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Estaduais
e constitucionalismo subnacional
1
2
Luís Fernando Sgarbossa
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo
(Organizadores)
Direitos Fundamentais
Estaduais
e constitucionalismo subnacional
3
Conselho Editorial: Erivaldo Cavalcanti (BRA)
Estefânia Queiroz (BRA)
Leonardo Pasquali (ITA)
Luis Fernando Sgarbossa (BRA)
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (BRA)
Roberto Viciano Pastor (ESP)
Revisão: Dos Autores
Bibliografia.
ISBN 978-65-995691-3-5
22-98454 CDU-342.56:342.7(81)
Índices para catálogo sistemático:
4
APRESENTAÇÃO
5
das Comunidades Autônomas espanholas, evidenciando os avanços
e limites, as lições da pandemia e os próximos passos necessários à
consolidação dos direitos fundamentais subnacionais.
O tereiro capítulo, de autoria de Geziela Iensue, versa sobre a
proteção e a tutela das minorias e dos grupos vulneráveis em normas
constitucionais de nível federal e subnacional brasileiros, à luz de
aspectos tais como o direito à igualdade, ao desenvolvimento humano e
a proteção à diversidade. Evidencia peculiaridades, como o caráter mais
pormenorizado da proteção em diversas constituições subnacionais
e as cláusulas de abertura subnacionais, manifestações do princípio
da não-tipicidade. Entrenta, também, diversos limites encontrados
no exercício da autonomia estadual no particular, tais como aqueles
decorrentes da repartição de competências federal e das ADIs julgadas
pelo STF, fatores estes limitadores da autonomia do próprio poder
constituinte subnacional.
O quarto capítulo, escrito em co-autoria por José Adércio Leite
Sampaio e Christiane Costa Assis, examina os direitos fundamentais
nas constituições subnacionais brasileiras, evidenciando os poucos
avanços feitos na matéria pelo constituinte subnacional, decorrente
do pendor centralizador do federalismo brasileiro e do baixo grau de
liberdade do constituinte estadual, exceto em alguns aspectos, como
no âmbito das competências concorrentes.
O quinto capítulo da obra, de Helder Oliveira, Pamella Danuelly
e Rebeka Magalhães, examina a temática do processo de emendas às
constituições a partir de propostas de origem popular, instituto peculiar
do direito subnacional brasileiro, sem paralelo federal no país, e adotado
pela maioria das unidades da federação. Nesse contexto, evidenciando
a insuficiência de um federalismo de execução, refletem os autores
sobre a necessidade de valorização e fomento do constitucionalismo
infranacional no Brasil, a importância da ADI 825, julgada pelo STF
no ano de 2018 e a ainda parca utilização da autolegislação em matéria
constitucional nas diversas unidades federativas que a contemplam.
O sexto capítulo, de autoria de Leonam da Silva Baesso Liziero,
examina questões federativas de extrema relevância, ao enfrentar a
assimetria de forças entre união e entes federativos subnacionais,
notadamente em termos de repartição de competências. Examina os
6
direitos fundamentais estaduais neste contexto, bem como os desafios
de sua efetivação em face de sua dimensão financeira de das dificuldades
impostas pelo que considera um não-princípio, a saber, a simetria
aplicada pelo STF, fortemente cerceadora de autonomias subnacionais.
O sétimo capítulo, de Renata Gonçalves Perman, constitui um
estudo das relações existentes entre o federalismo e o constitucionalismo
subnacional no âmbito de proteção do consumidor constitucionalmente
determinado e integrante do “condomínio legislativo” entre entes
nacional e subnacionais. O estudo evidencia a relevância do direito
subnacional na matéria – em nível constitucional e infraconstitucional –
e, apesar do histórico desequilíbrio competencial que marca a federação
brasileira, a recente e aparente tendência do STF – pós-2019 – a
consagrar uma maior descentralização.
O oitavo capítulo, de Gilsely Barbara Barreto Santana, estuda
o constitucionalismo subnacional na perspectiva dos conflitos
federativos no Brasil, destacando o caráter dinâmico da federação
como parcialmente decorrente da interpretação e aplicação de normas
de competência. Evidencia a importância dos conflitos federativos, sua
gestão administrativa ou judicialização, bem como as potencialidades
do controle estadual de constitucionalidade no particular.
O nono capítulo, de autoria de Alexandre Gustavo Melo Franco
de Moraes Bahia, por sua vez, aborda a relevante temática do processo
de avanços e retrocessos no âmbito do reconheciomento subnacional
de direitos da minoria LGBT, compreendendo os níveis municipal e
estadual. Evidencia entre outras coisas a maior propensão de estados e
municípios a promoverem e protegerem o direito fundamental à não-
discriminação em termos de legislação e organizações, bem como as
limitações dessa proteção subnacional, decorrente das características
centralistas de nossa federação e apesar da “contrarrevolução”
conservadora recente, cujos retrocessos têm sido em boa medida
frenados pelos tribunais e, especialmente, pelo STF.
O décimo capítulo, escrito em co-autoria por Breno Baía Magalhães
e Raylon Roberto Alvarenga Álvares, aborda os direitos fundamentais
existentes na importante tradição do constitucionalismo subnacional
paraense. Examina, em particular, o importante julgado do STF na
ADC n. 41, do ano de 2017, na qual aquela corte suprema declarou
7
a constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014, embora considerando
apenas facultada a adoção das políticas de cotas para negros nos
concursos de nível subnacional, e os problemas daí decorrentes,
especialmente no âmbito do poder executivo do Estado do Pará.
O décimo primeiro capítulo, de autoria de Janaina Penalva e
Aderruan Tavares, discute o papel do CNJ no ambiente federativo e as
regras aplicáveis no sistema carcerário. O Conselho Nacional de Justiça
possui um papel uniformizador. Mas será que uma resolução do CNJ
poderia prevalecer sobre uma lei estadual? Esse tema é enfrentado
pelos dois autores do trabalho.
O décimo segundo trabalho, de autoria de Ana Luisa de Figueiredo
Guimarães, Ester Moraes D’Avila e Kamilla Ranny Macedo Niz,
enfrenta o tema da autonomia dos entes federados fazendo um paralelo
com a obra Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.
O décimo terceiro trabalho, de autoria de Gilson José Julião, analisa
os impactos da produção normativa sobnacional sobre os direitos
fundamentais das crianças e adolescentes.
O décimo quarto trabalho, de autoria de Raquel Muniz Pereira
Simões e Mayara Schwambach Walmsley, faz uma incursão sobre o
papel da jurisdição constitucional e a sua relação com o federalismo.
O trabalho utiliza o recorte do direito fundamental à saúde em tempos
de pandemia.
O décimo quinto trabalho, de autoria d José Arthur Castillo de
Macedo versa sobre a relevante temática do transfederalismo e de
que forma o tema pode impactar no reconhecimento dos direitos
fundamentais estaduais por parte dos Estados-membros brasileiros.
O décimo sexto capítulo, de autoria de Marcelo Labanca Corrêa
de Araújo e Emilio Peluso Neder Meyer analisa como as questões
envolvendo direitos fundamentais terminam sendo, ao final, também
questões federativas, já que a legislação sobre direitos fundamentais
não é exclusiva da União.
O décimo sétimo capítulo, de autoria de Gustavo Ferreira Santos,
enfrenta o tema dos direitos fundamentais no âmbito subnacional
municipal. Falar em “subnacional” não é apenas se referir ao espaço
do estado. Por vezes, a esfera municipal é encarregada de, enquanto
poder público, produzir e promover direitos.
8
O décimo oitavo capítulo, de Sérgio Ferrari, faz uma análise dos
direitos sociais no bojo da reforma reforma da previdência, enfrentando
o tema das constituições estaduais que podem prever normas de
previdência.
O décimo nono capítulo, de autoria de Luiz Guilherme Arcaro
Conci, analisa o federalismo brasileiro e as respostas que foram dadas
pelos entes subnacionais para proteção da sáude e da vida das pessoas
durante a pandemia da COVID.
Finalmente, o vigésimo capítulo, fechando com chave de ouro o
nosso livro, é de autoria de Leo Ferreira Leoncy, uma autoridade em
controle de constitucionalidade estadual. Leo analisa a questão das
normas de remissão como objeto do controle de constitucionalidade
perante Tribunais de Justiça.
Ao oferecer a presente obra ao público, esperamos contribuir para
com o avanço do desenvolvimento do estudo do Direito Constitucional
Subnacional no país, explorando questões, problemas e potencialidades
do constitucionalismo subnacional e permitindo uma reflexão sobre
as possibilidades de fortalecimento do federalismo e da democracia
brasileiros.
O presente livro é fruto de um diálogo permanente entre o
Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual
(ConState - www.constate.org), dirigido por Marcelo Labanca, e
o Núcleo de Estudos em Subconstitucionalismo da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (SubConst), diriido por Luis Fernando
Sgarbossa.
Desejamos a todos e todas uma boa leitura.
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SUMÁRIO
P RO TE Ç Ã O E T U T E LA DE M IN O R IA S E G RU P O S
VULNERÁVEIS NOS CONSTITUCIONALISMOS FEDERAL
E SUBNACIONAL BRASILEIROS................................................. 111
Geziela Iensue
11
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL E FEDERALISMO:
PERSPECTIVAS DESCENTRALIZADORAS............................. 211
Renata Gonçalves Perman
12
A P RO D U Ç Ã O L E G I S L AT I VA S U B N AC I O N A L E M
TEMPOS DE PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A
ELABORAÇÃO DE NORMAS PELO EXECUTIVO E PELO
LEGISLATIVO ESTADUAL DE PERNAMBUCO COM FOCO
NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES............................................................................... 361
Gilson José Julião
14
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
ESTADUAIS: UM OLHAR SOBRE A
ALEMANHA E OS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA.
Ingo Wolfgang Sarlet1-2
Luís Fernando Sgarbossa3
1
Doutor e Pós-Doutor em Direito (LLMU-Munique). Professor Titular da Faculdade
de Direito e dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em Ciências Criminais
da PUCRS. Professor da Escola Superior da Magistratura do RS (AJURIS) e
Desembargador Aposentado no RS. Advogado.
2
O autor Ingo Sarlet registra aqui seu especial agradecimento ao Mestre em Direito
pela PUCRS, Ramon da Silva Sandi, pelo importante auxílio na pesquisa doutrinária
e jurisprudencial relativa à parte alemã do texto.
3
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CPTL.
Coordenador do SubConst – Núcleo de Pesquisa em Subconstitucionalismo da
UFMS/CPTL. Coordenador do Projeto de Pesquisa Observatório Constitucional:
Direito Constitucional Subnacional.
15
INTRODUÇÃO
4
Existem alguns estudos pioneiros, tais como e o artigo de PINTO FERREIRA de
1964 (vide referências, ao final) e a obra de Osvaldo Trigueiro, Direito Constitucional
Estadual, de 1980. São exemplos de estudos recentes LEONCY (2007),ARAÚJO
(2009, 2019), SAMPAIO (2019), SGARBOSSA e BITTENCOURT (2019), entre
outros.
5
Nesse sentido, conferir a abordagem abrangente da teoria dinâmica do federalismo
de POPELIER (2014).
16
subnacional, que merece ser compreendido como conceito mais amplo
e que contempla versões não claramente federativas – tais como as
compreendidas nas zonas cinzentas de Estados regionais integrais e
semifederais, por exemplo.
Além disso, os estudos evidenciam que não apenas parece
ser possível constatar a existência de um Direito Constitucional
subnacional em Estados formalmente não-federais como também que
nem todos os Estados federais outorgam poder constituinte aos seus
entes federativos, sendo o exemplo clássico a Nigéria (MARSHFIELD,
2011).6Assim, no presente texto, utilizar-se-ão preferencialmente as
expressões Direito Constitucional subnacional para fazer referência
ao gênero e Direito Constitucional estadual para fazer referência à
espécie típica de Estados federais.7
Um segundo ponto a se estabelecer desde logo para a compreensão
do subconstitucionalismo8 é que, partindo-se da concepção básica
acerca da função garantista do Direito Constitucional, segundo a qual
a função ou finalidade de uma constituição consistiria em limitar os
poderes do Estado (nacional, seja ele unitário ou federal), a existência
de subestados autônomos – ou “semisoberanos”, conforme expressão
6
Na verdade a literatura especializada identifica pouco mais de uma dezena de
federações que permitem a adoção de constituições pelos Estados-membros, o que
evidencia a complexidade da temática.
7
Além disso, deve-se evidenciar o caráter complexo do Direito Constitucional
Subnacional e sua subespécie estadual, na medida em que estes não se reduzem às
normas constitucionais editadas pelo ente subnacional, mas correspondem ao plexo
formado por estas em conjunto com aquelas editadas pelo ente central que digam
respeito à organização constitucional local, tais como os princípios de preordenação
institucional da constituição federal. Está-se aqui diante de um fenômeno que tem
sido chamado de Direito Constitucional multinível (PIRES, 2020). Observe-se que
isso inclusive em muitos casos independe de incorporação formal, como se verá
adiante, e como, no Brasil, julgou o Supremo Tribunal Federal na ADI n. 5646/
SE, julgada em 2019.
8
Sobre as expresses subconstitucionalismo e subconstituição, convém conferir o
magistério de GINSBURG e POSNER (2010, p. 1584): “Many nation states have a
two-tiered constitutional structure that establishes a superior state and a group of subordinate
states that exercise overlapping control of a single population. The superior state (or what we
will sometimes call the ‘superstate’) has a constitution (a ‘superconstitution’) and the subordinate
states (‘substates’) have their own constitutions (‘subconstitutions’). One can call this constitutional
arrangment ‘subnational constitutionalism’ or, for short, ‘subconstitucionalism’”.
17
acolhida por certa literatura (MADDEX, 1998) – encerra a necessidade
(conceitualmente) ou pelo menos a possibilidade (empiricamente) de
que estes sejam limitados por constituições subnacionais, dando azo
ao subconstitucionalismo (MADDEX, 1998).9 Esse aspecto voltará a
ser mencionado ao longo do desenvolvimento do texto.
Tendo isso em mente, convém rememorar que entre as principais
técnicas utilizadas pelo constitucionalismo para a limitação do poder,
classicamente, encontram-se a separação ou divisão dos poderes
ou funções estatais e o estabelecimento de direitos e garantias
fundamentais, o que está ligado ao próprio conceito histórico de
constituição. Assim, é esperado que as constituições subnacionais – e
estaduais, em particular – contenham disposições organizatórias dos
poderes estaduais, traduzindo-se em preceitos relativos à divisão e
organização de poderes, bem como disposições estabelecedoras de
direitos públicos subjetivos, traduzindo-se em direitos e garantias
fundamentais estaduais – no caso das federações.10
Como se percebe, a própria concepção de um subconstitucionalismo
e de subconstituições parece implicar a existência de direitos e garantias
fundamentais estaduais – o que, em realidade, pode ser mais complexo
em função do grau de autonomia e do tipo de federalismo adotado,
entre outros aspectos.11Em função disso, parece essencial passar a
9
Nesse sentido, MADDEX (1998, p. xii): “A grant of specific powers by the people of the
states of the Union, the Constitution leaves to the states, as expressed in the Tenth Amendment
(1791), significant residual powers of government. State constitutions, therefore, are limitations
placed on those residual powers by the citizens of the states. They are necessary to protect individuals
from unchecked political power at the state level, in the same way that the federal Constitution
shields the citizens and the states themselves from umbridled national political power.”
10
Note-se que aqui, independentemente de discussões acerca do significado e alcance
da cláusula de abertura existente em diversas constituições (SARLET, 2012;
ARAÚJO, 2019, entre outros), a partir da premissa da qualificação das normas
estaduais como constitucionais, os direitos públicos subjetivos nelas previstos são
direitos fundamentais em sentido formal (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019).
11
Evidentemente a questão depende de uma série de aspectos relativos a cada
experiência federal em concreto – limitando a reflexão sobre a questão apenas ao
marco dos Estados federais, por hora –, como no Brasil, por exemplo, em que
a extensão das competências legislativas da União parece limitar a possibilidade
do estabelecimento de direitos fundamentais pelos Estados e, especialmente, de
garantias judiciais em face do disposto no art. 22, I. Por outro lado, para demonstrar
a complexidade das questões envolvidas, rememorem-se os casos em que a Corte
18
refletir também sobre os direitos fundamentais estaduais, além dos
federais – especialmente em tradição fortemente focada no direito
federal, como a nossa –, valendo-se, para tanto,das experiências
estrangeiras em tradições federais que contemplam tais institutos,
tais como a norte-americana e alemã, embora sempre atentos à
singularidade de cada experiência constitucional concreta.
Assim, o presente capítulo é dedicado ao exame de aspectos
relativos aos direitos (e garantias) fundamentais estaduais e sua
coexistência com aqueles inscritos no catálogo federal de direitos,
tais comoa coincidência ou divergência entre os catálogos federal e
subnacionais, sua independência ou interdependência recíproca, bem
como questões relativas à justiciabilidade dos mesmos, entre outros –
dentro dos limites de espaço estabelecidos e sem pretensão de exaustão
da vasta temática.
Para tanto, a primeira parte do texto será dedicada ao exame do
tema dos direitos fundamentais estaduais na federação norte-americana
e a segunda na federação alemã, para, ao final, buscar-se realizar uma
análise comparativa do regime jurídico-constitucional de tais direitos
em ambos os sistemas jurídicos, com ênfase nos principais aspectos
convergentes ou divergentes.
12
É de amplo conhecimento que fatos históricos como a guerra de secessão, as duas
grandes guerras, além do New Deal, entre outros, fortaleceram a União. Além disso,
algumas decisões da Suprema Corte, foram determinantes para o mesmo fim – tais
como McCullogh v. Maryland, 1816, que adotou a doutrina dos implicit powers da União.
13
Note-se que a Constituição norte-americana de 1787, em vigor a partir de 1789,
limitou-se praticamente a estabelecer regras sobre os poderes federais (artigos I a III)
e sobre as emendas a ela própria (art. V) e outras provisões (arts. VI e VII). Apenas
o artigo IV, originalmente, continha disposições federais, que tinham implicações
sobre a autonomia dos Estados.
14
Inclusive o entendimento originário da oponibilidade dos direitos fundamentais
federais apenas à união, e não aos Estados ou a particulares encontra-se na base da
famosa State Action Doctrine no que diz respeito a eficácia interprivada dos mesmos
nos EUA (WILLIAMS, 2006).
15
A cláusula se encontra consubstanciada na primeira seção daquela emenda: “No
State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of
the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due
process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.” Não
se deve imaginar, no entanto, que a cláusula foi observada de imediato, tendo sua
aplicação judicial se desenvolvido paulatinamente até o atual sistema conhecido como
20
Note-se, por conseguinte, que durante amplo lapso temporal
(1791-1868) os direitos limitadores dos poderes dos Estados foram
essencialmente os direitos fundamentais previstos nas constituições
estaduais (MADDEX, 1998), o que evidencia o relevo por aqueles
assumido naquele sistema constitucional.16
Por força desses e de outros fatores o constitucionalismo norte-
americano conta com uma tradição pujante e bem estabelecida quanto
ao constitucionalismo subnacional e, especialmente, quanto aos
direitos fundamentais estaduais, diversamente do que ocorre em outras
ambiências político-jurídicas por força de diversos fatores. Desse modo,
convém tentar traçar um breve panorama comparativo do Bill of Rights
federal estadunidense com as declarações de direitos estaduais, dentro
dos limites do presente estudo, para, após, examinar o tema dos direitos
fundamentais estaduais na federação alemã.
17
Trata-se, sabidamente, da previsão que veda a suspensão do habeas corpus e da vedação
das leis retroativas e bill of attainder, conforme previsto no art. I, Seção 9.
18
Além das dez primeiras emendas podem ser consideradas estabelecedoras de direitos
e/ou garantias fundamentais a 13ª, 14ª, 15ª, 19ª, 24ª e 26ª emendas, cujo teor se
examinará a seguir.
19
A 4ª, 5ª, 6ª e 7ª Emendas estabelecem limites a buscas e apreensões, grand jury, vedação
do Double jeopardy, proteção contra a auto-incriminação, devido processo legal,
julgamento célere, público e imparcial, defesa técnica, além de limites à requisição
e direito a julgamento perante o tribunal do júri, entre outros.
20
A 8ª Emenda veda fianças e multas excessivas, bem como penas cruéis e inusitadas.
21
9ª Emenda: “The enumeration in the Constitution, of certain rights, shall not be construed to
deny or disparage others retained by the people.” 10ª Emenda: “The powers not delegated to
the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the states, are reserved to the states
respectively, or to the people.”
22
origem pretoriana, estabelecidos especialmente em precedentes da
Suprema Corte dos EUA.Como se percebe, o rol federal de direitos
e garantias fundamentais assim estabelecido é relativamente limitado,
sendo constituído majoritariamente por direitos civis e políticos
clássicos, além das garantias, o que inclusive serviu de fundamento
para a famosa tese do excepcionalismodo direito constitucional norte-
americano, atualmente contestada de maneira importante como se verá
(ZACKIN, 2013; VERSTEEG, ZACKIN, 2014).22
No entanto, devido ao caráter descentralizado do federalismo
estadunidense e a importância do constitucionalismo subnacional
naquele sistema, o quadro resta necessariamente incompleto se não
forem examinados também os direitos fundamentais previstos em
nível subnacional. Diante disso, passa-se a fazer, no tópico a seguir,
considerações de caráter geral sobre os direitos e garantias previstos nas
cinqüenta subconstituições norte-americanas23 para, nos dois tópicos
subseqüentes a ele, examinarem-se um pouco mais detidamente duas
categorias de direitos fundamentais estaduais, a saber, civis e políticos
– impropriamente denominados negativos – e os prestacionais – por
vezes também impropriamente denominados positivos.24
22
Segundo a célebre tese, em resumo, o Direito Constitucional norte-americano
se distinguiria de outras tradições constitucionais, especialmente a matriz
europeia, especialmente por não contemplar direitos fundamentais “positivos” ou
prestacionais, o que, examinado o nível subnacional, não corresponde exatamente à
realidade, como se verá adiante. Há outras distinções sustentadas pela tese, também,
como a concisão da Constituição de 1787 e sua extrema rigidez.
23
Como ensina Pinto Ferreira (1964, p. 20), “as Constituições dos States têm também
suas declarações de direito ou Bill ofRights. Tais declarações de direito também são
previstas no corpo da Constituição Federal, de sorte que os cidadãos dos States se
encontram protegidos por duas ordens legais fundamentais, a da União e a dos
Estados-membros.”
24
WILLIAMS (2006, p. 25): “The idea of a ‘positive’ right indicates a form of affirmative
obligation on the part of government to provide something to people. By contrast, a ‘negative’ right
indicates that the government may not do something to people, or deny them certain freedoms.”
Sobre as polêmicas acerca da distinção, além dos comentários do próprio autor,
conferir o capítulo 3 da obra de ZACKIN (2013).
23
1.2.2 Direitos fundamentais estaduais nos EUA: aspectos gerais
25
Convém recordar, quanto a esse protagonismo, que os direitos contemplados no Bill
of Rights federal eram direitos já estabelecidos nas constituições estaduais (LUTZ,
1992; BARCELÓ ROJAS, 2005).
26
Note-se que em nível federal só haverá Bill of Rights em 1791 (I a X Emendas), que
a abolição da escravidão somente ocorrerá em 1865 (XIII Emenda) e que o sufrágio
feminino sobrevirá apenas em 1920 (XIX Emenda).
27
Há certos direitos que podem ser considerados direitos fundamentais em sentido
formal em certos Estados, por terem sido constitucionalizados, e que, em outros,
são reconhecidos como direitos subjetivos e tutelados pela legislação ordinária
(statutes). MADDEX (1998). A principal diferença entre direitos fundamentais e
os estabelecidos pela legislação ordinária, ou jurisprudencialmente, éo nível de
proteção, evidentemente, uma vez que os primeiros não poderiam ser revogados
por maiorias ocasionais nem estariam sujeitos a overruling (BARCELÓ ROJAS, 2005).
De todo modo, WILLIAMS (2006) observa que os direitos fundamentais estaduais
24
aos constantes do Bill of Rights federal, as subconstituições
estadunidenses contemplam direitos sem paralelo em nível federal,
como se verá em maior detalhe nos dois tópicos seguintes, e por
vezes sua aplicação revela-se mais vigorosa por parte de algumas
cortes estaduais.28
Esse rol constitui, na maioria das constituições subnacionais norte-
americanas,um tópico separado, intitulado Bill of Rights ou Declaration
of Rights (MADDEX, 1998).Além disso, diversamente do que ocorre
em nível federal, o subconstitucionalismo norte-americano consagra
predominantemente o primeiro tópico da carta política estadual para a
declaração de direitos, que em geral segue imediatamente ao preâmbulo
(TARR, 2009).29
Em geral entende-se que o rol estadual é independente do rol
federal. MADDEX (1998, p. xiii) recorda disposição da Constituição do
Estado da Califórnia segundo a qual “rights guaranteed by this constitution
are not dependent on those guaranteed by the U. S. Constitution”(Seção 24 do
art. I, declaração de direitos, da Constituição da Califórnia de 1879).
são de modificação muito mais fácil do que seus equivalentes federais, como uma
consequência da modificabilidade das próprias cartas subnacionais. Nas palavras
do autor, ao observar o poder do eleitorado estadual de mudar, acrescentar ou
mesmo abolir direitos fundamentais nas constituições estaduais, observa que “it
might initally seem odd that by a mere majority vote of the electorate, a constitutional amendment
can be ratified or a new constitution adopted that can change state constitutional rights guarantees.
This may well seem to contradict our American notion of constitutional rights guarantees as
protecting minorities or the powerless against majority tyranny. Yet this is a fundamental feature
of state constitution making.”
Observa WILLIAMS (2006, p. 11) que “at the state level, courts are often less
28
concerned about rigid standing rules for litigant rights, and may give less deference
for‘political questions’ than the federal courts.” Resta evidente, no entanto, que
isso nem sempre se verifica, o que inclusive explica em parte a necessidade
de extensão da declaração federal aos Estados por força da XIV Emenda,
em razão de decisões conservadoras ou mesmo reacionárias das cortes
estaduais.
TARR (2009) observa que esta disposição das matérias remonta às cartas
29
30
MADDEX (1998, p. xviii): “(...) the federally guaranteed fundamental rights are in a sense
a minimum floor of government protection for the individual, the enumerated rights in states
constitutions can represent another layer.” No mesmo sentido WILLIAMS (2006, p. 14):
“In our federal system, as in many nations governed by constitutional federalism, federal
constitutional rights merely provide the minimum enforceable rights. The states and their state
constitutional rights guarantees, provide an additional source of rights beyond the federal minimum.”
31
Exemplifica WILLIAMS (2006) com limitações constitucionais ao poder de tributar
que, embora localizadas fora do rol constitucional, possuem dimensão de direito
fundamental. Outros exemplos do mesmo autor consistem em disposições sobre
educação pública ou meio ambiente, o que é semelhante ao que ocorre, por exemplo,
na Constituição Federal brasileira e em todas as constituições estaduais pátrias.
Poderiam ser acrescentadas, ainda, as disposições relativas ao processo legislativo
que vedem, por exemplo, as speciallawsou local laws, assim compreendidas aquelas
limitadas nos âmbitos de validade pessoal ou territorial, respectivamente, por serem
capazes de criar situações discriminatórias. Como ensina WILLIAMS (2006, p.
22), “though intended in part to curb legislative abuses, these prescriptions on special and local
laws reflect a concern for equal treatment under the law.”A igualdade é tutelada por outras
provisões constitucionais estaduais, como as Equal Rights Amendments ou ERAs, às
quais se fará menção adiante.
26
fundamentais (TARR, 2009), mas que podem caracterizar diretivas ou
princípios, por exemplo (MADDEX, 1998).32
Assim como ocorre em nível federal, também em nível estadual
constata-se a existência de direitos de origem pretoriana.33 Na prática,
especialmente em um sistema de Common Law, as decisões judiciais
das cortes estaduais podem modificar disposições estabelecedoras de
direitos fundamentais já existentes, bem como incluir novos direitos
no catálogo constitucional ou, ainda, restringir ou remover direitos
(WILLIAMS, 2006), o que evidencia a importância do tema da
interpretação judicial dos catálogos de direitos fundamentais estaduais.
Além disso, faz-se necessário registrar que nem sempre se caminha
no sentido da ampliação de direitos, naturalmente, tendo existido
historicamente manifestações do constitucionalismo subnacional
que podem se revelar como restritivas de direitos, discriminatórias
ou, de modo geral, contrárias a determinados grupos de indivíduos,
aspecto este que não pode ser negligenciado.34 Exemplificativamente,
ZACKIN (2013) relata o problema do aspecto excludente dos “positive
rights” previstos em diversas constituições estaduais norte-americanas,
ao lado de seus caracteres redistributivos e promotores de igualdade,
por exemplo.35
32
Nas constituições das treze ex-colônias britânicas adotadas após 1776 encontram-se
frequentemente normas estabelecendo a tripartição dos poderes nos catálogos de
direitos fundamentais.
33
Como recorda BARCELÓ ROJAS (2005, pp. 78-79): “Ahora bien, pese a que los derechos
individuales están expressamente consignados en las Constituciones estatales, no se excluye la
posibilidad de que otros sean configurados por interpretación judicial, así por ejemplo el derecho a
la privacidad no estaba contemplado em los derechos individuales originales del siglo XVIII, pero
ha sido creado a partir de otros derechos por interpretación judicial.”
34
MADDEX (1998) faz referência a emenda aprovada à Constituição da Flórida que
visou restringir decisões progressista da Suprema Corte daquele Estado em matéria
de buscas e apreensões, por exemplo.
35
Ensina a autora que “(...) it would be a mistake to imagine that the movements behind the
inclusion of positive rights were interested in providing universal protection from the dangers they
decried. Even as popular movements worked to establish protective state policies, they were often
animated by a desire to limit the state’s protection to members of their own racial and religious
groups. Indeed, many popular movements have simply sought to expel other racial and religious
groups from their states or to establish their permanent subjugation.”(ZACKIN, 2013).
Assim, os movimentos por novos direitos e direitos positivos (prestacionais)
foram frequentemente mesclados, nos EUA, com movimentos anti-imigração ou
27
Robert Williams (2006) observa ainda que mecanismos de
democracia semidireta ou participativa, notadamente a iniciativa
popular de emendas às constituições estaduais e a possibilidade de
convocar constitutional conventions revela-se capaz de produzir efeitos
de overruling ou overturn de interpretações judiciais sobre direitos
fundamentais, citando, como exemplo, os diversos Estados que
alteraram suas constituições para afastar decisões que declaravam a
pena de morte inconstitucional.36
De todo modo, aponta aquele autor que apesar das críticas e dos
receios de que essa espécie de “popular supervision” sobre os direitos
fundamentais estaduais fossem capazes de torná-losreféns de uma
tirania da maioria, em função de mais de uma dezena de emendas
estaduais nesse sentido, tal temor não teria se materializado, na medida
em que se revelou restrito a algumas questões ou áreas específicas,
notadamente em questões criminais (WILLIAMS, 2006), verificando-
se preponderantemente uma tendência à expansão dos direitos, mais
do que contração, em outras áreas.37
Com relação a outro aspecto crucial, a saber, a tutela judicial dos
direitos fundamentais estaduais, deve-se observar que esta passou por
três fases, de acordo com TARR (2005) e BARCELÓ ROJAS (2005),
38
Observa BARCELÓ ROJAS (2005) que a terceira fase coincidiria com mudanças
na Suprema Corte dos EUA. Registra o autor que “en reacción a esta nueva tendencia,
en el tribunal supremo federal, William J. Brennan, ministro en funciones de la Suprema Corte
de Justicia desde 1957 y hasta el año de 1990 – y que pertenecía ahora a la minoría progressista
– exhorta al medio forense y a la doctrina del país para que se rescatassen del olvido los derechos
individuales establecidos en las Constituciones estatales.”
39
LUTZ contabiliza 26 direitos no rol federal, e faz notar que todos estão presentes
primeiramente nas constituições estaduais (LUTZ, 1992; TARR, 2009). Como
observa WILLIAMS (2006, p. 13), “the state constitutional declarations of rights served as
important and influential models for the federal Bill of Rights.”
29
A literatura dedicada ao tema identifica não apenas dispositivos
estabelecedores de direitos fundamentais literalmente coincidentes
em ambas as órbitas, mas também dispositivos apenas parcialmente
coincidentes com osequivalentes do catálogo federal Além disso,
as subconstituições contemplam direitos sem paralelo na ordem
federal40, como, por exemplo, os decorrentes das denominadas open
courts provisions, presentes em trinta e nove cartas estaduais, e que
estabelecem um Right to a Remedy (WILLIAMS, 2006), ou ainda o
direito à privacidade, inexistente expressamente em nível federal –
onde é criação pretoriana –, mas previsto expressamente em onze
subconstituições (TARR, 2009) e estabelecidojurisprudencialmente
em alguns Estados.41
Além de direitos de relevo nacional, tais como as liberdades
de expressão, religiosa e congêneres, as cartas subnacionais norte-
americanas contemplam também direitos com feição específica, local,
como, por exemplo, direitos relativos à pesca ou à água (WILLIAMS,
2006), no que diferem, evidentemente, do catálogo federal.
De acordo com Lutz (1992) e Rojas (2005),apesar da existência
de variações entre as diversas constituições estaduais norte-americanas
no particular, estas costumam contemplar em seu catálogo de direitos
alguns de forma mais frequente, a saber: a) liberdade política e
autogoverno42; b) direito à democracia e de mudar a forma de governo;
c) direito à vida; d) direito à liberdade pessoal; e) direito à propriedade;
f) liberdade contratual; g) devido processo legal; h) igualdade jurídica;
i) liberdade religiosa; j) liberdades de pensamento e expressão; k)
liberdades de associação e reunião; l) liberdade ambulatória; m) sufrágio;
n) direito à posse de armas de fogo.
No mesmo sentido é o magistério de WILLIAMS (2006), que
arrola como direitos fundamentais subnacionais nos EUA diversas
40
Algo semelhante, dentro de certos limites, ocorre no Brasil (SGARBOSSA;
BITTENCOURT, 2019).
41
Ensina WILLIAMS (2006, p. 26) que “unlike the federal Constitution, where the right
of privacy has been inferred from various nonspecific provisions, several states constitutions now
contain explicit privacy guarantees.”Exemplifica o autor com as constituições da Flórida,
Alaska, Califórnia e Montana.
42
Conexo ao autogoverno, mas em nível subestadual (local, municipal, de condado),
está o denominado home rule. (MADDEX, 1998).
30
liberdades civis – notadamente liberdade de expressão, de reunião e
religiosa –, direitos dos acusados em processos criminais, direitos dos
litigantes em processos cíveis, direitos dos encarcerados e presos em
geral43, direitos das vítimas de crimes44, direitos de igualdade, direitos de
propriedade – notadamente em matéria requisição e desapropriação45 –
e devido processo legal; bem como direitos positivos – i.e., prestacionais
–, direito à privacidade e, ainda, disposições relativas aos unenumerated
rights.
A despeito da existência desse núcleo comum de direitos
recorrente entre as diversas subconstituições norte-americanas, é
importante considerar que com frequência se verificam diferenças
em termos de generalidade, sendo que os mesmos direitos em alguns
casos podem ser mais específicos e detalhados nas subconstituições
do que na Constituição federal (TARR, 2009).46
Ademais, textos constitucionais versados em termos literais
idênticos ou muito semelhantes aos contidos no catálogo federal
podem dar origem a interpretações e aplicações judiciais bastante
distintas. Pequenas diferenças textuais podem, por vezes, ter efeitos
de largo alcance, podendo até mesmo chegar a originar direitos
43
Trata-se de direitos importantes, por não encontrarem paralelo federalem
nível constitucional. A análise permite constatar a previsão da exigência de
proporcionalidade entre penas e crimes e da vedação de tratamento excessivamente
rigoroso ou abusivo em Constituições como as dos Estados de Ohio, Wyoming e
Georgia. As origens desse tipo de provisão parecem remontar à Constituição de
New Hampshire de 1783 e são encontradas, ainda, na Constituição do Estado de
Indiana (WILLIAMS, 2006).
44
Os direitos das vítimas tampouco encontram disposição análoga no catálogo federal
nos EUA, encontrando-se em diversas subconstituições. São exemplos o direito
e ser notificado das decisões judiciais e de tomar parte no processo, entre outros
(WILLIAMS, 2006).
45
Eminent domain, taking e, especialmente, regulatory taking são temas recorrentes nesse
ponto.
46
TARR (2009) exemplifica com a primeira emenda – establishment clause e free exercise
clause – que, no âmbito subnacional não se resume a uma proibição de criação ou
embaraço ao exercício de cultos religiosos pelo Estado, mas que expressamente
proíbe a utilização de religious tests em processos judiciais – norma que existe em
dezenove subconstituições nos EUA, de acordo com o autor –, ou, ainda, normas
que proíbem a realização de qualquer gasto estatal para fins religiosos – dispositivo
constitucional presente em trinta e cinco Estados, de acordo com Tarr.
31
fundamentais estaduais autônomos. Talvez o melhor exemplo
disso esteja consubstanciado no caso People v. Anderson, julgado pela
Suprema Corte do Estado da Califórnia em 1972, que, interpretando
o significado da cláusula proibitiva de penas cruéis ou inusitadas (cruel
or inusual, em lugar do and presente no dispositivo análogo federal)
proibiu a pena de morte naquele Estado (WILLIAMS, 2006).47
O modo de interpretação dos direitos duplicados em ambas as
ordens jurídicas pode variar de maneira mais ou menos intensa, a
depender da matéria, assim como o nível de proteção judicial a eles
conferida (BARCELÓ ROJAS, 2005).48
Em muitos casos as constituições estaduais possuem versões
mais atualizadas de direitos fundamentais clássicos (WILLIAMS,
2006).49Considerando-se que as constituições subnacionais norte-
americanas costumam ser emendadas com frequência muito maior
do que a Constituição de 178750 – e até mesmo substituídas – deve-
47
Williams faz referência, ainda, a Hansen v. Owens, precedente da Suprema Corte
de Utah de 1980, sobre o direito à não auto-incriminação. Aduza-se que direitos
previstos na ordem federal podem ter desenvolvimentos específicos nas constituições
estaduais, como, por exemplo, o direito à igualdade, reforçado e desenvolvido em
diversas constituições, tais como a de Vermont, pela Common Benefits Clause e sua
aplicação judicial (WILLIAMS, 2006).
48
Sobre o tema, especialmente em questões controvertidas, tais como aborto ou uniões
homoafetivas, convém conferir os conceitos de “soberania moral” dos Estados
(Seth Kreymer) assim como a inserção das subconstituições em diferentes culturas
políticas (James T. McHugh). Fazendo referência às opiniões divergentes acerca do
problema da interpretação dos direitos fundamentais, afirma WILLIAMS (2006, p.
8) que “it is clear, however, that in a legal and political sense state courts are entirely within their
authority in reaching decisions that are more protective than those of the United States Supreme
Court, even when they are interpreting provisions that are worded identically to their federal
counterparts. It is not the power or authority of the state courts to reach such results, but rather
the wisdom and the propriety of such outcomes that are in contention.”
49
Williams (2006) exemplifica com a cláusula limitativa de buscas e apreensões que,
na Constituição da Flórida, a partir dos anos sessenta do século passado, passou a
abranger expressamente as comunicações particulares. O mesmo autor evidencia
a diferença de detalhe, por exemplo, nas cláusulas que estatuem liberdade de
expressão, reunião e religião nas ordens federais e estaduais, como, por exemplo,
nas Constituições de Nova Jérsei e Ohio, e também a partir de decisões judiciais
das cortes estaduais respectivas.
50
Parece ser possível afirmar que se a concepção madisoniana sobre a estabilidade
constitucional prevaleceu em nível federal – o que se traduz na duração bicentenária
da carta de 1787 e em apenas vinte e sete emendas à mesma –, em nível estadual
32
se observar que inúmeras emendas modificaram as declarações de
direitos subnacionais, em geral para ampliá-los, como, por exemplo,
os denominados pequenos Equal Rights Amendments ou ERAs, relativas
à igualdade de gênero, introduzidas em diversas daquelas cartas na
década de 1970. Evidentemente houve também emendas restritivas
de direitos, em Estados como o Texas ou a Califórnia, por exemplo
(TARR, 2009).
Outra distinção relevante entre os catálogos federal e estaduais
de direitos encontra-se no fato de que algumas constituições estaduais
prevêem expressamente a oponibilidade dos direitos fundamentais
nelas previstos a particulares – a da Louisiana, em seu art. 1º, seção
1251, por exemplo –, diversamente do que ocorre em nível federal
(TARR, 2009).52
Uma semelhança entre as ordens constitucionais federal e as
ordens constitucionais subnacionais é que as diversas constituições
estaduais possuem uma cláusula acerca dos unenumerated rights–
equivalente aproximado à nona emenda, já examinada. A presença de
39
de direitos fundamentais; bem como um papel de árbitro em conflitos
federativos.
Nesse contexto, um aspecto crucial a ser destacado, com base no
magistério de Robert Williams, é o fato de que as decisões judiciais
estaduais interpretativas de quaisquer direitos claramente estabelecidos
em catálogos estaduais não poderiam ser revisadas pela Suprema Corte,
dada a falta de implicação em questão federal (BARCELÓ ROJAS,
2005).Naspalavras de WILLIAMS (2006, p. 14), “state judicial decisions
interpreting any of these kinds of rights provisions, wich are clearly based on the
state constitutional right at issue, may not be reviewed by the United States Supreme
Court because there is no relevant question of federal law involved.”
Além disso, deve-se observar que, de fato, uma ínfima minoria de
casos na matéria tem sido admitida pela Suprema Corte estadunidense
(LEVINSON, 2012), o que mostra o relevo das decisões das supremas
cortes estaduais ou cortes estaduais de última instância na matéria, de
modo diverso do que ocorrerá em sistemas rivais, em que tribunais
locais por vezes se encontram mais fortemente vinculados às decisões
da jurisdição constitucional federal.
40
estruturação em dois níveis, nomeadamente, a União e os Estados
membros, dotados de funções, tarefas e competências estatais,
encontrando-se, por sua vez, regrada em um número significativo de
preceitos da LF, a ponto de cerca de metade do texto constitucional
guardar uma relação direta ou pelo menos indireta com a estrutura
federativa (BAUER, 1998, p.116).
Dentre tais disposições normativas, destacam-se as que tratam da
repartição das competências entre a União e os Estados nos campos
legislativo, executivo, judiciário, das relações internacionais e do sistema
financeiro e tributário, assim como as possibilidades de os Estados
exercerem sua influência na esfera da União por meio do Conselho
Federal - Bundesrat, figura similar ao Senado Federal (artigo 50 e ss., LF),
influência da União sobre os Estados (v.g. artigos 37, 84, §3º e §4º e 85,
§3º, LF), mas também no que diz com a cláusula de homogeneidade
(art. 28, LF) e da regra de colisão (art.31, LF).
Além disso, é de sublinhar que a construção do Estado Federal da
LF Alemã foi baseada na descentralização de tarefas administrativas,
visto que, dentre outros aspectos, diversos Ministérios Federais não
possuem uma estrutura burocrática suficiente para implementar
decisões políticas, cabendo aos Estados a tarefa de tomar decisões
mais pontuais e concretas em suas regiões (BEYME, 2017, p.346).
Os elementos centrais da ordem federativa da LF são os seguintes:
a) a estatalidade (Staatlichkeit) da União e dos Estados; b) a igualdade
entre os Estados no âmbito da Federação; c) a fidelidade dos Estados
para com a União (BAUER, 1998, p.116).
No que diz com o primeiro elemento do Estado Federal da LF, tanto
a União quanto os Estados possuem a qualidade estatal, assegurando-se
aos Estados (Länder) um patamar mínimo de estatalidade (Staatlichkeit),
no sentido de que aos Estados deve ser reservado um núcleo de tarefas
próprias (SOMMERMANN, 2010, p.18). Cuida-se de garantir aos
Estados, na condição de membros da Federação, esferas próprias de
responsabilidade, autossuficiência e autonomia (BAUER, 1998, p.120).
Atualmente são 16 (dezesseis) os Estados (Länder) que integram a
federação67,todos com sua própria Constituição, que, diferentemente do
Gesetzgebung zuständig sind, können sie mit Zustimmung der Bundesregierung mit auswärtigen
Staaten Verträge abschließen”.
74
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 51 – “(2) Jedes Land hat mindestens
drei Stimmen, Länder mit mehr als zwei Millionen Einwohnern haben vier, Länder mit mehr
als sechs Millionen Einwohnern fünf, Länder mit mehr als sieben Millionen Einwohnern sechs
Stimmen”.
75
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 54 (1) – “Der Bundespräsident
wird ohne Aussprache von der Bundesversammlung gewählt. Wählbar ist jeder Deutsche, der das
Wahlrecht zum Bundestage besitzt und das vierzigste Lebensjahr vollendet hat. (2) Das Amt
des Bundespräsidenten dauert fünf Jahre. Anschließende Wiederwahl ist nur einmal zulässig.
(3) Die Bundesversammlung besteht aus den Mitgliedern des Bundestages und einer gleichen
Anzahl von Mitgliedern, die von den Volksvertretungen der Länder nach den Grundsätzen der
Verhältniswahl gewählt werden”.
76
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 107 - “(1) Das Aufkommen
der Landessteuern und der Länderanteil am Aufkommen der Einkommensteuer und der
Körperschaftsteuer stehen den einzelnen Ländern insoweit zu, als die Steuern von den
Finanzbehörden in ihrem Gebiet vereinnahmt werden (örtliches Aufkommen). Durch Bundesgesetz,
das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, sind für die Körperschaftsteuer und die Lohnsteuer
nähere Bestimmungen über die Abgrenzung sowie über Art und Umfang der Zerlegung des
örtlichen Aufkommens zu treffen. Das Gesetz kann auch Bestimmungen über die Abgrenzung und
Zerlegung des örtlichen Aufkommens anderer Steuern treffen. Der Länderanteil am Aufkommen
der Umsatzsteuer steht den einzelnen Ländern, vorbehaltlich der Regelungen nach Absatz 2, nach
Maßgabe ihrer Einwohnerzahl zu. (2) Durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates
bedarf, ist sicherzustellen, dass die unterschiedliche Finanzkraft der Länder angemessen ausgeglichen
wird; hierbei sind die Finanzkraft und der Finanzbedarf der Gemeinden (Gemeindeverbände)
zu berücksichtigen. Zu diesem Zweck sind in dem Gesetz Zuschläge zu und Abschläge von der
jeweiligen Finanzkraft bei der Verteilung der Länderanteile am Aufkommen der Umsatzsteuer
zu regeln. Die Voraussetzungen für die Gewährung von Zuschlägen und für die Erhebung von
44
regras específicas autorizando diferenciações, incide em sua plenitude
a igualdade na sua dimensão formal (GRZESZICK, 2006, p.53).
O terceiro elemento do Estado Federal alemão, a lealdade à
Federação (Bundestreue), que não encontra previsão expressa no texto
da LF, tem por objetivo fortalecer o vínculo da União e dos Estados
sob a ordem constitucional comum, significando, em termos gerais, um
dever dos Estados e da União de manter a lealdade entre si e buscar
sempre o entendimento, que, embora não de modo incontroverso,
é reconduzível ao princípio da boa-fé (Treu und Glauben) (BAUER,
1998, p.116).
Finalmente, encerrando esta esquemática apresentação do
Estado Federal da LF, não se poderia deixar de fazer breve anotação
relativamente ao assim chamado federalismo cooperativo, que tem,
por sua vez, relação direta com a lealdade federativa, reconduzível à
concepção do “cooperative federalism” desenvolvida nos EUA durante o
New Deal, baseado na premissa de que um Estado Federal somente
pode funcionar de modo eficaz mediante a cooperação entre os Estados
e a União (cooperação vertical) e dos Estados entre si (cooperação
horizontal) (SOMMERMANN, 2010, p.22).
O quanto um Estado Federal pode ser chamado de cooperativo
depende, ao fim e ao cabo, de uma série de aspectos, em especial da
existência (e sua utilização efetiva) de meios de cooperação, o que se
verifica no caso da República Federal da Alemanha. Nesse sentido,
podem ser referidos os seguintes instrumentos: a) o artigo 91, letras
“a” e “b”, LF, dispõe que as tarefas comunitárias serão exercidas pela
União e pelos Estados; b) as formas de financiamento misto previstas
em especial no artigo 104a, §4º, LF; c) a possibilidade de acordos de
diversa natureza entre os Estados e a União e dos Estados entre si, que,
Abschlägen sowie die Maßstäbe für die Höhe dieser Zuschläge und Abschläge sind in dem Gesetz
zu bestimmen. Für Zwecke der Bemessung der Finanzkraft kann die bergrechtliche Förderabgabe
mit nur einem Teil ihres Aufkommens berücksichtigt werden. Das Gesetz kann auch bestimmen,
dass der Bund aus seinen Mitteln leistungsschwachen Ländern Zuweisungen zur ergänzenden
Deckung ihres allgemeinen Finanzbedarfs (Ergänzungszuweisungen) gewährt. Zuweisungen
können unabhängig von den Maßstäben nach den Sätzen 1 bis 3 auch solchen leistungsschwachen
Ländern gewährt werden, deren Gemeinden (Gemeindeverbände) eine besonders geringe Steuerkraft
aufweisen (Gemeindesteuerkraftzuweisungen), sowie außerdem solchen leistungsschwachen Ländern,
deren Anteile an den Fördermitteln nach Artikel 91b ihre Einwohneranteile unterschreiten”.
45
embora decorra da própria concepção do Estado Federal (autonomia,
independência, autossuficiência), também encontra suporte em vários
dispositivos da LF; d) estruturas organizatórias e institucionais comuns
(GRZESZICK, 2006, p.53).
der Länder bei der Gesetzgebung oder die in den Artikeln 1 und 20 niedergelegten Grundsätze
berührt werden, ist unzulässig“.
47
Nesse sentido, o TCF (BVerfGE 96, 345, p.368) já afirmou
peremptoriamente que na medida em que a LF não determina nada
para as Constituições dos Estados, esses podem definir e conformar
o seu direito constitucional e sua jurisdição constitucional79.
Diante desse pano de fundo, percebe-se que os direitos
Fundamentais previstos nas constituições estaduaisocupam uma
posição importante na ordem federal alemã, exercendo uma significativa
função integrativa.
Com efeito, no âmbito da autonomia que lhes é reservada, os
Estados, nos termos do art. 142 da LF, e desde que não contrariem
os direitos fundamentaisconsagrados nos artigos 1º a 18 da Carta
Constitucional da Alemanha, podem prever direitos fundamentais
além daqueles dispostos na LF, o que, por sua vez, poderá – no âmbito
da cultura constitucional –servir de modelo para a adoção de novos
direitos fundamentais ao nível federal (SOMMER, 1992, p.291).
Outro ponto importante a ser destacado é que por força do
citado art.142, os direitos fundamentais da LF, quando incorporados
à Constituição Estadual, passam a integrar o direito estadual (RÖPER,
1996, p.156), sem prejuízo, como já adiantado, da competência dos
Estados para incluírem nas suas constituições direitos fundamentais
não previstos na LF, o que se verifica em vários casos, como, em caráter
ilustrativo, dá conta o exemplo do art.141, §3º, 1 da Constituição de
Baviera, que consagra um dever constitucional e direito fundamental
de assegurar a todos o livre acesso às belezas naturais como rios, lagos,
montanhas e outras.80
Analisados e compreendidos os limites e a liberdade de
conformação dos Estados na arquitetura constitucional alemã, cabe
agora analisar, de um modo geral, o conteúdo dos catálogos de direitos
fundamentais nas Constituições estaduais.
79
Cf. texto em alemão: “Soweit das Grundgesetz für die Verfassungen der Länder nichts bestimmt,
können die Länder ihr Verfassungsrecht und ihre Verfassungsgerichtbarkeit selbst ordnen”.
80
Verfassung des Freistaates Bayern – Artigo 141, 3: “[..] Staat und Gemeinde sind berechtigt und
verpflichtet, der Allgemeinheit die Zugänge zu Bergen, Seen, Flüssen und sonstigen landschaftlichen
Schönheiten freizuhalten und allenfalls durch Einschränkungen des Eigentumsrechtes freizumachen
sowie Wanderwege und Erholungsparks anzulegen”.
48
2.3. Conteúdo dos catálogos de direitos fundamentais nas
constituições estaduais alemãs
49
(artigos 14 e 15), assim como o direito à proteção jurídico-judiciária
(artigo 19).
Tais direitos, como desde logo se percebe, incluem tanto os
direitos da personalidade, quanto as principais liberdades fundamentais,
a igualdade, a propriedade e seus limites constitucionais e outras
garantias de há muito consagradas no constitucionalismo e no sistema
internacional de proteção dos direitos humanos.
Além disso, a LF protege expressamente o casamento e a família,
reconhecendo a igualdade entre os filhos e o direito das mães à
proteção e auxílio pela comunidade e pelo Estado (artigo 6º), ademais
de versar sobre o sistema de ensino, que se encontra sob supervisão
do Estado, assegurando se também a possibilidade de participação do
setor privado (artigo 7º). A nacionalidade e a proibição de extradição
estão contempladas no artigo 16, ao passo que no artigo 16, letra “a”,
foi reconhecido o direito ao asilo político.
Calha acrescentar, ainda nesse contexto, que os direitos
fundamentais consagrados pela LF não se limitam aos previstos
no artigo 1º (dignidade humana) e seguintes, incluindo o direito à
proteção judiciária (artigo 19, §4º), abarcando também outros direitos
expressamente positivados no texto constitucional, os assim chamados
direitos equivalentes aos direitos fundamentais, designadamente aqueles
previstos nos artigos 20, § 4º, 33, 38, 101, 103 e 104, designadamente,
a proibição de tribunais de exceção81, a proibição da pena de morte82,
os direitos perante os tribunais (direitos/garantia processuais)83 e as
garantias relativas à privação da liberdade por parte do Estado84.
81
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 101 – “(1) Ausnahmegerichte sind
unzulässig. Niemand darf seinem gesetzlichen Richter entzogen werden. (2) Gerichte für besondere
Sachgebiete können nur durch Gesetz errichtet werden”.
82
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 102 - “Die Todesstrafe ist abgeschafft”.
83
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 19 – “(4) Wird jemand durch die
öffentliche Gewalt in seinen Rechten verletzt, so steht ihm der Rechtsweg offen. Soweit eine andere
Zuständigkeit nicht begründet ist, ist der ordentliche Rechtsweg gegeben. Artikel 10 Abs. 2 Satz
2 bleibt unberührt”.
84
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 104 – “(1) Die Freiheit der
Person kann nur auf Grund eines förmlichen Gesetzes und nur unter Beachtung der darin
vorgeschriebenen Formen beschränkt werden. Festgehaltene Personen dürfen weder seelisch noch
körperlich mißhandelt werden. (2) Über die Zulässigkeit und Fortdauer einer Freiheitsentziehung
hat nur der Richter zu entscheiden. Bei jeder nicht auf richterlicher Anordnung beruhenden
50
Ainda nesse contexto, da determinação da abrangência do
catálogo constitucional de direitos, é de se referir a existência
de direitos fundamentais implicitamente positivados, ou seja, de
posições jusfundamentais autônomas (com âmbito de proteção
próprio) deduzidas pelo TCF de princípios e direitos fundamentais
expressamente consagrados. Nesse sentido, calha citar, dentre outros,
o direito ao livre desenvolvimento da personalidade85, o direito à
autodeterminação informacional86, o direito ao conhecimento da
ascendência genética87, o direito à autodeterminação reprodutiva e
sexual88 e o direito a um mínimo existencial89.
Um ponto importante a destacar, inclusive pela sua relevância para
o caso dos direitos fundamentais estaduais, é que a LF não contempla,
diferentemente do que se deu na Constituição da República de Weimar,
um elenco significativo de direitos sociais, econômicos e culturais, o
mesmo se verificando no tocante aos deveres fundamentais, previstos
em maior quantidade na Constituição de Weimar.
Nesse sentido, costuma-se identificar em especial no direito de
cada mãe à proteção e auxílio por parte da comunidade (artigo 6,
§4º), um direito passível de ser considerado um direito social, o que
também, em certo sentido, se pode estender ao dever do Estado, por
meio do Legislador, assegurar o estabelecimento aos filhos havidos
fora do casamento as mesmas condições para o seu desenvolvimento
físico e espiritual na sociedade do que aquelas asseguradas aos filhos
90
Conforme Epping (2010, p.232), o artigo 6º, §5º exige do Estado o dever de garantir
a igualdade entre os filhos legítimos e ilegítimos. É digno de nota que ainda existe
certa hesitação do legislador para com a concretização de tal direito, cabendo ao
Tribunal Alemão atuar como um legislador substituto (BVerfGE 25, 167). Mas o
direito disposto no art.6º, §5º não deve ser concretizado somente em vista deste
dispositivo constitucional. É preciso lembrar que essa norma se relaciona ao princípio
da igualdade que está disposto no artigo 3º da LF, artigo esse que é uma das bases do
conteúdo do Estado Social, afinal as possíveis vantagens e desvantagens dispostas
nas leis sociais devem buscar dirimir as possíveis diferenças nas relações sociais
(FRINGS, 2015, p.19). Nesse sentido, o TCF (BVerfGE 1 BvR 1629/94), citando
aqui um exemplo, já declarou a inconstitucionalidade da fixação do mesmo valor de
benefício social para segurados com ou sem filhos. Desse modo, embora não seja
explícito o direito a pretensões subjetivas, o art.3º exige que o legislador proponha
um sistema de seguridade social que garanta uma existência digna para todos
(BVerfGE 2 BvF 5/92), respeitando a vedação de proteção deficiente (FRINGS,
2015, p.19-20).
91
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 18: “Wer die Freiheit der
Meinungsäußerung, insbesondere die Pressefreiheit (Artikel 5 Abs. 1), die Lehrfreiheit
(Artikel 5 Abs. 3), die Versammlungsfreiheit (Artikel 8), die Vereinigungsfreiheit (Artikel
9), das Brief-, Post- und Fernmeldegeheimnis (Artikel 10), das Eigentum (Artikel 14) oder
das Asylrecht (Artikel 16a) zum Kampfe gegen die freiheitliche demokratische Grundordnung
mißbraucht, verwirkt diese Grundrechte. Die Verwirkung und ihr Ausmaß werden durch das
Bundesverfassungsgericht ausgesprochen”.
52
respectivos governos, mas em princípio com ampla liberdade de ação
na esfera interna, estruturadas de modo dúplice, mediante a divisão das
atribuições entre um governo das forças armadas e um governo civil
exercido, contudo, também por militares (STOLLEIS, 2003, p.273).
Aspecto relevante para a então ainda não definida criação da
República Federativa da Alemanha e elaboração da LF foi o fato de
que no interior das zonas ocupadas foram formados Estados, que
cumpriam simultaneamente a função de estruturas de execução das
forças de ocupação e de representação dos interesses do Estado e de
sua população em face daquelas, mas regidas e organizadas de modo
distinto de acordo com as diretrizes estabelecidas pelos governos
ocupantes, designadamente, uma administração central – zonas
Britânica (neste caso, acompanhada de uma conferência dos chefes
dos governos estaduais) e Soviética, um conselho dos Estados, com
a realização de conferências dos respectivos Ministros-Presidentes na
zona Norte-Americana (STOLLEIS, 2003, p.273).
