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Direitos Fundamentais

Estaduais
e constitucionalismo subnacional

1
2
Luís Fernando Sgarbossa
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo
(Organizadores)

Direitos Fundamentais
Estaduais
e constitucionalismo subnacional

3
Conselho Editorial: Erivaldo Cavalcanti (BRA)
Estefânia Queiroz (BRA)
Leonardo Pasquali (ITA)
Luis Fernando Sgarbossa (BRA)
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (BRA)
Roberto Viciano Pastor (ESP)

Revisão: Dos Autores

Projeto Gráfico: Carlos Lopes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Direitos fundamentais e estaduais : e


constitucionalismo subnacional / organização
Luís Fernando Sgarbossa , Marcelo Labanca
Corrêa de Araújo. -- Recife, PE : Editora Publius,
2022.

Bibliografia.
ISBN 978-65-995691-3-5

1. Direito constitucional 2. Direitos fundamentais


3. Constitucionalismo - Brasil I. Sgarbossa, Luís
Fernando. II. Araújo, Marcelo Labanca Corrêa de.

22-98454 CDU-342.56:342.7(81)
Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direitos fundamentais : Direito


constitucional 342.56:342.7(81)

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Printed in Brazil - Impresso no Brasil


Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais é proibida a reprodução
total ou parcial desta obra por qualquer forma ou meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de fotocópias
e gravação, sem permissão por escrito do autor.

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APRESENTAÇÃO

É uma satisfação para os organizadores apresentarem esta obra


ao público leitor, consistente em na reunião de texto de pesquisadores,
docentes e discentes, em área emergente no campo do Direito
Constitucional, a saber, o Direito Constitucional Subnacional,
campo emergente nos estudos constitucionais contemporâneos no
país. Em uma área na qual a maioria dos estudos se concentra – até
compreensivelmente, dado o caráter ainda centralizador do direito
brasileiro – na esfera do direito federal, é uma satisfação poder
proporcionar uma pequena contribuição para o desenvolvimento do
direito subnacional e, mais especificamente, do Direito Constitucional
estadual brasileiro.
O presente volume reúne estudos de pesquisadores no campo em
questão, visando fomentar a discussão sobre as questões, os problemas
e as potencialidades do constitucionalismo subnacional em Estados
federais ou quase-federais em geral e, mais especificamente, no Brasil.
A obra estrutura-se em vinte capítulos que focam diversos aspectos
do Direito Constitucional subnacional e estadual, e áreas correlatas,
como o federalismo. Diversos capítulos examinam, notadamente, o
tema específico dos direitos fundamentais estaduais, ainda carente de
estudos no país.
O primeiro capítulo, escrito em co-autoria pelo coorganizador
Luís Fernando Sgarbossa e por Ingo Wolfgang Sarlet, examina
comparativamente as experiências estadunidense e alemã em termos do
desenvolvimento dos direitos fundamentais em nível subnacional em
ambas as federações, ressaltando pontos de convergência e divergência
entre elas, decorrentes das especificidades de cada uma e do tipo de
federalismo adotado, entre outros fatores.
O segundo capítulo, de autoria de María Esther Seijas Villadangos,
examina as o direito fundamental à saúde em nível subnacional com
enfoque particular no caso espanhol. A autora examina os problemas
de descompasso entre textos constitucionais subnacionais e efetividade,
evidenciando os desafios postos aos direitos previstos nos estatutos

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das Comunidades Autônomas espanholas, evidenciando os avanços
e limites, as lições da pandemia e os próximos passos necessários à
consolidação dos direitos fundamentais subnacionais.
O tereiro capítulo, de autoria de Geziela Iensue, versa sobre a
proteção e a tutela das minorias e dos grupos vulneráveis em normas
constitucionais de nível federal e subnacional brasileiros, à luz de
aspectos tais como o direito à igualdade, ao desenvolvimento humano e
a proteção à diversidade. Evidencia peculiaridades, como o caráter mais
pormenorizado da proteção em diversas constituições subnacionais
e as cláusulas de abertura subnacionais, manifestações do princípio
da não-tipicidade. Entrenta, também, diversos limites encontrados
no exercício da autonomia estadual no particular, tais como aqueles
decorrentes da repartição de competências federal e das ADIs julgadas
pelo STF, fatores estes limitadores da autonomia do próprio poder
constituinte subnacional.
O quarto capítulo, escrito em co-autoria por José Adércio Leite
Sampaio e Christiane Costa Assis, examina os direitos fundamentais
nas constituições subnacionais brasileiras, evidenciando os poucos
avanços feitos na matéria pelo constituinte subnacional, decorrente
do pendor centralizador do federalismo brasileiro e do baixo grau de
liberdade do constituinte estadual, exceto em alguns aspectos, como
no âmbito das competências concorrentes.
O quinto capítulo da obra, de Helder Oliveira, Pamella Danuelly
e Rebeka Magalhães, examina a temática do processo de emendas às
constituições a partir de propostas de origem popular, instituto peculiar
do direito subnacional brasileiro, sem paralelo federal no país, e adotado
pela maioria das unidades da federação. Nesse contexto, evidenciando
a insuficiência de um federalismo de execução, refletem os autores
sobre a necessidade de valorização e fomento do constitucionalismo
infranacional no Brasil, a importância da ADI 825, julgada pelo STF
no ano de 2018 e a ainda parca utilização da autolegislação em matéria
constitucional nas diversas unidades federativas que a contemplam.
O sexto capítulo, de autoria de Leonam da Silva Baesso Liziero,
examina questões federativas de extrema relevância, ao enfrentar a
assimetria de forças entre união e entes federativos subnacionais,
notadamente em termos de repartição de competências. Examina os

6
direitos fundamentais estaduais neste contexto, bem como os desafios
de sua efetivação em face de sua dimensão financeira de das dificuldades
impostas pelo que considera um não-princípio, a saber, a simetria
aplicada pelo STF, fortemente cerceadora de autonomias subnacionais.
O sétimo capítulo, de Renata Gonçalves Perman, constitui um
estudo das relações existentes entre o federalismo e o constitucionalismo
subnacional no âmbito de proteção do consumidor constitucionalmente
determinado e integrante do “condomínio legislativo” entre entes
nacional e subnacionais. O estudo evidencia a relevância do direito
subnacional na matéria – em nível constitucional e infraconstitucional –
e, apesar do histórico desequilíbrio competencial que marca a federação
brasileira, a recente e aparente tendência do STF – pós-2019 – a
consagrar uma maior descentralização.
O oitavo capítulo, de Gilsely Barbara Barreto Santana, estuda
o constitucionalismo subnacional na perspectiva dos conflitos
federativos no Brasil, destacando o caráter dinâmico da federação
como parcialmente decorrente da interpretação e aplicação de normas
de competência. Evidencia a importância dos conflitos federativos, sua
gestão administrativa ou judicialização, bem como as potencialidades
do controle estadual de constitucionalidade no particular.
O nono capítulo, de autoria de Alexandre Gustavo Melo Franco
de Moraes Bahia, por sua vez, aborda a relevante temática do processo
de avanços e retrocessos no âmbito do reconheciomento subnacional
de direitos da minoria LGBT, compreendendo os níveis municipal e
estadual. Evidencia entre outras coisas a maior propensão de estados e
municípios a promoverem e protegerem o direito fundamental à não-
discriminação em termos de legislação e organizações, bem como as
limitações dessa proteção subnacional, decorrente das características
centralistas de nossa federação e apesar da “contrarrevolução”
conservadora recente, cujos retrocessos têm sido em boa medida
frenados pelos tribunais e, especialmente, pelo STF.
O décimo capítulo, escrito em co-autoria por Breno Baía Magalhães
e Raylon Roberto Alvarenga Álvares, aborda os direitos fundamentais
existentes na importante tradição do constitucionalismo subnacional
paraense. Examina, em particular, o importante julgado do STF na
ADC n. 41, do ano de 2017, na qual aquela corte suprema declarou

7
a constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014, embora considerando
apenas facultada a adoção das políticas de cotas para negros nos
concursos de nível subnacional, e os problemas daí decorrentes,
especialmente no âmbito do poder executivo do Estado do Pará.
O décimo primeiro capítulo, de autoria de Janaina Penalva e
Aderruan Tavares, discute o papel do CNJ no ambiente federativo e as
regras aplicáveis no sistema carcerário. O Conselho Nacional de Justiça
possui um papel uniformizador. Mas será que uma resolução do CNJ
poderia prevalecer sobre uma lei estadual? Esse tema é enfrentado
pelos dois autores do trabalho.
O décimo segundo trabalho, de autoria de Ana Luisa de Figueiredo
Guimarães, Ester Moraes D’Avila e Kamilla Ranny Macedo Niz,
enfrenta o tema da autonomia dos entes federados fazendo um paralelo
com a obra Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.
O décimo terceiro trabalho, de autoria de Gilson José Julião, analisa
os impactos da produção normativa sobnacional sobre os direitos
fundamentais das crianças e adolescentes.
O décimo quarto trabalho, de autoria de Raquel Muniz Pereira
Simões e Mayara Schwambach Walmsley, faz uma incursão sobre o
papel da jurisdição constitucional e a sua relação com o federalismo.
O trabalho utiliza o recorte do direito fundamental à saúde em tempos
de pandemia.
O décimo quinto trabalho, de autoria d José Arthur Castillo de
Macedo versa sobre a relevante temática do transfederalismo e de
que forma o tema pode impactar no reconhecimento dos direitos
fundamentais estaduais por parte dos Estados-membros brasileiros.
O décimo sexto capítulo, de autoria de Marcelo Labanca Corrêa
de Araújo e Emilio Peluso Neder Meyer analisa como as questões
envolvendo direitos fundamentais terminam sendo, ao final, também
questões federativas, já que a legislação sobre direitos fundamentais
não é exclusiva da União.
O décimo sétimo capítulo, de autoria de Gustavo Ferreira Santos,
enfrenta o tema dos direitos fundamentais no âmbito subnacional
municipal. Falar em “subnacional” não é apenas se referir ao espaço
do estado. Por vezes, a esfera municipal é encarregada de, enquanto
poder público, produzir e promover direitos.

8
O décimo oitavo capítulo, de Sérgio Ferrari, faz uma análise dos
direitos sociais no bojo da reforma reforma da previdência, enfrentando
o tema das constituições estaduais que podem prever normas de
previdência.
O décimo nono capítulo, de autoria de Luiz Guilherme Arcaro
Conci, analisa o federalismo brasileiro e as respostas que foram dadas
pelos entes subnacionais para proteção da sáude e da vida das pessoas
durante a pandemia da COVID.
Finalmente, o vigésimo capítulo, fechando com chave de ouro o
nosso livro, é de autoria de Leo Ferreira Leoncy, uma autoridade em
controle de constitucionalidade estadual. Leo analisa a questão das
normas de remissão como objeto do controle de constitucionalidade
perante Tribunais de Justiça.
Ao oferecer a presente obra ao público, esperamos contribuir para
com o avanço do desenvolvimento do estudo do Direito Constitucional
Subnacional no país, explorando questões, problemas e potencialidades
do constitucionalismo subnacional e permitindo uma reflexão sobre
as possibilidades de fortalecimento do federalismo e da democracia
brasileiros.
O presente livro é fruto de um diálogo permanente entre o
Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual
(ConState - www.constate.org), dirigido por Marcelo Labanca, e
o Núcleo de Estudos em Subconstitucionalismo da Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (SubConst), diriido por Luis Fernando
Sgarbossa.
Desejamos a todos e todas uma boa leitura.

Luís Fernando Sgarbossa


Marcelo Labanca Corrêa de Araújo

9
10
SUMÁRIO

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS: UM


OLHAR SOBRE A ALEMANHA E OS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA.................................................................................................15
Ingo Wolfgang Sarlet
Luís Fernando Sgarbossa

STATE CONSTITUCIONAL RIGHT TO HEALTH: FROM A


GENERAL PERSPECTIVE TO THE CASE OF SPAIN AND ITS
SINGULAR PATH TO FEDERALIZATION..................................79
Esther Seijas Villadangos

P RO TE Ç Ã O E T U T E LA DE M IN O R IA S E G RU P O S
VULNERÁVEIS NOS CONSTITUCIONALISMOS FEDERAL
E SUBNACIONAL BRASILEIROS................................................. 111
Geziela Iensue

DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES


ESTADUAIS BRASILEIRAS............................................................. 155
José Adércio Leite Sampaio
Christiane Costa Assis

O PROCESSO DE EMENDAMENTO DAS CONSTITUIÇÕES


ESTADUAIS A PARTIR DA INICIATIVA POPULAR............... 173
Helder Oliveira
Pamella Dannielly
Rebeka Magalhães

A UNIÃO TEM A FORÇA DE GIGANTE FEDERATIVO E A


USA COMO UM: NAS COMPETÊNCIAS, NAS FINANÇAS, NO
SUPREMO............................................................................................. 195
Leonam Liziero

11
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL E FEDERALISMO:
PERSPECTIVAS DESCENTRALIZADORAS............................. 211
Renata Gonçalves Perman

O CHÃO DA VIDA DOS CONFLITOS FEDERATIVOS:


O POTENCIAL DO CONSTITUCIONALISMO SUBNA-
CIONAL............................................................................................. 235
Gilsely Barbara Barreto Santana

AVANÇOS E RETROCESSOS NOS ÂMBITOS MUNICIPAL E


ESTADUAL QUANTO AO RECONHECIMENTO DE DIREITOS
DA MINORIA LGBT.......................................................................... 253
Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia

EM BUSCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INEXPLORADOS:


SUGESTÕES METODOLÓGICAS E ANÁLISE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DO PARÁ............................................................................ 273
Breno Baía Magalhães
Raylon Roberto Alvarenga Álvares

A PANDEMIA DA COVID-19 NO SISTEMA CARCERÁRIO:


O FEDERALISMO NA TENSÃO ENTRE O CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA E OS PODERES EXECUTIVO E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS......................................................... 320
Aderruan Tavares
Janaína Penalva

FEDERALISMO E A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS


EM TEMPOS DE PANDEMIA: UM ESTUDO DE DIREITO E
LITERATURA SOB A ÓTICA DA OBRA “ENSAIO SOBRE A
CEGUEIRA” DE JOSÉ SARAMAGO ........................................... 345
Ana Luisa de Figueiredo Guimarães
Ester Moraes D’Avila
Kamilla Ranny Macedo Niz

12
A P RO D U Ç Ã O L E G I S L AT I VA S U B N AC I O N A L E M
TEMPOS DE PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A
ELABORAÇÃO DE NORMAS PELO EXECUTIVO E PELO
LEGISLATIVO ESTADUAL DE PERNAMBUCO COM FOCO
NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E DOS
ADOLESCENTES............................................................................... 361
Gilson José Julião

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E FEDERALISMO:


A CONTRIBUIÇÃO DAS CORTES SUBNACIONAIS NA
PROMOÇÃO DO DIREITO À SAÚDE EM TEMPOS DE
PANDEMIA........................................................................................... 375
Raquel Muniz Pereira Simões
Mayara Schwambach Walmsley

QUANDO OS DIREITOS TRANSBORDAM: DIREITOS


FUNDAMENTAIS ESTADUAIS E TRANSFEDERALISMO .393
José Arthur Castillo de Macedo

DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS NO BRASIL: UM


DEBATE NECESSÁRIO................................................................... 417
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo
Emilio Peluso Neder Meyer

MUNICÍPIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA PAUTA


PARA A PESQUISA............................................................................ 435
Gustavo Ferreira Santos

OS DIREITOS SOCIAIS E O INESPERADO RENASCIMENTO


DA IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL NA
REFORMA DA PREVIDÊNCIA..................................................... 443
Sérgio Ferrari

LA FEDERACIÓN BRASILEÑA EN MOVIMIENTO:


OPORTUNISMO Y DESCENTRALIZACIÓN FRENTE A LA
PANDEMIA........................................................................................... 461
Luis Guilherme Arcaro Conci
13
PROPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS REMISSIVAS
À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA DEFESA ABSTRATA
PERANTE OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA: O CASO DAS NORMAS
DE DIREITOS FUNDAMENTAIS................................................. 493
Léo Ferreira Leoncy

14
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
ESTADUAIS: UM OLHAR SOBRE A
ALEMANHA E OS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA.
Ingo Wolfgang Sarlet1-2
Luís Fernando Sgarbossa3

Sumário. Introdução 1. Direitos fundamentais estaduais


nos Estados Unidos da América. 1.1. Colocação do
problema e sua importância. 1.2. Panorama comparativo: Bill
of Rights federal x declarações de direitos estaduais. 1.2.1. O
Bill of Rights da Constituição federal dos EUA. 1.2.2. Direitos
fundamentais estaduais nos EUA: aspectos gerais. 1.2.3. Direitos
e garantias fundamentais civis e políticos nas subconstituições
estadunidenses. 1.2.4. Direitos sociais, econômicos, culturais e
ambientais nas subconstituições estadunidenses. 2. Direitos
fundamentais estaduais na Alemanha. 2.1. Uma breve
mirada sobre a concepção do Estado Federal na Alemanha
quanto aos seus traços gerais essenciais. 2.2. Os direitos
fundamentais estaduais e a autonomia dos Estados no contexto
geral da sua articulação com a União e a LF. 2.3. Conteúdo
dos catálogos de direitos fundamentais nas constituições
estaduais alemãs. 2.4. A proteção dos direitos fundamentais pela
jurisdição constitucional estadual. Conclusões. Referências.

1
Doutor e Pós-Doutor em Direito (LLMU-Munique). Professor Titular da Faculdade
de Direito e dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em Ciências Criminais
da PUCRS. Professor da Escola Superior da Magistratura do RS (AJURIS) e
Desembargador Aposentado no RS. Advogado.
2
O autor Ingo Sarlet registra aqui seu especial agradecimento ao Mestre em Direito
pela PUCRS, Ramon da Silva Sandi, pelo importante auxílio na pesquisa doutrinária
e jurisprudencial relativa à parte alemã do texto.
3
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CPTL.
Coordenador do SubConst – Núcleo de Pesquisa em Subconstitucionalismo da
UFMS/CPTL. Coordenador do Projeto de Pesquisa Observatório Constitucional:
Direito Constitucional Subnacional.
15
INTRODUÇÃO

Recentemente têm começado a ganhar relevo no Brasil os estudos


sobre o Direito Constitucional subnacional e estadual, a exemplo
do que já ocorrea mais tempo em outros lugares, notadamente nos
Estados Unidos da América e na Europa. Fato é que tal campo de
estudo, bastante negligenciado entre nós, salvo raras exceções, parece
começar a ganhar corpo.4
De início convém fazer algumas observações conceituais e
terminológicas preliminares. A terminologia mais indicada para
designar o objeto de estudo em questão, e que aqui será adotada de
maneira geral, é Direito Constitucional subnacional, na medida em que
se revela mais abrangente do que a expressão Direito Constitucional
estadual. A razão disso é que embora de um ponto de vista jurídico-
formal e de acordo com a visão tradicional parecer existir um direito
constitucional subnacional apenas em Estados federais, na medida em
que suas coletividades territoriais subnacionais seriam teoricamente
as únicas a possuírem a capacidade jurídica de criar constituições,a
realidade parece ser mais complexa.
De fato, muitos estudos recentes tanto na área do Direito como
da Ciência Políticatêm indicado que mesmo Estados formalmente
unitários – nomeadamente os regionais ou autonômicos – podem
possuir verdadeiras instituições constitucionais próprias, a despeito da
ausência de uma constituição e de um poder constituinte em sentido
jurídico-formal.5
Por conseguinte, identificar a ideia de Direito Constitucional
subnacional com anoção de Direito Constitucional estadual acaba
por se revelar reducionista, de modo que parece ser mais apropriado
considerar que o Direito Constitucional estadual é uma espécie –
embora a mais proeminente e evidente – do Direito Constitucional

4
Existem alguns estudos pioneiros, tais como e o artigo de PINTO FERREIRA de
1964 (vide referências, ao final) e a obra de Osvaldo Trigueiro, Direito Constitucional
Estadual, de 1980. São exemplos de estudos recentes LEONCY (2007),ARAÚJO
(2009, 2019), SAMPAIO (2019), SGARBOSSA e BITTENCOURT (2019), entre
outros.
5
Nesse sentido, conferir a abordagem abrangente da teoria dinâmica do federalismo
de POPELIER (2014).
16
subnacional, que merece ser compreendido como conceito mais amplo
e que contempla versões não claramente federativas – tais como as
compreendidas nas zonas cinzentas de Estados regionais integrais e
semifederais, por exemplo.
Além disso, os estudos evidenciam que não apenas parece
ser possível constatar a existência de um Direito Constitucional
subnacional em Estados formalmente não-federais como também que
nem todos os Estados federais outorgam poder constituinte aos seus
entes federativos, sendo o exemplo clássico a Nigéria (MARSHFIELD,
2011).6Assim, no presente texto, utilizar-se-ão preferencialmente as
expressões Direito Constitucional subnacional para fazer referência
ao gênero e Direito Constitucional estadual para fazer referência à
espécie típica de Estados federais.7
Um segundo ponto a se estabelecer desde logo para a compreensão
do subconstitucionalismo8 é que, partindo-se da concepção básica
acerca da função garantista do Direito Constitucional, segundo a qual
a função ou finalidade de uma constituição consistiria em limitar os
poderes do Estado (nacional, seja ele unitário ou federal), a existência
de subestados autônomos – ou “semisoberanos”, conforme expressão

6
Na verdade a literatura especializada identifica pouco mais de uma dezena de
federações que permitem a adoção de constituições pelos Estados-membros, o que
evidencia a complexidade da temática.
7
Além disso, deve-se evidenciar o caráter complexo do Direito Constitucional
Subnacional e sua subespécie estadual, na medida em que estes não se reduzem às
normas constitucionais editadas pelo ente subnacional, mas correspondem ao plexo
formado por estas em conjunto com aquelas editadas pelo ente central que digam
respeito à organização constitucional local, tais como os princípios de preordenação
institucional da constituição federal. Está-se aqui diante de um fenômeno que tem
sido chamado de Direito Constitucional multinível (PIRES, 2020). Observe-se que
isso inclusive em muitos casos independe de incorporação formal, como se verá
adiante, e como, no Brasil, julgou o Supremo Tribunal Federal na ADI n. 5646/
SE, julgada em 2019.
8
Sobre as expresses subconstitucionalismo e subconstituição, convém conferir o
magistério de GINSBURG e POSNER (2010, p. 1584): “Many nation states have a
two-tiered constitutional structure that establishes a superior state and a group of subordinate
states that exercise overlapping control of a single population. The superior state (or what we
will sometimes call the ‘superstate’) has a constitution (a ‘superconstitution’) and the subordinate
states (‘substates’) have their own constitutions (‘subconstitutions’). One can call this constitutional
arrangment ‘subnational constitutionalism’ or, for short, ‘subconstitucionalism’”.
17
acolhida por certa literatura (MADDEX, 1998) – encerra a necessidade
(conceitualmente) ou pelo menos a possibilidade (empiricamente) de
que estes sejam limitados por constituições subnacionais, dando azo
ao subconstitucionalismo (MADDEX, 1998).9 Esse aspecto voltará a
ser mencionado ao longo do desenvolvimento do texto.
Tendo isso em mente, convém rememorar que entre as principais
técnicas utilizadas pelo constitucionalismo para a limitação do poder,
classicamente, encontram-se a separação ou divisão dos poderes
ou funções estatais e o estabelecimento de direitos e garantias
fundamentais, o que está ligado ao próprio conceito histórico de
constituição. Assim, é esperado que as constituições subnacionais – e
estaduais, em particular – contenham disposições organizatórias dos
poderes estaduais, traduzindo-se em preceitos relativos à divisão e
organização de poderes, bem como disposições estabelecedoras de
direitos públicos subjetivos, traduzindo-se em direitos e garantias
fundamentais estaduais – no caso das federações.10
Como se percebe, a própria concepção de um subconstitucionalismo
e de subconstituições parece implicar a existência de direitos e garantias
fundamentais estaduais – o que, em realidade, pode ser mais complexo
em função do grau de autonomia e do tipo de federalismo adotado,
entre outros aspectos.11Em função disso, parece essencial passar a

9
Nesse sentido, MADDEX (1998, p. xii): “A grant of specific powers by the people of the
states of the Union, the Constitution leaves to the states, as expressed in the Tenth Amendment
(1791), significant residual powers of government. State constitutions, therefore, are limitations
placed on those residual powers by the citizens of the states. They are necessary to protect individuals
from unchecked political power at the state level, in the same way that the federal Constitution
shields the citizens and the states themselves from umbridled national political power.”
10
Note-se que aqui, independentemente de discussões acerca do significado e alcance
da cláusula de abertura existente em diversas constituições (SARLET, 2012;
ARAÚJO, 2019, entre outros), a partir da premissa da qualificação das normas
estaduais como constitucionais, os direitos públicos subjetivos nelas previstos são
direitos fundamentais em sentido formal (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019).
11
Evidentemente a questão depende de uma série de aspectos relativos a cada
experiência federal em concreto – limitando a reflexão sobre a questão apenas ao
marco dos Estados federais, por hora –, como no Brasil, por exemplo, em que
a extensão das competências legislativas da União parece limitar a possibilidade
do estabelecimento de direitos fundamentais pelos Estados e, especialmente, de
garantias judiciais em face do disposto no art. 22, I. Por outro lado, para demonstrar
a complexidade das questões envolvidas, rememorem-se os casos em que a Corte
18
refletir também sobre os direitos fundamentais estaduais, além dos
federais – especialmente em tradição fortemente focada no direito
federal, como a nossa –, valendo-se, para tanto,das experiências
estrangeiras em tradições federais que contemplam tais institutos,
tais como a norte-americana e alemã, embora sempre atentos à
singularidade de cada experiência constitucional concreta.
Assim, o presente capítulo é dedicado ao exame de aspectos
relativos aos direitos (e garantias) fundamentais estaduais e sua
coexistência com aqueles inscritos no catálogo federal de direitos,
tais comoa coincidência ou divergência entre os catálogos federal e
subnacionais, sua independência ou interdependência recíproca, bem
como questões relativas à justiciabilidade dos mesmos, entre outros –
dentro dos limites de espaço estabelecidos e sem pretensão de exaustão
da vasta temática.
Para tanto, a primeira parte do texto será dedicada ao exame do
tema dos direitos fundamentais estaduais na federação norte-americana
e a segunda na federação alemã, para, ao final, buscar-se realizar uma
análise comparativa do regime jurídico-constitucional de tais direitos
em ambos os sistemas jurídicos, com ênfase nos principais aspectos
convergentes ou divergentes.

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS NOS


ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

1.1 Colocação do problema e sua importância

As origens históricas da federação norte-americana são


fundamentais para a compreensão de suas características e de seus
sistemas político e jurídico. Como federação centrípeta que é formada
a partir da união de treze pequenos Estados independentes da ex-
metrópole britânica a partir de 1776, os Estados Unidos da América
constituíram uma federação bastante descentralizada – especialmente

Constitucional italiana pronunciou-se sobre as declarações de direitos estabelecidas


nos estatutos regionais da Toscana, Emilia-Romagna e Úmbria (Sentenças ns.
372/2004, 378/2004 e 379/2004. Sobre a fascinante temática e as interessantes
decisões proferidas, consultem-se DELLEDONNE e MARTINICO (2009).
19
até meados do século XVIII – embora já ao longo daquele século e
especialmente no século seguinte a União tenha ampliado seus poderes
ou competências.12
De todo modo, o grau de autonomia conferido pela Constituição
estadunidense aos atuais cinquenta subestados é notável até hoje,
como se sabe, especialmente em comparação com experiências
federativas mais recentes e centralizadoras, tal como a brasileira.
Nesse contexto, verificou-se um campo fértil para o desenvolvimento
do subconstitucionalismo que, nos EUA, parece revestir-se de uma
importância singular, o mesmo sendo verdadeiro quanto aos direitos
fundamentais estaduais.13
Um fator histórico extremamente importante para a compreensão
da relevância dos direitos fundamentais estaduais naquele país é o
fato de que o Bill of Rights federal, originalmente consubstanciado nas
dez primeiras emendas à Constituição norte-americana, aprovadas
em 1791, era inicialmente compreendido como limitador apenas dos
poderes federais.14Isso mudou apenas com a edição e ratificação da
XIV Emenda em 1868 que, criando a célebre Equal Protection Clause,
previra expressamente a vinculação tanto da união quanto dos Estados
ao catálogo federal (WILLIAMS, 2006).15

12
É de amplo conhecimento que fatos históricos como a guerra de secessão, as duas
grandes guerras, além do New Deal, entre outros, fortaleceram a União. Além disso,
algumas decisões da Suprema Corte, foram determinantes para o mesmo fim – tais
como McCullogh v. Maryland, 1816, que adotou a doutrina dos implicit powers da União.
13
Note-se que a Constituição norte-americana de 1787, em vigor a partir de 1789,
limitou-se praticamente a estabelecer regras sobre os poderes federais (artigos I a III)
e sobre as emendas a ela própria (art. V) e outras provisões (arts. VI e VII). Apenas
o artigo IV, originalmente, continha disposições federais, que tinham implicações
sobre a autonomia dos Estados.
14
Inclusive o entendimento originário da oponibilidade dos direitos fundamentais
federais apenas à união, e não aos Estados ou a particulares encontra-se na base da
famosa State Action Doctrine no que diz respeito a eficácia interprivada dos mesmos
nos EUA (WILLIAMS, 2006).
15
A cláusula se encontra consubstanciada na primeira seção daquela emenda: “No
State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of
the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due
process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.” Não
se deve imaginar, no entanto, que a cláusula foi observada de imediato, tendo sua
aplicação judicial se desenvolvido paulatinamente até o atual sistema conhecido como
20
Note-se, por conseguinte, que durante amplo lapso temporal
(1791-1868) os direitos limitadores dos poderes dos Estados foram
essencialmente os direitos fundamentais previstos nas constituições
estaduais (MADDEX, 1998), o que evidencia o relevo por aqueles
assumido naquele sistema constitucional.16
Por força desses e de outros fatores o constitucionalismo norte-
americano conta com uma tradição pujante e bem estabelecida quanto
ao constitucionalismo subnacional e, especialmente, quanto aos
direitos fundamentais estaduais, diversamente do que ocorre em outras
ambiências político-jurídicas por força de diversos fatores. Desse modo,
convém tentar traçar um breve panorama comparativo do Bill of Rights
federal estadunidense com as declarações de direitos estaduais, dentro
dos limites do presente estudo, para, após, examinar o tema dos direitos
fundamentais estaduais na federação alemã.

1.2 Panorama comparativo: Bill of Rights federal x


declarações de direitos estaduais

1.2.1 O Bill of Rights da Constituição Federal dos EUA

Como é sabido, o texto constitucional federal norte-americano


é predominantemente orgânico e procedimental, contendo provisões
sobre a organização dos poderes federais e suas competências, normas
acerca da federação e as emendas à Constituição, e outras disposições,
“New Judicial Federalism”, sistema de colaboração entre cortes federais e estaduais na
proteção de direitos fundamentais estaduais e federais (BARCELÓ ROJAS, 2005).
Sobre o tema, conferir LAMB e NEIHEISEL (2021), Capítulo 4.
16
Novamente MADDEX (1998, p. xii): “Before the Fourteenth Amendment (1868), the
federal courts had no basis for enforcing in the states the guarantees of Constitution’s Bill of
Rights (1791). For much of the early federal period, therefore, state constitutions and state courts
were citizens’ major sources of protection against infringement of rights by state government.” No
mesmo sentido ensina BARCELÓ ROJAS (2005, pp. 80-81) que “en el diseño original
de los Padres Fundadores, el catálogo de derechos individuales de la Constitución de Filadelfia
sólo serviria como salvaguarda contra las intromissiones del gobierno nacional, pero no frente a
las autoridades de los estados. Los Bill of Rights de las Constituciones estatales se encargarían de
establecer las salvaguardas en contra de los gobiernos de los estados.” Nesse sentido, confira-
se a decisão da Suprema Corte em Barrow vs. Baltimore (1832), revertida apenas em
1925 em Gitlow vs. New York.
21
contemplando em seu texto parcas disposições que poderiam ser
consideradas estabelecedoras de direitos e garantias.17 A declaração
de direitos propriamente dita foi consubstanciada, em um primeiro
momento, nas dez primeiras emendas àquela carta, de 1791, e em
diversas outras posteriores.18
A primeira emenda estatui as liberdades religiosa, de expressão e de
imprensa, além dos direitos de reunião e petição; a segunda emenda o
controvertido direito de possuir e portar armas; a terceira uma série de
normas relativas à inviolabilidade de domicílio; a quarta, quinta, sexta e
sétimas diversas garantias relativas ao processo penal e civil19 – inclusive
o devido processo legal; bem como a oitava emenda disposições
limitadoras das penas.20As emendas nona e décima estabelecem
importantes disposições – unenumerated rights clause e cláusula de reserva
de poderes aos Estados.21
A décima-terceira emenda (1865) promoveu, sabidamente,
a abolição da escravidão; a décima-quarta (1868), já referida,
reafirmou o devido processo legal, estendendo-o, com outros
direitos, expressamente ao nível estadual. A décima-quinta (1870),
a décima-nona (1920), a vigésima-quarta (1964) e a vigésima-sexta
(1961) emendas estabeleceram o sufrágio universal, derrubando
paulatinamente elementos restritivos dos direitos políticos.
Em brevíssima síntese, são estesos direitos fundamentais
contemplados expressamente pelo texto constitucional federal norte-
americano, aos quais, evidentemente, se teria que adicionar alguns de

17
Trata-se, sabidamente, da previsão que veda a suspensão do habeas corpus e da vedação
das leis retroativas e bill of attainder, conforme previsto no art. I, Seção 9.
18
Além das dez primeiras emendas podem ser consideradas estabelecedoras de direitos
e/ou garantias fundamentais a 13ª, 14ª, 15ª, 19ª, 24ª e 26ª emendas, cujo teor se
examinará a seguir.
19
A 4ª, 5ª, 6ª e 7ª Emendas estabelecem limites a buscas e apreensões, grand jury, vedação
do Double jeopardy, proteção contra a auto-incriminação, devido processo legal,
julgamento célere, público e imparcial, defesa técnica, além de limites à requisição
e direito a julgamento perante o tribunal do júri, entre outros.
20
A 8ª Emenda veda fianças e multas excessivas, bem como penas cruéis e inusitadas.
21
9ª Emenda: “The enumeration in the Constitution, of certain rights, shall not be construed to
deny or disparage others retained by the people.” 10ª Emenda: “The powers not delegated to
the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the states, are reserved to the states
respectively, or to the people.”
22
origem pretoriana, estabelecidos especialmente em precedentes da
Suprema Corte dos EUA.Como se percebe, o rol federal de direitos
e garantias fundamentais assim estabelecido é relativamente limitado,
sendo constituído majoritariamente por direitos civis e políticos
clássicos, além das garantias, o que inclusive serviu de fundamento
para a famosa tese do excepcionalismodo direito constitucional norte-
americano, atualmente contestada de maneira importante como se verá
(ZACKIN, 2013; VERSTEEG, ZACKIN, 2014).22
No entanto, devido ao caráter descentralizado do federalismo
estadunidense e a importância do constitucionalismo subnacional
naquele sistema, o quadro resta necessariamente incompleto se não
forem examinados também os direitos fundamentais previstos em
nível subnacional. Diante disso, passa-se a fazer, no tópico a seguir,
considerações de caráter geral sobre os direitos e garantias previstos nas
cinqüenta subconstituições norte-americanas23 para, nos dois tópicos
subseqüentes a ele, examinarem-se um pouco mais detidamente duas
categorias de direitos fundamentais estaduais, a saber, civis e políticos
– impropriamente denominados negativos – e os prestacionais – por
vezes também impropriamente denominados positivos.24

22
Segundo a célebre tese, em resumo, o Direito Constitucional norte-americano
se distinguiria de outras tradições constitucionais, especialmente a matriz
europeia, especialmente por não contemplar direitos fundamentais “positivos” ou
prestacionais, o que, examinado o nível subnacional, não corresponde exatamente à
realidade, como se verá adiante. Há outras distinções sustentadas pela tese, também,
como a concisão da Constituição de 1787 e sua extrema rigidez.
23
Como ensina Pinto Ferreira (1964, p. 20), “as Constituições dos States têm também
suas declarações de direito ou Bill ofRights. Tais declarações de direito também são
previstas no corpo da Constituição Federal, de sorte que os cidadãos dos States se
encontram protegidos por duas ordens legais fundamentais, a da União e a dos
Estados-membros.”
24
WILLIAMS (2006, p. 25): “The idea of a ‘positive’ right indicates a form of affirmative
obligation on the part of government to provide something to people. By contrast, a ‘negative’ right
indicates that the government may not do something to people, or deny them certain freedoms.”
Sobre as polêmicas acerca da distinção, além dos comentários do próprio autor,
conferir o capítulo 3 da obra de ZACKIN (2013).
23
1.2.2 Direitos fundamentais estaduais nos EUA: aspectos gerais

Primeiramente, para que se possa ter uma ideia do protagonismo


do constitucionalismo estadual no estabelecimento de direitos
fundamentais, deve-se registrar não apenas que diversas constituições
estaduais – originariamente estaduais ou que se tornaram tais após
a integração aos EUA – não apenas foram pioneiras, ao estabelecer
vários direitos fundamentais subnacionais com muita anterioridade
relativamente aos direitos fundamentais federais equivalentes, como
também se revelaram inovadoras, ao estabelecerem diversos direitos
sem paralelo em nível federal.25
Assim, recorda MADDEX (1998) que a Constituição da Virgínia
foi a primeira a prever uma declaração de direitos, em 1776; que a
Constituição de Vermont foi a primeira a estabelecer uma provisão
contrária à escravidão, em 1777; e que o Wyoming foi o primeiro Estado
cuja constituição consagrou o sufrágio feminino, em 1869.26Assim,
vislumbra-se desde muito cedo um protagonismo das constituições
das antigas ex-colônias britânicas e, posteriormente, das constituições
subnacionais em matéria de direitos fundamentais, entre outras.
Na atualidade todas as cinquenta constituições subnacionais
contemplam rol de direitos fundamentais variável em extensão e
conteúdo. Como ensina WILLIAMS (2006, p. 9), “state and federal
constitutional rights can differ from each other not just quantitatively, but also
qualitatively”.27 Além de direitos idênticos ou bastante semelhantes

25
Convém recordar, quanto a esse protagonismo, que os direitos contemplados no Bill
of Rights federal eram direitos já estabelecidos nas constituições estaduais (LUTZ,
1992; BARCELÓ ROJAS, 2005).
26
Note-se que em nível federal só haverá Bill of Rights em 1791 (I a X Emendas), que
a abolição da escravidão somente ocorrerá em 1865 (XIII Emenda) e que o sufrágio
feminino sobrevirá apenas em 1920 (XIX Emenda).
27
Há certos direitos que podem ser considerados direitos fundamentais em sentido
formal em certos Estados, por terem sido constitucionalizados, e que, em outros,
são reconhecidos como direitos subjetivos e tutelados pela legislação ordinária
(statutes). MADDEX (1998). A principal diferença entre direitos fundamentais e
os estabelecidos pela legislação ordinária, ou jurisprudencialmente, éo nível de
proteção, evidentemente, uma vez que os primeiros não poderiam ser revogados
por maiorias ocasionais nem estariam sujeitos a overruling (BARCELÓ ROJAS, 2005).
De todo modo, WILLIAMS (2006) observa que os direitos fundamentais estaduais
24
aos constantes do Bill of Rights federal, as subconstituições
estadunidenses contemplam direitos sem paralelo em nível federal,
como se verá em maior detalhe nos dois tópicos seguintes, e por
vezes sua aplicação revela-se mais vigorosa por parte de algumas
cortes estaduais.28
Esse rol constitui, na maioria das constituições subnacionais norte-
americanas,um tópico separado, intitulado Bill of Rights ou Declaration
of Rights (MADDEX, 1998).Além disso, diversamente do que ocorre
em nível federal, o subconstitucionalismo norte-americano consagra
predominantemente o primeiro tópico da carta política estadual para a
declaração de direitos, que em geral segue imediatamente ao preâmbulo
(TARR, 2009).29
Em geral entende-se que o rol estadual é independente do rol
federal. MADDEX (1998, p. xiii) recorda disposição da Constituição do
Estado da Califórnia segundo a qual “rights guaranteed by this constitution
are not dependent on those guaranteed by the U. S. Constitution”(Seção 24 do
art. I, declaração de direitos, da Constituição da Califórnia de 1879).

são de modificação muito mais fácil do que seus equivalentes federais, como uma
consequência da modificabilidade das próprias cartas subnacionais. Nas palavras
do autor, ao observar o poder do eleitorado estadual de mudar, acrescentar ou
mesmo abolir direitos fundamentais nas constituições estaduais, observa que “it
might initally seem odd that by a mere majority vote of the electorate, a constitutional amendment
can be ratified or a new constitution adopted that can change state constitutional rights guarantees.
This may well seem to contradict our American notion of constitutional rights guarantees as
protecting minorities or the powerless against majority tyranny. Yet this is a fundamental feature
of state constitution making.”
Observa WILLIAMS (2006, p. 11) que “at the state level, courts are often less
28

concerned about rigid standing rules for litigant rights, and may give less deference
for‘political questions’ than the federal courts.” Resta evidente, no entanto, que
isso nem sempre se verifica, o que inclusive explica em parte a necessidade
de extensão da declaração federal aos Estados por força da XIV Emenda,
em razão de decisões conservadoras ou mesmo reacionárias das cortes
estaduais.
TARR (2009) observa que esta disposição das matérias remonta às cartas
29

constitucionais das treze ex-colônias criadas após a independência, iniciando com


a Constituição da Virgínia de 1776. De fato, examinando-se diversos daqueles
documentos percebe-se que iniciavam pela declaração de direitos e, após, seguia-se
a constituição propriamente dita, considerada como a parte orgânica das cartas
(forma ou instrumento de governo).
25
BARCELÓ ROJAS (2005), por sua vez, faz menção à disposição
constante na seção 24 do art. I da Constituição do Estado de Rhode
Island cujo teor é o seguinte: “The enumeration of the foregoing rights shall not
be construed to impair or deny others retained by the people. The rights guaranteed
by this Constitution are not dependent on those guaranteed by the Constitution of
the United States.”
No subconstitucionalismo estadunidense constata-se uma
tendência no sentido de expandir os direitos fundamentais, seja por
meio dos textos constitucionais subnacionais, seja pelos precedentes
judiciais das cortes estaduais. De outro lado, a duplicidade de
catálogos de direitos fundamentais têmembasado o entendimento
no sentido de que o rol federal opera como patamar mínimo de
proteção quando a proteção estadual revela-se menos generosa
(WILLIAMS, 2006).30
Nem todos os direitos fundamentais textualmente previstos
encontram-se no tópico dedicado aos mesmos nas cartas subnacionais,de
modo que no subconstitucionalismo norte-americano constam-se
direitos fundamentais dispersos ao longo dos textos constitucionais.31
Do mesmo modo, encontram-se nas declarações de direitos disposições
que nem sempre são rigorosamente estabelecedoras de direitos

30
MADDEX (1998, p. xviii): “(...) the federally guaranteed fundamental rights are in a sense
a minimum floor of government protection for the individual, the enumerated rights in states
constitutions can represent another layer.” No mesmo sentido WILLIAMS (2006, p. 14):
“In our federal system, as in many nations governed by constitutional federalism, federal
constitutional rights merely provide the minimum enforceable rights. The states and their state
constitutional rights guarantees, provide an additional source of rights beyond the federal minimum.”
31
Exemplifica WILLIAMS (2006) com limitações constitucionais ao poder de tributar
que, embora localizadas fora do rol constitucional, possuem dimensão de direito
fundamental. Outros exemplos do mesmo autor consistem em disposições sobre
educação pública ou meio ambiente, o que é semelhante ao que ocorre, por exemplo,
na Constituição Federal brasileira e em todas as constituições estaduais pátrias.
Poderiam ser acrescentadas, ainda, as disposições relativas ao processo legislativo
que vedem, por exemplo, as speciallawsou local laws, assim compreendidas aquelas
limitadas nos âmbitos de validade pessoal ou territorial, respectivamente, por serem
capazes de criar situações discriminatórias. Como ensina WILLIAMS (2006, p.
22), “though intended in part to curb legislative abuses, these prescriptions on special and local
laws reflect a concern for equal treatment under the law.”A igualdade é tutelada por outras
provisões constitucionais estaduais, como as Equal Rights Amendments ou ERAs, às
quais se fará menção adiante.
26
fundamentais (TARR, 2009), mas que podem caracterizar diretivas ou
princípios, por exemplo (MADDEX, 1998).32
Assim como ocorre em nível federal, também em nível estadual
constata-se a existência de direitos de origem pretoriana.33 Na prática,
especialmente em um sistema de Common Law, as decisões judiciais
das cortes estaduais podem modificar disposições estabelecedoras de
direitos fundamentais já existentes, bem como incluir novos direitos
no catálogo constitucional ou, ainda, restringir ou remover direitos
(WILLIAMS, 2006), o que evidencia a importância do tema da
interpretação judicial dos catálogos de direitos fundamentais estaduais.
Além disso, faz-se necessário registrar que nem sempre se caminha
no sentido da ampliação de direitos, naturalmente, tendo existido
historicamente manifestações do constitucionalismo subnacional
que podem se revelar como restritivas de direitos, discriminatórias
ou, de modo geral, contrárias a determinados grupos de indivíduos,
aspecto este que não pode ser negligenciado.34 Exemplificativamente,
ZACKIN (2013) relata o problema do aspecto excludente dos “positive
rights” previstos em diversas constituições estaduais norte-americanas,
ao lado de seus caracteres redistributivos e promotores de igualdade,
por exemplo.35

32
Nas constituições das treze ex-colônias britânicas adotadas após 1776 encontram-se
frequentemente normas estabelecendo a tripartição dos poderes nos catálogos de
direitos fundamentais.
33
Como recorda BARCELÓ ROJAS (2005, pp. 78-79): “Ahora bien, pese a que los derechos
individuales están expressamente consignados en las Constituciones estatales, no se excluye la
posibilidad de que otros sean configurados por interpretación judicial, así por ejemplo el derecho a
la privacidad no estaba contemplado em los derechos individuales originales del siglo XVIII, pero
ha sido creado a partir de otros derechos por interpretación judicial.”
34
MADDEX (1998) faz referência a emenda aprovada à Constituição da Flórida que
visou restringir decisões progressista da Suprema Corte daquele Estado em matéria
de buscas e apreensões, por exemplo.
35
Ensina a autora que “(...) it would be a mistake to imagine that the movements behind the
inclusion of positive rights were interested in providing universal protection from the dangers they
decried. Even as popular movements worked to establish protective state policies, they were often
animated by a desire to limit the state’s protection to members of their own racial and religious
groups. Indeed, many popular movements have simply sought to expel other racial and religious
groups from their states or to establish their permanent subjugation.”(ZACKIN, 2013).
Assim, os movimentos por novos direitos e direitos positivos (prestacionais)
foram frequentemente mesclados, nos EUA, com movimentos anti-imigração ou
27
Robert Williams (2006) observa ainda que mecanismos de
democracia semidireta ou participativa, notadamente a iniciativa
popular de emendas às constituições estaduais e a possibilidade de
convocar constitutional conventions revela-se capaz de produzir efeitos
de overruling ou overturn de interpretações judiciais sobre direitos
fundamentais, citando, como exemplo, os diversos Estados que
alteraram suas constituições para afastar decisões que declaravam a
pena de morte inconstitucional.36
De todo modo, aponta aquele autor que apesar das críticas e dos
receios de que essa espécie de “popular supervision” sobre os direitos
fundamentais estaduais fossem capazes de torná-losreféns de uma
tirania da maioria, em função de mais de uma dezena de emendas
estaduais nesse sentido, tal temor não teria se materializado, na medida
em que se revelou restrito a algumas questões ou áreas específicas,
notadamente em questões criminais (WILLIAMS, 2006), verificando-
se preponderantemente uma tendência à expansão dos direitos, mais
do que contração, em outras áreas.37
Com relação a outro aspecto crucial, a saber, a tutela judicial dos
direitos fundamentais estaduais, deve-se observar que esta passou por
três fases, de acordo com TARR (2005) e BARCELÓ ROJAS (2005),

contrários a trabalhadores chineses ou mexicanos, por exemplo. Da mesma forma,


nem sempre foi progressista a jurisprudência das cortes estaduais em favor dos
direitos fundamentais, evidentemente, como recorda BARCELÓ ROJAS (2005, p.
84): “En los estados el injustificado conservadurismo o las actitudes reaccionarias de la justicia
estatal provocaron una mayor confianza em el amparo que brindava la justicia federal. A golpe
de las sentencias, caso por caso, la disposición reaccionaria de los sistemas judiciales estatales fue
vencida por la Suprema Corte de Justicia de los Estados Unidos, en el largo periodo en el que esta
fue presidida por el Ministro Earl Warren.”
36
Williams (2006) exemplifica, ainda, com emendas constitucionais adotadas na Flórida
e na Califórnia que, para restringir interpretações ampliativas acerca da proteção
contra buscas e apreensões, passaram a prever a adoção obrigatória da interpretação
– menos protetiva – da Suprema Corte federal, em uma estratégia chamada de
“lockstep” ou “forced linkage”, e que tem o grave inconveniente de representar não
apenas uma abdicação da soberania judicial estadual, mas também de constituir
uma adoção em branco de todas as decisões a serem futuramente proferidas pela
Suprema Corte federal na matéria.
37
Além disso, nesse ponto o Bill of Rights federal e os precedentes da Suprema Corte
federal atuam como patamares mínimos, limitando as potencialidades cerceadoras
de direitos da democracia local, como já mencionado (WILLIAMS, 2006).
28
entre outros, a saber: a) fase de proeminência dos direitos fundamentais
estaduais e sua tutela por cortes estaduais; b) fase de reconhecimento
de violações estaduais aos direitos fundamentais e predomínio/
imposição destes aos Estados pela justiça federal; c) fase de retomada
da importância dos direitos fundamentais estaduais.
A primeira fase corresponde ao período que vai aproximadamente
da criação das primeiras constituições (1776) até o final da Guerra
Civil e as denominadas Emendas da Guerra (especialmente XIII e
XIV), nas quais, como já visto, os direitos fundamentais estaduais se
revestiam de grande importância, dada a aplicação restrita do Bill of
Rights Federal. A segunda fase se estende desde o final da Guerra Civil
até os anos 70 do século XX, e é caracterizada por um eclipse dos
direitos fundamentais estaduais e pelo realce da aplicação dos direitos
fundamentais federais. A terceira e atual surge a partir dos anos 1970,
inaugurando o novo federalismo judicial (SEIJAS VILLADANGOS,
2019), sendo possível, ademais, afirmar aqui um ressurgimento da
importância dos direitos estaduais em face da formação de uma maioria
conservadora na Suprema Corte dos EUA.38

1.2.3 Direitos e garantias civis e políticos nas subconstituições estadunidenses

Ao longo do desenvolvimento histórico do constitucionalismo


norte-americano, as declarações de direitos federal e estaduais passaram
a assemelhar-se em um grau cada vez maior, embora seja importante
registrar que o Bill of Rights federal assemelha-se aos catálogos estaduais
mais do que o contrário (TARR, 2009), dado o fatode que os últimos
precedem historicamente o primeiro (WILLIAMS, 2006).39

38
Observa BARCELÓ ROJAS (2005) que a terceira fase coincidiria com mudanças
na Suprema Corte dos EUA. Registra o autor que “en reacción a esta nueva tendencia,
en el tribunal supremo federal, William J. Brennan, ministro en funciones de la Suprema Corte
de Justicia desde 1957 y hasta el año de 1990 – y que pertenecía ahora a la minoría progressista
– exhorta al medio forense y a la doctrina del país para que se rescatassen del olvido los derechos
individuales establecidos en las Constituciones estatales.”
39
LUTZ contabiliza 26 direitos no rol federal, e faz notar que todos estão presentes
primeiramente nas constituições estaduais (LUTZ, 1992; TARR, 2009). Como
observa WILLIAMS (2006, p. 13), “the state constitutional declarations of rights served as
important and influential models for the federal Bill of Rights.”
29
A literatura dedicada ao tema identifica não apenas dispositivos
estabelecedores de direitos fundamentais literalmente coincidentes
em ambas as órbitas, mas também dispositivos apenas parcialmente
coincidentes com osequivalentes do catálogo federal Além disso,
as subconstituições contemplam direitos sem paralelo na ordem
federal40, como, por exemplo, os decorrentes das denominadas open
courts provisions, presentes em trinta e nove cartas estaduais, e que
estabelecem um Right to a Remedy (WILLIAMS, 2006), ou ainda o
direito à privacidade, inexistente expressamente em nível federal –
onde é criação pretoriana –, mas previsto expressamente em onze
subconstituições (TARR, 2009) e estabelecidojurisprudencialmente
em alguns Estados.41
Além de direitos de relevo nacional, tais como as liberdades
de expressão, religiosa e congêneres, as cartas subnacionais norte-
americanas contemplam também direitos com feição específica, local,
como, por exemplo, direitos relativos à pesca ou à água (WILLIAMS,
2006), no que diferem, evidentemente, do catálogo federal.
De acordo com Lutz (1992) e Rojas (2005),apesar da existência
de variações entre as diversas constituições estaduais norte-americanas
no particular, estas costumam contemplar em seu catálogo de direitos
alguns de forma mais frequente, a saber: a) liberdade política e
autogoverno42; b) direito à democracia e de mudar a forma de governo;
c) direito à vida; d) direito à liberdade pessoal; e) direito à propriedade;
f) liberdade contratual; g) devido processo legal; h) igualdade jurídica;
i) liberdade religiosa; j) liberdades de pensamento e expressão; k)
liberdades de associação e reunião; l) liberdade ambulatória; m) sufrágio;
n) direito à posse de armas de fogo.
No mesmo sentido é o magistério de WILLIAMS (2006), que
arrola como direitos fundamentais subnacionais nos EUA diversas

40
Algo semelhante, dentro de certos limites, ocorre no Brasil (SGARBOSSA;
BITTENCOURT, 2019).
41
Ensina WILLIAMS (2006, p. 26) que “unlike the federal Constitution, where the right
of privacy has been inferred from various nonspecific provisions, several states constitutions now
contain explicit privacy guarantees.”Exemplifica o autor com as constituições da Flórida,
Alaska, Califórnia e Montana.
42
Conexo ao autogoverno, mas em nível subestadual (local, municipal, de condado),
está o denominado home rule. (MADDEX, 1998).
30
liberdades civis – notadamente liberdade de expressão, de reunião e
religiosa –, direitos dos acusados em processos criminais, direitos dos
litigantes em processos cíveis, direitos dos encarcerados e presos em
geral43, direitos das vítimas de crimes44, direitos de igualdade, direitos de
propriedade – notadamente em matéria requisição e desapropriação45 –
e devido processo legal; bem como direitos positivos – i.e., prestacionais
–, direito à privacidade e, ainda, disposições relativas aos unenumerated
rights.
A despeito da existência desse núcleo comum de direitos
recorrente entre as diversas subconstituições norte-americanas, é
importante considerar que com frequência se verificam diferenças
em termos de generalidade, sendo que os mesmos direitos em alguns
casos podem ser mais específicos e detalhados nas subconstituições
do que na Constituição federal (TARR, 2009).46
Ademais, textos constitucionais versados em termos literais
idênticos ou muito semelhantes aos contidos no catálogo federal
podem dar origem a interpretações e aplicações judiciais bastante
distintas. Pequenas diferenças textuais podem, por vezes, ter efeitos
de largo alcance, podendo até mesmo chegar a originar direitos

43
Trata-se de direitos importantes, por não encontrarem paralelo federalem
nível constitucional. A análise permite constatar a previsão da exigência de
proporcionalidade entre penas e crimes e da vedação de tratamento excessivamente
rigoroso ou abusivo em Constituições como as dos Estados de Ohio, Wyoming e
Georgia. As origens desse tipo de provisão parecem remontar à Constituição de
New Hampshire de 1783 e são encontradas, ainda, na Constituição do Estado de
Indiana (WILLIAMS, 2006).
44
Os direitos das vítimas tampouco encontram disposição análoga no catálogo federal
nos EUA, encontrando-se em diversas subconstituições. São exemplos o direito
e ser notificado das decisões judiciais e de tomar parte no processo, entre outros
(WILLIAMS, 2006).
45
Eminent domain, taking e, especialmente, regulatory taking são temas recorrentes nesse
ponto.
46
TARR (2009) exemplifica com a primeira emenda – establishment clause e free exercise
clause – que, no âmbito subnacional não se resume a uma proibição de criação ou
embaraço ao exercício de cultos religiosos pelo Estado, mas que expressamente
proíbe a utilização de religious tests em processos judiciais – norma que existe em
dezenove subconstituições nos EUA, de acordo com o autor –, ou, ainda, normas
que proíbem a realização de qualquer gasto estatal para fins religiosos – dispositivo
constitucional presente em trinta e cinco Estados, de acordo com Tarr.
31
fundamentais estaduais autônomos. Talvez o melhor exemplo
disso esteja consubstanciado no caso People v. Anderson, julgado pela
Suprema Corte do Estado da Califórnia em 1972, que, interpretando
o significado da cláusula proibitiva de penas cruéis ou inusitadas (cruel
or inusual, em lugar do and presente no dispositivo análogo federal)
proibiu a pena de morte naquele Estado (WILLIAMS, 2006).47
O modo de interpretação dos direitos duplicados em ambas as
ordens jurídicas pode variar de maneira mais ou menos intensa, a
depender da matéria, assim como o nível de proteção judicial a eles
conferida (BARCELÓ ROJAS, 2005).48
Em muitos casos as constituições estaduais possuem versões
mais atualizadas de direitos fundamentais clássicos (WILLIAMS,
2006).49Considerando-se que as constituições subnacionais norte-
americanas costumam ser emendadas com frequência muito maior
do que a Constituição de 178750 – e até mesmo substituídas – deve-
47
Williams faz referência, ainda, a Hansen v. Owens, precedente da Suprema Corte
de Utah de 1980, sobre o direito à não auto-incriminação. Aduza-se que direitos
previstos na ordem federal podem ter desenvolvimentos específicos nas constituições
estaduais, como, por exemplo, o direito à igualdade, reforçado e desenvolvido em
diversas constituições, tais como a de Vermont, pela Common Benefits Clause e sua
aplicação judicial (WILLIAMS, 2006).
48
Sobre o tema, especialmente em questões controvertidas, tais como aborto ou uniões
homoafetivas, convém conferir os conceitos de “soberania moral” dos Estados
(Seth Kreymer) assim como a inserção das subconstituições em diferentes culturas
políticas (James T. McHugh). Fazendo referência às opiniões divergentes acerca do
problema da interpretação dos direitos fundamentais, afirma WILLIAMS (2006, p.
8) que “it is clear, however, that in a legal and political sense state courts are entirely within their
authority in reaching decisions that are more protective than those of the United States Supreme
Court, even when they are interpreting provisions that are worded identically to their federal
counterparts. It is not the power or authority of the state courts to reach such results, but rather
the wisdom and the propriety of such outcomes that are in contention.”
49
Williams (2006) exemplifica com a cláusula limitativa de buscas e apreensões que,
na Constituição da Flórida, a partir dos anos sessenta do século passado, passou a
abranger expressamente as comunicações particulares. O mesmo autor evidencia
a diferença de detalhe, por exemplo, nas cláusulas que estatuem liberdade de
expressão, reunião e religião nas ordens federais e estaduais, como, por exemplo,
nas Constituições de Nova Jérsei e Ohio, e também a partir de decisões judiciais
das cortes estaduais respectivas.
50
Parece ser possível afirmar que se a concepção madisoniana sobre a estabilidade
constitucional prevaleceu em nível federal – o que se traduz na duração bicentenária
da carta de 1787 e em apenas vinte e sete emendas à mesma –, em nível estadual
32
se observar que inúmeras emendas modificaram as declarações de
direitos subnacionais, em geral para ampliá-los, como, por exemplo,
os denominados pequenos Equal Rights Amendments ou ERAs, relativas
à igualdade de gênero, introduzidas em diversas daquelas cartas na
década de 1970. Evidentemente houve também emendas restritivas
de direitos, em Estados como o Texas ou a Califórnia, por exemplo
(TARR, 2009).
Outra distinção relevante entre os catálogos federal e estaduais
de direitos encontra-se no fato de que algumas constituições estaduais
prevêem expressamente a oponibilidade dos direitos fundamentais
nelas previstos a particulares – a da Louisiana, em seu art. 1º, seção
1251, por exemplo –, diversamente do que ocorre em nível federal
(TARR, 2009).52
Uma semelhança entre as ordens constitucionais federal e as
ordens constitucionais subnacionais é que as diversas constituições
estaduais possuem uma cláusula acerca dos unenumerated rights–
equivalente aproximado à nona emenda, já examinada. A presença de

a visão jeffersoniana de flexibilidade prevaleceu, a ponto de diversas preverem


cláusulas de expiração automática ou revisão periódica (VERSTEEG, ZACKIN,
2014). As autoras apontam que no período entre 1776 e 1991 os EUA conheceram
nada menos do que 149 constituições estaduais, e milhares de emendas a elas.
Nas palavras das autoras“The majority of state constitutions can be amended in a process
that requires sixty percent of the legislative vote (in many cases by two subsequent legislatures),
after wich the amendmente must be ratified by a majority of citizens. While this makes state
constitutions harder than ordinary legislation to write and amend, it still generally thought to be
easier to amend state constitutions than their federal counterpart.”(VERSTEEG, ZACKIN,
2014, pp. 1670-1671). Sobre uma análise econômica das possíveis causas disso, a
partir dos problemas de agency control, ver GINSBURG e POSNER (2010).
51
Art. I seção 12 da Constituição da Louisiana: “Section 12.  In access to public areas,
accommodations, and facilities, every person shall be free from discrimination based on race, religion,
or national ancestry and from arbitrary, capricious, or unreasonable discrimination based on age,
sex, or physical condition.” A cláusula se aplica a espaços privados abertos ao público.
52
Ensina WILLIAMS (2006, p. 11) que “while virtually all federal constitutional rights
guarantees apply only against infringement by the government (referred as the ‘state action doctrine’),
state constitutional guarantees sometimes are applied to private parties, or to quasi-private parties,
who would not be viewed as government actors for federal constitutional purposes”. O autor
exemplifica com disposições sobre negociação coletiva de trabalhadores presentes
na Constituição de Nova Jérsei (art. I, 19) e com uma emenda à Constituição da
Califórnia aprovada em 1972 acerca da proteção da privacidade inclusive contra
violações no campo dos negócios privados.
33
tal cláusula aventa uma série de questões, como recorda WILLIAMS
(2006), especialmente questões relativas à sua justiciabilidade (judicial
enforceability), havendo entendimentos sobre o tema tanto em sentido
afirmativo e negativo em diferentes cortes estaduais.53

1.2.4. Direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais nas subconstituições


estadunidenses

Como já mencionado a noção do excepcionalismo daquela tradição


constitucional cai por terra ao se estudar o direito constitucional
subnacional norte-americano, sendo as constituições estaduais
inovadoras e pioneiras na matéria, tendo as mesmas estabelecido,
desde o século XIX, o que a literatura tem chamado de um New Deal
anterior ao New Deal federal (ZACKIN, 2013).54 De fato o exame
daquelas subconstituições revela a presença de uma série de comandos
positivos para o governo fornecer bens, prestar serviços ou regular
matérias que, em muitos casos parecem constituir direitos prestacionais
ou “positivos”, de maneira análoga à promovida em outras paragens
pelo direito federal ou nacional.55
Exemplos desse fato e desse pioneirismo são numerosos. Para
ilustrar, basta lembrar que a Constituição do Missouri de 1865 já previa
um direito à educação gratuita; que a Constituição do Illinois de 1870 já
estabelecia o dever para o legislativo em termos de regular as condições
de segurança dos trabalhadores em mineração e que a Constituição do
53
No ano de 1974, no caso McCracken v. State, a Suprema Corte do Alaska reconheceu
a justiciabilidade da cláusula, assegurando o direito a assistência de advogado e a
autorrepresentação em procedimentos cíveis posteriores à condenação criminal
– não abrangidas, assim, pela sexta emenda, que diz respeito apenas a processos
de índole criminal. No ano de 1998, a Suprema Corte do Mississippi caminhou
no mesmo sentido, reconhecendo o direito ao aborto e à privacidade a partir da
unenumerated clause da subconstituição daquele Estado em Pro-Choice Mississippi v.
Fordice.
54
O excepcionalismo é refutado não apenas no que diz respeito ao caráter liberal do
constitucionalismo estadunidense, mas também quanto à extensão e modificabilidade
constitucionais, dado as subconstituições norte-americanas serem bastante extensas
e modificadas com frequência. Sobre o tema, confira-se, MADDEX (1998) e
VERSTEEG e ZACKIN (2014).
55
São um exemplo célebre as chamadas poverty clauses (HERSHKOFF, 1999).
34
Wyoming de 1889 já previa a necessidade de proteção da remuneração
adequada do trabalhadorpela legislação (ZACKIN, 2013).56
Assim, embora boa parte dos catálogos estaduais de direitos
fundamentais seja composta por direitos civis e políticos, como já
examinado, desde o século XIX e mais tarde, especialmente na segunda
metade do século XX, foram incorporados diversos novos direitos às
constituições estaduais, tais como assistência à saúde, moradia e renda
de subsistência (WILLIAMS, 2006).57Nesse campo, diversos direitos
inexistentes nas normas constitucionais federais, que sabidamente não
contemplam direitos de bem-estar, se fazem presentes nas constituições
subnacionais.58 O direito fundamental à educação, por exemplo,
inexistente em nível federal (San Antonio Independent School v. Rodriguez,
1973)59 está regulado, de alguma maneira, em todas as constituições
estaduais (ZACKIN, 2013).60
56
Como recorda ZACKIN (2013, n.p.), “before the 1930s, the state governments were primarily
responsible for regulating working conditions and employment relationships, for stablishing public
education, protecting the public health, supervising the management of natural resources like land
and water, and caring for the aged, indigent and insane. In fact, under the dominant interpretation
of the Constitutions Commerce Clause, Congress wasn’t even tought the authority to regulate in
many of these areas.”
57
WILLIAMS (2006, p. 10): “virtually all of federal constitutional rights protect negative
rights, that is, limits on the power of government to interfere with rights. On the other hand, state
constitutions not only provide such negative rights, but also include positive mandates for rights
protection or governmental action.”
58
“The New York Constitution contains a requirement that the legislature ‘provide for the aid, care
and support of the needy’; Alabama’s Constitution requires ‘adequate maintenance of the poor’;
Colorado’s provision promising an ‘old age pension to all residents 60 years of age and older’;
Massachusetts’ guarantee of ‘food and shelter in time of emergency’, together with many other
similar provisions form the basis of the conclusion that state constitutions already provide for a
number of positive rights.” (WILLIAMS, 2006, pp. 25-26).
59
De acordo com a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, a mesma racionalidade
de San Antonio Independent School v. Rodriguez vale também para outros direitos sociais
e econômicos, em nível federal, tais como o direito à saúde, a limitação da jornada
de trabalho, a aposentadoria por invalidez e o direito ao meio-ambiente saudável
(HERSHKOFF; 1999; VERSTEEG, ZACKIN, 2014), como se depreende, por
exemplo, de DeShaney v. Winnebago County Departmentof Social Services (1989).
60
Observa ZACKIN (2013) que embora poucas constituições utilizem a expressão
right to education (como faz a Constituição da Carolina do Norte, de 1868), todas
regulam o tema de algum modo, por vezes de forma detalhada, sendo comum o
estabelecimento do dever de prover educação gratuita (free common schools). A autora
arrola 45 Estados que adotaram Common School Provisions entre 1816 e 1959. Vide
35
Assim, encontram-se nas cartas constitucionais subnacionais os
mais variados direitos prestacionais, tais como auxílio aos necessitados,
direito dos trabalhadores a negociação coletiva, direito ao trabalho,
direito ao meio-ambiente, educação gratuita e proteção de pessoas
com deficiência, consubstanciando-se em cláusulas que estabelecem
obrigações positivas ao legislativo e executivo dos Estados, e às quais
não são insensíveis o judiciário estadual (BARCELÓ ROJAS, 2005).61
VERSTEEG e ZACKIN (2014) observam que após 2012 trinta
constituições estaduais previam assistência aos pobres e incapacitados;
onze exigiam regulamentação do salário mínimo ou limite de jornada
pelo legislador; dezesseis protegiam o direito à sindicalização; nove
exigiam regulamentação legal de segurança no trabalho; quatorze
tutelavam o direito ao meio-ambiente limpo e saudável; e várias
regulavam o direito à água.
As autoras identificam nove direitos fundamentais sociais e
econômicos como prevalentes nas subconstituições americanas: a)
educação pública e gratuita (presente em 90% daquelas cartas); direitos
dos deficientes (presente em 58% das subconstituições); direito à
assistência/bem-estar social (42% das constituições); sindicalização
e greve (32% das cartas estaduais); meio-ambiente saudável (28%);
segurança no trabalho (26%); limitação de jornada de trabalho/direito
ao repouso (24%); vedação do trabalho infantil (20%) e direito a um
salário mínimo (10%).
A presença dos positive rights constitui, atualmente, um traço
distintivo da maior importância entre a Constituição federal norte-
americana e as constituições estaduais. Estes direitos, tal como os
demais, podem estar ou não contidos no título especificamente
destinado ao catálogo (BARCELÓ ROJAS, 2005), aparecendo
frequentemente dispersos ao longo do texto.
Diversos dos direitos sociais, econômicos, culturais e

o quadro 5.1. da obra citada. Tais provisões remontam mesmo às constituições


originais anteriores a 1787, tais como a Constituição de Massachusetts de 1780,
em seu Capítulo V, seções 1 e 2, e a Constituição da Pensilvânia de 1776, seção 44,
que estabelecem, ambas, algum tipo de oferta de educação pública ou ao menos
seu foment pelo Estado.
61
Pelo que existe também nos EUA intenso debate doutrinário sobre temas como
justiciabilidade dos direitos prestacionais (BARCELÓ ROJAS, 2005).
36
ambientaisforam constitucionalizados em decorrência do denominado
Three Rights Movement. Como ensina ZACKIN (2013), por força
de movimentos da sociedade civil, houve, nos EUA,em âmbito
subnacional, uma ampla consagração dos direitos relativos à educação,
ao trabalho e ao meio-ambiente – os primeiros ao longo dos séculos
XIX e XX, o último a partir dos anos sessenta e setenta do século
passado.62
Diante das observações já feitas sobre o direito à educação,
convém examinar brevemente os outros dois direitos, dada sua
relevância. No que diz respeito à regulação protetiva do trabalhador,
encontram-se nas subconstituições norte-americanas uma série de
provisões, como, por exemplo, as que prevêem o estabelecimento de
salário mínimo e/ou de jornadas diárias máximas de oito horas, as que
proíbem o blacklisting, as que prevêem o estabelecimento de condições
de segurança para o trabalho eas que estabelecem a invalidade de
cláusulas contratuais abusivas, estabelecendo verdadeiros deveres de
intervenção governamental(ZACKIN, 2013).63
Da mesma forma, a partir dos anos 1960 e 1970 as constituições
estaduais norte-americanas passaram a ser emendadas para contemplar
normas protetivas do meio-ambiente natural, ainda que de maneira
variada. Identificam-se três situações distintas no particular. Em alguns
casos as disposições constitucionais limitam-se à previsão de políticas
ou declaração de compromissos, em outros consistem em um comando
ou mandado de proteção dirigido ao poder legislativo64– como fazem,
62
Como ensina ZACKIN (2013, n.p.), “as a result of these political campaigns, state
constitutions have long mandated active government intervention in social and economic life,
and have delineated a wide array of situations in which government is not only authorized, but
actually obligated to intervene. State constitutions contain many different kinds of mandates for
interventionist and protective government, not only with respect to laborers, but also with respect to
government’s obligations to care the poor, aged, and mentally ill, to preserve the natural environment,
provide free education, and protect debtor’s homes and dignity.”
63
Segundo ZACKIN (2013) quinze subconstituições estabelecem normas
relativas às condições de trabalho; quatorze sobre limites de jornada; doze sobre
responsabilidade do empregador; oito sobre penhor em favor do trabalhador em
função de créditos trabalhistas não pagos; nove sobre workmen’s compensation– garantia
de renda e assistência médica em caso de acidente laboral em troca da renúncia do
direito de ação contra o empregador –; oito sobre proteção contra milícias privadas;
sete a respeito de salários; quatro sobre blacklisting.
64
Como observam VERSTEEG e ZACKIN (2014), e como já mencionado
37
por exemplo, a carta do Novo México, e outras oito subconstituições.
Por fim, eventualmente as disposições constitucionais acerca do tema
constituem expressas previsões de direitos fundamentais ou deveres
estatais – um total de seis constituições, entre elas as de Illinois e Rhode
Island, de acordo com ZACKIN (2013).
Normas de uma ou mais dessas espécies foram incluídas entre
os anos 1960 e 1980, nas constituições dos Estados da Carolina do
Norte, Carolina do Sul, Florida, Michigan, Nova Iorque, Rhode Island,
Illinois, Novo México, Pensilvânia, Virgínia, Massachusetts, Montana,
Louisiana e Havaí (ZACKIN, 2013).
Para compreender o fenômeno da constitucionalização
subnacional de novos direitos nos EUA é interessante observar com
ZACKIN (2013) que desde o século XIX o legislativo ordinário
frequentemente se revelava infenso a legislar sobre temas como a
regulação das relações de trabalho, e que, diversamente, as convenções
constituintes por vezes se revelavam mais acessíveis no particular,
de modo que não raro a constitucionalização foi fruto de uma
estratégia bem-sucedida dos movimentos em favor dos direitos dos
trabalhadores,por exemplo,como forma de superar as resistências do
legislador ordinário.65
Além disso, a constitucionalização de tais direitos tinha ainda a
vantagem de constituir uma garantia adicional contra um judiciário
particularmente hostil a esse tipo de provisão, dado que muitas cortes
estaduais proferiam decisões semelhantes ao famoso precedente Lochner
v. Nova Iorque, julgado pela Suprema Corte federal em 1905.66 Diversos

anteriormente, nem sempre os dispositivos constitucionais estabelecem textualmente


um direito subjetivo, mas estes se depreendem de disposições que estatuem deveres
ou comandos ao Estado e seus órgãos.
65
“Constitutional conventions represented an opportunity to influence state law and extract a visible
and public promise of governmental protection for more formally organized groups as well.”
E, mais adiante: “Labor leaders tried to ensure that sympathetic delegates would be elected to
constitutional conventions.” (ZACKIN, 2013, n.p.).
66
Novamente ZAKIN (2013, n.p.): “One major advantage that the creation of constitutional
labor rights over the passage of statutes only was that constitutional protections could potentially
overcome the hostile stance of state courts toward labor.” A Constituição de Nova Iorque, por
exemplo, foi emendada em 1905 exatamente com este propósito, após a declaração
de inconstitucionalidade de leis protetivas estaduais em uma série de decisões
proferidas entre 1901 e 1904.
38
casos de emendas aprovadas exatamente para reverter decisões de
tribunais estaduais nulificadoras de direitos dos trabalhadores foram
registrados nos Estados da Califórnia (1902), Colorado (1902), Nova
Iorque (1905 e 1913), Ohio (1913) e Nebraska (1920), versando sobre
temas como limitação da jornada em horas, workmen’s compensation,
limites de jornada e salários das mulheres (ZACKIN, 2013).
Um último aspecto importante relativo aos direitos em exame
é aquele referente à questão de sua efetivação e justiciabilidade.
VERSTEEG e ZACKIN (2014) observam que, embora nem todas
as cortes estaduais tenham se relevado igualmente propensas a
concretizar os direitos fundamentais prestacionais estaduais, muitas têm
caminhado nesse sentido, inclusive ao interpretar certas insuficiências
na ação governamental como inconstitucionalidade por omissão.
Assim, a justiciabilidade tem sido reconhecida em diversas áreas, como
educação, negociação coletiva, proteção ao meio-ambiente e assistência
aos desamparados, por exemplo. Deve-se ressalvar, no entanto, que
nem sempre a concretização tem se dado no âmbito judicial, havendo
estratégias de lobbying bem-sucedidas junto aos legislativos estaduais
em alguns casos, por exemplo, segundo as autoras.
Antes de encerrar a primeira parte, revela-se importante
consignar algumas observações finais sobre a organização judicial
do sistema estadunidense e o exercício da jurisdição constitucional
pelos tribunais e cortes estaduais – notadamente pelas supremas
cortes subnacionais (Supreme Courts ou Courts of Appeals), bem como
sobre a relação entre os órgãos jurisdicionais. O sistema norte-
americano caracteriza-se como de jurisdição una, sabidamente, o
que se traduz, em termos orgânicos, na ausência de tribunal ou corte
constitucional como órgão especializado, e no consequente exercício
da jurisdição constitucional pelos tribunais ordinários, pelo método
difuso e concreto, que pressupõe, por sua vez, o Common Law e o
binding precedent.
Apesar da diferença desse modelo em relação ao europeu, existem
semelhanças no papel das supremas cortes estaduais e federal para
com os tribunais e cortes constitucionais da Europa continental,
notadamente o fato de que ambos decidem terminativamente sobre a
constitucionalidade das leis, exercendo um papel importante na tutela

39
de direitos fundamentais; bem como um papel de árbitro em conflitos
federativos.
Nesse contexto, um aspecto crucial a ser destacado, com base no
magistério de Robert Williams, é o fato de que as decisões judiciais
estaduais interpretativas de quaisquer direitos claramente estabelecidos
em catálogos estaduais não poderiam ser revisadas pela Suprema Corte,
dada a falta de implicação em questão federal (BARCELÓ ROJAS,
2005).Naspalavras de WILLIAMS (2006, p. 14), “state judicial decisions
interpreting any of these kinds of rights provisions, wich are clearly based on the
state constitutional right at issue, may not be reviewed by the United States Supreme
Court because there is no relevant question of federal law involved.”
Além disso, deve-se observar que, de fato, uma ínfima minoria de
casos na matéria tem sido admitida pela Suprema Corte estadunidense
(LEVINSON, 2012), o que mostra o relevo das decisões das supremas
cortes estaduais ou cortes estaduais de última instância na matéria, de
modo diverso do que ocorrerá em sistemas rivais, em que tribunais
locais por vezes se encontram mais fortemente vinculados às decisões
da jurisdição constitucional federal.

2. Direitos fundamentais estaduais na Alemanha

2.1. Uma breve mirada sobre a concepção do Estado


Federal na Alemanha quanto aos seus traços gerais
essenciais

A exemplo do que se deu nas Constituições da Igreja de São Paulo


(1849), na Constituição Imperial (1871) e na Constituição de Weimar
(1919), a Federação foi também a forma de Estado adotadapela Lei
Fundamental (LF) da Alemanha de 1949. De acordo com o que dispõe
o artigo 20, §1º, LF, a República Federal da Alemanha é um Estado
Democrático, Social e Federal (Die Bundesrepublik Deutschland ist ein
demokratischer und sozialer Bundestaat).
Embora a definição como um Estado federal esteja consignada
no dispositivo acima referido, a conformação constitucional da ordem
federativa alemã, tal como em tantos outros Países, se dá mediante a

40
estruturação em dois níveis, nomeadamente, a União e os Estados
membros, dotados de funções, tarefas e competências estatais,
encontrando-se, por sua vez, regrada em um número significativo de
preceitos da LF, a ponto de cerca de metade do texto constitucional
guardar uma relação direta ou pelo menos indireta com a estrutura
federativa (BAUER, 1998, p.116).
Dentre tais disposições normativas, destacam-se as que tratam da
repartição das competências entre a União e os Estados nos campos
legislativo, executivo, judiciário, das relações internacionais e do sistema
financeiro e tributário, assim como as possibilidades de os Estados
exercerem sua influência na esfera da União por meio do Conselho
Federal - Bundesrat, figura similar ao Senado Federal (artigo 50 e ss., LF),
influência da União sobre os Estados (v.g. artigos 37, 84, §3º e §4º e 85,
§3º, LF), mas também no que diz com a cláusula de homogeneidade
(art. 28, LF) e da regra de colisão (art.31, LF).
Além disso, é de sublinhar que a construção do Estado Federal da
LF Alemã foi baseada na descentralização de tarefas administrativas,
visto que, dentre outros aspectos, diversos Ministérios Federais não
possuem uma estrutura burocrática suficiente para implementar
decisões políticas, cabendo aos Estados a tarefa de tomar decisões
mais pontuais e concretas em suas regiões (BEYME, 2017, p.346).
Os elementos centrais da ordem federativa da LF são os seguintes:
a) a estatalidade (Staatlichkeit) da União e dos Estados; b) a igualdade
entre os Estados no âmbito da Federação; c) a fidelidade dos Estados
para com a União (BAUER, 1998, p.116).
No que diz com o primeiro elemento do Estado Federal da LF, tanto
a União quanto os Estados possuem a qualidade estatal, assegurando-se
aos Estados (Länder) um patamar mínimo de estatalidade (Staatlichkeit),
no sentido de que aos Estados deve ser reservado um núcleo de tarefas
próprias (SOMMERMANN, 2010, p.18). Cuida-se de garantir aos
Estados, na condição de membros da Federação, esferas próprias de
responsabilidade, autossuficiência e autonomia (BAUER, 1998, p.120).
Atualmente são 16 (dezesseis) os Estados (Länder) que integram a
federação67,todos com sua própria Constituição, que, diferentemente do

Nomeadamente: Baden-Würtenberg (capital-Stuttgart), Baviera (capital-Munique),


67

Berlim (capital-Berlim), Brandemburgo (capital-Potsdam), Bremem (capital-Bremem),


41
que se dá no caso do Brasil, possuem um campo maior de autonomia,
por exemplo, no que diz com a possibilidade de existirem direitos
fundamentais estaduais não previstos na LF68, cujo “guardião” pode ser
um Tribunal Constitucional Estadual (TCE), sem prejuízo da submissão
dos Estados à LF e à jurisdição do TCF.
Concebe-se, nesse sentido, um federalismo vertical, porquanto
“a ordem constitucional nos Estados deverá se sujeitar aos princípios do Estado de
direito republicano, democrático e social” (artigo 28, §1º, LF). Nesse mesmo
contexto, a LF prevê (artigo 31), que o direito federal tem prioridade
sobre o direito estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht), além do que o
art. 93, §1º, 4, da LF estabelece que qualquer ato de órgão federal, ou
estadual – incluindo decisões dos Tribunais–, será passível de reclamação
constitucional individual (Verfassungsbeschwerde, art. 91 4a e 4b da LF)
ao Tribunal Constitucional Federal - TCF (DIETLEIN, 1995, p.03).
Isso significa, conforme a interpretação do TCF69, que existem
determinados preceitos da Lei Fundamental que integram diretamente
o direito constitucional estadual, mesmo que não estejam incorporados
da mesma maneira nas constituições dos Estados (GUEDÓN, 2018,
p.199). De acordo com a Corte (BVerfGE 27, 44 (55)), as disposições
da LF não apenas integram o texto constitucional dos Estados, mas
também geram efeitos que os impregnam, de tal sorte que ambos os
elementos somados é que formam a Constituição do Estado-membro
da Federação70.

Hamburgo (capital-Hamburgo), Hessen (capital-Wiesbaden), Mecklemburgo-


Pomerânia Oriental (capital-Schwerin), Baixa Saxônia (capital-Hannover), Renânia
do Norte-Vestfália (capital-Düsseldorf), Renânia-Palatinado (capital-Mainz), Saarland
(capital-Saarbrücken), Saxônia (capital-Dresden), Alta Saxônia - (capital-Magdeburg),
Schleswig-Holstein (capital-Kiel) e Turíngia (capital-Erfurt).
68
De acordo com o disposto no artigo 142, LF (na parte das disposições transitórias),
os preceitos das constituições que asseguram direitos fundamentais seguem em
vigor, na medida em que em sintonia com o previsto nos artigos 1 a 18 da LF
(“Ungeachtet der VorschriftdesArtikels 31 bleibenBestimmungen der Landesverfassungen auch
insoweit in Kraft, als sie in Übereinstimmungmit den Artikeln 1 bis 18 dieses Grundgesetz
esGrundrechtegewährleisten”).
69
BVerfGE 1, 208 (223); 4, 375 (378); 13, 54 (79); 6, 367 (375); 85, 264 (284); 4, 27
(30).
70
Tradução livre do original alemão: “nicht in der Landesverfassungsurkunde allein enthalten,
sondern in sie hinein wirken auch Bestimmungen der Bundesverfassung. Beide Elemente zusammen
machen erst die Verfassung des Gliedstaates aus“.
42
Nesse mesmo contexto, calha destacar a importância do sistema
constitucional de repartição das competências entre a União e os
Estados, aos quais não pode ser reservada uma atuação meramente
residual, mas sim, é atribuído, juntamente com competências executivas
e judiciárias, um conjunto de competências legislativas de peso
substancial, pena de configurado, na prática, apenas um Estado unitário
descentralizado (SOMMERMANN, 2010, p.18).
Note-se que ao longo do tempo foram levadas – com ênfase aqui
nas competências legislativas - a efeito duas grandes reformas no esquema
de repartição de competências da LF, designadamente em 1994 e 2006,
que, em vários pontos, explicitaram melhor o sistema e fortaleceram o
campo de atuação dos Estados, buscando fazer frente a uma tendência de
centralização, em parte inevitável por força da extensão das competências
da União Europeia (SOMMERMANN, 2010, p.18).
Por fim, é também indispensável a garantia de um mínimo em
autossuficiência dos Estados, mediante uma dotação financeira e
arrecadação de tributos própria, porquanto com isso se está também
a assegurar os níveis indispensáveis de independência e autonomia em
face da União, possibilitando aos Estados a promoção de uma política
autônoma, fazendo valer as suas respectivas competências executivas
e legislativas, mas também a estrutura da organização judiciária. Aliás,
também na seara da autonomia orçamentária e financeira houve
importantes reformas constitucionais (destaque para a de 2009), mas
que tiveram o condão de fragilizá-la (SOMMERMANN, 2010, p.18-19).
No que diz respeito às relações internacionais, estas se concentram
na União (artigo 32, §1º, LF)71, devendo, contudo, colher a manifestação
dos Estados antes de firmar tratados que os afetem particularmente72.
Em caráter de exceção, os Estados poderão assumir compromissos
internacionais quando se tratar de matérias para as quais detém a
competência legislativa, carecendo, contudo, de aprovação da União
(artigo 32, §3º, LF)73.
71
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland:Artigo 32 – “(1) Die Pflege der Beziehungen
zu auswärtigen Staaten ist Sache des Bundes”.
72
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 32 – “(2) Vor dem Abschlusse eines
Vertrages, der die besonderen Verhältnisse eines Landes berührt, ist das Land rechtzeitig zu
hören”.
73
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 32 – “(3) Soweit die Länder für die
43
O segundo elemento central do Estado Federal na LF é o da
igualdade entre os Estados, de acordo com o qual estes, além de terem
todos as mesmas competências e tarefas, também detêm os mesmos
direitos e obrigações nas relações entre si e com a União (BAUER, 1998,
p.121). Nesse mesmo contexto, a União tem a obrigação de assegurar
igualdade de tratamento aos Estados, que, ademais de uma dimensão
formal, apresenta também uma face material, admitindo-se, nesse
sentido, diferenciações, como se dá, por exemplo, com a distribuição
dos votos dos Estados no Conselho Federal (Bundesrat) – artigo 51,
§2º, LF74, na composição da Assembleia Federal mediante eleições
proporcionais (artigo 53, §2, LF)75 e no estabelecimento do equilíbrio
financeiro entre os Estados, de acordo com suas necessidades, força
econômica e população (artigo 107, LF)76; todavia, na ausência de

Gesetzgebung zuständig sind, können sie mit Zustimmung der Bundesregierung mit auswärtigen
Staaten Verträge abschließen”.
74
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 51 – “(2) Jedes Land hat mindestens
drei Stimmen, Länder mit mehr als zwei Millionen Einwohnern haben vier, Länder mit mehr
als sechs Millionen Einwohnern fünf, Länder mit mehr als sieben Millionen Einwohnern sechs
Stimmen”.
75
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 54 (1) – “Der Bundespräsident
wird ohne Aussprache von der Bundesversammlung gewählt. Wählbar ist jeder Deutsche, der das
Wahlrecht zum Bundestage besitzt und das vierzigste Lebensjahr vollendet hat. (2) Das Amt
des Bundespräsidenten dauert fünf Jahre. Anschließende Wiederwahl ist nur einmal zulässig.
(3) Die Bundesversammlung besteht aus den Mitgliedern des Bundestages und einer gleichen
Anzahl von Mitgliedern, die von den Volksvertretungen der Länder nach den Grundsätzen der
Verhältniswahl gewählt werden”.
76
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 107 - “(1) Das Aufkommen
der Landessteuern und der Länderanteil am Aufkommen der Einkommensteuer und der
Körperschaftsteuer stehen den einzelnen Ländern insoweit zu, als die Steuern von den
Finanzbehörden in ihrem Gebiet vereinnahmt werden (örtliches Aufkommen). Durch Bundesgesetz,
das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, sind für die Körperschaftsteuer und die Lohnsteuer
nähere Bestimmungen über die Abgrenzung sowie über Art und Umfang der Zerlegung des
örtlichen Aufkommens zu treffen. Das Gesetz kann auch Bestimmungen über die Abgrenzung und
Zerlegung des örtlichen Aufkommens anderer Steuern treffen. Der Länderanteil am Aufkommen
der Umsatzsteuer steht den einzelnen Ländern, vorbehaltlich der Regelungen nach Absatz 2, nach
Maßgabe ihrer Einwohnerzahl zu. (2) Durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates
bedarf, ist sicherzustellen, dass die unterschiedliche Finanzkraft der Länder angemessen ausgeglichen
wird; hierbei sind die Finanzkraft und der Finanzbedarf der Gemeinden (Gemeindeverbände)
zu berücksichtigen. Zu diesem Zweck sind in dem Gesetz Zuschläge zu und Abschläge von der
jeweiligen Finanzkraft bei der Verteilung der Länderanteile am Aufkommen der Umsatzsteuer
zu regeln. Die Voraussetzungen für die Gewährung von Zuschlägen und für die Erhebung von
44
regras específicas autorizando diferenciações, incide em sua plenitude
a igualdade na sua dimensão formal (GRZESZICK, 2006, p.53).
O terceiro elemento do Estado Federal alemão, a lealdade à
Federação (Bundestreue), que não encontra previsão expressa no texto
da LF, tem por objetivo fortalecer o vínculo da União e dos Estados
sob a ordem constitucional comum, significando, em termos gerais, um
dever dos Estados e da União de manter a lealdade entre si e buscar
sempre o entendimento, que, embora não de modo incontroverso,
é reconduzível ao princípio da boa-fé (Treu und Glauben) (BAUER,
1998, p.116).
Finalmente, encerrando esta esquemática apresentação do
Estado Federal da LF, não se poderia deixar de fazer breve anotação
relativamente ao assim chamado federalismo cooperativo, que tem,
por sua vez, relação direta com a lealdade federativa, reconduzível à
concepção do “cooperative federalism” desenvolvida nos EUA durante o
New Deal, baseado na premissa de que um Estado Federal somente
pode funcionar de modo eficaz mediante a cooperação entre os Estados
e a União (cooperação vertical) e dos Estados entre si (cooperação
horizontal) (SOMMERMANN, 2010, p.22).
O quanto um Estado Federal pode ser chamado de cooperativo
depende, ao fim e ao cabo, de uma série de aspectos, em especial da
existência (e sua utilização efetiva) de meios de cooperação, o que se
verifica no caso da República Federal da Alemanha. Nesse sentido,
podem ser referidos os seguintes instrumentos: a) o artigo 91, letras
“a” e “b”, LF, dispõe que as tarefas comunitárias serão exercidas pela
União e pelos Estados; b) as formas de financiamento misto previstas
em especial no artigo 104a, §4º, LF; c) a possibilidade de acordos de
diversa natureza entre os Estados e a União e dos Estados entre si, que,

Abschlägen sowie die Maßstäbe für die Höhe dieser Zuschläge und Abschläge sind in dem Gesetz
zu bestimmen. Für Zwecke der Bemessung der Finanzkraft kann die bergrechtliche Förderabgabe
mit nur einem Teil ihres Aufkommens berücksichtigt werden. Das Gesetz kann auch bestimmen,
dass der Bund aus seinen Mitteln leistungsschwachen Ländern Zuweisungen zur ergänzenden
Deckung ihres allgemeinen Finanzbedarfs (Ergänzungszuweisungen) gewährt. Zuweisungen
können unabhängig von den Maßstäben nach den Sätzen 1 bis 3 auch solchen leistungsschwachen
Ländern gewährt werden, deren Gemeinden (Gemeindeverbände) eine besonders geringe Steuerkraft
aufweisen (Gemeindesteuerkraftzuweisungen), sowie außerdem solchen leistungsschwachen Ländern,
deren Anteile an den Fördermitteln nach Artikel 91b ihre Einwohneranteile unterschreiten”.
45
embora decorra da própria concepção do Estado Federal (autonomia,
independência, autossuficiência), também encontra suporte em vários
dispositivos da LF; d) estruturas organizatórias e institucionais comuns
(GRZESZICK, 2006, p.53).

2.2. Os direitos fundamentais estaduais e a autonomia dos


Estados no contexto geral da sua articulação com a
União e a LF

A possibilidade de as Constituições estaduais contemplarem


direitos fundamentais, tal como adiantado, representa um dos elementos
que definem o grau de autonomia dos Estados na estrutura federativa,
razão pela qual, em especial no respeitante ao conjunto de exigências
previstas na LF a serem observadas pelos Estados em matéria de
direitos fundamentais, destaque-se o disposto no artigo 1º, §3º, LF77,
no sentido de que esses vinculam diretamente todos os poderes estatais,
designadamente, o Legislativo, Executivo e Judiciário, o que se dá
tanto em nível federal quanto estadual, vedado aos Estados darem aos
direitos fundamentais uma proteção inferior àquela estabelecida pela
LF. Essa exigência também se estende à procedimentos e instituições
designados na LF (DEGENHART, 2009, p.138).
Por isso, embora os Estados tenham um considerável nível de
autonomia, quando se trata da interpretação dos direitos fundamentais
eles devem se basear nos direitos da Lei Fundamental, principalmente
no que se refere à determinação de seu conteúdo e alcance pelo TCF
(DEGENHART, 2009, p.137). Como afirmou Klaus Ferdinand
Gärditz (2013, p.451), as constituições dos Estados são – em tradução
livre - uma espécie de campo gravitacional do TCF “Gravitationsfeld des
Bundesverfassungsgerichts”.
Ainda nessa quadra, cabe recordar que os conteúdos protegidos
na condição de cláusulas pétreas, tal como previsto no art.79, §3º78
77
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 1º, §3º – “Die nachfolgenden
Grundrechte binden Gesetzgebung, vollziehende Gewalt und Rechtsprechung als unmittelbar
geltendes Recht”.
78
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 79, §3º – “Eine Änderung dieses
Grundgesetzes, durch welche die Gliederung des Bundes in Länder, die grundsätzliche Mitwirkung
46
devem ser observados por todos os entes federados, sendo vedado a
qualquer constituição estadual a possibilidade de promover qualquer
mudança nos seus respectivos textos que afete a “divisão da Federação
em Estados, o princípio da cooperação dos Estados na legislação ou os
princípios consignados nos artigos 1º e 20”. Nesse sentido, colaciona-se
decisão do BVerfGE (34,9) que exigiu, à luz da compreensão das tarefas
do Estado e sua relação com os entes federados, que as Constituições
estaduais devem respeitar (e proteger) as garantias supracitadas
(DÖRFER, 2010, p.59). Assim, não apenas a estruturação da União
em Estados, mas também a própria estatalidade e seus elementos
essenciais são abarcados pela proteção com base nas cláusulas pétreas
(DÖRFER, 2010, p.57).
Note-se, ainda, que – de acordo com lição de Fabian Wittreck
(2018, p.219) - com fundamento na exigência de homogeneidade e
da liberdade de atuação de cada Estado-membro, à luz do art.28 e do
art. 79, III, somente o que é central para a identidade daFederação,
ou seja, dotado de “valor eterno” (Ewigkeitswert), pode ser exigido de
modo vinculativo dos Estados federados, destacando-se os princípios
constantes nos arts.1º e 20 da Lei Fundamental, como é o caso da
dignidade humana, do Estado Social, da Democracia, do Estado
de Direito e do próprio Estado Federal. Nesse sentido, o papel das
constituições dos Estados membros não é de uma Constituição unitária
(tradução livre de “Einheitsverfassung”), mas no seu respectivo contexto
social e cultural, legitimar e limitar o poder estadual (DOMBERT,
2012, p.21-22).
Também nesse contexto assume relevo o princípio e exigência da
homogeneidade, acima referido, porquanto, embora o§1º do artigo 28
da LF exija uma homogeneidade das estruturas fundamentais o seu
§2º garante a autonomia regional. É por tal razão que homogeneidade
não significa uniformidade, visto que a LF parte da premissa, leal ao
seu princípio estruturante do Estado Federal, da existência de esferas
constitucionais próprias da União e dos Estados e, com isso, de uma
autonomia constitucional daqueles (MERTEN, 2017, p.117).

der Länder bei der Gesetzgebung oder die in den Artikeln 1 und 20 niedergelegten Grundsätze
berührt werden, ist unzulässig“.
47
Nesse sentido, o TCF (BVerfGE 96, 345, p.368) já afirmou
peremptoriamente que na medida em que a LF não determina nada
para as Constituições dos Estados, esses podem definir e conformar
o seu direito constitucional e sua jurisdição constitucional79.
Diante desse pano de fundo, percebe-se que os direitos
Fundamentais previstos nas constituições estaduaisocupam uma
posição importante na ordem federal alemã, exercendo uma significativa
função integrativa.
Com efeito, no âmbito da autonomia que lhes é reservada, os
Estados, nos termos do art. 142 da LF, e desde que não contrariem
os direitos fundamentaisconsagrados nos artigos 1º a 18 da Carta
Constitucional da Alemanha, podem prever direitos fundamentais
além daqueles dispostos na LF, o que, por sua vez, poderá – no âmbito
da cultura constitucional –servir de modelo para a adoção de novos
direitos fundamentais ao nível federal (SOMMER, 1992, p.291).
Outro ponto importante a ser destacado é que por força do
citado art.142, os direitos fundamentais da LF, quando incorporados
à Constituição Estadual, passam a integrar o direito estadual (RÖPER,
1996, p.156), sem prejuízo, como já adiantado, da competência dos
Estados para incluírem nas suas constituições direitos fundamentais
não previstos na LF, o que se verifica em vários casos, como, em caráter
ilustrativo, dá conta o exemplo do art.141, §3º, 1 da Constituição de
Baviera, que consagra um dever constitucional e direito fundamental
de assegurar a todos o livre acesso às belezas naturais como rios, lagos,
montanhas e outras.80
Analisados e compreendidos os limites e a liberdade de
conformação dos Estados na arquitetura constitucional alemã, cabe
agora analisar, de um modo geral, o conteúdo dos catálogos de direitos
fundamentais nas Constituições estaduais.

