àta ,àosà i esàdeà
espo sa ilidade,àdeàe i ue i e toàilí ito,àdaàles oàaoàe ioàeàdoàate tadoàaosàp i ípiosàdaà
ad i ist aç oà pú li aà ‐à legalidade,à i pessoalidade,à o alidade,à pu li idadeà eà efi i ia.à
ái da,à osà tiposà pe aisà daà p ti aà doà su o o,à daà p opi a,à doà t fi oà deà i flu ia,à doà
epotis o,àdoàe p egoài egula àdeà e asàouà e dasàpú li as,àdoàpe ulato,àdaà o uss o,à
et .
áà o upç oà oà seà a a te izaà ape asà pelasà p ti asà tipifi adasà e à lei.à T ata‐se,à
ta ,àdasà o dutasà otidia asà ueàaàp p iaà o alà o de a.àÉàoà i is o,àoà ela a e toà
dosàp i ípios,àaàdeso de àpolíti a,àoàdes espeitoà sà eg as,àaàdeso ga izaç o.à
I te essa teà o se a à ueà oà B asilà possuià u à a a ouçoà ju ídi oà sufi ie teà pa aà
o ate à aà o upç o,à e,à i lusi e,à oà seà podeà es ue e à ueà aà p p iaà Co stituiç oà daà
‘epú li aà нede ati aà doà B asilà possuià e a is osà ueà au ilia à oà o t oleà deà p ti asà
a ti ti asàeàlesi asàaoàpat i ioàpú li o.à
Desta a‐se,à ueà aà pa ti ipaç oà doà idad oà oà t atoà daà oisaà pú li aà à u aà eg aà
696
Ou seja, tal acordo não pode ser visto de maneira equivocada. Não há corrompimento
por parte do Estado, tampouco colaboração com os infratores. Não se está a deixar de lado a
indisponibilidade do interesse público visando beneficiar os corruptores. Marrara (2013)
prossegue:
A previsão de sanções potenciais graves não bastaria, porém, para produzir efeitos
dissuasivos intensos. De fato, pouco adianta prever sanções exemplares se vige um
clima de impunidade, não raro resultante da reconhecida incapacidade estatal de
investigar e descobrir indícios de infrações complexas. É daí que se entende a
inserção da leniência na Lei Anticorrupção. Sua função é dúplice.
o dutasà o t iasà aosà pad esà í i osà e igidosà pelaà so iedade,à ueà a editaà ueà oà
ad i ist ado àageàdeà oa‐f .à
áti a‐seà à us aàdoàlu o,àe àdes espeitoà la oà sàleis.àBa alizou‐seàaà o upç o,àpois,à
aliadoà aosà des iosà deà o po ta e to,à est à aà i efi i iaà doà йstadoà e à pu i à p ti asà ueà
e ol e àesteàtipoàdeà o duta.àр à ue àdigaà ueàda àdi hei oàaàu àgua daàpa aàe ita à ulta,à
po àe e plo,à oà a a te izaà o upç o.à
Não se pode deixar de mencionar que no Brasil há uma tendência muito forte e clara
em prevenir e combater à corrupção e, isto se percebe porque alguns órgãos têm sido
institucionalizados, como a controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União, bem
como a implementação do Portal da Transparência do Governo Federal. São mecanismos que
permitem visualizar onde são aplicados os recursos públicos e como estão sendo aplicados.
Por último, não se pode deixar de registrar que para Célia Regina P. Lima Negrão e
Juliana de Fátima Pontelo (2016, p. 37).
Co ti ua à asà efe idasà auto asà a ota doà ueà pe e e-se que o Brasil tem se
esforçado nesta empreitada, ao ser signatário de tratados e convenções, onde assume
compromissos perante organismos internacionais e na sanção de leis que tratam este
o p o isso. à ,àp.à .
Além disto, com a promulgação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e a sua
regulamentação, por meio do Decreto nº 8.420/2015, a prevenção e o combate à corrupção
tiveram relevante função, pois seu objetivo é responsabilizar administrativa e civilmente
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, tanto nacional quanto
estrangeira (NEGRAO; PONTELO, 2016, p. 37).
Por último, o combate à corrupção, permite que se faça uma reflexão acerca dos
últimos acontecimentos ocorridos no Brasil, com a aprovação do impeachment da Presidente
da República e andamento da Operação Lava-jato, ou seja, torna-se imperiosa a necessidade
de mudanças comportamentais e funcionais, e a implementação de programas de
integridade, com " [...] a finalidade de adoção de mecanismos e procedimentos para
701
prevenção e combate à corrupção de todas as formas", uma vez que tem se mostrado como
um obstáculo à construção da cidadania (NEGRAO; PONTELO, 2016, p. 37).
Espera-se que a lei anticorrupção não seja mais uma lei no ordenamento jurídico, mas
possa ser um mecanismo ou instrumento efetivo e eficaz de geração e agregação de valores
à sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
‘йнй‘ÊNCIá“à
B‘á“Iэ.à Leià ºà . ,à deà à deà ju hoà deà .à ‘egulaà aà aç oà popula .à Dispo í elà e :à
<http:// .pla alto.go . / i il_ /leis/l .ht >.àá essoàe : à aioà .
______.à Leià ºà . ,à deà à deà julhoà deà .à Dis ipli aà aà aç oà i ilà pú li aà deà
702
espo sa ilidadeàpo àda osà ausadosàaoà eio‐a ie te,àaoà o su ido ,àaà e sàeàdi eitosàdeà
alo àa tísti o,àest ti o,àhist i o,àtu ísti oàeàpaisagísti oàeàd àout asàp o id ias.àDispo í elà
e :à<http:// .pla alto.go . / i il_ /leis/l o ig.ht >.àá essoàe : à aioà .
______.àLeià ºà . ,àdeà àdeàju hoàdeà .àDisp eàso eàasàsa ç esàapli eisàaosàage tesà
pú li osà osà asosà deà e i ue i e toà ilí itoà oà e e í ioà deà a dato,à a go,à e p egoà ouà
fu ç oà aà ad i ist aç oà pú li aà di eta,à i di etaà ouà fu da io alà eà d à out asà p o id ias.à
Dispo í elà e :à <http:// .pla alto.go . / i il_ /leis/l .ht >.à á essoà e : à aioà
.
______.à Leià ºà . ,à deà à deà ju hoà deà .à ‘egula e taà oà a t.à ,à i isoà XXI,à daà
Co stituiç oàнede al,ài stituià o asàpa aàli itaç esàeà o t atosàdaàád i ist aç oàPú li aàeàd à
out asà p o id ias.à Dispo í elà e :à
<http:// .pla alto.go . / i il_ /leis/l o s.ht >.àá essoàe : à aioà .
______.à Leià ºà . ,à deà à deà ja ei oà deà .à I stituià oà C digoà Ci il.à Dispo í elà e :à
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10149.htm>. á essoàe :à àout.à .
DO‘Iá,à Ped o.à ád ita os:à so osà o uptos .à [“.l.]:à йstad o,à .à Dispo í elà e :à
<http:// .estadao. o . / oti ias/suple e tos,ad ita os‐so os‐
o uptos, , .ht >.àá essoàe :à à aioà .
Gá‘CIá,àй e so ;àáэVй“,à‘og ioàPa he o.àI p o idadeàad i ist ati a.à .àed.à‘ioàdeàщa ei o:à
эú e àщu is,à .
MARRARA, Thiago. Lei anticorrupção permite que inimigo vire colega. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2013-nov-15/thiago-marrara-lei-anticorrupcao-permite-
inimigo-vire-colega>. Acesso em: 13 out. 2014.
MO‘йI‘áà NйTO,à Diogoà deà нiguei edo.à Cu soà deà di eitoà ad i ist ati o:à pa teà i t odut ia,à
pa teàge alàeàpa teàespe ial.à .àed.à‘ioàdeàщa ei o:àнo e se,à .
______;à н‘йITá“,à ‘afaelà Ve sà de.à áà ju idi idadeà daà Leià á ti o upç oà -à ‘efle esà eà
i te p etaç esà p ospe ti as.à Dispo í elà e :à
<http:// .fsl.ad . /sites/ .fsl.ad . /files/a_ju idi idade_da_lei_a ti o up ao_‐
_i lusao_e _ . . .pdf>.àá essoàe :à à a .à .
NEGRÃO, Célia Regina P. Lima; PONTELO; Juliana de Fátima. Os reflexos da Lei 12.846/2013,
conhecida como Lei anticorrupção, na Administração Pública. Disponível em:
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OLIVEIRA, Gustavo Justino de; DI SALVO, Sílvia Helena Johonsom. A aplicação da lei
anticorrupção... Disponível em: <http://www.justinodeoliveira.com.br/wp-
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10-181.pdf>. Acesso em: 11 set. 2014.
POYй‘,à Ca losà Nilto .à йle e tosà deà li e dadeà eà o upç oà e à Ma uia el.à Dispo í elà e :à
<http:// .fe il a . / upe /a ais_ _ep t/PDн/ ie ias_hu a as/ _POYй‘.pdf>.à
á essoàe :à à aioà .
1 INTRODUÇÃO
Embora não seja este o limite deste artigo, é o momento oportuno para consignar que
a luta empreendida pelos catadores de resíduos sólidos da cidade de Ijuí, os quais labutam
todos os dias na informalidade, em busca de melhores condições de vida e renda digna, deve
fazer parte das reflexões e atuações do poder público uma vez que àqueles vivem
precariamente em uma sociedade injusta que não consegue assegurar para esses
trabalhadores os direitos sociais previstos na Constituição Federal, bem como a dignidade
humana voltada ao mínimo existencial.
Então, neste cenário surge a Economia Solidária – ES, que pode ser o meio encontrado
para dar guarida aos interesses dos trabalhadores que se encontram em situação de
vulnerabilidade social possibilitando-lhes a busca de melhores condições de vida e renda digna
para que assim deixem de ser excluídos pela sociedade capitalista e possam ser inseridos em
uma sociedade justa e igualitária.
1
Acadêmica do 9º semestre curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí). E-mail: diessica_a@hotmail.com.
2
Mestre em Desenvolvimento pela Unijuí; docente do curso de Direito, componente curricular Direito
Constitucional e Administrativo da Unijuí. E-mail: argerich@unijui.edu.br.
705
Importante referir que a luta dos catadores de resíduos sólidos de Ijui passa
necessariamente pela ótica dos direitos sociais fundamentais, bem como pela importância
que assume o princípio da dignidade humana, ambos inscritos na Constituição Federal de
1988 para a inclusão social e emancipação econômica dessa parcela de trabalhadores
informais.
[...] impõe limites a atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha
a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia
designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena
eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente, proteção, promoção e
realização concreta de uma vida com dignidade para todos [...].
Desta forma são os direitos fundamentais que servem de meio para que se faça a
viabilização regular da dignidade da pessoa humana, através da eficácia direta e da proteção
contra terceiros, bem como da garantia de prestações materiais essenciais, as quais
necessitam da ação positiva do Estado, seja através de prestações normativas ou fáticas. A
omissão do legislador ou a insuficiência normativa que permita que seja violado a dignidade
da pessoa humana, em razão de carência de bens ou serviços essenciais a vida digna, serão
atacadas pela invocação do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual base do Estado
democrático de direito (BITENCOURT NETO, 2010).
707
Na atualidade, não existe nem a garantia de um mínimo existencial para que as pessoas
possam ter uma qualidade de vida digna, pois as necessidades básicas não são asseguradas, o
que acaba gerando a desigualdade social. Desta forma sem que o indivíduo tenha suas
necessidades básicas satisfeitas dificilmente terá condições de usufruir de sua liberdade e
construir caminhos para o seu desenvolvimento como ser humano, como é o caso dos
catadores de resíduos sólidos de Ijuí, em que pese que todos os trabalhadores que atuam
nesta área também se encontram na mesma situação (BITENCOURT NETO, 2010).
Desta maneira o direito ao mínimo existencial é uma das manifestações da igualdade
material na medida em que assegura meios para que as situações de desigualdade sejam
pressupostos que irão gerar direitos subjetivos a abstenções ou prestações por meio do
Estado.
É incontestável que o Estado deve garantir o mínimo existencial aos cidadãos e não
poderá em processo judicial invocar a cláusula da reserva do possível.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) em Recurso Extraordinário com
Agravo nº 639.3337, tem um entendimento assentado sobre o assunto. Ou seja, a cláusula da
reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de
fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria
Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo
708
A geração de resíduos sólidos tem sido um dos maiores problemas enfrentados pelas
comunidades e a Lei 12.305/2010 (PNRS), mais conhecido como a Política Nacional de
Resíduos Sólidos. A referida lei foi promulgada com a intenção de encontrar alternativas para
o reconhecimento dos catadores de resíduos sólidos, apresentando alguns dispositivos que
possibilitam a inclusão social e a emancipação social e econômica destes indivíduos.
Falar em inclusão social é um tema recorrente mas, de suma importância uma vez que
muitos cidadãos ainda encontram-se a margem da sociedade e a Lei de Resíduos Sólidos pode
possibilitar o alcance de vários benefícios aos catadores de materiais recicláveis, como a
participação nos planos de gestão de resíduos sólidos e incentivo a organização desses
profissionais em associações ou cooperativas. Desta forma, o PNRS apresenta em seu texto,
meios de valorização profissional dos catadores com intuito de inclui-los no mundo do
trabalho, mesmo que de forma informal, porém, organizados em associações.
Neste sentido, Ana Carolina Parra; Bruna Ferin; Michelle Delfito; Pricila Camila
Tedes hi;àрugoàнe a iàCa dosoà àp.à àa gu e ta à ueà aài lus oà àu àp o essoàdeà
transformação pequenas e grandes, de prazos diferentes, na mentalidade dos indivíduos. Por
709
meio desse processo, a sociedade tem condições de se preparar para incluir, em seu seio,
todasàasàpessoasàse àe eç oà[...] ,àsig ifi a doà ueàoàatoàdeài lui àest ài te ligadoà o àoà
ato de excluir que nada mais é do que deixar de fora da estrutura social minorias que são
incompatíveis com a sociedade capitalista.
Ou seja, em uma sociedade capitalista preocupada com o lucro, os catadores de
resíduos sólidos, não encontram eco para as suas reivindicações, mas a Política Nacional de
Resíduos Sólidos, estabelece como um de seus objetivos, no art. 7º, XII - integração dos
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (BRASIL, 2010).
Importante se faz considerar que é um dos desafios para o desenvolvimento local a
implantação de ações que visem a inserção dos catadores no meio social, consequentemente
gerando gradativamente sua emancipação econômica. Destaca-se que PNRS apresenta a
opção de inclusão social dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, estabelecendo
que os municípios deverão ter um plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos,
[...]à pa aà o ple e ta à osà p og a asà deà sa ea e to,à efo ça à aà ga a tiaà deà di eitos,à
promover a proteção social e ge a à opo tu idadesà deà i lus oà ualifi adaà eà idada ia à
(COSTA, 2017).
A partir desse contexto é imprescindível compreender a extensão das transformações
que poderão ocorrer para as pessoas envolvidas na catação de materiais recicláveis e
reutilizáveis, uma vez que o Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos, quanto a inclusão
social e a emancipação econômica, remetendo ao Programa Socioambiental REVIVA
(Reciclagem, Vivência e Valorização), criado pela Lei Municipal nº 5.096, de 07 de outubro de
2009 que tem como público alvo os catadores de materiais recicláveis de Ijuí, com a finalidade
de promover a defesa do meio ambiente, a mudança de comportamento social e a geração
de trabalho e renda.
Pode-se dizer, que sem sombra de dúvidas que esse Programa contempla ações que
busca potencializar a geração de renda das famílias envolvidas no REVIVA, porém ainda, não
foram implementadas todas as ações previstas.
Segundo o site do Município de Ijuí:
710
2.3 A luta empreendida pelos catadores de Ijuí em busca de sua emancipação social e
econômica
Trata-se de m mundo social criado apenas para as pessoas que possuem capital, sendo
que aqueles que não possuem ou não tem qualificação profissional, se tornam vulneráveis,
ficando à mercê da boa vontade de algum empregador. Segundo Snow e Anderson (apud
DINI),à ,à p.à à uitasà dessasà pessoasà s oà t a alhado esà e luídosà doà e adoà deà
trabalho, trabalhadores sazonais (migrantes e trecheiros), famílias que perdem a moradia,
vítimas da vul e a ilidadeàso ialà[...]
Na ótica de Ana Paula Santos Diniz (2014, p. 415)
Desta forma identifica-se o Estado como o grande violador de direitos humanos, pois
existem inúmeras pessoas no mundo todo em situação de vulnerabilidade social, pelo simples
fatoàdeàse e à o side adasà i úteis àaoàsiste aàp oduti oàeà o su ido ,àse doà ueàelasà oà
se encontram em nenhum desses eixos, seja por falta de emprego formal ou do próprio capital
(DINIZ, 2014).
Nesse sentido o Estado deve buscar ações/políticas de cunho emancipatório e não
meramente assistencialista, para que os catadores consigam se auto administrar, ter sua
própria renda e por consequência obter a melhoria de condições de vida, para que assim
consigam alcançar moradia adequada, saúde, educação, lazer, trabalho, tudo isso com a ajuda
do Estado, pois estes são direitos previstos na Constituição Federal em seu art. 6º. (DINIZ,
2014).
A partir deste enfoque se faz necessário contextualizar a luta dos catadores de
materiais recicláveis e reutilizáveis do município de Ijuí para mostrar como a questão está
sendo tratada no que diz respeito a inserção destes indivíduos no mercado de trabalho em
busca de uma sobrevivência decente mesmo com rendimentos insuficientes para ter
melhores condições de vida para si e possibilitar dignidade a seus familiares.
A luta dos catadores de resíduos sólidos de Ijuí tem apoio da Incubadora de Economia
Solidária, Desenvolvimento e Tecnologia Social – Itecsol/Unijuí que por meio de projetos,
entres eles, citando-seàoàdaà й o o iaà“olid iaàeàCoope ati is oà aà egi oàdeàIjuí à ueà isaà
empoderar os atores sociais envolvidos no processo da catação, possibilitando-lhes o
712
de reciclagem do lixo, os quais devem seguir etapas específicas, que se inicia com o despejo
do lixo pelo caminhão, para que em seguida haja a separação e classificação conforme o tipo
de material. Após essas etapas o processo continua, sendo os materiais prensados para serem
compactados, organizados em fardos e pesados, para então, por fim, serem vendidos.
Os catadores da cidade de Ijuí, ainda trabalham em condições precárias. Não possuem
alguns equipamentos, como por exemplo esteira que facilita a visualização dos produtos para
a separação adequada, bem como, há falta de outros equipamentos.
Nesse sentido, os catadores de resíduos sólidos tem o lixo como produto, pois na
medida em que ele é comercializado também torna-seàu aàfo teàdeà e daàeà so e i ia ,à
pois para eles a reciclagem é um instrumento econômico, o qual gera melhoria de renda para
si próprio e para sua família (LIMA, 2013, grifo do autor).