De todo modo, o que aqui importa, é que os Estados já existiam
antes da refundação do Estado com a promulgação e entrada em vigor
da LF, em 23.05.1949, embora alguns novos Estados viessem a ser
criados92. Tais Estados também já tinham as suas constituições, todas
contemplando um catálogo de direitos fundamentais, que, em parte,
não foram previstos na LF, assim como após a entrada em vigor da LF
os Estados seguiram tendo autonomia para reconhecer outros direitos.
No que se refere às Constituições escritas antes da LF, é importante
recordar que há um fator político para a criação do catálogo desses
direitos: a influência do governo militar dos EUA que pediu aos novos
Estados celeridade na criação de suas próprias Constituições com um
catálogo de direitos fundamentais (KETELHUT, 2017, p.133). Por
isso, pode-se afirmar que antes de 1948-1949 não houve uma reflexão
sobre os direitos fundamentais a nível federal. É o caso da Constituição
Estadual de Bremen (1947), na qual, embora fosse previsto um catálogo
Landesverfassung der Freien Hansestadt Bremen: Artigo 134 - “Die Rechtspflege ist nach
93
Reichs- und landesrecht im Geiste der Menschenrechte und sozialer Gerechtigkeit auszuüben”.
54
Mas além de especificar alguns direitos sociais, nas constituições
da Baviera, de Bremen e de Baden, por exemplo, já se lia que a ordem
política e econômica deveria exprimir uma justiça capaz de ter a meta
de garantir uma existência digna (BALDUS, 2016, p.37). Ou seja, as
constituições dos Estados já dispunham a dignidade humana vinculada
aos direitos de liberdade e à ordem econômica. Na Constituição da
Baviera, por exemplo, lê-se, no título do artigo 164, o dever de uma
renda agrícola adequada capaz de garantir uma vida decente.
Entretanto, logo após a promulgação da Lei Fundamental em
1949, os Estados perdem seu protagonismo, buscando eles, tal como
a LF, a concretização dos direitos à luz do princípio do Estado Social
(ZACHER, 1982 p.114-115).
No que se refere às Constituições dos Estados da Alemanha
Ocidental que entraram em vigor após a LF, pode-se afirmar que
a recepção do catálogo de direitos fundamentais da LF de 1949
é um denominador comum. Entre esse grupo está o Estado de
Niedersachsen, que não continha um catálogo de direitos fundamentais
no texto de 1951. O artigo 3º, da antiga Constituição e da atual de
1993, fazia e ainda faz referência expressa aos direitos fundamentais
da LF94 (MEYER; HÖNNIGE, 2017, p.220).
Esse também é o caso da Constituição de Baden-Württemberg, de
1953. Segundo Obrecht (2017, p.46), pode-se afirmar que esse Estado
aderiu a um sistema misto, recepcionando os direitos fundamentais
previstos em nível federal, mas também faz referência aos seus
próprios direitos fundamentais. É o caso do art.2º, §1º onde está
previsto que os direitos fundamentais e civis da LF fazem parte de
sua Constituição. Mas no parágrafo 2º desse mesmo artigo é afirmado,
peremptoriamente, que o povo de Baden-Würtenberg possui o direito
inalienável à sua pátria.
Outro momento histórico importante a ser ressaltado, pois
revitalizou a importância das Constituições estaduais,é a reunificação
94
Niedersächsische Verfassung - Artigo 3º, §2º: “Die im Grundgesetz für die Bundesrepublik
Deutschland festgelegten Grundrechte und staatsbürgerlichen Rechte sind Bestandteil dieser
Verfassung. Sie binden Gesetzgebung, vollziehende Gewalt und Rechtsprechung als unmittelbar
geltendes Landesrecht. Die Achtung der Grundrechte, insbesondere die Verwirklichung der
Gleichberechtigung von Frauen und Männern, ist eine ständige Aufgabe des Landes, der Gemeinden
und Landkreise“.
55
alemã em 1990 e a posterior criação de cinco novos Estados membros
(WITTRECK, 2018, p.213).
O catálogo de direitos fundamentais desses novos Estados,
diferentemente do que se deu logo após a Segunda Grande Guerra, é
criado tanto à luz do texto, como da interpretação dos conteúdos dos
direitos fundamentais da LF.Nas Constituições dos novos Estados de
Sachsen, Sachsen-Anhalt, Brandemburgo, Mecklenburg-Vorpommern
e Thüringenesses direitos foram previstos de forma muito mais
detalhada (WILL, 1993, p.468).A título de exemplo, a Constituição de
Sachsen contém 46 artigos em seu catálogo de direitos Fundamentais
e a Constituição de Brandemburgo conta com 50 artigos95.
A jurisprudência do TCF também foi deveras importante na
construção do catálogo dessas constituições, principalmente no que se
refere ao desenvolvimento das dimensões de proteção desses direitos.
Cabe citar - como influência direta do TCF relativamente a todas novas
constituições - a proteção ao meio ambiente (DOMBERT, 2012,
p.21). Cabe ainda ressaltar a previsão de novos direitos fundamentais,
podendo-se citar a expressa previsão da proteção de dados (WILL,
1993, p.475)96. Entretanto, a vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais (Drittwirkung) somente foi prevista expressamente pela
Constituição de Brandenburg (art. 5º, I).
95
No caso da Constituição de Brandemburgo, é importante relembrar que o catálogo
de direitos, assim como a possibilidade de um Tribunal Constitucional Estadual,
surge em um contexto de conflitos entre partidos estaduais e o governo federal
As discussões constitucionais de Brandemburgo refletiram os interesses de uma
maioria política do SPD, Bündnis 90 e FDP com objetivo de se diferenciar e criar um
certa independência perante o governo federal, por meio de pautas ecológicas e de
objetivos sociais. A criação de um tribunal constitucional foi uma escolha natural
em vista dessa busca de independência (LORENZ, 2017, p.106).
96
A expressa previsão à proteção de dados foi redigida na Constituições de Sachsen
(art.33), Sachsen-Anhalt (art.6), Thüringen (art.6, §2º), Mecklenburg-Vorpommern
(art.6) e Brandemburgo (art.11). A interpretação do TCF sobre essa matéria foi
deveras tão importante para a previsão desse direito, que as constrições acabaram
sendo bem específicas na proteção desse direito fundamental. Por exemplo, a
Constituição de Sachsen-Anhalt prevê que toda a intervenção do poder público
deve considerar o direito á informação, à correção e à exclusão de dados. Também
os textos de Brandemburgo e Thüringen regulamentam os o direito aos dados já
armazenados pelas autoridades públicas (WILL, 1993, p.476).
56
A exceção dessas características específicas, de um modo geral,
todas as cinco novas constituições possuem direitos e garantias
individuais (direitos civis e políticos) e sociais. Afinal, embora a
liberdade fosse o pressuposto para a criação desses novos Estados –
diferentemente do contexto do pós guerra de 1945 – a autonomia do
indivíduo era interpretada mais enfaticamente à luz da comunidade
social e de suas responsabilidades e direitos na sociedade. De fato, a
experiência social e econômica contribuiu para um expressivo número
de direitos nessas novas Constituições (WILL, 1993, p.469-470).
Taisdireitos foram positivados na forma de objetivos (metas) estatais
não dispostas na LF (DOMBERT, 2012, p.23). Desse modo, todas as
cinco novas constituições prevêem o direito ao trabalho, à moradia,
à segurança social, educação à proteção dos idosos, para citar alguns
(DOMBERT, 2012, p.23).Cabe aqui mencionar, entretanto, a crítica
de Martin Kutscha (1993, p.341-342), quando afirmaque existem
conteúdos jurídicos que não foram positivados na forma de um direito
subjetivo, mas como uma meta política do Estado. Como exemplo,
entre outros, pode-se citar o direito ao trabalho e à proteção do meio
ambiente.
É importante recordar também o expresso direito à proteção
das minorias previsto no catálogo de algumas constituições. Nas
constituições de Sachsen (art.5, §2º) e de Schleswig-Holstein (art.5,
§1º) há um expresso direito às minorias nacionais. Nas Constituições
da Saxônia e de Brandemburgo existe a previsão da proteção aos
Sorábios, um pequeno povo eslavo ocidental (DOMBERT, 2012, p.29).
Após analisar o catálogo dos direitos fundamentais das
Constituições, busca-se, agora, compreender a proteção desses direitos
por meio da jurisdição constitucional estadual.
97
Todos os estados têm Tribunais Constitucionais. Embora os estados de Bremen,
Hessen, Niedersachsen e Baden-Württenbergutilizem o termo Staatsgerichtshof, esses
Tribunais possuem competências similares.
98
Para maior estudo do tema vide: HILLGRUBER, Christian; GOOS, Christoph.
Verfassungsprozessrecht, op. cit., p. 300-323, onde a matéria das relações entre o TCF
e os Tribunais Constitucionais dos Estados é apresentada com maior detalhamento.
58
artigo 100, §3º99, determina que os Tribunais Constitucionais Estaduais
submetam o caso à decisão vinculativa do TCF nas hipóteses em que
aqueles queiram julgar de modo diverso relativamente à prática decisória
do TCF ou de outro Tribunal Constitucional Estadual (LIMBACH,
2010, p.74-75).
No que se refere à importância da jurisdição constitucional
estadual, é notório que o estudo dessa jurisdição tem crescido seja
pela compreensão das competências estaduais e autoconfiança
institucional, seja pelos maiores conflitos constitucionais que vêm
surgindo recentemente(DOMBERT, 2012, p.19-20).
Essa falta de protagonismo dos Tribunais Constitucionais
Estaduais ocorreu, principalmente, porque a ordem constitucional
permite que os Estados decidam pela possibilidade, ou não, da
reclamação constitucional estadual – que, calha recordar, tem
origem no direito constitucional bávaro sendo posteriormente
inserida na LF - (UERPMANN, 2002, p.943). Essa autonomia
prevista na Lei Fundamental permite que cada Estado disponha
sobre as competências do seu respectivo Tribunal Constitucional.
Tal autonomia já se percebe na escolha dos nomes dos tribunais.
Enquanto Bremen, Hessen e Niedersachsen optaram pelo nome
de “Staatsgerichtshof” (Tribunal Estatal) os Estados de Berlim,
Thüringen, Nordrhein-Westfalen, Sachsen, Saarland, Rheinland-Pfalz
e Bayern optaram pelo nome de “Verfassungsgerichtshof” (Tribunal
Constitucional) e ainda há todos os outros Estados que optaram pela
expressão “Landesverfassungsgericht” (Tribunal Constitucional Estadual)
(DOMBERT, 2012, p.24-25).
Além disso, em alguns Tribunais Constitucionais, como no caso
de Berlim, verifica-seuma postura de grande deferência ao papel do
legislador, de tal sorte que nas reclamações constitucionais que se
referem a direitos fundamentais ou mesmo em sede de controle abstrato
de normas, o Tribunal Constitucional desse Estado desenvolveu a
atividade jurisdicional pautada por um grande respeito às tarefas do
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 100, 3: “Will das Verfassungsgericht
99
eines Landes bei der Auslegung des Grundgesetzes von einer Entscheidung
des Bundesverfassungsgerichtes oder des Verfassungsgerichtes eines anderen
Landes abweichen, so hat das Verfassungsgericht die Entscheidung des
Bundesverfassungsgerichtes einzuholen“.
59
parlamento Estadual, respeitando suas prerrogativas e evitando ser um
“legislador substituto” (REUTTER, 2017, p.100).
Como exceção, cita-se o TCE da Baviera, que, desde a promulgação
da LF em 1949, atuou como um tribunal constitucional, desenvolvendo
um quadro de competências comparável ao TCF, a ponto de influenciar
a sua interpretação da Lei Fundamental em assuntos basilares da
república, tal como a dignidade humana (WITTRECK, 2018, p.216).
Isso posto, pode-se afirmar com Robert Uerpmann (2002, p.942),
que até 1990 não existiram realmente importantes decisões referentes à
proteção de direitos fundamentais com base nas normas estaduais, não
sendo uma surpresa que os principais conteúdos protetivos julgados
pelos Tribunais Constitucionais Estaduais tenham sido baseados na LF.
Além da falta de uma explícita previsão constitucional sobre a
função dos Tribunais Constitucionais Estaduais, na seara da proteção
dos direitos fundamentais, o conflito de competências com o TCF
deve ser levado em conta.
Desde a promulgação da LF, o já referido art.18, II determinou
que é competência do TCF pronunciar-se sobre a perda de direitos
fundamentais e sua extensão, quando verificado o abuso na titularidade
desses direitos. Entretanto, antes da promulgação da LF, algumas
constituições como a da Baviera (art. 124) e a de Hesse (art. 133, §1º)
já previam o procedimento perante os seus Tribunais Constitucionais.
Com a promulgação da lei do TCF, essa previsão foi regulamentada
pelo art.13, §1º e a dúvida que surgiu com essa norma foi em que
medida as disposições estaduais estariam prejudicadas (SCHÄFFER,
1951, 199-200).
Entretanto, mesmo com diferentescompetências presentes em
cada Estado e a falta de uma expressa previsão constitucional sobre o
tema, pode-se afirmar com WernerReutter(2020, p.07), no geral, que
os Tribunais Constitucionais Estaduais possuem decisões vinculativas
sobre questões políticas, exercendo a função de “legisladores negativos”
além de ter influência sobre os objetivos da sociedade e sobre o
cumprimento dos direitos fundamentais em nível local.
No que se refere especificamente à proteção dos direitos
fundamentais pelosTCE’s, é na década de 1990, por meio do Tribunal
Constitucional de Berlim, que se observa um ponto de inflexão na
60
proteção desses direitos. Esse Tribunal concedeu à ação constitucional
estadual um maior campo de aplicação, inclusive na aplicação da
lei Federal. Por meio de duas decisões proferidas em 23.12. 1992100
e 12.01.1993101, o TCEde Berlim decidiuque também seria de sua
competência fiscalizar a lesão a direitos fundamentais dispostos em
seu catálogo, mesmo que esses casos estivessem relacionados à lei
penal federal.
Nessa seara, cabe ressaltar a decisão proferida no famoso processo
contra Erich Honecker. Nesse famoso caso,o TCE de Berlim declarou-
se competente para julgar uma possível agressão ao princípio da
dignidade humana, pois, segundo a decisão, como o art.1º, §1º da LF
foi recepcionado pelo texto estadual, ela passou a ser de competência
também do Estado federado (RÖPER, 1996, p.157). Na decisão,
afirmou-se que a dignidade teria sido lesada, na medida em que o réu
tornou-se mero objeto do processo penal quando, mesmo com grave
doença incurável e a proximidade de sua morte, o Estado pretendeu
continuar o processo penal (ROZEK, 1994, p.452).
É preciso lembrar que esse julgamento gerou importantes críticas,
pois suscitou a preocupação de que outros Tribunais Constitucionais
Estaduais pudessem intervir de maneira semelhante em outros
processos criminais e judiciais que fossem de competência federal
(STARCK, 1993, p.234). Mesmo assim, em 1997, o TCF (BVerfGE
96,345) acabou ratificando essa nova compreensão de proteção
dos direitos fundamentais pelos TCE’s, afirmando que, caso haja
uma reclamação constitucional com base num direito fundamental
previsto naConstituição estadual, mesmo que a essa envolva matéria
de competência Federal, o TCEtem competência para apreciar e julgar
o caso. Como afirmou Horst Dreier (2000, art.142, §84), criticando a
decisão, a opção do TCFteria criado uma espécie de uma nova Câmara
do TCF (segundo o autor, “disloziertenKammerndesBverfG”).
Outra decisão que estendeu a competência da jurisdição
constitucional dos Estados ocorreu no âmbito do direito eleitoral,
quando o TCF (BVerfGE 99,1) decidiu que leis eleitorais regulamentadas
por leis estaduais não podem ser diretamente questionadasjunto ao
61
TCF, o que evidencia um aumento significativo de demandas referentes
a questões democráticas sobre a jurisdição estadual (KNEIP, 2020,
p.29).
Entretanto, mesmo após essas decisões do TCF, ainda há dúvidas
sobre a competência dos Tribunais Constitucionais dos Estados em
matérias que se relacionam com o direito federal. É o caso, por exemplo,
dos Tribunais Constitucionais da Baviera e de Hesse, que analisam
a aplicação da lei processual federal à luz dos direitos fundamentais
estaduais. Entretanto, como a Reclamação Constitucional de tais
constituições remonta à época anterior à LF, os Tribunais desses Estados
manejam essas Reclamações com cautela (STARCK, 1993, p.232).
Além deles, cabe citar o caso do TCEde Saarland que, nessa relação
entre competência federal e estadual, deixou essa questão em aberto102,
afirmando que tinha dúvidas em que medida os órgãos federais
poderiam intervir em assuntos que são de sua competência, mas que,
por exemplo, se referem a atos do poder estadual (RIPPBERGER,
2006, p.01)103. Mesmo com essa dúvida, o Tribunal afirmou, em
consonância com a decisão do TCF, que poderia julgar a aplicação de
lei federal por ato do poder estadual, na medida em que a reclamação
se refere a direitos que também estão dispostos no catálogo de direitos
fundamentais da Constituição de Saarland.
No que se refere à proteção dos direitos sociais, a exemplo da
interpretação dos direitos fundamentais sociais na Lei Fundamental,
existe um grande número de decisões dos Tribunais Constitucionais
Estaduais nas quais os direitos sociais não são considerados direitos
fundamentais, ou seja, não possuem a dimensão subjetiva e, por isso,
não podem ser exigíveis pela via judicial na condição de direitos
subjetivos (BUNDESTAG, 2007, p.20). Nessa seara, conforme o
estudo sobre os direitos fundamentais sociais do Bundestag (2007,
p.20 ss.), cabe relembrar a decisão do Tribunal Constitucional de
Brandemburgo (BbgVerfG, LKV 1994), que na interpretação do artigo
102
SaarlVerf GH - Lv 6/03, julgado em 19.03.2004; SaarlVerf GH - Lv 7/03, julgado
em 19. 3. 2004.
103
Ao menos até 2006, 9 Estados federais previam ação de autoridade estadual com base
em lei federal: Baviera, Berlim, Brandenburg, Hessen, Mecklenburg-Vorpommern,
Rheinland-Pfalz, Saarland, Sachsen e Thüringen.
62
47, §1º da Constituição desse Estado membro104, afirmou que o direito
à moradia não é um direito fundamental, e, por isso, não constitui
um direito subjetivo do cidadão. Segundo a decisão, ao Estado de
Brandemburgo cabe somente o dever de garantir a adequada realização
desse direito de acordo com os seus recursos financeiros.
Além dessa decisão, o Tribunal Constitucional de Saarland
(SaarlVerfGH, NJW 1996) afirmou que o artigo 45 105 de sua
constituição não concede um direito subjetivo ao trabalho, havendo
somente uma obrigação objetiva do Estado, ao qual é exigida a criação
de leis adequadas para a concretização desses direitos. No âmbito
do direito à educação, o Tribunal Constitucional de Kassel (VGH
Kassel, NVwZ 2006) afirmou que o artigo 59, §1º da Constituição
estadual106, que trata do direito a estudos sem a taxa de matrícula,
não pode analisar a situação individual da pessoa, mas o quanto é
possível ser reivindicado. Porém, essa reivindicação - considerando
o orçamento e a reserva do possível - deve ser responsabilidade e
critério do poder legislativo.
Por último, cabe recordar decisão do Tribunal Constitucional de
Sachsen (SächsVerfGH, LKV 1997) que negou a condição de direito
fundamental ao direito contemplado no art.10, §3º da Constituição
de Sachsen107, afirmando que o direito de desfrutar da beleza natural
é um dever estatal objetivo e não um direito subjetivo.
Por isso, de modo geral – sem adentrar nas particularidades das
decisões dos tribunais de cada Estado membro108 – há uma dupla
104
Verfassung des Landes Brandenburg: Artigo 47, §1º - “Das Land ist verpflichtet, im Rahmen
seiner Kräfte für die Verwirklichung des Rechts auf eine angemessene Wohnung zu sorge”.
105
Verfassung des Saarlandes: Artigo 45, 2 – “Jeder hat nach seinen Fähigkeit ein Recht auf
Arbeit”.
106
Verfassung des Landes Hessen: Artigo 59, §1º, 1: “In allen öffentlichen Grund-, Mittel-,
höheren und Hochschulen ist der Unterricht unentgeltlich“.
107
Verfassung des Freistaates Sachsen: Artigo 10, §3º, 1 – “Das Land erkennt das Recht auf
Genuß der Naturschönheiten und Erholung in der freien Natur an, soweit dem nicht Ziele nach
Absatz 1 entgegenstehen”.
108
Cita-se aqui, por exemplo, o caso de Baden-Württemberg, que possui um “sistema
misto”, no qual faz referência tanto aos direitos fundamentais da LF, assim como
àqueles não previstos no seu texto. Mesmo assim, a sua compreensão de constituição
advém com o tempo, principalmente através de dois fatores. Primeiramente, a
inclusão de objetivos estaduais por meio das emendas constitucionais de 1995 e
2000. Como segundo fator desse progresso, tem-se a previsão da possibilidade de
63
proteção dos direitos fundamentais: uma em âmbito estadual, outra em
âmbito federal o que concede aos tribunais uma importante função no
Estado Democrático de Direito (KNEIP, 2020, p.29-30). Entretanto é
imperioso recordar que, embora o tribunal estadual possa examinar uma
questão sobre direitos fundamentais que também estão dispostos na
Lei Fundamental, sua interpretação deve estar de acordo as decisões do
TCF. Caso haja um desrespeito a essa interpretação, a decisão estadual
será revogada pelo TCF (HÖRETH, 2020, p.56).
CONCLUSÕES
65
Foi possível examinar outros aspectos relevantes também, tais
como os relativos à interação entre os catálogos federal e estaduais
de direitos, evidenciando-se a operação do primeiro como patamar
mínimo, passível de ampliação pelo último. Além disso, ficou clara a
autonomia das cortes estaduais para proferirem decisões terminativas
sempre que os processos de sua competência não envolvam questões
federais, o que dá relevo a seu papel também como órgãos da maior
importância no exercício da jurisdição constitucional.
O exame do Direito Constitucional alemão, por sua vez, revela que
aquela tradição federalista remonta a 1871e evidencia a complexidade
do federalismo simétrico, vertical e cooperativoestabelecido pela
LF de 1949, que veio a incorporar nuanças e matizes próprios ao
constitucionalismo estadual tedesco.
Nesse sentido, resta claro, de um lado, a significativa autonomia dos
Länder em termos legislativos, administrativos e judiciais, a se traduzirem
em constituições subnacionais e em tribunais constitucionais próprios,
bem como em direitos fundamentais estaduais, embora vinculados ao
rol federal (LF 1949, arts. 1º a 18 e equiparados, conforme o art. 142)
e sem prejuízo do princípio de primazia do direito federal (art. 31 da
LF), com uma consequência de primeira grandeza, qual seja, o fato
de que os direitos do catálogo federal integram o direito dos Estados,
mesmo que não expressamente incorporados. O constitucionalismo
estadual alemão ostenta certa homogeneidade que não redunda em
uniformidade (BVerfGE 96, 345 (368), como visto, combinando
significativa liberdade de conformação com limites (LF art. 28 §§ 1º
e 2º), em uma correlação complexa entre direito federal e estadual.
Quanto aos direitos fundamentais estatuídos pelas constituições
dos dezesseis Estados alemães, percebe-se que ocupam uma posição
importante e desempenham uma função integrativa, constatando-se
para além de direitos coincidentes entre as duas órbitas, direitos novos
estabelecidos autonomamente pelos catálogos estaduais.
O exame do catálogo federal e dos direitos equiparados (LF art.
93, 4a) evidencia predomínio de direitos civis e políticos, e a ausência
de um elenco significativo de direitos econômicos, sociais e culturais
– afastando-se a LF do modelo de Weimar –, apesar da cláusula do
Estado Social; contemplando ainda a ordem constitucional alemã
66
direitos fundamentais implícitos reconhecidos pela jurisprudência do
TCF, tais como os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade,
à autodeterminação informacional, ao conhecimento da ascendência
genética, à autodeterminação reprodutiva e sexual, bem como o mínimo
existencial.
Quanto aos direitos fundamentais subnacionais, percebe-se o
quanto ocontexto histórico mostra-se relevante, razão pela qual há
que atentar para as peculiaridades das constituições subnacionais
considerando três momentos distintos, pré-1949; pós-1949 e pós-1990.
Nesse sentido, é fundamental registrar que tanto os Estados quanto as
constituições estaduais da maioria dos Länder são preexistentes à LF
e à refundação do Estado alemão.
No que se refere ao conteúdo dos catálogos subnacionais de
direitos fundamentais, evidencia-se uma uniformidade substancial
quanto aos direitos civis e políticos, com algumas diferenças pontuais.
Há algumas inovações de relevo em nível subnacional, como, por
exemplo, disposições específicas sobre proteção de minorias (Saxônia,
Schleswig-Holstein e Brandemburgo).
Por outro lado, o modelo de Weimar mostrou-se mais influente
em nível subnacional. Neste passo, constata-se nas subconstituições
alemãs uma gama de direitos inexistentes no rol federal, tais como
o direito ao trabalho (Hesse, Bavária, Rheinland-Pfalz), direito ao
fornecimento de energia elétrica (Bavária), direitos sociais e igualdade
de gênero (Bremen), renda agrícola adequada à garantia de uma vida
decente (Bavária) e o direito à moradia – o mais difundido entre as
dezesseis cartas políticas estaduais. Inclusive as constituições dos
Estados alemães foram precursoras do princípio da dignidade da
pessoa humana e, além disso, exerceram influência sobre o direito
constitucional federal pós-1949, por meio do instituto da reclamação
constitucional (Verfassungsbeschwerde), de origem bávara.
No que diz respeito às constituições dos Estados que integravam
a antiga República Democrática da Alemanha – constituições pós-
1990 –, constata-se a recepção do catálogo da Lei Fundamental
como traço comum, além do fato de terem catálogos mais amplos e
detalhados, contemplando direitos civis, políticos e sociais, o que se
percebe inclusive pela extensão dos mesmos em constituições como
67
as da Saxônia e de Brandemburgo.Tais constituições contemplam,
todas, disposições sobre direito ao trabalho, à moradia, à segurança
social, à educação e à proteção dos idosos, ressaltando-se, além disso,
influência por parte da jurisprudência do TCF em matérias como o
meio-ambiente, por exemplo.
Nessas cartas igualmente constatam-se inovações, tais como o
direito fundamental à proteção de dados, presente nas constituições
subnacionais da Saxônia, Alta-Saxônia, Turíngia, Meckleburgo-
Pomerânia e Brandemburgo. Por outro lado, disposições expressas
sobre a eficácia interprivada dos direitos fundamentais encontram-se
apenas na Constituição do Estado de Brandemburgo (art. 5º, I).
Algumas disposições acerca de questões sociais, econômicas e
ambientais, por exemplo, aparecem textualmente formuladas como
políticas, compromissos ou metas, e não claramente como normas
estabelecedoras de direitos fundamentais em sua dimensão subjetiva,
o que gera, inclusive, numerosas decisões por parte dos tribunais
constitucionais estaduais no sentido de sua não-justiciabilidade, como
decidido em Brandemburg, Saarland e Sachsen (BGVerfG, LKV,
1994; SaarlVerfGHNJW 1996; SächsVerfGH LKV 1997), tendo
ocorrido inclusive recepção do construto da reserva do possível do
TCF (VorbehaltdesMöglichen, BVerfGE 33, 303, numerusclaususI, de 1972)
pelo Tribunal Constitucional de Kassel (VGH Kassel, NVwz 2006).
Por fim, foi possível perceber que os Tribunais Constitucionais
existentes em todos os Estados alemães, com denominação
relativamente variável, consistem em órgãos constitucionais
especializados da jurisdição constitucional, paralelos ao TCF, embora
operando dentro de certos limites, como os traçados pelo art. 100 §
3º da LF. Assim, de acordo com a jurisprudência do TCF, as cortes
estaduais devem gozar do maior grau de autonomia possível (BVerfGE
60, 175). Tais órgãos, cuja criação, competência e procedimento cabem
aos próprios Estados, basicamente fiscalizam a constitucionalidade da
legislação estadual com parâmetro na constituição estadual.
Com pouco protagonismo até meados dos anos 1990, os
TCEsostentam importância crescente, embora muitos prestem
significativa deferência ao legislador, tais como os tribunais
constitucionais bávaro e berlinense. Sua importância política decorre
68
tanto das decisões vinculantes quando cumprindo seu papel como
legislador negativo (Negative Gesetzgeber), quanto pela tutela dos
direitos fundamentais, sendo facultado aos Länder criar a reclamação
constitucional estadual.
O ponto de inflexão no que diz respeito à tutela jusfundamental,
como visto, ocorreu a partir de decisões do TC de Berlin de 1992 e 1993
(BerlVerfGH-VerfGH 38/92 e 55/92), ratificadas pelo TCF (BVerfGE
96, 345) que ampliaram a jurisdição estadual, permitindo que Tribunais
Constitucionais subnacionais conhecessem processos relativos a
lesão de direitos fundamentais mesmo quando envolviam aplicação
do Direito federal, tendo a competência dos últimos sido ampliada
em outras matérias, tais como Direito Eleitoral, também por força de
outras decisões do TCF (BVerfGE99, 1). Essas temáticas demonstram
as complexidades decorrentes do federalismo vertical e cooperativo
alemão e da repartição de competências que lhe é característica, bem
como de princípios como o da primazia do direito federal.
Como se percebe do cotejo do federalismo, do subconstitucionalismo
e dos direitos fundamentais de ambas as tradições constitucionais,
norte-americana e alemã, existem muitas semelhanças a registrar,
notadamente: a)preexistência dos entes subnacionais e de suas
constituições relativamente ao ente nacional e à constituição federal;
b) duplo patamar de proteção de direitos fundamentais, podendo os
Estados ampliar o catálogo, mas não reduzi-lo; c) catálogos federal
e estadual parcialmente coincidentes, especialmente em matéria de
direitos civis e políticos; d) algumas inovações locais em matéria
de direitos civis e políticos e outros, como normas de proteção de
minorias; f) caráter mais amplo e detalhado do rol subnacional de
direitos fundamentais; f) maior espaço para direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais; g) formulação de disposições
constitucionais em matéria econômica, social, cultural e ambiental na
forma de diretivas, princípios ou políticas; h) diferenças de relevo entre
constitucionalismo e subconstitucionalismo, tal como o predomínio da
concepção jeffersoniana nos Estados norte-americanos e do modelo
de Weimar nos Länder alemães; i) algumas disposições expressas
acerca de eficácia interprivada dos direitos fundamentais;j) presença
de direitos fundamentais de origem pretoriana, tais como privacidade
69
nos EUA e livre desenvolvimento da personalidade na Alemanha; k)
atuação das supremas cortes e cortes estaduais norte-americanas em
boa medida análoga ao dos tribunais constitucionais estaduais alemães,
no que se refere ao controle de constitucionalidade e à tutela de direitos
fundamentais; l) momentos de maior ou menor protagonismo dos
tribunais ou cortes estaduais; m) similaridade de funções de jurisdição
constitucional das supremas cortes/cortes de apelação e dos TCEs,
no controle de constitucionalidade, tutela de direitos fundamentais e
conflitos federativos.
Isso não significa, no entanto, que se possa descurar das profundas
diferenças entre as duas tradições constitucionais, decorrentes de suas
peculiaridades históricas, do tipo distinto de federalismo adotado, entre
outros fatores.
Além disso, a análise aqui levada a efeito evidencia a existência
também de diversos pontos de contraste entre os subconstitucionalismos
americano e alemão, especialmente: a) diferenças significativas entre os
tipos de federalismo, com menor vinculação dos entes subnacionais
na primeira tradição e maior na segunda; b) interação mais complexa
entre o direito federal e o direito estadual na Alemanha, em função das
peculiaridades do federalismo tedesco; c) a diferença de estruturação do
sistema de justiça constitucional, filiando-se a Alemanha, em ambos os
níveis, ao modelo concentrado ou de separação, ao passo que os EUA
aderiram ao modelo difuso ou de jurisdição una, com uma consequente
menor vinculação dos tribunais estaduais quando em causa os direitos
fundamentais estaduais; d) maior deferência por parte de Tribunais
Constitucionais Estaduais em relação ao legislativo do que a manifestada
na esfera das Supremas Cortes ou Cortes de Apelação estaduais, embora
aqui se registrem importantes variações ao longo do tempo.
Por derradeiro, a análise comparativa dos sistemas norte-americano
e alemão à qual se dedicou o presente texto, embora tenha colocado em
evidência uma série de convergências e divergências quanto a alguns
aspectos de relevo, também demonstrou a existência, no concernente
aos traços principais de ambos os modelos, uma substancial similitude,
como é o caso, dentre tantos outros aspectos referidos, o da duplicidade
de catálogos de direitos, a dupla tutela jurisdicional dos direitos
fundamentais e o protagonismo subnacional na matéria.
70
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78
STATE CONSTITUCIONAL RIGHT
TO HEALTH: FROM A GENERAL
PERSPECTIVE TO THE CASE OF
SPAIN AND ITS SINGULAR PATH TO
FEDERALIZATION
Esther Seijas Villadangos109
SUMMARY
In this work, a reflection is made on the fundamental role of
the catalogs of Rights of State Constitutions, especially focus
on health rights, as an anchor that consolidates a full federal
State. To verify this fundamental message, two paths will be
followed: one of general Constitutional Law and another
of particular Constitutional Law. The first will show how
the regulations of rights in State Constitutions have been
articulated and characterized, taking as a reference the US
sub-national constitutional model. The particular approach to
the objective of strengthening the relevance of rights in state
constitutionalism will be carried out, in turn, from two points
109
Full Professor of Constitutional Law. Universidad de León (Spain). This article has been
supported by the Research Project LE043P20: Medicamentos digitales y bioderecho of
Autonomous Community of Castilla y León and cofunded by FEDER.
79
of reference, one material and the other territorial. From the
material or substantive point of view, the article will focus on
the relevant meaning of the state right to health in a time of
pandemic. From a territorial perspective, it will postulate how
the insertion of Bills of Rights in the Spanish Statutes of
Autonomy has meant a sui generis path towards the federalization
of Spain. In essence, this article proposes to reflect on a
question of fundamental federal dogma: the consolidation of
a federation based on the guarantee of citizens´ rights in State
Constitutions.
INTRODUCTION
Oxford University Press:113. In this work, the evolution of the New Judicial
Federalism is analyzed in detail, from the first stage, marked by the case People vs.
Anderson 493 P. 2d 880 (Cal 1972), in which the California Supreme Court declared
the death penalty unconstitutional after the California Constitution banned cruel and
unusual punishment, and in the early 1980s there was a backlash against it, rejecting
80
and the constitutions in which they are integrated to a relevant position
in the process of federal construction.
Second, to assess the role that these catalogs of rights have played
in a context of global pandemic, taking into account the risks of being
affected by populist demagogies that have led to theorizing about
“weak judicial review” (WALDRON 2006, 1346) as a counterpoint
to the initial judicial promotion of these rights.
Thirdly, to contribute the Spanish reading to this debate: How
have the catalogs of rights in the Statutes of Autonomy contributed
to promote decentralization and open up a federal path in Spain?
(SEIJAS 2017:331)
115
Art. IX, §1, Idaho Constitution, regarding the right to education, establishes the duty
of the Idaho legislature to establish a uniform and free system of schools, based
on the prius that the stability of a republican form of government (understood
as democratic) depends primarily on the intelligence of the people. The veterans’
group has been the subject of rights and positive actions since the constitutions.
Thus, Art. V § 6 and Art. VII § 18 of New York Constitution. Zackin argues that,
in the face of the liberal tradition that permeates American constitutionalism, a
gap has opened up in favor of positive rights, especially in areas such as education,
worker protection and the environment. ZACKIN, E (2013), Looking for rights in
all the wrong places. Why State Constitutions contain America’s positive rights. Princeton,
Princeton University Press: 106.
116
Article II, § 30b of Colorado Constitution proclaimed a right described as “no
protected status based on homosexual, lesbian, or bisexual orientation,” preventing
any action by state and local public authorities to address a claim or demand for
a protected status based on their status as homosexual or bisexual. Adopted in
1992, it was judicially annulled in 1996. CURRIE, P. (1986), “Positive and Negative
Constitutional Rights,” University of Chicago Law Review 53: 864.
117
Art. I, Sect. 12, Louisiana Constitution (prohibition of discrimination in access to
housing) Art. I, Sect. 19, New Jersey Constitution (right of persons working in the
private sector to organize and make collective complaints).
118
The judicial interpretation of rights has encountered two lines of resistance.
On the one hand, the tensión, referring to US model, between state courts and
the Supreme Court. There is a brake on the interpretation of rights by the state
courts, based on a preferential application of the federal interpretation of rights,
enhanced by the reforms of the state constitutions. See Art. I, Section 12 of Florida
Constitution, amended in 1982. This opens up the second front, the struggle between
the legislative sovereignty of parliaments and the legal sovereignty of the courts,
which has found in these rights a very illustrative framework. State constitutional
decisions applied by the courts have overridden what has been agreed upon by the
83
had a monopoly on the application and supervision of these rights,
which does not prevent them from articulating obligations for the
other public powers, state and local119.
An illustrative glossary of them, following that generational
pattern, is presented as follows. As a starting point, the regulation of
the dignity of the person stands out as the foundation of rights (e.g.,
Louisiana Constitution, Article I, sect. 3), in order to delve deeper into
the guarantees of due process120 and the right to a fair trial121, with
122
Art. XII, Massachussets Constitution.
123
Art. I, par. 2 New Jersey Constitution. On the “national wave of protecting victims’
rights,” see WEGLYN, R.E. (1993-1994), “New Jersey constitutional amendments
for victims’ rights: symbolic victory,” 25 Rutgers L.J.:183. The origin of this reformist
trend can be traced back to the year 2009, when Marsy’s Law for all was founded,
which would be inserted into various constitutions, e.g. Oklahoma, where it would
be popularly approved in November 2018 (State Question 794). Its promoter was
Henry Nicholas, whose sister, Marsalee (Marsy) was murdered by her ex-boyfriend
in 1983. Shortly thereafter, he and his mother met the killer who had been released
without any information being passed on to them. From that moment on, they
initiated a process to constitutionally protect the rights of the victims, identifying
a series of state constitutions in which they were not expressly protected. Initially
it was introduced in California, Colorado (art. II, §16 a, introduced in 1992), then
in Montana (where the Montana Supreme Court would overturn it for violating
the separate voting requirement with other amendments), South Dakota, North
Dakota, Illinois, Ohio, Georgia, Hawaii, Idaho and Nevada.
124
Art. I, § 8. Ohio Constitution.
125
Art. I, § 12, Florida Constitution (introduced in 1982).
126
Art. I, § 2 of Michigan Constitution.
127
Art. II, § 8, Arizona Constitution.
128
In addition to a generic right to property, we find subjective explanations of this
right, such as the express protection of the right to property of foreigners or women
- prior to their marriage - (arts. I, § 34 and § 209 of Alabama Constitution).
129
Art. I, § 6, New Jersey Constitution.
130
Art. I, § 7, Ohio Constitution (“Natural and irrevocable right to worship the Almighty
God according to the dictates of his own conscience”). It is inserted in a wider right
that is that of freedom of conscience.
131
Art. I., § 18, New Jersey Constitution.
132
Art. I, § 21, Wyoming Constitution.
85
of the states133. The denial of this right guarantees the constitutional
regulation of a “non right”134. In this negative conception of rights,
constitutional references to slavery are inserted135.
The subjective attention to several groups of people with disabilities
appears in state constitutions, as result of reforms after its original
drafting. Thus, care for people who are deaf, dumb, blind or mentally
challenged is reflected in state constitutions, creating not a subjective
right, but an empowerment for the legislator to act in caring for these
citizens, promoting their education and a more dignified social care136.
Political rights, in particular the right to vote and suffrage137, are the
subject of much attention in state constitutions138. Sometimes, their
133
In Arkansas, the 68th Amendment to its Constitution states that no public funds
shall be provided for the practice of abortion except to save the life of the mother.
134
West Virginia, (Art. VI, Sect. 57). Or the sanctity of unborn life reflected in the
amended Alabama Constitution. November 6, 2018. It has been continued in Act 314
of May 15, 2019, which prohibits all abortions in the state, except those compatible
with a serious risk to the mother’s health. Human Life Protection Act, (https://legiscan.
com/AL/text/HB314/id/1980843).
135
Section I, Sect. 21 of Utah Constitution, which nevertheless continues to leave
room for slavery as a remedy for punishment for the commission of a crime. It
is surprising that until February 2019, a reform process has not been initiated to
remove this reference, which was elaborated using a space provided by the 13th
Amendment to the Constitution that established that “Neither in the United States
nor in any place subject to its jurisdiction shall there be slavery or forced labor,
except as a punishment for crime whereof the person responsible shall have been
duly convicted/guilty. In the debate, this survival was justified as a recourse to
labour shortages, but the tone of the precept was assumed to be obsolete at this
time and not significant enough to reflect the character of the State of Utah. Art.
I § 34 Oregon Constitution, which prohibits slavery and involuntary labor, except
as a punishment for crime
136
Section XI-I (2) Oregon Constitution, “multifamily housing for elderly and
disabled”. Art. XI § 1, Arizona Constitution, provides the constitutional mandate
to make education laws that pay special attention to people who are deaf and blind.
On the mandates of state constitutions in education, see PARKER, E., (2016)
“Constitutional obligations for public education,” Education Commission of the
States, (https://www.ecs.org/wp-content/uploads/2016-Constitutional-obligations-
for-public-education-1.pdf).
137
Art. II, § 5 California Constitution.
138
Missouri Constitution, Art. I, Section 25. “That all elections shall be free and open.
and no power, civil or military, shall interfere at any time to prevent the free exercise
of the right of suffrage.
86
literality deviates from the location in the constitutional bill of rights
and is placed in the organic part when it is regulating the legislative
power139. This constitutional recognition of the right to vote also has an
important ideological dimensión. Sometimes, it introduces modulations
to this right that have a clear political message, such as the power to
require voters to have a reasonable command of the English language,
both oral and written (Article II, § 6 Constitution of South Carolina).
Among the social rights, the careful role that has been given to
education140, health (TARR 2011:17) and labor and trade union
rights141 stands out. Their insertion is usually individualized, outside
the catalogs of rights with which the state constitutions are opened.
In the area of health, the medical use of marijuana, initially legalized
in California in 1996, and constitutionally reflected in Nevada and
Colorado142, has taken on a media dimension. The constitutionalization
of the prohibition of smoking in enclosed places (Florida)143 and the
application of tobacco taxes to finance health protection foundations
(Oklahoma)144 has also had a constitutional reception, as well as
the sanctioning of medical malpractice and the consequent liability
(Florida)145.
Third generation rights find a protagonist in the state constitutionalism
with their insertion through successive reforms. Thus, the majority
139
Thus, in the Utah Constitution, where the secret vote and the use of electoral
machines are regulated, as long as they respect that secret vote. (e.g. Article IV,
Section 8).
140
Art. VIII, Maine Constitution.
141
Of particular relevance is the constitutional regulation of a minimum wage for
women and minors in Article XVI, Section 8 of Utah Constitution.
142
Art. IV, § 38, Nevada Constitution (regulates the use of cannabis for medical
purposes within article IV dedicated to the legislative branch) and art. XVIII, § 16,
Colorado Constitution (within a miscellaneous title, includes the personal use of
marijuana, declaring it legal for people over 21 years of age and subjecting it to a
tax regime similar to tobacco. On November 6, 2018, the State of Missouri would
approve the “amendment 2” regarding the insertion into the Constitution of the
legalization of marijuana for medical purposes, applying a sales tax of 4%, tax
revenues that will be allocated to health services for war veterans.
143
Art. X §§ 20 and 27, Florida Constitution.
144
McCAFFREE, D. Robert (2015), “A Brief History of the Tobacco Settlement in
Oklahoma” (https://www.ajpmonline.org/article/S0749-3797(14)00508-X/pdf)
145
Art. I § 26 Florida Constitution.
87
of state constitutions have inserted the protection of public interest
on natural and environmental resources, although with interesting
differences, from a mere authorization to the legislature to approve
environmental laws146, to the management of a procedure for the
preservation of wildlife, water or various natural resources147. Since
the initial protection in the first constitutions of hunting and fishing
(Vermont, 1777, Rhode Island 1844, California 1910) has evolved to the
recent introduction of constitutional amendments protecting animals148 .
The state’s own political culture has managed to create an space
for itself in the catalog of constitutional rights. Thus, Louisiana stands
out for its consideration of the right to bear arms149 as a “fundamental
right” (Art. I, Sect. 11) or the right to marry exclusively between a man
and a woman (Art. XII, Sect. 15), which after its incorporation into
the constitution would be declared unconstitutional as a consequence
of the Obergefell v. Hodges, 135 S.Ct. 2584 (U.S. 2015); the prohibition
of polygamy or multiple marriages “forever prohibited” (Art. 3 of the
Utah Constitution) or the claim of the English language as a cultural
sign150 . Also the “political ideology” in the roughest sense of the word,
linked to ideological confrontation, has had its constitutional reflection.
Thus, as a reaction to the Affordable Care Act (2010), popularly known
as “Obamacare”, some constitutions (Arizona, Oklahoma) introduced,
in a frankly contentious attitude and rejection of it, the prohibition of
passing laws requiring any person, employer or health care provider to
participate in any health care program151.
146
Art. IV, § 52, Michigan Constitution.
147
Art. XVI de Oklahoma Constitución de creates the Department for the conservation
of natural life. Art. IV § 20, Constitución de California. THOMPSON, B., H. (2006),
“The environment and natural resources”, in TARR, Alan (2006), State constitutions
for the twenty first century, Albany, State of New York Press: 307.
148
Art. XVIII § 12 b, Colorado Constitution.
149
It appears in a large number of constitutions. California Constitution, Art. II, § 13.
150
Art. XVIII of the Arizona Constitution, English as the official language Similar
provisions are found in the constitutions of California, Colorado, or Oklahoma.
Regulation of Spanish has its place in constitutions such as New Mexico’s, Art. X
§ 10, which consolidates the right to education in Spanish.
151
Art. 27 § 2, Arizona Constitution (for the purpose of preserving the freedom of
Arizona citizens to participate in a health program) Identical wording, Art. II-37,
B. 1, Oklahoma Constitution.
88
The constant reform of the state constitutions has allowed its
incorporation into the regulatory current of new generation rights, of
the fourth generation, such as research with human embryonic cells152,
the presence of new technologies in the channeling and adoption of
official decisions (TASLITZ 2002,161), the adaptation of the classic
personal right to privacy to the new situation of intrusion from the
public authorities, configured as authentic subjective rights linked to
state public policies153, among which one of the most vindictive rights
of the new century stands out, the right to water154. However, this
future does not limit the constitutional recognition of rights, which is
left open in its literal sense, assuming that their relationship does not
exempt the consideration of other rights not expressly listed155, a kind
of implicit and prospective broad regulation of rights
Following this analysis, we can argue that the set of these state
rights is, unlike the rest of the content of constitutions, the best crucible
in which to reflect the culture of a state, its fundamental values and
its aspirations and concerns, the constitutional idiosyncrasy. Not in
vain, Emily Zackin (2013:48), recognizes that the study of these State
Constitutions helps to make better interference between the rights
and ideals of a state.
156
Several unsuccessful attempts have proposed the federal constitutional regulation of
specific health protection. President Franklin D. Roosevelt proposed the insertion
of a “Second Bill of Rights” on January 11, 1944, in the framework of the State
of the Union Address, which included the “right to adequate medical care and the
opportunity to achieve and enjoy good health”. President Roosevelt’s proposal
included the following rights: 1.- The right to useful and remunerative work in
the industries, trades, farms or mines of the nation, 2.- The right to an income
sufficient to provide for adequate food, clothing and recreation, 3.- The right of
every agricultural producer to grow and sell his produce and to obtain a return which
will enable him and his family to live a decent life, 4. - The right of every merchant,
large or small, to trade, internally and externally, in an atmosphere free from all
unfair competition or dominated by monopolies, 5.- The right of every family to a
decent home, 6.- The right to adequate medical care and the opportunity to attain
and enjoy good health, 7.- The right to adequate protection against economic fears
arising from age, sickness, accident or unemployment and, 8. It was conceived
as an alternative from liberal democracy to the rights of citizens, a reaction to
the desperation generated after the Great Depression. A detailed study of it can
be found in SUNSTEIN, Cass. R. (2004) The second bill of rights. FDR’s unfinished
revolution and why we need it more than ever. Basic Books. New York. Library of Congress,
90
constitutional rights are negative rights, which do not elude an implicit
constitutional protection of health. From that basis, most federal
health legislation is protected by the spending or commerce power.
From there, in the pattern of cooperative federalism, Congress can
use its spending power to drive state health protections for states over
federal mandates.
The states and their constitutions play a central role in the
protection of health, in accordance with the residual clause attributed
to them by the Constitution157, which grants them competencies in all
matters not assigned to the State. Thus, they have broad powers and
great discretion in the management of these health objectives within
their state policy. Likewise, state constitutions can integrate other
fundamental rights related to health. The constitutionalization of a
right to health protection, a guarantee of a generic individual right,
requires that it be interpreted in an interrelated manner with other rights
such as the right to personal dignity and the free development of the
personality; with the right to life and to physical and moral integrity;
with the right to ideological, religious and religious freedom and with
the right to honor, privacy and self-image. To these could be added,
as a result of the experience we are living with Covid 19, the rights
of assembly, demonstration, or public safety. From all of the above,
it can be affirmed that the protection of health is the consequence of
constitutionally guaranteeing other very personal rights. Courts have
interpreted the states’ reserved powers under the Tenth Amendment to
include police powers, such as the authority to take action in response
2004. 294 pp. A commentary on the book: SUÁREZ CROTHERS,C. (2009), Ius
et Praxis, vol 15, n.º 1, pp. 461-470. Already in the 21st century, on February 13,
2007, Congressmen Jesse L. Jackson, Jr. and Pete Stark proposed a reform of the
Constitution that defended a right to quality and equal health care. Sic. “All persons
shall enjoy the right to health care of equal high quality. 2.The Congress shall have
power to enforce and implement this article by appropriate legislation.” H.J.Res.
30 - 110th Congress: Proposing an amendment to the Constitution of the United
States regarding the right of citizens ...” www.GovTrack.us. 2007. <https://www.
govtrack.us/congress/bills/110/hjres30>
157
The Tenth Amendment to the US Constitution statesthat [t]he powers not delegated
to the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the States, are
reserved to the States respectively, or to the people
91
to a public health emergency158 (GALVA 2005, 21-22). In addition,
obligations must be articulated for the public authorities to provide
the necessary benefits and services for their effective fulfillment. The
aim of this section is to verify how State Constitutions have essentially
dealt with the right to health.
In the United States only thirteen Constitutions expressly
recognize a right to health159. The remaining States have resorted to the
constitutional protection of other subjects, especially persons without
resources or with mental illness, in order to speak of a state right to
health (North Carolina CONST. art. XI § 4). Finally, there has been a
jurisprudential construction of a right to health despite constitutional
silence (New Jersey), assuming that the preservation of health is an
“implied constitutional right” (WEEKS 2010, 1366).
158
United States: Federal, State, and Local Government Responses to COVID-19,
November 2020. https://www.loc.gov/law/help/covid-19-responses/us.php#_
ftn54
159
ALA. CONST. art. IV, § 93.12; ALASKA CONST. art. VII, § 4; ARK. CONST.
art. 19, § 19; HAW. CONST. art. IX, §§ 1, 3; ILL. CONST. pmbl.; LA. CONST. art.
XII, § 8; MICH. CONST. art. 4, § 51; MISS. CONST. art. IV, § 86; MO. CONST.
art. 4, § 37; MONT. CONST. art II, § 3; N.Y. CONST. CONST. art. 17, §§ 1, 3; S.C.
CONST. art. XII, § 1; WYO. CONST. art. 7, § 20. Chronologically, we find a wide
dispersion regarding the timing of the constitutional inclusion of these provisions,
which could determine a present wave of constitutional amendments reinforcing
this right. The earliest ones date back to the end of the 19th century, specifically
the first one in 1869. The latest correspond to the two most recent states, Alaska
and Hawaii. The impetus for constitutional reforms to regulate health was in the
late 1930s, as a result of the regulatory response to the Great Depression. That
trend took hold in the 1960s with the Great Society Era.
92
different vulnerable groups. The appellative with which it is described
also varies, from the precision of the establishment of a public health
system (Louisiana or Michigan), to its limitation to a specific health
system for very specific pathologies, such as mental disorders, or to
the use of specific therapies, such as cannabis (Missouri).
The protection of health by subnational constitutions is
configured in accordance with the Schmittian category of “institutional
guarantee”, aimed at the preservation of a certain legal institution,
formed by normative complexes, endowing it with special constitutional
protection. From this derives a specific duty to adopt certain legislation,
with freedom in the configuration of its content (BAÑO 1988, 157).
However, if we return to the field of study of reference, the American
State Constitutions, we can see that there is no uniform pattern.
Formally, the treatment of health in the state constitutions is
not in line with the regulation of a Bill of Rights, thus ensuring its
non-consideration as a fundamental subjective right, of freedom
before the State, which would place its holders in a position of
power vis-à-vis public institutions. The exception that confirms
this rule is the insertion in 1972 in the Constitution of Montana of
the consideration of health as an inalienable right, which, however,
is blurred by regulating it in conjunction with a utopian pursuit
of happiness160. Together with this generality in its recognition, it
would derive from it a negative right, which should be understood
as a prohibition for the State to interfere in the freedom of citizens
to legally protect their health, and not a positive right, equivalent to
an obligation for the public authorities to act.
Another option is to insert, exclusively, health in the preamble,
which would result in cataloging health as a value or principle to be
constitutionally achieved or inspiring the constitutional actions of
the public authorities. It would have a programmatic value, not a
normative one, and therefore it would not generate rights or duties,
MONT. CONST. ART II, § 3. “All persons are born free and have certain inalienable
160
rights. They include the right to a clean and healthful environment and the rights
of pursuing life’s basic necessities, enjoying and defending their lives and liberties,
acquiring, possessing and protecting property, and seeking their safety, health
and happiness in all lawful ways. In enjoying these rights, all persons recognize
corresponding responsibilities”.
93
but it would have an interpretative function of the rest of the articles
of the Constitution (i. e. Illinois).
Very close to this conceptual fragility with which health protection
is conceived in state constitutionalism, we can situate the cataloguing
of the health and well-being of citizens as matters of priority public
interest (Michigan or Missouri)161, a vital interest (Wyoming)162 or a
public concern (South Carolina). However, from this assumption,
the position of health in the constitutions can be strengthened if
a regulatory obligation or an organic projection is derived from it,
through the creation of an Office or Department to ensure the
implementation of this public interest.
It is along these lines that the characterization of state constitutional
regulation of health is consolidated as an institutional guarantee. From
this would derive the constitutional mandate to legislate in order to
protect and promote health. This duty to legislate in order to apply the
constitutional guarantee to health, which would give it an enforceable
character to progressively develop health protection in the respective
State, has also been approached with different degrees of obligatory
nature. As opposed to a discretionary “may” (Louisiana)163, a mandatory
“shall” (it must be done) is imposed (Alaska164, Michigan165), which
is reinforced by the express reference to the legislature’s duty to act,
in States such as Wyoming166 or Mississippi167, which pioneered the
161
MICH. CONST. ART. 4, § 5. “The public health and general welfare of the people
ofthe state are hereby declared to be matters of primary public concern”.MO.
CONST. ART. 4, § 37. “The health and general welfare of the people are matters
of primary public concern”.
162
WYO. CONST. ART. 7, § 20
163
LA. CONST. ART. XII, § 8. “The legislature may establish a system of economic
and social welfare, unemployment compensation, and public health”.
164
ALASKA CONST. ART. VII, § 4. “The legislature shall provide for the promotion
and protection of public health”.
165
MICH. CONST. ART. 4, § 51 “The legislatura shall pass suitable laws for the
protection and promotion of the public health”.
166
WYO. CONST. ART. 7, § 20. “As the health and morality of the people are essential
totheir well-being,... it shall be the duty of the legislature to protect and promote
these vital interests”.
167
MISS. CONST. ART. IV, § 86. “It shall be the duty of the Legislature to provide
by law for the treatment and care of the insane; and the Legislature may provide
for the care of the indigent sick in the hospitals in the State”.
94
introduction of this in the Constitution in 1869, although it limited
the beneficiaries of such a mandate to persons with a mental disease
and those without resources.
In essence, the definition of the state right to health in subnational
constitutions is seen as a constitutional guarantee that derives the
protection and promotion of health to the legislature. It is a mediate
constitutional right. It is directed towards the establishment of a public
health system, as expressly recognized in the Constitutions of Louisiana
(LA. CONST. ART. XII, § 8) or Michigan (MICH. CONST. ART. 4,
§ 51), understood as the promotion of health as a whole, far from
the recognition of an individual right or an enforceable obligation
to achieve a “minimun core” in the protection of health. Health care
at the individual level is deferred to the freedom of all individuals to
manage their own health care system (amendment 864, Constituion of
Alabama), which entails: the prohibition of compulsory participation
in a public or private health care system and the non-obligatory nature
of the State to provide free treatment to those who can afford it or
who have had the foresight to have health insurance168.
168
Therefore, in order to protect all its citizens, the State must – in the first instance, at
least – provide treatment without cost to the indigent. It does not follow, however,
that it must also furnish free treatment to those who are able to pay or who have
had the forethought to purchase insurance to cover the cost of hospitalization”.
Graham v. Reserve Life Insurance Co. 161 S.E.2d 485, 491 (S.C. 1968).
95
health facilities” (ALA. CONST. ART. IV § 93.12,), Occasionally, the
Constitutions also include specific health centers, on which certain
requirements and guarantees are projected, such as those that dispense
methadone, for the establishment of which the authorization of the
neighbors where it is to be installed is requested, to be requested by
referendum169. In a complementary way to this organic framework, the
constitutions pragmatically enable the resources for their financing and
sustainability. To this end, they enable fiscal and financial measures, such
as the creation of taxes aimed at subsidizing healthcare, the creation
of funds to finance healthcare (i.e. Penny Trust Fund) or the issuance
of public debt and government bonds.
Subjectively, state constitutionalism has presented a configuration
in the form of an inverted pyramid in its consolidation. Historically,
constitutions played a paternalistic, parens patriae role, providing
protection for the health of people with economic or social
problems, such as orphans or the mentally ill. The constitution of
the State of Hawaii, one of the most recent to regulate health care,
adds an extra subjective specificity to these singularized groups,
and that is “eligibility”. Another group constitutionally singled out
is that of public employees, active and retired (Amendment 441,
Constitution of Alabama or art. XIII, § 9 Constitution of Missouri).
Health insurance is regulated for them, which is protected at the
constitutional level, a policy that would be more logical to consider
in ordinary legislation, furthering the widespread conviction that
state constitutions are a container in which everything has a place. In
none of these state constitutions is a universalization of healthcare
imprinted, consistent with this negative conception of the regulation
of the right to health, whereby citizens are not obliged to participate in
Constitution of Alabama (1901): Amendment 814 DeKalb County: Health -
169
170
In the absence of such a duty, clearly mandated and expressed by the General
Assembly, we hold that no cause of action accrues in favor of a health care provider
against a county” Craven County Hosp. Corp. v. Lenoir County, 75 N.C. App. 453, 460
(N.C. Ct. App. 1985)
97
However, we cannot ignore the risks of this option, which are linked
to different deviations derived from approaches of legitimacy, outside
legality. The common denominator to all of them is that they are an
ideal filter for a populist revision of constitutions, especially state
constitutions. The so-called polycentric judicial review - “a type of
judicial review because it involves a sharing of interpretative authority
with the legislative and executive branches” (RAY 2009, 153-154) or
dialogical judicial review - “healthy partnerships between courts and
governments” (ROACH 2009, 52) which is characterized by implying
a sharing of the interpretative authority of the Constitutions and of
the rights regulated therein between the judiciary, the legislative and
executive branches are two references to be considered. This dialogic
interpretation and application of rights may be considered particularly
suitable for economic and social rights, as it reinforces democratic
legitimacy and the robustness of their application, aspiring to involve
civil society to a greater extent. However, it cannot displace the role
of the courts as guarantors subject to the regulations in force, in this
case the constitutional one, nor can it turn the courts into constituent
legislators. Nor can it dilute the role of the courts, when they become
a guarantee of the survival of the rule of law.