79
Cf. texto em alemão: “Soweit das Grundgesetz für die Verfassungen der Länder nichts bestimmt,
können die Länder ihr Verfassungsrecht und ihre Verfassungsgerichtbarkeit selbst ordnen”.
80
Verfassung des Freistaates Bayern – Artigo 141, 3: “[..] Staat und Gemeinde sind berechtigt und
verpflichtet, der Allgemeinheit die Zugänge zu Bergen, Seen, Flüssen und sonstigen landschaftlichen
Schönheiten freizuhalten und allenfalls durch Einschränkungen des Eigentumsrechtes freizumachen
sowie Wanderwege und Erholungsparks anzulegen”.
48
2.3. Conteúdo dos catálogos de direitos fundamentais nas
constituições estaduais alemãs

Ainda que o presente texto verse sobre os direitos fundamentais no


constitucionalismo estadual da Alemanha, é preciso pelo menos, ainda
mais considerando que, como já destacado, os direitos fundamentais
consagrados na LF vinculam os Estados-membros da Federação e
os seus respectivos poderes, ademais de serem parte integrante das
Constituições e do Direito estadual, tecer algumas breves considerações
sobre os direitos fundamentais na LF.
Os direitos fundamentais foram inseridos no texto da LF logo
após o princípio da dignidade humana e na época inovadora previsão
de que os direitos fundamentais vinculam diretamente os poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, tudo conforme disposto no artigo 1º.
Ainda que de acordo com o teor do texto do artigo 1º, LF, os direitos
fundamentais sejam aqueles previstos no artigo 2º e seguintes, até o
artigo 19, §4º, ou seja, antes dos princípios estruturantes da República,
Democracia, Estado Social, Estado Federal e do Estado de Direito
(artigo 20, LF), o status de direito fundamental acabou sendo atribuído
também à dignidade humana.
Além disso, dadas as circunstâncias sociais, econômicas e
políticas vivenciadas ao tempo da elaboração da LF, estase limitou
assegurar um rol mais enxuto de direitos fundamentais, priorizando os
assim chamados direitos civis e políticos, com destaque, num primeiro
bloco, para o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, o
direito à vida e integridade corporal e o direito geral de liberdade
(artigo 2º), o direito geral de igualdade, a igualdade entre homens
e mulheres e as proibições especiais de discriminação (artigo 3º),
a liberdade religiosa e de consciência (artigo 4º), as liberdades de
expressão, comunicação (imprensa), artística, científica, pesquisa e
ensino (artigo 5º), a liberdade de reunião (artigo 8º), a liberdade de
associação (artigo 9º), o sigilo da correspondência e das comunicações
(artigo 10), a liberdade de circulação – ir e vir (artigo 11), a liberdade
de profissão (artigo 12) e a inviolabilidade do domicílio (artigo 13),
os direitos de propriedade e de herança e a função social/comunitária
da propriedade e disposições sobre a desapropriação, entre outras

49
(artigos 14 e 15), assim como o direito à proteção jurídico-judiciária
(artigo 19).
Tais direitos, como desde logo se percebe, incluem tanto os
direitos da personalidade, quanto as principais liberdades fundamentais,
a igualdade, a propriedade e seus limites constitucionais e outras
garantias de há muito consagradas no constitucionalismo e no sistema
internacional de proteção dos direitos humanos.
Além disso, a LF protege expressamente o casamento e a família,
reconhecendo a igualdade entre os filhos e o direito das mães à
proteção e auxílio pela comunidade e pelo Estado (artigo 6º), ademais
de versar sobre o sistema de ensino, que se encontra sob supervisão
do Estado, assegurando se também a possibilidade de participação do
setor privado (artigo 7º). A nacionalidade e a proibição de extradição
estão contempladas no artigo 16, ao passo que no artigo 16, letra “a”,
foi reconhecido o direito ao asilo político.
Calha acrescentar, ainda nesse contexto, que os direitos
fundamentais consagrados pela LF não se limitam aos previstos
no artigo 1º (dignidade humana) e seguintes, incluindo o direito à
proteção judiciária (artigo 19, §4º), abarcando também outros direitos
expressamente positivados no texto constitucional, os assim chamados
direitos equivalentes aos direitos fundamentais, designadamente aqueles
previstos nos artigos 20, § 4º, 33, 38, 101, 103 e 104, designadamente,
a proibição de tribunais de exceção81, a proibição da pena de morte82,
os direitos perante os tribunais (direitos/garantia processuais)83 e as
garantias relativas à privação da liberdade por parte do Estado84.

81
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 101 – “(1) Ausnahmegerichte sind
unzulässig. Niemand darf seinem gesetzlichen Richter entzogen werden. (2) Gerichte für besondere
Sachgebiete können nur durch Gesetz errichtet werden”.
82
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 102 - “Die Todesstrafe ist abgeschafft”.
83
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 19 – “(4) Wird jemand durch die
öffentliche Gewalt in seinen Rechten verletzt, so steht ihm der Rechtsweg offen. Soweit eine andere
Zuständigkeit nicht begründet ist, ist der ordentliche Rechtsweg gegeben. Artikel 10 Abs. 2 Satz
2 bleibt unberührt”.
84
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 104 – “(1) Die Freiheit der
Person kann nur auf Grund eines förmlichen Gesetzes und nur unter Beachtung der darin
vorgeschriebenen Formen beschränkt werden. Festgehaltene Personen dürfen weder seelisch noch
körperlich mißhandelt werden. (2) Über die Zulässigkeit und Fortdauer einer Freiheitsentziehung
hat nur der Richter zu entscheiden. Bei jeder nicht auf richterlicher Anordnung beruhenden
50
Ainda nesse contexto, da determinação da abrangência do
catálogo constitucional de direitos, é de se referir a existência
de direitos fundamentais implicitamente positivados, ou seja, de
posições jusfundamentais autônomas (com âmbito de proteção
próprio) deduzidas pelo TCF de princípios e direitos fundamentais
expressamente consagrados. Nesse sentido, calha citar, dentre outros,
o direito ao livre desenvolvimento da personalidade85, o direito à
autodeterminação informacional86, o direito ao conhecimento da
ascendência genética87, o direito à autodeterminação reprodutiva e
sexual88 e o direito a um mínimo existencial89.
Um ponto importante a destacar, inclusive pela sua relevância para
o caso dos direitos fundamentais estaduais, é que a LF não contempla,
diferentemente do que se deu na Constituição da República de Weimar,
um elenco significativo de direitos sociais, econômicos e culturais, o
mesmo se verificando no tocante aos deveres fundamentais, previstos
em maior quantidade na Constituição de Weimar.
Nesse sentido, costuma-se identificar em especial no direito de
cada mãe à proteção e auxílio por parte da comunidade (artigo 6,
§4º), um direito passível de ser considerado um direito social, o que
também, em certo sentido, se pode estender ao dever do Estado, por
meio do Legislador, assegurar o estabelecimento aos filhos havidos
fora do casamento as mesmas condições para o seu desenvolvimento
físico e espiritual na sociedade do que aquelas asseguradas aos filhos

Freiheitsentziehung ist unverzüglich eine richterliche Entscheidung herbeizuführen. Die Polizei


darf aus eigener Machtvollkommenheit niemanden länger als bis zum Ende des Tages nach dem
Ergreifen in eigenem Gewahrsam halten. Das Nähere ist gesetzlich zu regeln. (3) Jeder wegen
des Verdachtes einer strafbaren Handlung vorläufig Festgenommene ist spätestens am Tage nach
der Festnahme dem Richter vorzuführen, der ihm die Gründe der Festnahme mitzuteilen, ihn zu
vernehmen und ihm Gelegenheit zu Einwendungen zu geben hat. Der Richter hat unverzüglich
entweder einen mit Gründen versehenen schriftlichen Haftbefehl zu erlassen oder die Freilassung
anzuordnen. (4) Von jeder richterlichen Entscheidung über die Anordnung oder Fortdauer einer
Freiheitsentziehung ist unverzüglich ein Angehöriger des Festgehaltenen oder eine Person seines
Vertrauens zu benachrichtigen”.
85
BVerfGE 6, 32 – Elfes; no que se refere à sua relação com a autonomia privada
(Privatautonomie) vide: BVerfGE 8, 274; BVerfGE 74, 129.
86
BVerfGE 65, 1 - Volkszählung; BVerfGE 80, 367 – Tagebuch.
87
BVerfGE - 1 BvR 1689/88.
88
BVerfGE 49, 286 - Transsexuelle I; BVerGE 116, 243 - Transsexuelle IV.
89
BverfGE 125, 175 – Hartz IV.
51
resultantes do casamento (artigo 6, § 5º), embora, neste último caso,
o texto da LF não se refira expressamente a um direito90.
Ainda no contexto dos direitos fundamentais na LF, é de se referir
o artigo 18, a teor do qual todo aquele que abusar dos seus direitos à
liberdade de expressão e de imprensa, liberdade de ensino, liberdade
de reunião e associação, sigilo de correspondência e comunicações,
propriedade ou direito ao asilo, manejando-os para o efeito de combater
a ordem livre e democrática fundamental, perde tais direitos, cabendo
ao TCF determinar tal perda e a sua extensão91.
Feita essa breve apresentação e voltando aos direitos fundamentais
nas constituições estaduais, é de se anotar que, quando da dissolução da
Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial e sua divisão em quatro
zonas de ocupação cujo governo foi distribuído entre os três grandes
vencedores do conflito, EUA, Reino Unido e Rússia, além da França,
a Alemanha deixou de ser um Estado soberano no sentido próprio
do termo. Note-se, além disso, que nas zonas de ocupação o poder
era exercido pelos governos militares, vinculados externamente aos

90
Conforme Epping (2010, p.232), o artigo 6º, §5º exige do Estado o dever de garantir
a igualdade entre os filhos legítimos e ilegítimos. É digno de nota que ainda existe
certa hesitação do legislador para com a concretização de tal direito, cabendo ao
Tribunal Alemão atuar como um legislador substituto (BVerfGE 25, 167). Mas o
direito disposto no art.6º, §5º não deve ser concretizado somente em vista deste
dispositivo constitucional. É preciso lembrar que essa norma se relaciona ao princípio
da igualdade que está disposto no artigo 3º da LF, artigo esse que é uma das bases do
conteúdo do Estado Social, afinal as possíveis vantagens e desvantagens dispostas
nas leis sociais devem buscar dirimir as possíveis diferenças nas relações sociais
(FRINGS, 2015, p.19). Nesse sentido, o TCF (BVerfGE 1 BvR 1629/94), citando
aqui um exemplo, já declarou a inconstitucionalidade da fixação do mesmo valor de
benefício social para segurados com ou sem filhos. Desse modo, embora não seja
explícito o direito a pretensões subjetivas, o art.3º exige que o legislador proponha
um sistema de seguridade social que garanta uma existência digna para todos
(BVerfGE 2 BvF 5/92), respeitando a vedação de proteção deficiente (FRINGS,
2015, p.19-20).
91
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 18: “Wer die Freiheit der
Meinungsäußerung, insbesondere die Pressefreiheit (Artikel 5 Abs. 1), die Lehrfreiheit
(Artikel 5 Abs. 3), die Versammlungsfreiheit (Artikel 8), die Vereinigungsfreiheit (Artikel
9), das Brief-, Post- und Fernmeldegeheimnis (Artikel 10), das Eigentum (Artikel 14) oder
das Asylrecht (Artikel 16a) zum Kampfe gegen die freiheitliche demokratische Grundordnung
mißbraucht, verwirkt diese Grundrechte. Die Verwirkung und ihr Ausmaß werden durch das
Bundesverfassungsgericht ausgesprochen”.
52
respectivos governos, mas em princípio com ampla liberdade de ação
na esfera interna, estruturadas de modo dúplice, mediante a divisão das
atribuições entre um governo das forças armadas e um governo civil
exercido, contudo, também por militares (STOLLEIS, 2003, p.273).
Aspecto relevante para a então ainda não definida criação da
República Federativa da Alemanha e elaboração da LF foi o fato de
que no interior das zonas ocupadas foram formados Estados, que
cumpriam simultaneamente a função de estruturas de execução das
forças de ocupação e de representação dos interesses do Estado e de
sua população em face daquelas, mas regidas e organizadas de modo
distinto de acordo com as diretrizes estabelecidas pelos governos
ocupantes, designadamente, uma administração central – zonas
Britânica (neste caso, acompanhada de uma conferência dos chefes
dos governos estaduais) e Soviética, um conselho dos Estados, com
a realização de conferências dos respectivos Ministros-Presidentes na
zona Norte-Americana (STOLLEIS, 2003, p.273).
De todo modo, o que aqui importa, é que os Estados já existiam
antes da refundação do Estado com a promulgação e entrada em vigor
da LF, em 23.05.1949, embora alguns novos Estados viessem a ser
criados92. Tais Estados também já tinham as suas constituições, todas
contemplando um catálogo de direitos fundamentais, que, em parte,
não foram previstos na LF, assim como após a entrada em vigor da LF
os Estados seguiram tendo autonomia para reconhecer outros direitos.
No que se refere às Constituições escritas antes da LF, é importante
recordar que há um fator político para a criação do catálogo desses
direitos: a influência do governo militar dos EUA que pediu aos novos
Estados celeridade na criação de suas próprias Constituições com um
catálogo de direitos fundamentais (KETELHUT, 2017, p.133). Por
isso, pode-se afirmar que antes de 1948-1949 não houve uma reflexão
sobre os direitos fundamentais a nível federal. É o caso da Constituição
Estadual de Bremen (1947), na qual, embora fosse previsto um catálogo

Antes da da entrada em vigo da LF, já existiam os Estados de Baden-Württemberg,


92

Baviera, Bremen, Hamburgo, Hessen, Niedersachsen, Nordrhein-Westfalen,


Rheinland-Pfalz, Schleswig-Holstein. Após um referendo em 1955, o estado de
Saarland foi incorporada pela República da Alemanha em 1957. Com o fim da
Alemanha Oriental, foram criados cinco estados em 1990: Berlim, Brandemburgo,
Mecklenburg-Vorpommern, Sachsen,Sachsen-Anhalt e Thüringen.
53
de direitos fundamentais, as maiores discussões foram pautadas sobre
a organização do sistema escolar (laica ou confessional; pública ou
privada) e a democratização da economia (KETELHUT, 2017, p.133).
Mesmo assim, tal como se deu com a LF, também as constituições
estaduais deram particular ênfase aos direitos fundamentais, também
como reação às iniquidades do regime nacional-socialista, podendo
ser registrada uma substancial uniformidade quanto ao acolhimento
dos mais importantes direitos civis e políticos, em que pese algumas
diferenças importantes, como, por exemplo o direito ao Asilo, previsto
na Constituição da Baviera de 1946 (ZACHER, 1986, p.71).
Desse período pré-1949, também faz parte a Constituição de
Hesse (1946), a mais antiga entre os textos vigentes. Pode-se afirmar
que tanto o seu conteúdo, como a proteção dos direitos fundamentais
como cláusula pétrea se assemelham com o futuro texto da LF. (KOCH-
BAUMGARTEN, 2017, p.176). Por isso, no geral, constatou-se o
reconhecimento e criação de novos direitos, tais como a proteção à
dignidade humana, à liberdade de imprensa e de informação
No que se refere aos direitos sociais das Constituições estaduais
supracitadas, elas adotaram as concepções de Weimar, desenvolvendo
programas sociais de modo diferenciado. Somente o direito à moradia
é o que mais aparece em comum entre os textos estaduais (DÄUBLER,
2010, p.120).
Como exemplo de direitos específicos de cada constituição, tem-
se o “Rechts auf und der Pflicht zum Arbeit”, previsto nas Constituições
da Baviera (art.166), de Hesse (art.28) e de Rheinland-Pfalz (53,
II), além do “Versorgungs des Landes mitelektrischer Kraft” presente no
texto da Baviera (art.152). Como afirma Peter Häberle (1998, p.58),
cabe ressaltar também o pioneirismo do art.13493 da Constituição
de Bremen, quando afirma que a administração da justiça deve ser
exercida, também, no “espírito” da justiça social. Cabe citar de forma
particular a Constituição de Hesse, que sofreu a influência de demandas
do sindicato social-democrata na compreensão dos direitos sociais e
foi exemplo para a LF no que se refere à igualdade de gênero (KOCH-
BAUMGARTEN, 2017, p.176).

Landesverfassung der Freien Hansestadt Bremen: Artigo 134 - “Die Rechtspflege ist nach
93

Reichs- und landesrecht im Geiste der Menschenrechte und sozialer Gerechtigkeit auszuüben”.
54
Mas além de especificar alguns direitos sociais, nas constituições
da Baviera, de Bremen e de Baden, por exemplo, já se lia que a ordem
política e econômica deveria exprimir uma justiça capaz de ter a meta
de garantir uma existência digna (BALDUS, 2016, p.37). Ou seja, as
constituições dos Estados já dispunham a dignidade humana vinculada
aos direitos de liberdade e à ordem econômica. Na Constituição da
Baviera, por exemplo, lê-se, no título do artigo 164, o dever de uma
renda agrícola adequada capaz de garantir uma vida decente.
Entretanto, logo após a promulgação da Lei Fundamental em
1949, os Estados perdem seu protagonismo, buscando eles, tal como
a LF, a concretização dos direitos à luz do princípio do Estado Social
(ZACHER, 1982 p.114-115).
No que se refere às Constituições dos Estados da Alemanha
Ocidental que entraram em vigor após a LF, pode-se afirmar que
a recepção do catálogo de direitos fundamentais da LF de 1949
é um denominador comum. Entre esse grupo está o Estado de
Niedersachsen, que não continha um catálogo de direitos fundamentais
no texto de 1951. O artigo 3º, da antiga Constituição e da atual de
1993, fazia e ainda faz referência expressa aos direitos fundamentais
da LF94 (MEYER; HÖNNIGE, 2017, p.220).
Esse também é o caso da Constituição de Baden-Württemberg, de
1953. Segundo Obrecht (2017, p.46), pode-se afirmar que esse Estado
aderiu a um sistema misto, recepcionando os direitos fundamentais
previstos em nível federal, mas também faz referência aos seus
próprios direitos fundamentais. É o caso do art.2º, §1º onde está
previsto que os direitos fundamentais e civis da LF fazem parte de
sua Constituição. Mas no parágrafo 2º desse mesmo artigo é afirmado,
peremptoriamente, que o povo de Baden-Würtenberg possui o direito
inalienável à sua pátria.
Outro momento histórico importante a ser ressaltado, pois
revitalizou a importância das Constituições estaduais,é a reunificação
94
Niedersächsische Verfassung - Artigo 3º, §2º: “Die im Grundgesetz für die Bundesrepublik
Deutschland festgelegten Grundrechte und staatsbürgerlichen Rechte sind Bestandteil dieser
Verfassung. Sie binden Gesetzgebung, vollziehende Gewalt und Rechtsprechung als unmittelbar
geltendes Landesrecht. Die Achtung der Grundrechte, insbesondere die Verwirklichung der
Gleichberechtigung von Frauen und Männern, ist eine ständige Aufgabe des Landes, der Gemeinden
und Landkreise“.
55
alemã em 1990 e a posterior criação de cinco novos Estados membros
(WITTRECK, 2018, p.213).
O catálogo de direitos fundamentais desses novos Estados,
diferentemente do que se deu logo após a Segunda Grande Guerra, é
criado tanto à luz do texto, como da interpretação dos conteúdos dos
direitos fundamentais da LF.Nas Constituições dos novos Estados de
Sachsen, Sachsen-Anhalt, Brandemburgo, Mecklenburg-Vorpommern
e Thüringenesses direitos foram previstos de forma muito mais
detalhada (WILL, 1993, p.468).A título de exemplo, a Constituição de
Sachsen contém 46 artigos em seu catálogo de direitos Fundamentais
e a Constituição de Brandemburgo conta com 50 artigos95.
A jurisprudência do TCF também foi deveras importante na
construção do catálogo dessas constituições, principalmente no que se
refere ao desenvolvimento das dimensões de proteção desses direitos.
Cabe citar - como influência direta do TCF relativamente a todas novas
constituições - a proteção ao meio ambiente (DOMBERT, 2012,
p.21). Cabe ainda ressaltar a previsão de novos direitos fundamentais,
podendo-se citar a expressa previsão da proteção de dados (WILL,
1993, p.475)96. Entretanto, a vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais (Drittwirkung) somente foi prevista expressamente pela
Constituição de Brandenburg (art. 5º, I).

95
No caso da Constituição de Brandemburgo, é importante relembrar que o catálogo
de direitos, assim como a possibilidade de um Tribunal Constitucional Estadual,
surge em um contexto de conflitos entre partidos estaduais e o governo federal
As discussões constitucionais de Brandemburgo refletiram os interesses de uma
maioria política do SPD, Bündnis 90 e FDP com objetivo de se diferenciar e criar um
certa independência perante o governo federal, por meio de pautas ecológicas e de
objetivos sociais. A criação de um tribunal constitucional foi uma escolha natural
em vista dessa busca de independência (LORENZ, 2017, p.106).
96
A expressa previsão à proteção de dados foi redigida na Constituições de Sachsen
(art.33), Sachsen-Anhalt (art.6), Thüringen (art.6, §2º), Mecklenburg-Vorpommern
(art.6) e Brandemburgo (art.11). A interpretação do TCF sobre essa matéria foi
deveras tão importante para a previsão desse direito, que as constrições acabaram
sendo bem específicas na proteção desse direito fundamental. Por exemplo, a
Constituição de Sachsen-Anhalt prevê que toda a intervenção do poder público
deve considerar o direito á informação, à correção e à exclusão de dados. Também
os textos de Brandemburgo e Thüringen regulamentam os o direito aos dados já
armazenados pelas autoridades públicas (WILL, 1993, p.476).
56
A exceção dessas características específicas, de um modo geral,
todas as cinco novas constituições possuem direitos e garantias
individuais (direitos civis e políticos) e sociais. Afinal, embora a
liberdade fosse o pressuposto para a criação desses novos Estados –
diferentemente do contexto do pós guerra de 1945 – a autonomia do
indivíduo era interpretada mais enfaticamente à luz da comunidade
social e de suas responsabilidades e direitos na sociedade. De fato, a
experiência social e econômica contribuiu para um expressivo número
de direitos nessas novas Constituições (WILL, 1993, p.469-470).
Taisdireitos foram positivados na forma de objetivos (metas) estatais
não dispostas na LF (DOMBERT, 2012, p.23). Desse modo, todas as
cinco novas constituições prevêem o direito ao trabalho, à moradia,
à segurança social, educação à proteção dos idosos, para citar alguns
(DOMBERT, 2012, p.23).Cabe aqui mencionar, entretanto, a crítica
de Martin Kutscha (1993, p.341-342), quando afirmaque existem
conteúdos jurídicos que não foram positivados na forma de um direito
subjetivo, mas como uma meta política do Estado. Como exemplo,
entre outros, pode-se citar o direito ao trabalho e à proteção do meio
ambiente.
É importante recordar também o expresso direito à proteção
das minorias previsto no catálogo de algumas constituições. Nas
constituições de Sachsen (art.5, §2º) e de Schleswig-Holstein (art.5,
§1º) há um expresso direito às minorias nacionais. Nas Constituições
da Saxônia e de Brandemburgo existe a previsão da proteção aos
Sorábios, um pequeno povo eslavo ocidental (DOMBERT, 2012, p.29).
Após analisar o catálogo dos direitos fundamentais das
Constituições, busca-se, agora, compreender a proteção desses direitos
por meio da jurisdição constitucional estadual.

2.4. A proteção dos direitos fundamentais pela jurisdição


constitucional estadual

Como afirmado anteriormente, embora existam exigências


mínimas que devem ser seguidas e garantidas pelos Estados, a ordem
constitucional alemã concedeu certa autonomia para a jurisdição
constitucional estadual. Tal compreensão já foi externada pelo
57
TCF quando afirmou que a jurisdição estadual deve ser o tanto
quanto possível intocável e independente perante a ordemjurídico-
constitucional federal(BVerfGE 60, 175).
Outro aspecto a destacar, ainda em caráter preliminar, é o fato de
que o TCF, não é o único órgão especializado no exercício da Jurisdição
Constitucional, visto que os Estados da Federação também possuem
suas respectivas Cortes Constitucionais97, dotadas de autonomia e
independência, o que inclusive é tido como um dos esteios da já
referida estatalidade (Staatlichkeit) dos Estados na condição de entes
federativos, cabendo aos mesmos decidir de modo autônomo sobre a
criação, competências e procedimento de um Tribunal Constitucional
(SCHLAICH; KORIOTH, 2001, p.211-212).
Em termos gerais e em apertadíssima síntese, os Tribunais
Constitucionais Estaduais têm a competência de zelar pela autoridade
da Constituição Estadual em relação ao direito estadual (controle
de constitucionalidade das leis do Estado), podendo, contudo, ser
questionada a conformidade da lei estadual (ainda que tida como
constitucional em face da Constituição Estadual) com a LF, situação
na qual os Juízes e Tribunais Estaduais, não sendo possível a
interpretação conforme a Constituição, devem submeter a questão ao
TC, de tal sorte que, ao fim e ao cabo, a regra é a de que os Tribunais
Constitucionais dos Estados decidem de modo vinculativo sobre a
constitucionalidade do direito estadual e o TCF sobre conformidade
com a LF (HILLGRUBER; GOOS, 2015, p.300 ss)98.
Note-se, outrossim, que as duas jurisdições constitucionais –
federal e estadual – situam-se autonomamente uma ao lado da outra,
salvo quando os eventuais remédios jurídicos no âmbito da jurisdição
estadual forem subsidiários (assegurados apenas nos casos não
incluídos na competência do TCF) e quando – na esteira do já referido
– necessário zelar pela uniformidade de interpretação da LF, que, no

97
Todos os estados têm Tribunais Constitucionais. Embora os estados de Bremen,
Hessen, Niedersachsen e Baden-Württenbergutilizem o termo Staatsgerichtshof, esses
Tribunais possuem competências similares.
98
Para maior estudo do tema vide: HILLGRUBER, Christian; GOOS, Christoph.
Verfassungsprozessrecht, op. cit., p. 300-323, onde a matéria das relações entre o TCF
e os Tribunais Constitucionais dos Estados é apresentada com maior detalhamento.
58
artigo 100, §3º99, determina que os Tribunais Constitucionais Estaduais
submetam o caso à decisão vinculativa do TCF nas hipóteses em que
aqueles queiram julgar de modo diverso relativamente à prática decisória
do TCF ou de outro Tribunal Constitucional Estadual (LIMBACH,
2010, p.74-75).
No que se refere à importância da jurisdição constitucional
estadual, é notório que o estudo dessa jurisdição tem crescido seja
pela compreensão das competências estaduais e autoconfiança
institucional, seja pelos maiores conflitos constitucionais que vêm
surgindo recentemente(DOMBERT, 2012, p.19-20).
Essa falta de protagonismo dos Tribunais Constitucionais
Estaduais ocorreu, principalmente, porque a ordem constitucional
permite que os Estados decidam pela possibilidade, ou não, da
reclamação constitucional estadual – que, calha recordar, tem
origem no direito constitucional bávaro sendo posteriormente
inserida na LF - (UERPMANN, 2002, p.943). Essa autonomia
prevista na Lei Fundamental permite que cada Estado disponha
sobre as competências do seu respectivo Tribunal Constitucional.
Tal autonomia já se percebe na escolha dos nomes dos tribunais.
Enquanto Bremen, Hessen e Niedersachsen optaram pelo nome
de “Staatsgerichtshof” (Tribunal Estatal) os Estados de Berlim,
Thüringen, Nordrhein-Westfalen, Sachsen, Saarland, Rheinland-Pfalz
e Bayern optaram pelo nome de “Verfassungsgerichtshof” (Tribunal
Constitucional) e ainda há todos os outros Estados que optaram pela
expressão “Landesverfassungsgericht” (Tribunal Constitucional Estadual)
(DOMBERT, 2012, p.24-25).
Além disso, em alguns Tribunais Constitucionais, como no caso
de Berlim, verifica-seuma postura de grande deferência ao papel do
legislador, de tal sorte que nas reclamações constitucionais que se
referem a direitos fundamentais ou mesmo em sede de controle abstrato
de normas, o Tribunal Constitucional desse Estado desenvolveu a
atividade jurisdicional pautada por um grande respeito às tarefas do

Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland: Artigo 100, 3: “Will das Verfassungsgericht
99

eines Landes bei der Auslegung des Grundgesetzes von einer Entscheidung
des Bundesverfassungsgerichtes oder des Verfassungsgerichtes eines anderen
Landes abweichen, so hat das Verfassungsgericht die Entscheidung des
Bundesverfassungsgerichtes einzuholen“.
59
parlamento Estadual, respeitando suas prerrogativas e evitando ser um
“legislador substituto” (REUTTER, 2017, p.100).
Como exceção, cita-se o TCE da Baviera, que, desde a promulgação
da LF em 1949, atuou como um tribunal constitucional, desenvolvendo
um quadro de competências comparável ao TCF, a ponto de influenciar
a sua interpretação da Lei Fundamental em assuntos basilares da
república, tal como a dignidade humana (WITTRECK, 2018, p.216).
Isso posto, pode-se afirmar com Robert Uerpmann (2002, p.942),
que até 1990 não existiram realmente importantes decisões referentes à
proteção de direitos fundamentais com base nas normas estaduais, não
sendo uma surpresa que os principais conteúdos protetivos julgados
pelos Tribunais Constitucionais Estaduais tenham sido baseados na LF.
Além da falta de uma explícita previsão constitucional sobre a
função dos Tribunais Constitucionais Estaduais, na seara da proteção
dos direitos fundamentais, o conflito de competências com o TCF
deve ser levado em conta.
Desde a promulgação da LF, o já referido art.18, II determinou
que é competência do TCF pronunciar-se sobre a perda de direitos
fundamentais e sua extensão, quando verificado o abuso na titularidade
desses direitos. Entretanto, antes da promulgação da LF, algumas
constituições como a da Baviera (art. 124) e a de Hesse (art. 133, §1º)
já previam o procedimento perante os seus Tribunais Constitucionais.
Com a promulgação da lei do TCF, essa previsão foi regulamentada
pelo art.13, §1º e a dúvida que surgiu com essa norma foi em que
medida as disposições estaduais estariam prejudicadas (SCHÄFFER,
1951, 199-200).
Entretanto, mesmo com diferentescompetências presentes em
cada Estado e a falta de uma expressa previsão constitucional sobre o
tema, pode-se afirmar com WernerReutter(2020, p.07), no geral, que
os Tribunais Constitucionais Estaduais possuem decisões vinculativas
sobre questões políticas, exercendo a função de “legisladores negativos”
além de ter influência sobre os objetivos da sociedade e sobre o
cumprimento dos direitos fundamentais em nível local.
No que se refere especificamente à proteção dos direitos
fundamentais pelosTCE’s, é na década de 1990, por meio do Tribunal
Constitucional de Berlim, que se observa um ponto de inflexão na

60
proteção desses direitos. Esse Tribunal concedeu à ação constitucional
estadual um maior campo de aplicação, inclusive na aplicação da
lei Federal. Por meio de duas decisões proferidas em 23.12. 1992100
e 12.01.1993101, o TCEde Berlim decidiuque também seria de sua
competência fiscalizar a lesão a direitos fundamentais dispostos em
seu catálogo, mesmo que esses casos estivessem relacionados à lei
penal federal.
Nessa seara, cabe ressaltar a decisão proferida no famoso processo
contra Erich Honecker. Nesse famoso caso,o TCE de Berlim declarou-
se competente para julgar uma possível agressão ao princípio da
dignidade humana, pois, segundo a decisão, como o art.1º, §1º da LF
foi recepcionado pelo texto estadual, ela passou a ser de competência
também do Estado federado (RÖPER, 1996, p.157). Na decisão,
afirmou-se que a dignidade teria sido lesada, na medida em que o réu
tornou-se mero objeto do processo penal quando, mesmo com grave
doença incurável e a proximidade de sua morte, o Estado pretendeu
continuar o processo penal (ROZEK, 1994, p.452).
É preciso lembrar que esse julgamento gerou importantes críticas,
pois suscitou a preocupação de que outros Tribunais Constitucionais
Estaduais pudessem intervir de maneira semelhante em outros
processos criminais e judiciais que fossem de competência federal
(STARCK, 1993, p.234). Mesmo assim, em 1997, o TCF (BVerfGE
96,345) acabou ratificando essa nova compreensão de proteção
dos direitos fundamentais pelos TCE’s, afirmando que, caso haja
uma reclamação constitucional com base num direito fundamental
previsto naConstituição estadual, mesmo que a essa envolva matéria
de competência Federal, o TCEtem competência para apreciar e julgar
o caso. Como afirmou Horst Dreier (2000, art.142, §84), criticando a
decisão, a opção do TCFteria criado uma espécie de uma nova Câmara
do TCF (segundo o autor, “disloziertenKammerndesBverfG”).
Outra decisão que estendeu a competência da jurisdição
constitucional dos Estados ocorreu no âmbito do direito eleitoral,
quando o TCF (BVerfGE 99,1) decidiu que leis eleitorais regulamentadas
por leis estaduais não podem ser diretamente questionadasjunto ao

BerlVerfGH - VerfGH 38/92, julgado em 23.12.1992.


100

BerlVerfGH - VerfGH 55/92, julgado em 12.1.1993.


101

61
TCF, o que evidencia um aumento significativo de demandas referentes
a questões democráticas sobre a jurisdição estadual (KNEIP, 2020,
p.29).
Entretanto, mesmo após essas decisões do TCF, ainda há dúvidas
sobre a competência dos Tribunais Constitucionais dos Estados em
matérias que se relacionam com o direito federal. É o caso, por exemplo,
dos Tribunais Constitucionais da Baviera e de Hesse, que analisam
a aplicação da lei processual federal à luz dos direitos fundamentais
estaduais. Entretanto, como a Reclamação Constitucional de tais
constituições remonta à época anterior à LF, os Tribunais desses Estados
manejam essas Reclamações com cautela (STARCK, 1993, p.232).
Além deles, cabe citar o caso do TCEde Saarland que, nessa relação
entre competência federal e estadual, deixou essa questão em aberto102,
afirmando que tinha dúvidas em que medida os órgãos federais
poderiam intervir em assuntos que são de sua competência, mas que,
por exemplo, se referem a atos do poder estadual (RIPPBERGER,
2006, p.01)103. Mesmo com essa dúvida, o Tribunal afirmou, em
consonância com a decisão do TCF, que poderia julgar a aplicação de
lei federal por ato do poder estadual, na medida em que a reclamação
se refere a direitos que também estão dispostos no catálogo de direitos
fundamentais da Constituição de Saarland.
No que se refere à proteção dos direitos sociais, a exemplo da
interpretação dos direitos fundamentais sociais na Lei Fundamental,
existe um grande número de decisões dos Tribunais Constitucionais
Estaduais nas quais os direitos sociais não são considerados direitos
fundamentais, ou seja, não possuem a dimensão subjetiva e, por isso,
não podem ser exigíveis pela via judicial na condição de direitos
subjetivos (BUNDESTAG, 2007, p.20). Nessa seara, conforme o
estudo sobre os direitos fundamentais sociais do Bundestag (2007,
p.20 ss.), cabe relembrar a decisão do Tribunal Constitucional de
Brandemburgo (BbgVerfG, LKV 1994), que na interpretação do artigo

102
SaarlVerf GH - Lv 6/03, julgado em 19.03.2004; SaarlVerf GH - Lv 7/03, julgado
em 19. 3. 2004.
103
Ao menos até 2006, 9 Estados federais previam ação de autoridade estadual com base
em lei federal: Baviera, Berlim, Brandenburg, Hessen, Mecklenburg-Vorpommern,
Rheinland-Pfalz, Saarland, Sachsen e Thüringen.
62
47, §1º da Constituição desse Estado membro104, afirmou que o direito
à moradia não é um direito fundamental, e, por isso, não constitui
um direito subjetivo do cidadão. Segundo a decisão, ao Estado de
Brandemburgo cabe somente o dever de garantir a adequada realização
desse direito de acordo com os seus recursos financeiros.
Além dessa decisão, o Tribunal Constitucional de Saarland
(SaarlVerfGH, NJW 1996) afirmou que o artigo 45 105 de sua
constituição não concede um direito subjetivo ao trabalho, havendo
somente uma obrigação objetiva do Estado, ao qual é exigida a criação
de leis adequadas para a concretização desses direitos. No âmbito
do direito à educação, o Tribunal Constitucional de Kassel (VGH
Kassel, NVwZ 2006) afirmou que o artigo 59, §1º da Constituição
estadual106, que trata do direito a estudos sem a taxa de matrícula,
não pode analisar a situação individual da pessoa, mas o quanto é
possível ser reivindicado. Porém, essa reivindicação - considerando
o orçamento e a reserva do possível - deve ser responsabilidade e
critério do poder legislativo.
Por último, cabe recordar decisão do Tribunal Constitucional de
Sachsen (SächsVerfGH, LKV 1997) que negou a condição de direito
fundamental ao direito contemplado no art.10, §3º da Constituição
de Sachsen107, afirmando que o direito de desfrutar da beleza natural
é um dever estatal objetivo e não um direito subjetivo.
Por isso, de modo geral – sem adentrar nas particularidades das
decisões dos tribunais de cada Estado membro108 – há uma dupla
104
Verfassung des Landes Brandenburg: Artigo 47, §1º - “Das Land ist verpflichtet, im Rahmen
seiner Kräfte für die Verwirklichung des Rechts auf eine angemessene Wohnung zu sorge”.
105
Verfassung des Saarlandes: Artigo 45, 2 – “Jeder hat nach seinen Fähigkeit ein Recht auf
Arbeit”.
106
Verfassung des Landes Hessen: Artigo 59, §1º, 1: “In allen öffentlichen Grund-, Mittel-,
höheren und Hochschulen ist der Unterricht unentgeltlich“.
107
Verfassung des Freistaates Sachsen: Artigo 10, §3º, 1 – “Das Land erkennt das Recht auf
Genuß der Naturschönheiten und Erholung in der freien Natur an, soweit dem nicht Ziele nach
Absatz 1 entgegenstehen”.
108
Cita-se aqui, por exemplo, o caso de Baden-Württemberg, que possui um “sistema
misto”, no qual faz referência tanto aos direitos fundamentais da LF, assim como
àqueles não previstos no seu texto. Mesmo assim, a sua compreensão de constituição
advém com o tempo, principalmente através de dois fatores. Primeiramente, a
inclusão de objetivos estaduais por meio das emendas constitucionais de 1995 e
2000. Como segundo fator desse progresso, tem-se a previsão da possibilidade de
63
proteção dos direitos fundamentais: uma em âmbito estadual, outra em
âmbito federal o que concede aos tribunais uma importante função no
Estado Democrático de Direito (KNEIP, 2020, p.29-30). Entretanto é
imperioso recordar que, embora o tribunal estadual possa examinar uma
questão sobre direitos fundamentais que também estão dispostos na
Lei Fundamental, sua interpretação deve estar de acordo as decisões do
TCF. Caso haja um desrespeito a essa interpretação, a decisão estadual
será revogada pelo TCF (HÖRETH, 2020, p.56).

CONCLUSÕES

O tema dos direitos fundamentais subnacionais tem assumido


crescente relevância no que diz respeito ao domínio do Direito
Constitucional subnacional e estadual, parte integrante do
constitucionalismo multinível, de caráter complexo e que levanta
diversas questões relevantes quanto à proteção de direitos fundamentais
e interação entre instituições constitucionais nacionais e subnacionais,
como visto.
O exame do Direito norte-americano revelou as semelhanças e
contrastes existentes entre o Bill of Rights federal e seus equivalentes
estaduais. Coincidentes em larga medida, especialmente no que diz
respeito aos direitos civis e políticos, os catálogos divergem em aspectos
cruciais, tanto no que diz respeito a detalhes dos direitos fundamentais
duplicados quanto no que diz respeito à sua interpretação e aplicação
judicial, como se constata na Flórida, Nova Jérsei e Ohio quanto a
buscas e apreensões, liberdades religiosa, de expressão e reunião, por
exemplo.Mesmo nesse campo, encontram-se direitos sem paralelo
federal, tais como tais como os decorrentes da open courts provisions (right
to a remedy), privacy (Alaska, Flórida, Califórnia, Montana), direitos dos
encarcerados e presos (Ohio, Wyoming, Georgia), direitos das vítimas
e home ruling, por exemplo.
Por outro lado, percebe-se o caráter vanguardista e inovador dos
constituintes estaduais em termos de positivar direitos fundamentais
econômicos, sociais, culturais e ambientais o que, inclusive, tem o

ser proposta uma reclamação constitucional por todos os cidadãos a partir de 1º


de abril de 2013 (OBRECHT, 2017, p.46).
64
condão de infirmar o propalado excepcionalismo daquela tradição
constitucional em comparação com outras, notadamente a europeia.
Como se viu, uma miríade de direitos positivos revela-se a partir
da análise das subconstituições estadunidenses: direito à pesca, direito
à água, assistência aos necessitados, abrigo em caso de emergência,
aposentadoria por idade, negociação coletiva, educação pública e
gratuita, proteção a pessoas com deficiência, salário mínimo, limitação
de jornada/direito ao repouso, direito à sindicalização, segurança no
trabalho, vedação de trabalho infantil, vedação de blacklisting, vedação
de cláusulas contratuais abusivas, responsabilidade dos empregadores,
workmen’s compensation, proteção contra milícias particulares, salários das
mulheres e meio ambiente limpo e saudável.
Disposições sobre proteção ao meio-ambiente, por exemplo,
são encontradas pelo menos nas constituições da Carolina do Norte,
Carolina do Sul, Flórida, Havaí, Illinois,Louisiana, Massachusetts,
Michigan, Montana, Nova Iorque, Novo México, Pensilvânia,
Rhode Island e Virgínia, como visto, ainda que variem em sua
redação, ostentando frequentemente a forma de princípios, diretivas,
compromissos ou deveres estatais. Disposições sobre educação,
como visto, são encontradas em praticamente todas as cinquenta
subconstituições. Como se percebe e como registrado anteriormente,
há uma forte variabilidade quantitativa e qualitativa entre os catálogos
federal e estaduais e entre estes reciprocamente.
Constatou-se ainda que as inovações subnacionais não se
limitam a tais aspectos, abrangendo questões relevantes tais como as
disposições subnacionais relativas aos unenumerated rights ou que prevêem
expressamente a oponibilidade dos direitos fundamentais nelas previstos
a particulares, avançando para além da State Action Doctrine – tal como
fazem as cartas da Califórnia, Louisiana e Nova Jérsei.
Viu-se, ainda, que o fenômeno do estabelecimento de direitos
de igualdade subnacionais ser em parte compreendido também, pelo
menos em parte, como fruto de uma estratégia bem-sucedida de alguns
grupos de pressão ou interesse no sentido tanto de contornar um
legislador ordinário infenso aos mesmos quanto no sentido de paralisar
o judicial review conservador que por vezes se manifestou também nos
tribunais subnacionais.

65
Foi possível examinar outros aspectos relevantes também, tais
como os relativos à interação entre os catálogos federal e estaduais
de direitos, evidenciando-se a operação do primeiro como patamar
mínimo, passível de ampliação pelo último. Além disso, ficou clara a
autonomia das cortes estaduais para proferirem decisões terminativas
sempre que os processos de sua competência não envolvam questões
federais, o que dá relevo a seu papel também como órgãos da maior
importância no exercício da jurisdição constitucional.
O exame do Direito Constitucional alemão, por sua vez, revela que
aquela tradição federalista remonta a 1871e evidencia a complexidade
do federalismo simétrico, vertical e cooperativoestabelecido pela
LF de 1949, que veio a incorporar nuanças e matizes próprios ao
constitucionalismo estadual tedesco.
Nesse sentido, resta claro, de um lado, a significativa autonomia dos
Länder em termos legislativos, administrativos e judiciais, a se traduzirem
em constituições subnacionais e em tribunais constitucionais próprios,
bem como em direitos fundamentais estaduais, embora vinculados ao
rol federal (LF 1949, arts. 1º a 18 e equiparados, conforme o art. 142)
e sem prejuízo do princípio de primazia do direito federal (art. 31 da
LF), com uma consequência de primeira grandeza, qual seja, o fato
de que os direitos do catálogo federal integram o direito dos Estados,
mesmo que não expressamente incorporados. O constitucionalismo
estadual alemão ostenta certa homogeneidade que não redunda em
uniformidade (BVerfGE 96, 345 (368), como visto, combinando
significativa liberdade de conformação com limites (LF art. 28 §§ 1º
e 2º), em uma correlação complexa entre direito federal e estadual.
Quanto aos direitos fundamentais estatuídos pelas constituições
dos dezesseis Estados alemães, percebe-se que ocupam uma posição
importante e desempenham uma função integrativa, constatando-se
para além de direitos coincidentes entre as duas órbitas, direitos novos
estabelecidos autonomamente pelos catálogos estaduais.
O exame do catálogo federal e dos direitos equiparados (LF art.
93, 4a) evidencia predomínio de direitos civis e políticos, e a ausência
de um elenco significativo de direitos econômicos, sociais e culturais
– afastando-se a LF do modelo de Weimar –, apesar da cláusula do
Estado Social; contemplando ainda a ordem constitucional alemã

66
direitos fundamentais implícitos reconhecidos pela jurisprudência do
TCF, tais como os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade,
à autodeterminação informacional, ao conhecimento da ascendência
genética, à autodeterminação reprodutiva e sexual, bem como o mínimo
existencial.
Quanto aos direitos fundamentais subnacionais, percebe-se o
quanto ocontexto histórico mostra-se relevante, razão pela qual há
que atentar para as peculiaridades das constituições subnacionais
considerando três momentos distintos, pré-1949; pós-1949 e pós-1990.
Nesse sentido, é fundamental registrar que tanto os Estados quanto as
constituições estaduais da maioria dos Länder são preexistentes à LF
e à refundação do Estado alemão.
No que se refere ao conteúdo dos catálogos subnacionais de
direitos fundamentais, evidencia-se uma uniformidade substancial
quanto aos direitos civis e políticos, com algumas diferenças pontuais.
Há algumas inovações de relevo em nível subnacional, como, por
exemplo, disposições específicas sobre proteção de minorias (Saxônia,
Schleswig-Holstein e Brandemburgo).
Por outro lado, o modelo de Weimar mostrou-se mais influente
em nível subnacional. Neste passo, constata-se nas subconstituições
alemãs uma gama de direitos inexistentes no rol federal, tais como
o direito ao trabalho (Hesse, Bavária, Rheinland-Pfalz), direito ao
fornecimento de energia elétrica (Bavária), direitos sociais e igualdade
de gênero (Bremen), renda agrícola adequada à garantia de uma vida
decente (Bavária) e o direito à moradia – o mais difundido entre as
dezesseis cartas políticas estaduais. Inclusive as constituições dos
Estados alemães foram precursoras do princípio da dignidade da
pessoa humana e, além disso, exerceram influência sobre o direito
constitucional federal pós-1949, por meio do instituto da reclamação
constitucional (Verfassungsbeschwerde), de origem bávara.
No que diz respeito às constituições dos Estados que integravam
a antiga República Democrática da Alemanha – constituições pós-
1990 –, constata-se a recepção do catálogo da Lei Fundamental
como traço comum, além do fato de terem catálogos mais amplos e
detalhados, contemplando direitos civis, políticos e sociais, o que se
percebe inclusive pela extensão dos mesmos em constituições como

67
as da Saxônia e de Brandemburgo.Tais constituições contemplam,
todas, disposições sobre direito ao trabalho, à moradia, à segurança
social, à educação e à proteção dos idosos, ressaltando-se, além disso,
influência por parte da jurisprudência do TCF em matérias como o
meio-ambiente, por exemplo.
Nessas cartas igualmente constatam-se inovações, tais como o
direito fundamental à proteção de dados, presente nas constituições
subnacionais da Saxônia, Alta-Saxônia, Turíngia, Meckleburgo-
Pomerânia e Brandemburgo. Por outro lado, disposições expressas
sobre a eficácia interprivada dos direitos fundamentais encontram-se
apenas na Constituição do Estado de Brandemburgo (art. 5º, I).
Algumas disposições acerca de questões sociais, econômicas e
ambientais, por exemplo, aparecem textualmente formuladas como
políticas, compromissos ou metas, e não claramente como normas
estabelecedoras de direitos fundamentais em sua dimensão subjetiva,
o que gera, inclusive, numerosas decisões por parte dos tribunais
constitucionais estaduais no sentido de sua não-justiciabilidade, como
decidido em Brandemburg, Saarland e Sachsen (BGVerfG, LKV,
1994; SaarlVerfGHNJW 1996; SächsVerfGH LKV 1997), tendo
ocorrido inclusive recepção do construto da reserva do possível do
TCF (VorbehaltdesMöglichen, BVerfGE 33, 303, numerusclaususI, de 1972)
pelo Tribunal Constitucional de Kassel (VGH Kassel, NVwz 2006).
Por fim, foi possível perceber que os Tribunais Constitucionais
existentes em todos os Estados alemães, com denominação
relativamente variável, consistem em órgãos constitucionais
especializados da jurisdição constitucional, paralelos ao TCF, embora
operando dentro de certos limites, como os traçados pelo art. 100 §
3º da LF. Assim, de acordo com a jurisprudência do TCF, as cortes
estaduais devem gozar do maior grau de autonomia possível (BVerfGE
60, 175). Tais órgãos, cuja criação, competência e procedimento cabem
aos próprios Estados, basicamente fiscalizam a constitucionalidade da
legislação estadual com parâmetro na constituição estadual.
Com pouco protagonismo até meados dos anos 1990, os
TCEsostentam importância crescente, embora muitos prestem
significativa deferência ao legislador, tais como os tribunais
constitucionais bávaro e berlinense. Sua importância política decorre

68
tanto das decisões vinculantes quando cumprindo seu papel como
legislador negativo (Negative Gesetzgeber), quanto pela tutela dos
direitos fundamentais, sendo facultado aos Länder criar a reclamação
constitucional estadual.
O ponto de inflexão no que diz respeito à tutela jusfundamental,
como visto, ocorreu a partir de decisões do TC de Berlin de 1992 e 1993
(BerlVerfGH-VerfGH 38/92 e 55/92), ratificadas pelo TCF (BVerfGE
96, 345) que ampliaram a jurisdição estadual, permitindo que Tribunais
Constitucionais subnacionais conhecessem processos relativos a
lesão de direitos fundamentais mesmo quando envolviam aplicação
do Direito federal, tendo a competência dos últimos sido ampliada
em outras matérias, tais como Direito Eleitoral, também por força de
outras decisões do TCF (BVerfGE99, 1). Essas temáticas demonstram
as complexidades decorrentes do federalismo vertical e cooperativo
alemão e da repartição de competências que lhe é característica, bem
como de princípios como o da primazia do direito federal.
Como se percebe do cotejo do federalismo, do subconstitucionalismo
e dos direitos fundamentais de ambas as tradições constitucionais,
norte-americana e alemã, existem muitas semelhanças a registrar,
notadamente: a)preexistência dos entes subnacionais e de suas
constituições relativamente ao ente nacional e à constituição federal;
b) duplo patamar de proteção de direitos fundamentais, podendo os
Estados ampliar o catálogo, mas não reduzi-lo; c) catálogos federal
e estadual parcialmente coincidentes, especialmente em matéria de
direitos civis e políticos; d) algumas inovações locais em matéria
de direitos civis e políticos e outros, como normas de proteção de
minorias; f) caráter mais amplo e detalhado do rol subnacional de
direitos fundamentais; f) maior espaço para direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais; g) formulação de disposições
constitucionais em matéria econômica, social, cultural e ambiental na
forma de diretivas, princípios ou políticas; h) diferenças de relevo entre
constitucionalismo e subconstitucionalismo, tal como o predomínio da
concepção jeffersoniana nos Estados norte-americanos e do modelo
de Weimar nos Länder alemães; i) algumas disposições expressas
acerca de eficácia interprivada dos direitos fundamentais;j) presença
de direitos fundamentais de origem pretoriana, tais como privacidade

69
nos EUA e livre desenvolvimento da personalidade na Alemanha; k)
atuação das supremas cortes e cortes estaduais norte-americanas em
boa medida análoga ao dos tribunais constitucionais estaduais alemães,
no que se refere ao controle de constitucionalidade e à tutela de direitos
fundamentais; l) momentos de maior ou menor protagonismo dos
tribunais ou cortes estaduais; m) similaridade de funções de jurisdição
constitucional das supremas cortes/cortes de apelação e dos TCEs,
no controle de constitucionalidade, tutela de direitos fundamentais e
conflitos federativos.
Isso não significa, no entanto, que se possa descurar das profundas
diferenças entre as duas tradições constitucionais, decorrentes de suas
peculiaridades históricas, do tipo distinto de federalismo adotado, entre
outros fatores.
Além disso, a análise aqui levada a efeito evidencia a existência
também de diversos pontos de contraste entre os subconstitucionalismos
americano e alemão, especialmente: a) diferenças significativas entre os
tipos de federalismo, com menor vinculação dos entes subnacionais
na primeira tradição e maior na segunda; b) interação mais complexa
entre o direito federal e o direito estadual na Alemanha, em função das
peculiaridades do federalismo tedesco; c) a diferença de estruturação do
sistema de justiça constitucional, filiando-se a Alemanha, em ambos os
níveis, ao modelo concentrado ou de separação, ao passo que os EUA
aderiram ao modelo difuso ou de jurisdição una, com uma consequente
menor vinculação dos tribunais estaduais quando em causa os direitos
fundamentais estaduais; d) maior deferência por parte de Tribunais
Constitucionais Estaduais em relação ao legislativo do que a manifestada
na esfera das Supremas Cortes ou Cortes de Apelação estaduais, embora
aqui se registrem importantes variações ao longo do tempo.
Por derradeiro, a análise comparativa dos sistemas norte-americano
e alemão à qual se dedicou o presente texto, embora tenha colocado em
evidência uma série de convergências e divergências quanto a alguns
aspectos de relevo, também demonstrou a existência, no concernente
aos traços principais de ambos os modelos, uma substancial similitude,
como é o caso, dentre tantos outros aspectos referidos, o da duplicidade
de catálogos de direitos, a dupla tutela jurisdicional dos direitos
fundamentais e o protagonismo subnacional na matéria.

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78
STATE CONSTITUCIONAL RIGHT
TO HEALTH: FROM A GENERAL
PERSPECTIVE TO THE CASE OF
SPAIN AND ITS SINGULAR PATH TO
FEDERALIZATION
Esther Seijas Villadangos109

INDEX: INTRODUCTION. I.FUNDAMENTAL RIGHTS


AT SUBNATIONAL CONSTITUCIONAL LEVEL: A
GENERAL APPROACH II.-SUBNATIONAL STATE
RIGHTS IN A PANDEMIC CONTEXT: BETWEEN
HOPE AND FRUSTRATION. II.1.- The right to health
in State Constitutions. II.2.- The definition of a state right
to health. II.3.- The content of a right to health in State
Constitutions. II.4.- The guarantees. II.5.- State Constitutions
Responses to COVID-19. III.- SPAIN: A SINGULAR PATH
TO FEDERALISM. III.1.- Spanish virtual and resilient
federalism. III.2.- The regulation of rights in the Statutes
of Autonomy as an indicator of federality. III.3.-The right
to health in the Spanish Statutes of Autonomy. IV. FINAL
REFLECTION. VII. BIBLIOGRAPHY.

SUMMARY
In this work, a reflection is made on the fundamental role of
the catalogs of Rights of State Constitutions, especially focus
on health rights, as an anchor that consolidates a full federal
State. To verify this fundamental message, two paths will be
followed: one of general Constitutional Law and another
of particular Constitutional Law. The first will show how
the regulations of rights in State Constitutions have been
articulated and characterized, taking as a reference the US
sub-national constitutional model. The particular approach to
the objective of strengthening the relevance of rights in state
constitutionalism will be carried out, in turn, from two points
109
Full Professor of Constitutional Law. Universidad de León (Spain). This article has been
supported by the Research Project LE043P20: Medicamentos digitales y bioderecho of
Autonomous Community of Castilla y León and cofunded by FEDER.
79
of reference, one material and the other territorial. From the
material or substantive point of view, the article will focus on
the relevant meaning of the state right to health in a time of
pandemic. From a territorial perspective, it will postulate how
the insertion of Bills of Rights in the Spanish Statutes of
Autonomy has meant a sui generis path towards the federalization
of Spain. In essence, this article proposes to reflect on a
question of fundamental federal dogma: the consolidation of
a federation based on the guarantee of citizens´ rights in State
Constitutions.

INTRODUCTION

The concept of federalism has been reinforced by the consolidation


of the dogmatic part of state constitutions. The importance and
necessity of the inclusion of catalogs of rights in these sub-national
constitutions has evolved in parallel with the growing complexity
of society, politics and economic development. The importance
of these state rights has been magnified in the context of a global
pandemic, as consequence of the SARS Covid-19 virus. The fragility
of our health, political, economic and social structures has tested
these rights regulations and their effectiveness. What we propose is:
first, to analyze the meaning of the insertion of fundamental rights
in state constitutions. In this sense, sub-national constitutions have
incorporated classic rights, but at the same time have become privileged
repositories of new, “modern” rights (modern state constitutional rights)
(WILLIAMS 2006, 7). The Copernican turn that the “new judicial
federalism” represented, as described by Judge Brennan (BRENNAN
1986, 535), - referring to the interpretation by state courts of the
rights contained in those constitutions, thereby intensifying the legal
protection of citizens with respect to the rights inserted in the federal
Constitution-, has catapulted, rediscovered110, these catalogs of rights
WILLIAMS, Robert. F. (2009), The law of the American state constitutions, New York,
110

Oxford University Press:113. In this work, the evolution of the New Judicial
Federalism is analyzed in detail, from the first stage, marked by the case People vs.
Anderson 493 P. 2d 880 (Cal 1972), in which the California Supreme Court declared
the death penalty unconstitutional after the California Constitution banned cruel and
unusual punishment, and in the early 1980s there was a backlash against it, rejecting
80
and the constitutions in which they are integrated to a relevant position
in the process of federal construction.
Second, to assess the role that these catalogs of rights have played
in a context of global pandemic, taking into account the risks of being
affected by populist demagogies that have led to theorizing about
“weak judicial review” (WALDRON 2006, 1346) as a counterpoint
to the initial judicial promotion of these rights.
Thirdly, to contribute the Spanish reading to this debate: How
have the catalogs of rights in the Statutes of Autonomy contributed
to promote decentralization and open up a federal path in Spain?
(SEIJAS 2017:331)

1. FUNDAMENTAL RIGHTS AT SUBNATIONAL


CONSTITUCIONAL LEVEL: A GENERAL APPROACH

The traceability of the catalogs of rights in the state constitutions


of the United States, and from there the possibility of their extrapolation
to a general model, can be reflected in the following iter (SEIJAS 2019,
271-308). Before the 14th Amendment was included in the Constitution
in 1868, the Supreme Court held that the Bill of Rights did not restrict
the states, but only federal action. In 1897, this trend would be broken
with regard to the expansion to the states of using private property
for public purposes without fair compensation - Chicago B. & Q.R.R.
v. Chicago, 166 U.S. 226, 241 (1897)-. That evolution was reinforced in
1925, when the application of the First Amendment to the states was
contemplated, and consolidated in 1961 -Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643
(1961)-. Between 1962 and 1969, the expansion of the federal Bill of
Rights to the states had a profound impact on American life. The trend
was deeply reversed in the 1970s, when state courts consolidated a legal
framework that afforded greater protection to citizens based on the
state court decisions that went beyond national standards and even reforming
state constitutions to bring such decisions within federal parameters. This stage
was overcome at the end of the 90’s, when the consolidation of the new judicial
federalism and the constant difficulty of jurists to argue their claims in a solvent
way only in the state constitutional law were noticed. The fourth stage, in the
making, would be structured around the need for a dialogue between jurisdictions,
state-federal. (113-134).
81
rights embedded in state constitutions (New judicial federalism). It would
be “a major and highly significant development of our constitutional
jurisprudence and for our concept of federalism”, according to
(BRENNAN 1977, 495). From this historical overview, knowing how
bills of rights operate in state constitutions can be approached from
a three-pronged approach, based on the study of the different State
Constitutions in the United States. This method leads us to contemplate
the dogmatic part of the state constitutions from a formal perspective,
a material approach and, finally, from a prospective vision of them.
It is emerging a General Theory of Rights in state constitutions,
from an inductive methodology that takes as a reference the State
Constitutions of the United States.
Formally, it is common for state constitutional rights to be
integrated into the first article of a State Constitution111, although they
may appear scattered throughout the constitutional text, especially
rights linked to education 112, the environment 113, or legislative
procedure114. The articulation of the different rights is not usually
structured in a hierarchical manner, neither in terms of their guarantees,
nor thematically.
Materially, we could articulate different classifications of state rights.
First, we could distinguish, roughly, between rights that are identical
or similar to those that are constitutionalized at the national/federal
level and those others that represent a space for innovation in the field
of rights and freedoms. In this field we can sustain this difference
qualitatively and quantitatively. In the face of the widespread conviction
of this greater protection (TARR 2004, 94), the federal constitutions
have also introduced restrictions on rights with respect to what is
regulated in the federal Constitution, e.g., the California Constitution
with respect to criminal evidence in criminal proceedings (Article I,
Section 28(1)), although where there is a lower level of protection, “it
is necessary to respect the minimum federal standards” (WILLIAMS
2006, 10). Secondly, we could approach them from a generational
111
Art. 1, Illinois Constitution, with the expression Bill of Rights. Or Bill of Rights,
Art. 1, Louisiana Constitution.
112
Art. 8, §§ 201-213, Mississippi Constitution.
113
Art. 11, Sect. 2, Illionis Constitution.
114
Art. 3, Texas Constitution.
82
perspective (VASAK 1977, 29-32), identifying civil and political rights;
social, economic and cultural rights; and third generation rights linked
to justice, peace and solidarity. In the concrete configuration of each
right we can see its formulation now as both positive rights115, moving
to mandates for government action - a constitutional provision
allocating funds and ordering actions for the protection of health -
and negative rights116 - constitutional restrictions on public powers to
respect religious freedom - limiting the public powers that interfere in
the development of these rights. In this material approach, reference
must also be made to the effectiveness of State constitutional rights.
Unlike federal rights, state constitutional rights contain restrictions on
the actions of individuals117, not just institutions. The courts118 have

115
Art. IX, §1, Idaho Constitution, regarding the right to education, establishes the duty
of the Idaho legislature to establish a uniform and free system of schools, based
on the prius that the stability of a republican form of government (understood
as democratic) depends primarily on the intelligence of the people. The veterans’
group has been the subject of rights and positive actions since the constitutions.
Thus, Art. V § 6 and Art. VII § 18 of New York Constitution. Zackin argues that,
in the face of the liberal tradition that permeates American constitutionalism, a
gap has opened up in favor of positive rights, especially in areas such as education,
worker protection and the environment. ZACKIN, E (2013), Looking for rights in
all the wrong places. Why State Constitutions contain America’s positive rights. Princeton,
Princeton University Press: 106.
116
Article II, § 30b of Colorado Constitution proclaimed a right described as “no
protected status based on homosexual, lesbian, or bisexual orientation,” preventing
any action by state and local public authorities to address a claim or demand for
a protected status based on their status as homosexual or bisexual. Adopted in
1992, it was judicially annulled in 1996. CURRIE, P. (1986), “Positive and Negative
Constitutional Rights,” University of Chicago Law Review 53: 864.
117
Art. I, Sect. 12, Louisiana Constitution (prohibition of discrimination in access to
housing) Art. I, Sect. 19, New Jersey Constitution (right of persons working in the
private sector to organize and make collective complaints).
118
The judicial interpretation of rights has encountered two lines of resistance.
On the one hand, the tensión, referring to US model, between state courts and
the Supreme Court. There is a brake on the interpretation of rights by the state
courts, based on a preferential application of the federal interpretation of rights,
enhanced by the reforms of the state constitutions. See Art. I, Section 12 of Florida
Constitution, amended in 1982. This opens up the second front, the struggle between
the legislative sovereignty of parliaments and the legal sovereignty of the courts,
which has found in these rights a very illustrative framework. State constitutional
decisions applied by the courts have overridden what has been agreed upon by the
83
had a monopoly on the application and supervision of these rights,
which does not prevent them from articulating obligations for the
other public powers, state and local119.
An illustrative glossary of them, following that generational
pattern, is presented as follows. As a starting point, the regulation of
the dignity of the person stands out as the foundation of rights (e.g.,
Louisiana Constitution, Article I, sect. 3), in order to delve deeper into
the guarantees of due process120 and the right to a fair trial121, with

legislature, which in turn can also proceed to overturn judicial pronouncements


based on its power to reform constitutions. A paradigmatic example of this “ball
game” between derived state constituent power, constituted powers, and courts
is illustrated by what is known as Proposition 8, which in California in 2008 would
eliminate the right to same-sex marriage. The starting point is Proposition 22, which
in March 2000 would add section 308.5 to the California family code stating that “only
marriage between a man and a woman is valid and recognized in California”. A
second moment comes in May 2008, when the California Supreme Court rules that
this restriction violates the state Constitution (In re Marriage Cases, 183 P.3d 384
(Cal. 2008). The third step is the reaction to that ruling by a popular constitutional
reform initiative, Proposition 8, eliminates Right of Same-Sex Couples to Marry.
Initiative Constitutional Amendment, which would be approved by 52% of the votes
in a referendum held on November 4, 2008. It would be introduced into Section I,
Sec. 7.5, of California Constitution: “Only marriage between a man and a woman is
valid or recognized in California. That proposition was challenged in court (claiming
that it was a constitutional review, not an amendment for affecting fundamental
rights and its retroactive application), with the answer being that the amendment
was valid and that its application had to be prospective, never retroactive (Strauss v.
Horton, 207 P.3d 48 (Ca. 2009). From that point on, a procedural path began before
state and federal courts that would culminate in 2015 with the ban on same-sex
marriages Obergefell v. Hodges, 135 S.Ct. 2584 (U.S. 2015) - 2010, United States
District Court for the Northern District of California - Perry v. Schwarzenegger,
declaring the ban unconstitutional by Justice Walker; November 2011, California
Supreme Court allows Prop 8 advocates to appeal to the Ninth Circuit, Perry v.
Brown; February 2012, the Ninth Circuit upholds the unconstitutionality of Prop 8;
appeals to the U.S. Supreme Court, where in 2013, the DOMA Defense of Marriage
Act, passed under Bill Clinton in 1996, prohibiting same-sex marriage, is upheld as
unconstitutional, Hollingsworth v. Perry 570 U.S. (2013). SMITH, Alison (2013),
Same-Sex Marriages: Legal Issues, Congressional Research Service 7-5700:18.
119
The novel right to “preserve the freedom to choose a health care system and its
coverage,” introduced in 2011, in Article I, § 21 A of the Ohio Constitution, is
addressed to federal, state or local authorities.
120
Art. II, § 25, Colorado Constitution.
121
Art. I, secc. 7 (a), California Constitution.
84
regard to which the rights of the accused122 are detailed, as well as the
rights of victims123, -prototypical example of horizontal federalism and
dialogue among state constitutions-habeas corpus124, the rights to evidence
and preliminary examinations, and other procedural elements that, since
their classic conception, have also been subject to the incorporation of
contemporary nuances such as “protection against the unreasonable
interception of private communications by any means”125, all under the
maxim of equality before the law126. An interesting attention in State
Constitucions is devoted to personal rights, so it regulates the right to
privacy127, property128, freedom of expression129, religious freedom130,
freedom of assembly131, and petition132. A special mention deserves the
right to abortion, which is regulated from a clear ideological position

122
Art. XII, Massachussets Constitution.
123
Art. I, par. 2 New Jersey Constitution. On the “national wave of protecting victims’
rights,” see WEGLYN, R.E. (1993-1994), “New Jersey constitutional amendments
for victims’ rights: symbolic victory,” 25 Rutgers L.J.:183. The origin of this reformist
trend can be traced back to the year 2009, when Marsy’s Law for all was founded,
which would be inserted into various constitutions, e.g. Oklahoma, where it would
be popularly approved in November 2018 (State Question 794). Its promoter was
Henry Nicholas, whose sister, Marsalee (Marsy) was murdered by her ex-boyfriend
in 1983. Shortly thereafter, he and his mother met the killer who had been released
without any information being passed on to them. From that moment on, they
initiated a process to constitutionally protect the rights of the victims, identifying
a series of state constitutions in which they were not expressly protected. Initially
it was introduced in California, Colorado (art. II, §16 a, introduced in 1992), then
in Montana (where the Montana Supreme Court would overturn it for violating
the separate voting requirement with other amendments), South Dakota, North
Dakota, Illinois, Ohio, Georgia, Hawaii, Idaho and Nevada.
124
Art. I, § 8. Ohio Constitution.
125
Art. I, § 12, Florida Constitution (introduced in 1982).
126
Art. I, § 2 of Michigan Constitution.
127
Art. II, § 8, Arizona Constitution.
128
In addition to a generic right to property, we find subjective explanations of this
right, such as the express protection of the right to property of foreigners or women
- prior to their marriage - (arts. I, § 34 and § 209 of Alabama Constitution).
129
Art. I, § 6, New Jersey Constitution.
130
Art. I, § 7, Ohio Constitution (“Natural and irrevocable right to worship the Almighty
God according to the dictates of his own conscience”). It is inserted in a wider right
that is that of freedom of conscience.
131
Art. I., § 18, New Jersey Constitution.
132
Art. I, § 21, Wyoming Constitution.
85
of the states133. The denial of this right guarantees the constitutional
regulation of a “non right”134. In this negative conception of rights,
constitutional references to slavery are inserted135.
The subjective attention to several groups of people with disabilities
appears in state constitutions, as result of reforms after its original
drafting. Thus, care for people who are deaf, dumb, blind or mentally
challenged is reflected in state constitutions, creating not a subjective
right, but an empowerment for the legislator to act in caring for these
citizens, promoting their education and a more dignified social care136.
Political rights, in particular the right to vote and suffrage137, are the
subject of much attention in state constitutions138. Sometimes, their

133
In Arkansas, the 68th Amendment to its Constitution states that no public funds
shall be provided for the practice of abortion except to save the life of the mother.
134
West Virginia, (Art. VI, Sect. 57). Or the sanctity of unborn life reflected in the
amended Alabama Constitution. November 6, 2018. It has been continued in Act 314
of May 15, 2019, which prohibits all abortions in the state, except those compatible
with a serious risk to the mother’s health. Human Life Protection Act, (https://legiscan.
com/AL/text/HB314/id/1980843).
135
Section I, Sect. 21 of Utah Constitution, which nevertheless continues to leave
room for slavery as a remedy for punishment for the commission of a crime. It
is surprising that until February 2019, a reform process has not been initiated to
remove this reference, which was elaborated using a space provided by the 13th
Amendment to the Constitution that established that “Neither in the United States
nor in any place subject to its jurisdiction shall there be slavery or forced labor,
except as a punishment for crime whereof the person responsible shall have been
duly convicted/guilty. In the debate, this survival was justified as a recourse to
labour shortages, but the tone of the precept was assumed to be obsolete at this
time and not significant enough to reflect the character of the State of Utah. Art.
I § 34 Oregon Constitution, which prohibits slavery and involuntary labor, except
as a punishment for crime
136
Section XI-I (2) Oregon Constitution, “multifamily housing for elderly and
disabled”. Art. XI § 1, Arizona Constitution, provides the constitutional mandate
to make education laws that pay special attention to people who are deaf and blind.
On the mandates of state constitutions in education, see PARKER, E., (2016)
“Constitutional obligations for public education,” Education Commission of the
States, (https://www.ecs.org/wp-content/uploads/2016-Constitutional-obligations-
for-public-education-1.pdf).
137
Art. II, § 5 California Constitution.
138
Missouri Constitution, Art. I, Section 25. “That all elections shall be free and open.
and no power, civil or military, shall interfere at any time to prevent the free exercise
of the right of suffrage.
86
literality deviates from the location in the constitutional bill of rights
and is placed in the organic part when it is regulating the legislative
power139. This constitutional recognition of the right to vote also has an
important ideological dimensión. Sometimes, it introduces modulations
to this right that have a clear political message, such as the power to
require voters to have a reasonable command of the English language,
both oral and written (Article II, § 6 Constitution of South Carolina).
Among the social rights, the careful role that has been given to
education140, health (TARR 2011:17) and labor and trade union
rights141 stands out. Their insertion is usually individualized, outside
the catalogs of rights with which the state constitutions are opened.
In the area of health, the medical use of marijuana, initially legalized
in California in 1996, and constitutionally reflected in Nevada and
Colorado142, has taken on a media dimension. The constitutionalization
of the prohibition of smoking in enclosed places (Florida)143 and the
application of tobacco taxes to finance health protection foundations
(Oklahoma)144 has also had a constitutional reception, as well as
the sanctioning of medical malpractice and the consequent liability
(Florida)145.
Third generation rights find a protagonist in the state constitutionalism
with their insertion through successive reforms. Thus, the majority

139
Thus, in the Utah Constitution, where the secret vote and the use of electoral
machines are regulated, as long as they respect that secret vote. (e.g. Article IV,
Section 8).
140
Art. VIII, Maine Constitution.
141
Of particular relevance is the constitutional regulation of a minimum wage for
women and minors in Article XVI, Section 8 of Utah Constitution.
142
Art. IV, § 38, Nevada Constitution (regulates the use of cannabis for medical
purposes within article IV dedicated to the legislative branch) and art. XVIII, § 16,
Colorado Constitution (within a miscellaneous title, includes the personal use of
marijuana, declaring it legal for people over 21 years of age and subjecting it to a
tax regime similar to tobacco. On November 6, 2018, the State of Missouri would
approve the “amendment 2” regarding the insertion into the Constitution of the
legalization of marijuana for medical purposes, applying a sales tax of 4%, tax
revenues that will be allocated to health services for war veterans.
143
Art. X §§ 20 and 27, Florida Constitution.
144
McCAFFREE, D. Robert (2015), “A Brief History of the Tobacco Settlement in
Oklahoma” (https://www.ajpmonline.org/article/S0749-3797(14)00508-X/pdf)
145
Art. I § 26 Florida Constitution.
87
of state constitutions have inserted the protection of public interest
on natural and environmental resources, although with interesting
differences, from a mere authorization to the legislature to approve
environmental laws146, to the management of a procedure for the
preservation of wildlife, water or various natural resources147. Since
the initial protection in the first constitutions of hunting and fishing
(Vermont, 1777, Rhode Island 1844, California 1910) has evolved to the
recent introduction of constitutional amendments protecting animals148 .
The state’s own political culture has managed to create an space
for itself in the catalog of constitutional rights. Thus, Louisiana stands
out for its consideration of the right to bear arms149 as a “fundamental
right” (Art. I, Sect. 11) or the right to marry exclusively between a man
and a woman (Art. XII, Sect. 15), which after its incorporation into
the constitution would be declared unconstitutional as a consequence
of the Obergefell v. Hodges, 135 S.Ct. 2584 (U.S. 2015); the prohibition
of polygamy or multiple marriages “forever prohibited” (Art. 3 of the
Utah Constitution) or the claim of the English language as a cultural
sign150 . Also the “political ideology” in the roughest sense of the word,
linked to ideological confrontation, has had its constitutional reflection.
Thus, as a reaction to the Affordable Care Act (2010), popularly known
as “Obamacare”, some constitutions (Arizona, Oklahoma) introduced,
in a frankly contentious attitude and rejection of it, the prohibition of
passing laws requiring any person, employer or health care provider to
participate in any health care program151.

146
Art. IV, § 52, Michigan Constitution.
147
Art. XVI de Oklahoma Constitución de creates the Department for the conservation
of natural life. Art. IV § 20, Constitución de California. THOMPSON, B., H. (2006),
“The environment and natural resources”, in TARR, Alan (2006), State constitutions
for the twenty first century, Albany, State of New York Press: 307.
148
Art. XVIII § 12 b, Colorado Constitution.
149
It appears in a large number of constitutions. California Constitution, Art. II, § 13.
150
Art. XVIII of the Arizona Constitution, English as the official language Similar
provisions are found in the constitutions of California, Colorado, or Oklahoma.
Regulation of Spanish has its place in constitutions such as New Mexico’s, Art. X
§ 10, which consolidates the right to education in Spanish.
151
Art. 27 § 2, Arizona Constitution (for the purpose of preserving the freedom of
Arizona citizens to participate in a health program) Identical wording, Art. II-37,
B. 1, Oklahoma Constitution.
88
The constant reform of the state constitutions has allowed its
incorporation into the regulatory current of new generation rights, of
the fourth generation, such as research with human embryonic cells152,
the presence of new technologies in the channeling and adoption of
official decisions (TASLITZ 2002,161), the adaptation of the classic
personal right to privacy to the new situation of intrusion from the
public authorities, configured as authentic subjective rights linked to
state public policies153, among which one of the most vindictive rights
of the new century stands out, the right to water154. However, this
future does not limit the constitutional recognition of rights, which is
left open in its literal sense, assuming that their relationship does not
exempt the consideration of other rights not expressly listed155, a kind
of implicit and prospective broad regulation of rights
Following this analysis, we can argue that the set of these state
rights is, unlike the rest of the content of constitutions, the best crucible
in which to reflect the culture of a state, its fundamental values and
its aspirations and concerns, the constitutional idiosyncrasy. Not in
vain, Emily Zackin (2013:48), recognizes that the study of these State
Constitutions helps to make better interference between the rights
and ideals of a state.

2. SUBNATIONAL STATE RIGHTS IN A PANDEMIC


CONTEXT: BETWEEN HOPE AND FRUSTRATION

The need to use all possible resources to fight Covid 19 has


made us look closely at subnational constitutions and their catalogs
of rights. The strength of health regulation must be matched by the
aggressiveness of the threat. It is necessary to offer the recognition
of a right to health, connected to the imposition of obligations and
152
Art. I Sect. 27 Constitution of Michigan.
153
Art. XI, Sect. 2, Illinois Constitution.
154
Art. 17, Arizona Constitution.
155
Art. I sec. 24 of Louisiana. “Rights not listed. The enumeration in this constitution
of certain rights shall not deny or disparage other rights of individual citizens of
the state. In the same vein, Art. 2, § 29 of the Arkansas Constitution; Art. I § 36 of
Alabama Constitution, which is described as “construction of the bill of rights”
or Art. I § 33 of Oregon Constitution “enumeration of rights not exclusive”.
89
sanctions, a reference institutional support and an effective system of
guarantees (CLARKE 2016, 6). Therefore, we will pay special attention
to see how the right to health is regulated in such state constitutions
and what effectiveness has been derived from it.

2.1. The right to health in State Constitutions

The inclusion of a right in a state constitution implies, firstly,


defining the right to be protected; secondly, giving it content and,
thirdly, providing instruments to guarantee its effectiveness. First of
all, it is necessary to clarify the framework of competence in which
state action in health matters is anchored.
If we take the Constitution of the United States of America as a
reference point, there is no explicit or implicit reference to health as
a right in its articles. Although the Constitutional Preamble includes a
list of the objectives of the Nation, among which is included that of
“promoting the general welfare”, the rights referred to the protection
of life (U.S. CONST. amends. V, XIV) and constitutional protections
the Equal Protection and Due Process Clauses are the constitutional
references to infer a federal protection of health156. The federal

156
Several unsuccessful attempts have proposed the federal constitutional regulation of
specific health protection. President Franklin D. Roosevelt proposed the insertion
of a “Second Bill of Rights” on January 11, 1944, in the framework of the State
of the Union Address, which included the “right to adequate medical care and the
opportunity to achieve and enjoy good health”. President Roosevelt’s proposal
included the following rights: 1.- The right to useful and remunerative work in
the industries, trades, farms or mines of the nation, 2.- The right to an income
sufficient to provide for adequate food, clothing and recreation, 3.- The right of
every agricultural producer to grow and sell his produce and to obtain a return which
will enable him and his family to live a decent life, 4. - The right of every merchant,
large or small, to trade, internally and externally, in an atmosphere free from all
unfair competition or dominated by monopolies, 5.- The right of every family to a
decent home, 6.- The right to adequate medical care and the opportunity to attain
and enjoy good health, 7.- The right to adequate protection against economic fears
arising from age, sickness, accident or unemployment and, 8. It was conceived
as an alternative from liberal democracy to the rights of citizens, a reaction to
the desperation generated after the Great Depression. A detailed study of it can
be found in SUNSTEIN, Cass. R. (2004) The second bill of rights. FDR’s unfinished
revolution and why we need it more than ever. Basic Books. New York. Library of Congress,
90
constitutional rights are negative rights, which do not elude an implicit
constitutional protection of health. From that basis, most federal
health legislation is protected by the spending or commerce power.
From there, in the pattern of cooperative federalism, Congress can
use its spending power to drive state health protections for states over
federal mandates.
The states and their constitutions play a central role in the
protection of health, in accordance with the residual clause attributed
to them by the Constitution157, which grants them competencies in all
matters not assigned to the State. Thus, they have broad powers and
great discretion in the management of these health objectives within
their state policy. Likewise, state constitutions can integrate other
fundamental rights related to health. The constitutionalization of a
right to health protection, a guarantee of a generic individual right,
requires that it be interpreted in an interrelated manner with other rights
such as the right to personal dignity and the free development of the
personality; with the right to life and to physical and moral integrity;
with the right to ideological, religious and religious freedom and with
the right to honor, privacy and self-image. To these could be added,
as a result of the experience we are living with Covid 19, the rights
of assembly, demonstration, or public safety. From all of the above,
it can be affirmed that the protection of health is the consequence of
constitutionally guaranteeing other very personal rights. Courts have
interpreted the states’ reserved powers under the Tenth Amendment to
include police powers, such as the authority to take action in response

2004. 294 pp. A commentary on the book: SUÁREZ CROTHERS,C. (2009), Ius
et Praxis, vol 15, n.º 1, pp. 461-470. Already in the 21st century, on February 13,
2007, Congressmen Jesse L. Jackson, Jr. and Pete Stark proposed a reform of the
Constitution that defended a right to quality and equal health care. Sic. “All persons
shall enjoy the right to health care of equal high quality. 2.The Congress shall have
power to enforce and implement this article by appropriate legislation.” H.J.Res.
30 - 110th Congress: Proposing an amendment to the Constitution of the United
States regarding the right of citizens ...” www.GovTrack.us. 2007. <https://www.
govtrack.us/congress/bills/110/hjres30>
157
The Tenth Amendment to the US Constitution statesthat [t]he powers not delegated
to the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the States, are
reserved to the States respectively, or to the people
91
to a public health emergency158 (GALVA 2005, 21-22). In addition,
obligations must be articulated for the public authorities to provide
the necessary benefits and services for their effective fulfillment. The
aim of this section is to verify how State Constitutions have essentially
dealt with the right to health.
In the United States only thirteen Constitutions expressly
recognize a right to health159. The remaining States have resorted to the
constitutional protection of other subjects, especially persons without
resources or with mental illness, in order to speak of a state right to
health (North Carolina CONST. art. XI § 4). Finally, there has been a
jurisprudential construction of a right to health despite constitutional
silence (New Jersey), assuming that the preservation of health is an
“implied constitutional right” (WEEKS 2010, 1366).

2.2. The definition of a state right to health

A literal approach to the way in which the State Constitutions


regulate the right to health offers a diversified panorama. While some
constitutions create an enforceable right by means of a mandate to
the legislator, others limit themselves to describing it as an important
value of general interest, an objective to be fulfilled by all states.
Similarly, its scope also varies, whether it is defended as a universal
right or its guarantee is limited to state intervention with respect to

158
United States: Federal, State, and Local Government Responses to COVID-19,
November 2020. https://www.loc.gov/law/help/covid-19-responses/us.php#_
ftn54
159
ALA. CONST. art. IV, § 93.12; ALASKA CONST. art. VII, § 4; ARK. CONST.
art. 19, § 19; HAW. CONST. art. IX, §§ 1, 3; ILL. CONST. pmbl.; LA. CONST. art.
XII, § 8; MICH. CONST. art. 4, § 51; MISS. CONST. art. IV, § 86; MO. CONST.
art. 4, § 37; MONT. CONST. art II, § 3; N.Y. CONST. CONST. art. 17, §§ 1, 3; S.C.
CONST. art. XII, § 1; WYO. CONST. art. 7, § 20. Chronologically, we find a wide
dispersion regarding the timing of the constitutional inclusion of these provisions,
which could determine a present wave of constitutional amendments reinforcing
this right. The earliest ones date back to the end of the 19th century, specifically
the first one in 1869. The latest correspond to the two most recent states, Alaska
and Hawaii. The impetus for constitutional reforms to regulate health was in the
late 1930s, as a result of the regulatory response to the Great Depression. That
trend took hold in the 1960s with the Great Society Era.
92
different vulnerable groups. The appellative with which it is described
also varies, from the precision of the establishment of a public health
system (Louisiana or Michigan), to its limitation to a specific health
system for very specific pathologies, such as mental disorders, or to
the use of specific therapies, such as cannabis (Missouri).
The protection of health by subnational constitutions is
configured in accordance with the Schmittian category of “institutional
guarantee”, aimed at the preservation of a certain legal institution,
formed by normative complexes, endowing it with special constitutional
protection. From this derives a specific duty to adopt certain legislation,
with freedom in the configuration of its content (BAÑO 1988, 157).
However, if we return to the field of study of reference, the American
State Constitutions, we can see that there is no uniform pattern.
Formally, the treatment of health in the state constitutions is
not in line with the regulation of a Bill of Rights, thus ensuring its
non-consideration as a fundamental subjective right, of freedom
before the State, which would place its holders in a position of
power vis-à-vis public institutions. The exception that confirms
this rule is the insertion in 1972 in the Constitution of Montana of
the consideration of health as an inalienable right, which, however,
is blurred by regulating it in conjunction with a utopian pursuit
of happiness160. Together with this generality in its recognition, it
would derive from it a negative right, which should be understood
as a prohibition for the State to interfere in the freedom of citizens
to legally protect their health, and not a positive right, equivalent to
an obligation for the public authorities to act.
Another option is to insert, exclusively, health in the preamble,
which would result in cataloging health as a value or principle to be
constitutionally achieved or inspiring the constitutional actions of
the public authorities. It would have a programmatic value, not a
normative one, and therefore it would not generate rights or duties,

MONT. CONST. ART II, § 3. “All persons are born free and have certain inalienable
160

rights. They include the right to a clean and healthful environment and the rights
of pursuing life’s basic necessities, enjoying and defending their lives and liberties,
acquiring, possessing and protecting property, and seeking their safety, health
and happiness in all lawful ways. In enjoying these rights, all persons recognize
corresponding responsibilities”.
93
but it would have an interpretative function of the rest of the articles
of the Constitution (i. e. Illinois).
Very close to this conceptual fragility with which health protection
is conceived in state constitutionalism, we can situate the cataloguing
of the health and well-being of citizens as matters of priority public
interest (Michigan or Missouri)161, a vital interest (Wyoming)162 or a
public concern (South Carolina). However, from this assumption,
the position of health in the constitutions can be strengthened if
a regulatory obligation or an organic projection is derived from it,
through the creation of an Office or Department to ensure the
implementation of this public interest.
It is along these lines that the characterization of state constitutional
regulation of health is consolidated as an institutional guarantee. From
this would derive the constitutional mandate to legislate in order to
protect and promote health. This duty to legislate in order to apply the
constitutional guarantee to health, which would give it an enforceable
character to progressively develop health protection in the respective
State, has also been approached with different degrees of obligatory
nature. As opposed to a discretionary “may” (Louisiana)163, a mandatory
“shall” (it must be done) is imposed (Alaska164, Michigan165), which
is reinforced by the express reference to the legislature’s duty to act,
in States such as Wyoming166 or Mississippi167, which pioneered the
161
MICH. CONST. ART. 4, § 5. “The public health and general welfare of the people
ofthe state are hereby declared to be matters of primary public concern”.MO.
CONST. ART. 4, § 37. “The health and general welfare of the people are matters
of primary public concern”.
162
WYO. CONST. ART. 7, § 20
163
LA. CONST. ART. XII, § 8. “The legislature may establish a system of economic
and social welfare, unemployment compensation, and public health”.
164
ALASKA CONST. ART. VII, § 4. “The legislature shall provide for the promotion
and protection of public health”.
165
MICH. CONST. ART. 4, § 51 “The legislatura shall pass suitable laws for the
protection and promotion of the public health”.
166
WYO. CONST. ART. 7, § 20. “As the health and morality of the people are essential
totheir well-being,... it shall be the duty of the legislature to protect and promote
these vital interests”.
167
MISS. CONST. ART. IV, § 86. “It shall be the duty of the Legislature to provide
by law for the treatment and care of the insane; and the Legislature may provide
for the care of the indigent sick in the hospitals in the State”.
94
introduction of this in the Constitution in 1869, although it limited
the beneficiaries of such a mandate to persons with a mental disease
and those without resources.
In essence, the definition of the state right to health in subnational
constitutions is seen as a constitutional guarantee that derives the
protection and promotion of health to the legislature. It is a mediate
constitutional right. It is directed towards the establishment of a public
health system, as expressly recognized in the Constitutions of Louisiana
(LA. CONST. ART. XII, § 8) or Michigan (MICH. CONST. ART. 4,
§ 51), understood as the promotion of health as a whole, far from
the recognition of an individual right or an enforceable obligation
to achieve a “minimun core” in the protection of health. Health care
at the individual level is deferred to the freedom of all individuals to
manage their own health care system (amendment 864, Constituion of
Alabama), which entails: the prohibition of compulsory participation
in a public or private health care system and the non-obligatory nature
of the State to provide free treatment to those who can afford it or
who have had the foresight to have health insurance168.

2.3. The content of a right to health in state constitutions

Despite this general approach in its legal conceptualization, the


variety and diversity of state constitutions’ regulations on health offers
broad space in which we can identify the main contents of this right.
These contents can be structured around two references: objective
contents - actions to be carried out by the State - and subjective contents
- groups to whom the constitutional protection of health is addressed.
The objective of the constitutional recognition of the protection
of health is transferred to the mandate to the state authorities to provide
themselves with a health system, which means “acquire, build, establish,
own, operate and maintain hospitals, health centers, sanatoria and other

168
Therefore, in order to protect all its citizens, the State must – in the first instance, at
least – provide treatment without cost to the indigent. It does not follow, however,
that it must also furnish free treatment to those who are able to pay or who have
had the forethought to purchase insurance to cover the cost of hospitalization”.
Graham v. Reserve Life Insurance Co. 161 S.E.2d 485, 491 (S.C. 1968).
95
health facilities” (ALA. CONST. ART. IV § 93.12,), Occasionally, the
Constitutions also include specific health centers, on which certain
requirements and guarantees are projected, such as those that dispense
methadone, for the establishment of which the authorization of the
neighbors where it is to be installed is requested, to be requested by
referendum169. In a complementary way to this organic framework, the
constitutions pragmatically enable the resources for their financing and
sustainability. To this end, they enable fiscal and financial measures, such
as the creation of taxes aimed at subsidizing healthcare, the creation
of funds to finance healthcare (i.e. Penny Trust Fund) or the issuance
of public debt and government bonds.
Subjectively, state constitutionalism has presented a configuration
in the form of an inverted pyramid in its consolidation. Historically,
constitutions played a paternalistic, parens patriae role, providing
protection for the health of people with economic or social
problems, such as orphans or the mentally ill. The constitution of
the State of Hawaii, one of the most recent to regulate health care,
adds an extra subjective specificity to these singularized groups,
and that is “eligibility”. Another group constitutionally singled out
is that of public employees, active and retired (Amendment 441,
Constitution of Alabama or art. XIII, § 9 Constitution of Missouri).
Health insurance is regulated for them, which is protected at the
constitutional level, a policy that would be more logical to consider
in ordinary legislation, furthering the widespread conviction that
state constitutions are a container in which everything has a place. In
none of these state constitutions is a universalization of healthcare
imprinted, consistent with this negative conception of the regulation
of the right to health, whereby citizens are not obliged to participate in
Constitution of Alabama (1901): Amendment 814 DeKalb County: Health -
169

Methadone Clinic. Notwithstanding any approval by the state Certificate of Need


Board, no methadone clinic may be located in DeKalb County without prior approval
of the electors in a referendum on the matter. The ballot for the referendum shall
state the physical address where the proposed clinic will be located. Notwithstanding
any prior approval by the state Certificate of Need Board, any methadone clinic
in existence in DeKalb County on the effective date of this amendment may not
continue to operate without approval by the electors in a referendum to be held
within 12 months of the effective date of this amendment. The ballot for the
referendum shall state the physical address where the methadone clinic is operating.
96
a healthcare system, giving full freedom to citizens in the management
of their medical care.
Finally, within this delimitation of the contents of the State
Constitutions in health matters, a territorial dimension can be noted
insofar as the assignment of functions to the local authorities of
that State is contemplated (i. e. art. IX of New York Constitution).
Jurisprudence has indicated that this territorial delegation must be
express stablished170.

2.4. The guarantees

The state constitutions have represented an advance with respect


to what is regulated in the federal constitutions in terms of health
protection. However, their application and efficacy have not led to
greater guarantees and effectiveness. This is the great fragility of rights
in State Constitutions.
The State Constitutions have not incorporated into their
regulations the power to bring specific actions with respect to the
individual or collective protection of the right to health, declining the
opportunity to recognize enforceable rights. This is consistent with the
constitutional conception of a right to health, far from an affirmative
right to state health services.
The justiciability of the right to health regulated in the State
Constitutions as an institutional guarantee should focus on verifying
whether the laws to whose elaboration the Constitution obliges provide
effectiveness to this constitutional object. This is what has been called
“the jurisprudence of consequences” (HERSHKOFF 1999, 1183-
1184). To this end, it is necessary to verify that the positive obligation to
legislate in favor of a progressive implementation of the right to health
has been fulfilled. This verification must be based on the principle of
reasonableness, which implies the adequacy of the measures adopted
within the budgetary limitations that socioeconomic rights entail.

170
In the absence of such a duty, clearly mandated and expressed by the General
Assembly, we hold that no cause of action accrues in favor of a health care provider
against a county” Craven County Hosp. Corp. v. Lenoir County, 75 N.C. App. 453, 460
(N.C. Ct. App. 1985)
97
However, we cannot ignore the risks of this option, which are linked
to different deviations derived from approaches of legitimacy, outside
legality. The common denominator to all of them is that they are an
ideal filter for a populist revision of constitutions, especially state
constitutions. The so-called polycentric judicial review - “a type of
judicial review because it involves a sharing of interpretative authority
with the legislative and executive branches” (RAY 2009, 153-154) or
dialogical judicial review - “healthy partnerships between courts and
governments” (ROACH 2009, 52) which is characterized by implying
a sharing of the interpretative authority of the Constitutions and of
the rights regulated therein between the judiciary, the legislative and
executive branches are two references to be considered. This dialogic
interpretation and application of rights may be considered particularly
suitable for economic and social rights, as it reinforces democratic
legitimacy and the robustness of their application, aspiring to involve
civil society to a greater extent. However, it cannot displace the role
of the courts as guarantors subject to the regulations in force, in this
case the constitutional one, nor can it turn the courts into constituent
legislators. Nor can it dilute the role of the courts, when they become
a guarantee of the survival of the rule of law.
The conclusion is that state constitutions, while providing a
great deal of textual support for health, even stronger than federal
constitutions, have not meaningfully implied in their application greater
guarantees, deepening uncertainty (DEVLIN 1990, 901) and skepticism.

2.5. State Constitutions Responses to COVID-19

The executive has led the constitutional responses of the federated


States to the pandemic, in accordance with the State constitutions’
attribution of supreme executive power to each State171. These
have been mainly infra-constitutionally regulated. One of the most
relevant in the current crisis is the power of governors to implement
quarantines, or lockdowns, of their citizens. That power is generally
delegated to the state’s health department or health agency.
171
The constitutional response to states of emergency follows uniform parameters
(TRICKEY 1965: 290).
98
The regulatory figure with which the executives dealt with the
pandemic were the Orders issued by the various governors (i. e.Ohio
Exec. Order No. 2020-01D (Mar. 9, 2020), declaring a state of
emergency, suspending restrictions on the purchase of materials for
the protection of citizens’ health, articulating anti-covid guidelines
or preventing flatting evictions (i. e. Ill. Exec. Order No. 2020-44
(COVID-19 Executive Order No. 42) (June 26, 2020). From them it
was delegated to the Directors of Departments of Health, charged
with making special Orders for preventing the spread of contagions
or infections diseases which included the limitation of mobility, “stay
at home”, as well as the establishment of penalties (i.e. a fine of not
more than $750 or not more than 90 days in jail). The key element is
delegation between authorities.
The legislators have been sidetracked in this pandemic context,
limiting themselves to drafting laws adapting the existing ones to the
requirements for the prevention of contagion, i.e. in criminal proceedings
(N.Y. Crim. Crim. Proc. Law § 180.65 (Consol. 2020), or ensuring
economic fluidity and sufficiency. Special mention should be made of
those rules that have sought to strengthen the control of executives (2020
Colorado Sess. Laws 1556 (July 14, 2020) An Act concerning legislative
engagement in the management of State operation.
In this institutional game, state constitutions, federalism and
its institutions have shown their fragilities (ABRUCIO 2020, 663),
evidencing that the emergency is not a friend of federalism, nor of
constitutions, particularly State Constitutions (PALERMO 2020, 1).
Some of them have been expressly reformed to meet the needs arising
from the health crisis172. However, the challenge lies in seeing an
opportunity to develop a cooperative political culture, the true essence
of federalism, not necessarily understood as the reinforcement of
centralism and union, as has happened in Brazil, advanced by its own
federal design (SEIJAS 2018, 355).

The constitutional regulation of transparency in administrations. in the Amendment


172

No. 77 to the Constitution of the State of Santa Catarina (Brazil) which, due to
the OVID-19 pandemic, established a “deadline for responses to requests for
information sent by the Assembly Legislative, concerning the monitoring of the fiscal
situation and budget execution and financial measures related to the confrontation
of the pandemic”.
99
3. SPAIN: A SINGULAR PATH TO FEDERALISM

3.1. Spanish virtual and resilient federalism

The long shadow of federalism has been projected over Spanish


State with different degrees of intensity from the very moment
of the creation of the Spanish Autonomous System. However, we
must recognize that the unique substantive reference to federation
in the Spanish Constitution of 1978 is negative: Sec. 145.1 “Under
no circumstances shall a federation of Autonomous Communities
be allowed”. Nevertheless, it is very common that Spain has been
considered federal, especially for foreign academics. According to
Elazar´s description of federalism, “self-rule and shared-rule”, Spain
could be considered a federation or a “federation-in-the making”
(PALERMO 2010: 12) or a protagonist of an “unfulfilled federalism”.
Different substantive features of our system support this
conceptualization: 1.st Spain have a system of shared powers (sec.
148 and 149). 2.nd The process of preparing Statutes of Autonomy
followed a covenant pattern with a keenly felt federal nature especially
according to section 151.2. 3. rd This federal nature is strengthened when
we pay attention to LORAFNA, a Statute of Autonomy especially
endorsed for the Navarra Foral Autonomous Community. 4 th. The
first final clause for closing the system of shared powers is very close
to a federal proposal (sec. 149.3) “Matters not expressly assigned to
the State by this Constitution may fall under the jurisdiction of the
Autonomous Communities by virtue of their Statues of Autonomy”.
5.th The prevalence clause, (sec. 149.3) “State, whose laws shall prevail”.
6. th The system for controlling Autonomous Communities established
by the Constitution is based on legal principles of jurisdiction: Sec.
153. “Control over the bodies of Autonomous Communities shall be
exercised by: 1. The Constitutional Court, in matters pertaining to the
constitutionality of their regulatory provisions having the force of law.
2. The Government, after the handing down by the Council of State
of its opinion, regarding the exercise of delegated functions referred to
in section 150, subsection 2. 3. Jurisdictional bodies of administrative
litigation with regard to autonomous administration and its regulations.