Portanto, se faz necessário apresentar o perfil dos catadores de resíduos sólidos da
cidade de Ijuí para compreender a dimensão social, econômica e política de atuação destes
para a melhoria da estética da cidade e para colaborar com o Poder Público Municipal dando
a destinação adequada aos resíduos sólidos.
Segundo dados publicados no Diário Oficial em junho de 2016, Ijuí conta com uma
população de 83.089 habitantes, sendo o município mais populoso da região noroeste. E
dentre estes números de habitantes encontram-se os catadores de materiais recicláveis, que
trabalham incessantemente para deixar a cidade mais limpa, decorrência do crescente
consumo de produtos reciclados e descartados pela sociedade e que possibilitam-lhes ter uma
renda digna, a qual ajude na sua sobrevivência (PODER EXECUTIVO, 2017, grifo nosso).
Afirma Maria Isabel Rodrigues Lima (2013, p. 58, grifo do autor) que:
2.4 A Economia Solidária como alternativa de melhores condições de vida e renda digna
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BASSO, David; LEMES, Fábio Roberto Moraes; SILVEIRA, Daniel Claudy da. Economia solidária
e dinâmica de desenvolvimento local: estudos de empreendimentos econômicos solidários no
município de Ijuí-RS. Revista Emancipação. Ponta Grossa, v.10, n.1, 2010, p. 327-340.
BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.
BRASIL (Constituição, 1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52º. ed. São
Paulo: Saraiva, 2015.
______. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos;
altera a Lei n. 9. 605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 10
abr. 2017.
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 639 337 em ARE 639.337 AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 23-8-2011, 2ª T, Publicado DJE de 15-9-2011. Disponível
718
em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE639337ementa.pdf.
Acesso em: 26 abr. 2017.
COSTA, Edimilson Rodrigues da. Uma visão comentada sobre a lei da PNRS. Disponível em:
http://www.revistapetrus.com.br/uma-visao-comentada-sobre-a-lei-da-pnrs/. Acesso em: 20
abr. 2017.
DINIZ, Ana Paula Santos. A importância das políticas públicas na efetivação dos direitos
humanos da população em situação de rua. In: GRINOVER, A. P.; ASSAGRA, G.; GUSTIN, M.;
LIMA, P. C. V.; LENNACO [Orgs.]; R. Direitos fundamentais das pessoas em situação de rua.
Beloàрo izo te:àD Pl ito,à .à ap.à ,àp.à -420.
LIMA, Maria Isabel Rodrigues. Economia solidária e vínculos. São Paulo: Ideias e Letras, 2013.
PARRA, Ana Carolina; FERIM, Bruna; DELFITO, Michelle; TEDESCHI, Priscila Camila; CARDOSO,
Hugo Ferrari. O desafio da inclusão social no Brasil. Disponível em:
http://www.uemg.br/openjournal/index.php/malestar/article/view/204/225. Acesso em 12
abr. 2017.
SINGER, Paul. Economia Solidária: um modo de produção e distribuição. In: SINGER, Paul;
SOUZA, A. R (Orgs.). A Economia Solidária no Brasil – a autogestão como resposta ao
desemprego. São Paulo: Contexto, 2003.
Carolina Attuati1
Enio Waldir da Silva2
1 – INTRODUÇÃO
Convivemos diariamente com os mais diversos tipos de violência e cada vez mais a ela
se torna um fenômeno social universal, não se restringindo a determinados grupos. Estando
a violência em nosso cotidiano e expressa em diversos discursos e ações podemos dizer que
ela se tornou uma cultura (SILVA, 2012).
Inicialmente, é importante que se faça uma diferenciação entre os conceitos de
conflito e de violência, os quais, muitas vezes, são utilizados como sinônimos. Conflito indica
divergências, pontos de vistas diferentes. Segundo Ames (2012), assim, o conflito não é algo
nocivo à sociedade, mas algo que sempre vai fazer parte da mesma, pois são através de
conflitos que vão ser criadas novas relações em que os indivíduos se instituem uns diante dos
outros. O que vai regular a positividade ou negatividade do conflito é a forma como ele vai ser
tratado, pois para ser positivo ele deve ser regulado pela palavra e não pela força. O conflito
é sempre controlável, quando não o é, então é violência.
A violência está ligada à noção de força, à ideia de geração de sofrimento, de dano
físi o,àpsí ui oàouà o al.àOuàseja,àelaà à u àatoàdeà utalidade,àfísi aàe/ouàpsí ui aà o t aà
1
Acadêmica do curso de graduação em Direito da Unijuí. Bolsista PIBIC/UNIJUÍ no projeto de pesquisa: Direitos
Humanos na Escola e na Educação Popular. E-mail: carol-attuati@hotmail.com.
2
Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais e do programa de Mestrado em Direitos Humanos
da Unijuí. Doutor em Sociologia. Coordenador do projeto de pesquisa: Direitos Humanos na Escola e na Educação
Popular. E-mail: eniowsil@unijui.edu.br.
720
como essa violência social chega à escola e como o ambiente escolar colabora para a sua
reprodução, a fim de se evitar que ela seja compreendida como algo normal.
Segundo Mirian Rodrigues de Souza (2008, p. 123),
... àaàes olaàto a-se um local de reprodução das relações e da hierarquia social,
como espaço favorável para reproduzir valores, padrões de comportamentos e
modos de se vestir, sentir e agir, sempre de acordo com os grupos dominantes,
ola o a doàpa aàoàau e toàdaàdesigualdadeàso ial .
Ou seja, pode-se dizer que, muitas vezes, os atos de violência praticados na escola são
decorrentes de uma reação social do jovem contra ela e contra a própria sociedade, por se
sentirem excluídos das mesmas e tentarem, através desse meio, serem incluídos nelas. Isso
mostra que a violência é determinada socialmente, havendo uma relação entre ela e a
exclusão e vulnerabilidade social.
Outro motivo para a violência nas escolas está na perda de esperanças e expectativas
em relação ao futuro, expectativas essas que antes estavam contidas na proposta da escola.
Em uma sociedade marcada pela fragilidade do Estado e das instituições políticas, o que
culmina na desigualdade social e de oportunidades, surge o sentimento de insegurança e
pessimismo, o que faz com que as pessoas diminuam suas expectativas em relação ao futuro
(AMES, 2012). Isso reflete no ambiente escolar e a escola se torna um local de manifestação
da violência.
processo de aprendizagem será prejudicado e quanto mais envolvido com a escola e quanto
maior a perspectiva de desenvolvimento social que o estudante vê na mesma, menos atos
violentos ele comete.
A violência se manifesta de diferentes formas no cotidiano das escolas, desde na forma
de ameaças, agressões físicas e verbais a alunos e professores até a depredação do espaço
escolar. Entre os atos de violência contra o patrimônio escolar estão desde furtos de materiais
escolares, relógios, brinquedos, aparelhos eletrônicos até a depredação de muros, janelas,
portas, salas de aula, equipamentos audiovisuais, pichações, entre outros. Frequentemente,
esses atos são classificados como vandalismo, no entanto, o fato de que, muitas vezes, ocorre
apenas depredação, sem furto, reafirma a tese de que eles são decorrentes de uma reação
social do jovem contra a escola, por se sentirem excluídos da mesma (SANTOS, 2001).
A ameaça entre alunos e de alunos a professores também é um fenômeno presente
aà es ola.à Pa aà á esà ,à p.à ,à aà a eaçaà e t apolaà u aà o eituaç oà est itaà deà
iol ia ,àli itadaà aoàusoàdaàfo çaà uta ,àseà o figu a doà o oàu àatoà ujoào jeti oà à
amedrontar, inti ida ,à ia àu aàsituaç oàdeài segu a ça,àsu li ha àsupe io idade .àOuàseja,à
a ameaça tem como objetivo estabelecer uma relação de poder através do medo.
No ambiente escolar, o sentimento de medo, insegurança, impotência causado pela
ameaça pode ser devastador para a vítima, pois ela e seu agressor convivem cotidianamente
juntos. Muitas vezes, os motivos das ameaças são banais, o que reforça a ideia de uma
violência gratuita. Ela pode ser fruto de uma tentativa de defesa, por parte do aluno, do seu
espaço na escola, de uma necessidade de ser reconhecido por desafiar a autoridade, ou
mesmo para evitar a denúncia da prática de algum ato ilícito ou indisciplinar no ambiente
escolar. (AMES, 2012 e SANTOS, 2001).
O problema das drogas na escola também é preocupante, pois, além de prejudicar o
rendimento escolar dos usuários, pode torná-los mais agressivos. Da mesma forma, a
presença de armas, tanto brancas como de fogo na escola é um problema. Segundo a Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Saúde, com alunos do 9° ano do Ensino Fundamental
de escolas públicas e privadas das capitais dos estados brasileiros, 6,1% dos alunos
entrevistados relataram envolvimento em brigas com armas brancas e 4% em brigas com
armas de fogo (MALTA, et al., 2010).
725
são graves e merecem uma atenção especial por parte da escola, das famílias e da sociedade
em geral.
Os danos sofridos pelas vítimas são incalculáveis, pois além dos decorrentes de
agressões físicas, também devem ser levados em conta os danos psicológicos, os quais se
tornam mais complexos devido à idade da vítima, pois crianças e adolescente ainda não
possuem completo discernimento para reagir a certas situações. As vítimas do bullying
geralmente são excluídas do ambiente escolar, ignoradas por seus colegas, sofrendo caladas,
sem contar sobre o que estão vivendo para os pais ou professores. Isso pode causar à vítima
desde dificuldades de aprendizagem e de se relacionar socialmente, até a escolha pelo suicídio
(ROSA, 2010).
Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de 2015,
divulgados em 19/04/2017, 17,5% dos estudantes brasileiros avaliados disseram sofrer
alguma forma de bullying algumas vezes durante o mês. Entre eles 9,3% relataram ser alvo de
piadas, 3,2% disseram ser empurrados e agredidos fisicamente e 7,8% excluídos pelos colegas
(TOKARNIA, 2017).
A violência escolar é uma realidade e deve ser reconhecida como tal. É um fenômeno
social que faz parte do ambiente escolar, devendo ser discutido nos âmbitos social e escolar
e não mascarado como algo normal e corriqueiro. Sendo a adolescência um período de
grandes transformações e de vulnerabilidade às influências do meio, e sendo a escola um
espaço de construção do indivíduo, é preciso que ela se fortaleça como um espaço
multicultural, aberto ao diálogo, criador de laços sociais, de esperanças futuras e
transformador de conflitos em novas relações sociais e aprendizagens. Dessa forma, é possível
diminuir e prevenir a violência escolar.
Um meio de diminuir a violência escolar utilizado por escolas em vários países, como
os Estados Unidos, por exemplo, é baseada na repressão, no aumento da segurança através
de policiamento nas escolas, instalação de detectores de metais, câmeras de segurança, entre
outros. Essas medidas são as mais populares, pois aparentam dar resultados eficientes e
rápidos, acabando com a insegurança, no entanto, elas não reconhecem as desigualdades
socioeconômicas e as especificidades de cada aluno, escola ou situação e a utilização de
medidas repressivas para combater atos violentos pode agravar ainda mais a situação. (AMES,
2012).
Assim, uma forma de combater a violência na escola, democraticamente,
considerando as especificidades e diferenças de cada um, é através da construção de uma
ultu aà deà paz,à aà ualà p op eà uda çasà i spi adas em valores como justiça, diversidade,
espeitoà eà solida iedade,à po à pa teà deà i di íduos,à g upos,à i stituiç esà eà go e os à áMй“,à
2012, p. 13). Ou seja, essa perspectiva propõe a mudança de valores e atitudes no meio social
e escolar, com a inserção de projetos que promovam esses valores nas escolas e a participação
cidadã da comunidade externa como formas de diminuir a violência.
Pa aà“algadoàeàнe ei aà ,àp.à ,àaàedu aç oàpa aàaàpazàs oàtodasàasà i i iati asà
que visam promover a coexistência pacífica com o outro e o reconhecimento da legitimidade
da posição deste outro, seja esse outro uma pessoa, um grupo, uma comunidade, uma nação
ouà aà hu a idadeà passada,à p ese teà ouà futu a .à Ouà seja,à u aà edu aç oà aseadaà aà pazà
depende do reconhecimento das diferenças dos outros, da busca pela compreensão dessas
diferenças e do poder de nos colocarmos na posição do outro.
Um meio de se construir essa cultura de paz é através da ideia da positividade do
conflito. Em um mundo repleto de diversidade e marcado pela competição e pelo
individualismo, como o nosso, cria-se um ambiente propício a conflitos, tornando-os
inevitáveis, partes da condição humana. No entanto, nem sempre eles precisam se
transformar em violência e ter resultados prejudiciais. Os conflitos podem ser construtivos
quando se reconhece a legitimidade das outras partes, buscando-se ouvir o seu ponto de vista
e, através do diálogo, chegar a uma solução pacífica, surgindo, assim, novas relações entre as
mesmas. Dessa forma, o conflito construtivo promove o diálogo, a valorização das diferenças
entre as pessoas, bem como de seus pontos de vista. (SALGADO; FERREIRA, 2012).
728
Ou seja, para se evitar conflitos violentos é necessário respeitar o outro, ouvir o seu
lado, o seu ponto de vista e, através do diálogo, da mediação, chegar a um consenso, e assim,
à solução do conflito. Ao fortalecermos nosso lado tolerante, solidário, ético, participativo, ao
expressarmos nossa opinião sem desrespeitar o outro, estaremos contribuindo para a
construção de uma cultura de paz.
Para a construção de uma educação baseada nessa cultura de paz, é necessário que a
escola incentive relações democráticas entre seus alunos, difundindo uma ética de
solidariedade, de respeito ao outro e às diferenças, utilizando o diálogo como principal
ferramenta de combate a violência. O intuito da criação de uma escola baseada na paz não é
a eliminação de todos os conflitos e diferenças entre os alunos, mas sim a discussão desses
conflitos no interior da mesma, a fim de promover formas de resolvê-los de modo não
violento, através do diálogo e do respeito, utilizando-os como meios de criar novas relações
entre os alunos, de valorizar as diferenças, de manter a coesão social e de abrir nossas mentes
para novas ideias, novas experiências e opiniões.
йli i a à aà hete oge eidade,à ouà seja,à e lui à oà dife e teà ouà oà di e ge teà pa aà
instaurar a paz entre os iguais não significa resolver conflitos, mas ser intolerante ao
conflito e às possibilidades de negociação e ressignificação por parte de todos os
envolvidos. Nesse sentido, a eliminação ou evitação pura e simples de conflitos não
à p o oto aà deà u aà ultu aà deà paz,à uitoà peloà o t io à B‘áNCO;à MáN)INI;à
PALMIERI, 2012, p.105).
Portanto, construir uma cultura de paz não significa acabar com os conflitos, mas sim
resolvê-los de forma pacífica e democrática, pois eles são uma boa forma de refletir sobre
nossas diferenças e, assim, ampliar nossa visão de mundo. Afinal, somos seres sociais, assim,
nos constituímos como sujeitos através de nossas relações com os outros. Da mesma forma,
essas relações são fundamentais para a construção de nosso conhecimento, pois cada
indivíduo tem uma experiência de vida e uma visão de mundo diferente. Assim, sem o outro,
reduziremos nossa capacidade de conhecimento, pois sem a sua contribuição estaremos
limitados a entender o mundo a partir da nossa visão apenas, reduzindo a possibilidade de
criação de novos significados e pensamentos. Dessa forma, mais do que compreender o outro,
precisamos ser capazes de aceitar e respeitar as suas diferenças, entendendo ele como um
sujeito de direitos e deveres assim como nós (SALGADO; FERREIRA, 2012).
729
O caminho para a construção de uma cultura de paz na escola passa pelo incentivo
da família. É na família que se inicia a educação dos indivíduos, com a aprendizagem de valores
fundamentais. A falta de um referencial familiar, um modelo positivo e não violento a ser
seguido, uma direção norteadora, uma estrutura familiar que promova o respeito através do
ensinamento de valores e princípios éticos, contribui para que o indivíduo encontre o mundo
da violência, até mesmo como uma forma de chamar atenção. Um indivíduo que não foi
educado para o respeito ao outro, que não assimilou regras básicas de convivência social,
pode achar que tudo é permitido, inclusive, banalizando o desrespeito e a violência, tendo a
mesma como uma forma de resolver conflitos pessoais (SOUZA, 2008).
Dessa forma, é necessária a aproximação entre a escola, a família e a comunidade,
sendo a escola responsável por estabelecer estratégias para essa aproximação. Entre essas
estratégias pode-se mencionar o desenvolvimento e projetos extracurriculares, como
gincanas, festas, eventos culturais e esportivos abertos à comunidade, a criação de conselhos
de pais, ações solidárias comunitárias, entre outros, a fim de se resgatar valores como
cidadania e respeito e possibilitar que a família e a comunidade tenham efetivamente uma
participação na escola, possuindo acesso a suas discussões e decisões, bem como debatendo
e sugerindo formas que colaborem para minimizar a violência escolar (PRIOTTO, 2009).
Outro aspecto da participação da comunidade na escola é a presença de profissionais,
como psicólogos na mesma, para ajudar na recuperação de alunos vítimas de violência, como
o bullying, por exemplo, bem como para ajudar as famílias a detectarem a presença de sinais
que demostrem que seus filhos estão sofrendo na escola. O envolvimento de pais em conjunto
com professores e alunos é fundamental para o desenvolvimento de projetos de combate a
violência. É importante que as famílias estejam atentas ao comportamento dos filhos dentro
de casa e na escola, como a relação dos mesmos com professores e colegas, a frequência na
escola, o rendimento escolar, a entrega de trabalhos, entre outros, pois o desânimo, a falta
de vontade de ir à escola, a queda das notas podem ser sinais que esse jovem está sofrendo
violência, e muitas vezes os pais não percebem (PRIOTTO, 2009 e ROSA, 2010).
Portanto, ações de prevenção à violência devem começar em casa, com a família,
através da educação, do ensino de valores fundamentais e através do alerta aos menores
sinais de que os filhos estão passando por algum problema na escola. Quando isso não é
suficiente e a violência chega à escola, a mesma deve estar ciente de seu papel, fazendo um
731
3- CONSIDERAÇÃOES FINAIS
A violência só pode ser combatida quando uma sociedade tiver claro um ideal de
vivência dos indivíduos e este ideal estiver presente na consciência de cada um, nos
referenciais institucionais, nas ações de atores e agências e quando ele fizer parte do currículo
aberto e oculto da educação escolar. Ideal de vivência significa uma proposta de sociedade
justa, fruto do diálogo e dos interesses universais bem educados. Afinal, viver em sociedade é
esforçar-se contra, às vezes, nossas próprias naturezas. Em nome do quê eu faço este esforço?