The conclusion is that state constitutions, while providing a
great deal of textual support for health, even stronger than federal
constitutions, have not meaningfully implied in their application greater
guarantees, deepening uncertainty (DEVLIN 1990, 901) and skepticism.
No. 77 to the Constitution of the State of Santa Catarina (Brazil) which, due to
the OVID-19 pandemic, established a “deadline for responses to requests for
information sent by the Assembly Legislative, concerning the monitoring of the fiscal
situation and budget execution and financial measures related to the confrontation
of the pandemic”.
99
3. SPAIN: A SINGULAR PATH TO FEDERALISM
100
4. The Auditing Court, with regard to financial and budgetary matters”.
7.th Finally, the Autonomous Communities participation in State
decisions through the Senate (sec. 69), legislative process (sec. 87.2 and
109) or in planning general economic activity (sec. 131.2).
Reconsidering these features we can maintain that Spain is a
“virtual federal State”, according to the meaning of virtual, “almost
or nearly as described, but not completely or according to strict
definition”. Consequently, we could consider “the federal appearance
of the Spanish Autonomous system”. The hitherto backward-looking
review of Spanish decentralization leads us to the next step. We will
try to outline the main steps to complete a fulfilled federation, the
federal transition in Spain.
In order to do so, we must first highlight that the origin of
regionalization and our virtual transformation into a federal state is
clearly driven by the pressure of certain territories (Catalonia, the
Basque Country in favor of their separation. For this reason one of
the adjectives related to our federalism is resilient, due to the need to
adapt its performance to Spanish peculiarities (SEIJAS 2017, 307).
From a formal point of view, we have two options: a constitutional
reform or a constitutional implementation in a federal sense, federal
reform versus federal mutation (according to Constitutional Law
classic term). The former option will lead us to follow the regulated
process fixed in Title X of Spanish Constitution, “too easy” if we pay
attention to the last reform of sec. 135 in 2011, against which scholars
have argued for a long time. It is important to introduce the reform
of this title including The Autonomous Communities participation
in future constitutional changes. The latter option would consist of
interpreting the Constitution and the States of Autonomy in a federal
way (“deconstitutionalization”). This option has been reinforced from
the VIII and IX Legislatures (2004-2008/2008-2011) until current
times, with the reforms of several Statutes of Autonomy (Valencia,
Aragon, Illes Balears, Catalonia, Andalucia, Castilla and León, and,
finally, Extremadura) where it was included a Charter of Rights, as
subnational Constitutions. This is the key element in our thesis. This
formal appearance as State Constitutions of Spanish Autonomous
Statutes of Autonomy is a clear signal of federalization?
101
3.2. The regulation of rights in the Statutes of Autonomy
as an indicator of federality
102
3.3. The right to health in the Spanish Statutes of Autonomy
FINAL REFLECTION
104
are socio-economic rights, the implementation of which requires an
increase in state expenditure. This decision is the responsibility of
another power, the legislature, driven in its normative function by
the executive. The vagaries of these powers, especially when they are
populist in nature, definitively condition the constitutional design of
these rights. The two options analyzed are not acceptable. The first
is to convert the state constitutions into ordinary legislation, which
deprives them of their status in the system of sources and in the federal
conception. The second is to regulate rights in a limited way, without a
framework of guarantees for their enforcement, or with dysfunctional
guarantees, as in the Spanish case. The way forward is to consolidate
these rights in the State Constitutions, which can be extended to new
rights, but limiting their regulation to an essential content and a rigorous
framework of guarantees. It is a slow process, but we must agree that
there is no room for involution.
This generic observation has been expressly noted with regard to
the statutory regulation of the right to health. The state constitutions
have made progress in its inclusion, with more or less nuances, starting
from the legal category of institutional guarantee. From there on, the
courts have been very cautious when it comes to deriving subjective
rights, individually enforceable against the public authorities. We are in
a transitional stage in view of the need for progress in this recognition.
The pandemic situation we have lived through must teach us, among
other lessons, the need to consolidate these rights within reasonable
and proportionate parameters.
The Spanish view of this regulation is not very encouraging
either. An attempt has been made to take a formal step towards
federalization, with the inclusion of catalogs of rights in the Statutes of
Autonomy. However, this exciting step forward has been left without
any real application. The Autonomous Communities do not create
fundamental rights, but they do promote policies to implement these
rights. The challenge is to raise the awareness of the legal operators
for the insertion of statutory rights in the processes, especially before
the contentious-administrative jurisdiction. An Hispanic Brennan is
neeeded. We are on the move, but destiny is waiting for us.
105
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University Press.
109
110
PROTEÇÃO E TUTELA DE MINORIAS
E GRUPOS VULNERÁVEIS NOS
CONSTITUCIONALISMOS FEDERAL E
SUBNACIONAL BRASILEIROS
Geziela Iensue174
INTRODUÇÃO
174
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora
Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Direitos Humanos, Democracia e
Jurisdição Internacional” (CNPQ/UFMS). Co-coordenadora do Grupo de Pesquisa
“Observatório Constitucional II: Direito Constitucional Subnacional” (CNPQ/
UFMS).
111
Logo, se faz imprescindívela atribuição de direitos e garantias
fundamentais próprios, especiais ou específicos – de caráter institucional
ou individual– assim como, a prescrição ao Estado dessas obrigatórias
incumbências, seja por normas internacionais, seja por normas
constitucionais federais ou subnacionais.Nesse ínterim, inúmeros são
os aspectos atinentes ao constitucionalismo subnacional175 ou estadual
pátrio quesuscitam questões complexase carentes de estudo, dentre
as quais a temática dos direitos e garantias fundamentais estaduais
voltados à proteção dos “grupos vulneráveis” e das “minorias”,e que
aqui será objeto de análise.
O presente capítulo tem por finalidade apresentar um breve
panorama acerca da tutela e proteção jusfundamental voltada às referidas
parcelas sociais nos âmbitosconstitucionaisfederal e subnacional
brasileiros. Busca evidenciar, sobretudo, a relevância das constituições
subnacionais como mecanismoscomplementares à suatutela
jusfundamental.Após uma breve introdução, a primeira parte busca
uma conceituação de“grupos vulneráveis” e “minorias”com destaque
às semelhanças e às diferenças, com vistas a melhorcompreender
tais categorias. Destaca a importância das distinções, precipuamente
no que toca à efetivação da proteção em comento, em especial, via
normatização e adoção de políticas públicas destinadas à proteção
dessas parcelas sociais vulneráveis.
A segunda parte do capítuloapresenta uma análise do texto
constitucional positivo, enquanto protetor das “minorias” (índios,
afro-brasileiros e demais grupos formadores da civilização nacional)
e dos “grupos vulneráveis” (mulheres, família, crianças, adolescentes,
jovens, idosos, presos, consumidores e pobres), enfatizando os direitos
fundamentais e os meios de garantia (defesa), que podem ser tanto
individuais, quanto coletivos e, ainda, difusos. Ressalta a necessidade
de aperfeiçoamento do sistema jusfundamental no tocante ao
reconhecimento de novos direitos, direitos específicos, especiais ou
Minoria stricto sensu como modo de diferenciar de minoria lato sensu, entendida como
177
180
SODRÉ, Muniz. Op. cit., p. 16. Equivalem às minorias “bywill” que reivindicam não
somente o direito de não-discriminação, mas também uma revisão das estruturas
sociais e de poder dominantes a partir de medidas tendentes à concretização da
igualdade de fato (WUNCHER, 2000, p. 50-51).
181
“Vulnerabilidade”, refere-se “ao efeito cumulativo de desvantagens individuais,
sociais e políticas, enfrentadas por um determinado grupo e que resulta em relações
sociais e interpessoais desiguais”. (JENSEN, 2015, p. 127).
182
Em outras palavras, é a instauração de uma seletividade com vistas a compensar
ou corrigir uma situação de vulnerabilidade de origem discriminatória ou de
desigualdade socioeconômica, cultural ou de outra natureza. São entendidas
também como discriminações positivas, as disposições orçamentárias favorecidas,
os tratamentos tributários privilegiados, as imunidades e isenções fiscais (JENSEN,
2015). No Brasil pode-se exemplificar, dentre inúmeros outros possíveis, os padrões
117
Cumpre destacar que a despeito de não existir necessariamente uma
relação de identidade conceitual entre as noções em comento, vale dizer,
“minorias” e “grupos vulneráveis”, há vários aspectos compartilhados
por seus membros, tais como, a marginalização social, a discriminação, o
preconceito, a intolerância, a violência em todas as suas formas, a carência
de recursos, de direitos e oportunidades. Assim, é urgente reconhecer
que cada forma de vida importa e garantir a todas e todos “as mesmas
oportunidades de auto-realização humana” (HÖFFE, p. 111).
Por conseguinte, enfrentadas as questões atinentes aos delineamentos
das noções “minorias” e grupos vulneráveis, conclui-sepor ora que,
embora a maioria dos autores indiquem que referidas noçõesestão
baseadas em situações de vulnerabilidades ou assimetrias sociais,
econômicas ou culturais, há distinções entre ambas as categorias
conceituais e transcendem ao mero preciosismo terminológico com
implicações e reflexos concretos. Pois, a diferenciação pode constituir um
norte ao Poder Público no tocante ao reconhecimento de direitos atinentes
às “minorias” e aos “grupos vulneráveis”, assim como à implementação
das ações e políticas públicas adequadas tendentes à proteção e tutela de
direitos de cada uma dessas parcelas sociais vulneráveis.
121
artigo 5º, incisos VI e VIII 187. Destarte, a proibição da prática do
racismo considerado, inclusive, nos termos do inciso XLII188, crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.Ressalta-se que,
com exceção a legislação voltada à tutela dos indígenas e negros, no
Brasil, a normatização da proteção sobre as demais minorias étnicas,
tais como, ciganos, judeus, dentre outros grupos minoritários, ainda
é escassa.
No que se refere à tutela e proteção aos indígenas a Constituição de
1988 se revela inovadora, vez que rompe com a repetida e problemática
visão integracionista à comunidade nacional, reconhecendo aos
índios189 o direito de manter a sua organização social, línguas, tradições,
crenças e costumes, ou seja, reconhece aos índios o “direito de ser e de
permanecer sendo índio”. Ademais, assegura o direito originário sobre as
terras que tradicionalmente ocupam190 (ARAÚJO, 2015).
É preciso salientar, quea categoria “grupos vulneráveis” alberga
inúmeras parcelas sociais sob à sua rubrica, como visto. Todavia,
por questões de espaço, a análise aqui desenvolvida se restringirá a
uma panorâmica dos principais dispositivos constitucionais atinentes
187
Art. 5º inciso VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; inciso VIII - ninguém será privado
de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-
se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei“. Cf. art.5º., incisos VI e VIII,
CFRB/88.
188
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei. Cf. art. 5º., inciso XLII, CFRB/88.
189
A expressão “índios” aqui adotada apresenta um caráter abrangente e plural,
contempla tanto os silvícolas (“primitivos”, habitantes das selvas), quanto àqueles
em processo de aculturação.
190
Cf. art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens”. O artigo 210, § 2º assegura “a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem”. Além disso, o artigo 232 determina a intervenção do
Ministério Público na defesa dos direitos e interesses dos índios. Cf. art. 231, art.
210, § 2 e art. 232, CFRB/88.
122
aos seguintes “grupos vulneráveis”, mulheres, consumidores,
presos,portadores de deficiência, pobres, família, criança,
adolescente, jovem e idoso.
No que diz respeito à proteção constitucional dos direitos e
garantias individuais às mulheres, o artigo 5º, inciso I, prevê a igualdade
entre o homem e a mulher, consagrado no princípio da paridade191 e
o inciso L, assegura tratamento digno às mães presidiárias ao garantir
as condições e permitir que possam permanecer com seus filhos
durante à amamentação.O artigo 7º, incisos XVIII, XX e XXV192
estão assegurados os seguintes direitos sociais: licença maternidade
remunerada, proteção do mercado de trabalho da mulher via ações
afirmativas e assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o
nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas.
Ademais, o inciso XXX proíbe a diferença de salários, de exercício
de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil. Além disso, o artigo 201 assegura o direito das gestantes
em ser garantida a previdência social193. Por fim, o artigo 206, § 7º,
191
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição. Cf. art. 5º, inciso I, CFRB/88.
192
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social: (...) XVIII – licença à gestante, sem prejuízo
do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XX – proteção do
mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da
lei; (...); XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento
até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (...) XXX proíbe a diferença
de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil. Art. 226. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos
para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.Cf. art. 7º, incisos XVIII, XX e XXV; art. 226,
CFRB/88.
193
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios
que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (...) II
- proteção à maternidade, especialmente à gestante. Cf. art. 201, inciso II, CFRB/88.
123
reconhece ao casal, o direito ao planejamento familiar livre baseado
na dignidade e na paternidade responsável.194
Assim, ao se ter em conta a análise da proteção dos direitos
da mulher, é preciso ressaltar o progresso histórico no que tange
à igualdade de gênero e à eliminação de discriminações odiosas.
Como visto, a Constituição vigente garante a isonomia entre homens
e mulheres no seio familiar; veda a discriminação no mercado de
trabalho baseada no sexo feminino e defere proteção à mulher por
meio de regras especiais de acesso195; reconhece a maternidade como
um direito social; assegura o direito das presidiárias de amamentar os
seus filhos; assente que o planejamento familiar é uma decisão conjunta
do casal; determina ser dever do Estado coibir a violência no âmbito
das relações familiares.196
194
A Lei n. 9.263/96 assegura que toda pessoa e o casal possa planejar de modo
livre a sua família, sem quaisquer interferências para o seu exercício dentro
do âmbito privado individual. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
CASA CIVIL. Lei n. 9.263/96, de 12 dejaneiro de 1996. Regula o § 7º do
art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l9263.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.263%2C%20
DE%2012%20DE%20JANEIRO%20DE%201996.&text=Regula%20o%20
%C2%A7%207%C2%BA%20do,penalidades%20e%20d%C3%A1%20outras%20
provid%C3%AAncias.&text=DO%20PLANEJAMENTO%20FAMILIAR-
,Art.,observado%20o%20disposto%20nesta%20Lei. Acesso em: 13 mai. 2021.
195
Ações Afirmativas ou Discriminações positivas, ou seja, prevê a adoção de medidas
especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade material entre o
homem e a mulher. São exemplos, o artigo 7º, inciso XX, e o § 3º, artigo 10 da Lei
n. 9.504/97 (Lei das Eleições) que estabelece a reserva de vagas para candidaturas
proporcionais, ou seja, reserva de no mínimo 30% e no máximo 70% de vagas
para cada sexo nas listas partidárias, com vistas a acelerar o acesso das mulheres às
instâncias representativas e aos centros de decisão política. O Brasil adota cotas para
candidaturas de mulheres em nível municipal desde 1995, a Lei n. 9.100/95 previa
que 20% (vinte por cento), no mínimo, da lista de cada partido ou coligação deveria
ser preenchida por candidaturas de mulheres. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
CASA CIVIL. Lei n. 9.504, de 30 desetembro de 1997. Estabelece normas para
as eleições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm.
Acesso em: 13 mai. 2021.
196
Observa-se que a proteção constitucional é complementada pelos avanços e
conquistas positivados na legislação infraconstitucional e nas Constituições
Estaduais, estas últimas serão objeto de análise no próximo item. Quanto à proteção
infraconstitucional, destacam-se o novo Código Civil (Lei 10.406/02), a Lei 8.093/94
124
A obrigatoriedade de tutela e defesa do consumidor aparece
pioneiramente no texto constitucional de 1988, tendo em vista à
ausência de acento da matéria em Constituições anteriores. O legislador
constituinte dispõe expressamente no artigo 5º, inciso XXXII197, que é
dever do Estado a promoção da defesa do consumidor e a criação de
norma infraconstitucional destinadaà tutela do consumidor.
O artigo 48 da Lei Maior em suas Disposições Transitórias
determinou ao Congresso Nacional a elaboração em um prazo de 120
dias, de um Código de Defesa do Consumidor, cuja aprovação somente
ocorreu em 11 de setembro de 1990 por meio da promulgação da Lei
8.078/90.198A Constituição estabelece também no artigo 24, incisos
V e VIII, que compete a União, Estados e Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre a produção e o consumo, bem como acerca
da responsabilidade por danos ao consumidor.199
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
210
211
Mais uma inovação da CF/88 em relação às Cartas constitucionais anteriores ao
criar a Defensoria Pública enquanto “instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Cf. art. 134, CFRB/88.
212
Segundo os dados da síntese de indicadores sociais produzida pelo IBGE, em
2020 havia por volta de 52 milhões de brasileiros vivendo na pobreza (com renda
de US$ 5,50 por dia/ até R$ 436 por mês) e 13,7 milhões de pessoas em situação de
extrema pobreza (àqueles que vivem com US$ 1, 90 por dia/ R$ 151 por mês). A situação
é mais crítica no Maranhão, que tem um a cada cinco moradores na indigência, seguida
pelos Estados de Acre, Alagoas, Amazonas e Piauí.Síntese de indicados sociais: uma
análise das condições de vida da população brasileira: 2020 / IBGE, Coordenação
de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf. Acesso em: 4 de
Mar.de 2021.
213
Art. 201. § 12. Lei instituirá sistema especial de inclusão previdenciária, com
alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda, inclusive os
que se encontram em situação de informalidade, e àqueles sem renda própria que
se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência,
desde que pertencentes a famílias de baixa renda. Cf. art. 201, § 12, CFRB/88.
130
Nesse sentido, o artigo 213, § 1º214, faculta à destinação de bolsas
de estudo para o ensino fundamental e médio, àquele estudante que
comprovar insuficiência de recursos, quando houver ausência de
vagas em cursos regulares da rede pública no local de sua residência.
Destarte, o artigo 203, inciso V, dispõe acercada concessão do benefício
assistencial215 à pessoa com deficiência e ao idoso acima de 65 anos
que vivenciam estado de pobreza/necessidade, garantia constitucional
regulamentada pela Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social)216.
A Constituição Federal de 1988 alberga a tutela à Família, à
Criança, ao Jovem e ao Idoso, no Capítulo VII, do Título VIII.
Segundo expressamente dispõe o artigo 206, a Família é considerada o
núcleo-base social, e faz jus à uma proteção estatal especial. No âmbito
da sociedade conjugal os direitos e deveres devem ser exercidos em
paridade entre homens e mulheres, deve-se também ser considerados
em igualdade de direitos e qualificações os filhos, havidos ou não da
214
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo
ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em
lei, que: (...) § 1º. Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a
bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que
demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos
regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder
Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
Cf. art. 213, § 1º, CFRB/88.
215
O Benefício Assistencial (ou Benefício de Prestação Continuada – BPC) é a
prestação paga pela previdência social que visa garantir um salário-mínimo mensal
para pessoas que não possuam meios de prover à própria subsistência ou de
tê-la provida por sua família. Pode ser subdividido em Benefício Assistencial ao
Idoso, concedido para idosos com idade acima de 65 anos que vivenciam estado
de pobreza/necessidade e no Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência,
destinado às pessoas com deficiência que estão impossibilitadas de participar e
se inserir em paridade de condições com o restante da sociedade e que também
vivenciam estado de pobreza/necessidade. Além disso, após a aprovação do
Decreto n. 8.805/2016, passou a ser requisito obrigatório para a concessão do
benefício a inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico).
216
BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro
de 1993.Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742compilado.htm.
Acesso em: 04 Mar. 2021.
131
relação de casamento ou por adoção, vedadas quaisquer designações
discriminatórias atinentes à filiação217.
O artigo 227 consagra os princípios constitucionais da absoluta
prioridade e da proteção integral ao dispor taxativamente ser dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança, ao Adolescente218
e ao Jovem219, prioritariamente, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária220, assim
217
Cf. artigo 227, caput e §6º, CFRB/88, respectivamente.
218
A proteção infraconstitucional da criança e do adolescente dá-se de maneira
inovadora com a promulgação da Lei n. 8.069/90, denominado de Estatuto da
Criança e Adolescente. O ECA regulamenta os princípios constitucionais da
prioridade absoluta e da proteção integral de crianças (até 12 anos incompletos)
e adolescentes (12 e 18 anos), calcados num modelo de desenvolvimento que
prioriza a defesa, a garantia e a promoção dos direitos desse grupo vulnerável
no Brasil. BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Lei n. 8.069, de 13
dejulho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8069.htm Acesso em: 05 de mar. 2021.
No plano internacional, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
de 1989, reconhece uma interpretação mais abrangente que a norma interna,
à categoria “criança”, vez que, seu artigo 1º, considera “criança” todo ser
humano menor de 18 anos, reconhecendo-a como sujeito de direitos. BRASIL.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro
de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso
em: 05 Mar. 2021.
219
A Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013, conhecida como Estatuto da Juventude
regulamenta os direitos dos jovens (pessoas entre 15 e 29 anos de idade), os
princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional
de Juventude (Sinajuve). O Estatuto garante inúmeros direitos, tais como, o
direito à saúde, à educação, cultura, esporte, trabalho e outros, levando-se em
conta as necessidades, as trajetórias e diversidades dos jovens. Ademais, tem-
se revelado um importante marco norteador ao estabelecimento das políticas
públicas à juventude. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei n.
12.852, de 5 deagosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe
sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de
juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm.
Acesso em: 05 mar. 2021.
220
O artigo 227, § 3º, dispõe expressamente que o direito a proteção especial destinada
à criança, ao adolescente e ao jovem, compreende os seguintes aspectos: i) idade
132
como salvaguardá-los de toda forma de violência, crueldade, exploração,
negligência e discriminação221.
Assim, pode-se afirmar que o princípio da proteção integral
consagrado pelo texto constitucional, reconhece a criança e ao
adolescente como sujeitos ou titulares de direitos, dotados de absoluta
prioridade, devendo ser respeitada a sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Além disso, impõe a corresponsabilidade
da família, do Estado e da sociedade, no que tange à promoção,
garantia e efetivação dos direitos e garantias fundamentais, para além
dos de qualquer adulto, dos direitos específicos decorrentes de sua
condição, prioritariamente, por meio de um tratamento preferencial
e de políticas de inclusão. O Estado deve garantir formas de coibir a
violência intrafamiliar222. Ademais, prevê ainda, o direito à assistência
materno-infantil223. Observa-se ainda que os pais têm o dever de
prestar assistência, criar e educar os filhos menores, assim como os
filhos maiores têm o dever de auxílio e amparo dos pais, na velhice e
em situações de carência ou enfermidade224.
O texto constitucional impõe também à família, à sociedade e ao
Estado o dever de proteção aos idosos, assegurando-lhesa participação
mínima de 14 anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º ,
XXXIII (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, a menores de 18
anos, e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir dos 14 anos) ; ii) garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; iii)
garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; iv) garantia
de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade
na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo
dispuser a legislação tutelar específica; v) obediência aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; vi) estímulo do
Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos
termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente
órfão ou abandonado; vii) programas de prevenção e atendimento especializado
à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
Cf. art. 227, § 3º, CFRB/88.
221
Cf. artigo 227, § 1º, CFRB/88. Além disso, o artigo 227, § 4º, estabelece que a
lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do
adolescente.
222
Cf. art. 226, § 8º, CFRB/88.
223
Cf. art. 227, inciso I, da CFRB/88.
224
Cf. art. 229, caput, CFRB/88.
133
na comunidade, garantindo-lhes o direito à vida, a dignidade e o bem-
estar. O artigo 230, em seu § 1º preceitua que os programas de amparo
aos idosos devem ser executados preferencialmente em seus lares. O
§ 2º do mesmo dispositivo garante aos maiores de sessenta e cinco
anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. O idoso ainda
faz jus, nos termos da lei, ao recebimento de um salário-mínimo de
benefício mensal, quando comprovado não possuir meios de garantir
a sua própria manutenção ou de tê-la provida por seus familiares225,
como já visto.No contexto, cabe mencionar, embora não constitua
um benefício constitucional expressamente assegurado, o benefício
do auxílio emergencial que visa fornecer proteção emergencial (aos
desempregados)226 no período de enfrentamento à crise causada pela
pandemia do Coronavírus (COVID-19).
Por fim, destaca-se que, embora os mandamentos constitucionais
assegurem direitos e garantias fundamentais aos grupos vulneráveis
e às minorias aqui brevemente apresentados, no Brasil, ainda são
marcantes os atos de preconceito, discriminação, intolerância e todas
as formas de violência perpetradas pelo Estado ou sociedade civil, que
atingem inúmeras outras parcelas sociais, tais como, os LGBTQIA+,
os estrangeiros, os defensores de direitos humanos, dentre outros.
É urgente a garantia das liberdades fundamentais básicas ligadas à
identificação, à personalidade, ao nome social, o acesso à informação
e à justiça, assim como a necessária adoção de políticas públicas227
225
Cf. art. 203, V, in fine, CFRB/88.
226
Tem direito ao recebimento do benefício a pessoa maior de 18 anos, ou mãe com
menos de 18 anos, que esteja desempregada ou exerça atividade na condição de
microempreendedor individuai (MEI), contribuinte individual da Previdência Social,
trabalhador informal; que pertença à família cuja renda mensal por pessoa não
ultrapasse meio salário-mínimo (R$ 522,50), ou cuja renda familiar total seja de até
3 (três) salários-mínimos (R$ 3.135,00).
227
As ações do projeto “Territorialização e Aceleração dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável” em 2019/2020 contemplaram um conjunto de
iniciativas em 16 Estados do Brasil, com a participação de 116 municípios. O projeto
é resultado de uma parceria entre a Petrobrás e o Programa para o Desenvolvimento
das Nações Unidas (PNUD) com vistas a colaborar com o fortalecimento de políticas
públicas sustentáveis locais. BRASIL. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO. Territorialização e Aceleração dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/124774-
projeto-de-aceleracao-dos-ods-avanca-em-municipios Acesso em 13 mai. 2021.
134
de acesso à educação, à saúde e ao emprego digno, o aumento da
representatividade em instâncias de poder e prestígio, o acesso e a
regularização do acesso à terra (demarcações e quilombolas), e à
preservação da identidade e patrimônio cultural, de maneira suficiente
e adequada à tutela e proteção de todos/as aqueles/as que compõem
as distintas “minorias” e os “grupos vulneráveis” no país.
136
(Rio Grande do Sul, art. 220, § único), proteção ao grupo social
formador da sociedade brasileira ou local (Acre, artigos 201, § 2º; 202;
Roraima, art. 159). Três Constituições, a saber, Constituição do Estado
do Pará, artigo 286 § 2°; Constituição da Paraíba, artigos 252A e B;
e Constituição de Goiás, art. 16, ADCT, estabelecem expressamente
a proteção aos quilombolas; e apenas uma, a Constituição do Estado
da Paraíba, dispõem nos artigos 252A e B, alguma tutela protetiva aos
ciganos (SAMPAIO, 2019).
Por sua vez, no tocante à proteção ao grupo vulnerável
“mulheres”, nota-se umaqueem todas as Constituições Estaduais,
inclusive, na Lei Orgânica do Distrito Federal, à guisa da norma
constituição federal, o resguardo à paridade de gênero, ao acesso
ao mercado de trabalho e à maternidade. Especificamente, no que
diz respeito à proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, algumas
Constituições Estaduais (Amapá, artigo 265; Bahia, artigo 282, III;
Goiás, artigo 153, XIV; Minas Gerais, artigo 190, X; Paraná, artigo
176),por sua vez, asseguram o direito de assistência à interrupção da
gravidez, nas hipóteses admitidas por lei.
A Constituição do Estado do Parágarante no artigo 299, inciso IV,
o acesso gratuito aos métodos contraceptivos naturais ou artificiais. E a
do Estado do Amazonas faculta a mulher a livre opção pela maternidade
assegurando no artigo 186, §1º e § 2º, o direito à assistência ao pré-
natal, parto e pós-parto, o direito de evitar e interromper a gravidez
sem prejuízo à sua saúde, nos casos previstos em lei. Os textos das
Constituições do Rio de Janeiro e de São Paulo, são expressos quanto
à garantida da “autorregulação da fertilidade como livre decisão da
mulher, do homem ou do casal, tanto para procriar como para não o
fazer” (artigo 35 e artigo 223, X, respectivamente).
A Constituição do Piauí estatui a isonomia de direitos entre a mãe
biológica e a adotante, de acordo com o disposto no artigo 252, segundo
o qual “são assegurados às mães adotivas os mesmos direitos garantidos
às mães legítimas, inclusive o de licença maternidade, na forma da lei”.
Ademais, ambas as Constituições dos Estados do Amapá (artigo 330)
e de Mato Grosso do Sul (artigo 254) asseguram à proteção a imagem
social da mulher, “em igualdade de condições com o homem”. A
Constituição pernambucana, por sua vez, impõe como dever do Estado
137
promover e assegurar práticas que estimulem o aleitamento materno
(artigo 223); por fim, A Lei Orgânica do Distrito Federal estatui no
artigo 276, inciso V, a criação e a execução de programas que visem a
assistir gestantes carentes.
Especificamente quanto à questão da violência contra a mulher,
no âmbito privado e familiar e no trabalho, 18 Constituições Estaduais
estabelecem o dever estatal de proteção. São elas: Acre, art. 209 § 2º;
Amapá, art. 329, III; Maranhão, art. 251, II; Piauí, art. 248, § 7º; Rio
Grande do Norte, art. 155; Ceará, art. 185; § 4º; Bahia, art. 281; Distrito
Federal, art. 276; Goiás, art. 170, I; Tocantins, art. 121, § único, I(a);
Mato Grosso, art. 233; Mato Grosso do Sul, art. 253;Minas Gerais, art.
221, § único, III; Espírito Santo, art. 98; Rio de Janeiro, art. 33; Paraná,
art. 215, II; Santa Catarina, art. 186, § único, III e; Rio Grande do Sul,
art. 194 (SAMPAIO, 2019).
Algumas constituições como a do Estado do Rio Grande do Sul
(artigo 139), estabelecem ainda que “todo estabelecimento prisional
destinado a mulheres terá, em local anexo e independente, creche
atendida por pessoal especializado, para menores de até seis anos de
idade (artigo 139). No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Distrito
Federal obriga que o estabelecimento prisional destinado a mulheres
possua creche em tempo integral para os filhos das presidiárias de
zero a seis anos, bem como assegura o direito à amamentação até
completarem, no mínimo, 12 meses de idade” (artigo 123, LODF).
No que se refereà proteção à Família, Criança, Adolescente,
Idosos, Deficientes e Pobres todas as vinte e seis (26) cartas
constitucionais mais a Lei Orgânica do Distrito Federal estabelecem
uma ampla tutela jurídica às referidas parcelas sociais, algumas inclusive,
o fazem em capítulo específico.Há previsão de uma série de direitos
individuais e sociais e de adoção de políticas públicas voltados à tutela
dos membros dessas parcelas vulneráveis. Não obstante, como se verá,
há uma repetição, identidade, ou quase identidade com o rol de direitos
e garantias federal,destacando-se, portanto, o reconhecimento desses
direitos e garantias, e a sua pormenorização pelas ordens constitucionais
subnacionais.
A Constituição do Estado do Amazonas assegura a necessidade
de integração do idoso à comunidade, por meio do acesso a serviços
138
e programas culturais, educacionais, recreativos, inovando quanto à
garantia de reserva de áreas em conjuntos habitacionais destinados
a convivência e lazer; à progressiva extensão da gratuidade do
transporte coletivo urbano às pessoas com idade entre 60 e 64 anos;
ao atendimento e orientação jurídica no que se refere a seus direitos
(272, incisos I, II, III e IV).
Destacam-se ainda, à proteção e defesa aos segmentos da
população de baixa renda, por meio da criação pelo Poder Público
amazonense de alojamento e apoio técnico e social para mendigos,
gestantes, egressos de prisões ou de manicômios, portadores de
deficiência, migrantes e pessoas vítimas de violência doméstica e
prostituídas (artigo 218); b) gratuidade de sepultamento e dos meios
e procedimentos a ele necessários.
A Constituição paraense, prevê o dever estatal de assegurar
a gratuidade em todos os processos e procedimentos judiciais e
extrajudiciais, inclusive expedição de documentos, quando de interesse
de criança, adolescente, jovem e idoso carente (artigo 271, inciso III).
E, a Constituição do Estado de Rondônia, em seu artigo 17, estabelece
direito fundamental estadual e/ou específico em favor das pessoas com
deficiência, ao prever para elas o direito ao transporte público gratuito.
Destarte, a constituição pernambucana garante proteção à
família, à natalidade, amparo às crianças, aos adolescentes e aos idosos
carentes; garante ainda, a gratuidade nos transportes coletivos, urbanos
e intermunicipais, aos portadores de perda total da acuidade visual,
bem assim às pessoas incapacitadas de se locomoverem por si só, seja
por deficiência física ou psicológica; o acompanhamento e orientação
aos superdotados e paranormais; a proteção, orientação e amparo ao
migrante, facilitando sua adaptação e a gratuidade dos serviços funerais
aos comprovadamente carentes (273, incisos II, VII, VIII e IX). A
Constituição pernambucana prevê a proteção aos necessitados, ao
menor abandonado ou desvalido, aos idosos, apresentado novidade
quanto à proteção ao superdotado e ao paranormal (artigo 174).
A Constituição do Maranhão, por sua vez, veda o contingenciamento
das dotações orçamentárias especificamente consignadas para a
educação, a saúde e a assistência social de crianças e adolescentes,
bem assim de manutenção dos Conselhos de Direitos da Criança e
139
do Adolescente e da Assistência Social, como também dos Fundos
a eles vinculados (artigo 252, parágrafo único). A Constituição do
Ceará também inova ao considerar prioritária dentre todas as políticas
governamentais, a redução das taxas de mortalidade infantil em
conformidade com os índices aceitáveis pela Organização Mundial
de Saúde (artigo 280).
Na mesma senda de novidade, aConstituição baiana assegura a
todos o direito dos serviços de água, esgoto e energia elétrica, proibida
a suspensão de tais serviços para àqueles que comprovadamente sejam
considerados incapazes de pagar pelos referidos serviços públicos
essenciais (artigo 4º, inciso VI); na mesma senda, a Constituição do
Estado do Sergipe garante os serviços essenciais à saúde, higiene ou
educação independentemente da disposição de recursos financeiros
(artigo 3º, inciso I).
A ordem constitucional fluminense, prevê a gratuidade dos
serviços públicos estaduais de transporte coletivo às pessoas
portadoras de doença crônica, que exija tratamento continuado e
cuja interrupção possa acarretar risco de vida e aos deficientes com
reconhecida dificuldade de locomoção (artigo 14, incisos I e II). Já a
Constituição paulistana estatui a implantação do atendimento integral
aos portadores de deficiência, de modo regionalizado, descentralizado
e hierarquizado, “abrangendo desde a atenção primária, secundária
e terciária de saúde, até o fornecimento de todos os equipamentos
necessários à sua integração social” (artigo 223, IX).
No mesmo sentido, a Constituição doEspírito Santo expressamente
dispõe no artigo 200, § 1º, que o Estado promoverá conjuntamente com
as entidades não-governamentais, ações de tratamento e de reabilitação
da pessoa com deficiência via sistema estadual de saúde, devendo
“incluir o fornecimento de medicamentos, órteses e próteses como
ação rotineira, com garantia de encaminhamento e atendimento em
unidades especializadas, quando necessário”. A norma constitucional
estadual catarinense, após assegurar os direitos e garantias individuais
e coletivos estabelecidos na Constituição Federal em seu art. 4º, caput,
estatui no inciso II, alínea “d” do mesmo dispositivo, o direito à
gratuidade para os reconhecidamente pobres, ao registro e certidão
de adoção do menor.
140
A Constituição paranaense também inova ao prever em seu artigo
218, que o “Estado subsidiará a família ou pessoa que acolher criança
ou adolescente órfão ou abandonado, sob forma de guarda deferida e
supervisionada pelo Poder Judiciário (...)”. Do mesmo modo, o artigo
225 assegura ao “adolescente carente, vinculado a programas sociais ou
internado em estabelecimento oficial, que esteja frequentando escola
de primeiro ou segundo graus, ou de educação especial”, o direito
a estágio remunerado em instituições públicas estaduais, a título de
iniciação ao trabalho.
De igual modo, é recorrente a previsão de normas constitucionais
estaduais e distrital destinadas à tutela e proteção aos presos e do
sistema prisional. Constituem exemplos as Constituições do Estado
do Amazonas (artigo 3º, §§ 11 e 12); Minas Gerais (artigo 4º, § 7º);
Piauí (artigo 5º, §§ 7º e 8º); Rio de Janeiro (artigo 272); Mato Grosso
(artigo 10, inciso XV); Santa Catarina (artigo 4º, inciso III).
A defesa do consumidor aparece expressamente em praticamente
em todas as constituições estaduais brasileiras, algumas inclusive
dispõem de um capítulo específico sobre a temática, v.g., a Constituição
do Amapá (Capítulo VIII) e do Pará (Capítulo III). A Lei Orgânica
do Distrito Federal, estabelece que a ordem econômica do Distrito
Federal fundada no primado da valorização do trabalho e das atividades
produtivas, deve observar entre outros princípios, o princípio da
defesa do consumidor (art. 158, V). A Constituição Fluminense, por
sua vez, em seu artigo 63 assegura que o consumidor tem direito
à proteção do Estado228. Há na Constituição paraense previsão de
garantias específicas/estaduais no tocante à tutela do consumidor
consoante a redação do artigo 294, inciso III, que impõe ao Estado
o dever de promover a defesa do consumidor, “adotando, dentre
outros, os seguintes instrumentos: (...) III - assistência judiciária para
231
Artigo 10 da Constituição de Mato Grosso, assim dispõe que: O Estado de Mato
Grosso e seus Municípios assegurarão, pela lei e pelos atos dos agentes de seus
Poderes, a imediata e plena efetividade de todos os direitos e garantias individuais e
coletivas, além dos correspondentes deveres, mencionados na Constituição Federal,
assim como qualquer outro decorrente do regime e dos princípios que ela adota,
bem como daqueles constantes dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte, (...) . Cf. art. 10 CEMT, 1989.
232
A Constituição do Estado do Espírito Santo dispõe que: “o Estado e os Municípios
assegurarão, em seu território e nos limites de sua competência, a plenitude e a
inviolabilidade dos direitos e garantias sociais e princípios previstos na Constituição
Federal e nos tratados internacionais vigentes em nossa Pátria, inclusive as
concernentes aos trabalhadores urbanos, rurais e servidores públicos, bem como os
da vedação de discriminação por motivo de crença religiosa ou orientação sexual”.
Cf. art. 12, CEES, 1989.
143
Observa-se, por oportuno, que alguns dispositivos constitucionais
subnacionaisforam objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade
- ADIs, sendo inclusive, declarados inconstitucionais pela Suprema
Corte Brasileira.233 Destarte, a Constituição Federal de 1988 impõe que
o reconhecimento de direitos fundamentais pelos textos constitucionais
subnacionais deve observar a questão da repartição de competências
prevista nos artigos 22, 24 e 25. Assim, o poder constituinte decorrente
encontra limitações nos parâmetros normativos federais.
Nessa toada, é urgente o reconhecimento, a proteção e a
concretização das liberdades fundamentais básicas ligadas à existência,
à identificação, à personalidade, ao nome social, o acesso à informação
e à justiça, o aumento da representatividade em instâncias de poder
e prestígio, o acesso e a regularização do acesso à terra (demarcações
e quilombolas), bem como a adoção de políticas públicas de acesso à
educação, à saúde e ao emprego digno,e à preservação da identidade
e patrimônio cultural a todas e todos. Portanto, embora o federalismo
brasileiro seja reputado centralizador, sustenta-se aqui, que os entes
subnacionais podem e devem constituir um espaço de proteção e tutela
às distintas parcelas sociais vulneráveis no país.
145
Negros) e aos “grupos vulneráveis” (Família, Crianças, Adolescentes,
Jovens, Idosos, Mulheres, Consumidores, Presos, Pobres, Portadores
de Deficiência). Ademais, taisparcelas sociais fazem jus à proteção
como forma de garantir o respeito à dignidade humana, inerente à sua
humanidade, sendo esta, inclusive, um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil de 1988 (art. 1º, III, da CRFB).
Quanto à panorâmica desenvolvida junto ao direito estadual
subnacional, pode-se observar que a proteção aos grupos vulneráveis
e às minorias se inseremprecipuamenteno âmbito dos Títulos sobre
os direitos e as garantias individuais (em quase dois terços das ordens
constitucionais subnacionais), e está presente, em menor número (cerca
de um terço delas) nos títulos cujas matériasse relacionam com a ordem
econômica e social, ao meio ambiente e temas correlatos.
A análise evidenciou que, as ordens constitucionais subnacionais
apresentam uma proteção pormenorizada em relação à ordem federal,
no que tange à paridade de gênero, ao combate à discriminação e à
violência contra a mulher, alguns textos, inclusive, salvaguardam os
direitos sexuais e reprodutivos, e o direito à interrupção da gravidez,
nas hipóteses legais permitidas.
Destarte, a maioria das constituições estaduais brasileiras contemplam
dispositivos que destacam a importância da contribuição dos indígenas e
dos afro-brasileiros à formação identitária e cultural nacional. No tocante
à proteção à Família, Criança, Adolescente, Idosos, Deficientes e Pobres,
em geral, todas as vinte e seis (26) cartas constitucionais mais a Lei
Orgânica do Distrito Federal, contêm um considerável rol de direitos e
garantias fundamentais, várias, inclusive, com capítulos e títulos exclusivos
destinados à salvaguarda dos referidos grupos vulneráveis.
Ademais, se pode observar que algumas constituições estaduais trazem
em seu bojo uma espécie de cláusula de abertura e/ou de reenvio ou cláusula
geral de reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais
federais, análoga à contida no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de
1988. Portanto, sustenta-se que, o rol federal de direitos e garantias constitui
um standard mínimo de direitos, passível de ampliação e complementação
pelas ordens jurídicas subnacionais e internacionais.
Em termos gerais, pode-se verificarque a despeito da relativa
criatividade de algumas ordens constitucionais subnacionais, não há
146
um avanço significativo no que tange ao sistema de proteção e tutela
voltada às minorias e aos grupos vulneráveis.Pois, na maioria das vezes,
as disposições constitucionais estaduais repetem(ou seja, por mera
imitação, identidade ou quase-identidade)a proteçãojusfundamental
conferida pela Constituição Federal 1988.
E,quando as Constituições estaduais inovam, o fazem notadamente,
ao detalhar matérias de competência concorrente (tais como,direitos
sociais e culturais, proteção à infância, à juventude, aos portadores
de deficiência, às mulheres e aos idosos), pouco modificando, aliás,o
sistema de direitos e garantias constitucional federal. Além disso,
pode-se constatar que alguns dispositivos constitucionais subnacionais
que reconheceram direitos e garantias específicas,foram objeto de
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) sendo declarados
inconstitucionais pela Suprema Corte Brasileira.
Destacou-se a necessidade de aperfeiçoamento do âmbito de
proteção constitucional federal no tocante ao reconhecimento de
novos direitos, direitos específicos, especiais ou próprios, assim
como à ampliação e inclusão de novas parcelas sociais. A análise
também revelou o restrito número de textos estaduais que estendem
à tutela jurídica à outras minorias e grupos vulneráveis transcendendo
raramente àqueles protegidos pela ordem federal.
Por fim, constatou-se que a Constituição Federal de 1988
impõe o reconhecimento de direitos fundamentais pelos textos
constitucionais subnacionais com observância à questão da repartição
de competências prevista nos artigos 22, 24 e 25. Assim, o poder
constituinte decorrente encontra limitações nos parâmetros normativos
federais. Por conseguinte, embora o federalismo brasileiro seja reputado
centralizador, os entes subnacionais podem e devem constituir um
espaço de proteção e tutela adequada e suficiente às “minorias” e aos
“grupos vulneráveis” existentes no país.
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154
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS
BRASILEIRAS
José Adércio Leite Sampaio234
Christiane Costa Assis235
1. INTRODUÇÃO
2. A P O N TA M E N TO S S O B R E O F E D E R A L I S M O
BRASILEIRO
O Distrito Federal detém essa autonomia: “A Lei Orgânica [do Distrito Federal]
236
237
Distinção assumida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional da Itália (2007) e
da Espanha. Se, em 2007, chegou o TC espanhol a considerar que os estatutos das
autonomias eram produto de um procedimento “constituinte” complexo, envolvendo
a comunidade autônoma e o Estado, compondo o “bloco de constitucionalidade”;
em 2010, considerou-os “leis orgânicas” se a hierarquia necessária a integrar aquele
bloco (ESPANHA, 2007 e 2010). Na Itália, a situação seria a mesma: os estatutos
não seriam Constituições: DELLEDONE; MARTINICO, 2009.
238
A Constituição sul-matogrossense faz menção como fundamentos ao respeito
aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, à dignidade da
pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, II a
IV) e, como objetivos fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária,
sem quaisquer formas de discriminação; e garantir o desenvolvimento estadual;
III - reduzir as desigualdades sociais. (art. 3º, I e III).
239
Assim, em Alagoas (Art. 2º É finalidade do Estado de Alagoas, guardadas as diretrizes
estabelecidas na Constituição Federal, promover o bem-estar social, calcado nos
princípios de liberdade democrática, igualdade jurídica, solidariedade e justiça,
cumprindo-lhe, especificamente: I – assegurar a dignidade da pessoa humana, mediante
a preservação dos direitos invioláveis a ela inerentes, de modo a proporcionar idênticas
oportunidades a todos os cidadãos, sem distinção de sexo, orientação sexual, origem,
raça, cor, credo ou convicção política e filosófica e qualquer outra particularidade ou
condição discriminatória, objetivando a consecução do bem comum); São Paulo (artigo
2º: A lei estabelecerá procedimentos judiciários abreviados e de custos reduzidos para as
ações cujo objeto principal seja a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais);e
158
distinto de alguns que a fazem como Paraná240, Rio Grande do Sul241
e Roraima242, além do Distrito Federal (art. 3º, I). As consequências
práticas, ao fim, são as mesmas.
A referência à Constituição federal pode, portanto, cingir-se à
definição dos direitos consagrados como elemento principiológico,
objetivo ou de fundamento do estado (Paraná, Rio Grande do Sul
e Roraima) ou do Distrito Federal. Em quatorze, todavia, dedica-se
um capítulo ou título ao assunto: Amazonas, Bahia, Espírito Santo,
Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande
do Norte, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. A técnica
constituinte de capítulo ou título próprios, por sua vez, pode não
importar mais que a mera remissão à Constituição federal.
No Maranhão, por exemplo, o Título II sobre “Direitos e
Garantias Fundamentais”, contém dois artigos, um, realmente,
relacionado a direitos (“é assegurada, no seu território e nos limites de
sua competência, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais,
nos termos da Constituição Federal” - art. 4º). O outro trata de
proibições federativas semelhantes às que se encontram no Art. 19
da Constituição federal243. Assim também em Roraima, o Título II
em Tocantins (art.. 2º, I - garantir os direitos dos indivíduos e os interesses da
coletividade e, ainda, a defesa dos direitos humanos e da igualdade, combatendo
qualquer forma de discriminação); e no Mato Grosso do Sul (art. 1º O Estado de
Mato Grosso do Sul tem como fundamentos: I - a preservação da sua autonomia
como unidade federativa; II - o respeito aos princípios fundamentais estabelecidos
na Constituição Federal; III - a dignidade da pessoa humana).
240
Art. 1°. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa
do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo
político e tem por princípios e objetivos: I - o respeito à unidade da Federação, a
esta Constituição, à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias
fundamentais por ela estabelecidos.
241
Art. 1º - O Estado do Rio Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma
indissolúvel, da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de
sua autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos individuais,
coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e reconhecidos pela
Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de seu território.
242
A remissão, em Roraima, é apenas à igualdade: “Art. 4º Todos são iguais perante a
Lei, nos termos da Constituição Federal”.
243
Art. 5º - É vedado ao Estado e ao Município: I – estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter, com eles ou
159
é dividido em dois Capítulos, cada um com um artigo. No primeiro,
dispõe-se que todos são iguais perante a lei nos termos da Constituição
federal (art. 4º); no outro, proclama-se que são “direitos sociais: a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma do disposto na Constituição Federal” (art. 5º).
Alguns textos, que fazem remissão à Constituição federal,
dedicam-se a resguardar os direitos dos presos (Amazonas, art. 3º, §§
11 e 12; Bahia, art. 4º, X a XIV; Minas Gerais, art. 4º, § 7º; Paraíba, art.
3º, §§ 8º e 9º; Piauí, art. 5º, §§ 7º e 8º; Rio Grande do Norte, art. Art.
4°; Rio de Janeiro, art. 27244; Santa Catarina, art. 4º, III245; Sergipe, art.
3º, §§ 7º a 10º) e prevenir e reprimir abuso da polícia (Sergipe, art. 3º,
VI; Mato Grosso, art. 10, XV); a reforçar a vedação de discriminação
das pessoas por origem, raça, cor, gênero, orientação sexual, crença
religiosa ou convicção política ou filosófica (Espírito Santo, art. 3º, §
único; Paraíba, art. 3º, § 3º; Mato Grosso, art. 10, III; Rio de Janeiro,
art. 9º, § 1º; Santa Catarina, art. 4º, IV; Sergipe, art. 3º, II)246, por vínculo
ou relação político-partidária (Rio Grande do Norte, art. 6º247) ou por
litigar contra o estado (Amazonas, art. 3º, § 8º; Bahia, art. 4º, IV; Mato
Grosso, art. 10, V; Minas Gerais, art. 4º, § 3º; Pará, art. 5º, § 3º; Piauí,
art. 5º, § 3º; Rio de Janeiro, art. 18; Sergipe, art. 3º, XXI);
Está também previsto o respeito do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade (Pará, art. 4º); à intimidade (Rio
164
O direito do consumidor, da criança, do adolescente, do idoso e a
proteção ao meio ambiente, de regra, como um direito fundamental, são
encontrados em todas as Constituições dos estados. Chama a atenção,
ainda, o apelo à diversidade social e às minorias. Há dispositivo de
proteção às comunidades indígenas em quase todas elas, com exceção
do Ceará, Minas Gerais e Piauí. No Rio Grande do Norte, restringe-se
às suas manifestações culturais (143,§ 1°). No Distrito Federal, impõe-
se que sejam estudadas nas escolas as lutas dos índios nos processos
históricos (art. 235, § 3º). No Amazonas, a expressão é mais adequada
à realidade local, falando-se em “povo da floresta” (Cap. XIII). É no
Amazonas também que se trata da população ribeirinha e “grupos
nativos extrativistas” (Cap. XIII, art. 251). Os quilombolas ganham
algum nível de proteção em pelo menos três Constituições (Pará, art.
286 § 2°; Paraíba, arts. 252A e B; e Goiás, art. 16, ADCT); e os ciganos,
apenas em uma (Paraíba – arts. 252A e B).
Os direitos dos afro-brasileiros aparecem em diversos textos
estaduais. No Amapá, preveem-se formas de igualação de oportunidade
e de inclusão social, inclusive por meio de ação afirmativa de caráter
reparatório 258. Na Bahia, há um reconhecimento solene de que a
“sociedade baiana é cultural e historicamente marcada pela presença da
comunidade afro-brasileira...” (art. 286)259. No Distrito Federal, prefere-
se a referência ao “negro” ao “afro-brasileiro”, reconhecendo-se-lhe a
proteção contra a violência e discriminação (art. 276) e determinando-se
que o currículo escolar e o universitário devam incluir, no conjunto
258
Art. 332-A. Aos afro-brasileiros, assim definidos em lei, além dos direitos e garantias
fundamentais consagrados pela Constituição Federal e por esta Constituição, é
assegurado igualdade de oportunidade e tratamento em sua participação na vida
econômica, social, política e cultural decorrente do desenvolvimento de políticas
públicas no âmbito do Estado do Amapá, por meio de: Parágrafo único. Os
programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas iniciativas reparatórias,
destinadas a promover a correção das distorções e desigualdades raciais decorrentes
do processo de escravidão e das demais práticas discriminatórias adotadas durante
todo o processo de formação social do Brasil e poderão utilizar-se da estipulação
de cotas para consecução de seus objetivos.
259
Dispõe o artigo 50, do ADCT: “O Estado promoverá, no prazo máximo de doze
meses a contar da data da promulgação desta Constituição, as ações necessárias à
legalização dos terrenos onde se situam os templos das religiões afro-brasileiras,
por iniciativa da competente Federação”.
165
das disciplinas, conteúdo sobre as lutas dos negros, bem como das
mulheres, dos índios e de outros na “história da humanidade e da
sociedade brasileira”.( art. 235, § 3º). Prevê-se, ainda, a criação de um
Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (art. 24, ADT)
Na maioria dos estados, à cópia do modelo federal, é afirmada a
tarefa estatal de promoção da cultura afro-brasileira (Amazonas, art.
205, VI; Espírito Santo, art. 181, III; Goiás, art. 163, § 2º; Mato Grosso,
art. 248, III, § 1º; Pará, art. 277 § 1°; Paraíba, art. 214; Rio de Janeiro,
art. 322 VII; Rio Grande de Norte, art. 143 § 1°; e Tocantins (art. 138,
§ 3º). Noutros, os afro-brasileiros parecem incluídos implicitamente na
referência à etnia, por meio da valorização da sua diversidade (Ceará,
art. 180,§ 2º; Maranhão, art. 262; Pernambuco, art. 180, § 2º; Piauí, art.
229, § 3º, V), de sua expressão cultural (Rio Grande do Sul, art. 220, §
único260), preservação de suas tradições e costumes (Santa Catarina, art.
173, único, VII), ou como grupo social formador da sociedade brasileira
ou local, a merecer proteção (Acre, arts. 201, § 2º; 202; Roraima, art.
159). Não há menção a qualquer das duas formas no Paraná.
A proteção da mulher é recorrente em praticamente todos os
textos, no mínimo, por cópia à Constituição federal no tocante ao
mercado de trabalho, à maternidade e à igualdade com o homem,
notadamente na sociedade conjugal. Algumas Constituições estaduais
procuram ir além, com o parcial resguardo a seus direitos sexuais e
reprodutivos, especialmente em relação à interrupção da gravidez,
desde que admitida legalmente, há essa ressalva sempre. No Rio de
Janeiro (art. 35) e em São Paulo (art. 223, X), garante-se, com a mesma
literalidade, “o direito à autorregulação da fertilidade como livre decisão
da mulher, do homem ou do casal, tanto para procriar como para
não o fazer”. No Amapá (art. 265), na Bahia (art. 282, III), em Goiás
(art. 153, XIV), em Minas Gerais (art. 190, X) e no Paraná (art. 176),
atribui-se a tarefa estadual de assistência à interrupção da gravidez, nos
casos admitidos em lei, ou, no Pará (art. 299, IV), de acesso gratuito
aos métodos contraceptivos naturais ou artificiais. No Amazonas,
assegura-se “à mulher livre opção pela maternidade, compreendendo-
se como tal a assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, a garantia do
169
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172
O PROCESSO DE EMENDAMENTO DAS
CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS A PARTIR DA
INICIATIVA POPULAR
Helder Oliveira262
Pamella Dannielly263
Rebeka Magalhães264
1. INTRODUÇÃO
262
Doutorando, mestre e graduado em direito pela Universidade Católica de
Pernambuco. Professor de direito constitucional do Centro Universitário Barros
Melo – UniAeso e de direito administrativo da Faculdade Nova Roma – FNR/
FGV. Membro do Grupo de pesquisa Recife de estudos constitucionais – REC.
Membro da comissão de estudos constitucionais e cidadania da OAB/PE. Bolsista
do PROSUP/CAPES. E-mail: helder.oliveira@prof.barrosmelo.edu.br
263
Graduanda em direito pelo Centro Universitário Osman Lins – UniFacol.
Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. E-mail:
pamelladannielly@gmail.com
264
Graduanda em direito pelo Centro Universitário Osman Lins – UniFacol. Estagiária
do Escritório MCM Advocacia. E-mail: rebekacmagalhaes@gmail.com
173
constitucional para efetivar as suas agendas (COUTO; ARANTES,
2008).
Eis, portanto, uma característica marcante do texto de 1988. O
modo descentralizado de criação da CF/88 permitiu a inserção no
texto final de temas que diziam respeito ao interesse dos mais variados
grupos (COUTO; ARANTES, 2006).
A depender do grau e extensão da reforma, é possível que esse
momento se equipare ao período constituinte originário devido ao
necessário fato de composição política nos limites da democracia. O
cenário conflituoso se insere na noção de que a CF/88, para além de
estabelecer meras diretrizes de funcionamento das instituições, também
consagrou amplo catálogo de direitos e garantias fundamentais, além
de mecanismos de controle do cumprimento da Constituição. Essas
trincheiras constitucionais permitem o surgimento de maiorias políticas
eventuais que queiram alterar o texto conforme os seus interesses
(MAUÉS, 2020). Nota-se, assim, que o grande desafio das reformas
constitucionais é compatibilizar permanência e mudança.
O poder de emendar uma Constituição tem como finalidademanter
vivo o texto constitucional, promovendo as devidas adaptações,
sobretudo em temas mais sensíveis. Por outro lado, se utilizado de
forma desponderada, é possível haver a alteração substancial do modelo
de Estado criado pela Constituição. Por essa razão, visualiza-sea adoção
em alguns países das chamadas cláusulas pétreas, de eternidade ou
intangíveis, que retiram das maiorias eventuais a capacidade decisória
sobre temas fundantes (BARROSO; OSORIO, 2019).
Alguns aspectos são apontados como fatores que colaboram
para o processo de manutenção e durabilidade de uma Constituição:
(I)Inclusividade representa a pluralidade no processo de criação da
Constituição. É dizer, assim, se o processo pelo qual houve a formação
do texto passou pela ampla participação da sociedade. Isso leva a
criação de um sentimento constitucional e respeito ao texto, uma vez
que vários interesses estão consolidados e incluídos no produto final.
Essa representatividade é importante para a permanência do texto
constitucional; (II) analiticidaderepresenta o grau de detalhamento
e extensão do texto constitucional tratando sobre os mais variados
assuntos. Dessa maneira, haveria a antecipação de certos problemas a
174
partir do detalhamento de assuntos em sede constitucional, conjugado
com a necessidade de formação de uma maioria significativa para
a alteração do texto. De mais a mais, os grupos de pressão teriam
maiores incentivos para defenderem a manutenção e o cumprimento
do texto. Obviamente, um “varejo de miudezas” poderá engessar
as alterações constitucionais. Por fim, (III)aplasticidade decorre do
grau de dificuldade existente no processo de reforma da Constituição
(BARROSO; OSORIO, 2019).