100
4. The Auditing Court, with regard to financial and budgetary matters”.
7.th Finally, the Autonomous Communities participation in State
decisions through the Senate (sec. 69), legislative process (sec. 87.2 and
109) or in planning general economic activity (sec. 131.2).
Reconsidering these features we can maintain that Spain is a
“virtual federal State”, according to the meaning of virtual, “almost
or nearly as described, but not completely or according to strict
definition”. Consequently, we could consider “the federal appearance
of the Spanish Autonomous system”. The hitherto backward-looking
review of Spanish decentralization leads us to the next step. We will
try to outline the main steps to complete a fulfilled federation, the
federal transition in Spain.
In order to do so, we must first highlight that the origin of
regionalization and our virtual transformation into a federal state is
clearly driven by the pressure of certain territories (Catalonia, the
Basque Country in favor of their separation. For this reason one of
the adjectives related to our federalism is resilient, due to the need to
adapt its performance to Spanish peculiarities (SEIJAS 2017, 307).
From a formal point of view, we have two options: a constitutional
reform or a constitutional implementation in a federal sense, federal
reform versus federal mutation (according to Constitutional Law
classic term). The former option will lead us to follow the regulated
process fixed in Title X of Spanish Constitution, “too easy” if we pay
attention to the last reform of sec. 135 in 2011, against which scholars
have argued for a long time. It is important to introduce the reform
of this title including The Autonomous Communities participation
in future constitutional changes. The latter option would consist of
interpreting the Constitution and the States of Autonomy in a federal
way (“deconstitutionalization”). This option has been reinforced from
the VIII and IX Legislatures (2004-2008/2008-2011) until current
times, with the reforms of several Statutes of Autonomy (Valencia,
Aragon, Illes Balears, Catalonia, Andalucia, Castilla and León, and,
finally, Extremadura) where it was included a Charter of Rights, as
subnational Constitutions. This is the key element in our thesis. This
formal appearance as State Constitutions of Spanish Autonomous
Statutes of Autonomy is a clear signal of federalization?

101
3.2. The regulation of rights in the Statutes of Autonomy
as an indicator of federality

Is the statutory regulation of rights an indicator of federalism?


Understanding by federality (BURGESS 2006, 30), how federal is
a federation, the Spanish legal system developed in the Statutes of
Autonomy has admitted the insertion of Rights, a possibility not
foreseen by the Constitution of 1978 (art. 147.2).
The Constitutional Court resolved this question in STC 247/2007,
of December 12, 2007: the possibility that the Statutes of Autonomy
regulate citizens’ rights (FFJJJ 13-17). This possibility is resolved
favorably both with regard to statutory rights and the reference in
the Statutes of Autonomy to constitutional rights and duties, as long
as they are located within two halos of certainty, one negative, which
refers to the limits set by the “respect for equality in the fundamental
legal positions of all Spaniards”, by the “State competence to regulate
the basic conditions that guarantee the equality of all Spaniards in the
exercise of rights and in the fulfillment of constitutional duties” and
by the “exclusive, legislative or, simply, basic legislation competences
that the State has also been attributed by the various rules of art. 149.1
CE, the latter rules highlighting the different degree of homogeneity
that the constituent wanted to be preserved in each of the matters
included in this constitutional precept” (FJ 14) and another positive
one, determined by the granting of legitimacy to these regulations
thanks to their “relationship with some of the competences assumed
by the Autonomous Community” (FJ 15).
The matter aroused an intense doctrinal controversy in Spain
(DÍEZ PICAZO 2006, 63-75 and CAAMAÑO (2007): 33-46). The
situation today is quite different, and very similar to that analyzed in the
federated states. We have a broad regulation of rights at the statutory
level, but a weakness of the guarantees for their application and a
judicial inapplication of these rights. This paradox can be illustrated
by studying the regulation of the right to health.

102
3.3. The right to health in the Spanish Statutes of Autonomy

A textual approach to the specific regulation of the right to health


in the Spanish Statutes of Autonomy offers a broad and generous
vision of the conception of this right, whose attributes are universality
and gratuity173. The Statutes of Autonomy do not hesitate, unlike what
has been analyzed in the subnational constitutions, to incorporate
instruments to guarantee rights. These guarantees are normative,
with the reservation of an autonomous law for the regulation that
develops them; institutional, with the reference to the fundamental
figure of an autonomous ombudsman or the Council of Statutory
Guarantees in Catalonia (art. 38.1 Statute of Autonomy of Catalonia)
and judicial. It is in this area where most doubts have arisen about
the effectiveness of these statutory rights. The reality is that there are
no specific remedies for the protection of autonomous rights. What
173
The Spanish Constitution of 1978 regulates health as a guiding principle of social
and economic policy (art. 43), aimed at guiding and determining the actions of
the public authorities (ATC 221/2009, of July 21, FJ 4), expressive of “a value of
unquestionable constitutional relevance” (ATC 96/2011, FJ 5), which translates into
their obligation “to organize” public health and “protect it through the necessary
measures, benefits and services” (STC 95/2000, of April 10, FJ 3 and 139/2016, FJ
8). This has not prevented the Constitutional Court from hearing, through the Writ
of Amparo, the protection of the right to health, due to its connection with other
fundamental rights, such as the right to physical integrity and life (STC37/2011,
FJ.3). By way of example, Organic Law 14/2007, of November 30, 2007, reforming
the Statute of Autonomy of Castilla y León. Art. 13.2 “Right to health. All persons
have the right to full protection of their health, and the public authorities of the
Community shall ensure that this right is effective. The citizens of Castilla y León
shall have guaranteed access, under conditions of equality, to the health services of
the Community under the terms determined by law. Likewise, they shall be informed
about the services provided by the Health System. The rights and duties of the
users of the health system shall be legally established, including the following: a)
To privacy and confidentiality regarding their own health, as well as access to their
medical records. b) To the regulation of time limits for treatment to be applied to
them. c) To respect for their preferences as regards doctor and center. d) To request
a second medical opinion when so requested. e) To be sufficiently informed before
giving their consent to medical treatment or to express prior instructions regarding
the same. f) To receive adequate treatment and palliative care. Persons with mental
illness, those suffering from chronic and disabling diseases and those belonging to
specific groups recognized by the health authorities as being at risk, shall be entitled
to special and preferential health actions and programs”.
103
is more, if they had been provided, this would be an invasion of the
State’s competence in matters of judicial organization and procedure,
since the State has exclusive competence in matters of procedural
legislation (art. 149.1.6 CE).
Only one Statute, the Catalan Statute, expressly attributed the
protection of these rights to the High Court of Justice of Catalonia (art.
38.2 Statute of Autonomy of Catalonia). The Constitutional Court did
not object to this assignment of the protection of the rights recognized
in its Statute, including the right to health. The Constitutional Court
stated that:
“It does not imply the introduction of “procedural innovations”
nor does it imply an alteration of “the commonly applicable procedural
rules” in matters of protection of rights”, therefore, it considers this
regulation fully in accordance with the Constitution (STC 31/2010,
FJ. 27).
The reality is that there is no special process for the judicial
protection of statutory rights and that its reception in the ordinary
processes for the protection of rights is null and void, neither in the
protection of fundamental rights by the contentious-administrative
jurisdiction (art. 115 et seq.), nor in the Constitutional Court, not
feasible in the field of appeals for protection, but in other processes
that have as a reference the so-called block of constitutionality (art.
28 Organic Law of the Constitutional Court). Consequently, these
statutory declarations of rights are postponed to a representative or
symbolic role (MORCILLO 2012, 142).

FINAL REFLECTION

The study of rights in subnational Constitutions opens up


an infinite field of possibilities for the implementation of the
improvement of citizens’ living conditions guaranteed by the Rule of
Law. What has been detected in this work is an asynchrony between the
textual development of these rights and their effectiveness, between
theory and reality. The revolutionary impulse to the legal relevance of
these rights, personalized in the figure of Brennan, has been diluted
by many pressures. Most of the rights recognized in the Constitutions

104
are socio-economic rights, the implementation of which requires an
increase in state expenditure. This decision is the responsibility of
another power, the legislature, driven in its normative function by
the executive. The vagaries of these powers, especially when they are
populist in nature, definitively condition the constitutional design of
these rights. The two options analyzed are not acceptable. The first
is to convert the state constitutions into ordinary legislation, which
deprives them of their status in the system of sources and in the federal
conception. The second is to regulate rights in a limited way, without a
framework of guarantees for their enforcement, or with dysfunctional
guarantees, as in the Spanish case. The way forward is to consolidate
these rights in the State Constitutions, which can be extended to new
rights, but limiting their regulation to an essential content and a rigorous
framework of guarantees. It is a slow process, but we must agree that
there is no room for involution.
This generic observation has been expressly noted with regard to
the statutory regulation of the right to health. The state constitutions
have made progress in its inclusion, with more or less nuances, starting
from the legal category of institutional guarantee. From there on, the
courts have been very cautious when it comes to deriving subjective
rights, individually enforceable against the public authorities. We are in
a transitional stage in view of the need for progress in this recognition.
The pandemic situation we have lived through must teach us, among
other lessons, the need to consolidate these rights within reasonable
and proportionate parameters.
The Spanish view of this regulation is not very encouraging
either. An attempt has been made to take a formal step towards
federalization, with the inclusion of catalogs of rights in the Statutes of
Autonomy. However, this exciting step forward has been left without
any real application. The Autonomous Communities do not create
fundamental rights, but they do promote policies to implement these
rights. The challenge is to raise the awareness of the legal operators
for the insertion of statutory rights in the processes, especially before
the contentious-administrative jurisdiction. An Hispanic Brennan is
neeeded. We are on the move, but destiny is waiting for us.

105
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109
110
PROTEÇÃO E TUTELA DE MINORIAS
E GRUPOS VULNERÁVEIS NOS
CONSTITUCIONALISMOS FEDERAL E
SUBNACIONAL BRASILEIROS
Geziela Iensue174

“A cooperação social rende mais vantagens do que a cisão entre os grupos


que formam a sociedade” (RAWLS, 2004).

SUMÁRIO: Introdução. 1. Distinções necessárias entre as


noções “grupos vulneráveis” e “minorias”. 2. Proteção dos
“grupos vulneráveis” e das “minorias” na constituição da
república federativa do brasil de 1988. 3. Proteção dos grupos
vulneráveis e das minorias no âmbito normativo subnacional
brasileiro. Conclusões. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A problemática da proteção e tutelajusfundamental aos “grupos


vulneráveis” e às “minorias” – nacionais, estrangeiras, étnicas,
linguísticas ou religiosas, é candente. Diz respeito, sobretudo, ao
reconhecimento aos indivíduos pertencentes a essas parcelas dos
mesmos direitos e garantias, bem como de iguais oportunidades e
paridade de condições que os demais integrantes do corpo social.
Nessa seara, não se revela suficiente somente combater ou mitigara
discriminação e o preconceito. Destarte, urge assegurar o respeito à
identidade do grupo e o acesso aos instrumentos de preservação e de
livre desenvolvimento humano.

174
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora
Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Direitos Humanos, Democracia e
Jurisdição Internacional” (CNPQ/UFMS). Co-coordenadora do Grupo de Pesquisa
“Observatório Constitucional II: Direito Constitucional Subnacional” (CNPQ/
UFMS).
111
Logo, se faz imprescindívela atribuição de direitos e garantias
fundamentais próprios, especiais ou específicos – de caráter institucional
ou individual– assim como, a prescrição ao Estado dessas obrigatórias
incumbências, seja por normas internacionais, seja por normas
constitucionais federais ou subnacionais.Nesse ínterim, inúmeros são
os aspectos atinentes ao constitucionalismo subnacional175 ou estadual
pátrio quesuscitam questões complexase carentes de estudo, dentre
as quais a temática dos direitos e garantias fundamentais estaduais
voltados à proteção dos “grupos vulneráveis” e das “minorias”,e que
aqui será objeto de análise.
O presente capítulo tem por finalidade apresentar um breve
panorama acerca da tutela e proteção jusfundamental voltada às referidas
parcelas sociais nos âmbitosconstitucionaisfederal e subnacional
brasileiros. Busca evidenciar, sobretudo, a relevância das constituições
subnacionais como mecanismoscomplementares à suatutela
jusfundamental.Após uma breve introdução, a primeira parte busca
uma conceituação de“grupos vulneráveis” e “minorias”com destaque
às semelhanças e às diferenças, com vistas a melhorcompreender
tais categorias. Destaca a importância das distinções, precipuamente
no que toca à efetivação da proteção em comento, em especial, via
normatização e adoção de políticas públicas destinadas à proteção
dessas parcelas sociais vulneráveis.
A segunda parte do capítuloapresenta uma análise do texto
constitucional positivo, enquanto protetor das “minorias” (índios,
afro-brasileiros e demais grupos formadores da civilização nacional)
e dos “grupos vulneráveis” (mulheres, família, crianças, adolescentes,
jovens, idosos, presos, consumidores e pobres), enfatizando os direitos
fundamentais e os meios de garantia (defesa), que podem ser tanto
individuais, quanto coletivos e, ainda, difusos. Ressalta a necessidade
de aperfeiçoamento do sistema jusfundamental no tocante ao
reconhecimento de novos direitos, direitos específicos, especiais ou

Segundo GARDNER e MARSHFIELD, o “constitucionalismo subnacional” refere-


175

se à “ ideologia ou a um conjunto de normas constitucionais que promovem os


direitos fundamentais e a separação dos poderes nas unidades político-territoriais
que se situam, sobretudo, imediatamente abaixo do governo nacional”. (GARDNER;
MARSHFIEL apud SAMPAIO, 2019, p. 185). Nesse sentido ainda, GARDNER,
2007; MARSHFIELD, 2012).
112
próprios, assim como a ampliação e a inclusão de novos sujeitos ou
grupos sociais no âmbito de proteção constitucional federal (tais como,
LGBTQIA+s, ciganos, minorias religiosas e outros).
Em seguida, apresenta um panorama comparativo das constituições
estaduais brasileiras no que diz respeito à tutela aos “grupos vulneráveis”
e as “minorias”, com ênfase na presença de direitos e garantias estaduais
coincidentes com, e os para além dos direitos e garantias federais.
Além disso, se há presença de dispositivos ou cláusulas (de abertura,
de reenvio ou geral de reconhecimento e proteção) que permitam
uma espécie de tutela multinível entre as ordens constitucionais
subnacional, nacional e internacional. Por fim, evidencia a relevância
das contribuições normativas subnacionais. (estadual e distrital) para
o reconhecimento de antigos e novos direitos (específicos, especiais
ou próprios), assim como de novas parcelas sociais vulneráveis, em
termos de avanço e caráter complementar e agregador ao sistema
jusfundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988.
A metodologia empregada no presente estudo é qualitativa
quanto à abordagem; além de documental e bibliográfica, quanto aos
procedimentos;e se vale do método descritivo-comparativo.

1. DISTINÇÕES NECESSÁRIAS ENTRE AS NOÇÕES


“GRUPOS VULNERÁVEIS” E “MINORIAS”

Anterior à problematização do objeto de análise em mesa, faz-se


mister apresentar a dificuldade de se estabelecer um consenso acerca
da definição amplamente aceita no tocante às noções “minorias” e
“grupos vulneráveis”, com vistas a melhor compreender como as
ordens constitucionaisnacional e subnacional (estadual e distrital)
buscam tutelar e proteger referidas parcelas sociais. Ademais, isso
implica à adequada e suficiente compreensão do intrincado processo
de construção de um conjunto de direitos diferenciados e/ou políticas
públicas que visam precipuamente combater às desigualdades de
fato. Nesse sentido, afirma O’Donnel que a aplicação dos direitos
das minorias encontra dificuldades “por la falta de uma defición clara y
universalmente aceptadadel término minoria” (O’DONNEL, apudWucher,
2000, p. 43).
113
A noção de “grupo vulnerável” e, por sua vez, a de “minoria”
tem sido compreendida de modos diversos por estudiosos da temática.
Ao tratarem acerca da definição “grupos vulneráveis” e “minorias”,
ora se referem à primeira como espécie da segunda, ora como se a
primeira fosse o gênero do qual a segunda seria a espécie. Além disso,
a espécie “minoria”, geralmente se apresenta subdividida em inúmeras
outras, conforme os traços que os conformam, por exemplo, as
minorias raciais, étnicas, sexuais, religiosas, deficientes, indígenas dentre
outras(BRANDI, CAMARGO, 2013).
Assim, a primeira distinção entre as categorias “grupos
vulneráveis”176 e minorias refere-se à ordem ou classificação, àquela é
gênero, é abrangente, abarca todas as pessoas que estão em posição
inferior ou vulnerável. Quanto à sua natureza, “minoria”177 diz respeito
a um grupo específico interligado por umtraço em comum que os
colocam em desvantagem socioeconômica, logo, o traço cultural
comum presente em todos os membros constitui fator de primordial
interesse e dependência. Diversa é a situação em relação aos grupos
vulneráveis, pois não há um forte apego ao fator de discrímen, o que se
busca essencialmente é a proteção e a garantia do exercício de direitos.
Os “grupos vulneráveis” comumente são definidos como grupos
sociais amplos e gerais, que não necessariamente estão vinculados entre
si por traços comuns, culturais ou de identidade, tais como,as mulheres,
as crianças,os adolescentes, os jovens, os idosos,os presos, os pobres e
os portadores de deficiência, dentre outros. A doutrina elege algumas
características para fins de conceituação dos “grupos vulneráveis”, que
são as seguintes: a) se apresentam, por vezes, como grande contingente;
b) são destituídos de poder; c) mantém a cidadania; d) acima de tudo,
não têm consciência de que estão sendo vítimas de discriminação e
desrespeito e, por fim, e) não sabem que têm direitos (SÉGUIN, 2002).
De outra feita, as “minorias” compõem-se por grupos específicos
de indivíduos associados entre si, por um traço cultural comum. Além
deste elemento específico que os vinculam, algumas características são
compartilhadas por toda e qualquer minoria. São elas, segundo alguns

Também denominados de minoria lato sensu.


176

Minoria stricto sensu como modo de diferenciar de minoria lato sensu, entendida como
177

sinônimo de grupo vulnerável.


114
autores: a) posição de não-dominância na sociedade; b) formação
de comunidades com vistas à proteção de sua identidade cultural; c)
requerem uma proteção estatal diferenciada e, d) experimentam forte
opressão social, econômica e cultural (BRANDI; CAMARGO, 2013).
Para CAPOTORTI, somam-se ao elemento constitutivo da definição
de minoria, a posição de não-dominância, o elemento numérico, o
elemento da cidadania e o elemento da solidariedade entre os seus
membros (CAPOTORTI apud WUCHER, 2000). Por oportuno, cabe
mencionar que tanto a Organização das Nações Unidas178 quanto a
Corte Internacional de Justiça,já manifestaram entendimento que, cabe
àdiscricionariedade de cada Estadoeleger os elementos característicos
das “minorias”. Logo, não há um conceito universal tampouco um
único critério de identificação dessa parcela social.
Ressalta-se que, o critério numérico ou o quantum não se revela
um elemento identificador confiável quanto às minorias. Portanto, no

Nesse sentido, o artigo 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,


178

in verbis, “Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as


pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter,
conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de
professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua”. PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
CIVIS E POLÍTICOS. DECRETO N. 592, DE 6 DE JULHO DE 1992.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.
htm Acesso em: 12 mai. 2021. Conferir também, a Declaração dos Direitos das
Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, religiosas e Linguísticas, artigo
2º - 1. “Pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas têm
o direito de desfrutar de sua própria cultura, de professar e praticar sua própria religião,
de fazer uso de seu idioma próprio, em ambientes privados ou públicos, livremente
e sem interferência de nenhuma forma de discriminação”. Portanto, a descrição
normalmente utilizada de uma “minoria” pode ser resumida como um grupo não
dominante de pessoas que compartilham certas características, étnicas, religiosas,
linguísticas ou nacionais, distintas das características da maioria da população.
ONU. ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DAS PESSOAS PERTENCENTES A MINORIAS NACIONAIS
OU ÉTNICAS RELIGIOSAS E LINGUISTICAS. RESOLUÇÃO N. 47/135
DE 18 DE DEZEMBRO DE 1992. Disponível em: https://www.oas.org/dil/
port/1992%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Direitos%20
das%20Pessoas%20Pertencentes%20a%20Minorias%20Nacionais%20ou%20
%C3%89tnicas,%20Religiosas%20e%20Lingu%C3%ADsticas.pdf. Acesso em: 21
mai. 2021.
115
mais das vezes, compõem-se de um número elevado de pessoas, tais
como, indígenas, negros, dentre outros (BRITO, 2009; SÉGUIN, 2002).
Faz-se necessário, então, a adoção de um critério qualitativo, ou seja,
levar em conta o liame subjetivo de solidariedade entre os membros
com vistas à proteção do objeto de diferenciação. Salienta-se ainda
que, o traço cultural objeto de discriminação delineia a identidade de
cada minoria. (SODRÉ, 2005).
Para SEMPRINI (1999, p. 43) é a experiência de marginalização ou
o sentimento de exclusão que levam “os indivíduos a se reconhecerem,
ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceberem
como um grupo à parte (...)”. Assim, “minoria” se refere a toda
parcela social alijada do exercício de algum direito pelo mero fato
de se distinguir do grupo considerado padrão. Portanto, sob esse
enfoque amplo, a definição de minoria não se restringeapenas àquelas
parcelas que possuem uma base cultural ou política em comum,
abarca também outros grupos sociais que compartilham valores, tais
como, a experiência de marginalização ou o sentimento de exclusão.
Exemplificativamente, mulheres, idosos, homossexuais, dentre outros
(SEMPRINI, 1999, p. 43-44).
Outros autores situam ainda a diferenciação entre “grupos
vulneráveis” e “minorias”, nas denominadas fontes de vulnerabilidades,
extrínseca ou intrínseca. A vulnerabilidade extrínseca advém de fatores
externos, tais como, pobreza, déficit de escolaridade ou ausência de
recursos. Por sua vez, a vulnerabilidade intrínseca tem origem nas
características e peculiaridades individuais, tais como, os extremos de
idade (idosos e crianças) ou os portadores de deficiência ou de doença
grave (ROGERS; BALLANTYNE, 2008).
No que se refere aos objetivos, pode-se afirmar que os “grupos
vulneráveis” almejam principalmente, à garantia de direitos e à
aceitação social.179 Já as “minorias” visam obter o reconhecimento de
que também fazem jus ao direito e, concomitantemente, à garantia de
exercê-los, também procuram articular movimentos sociais com vistas

Conforme a classificação apresentada por WUNCHER (2000) cujas minorias se


179

subdividem em: minoritiesby force e minoritiesbywill, a presente definição de “grupos


vulneráveis” seria equivalente à sua quanto às minoritiesby force que almejam, sobretudo,
o combate à discriminação e à concretização de direitos já assegurados pelas ordens
jurídicas. Neste sentido ainda, BAKATOLA e PIRES apud WUNCHER (p. 48).
116
a participação nas decisões políticas180. Para as “minorias”, a concreção
de políticas públicas que objetivam manter os seus traços culturais e
sua identidade, revelam-se fundamentais.Também cabe pontuar as
inúmeras sobreposições (de vulnerabilidades181) e os entrecruzamentos
sociopolíticos e culturais que podem surgir em relação aos membros
pertencentes às “minorias” e aos “grupos vulneráveis”, os quais
devem ser levados em consideração no reconhecimento, promoção e
concretização dos seus direitos, v.g., mulher, negra e pobre; indígena
homossexual; jovem, negro e deficiente.
Assim, alguns propõem a reformulação conceitual dessas
categorias (minoria e grupo vulnerável), a partir da conjugação do
pleito de reconhecimento e não-discriminação e a concretização de
uma sociedade plural, equânime e participativa, definindo-as como
novos movimentos sociais, novos sujeitos de direitos ou novos sujeitos
históricos (WOLKMER, 2001; NOBREGA, MARTINS, 2009).
Observa-se, por oportuno, que há inúmeros dispositivos constitucionais
e infralegais, que estabelecem políticas públicasvoltadas tanto para as
“minorias” quanto para os “grupos vulneráveis”. Tal é o caso, por
exemplo, das denominadas ações afirmativas ou discriminações
positivas. A partir da adoção de uma definição ampla “ação afirmativa”
é toda distinção instaurada com vistas a minimizar ou eliminar uma
situação de vulnerabilidade decorrente de um quadro de desigualdade
ou discriminação odiosa, por qualquer meio, desde que implique uma
promoção ou favorecimento - tratamento seletivo ou diferenciado –,
dos atingidos pela situação desfavorável em apreço182.

180
SODRÉ, Muniz. Op. cit., p. 16. Equivalem às minorias “bywill” que reivindicam não
somente o direito de não-discriminação, mas também uma revisão das estruturas
sociais e de poder dominantes a partir de medidas tendentes à concretização da
igualdade de fato (WUNCHER, 2000, p. 50-51).
181
“Vulnerabilidade”, refere-se “ao efeito cumulativo de desvantagens individuais,
sociais e políticas, enfrentadas por um determinado grupo e que resulta em relações
sociais e interpessoais desiguais”. (JENSEN, 2015, p. 127).
182
Em outras palavras, é a instauração de uma seletividade com vistas a compensar
ou corrigir uma situação de vulnerabilidade de origem discriminatória ou de
desigualdade socioeconômica, cultural ou de outra natureza. São entendidas
também como discriminações positivas, as disposições orçamentárias favorecidas,
os tratamentos tributários privilegiados, as imunidades e isenções fiscais (JENSEN,
2015). No Brasil pode-se exemplificar, dentre inúmeros outros possíveis, os padrões
117
Cumpre destacar que a despeito de não existir necessariamente uma
relação de identidade conceitual entre as noções em comento, vale dizer,
“minorias” e “grupos vulneráveis”, há vários aspectos compartilhados
por seus membros, tais como, a marginalização social, a discriminação, o
preconceito, a intolerância, a violência em todas as suas formas, a carência
de recursos, de direitos e oportunidades. Assim, é urgente reconhecer
que cada forma de vida importa e garantir a todas e todos “as mesmas
oportunidades de auto-realização humana” (HÖFFE, p. 111).
Por conseguinte, enfrentadas as questões atinentes aos delineamentos
das noções “minorias” e grupos vulneráveis, conclui-sepor ora que,
embora a maioria dos autores indiquem que referidas noçõesestão
baseadas em situações de vulnerabilidades ou assimetrias sociais,
econômicas ou culturais, há distinções entre ambas as categorias
conceituais e transcendem ao mero preciosismo terminológico com
implicações e reflexos concretos. Pois, a diferenciação pode constituir um
norte ao Poder Público no tocante ao reconhecimento de direitos atinentes
às “minorias” e aos “grupos vulneráveis”, assim como à implementação
das ações e políticas públicas adequadas tendentes à proteção e tutela de
direitos de cada uma dessas parcelas sociais vulneráveis.

2. PROTEÇÃO DOS “GRUPOS VULNERÁVEIS” E DAS


“MINORIAS” NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A Constituiçãoda República Federativa do Brasil de 1988, reveste-


se de caráter dirigente, compromissório e programático. Ao constituir
um Estado Democrático de Direito, assumiu o compromisso de
assegurar direitos humanos fundamentais, bem como promover valores
essenciais e supremos como liberdade, igualdade, cidadania, dignidade,

orçamentários mínimos constitucionalmente estabelecidos para gastos orçamentários


com saúde e educação, conforme art. 196, § 2°, art. 212, o tratamento favorecido
às micro, pequenas e médias empresas, conforme estabelece o art.146, inciso III,
alínea “d”, art. 179, a imunidade tributária do papel destinado à confecção de livros,
art. 150, inciso VI, alínea, “d”. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988.
Disponível em: https://bit.ly/1dFiRrW. Acesso em: 29mar. 2021.
118
justiça social, dentre outros, com vistas a atender os anseios sociais.
Além disso, o seu preâmbulo e em seguida os Título I e II, constata-
se a forte tônica e a posição privilegiada dada aos direitos e garantias
fundamentais, os quais compõem um complexo sistema de direitos e
garantias fundamentais expressa ou implicitamente espalhado por todo
texto constitucional (CANOTILHO, 2003).
Cabe destacar, por oportuno, o disposto no §1º, do artigo 5º que
dispõe, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”, que denota também um avanço em termos de
efetivação dos direitos e garantias fundamentais (SARLET, 2007). E,
a cláusula de abertura material prevista no art. 5º, § 2º, que estabelece:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte”. Embora, prevista desde a Constituição de 1891, o texto
constitucional de 1988 ampliou o seu alcance ao abarcar também os
direitos de terceira geração ou dimensão.
São exemplos, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, o direito à paz, o direito à autodeterminação dos povos,
a proteção aos consumidores e outros direitos difusos e coletivos.
Observa-se também que, com a aprovação dos instrumentos
internacionais conforme ao iter procedimental previsto no § 3º do art.
5º - acrescido ao texto constitucional pela Emenda Constitucional n.
45/2004, são considerados direitos fundamentais em sentido formal, os
direitos humanos previstos em instrumentos internacionais ratificados
pelo Brasil183.
Do ponto de vista de uma classificação histórico-cronológica, a
Constituição Federal de 1988 se revela avançada ao consagrar as três
gerações ou dimensões de direitos, ou seja, os direitos civis e políticos

São exemplos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de


183

2007, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 e promulgada pelo Decreto


n. 6.949/2009, bem como o Tratado de sobre o acesso de pessoas cegas a obras
publicadas, de 2013, aprovado pelo Decreto Legislativo n. 261/2015 e promulgado
pelo Decreto n. 9.522/2018). PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.
Decreto n. 6949 de 25 deagosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 12 mai. 2021.
119
(1ª. dimensão), os direitos sociais, econômicos e culturais (2ª. dimensão)
e os direitos difusos e coletivos (3ª. dimensão). A novidade fica por
conta da positivação dos direitos de terceira dimensão, ou direitos de
fraternidade ou de solidariedade, oriundos na segunda metade do século
XX, tendo em vista que as Constituições Brasileiras anteriores (1824
e 1891 – traziam os direitos civis e políticos; os textos constitucionais
de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 – acrescentaram àqueles os direitos
sociais, econômicos e culturais), consagravam apenas os direitos de
primeira e segunda gerações ou dimensões. Portanto, o constituinte de
1988 inova ao prever, ainda que de modo não sistemático, os direitos
de fraternidade ou de solidariedade (GROFF, 2008). Destarte, a Lei
Maior também inova ao encartar no Título II, os “Direitos Sociais”
em capítulo específico que, sob a égide das constituições anteriores
se encontravam esparsos ao longo de seus textos, sinalizando uma
intenção do constituinte em vincular os direitos fundamentais sociais
com os direitos individuais (GROFF, 2008).
Antes de se iniciar as apreciações pormenorizadas quanto à tutela
constitucional federal concedida às minorias e aos grupos vulneráveis,
cabe enfatizar que, ambas estão acobertadas pelo princípio da igualdade
e não-discriminação. Consequentemente, fazem jus a todo o conjunto
de direitos básicos a todas as pessoas, tais como, direito à vida, proteção
aos direitos da personalidade, às liberdades de expressão, de opinião, de
reunião, de associação, dentre outros, concomitantemente à proteção
a certos direitos específicos, tais como, direito coletivo à vida ou à
existência184, direito à identidade e direito às discriminações positivas,
dentre outros.
A Constituição Brasileira de 1988, embora não de maneira
sistemática alberga inúmeros dispositivos destinados à tutela estatal
Conforme estabelece a Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de
184

Genocídio, o direito à existência deve ser complementado com a proteção às


manifestações culturais visando ao completo desenvolvimento humano. A
Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi ratificada
pelo Brasil em 04 de setembro de 1951, e promulgada pelo Decreto n. 30.822
de 06 de maio de 1952. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA
CIVIL. CONVENÇÃO PARA PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE
GENOCÍDIO. Decreto n. 30.822, DE 6 DE MAIO DE 1952. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1952/D30822.html Acesso
em: 12 mai. 2021.
120
especial conferida às “minorias” étnicas, raciais ou religiosas (Índios e
Negros) e aos “grupos vulneráveis” (Família, Crianças, Adolescentes,
Jovens, Idosos, Mulheres, Consumidores, Presos, Pobres, Portadores de
Deficiência). Referidos grupos sociais fazem jus à proteção como forma
de garantir o respeito à dignidade humana, inerente à sua humanidade,
sendo esta, inclusive, um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil de 1988 (art. 1º, inciso III, da CRFB).
Os dispositivos que tratam das“minorias”, levando-se em conta
as suas características gerais, são fundamentalmente os artigos 215
e 216, do Título VIII “Da Ordem Social”, Capítulo III “Da Educação,
da Cultura e do Desporto”, Seção II “Da Cultura”. O artigo 215 impõe
ao Estado o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, bem como apoiar e
incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.185
O artigo 216 preceitua, que o Estado deverá proteger as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras,
e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Obrigando-se ainda a proteger opatrimônio cultural brasileiro, os
bens de natureza material e imaterial, quer individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória
dos diferentes segmentos étnicos formadores da sociedade brasileira.186
Especialmente, as formas de expressão,os modos de criar, fazer e
viver,as criações científicas, artísticas e tecnológicas, bem como as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais eos conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.
É, portanto, dever do Estado brasileiro, garantir a manifestação das
diferentes culturas conformadoras da sociedade brasileira. Referidos
dispositivos asseguram o direito à manifestação das culturas indígenas
e afro-brasileiras, bem como à proteção ao patrimônio dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira. No contexto, adiciona-
se o direito à liberdade de consciência e de crença assegurados no

Cf. art. 215, CFRB/88.


185

Cf. art. 216, CFRB/88.


186

121
artigo 5º, incisos VI e VIII 187. Destarte, a proibição da prática do
racismo considerado, inclusive, nos termos do inciso XLII188, crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.Ressalta-se que,
com exceção a legislação voltada à tutela dos indígenas e negros, no
Brasil, a normatização da proteção sobre as demais minorias étnicas,
tais como, ciganos, judeus, dentre outros grupos minoritários, ainda
é escassa.
No que se refere à tutela e proteção aos indígenas a Constituição de
1988 se revela inovadora, vez que rompe com a repetida e problemática
visão integracionista à comunidade nacional, reconhecendo aos
índios189 o direito de manter a sua organização social, línguas, tradições,
crenças e costumes, ou seja, reconhece aos índios o “direito de ser e de
permanecer sendo índio”. Ademais, assegura o direito originário sobre as
terras que tradicionalmente ocupam190 (ARAÚJO, 2015).
É preciso salientar, quea categoria “grupos vulneráveis” alberga
inúmeras parcelas sociais sob à sua rubrica, como visto. Todavia,
por questões de espaço, a análise aqui desenvolvida se restringirá a
uma panorâmica dos principais dispositivos constitucionais atinentes
187
Art. 5º inciso VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”; inciso VIII - ninguém será privado
de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-
se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei“. Cf. art.5º., incisos VI e VIII,
CFRB/88.
188
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei. Cf. art. 5º., inciso XLII, CFRB/88.
189
A expressão “índios” aqui adotada apresenta um caráter abrangente e plural,
contempla tanto os silvícolas (“primitivos”, habitantes das selvas), quanto àqueles
em processo de aculturação.
190
Cf. art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens”. O artigo 210, § 2º assegura “a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem”. Além disso, o artigo 232 determina a intervenção do
Ministério Público na defesa dos direitos e interesses dos índios. Cf. art. 231, art.
210, § 2 e art. 232, CFRB/88.
122
aos seguintes “grupos vulneráveis”, mulheres, consumidores,
presos,portadores de deficiência, pobres, família, criança,
adolescente, jovem e idoso.
No que diz respeito à proteção constitucional dos direitos e
garantias individuais às mulheres, o artigo 5º, inciso I, prevê a igualdade
entre o homem e a mulher, consagrado no princípio da paridade191 e
o inciso L, assegura tratamento digno às mães presidiárias ao garantir
as condições e permitir que possam permanecer com seus filhos
durante à amamentação.O artigo 7º, incisos XVIII, XX e XXV192
estão assegurados os seguintes direitos sociais: licença maternidade
remunerada, proteção do mercado de trabalho da mulher via ações
afirmativas e assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o
nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas.
Ademais, o inciso XXX proíbe a diferença de salários, de exercício
de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil. Além disso, o artigo 201 assegura o direito das gestantes
em ser garantida a previdência social193. Por fim, o artigo 206, § 7º,

191
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição. Cf. art. 5º, inciso I, CFRB/88.
192
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social: (...) XVIII – licença à gestante, sem prejuízo
do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XX – proteção do
mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da
lei; (...); XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento
até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (...) XXX proíbe a diferença
de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil. Art. 226. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos
para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.Cf. art. 7º, incisos XVIII, XX e XXV; art. 226,
CFRB/88.
193
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios
que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (...) II
- proteção à maternidade, especialmente à gestante. Cf. art. 201, inciso II, CFRB/88.
123
reconhece ao casal, o direito ao planejamento familiar livre baseado
na dignidade e na paternidade responsável.194
Assim, ao se ter em conta a análise da proteção dos direitos
da mulher, é preciso ressaltar o progresso histórico no que tange
à igualdade de gênero e à eliminação de discriminações odiosas.
Como visto, a Constituição vigente garante a isonomia entre homens
e mulheres no seio familiar; veda a discriminação no mercado de
trabalho baseada no sexo feminino e defere proteção à mulher por
meio de regras especiais de acesso195; reconhece a maternidade como
um direito social; assegura o direito das presidiárias de amamentar os
seus filhos; assente que o planejamento familiar é uma decisão conjunta
do casal; determina ser dever do Estado coibir a violência no âmbito
das relações familiares.196
194
A Lei n. 9.263/96 assegura que toda pessoa e o casal possa planejar de modo
livre a sua família, sem quaisquer interferências para o seu exercício dentro
do âmbito privado individual. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
CASA CIVIL. Lei n. 9.263/96, de 12 dejaneiro de 1996. Regula o § 7º do
art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece
penalidades e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l9263.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.263%2C%20
DE%2012%20DE%20JANEIRO%20DE%201996.&text=Regula%20o%20
%C2%A7%207%C2%BA%20do,penalidades%20e%20d%C3%A1%20outras%20
provid%C3%AAncias.&text=DO%20PLANEJAMENTO%20FAMILIAR-
,Art.,observado%20o%20disposto%20nesta%20Lei. Acesso em: 13 mai. 2021.
195
Ações Afirmativas ou Discriminações positivas, ou seja, prevê a adoção de medidas
especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade material entre o
homem e a mulher. São exemplos, o artigo 7º, inciso XX, e o § 3º, artigo 10 da Lei
n. 9.504/97 (Lei das Eleições) que estabelece a reserva de vagas para candidaturas
proporcionais, ou seja, reserva de no mínimo 30% e no máximo 70% de vagas
para cada sexo nas listas partidárias, com vistas a acelerar o acesso das mulheres às
instâncias representativas e aos centros de decisão política. O Brasil adota cotas para
candidaturas de mulheres em nível municipal desde 1995, a Lei n. 9.100/95 previa
que 20% (vinte por cento), no mínimo, da lista de cada partido ou coligação deveria
ser preenchida por candidaturas de mulheres. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
CASA CIVIL. Lei n. 9.504, de 30 desetembro de 1997. Estabelece normas para
as eleições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm.
Acesso em: 13 mai. 2021.
196
Observa-se que a proteção constitucional é complementada pelos avanços e
conquistas positivados na legislação infraconstitucional e nas Constituições
Estaduais, estas últimas serão objeto de análise no próximo item. Quanto à proteção
infraconstitucional, destacam-se o novo Código Civil (Lei 10.406/02), a Lei 8.093/94
124
A obrigatoriedade de tutela e defesa do consumidor aparece
pioneiramente no texto constitucional de 1988, tendo em vista à
ausência de acento da matéria em Constituições anteriores. O legislador
constituinte dispõe expressamente no artigo 5º, inciso XXXII197, que é
dever do Estado a promoção da defesa do consumidor e a criação de
norma infraconstitucional destinadaà tutela do consumidor.
O artigo 48 da Lei Maior em suas Disposições Transitórias
determinou ao Congresso Nacional a elaboração em um prazo de 120
dias, de um Código de Defesa do Consumidor, cuja aprovação somente
ocorreu em 11 de setembro de 1990 por meio da promulgação da Lei
8.078/90.198A Constituição estabelece também no artigo 24, incisos
V e VIII, que compete a União, Estados e Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre a produção e o consumo, bem como acerca
da responsabilidade por danos ao consumidor.199

(inclui o crime de estupro ao rol de crimes hediondos); a Lei n. 9.318/96 (agrava a


pena dos crimes cometidos contra gestante); a Lei n. 11. 340/06 (Lei Maria da Penha
– regulamenta a proibição da violência doméstica) e a Lei n. 13.104/2015 (tipifica
o Feminicídio como homicídio qualificado e o inclui no rol de crimes hediondos).
Paralelamente, no plano internacional vários Instrumentos Internacionais sobre os
direitos das mulheres foram firmados pelo Brasil, exemplificativamente, a Convenção
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da
ONU de 1979, conhecida como CEDAW, ratificada pelo Brasil em 1984; o seu
Protocolo Facultativo (OP-CEDAW) aprovado em 1999 e ratificado pelo Brasil em
2002; e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, a chamada Convenção de Belém do Pará da OEA, ratificada pelo
Brasil em 1995.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Decreto n.
1.973, de 1º deagosto de 1996. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acesso em: 13 mai. 2021.
197
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Cf.
art. 5º., caput e inciso XXXII, CFRB/88.
198
Em termos gerais, a proteção aos consumidores tem por escopo garantir a qualidade
dos bens e serviços, bem como acompanhar, inspecionar e fiscalizar as informações
sobre as características e os conteúdos desses, com vistas a garantir à segurança e
à liberdade de escolha suficiente e justa.
199
Cf. art. 150 § 5º. “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam
esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Cf.
art. 155, § 2º, VII, alíneas “a” e “b”. “Em relação às operações e prestações que
125
Observa-se ainda que a defesa e proteção ao consumidor se faz
presente no capítulo que cuida da Ordem Econômica e Social, o artigo
170, inciso V, insiste acerca da necessidade de defesa do consumidor,
sendo esta de ordem pública e interesse social.Portanto, no âmbito das
relações de consumo resta evidente a opção normativa protetiva do
legislador constituinte ao consumidor.
No que se refere à proteção destinadaàs pessoascom deficiência200,
o artigo 7º, inciso XXXI proíbe qualquer discriminação no tocante
à salários e aos critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência, garantindo o igual acesso ao trabalho. O artigo 37, inciso
VIII, prevê o direito a reserva ao ingresso no serviço público201. O
artigo 196 garante o direito à saúde. No tocante à previdência social
por invalidez, menciona-se o artigo 201, inciso I. O direito à assistência
social assegura ao deficiente a habilitação, reabilitação e inclusão à vida
comunitário e ao benefício mensal (ARAÚJO, 2015).
O artigo 201,§ 1º,202 veda à adoção de requisitos ou critérios

destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-


se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele”. Cf. art. 150,
§ 2º, VII, alíneas “a” e “b” e § 5º, CFRB/88.
200
A evolução conceitual de “deficiência” passou de um modelo do tipo médico para
um modelo de tipo social, mais abrangente e em conformidade com a redação da
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que em seu artigo 1º dispõe
que, “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais
pessoas”. Nesse sentido, também o artigo 2º da Lei n. 13.146/2015, que regulamenta
internamente a referida Convenção. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA
CIVIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13146.htm Acesso em: 13 mai. 2021.
201
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também,
ao seguinte: (...) VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
Cf. art. 37, caput e inciso VIII, CFRB/88.
202
Art. 201. (...) § 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados
para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a
possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral
126
diferenciados para concessão de benefícios em favor dos segurados com
deficiência, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade
de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral
para concessão de aposentadoria. O 203, inciso IV, consagra o direito
à habilitação e à reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária, e o inciso V, garante
o direito a um salário mínimo mensal, desde que comprovada a falta
de meios à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família203.
O direito à educação no artigo 208, inciso III. 204
Destarte, é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar
à criança, ao adolescente e ao jovem portador de deficiência física,
sensorial ou mental, a criação e o acesso à programas de prevenção
e atendimento especializado, bem como à o acesso à bens e serviços
coletivos a fim de melhor facilitar-lhes a integração social.205 O art. 227,
§1º, inciso II, assegura o direito à mobilidade das pessoas portadoras
de deficiência, por meio da eliminação de obstáculos aos logradouros,
edifícios e veículos coletivos já existentes. Destarte, o § 2º do artigo
227 consagra o direito de proteção das crianças e dos adolescentes com
deficiência206. Em suma, a CF/88 no que tange à tutela dos portadores
para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (...) I.
com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por
equipe multiprofissional e interdisciplinar. Cf. art. 201, § 1º, inciso I, CFRB/88.
203
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente
de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) IV - a habilitação e
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à
vida comunitária; V - a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover
a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Cf. art. 203, incisos IV e V, CFRB/88.
204
Art. 208. O dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de: (...) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino; IV - acesso aos níveis mais elevados
de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Cf.
art. 208, incisos III e IV, CFRB/88.
205
Cf. artigo 227, inciso II, CFRB/88.
206
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. §1º- O Estado
127
de deficiência207 avança em termos de proteção e acessibilidade na medida
em que impõe: i) condições trabalhistas igualitárias que observem as
idiossincrasias; ii) respeito e direito à não-discriminação, abandono,
abuso ou violência; iii) acesso ao direito à saúde gratuito, e atendimento
médico especializado; e iv) educação equânime e prioritária; iv) proteção
e acesso ao mercado de trabalho via ações afirmativas; v) investimentos
em acessibilidade e proteção à mobilidade com vistas à eliminação das
barreiras sociais e ambientais existentes208.
Na matéria, se destacam ainda a aprovação da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo
Facultativo por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 09 de julho de
2008209, com status de emenda constitucional. Trata-se, inclusive, do
primeiro Instrumento Internacional de direitos humanos aprovado
nos termos da redação do § 3º, do artigo 5º, segundo o qual, “os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente,


admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes
preceitos: (...) II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para
os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social
do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação
de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. (...) §2º- A lei disporá sobre normas de
construção de logradouros e edifícios de uso público e de fabricação de veículos de
transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência. Cf. art. 227, §1º, inciso IIe § 2º, CFRB/88.
207
No âmbito infraconstitucional sobre o tema vale conferir, a Lei 7.853/89 e a Lei n.
13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
ou Estatuto da Pessoa com Deficiência.PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA
CIVIL. Lei n. 13.146, de 6 dejulho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13146.htm Acesso em: 13 mai. 2021.
208
Exemplificativamente, os projetos adaptados, a comunicação alternativa, a tecnologia
assistida, entre outras ferramentas, que viabilizem à interação e participação na
sociedade, em igualdade de condições, pelas pessoas com deficiência.
209
BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Decreto Legislativo
nº 186, de 09 de julho de 2008.Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Decreto legislativo n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Protocolo
Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.
htm. Acesso em: 12 mai. 2021.
128
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais”. Logo, a equivalência
à emenda constitucional implica, por sua vez, uma nova ótica de
interpretação dos próprios dispositivos constitucionais, bem como
constitui parâmetro para invalidade das normas infraconstitucionais
que lhes sejam incompatíveis.
Nessa toada de tutela constitucional dispensada aos grupos
vulneráveis se faz necessária também a análise da proteção dispensada
à população carcerária brasileira. O artigo 5º da CF/88 elencam
em seus incisos XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LXII, LXII, LXIV,
LXV, LXVI, LXXV e LXXVIII um rol de direitos e garantias a fim
de preservar a dignidade dos indivíduos que estão em regime de
cumprimento de penas privativas de liberdade210. É imprescindível
mencionar que a defesa dos direitos e garantias, a priori, é tanto do
magistrado, quanto do agente do Ministério Público e do Defensor.
E, acrescenta-se o dever institucional de proteção e defesa ao preso

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
210

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade


do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...) XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso
de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de
trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII – a pena será cumprida
em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o
sexo do apenado; (...)LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada; LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou
por seu interrogatório policial; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada
pela autoridade judiciária; LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido,
quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; (...) LXXV – o
Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso
além do tempo fixado na sentença; (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.Cf. art. 5º., incisos, XLVII, XLVIII,
LXI, LXII, LXIV, LXV, LXVI, LXXV e LXXVIII, CFRB/88.
129
pobre ou necessitado à Defensoria Pública, nos termos do artigo 5º,
inciso LXXIV c/c artigo 134 da CF/88211.
Nessa esteira passa-sea análise da tutela constitucional conferida
àqueles considerados em situação de pobreza212. A Carta Política
de 1988, consagra como objetivos primordiais da República,
“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais”, bem como “promover o bem-estar de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação” (art. 3º, III e IV).O artigo 5º, inciso LXXIV,
assegura o direito à assistência jurídica integral e gratuita, bem como
a gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito às
pessoas reconhecidamente pobres.
É garantido também às pessoas consideradas de baixa renda, o
direito à salário-família e auxílio-reclusão aos seus dependentes, conforme
dispõe o artigo 201, inciso IV. Ademais, nos termos do disposto no
§ 12, a lei instituirá sistema especial de inclusão previdenciária, com
alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda,
inclusive os informais, e àqueles sem renda própria que se dediquem
exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência,
desde que pertencentes a famílias de baixa renda.213

211
Mais uma inovação da CF/88 em relação às Cartas constitucionais anteriores ao
criar a Defensoria Pública enquanto “instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Cf. art. 134, CFRB/88.
212
Segundo os dados da síntese de indicadores sociais produzida pelo IBGE, em
2020 havia por volta de 52 milhões de brasileiros vivendo na pobreza (com renda
de US$ 5,50 por dia/ até R$ 436 por mês) e 13,7 milhões de pessoas em situação de
extrema pobreza (àqueles que vivem com US$ 1, 90 por dia/ R$ 151 por mês). A situação
é mais crítica no Maranhão, que tem um a cada cinco moradores na indigência, seguida
pelos Estados de Acre, Alagoas, Amazonas e Piauí.Síntese de indicados sociais: uma
análise das condições de vida da população brasileira: 2020 / IBGE, Coordenação
de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf. Acesso em: 4 de
Mar.de 2021.
213
Art. 201. § 12. Lei instituirá sistema especial de inclusão previdenciária, com
alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda, inclusive os
que se encontram em situação de informalidade, e àqueles sem renda própria que
se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência,
desde que pertencentes a famílias de baixa renda. Cf. art. 201, § 12, CFRB/88.
130
Nesse sentido, o artigo 213, § 1º214, faculta à destinação de bolsas
de estudo para o ensino fundamental e médio, àquele estudante que
comprovar insuficiência de recursos, quando houver ausência de
vagas em cursos regulares da rede pública no local de sua residência.
Destarte, o artigo 203, inciso V, dispõe acercada concessão do benefício
assistencial215 à pessoa com deficiência e ao idoso acima de 65 anos
que vivenciam estado de pobreza/necessidade, garantia constitucional
regulamentada pela Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social)216.
A Constituição Federal de 1988 alberga a tutela à Família, à
Criança, ao Jovem e ao Idoso, no Capítulo VII, do Título VIII.
Segundo expressamente dispõe o artigo 206, a Família é considerada o
núcleo-base social, e faz jus à uma proteção estatal especial. No âmbito
da sociedade conjugal os direitos e deveres devem ser exercidos em
paridade entre homens e mulheres, deve-se também ser considerados
em igualdade de direitos e qualificações os filhos, havidos ou não da

214
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo
ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em
lei, que: (...) § 1º. Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a
bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que
demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos
regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder
Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
Cf. art. 213, § 1º, CFRB/88.
215
O Benefício Assistencial (ou Benefício de Prestação Continuada – BPC) é a
prestação paga pela previdência social que visa garantir um salário-mínimo mensal
para pessoas que não possuam meios de prover à própria subsistência ou de
tê-la provida por sua família. Pode ser subdividido em Benefício Assistencial ao
Idoso, concedido para idosos com idade acima de 65 anos que vivenciam estado
de pobreza/necessidade e no Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência,
destinado às pessoas com deficiência que estão impossibilitadas de participar e
se inserir em paridade de condições com o restante da sociedade e que também
vivenciam estado de pobreza/necessidade. Além disso, após a aprovação do
Decreto n. 8.805/2016, passou a ser requisito obrigatório para a concessão do
benefício a inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico).
216
BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro
de 1993.Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742compilado.htm.
Acesso em: 04 Mar. 2021.
131
relação de casamento ou por adoção, vedadas quaisquer designações
discriminatórias atinentes à filiação217.
O artigo 227 consagra os princípios constitucionais da absoluta
prioridade e da proteção integral ao dispor taxativamente ser dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança, ao Adolescente218
e ao Jovem219, prioritariamente, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária220, assim

217
Cf. artigo 227, caput e §6º, CFRB/88, respectivamente.
218
A proteção infraconstitucional da criança e do adolescente dá-se de maneira
inovadora com a promulgação da Lei n. 8.069/90, denominado de Estatuto da
Criança e Adolescente. O ECA regulamenta os princípios constitucionais da
prioridade absoluta e da proteção integral de crianças (até 12 anos incompletos)
e adolescentes (12 e 18 anos), calcados num modelo de desenvolvimento que
prioriza a defesa, a garantia e a promoção dos direitos desse grupo vulnerável
no Brasil. BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. Lei n. 8.069, de 13
dejulho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8069.htm Acesso em: 05 de mar. 2021.
No plano internacional, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
de 1989, reconhece uma interpretação mais abrangente que a norma interna,
à categoria “criança”, vez que, seu artigo 1º, considera “criança” todo ser
humano menor de 18 anos, reconhecendo-a como sujeito de direitos. BRASIL.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro
de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso
em: 05 Mar. 2021.
219
A Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013, conhecida como Estatuto da Juventude
regulamenta os direitos dos jovens (pessoas entre 15 e 29 anos de idade), os
princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional
de Juventude (Sinajuve). O Estatuto garante inúmeros direitos, tais como, o
direito à saúde, à educação, cultura, esporte, trabalho e outros, levando-se em
conta as necessidades, as trajetórias e diversidades dos jovens. Ademais, tem-
se revelado um importante marco norteador ao estabelecimento das políticas
públicas à juventude. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei n.
12.852, de 5 deagosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe
sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de
juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm.
Acesso em: 05 mar. 2021.
220
O artigo 227, § 3º, dispõe expressamente que o direito a proteção especial destinada
à criança, ao adolescente e ao jovem, compreende os seguintes aspectos: i) idade
132
como salvaguardá-los de toda forma de violência, crueldade, exploração,
negligência e discriminação221.
Assim, pode-se afirmar que o princípio da proteção integral
consagrado pelo texto constitucional, reconhece a criança e ao
adolescente como sujeitos ou titulares de direitos, dotados de absoluta
prioridade, devendo ser respeitada a sua condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Além disso, impõe a corresponsabilidade
da família, do Estado e da sociedade, no que tange à promoção,
garantia e efetivação dos direitos e garantias fundamentais, para além
dos de qualquer adulto, dos direitos específicos decorrentes de sua
condição, prioritariamente, por meio de um tratamento preferencial
e de políticas de inclusão. O Estado deve garantir formas de coibir a
violência intrafamiliar222. Ademais, prevê ainda, o direito à assistência
materno-infantil223. Observa-se ainda que os pais têm o dever de
prestar assistência, criar e educar os filhos menores, assim como os
filhos maiores têm o dever de auxílio e amparo dos pais, na velhice e
em situações de carência ou enfermidade224.
O texto constitucional impõe também à família, à sociedade e ao
Estado o dever de proteção aos idosos, assegurando-lhesa participação
mínima de 14 anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º ,
XXXIII (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, a menores de 18
anos, e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir dos 14 anos) ; ii) garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; iii)
garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; iv) garantia
de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade
na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo
dispuser a legislação tutelar específica; v) obediência aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; vi) estímulo do
Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos
termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente
órfão ou abandonado; vii) programas de prevenção e atendimento especializado
à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
Cf. art. 227, § 3º, CFRB/88.
221
Cf. artigo 227, § 1º, CFRB/88. Além disso, o artigo 227, § 4º, estabelece que a
lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do
adolescente.
222
Cf. art. 226, § 8º, CFRB/88.
223
Cf. art. 227, inciso I, da CFRB/88.
224
Cf. art. 229, caput, CFRB/88.
133
na comunidade, garantindo-lhes o direito à vida, a dignidade e o bem-
estar. O artigo 230, em seu § 1º preceitua que os programas de amparo
aos idosos devem ser executados preferencialmente em seus lares. O
§ 2º do mesmo dispositivo garante aos maiores de sessenta e cinco
anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. O idoso ainda
faz jus, nos termos da lei, ao recebimento de um salário-mínimo de
benefício mensal, quando comprovado não possuir meios de garantir
a sua própria manutenção ou de tê-la provida por seus familiares225,
como já visto.No contexto, cabe mencionar, embora não constitua
um benefício constitucional expressamente assegurado, o benefício
do auxílio emergencial que visa fornecer proteção emergencial (aos
desempregados)226 no período de enfrentamento à crise causada pela
pandemia do Coronavírus (COVID-19).
Por fim, destaca-se que, embora os mandamentos constitucionais
assegurem direitos e garantias fundamentais aos grupos vulneráveis
e às minorias aqui brevemente apresentados, no Brasil, ainda são
marcantes os atos de preconceito, discriminação, intolerância e todas
as formas de violência perpetradas pelo Estado ou sociedade civil, que
atingem inúmeras outras parcelas sociais, tais como, os LGBTQIA+,
os estrangeiros, os defensores de direitos humanos, dentre outros.
É urgente a garantia das liberdades fundamentais básicas ligadas à
identificação, à personalidade, ao nome social, o acesso à informação
e à justiça, assim como a necessária adoção de políticas públicas227
225
Cf. art. 203, V, in fine, CFRB/88.
226
Tem direito ao recebimento do benefício a pessoa maior de 18 anos, ou mãe com
menos de 18 anos, que esteja desempregada ou exerça atividade na condição de
microempreendedor individuai (MEI), contribuinte individual da Previdência Social,
trabalhador informal; que pertença à família cuja renda mensal por pessoa não
ultrapasse meio salário-mínimo (R$ 522,50), ou cuja renda familiar total seja de até
3 (três) salários-mínimos (R$ 3.135,00).
227
As ações do projeto “Territorialização e Aceleração dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável” em 2019/2020 contemplaram um conjunto de
iniciativas em 16 Estados do Brasil, com a participação de 116 municípios. O projeto
é resultado de uma parceria entre a Petrobrás e o Programa para o Desenvolvimento
das Nações Unidas (PNUD) com vistas a colaborar com o fortalecimento de políticas
públicas sustentáveis locais. BRASIL. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO. Territorialização e Aceleração dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/124774-
projeto-de-aceleracao-dos-ods-avanca-em-municipios Acesso em 13 mai. 2021.
134
de acesso à educação, à saúde e ao emprego digno, o aumento da
representatividade em instâncias de poder e prestígio, o acesso e a
regularização do acesso à terra (demarcações e quilombolas), e à
preservação da identidade e patrimônio cultural, de maneira suficiente
e adequada à tutela e proteção de todos/as aqueles/as que compõem
as distintas “minorias” e os “grupos vulneráveis” no país.

3. PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS E DAS


MINORIAS NO ÂMBITO NORMATIVO SUBNACIONAL
BRASILEIRO

Analisada a temática no âmbito federal, passa-se ao estudo da


proteção voltada às “minorias” e aos “grupos vulneráveis”em nível
subnacional, ou seja, estadual e distrital. Por questões de espaço buscar-
se apresentar sem intenção de exaustão e tendo em vista a abrangência
do assunto, apenas um panorama geral, com ênfase àquelas ordens
constituições estaduais das cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste,
Centro-Oeste, Sudeste e Sul) que asseguram avanço ou novidade, ou
seja, direitos e garantias específicos, próprios, não-coincidentes ou mais
abrangentes que o sistema federal de proteção às minorias (índios,
afro-brasileiros e demais grupos formadores da civilização nacional)
e aos grupos vulneráveis (família, criança, adolescente, jovem e idoso,
pobres, presos e consumidores).
No que diz respeito à tutela das “minorias”, é possível notar que
a grande maioria dos textos constitucionais estaduais trazem em seu
bojo, dispositivos voltados a assegurar à diversidade sociocultural, em
especial, a proteção às comunidades indígenas, exceto às Constituições
do Ceará, Piauí e de Minas Gerais. Assim, exemplificativamente, a
Constituição do Amazonas dedica o Capítulo XIII à proteção do
“povo da floresta”,à tutela da população ribeirinha e dos grupos nativos
extrativistas (conforme artigo 251), ela também estabelece no artigo 3º,
§ 13, que “os atos de lesa-natureza, decorrentes de ações ou omissões
que atendem contra o meio ambiente e o equilíbrio do ecossistema,
inclusive em área urbana, e o sistema de vida indígena, serão coibidos
pelo Poder Público e punidos na forma da lei”.A Constituição do
Distrito Federal, consoante o artigo 235, §3º, estabelece o dever de
135
estudo no âmbito escolar acerca da participação e luta indígena no
processo histórico.
De igual modo, a proteção reconhecida aos afro-brasileiros
também é recorrente em diversas Constituições Estaduais. Inclusive,
há previsão de adoção de ações afirmativas de cunho preventivo e
reparatório, com vistas ao combate à discriminação, à promoção à
diversidade, à igualação de acesso a direitos e a oportunidades. São
exemplos, a Constituição do Amapá artigo 332-A ao garantir igualdade
de oportunidade e tratamento na vida social, política, econômica e
cultural;por sua vez, a Lei Orgânica do DFprevê no § 3º do artigo 235,
que o currículo escolar e o universitário contemplem em suas disciplinas
conteúdos sobre as lutas dos “negros”, dos índios, das mulheres e de
outros na “história da humanidade e da sociedade brasileira”, estabelece
também a criação de um Conselho de Defesa dos Direitos do Negro
(art. 24, ADCT).
Ademais, areferido diplomadedica todo o Capítulo X à proteção
da mulher, do negro e das minorias, o artigo 276, incisos, III, IV e
V, preceituam que o Poder Público deverá estabelecer políticas de
prevenção e combate à violência e a discriminação contra a mulher,
o negro e as minorias, especialmente por meio da criação e execução
de programas que visem coibir a violência e a discriminação sexual,
racial, social ou econômica; da vedação de adoção de livro didático
que dissemine qualquer forma de discriminação ou preconceito, já o
artigo 354 do mesmo diploma, considera a data 20 de novembro, Dia da
Consciência Negra, consoante ao calendário oficial do Distrito Federal.
Além disso, o dever estatal de tutela e promoção às manifestações
culturais afro-brasileiras aparece expressamente nasConstituiçõesdos
seguintes Estados, Amazonas(art. 205, VI); Pará(art. 277 § 1°); Bahia
(art. 286); Paraíba (art. 214); Rio Grande do Norte (art. 143 § 1°);
Goiás(art. 163, § 2º); Mato Grosso(art. 248, III, § 1º); Tocantins (art.
138, § 3º); Espírito Santo(art. 181, III) e Rio de Janeiro(art. 322 VII).
Outras Constituições impõem a proteção à cultura afro-brasileira
implicitamente ao assegurar a valorização da diversidade sociocultural e
a proteção à etnia (Ceará, art. 180 § 2º; Maranhão, art. 262; Pernambuco,
art. 180, § 2º; Piauíart. 229, § 3º, V), a preservação de suas tradições e
costumes (Santa Catarina, art. 173, único, VII), das expressões culturais

136
(Rio Grande do Sul, art. 220, § único), proteção ao grupo social
formador da sociedade brasileira ou local (Acre, artigos 201, § 2º; 202;
Roraima, art. 159). Três Constituições, a saber, Constituição do Estado
do Pará, artigo 286 § 2°; Constituição da Paraíba, artigos 252A e B;
e Constituição de Goiás, art. 16, ADCT, estabelecem expressamente
a proteção aos quilombolas; e apenas uma, a Constituição do Estado
da Paraíba, dispõem nos artigos 252A e B, alguma tutela protetiva aos
ciganos (SAMPAIO, 2019).
Por sua vez, no tocante à proteção ao grupo vulnerável
“mulheres”, nota-se umaqueem todas as Constituições Estaduais,
inclusive, na Lei Orgânica do Distrito Federal, à guisa da norma
constituição federal, o resguardo à paridade de gênero, ao acesso
ao mercado de trabalho e à maternidade. Especificamente, no que
diz respeito à proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, algumas
Constituições Estaduais (Amapá, artigo 265; Bahia, artigo 282, III;
Goiás, artigo 153, XIV; Minas Gerais, artigo 190, X; Paraná, artigo
176),por sua vez, asseguram o direito de assistência à interrupção da
gravidez, nas hipóteses admitidas por lei.
A Constituição do Estado do Parágarante no artigo 299, inciso IV,
o acesso gratuito aos métodos contraceptivos naturais ou artificiais. E a
do Estado do Amazonas faculta a mulher a livre opção pela maternidade
assegurando no artigo 186, §1º e § 2º, o direito à assistência ao pré-
natal, parto e pós-parto, o direito de evitar e interromper a gravidez
sem prejuízo à sua saúde, nos casos previstos em lei. Os textos das
Constituições do Rio de Janeiro e de São Paulo, são expressos quanto
à garantida da “autorregulação da fertilidade como livre decisão da
mulher, do homem ou do casal, tanto para procriar como para não o
fazer” (artigo 35 e artigo 223, X, respectivamente).
A Constituição do Piauí estatui a isonomia de direitos entre a mãe
biológica e a adotante, de acordo com o disposto no artigo 252, segundo
o qual “são assegurados às mães adotivas os mesmos direitos garantidos
às mães legítimas, inclusive o de licença maternidade, na forma da lei”.
Ademais, ambas as Constituições dos Estados do Amapá (artigo 330)
e de Mato Grosso do Sul (artigo 254) asseguram à proteção a imagem
social da mulher, “em igualdade de condições com o homem”. A
Constituição pernambucana, por sua vez, impõe como dever do Estado

137
promover e assegurar práticas que estimulem o aleitamento materno
(artigo 223); por fim, A Lei Orgânica do Distrito Federal estatui no
artigo 276, inciso V, a criação e a execução de programas que visem a
assistir gestantes carentes.
Especificamente quanto à questão da violência contra a mulher,
no âmbito privado e familiar e no trabalho, 18 Constituições Estaduais
estabelecem o dever estatal de proteção. São elas: Acre, art. 209 § 2º;
Amapá, art. 329, III; Maranhão, art. 251, II; Piauí, art. 248, § 7º; Rio
Grande do Norte, art. 155; Ceará, art. 185; § 4º; Bahia, art. 281; Distrito
Federal, art. 276; Goiás, art. 170, I; Tocantins, art. 121, § único, I(a);
Mato Grosso, art. 233; Mato Grosso do Sul, art. 253;Minas Gerais, art.
221, § único, III; Espírito Santo, art. 98; Rio de Janeiro, art. 33; Paraná,
art. 215, II; Santa Catarina, art. 186, § único, III e; Rio Grande do Sul,
art. 194 (SAMPAIO, 2019).
Algumas constituições como a do Estado do Rio Grande do Sul
(artigo 139), estabelecem ainda que “todo estabelecimento prisional
destinado a mulheres terá, em local anexo e independente, creche
atendida por pessoal especializado, para menores de até seis anos de
idade (artigo 139). No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Distrito
Federal obriga que o estabelecimento prisional destinado a mulheres
possua creche em tempo integral para os filhos das presidiárias de
zero a seis anos, bem como assegura o direito à amamentação até
completarem, no mínimo, 12 meses de idade” (artigo 123, LODF).
No que se refereà proteção à Família, Criança, Adolescente,
Idosos, Deficientes e Pobres todas as vinte e seis (26) cartas
constitucionais mais a Lei Orgânica do Distrito Federal estabelecem
uma ampla tutela jurídica às referidas parcelas sociais, algumas inclusive,
o fazem em capítulo específico.Há previsão de uma série de direitos
individuais e sociais e de adoção de políticas públicas voltados à tutela
dos membros dessas parcelas vulneráveis. Não obstante, como se verá,
há uma repetição, identidade, ou quase identidade com o rol de direitos
e garantias federal,destacando-se, portanto, o reconhecimento desses
direitos e garantias, e a sua pormenorização pelas ordens constitucionais
subnacionais.
A Constituição do Estado do Amazonas assegura a necessidade
de integração do idoso à comunidade, por meio do acesso a serviços

138
e programas culturais, educacionais, recreativos, inovando quanto à
garantia de reserva de áreas em conjuntos habitacionais destinados
a convivência e lazer; à progressiva extensão da gratuidade do
transporte coletivo urbano às pessoas com idade entre 60 e 64 anos;
ao atendimento e orientação jurídica no que se refere a seus direitos
(272, incisos I, II, III e IV).
Destacam-se ainda, à proteção e defesa aos segmentos da
população de baixa renda, por meio da criação pelo Poder Público
amazonense de alojamento e apoio técnico e social para mendigos,
gestantes, egressos de prisões ou de manicômios, portadores de
deficiência, migrantes e pessoas vítimas de violência doméstica e
prostituídas (artigo 218); b) gratuidade de sepultamento e dos meios
e procedimentos a ele necessários.
A Constituição paraense, prevê o dever estatal de assegurar
a gratuidade em todos os processos e procedimentos judiciais e
extrajudiciais, inclusive expedição de documentos, quando de interesse
de criança, adolescente, jovem e idoso carente (artigo 271, inciso III).
E, a Constituição do Estado de Rondônia, em seu artigo 17, estabelece
direito fundamental estadual e/ou específico em favor das pessoas com
deficiência, ao prever para elas o direito ao transporte público gratuito.
Destarte, a constituição pernambucana garante proteção à
família, à natalidade, amparo às crianças, aos adolescentes e aos idosos
carentes; garante ainda, a gratuidade nos transportes coletivos, urbanos
e intermunicipais, aos portadores de perda total da acuidade visual,
bem assim às pessoas incapacitadas de se locomoverem por si só, seja
por deficiência física ou psicológica; o acompanhamento e orientação
aos superdotados e paranormais; a proteção, orientação e amparo ao
migrante, facilitando sua adaptação e a gratuidade dos serviços funerais
aos comprovadamente carentes (273, incisos II, VII, VIII e IX). A
Constituição pernambucana prevê a proteção aos necessitados, ao
menor abandonado ou desvalido, aos idosos, apresentado novidade
quanto à proteção ao superdotado e ao paranormal (artigo 174).
A Constituição do Maranhão, por sua vez, veda o contingenciamento
das dotações orçamentárias especificamente consignadas para a
educação, a saúde e a assistência social de crianças e adolescentes,
bem assim de manutenção dos Conselhos de Direitos da Criança e

139
do Adolescente e da Assistência Social, como também dos Fundos
a eles vinculados (artigo 252, parágrafo único). A Constituição do
Ceará também inova ao considerar prioritária dentre todas as políticas
governamentais, a redução das taxas de mortalidade infantil em
conformidade com os índices aceitáveis pela Organização Mundial
de Saúde (artigo 280).
Na mesma senda de novidade, aConstituição baiana assegura a
todos o direito dos serviços de água, esgoto e energia elétrica, proibida
a suspensão de tais serviços para àqueles que comprovadamente sejam
considerados incapazes de pagar pelos referidos serviços públicos
essenciais (artigo 4º, inciso VI); na mesma senda, a Constituição do
Estado do Sergipe garante os serviços essenciais à saúde, higiene ou
educação independentemente da disposição de recursos financeiros
(artigo 3º, inciso I).
A ordem constitucional fluminense, prevê a gratuidade dos
serviços públicos estaduais de transporte coletivo às pessoas
portadoras de doença crônica, que exija tratamento continuado e
cuja interrupção possa acarretar risco de vida e aos deficientes com
reconhecida dificuldade de locomoção (artigo 14, incisos I e II). Já a
Constituição paulistana estatui a implantação do atendimento integral
aos portadores de deficiência, de modo regionalizado, descentralizado
e hierarquizado, “abrangendo desde a atenção primária, secundária
e terciária de saúde, até o fornecimento de todos os equipamentos
necessários à sua integração social” (artigo 223, IX).
No mesmo sentido, a Constituição doEspírito Santo expressamente
dispõe no artigo 200, § 1º, que o Estado promoverá conjuntamente com
as entidades não-governamentais, ações de tratamento e de reabilitação
da pessoa com deficiência via sistema estadual de saúde, devendo
“incluir o fornecimento de medicamentos, órteses e próteses como
ação rotineira, com garantia de encaminhamento e atendimento em
unidades especializadas, quando necessário”. A norma constitucional
estadual catarinense, após assegurar os direitos e garantias individuais
e coletivos estabelecidos na Constituição Federal em seu art. 4º, caput,
estatui no inciso II, alínea “d” do mesmo dispositivo, o direito à
gratuidade para os reconhecidamente pobres, ao registro e certidão
de adoção do menor.

140
A Constituição paranaense também inova ao prever em seu artigo
218, que o “Estado subsidiará a família ou pessoa que acolher criança
ou adolescente órfão ou abandonado, sob forma de guarda deferida e
supervisionada pelo Poder Judiciário (...)”. Do mesmo modo, o artigo
225 assegura ao “adolescente carente, vinculado a programas sociais ou
internado em estabelecimento oficial, que esteja frequentando escola
de primeiro ou segundo graus, ou de educação especial”, o direito
a estágio remunerado em instituições públicas estaduais, a título de
iniciação ao trabalho.
De igual modo, é recorrente a previsão de normas constitucionais
estaduais e distrital destinadas à tutela e proteção aos presos e do
sistema prisional. Constituem exemplos as Constituições do Estado
do Amazonas (artigo 3º, §§ 11 e 12); Minas Gerais (artigo 4º, § 7º);
Piauí (artigo 5º, §§ 7º e 8º); Rio de Janeiro (artigo 272); Mato Grosso
(artigo 10, inciso XV); Santa Catarina (artigo 4º, inciso III).
A defesa do consumidor aparece expressamente em praticamente
em todas as constituições estaduais brasileiras, algumas inclusive
dispõem de um capítulo específico sobre a temática, v.g., a Constituição
do Amapá (Capítulo VIII) e do Pará (Capítulo III). A Lei Orgânica
do Distrito Federal, estabelece que a ordem econômica do Distrito
Federal fundada no primado da valorização do trabalho e das atividades
produtivas, deve observar entre outros princípios, o princípio da
defesa do consumidor (art. 158, V). A Constituição Fluminense, por
sua vez, em seu artigo 63 assegura que o consumidor tem direito
à proteção do Estado228. Há na Constituição paraense previsão de
garantias específicas/estaduais no tocante à tutela do consumidor
consoante a redação do artigo 294, inciso III, que impõe ao Estado
o dever de promover a defesa do consumidor, “adotando, dentre
outros, os seguintes instrumentos: (...) III - assistência judiciária para

Artigo regulamentado pela Lei n. 4.129, de 16 de julho de 2003, determina


228

que os supermercados devem divulgar com destaque a data de vencimento da


validade dos produtos incluídos em todas as promoções especiais lançadas por
estes estabelecimentos. RIO DE JANEIRO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei n. 4.129, de 16 de julho de 2003.
Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b03256
4fe005262ef/6e5c4f55bc5d280383256d6a0070a718?OpenDocument Acesso em:
13 mai. 2021.
141
o consumidor carente, especialmente, através da Defensoria Pública”
(artigo 294, inciso III).
Destarte, pode-se verificar o restrito número de textos estaduais
que estenderam à tutela jurídica à outras minorias e grupos vulneráveis.
Exemplificativamente, as Constituições dos Estados do Amazonas
(artigo 218) concede proteção ao migrante (artigo 218), aos ribeirinhos
e grupos nativos extrativistas (artigo 251), a de Pernambuco, por sua vez,
aos migrantes, aos prostituídos, aos paranormais e aos superdotados
(artigo 273, incisos VII e VIII) e a da Paraíba aos ciganos e quilombolas
(artigo 252-A e B), estes últimos são objeto de proteção também das
ordens constitucionais de Goiás (artigo 16, ADCT) e do Pará (artigo
286, § 2º)que proíbe também qualquer tipo de discriminação baseada
em orientação sexual (artigo 3º), assim como a do Espírito Santo
(artigo 12, § 1º), que inclui também a vedação de discriminação de
trabalhadores urbanos, rurais ou servidores públicos, por motivo de
crença religiosa, sexo, cor, idade ou estado civil229.
Para finalizar cabe destacar que, além da previsão expressa à tutela
e proteção as minorias e aos grupos vulneráveis, algumas Constituições
estaduais trazem em seu bojo uma espécie de cláusula de abertura
e/ou de reenvioou cláusula geral de reconhecimento e proteção de
direitos e garantias fundamentais federais230, análoga à contida no §
2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Em termos gerais,
são normas de reenvio formal que tornam possível a conexão entre
as ordens constitucionais federal e estadual (SGARBOSSA, 2019;
ARAÚJO, 2020).
Exemplos das referidas cláusulas podem ser encontrados nas
Constituições dos Estados do Amazonas (artigo 3º.), Rio Grande
229
Constituição do Estado do Espírito Santo, artigo 12. § 1º. No âmbito estadual, além
das vedações previstas na Constituição Federal e nos tratados internacionais vigentes
em nossa Pátria, não será admitida a discriminação dos trabalhadores urbanos, rurais
e dos servidores públicos, ou de seus dependentes, por motivo de crença religiosa,
orientação sexual, sexo, cor, estado civil ou idade, ressalvado, no último caso, os
limites fixados por esta Constituição e pela Constituição Federal. Cf. art. 12, § 1º,
CEES,1989.
230
Diz respeito a uma cláusula geral que expressa o reconhecimento a nível estadual dos
direitos e garantias previstos na ordem constitucional federal, bem como assegura
concomitantemente a sua garantia nos limites das competências dos Estados
(SAMPAIO, 2019).
142
do Norte (artigo 3º), Sergipe (artigo 3º), Piauí (artigo 5º) e Minas
Gerais (artigo 4º, caput). Outras constituições, por sua vez, vão além,
contemplando dispositivos equivalentes à cláusula de abertura material
federal (artigo 5º, § 2º) de remissão à ordem supranacional, constituindo
uma espécie de tutela multinível entre as ordens constitucionais
subnacional, nacional e supranacional. São os casos da Constituição de
Mato Grosso (artigo 10)231 e do Espírito Santo (art. 12)232. Tais previsões
possuem forte vinculação com a análise da temática em mesa, vez que é
possível sustentar que, o rol federal de direitos e garantias constitui um
standard mínimo de direitos, passível de ampliação e complementação
pelas ordens jurídicas subnacionais e internacionais (SILVA, 2011).
Como se pode notar da análise dos principais dispositivos estudados,
não obstante, o constitucionalismo subnacional paulatinamente vem
assumindo um protagonismo e relevância no contexto das federações,
em especial, no que tange à proteção dos direitos, em matérias de
competência concorrente (direitos sociais, econômicos, dentre outros),
não há um avanço significativo no sistema de proteção jusfundamental
voltado à tutela das minorias e dos grupos vulneráveis no âmbito
estadual, posto que, na maioria das vezes, repete – ou seja, por mera
imitação, identidadeou quase-identidade. E,quando inova, isso se dá
precipuamente em matérias de competência concorrente (v.g., direitos
sociais, econômicos, proteção à infância, juventude, portadores de
deficiência),pouco inovandoo rol de direitos e garantias constitucional
federal.

231
Artigo 10 da Constituição de Mato Grosso, assim dispõe que: O Estado de Mato
Grosso e seus Municípios assegurarão, pela lei e pelos atos dos agentes de seus
Poderes, a imediata e plena efetividade de todos os direitos e garantias individuais e
coletivas, além dos correspondentes deveres, mencionados na Constituição Federal,
assim como qualquer outro decorrente do regime e dos princípios que ela adota,
bem como daqueles constantes dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte, (...) . Cf. art. 10 CEMT, 1989.
232
A Constituição do Estado do Espírito Santo dispõe que: “o Estado e os Municípios
assegurarão, em seu território e nos limites de sua competência, a plenitude e a
inviolabilidade dos direitos e garantias sociais e princípios previstos na Constituição
Federal e nos tratados internacionais vigentes em nossa Pátria, inclusive as
concernentes aos trabalhadores urbanos, rurais e servidores públicos, bem como os
da vedação de discriminação por motivo de crença religiosa ou orientação sexual”.
Cf. art. 12, CEES, 1989.
143
Observa-se, por oportuno, que alguns dispositivos constitucionais
subnacionaisforam objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade
- ADIs, sendo inclusive, declarados inconstitucionais pela Suprema
Corte Brasileira.233 Destarte, a Constituição Federal de 1988 impõe que
o reconhecimento de direitos fundamentais pelos textos constitucionais
subnacionais deve observar a questão da repartição de competências
prevista nos artigos 22, 24 e 25. Assim, o poder constituinte decorrente
encontra limitações nos parâmetros normativos federais.
Nessa toada, é urgente o reconhecimento, a proteção e a
concretização das liberdades fundamentais básicas ligadas à existência,
à identificação, à personalidade, ao nome social, o acesso à informação
e à justiça, o aumento da representatividade em instâncias de poder
e prestígio, o acesso e a regularização do acesso à terra (demarcações
e quilombolas), bem como a adoção de políticas públicas de acesso à
educação, à saúde e ao emprego digno,e à preservação da identidade
e patrimônio cultural a todas e todos. Portanto, embora o federalismo
brasileiro seja reputado centralizador, sustenta-se aqui, que os entes
subnacionais podem e devem constituir um espaço de proteção e tutela
às distintas parcelas sociais vulneráveis no país.

Constituem exemplos, o inciso V, do artigo 13 da Constituição do Estado do


233

Rio de Janeiro, declarado inconstitucional por decisão do STF na ADI n. 1221-5.


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. MUNICÍPIO. SERVIÇO FUNERÁRIO. C.F.,
art. 30, V. I. - Os serviços funerários constituem serviços municipais, dado que dizem
respeito com necessidades imediatas do Município. C.F., art. 30, V. II. - Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente”. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro
Sepúlveda Pertence. Plenário, 09.10.2003. - Acórdão, DJ 31.10.2003. Disponível
na integra em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1608252.
Acesso em: 11 de mar. de 2021. De igual sorte, o artigo 286, segundo o qual, “ao
servidor público que não tenha cônjuge, companheiro ou dependente, legar a pensão
por morte a beneficiários de sua indicação, respeitadas as condições e a faixa etária
previstas em lei para a concessão do benefício a dependentes”. STF - ADIN -
240-6/600, de 1990. “EMENTA: - Por preterir a exigência de iniciativa exclusiva
do Chefe do Poder Executivo para a elaboração de normas que disponham sobre
servidores públicos e seu regime jurídico, de acordo com o art. 61, § 1º, II, c, da
Constituição Federal; e, ainda, por ultrapassar a ordem de beneficiários inscrita no
art. 201, V, da mesma Carta, é inconstitucional o art. 283 (atual 286) da Constituição
Fluminense, ao facultar o legado da pensão por morte, a pessoas que não satisfaçam
àquelas condições de dependência”. Disponível na íntegra em: http://portal.stf.jus.
br/processos/detalhe.asp?incidente=1496760. Acesso em: 11 de mar. de 2021.
144
CONCLUSÕES

Apesar da distância que ainda separa o Estado brasileiro quanto à


prestação da tutela e proteção efetivas aos membros das “minorias” e
dos “grupos vulneráveis”, avanços estão sendo gestados e alcançados,
o que se revela alvissareiro em uma sociedade que se pretende plural
e democrática. O simples reconhecimento da existência das inúmeras
e variadas parcelas sociais vulneráveis pelas ordens constitucionais
federal e estadual,bem como a busca de adoção de instrumentos e
estratégias de solução às suas demandas, já representam um relevante
passo rumo à concretização da igualdade material (igualdade de direitos,
de reconhecimento, de acesso aos recursos, às oportunidades) e ao
pleno desenvolvimento humano.
No tocante às reflexões sobre os delineamentos das noções
“minorias” e “grupos vulneráveis”, conclui-se que embora a maioria
dos autores indiquem que tais conceitos compartilham as situações
de vulnerabilidades ou assimetrias sociais, econômicas ou culturais;
há distinções entre ambos os conceitos que transcendem ao mero
preciosismo terminológico com reflexos e implicações concretas.
Tal diferenciação pode constituir um norte ao Poder Público para o
reconhecimento de direitos específicos, próprios, assim como à adoção
de ações e de políticas públicas destinadas às “minorias” e aos “grupos
vulneráveis”, tais como, as ações afirmativas.
O texto constitucional federal, como visto, estabelecea proteção
à diversidade como corolário do princípio da igualdade e não-
discriminação. Logo, os integrantes tanto das minorias quanto dos
grupos vulneráveis, fazem jus ao sistema de direitos e garantias
fundamentais reconhecidos a todas as pessoas (v.g., o direito à vida, à
proteção aos direitos da personalidade, às liberdades de expressão, de
opinião, de reunião, de associação, dentre outros), concomitantemente
à proteção a certos direitos específicos, tais como, direito coletivo à
vida ou à existência, direito à identidade e direito às discriminações
positivas, dentre outros.
Assim, emboranão de maneira sistemática a Constituição Federal
de 1988 alberga inúmeros dispositivos destinados à tutela estatal
especial conferida às “minorias” étnicas, raciais ou religiosas (Índios e

145
Negros) e aos “grupos vulneráveis” (Família, Crianças, Adolescentes,
Jovens, Idosos, Mulheres, Consumidores, Presos, Pobres, Portadores
de Deficiência). Ademais, taisparcelas sociais fazem jus à proteção
como forma de garantir o respeito à dignidade humana, inerente à sua
humanidade, sendo esta, inclusive, um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil de 1988 (art. 1º, III, da CRFB).
Quanto à panorâmica desenvolvida junto ao direito estadual
subnacional, pode-se observar que a proteção aos grupos vulneráveis
e às minorias se inseremprecipuamenteno âmbito dos Títulos sobre
os direitos e as garantias individuais (em quase dois terços das ordens
constitucionais subnacionais), e está presente, em menor número (cerca
de um terço delas) nos títulos cujas matériasse relacionam com a ordem
econômica e social, ao meio ambiente e temas correlatos.
A análise evidenciou que, as ordens constitucionais subnacionais
apresentam uma proteção pormenorizada em relação à ordem federal,
no que tange à paridade de gênero, ao combate à discriminação e à
violência contra a mulher, alguns textos, inclusive, salvaguardam os
direitos sexuais e reprodutivos, e o direito à interrupção da gravidez,
nas hipóteses legais permitidas.
Destarte, a maioria das constituições estaduais brasileiras contemplam
dispositivos que destacam a importância da contribuição dos indígenas e
dos afro-brasileiros à formação identitária e cultural nacional. No tocante
à proteção à Família, Criança, Adolescente, Idosos, Deficientes e Pobres,
em geral, todas as vinte e seis (26) cartas constitucionais mais a Lei
Orgânica do Distrito Federal, contêm um considerável rol de direitos e
garantias fundamentais, várias, inclusive, com capítulos e títulos exclusivos
destinados à salvaguarda dos referidos grupos vulneráveis.
Ademais, se pode observar que algumas constituições estaduais trazem
em seu bojo uma espécie de cláusula de abertura e/ou de reenvio ou cláusula
geral de reconhecimento e proteção de direitos e garantias fundamentais
federais, análoga à contida no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de
1988. Portanto, sustenta-se que, o rol federal de direitos e garantias constitui
um standard mínimo de direitos, passível de ampliação e complementação
pelas ordens jurídicas subnacionais e internacionais.
Em termos gerais, pode-se verificarque a despeito da relativa
criatividade de algumas ordens constitucionais subnacionais, não há

146
um avanço significativo no que tange ao sistema de proteção e tutela
voltada às minorias e aos grupos vulneráveis.Pois, na maioria das vezes,
as disposições constitucionais estaduais repetem(ou seja, por mera
imitação, identidade ou quase-identidade)a proteçãojusfundamental
conferida pela Constituição Federal 1988.
E,quando as Constituições estaduais inovam, o fazem notadamente,
ao detalhar matérias de competência concorrente (tais como,direitos
sociais e culturais, proteção à infância, à juventude, aos portadores
de deficiência, às mulheres e aos idosos), pouco modificando, aliás,o
sistema de direitos e garantias constitucional federal. Além disso,
pode-se constatar que alguns dispositivos constitucionais subnacionais
que reconheceram direitos e garantias específicas,foram objeto de
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) sendo declarados
inconstitucionais pela Suprema Corte Brasileira.
Destacou-se a necessidade de aperfeiçoamento do âmbito de
proteção constitucional federal no tocante ao reconhecimento de
novos direitos, direitos específicos, especiais ou próprios, assim
como à ampliação e inclusão de novas parcelas sociais. A análise
também revelou o restrito número de textos estaduais que estendem
à tutela jurídica à outras minorias e grupos vulneráveis transcendendo
raramente àqueles protegidos pela ordem federal.
Por fim, constatou-se que a Constituição Federal de 1988
impõe o reconhecimento de direitos fundamentais pelos textos
constitucionais subnacionais com observância à questão da repartição
de competências prevista nos artigos 22, 24 e 25. Assim, o poder
constituinte decorrente encontra limitações nos parâmetros normativos
federais. Por conseguinte, embora o federalismo brasileiro seja reputado
centralizador, os entes subnacionais podem e devem constituir um
espaço de proteção e tutela adequada e suficiente às “minorias” e aos
“grupos vulneráveis” existentes no país.

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154
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS
BRASILEIRAS
José Adércio Leite Sampaio234
Christiane Costa Assis235

Sumário: 1 Introdução; 2 Apontamentos sobre o federalismo


brasileiro; 3 Direitos fundamentais no constitucionalismo
subnacional; 4 Conclusão; Referências.

1. INTRODUÇÃO

A organização político-administrativa do Estado pode adotar


diferentes configurações. As mais usuais são o Estado Unitário
e a Federação, sendo esta segunda adotada no Brasil. A literatura
constitucional e política costuma diferençar a federação das outras
formas de Estado pela competência constitucional que possuem as
entidades subnacionais, especialmente os extratos de segundo nível
(estados-membros, cantões, comunidades, regiões, dentre outros nomes
por que são designados). Embora definidas e, portanto, limitadas pela
Constituição Federal, elas não dependeriam da vontade do legislador
federal ordinário (PRÉLOT, 1972, p. 235 e ss., 252; FAVOREU, 2006,
p. 433).
As limitações impostas pelo texto federal variam consideravelmente
de um para outro Estado federal. De toda forma, é nos domínios
da federação que, pelo menos, em tese, mais se pode falar em
“constitucionalismo subnacional”, pois se, é nela, que mais bem se
apresenta a autonomia constitucional das unidades federativas, é de se
234
Pós-Doutor em Direito pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha). Doutor
e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor da Pós-
graduação Stricto Sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais e da Escola Superior Dom Helder Câmara. Procurador da República. Email:
joseadercio.contato@gmail.com.
235
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora da
Universidade do Estado de Minas Gerais. Email: assischris@gmail.com.
155
esperar que mais se tenha espaço de desenvolvimento dos elementos
que caracterizam o ideário do constitucionalismo de limitação de poder
e garantia de direitos fundamentais (SAMPAIO, 2002; 2013).
O presente artigo tem como objetivo analisar as constituições
das unidades subnacionais brasileiras tendo como foco o tratamento
dos direitos fundamentais. Para tanto, o trabalho realizará um estudo
comparado adotando-se a revisão bibliográfica. Inicialmente o artigo
apresentará os contornos do pacto federativo no texto constitucional
de 1988. Em um segundo momento, a atenção se voltará para as
constituições dos Estados brasileiros.

2. A P O N TA M E N TO S S O B R E O F E D E R A L I S M O
BRASILEIRO

O federalismo consiste em forma de Estado marcada pela


descentralização constitucional do poder em diferentes níveis.
Tradicionalmente a distribuição de competências ocorre entre os níveis
federal e estadual, sendo esta forma conhecida como federalismo
dual. No Brasil, adotou-se um modelo de federalismo cooperativo,
formado por três unidades assimétricas. A União detém a maioria
das competências e o município, embora tenha recebido autonomia
no texto constitucional de 1988, oscila entre uma identidade de ente
federativo pleno e de mero desdobramento político-territorial dos
estados.
A repartição de competências entre os entes é pautada pela
predominância de interesses. Enquanto algumas competências são
exclusivas outras são compartilhadas exigindo maior interação. Nas
competências materiais comuns é necessário haver cooperação não
sendo possível que nem a União nem outros entes federados atuem
isoladamente. Nas competências legislativas concorrentes é necessário
haver coordenação entre os entes cabendo a cada um decidir dentro
da sua esfera de poder ainda que exista certa prevalência do direito
federal (BERCOVICI, 2002, p. 15).
Os Estados que se autoproclamam federais se dividem em dois
grupos: os que preveem a elaboração de uma Constituição subnacional
e os que a proíbem. Entre os sistemas que preveem expressamente
156
a autonomia constitucional subnacional, há diferenças importantes.
Há, por exemplo, os que “obrigam” e os que “facultam” a elaboração
do texto constitucional pelas unidades subnacionais. O Brasil é um
exemplo dos que impõem um dever de autoconstituição. O Art. 25
da Constituição federal reconhece a autonomia constitucional dos
Estados-membros; e o Art. 11 do ADCT estabelece o prazo de um
ano, contado de 5 de outubro de 1988, para as assembleias legislativas
estaduais elaborarem a Constituição de seus Estados (BRASIL, 1988).236
Outra diferença importante encontrada nos sistemas federais, em
que há o reconhecimento expresso da autonomia constitucional, é o
espaço deixado ao exercício dessa autonomia. Há Constituições federais
que praticamente esgotam o temário do constituinte subnacional,
enquanto outros estabelecem apenas princípios gerais de organização.
Entre os extremos, há uma graduação significativa (MARSHFIELD,
2011, p. 1160-1161) e no Brasil preordena-se muito.