Se a resposta para esta pergunta for de que é em nome de uma vida justa para todos já
estamos no início de uma cultura de paz. A escola poderia gerar este ideal de sociedade e
assim minar as relações sociais dos futuros adultos que ali estão enrizando as mentes.
Mas a escola não pode ser este ente abandonado pela sociedade e pelo Estado. Ela
precisa ser tratada como a mais importante instituição civilizacional e estar no centro do
espaço público, para todos os indivíduos passar e levarem dela as energias para a sociedade.
Por isso que dissemos que a cultura de paz é uma responsabilidade de todos. A paz está no
interior de uma cultura de diálogo, onde cada um pode passar para o outro aquilo que tem de
melhor em si, pois se não percebermos o que de bom e de justo há em nós não conseguiremos
ver o que de bom e justo há no outro e, assim, ficaremos estranhos entre nós e não
construiremos nada juntos.
Sendo a escola um espaço marcado pela diversidade cultural e social, o qual tem
como objetivo contribuir para a formação dos indivíduos, ela deve estar preparada para lidar
732
com os eventuais conflitos que essa diversidade pode gerar. A escola deve estar consciente
que conflitos e violências são uma realidade na sociedade e no próprio ambiente escolar, e
que por isso precisam ser discutidos, entendidos e tratados e assim promover valores éticos
que une escola, família e sociedade, no processo de aprendizagem.
Portanto, para a efetividade de uma educação voltada para a cultura de paz e para o
combate da violência é fundamental a afirmação de valores como respeito, tolerância e
igualdade. Esses valores devem começar a serem aprendidos no âmbito da família e
reforçados na escola, pois somente a partir deles conseguiremos criar um ambiente
democrático na instituição escolar, que possibilite a resolução de conflitos e divergências
através do diálogo e o combate à violência. Dessa forma, a escola estará cumprindo seu papel
para a construção de uma cultura de paz, bem como se afirmando como um espaço de
valorização da igualdade e da diferença, de desenvolvimento de um pensamento reflexivo e
de reconhecimento da dignidade humana.
REFERÊNCIAS
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SANTOS, José V. T. dos; TEIXEIRA, Alex N. (Org.). Conflitos Sociais e Perspectivas da Paz. 1ed.
Porto Alegre: Tomo Editorial, 2012, v. 06, p. 389-404.
BRANCO, Angela M.C.U.A; MANZINI, Raquel G.P.; PALMIERI, Marilicia W.A.R. Cooperação e
promoção da paz: valores e práticas sociais em contextos educativos. In: BRANCO, Angela
M.C.U.A.; OLIVEIRA, Maria C.S. L de. (Org.). Diversidade e cultura da paz na escola:
contribuições da perspectiva sociocultural. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 95-123.
MALTA, Deborah C, et al. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de
Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, vol.15,
supl.2, out/2010, p. 3065-3076. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/csc/v15s2/a11v15s2.pdf> Acesso em: 21 mar. 2017.
733
PRIOTTO, Elis Palma. Práticas educativas de prevenção da violência escolar. In: IX Congresso
Nacional de Educação - EDUCERE, 2009. Curitiba. Anais... Curitiba: Champagnat, 2009, p.
6057-6069.
SALGADO, João M.C.F.; FERREIRA, Tiago B.S. Educação para a paz: uma perspectiva dialógica.
In: BRANCO, Angela M.C.U.A.; OLIVEIRA, Maria C.S. L de. (Org.). Diversidade e cultura da paz
na escola: contribuições da perspectiva sociocultural. Porto Alegre: Mediação, 2012, p. 51-
65.
SILVA, Enio Waldir da. Direito, violência e conflitualidade. In: SILVA, Enio Waldir da. Sociologia
Jurídica. Ijuí/RS: Unijui, 2012.
SOUZA, Mirian R. de. Violência nas escolas: causas e consequências. Caderno Discente do
Instituto Superior de Educação, Aparecida de Goiânia, Ano 2, n. 2, p. 119-136, 2008. Disponível
em:
<http://www.faculdadealfredonasser.edu.br/files/pesquisa/Artigo%20VIOL%C3%8ANCIA%2
0NAS%20ESCOLAS%20-%20CAUSAS%20E%20CONSEQU%C3%8ANCIAS.pdf> Acesso em: 23
mar. 2017.
WAISELFISZ, Julio J. Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil. Brasília: Editora Qualidade, 2014.
Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf>
Acesso em: 25 abr. 2017.
734
RESUMO: Esse artigo tem como objetivo especificar quem são os menores infratores, e de
que modo eles tornam-se infratores, o que ocorre por diversas maneiras, sendo dentre esses
(em princípio) a discriminação de classes sociais, sucede-se que os indivíduos que estão
vivendo em sociedade, vivem um exemplo de tipificação, ou seja, descrito está e bem
favorecido àquele que não possui baixa renda, pois estes são subjugados antes de serem
necessariamente/precisamente reconhecidos. Além disso, trata-se de um artigo que fala
sobre a violência das pessoas que são marginalizadas socialmente, o que elas sofrem, e
ta ,àso eàaà ha adaà p oteç oàestatal ,à ueà àaàp oteç o do Estado em relação aos
humanos que nela vivem.
1. INTRODUÇÃO
Uma criança não ameaça ninguém. É só vida, inocência e ternura. Mais que ajudar
a outros, ela precisa ser ajudada e acolhida. (...) Cada vez que nasce uma criança, é
prova de que Deus ainda acredita na humanidade. Deus acreditou tanto que quis
nasce à ia çaà f gil,à o à osà a i hosà e fai adosà pa aà oà a eaça à i gu à-
te logoàэeo a doàBoff,àe àseuàa tigoà йspí itoàdeàNatal .à
1
Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Alto Uruguai e das Missões- URI, campus, Santo Ângelo.
– 3° Semestre.
735
meios, muito menos outras formas de fazer uma criança ser inocente e viver a infância, sem
acolhimento e ajuda.
significa que prisão), embora regida pelos princípios da brevidade e da última ratio (última
medida a ser pensada e adotada).
Manifesto é, que não pode-se utilizar as regras de outros países, exemplo é a prisão de
um indivíduo menor de 18 anos, como por exemplo Canadá, Escócia, e Estados Unidos, em
casos como do Brasil, até por que somos um País emergente e totalmente diferente desses
países de 1° mundo, entretanto os menores devem ser educados, e o Estado deve
p opo io a à essaà ha adaà edu aç o,à ofe e e doà u aà p oteç oà йstatal ,à po à eio de
ensino de qualidade, cultura, e um lazer que edifique (teatro).
Dentre os doutrinadores que defendem a redução da maioridade, leciona
brilhantemente Cavallieri:
meio em que só são protegidos quem tem riqueza, quem é branco, e quem tem ensino de
qualidade, ao que resta aos menores, menciono somente os menores infratores, pois se
tomarmos de uma maneira geral, nem todos menores são desprovidos de proteção estatal,
em meio que os mesmos possuem aquisições financeiras graças aos seus pais. O que resta aos
menores infratores é a proteção de suas rezadeiras.
737
Diversas mulheres, de baixa renda, que moram em favelas, bairros pobres, etc. Que
são marginalizadas, tem uma rotina muito parecida, ou seja, saem as 5/6 horas, batalham e
labutam a recompensa de um pão diaria e voltam só as 22/23 horas, deixando seus filhos em
A única proteção que essas batalhadoras têm, a única proteção que essas mulheres
podem dar aos seus filhos, é a oração diária. Nesse sentido, faço alusão, então, a música de
Projota - REZADEIRA:
As diversas rezadeiras existentes no nosso Brasil deixam seus filhos em casa, e seus
futu osàdepe de àdoà ueàelesàap e de àoà ueàge al e teà oà à o àsuasà ezadei as ,à asà
sim com as ruas, e observando nesse aspecto, ueà asà uas ,à s oà asà fa elas,à o de,à
infelizmente, existem infratores perigosos, e lá os menores, que a partir desse contato e
vivência, viram infratores, aprendem a vida, e passam sua adolescência aprendendo, o que,
por obvio, não deveria nunca ser ensinado.
As pessoas tornam-se violentas quando deixam de ter opções e, quando a sociedade
deixa de ter opções para lidar com a violência, recorre a repressão, ao controle e ao
aprisionamento. A criminalidade não é fruto do acaso. É o resultado de uma equação
complexa, mas precisa.
738
Temos certeza que a solução seja o ataque as causas profundas da criminalidade, tal
como a exclusão social, desemprego, família dilacerada, violência transmitida pela mídia, falta
de educação, fome, uso de drogas, criminalidade dos detentores do poder e do capital, ou
seja, a problemática deita suas raízes no social e não no penal.
Adolescentes carentes de comida, saúde e afeto e legião de jovens lançados no mercado
do desemprego (atualmente são 4,4 milhões de jovens desempregados) são, de fato, a pólvora
do barril anti-social. É ilógico exigir um comportamento civilizado aos órfãos da dignidade
humana. Antes de o adolescente ser autor de crime, em geral, ele foi vítima.
Nada mais assertivo do que as ilustres palavras do grande Jurista e Criminólogo, Juarez
Ci i oàdosà“a tos,àdeà ueà aàso iedadeà apitalistaàaài e saà aio iaàdosà i esà à o t aàoà
patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos materiais e o
próprio crime patrimonial constituiu tentativa normal e consciente dos deserdados sociais
pa aàsup i à a iasàe o i as à “áNTO“,A Criminologia Radical,2006, p. 12. )
Também, num país impregnado pelo capitalismo, o que mais poderia se esperar! (Sobre
O Tema: PRUDENTE,Capitalismo e Criminalidade, 2007.) Ou seja, que quando mais se têm
melhor é, e evidente que os jovens são assim também, e por obvio, quem não tem condições,
e observa seus mais próximos cometendo infrações penais, faz o mesmo.
Nesse sentido, é que se pode afirmar que o maior direito passa a ser o direito de ter
direitos, ou seja, o direito de ser sujeito de direitos, na feliz expressão de Hannah Arendt, que
já se faz cada vez mais conhecida, pela sua justeza e riqueza de expressão. (Cf. Piovesan, Flávia.
Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, p.
140).
Logo, é importante perceber, lato sensu, que não há sociedade que sobreviva sem a
existência de direitos. Além disso ,todos somos portadores desses direitos. E nos casos dos
menores infratores, por mais que estão à margem da sociedade, eles também são cidadãos,
de direitos, e também, de deveres. Ou seja, o Estado deve protege-los e ampara-los nas
circunstancias codificadas em lei
Indubitável é que todo ser humano tem direitos, e evidentes estão no nosso código,
dentre esses direitos, menciono, principalmente, os descritos no ART 5° da nossa Constituição
Federal, que são à vida, liberdade e segurança. Todos, somos portadores desses direitos,
todavia, não definitivamente, pois como já foi mencionado, os direitos são taxativos, a
sociedade inteira é taxativa, ou seja, optam por quem acolhem e protegem.
A garantia do direito à liberdade física de qualquer cidadão, inclusive adolescente, faz
parte de todo o regime que se diz democrático. Esse direito à liberdade, declarado pela
Constituição Federal, foi recepcionado pelo Estatuto. A Constituição especifica as limitações
que convém aos interesses sociais e estipula os meios de garantia do seu exercício. Sendo,
assim, o princípio constitucional da legalidade da prisão é, consequentemente, o princípio
estatutário da legalidade da apreensão (art. 5º, inciso LVI da CF e 106 do ECAd). Em síntese,
no caso dos menores infratores, devem ser protegidos e amparados, com iguais direitos,
independente de raça, com religião etc.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como pretensão expor de forma objetiva, mas ao mesmo
tempo explanando muito bem, a atuação e situação dos Direitos Humanos, juntamente com
o menor infrator na sociedade atual, objetivando e tentando assim, esclarecer pontos centrais
que evidenciam problemas ou soluções para os mesmos. Pois não podemos descontextualizar
740
a questão dos Direitos Humanos e o menor infrator com relação à organização do estado e os
avanços das gerações.
Além disso, dar visão aos indivíduos marginalizados em nossa sociedade, como no caso
do artigo, sua principal função, foi priorizar as donas de casa que tratam e criam seus filhos
sozinhos, deixando, sem ter escolha, para o Estado cuidar, por meio das instituições de ensino,
o que não o fazem, logo trata-se de um tratamento taxativo, ao meio que dão visão e amparo
somente aos que estão corretos à lei.
REFERÊNCIAS
Rodrigo Tonel1
Rogério de Almeida Dilkin2
Abstract: The present research aims to address in an objective and reflective way the debate
over the issue of domestic violence, starting from its concept, pointing out the theological,
historical and cultural reasons for the propagation and acceptance of this sort of crime by
some cultures and/or countries. It also tries to point out the potential victims and the harmful
reflexes caused by this kind of violence. Besides, it discusses the legislative treatment provided
by the Brazilian and Russian legislation in the search for a solution to the problem, bringing up
the current disagreement about the decriminalization of domestic violence in Russia. Finally,
it indicates some alternative ways to fight against this criminal practice, strongly present in
our society today.
Keywords: Brazilian Law; Comparative Law; Domestic Violence; Human Rights; Russia Law.
1 INTRODUCTION
It´s historical the oppression in which the female gender is victimized, the condition
for the women commonly put them into a position of submission on the family and on the
society. It just so happens because the cultural, religious and historical influences that has
been responsible to create this scenario.
When we´re going to talk about the religious influence, for instance, it is possible to
find texts in the Holy Bible (KING JAMES BIBLE, n.d., n.p. ) such as the reference contained in
the book of Ephesians, Chapter 5, Verses 22-23 which says: " Wives, submit yourselves unto
your own husbands, as unto the Lord. For the husband is the head of the wife [...]". Nowadays,
this sort of doctrine is still taught in most Christian denominations throughout the world and
in all sorts of temples, churches and synagogues.
The history of humanity in itself proves that for centuries the highest political and
eligiousàpositio sài àso iet à ould tà eào upiedà à o e ài àaàpea efulàway without either
by sacrifices or much struggle from them in a try to get the possibility of proving equal
conditions to assume such positions. What is most regrettable about all this, it is that
so eti esà e e à he à it sà e ide tà thatà so eà o e à o e o eà the men in terms of
1
Graduating law student by the regional university of northwest of the state of Rio Grande do Sul – Unijuí;
tonelr@yahoo.com;
2
Graduating law student by the regional university of northwest of the state of Rio Grande do Sul – Unijuí;
dilkin1@hotmail.com
742
intellectual and professional skills to a certain job, they aren´t allowed to assume that job just
because, so far, it´s considered a male job.
The history is stuffed by domestic abuse and even had the approval of the law for it. In
the early Roman society, women were considered property to their husbands. The Roman law
even allowed the man to beat, divorce, and in the worst case scenario, even murder his wife
when she committed some kind of offense against his honor or when she threatened his
property rights (DAVIS, 2017).
On the other hand, on the 15th century the Catholic Church used to teach that the man
was the judge of his wife so that he could beat her with a stick whenever she committed an
act considered an offense. By this bias, according to the understanding of the church, beating
was an act used for purifying the woman and at the same time it was a demonstration of real
concern from the husband to his wife´s soul. It was also a way to keep the discipline at home
(DAVIS, 2017).
2 Gender differences
We don´t need to go to a library and read a bunch of scientific books to tell that the
man´s body is different from the women´s body, we just need to look at it to see the
differences. But anyway, it´s interesting to highlight that it is scientifically proved that the male
body is muscularly stronger than when compared with the female body (GHOSE, 2015).
In accordance with a study made by the Janssen et all. (n.p., 2000), it has been proved
that in overage the women had 40% less muscle mass than men in the upper body, while in
the lower body they had only 33% less muscle mass when compared with the men. Therefore,
[…] these findings indicate that men have more SM than women and that these gender
diffe e esàa eàg eate ài àtheàuppe à od . щáN““йNàetàall.,àn.p., 2000).
Therefore, the man´s body is constituted of a greater amount of muscles than the
woman´s body so that the great majority of women have their bodies with a smaller
concentration of muscle mass. Now, as a consequence, what used to happen is that while
during the old days on the history of humanity, where the man has always been considered
stronger than the woman, it was the man who used to do the hard and heavy work.
743
Currently, however, considering all the technology developed and available with the
goal to facilitate all the jobs that require physical strength, it is now possible to include women
to a variety of jobs. So, the old claim that oftentimes said that women were the "fragile sex"
doesn´t exist anymore. The physical strength that once generated limitations for a woman not
to work disappeared as the introduction of new technologies and machines got all the heavy
work.
First of all, it´s really opportune to show a definition for domestic violence
hi hà a à eà u de stoodà asà aà diffe e tà a sà ofà eha io sà […]à usedà à o eà pe so à i à aà
relationship to control the other. Partners may be married or not married; heterosexual, gay,
o à les ia ;à li i gà togethe ,à sepa atedà o à dati g. DOMй“TICVIOэйNCй.O‘G,à .à I à thisà
sense,
many writers have used different expressions to describe violence between
intimates. For some, it is a problem of women in marital relationships being
assaulted, and the terms wife abuse or wife battering are most appropriate. Others
note that the real problem is the tacit societal acceptance of violence against
women. After all, the act of battering occurs just as frequently among couples who
are dating or living together but are not married. From this perspective, the term
iole eàagai stà o e à aptu esàtheàesse eàofàtheàp o le .àOthe s,à[…]à oteàthatà
although injuries due to violence occur disproportionately against women and that
men commit more serious violent acts, both genders engage in violence. For this
reason, proponents of this perspective favor the gender-neutral terms domestic
violence, domestic assault, intimate partner violence, or intimate partner assault
because they are intrinsically less limiti g.à […]à domestic violence is operationally
defined as violence between intimates living together or who have previously
cohabited. DйнINING…,à ,àp.à ,àe phasisàaddedà àtheàautho .
The United States Department of Justice defines domestic violence (n.p., 2016):
Domestic violence can happen to anyone regardless of race, age, sexual orientation,
religion, or gender. Domestic violence affects people of all socioeconomic
backgrounds and education levels. Domestic violence occurs in both opposite-sex
and same-sex relationships and can happen to intimate partners who are married,
living together, or dating. (THE UNITED STATES DEPARTMENT OF JUSTICE, n.p.,
2016).
Domestic violence not only affects those who are abused, but also has a substantial
effect on family members, friends, co-workers, other witnesses, and the community
at large. Children, who grow up witnessing domestic violence, are among those
seriously affected by this crime. Frequent exposure to violence in the home not only
predisposes children to numerous social and physical problems, but also teaches
them that violence is a normal way of life - therefore, increasing their risk of
becoming society's next generation of victims and abusers.
figure on the family because according to surveys, the most common reasons why domestic
a useà o u sà a eà gi e à à […]à fa il à d sfu tio ,à i ade uateà o unication skills,
provocation by women, stress, chemical dependency, and lack of spirituality and economic
ha dshipà[…]. à DáVI“,àp. ,à .àрo e e ,àe e àifà eà ouldàe dàthoseà easo s,àtheàdo esti à
violence wouldn´t end because the reasons cited above are just able to influence or potentiate
the abuse.