A partir da própria necessidade de ajustes ao texto, mas sem
desnaturar a rigidez constitucional, em maior ou menor grau, há
modelos que permitem essa alteração. Quórum de 2/3 ou 3/5,
votações em dois turnos nas casas legislativas, regras mais rígidas
quanto à iniciativa, além de certo veto point que permite a diversosórgãos
capacidade de impedir a aprovação da emenda. Isso pode ficar a cargo
do Presidente, da Corte Constitucional ou os Entes da federação.
Uma forma bastante difundida de veto point na América-Latina é a
participação popular através de plebiscito ou referendo (BARROSO;
OSORIO, 2019).
Diante disso, porém, outro grande desafio é entender os
determinantes do processo legislativo de emendas ao texto das
Constituições estaduais. A hipótese segundo a qual os textos estaduais
são alterados apenas para promover acomodações em razão de
eventuais modificações no texto federal paira no senso comum. A
rigor, isso é decorrente do modelo centralizador do Estado Federal
brasileiro que não atribui maiores espaços aos Estados.
Ademais, a proteção de direitos fundamentais e o atendimento
aos interesses da coletividade sendo buscando em múltiplas frentes,
afastando-se de uma ideia centralizadora são importantes e atribuem
maior grau de efetividade aos direitos consagrados.
É nesse cenário, com recorte na legitimidadeda iniciativa popular
para deflagrar o processo de emendas aos textos estaduais no
Brasil, que o trabalho está inserido. Veja-se que há duas abordagens
importantes que devem ser levadas em consideração: (I) O avanço dos
textos estaduais ao consagrarem a iniciativa popular dentre o rol dos
legitimados para apresentação de Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), em dissonância com o modelo previsto na CF/88; (II)
175
consequentemente, a ampliação do catálogo de direitos fundamentais
em âmbito estadual.
Não apenas isso, mas o trabalho também buscará apresentar
uma análise qualitativa da iniciativa popular para deflagrar o processo
de emendas, em diálogo com a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF), identificando o grau de efetividade do seu exercício.
177
Inobstante o destaque sobre o quão importante é a atuação
dos Entes subnacionais formando um sistema complexo e múltiplo
de proteção de direitos, observa-se certa ausência de valorização
da aplicação do constitucionalismo, sem embargo das suas variadas
abordagens, em âmbito subnacional.
É importante destacar que as Constituições subnacionais devem
incorporar elementos daquilo que se convencionou chamar de
constitucionalismo, na medida em que a existência de um documento
escrito em nível subnacional conectado ao poder político local deve
ter como principais finalidades a proteção dos seus cidadãos através
da garantia de direitos fundamentais, além da limitação do exercício
daquele poder mediante os preceitos constitucionais estabelecidos.
178
necessária para atender aos interesses e promoção da dignidade da
pessoa humana (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019).
José Adércio Leite Sampaio (2019) destaca que nos EUA iniciou-
se a ideia de que o indivíduo goza de dupla afirmação e proteção de
direitos, isto realizado pelas Constituições Estaduais e a Federal. O Juiz
Brennan teria redescoberto o quanto o constitucionalismo estadual
e o federalismo judicial são importantes para a proteção de direitos.
Recorde-se que Gardner ressalta que é preciso ir em busca
do constitucionalismo infranacional, na medida em que é possível
identificar o quão importantes são os direitos fundamentais e a
separação dos poderes no plano subnacional.
Não se pode perder de vista que as Constituições no decorrer
do tempo passaram a ostentar caráter analítico, isto é, dando origem
ao fenômeno da constitucionalização do direito, assentando cada vez
mais em sede constitucional temas anteriormente não tratados nesta
esfera. Se, por um lado, antes tínhamos constituições simples, objetivas,
hoje, por outro, tal fenômeno também alcançou os textos estaduais
(ALMEIDA, 1987).
Esse diálogo demonstra que a existência da iniciativa popular em
âmbito estadual funciona como elemento de ampliação dos direitos
fundamentais fora da Constituição Federal, bem como está também
conectado com o fato de existir mecanismo de mudança constitucional
estadual por provocação de quem é a própria legitimidade democrática
e o soberano poder.
180
exercício da função reformadora pelo Poder Legislativo estadual (ADI
486, rel. min. Celso de Mello, j. 3-4-1997, P, DJ de 10-11-2006265).
Esses entendimentos tem por base a aplicação do princípio da
simetria que assim pode ser explicado266:
265
Processo de reforma da Constituição estadual. Necessária observância dos requisitos
estabelecidos na CF (art. 60, § 1º a § 5º). Impossibilidade constitucional de o Estado-
membro, em divergência com o modelo inscrito na Lei Fundamental da República,
condicionar a reforma da Constituição estadual à aprovação da respectiva proposta
por 4/5 da totalidade dos membros integrantes da assembleia legislativa. Exigência
que virtualmente esteriliza o exercício da função reformadora pelo Poder Legislativo
local (...). [ADI 486, rel. min. Celso de Mello, j. 3-4-1997, P, DJ de 10-11-2006.]
266
(...) “O STF considera que qualquer iniciativa do constituinte estadual que venha
a restringir as prerrogativas dos demais poderes significa uma ingerência indevida
do legislativo sobre o Executivo e o Judiciário. No entanto, ainda que o poder
constituinte estadual deva observar o núcleo essencial da divisão dos poderes
estabelecida na Constituição Federal, o direito de auto-organização dos Estados deve
incluir a prerrogativa de dispor sobre seus poderes constituídos, sem o que a própria
noção de poder constituinte perde sentido. Assim, ao interpretar extensivamente os
limites impostos pela Constituição Federal nessa matéria, o STF acaba por restringir
a possibilidade de o constituinte estadual estabelecer novos mecanismos de freios
e contrapesos, cuja criação se justifica especialmente em face do poder executivo,
tendo em vista seu predomínio na história política brasileira” (MAUÉS, 2012, p.
64).
Ainda na senda das críticas ao STF pelo caráter centralizador das suas decisões,
dentre outros, ver: COUTO, Cláudio Gonçalves; ABSHER-BELLON, Gabriel
Luan. Imitação ou coerção? Constituições estaduais e centralização federativa no
Brasil. Revista de Administração Pública | Rio de Janeiro 52(2): 321-344, mar.
- abr. 2018. - LIZIERO, Leonam. A simetria que não é princípio: análise e crítica
do princípio da simetria de acordo com o sentido de federalismo no Brasil. Revista
de Direito da Cidade, v. 11, n. 2, p. 392-411, 2019. - LIMA, Edilberto Pontes. O
STF e o equilíbrio federativo: entre a descentralização e a inércia centralizadora.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC v. 37.1, jan./ jun.
p. 35-50, 2017.
181
Federal, aplicando o princípio da simetria, definiu que o
estado-membro podia ou não agir desta ou daquela forma. A
ideia básica empregada pela Corte era a de que a autonomia
estadual possuía limites, não podendo o Estado-membro, na
organização de seus Poderes, fugir de uma “simetria” como o
modelo federal de organização política (ARAÚJO, 2009, p. 1).
185
Destaque para a Emenda nº 82 à Constituição do Estado do
Maranhão, de 2019, que permitiu a iniciativa popular no processo
legislativo de emendas constitucionais após o julgamento da ADIN
825, conforme brevemente destacado anteriormente.
Portanto, mesmo diante da jurisprudência restritiva do
STF a partir do princípio da simetria, conjugado com a ausência da
iniciativa popular para emendas ao texto da CF/88, houve importante
sensibilidade do legislador constituinte estadual, em boa parte, para
estabelecer a previsão analisada neste trabalho.
Outro questionamento que se buscou responder: Com relação às
Constituições Estaduais que não instituíram a iniciativa popular para
o início do processo legislativo de emenda constitucional estadual, se
já houve em algum momento a iniciativa popular ou se houve alguma
proposta de emenda com esse intuito:
186
Minas Gerais – Não Sim
PEC 57/2013- acrescenta inciso ao art. 64
da Constituição do Estado (autoriza emenda
à constituição estadual mediante proposta de
iniciativa popular) (arquivada).
188
TABELA 3 – DEMONSTRAÇÃO DE QUANDO A
INICIATIVA POPULAR PASSOU A SER PREVISTA NO
DOCUMENTO ESTADUAL E A SUA UTILIZAÇÃO
189
Sergipe - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Rio Grande do Norte - EC 13/2014 Nenhuma
Distrito Federal – Desde a promulgação da Nenhuma
Lei Orgânica
Maranhão – EC 82/2019 Nenhuma
190
Assim, no que concerne à existência de proposições a fim de
mudar os requisitos para a propositura da PEC via iniciativa popular,
parlamentares das Assembleias Legislativas dos Estados de Santa Catarina
e Goiás apresentaram propostas de emendasaos seus respectivos textos
estaduais. Em Goiás, desde a promulgação de sua Carta Estadual, há a
previsão da iniciativa popular para emendar a Constituição em seu art.
19, inciso IV, mediante proposta dos cidadãos, subscrita por, no mínimo,
1% do eleitorado do Estado em 20 Municípios.
Todavia, este quantitativo é bastante elevado, dificultando os
cidadãos a atingirem os requisitos exigidos para apresentar o projeto
de emenda constitucional à Assembleia Legislativa por falta de
assinaturas necessárias. Devido a tal situação houve a apresentação
da PEC 08/2013 com o objetivo de facilitar o uso desse instrumento
popular diminuindo para 10 o número de Municípios exigidos, ou seja,
baixando 50% do número de eleitores.
A PEC 08/2013 teve a finalidade de consolidar tais mecanismos que
defendem a democracia reconhecendo a importância da participação
direta da população. O relatório da Comissão de Constituição, Justiça
e Redação concordou com a referida PEC, modificando apenas o
inciso IV do art. 19 que exigia proposta 1% do eleitorado diminuindo
esse quantitativo para 0,5%, favorecendo assim a iniciativa popular.
Contudo, em 26/03/2015 a PEC 08/2013 foi arquivada.
Quanto à Santa Catarina, a iniciativa popular de emendas à
Constituição Estadual é previsto desde a promulgação da Constituição,
em seu art. 49, inciso IV, segundo o qual os cidadãos podem propor
emendas por pelo menos 2% do eleitorado estadual, distribuído por
no mínimo 40 municípios, com não menos de 1% dos eleitores em
cada um deles.
No entanto, este critério limitou bastante a participação da
população no processo legislativo, surgindo assim a PEC 04/2013,
com o intuito de diminuir os percentuais de eleitores, alterando o inciso
IV para 0,5% do eleitorado estadual, distribuído para 40 municípios
com pelo menos 0,5% em cada um deles. A justificativa desta PEC
era a de aproximar o parlamento Catarinense da sociedade e também
permitir o avanço do modelo democrático direto, porém foi arquivada
em 19/03/2015, decorrente do final da legislatura.
191
Por fim, a Constituição do Estado do Maranhão prevê que a
iniciativa popular deverá ser subscrita por, no mínimo, dois por cento do
eleitorado estadual, distribuído em pelo menos dezoito por cento dos
municípios, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de
cada um deles. Nota-se uma rigidez acentuada o que poderá inviabilizar
a exercício da iniciativa naquele Estado.
Em nenhuma das Assembleias Legislativas dos Estados
pesquisados houve proposta para a extinção deste instituto.
5. CONCLUSÕES
192
Cuidou-se de importante julgado que possibilitou a ampliação de
direitos fundamentais em âmbito subnacional, prática não tão comum
no Brasil, além de fortalecer a própria democracia direta materializada
através da possibilidade do povo, de onde emana todo poder, contribuir
no processo de formação das decisões mais importantes, inclusive
através de alterações no texto da Constituição Estadual, mediante a
iniciativa popular.
No entanto, percebe-se a inexpressividade da iniciativa popular no
contexto do processo de emendas aos textos estaduais. Infelizmente,
como é possível constatar, foram raras as utilizações, de modo a ser
possível afirmar que ainda estamos longe de um cenário da valorização
do constitucionalismo infranacional, bem como da atuação dos poderes
constituídos de modo mais aproximado do povo, inclusive através dos
mecanismos de democracia direta.
Demais disso, é provável que a própria complexidade que envolve
a apresentação de uma PEC, como colher e conferir as assinaturas, qual
matéria poderá ser tratada pela iniciativa, procedimento protocolar,
dentre outros aspectos, iniba o exercício da iniciativa popular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
193
BONAVIDES, Paulo. A primeira emenda à Constituição por iniciativa
popular. Revista de Informação Legislativa, ano, v. 45, p. 53-55,
2008.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 825. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Data
de julgamento: 25/10/2018. Data da publicação: 27/06/2019.
COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos.
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Ciências Sociais, v. 21, n. 61, p. 41-62, 2006.
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Estados-Membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.
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ou realidade? Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 21, n. 1, p. 223-
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nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 183-215. 2019.
194
A UNIÃO TEM A FORÇA DE GIGANTE
FEDERATIVO E A USA COMO UM: NAS
COMPETÊNCIAS, NAS FINANÇAS, NO
SUPREMO
Leonam Liziero268
197
e jurídica foi muito maior, de forma a praticamente anular o federalismo
(como prática) com o alto intervencionismo da União.
A negação do federalismo no Brasil sempre significou uma
antidemocratização no exercício da soberania pela União. Veja-se os
Presidentes da República de viés mais autoritário da história: seja em
períodos democráticos ou não, o autoritarismo é acompanhado de
uma tendência antifederalista, ainda que em manifestações diferentes:
Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Artur Bernardes, Getúlio
Vargas (com exceção do período 1950-1954), os cinco Presidentes
da Ditadura Militar (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e
Figueiredo) e Jair Bolsonaro.
O valor do federalismo em um primeiro momento é
exaltado pelo novo Estado jurídico inaugurado na concretude
da redemocratização. A Constituição de 1988 prescreve a forma
federativa como uma das essencialidades do Estado brasileiro de
tal forma que ela é justamente um dos limites ao Poder Constituído
consagrado pela proibição de reforma constitucional que possa
abolir a configuração federativa.
O (pouco) normativismo constitucional protege o federalismo
brasileiro de uma abolição completa por meios jurídicos da autonomia
dos Estados pela União. Todavia, a distribuição das competências
constitucionais não demonstra uma tendência descentralizadora; ao
contrário, apenas reforça a tradição de uma enorme força centrípeta
na relação entre os entes federativos.
199
institucional que determina que a cooperação dos entes federativos
nestes assuntos por via de leis complementares.
As competências legislativas dos dois tipos também são distribuídas
de modo a reforçar o predomínio excessivo da União. O art.22 trata das
competências legislativas privativas para a União legiferar em diversas
matérias. Entre tantas, assuntos como direito civil, processual, penal,
eleitoral, telecomunicações, sistema monetário, trânsito, seguridade
social, defesa etc. Os Estados possuem competência legislativa privativa
para basicamente instituir regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões (art. 25, §3º) e para criar, desmembrar, fundir
e incorporar Municípios (art. 18, §4º). Estes, por sua vez, também
possuem competência legislativa privativa (art. 30, I), ainda com todos
os problemas de inexatidão que o termo “assuntos de interesse local”
tenha.
As competências legislativas compartilhadas entre a União, o
Estado e o Distrito Federal estão prescritas no art. 24 (ali denominadas
como concorrentes) e são numericamente bem inferiores às privativas
do poder federal, apesar das necessárias matérias que a autonomia
federativa requer, como por exemplo, o direito tributário, financeiro,
orçamento e proteção ao meio ambiente cultural e natural. Nestas
matérias, a União tem o poder de determinar as normas gerais, apesar
da não exclusão de uma competência suplementar dos Estados
(CR/88, art. 24, §1º e §2º). Não existindo lei federal a versar sobre o
tema, os Estados têm autonomia plena para atender aos seus próprios
interesses em tais matérias (§3º), mas em caso de lei superveniente
da União estabelecendo regras gerais sobre aquele assunto, haverá
suspensão de lei estadual naquilo que prever em contrário (§4º). Os
Municípios participam destas competências legislativas compartilhadas
para suplementar a legislação estadual e federal no que for necessário.
Conforme pode ser visto, esta distribuição de competências mostra
como o Estado brasileiro inaugurado em 1988 reafirmou um grande
poder da União sobre os Estados e avocou para si grande parte das
competências administrativas e legislativas. Apenas o poder federal criar
e executar o direito em boa parte de suas possiblidades e, naquilo que
for compartilhado, tem a predominância sobre os outros entes naquilo
em que houver conflito.
200
A repartição das competências tributáriastambém demonstra que
um cenário centralizador na federação brasileira. As competências
tributárias previstas constitucionalmente dão para a União uma
possiblidade de arrecadação muito maior que dos outros entes
federativos. Das cinco espécies tributárias existentes no Brasil, apenas
impostos, taxas e contribuições de melhoria podem ser instituídos por
todos os entes federativos (CR/88, art.145). Duas delas, empréstimos
compulsórios (art.148) e contribuições gerais são exclusivas da União
(art. 149), com exceção da contribuição sobre a iluminação pública
prevista no art. 149-A de competência exclusiva dos Municípios e do
Distrito Federal.
Apesar das possiblidades jurídicas de instituição e arrecadação de
impostos serem compartilhadas entre os entes federativos, a distribuição
de suas competências também é desigual. Dos treze tipos de impostos
previstos constitucionalmente, sete dele são de competências da União:
IE, II, IR, IPI, IOF, ITR e IGF (art.153). Cada um desses impostos
apresenta pormenores e excepcionalidade a algumas regras gerais do
sistema tributário nacional que criam uma embaraçada rede a respeito
de sua tratativa e reforçam o argumento do alto poder tributário federal.
Exemplo disso são as mitigações dos limites ao poder de tributar,
como a majoração ou minoração de alíquotas de IE, II, IPI e IOF
por decreto presidencial (CR/88, art.153, §1º), flexibilizando a regra
descrita no artigo 150, I, que veda a exigência ou o aumento de tributo
sem lei que o estabeleça.
Além desses tipos de tributos, a União tem o poder de instituir o
imposto residual e o imposto extraordinário de guerra (CR/88, artigo
154, I e II). E seu grande controle e centralização do sistema tributário
nacional não se encerraram apenas na previsão constitucional das
competências em 1988.
Como se não fosse o suficiente, o poder federal nos anos 1990
provocou uma contusão maior ainda na autonomia dos Estados e
enfraqueceu ainda mais o federalismo brasileiro: a retenção de receita
gerada pelos impostos estaduais e municipais pela União prevista no
art.167, § 4º, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 03/93. E
tal acréscimo mexeu sensivelmente na maior arrecadação tributária
dos Estados: O ICMS.
201
O ICMS, imposto sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, é de competência
estadual (art. 155, II) e é regulamentado pela Lei Complementar
nº 87/96. A atribuição de competência estadual foi fruto de um
processo de descentralização iniciado nos anos 80 com o desgaste
da política centralizadora do regime militar que foi confirmado na
constituinte de 1988 para reforçar a autonomia do Estado. Nota-se
que o ICMS concentra fatos geradores que anteriormente eram de
competência da União nos assuntos de comunicações (exceto os
serviços exclusivamente municipais) energia elétrica, combustíveis e
transporte (CR/67- EC/69, art. 21, VII,VIII e X), além da circulação
mercadorias que já eram de arrecadação estadual (CR/67- EC/69,
art. 23, II).
Dentre os tributos estaduais, o ICMS é o de maior arrecadação.
Portanto, parte significativa da receita do Estado provém dele, além
dos repasses da União. Segundo Abrucio, a uma atuação irresponsável
com as contas e um engessamento na promoção de políticas públicas
levaram ao grande endividamento dos Estados e a ineficiência de seus
governos e promoverem os propósitos da Constituição de 1988.269
Tal acontecimento levou à uma série de reformas constitucionais
que aumentaram ainda mais o poder central, principalmente no tocante
à inclusão do §4º no art.167 pela EC nº3/93, segundo o qual a União
tem o poder de reter os créditos do ICMS, cuja arrecadação representa
grande parte da receita estadual, nos casos em que for necessário prestar
garantia ou contragarantia e para pagamento de dívidas.
A partir da promulgação desta emenda, a ordem tributária
brasileira que já era em certa medida bem concentrada, tem sua força
centrípeta elevada, com a ampliação de arrecadação da União em
situações em que for credora dos outros entes federativos. As reformas
fiscais dos 1990 (boa parte durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso)ampliaram ainda mais o poder federal. Além disso, leis como
a de Concessões, a de Licitações e Contratos, a de Diretrizes e Bases
ABRUCIO, Fernando Luiz. SANO, Hironobu. A experiência de cooperação intereestadual
269
no Brasil: formas de atuação e seus desafios. In: Cadernos Adenauer XII. nº. 4.
Municípios e Estados: experiências com arranjos cooperativos. Rio de Janeiro:
Fundação Konrad Adenauer, abril 2012. p. 98
202
da Educação, entre outras do período, contribuíram ainda mais para
o cenário centralizador (ARRETCHE, 2012).
204
do material abortado do Projeto Afonso Arinos), inaugurou um sistema
peculiar, complexo, que buscava maior descentralização das atividades
públicas para Estados e Municípios.
Tão importante quanto a repartição de competência para a
manutenção da federação e dos direitos fundamentais é a repartição
de receitas, como as tributárias, previstas na Constituição de 1988
a partir do art. 157 (afinal, direitos tem custo). Ainda que em
momento distante no texto constitucional, em relação ao elenco de
direitos fundamentais, há uma relação direta entre estes dois temas.
Sem a garantia constitucionalmente determinada que Estados e
Municípios terão receita, independentemente de suas possiblidades
arrecadatórias (uso aqui em um sentido mais amplo que meramente
a ideia de capacidade tributária), a autonomia de parte considerável
dos entes subnacionais estaria ainda mais colapsada. Em especial, as
transferências indiretas, como o Fundo de Participação dos Estados
(art. 159, I, “a”) e o Fundo de Participação dos Municípios (art.159, I,
“b”, “d” e “e”), desempenham papel fundamental em muitos destes
entes subnacionais para a consecução de seus deveres com seus
respectivos cidadãos.
A repartição de competências tributárias, ainda que em tese não
seja tão essencial numa federação quanto a repartição de competências
executivas/ legislativas e de receitas, no Brasil desempenha papel
importantíssimo para possibilitar algum maior exercício de autonomia
e objetivos constitucionais dos Estados e Municípios. Assim como a
repartição de competências executivas/legislativas, a tributária também
deixa evidente a predominância da União em relação aos outros entes
subnacionais. Sem contar parte considerável da receita arrecadada pela
União por meio de diversas contribuições sociais, a ampla atribuição
de competência para instituir impostos à União em contraposição aos
Estados e Municípios é evidência que a opção política no momento da
Constituinte foi a atribuição de grande poder arrecadatório para a União
e uma ênfase maior na obtenção de receitas aos entes subnacionais por
meio da repartição destas.
Além da repartição de receitas tributárias, outras também são
relevantes para as finanças de Estados e Municípios (e a viabilidade
consequente de alguma efetivação de direitos fundamentais em seus
205
âmbitos): as transferências voluntárias (como os convênios para o
sistema de saúde) e as compensações financeiras por participação
(como a CFEM e a CFURH) e as provindas por arrecadação (como o
FEX e a da Lei Kandir). O que quero chamar a atenção neste ponto
é para a necessidade de um estudo integrado entre a efetividade dos
direitos fundamentais estaduais e seus meios de financiamento. Este
é um modo de revelar a elevada assimetria do federalismo brasileiro.
Conforme defendo, o federalismo é sempre assimétrico; o Estado
federal por sua vez, pode ser simétrico (como o Brasil e os EUA) ou
assimétrico (como o Canadá ou a Alemanha).
207
De modo semelhante ao que Ackerman (2006) observa em seu
Nós, o Povo Soberano, o autor também compreende de modo acertado que
a jurisdição constitucional também é parte da formação da federação. E
suas palavras, “se se fala que ela – a federação – é centralizada demais,
não seria apenas em virtude das agendas políticas do Legislativo
e Executivo, mas também em virtude do desenho institucional
determinante extraído do exercício da jurisdição constitucional”
(ARAÙJO, 2009, p. 78).
Com leves discordâncias no resultado desta pesquisa, ainda que
seja um essencial marco teórico, compreendo o “princípio da simetria”
como um ardil argumentativo utilizado pelo STF em diversas ocasiões
para reforçar o poderio da União em relação aos Estados, conforme
defendi em trabalhos anteriores (LIZIERO, 2019). Em alguns casos
que verifiquei, o referido “princípio” surge meramente como evocação
em votos dos Ministros (talvez pela simpatia semântica que o termo
princípio adquiriu no constitucionalismo brasileiro pós-1988).
Em diversas oportunidades, o STF declarou inconstitucionalidades
de dispositivos das Constituições Estaduais com base neste falacioso
princípio. Enquanto União, o STF, em boa parte das vezes, age
normalmente como um fiador do centralismo (MARRAFON;
LIZIERO, 2014). Em relação aos direitos fundamentais não é diferente.
Alguma pequena alteração nesta perspectiva deve-se aos efeitos da
pandemia de Covid-19 que assolou o Brasil a partir de 2020.
Ainda que normalmente o STF aja a favor da União, em razão
da desastrosa (egenocida) política sanitária do governo Jair Bolsonaro,
decisões importantes foram tomadas para reconhecer a competência
que Estados e Municípios têm para tomar suas próprias ações restritivas.
A mais emblemática foi a posição unânime do Plenário favorável
à procedência da ADPF 672 em outubro de 2020, cuja decisão
monocrática do Ministro Alexandre de Moraes em abril do mesmo
ano assegurou aos entes subnacionais o poder de tomar as medidas
necessárias para salvaguarda da população.
Veja-se a aplicação dos direitos fundamentais neste caso: o art.
23, II e IX da Constituição Federal estabelece o compartilhamento de
competências entre União e demais entes para ações tais quais cuidar
da saúde e assistência púbica, proteção das pessoas com deficiência e
208
saneamento básico. Por sua vez, o art. 24, XII e art. 30 II, estabelecem
que todos os entes federativos compartilham a competência legislativa
para proteção e defesa da saúde. Portanto, a competência ampla da
União não anula as dos entes subnacionais se estas tiverem a finalidade
de proteger o direito fundamental à saúde de suas populações.
Ainda que o Supremo tenha tomado uma posição incomum contra
a própria União, ainda assim em um aspecto geral precisa ainda ser
compreendido como um agente da centralização do Estado federal
brasileiro. Em sua história (inclusive no pós-1988) o centralismo foi
reforçado por suas decisões. Deste modo, estudar direitos fundamentais
no âmbito estadual, sua existência e aplicabilidade, requer contar
com o “fator STF” como um agente que normalmente terraplana as
diversidades entre as unidades federativas em favor da uniformização
do Direito federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
209
HORTA, Raul Machado. Repartição de competências na Constituição
Federal de 1988. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 33, p. 249-
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do princípio da simetria de acordo com o sentido de federalismo no
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MARRAFON, Marco Aurélio; LIZIERO, Leonam Baesso da Silva.
Competências constitucionais da União e Supremo Tribunal Federal:
fiadores da centralização no federalismo brasileiro. In: FISCHER,
Octavio Campos; SANTOS, Scheila Barbosa dos. Federalismo Fiscal e
Democracia. Curitiba: Instituto Memória, 2014.
210
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL
E FEDERALISMO: PERSPECTIVAS
DESCENTRALIZADORAS
Renata Gonçalves Perman270
1. INTRODUÇÃO
213
Entretanto, as competências concorrentes não conseguiram solver
a centralização do federalismo legislativo brasileiro, por dois motivos:
primeiramente, existe uma explícita hipertrofia de competências
legislativas na União Federal, instituídas no art. 22 e que não são
descentralizadas, quando poderiam ser, com fundamento no parágrafo
único no referido artigo (LEITE e ARAÚJO, 2015, p. 296).
A segunda explicação para a centralização de competências
legislativas se refere ao fato de que ocasional construção estadual
e municipal de leis, teoricamente introduzida entre competências
concorrentes, pode ser interpretada e introduzida entre assuntos
privativos da União. Por exemplo, uma lei estadual que institua a
comercialização de gás liquefeito e petróleo (assunto de interesse local)
pode ser entendida pelo Supremo Tribunal Federal como violadora da
competência privativa da União para legislar sobre direito civil.
Dessa forma, a repartição de competências é fundamental para
a conceituação jurídica de federação, pois organiza o campo de
atuação de cada ente (União, Estados membros e Distrito Federal),
observando as diretrizes traçadas pela Constituição Federal. Ao repartir
as competências legislativas entre União e Estados membros, parte-se
da premissa de que um ente monitore a atuação do outro para prevenir
abusos de um ente da federação e proteger direitos fundamentais
(MARSHFIELD,2014, p. 88).
Desse modo, o referido autor afirma que “em alguns sistemas
federais, o governo subnacional existe, em parte, para fornecer
um cheque às instituições nacionais” (MARSHFIELD,2014, p.90).
Contudo, visão do Marshfield é incompleta, uma vez que os governos
subnacionais existem não apenas para servir como um cheque as
instituições nacionais, mas também para preservar um equilíbrio
federativo e atender melhor as peculiaridades locais.
A repartição de competências é uma característica central
do Estado federal, na medida em que revela o quanto as escolhas
político-institucionais amoldam-se aos princípios do federalismo. Uma
peculiaridade típica do federalismo brasileiro diz respeito à tensão
decorrente da busca por maior autonomia dos Estados membros,
ante o excesso de competências atribuídas à União pelo art. 22 da
Constituição da República (HORTA, 2003).
214
Na realidade sempre há uma constante tensão no federalismo
entre forças centrípetas e centrífugas, por tratar de conceitos opostos:
liberdade e autoridade, igualdade e diferença, diversidade e unidade,
autonomia e interdependência, centralização e descentralização,
integração e desintegração (BERNARDES, 2010, p.47). Dessa forma,
o federalismo pode ser entendido como uma distribuição espacial de
competências legislativas sendo justamente nessa constante tensão
que se torna uma escolha possível para a atual sociedade plural. Nesse
sentido, Wilba Lúcia explica a tensão peculiar do federalismo nos
seguintes termos:
217
função coordenada da União em um campo de atuação conjunta com
os Estados membros” (ARAÚJO,2017, p.190).
No âmbito da repartição de competências, é muito importante
identificar a natureza da norma legislada, se geral ou específica. Se a
norma é geral os Estados membros devem necessariamente seguir,
mas se for específica, não há necessidade de ser seguida pelos Estados.
Não existe uniformidade doutrinária sobre o conceito de normas
gerais e sempre houve muita discussão na doutrina para saber o
limite de quando a norma deixa de ser geral e passa a ser específica
(ARAÚJO,2017, p.190). Nesse contexto de normas gerais, afirma
Araújo nos seguintes termos:
219
aduz ainda sobre as normas gerais, condomínio legislativo e legislação
suplementar estadual nos seguintes termos:
223
concorrentes entre União, Estados membros e Distrito Federal
atribuindo-se à União a elaboração de normas gerais e aos Estados
membros e legislação complementar no âmbito das normas gerais
(BORGES NETTO,1999). Nesse sentido, Borges Netto destaca que:
224
Normas gerais são princípios, bases, diretrizes que hão de
presidir todo subsistema jurídico. São normas gerais diretrizes
para legislar, comandos dirigidos para o legislador local,
para que este as tenha como orientação no exercício de sua
competência. Normas que detalham, minudenciam, todos
os aspectos de uma questão, nada deixando à imaginação do
legislador local para que crie um direito, atendendo as suas
peculiaridades, seguramente não são normas gerais (BORGES
NETTO 1999, p. 131).
225
4. FEDERALISMO E A TENSÃO ENTRE CENTRALIZAÇÃO
E DESCENTRALIZAÇÃO (1988-2020).
226
Fonte: http://portal.stf.jus.br/
227
aduz ainda sobre as normas gerais, condomínio legislativo e legislação
suplementar estadual nos seguintes termos:
229
período um movimento centrípeto de competências legislativas. No
ano de 2010, apenas uma ação julgada (ADI 2730) que foi declarada
a inconstitucionalidade da lei estadual, e dessa forma, a centralização
de competências legislativas no âmbito federal.
No ano de 2009, só foi julgada uma ação, a ADI 1980, que
institui a constitucionalidade da lei estadual e consequentemente a
descentralização de competências legislativas. Em 2007, também só foi
julgada uma ação, a ADI 3668, que declarou a inconstitucionalidade
da lei estadual. Em 2006, de um universo de duas ações, a ADI
2359 declarou a constitucionalidade da lei estadual e a ADI 3645 e
inconstitucionalidade da lei estadual, sendo perceptível um movimento
equilibrado entre forças centrípetas e centrifugas.
No ano de 2003, foram julgadas pelo Supremo Tribunal
Federal três ações (ADI 2656, ADI 2396 e ADI 2334), e todas elas
pela inconstitucionalidade da lei estadual, existindo, dessa forma,
grande centralização de competências legislativas nesse período.
Em 2001 foi julgada apenas uma ação, ADI 2396 (que inclusive foi
justamente a ação repetida na amostra) que declarou inconstitucional
a lei estadual. No ano de 1999, foi julgada apenas a ADI 1980, que
declarou a constitucionalidade da Lei estadual, e a descentralização
de competências. Em 1992, apenas uma ação foi julgada, a ADI 750,
que declarou inconstitucional a lei estadual impugnada e dessa forma,
centralizou.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
230
Tal percepção é particularmente relevante no que diz respeito
à proteção dos direitos do consumidor, cuja tutela é expressamente
determinada pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5 XXXII.
A partir desse contexto, cabe ressaltar que entes subnacionais possuem
função relevante nesse cenário. Isso porque, sendo o Brasil país
federalista com repartição de competências legislativas para a produção
de direito, a tutela do consumidor pode ser devidamente regulada e
também estar prevista em leis e Constituições estaduais (conforme
demonstrado no item 3.2), não sendo tema reservado exclusivamente
ao Congresso Nacional.
A preocupação maior da causa federalista está na dificuldade de
encontrar um equilíbrio normativamente e funcionalmente adequado
entre União e Estados. Há uma excessiva centralização de competências
legislativas no âmbito da União, uma vez que as competências
federais dispostas no artigo 22 da CRFB são muito amplas e extensas.
Contudo, com feliz surpresa com a coleta jurisprudencial, foi possível
perceber que o Supremo Tribunal Federal referente às competências
legislativas voltadas a proteção do consumidor em temas centrais da
dissertação como: “federalismo, condomínio legislativo, competência
concorrente, invasão de competências, normas gerais e suplementares”
está tendendo, pelo menos no ano de 2019, a ter interpretação pela
constitucionalidade de leis subnacionais e consequentemente pela
descentralização de competências legislativas.
A temida supremacia da União (no campo das competências
legislativas concorrentes) encontra-se em oposição ao ideal pleiteado
pela concepção federalista, que busca descentralizar o poder, ou seja,
“tirar do centro” nacional determinadas decisões, de maneira que as
competências legislativas subnacionais sejam ampliadas e fortalecidas.
Quando se utiliza as expressões “centralização e descentralização”,
no tocante à repartição de competências, destaca-se o grau com que
as competências estão mais ou menos concentradas privativamente
na União. Ao passo que a centralização denota a concentração de
competências no âmbito da União, a descentralização ocorre quando
as competências privativas dos Estados são ampliadas em detrimento
as atribuídas à União.
231
REFERÊNCIAS
232
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251. Recuperado de: hhTTp:// www.revistas.usp.br/rfdusp/article/
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SCHWARTZ, Bernard. O Federalismo Norte-Americano atual.
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233
234
O CHÃO DA VIDA DOS CONFLITOS
FEDERATIVOS: O POTENCIAL DO
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL271.
Gilsely Barbara Barreto Santana272
1. INTRODUÇÃO
271
Artigo contém algumas reflexões da pesquisa doutoral da autora no Programa de
Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
272
Advogada e Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Contato:
barretogilsely@gmail.com
273
O Brasil é uma república federativa formada pela união de 26 (vinte e seis) estados
federados, 5 570 municípios e do Distrito Federal.
235
que a autonomia federativa confere nos termos da Constituição Federal.
Isso agrega mais um elemento normativo ao constitucionalismo
pátrio, havendo um potencial para afirmação de direitos, já que as
que as localidades podem lidar com mais vagar com as respectivas
especificidades.
Contudo, os textos normativos não são fim em si mesmo, sendo
vividos e significados no nosso contexto federativo, denominado aqui
de chão da vida. Este é composto pelos entes federados (personalidade
jurídica) e seus respectivos responsáveis, mas também e sobremaneira
por uma gama de atores sociais distintos (pessoas físicas, jurídicas,
organizações da sociedade civil, instituições públicas) que vivem nos
espaços federados e atribuem sentidos as normas.
Nesse chão da vida ocorrem conflitos em decorrência das disputas
sobre os significados e conseqüente interpretação dos textos normativos
que delimitam as incumbências e responsabilidades dos entes federados.
Os conflitos federativos são mediados e compostos por meio de
instrumentos administrativos e ou da atuação do Poder Judiciário.
A observância ou não das Constituições Federal e Estaduais
na produção normativa dos municípios e Estados pode implicar
em processos que visam o controle de constitucionalidade das leis
municipais e estadual, sendo assegurado constitucionalmente ao
Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal de Justiça, conforme as
respectivas atribuições, o processamento e o julgamento de tais
processos.
A proposta temática em questão abordará a nossa complexidade
federativa, os conflitos surgidos em torno das divergências quanto
à interpretação das competências dos entes federados delimitadas
na Constituição Federal. Além disso, discute-se o potencial das
Constituições Estaduais, a partir da categoria constitucionalismo
subnacional, para lidar com os conflitos federativos, favorecendo a
incorporação de novos atores sociais na interpretação da Constituição.
O método utilizado no artigo é a pesquisa bibliográfica
(identificação, sistematização e proposições conceituais), por meio da
revisão de literatura atinente ao tema. Ressalte-se que a abordagem
procura articular aspectos referentes ao jurídico, especificamente teoria
e direito constitucional.
236
O artigo foi subdividido em tópicos que abordarão em seqüência,
a complexidade e diversidade da Federação brasileira, os conflitos
federativos e o horizonte do constitucionalismo subnacional,
apresentando por fim as conclusões e referências.
278
Há estimativas que em torno de 70% dos municípios dependem demais de 80% de
fontes externas a arrecadação própria.
279
O Brasil possui 8.515.767 Km de extensão, tendo aproximadamente o dobro de
toda a União Européia.
280
Conceito que propõe a relação entre a diversidade biológica e os diversos sistemas
socioculturais. Assim, compreende que os biomas brasileiros Amazônia, Caatinga,
Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal comporta pessoas, experiências e saberes
no uso e manejo. São “bens e serviços gerados a partir de recursos da biodiversidade,
voltados à formação de cadeias produtivas de interesse de povos e comunidades
tradicionais e de agricultores familiares, que promovam a manutenção e valorização
de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e
promovendo a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem”
(Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade -
MDA/MMA/MDS).
239
e antigo, e afirmar que este é ruim e aquele é bom, mas reconhecer
que a grande dimensão do nosso território nacional comporta
temporalidades distintas, que é parte e resguarda a sociobiodiversidade,
mas promove simultaneamente exclusões e inclusões e nos atenta para
a complexidade.
Quanto às desigualdades sociais, nós somos o sétimo país mais
desigual do mundo devido à grande concentração de renda281 e tal
disparidade revela-se quanto acesso á alimentação, saúde, educação,
moradia, transporte, saneamento, lazer, etc. Tais dados se agravam
se consideramos o aspecto racial e de gênero quanto à desigualdade
social282.
Além disso, tem-se a compreensão que há muitos brasis no Brasil,
em face das desigualdades regionais, isto é, as regiões Sul, Sudeste e
Centro Oeste possuem indicadores socioeconômicos melhores que o
Norte e Nordeste. Contudo, há diferenças intra-regiões, pois alguns
locais do Norte e Nordeste podem ter indicadores equiparados ou
melhores que as regiões mais ricas, bem como, locais das regiões mais
ricas podem possuir indicadores equivalentes ou piores da região
Norte e Nordeste.
Outro aspecto da federação, é que pluralidade étnica e as
desigualdades étnico- raciais é muitas vezes negada em face do
mito da democracia racial brasileira. O processo de violências,
negação de direitos e silenciamento que os povos negros e indígenas
foram e são submetidos antes e após a formação independente do
Estado Brasileiro são esquecidas no debate federativo, bem como, a
resistência e organização de tais povos com conseqüentes lutas por
reconhecimentos na esfera pública. A questão racial desmitifica o
dilema entre centralização e descentralização em torno do federalismo
brasileiro, pois nessa questão, não houve disputa entre elites locais e
nacionais, mas um pacto federativo de invisibilidade da questão racial
a partir da idéia de mestiçagem.
281
Antes do Brasil está África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana,
Lesoto e Moçambique. De acordo com o último Relatório Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), em 2019, a parcela dos 10% mais ricos do
Brasil concentra 41,9% da renda total do país, e a parcela do 1% mais rico concentra
28,3% da renda nacional.
282
Ver estudo do IPEA denominado “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”.
240
Considerando todos os elementos anteriormente listados que
compõem a diversidade e a complexidade da Federação brasileira, há
muitos conflitos federativos que dimensionam esses contextos em que
o chão da vida se perfaz.
244
Considerando essa autonomia, os Estados Federados prevêem a
elaboração de uma Constituição subnacional287.
Considerando a autonomia constitucional subnacional expressada
pelas Constituições subnacionais, Sampaio elenca que há diferenças
importantes entre os estados federados, pois há os que “obrigam” e
os que “facultam” a elaboração do texto constitucional pelas unidades
subnacionais. A autonomia constitucional é, portanto, um poder-dever
ou uma faculdade às unidades subnacionais. ( SAMPAIO, 2018).
Os países federados da América Latina (México, Brasil, Argentina
e Venezuela) são exemplos de federação que impõem o dever de
autoconstituição, vejamos:
287
Alguns estados federados proíbem a autoconstituição dos entes subnacionais, o que
para alguns seria uma contradição para a própria idéia da Federação.
245
Estados e à cultura política de cada povo (TARR, 2011). Assim sendo,
neste pequeno artigo buscamos refletir sobre alguns elementos desse
contexto, entendendo que os dispositivos normativos são significados
no chão da vida dos conflitos federativos.
Afirma-se o potencial que o constitucionalismo subnacional
possui em um país que é assegurado a autoconstituição aos estados
membros. O potencial diz respeito ao plano da inscrição normativa de
novos direitos nos textos das Constituições estaduais, mas também por
meio de uma jurisdição constitucional que se perfaz no plano estadual.
Destaca-se o papel do controle de constitucionalidade no plano
estadual frente aos possíveis conflitos federativos que envolvem
os entes subnacionais, havendo instrumentos jurídicos e instâncias
judiciais incumbidas de arbitrar tais conflitos. No caso brasileiro, por
possuirmos um controle misto de constitucionalidade, o potencial do
constitucionalismo subnacional é reafirmado.
O conflito federativo em torno da constitucionalidade das
normas estaduais e municipais pode ser judicializado pela via difusa
e concentrada, considerando o nosso modelo misto de controle de
constitucionalidade que comporta as duas vias. Os instrumentos
processuais a serem utilizados dependerão das vias acessadas.
De forma difusa, todas as instâncias do Poder Judiciário estão aptas
para analisar a constitucionalidade das normas estaduais e municipais
em face de uma situação concreta levada ao Judiciário pelos diversos
instrumentos processuais com efeitos inter partes.
Ressalte-se que muitos tribunais instauram um incidente de
constitucionalidade, sendo o objeto da ação principal questões
intersubjetivas diversas, e o incidente trata da controvérsia sobre a
constitucionalidade da lei em face da Constituição Estadual a ser
aplicada ao caso concreto em disputa no Tribunal. O novo Código
de Processo Civil regulamenta o incidente de constitucionalidade
nos artigos 948 a 950, mas a regulamentação é sobremaneira dos
Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça.
De forma concentrada, as Constituições dos Estados dispõe sobre
algumas ações judiciais e seu processamento junto aos Tribunais de
Justiça, elencando os instrumentos (ação direta de inconstitucionalidade
por ação ou omissão, ação declaratória de constitucionalidade e argüição
246
de descumprimento de preceito fundamental), os legitimados ativos e
os efeitos. (SGARBOSSA, 2014)
Destacam-se nessas disposições das Constituições Estaduais
as partes legítimas instituídas recorrentemente para a propositura
das ações são o Governador; a Mesa da Assembléia Legislativa;
o Procurador Geral da Justiça; o Conselho Seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil; o partido político com representação na
Assembléia Legislativa; organização sindical e entidade de classe de
âmbito estadual ou com interesse temático; prefeito ou Mesa de Câmara
Municipal muitas vezes relacionado a ato local. Às vezes encontramos
no rol dos legitimados, o Procurador Geral do Estado, o Defensor
Geral e o conselho seccional da OAB, este para os casos de ato local
impugnado. (SGARBOSSA, 2014)
Frise-se que as ações junto aos Tribunais de Justiça agregam
novo parâmetro (Constituição Estadual) e um novo órgão (Tribunais
de Justiça) no controle de constitucionalidade no país, ampliando o
rol de legitimados de acesso a jurisdição constitucional, favorecendo
o acesso à justiça.
Ressalte-se a importância de refletir acerca da legitimação dos
Tribunais de Justiça para atuar no controle de constitucionalidade
no plano estadual, em face da ideia centralizadora do STF
no nosso imaginário constitucional. Logo, tal experiência do
subconstitucionalismo nacional refuta a configuração do STF como
o único ator no controle concentrado, afirmando a participação dos
outros órgãos e instâncias do Poder Judiciário e conseqüentemente
da sociedade.
5. CONCLUSÕES
247
A Constituição Federal de 1988 afirma a Federação como cláusula
pétrea, elencando sobre os entes federados (União, Estados, Distrito
Federal e municípios) e dispondo sobre as atribuições dos entes
federados para legislar e realizar as políticas públicas. Ressalte-se a
complexidade e diversidade do nosso projeto federativo, seja pelo
número de entes federados, a dimensão do território nacional, as
desigualdades sociais e regionais e a pluralidade étnica.
As competências dispostas entre os artigos 21 ao 24 da Constituição
Federal foram classificadas em legislativas e materiais, havendo importante
categorias para delimitar a atuação dos entes federados: competências
legislativas concorrente, exclusiva, privativa, material comum, assuntos
de interesse local, norma própria, norma geral e norma suplementar.
Destacam-se no texto constitucional para além dos artigos mencionados,
as competências para saúde, educação, a questão ambiental e tributação,
estas dispostas ao longo do texto constitucional.
Embora tenhamos um texto constitucional com fixação de
competências entre os entes subnacionais, a federação não é um
dado acabado, pois o texto é significado, especialmente nos conflitos
federativos, que dizem respeito às disputas acerca da interpretação e
aplicação das competências mencionadas.
O conflito federativo não é algo abstrato ou algo pomposo (briga
entre grandes), mas diz respeito ao chão da vida, talvez uma metáfora
da esfera pública, que é permeada pelas figuras jurídicas estatais, mas
sobremaneira por atores sociais diversos, que atribuem sentidos aos
textos normativos em suas vidas cotidianas.
Esses conflitos federativos podem ser compostos e geridos por
meios administrativos como convênios, consórcios públicos, mas
muitas vezes esses conflitos são judicializados, tendo o Poder Judiciário
o papel central frente a tais conflitos, especialmente por meio do
controle de constitucionalidade das leis.
As Constituições Federal e Estaduais são parâmetros para
o controle de constitucionalidade em nossa Federação, em que
há autorização de autoconstituição para os entes subnacionais e
todos os nossos estados a possuem. Esse campo de atuação dos
entes subnacionais refere-se a um campo de estudo denominar de
constitucionalismo subnacional.
248
O potencial do constitucionalismo subnacional no que se refere a
Federação brasileira diz respeito a ampliação e qualificação produção
normativa podendo alargar os horizontes dos direitos, mas também
a jurisdição constitucional em plano estadual seja pela via difusa e
concentrada.
Abordou-se as possibilidades desse controle de constitucionalidade
em âmbito estadual, considerando Constituição Federal de 1988 amplia
o modelo misto de controle de constitucionalidade com o modelo misto
que combina os métodos difuso-incidental e concentrado-principal.
Destaca-se a legitimação do Tribunal de Justiça para atuar no
controle e constitucionalidade possibilitando uma participação dos
outros órgãos e instâncias do Poder Judiciário e conseqüentemente
da sociedade.
Há um hiperdimensionado dilema em torno da centralização e
descentralização no debate federativo que muitas vezes esquece as lutas
reais dos sujeitos de direito concretos, confundindo descentralização
com democratização e efetivação de direitos.
A jurisdição constitucional em âmbito estadual é parte do
constitucionalismo subnacional e têm relevância na gestão do
conflito federativo, não pelo resultado em si da tutela processual, mas
sobremaneira por poder expor as disputas do chão da vida em torno
dos conflitos federativos, ampliando os partícipes e interpretes da
Constituição.
REFERÊNCIAS
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252
AVANÇOS E RETROCESSOS NOS ÂMBITOS
MUNICIPAL E ESTADUAL QUANTO AO
RECONHECIMENTO DE DIREITOS DA
MINORIA LGBT288
Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia289
1. INTRODUÇÃO
Utilizamos aqui a sigla mais tradicional (LGBT) por ser a que consta de
291
256
243. Inserir, nos programas de formação de agentes de
segurança pública e operadores do direito, o tema da livre
orientação sexual.
244. Apoiar a criação de instâncias especializadas de
atendimento a casos de discriminação e violência contra
GLTTB no Poder Judiciário, no Ministério Público e no sistema
de segurança pública.
245. Estimular a formulação, implementação e avaliação de
políticas públicas para a promoção social e econômica da
comunidade GLTTB.
246. Incentivar programas de orientação familiar e escolar para
a resolução de conflitos relacionados à livre orientação sexual,
com o objetivo de prevenir atitudes hostis e violentas.
247. Estimular a inclusão, em programas de direitos humanos
estaduais e municipais, da defesa da livre orientação sexual e
da cidadania dos GLTTB.
248. Promover campanha junto aos profissionais da saúde e do
direito para o esclarecimento de conceitos científicos e éticos
relacionados à comunidade GLTTB.
249. Promover a sensibilização dos profissionais de
comunicação para a questão dos direitos dos GLTTB.
259
(ou antinomias) ou mesmo, comandos de otimização294. Como direito
fundamental à igualdade, implica no reconhecimento dos mesmos
direitos deferidos a heterossexuais, como o reconhecimento da união
estável, do casamento, também da adoção de crianças, do direito
de mudança de nome/sexo no registro de nascimento de pessoas
trans e/ou o direito ao uso do nome social; o direito à realização de
cirurgia de redesignação de gênero (para pessoas trans), o direito à
autodeterminação de gênero para intersexuais, etc.
12), a SMDC deverá lavrar Auto de Infração, se verificar que há fundamentos para o
prosseguimento; é dado prazo de defesa ao autuado (art. 15), bem como prazo para
produção de provas necessárias (art. 16), após o que será dada decisão (art. 16, §1º).
296
“Institui o serviço S.O.S. discriminação no âmbito do Município de Campinas”.
297
“Dispõe sobre a obrigatoriedade de orientação sexual e de planejamento familiar
aos pais de alunos do pré-escolar e 1º grau, da rede municipal de ensino - reme e
dá outras providências”.
298
Resolução que institui o Cód. de Ética e Decoro Parlamentar e, em seu art. 2º, V,
preceitua: “Contribuir para a afirmação de uma cultura cujos calores não reproduzam,
a qualquer título, quaisquer preconceitos entre os gêneros, especialmente com relação
à raça, credo, orientação sexual, convicção filosófica, ideológica ou política”.
299
Esta Resolução institui o Regimento Interno da Secretaria Municipal de Educação
e, em seu art. 24, III, disciplina: “promover ações de uma Política Educacional
Inclusiva, considerando as diferenças religiosas, étnico-raciais, sensoriais, cognitivas,
físicas, mentais, de gênero e orientação sexual”.
300
Regulamentada pelos Decretos 11411/96 e 11857/97. Ver também o Decreto
14216/03, que assegura direitos previdenciários a(o) companheiro(a) de casais do
mesmo sexo de servidores públicos municipais.
301
Com essa lei, Recife foi “o primeiro município brasileiro a reconhecer o direito de
pensão ao(a)s companheiro(a)s homossexuais dos servidores públicos, em caso de
morte destes” (VIANNA, 2004).
302
Acrescenta o §7º ao art. 29 da lei 285/79, que dispõe: “Equipara-se à condição de
Companheira ou Companheiro de que trata o inciso I deste artigo, os parceiros do
mesmo sexo, que mantenham relacionamento de união estável, aplicando-se para
configuração da união estável, no que couber, os preceitos legais incidentes sobre
a união estável entre parceiros de diferentes sexos”.
303
Uma relação mais completa de Municípios que possuem Leis tratando da temática
pode ser encontrada no site da ABGLT: http://www.abglt.org.br.
261
Desde 1999 funciona no Rio de Janeiro o “Disque Denúncia
Homossexual”, depois também implantado em outras cidades.
O Sistema de Proteção aos LGBT de São Paulo merece destaque.
De fato, a lei 10948/01 em muito se assemelha a outras leis municipais
e estaduais que preveem proteção contra discriminação e estabelecem
procedimentos de apuração e penalidades. Entretanto, até onde tivemos
acesso, as demais leis apenas punem pessoas jurídicas (públicas ou
privadas) que cometam aqueles atos. Já a lei paulistana prevê, de forma
mais ampla:
262
discriminação no âmbito dos Municípios. Em sociedades descentradas,
sem grandes vínculos de tradição e, aparentemente, refratária à política,
é um dado sobremaneira interessante perceber como esses movimentos
possibilitam a (re)produção da idéia de “identidade de grupo”. Assim,
apesar de locais, não se pode negar que essas ONG’s estão entre os
movimentos mais atuantes pela defesa de Direitos Humanos na
atualidade e do que se pode denominar hoje “sociedade civil organizada.
Como ressalta ANJOS (2002, p. 227):
colabora para um real conhecimento daquilo que vem sendo criado para
nos dar maiores garantias já que o quadro político brasileiro ainda é
bastante radical e preconceituoso. A história das Ongs tem sido importante
para trazer visibilidade a causas que até então, viviam em guetos e digo
isso referindo-me a questões como violência contra a mulher, o negro, aos
deficientes físicos, etc. Dessa forma, participar ou estar próximo de uma
Ong Glbt é, para mim, acreditar que pequenas revoluções é que permitirão
uma verdadeira mudança da sociedade.
264
unânime) na proteção dos direitos LGBT, além de um Decreto
Municipal304. Quanto à atual composição da Câmara, mostra-se
confiante no trabalho de advocacy que a ONG tem feito305.
Em 2008 o Município reconheceu o MGRV como entidade de
“utilidade pública”. O Município possui um programa de prevenção
de DST/AIDS, que atua em convênio com a ONG.
304
O Decreto 3902/09 “[d]etermina aos órgãos da Administração Pública Municipal
e da iniciativa privada que observem e respeitem o nome social de travestis e
transexuais”. Entre seus “Considerando”, lembra, entre outras razões, os arts. 1º,
III; 3º, I e IV; 4º, II e 5º, caput da CR/88, além da Lei Estadual 14170/02 (que “[d]
etermina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado
contra pessoa em virtude de sua orientação sexual no Estado de Minas Gerais”) e a
Lei Municipal 4172/07 (“que dispôs sobre a ação do município contra as práticas
discriminatórias por orientação sexual”).
305
Leandro Andrade visualiza na aprovação das leis a oportunidade para que a questão
LGBT seja debatida, o que pode “colaborar para uma maior reflexão frente ao
público alvo dessas leis, podendo garantir uma maior segurança”.
265
dos Direitos Humanos (do governo federal), oferece “orientação
jurídica, psicológica e social” à população LGBT (e familiares) vítima
de discriminação. Sob a coordenação/participação do Centro foram
realizadas as Conferências Municipal, Estadual e Nacional LGBT e a
I e II Mostra da Diversidade Cultural LGBT.
3) Movimento Gay de Alfenas e Região Sul de Minas – MGA
266
6. RETROCESSOS NAS LEGISLAÇÕES E POLÍTICAS
LOCAIS
Após anos de avanços nos âmbitos estadual e municipal no
reconhecimento de direitos da minoria LGBT o país passa por um
movimento de “backlash” promovido por movimentos conservadores
normalmente relacionados com grupos religiosos. Uma das grandes
bandeiras desse grupo está na construção da tese (falaciosa) de que
estaria havendo no Brasil a imposição de uma “ideologia de gênero”
nas escolas que buscaria “converter” crianças e adolescentes a se
tornarem LGBT. Partem de uma essencialização dos sexos com
fixação de papéis de homens e mulheres (gênero como ideologia),
e.g., cabe à mulher o trabalho doméstico e a criação dos filhos (ainda
que trabalhe fora). A ideia, surgida em círculos conservadores da
Igreja Católica, ganhou muita força na América Latina e no Brasil
foi abraçada pelas bancadas religiosas presentes nos parlamentos –
nacional, estaduais e municipais.
Assim é que em 2014, quando da aprovação do Plano Nacional
de Educação (lei 13.005/14), foi retirada a referência a “gênero” – um
retrocesso imenso se considerado que a discussão sobre “educação em
sexualidade” faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde
a década de 1990 –; em 2011 já havia ficado famosa a mobilização de
grupos conservadores contra um pseudo “kit gay” que o Ministério
da Educação estaria produzindo para ser distribuído nas escolas
(PEREIRA; BAHIA, 2011).
A partir daí foi criada uma estratégia de aprovação de leis
municipais e estaduais que proíbem professores de falarem sobre
gênero e sexualidade. Vários Municípios aprovaram leis nesse sentido –
todas elas com redações quase idênticas, já que partiam de um mesmo
“modelo” –, em um movimento em sentido oposto ao que víamos
falando dos entes locais como esferas mais progressistas da Federação,
inclusive com a revogação de leis que tratavam de “gênero” como um
tema a ser discutido em escolas locais. Mais ainda, o movimento passa
a incentivar o monitoramento ideológico de professores com ameaça,
inclusive, de tomada de medidas administrativas e/ou judiciais contra
aqueles ou as escolas.
267
Mais uma vez tem cabido ao Judiciário prover decisões que façam
valer o compromisso democrático, pluralista e inclusivo da Constituição,
inclusive quando esta fala da educação. O STF, por exemplo, declarou
inconstitucionais as leis contra “ideologia de gênero” dos Municípios
de Londrina (PR) e Nova Gama (GO) (ADPF 600-MC e 457) – em
sentido similar tramitam no Tribunal as: ADPF’s. 461, 462, 466, 467
e 526 e a ADI. 5537. O Ministro Luís R. Barroso, Relator da ADPF.
600, chama a atenção para vários problemas da lei questionada:
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na ADPF. 457 o Min. Alexandre de Moraes (Relator) ainda acrescenta que a lei,
306
269
REFERÊNCIAS
271
discriminação no âmbito dos Municípios. Em sociedades descentradas,
sem grandes vínculos de tradição e, aparentemente, refratária à política,
é um dado sobremaneira interessante perceber como esses movimentos
possibilitam a (re)produção da idéia de “identidade de grupo”. Assim,
apesar de locais, não se pode negar que essas ONG’s estão entre os
movimentos mais atuantes pela defesa de Direitos Humanos na
atualidade e do que se pode denominar hoje “sociedade civil organizada.
Como ressalta ANJOS (2002, p. 227):
colabora para um real conhecimento daquilo que vem sendo criado para
nos dar maiores garantias já que o quadro político brasileiro ainda é
bastante radical e preconceituoso. A história das Ongs tem sido importante
para trazer visibilidade a causas que até então, viviam em guetos e digo
isso referindo-me a questões como violência contra a mulher, o negro, aos
deficientes físicos, etc. Dessa forma, participar ou estar próximo de uma
Ong Glbt é, para mim, acreditar que pequenas revoluções é que permitirão
uma verdadeira mudança da sociedade.