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONSTITUCIONA-


LISMO SUBNACIONAL

Os direitos fundamentais são o centro ou, pelo menos, um dos


principais eixos do constitucionalismo (SAMPAIO, 2013; 2015). Seu
reconhecimento formal pelos Estados constitucionais é a regra, embora
existam exceções notáveis (SAMPAIO, 2019). O “constitucionalismo
subnacional” é definido como uma ideologia e um conjunto de norma
constitucionais que promovem os direitos fundamentais e a separação
de poderes na unidades político-territoriais que se situam, sobretudo,
imediatamente abaixo do governo nacional (GARDNER, 2007, p. 3;
MARSHFIELD, 2011, p. 1153). É de se esperar que nas federações,

O Distrito Federal detém essa autonomia: “A Lei Orgânica [do Distrito Federal]
236

equivale, em força, autoridade e eficácia jurídicas, a um verdadeiro estatuto


constitucional, essencialmente equiparável às Constituições promulgadas pelos
Estados-membros”: ADIMC n. 980-DF. Rel. Min. Celso de Mello., j. 03/02/1994.
A situação dos municípios desperta polêmica. Há quem a negue, por ser o município
um elemento político-territorial dos estados-membros. (ARAÚJO; NUNES
JÚNIOR, 2011, p. 333). Em sentido oposto, pelo seu reconhecimento no texto da
Constituição federal (art. 29, e art. 11, § único, ADCT). (FERRARI, 1994, p. 39;
MEIRELLES, 2001, p. 84). Veja-se, por exemplo, RE 590829/MG, j. 5/mar./2015.
157
ele seja mais desenvolvido, em virtude de ser nelas em que as unidades
subnacionais, especialmente de segundo nível como estados-membros,
Länder ou cantões, possuem autonomia constitucional. (ELAZAR,
1991, p. xv; STEPAN, 1998; HORTA, 2010, p. 329-330). É nelas
que a Constituição federal – e não o legislador ordinário – prevê sua
existência e os espaços que lhe são deixados, o que não sucede, por
exemplo com os Estados unitários e descentralizados (PRÉLOT, 1972,
p. 235 ss, 252; BADÍA, 1976; FAVOREU, 2006, p. 433)237.
O tratamento dispensado pelo constituinte estadual no Brasil aos
direitos fundamentais tem nuances que merecem análise. Em nove
estados, a Constituição não os prevê em título, capítulo ou artigo
próprios nem sequer em remissão à Constituição federal: Acre, Alagoas,
Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul238, Pernambuco, Rondônia, São Paulo
e Tocantins. A remissão está presente nos demais. A inexistência da
remissão, no entanto, não quer dizer que haja silêncio constitucional
absoluto sobre o tema, pois os direitos são reconhecidos como
princípio ou tarefa do estado.239 Tratamento, aliás, que não é muito

237
Distinção assumida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional da Itália (2007) e
da Espanha. Se, em 2007, chegou o TC espanhol a considerar que os estatutos das
autonomias eram produto de um procedimento “constituinte” complexo, envolvendo
a comunidade autônoma e o Estado, compondo o “bloco de constitucionalidade”;
em 2010, considerou-os “leis orgânicas” se a hierarquia necessária a integrar aquele
bloco (ESPANHA, 2007 e 2010). Na Itália, a situação seria a mesma: os estatutos
não seriam Constituições: DELLEDONE; MARTINICO, 2009.
238
A Constituição sul-matogrossense faz menção como fundamentos ao respeito
aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, à dignidade da
pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, II a
IV) e, como objetivos fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária,
sem quaisquer formas de discriminação; e garantir o desenvolvimento estadual;
III - reduzir as desigualdades sociais. (art. 3º, I e III).
239
Assim, em Alagoas (Art. 2º É finalidade do Estado de Alagoas, guardadas as diretrizes
estabelecidas na Constituição Federal, promover o bem-estar social, calcado nos
princípios de liberdade democrática, igualdade jurídica, solidariedade e justiça,
cumprindo-lhe, especificamente: I – assegurar a dignidade da pessoa humana, mediante
a preservação dos direitos invioláveis a ela inerentes, de modo a proporcionar idênticas
oportunidades a todos os cidadãos, sem distinção de sexo, orientação sexual, origem,
raça, cor, credo ou convicção política e filosófica e qualquer outra particularidade ou
condição discriminatória, objetivando a consecução do bem comum); São Paulo (artigo
2º: A lei estabelecerá procedimentos judiciários abreviados e de custos reduzidos para as
ações cujo objeto principal seja a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais);e
158
distinto de alguns que a fazem como Paraná240, Rio Grande do Sul241
e Roraima242, além do Distrito Federal (art. 3º, I). As consequências
práticas, ao fim, são as mesmas.
A referência à Constituição federal pode, portanto, cingir-se à
definição dos direitos consagrados como elemento principiológico,
objetivo ou de fundamento do estado (Paraná, Rio Grande do Sul
e Roraima) ou do Distrito Federal. Em quatorze, todavia, dedica-se
um capítulo ou título ao assunto: Amazonas, Bahia, Espírito Santo,
Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande
do Norte, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. A técnica
constituinte de capítulo ou título próprios, por sua vez, pode não
importar mais que a mera remissão à Constituição federal.
No Maranhão, por exemplo, o Título II sobre “Direitos e
Garantias Fundamentais”, contém dois artigos, um, realmente,
relacionado a direitos (“é assegurada, no seu território e nos limites de
sua competência, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais,
nos termos da Constituição Federal” - art. 4º). O outro trata de
proibições federativas semelhantes às que se encontram no Art. 19
da Constituição federal243. Assim também em Roraima, o Título II
em Tocantins (art.. 2º, I - garantir os direitos dos indivíduos e os interesses da
coletividade e, ainda, a defesa dos direitos humanos e da igualdade, combatendo
qualquer forma de discriminação); e no Mato Grosso do Sul (art. 1º O Estado de
Mato Grosso do Sul tem como fundamentos: I - a preservação da sua autonomia
como unidade federativa; II - o respeito aos princípios fundamentais estabelecidos
na Constituição Federal; III - a dignidade da pessoa humana).
240
Art. 1°. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa
do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo
político e tem por princípios e objetivos: I - o respeito à unidade da Federação, a
esta Constituição, à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias
fundamentais por ela estabelecidos.
241
Art. 1º - O Estado do Rio Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma
indissolúvel, da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de
sua autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos individuais,
coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e reconhecidos pela
Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de seu território.
242
A remissão, em Roraima, é apenas à igualdade: “Art. 4º Todos são iguais perante a
Lei, nos termos da Constituição Federal”.
243
Art. 5º - É vedado ao Estado e ao Município: I – estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter, com eles ou
159
é dividido em dois Capítulos, cada um com um artigo. No primeiro,
dispõe-se que todos são iguais perante a lei nos termos da Constituição
federal (art. 4º); no outro, proclama-se que são “direitos sociais: a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma do disposto na Constituição Federal” (art. 5º).
Alguns textos, que fazem remissão à Constituição federal,
dedicam-se a resguardar os direitos dos presos (Amazonas, art. 3º, §§
11 e 12; Bahia, art. 4º, X a XIV; Minas Gerais, art. 4º, § 7º; Paraíba, art.
3º, §§ 8º e 9º; Piauí, art. 5º, §§ 7º e 8º; Rio Grande do Norte, art. Art.
4°; Rio de Janeiro, art. 27244; Santa Catarina, art. 4º, III245; Sergipe, art.
3º, §§ 7º a 10º) e prevenir e reprimir abuso da polícia (Sergipe, art. 3º,
VI; Mato Grosso, art. 10, XV); a reforçar a vedação de discriminação
das pessoas por origem, raça, cor, gênero, orientação sexual, crença
religiosa ou convicção política ou filosófica (Espírito Santo, art. 3º, §
único; Paraíba, art. 3º, § 3º; Mato Grosso, art. 10, III; Rio de Janeiro,
art. 9º, § 1º; Santa Catarina, art. 4º, IV; Sergipe, art. 3º, II)246, por vínculo
ou relação político-partidária (Rio Grande do Norte, art. 6º247) ou por
litigar contra o estado (Amazonas, art. 3º, § 8º; Bahia, art. 4º, IV; Mato
Grosso, art. 10, V; Minas Gerais, art. 4º, § 3º; Pará, art. 5º, § 3º; Piauí,
art. 5º, § 3º; Rio de Janeiro, art. 18; Sergipe, art. 3º, XXI);
Está também previsto o respeito do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade (Pará, art. 4º); à intimidade (Rio

seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da


lei, a colaboração de interesse público; II – recusar a fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
244
Inclui a garantia de liberdade, salvante flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (art. 29).
245
“O sistema penitenciário estadual garantirá a dignidade e integridade física e moral
dos presidiários, facultando-lhes assistência espiritual e jurídica, aprendizado
profissionalizante, trabalho produtivo e remunerado, bem como acesso aos dados
relativos a execução das respectivas penas.”
246
A garantia também aparece na Lei Orgânica do Distrito Federal (art. 2º,parágrafo
único).
247
Art. 6°. A lei coíbe a discriminação política e o favorecimento de partidos ou
grupos políticos pelo Estado, autoridades ou servidores estaduais, assegurando
ao prejudicado, pessoa física ou jurídica, os meios necessários e adequados à
recomposição do tratamento igual para todos.
160
de Janeiro, art. 22), à liberdade de consciência e crença (Rio de Janeiro,
art. 22, § 1º); a garantia do exercício do direito de propriedade (Mato
Grosso, art. 10, VIII), de reunião (Bahia, art. 4º, III; Rio de Janeiro,
art. 23; Sergipe, art. 3º, III248) e de outras liberdades constitucionais
e a defesa da ordem pública, da segurança pessoal e dos patrimônios
público e privado (Amazonas, art. 3º, § 6º; 249 Mato Grosso, art. 10,
XIV; Minas Gerais, art. 4º, § 6º; Paraíba, art. 3º, § 6º; Piauí, art. 5º, §
6º); bem como a assistência religiosa e espiritual a doentes, reclusos
ou detentos (Bahia, art. 4º, XVII; Pará, art. 5º, § 5°).
Nalgumas Constituições, há a garantia expressa do devido processo
legal (Rio de Janeiro, art. 25), do direito a um advogado e gratuito, se
necessitado (Bahia, art. 4º, VIII; Rio de Janeiro, art. 30; Sergipe, art. 3º,
XX), à razoável duração do processo judicial ou administrativo (Bahia,
art. 4º, XVIII; Espírito Santo, art. 6º-A; Piauí, art. 5º, § 9º), indenização
integral aos condenados por erro judiciário e àquele que ficar preso
além do tempo fixado na sentença (Sergipe, art. 3º, XXIII). No Rio de
Janeiro, há uma proclamação reiterada de respeito à dignidade humana
como se lê no Art. 8º: “Todos têm o direito de viver com dignidade”.
Na raramente, imputam a responsabilidade administrativa da
autoridade que, por omissão, tornar inviável o exercício dos direitos
(Amazonas, art. 3º, § 1º; Bahia, art. 4º, II; Espírito Santo, art. 6º; Mato
Grosso, art. 10, II; Minas Gerais, art. 4º, § 1º250; Pará, art. 5º, § 2º;
Paraíba, art. 3º, § 1º; Piauí, art. 5º, § 1º; Rio de Janeiro, art. 10; Santa
248
Como dever de proteção da polícia: as autoridades policiais assegurarão a livre
reunião e as manifestações pacíficas, individuais e coletivas.
249
A redação do dispositivo todavia é digna de atenção “A força policial só poderá
intervir para garantir o exercício do direito de reunião e demais liberdades
constitucionais, bem como a defesa da ordem pública e do patrimônio público e
privado e a segurança pessoal, cabendo responsabilidade aos agentes pelos excessos
que cometerem”. É a mesma do Piauí (art. 5º, § 6º). O parágrafo 10º do Amazonas
repete a Constituição federal: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas,
em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente”.
250
“Incide na penalidade de destituição de mandato administrativo ou de cargo ou
função de direção, em órgão da administração direta ou entidade da administração
indireta, o agente público que deixar injustificadamente de sanar, dentro de noventa
dias da data do requerimento do interessado, omissão que inviabilize o exercício de
direito constitucional”.
161
Catarina, art. 4º, I) ou, mesmo por ação, atentar contra os direitos
(Mato Grosso, art. 4º, IV; Minas Gerais, art. 4º, § 8º; Pará, art. 5º, § 1°.).
No campo dos direitos políticos a maioria dos textos estaduais
repete sucintamente a Constituição federal com sua dominância
do processo democrático representativo e formas excepcionais de
intervenção popular por meio do plebiscito, referendum e iniciativa
popular. Em alguns deles, porém, há um reforço à democracia
participativa e direta. Merecem lembrança o texto amazonense251,
baiano,252 do Espírito Santo,253 do Pará254 e, em tom mais programático,
o do Rio de Janeiro255. O acesso à informação é uma característica
251
Art. 7º. A sociedade integrará, através de representantes democraticamente
escolhidos, todos os órgãos de deliberação coletiva, estaduais ou municipais,
que tenham atribuições consultivas, deliberativas ou de controle social nas áreas
de educação, cultura, saúde, desenvolvimento socioeconômico, meio ambiente,
segurança pública, distribuição de justiça, assistência e previdência social e defesa
do consumidor.
252
Art. 64 - Será garantida a participação da comunidade, através de suas associações
representativas, no planejamento municipal e na iniciativa de projetos de lei de
interesse específico do Município, nos termos da Constituição Federal, desta
Constituição e da Lei Orgânica municipal. Parágrafo único - A participação referida
neste artigo dar-se-á, dentre outras formas, por: I - mecanismos de exercício da
soberania popular; e II - mecanismos de participação na administração municipal
e de controle dos seus atos.
253
Art. 4º Todos têm direito a participar, pelos meios legais, das decisões do Estado
e do aperfeiçoamento democrático de suas instituições, exercendo a soberania
popular pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, além do plebiscito, do
referendo e da iniciativa popular no processo legislativo. Parágrafo único. O Estado
prestigiará e facultará, nos termos da lei, a participação da coletividade na formulação
e execução das políticas públicas em seu território, como também no permanente
controle popular da legalidade e da moralidade dos atos dos Poderes Públicos. Art.
5º Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático na formulação e execução
das políticas e no controle das ações governamentais através de mecanismos que
garantam a participação da sociedade civil.
254
Art. 7°. Através de plebiscito, o eleitorado se manifestará, especificamente, sobre
fato, medida, decisão política, programa ou obra pública, e, pelo referendo, sobre
emenda à Constituição, lei, projetos de emenda à Constituição e de lei, no todo ou
em parte. § 1°. Pode requerer plebiscito ou referendo: I - um por cento do eleitorado
estadual; II - o Governador do Estado; III - um quinto, pelo menos, dos membros
da Assembleia Legislativa. Dispõe, entretanto, o § 2°: A realização do plebiscito ou
referendo depende de autorização da Assembleia Legislativa.
255
Art. 1º - O povo é o sujeito da Vida Política e da História do Estado do Rio de
Janeiro. (...). Art. 4º - O Estado do Rio de Janeiro é o instrumento e a mediação da
162
recorrente nas Constituições dos estados, como em Alagoas (art.44,
IX), Amazonas (art. 3º, § 5º), Bahia (art. 31, § único, II), Espírito Santo
(art. 23, XII), Mato Grosso (arts. 10, XI; e 16), Minas Gerais (art. 4º,
§ 5º), Pará (arts. 29, II; 193, § 3°256), Paraíba (art. 3º, § 5º), Paraná (art.
27, § 4º, II), Piauí (arts. 5º, § 5º, e 6º), Rio Grande do Norte (art. 7º),
Rio Grande do Sul (art. 23), Rio de Janeiro (arts. 19 e 20), Roraima (art.
26), Santa Catarina (art. 18, II) e Sergipe (art. 3º, XII e § 5º).
Os direitos sociais, econômicos e culturais, por sua vez, têm
tratamento disperso em todos os textos estaduais e, em alguns, são
reconhecidos em capítulo ou artigo próprios, a exemplo do Amazonas,
Espírito Santo, Mato Groso, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio
de Janeiro e Roraima. Na Bahia, Goiás e Maranhão, encontram-se
dentro da “ordem econômica e social”; em Minas Gerais, Pará, Paraná,
Santa Catarina e Sergipe, integram a “ordem social” e, no Ceará, as
“responsabilidades culturais, sociais e econômicas”257. Os direitos
trabalhistas raramente têm destaque, seja pelo extenso elenco federal,
seja pela competência da União para legislar sobre direito do trabalho
(art. 22, I). Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará e Rio de
Janeiro avançam sobre esse tema em alguns dispositivos.
No Amazonas, assegura-se a dignificação do trabalho e a garantia de
piso salarial adequado e justo (art. 4º, VII); a fiscalização da observância,
por parte de todos, das condições de trabalho estabelecidas em lei (art.
4º, VII); o direito de creche aos filhos de trabalhadores de empresas que
desfrutem de benefícios fiscais ou financeiros estaduais ou municipais
e possuam número de empregados superior a cem, bem como de
qualquer empresa com número de empregados superior a duzentos (art.
8º); e ainda a liberdade sindical e a greve (art. 5º). Essa dupla de direitos
também está presente na Constituição do Rio de Janeiro (arts. 40 e 41).
soberania do povo fluminense e de sua forma individual de expressão, a cidadania.
(...).
256
A qualquer entidade ou pessoa ligada à defesa dos direitos humanos, é garantido o
acesso a dados, informações, inquéritos judiciais e extrajudiciais, inclusive militares,
sobre violência e constrangimento ao ser humano. (art. 195, § 3°).
257
Numa redação menos adequada, pela sua dubiedade, a Lei Orgânica do Distrito
Federal os reconhece no âmbito da assistência social: “A assistência social é dever do
Estado e será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
a seguridade social, assegurados os direitos sociais estabelecidos no art. 6º da
Constituição Federal” ( art. 217).
163
A liberdade sindical ainda é resguardada no Espírito Santo (art. 13) e no
Mato Grosso (art. 12). No Pará, assegura-se que ninguém poderá ser
penalizado, especialmente com a perda do cargo, função ou emprego,
quando se recusar a trabalhar em ambiente que ofereça iminente risco
de vida, salvo quando inerente à atividade exercida e desde que seja
dada a devida proteção (art. 5º, § 4°). Assim também, dispõe-se que
nenhuma pessoa poderá ser submetida a condições degradantes de
trabalho ou a práticas análogas ao trabalho escravo, seja em ambiente
doméstico ou rural, nem a qualquer outro constrangimento que não
os provenientes do ordenamento constitucional da União e do estado
do Pará. (art. 5º, § 6°)
O texto fluminense é um dos mais detalhados no tratamento
dispensado aos direitos sociais. Dispõe o parágrafo único do Art. 8º: “É
dever do Estado garantir a todos uma qualidade de vida compatível com
a dignidade da pessoa humana, assegurando a educação, os serviços de
saúde, a alimentação, a habitação, o transporte, o saneamento básico, o
suprimento energético, a drenagem, o trabalho remunerado, o lazer e as
atividades econômicas, devendo as dotações orçamentárias contemplar
preferencialmente tais atividades, segundo planos e programas de
governo”.
A gratuidade dos serviços públicos estaduais é assegurada em alguns
textos constitucionais, normalmente, repetindo-se as hipóteses previstas
na Constituição federal. Noutros, vai-se além. No Rio de Janeiro, aplica-
se ao transporte coletivo e aos portadores de doença crônica, que exija
tratamento continuado e cuja interrupção possa acarretar risco de vida;
ou de deficiência com reconhecida dificuldade de locomoção (art 14). Na
Bahia, “comprovada a absoluta incapacidade de pagamento, definida em
lei, ninguém poderá ser privado dos serviços públicos de água, esgoto
e energia elétrica” (art. 4º,VI). No Espírito Santo e Sergipe, a dicção
constitucional de tão ampla pode gerar dubiedade. De acordo com o
texto capixaba, “ninguém poderá ser privado dos serviços públicos
essenciais” (art. 9º). Em Sergipe, lê-se que “ninguém será prejudicado
no exercício de direito, nem privado de serviço essencial à saúde, à
higiene e à educação, por não dispor de recursos financeiros” (art. 3º,
I). A depender do alcance interpretativo, a gratuidade pode estender-se
a todos os domínios dos direitos fundamentais.

164
O direito do consumidor, da criança, do adolescente, do idoso e a
proteção ao meio ambiente, de regra, como um direito fundamental, são
encontrados em todas as Constituições dos estados. Chama a atenção,
ainda, o apelo à diversidade social e às minorias. Há dispositivo de
proteção às comunidades indígenas em quase todas elas, com exceção
do Ceará, Minas Gerais e Piauí. No Rio Grande do Norte, restringe-se
às suas manifestações culturais (143,§ 1°). No Distrito Federal, impõe-
se que sejam estudadas nas escolas as lutas dos índios nos processos
históricos (art. 235, § 3º). No Amazonas, a expressão é mais adequada
à realidade local, falando-se em “povo da floresta” (Cap. XIII). É no
Amazonas também que se trata da população ribeirinha e “grupos
nativos extrativistas” (Cap. XIII, art. 251). Os quilombolas ganham
algum nível de proteção em pelo menos três Constituições (Pará, art.
286 § 2°; Paraíba, arts. 252A e B; e Goiás, art. 16, ADCT); e os ciganos,
apenas em uma (Paraíba – arts. 252A e B).
Os direitos dos afro-brasileiros aparecem em diversos textos
estaduais. No Amapá, preveem-se formas de igualação de oportunidade
e de inclusão social, inclusive por meio de ação afirmativa de caráter
reparatório 258. Na Bahia, há um reconhecimento solene de que a
“sociedade baiana é cultural e historicamente marcada pela presença da
comunidade afro-brasileira...” (art. 286)259. No Distrito Federal, prefere-
se a referência ao “negro” ao “afro-brasileiro”, reconhecendo-se-lhe a
proteção contra a violência e discriminação (art. 276) e determinando-se
que o currículo escolar e o universitário devam incluir, no conjunto

258
Art. 332-A. Aos afro-brasileiros, assim definidos em lei, além dos direitos e garantias
fundamentais consagrados pela Constituição Federal e por esta Constituição, é
assegurado igualdade de oportunidade e tratamento em sua participação na vida
econômica, social, política e cultural decorrente do desenvolvimento de políticas
públicas no âmbito do Estado do Amapá, por meio de: Parágrafo único. Os
programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas iniciativas reparatórias,
destinadas a promover a correção das distorções e desigualdades raciais decorrentes
do processo de escravidão e das demais práticas discriminatórias adotadas durante
todo o processo de formação social do Brasil e poderão utilizar-se da estipulação
de cotas para consecução de seus objetivos.
259
Dispõe o artigo 50, do ADCT: “O Estado promoverá, no prazo máximo de doze
meses a contar da data da promulgação desta Constituição, as ações necessárias à
legalização dos terrenos onde se situam os templos das religiões afro-brasileiras,
por iniciativa da competente Federação”.
165
das disciplinas, conteúdo sobre as lutas dos negros, bem como das
mulheres, dos índios e de outros na “história da humanidade e da
sociedade brasileira”.( art. 235, § 3º). Prevê-se, ainda, a criação de um
Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (art. 24, ADT)
Na maioria dos estados, à cópia do modelo federal, é afirmada a
tarefa estatal de promoção da cultura afro-brasileira (Amazonas, art.
205, VI; Espírito Santo, art. 181, III; Goiás, art. 163, § 2º; Mato Grosso,
art. 248, III, § 1º; Pará, art. 277 § 1°; Paraíba, art. 214; Rio de Janeiro,
art. 322 VII; Rio Grande de Norte, art. 143 § 1°; e Tocantins (art. 138,
§ 3º). Noutros, os afro-brasileiros parecem incluídos implicitamente na
referência à etnia, por meio da valorização da sua diversidade (Ceará,
art. 180,§ 2º; Maranhão, art. 262; Pernambuco, art. 180, § 2º; Piauí, art.
229, § 3º, V), de sua expressão cultural (Rio Grande do Sul, art. 220, §
único260), preservação de suas tradições e costumes (Santa Catarina, art.
173, único, VII), ou como grupo social formador da sociedade brasileira
ou local, a merecer proteção (Acre, arts. 201, § 2º; 202; Roraima, art.
159). Não há menção a qualquer das duas formas no Paraná.
A proteção da mulher é recorrente em praticamente todos os
textos, no mínimo, por cópia à Constituição federal no tocante ao
mercado de trabalho, à maternidade e à igualdade com o homem,
notadamente na sociedade conjugal. Algumas Constituições estaduais
procuram ir além, com o parcial resguardo a seus direitos sexuais e
reprodutivos, especialmente em relação à interrupção da gravidez,
desde que admitida legalmente, há essa ressalva sempre. No Rio de
Janeiro (art. 35) e em São Paulo (art. 223, X), garante-se, com a mesma
literalidade, “o direito à autorregulação da fertilidade como livre decisão
da mulher, do homem ou do casal, tanto para procriar como para
não o fazer”. No Amapá (art. 265), na Bahia (art. 282, III), em Goiás
(art. 153, XIV), em Minas Gerais (art. 190, X) e no Paraná (art. 176),
atribui-se a tarefa estadual de assistência à interrupção da gravidez, nos
casos admitidos em lei, ou, no Pará (art. 299, IV), de acesso gratuito
aos métodos contraceptivos naturais ou artificiais. No Amazonas,
assegura-se “à mulher livre opção pela maternidade, compreendendo-
se como tal a assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, a garantia do

“É dever do Estado proteger e estimular as manifestações culturais dos diferentes


260

grupos étnicos formadores da sociedade rio-grandense”.


166
direito de evitar e, nos casos previstos em lei, interromper a gravidez
sem prejuízo para a sua saúde” (art. 186). No Espírito Santo, por outro
lado, é considerado “inaceitável, por atentar contra a vida humana, o
aborto diretamente provocado” (art. 199, § único).
Há também uma preocupação com a violência contra a mulher
em casa e no trabalho (Amapá, art. 329, III; Mato Grosso do Sul, art.
253) ou no âmbito doméstico e familiar (Acre, art. 209 § 2º; Bahia,
art. 281; Ceará, art. 185; Distrito Federal, art. 276; Espírito Santo, art.
98; Goiás, art. 170, I; Maranhão, art. 251, II; Piauí, art. 248, § 7º; Mato
Grosso, art. 233; Minas Gerais, art. 221, § único, III; Paraná, art. 215,
II; Rio Grande do Norte, art. 155, § 4º; Rio Grande do Sul, art. 194;
Rio de Janeiro, art. 33; Santa Catarina, art. 186, § único, III; e Tocantins,
art. 121, § único, I(a)). Procura-se ainda proteger a “imagem social da
mulher como mãe, trabalhadora e cidadã em igualdade de condições
com o homem” (Mato Grosso do Sul, art. 254; Amapá, art. 330).
Esses tímidos avanços do constituinte estadual, entretanto, ficam sob
a mira do Supremo Tribunal Federal na fiscalização meticulosa de eventual
invasão dos domínios de competência dos outros entes federativos. Foi,
assim, que declarou inconstitucional o Art. 13 da Constituição Estadual do
Rio de Janeiro que enumerava, entre os direitos e garantias fundamentais,
a gratuidade de sepultamento e dos procedimentos a ele pertinentes, para
as pessoas que percebem até um salário mínimo, os desempregados e os
reconhecidamente pobres. O constituinte estadual teria avançado sobre
os serviços funerários, que se encontrariam no âmbito de competência
municipal (art. 30, V). (BRASIL, 2003).
O pendor centralista do constitucionalismo brasileiro tem marcas
em sua história. A desconfiança com os estados, vistos como guetos das
oligarquias capazes de capturar a agenda nacional, a tomar-se a República
Velha como exemplo, parece alimentar o pensamento contrário à maior
liberdade e criação do constitucionalismo subnacional, mesmo no
âmbito dos direitos fundamentais (ABRUCIO, 1998; DOLHNIKOFF,
2005; BARBOSA, 2014, p. 82). A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal seria um tributário dessa orientação constitucional e federativa
– ainda que, aqui, pareça uma contradição em termos261.

A irrelevância das Constituições estaduais pode ainda ser produto no baixo


261

envolvimento social na sua elaboração e nos processos de emenda, a refletir-se


167
4. CONCLUSÃO

No Brasil, onde há um catálogo extenso de direitos fundamentais e


um número alto de competências federais enumeradas, as Constituições
estaduais não avançam muito no sistema de proteção jusfundamental.
Algumas fazem referências genéricas à declaração federal; outras, nem
isso. É certo, porém, que nos assuntos que se encontram na esfera de
competência concorrente, como um número elevado de direitos sociais,
econômicos e culturais, mais o direito ao meio ambiente equilibrado,
há uma atenção e desenvolvimento maiores. Assim também, nalguns
textos estaduais que fazem remissão à declaração de direitos da
Constituição Federal, vê-se uma preocupação com os direitos dos
presos e o resguardo dos direitos civis e políticos.
A história do federalismo brasileiro, marcada por uma desconfiança
com os estados e um pendor centralista, dá um bom roteiro de
compreensão sobre o baixo índice de liberdade do constituinte
estadual e de sua capacidade inovadora, inclusive no campo dos
direitos fundamentais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
resultante desse mesmo processo, tende a desestimular ainda mais o
legislador dos estados a exercerem suas competências nas brechas de
autonomia deixadas pelo constituinte federal. Resta aguardar a evolução
do desempenho do federalismo brasileiro na esperança de que a
autonomia dos entes federativos encontre seu espaço e possibilite uma
melhor consolidação dos direitos fundamentais no constitucionalismo
subnacional.

no reconhecimento daquelas Constituições como elemento de autoconstituição


e autogoverno. A falta de um “momento constituinte” originário, decorrente de
uma “fadiga” do processo federal que culminou com a Constituição de 1988 ou,
pelo menos, de seu ofuscamento, uma vez que as Assembleias estaduais foram
eleitas em 1989 para rapidamente elaborarem os textos constitucionais, pode ser
apresentada como um dos fatores desmobilizantes. Assim também se pode dizer da
invisibilidade do processo reformador das Constituições dos estados. Associem-se a
isso a baixa presença dos discursos acadêmicos do constitucionalismo estadual e o
apelo meramente secundário das normas constitucionais estaduais como parâmetros
de controle de constitucionalidade e de suas diferenças para os cânones federais.
168
REFERÊNCIAS

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172
O PROCESSO DE EMENDAMENTO DAS
CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS A PARTIR DA
INICIATIVA POPULAR
Helder Oliveira262
Pamella Dannielly263
Rebeka Magalhães264

Sumário: 1. Introdução. 2. Do Poder Constituinte e os


Entes subnacionais. 3. A iniciativa popular para emendas
constitucionais. 4. Iniciativa popular e emenda à Constituição
Estadual. 5. Conclusões. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Muito se discute sobre a prodigalidade existente no processo


de aprovação das emendas ao texto da Constituição Federal de 1988
(CF/88). Essapermanente atividade constituintedecorre do fato de que
a CF/88 constitucionalizou uma série de políticas públicas, de modo
que os governos de qualquer espectro político precisarão ter maiorias
legislativas para a composição e aprovações de suas agendas de governo.
Com efeito, a alta taxa de emendas ao texto da CF/88 decorre,
portanto, da ampla constitucionalização do que pode ser dito como
policy, isto é, políticas públicas assentadas em sede constitucional
que impõe aos governos a necessidade de enfrentamento do marco

262
Doutorando, mestre e graduado em direito pela Universidade Católica de
Pernambuco. Professor de direito constitucional do Centro Universitário Barros
Melo – UniAeso e de direito administrativo da Faculdade Nova Roma – FNR/
FGV. Membro do Grupo de pesquisa Recife de estudos constitucionais – REC.
Membro da comissão de estudos constitucionais e cidadania da OAB/PE. Bolsista
do PROSUP/CAPES. E-mail: helder.oliveira@prof.barrosmelo.edu.br
263
Graduanda em direito pelo Centro Universitário Osman Lins – UniFacol.
Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. E-mail:
pamelladannielly@gmail.com
264
Graduanda em direito pelo Centro Universitário Osman Lins – UniFacol. Estagiária
do Escritório MCM Advocacia. E-mail: rebekacmagalhaes@gmail.com

173
constitucional para efetivar as suas agendas (COUTO; ARANTES,
2008).
Eis, portanto, uma característica marcante do texto de 1988. O
modo descentralizado de criação da CF/88 permitiu a inserção no
texto final de temas que diziam respeito ao interesse dos mais variados
grupos (COUTO; ARANTES, 2006).
A depender do grau e extensão da reforma, é possível que esse
momento se equipare ao período constituinte originário devido ao
necessário fato de composição política nos limites da democracia. O
cenário conflituoso se insere na noção de que a CF/88, para além de
estabelecer meras diretrizes de funcionamento das instituições, também
consagrou amplo catálogo de direitos e garantias fundamentais, além
de mecanismos de controle do cumprimento da Constituição. Essas
trincheiras constitucionais permitem o surgimento de maiorias políticas
eventuais que queiram alterar o texto conforme os seus interesses
(MAUÉS, 2020). Nota-se, assim, que o grande desafio das reformas
constitucionais é compatibilizar permanência e mudança.
O poder de emendar uma Constituição tem como finalidademanter
vivo o texto constitucional, promovendo as devidas adaptações,
sobretudo em temas mais sensíveis. Por outro lado, se utilizado de
forma desponderada, é possível haver a alteração substancial do modelo
de Estado criado pela Constituição. Por essa razão, visualiza-sea adoção
em alguns países das chamadas cláusulas pétreas, de eternidade ou
intangíveis, que retiram das maiorias eventuais a capacidade decisória
sobre temas fundantes (BARROSO; OSORIO, 2019).
Alguns aspectos são apontados como fatores que colaboram
para o processo de manutenção e durabilidade de uma Constituição:
(I)Inclusividade representa a pluralidade no processo de criação da
Constituição. É dizer, assim, se o processo pelo qual houve a formação
do texto passou pela ampla participação da sociedade. Isso leva a
criação de um sentimento constitucional e respeito ao texto, uma vez
que vários interesses estão consolidados e incluídos no produto final.
Essa representatividade é importante para a permanência do texto
constitucional; (II) analiticidaderepresenta o grau de detalhamento
e extensão do texto constitucional tratando sobre os mais variados
assuntos. Dessa maneira, haveria a antecipação de certos problemas a

174
partir do detalhamento de assuntos em sede constitucional, conjugado
com a necessidade de formação de uma maioria significativa para
a alteração do texto. De mais a mais, os grupos de pressão teriam
maiores incentivos para defenderem a manutenção e o cumprimento
do texto. Obviamente, um “varejo de miudezas” poderá engessar
as alterações constitucionais. Por fim, (III)aplasticidade decorre do
grau de dificuldade existente no processo de reforma da Constituição
(BARROSO; OSORIO, 2019).
A partir da própria necessidade de ajustes ao texto, mas sem
desnaturar a rigidez constitucional, em maior ou menor grau, há
modelos que permitem essa alteração. Quórum de 2/3 ou 3/5,
votações em dois turnos nas casas legislativas, regras mais rígidas
quanto à iniciativa, além de certo veto point que permite a diversosórgãos
capacidade de impedir a aprovação da emenda. Isso pode ficar a cargo
do Presidente, da Corte Constitucional ou os Entes da federação.
Uma forma bastante difundida de veto point na América-Latina é a
participação popular através de plebiscito ou referendo (BARROSO;
OSORIO, 2019).
Diante disso, porém, outro grande desafio é entender os
determinantes do processo legislativo de emendas ao texto das
Constituições estaduais. A hipótese segundo a qual os textos estaduais
são alterados apenas para promover acomodações em razão de
eventuais modificações no texto federal paira no senso comum. A
rigor, isso é decorrente do modelo centralizador do Estado Federal
brasileiro que não atribui maiores espaços aos Estados.
Ademais, a proteção de direitos fundamentais e o atendimento
aos interesses da coletividade sendo buscando em múltiplas frentes,
afastando-se de uma ideia centralizadora são importantes e atribuem
maior grau de efetividade aos direitos consagrados.
É nesse cenário, com recorte na legitimidadeda iniciativa popular
para deflagrar o processo de emendas aos textos estaduais no
Brasil, que o trabalho está inserido. Veja-se que há duas abordagens
importantes que devem ser levadas em consideração: (I) O avanço dos
textos estaduais ao consagrarem a iniciativa popular dentre o rol dos
legitimados para apresentação de Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), em dissonância com o modelo previsto na CF/88; (II)

175
consequentemente, a ampliação do catálogo de direitos fundamentais
em âmbito estadual.
Não apenas isso, mas o trabalho também buscará apresentar
uma análise qualitativa da iniciativa popular para deflagrar o processo
de emendas, em diálogo com a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF), identificando o grau de efetividade do seu exercício.

2. DO PODER CONSTITUINTE E OS ENTES SUBNA-


CIONAIS

O Poder Constituinte Derivado Decorrente (PCDD) existe em


razão da própria natureza do Estado Federal que pressupõe Entes com
parcelas de autonomia dadas pelo texto constitucional. Em maior ou
menor medida, esse espaço existe.
No entanto, deve-se levar em consideração que a inexistência
de um espaço a ser ocupado tornaria a federação materialmente um
Estado Unitário; por outra ótica, espaço ilimitado poderia representar
a existência, em verdade, de uma confederação de Estados soberanos.
Portanto, imprescindível que a Constituição assim o preveja com as
limitações que são características do Poder Constituinte Instituído,
conforme assinala Anna Cândida da Cunha Ferraz (1979).
Para entender melhor o PCDD é preciso, antes de tudo,
compreender em que medida ele é constituinte. Dito de outra forma,
ele constitui exatamente o que dentro de uma federação?
A unidade que compõe a federação é um Estado dotado de
autonomia que o permite nos termos delimitados pela Constituição
exercer as suas competências e promover a sua organização. Assim,
dentro do seu território, o Estado-Membro institui uma ordem jurídica
cujo fundamento é a Constituição Federal, criando órgãos para a
aplicação daquela ordem fundada.
No debate sobre o poder constituinte dos Entes subnacionais,
insere-se especificamente a capacidade de auto-organização de que
dispõem os integrantes da federação. Não obstante haver certa
literatura que desconheça a natureza constituinte do trabalho dos Entes
subnacionais, notadamente diante das inúmeras limitações impostas a
essa manifestação (SAMPAIO, 2019), é certo que os espaços a serem
176
preenchidos pelas Constituições estaduais merecem ampla investigação
e são efetivados pelo exercício do poder constituinte.
As limitações impostas ao PCDD não seriam suficientes para
afastar a tese de que ele constituiria algo, uma vez que o Poder
Constituinte Originário (PCO) se depara, de acordo com parcela
significativa da doutrina, com uma série de limitações, sem que isso
afaste o seu caráter originário.
A título de ilustração, direitos humanos protegidos em âmbito
internacional, já consolidados, não poderiam sofrer retrocessos diante
do exercício do PCO. De mais a mais, o PCO encontraria limitações
de ordem prática, pois não poderia estabelecer a criação de algum
instituto ou mudança de regra jurídica, se do ponto de vista fático fosse
impossível de efetivar. Percebe-se, com isso, a existência de uma série
de limitações, sem que isso impeça o reconhecimento do exercício de
tal poder originário.
A CF/88 poderá alterar competências dos Estados-Membros
(ampliando ou restringindo), caberá ao texto estadual identificar
essas mudanças para as acomodações necessárias. As mudanças que
demandam apenas reprodução integral do previsto na Constituição
Federal decorrem da atuação do Poder Constituinte Derivado
extraordinário ou anômalo (FERRAZ, 1979). Seu fundamento, assim,
é duplo: A Constituição Federal e a Constituição Estadual. Em outras
palavras, alterações no texto federal poderão implicar mudanças
necessárias no texto estadual, não havendo a opção do PCDD de
desconsiderar o que houve de modificação. Essa é a razão de destacar-se
que o ângulo sobre o qual deverá ser observado os limites ao PCDD
é duplo: Limites impostos pela Constituição Federal e pela própria
Constituição Estadual.
No contexto do federalismo, a criação de Constituições Estaduais
representa o modo através do qual, a partir do delineamento
apresentado pela Constituição Federal, os Entes subnacionais
especificam e materializam as suas competências. Assim, pode-se
afirmar que o constitucionalismo subnacional (ou infranacional) é a
expressão da conjugação do documento formal e de princípios que
limitam o exercício do poder político, acompanhado de uma declaração
de direitos.

177
Inobstante o destaque sobre o quão importante é a atuação
dos Entes subnacionais formando um sistema complexo e múltiplo
de proteção de direitos, observa-se certa ausência de valorização
da aplicação do constitucionalismo, sem embargo das suas variadas
abordagens, em âmbito subnacional.
É importante destacar que as Constituições subnacionais devem
incorporar elementos daquilo que se convencionou chamar de
constitucionalismo, na medida em que a existência de um documento
escrito em nível subnacional conectado ao poder político local deve
ter como principais finalidades a proteção dos seus cidadãos através
da garantia de direitos fundamentais, além da limitação do exercício
daquele poder mediante os preceitos constitucionais estabelecidos.

Em vez de um sistema único de garantia de direitos


implementado no plano nacional, o constitucionalismo
infranacional permite a criação de um segundo sistema –
em certa medida, concorrente – de garantia de direitos no
plano infranacional. Dessa forma, o constitucionalismo
infranacional permite que as entidades infranacionais utilizem
sua autonomia para proteger os direitos dos cidadãos, seja pelo
reconhecimento e garantia de tais direitos em uma declaração
infranacional vinculante, seja pelo uso de outros poderes de
modo a bloquear ações das autoridades centrais que violem
esses direitos (GARDNER, 2012, p. 42).

É possível encontrar em Constituições Estaduais direitos


fundamentais não previstos no texto federal, embora seja algo não
comum no Brasil. Nesse sentido, observa-se, aos menos, a existência
de três situações:(I)cláusula de remissão aos direitos fundamentais
previstos na CF/88, sem que haja declaração expressa do catálogo,
promovendo integração entre a ordem regional e nacional; (II)catálogo
de direitos fundamentais em consonância com o previsto na CF/88; por
fim,(III)direitos fundamentais que não estão previstos na CF/88, mas
garantidos na órbita estadual (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019).
É natural, até recomendável, que as Constituições Estaduais
inovem na proteção de direitos fundamentais, considerando a
incapacidade do legislador federal de estabelecer toda a normatividade

178
necessária para atender aos interesses e promoção da dignidade da
pessoa humana (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019).
José Adércio Leite Sampaio (2019) destaca que nos EUA iniciou-
se a ideia de que o indivíduo goza de dupla afirmação e proteção de
direitos, isto realizado pelas Constituições Estaduais e a Federal. O Juiz
Brennan teria redescoberto o quanto o constitucionalismo estadual
e o federalismo judicial são importantes para a proteção de direitos.
Recorde-se que Gardner ressalta que é preciso ir em busca
do constitucionalismo infranacional, na medida em que é possível
identificar o quão importantes são os direitos fundamentais e a
separação dos poderes no plano subnacional.
Não se pode perder de vista que as Constituições no decorrer
do tempo passaram a ostentar caráter analítico, isto é, dando origem
ao fenômeno da constitucionalização do direito, assentando cada vez
mais em sede constitucional temas anteriormente não tratados nesta
esfera. Se, por um lado, antes tínhamos constituições simples, objetivas,
hoje, por outro, tal fenômeno também alcançou os textos estaduais
(ALMEIDA, 1987).
Esse diálogo demonstra que a existência da iniciativa popular em
âmbito estadual funciona como elemento de ampliação dos direitos
fundamentais fora da Constituição Federal, bem como está também
conectado com o fato de existir mecanismo de mudança constitucional
estadual por provocação de quem é a própria legitimidade democrática
e o soberano poder.

3. A INICIATIVA POPULAR PARA EMENDAS CONSTITU-


CIONAIS

Para esse momento do trabalho salta aos olhos a necessidade


de enfrentar o seguinte tema: Como as Constituições Estaduais
comportam-se no tocante ao estabelecimento dos legitimados para a
deflagração do processo legislativo para as alterações dos seus textos.
O STF em mais de uma oportunidade já destacou ser necessário o
respeito no âmbito dos Estados do modelo básico previsto na CF/88.
Cumpre, portanto, observar o que diz o texto constitucional
federal em seu art. 60 sobre a legitimidade para a iniciativa de PEC:
179
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das
unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela
maioria relativa de seus membros.

Assim, os Entes subnacionais deveriam, em tese, promover a


organizaçãodos seus legitimados nos termos previstos na CF/88.
O STF de há muito assentou entendimento no sentido de que
regras básicas do processo legislativo federal, tais como iniciativa,
quórum, participação do Executivo, dentre outros, em razão do
princípio da simetria, devem ser reproduzidas no âmbito dos Estados,
conforme precedentes a seguir:

O constituinte estadual não pode estabelecer hipóteses nas


quais seja vedada a apresentação de projeto de lei pelo chefe
do Executivo sem que isso represente ofensa à harmonia entre
os Poderes. [ADI 572, rel. min. Eros Grau, j. 28-6-2006, P, DJ
de 9-2-2007.]
Processo legislativo dos Estados-membros: absorção
compulsória das linhas básicas do modelo constitucional
federal entre elas, as decorrentes das normas de reserva
de iniciativa das leis, dada a implicação com o princípio
fundamental da separação e independência dos poderes:
jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal. [ADI 637,
rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 25-8-2004, P, DJ de 1º-10-2004.]

No mesmo caminho, o STF já havia assentado que o processo


de reforma da Constituição Estadual deveria observar os requisitos
estabelecidos no art. 60, § 1º a § 5º, CF/88, razão pela qual declarou
inconstitucional previsão contida na Constituição do Espírito Santo, em
divergência com o modelo inscrito na Lei Fundamental da República,
que condicionava a reforma da Constituição Estadual à aprovação da
respectiva proposta por 4/5 da totalidade dos membros integrantes
da Assembleia Legislativa, uma vez que tal exigência inviabilizaria o

180
exercício da função reformadora pelo Poder Legislativo estadual (ADI
486, rel. min. Celso de Mello, j. 3-4-1997, P, DJ de 10-11-2006265).
Esses entendimentos tem por base a aplicação do princípio da
simetria que assim pode ser explicado266:

Pelo referido princípio, o Supremo Tribunal Federal se


inclina a ditar aos estados-membros os limites de seu poder
de auto-organização e de autolegislação, utilizando como
parâmetro as normas constantes da Constituição Federal
que organizam os Poderes e órgãos da União. Assim, haveria
por parte do Judiciário uma identificação de normas que os
Estados-membros deveriam reproduzir em suas Constituições
Estaduais. Houve vários casos em que o Supremo Tribunal

265
Processo de reforma da Constituição estadual. Necessária observância dos requisitos
estabelecidos na CF (art. 60, § 1º a § 5º). Impossibilidade constitucional de o Estado-
membro, em divergência com o modelo inscrito na Lei Fundamental da República,
condicionar a reforma da Constituição estadual à aprovação da respectiva proposta
por 4/5 da totalidade dos membros integrantes da assembleia legislativa. Exigência
que virtualmente esteriliza o exercício da função reformadora pelo Poder Legislativo
local (...). [ADI 486, rel. min. Celso de Mello, j. 3-4-1997, P, DJ de 10-11-2006.]
266
(...) “O STF considera que qualquer iniciativa do constituinte estadual que venha
a restringir as prerrogativas dos demais poderes significa uma ingerência indevida
do legislativo sobre o Executivo e o Judiciário. No entanto, ainda que o poder
constituinte estadual deva observar o núcleo essencial da divisão dos poderes
estabelecida na Constituição Federal, o direito de auto-organização dos Estados deve
incluir a prerrogativa de dispor sobre seus poderes constituídos, sem o que a própria
noção de poder constituinte perde sentido. Assim, ao interpretar extensivamente os
limites impostos pela Constituição Federal nessa matéria, o STF acaba por restringir
a possibilidade de o constituinte estadual estabelecer novos mecanismos de freios
e contrapesos, cuja criação se justifica especialmente em face do poder executivo,
tendo em vista seu predomínio na história política brasileira” (MAUÉS, 2012, p.
64).
Ainda na senda das críticas ao STF pelo caráter centralizador das suas decisões,
dentre outros, ver: COUTO, Cláudio Gonçalves; ABSHER-BELLON, Gabriel
Luan. Imitação ou coerção? Constituições estaduais e centralização federativa no
Brasil. Revista de Administração Pública | Rio de Janeiro 52(2): 321-344, mar.
- abr. 2018. - LIZIERO, Leonam. A simetria que não é princípio: análise e crítica
do princípio da simetria de acordo com o sentido de federalismo no Brasil. Revista
de Direito da Cidade, v. 11, n. 2, p. 392-411, 2019. - LIMA, Edilberto Pontes. O
STF e o equilíbrio federativo: entre a descentralização e a inércia centralizadora.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC v. 37.1, jan./ jun.
p. 35-50, 2017.
181
Federal, aplicando o princípio da simetria, definiu que o
estado-membro podia ou não agir desta ou daquela forma. A
ideia básica empregada pela Corte era a de que a autonomia
estadual possuía limites, não podendo o Estado-membro, na
organização de seus Poderes, fugir de uma “simetria” como o
modelo federal de organização política (ARAÚJO, 2009, p. 1).

O STF exerce papel fundamental na estrutura da federação


brasileira, proferindo decisões que acentuam o caráter centralizador,
funcionando em muitos momentos o nosso Estado como se fosse
Unitário. Além disso, o federalismo centralizador poderá padecer de
legitimidade democrática, na medida em que impõe decisões nacionais
contra a vontade de maiorias compostas em determinados Estados.
Veja-se que nem sempre uniformidade, por exemplo, no trato do
direito penal poderá resultar em eficaz proteção de determinado bem
jurídico. Talvez, a depender do viés de abordagem, até a noção de
intervenção mínima do direito penal poderá entrar no debate.
Ao restringir o exercício do poder constituinte derivado
decorrente, o STF impede, por exemplo, que novos mecanismos de
freios e contrapesos sejam estabelecidos, além de impedir diálogos
institucionais no âmbito estadual.
Fernanda Dias Menezes de Almeida (1987) aventa a hipótese
de que essa mentalidade centralizadora existente no Brasil decorra
do modo através do qual a nossa federação foi constituída, ou seja,
por segregação. Disso decorre o fato dos Entes federados não terem
experimentado em momento anterior ao início da federação um
período de soberania, como ocorre nas federações formadas por
agregação.
Importante, assim, já defendia a autora nos tempos da constituinte
de 1987/88 que deveríamos observar e criar a consciências de que os
textos estaduais deveriam ter padrões próprios, não vinculados aos
padrões impostos pelo texto federal, notadamente através de standards.
Não se trata de defesa de um modelo de cada um por si, mas de maior
autonomia dos Entes, notadamente diante de uma federação assimétrica
com integrantes tão diferentes entre si (ALMEIDA, 1987).
Pode-se aventar a hipótese de que o STF erra ao centralizar a nossa
federação em termos gerais sobre o processo legislativo por considerar
182
a reprodução obrigatória do modelo básico no âmbito federal. Não se
desconhece as críticas já apresentadas aos posicionamentos da Corte
nesse sentido.
Com efeito, a Constituição do Estado do Pará, precisamente
no art. 103, III, dispõe que o Tribunal de Justiça tem legitimidade
para a propositura de Emendas à Constituição, após a aprovação
da maioria dos Desembargadores. Em outro exemplo que difere do
modelo previsto na CF/88, a Constituição do Estado do Rio Grande
do Norte atribui apenas ao Governador e a 1/3 dos membros da
Assembleia Legislativa tal finalidade. Estariam essas Constituições em
desconformidade com o entendimento da Corte?
O STFreconheceu no julgamento da ADIN 825, de relatoria do
Min. Alexandre de Moraes, que as Constituições estaduais podem
prever a iniciativa popular267 para emendas constitucionais estaduais,
pois se cuida de tema atinente ao espectro de autonomia do Ente
federado, precisamente de auto-organização, uma vez que privilegia a
soberania popular.
Reconhece-se a importância do entendimento anteriormente
destacado, dado que privilegia os mecanismos de participação popular
no processo de decisão política fundamental que é a alteração da Carta
Magna do Estado, consubstanciando-se como mais um instrumento
democrático. É evidente o aprofundamento da soberania popular
através do aperfeiçoamento da democracia direta.
Paulo Bonavides foi um grande defensor da introdução no texto
de 1988 da possibilidade de emendas através de iniciativa popular.
Para o autor, seria grande marco da caminhada democrática do país:

A seguir, os dispositivos constitucionais que fundamentam a iniciativa popular de


267

Leis em todos os níveis da federação:


Art. 27, § 4º A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual.
Art. 29, XIII - iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do
Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco
por cento do eleitorado; (Renumerado do inciso XI, pela Emenda Constitucional
nº 1, de 1992).
Art. 61, § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos
por cento dos eleitores de cada um deles.
183
Será essa a segunda fase da grande caminhada democrática
começada com a campanha de introdução de emenda à
Constituição por iniciativa popular, que ora recebe o apoio
de distintas Assembleias Estaduais, onde o poder constituinte
das unidades autônomas da Federação já escreveu em suas
respectivas Cartas o dispositivo instituidor da iniciativa
popular em matéria constitucional (...) Se não for promulgada
essa primeira emenda à Constituição por iniciativa popular,
abolindo aquela exclusividade de competência do Congresso,
jamais chegaremos neste País à preponderância da democracia
participativa sobre a democracia representativa de feição
clássica (BONAVIDES, 2008).

Além disso, mesmo que se tente levar em frente argumento sobre


a desconformidade do modelo estadual com a iniciativa popular,
visualizando o modelo federal, observa-se que os demais legitimados
estão ancorados no voto popular, mediante os sistemas majoritário e
proporcional, indaga-se, portanto, qual seria a razão de impossibilitar
que o povo detenha tal iniciativa, já que deste emana todo o poder?
No próximo momento da pesquisa, far-se-á uma análise qualitativa
da previsão em Constituições estaduais da iniciativa popular no âmbito
do processo de emendas e a identificação da existência (ou não) de
efetividade do instituto.

4. INICIATIVA POPULAR E EMENDA À CONSTITUIÇÃO


ESTADUAL

Nesta fase do trabalho, é importante ressaltar quais foram os


caminhos percorridos para a obtenção das informações necessárias
ao oferecimento das respostas aos questionamentos apresentados.
Em um primeiro momento, através da utilização do método de
pesquisa comparativa, buscando em todas as atuais Constituições
Estaduais no Brasil, por meio dos sites oficiais das Assembleias
Legislativas respectivas de cada Estado, e também analisando seus
regimentos internos, buscou-se identificar, preliminarmente, quais as
Constituições Estaduais preveem e quais não preveem o instituto da
iniciativa popular para o processo legislativo de emenda constitucional
184
estadual, instrumento esse de democracia direta que permite a maior
participação do povo no processo de tomada de decisão política que
é a alteração do texto estadual maior.
Assim, a tabela a seguir oferece o panorama com a organização
dos Estados que possuem ou não a iniciativa:

TABELA 1 - PREVISÃO DA INICIATIVA POPULAR PARA


A PROPOSITURA DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS

CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS QUE CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS QUE NÃO


PREVEEM A INICIATIVA POPULAR PREVEEM A INICIATIVA POPULAR
Acre Mato Grosso
Espírito Santo Mato Grosso do Sul
Goiás Minas Gerais
Rio de Janeiro Paraná
Rio Grande do Sul Rondônia
Santa Catarina Tocantins
São Paulo Piauí
Pernambuco
Bahia
Ceará
Alagoas
Paraíba
Amazonas
Pará
Roraima
Amapá
Sergipe
Rio Grande do Norte
Distrito Federal
Maranhão

Percebe-se um número significativo de textos estaduais com esta


previsão. Chega até ser surpreendente quando se observa a literatura
que demonstra o quanto as Constituições Estaduais emulam o texto
federal, sem muitas inovações.

185
Destaque para a Emenda nº 82 à Constituição do Estado do
Maranhão, de 2019, que permitiu a iniciativa popular no processo
legislativo de emendas constitucionais após o julgamento da ADIN
825, conforme brevemente destacado anteriormente.
Portanto, mesmo diante da jurisprudência restritiva do
STF a partir do princípio da simetria, conjugado com a ausência da
iniciativa popular para emendas ao texto da CF/88, houve importante
sensibilidade do legislador constituinte estadual, em boa parte, para
estabelecer a previsão analisada neste trabalho.
Outro questionamento que se buscou responder: Com relação às
Constituições Estaduais que não instituíram a iniciativa popular para
o início do processo legislativo de emenda constitucional estadual, se
já houve em algum momento a iniciativa popular ou se houve alguma
proposta de emenda com esse intuito:

TABELA 2 – CONSTITUIÇÕES QUE JÁ TIVERAM A


INICIATIVA POPULAR OU ALGUMA EMENDA QUE BUSCOU
ESSA INSERÇÃO NO TEXTO ESTADUAL

J Á P O S S U Í R A M A E M E N D A ALGUMA PROPOSTA DE EMENDA


CONSTITUCIONAL ATRAVÉS DA CONSTITUCIONAL ESTADUAL COM O
INICIATIVA POPULAR EM SUAS OBJETIVO DE INSERÇÃO?
CONSTITUIÇÕES?
Mato Grosso – Não Não
Mato Grosso do Sul – Não Sim
PEC 07/2015 - Inclusão do inciso IV ao
art. 66 da Constituição Estadual do Mato
Grosso do sul, permitindo a iniciativa popular
para propositura de proposta de emenda
constitucional (arquivada).
PEC 04/2015 - Altera os arts. 64 e 67 da
Constituição do Estado (autoriza emenda à
constituição estadual mediante proposta de
iniciativa popular) (arquivada).

186
Minas Gerais – Não Sim
PEC 57/2013- acrescenta inciso ao art. 64
da Constituição do Estado (autoriza emenda
à constituição estadual mediante proposta de
iniciativa popular) (arquivada).

Paraná – Não Não


Rondônia– Não Não
Tocantins – Não Não
Piauí – Não Não

Percebe-se a partir da análise das pesquisas feitas que os Estados do


Piauí, Mato Grosso, Paraná, Rondônia e Tocantins não possuem, nunca
possuíram e nem há propostas com relação à emenda constitucional
por meio da inciativa popular em seus textos.
Ainda sobre os Estados que não preveem a iniciativa popular,
Mato grosso do Sul e Minas Gerais já apresentaram propostas para a
inclusão desta legitimidade em suas respectivas Cartas. O primeiro, por
meio da PEC 07/2015, a qual teve por objetivo a inclusão do inciso
IV ao art. 66 da Constituição Estadual do Mato Grosso do Sul, que,
reiterando, visou permitir a iniciativa popular para PEC. A principal
justificativa para a propositura da PEC 07/2015 é a de que como a
CF/88 e a Constituição Estadual do Mato Grosso do Sul ditam que
“todo poder emana do povo”, também poderá exercer o poder de
reforma do texto da Constituição Estadual.
Os requisitos para que os cidadãos apresentem uma proposta de
emenda constitucional à Assembleia Legislativa seria de no mínimo
1% do eleitorado estadual, distribuído por, pelo menos, 09 Municípios
com não menos 0,3% de cada um desses, inclusive por meio eletrônico,
o qual deveria ser feito através de assinatura digital. Em 22 de maio
de 2019, porém, o Deputado Eduardo Rocha, autor da propositura,
requereu a retirada da proposta e diante disso, restou arquivada em 26
de junho de 2019.
Por sua vez, na Assembleia Legislativa do estado de Minas Gerais
houve a apresentação da PEC 57/2013, que previa a inserção do
inciso IV ao art. 64, no qual os cidadãos, mediante iniciativa popular,
por no mínimo 0,5% dos eleitorados do Estado de Minas Gerais
187
poderiam propor emenda à Constituição Estadual. A justificativa para
a sua propositura é a de que fazendo uma interpretação sistemática
do parágrafo único do art. 1º da CF/88 verifica-se que “Todo poder
emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta constituição” e ainda na Carta Maior,
em seu art. 14, inciso III, estabelece-se que a soberania popular será
exercida mediante iniciativa popular. Ainda reforça que se o poder
emana do povo, e a soberania deste é exercida através de mecanismos
como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, por conseguinte,
as propostas de emenda à Constituição também poderiam ser
apresentadas via iniciativa popular.
O parecer apresentado em 1° turno (24/06/2014), embora tenha
destacado em sua fundamentação a conformidade constitucional da
inclusão do inciso IV ao art. 64, observou que há uma discrepância
com o art. 67 do mesmo documento que trata sobre a iniciativa popular
ao projeto de lei, onde a exigência atual é de 10 mil assinaturas. Deste
modo, concluiu que é preciso alterar os arts. 64 e 67 da Constituição
do mencionado Estado, a fim de que houvesse uniformidade quanto ao
procedimento. Após o parecer em 1° turno,não se alcançou o quórum
qualificado para a sua votação, sendo, por fim, arquivada no final da
legislatura, em 31/01/2015.
Além da PEC 57/2013, houve a propositura da PEC 04/2015, que
pretendeu alterar os arts. 64 e 67 da Constituição Estadual, autorizando
a emenda a esta mediante iniciativa popular, nos termos do art. 67. A
alteração do referido artigo seria apenas a inclusão de “proposta de
emenda à Constituição”, os requisitos seriam os mesmos da iniciativa
popular na propositura de projeto de lei. Em 31 de janeiro de 2019 a
referida PEC foi arquivada em virtude do final da legislatura, conforme
regimento interno.
Quanto àquelas Constituições Estaduais que preveem o instituto
da proposta de emenda constitucional através da iniciativa popular,
respondeu-se às seguintes perguntas: a partir de quando o instituto passou
a constar no texto estadual? Quantas vezes o instituto foi utilizado?
A ideia seria saber se a iniciativa foi prevista no documento
originário ou fruto de uma alteração constitucional, além do
conhecimento sobre as vezes em que foi utilizada.

188
TABELA 3 – DEMONSTRAÇÃO DE QUANDO A
INICIATIVA POPULAR PASSOU A SER PREVISTA NO
DOCUMENTO ESTADUAL E A SUA UTILIZAÇÃO

PREVISÃO NO TEXTO ORIGINÁRIO Q UA N TA S E M E N DA S F O R A M


OU INSERIDO ATRAVÉS DE EMEN- APROVADAS A PARTIR DO EXERCÍ-
DA CIO DA INICIATIVA POPULAR
Pernambuco – Desde a promulgação da Nenhuma
Constituição Estadual
Bahia - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Ceará - EC 61/2009 Nenhuma
Alag oas - Desde a promulg ação da Nenhuma
Constituição Estadual
Paraíba - EC 02/1993 Nenhuma
Amazonas - Desde a promulgação da Nenhuma
Constituição Estadual
Pará - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Roraima - Desde a promulg ação da Nenhuma
Constituição Estadual
Amapá - Desde a promulgação da Constituição Emenda Constitucional nº 0036, de 08/08/06
Estadual – Aprovada.
Acre - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Espirito Santo - Desde a promulgação da Proposta de Emenda Constitucional subscrita
Constituição Estadual por 24.560 cidadãos, tratando sobre a escolha
dos conselheiros do Tribunal de Contas do
Espírito Santo, de 10/03/2015 – Arquivada.
Goiás - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Rio de Janeiro - EC 56/2013 Nenhuma
Rio Grande do Sul - Desde a promulgação da Nenhuma
Constituição Estadual
Santa Catarina - Desde a promulgação da Nenhuma
Constituição Estadual
São Paulo - Desde a promulgação da Nenhuma
Constituição Estadual

189
Sergipe - Desde a promulgação da Constituição Nenhuma
Estadual
Rio Grande do Norte - EC 13/2014 Nenhuma
Distrito Federal – Desde a promulgação da Nenhuma
Lei Orgânica
Maranhão – EC 82/2019 Nenhuma

Percebe-se a baixíssima taxa de utilização da iniciativa popular para


a apresentação de emendas ao texto estadual. Há também um número
baixo das emendas aprovadas que foram originárias dessa iniciativa.
Pode-se constatar que dentre todos os Estados com a iniciativa popular
gravada em seus textos constitucionais, os únicos cujos cidadãos
efetivamente fizeram uso da iniciativa foram os Estados do Amapá e
Espírito Santo.
O Estado do Amapá possui como requisito a iniciativa de,
no mínimo, um por cento dos eleitores do Estado, atendendo aos
requisitos do artigo 103, inciso IV, de sua Carta Constitucional. A
Emenda Constitucional nº 36, de 08/08/06, acrescentou os §§ 3º,
4º e 5º ao art. 259 da Constituição Estadual amapaense, que trata da
possibilidade de que os gestores locais do sistema único de saúde
possam admitir profissionais da área de saúde por meio de processo
seletivo público.
No que diz respeito a PEC por intermédio da iniciativa popular no
estado do Espírito Santo, os requisitos estão previstos noart. 69: pode
ser exercida pela apresentação à Assembleia Legislativa por cidadãos
subscritos por, no mínimo, um por cento do eleitorado estadual,
distribuído em pelo menos cinco municípios com um mínimo de dois
por cento dos eleitores de cada um dos municípios.
Em 25/11/2005 houve proposta de iniciativa popular de Emenda
à Constituição Estadual, subscrita por 24.560 cidadãos, tratando sobre
a escolha dos conselheiros do Tribunal de Contas do Espírito Santo,
sendo, contudo, arquivada em 10/03/2015.
Sobre o visto na tabela anterior, a hipótese da complexidade
quanto aos requisitos para o exercício da iniciativa pode ser discutida.
Afinal de contas, quanto mais rígido o procedimento, maior será a
dificuldade para o seu exercício.

190
Assim, no que concerne à existência de proposições a fim de
mudar os requisitos para a propositura da PEC via iniciativa popular,
parlamentares das Assembleias Legislativas dos Estados de Santa Catarina
e Goiás apresentaram propostas de emendasaos seus respectivos textos
estaduais. Em Goiás, desde a promulgação de sua Carta Estadual, há a
previsão da iniciativa popular para emendar a Constituição em seu art.
19, inciso IV, mediante proposta dos cidadãos, subscrita por, no mínimo,
1% do eleitorado do Estado em 20 Municípios.
Todavia, este quantitativo é bastante elevado, dificultando os
cidadãos a atingirem os requisitos exigidos para apresentar o projeto
de emenda constitucional à Assembleia Legislativa por falta de
assinaturas necessárias. Devido a tal situação houve a apresentação
da PEC 08/2013 com o objetivo de facilitar o uso desse instrumento
popular diminuindo para 10 o número de Municípios exigidos, ou seja,
baixando 50% do número de eleitores.
A PEC 08/2013 teve a finalidade de consolidar tais mecanismos que
defendem a democracia reconhecendo a importância da participação
direta da população. O relatório da Comissão de Constituição, Justiça
e Redação concordou com a referida PEC, modificando apenas o
inciso IV do art. 19 que exigia proposta 1% do eleitorado diminuindo
esse quantitativo para 0,5%, favorecendo assim a iniciativa popular.
Contudo, em 26/03/2015 a PEC 08/2013 foi arquivada.
Quanto à Santa Catarina, a iniciativa popular de emendas à
Constituição Estadual é previsto desde a promulgação da Constituição,
em seu art. 49, inciso IV, segundo o qual os cidadãos podem propor
emendas por pelo menos 2% do eleitorado estadual, distribuído por
no mínimo 40 municípios, com não menos de 1% dos eleitores em
cada um deles.
No entanto, este critério limitou bastante a participação da
população no processo legislativo, surgindo assim a PEC 04/2013,
com o intuito de diminuir os percentuais de eleitores, alterando o inciso
IV para 0,5% do eleitorado estadual, distribuído para 40 municípios
com pelo menos 0,5% em cada um deles. A justificativa desta PEC
era a de aproximar o parlamento Catarinense da sociedade e também
permitir o avanço do modelo democrático direto, porém foi arquivada
em 19/03/2015, decorrente do final da legislatura.

191
Por fim, a Constituição do Estado do Maranhão prevê que a
iniciativa popular deverá ser subscrita por, no mínimo, dois por cento do
eleitorado estadual, distribuído em pelo menos dezoito por cento dos
municípios, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de
cada um deles. Nota-se uma rigidez acentuada o que poderá inviabilizar
a exercício da iniciativa naquele Estado.
Em nenhuma das Assembleias Legislativas dos Estados
pesquisados houve proposta para a extinção deste instituto.

5. CONCLUSÕES

Estado que se pretende federal não pode atribuir aos Entes


subnacionais apenas competências para implementar decisões e
políticas advindas do Poder Central. Nesse contexto, não há como
encontrar qualquer diferença em comparativo com a centralização
existente em Estados Unitários.
A busca pela incorporação dos valores constitucionais no âmbito
infracional, criando uma cultura que atribua protagonismo aos Entes
subnacionais, que em muitos modelos de federação não compreendem
a sua importância deve ser buscado e fomentado no Brasil.
O constitucionalismo tem como elemento que o caracteriza a
noção de busca pela limitação do poder. O surgimento dos diversos
movimentos no século XVIII, sucedidos por uma série de cartas
de direitos assentou nesses documentos direitos fundamentais e a
separação dos poderes como necessários e inclusos no que podemos
chamar de DNA do constitucionalismo.
Toda essa cultura de valorização da Constituição Federal deverá
também alcançar as Constituições Estaduais, em virtude da importância
que se tem a atuação conjunta, mas também em múltiplas frentes
dos Entes federados na proteção e concretização de direitos. O
constitucionalismo infranacional deve estar no horizonte de todos
aqueles que operam o direito e das instâncias democráticas.
Esse necessário diálogo ganhou uma contribuição relevante
do STF que julgando a ADI 825 reconheceu a possibilidade das
Constituições Estaduais estabelecerem a iniciativa popular para a
apresentação de emendas à Carta Política Estadual.

192
Cuidou-se de importante julgado que possibilitou a ampliação de
direitos fundamentais em âmbito subnacional, prática não tão comum
no Brasil, além de fortalecer a própria democracia direta materializada
através da possibilidade do povo, de onde emana todo poder, contribuir
no processo de formação das decisões mais importantes, inclusive
através de alterações no texto da Constituição Estadual, mediante a
iniciativa popular.
No entanto, percebe-se a inexpressividade da iniciativa popular no
contexto do processo de emendas aos textos estaduais. Infelizmente,
como é possível constatar, foram raras as utilizações, de modo a ser
possível afirmar que ainda estamos longe de um cenário da valorização
do constitucionalismo infranacional, bem como da atuação dos poderes
constituídos de modo mais aproximado do povo, inclusive através dos
mecanismos de democracia direta.
Demais disso, é provável que a própria complexidade que envolve
a apresentação de uma PEC, como colher e conferir as assinaturas, qual
matéria poderá ser tratada pela iniciativa, procedimento protocolar,
dentre outros aspectos, iniba o exercício da iniciativa popular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. A Constituição do Estado


Federal e das unidades federadas. Revista de informação legislativa,
v. 24, n. 95, p. 171-182, jul./set. 1987.
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fim. Vinte anos de constituição. São Paulo: Paulus, p. 31-60, 2008.
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Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
BARROSO, Luis Roberto; OSORIO, Aline. As constituições
latino-americanas entre a vida e a morte: possibilidades e limites
do poder de emenda. Revista Brasileira de Políticas Públicas,
v. 9, n. 2, 2019.

193
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popular. Revista de Informação Legislativa, ano, v. 45, p. 53-55,
2008.
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Inconstitucionalidade nº 825. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Data
de julgamento: 25/10/2018. Data da publicação: 27/06/2019.
COUTO, Cláudio Gonçalves; ARANTES, Rogério Bastos.
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constitucional. Revista Direito GV, v. 16, n. 1, 2020.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Poder constituinte subnacional - mito
ou realidade? Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 21, n. 1, p. 223-
254, jan./abr. 2019.
SAMPAIO, José Adércio Leite. As constituições subnacionais e direitos
fundamentais nas federações. Revista de Direito da Cidade, vol. 11,
nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 183-215. 2019.

194
A UNIÃO TEM A FORÇA DE GIGANTE
FEDERATIVO E A USA COMO UM: NAS
COMPETÊNCIAS, NAS FINANÇAS, NO
SUPREMO
Leonam Liziero268

Sumário: 1. O proêmio: federalismo não é estado federal. 2.


No brasil, direito relevante é direito federal. 3. O agigantamento
da união pela repartição de competências. 4. Direitos
fundamentais estaduais e a dependência financeira. 5. O
exame dos direitos fundamentais estaduais resvala para o (não)
princípio da simetria. Referências bibliográficas.

1. O PROÊMIO: FEDERALISMO NÃO É ESTADO


FEDERAL

O Brasil é uma República Federativa de fraco federalismo?


Não. O Brasil é uma República Federativa com pseudo-federalismo?
Compreendo também que não. O Estado federal brasileiro, por sua
vez, não exprime de forma satisfatória a diversidade e assimetrias do
federalismo brasileiro. Por ser muito centralizador, o Estado federal
brasileiro é desarmônico com o federalismo brasileiro.
Federalismo é um conceito sociopolítico; é ideológico e pode
ser compreendido nas relações sociais. Não está contido na forma
jurídica. O Estado federal, por sua vez, é Direito Constitucional e suas
afluências. A raiz do desdouro nas relações federativas no Brasil está no
Estado federal, não no federalismo. Este é um entre tantos sintomas
que expressam a pouca normatividade da Constituição de 1988 (bem
como suas antecessoras).
É possível afirmar, porém, que o a forma federativa do Estado
brasileiro obedece a lógicas próprias, que permite identificá-lo e
268
Doutor e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ, com Pós-Doutorado
pela UFRJ. Pós-Doutorando em Direito pela UFPE. Professor, advogado, editor
e pesquisador nas áreas de Teoria do Estado e Teoria do Direito. Coordenador
acadêmico na Codemy. E-mail: leonamliziero@gmail.com
195
classificá-lo de forma diversa de outros modelos federativos, como
os da Alemanha ou Estados Unidos. O Estado federal brasileiro é
centralizador, tanto em sua estrutura prescrita constitucionalmente,
quanto pela atuação de seu Supremo Tribunal Federal.
Uma nota importante, antes de continuar. A União não é um ser
etéreo, sideral, que paira sobre os Estados. A União é institucionalizada.
Portanto, afirmações corriqueiras em textos que versam sobre
federalismo brasileiro tais como “a União é muito poderosa no Brasil”
ou “a União é agigantada” devem ser compreendidas de forma amplas,
com a institucionalização semântica da União. Assim, se a Constituição
estabelece competências amplas para a União, grande capacidade
arrecadatória ou mesmo seus amplos bens estatais, também confere
grandes poderes aos seus órgãos máximos. A Câmara dos Deputados é
União. A Presidência da República é União. O Senado Federal é União
(um oxímoro no caso do Brasil). E o Supremo Tribunal Federal é União.

2. NO BRASIL, DIREITO RELEVANTE É DIREITO


FEDERAL

O Brasil, ainda que seja uma federação formalmente prescrita


deste o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, já possuía em si forte
movimento federalista desde o período imperial. De fato, o Brasil é um
bom exemplo para se verificar o que venho defendendo há algum tempo:
federalismo e federação não são o mesmo objeto de compreensão, ainda
que geneticamente relacionados. O federalismo é fenômeno que escapa
à análise jurídica, enquanto o Estado federal é direito positivo.
Nas faculdades de Direito pelo Brasil, em seus 26 Estados e no
Distrito Federal, o Direito Constitucional estudado tem o mesmo
conteúdo. Ainda que haja variação significativa na abordagem e em
autores de manuais recomendados (há algum regionalismo aqui algumas
vezes), quando alunos do Estado do Acre ou do Estado do Espírito
Santo vão estudar direitos fundamentais, após alguma explanação sobre
“teoria geral”, entra-se no estudo em espécie a partir do Art. 5º. Qual
grande surpresa quando os alunos descobrem existir uma carta de
direitos fundamentais nas Constituições Estaduais (talvez tão grande
quanto a de saber da existência de Constituições Estaduais).
196
Todavia, o Direito Constitucional estudado é o Direito
Constitucional federal, em razão da função dúplice de uma Constituição
Federal, remetendo à observação proposta por Kelsen há quase 100
anos, que talvez ainda não encontre sinais de obsolescência neste
ponto. A Constituição Federal é Constituição da União, uma vez que
é o vetor de validade para as normas infraconstitucionais da União
e, portanto, é a norma de maior escalão no ordenamento jurídico da
União, cuja vigência está em todo território nacional. A Constituição
Federal também é Constituição total da federação, uma vez que é o
eixo de validade para as Constituições estaduais e, consequentemente
para os ordenamentos jurídicos estaduais (no caso do Brasil, também
para os ordenamentos municipais).
A centralização no Estado federal é oriunda da tradição de seu
constitucionalismo republicano que em seu início procurou iniciar uma
força centrífuga ao prever a autonomia dos Estados sob uma mesma
soberania. Posteriormente na Era Vargas, houve a concentração todos
os poderes na União, a ponto de em seu momento mais autoritário,
o Estado Novo, transformou a prescrição constitucional apenas em
letra morta no que se refere às relações entre o poder federal e os
estaduais. Com a redemocratização de 1946, há pouca transferência
de poder para os Estados, principalmente no tocante ao quesito de
transferências de receitas.
Em 1964 com o Golpe Militar, a débil descentralização federativa
se perde, com nova concentração do poder político de fato na União
e posteriormente, no plano jurídico, com Ato Institucional nº2 de
1965 e com a outorga das Constituições de 1967 e 1969. A ideia de
federalismo cooperativo (com as diversas medidas desenvolvimentistas
capitaneadas pela União) é usada levianamente pelos defensores do
regime militar como um mero meio de desenvolvimento econômico
e garantia da segurança nacional.
Até o advento da Constituição de 1988, que reconfigurou a
federação brasileira em uma complexa teia de competências, é possível
dizer que, até então, em suas fases anteriores o federalismo brasileiro
nunca chegou perto de uma situação mediana de tensão entre o
poder federal e os poderes estaduais. Todavia, nos dois períodos mais
autoritários – a Era Vargas e o Regime Militar – a centralização política

197
e jurídica foi muito maior, de forma a praticamente anular o federalismo
(como prática) com o alto intervencionismo da União.
A negação do federalismo no Brasil sempre significou uma
antidemocratização no exercício da soberania pela União. Veja-se os
Presidentes da República de viés mais autoritário da história: seja em
períodos democráticos ou não, o autoritarismo é acompanhado de
uma tendência antifederalista, ainda que em manifestações diferentes:
Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Artur Bernardes, Getúlio
Vargas (com exceção do período 1950-1954), os cinco Presidentes
da Ditadura Militar (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e
Figueiredo) e Jair Bolsonaro.
O valor do federalismo em um primeiro momento é
exaltado pelo novo Estado jurídico inaugurado na concretude
da redemocratização. A Constituição de 1988 prescreve a forma
federativa como uma das essencialidades do Estado brasileiro de
tal forma que ela é justamente um dos limites ao Poder Constituído
consagrado pela proibição de reforma constitucional que possa
abolir a configuração federativa.
O (pouco) normativismo constitucional protege o federalismo
brasileiro de uma abolição completa por meios jurídicos da autonomia
dos Estados pela União. Todavia, a distribuição das competências
constitucionais não demonstra uma tendência descentralizadora; ao
contrário, apenas reforça a tradição de uma enorme força centrípeta
na relação entre os entes federativos.

3. O AGIGANTAMENTO DA UNIÃO PELA REPARTIÇÃO


DE COMPETÊNCIAS

O texto constitucional de 1988 estabelece com um complexo


sistema de repartições distribuído entre os três níveis federativos, mas
com um predomínio da União nos outros, além da possiblidade de um
forte intervencionismo, seja pela disposição da ordem financeira e do
sistema de tributação, seja pelas amplas possiblidades quando houver
violação dos denominados princípios constitucionais sensíveis.
A repartição de competências na Constituição é altamente
centralizadora e demonstra um predomínio da União sobre os outros
198
entes federativos. Basicamente, ainda que em um primeiro momento,
normalmente seja possível separar em competências executivas e
legislativas (ou em exclusivas/privativas ou comum/concorrente),
é possível pensar outro modo de as sistematizar (sem contar as
competências do Poder Judiciário, em outro sentido).
As competências constitucionais ou são tributárias ou não são.
Deste modo, as competências tributárias possuem um funcionamento
próprio, distinto das demais. As não tributárias aqui chamarei de
competências políticas, por constituírem diretamente um exercício
político (legislar e administrar).
Em todos os três níveis federativos é possível encontrar
competências políticas administrativas e legislativas, inclusive nos
Municípios, ainda que a legística constitucional muitas vezes não deixe
tão evidente. Entre as competências administrativas e legislativas, cada
qual pode ser privativa (ainda que seja encontrado em alguns textos
alguma discussão não tão útil se a adjetivação é correta é privativa
ou exclusiva) e compartilhada (que na linguagem constitucional, são
chamadas comuns para as administrativas e concorrentes para as
legislativas).
Para a União, em sua fatia de competências administrativas
privativas, o art.21 prevê um rol não taxativo de assuntos de
administração do Estado e condução do governo. Há uma enorme
gama de ações possíveis do governo – o artigo tem vinte e cinco incisos
– e versam sobre desde assuntos de enorme relevância nacionais, como
por exemplo, as questões de defesa e segurança do Estado (art.21, I,
II, III, IV. V e VI) a temas que mais específicos como inspeção do
trabalho (XXIV) e exploração da garimpagem (XXV).
Em comparação, os Estados possuem o art. 25, § 2º e os
Municípios alguns poucos incisos do art. 30 como suas competências
administrativas privativas. Elas existem, mas são parcas em comparação
ao gigantismo da União.
As competências administrativas compartilhadas se encontram
principalmente no art.23, que concede alguns poderes aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, comuns à União. As previsões de
ação são bem menores em comparação às possiblidades que somente
o poder federal possui. Ainda prevê uma norma de eficácia limitada

199
institucional que determina que a cooperação dos entes federativos
nestes assuntos por via de leis complementares.
As competências legislativas dos dois tipos também são distribuídas
de modo a reforçar o predomínio excessivo da União. O art.22 trata das
competências legislativas privativas para a União legiferar em diversas
matérias. Entre tantas, assuntos como direito civil, processual, penal,
eleitoral, telecomunicações, sistema monetário, trânsito, seguridade
social, defesa etc. Os Estados possuem competência legislativa privativa
para basicamente instituir regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões (art. 25, §3º) e para criar, desmembrar, fundir
e incorporar Municípios (art. 18, §4º). Estes, por sua vez, também
possuem competência legislativa privativa (art. 30, I), ainda com todos
os problemas de inexatidão que o termo “assuntos de interesse local”
tenha.
As competências legislativas compartilhadas entre a União, o
Estado e o Distrito Federal estão prescritas no art. 24 (ali denominadas
como concorrentes) e são numericamente bem inferiores às privativas
do poder federal, apesar das necessárias matérias que a autonomia
federativa requer, como por exemplo, o direito tributário, financeiro,
orçamento e proteção ao meio ambiente cultural e natural. Nestas
matérias, a União tem o poder de determinar as normas gerais, apesar
da não exclusão de uma competência suplementar dos Estados
(CR/88, art. 24, §1º e §2º). Não existindo lei federal a versar sobre o
tema, os Estados têm autonomia plena para atender aos seus próprios
interesses em tais matérias (§3º), mas em caso de lei superveniente
da União estabelecendo regras gerais sobre aquele assunto, haverá
suspensão de lei estadual naquilo que prever em contrário (§4º). Os
Municípios participam destas competências legislativas compartilhadas
para suplementar a legislação estadual e federal no que for necessário.
Conforme pode ser visto, esta distribuição de competências mostra
como o Estado brasileiro inaugurado em 1988 reafirmou um grande
poder da União sobre os Estados e avocou para si grande parte das
competências administrativas e legislativas. Apenas o poder federal criar
e executar o direito em boa parte de suas possiblidades e, naquilo que
for compartilhado, tem a predominância sobre os outros entes naquilo
em que houver conflito.

200
A repartição das competências tributáriastambém demonstra que
um cenário centralizador na federação brasileira. As competências
tributárias previstas constitucionalmente dão para a União uma
possiblidade de arrecadação muito maior que dos outros entes
federativos. Das cinco espécies tributárias existentes no Brasil, apenas
impostos, taxas e contribuições de melhoria podem ser instituídos por
todos os entes federativos (CR/88, art.145). Duas delas, empréstimos
compulsórios (art.148) e contribuições gerais são exclusivas da União
(art. 149), com exceção da contribuição sobre a iluminação pública
prevista no art. 149-A de competência exclusiva dos Municípios e do
Distrito Federal.
Apesar das possiblidades jurídicas de instituição e arrecadação de
impostos serem compartilhadas entre os entes federativos, a distribuição
de suas competências também é desigual. Dos treze tipos de impostos
previstos constitucionalmente, sete dele são de competências da União:
IE, II, IR, IPI, IOF, ITR e IGF (art.153). Cada um desses impostos
apresenta pormenores e excepcionalidade a algumas regras gerais do
sistema tributário nacional que criam uma embaraçada rede a respeito
de sua tratativa e reforçam o argumento do alto poder tributário federal.
Exemplo disso são as mitigações dos limites ao poder de tributar,
como a majoração ou minoração de alíquotas de IE, II, IPI e IOF
por decreto presidencial (CR/88, art.153, §1º), flexibilizando a regra
descrita no artigo 150, I, que veda a exigência ou o aumento de tributo
sem lei que o estabeleça.
Além desses tipos de tributos, a União tem o poder de instituir o
imposto residual e o imposto extraordinário de guerra (CR/88, artigo
154, I e II). E seu grande controle e centralização do sistema tributário
nacional não se encerraram apenas na previsão constitucional das
competências em 1988.
Como se não fosse o suficiente, o poder federal nos anos 1990
provocou uma contusão maior ainda na autonomia dos Estados e
enfraqueceu ainda mais o federalismo brasileiro: a retenção de receita
gerada pelos impostos estaduais e municipais pela União prevista no
art.167, § 4º, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 03/93. E
tal acréscimo mexeu sensivelmente na maior arrecadação tributária
dos Estados: O ICMS.

201
O ICMS, imposto sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, é de competência
estadual (art. 155, II) e é regulamentado pela Lei Complementar
nº 87/96. A atribuição de competência estadual foi fruto de um
processo de descentralização iniciado nos anos 80 com o desgaste
da política centralizadora do regime militar que foi confirmado na
constituinte de 1988 para reforçar a autonomia do Estado. Nota-se
que o ICMS concentra fatos geradores que anteriormente eram de
competência da União nos assuntos de comunicações (exceto os
serviços exclusivamente municipais) energia elétrica, combustíveis e
transporte (CR/67- EC/69, art. 21, VII,VIII e X), além da circulação
mercadorias que já eram de arrecadação estadual (CR/67- EC/69,
art. 23, II).
Dentre os tributos estaduais, o ICMS é o de maior arrecadação.
Portanto, parte significativa da receita do Estado provém dele, além
dos repasses da União. Segundo Abrucio, a uma atuação irresponsável
com as contas e um engessamento na promoção de políticas públicas
levaram ao grande endividamento dos Estados e a ineficiência de seus
governos e promoverem os propósitos da Constituição de 1988.269
Tal acontecimento levou à uma série de reformas constitucionais
que aumentaram ainda mais o poder central, principalmente no tocante
à inclusão do §4º no art.167 pela EC nº3/93, segundo o qual a União
tem o poder de reter os créditos do ICMS, cuja arrecadação representa
grande parte da receita estadual, nos casos em que for necessário prestar
garantia ou contragarantia e para pagamento de dívidas.
A partir da promulgação desta emenda, a ordem tributária
brasileira que já era em certa medida bem concentrada, tem sua força
centrípeta elevada, com a ampliação de arrecadação da União em
situações em que for credora dos outros entes federativos. As reformas
fiscais dos 1990 (boa parte durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso)ampliaram ainda mais o poder federal. Além disso, leis como
a de Concessões, a de Licitações e Contratos, a de Diretrizes e Bases
ABRUCIO, Fernando Luiz. SANO, Hironobu. A experiência de cooperação intereestadual
269

no Brasil: formas de atuação e seus desafios. In: Cadernos Adenauer XII. nº. 4.
Municípios e Estados: experiências com arranjos cooperativos. Rio de Janeiro:
Fundação Konrad Adenauer, abril 2012. p. 98
202
da Educação, entre outras do período, contribuíram ainda mais para
o cenário centralizador (ARRETCHE, 2012).

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS E A DEPEN-


DÊNCIA FINANCEIRA

Os direitos fundamentais, desde a promulgação da Constituição


de 1988, é um dos temas nucleares de Direito Constitucional e de
outras disciplinas da dogmática jurídica. Normalmente, aos alunos
iniciantes na disciplina, costuma-se apresentar fragmentos de uma teoria
geral (com alusões a autores estrangeiros muitas vezes, como Robert
Alexy por exemplo) e em seguida são apresentados os dispositivos
previstos a partir do art. 5º do texto constitucional (em sequência ou
em aglutinação em blocos temáticos).
Assim como a Constituição da República, as Constituições
Estaduais possuem estrutura semelhante em suas previsões, inclusive
as de alguns Estados contém rol de direitos fundamentais presentes
em seus textos. Aparentemente, em uma federação centralizadora, na
qual os direitos fundamentais promulgados em 1988 “irradiam” por
todo o território nacional, Constituições Estaduais preverem em seus
textos poderia aparentar senão outra coisa que não redundância (assim
como parte das legislações estaduais ao “pormenorizar” as legislações
federais).
Enquanto as Constituições de alguns Estados que preveem um rol,
como as do Espírito Santo e Maranhão, tratam de modo lacônico, com
remissões diretas à Constituição Federal, outras, como as dos Estados
de Mato Grosso e Rio de Janeiro, optam por uma técnica legislativa
de grande extensão em suas previsões.
A partir dos anos 1990, com o movimento neoconstitucionalista,
tanto em seu âmbito político, como uma nova concepção acerca dos
propósitos da Constituição (e do próprio Direito Constitucional,
consequentemente), como também no âmbito da Teoria do Direito,
com as tentativas de propor uma nova abordagem teórico-filosófica
do Direito (que no Brasil, proliferou-se sob uma genérica capa de pós-
positivismo), os direitos fundamentais constituem um dos principais
temas de quaisquer debates relacionados ao Direito brasileiro.
203
Parte desta “irradiação dos direitos fundamentais” (de forma
metalinguística), seja no Direito, seja na Ciência do Direito, é verificável
em novas tendências de disciplinas tradicionalmente classificadas
como de Direito Público, como o Direito Tributário, Penal, Processo
e Administrativo, bem como no que se costuma classificar em Direito
Privado, no qual a doutrina civil constitucional é um reflexo evidente
desta “constitucionalização” do Direito brasileiro.
Outra tendência também cada vez maior que reforça a importância
dos estudos sobre direitos fundamentais é integraçãogradativa das
normas internacionais na ordem jurídica brasileira (resultado direto
do processo de aceleração da globalização no final do Século XX), em
que tratados internacionais relacionados aos direitos humanospassam
a fazer parte do cotidiano à pessoa. A nível constitucional, a presença
do Direito Internacional dos Direitos Humanos se solidifica com a
Emenda Constitucional nº45/2004, em especial com os acréscimos
dos §3º e §4º no art. 5º.
Todavia, ainda que os direitos fundamentais se constituam em um
dos assuntos mais relevantes no estudo do Direito brasileiro após 1988,
há ainda uma de suas manifestações que carecem de maior propagação
de pesquisa: efetividade e aplicabilidade dos direitos fundamentais no
âmbito do Direito Constitucional Estadual. Esta é uma ausência que
é correlata a um dos mais graves problemas estruturais do Brasil: seu
arranjo federativo, com a União agigantada e parte considerável dos
entes subnacionais em relação de dependência com aquela.
O modo como os direitos fundamentais podem estar presentes
nas Constituições dos Estados dependerá, claro do arranjo federativo
da repartição de competências, tema central do Estado federal. Como
observava Horta(1999, p.250), “a relação entre Constituição Federal
e repartição de competências é uma relação causal, de modo que,
havendo Constituição Federal, haverá, necessariamente, a repartição de
competências dentro do próprio documento de fundação jurídica do
Estado Federal”. A repartição de competências definirá, portanto, toda
a atividade de um Estado federal e os limites de cada ente federativo
(ALMEIDA, 1987, p.172).
A repartição prescrita pela Constituição de 1988, fruto de imenso
trabalho da Assembleia Nacional Constituinte (e com alguma influência

204
do material abortado do Projeto Afonso Arinos), inaugurou um sistema
peculiar, complexo, que buscava maior descentralização das atividades
públicas para Estados e Municípios.
Tão importante quanto a repartição de competência para a
manutenção da federação e dos direitos fundamentais é a repartição
de receitas, como as tributárias, previstas na Constituição de 1988
a partir do art. 157 (afinal, direitos tem custo). Ainda que em
momento distante no texto constitucional, em relação ao elenco de
direitos fundamentais, há uma relação direta entre estes dois temas.
Sem a garantia constitucionalmente determinada que Estados e
Municípios terão receita, independentemente de suas possiblidades
arrecadatórias (uso aqui em um sentido mais amplo que meramente
a ideia de capacidade tributária), a autonomia de parte considerável
dos entes subnacionais estaria ainda mais colapsada. Em especial, as
transferências indiretas, como o Fundo de Participação dos Estados
(art. 159, I, “a”) e o Fundo de Participação dos Municípios (art.159, I,
“b”, “d” e “e”), desempenham papel fundamental em muitos destes
entes subnacionais para a consecução de seus deveres com seus
respectivos cidadãos.
A repartição de competências tributárias, ainda que em tese não
seja tão essencial numa federação quanto a repartição de competências
executivas/ legislativas e de receitas, no Brasil desempenha papel
importantíssimo para possibilitar algum maior exercício de autonomia
e objetivos constitucionais dos Estados e Municípios. Assim como a
repartição de competências executivas/legislativas, a tributária também
deixa evidente a predominância da União em relação aos outros entes
subnacionais. Sem contar parte considerável da receita arrecadada pela
União por meio de diversas contribuições sociais, a ampla atribuição
de competência para instituir impostos à União em contraposição aos
Estados e Municípios é evidência que a opção política no momento da
Constituinte foi a atribuição de grande poder arrecadatório para a União
e uma ênfase maior na obtenção de receitas aos entes subnacionais por
meio da repartição destas.
Além da repartição de receitas tributárias, outras também são
relevantes para as finanças de Estados e Municípios (e a viabilidade
consequente de alguma efetivação de direitos fundamentais em seus

205
âmbitos): as transferências voluntárias (como os convênios para o
sistema de saúde) e as compensações financeiras por participação
(como a CFEM e a CFURH) e as provindas por arrecadação (como o
FEX e a da Lei Kandir). O que quero chamar a atenção neste ponto
é para a necessidade de um estudo integrado entre a efetividade dos
direitos fundamentais estaduais e seus meios de financiamento. Este
é um modo de revelar a elevada assimetria do federalismo brasileiro.
Conforme defendo, o federalismo é sempre assimétrico; o Estado
federal por sua vez, pode ser simétrico (como o Brasil e os EUA) ou
assimétrico (como o Canadá ou a Alemanha).

5. O EXAME DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTA-


DUAIS RESVALA PARA O (NÃO) PRINCÍPIO DA SIME-
TRIA

Evidentemente, uma vez que o Brasil é notado por enormes


diferenças demográficas e socioeconômicas entre diversos entes
subnacionais, o quão de dependência das receitas da União será
proporcional às suas capacidades de arrecadação de receitas próprios,
bem como ao tamanho de sua população e ao seu PIB. Este
socioeconômico, em especial, é um bom demonstrativo de desigualdade
entre os Estados. Conforme dados do IBGE, o Estado de São Paulo
possui um PIB duas vezes maior que o do Rio de Janeiro e três vezes
maior que o de Minas Gerais, respectivamente os Estados na segunda
e terceira colocação em um ranking de maior PIB entre os Estados
brasileiros.Em projeção nacional, a desigualdade entre os Estados é
ainda maior. Os cinco Estados de maior PIB (somando-se aos três
do parágrafo anterior há a Bahia e o Paraná) possuem juntos cerca de
65% do PIB entre Estados, os cinco de menor PIB não somam nem
ao menos 2%.
O que se verifica no resultado de 1988 é uma União ainda
agigantada em relação aos Estados, mesmo com a instituição de um
sistema de repartição de competências mais moderno e (em tese)
mais descentralizado do que o da Constituição de 1967. Esta é a
posição defendida por Marta Arretche (2012, p. 36), para quem “os
formuladores da Constituição de 1988 criaram um modelo de Estado
206
federativo que combina ampla autoridade jurisdicional à União
com limitadas oportunidades institucionais de veto aos governos
subnacionais”.
Além do mais, na prática, a autonomia dos Estados sofreu
outra limitação, ainda que de outra perspectiva: o reconhecimento
do Município como ente federativo (algo, do modo como previsto
pelo Brasil, único no mundo). Ainda que o movimento municipalista
tenha se mostrado essencial para o desenvolvimento da democracia,
na configuração da federação brasileira houve uma série de distorções
que retroalimentam o poderio da União sobre os demais 5597 entes
federativos subnacionais.
Uma das competências estaduais, determinada pela Constituição,
era justamente a elaboração para cada qual de uma Constituição, o que
de fato ocorreu nos 26 Estados em 1989. O art. 25 prescreveu que tais
textos constitucionais deveriam se ater aos princípios da Constituição
Federal. Evidentemente, as 26 Constituições Estaduais tem algumas
particularidades, de modo a se adaptar para cada ente político, ainda
que em essência mantenham previsões praticamente idênticas as da
Constituição Federal (com as devidas adaptações, como a substituição
da figura do Presidente pelo do Governador, por exemplo).
Além disso, tais limites progressivamente desde a vigência tem
se tornado mais rígidos, uma vez que o Supremo Tribunal Federal
tende a decidir mais em favor da União (da qual é órgão) quando em
conflitos federativos com os Estados. Exemplo claro é justamente
a declaração de inconstitucionalidade de diversos dispositivos das
Constituições Estaduais por extrapolarem ou particularizarem
determinadas tratativas.
Um dos argumentos mais utilizados pelo STF nas declarações
de inconstitucionalidade de dispositivos das Constituições Estaduais
é a ofensa ao suposto “princípio da simetria”. O tema foi largamente
tratado por Marcelo Labanca Corrêa de Araújo em Jurisdição Constitucional
e Federação(2009), no qual o autor defende o princípio da simetria como
um princípio argumentativo e não de direito positivo. Ainda assim, ao
final observa que “o princípio da simetria termina sendo um verdadeiro
‘coringa’ para o uso político por parte do Supremo Tribunal Federal,
na construção da federação brasileira” (ARAÚJO, 2009, p. 172).

207
De modo semelhante ao que Ackerman (2006) observa em seu
Nós, o Povo Soberano, o autor também compreende de modo acertado que
a jurisdição constitucional também é parte da formação da federação. E
suas palavras, “se se fala que ela – a federação – é centralizada demais,
não seria apenas em virtude das agendas políticas do Legislativo
e Executivo, mas também em virtude do desenho institucional
determinante extraído do exercício da jurisdição constitucional”
(ARAÙJO, 2009, p. 78).
Com leves discordâncias no resultado desta pesquisa, ainda que
seja um essencial marco teórico, compreendo o “princípio da simetria”
como um ardil argumentativo utilizado pelo STF em diversas ocasiões
para reforçar o poderio da União em relação aos Estados, conforme
defendi em trabalhos anteriores (LIZIERO, 2019). Em alguns casos
que verifiquei, o referido “princípio” surge meramente como evocação
em votos dos Ministros (talvez pela simpatia semântica que o termo
princípio adquiriu no constitucionalismo brasileiro pós-1988).
Em diversas oportunidades, o STF declarou inconstitucionalidades
de dispositivos das Constituições Estaduais com base neste falacioso
princípio. Enquanto União, o STF, em boa parte das vezes, age
normalmente como um fiador do centralismo (MARRAFON;
LIZIERO, 2014). Em relação aos direitos fundamentais não é diferente.
Alguma pequena alteração nesta perspectiva deve-se aos efeitos da
pandemia de Covid-19 que assolou o Brasil a partir de 2020.
Ainda que normalmente o STF aja a favor da União, em razão
da desastrosa (egenocida) política sanitária do governo Jair Bolsonaro,
decisões importantes foram tomadas para reconhecer a competência
que Estados e Municípios têm para tomar suas próprias ações restritivas.
A mais emblemática foi a posição unânime do Plenário favorável
à procedência da ADPF 672 em outubro de 2020, cuja decisão
monocrática do Ministro Alexandre de Moraes em abril do mesmo
ano assegurou aos entes subnacionais o poder de tomar as medidas
necessárias para salvaguarda da população.
Veja-se a aplicação dos direitos fundamentais neste caso: o art.
23, II e IX da Constituição Federal estabelece o compartilhamento de
competências entre União e demais entes para ações tais quais cuidar
da saúde e assistência púbica, proteção das pessoas com deficiência e

208
saneamento básico. Por sua vez, o art. 24, XII e art. 30 II, estabelecem
que todos os entes federativos compartilham a competência legislativa
para proteção e defesa da saúde. Portanto, a competência ampla da
União não anula as dos entes subnacionais se estas tiverem a finalidade
de proteger o direito fundamental à saúde de suas populações.
Ainda que o Supremo tenha tomado uma posição incomum contra
a própria União, ainda assim em um aspecto geral precisa ainda ser
compreendido como um agente da centralização do Estado federal
brasileiro. Em sua história (inclusive no pós-1988) o centralismo foi
reforçado por suas decisões. Deste modo, estudar direitos fundamentais
no âmbito estadual, sua existência e aplicabilidade, requer contar
com o “fator STF” como um agente que normalmente terraplana as
diversidades entre as unidades federativas em favor da uniformização
do Direito federal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRUCIO, Fernando Luiz. SANO, Hironobu. A experiência de


cooperação interestadual no Brasil: formas de atuação e seus desafios.
In: Cadernos Adenauer XII. nº. 4. Municípios e Estados: experiências com
arranjos cooperativos. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer,
abril 2012.
ACKERMAN, Bruce. Nós, o Povo Soberano. Tradução de Mauro Raposo
de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. A Constituição do Estado
federal e das unidades federadas. Revista de Informação Legislativa. Brasília,
a. 24 n. 93, pp. 171-182 jul/set, 1987.
ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Jurisdição Constitucional e Federação:
o princípio da simetria na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
ARRETCHE, Marta. Democracia, Federalismo e Centralização no Brasil. Rio
de Janeiro: FGV; Ed. Fiocruz, 2012.

209
HORTA, Raul Machado. Repartição de competências na Constituição
Federal de 1988. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 33, p. 249-
274, 1991.
LIZIERO, Leonam. A simetria que não é princípio: análise e crítica
do princípio da simetria de acordo com o sentido de federalismo no
Brasil. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 2, pp. 392-411, 2019.
MARRAFON, Marco Aurélio; LIZIERO, Leonam Baesso da Silva.
Competências constitucionais da União e Supremo Tribunal Federal:
fiadores da centralização no federalismo brasileiro. In: FISCHER,
Octavio Campos; SANTOS, Scheila Barbosa dos. Federalismo Fiscal e
Democracia. Curitiba: Instituto Memória, 2014.

210
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL
E FEDERALISMO: PERSPECTIVAS
DESCENTRALIZADORAS
Renata Gonçalves Perman270

Sumário: 1. Introdução; 2. A repartição de competências


legislativas na Constituição Federal de 1988; 3. A competência
da União para elaboração de normas gerais no condomínio
legislativo; 4.Federalismo e a tensão entre centralização e
descentralização(1988-2020); 5. Considerações finais; 6.
Referências.

1. INTRODUÇÃO

A possibilidade de regulação de direitosno âmbito estadual tem


sido limitada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim, torna-se essencial examinar como se efetivou a centralização e
a descentralização de competências legislativas em relação ao direito
do consumidor de 1988 até janeiro de 2020. Nesse sentido, o artigo
investiga o tema da proteção estadual do consumidor, desdobrando-o
no duplo aspecto mencionado. Em primeiro lugar, propõe-se a
discussão sobre teoria da repartição de competências legislativas e do
Estado Federal. Em segundo lugar, viabiliza-se a discussão a respeito
de como ocorreu o movimento entre descentralização e centralização
do Estado Federal, durante 1988 e 2020 não foi linear, em alguns
anos existiu maior concentração de competências na figura federal
em detrimento de outros anos, isto é, a Corte abafa ou potencializa a
competência legislativa dos entes subnacionais em relação ao direito
do consumidor.
Nesse contexto, a proteção de direitos por meio do entendimento
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é salutar, na medida

Mestra e Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco


270

(UNICAP). Advogada. Pesquisadora no Grupo Recife Estudos Constitucionais


(REC).Professora do LLM em Direito Constitucional da Universidade Católica de
Pernambuco e na graduação da Uniaeso. E-mail: renata.perman@hotmail.com.
211
em que a Corte vai funcionar como “árbitro do federalismo”,
definindo os limites entre as competências dos entes subnacionais.
Os Estados estão aptos a regular aspectos importantes de um ponto
de vista regional que poderiam ser negligenciados pela Constituição
Federal. A aplicação uniforme da Carta Magna de 1988 pode deixar
de considerar peculiaridades regionais importantes que, no cenário
nacional, não têm tanta relevância. Assim, a legislação estadual pode
coibir práticas problemáticas de violação de direitos no âmbito regional,
implementando novos direitos a par dos existentes na legislação federal,
bem como criando órgãos de proteção e mecanismos de resolução de
potenciais conflitos relevantes no plano regional.
Assim, a tônica do Estado Federal é a tensão entre centralização
de competências e descentralização, quando se examina a centralização,
diz a concentração de competências na União e quando se institui
a descentralização, é porque ocorre o privilégio das competências
estaduais em detrimento da federal. Dessa forma, torna-se essencial
identificar qual é a tendência do Supremo Tribunal Federalem centralizar
ou descentralizar competências normativas dos entes subnacionais.