Even though, some authors believe that those measures are not necessaries,
commonly affirming that the creation of a specific law sounds more like an exaggeration or
desnecessary measure based mainly by the argument that there is already a general criminal
law for everybody and so it would be responsible for ruling all kinds of violence, including the
violence that happens at home among the family.
Brazil is also affected by the domestic violence. It doesn´t only happen against women
but also through children. So, the Brazilian legislators created a special law to regulate
domestic violence in this country which is most known as Maria da Penha Law. This name was
given by the legislato sài àho o àofàaà o e sà ightsàa ti istàafte àsheàal ostàdiedà i ti izedà
from a violent attack given by her husband who has left her paraplegic. After this event, she
then started to seek for help but soon she found out that there wasn´t any special law to
protect women from this kind of violence (UCHOA, 2016)
Therefore, the Maria da Penha Law (Law number 11.340 from July seventh of the year
2006) got the attention of lots of scholars, criminologists, lawyers, political and juristic
scientists, researchers, among many others legal professionals. It created a reinterpretation
about the idea of men and women being considered equal under the Brazilian´s Constitution.
Theà Ma iaà daà Pe haà эa à does tà iolateà a à B azilia à o stitutio alà p i ipleà à
establishing special protection in its penal form for women. The women already tired of being
victimized by this cruel and cowardly mode of violence, which hardly ever came to the public,
and when it finally came, the authorities didn´t give any attention for it, commonly affirming
that it was a private matter until the woman dies. Now, however, with this new legislation,
lots of women can finally take a rest from being severely beating from their husbands.
746
The analysis of domestic violence and human rights in Russia firstly requires an
evaluation of three basic elements such as ethnics, economics and finally cultural. That´s
because those three elements interfere substantially on the full enjoyment of the universal
human rights.
To a better comprehension of the situation in Russia nowadays, regardless the
domestic violence issue, we initially have to point out that throughout the history of this
extensive country a variety of things that happened on the past were able to impact the
situation on the present. First, the former Soviet Union used to be based on a paternalist
system where the figure of man was seen as the central pillar of the family, in other words,
the man was the breadwinner and the protector of the family. The woman then was seen as
a fragile figure and had to be submissive to her husband. She, therefore, had the responsibility
ofàtaki gà a eàofàtheà hild e sàedu atio àa dàallàtheàtasksà elatedàtoàtheàho eà WйIэMIN“Tй‘,à
n.d.)
I deed,à theà ‘ussia à p o e à thatà sa sà ifà heà eatsà ou,à ità ea sà heà lo esà ou à
(LITVINOVA, n.p., 2016), first appeared on a book called До о т ойà- «[Domostroi]» which
means Household on the English language and was a very known book written by the
Orthodox Catholic Church and widely spread throughout the Russian country, demonstrated
the power that the religion had over the State, basically teaching that the pillar of the family
was the man and so the woman had to be submitted to him. Whenever was necessary to
punish her by any act considered as a fault, the man then could take the necessary measures
for it, even if beating was the only or the best available way to correct his wife. According to
the Orthodox Catholic Church the punishment inflicted on the woman had the power to heal,
purify and prepare her on this earthily life for an eternal life.
Political positions also demonstrate that gender is indeed an issue, in other words,
women who work in the higher level of a political occupation represents a quite small
percentage once compared with men. And once in awhile, some candidates during campaign
periods utilize slogans such as Гу е то — у к я от – «[Governing is a male job]»
( КО « [UNESCO] », 2005, p.43, our translation) -, reflecting gender stereotypes in
politics.
747
The integration of women into the socio-political life of Russia will largely depend on
the general political context, on the direction in which the women's movement will
develop, and on the changes in the mass consciousness. Such changes are taking
place. Thus, according to various opinion polls, almost two-thirds of the respondents
are aware of the fact that men and women are unlikely to have a chance in politics,
and more than half of them are convinced that the representation of women in
power structures should be equivalent to that of men. 3
At the same way, the sociologist Michael Kimmel (2005, p.114) gives his contribution
affirming that
[…]à athe àtha à esisti gàtheàt a sfo atio àofàou àli esàthatàge de àe ualit àoffe s,à
I believe that we should embrace these changes, both because they offer us the
possibilities of social and economic equality, and because they also offer us the
possibilities of richer, fuller and happier lives with our friends, with our lovers, with
our partners and with our children. We, as men, should support gender equality—
othàatà o kàa dàatàho e.àNotà e auseàit sà ightàa dàfai àa dàjust—although it is
those things. But because of what it will do for us, as men. At work, it means working
to end sexual harassment, supporting family-friendly workplace policies, working to
end the scourge of date and acquaintance rape, violence and abuse that terrorize
women in our societies. At home it means sharing housework and childcare, as much
because our partners demand it as because we want to spend that time with our
children and because housework is a rather conventional way of nurturing and
loving.
Whereas the peoples of the United Nations have in the Charter reaffirmed their faith
in fundamental human rights, in the dignity and worth of the human person and in
the equal rights of men and women and have determined to promote social progress
and better standards of life i àla ge àf eedo à[…].(О О
«[UNITED NATIONS]», n.p., 1948, our translation) 4
3
те е о е т е о-пол т е ку о - удет о о о ет от о е о
пол т е ко о ко тек т , от то о, к ко п ле удет т о е кое д е е, от
пе е е о о о . к е пе е е п о- од т. к, по оп о
о е т е оо е , по т д е т ет е по де то о о т кт е е т о у
е пол т ке олее поло у е де то , то п ед т тел т о е т укту
л т дол о т о у ко у.
4
п о е, то од О ед е подт е д л т е о е у о о е
п ело ек , до то т о е о т ело е е ко л о т оп е у е
е л оде т о т о л о у п о е у улу е у ло п ол е о оде
748
Therefore, it´s evident the international preoccupation about building a more equal
society for men and women, getting rid of all kinds of abuses and violence.
But now, what really provoked a strong discussion and was newspaper cover all around
the world was the manifest of the Russian President Vladimir Putin who signed a law reducing
punishment for domestic violence.
During an interview with the CNN television, one of the members of the Russian Duma
Vital àMilo o à hoà asài àfa o àofàsu hàla àe e àsaidàthatà […]à hatà eà allàho eà iole eàisà
otàho eà iole eà[…] .à “йBá“TIáN;àMO‘TйN“йN,à ,à .p. .
Svetlana G. Aivazova, a Russian specialist in gender studies (apud NECHEPURENKO,
.p.,à ,à iti izedà theà attitudeà ofà theà la ake sà sa i gà thatà thisà sho sà thatà Du aà
deputiesàa eà otàsi pl à o se ati eào àt aditio al,àitàsho sàthatàthe àa eàa hai . à
According to Charlotte Alfred (2014, n.p.), the Russian Federation is among the 20
countries around the world that don´t have any law against domestic violence. The lack of
specific legislation for crimes against women was always a problem in the Russian law. Though
the У оло ыйà кодек à РФ - Russian Criminal Code, Part. VII (n.p., 1996, our translation),
regulates the crimes related to bodily injuries or other crimes as following some articles to
illustrate it better: á ti leà .àI te tio alàI fli tio àofàI ju àtoàрealthàofàá e ageàG a it ;à
[…]àá ti leà .àI te tio alàI fli tio àofàэightàI ju ;à[…]àá ti leà .àBatte ;à[...]àá ti leà .à
Th eatàofàMu de ào àI fli tio àofàG a eàI ju àtoàрealthà[…]. à 5However, those articles don´t
seem to be enough to end or at least to cut down the abuses against Russian women.
According to Natalia Tumashkova (2017, n.p.), a phenomenon that frequently happens
in Russia after a attack from domestic violence is that
[…]à theà i i alà la à o à do esti à iole eà i Russia has not worked – not only
e auseà theà poli eà efuseà toà takeà i ti s à o plai tsà se iousl ,à utà alsoà e auseà
victims frequently retract complaints. Sometimes victims cannot comprehend how
wrong it is that they have been beaten: they feel they deserve it, because something
5
т т à .à ле оеàп е еà ед е àт е т à ед à до о ;à[...]à т т à .à ле оеà
п е еà ле ко оà ед à до о ;à [...]à т т à .à о о ;à [...]à т т à .à о àу т о à л à
п е е àт ко оà ед à до о
749
is wrong with them, that they somehow provoked it. They experience feelings of
shame.
Thus,
treating domestic violence as a private matter and blaming the victims are also
common practices on the part of law enforcement officials. Women victims of
violence are often blamed for having provoked the attack. In addition, the police
rarely take complaints of domestic violence seriously. If they do arrest the
perpetrator, he is often released quickly and sometimes returns to the home even
more violent than before. Local officials often have no experience in protecting
victims from further violence and thus, the fear of further violence is a real threat to
women who file complaints. Women may also be at risk of further violence by police
officials if they go to the police station. (VIOLENCE AGAINST WOMEN IN RUSSIA, p.
308, n.d.).
Another form of domestic violence that we have to take into consideration is the
phenomenon commonly defined by Marital Rape which is not specifically considered a crime
i à ‘ussia.à Ma italà ‘apeà isà any unwanted sexual acts by a spouse or ex-spouse, committed
without consent and/or against a person's will, obtained by force, or threat of force,
intimidation, or when a person is unable toà o se t. à “T‘ITOн,à .p.,à .àO l ài à‘ussia,à […]à
à %à ofà do esti à iole eà asesà esultà i à p essu eà toà ha eà se à […]. à VIOLENCE AGAINST
WOMEN IN RUSSIA, p. 309, n.d.).
Thus,
It is extremely difficult for women to report these crimes given cultural obstacles
which dissuade them from admitting that they have been involved in any sexual
activity, forced or not. Such an admission, under traditional viewpoints, makes a
woman unmarriageable, or if she is already married, such an admission may make
her vulnerable to divorce or to further violence. One interviewee acknowledged that
the subject of violence against women, including rape, is a completely taboo subject
and it is impossible for women to talk about it. (VIOLENCE AGAINST WOMEN IN
RUSSIA, p.318, n.d.).
So basically, if a woman reports this kind of crime, she would be probably a motive for
jokes and the police officer would certainly laugh at her.
Therefore, as we highlighted before that women in Russia have little influence on
politics because it´s often considered a male job, it´s perfectly understandable why women
are suffering so much on this country. If women could get direct access on the politics and
could legislate in favor of themselves as, for example, creating new laws to protect
750
themselves, the results would be probably very different and the violence could be reduced
considerably as well. By this bias,
These gender differences in political parties, and organs of state power are in many
ways not the reason, but the result of other gender disparities, primarily economic.
Political representation is only the top of the iceberg that is based on inequalities in
the labor market, access to economic sources and property. Political processes in
modern Russia are organized in such a way that no decree can help to improve the
structure of gender political representation unless political and economic agents
who control electoral processes recognize the ability of women to express and
protect their Interests or, unless the economic independence of women creates
conditions and demands their political representation. ( КО « [UNESCO] », p.
44, 2005, our translation).6
Thus, it´s absolutely fundamental for women to take part on the political debates and
decisions. This is one of the best ways to get gender equality.
3 CONCLUSION
There is no simple solution to domestic abuse. If there was such a simple solution,
the problem would have been solved long ago. It is great that we learn from the past
but it is time to deal with the present and the future. Domestic abuse can no longer
be considered a private family matter but a public problem. Every one of us will
suffer from domestic abuse. We may not be abused or we may not know anyone
directly that is being abused. However, we all pay higher taxes and rising insurance
costs as a result. We need to all realize that people are suffering. The victim may be
male or female. The victim may be a child or elderly. The victim may be your sister
or your neighbor. The abuser may be your doctor, your lawyer or your best friend.
No matter what the status or economic class of those involved, it is time to act.
We all know that cultural and religious influences might be stronger in some countries
than in other. However, it´s absolutely inconceivable to use those two influences to start
6
о т к е е де е л о т е по− л т е ко о уд т е о л т л т о оо
еп о , лед т е е д у е де д п опо , пе у о е ед ко− о е к .
ол т е кое п ед т тел т о — то тол ко е у к е , о о ко− то о о од т
е е т ке т уд , до тупе к ко о е к е у , о л де о т е о т .
о е е пол т е к п о е о у т ое т к о о , то − к к дек ет
е о о о до т е де − о о пол т е ко о п ед т − тел т до те по , пок
пол т е к е ко о− е к е л , оп едел е е ул т т лек− то л п о е о , е у д т,
то е о ут т т те е . л е пок ко о е к е о т
е е о д т у ло е пот е ует пол т е ко о п ед т тел т .
751
killing people, beating people, abusing people and committing all sorts of terrible acts,
especially against the weakest groups such as women and children.
If we are considered rational beings, so why are we still doing those kinds of things?
Until when is it considered rational to kill, beat and commit all kinds of atrocities against a
human being just to guard the dogmas created by a religion or a culture? Unless, the word
atio al àhasà ee à epla edà àa othe à ea i g,à utàsoàfa à eàk o àitàis ´tàtheà ase.àà
Educational programs would be able to change considerable the actual scenario in
Russia as well. According to е к «[World Bank]» (2006, p. 35, our translation)
[...]The proportion of women with some level of education has been steady by 54%
between 1989 and 2002. Previous data (1989) as well as current data (2002)
corroborate the fact that, except for the level of primary vocational education,
women at all other levels of education are still higher than men [...]. 7
This is a good sign, nevertheless it´s necessary a kind of education that preaches the
equality and mutual respect between genders. This is not the best way, it´s the smartest way
to grow a more equal and less violent society. Another thing that should be done is the
introduction of an appropriate gender sensitive training and education for the police in order
to cope with domestic violence in a special way.
Taking steps against marital rape and its consequently criminalization is something that
the government and the lawmakers have to take into consideration, after all no one deserves
to be treated in such a degrading way.
The Brazilian Maria da Penha Law give us a good example that a specific law for
women´s protection can really work out and bring lots of benefits women who are constantly
beating and suffer all kinds of violence at home. It also demonstrates an alternative and
different way of promoting human rights, respect and equality between men and women.
REFERENCES:
7
[…]à ол е ед л , е о о е е е л о т л л 1989 2002 . по 54%.
е (1989 .) о лее по д е (2002 .) д е подт е д т, то кл е е те
л о оп о е о л о оо о , кол е т о е е о т л у о п одол ет
о т п е у е т о по от о е к у [...].
752
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http://www.omct.org/files/2004/07/2409/eng_2003_08_russia.pdf>. Access in: Apr. 16
2017.
Resumo
O presente artigo tem por objetivo discutir os mecanismos passíveis de concretizar o
reconhecimento da função socioambiental da propriedade rural apta a lidar com as
particularidades ambientais e sociais da região do entorno de Bento Gonçalves,
precipuamente o distrito de Faria Lemos, caracterizada, sobretudo, pela presença da pequena
propriedade vitivinicultora rural. O direito de propriedade passou por modificações as quais
buscaram torná-lo um direito solidário e apto a servir os interesses sociais. Face a presente
crise ecológica instalada em terrae brasilis, além do cunho social, o direito de propriedade
também tem sido compreendido sob o enfoque ambiental. Nesse viés, muito se reflete sobre
o tema, buscando-se estabelecer meio jurídicos que possam concretizá-lo. Assim, partindo-se
do reconhecimento das características próprias da região, o presente estudo visa instaurar
uma nova perspectiva acerca da função socioambiental da propriedade rural, que esteja
baseada nos princípios do direito ao desenvolvimento sustentável e da participação
comunitária. Esta cidadania, por seu turno, emerge da cultura democrática, aqui construída a
partir da concepção habermasiana sobre o espaço púbico. Nesse espaço, assim, o Direito tem
o papel de atuar como efetivo mediador no conflito ambiental existente na região. Com
relação ao método que norteia o texto, ao demonstrar-se a lógica do desenvolvimento do
raciocínio utilizado, opta-se pelo método analítico – a pesquisa é do tipo bibliográfico e
apresenta os entendimentos doutrinários necessários para demonstrar, com maior clareza, os
relevantes aspectos do artigo, com contributos de um colono da Linha Alcântara, pai da
autora.
INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Pós Graduada em Direito Constitucional e
Administrativo. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho. Advogada. E-mail: camila@cpfadvogada.com
755
Nessa toada, muito se discuto a respeito dos danos ambientais advindos do processo
da industrialização e da disseminação da sociedade hiperconsumista. Os dados científicos
demonstram que a crise que hoje enfrentamos traz consequências importantes para o
ambiente rural.
Esta crise ecológica no âmbito da produção rural tem reflexos significativos na Região
da Serra Gaúcha, situada no Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, que apresenta como
característica marcante a propriedade familiar vitivinicultora. O predomínio de uma
exploração antropocêntrico-utilitarista fez surgir uma crescente preocupação com as
consequências advindas da intervenção do homem sobre esse ecossistema regional.
Em virtude da importância da atividade rural dessa região, e, por conseguinte, da
propriedade rural, é necessário estabelecer uma releitura jurídica do seu conteúdo, visando a
sua função socioambiental. O interesse pela adoção de uma nova perspectiva no que tange às
preocupações ambientais na região é objeto de consideração desta pesquisa – a preocupação
com a preservação ecológica nessa área fomenta a necessidade de conciliar o
desenvolvimento rural com a preservação do meio ambiente, assim como os aspectos sociais
com a conscientização ambiental.
Esses conflitos também necessitam de superação pelo Direito, eis que na atualidade,
a complexidade das questões ambientais exige que os conceitos e instituições jurídicas sejam
revistos, em vista de tornarem-se aptos a proteger o meio ambiente sem, todavia, inviabilizar
as condições de produtividade dos agricultores familiares.
Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo compatibilizar a aplicabilidade da
legislação ambiental na Região da Serra Gaúcha, principalmente o distrito de Faria Lemos que
fica no Município de Bento Gonçalves, a partir da consideração de suas características
agrárias, culturais e históricas, com o intuito de não tornar a preservação ambiental na região
um empecilho para a continuidade da atividade rural.
O tema merece destaque e aprofundamento teórico, eis que se costuma invocar o
discurso jurídico dogmático e o necessário cumprimento de normas ambientais para a
efetivação da proteção ambiental. No entanto, isso não tem se mostrado eficaz e eficiente, e,
muitas vezes, tem posto em risco a própria atividade rural no entorno de Bento Gonçalves.
Afinal, os pequenos agricultores da Região encontram dificuldades diversas para se
adequarem aos padrões exigidos pelas normas ambientais e a total desconsideração das
756
1 A relação homem-natureza
sistema de produção agrícola levou a desestruturação ecológica do meio ambiente eis que
foram removidas linhagens para o plantio do monocultivo.