264
unânime) na proteção dos direitos LGBT, além de um Decreto
Municipal304. Quanto à atual composição da Câmara, mostra-se
confiante no trabalho de advocacy que a ONG tem feito305.
Em 2008 o Município reconheceu o MGRV como entidade de
“utilidade pública”. O Município possui um programa de prevenção
de DST/AIDS, que atua em convênio com a ONG.
304
O Decreto 3902/09 “[d]etermina aos órgãos da Administração Pública Municipal
e da iniciativa privada que observem e respeitem o nome social de travestis e
transexuais”. Entre seus “Considerando”, lembra, entre outras razões, os arts. 1º,
III; 3º, I e IV; 4º, II e 5º, caput da CR/88, além da Lei Estadual 14170/02 (que “[d]
etermina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado
contra pessoa em virtude de sua orientação sexual no Estado de Minas Gerais”) e a
Lei Municipal 4172/07 (“que dispôs sobre a ação do município contra as práticas
discriminatórias por orientação sexual”).
305
Leandro Andrade visualiza na aprovação das leis a oportunidade para que a questão
LGBT seja debatida, o que pode “colaborar para uma maior reflexão frente ao
público alvo dessas leis, podendo garantir uma maior segurança”.
265
dos Direitos Humanos (do governo federal), oferece “orientação
jurídica, psicológica e social” à população LGBT (e familiares) vítima
de discriminação. Sob a coordenação/participação do Centro foram
realizadas as Conferências Municipal, Estadual e Nacional LGBT e a
I e II Mostra da Diversidade Cultural LGBT.
3) Movimento Gay de Alfenas e Região Sul de Minas – MGA
266
6. RETROCESSOS NAS LEGISLAÇÕES E POLÍTICAS
LOCAIS
Após anos de avanços nos âmbitos estadual e municipal no
reconhecimento de direitos da minoria LGBT o país passa por um
movimento de “backlash” promovido por movimentos conservadores
normalmente relacionados com grupos religiosos. Uma das grandes
bandeiras desse grupo está na construção da tese (falaciosa) de que
estaria havendo no Brasil a imposição de uma “ideologia de gênero”
nas escolas que buscaria “converter” crianças e adolescentes a se
tornarem LGBT. Partem de uma essencialização dos sexos com
fixação de papéis de homens e mulheres (gênero como ideologia),
e.g., cabe à mulher o trabalho doméstico e a criação dos filhos (ainda
que trabalhe fora). A ideia, surgida em círculos conservadores da
Igreja Católica, ganhou muita força na América Latina e no Brasil
foi abraçada pelas bancadas religiosas presentes nos parlamentos –
nacional, estaduais e municipais.
Assim é que em 2014, quando da aprovação do Plano Nacional
de Educação (lei 13.005/14), foi retirada a referência a “gênero” – um
retrocesso imenso se considerado que a discussão sobre “educação em
sexualidade” faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde
a década de 1990 –; em 2011 já havia ficado famosa a mobilização de
grupos conservadores contra um pseudo “kit gay” que o Ministério
da Educação estaria produzindo para ser distribuído nas escolas
(PEREIRA; BAHIA, 2011).
A partir daí foi criada uma estratégia de aprovação de leis
municipais e estaduais que proíbem professores de falarem sobre
gênero e sexualidade. Vários Municípios aprovaram leis nesse sentido –
todas elas com redações quase idênticas, já que partiam de um mesmo
“modelo” –, em um movimento em sentido oposto ao que víamos
falando dos entes locais como esferas mais progressistas da Federação,
inclusive com a revogação de leis que tratavam de “gênero” como um
tema a ser discutido em escolas locais. Mais ainda, o movimento passa
a incentivar o monitoramento ideológico de professores com ameaça,
inclusive, de tomada de medidas administrativas e/ou judiciais contra
aqueles ou as escolas.
267
Mais uma vez tem cabido ao Judiciário prover decisões que façam
valer o compromisso democrático, pluralista e inclusivo da Constituição,
inclusive quando esta fala da educação. O STF, por exemplo, declarou
inconstitucionais as leis contra “ideologia de gênero” dos Municípios
de Londrina (PR) e Nova Gama (GO) (ADPF 600-MC e 457) – em
sentido similar tramitam no Tribunal as: ADPF’s. 461, 462, 466, 467
e 526 e a ADI. 5537. O Ministro Luís R. Barroso, Relator da ADPF.
600, chama a atenção para vários problemas da lei questionada:
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na ADPF. 457 o Min. Alexandre de Moraes (Relator) ainda acrescenta que a lei,
306
269
REFERÊNCIAS
271
será necessário para melhor explicar o argumento que pretendemos
desenvolver a seguir.
O constitucionalismo transformador, característico das cartas
latinas da terceira onda de democratização, adotou a declaração de
direitos fundamentais como a instituição encarregada de, a um só
tempo, impedir que os abusos dos regimes autoritários se repetissem
e de garantir às sociedades latinas a almejada igualdade econômica
e social (GARGARELLA, 2018). No Brasil, o constitucionalismo
transformador nos legou uma constitucionalização de direitos
fundamentais que foi muito além de sua previsão abstrata, típica do
constitucionalismo liberal de inspiração estadunidense.
Para fins descritivos e explicativos, vamos elaborar algumas
categorias classificatórias do tipo de positivação dos direitos
fundamentais na Constituição da República brasileira, cujo objeto será
a redação dos dispositivos constitucionais323.
1) Positivação do tipo de direito: nesses casos, o constituinte
opta por declarar o tipo de direito fundamental protegido sem
maiores detalhes sobre seu alcance, limites, concorrência com outros
direitos ou forma de concretização legislativa. Nessa categoria, o
texto constitucional antecedente a declaração do direito por meio
de formulações como: “é livre”, “é assegurado”, “é garantido”. A
positivação pode levar em consideração, igualmente, a abrangência
pessoal desses direitos, variando da indicação negativa (“ninguém
será”) até formulações positivas (“a todos”). A partir desse tipo de
positivação, a Constituição enuncia os tipos de direitostitularizados
pelos brasileiros (direito à vida, liberdade de expressão, privacidade,
direito à saúde, etc).
Não obstante a natureza programática, dirigente e transformadora
da Constituição de 1988, esse tipo de positivação de direitos não nos
é estranha, por conta da tradição de nosso constitucionalismo de
reaproveitar, com leves e pequenas variações, as formulações textuais
das constituiçõesanteriores, inspiradas por diferentes ideologias
políticas324.
323
Na linha de Marcelo Neves (2013, p. 01), dispositivo ou texto constitucional será
tratado como a “forma linguística mediante a qual uma norma se expressa no plano
do direito positivo, particularmente o direito escrito”.
324
Seguem alguns exemplos ilustrativos, colhidos das Constituições Republicanas: 1)
281
2) Articulações dos tipos de direitos: diferentemente da espécie
de positivação anteriormente descrita, voltada à delimitação do tipo de
direito declarado, a Constituição opta pela articulação desses direitos
quando passa a enunciar alguns dos desdobramentos possíveis da sua
incidência normativa325. Os desdobramentos podem incluir seus limites
e sua modalidade de concretização legislativa.Portanto, nesse tipo de
positivação, o texto constitucional não inova no tipo de direito protegido,
mas dispõe, de maneira não exaustiva,algumas de suas articulações.
Por exemplo, a CRFB/88 positiva a intimidade como tipo de direito
(art. 5º X) e articula, logo em seguida, que a casa e as correspondências
são invioláveis (art. 5º XI e XII). É comum verbalizarmos que temos
direito à inviolabilidade de nossas correspondências pessoais, no
entanto, em verdade, essa é apenas uma das possíveis articulações do
direito à intimidade positivado abstratamente. Dito de outro modo,
a proteção de nossa casa, dados e comunicações representa um
interesse decorrente de nossa intimidade, não podendo o Estado, sem
justificativas fortes, interferir nesse aspecto da liberdade individual.
Somos titulares da livre manifestação do pensamento (art. 5º IV), a
partir da qual podemos articular o direito de resposta (art. 5º V), de
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei” (CRFB/88, art. 5º, II; C /67, 150, § 2º; C /46 art. 141, § 2º; C /1891 art. 72º, §
1º); 2) “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (CRFB/88, art. 5º,
XI; C /67, 150, § 10º; C /46 art. 141, § 15º; C /1891 art. 72º, § 11º); 3) não haverá
prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (CRFB/88, art. 5º,
LXVII; C /67, 150, § 17º). Os trabalhos de José Afonso da Silva, ainda que não seja o
objetivo do autor defender esta tese, demonstram a tradição de replicação redacional
dos textos constitucionais. Lynch e Mendonça (2017, p. 994) indica que essa tese
é compartilhada por importantes autores da ciência política e por eles mesmos (“a
despeito de inovações, o texto da Carta de 1988 se aproxima suficientemente daquele
de sua antecessora, a de 1967-69 ... )”.
325
Tomamos emprestado de Sadurski (2002, p. 282) a expressão “articulação de direitos”,
que significa, em tradução livre, as “especificações sobre a aplicação preferencial
de um direito fundamental genérico a uma questão concreta”. Importante ressaltar
que estamos operando no nível textual, sem, portanto, nos comprometermos com
afirmações sobre o conteúdo jurídico de um direito fundamental, tampouco com
o debate analítico sobre como podemos categorizar, estruturalmente, as normas
eventualmente extraídas desses dispositivos constitucionais.
282
liberdade de culto (art. 5º V), a livre expressão artística, científica e a
proibição de censura (art. 5º IX).
Essa espécie de positivação articuladora complementa a anterior.
Da garantia abstrata do tipo de direito, diversas articulações sobre
ele podem ser formuladas e, algumas delas, encontraram acolhida
constitucional textual; enquanto outras podem, ou não, ser atribuídas
ao texto constitucional326. A partir dapositivação abstrata da livre
manifestação do pensamento, sabemos que não podemos ser cesurados
previamente pelo Estado como uma articulação concreta, mas não
está claro no texto se a exclusão sumária de contas em redes sociais
privadas se encaixaria naquela vedação. A falta de certeza não significa
a impossibilidade de atribuirmos essa articulação não positivada ao
texto constitucional, a qual, caso haja alguma manifestação institucional,
passará a fazer parte da leitura da Constituição. Em síntese, a partir
dos tipos de direitos genéricos, a Constituição positiva algumas de suas
articulações, o que não exclui a possibilidade de atribuirmos ao texto do
tipo de direito outras não positivadas, no entanto essas hipóteses escapam
desta classificação por não cumprirem com a premissa da categorização
de tomar como objeto apenas os dispositivos constitucionais.
3) Positivação de políticas públicas: especialmente na seara dos
direitos sociais, os quais encontram a positivação de tipo 1 no art. 06
da CRFB/88, a Constituição vai além da mera articulação, e alcança o
tipo de política pública a ser implementada para a concretização dotipo
de direito. Como sugerem Couto e Lima (2016), uma política pública é
composta por três elementos: a) objetivos: aquilo que a política pública
busca concretizar;b) instrumentos: englobamosmeios para a concretização
do objetivo e c) parâmetros:estipulação das especificações detalhadas dos
instrumentos eleitos para a implementação dapolítica.
A inspiração para a ideia está em Alexy (2008, p. 71), muito embora nossa proposta
326
classificatória não se confunda com o conceito semântico de norma por ele esposado.
A partir de enunciados normativos, diferentes normas podem ser extraídas, as quais
poderão ser atribuídas aos primeiros como normas de direitos fundamentais válidas.
As normas se caracterizam pela formulação a partir de modais deonticos. Para fins
de categorização, nem todos os dispositivos constitucionais que positivam direitos
fundamentais são formados por modais deonticos (Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, ... , na forma desta Constituição). Por essa razão, a classificação
por tipo de positivação nada tem que ver com a teoria dos direitos de Alexy, apenas
utilizamos a ideia de atribuição de forma adaptada.
283
A política pública e seus elementos eleitos pela Constituição
para concretizar o direito à saúde (art. 06 da CRFB/88) estão, por
exemplo, positivados. É possível identificar, por exemplo, que aquele
tipo de direito abstrato objetiva “à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196 da CRFB/88).
O instrumento que viabiliza a política pública é o Sistema Único de
Saúde (art. 198 da CRFB/88) e os parâmetros de seu funcionamento,
incluindo seu financiamento (art. 198, § 1º da CRFB/88), estão
elencados em norma constitucional específica e na lei do SUS327.
4) Direitos não positivados (direitos implícitos e os não
enumerados): por fim, há um conjunto de direitos fundamentais que
não se encontra positivado no texto constitucional, muito embora a
falta de institucionalização política formal não afete sua natureza. Os
direitos não positivados podem decorrer do regime constitucional ou de
inserções originais à declaração de direitos. Os Direitos Fundamentais
decorrentes, em nossa tradição constitucional, são reconhecidos pela
cláusula de abertura do § 2º do art. 5º. Pensamos que os direitos
decorrentes nada mais são que articulações possíveis atribuíveis aos
tipos de direito já positivados, como o direito ao esquecimento, o
qual pode ser lido como o desdobramento do direito à privacidade
e dos limites impostos à liberdade de expressão. Por outro lado,
direitos não enumerados representam adições originais de tipos de
direitos à declaração positivada328, como o direito à identidade genética
reconhecido pelo STF329.
Feitas as digressões necessárias, podemos seguir com os cuidados
metodológicos que pesquisadores do tema precisam tomar ao analisar
o texto das constituições estaduais.
327
Cf. art. 200 e Lei Federal 8.080/90.
328
Reconhecemos que a distinção entre direitos decorrentes e não enumerados é tênue
e, talvez, inexistente. A inserção de um tipo de direito novo pode se justificar pela
sua decorrência dos preceitos garantidos pela República. Por outro lado, uma nova
categoria de direito sempre poderá ser traduzida como a articulação de dois ou mais
outros tipos de direitos. No entanto, o argumento desenvolvido neste trabalho não
é afetado se o leitor ou leitora advogarem a indistinção entre ambas as categorias,
pois nosso foco é a positivação.
329
RE 363.889/DF, Plenário, DJe 02/06/2011, Rel. Dias Toffoli.
284
As escolhas políticas de organizar um Estado como uma federação
e conceder às unidades federadas a competência para criar normas
constitucionais que veiculem direitos fundamentais não resulta em
uma evidênciaautomática da sua capacidade em promover liberdade
individual. Essa é uma hipótese que precisa ser confirmada a partir de
uma pesquisa empírica sobre o funcionamento da federação que leve
em conta uma série de fatores políticos e jurídicos.
O federalismo brasileiro tem como função primordial assegurar
que as desigualdades regionais não afetem o desenvolvimento político-
social nacional, portanto, não é da vocação de nossa República
federativa ampliar o espaço de liberdade individualpara além da esfera
nacional.Portanto, uma análise sobre direitos fundamentais estaduais
não pode esquivar-se de responder ao seguinte questionamento:
nosso federalismo comporta a atribuiçãode direitos fundamentais
regionalizados que desempenham o mesmo papel daqueles garantidos
pela Constituição da República?
Para responder a esse questionamento, o pesquisador ou a
pesquisadora não poderão limitar-se a realizar uma investigação que
tenha como base comparativa a redação ou o tipo depositivação do
direito fundamental na Constituição da República. Há, pelo menos, dois
argumentos que servem para desestimar essa abordagem metodológica:
um empírico, sobre a função desses direitos na jurisdição constitucional
estadual e outro, sobre o tipo de positivação dos direitos.
Trabalhos acadêmicos que criam categorias comparativas baseadas
na redação dos dispositivos das constituições estaduais são pouco
frutíferos, uma vez que partem do pressuposto de que estãotratando
de direitos que estariam, supostamente, no mesmo patamar jurídico
dos direitos da CRFB e que seriam efetivamente aplicados como tais
pelos órgãos regionais constituídos.
A metodologia das comparações textuais feitas entre a
Constituição da República e as estaduaisou a de singularizar textos
estaduais acrescenta muito pouco ao debate, uma vez que ignora o
aspecto empírico necessário para justificar seu emprego. Pesquisas
demonstram, por exemplo, que o fato de as Constituições estaduais
apresentarem positivação de direitos idêntica à federal não significa
que as Cortes estaduais seguiram o mesmo parâmetro interpretativo
285
desenvolvido pela Suprema Corte dos Estados Unidos (BRENNAN,
1977, p. 495). Ou seja, a redação idêntica de um dispositivo
compartilhado por ambas as constituições não implica a mesma
interpretação dos direitos fundamentais nos diferentes níveis da
federação.Portanto, pode não condizer com a verdade a sugestão de
que os dispositivos comportam direitos ‘iguais’ sem uma investigação
interpretativa profunda. O diagnostico da semelhança redacional
não extrapola o nível textual, não alcançado o necessário nível da
norma constitucional. Por outro lado, a decisão constituinte de criar
dispositivos textuais supostamente originais sobre a articulação de
direitos abstratos positivados na Constituição federal pode não resultar
no desenvolvimento de interpretações constitucionais autônomas no
âmbito regional (FERCOT, 2008, p. 317).
As declarações de direitos não sãocláusulas contratuais, cuja
literalidade e a intenção dos seus subscritores330sãosuficientes para
sabermos, de antemão, os resultados sobre as articulações preferenciais
não positivadas acerca dos direitos fundamentais. Se pedisse a um
estrangeiro que lesse os dispositivos de nossa Constituição, sem
atenção aos precedentes do STF ou ao nível de desenvolvimento
humano brasileiro, ele não saberia responder com segurança se fetos
anencefálicos podem ser abortados e secasais do mesmo sexo podem
formar uma família.
A partir da análise empírica sobre a natureza desses direitos
estaduais, será possível iniciar a construção de um argumento
explicativo sobre a função desempenhada por esses direitos
fundamentais estaduais. Ou seja, se não for possível constatar a
utilização desses direitos como vetos à produção política federal e/ou
o desenvolvimento de interpretações autônomas sobre seu significado,
Podemos sustentar essa afirmação com certa folga, uma vez que nenhum autor
330
331
A Constituição do Pará, desde 2007 (EC nº 36/07), garante que ninguém será
discriminado por sua orientação sexual (art. 3, IV). O art. 3, IV da CRFB/88
não contempla a vedação à discriminação por orientação sexual positivada na
Constituição paraense, mas não significa, automaticamente ou no nível textual, que
não seja possível extrair essa mesma vedação a partir de uma articulação possível e
atribuível aos dispositivos republicanos, como é possível concluir pela jurisprudência
recente do STF (ADI 4277, ADO 26, ADPF 467). Como será explorado
posteriormente, se defendermos a existência de uma desigualdade regional forte,
isso poderia significar que um brasileiro pode ser discriminado por sua orientação
sexual no Maranhão, mas bastará cruzar a fronteira com nosso Estado para se sentir
protegido, porque esse seria um direito geograficamente localizado. Além de, como
já referido anteriormente, a função desempenha pelos direitos depende de uma
análise empírica, ou seja, precisamos investigar o grau de sucesso dessa garantia no
Estado. Por fim, o Estado do Pará enfrentará grandes dificuldades para concretizar
legislativamente esse direito no âmbito trabalhista, contratual e criminal. Se o leitor
ou leitora redarguir que o dispositivo estadual opera como uma diretriz ou como
um valor simbólico regional, então nosso ponto está provado: não se trata de um
direito fundamental. Ou alguém vai defender que a única função a ser desempenhada
pelos direitos fundamentais é a de servir como um lindo e valioso troféu intocável
e amarrado pelas competências legislativas da União?
332
A Constituição paraense garante aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade
no transporte coletivo rural (art. 295, § 5º), ao passo que a da República se limita
ao transporte urbano (art. 230, § 2º). Nesse exemplo, podemos sustentar que a
287
uma investigação extensiva na moralidade política regional, a partir
da prática política legislativa e jurisprudencial do Tribunal de Justiça,
capaz de identificar os eventuais direitos, especificamente, regionais não
positivados (decorrentes ou não enumerados), qualquer metodologia
comparativa será lacunosa.
A junção dos argumentos empírico e da positivação contra a
metodologia da comparação intertextual, ademais, joga luzes para
a possível indiferenciação entre normas constitucionais estaduais
e leis estaduais (MAUÉS, 2005)333, ponto pouco explorado pelos que
se aventuram por essas estradas. A positivação de dispositivos que
veiculam articulações sobre os direitos ou de instrumentos e parâmetros
de políticas públicas pode se confundir com a produção legislativa que
seria da competência concorrente ou privativa do Estado.
Enfraquecida pelo princípio da simetria, a ação constituinte de
positivar direitos fundamentais nas constituições estaduais pode, por
exemplo, cumprir a função de reforçar as diretrizes a serem seguidas
pela legislação estadual complementar, sem que isso signifique atribuir
a esses direitos estaduais a categoria de fundamentais334. Ou seja,
umasubunidade que não disponha de uma declaração de direitos
estaduais335 pode reforçar essas mesmas diretrizes nacionais a partir
Para essa hipótese, estamos sugerindo ir além do texto e em direção à norma. Para
338
339
Essa é a tese da primazia dos direitos fundamentais estaduais, que advoga que direitos
individuais advém, precipuamente, de dispositivos estaduais, e o recurso ao direito
federal só se justificaria nos casos de complementações. (VAN CLEAVE, 1998, p.
214).
340
Maués e Fadel (2019, p. 51) identificam que alguns ministros têm reconhecido a feição
centralizadora da jurisprudência do STF e demonstram que o discurso pesaroso não
resultou em câmbios interpretativos relevantes ou expressivo nos últimos anos.
291
estadual um laboratório de experiências legislativas341,não encara o
constitucionalismo estadual como um valor político autônomo. Pelo
contrário, esta leitura parte do pressuposto de que a atribuição de
certa autonomia legislativa aos Estados os transforma em cientistas a
soldo da União para que produzam resultados, sejam eles positivos ou
negativos. Caso sejam benéficos ou produtivos, o experimento poderá
ser replicado, livre de riscos,pela União (BLOCHER, 2011, p. 343). Em
outras palavras, a tese do laboratório está interessada na consequência,
no que deu certo em um Estado para que sirva de exemplo para outro
oupara a União.
-x-
ADI 2922 (Voto do Min. Gilmar Mendes) e RE 730.721/SP (Voto do Min. Edson
341
Fachin).
292
bem como com os tratados do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos e com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
humanos. A tese fraca, a pretexto de manter a coesão do federalismo
cooperativo brasileiro, acaba por esvaziar a natureza jurídica protetiva
dessa categoria de direitos, já constrangidos pelas regrassobre a
competência legislativa privativa, concorrente e pela vedação de
inovações institucionais imposta pela simetria, mas que também
acabam desprivilegiados em detrimento de normas internacionais de
direitos humanos que transitam desembaraçados sobre todo o território
nacionalrespaldados pela cláusula federal342.
Estudos sobre direitos fundamentais estaduais dependem da
interpretação do pesquisador sobre a sua relação com o direito à
igualdade titularizado pelos brasileiros, para que possa, então, explicar
o lugar das desigualdades regionais fraca ou forteem nosso arranjo
federal. Todavia, toda a discussão feita nessa seção só fará sentido
se houver espaço para uma interpretação constitucional estadual
autônoma e independente da federal, assunto do próximo tópico.
342
Estados federais respondem pelos atos ilícitos internacionais de seus entes
federados violadores de direitos humanos sediados em tratados internacionais. Ou
seja, a organização federal do estado não é uma excludente de responsabilidade
internacional de um Estado soberano. (CARVALHO RAMOS, 2004, p. 194-195).
Portanto, para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, pouco importa que
haja um nível de proteção de direitos estadual complementar ou contraposta ao
nível federal, se ambos os níveis não alcançarem o patamar da produção normativa
internacional, o Estado ainda assim será responsabilizado. Como exemplo de cláusula
federal, cf. o art. 28 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
293
locais. Um direito fundamental estadual, portanto, regionalmente
localizado e particular, deve apresentar um conteúdo jurídico próprio e
independente de uma possível articulação decorrente de um congênere
positivado na Constituição da República343.
Há pelo menos, duas rotas que podem ser tomadas para aferirmos
se há espaço para a formulação e manutenção de interpretações
estaduais autônomas sobre direitos fundamentais: o reconhecimento
normativo ou jurisprudencial de uma doutrina da intangibilidade e a
prática interpretativa do Tribunal de Justiça nas decisões em controle
abstrato.
1) Uma doutrina sobre a autonomia interpretativa estadual.
Direitos fundamentais estaduais precisam dispor de conteúdos
autônomos em relação àqueles formulados no plano federal para
que possam desempenhar suas funções de liberdade e igualdade. A
autonomia interpretativa assegura aos direitos estaduais um conteúdo
original e regionalmente específico, apto a fazer frente aos eventuais
desmandos das autoridades locais, de outros Estados e da União
(em sua versão forte). A defesa dessa interpretação autônoma pode
ser encontrada na Constituição federal ou na interpretação da Corte
Suprema. Infelizmente, no caso brasileiro, não é possível sustentar
que haja qualquer vestígio de uma interpretação estadual autônoma
no campo dos direitos estaduais.
1.1. Indícios textuais. Interpretada em seu conjunto, não é possível
extrair do texto constitucional republicano qualquer proposição
jurídica capaz de respaldar a autonomia das interpretações judiciais
baseadas em normas constitucionais estaduais agasalhadoras de direitos
fundamentais. A extensa quantidade de competências privativas da
União, por exemplo, reduz o campo de mobilização necessária aos
direitos fundamentais no nível estadual.
Um Estado que pretenda atribuir à mulher o direito fundamental
de abortar até o terceiro mês de gravidez, como uma articulação
desigualdade, pois esse conteúdo próprio pode servir, tanto para justificar a
complementação da esfera de direitos federais, como para reforçar a utilização dessas
interpretações contra interpretações do STF sobre o mesmo direito. Como é possível
observar, aqui a preocupação não se limita às determinações dos dispositivos, mas
das normas que podem ser extraídas a partir deles.
294
possível do direito à vida, esbarrará na intransponível competência
privativa da União para legislar sobre Direito Penal (art. 22, I da CRFB).
Por outro lado, um Tribunal de Justiça Estadual não poderá, com base
na Constituição estadual, declarar a inconstitucionalidadede toda a lei
federal que regulamentou o direito de resposta (Lei nº 13.188/2015) por
considerar essa articulação violadora da liberdade de expressão estadual,
contrariando, em consequência, o texto da República e a jurisprudência
do STF (ADPF 130). Essa interpretação constitucional estadual, além
de se contraporao texto federal expresso (art. 5º, V da CRFB/88),
além do mais, estará sujeita a um sistema de impugnação de decisões
judiciais que não acomoda a manutenção de uma decisão emanada de
tribunal de justiça porque baseada em norma constitucional estadual344.
A decisão do Tribunal de Justiça poderá ser revista, substituída ou
cassada a depender do meio de impugnação. Pela proximidade temática
com os direitos fundamentais positivados no texto da constituição da
república, sempre estará à disposição dos legitimados, a propositura de
uma ADPF para questionar decisão do TJ que se baseou na articulação
de um direito fundamental estadual.
lo para outro que não seja o estadual (ADI 347), ainda que a norma utilizada como
parâmetro seja de reprodução obrigatória pelo Estado (Rcl 383) ou se trate de norma
remissiva (Rcl 733). Mais recentemente, o STF foi mais longe e admitiu competir
ao TJ o exercício do controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais
296
violadora de direitos fundamentais estaduais. O acórdão, portanto,
deverá basear-se, principalmente, em algum dispositivo constitucional
estadual e o grau de sua autonomia poderá ser aferido a partir dos
demais fatores interpretativos utilizados pelo tribunal de justiça para
julgar a ADI estadual.
O tribunal poderá, por exemplo, ao declarar que uma lei estadual
contraria a Constituição Estadual, lançar mão de normas da Constituição
federal, de doutrina nacional sobre regras federais e da jurisprudência
do STF. Nos parece que esses fatores interpretativos de origem federal,
lidos concomitantemente à norma constitucional estadual, diminuem
a autonomia interpretativa do direito constitucional estadual levada
a cabo pelo Tribunal de Justiça, o qual estará mais próximo de uma
sucursal do STF na revisão judicial de leis estaduais, do que de uma corte
competente para exercer o controle de constitucionalidade abstrato
com base em um parâmetro de conteúdo autônomo.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO
PARAENSE: DO DESEJO INOVADOS À DECEPÇÃO
DA DESIMPORTÂNCIA346.
Trata-se de uma articulação possível dos seguintes artigos da CRFB/88: Art. 7º São
351
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXVI - reconhecimento
das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da
automação, na forma da lei.
300
não prevista textualmente na constituição federal352. Esse tipo de
desigualdadefraca incentivaria uma competição entre as entidades da
federação pelos trabalhadores mais qualificados, quepoderão escolher
os Estados onde irão residir e trabalhar com base no conjunto de
normas trabalhistas mais protetivas a sua saúde. Em segundo lugar,
a desigualdade regional em sentido forte faria com que essa regra
estadual se sobrepusesse ao estipulado na CLT, por exemplo, norma
de caráter nacional (Art. 22, I da CRFB/88). Resultado pouco provável
se levarmos em consideração a leitura centralizadora do federalismo
adotada pelo STF.
Como havíamos argumentado na primeira parte do trabalho, o
estudo dos direitos fundamentais estaduais depende da tomada de
posição sobre a liberdade, igualdade e independência interpretativa, sob
pena de qualquer previsão textual ser tomada como norma de cunho
constitucional vinculante e operativa. O conteúdo jurídico e a natureza
de direito fundamental do art. 5, § 4º353 da CE/PA conflitam com o
352
Em âmbito federal, no entanto, a CLT dispõe no art. 483, c) que o empregado pode
considerar rescindido o contrato de trabalho quando correr perigo manifesto de mal considerável.
Além disso a Norma Regulamentadora (NR) nº 01, do extinto Ministério do
Trabalho, e Emprego dispõe que “1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas
atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva
um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao
seu superior hierárquico.”, além de disposições de teor semelhante poderem ser
localizadas em outras NRs, Este é o denominado Direito de Recusa ao trabalho.
Além disso, há previsão semelhante na Convenção 155 da OIT (Decreto Executivo
10.088/2019), art. 13 (greve ambiental trabalhista,) e art. 19, f). É bem verdade
que não é possível extrair desse conjunto normativo federal ou nacional que a
pessoa “não perderá o emprego” em razão dessa recusa, mas endentemos como
uma garantia implícita ou uma garantia que se insere nesse “círculo” protetivo
do trabalhador. Na jurisprudência trabalhista, foi possível localizar, a partir de
termos como, “greve ambiental”, o reconhecimento pelo TST da possibilidade de
deflagração de greve em razão das condições ambientais que coloquem em risco a
saúde e integridade do trabalhador, denominada como “excludente de abusividade de
greve” (RO-80399-40.2016.5.07.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,
Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado) (RO-1001747-35.2013.5.02.0000,
Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Kátia Magalhães
Arruda, DEJT 19/05/2017).
353
Ninguém poderá ser penalizado, especialmente com a perda do cargo, função ou
emprego, quando se recusar a trabalhar em ambiente que ofereça iminente risco de
vida, caracterizado pela respectiva representação sindical, não se aplicando o aqui
301
tipo de federalismo cooperativo, sensível às clivagens regionais, e se
contrapõem à competência legislativa privativa da União sobre Direito
do Trabalho. Portanto, outra previsão de pouca valia.
Nos termos da constituição paraense, é assegurado aos ministros
de cultos religiosos, pertencentes a religiões legalmente existentes no
Brasil, o livre acesso a hospitais, estabelecimentos penitenciários e
delegacias de polícia para que possam prestar assistência religiosa e
espiritual354. À primeira vista, a redação do dispositivo se assemelha
ao texto federal355, no entanto, a impressão é logo dissipada ao nos
depararmos com a delimitação dessa modalidade de assistência apenas
às religiões “legalmente existentes”.
A liberdade de culto é protegida pela Constituição republicana,
que não exige das denominações religiosas qualquer tipo de autorização
legal como condição de reconhecimento. Não estamos, portanto,
falando dosrequisitos administrativos necessários para o funcionamento
desembaraçado de templos religiosos (art. 19, I), mas da exigência de
registro público de uma religião para que seus representantes possam
prestar assistência em órgãos públicos.Não há qualquer tipo de
discriminação religiosa que tenha por base seu reconhecimento legal
na lei federal que regulamenta o direito em discussão356.
A Constituição estadual, portanto, limita um direito constitucional
federal e essa limitação só pode operar dentro de uma dogmática
constitucional que acolha uma doutrina sobre pisos/tetos de proteção
aos direitos fundamentais ou a independência e primazia interpretativa
do direito constitucional estadual. Ou seja, em outros Estados da
disposto aos casos em que esse risco seja inerente à atividade exercida, salvo se não
for dada a devida proteção.
354
É assegurado aos ministros de cultos religiosos, pertencentes a denominações
religiosas legalmente existentes no País, o livre acesso para visitas a hospitais,
estabelecimentos penitenciários, delegacias de polícia e outros congêneres, para
prestar assistência religiosa e espiritual a doentes, reclusos ou detentos.
355
Art. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva.
356
LEI No 9.982, DE 14 DE JULHO DE 2000. Art. 1o Aos religiosos de todas as
confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como
aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso
aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no
caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.
302
federação, membros de qualquer denominação religiosa poderão prestar
auxílio espiritual em ambientes prisionais, com exceção do Estado
do Pará, onde apenas os membros de grupo religioso legalmente
reconhecido estarão autorizados.
Ao final do Capítulo I, a Constituição paraense assegura que
ninguém será submetido a condições degradantes de trabalho ou a
práticas análogas ao trabalho escravo, no âmbito rural ou doméstico357.
Esse dispositivo não estava contemplado na redação original da carta
estadual e parececonferir uma proteção adicional ao estipulado no plano
federal, na forma de uma desigualdade regional fraca. Entretanto, a
vedação à escravidão é uma articulação normativa possível eatribuível
ao direito a não ser submetido a tortura nem a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III) e, o mais importante, essa já é uma proteção
garantida a todos os brasileiros por meio de tratados sobre direitos
humanos.
Desde 1966 fazemos parte da Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições
e Práticas Análogas à Escravatura da ONU (1956)358. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, desde 1992, garante
que nenhum brasileiro será submetido à escravidão, servidão ou
trabalhos forçados. A vedação está contemplada, também, em
provisões da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.
06).Ainda sobre o Sistema Interamericano, o Estado do Pará foi o
palco de paradigmático caso em que o Brasil foi condenado pela Corte
Interamericana e Direitos Humanos pela violação, entre outros, daquele
direito humano359, a demonstrar que esse dispositivo opera mais como
uma diretriz de ação, do que uma norma jurídica constitucional, uma
vez que os poderes públicos estaduais não foram capazes de sanar o
357
§ 6º. Nenhuma pessoa poderá ser submetida as condições degradantes de trabalho
ou a práticas análogas ao trabalho escravo, seja em ambiente doméstico ou rural,
nem a qualquer outro constrangimento que não os provenientes do ordenamento
constitucional da União e do Estado do Pará ( Parágrafo acrescido pela Emenda
Constitucional nº 25, de 11/05/2004, publicada no DOE Nº 30.190, de 12/05/2004)
358
Decreto Executivo 58.563/66.
359
Caso Trabajadores de laHacienda Brasil Verde Vs. Brasil. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de octubre de 2016. Serie C No.
318.
303
problema. Por fim, compete à União legislar sobre direito do trabalho
e criminal, relegando o texto estadual a uma valiosa diretriz.
360
Em razão da organização e divulgação de informações do site do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará (http://www.tjpa.jus.br), apenas acórdãos publicados entre 2006
e 2019 estão disponíveis para consulta pública via o buscador de jurisprudência
da corte ( http://gsa-index.tjpa.jus.br). Muito embora os dados deixem de fora
quase 20 anos de prática da corte regional, o lapso temporal nos parece suficiente
para extrair conclusões seguras sobre as tendências decisórias da corte, não apenas
porque representam a última década de produção jurídica, mas também porque nos
permitem avaliar a absorção da corte das mais recentes tendências dogmáticas e
jurisprudenciais. Agradecemos, enormemente, o Serviço de Jurisprudência do TJ/
PA, que nos enviou planilha das ADI e PDFs dos acórdãos publicados no período
acima referido. Dedicamos um agradecimento especial à servidora Ana Lucidéa, a
qual ficou responsável pela pesquisa e seleção dos dados.
304
constitucional autônoma, dotada de força própria e capaz de fornecer
conteúdos jurídicos próprios e originais.
Vamos começar pelo que nos interessa imediatamente nesse
estudo, e em seguida passaremos à exposição de outros dados valorosos
para futuras pesquisas sobre temas correlatos. Aproveitando as
categorias de Fallon (1987, p. 1.189-1.286), elencamos possíveis fatores,
tipicamente, utilizados por cortes supremas e constitucionais ao decidir
casos constitucionais. Entre eles, os mais importantes são: o texto
constitucional, precedentes constitucionais e argumentos doutrinários.
A partir desses fatores interpretativos genéricos, formulamos categorias
específicas, ajustadas para a análise de uma corte estadual.
Texto Constitucional: As decisões judiciais, de acordo nossa
hipótesesobre autonomia interpretativa, deverão basear-se em
esforços interpretativos capazes de demonstrar que os dispositivos
constitucionais estaduais utilizados como parâmetro para o controle
abstrato não dependem das normas federais para delas extrair o
conteúdo de suas prescrições. Pelo contrário: o controle abstrato deve
demonstrar que o parâmetro utilizado para avaliar a constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo será um texto normativo que exibe feições
culturais próprias e cujos direitos apresentarão articulações originais.
Precedentes Constitucionais: nenhuma teoria sobre interpretação
constitucional é capaz de explicar a prática de uma corte sem dar
conta do recurso aos seus próprios precedentes como forma de
complementação do texto constitucional. Portanto, decisões judiciais
passadas são uma inestimável fonte de informação sobre a forma pela
qual um dispositivo constitucional é interpretado, sendo possível afirmar
que os precedentes são repositórios de articulações de direitos atribuídas
aos tipos de direitos positivados, ainda que em forma não escrita ou
positivada. Uma interpretação autônoma exibirá um tribunal de justiça
que formula suas próprias interpretações através de seus próprios
precedentes, independentemente do decido anteriormente pelo STF,
fazendo com que suas decisões não sejam simples ou meras reproduções
de julgados anteriormente tomadas por nossa suprema corte.
Argumentos doutrinários: os horizontes de sentido de um texto
constitucional são determinados pelos confins que a cultura jurídica
contemporânea pode oferecer ao intérprete. Portanto, o material
305
doutrinário utilizado para dar suporte ao texto constitucional estadual
indicará autonomia quando for preenchido por autores e autoras
locais, devotadas a dar sentido a um texto fundacional regionalmente
localizado. Uma doutrina que vocalize as intenções do constituinte
paraense e explique o que esses dispositivos ou normas constitucionais
de estatura constitucional significam para o povo paraense e, em última
análise, para o funcionamento do Estado federado.
Nossa pesquisa demonstrou que o texto da Constituição Estadual
do Pará não é pavimentado com cimento de marca local. Ao julgar as
ações em controle abstrato, em sua maioria relativasao federalismo,
a Corte estadual recorria ao texto da Constituição da República para
explicar casos que envolviam leis que, supostamente, violavam norma
constitucional estadual (61% dos julgados). A corte não se contentava
com o recurso ao texto normativo estadual, fazendo uso do texto de
sua contraparte federal sempre que identificava alguma semelhança
entre eles.Em apenas um caso analisado a corte estadual utilizou como
fator interpretativo apenas o texto estadual.
Sempre que podia, ademais, a Corte Estadual preteria sua produção
jurisprudencial em detrimento de decisões do STF sobre temas
correlatos, transcrevendo trechos de ementas da suprema corte (63%
dos julgados). Nas poucas vezes em que citou um precedente próprio
(6,5% dos casos), fez uso da sistemática das ementas sem se aprofundar
em algum elemento que pudesse sugerir qualquer traço de originalidade
no precedente regional.O argumento da autonomia se enfraquece, ainda
mais, se dissermos ao leitor que o tribunal de Justiça paraense lançou
mão, em controle abstrato, de decisões das cortes estaduais de Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo, ou seja, decisões que podem ter se
baseado em texto constitucional estadual diverso.
Nas poucas vezes em que manejou argumentos doutrinários
de juristas paraenses (8,7 dos casos), a Corte fez uma mesma
referência ao ubíquo Zeno Veloso, em seu clássico Controle jurisdicional
de constitucionalidade. O peso das citações ao mestre diminui se
acrescentarmos a informação de que eram argumentos doutrinários
sobre a interpretação das leis federais 9.868/99 e 9.882/99 ou sobre
procedimento no controle abstrato, portanto, nada que nos desse
alguma pista a respeito de argumentos constitucionais formulados pelo
306
jurista, exclusivamente, para o texto estadual. Sobraram, no entanto,
referências a autores não paraenses, especialmente de manuais ou
cursos de direito constitucional, ocupados da exegese do texto da
Constituição da República (47,8 %).
307
constitucional não indica a qual conjunto de direitos fundamentais
se refere (estaduais ou federais), e se essa punição se diferencia das
punições administrativas eventualmente previstas nas regras sobre
servidores públicos estaduais.
O Art. 190 da Lei Estadual 5.810/1994estipula vinte hipóteses de
fatos que implicam a demissão do servidor público, mas em nenhuma
delas é possível identificar, explicitamente, a atribuição dessa modalidade
punitiva à violação de algumtipo de direito fundamental estadual, com
exceção do direito à integridade física350. O questionamento não é trivial,
uma vez que o Estatuto dos servidores, como esperado, cria punições
para ações que envolvam, principalmente, danos ao patrimônio, imagem
e ao erário públicos. Dessa forma, se um agente público violar o direito
à liberdade religiosa de uma pessoa, mas não tiver sido condenado
criminalmente, nenhuma punição adicional lhe será aplicada.
O parágrafo seguinte estipula que perderá mandato administrativo,
cargo ou função de direção o agente público que deixar de sanar, em
noventa dias, omissão inviabilizadora injustificada do exercício de
direito constitucional (art. 5º, 1º da CE/PA). É possível inferir que
‘agentes públicos’, para fins da constituição estadual, sejam aqueles que
ocupam cargos ou funções na Administração Pública direta e indireta
do Estado do Pará, não alcançando, portanto, agentes políticos como
Deputados Estaduais, Governadores e Juízes estaduais. A Constituição
do Estado não estipula o que seria uma omissão inviabilizadora, muito
embora possamos conjecturar que se trate de natureza administrativa.
A falta de uma lei estadual, para além de um ato administrativo,
pode ser a causa inviabilizadora da concretização de um direito
fundamental estadual. Entretanto, bastaria ao administrador justificar
da seguinte forma: “sinto muito, não há lei estadual que regulamente
esse dispositivo constitucional garantidor de direitos fundamentais,
portanto, não há medida administrativa que possa editar para
concretizá-lo”. Como não há responsabilização pela omissão legislativa
Trata-se de uma articulação possível dos seguintes artigos da CRFB/88: Art. 7º São
351
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXVI - reconhecimento
das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da
automação, na forma da lei.
300
não prevista textualmente na constituição federal352. Esse tipo de
desigualdadefraca incentivaria uma competição entre as entidades da
federação pelos trabalhadores mais qualificados, quepoderão escolher
os Estados onde irão residir e trabalhar com base no conjunto de
normas trabalhistas mais protetivas a sua saúde. Em segundo lugar,
a desigualdade regional em sentido forte faria com que essa regra
estadual se sobrepusesse ao estipulado na CLT, por exemplo, norma
de caráter nacional (Art. 22, I da CRFB/88). Resultado pouco provável
se levarmos em consideração a leitura centralizadora do federalismo
adotada pelo STF.
Como havíamos argumentado na primeira parte do trabalho, o
estudo dos direitos fundamentais estaduais depende da tomada de
posição sobre a liberdade, igualdade e independência interpretativa, sob
pena de qualquer previsão textual ser tomada como norma de cunho
constitucional vinculante e operativa. O conteúdo jurídico e a natureza
de direito fundamental do art. 5, § 4º353 da CE/PA conflitam com o
352
Em âmbito federal, no entanto, a CLT dispõe no art. 483, c) que o empregado pode
considerar rescindido o contrato de trabalho quando correr perigo manifesto de mal considerável.
Além disso a Norma Regulamentadora (NR) nº 01, do extinto Ministério do
Trabalho, e Emprego dispõe que “1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas
atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva
um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao
seu superior hierárquico.”, além de disposições de teor semelhante poderem ser
localizadas em outras NRs, Este é o denominado Direito de Recusa ao trabalho.
Além disso, há previsão semelhante na Convenção 155 da OIT (Decreto Executivo
10.088/2019), art. 13 (greve ambiental trabalhista,) e art. 19, f). É bem verdade
que não é possível extrair desse conjunto normativo federal ou nacional que a
pessoa “não perderá o emprego” em razão dessa recusa, mas endentemos como
uma garantia implícita ou uma garantia que se insere nesse “círculo” protetivo
do trabalhador. Na jurisprudência trabalhista, foi possível localizar, a partir de
termos como, “greve ambiental”, o reconhecimento pelo TST da possibilidade de
deflagração de greve em razão das condições ambientais que coloquem em risco a
saúde e integridade do trabalhador, denominada como “excludente de abusividade de
greve” (RO-80399-40.2016.5.07.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,
Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado) (RO-1001747-35.2013.5.02.0000,
Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Kátia Magalhães
Arruda, DEJT 19/05/2017).
353
Ninguém poderá ser penalizado, especialmente com a perda do cargo, função ou
emprego, quando se recusar a trabalhar em ambiente que ofereça iminente risco de
vida, caracterizado pela respectiva representação sindical, não se aplicando o aqui
301
tipo de federalismo cooperativo, sensível às clivagens regionais, e se
contrapõem à competência legislativa privativa da União sobre Direito
do Trabalho. Portanto, outra previsão de pouca valia.
Nos termos da constituição paraense, é assegurado aos ministros
de cultos religiosos, pertencentes a religiões legalmente existentes no
Brasil, o livre acesso a hospitais, estabelecimentos penitenciários e
delegacias de polícia para que possam prestar assistência religiosa e
espiritual354. À primeira vista, a redação do dispositivo se assemelha
ao texto federal355, no entanto, a impressão é logo dissipada ao nos
depararmos com a delimitação dessa modalidade de assistência apenas
às religiões “legalmente existentes”.
A liberdade de culto é protegida pela Constituição republicana,
que não exige das denominações religiosas qualquer tipo de autorização
legal como condição de reconhecimento. Não estamos, portanto,
falando dosrequisitos administrativos necessários para o funcionamento
desembaraçado de templos religiosos (art. 19, I), mas da exigência de
registro público de uma religião para que seus representantes possam
prestar assistência em órgãos públicos.Não há qualquer tipo de
discriminação religiosa que tenha por base seu reconhecimento legal
na lei federal que regulamenta o direito em discussão356.
A Constituição estadual, portanto, limita um direito constitucional
federal e essa limitação só pode operar dentro de uma dogmática
constitucional que acolha uma doutrina sobre pisos/tetos de proteção
aos direitos fundamentais ou a independência e primazia interpretativa
do direito constitucional estadual. Ou seja, em outros Estados da
disposto aos casos em que esse risco seja inerente à atividade exercida, salvo se não
for dada a devida proteção.
354
É assegurado aos ministros de cultos religiosos, pertencentes a denominações
religiosas legalmente existentes no País, o livre acesso para visitas a hospitais,
estabelecimentos penitenciários, delegacias de polícia e outros congêneres, para
prestar assistência religiosa e espiritual a doentes, reclusos ou detentos.
355
Art. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva.
356
LEI No 9.982, DE 14 DE JULHO DE 2000. Art. 1o Aos religiosos de todas as
confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como
aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso
aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no
caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.
302
federação, membros de qualquer denominação religiosa poderão prestar
auxílio espiritual em ambientes prisionais, com exceção do Estado
do Pará, onde apenas os membros de grupo religioso legalmente
reconhecido estarão autorizados.
Ao final do Capítulo I, a Constituição paraense assegura que
ninguém será submetido a condições degradantes de trabalho ou a
práticas análogas ao trabalho escravo, no âmbito rural ou doméstico357.
Esse dispositivo não estava contemplado na redação original da carta
estadual e parececonferir uma proteção adicional ao estipulado no plano
federal, na forma de uma desigualdade regional fraca. Entretanto, a
vedação à escravidão é uma articulação normativa possível eatribuível
ao direito a não ser submetido a tortura nem a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III) e, o mais importante, essa já é uma proteção
garantida a todos os brasileiros por meio de tratados sobre direitos
humanos.
Desde 1966 fazemos parte da Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições
e Práticas Análogas à Escravatura da ONU (1956)358. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, desde 1992, garante
que nenhum brasileiro será submetido à escravidão, servidão ou
trabalhos forçados. A vedação está contemplada, também, em
provisões da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.
06).Ainda sobre o Sistema Interamericano, o Estado do Pará foi o
palco de paradigmático caso em que o Brasil foi condenado pela Corte
Interamericana e Direitos Humanos pela violação, entre outros, daquele
direito humano359, a demonstrar que esse dispositivo opera mais como
uma diretriz de ação, do que uma norma jurídica constitucional, uma
vez que os poderes públicos estaduais não foram capazes de sanar o
357
§ 6º. Nenhuma pessoa poderá ser submetida as condições degradantes de trabalho
ou a práticas análogas ao trabalho escravo, seja em ambiente doméstico ou rural,
nem a qualquer outro constrangimento que não os provenientes do ordenamento
constitucional da União e do Estado do Pará ( Parágrafo acrescido pela Emenda
Constitucional nº 25, de 11/05/2004, publicada no DOE Nº 30.190, de 12/05/2004)
358
Decreto Executivo 58.563/66.
359
Caso Trabajadores de laHacienda Brasil Verde Vs. Brasil. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de octubre de 2016. Serie C No.
318.
303
problema. Por fim, compete à União legislar sobre direito do trabalho
e criminal, relegando o texto estadual a uma valiosa diretriz.
360
Em razão da organização e divulgação de informações do site do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará (http://www.tjpa.jus.br), apenas acórdãos publicados entre 2006
e 2019 estão disponíveis para consulta pública via o buscador de jurisprudência
da corte ( http://gsa-index.tjpa.jus.br). Muito embora os dados deixem de fora
quase 20 anos de prática da corte regional, o lapso temporal nos parece suficiente
para extrair conclusões seguras sobre as tendências decisórias da corte, não apenas
porque representam a última década de produção jurídica, mas também porque nos
permitem avaliar a absorção da corte das mais recentes tendências dogmáticas e
jurisprudenciais. Agradecemos, enormemente, o Serviço de Jurisprudência do TJ/
PA, que nos enviou planilha das ADI e PDFs dos acórdãos publicados no período
acima referido. Dedicamos um agradecimento especial à servidora Ana Lucidéa, a
qual ficou responsável pela pesquisa e seleção dos dados.
304
constitucional autônoma, dotada de força própria e capaz de fornecer
conteúdos jurídicos próprios e originais.
Vamos começar pelo que nos interessa imediatamente nesse
estudo, e em seguida passaremos à exposição de outros dados valorosos
para futuras pesquisas sobre temas correlatos. Aproveitando as
categorias de Fallon (1987, p. 1.189-1.286), elencamos possíveis fatores,
tipicamente, utilizados por cortes supremas e constitucionais ao decidir
casos constitucionais. Entre eles, os mais importantes são: o texto
constitucional, precedentes constitucionais e argumentos doutrinários.
A partir desses fatores interpretativos genéricos, formulamos categorias
específicas, ajustadas para a análise de uma corte estadual.
Texto Constitucional: As decisões judiciais, de acordo nossa
hipótesesobre autonomia interpretativa, deverão basear-se em
esforços interpretativos capazes de demonstrar que os dispositivos
constitucionais estaduais utilizados como parâmetro para o controle
abstrato não dependem das normas federais para delas extrair o
conteúdo de suas prescrições. Pelo contrário: o controle abstrato deve
demonstrar que o parâmetro utilizado para avaliar a constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo será um texto normativo que exibe feições
culturais próprias e cujos direitos apresentarão articulações originais.
Precedentes Constitucionais: nenhuma teoria sobre interpretação
constitucional é capaz de explicar a prática de uma corte sem dar
conta do recurso aos seus próprios precedentes como forma de
complementação do texto constitucional. Portanto, decisões judiciais
passadas são uma inestimável fonte de informação sobre a forma pela
qual um dispositivo constitucional é interpretado, sendo possível afirmar
que os precedentes são repositórios de articulações de direitos atribuídas
aos tipos de direitos positivados, ainda que em forma não escrita ou
positivada. Uma interpretação autônoma exibirá um tribunal de justiça
que formula suas próprias interpretações através de seus próprios
precedentes, independentemente do decido anteriormente pelo STF,
fazendo com que suas decisões não sejam simples ou meras reproduções
de julgados anteriormente tomadas por nossa suprema corte.
Argumentos doutrinários: os horizontes de sentido de um texto
constitucional são determinados pelos confins que a cultura jurídica
contemporânea pode oferecer ao intérprete. Portanto, o material
305
doutrinário utilizado para dar suporte ao texto constitucional estadual
indicará autonomia quando for preenchido por autores e autoras
locais, devotadas a dar sentido a um texto fundacional regionalmente
localizado. Uma doutrina que vocalize as intenções do constituinte
paraense e explique o que esses dispositivos ou normas constitucionais
de estatura constitucional significam para o povo paraense e, em última
análise, para o funcionamento do Estado federado.
Nossa pesquisa demonstrou que o texto da Constituição Estadual
do Pará não é pavimentado com cimento de marca local. Ao julgar as
ações em controle abstrato, em sua maioria relativasao federalismo,
a Corte estadual recorria ao texto da Constituição da República para
explicar casos que envolviam leis que, supostamente, violavam norma
constitucional estadual (61% dos julgados). A corte não se contentava
com o recurso ao texto normativo estadual, fazendo uso do texto de
sua contraparte federal sempre que identificava alguma semelhança
entre eles.Em apenas um caso analisado a corte estadual utilizou como
fator interpretativo apenas o texto estadual.
Sempre que podia, ademais, a Corte Estadual preteria sua produção
jurisprudencial em detrimento de decisões do STF sobre temas
correlatos, transcrevendo trechos de ementas da suprema corte (63%
dos julgados). Nas poucas vezes em que citou um precedente próprio
(6,5% dos casos), fez uso da sistemática das ementas sem se aprofundar
em algum elemento que pudesse sugerir qualquer traço de originalidade
no precedente regional.O argumento da autonomia se enfraquece, ainda
mais, se dissermos ao leitor que o tribunal de Justiça paraense lançou
mão, em controle abstrato, de decisões das cortes estaduais de Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo, ou seja, decisões que podem ter se
baseado em texto constitucional estadual diverso.
Nas poucas vezes em que manejou argumentos doutrinários
de juristas paraenses (8,7 dos casos), a Corte fez uma mesma
referência ao ubíquo Zeno Veloso, em seu clássico Controle jurisdicional
de constitucionalidade. O peso das citações ao mestre diminui se
acrescentarmos a informação de que eram argumentos doutrinários
sobre a interpretação das leis federais 9.868/99 e 9.882/99 ou sobre
procedimento no controle abstrato, portanto, nada que nos desse
alguma pista a respeito de argumentos constitucionais formulados pelo
306
jurista, exclusivamente, para o texto estadual. Sobraram, no entanto,
referências a autores não paraenses, especialmente de manuais ou
cursos de direito constitucional, ocupados da exegese do texto da
Constituição da República (47,8 %).
307
ANEXO 01
317
2013 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreiras Policiais Pessoas com
01/2013 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Investigador deficiência
PCPA – PCPA de Polícia Civil –
IPC, Escrivão de
Polícia Civil – EPC
e Papiloscopista
2013 EDITAL No SECRETARIA DE ESTADO Procurador Autár- P e s s o a s c o m
01/2012 – DE ADMINISTRAÇÃO – quico e Fundacio- deficiência
SEAD, 15 DE SEAD/PA nal
FEVEREIRO DE
2012
2013 EDITAL N.o Secretaria de Auditor Fiscal de P e s s o a s c o m
01/2013-SEAD/ Estado da Fazenda - Receitas Estaduais deficiência
SEFA, SEFA/PA e Fiscal de Recei-
tas Estaduais
318
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CADO/PMPA do Pará Militar
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Agente Prisional Não há
001/2017 - Sistema Penitenciário do
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Diversos Pessoas com
001/2017 - Sistema Penitenciário do deficiência
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2018 EDITAL Nº 01/ AGÊNCIA ESTADUAL Diversos Pessoas com
SEAD-ADEPARÁ DE DEFESA AGROPE- deficiência
CUÁRIA DO ESTADO
DO PARÁ (ADEPARÁ)
2018 EDITAL No 01/ AGÊNCIA DE REGU- Diversos Pessoas com
SEAD-ARCON/ LAÇÃO E CONTROLE DE deficiência
PA SERVIÇOS PÚBLICOS
DO ESTADO DO PARÁ -
ARCON/PA
2018 EDITAL No 01 / DEPARTAMENTO DE A g e n t e d e P e s s o a s c o m
SEAD-DETRAN/ TRÂNSITO DO ESTADO Fiscalização de deficiência
PA DO PARÁ - DETRAN/PA Trânsito e Agente
de Educação de
Trânsito
2018 EDITAL No 01/ INSTITUTO DE GESTÃO Diversos Pessoas com
SEAD-IGEPREV/ PREVIDENCIÁRIA DO deficiência
PA ESTADO DO PARÁ –
IGEPREV,
2018 EDITAL Nº01 / SECRETARIA DE ESTADO Diversos Pessoas com
SEAD-SEASTER DE ASSISTÊNCIA deficiência
SOCIAL, TRABALHO,
EMPREGO E RENDA -
SEASTER
2018 EDITAL No 01/ SECRETARIA DE ESTADO Jornalista, Publici- Pessoas com
SEAD-SECOM/ DE COMUNICAÇÃO - tário e Relações deficiência
PA, SECOM, Públicas
2018 EDITAL No Secretaria de Estado de Professor Pessoas com
01/2018 – SEAD, Educação – SEDUC, Classe I, Nível A deficiência
319
2019 EDITAL No 01/ CENTRO DE PERÍCIAS Diversos Pessoas com
SEAD-CPCRC/ CIENTÍFICAS “RENATO deficiência
PA CHAVES” - CPCRC/PA
320
A PANDEMIA DA COVID-19 NO SISTEMA
CARCERÁRIO: O FEDERALISMO
NA TENSÃO ENTRE O CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA E OS PODERES
EXECUTIVO E LEGISLATIVOS ESTADUAIS.
Aderruan Tavares370
Janaína Penalva371
1. INTRODUÇÃO
370
Mestrando em Constituição e Democracia pela Universidade de Brasília (UnB),
com intercâmbio na Università di Bologna/Itália (UniBo). Especialista em Direito
Constitucional pela Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP).
Link lattes: http://lattes.cnpq.br/9991573919095246
371
Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Link lattes: http://lattes.cnpq.br/6721876127059003
321
Desde 2009, com a criação do Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF), o Conselho Nacional de Justiça
formula políticas públicas que visam reduzir a massa de pessoas em
restrição de liberdades. A participação do CNJ no monitoramento
das questões carcerárias foi, desde então, pautada por fortes críticas
quanto ao desrespeito dos princípios da divisão funcional dos poderes
e do federalismo.