2. A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS


NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Uma das principais críticas da doutrina que se debruça ao estudo da


teoria do federalismo é a excessiva concentração de matérias no âmbito
federal e o tolhimento da autonomia dos Poderes Legislativos dos entes
subnacionais. Embora federalismo e Estado federal sejam conceitos
distintos, eles possuem vinculação temática (LIZIERO, 2019). O
Estado Federal é a forma de Estado (de organização jurídica e política
dele) que abarca a cooperação de entidades federativas, de forma que
ambosos conceitos sempre estiveram em um movimento pendular
entre descentralização e centralização (normalmente centralizado).
A tensão entre união e diversidades (forças centrípetas e
centrífugas) sempre foi a tônica do federalismo brasileiro, que requer
incessante equilíbrio entre as entidades da federação. Entretanto,
a ausência de harmonia na repartição de competências legislativas
entre União e Estados membros sempre foi objeto de intenso debate
212
pela doutrina e também pela Suprema Corte. Nesse contexto de
competências legislativas concorrentes e privativas, Leite e Araújo
explicam nos seguintes termos:

Foram estabelecidas competências enumeradas para a União


Federal e também os Municípios. Já em relação aos Estados
membros, foram-lhe atribuídas competências remanescentes.
Já quanto à possiblidade do exercício compartilhado das
competências, costuma-se falar em competência legislativa
privativa e competência legislativa concorrente. Pela primeira,
entende-se que a Constituição dá certas matérias a uma
esfera para legislar. Entretanto, de acordo com a segunda
competência (a compartilhada ou concorrente), entende-se
que a Constituição Federal concedeu alguns temas e outorgou-
os para mais de uma esfera apreciar. A Constituição Federal
tentou catalogar as matérias que poderiam ser objeto de
legislação, como por exemplo, Direito Civil, Penal, Trabalho
etc., e disciplinou qual ente da Federação deveria ficar
responsável para elaborar leis sobre aqueles assuntos (LEITE;
ARAÚJO,2015, p. 294).

Ao repartir competências entre os entes da Federação, a Carta


Magna, instituiu à União, no art. 22, um grande catálogo de assuntos
que fossem objeto da análise do Congresso Nacional, deixando claro,
entretanto, no parágrafo único do art. 22, que uma lei complementar
pode ser editada com o objetivo de atribuir a matéria legislativa aos
Estados membros. A Constituição Federal de 1988 definiu um grande
rol de matérias no art. 22, com vinte e nove incisos que abarcam desde
o Direito Civil até assunto de propaganda comercial. Dessa forma,
fica perceptível o enorme e extenso rol centralizador de competências
federais.
Em decorrência do extenso rol de competências legislativas
privativas da União, a Constituição concebeu o condomínio legislativo,
o art. 24 da CRFB, que prevê um espaço de intersecção de assuntos
que podem ser legislados pela União, Estados e Distrito Federal,
as denominadas competências legislativas concorrentes (LEITE e
ARAÚJO, 2015, p. 295).

213
Entretanto, as competências concorrentes não conseguiram solver
a centralização do federalismo legislativo brasileiro, por dois motivos:
primeiramente, existe uma explícita hipertrofia de competências
legislativas na União Federal, instituídas no art. 22 e que não são
descentralizadas, quando poderiam ser, com fundamento no parágrafo
único no referido artigo (LEITE e ARAÚJO, 2015, p. 296).
A segunda explicação para a centralização de competências
legislativas se refere ao fato de que ocasional construção estadual
e municipal de leis, teoricamente introduzida entre competências
concorrentes, pode ser interpretada e introduzida entre assuntos
privativos da União. Por exemplo, uma lei estadual que institua a
comercialização de gás liquefeito e petróleo (assunto de interesse local)
pode ser entendida pelo Supremo Tribunal Federal como violadora da
competência privativa da União para legislar sobre direito civil.
Dessa forma, a repartição de competências é fundamental para
a conceituação jurídica de federação, pois organiza o campo de
atuação de cada ente (União, Estados membros e Distrito Federal),
observando as diretrizes traçadas pela Constituição Federal. Ao repartir
as competências legislativas entre União e Estados membros, parte-se
da premissa de que um ente monitore a atuação do outro para prevenir
abusos de um ente da federação e proteger direitos fundamentais
(MARSHFIELD,2014, p. 88).
Desse modo, o referido autor afirma que “em alguns sistemas
federais, o governo subnacional existe, em parte, para fornecer
um cheque às instituições nacionais” (MARSHFIELD,2014, p.90).
Contudo, visão do Marshfield é incompleta, uma vez que os governos
subnacionais existem não apenas para servir como um cheque as
instituições nacionais, mas também para preservar um equilíbrio
federativo e atender melhor as peculiaridades locais.
A repartição de competências é uma característica central
do Estado federal, na medida em que revela o quanto as escolhas
político-institucionais amoldam-se aos princípios do federalismo. Uma
peculiaridade típica do federalismo brasileiro diz respeito à tensão
decorrente da busca por maior autonomia dos Estados membros,
ante o excesso de competências atribuídas à União pelo art. 22 da
Constituição da República (HORTA, 2003).

214
Na realidade sempre há uma constante tensão no federalismo
entre forças centrípetas e centrífugas, por tratar de conceitos opostos:
liberdade e autoridade, igualdade e diferença, diversidade e unidade,
autonomia e interdependência, centralização e descentralização,
integração e desintegração (BERNARDES, 2010, p.47). Dessa forma,
o federalismo pode ser entendido como uma distribuição espacial de
competências legislativas sendo justamente nessa constante tensão
que se torna uma escolha possível para a atual sociedade plural. Nesse
sentido, Wilba Lúcia explica a tensão peculiar do federalismo nos
seguintes termos:

Essa tensão interna do federalismo vai permitir que esse


fenômeno seja a charneira que irá buscar o equilíbrio nos
conteúdos aparentemente antagônicos que nele estão
congregados. Dessa forma, é justamente nesse “cabo de
guerra” entre diversidade e unidade, nesta tensão previamente
posta que concorremos para obter a paz social ou o fio
de harmonia. Assim, ao se admitir essa tensão interna, na
verdade, estamos claramente defendendo uma proposta de
federalismo aberto incompleto e em permanente construção,
pois, como se trata de tensão, em algumas hipóteses ela será
resolvida elegendo, por exemplo, a unidade e em outros casos,
a diversidade(BERNARDES,2010, p.48-50).

A União e os Estados membros devem desempenhar suas


competências legislativas de maneira coerente e harmônica, sem que
um ente federativo invada a esfera de competência privativa do outro.
Desse modo, as competências concorrentes são uma maneira de
alcançar um federalismo equilibrado, no qual a União e os Estados
exerçam suas competências legislativas previstas na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (ALMEIDA,2000).
As competências legislativas concorrentes têm amparo legal
no artigo 24 da CRFB. Raul Machado usa a expressão “condomínio
legislativo” para descrever o ponto de encontro das competências
legislativas concorrentes da União e dos e Estados membros. Essa
subespécie de competência legislativa busca construir um federalismo
de equilíbrio entre União e Estados, não um federalismo fundado na
supremacia e concentração de poderes e competências no ente federal,
215
levando ao consequente retraimento das competências dos “entes
subnacionais-Estados membros” (HORTA, 2003, p. 55).
O federalismo é uma maneira de repartição do poder, isto é, a
distribuição de competências legislativas entre União, Estados e Distrito
Federal como o seu ponto central, ou até mesmo, nas palavras de Raul
Machado Horta “a chave da estrutura do poder federal”(HORTA,2003,
p.59). As competências concorrentes são uma forma de alcançar
um federalismo equilibrado, no qual a União e os Estados exerçam
paralelamente suas competências legislativas previstas na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988. Para Borges Netto:

Tem sido frequente a menção pela doutrina acerca da situação


da excessiva centralização de competências legislativas
na esfera da União. Isso realmente procede, mas não a
ponto de enfraquecer demasiadamente as demais ordens
jurídicas parciais, em especial dos Estados membros, que
por intermédio do sistema de competências adotado pela
Constituição Federal de 1988 foram beneficiados com novas
e importantes possibilidades de legislar, algo que somente
veio a ocorrer em razão da necessidade, apregoada pela Lei
Fundamental, que essas ordens jurídicas precisam e necessitam
ser autônomas, única forma de se efetivar a saudável realidade
que deve ser objeto permanente do federalismo, que é a efetiva
descentralização do poder(BORGES NETTO,1999, p.15).

No federalismo, os Estados membros têm autonomia, detendo


a faculdade de criar as suas próprias normas. A repartição de
competências é vital para o federalismo, sendo o postulado basilar de
toda edificação Constitucional do Estado federal. Sendo o ponto central
do federalismo, a repartição possibilita balancear as competências das
entidades parciais e a central da União. Assim, a organização Federal
emana da repartição de competências, pois ela estabelece as regras
de configuração da União e dos Estados, determinando a atividade
constitucional de cada um (HORTA, 2003).
Nesse contexto, a repartição de competências é fundamental
para o federalismo, uma vez que ela é uma decorrência lógica, na
medida em que institui poderes e atribuições próprias a cada ente.
Para Moraes, a Constituição da República de 1988 admitiu a clássica
216
repartição de competências federativas, atribuindo uma lista taxativa
de competências legislativas para a União, e dessa maneira, aos Estados
membros cabem os poderes remanescentes (MORAES, 2013, p. 167).
Entretanto, embora o federalismo procure um equilíbrio entre União e
entes subnacionais, na prática tal equilíbrio não existe devido ao extenso
rol de competências do art. 22 da CRFB (compete privativamente à
União legislar sobre: direito civil, comercial, eleitoral, penal e agrário).
Outra característica relevante do federalismo é a concepção de
que os Estados membros devem ser vistos como “laboratórios”,
por propiciar a oportunidade de todos os cidadãos atuarem em um
governo representativo local. Um dos principais indicadores dos
Estados federais, nesse sentido, é que um Estado que possa servir
como laboratório para tentar novas experiências sociais e econômicas,
sem risco para o resto do país (SCHWARTZ, 1984, p. 75). Além
disso, a preservação de governos estaduais fortes confere maior força
democrática aos governos locais, característica não identificada em
governos centralizadores.
O método de repartição de competências da Constituição norte-
americana serviu como modelo e inspirou as Constituições de outros
Estados federais (inclusive o brasileiro), que passaram a empregá-lo
domesticamente. Os federalistas, desde a fundação do Estado norte-
americano, sustentavam que o governo dos Estados é a regra e o
governo federal a exceção (MADISON, 1840, p.15). Entretanto, a
previsão não se realizou, pois, a evolução do Estado federal se deu de
forma oposta, com a União ampliando suas competências e reduzindo,
em contrapartida, as competências estaduais (MADISON, 1840, p.15).
3.A competência da União para elaboração de normas gerais no
condomínio legislativo.
No contexto das competências legislativas concorrentes, o art.
24 parágrafo 1º da Constituição Federal institui que “no âmbito
da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais”. Entretanto, nas hipóteses condominiais
elencadas no referido artigo a União também pode legislar de maneira
específica, pois a norma geral da União não negligencia a legislação
específica em assuntos de competência concorrente de forma que,
“a alusão às normas gerais do art. 24 pode ser entendida como uma

217
função coordenada da União em um campo de atuação conjunta com
os Estados membros” (ARAÚJO,2017, p.190).
No âmbito da repartição de competências, é muito importante
identificar a natureza da norma legislada, se geral ou específica. Se a
norma é geral os Estados membros devem necessariamente seguir,
mas se for específica, não há necessidade de ser seguida pelos Estados.
Não existe uniformidade doutrinária sobre o conceito de normas
gerais e sempre houve muita discussão na doutrina para saber o
limite de quando a norma deixa de ser geral e passa a ser específica
(ARAÚJO,2017, p.190). Nesse contexto de normas gerais, afirma
Araújo nos seguintes termos:

Chamar uma norma de geral não deixa de ser, em sí, uma


redundância, pois a lei, ao contrário do ato administrativo e da
sentença (que são atos concretos) é, em si, uma norma geral.
Mas a questão é identificar o nível de generalidade da lei e a
gradação dessa generalidade, pois os Estados membros também
possuirão a competência para legislar sobre esse assunto, mas
de maneira específica (não no nível de especificidade de uma
sentença ou ato administrativo). Diogo de Figueiredo Moreira
Neto menciona a existência de três graus de generalização
normativa: um generalíssimo, das normas-princípio, um
geral, das normas gerais e, por fim, um subgeral, das normas
particularizantes(ARAÚJO,2017, p.191).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3357 do Rio Grande


do Sul, cujo ministro relator foi Ayres Britto, em 30-11-2017. A Lei
11.643-2001 do Estado do Rio Grande do Sul proíbe a produção e
comercialização de produtos à base de amianto, produção e consumo,
proteção do meio ambiente e proteção e defesa da saúde, competência
legislativa concorrente, impossibilidade de legislação estadual disciplinar
matéria de forma contrária à lei geral federal. A Lei estadual dispõe
sobre a alteração nas relações fáticas subjacentes à norma jurídica, pois
o amianto possui natureza cancerígena e a invalidade de seu uso de
forma segura, existência de matérias primas alternativas
A Suprema Corte entendeu que se trata de competência legislativa
plena dos Estados, julgando constitucional a Lei estadual 11.643. A
Lei 11.643, do Estado do Rio Grande do Sul, proíbe a produção
218
e comercialização de produtos à base de amianto, versando sobre
produção e consumo (art. 24, V CRFB). Dessa forma, compete
concorrentemente à União a edição de normas gerais e aos Estados
suplementar a legislação federal no que couber (art. 24 parágrafos 1 e
2 da CRFB). Somente na hipótese de inexistência de lei federal é que
os Estados exercerão a competência legislativa plena (art. 24 parágrafo
3 da CRFB).
A Constituição de 1988 estabeleceu uma competência
concorrente não cumulativa, na qual há expressa delimitação dos
modos de atuação de cada ente federativo, os quais não se sobrepõem.
Compete à União editar normas gerais (art. 24 parágrafo primeiro),
não cabendo aos Estados contrariar ou substituir o que é definido
em norma geral, mas sim o suplementar (art. 24 parágrafo 2). Se, por
um lado, a norma geral não pode impedir o exercício da competência
estadual de suplementar as matérias arroladas no art. 24, por outro,
não se pode admitir que a legislação estadual possa adentrar a
competência da União e disciplinar a matéria de forma contrária à
norma geral federal, desvirtuando o mínimo de unidade normativa
almejada pela Constituição Federal. A inobservância dos limites
constitucionais impostos ao exercício da competência concorrente
implica a inconstitucionalidade formal da lei.
No voto do ministro relator Ayres Britto, ele diz da importância
da competência legislativa da União para editar normas gerais sobre
produção e consumo e ao consumidor (art. 24 V e VIII da CRFB). É
necessário buscar uma precisa diferenciação entre as seguintes categorias
constitucionais a) competência legislativa privativa b) normas gerais
c) competência legislativa concorrente d) competência suplementar
dos Estados e) competência legislativa plena de cada Estado membro
para o atendimento das respectivas peculiaridades. A diferenciação e o
estudo aprofundado desses conceitos se fazem necessária para o regime
federativo em tema de distribuição constitucional de competências
(BRASIL, 2017, p. 9).
Ainda referente ao voto do ministro relator Ayres Britto a
competência legislativa que a União exerce com privatividade é
aquela estampada no art. 22 da Constituição Federal para que a União
discipline relações jurídicas de modo federativamente igual. Britto,

219
aduz ainda sobre as normas gerais, condomínio legislativo e legislação
suplementar estadual nos seguintes termos:

Já com referência ao significado das competências legislativas


concorrentes veiculadas pelo art. 24 da nossa Lei máxima,
cuida-se de um poder normativo tão primário quanto comum
à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Logo, trata-se de
um real condomínio legislativo federado, com a peculiaridade
de que à União cabe a edição de normas gerais ou de
aplicabilidade federativamente uniforme, pois o parágrafo
1 desse art. 24 está escrito que “no âmbito da legislação
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais. A outra parte de índole normativo-primária,
é titularizada pelos Estados e pelo Distrito Federal, de logo
designada pelo parágrafo subsequente como competência
suplementar”(BRASIL,2017, p. 13).

Concernente, ainda, à referida ADI, no voto do Ministro relator


Ayres Britto, ele ainda aduz que se a União resolve sair na frente do
ato de legislar sobre produção e consumo, há de se conter na produção
de normas gerais. Quanto aos Estados e Distrito Federal, estes,
diante da eventual edição de normas federais de caráter geral (normas
gerais) produzirão normas suplementar. Suplementar, como objetivo
de suplemento, aditamento, acrescentar alguma coisa, suprir, acudir,
inteirar com o objetivo de solver os déficits de proteção e defesa de
que as normas gerais venham a padecer. Nesse sentido, Ayres Britto
complementa nos seguintes termos:

Ainda referente ao voto do ministro, as normas suplementares


mais do que fazer render os conteúdos das normas gerais,
o que fazem é desatar os conteúdos de cada qual dos bens
jurídicos constitucionais a proteger e defender por legislação
federativamente condominial. O condomínio legislativo,
bipartido em gestação de normas gerais e aporte de normas
complementares, a atuar como fórmula de eficácia plena da
tutela de cada qual das matérias entregues à competência
concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. A
plenitude normativa a se obter, não pela produção de normas
gerais em sí mesmas, não pela edição de normas suplementares
220
também em sí próprias consideradas, mas pela elaboração
conjugada das normas gerais e das normas suplementares.
Sendo que as vertentes protetivas e de defesa de uma e de outra
categoria de normas é facilmente explicável: a Constituição
Federal somente fala em consumidor para tutelá-los ou
promovê-los (BRASIL, 2017, p.13).

As normas gerais possuem uma função relevante no condomínio


legislativo instituindo um padrão de conduta no país. A norma geral
funciona como uma lei quadro ou moldura legislativa e os Estados
vão complementá-las, de forma que o legislador estadual deve ter sua
criatividade estimulada para melhor atendimento de peculiaridades
regionais e não tolhidas pela lei de normas gerais. A legislação da União
indicará o espaço livre para a verificação de diversidades normativas
no Estado Federal (ARAÚJO, 2017, p, 198).
Nesse contexto da União com prerrogativa de estabelecer
normas gerais, a legislação específica dos Estados membros deve
atender a peculiaridades, observando um mínimo de uniformização
legislativa (justamente elencados pela norma geral- lei quadro ou
moldura legislativa). O federalismo busca harmonia e equilíbrio de
forma que deve existir um mínimo de uniformidade em determinada
matéria, mas essa uniformidade não pode ser exauriente ocultando
variedades regionais e impossibilitando a formação de legislações
distintas para cuidar de realidades diversas em um país federal com
tantas desigualdades regionais como o Brasil. Dessa forma, “o grande
dilema das normas gerais no condomínio legislativo é justamente a
busca do equilíbrio entre a uniformidade e a diversidade legislativa”
(ARAÚJO,2017, p.198).
Na temática de busca por um equilíbrio entre unidade e
diversidade, ideias buscadas constantemente pelo federalismo brasileiro,
é importante conceituar as normas gerais, na visão de André Luiz Borges
Netto. Elas estabelecem limites à atividade da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, que podem exercer conjuntamente
uma determinada competência, desde que sejam respeitados os limites
demarcados pela Constituição Federal. A União tem a competência de
deliberar sobre as normas gerais, ao passo que os Estados membros
podem instituir normas específicas, caso ocorra uma exorbitância da
221
competência jurídica de cada um dos respectivos entes haverá vício
de inconstitucionalidade (BORGES NETTO, 1999). Para André Luiz
Borges Netto, as normas gerais são importantes dentro dos seguintes
termos:

As normas gerais resultará importante limitação que se impõe


à atuação legislativa dos Estados membros, pois é certo que
nessa atuação o conjunto de ordens jurídicas parciais possuem
competência para editar normas específicas, mediante, a técnica
da legislação suplementar e complementar não devendo ser
esquecido que os Estados membros até que poderão editar
normas gerais, mas somente no caso do art. 24 parágrafo 3
da CF que elenca a hipótese de inexistência de lei expedida
pelo Congresso Nacional estabelecendo diretrizes de âmbito
nacional. As normas gerais endereçam limites para os
legisladores federais e estaduais embora possam estendê-los
aos aplicadores federais e eventualmente aos Estaduais. O
legislador federal certamente não regulou exaustivamente a
matéria, posto que importa em circunscrever as normas federais
ao campo da generalidade (BORGES NETTO,1999, p. 127).

Normas gerais são guias, diretrizes e instruções para legislar,


são comandos dirigidos ao legislador estadual para que ele se guie e
oriente desempenho de sua competência. Normas que detalham as
premissas, de forma exaustiva e exauriente, não são normas gerais.
Elas devem expor uma generalidade maior do que as leis e regras.
Dessa maneira, normas gerais estabelecem princípios, diretrizes, linhas
mestras, regras jurídicas gerais, não podendo entrar em pormenores ou
detalhes, nem muito menos esgotar o objeto da legislação. São regras
uniformes para situações idênticas, só cabem quando preenchem
lacunas Constitucionais ou dispositivos sobre áreas de conflito, são
limitadas no sentido de não poderem violar a autonomia dos Estados
membros (BORGES NETTO,1999, p. 131).
É uma questão antiga na doutrina a discussão sobre o conceito de
normas gerais. Parte dela, como por exemplo Ferraz Júnior, delimita o
conceito negativamente (por exclusão), afirmando ser norma geral tudo
aquilo que não se adeque aos seguintes conceitos: não são normas gerais
as que objetivem uma ou algumas dentre várias pessoas congêneres
222
de direito público, participantes de determinadas relações jurídicas,
as que visem particularmente, determinadas situações ou institutos
jurídicos com exclusão de outros, da mesma condição ou espécie, as que
afastem dos aspectos fundamentais ou básico descendo a pormenores
ou detalhes(FERRAZ JÚNIOR;1995, p.249).
Já para Carmona o adjetivo “gerais” representa uma limitação
quanto ao alcance das normas gerais, uma vez que essas normas
limitam a autonomia da União e Estados membros, fazendo parte
da estrutura federativa (CARMONA,2010, p. 16). Desse modo, é
impossível estabelecer com absoluta precisão a extensão do seu
conceito. Nesse contexto,Krell, também conceitua normas gerais
nos seguintes termos:

A inclusão abrangente de todas as categorias de normas


jurídicas no âmbito do Direito federal capazes de ser utilizadas
para estabelecer normas gerais e, assim, impedir ou suprimir
leis estaduais sobre a mesma matéria estava se referindo à
categoria da competência supletiva ou complementar dos
Estados federados. Este tipo de competência existe nos casos
em que os Estados apenas preenchem lacunas ou deficiências
deixadas pela legislação federal em relação a determinados
pontos temáticos, sistema este introduzido pelo art. 5 da Carta
brasileira de 1934 que foi fortemente inspirada pela famosa
Constituição de Weimar de 1919 (KRELL, 2008, p.19).

É uma característica do federalismo cooperativo a repartição de


competências de um mesmo tema em vários campos de atuação entre
União, Estados e Distrito Federal. Referente a uma mesma matéria – a
competência legislativa é compartilhada concorrentemente entre vários
entes federativos, em níveis diversos: a União é atribuída a edição de
normas gerais, a outros, das normas particulares ou específicas (as
chamadas competências concorrentes) (HORTA,2003).
Está na essência das normas gerais a não exaustividade de suas
definições, de maneira a autorizar a sua complementação através da
legislação complementar estadual. Devido ao excesso de competências
privativas Federais (art. 22 da CF/88) é necessário que exista uma
descentralização dessas competências ampliando as competências

223
concorrentes entre União, Estados membros e Distrito Federal
atribuindo-se à União a elaboração de normas gerais e aos Estados
membros e legislação complementar no âmbito das normas gerais
(BORGES NETTO,1999). Nesse sentido, Borges Netto destaca que:

O deslocamento de matérias da competência exclusiva da


União para a legislação comum, a ser objeto de dupla atividade
legislativa, a da União no domínio da legislação de normas
gerais e aos Estados membros a complementação da legislação
federal representando um esforço quantitativo e qualitativo
da competência estadual para legislar. Cada Estado membros
afeiçoaria às necessidades de seu ordenamento a legislação
federal de normas gerais, desde que essa legislação não se torne
exaustiva e integral (BORGES NETTO 1999, p. 90).

Um exemplo de competência legislativa concorrente diz respeito


ao direito fundamental do consumidor. O art. 24 da CRFB/88, que
versa sobre a competência legislativa concorrente entre União, Estados
e Distrito Federal, que é justamente a possibilidade de dividir uma
mesma matéria (o direito do consumidor, nesse caso) entre mais de
uma entidade federada, possibilitando a atividade conjunta entre elas.
Raul Machado Horta, denomina essa atuação conjunta entre União,
Estados e Distrito Federal (art. 24 da CF de 1988) de condomínio
legislativo. É oportuno pontuar que os Estados membros até podem
editar normas gerais, porém apenas no caso do art. 24 § 3º da CF/88,
ou seja, na hipótese de não haver lei editada pelo Congresso Nacional
instituindo instruções de âmbito geral. As normas gerais funcionam
como balizas e limites para os legisladores federais e estaduais
(BORGES NETTO,1999).
O legislador federal normalmente demarca as normas federais no
âmbito da generalidade e frequentemente não regulamenta totalmente
e unicamente a matéria. Na realidade, é muito comum haver dúvidas
diante de casos concretos a fim de identificar os limites de generalidade
da norma e a partir de que ponto ela estará se particularizando
(HORTA,2003). Nesse sentido, Borges Netto conceitua normas gerais
nos seguintes termos:

224
Normas gerais são princípios, bases, diretrizes que hão de
presidir todo subsistema jurídico. São normas gerais diretrizes
para legislar, comandos dirigidos para o legislador local,
para que este as tenha como orientação no exercício de sua
competência. Normas que detalham, minudenciam, todos
os aspectos de uma questão, nada deixando à imaginação do
legislador local para que crie um direito, atendendo as suas
peculiaridades, seguramente não são normas gerais (BORGES
NETTO 1999, p. 131).

Normas gerais são diretrizes gerais, não podendo ser particularizadas


nem pormenorizadas, devendo ter um caráter mais geral do que as
demais leis. As normas gerais federais funcionam como a moldura
de um quadro a ser pintado pelos Estados membros e Municípios no
desempenho de suas competências (HORTA,2003). Já Lopes Filho,
conceitua normas gerais nos seguintes termos:

Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão


“norma geral” comporta dois núcleos de certeza, há um núcleo
de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangência
inquestionável do conceito. Há outro núcleo de certeza
negativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre
esses dois pontos extremos, coloca-se a precisão na aplicação
do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza negativa,
aplica-se a inaplicabilidade do conceito. Não existem, porém,
um limite exato acerca dos contornos do conceito (LOPES
FILHO2019, p.293).

O art. 24 V da CRFB/88 dispõe que é competência concorrente


entre União, Estados e Distrito Federal legislar sobre produção e
consumo. Nessa espécie de competência cabe à União elaborar normas
gerais e os Estados e Distrito Federal normas específicas. Lopes Filho,
afirma que os Estados membros terão competência para detalhar as
normas gerais editadas pela União instituindo condições para a sua
efetivação dentro da competência legislativa concorrente do art.24 da
CF/88(LOPES FILHO, 2019).

225
4. FEDERALISMO E A TENSÃO ENTRE CENTRALIZAÇÃO
E DESCENTRALIZAÇÃO (1988-2020).

Foi realizado levantamento das decisões no Supremo Tribunal


Federal, que de um universo de 45 ações (Recurso extraordinários,
Ações Diretas de Inconstitucionalidade, e ADPFs) de 1988 até janeiro
de 2020, utilizando a seguinte fórmula: art$ prox3 24 prox3 v e consum$
e (federalismo ou condomínio ou concorrente ou $compet$ ou inva$ ou
plena ou suplement$ ou norma$ adj gera$). Foi utilizada lógica binária,
no sentido de que: se o STF declarou a lei subnacional constitucional,
ele descentralizou, isto é, privilegiou a competência estadual para
tratar do tema. Se o STF entendeu pela inconstitucionalidade da lei
subnacional, ele centralizou, ou seja, privilegiou a competência da União
para dispor sobre matéria de proteção ao consumidor.
Nesse contexto, de um universo de 45 ações, em 22 delas, o STF
entendeu pela inconstitucionalidade da legislação estadual, com o
fundamento de invadir a esfera de competência privativa da União,
conforme critérios normativos acima descritos. Em 21 ações, o
Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade da lei
estadual, com fundamento de que como trata-se de tema de produção
e consumo, inscrito na competência legislativa concorrente do art. 24
da CRFB, a lei estadual possui competência para normatizar o tema.
A ADI 2396 que declarou inconstitucional lei estadual, relatada pela
Ministra Ellen Gracie, foi julgada pela primeira vez em 26/09/2001 e
depois, a mesma ação foi julgada pela mesma Ministra em 08/05/2003,
apareceu de forma repetida na amostra. A ADI 1980 também apareceu
de maneira repetida na amostra, e então, uma delas foi desconsiderada,
e dessa forma, só foram consideradas um universo de 43 ações.

226
Fonte: http://portal.stf.jus.br/

O Supremo Tribunal Federal exerce papel fundamental na


manutenção do equilíbrio federativo. Incube à Corte a função de
resolver conflitos federativos entre União e entes subnacionais. Nesse
contexto, o Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal,
desempenha papel relevante na interpretação dos limites normativos
federativos da repartição de competências legislativas entre os entes
federados. Nesse contexto de constante tensão entre centralização e
descentralização é importante pontuar que o movimento centrípeto e
centrifugo do federalismo brasileiro não foi linear. É possível perceber
alguns anos em que houve maior centralização em detrimento de outros
períodos, conforme gráfico abaixo

227
aduz ainda sobre as normas gerais, condomínio legislativo e legislação
suplementar estadual nos seguintes termos:

Já com referência ao significado das competências legislativas


concorrentes veiculadas pelo art. 24 da nossa Lei máxima,
cuida-se de um poder normativo tão primário quanto comum
à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Logo, trata-se de
um real condomínio legislativo federado, com a peculiaridade
de que à União cabe a edição de normas gerais ou de
aplicabilidade federativamente uniforme, pois o parágrafo
1 desse art. 24 está escrito que “no âmbito da legislação
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais. A outra parte de índole normativo-primária,
é titularizada pelos Estados e pelo Distrito Federal, de logo
designada pelo parágrafo subsequente como competência
suplementar”(BRASIL,2017, p. 13).

Concernente, ainda, à referida ADI, no voto do Ministro relator


Ayres Britto, ele ainda aduz que se a União resolve sair na frente do
ato de legislar sobre produção e consumo, há de se conter na produção
de normas gerais. Quanto aos Estados e Distrito Federal, estes,
diante da eventual edição de normas federais de caráter geral (normas
gerais) produzirão normas suplementar. Suplementar, como objetivo
de suplemento, aditamento, acrescentar alguma coisa, suprir, acudir,
inteirar com o objetivo de solver os déficits de proteção e defesa de
que as normas gerais venham a padecer. Nesse sentido, Ayres Britto
complementa nos seguintes termos:

Ainda referente ao voto do ministro, as normas suplementares


mais do que fazer render os conteúdos das normas gerais,
o que fazem é desatar os conteúdos de cada qual dos bens
jurídicos constitucionais a proteger e defender por legislação
federativamente condominial. O condomínio legislativo,
bipartido em gestação de normas gerais e aporte de normas
complementares, a atuar como fórmula de eficácia plena da
tutela de cada qual das matérias entregues à competência
concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. A
plenitude normativa a se obter, não pela produção de normas
gerais em sí mesmas, não pela edição de normas suplementares
220
subnacionais. É interessante que a tensão entre e centralização e
descentralização, que sempre foi a tônica do federalismo brasileiro,
está equilibrada com base na pesquisa e nos dados relatados acima.
No ano de 2019, houve grande preocupação dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal em um movimento centrífugo do federalismo
brasileiro, em várias decisões foi possível perceber passagens nas
quais afirmavam a necessidade de maior fortalecimento e ampliação
de competências legislativas subnacionais. No ano de 2019, de um
universo de 15 ações analisadas, 9 defenderam a constitucionalidade
da lei subnacional, entre elas (RE 1192865, ADI 3874, ADI 5572, ADI
5833, RE 1181244, ADI 6087, ADI 4908, ADI 5745, RE 961034) e
em 6 ações pela inconstitucionalidade de leis subnacionais, dentre elas
(ADI 5174, ADI 4090, ADI 5830, ADI 5610, ADI 5800, ADI 4704).
Fica perceptível, que no ano de 2019, existiu um movimento tendente
a descentralização de competências legislativas.
No ano de 2018, de um universo de 7 ações, 5 delas foi pela
inconstitucionalidade das leis subnacionais, entre elas (ADI 4019,
ADI 5725, ADI 5575, ADI 4228, ADI 4512) em apenas dois casos
foi declarada a constitucionalidade das leis estaduais (ADI 5961 e
ADI 4633). No ano de 2018 houve um movimento centrípeto de
competências legislativas.
Em 2017, de um universo de 6 ações, duas delas entendem pela
inconstitucionalidade da lei subnacional (ADI 3470 e ADI 3937)
e quatro pela constitucionalidade da lei subnacional (ADI 3356,
ADI 3357, ADPF 109 e RE 721553). Houve nesse ano movimento
centrífugo e de descentralização de competências legislativas. Já no
ano de 2014, de um universo de 3 ações julgadas, duas delas (ADI
4955 e ADI 4423) foram pela constitucionalidade da lei subnacional
e em apenas uma ação (ADI 4701) foi pela inconstitucionalidade da
lei estadual, deixando claro que, no ano de 2014 houve uma tendência
descentralizadora do federalismo brasileiro.
No ano de 2013, apenas uma ação julgada (ADI 2818) em que o
Tribunal decidiu pela constitucionalidade da lei estadual, e dessa forma,
descentralizou. Já no ano de 2011, de um universo de 2 ações (ADI
3343 e ADI 4478) ambas declararam inconstitucionais leis estaduais
voltadas a proteção do consumidor, e, dessa forma, houve nesse

229
período um movimento centrípeto de competências legislativas. No
ano de 2010, apenas uma ação julgada (ADI 2730) que foi declarada
a inconstitucionalidade da lei estadual, e dessa forma, a centralização
de competências legislativas no âmbito federal.
No ano de 2009, só foi julgada uma ação, a ADI 1980, que
institui a constitucionalidade da lei estadual e consequentemente a
descentralização de competências legislativas. Em 2007, também só foi
julgada uma ação, a ADI 3668, que declarou a inconstitucionalidade
da lei estadual. Em 2006, de um universo de duas ações, a ADI
2359 declarou a constitucionalidade da lei estadual e a ADI 3645 e
inconstitucionalidade da lei estadual, sendo perceptível um movimento
equilibrado entre forças centrípetas e centrifugas.
No ano de 2003, foram julgadas pelo Supremo Tribunal
Federal três ações (ADI 2656, ADI 2396 e ADI 2334), e todas elas
pela inconstitucionalidade da lei estadual, existindo, dessa forma,
grande centralização de competências legislativas nesse período.
Em 2001 foi julgada apenas uma ação, ADI 2396 (que inclusive foi
justamente a ação repetida na amostra) que declarou inconstitucional
a lei estadual. No ano de 1999, foi julgada apenas a ADI 1980, que
declarou a constitucionalidade da Lei estadual, e a descentralização
de competências. Em 1992, apenas uma ação foi julgada, a ADI 750,
que declarou inconstitucional a lei estadual impugnada e dessa forma,
centralizou.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado federal foi adotado como modelo institucional no


Brasil com a finalidade de estabelecer harmonia e unidade entre seus
elementos- União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios.
A utilização do modelo federativo é útil em países de dimensões
continentais, na medida em que viabiliza a proteção federal de
interesses gerais simultaneamente à proteção de direitos e interesses
particularmente relevantes no âmbito regional. Dessa forma,
podem ser promulgadas normas aplicáveis no âmbito estadual com
a finalidade de resolver problemas locais considerados irrelevantes
nacionalmente.

230
Tal percepção é particularmente relevante no que diz respeito
à proteção dos direitos do consumidor, cuja tutela é expressamente
determinada pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5 XXXII.
A partir desse contexto, cabe ressaltar que entes subnacionais possuem
função relevante nesse cenário. Isso porque, sendo o Brasil país
federalista com repartição de competências legislativas para a produção
de direito, a tutela do consumidor pode ser devidamente regulada e
também estar prevista em leis e Constituições estaduais (conforme
demonstrado no item 3.2), não sendo tema reservado exclusivamente
ao Congresso Nacional.
A preocupação maior da causa federalista está na dificuldade de
encontrar um equilíbrio normativamente e funcionalmente adequado
entre União e Estados. Há uma excessiva centralização de competências
legislativas no âmbito da União, uma vez que as competências
federais dispostas no artigo 22 da CRFB são muito amplas e extensas.
Contudo, com feliz surpresa com a coleta jurisprudencial, foi possível
perceber que o Supremo Tribunal Federal referente às competências
legislativas voltadas a proteção do consumidor em temas centrais da
dissertação como: “federalismo, condomínio legislativo, competência
concorrente, invasão de competências, normas gerais e suplementares”
está tendendo, pelo menos no ano de 2019, a ter interpretação pela
constitucionalidade de leis subnacionais e consequentemente pela
descentralização de competências legislativas.
A temida supremacia da União (no campo das competências
legislativas concorrentes) encontra-se em oposição ao ideal pleiteado
pela concepção federalista, que busca descentralizar o poder, ou seja,
“tirar do centro” nacional determinadas decisões, de maneira que as
competências legislativas subnacionais sejam ampliadas e fortalecidas.
Quando se utiliza as expressões “centralização e descentralização”,
no tocante à repartição de competências, destaca-se o grau com que
as competências estão mais ou menos concentradas privativamente
na União. Ao passo que a centralização denota a concentração de
competências no âmbito da União, a descentralização ocorre quando
as competências privativas dos Estados são ampliadas em detrimento
as atribuídas à União.

231
REFERÊNCIAS

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Estados. Ed: Juruá. Curitiba, 2020.
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do princípio federativo. RIL. Brasília, a. 52, n. 207 jul; set 2015, p.
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n. 3.357. Plenário. Relator: Ministro Ayres Britto, 30 de novembro de
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e extensão da competência legislativa concorrente.São Paulo:
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MORAES, Alexandre de. A Necessidade de Fortalecimento das
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Belo Horizonte: Arraes, 2013.
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SCHWARTZ, Bernard. O Federalismo Norte-Americano atual.
São Paulo: Forense, 1 edição, 1984.

233
234
O CHÃO DA VIDA DOS CONFLITOS
FEDERATIVOS: O POTENCIAL DO
CONSTITUCIONALISMO SUBNACIONAL271.
Gilsely Barbara Barreto Santana272

Sumário: 1. Introdução; 2. A complexidade diversidade da


federação brasileira; 3. O chão da vida em torno dos conflitos
federativos; 4. O potencial do constitucionalismo subnacional;
5. Conclusões; 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Há um debate recorrente acerca do significante e dos significados


da Constituição nos Estados modernos. Perspectivas teóricas distintas
(histórica, positivista, materialista e procedimentalista) disputam o
conceito de constituição e constitucionalismo, sendo que a teorização
é ampliada quando se trata de Estados Federados.
O Brasil é um estado federado desde o início da República, tendo
atualmente como entes federados a União, os Estados, o Distrito
Federal e os municípios273. Ressalte-se a complexidade do nosso
projeto federativo, seja pelo número de entes federados, a dimensão do
território nacional, as desigualdades sociais e regionais e a pluralidade
étnica.
A Constituição Federal de 1988 delimita as competências dos
entes federados observando as atribuições estatais de legislar e realizar
as políticas públicas, bem como, considerando algumas peculiaridades
como a temática tributária e ambiental.
Todos Estados Federados brasileiros possuem as respectivas
Constituições Estaduais, em decorrência do poder de autolegislação

271
Artigo contém algumas reflexões da pesquisa doutoral da autora no Programa de
Pós Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
272
Advogada e Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Contato:
barretogilsely@gmail.com
273
O Brasil é uma república federativa formada pela união de 26 (vinte e seis) estados
federados, 5 570 municípios e do Distrito Federal.
235
que a autonomia federativa confere nos termos da Constituição Federal.
Isso agrega mais um elemento normativo ao constitucionalismo
pátrio, havendo um potencial para afirmação de direitos, já que as
que as localidades podem lidar com mais vagar com as respectivas
especificidades.
Contudo, os textos normativos não são fim em si mesmo, sendo
vividos e significados no nosso contexto federativo, denominado aqui
de chão da vida. Este é composto pelos entes federados (personalidade
jurídica) e seus respectivos responsáveis, mas também e sobremaneira
por uma gama de atores sociais distintos (pessoas físicas, jurídicas,
organizações da sociedade civil, instituições públicas) que vivem nos
espaços federados e atribuem sentidos as normas.
Nesse chão da vida ocorrem conflitos em decorrência das disputas
sobre os significados e conseqüente interpretação dos textos normativos
que delimitam as incumbências e responsabilidades dos entes federados.
Os conflitos federativos são mediados e compostos por meio de
instrumentos administrativos e ou da atuação do Poder Judiciário.
A observância ou não das Constituições Federal e Estaduais
na produção normativa dos municípios e Estados pode implicar
em processos que visam o controle de constitucionalidade das leis
municipais e estadual, sendo assegurado constitucionalmente ao
Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal de Justiça, conforme as
respectivas atribuições, o processamento e o julgamento de tais
processos.
A proposta temática em questão abordará a nossa complexidade
federativa, os conflitos surgidos em torno das divergências quanto
à interpretação das competências dos entes federados delimitadas
na Constituição Federal. Além disso, discute-se o potencial das
Constituições Estaduais, a partir da categoria constitucionalismo
subnacional, para lidar com os conflitos federativos, favorecendo a
incorporação de novos atores sociais na interpretação da Constituição.
O método utilizado no artigo é a pesquisa bibliográfica
(identificação, sistematização e proposições conceituais), por meio da
revisão de literatura atinente ao tema. Ressalte-se que a abordagem
procura articular aspectos referentes ao jurídico, especificamente teoria
e direito constitucional.

236
O artigo foi subdividido em tópicos que abordarão em seqüência,
a complexidade e diversidade da Federação brasileira, os conflitos
federativos e o horizonte do constitucionalismo subnacional,
apresentando por fim as conclusões e referências.

2. A COMPLEXIDADE E DIVERSIDADE DA FEDERAÇÃO


BRASILEIRA.

Os Estados Federados possuem formatos e configurações


distintas, pois ao longo dos tempos, os estados organizaram o
exercício do poder político de múltiplas formas, sendo que uma das
características do denominado estado moderno é a repartição vertical
e horizontal de funções ou competências274.
Neste aspecto, na história da sociedade brasileira temos
experiências diversas de repartição territorial do poder político
(organização do estado). Em 1891, na Constituição Republicana, o
estado brasileiro adotou o modelo federativo de repartição territorial,
tendo como entes a união, os estados-membros e municípios. Ressalte-
se que embora a menção a adoção ao regime federativo seja na
Constituição de 1891, o mesmo já constava no Decreto nº 1 de 1989
e na Constituição Provisória de 1890275.
Tal modelo federativo tem referência nos constitucionalistas
estadunidense do século XVIII276, com as especificidades do nosso
contexto, caracterizando o federalismo brasileiro. O Brasil possui uma
274
Enquanto a repartição vertical visa à delimitação das competências e as relações
de controle segundo critérios fundamentalmente territoriais (competência do
Estado central, competência das regiões, competência dos órgãos locais), a
repartição horizontal refere-se a diferenciação funcional (legislação, execução,
jurisdição) à delimitação institucional de competências e às relações de controle e
interdependência recíproca entre os vários órgãos de soberania (CANOTILHO,
1997, p. 498).
275
Na Constituição Provisória de 1890, em título denominado “Da organização
federal”, o art 1° Art. 1º afirma “A Nação Brazileira, adoptando como fórma de
governo a Republica Federativa, proclamada pelo decreto n. 1 de 15 de novembro de
1889, constitue-se, por união perpetua e indissoluvel entre as suas antigas provincias,
em Estados Unidos do Brazil”.
276
Para aprofundamento ver o texto de Roberto Gargarella (2006) “Em nome da
constituição. O legado federalista dois séculos depois”.
237
experiência federativa de mais de um século, esta parte da história
constitucional brasileira.
Questiona-se assim a idéia corrente do federalismo estadunidense
como modelo ideal e que as experiências distintas deste são falseamento
ou degenerações. O fato da experiência inaugural do federalismo
ser a estadunidense, não exclui e nem nega as demais experiências,
entendendo que as categorias jurídicas se inserem nos respectivos
movimentos constitucionais com funcionalidades sociais e políticas.
No caso brasileiro, o modelo federativo experimentou as tensões
e as contradições entre os contextos e textos ao longo das diversas
constituições. Com a Constituição Federal de 1988 há a configuração
vigente de um sistema de repartição de competências entre os atuais
entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como,
instrumentos processuais para lidar com os conflitos federativos.
Há muitas possibilidades de estudo do federalismo, sendo que o
Direito Constitucional, especialmente o ensino jurídico por meio dos
manuais, prioriza a descrição dos dispositivos normativos, sem menção
aos contextos e as disputas decorrentes.
A complexidade e a diversidade do nosso projeto federativo se
revelam seja pelo número de entes federados, a dimensão do território
nacional, as desigualdades sociais e regionais e a pluralidade étnica que
serão refletidos resumidamente nos parágrafos seguintes.
O Brasil possui uma particularidade comparada a outros Estados
Federados que é o status de ente federado aos municípios. Tal situação
implica um número significativo (5 570) de sujeitos de direito ao
nosso quadro federativo junto aos 26 (vinte e seis) estados federados
e Distrito Federal, este que também possui peculiaridades quanto a
sua formatação jurídica277.
O município tem uma grande importância, pois é o ente federativo
que possui maior materialidade devido à espacialidade, isto é, lócus
onde as pessoas tecem as suas vidas cotidianas com sonhos, planos,
lutas, frustrações, perdas, limites e ressignificações. Neste sentido, o
município é o palco privilegiado do chão da vida, mas faz-se necessário
O Distrito Federal não tem uma constituição, mas uma Lei Orgânica do Distrito
277

Federal, embora o STF já tenha entendido a equiparação desta lei as constituições


estaduais quanto ao controle de constitucionalidade. O Distrito Federal não possui
municípios e a justiça local é estruturada e mantida pela União.
238
encarar tal fato sem romantizações, pois também pela proximidade, é o
espaço com maior dificuldade de separação do público com o privado,
mais suscetível ao clientelismo, ao nepotismo e as pressões corporativas.
Outro aspecto relevante é quanto ao aspecto fiscal dos entes
federados, pois a dificuldade de geração de recursos próprios278 e o
endividamento dos entes federados comprometem e relativizam a
idéia de autonomia, embora tais fatos não podem ser lidos de forma
desconectada da nossa política monetária, fiscal e tributária, em que o
retrato atual é decorrente de escolhas pretéritas.
A dimensão do território nacional é um fator que também agrega
complexidade, isto é, somos continentais, pois temos a quinta extensão
territorial do planeta279, o sexto contingente populacional do mundo e
uma sociobiodiversidade280 marcante que demandam contextualização
às intervenções estatais. A palavra “planificação” muito comum na
lógica de planejamento público e norteadora de textos normativos,
políticas públicas e projetos governamentais é quase sempre desafiada
pela complexidade territorial.
Frise-se o desafio de interligação desse imenso território nacional
por questões de infraestrutura (estradas, ferrovias, portos, aeroportos,
cabeamentos, redes, etc) o que ocasiona dificuldades sócio-econômicas
e educacionais para alguns em detrimento de outros. De outro modo,
o tempo de quem vive e depende do rio, do mar, das roças e roçados,
são tempos diferentes de quem vive na dinâmica dos centros de cidades
médias e grandes. Não se trata da velha dicotomia entre o moderno

278
Há estimativas que em torno de 70% dos municípios dependem demais de 80% de
fontes externas a arrecadação própria.
279
O Brasil possui 8.515.767 Km de extensão, tendo aproximadamente o dobro de
toda a União Européia.
280
Conceito que propõe a relação entre a diversidade biológica e os diversos sistemas
socioculturais. Assim, compreende que os biomas brasileiros Amazônia, Caatinga,
Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal comporta pessoas, experiências e saberes
no uso e manejo. São “bens e serviços gerados a partir de recursos da biodiversidade,
voltados à formação de cadeias produtivas de interesse de povos e comunidades
tradicionais e de agricultores familiares, que promovam a manutenção e valorização
de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e
promovendo a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem”
(Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade -
MDA/MMA/MDS).
239
e antigo, e afirmar que este é ruim e aquele é bom, mas reconhecer
que a grande dimensão do nosso território nacional comporta
temporalidades distintas, que é parte e resguarda a sociobiodiversidade,
mas promove simultaneamente exclusões e inclusões e nos atenta para
a complexidade.
Quanto às desigualdades sociais, nós somos o sétimo país mais
desigual do mundo devido à grande concentração de renda281 e tal
disparidade revela-se quanto acesso á alimentação, saúde, educação,
moradia, transporte, saneamento, lazer, etc. Tais dados se agravam
se consideramos o aspecto racial e de gênero quanto à desigualdade
social282.
Além disso, tem-se a compreensão que há muitos brasis no Brasil,
em face das desigualdades regionais, isto é, as regiões Sul, Sudeste e
Centro Oeste possuem indicadores socioeconômicos melhores que o
Norte e Nordeste. Contudo, há diferenças intra-regiões, pois alguns
locais do Norte e Nordeste podem ter indicadores equiparados ou
melhores que as regiões mais ricas, bem como, locais das regiões mais
ricas podem possuir indicadores equivalentes ou piores da região
Norte e Nordeste.
Outro aspecto da federação, é que pluralidade étnica e as
desigualdades étnico- raciais é muitas vezes negada em face do
mito da democracia racial brasileira. O processo de violências,
negação de direitos e silenciamento que os povos negros e indígenas
foram e são submetidos antes e após a formação independente do
Estado Brasileiro são esquecidas no debate federativo, bem como, a
resistência e organização de tais povos com conseqüentes lutas por
reconhecimentos na esfera pública. A questão racial desmitifica o
dilema entre centralização e descentralização em torno do federalismo
brasileiro, pois nessa questão, não houve disputa entre elites locais e
nacionais, mas um pacto federativo de invisibilidade da questão racial
a partir da idéia de mestiçagem.
281
Antes do Brasil está África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana,
Lesoto e Moçambique. De acordo com o último Relatório Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), em 2019, a parcela dos 10% mais ricos do
Brasil concentra 41,9% da renda total do país, e a parcela do 1% mais rico concentra
28,3% da renda nacional.
282
Ver estudo do IPEA denominado “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”.
240
Considerando todos os elementos anteriormente listados que
compõem a diversidade e a complexidade da Federação brasileira, há
muitos conflitos federativos que dimensionam esses contextos em que
o chão da vida se perfaz.

3. O CHÃO DA VIDA EM TORNO DOS CONFLITOS


FEDERATIVOS.

As competências constitucionais delimitadas nas Constituições


Federal e dos Estados são diretrizes normativas construídas a partir
de consensos políticos acerca do Federalismo pátrio em um dado
momento histórico, orientando a elaboração legislativa dos entes.
As competências foram divididas em legislativa ou material,
havendo as subdivisões e especificidades como competências
legislativas concorrente, exclusiva, privativa, material comum, assuntos
de interesse local, norma própria, norma geral e norma suplementar,
esta nos artigos 21 ao 24 da Constituição Federal. Destacam-se também
ao longo do texto constitucional, as competências para as temáticas
da saúde, educação, a questão ambiental e tributação.
Quanto à distribuição de competências da Constituição de 1988,
a análise de Celina Souza é que União tem mais atribuições exclusivas,
sendo a competência residual dos estados limitada. A mesma entende
que na competência concorrente, a maioria dos serviços públicos
são providos pelos três entes, ocasionando debates sobre o nível
de responsabilidade de cada ente, desconsiderando uma divisão de
trabalho compartilhada que configura um federalismo cooperativo ao
invés do federalismo dual. (SOUZA, 2005).
A partir das competências, há muita discussão se o texto
constitucional promove centralização ou descentralização, apesar
disso alguns autores anunciam que a Constituição Federal traz um
novo modelo, o denominado federalismo cooperativo, isto é, relações
de interdependência entre União e entes federados que vão além da
colaboração, mas do exercício conjunto com a participação de cada
ente. Na repartição de competências, a cooperação se revela também
nas chamadas competências comuns, consagradas no artigo 23 da
Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da
241
federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas
pela constituição (BERCOVICI, 2008).
Contudo, as citadas competências constitucionais não impedem
por si só a possibilidade de conflitos envolvendo a produção legislativa,
especialmente porque as normas gerais e abstratas são concretizadas
na realidade do fazer político e das disputas reais de poder. Assim
sendo, entendemos os conflitos federativos como parte das disputas
de poder abrigadas no nosso constitucionalismo, alimentando e
retroalimentando aquelas.
O conflito explicita questões concretas e soluções construídas
nos diversos âmbitos federativos. A título de exemplo, as demandas
de regulamentação dos mototaxistas283 ou os aplicativos de viagens284
em diversos municípios brasileiros que envolveram um debate sobre a
competência para legislar sobre transportes. Outro exemplo, as normas
restritivas ao amianto285 imposta por municípios e estados.
Os exemplos ultrapassam a figura jurídica do ente federativo
(município, estado e União), abrangendo atores sociais múltiplos,
como mototaxistas, motoristas de aplicativos, as entidades que
os representam, os prestadores de transportes já regulamentados,
como taxistas, concessionárias de ônibus urbano ou transporte
alternativo, bem como, outras instituições públicas como as funções
essenciais á justiça e a população em geral. De outro modo, há uma
283
Muitos entes subnacionais regulamentaram os serviços de mototaxistas antes e
posteriormente a Lei Federal 12.009/2009, havendo ações judiciais questionando
a constitucionalidade tendo em vista a  competência privativa da União para legislar
sobre trânsito e transporte de passageiros. Ressalte-se as ADIs 5648, 3135 e 3136.
284
Identificamos nos municípios de Salvador, Rio de janeiro, São Paulo e Fortaleza
legislações que proibiam o transporte de passageiros por meio de aplicativos. Os
três primeiros municípios as leis foram questionadas nos Tribunais de Justiça, e
em Fortaleza por meio de uma ADPF (ADPF 449). O caso de São Paulo chegou
ao STF, por meio de um Recurso Extraordinário (RE 1.054.110) com repercussão
geral admitida. O STF julgando as duas situações (Recurso Extraordinário e ADPF)
entendeu que a proibição é inconstitucional.
285
Ao julgar constitucionais as leis estaduais que proíbem o minério em todas as
suas formas, a corte declarou inconstitucional a lei federal que permite um tipo
de amianto. O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da relatora, julgou
improcedente a ação, e, incidentalmente, declarou a inconstitucionalidade do art.
2º da Lei 9.055/95, com efeito vinculante e erga omnes”, conforme consta da ata de
julgamento da ADI 3.406, sobre a lei do Rio de Janeiro.
242
gama de interesses intersubjetivos ou luta por direito nos conflitos
exemplificados.
Os conflitos também envolvem questões formais, ou seja, se a
proposição legislativa atendeu aos requisitos formais dispostos nos
respectivos processos legislativos dos entes subnacionais (proposto por
quem tinha competência para tal, atendeu o quantitativo de sessões,
interstícios, quorum, etc).
O conflito em si não é um problema, mas a oportunidade de
aprendizagem e aperfeiçoamento institucional. De outro modo,
aprendemos com as experiências, e as mesmas envolvem os conflitos,
assim o nosso modelo federativo se afirma e se reinventa a partir dos
conflitos federativos.
Nesse sentido, eliminar os conflitos é suprimir a dinâmica social
e indiretamente pretender que as normas gerais e abstratas consigam
dar conta da complexidade social. O desafio diz respeito à gestão
do conflito, especificamente a gestão do conflito federativo pelos
instrumentos do nosso constitucionalismo.
Há possibilidades administrativas e autônomas de gestão dos
conflitos federativos, por meio da cooperação federativa como os
acordos, convênios e consórcios que envolvem os entes subnacionais.
O processo judicial é uma forma de gestão do conflito federativo de
forma heterônoma pelo Poder Judiciário, este legitimado pela jurisdição
e através da ação e dos instrumentos processuais.
Quanto ao aspecto judicial, os conflitos envolvem a avaliação se um
ente federativo ultrapassou os limites das competências constitucionais
legislativa ou material adentrando na atribuição de outro federativo.
Tais situações são corriqueiras quando tratamos de competências
legislativas concorrente, material comum, assuntos de interesse local,
norma própria, norma geral e norma suplementar.
Os instrumentos normativos referidos produzidos nas esferas
estaduais e municipais estão sujeitos a adequação a Constituição Federal
e a Constituição do respectivo Estado, sendo os possíveis conflitos
federativos sujeitos ao controle de constitucionalidade por meios
processuais específicos.
Os conflitos federativos são geridos pelo constitucionalismo de
forma ampla, mas ressaltamos aqui o potencial do constitucionalismo
subnacional para lidar com esses conflitos.
243
4. O POTENCIAL DO CONSTITUCIONALISMO SUBNA-
CIONAL

O constitucionalismo subnacional se dedica a investigação


dos espaços de autonomia conferidos aos entes subnacionais nas
constituições, sendo os estados federados um lócus privilegiado para
o campo de estudo.
No mundo contemporâneo há 25(vinte e cinco) estados federados,
sendo que na América Latina temos 4( quatro) que são México, Brasil,
Argentina e Venezuela.
A caracterização da federação no direito constitucional perpassa
pela diferenciação em relação ao “espaço de autonomia” delegado
pelas Constituições Federais aos entes federativos, denominados de
unidades subnacionais. (SAMPAIO, 2018).
As competências constitucionais que detém as unidades
subnacionais diferenciam a federação de outras formas de Estado,
sendo que as limitações delimitadas no texto federal mudam nos
diversos Estados Federais ( SAMPAIO, 2018).
Assim sendo, muitos autores afirmam que “nos domínios da
federação” é o espaço potencial para o constitucionalismo subnacional,
pois é naquela que há uma autonomia constitucional das unidades
federativas.
Neste sentido, é possível também refletir sobre o constitucionalismo
subnacional para além da federação, pois na contemporaneidade os
estados ainda que unitários possuem divisões territoriais do poder
político, lidando com as tensões e limitações impostas pelo governo
central, vide os casos da Espanha e Itália. Conforme Patrícia Popelier,
não podemos pensar as formas de estado contemporâneas a partir de
categorias construídas por Hamilton no século XIX286.
Ainda assim, o constitucionalismo subnacional tende a ser mais
desenvolvido nas federações, pois as unidades subnacionais ( estados-
membros, Länder ou cantões) possuem autonomia constitucional.

Palestra “ Subnational constitucionalism in Belgium: constitutional fragments in a


286

divided “ na Sessão Constituições Estaduais e Pluralismo do Constate- 30 anos de


constituições estaduais no Brasil, Recife, PE, em 2019.

244
Considerando essa autonomia, os Estados Federados prevêem a
elaboração de uma Constituição subnacional287.
Considerando a autonomia constitucional subnacional expressada
pelas Constituições subnacionais, Sampaio elenca que há diferenças
importantes entre os estados federados, pois há os que “obrigam” e
os que “facultam” a elaboração do texto constitucional pelas unidades
subnacionais. A autonomia constitucional é, portanto, um poder-dever
ou uma faculdade às unidades subnacionais. ( SAMPAIO, 2018).
Os países federados da América Latina (México, Brasil, Argentina
e Venezuela) são exemplos de federação que impõem o dever de
autoconstituição, vejamos:

O Brasil é um exemplo dos que impõem um dever de


autoconstituição. O Art. 25 da Constituição federal reconhece a
autonomia constitucional dos Estados-membros; e o Art. 11 do
ADCT estabelece o prazo de um ano, contado de 5 de outubro
de 1988, para as assembleias legislativas estaduais elaborarem
a Constituição de seus Estados (BRASIL, 1988). Estão com
o Brasil, a Alemanha (art. 28(1)), a Argentina (arts. 5 e 123), a
Austrália (sec. 106), a Áustria (art. 99 (1)), os Estados Unidos
(art. IV, § 3, cl. 1), a Etiópia (art. 52(2)(b)), o Iraque (art. 116),
o México (arts. 115(1(2)), 116 (VIII) e (IX), v.g.), a Suíça (art.
51(1)), o Sudão (art. 178(1)), o Sudão do Sul (art. 164(1)) e a
Venezuela (art. 164(1)). (SAMPAIO, 2018)

O espaço de autonomia dos entes subnacionais varia nos estados


federados, havendo Constituições federais que praticamente esgotam o temário
do constituinte subnacional, enquanto outros estabelecem apenas princípios gerais de
organização. Entre os extremos, há uma graduação significativa (MARSHFIELD,
2011, p. 1160-1161). Nos Estados Unidos, preordena-se pouco. No
Brasil, muito. A África do Sul se aproxima do Brasil na preordenação,
mas cria um sistema de controle da produção constituinte que acaba
por inibi-la. (SAMPAIO, 2018)
O constitucionalismo subnacional modifica conforme os Estados
Federados, estando associado aos processos históricos de formação dos

287
Alguns estados federados proíbem a autoconstituição dos entes subnacionais, o que
para alguns seria uma contradição para a própria idéia da Federação.
245
Estados e à cultura política de cada povo (TARR, 2011). Assim sendo,
neste pequeno artigo buscamos refletir sobre alguns elementos desse
contexto, entendendo que os dispositivos normativos são significados
no chão da vida dos conflitos federativos.
Afirma-se o potencial que o constitucionalismo subnacional
possui em um país que é assegurado a autoconstituição aos estados
membros. O potencial diz respeito ao plano da inscrição normativa de
novos direitos nos textos das Constituições estaduais, mas também por
meio de uma jurisdição constitucional que se perfaz no plano estadual.
Destaca-se o papel do controle de constitucionalidade no plano
estadual frente aos possíveis conflitos federativos que envolvem
os entes subnacionais, havendo instrumentos jurídicos e instâncias
judiciais incumbidas de arbitrar tais conflitos. No caso brasileiro, por
possuirmos um controle misto de constitucionalidade, o potencial do
constitucionalismo subnacional é reafirmado.
O conflito federativo em torno da constitucionalidade das
normas estaduais e municipais pode ser judicializado pela via difusa
e concentrada, considerando o nosso modelo misto de controle de
constitucionalidade que comporta as duas vias. Os instrumentos
processuais a serem utilizados dependerão das vias acessadas.
De forma difusa, todas as instâncias do Poder Judiciário estão aptas
para analisar a constitucionalidade das normas estaduais e municipais
em face de uma situação concreta levada ao Judiciário pelos diversos
instrumentos processuais com efeitos inter partes.
Ressalte-se que muitos tribunais instauram um incidente de
constitucionalidade, sendo o objeto da ação principal questões
intersubjetivas diversas, e o incidente trata da controvérsia sobre a
constitucionalidade da lei em face da Constituição Estadual a ser
aplicada ao caso concreto em disputa no Tribunal. O novo Código
de Processo Civil regulamenta o incidente de constitucionalidade
nos artigos 948 a 950, mas a regulamentação é sobremaneira dos
Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça.
De forma concentrada, as Constituições dos Estados dispõe sobre
algumas ações judiciais e seu processamento junto aos Tribunais de
Justiça, elencando os instrumentos (ação direta de inconstitucionalidade
por ação ou omissão, ação declaratória de constitucionalidade e argüição

246
de descumprimento de preceito fundamental), os legitimados ativos e
os efeitos. (SGARBOSSA, 2014)
Destacam-se nessas disposições das Constituições Estaduais
as partes legítimas instituídas recorrentemente para a propositura
das ações são o Governador; a Mesa da Assembléia Legislativa;
o Procurador Geral da Justiça; o Conselho Seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil; o partido político com representação na
Assembléia Legislativa; organização sindical e entidade de classe de
âmbito estadual ou com interesse temático; prefeito ou Mesa de Câmara
Municipal muitas vezes relacionado a ato local. Às vezes encontramos
no rol dos legitimados, o Procurador Geral do Estado, o Defensor
Geral e o conselho seccional da OAB, este para os casos de ato local
impugnado. (SGARBOSSA, 2014)
Frise-se que as ações junto aos Tribunais de Justiça agregam
novo parâmetro (Constituição Estadual) e um novo órgão (Tribunais
de Justiça) no controle de constitucionalidade no país, ampliando o
rol de legitimados de acesso a jurisdição constitucional, favorecendo
o acesso à justiça.
Ressalte-se a importância de refletir acerca da legitimação dos
Tribunais de Justiça para atuar no controle de constitucionalidade
no plano estadual, em face da ideia centralizadora do STF
no nosso imaginário constitucional. Logo, tal experiência do
subconstitucionalismo nacional refuta a configuração do STF como
o único ator no controle concentrado, afirmando a participação dos
outros órgãos e instâncias do Poder Judiciário e conseqüentemente
da sociedade.

5. CONCLUSÕES

As experiências constitucionais conformaram os institutos


jurídicos dos diversos países como parte das respectivas histórias
políticas e jurídicas. Quanto à experiência brasileira, a federação e o
controle de constitucionalidade no Brasil foram sendo construído
desde início do período republicano, atravessando os diversos textos
constitucionais e estando relacionado com os contextos político e
jurídico da época.

247
A Constituição Federal de 1988 afirma a Federação como cláusula
pétrea, elencando sobre os entes federados (União, Estados, Distrito
Federal e municípios) e dispondo sobre as atribuições dos entes
federados para legislar e realizar as políticas públicas. Ressalte-se a
complexidade e diversidade do nosso projeto federativo, seja pelo
número de entes federados, a dimensão do território nacional, as
desigualdades sociais e regionais e a pluralidade étnica.
As competências dispostas entre os artigos 21 ao 24 da Constituição
Federal foram classificadas em legislativas e materiais, havendo importante
categorias para delimitar a atuação dos entes federados: competências
legislativas concorrente, exclusiva, privativa, material comum, assuntos
de interesse local, norma própria, norma geral e norma suplementar.
Destacam-se no texto constitucional para além dos artigos mencionados,
as competências para saúde, educação, a questão ambiental e tributação,
estas dispostas ao longo do texto constitucional.
Embora tenhamos um texto constitucional com fixação de
competências entre os entes subnacionais, a federação não é um
dado acabado, pois o texto é significado, especialmente nos conflitos
federativos, que dizem respeito às disputas acerca da interpretação e
aplicação das competências mencionadas.
O conflito federativo não é algo abstrato ou algo pomposo (briga
entre grandes), mas diz respeito ao chão da vida, talvez uma metáfora
da esfera pública, que é permeada pelas figuras jurídicas estatais, mas
sobremaneira por atores sociais diversos, que atribuem sentidos aos
textos normativos em suas vidas cotidianas.
Esses conflitos federativos podem ser compostos e geridos por
meios administrativos como convênios, consórcios públicos, mas
muitas vezes esses conflitos são judicializados, tendo o Poder Judiciário
o papel central frente a tais conflitos, especialmente por meio do
controle de constitucionalidade das leis.
As Constituições Federal e Estaduais são parâmetros para
o controle de constitucionalidade em nossa Federação, em que
há autorização de autoconstituição para os entes subnacionais e
todos os nossos estados a possuem. Esse campo de atuação dos
entes subnacionais refere-se a um campo de estudo denominar de
constitucionalismo subnacional.

248
O potencial do constitucionalismo subnacional no que se refere a
Federação brasileira diz respeito a ampliação e qualificação produção
normativa podendo alargar os horizontes dos direitos, mas também
a jurisdição constitucional em plano estadual seja pela via difusa e
concentrada.
Abordou-se as possibilidades desse controle de constitucionalidade
em âmbito estadual, considerando Constituição Federal de 1988 amplia
o modelo misto de controle de constitucionalidade com o modelo misto
que combina os métodos difuso-incidental e concentrado-principal.
Destaca-se a legitimação do Tribunal de Justiça para atuar no
controle e constitucionalidade possibilitando uma participação dos
outros órgãos e instâncias do Poder Judiciário e conseqüentemente
da sociedade.
Há um hiperdimensionado dilema em torno da centralização e
descentralização no debate federativo que muitas vezes esquece as lutas
reais dos sujeitos de direito concretos, confundindo descentralização
com democratização e efetivação de direitos.
A jurisdição constitucional em âmbito estadual é parte do
constitucionalismo subnacional e têm relevância na gestão do
conflito federativo, não pelo resultado em si da tutela processual, mas
sobremaneira por poder expor as disputas do chão da vida em torno
dos conflitos federativos, ampliando os partícipes e interpretes da
Constituição.

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TOMIO, Frabricio, ET ALL. Constitucionalismo estadual e controle
abstrato e concentrado de constitucionalidade nos tribunais de justiça:
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251
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo - Tutela e Direitos
Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos, São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 2014.

252
AVANÇOS E RETROCESSOS NOS ÂMBITOS
MUNICIPAL E ESTADUAL QUANTO AO
RECONHECIMENTO DE DIREITOS DA
MINORIA LGBT288
Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia289

Sumário: 1. Introdução. 2. Leis Federais e Propostas de


Emenda à Constituição – tentativas de avanço e estagnação.
3. A Não-discriminação como um Direito Fundamental:
prestações “positivas” e “negativas”. 4. Leis Municipais de
Proteção contra Discriminação e/ou de Promoção dos Direitos
de Minorias Sexuais. 5. ONG’s de Defesa dos Direitos de
LGBT – algumas experiências. 6. Retrocessos nas Legislações
e Políticas Locais. 7. Considerações Finais.

1. INTRODUÇÃO

Pensar os Direitos Fundamentais290 a partir dos Municípios parte


da premissa de que no nível local há possibilidades muito maiores
de luta e efetivação dos Direitos, pois que se facilita o exercício da
soberania popular e da cidadania (art. 1º, I, II e parágrafo único –
Constituição de 1988), através de atuações coletivas ou individuais,
institucionalizadas ou não. A constatação do argumento, no que tange
à luta por reconhecimento da minoria LGBT (lésbicas, gays, bissexuais
288
O presente é uma versão revista e atualizada do texto que foi publicado na Revista
de Informação Legislativa, ano 47, n. 186, abril/junho-2010 com o título “A Não-
Discriminação como Direito Fundamental e as Redes Municipais de Proteção a
Minorias Sexuais – LGBT”.
289
Doutor em Direito Constitucional – UFMG. Professor Associado da UFOP e
IBMEC-BH. Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: alexandre@ufop.edu.br.
290
Utilizaremos aqui a expressão “direitos fundamentais” sem distinguir entre
direitos previstos em Tratados e Convenções Internacionais (o que, em geral é
designado como direitos humanos), como também os que (já) foram “positivados”
em Ordenamentos Jurídicos locais (constantes, em regra, em Constituições, sob a
denominação de “direitos fundamentais”). Consideramos que os primeiros, quando
aprovados pelo país, já se incorporam ao sistema de direitos, tornando-se, assim,
obrigatórios, como prescreve o art. 5º, §§2º e 3º da CR/88.
253
e transgêneros)291, parece clara: enquanto no nível federal muito
pouco tem sido feito, Municípios (e também Estados-membros) vêm
se mostrando mais “abertos” aos influxos comunicativos vindos da
“periferia” (HABERMAS, 1997) e à criação mais eficaz de “redes de
proteção” – pense-se, por exemplo, em programas de redistribuição
de renda (como bolsa-família) que são executados e monitorados
no âmbito dos Municípios, o que fortalece o papel destes como
promotores de direitos. Paradoxalmente, é também nos Estados e
Municípios que atuações conservadoras de retirada de direitos e/ou
de barreira para seu reconhecimento vêm logrando maior êxito.
A respeito da atuação dos Municípios frente a políticas LGBT,
um exemplo da atuação local como fator de mudança (que atinge
não apenas o local, mas transcende) são duas ONG’s que atuam na
cidade de Medellín, na Colômbia: Comunidad Amig@s Comunes e El
Solar, que, desde 2001 vêm promovendo ações de visibilidade (da
identidade LGBT) – através de várias atividades durante o “Mês da
Diversidade Sexual” – e de luta contra homofobia – com o “Dia do Não
à Homofobia” e a Colcha de la Pasión, feita com “retazos de mensajes
a personas que han sido víctimas de crímenes de homofobia, y que se
constituye em um primer paso de sensibilización y denuncia de estos
actos” (SÁNCHEZ TAMAYO, [s/d], p. 75).
Reconhecemos que a não-discriminação contra a população LBGT
é um direito fundamental e que merece tratamento protetivo dos
órgãos públicos. No entanto, apesar da urgência quanto ao tema – há
que se recordar os dados alarmantes sobre homotransfobia no Brasil
(RIOS; DESLANDES; BAHIA, 2018), o que mostraremos é que no
nível federal interno pouco ou quase nada de concreto tem sido feito.
De outro lado, os Municípios (e também os Estados) vêm mostrando
ações mais diretas. Procuraremos mostrar, outrossim, a atuação (e os
desafios) de algumas ONG’s em sua atuação local.

Utilizamos aqui a sigla mais tradicional (LGBT) por ser a que consta de
291

documentos como as Conferências Nacionais, ainda que hoje se venha


firmando o uso mais abrangente de LGBTIA+, abrangendo especificamente
intersexuais e assexuais e ainda abrindo para outras formas de identidade
de gênero ou orientação sexual.
254
2. LEIS FEDERAIS E PROPOSTAS DE EMENDAS À
CONSTITUIÇÃO – TENTATIVAS DE AVANÇO E
ESTAGNAÇÃO

Merecem destaque as Propostas de Emenda à Constituição n.


392/2005, do Deputado Paulo Pimenta e 66/2003, da Deputada Maria
do Rosário, visando (re)introduzir ao inciso IV do art. 3º a proteção
contra discriminação por “orientação sexual” – antes destas, a então
Deputada Marta Suplicy apresentou em 1995 a PEC n. 139, que visava
(re)inserir a proteção contra discriminação por orientação sexual, entre
os objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3, IV)292; bem
como acrescentar a proibição de diferença de salários pelas mesmas
razões (art. 7º, XXX). Desde 2005 ambas Propostas caminham apensas,
sendo arquivadas e desarquivadas a cada nova legislatura sem que o
Congresso dê uma resposta (sim/não) às mesmas. A Deputada Marta
Suplicy apresentou o PL. 1.151/95 visando regular a união de pessoas
do mesmo sexo. No final de 1996 foi dado parecer favorável pela
Comissão que o analisava. O projeto nunca foi levado à deliberação
em Plenário e, assim como outros com temática similar, segue sendo
arquivado e desarquivado.
Aliás, essa tem sido a regra no Congresso Nacional a respeito
de direitos da minoria LGBT: são propostos projetos que nunca são
finalizados com uma votação que os aprove/reprove. Eles normalmente
são arquivados ao final das legislaturas por falta de tramitação e, às
vezes, desarquivados na legislatura seguinte apenas para seguirem o
mesmo caminho ao final da mesma (BAHIA, 2017 e ALVES, 2020).
Curiosamente, também há projetos contra direitos da minoria LGBT
– para proibir a adoção por casais homoafetivos ou para estabelecer o
casamento apenas como união entre homem e mulher – que também
nunca são aprovados: o Congresso Nacional brasileiro é incapaz de se
posicionar, de tomar partido, seja para que lado for.

Falamos em reinserir porque durante a Assembleia Nacional Constituinte o texto que


292

viria a ser o inciso IV do art. 3º da CR/88 chegou a ser aprovado em subcomissão


com a vedação de discriminação por “opção sexual”, contudo, isso foi retirado na
fase de sistematização por influência de constituintes religiosos.
255
Em 2001 foi criado o Conselho Nacional de Combate à
Discriminação; que, desde 2003, possuía uma Comissão permanente
para receber denúncias de violações a direitos humanos em razão
de orientação sexual e outra Comissão para elaborar um programa
de combate à violência contra LGBT. O Conselho foi extinto pela
presidência atual, junto com outras ações governamentais sobre
Direitos Humanos.
Em 2002 o segundo “Programa Nacional de Direitos Humanos”
dedicou lugar para medidas que deveriam ser encaminhadas a respeito
da orientação sexual e população LGBT:

114. Propor emenda à Constituição Federal para incluir a


garantia do direito à livre orientação sexual e à proibição da
discriminação por orientação sexual.
115. Apoiar a regulamentação da parceria civil registrada
entre pessoas do mesmo sexo e a regulamentação da lei
de redesignação de sexo e mudança de registro civil para
transexuais.
116. Propor o aperfeiçoamento da legislação penal no que se
refere à discriminação e à violência motivadas por orientação
sexual.
117. Exclui o termo ‘pederastia’ do Código Penal Militar.
118. Incluir nos censos demográficos e pesquisas oficiais dados
relativos à orientação sexual.
(...)
240. Promover a coleta e a divulgação de informações
estatísticas sobre a situação sócio-demográfica dos GLTTB,
assim como pesquisas que tenham como objeto as situações
de violência e discriminação praticadas em razão de orientação
sexual.
241. Implementar programas de prevenção e combate à violência
contra os GLTTB, incluindo campanhas de esclarecimento e
divulgação de informações relativas à legislação que garante
seus direitos.
242. Apoiar programas de capacitação de profissionais de
educação, policiais, juízes e operadores do direto em geral
para promover a compreensão e a consciência ética sobre
as diferenças individuais e a eliminação dos estereótipos
depreciativos com relação aos GLTTB.

256
243. Inserir, nos programas de formação de agentes de
segurança pública e operadores do direito, o tema da livre
orientação sexual.
244. Apoiar a criação de instâncias especializadas de
atendimento a casos de discriminação e violência contra
GLTTB no Poder Judiciário, no Ministério Público e no sistema
de segurança pública.
245. Estimular a formulação, implementação e avaliação de
políticas públicas para a promoção social e econômica da
comunidade GLTTB.
246. Incentivar programas de orientação familiar e escolar para
a resolução de conflitos relacionados à livre orientação sexual,
com o objetivo de prevenir atitudes hostis e violentas.
247. Estimular a inclusão, em programas de direitos humanos
estaduais e municipais, da defesa da livre orientação sexual e
da cidadania dos GLTTB.
248. Promover campanha junto aos profissionais da saúde e do
direito para o esclarecimento de conceitos científicos e éticos
relacionados à comunidade GLTTB.
249. Promover a sensibilização dos profissionais de
comunicação para a questão dos direitos dos GLTTB.

O Plano Plurianual 2004-2007 também dá seguimento ao


Programa Nacional e prevê como ação a Elaboração do Plano de Combate
à Discriminação contra Homossexuais. Em 2004 o Governo Federal lançou
o Programa “Brasil sem Homofobia”, que pretendeu criar um fórum
de debates para formulação de políticas públicas. Nesse sentido, a
Cartilha “Brasil sem Homofobia” traçou metas de formulação de
políticas públicas a serem buscadas nas mais diversas áreas. Segundo
a Cartilha, o Programa possui como princípios:
A inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação
sexual e de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas,
transgêneros e bissexuais, nas políticas públicas e estratégias
do Governo Federal, a serem implantadas (parcial ou
integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias;
A produção de conhecimento para subsidiar a elaboração,
implantação e avaliação das políticas públicas voltadas para
o combate à violência e à discriminação por orientação
sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte
257
de orientação sexual e o segmento GLTB em pesquisas
nacionais a serem realizadas por instâncias governamentais da
administração pública direta e indireta; A reafirmação de que a
defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem
o combate a todas as formas de discriminação e de violência
e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos
direitos humanos de homossexuais é um compromisso do
Estado e de toda a sociedade brasileira.

É lamentável perceber que, passados tantos anos de tais


proposições, uma das únicas medidas efetivamente em vigor tenha sido
a referente à cirurgia de redesignação sexual, e ainda assim, em parte,
isto é, o Ministério da Saúde – acompanhando o que já estabelecera o
Conselho Federal de Medicina (Resolução n. 1652/02) e ainda a Carta
dos Direitos dos Usuários da Saúde293 – editou a Portaria n. 1707/08,
instituindo “no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo
Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas
as competências das três esferas de gestão”. Algumas outras propostas
ali apenas foram alcançadas pela via judicial – como a criminalização da
homostranfobia através da ADO. 26 / MI. 4733, já que depois de mais
de 15 anos de tramitação do PLC. 122/06, ele acabou sendo arquivado
definitivamente sem apreciação conclusiva do Parlamento. Isso deu
origem àquelas citadas ações que foram julgadas em 2019, tendo o STF
reconhecido o estado de omissão inconstitucional (e inconvencional) do
país quanto ao tema e, em razão disso, determinando ao Congresso que
faça uma lei e ainda prevendo a aplicação provisória da lei de racismo
até que a omissão seja suprida (CATTONI; BAHIA; SILVA, 2019 e
BAHIA; BOMFIM, 2019).

A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Portaria-GM n. 675/06), em seu


293

Terceiro Princípio “assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de


discriminação, visando à integridade de tratamento e a uma relação mais pessoal e
saudável”. E explica que por esse princípio, “[é] direito dos cidadãos atendimento
acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada, livre de qualquer
discriminação, restrição ou negação em função de idade, raça, cor, etnia, orientação
sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas
ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com
deficiência...”. Sobre o tema da Saúde Pública e a minoria LGBT ver BAHIA;
CALDAS (2019).
258
3. A NÃO-DISCRIMINAÇÃO COMO UM DIREITO
FUNDAMENTAL: PRESTAÇÕES “POSITIVAS” E
“NEGATIVAS”

O princípio da não discriminação aparece como um dos “objetivos


da República Federativa do Brasil”, dentro do Título em que a
Constituição trata dos seus Princípios Fundamentais, como mostramos
acima, ao falarmos do art. 3º, IV. Ainda que não constem as expressões
“orientação sexual e identidade de gênero”, a proteção às mesmas
está presente não apenas quando o dispositivo se refere a “sexo” –
pois como lembra RIOS, a discriminação por orientação sexual nada
mais é do que uma forma de discriminação quanto ao sexo (RIOS,
2003) – mas está também quando deixa o rol de proteção em aberto
(“e quaisquer outras formas de discriminação”), bem como naqueles
direitos advindos de Tratados e Convenções Internacionais de que o
Brasil é signatário (art. 5º, §2º – CR/88).
Ademais, está também presente quando a Constituição enuncia
o princípio da igualdade (igualdade de tratamento) de todos,
“sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput) (sem itálico no
original). Veja que, apesar da dimensão formal da igualdade estar
ligada tradicionalmente a uma concepção absenteísta de Estado
eminentemente privado, as exigências da luta por reconhecimento vão
reclamar uma atuação positiva (materializante) desse princípio: é dizer,
para promover a igualdade entre os cidadãos em âmbito público, assim
como também uma outra concepção de igualdade: como diversidade
(BAHIA, 2013). Dessa forma, várias leis municipais e estaduais preveem
a casais homossexuais o direito de poder manifestar afeto em público
da mesma forma e nos limites que casais heterossexuais. A igualdade
de tratamento se impõe sempre que não haja razões (abalizadas nos
princípios fundamentais) para um tratamento diferenciado.
A não-discriminação aparece, dessa forma, como um Direito
Fundamental, um princípio, em nosso Ordenamento. Em razão disso,
entendemos, a partir das teorias de Habermas e Dworkin, que, como
princípio, a proibição de discriminação é uma norma, portanto, um
comando deontológico e não mero critério de resolução de lacunas

259
(ou antinomias) ou mesmo, comandos de otimização294. Como direito
fundamental à igualdade, implica no reconhecimento dos mesmos
direitos deferidos a heterossexuais, como o reconhecimento da união
estável, do casamento, também da adoção de crianças, do direito
de mudança de nome/sexo no registro de nascimento de pessoas
trans e/ou o direito ao uso do nome social; o direito à realização de
cirurgia de redesignação de gênero (para pessoas trans), o direito à
autodeterminação de gênero para intersexuais, etc.

4. LEIS MUNICIPAIS DE PROTEÇÃO CONTRA


DISCRIMINAÇÃO E/OU DE PROMOÇÃO DOS
DIREITOS DE MINORIAS SEXUAIS

Ao contrário da “dificuldade” na aprovação de leis federais


em favor dos homossexuais, constatamos que, no nível local,
os movimentos organizados veem conseguindo a aprovação de
um número significativo de leis, além da constituição de fóruns
institucionais de discussão e promoção dos direitos dessa minoria. Em
um rápido apanhado, destacamos:

Leis Orgânicas Municipais: Aracaju (art. 2º); Campinas (art.


5º, XVIII; Florianópolis (art. 5º, IV); Fortaleza (art. 7º, XXI);
Goiânia (art. 1º); Macapá (art. 7º); Paracatu (art. 7º, VIII); Porto
Alegre (art. 150); São Bernardo do Campo (art. 10); São Paulo
(art. 2º, VIII); Teresina (art. 9º).
Leis Ordinárias Municipais: Belo Horizonte (leis 8176/01
– regulamentada pelo Dec. 10681/01 – e 8719/03 295);
294
Sobre as distinções apresentadas, cf., e.g., CATTONI (2013).
295
Essa última cria um “Sistema Municipal de Garantia dos Direitos da Cidadania”
(Capítulo II), formado pela Secretaria Municipal dos Direitos da Cidadania, o
Conselho Municipal de Defesa Social e o Fundo Municipal de Proteção e Defesa
das Minorias (art. 3º). Assim, atribuiu-se à SMDC (art. 5º): “I - receber e apurar
denúncia, realizar audiência, elaborar relatório, julgar fatos que infrinjam os direitos
das minorias, e aplicar multas e penalidades estabelecidas nesta Lei(...)”. Para a
atribuição de penalidades (art. 11) contra estabelecimentos públicos ou privados
(art. 10) que agirem de forma discriminatória (de acordo com a relação de hipóteses
do art. 2º), a lei estabelece um Procedimento Administrativo, que se inicia com a
denúncia, feita pelo cidadão ofendido (ou ofício de autoridade competente) (art.
260
Campinas (lei 9809/98 – regulamentada pelo Dec. 13192/99
– e lei 10582/00296); Campo Grande (lei 3582/98297); Goiânia
(Res. 06/05298); Fortaleza (lei 8211/98); Foz do Iguaçu (lei
2718/02); Guarulhos (lei 5860/02); Juiz de Fora (leis 9789/00
e 10000/01 e Res. 13/06299); Londrina (lei 8812/02); Maceió
(leis 4667/97 e 4898/99); Natal (lei 152/97); Porto Alegre
(Lei Complementar 350/95300); Recife (leis 16.730/2001301
e 16780/02 – regulamentada pelo Dec. 20558/04 – e lei
17025/04); Rio de Janeiro (leis 2475/96 e 3786/02302); Salvador
(lei 5275/97); São José do Rio Preto (lei 8642/02); São Paulo
(lei 10948/01, Dec. 45712/05, Dec. 46037/05, Dec. 50594/06,
Orientação Normativa 06/02, Res. SSP 42/00 e 285/00, Port.
08/05); Teresina (lei 3274/04)303.

12), a SMDC deverá lavrar Auto de Infração, se verificar que há fundamentos para o
prosseguimento; é dado prazo de defesa ao autuado (art. 15), bem como prazo para
produção de provas necessárias (art. 16), após o que será dada decisão (art. 16, §1º).
296
“Institui o serviço S.O.S. discriminação no âmbito do Município de Campinas”.
297
“Dispõe sobre a obrigatoriedade de orientação sexual e de planejamento familiar
aos pais de alunos do pré-escolar e 1º grau, da rede municipal de ensino - reme e
dá outras providências”.
298
Resolução que institui o Cód. de Ética e Decoro Parlamentar e, em seu art. 2º, V,
preceitua: “Contribuir para a afirmação de uma cultura cujos calores não reproduzam,
a qualquer título, quaisquer preconceitos entre os gêneros, especialmente com relação
à raça, credo, orientação sexual, convicção filosófica, ideológica ou política”.
299
Esta Resolução institui o Regimento Interno da Secretaria Municipal de Educação
e, em seu art. 24, III, disciplina: “promover ações de uma Política Educacional
Inclusiva, considerando as diferenças religiosas, étnico-raciais, sensoriais, cognitivas,
físicas, mentais, de gênero e orientação sexual”.
300
Regulamentada pelos Decretos 11411/96 e 11857/97. Ver também o Decreto
14216/03, que assegura direitos previdenciários a(o) companheiro(a) de casais do
mesmo sexo de servidores públicos municipais.
301
Com essa lei, Recife foi “o primeiro município brasileiro a reconhecer o direito de
pensão ao(a)s companheiro(a)s homossexuais dos servidores públicos, em caso de
morte destes” (VIANNA, 2004).
302
Acrescenta o §7º ao art. 29 da lei 285/79, que dispõe: “Equipara-se à condição de
Companheira ou Companheiro de que trata o inciso I deste artigo, os parceiros do
mesmo sexo, que mantenham relacionamento de união estável, aplicando-se para
configuração da união estável, no que couber, os preceitos legais incidentes sobre
a união estável entre parceiros de diferentes sexos”.
303
Uma relação mais completa de Municípios que possuem Leis tratando da temática
pode ser encontrada no site da ABGLT: http://www.abglt.org.br.
261
Desde 1999 funciona no Rio de Janeiro o “Disque Denúncia
Homossexual”, depois também implantado em outras cidades.
O Sistema de Proteção aos LGBT de São Paulo merece destaque.
De fato, a lei 10948/01 em muito se assemelha a outras leis municipais
e estaduais que preveem proteção contra discriminação e estabelecem
procedimentos de apuração e penalidades. Entretanto, até onde tivemos
acesso, as demais leis apenas punem pessoas jurídicas (públicas ou
privadas) que cometam aqueles atos. Já a lei paulistana prevê, de forma
mais ampla:

Artigo 3º - São passíveis de punição o cidadão, inclusive


os detentores de função pública, civil ou militar, e toda
organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos,
de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, que
intentarem contra o que dispõe esta lei (grifos nossos).

O Dec. 45172/05 dispõe sobre a Secretaria Especial para Participação


e Parceria (em São Paulo), que conta, entre outras Coordenadorias, a
“Coord. de Assuntos de Diversidade Sexual” (CADS). O Dec. 46037/05
instituiu o Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual. A
Orientação Normativa – IPREM 06/02 trata da concessão de benefícios
previdenciários ao companheiro(a) homossexual.
As Resoluções – SSP/SP 42/00 e 285/00 instituem o Grupo de
Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância e estabelece que todas
as Delegacias deverão comunicar o GRADI em caso de notificações
de crimes de intolerância). Em 2006, através do Dec. 50594 é criada a
Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – uma unidade
que visa tratar especificamente de casos de discriminação e intolerância
– em substituição ao GRADI.

5. ONG’S DE DEFESA DOS DIREITOS DE LGBT –


ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

Por todo o País contam-se centenas de Organizações Não-


governamentais de defesa de LGBT. Sua atuação é eminentemente
local, daí sua importância quando se fala na proteção contra

262
discriminação no âmbito dos Municípios. Em sociedades descentradas,
sem grandes vínculos de tradição e, aparentemente, refratária à política,
é um dado sobremaneira interessante perceber como esses movimentos
possibilitam a (re)produção da idéia de “identidade de grupo”. Assim,
apesar de locais, não se pode negar que essas ONG’s estão entre os
movimentos mais atuantes pela defesa de Direitos Humanos na
atualidade e do que se pode denominar hoje “sociedade civil organizada.
Como ressalta ANJOS (2002, p. 227):

Uma das principais razões de ser da organização [não-


governamental] é funcionar como um representante dos
homossexuais perante os poderes públicos, denunciando
casos isolados de discriminação contra homossexuais.
As “tecnologias sociais” utilizadas para isso vão desde a
manifestação pública ao protesto por escrito junto a órgãos
públicos julgados competentes.

Mas não apenas protestos, as ONG’s também atuam de forma


“propositiva”, defendendo a adoção de políticas públicas contra a
discriminação. ANJOS (2002, p. 227-228) dá como exemplo a atuação
de militantes junto a vereadores de Porto Alegre para incluir no art.
150 da LO a expressão “orientação sexual”.
Ao iniciarmos esse ensaio, entramos em contato, via Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABLGT), com ONG’s de todo o País e lhes pedimos que relatassem
um pouco de suas experiências (como organização, mas também,
experiências pessoais dos que delas participam), principalmente de
suas relações com o Município onde estão localizadas (haja vista que
a maior parte delas é de âmbito municipal ou regional).
Após algumas semanas, reunimos os relatos de algumas delas,
como segue abaixo.

1) MGRV (Movimento Gay Região das Vertentes – sediado em São


João Del Rei – MG):

Carlos Bem (diretor do MGRV) e Leandro Andrade (colaborador


na ONG) trouxeram suas contribuições. Carlos nos conta que iniciou
263
suas atividades na “militância” em razão de agressão que ele e o
namorado sofreram em um bar na cidade de Machado. Conta que,
mesmo procurando a polícia, pouco ou nada foi feito.
Para Leandro Andrade, a participação em uma ONG LGBT

colabora para um real conhecimento daquilo que vem sendo criado para
nos dar maiores garantias já que o quadro político brasileiro ainda é
bastante radical e preconceituoso. A história das Ongs tem sido importante
para trazer visibilidade a causas que até então, viviam em guetos e digo
isso referindo-me a questões como violência contra a mulher, o negro, aos
deficientes físicos, etc. Dessa forma, participar ou estar próximo de uma
Ong Glbt é, para mim, acreditar que pequenas revoluções é que permitirão
uma verdadeira mudança da sociedade.

Sobre o relato, a ONG possui existência formal há 1 ano e meio,


e em 2007 promoveu o “o 1º Fim de Semana da Diversidade Sexual
da Região das Vertentes” (premiado pelo Ministério da Cultura). Em
2008 a ONG realizou “dezenas de eventos de afirmação da nossa
identidade, realizamos abaixo-assinados, protestos em praça pública
contra a homofobia”, “a 1ª Semana da Diversidade Sexual da Região
das Vertentes” e a “1ª Parada da Cidadania e do Orgulho GLBT da
Região”, com cerca de cinco mil pessoas. O MGRV presta assessoria
jurídica a vítimas de discriminação e portadores de HIV/AIDS.
Carlos Bem conta que as principais reivindicações perante o
Município são:

– a “aprovação de dispositivos legais (...) no sentido de


reconhecer a existência da população LGBT e desta forma
forçar o executivo no desenvolvimento de políticas que
promovam a cidadania e a garantia dos direitos humanos dessa
população”.
– Inclusão no orçamento do município a questão dos direitos
humanos das pessoas LGBT;
– Criação e implantação de uma Coordenadoria LGBT e um
Centro de Referência LGBT.

Sobre a relação do Município com a ONG, Calos Bem lembra


que na legislatura passada, duas leis que foram aprovadas (de forma

264
unânime) na proteção dos direitos LGBT, além de um Decreto
Municipal304. Quanto à atual composição da Câmara, mostra-se
confiante no trabalho de advocacy que a ONG tem feito305.
Em 2008 o Município reconheceu o MGRV como entidade de
“utilidade pública”. O Município possui um programa de prevenção
de DST/AIDS, que atua em convênio com a ONG.

2) Centro de Referência em Direitos Humanos – Prevenção e


Combate à Homofobia de João Pessoa:

José Felipe dos Santos, coordenador do Centro de Referência em


Direitos Humanos de João Pessoa conta que as principais conquistas da
militância na cidade são “mobilizar em prol do resgate da auto-estima
de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (...), uma forte
atuação na área de advocay no legislativo e executivo pela aprovação
de leis anti-discriminação homoafetiva e de ações de enfrentamento
a discriminação e a violência homofóbica”. Há leis municipais nesse
sentido: Lei 1568/96 (prevê punição a práticas discriminatórias em
razão de orientação sexual/identidade de gênero); lei 10501/05 (institui
o “Dia Municipal do Orgulho LGBT”) e a lei 1110/07 (estende
benefícios previdenciários a casais do mesmo sexo). No âmbito da
Administração Pública, foi criada a Assessoria da Diversidade Humana.
O Centro de Referência vem, desde 2002 com ações de
capacitação de gestores de serviços públicos, seminários (em escolas e
universidades) e realização das “Paradas da Cidadania LGBT”. Desde
2005 o Centro de Referência, em parceria com a Secretaria Especial

304
O Decreto 3902/09 “[d]etermina aos órgãos da Administração Pública Municipal
e da iniciativa privada que observem e respeitem o nome social de travestis e
transexuais”. Entre seus “Considerando”, lembra, entre outras razões, os arts. 1º,
III; 3º, I e IV; 4º, II e 5º, caput da CR/88, além da Lei Estadual 14170/02 (que “[d]
etermina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado
contra pessoa em virtude de sua orientação sexual no Estado de Minas Gerais”) e a
Lei Municipal 4172/07 (“que dispôs sobre a ação do município contra as práticas
discriminatórias por orientação sexual”).
305
Leandro Andrade visualiza na aprovação das leis a oportunidade para que a questão
LGBT seja debatida, o que pode “colaborar para uma maior reflexão frente ao
público alvo dessas leis, podendo garantir uma maior segurança”.
265
dos Direitos Humanos (do governo federal), oferece “orientação
jurídica, psicológica e social” à população LGBT (e familiares) vítima
de discriminação. Sob a coordenação/participação do Centro foram
realizadas as Conferências Municipal, Estadual e Nacional LGBT e a
I e II Mostra da Diversidade Cultural LGBT.

3) Movimento Gay de Alfenas e Região Sul de Minas – MGA

Segundo Sander Simaglio, coordenador da ONG, o MGA abrange


as cidades de Alfenas, Varginha, Pouso Alegre, Poços de Caldas e outras
cidades da região. Surgiu no ano 2000 (tendo sido registrada em 2003).
No mesmo ano, lhes foi cedida coluna em um jornal de Alfenas dirigida
ao público gay. Em 2001 foi aprovada em Alfenas lei 3277, que pune
discriminação a homossexuais, conhecida como “Lei Rosa” (em 2005
a ONG apoiou aprovação de lei semelhante na cidade de Machado).
Em 2002 a ONG é Declarada “de Utilidade Pública” municipal;
em 2003 foi a vez da Assembléia Legislativa de Minas Gerais declará-la
como entidade “de Utilidade Pública”. Nesse mesmo ano a Câmara
Municipal de Alfenas aprova projeto de lei que declara o dia 28 de
junho como o “Dia Municipal da Diversidade Sexual”. A partir de
2003 a ONG vem participando com a Coordenação Municipal de
DST/AIDS de Alfenas do Dia Internacional de Luta Contra a AIDS.
Em 2004 acontece a 1ª Parada do Orgulho GLBT do Sul de Minas
em Alfenas, patrocinada pelo Programa Nacional de DST/AIDS do
Ministério da Saúde e UNESCO (repetida em 2005). O MGA ajuizou
ação contra Igreja Assembléia de Deus e seu pastor, em razão de
suposta discriminação por orientação sexual.
Em 2005 o Presidente do MGA foi contratado pela Prefeitura de
Alfenas para coordenar o Programa Municipal de DST/AIDS. Nesse
ano é assinado convênio com a Secretaria Estadual de Saúde para
executar o projeto VHIVER, que dá assessoria jurídica e psicológica
a portadores de HIV.
Em 2006, em razão da discriminação sofrida por duas travestis em
um clube de Alfenas, foi feito Boletim de Ocorrência, com o auxílio
do MGA, utilizando as Leis Municipal e Estadual que punem
estabelecimento por discriminar freqüentadores.