O controle químico surgiu como medida corretiva para o desequilíbrio ambiental
trazido pelas pragas, assegurando a proteção contra a baixa produtividade. Variados
compostos químicos capazes de combater insetos, fungos e ervas daninhas foram criados por
meio de experimentos baseados no medo de tentativa e erro.
O debate da sociedade de risco envolve uma interdisciplinaridade típica da temática
ambiental: o relacionamento direto da filosofia, das ciências jurídicas e sociais, ciência política,
desenvolvimento sustentável, ecologia, geografia e ciências das mais variadas.
O enxofre e o sulfato de cobre, utilizados hodiernamente no cultivo das videiras, por
exemplo, já eram utilizados pelos romanos no controle das pragas, mas foi no século XIX, na
segunda metade, que começaram a ser desenvolvidos produtos sintéticos. Essas substâncias,
conhecidas como e e os à u àp i ei oà o e toàfo a àutilizadasàta à aà“egu daà
Gue aàMu dialàeàdepoisà odifi adasàeà e didasà o àoàtítuloàdeà defe si osàag í olas à sic).
Ca eàdesta a àa uiàaà o t o siaàe iste teàa e aàdaàe p ess oà ag ot i os ,à e à
como justificar a opção feita neste trabalho pelo seu uso. Há inúmeras denominações
relacionadas a esse grupo de substâncias químicas utilizadas no controle de pragas (animais
ou vegetais) e doenças que atacam as plantas, tais como praguicidas, defensivos agrícolas,
insumos agrícolas, pesticidas, remédios de planta ou simplesmente veneno.
Vários autores criticam as expressões que acabam por maquiar ou minimizar seus
efeitos tóxicos, como praguicidas ou defensivos agrícolas:
Enfim, na questão dos agrotóxicos que hoje são utilizados no combate às ervas
daninhas que ficam no solo onde é plantada a videira, merece destaque o glifosato, que
759
demonstra como como (não) atua o direito na proteção dos direitos e garantias
constitucionalmente previstos, reafirmando uma relação profundamente desigual entre, de
um lado, os beneficiários maiores do modelo agrícola e, de outro, os trabalhadores rurais, os
consumidores, a coletividade titular do bem ambiental.
No caso dos agrotóxicos, tal como ocorreu com o DDT, é normal que a substância seja
largamente utilizada para só então, após um longo prazo, ser banida em virtude de posterior
descoberta de riscos para a saúde ou para o meio ambiente. E com relação particular aos
efeitos dos agrotóxicos, em 1991 Pimentel já apresentava estudos demonstrando que menos
de 0,1% dos pesticidas aplicados às culturas atingem de fato as pragas-alvo, portanto, uma
grande quantidade desse produto era perdida e largada no solo durante o processo de
aplicação, descendo aos lençóis freáticos e contaminando a biota (PIMENTEL, 1995, p. 25).
O desequilíbrio ambiental faz que os animais inertes aos agrotóxicos sejam
selecionados pelo fenômeno darwiniano da Seleção Natural e se multipliquem, e os
agroquímicos vão perdendo sua eficácia, levando os agricultores a aumentar as doses ou
recorrer a novos produtos. Assim, surgem também novas pragas, ao mesmo tempo que parte
do patrimônio genético é destruído (LONDRES, 2011, p. 21). Nodari explica que por mais que
se justifique que os agrotóxicos devam ser utilizados no combate a pragas ou doenças em
plantas e animais o que se verifica é a evolução de resistência em mais de centenas de espécies
de insetos, fungos, bactérias ou de plantas aos agrotóxicos (LONDRES, 2011, p. 21).
Nesta direção, podemos concluir que uma grande parcela da população está exposta
aos efeitos nocivos de produtos agrotóxicos. A contaminação destas pessoas, muito
provavelmente, pode ser devida à maneira como, individual ou coletivamente, identificam e
se posicionam diante dos riscos a que estão expostas. Assim, o conhecimento destes riscos é
fundamental para a construção de estratégias de intervenção sobre o problema.
Há então uma perda de potencial, segundo Enrique Leff, dos países em
desenvolvimento, que é provocada pela introdução de padrões tecnológicos inapropriados,
e à o oàpelaà i duç oàdeà it osàdeàe t aç oàeàpelaàdifus oàdeà odelosàso iaisàdeà o su oà
que geram um processo de degradação de seus ecossistemas, de erosão de seus solos, de
esgotamento de seus recursos e de extermínio de suas cultu as эйнн,à ,àp.à
O imigrante que aqui se instalou muito não respeitou a legislação florestal (e ainda não
respeita) por falta de uma conscientização preservacionista. O desmatamento contribuiu para
a perda de fertilidade do solo e para o desequilíbrio da água dos rios e das fontes. Ainda,
problemas como a erosão, poluição dos recursos hídricos e a poluição atmosférica estão
presentes em grande parte da região. Para os agricultores, o segundo aspecto salientado por
Rampazzo (1998), ou seja, a erosão, teria diminuído, porém como nas últimas décadas muitos
761
sendo os países de baixa e média renda responsáveis por pelo menos metade destas
intoxicações e de 75% das mortes:
A OMS e PNUMA estimam que a taxa de intoxicações por agrotóxicos é de dois a três
por minuto, com aproximadamente 20.000 mortes de trabalhadores expostos todos
os anos, a maioria nos países mais pobres. Esses números são apenas a ponta do
iceberg, uma vez que as doenças crônicas associadas aos agrotóxicos são difíceis de
serem estimadas, uma vez que os efeitos dos agrotóxicos na saúde humana,
especialmente os crônicos, não têm sido caracterizados adequadamente, pois os
efeitos tardios de alguns desses químicos podem se tornar aparentes após anos de
exposição sem que sejam reconhecidos pelos profissionais de saúde e registrados
pelos sistemas de informação. (RIGOTTO; SILVA; FERREIRA; ROSA; AGUIAR, 2016)
De acordo com Habermas, a esfera pública deve se pautar no agir comunicativo, isto
é, que cada cidadão, em sua ação, estará livre para buscar, através do uso da fala, o
convencimento dos demais acerca de suas pretensões e posicionamentos. É a produção de
consenso, o que pressupõe, ao contrário da ação estratégica, transparência no
comportamento do agente (GALUPPO, 2002, p. 125).
Dessa maneira, a problemática ambiental impõe uma clara necessidade de construção
de espaços dialógicos, configurando possíveis espaços de estrutura comunicacional do
sistema jurídico, que devem propiciar a reiteração desde com o sistema social. O
planejamento ambiental não pode e nem deve ser concebido de forma isolada da gestão
democrática e dos seus respectivos processos decisórios, eis que a problemática ecológica
impõe a todo contexto social a discussão acerca de sua própria sobrevivência.
Isso porque o bem ambiental, consagrado no artigo 225 da Constituição Federal
caracteriza-se como espécie diferente de bem, em consonância com a afirmação da função
socioambiental da propriedade, eis eu evidenciado o aspecto ecológico. O ambiente, pois, não
está sujeito às regras da apropriação privada, aquelas definidas pelo mercado, nem ao regime
de bens dos particulares – a função socioambiental se superpõe ainda à autonomia privada
que rege as relações econômicas, com o fito de proteger os interesses de toda a coletividade
em torno de um direito ao meio ambiente equilibrado (SILVEIRA, 2014, p. 199).
Diante das conhecidas dificuldades para a fiscalização das ações governamentais, às
vezes decorrentes do próprio desinteresse de participação da sociedade civil, os espaços
públicos com força legal para atuar nas políticas públicas através do exercício do controle
social devem servir para uma nova cultura política e novas relações entre governos e cidadãos.
Para além do significativo movimento econômico envolvido nessa grande e incipiente
de a da,àйdua doàйh lesàafi aà ueà aà es e teàp ess oàdaàopi i oàpú li aàeàdasàlegislaç esà
ambientais, tanto em relação à salubridade dos alimentos quanto à adoção das medidas mais
o patí eisà o à aà o se aç oà dosà e u sosà atu ais (EHRES, 2012, p. 97) poderá
paulatinamente conduzir a novos paradigmas para a agricultura.
Michael Pollan destaca que comer não é apenas um ato agrícola, mas também um ato
e ol gi oàeàu àatoàpolíti o:à oà u àeà o oà o e osàdete i a ,àe àg a deàpa te,àoà ueà
fazemos do nosso mundo – eàoà ueà aiàa o te e à o àele (POLLAN, 2014, p. 19).
Optar por alimentos certificados como, por exemplo, os orgânicos, e por alimentos
da época, que a princípio necessitam de uma carga menor de agrotóxicos para serem
772
produzidos é uma das soluções possíveis para esse grave problema. Procurar
fornecimento de produtos com a origem identificada, aumentando o
comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos, com a
adoção das boas práticas agrícolas também surge como proposta e já é uma
realidade em parte do território nacional. (LUFCHTZ, 2015, p. 206)
pequenos produtores rurais. Partindo-se da ideia de risco emanada na lei é que o produtor
poderá buscar a melhor forma de utilizar o agrotóxico sem prejudicar o meio ambiente.
щos àйliàdaàVeiga,à oà es oà i s,àe te deà ueàoàusoàdaàe p ess oà ag i ultu aàsuste t el à
expressa a crescente insatisfação com o status quo da agricultura moderna, expansão das
pressões sociais por uma agricultura que não destrua ou contamine o meio ambiente, nem
p ejudi ueà aà saúdeà doà ho e .à I di aà oà desejoà so ialà deà p ti asà ueà si ulta ea e teà
conservem os recursos naturais e forneçam produtos mais saudáveis, sem comprometer os
níveis tecnológicos já alca çadosàdeàsegu a çaàali e ta à VйIGá,à ,àp.à
Destarte, considera-se viável a conciliação entre preservação ambiental e
desenvolvimento econômico, afirmando inclusive que o crescimento da economia exerce um
papel fundamental na preservação do ambiente. Segundo essa ótica, o aumento da renda e
da riqueza possibilita transformações estruturais nos modos de produção, mediante a
introdução de novas tecnologias capazes de conter os efeitos colaterais da expansão da
economia. O progresso científico-tecnológico sempre encontrará formas de vencer as
adversidades, promovendo as alterações que se fizerem necessárias, substituindo a eventual
escassez ou o comprometimento dos recursos naturais por outros fatores de produção,
inovando em termos de capital e trabalho humano.
Na verdade, ocorre uma crise de governabilidade e de legitimidade – a insatisfação
pela baixa qualidade de vida e falta de melhorias, conduzem à erosão da titularidade de atores
relevantes que se expressam em fenômenos como a volatilidade eleitoral e o desvirtuamento
das propostas de gestão que se baseiam no aprofundamento das práticas democráticas.
Embora reconhecendo o longo caminho a percorrer para a construção de sentidos e
para encontrar o simultâneo equilíbrio entre eficácia social e ambiental, conjugado ainda com
eficiência econômica, essa visão intermediária entende o desenvolvimento sustentável como
u aà e ess iaàutopiaàaàse àpe seguida,àu ài pe ati oà ti oàeà u aà is oàdeàfutu oàso eàaà
qual a civilização contemporânea necessita alicerça àsuasàespe a ças à VйIGá,à .àáà oç oà
de sustentabilidade, assim, é muito mais uma orientação política, de propósitos a serem
ati gidos,àdoà ueàe p ess oàdeàu aà ealidadeà ueàj àpossaàse àdes ita:àelaà su geà o oàu aà
agenda, com o objetivo ou ideal de restaurar o equilíbrio na relação homem-natureza,
principalmente após as consequências ambientais danosas provocadas pelo industrialismo e
suaà e oluç oà e de à VйIGá,à .àássi ,àpa aàal àdeà o osàpa adig asà ie tífi os,àt ata-
774
CONSIDERAÇÕES FINAIS
rural que, embora tenha o desejo de se adequar aos padrões ambientais, não o consegue por
falta de recursos financeiros ou pela inviabilidade do tamanho do seu estabelecimento.
Nessa senda, deve-se zelar a fim de que, a propriedade rural desenvolva-se pautada
pela sustentabilidade e o pequeno produtor rural possa participar de forma ativa da solução
dos conflitos oriundos de atividade relacionada com a preservação ambiental. A observância
dessas duas condicionantes constitui a base de uma função socioambiental da propriedade
rural apta a corroborar com a (re) construção da cidadania no ambiente rural.
Verifica-se que, até hoje, o produtor rural tem sido excluído da maior parte das
discussões sociais, geralmente voltadas para os interesses das cidades. No entanto, a própria
crise alimentar que aos poucos se anuncia, demonstra a importância das atividades realizadas
por estes pequenos produtores e a necessidade de reconhecê-los no contexto da cidadania.
Em outros termos, é salutar que ele possa participar da tomada de decisões no que diz
respeito à
realização da atividade rural.
Registra-se, que a problemática ecológica está a exigir a retomada dos espaços
dialógicos, no intuito de (re) construir um espaço público enquanto local no qual seja possível
estabelecer relações comunicacionais entre os diversos atores sociais, viabilizando-se os
canais de discussão e de tomada de decisões efetivamente democráticos.
No contexto deste paper, essa cultura democrática foi construída a partir da concepção
habermasiana sobre o espaço público. Desta forma, ao mesmo tempo em que esta nova
esfera pública corresponde a um local de conflitos, também deve se constituir num ponto de
encontro organizado entre os atores sociais, no qual, dar-se-á o debate em torno das
diferentes opções e a avaliação dos prós e dos contras de cada decisão.
Acredita-se que, desse modo, o Direito poderá efetivamente contribuir para a
sustentabilidade da Região de Faria Lemos, buscando alternativas negociadas entre todos os
atores sociais, sem, desde logo, criar uma nova margem de excluídos. Em muitos casos, a
simples aplicação da norma ambiental poderá impedir a continuidade da agricultura familiar,
o que implica em sérias consequências sociais para esta Região. Por conseguinte, a aplicação
da lei ambiental, mediante a consideração de seu caráter meramente regulatório e
quantitativo, poderá dar origem a injustiças sociais na Serra Gaúcha. Propõe-se, no
contraponto desta visão dogmática, que a interpretação da norma ambiental ocorra de forma
776
se use, mas sabendo dos riscos, e se use dentro de um liame mais ou menos decente.
Empoderar o colono significa torna-lo responsável, também, pelo dano que causa ao
ambiente, a si e a sua família e ao consumidor para quem vende o alimento.
Melhor acesso à informação e o incremento da participação social promovem
mudanças de atitude que favorecem o desenvolvimento de uma consciência ambiental
coletiva e de um envolvimento crescente da sociedade civil nos espaços deliberativos em que
pensamentos plurais se apresentam e conflitos ganham visibilidade.
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780
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade demonstrar como os direitos humanos dos
migrantes vêm sendo desrespeitados, particularmente em decorrência do paradigma da
soberania estatal. Isso porque há, na contemporaneidade, uma forte tendência em considerar
a populaç oà ig a teà e ua toà sup flua ,à passi a à e,à po ta to,à desti at iaà ape asà deà
medidas punitivas de cunho segregacionista, que visam a afastá-la do convívio daqueles
indivíduos que se encontram plenamente integrados na sociedade globalizada. Procura-se
esta ele e àu aà o aà o p ee s oàdoà se à ig a te,àpa ti do-se da ideia de que, para a
criação de um novo paradigma, é necessário que a vida em comunidade supere a lógica
soberana, viabilizando a integração e a promoção social dos migrantes, a partir da sua
compreensão como múltiplas potencialidades. Nesse sentido, faz-se necessário um debate
sobre a possibilidade de construção de uma base teórica moral capaz de justificar a
obrigatoriedade e universalidade dos Direitos Humanos, com vistas a criar uma nova
percepção dos migrantes na realidade social em que estão imersos.
Considerações Iniciais
A dignidade, enquanto condição ontológica do ser humano é o que confere (ou deveria
conferir) a todos a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis. No entanto, forçoso é
reconhecer que a simples positivação ou previsão desses direitos não se mostra suficiente
para evitar a negação do valor da pessoa humana como titular de direitos.
Um campo fértil para observação dessa insuficiência encontra-se nas políticas
migratórias que têm sido adotadas na contemporaneidade por alguns países – notadamente
os que ocupam posição central na União Européia –, marcadas por um caráter excessivamente
repressivo e conservador, colocando em situação de vulnerabilidade extrema os direitos
fundamentais dos migrantes. Uma análise mais detida de tais políticas demonstra que elas
1
Doutoranda em Filosofia pela PUCRS. Professora do Curso de Graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
annazeifert@yahoo.com.br
2
Doutora em Direito (UNISINOS). Professora do Curso de Graduação em Direito da UNIJUI. E-mail:
joice.gn@gmail.com
3
Doutor em Direito (UNISINOS). Professor do Mestrado em Direitos Humanos da UNIJUÍ e dos Cursos de
Graduação em Direito da UNIJUÍ e UNISINOS. E-mail: madwermuth@gmail.com
781
4
Foucault chega aos conceitos de biopolítica e biopoder quando vislumbra um câmbio operado ao longo do
século XVII e XVIII – sobretudo na virada para o século XIX – da forma como se estrutura o poder: se antes ele
era a soma de micropoderes disciplinares que tinham por objetivo a administração do corpo individual, ou seja,
que partiam de uma visão do corpo enquanto máquina – o que se vislumbra pela gradativa formação de
instituições como a escola, o hospital, o exército e a fábrica, cujos objetivos centravam-se no adestramento dos
corpos individuais e na extorsão de suas forças paralelamente ao crescimento de sua utilidade e docilidade, de
783
modo a integrá-lo a sistemas de controle eficazes –, agora o poder disciplinador e normalizador já não mais é
exercido sobre os corpos individualizados, mas sim sobre o corpo-espécie, e tampouco se encontra disseminado
em instituições sociais. Ele passa a se concentrar na figura do Estado e se exerce a título de política estatal que
objetiva a administração da vida e do corpo da população.
Naàliç oàdeà‘e elà ,àp.à ,à e ua toàaàdis ipli aàsu ediaà o oà a to o-políti a àdosà o posàeàseàapli a aà
asi a e teà aosà i di íduos,à aà iopolíti aà ep ese ta,à po ta to,à essaà g a deà edi i aà so ial à ueà seà apli aà à
população com o p op sitoà deà go e a à suaà ida:à aà idaà faz,à daíà e à dia te,à pa teà doà a poà doà pode . à Daà
disciplina – cujo objetivo era o adestramento dos corpos – passa-se ao biopoder – cujo objetivo é o adestramento
da população, ou melhor, da vida daàpopulaç o.àDaà anátomo-política do corpo humano àpa te-seàpa aà uma
bio-política da população. à нOUCáUэT,à ,àp.à .