A possibilidade de supervisão e controle nacional do poder
judiciário coexistente com a autonomia federativa foi discutida no
julgamento da ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, ação no qual
se julgou a constitucionalidade da criação do CNJ. Na oportunidade, o
STF assentou que o Poder Judiciário é uno, indivisível e nacional, não
se aplicando a este as mesmas balizas federalistas que são adequadas
aos poderes executivo e legislativo.
Com a criação do Conselho Nacional de Justiça, a relação
administrativa interna coloca-se de forma hierárquica, a rigor, não
se verifica qualquer espécie de relação federalista entre este órgão e
os tribunais, especialmente os estaduais. Ao longo de sua história, é
importante ressaltar que o CNJ deixou de ser um mero órgão censor,
colocando-se na centralidade das tomadas de decisões sobre as
políticas públicas afetas ao Poder Judiciário (e que invariavelmente tem
afetado poderes de todas as esferas federativas), o que tem revelado
a sua predisposição de exercer funções diretiva e gestacional das
contingências fático-administrativas do Poder Judiciário372.
No início da pandemia da Covid-19 (Sars-CoV-2), com a aprovação
da Recomendação CNJ 62/2020 (Ato nº 0002219-15.2020.2.00.000),
diversos tribunais se viram na contingência de seguir o ato normativo,
a partir de medidas jurisdicionais, administrativo-executivas e
administrativo-fiscalizatórias concretas para a prevenção do contágio
do vírus no sistema carcerário. O art. 1 da Recomendação orienta
os tribunais e juízos quanto a “medidas preventivas à propagação
da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos
estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo”.
323
unitários”, porquanto dessa “união na diversidade”373 surge um “Estado
Federal, uma unidade territorial, unidade de representação e unidade
nacional”374.
A forma federativa estatal comporta dois conteúdos primordiais:
a) “a autonomia dos entes central e locais” e b) “a participação deles na
formação da vontade do ente global”. Quanto ao primeiro conteúdo,
pode-se dizer que a autonomia é entendida como o “governo próprio
dentro de um círculo que é pré-traçado pelo constituinte originário”,
em que esse “círculo” é limitado pelas competências destinadas a cada
ente, “que envolvem, em geral, competências político-administrativas,
legislativas e tributárias, e por normas obrigatórias impostas pelo
texto constitucional em benefício da unidade nacional”. Em relação à
participação, segundo conteúdo, tem-se que os entes federados devem,
de alguma forma, participar da “vontade manifestada pelos órgãos do
ente global, isto é: a chamada vontade federal”375.
O modelo federalista de Estado encontrou nos Estados Unidos
da América a sua primeira manifestação política, quando, em 1781,
foi criada a Confederação dos trezes Estados soberanos da América
do Norte. Porém, esse modelo inicialmente posto, não subsistiu e, em
1787, esses trezes estados abdicam de suas soberanias e criaram um
Estado Federal 376. Trata-se da formação de um Estado federativo do
tipo centrífugo ou por agregação.
No Brasil, a forma federativa de Estado tem início com a
Proclamação da República em 1889, mas positivado na Constituição
de 1981, por influência de Ruy Barbosa, que, por sua vez, se inspirou
373
DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa. Jurisdição constitucional e federação: o
princípio da simetria na jurisprudência do STF. Campus Jurídico, 2009.
374
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de Direito
Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar
Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-
751. p. 720
375
BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho
Nacional de Justiça. In: Interesse Público: Revista Bimestral de Direito Público. n.
30, p. 32.
376
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de Direito
Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar
Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-
751. p. 719
324
no modelo dos Estados Unidos da América, onde se adotou modelo
federalista dual com forte concentração na União Federal em relação
aos estados-membros; embora autônomos, os municípios ainda não
eram considerados entes federativos, o que veio a ocorrer somente
com a Constituição de 1988. A despeito da influência norte-americana,
o processo de federalização no Brasil ocorreu de forma diversa; por
aqui, experimentamos a formação de um Estado federativo do tipo
centrípeto ou por segregação. Isto explica em parte a maior ou menor
autonomia dos entes federativos que existe num ou noutro país.
A Constituição de 1934 manteve estruturalmente a forma
federalista, mas adotou “modelo cooperativo”, de franca inspiração
na Constituição de Weimar, no qual algumas matérias foram previstas
para ser exercidas ou legisladas de forma concorrente, o que exigia
variados graus de esforços comuns377. Contudo, a Constituição de 1937,
na prática, acabou com qualquer pretensão federalista. O Estado Novo
(nem tão novo assim), de viés fascista, não tinha lá os seus apreços
para divisão e descentralização estruturada de poder.
Coube à Constituição de 1946 resgatar o modelo federativo
e cooperativo, o qual se mantém de forma bastante reduzida na
Constituição de 1967, em razão da centralização do poder na União e
no Poder Executivo, tal como se um “Estado Novo” fosse. Embora
a Constituição de 1988 não tenha retirado a proeminência federal nas
competências normativas de importância para a nação, é certo que
ela promoveu avanços em relação às cartas constitucionais anteriores,
notadamente ao que tange à competência normativa tributária e
financeira dos estados-membros e municípios, o que lhes possibilitam
certa autonomia em relação ao plano federal378.
Na atual arquitetura constitucional, o federalismo é uma cláusula
pétrea (art. 60, § 4º, inc. I, da CF/88). Para além da sua inalterabilidade
substancial, a ponto de enfraquecer a estrutura federalista da nossa
República, a aludida previsão normativo-constitucional deixa
transparecer que a forma federativa é crucial para a saúde política e
jurídica do nosso país. Qualquer fratura nesse tecido constitucional
377
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional:
teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, 9. 92
378
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional:
teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012,. P. 139.
325
pode resultar em sérios problemas políticos e sociais de proporções
incalculáveis.
A Constituição de 1988, no quesito forma federalista, se
diferenciou das anteriores em alguns aspectos, quando previu
novas diretrizes (provisão de mais recursos aos estados-membros e
municípios, expansão das competências dos legislativos e judiciários
locais, a descentralização de serviços sociais, como a saúde, etc.), mas,
em outros manteve algumas peculiaridades delas (tendência de adoção
de normas gerais e vinculantes para todos os entes, federalização de
determinadas questões, intervenção federal e estadual, etc.)379.
Um aspecto de relevo ao federalismo deve ser pontuado. Como
ressalta Carl Schmitt, uma federação não se caracteriza pela justiça,
mas sim pelo equilíbrio político entre aqueles que a compõem380.
Ou seja, é possível que haja uma assimetria (no plano vertical ou no
horizontal) entre os entes, até mesmo ela deve ser assegurada (senão
forçada) pelas forças estatais político-jurídicas com o fim de manter o
equilíbrio federativo, considerando diversos aspectos que podem ser
utilizados para mensurar a amplitude da (as)simetria, como extensão
territorial, tamanho populacional, importância/força política e/ou
econômica, localização geográfica etc.
Nesta linha de pensamento, o nosso federalismo se caracteriza
por ser simétrico no plano horizontal, porquanto em suas respectivas
camadas todos os entes possuem iguais poderes, e assimétrico no
nível horizontal, porque os entes “maiores” possuem maiores poderes
políticos, jurídicos e econômicos381.Na dinâmica federativa brasileira,
o princípio da simetria, tão presente (mas pouco explicado 382) na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é exemplo da tendência
de que os princípios, as estruturas e os procedimentos normativos e
jurídicos da esfera federal – leia-se: previstos implícita ou explicitamente
379
SOUZA, Celina. Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no
Brasil pós-1988. Revista de sociologia e política, n. 24, p. 105-121, 2005.
380
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
381
Para estudo aprofundado sobre o tema, cf.: DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa.
Jurisdição constitucional e federação: o princípio da simetria na jurisprudência do
STF. Campus Jurídico, 2009.
382
A principal referência normativa de suporte ao princípio da simetria é o art. 25 da
CF/88: Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição.”
326
na Constituição Federal de 1988 – devem ser observados pelos
entes “menores”383. Com isso, sem maiores incursões doutrinárias, o
princípio tem representado o engessamento de experiências legislativas
estaduais ou municipais, recusando-lhes o reconhecimento sua atuação
como “laboratórios legislativos”, fazendo deles meras “máquinas de
execução” do que é federal. Assim, os entes estaduais e municipais,
muitas vezes, se veem tolhidos legislativamente, devendo ser cautelosos
com o uso criativo que a Constituição de 1988 lhes conferiu, sob pena
de ser desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ademais, o federalismo do Estado brasileiro, de acordo com a
Constituição de 1988, ainda se caracteriza por ser do tipo de federalismo
cooperativo (em contraposição a uma vestimenta dual, competitiva ou
compartimentalizada), pela qual as competências distribuídas no
texto constitucional não estão bem delimitadas nas esferas de atuação
administrativa e legislativa de cada ente federativo, o que, sobremaneira,
forçaria a autuação conjunta nos assuntos os quais são condôminos
constitucionalmente. Mais do que isso, o federalismo cooperativo
também se assenta no estabelecimento e respeito da predominância do
interesse em relação às competências que eventualmente se justapõem
a cargos dos entes federativos.
O condomínio entitário de competência está constitucionalmente
estabelecido nos arts. 23 e 24 da Carta Política de 1988, com a descrição
do compartilhamento das matérias administrativas e legislativas,
respectivamente. Como bem ressalta Cibele Franzese384, a cooperação
383
Sobre o princípio da simetria, o Ministro Celso de Mello (ADI 5373 MC/RR) assim
se manifestou: “[é] cediço que a ordem constitucional necessita de sistematismo e
coerência em sua moldura fundamental, travestindo-se de congruência cosmopolita
do sistema jurídico republicano. (...) Este princípio postula que haja uma relação
simétrica entre as normas jurídicas da Constituição Federal e as regras estabelecidas
nas Constituições Estaduais, e mesmo Municipais. Isto quer dizer que no sistema
federativo, ainda que os Estados-Membros e os Municípios tenham capacidade de
se auto organizar, esta auto organização se sujeita aos limites estabelecidos pela
própria Constituição Federal”.
384
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de
1988 aos sistemas de políticas públicas. 2010. Tese de Doutorado. Fundação
Getúlio Vargas/SP. Disponível: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/
handle/10438/8219/72060100752.pdf ?sequence=1&isAllowed=y, acesso em:
23.12.21, p. 38
327
não retira da relação entre os entes o aspecto conflitivo e litigioso,
fazendo dela uma constante entrega de miríades de flores ou de
concessão de afagos recíprocos. Muito pelo contrário. A cooperação
pensada pela Constituição Federal de 1988 é do tipo dinâmica, em que
os esforços, em uma performance dialética, podem até mesmo serem
antagônicos, mas os entes devem sentar-se à mesa e resolverem os
problemas da maneira que melhor atenda aos anseios da população,
através do jogo de poder e influência política. O que é importante, ao
fim e ao cabo, é a manutenção do equilíbrio das estruturas federativas.
318
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CADO/PMPA do Pará Militar
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Agente Prisional Não há
001/2017 - Sistema Penitenciário do
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Diversos Pessoas com
001/2017 - Sistema Penitenciário do deficiência
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2018 EDITAL Nº 01/ AGÊNCIA ESTADUAL Diversos Pessoas com
SEAD-ADEPARÁ DE DEFESA AGROPE- deficiência
CUÁRIA DO ESTADO
DO PARÁ (ADEPARÁ)
2018 EDITAL No 01/ AGÊNCIA DE REGU- Diversos Pessoas com
SEAD-ARCON/ LAÇÃO E CONTROLE DE deficiência
PA SERVIÇOS PÚBLICOS
DO ESTADO DO PARÁ -
ARCON/PA
2018 EDITAL No 01 / DEPARTAMENTO DE A g e n t e d e P e s s o a s c o m
SEAD-DETRAN/ TRÂNSITO DO ESTADO Fiscalização de deficiência
PA DO PARÁ - DETRAN/PA Trânsito e Agente
de Educação de
Trânsito
2018 EDITAL No 01/ INSTITUTO DE GESTÃO Diversos Pessoas com
SEAD-IGEPREV/ PREVIDENCIÁRIA DO deficiência
PA ESTADO DO PARÁ –
IGEPREV,
2018 EDITAL Nº01 / SECRETARIA DE ESTADO Diversos Pessoas com
SEAD-SEASTER DE ASSISTÊNCIA deficiência
SOCIAL, TRABALHO,
EMPREGO E RENDA -
SEASTER
2018 EDITAL No 01/ SECRETARIA DE ESTADO Jornalista, Publici- Pessoas com
SEAD-SECOM/ DE COMUNICAÇÃO - tário e Relações deficiência
PA, SECOM, Públicas
2018 EDITAL No Secretaria de Estado de Professor Pessoas com
01/2018 – SEAD, Educação – SEDUC, Classe I, Nível A deficiência
319
2019 EDITAL No 01/ CENTRO DE PERÍCIAS Diversos Pessoas com
SEAD-CPCRC/ CIENTÍFICAS “RENATO deficiência
PA CHAVES” - CPCRC/PA
320
Os Poderes Executivos e Legislativos locais não exercem qualquer
grau de influência direta na formação das políticas público-judiciárias
do CNJ. Contudo, teoricamente não há qualquer empecilho para que o
Conselho abra as suas portas para os entes locais, como faz em relação
aos Poderes Executivo e Legislativo da União. A despeito da falta dessa
falta de influência direta dos poderes, as políticas público-judiciárias do
CNJ, principalmente as estabelecidas durante o período da pandemia
do Covid-19, interferiam/interferem na gestão carcerária realizada
administrativamente pelos Poderes Executivos e Legislativos locais, o
que provocou uma limitação das suas competências.
Logo no início do período pandêmico da Covid-19 (Sars-CoV-2),
o CNJ expediu a Recomendação CNJ 62/2020 (Ato nº 0002219-
15.2020.2.00.000) com o fim de orientar os tribunais e magistrados na
tomada de “medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo
coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema
prisional e do sistema socioeducativo” (art. 1º, caput). Seguindo as
diretrizes da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde,
o CNJ categorizou os integrantes do grupo de risco para a infeção do
novo coronavírus (Covid-19). Daí resultou a orientação para que os
juízes i) reavaliassem as prisões provisórias, de acordo com o art. 316
do CPP, priorizando o grupo de risco (art. 4, inc. I, ‘a’), ii) concedessem
saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, aplicando a Súmula
Vinculante nº 56, aos integram dos grupos de riscos (art. 5º, inc. I,
“a”) e iii) liberdade provisória, nos casos em que não seja possível a
realização das audiências de custódia com a segurança sanitária mínima
necessária, aos que integram o grupo de risco (art. 8º, inc. I, ‘c’).
O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o
Conselho Nacional de Justiça foram acionados para resolver demandas
envolvendo a aplicação da Recomendação CNJ 62/2020. O ato
administrativo “recomendação”, nos termos do Regimento Interno
do Conselho Nacional de Justiça, não define obrigações de ser seguida
pelos tribunais, como o próprio termo deixa transparecer. Desde a sua
edição, o Supremo Tribunal Federal deu aplicabilidade à Recomendação
CNJ 62/2020. No mencionado ADPF 347, o Plenário do STF, pela
maioria dos seus membros, entendeu que os tribunais deveriam seguir
a Recomendação CNJ 62/2020, aplicando-a individualmente à situação
334
de cada pessoa presa391. Destaca-se também decisão da Segunda Turma
do STF, no HC 183.177392, na qual foi atestada a legalidade do art. 5º
da Resolução CNJ 62/2020393, onde se encontra um rol de medidas
indicadas aos juízes e juízas com competência sobre a execução penal
que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância
ao contexto local de disseminação do vírus.
Daí se denota o reconhecimento institucional da capacidade
técnica do Conselho Nacional de Justiça na questão carcerária, durante
o período da Covid-19, pelo Supremo Tribunal Federal394. Em outra
oportunidade, atendendo a pedido da Defensoria Pública da União
(HC 187368), a presidência do STF concedeu monocraticamente,
em 22.7.2020, com base no aludido ato normativo do CNJ, prisão
domiciliar a presa de 66 anos, que cumpria pena na comarca de
Criciúma/SC. A detenta, além de idosa, era pessoa portadora de HIV,
diabética e hipertensa.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também vem
conferindo efetividade à Recomendação CNJ 62/2020. No julgamento
do AgRg no HC 580.495-SC, realizado em 9.6.2020, a 5ª Turma do
STJ, considerou que “A suspensão temporária do trabalho externo no regime
semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução (sic) n. 62 do CNJ,
cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da
sentença condenatória pela domiciliar”. Já a 3ª Turma do STJ, especializada
em demandas cíveis, no bojo do HC 574.495, julgado em 26.05.2020,
entendeu, com base na Recomendação CNJ 62/2020 que “em virtude
391
ADPF 347 TPI-Ref, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2020, processo eletrônico
DJe-165 divulg 30-06-2020 public 01-07-2020
392
HC 183177 AgR, Relator(a): Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em
11/05/2020, processo eletrônico DJe-122 divulg 15-05-2020 public 18-05-2020
393
Art. 5o Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que,
com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local
de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:
394
Sobre como as decisões do STF impactam e moldam a atuação do CNJ, cf. DA SILVA,
Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A CADEIA DE DECISÕES
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COMPETÊNCIA PARA
JULGAR ATOS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: UM ESTUDO
RETROSPECTIVO. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 11, n. 21, p. 198-212,
2019.
335
da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente,
a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado”.
Embora não tenha convertido a norma em resolução, o Plenário do
Conselho Nacional de Justiça garantiu o atendimento da norma quando
instado a fazê-lo. No julgamento do PP 0003065-32.2020.2.00.0000,
no qual se discutia a aplicação das regras mencionadas às audiências
de custódias, o CNJ reconheceu o caráter indicativo da norma, mas
ressaltou sua integridade, se o tribunal optasse por segui-la deverá fazê-
lo por inteiro, não podendo escolher quais regras do ato observar ou
não: “ou se adota o regime jurídico integral da audiência de custódia
ou se adota o regime jurídico integral da recomendação emanada
deste Conselho”395. Em outro julgado recente, o Plenário do CNJ, no
julgamento do Pedido de Providências 0004060-45.2020.2.00.0000,
assentou que em caso de não possibilidade de observância da
Recomendação CNJ 62/2020 às audiências de custódias, o tribunal
deverá aplicar a normativa corriqueira, qual seja, a Resolução CNJ
2013/2015396.
O ponto de maior interesse para as reflexões deste estudo são
as recomendações dispostas no art. 9º do aludido ato397, as quais
preveem uma série de providências aos magistrados no sentido de
atuarem conjunta e concertadamente com os Poderes Executivos
locais na execução de medidas concretas para o combate ao contágio
da Covid-19 nas unidades prisionais. O CNJ indicou uma parceria
entre os poderes, ao recomendar que juízas e juízes zelassem pela
395
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0003065-32.2020.2.00.0000 - Rel. Mário Guerreiro - 13ª Sessão
Virtual Extraordinária - j. 20/05/2020 ); (CNJ - PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0005827-21.2020.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Pereira - 52ª Sessão
Virtual Extraordinária - julgado em 19/08/2020 ); (CNJ - ML – Medida Liminar
em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004696-11.2020.2.00.0000 - Rel.
Marcos Vinícius Jardim Rodrigues - 38ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em
17/07/2020 ).
396
CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004060-45.2020.2.00.0000 - Rel.
Mário Guerreiro - 26ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 19/06/2020
397
Art. 9º. Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de
fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela
elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo
que preveja, minimamente, as seguintes medidas: (...)
336
“elaboração e implementação de um plano de contingências”, o
qual devia possuir medidas mínimas, tais como como: campanhas
informativas, procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas
entradas das unidades prisionais, adoção de medidas preventivas de
higiene, designação de equipes médicas em todos os estabelecimentos
penais ou socioeducativos, fornecimento de equipamentos de proteção
individual para os agentes públicos da administração penitenciária e
socioeducativa, e planejamento preventivo para as hipóteses de agentes
públicos com suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19, de
modo a promover o seu afastamento e substituição, considerando-se
a possibilidade de revisão de escalas e adoção de regime de plantão
diferenciado.
Além disso, o CNJ “recomendou” que se velasse pela, primeiro,
existência de um plano executivo de implementação de medidas, e,
segundo, pela fiscalização para do seu cumprimento. Internamente,
o DMF/CNJ vem monitorando a aplicação da Recomendação CNJ
62/2020 nos tribunais. Segundo o Relatório I – Formulário para
Monitoramento da Recomendação 62/CNJ398, até o final de maio/2020,
com base na aplicação da Resolução, (1) mais de 60% dos poderes
judiciários locais tinham aplicado medidas para a soltura de pessoas
presas provisórias; (2) 50% dos poderes judiciários locais realizaram
alterações nos regimes fechados de pessoas presas, concedendo, em sua
maioria, “prisão domiciliar com monitoração”; entre aqueles que não
alteraram, a principal justificativa recaiu na “higienização dos espaços”
e “realização de ações educativas”; (3) 92% dos tribunais realizaram
alterações no regime semiaberto das pessoas presas, com, em sua
maioria, aplicando a “suspensão de apresentação periódica ao cartório
de execução”; e (4) 88% dos tribunais realizaram alterações no regime
aberto dos apenas, com, em sua maioria, aplicando a “suspensão de
apresentação periódica ao cartório de execução”.
Especificamente ao que ronda o art. 9 acima citada, os poderes
judiciários locais, por meio dos GMFs 399, têm periodicamente
informado as ações locais, considerando todos os poderes, ao Conselho
398
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/07/Relat_
Form_Monitoramento_Rec62_1307.pdf, acesso em: 12.02.2021
399
Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) de Tribunais de Justiça
337
Nacional de Justiça. No primeiro relatório divulgado pelo CNJ400, em
maio de 2020, no qual continha a consolidação dos dados dos GMF´s,
foram destacadas informações sobre (1) recursos para prevenção à
Covid-19 no sistema prisional; (2) realização de testes para detecção
de Covid-19; (3) recursos e equipamentos disponíveis. Esses conjuntos
de informações foram se sucedendo durante a pandemia, inclusive,
recentemente, no último relatório divulgado401, em março de 2021, o
CNJ divulgou que, no sistema carcerário dos estados-membros, foram
realizados 261.549 testes em pessoas privadas de liberdade e 67.578
testes em servidores penitenciários.
Todavia, no boletim Covid-19 no Sistema Penal402, com dados
consolidados até 22.03.2020, atestou-se que, no sistema carcerário
brasileiro, foram confirmados 67.262 casos (49.946 em pessoas
presas e 17.316 em servidores) e 293 óbitos (154 de pessoas presas
e 139 de servidores). O número de mortes de servidores do sistema
carcerário e o de pessoas presas é muito próximo, embora haja mais
pessoas presas do que servidores no sistema. Uma possível explicação
para tanto é a ausência de registros corretos e atualizados quanto aos
óbitos de pessoas presas. De toda sorte, é importante assentar que
a Recomendação CNJ 62/2020 fixou algumas disposições (art. 11)
sobre o regime das visitas externas às pessoas presas, o que pode ter
impactado na circulação do vírus nas unidades prisionais, embora tenha
trazido consigo o isolamento dos encarcerados e a falta de informações
das famílias sobre o estado de saúde de seus parentes no cárcere.
As tabelas abaixo demonstram a situação da pandemia no sistema
carcerário:
400
Disponível em cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/06/Monitoramento-CNJ-
GMFs-Covid-19-26.06.pdf acesso em 12.01.2021
401
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-24.3.21.pdf, acesso em 31.03.2021
402
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.2021
338
Fonte: Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema Socioeducativo, Conselho Nacional de Justiça.
403
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.21
404
Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA
339
(dezembro de 2019), São Paulo continha 32% de pessoas encarceradas
do país405. Desde o começo da pandemia, o sistema carcerário paulista
registrou 15.958 (12.825 em pessoas presas + 3.133 em servidores)
casos de pessoas diagnosticadas com COVID-19, o que representa 23%
do total de pessoas presas e agentes infectados no sistema carcerário
brasileiro.
Foram registrados 97 óbitos (40 de pessoas presas + 57 de
servidores), o que representa 33% dos mortos desses dois grupos do
número em face do total registrado no sistema carcerário brasileiro.
Chama a atenção a proximidade do número de pessoas presas com
o número de mortes de servidores do sistema carcerário. Com isso,
o sistema carcerário de São Paulo registrou 25% do número total de
óbitos de pessoas presas registrado no sistema carcerário brasileiro.
Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde –
Conass, no dia 30.03.2021, São Paulo computava 23% (73.492 mortes
em São Paulo; 317.646 mortes no Brasil) das mortes por Covid19 no
país; ou seja, número de mortes total de sua população acompanha o
que se registrou entre as pessoas presas.
Por sua vez, o Distrito Federal, considerando as mesmas datas
acima informadas, registrou 2.642 casos (2.041 em pessoas presas e 601
em servidores), o que representa 3,9 % dos casos nacionais, e 4 mortes
(3 pessoas presas e 1 servidor), representando, assim, 2% das mortes
no sistema carcerário brasileiro. Levando em consideração mortes da
população em geral em razão da Covid-19 no Distrito Federal, elas
representam 1,7% dos óbitos totais no país (5.321 óbitos no DF;
317.646 óbitos no Brasil), o que demonstra uma certa paridade entre
os números de mortos por Covid-19 no DF.
Trata-se, entretanto, de dados aproximados, já que advindos de
bancos de informações diversos. Para uma análise mais acurada devem
ser levadas em conta ainda outras variáveis importantes, como a taxa
de encarceramento, estrutura propriamente dita do local, quantidade
de servidores, disponibilização orçamentária, atendimento às pessoas
presas pela Defensoria Pública, etc. Além do índice de encarceramento
2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ
0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9, acesso em 31.03.2021
405
Este dado deve ser tomado com parcimônia, pois nele está incluído o universo total
de condenados.
340
por crimes mais comuns em determinado estado, ou até mesmo o
número de incidência de determinados crimes em determinadas regiões,
o que pode impactar na análise dos dados, ao serem comparáveis.
Ao estabelecer medidas mínimas sanitárias e de saúde nos planos
de ação, o CNJ deu mais um passo na relação entre “geral” e “local”,
porém extremamente tímido quando à garantia de integridade física
e saúde das pessoas presas. Ante a esse conjunto de medidas e dados
levantados, a Recomendação CNJ 62/2020 não parece ter cumprido
seu papel. Como dito acima, o CNJ não recomendou ações mais
robustas aos juízes e juízas.
No que toca ao tema do federalismo, não há evidências de que as
ações do CNJ tenham resultado em paralisia institucional dos poderes
locais no sistema carcerário. Ao contrário, essas ações demonstram
potencial positivo, como uma coordenação geral de assuntos afins,
embora haja riscos, tal qual eventual inação dos órgãos locais e,
consequente, pretenciosa transferência de encargos executivos ao poder
judiciário local, o qual não tem competência para tal.
A confiança institucional depositada no CNJ pelos poderes
locais pode ser benéfica, mas é preciso construir uma sintonia fina.
Apenas para citar um exemplo podemos ter atritos entre normativa
do Conselho e leis estaduais de difícil resolução, com base nas
tradicionais noções de separação dos poderes e de federalismo.
Se a liderança, em razão da sua capacidade institucional que vem
sendo construída, for a principal diretriz da gestão administrativa
carcerária nacional, é interessante que isso se estruture com alguma
permanência. A progressão dessa liderança institucional, a qual tem,
por vezes, formado uma espécie de juízes “executivos”, pode ser
identificada neste período pandêmico.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
341
O ativismo judicial é perceptível no Poder Judiciário de tal
forma que não se esgota nas cotidianas decisões judiciais; é bem mais
profundo que a vão doutrina consegue enxergar. Será que o CNJ tem
sido um braço de uma forma ativismo judicial bem mais poderoso do
que as decisões judiciais que são reportadas de quando em vez? Agindo
de forma mais indireta e menos visível. Por ser um órgão dinâmico,
administrativo, executor; por ser constantemente retroalimentado por
disposições de espíritos particulares, em razão dos mandatos periódicos,
é normal que haja expansão (bastante ativa) administrativa, sedimentada
em suas predisposições constitucionais.
A atuação do CNJ não deve ser romantizada, mas, nem por isso,
amaldiçoada. Deve-se apreendê-la conforme o novo estado da técnica
das relações institucionais que se engendra a partir da sua criação. Sua
permanente estadia entre os órgãos de poder da nossa República imputa
uma série de acuradas observações e cuidadosos estudos para que o seu
encaixe institucional não disturbe relações previamente harmônicas e
ofereça melhores soluções para outras esquecidas ou renegadas.
Parece importante que o sistema carcerário deve ser pensando e
gerido de forma nacional, seja porque a criminalidade não vê fronteiras,
seja porque se trata de um sistema nacional, porquanto a legislação
penal, em sua integralidade, e a de execução penal, em grande parte,
são compostas de leis nacionais. Assim, a gestão do sistema carcerário
deve ser holística e nacional, não podendo ser atomizada, sob pena de
se instalar o verdadeiro caos e literalmente deixar livre a atuação das
organizações criminosas, que, como se sabe, não mais se resumem a
determinados estados-membros.
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão novo que ainda está
recebendo modelagem institucional por via própria e pela atuação
do STF, seja na via jurisdicional, seja na sucessão administrativa de
cada presidente. É precipitado afirmar que o CNJ está invadindo os
espaços normativos e administrativos dos entes locais, a saber, poderes
legislativos e executivos, mas não se pode deixar passar desapercebido
esse movimento, o qual, caso inevitável, seja benéfico e consciente,
sabendo-se de antemão os riscos para poderes locais, o que transpassa
a tradicional noção de federalismo e dinamiza de forma acentuada a
separação de poderes nos estados-membros.
342
A pretensão deste estudo foi lançar luzes em temas pouco
enfrentados pela doutrina constitucionalista e administrativa do nosso
país. É ainda um campo novo, assim como o é o próprio CNJ. A
expansão administrativa do CNJ, influenciada pela agenda político-
administrativa de cada presidente, em maior grau, e dos conselheiros,
em menor medida, deve ser verificada de perto, não com a pretensão
de impedi-la, mas com o fim de zelar por enfrentamentos institucionais
equilibrados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
343
SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e
a Independência do Judiciário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito
constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012
TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o
Supremo Tribunal Federal. Direito Público (Porto Alegre), v. 9, p.
184-216, 2012.
TAVARES, Aderruan. A função controladora do Conselho Nacional de
Justiça à luz da juridicidade e das normas da Lindb. In: LAMACHIA,
Claudio, FERREIRA, Antonio Oneildo, MONTEIRO, Valdetário
Andrade. (Org.). CNJ e a efetivação da Justiça. 1ed.Brasília: OAB,
2019
344
FEDERALISMO E A AUTONOMIA DOS
ENTES FEDERADOS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UM ESTUDO DE DIREITO
E LITERATURA SOB A ÓTICA DA OBRA
“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” DE JOSÉ
SARAMAGO
Ana Luisa de Figueiredo Guimarães406
Ester Moraes D’Avila407
Kamilla Ranny Macedo Niz408
1. INTRODUÇÃO
334
de cada pessoa presa391. Destaca-se também decisão da Segunda Turma
do STF, no HC 183.177392, na qual foi atestada a legalidade do art. 5º
da Resolução CNJ 62/2020393, onde se encontra um rol de medidas
indicadas aos juízes e juízas com competência sobre a execução penal
que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância
ao contexto local de disseminação do vírus.
Daí se denota o reconhecimento institucional da capacidade
técnica do Conselho Nacional de Justiça na questão carcerária, durante
o período da Covid-19, pelo Supremo Tribunal Federal394. Em outra
oportunidade, atendendo a pedido da Defensoria Pública da União
(HC 187368), a presidência do STF concedeu monocraticamente,
em 22.7.2020, com base no aludido ato normativo do CNJ, prisão
domiciliar a presa de 66 anos, que cumpria pena na comarca de
Criciúma/SC. A detenta, além de idosa, era pessoa portadora de HIV,
diabética e hipertensa.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também vem
conferindo efetividade à Recomendação CNJ 62/2020. No julgamento
do AgRg no HC 580.495-SC, realizado em 9.6.2020, a 5ª Turma do
STJ, considerou que “A suspensão temporária do trabalho externo no regime
semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução (sic) n. 62 do CNJ,
cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da
sentença condenatória pela domiciliar”. Já a 3ª Turma do STJ, especializada
em demandas cíveis, no bojo do HC 574.495, julgado em 26.05.2020,
entendeu, com base na Recomendação CNJ 62/2020 que “em virtude
391
ADPF 347 TPI-Ref, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2020, processo eletrônico
DJe-165 divulg 30-06-2020 public 01-07-2020
392
HC 183177 AgR, Relator(a): Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em
11/05/2020, processo eletrônico DJe-122 divulg 15-05-2020 public 18-05-2020
393
Art. 5o Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que,
com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local
de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:
394
Sobre como as decisões do STF impactam e moldam a atuação do CNJ, cf. DA SILVA,
Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A CADEIA DE DECISÕES
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COMPETÊNCIA PARA
JULGAR ATOS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: UM ESTUDO
RETROSPECTIVO. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 11, n. 21, p. 198-212,
2019.
335
da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente,
a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado”.
Embora não tenha convertido a norma em resolução, o Plenário do
Conselho Nacional de Justiça garantiu o atendimento da norma quando
instado a fazê-lo. No julgamento do PP 0003065-32.2020.2.00.0000,
no qual se discutia a aplicação das regras mencionadas às audiências
de custódias, o CNJ reconheceu o caráter indicativo da norma, mas
ressaltou sua integridade, se o tribunal optasse por segui-la deverá fazê-
lo por inteiro, não podendo escolher quais regras do ato observar ou
não: “ou se adota o regime jurídico integral da audiência de custódia
ou se adota o regime jurídico integral da recomendação emanada
deste Conselho”395. Em outro julgado recente, o Plenário do CNJ, no
julgamento do Pedido de Providências 0004060-45.2020.2.00.0000,
assentou que em caso de não possibilidade de observância da
Recomendação CNJ 62/2020 às audiências de custódias, o tribunal
deverá aplicar a normativa corriqueira, qual seja, a Resolução CNJ
2013/2015396.
O ponto de maior interesse para as reflexões deste estudo são
as recomendações dispostas no art. 9º do aludido ato397, as quais
preveem uma série de providências aos magistrados no sentido de
atuarem conjunta e concertadamente com os Poderes Executivos
locais na execução de medidas concretas para o combate ao contágio
da Covid-19 nas unidades prisionais. O CNJ indicou uma parceria
entre os poderes, ao recomendar que juízas e juízes zelassem pela
395
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0003065-32.2020.2.00.0000 - Rel. Mário Guerreiro - 13ª Sessão
Virtual Extraordinária - j. 20/05/2020 ); (CNJ - PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0005827-21.2020.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Pereira - 52ª Sessão
Virtual Extraordinária - julgado em 19/08/2020 ); (CNJ - ML – Medida Liminar
em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004696-11.2020.2.00.0000 - Rel.
Marcos Vinícius Jardim Rodrigues - 38ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em
17/07/2020 ).
396
CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004060-45.2020.2.00.0000 - Rel.
Mário Guerreiro - 26ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 19/06/2020
397
Art. 9º. Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de
fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela
elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo
que preveja, minimamente, as seguintes medidas: (...)
336
“elaboração e implementação de um plano de contingências”, o
qual devia possuir medidas mínimas, tais como como: campanhas
informativas, procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas
entradas das unidades prisionais, adoção de medidas preventivas de
higiene, designação de equipes médicas em todos os estabelecimentos
penais ou socioeducativos, fornecimento de equipamentos de proteção
individual para os agentes públicos da administração penitenciária e
socioeducativa, e planejamento preventivo para as hipóteses de agentes
públicos com suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19, de
modo a promover o seu afastamento e substituição, considerando-se
a possibilidade de revisão de escalas e adoção de regime de plantão
diferenciado.
Além disso, o CNJ “recomendou” que se velasse pela, primeiro,
existência de um plano executivo de implementação de medidas, e,
segundo, pela fiscalização para do seu cumprimento. Internamente,
o DMF/CNJ vem monitorando a aplicação da Recomendação CNJ
62/2020 nos tribunais. Segundo o Relatório I – Formulário para
Monitoramento da Recomendação 62/CNJ398, até o final de maio/2020,
com base na aplicação da Resolução, (1) mais de 60% dos poderes
judiciários locais tinham aplicado medidas para a soltura de pessoas
presas provisórias; (2) 50% dos poderes judiciários locais realizaram
alterações nos regimes fechados de pessoas presas, concedendo, em sua
maioria, “prisão domiciliar com monitoração”; entre aqueles que não
alteraram, a principal justificativa recaiu na “higienização dos espaços”
e “realização de ações educativas”; (3) 92% dos tribunais realizaram
alterações no regime semiaberto das pessoas presas, com, em sua
maioria, aplicando a “suspensão de apresentação periódica ao cartório
de execução”; e (4) 88% dos tribunais realizaram alterações no regime
aberto dos apenas, com, em sua maioria, aplicando a “suspensão de
apresentação periódica ao cartório de execução”.
Especificamente ao que ronda o art. 9 acima citada, os poderes
judiciários locais, por meio dos GMFs 399, têm periodicamente
informado as ações locais, considerando todos os poderes, ao Conselho
398
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/07/Relat_
Form_Monitoramento_Rec62_1307.pdf, acesso em: 12.02.2021
399
Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) de Tribunais de Justiça
337
Nacional de Justiça. No primeiro relatório divulgado pelo CNJ400, em
maio de 2020, no qual continha a consolidação dos dados dos GMF´s,
foram destacadas informações sobre (1) recursos para prevenção à
Covid-19 no sistema prisional; (2) realização de testes para detecção
de Covid-19; (3) recursos e equipamentos disponíveis. Esses conjuntos
de informações foram se sucedendo durante a pandemia, inclusive,
recentemente, no último relatório divulgado401, em março de 2021, o
CNJ divulgou que, no sistema carcerário dos estados-membros, foram
realizados 261.549 testes em pessoas privadas de liberdade e 67.578
testes em servidores penitenciários.
Todavia, no boletim Covid-19 no Sistema Penal402, com dados
consolidados até 22.03.2020, atestou-se que, no sistema carcerário
brasileiro, foram confirmados 67.262 casos (49.946 em pessoas
presas e 17.316 em servidores) e 293 óbitos (154 de pessoas presas
e 139 de servidores). O número de mortes de servidores do sistema
carcerário e o de pessoas presas é muito próximo, embora haja mais
pessoas presas do que servidores no sistema. Uma possível explicação
para tanto é a ausência de registros corretos e atualizados quanto aos
óbitos de pessoas presas. De toda sorte, é importante assentar que
a Recomendação CNJ 62/2020 fixou algumas disposições (art. 11)
sobre o regime das visitas externas às pessoas presas, o que pode ter
impactado na circulação do vírus nas unidades prisionais, embora tenha
trazido consigo o isolamento dos encarcerados e a falta de informações
das famílias sobre o estado de saúde de seus parentes no cárcere.
As tabelas abaixo demonstram a situação da pandemia no sistema
carcerário:
400
Disponível em cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/06/Monitoramento-CNJ-
GMFs-Covid-19-26.06.pdf acesso em 12.01.2021
401
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-24.3.21.pdf, acesso em 31.03.2021
402
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.2021
338
Fonte: Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema Socioeducativo, Conselho Nacional de Justiça.
403
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.21
404
Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA
339
já firmado pelo Supremo sobre a coordenação entre os entes federados,
na tentativa de mitigar os efeitos da pandemia no país. Nesse sentido,
os pedidos foram negados, uma vez que a decisão fundou-se em
detrimento da autonomia estadual, em prol da proteção dos direitos
fundamentais, como o direito à saúde.
Por fim, ressalta-se que, com a pandemia, foi questionada a
autonomia mencionada alhures, de forma que acerca do mérito da ADI
6.341, a saúde é um “direito de todos” e dever não só do estado, mas
sim uma obrigação a cargo, também, da União, do Distrito Federal e
dos municípios. É evidente que, em uma pandemia, a qual acarreta, por
si só, problemas, estes não podem ser majorados pelas discordâncias de
medidas que apenas visam o controle do COVID-19, tanto na esfera
privada quanto na pública.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
341
O ativismo judicial é perceptível no Poder Judiciário de tal
forma que não se esgota nas cotidianas decisões judiciais; é bem mais
profundo que a vão doutrina consegue enxergar. Será que o CNJ tem
sido um braço de uma forma ativismo judicial bem mais poderoso do
que as decisões judiciais que são reportadas de quando em vez? Agindo
de forma mais indireta e menos visível. Por ser um órgão dinâmico,
administrativo, executor; por ser constantemente retroalimentado por
disposições de espíritos particulares, em razão dos mandatos periódicos,
é normal que haja expansão (bastante ativa) administrativa, sedimentada
em suas predisposições constitucionais.
A atuação do CNJ não deve ser romantizada, mas, nem por isso,
amaldiçoada. Deve-se apreendê-la conforme o novo estado da técnica
das relações institucionais que se engendra a partir da sua criação. Sua
permanente estadia entre os órgãos de poder da nossa República imputa
uma série de acuradas observações e cuidadosos estudos para que o seu
encaixe institucional não disturbe relações previamente harmônicas e
ofereça melhores soluções para outras esquecidas ou renegadas.
Parece importante que o sistema carcerário deve ser pensando e
gerido de forma nacional, seja porque a criminalidade não vê fronteiras,
seja porque se trata de um sistema nacional, porquanto a legislação
penal, em sua integralidade, e a de execução penal, em grande parte,
são compostas de leis nacionais. Assim, a gestão do sistema carcerário
deve ser holística e nacional, não podendo ser atomizada, sob pena de
se instalar o verdadeiro caos e literalmente deixar livre a atuação das
organizações criminosas, que, como se sabe, não mais se resumem a
determinados estados-membros.
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão novo que ainda está
recebendo modelagem institucional por via própria e pela atuação
do STF, seja na via jurisdicional, seja na sucessão administrativa de
cada presidente. É precipitado afirmar que o CNJ está invadindo os
espaços normativos e administrativos dos entes locais, a saber, poderes
legislativos e executivos, mas não se pode deixar passar desapercebido
esse movimento, o qual, caso inevitável, seja benéfico e consciente,
sabendo-se de antemão os riscos para poderes locais, o que transpassa
a tradicional noção de federalismo e dinamiza de forma acentuada a
separação de poderes nos estados-membros.
342
A pretensão deste estudo foi lançar luzes em temas pouco
enfrentados pela doutrina constitucionalista e administrativa do nosso
país. É ainda um campo novo, assim como o é o próprio CNJ. A
expansão administrativa do CNJ, influenciada pela agenda político-
administrativa de cada presidente, em maior grau, e dos conselheiros,
em menor medida, deve ser verificada de perto, não com a pretensão
de impedi-la, mas com o fim de zelar por enfrentamentos institucionais
equilibrados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
343
SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e
a Independência do Judiciário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito
constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012
TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o
Supremo Tribunal Federal. Direito Público (Porto Alegre), v. 9, p.
184-216, 2012.
TAVARES, Aderruan. A função controladora do Conselho Nacional de
Justiça à luz da juridicidade e das normas da Lindb. In: LAMACHIA,
Claudio, FERREIRA, Antonio Oneildo, MONTEIRO, Valdetário
Andrade. (Org.). CNJ e a efetivação da Justiça. 1ed.Brasília: OAB,
2019
344
FEDERALISMO E A AUTONOMIA DOS
ENTES FEDERADOS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UM ESTUDO DE DIREITO
E LITERATURA SOB A ÓTICA DA OBRA
“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” DE JOSÉ
SARAMAGO
Ana Luisa de Figueiredo Guimarães406
Ester Moraes D’Avila407
Kamilla Ranny Macedo Niz408
1. INTRODUÇÃO
346
soberana do Brasil, em que os Estados membros se coordenam a
um poder central, sob a observância da Constituição Federal de 1988
(CF/88), a partir da perspectiva da atuação de competências comuns
e concorrentes. Ao que concerne à autonomia dos entes nacionais,
embora esta possa ser dividida em três vertentes, quais sejam, política,
administrativa e financeira, o foco será as duas primeiras.
Assim, segundo a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
6.341 (ADI n. 6.341), os estados e municípios possuem competência
concorrente prevista no art. 23, inciso II, da Constituição Federal,
em observância à proteção dos direitos fundamentais, pelos quais as
normas editadas em relação às medidas possuem a finalidade de mitigar
os efeitos da pandemia no Brasil, o que requer a necessidade de diálogos
entre os entes federados e a relativização da autonomia propriamente
dita, como será possível se ater pelo estudo da obra supramencionada.
347
Dessa forma, trata-se de uma forma de organização territorial em
que ocorre a partilha do poder do Estado entre os entes de determinado
território. É importante destacar que existem várias formas de Estados
Federais no mundo, como o federalismo clássico que é baseado no
modelo norte-americano, o federalismo centrípeto, o federalismo
centrífugo - federalismo brasileiro, que ao contrário do norte-
americano, é um federalismo que estabelece três níveis, incluindo o
município como ente federado e, portanto, com um poder constituinte
decorrente, e os modelos de federalismo simétrico e assimétrico, o qual
se refere a uma simetria entre os níveis dos entes federados.
Visto isso, ao analisar o federalismo na atual conjuntura
contemporânea, vivenciada com a pandemia do COVID-19, é
possível aferir uma crise, tendo em vista um crescente movimento de
centralização do poder na União, em face dos demais entes federados.
Nota-se um desequilíbrio federativo, uma vez que o Governo Federal
segue assumindo de forma exclusiva as decisões e medidas de combate
ao COVID-19, o que acabou culminando em conflitos entre os Estados
membros e municípios, em definir quem pode impor medidas para
contenção do iminente vírus.
Vale destacar, que no tocante a saúde, a Constituição Brasileira
de 1988 dispõe que a competência comum de “cuidar da saúde e
assistência pública (...)” (artigo 23, II) pertence à União, estados
membros, Distrito Federal e municípios. No contexto brasileiro,
portanto, há amparo constitucional para que governadores e
prefeitos adotem medidas em combate à pandemia, mesmo que em
desacordo ao Governo Federal. Na decisão do Supremo Tribunal
Federal, à título exemplificativo, ao julgar a Ação Cível Ordinária
nº 3.385 (ACO nº 3.385), foi permitido que o Estado membro do
Maranhão pudesse comprar respiradores hospitalares direto da
China, proibindo o confisco ou requisição administrativa desses
aparelhos pelo Presidente da República.
Assim, imperioso ressaltar que, apesar da CF/88 estabelecer um
Estado Federal de três níveis, quais sejam, União, Estados membros/
Distrito Federal e municípios, com autonomia própria para proteger a
saúde e os cidadãos, conforme artigos 23, 24 e 30 do texto constitucional,
a legislação infraconstitucional por outro lado, a exemplo da Medida
348
Provisória nº 926/2020, a qual inegavelmente buscou centralizar o
poder no Governo Federal, o que acarretou conflitos com os outros
entes federados no tocante ao combate do COVID-19.
Portanto, acerca da descentralização do poder no federalismo,
apesar da partilha do poder entre os entes federados e a sua autonomia,
é fundamental a colaboração entre os entes para o enfrentamento das
crises socioeconômicas, instaurada pela pandemia, a fim de preservar
o equilíbrio federativo.
349
de tentar mitigar o contágio e os efeitos da pandemia, em decorrência
da autonomia destes.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 (ADI 6.341)
foi uma dessas medidas, requerida pelo Partido Político Democrático
Trabalhista (PDT) e determinada devido ao conflito entre estado e
município, visto que, algumas medidas implementadas por aquele não
era conivente com a implementada pelo último. Dessa forma, passou-se
a questionar a validade das normas dispostas pelos municípios, até a
implementação da ADI supramencionada. Nesse sentido, o Ministro
Alexandre de Morais, fundamenta seu voto, reafirmando a posição
de ente federado do município para a implementação dessas normas
(BRASIL, 2020).
353
de todos os cidadãos para estancar a propagação do contágio.
(...) O Governo está perfeitamente consciente das suas
responsabilidades e espera que aqueles a quem esta mensagem
se dirige assumam também, como cumpridores cidadãos que
devem ser, as responsabilidades, acima de quaisquer outras
considerações pessoais, um acto de solidariedade para com o
resto da comunidade nacional. (SARAMAGO, 2011, p. 49,50).
Todavia, a partir do decreto presidencial advindo da névoa
branca, percebe-se o início da desarmonia entre as medidas adotadas,
visto que, mesmo que o presidente, representante da União, quisesse
garantir a necessidade do mínimo de Dignidade da Pessoa Humana,
é o estado quem dispõe os recursos aos municípios, equivalentes na
obra de Saramago às alas do manicômio. Percebe-se que, enquanto a
quantidade de pessoas era conivente com os recursos dispostos pelos
representantes estatais, era possível garantir, na medida do possível,
pelo menos a alimentação, o que não foi viável após a chegada de mais
vítimas da névoa branca.
Ademais, a partir do cenário fictício exposto, quando não há a
harmonia das decisões dos entes federados e da União, percebe-se uma
falha na garantia dos direitos fundamentais e uma quebra da estrutura
do federalismo. Ora, assim como no livro, a pandemia do COVID-19
acarretou não apenas uma crise na saúde e no sistema financeiro, mas
também foi responsável por desestruturar o equilíbrio das medidas
reguladas pela União e pelos entes federados a fim de mitigar os efeitos
desta, o que justificou a implementação da ADI 6.341 supramencionada
no tópico anterior. Conforme o entendimento do Ministro Alexandre
de Morais, no julgamento dessa ADI, reitera-se o posicionamento da
necessidade de uma coesão das medidas (BRASIL, 2020):
355
Em “Ensaio sobre a cegueira” é possível perceber um declínio,
tanto na questão da alimentação, falha devido à forma como se deu
a distribuição, mas também, na própria saúde, já que, a partir do
momento em que os cegos eram direcionados ao manicômio, havia uma
superlotação dos leitos e a não reposição dos materiais necessários para
curar as feridas dos doentes ou limpar o espaço em que estavam. Essa
situação pode ser percebida no seguinte trecho da obra de Saramago
(2011), em que a esposa do médico tentava tratar o ferimento de um
dos cegos:
356
e a harmonia das medidas individuais, ditadas por cada um destes. Na
obra em análise não houve essa cooperação, mas sim a manutenção
do egoísmo, o que foi responsável por um (des)governo. No contexto
brasileiro, essas normas devem trabalhar em conjunto, para a contenção
do coronavírus e o repasse da informação de que se trata de um vírus
contagioso e facilmente transmissível, que já matou muitos cidadãos
e pode matar muitos mais.
Por meio de um estudo pautado no “Ensaio sobre a cegueira”,
percebe-se que é uma oportunidade de visualizar a estrutura de um
Estado Federado e seus componentes, em uma época em que há uma
cegueira de uma realidade a ser cuidada, a ser garantida preceitos
fundamentais. No Brasil essa cegueira pode ser observada ao fato de
que a União, no início da pandemia desencorajava a quarentena, fazendo
campanha defendendo medicamentos sem comprovação científica,
incorporando ao governo uma postura negacionista, representada
pelo próprio Presidente da República, o qual, atualmente, demonstra
opiniões anti-vacina e influencia parte da população com informações
não verídicas, pautadas no mero “achismo”. Talvez, essa cegueira, essa
névoa branca, sempre tenha existido na sua forma implícita, mas, na
pandemia, ela se tornou, explicitamente, um problema.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
357
Dessa forma, neste artigo, com base na obra “Ensaio sobre a
cegueira” de José Saramago, assim como no Brasil, foi afetado por
um vírus responsável pelo desequilíbrio governamental, na obra quase
que um (des)governo. Nota-se que a crise desestabilizou o modelo
federativo, que é em regra, uma descentralização do poder central,
emergindo conflitos entre os poderes na tomada de decisões em
combate ao COVID-19 e à névoa branca.
Em suma, devido à falta de harmonia das medidas em prol do
interesse social, os principais afetados são os cidadãos, devido ao não
cumprimento dos direitos sociais, em especial, o da saúde. É como
uma cegueira administrativa, a qual impede a efetividade das normas
constitucionais e o próprio modelo federativo. Talvez, essa cegueira
sempre tenha existido, fato é que a pandemia só tornou evidente o
problema, que necessita ser observado.
REFERÊNCIAS
358
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Provisória
nº 449. Relator: Min. Luiz Fux, 09 jul. 2020. Disponível em https://
jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1119104/false.
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MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
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OMS decreta pandemia do novo coronavírus. Saiba o que isso significa.
Veja Saúde. 11 mar. 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/
medicina/oms-decreta-pandemia-do-novo-coronavirus-saiba-o-que-
isso-significa/. Acesso em: 07 jan. 2021.
REALE, Miguel, Filosofia do Direito. 19ª ed. Editora Saraiva. São
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revista-101/o-que-e-a-teoria-tridimensional-do-direito/. Acesso em:
20 dez. 2020.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras.
61ª reimpressão. São Paulo. 2011.
SOARES, Márcia M. Formas de Estado: federalismo. Manuscrito.
Belo Horizonte: UFMG/ DCP, 2013.
359
360
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
SUBNACIONAL EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE
A ELABORAÇÃO DE NORMAS PELO
EXECUTIVO E PELO LEGISLATIVO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO COM FOCO
NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS
CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES.
Gilson José Julião409
1. BREVE INTRODUÇÃO
361
COVID-19. Em seguida, trataremos sobre o objeto principal desta
pesquisa que é entender de que modo a Assembleia Legislativa de
Pernambuco e o Governo do Estado de Pernambuco elaboraram
normas para a proteção na tutela dos direitos fundamentais das crianças
e dos adolescentes no período de pandemia, ainda nesta parte do artigo
será estabelecido um parâmetro jurídico sobre a prioridade absoluta
que deve ser exercida pelo Estado em favor dos direitos fundamentais
à criança e ao adolescente.
Deste modo, entendemos que este artigo é relevante para
compreendermos se esta prioridade absoluta foi levada em consideração
na elaboração das normas subnacionais em tempos de pandemia.
363
para a consolidação democrática de Assembleias Legislativas e Câmaras
de Vereadores” (ARAÚJO, p. 297, 2015). Isto ocorre devido o Supremo
fazer uma interpretação hermenêutica que valoriza a centralização da
União em detrimento dos Estados-membros, trazendo um prejuízo
na tutela dos direitos fundamentais, pois desestimulam os legisladores
estaduais na produção de leis neste sentido.
As iniciativas legislativas dos entes subnacionais são alvos
frequentes de questionamentos judiciais que se inclinam a reforçar
a tendência vertical e centralizadora, pois, como já vimos, as
competências legislativas dos estados são muito encurtadas na Carta
de 1988. De acordo com a Constituição, enquanto compete à União
legislar sobre 29 questões das mais diversas e aos municípios legislar
sobre assuntos de interesse local, os estados só poderão legislar sobre
temas específicos das matérias de competência da União que forem
definidas por lei complementar federal, conforme preceitua o artigo
22, parágrafo único. Quanto à legislação concorrente, União e estados
legislam sobre outras 26 matérias, deste modo, o que temos no cenário
atual é que, havendo conflito de competência, prevalece a legislação
federal. Portanto, o que se observa hoje é que:
364
agiu de forma incompleta, irresponsável ou contraprudente, com o
objetivo de sanar os prejuízos decorrentes (GARDNER, p. 35, 2012).
Como destaca Gardner, é oportuno observar se de fato existe
um constitucionalismo infranacional, pois pode haver práticas
constitucionais infranacionais sem necessariamente existir o surgimento
de condições para de fato existir um constitucionalismo infranacional.
Para isto, ele elenca cinco razões para concluir se o “aparecimento
de constituições infranacionais em um estado federal implica o
aparecimento do constitucionalismo infranacional” (GARDNER, p. 36,
2012). Dentre essas cinco razões existem a dos “sistemas internacionais
e supranacionais como protetores principais dos direitos humanos”
(GARDNER, p. 41, 2012).
Neste sentido, embora nossa pesquisa não debruce apenas
sobre o constitucionalismo infranacional, mas também na legislação
infranacional, este artigo poderá mostrar a existência ou não da
proteção dos direitos humanos no âmbito do Estado de Pernambuco
quanto aos direitos das crianças e adolescentes em tempo de pandemia
do COVID-19. Esta proteção dos direitos humanos por meio da
legislação infranacional permite que haja uma maior aproximação
entre o ente federado que protege e os beneficiários destes direitos
que, no caso desta pesquisa, são as crianças e adolescentes. Além disto,
faz com que, mesmo que haja um sistema de proteção internacional
e supranacional, existam também formas concorrentes de proteção
subnacional que poderá suprimir determinadas ausências na legislação
constitucional ou infraconstitucional de proteção os direitos das
crianças e adolescentes.
Tomando como base a conceituação de Araújo (p.295, 2015) sobre
competências legislativas, uma questão que é necessária responder
é se a legislação sobre os direitos das crianças e dos adolescentes
são de técnica de competência enumerada (união e municípios) ou
remanescentes (estados-membros)?
No artigo 22 da Constituição Federal de 1988 que trata das
competências privativas da União não é abordada a questão dos direitos
das crianças e dos adolescentes e no artigo 23 também não trata
deste tema, mas apenas das pessoas portadoras de deficiência como
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
365
Municípios. Já no artigo 24, em seu inciso XV, é tratada a proteção à
infância e à juventude como competência legislativa concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal. Deste modo, entendemos
que são nos Estados-membros, de forma remanescente, que deve
ocorrer a tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes por meio
da legislação subnacional, ou seja, a técnica de competência legislativa
adotada pela Constituição Federal de 1988, para a proteção à infância
e à juventude, é a remanescente.
Segundo análises preliminares de alguns estudiosos do federalismo,
podemos dizer que, embora de forma precoce, estamos passando por
uma virada jurisprudencial quanto ao centralismo na federação na
proteção dos direitos fundamentais, pois os estados-membros passaram
a ter destaque no combate à pandemia com a contribuição da nossa
Corte Suprema.
Analisando a ADPF 672/DF, proposta pelo Conselho Federal da
OAB devido à divergência sobre as competências dos entes federados
para combater a crise sanitária que estamos passando, sob a relatoria
do ministro Alexandre de Morais, em cuja decisão liminar fortaleceu os
preceitos jurídicos fundamentais do respeito ao federalismo, Luciana
Grassano Melo diz que:
3. L E G I S L A Ç Ã O E N O R M A S D O E S TA D O D E
PERNAMBUCO NO PERÍODO DA PANDEMIA
D O C OV I D - 1 9 T U T E L A N D O O S D I R E I T O S
FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
369
janeiro de 2021, trata sobre a criança, e nesta, não prevê necessariamente
um direito fundamental em favor desta, mas apenas dispensa as crianças
com menos de três anos de idade, do uso de máscara de proteção facial.
As demais leis tratam sobre questões do direito à cultura, à
saúde, ao orçamento, do idoso e das pessoas consideradas de risco, do
consumidor, de consórcio público, da alteração do calendário oficial de
eventos e datas comemorativas do Estado, da doação de equipamentos,
do uso de máscaras, dos condomínios, da antecipação de colação de
grau de profissionais da saúde, do agendamento e atendimento remoto
e da apreensão veicular nas vias públicas.
Porém, uma lei que chama atenção é a lei nº 17.103, de 10 de
novembro de 2020 que determina medidas preventivas a serem adotadas
pelas instituições de acolhimento e permanência de idosos, casas de
repouso, asilos e congêneres no Estado de Pernambuco. Damos
destaque para esta, em virtude de ser uma lei que trata diretamente sobre
direito fundamental dos idosos e isto nos levou a questionar o porquê
de não ter sido elaborada nenhuma em favor dos direitos fundamentais
diretamente com foco na criança e no adolescente.