266
6. RETROCESSOS NAS LEGISLAÇÕES E POLÍTICAS
LOCAIS

Após anos de avanços nos âmbitos estadual e municipal no
reconhecimento de direitos da minoria LGBT o país passa por um
movimento de “backlash” promovido por movimentos conservadores
normalmente relacionados com grupos religiosos. Uma das grandes
bandeiras desse grupo está na construção da tese (falaciosa) de que
estaria havendo no Brasil a imposição de uma “ideologia de gênero”
nas escolas que buscaria “converter” crianças e adolescentes a se
tornarem LGBT. Partem de uma essencialização dos sexos com
fixação de papéis de homens e mulheres (gênero como ideologia),
e.g., cabe à mulher o trabalho doméstico e a criação dos filhos (ainda
que trabalhe fora). A ideia, surgida em círculos conservadores da
Igreja Católica, ganhou muita força na América Latina e no Brasil
foi abraçada pelas bancadas religiosas presentes nos parlamentos –
nacional, estaduais e municipais.
Assim é que em 2014, quando da aprovação do Plano Nacional
de Educação (lei 13.005/14), foi retirada a referência a “gênero” – um
retrocesso imenso se considerado que a discussão sobre “educação em
sexualidade” faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde
a década de 1990 –; em 2011 já havia ficado famosa a mobilização de
grupos conservadores contra um pseudo “kit gay” que o Ministério
da Educação estaria produzindo para ser distribuído nas escolas
(PEREIRA; BAHIA, 2011).
A partir daí foi criada uma estratégia de aprovação de leis
municipais e estaduais que proíbem professores de falarem sobre
gênero e sexualidade. Vários Municípios aprovaram leis nesse sentido –
todas elas com redações quase idênticas, já que partiam de um mesmo
“modelo” –, em um movimento em sentido oposto ao que víamos
falando dos entes locais como esferas mais progressistas da Federação,
inclusive com a revogação de leis que tratavam de “gênero” como um
tema a ser discutido em escolas locais. Mais ainda, o movimento passa
a incentivar o monitoramento ideológico de professores com ameaça,
inclusive, de tomada de medidas administrativas e/ou judiciais contra
aqueles ou as escolas.

267
Mais uma vez tem cabido ao Judiciário prover decisões que façam
valer o compromisso democrático, pluralista e inclusivo da Constituição,
inclusive quando esta fala da educação. O STF, por exemplo, declarou
inconstitucionais as leis contra “ideologia de gênero” dos Municípios
de Londrina (PR) e Nova Gama (GO) (ADPF 600-MC e 457) – em
sentido similar tramitam no Tribunal as: ADPF’s. 461, 462, 466, 467
e 526 e a ADI. 5537. O Ministro Luís R. Barroso, Relator da ADPF.
600, chama a atenção para vários problemas da lei questionada:

– Violação de competência da União de editar norma geral


(LDB);
– Violação do direito à pluralidade na educação: CR/88, arts.
205, 206 e 214.
– Violação do direito à educação que vise ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana, à capacitação para
a vida em sociedade e à tolerância (Pacto dos Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais e o Protocolo de San Salvador).306

O Ministro ainda chama a atenção para o dado de que a escola


é um local de (trans)formação cultural e que, nesse sentido, quando
a Suprema Corte dos EUA decidiu o caso Brown v. Board of Education
(1954), afirmou serem as escolas ambientes essenciais para a formação
da cidadania e promoção de valores culturais e de igualdade.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção da população LGBT (bem como a garantia de direitos


que levem ao seu reconhecimento e igualdade – no sentido mais atual
do termo) constitui uma luta atual (e urgente) no Brasil. Como vimos,
há pesquisas que mostram dados extremamente preocupantes sobre
violência e preconceito; dados estes que devem (ou deveriam) se
converter em políticas legislativas e administrativas.

Na ADPF. 457 o Min. Alexandre de Moraes (Relator) ainda acrescenta que a lei,
306

virtualmente idêntica à questionada na outra ação, também viola a liberdade de


expressão (ao estabelecer censura prévia), viola a vedação de qualquer forma de
discriminação (art. 3º, IV) e ainda o direito de igualdade “sem distinção de qualquer
natureza” (art. 5º, caput).
268
Procuramos mostrar no presente de que forma a população
LGBT e seus representantes organizados vêm encontrando no nível
local o locus privilegiado de proteção e de promoção constitucional do
direito fundamental à não-discriminação. Os Municípios (e Estados),
diferentemente da União, têm se mostrado mais permeáveis à
concretização dos ditames constitucionais (e internacionais de que o
Brasil é signatário) relativos à não discriminação.
Isso pôde ser percebido do grande número de leis (que tratam
de várias reivindicações de proteção), de organismos públicos (ou
mantidos pelo poder público) e dos relatos de experiências de ONG’s.
Ao contrário do que ocorre com o nível federal, pois, apesar
de algumas iniciativas da Administração Pública, o Legislativo vem
mostrando pouca (ou nenhuma) preocupação com essa questão.
Entretanto, dada a distribuição de competências de nosso federalismo,
a atuação de Municípios (e Estados) é limitada: eles podem até
estabelecer multas e o fechamento de estabelecimentos que agirem de
forma preconceituosa contra LGBT, entretanto, apenas a União pode
instituir como “crimes” as ações mais violentas praticadas por outras
pessoas, por exemplo. Os Municípios até podem estabelecer direitos
previdenciários para os servidores públicos municipais, mas apenas
a União pode garantir esses direitos a todos, servidores públicos e
aqueles sob o regime geral da previdência; assim como apenas a União
pode instituir, por lei, o instituto geral da união estável homoafetiva
ou mesmo do casamento. Sem embargo, apesar de haver projetos de
lei sobre todas essas questões, os mesmos vêm se arrastando nas Casas
do Congresso Nacional (quando não são arquivados).
Ao mesmo tempo em que se vê inércia do Congresso Nacional
para tratar do tema e dos avanços nos âmbitos regionais e locais,
começou uma “contrarrevolução” conservadora para proibir escolas
de discutirem gênero. Após vários Municípios terem aprovado leis
assim os Tribunais, particularmente o STF, vêm se posicionando por
sua inconstitucionalidade.
Assim, a experiência local, ainda que extremamente válida, deve
chamar a atenção para a urgência de mudança de postura dos entes
federais, sob pena de perpetuarmos a inércia do Congresso e/ou
uma nova onda conservadora que busca anular os poucos avanços já
conquistados.

269
REFERÊNCIAS

ALVES, A. L. A. Diversidade e desigualdade: questões de gênero e a


necessária (re)interpretação do direito fundamental de igualdade das
mulheres. Libertas: Revista de Pesquisa em Direito, v. 6, n. 1, p.
e-202003, 20 maio 2020. Disponível em: https://periodicos.ufop.
br:8082/pp/index.php/libertas/article/view/961/3387.
ANJOS, G. Homossexualidade, direitos humanos e cidadania.
Sociologias, a. 4, n. 7, jan./jun. 2002.
BAHIA, Alexandre. A Igualdade é Colorida: por uma nova compreensão
do direito de igualdade que reconheça o direito à diversidade In:
ALVES, Cândice Lisbôa; MARCONDES, Thereza (orgs.). Liberdade,
Igualdade e Fraternidade: 25 anos da Constituição Brasileira. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2013, p. 307-327.
BAHIA, Alexandre. Sobre a (in)capacidade do direito de lidar com a
gramática da diversidade de gênero. Revista Jurídica da Presidência,
v. 18, p. 481-506, 2017. Disponível em: https://revistajuridica.
presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1465.
BAHIA, Alexandre; BOMFIM, Rainer. A inconstitucionalidade por
omissão: o dever de criminalizar a LGBTIfobia no Brasil. Revista de
Direito da Faculdade Guanambi, v. 6, n. 01, p. e249, 9 jul. 2019.
Disponível em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/
Revistadedireito/article/view/249/131.
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de HIV-AIDS para HSH e mulheres trans/travestis: crises e desafios.
Porto Alegre: Fi, 2019. Disponível em: https://www.academia.
edu/44960367/Prevenc_a_o_e_tratamento_de_HIV_AIDS_para_
HSH_e_mulheres_trans_travestis_crises_e_desafios.
CATTONI, Marcelo. Teoria da Constituição. 2ª. Ed. BH: Initia
Via, 2013.
CATTONI, Marcelo; BAHIA, Alexandre; Silva, Diogo Bacha e.
Sobre a Criminalização da Homofobia e Transfobia: uma crítica da
270
crítica. Empório do Direito, 13.06.2019. Disponível em: https://
emporiododireito.com.br/leitura/sobre-a-criminalizacao-da-
homofobia-e-transfobia-uma-critica-da-critica.
HABERMAS, J. Uma Conversa sobre Questões de Teoria Política.
Entrevista a Mikael Carlehedem e René Gabriels. Novos Estudos
CEBRAP, n. 47, março 1997, p. 85-102.
PEREIRA, Graziela R.; BAHIA, Alexandre. Direito fundamental à
educação, diversidade e homofobia na escola: desafios à construção
de um ambiente de aprendizado livre, plural e democrático. Educar
em Revista, n. 39, abril 2011, p. 51-71.
RIOS, Roger R. A Discriminação por Gênero e por Orientação
Sexual. Seminário Internacional as minorias e o direito (2001:
Brasília). Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários;
AJUFE; Fundação Pedro Jorge de Mello e Silva; The Britsh Council.
Brasília: CJF, 2003. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/
corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/
publicacoes-1/cadernos-cej/seminario-internacional-as-minorias-e-
o-direito/view/++widget++form.widgets.arquivo/@@download/
Volume+24+-+SEMINARIO+INTERNACIONAL+AS+MINO
RIAS+E+O+DIREITO+-+COMPLETO.pdf.
RIOS, Roger R.; DESLANDES, Keila; BAHIA, Alexandre.
Homotransfobia e Direitos Sexuais: debates e embates
contemporâneos. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.
SÁNCHEZ TAMAYO, R. La defensa de los Derechos Humanos
de las personas LGBT en Medellín. In: CDD; IGLHRC. Defensa
de los Derechos Sexuales en Contextos Fundamentalistas –
Presentación de Experiencias Exitosas en Distintos Contextos.
[local?], [s/d]. Disponível em: https://www.yumpu.com/es/
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contextos-futuros.
VIANNA, A. Direitos e Políticas Sexuais no Brasil: o panorama
atual. Rio de Janeiro: CEPESC, 2004.

271
discriminação no âmbito dos Municípios. Em sociedades descentradas,
sem grandes vínculos de tradição e, aparentemente, refratária à política,
é um dado sobremaneira interessante perceber como esses movimentos
possibilitam a (re)produção da idéia de “identidade de grupo”. Assim,
apesar de locais, não se pode negar que essas ONG’s estão entre os
movimentos mais atuantes pela defesa de Direitos Humanos na
atualidade e do que se pode denominar hoje “sociedade civil organizada.
Como ressalta ANJOS (2002, p. 227):

Uma das principais razões de ser da organização [não-


governamental] é funcionar como um representante dos
homossexuais perante os poderes públicos, denunciando
casos isolados de discriminação contra homossexuais.
As “tecnologias sociais” utilizadas para isso vão desde a
manifestação pública ao protesto por escrito junto a órgãos
públicos julgados competentes.

Mas não apenas protestos, as ONG’s também atuam de forma


“propositiva”, defendendo a adoção de políticas públicas contra a
discriminação. ANJOS (2002, p. 227-228) dá como exemplo a atuação
de militantes junto a vereadores de Porto Alegre para incluir no art.
150 da LO a expressão “orientação sexual”.
Ao iniciarmos esse ensaio, entramos em contato, via Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(ABLGT), com ONG’s de todo o País e lhes pedimos que relatassem
um pouco de suas experiências (como organização, mas também,
experiências pessoais dos que delas participam), principalmente de
suas relações com o Município onde estão localizadas (haja vista que
a maior parte delas é de âmbito municipal ou regional).
Após algumas semanas, reunimos os relatos de algumas delas,
como segue abaixo.

1) MGRV (Movimento Gay Região das Vertentes – sediado em São


João Del Rei – MG):

Carlos Bem (diretor do MGRV) e Leandro Andrade (colaborador


na ONG) trouxeram suas contribuições. Carlos nos conta que iniciou
263
suas atividades na “militância” em razão de agressão que ele e o
namorado sofreram em um bar na cidade de Machado. Conta que,
mesmo procurando a polícia, pouco ou nada foi feito.
Para Leandro Andrade, a participação em uma ONG LGBT

colabora para um real conhecimento daquilo que vem sendo criado para
nos dar maiores garantias já que o quadro político brasileiro ainda é
bastante radical e preconceituoso. A história das Ongs tem sido importante
para trazer visibilidade a causas que até então, viviam em guetos e digo
isso referindo-me a questões como violência contra a mulher, o negro, aos
deficientes físicos, etc. Dessa forma, participar ou estar próximo de uma
Ong Glbt é, para mim, acreditar que pequenas revoluções é que permitirão
uma verdadeira mudança da sociedade.

Sobre o relato, a ONG possui existência formal há 1 ano e meio,


e em 2007 promoveu o “o 1º Fim de Semana da Diversidade Sexual
da Região das Vertentes” (premiado pelo Ministério da Cultura). Em
2008 a ONG realizou “dezenas de eventos de afirmação da nossa
identidade, realizamos abaixo-assinados, protestos em praça pública
contra a homofobia”, “a 1ª Semana da Diversidade Sexual da Região
das Vertentes” e a “1ª Parada da Cidadania e do Orgulho GLBT da
Região”, com cerca de cinco mil pessoas. O MGRV presta assessoria
jurídica a vítimas de discriminação e portadores de HIV/AIDS.
Carlos Bem conta que as principais reivindicações perante o
Município são:

– a “aprovação de dispositivos legais (...) no sentido de


reconhecer a existência da população LGBT e desta forma
forçar o executivo no desenvolvimento de políticas que
promovam a cidadania e a garantia dos direitos humanos dessa
população”.
– Inclusão no orçamento do município a questão dos direitos
humanos das pessoas LGBT;
– Criação e implantação de uma Coordenadoria LGBT e um
Centro de Referência LGBT.

Sobre a relação do Município com a ONG, Calos Bem lembra


que na legislatura passada, duas leis que foram aprovadas (de forma

264
unânime) na proteção dos direitos LGBT, além de um Decreto
Municipal304. Quanto à atual composição da Câmara, mostra-se
confiante no trabalho de advocacy que a ONG tem feito305.
Em 2008 o Município reconheceu o MGRV como entidade de
“utilidade pública”. O Município possui um programa de prevenção
de DST/AIDS, que atua em convênio com a ONG.

2) Centro de Referência em Direitos Humanos – Prevenção e


Combate à Homofobia de João Pessoa:

José Felipe dos Santos, coordenador do Centro de Referência em


Direitos Humanos de João Pessoa conta que as principais conquistas da
militância na cidade são “mobilizar em prol do resgate da auto-estima
de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (...), uma forte
atuação na área de advocay no legislativo e executivo pela aprovação
de leis anti-discriminação homoafetiva e de ações de enfrentamento
a discriminação e a violência homofóbica”. Há leis municipais nesse
sentido: Lei 1568/96 (prevê punição a práticas discriminatórias em
razão de orientação sexual/identidade de gênero); lei 10501/05 (institui
o “Dia Municipal do Orgulho LGBT”) e a lei 1110/07 (estende
benefícios previdenciários a casais do mesmo sexo). No âmbito da
Administração Pública, foi criada a Assessoria da Diversidade Humana.
O Centro de Referência vem, desde 2002 com ações de
capacitação de gestores de serviços públicos, seminários (em escolas e
universidades) e realização das “Paradas da Cidadania LGBT”. Desde
2005 o Centro de Referência, em parceria com a Secretaria Especial

304
O Decreto 3902/09 “[d]etermina aos órgãos da Administração Pública Municipal
e da iniciativa privada que observem e respeitem o nome social de travestis e
transexuais”. Entre seus “Considerando”, lembra, entre outras razões, os arts. 1º,
III; 3º, I e IV; 4º, II e 5º, caput da CR/88, além da Lei Estadual 14170/02 (que “[d]
etermina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado
contra pessoa em virtude de sua orientação sexual no Estado de Minas Gerais”) e a
Lei Municipal 4172/07 (“que dispôs sobre a ação do município contra as práticas
discriminatórias por orientação sexual”).
305
Leandro Andrade visualiza na aprovação das leis a oportunidade para que a questão
LGBT seja debatida, o que pode “colaborar para uma maior reflexão frente ao
público alvo dessas leis, podendo garantir uma maior segurança”.
265
dos Direitos Humanos (do governo federal), oferece “orientação
jurídica, psicológica e social” à população LGBT (e familiares) vítima
de discriminação. Sob a coordenação/participação do Centro foram
realizadas as Conferências Municipal, Estadual e Nacional LGBT e a
I e II Mostra da Diversidade Cultural LGBT.

3) Movimento Gay de Alfenas e Região Sul de Minas – MGA

Segundo Sander Simaglio, coordenador da ONG, o MGA abrange


as cidades de Alfenas, Varginha, Pouso Alegre, Poços de Caldas e outras
cidades da região. Surgiu no ano 2000 (tendo sido registrada em 2003).
No mesmo ano, lhes foi cedida coluna em um jornal de Alfenas dirigida
ao público gay. Em 2001 foi aprovada em Alfenas lei 3277, que pune
discriminação a homossexuais, conhecida como “Lei Rosa” (em 2005
a ONG apoiou aprovação de lei semelhante na cidade de Machado).
Em 2002 a ONG é Declarada “de Utilidade Pública” municipal;
em 2003 foi a vez da Assembléia Legislativa de Minas Gerais declará-la
como entidade “de Utilidade Pública”. Nesse mesmo ano a Câmara
Municipal de Alfenas aprova projeto de lei que declara o dia 28 de
junho como o “Dia Municipal da Diversidade Sexual”. A partir de
2003 a ONG vem participando com a Coordenação Municipal de
DST/AIDS de Alfenas do Dia Internacional de Luta Contra a AIDS.
Em 2004 acontece a 1ª Parada do Orgulho GLBT do Sul de Minas
em Alfenas, patrocinada pelo Programa Nacional de DST/AIDS do
Ministério da Saúde e UNESCO (repetida em 2005). O MGA ajuizou
ação contra Igreja Assembléia de Deus e seu pastor, em razão de
suposta discriminação por orientação sexual.
Em 2005 o Presidente do MGA foi contratado pela Prefeitura de
Alfenas para coordenar o Programa Municipal de DST/AIDS. Nesse
ano é assinado convênio com a Secretaria Estadual de Saúde para
executar o projeto VHIVER, que dá assessoria jurídica e psicológica
a portadores de HIV.
Em 2006, em razão da discriminação sofrida por duas travestis em
um clube de Alfenas, foi feito Boletim de Ocorrência, com o auxílio
do MGA, utilizando as Leis Municipal e Estadual que punem
estabelecimento por discriminar freqüentadores.

266
6. RETROCESSOS NAS LEGISLAÇÕES E POLÍTICAS
LOCAIS

Após anos de avanços nos âmbitos estadual e municipal no
reconhecimento de direitos da minoria LGBT o país passa por um
movimento de “backlash” promovido por movimentos conservadores
normalmente relacionados com grupos religiosos. Uma das grandes
bandeiras desse grupo está na construção da tese (falaciosa) de que
estaria havendo no Brasil a imposição de uma “ideologia de gênero”
nas escolas que buscaria “converter” crianças e adolescentes a se
tornarem LGBT. Partem de uma essencialização dos sexos com
fixação de papéis de homens e mulheres (gênero como ideologia),
e.g., cabe à mulher o trabalho doméstico e a criação dos filhos (ainda
que trabalhe fora). A ideia, surgida em círculos conservadores da
Igreja Católica, ganhou muita força na América Latina e no Brasil
foi abraçada pelas bancadas religiosas presentes nos parlamentos –
nacional, estaduais e municipais.
Assim é que em 2014, quando da aprovação do Plano Nacional
de Educação (lei 13.005/14), foi retirada a referência a “gênero” – um
retrocesso imenso se considerado que a discussão sobre “educação em
sexualidade” faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde
a década de 1990 –; em 2011 já havia ficado famosa a mobilização de
grupos conservadores contra um pseudo “kit gay” que o Ministério
da Educação estaria produzindo para ser distribuído nas escolas
(PEREIRA; BAHIA, 2011).
A partir daí foi criada uma estratégia de aprovação de leis
municipais e estaduais que proíbem professores de falarem sobre
gênero e sexualidade. Vários Municípios aprovaram leis nesse sentido –
todas elas com redações quase idênticas, já que partiam de um mesmo
“modelo” –, em um movimento em sentido oposto ao que víamos
falando dos entes locais como esferas mais progressistas da Federação,
inclusive com a revogação de leis que tratavam de “gênero” como um
tema a ser discutido em escolas locais. Mais ainda, o movimento passa
a incentivar o monitoramento ideológico de professores com ameaça,
inclusive, de tomada de medidas administrativas e/ou judiciais contra
aqueles ou as escolas.

267
Mais uma vez tem cabido ao Judiciário prover decisões que façam
valer o compromisso democrático, pluralista e inclusivo da Constituição,
inclusive quando esta fala da educação. O STF, por exemplo, declarou
inconstitucionais as leis contra “ideologia de gênero” dos Municípios
de Londrina (PR) e Nova Gama (GO) (ADPF 600-MC e 457) – em
sentido similar tramitam no Tribunal as: ADPF’s. 461, 462, 466, 467
e 526 e a ADI. 5537. O Ministro Luís R. Barroso, Relator da ADPF.
600, chama a atenção para vários problemas da lei questionada:

– Violação de competência da União de editar norma geral


(LDB);
– Violação do direito à pluralidade na educação: CR/88, arts.
205, 206 e 214.
– Violação do direito à educação que vise ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana, à capacitação para
a vida em sociedade e à tolerância (Pacto dos Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais e o Protocolo de San Salvador).306

O Ministro ainda chama a atenção para o dado de que a escola


é um local de (trans)formação cultural e que, nesse sentido, quando
a Suprema Corte dos EUA decidiu o caso Brown v. Board of Education
(1954), afirmou serem as escolas ambientes essenciais para a formação
da cidadania e promoção de valores culturais e de igualdade.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção da população LGBT (bem como a garantia de direitos


que levem ao seu reconhecimento e igualdade – no sentido mais atual
do termo) constitui uma luta atual (e urgente) no Brasil. Como vimos,
há pesquisas que mostram dados extremamente preocupantes sobre
violência e preconceito; dados estes que devem (ou deveriam) se
converter em políticas legislativas e administrativas.

Na ADPF. 457 o Min. Alexandre de Moraes (Relator) ainda acrescenta que a lei,
306

virtualmente idêntica à questionada na outra ação, também viola a liberdade de


expressão (ao estabelecer censura prévia), viola a vedação de qualquer forma de
discriminação (art. 3º, IV) e ainda o direito de igualdade “sem distinção de qualquer
natureza” (art. 5º, caput).
268
Procuramos mostrar no presente de que forma a população
LGBT e seus representantes organizados vêm encontrando no nível
local o locus privilegiado de proteção e de promoção constitucional do
direito fundamental à não-discriminação. Os Municípios (e Estados),
diferentemente da União, têm se mostrado mais permeáveis à
concretização dos ditames constitucionais (e internacionais de que o
Brasil é signatário) relativos à não discriminação.
Isso pôde ser percebido do grande número de leis (que tratam
de várias reivindicações de proteção), de organismos públicos (ou
mantidos pelo poder público) e dos relatos de experiências de ONG’s.
Ao contrário do que ocorre com o nível federal, pois, apesar
de algumas iniciativas da Administração Pública, o Legislativo vem
mostrando pouca (ou nenhuma) preocupação com essa questão.
Entretanto, dada a distribuição de competências de nosso federalismo,
a atuação de Municípios (e Estados) é limitada: eles podem até
estabelecer multas e o fechamento de estabelecimentos que agirem de
forma preconceituosa contra LGBT, entretanto, apenas a União pode
instituir como “crimes” as ações mais violentas praticadas por outras
pessoas, por exemplo. Os Municípios até podem estabelecer direitos
previdenciários para os servidores públicos municipais, mas apenas
a União pode garantir esses direitos a todos, servidores públicos e
aqueles sob o regime geral da previdência; assim como apenas a União
pode instituir, por lei, o instituto geral da união estável homoafetiva
ou mesmo do casamento. Sem embargo, apesar de haver projetos de
lei sobre todas essas questões, os mesmos vêm se arrastando nas Casas
do Congresso Nacional (quando não são arquivados).
Ao mesmo tempo em que se vê inércia do Congresso Nacional
para tratar do tema e dos avanços nos âmbitos regionais e locais,
começou uma “contrarrevolução” conservadora para proibir escolas
de discutirem gênero. Após vários Municípios terem aprovado leis
assim os Tribunais, particularmente o STF, vêm se posicionando por
sua inconstitucionalidade.
Assim, a experiência local, ainda que extremamente válida, deve
chamar a atenção para a urgência de mudança de postura dos entes
federais, sob pena de perpetuarmos a inércia do Congresso e/ou
uma nova onda conservadora que busca anular os poucos avanços já
conquistados.

269
REFERÊNCIAS

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necessária (re)interpretação do direito fundamental de igualdade das
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VIANNA, A. Direitos e Políticas Sexuais no Brasil: o panorama
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271
será necessário para melhor explicar o argumento que pretendemos
desenvolver a seguir.
O constitucionalismo transformador, característico das cartas
latinas da terceira onda de democratização, adotou a declaração de
direitos fundamentais como a instituição encarregada de, a um só
tempo, impedir que os abusos dos regimes autoritários se repetissem
e de garantir às sociedades latinas a almejada igualdade econômica
e social (GARGARELLA, 2018). No Brasil, o constitucionalismo
transformador nos legou uma constitucionalização de direitos
fundamentais que foi muito além de sua previsão abstrata, típica do
constitucionalismo liberal de inspiração estadunidense.
Para fins descritivos e explicativos, vamos elaborar algumas
categorias classificatórias do tipo de positivação dos direitos
fundamentais na Constituição da República brasileira, cujo objeto será
a redação dos dispositivos constitucionais323.
1) Positivação do tipo de direito: nesses casos, o constituinte
opta por declarar o tipo de direito fundamental protegido sem
maiores detalhes sobre seu alcance, limites, concorrência com outros
direitos ou forma de concretização legislativa. Nessa categoria, o
texto constitucional antecedente a declaração do direito por meio
de formulações como: “é livre”, “é assegurado”, “é garantido”. A
positivação pode levar em consideração, igualmente, a abrangência
pessoal desses direitos, variando da indicação negativa (“ninguém
será”) até formulações positivas (“a todos”). A partir desse tipo de
positivação, a Constituição enuncia os tipos de direitostitularizados
pelos brasileiros (direito à vida, liberdade de expressão, privacidade,
direito à saúde, etc).
Não obstante a natureza programática, dirigente e transformadora
da Constituição de 1988, esse tipo de positivação de direitos não nos
é estranha, por conta da tradição de nosso constitucionalismo de
reaproveitar, com leves e pequenas variações, as formulações textuais
das constituiçõesanteriores, inspiradas por diferentes ideologias
políticas324.
323
Na linha de Marcelo Neves (2013, p. 01), dispositivo ou texto constitucional será
tratado como a “forma linguística mediante a qual uma norma se expressa no plano
do direito positivo, particularmente o direito escrito”.
324
Seguem alguns exemplos ilustrativos, colhidos das Constituições Republicanas: 1)
281
2) Articulações dos tipos de direitos: diferentemente da espécie
de positivação anteriormente descrita, voltada à delimitação do tipo de
direito declarado, a Constituição opta pela articulação desses direitos
quando passa a enunciar alguns dos desdobramentos possíveis da sua
incidência normativa325. Os desdobramentos podem incluir seus limites
e sua modalidade de concretização legislativa.Portanto, nesse tipo de
positivação, o texto constitucional não inova no tipo de direito protegido,
mas dispõe, de maneira não exaustiva,algumas de suas articulações.
Por exemplo, a CRFB/88 positiva a intimidade como tipo de direito
(art. 5º X) e articula, logo em seguida, que a casa e as correspondências
são invioláveis (art. 5º XI e XII). É comum verbalizarmos que temos
direito à inviolabilidade de nossas correspondências pessoais, no
entanto, em verdade, essa é apenas uma das possíveis articulações do
direito à intimidade positivado abstratamente. Dito de outro modo,
a proteção de nossa casa, dados e comunicações representa um
interesse decorrente de nossa intimidade, não podendo o Estado, sem
justificativas fortes, interferir nesse aspecto da liberdade individual.
Somos titulares da livre manifestação do pensamento (art. 5º IV), a
partir da qual podemos articular o direito de resposta (art. 5º V), de
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei” (CRFB/88, art. 5º, II; C /67, 150, § 2º; C /46 art. 141, § 2º; C /1891 art. 72º, §
1º); 2) “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (CRFB/88, art. 5º,
XI; C /67, 150, § 10º; C /46 art. 141, § 15º; C /1891 art. 72º, § 11º); 3) não haverá
prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (CRFB/88, art. 5º,
LXVII; C /67, 150, § 17º). Os trabalhos de José Afonso da Silva, ainda que não seja o
objetivo do autor defender esta tese, demonstram a tradição de replicação redacional
dos textos constitucionais. Lynch e Mendonça (2017, p. 994) indica que essa tese
é compartilhada por importantes autores da ciência política e por eles mesmos (“a
despeito de inovações, o texto da Carta de 1988 se aproxima suficientemente daquele
de sua antecessora, a de 1967-69 ... )”.
325
Tomamos emprestado de Sadurski (2002, p. 282) a expressão “articulação de direitos”,
que significa, em tradução livre, as “especificações sobre a aplicação preferencial
de um direito fundamental genérico a uma questão concreta”. Importante ressaltar
que estamos operando no nível textual, sem, portanto, nos comprometermos com
afirmações sobre o conteúdo jurídico de um direito fundamental, tampouco com
o debate analítico sobre como podemos categorizar, estruturalmente, as normas
eventualmente extraídas desses dispositivos constitucionais.
282
liberdade de culto (art. 5º V), a livre expressão artística, científica e a
proibição de censura (art. 5º IX).
Essa espécie de positivação articuladora complementa a anterior.
Da garantia abstrata do tipo de direito, diversas articulações sobre
ele podem ser formuladas e, algumas delas, encontraram acolhida
constitucional textual; enquanto outras podem, ou não, ser atribuídas
ao texto constitucional326. A partir dapositivação abstrata da livre
manifestação do pensamento, sabemos que não podemos ser cesurados
previamente pelo Estado como uma articulação concreta, mas não
está claro no texto se a exclusão sumária de contas em redes sociais
privadas se encaixaria naquela vedação. A falta de certeza não significa
a impossibilidade de atribuirmos essa articulação não positivada ao
texto constitucional, a qual, caso haja alguma manifestação institucional,
passará a fazer parte da leitura da Constituição. Em síntese, a partir
dos tipos de direitos genéricos, a Constituição positiva algumas de suas
articulações, o que não exclui a possibilidade de atribuirmos ao texto do
tipo de direito outras não positivadas, no entanto essas hipóteses escapam
desta classificação por não cumprirem com a premissa da categorização
de tomar como objeto apenas os dispositivos constitucionais.
3) Positivação de políticas públicas: especialmente na seara dos
direitos sociais, os quais encontram a positivação de tipo 1 no art. 06
da CRFB/88, a Constituição vai além da mera articulação, e alcança o
tipo de política pública a ser implementada para a concretização dotipo
de direito. Como sugerem Couto e Lima (2016), uma política pública é
composta por três elementos: a) objetivos: aquilo que a política pública
busca concretizar;b) instrumentos: englobamosmeios para a concretização
do objetivo e c) parâmetros:estipulação das especificações detalhadas dos
instrumentos eleitos para a implementação dapolítica.
A inspiração para a ideia está em Alexy (2008, p. 71), muito embora nossa proposta
326

classificatória não se confunda com o conceito semântico de norma por ele esposado.
A partir de enunciados normativos, diferentes normas podem ser extraídas, as quais
poderão ser atribuídas aos primeiros como normas de direitos fundamentais válidas.
As normas se caracterizam pela formulação a partir de modais deonticos. Para fins
de categorização, nem todos os dispositivos constitucionais que positivam direitos
fundamentais são formados por modais deonticos (Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, ... , na forma desta Constituição). Por essa razão, a classificação
por tipo de positivação nada tem que ver com a teoria dos direitos de Alexy, apenas
utilizamos a ideia de atribuição de forma adaptada.
283
A política pública e seus elementos eleitos pela Constituição
para concretizar o direito à saúde (art. 06 da CRFB/88) estão, por
exemplo, positivados. É possível identificar, por exemplo, que aquele
tipo de direito abstrato objetiva “à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196 da CRFB/88).
O instrumento que viabiliza a política pública é o Sistema Único de
Saúde (art. 198 da CRFB/88) e os parâmetros de seu funcionamento,
incluindo seu financiamento (art. 198, § 1º da CRFB/88), estão
elencados em norma constitucional específica e na lei do SUS327.
4) Direitos não positivados (direitos implícitos e os não
enumerados): por fim, há um conjunto de direitos fundamentais que
não se encontra positivado no texto constitucional, muito embora a
falta de institucionalização política formal não afete sua natureza. Os
direitos não positivados podem decorrer do regime constitucional ou de
inserções originais à declaração de direitos. Os Direitos Fundamentais
decorrentes, em nossa tradição constitucional, são reconhecidos pela
cláusula de abertura do § 2º do art. 5º. Pensamos que os direitos
decorrentes nada mais são que articulações possíveis atribuíveis aos
tipos de direito já positivados, como o direito ao esquecimento, o
qual pode ser lido como o desdobramento do direito à privacidade
e dos limites impostos à liberdade de expressão. Por outro lado,
direitos não enumerados representam adições originais de tipos de
direitos à declaração positivada328, como o direito à identidade genética
reconhecido pelo STF329.
Feitas as digressões necessárias, podemos seguir com os cuidados
metodológicos que pesquisadores do tema precisam tomar ao analisar
o texto das constituições estaduais.

327
Cf. art. 200 e Lei Federal 8.080/90.
328
Reconhecemos que a distinção entre direitos decorrentes e não enumerados é tênue
e, talvez, inexistente. A inserção de um tipo de direito novo pode se justificar pela
sua decorrência dos preceitos garantidos pela República. Por outro lado, uma nova
categoria de direito sempre poderá ser traduzida como a articulação de dois ou mais
outros tipos de direitos. No entanto, o argumento desenvolvido neste trabalho não
é afetado se o leitor ou leitora advogarem a indistinção entre ambas as categorias,
pois nosso foco é a positivação.
329
RE 363.889/DF, Plenário, DJe 02/06/2011, Rel. Dias Toffoli.
284
As escolhas políticas de organizar um Estado como uma federação
e conceder às unidades federadas a competência para criar normas
constitucionais que veiculem direitos fundamentais não resulta em
uma evidênciaautomática da sua capacidade em promover liberdade
individual. Essa é uma hipótese que precisa ser confirmada a partir de
uma pesquisa empírica sobre o funcionamento da federação que leve
em conta uma série de fatores políticos e jurídicos.
O federalismo brasileiro tem como função primordial assegurar
que as desigualdades regionais não afetem o desenvolvimento político-
social nacional, portanto, não é da vocação de nossa República
federativa ampliar o espaço de liberdade individualpara além da esfera
nacional.Portanto, uma análise sobre direitos fundamentais estaduais
não pode esquivar-se de responder ao seguinte questionamento:
nosso federalismo comporta a atribuiçãode direitos fundamentais
regionalizados que desempenham o mesmo papel daqueles garantidos
pela Constituição da República?
Para responder a esse questionamento, o pesquisador ou a
pesquisadora não poderão limitar-se a realizar uma investigação que
tenha como base comparativa a redação ou o tipo depositivação do
direito fundamental na Constituição da República. Há, pelo menos, dois
argumentos que servem para desestimar essa abordagem metodológica:
um empírico, sobre a função desses direitos na jurisdição constitucional
estadual e outro, sobre o tipo de positivação dos direitos.
Trabalhos acadêmicos que criam categorias comparativas baseadas
na redação dos dispositivos das constituições estaduais são pouco
frutíferos, uma vez que partem do pressuposto de que estãotratando
de direitos que estariam, supostamente, no mesmo patamar jurídico
dos direitos da CRFB e que seriam efetivamente aplicados como tais
pelos órgãos regionais constituídos.
A metodologia das comparações textuais feitas entre a
Constituição da República e as estaduaisou a de singularizar textos
estaduais acrescenta muito pouco ao debate, uma vez que ignora o
aspecto empírico necessário para justificar seu emprego. Pesquisas
demonstram, por exemplo, que o fato de as Constituições estaduais
apresentarem positivação de direitos idêntica à federal não significa
que as Cortes estaduais seguiram o mesmo parâmetro interpretativo

285
desenvolvido pela Suprema Corte dos Estados Unidos (BRENNAN,
1977, p. 495). Ou seja, a redação idêntica de um dispositivo
compartilhado por ambas as constituições não implica a mesma
interpretação dos direitos fundamentais nos diferentes níveis da
federação.Portanto, pode não condizer com a verdade a sugestão de
que os dispositivos comportam direitos ‘iguais’ sem uma investigação
interpretativa profunda. O diagnostico da semelhança redacional
não extrapola o nível textual, não alcançado o necessário nível da
norma constitucional. Por outro lado, a decisão constituinte de criar
dispositivos textuais supostamente originais sobre a articulação de
direitos abstratos positivados na Constituição federal pode não resultar
no desenvolvimento de interpretações constitucionais autônomas no
âmbito regional (FERCOT, 2008, p. 317).
As declarações de direitos não sãocláusulas contratuais, cuja
literalidade e a intenção dos seus subscritores330sãosuficientes para
sabermos, de antemão, os resultados sobre as articulações preferenciais
não positivadas acerca dos direitos fundamentais. Se pedisse a um
estrangeiro que lesse os dispositivos de nossa Constituição, sem
atenção aos precedentes do STF ou ao nível de desenvolvimento
humano brasileiro, ele não saberia responder com segurança se fetos
anencefálicos podem ser abortados e secasais do mesmo sexo podem
formar uma família.
A partir da análise empírica sobre a natureza desses direitos
estaduais, será possível iniciar a construção de um argumento
explicativo sobre a função desempenhada por esses direitos
fundamentais estaduais. Ou seja, se não for possível constatar a
utilização desses direitos como vetos à produção política federal e/ou
o desenvolvimento de interpretações autônomas sobre seu significado,

Podemos sustentar essa afirmação com certa folga, uma vez que nenhum autor
330

brasileiro defendeu, como teoria hermenêutica constitucional da carta de 1988,


a abordagem originalista. Pelo contrário, a dogmática constitucional tradicional
brasileira tem adotado uma perspectiva que denomina de “pós-positivista”, a qual
postula a existência de princípios e métodos intercambiáveis e complementares que
servem para atribuir sentido ao texto constitucional. Alguns desses métodos sugerem,
por exemplo, o apelo à valores, princípios, vontade popular etc.. Não poderíamos
sustentar o mesmo sobre o constitucionalismo dos EUA, onde o debate sobre a
natureza da declaração de direitos faz sentido.
286
eles não desempenharão uma função voltada à garantia de um nível de
liberdade particular incidente de forma regionalizada.
Metodologicamente, ademais, não podemos descurar dos diversos
tipos de positivação de direitos fundamentais do constitucionalismo
brasileiro para fins comparativos. Além de fazer vista grossa para o
elemento empírico-funcional, a comparação textual não endereça o
problema da diferença entre a positivação de um tipo de direito, da
positivação de sua articulação ou de uma política pública e de sua não
positivação, para atestar sua “originalidade” ou “coincidência”.
Se uma Constituição estadual exibe um dispositivo que se afasta do
padrão redacional federal, devemos nos questionar, inicialmente, se ela
está criando umtipo de direito ou se está, tão somente, formulando uma
articulação possível e atribuível ao dispositivo abstrato positivado na
Constituiçãoda República331. Nesse mesmo sentido, uma constituição
estadual pode estar apenas positivando um dos elementos que compõem
uma política pública positivada nacionalmente, sem que tenha inovado
na formulação do tipo de direito social332.Por fim, sem que seja feita

331
A Constituição do Pará, desde 2007 (EC nº 36/07), garante que ninguém será
discriminado por sua orientação sexual (art. 3, IV). O art. 3, IV da CRFB/88
não contempla a vedação à discriminação por orientação sexual positivada na
Constituição paraense, mas não significa, automaticamente ou no nível textual, que
não seja possível extrair essa mesma vedação a partir de uma articulação possível e
atribuível aos dispositivos republicanos, como é possível concluir pela jurisprudência
recente do STF (ADI 4277, ADO 26, ADPF 467). Como será explorado
posteriormente, se defendermos a existência de uma desigualdade regional forte,
isso poderia significar que um brasileiro pode ser discriminado por sua orientação
sexual no Maranhão, mas bastará cruzar a fronteira com nosso Estado para se sentir
protegido, porque esse seria um direito geograficamente localizado. Além de, como
já referido anteriormente, a função desempenha pelos direitos depende de uma
análise empírica, ou seja, precisamos investigar o grau de sucesso dessa garantia no
Estado. Por fim, o Estado do Pará enfrentará grandes dificuldades para concretizar
legislativamente esse direito no âmbito trabalhista, contratual e criminal. Se o leitor
ou leitora redarguir que o dispositivo estadual opera como uma diretriz ou como
um valor simbólico regional, então nosso ponto está provado: não se trata de um
direito fundamental. Ou alguém vai defender que a única função a ser desempenhada
pelos direitos fundamentais é a de servir como um lindo e valioso troféu intocável
e amarrado pelas competências legislativas da União?
332
A Constituição paraense garante aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade
no transporte coletivo rural (art. 295, § 5º), ao passo que a da República se limita
ao transporte urbano (art. 230, § 2º). Nesse exemplo, podemos sustentar que a
287
uma investigação extensiva na moralidade política regional, a partir
da prática política legislativa e jurisprudencial do Tribunal de Justiça,
capaz de identificar os eventuais direitos, especificamente, regionais não
positivados (decorrentes ou não enumerados), qualquer metodologia
comparativa será lacunosa.
A junção dos argumentos empírico e da positivação contra a
metodologia da comparação intertextual, ademais, joga luzes para
a possível indiferenciação entre normas constitucionais estaduais
e leis estaduais (MAUÉS, 2005)333, ponto pouco explorado pelos que
se aventuram por essas estradas. A positivação de dispositivos que
veiculam articulações sobre os direitos ou de instrumentos e parâmetros
de políticas públicas pode se confundir com a produção legislativa que
seria da competência concorrente ou privativa do Estado.
Enfraquecida pelo princípio da simetria, a ação constituinte de
positivar direitos fundamentais nas constituições estaduais pode, por
exemplo, cumprir a função de reforçar as diretrizes a serem seguidas
pela legislação estadual complementar, sem que isso signifique atribuir
a esses direitos estaduais a categoria de fundamentais334. Ou seja,
umasubunidade que não disponha de uma declaração de direitos
estaduais335 pode reforçar essas mesmas diretrizes nacionais a partir

constituição estadual não inovou ou manteve inalterados o tipo de direito abstrato


positivado, o objetivo da política pública (incentivar e facilitar o transporte de idosos,
ao isentá-los de tarifas) e o instrumento (gratuidade), mas alterou seu parâmetro
(extensão aos transportes coletivos rurais). A validade do parâmetro dessa política
pública depende da interpretação que for dada a ela: ou ela se insere no campo dos
transportes, portanto, de competência privativa da União (art. 22, XI da CRFB/88)
ou no campo de assuntos de interesse local (art. 30, I da CRFB/88).
333
Chagas (2006, p. 228) reforça o ponto a partir da constatação jurisprudencial de que
o STF declara inconstitucionais normas constitucionais estaduais sob a argumentação
de que elas violariam competências legislativas ordinárias dos governadores, a partir
da simetria com as competências do Presidente da República.
334
Essa hipótese não é estranha ao constitucionalismo estadunidense, uma vez
que autores consideram possível a positivação de dispositivos exortatórios
(hortatoryprovisions), os quais não são criados para serem judicialmente concretizáveis
(judiciallyenforceable) mas para servirem de meios de instrução dos cidadãos e guia
para os agentes políticos no exercício de suas funções. (DINAN, 2015, p. 868)
335
Algumas Constituições estaduais preveem cláusulas de remissão ou de reenvio à
declaração de direitos da República. (SGARBOSSA; BITTENCOURT, 2019, p.
247)
288
de leis ordinárias com o mesmo, ou maior, grau de sucesso de seus
vizinhos que tenham optado por uma declaração ou pela cláusula de
remissão336.

1.2. Direitos fundamentais estaduais e o princípio constitu-


cional da igualdade.

O segundo ponto metodológico, fundado na igualdade,ganha


autonomia em razão de sua importância para a teoria dos direitos
fundamentais muito emboraseja umaconsequência do argumento
sobre a função liberal dos direitos fundamentais337. A positivação
dedispositivos de direitos constitucionais estaduais deve ser lida
como a demarcação de um ponto de intersecção e, simultaneamente,
tensão entre a teoria dos direitos fundamentais e a do federalismo. A
intersecção/tensão se estrutura a partir da atribuição de uma novaesfera
de liberdade individual, para além da federal, com o potencial criador de
desigualdades jurídicasno tratamento das pessoas situadas em diferentes
regiões de um Estado cujo federalismo se pretende cooperativo.
O argumento metodológico sobre a igualdade no campo dos
direitos fundamentais estaduais se divide em duas teses paralelas e
concorrentes, que se bifurcam desde a premissaque as embasa - a
complementação, ou não, entre os direitos fundamentais previstos nas
normas federais e estaduais.

1) Direitos Fundamentais complementares. De acordo com a


primeira tese, Direitos Fundamentais estaduais e federais formam níveis
de liberdade complementares e a relação entre eles é harmônica. Nas
hipóteses em que a Constituição da República não garanta a uma pessoa
um tipo de direito, o texto constitucional estadual poderácomplementar
sua esfera de liberdade e vice-e-versa. Essa leitura implica uma
336
Trata-se, é verdade, de um desdobramento da tese mais ampla de Ferrari (2003). No
caso, aqui, restrita ao campo dos direitos fundamentais estaduais, mas essa ideia já
estava presente na obra citada.
337
Em síntese, se os direitos fundamentais previstos na República atribuem às pessoas
uma esfera de liberdade para desenvolverem os interesses que lhes conferem
dignidade, é importante que o Estado não imponha regramentos que criem
discriminações injustas, sob pena de diferenciarmos as pessoas em sua dignidade.
289
desigualdade regional na proteção de direitos fundamentais que
denominaremos de fraca, cujo âmbito estará circunscrito aos tipos de
direitosque não estão positivados, de qualquer forma, na esfera federal.
Direitos fundamentais estaduais que, porventura, positivarem
articulações atribuíveis aos direitos federais não operarão acréscimos
à esfera de liberdade da pessoa e, portanto,estão excluídos da hipótese
em análise. Com efeito, essa seria uma conjectura de jogo de soma zero,
em razão da indistinção conteudísticade duas normas constitucionais338.
A desigualdade regional nessa hipótese é fraca, também, por
conta da prodigalidade da constituição federal na garantia de direitos
fundamentais. A função complementar dos direitos estaduais seria
acionada, tão somente, quando não fosse possível aos tribunais
socorrerem-se de uma norma federal,por si só, suficiente para
solucionar um caso que envolvesse a violação de direitos fundamentais
de uma pessoa residente em um Estado da Federação. A esfera de
liberdade da pessoa residente em um Estado estaria composta por
uma extensa gama de direitos fundamentais federais, eventualmente,
complementada por direitos estaduais, os quais, em razão de sua
natureza acessória,justificariam sua independênciaem relação ao nível
federal eseriam capazes de criar um grau de desigualdade regional
suportável pelo arranjo federal cooperativo.
Em consequência, a revisão judicial de políticas públicas federais
seria posta em prática com base no parâmetro fornecido pelo direito
constitucional estadual complementar, portanto, em áreas que,
dificilmente, entrarão em conflito com os propósitos e objetivos mais
amplos da federação.
2) Direitos Fundamentais contrastantes. Uma outra forma de
pensar a relação entre direitos fundamentais, é defender que ambos

Para essa hipótese, estamos sugerindo ir além do texto e em direção à norma. Para
338

que ela funcione, o dispositivo e a norma constitucional da República coincidem


com suas contrapartes estaduais. Por exemplo, não há diferença de força jurídica
entre, de um lado, uma petição que utiliza como fundamento uma articulação de
direitos idêntica em ambas as Constituições federal e estadual, e, por outro, uma
inicial que se fundamenta apenas na articulação fornecida pelo texto da constituição
federal de um direito fundamental. Um juiz estadual não vai deixar de reconhecer
uma reivindicação de direitos fundamentais porque a pessoa não citou o dispositivo
que a constituição estadual copiou da federal.
290
formam esferas de proteção de liberdade não coincidentes e sujeitas
ao conflito. Isso quer dizer que a positivação simultânea de um mesmo
tipo de direito nas constituições de cada nível da federação, não
acompanha a extração das mesmas articulações sobre eleou das mesmas
normas. Ademais, as articulações positivadase normas contrastantes
desse direito sãoincentivadas e necessárias como fundamento de
um constitucionalismo estadual capaz de criar meios políticos para
controlar o poder federal339.
A premissa do contraste não se coaduna com a categoria de
dispositivos de direitos estaduais textualmente coincidentes aos
federais, pois articulações ou interpretações normativas independentes
e diferentes entre siainda poderão ser formuladas. As articulações
estaduais contrastantes servirão de critérios para a revisão judicial
de políticas públicas federais e, mais importante, para fazer frente
às interpretações constitucionais propostas pelo Supremo Tribunal
Federal com base na Constituição da República. Ou seja, essa leitura
cria uma desigualdade regional em sentido forte, porquanto a incidência
das normas federais sobre liberdade individual nos Estados estará
submetida à gradação imposta pelas articulações independentes
emanadas dos direitos fundamentais estaduais.
A leitura contrastante pode criar entraves para a realização do
federalismo cooperativo, uma vez que a concretização de políticas
formuladas nacionalmente (sanitárias, educacionais, sobre liberdade
de expressão nas redes, etc.) estarão sujeitas ao escrutínio de regras
constitucionais que variam de acordo com a localização regional da
pessoa. Não cremos que seja possível encontrar no STF, ou mesmo
na parca literatura especializada, precedentes que corroborem a tese
do contraste.
É válido ressaltar que a errática, e talvez insincera340, tese ventilada
por alguns ministros do STFque enxerga na produção normativa

339
Essa é a tese da primazia dos direitos fundamentais estaduais, que advoga que direitos
individuais advém, precipuamente, de dispositivos estaduais, e o recurso ao direito
federal só se justificaria nos casos de complementações. (VAN CLEAVE, 1998, p.
214).
340
Maués e Fadel (2019, p. 51) identificam que alguns ministros têm reconhecido a feição
centralizadora da jurisprudência do STF e demonstram que o discurso pesaroso não
resultou em câmbios interpretativos relevantes ou expressivo nos últimos anos.
291
estadual um laboratório de experiências legislativas341,não encara o
constitucionalismo estadual como um valor político autônomo. Pelo
contrário, esta leitura parte do pressuposto de que a atribuição de
certa autonomia legislativa aos Estados os transforma em cientistas a
soldo da União para que produzam resultados, sejam eles positivos ou
negativos. Caso sejam benéficos ou produtivos, o experimento poderá
ser replicado, livre de riscos,pela União (BLOCHER, 2011, p. 343). Em
outras palavras, a tese do laboratório está interessada na consequência,
no que deu certo em um Estado para que sirva de exemplo para outro
oupara a União.

-x-

A desigualdade regional forte cria uma tensão insustentável no


federalismo cooperativo brasileiro, ameaçando-o em sua essência
uniformizadora. A desigualdade regional fraca é a interpretação mais
ajustada aquela espécie de arranjo federal. Contudo, o descarte da tese
forte afeta a natureza dos direitos fundamentais no âmbito estatal,
porquanto eles estariam relegados a uma função complementar a ser
raramente desempenhada e que talvez seja, inclusive, inútil para os
brasileiros.
Os debates sobre diferentes níveis de proteção das liberdades no
constitucionalismo dos EUA fazem muito sentido, não apenas por
conta do tipo de federalismo devolutivo e pouco cooperativo, mas
também porque seus cidadãos não podem contar com uma esfera
internacional ou supranacional de direitos. A tese fraca precisa lutar por
espaço e relevância, não apenas com os tipos de direito positivados na
Constituição da República e com a vasta jurisprudência do STF, mas,
também, com os sistemas internacionais global e regional de proteção
de direitos humanos.
Se direitos estaduais entram em cena para complementar nossa
esfera de liberdade, sempre pensada harmonicamente, eles ainda
precisam concorrer com todos os tratados da ONU ratificados pelo
Brasil e com a jurisprudência de seus órgãos de monitoramento,

ADI 2922 (Voto do Min. Gilmar Mendes) e RE 730.721/SP (Voto do Min. Edson
341

Fachin).
292
bem como com os tratados do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos e com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
humanos. A tese fraca, a pretexto de manter a coesão do federalismo
cooperativo brasileiro, acaba por esvaziar a natureza jurídica protetiva
dessa categoria de direitos, já constrangidos pelas regrassobre a
competência legislativa privativa, concorrente e pela vedação de
inovações institucionais imposta pela simetria, mas que também
acabam desprivilegiados em detrimento de normas internacionais de
direitos humanos que transitam desembaraçados sobre todo o território
nacionalrespaldados pela cláusula federal342.
Estudos sobre direitos fundamentais estaduais dependem da
interpretação do pesquisador sobre a sua relação com o direito à
igualdade titularizado pelos brasileiros, para que possa, então, explicar
o lugar das desigualdades regionais fraca ou forteem nosso arranjo
federal. Todavia, toda a discussão feita nessa seção só fará sentido
se houver espaço para uma interpretação constitucional estadual
autônoma e independente da federal, assunto do próximo tópico.

1.3 A autonomia da interpretação constitucional estadual

A cartografia do percurso metodológico não estaria completa sem


a certeza de que a interpretação constitucional estadual é autônoma,
intocável e insubstituível pela leitura alternativa feita por órgãos federais.
A definição do espaço ocupado pelos direitos fundamentais estaduais,
como vimos, depende da função desempenhada no contexto político
(liberdade) e do grau de desigualdade federativa suportável pelo tipo de
federação (igualdade). Todavia, as investigações anteriores dependerão
da intangibilidade das interpretações formadas pelos agentes políticos

342
Estados federais respondem pelos atos ilícitos internacionais de seus entes
federados violadores de direitos humanos sediados em tratados internacionais. Ou
seja, a organização federal do estado não é uma excludente de responsabilidade
internacional de um Estado soberano. (CARVALHO RAMOS, 2004, p. 194-195).
Portanto, para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, pouco importa que
haja um nível de proteção de direitos estadual complementar ou contraposta ao
nível federal, se ambos os níveis não alcançarem o patamar da produção normativa
internacional, o Estado ainda assim será responsabilizado. Como exemplo de cláusula
federal, cf. o art. 28 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
293
locais. Um direito fundamental estadual, portanto, regionalmente
localizado e particular, deve apresentar um conteúdo jurídico próprio e
independente de uma possível articulação decorrente de um congênere
positivado na Constituição da República343.
Há pelo menos, duas rotas que podem ser tomadas para aferirmos
se há espaço para a formulação e manutenção de interpretações
estaduais autônomas sobre direitos fundamentais: o reconhecimento
normativo ou jurisprudencial de uma doutrina da intangibilidade e a
prática interpretativa do Tribunal de Justiça nas decisões em controle
abstrato.
1) Uma doutrina sobre a autonomia interpretativa estadual.
Direitos fundamentais estaduais precisam dispor de conteúdos
autônomos em relação àqueles formulados no plano federal para
que possam desempenhar suas funções de liberdade e igualdade. A
autonomia interpretativa assegura aos direitos estaduais um conteúdo
original e regionalmente específico, apto a fazer frente aos eventuais
desmandos das autoridades locais, de outros Estados e da União
(em sua versão forte). A defesa dessa interpretação autônoma pode
ser encontrada na Constituição federal ou na interpretação da Corte
Suprema. Infelizmente, no caso brasileiro, não é possível sustentar
que haja qualquer vestígio de uma interpretação estadual autônoma
no campo dos direitos estaduais.
1.1. Indícios textuais. Interpretada em seu conjunto, não é possível
extrair do texto constitucional republicano qualquer proposição
jurídica capaz de respaldar a autonomia das interpretações judiciais
baseadas em normas constitucionais estaduais agasalhadoras de direitos
fundamentais. A extensa quantidade de competências privativas da
União, por exemplo, reduz o campo de mobilização necessária aos
direitos fundamentais no nível estadual.
Um Estado que pretenda atribuir à mulher o direito fundamental
de abortar até o terceiro mês de gravidez, como uma articulação

A defesa do conteúdo jurídico próprio se ajusta às versões forte e fracas da


343

desigualdade, pois esse conteúdo próprio pode servir, tanto para justificar a
complementação da esfera de direitos federais, como para reforçar a utilização dessas
interpretações contra interpretações do STF sobre o mesmo direito. Como é possível
observar, aqui a preocupação não se limita às determinações dos dispositivos, mas
das normas que podem ser extraídas a partir deles.
294
possível do direito à vida, esbarrará na intransponível competência
privativa da União para legislar sobre Direito Penal (art. 22, I da CRFB).
Por outro lado, um Tribunal de Justiça Estadual não poderá, com base
na Constituição estadual, declarar a inconstitucionalidadede toda a lei
federal que regulamentou o direito de resposta (Lei nº 13.188/2015) por
considerar essa articulação violadora da liberdade de expressão estadual,
contrariando, em consequência, o texto da República e a jurisprudência
do STF (ADPF 130). Essa interpretação constitucional estadual, além
de se contraporao texto federal expresso (art. 5º, V da CRFB/88),
além do mais, estará sujeita a um sistema de impugnação de decisões
judiciais que não acomoda a manutenção de uma decisão emanada de
tribunal de justiça porque baseada em norma constitucional estadual344.
A decisão do Tribunal de Justiça poderá ser revista, substituída ou
cassada a depender do meio de impugnação. Pela proximidade temática
com os direitos fundamentais positivados no texto da constituição da
república, sempre estará à disposição dos legitimados, a propositura de
uma ADPF para questionar decisão do TJ que se baseou na articulação
de um direito fundamental estadual.

Uma decisão do tribunal de justiça, ainda que baseada em dispositivos da


344

Constituição do Estado, estará sujeita às vias processuais do recurso extraordinário


e especial ou pelo controle concentrado de constitucionalidade, via arguição de
descumprimento de preceito fundamental. O primeiro recurso, julgado pelo STF,
tem por finalidade uniformizar a aplicação e interpretação do direito constitucional
brasileiro; enquanto o segundo, julgado pelo STJ, tem a mesma função, mas em face
do direito federal infraconstitucional brasileiro, no qual se incluem diversas normas
que regulamentam os direitos fundamentais da República, por exemplo: código civil,
código penal, consolidação das leis trabalhistas etc. Além dessas vias recursais, caso
se entenda que a decisão viola preceitos fundamentais da constituição, é possível a
proposição de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ao
STF. A semelhança que interessa a este trabalho entre as três vias apresentadas é
a de que o parâmetro interpretativo será, exclusivamente, de origem federal, em
detrimento das disposições constitucionais estaduais a demonstrar o baixo grau de
autonomia jurisdicional dos tribunais estaduais em aplicar os direitos fundamentais
dos respectivos estados. Nesse sentido, não há menção nos artigos referentes aos
instrumentos processuais citados, seja na Constituição (art. 102, III e art. 105, III
da CF), seja no código de processo civil (arts 1.029 a 1.035 da Lei 13.105/2015),
tampouco nas disposições sobre a ADPF (art. 102 §1º da CF e Lei 9.882/1999), que
atribuam algum tipo de autonomia interpretativa à constituição estadual ou a seus
direitos fundamentais, forte o suficiente para impedir o conhecimento do recurso
ou da arguição.
295
1.2. Indícios da jurisprudência constitucional. A busca no texto
constitucional e das leis processuais em busca da doutrina da auto-
nomia não rendeufrutos. Infelizmente, da mesma sorte sofrerá a
investigação por ela na jurisprudência do STF. Nossa suprema corte
não criou qualquer doutrina que inviabilize a revisão judicial de
interpretações locais baseadas em normas constitucionais, dando
a entender que não há espaço para o desenvolvimento de direitos
constitucionais estaduais capazes de desempenhar qualquer função
relevante no constitucionalismo infranacional brasileiro. A doutrina
da simetria, não obstante voltadaàorganização política local, expõe
a tendência da Suprema Corte em não criar maiores distinções entre
normas constitucionais e leis estaduais. O mesmo, provavelmente,
vale para o conjunto de dispositivos que acompanha a positivação de
direitos fundamentais (tipo, articulações e políticas públicas). Estamos
supondo aqui uma simetria dos direitos fundamentais, fundada no
direito à igualdade, e que impede que estados subnacionais possam
criar distinções de tratamento entre os brasileiros.

2) O controle abstrato de constitucionalidade estadual. A


Constituição da República estatui a faculdade de o Tribunal de Justiça
estadual realizar a revisão das leis ou atos normativos estaduais e
municipais tendo por base a Constituição do Estado membro (125
§ 2º da CRFB/88). A instauração de uma jurisdição constitucional
abstrata estadual oferece ao pesquisador uma oportunidade singular
para investigar o grau de autonomia do direito constitucional estadual
em relação ao federal.
De acordo com as premissas inerentes ao controle de constituciona-
lidade abstrato, o objeto da ação autônoma é contrastado, diretamente,
com o texto constitucional ou com a jurisprudência constitucional
correspondente. Dessa forma, a Ação Direta de Inconstitucionalidade
Estadual terá como parâmetro, obrigatoriamente, uma norma da
Constituição estadual345, e como objeto uma lei estadual ou municipal

Trata-se de um parâmetro exclusivo que afasta a possibilidade de o TJ local estendê-


345

lo para outro que não seja o estadual (ADI 347), ainda que a norma utilizada como
parâmetro seja de reprodução obrigatória pelo Estado (Rcl 383) ou se trate de norma
remissiva (Rcl 733). Mais recentemente, o STF foi mais longe e admitiu competir
ao TJ o exercício do controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais
296
violadora de direitos fundamentais estaduais. O acórdão, portanto,
deverá basear-se, principalmente, em algum dispositivo constitucional
estadual e o grau de sua autonomia poderá ser aferido a partir dos
demais fatores interpretativos utilizados pelo tribunal de justiça para
julgar a ADI estadual.
O tribunal poderá, por exemplo, ao declarar que uma lei estadual
contraria a Constituição Estadual, lançar mão de normas da Constituição
federal, de doutrina nacional sobre regras federais e da jurisprudência
do STF. Nos parece que esses fatores interpretativos de origem federal,
lidos concomitantemente à norma constitucional estadual, diminuem
a autonomia interpretativa do direito constitucional estadual levada
a cabo pelo Tribunal de Justiça, o qual estará mais próximo de uma
sucursal do STF na revisão judicial de leis estaduais, do que de uma corte
competente para exercer o controle de constitucionalidade abstrato
com base em um parâmetro de conteúdo autônomo.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO
PARAENSE: DO DESEJO INOVADOS À DECEPÇÃO
DA DESIMPORTÂNCIA346.

2.1. Breve descrição e análise dos dispositivos sobre


Direitos Fundamentais dos paraenses.

A constituinte paraense foi presidida pelo Deputado Mário


Chermont e regida pela Resolução 09/1988, a qual criou uma
Comissão de Estudos Preparatórios dos Trabalhos Constituintes.
Por ocasião da instalação da constituinte, no dia 12 de outubro de
1988, os parlamentares expressaram a intenção de adaptar as normas
constitucionais federais às especificidades regionais (BONAVIDES,
2014, p. 511).
Zeno Veloso (2019) expressa que a inovação foi o motor que
impulsionava os constituintes, cujo trabalho contou com a participação

utilizando como parâmetro normas da Constituição da República, desde que sejam


de reprodução obrigatória pelos Estados, mas não positivadas (RE 650.898).
346
Em alusão, uma vez mais, ao texto de Ferrari (2003).
297
de técnicos, jornalistas, população e juristas renomados. A constituinte se
espraiou, inclusive, para outros municípios do Estado, onde fincara polos
de apoio à Capital e que serviram para facilitar a participação popular
da comunidade local.A Constituição do Estado do Pará foi publicada
no dia 05 de outubro de 1989 e, em seuTítulo II, composto por dois
capítulos, declara os Direitos e Garantias Fundamentais dos paraenses.
O capítulo I se inicia com o art. 4º, reprodução textual do art. 5º,
caput da Constituição da República, ressalvada a delimitação geográfica
dos direitos aos brasileiros e estrangeiros residentes no Estado347.
O artigo 4º da Constituição estadual adota uma positivação de tipos
de direitos, no caso, de direitos individuais liberais clássicos (à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade).
O artigo seguinte pode ser lido como uma cláusula de recepção
dos Direitos Fundamentais do Título II da Constituição da República
pela Estadual, a qual lhes acolhe imediatamente, além de conferir-lhes
plena efetividade348. A cláusula de recepção não explica a natureza dessa
operação jurídica: o texto, a norma, as articulações e a interpretação
dos direitos também serão recepcionadas pela Constituição? A
recepção se limita ao tipo de positivação, mas comporta a construção
de interpretações autônomas? Não é possível encontrar respostas no
texto de ambas as Constituições, na jurisprudência do STF ou do TJ/PA
O artigo 5º é esmiuçado em parágrafos que positivam articulações
de tipos de direitos não previamente positivados, mas que podem ser,
sem maiores esforços, extraídos desde as normas federais.
A Constituição Estadual afirma que estará sujeito à punição, na
forma da lei, agente público, independentemente da função exercida,
que violar os direitos constitucionais (art. 5º, 1º da CE/PA)349. O texto
347
Art. 4º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Estado a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da
Constituição Federal e desta Constituição.
348
Art. 5º. O Estado do Pará acolhe, expressamente, insere em seu ordenamento
constitucional e usará de todos os meios e recursos para tornar, imediata e
plenamente efetivos, em seu território, os direitos e deveres individuais e coletivos, os
direitos sociais, de nacionalidade e políticos, abrigados no Título II da Constituição
Federal.
349
Não localizamos lei regulamentadora desse dispositivo constitucional. A pesquisa foi
feita por meio de pesquisa direta no Google, a qual reproduziu o texto constitucional
298
constitucional não indica a qual conjunto de direitos fundamentais
se refere (estaduais ou federais), e se essa punição se diferencia das
punições administrativas eventualmente previstas nas regras sobre
servidores públicos estaduais.
O Art. 190 da Lei Estadual 5.810/1994estipula vinte hipóteses de
fatos que implicam a demissão do servidor público, mas em nenhuma
delas é possível identificar, explicitamente, a atribuição dessa modalidade
punitiva à violação de algumtipo de direito fundamental estadual, com
exceção do direito à integridade física350. O questionamento não é trivial,
uma vez que o Estatuto dos servidores, como esperado, cria punições
para ações que envolvam, principalmente, danos ao patrimônio, imagem
e ao erário públicos. Dessa forma, se um agente público violar o direito
à liberdade religiosa de uma pessoa, mas não tiver sido condenado
criminalmente, nenhuma punição adicional lhe será aplicada.
O parágrafo seguinte estipula que perderá mandato administrativo,
cargo ou função de direção o agente público que deixar de sanar, em
noventa dias, omissão inviabilizadora injustificada do exercício de
direito constitucional (art. 5º, 1º da CE/PA). É possível inferir que
‘agentes públicos’, para fins da constituição estadual, sejam aqueles que
ocupam cargos ou funções na Administração Pública direta e indireta
do Estado do Pará, não alcançando, portanto, agentes políticos como
Deputados Estaduais, Governadores e Juízes estaduais. A Constituição
do Estado não estipula o que seria uma omissão inviabilizadora, muito
embora possamos conjecturar que se trate de natureza administrativa.
A falta de uma lei estadual, para além de um ato administrativo,
pode ser a causa inviabilizadora da concretização de um direito
fundamental estadual. Entretanto, bastaria ao administrador justificar
da seguinte forma: “sinto muito, não há lei estadual que regulamente
esse dispositivo constitucional garantidor de direitos fundamentais,
portanto, não há medida administrativa que possa editar para
concretizá-lo”. Como não há responsabilização pela omissão legislativa

estadual acrescido dos termos “regulamentação”, “lei estadual” e no portal Legis


Pará dentre as leis complementares do Estado, bem como pesquisa pelo termo
“servidores” e “punição” em leis complementares e ordinárias em vigência no
Estado.
350
Lei Estadual nº 5.810/1994. Art. 190, VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou
a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem.
299
por parte dos agentes efetivamente competentes e capazes de saná-la,
o dispositivo estipula uma garantia de baixa operatividade.
A Constituição estadual garante, ademais, que nenhuma pessoa
será discriminada ou prejudicada pelo fato de litigar contra órgão
estadual, no âmbito administrativo ou judicial. Em verdade, o texto
constitucional estipula que a pessoa não será alvo de discriminação se
litigar “com o órgão estadual”, porém nos parece que a preposição
“com” é adequada para indicar companhia, ao passo que a preposição
“contra”, ao expressar oposição, parece melhor captar o espírito da
norma. A constituição estadual não indica ou explica que tipo de
discriminação ou prejuízo poderiam decorrer de litígios contra o
Estado do Pará. Este parágrafo é uma articulação possível e atribuível
do direito à igualdade em face do Estado, ou seja, o Estado não pode
discriminar com base em critérios injustos, um deles seria o litígio contra
a fazenda pública. Portanto, mais uma adição de pouca valia prática,
pois ninguém seria capaz de extrair do devido processo legal positivado
na Constituição da República uma regra que legitime perseguições
políticas a uma pessoa pelo fato de ela litigar contra o Estado.
Em seguida, a Constituição postula que ninguém perderá seu
emprego ou cargo público se recusar-se a trabalhar em ambiente que
ofereça iminente risco a sua vida, assim caracterizado pelo respectivo
sindicato. Não obstante sob a rubrica de um direito coletivo, nos parece
que essa articulação de regras sobre direito ao trabalho351 se encaixaria
de forma mais confortável dentro da categoria dos direitos sociais. O
direito de recusa de trabalhoem ambiente perigoso e a consequente
garantia da manutenção do emprego são articulações que possuem
densidade normativa e operatividade.
Se aplicarmos a ideia de desigualdade regional fraca, em primeiro
lugar, esse direito fundamental estadual teria o condão de criar uma
proteção adicional ao círculo de liberdade do trabalhador paraense,

Trata-se de uma articulação possível dos seguintes artigos da CRFB/88: Art. 7º São
351

direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXVI - reconhecimento
das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da
automação, na forma da lei.
300
não prevista textualmente na constituição federal352. Esse tipo de
desigualdadefraca incentivaria uma competição entre as entidades da
federação pelos trabalhadores mais qualificados, quepoderão escolher
os Estados onde irão residir e trabalhar com base no conjunto de
normas trabalhistas mais protetivas a sua saúde. Em segundo lugar,
a desigualdade regional em sentido forte faria com que essa regra
estadual se sobrepusesse ao estipulado na CLT, por exemplo, norma
de caráter nacional (Art. 22, I da CRFB/88). Resultado pouco provável
se levarmos em consideração a leitura centralizadora do federalismo
adotada pelo STF.
Como havíamos argumentado na primeira parte do trabalho, o
estudo dos direitos fundamentais estaduais depende da tomada de
posição sobre a liberdade, igualdade e independência interpretativa, sob
pena de qualquer previsão textual ser tomada como norma de cunho
constitucional vinculante e operativa. O conteúdo jurídico e a natureza
de direito fundamental do art. 5, § 4º353 da CE/PA conflitam com o

352
Em âmbito federal, no entanto, a CLT dispõe no art. 483, c) que o empregado pode
considerar rescindido o contrato de trabalho quando correr perigo manifesto de mal considerável.
Além disso a Norma Regulamentadora (NR) nº 01, do extinto Ministério do
Trabalho, e Emprego dispõe que “1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas
atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva
um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao
seu superior hierárquico.”, além de disposições de teor semelhante poderem ser
localizadas em outras NRs, Este é o denominado Direito de Recusa ao trabalho.
Além disso, há previsão semelhante na Convenção 155 da OIT (Decreto Executivo
10.088/2019), art. 13 (greve ambiental trabalhista,) e art. 19, f). É bem verdade
que não é possível extrair desse conjunto normativo federal ou nacional que a
pessoa “não perderá o emprego” em razão dessa recusa, mas endentemos como
uma garantia implícita ou uma garantia que se insere nesse “círculo” protetivo
do trabalhador. Na jurisprudência trabalhista, foi possível localizar, a partir de
termos como, “greve ambiental”, o reconhecimento pelo TST da possibilidade de
deflagração de greve em razão das condições ambientais que coloquem em risco a
saúde e integridade do trabalhador, denominada como “excludente de abusividade de
greve” (RO-80399-40.2016.5.07.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,
Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado) (RO-1001747-35.2013.5.02.0000,
Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Kátia Magalhães
Arruda, DEJT 19/05/2017).
353
Ninguém poderá ser penalizado, especialmente com a perda do cargo, função ou
emprego, quando se recusar a trabalhar em ambiente que ofereça iminente risco de
vida, caracterizado pela respectiva representação sindical, não se aplicando o aqui
301
tipo de federalismo cooperativo, sensível às clivagens regionais, e se
contrapõem à competência legislativa privativa da União sobre Direito
do Trabalho. Portanto, outra previsão de pouca valia.
Nos termos da constituição paraense, é assegurado aos ministros
de cultos religiosos, pertencentes a religiões legalmente existentes no
Brasil, o livre acesso a hospitais, estabelecimentos penitenciários e
delegacias de polícia para que possam prestar assistência religiosa e
espiritual354. À primeira vista, a redação do dispositivo se assemelha
ao texto federal355, no entanto, a impressão é logo dissipada ao nos
depararmos com a delimitação dessa modalidade de assistência apenas
às religiões “legalmente existentes”.
A liberdade de culto é protegida pela Constituição republicana,
que não exige das denominações religiosas qualquer tipo de autorização
legal como condição de reconhecimento. Não estamos, portanto,
falando dosrequisitos administrativos necessários para o funcionamento
desembaraçado de templos religiosos (art. 19, I), mas da exigência de
registro público de uma religião para que seus representantes possam
prestar assistência em órgãos públicos.Não há qualquer tipo de
discriminação religiosa que tenha por base seu reconhecimento legal
na lei federal que regulamenta o direito em discussão356.
A Constituição estadual, portanto, limita um direito constitucional
federal e essa limitação só pode operar dentro de uma dogmática
constitucional que acolha uma doutrina sobre pisos/tetos de proteção
aos direitos fundamentais ou a independência e primazia interpretativa
do direito constitucional estadual. Ou seja, em outros Estados da

disposto aos casos em que esse risco seja inerente à atividade exercida, salvo se não
for dada a devida proteção.
354
É assegurado aos ministros de cultos religiosos, pertencentes a denominações
religiosas legalmente existentes no País, o livre acesso para visitas a hospitais,
estabelecimentos penitenciários, delegacias de polícia e outros congêneres, para
prestar assistência religiosa e espiritual a doentes, reclusos ou detentos.
355
Art. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva.
356
LEI No 9.982, DE 14 DE JULHO DE 2000. Art. 1o Aos religiosos de todas as
confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como
aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso
aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no
caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.
302
federação, membros de qualquer denominação religiosa poderão prestar
auxílio espiritual em ambientes prisionais, com exceção do Estado
do Pará, onde apenas os membros de grupo religioso legalmente
reconhecido estarão autorizados.
Ao final do Capítulo I, a Constituição paraense assegura que
ninguém será submetido a condições degradantes de trabalho ou a
práticas análogas ao trabalho escravo, no âmbito rural ou doméstico357.
Esse dispositivo não estava contemplado na redação original da carta
estadual e parececonferir uma proteção adicional ao estipulado no plano
federal, na forma de uma desigualdade regional fraca. Entretanto, a
vedação à escravidão é uma articulação normativa possível eatribuível
ao direito a não ser submetido a tortura nem a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III) e, o mais importante, essa já é uma proteção
garantida a todos os brasileiros por meio de tratados sobre direitos
humanos.
Desde 1966 fazemos parte da Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições
e Práticas Análogas à Escravatura da ONU (1956)358. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, desde 1992, garante
que nenhum brasileiro será submetido à escravidão, servidão ou
trabalhos forçados. A vedação está contemplada, também, em
provisões da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.
06).Ainda sobre o Sistema Interamericano, o Estado do Pará foi o
palco de paradigmático caso em que o Brasil foi condenado pela Corte
Interamericana e Direitos Humanos pela violação, entre outros, daquele
direito humano359, a demonstrar que esse dispositivo opera mais como
uma diretriz de ação, do que uma norma jurídica constitucional, uma
vez que os poderes públicos estaduais não foram capazes de sanar o

357
§ 6º. Nenhuma pessoa poderá ser submetida as condições degradantes de trabalho
ou a práticas análogas ao trabalho escravo, seja em ambiente doméstico ou rural,
nem a qualquer outro constrangimento que não os provenientes do ordenamento
constitucional da União e do Estado do Pará ( Parágrafo acrescido pela Emenda
Constitucional nº 25, de 11/05/2004, publicada no DOE Nº 30.190, de 12/05/2004)
358
Decreto Executivo 58.563/66.
359
Caso Trabajadores de laHacienda Brasil Verde Vs. Brasil. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de octubre de 2016. Serie C No.
318.
303
problema. Por fim, compete à União legislar sobre direito do trabalho
e criminal, relegando o texto estadual a uma valiosa diretriz.

2.2. A autonomia da interpretação constitucional estadual:


análise a partir das ADI estaduais julgadas pelo TJ/PA.

Na seção anterior, sugerimos que, para investigar a função


desempenhada pelos direitos fundamentais no âmbito estadual
era necessário, entre outros passos metodológicos, identificar se a
interpretação do direito constitucional é autônoma, ou seja, intocável
ou imodificável pelos órgãos judiciais federais. Se a leitura de um direito
constitucional estadual puder, por exemplo, ser revista, corrigida ou
substituída pelo STJ ou pelo STF, não fará sentido dar a esse conjunto
normativo a qualidade de direitos fundamentais.
Um dos indícios sugeridos para averiguar a tese da autonomia foi
o estudo das ADIs estaduais, a fim de analisar a prática do Tribunal de
Justiça estadual ao julgar uma lei ou ato normativo contestados com
base, exclusivamente, na Constituição Estadual. Esse exercício nos
permite averiguar a força dada pela corte estadual à norma estadual
e se seu conteúdo é estruturado de forma autônoma ou a partir de
fatores interpretativos de origem federal.
Tendo como objeto de análise 46 (quarenta e seis) acórdãos
publicados pelo Tribunal de Justiça do Pará disponíveis à consulta
pública360 em julgamentos de ADIs estaduais, foi possível constatar
que a corte não utiliza a Constituição Estadual como uma norma

360
Em razão da organização e divulgação de informações do site do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará (http://www.tjpa.jus.br), apenas acórdãos publicados entre 2006
e 2019 estão disponíveis para consulta pública via o buscador de jurisprudência
da corte ( http://gsa-index.tjpa.jus.br). Muito embora os dados deixem de fora
quase 20 anos de prática da corte regional, o lapso temporal nos parece suficiente
para extrair conclusões seguras sobre as tendências decisórias da corte, não apenas
porque representam a última década de produção jurídica, mas também porque nos
permitem avaliar a absorção da corte das mais recentes tendências dogmáticas e
jurisprudenciais. Agradecemos, enormemente, o Serviço de Jurisprudência do TJ/
PA, que nos enviou planilha das ADI e PDFs dos acórdãos publicados no período
acima referido. Dedicamos um agradecimento especial à servidora Ana Lucidéa, a
qual ficou responsável pela pesquisa e seleção dos dados.
304
constitucional autônoma, dotada de força própria e capaz de fornecer
conteúdos jurídicos próprios e originais.
Vamos começar pelo que nos interessa imediatamente nesse
estudo, e em seguida passaremos à exposição de outros dados valorosos
para futuras pesquisas sobre temas correlatos. Aproveitando as
categorias de Fallon (1987, p. 1.189-1.286), elencamos possíveis fatores,
tipicamente, utilizados por cortes supremas e constitucionais ao decidir
casos constitucionais. Entre eles, os mais importantes são: o texto
constitucional, precedentes constitucionais e argumentos doutrinários.
A partir desses fatores interpretativos genéricos, formulamos categorias
específicas, ajustadas para a análise de uma corte estadual.
Texto Constitucional: As decisões judiciais, de acordo nossa
hipótesesobre autonomia interpretativa, deverão basear-se em
esforços interpretativos capazes de demonstrar que os dispositivos
constitucionais estaduais utilizados como parâmetro para o controle
abstrato não dependem das normas federais para delas extrair o
conteúdo de suas prescrições. Pelo contrário: o controle abstrato deve
demonstrar que o parâmetro utilizado para avaliar a constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo será um texto normativo que exibe feições
culturais próprias e cujos direitos apresentarão articulações originais.
Precedentes Constitucionais: nenhuma teoria sobre interpretação
constitucional é capaz de explicar a prática de uma corte sem dar
conta do recurso aos seus próprios precedentes como forma de
complementação do texto constitucional. Portanto, decisões judiciais
passadas são uma inestimável fonte de informação sobre a forma pela
qual um dispositivo constitucional é interpretado, sendo possível afirmar
que os precedentes são repositórios de articulações de direitos atribuídas
aos tipos de direitos positivados, ainda que em forma não escrita ou
positivada. Uma interpretação autônoma exibirá um tribunal de justiça
que formula suas próprias interpretações através de seus próprios
precedentes, independentemente do decido anteriormente pelo STF,
fazendo com que suas decisões não sejam simples ou meras reproduções
de julgados anteriormente tomadas por nossa suprema corte.
Argumentos doutrinários: os horizontes de sentido de um texto
constitucional são determinados pelos confins que a cultura jurídica
contemporânea pode oferecer ao intérprete. Portanto, o material

305
doutrinário utilizado para dar suporte ao texto constitucional estadual
indicará autonomia quando for preenchido por autores e autoras
locais, devotadas a dar sentido a um texto fundacional regionalmente
localizado. Uma doutrina que vocalize as intenções do constituinte
paraense e explique o que esses dispositivos ou normas constitucionais
de estatura constitucional significam para o povo paraense e, em última
análise, para o funcionamento do Estado federado.
Nossa pesquisa demonstrou que o texto da Constituição Estadual
do Pará não é pavimentado com cimento de marca local. Ao julgar as
ações em controle abstrato, em sua maioria relativasao federalismo,
a Corte estadual recorria ao texto da Constituição da República para
explicar casos que envolviam leis que, supostamente, violavam norma
constitucional estadual (61% dos julgados). A corte não se contentava
com o recurso ao texto normativo estadual, fazendo uso do texto de
sua contraparte federal sempre que identificava alguma semelhança
entre eles.Em apenas um caso analisado a corte estadual utilizou como
fator interpretativo apenas o texto estadual.
Sempre que podia, ademais, a Corte Estadual preteria sua produção
jurisprudencial em detrimento de decisões do STF sobre temas
correlatos, transcrevendo trechos de ementas da suprema corte (63%
dos julgados). Nas poucas vezes em que citou um precedente próprio
(6,5% dos casos), fez uso da sistemática das ementas sem se aprofundar
em algum elemento que pudesse sugerir qualquer traço de originalidade
no precedente regional.O argumento da autonomia se enfraquece, ainda
mais, se dissermos ao leitor que o tribunal de Justiça paraense lançou
mão, em controle abstrato, de decisões das cortes estaduais de Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo, ou seja, decisões que podem ter se
baseado em texto constitucional estadual diverso.
Nas poucas vezes em que manejou argumentos doutrinários
de juristas paraenses (8,7 dos casos), a Corte fez uma mesma
referência ao ubíquo Zeno Veloso, em seu clássico Controle jurisdicional
de constitucionalidade. O peso das citações ao mestre diminui se
acrescentarmos a informação de que eram argumentos doutrinários
sobre a interpretação das leis federais 9.868/99 e 9.882/99 ou sobre
procedimento no controle abstrato, portanto, nada que nos desse
alguma pista a respeito de argumentos constitucionais formulados pelo

306
jurista, exclusivamente, para o texto estadual. Sobraram, no entanto,
referências a autores não paraenses, especialmente de manuais ou
cursos de direito constitucional, ocupados da exegese do texto da
Constituição da República (47,8 %).

Nos preocupamos, outrossim, em nos certificar de que essa era


uma posição da Corte e não, por exemplo, uma peculiaridade decisória
de um punhado de desembargadores. Ou, ao contrário, era preciso
confirmar se algum dos desembargadores do Tribunal paraense
discordava da abordagem caudatária e subserviente do texto de nossa
constituição estadual. Os dados demonstram que há um acordo entre
os desembargadores do TJ quanto a essa leitura, uma vez que a quase
totalidade dos casos foi julgada à unanimidade.

307
constitucional não indica a qual conjunto de direitos fundamentais
se refere (estaduais ou federais), e se essa punição se diferencia das
punições administrativas eventualmente previstas nas regras sobre
servidores públicos estaduais.
O Art. 190 da Lei Estadual 5.810/1994estipula vinte hipóteses de
fatos que implicam a demissão do servidor público, mas em nenhuma
delas é possível identificar, explicitamente, a atribuição dessa modalidade
punitiva à violação de algumtipo de direito fundamental estadual, com
exceção do direito à integridade física350. O questionamento não é trivial,
uma vez que o Estatuto dos servidores, como esperado, cria punições
para ações que envolvam, principalmente, danos ao patrimônio, imagem
e ao erário públicos. Dessa forma, se um agente público violar o direito
à liberdade religiosa de uma pessoa, mas não tiver sido condenado
criminalmente, nenhuma punição adicional lhe será aplicada.
O parágrafo seguinte estipula que perderá mandato administrativo,
cargo ou função de direção o agente público que deixar de sanar, em
noventa dias, omissão inviabilizadora injustificada do exercício de
direito constitucional (art. 5º, 1º da CE/PA). É possível inferir que
‘agentes públicos’, para fins da constituição estadual, sejam aqueles que
ocupam cargos ou funções na Administração Pública direta e indireta
do Estado do Pará, não alcançando, portanto, agentes políticos como
Deputados Estaduais, Governadores e Juízes estaduais. A Constituição
do Estado não estipula o que seria uma omissão inviabilizadora, muito
embora possamos conjecturar que se trate de natureza administrativa.
A falta de uma lei estadual, para além de um ato administrativo,
pode ser a causa inviabilizadora da concretização de um direito
fundamental estadual. Entretanto, bastaria ao administrador justificar
da seguinte forma: “sinto muito, não há lei estadual que regulamente
esse dispositivo constitucional garantidor de direitos fundamentais,
portanto, não há medida administrativa que possa editar para
concretizá-lo”. Como não há responsabilização pela omissão legislativa

estadual acrescido dos termos “regulamentação”, “lei estadual” e no portal Legis


Pará dentre as leis complementares do Estado, bem como pesquisa pelo termo
“servidores” e “punição” em leis complementares e ordinárias em vigência no
Estado.
350
Lei Estadual nº 5.810/1994. Art. 190, VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou
a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem.
299
por parte dos agentes efetivamente competentes e capazes de saná-la,
o dispositivo estipula uma garantia de baixa operatividade.
A Constituição estadual garante, ademais, que nenhuma pessoa
será discriminada ou prejudicada pelo fato de litigar contra órgão
estadual, no âmbito administrativo ou judicial. Em verdade, o texto
constitucional estipula que a pessoa não será alvo de discriminação se
litigar “com o órgão estadual”, porém nos parece que a preposição
“com” é adequada para indicar companhia, ao passo que a preposição
“contra”, ao expressar oposição, parece melhor captar o espírito da
norma. A constituição estadual não indica ou explica que tipo de
discriminação ou prejuízo poderiam decorrer de litígios contra o
Estado do Pará. Este parágrafo é uma articulação possível e atribuível
do direito à igualdade em face do Estado, ou seja, o Estado não pode
discriminar com base em critérios injustos, um deles seria o litígio contra
a fazenda pública. Portanto, mais uma adição de pouca valia prática,
pois ninguém seria capaz de extrair do devido processo legal positivado
na Constituição da República uma regra que legitime perseguições
políticas a uma pessoa pelo fato de ela litigar contra o Estado.
Em seguida, a Constituição postula que ninguém perderá seu
emprego ou cargo público se recusar-se a trabalhar em ambiente que
ofereça iminente risco a sua vida, assim caracterizado pelo respectivo
sindicato. Não obstante sob a rubrica de um direito coletivo, nos parece
que essa articulação de regras sobre direito ao trabalho351 se encaixaria
de forma mais confortável dentro da categoria dos direitos sociais. O
direito de recusa de trabalhoem ambiente perigoso e a consequente
garantia da manutenção do emprego são articulações que possuem
densidade normativa e operatividade.
Se aplicarmos a ideia de desigualdade regional fraca, em primeiro
lugar, esse direito fundamental estadual teria o condão de criar uma
proteção adicional ao círculo de liberdade do trabalhador paraense,

Trata-se de uma articulação possível dos seguintes artigos da CRFB/88: Art. 7º São
351

direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXVI - reconhecimento
das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da
automação, na forma da lei.
300
não prevista textualmente na constituição federal352. Esse tipo de
desigualdadefraca incentivaria uma competição entre as entidades da
federação pelos trabalhadores mais qualificados, quepoderão escolher
os Estados onde irão residir e trabalhar com base no conjunto de
normas trabalhistas mais protetivas a sua saúde. Em segundo lugar,
a desigualdade regional em sentido forte faria com que essa regra
estadual se sobrepusesse ao estipulado na CLT, por exemplo, norma
de caráter nacional (Art. 22, I da CRFB/88). Resultado pouco provável
se levarmos em consideração a leitura centralizadora do federalismo
adotada pelo STF.
Como havíamos argumentado na primeira parte do trabalho, o
estudo dos direitos fundamentais estaduais depende da tomada de
posição sobre a liberdade, igualdade e independência interpretativa, sob
pena de qualquer previsão textual ser tomada como norma de cunho
constitucional vinculante e operativa. O conteúdo jurídico e a natureza
de direito fundamental do art. 5, § 4º353 da CE/PA conflitam com o

352
Em âmbito federal, no entanto, a CLT dispõe no art. 483, c) que o empregado pode
considerar rescindido o contrato de trabalho quando correr perigo manifesto de mal considerável.
Além disso a Norma Regulamentadora (NR) nº 01, do extinto Ministério do
Trabalho, e Emprego dispõe que “1.4.3 O trabalhador poderá interromper suas
atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva
um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao
seu superior hierárquico.”, além de disposições de teor semelhante poderem ser
localizadas em outras NRs, Este é o denominado Direito de Recusa ao trabalho.
Além disso, há previsão semelhante na Convenção 155 da OIT (Decreto Executivo
10.088/2019), art. 13 (greve ambiental trabalhista,) e art. 19, f). É bem verdade
que não é possível extrair desse conjunto normativo federal ou nacional que a
pessoa “não perderá o emprego” em razão dessa recusa, mas endentemos como
uma garantia implícita ou uma garantia que se insere nesse “círculo” protetivo
do trabalhador. Na jurisprudência trabalhista, foi possível localizar, a partir de
termos como, “greve ambiental”, o reconhecimento pelo TST da possibilidade de
deflagração de greve em razão das condições ambientais que coloquem em risco a
saúde e integridade do trabalhador, denominada como “excludente de abusividade de
greve” (RO-80399-40.2016.5.07.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos,
Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado) (RO-1001747-35.2013.5.02.0000,
Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Kátia Magalhães
Arruda, DEJT 19/05/2017).
353
Ninguém poderá ser penalizado, especialmente com a perda do cargo, função ou
emprego, quando se recusar a trabalhar em ambiente que ofereça iminente risco de
vida, caracterizado pela respectiva representação sindical, não se aplicando o aqui
301
tipo de federalismo cooperativo, sensível às clivagens regionais, e se
contrapõem à competência legislativa privativa da União sobre Direito
do Trabalho. Portanto, outra previsão de pouca valia.
Nos termos da constituição paraense, é assegurado aos ministros
de cultos religiosos, pertencentes a religiões legalmente existentes no
Brasil, o livre acesso a hospitais, estabelecimentos penitenciários e
delegacias de polícia para que possam prestar assistência religiosa e
espiritual354. À primeira vista, a redação do dispositivo se assemelha
ao texto federal355, no entanto, a impressão é logo dissipada ao nos
depararmos com a delimitação dessa modalidade de assistência apenas
às religiões “legalmente existentes”.
A liberdade de culto é protegida pela Constituição republicana,
que não exige das denominações religiosas qualquer tipo de autorização
legal como condição de reconhecimento. Não estamos, portanto,
falando dosrequisitos administrativos necessários para o funcionamento
desembaraçado de templos religiosos (art. 19, I), mas da exigência de
registro público de uma religião para que seus representantes possam
prestar assistência em órgãos públicos.Não há qualquer tipo de
discriminação religiosa que tenha por base seu reconhecimento legal
na lei federal que regulamenta o direito em discussão356.
A Constituição estadual, portanto, limita um direito constitucional
federal e essa limitação só pode operar dentro de uma dogmática
constitucional que acolha uma doutrina sobre pisos/tetos de proteção
aos direitos fundamentais ou a independência e primazia interpretativa
do direito constitucional estadual. Ou seja, em outros Estados da

disposto aos casos em que esse risco seja inerente à atividade exercida, salvo se não
for dada a devida proteção.
354
É assegurado aos ministros de cultos religiosos, pertencentes a denominações
religiosas legalmente existentes no País, o livre acesso para visitas a hospitais,
estabelecimentos penitenciários, delegacias de polícia e outros congêneres, para
prestar assistência religiosa e espiritual a doentes, reclusos ou detentos.
355
Art. 5º, VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva.
356
LEI No 9.982, DE 14 DE JULHO DE 2000. Art. 1o Aos religiosos de todas as
confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como
aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso
aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no
caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.
302
federação, membros de qualquer denominação religiosa poderão prestar
auxílio espiritual em ambientes prisionais, com exceção do Estado
do Pará, onde apenas os membros de grupo religioso legalmente
reconhecido estarão autorizados.
Ao final do Capítulo I, a Constituição paraense assegura que
ninguém será submetido a condições degradantes de trabalho ou a
práticas análogas ao trabalho escravo, no âmbito rural ou doméstico357.
Esse dispositivo não estava contemplado na redação original da carta
estadual e parececonferir uma proteção adicional ao estipulado no plano
federal, na forma de uma desigualdade regional fraca. Entretanto, a
vedação à escravidão é uma articulação normativa possível eatribuível
ao direito a não ser submetido a tortura nem a tratamento desumano
ou degradante (art. 5º, III) e, o mais importante, essa já é uma proteção
garantida a todos os brasileiros por meio de tratados sobre direitos
humanos.
Desde 1966 fazemos parte da Convenção Suplementar sobre
Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições
e Práticas Análogas à Escravatura da ONU (1956)358. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, desde 1992, garante
que nenhum brasileiro será submetido à escravidão, servidão ou
trabalhos forçados. A vedação está contemplada, também, em
provisões da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.
06).Ainda sobre o Sistema Interamericano, o Estado do Pará foi o
palco de paradigmático caso em que o Brasil foi condenado pela Corte
Interamericana e Direitos Humanos pela violação, entre outros, daquele
direito humano359, a demonstrar que esse dispositivo opera mais como
uma diretriz de ação, do que uma norma jurídica constitucional, uma
vez que os poderes públicos estaduais não foram capazes de sanar o

357
§ 6º. Nenhuma pessoa poderá ser submetida as condições degradantes de trabalho
ou a práticas análogas ao trabalho escravo, seja em ambiente doméstico ou rural,
nem a qualquer outro constrangimento que não os provenientes do ordenamento
constitucional da União e do Estado do Pará ( Parágrafo acrescido pela Emenda
Constitucional nº 25, de 11/05/2004, publicada no DOE Nº 30.190, de 12/05/2004)
358
Decreto Executivo 58.563/66.
359
Caso Trabajadores de laHacienda Brasil Verde Vs. Brasil. Excepciones Preliminares,
Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de octubre de 2016. Serie C No.
318.
303
problema. Por fim, compete à União legislar sobre direito do trabalho
e criminal, relegando o texto estadual a uma valiosa diretriz.

2.2. A autonomia da interpretação constitucional estadual:


análise a partir das ADI estaduais julgadas pelo TJ/PA.

Na seção anterior, sugerimos que, para investigar a função


desempenhada pelos direitos fundamentais no âmbito estadual
era necessário, entre outros passos metodológicos, identificar se a
interpretação do direito constitucional é autônoma, ou seja, intocável
ou imodificável pelos órgãos judiciais federais. Se a leitura de um direito
constitucional estadual puder, por exemplo, ser revista, corrigida ou
substituída pelo STJ ou pelo STF, não fará sentido dar a esse conjunto
normativo a qualidade de direitos fundamentais.
Um dos indícios sugeridos para averiguar a tese da autonomia foi
o estudo das ADIs estaduais, a fim de analisar a prática do Tribunal de
Justiça estadual ao julgar uma lei ou ato normativo contestados com
base, exclusivamente, na Constituição Estadual. Esse exercício nos
permite averiguar a força dada pela corte estadual à norma estadual
e se seu conteúdo é estruturado de forma autônoma ou a partir de
fatores interpretativos de origem federal.
Tendo como objeto de análise 46 (quarenta e seis) acórdãos
publicados pelo Tribunal de Justiça do Pará disponíveis à consulta
pública360 em julgamentos de ADIs estaduais, foi possível constatar
que a corte não utiliza a Constituição Estadual como uma norma

360
Em razão da organização e divulgação de informações do site do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará (http://www.tjpa.jus.br), apenas acórdãos publicados entre 2006
e 2019 estão disponíveis para consulta pública via o buscador de jurisprudência
da corte ( http://gsa-index.tjpa.jus.br). Muito embora os dados deixem de fora
quase 20 anos de prática da corte regional, o lapso temporal nos parece suficiente
para extrair conclusões seguras sobre as tendências decisórias da corte, não apenas
porque representam a última década de produção jurídica, mas também porque nos
permitem avaliar a absorção da corte das mais recentes tendências dogmáticas e
jurisprudenciais. Agradecemos, enormemente, o Serviço de Jurisprudência do TJ/
PA, que nos enviou planilha das ADI e PDFs dos acórdãos publicados no período
acima referido. Dedicamos um agradecimento especial à servidora Ana Lucidéa, a
qual ficou responsável pela pesquisa e seleção dos dados.
304
constitucional autônoma, dotada de força própria e capaz de fornecer
conteúdos jurídicos próprios e originais.
Vamos começar pelo que nos interessa imediatamente nesse
estudo, e em seguida passaremos à exposição de outros dados valorosos
para futuras pesquisas sobre temas correlatos. Aproveitando as
categorias de Fallon (1987, p. 1.189-1.286), elencamos possíveis fatores,
tipicamente, utilizados por cortes supremas e constitucionais ao decidir
casos constitucionais. Entre eles, os mais importantes são: o texto
constitucional, precedentes constitucionais e argumentos doutrinários.
A partir desses fatores interpretativos genéricos, formulamos categorias
específicas, ajustadas para a análise de uma corte estadual.
Texto Constitucional: As decisões judiciais, de acordo nossa
hipótesesobre autonomia interpretativa, deverão basear-se em
esforços interpretativos capazes de demonstrar que os dispositivos
constitucionais estaduais utilizados como parâmetro para o controle
abstrato não dependem das normas federais para delas extrair o
conteúdo de suas prescrições. Pelo contrário: o controle abstrato deve
demonstrar que o parâmetro utilizado para avaliar a constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo será um texto normativo que exibe feições
culturais próprias e cujos direitos apresentarão articulações originais.
Precedentes Constitucionais: nenhuma teoria sobre interpretação
constitucional é capaz de explicar a prática de uma corte sem dar
conta do recurso aos seus próprios precedentes como forma de
complementação do texto constitucional. Portanto, decisões judiciais
passadas são uma inestimável fonte de informação sobre a forma pela
qual um dispositivo constitucional é interpretado, sendo possível afirmar
que os precedentes são repositórios de articulações de direitos atribuídas
aos tipos de direitos positivados, ainda que em forma não escrita ou
positivada. Uma interpretação autônoma exibirá um tribunal de justiça
que formula suas próprias interpretações através de seus próprios
precedentes, independentemente do decido anteriormente pelo STF,
fazendo com que suas decisões não sejam simples ou meras reproduções
de julgados anteriormente tomadas por nossa suprema corte.
Argumentos doutrinários: os horizontes de sentido de um texto
constitucional são determinados pelos confins que a cultura jurídica
contemporânea pode oferecer ao intérprete. Portanto, o material

305
doutrinário utilizado para dar suporte ao texto constitucional estadual
indicará autonomia quando for preenchido por autores e autoras
locais, devotadas a dar sentido a um texto fundacional regionalmente
localizado. Uma doutrina que vocalize as intenções do constituinte
paraense e explique o que esses dispositivos ou normas constitucionais
de estatura constitucional significam para o povo paraense e, em última
análise, para o funcionamento do Estado federado.
Nossa pesquisa demonstrou que o texto da Constituição Estadual
do Pará não é pavimentado com cimento de marca local. Ao julgar as
ações em controle abstrato, em sua maioria relativasao federalismo,
a Corte estadual recorria ao texto da Constituição da República para
explicar casos que envolviam leis que, supostamente, violavam norma
constitucional estadual (61% dos julgados). A corte não se contentava
com o recurso ao texto normativo estadual, fazendo uso do texto de
sua contraparte federal sempre que identificava alguma semelhança
entre eles.Em apenas um caso analisado a corte estadual utilizou como
fator interpretativo apenas o texto estadual.
Sempre que podia, ademais, a Corte Estadual preteria sua produção
jurisprudencial em detrimento de decisões do STF sobre temas
correlatos, transcrevendo trechos de ementas da suprema corte (63%
dos julgados). Nas poucas vezes em que citou um precedente próprio
(6,5% dos casos), fez uso da sistemática das ementas sem se aprofundar
em algum elemento que pudesse sugerir qualquer traço de originalidade
no precedente regional.O argumento da autonomia se enfraquece, ainda
mais, se dissermos ao leitor que o tribunal de Justiça paraense lançou
mão, em controle abstrato, de decisões das cortes estaduais de Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo, ou seja, decisões que podem ter se
baseado em texto constitucional estadual diverso.
Nas poucas vezes em que manejou argumentos doutrinários
de juristas paraenses (8,7 dos casos), a Corte fez uma mesma
referência ao ubíquo Zeno Veloso, em seu clássico Controle jurisdicional
de constitucionalidade. O peso das citações ao mestre diminui se
acrescentarmos a informação de que eram argumentos doutrinários
sobre a interpretação das leis federais 9.868/99 e 9.882/99 ou sobre
procedimento no controle abstrato, portanto, nada que nos desse
alguma pista a respeito de argumentos constitucionais formulados pelo

306
jurista, exclusivamente, para o texto estadual. Sobraram, no entanto,
referências a autores não paraenses, especialmente de manuais ou
cursos de direito constitucional, ocupados da exegese do texto da
Constituição da República (47,8 %).