5
Vida nua é um conceito elaborado por Agamben (2004) para explicar a situação da pessoa desprovida de
qualquer capa de civilidade, que está entregue à zoé (a vida desqualificada), em oposição à bios (a vida
qualificada). Essa divisão da vida entre zoé e bios é proveniente da filosofia clássica. Conforme ensinamento de
Agamben (2004), os gregos utilizavam dois termos para denominar o que hoje entendemos por vida: zoé, para
denominar o simples fato de viver, comum a todos os seres vivos, e bios, para denominar a maneira de viver
própria de um indivíduo ou de um grupo. O poder político soberano é capaz de produzir a vida nua em relação a
determinadas pessoas, retirando delas toda possibilidade de uma existência qualificada. Existe uma figura-limite
da vida, um limiar em que ela está, simultaneamente, dentro e fora do ordenamento jurídico, e este limiar é o
lugar da soberania. Para Agamben a vida humana na esfera política pode ser incluída ou excluída – incluída pelo
direito ou excluída pela exceção, em razão da vontade soberana. áàde is oàso e a aàt açaàeàdeàta toàe àta toà
renova este limiar de indiferença entre o externo e o interno, exclusão e inclusão, nómos e physis, em que a vida
ào igi a ia e teàe ep io adaà oàdi eito à áGáMBйN,à ,àp.à .àà
784
é em defesa da vida que se institui o Estado Leviatã e, em troca dessa proteção, os súditos
entregam ao Estado aqueles poderes dos quais estão naturalmente investidos.
Nessa perspectiva, as categorias políticas empregadas por Hobbes e por outros autores
ueàoàsegue à o o,àpo àe e plo,àasà oç esàdeà so e a ia ,à ep ese taç o ,à i di íduo à
s o,à aà ealidade,à u aà odalidadeàli güística y conceptual de nombrar o traducir en términos
filosófico-políticos la cuestión biopolítica de la salvaguarda de la vida humana respecto de los
pelig osàdeàe ti i à iole taà ueàlaàa e aza . à й“PO“ITO,à ,àp.à .
A dificuldade lógica ou o paradoxo criado pelas declarações oriundas das revoluções
do Século XVIII foi justamente o fato de estes documentos terem sido responsáveis pela
declaração dos direitos do homem como universais e imanentes, independentes, portanto, de
condições para sua efetivação e, de outro lado, terem sido responsáveis pelo estabelecimento
do poder soberano do Estado, como única entidade apta a criar o direito. Dessa forma, o
Estado, além de criar o direito endereçado ao seu cidadão, também era o único responsável
pela proteção desses direitos. Ou seja, o homem, titular de direitos individuais, só teria
possibilidade de reconhecimento desses direitos perante o seu Estado.
Essa necessária condição de cidadania restou tão arraigada à configuração do Estado
que se pode dizer que ele não existiria sem a composição de seus cidadãos, assim como os
cidadãos não existem sem o Estado. Como consequência dessa relação de dependência
cidadão-Estado, para a realização ou efetivação dos direitos tornou-se vital essa vinculação.
Nesse sentido, Aga e à ,à p.à à es la e e:à oà siste aà doà йstado-nação, os ditos
direitos sagrados e inalienáveis do homem mostram-se desprovidos de qualquer tutela e de
qualquer realidade no mesmo instante em que não seja possível configurá-los como direitos
dos cidad osàdeàu àйstado. à
Isso fica muito evidente no caso do refugiado, que representa justamente aquele
homem que perdeu os seus direitos e garantias efetivos em virtude do fato de ter sido banido
do seu território estatal, ou que se aventura fora desse território sem estar na posse da
do u e taç oà e igida.à áà figu aà doà efugiadoà se eà pa aà ilust a à oà fatoà deà ueà oà supo teà
fundamental da cidadania permanece sendo a vida natural, o fato puro do nascimento no
território de um Estado- aç oàdete i ado. à DUá‘Tй,à2010, p. 298).
Agamben (2010, p. 128, grifos do autor) considera que os refugiados representam,
para o ordenamento do Estado-nação moderno, um elemento inquietante justamente em
785
o refugiado deve ser considerado por aquilo que é, ou seja, nada menos que um
conceito-limite que põe em crise radical as categorias fundamentais do Estado-
nação, do nexo nascimento-nação àquele homem-cidadão, e permite assim
desobstruir o campo para uma renovação categorial atualmente inadiável, em vista
de uma política em que a vida nua não seja mais separada e excepcionada no
ordenamento estatal, nem mesmo através da figura dos direitos humanos.
Nesseàse tido,à um homem que nada mais é que um homem perdeu, precisamente, as
qualidades que permitem aos outros tratá-lo como seu semelhante. à GUIMá‘Ãй“,à ,àp.à
26, grifo do autor). Ou, parafraseando Arendt (1990), pode-se referir que nada há de sagrado
na nudez abstrata de um ser humano.
Com efeito, a Revolução Francesa delineou, por meio do fortalecimento da figura do
Estado, o nacionalismo, o qual, a partir da demarcação de fronteiras territoriais, privilegia uma
cultura de exclusão que afronta fortemente a efetivação dos direitos humanos até hoje: a
diferença entre nacional versus não nacional, ou cidadão versus não cidadão. Isso significa que
existe uma intrínseca relação entre a questão dos direitos humanos e a emancipação nacional:
aà uedaàdaà o a uiaàa solutaàa asta aà o sigoàoàsí oloàdaà o u idadeàesse ial,àpeloà
que o único laço entre os cidadãos do Estado-Nação sem monarca parecia ser de carácter
a io al,àaào ige à o u . à GUIMá‘Ãй“,à ,àp.à .
É certo que desde a criação dos direitos humanos até os dias atuais, o Direito
Internacional já percorreu um longo caminho, sendo que hoje os Estados não são os únicos
centros de onde emanam o poder e a lei. Ao discorrer acerca de direitos fundamentais e
cidadania, Ferrajoli (2011) afirma que após o nascimento da ONU e a partir da criação de
documentos internacionais, os direitos fundamentais não estão limitados ao interior do
Estado que os criou, tendo natureza de direitos supraestatais, devendo ser considerados
direitos das pessoas, independentemente das suas diferentes cidadanias ou nacionalidades.
786
Não obstante o entendimento do jurista italiano, ainda persiste a visão do Estado como
garantidor de direitos aos seus cidadãos, o que acaba por propiciar àqueles que não possuem
essa ligação de cidadania, uma situação de desproteção, de banimento. A dificuldade de
universalização dos direitos humanos, em razão da força dos Estados como geradores e
ga a tido esàdeàdi eitos,à e eteà à efle oàdeàэu asà ,àp.à ,à ueàafi aà ueà apesa àdeà
reconhecida textualmente, a universalidade dos direitos humanos carece de uma efetividade
ta àu i e sal .à
Nesse rumo, é impossível a co p ee s oàdoàdese ol i e toàeàdaà o aç oà a io al à
e biopolítica do Estado moderno, se esquecemos que em seu fundamento não está o homem
como sujeito político livre e consciente, mas a sua vida nua - o simples nascimento que, no
processo de passagem de súdito a cidadão, é investido como tal pelo princípio de soberania
estatalà áGáMBйN,à .à р ,à a ui,à u aà fi ç oà i plí itaà deà ueà oà nascimento torne-se
imediatamente nação,àdeà odoà ueàe t eàosàdoisàte osà oàpossaàha e à esíduoàalgu . à
Desseà odo,à osàdireitos são atribuídos ao homem [...], somente na medida em que ele é o
fundamento, imediatamente dissipante (e que, aliás, não deve nunca vir à luz como tal), do
idad o. à áGáMBйN,à ,àp.à ,àg ifosàdoàauto .à
A crítica de Arendt, portanto, reside no fato de que
economia sobre as políticas de controle dos fluxos migratórios tem se mostrado muito
evidente. Analisando a questão a partir do momento em que começa a se verificar nos países
da então Comunidade Europeia, em meados da década de 1970, a crise do modo de regulação
fordista, Brandariz García (2011, p. 17) menciona que os migrantes passam paulatinamente a
pe de àaà e t alidadeàp oduti aàe,àe àtalà edida,àta àaà e t alidadeàso ialàeàpolíti a,à deà
modo que la inmigración deja de ser contemplada primordialmente como un factor de
desarollo, y pasa ser vista ante todo como un problema, como un hecho antitético al actual
modelo de evolución social, que debe ser gestionado fundamentalmente desde la perspectiva
delà o t ol.
E as mudanças econômicas drásticas pelas quais têm passado as economias europeias
na contemporaneidade têm agravado ainda mais o quadro: a queda na oferta de empregos
em condições de exploração tem feito com que boa parte dos imigrantes se transformem em
um capital humano absolutamente descartável. Em razão disso, Saldanha (2014) adverte para
o fato de que, na contemporaneidade,
de 2014, um aumento de 70% em relação a todo o ano de 2013 (2.400 vítimas). Segundo o
chefe do Departamento de Pesquisa da IOM, Frank Laczko, os números podem ser ainda
aio es:à ápesa àdoàg a deà olu eàdeà e u sosàgastosà aà oletaàdeàdadosàso eài ig aç oàeà
controle das fronteiras, poucas agências reúnem e publicam dados sobre mortes de
i ig a tes .àál àdissoà– enfatizou Laczko – uitasà o tesàa o te e àe à egi esà e otas,à
eà u aàs oà egist adas .à G‘á‘CIá,à
Outra situação emblemática de desrespeito aos migrantes são os Centros de
Internação de Estrangeiros, locais para onde são levados imigrantes que entram na Europa de
forma irregular, enquanto tramita o processo de expulsão. Esses centros lembram
penitenciárias e possuem um sistema excessivamente rígido, onde os imigrantes estão quase
permanentemente em celas, em condições higiênicas deploráveis. Martínez Escamilla (2009)
ressalta que, além das denúncias – por parte de organismos de proteção de direitos humanos
nacionais e internacionais – de que muitos desses centros tem uma estrutura penitenciária
(sendo que alguns deles funcionam em antigas prisões), há graves acusações relacionadas às
o diç esàdeàhigie eàdosàCIй s,à à àali e taç o,à àfaltaàdeàassist iaà di aàade uada,à à
ausência de assistentes sociais e de intérpretes, bem como a módulos familiares apropriados.
Interessante, a propósito, o câmbio de perspectiva de análise da problemática dos
CIE´s proposta por De Giorgi (2006, p. 98):
guarida nos direitos humanos. Atualmente são milhares de migrantes que transitam pelo
mundo a procura de uma vida digna, por não terem condições de alcançá-la em seu país de
nascimento6. A problemática que persegue os direitos humanos é justamente sobre a
capacidade que estes têm de alcançar pessoas que necessitam de proteção em uma terra na
qual não tem condições de buscá-la por meio da cidadania.
6
Segundo dados da Comissão Europeia sobre Migração e asilo (2013, p. 3), dos cerca de 500 milhões de pessoas
que vivem na União Europeia, aproximadamente 20 milhões são cidadãos de países que não pertencem à UE.
Como consequência, destaca Linares (2008, p. 2) que, nos últimos vinte anos nos países centrais europeus, a
imigração deixou o lugar minúsculo que ocupava no ranking de importância social atribuída às distintas políticas
públicas para praticamente encabeçar esta lista hipotética.
7
A expressão trabalhada por Walzer refere-se a um conjunto de normas morais mínimas que reconhecem todos
os seres humanos como pessoas morais, independente do seu pertencimento a uma determinada comunidade
ética. Tal código deve ser observado com relação a grupos de indivíduos ou indivíduos particulares que se
encontrem na condição de estranhos, sem nenhum vínculo com uma estrutura estatal, mais especificamente
estrangeiros e refugiados. (apud FORST, 2010)
790
Nesse sentido, dois argumentos são apresentados como forma de justificar a validade
de normas universalmente, o da reciprocidade e o da universalidade, formando u aà apaà
p oteto a àaosài di íduos.àPa aàнo stà ,àp.à ,àg ifoàdoàauto ,à po à eioàdeàu àlimite de
reciprocidade e universalidade, poder-se-ia dizer, as pessoas são protegidas de serem forçadas
a adotar modos de vida que não podem ser exigidos recípro aàeàu i e sal e te.
Tais considerações são retomadas na atualidade, quando se está diante, novamente,
de indivíduos sem Estado, destituídos de seus vínculos jurídicos e imersos em um cenário que
os identifica como estranhos e intrusos (aliens). Nesse contexto, há a necessidade de, mais
uma vez, voltar o olhar para a condição de ser humano, visto que mesmo havendo o
rompimento de todos os vínculos estatais, as normas morais ainda fazem dele um sujeito de
direitos, e qualifica toda e qualquer reivindicação o à istasàdeàu à di eitoàhu a oàú i o .à
(FORST, 2010)
Com o intuito de resgatar alguns fundamentos para a presente hipótese, pode-se
afirmar que por um longo período a doutrina jusnaturalista, presente na Filosofia do Direito,
foi extremamente importante para a formação de um pensamento mais tolerante, base para
a construção de um direito positivo com um viés natural, ou seja, pautado pelos princípios da
leià atu al.àTaisàp i ípiosà caracterizam-se por duas idéias que se interligam: a primeira vem
da ética e sustenta que há princípios morais e de justiça universalmente válidos e acessíveis à
razão humana; a segunda tem origem numa concepção de justiça que faz depender as leis de
taisàp i ípios. (SAHD, 2009. p. 188-189).
Para os jusnaturalistas, existiriaà u àdi eitoà atu alà etafísi o,àa-histórico, eterno e
i ut elà ueàse eàdeà aseàaoàdi eitoàpositi o. àPo ta to,à oàse iaà e ess ioà eto a àaoà
estadoà deà atu ezaà pa aà at i ui à à leià atu alà osà de e esà doà ho e .à Ta pou oà se iaà
e ess ioà faze àdeàtodosàosàde e esàdoà idad oàasào igaç esàp es itasàpelasàleisà i is .àIssoà
po ueà oà di eitoà atu al,à segu doà G otius,à su sisteà oà seioà daà so iedadeà i ilà eà aà suaà
legislaç oàseàeste deàaosàesta ele i e tosàhu a osàfo adosàpelaà o tadeàdosàho e s. à
(SAHD, 2009, p. 189).
Segundo o jusfilósofo contemporâneo Norberto Bobbio, é possível delimitar três
pilares da doutrina jusnaturalista: Primeiro - leiàesta ele idaàpo à o tadeàdaàdi i dadeàeàpo à
estaà e eladaàaosàho e s; àSegundo - leià atu al àe àse tidoàestrito, fisicamente co-natural
aàtodosàosàse esàa i adosàaàguisaàdeài sti to; àTerceiro - leiàditadaàpelaà az o,àespe ífi a,à
791
é aqui onde parece ter sua origem o conceito de igualdade. Se isto é correto, então
a igualdade tem sua origem no fato de que se uma ação comum não é decidida pelo
poder, quer dizer, determinada por alguém do grupo ou por uma parte do grupo,
então a única alternativa é que seja decidida por todos, e a qualificação de
igualmente entra aqui por necessidade, pois se a ação não estiver determinada
igualmente por todos, então, à medida que alguns não participaram igualmente,
estes seriam forçados. Sua vontade está determinada pela vontade dos outros: se
trata de poder.
792
O autor ainda vai além, ao extrai disso uma mudança significativa para a sua própria
concepção da moral. Para ele, a igualdade e a justiça não mais derivam daquilo que ele
entendia como uma justificação de uma moral. A concepção igualitária é agora o fundamento
em que se baseia uma moral. Antes o âmbito moral era o fundamental e com essa discussão
do igualitarismo instaura-se uma perspectiva em que a moral aparece agora ao lado do âmbito
político como dimensão privilegiada para essas discussões. (TUGENDHAT, 2008)
Assim sendo, analisando as questões relativas aos direitos humanos, pode-se constatar
que:
Acredita-se que essa ideia da igualdade entre todos os seres humanos e a necessidade
do merecido respeito a sua dignidade possa achar raízes nas primeiras manifestações relativas
à lei natural. Por mais que a doutrina jusnaturalista tenha sofrido muitas críticas por parte dos
defensores do Direito Positivo, observa-se muitas das suas diretrizes presentes nas
construções teóricas que motivam os estudos relacionados aos direitos humanos. Isso é
percebido na própria Declaração de Diretos Humanos8, aprovada pela ONU em 19489, quando
8
áàDe la aç oà U i e salàdosàDi eitosàрu a osàdeà à esta ele euàaà pa ti àdeàu aà o de àu i e salista,àaà
garantia dos direitos fundamentais à pessoa humana. Estamos, sem dúvida, diante de um posicionamento
regulador, cujo emprego legítimo exige uma justificação metafísica. Por um lado, trata-se de reunir a
humanidade em torno daquilo que pode conferir unidade ao seu destino (significado, sentido, verdade)
estabelecendo-se as bases para uma espécie de direito público universal. Por outro lado, trata-se também de se
aceitar uma espécie de normatização como condição permanente do homem, como noção pressuposta à
a t opologiaà ueàoàfu da e ta. à MARTINS; GODINHO, 2012, p. 12)
9
Para Martins e Godinho. ,à p.à ,à ápesa à daà difi uldadeà e o t adaà pa aà esta elecer os pontos
convergentes, entre os Estados, que seriam capazes de satisfazer as necessidades humanas, a Declaração
consegue se impor, através de um só documento, formado por um Preâmbulo de 7 considerandos e por 30
artigos. Logo no artigo I, retoma os princípios axiológicos desenhados pela Revolução Francesa liberdade,
igualdade,àeàf ate idade:à Todosàosàho e sà as e àli esà eàiguaisà e àdig idadeàeàdi eitos.à“ oàdotadosàdeà
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade .à Oà p i ípioà daà
igualdade essencial ao ser humano –que independe de raça, cor, sexo, língua, religião ou de qualquer outra
natureza –é afirmado no artigo II. A igualdade perante a lei é professada no artigo VII, reconhecendo a todo o
homem o direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei, portanto, merece sem qualquer distinção
proteção da lei. A liberdade política é consagrada no artigo XXI, permitindo a qualquer que seja participar da vida
793
i augu aà u aà o alà u i e salistaà o stata doà ue,à apesa à dasà di e g iasà a iol gi asà eà
ideológicas entre os Estados, chegou-se ao consenso quanto às necessidades prementes dos
ho e s. à Má‘TIN“;àGODINрO,à2012, p. 12)
Por outro lado, apesar da sua relevância na esfera internacional no que tange aos
direitos tidos como fundamentais e a existência digna, ainda questiona-se a sua força
normativa, ou seja, a possibilidade desse rol de direitos humanos, presentes na Carta impor-
se de maneira universal, já que nem todos os países fizeram parte do acordo que resultou na
sua aprovação.