Nesta mesma seara de determinar medidas preventivas a
serem adotadas pelas instituições de acolhimento e permanência de
idosos, poderiam os legisladores elaborar leis em favor das crianças
e adolescentes que estejam em situação de medidas protetivas em
entidades de acolhimento institucional ou cumprindo medidas
socioeducativas de internação. Quanto aos adolescentes em conflito
com a lei, em artigo publicado sobre a realidade da socioeducação e
das medidas de controle da COVID-19, Érica Babini destaca que:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
373
374
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E
FEDERALISMO: A CONTRIBUIÇÃO DAS
CORTES SUBNACIONAIS NA PROMOÇÃO
DO DIREITO À SAÚDE EM TEMPOS DE
PANDEMIA
Raquel Muniz Pereira Simões 410
Mayara Schwambach Walmsley411
1. INTRODUÇÃO
376
2. UM BREVE PANORAMA DO FEDERALISMO:
DA ORIGEM HISTÓRICA ÀS CARACTERÍSTICAS
FUNDAMENTAIS DO ESTADO FEDERAL.
379
de prestar a tutela jurisdicional necessária nas hipóteses de violação ou
ameaça às garantias fundamentais individuais e coletivas, deliberando,
portanto, sobre matéria constitucional (ZAVASCKI, 2017).
Portanto, no contexto de crise socio-econômica e agitações
populares inrrompidas durante a atual pandemia do novo coronavírus,
passa-se a analisar a contribuição prestada pelos nossos Tribunais,
com destaque à atuação das cortes locais, ao exercício da jurisdição
constitucional, elegendo como pano de fundo a proteção de direitos
e o equalizamento das tensões federativas.
Muito embora assevere Marrafon, em releitura da análise feita por Marta Arretche
415
416
G1. Bem estar. Brasil soma 9 milhões de casos de Covid de 220 mil mortos pela doença.
Disponível em: Brasil soma 9 milhões de casos de Covid e 220 mil mortos pela
doença | Coronavírus | G1 (globo.com). Acesso em: 27/01/2020.
417
Art. 3º, §8º: As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar
o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
418
Art. 3º: Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito
de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II –
quarentena […]; VI - restrição excepcional e temporária, conforme recomendação
técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias,
portos ou aeroportos de: a) entrada e saída do País; b) locomoção interestadual e
intermunicipal.
382
Isso porque, a alteração trazida pela Medida Provisória parecia atribuir
exclusivamente ao Presidente da República o poder de definir quais
os serviços públicos e atividades essenciais deveriam ser mantidos em
funcionamento quando da adoção das medidas de distanciamento
social em todo o país.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) alegou, além da
suposta existência de inconstitucionalidade formal na edição da
Medida Provisória, a violação da autonomia dos entes da federação,
ante o esvaziamento da responsabilidade constitucional atribuída
a todos os entes federados no que tange à administração da saúde
pública. Além disso, pontuou que foi violado o critério constitucional
da predominância do interesse – interesse geral, União; interesse
regional, Estados; interesse local, Municípios. Por essas razões, requereu
liminarmente a declaração de nulidade dos dispositivos atacados, além
da invalidade por arrastamento do Decreto nº 10.282/2020. No mérito,
requereu a confirmação da medida acauteladora.
Ao analisar o pedido cautelar, o relator da decisão, o Ministro
Marco Aurélio de Mello, concedeu parcialmente a medida requerida
para reiterar as competências concorrentes, comuns e suplementares
definidas na Constituição Federal, tornando explícito que a edição da
Medida Provisória não afasta a tomada de providências normativas e
administrativas pelos estados, e municípios.
Ao referendar a decisão cautelar proferida, o pleno do Supremo
Tribunal Federal seguiu, por maioria, o voto do Ministro Luiz Edson
Fachin para ir além do que foi concedido pelo Relator. Nesse sentido,
optou-se por dar interpretação conforme à Constituição419 ao § 9º do
art. 3º Lei 13.979/2020, com o objetivo de explicitar que o Presidente da
República poderia dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos
e atividades essenciais, desde que preservada a atribuição de cada
esfera do governo, nos termos do inciso I, artigo 198 da Constituição
Federal420. (MENDES, 2005).
419
O Ministro Gilmar Mendes nos ensina que a interpretação conforme a Constituição
é realizada para “salvar” o ato normativo que possa ser interpretado conforme a
Carta-Mãe, dentro dos limites da expressão literal do texto.
420
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
383
Desse modo, restou reiterada pela decisão a competência dos
Estados e Municípios para delinear e executar medidas efetivas de
saúde pública para o enfrentamento da pandemia ocasionada pelo novo
Coronavírus, inclusive para definir, de acordo com as peculiariadades
locais e regionais, quais seriam os serviços tido como essenciais e sua
forma de funcionamento. A decisão levou em consideração a realidade
da distribuição do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, nos termos
do voto do Ministro Gilmar Mendes:
384
estabilidade, previsibilidade e, portanto, coerência a dar respostas a esta
situação emergencial e transitória pela qual passamos.
Os trechos apresentados demonstraram a relevância da atuação –
consciente – da jurisdição constitucional para garantir previsibilidade
e estabilidade ao Estado Federal, a fim de garantir a autonomia dos
estados e municípios e fomentar a cooperação destes com a União.
A decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ao reafirmar
a competência conjunta dos Estados, DF e Municípios para a tomada
de providências normativas e administrativas em matéria de saúde
pública, vem possibilitando que os gestores e as autoridades locais
adotem medidas restritivas mais adequadas no enfrentamento da crise
sanitária, principalmente nas regiões mais afetadas pela Covid-19.
Devendo ser entendido, para os fins do presente estudo, como o bloqueio total de
421
386
Bandeira Laranja do plano de reabertura das atividades estaduais
e municipais, contrariando os requisitos de “passagem de fase”
estipulados pelo próprio Decreto nº 40.615/2020, em seu artigo 8º,
inciso I, cujo dispositivo condicionava o início da Fase Bandeira Laranja
à capacidade dos leitos de UTI do Estado, que não poderia superar a
ocupação máxima de 70% (setenta por cento).
À época da publicação da portaria, os leitos de UTI do Estado
do Maranhão já alcançavam a taxa de ocupação de aproximadamente
97,5% (noventa e sete vírgula cinco por cento), excedendo, em muito,
o critério legal de até 70% (setenta por cento) previsto no Decreto nº
40.615/2020. Por tais motivos, a 1ª Vara Federal de Sergipe suspendeu
os efeitos da Portaria 86/2020, considerando que, ao editá-la, a SES
teria incorrido em violação ao decreto editado pelo próprio Executivo
Estadual.
A referida decisão, a despeito de ser produto da jurisdição
federal, prestigiou a autonomia normativa do Estado do Maranhão
quando, tornando sem efeito ato exarado por órgão administrativo
vinculado ao executivo estadual, assegurou a observância do Decreto nº
40.615/2020, o qual, àquela época, era a principal norma a estabelecer
as balizas e diretrizes de enfrentamento da pandemia no Estado.
Note-se que a Portaria 86/2020 não estava em desacordo com a
Lei Federal nº 13.979/2020 (inclusive após as alterações promovidas
pela Medida Provisória nº 926/2020), segundo a qual, em leitura
conjunta dos §§ 5º, 7º (inciso II e II) e 10º do seu artigo 3º, prevê a
possibilidade dos gestores locais de saúde adotarem o isolamento ou
quarentena, dentre outras medidas, desde que haja articulação prévia
com o órgão regulador ou o poder concedente ou autorizador.
E de acordo com o brocardo jurídico herdado do direito romano
de “quem pode o mais, pode o menos”, se os gestores de saúde locais
são competentes para decretar o isolamento social ou a quarentena,
são também competentes para atenuá-la ou encerrá-la, circunstância
que poderia ter motivado a conservação da Portaria.
Contudo, a Justiça Federal de Sergipe, em decisão prolatada pelo
TRF5 após a interposição do Agravo de Instrumento nº 0808511-
74.2020.4.05.0000 pelo Estado de Sergipe, confirmou a decisão liminar
da 1ª Vara Federal e preservou a autoridade do Decreto Estadual nº
387
40.615, de 15 de junho de 2020, lembrando ao Governo do Estado
que, também ele, deveria se vincular “às normas que ele próprio
editou, enquanto as mesmas estiverem vigentes, justificando-se a
excepcional intervenção do Poder Judiciário em tal seara, diante da
violação vislumbrada”.
Nesse sentido, a despeito de muito se discutir acerca da legitimidade
do judiciário para invalidar decisões dos atores políticos que exercem
mandato popular, ou mesmo sobre a legitimidade dos juízes singulares
e Tribunais para instituir políticas de saúde pública regionais e
nacionais – cujo debate, apesar de significativo, não será aprofundado
neste artigo –, o fato é que, diante da falta de coordenação técnica de
políticas emergenciais por parte do Governo Federal no enfrentamento
à Covid-19, os Estados e Municípios se viram na responsabilidade de
agir contra o avanço da doença, deixando no passado a postura de
passividade que marcou as últimas décadas.
E quando se fala em Estados e Municípios, abarcam-se não só
os gestores e legislativos locais, atores políticos que atraem o foco das
discussões em torno do federalismo, mas, também, os órgãos judiciais
estaduais e regionais.
Decisões como as destacadas anteriormente evidenciam a
potencialidade que a prestação jurisdicional dos juízos e cortes
locais representa à sociedade no que pertine à promoção de direitos
fundamentais no plano subnacional.
Ativistas, ou não, as decisões acima reafirmam a autonomia dos
entes subnacionais para, junto com a União, planejar e executar as
políticas de saúde pública voltadas ao enfrentamento do coronavírus
e confirmam a participação ativa das cortes locais na evolução, e
consequente construção, do federalismo brasileiro.
Seja através do exercício do papel de legislador positivo, como
ocorreu no Maranhão, na medida em que, sob o manto da proteção
constitucional do direito à saúde, o TJMA inovou na ordem jurídica
ao incorporar, à legislação local, normas de conduta a serem seguidas
pela população daquele estado; seja através do exercício da jurisdição
como ferramenta de preservação do regular exercício dos poderes
estatais e, consequentemente, de manutenção da higidez do pacto
federativo.
388
Ademais, o jurisdicionado que opta por acionar as Cortes inferiores
se vê mais próximo “das instâncias decisórias de poder e com maiores
possibilidades de controle de poder político”, podendo esperar, por
que não, a extensão da proteção constitucional que lhe é dada, com
base em direitos previstos não somente da Constituição Federal,
mas também naqueles garantidos pelo arcabouço jurídico estadual.
(MARRAFON, 2015).
5. NOTAS CONCLUSIVAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
389
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390
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391
392
QUANDO OS DIREITOS TRANSBORDAM:
DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS E
TRANSFEDERALISMO
José Arthur Castillo de Macedo422
1. INTRODUÇÃO
394
nome de direitos que pessoas defenderam o direito ao trabalho e à
livre iniciativa – e a necessidade de manter os seus estabelecimentos
comerciais abertos, para assegurar o sustento de suas famílias, em razão
da falta de auxílio por parte do Estado. Foi, também, em nome de
direitos que pessoas se manifestam – em redes sociais – ou se reúnem
em praça pública, correndo o risco de contrair um vírus mortal, para
criticar a inércia de governantes ou para apoiá-lo.
Não é crível, tampouco respeitoso com nossos concidadãos,
afirmar que todas as pessoas que manifestam posições que divergem
das nossas estão erradas. Há, portanto, algo de relevante nesse uso dos
direitos nas diversas contendas políticas.
Mas qual é a conexão dessa introdução abstrata e os direitos
fundamentais estaduais? O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo.
No presente texto sustento a ideia de que é necessária uma nova
e melhor compreensão sobre os direitos e como se dão as disputas
a respeito do seu conteúdo e alcance. Esses conflitos não estão
estacionados. Eles são dinâmicos, expandindo-se e contraindo-se,
deslocando-se horizontal, vertical e transversalmente. Transbordando
os limites postos e pressupostos, e reconfigurando nossa compreensão
sobre democracia constitucional e federação.
Conforme demonstrarei, com dois casos embasados em ações
judiciais propostas antes da pandemia do coronavírus, esses conflitos
não surgiram no Brasil em março de 2020.
A essa nova forma de compreender os conflitos de direitos e suas
implicações para o constitucionalismo, a democracia e, especialmente,
o federalismo, eu chamarei de transfederalismo. O transfederalismo
pretende oferecer melhor descrição sobre como se dão alguns conflitos
políticos e as suas implicações para compreender os direitos e o próprio
desenho institucional da federação brasileira, especialmente o regime
constitucional de repartição de competências. Ele se apresenta como
uma ferramenta para compreender a dinâmica federativa e como
interpretar as situações nas quais os direitos não se restringem ao seu
âmbito territorial de validade, ou, em outras palavras, como interpretar
os direitos quando eles transbordam.
Além disso, atento à complexidade e a pluralidade de regimes
contemporâneos, pretende oferecer respostas a um questionamento:
395
se houver a coexistência de mais de um direito fundamental – nacional
e estadual – que possa vir a proteger uma pessoa ou um grupo de
pessoas, é possível que direitos fundamentais estaduais possam
preceder direitos fundamentais nacionais na proteção da pessoa
humana? Questionamento idêntico poderia ser feito para direitos
humanos previstos em tratados internacionais e os direitos previstos nas
constituições internas. Poderiam entes da federação não só cooperar,
mas também concorrer para oferecer a melhor proteção aos direitos
fundamentais das pessoas?
Antes de responder a tais questões, discutirei se é possível a
existência dos direitos fundamentais estaduais. Em seguida, vou
apresentar dois casos que perpassarão a nossa discussão e ajudarão
a apresentar a explicação e as proposições desenvolvidas ao longo
do texto. Depois de apresentá-los, explicarei o que chamo de
transfederalismo. Ao final, ofereço a resposta transfederativa para os
questionamentos feitos e apresento como eles podem contribuir para
uma melhor compreensão dos casos e da dinâmica federativa.
Neste texto tomarei como ponto de partida os conflitos internos
ao direito, do ponto de vista de um participante/cidadão – nativo
– que está engajado na vivência de uma comunidade política – a
República Federativa do Brasil, em 2021 – e que adota uma postura
igualitária diante das controvérsias constitucionais. Ao explicitar esse
compromisso com o autogoverno individual e coletivo, deixo claro que
o meu ponto de partida, como intérprete do direito, não é neutro. Da
mesma forma, elucido que a análise não é externa a essa prática, no
sentido de um observador – sociólogo, cientista político – que pretende
descrevê-la e analisá-la, sem se engajar nela423.
2. EXISTEM DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS?
396
1945 e a ditadura militar-civil 1964-1985), fomentaram-se práticas de
centralização decisória na União federal e de crença de que o poder
central deve ter protagonismo na oferta e na prestação de políticas
públicas424. Durante tais períodos, a restrição de direitos e a eliminação
de pessoas contribuiu para enfraquecer o aprendizado coletivo sobre
o exercício das liberdades, da igualdade e da crítica pública na esfera
pública.
Além disso, o estudo das Constituições e do constitucionalismo
estadual não é feito na maioria das faculdades de direito425, inclusive,
paradoxalmente, naquelas que são instituições públicas e estaduais de
ensino426. Tais motivos estimularam a percepção na cidadania e na
comunidade jurídica de que só existiriam direitos fundamentais na
Constituição Federal.
A história das Constituições estaduais está intrinsicamente ligada
à história do federalismo e do constitucionalismo moderno. Nos
Estados Unidos existiam Constituições dos Estados antes de haver
a Constituição Federal. Nelas, inclusive, foram prescritos direitos
fundamentais antes da edição da Declaração de Direitos (Bill of Rigths)
com as dez primeiras emendas à Constituição Federal dos Estados
424
Há, também, a crítica ao coronelismo e ao poder de elites locais que governavam
a política da República até os anos 1930.
425
Nesse sentido, a recente obra de Thiago Magalhães Pires reforça a noção –
equivocada – de que os direitos fundamentais só deveriam ser previstos e protegidos
pela esfera federal, pois numa obra de direito constitucional estadual não são
analisados direitos fundamentais estaduais. Cf. (PIRES, 2020)
426
José Adércio Leite Sampaio elenca outros possíveis motivos para o esquecimento
dos direitos fundamentais estaduais e das Constituições estaduais: “A irrelevância
das Constituições estaduais pode ainda ser produto no baixo envolvimento social na
sua elaboração e nos processos de emenda, a refletir-se no reconhecimento daquelas
Constituições como elemento de autoconstituição e autogoverno. A falta de um
“momento constituinte” originário, decorrente de uma “fadiga” do processo federal
que culminou com a Constituição de 1988 ou, pelo menos, de seu ofuscamento,
uma vez que as Assembleias estaduais foram eleitas em 1989 para rapidamente
elaborarem os textos constitucionais, pode ser apresentada como um dos fatores
desmobilizantes. Assim também se pode dizer da invisibilidade do processo
reformador das Constituições dos estados. Associem-se a isso a baixa presença
dos discursos acadêmicos do constitucionalismo estadual e o apelo meramente
secundário das normas constitucionais estaduais como parâmetros de controle de
constitucionalidade e de suas diferenças para os cânones federais.” (SAMPAIO,
2019)
397
Unidos427. Há, até hoje, direitos fundamentais estaduais que não são
previstos na Constituição Federal.
Tal fenômeno se repete em outros países federativos. Mesmo
no Brasil, cuja federação possui uma origem centrífuga, com a
fragmentação do Estado Unitário do Império, houve manifestações
de auto-organização estadual antes da Constituição republicana de
1891428. Com tais exemplos, pode-se constatar que as Constituições
Estaduais e os direitos fundamentais estão historicamente atrelados
à formação do federalismo em países como o Brasil e os Estados
Unidos.
Contemporaneamente, a necessidade de aprovação das constitui-
ções estaduais está prescrita na Constituição Federal, em seu artigo 25
e 11 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias),
e decorre da autonomia constitucional assegurada no artigo 1º,
18 e 25 da Constituição Federal, 429. A existência da Constituição
estadual assegura a autonomia política em suas diversas dimensões
– auto-organização/autogoverno; autonomia legislativa; autonomia
administrativa e autonomia financeira – e constitui-se em elemento
427
Nesse sentido, Luís Fernando Sgarbossa e Laura Bittencourt afirmam que: “Nos
EUA os direitos fundamentais estaduais desempenharam um papel determinante
em certos períodos, como, por exemplo, entre 1791, data de criação do Bill of Rights,
e 1868, data da XIV Emenda (Equal Protection Clause). Em tal período, como os
direitos fundamentais federais criados em 1791 eram compreendidos como oponíveis
apenas às autoridades federais até a XIV Emenda, que finalmente o estendeu
expressamente também aos Estados, foi crucial o papel dos direitos fundamentais
estaduais.” (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019). É fundamental consignar que
os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal dos Estados Unidos só
após 1964/65 e depois de muitos protestos do movimento dos direitos civis foram
assegurados direitos fundamentais a parcelas significativas da população, incluindo
mulheres e a toda população negra, (TUSHNET, 2015). Contudo, havia Estados
onde a discriminação era menor inclusive em razão dos direitos fundamentais
estaduais. Em outros estados havia, na minha opinião, verdadeiro apartheid até mais
da metade do século XX.
428
Refiro-me aos diversos movimentos que ocorreram no Império, especialmente a
Confederação do Equador.
429
Para (SAMPAIO, 2019) o Brasil integra o rol de federações nas quais a autonomia é
um poder-dever. A maioria dos Estados (24 unidades) adotaram as suas constituições
em 1989, conforme previsto no art. 11 do ADCT e os outros em 1991 ou 1993 (3,
a saber, Amapá, Roraima e DF) (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019).
398
central para diferenciar, do ponto de vista jurídico, os Estados federados
dos Estados unitários decentralizados430.
Nos últimos anos, após 30 anos de constitucionalismo
subnacional, pesquisas recentes têm demonstrado a existência de
direitos fundamentais previstos nas constituições estaduais. Nem todas
elas seguem a estrutura da Constituição Federal, segundo José Adércio
Leite Sampaio (2019), em algumas constituições estaduais a proteção a
direitos fundamentais não está prevista em título, “capítulo ou artigo
próprios nem sequer em remissão à Constituição federal: Acre, Alagoas,
Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rondônia, São Paulo
e Tocantins.”
Contudo, conforme Sgarbossa e Bittencourt (2019) há padrão de
reenvio formal à Constituição Federal, isto é, em diversas Constituições
estaduais há a prescrição de que o Estado protegerá os direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal. Essas previsões
se dão de forma expressa431, ou mesmo sem previsão expressa, ao
prescreverem que as Constituições estaduais possuem como princípios
ou tarefas do Estado a proteção dos direitos fundamentais positivados
na Constituição Federal, como é o caso das constituições dos Estados
do Paraná, Rio Grande do Sul e Roraima e do Distrito Federal432.
A existência de previsões de reenvio, direta ou indiretamente,
reforça a proposta de Sgarbossa e Bittencourt de que a “adoção da
430
Do ponto de vista político as diferenças entre as autonomias dos Estados federados e
unitários são cada vez menores, consoante a literatura da ciência política e do direito
constitucional comparado. Exemplo disso é o fato de que a federação brasileira é
muito centralizada se analisarmos o exercício das competências legislativas.
431
Segundo os autores: “no artigo 3º da Constituição do Estado do Amazonas, que
estabelece que “o Estado, nos limites de sua competência, assegura, em seu território,
a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais
declarados na Constituição da República.” Como se percebe, é praticamente uma
norma de reenvio formal a conectar as ordens constitucionais federal e estadual.
Esta norma repete-se em diversas constituições estaduais, com variações maiores ou
menores, como se verá. Disposição de idêntico teor literal encontra-se, por exemplo,
na Constituição vigente do Estado de Minas Gerais (art. 4º, caput), Piauí (art. 5º),
Rio Grande do Norte (art. 3º) e Sergipe (art. 3º).” (SGARBOSSA, BITTENCOURT,
2019)
432
(SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019). Sobre a distribuição desses direitos
fundamentais ao longo do texto constitucional e se há título ou capítulo próprio
para eles, conferir (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019) e (SAMPAIO, 2019).
399
concepção segundo a qual o rol federal de direitos fundamentais deve
ser interpretado como ‘piso’ ou standard mínimo de direitos, passível
de acréscimo e complementação pelo poder constituinte dos Estados”.
(SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019).
Essa concepção está alinhada com os princípios democráticos e
republicanos que constituem a República Federativa do Brasil. Ademais,
a igualdade republicana exige o combate às desigualdades e a promoção
da inclusão (art. 3º e 5º, caput, ambos da CF) e proíbe a existência de
preferências e discriminações de brasileiros entre si promovidas por
entes da federação (art. 19, III).
Na sociedade brasileira, constituída por pessoas livres e iguais, os
cidadãos devem poder escolher em que Estado da federação pretendem
viver, tendo em comum o piso mínimo que são os direitos fundamentais
positivados na Constituição Federal.
Como se verá adiante, a partir da noção de transfederalismo,
defendo que esse piso mínimo serve como critério para que se evite
problemas de coordenação da ação coletiva, como a chamada “corrida
ao fundo do poço”, na qual os entes da federação, ao competir entre
si, passam a promover resultados que podem ser piores para todos ou,
pelo menos, para a maioria dos entes. O exemplo mais claro disso é,
sem dúvida, a guerra fiscal dos anos 1990.
A compreensão dos direitos fundamentais federais (positivados
na Constituição Federal) como um piso mínimo433, permite que as
constituições estaduais possam inovar, assegurando maior proteção a
idênticos direitos ou protegendo direitos diversos. Isso pode ser feito
por meio da previsão expressa de direitos fundamentais estaduais
específicos e distintos dos direitos fundamentais federais, que pode
ser feita pela criação de outros direitos fundamentais estaduais – pelo
poder de reforma da Constituição estadual, ou por meio de cláusulas
de aberturas semelhantes ao §2º do art. 5º da Constituição Federal434.
Fundadas em tais cláusulas de abertura ou em direitos
fundamentais expressos podem os Poderes estaduais – não só o
Executivo e o Legislativo – promover medidas que assegurem maior
proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos daquele Estado. Como
400
se verá adiante, é possível que o Estado procure promover padrões
mais exigentes, alinhados com padrões internacionais, em matéria
ambiental ou de proteção a outros direitos, desde que isso promova
um incremento de melhoria na qualidade de vida e na diminuição da
dominação e dos constrangimentos sociais aos seus cidadãos.
Nesse sentido, há constituições estaduais que asseguram a proteção
aos consumidores e às minorais e à diversidade étnico-social, além das
mulheres, indígenas e o reconhecimento da importância da cultura
afro-brasileira, extrapolando as disposições da Constituição Federal.
Em relação aos direitos das mulheres, além da previsão idêntica aos
direitos assegurados na Constituição Federal435, algumas Constituições
estaduais vão além e prescrevem o resguardo a direitos sexuais e
reprodutivos em relação à interrupção da gravidez, nas hipótese
admitidas legalmente436, tais como do Rio de Janeiro (art. 35) e São
Paulo (art. 223), e, “no Paraná (art. 176), atribui-se a tarefa estadual de
assistência à interrupção da gravidez, nos casos admitidos em lei, ou,
no Pará (art. 299, IV), de acesso gratuito aos métodos contraceptivos
naturais ou artificiais” (SAMPAIO, 2019).
Além do aspecto da validade formal, não é demais recordar que
os direitos fundamentais estaduais vinculam as autoridades estaduais
em sua atuação e podem vincular a atuação dos atores particulares.
Há, inclusive, diversas situações nas quais as autoridades estaduais
(principalmente a Assembleia Legislativa e o Poder Executivo estadual)
editam medidas normativas para proteger direitos que geram restrições
à livre iniciativa ou que conformam os direitos das pessoas físicas e
jurídicas437.
Essa advertência é importante para compreender os casos abaixo
e a noção de transfederalismo que será exposta em seguida, porquanto
as restrições à livre iniciativa promovidas por leis estaduais, em favor
da maior proteção de direitos fundamentais estaduais, são objeto
435
No tocante ao mercado de trabalho, à maternidade e à igualdade com o homem,
notadamente na sociedade conjugal. (SAMPAIO, 2019)
436
Essa ressalva sempre está presente. Cf. (SAMPAIO, 2019)
437
Por restrições estou entendendo diversas medidas que podem afetar – restringindo
– o âmbito de proteção de um direito fundamental, não só as leis que os restringem,
tendo em vista que inúmeras medidas são promovidas por meio de atos infralegais
como Decretos, Portarias etc.
401
constante de contestação em face da Constituição Federal, como nos
casos apresentados abaixo.
24/08/2017, logo, alguns meses antes da ADI 3356. Porém, conforme se verá, em
ambas a decisão foi no mesmo sentido e sob os mesmos fundamentos.
403
da OMS, cujo padrão é tomado como referência pelas leis estaduais; v)
ambas foram questionadas no STF por meio de ADI, sob a alegação
de violação ao regime constitucional de repartição de competências,
ainda que com pronunciamentos diversos (a constitucionalidade de
uma e a inconstitucionalidade da outra).
Há, contudo, algumas diferenças. No caso pernambucano do
amianto, já havia lei federal (lei nº 9.055/95) promulgada após a vigência
da Constituição Federal de 1988. No outro, foi aprovada a lei federal
nº 11.762/2008440 sobre tema relativamente próximo, após a aprovação
da lei fluminense e do ajuizamento da ADI.
Conquanto o objetivo desse texto não seja reconstruir a
argumentação e os detalhes dos casos, é fundamental ressaltar a
dificuldade encontrada pelo STF. Na ADI 3.356 o STF teve que efetuar
malabarismo conceitual, pois decidiu que a lei pernambucana era
constitucional. Porém, declarou a inconstitucionalidade “incidental” da
lei federal nº 9.055/95. As aspas se justificam, pois se tratava de ações
de controle concentrado e principal cujos objetos eram a legislação
estadual – no caso das ADIs – e o Decreto Municipal de São Paulo,
não havendo propriamente uma questão incidental. Fora necessário
tal malabarismo, porque a Corte não possuía aparato conceitual que
descrevesse adequadamente a situação e que permitisse justificar
normativamente, isto é, fornecer razões para que se fosse declarada
a constitucionalidade dos atos dos entes subnacionais. No próximo
item procuro apresentar tal aparato conceitual a que denomino de
transfederalismo.
5. TRANSFEDERALISMO
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/L11762.htm
440
404
Apesar de muitos textos constitucionais terem sido modificados,
as mudanças estruturais que ocorreram nos últimos anos estão
modificando as sociedades. Não se trata da – ainda – presente crise
causada pela pandemia do COVID-19. Refiro-me às mudanças
tecnológicas, culturais, ambientais, dentre outras que têm transformado
por dentro o mundo e, com ele, o federalismo (brasileiro inclusive).
No campo da tecnologia, o avanço da internet para os diversos
segmentos e a aplicação de novas tecnologias têm permitido que
mudanças no comportamento das pessoas441, ao se comunicarem por
meio de aplicativos e de redes sociais que não servem só de meio para
a transmissão de informações, mas também captam dados dos seus
usuários, muitos dos quais são negociados para outras empresas, em
clara violação à privacidade dos usuários.
As mudanças tecnológicas fortaleceram os movimentos de empresas
e de indústrias que, em diversas situações, transferiram suas plantas
para outros países menos custosos. O que gerou a perda de empregos
e, consequentemente, a redução da arrecadação e dos recursos para o
financiamento de prestações sociais realizadas pelo Estado.
O desemprego gerou desalento, ressentimento e aumento nas
desigualdades internas nos países, o que, por sua vez, aumenta as
tensões políticas em cada país. Como se sabe, essas situações, somadas
a guerras e a catástrofes ambientais, forçaram milhões de pessoas a
se deslocarem, buscando refúgio em outros países ou promovendo
deslocamentos internos.
Em contraste com essa situação socioeconômica, os fluxos de
investimento no mercado financeiro ainda conseguem trafegar com
menores restrições do que as impostas às pessoas. Essa mobilidade
do capital permite que investimentos sejam retirados rapidamente
de Estados que não adotam políticas mais favoráveis aos retornos
financeiros para os investidores, contribuindo para enfraquecer a
capacidade dos Estados para promover políticas sociais.
É nesse contexto de desigualdade, de restrições à mobilidade de
pessoas, mas com ampla mobilidade de capitais, que as relações políticas
ocorrem, mediadas por redes sociais, cujos algoritmos contribuem para
uma polarização cada vez maior de grupos sociais (SUNSTEIN, 2017).
(SUNSTEIN, 2017).
441
405
Nesse contexto, conflitos ordinários do federalismo a respeito
da repartição constitucional de competências passam a ganhar novos
contornos. É claro, a autonomia dos entes políticos em uma federação
funciona, em regra, como um acordeon442, conforme a bela metáfora
de Robert Williams (WILLIAMS, 2011). Ou seja, ela encolhe e estica
conforme a interpretação dos atores políticos e, em casos judiciais,
das cortes.
Esse efeito sanfona é constituinte da política e das práticas
federativas, especialmente a partir do momento – no início do século
XIX – em que a Suprema Corte dos Estados Unidos passou a julgar
as controvérsias a respeito do regime constitucional de repartição
de competência daquele país. Ele também já foi descrito como um
movimento pendular entre descentralização e centralização.
Todavia, as mudanças sociais e tecnológicas têm produzidos
profundas modificações, conforme descritas acima.
A primeira tem sido bastante noticiada, trata-se de uma mudança
estrutural do capitalismo e os efeitos que ele tem produzido no planeta
e que a economia do compartilhamento tem produzido em setores
tradicionais na produção de bens e na oferta de serviços.
O segundo diz respeito às mudanças infraestruturais que têm
ocorrido há mais de décadas e que é objeto de diversos estudos no
direito público dentro e fora do Brasil. As mudanças na infraestrutura e
na arquitetura política recebe diversos nomes, mas ela busca dar conta
da descrição da governança multinível, da ascensão e do fortalecimento
cada vez maior dos tribunais internacionais de direitos humanos e
outras instâncias internacionais governamentais ou não governamentais
que resolvem conflitos e gerem espaços fundamentais para a vida
contemporânea – como o ICANN com a internet.
Alguns autores costumam chamar essas mudanças de governo
multinível. Essa terminologia é bastante presente na literatura publicista
europeia e tem ganho espaço inclusive no campo constitucional
brasileiro (FACHIN, 2019). A governança multinível busca descrever
as mudanças no desenho institucional em Estados constitucionais que
instrumento musical pode ter outros nomes, tais como gaita (no Rio Grande do Sul
e em locais colonizados por gaúchos), sanfona e acordeon.
406
precisam conciliar a separação dos poderes e o federalismo com as
instituições do Estado Regulador criadas nos anos 1990.
Trata-se de um incremento em complexidade enorme, porquanto
podem surgir diversas tensões e conflitos normativos entre autoridades
públicas de diferentes níveis da federação. Por exemplo, Agência
Reguladora federal pode invadir competência de Estado-Membro ao
extrapolar a sua competência e legislar sobre tema de competência
estadual. Note-se, contudo, que tais limites não são, nem de longe,
óbvios e serão objetos de disputas por atores públicos e privados,
conforme explicarei abaixo.
Essas transformações têm originado fissuras na imagem
clássica do Estado westfaliano, soberano, com seus muros e guaritas
instransponíveis; que pouco a pouco está se tornando mais poroso.
A terceira delas é que a existência de um mundo conectado que
reduz custos de organização e de mobilização para atores políticos
(MOUNK,2019). De um lado, isso aumenta expressivamente a
velocidade da veiculação de informações que geram mobilizações e
reorganizações quase instantâneas. De outro, permitem que mensagens
possam ser difundidas com um alcance poucas vezes visto antes.
Em razão disso, e com a ajuda de algoritmos, filiações políticas
podem se manter ou se rearticular em razão de uma ação concreta
de um governo, de uma celebridade ou de um fato, mobilizando
virtualmente milhares ou milhões de pessoas em redes sociais. Ainda
que tais ações não repercutam imediatamente para a esfera pública
não virtual ou em votos, há casos nos quais elas efeitos de grandes
proporções políticas como o Brexit e a eleição de Jair Bolsonaro para
a presidência do Brasil443.
Esse padrão de mobilização e de engajamento político engendrou
a globalização de pautas da esquerda à direita no espectro político,
sendo que foi a extrema direita que primeiro identificou os potenciais
– nocivos – do uso de tais tecnologias. E qual a relação disso com o
federalismo?
Não estou a afirmar que tais fatos políticos ocorreram somente em razão dessa
443
tecnologia. Porém, estou a afirmar que se não houvesse essa tecnologia o resultado
poderia ser distinto dado o enorme poder de mobilização e a redução dos custos
de organização e de transmissão que elas promovem.
407
Problemas que eram locais e que afetavam somente uma pequena
comunidade no interior de Pernambuco, Minas Gerais, Paraná ou do
Pará podem se tornar, em menos de um dia, tema de repercussão
nacional e internacional. A depender do conteúdo e das interpretações
dos fatos, isso pode servir para mobilizar os opositores e os apoiadores
de grupos políticos, o que contribui para manter a tensão política e
a sensação de que a ameaça está logo ali, na esquina – e, por isso,
“precisamos” agir e nos proteger.
Três exemplos ajudam a ilustrar isso: uma Câmara de Vereadores
aprova a necessidade de revisão das estátuas locais para incluir estátuas
de etnias que formaram a cidade, mas que foram escravizadas ou que
sofreram alguma forma de silenciamento; a Câmara de Vereadores da
cidadã ao lado decide aprovar lei proibindo o ensino da “ideologia de
gênero” nas escolas municipais; é aprovada legislação local e estadual
que permite o desmatamento e a caça de animais que não causam
prejuízos às lavouras, em nome dos valores tradicionais dos cidadãos
do Estado.
Há pouco tempo, tais questões tomariam, no máximo, alguns
minutos do noticiário televisivo estadual e seria objeto de discussão
na comunidade. Entretanto, hoje essas controvérsias podem se tornar
objeto do debate público nacional e internacional, podem voltar a
cidade que a deu origem como um tema a ser discutido em grupos de
Whatsaap e em encontros de familiares, amigos etc.
Como compreender a dinâmica federativa e as disputas políticas
em que há múltiplos níveis (internacional/interamericano/federal/
estadual/local), diversos atores públicos e privados; estatais e da
sociedade civil, com variadas formas de proteção?
Designo por transfederalismo o termo para descrever tal dinâmica
federativa que ocorre neste contexto político e institucional. O termo
descreve três fenômenos: i) a transversalidade; ii) a transcendência;
iii) o trânsito.
A transversalidade descreve a mudança das relações de poder
contemporâneas. Tradicionalmente as relações de poder são baseadas
na verticalidade e na ideia de hierarquia, seja nas relações públicas
ou privadas, e.g., relações de trabalho pressupõe algum grau de
subordinação. Após a segunda metade do século XX as diversas ciências
408
sociais descreveram relações sociais que eram praticadas de forma mais
difusa (microfísica) ou que organizavam outras formas de dominação,
por exemplo, através de não-decisões ou da formação de mecanismos
de legitimação, e.g., poder simbólico, hegemonia etc.
É evidente que tais relações continuam a existir e vivenciamos
muitas delas no dia a dia. Contudo, em razão das mudanças estruturais
do capitalismo (com as Big Techs) e da governança multinível, as disputas
por poder não se dão “só” vertical e horizontalmente, mas há relações
de poder que atravessam transversalmente instituições, pessoas e relações.
Isso fica claro ao se analisar como questões de gênero e relativas
ao racismo não só produzem fissuras e tensões nas diversas esferas
(pessoais e institucionais) em que se colocam, mas elas também são
politicamente constituintes444, pois demandam uma tomada de posição
política abalando posições confortáveis. Outros temas podem não
ser tão politicamente inflamáveis, mas, em tempos de redes sociais
altamente mobilizadas para fins políticos, discussões a respeito de
proibir uma substância que produz câncer (um tipo de amianto) ou
determinados componentes químicos que fazem mal ao trabalhador
que usam tintas podem gerar controvérsia sobre os direitos das
empresas que produzem esses bens que fazem mal a saúde.
Portanto, diferentemente de Mangabeira Unger que chegou a
afirmar “que tudo é política” (UNGER, 2001), entendo que, a princípio,
nem tudo é política. Entretanto, tudo pode ser politizável e pode ser
objeto de controvérsias políticas, seja porque sempre produziu alguma
forma de opressão ou porque foram descobertas novas formas de
dominação que sujeitam pessoas.
A transversalidade também indica que as antigas fronteiras
westfalianas são mais abertas ao diálogo entre fontes internas e
internacionais e à prioridade pela melhor proteção aos direitos da pessoa
humana.
A transversalidade está conectada com a transcendência e o
trânsito, afinal estou a explicar a dinâmica federativa. A transcendência
Ainda que meu argumento não seja schmittiano, a afirmação de Carl Schmitt de que
444
a política cria uma distinção entre “nós” e “eles” pode ser aplicada aqui; desde que
não se recorra à continuação do raciocínio e à lógica do amigo-inimigo etc. Ademais,
no início do século XX Freud já alertava para a tendência humana a formarmos
grupos por afinidades.
409
é de fácil compreensão, pois há problemas sociais que pela sua própria
natureza possuem dificuldades de serem regulados nos rígidos limites
territoriais dos entes da federação. O caso mais evidente, sem dúvida,
é do meio ambiente.
A Constituição Federal brasileira estipulou que é o meio
ambiente é direito fundamental de todos (art. 225) e bem comum
do povo, impondo-se o dever de protegê-lo ao Poder Público (em
todas as esferas, conforme art. 23, VI) e aos particulares. Há diversos
dispositivos constitucionais a respeito dos bens e da competência
legislativa em matéria ambiental. Todavia, para justificar a dimensão de
transcendência do meio ambiente basta analisar alguns casos em que
o STF tentou decidir a respeito da competência municipal, estadual
ou federal para legislar sobre o tema.
A teoria da predominância do interesse com certeza não consegue
descrever ou justificar quando que o interesse de proteger o meio
ambiente deixa de ser local e passa a ser regional ou nacional. Por
exemplo, pequenos problemas de violação ao meio ambiente (e.g.,
desmatamento) na esfera local podem, se somados, causarem grande
impacto nacional445; logo, a lei municipal que reforça a redução ao
desmatamento é inconstitucional? Por quê?
Raciocínio idêntico pode ser aplicável para o uso de controladores
de poluição em ônibus municipais. Pode o município de Belo Horizonte
editar lei que estabelece padrões mais rigorosos de controle da emissão
de poluentes em relação aos padrões federais446.
Outro aspecto da transcendência é que há temas que não
conseguem se conter nos estreitos limites construídos socialmente. Vale
dizer, quando se trata de do âmbito material de regulação de áreas do
direito, e.g., direito civil, trabalho, ambiental etc., os limites estão em
constituição a cada edição de leis pelos parlamentos, a cada decisão
das Cortes a respeito da sua constitucionalidade, ou a cada uma das
práticas administrativas que reforçam qual é o sentido dessa prática
confirmando expectativas da comunidade.
445
Trata-se de raciocínio que já foi utilizado na jurisprudência da Suprema Corte Norte-
Americana para discutir a pertinência (aplicação), ou não, da Cláusula de competência
do Congresso dos Estados Unidos para legislar sobre comércio interestadual. Sobre
o tema cf.
446
Cf. RE 194.704/MG.
410
Há temas que permitem maior fluidez a respeito dos seus limites.
Também há consensos que são formados nas práticas da sociedade e
que contribuem para que as dúvidas a respeito da extensão da proteção
normativa sejam reduzidas substancialmente447. O que é, ou não, objeto
da proteção do direito do trabalho, do direito civil e do outros “ramos”
do direito é objeto de disputa seja em relação ao objeto, isto é, o que é/
pode ser protegido por essa área do direito, seja em relação ao sujeito
que pode editar o ato legislativo a respeito do tema.
Nesse contexto de governança multinível, Antonio Manuel
Hespanha (2013) aponta que os direitos fundamentais possuem
uma eficácia transversal ao produzirem perturbações dos elementos
paroquiais das formas setoriais de regulação. A transcendência dos
direitos fundamentais reforça a transversalidade dos direitos, sua
possibilidade de diálogos internos e externos e o fomento à melhor
proteção desses direitos. Assim, os direitos fundamentais servem,
igualmente, como estímulo e meio para repensar a repartição
constitucional de competências. Essa ideia será mais bem compreendida
com o último fenômeno.
As relações federativas transitam, isto é, elas são dinâmicas. A
atenção a essa característica sempre presente nas relações federativas
é fundamental para compreender como essa dinamicidade se dá
contemporaneamente – de forma transversal e transcendendo
fronteiras (geográficas ou normativas).
Levando em consideração o fato de que a autonomia federativa
pode ampliar-se ou encolher-se (WILLIAMS, 2011) como um
acordeon, é fundamental compreender que os diversos atores sociais
(públicos ou privados) lançam mão de argumentos para justificar quem
deve ser o ente competente para editar o ato normativo a respeito do
tema. Em outras palavras, apesar do regime constitucional de repartição
ser rígido448, ele é objeto de disputas políticas que o tornam bastante
maleável. Para compreender essa afirmação é necessário esclarecer
dois pontos.
447
Nesse sentido, o caso torna-se “fácil” conforme a terminologia de Hart, n’O
Conceito de Direito.
448
A rigidez do regime constitucional de repartição de competências decorre, dentre
outros motivos, do fato de que ele só pode ser alterado formalmente por emendas
à Constituição Federal.
411
Primeiro, algo pouco explorado pela literatura é o fato de que
as disposições constitucionais que estabelecem enunciados sobre
as competências legislativas possuem, geralmente, duas partes. Na
primeira parte há uma regra que estipula qual ente da federação pode
emanar o ato, por exemplo, os caputs dos artigos 22 e 30 da Constituição
Federal. Porém, o que se costuma chamar de norma de competência,
isto é, o resultado da interpretação do enunciado normativo a respeito
da competência, inclui a positivação sobre o âmbito material a ser
regulado, isto é, qual é o tema/assunto que poderá ser objeto da
regulação daquele ente.
O segundo ponto trata do âmbito material legislativo. Entendo, no
mesmo sentido que Beltrán (2000) e Schauer (1992), que os problemas
sobre o âmbito material são problemas de interpretação do direito, pois
requerem o enfrentamento da questão: a matéria m é um caso de ou
está incluída na matéria m’, cuja competência é do ente (ou órgão) x449.
Em outras palavras, segundo os autores, o enunciado constitucional
que atribui o âmbito material legislativo de direito do trabalho para a
União, requer a interpretação se a matéria é um caso de ou está incluída
na matéria direito do trabalho.
Esse raciocínio é útil para situações nas quais não há grande
controvérsia, sobre o tema. Em casos nos quais essa clareza ainda
não é possível, entendo que a gramática subjacente se aproxima ao
raciocínio que Ronald Dworkin (1986) desenvolveu para a cortesia.
Em síntese, Dworkin afirma que a interpretação do direito em diversas
circunstâncias se aproxima da lógica da cortesia. Vale dizer, é necessário
se engajar à prática social da cortesia para compreender quais são os
critérios de julgamentos inerentes a tal prática.
No caso dos enunciados constitucionais que atribuem competências
é necessário se engajar na prática para compreender se determinado
provimento legislativo respeita o âmbito material disposto na repartição
de competências ou não. Por exemplo, para saber se a lei de um Estado
ou de um município que coíbe práticas discriminatórias realizadas em
empresas durante entrevistas de emprego é constitucional, ou não; é
necessário compreender primeiro se a regulação editada versa sobre
direito do trabalho (art. 22, I), que é competência da União. Ou, se se
412
trata de exercício legítimo de regulação justificado no interesse local e
na competência suplementar (art. 30, I e II) dos Municípios, ou, ainda,
se pode ser justificado como exercício da competência concorrente
sobre direito econômico e urbanístico (art. 24, I) ou da competência
remanescente (art. 25, §1º) dos Estados.
Para decidir se a regulação antidiscriminatória por ente subnacional
é constitucional é necessário interpretar os diversos âmbitos materiais
para se compreender se o provimento legislativo está sob a guarida de
um ou âmbito material450.
Ao interpretar o regime constitucional de repartição de
competências os diversos atores sociais mobilizam argumentos, isto é,
razões na esfera pública e justificativas em processos administrativos
ou judiciais para que se decida que o provimento legislativo está sobre
o abrigo de um âmbito material e não de outro. Esse acolhimento de
um âmbito em detrimento do outro pode modificar quem será o sujeito
competente para editar o ato. Assim, um caso que seria considerado
uma simples questão de inconstitucionalidade formal por usurpação de
competência451ganha novos contornos, pois o que se está – e sempre
se esteve a fazer – é a constituição do âmbito material daquela área do
direito. Decisões a respeito desse tema podem confirmar as expectativas
dos atores sociais que mobilizaram argumentos contra ou a favor do
exercício de tais competências452.
O caráter dinâmico da interpretação da repartição constitucional
de competências e das práticas constitucionais ficam mais claro
se compreendemos que a cada promulgação de leis pelos entes
da federação é realizada uma interpretação sobre a nossa prática
constitucional, e o respectivo Poder Legislativo interpreta se a ele é
assegurada esse poder/competência. É claro que tal interpretação
450
Da mesma forma, nos casos apresentados acima, as ADI 3.811 e ADI 3.356, é
indispensável refletir sobre o que é a proteção e a defesa da saúde (art. 24, XII) para
se verificar se se trata de restrições legítimas às respectivas atividades econômicas,
ou se se trata de usurpação de competências da União para legislar sobre direito
civil, comercial ou direito do trabalho (art. 22, I).
451
No caso de competências concorrentes pode se discutir se houve um abuso no
exercício de tal competência.
452
Alguns exemplos nos quais isso ocorreu: i) os diversos casos a respeito do movimento
“Escola Sem Partido” e contra a “ideologia de gênero” nas escolas
413
poderá ser contestada e suas razões poderão ser avaliadas pela Poder
Judiciário e pela esfera pública.
A descrição que fiz da dinâmica federativa pode contribuir para o
diálogo entre o direito e outros saberes que podem descrever as ações
e razões produzidas pelos atores sociais que disputam direitos e os
sentidos da democracia.
Por fim, a descrição transfederativa pode contribuir para o
desenvolvimento de uma proposta de interpretação funcional da
repartição de competências, a qual será útil para a resolução de casos
como os mencionados no item anterior.
REFERÊNCIAS
415
PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais:
Direito Estadual II. Trad.: António Franco; António Francisco de
Souza. Lisboa: Lusíada, 2008.
416
DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS
NO BRASIL: UM DEBATE NECESSÁRIO
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo454
Emilio Peluso Neder Meyer455
1. INTRODUÇÃO
454
Professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco,
Graduação e Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor
em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FD/UFPE. Estágio
Pós-doutoral no Exterior pela CAPES na Universidade de Pisa, Itália. Diretor do
Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual – ConState
(www.constate.org).
455
Professor Adjunto de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG,
Graduação e Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado). Mestre e
Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FD/UFMG.
Pesquisador Nível 2 em Produtividade do CNPQ (304158/2018-6).
456
Adotaremos o termo “Constituição”, com letra maiúscula, para referir a textos
constitucionais datados e localizados temporalmente, como a Constituição Brasileira
de 1988 ou a Constituição Estadunidense de 1787. Quando a “constituição”, como
conceito da Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, estiver sendo
referida, sem lastro em um texto específico, a grafia será com letra minúscula.
417
Tradicionalmente, o tema dos direitos fundamentais recebe
continuada atenção da doutrina brasileira, mas apenas no âmbito
federal. Pela primeira vez, a expressão “direitos fundamentais”
constou com destaque de um texto constitucional brasileiro.457 Houve
considerável esforço de pesquisadores brasileiros para fazer uma
abordagem do tema de acordo com o novo tratamento constitucional.
De fato, enquanto outras constituições brasileiras faziam a previsão de
direitos após a disciplina orgânica (organização e funcionamento de
poderes), a de 1988 fez diferente: previu um catálogo, logo no início,
sob o nome de “Direitos e Garantias Fundamentais”.
Impressiona, contudo, o fato de que, após tantos anos da
promulgação da Constituição de 1988, os direitos fundamentais
tenham recebido pouca atenção na perspectiva de uma análise a partir
do plano subnacional de previsão e tutela. Vamos partir de alguns
pressupostos: a) de acordo com a cláusula de abertura constitucional
do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, os direitos fundamentais ali
expressos não são exaurientes;458 b) o próprio texto constitucional
federal determinou que os Estados elaborassem as suas constituições
(art. 25 e art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
ADCT); c) a ideia tradicionalmente aceita sobre o papel de um texto
constitucional é justamente o de contemplar a organização de estado
e poderes e previsão de direitos; d) o art. 24 da constituição de 1988
estabeleceu uma série de competências sobre direitos que podem ser
objeto de legislação por parte dos Estados concorrentemente com a
União; e) o art. 25 da constituição de 1988 estabeleceu competências
remanescentes aos Estados, indicando que podem ir além do que está
estipulado no plano federal.
A conjunção desses fatores traz a conclusão de que é possível,
mesmo no federalismo centralizado brasileiro, defender a noção
457
Ainda que a Constituição de 1967 mencione a expressão no art. 149, inc. I, deve-se
considerar que uma constituição vai além da definição feita em termos textuais.
Não era de se esperar que a ditadura de 1964-1985 fosse se preocupar em assegurar
direitos fundamentais, seja no plano federal, seja no plano estadual. A Constituição
de 1946 menciona expressão nos arts. 141, § 13, e 146.
458
Em termos comparados, observe-se que também a Emenda IX à Constituição
Estadunidense de 1787 provê que cidadãos terão também os direitos não
enumerados.
418
de direitos fundamentais estaduais. O presente artigo pretende
reforçar a ideia de que a normatização de direitos fundamentais não
é exclusiva do Congresso Nacional: de fato, a própria Constituição de
1988 textualmente fomenta que a proteção também ocorra no nível
subnacional. Para tanto, utilizaremos como referência comparada o já
tradicional caso norte-americano. O retorno a esse exemplo se justifica
pela abordagem de estudo de caso que o artigo adota. Tanto Estados
Unidos como Brasil enfrentaram conflitos federativos ao lidar com o
enfrentamento da pandemia da COVID-19. Baseando-se na literatura
comparada e nacional, discutiremos decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF) que tocaram no problema a fim de reforçar o argumento
de que entes subnacionais, no Brasil, podem e devem normatizar e
efetivar direitos fundamentais.
459
Ver KATZ, Ellis & TARR, Alan (coord.). Federalism and Rights. Maryland: Rowman
& Littlefield Publishers Inc., 1996.
460
Para uma análise crítica da formação do constitucionalismo estadunidense, ver
MEYER, Emilio Peluso Neder. Um processo de desmistificação: compreendendo
criticamente o constitucionalismo estadunidense. Revista Direito Público, v. 15, n. 83,
2018, p. 9-32.
461
“The thirteen original states where fully functioning constitutional entities even before 1787.
Delaware, Maryland, New Hampshire, New Jersey, North Carolina, Pennsylvania, South
Carolina and Virginia all enacted constitutions in 1776. Georgia and New York wrote
constitutions the following year, 1777 and Massachusetts adopted its famous constitution in 1780.
Only Connecticut and Rhode Island continued to function under their old colonial charters until
419
normalmente se centram no plano da Constituição Federal e no
máximo abrangem a discussão entre direitos humanos (no âmbito
interamericano) e direitos fundamentais (no âmbito nacional).462 É
preciso reposicionar esse debate e, para isso, é preciso repensar o
federalismo e suas potencialidades.
Quando se fala em proteção de direitos, há muitos que pensam
que essa proteção pode ser mais bem conferida em um Estado forte
e centralizado. Um certo preconceito e desconfiança em relação ao
plano estadual: este ainda ficaria mais sujeito ao clientelismo local
e acordos com entidades privadas para a não proteção de direitos.
A “federalização”, portanto, é entendida como uma medida de
fortalecimento do âmbito de proteção. De fato, o federalismo foi muito
utilizado no passado como um meio de impedir a proteção de direitos
“de cima pra baixo”. Há casos clássicos julgados pela Suprema Corte
dos Estados Unidos que bem demonstram isso. Cite-se aqui apenas um,
para ilustrar: certa vez, uma lei federal proibiu o comércio interestadual
de produtos que eram manufaturados a partir do trabalho de crianças.
Esse caso é relatado por Bernard Schwartz e data de 1918 – cuida-se
de Hammer v. Dagenhart, 247 U.S. 251 (1918).463
A Suprema Corte estadunidense entendeu que não poderia
a União fazer tal proibição pois, a pretexto de legislar sobre
comércio interestadual, estaria legislando sobre trabalho (matéria
de competência dos Estados). Ocorre que os Estados se escondiam
atrás de sua autonomia federativa para implementar um modelo não
intervencionista na economia, preservando a autonomia da vontade
privada. Apenas em 1941, após as fricções entre Roosevelt e a
Suprema Corte – inclusive com ameaça de court packing – United States
v. Darby Lumber Co., 312 U.S. 100 (1941) foi que a Corte entendeu que
they replaced them which constitutions in 1818 and 1842, respectively” (KATZ, Ellis. “The
Complete American Constitution”. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política,
ano 5, n. 19, 1997).
462
Isto em termos territoriais de aplicação dos direitos fundamentais. Não se
desconsidera aqui a vasta literatura sobre a força normativa dos direitos fundamentais,
sua interpretação, eventual colisão e mesmo seus limites.
463
SCHWARTZ, Bernard. O federalismo norte-americano atual: uma visão contemporânea.
Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p. 28.
420
os Estados teriam o poder de regulamentar condições de emprego a
partir da clausula de comércio464.
Há, portanto, uma legítima preocupação em “conceder” ao plano
estadual a competência na previsão e defesa de direitos. Mas isso apenas
se justifica em um federalismo competitivo, dual, que adote a lógica de
“ou um ou outro” ente federado.
A questão federativa envolvendo proteção de direitos pela União,
na experiência estadunidense, pode ser observada em dois momentos
diferentes na história: em um primeiro momento, a União procura
elaborar normas para proteção de direitos mas é contida pela atuação
da Suprema Corte que decide a favor dos estados. Em um segundo
momento, após a grande depressão, a Corte passa a adotar a teoria dos
poderes implícitos para ampliar o poder de ação União em matéria de
proteção de direitos, notadamente de ordem econômica.
Vejam que a discussão posta acima está situada na ação do ente
central, por assim dizer, quanto aos direitos fundamentais. Todavia,
questão diferente é observada quando os próprios estados atuam na
previsão de direitos em cartas de direitos estaduais (state bill of rights).
De fato, a experiência dos Estados para a construção do próprio
constitucionalismo americano foi determinante, já que a organização
constitucional estadual (com suas respectivas cartas de direitos) precedeu
a organização constitucional federal da Convenção de Filadélfia.
Se, por um lado, os estados podem atuar no âmbito da criação
de direitos fundamentais em uma lógica do federalismo dual, também
no cooperativo, onde há competências compartilhadas, para além dos
que estão previstos em uma constituição federal, essa atuação também
pode ser realizada no âmbito de um federalismo cooperativo, quando
então estados e União podem atuar conjuntamente, tratando sobre
temas comuns e caminhando na mesma direção. Nesse caso, todos
poderão atuar na previsão e tutela de direitos.
Ocorre que a proteção de direitos no âmbito do federalismo
cooperativo pode se mostrar por meio de uma não-cooperação. Nos
465
GERKEN, Heather. “We’re about to see states’ rights used defensively against
Trump”. Vox, https://www.vox.com/the-big-idea/2016/12/12/13915990/
federalism-trump-progressive-uncooperative. Acesso em: 14 jul. 2020.
466
A expressão pode ser empregada tanto para o plano estadual (sanctuary states)
quanto para o local (sanctuary cities). Para um aprofundamento do conceito,
especialmente no caso de imigrantes não documentados, ver VILLAZOR, Rose
Cuison. “Sanctuary Cities” and Local Citizenship. In: Fordham Urban Law Journal.
Volume 37, number 2, article 3. Disponível em https://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/
viewcontent.cgi?article=2338&context=ulj . Acesso em 02 de outubro de 2021.
467
Ver SGARBOSSA, Luis Fernando. BITTENCOURT, Laura Cabrelli. Os 30 anos
das constituições estaduais no brasil e os direitos fundamentais estaduais. Revista do
Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, v. 4, n. 1, 2019, p. 90-116. Ver também
SAMPAIO, José Adércio Leite. As constituições subnacionais e direitos fundamentais
nas federações. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 1, p. 183-215.
422
recursos na União não pode ser mais utilizado para impedir processos
descentralizadores para proteção de direitos que não geram custos, já
que há direitos que dependem, realmente, de recursos (os prestacionais),
mas há outros que independem (os não prestacionais). Estados podem,
por exemplo, prever direitos liberais de inclusão e proteção de minorias,
igualdade de gênero e racial, apenas para exemplificar, sem que isso
onere cofres públicos. Não se está aqui a defender apenas uma leitura
não social de quaisquer direitos, mas sim que proteções não geradoras
de custos podem ser fomentadas por atores subnacionais.
Várias constituições estaduais fazem previsão de direitos. A
Constituição do Pará, por exemplo, veda qualquer tipo de discriminação
por orientação sexual em seu art. 3º. A Constituição do Rio de Janeiro
prevê uma série de direitos dos presos e do sistema prisional, fazendo
com que os atos de seu governador sejam sindicáveis à luz do texto
constitucional estadual. A Constituição do Estado do Amapá previu
iniciativa popular em emenda constitucional estadual (inaugurando
modelo inexistente no plano federal).