Nos preocupamos, outrossim, em nos certificar de que essa era


uma posição da Corte e não, por exemplo, uma peculiaridade decisória
de um punhado de desembargadores. Ou, ao contrário, era preciso
confirmar se algum dos desembargadores do Tribunal paraense
discordava da abordagem caudatária e subserviente do texto de nossa
constituição estadual. Os dados demonstram que há um acordo entre
os desembargadores do TJ quanto a essa leitura, uma vez que a quase
totalidade dos casos foi julgada à unanimidade.

307
ANEXO 01

Ano Edital Órgão Administrativo Cargo ou Cotas ou


Emprego público reserva de
vagas
2010 N.° 01/ 2010 – Fundação Carlos Gomes/ Vários Pessoas com
SEAD-FCG /PA PA deficiência
2010 EDITAL Nº “FUNDAÇÃO PARAENSE Vários Pessoas com
01/2010 - SEAD/ DE RADIODIFUSÃO - deficiência
FUNTELPA FUNTELPA”
2010 EDITAL Nº Instituto de Metrologia do Vários Pessoas com
1/2010 - SEAD/ Estado do Pará - IMEP, deficiência
IMEP
2012 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Vários (Oficiais Não há
PMPA CADO/ do Pará PM)
PM/2012
2012 EDITAL N.° Fundação Carlos Gomes/ Vários Pessoas com
01/2012– SEAD- PA deficiência
FCG /PA
2012 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Alunos Oficiais PM Não há
PMPA CFO/ do Pará
PM/2012
2012 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Soldado da PM Não há
PMPA CFSD/ do Pará
PM/2012
2012 EDITAL No Secretaria de Estado de Professor, classe I, Pessoas com
04/2012 – SEAD/ Educação (SEDUC) Nível A deficiência
SEDUC
2013 EDITAL N.° Fundação Amazônia Diversos Pessoas com
01/2013– SEAD/ Paraense de Amparo à deficiência
FAPESPA Pesquisa – FAPESPA
2013 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreira Policial P e s s o a s c o m
01/2013 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Delegado de deficiência
PCPA – PCPA Polícia Civil – DPC

317
2013 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreiras Policiais Pessoas com
01/2013 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Investigador deficiência
PCPA – PCPA de Polícia Civil –
IPC, Escrivão de
Polícia Civil – EPC
e Papiloscopista
2013 EDITAL No SECRETARIA DE ESTADO Procurador Autár- P e s s o a s c o m
01/2012 – DE ADMINISTRAÇÃO – quico e Fundacio- deficiência
SEAD, 15 DE SEAD/PA nal
FEVEREIRO DE
2012
2013 EDITAL N.o Secretaria de Auditor Fiscal de P e s s o a s c o m
01/2013-SEAD/ Estado da Fazenda - Receitas Estaduais deficiência
SEFA, SEFA/PA e Fiscal de Recei-
tas Estaduais

2015 EDITAL N.º Corpo de Bombeiros Oficiais Bombeiros Não há


01/2015 – Militar do Estado do Pará Militares Comba-
CBMPA/CFO - CBMPA tentes
COMBATENTES

2015 EDITAL Nº Corpo de Bombeiros Praças Bombeiros Não há


01/2015 – Militar do Estado do Pará Militares Comba-
CBMPA/CFPBM - CBMPA tentes
COMBATENTES
2016 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreira Policial P e s s o a s c o m
01/2016 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Delegado de deficiência
PCPA – PCPA Polícia Civil – DPC

2016 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreiras Policiais P e s s o a s c o m


01/2016 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Investigador deficiência
PCPA – PCPA de Polícia Civil –
IPC, Escrivão de
Polícia Civil – EPC
e Papiloscopista
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Praças da Polícia Não há
CFP/PMPA do Pará Militar
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CFO/PMPA do Pará Militar

318
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CADO/PMPA do Pará Militar
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Agente Prisional Não há
001/2017 - Sistema Penitenciário do
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Diversos Pessoas com
001/2017 - Sistema Penitenciário do deficiência
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2018 EDITAL Nº 01/ AGÊNCIA ESTADUAL Diversos Pessoas com
SEAD-ADEPARÁ DE DEFESA AGROPE- deficiência
CUÁRIA DO ESTADO
DO PARÁ (ADEPARÁ)
2018 EDITAL No 01/ AGÊNCIA DE REGU- Diversos Pessoas com
SEAD-ARCON/ LAÇÃO E CONTROLE DE deficiência
PA SERVIÇOS PÚBLICOS
DO ESTADO DO PARÁ -
ARCON/PA
2018 EDITAL No 01 / DEPARTAMENTO DE A g e n t e d e P e s s o a s c o m
SEAD-DETRAN/ TRÂNSITO DO ESTADO Fiscalização de deficiência
PA DO PARÁ - DETRAN/PA Trânsito e Agente
de Educação de
Trânsito
2018 EDITAL No 01/ INSTITUTO DE GESTÃO Diversos Pessoas com
SEAD-IGEPREV/ PREVIDENCIÁRIA DO deficiência
PA ESTADO DO PARÁ –
IGEPREV,
2018 EDITAL Nº01 / SECRETARIA DE ESTADO Diversos Pessoas com
SEAD-SEASTER DE ASSISTÊNCIA deficiência
SOCIAL, TRABALHO,
EMPREGO E RENDA -
SEASTER
2018 EDITAL No 01/ SECRETARIA DE ESTADO Jornalista, Publici- Pessoas com
SEAD-SECOM/ DE COMUNICAÇÃO - tário e Relações deficiência
PA, SECOM, Públicas
2018 EDITAL No Secretaria de Estado de Professor Pessoas com
01/2018 – SEAD, Educação – SEDUC, Classe I, Nível A deficiência

319
2019 EDITAL No 01/ CENTRO DE PERÍCIAS Diversos Pessoas com
SEAD-CPCRC/ CIENTÍFICAS “RENATO deficiência
PA CHAVES” - CPCRC/PA

320
A PANDEMIA DA COVID-19 NO SISTEMA
CARCERÁRIO: O FEDERALISMO
NA TENSÃO ENTRE O CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA E OS PODERES
EXECUTIVO E LEGISLATIVOS ESTADUAIS.
Aderruan Tavares370
Janaína Penalva371

Sumário: 1. Introdução; 2. Federalismo: um brevíssimo


panorama; 3. Federalismo e o CNJ: a hierarquia administrativa
dentro do Poder Judiciário; 4. O Sistema Carcerário, o CNJ e a
pandemia da COVID-19: implicações do princípio federativo;
5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

As disfuncionalidades da execução penal no Brasil e a baixa


compreensão dos atores e atrizes do sistema de justiça quanto
aos direitos fundamentais da pessoa presa levaram ao conhecido
hiperencarceramento. Com uma população carcerária de mais de 711
mil homens e 36 mil mulheres, segundo dados do Infopen/MJ, o Brasil
é o terceiro maior país em termos de encarceramento no mundo.
Com a taxa de encarceramento superando o patamar de 170%
nos presídios brasileiros, era fácil avaliar que a pandemia do Covid-19
seria dificílima de controlar nesses espaços, haja vista que se trata de
uma doença respiratória que se combate pelo distanciamento e rígida
medidas de higiene.

370
Mestrando em Constituição e Democracia pela Universidade de Brasília (UnB),
com intercâmbio na Università di Bologna/Itália (UniBo). Especialista em Direito
Constitucional pela Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP).
Link lattes: http://lattes.cnpq.br/9991573919095246
371
Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Link lattes: http://lattes.cnpq.br/6721876127059003
321
Desde 2009, com a criação do Departamento de Monitoramento
e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF), o Conselho Nacional de Justiça
formula políticas públicas que visam reduzir a massa de pessoas em
restrição de liberdades. A participação do CNJ no monitoramento
das questões carcerárias foi, desde então, pautada por fortes críticas
quanto ao desrespeito dos princípios da divisão funcional dos poderes
e do federalismo.
A possibilidade de supervisão e controle nacional do poder
judiciário coexistente com a autonomia federativa foi discutida no
julgamento da ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, ação no qual
se julgou a constitucionalidade da criação do CNJ. Na oportunidade, o
STF assentou que o Poder Judiciário é uno, indivisível e nacional, não
se aplicando a este as mesmas balizas federalistas que são adequadas
aos poderes executivo e legislativo.
Com a criação do Conselho Nacional de Justiça, a relação
administrativa interna coloca-se de forma hierárquica, a rigor, não
se verifica qualquer espécie de relação federalista entre este órgão e
os tribunais, especialmente os estaduais. Ao longo de sua história, é
importante ressaltar que o CNJ deixou de ser um mero órgão censor,
colocando-se na centralidade das tomadas de decisões sobre as
políticas públicas afetas ao Poder Judiciário (e que invariavelmente tem
afetado poderes de todas as esferas federativas), o que tem revelado
a sua predisposição de exercer funções diretiva e gestacional das
contingências fático-administrativas do Poder Judiciário372.
No início da pandemia da Covid-19 (Sars-CoV-2), com a aprovação
da Recomendação CNJ 62/2020 (Ato nº 0002219-15.2020.2.00.000),
diversos tribunais se viram na contingência de seguir o ato normativo,
a partir de medidas jurisdicionais, administrativo-executivas e
administrativo-fiscalizatórias concretas para a prevenção do contágio
do vírus no sistema carcerário. O art. 1 da Recomendação orienta
os tribunais e juízos quanto a “medidas preventivas à propagação
da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos
estabelecimentos do sistema prisional e do sistema socioeducativo”.

TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o Supremo


372

Tribunal Federal. Direito Público (Porto Alegre), v. 9, p. 184-216, 2012, p.185.


322
A norma prevê que a adoção de medidas voltadas à prevenção da
disseminação do Covid-19 seja tomada sem mesmo a participação da
direção das unidades prisionais. Ou seja, retirando do gerenciamento
dos riscos, pelo menos em parte, o órgão do poder executivo local.
As recomendações administrativas do CNJ para o período
pandêmico no sistema carcerário, encampadas de forma geral pela
magistratura brasileira, mormente com o respaldo jurisprudencial
dos Tribunais Superiores, denotam uma transversalidade do CNJ nas
competências administrativas dos Poderes Executivos e Legislativos
locais, o que desafia as estruturas tradicionais do federalismo (CNJ,
enquanto órgão nacional, e poderes locais) e da separação de poderes
(Poder Judiciário local e os demais Poderes).
Quase um ano depois e mais de 200 mil mortos pela Covid-19 no
Brasil, ao que parece, as medidas do CNJ, executadas pelos tribunais a
ele vinculado, foram essenciais para garantia da saúde dos profissionais
do sistema carcerário, das pessoas presas e, contingencialmente,
das pessoas em liberdade que tenham alguma relação com aqueles
dois grupos. Assim, o CNJ como órgão centralizador do sistema
carcerário, ao mesmo ao que toca ao sistema carcerário e durante a
pandemia do Covid-19, tem se mostrada como a via mais efetiva para
o enfrentamento do contágio do vírus, até porque este não conhece
limites geográficos ou federativos. O problema para o qual queremos
chamar a atenção é em relação às relações federativas entre o CNJ e
os poderes legislativo e executivo locais e entre os poderes judiciários
e estes, tendo por pano de fundo a questão carcerária. O objetivo geral
foi avaliar como um órgão do poder judiciário pode gerenciar uma crise
de saúde pública em espaços de privação de liberdade.

2. FEDERALISMO: UM BREVÍSSIMO PANORAMA

Em linhas gerais, o federalismo é a forma de Estado, consistente


na reunião de vários entes, com certa independência e autonomia
entre si, que forja uma entidade superior a eles, seja por agregação ou
por segregação. A constituição desse consórcio entitário enumera as
competências e as limitações de cada ente. Assim, o federalismo se
processa em uma “sociedade de Estados autônomos com aspectos

323
unitários”, porquanto dessa “união na diversidade”373 surge um “Estado
Federal, uma unidade territorial, unidade de representação e unidade
nacional”374.
A forma federativa estatal comporta dois conteúdos primordiais:
a) “a autonomia dos entes central e locais” e b) “a participação deles na
formação da vontade do ente global”. Quanto ao primeiro conteúdo,
pode-se dizer que a autonomia é entendida como o “governo próprio
dentro de um círculo que é pré-traçado pelo constituinte originário”,
em que esse “círculo” é limitado pelas competências destinadas a cada
ente, “que envolvem, em geral, competências político-administrativas,
legislativas e tributárias, e por normas obrigatórias impostas pelo
texto constitucional em benefício da unidade nacional”. Em relação à
participação, segundo conteúdo, tem-se que os entes federados devem,
de alguma forma, participar da “vontade manifestada pelos órgãos do
ente global, isto é: a chamada vontade federal”375.
O modelo federalista de Estado encontrou nos Estados Unidos
da América a sua primeira manifestação política, quando, em 1781,
foi criada a Confederação dos trezes Estados soberanos da América
do Norte. Porém, esse modelo inicialmente posto, não subsistiu e, em
1787, esses trezes estados abdicam de suas soberanias e criaram um
Estado Federal 376. Trata-se da formação de um Estado federativo do
tipo centrífugo ou por agregação.
No Brasil, a forma federativa de Estado tem início com a
Proclamação da República em 1889, mas positivado na Constituição
de 1981, por influência de Ruy Barbosa, que, por sua vez, se inspirou

373
DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa. Jurisdição constitucional e federação: o
princípio da simetria na jurisprudência do STF. Campus Jurídico, 2009.
374
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de Direito
Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar
Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-
751. p. 720
375
BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho
Nacional de Justiça. In: Interesse Público: Revista Bimestral de Direito Público. n.
30, p. 32.
376
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de Direito
Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar
Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-
751. p. 719
324
no modelo dos Estados Unidos da América, onde se adotou modelo
federalista dual com forte concentração na União Federal em relação
aos estados-membros; embora autônomos, os municípios ainda não
eram considerados entes federativos, o que veio a ocorrer somente
com a Constituição de 1988. A despeito da influência norte-americana,
o processo de federalização no Brasil ocorreu de forma diversa; por
aqui, experimentamos a formação de um Estado federativo do tipo
centrípeto ou por segregação. Isto explica em parte a maior ou menor
autonomia dos entes federativos que existe num ou noutro país.
A Constituição de 1934 manteve estruturalmente a forma
federalista, mas adotou “modelo cooperativo”, de franca inspiração
na Constituição de Weimar, no qual algumas matérias foram previstas
para ser exercidas ou legisladas de forma concorrente, o que exigia
variados graus de esforços comuns377. Contudo, a Constituição de 1937,
na prática, acabou com qualquer pretensão federalista. O Estado Novo
(nem tão novo assim), de viés fascista, não tinha lá os seus apreços
para divisão e descentralização estruturada de poder.
Coube à Constituição de 1946 resgatar o modelo federativo
e cooperativo, o qual se mantém de forma bastante reduzida na
Constituição de 1967, em razão da centralização do poder na União e
no Poder Executivo, tal como se um “Estado Novo” fosse. Embora
a Constituição de 1988 não tenha retirado a proeminência federal nas
competências normativas de importância para a nação, é certo que
ela promoveu avanços em relação às cartas constitucionais anteriores,
notadamente ao que tange à competência normativa tributária e
financeira dos estados-membros e municípios, o que lhes possibilitam
certa autonomia em relação ao plano federal378.
Na atual arquitetura constitucional, o federalismo é uma cláusula
pétrea (art. 60, § 4º, inc. I, da CF/88). Para além da sua inalterabilidade
substancial, a ponto de enfraquecer a estrutura federalista da nossa
República, a aludida previsão normativo-constitucional deixa
transparecer que a forma federativa é crucial para a saúde política e
jurídica do nosso país. Qualquer fratura nesse tecido constitucional
377
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional:
teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, 9. 92
378
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional:
teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012,. P. 139.
325
pode resultar em sérios problemas políticos e sociais de proporções
incalculáveis.
A Constituição de 1988, no quesito forma federalista, se
diferenciou das anteriores em alguns aspectos, quando previu
novas diretrizes (provisão de mais recursos aos estados-membros e
municípios, expansão das competências dos legislativos e judiciários
locais, a descentralização de serviços sociais, como a saúde, etc.), mas,
em outros manteve algumas peculiaridades delas (tendência de adoção
de normas gerais e vinculantes para todos os entes, federalização de
determinadas questões, intervenção federal e estadual, etc.)379.
Um aspecto de relevo ao federalismo deve ser pontuado. Como
ressalta Carl Schmitt, uma federação não se caracteriza pela justiça,
mas sim pelo equilíbrio político entre aqueles que a compõem380.
Ou seja, é possível que haja uma assimetria (no plano vertical ou no
horizontal) entre os entes, até mesmo ela deve ser assegurada (senão
forçada) pelas forças estatais político-jurídicas com o fim de manter o
equilíbrio federativo, considerando diversos aspectos que podem ser
utilizados para mensurar a amplitude da (as)simetria, como extensão
territorial, tamanho populacional, importância/força política e/ou
econômica, localização geográfica etc.
Nesta linha de pensamento, o nosso federalismo se caracteriza
por ser simétrico no plano horizontal, porquanto em suas respectivas
camadas todos os entes possuem iguais poderes, e assimétrico no
nível horizontal, porque os entes “maiores” possuem maiores poderes
políticos, jurídicos e econômicos381.Na dinâmica federativa brasileira,
o princípio da simetria, tão presente (mas pouco explicado 382) na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é exemplo da tendência
de que os princípios, as estruturas e os procedimentos normativos e
jurídicos da esfera federal – leia-se: previstos implícita ou explicitamente
379
SOUZA, Celina. Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no
Brasil pós-1988. Revista de sociologia e política, n. 24, p. 105-121, 2005.
380
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
381
Para estudo aprofundado sobre o tema, cf.: DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa.
Jurisdição constitucional e federação: o princípio da simetria na jurisprudência do
STF. Campus Jurídico, 2009.
382
A principal referência normativa de suporte ao princípio da simetria é o art. 25 da
CF/88: Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição.”
326
na Constituição Federal de 1988 – devem ser observados pelos
entes “menores”383. Com isso, sem maiores incursões doutrinárias, o
princípio tem representado o engessamento de experiências legislativas
estaduais ou municipais, recusando-lhes o reconhecimento sua atuação
como “laboratórios legislativos”, fazendo deles meras “máquinas de
execução” do que é federal. Assim, os entes estaduais e municipais,
muitas vezes, se veem tolhidos legislativamente, devendo ser cautelosos
com o uso criativo que a Constituição de 1988 lhes conferiu, sob pena
de ser desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ademais, o federalismo do Estado brasileiro, de acordo com a
Constituição de 1988, ainda se caracteriza por ser do tipo de federalismo
cooperativo (em contraposição a uma vestimenta dual, competitiva ou
compartimentalizada), pela qual as competências distribuídas no
texto constitucional não estão bem delimitadas nas esferas de atuação
administrativa e legislativa de cada ente federativo, o que, sobremaneira,
forçaria a autuação conjunta nos assuntos os quais são condôminos
constitucionalmente. Mais do que isso, o federalismo cooperativo
também se assenta no estabelecimento e respeito da predominância do
interesse em relação às competências que eventualmente se justapõem
a cargos dos entes federativos.
O condomínio entitário de competência está constitucionalmente
estabelecido nos arts. 23 e 24 da Carta Política de 1988, com a descrição
do compartilhamento das matérias administrativas e legislativas,
respectivamente. Como bem ressalta Cibele Franzese384, a cooperação

383
Sobre o princípio da simetria, o Ministro Celso de Mello (ADI 5373 MC/RR) assim
se manifestou: “[é] cediço que a ordem constitucional necessita de sistematismo e
coerência em sua moldura fundamental, travestindo-se de congruência cosmopolita
do sistema jurídico republicano. (...) Este princípio postula que haja uma relação
simétrica entre as normas jurídicas da Constituição Federal e as regras estabelecidas
nas Constituições Estaduais, e mesmo Municipais. Isto quer dizer que no sistema
federativo, ainda que os Estados-Membros e os Municípios tenham capacidade de
se auto organizar, esta auto organização se sujeita aos limites estabelecidos pela
própria Constituição Federal”.
384
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de
1988 aos sistemas de políticas públicas. 2010. Tese de Doutorado. Fundação
Getúlio Vargas/SP. Disponível: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/
handle/10438/8219/72060100752.pdf ?sequence=1&isAllowed=y, acesso em:
23.12.21, p. 38
327
não retira da relação entre os entes o aspecto conflitivo e litigioso,
fazendo dela uma constante entrega de miríades de flores ou de
concessão de afagos recíprocos. Muito pelo contrário. A cooperação
pensada pela Constituição Federal de 1988 é do tipo dinâmica, em que
os esforços, em uma performance dialética, podem até mesmo serem
antagônicos, mas os entes devem sentar-se à mesa e resolverem os
problemas da maneira que melhor atenda aos anseios da população,
através do jogo de poder e influência política. O que é importante, ao
fim e ao cabo, é a manutenção do equilíbrio das estruturas federativas.

3. FEDERALISMO E O CNJ: A HIERARQUIA ADMINISTRA-


TIVA DENTRO DO PODER JUDICIÁRIO
Em relação à concertação federalista aplicada ao Poder Judiciário
e, por conseguinte, ao Conselho Nacional de Justiça, José Adércio
Leite Sampaio defende que “as exigências de certeza jurídica impõem a
uniformidade das leis federais”, devendo, pois, serem observadas pelo
Judiciário local, razão pela qual, inclusive, a Constituição de 1988 previu
um tribunal dotada de competência meramente recursal. Ressalta-se
que tal funcionamento estrutural não ocorre e nem poderia ocorrer
outros poderes da República385.
A criação, pelo constituinte derivado, do Conselho Nacional de
Justiça, como integrante da estrutura interna do Poder Judiciário, mas
como órgão catalisador das questões administrativas, financeiras e
orçamentárias e disciplinares de todos os órgãos do Poder Judiciário,
com exceção do Supremo Tribunal Federal, trouxe inicialmente uma
série de questionamento quanto à sua constitucionalidade.
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, que ajuizara
a ADI 3367/DF, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, questionou
a criação e existência do CNJ por diversos prismas, entre eles o
possível desrespeito ao pacto federativo, porquanto, no seu entender
organizativo, o CNJ por ser um “órgão da União”, não poderia adentrar
na autonomia das “justiças estaduais”386.
385
SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e a Independência
do Judiciário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007. P. 253-254
386
Cf. TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o Supremo
Tribunal Federal. DIREITO PÚBLICO (PORTO ALEGRE), v. 9, p. 184-216, 2012.
328
O argumento da Associação não fora acatado pelo Supremo
Tribunal Federal. Segundo esse, o Poder Judiciário é uno, indivisível e
nacional, não se aplicando a este as balizas federalistas que são próprias
ao Poder Executivo e Legislativo. Como integrante do Poder Judiciário,
ao CNJ não aplicaria uma noção federalista hermética como se vê nos
demais poderes. Outrossim, o STF ainda assentara que, embora o CNJ
recebesse (e ainda recebe) recursos da União, de modo idêntico ao que
acontece com o próprio STF e com os Tribunais Superiores, trata-se
de um órgão nacional e não um órgão reduzido à esfera federal.
A propósito, Luis Roberto Barroso, à época do julgamento,
sustentou que “o CNJ é órgão nacional e não do ente central ou de
qualquer dos entes locais, de modo que não há subordinação das
estruturas estaduais do Judiciário a um órgão do ente central.” Ademais,
a criação do Conselho Nacional de Justiça, para ele, não violaria o
conteúdo essencial do federalismo, quais sejam: a autonomia dos entes
federados e a participação desses na formação da vontade dos órgãos
centrais e nacionais387.
A despeito de o Supremo Tribunal Federal ter assentado que a criação
do CNJ não desautorizaria a noção de federalismo no Poder Judiciário,
ousamos a divergir do órgão máximo e defender que, justamente em razão
do caráter uno do Poder Judiciário, não se pode falar em federalismo
na seara administrativa do Poder Judiciário, tal qual não ocorre na seara
judiciária, porque a criação e a atuação institucional do CNJ instauraram
um regime de hierarquização administrativa no Poder Judiciário.
Com efeito, a inserção do Conselho Nacional de Justiça na
estrutura administrativa do Poder Judiciário pode ser tomada como
“ponto de convergência” dos tribunais, que antes não existia: cada
tribunal era um ser administrativo em sim e para si, como diria Hegel. Se
agora tudo corre para o (e do) CNJ, este, como órgão catalisador, não
é mero órgão do Poder Judiciário, pois a sua previsão na centralidade
administrativa judiciária fez dele um órgão hierarquicamente superior,
em questões administrativas, aos demais tribunais, com exceção do STF.
A bem da verdade, o legislador constituinte derivado previu o CNJ,

BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e legitimidade da criação do Conselho


387

Nacional de Justiça. In: Interesse Público: Revista Bimestral de Direito Público. n.


30, p. 36
329
mas sem realizar o rearranjo administrativo do Poder Judiciário, com o
fim de este novo órgão se estabelecesse em local normativo-estrutural
harmonioso e seguro juridicamente.
O Conselho exerce as suas funções constitucionalmente sob um
tripé de juridicidade que engloba as funções legislativa, administrativa
e controladora. Sendo assim, simplesmente afirmar que o federalismo
verificado seara administrativa do Poder Judiciário seria do tipo
cooperativo não situaria corretamente a relação administrativa do
CNJ com os tribunais, pois as previsões constitucionais destinadas
aos tribunais e ao CNJ se justapõem de forma totalmente diversa
do estabelecimento das competências administrativas e legislativas
realizado pelos arts. 23 e 24 da CF/88.
À toda evidência, não nos parece possível a aplicação analógica
dos §§ 1º a 4º do art. 24 da CF/88, que dispõem sobre o conflito entre
normas gerais e suplementares, pois a relação entre tribunais e CNJ
não é meramente de federalismo, com repartição de competências a
destinatários certos, mas de hierarquização administrativa. O resultado
daí se evidencia no seguinte caso: quando houver divergência entre
(1) uma resolução do CNJ ou uma lei stricto sensu de caráter nacional e
(2) uma normativa administrativa local não se instaura um mero juízo
relação de competência concorrentes, que acarreta a suspenção da
eficácia desta última (art. 24, § 4º, da CF/88), mas sim uma situação
propícia ao controle de juridicidade/legalidade da norma estadual (art.
103-B, § 4º, inc. II, da CF/88).
Não por outro motivo, o termo “federalismo” não é recorrente
nos votos e documentos oficiais do Conselho. Com isso, nem mesmo
o art. 96, inc. I, da CF/88388, o qual e dispõe sobre as competências
privativas dos tribunais, conjunto tal que recebe o nome de “princípio
da autonomia dos tribunais”, pode ser considerado, ainda que um
contingente válvula de escape de um protofederalismo no Poder
Judiciário, pois, como visto, as medidas dos tribunais com base podem
ser controladas pelo Conselho, por força do art. 103-B, § 4º, inc. II,
da CF/88389. A questão é complexa: ainda que, por este “princípio”, o
Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: (...)
388

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder


389

Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além


de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (...)
330
2013 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreiras Policiais Pessoas com
01/2013 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Investigador deficiência
PCPA – PCPA de Polícia Civil –
IPC, Escrivão de
Polícia Civil – EPC
e Papiloscopista
2013 EDITAL No SECRETARIA DE ESTADO Procurador Autár- P e s s o a s c o m
01/2012 – DE ADMINISTRAÇÃO – quico e Fundacio- deficiência
SEAD, 15 DE SEAD/PA nal
FEVEREIRO DE
2012
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tas Estaduais

2015 EDITAL N.º Corpo de Bombeiros Oficiais Bombeiros Não há


01/2015 – Militar do Estado do Pará Militares Comba-
CBMPA/CFO - CBMPA tentes
COMBATENTES

2015 EDITAL Nº Corpo de Bombeiros Praças Bombeiros Não há


01/2015 – Militar do Estado do Pará Militares Comba-
CBMPA/CFPBM - CBMPA tentes
COMBATENTES
2016 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreira Policial P e s s o a s c o m
01/2016 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Delegado de deficiência
PCPA – PCPA Polícia Civil – DPC

2016 EDITAL No POLÍCIA CIVIL Carreiras Policiais P e s s o a s c o m


01/2016 – SEAD/ DO ESTADO DO PARÁ de Investigador deficiência
PCPA – PCPA de Polícia Civil –
IPC, Escrivão de
Polícia Civil – EPC
e Papiloscopista
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Praças da Polícia Não há
CFP/PMPA do Pará Militar
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CFO/PMPA do Pará Militar

318
2016 EDITAL Nº 001/ Polícia Militar do Estado Oficiais da Polícia Não há
CADO/PMPA do Pará Militar
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Agente Prisional Não há
001/2017 - Sistema Penitenciário do
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2017 EDITAL No S u p e r i n t e n d ê n c i a d o Diversos Pessoas com
001/2017 - Sistema Penitenciário do deficiência
SEAD/SUSIPE Estado do Pará (SUSIPE)
2018 EDITAL Nº 01/ AGÊNCIA ESTADUAL Diversos Pessoas com
SEAD-ADEPARÁ DE DEFESA AGROPE- deficiência
CUÁRIA DO ESTADO
DO PARÁ (ADEPARÁ)
2018 EDITAL No 01/ AGÊNCIA DE REGU- Diversos Pessoas com
SEAD-ARCON/ LAÇÃO E CONTROLE DE deficiência
PA SERVIÇOS PÚBLICOS
DO ESTADO DO PARÁ -
ARCON/PA
2018 EDITAL No 01 / DEPARTAMENTO DE A g e n t e d e P e s s o a s c o m
SEAD-DETRAN/ TRÂNSITO DO ESTADO Fiscalização de deficiência
PA DO PARÁ - DETRAN/PA Trânsito e Agente
de Educação de
Trânsito
2018 EDITAL No 01/ INSTITUTO DE GESTÃO Diversos Pessoas com
SEAD-IGEPREV/ PREVIDENCIÁRIA DO deficiência
PA ESTADO DO PARÁ –
IGEPREV,
2018 EDITAL Nº01 / SECRETARIA DE ESTADO Diversos Pessoas com
SEAD-SEASTER DE ASSISTÊNCIA deficiência
SOCIAL, TRABALHO,
EMPREGO E RENDA -
SEASTER
2018 EDITAL No 01/ SECRETARIA DE ESTADO Jornalista, Publici- Pessoas com
SEAD-SECOM/ DE COMUNICAÇÃO - tário e Relações deficiência
PA, SECOM, Públicas
2018 EDITAL No Secretaria de Estado de Professor Pessoas com
01/2018 – SEAD, Educação – SEDUC, Classe I, Nível A deficiência

319
2019 EDITAL No 01/ CENTRO DE PERÍCIAS Diversos Pessoas com
SEAD-CPCRC/ CIENTÍFICAS “RENATO deficiência
PA CHAVES” - CPCRC/PA

320
Os Poderes Executivos e Legislativos locais não exercem qualquer
grau de influência direta na formação das políticas público-judiciárias
do CNJ. Contudo, teoricamente não há qualquer empecilho para que o
Conselho abra as suas portas para os entes locais, como faz em relação
aos Poderes Executivo e Legislativo da União. A despeito da falta dessa
falta de influência direta dos poderes, as políticas público-judiciárias do
CNJ, principalmente as estabelecidas durante o período da pandemia
do Covid-19, interferiam/interferem na gestão carcerária realizada
administrativamente pelos Poderes Executivos e Legislativos locais, o
que provocou uma limitação das suas competências.
Logo no início do período pandêmico da Covid-19 (Sars-CoV-2),
o CNJ expediu a Recomendação CNJ 62/2020 (Ato nº 0002219-
15.2020.2.00.000) com o fim de orientar os tribunais e magistrados na
tomada de “medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo
coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema
prisional e do sistema socioeducativo” (art. 1º, caput). Seguindo as
diretrizes da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde,
o CNJ categorizou os integrantes do grupo de risco para a infeção do
novo coronavírus (Covid-19). Daí resultou a orientação para que os
juízes i) reavaliassem as prisões provisórias, de acordo com o art. 316
do CPP, priorizando o grupo de risco (art. 4, inc. I, ‘a’), ii) concedessem
saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, aplicando a Súmula
Vinculante nº 56, aos integram dos grupos de riscos (art. 5º, inc. I,
“a”) e iii) liberdade provisória, nos casos em que não seja possível a
realização das audiências de custódia com a segurança sanitária mínima
necessária, aos que integram o grupo de risco (art. 8º, inc. I, ‘c’).
O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o
Conselho Nacional de Justiça foram acionados para resolver demandas
envolvendo a aplicação da Recomendação CNJ 62/2020. O ato
administrativo “recomendação”, nos termos do Regimento Interno
do Conselho Nacional de Justiça, não define obrigações de ser seguida
pelos tribunais, como o próprio termo deixa transparecer. Desde a sua
edição, o Supremo Tribunal Federal deu aplicabilidade à Recomendação
CNJ 62/2020. No mencionado ADPF 347, o Plenário do STF, pela
maioria dos seus membros, entendeu que os tribunais deveriam seguir
a Recomendação CNJ 62/2020, aplicando-a individualmente à situação

334
de cada pessoa presa391. Destaca-se também decisão da Segunda Turma
do STF, no HC 183.177392, na qual foi atestada a legalidade do art. 5º
da Resolução CNJ 62/2020393, onde se encontra um rol de medidas
indicadas aos juízes e juízas com competência sobre a execução penal
que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância
ao contexto local de disseminação do vírus.
Daí se denota o reconhecimento institucional da capacidade
técnica do Conselho Nacional de Justiça na questão carcerária, durante
o período da Covid-19, pelo Supremo Tribunal Federal394. Em outra
oportunidade, atendendo a pedido da Defensoria Pública da União
(HC 187368), a presidência do STF concedeu monocraticamente,
em 22.7.2020, com base no aludido ato normativo do CNJ, prisão
domiciliar a presa de 66 anos, que cumpria pena na comarca de
Criciúma/SC. A detenta, além de idosa, era pessoa portadora de HIV,
diabética e hipertensa.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também vem
conferindo efetividade à Recomendação CNJ 62/2020. No julgamento
do AgRg no HC 580.495-SC, realizado em 9.6.2020, a 5ª Turma do
STJ, considerou que “A suspensão temporária do trabalho externo no regime
semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução (sic) n. 62 do CNJ,
cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da
sentença condenatória pela domiciliar”. Já a 3ª Turma do STJ, especializada
em demandas cíveis, no bojo do HC 574.495, julgado em 26.05.2020,
entendeu, com base na Recomendação CNJ 62/2020 que “em virtude
391
ADPF 347 TPI-Ref, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2020, processo eletrônico
DJe-165 divulg 30-06-2020 public 01-07-2020
392
HC 183177 AgR, Relator(a): Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em
11/05/2020, processo eletrônico DJe-122 divulg 15-05-2020 public 18-05-2020
393
Art. 5o Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que,
com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local
de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:
394
Sobre como as decisões do STF impactam e moldam a atuação do CNJ, cf. DA SILVA,
Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A CADEIA DE DECISÕES
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COMPETÊNCIA PARA
JULGAR ATOS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: UM ESTUDO
RETROSPECTIVO. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 11, n. 21, p. 198-212,
2019.
335
da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente,
a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado”.
Embora não tenha convertido a norma em resolução, o Plenário do
Conselho Nacional de Justiça garantiu o atendimento da norma quando
instado a fazê-lo. No julgamento do PP 0003065-32.2020.2.00.0000,
no qual se discutia a aplicação das regras mencionadas às audiências
de custódias, o CNJ reconheceu o caráter indicativo da norma, mas
ressaltou sua integridade, se o tribunal optasse por segui-la deverá fazê-
lo por inteiro, não podendo escolher quais regras do ato observar ou
não: “ou se adota o regime jurídico integral da audiência de custódia
ou se adota o regime jurídico integral da recomendação emanada
deste Conselho”395. Em outro julgado recente, o Plenário do CNJ, no
julgamento do Pedido de Providências 0004060-45.2020.2.00.0000,
assentou que em caso de não possibilidade de observância da
Recomendação CNJ 62/2020 às audiências de custódias, o tribunal
deverá aplicar a normativa corriqueira, qual seja, a Resolução CNJ
2013/2015396.
O ponto de maior interesse para as reflexões deste estudo são
as recomendações dispostas no art. 9º do aludido ato397, as quais
preveem uma série de providências aos magistrados no sentido de
atuarem conjunta e concertadamente com os Poderes Executivos
locais na execução de medidas concretas para o combate ao contágio
da Covid-19 nas unidades prisionais. O CNJ indicou uma parceria
entre os poderes, ao recomendar que juízas e juízes zelassem pela

395
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0003065-32.2020.2.00.0000 - Rel. Mário Guerreiro - 13ª Sessão
Virtual Extraordinária - j. 20/05/2020 ); (CNJ - PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0005827-21.2020.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Pereira - 52ª Sessão
Virtual Extraordinária - julgado em 19/08/2020 ); (CNJ - ML – Medida Liminar
em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004696-11.2020.2.00.0000 - Rel.
Marcos Vinícius Jardim Rodrigues - 38ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em
17/07/2020 ).
396
CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004060-45.2020.2.00.0000 - Rel.
Mário Guerreiro - 26ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 19/06/2020
397
Art. 9º. Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de
fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela
elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo
que preveja, minimamente, as seguintes medidas: (...)
336
“elaboração e implementação de um plano de contingências”, o
qual devia possuir medidas mínimas, tais como como: campanhas
informativas, procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas
entradas das unidades prisionais, adoção de medidas preventivas de
higiene, designação de equipes médicas em todos os estabelecimentos
penais ou socioeducativos, fornecimento de equipamentos de proteção
individual para os agentes públicos da administração penitenciária e
socioeducativa, e planejamento preventivo para as hipóteses de agentes
públicos com suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19, de
modo a promover o seu afastamento e substituição, considerando-se
a possibilidade de revisão de escalas e adoção de regime de plantão
diferenciado.
Além disso, o CNJ “recomendou” que se velasse pela, primeiro,
existência de um plano executivo de implementação de medidas, e,
segundo, pela fiscalização para do seu cumprimento. Internamente,
o DMF/CNJ vem monitorando a aplicação da Recomendação CNJ
62/2020 nos tribunais. Segundo o Relatório I – Formulário para
Monitoramento da Recomendação 62/CNJ398, até o final de maio/2020,
com base na aplicação da Resolução, (1) mais de 60% dos poderes
judiciários locais tinham aplicado medidas para a soltura de pessoas
presas provisórias; (2) 50% dos poderes judiciários locais realizaram
alterações nos regimes fechados de pessoas presas, concedendo, em sua
maioria, “prisão domiciliar com monitoração”; entre aqueles que não
alteraram, a principal justificativa recaiu na “higienização dos espaços”
e “realização de ações educativas”; (3) 92% dos tribunais realizaram
alterações no regime semiaberto das pessoas presas, com, em sua
maioria, aplicando a “suspensão de apresentação periódica ao cartório
de execução”; e (4) 88% dos tribunais realizaram alterações no regime
aberto dos apenas, com, em sua maioria, aplicando a “suspensão de
apresentação periódica ao cartório de execução”.
Especificamente ao que ronda o art. 9 acima citada, os poderes
judiciários locais, por meio dos GMFs 399, têm periodicamente
informado as ações locais, considerando todos os poderes, ao Conselho
398
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/07/Relat_
Form_Monitoramento_Rec62_1307.pdf, acesso em: 12.02.2021
399
Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) de Tribunais de Justiça
337
Nacional de Justiça. No primeiro relatório divulgado pelo CNJ400, em
maio de 2020, no qual continha a consolidação dos dados dos GMF´s,
foram destacadas informações sobre (1) recursos para prevenção à
Covid-19 no sistema prisional; (2) realização de testes para detecção
de Covid-19; (3) recursos e equipamentos disponíveis. Esses conjuntos
de informações foram se sucedendo durante a pandemia, inclusive,
recentemente, no último relatório divulgado401, em março de 2021, o
CNJ divulgou que, no sistema carcerário dos estados-membros, foram
realizados 261.549 testes em pessoas privadas de liberdade e 67.578
testes em servidores penitenciários.
Todavia, no boletim Covid-19 no Sistema Penal402, com dados
consolidados até 22.03.2020, atestou-se que, no sistema carcerário
brasileiro, foram confirmados 67.262 casos (49.946 em pessoas
presas e 17.316 em servidores) e 293 óbitos (154 de pessoas presas
e 139 de servidores). O número de mortes de servidores do sistema
carcerário e o de pessoas presas é muito próximo, embora haja mais
pessoas presas do que servidores no sistema. Uma possível explicação
para tanto é a ausência de registros corretos e atualizados quanto aos
óbitos de pessoas presas. De toda sorte, é importante assentar que
a Recomendação CNJ 62/2020 fixou algumas disposições (art. 11)
sobre o regime das visitas externas às pessoas presas, o que pode ter
impactado na circulação do vírus nas unidades prisionais, embora tenha
trazido consigo o isolamento dos encarcerados e a falta de informações
das famílias sobre o estado de saúde de seus parentes no cárcere.
As tabelas abaixo demonstram a situação da pandemia no sistema
carcerário:

400
Disponível em cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/06/Monitoramento-CNJ-
GMFs-Covid-19-26.06.pdf acesso em 12.01.2021
401
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-24.3.21.pdf, acesso em 31.03.2021
402
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.2021
338
Fonte: Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema Socioeducativo, Conselho Nacional de Justiça.

De forma exemplificativa, considerando os dados do CNJ403,


destacamos a situação do estado de São de Paulo, que possui o maior
encarceramento do país; segundo os últimos dados do Infopen404

403
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.21
404
Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA
339
(dezembro de 2019), São Paulo continha 32% de pessoas encarceradas
do país405. Desde o começo da pandemia, o sistema carcerário paulista
registrou 15.958 (12.825 em pessoas presas + 3.133 em servidores)
casos de pessoas diagnosticadas com COVID-19, o que representa 23%
do total de pessoas presas e agentes infectados no sistema carcerário
brasileiro.
Foram registrados 97 óbitos (40 de pessoas presas + 57 de
servidores), o que representa 33% dos mortos desses dois grupos do
número em face do total registrado no sistema carcerário brasileiro.
Chama a atenção a proximidade do número de pessoas presas com
o número de mortes de servidores do sistema carcerário. Com isso,
o sistema carcerário de São Paulo registrou 25% do número total de
óbitos de pessoas presas registrado no sistema carcerário brasileiro.
Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde –
Conass, no dia 30.03.2021, São Paulo computava 23% (73.492 mortes
em São Paulo; 317.646 mortes no Brasil) das mortes por Covid19 no
país; ou seja, número de mortes total de sua população acompanha o
que se registrou entre as pessoas presas.
Por sua vez, o Distrito Federal, considerando as mesmas datas
acima informadas, registrou 2.642 casos (2.041 em pessoas presas e 601
em servidores), o que representa 3,9 % dos casos nacionais, e 4 mortes
(3 pessoas presas e 1 servidor), representando, assim, 2% das mortes
no sistema carcerário brasileiro. Levando em consideração mortes da
população em geral em razão da Covid-19 no Distrito Federal, elas
representam 1,7% dos óbitos totais no país (5.321 óbitos no DF;
317.646 óbitos no Brasil), o que demonstra uma certa paridade entre
os números de mortos por Covid-19 no DF.
Trata-se, entretanto, de dados aproximados, já que advindos de
bancos de informações diversos. Para uma análise mais acurada devem
ser levadas em conta ainda outras variáveis importantes, como a taxa
de encarceramento, estrutura propriamente dita do local, quantidade
de servidores, disponibilização orçamentária, atendimento às pessoas
presas pela Defensoria Pública, etc. Além do índice de encarceramento
2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ
0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9, acesso em 31.03.2021
405
Este dado deve ser tomado com parcimônia, pois nele está incluído o universo total
de condenados.
340
por crimes mais comuns em determinado estado, ou até mesmo o
número de incidência de determinados crimes em determinadas regiões,
o que pode impactar na análise dos dados, ao serem comparáveis.
Ao estabelecer medidas mínimas sanitárias e de saúde nos planos
de ação, o CNJ deu mais um passo na relação entre “geral” e “local”,
porém extremamente tímido quando à garantia de integridade física
e saúde das pessoas presas. Ante a esse conjunto de medidas e dados
levantados, a Recomendação CNJ 62/2020 não parece ter cumprido
seu papel. Como dito acima, o CNJ não recomendou ações mais
robustas aos juízes e juízas.
No que toca ao tema do federalismo, não há evidências de que as
ações do CNJ tenham resultado em paralisia institucional dos poderes
locais no sistema carcerário. Ao contrário, essas ações demonstram
potencial positivo, como uma coordenação geral de assuntos afins,
embora haja riscos, tal qual eventual inação dos órgãos locais e,
consequente, pretenciosa transferência de encargos executivos ao poder
judiciário local, o qual não tem competência para tal.
A confiança institucional depositada no CNJ pelos poderes
locais pode ser benéfica, mas é preciso construir uma sintonia fina.
Apenas para citar um exemplo podemos ter atritos entre normativa
do Conselho e leis estaduais de difícil resolução, com base nas
tradicionais noções de separação dos poderes e de federalismo.
Se a liderança, em razão da sua capacidade institucional que vem
sendo construída, for a principal diretriz da gestão administrativa
carcerária nacional, é interessante que isso se estruture com alguma
permanência. A progressão dessa liderança institucional, a qual tem,
por vezes, formado uma espécie de juízes “executivos”, pode ser
identificada neste período pandêmico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação do CNJ provocou diversas fissuras nas tradicionais


visões da doutrina brasileira sobre o federalismo e a separação de
poderes clássicas. O apego a essas categorias da forma como foram
concebidas alhures não traz qualquer benefício para a discussão das
questões sensíveis e relevantes que se apresentam com tal.

341
O ativismo judicial é perceptível no Poder Judiciário de tal
forma que não se esgota nas cotidianas decisões judiciais; é bem mais
profundo que a vão doutrina consegue enxergar. Será que o CNJ tem
sido um braço de uma forma ativismo judicial bem mais poderoso do
que as decisões judiciais que são reportadas de quando em vez? Agindo
de forma mais indireta e menos visível. Por ser um órgão dinâmico,
administrativo, executor; por ser constantemente retroalimentado por
disposições de espíritos particulares, em razão dos mandatos periódicos,
é normal que haja expansão (bastante ativa) administrativa, sedimentada
em suas predisposições constitucionais.
A atuação do CNJ não deve ser romantizada, mas, nem por isso,
amaldiçoada. Deve-se apreendê-la conforme o novo estado da técnica
das relações institucionais que se engendra a partir da sua criação. Sua
permanente estadia entre os órgãos de poder da nossa República imputa
uma série de acuradas observações e cuidadosos estudos para que o seu
encaixe institucional não disturbe relações previamente harmônicas e
ofereça melhores soluções para outras esquecidas ou renegadas.
Parece importante que o sistema carcerário deve ser pensando e
gerido de forma nacional, seja porque a criminalidade não vê fronteiras,
seja porque se trata de um sistema nacional, porquanto a legislação
penal, em sua integralidade, e a de execução penal, em grande parte,
são compostas de leis nacionais. Assim, a gestão do sistema carcerário
deve ser holística e nacional, não podendo ser atomizada, sob pena de
se instalar o verdadeiro caos e literalmente deixar livre a atuação das
organizações criminosas, que, como se sabe, não mais se resumem a
determinados estados-membros.
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão novo que ainda está
recebendo modelagem institucional por via própria e pela atuação
do STF, seja na via jurisdicional, seja na sucessão administrativa de
cada presidente. É precipitado afirmar que o CNJ está invadindo os
espaços normativos e administrativos dos entes locais, a saber, poderes
legislativos e executivos, mas não se pode deixar passar desapercebido
esse movimento, o qual, caso inevitável, seja benéfico e consciente,
sabendo-se de antemão os riscos para poderes locais, o que transpassa
a tradicional noção de federalismo e dinamiza de forma acentuada a
separação de poderes nos estados-membros.

342
A pretensão deste estudo foi lançar luzes em temas pouco
enfrentados pela doutrina constitucionalista e administrativa do nosso
país. É ainda um campo novo, assim como o é o próprio CNJ. A
expansão administrativa do CNJ, influenciada pela agenda político-
administrativa de cada presidente, em maior grau, e dos conselheiros,
em menor medida, deve ser verificada de perto, não com a pretensão
de impedi-la, mas com o fim de zelar por enfrentamentos institucionais
equilibrados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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criação do Conselho Nacional de Justiça. In: Interesse Público:
Revista Bimestral de Direito Público. n. 30.
DA SILVA, Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A
cadeia de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a competência
para julgar atos do Conselho Nacional de Justiça: um estudo
retrospectivo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v.
11, n. 21, p. 198-212, 2019.
DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa. Jurisdição constitucional
e federação: o princípio da simetria na jurisprudência do STF.
Campus Jurídico, 2009.
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da
Constituição de 1988 aos sistemas de políticas públicas.
2010. Tese de Doutorado. Fundação Getúlio Vargas/SP.
Disponível: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/
handle/10438/8219/72060100752.pdf ?sequence=1&isAllowed=y,
acesso em: 23.12.21
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de
Direito Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva,
MENDES, Gilmar Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed.
Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-751.

343
SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e
a Independência do Judiciário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito
constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012
TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o
Supremo Tribunal Federal. Direito Público (Porto Alegre), v. 9, p.
184-216, 2012.
TAVARES, Aderruan. A função controladora do Conselho Nacional de
Justiça à luz da juridicidade e das normas da Lindb. In: LAMACHIA,
Claudio, FERREIRA, Antonio Oneildo, MONTEIRO, Valdetário
Andrade. (Org.). CNJ e a efetivação da Justiça. 1ed.Brasília: OAB,
2019

344
FEDERALISMO E A AUTONOMIA DOS
ENTES FEDERADOS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UM ESTUDO DE DIREITO
E LITERATURA SOB A ÓTICA DA OBRA
“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” DE JOSÉ
SARAMAGO
Ana Luisa de Figueiredo Guimarães406
Ester Moraes D’Avila407
Kamilla Ranny Macedo Niz408

Sumário: 1. Introdução; 2. Contexto histórico do federalismo


e os impactos na pandemia; 3. Autonomia dos entes federados
e as medidas governamentais adotadas na pandemia advinda
do covid-19 4. A pandemia do covid-19 em análise comparada
a obra “ensaio sobre a cegueira” ; 5. Considerações finais; 6.
Referências.

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico é, por muitas vezes, compreendido apenas


como normas postas, autônomo aos demais conhecimentos. Porém,
é de suma importância o diálogo do direito, com outras correntes de
pensamentos, tais como a da cultura, em especial, no presente estudo,
da literatura. Segundo Reale (2000), acerca da Teoria Tridimensional
do Direito, conivente com o pensamento supramencionado:
406
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Civil Parte Geral no 2º semestre de 2019 e 1º e 2º semestre
de 2020 e de Direito Civil Obrigações e Responsabilidade e Direito Civil II no 1º
semestre de 2021. Pesquisadora de Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail:
analuisafigueiredo@outlook.com.
407
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Constitucional I e II no 2º semestre de 2020. Pesquisadora de
Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail: estermoraess07@gmail.com.
408
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Empresarial I e II no 1º e 2º semestre de 2020. Pesquisadora
de Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail: kamillaranny5@gmail.com.
345
Os Poderes Executivos e Legislativos locais não exercem qualquer
grau de influência direta na formação das políticas público-judiciárias
do CNJ. Contudo, teoricamente não há qualquer empecilho para que o
Conselho abra as suas portas para os entes locais, como faz em relação
aos Poderes Executivo e Legislativo da União. A despeito da falta dessa
falta de influência direta dos poderes, as políticas público-judiciárias do
CNJ, principalmente as estabelecidas durante o período da pandemia
do Covid-19, interferiam/interferem na gestão carcerária realizada
administrativamente pelos Poderes Executivos e Legislativos locais, o
que provocou uma limitação das suas competências.
Logo no início do período pandêmico da Covid-19 (Sars-CoV-2),
o CNJ expediu a Recomendação CNJ 62/2020 (Ato nº 0002219-
15.2020.2.00.000) com o fim de orientar os tribunais e magistrados na
tomada de “medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo
coronavírus – Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema
prisional e do sistema socioeducativo” (art. 1º, caput). Seguindo as
diretrizes da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde,
o CNJ categorizou os integrantes do grupo de risco para a infeção do
novo coronavírus (Covid-19). Daí resultou a orientação para que os
juízes i) reavaliassem as prisões provisórias, de acordo com o art. 316
do CPP, priorizando o grupo de risco (art. 4, inc. I, ‘a’), ii) concedessem
saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, aplicando a Súmula
Vinculante nº 56, aos integram dos grupos de riscos (art. 5º, inc. I,
“a”) e iii) liberdade provisória, nos casos em que não seja possível a
realização das audiências de custódia com a segurança sanitária mínima
necessária, aos que integram o grupo de risco (art. 8º, inc. I, ‘c’).
O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o
Conselho Nacional de Justiça foram acionados para resolver demandas
envolvendo a aplicação da Recomendação CNJ 62/2020. O ato
administrativo “recomendação”, nos termos do Regimento Interno
do Conselho Nacional de Justiça, não define obrigações de ser seguida
pelos tribunais, como o próprio termo deixa transparecer. Desde a sua
edição, o Supremo Tribunal Federal deu aplicabilidade à Recomendação
CNJ 62/2020. No mencionado ADPF 347, o Plenário do STF, pela
maioria dos seus membros, entendeu que os tribunais deveriam seguir
a Recomendação CNJ 62/2020, aplicando-a individualmente à situação

334
de cada pessoa presa391. Destaca-se também decisão da Segunda Turma
do STF, no HC 183.177392, na qual foi atestada a legalidade do art. 5º
da Resolução CNJ 62/2020393, onde se encontra um rol de medidas
indicadas aos juízes e juízas com competência sobre a execução penal
que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância
ao contexto local de disseminação do vírus.
Daí se denota o reconhecimento institucional da capacidade
técnica do Conselho Nacional de Justiça na questão carcerária, durante
o período da Covid-19, pelo Supremo Tribunal Federal394. Em outra
oportunidade, atendendo a pedido da Defensoria Pública da União
(HC 187368), a presidência do STF concedeu monocraticamente,
em 22.7.2020, com base no aludido ato normativo do CNJ, prisão
domiciliar a presa de 66 anos, que cumpria pena na comarca de
Criciúma/SC. A detenta, além de idosa, era pessoa portadora de HIV,
diabética e hipertensa.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também vem
conferindo efetividade à Recomendação CNJ 62/2020. No julgamento
do AgRg no HC 580.495-SC, realizado em 9.6.2020, a 5ª Turma do
STJ, considerou que “A suspensão temporária do trabalho externo no regime
semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução (sic) n. 62 do CNJ,
cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da
sentença condenatória pela domiciliar”. Já a 3ª Turma do STJ, especializada
em demandas cíveis, no bojo do HC 574.495, julgado em 26.05.2020,
entendeu, com base na Recomendação CNJ 62/2020 que “em virtude
391
ADPF 347 TPI-Ref, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/03/2020, processo eletrônico
DJe-165 divulg 30-06-2020 public 01-07-2020
392
HC 183177 AgR, Relator(a): Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em
11/05/2020, processo eletrônico DJe-122 divulg 15-05-2020 public 18-05-2020
393
Art. 5o Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que,
com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local
de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas:
394
Sobre como as decisões do STF impactam e moldam a atuação do CNJ, cf. DA SILVA,
Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A CADEIA DE DECISÕES
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COMPETÊNCIA PARA
JULGAR ATOS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: UM ESTUDO
RETROSPECTIVO. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 11, n. 21, p. 198-212,
2019.
335
da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente,
a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado”.
Embora não tenha convertido a norma em resolução, o Plenário do
Conselho Nacional de Justiça garantiu o atendimento da norma quando
instado a fazê-lo. No julgamento do PP 0003065-32.2020.2.00.0000,
no qual se discutia a aplicação das regras mencionadas às audiências
de custódias, o CNJ reconheceu o caráter indicativo da norma, mas
ressaltou sua integridade, se o tribunal optasse por segui-la deverá fazê-
lo por inteiro, não podendo escolher quais regras do ato observar ou
não: “ou se adota o regime jurídico integral da audiência de custódia
ou se adota o regime jurídico integral da recomendação emanada
deste Conselho”395. Em outro julgado recente, o Plenário do CNJ, no
julgamento do Pedido de Providências 0004060-45.2020.2.00.0000,
assentou que em caso de não possibilidade de observância da
Recomendação CNJ 62/2020 às audiências de custódias, o tribunal
deverá aplicar a normativa corriqueira, qual seja, a Resolução CNJ
2013/2015396.
O ponto de maior interesse para as reflexões deste estudo são
as recomendações dispostas no art. 9º do aludido ato397, as quais
preveem uma série de providências aos magistrados no sentido de
atuarem conjunta e concertadamente com os Poderes Executivos
locais na execução de medidas concretas para o combate ao contágio
da Covid-19 nas unidades prisionais. O CNJ indicou uma parceria
entre os poderes, ao recomendar que juízas e juízes zelassem pela

395
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0003065-32.2020.2.00.0000 - Rel. Mário Guerreiro - 13ª Sessão
Virtual Extraordinária - j. 20/05/2020 ); (CNJ - PP - Pedido de Providências -
Conselheiro - 0005827-21.2020.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Pereira - 52ª Sessão
Virtual Extraordinária - julgado em 19/08/2020 ); (CNJ - ML – Medida Liminar
em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004696-11.2020.2.00.0000 - Rel.
Marcos Vinícius Jardim Rodrigues - 38ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em
17/07/2020 ).
396
CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004060-45.2020.2.00.0000 - Rel.
Mário Guerreiro - 26ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 19/06/2020
397
Art. 9º. Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de
fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela
elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo
que preveja, minimamente, as seguintes medidas: (...)
336
“elaboração e implementação de um plano de contingências”, o
qual devia possuir medidas mínimas, tais como como: campanhas
informativas, procedimento de triagem pelas equipes de saúde nas
entradas das unidades prisionais, adoção de medidas preventivas de
higiene, designação de equipes médicas em todos os estabelecimentos
penais ou socioeducativos, fornecimento de equipamentos de proteção
individual para os agentes públicos da administração penitenciária e
socioeducativa, e planejamento preventivo para as hipóteses de agentes
públicos com suspeita ou confirmação de diagnóstico de Covid-19, de
modo a promover o seu afastamento e substituição, considerando-se
a possibilidade de revisão de escalas e adoção de regime de plantão
diferenciado.
Além disso, o CNJ “recomendou” que se velasse pela, primeiro,
existência de um plano executivo de implementação de medidas, e,
segundo, pela fiscalização para do seu cumprimento. Internamente,
o DMF/CNJ vem monitorando a aplicação da Recomendação CNJ
62/2020 nos tribunais. Segundo o Relatório I – Formulário para
Monitoramento da Recomendação 62/CNJ398, até o final de maio/2020,
com base na aplicação da Resolução, (1) mais de 60% dos poderes
judiciários locais tinham aplicado medidas para a soltura de pessoas
presas provisórias; (2) 50% dos poderes judiciários locais realizaram
alterações nos regimes fechados de pessoas presas, concedendo, em sua
maioria, “prisão domiciliar com monitoração”; entre aqueles que não
alteraram, a principal justificativa recaiu na “higienização dos espaços”
e “realização de ações educativas”; (3) 92% dos tribunais realizaram
alterações no regime semiaberto das pessoas presas, com, em sua
maioria, aplicando a “suspensão de apresentação periódica ao cartório
de execução”; e (4) 88% dos tribunais realizaram alterações no regime
aberto dos apenas, com, em sua maioria, aplicando a “suspensão de
apresentação periódica ao cartório de execução”.
Especificamente ao que ronda o art. 9 acima citada, os poderes
judiciários locais, por meio dos GMFs 399, têm periodicamente
informado as ações locais, considerando todos os poderes, ao Conselho
398
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/07/Relat_
Form_Monitoramento_Rec62_1307.pdf, acesso em: 12.02.2021
399
Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) de Tribunais de Justiça
337
Nacional de Justiça. No primeiro relatório divulgado pelo CNJ400, em
maio de 2020, no qual continha a consolidação dos dados dos GMF´s,
foram destacadas informações sobre (1) recursos para prevenção à
Covid-19 no sistema prisional; (2) realização de testes para detecção
de Covid-19; (3) recursos e equipamentos disponíveis. Esses conjuntos
de informações foram se sucedendo durante a pandemia, inclusive,
recentemente, no último relatório divulgado401, em março de 2021, o
CNJ divulgou que, no sistema carcerário dos estados-membros, foram
realizados 261.549 testes em pessoas privadas de liberdade e 67.578
testes em servidores penitenciários.
Todavia, no boletim Covid-19 no Sistema Penal402, com dados
consolidados até 22.03.2020, atestou-se que, no sistema carcerário
brasileiro, foram confirmados 67.262 casos (49.946 em pessoas
presas e 17.316 em servidores) e 293 óbitos (154 de pessoas presas
e 139 de servidores). O número de mortes de servidores do sistema
carcerário e o de pessoas presas é muito próximo, embora haja mais
pessoas presas do que servidores no sistema. Uma possível explicação
para tanto é a ausência de registros corretos e atualizados quanto aos
óbitos de pessoas presas. De toda sorte, é importante assentar que
a Recomendação CNJ 62/2020 fixou algumas disposições (art. 11)
sobre o regime das visitas externas às pessoas presas, o que pode ter
impactado na circulação do vírus nas unidades prisionais, embora tenha
trazido consigo o isolamento dos encarcerados e a falta de informações
das famílias sobre o estado de saúde de seus parentes no cárcere.
As tabelas abaixo demonstram a situação da pandemia no sistema
carcerário:

400
Disponível em cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/06/Monitoramento-CNJ-
GMFs-Covid-19-26.06.pdf acesso em 12.01.2021
401
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-CNJ-GMFs-Covid-19-24.3.21.pdf, acesso em 31.03.2021
402
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.2021
338
Fonte: Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema Socioeducativo, Conselho Nacional de Justiça.

De forma exemplificativa, considerando os dados do CNJ403,


destacamos a situação do estado de São de Paulo, que possui o maior
encarceramento do país; segundo os últimos dados do Infopen404

403
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/03/
Monitoramento-Casos-e-%C3%93bitos-Covid-19-24.3.21-Info.pdf, acesso em
31.03.21
404
Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA
339
já firmado pelo Supremo sobre a coordenação entre os entes federados,
na tentativa de mitigar os efeitos da pandemia no país. Nesse sentido,
os pedidos foram negados, uma vez que a decisão fundou-se em
detrimento da autonomia estadual, em prol da proteção dos direitos
fundamentais, como o direito à saúde.
Por fim, ressalta-se que, com a pandemia, foi questionada a
autonomia mencionada alhures, de forma que acerca do mérito da ADI
6.341, a saúde é um “direito de todos” e dever não só do estado, mas
sim uma obrigação a cargo, também, da União, do Distrito Federal e
dos municípios. É evidente que, em uma pandemia, a qual acarreta, por
si só, problemas, estes não podem ser majorados pelas discordâncias de
medidas que apenas visam o controle do COVID-19, tanto na esfera
privada quanto na pública.

4. A PANDEMIA DO COVID-19 EM ANÁLISE COMPARADA


A OBRA “ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”

A partir do exposto, é possível comparar, a obra “Ensaio sobre a
cegueira”, de José Saramago, e a atual situação brasileira derivada do
COVID-19. O livro aborda uma realidade fictícia na qual a sociedade
é atingida por um vírus transmissível rapidamente e sem precedentes
da medicina acerca de suas características, apenas detectável por uma
névoa branca, característica da cegueira que atinge as vítimas. Nesse
sentido, a primeira medida adotada para contenção da proliferação
da doença foi a quarentena, na realidade fictícia representada pelo
direcionamento dos doentes ao manicômio.
Para fins de analogia, o prefeito da cidade fictícia será equivalente
ao Presidente da República, e, portanto, a União; os responsáveis pela
vigilância do manicômio, irá fazer referência ao poder estatal, e, por
fim, a organização das alas deste local será equivalente aos municípios.
É necessário se ater ao fato de que a narrativa da obra é focalizada na
perspectiva de uma personagem, a esposa do médico, assim descrito
nesta, a qual não foi atingida pelo “mal branco”. Trata-se, pois, de uma
possibilidade de analisar a atuação dos entes federados e da União por
uma ótica fora da perspectiva daqueles que foram vítimas do surto
epidêmico fictício.
352
(dezembro de 2019), São Paulo continha 32% de pessoas encarceradas
do país405. Desde o começo da pandemia, o sistema carcerário paulista
registrou 15.958 (12.825 em pessoas presas + 3.133 em servidores)
casos de pessoas diagnosticadas com COVID-19, o que representa 23%
do total de pessoas presas e agentes infectados no sistema carcerário
brasileiro.
Foram registrados 97 óbitos (40 de pessoas presas + 57 de
servidores), o que representa 33% dos mortos desses dois grupos do
número em face do total registrado no sistema carcerário brasileiro.
Chama a atenção a proximidade do número de pessoas presas com
o número de mortes de servidores do sistema carcerário. Com isso,
o sistema carcerário de São Paulo registrou 25% do número total de
óbitos de pessoas presas registrado no sistema carcerário brasileiro.
Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde –
Conass, no dia 30.03.2021, São Paulo computava 23% (73.492 mortes
em São Paulo; 317.646 mortes no Brasil) das mortes por Covid19 no
país; ou seja, número de mortes total de sua população acompanha o
que se registrou entre as pessoas presas.
Por sua vez, o Distrito Federal, considerando as mesmas datas
acima informadas, registrou 2.642 casos (2.041 em pessoas presas e 601
em servidores), o que representa 3,9 % dos casos nacionais, e 4 mortes
(3 pessoas presas e 1 servidor), representando, assim, 2% das mortes
no sistema carcerário brasileiro. Levando em consideração mortes da
população em geral em razão da Covid-19 no Distrito Federal, elas
representam 1,7% dos óbitos totais no país (5.321 óbitos no DF;
317.646 óbitos no Brasil), o que demonstra uma certa paridade entre
os números de mortos por Covid-19 no DF.
Trata-se, entretanto, de dados aproximados, já que advindos de
bancos de informações diversos. Para uma análise mais acurada devem
ser levadas em conta ainda outras variáveis importantes, como a taxa
de encarceramento, estrutura propriamente dita do local, quantidade
de servidores, disponibilização orçamentária, atendimento às pessoas
presas pela Defensoria Pública, etc. Além do índice de encarceramento
2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ
0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9, acesso em 31.03.2021
405
Este dado deve ser tomado com parcimônia, pois nele está incluído o universo total
de condenados.
340
por crimes mais comuns em determinado estado, ou até mesmo o
número de incidência de determinados crimes em determinadas regiões,
o que pode impactar na análise dos dados, ao serem comparáveis.
Ao estabelecer medidas mínimas sanitárias e de saúde nos planos
de ação, o CNJ deu mais um passo na relação entre “geral” e “local”,
porém extremamente tímido quando à garantia de integridade física
e saúde das pessoas presas. Ante a esse conjunto de medidas e dados
levantados, a Recomendação CNJ 62/2020 não parece ter cumprido
seu papel. Como dito acima, o CNJ não recomendou ações mais
robustas aos juízes e juízas.
No que toca ao tema do federalismo, não há evidências de que as
ações do CNJ tenham resultado em paralisia institucional dos poderes
locais no sistema carcerário. Ao contrário, essas ações demonstram
potencial positivo, como uma coordenação geral de assuntos afins,
embora haja riscos, tal qual eventual inação dos órgãos locais e,
consequente, pretenciosa transferência de encargos executivos ao poder
judiciário local, o qual não tem competência para tal.
A confiança institucional depositada no CNJ pelos poderes
locais pode ser benéfica, mas é preciso construir uma sintonia fina.
Apenas para citar um exemplo podemos ter atritos entre normativa
do Conselho e leis estaduais de difícil resolução, com base nas
tradicionais noções de separação dos poderes e de federalismo.
Se a liderança, em razão da sua capacidade institucional que vem
sendo construída, for a principal diretriz da gestão administrativa
carcerária nacional, é interessante que isso se estruture com alguma
permanência. A progressão dessa liderança institucional, a qual tem,
por vezes, formado uma espécie de juízes “executivos”, pode ser
identificada neste período pandêmico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação do CNJ provocou diversas fissuras nas tradicionais


visões da doutrina brasileira sobre o federalismo e a separação de
poderes clássicas. O apego a essas categorias da forma como foram
concebidas alhures não traz qualquer benefício para a discussão das
questões sensíveis e relevantes que se apresentam com tal.

341
O ativismo judicial é perceptível no Poder Judiciário de tal
forma que não se esgota nas cotidianas decisões judiciais; é bem mais
profundo que a vão doutrina consegue enxergar. Será que o CNJ tem
sido um braço de uma forma ativismo judicial bem mais poderoso do
que as decisões judiciais que são reportadas de quando em vez? Agindo
de forma mais indireta e menos visível. Por ser um órgão dinâmico,
administrativo, executor; por ser constantemente retroalimentado por
disposições de espíritos particulares, em razão dos mandatos periódicos,
é normal que haja expansão (bastante ativa) administrativa, sedimentada
em suas predisposições constitucionais.
A atuação do CNJ não deve ser romantizada, mas, nem por isso,
amaldiçoada. Deve-se apreendê-la conforme o novo estado da técnica
das relações institucionais que se engendra a partir da sua criação. Sua
permanente estadia entre os órgãos de poder da nossa República imputa
uma série de acuradas observações e cuidadosos estudos para que o seu
encaixe institucional não disturbe relações previamente harmônicas e
ofereça melhores soluções para outras esquecidas ou renegadas.
Parece importante que o sistema carcerário deve ser pensando e
gerido de forma nacional, seja porque a criminalidade não vê fronteiras,
seja porque se trata de um sistema nacional, porquanto a legislação
penal, em sua integralidade, e a de execução penal, em grande parte,
são compostas de leis nacionais. Assim, a gestão do sistema carcerário
deve ser holística e nacional, não podendo ser atomizada, sob pena de
se instalar o verdadeiro caos e literalmente deixar livre a atuação das
organizações criminosas, que, como se sabe, não mais se resumem a
determinados estados-membros.
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão novo que ainda está
recebendo modelagem institucional por via própria e pela atuação
do STF, seja na via jurisdicional, seja na sucessão administrativa de
cada presidente. É precipitado afirmar que o CNJ está invadindo os
espaços normativos e administrativos dos entes locais, a saber, poderes
legislativos e executivos, mas não se pode deixar passar desapercebido
esse movimento, o qual, caso inevitável, seja benéfico e consciente,
sabendo-se de antemão os riscos para poderes locais, o que transpassa
a tradicional noção de federalismo e dinamiza de forma acentuada a
separação de poderes nos estados-membros.

342
A pretensão deste estudo foi lançar luzes em temas pouco
enfrentados pela doutrina constitucionalista e administrativa do nosso
país. É ainda um campo novo, assim como o é o próprio CNJ. A
expansão administrativa do CNJ, influenciada pela agenda político-
administrativa de cada presidente, em maior grau, e dos conselheiros,
em menor medida, deve ser verificada de perto, não com a pretensão
de impedi-la, mas com o fim de zelar por enfrentamentos institucionais
equilibrados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luis Roberto. Constitucionalidade e legitimidade da


criação do Conselho Nacional de Justiça. In: Interesse Público:
Revista Bimestral de Direito Público. n. 30.
DA SILVA, Janaína Lima Penalva; COSTA, Adriene Domingues. A
cadeia de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a competência
para julgar atos do Conselho Nacional de Justiça: um estudo
retrospectivo. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista
Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v.
11, n. 21, p. 198-212, 2019.
DE ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa. Jurisdição constitucional
e federação: o princípio da simetria na jurisprudência do STF.
Campus Jurídico, 2009.
FRANZESE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da
Constituição de 1988 aos sistemas de políticas públicas.
2010. Tese de Doutorado. Fundação Getúlio Vargas/SP.
Disponível: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/
handle/10438/8219/72060100752.pdf ?sequence=1&isAllowed=y,
acesso em: 23.12.21
RAMOS, Dircêo Torrecillas. Federação e República. In: Tratado de
Direito Constitucional I. Coord. MARTINS, Ives Gandra da Silva,
MENDES, Gilmar Mendes e NASCIMENTO, Carlos Valder. Ed.
Saraiva: São Paulo, 2010. pp. 719-751.

343
SAMPAIO, José Adércio Leite. O Conselho Nacional de Justiça e
a Independência do Judiciário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007
SCHMITT, Carl. Il nomos della terra. Adelphi, Milano, 1991, p. 232.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito
constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012
TAVARES, Aderruan. O Conselho Nacional de Justiça conforme o
Supremo Tribunal Federal. Direito Público (Porto Alegre), v. 9, p.
184-216, 2012.
TAVARES, Aderruan. A função controladora do Conselho Nacional de
Justiça à luz da juridicidade e das normas da Lindb. In: LAMACHIA,
Claudio, FERREIRA, Antonio Oneildo, MONTEIRO, Valdetário
Andrade. (Org.). CNJ e a efetivação da Justiça. 1ed.Brasília: OAB,
2019

344
FEDERALISMO E A AUTONOMIA DOS
ENTES FEDERADOS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UM ESTUDO DE DIREITO
E LITERATURA SOB A ÓTICA DA OBRA
“ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” DE JOSÉ
SARAMAGO
Ana Luisa de Figueiredo Guimarães406
Ester Moraes D’Avila407
Kamilla Ranny Macedo Niz408

Sumário: 1. Introdução; 2. Contexto histórico do federalismo


e os impactos na pandemia; 3. Autonomia dos entes federados
e as medidas governamentais adotadas na pandemia advinda
do covid-19 4. A pandemia do covid-19 em análise comparada
a obra “ensaio sobre a cegueira” ; 5. Considerações finais; 6.
Referências.

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico é, por muitas vezes, compreendido apenas


como normas postas, autônomo aos demais conhecimentos. Porém,
é de suma importância o diálogo do direito, com outras correntes de
pensamentos, tais como a da cultura, em especial, no presente estudo,
da literatura. Segundo Reale (2000), acerca da Teoria Tridimensional
do Direito, conivente com o pensamento supramencionado:
406
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Civil Parte Geral no 2º semestre de 2019 e 1º e 2º semestre
de 2020 e de Direito Civil Obrigações e Responsabilidade e Direito Civil II no 1º
semestre de 2021. Pesquisadora de Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail:
analuisafigueiredo@outlook.com.
407
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Constitucional I e II no 2º semestre de 2020. Pesquisadora de
Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail: estermoraess07@gmail.com.
408
Graduanda do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Monitora de Direito Empresarial I e II no 1º e 2º semestre de 2020. Pesquisadora
de Iniciação Científica em Direito Civil. E-mail: kamillaranny5@gmail.com.
345
O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio
dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o
ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas
de caráter definitivo. (REALE, 2000, p. 574).

Ademais, conforme o disposto por Gonzales (2000), ainda acerca


da teoria mencionada alhures, ressalta-se a importância da cultura para
o desenvolvimento do ordenamento jurídico:

Constata-se, dai, que a Teoria Tridimensional do Direito insere-


se no âmbito do culturalismo jurídico. Ora, o culturalismo
jurídico foi uma corrente que, de certa forma, nasceu com o
pensamento kantiano. Kant, em sua obra Kritik der Sitten, havia
observado que “A produção, em um ser racional, da capacidade
de escolher os próprios fins em geral e, conseqüentemente, de
ser livre, deve-se à cultura.” (GONZALEZ, 2000, p. 3).

No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde


declarou a pandemia, em decorrência do COVID-19, o qual desafiou
as formas de governo no cenário mundial, em especial, ao modelo
federalista. Dito isto, o presente estudo tem por objetivo a análise do
federalismo e da autonomia dos entes federados, no contexto dessa
pandemia, baseada na obra literária “Ensaios sobre a cegueira” de José
Saramago. Assim, considerar-se-á a cidade da obra como um país e o
prefeito daquela como o governante nacional, para fins equivalentes.
Trata-se, pois, de uma realidade fictícia na qual a sociedade começa a
ser vítima de um vírus facilmente transmissível, detectado por uma
névoa branca.
No que se refere à pandemia do COVID-19 há uma mudança, não
apenas no contexto social, mas, também no político, o que demanda
um estudo de como esta foi confrontada e quais as medidas propostas
pelos chefes de governo, nos respectivos entes federados. Também é
de suma relevância averiguar os seus efeitos no tocante aos direitos
sociais, como o direito à saúde, assim como toda estrutura político-
administrativa que rege os estados e municípios brasileiros.
Desta feita, será analisado, a princípio, o federalismo brasileiro,
que pode ser compreendido como a organização territorial política

346
soberana do Brasil, em que os Estados membros se coordenam a
um poder central, sob a observância da Constituição Federal de 1988
(CF/88), a partir da perspectiva da atuação de competências comuns
e concorrentes. Ao que concerne à autonomia dos entes nacionais,
embora esta possa ser dividida em três vertentes, quais sejam, política,
administrativa e financeira, o foco será as duas primeiras.
Assim, segundo a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
6.341 (ADI n. 6.341), os estados e municípios possuem competência
concorrente prevista no art. 23, inciso II, da Constituição Federal,
em observância à proteção dos direitos fundamentais, pelos quais as
normas editadas em relação às medidas possuem a finalidade de mitigar
os efeitos da pandemia no Brasil, o que requer a necessidade de diálogos
entre os entes federados e a relativização da autonomia propriamente
dita, como será possível se ater pelo estudo da obra supramencionada.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DO FEDERALISMO E OS


IMPACTOS NA PANDEMIA

Ao se pautar pela perspectiva constitucional, o federalismo


moderno, originado nos Estados Unidos em 1787, pode ser entendido
como um processo contínuo de constante aperfeiçoamento, pois é uma
forma de organização territorial complexa. Nessa perspectiva, faz-se
referência ao conceito elaborado por Soares (2013):

Uma forma de organização do poder político no Estado nacional


caracterizado pela dupla autonomia territorial. Isto significa a
existência de dois níveis territoriais autônomos de governo:
um central (o governo nacional) e outro descentralizado (os
governos subnacionais). Os entes governamentais têm poderes
únicos e concorrentes para governarem sobre o mesmo
território e povo, sendo que a União governa o território
nacional e seus cidadãos, enquanto as unidades subnacionais
governam uma parte delimitada do território nacional com
seus habitantes. Ambos atuam dentro de um campo pactuado
de competências. (SOARES, 2013, p. 3)

347
Dessa forma, trata-se de uma forma de organização territorial em
que ocorre a partilha do poder do Estado entre os entes de determinado
território. É importante destacar que existem várias formas de Estados
Federais no mundo, como o federalismo clássico que é baseado no
modelo norte-americano, o federalismo centrípeto, o federalismo
centrífugo - federalismo brasileiro, que ao contrário do norte-
americano, é um federalismo que estabelece três níveis, incluindo o
município como ente federado e, portanto, com um poder constituinte
decorrente, e os modelos de federalismo simétrico e assimétrico, o qual
se refere a uma simetria entre os níveis dos entes federados.
Visto isso, ao analisar o federalismo na atual conjuntura
contemporânea, vivenciada com a pandemia do COVID-19, é
possível aferir uma crise, tendo em vista um crescente movimento de
centralização do poder na União, em face dos demais entes federados.
Nota-se um desequilíbrio federativo, uma vez que o Governo Federal
segue assumindo de forma exclusiva as decisões e medidas de combate
ao COVID-19, o que acabou culminando em conflitos entre os Estados
membros e municípios, em definir quem pode impor medidas para
contenção do iminente vírus.
Vale destacar, que no tocante a saúde, a Constituição Brasileira
de 1988 dispõe que a competência comum de “cuidar da saúde e
assistência pública (...)” (artigo 23, II) pertence à União, estados
membros, Distrito Federal e municípios. No contexto brasileiro,
portanto, há amparo constitucional para que governadores e
prefeitos adotem medidas em combate à pandemia, mesmo que em
desacordo ao Governo Federal. Na decisão do Supremo Tribunal
Federal, à título exemplificativo, ao julgar a Ação Cível Ordinária
nº 3.385 (ACO nº 3.385), foi permitido que o Estado membro do
Maranhão pudesse comprar respiradores hospitalares direto da
China, proibindo o confisco ou requisição administrativa desses
aparelhos pelo Presidente da República.
Assim, imperioso ressaltar que, apesar da CF/88 estabelecer um
Estado Federal de três níveis, quais sejam, União, Estados membros/
Distrito Federal e municípios, com autonomia própria para proteger a
saúde e os cidadãos, conforme artigos 23, 24 e 30 do texto constitucional,
a legislação infraconstitucional por outro lado, a exemplo da Medida

348
Provisória nº 926/2020, a qual inegavelmente buscou centralizar o
poder no Governo Federal, o que acarretou conflitos com os outros
entes federados no tocante ao combate do COVID-19.
Portanto, acerca da descentralização do poder no federalismo,
apesar da partilha do poder entre os entes federados e a sua autonomia,
é fundamental a colaboração entre os entes para o enfrentamento das
crises socioeconômicas, instaurada pela pandemia, a fim de preservar
o equilíbrio federativo.

3. AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS E AS


MEDIDAS GOVERNAMENTAIS ADOTADAS NA
PANDEMIA ADVINDA DO COVID-19

A soberania está relacionada a um Estado Federal como um todo.
Em contrapartida, os Estados membros são revestidos de autonomia, a
qual pode ser compreendida como uma forma de descentralização do
poder, em que os Estados membros possuem a prerrogativa de executar
as leis, bem como elaborá-las, sob a observância da Constituição
Estadual e, consequentemente, aos preceitos instituídos à CF/88. Os
Estados membros devem analisar as necessidades de maior interesse
de seu território e a possibilidade de realização de medidas impostas no
âmbito federal. Acerca dos preceitos constitucionais, assegura Hesse
(1983) apud Mendes; Branco (2019):

Aponta Konrad Hesse que a força normativa da Constituição


depende das possibilidades de sua realização, abertas pela
situação histórica, bem como da vontade constante dos
implicados no processo constitucional de realizar os conteúdos
da Constituição. (HESSE (1983, p. 27-28) apud MENDES;
BRANCO (2019, p. 74).

Dessa forma, como previsto no artigo 23 da CF/88, há um rol


taxativo no âmbito de atuação comum entre a União, estados, Distrito
Federal e municípios. Esse dispositivo deve ser analisado, portanto,
no contexto da pandemia do COVID-19, em que a União e os entes
federados supramencionados estabeleceram diferentes medidas a fim

349
de tentar mitigar o contágio e os efeitos da pandemia, em decorrência
da autonomia destes.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341 (ADI 6.341)
foi uma dessas medidas, requerida pelo Partido Político Democrático
Trabalhista (PDT) e determinada devido ao conflito entre estado e
município, visto que, algumas medidas implementadas por aquele não
era conivente com a implementada pelo último. Dessa forma, passou-se
a questionar a validade das normas dispostas pelos municípios, até a
implementação da ADI supramencionada. Nesse sentido, o Ministro
Alexandre de Morais, fundamenta seu voto, reafirmando a posição
de ente federado do município para a implementação dessas normas
(BRASIL, 2020).

O Federalismo tem exatamente essa finalidade, limitar o


poder de um único ente. E nasceu - e aprendi essas lições
em 1986, nas Arcadas da Universidade de São Paulo, com
professor Ricardo Lewandowski, especialista em Federalismo
- exatamente para limitar o poder, para repartir o poder entre
as comunidades locais e a comunidade central; entre o poder
central - representado, no Brasil, pela União - e as comunidades
locais; os Estados - e sui generis realmente é o Brasil nesse
tópico, bem lembrado pelo Ministro Marco Aurélio - e também
os Municípios, que são consagrados constitucionalmente como
entes federativos no Brasil.

Neste contexto, em consonância com a previsão do artigo 23


da CF/88, esse Ministro, em seu voto, ainda atestou que “A regra,
no Brasil, é a autonomia dos Estados membros e a autonomia dos
Municípios. Essa é a importante regra, a qual deve ser interpretada
a partir de uma matéria principal: saúde pública, nesse momento”.
Assim, imperioso ressaltar o disposto nesse artigo, que versa sobre a
competência administrativa comum (BRASIL, 1988):

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do


Distrito Federal e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência;

350
Alega, ainda o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI
supramencionada, que (BRASIL, 2020):

A partir das manifestações dos diversos Colegas e do próprio


Relator, fica evidente, Presidente, que a competência para
proteção da saúde, seja no plano administrativo, seja no plano
legislativo, é competência tripartite. É uma competência da
União, dos estados e dos municípios.

Nesse mesmo sentido, afirma o Alexandre de Morais (BRASIL,


2020):

Da mesma forma, não compete ao Presidente da República,


porque aí a competência é comum, verificar se naquele
município é necessário ou não interditar os bares e restaurantes
locais em virtude da proliferação do vírus. É o princípio da
predominância do interesse, é o respeito à Constituição.

Dessa forma, ao aferir a existência da autonomia e da competência


da União e dos entes federados, é necessário buscar um diálogo entre
as medidas adotadas por estes, para não haver desarmonia, objetivando,
como ressaltado pela citação anterior, a efetivação do Princípio do
Melhor Interesse Local, tal como o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, o qual, naturalmente, engloba o direito à saúde, ambos
basilares no texto constitucional. Assim, como entendido pela Ministra
Cármen Lúcia (BRASIL, 2020) :

Por isso a Constituição cuidou de entronizar, em 1988, já em


seu art. 1º, o Município como ente da Federação, para que
as comunidades todas pudessem falar, para que os cidadãos
pudessem falar, e a Federação fosse, portanto, instrumento a
mais de democracia.

Além disso, vale mencionar sobre os pedidos de Suspensão
de Tutela Provisória (STP) 442 e 449 apresentados ao STF pelos
Municípios de Sete Lagoas e Cabedelo, que visavam manter os decretos
municipais com base no Princípio do Interesse Local. No entanto, o
decreto Estadual nº 47.886/20 estava de acordo com o entendimento
351
já firmado pelo Supremo sobre a coordenação entre os entes federados,
na tentativa de mitigar os efeitos da pandemia no país. Nesse sentido,
os pedidos foram negados, uma vez que a decisão fundou-se em
detrimento da autonomia estadual, em prol da proteção dos direitos
fundamentais, como o direito à saúde.
Por fim, ressalta-se que, com a pandemia, foi questionada a
autonomia mencionada alhures, de forma que acerca do mérito da ADI
6.341, a saúde é um “direito de todos” e dever não só do estado, mas
sim uma obrigação a cargo, também, da União, do Distrito Federal e
dos municípios. É evidente que, em uma pandemia, a qual acarreta, por
si só, problemas, estes não podem ser majorados pelas discordâncias de
medidas que apenas visam o controle do COVID-19, tanto na esfera
privada quanto na pública.

4. A PANDEMIA DO COVID-19 EM ANÁLISE COMPARADA


A OBRA “ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”

A partir do exposto, é possível comparar, a obra “Ensaio sobre a
cegueira”, de José Saramago, e a atual situação brasileira derivada do
COVID-19. O livro aborda uma realidade fictícia na qual a sociedade
é atingida por um vírus transmissível rapidamente e sem precedentes
da medicina acerca de suas características, apenas detectável por uma
névoa branca, característica da cegueira que atinge as vítimas. Nesse
sentido, a primeira medida adotada para contenção da proliferação
da doença foi a quarentena, na realidade fictícia representada pelo
direcionamento dos doentes ao manicômio.
Para fins de analogia, o prefeito da cidade fictícia será equivalente
ao Presidente da República, e, portanto, a União; os responsáveis pela
vigilância do manicômio, irá fazer referência ao poder estatal, e, por
fim, a organização das alas deste local será equivalente aos municípios.
É necessário se ater ao fato de que a narrativa da obra é focalizada na
perspectiva de uma personagem, a esposa do médico, assim descrito
nesta, a qual não foi atingida pelo “mal branco”. Trata-se, pois, de uma
possibilidade de analisar a atuação dos entes federados e da União por
uma ótica fora da perspectiva daqueles que foram vítimas do surto
epidêmico fictício.
352
Inicialmente, a névoa branca, pelo desconhecimento, foi
considerada um sintoma de uma doença qualquer, mas que, devido à
transmissibilidade elevada, passou a ser um surto epidêmico na cidade.
Cabe ressaltar que, uma das primeiras vítimas, o médico supracitado,
tentou alertar do perigo do vírus, porém, não atingiu os resultados
esperados perante as autoridades, como é possível aferir pela seguinte
passagem da obra de Saramago (2011):

A insolência atingiu o médico como uma bofetada. Só


passados alguns minutos teve serenidade para repetir à mulher,
a grosseria com que fora tratado. Depois, como se acabasse
de descobrir algo que estivesse obrigado a saber muito antes,
murmurou, triste, É desta massa que nós somos feitos, metade
de indiferença e metade de ruindade. (SARAMAGO, 2011, p.
40).

Nesse sentido, em um momento posterior, em que a autoridade,
o presidente, fazendo o uso da analogia supramencionada, percebeu a
problemática do vírus, a primeira medida a ser adotada foi a quarentena.
Na obra, porém, como afirmado alhures, as vítimas da névoa branca
foram direcionadas a um manicômio inutilizado à época para contenção
do contágio. Assim, aos doentes, foram prometidas caixas de comida
a serem repartidas entre as vítimas do mal branco e a possibilidade de
reposição de materiais de limpeza, sendo o local vigiado por militares,
analogicamente, os estados. Segundo atesta a obra de Saramago (2011),
nos primeiros momentos que estavam no manicômio, foram repassados
aos doentes o que se segue:

Nesse instante ouviu-se uma voz forte e seca, de alguém,


pelo tom, habituado a dar ordens. Vinha de um altifalante
fixado por cima da porta por onde tinham entrado. A palavra
Atenção foi pronunciada três vezes, depois a voz começou, O
Governo lamenta ter sido forçado a exercer energeticamente
o que considera ser seu direito e seu dever, proteger por todos
os meios as populações na crise em que estamos a atravessar,
quando parece verificar-se de algo semelhante a um surto
epidêmico de cegueira, provisoriamente designado por mal-
branco, e desejaria poder contar com o civilismo e a colaboração

353
de todos os cidadãos para estancar a propagação do contágio.
(...) O Governo está perfeitamente consciente das suas
responsabilidades e espera que aqueles a quem esta mensagem
se dirige assumam também, como cumpridores cidadãos que
devem ser, as responsabilidades, acima de quaisquer outras
considerações pessoais, um acto de solidariedade para com o
resto da comunidade nacional. (SARAMAGO, 2011, p. 49,50).

Todavia, a partir do decreto presidencial advindo da névoa
branca, percebe-se o início da desarmonia entre as medidas adotadas,
visto que, mesmo que o presidente, representante da União, quisesse
garantir a necessidade do mínimo de Dignidade da Pessoa Humana,
é o estado quem dispõe os recursos aos municípios, equivalentes na
obra de Saramago às alas do manicômio. Percebe-se que, enquanto a
quantidade de pessoas era conivente com os recursos dispostos pelos
representantes estatais, era possível garantir, na medida do possível,
pelo menos a alimentação, o que não foi viável após a chegada de mais
vítimas da névoa branca.
Ademais, a partir do cenário fictício exposto, quando não há a
harmonia das decisões dos entes federados e da União, percebe-se uma
falha na garantia dos direitos fundamentais e uma quebra da estrutura
do federalismo. Ora, assim como no livro, a pandemia do COVID-19
acarretou não apenas uma crise na saúde e no sistema financeiro, mas
também foi responsável por desestruturar o equilíbrio das medidas
reguladas pela União e pelos entes federados a fim de mitigar os efeitos
desta, o que justificou a implementação da ADI 6.341 supramencionada
no tópico anterior. Conforme o entendimento do Ministro Alexandre
de Morais, no julgamento dessa ADI, reitera-se o posicionamento da
necessidade de uma coesão das medidas (BRASIL, 2020):

É lamentável - e reitero o que já disse anteriormente - que na


condução dessa crise, sem precedentes recentes no Brasil e
no mundo - o Ministro Dias Toffoli, nosso Presidente, iniciou
dizendo que, em cem anos, talvez seja a crise mais grave de
saúde no mundo -, é lamentável que, nessa condução, mesmo
em assuntos essencialmente técnicos, de tratamento uniforme
em âmbito internacional, haja discrepâncias políticas entre entes
federativos, haja discrepâncias políticas e de opiniões ou do
354
«achismo», como alguns vêm denominando, entre autoridades
do mesmo âmbito, e falte cooperação, falte coordenação.

Ainda no que concerne à obra, como não havia o cuidado dos
representantes governamentais, nem tampouco o dos escolhidos para
cuidar da proteção do manicômio, até mesmo pois a doença já havia
alastrado por toda a cidade ficcional, coube aos próprios doentes, com
os líderes da ala, organizarem entre si a disponibilidade de alimentos
que era disposta. Daí adentra outro problema evidente na pandemia
da névoa branca e do COVID-19, isto é, não basta que haja a norma
atestando a necessidade de rateio de verbas ou alimentos se não houver
um pensamento comum de Dignidade Humana, tanto dos entes
federados e da União, com sua autonomia num Estado Federado, mas
também dos próprios cidadãos. Na prática, contudo, é uma disputa
entre o bem comum e o sustento próprio, em que regras são ditadas,
sem se importar, efetivamente, com o bem estar da população. Segundo
Gilmar Mendes, também no julgamento da ADI 6.341 (BRASIL, 2020):

A rigor, o que a Constituição sinaliza nos deveria ter levado,


em tempos de crise, a um modelo de cooperação. O que já está
positivado no sistema de saúde, vários comitês e comissões,
teria que ter sido estendido para outros âmbitos. Mas isto não
se fez.

Desta feita, apoiando-se no que versado pelo Ministro, dispõe a
Constituição Federal de 1988, no seu art. 1º, que a República Federativa
do Brasil deve ter como fundamento basilar, dentre outros, conforme
o inciso III, a Dignidade da Pessoa Humana. Além disso, no texto
constitucional ainda é explícita a necessidade de resguardar a saúde, e
o bem-estar da população, como competência concorrente entre os
entes da federação. Afere o art. 24, XII (BRASIL, 1988):

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; (grifo
nosso).

355
Em “Ensaio sobre a cegueira” é possível perceber um declínio,
tanto na questão da alimentação, falha devido à forma como se deu
a distribuição, mas também, na própria saúde, já que, a partir do
momento em que os cegos eram direcionados ao manicômio, havia uma
superlotação dos leitos e a não reposição dos materiais necessários para
curar as feridas dos doentes ou limpar o espaço em que estavam. Essa
situação pode ser percebida no seguinte trecho da obra de Saramago
(2011), em que a esposa do médico tentava tratar o ferimento de um
dos cegos:

Da cama do ladrão veio um gemido, Se a ferida infectou, pensou


a mulher do médico, não temos nada para tratar, nenhum
recurso, o mais pequeno acidente, nestas condições, pode dar
em tragédia, provavelmente é disso mesmo que eles estão à
espera, que acabemos aqui uns atrás dos outros, morrendo o
bicho, acaba-se a peçonha. (SARAMAGO, 2011, p. 64).

Assim, no contexto do COVID-19, é possível o seguinte
questionamento: como estão as medidas dos governantes para
possibilitar que os acometidos pelo vírus possam vir a ter o devido
tratamento? Isto pois, conforme os dados recentes do site Coronavírus
Brasil, há mais de 200.000 (duzentos mil) óbitos, e mais de 7 (sete)
milhões de casos confirmados, o que é preocupante para os hospitais
conseguirem atender, com a qualidade necessária, os pacientes.
Na prática, percebe-se que são poucos leitos, para muitos doentes,
aumentando, consideravelmente, a mortalidade, como no livro
analisado. Desse modo, está acertada a fala do Ministro Gilmar Mendes,
no julgamento da ADI 6.341 (BRASIL, 2020):

Já até disse, esses dias, comentando todo esse desarranjo no


âmbito da Administração, que o Presidente da República dispõe
de poderes, inclusive, para exonerar o Ministro da Saúde, mas
não dispõe de poder para exercer política pública de caráter
genocida.

Com isso, urge a necessidade de uma cooperação entre a União e os
entes federados para garantir a efetividade das normas constitucionais

356
e a harmonia das medidas individuais, ditadas por cada um destes. Na
obra em análise não houve essa cooperação, mas sim a manutenção
do egoísmo, o que foi responsável por um (des)governo. No contexto
brasileiro, essas normas devem trabalhar em conjunto, para a contenção
do coronavírus e o repasse da informação de que se trata de um vírus
contagioso e facilmente transmissível, que já matou muitos cidadãos
e pode matar muitos mais.
Por meio de um estudo pautado no “Ensaio sobre a cegueira”,
percebe-se que é uma oportunidade de visualizar a estrutura de um
Estado Federado e seus componentes, em uma época em que há uma
cegueira de uma realidade a ser cuidada, a ser garantida preceitos
fundamentais. No Brasil essa cegueira pode ser observada ao fato de
que a União, no início da pandemia desencorajava a quarentena, fazendo
campanha defendendo medicamentos sem comprovação científica,
incorporando ao governo uma postura negacionista, representada
pelo próprio Presidente da República, o qual, atualmente, demonstra
opiniões anti-vacina e influencia parte da população com informações
não verídicas, pautadas no mero “achismo”. Talvez, essa cegueira, essa
névoa branca, sempre tenha existido na sua forma implícita, mas, na
pandemia, ela se tornou, explicitamente, um problema.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia advinda do COVID-19, afetou a estrutura federalista


da União, como foi possível aferir a partir do exposto no presente
estudo. Nesse sentido, o modelo federalista que sustenta vários
níveis de governo, a fim de viabilizar o combate à pandemia, deve ser
caracterizado pela harmonia e equilíbrio entre os seus entes.
No entanto, na prática, percebe-se que, ao invés da observância do
diálogo, o que se teve foi uma disputa de poderes dos entes federados,
a partir da evidente tentativa de centralização do poder no Governo
Federal, no contexto de pandemia. Com a implementação da ADI
nº 6.341, o STF consolidou o entendimento, com base na CF/88, de
que a autonomia da União e dos entes federados deve ser respeitada,
a fim de observar o Princípio do Melhor Interesse Local, mas sempre
pautado na proteção de direitos fundamentais.