A procura de uma fundamentação moral em torno daquilo que parece mais essencial
e que vincularia todos os indivíduos parece estar mais próximo do conceito de ser humano
ueàpossuiàdi eitos,à oàse àhu a oà o oàtal,àistoà ,àoàse àhu a oà atu al,àoàse àhu a oà u,à
o ser humano da doutrina da classificação biológica, o ho oàsapie s. Seria a possibilidade de
edifi aç oàdeàu aà [...]ào de à o ati aàdeàpu aài pessoalidadeà ueàte àp io idadeàso eà
todasàasào de sàju ídi asàestataisà[...] àeà ueà olo a iaàoàse àhu a oà o oà e eàdoà o eitoà
deàdi eitosàhu a os .à ый‘“TING,à ,àp.à -94)
ápa e e,à esseà i s,à o oàfu da e tal,àaà e essidadeàdeà reunir a humanidade em
torno daquilo que pode conferir unidade ao seu destino (significado, sentido, verdade)
estabelecendo-seàasà asesàpa aàu aàesp ieàdeàdi eitoàpú li oàu i e sal. àOuàai da,à trata-se
também de se aceitar uma espécie de normatização como condição permanente do homem,
o oà oç oàp essupostaà àa t opologiaà ueàoàfu da e ta. à MARTINS; GODINHO, 2012, p.
12)
Nesse sentido, no entender de Martins e Godinho (2012, p. 12-13), quando se busca a
essência da natureza humana e a necessidade de um fundamento moral para a temática da
universalização dos direitos humanos, mesmo que sob o ponto de vista histórico-filosófico,
retoma-se a questão da igualdade no tratamento universal do ser humano enquanto é
simplesmente humano (nem super-hu a o,à e àsu u a o , à oài po ta doàoàluga à ueà
seàe o t e.à N oàseài te oga,àpo ta to,àso eàoàu i e salis oàdaàDe la aç oàdeà àse à
se chegar à analítica ôntico-o tol gi aàdoàho e ,à efleti doà oà e à o um.
política de seu país; a liberdade privada nos artigos VII a XIII e XVI a XX, assegura ao indivíduo a esfera de não
i te fe iaàestatal.àPo àfi ,àoàp i ípioàdaàsolida iedadeà àde la adoà osàa tigosàXXIIàaàXXVI.
794
Considerações Finais
No que diz respeito aos direitos do não cidadão, diante da dicotomia criada pelos
movimentos originários dos direitos humanos e que continua sendo fomentada pelos
795
sistemas nacionais de direitos, ainda há muito a caminhar até que a prevalência dos direitos
humanos triunfe e que a sua titularidade seja atrelada apenas à condição humana.
Necessário se mostra, nesse sentido, repensar a noção de cidadania e de soberania
estatal, de modo a possibilitar uma nova compreensão do alcance dos direitos humanos, a fim
de que eles sejam válidos para todas as pessoas, independentemente de sua origem ou
nacionalidade. Há que se desvincular os direitos humanos da cidadania, reconhecendo seu
caráter supraestatal, a fim de conferir-lhes a universalidade pretendida, para que possam ser
válidos tanto fora como dentro das fronteiras dos Estados.
Além da superação da noção de soberania, se faz necessária uma mudança na
percepção do migrante, a fim de que seja superada a concepção equivocada de que os
migrantes são os principais vitimados pela nova ordem mundial e ocupantes por excelência
dosà o-luga es à ese adosàaosàe luídosàdaàmultidão global. Isso significa considerá-losà talà
ualàs o ,à oàespe a doà ueàelesà u p a à o àestaàouàa uelaàfu ç oà oà o texto de uma
determinada sociedade, mas os entendendo como potencialidades.
Consoante ao que foi observado, não haveria necessidade de um documento solene,
formal e jurídico se desde o princípio os homens entendessem a sua essência e
compreendessem que os direitos humanos são moralmente vigentes e vinculam todas as
sociedades, independente da doutrina ética que se está seguindo. Assim, fica difícil fugir dessa
justificação metafísica quando se está diante de algo tão complexo e que diz respeito à
integridade de cada um dos seres humanos.
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Erni Bernkopf2
Braian Barros Braz3
Lisiane Beatriz Wickert4
1 INTRODUÇÃO
1
Trabalho de pesquisa realizado em 2017, como parte de estudos de pesquisa independentes, com a colaboração
e orientação da professora mestra Lisiane Beatriz Wickert, elaborado para apresentação no II Congresso Nacional
de Ciências Criminais e Direitos Humanos, realizado de 23 a 26 de maio de2017 - Campi Ijuí/RS.
2
Graduando em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí/RS);
Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais (DCJS); Email: psilva139@yahoo.com.
3
Graduando em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí/RS);
Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais (DCJS); Email: braian.braz@hotmail.com.
4
Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania pela UNIJUÍ. Pós-graduada em Instituições Jurídico Políticas
pela UNIJUÍ. Professora da Pós-graduação e graduação do Curso de Direito da UNIJUI. Advogada. E-
mail: wickert@unijui.edu.br.
799
à luz um parâmetro desesperador, cuja gênese está obscura às práticas de um direito penal
do inimigo da contemporaneidade.
A pesquisa, bem como a construção ideológica e estrutural do artigo, se fundamentou
em obras de autores atuais, bem como em uma análise à legislação vigente sobre o tema.
Todavia, uma visão crítica do atual cenário se fez necessária, pois a necessidade de se observar
as garantias do indivíduo frente ao poder do Estado se revela de grande importância.
A fim de definir a teoria de Gunther Jakobs e sua caracterização com o contexto atual
da aplicação penal brasileira, buscar-se-á de modo sintético, analisar alguns fundamentos que
embasaram a construção da teoria. Esta análise irá ajudar a entender como e porque Jakobs
sepa ouà osà idad osà dos,à segu doà ele,à i i igos .à áte ta-se também para alguns
fundamentos que tratam do objetivo da doutrina aplicada por Jakobs. De tal modo, a análise,
ainda que não aprofundada dos aspectos filosóficos e políticos da obra do referido autor,
trazem a compreensão das conseqüências de sua aplicabilidade.
Para construir a teoria do direito penal do inimigo, Jakobs retrocede ao século XVII e
XVIII, com base nas teorias contratualistas5, para então corroborar a divisão entre crime e
criminoso, cidadão e inimigo.
Esta divisão começa a ser construída, de forma institucionalizada e positiva, nos
discursos modernistas, mais enfaticamente nas obras que fundamentam o estado a stricto
sensu. Logo, diante da vigência do contrato social, qualquer indivíduo que o infringisse, não
mais gozaria das benesses do contrato, nem mais faria parte das relações jurídicosociais, ou
5
U asà dasà defi iç esà dasà teo iasà o t atualistas:à deà i ediato,à e à luga à daà pessoaà pa ti ula à deà adaà
contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantas
são as vozes da assembléia, a qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade.
Esta pessoa pública assim formada pela união de todas as outras era designada outrora pelo nome de cidade,
sendo designada atualmente pelo nome de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros
йstadoà ua doà à passi o,à so e a oà ua doà ati oà eà pot iaà ua doà o pa a doà aosà seusà se elha tes à
(ROUSSEAU 2013, p. 22-23).
800
seja, seria excluído daquele corpo social. Assim, segundo Rousseau (2013, p. ,à [...]à aà
conservação do Estado é incompatível com a sua e, então, é preciso que um dos dois pereça
eà ua doàseàfazà o e àoà ulpado,à à e osà o oà idad oàdoà ueà o oài i igo .à
De similar pensamento, Fichte (1973, p. 172-180), afirma que o indivíduo que se
afastasse do contrato, estaria em um estado de ausência de direitos. Justifica que o estado
tem para com seus súditos uma contrapartida, onde tem deveres provenientes do contrato (o
que lhe confere um direito de tratar com mais severidade, os que se desvinculam tanto das
leis, como do contrato), e direitos, de obrigar os mesmos às leis, e aos deveres sociais.
De tal sorte, alguns teóricos primavam que o delinquente não fosse privado de seus
direitos, pois segundo esta corrente, o criminoso deveria ser mantido dentro das proteções
do direito. Isto garantiria que este indivíduo pudesse voltar ao corpo social, e também barrar
que o mesmo indivíduo se desligasse arbitrariamente por resultado de seu ato. Contudo, se
este delinquente se afastar da autoridade do corpo social, e voltar ao suposto estado de
natureza, deverá ser considerado inimigo. De tal modo, Hobbes (2014, p. 246-247) deduz que:
De semelhante modo, Kant (1989, p. 199-225) dispõe que quem não participa de um
estado comunitário legal, deve retirar-se do mesmo, o que geraria um tratamento não mais
como pessoa, e sim como inimigo. Isto é, quem não se deixa obrigar a entrar em uma
constituição cidadã, deve ser expelido da mesma, e não ter um tratamento de pessoa, mas
agora em um estado de inimigo.
Com isso, se tem a visão de que todo indivíduo que por vontade, agir de modo
contrário aos preceitos e normas do contrato social, não pode ser considerado/tratado como
cidadão, e sim combatido como inimigo do corpo social.
801
[...] é autor de crimes normais, que preserva uma atitude de fidelidade jurídica
intrínseca, uma base subjetiva real capaz de manter as expectativas normativas da
comunidade, conservando a qualidade de pessoa portadora de direitos, porque não
soM
ö
n
ch
eglad
bc
desafia o sistema social (CIRINO DOS SANTOS 2012, p. 5).
filó
Quanto ao inimigo, considerar-se-á:
6
Nasceu em h, na Alemanha em 26 de julho de 1937. É autor de livros
de Direito, e professor emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito. Na comunidade científica mais
ampla, ele é mais conhecido por seu controverso conceito de Direito Penal do Inimigo.
802
Noà ueàta geà sàpe as,àCi i oàdosà“a tosà ,àp.à ,àdes e eà ueà pa aàoà idad oàaà
pena criminal preservaria o significado simbólico de (re) afirmação da validade da norma,
como sanção contra fatos passados; para o inimigo a pena criminal teria um significado físico
deà ust diaàdeàsegu a çaàp e e ti a,à o oà edidaàpa aàe ita àoàpe igoàdeàfatosàfutu os .
Com isso, o tratamento desigual destinado por Jakobs em sua teoria, às duas
categorias, não só afetaria sua inserção no corpo social, mas também em matéria processual,
onde Jakobs concebe um duplo sistema de imputação penal e processual penal. Tal sistema
criaria duas vias de aplicação penal, uma em sentido reparatório ao cidadão delinquente, e
outra em sentido acusatório (incompatível com o atual estado democrático de direito) ao
inimigo (JAKOBS; MELIÁ 2009, p. 85-110).
Dessarte, a teoria de Jakobs, traz pontos como: o inimigo não poderá ser punido com
pena, com fim retributivo, mas sim com medida de segurança, tendo sempre como foco a
prevenção (sempre levado em consideração sua periculosidade); o inimigo perde seu status
de cidadão, tornando-se um objeto de coação estatal; quanto ao cidadão, aplica-se a norma
penal vigente, e ao inimigo aplica-se, o que autor chama de guerra ao inimigo, um intenso
combate, mesmo que as penalidades sejam desproporcionais; e uma atuação do direito penal
quanto aos atos preparatórios, afim de proteção e prevenção (SILVA 2011, p. 67).
De tal sorte, esta teoria em sua totalidade não obteve êxito em aplicação total.
Contudo, no contexto social e normativo brasileiro, as ideias de Jakobs começam a ser
implantadas. Fatores, que serão expostos a seguir, caracterizam um direito penal do inimigo
sendo desenvolvido nos campos de atuação do direito penal brasileiro, tendo com isso
resultado em um contexto fático de violações ao estado democrático de direito, por via do
direito penal do inimigo contemporâneo.
Notadamente que o direito penal se faz presente no contexto hodierno. Todavia, sua
aplicação, seus destinatários e seu meio de atuação, estão, por demasia, ensejando um
803
cenário distante do que outrora fora idealizado no século XVIII e aprimorado ao longo do
tempo.
Para uma reflexão acerca deste tema, alguns fatores e ideologias serão analisados,
partindo de algumas situações fáticas que consubstanciam o atual contexto. Partindo de uma
visão teórica e dogmática sobre fatores – o demasiado culto à violência, produzido e oferecido
em larga escala pela mídia e seus criadores; a desigualdade econômica, em que as
concentrações se distanciam e convivem em constante conflito em seus polos; a frágil e
ineficaz educação, fruto das sucessivas más gestões, onde a formação individual dá-se instável
– que embasam as discussões sobre as garantias penais e processuais penais, e examinando
dados atuais do sistema penal, para construir um paralelo com o direito penal do inimigo. De
tal sorte, far-se-á uma análise e possível compreensão dos aspectos que estão estimulando o
contexto atual.
Chama a atenção o fato de que na grande maioria dos casos os que são chamados
deà deli ue tes àpe te e àaosàseto esàso iaisàdeà e o esà e u sos.àй àge al,à à
bastante óbvio que quase todas as prisões do mundo estão povoadas por pobres.
Isto indica que há um processo de seleção das pessoas às quais se qualifica como
deli ue tes àeà o,à o oàseàp ete de,àu à e oàp o essoàdeàseleç oàdasà o dutasà
ou ações qualificadas como tais (grifos do autor).
Esta realidade que hoje caracteriza o Brasil e também países da América Latina revela-
se como uma das características do sistema capitalista e da globalização em todos os
segmentos sócio-políticos. “egu doà áze edoà ,à p.à ,à dife e te e teà dos países
804
Destarte, o fato de que toda sociedade tem uma estrutura de poder e organização, e
esta, por segregar grupos, acaba por criar e alimentar grande parte do cenário, que
hodiernamente têm-se como realidade. Como exemplo, a midiatização em massa, que impõe
padrões sociais de conduta, sem que a sociedade sinta estar sendo manipulada, e através
deste meio, o grupo que determina os padrões, também cria inimigos comuns à sociedade,
moldando uma realidade ficta, onde a violência ganha status de ameaça a seguridade social,
805
e não mais como um problema social, a ser tratado por outras vias, ao invés de
institucionalmente (CHOMSKY 2013, p. 13-25).
Isto posto, tendo em vista o controle social exercido por determinados grupos, e suas
consequências, Zaffaroni (2015, p. 62) considera:
O certo é que toda a sociedade apresenta uma estrutura de poder, com grupos que
dominam e grupos que são dominados, com setores mais próximos ou mais
afastadosà dosà e t osà deà de is o.à Deà a o doà o à essaà est utu a,à seà o t ola à
socialmente a conduta dos homens, controle que não só se exerce sobre os grupos
mais distantes do centro do poder, como também com grupos mais próximos a ele,
aos quais se impõe controlar sua própria conduta para não debilitar-se. [...] toda
sociedade tem uma estrutura de poder (político ou econômico) com grupos mais
próximos e grupos mais marginalizados do poder [...] (grifos do autor).
invés de atuar sobre as condutas ou ações qualificadas como delituosas, está a selecionar
indivíduos classificados como delinquentes (ZAFFARONI 2015, p. 60).
Neste contexto, o direito penal e processual penal deveria, conjuntamente com as
previsões constitucionais, primar pelos direitos e garantias fundamentais inerentes ao Estado
Democrático de Direito, atuando contra a arbitrariedade e abusos estatais. Contudo, constata-
se, em muitos casos, o inverso, como destaca Azeredo (2005, p. 216):
7
Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
807
Tal atuação da tutela antecipada enseja o que Jakobs visualizava como punição
antecipada, visto que abre precedente para tornar uma presunção de dano ou perigo, em um
objeto de reprovação pelo legislador, sendo tipificados atos preparatórios e crimes de mera
conduta. Tendo com isso uma direção, há uma tendência de reduzir e até suprimir garantias
individuais, conquistadas a duras penas, resultando em um devido processo legal falho, e uma
suposta guerra a esses inimigos (SILVA 2011, p. 68-73).
Outra alteração que denota uma tendência celetista do poder judiciário se dá em face
da nova orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal proferiu em fevereiro de
2016, possibilitando que a condenação comece a ser cumprida já em segunda instância, sendo
que o trânsito em julgado não fora ainda efetivado, tendo com isso mudado drasticamente o
entendimento anterior, que garantia o devido processo legal e a execução da condenação
somente depois de certificado o trânsito em julgado. Tal entendimento exarado no HC
126.292, decorreu de uma condenação de cinco anos e quatro meses por roubo qualificado
(art. 157, § 2°, inc. I e II), quando então o TJ/SP negou provimento ao recurso e determinou a
imediata expedição do mandado de prisão.
Oà elato à à po a,àMi ist oàTeo ià)a as ki,àasse e ouà ueà aàe e uç oàp o is iaàdeà
acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso
especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
i o ia .à Ta à segu doà oà e te di e toà doà i ist o,à estaàde is oà isaà ga a ti à oà jus
puniendi do Estado, diminuindo com isso, a avalanche de recursos protelatórios que almejam
a prescrição da pretensão punitiva e/ou executória.
Porém, esta decisão expressamente vai de encontro a dispositivos mundialmente
consagrados e fundantes das bases de direitos humanos, que inclusive o Brasil é signatário. O
art. 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada do séc. XVIII declara que
todoàa usadoà à o side adoài o e teàat àse àde la adoà ulpadoàe,àseàjulga ài dispe s elà
prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente
ep i idoàpelaàlei .àái da,àoàa t.à àdaàDe laração Universal de Direitos da Pessoa Humana,
dizà e à seuà §à à Todaà pessoaà a usadaà deàu à atoàdelituosoàte à oà di eitoàdeà se à p esu idaà
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento
público no qual lhe tenham sido assegu adaàtodasàasàga a tiasà e ess iasà àsuaàdefesa .àDaà
mesma forma, o Pacto de São José da Costa Rica, estabelece em seu art. 8º, inc. I, o Princípio
808
daàP esu ç oàdeàI o ia,àaoàassegu a à ueà todaàpessoaàa usadaàdeàdelitoàte àdi eitoàaà ueà
se presu aàsuaài o iaàe ua toà oàseà o p o eàlegal e teàsuaà ulpa .
E também, a Constituição Federal de 1988 garante esse direito ao indivíduo
o de ado,àse doà ueàoàp p ioàa t.à º,ài isoàэVII,àdaàCo stituiç oàнede alàdizà ueà i gu à
será considerado culpadoà at à oà t sitoà e à julgadoà deà se te çaà pe alà o de at ia ,à
respaldado no art. 60, parágrafo § 4º, inciso IV, que define as cláusulas pétreas (invioláveis e
inalteráveis, se não por nova constituinte). Este é o principal artigo violado nesta decisão,
corroborando a aplicação dos preceitos penais do inimigo, visto que esta decisão se faz
concreta e aplicável ao indivíduo resultante das falhas sociais, promovidas pelo Estado.