É claro que a previsão de direitos fundamentais nas constituições
estaduais deve ser algo construído a partir do sistema de repartição de
competências federativas previsto nos arts. 22, 24 e 25 da Constituição
Federal de 1988. Não se pode deixar de reconhecer que o poder
constituinte decorrente não é ilimitado e está condicionado às normas
parâmetro do texto federal. Mas, uma interpretação desse jogo de
repartição de competências termina conferindo aos Estados um
importante papel na proteção de direitos fundamentais. Por isso não
é errado afirmar que as questões de direitos fundamentais no Brasil
são, ao fim, também questões federativas.
É importante deixar claro que o tema dos direitos fundamentais
no plano subnacional pode ser de duas ordens: em primeiro lugar,
a própria constituição estadual pode prever uma carta de direitos.
Nesse caso, a opção jurídico-política do constituinte ganha um peso e
dimensão especial para o Executivo e Legislativo estaduais, que deverão
ter tais direitos como parâmetro para a sua atuação, seja ela positiva
ou negativa. Por exemplo, processos legislativos serão condicionados
negativamente (não produzir leis contra regras constitucionais que
entrincheiraram direitos nas Constituições estaduais) e positivamente
423
(elaboração de política legislativa para densificar direitos estaduais
prestacionais).
Em segundo lugar, para além da previsão de direitos em
constituições estaduais, há também a possibilidade de haver leis
ordinárias estaduais que terminam atuando no plano da competência
legislativa estadual desdobrando direitos fundamentais extraídos da
constituição federal. Por isso, não seria demasiado dizer, questões de
direitos fundamentais no Brasil podem facilmente se transformar em
questões federativas.
Para exemplificar, vamos utilizar o caso julgado pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 3359, quando se discutia a constitucionalidade
de uma lei do Rio Grande do Sul que impedia a chamada “revista
íntima”. Já há uma lei federal prevendo a impossibilidade de o
empregador fazer a revista íntima para verificar se o empregado está
levando algo indevido. Todavia, a lei federal proíbe a revista íntima
apenas em mulheres. Já o Rio Grande do Sul previu a proibição para
trabalhadores de qualquer gênero. O julgamento estava empatado em
4 a 4 mas, após pedido de vista do Min. Toffoli, a Corte terminou
julgando a norma inconstitucional pela violação a competência da
União para legislar sobre Direito do Trabalho. Destaca-se o voto do
relator Fachin que fez uma leitura do federalismo e do sistema de
repartição de competências de forma a servir aos propósitos de melhor
proteção de direitos fundamentais. Segundo o Ministro, “O federalismo
torna-se, portanto, um instrumento de descentralização política, não
para simplesmente distribuir poder político, mas para realizar direitos
fundamentais”.468
Como se vê, o sistema de proteção de direitos fundamentais não
pode dispensar uma leitura descentralizadora das regras de competência.
A legislação sobre direitos fundamentais não é exclusiva da União e,
portanto, há muitos temas que podem receber atenção de mais de um
ente da federação. Uma boa saída é identificar o pertencimento temático
não apenas a partir de uma conferência da matéria que foi legislada
com a matéria que foi atribuída ao ente pelo texto constitucional. O
pertencimento temático deve avaliar os fundamentos do federalismo:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur447194/false Consulta em 07
469
de agosto de 2021.
425
fundamentais como eixo do constitucionalismo brasileiro. Essa foi a
orientação dada também pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a
lei de rótulos sobre transgênicos do Estado de São Paulo: reconheceu
uma ampliação de direitos sem que a diversidade de legislações entre
Estados pudesse prejudicar a uniformidade do federalismo. 470
Enfim, a lógica do âmbito de proteção de direitos fundamentais
no Brasil deve ser analisada sob a luz da repartição de competências
mas não apenas diante do chamado “princípio da predominância de
interesse”. A ideia de que pode haver uma melhor proteção de direitos
para validar a decisão sobre qual ente é competente para lidar com qual
assunto é de suma importância. Inclusive, quanto a isso, houve casos
vistos durante a pandemia de temas que tradicionalmente eram de um
ente e que, em virtude de um fiel da balança de proteção de direitos,
passaram para outro ente. Um bom exemplo disto pode ser visto
nos casos dos municípios de Cabedelo e Sete Lagoas que acionaram
o Supremo Tribunal Federal para ter o direito de definir horário de
funcionamento de comércio local. Há uma súmula vinculante que
diz justamente isso: “É competente o Município para fixar o horário
de funcionamento de estabelecimento comercial”. Todavia, durante
a pandemia, houve normativos estaduais disciplinando horários de
abertura de comércio ou até mesmo fechamento de comércio, com
base na cláusula de competência de proteção à saúde (art. 24 da CF/88).
Nesse exemplo, a Corte entendeu por bem manter a competência
estadual, mesmo estando diante de um caso que se enquadrava
perfeitamente na súmula vinculante 38. Prevaleceu não o princípio
da predominância de interesse (hora de abertura de comércio local)
mas sim a maior proteção de direitos fundamentais. Uma mudança de
critério de decisão sobre repartição de competência.
em 09 de novembro de 2020.
426
proteção da vida e da sáude. Temas que seriam fronteiriços como, por
exemplo, a legislação sobre propriedade e sobre comércio (que seriam
da União), cederam no caso concreto à competência dos Estados para
legislar sobre proteção à saúde.471
Os casos norte-americano e brasileiro chamam a atenção para
uma conexão que deve ser explorada entre democracia e federalismo
– ou, nos dois casos comparados, entre retrocesso democrático e
antifederalismo. Pozen e Scheppele destacam que tanto os Estados
Unidos como o Brasil destacam-se pelo comando federal exercido
por populistas com perfis autoritários.472 Ocorre que, ao contrário de
Victor Orbán na Hungria, que aproveitou a pandemia de COVID-19
para expandir seus poderes centralizadores – inclusive com amplo
emprego do Exército supostamente em nome do enfrentamento da
doença – Trump e Bolsonaro trilharam o caminho do que se pode
chamar de executive underreach. Eles malversaram recursos públicos
ao subestimar o risco da doença e comprometeram, desse modo,
direitos prestacionais. O efeito duradouro é o de normalizar o baixo
investimento em políticas públicas, algo que, em termos federais,
pode encontrar repetições de comportamento nas unidades regionais
e locais, além de privar governadores que levem a sério um problema
de ordem nacional.
Compare-se, por exemplo, como o vínculo federativo pôde levar
a políticas exitosas de combate ao coronavírus. Na Alemanha, as
competências estaduais sobre eventual limitação de direitos de reunião,
saúde pública e bem-estar foram frutíferas para respostas em relação à
necessidade de lockdown. Estados como a Renânia do Norte-Vestfália
ou a Bavária precederam autoridades federais na implementação de
medidas de enfrentamento. Quando o Ministério da Saúde buscou
centralizar medidas de estoque e distribuição de equipamentos de
471
Para um vasto material sobre as relações entre federalismo e COVID-19, ver
o compêndio feito pela McGill University: https://www.mcgill.ca/federalism/
federalism-covid-19-pandemic. Acesso em: 30 set. 2020.
472
POZEN, David. SCHEPPELE, Kim Lane. Executive Underreach, in Pandemics
and Otherwise. American Journal of Comparative Law, v. 14 (no prelo), disponível em
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3649816, 2020, acesso em:
1 out. 2020, p. 9.
427
proteção individual e ventiladores, ele enfrentou severas críticas no
Bundestag.473
No Canadá, modelos de decisão coletiva (joint decision) têm sido
sugeridos para superar o tradicional federalismo de custo compartilhado
especialmente em virtude da discussão levantada por políticas de saúde
de cuidados de longo prazo.474 A reação do governo federal argentino
ao atraso do único laboratório no país com efetiva capacidade
inicial para testar a COVID-19 foi descentralizar os procedimentos
em cada província autônoma.475 Não sem surpresa, federações que
apresentaram respostas insatisfatórias como a Índia recorreram a
atos normativos inadequados (o National Disaster Management Act) para
inconstitucionalmente atribuir ao governo federal questões de saúde
pública que são da competência dos Estados.476
Note-se que, no Brasil, Estados como Maranhão e São Paulo que
equacionaram seriamente a necessidade de enfrentamento dos casos
de contaminação e óbito decorrentes da pandemia de COVID-19.
Enquanto isso, verbas que eram repassadas ao governo federal teriam
sido simplesmente desviadas para outras finalidades. Cite-se o caso
da empresa de frigoríficos MARFRIG que doara ao Ministério da
Saúde R$ 7,5 milhões para testes de COVID-19, obteve da Presidência
confirmação da destinação e se deparou, posteriormente, com
acusações de emprego da verba em programa da primeira-dama.477 Os
473
JOHNSON, Zoe. German pandemic efficiency: fiscal capacity, logistical
coordination, and infrastructure. University of Toronto Munk School of Global Affairs
and Public Policies, https://munkschool.utoronto.ca/german-pandemic-efficiency-
fiscal-capacity-logistical-coordination-and-infrastructure/. Acesso em: 1 out. 2020.
474
TUOHY, Carolyn. A new federal framework for long-term care in Canada. Policy
Options Politiques, https://policyoptions.irpp.org/magazines/august-2020/a-new-
federal-framework-for-long-term-care-in-canada/. Acesso em: 1 out. 2020.
475
BIANCHI, Matías. Federalism and COVID-19 crisis: more federalism than
ever in Argentina. Forum of Federations, http://www.forumfed.org/wp-content/
uploads/2020/04/ArgentinaCOVID-2.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
476
BHATIA, Gautam. An Executive Emergency: India’s Response to Covid-19.
Verfassungsblog, https://verfassungsblog.de/an-executive-emergency-indias-
response-to-covid-19/. Acesso em: 1 out. 2020.
477
REZENDE, Constança. Governo Bolsonaro repassou a programa de Michelle R$ 7,5
milhões doados para testes de Covid. Folha de S. Paulo, 30 de setembro de 2020, https://
www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/governo-bolsonaro-repassou-a-programa-
de-michelle-r-75-milhoes-doados-para-testes-de-covid.shtml. Acesso em: 1 out. 2020.
428
recursos teriam sido aplicados na compra de cestas básicas. Ainda que
louvável a finalidade, não se pode desconsiderar o desvio do objetivo e
a desconcentração de esforços em prioridades de combate à pandemia
– uma outra faceta do executive underreach.
Os desdobramentos dessa política federal encontrariam resistência
no Supremo Tribunal Federal (STF). Com efeito, no julgamento da
ADPF 672, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
questionava o comportamento das autoridades federais que desviavam
das recomendações internacionais para o combate da pandemia.478
A OAB apontou que Estados e Municípios, mais próximos do
gerenciamento cotidiano da crise pandêmica, teriam mais condições
de enfrentar o problema. Ocorre que enfrentavam o obstáculo federal
da subvalorização da questão que criava óbices no asseguramento de
políticas públicas e direitos fundamentais. O pedido de medida cautelar
na arguição de descumprimento de preceito fundamental era no
sentido de que o Presidente da República se abstivesse de praticar atos
contrários as medidas de isolamento social de Estados e Municípios e
que também praticasse atos necessários à proteção econômica daqueles
afetados pela crise. Note-se, assim, seguindo a terminologia de Pozen
e Scheppele, que havia, em março de 2020, uma mistura de executive
overreach e underreach, já que o governo federal ora se omitia, ora atuava
contra o combate à COVID-19.
A decisão da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes procurou
evocar as condições básicas de estruturação de um federalismo
cooperativo na proteção do direito à saúde no sistema constitucional de
1988. União e cooperação seriam fundamentais para o enfrentamento
da crise. O que se notava, contudo, era um elevado nível de divergência
entre autoridades federais e estaduais, mas também no seio das próprias
autoridades federais. Federação e separação de poderes, cláusulas
pétreas que são, são essenciais na interpretação da Lei 13.979/2020 e
nos atos normativos secundários. O cerne da decisão cautelar, contudo,
consiste no deferimento do pedido para que fossem respeitadas as
decisões de governadores e prefeitos: saúde e assistência pública são
de Moraes. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/
ADPF672liminar.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
429
questões que, na Constituição de 1988, estão disciplinadas no âmbito
de competências administrativas comuns e competência legislativa
concorrente. A decisão seguiu o caráter “pedagógico” de delimitação
da competência concorrente explicitado na cautelar deferida pelo
Ministro Marco Aurélio na ADI 6.341.479
Nesse contexto, o papel da Corte foi um ingrediente importante
na construção do espaço subnacional. Assim como a Suprema Corte
americana exerceu um papel importante na manutenção do federalismo
dual estadunidense do início do século passado, o Supremo Tribunal
brasileiro também teve um papel fundamental ao legitimar a atuação
dos Estados e Municípios no combate às causas e consequências da
pandemia. Ao se inclinar para a descentralização, construiu uma nova
narrativa jurisdicional das cláusulas de repartição de competências
concorrentes quanto ao tema saúde, permitindo a legislação sobre
direitos fundamentais no plano estadual de forma mais protetiva
que a do âmbito nacional. Não é possível, todavia, afirmar que a
postura descentralizadora do Supremo Tribunal é uma homenagem
ao princípio federalista. Mais parece uma questão contextual, diante da
desconfiança da eficiência das ações federais contra a pandemia.480Note-
se, também, que não houve qualquer decisão do Supremo Tribunal
Federal afastando a responsabilidade do governo federal no combate
à pandemia de COVID-19, como quis propagar o Presidente da
República em mais uma irresponsável desinformação veiculada durante
seu governo.481 Pelo contrário, o conjunto de decisões do STF apontou
no sentido de um condomínio administrativo e legislativo que organiza
479
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADI 6.341. Rel. Min. Marco Aurélio.
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15342747913&ext=.pdf.
Acesso em: 1 out. 2020.
480
LIZIERO, Leonam & ARAÚJO, Marcelo Labanca C. de. Reposicionando o debate
federalista no Brasil em razão da pandemia COVID-19: há mesmo uma tendência à
descentralização? In: TEIXEIRA, João Paulo Allain. Pensando a Pandemia. Curitiba:
Tirant Lo Blanch Brasil, 2020.
481
O Ministro Luiz Fux, atual Presidente do STF, chegou a esclarecer em entrevista
que a notícia falsa difundida pelo Presidente se opunha às decisões da corte. Ver
AMORIM, Felipe. STF não eximiu governo Bolsonaro de ações contra a covid,
diz Fux. UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/22/
stf-nao-eximiu-governo-bolsonaro-de-acoes-contra-a-covid-diz-fux.htm. Acesso
em: 1 out. 2020.
430
políticas públicas e garante a efetividade do direito à saúde. Na lógica
do presente artigo, reaparece, uma vez mais, a necessidade que os
direitos fundamentais se desdobrem, em sua consecução, em níveis
para além do central.
Na análise de Abrucio et al., a política do governo Bolsonaro
para a pandemia de COVID-19 opõe o federalismo cooperativo e
de coordenação da Constituição de 1988 a uma noção dualista das
relações intergovernamentais sem participação do governo federal para
promover a redução de desigualdades e apoiar entes subnacionais.482
Pelo contrário, o que se promove é a centralização de assuntos nacionais
e a valorização da hierarquia. E isto em uma situação de crise, que
requereria mais cooperação intergovernamental.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
432
GERKEN, Heather. “We’re about to see states’ rights used
defensively against Trump”. Vox, https://www.vox.com/the-
big-idea/2016/12/12/13915990/federalism-trump-progressive-
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JOHNSON, Zoe. German pandemic efficiency: fiscal capacity,
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KATZ, Ellis & TARR, Alan (coord.). Federalism and Rights. Maryland:
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MEYER, Emilio Peluso Neder. Um processo de desmistificação:
compreendendo criticamente o constitucionalismo estadunidense.
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REZENDE, Constança. Governo Bolsonaro repassou a programa
de Michelle R$ 7,5 milhões doados para testes de Covid. Folha de
S. Paulo, 30 de setembro de 2020, https://www1.folha.uol.com.
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SAMPAIO, José Adércio Leite. As constituições subnacionais e direitos
fundamentais nas federações. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 1, p.
183-215.
SGARBOSSA, Luis Fernando. BITTENCOURT, Laura Cabrelli. Os
30 anos das constituições estaduais no brasil e os direitos fundamentais
433
estaduais. Revista do Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, v. 4, n.
1, 2019, p. 90-116.
SCHWARTZ, Bernard. O federalismo norte-americano atual: uma visão
contemporânea. Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1984.
TUOHY, Carolyn. A new federal framework for long-term care
in Canada. Policy Options Politiques, https://policyoptions.irpp.org/
magazines/august-2020/a-new-federal-framework-for-long-term-care-
in-canada/. Acesso em: 1 out. 2020.
434
MUNICÍPIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS:
UMA PAUTA PARA A PESQUISA
Gustavo Ferreira Santos483
II
IBGE. Educa IBGE. População Rural e Urbana, s.d. Disponível em: https://educa.
484
ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.
html. Connsulta em 15 out 2021.
436
das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes”.
É um direito difuso, cujo conteúdo é desdobrado pela regulação que
promove valores constitucionalmente consagrados.
Ao pensar em construção, é a entidade municipal que é logo
lembrada, pois analisará projetos, autorizará construções, fiscalizará a
conformidade de tais construções. Além, evidentemente, de todas as
atividades administrativas na área, destacando-se a de polícia urbanística
e de zeladoria de espaços públicos, há um vasto espaço para a legislação,
desde a fixação de parâmetros para o uso e a ocupação do solo urbano
até a regulação das edificações.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é uma das leis específicas
referidas na Constituição. O constituinte prevê um conjunto de normas
sobre processo legislativo, dentre elas, no art. 59 da Constituição,
prevê as espécies normativas. Porém, já faz o constituinte a previsão
de algumas leis específicas, como, por exemplo, as leis orçamentárias,
dada a importância que atribui aos seus conteúdos. O Plano Diretor
será um instrumento de planejamento sob a forma de lei em sentido
estrito que dará à atuação da entidade municipal caminhos para o
desenvolvimento urbano que objetive a promoção do bem estar.
O estudo dos instrumentos legais de direito urbanístico tendem
a negligenciar a caracterização do direito ao bem estar dos habitantes
da cidade como um direito fundamental difuso. Essa caracterização
pode ser o fundamento para uma atividade legislativa municipal criativa
voltada à promoção desse bem estar.
Também a defesa do meio ambiente tem no Município um agente
central. Mesmo que, nesse tema, União e Estados ocupem um espaço
mais largo que em matéria urbanística, o Município é garantidor da
conformidade das construções e atividades urbanas com a defesa do
meio ambiente saudável. Muitos municípios contam com códigos
de meio ambiente próprios, que harmonizam com as legislações
estadual e federal, mas trazem limites mais concretos, considerando
as especificidades locais.
São muitos os aspectos da atuação do Município que reverberam,
de forma direta ou indireta, na proteção do meio ambiente. Pensemos,
por exemplo, no saneamento ambiental, que é ““é o conjunto de ações
437
socioeconômicas que tem por objetivo alcançar salubridade ambiental,
por meio do abastecimento de água potável, coleta e disposição sanitária
de resíduos sólidos, líquidos e gasosos, promoção da disciplina sanitária
de uso do solo, drenagem urbana, controle de doenças transmissíveis e
demais serviços e obras especializadas com a finalidade de proteger e
melhorar as condições de vida urbana e rural”485. É importante, ainda,
que evoluam os municípios no sentido de integrem seus órgãos que de
alguma forma atuam com temas ambientais, em um sistema municipal
de meio ambiente486.
III
IV
REFERÊNCIAS
441
MINISTÉRIO DA SAÚDE. ACS e ACE são fundamentais no combate
à Covid-19. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/noticia/9996.
Acesso em: 15 out 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 818550 AgR, Relator(a):
DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC
27-10-2017
442
OS DIREITOS SOCIAIS E O INESPERADO
RENASCIMENTO DA IMPORTÂNCIA DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL NA REFORMA
DA PREVIDÊNCIA
Sérgio Ferrari 491
1. INTRODUÇÃO
Escolher a carreira acadêmica não é uma questão de dinheiro,
tampouco de prestígio, mesmo no Direito. Aqueles que buscam
programas de pós-graduação ou o magistério, procurando fama e
fortuna, logo descobrem que não terão nenhuma das duas. Quem
persiste nesse mundo, o faz porque descobriu outras recompensas,
tão ou mais valiosas que a fama ou a fortuna.
Uma destas recompensas vem do fato de, constantemente,
ter as próprias ideias submetidas à crítica dos pares, ao seu
desenvolvimento por ex-alunos e colegas, que obrigam a uma
constante reflexão e, sobretudo, a manter a mente aberta e não ter
opiniões inflexíveis.
O tema das constituições estaduais tem me proporcionado essas
recompensas de valor intangível. A ele dediquei minha pesquisa de
mestrado, entre 1999 e 2001. No ímpeto de quem não completara ainda
30 anos, fiz críticas demolidoras: “um artificialismo importado, seu espaço
legítimo de aplicação é mínimo e desimportante e, a despeito do discurso dogmático
444
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONSTITUIÇÕES
ESTADUAIS
446
Uma outra distinção tormentosa é entre os direitos a serem
adimplidos por abstenção do Estado (numa aproximação grosseira,
corresponderiam à “primeira geração” de direitos humanos, no
âmbito internacional) e os direitos “prestacionais”, ou seja, aqueles
que dependem de um facere do Estado para sua satisfação. Recorrendo
uma vez mais à clássica lição de Luís Roberto Barroso (1996, p. 108):
447
Quanto ao papel das constituições estaduais na enunciação
e garantia de direitos fundamentais – tema desta coletânea – há
posições divergentes na doutrina. O Professor José Afonso da Silva,
tratando em tese do conteúdo possível das constituições estaduais,
observou, quanto aos direitos e garantias fundamentais, que “repeti-
los no texto da Constituição do Estado não é só uma superfluidade,
mas uma impropriedade. A Constituição Estadual não tem que tratar
dos direitos fundamentais que constam do Título II da Constituição
Federal.” (SILVA, 1994, p. 541). O autor admite, porém, que as cartas
estaduais possam ampliar as garantias a estes direitos, desde que não
ingressem em área dependente de legislação federal (idem). Ricardo
Lobo Torres, por sua vez, ao tratar especificamente da possibilidade
de as cartas estaduais instituírem imunidades tributárias, afirma que
a “resposta positivista” deve ser temperada: não podem tratar das
imunidades explícitas na Constituição Federal, mas as imunidades
implícitas “especialmente as do mínimo existencial, carecem de
regulamentação pelas Cartas estaduais, a partir da perspectiva de
que a proteção dos direitos fundamentais deve ser feita pelo poder
central e pelos Estados-membros, coordenadamente.” (TORRES,
1995, p. 60-61).
Não se pode negar que o espaço para as constituições estaduais
tratarem de direitos fundamentais é bastante reduzido (como, de resto,
em quase todos os temas), pela esmagadora influência do princípio da
simetria, que esgota na Constituição Federal a normatividade de vários
temas, como o processo legislativo, os servidores públicos, tributação
e orçamento. Não se trata, porém, de um espaço inexistente. Existe,
sim, uma potencialidade a ser explorada, especialmente naqueles temas
de competência concorrente, como meio ambiente, em que há fatores
locais que possam ser decisivos na diferença entre os ordenamentos
jurídicos de cada Estado-membro492.
Espírito Santo art. 247, Maranhão arts. 196 e 241, Ceará art. 259-XV, Piauí art. 242,
Rondônia art. 230, Sergipe art. 233.) (FERRARI, 2003).
493
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
494
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
495
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos
efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo
ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
449
é direito fundamental, já que reconhecido pela Constituição, mas
também é direito humano, adotado em diversas declarações e pactos
internacionais”. (IBRAHIM, 2015, p. 81).
Destarte, embora sejam admitidas mudanças no regime jurídico
da previdência, é certo que este não poderá ser abolido, nem extintos
direitos como a aposentadoria, sem esbarrar na cláusula pétrea que
protege os direitos fundamentais496. Do mesmo modo, estas mudanças
de regime deverão respeitar direitos adquiridos, oponíveis inclusive às
emendas constitucionais. Vale anotar que a aposentadoria, em especial,
é tema que gera infindáveis polêmicas e divergências à luz da garantia
do direito adquirido.
496
Art. 60. (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
497
Art. 40. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de
acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao
tempo de serviço;
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos
integrais;
b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e
vinte e cinco, se professora, com proventos integrais;
450
As constituições estaduais, por sua vez, foram promulgadas em
1989, à exceção daquelas de Estados criados na própria Constituição
de 1988 (Amapá, Roraima e Tocantins). Não fugiram, neste particular,
à lógica que permeou a maioria dos temas em que o princípio da
simetria incidiu fortemente: ou bem repetiam exatamente os termos da
Constituição Federal, ou bem estavam destinadas a serem declaradas
inconstitucionais. Se estipulassem menos direitos que a Carta Federal,
violariam o princípio da simetria; se estipulassem mais direitos que
aquela, violariam a reserva de iniciativa498.
Logo após a posse, em 1995, do presidente eleito em 1994, se
começou a falar numa “reforma da previdência”, especialmente em
razão do alegado desequilíbrio atuarial e orçamentário que decorreria
do sistema aprovado em 1988. Naquele mesmo ano (1995), foi enviada
ao Congresso Nacional a proposta de emenda à Constituição (PEC)
que resultaria, em 1998, na Emenda Constitucional nº 20.
Essa Emenda foi chamada, então de “Reforma Previdenciária”,
tendo alterado de maneira profunda os regimes previdenciários próprios
dos entes federativos (regimes “públicos”, aplicáveis aos servidores
efetivos e distintos do regime geral, aplicável aos trabalhadores com
vínculo de natureza contratual) principalmente ao substituir o conceito
de “tempo de serviço” pelo de “tempo de contribuição”, estatuindo
expressamente o caráter contributivo do sistema499.
Embora os Estados-membros e Municípios tenham se lançado a
grandes esforços para interpretação e aplicação da Reforma, poucos se
preocuparam em reformar suas constituições estaduais e leis orgânicas,
para adaptá-las ao novo texto federal. O que se observou, à época,
c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos
proporcionais a esse tempo;
d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com
proventos proporcionais ao tempo de serviço.
498
O STF, após a promulgação das constituições estaduais, firmou rapidamente a tese
de que a veiculação, nestas cartas, de matérias sujeitas à iniciativa privativa do Chefe
do Poder Executivo, seria vedada, por representar uma fraude à estas restrições.
Para uma análise crítica dessa jurisprudência, veja-se FERRARI: 2003, p. 197-202.
499
Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
451
foi a simples aplicação direta da Emenda 20 aos servidores estaduais
e municipais, muitas vezes sem sequer promulgar leis ordinárias ou
complementares com a necessária adaptação do ordenamento jurídico
local. Mais ainda: na maioria dos casos, leis locais foram alteradas ou
editadas (no mais das vezes, para criação do fundo de previdência
do regime próprio), mantendo-se, no entanto, o texto original da
constituição estadual ou lei orgânica municipal500. Este fato foi recebido,
à época, com absoluta naturalidade pela comunidade jurídica, sendo
isoladas as vozes que mostraram perplexidade com esta omissão.
Seguindo o que se tornaria um padrão no constitucionalismo
brasileiro, com a chegada de outro partido político ao poder, em
2003, voltou-se a falar em “reforma da previdência”. Curiosamente, a
expressão era usada no singular, e como se algo inédito fosse, ignorando
por completo o fato de que, menos de cinco anos antes, ampla reforma
previdenciária já havia sido empreendida.
O fato é que, ainda em 2003, foi aprovada a Emenda Constitucional
nº 41, que aqui estou denominando de “Segunda Reforma
Previdenciária”. Vários dispositivos foram modificados, inclusive alguns
que já haviam sido alterados em 1998501.
Durante a tramitação da PEC que viria a resultar na Emenda
41, e como forma de facilitar a sua aprovação no Congresso, alguns
temas mais polêmicos foram retirados da proposta original e reunidos
em outra proposição, chamada à época de “PEC paralela”. Em julho
de 2005, a proposta foi aprovada, sendo promulgada como Emenda
500
Em texto da época, já apontara este fato: “Malgrado as cartas estaduais contivessem,
em sua maioria, cópia dos dispositivos federais, não houve qualquer preocupação
em reformá-las. Antes, a preocupação maior foi a de regulamentar, através de lei,
aquelas reformas para o âmbito estadual. Especialmente na questão previdenciária,
vários Estados-membros apressaram-se em editar novas leis regulando o novo
regime previdenciário dos servidores públicos, sem qualquer preocupação em
primeiro compatibilizar a constituição estadual com o novo regime da previdência
na Constituição Federal.” (FERRARI, 2003, p. 260).
501
Destaque-se a nova redação do art. 40, a terceira até então:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição
do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto
neste artigo.
452
Constitucional nº 47. Apesar da menor amplitude, pode ser chamada,
para maior clareza, de “Terceira Reforma Previdenciária”.
Após estas duas Reformas, Estados-membros e Municípios
aprofundaram as mudanças e adaptações de seus regimes próprios,
especialmente no que tange a contribuições para fundos próprios de
previdência e criação de sistemas de previdência complementar. Mais
uma vez, porém, pouca ou nenhuma atenção foi dada à adaptação das
constituições estaduais, de modo que muitos Estados continuaram,
em suas constituições, com o mesmo texto de 1989, porém aplicando
diretamente o texto da Constituição Federal.
Este foi o quadro encontrado pela Quarta Reforma da Previdência,
da qual se tratará a seguir.
455
Assim, mais de vinte anos após a Primeira Reforma, que condenara
ao esquecimento e à inutilidade os capítulos das constituições estaduais
que tratavam de regimes próprios de previdência, a Quarta Reforma
promove uma súbita “ressurreição” da importância da carta estadual.
Várias são as perplexidades, teóricas e práticas, que a inovação traz.
Em primeiro lugar, as constituições estaduais teriam que ser
reformadas pontualmente, de modo a alterar apenas a idade mínima
para aposentadoria? O restante do texto permaneceria desatualizado?
E as incompatibilidades e contradições que seriam geradas?
Em segundo lugar, um Estado-membro poderia, em vez de adotar
o procedimento tríplice indicado na Constituição Federal, reformar
todo o seu sistema através de Emenda à Constituição Estadual? Neste
caso, a iniciativa privativa do Governador deveria ser observada?
Este procedimento (uma “reforma constitucional no âmbito
estadual”) seria tecnicamente mais correto, e evitaria várias contradições
e dificuldades interpretativas que, muito provavelmente, advirão do
sistema tríplice estabelecido. O art. 36, II da Emenda 103, com seu
emaranhado de remissões e revogações, algumas delas “condicionais”
ou diferidas, já dá uma medida das dificuldades adicionais que poderão
advir de uma adesão açodada, ou mal planejada, por parte dos entes
locais, à Quarta Reforma.
Seria possível cogitar que o constituinte derivado (federal) teria
partido do pressuposto de que as os Estados-membros teriam se
adaptado às sucessivas Reformas Previdenciárias (Emendas 20, 41
e 47) e que, portanto, bastaria fazer agora uma adaptação pontual,
apenas quanto à idade mínima para a aposentadoria? Não parece ser o
caso, por duas razões: a uma, porque, como visto, isto está totalmente
desconectado da realidade, e qualquer pesquisa de poucos minutos
pode confirmar tal informação e, a duas, porque essa reverência às
constituições estaduais, como dito, é apenas aparente, tratando-se, na
verdade, de mera estratégia de negociação, durante a tramitação da
PEC da Quarta Reforma, para obter sua aprovação pelo Congresso.
456
6. CONCLUSÃO
Como visto ao longo destas breves reflexões, a previdência
social constitui um direito fundamental de natureza social que,
desde a Constituição de 1988, esteve inteiramente regulada no
texto da Constituição Federal, inclusive naquilo que diz respeito
aos regimes próprios dos entes federativos, estabelecendo regras
aplicáveis à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
O tratamento da matéria nas constituições estaduais não fugiu à
regra da estreita autonomia do constituinte decorrente no Brasil: as
regras estabelecidas, ou bem eram ociosas, por repetir a Constituição
Federal, ou eram consideradas inconstitucionais, seja pela violação
ao princípio da simetria, seja à regra da iniciativa privativa do Poder
Executivo.
Com as sucessivas reformas previdenciárias, de 1998, 2003 e
2005, os entes locais não alteraram suas constituições estaduais,
concentrando-se na reforma da legislação infraconstitucional e na
aplicação direta, aos seus regimes próprios, das normas contidas
na Constituição Federal, tal como enunciadas após as Emendas
Constitucionais Federais respectivas (20, 41 e 47).
A Quarta Reforma (Emenda Constitucional 103), porém, em
2019, inovou profundamente no tema, inclusive com relação ao
texto original da Constituição de 1988: estabeleceu, além de regras
de natureza nacional, outras aplicáveis apenas à União, deixando a
possibilidade de que os entes locais “adiram” a este mesmo regime.
Esta adesão, regulada de maneira confusa no texto constitucional,
ao menos segundo o texto, teria que ocorrer com pelo menos três
diferentes espécies normativas: emenda à Constituição Estadual, lei
complementar e lei ordinária estaduais, cada uma tratando de diferentes
subtemas do regime de aposentadoria.
Como já dito, essa referência, na Quarta Reforma, às constituições
estaduais, foi uma hipótese de fazer a coisa certa pelo motivo errado. É
verdade que se atribui, aos Estados-membros, uma autonomia inédita,
embora pontual. Isto foi feito, porém, apenas como uma solução de
negociação política, não por um refletido prestígio à autonomia dos
Estados-membros e à importância de suas constituições. As marcas do
457
improviso, e da insinceridade de propósitos, ficam claras na redação
confusa e na má sistematização do texto.
Apesar de todas estas críticas, porém, o fato é que foi devolvida,
aos Estados-membros (e também aos Municípios, vale ressaltar)
uma parcela, ainda que pequena, de sua autonomia constitucional,
em matéria relevante, diretamente ligada ao direito fundamental à
proteção social, na vertente da previdência. É um avanço que pode,
e deve, ser celebrado, a despeito de sua origem tortuosa, por aqueles
que pretendem prestigiar a autonomia dos entes locais e a relevância
das constituições estaduais.
REFERÊNCIAS
458
Notas em Torno dos §§ 2º e 3º do Art. 5º da Constituição de 1988.
Revista de Direito do Estado nº 1, jan/mar 2006.
________. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 7ª ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 75.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed. São
Paulo: Malheiros, 1994
TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação –
Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
459
460
LA FEDERACIÓN BRASILEÑA EN
MOVIMIENTO: OPORTUNISMO Y
DESCENTRALIZACIÓN FRENTE A LA
PANDEMIA503
Luis Guilherme Arcaro Conci 504
505
Sobre Brasil y otros 8 países e sus acciones durante la pandemia, ver Luiz Guilherme
Arcaro Conci, O Direito Público em Tempos Pandêmicos – 9 países, 11 trabalhos
e uma porção de inquietudes. (São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020).
506
Lotta, Gonçalves e Bitelman. A coordenação federativa de políticas públicas: uma
análise das políticas brasileiras nas últimas décadas. (2014), 15: “Coordinación,
que, por parte del gobierno federal, implica, además de la articulación entre
diferentes niveles de gobierno, los mecanismos de incentivos e inducción, las
462
pasando por el protagonismo judicial ejercido en este período por el
Supremo Tribunal Federal.
En Brasil, el tema del pacto federativo presenta situaciones que
merecen tomarse en cuenta para su análisis, pues aquel que comprende
la Constitución y sus normas como objetos que se transforman
constantemente y que, en este sentido, entiende la exigencia de que
la realidad constitucional507 y el texto constitucional sean objetos
permanentes de reflexión conjunta, tiene un buen número de dudas
en momentos como el presente.
Para pensar la federación brasileña se exige que se la entienda en
su aquí y ahora, además de en su relación con la historia constitucional,
sin perder de vista los influjos que imponen los momentos como el
actual sobre su diseño constitucional, ya que se perciben en nuestro
federalismo ciclos508 que dependen de dichas realidades constitucionales,
imponiendo más centralización o descentralización y exigiendo una
readecuación de los espacios de competencia existentes para los entes.
Y estos espacios se pueden alterar sin planificación. Por otro lado, no
se puede negar que existe un grado importante de oportunismo en los
federalismos, pues sus movimientos en pro de una mayor o menor
centralización terminan sensibilizándose con las voluntades de la
sociedad.509
Existe, además, un sistema de frenos y contrapesos vertical,
propio de las federaciones, en las que los mecanismos adoptados en
las Constituciones funcionan como instrumentos de control recíproco
entre los entes y también terminan por redimensionar espacios.510
522
Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social: (São Paulo: Malheiros, 1996),
184.
523
Afonso Arinos de Melo Franco, Algumas instituições políticas no Brasil e nos Estados
Unidos: um estudo de direito constitucional comparado. (Rio de Janeiro: Forense, 1975), 94.
524
José Afonso da Silva, O constitucionalismo brasileiro: (evolução institucional), (São Paulo:
Malheiros, 2011), 309.
525
Adriano Codato, Os mecanismos institucionais da ditadura de 1937: uma análise das
contradições do regime de Interventorias Federais nos estados. (São Paulo: História,
2013), 195. https://doi.org/10.1590/S0101-90742013000200010.
467
estaduales y el consecuente aumento de las competencias municipales,
volviendo el péndulo al centro con el orden autoritario instaurado
con el Golpe Militar de 1964. Se vio nuevamente la pérdida de
autonomía política por parte de los entes subnacionales, en los que
los gobernadores y alcaldes de las 150 ciudades medianas y grandes
eran seleccionados por la cúpula militar.526 En el plano constitucional,
la Constitución de 1967, alterada por la Enmienda No. 1 de 1969,
provocó una nueva ola de centralización, con la consecuente ampliación
de las competencias de la Unión y su reducción en los Estados y
Municipios, con la implantación de un “federalismo cooperativo” de
índole autoritaria. En el plano fiscal, ya en 1965, con la Enmienda 18,
se estructuró un sistema tributario centralizado cuyas bases permanecen
hasta los días de hoy, en que una lista ampliada de competencias
tributarias fue traída al texto constitucional al punto de no generar
dudas sobre el avance financiero del poderío de la Unión Federal.
Después, con la Enmienda 7/1977, se provocó un nuevo acuerdo en
lo federal con la posibilidad de nombramiento de senadores por parte
de las asambleas legislativas y el aumento de la representación de los
estados más pequeños en la Cámara, pues eran esos los que daban un
mayor apoyo político a los militares. Y las políticas sociales, por ejemplo,
en aquel momento estaban totalmente centralizadas: su gestión estaba
en las manos de la Unión Federal, aunque las unidades federativas
subnacionales estuvieran plenamente instauradas.527
526
Marta Arretche, Relações federativas nas políticas sociais, (Campinas: CEDES,
2002): 28, https://doi.org/10.1590/S0101-73302002008000003
527
Op. Cit., 30.
528
Interesa afirmar, especialmente para los lectores extranjeros, que, a pesar del cambio
468
redemocratización abrió las puertas a un federalismo cooperativo529 y
las cláusulas constitucionales se mostraron abiertas a la reducción de
las desigualdades regionales y sociales como objetivo estampado entre
los deberes del Estado Democrático y Social brasileño (art. 1º C.C.,
art. 3º, de la Constitución). El significado de dicha previsión entre los
“principios fundamentales” del nuevo constitucionalismo brasileño,
tan importante en la disposición textual de la Constitución, apuntaba,
por otro lado, en el plan de la realidad constitucional, a una promesa
–lamentablemente, no realizada.
La fórmula cooperativa de federación diseñada en el texto
constitucional prometía un cambio de rumbos en la historia
constitucional brasileña. No quiere decir que no se hubieran hecho
tentativas de diseño cooperativo –en 1934 y 1946, especialmente.
La promesa de una federación cooperativa exigía, por lo tanto, una
mayor aproximación en el campo de las competencias entre los entes
de la Federación, según se expuso en el párrafo único del artículo
23,530 que, al estipular competencias comunes para los entes, apostaba
a la necesidad de que dicha cooperación fuera establecida por leyes
complementarias, que fijarían “normas para la cooperación entre la
Unión y los Estados, el Distrito Federal y los Municipios, con miras al
equilibrio del desarrollo y del bienestar en el ámbito nacional”. Fue en
este artículo 23, en su inciso II, que se afirmó la competencia común
de “tratar de la salud” como atribución de todos los entes.
Esa relación de cooperación mediante leyes complementarias
apuntaría a la necesaria coordinación entre los entes, de modo a
volverla adaptable a las diferencias regionales existentes en un estado
nacional con sede en un territorio tan extenso; pero, a pesar de los
treinta y dos años de la Constitución, solo se aprobó una ley para
536
OECD. https://www.oecd-ilibrary.org/sites/0bbc27da-en/1/2/6/index.
html?itemId=/content/publication/0bbc27da-en&_csp_=fb150f38de3d79feb04
0c95e33debbe5&itemIGO=oecd&itemContentType=book
537
Marcelo Figueiredo, Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio - a
tendência mundial de concentração de poderes na união. A questão dos governos
locais. (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008), 134.
538
José Roberto Afonso, Pacto Federativo (2005). Acessado em 09 de abril de 2020.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/
comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pacto-federativo/documentos/
audiencias-publicas/JosRobertoAfonso.pdf
539
OCDE, op. Cit. https://www.oecd-ilibrary.org/sites/0bbc27da-en/1/2/6/index.
html?itemId=/content/publication/0bbc27da-en&_csp_=fb150f38de3d79feb04
0c95e33debbe5&itemIGO=oecd&itemContentType=book
472
libertad en su organización interna. La primera fortalece los vínculos
entre políticas nacionales y decisiones partidarias, tomando en cuenta
que habrá dificultad de decidir en pro de los entes subnacionales si
sus fuerzas internas no disponen de mecanismos de veto de orden
regional. La fuerte sumisión a las decisiones de sus liderazgos
nacionales conduce a la nacionalización de los intereses en detrimento
de los intereses regionales que se podrían despertar en sus instancias
internas. Ello ocurre porque la libertad de reglamentación interna
de los partidos políticos (art. 17, § 1º de la CF) crea un escenario de
superposición de los intereses nacionales sobre los subnacionales, pues
dicha reglamentación impone la tendencia a la fidelidad interna, a la
organización vertical, a votos que siguen a los liderazgos y a los intereses
partidarios nacionales, más que a los de los entes subnacionales.540
Las decisiones de las direcciones partidarias son seguidas por sus
miembros,541,542 y los directorios regionales también tienden a ser
sumisos a la dirección nacional.543 En este sentido, ni siquiera el Senado
Federal funciona como casa de representación de los intereses de los
Estados, rigiendo la regla de que las decisiones partidarias tomadas
por sus liderazgos las siguen los miembros del partido al votar.544 Esta
tendencia se debilita en el momento actual por no haber logrado, el
actual gobierno federal, formar una base partidaria estable, lo que le
viene causando severas derrotas. La fragmentación partidaria, sumada
a la ausencia de una coalición de partidos, también profundiza el
540
Marta Arretche, Quando instituições federativas fortalecem o governo central? (São
Paulo: Novos estudos CEBRAP 95, 2013), 54.
541
Fernando Limongi, A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e
processo decisório (São Paulo: Novos estudos CEBRAP 76, 2006), 24.
542
Carlos Pereira e Bernardo Mueller, Weak parties in the electoral arena, strong parties
in the legislative arena: the electoral connection in Brazil (Rio de Janeiro: DADOS-
Revista de Ciências Sociais, 2003), 764.
543
Marcus Leonardo Corrêa Rodrigues, Estruturas decisórias dos partidos políticos
brasileiros: uma análise da distribuição de poder no PFL/DEM, PMDB, PSDB
e PT (Curitiba: Em Democracia e Representação: impasses contemporâneos.
Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 2018). André Rehbein Sathler
Guimarães, Malena Rehbein Rodrigues e Ricardo de João Braga, A Oligarquia
desvendada: Organização e estrutura dos Partidos Políticos Brasileiros (Rio de
Janeiro: Dados 62.2, 2019).
544
Mona Marie Lyne, Proffering pork: How party leaders build party reputations in
Brazil (New Jersey: American Journal of Political Science, 2008), 293.
473
descompás entre las decisiones del Gobierno Federal y el apoyo de los
parlamentarios, y de los partidos, en las casas del Congreso Nacional.545
El modelo de gestión interna de los partidos políticos refuerza la
centralización de sus decisiones. El enfrentamiento entre gobierno546
y partidos políticos ha mostrado la fragilización del gobierno en su
poder de definición y aprobación de su agenda política. Afrontar a los
partidos políticos se ha mostrado un error. Ello porque, además de la
centralización de las decisiones intrapartidarias, existe un sistema de
fuerte fidelidad de sus partidarios (parlamentarios),547 que se someten a
dichas decisiones bajo pena de sufrir penalidades en el ejercicio de sus
actividades. No hubo cambios en cuanto a la disciplina parlamentaria y
se verifica que el control de la agenda ha dejado de estar centralizado
en las manos del presidente para ser compartido con el Congreso.
Una síntesis de lo que se afirmó hasta el momento se puede
presentar en el siguiente sentido: a) la lista de competencias concurrentes,
en el plano legislativo, y comunes, en el plan administrativo, son en gran
número, proponiendo el texto constitucional una fórmula federativa
cooperativa de pacto territorial; b) el alto empoderamento fiscal de la
Unión Federal, por otro lado, impone un excesivo fortalecimiento de
sus decisiones, especialmente en temas de políticas públicas, para las
545
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade (Medellín: Opinión Jurídica 19.40 2020), 305-322.
546
Bolsonaro, especialmente, desde su campaña presidencial ha demonizado a los
partidos políticos, y cuando armó su gobierno los despreció al constituir su
“gabinete”, ocasión en que las elecciones se hicieron a rebeldía de los partidos
políticos. Viendo la fragilidad de tal decisión, ha venido cambiando, desde el inicio
de la pandemia, esta opción, acercándose a los partidos políticos que considera
actores de la corrupción en Brasil.
547
Sobre el tema, ver Fernando Limongi, A democracia no Brasil: presidencialismo,
coalizão partidária e processo decisório (São Paulo: Novos estudos: CEBRAP,
2006) 17-41 e Jairo Nicolau. Representantes de quem?: Os (des) caminhos do seu
voto da urna à Câmara dos Deputados. (São Paulo: Editora Schwarcz-Companhia
das Letras, 2017). Sobre su refuerzo por medio de la jurisprudencia del STF, ver
Gilmar Mendes, Fidelidade partidária na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (Brasília: Ciência Jurídica em Foco, 2007), 260; Clèmerson Merlin & Ana
Carolina de Camargo Clève. A evolução da fidelidade partidária na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (Curitiba: Direito eleitoral contemporâneo: 70 anos
da redemocratização pós-ditadura Vargas e da reinstalação da Justiça Eleitoral/
Eneida Desiree Salgado; Luiz Fernando Tomasi Keppen (Orgs.), 2016.
474
cuales los entes subnacionales pasan a ser más sus ejecutores que sus
formuladores; c) la reglamentación partidaria constitucional, al exigir
partidos nacionales y otorgar amplia libertad de organización interna,
impone una superposición de los intereses partidarios nacionales
sobre los regionales o locales, debilitando la protección de los intereses
subnacionales en detrimento de los intereses nacionales de la institución
partidaria y de sus líderes.
Como se afirmó, en el plano de la realidad constitucional el
federalismo cooperativo se volvió una promesa no cumplida.
548
Richard P. Nathan, “There will always be a new federalism.” Journal of Public
Administration Research and Theory 16.4 (New York: Routledge, 2006), 500.
549
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade, (Medellín: Opinión Jurídica, 19.40.2020), 225-242.
475
establecen el Sistema Constitucional de Crisis en situaciones más agravadas,
admitirían decretar el Estado de Defensa, que podría ocurrir en casos
de “calamidades de grandes proporciones en la naturaleza” (art.136,
CF). Sin embargo, al exigirse su condicionamiento al principio de la
subsidiariedad,550 el recurso a soluciones menos restrictivas de derechos
fundamentales y que controlen el exceso de empoderamiento estatal es
una obligación que fue seguida en el presente momento. Por esta razón,
la declaración de Emergencia en Salud Pública de Importancia Nacional
ocurrió el 3 de febrero de 2020,551 por intermedio de la Resolución
188/2020, expedida por el Ministro de la Salud. A continuación, se
aprobó la Ley 13.979, del 06 de febrero de 2020, en la que se dispone
sobre medidas para el enfrentamiento de la emergencia de salud
pública de importancia internacional. Se trata de la ley que regula las
cuestiones más esenciales para el enfrentamiento de la pandemia, como
el concepto de cuarentena, el uso de los tapabocas o barbijos, y reglas
excepcionales para las contrataciones públicas, entre otras cuestiones
esenciales.
Además de estas dos medidas, se emitieron otros 504 actos
normativos federales, entre leyes, decretos, resoluciones y medidas
provisorias. A continuación se listan algunas, por grado de importancia:
552
En San Pablo, el Decreto no. 64.881, de 22/3/2020 trató la cuarentena, habiendo
sido prorrogado por el Decreto no. 69.420/2020.
553
Leyes creadas por los Municipios Brasileños, Recuperado a partir de https://
leismunicipais.com.br/coronavirus.
477
de abril, un proyecto de ley que apunta a recomponer las pérdidas
fiscales que sufrieron los Estados y Municipios con la disminución de la
recaudación del ICMS y del ISS durante la crisis. Se refería a tributos que
inciden sobre la circulación de mercaderías y la prestación de servicios.
Ello acentuó los roces ya existentes entre el Gobierno y el Parlamento,
habiendo acusado el Presidente al presidente de la Cámara de pretender
derrocar a su gobierno.554 Esta relación conturbada entre el Congreso
Nacional y el Gobierno Federal muestra que desde el inicio de la
democratización (1985) tenemos el gobierno con más vetos revocados555
y medidas provisionales no convertidas en ley556. Se trata del gobierno
cuyo apoyo del Congreso Nacional se ha mostrado más débil desde 1985.
Los gobiernos estaduales y municipales –actuando de forma
descoordinada, ya que el deber de dirección de la Unión Federal
está ausente, en un federalismo nacido para ser cooperativo en
1988– mostraron la faz de la disfuncionalidad de la implementación
del modelo que se pretendió aplicar en Brasil. Un ejemplo de esta
disfuncionalidad se puede ver en la compra de respiradores. Dada
la ausencia de participación de la Unión en la coordinación de los
esfuerzos, los precios pagados por los estados y municipios presentó
una gran asimetría.557 Si la Unión hubiera asumido su rol de dirección
en este proceso, se habría ahorrado mucho. La misma realidad se
presentó en el caso de los tapabocas y otros productos necesarios para
el enfrentamiento de la pandemia.
Proced: Distrito Federal, Relator: Min. Marco Aurélio, Redator do Acórdão: Min.
Edson Fachin.
479
subnacionales, para que estos también establecieran sus decisiones. Es,
en mi opinión, el principal fallo dictado por el tribunal en el período y
camina en sentido contrario a la jurisprudencia centralizadora que el
tribunal venía diseñando desde la promulgación de la Constitución. Se
trata de un fallo impositivo contra las omisiones federales y el espíritu
negacionista del Gobierno Federal.
561
STF, Ministro afasta exigências da LRF e da LDO para viabilizar programas de
combate ao coronavírus, Notícias STF, 29 de março de 2020.
562
Ley federal que tiene como objeto responsabilizar a los administradores públicos
por la malversación de dinero público mediante el uso descuidado de los estándares
fiscales existentes y que centraliza expedientes fiscales.
563
https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/8/4C1C48B5E49AC0_leitos.pdf
481
f) en la Argumentación de Incumplimiento de Precepto
Fundamental 709 el ministro Luis Barroso, en sede cautelar,
determinó que el gobierno federal adoptara medidas para contener
el avance del COVID-19 en las comunidades indígenas, haciendo
uso de la determinación de que las autoridades del gobierno federal
deberían abrir un diálogo institucional y cultural con representantes
de dichas comunidades para prevenir el mayor número de muertes
y preservar etnias. Determinó que el gobierno federal trabajara
también para expulsar invasores de las tierras indígenas, amenazadas
por dichas personas, y con sus efectos en la propagación del virus del
COVID-19. El 26 de octubre, en despacho, el Min. Barroso certificó
el incumplimiento parcial de su decisión cautelar y determinó la
devolución al Gobierno Federal de la obligación de elaborar un Plan
General para el enfrentamiento del COVID-19 para las diversas
comunidades indígenas en el país. En este fallo, el STF se desvió de
emitir fallos que impusieran el uso del poder de coerción para exigir
a la Unión obligaciones de hacer y no hacer. Se impuso que las partes
involucradas se reunieran, conjuntamente, para elaborar planes de
enfrentamiento de la pandemia. Se hizo uso del deber de realizar
resultados, mediante diálogos institucionales, en forma compartida
y plural. Es verdad que no se sabe aún si fue por temor a asumir
responsabilidad por los efectos de sus fallos, o si fue por un accionar
comedido, pero abrió un nuevo capítulo en el enfrentamiento de la
pandemia. Sin embargo, la respuesta del Gobierno Federal, como se
vio más arriba, fue poco técnica y exigió al relator que no se aceptara
la propuesta de Plan General para enfrentamiento de la pandemia para
las comunidades indígenas, dada la ausencia de respuestas objetivas y de
un cronograma detallado. Mostró la ausencia de interés del Gobierno
Federal en proteger a dichas comunidades –algo muy claro en su
agenda política;564
STF, Ministro asegura que los estados, el DF y los municipios pueden adoptar
565
4. SÍNTESIS CONCLUSIVA
566
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo, Jurisdição constitucional e federação: o princípio
da simetria na jurisprudência do STF. (Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009).
567
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade (Medellín: Opinión Jurídica 19.40 2020), 225-242.
484
se volverá al modelo que se venía consolidando, muestran cierto
oportunismo propio de modelos federales bajo presión hacia un
cambio institucional. Para que este resultado ocurriera, actores como
el Supremo Tribunal Federal y el Congreso Nacional, además de los
jefes de gobierno subnacionales, han sido esenciales reforzando las
atribuciones y capacidades, y protegiendo la salud financiera de los
entes subnacionales.
El Supremo Tribunal Federal, con su consolidada jurisprudencia
centralizadora, ha sido sorprendido por la dejadez e ineficiencia del
Gobierno Federal y ha actuado, la mayoría de las veces en forma
cautelar, para contrariar intereses y decisiones de la Unión Federal.
En el transcurso de la pandemia ha pasado también a hacer uso de la
función de árbitro de conflictos, en vez de solo imponer fallos sobre
políticas públicas, a pesar de que los resultados de esta opción sean
débiles hasta el momento.
El Congreso Nacional, que ya venía consolidando la expansión
de sus poderes de control sobre el Gobierno –que es el más derrotado
desde el inicio del proceso de redemocratización– ha estado atento a
las acciones del Gobierno Federal y actuado de modo independiente
en determinados momentos.
La omisión por parte de la Unión Federal en cumplir con el deber
de dirección en un federalismo cooperativo, ha acabado por acentuar
la acción de los gobiernos estaduales y municipales, que han actuado
de manera descoordinada. Queda claro que la profusión de actos
estaduales y municipales sobre el tema de la pandemia, fortalecida
por los fallos del STF analizados, ha reforzado el espacio legislativo y
administrativo de los entes subnacionales y aumentado la presión en
procura de la coordinación entre los entes nacional y subnacionales.
El momento y el modo como esto está ocurriendo no hacen más
que poner en evidencia la falta de planificación en la concreción de la
disposición de descentralización en la federación brasileña, existente
en el texto constitucional, la cual, ante la descoordinación568 en las
acciones y decisiones, ha engendrado más competición entre los entes
subnacionales y el ente nacional.
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491
492
PROPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
ESTADUAIS REMISSIVAS À CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E SUA DEFESA ABSTRATA
PERANTE OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA:
O CASO DAS NORMAS DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Léo Ferreira Leoncy569
1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
As normas jurídicas costumam trazer elas próprias a regulamentação
direta das matérias a que concernem, circunstância em que são
denominadas normas de regulamentação direta ou, em fórmula mais
sintética, normas materiais.570 Normas há, entretanto, que se valem de uma
técnica indireta para a atribuição de efeitos jurídicos a determinado fato
contido na hipótese normativa, “consistindo numa remissão para outras
normas materiais que ao caso se consideram, por esta via, aplicáveis”.571
Tais normas podem designar-se normas de regulamentação indireta
ou normas per relationem, sendo também cabível denominá-las normas
remissivas.572
Essa classificação das normas jurídicas em geral é plenamente
aplicável às normas constitucionais em particular. Daí ser possível
distinguir entre normas constitucionais materiais e normas constitucionais
569
Doutor em Direito do Estado pela USP. Procurador do Distrito Federal. Professor
de Direito Constitucional do CEUB.
570
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito. 4.ed. Lisboa, [s.n.], 1972, p. 163.
571
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito, cit., p. 163.
572
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito, cit., p. 163-4.
493
remissivas, “consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem
para a regulamentação constante de outras normas”.573 Como não
poderia deixar de ser, fenômeno semelhante ocorre com as normas
contidas nas diversas Constituições estaduais.
Embora a remissão normativa promovida pelas Cartas estaduais
possa alcançar – ao menos em tese – qualquer norma jurídica,
integrante do repertório de qualquer (sub)sistema normativo, a
abordagem a ser aqui desenvolvida limitar-se-á ao fenômeno das
remissões que essas Cartas fazem a determinadas normas integrantes
da Constituição Federal, notadamente as definidoras de direitos e
garantias fundamentais.
Em relação a tais normas das Constituições estaduais que fazem
remissão a normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
da Constituição Federal, a questão que se coloca é se seria cabível o
controle abstrato de normas previsto no artigo 125, § 2º, da Carta
federal, tendo por fim a defesa daquelas normas locais.574 Em outras
palavras, o que se quer saber é se os Tribunais de Justiça podem
promover a defesa das respectivas Cartas estaduais quando a norma
invocada como parâmetro de controle – a norma constitucional
estadual tida por violada – consistir na reprodução, mediante a técnica da
remissão, de norma(s) da Constituição Federal.575
Em caso positivo, ficará demonstrado que a utilização da técnica
da remissão pelas Constituições estaduais com vistas à incorporação
de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal
tem a vantagem de propiciar a defesa dos respectivos conteúdos no
âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados (e também do Distrito
573
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional. Tomo II. 4.ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 2000, p. 243.
574
Eis o teor do § 2º do artigo 125 da Constituição Federal: “Art. 125. [...] § 2º Cabe
aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a
atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.
575
Relembre-se que as normas da Constituição estadual que reproduzem normas de
observância obrigatória para os Estados, oriundas da Constituição Federal, podem
validamente servir de parâmetro do controle de constitucionalidade estadual. Foi o
que o Supremo Tribunal Federal decidiu no histórico julgamento da Rcl 383, Rel.
Min. Moreira Alves. A questão que será tratada aqui, por outro lado, diz respeito
àquelas situações em que essa reprodução se dá pela técnica da remissão normativa.
494
Federal), mediante o acionamento da jurisdição constitucional estadual
abstrata (art. 125, § 2, CF).
Essa é a questão que o presente artigo buscará desenvolver.576
576
Uma versão desse texto, voltada todavia ao problema genérico das normas
constitucionais estaduais remissivas à Constituição Federal, consta de Léo Ferreira
Leoncy, Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória
e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro, São Paulo: Saraiva, 2007,
pp. 88-96.
577
Conforme se sabe, uma vez ocorrendo a transposição, a incidência de tais
proposições jurídicas na esfera normativa estadual se dá por força tanto do comando
proveniente da Constituição Federal como daquele oriundo da Constituição estadual.
A esse respeito, cf. Léo Ferreira Leoncy, Controle de constitucionalidade estadual, cit., p.
149.
495