Outro dispositivo criado para atender as demandas penais, dá-se diante da introdução
da Lei nº 10.792/2003, que alterou a Lei de Execuções Penais e introduziu o Regime Disciplinar
Diferenciado no ordenamento brasileiro, dispondo de aspectos referentes ao direito penal do
inimigo. Assim, o artigo 52, §§ 1º e 2º, da referida lei, expressa os aspectos da teoria do direito
penal do inimigo:
Artigo 52: A prática de fato prevista como crime doloso constitui falta grave e,
quando ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeitas o preso
provisório, ou condenado, sem prejuízo de sanção penal, ao regime disciplinar
diferenciado, com as seguintes características: § 1º O regime disciplinar diferenciado
também poderá abrigar os presos provisórios ou condenados, nacionais ou
estrangeiros, que apresentem altos riscos para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade. § 2º Estará igualmente sujeito ao regime
disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenando sob o qual recaiam
fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em
organizações criminosas, quadrilhas ou bandos.
Tal dispositivo, embora implícito, demonstra que a punição mais severa se dá não por
tipificada na norma penal, e sim por o indivíduo apresentar uma periculosidade maior, sendo
este aspecto, fruto da teoria de Jakobs (SILVA 2011, p. 81).
A isto, podem-se acrescer algumas considerações quanto à Audiência de Custódia, que
instituída pela Resolução n° 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, atende às orientações
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em seu artigo 9°8, do qual o Brasil é
8
Artigo 9
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à
presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser
julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam
julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que
809
signatário, e também ao artigo 7°9 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Este novo
mecanismo do poder judiciário, segundo Carlo Velho Masi (2016, p. 182) é:
[...] o ato pré-processual onde o preso (em flagrante ou mediante o cumprimento de
ordem judicial) deve ser prontamente levado à autoridade judicial, a quem compete
verificar a legalidade/regularidade (requisitos formais) e a necessidade da prisão ou
a possibilidade de substituí-la por medidas menos gravosas. Através deste ato, cria-
se um filtro mais rígido na entrada do sistema prisional, com o propósito de qualificar
o ingresso de pessoas nos presídios, não só amenizando teoricamente a
superlotação carcerária, ao reduzir as taxas de aprisionamento cautelar, como
também reconhecendo o papel excepcional da prisão no processo penal.
4 ANÁLISE ESTATÍSTICA
10
Segundo o CNJ, somado aos 563.526 presos – inclusas as prisões provisórias – as prisões domiciliares que
somam 147.937 presos, o Brasil ocuparia a 3° posição com mais de 700 mil presos (dados de junho de 2014).
811
com isso, 1,6 preso/vaga. Resultado este que se configura nas mais diversas violações em
direitos humanos nas prisões brasileiras, e que a cada dia se assevera por força de práticas
estatais, muitas vezes ineficientes, visando não uma possível ressocialização, mas sim uma
punição pela condição de inimigo que este indivíduo se encontra.
Tal afirmação se dá em face de que, somente 11% da população carcerária total, esteve
envolvida (até 2014), em atividades de ensino formal, e apenas 2% da mesma, em atividades
educacionais diversas. Quanto a atividades laborterápicas (trabalho), somente 19,8% dos
584.361 presos, desempenhavam tais atividades, e destes 19,8%, que somam mais de 115.700
presos, 38% não recebiam remuneração, 37,1% recebiam menos de 3/4 do salário mínimo
mensal, e somente 4,7% recebiam entre um e dois salários mínimos mensais, o que
formalmente afronta as disposições expressas de forma taxativa na Lei 7210/198411.
Com isso, não há clareza na forma e/ou método, que se utiliza o Estado, por meio de
seus poderes, para reinserir o indivíduo em seu meio social, que outrora este se encontrava.
Logo, mesmo não tendo nenhuma receptividade formal e legal da teoria de Jakobs, as ações
e resultados buscados por seus atuantes, tem se utilizado implicitamente do direito penal do
inimigo, agravando massivamente a conjuntura do sistema penal em todos seus aspectos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação do sistema penal brasileiro, que se considera um dos mais rígidos, constrói
uma situação de descaso sistemático e alarmante aos direitos humanos, transformando o
Estado Democrático de Direito, segundo expressão do Supremo Tribunal Federal, em Estado
de Coisas Inconstitucionais. Diante este cenário, o presente artigo trouxe uma breve reflexão
sobre a teoria de Gunther Jakobs, Direito Penal do Inimigo, e sua implícita aplicabilidade no
ordenamento jurídico-penal brasileiro. São incontestes que as ações de segregação sempre
existiram com base na teoria de Jakobs, quando o movimento contratualista já expressava as
distinções sociais, segundo seus atos. Mas Jakobs foi além, criando dois grupos de indivíduos,
os cidadãos, para os quais as punições seriam de correção, e os inimigos, que seriam
penalizados com mais rigor por serem classificados de alta periculosidade social.
11
Segundo a Lei de Execuções Penais em seu artigo 29, caput, dispõe que:
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três
quartos) do salário mínimo.
812
Quanto ao contexto hodierno, verifica-se ainda que de modo sorrateiro, a divisão dos
indivíduos quanto ao jus puniendi estatal. Como abordado no artigo, os fatores
socioeconômicos são fundamentais para avaliar as ações do Estado, visto que a massa
carcerária compreende, em sua maioria, indivíduos oriundos do segmento mais marginalizado
e com menos poder aquisitivo, não por terem tendência ao crime, e sim por sua condição mais
favorável ao encarceramento. A isso, somam-se as diversas ferramentas do Estado, em seu
agir, que adotaram uma política penal de exclusão, notadamente fundada em pressupostos
do Direito Penal do Inimigo. A análise empírica de dados contemporâneos demonstra a
severidade e o caos que constituí a realidade penal brasileira.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral. 11° Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
815
RESUMO
O presente trabalho irá discorrer sobre a descriminalização do aborto e qual a sua
importância na vida da mulher de maneira a relacioná-lo com o princípio da dignidade
humana, o qual irá embasar todo o texto constitucional e sua finalidade.A
descriminalização do aborto por vezes é tratada de forma desviante com as articulações
do Estado para efetivar o bem mais precioso do ser humano, qual seja: a vida.Quando um
governo reconhece a existência de um problema de caráter público e a necessidade de
intervir neste propósito, deve também decidir qual o curso de ações a adotar,
analisandoas opções à disposição.A Carta Magna de 1988 irá garantir o respeito ao direito
à vida como barreira ao descriminalizar o aborto em uma sociedade e sua cultura com
diversos preconceitos cravejados no cotidiano.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federativa do Brasil elenca como um dos seus pilares fundamentais
a dignidade humana, elemento central qual vai embasar todo o texto constitucional e sua
finalidade. Então, a consagração constitucional da dignidade da pessoa humana resulta,
pois, na obrigação do Estado em garantir o acesso à Justiça de todos os cidadãos, de forma
a efetivar esta virtude em seu sentido completo, por meio então, da ferramenta chamada:
Judiciário.
Desta forma, o cidadão detentor de direitos e garantias tem a certeza que através
do procedimento coerente chegará aos resultados dignos de ser alcançados como forma
de efetivação dos Direitos Humanos. Contudo em conflito com as profundas injustiças e
desigualdades sociais, tais primícias fundamentais para efetivação do direito devem ser
reconhecidas pelos cidadãos através de polícias públicas concretizadas pelo Estado.
1
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito pela UNIJUI e Bolsista de Pesquisa PIBIC/UNIJUI. Contato:
pretto.feer@gmail.com.
2
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito pela UNIJUÍ e Bolsista de Pesquisa FAPERGS/UNIJUÍ.
Contato: grazi.strada@hotmail.com.
3
Doutora em Direito pela UNIROMA III. Professora na graduação e no programa de Mestrado em Direitos
Humanos da UNIJUÍ. Contato: janasturza@hotmail.com
816
Portanto, é imprescindível que o direito à vida tenha peso abstrato, e que seja
superior a qualquer outro interesse, pois este direito é a premissa dos direitos
proclamados pelo constituinte, sendo que não faria sentido revelar qualquer outro direito
antes, se não tivesse assegurado o direito de estar e permanecer vivo (MENDES E
BRANCO, 2012, p. 769).
Enfim, é necessário refletir até aonde se pode deixar que um direito fundamental
seja violado, e como deve-se agir perante um confronto de tais direitos, desta forma,
passar-se-á demonstrar a seguir outro direito fundamental que anda lado a lado com o
direito à vida, o direito a saúde.
817
Neste eixo, a Constituição Federal é garantidora da vida humana, uma vez que
consagra os direitos fundamentais e valorando o bem máximo do ser humano que é a
vida, isto, pois a sociedade através se sua cultura machista repreende a conduta. Este é
fato que recresta que o estado cuidou de regulamentar o assunto, uma vez que, a
sociedade o autorizou para organizar a sociedade que é repleta de profundas injustiças e
desigualdades sociais protegendo o homem do próprio homem, o ser racional mais
destruidor do seu próprio meio.
No Brasil, vigora na matéria o Código Penal que foi editado no ano de 1940, que
optou pela criminalização do aborto em seus artigos 124 a 128, com a seguinte redação:
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas
de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para
provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas,
se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Como pode-se observar, nosso Código Penal não pune o aborto quando praticado
por médico em caso de estupro ou se não houver outro meio de salvar a vida da Gestante.
Desse modo, pode-se afirmar que grande parte das pessoas favoráveis ao aborto
o veem como forma de resolver problema de cunho social ou até mesmo como uma certa
forma de apenas evitar uma gravidez indesejada, ignorando todas as formas
contraceptivas existentes e acessíveis à toda a população, muitas delas disponibilizadas
pelo Estado de forma gratuita, reafirmando o fato de que uma eventual liberação do
aborto, além do risco de esterilidade e outros problemas de saúde que podem ser gerados
a partir da prática do aborto, a mulher poderá perder também o senso de
responsabilidade nos atos e práticas de relações sexuais, em decorrência da qual ela
poderá engravidar e, posteriormente, usar o aborto como forma de interrupção da
gravidez indesejada, simplesmente.
Sarmento (2005) enfatiza, ainda nesse aspecto, que
Mas também pode-se afirmar que com o surgimento de novos valores sociais no
que se refere ao papel da mulher na sociedade, assim como o reconhecimento da
igualdade de gênero e a mudança de paradigma no que diz respeito a sexualidade da
mulher, hoje já se pensa em aborto sob uma nova ótica, pondo em dúvida os valores
relacionados à época de criação de nosso código penal, fazendo que que se passe a refletir
821
até que ponto o aborto deve ser considerado crime, visto sob a ótica que envolve a vida
de duas pessoas (genitora e embrião) não dizendo respeito somente apenas a vida que
está sendo gerada, mas também da vida da mulher que possa vir a gerar uma criança
indesejada.
Assim,Sarmento (2005) argumenta:
Desse modo, passa-se a pensar que a revisão da legislação do aborto deve ser
elaborada com igual atenção aos direitos humanos básicos da mulher e não apenas sob a
ótica do direito à vida do embrião. Esse assunto vem se destacando a nível mundial desde
meados da década de 60, posto que, em sintonia com os novos valores sociais, vem se
pensando na liberalização da legislação do aborto. Assim, a legislação brasileira pose ser
caracterizada como uma das mais rigorosas do mundo no que diz respeito ao aborto.
Mas a alteração da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez também
envolve o cumprimento de compromissos internacionais, segundo Sarmento (2005)
Por outro lado, existe a preocupação com a vida do embrião. A situação jurídica e
moral do nascituro vem gerando muitas discussões, não podendo também os valores que
concernem a vida do embrião ou feto serem ignorados. Nesse sentido, Sarmento (2005)
salienta:
o entendimento que vem prevalecendo nas decisões dos Tribunais
Constitucionais de todo o mundo é o de que a vida do nascituro é protegida
pela Constituição, embora não com a mesma intensidade com que se tutela o
direito à vida das pessoas humanas já nascidas. E, por razões de ordem
biológica, social e moral, tem-se considerado também que o grau de proteção
constitucional conferido à vida intra-uterina vai aumentando na medida em
822
Deste modo, sob o prisma jurídico, deve haver uma ponderação de valores
constitucionais, buscando-se um ponto de equilíbrio, para que, assim, os bens jurídicos
envolvidos sejam sacrificados o mínimo possível, e que se atente para as implicações
éticas do problema aqui equacionado.
Em seus estudos, Sarmento (2005) relata que a Corte Internacional de Direitos
рu a osà e te deà ueà aà vida intrauterina não pode ser protegida com a
es ai te sidadeà ueàaà idaàdaàpessoaà as ida. àDesteà odoàpode-se interpretar uma
recusa a qualquer equiparação entre a proteção da vida do nascituro e da criança após o
nascimento.
Pode-se então chegar ao entendimento que existe uma forte tendência à
liberalização da legislação referente ao aborto, em função da proteção dos direitos
humanos da gestante, mas que, apesar disso, também se reconhece estatura
constitucional ao interesse na preservação da vida do nascituro, a qual aumenta
conforme a gestação progride. Isso quer dizer, em outras palavras, que na maioria dos
países, tais como Estados Unidos, Canadá, Portugal, Espanha, Itália, França e Alemanha
tem em sua legislação condições para que o aborto não seja criminalizado, desde que seja
praticado no máximo até a 12º semana de gestação, ou, se posterior a isso, que seja em
função de problema de saúde do feto ou que coloque em risco a vida da gestante.
Em seus estudos, Sarmento(2005, p.22) enfatiza
A Constituição Federal de 1988 não aponta o aborto voluntário nem para autorizá-
lo, nem para proibi-lo. Porém, é nessa mesma Constituição que se deve buscar o
norteamento para o equacionamento jurídico no que concerne à interrupção voluntária
823
de gravidez no Brasil. Portanto, pode-se dizer que existem limites constitucionais a serem
observados, sejam eles os direitos fundamentais da mulher, ou a proteção ao feto.
Sarmento ainda destaca
E o melhor: trata-se de uma Constituição com características muito singulares,
que apresenta, como sua marca mais notável, a preocupação central com os
direitos humanos. Este foco se evidencia desde já pela própria estruturação do
texto constitucional: se, nas constituições anteriores, primeiro tratava-se da
organização do Estado, e só ao fim eram consagrados os direitos, agora inverte-
se esta ordem e os direitos passam a ser afirmados antes, como uma espécie
de testemunho, da sua prioridade axiológica. Na verdade a Constituição de 88
não só hospedou em seu texto um generoso catálogo de direitos fundamentais,
incorporando direitos individuais, políticos, sociais e difusos, como também
atribuiu a eles aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º), e protegeu-os, ainda,
diante do próprio pode constituinte derivado (art. 60, §4º). (SARMENTO, 2005,
p. 23-24)
Por haver um vasto pluralismo político no Brasil, isso torna-se uma característica
essencial na contemporaneidade. Existe um enorme leque de religiões distintas, as quais
professam ideologias diferentes, assim como há também aqueles que não adotam
nenhuma religião. Entende-se, então, que o Estado deve respeitar essas escolhas e
orientações, não permitindo-se oprimir ou coagir o cidadão pro essa conduta, abstendo-
se, assim, de tomar quaisquer decisões norteadas por embasamento religioso, mantendo-
se neutro em matéria de crença religiosa.
ainda não é considerado pessoa. O Código Civil Brasileiro também expressa em seu art.,
ºà ueà aàpe so alidadeà i ilàdaàpessoaà o eçaàdoà as i e toà o à ida;à asàaàleiàp eàaà
sal o,à desdeà aà o epç o,à oà di eitoà doà as itu o .à й,à se à t atadoà eà o side adoà o oà
pessoa é o primeiro direito humano, que significa o direito a ter direitos.
Para que melhor se entenda isso, Sarmento (2005, p. 32), aponta a lição de J.J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira:
áà Co stituiç oà oà ga a teà ape asà oà di eitoà à ida,à e ua toà di eitoà
fundamental das pessoas. Protege igualmente a própria vida humana,
independentemente dos seus titulares, como valor ou bem objetivo (...).
Enquanto bem ou valor constitucionalmente protegido, o conceito
constitucional de vida humana parece abranger não apenas a vida das pessoas
mas também a vida pré-natal, ainda não investida numa pessoa (...). É seguro,
porém, que (a) o regime de proteção da vida humana, enquanto simples bem
constitucionalmente protegido, não é o mesmo que direito à vida, enquanto
direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão com outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos (v.g., saúde , dignidade,
liberdade da mulher, direitos dos progenitores a uma paternidade e
maternidade consciente); (b) a proteção da vida intra-uterina não tem que ser
idêntica em todas as fases de seu desenvolvimento, desde a formação do zigoto
até o nascimento; (c) os meios de proteção do direito à vida – designadamente
os instrumentos penais – podem mostrar-se inadequados ou excessivos
quando se trate de proteção da vida intra-uterina.
nascimento com vida e pode ceder, quando se usa uma ponderação de interesses quanto
aos direitos fundamentais da gestante.
Existem hoje muitas controvérsias com relação aos direitos da gestante e ao
direito à vida do nascituro. Levando-se em consideração que a proibição do aborto pode
levar a muitas gestantes a procurar clínicas clandestinas para realizar o procedimento,
colocando assim em risco a própria vida, pode pensar na legalização do aborto também
como forma de proteção a vida da mulher, uma vez que, se o procedimento é realizado
em ambiente adequado, com menos riscos à saúde física e psíquica da mulher, levando
em consideração que uma gravidez indesejada levada adiante pode ser danosa à saúde
psíquica, desencadeando, assim, uma série de outros problemas.Nesse prisma, a mulher
deve ter o direito de optar pela interrupção da gestação, pois, como mencionado
anteriormente, não deve a proteção constitucional da vida do nascituro ter a mesma
intensidade que a proteção constitucional dos nascidos vivos.
Quando se reconhece a dignidade da pessoa humana como direito, pressupõe-se
que o ser humano tem direito à autodeterminação, devendo ter o poder de tomar
decisões sobre suas próprias vidas, e se comportarem de acordo com o que julguem
necessário para seu bem-estar, não devendo o Estado vir a interferir quanto a isso. Para
tanto, pode-se chegar à conclusão que uma das decisões mais importantes da vida da
mulher se concerne a ter ou não um filho, uma vez que a gestação pode ser de grande
impacto e a maternidade pode modificar radicalmente a vida da mulher.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se conclui aqui este estudo uma vez que é apenas uma instigação acerca do
tema e os ligamentos propostos, uma concepção geral com o bem mais preciso tutelado
que é a vida nos traz claramente a respeito dos Direitos Humanos como elementos
fundamentais garantidos a luz da Constituição Federal. Um pensar do Direito deve ser
profundamente respeitado na academia para desta fomentação alcançar grandes
mudanças em uma sociedade alienada e confusa.
O Estado deve garantir através de seus mecanismos já constituídos no texto
Constitucional os meios mais eficazes se alcançar a justiça como elemento utópico, sendo
este a profunda busca pela verdade. A ciência como estudo metodológico transforma
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REFERÊNCIAS
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BRASIL, República Federativa. Código Penal. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial. – 11. Ed. – São Paulo:
Saraiva, 2010
SANTOS, André Leonardo Copett. LUCAS, Douglas Cesar. A (in)diferença no direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. Organização de Erin Kelly e
Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003.