357
Dessa forma, neste artigo, com base na obra “Ensaio sobre a
cegueira” de José Saramago, assim como no Brasil, foi afetado por
um vírus responsável pelo desequilíbrio governamental, na obra quase
que um (des)governo. Nota-se que a crise desestabilizou o modelo
federativo, que é em regra, uma descentralização do poder central,
emergindo conflitos entre os poderes na tomada de decisões em
combate ao COVID-19 e à névoa branca.
Em suma, devido à falta de harmonia das medidas em prol do
interesse social, os principais afetados são os cidadãos, devido ao não
cumprimento dos direitos sociais, em especial, o da saúde. É como
uma cegueira administrativa, a qual impede a efetividade das normas
constitucionais e o próprio modelo federativo. Talvez, essa cegueira
sempre tenha existido, fato é que a pandemia só tornou evidente o
problema, que necessita ser observado.

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SOARES, Márcia M. Formas de Estado: federalismo. Manuscrito.
Belo Horizonte: UFMG/ DCP, 2013.

359
360
A PRODUÇÃO LEGISLATIVA
SUBNACIONAL EM TEMPOS DE
PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE
A ELABORAÇÃO DE NORMAS PELO
EXECUTIVO E PELO LEGISLATIVO
ESTADUAL DE PERNAMBUCO COM FOCO
NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS
CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES.
Gilson José Julião409

Sumário: 1. Breve introdução; 2. Federalismo, tutela


subnacional dos direitos fundamentais e covid-19 ; 3.
Legislação e normas do estado de pernambuco no período da
pandemia do covid-19 tutelando os direitos fundamentais das
crianças e adolescentes; 4. Considerações finais; 5. Referência
bibliográfica

1. BREVE INTRODUÇÃO

O artigo tem o intuito de aprofundar, através de uma pesquisa


empírica, o tema da tutela subnacional dos direitos fundamentais.
Para isto, levantamos o seguinte problema de pesquisa: de que modo
a Assembleia Legislativa de Pernambuco e o Governo do Estado
de Pernambuco elaboraram normas para a proteção na tutela dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes no período
de pandemia? Para responder esta questão, faremos uma análise das
normas elaboradas pelos dois poderes acima citados, durante o período
da pandemia, que estejam relacionados com a proteção dos direitos
das crianças e adolescentes.
Para isto, este trabalho será dividido em duas partes, pois, antes
da análise das normas, iremos realizar uma contextualização sobre
o federalismo, a tutela subnacional dos direitos fundamentais e o

Mestrando em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.


409

361
COVID-19. Em seguida, trataremos sobre o objeto principal desta
pesquisa que é entender de que modo a Assembleia Legislativa de
Pernambuco e o Governo do Estado de Pernambuco elaboraram
normas para a proteção na tutela dos direitos fundamentais das crianças
e dos adolescentes no período de pandemia, ainda nesta parte do artigo
será estabelecido um parâmetro jurídico sobre a prioridade absoluta
que deve ser exercida pelo Estado em favor dos direitos fundamentais
à criança e ao adolescente.
Deste modo, entendemos que este artigo é relevante para
compreendermos se esta prioridade absoluta foi levada em consideração
na elaboração das normas subnacionais em tempos de pandemia.

2. FEDERALISMO, TUTELA SUBNACIONAL DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS E COVID-19

Conforme demostrado em algumas pesquisas, o federalismos


brasileiro é “procedente ao império”, porém a forma federativa de
estado só é adotada no Brasil com a Proclamação da República de
1889 (LIZIERO, p. 113, 2017), dando conformação jurídica à mesma
por meio da Constituição de 1891 e mantendo tal forma de Estado
desde então.
Dentro deste ínterim houve períodos de maior e menor
centralização, mas somos sabedores que “o modelo federal brasileiro
tem marcas de grande centralização e que é marcado por um longo
processo em direção ao fortalecimento da União Federal em detrimento
dos demais entes subnacionais” (CONCI, p. 50, 2020). Já com a
primeira Carta Republicana houve um processo de descentralização
em virtude da denominada “politica dos governadores” que tinha o
intuito de fortalecer as oligarquias locais. Mas com o Getúlio Vargas
no governo houve um período de grande concentração de poder na
orbita federal, especialmente com a Constituição de 1937, inclusive
com intervenção federal nos estados. Pós-governo Vargas, em 1945,
ocorre um novo retorno a um processo de descentralização dando-se
aos estados-membros e municípios autonomia, porém, com o golpe
civil-militar de 1964 todo o processo de descentralização federativa
cai por terra. Este período se estende até o processo Constituinte de
362
1987/1988 que a partir daí tem um movimento de fortalecimento de
descentralização.
Deste modo, mostraremos que, mesmo que tenha ocorrido
um movimento de descentralização com a Constituição em vigor,
a competência atinente à capacidade de produzir normas jurídicas
mostra-se que existe um indicador da centralização no âmbito federal,
ratificando, deste modo, que o centralismo da federação brasileira,
já observado por outros estudiosos, tem seu escopo a própria
Constituição.
Um dos critérios para definir um Estado Federal perpassa pelo
grau de autonomia das unidades subnacionais e de sua capacidade de
elaborar suas respectivas constituições e legislações infraconstitucionais.
Essa autonomia é fundamental para demonstrar se determinado
Estado é federal ou não. No Brasil “a competência subnacional para
elaboração da própria Constituição é, majoritariamente, reconhecida
como “constituinte”, um “poder decorrente”” (SAMPAIO, p. 227,
2019), neste sentido, a nossa Carta Maior define o espaço de liberdade,
inovação e criatividade para que os Estados-membros possam legislar
na sua Constituição ou nas suas leis e normas de modo geral. Embora
tenhamos uma concentração de atribuições privativas na União,
para isto basta olharmos para o vasto rol previsto no artigo 22 da
Constituição da nossa República Federativa que atribui competências
privativas da União para legislar em detrimento dos demais entes da
federação, é possível que os demais entes, e em especial os Estados-
membros, possam legislar de forma comum ou concorrente sobre
direitos fundamentais. Neste contexto, Marcelo Labanca disserta que:

Ainda prosseguindo na análise crítica das relações entre Poder


Legislativo e federalismo, chega-se ao tema da repartição de
competências entre os entes da Federação para demonstrar que
o Poder Legislativo brasileiro é centralizado no plano federal,
em razão da hipertrofia de competências legislativas atribuídas
ao Congresso Nacional (ARAÚJO, p. 294, 2015).

Além disto, a interpretação jurisdicional centralizadora em matéria


de conflito de competência legislativa promove “o tolhimento da livre
criação legislativa de Estados-membros e Municípios e com prejuízos

363
para a consolidação democrática de Assembleias Legislativas e Câmaras
de Vereadores” (ARAÚJO, p. 297, 2015). Isto ocorre devido o Supremo
fazer uma interpretação hermenêutica que valoriza a centralização da
União em detrimento dos Estados-membros, trazendo um prejuízo
na tutela dos direitos fundamentais, pois desestimulam os legisladores
estaduais na produção de leis neste sentido.
As iniciativas legislativas dos entes subnacionais são alvos
frequentes de questionamentos judiciais que se inclinam a reforçar
a tendência vertical e centralizadora, pois, como já vimos, as
competências legislativas dos estados são muito encurtadas na Carta
de 1988. De acordo com a Constituição, enquanto compete à União
legislar sobre 29 questões das mais diversas e aos municípios legislar
sobre assuntos de interesse local, os estados só poderão legislar sobre
temas específicos das matérias de competência da União que forem
definidas por lei complementar federal, conforme preceitua o artigo
22, parágrafo único. Quanto à legislação concorrente, União e estados
legislam sobre outras 26 matérias, deste modo, o que temos no cenário
atual é que, havendo conflito de competência, prevalece a legislação
federal. Portanto, o que se observa hoje é que:

(...) na prática a Constituição Federal reserva grande número de


competências à União, deixando pouco âmbito remanescente
para os Estados (veja-se, a título de exemplo, o enorme rol
de matérias de competência legislativa privativa da União no
art. 22 da Constituição Federal vigente) (SGARBOSSA, p. 92,
2019).

É prudente destacar que as disposições localizadas nas legislações


e nas constituições infranacionais frequentemente duplicam a proteção
de direitos fundamentais já garantidos na Constituição Federal, ou seja,
em muitos casos os direitos fundamentais subnacionais são meras
reproduções dos já contidos nacionalmente. Porém, concordamos que:
A competência concorrente cria as condições para a competição
entre os governos nacionais e infranacionais, mesmo quando o direito
nacional é supremo. Isso ocorre porque a atribuição de autoridade
concorrente permite, muitas vezes, que os governos infranacionais
ingressem em áreas nas quais o governo nacional deixou de agir, ou

364
agiu de forma incompleta, irresponsável ou contraprudente, com o
objetivo de sanar os prejuízos decorrentes (GARDNER, p. 35, 2012).
Como destaca Gardner, é oportuno observar se de fato existe
um constitucionalismo infranacional, pois pode haver práticas
constitucionais infranacionais sem necessariamente existir o surgimento
de condições para de fato existir um constitucionalismo infranacional.
Para isto, ele elenca cinco razões para concluir se o “aparecimento
de constituições infranacionais em um estado federal implica o
aparecimento do constitucionalismo infranacional” (GARDNER, p. 36,
2012). Dentre essas cinco razões existem a dos “sistemas internacionais
e supranacionais como protetores principais dos direitos humanos”
(GARDNER, p. 41, 2012).
Neste sentido, embora nossa pesquisa não debruce apenas
sobre o constitucionalismo infranacional, mas também na legislação
infranacional, este artigo poderá mostrar a existência ou não da
proteção dos direitos humanos no âmbito do Estado de Pernambuco
quanto aos direitos das crianças e adolescentes em tempo de pandemia
do COVID-19. Esta proteção dos direitos humanos por meio da
legislação infranacional permite que haja uma maior aproximação
entre o ente federado que protege e os beneficiários destes direitos
que, no caso desta pesquisa, são as crianças e adolescentes. Além disto,
faz com que, mesmo que haja um sistema de proteção internacional
e supranacional, existam também formas concorrentes de proteção
subnacional que poderá suprimir determinadas ausências na legislação
constitucional ou infraconstitucional de proteção os direitos das
crianças e adolescentes.
Tomando como base a conceituação de Araújo (p.295, 2015) sobre
competências legislativas, uma questão que é necessária responder
é se a legislação sobre os direitos das crianças e dos adolescentes
são de técnica de competência enumerada (união e municípios) ou
remanescentes (estados-membros)?
No artigo 22 da Constituição Federal de 1988 que trata das
competências privativas da União não é abordada a questão dos direitos
das crianças e dos adolescentes e no artigo 23 também não trata
deste tema, mas apenas das pessoas portadoras de deficiência como
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

365
Municípios. Já no artigo 24, em seu inciso XV, é tratada a proteção à
infância e à juventude como competência legislativa concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal. Deste modo, entendemos
que são nos Estados-membros, de forma remanescente, que deve
ocorrer a tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes por meio
da legislação subnacional, ou seja, a técnica de competência legislativa
adotada pela Constituição Federal de 1988, para a proteção à infância
e à juventude, é a remanescente.
Segundo análises preliminares de alguns estudiosos do federalismo,
podemos dizer que, embora de forma precoce, estamos passando por
uma virada jurisprudencial quanto ao centralismo na federação na
proteção dos direitos fundamentais, pois os estados-membros passaram
a ter destaque no combate à pandemia com a contribuição da nossa
Corte Suprema.
Analisando a ADPF 672/DF, proposta pelo Conselho Federal da
OAB devido à divergência sobre as competências dos entes federados
para combater a crise sanitária que estamos passando, sob a relatoria
do ministro Alexandre de Morais, em cuja decisão liminar fortaleceu os
preceitos jurídicos fundamentais do respeito ao federalismo, Luciana
Grassano Melo diz que:

Essa decisão tem suporte na ideia própria do federalismo de que


são as autoridades locais e regionais que têm maior condição
de fazer um diagnóstico em torno do avanço da doença e da
capacidade de operação do sistema de saúde em cada localidade,
com vistas a evitar o seu colapso (MELO, p. 344, 2020).

Nesta mesma linha, Luiz Guilherme Arcaro Conci destaca que


“(...) o atual momento mostra que há movimentos a exigir que os entes
subnacionais explorem, com mais rigor, as suas competências, de modo
a tornar a realidade um laboratório para o nosso federalismo.” (CONCI,
p. 51, 2020). Já Marcelo Labanca e Leonam Liziero seguem a mesma
linha ao dizerem que houve uma rediscussão do federalismo devido à
forma como o Supremo decidiu na ADPF 672/DF, que empoderou os
estados-membros a legislar sobre medidas de combate ao COVID-19,
porém, estes são menos otimistas, pois segundo eles esta medida “(...)
não pode ser utilizado como fundamento para a conclusão de uma
366
virada federalista ou uma nova forma de interpretação jurisdicional do
pacto federativo (...)” (ARAÚJO; LIZIERO, p.391, 2020).
Destarte, percebemos que existe uma reconfiguração do
federalismo brasileiro no sentido de fortalecer os entes subnacionais
e, para que isto seja averiguado, nesta pesquisa, passaremos a avaliar de
que modo isto ocorreu no Estado de Pernambuco a partir da análise da
produção legislativa em favor dos direitos das crianças e adolescentes
no período da pandemia.

3. L E G I S L A Ç Ã O E N O R M A S D O E S TA D O D E
PERNAMBUCO NO PERÍODO DA PANDEMIA
D O C OV I D - 1 9 T U T E L A N D O O S D I R E I T O S
FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Antes de adentramos na investigação principal desta pesquisa, se


faz necessário abordar um panorama básico sobre a prioridade absoluta
que deve ser tutelada em favor dos direitos fundamentais das crianças e
adolescentes, já que o artigo 227 da Constituição Federal assegura esta
especificidade. Para isto, é preciso estabelecer um parâmetro jurídico
para que esta prioridade absoluta seja entendida de forma a garanti-
la em detrimento de outros direitos que não sejam os das crianças e
adolescentes.
Para Érica Babini Lapa do Amaral Machado esta prioridade
absoluta no “sistema legal regente (...) estrutura-se em princípios que
acolhem a concepção de desenvolvimento integral (...) resguardando o
melhor de seus interesses” (MACHADO, p. 187, 2020). Portanto, para
a autora a prioridade absoluta em favor da infância deve-se ocorrer a
partir de sua integralidade, respeitando e seguindo, inclusive os direitos
reconhecidos em convenção internacional.
Nesta mesma linha, Roberta de Fátima Alves Pinheiro, em sua
dissertação de mestrado, defende esta prioridade absoluta de forma
integral em favor da criança e do adolescente, porém a mesma
argumenta:

(...) que, na qualidade de norma-princípio constante no


texto constitucional, segue a mesma linha hermenêutica dos
367
princípios constitucionais, baseado na ponderação dos valores,
na dimensão de peso, daí a expressão absoluta ser um tanto
quanto exagerada e impossível de ser cumprida (PINHIERO,
p. 122, 2006).

Neste sentido, poderíamos dizer que o principio da prioridade


absoluta não tem eficácia devido o seu exagero e de sua impossível
aplicabilidade. No nosso entendimento não se sustenta esta afirmação,
pois entendemos que é possível usar a ponderação de valores e garantir
a prioridade absoluta tomando-se como base o artigo 4º do Estatuto
da Criança e Adolescente que esclarece o que é a prioridade absoluta:
a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstancias;
a precedência de receber atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública; a preferência na elaboração e na execução das
políticas públicas; a destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e a juventude. Portanto,
são bem definidas e específicas as diretrizes para o cumprimento efetivo
do princípio constitucional da prioridade absoluta.
Entendendo, deste modo, o que para nós é prioridade absoluta,
passaremos a analisar de fato o objeto principal deste artigo. A
produção desta seção resultou da coleta, sistematização e análise das
ementas das 381 normas relacionadas à COVID-19 colhidos através do
site da Assembleia Legislativa de Pernambuco até o dia 27 de janeiro de
2021. Sendo destas, 188 decretos legislativos, dois atos administrativos,
152 decretos do executivo, oito leis complementares e 31 leis ordinárias.
Analisado as ementas dos decretos legislativos são constatados
que todos eles são para reconhecer o estado de calamidade pública
no Estado de Pernambuco e em seus municípios e os dois atos
administrativos são para regulamentar o funcionamento interno da
Assembleia Legislativa de Pernambuco no período da pandemia.
Quanto aos decretos do executivo temos uma grande quantidade,
mas repetindo-se sobre a mesma temática, pois muitos são apenas para
reforçar ou alterar decretos anteriores, mas com o mesmo conteúdo,
entre eles destacamos: medidas temporárias para enfrentamento
da emergência de saúde pública decorrente do CORONAVÍRUS;
autorização para contratação temporária de pessoal no âmbito da
Secretaria de Saúde para atender à situação de excepcional interesse
368
público decorrente do CORONAVÍRUS; definição no âmbito
socioeconômico de medidas restritivas (suspensão de eventos,
locomoção, estabelecimentos comerciais, etc.) temporárias para
enfrentamento da emergência de saúde pública; autorização para
abertura de crédito suplementar em favor do Fundo Estadual de Saúde;
regulamentação dos procedimentos para contratações destinadas ao
fornecimento de bens, à prestação de serviços, à locação de bens e à
execução de obras necessárias ao enfrentamento da emergência em
saúde pública no âmbito do Poder Executivo Estadual.
Dos 152 decretos do executivo, apenas um trata do direito
fundamental em favor da criança e do adolescente, que é o de
número 48.938, de 09 de abril de 2020, que trata sobre o Programa de
Alimentação Escolar da rede pública estadual. Devido à suspensão das
aulas para o enfrentamento à COVID-19, as crianças e adolescentes
ficaram sem ter acesso direto à merenda escolar, mas foi possível, a
partir do decreto citado, garantir que os estudantes tivessem um auxílio
financeiro no valor de R$50,00 para a aquisição de alimentos.
Dentre as oito leis complementares: duas alteram a lei que
cria o Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de
Pernambuco - SASSEPE; uma altera a lei que reajusta o vencimento
base dos cargos públicos; uma altera a lei que institui o Programa
Especial de Recuperação de Créditos Tributários – PERC; três dispõem
sobre os procedimentos para contratações destinadas ao fornecimento
e locação de bens, à prestação de serviços, e à execução de obras
necessárias ao enfrentamento do CORONAVÍRUS, no âmbito do
Poder Executivo Estadual; uma dispõe sobre a concessão de pensão
especial complementar aos dependentes dos servidores públicos
estadual efetivos, que tenham falecido no exercício de atividade
essencial e presencial relacionada ao enfrentamento da COVID-19.
Neste sentido, é notório que nenhuma trata diretamente dos direitos
da criança e adolescente, sendo que apenas esta última poderá garantir
direitos fundamentais a estas pessoas, caso o beneficiário da pensão
seja o filho do servidor, menor de 18 anos.
Já nas leis ordinárias, que poderiam ser um espaço de concretização
dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, das 31 leis
promulgadas no período da pandemia, apenas a lei nº 17.141, de 4 de

369
janeiro de 2021, trata sobre a criança, e nesta, não prevê necessariamente
um direito fundamental em favor desta, mas apenas dispensa as crianças
com menos de três anos de idade, do uso de máscara de proteção facial.
As demais leis tratam sobre questões do direito à cultura, à
saúde, ao orçamento, do idoso e das pessoas consideradas de risco, do
consumidor, de consórcio público, da alteração do calendário oficial de
eventos e datas comemorativas do Estado, da doação de equipamentos,
do uso de máscaras, dos condomínios, da antecipação de colação de
grau de profissionais da saúde, do agendamento e atendimento remoto
e da apreensão veicular nas vias públicas.
Porém, uma lei que chama atenção é a lei nº 17.103, de 10 de
novembro de 2020 que determina medidas preventivas a serem adotadas
pelas instituições de acolhimento e permanência de idosos, casas de
repouso, asilos e congêneres no Estado de Pernambuco. Damos
destaque para esta, em virtude de ser uma lei que trata diretamente sobre
direito fundamental dos idosos e isto nos levou a questionar o porquê
de não ter sido elaborada nenhuma em favor dos direitos fundamentais
diretamente com foco na criança e no adolescente.
Nesta mesma seara de determinar medidas preventivas a
serem adotadas pelas instituições de acolhimento e permanência de
idosos, poderiam os legisladores elaborar leis em favor das crianças
e adolescentes que estejam em situação de medidas protetivas em
entidades de acolhimento institucional ou cumprindo medidas
socioeducativas de internação. Quanto aos adolescentes em conflito
com a lei, em artigo publicado sobre a realidade da socioeducação e
das medidas de controle da COVID-19, Érica Babini destaca que:

(...) nenhuma das medidas têm impacto sanitário recomendado


pelos epidemiologistas. Aqueles itens que fazem referência à
limpeza e higienização, refere-se a pedido a outros órgãos,
campanha de vacinação da gripe não guarda relação direta com
o quadro de COVID-19 (...) (MACHADO, p.190, 2020).

Deste modo, a elaboração de lei em favor das crianças e


adolescentes, assim como ocorreu com a proteção ao idoso, poderia
evitar o tipo de situação constatada acima. Portanto, o que temos é
que o direito da criança e ao adolescente não foi pensando como um
370
direito fundamental a ser tutelada de forma subnacional pelo Estado
de Pernambuco. Ou seja, a prioridade absoluta em favor destes não
foi respeitada.
Possíveis contra-argumentos podem defender que esta prioridade
absoluta é relativa em virtude da criança e do adolescente não serem
do grupo de risco na pandemia da COVID-19, além disto, poderia
ser defendido que há também na legislação nacional a prioridade para
outros públicos, tais como aos idosos. Porém, a única prioridade que
tem no texto constitucional é para as crianças e adolescente, como
bem prevê o artigo 227, descabendo, deste modo, qualquer justificativa
razoável para que se deixe a responsabilidade do estado à infância e
juventude.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foi possível traçar um breve panorama, sem pretensão


de esgotar o vasto tema dos direitos fundamentais estaduais. A pesquisa
realizada permitiu constatar aspectos importantes relativos à tutela
subnacional dos direitos fundamentais quanto à proteção da criança
e o adolescente.
O estudo permitiu demonstrar que o caráter centralizador da
federação brasileira tem diminuído o grau de criatividade da legislação
infranacional, que poderia ser manifestada em diversos aspectos e que
o direito da infância e juventude poderia ser um deles, sendo digno de
atenção por sua importância teórica e prática.
Destarte, é possível:

Atribuir um amplo espaço constitucional às entidades


infraconstitucionais, inclusive no campo de garantia de direitos,
também pode ser crucial para as minorias, que poderiam
descobrir ser mais fácil obter reconhecimento de seus direitos
na esfera constitucional infraconstitucional (TARR, p.122,
2012).

Neste contexto, os direitos das crianças e adolescentes, que ainda


é como vimos, a partir do tema pesquisado, pouco jurisdicionado na
esfera subnacional, poderia ser tutelado de forma mais profícua por
371
meio de entidades infraconstitucionais como é o caso da casa legislativa
pernambucana, mas infelizmente ainda temos um federalismo que é
distorcido, pois não valoriza a produção legislativa local.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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372
MELO, Luciana Grassano. COVID-19 no Brasil e a importância do
federalismo para a democracia. IN: Pensar a pandemia: perspectivas críticas
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PINHEIRO, Roberta de Fatima Alves. A prioridade absoluta na
Constituição Federal de 1988: cognição do art. 227 como princípio-
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MAUÉS, Antonio Moreira. Curitiba: Lumen Juris Editora, 2012.

373
374
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E
FEDERALISMO: A CONTRIBUIÇÃO DAS
CORTES SUBNACIONAIS NA PROMOÇÃO
DO DIREITO À SAÚDE EM TEMPOS DE
PANDEMIA
Raquel Muniz Pereira Simões 410
Mayara Schwambach Walmsley411

Sumário: 1. Introdução. 2. Um breve panorama do Federalismo:


da origem histórica às características fundamentais do Estado
Federal 3. Os efeitos da pandemia para além da crise sanitária:
o federalismo sob os holofotes. 4. Notas conclusivas. 5.
Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

A pandemia ocasioanada pelo novo coronavírus vem trazendo


ao Brasil desafios para além da crise sanitária. No aspecto jurídico, o
Estado Federal brasileiro foi colocado sob tensão, na medida em que
União, Estados e Municípios não pareceram conseguir coordenar uma
ação conjunta e cooperada para lidar com a crise sanitária, a despeito
de o país possuir um aplaudido sistema público de saúde, o Sistema
Único de Saúde (SUS), referência mundial na área.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se
manifestar acerca do balanceamento entre os poderes da União e
a adoção de medidas de combate à crise também pelos Estados
e Municípios, atentos às peculiaridades regionais e locais. Assim,
exercendo as atribuições constitucionais que lhes são próprias e,
sobretudo, figurando como arbitro central dos conflitos federativos,
o Supremo Tribunal Federal reafirmou a competência dos Estados
410
Mestranda pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-Graduada
em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio Educacional – Ibmec. Servidora
do Tribunal de Justiça de Pernambuco. E-mail: raquelmpsimoes@hotmail.com;
411
Mestranda pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Advogada. Email:
swmayara@hotmail.com
375
e Municípios para editar e executar medidas de enfrentamento da
COVID-19, de modo a garantir previsibilidade e estabilidade ao Estado
Federal, preservar a autonomia dos Estados e Municípios e fomentar
a cooperação destes com a União – e desta com aqueles.
Afora a intensa produção normativa estadual e municipal
destinada a regular as mais diversas situações originadas do colapso
socioeconômico provocado pelo coronavírus, observou-se, ainda, o
ajuizamento em massa de ações judiciais perante os Tribunais Estaduais
e Regionais Federais, na intenção de que estes, no âmbito de suas
competências, apreciassem os litígios envolvendo os entes federativos,
seus respectivos poderes e a proteção de direitos fundamentais
ameaçados pela pandemia e seus desdobramentos.
A presente pesquisa adotou como recorte medotológico as
decisões tomadas pelos juízes e tribunais estaduais e regionais federais,
no tocante ao pleito de decretação de medidas restritivas de direitos
para frear a crise sanitária, utilizando-se da região Nordeste do Brasil
como recorte espacial, considerando que, para os fins a que se propõe
este breve esboço, a varredura das ações judiciais propostas em todo o
país a respeito do tema demandaria uma análise mais extensa – a qual,
sem prejuízo, pretende-se aprofundar futuramente.
Desta amostra, apenas as decisões que acolheram os pedidos de
decretação de medidas restritivas foram analisadas.
Dos dados colhidos, o estudo pretende evidenciar a contribuição
dos juízes e cortes regionais federais e estaduais à salvaguarda de
direitos fundamentais e o aperfeiçoamento de sua prestação no plano
subnacional, dentro de um contexto de crises e transformações sociais.
Examina-se, ainda, a importância que a descentralização dos pleitos
populares, através da exploração das potencialidades dos poderes locais,
representa à promoção dos direitos assegurados pela Constituição de
88 e à equalização das disparidades regionais.

376
2. UM BREVE PANORAMA DO FEDERALISMO:
DA ORIGEM HISTÓRICA ÀS CARACTERÍSTICAS
FUNDAMENTAIS DO ESTADO FEDERAL.

Para além dos arranjos estruturais relativos ao sistema de


repartição de competências entre os entes federados e à própria
tônica da separação de poderes no âmbito dos diferentes núcleos de
competência federativos, a compreensão do federalismo, em toda
a sua inteireza, perpassa a constante observação das circunstâncias
históricas, políticas, econômicas e culturais de cada Estado, cujas
nuances vão, periodicamente, moldando o modelo federativo adotado
pelo respectivo país.
O federalismo, portanto, não segue uma receita de bolo. As
experiências dos países que adotaram a forma federativa de Estado
demonstram que, longe de ser concebido como um fenômeno engessado,
o federalismo é processo em constante movimento, cuja forma de
organização é transformada e aclimatada por acontecimentos históricos,
políticos e sociais, independentemente da estrutura constitucional em
que foi originalmente formatado (MARRAFON, 2015).
A impossibilidade de compreender o federalismo como um
“modelo necessário” (BRANCO, 2020) pode ser explicada, talvez, pelos
diferentes modos pelo quais os atuais Estados Federais se formaram.
As federações modernas, nos moldes em que atualmente são
concebidas, não tiveram sua gênese em uma fórmula de sucesso. Como
se sabe, as primeiras origens do federalismo remontam à experiência
norte-americana, no período compreendido entre a independência das
treze colônias, com a Revolução de 1776, e a promulgação da primeira
Constituição dos Estados Unidos, no ano de 1787. Essa declaração de
direitos ficou conhecida como marco teórico do federalismo moderno,
juntamente com a Constituição da França de 1791.
A fórmula final alcançada através da Convenção de Filadelfia de
1787 surgiu de uma tentativa malsucedida de unir as antigas colônias
britânicas em uma Confederação, a qual, tão logo, falharia, em razão
dos entraves enfrentados pela frágil aliança de Estados412 (BRANCO,
Dentre as dificuldades para o desenvolvimento da Confederação, se encontravam:
412

a inexistência de um poder central, capaz de coordenar os recursos financeiros na


377
2020). Ou seja, para que os antigos Estados confederados se unissem
em um pacto federativo e optassem pela abdicação de sua soberania
em favor do Estado Federal foi preciso aceitar que este passo seria
importante para traçar metas e atingir objetivos comuns. Além de
fomentar a participação política das unidades federadas e, finalmente,
possibilitar a redução das desigualdades regionais nas comunidades
que, antes, não tinham voz ativa.
Por sua vez, embora tenha importado dos Estados Unidos as bases
teóricas para a construção do seu federalismo413 (LIZIERO, 2017),
o Brasil experimentou um processo inverso à orientação centrípeta
que impulsionou a formação do Estado Federal norte-americano.
Diferentemente dos Estados Unidos, o federalismo brasileiro foi
estruturado a partir de um movimento centrífugo, mediante o qual uma
União hipertrofiada passou a ceder autonomia legislativa, administrativa
e orçamentária aos estados da federação, que agora passariam a ser
contemplados, ainda que teoricamente414, com a “capacidade de
autodeterminação dentro do círculo de competências traçados pelo
Poder Soberano”, na Constituição (MARRAFON, 2015).
Independente dos arranjos (e rearranjos) federalistas adotados ao
longo da trajetória de cada país, ambos partilham traços fundamentais
característicos da forma federal de Estado.
Dentre elas, destacam-se como os mais marcantes: a descentralização
de poder entre os diferentes núcleos federativos de competência,
dotados de autonomia administrativa, política e legislativa; a existência

solução de prolemas comuns aos Estados; a inexistência de um Legislativo forte,


cujas deliberações não passavam de meras recomendações; a falta de um Judiciário
central, que unificasse a intepretação do direito comum e solucionasse as lides entre
os Estados e/ou entre estes e seus cidadãos, entre outros.
413
Leonam Baesso da Silva Liziero defende que o federalismo, “enquanto sistema
de organização política” já se encontrava presente no Brasil desde a outorga da
Constituição do Império de 1824, muito embora o Estado Federal só tenha sido
formalmente estabelecido com a Carta de 1891.
414
Assinala MARRAFON que: “Se o arranjo federalista vitorioso em 1891 tinha
nítida feição liberal, com forte inspiração no paradigma dualista/estadualista
americano, suas consequências nada satisfatórias em face das condições históricas
e sociológicas do país à época e as sucessivas crises que se seguiram levaram o
pêndulo para o paradigma centralista-hierarquizador após a Revolução de 30 e as
Cartas Constitucionais que marcaram a primeira Era Vargas”.
378
de uma Constituição como fundamento de validade das ordens jurídicas
parciais e central; a presença de uma repartição constitucional de
competências, cujo modelo adotado tem muito a dizer sobre o tipo
de federalismo predominante em cada país - se mais centralizador ou
descentralizador; a existência de instrumentos políticos de participação
dos Estados na formação da vontade federal; o vínculo indissolúvel
entre os Estados-membros como preceito fundamental da ordem
constitucional; e a existência de mecanismos voltados à “estabilização
constitucional do pacto federativo” (ARAÚJO, 2009). (BRANCO,
2020).
Quanto a esse último elemento, tendo em vista que o Estado
Federal contém mais de uma ordem jurídica atuando em conjunto sobre
um mesmo espaço territorial, é natural que algumas tensões derivem
das relações mantidas entre entes federados diversos. Nesse contexto,
a integridade da Federação depende, diretamente, da existência de
instrumentos voltados à prevenção e resolução destes conflitos, sob
pena de risco à unidade.
É pensando no enfrentamento dessas possíveis crises que a
doutrina (ARAÚJO, 2009 e MARAFON, 2015) aponta como elemento
típico do sistema federativo – se não um dos mais importantes – a
existência de uma Corte Constitucional ou Supremo Tribunal com
“atribuições jurisdicionais que digam respeito à salvaguarda e à
efetividade das normas constitucionais” (ZAVASCKI, 2017). Ou
seja, um Tribunal com competência para o exercício da jurisdição
constitucional, atividade, esta, indispensável à conservação do equilíbrio
federativo.
Trazendo a discussão à realidade brasileira, é importante notar
que o exercício da jurisdição constitucional não se concentra apenas
nas mãos do Supremo Tribunal Federal, e, tampouco, restringe-se ao
controle de inconstitucionalidade das leis.
Zavascki lembra que a inconstitucionalidade não é apenas a
incompatibilidade da norma com a Constituição, mas qualquer ato,
omissão ou comportamento contrário ao catálogo de direitos e deveres
que nela constam. Assim, observadas as normas de competência, todos
os órgãos do Poder Judiciário têm a possibilidade de apreciar a alegação
de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF/88) e têm o dever

379
de prestar a tutela jurisdicional necessária nas hipóteses de violação ou
ameaça às garantias fundamentais individuais e coletivas, deliberando,
portanto, sobre matéria constitucional (ZAVASCKI, 2017).
Portanto, no contexto de crise socio-econômica e agitações
populares inrrompidas durante a atual pandemia do novo coronavírus,
passa-se a analisar a contribuição prestada pelos nossos Tribunais,
com destaque à atuação das cortes locais, ao exercício da jurisdição
constitucional, elegendo como pano de fundo a proteção de direitos
e o equalizamento das tensões federativas.

3. OS EFEITOS DA PANDEMIA PARA ALÉM DA CRISE


SANITÁRIA: O FEDERALISMO SOB OS HOLOFOTES.

A Constituição brasileira de 1988 dispõe, em seu primeiríssimo


artigo que: “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito [...]”. Da breve leitura do primeiro
dispositivo da Carta Mãe, depreende-se, portanto, que o país adota
a forma federativa de Estado. Essa forma de Estado foi, inclusive,
alçada à posição de cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, §4º da
Constituição brasileira de 1988.
Como dito alhures, a doutrina nos ensina que o Estado Federal
é uma forma de Estado em que há uma organização descentralizada
“tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma
repartição de competências entre o governo central e os locais,
consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados
participam das deliberações da União, sem dispor do direito de
secessão.” (MENDES, 2010). Assim, excetuando-se o direito de
secessão, os estados-membros possuem autonomia própria, traduzida
na capacidade de auto-organização, autogoverno, autolegislação e
autoadministração (ARAÚJO, 2009).
O constituinte de 1988 optou pela adoção do federalismo
cooperativo415 (MARRAFON, 2015) – em detrimento do modelo

Muito embora assevere Marrafon, em releitura da análise feita por Marta Arretche
415

acerca do perfil do federalismo brasileiro, que, no Brasil, o federalismo se aproxima


muito mais de um federalismo de coordenação do que propriamente de cooperação,
380
clássico ou dual, adotado pelos Estados Unidos (BRANCO,
2020) – cujo objetivo é a integração nacional através de uma maior
participação política dos entes subnacionais. Nesse modelo, há,
além das competências privativas enumeradas, as competências
compartilhadas pelos entes federativos, as chamadas competências
comuns e concorrentes (GONÇALVES, 2019).
Essa complexa engrenagem, embora sofisticada no campo teórico,
encontra diversos óbices em sua concretização. Na prática, não obstante
a previsão constitucional de autonomia dos estados-membros, a história
brasileira nos aponta uma excessiva centralização de poderes nas mãos
da União. A explicação desse fenômeno perpassa desde a origem
centrípeta da formação do federalismo à expressiva concentração de
recursos econômicos no Governo Federal, apesar da repartição de
receitas tributárias prevista pela Constituição de 1988.
Ao longo do último ano, o Brasil testemunhou um encrudecimento
desta característica centralizadora por parte do executivo federal no que
tange à adoção de medidas relativas ao enfrentamento da COVID-19,
o qual, durante a gestão Bolsonaro, pareceu evidenciar a intenção de
centralizar, ainda mais, em detrimento dos demais entes federados, as
políticas de saúde pública, funcionamento de atividades comerciais,
as regras de distanciamento social e demais estratégias de prevenção
e repressão ao vírus.
Desde março de 2020, a pandemia vem escancarando e acentuando
as deficiências político-econômicas, estruturais e jurídicas do globo.
Não houve sociedade, em maior ou menor grau de desenvolvimento,
que não tenha sido impactada ou não tenha tido os seus dogmas
questionados pela presença do novo vírus. No Brasil não foi
diferente. As profundas desigualdades já existentes foram fortemente
intensificadas no enfrentamento da pandemia.
Até a data da redação deste artigo, foram contabilizados 9.000.485
(nove milhões quatrocentos e oitenta e cinco mil) casos confirmados
de covid-19, além de 220.237 (duzentos e vinte mil, duzentos e trinta

apresentando um cenário em que a União “planeja e os entes subnacionais executam


políticas públicas, com maior força das ações coordenadas/integradas desde um
planejamento central do que propriamente de solidariedade/cooperação entre entes
federativos.” Para o autor, a cooperação não se firmou como modelo operativo de
políticas públicas no Brasil, apesar da intenção original do legislador constituinte.
381
e sete) óbitos notificados em decorrência do vírus em todo o país.416
A crise sanitária sem precedentes enfrentada, aliada às controversas
medidas adotadas pelo Governo Federal, colocou sob os holofotes
as deficiências do federalismo nacional. Embora historicamente o
problema do compartilhamento de competências entre as três esferas
de poder tenha girado, predominantemente, em torno do esquivamento
de responsabilidades por Munícipios, Estados, DF e União, com a
eclosão da pandemia viu-se o oposto. Por diversas razões – algumas
nobres e outras nem tanto – todas as esferas de poder passaram a
reclamar para si o protagonismo nessa luta.
Diante da ausência de coordenação nas ações adotadas pelos entes
federativos, o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, foi,
por diversas vezes, chamado a intervir para sanar o “estresse” federalista.
Dentre as muitas questões enfrentadas pela Corte Suprema no
cenário pandêmico, uma das mais importantes foi posta na Ação
Direta de Inconstitucionalidade 6.341/DF, ajuizada pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT), com o objetivo de ver declarada
a parcial incompatibilidade da Medida Provisória nº 926, de 20 de
março de 2020 (que alterou diversos dispositivos da Lei Federal nº
13.979/2020) com a Constituição Federal.
O ponto central da discussão cingia-se à redação trazida pela
Medida Provisória ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979/2020, ao preceituar
que: “O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os
serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º”.
O impacto da alteração se deu em virtude da interpretação
conjunta do § 9º com o § 8º417 e caput do art. 3º418 da Lei 13.979/2020.

416
G1. Bem estar. Brasil soma 9 milhões de casos de Covid de 220 mil mortos pela doença.
Disponível em: Brasil soma 9 milhões de casos de Covid e 220 mil mortos pela
doença | Coronavírus | G1 (globo.com). Acesso em: 27/01/2020.
417
Art. 3º, §8º: As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar
o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
418
Art. 3º: Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito
de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II –
quarentena […]; VI - restrição excepcional e temporária, conforme recomendação
técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias,
portos ou aeroportos de: a) entrada e saída do País; b) locomoção interestadual e
intermunicipal.
382
Isso porque, a alteração trazida pela Medida Provisória parecia atribuir
exclusivamente ao Presidente da República o poder de definir quais
os serviços públicos e atividades essenciais deveriam ser mantidos em
funcionamento quando da adoção das medidas de distanciamento
social em todo o país.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) alegou, além da
suposta existência de inconstitucionalidade formal na edição da
Medida Provisória, a violação da autonomia dos entes da federação,
ante o esvaziamento da responsabilidade constitucional atribuída
a todos os entes federados no que tange à administração da saúde
pública. Além disso, pontuou que foi violado o critério constitucional
da predominância do interesse – interesse geral, União; interesse
regional, Estados; interesse local, Municípios. Por essas razões, requereu
liminarmente a declaração de nulidade dos dispositivos atacados, além
da invalidade por arrastamento do Decreto nº 10.282/2020. No mérito,
requereu a confirmação da medida acauteladora.
Ao analisar o pedido cautelar, o relator da decisão, o Ministro
Marco Aurélio de Mello, concedeu parcialmente a medida requerida
para reiterar as competências concorrentes, comuns e suplementares
definidas na Constituição Federal, tornando explícito que a edição da
Medida Provisória não afasta a tomada de providências normativas e
administrativas pelos estados, e municípios.
Ao referendar a decisão cautelar proferida, o pleno do Supremo
Tribunal Federal seguiu, por maioria, o voto do Ministro Luiz Edson
Fachin para ir além do que foi concedido pelo Relator. Nesse sentido,
optou-se por dar interpretação conforme à Constituição419 ao § 9º do
art. 3º Lei 13.979/2020, com o objetivo de explicitar que o Presidente da
República poderia dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos
e atividades essenciais, desde que preservada a atribuição de cada
esfera do governo, nos termos do inciso I, artigo 198 da Constituição
Federal420. (MENDES, 2005).
419
O Ministro Gilmar Mendes nos ensina que a interpretação conforme a Constituição
é realizada para “salvar” o ato normativo que possa ser interpretado conforme a
Carta-Mãe, dentro dos limites da expressão literal do texto.
420
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
383
Desse modo, restou reiterada pela decisão a competência dos
Estados e Municípios para delinear e executar medidas efetivas de
saúde pública para o enfrentamento da pandemia ocasionada pelo novo
Coronavírus, inclusive para definir, de acordo com as peculiariadades
locais e regionais, quais seriam os serviços tido como essenciais e sua
forma de funcionamento. A decisão levou em consideração a realidade
da distribuição do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, nos termos
do voto do Ministro Gilmar Mendes:

Se olharmos fundamentalmente, essa prestação essencial


está afeta aos estados e municípios. Se olharmos bem, hoje,
a atuação da União, em princípio, está reduzida a cinquenta
hospitais universitários federais, de modo que a execução
efetiva de medidas de saúde em hospitais públicos, para
combater a Covid-19, recai fundamentalmente sobre estados
e municípios e, eventualmente, entidades conveniadas. De
modo que tudo isso faz crescer a responsabilidade de estados
e municípios nesse contexto.

Destaca-se, também, que, da elaboração dos seus votos, quase


todos os Ministros fizeram menção expressa de que o debate posto na
ação tratava, principalmente, de um dos principais pilares do Estado
Democrático de Direito no Brasil: o federalismo. Nesse sentido, segue
abaixo trecho do voto do Ministro Alexandre de Moraes:

Esse julgamento [...] refere-se a um dos alicerces Estado


Democrático de Direito. E qual é esse alicerce? O Federalismo
e as suas regras de distribuição. Muito mais do que a discussão
de quem pode mandar “a”, mandar “b”, aqui, nós estamos
discutindo a questão de um dos três alicerces do Estado de
Direito. Federalismo, assim como a separação de Poderes e a
Declaração de Direito Fundamentais são os três alicerces que
têm a mesma finalidade: limitação de poder.

Ademais, ao abordar o pano de fundo federalista, o Ministro


Edson Fachin ressaltou: “[...] essa discussão ganha uma dimensão
de concretude no sentido de situar-se nesse fenômeno disruptivo
da pandemia e em um regime jurídico que seja apto, com segurança,

384
estabilidade, previsibilidade e, portanto, coerência a dar respostas a esta
situação emergencial e transitória pela qual passamos.
Os trechos apresentados demonstraram a relevância da atuação –
consciente – da jurisdição constitucional para garantir previsibilidade
e estabilidade ao Estado Federal, a fim de garantir a autonomia dos
estados e municípios e fomentar a cooperação destes com a União.
A decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ao reafirmar
a competência conjunta dos Estados, DF e Municípios para a tomada
de providências normativas e administrativas em matéria de saúde
pública, vem possibilitando que os gestores e as autoridades locais
adotem medidas restritivas mais adequadas no enfrentamento da crise
sanitária, principalmente nas regiões mais afetadas pela Covid-19.

4. DA DESCENTRALIZAÇÃO DOS PLEITOS POPULARES:


A CONTRIBUIÇÃO DAS CORTES SUBNACIONAIS NA
PROMOÇÃO DO DIREITO À SAÚDE, EM TEMPOS DE
PANDEMIA.

Afora a intensa produção normativa destinada a regular as mais


diversas situações originadas do colapso socioeconômico provocado
pelo coronavírus, observou-se, ainda, um curioso movimento dos
Ministérios Públicos Estaduais e Federais e da sociedade civil no sentido
de demandar, perante o Poder Judiciário Estadual e Regional Federal,
o controle dos atos e omissões dos Executivos e Legislativos estaduais
e municipais durante o caos sanitário.
Foi nesse contexto que o Maranhão se tornou o primeiro Estado
do Brasil a implementar o lockdown421 – mais especificamente nos
municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa
– por força de ordem judicial proferida nos autos da ACP 0813507-
41.2020.8.10.0001, ajuizada pelo Ministério Público do Estado.
Dentre as razões apresentadas pelo MP para requisitar a medida,
estavam: a ocupação de 100% (cem por cento) dos leitos de UTI
destinados à Covid-19 nos hospitais da rede pública da capital do

Devendo ser entendido, para os fins do presente estudo, como o bloqueio total de
421

atividades, com permissão de funcionamento apenas das atividades essenciais.


385
Estado, conforme Boletim Epidemiológico divulgado às 19 (dezenove)
horas do dia 28/04/2020, além da falta de transparência do Executivo
estadual na divulgação dos números relativos à ocupação dos leitos
exclusivos para Covid-19 nas regiões afetadas.
Acolhendo os argumentos do MP, o juíz Douglas de Melo Martins
determinou a adoção, pelo Estado do Maranhão, de diversas medidas
não farmacológicas contra a disseminação do coronavírus, sendo, a
mais gravosa, a implementação do lockdown, tudo com fundamento
nos preceitos constitucionais que asseguram o direito à vida e a saúde,
bem como no Decreto Estadual nº 35.672, de 19 de março de 2020,
que declarou o estado de calamidade pública no Estado para fins de
prevenção e enfrentamento ao vírus H1N1 e da COVID-19.
Na ocasião, o Juiz entendeu que as estratégias determinadas
pelo Governo Estadual, emanadas do aludido Decreto, teriam se
tornado insuficientes para conter o avanço da doença, motivo que
lhe fez ordenar a “aplicação” do lockdown – entre outras medidas –
nos decretos estaduais que tratam do “distanciamento social como
medida não farmacológicas contra a disseminação do vírus causador
da COVID-19”, regulando, de forma pormenorizada, as providências
a serem tomadas pelos executivos estadual e municipais.
Aos municípios envolvidos, determinou, expressamente, que se
abstivessem de estabelecer regras de distanciamento social contrárias
àquelas ora determinadas, e devidamente adotadas pelo Estado do
Maranhão.
Já no Estado de Sergipe, merece destaque a decisão tomada
pelo juízo da 1ª Vara Federal do Estado, em resposta aos pedidos
dos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho e do Estado para que
o Estado de Sergipe fosse compelido a suspender a Primeira Fase
(Bandeira Laranja) do plano de reabertura de atividades essenciais e não
essenciais prevista no Decreto Estadual nº 40.615/2020 – que instituiu
o Sistema de Distanciamento Social Responsável –, tendo em vista que
os critérios objetivos estipulados para o início da implementação da
medida não estariam sendo respeitados pelo Estado.
Em resumo, a questão controvertida compreendia a análise da
validade da Portaria 86/2020, publicada em 30 de junho de 2020,
pela Secretaria de Estado da Saúde, que autorizou a execução da fase

386
Bandeira Laranja do plano de reabertura das atividades estaduais
e municipais, contrariando os requisitos de “passagem de fase”
estipulados pelo próprio Decreto nº 40.615/2020, em seu artigo 8º,
inciso I, cujo dispositivo condicionava o início da Fase Bandeira Laranja
à capacidade dos leitos de UTI do Estado, que não poderia superar a
ocupação máxima de 70% (setenta por cento).
À época da publicação da portaria, os leitos de UTI do Estado
do Maranhão já alcançavam a taxa de ocupação de aproximadamente
97,5% (noventa e sete vírgula cinco por cento), excedendo, em muito,
o critério legal de até 70% (setenta por cento) previsto no Decreto nº
40.615/2020. Por tais motivos, a 1ª Vara Federal de Sergipe suspendeu
os efeitos da Portaria 86/2020, considerando que, ao editá-la, a SES
teria incorrido em violação ao decreto editado pelo próprio Executivo
Estadual.
A referida decisão, a despeito de ser produto da jurisdição
federal, prestigiou a autonomia normativa do Estado do Maranhão
quando, tornando sem efeito ato exarado por órgão administrativo
vinculado ao executivo estadual, assegurou a observância do Decreto nº
40.615/2020, o qual, àquela época, era a principal norma a estabelecer
as balizas e diretrizes de enfrentamento da pandemia no Estado.
Note-se que a Portaria 86/2020 não estava em desacordo com a
Lei Federal nº 13.979/2020 (inclusive após as alterações promovidas
pela Medida Provisória nº 926/2020), segundo a qual, em leitura
conjunta dos §§ 5º, 7º (inciso II e II) e 10º do seu artigo 3º, prevê a
possibilidade dos gestores locais de saúde adotarem o isolamento ou
quarentena, dentre outras medidas, desde que haja articulação prévia
com o órgão regulador ou o poder concedente ou autorizador.
E de acordo com o brocardo jurídico herdado do direito romano
de “quem pode o mais, pode o menos”, se os gestores de saúde locais
são competentes para decretar o isolamento social ou a quarentena,
são também competentes para atenuá-la ou encerrá-la, circunstância
que poderia ter motivado a conservação da Portaria.
Contudo, a Justiça Federal de Sergipe, em decisão prolatada pelo
TRF5 após a interposição do Agravo de Instrumento nº 0808511-
74.2020.4.05.0000 pelo Estado de Sergipe, confirmou a decisão liminar
da 1ª Vara Federal e preservou a autoridade do Decreto Estadual nº

387
40.615, de 15 de junho de 2020, lembrando ao Governo do Estado
que, também ele, deveria se vincular “às normas que ele próprio
editou, enquanto as mesmas estiverem vigentes, justificando-se a
excepcional intervenção do Poder Judiciário em tal seara, diante da
violação vislumbrada”.
Nesse sentido, a despeito de muito se discutir acerca da legitimidade
do judiciário para invalidar decisões dos atores políticos que exercem
mandato popular, ou mesmo sobre a legitimidade dos juízes singulares
e Tribunais para instituir políticas de saúde pública regionais e
nacionais – cujo debate, apesar de significativo, não será aprofundado
neste artigo –, o fato é que, diante da falta de coordenação técnica de
políticas emergenciais por parte do Governo Federal no enfrentamento
à Covid-19, os Estados e Municípios se viram na responsabilidade de
agir contra o avanço da doença, deixando no passado a postura de
passividade que marcou as últimas décadas.
E quando se fala em Estados e Municípios, abarcam-se não só
os gestores e legislativos locais, atores políticos que atraem o foco das
discussões em torno do federalismo, mas, também, os órgãos judiciais
estaduais e regionais.
Decisões como as destacadas anteriormente evidenciam a
potencialidade que a prestação jurisdicional dos juízos e cortes
locais representa à sociedade no que pertine à promoção de direitos
fundamentais no plano subnacional.
Ativistas, ou não, as decisões acima reafirmam a autonomia dos
entes subnacionais para, junto com a União, planejar e executar as
políticas de saúde pública voltadas ao enfrentamento do coronavírus
e confirmam a participação ativa das cortes locais na evolução, e
consequente construção, do federalismo brasileiro.
Seja através do exercício do papel de legislador positivo, como
ocorreu no Maranhão, na medida em que, sob o manto da proteção
constitucional do direito à saúde, o TJMA inovou na ordem jurídica
ao incorporar, à legislação local, normas de conduta a serem seguidas
pela população daquele estado; seja através do exercício da jurisdição
como ferramenta de preservação do regular exercício dos poderes
estatais e, consequentemente, de manutenção da higidez do pacto
federativo.

388
Ademais, o jurisdicionado que opta por acionar as Cortes inferiores
se vê mais próximo “das instâncias decisórias de poder e com maiores
possibilidades de controle de poder político”, podendo esperar, por
que não, a extensão da proteção constitucional que lhe é dada, com
base em direitos previstos não somente da Constituição Federal,
mas também naqueles garantidos pelo arcabouço jurídico estadual.
(MARRAFON, 2015).

5. NOTAS CONCLUSIVAS

É importante ter em mente que, assim como os acontecimentos


políticos moldaram o federalismo no Brasil, a evolução jurisprudencial
também contribuiu (e contribui) intensamente nas relações entre os
entes federativos, e, especialmente, no perfil de federalismo a ser
seguido por cada Estado.
E porque não incluir, dentro desta jurisprudência, as contribuições
dos juízes e tribunais regionais federais e estaduais que, juntamente com
o Supremo Tribunal Federal, continuamente constroem o federalismo
no Brasil, a partir da administração dos conflitos federativos?
Uma das lições mais que vêm sendo herdadas pela pandemia,
especialmente àqueles que estudam o federalismo e destinam-se
a fortalecer as suas estruturas, reside na percepção do quanto a
cooperação entre os entes federados se mostra necessária para
promover a tão sonhada união na pluralidade, enquanto ideal federalista.
Ademais, a análise do federalismo brasileiro no período de
crise sanitária demonstrou o quanto é importante explorar as
potencialidades dos poderes locais e, enfim, descentralizar os pleitos
populares na busca de ganhos maiores e mais direcionados à proteção
das minorias e correção das disparidades regionais dentro de suas
peculiaridades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO. Marcelo Labanca Corrêa de. Jurisdição constitucional e federação: o


princípio da simetria na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

389
BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 . Dispõe sobre
as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus responsável
pelo surto de 2019. Brasília: Congresso Nacional, 2020. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/
l13979.htm. Acesso em: 01/04/2021.
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Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341/DF. Rel.
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391
392
QUANDO OS DIREITOS TRANSBORDAM:
DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS E
TRANSFEDERALISMO
José Arthur Castillo de Macedo422

Sumário: 1. Introdução; 2. Existem direitos fundamentais


estaduais?; 3. Dois casos de proteção legislativa estadual
de direitos fundamentais; 4. Por que esses casos?; 5.
Transfederalismo; 6. Direitos fundamentais estaduais e
transfederalismo; 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Se houver a coexistência de mais de um direito fundamental –


nacional e estadual – que possa vir a proteger uma pessoa ou um
grupo de pessoas, é possível que direitos fundamentais estaduais
possam preceder direitos fundamentais nacionais na proteção da
pessoa humana? Questionamento idêntico poderia ser feito para
direitos humanos previstos em tratados internacionais e os direitos
previstos nas constituições internas. Poderiam entes da federação não
só cooperar, mas também concorrer para oferecer a melhor proteção
aos direitos fundamentais das pessoas?
De acordo com o imaginário a respeito do Estado moderno, o
direito é marcado pela territorialidade. Seus preceitos e comandos, suas
sanções e restrições, as liberdades e imunidades estão circunscritos a
um território. É inusitado que na segunda década do século XXI, em
um mundo complexo, conectado, e ao mesmo tempo, bastante desigual
e violento, ainda usemos a imagem de direitos que são exercidos até
422
José Arthur Castillo de Macedo, professor de Direito do IFPR – Instituto Federal
do Paraná – Campus Colombo, onde coordena os cursos Técnicos Integrados
e Subsequente em Administração. Doutor em Direito pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito da UFPR e pesquisador do CCONS – Centro de Estudos
da Constituição vinculado ao programa. Advogado e integrante da Comissão de
Estudos Constitucionais da OAB/PR. Agradeço aos professores Marcelo Labanca
e Luis Fernando Sgarbossa pelo convite e pela paciência com as dificuldades de
redação desse texto durante a pandemia.
393
onde vai a cerca de um vizinho, como se ainda vivêssemos em fazendas
demarcadas por cercas e rios, ou em pequenas cidades do início do
século XX. Contudo, a maior parte da população brasileira e mundial
vive em cidades, algumas, inclusive, em megacidades, maiores que
Estados inteiros, com milhões de habitantes.
É nesse contexto que inúmeros conflitos políticos têm ocorrido,
levando a questionamentos de premissas básicas de qualquer regime
democrático, tais como a igualdade de e nos direitos, as liberdades
e o convívio sem a busca de eliminação das pessoas que pensam
diferente. Grande parte das disputas políticas contemporâneas se dão
por direitos, eles são ao mesmo tempo o meio e o fim de tais disputas. O
meio utilizado para disputar ideias, cargos, recursos, reconhecimento e
adesões (inclusive afetivas); o fim, porque são disputadas interpretações
sobre o que devem ser os direitos, e qual a extensão da sua proteção,
isto é, qual o seu âmbito de proteção. Tais disputas sobre quais direitos
temos, o que eles nos asseguram e até onde podemos exercê-los são
partes constitutivas de qualquer democracia; e tem se tornado o ponto
central de muitas das lutas políticas contemporâneas.
Não se trata, somente, de reconhecer o fato de que os direitos
são conquistados e mantidos nas diversas lutas sociais. Ou de afirmar
que eles não nascem em árvores. Contemporaneamente, além de
meios e fins, os direitos fundamentais transbordam as rígidas cercas
e as expectativas de elites que exercem poderes. Eles são mobilizados
por atores sociais para assegurarem os seus objetivos e seus ideais
de comunidade política, de República e de democracia. E, ao
transbordarem como as águas que extrapolam os rígidos limites das
comportas de uma represa, eles constituem as dimensões da nossa
democracia, estabelecem os limites e as possibilidades para o exercício
dos poderes por parte do Estado e por particulares; eles, enfim,
constituem a nossa identidade constitucional.
Um exemplo do que vem ocorrendo desde 2020 e o início das
medidas restritivas da pandemia do COVID-19 pode demonstrar o
que estou descrevendo nesse início de texto.
É em nome de direitos que vimos pessoas defendendo medidas
restritivas à circulação – para a proteção dos direitos fundamentais
à vida e à saúde (individual e coletiva). Entretanto, é também em

394
nome de direitos que pessoas defenderam o direito ao trabalho e à
livre iniciativa – e a necessidade de manter os seus estabelecimentos
comerciais abertos, para assegurar o sustento de suas famílias, em razão
da falta de auxílio por parte do Estado. Foi, também, em nome de
direitos que pessoas se manifestam – em redes sociais – ou se reúnem
em praça pública, correndo o risco de contrair um vírus mortal, para
criticar a inércia de governantes ou para apoiá-lo.
Não é crível, tampouco respeitoso com nossos concidadãos,
afirmar que todas as pessoas que manifestam posições que divergem
das nossas estão erradas. Há, portanto, algo de relevante nesse uso dos
direitos nas diversas contendas políticas.
Mas qual é a conexão dessa introdução abstrata e os direitos
fundamentais estaduais? O que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo.
No presente texto sustento a ideia de que é necessária uma nova
e melhor compreensão sobre os direitos e como se dão as disputas
a respeito do seu conteúdo e alcance. Esses conflitos não estão
estacionados. Eles são dinâmicos, expandindo-se e contraindo-se,
deslocando-se horizontal, vertical e transversalmente. Transbordando
os limites postos e pressupostos, e reconfigurando nossa compreensão
sobre democracia constitucional e federação.
Conforme demonstrarei, com dois casos embasados em ações
judiciais propostas antes da pandemia do coronavírus, esses conflitos
não surgiram no Brasil em março de 2020.
A essa nova forma de compreender os conflitos de direitos e suas
implicações para o constitucionalismo, a democracia e, especialmente,
o federalismo, eu chamarei de transfederalismo. O transfederalismo
pretende oferecer melhor descrição sobre como se dão alguns conflitos
políticos e as suas implicações para compreender os direitos e o próprio
desenho institucional da federação brasileira, especialmente o regime
constitucional de repartição de competências. Ele se apresenta como
uma ferramenta para compreender a dinâmica federativa e como
interpretar as situações nas quais os direitos não se restringem ao seu
âmbito territorial de validade, ou, em outras palavras, como interpretar
os direitos quando eles transbordam.
Além disso, atento à complexidade e a pluralidade de regimes
contemporâneos, pretende oferecer respostas a um questionamento:

395
se houver a coexistência de mais de um direito fundamental – nacional
e estadual – que possa vir a proteger uma pessoa ou um grupo de
pessoas, é possível que direitos fundamentais estaduais possam
preceder direitos fundamentais nacionais na proteção da pessoa
humana? Questionamento idêntico poderia ser feito para direitos
humanos previstos em tratados internacionais e os direitos previstos nas
constituições internas. Poderiam entes da federação não só cooperar,
mas também concorrer para oferecer a melhor proteção aos direitos
fundamentais das pessoas?
Antes de responder a tais questões, discutirei se é possível a
existência dos direitos fundamentais estaduais. Em seguida, vou
apresentar dois casos que perpassarão a nossa discussão e ajudarão
a apresentar a explicação e as proposições desenvolvidas ao longo
do texto. Depois de apresentá-los, explicarei o que chamo de
transfederalismo. Ao final, ofereço a resposta transfederativa para os
questionamentos feitos e apresento como eles podem contribuir para
uma melhor compreensão dos casos e da dinâmica federativa.
Neste texto tomarei como ponto de partida os conflitos internos
ao direito, do ponto de vista de um participante/cidadão – nativo
– que está engajado na vivência de uma comunidade política – a
República Federativa do Brasil, em 2021 – e que adota uma postura
igualitária diante das controvérsias constitucionais. Ao explicitar esse
compromisso com o autogoverno individual e coletivo, deixo claro que
o meu ponto de partida, como intérprete do direito, não é neutro. Da
mesma forma, elucido que a análise não é externa a essa prática, no
sentido de um observador – sociólogo, cientista político – que pretende
descrevê-la e analisá-la, sem se engajar nela423.

2. EXISTEM DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS?

Em países como os Estados Unidos, o questionamento a


respeito da existência de direitos fundamentais estaduais não faz
sentido. Entretanto, no Brasil ele pode ser feito em razão da nossa
cultura política excessivamente centralizadora e autoritária. Depois
de duas ditaduras ao longo do século XX (o Estado Novo 1937-

Sobre a perspectiva interna e externa cf.: (HART, 2009) e (DWORKIN, 1986).


423

396
1945 e a ditadura militar-civil 1964-1985), fomentaram-se práticas de
centralização decisória na União federal e de crença de que o poder
central deve ter protagonismo na oferta e na prestação de políticas
públicas424. Durante tais períodos, a restrição de direitos e a eliminação
de pessoas contribuiu para enfraquecer o aprendizado coletivo sobre
o exercício das liberdades, da igualdade e da crítica pública na esfera
pública.
Além disso, o estudo das Constituições e do constitucionalismo
estadual não é feito na maioria das faculdades de direito425, inclusive,
paradoxalmente, naquelas que são instituições públicas e estaduais de
ensino426. Tais motivos estimularam a percepção na cidadania e na
comunidade jurídica de que só existiriam direitos fundamentais na
Constituição Federal.
A história das Constituições estaduais está intrinsicamente ligada
à história do federalismo e do constitucionalismo moderno. Nos
Estados Unidos existiam Constituições dos Estados antes de haver
a Constituição Federal. Nelas, inclusive, foram prescritos direitos
fundamentais antes da edição da Declaração de Direitos (Bill of Rigths)
com as dez primeiras emendas à Constituição Federal dos Estados
424
Há, também, a crítica ao coronelismo e ao poder de elites locais que governavam
a política da República até os anos 1930.
425
Nesse sentido, a recente obra de Thiago Magalhães Pires reforça a noção –
equivocada – de que os direitos fundamentais só deveriam ser previstos e protegidos
pela esfera federal, pois numa obra de direito constitucional estadual não são
analisados direitos fundamentais estaduais. Cf. (PIRES, 2020)
426
José Adércio Leite Sampaio elenca outros possíveis motivos para o esquecimento
dos direitos fundamentais estaduais e das Constituições estaduais: “A irrelevância
das Constituições estaduais pode ainda ser produto no baixo envolvimento social na
sua elaboração e nos processos de emenda, a refletir-se no reconhecimento daquelas
Constituições como elemento de autoconstituição e autogoverno. A falta de um
“momento constituinte” originário, decorrente de uma “fadiga” do processo federal
que culminou com a Constituição de 1988 ou, pelo menos, de seu ofuscamento,
uma vez que as Assembleias estaduais foram eleitas em 1989 para rapidamente
elaborarem os textos constitucionais, pode ser apresentada como um dos fatores
desmobilizantes. Assim também se pode dizer da invisibilidade do processo
reformador das Constituições dos estados. Associem-se a isso a baixa presença
dos discursos acadêmicos do constitucionalismo estadual e o apelo meramente
secundário das normas constitucionais estaduais como parâmetros de controle de
constitucionalidade e de suas diferenças para os cânones federais.” (SAMPAIO,
2019)
397
Unidos427. Há, até hoje, direitos fundamentais estaduais que não são
previstos na Constituição Federal.
Tal fenômeno se repete em outros países federativos. Mesmo
no Brasil, cuja federação possui uma origem centrífuga, com a
fragmentação do Estado Unitário do Império, houve manifestações
de auto-organização estadual antes da Constituição republicana de
1891428. Com tais exemplos, pode-se constatar que as Constituições
Estaduais e os direitos fundamentais estão historicamente atrelados
à formação do federalismo em países como o Brasil e os Estados
Unidos.
Contemporaneamente, a necessidade de aprovação das constitui-
ções estaduais está prescrita na Constituição Federal, em seu artigo 25
e 11 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias),
e decorre da autonomia constitucional assegurada no artigo 1º,
18 e 25 da Constituição Federal, 429. A existência da Constituição
estadual assegura a autonomia política em suas diversas dimensões
– auto-organização/autogoverno; autonomia legislativa; autonomia
administrativa e autonomia financeira – e constitui-se em elemento
427
Nesse sentido, Luís Fernando Sgarbossa e Laura Bittencourt afirmam que: “Nos
EUA os direitos fundamentais estaduais desempenharam um papel determinante
em certos períodos, como, por exemplo, entre 1791, data de criação do Bill of Rights,
e 1868, data da XIV Emenda (Equal Protection Clause). Em tal período, como os
direitos fundamentais federais criados em 1791 eram compreendidos como oponíveis
apenas às autoridades federais até a XIV Emenda, que finalmente o estendeu
expressamente também aos Estados, foi crucial o papel dos direitos fundamentais
estaduais.” (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019). É fundamental consignar que
os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal dos Estados Unidos só
após 1964/65 e depois de muitos protestos do movimento dos direitos civis foram
assegurados direitos fundamentais a parcelas significativas da população, incluindo
mulheres e a toda população negra, (TUSHNET, 2015). Contudo, havia Estados
onde a discriminação era menor inclusive em razão dos direitos fundamentais
estaduais. Em outros estados havia, na minha opinião, verdadeiro apartheid até mais
da metade do século XX.
428
Refiro-me aos diversos movimentos que ocorreram no Império, especialmente a
Confederação do Equador.
429
Para (SAMPAIO, 2019) o Brasil integra o rol de federações nas quais a autonomia é
um poder-dever. A maioria dos Estados (24 unidades) adotaram as suas constituições
em 1989, conforme previsto no art. 11 do ADCT e os outros em 1991 ou 1993 (3,
a saber, Amapá, Roraima e DF) (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019).

398
central para diferenciar, do ponto de vista jurídico, os Estados federados
dos Estados unitários decentralizados430.
Nos últimos anos, após 30 anos de constitucionalismo
subnacional, pesquisas recentes têm demonstrado a existência de
direitos fundamentais previstos nas constituições estaduais. Nem todas
elas seguem a estrutura da Constituição Federal, segundo José Adércio
Leite Sampaio (2019), em algumas constituições estaduais a proteção a
direitos fundamentais não está prevista em título, “capítulo ou artigo
próprios nem sequer em remissão à Constituição federal: Acre, Alagoas,
Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rondônia, São Paulo
e Tocantins.”
Contudo, conforme Sgarbossa e Bittencourt (2019) há padrão de
reenvio formal à Constituição Federal, isto é, em diversas Constituições
estaduais há a prescrição de que o Estado protegerá os direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal. Essas previsões
se dão de forma expressa431, ou mesmo sem previsão expressa, ao
prescreverem que as Constituições estaduais possuem como princípios
ou tarefas do Estado a proteção dos direitos fundamentais positivados
na Constituição Federal, como é o caso das constituições dos Estados
do Paraná, Rio Grande do Sul e Roraima e do Distrito Federal432.
A existência de previsões de reenvio, direta ou indiretamente,
reforça a proposta de Sgarbossa e Bittencourt de que a “adoção da
430
Do ponto de vista político as diferenças entre as autonomias dos Estados federados e
unitários são cada vez menores, consoante a literatura da ciência política e do direito
constitucional comparado. Exemplo disso é o fato de que a federação brasileira é
muito centralizada se analisarmos o exercício das competências legislativas.
431
Segundo os autores: “no artigo 3º da Constituição do Estado do Amazonas, que
estabelece que “o Estado, nos limites de sua competência, assegura, em seu território,
a brasileiros e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais
declarados na Constituição da República.” Como se percebe, é praticamente uma
norma de reenvio formal a conectar as ordens constitucionais federal e estadual.
Esta norma repete-se em diversas constituições estaduais, com variações maiores ou
menores, como se verá. Disposição de idêntico teor literal encontra-se, por exemplo,
na Constituição vigente do Estado de Minas Gerais (art. 4º, caput), Piauí (art. 5º),
Rio Grande do Norte (art. 3º) e Sergipe (art. 3º).” (SGARBOSSA, BITTENCOURT,
2019)
432
(SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019). Sobre a distribuição desses direitos
fundamentais ao longo do texto constitucional e se há título ou capítulo próprio
para eles, conferir (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019) e (SAMPAIO, 2019).
399
concepção segundo a qual o rol federal de direitos fundamentais deve
ser interpretado como ‘piso’ ou standard mínimo de direitos, passível
de acréscimo e complementação pelo poder constituinte dos Estados”.
(SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019).
Essa concepção está alinhada com os princípios democráticos e
republicanos que constituem a República Federativa do Brasil. Ademais,
a igualdade republicana exige o combate às desigualdades e a promoção
da inclusão (art. 3º e 5º, caput, ambos da CF) e proíbe a existência de
preferências e discriminações de brasileiros entre si promovidas por
entes da federação (art. 19, III).
Na sociedade brasileira, constituída por pessoas livres e iguais, os
cidadãos devem poder escolher em que Estado da federação pretendem
viver, tendo em comum o piso mínimo que são os direitos fundamentais
positivados na Constituição Federal.
Como se verá adiante, a partir da noção de transfederalismo,
defendo que esse piso mínimo serve como critério para que se evite
problemas de coordenação da ação coletiva, como a chamada “corrida
ao fundo do poço”, na qual os entes da federação, ao competir entre
si, passam a promover resultados que podem ser piores para todos ou,
pelo menos, para a maioria dos entes. O exemplo mais claro disso é,
sem dúvida, a guerra fiscal dos anos 1990.
A compreensão dos direitos fundamentais federais (positivados
na Constituição Federal) como um piso mínimo433, permite que as
constituições estaduais possam inovar, assegurando maior proteção a
idênticos direitos ou protegendo direitos diversos. Isso pode ser feito
por meio da previsão expressa de direitos fundamentais estaduais
específicos e distintos dos direitos fundamentais federais, que pode
ser feita pela criação de outros direitos fundamentais estaduais – pelo
poder de reforma da Constituição estadual, ou por meio de cláusulas
de aberturas semelhantes ao §2º do art. 5º da Constituição Federal434.
Fundadas em tais cláusulas de abertura ou em direitos
fundamentais expressos podem os Poderes estaduais – não só o
Executivo e o Legislativo – promover medidas que assegurem maior
proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos daquele Estado. Como

Nesse sentido no direito alemão (PIEROTH, SCHLINK, 2008).


433

Sobre o tema cf.: (SGARBOSSA, BITTENCOURT, 2019) e (SAMPAIO, 2019).


434

400
se verá adiante, é possível que o Estado procure promover padrões
mais exigentes, alinhados com padrões internacionais, em matéria
ambiental ou de proteção a outros direitos, desde que isso promova
um incremento de melhoria na qualidade de vida e na diminuição da
dominação e dos constrangimentos sociais aos seus cidadãos.
Nesse sentido, há constituições estaduais que asseguram a proteção
aos consumidores e às minorais e à diversidade étnico-social, além das
mulheres, indígenas e o reconhecimento da importância da cultura
afro-brasileira, extrapolando as disposições da Constituição Federal.
Em relação aos direitos das mulheres, além da previsão idêntica aos
direitos assegurados na Constituição Federal435, algumas Constituições
estaduais vão além e prescrevem o resguardo a direitos sexuais e
reprodutivos em relação à interrupção da gravidez, nas hipótese
admitidas legalmente436, tais como do Rio de Janeiro (art. 35) e São
Paulo (art. 223), e, “no Paraná (art. 176), atribui-se a tarefa estadual de
assistência à interrupção da gravidez, nos casos admitidos em lei, ou,
no Pará (art. 299, IV), de acesso gratuito aos métodos contraceptivos
naturais ou artificiais” (SAMPAIO, 2019).
Além do aspecto da validade formal, não é demais recordar que
os direitos fundamentais estaduais vinculam as autoridades estaduais
em sua atuação e podem vincular a atuação dos atores particulares.
Há, inclusive, diversas situações nas quais as autoridades estaduais
(principalmente a Assembleia Legislativa e o Poder Executivo estadual)
editam medidas normativas para proteger direitos que geram restrições
à livre iniciativa ou que conformam os direitos das pessoas físicas e
jurídicas437.
Essa advertência é importante para compreender os casos abaixo
e a noção de transfederalismo que será exposta em seguida, porquanto
as restrições à livre iniciativa promovidas por leis estaduais, em favor
da maior proteção de direitos fundamentais estaduais, são objeto

435
No tocante ao mercado de trabalho, à maternidade e à igualdade com o homem,
notadamente na sociedade conjugal. (SAMPAIO, 2019)
436
Essa ressalva sempre está presente. Cf. (SAMPAIO, 2019)
437
Por restrições estou entendendo diversas medidas que podem afetar – restringindo
– o âmbito de proteção de um direito fundamental, não só as leis que os restringem,
tendo em vista que inúmeras medidas são promovidas por meio de atos infralegais
como Decretos, Portarias etc.
401
constante de contestação em face da Constituição Federal, como nos
casos apresentados abaixo.

3. DOIS CASOS DE PROTEÇÃO LEGISLATIVA ESTADUAL


DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em 29 de março de 2006 foi promulgada, no Estado do Rio


de Janeiro, a Lei (estadual) nº 4.735/2006. Ela tinha como objetivo
estabelecer medidas para evitar a intoxicação dos trabalhadores por
substâncias químicas presentes em tintas e anticorrosivos e condicionou
o uso de revestimento e pinturas anticorrosivas à comprovação de
atoxidade à saúde do trabalhador e ao meio ambiente.
Em outubro daquele ano, a Confederação Nacional das Indústrias
(CNI) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI) perante o
Supremo Tribunal Federal, alegando a total inconstitucionalidade
da lei estadual, sob diversos fundamentos. Em síntese, a CNI
sustentou a inconstitucionalidade pela violação a diversos dispositivos
constitucionais que demonstrariam a violação de competência da
União (materiais e legislativas), além da violação de direitos como a
livre concorrência438.
A ADI 3.811, proposta em face da lei fluminense, foi julgada
procedente pela maioria de votos da Corte, cujo julgamento se deu
em plenário virtual entre os dias 15 e 21 de maio de 2020; portanto,
durante a pandemia causada pelo COVID-19.
Dois anos antes da promulgação da lei fluminense, em 26 de maio de
2004, o Estado de Pernambuco promulga a Lei estadual nº 12. 589/2004,
a qual proíbe a fabricação, o comércio e o uso de materiais, elementos
construtivos e equipamentos constituídos por amianto ou asbesto.
Seis meses após a promulgação da lei, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) ajuizou, em 30
de novembro de 2004, ação direta de inconstitucionalidade em face
da Lei pernambucana439. A petição inicial da ADI 3.356 afirmou a
438
Conforme se pode ler no processo, as alegações estão fundadas nos artigos 21,
XXIV; 22, I e VIII; 170, IV e 174 e 200, VII, da Constituição Federal. Cf. ADI 3811.
439
Posteriormente, em 02/04/2008, foi ajuizada outra ADI questionando a mesma
lei, que foi registrada com o número 4066, cujo julgamento foi concluído em
402
inconstitucionalidade formal da lei pernambucana, porquanto teria
Pernambuco legislado sobre normas gerais de produção, comércio e
consumo, já disciplinados pela União na lei federal nº 9.055/95, a qual
não vedava todas as formas de amianto, inclusive o chamado amianto
da variedade crisotila.
No dia 30 de novembro de 2017 foi concluído o julgamento
conjunto da ADI 3.356, 3.357 e ADPF 109, afirmando que as leis
dos Estados de Pernambuco e São Paulo (respectivamente, ADIs
3.356 e 3.357) e a lei municipal e o Decreto municipal da cidade de
São Paulo (ADPF 109) eram constitucionais, conforme a maioria dos
votos. Assim, o STF confirmou as decisões proferidas nas ADIs 3406
e 3470, que declararam a constitucionalidade de outras leis estaduais
de mesmo teor, e pronunciaram a inconstitucionalidade do art. 2º da lei
federal nº 9.055/95.

4. POR QUE ESSES CASOS?

Antes de responder os questionamentos feitos acima a respeito


dos direitos fundamentais estaduais e do transfederalismo, gostaria de
justificar, em poucas palavras, o critério para seleção dos dois casos que
perpassam o texto e que permitirão a exposição do entrelaçamento dos
direitos fundamentais estaduais e do transfederalismo.
A despeito das diferenças fáticas e jurídicas, ambos os casos
possuem cinco pontos em comum que permitem que eles sejam
trabalhados conjuntamente: i) a existência de direitos fundamentais
estaduais e direitos fundamentais nacionais; ii) em ambos os casos
há Estados da federação brasileira promulgando leis; iii) a edição das
leis, além de exercício de competência prevista na Constituição do
Estado, deve ser compreendida como caso de exercício de competência
concorrente nos termos do art. 24 da Constituição Federal; iv) há
uma dimensão que transcende o nível nacional/regional, isto é, as
leis estaduais procuram proteger e promover direitos que extrapolam
as suas fronteiras – meio ambiente, saúde, saúde e segurança dos
trabalhadores, e que são baseadas em normas internacionais da OIT ou

24/08/2017, logo, alguns meses antes da ADI 3356. Porém, conforme se verá, em
ambas a decisão foi no mesmo sentido e sob os mesmos fundamentos.
403
da OMS, cujo padrão é tomado como referência pelas leis estaduais; v)
ambas foram questionadas no STF por meio de ADI, sob a alegação
de violação ao regime constitucional de repartição de competências,
ainda que com pronunciamentos diversos (a constitucionalidade de
uma e a inconstitucionalidade da outra).
Há, contudo, algumas diferenças. No caso pernambucano do
amianto, já havia lei federal (lei nº 9.055/95) promulgada após a vigência
da Constituição Federal de 1988. No outro, foi aprovada a lei federal
nº 11.762/2008440 sobre tema relativamente próximo, após a aprovação
da lei fluminense e do ajuizamento da ADI.
Conquanto o objetivo desse texto não seja reconstruir a
argumentação e os detalhes dos casos, é fundamental ressaltar a
dificuldade encontrada pelo STF. Na ADI 3.356 o STF teve que efetuar
malabarismo conceitual, pois decidiu que a lei pernambucana era
constitucional. Porém, declarou a inconstitucionalidade “incidental” da
lei federal nº 9.055/95. As aspas se justificam, pois se tratava de ações
de controle concentrado e principal cujos objetos eram a legislação
estadual – no caso das ADIs – e o Decreto Municipal de São Paulo,
não havendo propriamente uma questão incidental. Fora necessário
tal malabarismo, porque a Corte não possuía aparato conceitual que
descrevesse adequadamente a situação e que permitisse justificar
normativamente, isto é, fornecer razões para que se fosse declarada
a constitucionalidade dos atos dos entes subnacionais. No próximo
item procuro apresentar tal aparato conceitual a que denomino de
transfederalismo.

5. TRANSFEDERALISMO

O federalismo e a dinâmica federativa da segunda década do


século XXI não podem ser compreendidos exclusivamente com os
termos utilizados ao longo do século XX. Ainda que as instituições do
federalismo cooperativo do pós-segunda guerra estejam presentes nas
Constituições e nas práticas federativas de países como o Brasil, vem
ocorrendo mudanças que resultaram em transformações profundas
nas federações.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/L11762.htm
440

404
Apesar de muitos textos constitucionais terem sido modificados,
as mudanças estruturais que ocorreram nos últimos anos estão
modificando as sociedades. Não se trata da – ainda – presente crise
causada pela pandemia do COVID-19. Refiro-me às mudanças
tecnológicas, culturais, ambientais, dentre outras que têm transformado
por dentro o mundo e, com ele, o federalismo (brasileiro inclusive).
No campo da tecnologia, o avanço da internet para os diversos
segmentos e a aplicação de novas tecnologias têm permitido que
mudanças no comportamento das pessoas441, ao se comunicarem por
meio de aplicativos e de redes sociais que não servem só de meio para
a transmissão de informações, mas também captam dados dos seus
usuários, muitos dos quais são negociados para outras empresas, em
clara violação à privacidade dos usuários.
As mudanças tecnológicas fortaleceram os movimentos de empresas
e de indústrias que, em diversas situações, transferiram suas plantas
para outros países menos custosos. O que gerou a perda de empregos
e, consequentemente, a redução da arrecadação e dos recursos para o
financiamento de prestações sociais realizadas pelo Estado.
O desemprego gerou desalento, ressentimento e aumento nas
desigualdades internas nos países, o que, por sua vez, aumenta as
tensões políticas em cada país. Como se sabe, essas situações, somadas
a guerras e a catástrofes ambientais, forçaram milhões de pessoas a
se deslocarem, buscando refúgio em outros países ou promovendo
deslocamentos internos.
Em contraste com essa situação socioeconômica, os fluxos de
investimento no mercado financeiro ainda conseguem trafegar com
menores restrições do que as impostas às pessoas. Essa mobilidade
do capital permite que investimentos sejam retirados rapidamente
de Estados que não adotam políticas mais favoráveis aos retornos
financeiros para os investidores, contribuindo para enfraquecer a
capacidade dos Estados para promover políticas sociais.
É nesse contexto de desigualdade, de restrições à mobilidade de
pessoas, mas com ampla mobilidade de capitais, que as relações políticas
ocorrem, mediadas por redes sociais, cujos algoritmos contribuem para
uma polarização cada vez maior de grupos sociais (SUNSTEIN, 2017).

(SUNSTEIN, 2017).
441

405
Nesse contexto, conflitos ordinários do federalismo a respeito
da repartição constitucional de competências passam a ganhar novos
contornos. É claro, a autonomia dos entes políticos em uma federação
funciona, em regra, como um acordeon442, conforme a bela metáfora
de Robert Williams (WILLIAMS, 2011). Ou seja, ela encolhe e estica
conforme a interpretação dos atores políticos e, em casos judiciais,
das cortes.
Esse efeito sanfona é constituinte da política e das práticas
federativas, especialmente a partir do momento – no início do século
XIX – em que a Suprema Corte dos Estados Unidos passou a julgar
as controvérsias a respeito do regime constitucional de repartição
de competência daquele país. Ele também já foi descrito como um
movimento pendular entre descentralização e centralização.
Todavia, as mudanças sociais e tecnológicas têm produzidos
profundas modificações, conforme descritas acima.
A primeira tem sido bastante noticiada, trata-se de uma mudança
estrutural do capitalismo e os efeitos que ele tem produzido no planeta
e que a economia do compartilhamento tem produzido em setores
tradicionais na produção de bens e na oferta de serviços.
O segundo diz respeito às mudanças infraestruturais que têm
ocorrido há mais de décadas e que é objeto de diversos estudos no
direito público dentro e fora do Brasil. As mudanças na infraestrutura e
na arquitetura política recebe diversos nomes, mas ela busca dar conta
da descrição da governança multinível, da ascensão e do fortalecimento
cada vez maior dos tribunais internacionais de direitos humanos e
outras instâncias internacionais governamentais ou não governamentais
que resolvem conflitos e gerem espaços fundamentais para a vida
contemporânea – como o ICANN com a internet.
Alguns autores costumam chamar essas mudanças de governo
multinível. Essa terminologia é bastante presente na literatura publicista
europeia e tem ganho espaço inclusive no campo constitucional
brasileiro (FACHIN, 2019). A governança multinível busca descrever
as mudanças no desenho institucional em Estados constitucionais que

O termo acordeon é utilizado pelo autor. A depender da região do Brasil, o mesmo


442

instrumento musical pode ter outros nomes, tais como gaita (no Rio Grande do Sul
e em locais colonizados por gaúchos), sanfona e acordeon.
406
precisam conciliar a separação dos poderes e o federalismo com as
instituições do Estado Regulador criadas nos anos 1990.
Trata-se de um incremento em complexidade enorme, porquanto
podem surgir diversas tensões e conflitos normativos entre autoridades
públicas de diferentes níveis da federação. Por exemplo, Agência
Reguladora federal pode invadir competência de Estado-Membro ao
extrapolar a sua competência e legislar sobre tema de competência
estadual. Note-se, contudo, que tais limites não são, nem de longe,
óbvios e serão objetos de disputas por atores públicos e privados,
conforme explicarei abaixo.
Essas transformações têm originado fissuras na imagem
clássica do Estado westfaliano, soberano, com seus muros e guaritas
instransponíveis; que pouco a pouco está se tornando mais poroso.
A terceira delas é que a existência de um mundo conectado que
reduz custos de organização e de mobilização para atores políticos
(MOUNK,2019). De um lado, isso aumenta expressivamente a
velocidade da veiculação de informações que geram mobilizações e
reorganizações quase instantâneas. De outro, permitem que mensagens
possam ser difundidas com um alcance poucas vezes visto antes.
Em razão disso, e com a ajuda de algoritmos, filiações políticas
podem se manter ou se rearticular em razão de uma ação concreta
de um governo, de uma celebridade ou de um fato, mobilizando
virtualmente milhares ou milhões de pessoas em redes sociais. Ainda
que tais ações não repercutam imediatamente para a esfera pública
não virtual ou em votos, há casos nos quais elas efeitos de grandes
proporções políticas como o Brexit e a eleição de Jair Bolsonaro para
a presidência do Brasil443.
Esse padrão de mobilização e de engajamento político engendrou
a globalização de pautas da esquerda à direita no espectro político,
sendo que foi a extrema direita que primeiro identificou os potenciais
– nocivos – do uso de tais tecnologias. E qual a relação disso com o
federalismo?

Não estou a afirmar que tais fatos políticos ocorreram somente em razão dessa
443

tecnologia. Porém, estou a afirmar que se não houvesse essa tecnologia o resultado
poderia ser distinto dado o enorme poder de mobilização e a redução dos custos
de organização e de transmissão que elas promovem.
407
Problemas que eram locais e que afetavam somente uma pequena
comunidade no interior de Pernambuco, Minas Gerais, Paraná ou do
Pará podem se tornar, em menos de um dia, tema de repercussão
nacional e internacional. A depender do conteúdo e das interpretações
dos fatos, isso pode servir para mobilizar os opositores e os apoiadores
de grupos políticos, o que contribui para manter a tensão política e
a sensação de que a ameaça está logo ali, na esquina – e, por isso,
“precisamos” agir e nos proteger.
Três exemplos ajudam a ilustrar isso: uma Câmara de Vereadores
aprova a necessidade de revisão das estátuas locais para incluir estátuas
de etnias que formaram a cidade, mas que foram escravizadas ou que
sofreram alguma forma de silenciamento; a Câmara de Vereadores da
cidadã ao lado decide aprovar lei proibindo o ensino da “ideologia de
gênero” nas escolas municipais; é aprovada legislação local e estadual
que permite o desmatamento e a caça de animais que não causam
prejuízos às lavouras, em nome dos valores tradicionais dos cidadãos
do Estado.
Há pouco tempo, tais questões tomariam, no máximo, alguns
minutos do noticiário televisivo estadual e seria objeto de discussão
na comunidade. Entretanto, hoje essas controvérsias podem se tornar
objeto do debate público nacional e internacional, podem voltar a
cidade que a deu origem como um tema a ser discutido em grupos de
Whatsaap e em encontros de familiares, amigos etc.
Como compreender a dinâmica federativa e as disputas políticas
em que há múltiplos níveis (internacional/interamericano/federal/
estadual/local), diversos atores públicos e privados; estatais e da
sociedade civil, com variadas formas de proteção?
Designo por transfederalismo o termo para descrever tal dinâmica
federativa que ocorre neste contexto político e institucional. O termo
descreve três fenômenos: i) a transversalidade; ii) a transcendência;
iii) o trânsito.
A transversalidade descreve a mudança das relações de poder
contemporâneas. Tradicionalmente as relações de poder são baseadas
na verticalidade e na ideia de hierarquia, seja nas relações públicas
ou privadas, e.g., relações de trabalho pressupõe algum grau de
subordinação. Após a segunda metade do século XX as diversas ciências

408
sociais descreveram relações sociais que eram praticadas de forma mais
difusa (microfísica) ou que organizavam outras formas de dominação,
por exemplo, através de não-decisões ou da formação de mecanismos
de legitimação, e.g., poder simbólico, hegemonia etc.
É evidente que tais relações continuam a existir e vivenciamos
muitas delas no dia a dia. Contudo, em razão das mudanças estruturais
do capitalismo (com as Big Techs) e da governança multinível, as disputas
por poder não se dão “só” vertical e horizontalmente, mas há relações
de poder que atravessam transversalmente instituições, pessoas e relações.
Isso fica claro ao se analisar como questões de gênero e relativas
ao racismo não só produzem fissuras e tensões nas diversas esferas
(pessoais e institucionais) em que se colocam, mas elas também são
politicamente constituintes444, pois demandam uma tomada de posição
política abalando posições confortáveis. Outros temas podem não
ser tão politicamente inflamáveis, mas, em tempos de redes sociais
altamente mobilizadas para fins políticos, discussões a respeito de
proibir uma substância que produz câncer (um tipo de amianto) ou
determinados componentes químicos que fazem mal ao trabalhador
que usam tintas podem gerar controvérsia sobre os direitos das
empresas que produzem esses bens que fazem mal a saúde.
Portanto, diferentemente de Mangabeira Unger que chegou a
afirmar “que tudo é política” (UNGER, 2001), entendo que, a princípio,
nem tudo é política. Entretanto, tudo pode ser politizável e pode ser
objeto de controvérsias políticas, seja porque sempre produziu alguma
forma de opressão ou porque foram descobertas novas formas de
dominação que sujeitam pessoas.
A transversalidade também indica que as antigas fronteiras
westfalianas são mais abertas ao diálogo entre fontes internas e
internacionais e à prioridade pela melhor proteção aos direitos da pessoa
humana.
A transversalidade está conectada com a transcendência e o
trânsito, afinal estou a explicar a dinâmica federativa. A transcendência

Ainda que meu argumento não seja schmittiano, a afirmação de Carl Schmitt de que
444

a política cria uma distinção entre “nós” e “eles” pode ser aplicada aqui; desde que
não se recorra à continuação do raciocínio e à lógica do amigo-inimigo etc. Ademais,
no início do século XX Freud já alertava para a tendência humana a formarmos
grupos por afinidades.
409
é de fácil compreensão, pois há problemas sociais que pela sua própria
natureza possuem dificuldades de serem regulados nos rígidos limites
territoriais dos entes da federação. O caso mais evidente, sem dúvida,
é do meio ambiente.
A Constituição Federal brasileira estipulou que é o meio
ambiente é direito fundamental de todos (art. 225) e bem comum
do povo, impondo-se o dever de protegê-lo ao Poder Público (em
todas as esferas, conforme art. 23, VI) e aos particulares. Há diversos
dispositivos constitucionais a respeito dos bens e da competência
legislativa em matéria ambiental. Todavia, para justificar a dimensão de
transcendência do meio ambiente basta analisar alguns casos em que
o STF tentou decidir a respeito da competência municipal, estadual
ou federal para legislar sobre o tema.
A teoria da predominância do interesse com certeza não consegue
descrever ou justificar quando que o interesse de proteger o meio
ambiente deixa de ser local e passa a ser regional ou nacional. Por
exemplo, pequenos problemas de violação ao meio ambiente (e.g.,
desmatamento) na esfera local podem, se somados, causarem grande
impacto nacional445; logo, a lei municipal que reforça a redução ao
desmatamento é inconstitucional? Por quê?
Raciocínio idêntico pode ser aplicável para o uso de controladores
de poluição em ônibus municipais. Pode o município de Belo Horizonte
editar lei que estabelece padrões mais rigorosos de controle da emissão
de poluentes em relação aos padrões federais446.
Outro aspecto da transcendência é que há temas que não
conseguem se conter nos estreitos limites construídos socialmente. Vale
dizer, quando se trata de do âmbito material de regulação de áreas do
direito, e.g., direito civil, trabalho, ambiental etc., os limites estão em
constituição a cada edição de leis pelos parlamentos, a cada decisão
das Cortes a respeito da sua constitucionalidade, ou a cada uma das
práticas administrativas que reforçam qual é o sentido dessa prática
confirmando expectativas da comunidade.
445
Trata-se de raciocínio que já foi utilizado na jurisprudência da Suprema Corte Norte-
Americana para discutir a pertinência (aplicação), ou não, da Cláusula de competência
do Congresso dos Estados Unidos para legislar sobre comércio interestadual. Sobre
o tema cf.
446
Cf. RE 194.704/MG.
410
Há temas que permitem maior fluidez a respeito dos seus limites.
Também há consensos que são formados nas práticas da sociedade e
que contribuem para que as dúvidas a respeito da extensão da proteção
normativa sejam reduzidas substancialmente447. O que é, ou não, objeto
da proteção do direito do trabalho, do direito civil e do outros “ramos”
do direito é objeto de disputa seja em relação ao objeto, isto é, o que é/
pode ser protegido por essa área do direito, seja em relação ao sujeito
que pode editar o ato legislativo a respeito do tema.
Nesse contexto de governança multinível, Antonio Manuel
Hespanha (2013) aponta que os direitos fundamentais possuem
uma eficácia transversal ao produzirem perturbações dos elementos
paroquiais das formas setoriais de regulação. A transcendência dos
direitos fundamentais reforça a transversalidade dos direitos, sua
possibilidade de diálogos internos e externos e o fomento à melhor
proteção desses direitos. Assim, os direitos fundamentais servem,
igualmente, como estímulo e meio para repensar a repartição
constitucional de competências. Essa ideia será mais bem compreendida
com o último fenômeno.
As relações federativas transitam, isto é, elas são dinâmicas. A
atenção a essa característica sempre presente nas relações federativas
é fundamental para compreender como essa dinamicidade se dá
contemporaneamente – de forma transversal e transcendendo
fronteiras (geográficas ou normativas).
Levando em consideração o fato de que a autonomia federativa
pode ampliar-se ou encolher-se (WILLIAMS, 2011) como um
acordeon, é fundamental compreender que os diversos atores sociais
(públicos ou privados) lançam mão de argumentos para justificar quem
deve ser o ente competente para editar o ato normativo a respeito do
tema. Em outras palavras, apesar do regime constitucional de repartição
ser rígido448, ele é objeto de disputas políticas que o tornam bastante
maleável. Para compreender essa afirmação é necessário esclarecer
dois pontos.
447
Nesse sentido, o caso torna-se “fácil” conforme a terminologia de Hart, n’O
Conceito de Direito.
448
A rigidez do regime constitucional de repartição de competências decorre, dentre
outros motivos, do fato de que ele só pode ser alterado formalmente por emendas
à Constituição Federal.
411
Primeiro, algo pouco explorado pela literatura é o fato de que
as disposições constitucionais que estabelecem enunciados sobre
as competências legislativas possuem, geralmente, duas partes. Na
primeira parte há uma regra que estipula qual ente da federação pode
emanar o ato, por exemplo, os caputs dos artigos 22 e 30 da Constituição
Federal. Porém, o que se costuma chamar de norma de competência,
isto é, o resultado da interpretação do enunciado normativo a respeito
da competência, inclui a positivação sobre o âmbito material a ser
regulado, isto é, qual é o tema/assunto que poderá ser objeto da
regulação daquele ente.
O segundo ponto trata do âmbito material legislativo. Entendo, no
mesmo sentido que Beltrán (2000) e Schauer (1992), que os problemas
sobre o âmbito material são problemas de interpretação do direito, pois
requerem o enfrentamento da questão: a matéria m é um caso de ou
está incluída na matéria m’, cuja competência é do ente (ou órgão) x449.
Em outras palavras, segundo os autores, o enunciado constitucional
que atribui o âmbito material legislativo de direito do trabalho para a
União, requer a interpretação se a matéria é um caso de ou está incluída
na matéria direito do trabalho.
Esse raciocínio é útil para situações nas quais não há grande
controvérsia, sobre o tema. Em casos nos quais essa clareza ainda
não é possível, entendo que a gramática subjacente se aproxima ao
raciocínio que Ronald Dworkin (1986) desenvolveu para a cortesia.
Em síntese, Dworkin afirma que a interpretação do direito em diversas
circunstâncias se aproxima da lógica da cortesia. Vale dizer, é necessário
se engajar à prática social da cortesia para compreender quais são os
critérios de julgamentos inerentes a tal prática.
No caso dos enunciados constitucionais que atribuem competências
é necessário se engajar na prática para compreender se determinado
provimento legislativo respeita o âmbito material disposto na repartição
de competências ou não. Por exemplo, para saber se a lei de um Estado
ou de um município que coíbe práticas discriminatórias realizadas em
empresas durante entrevistas de emprego é constitucional, ou não; é
necessário compreender primeiro se a regulação editada versa sobre
direito do trabalho (art. 22, I), que é competência da União. Ou, se se

O raciocínio retirei de BELTRÁN, 2000, p. 146.


449

412
trata de exercício legítimo de regulação justificado no interesse local e
na competência suplementar (art. 30, I e II) dos Municípios, ou, ainda,
se pode ser justificado como exercício da competência concorrente
sobre direito econômico e urbanístico (art. 24, I) ou da competência
remanescente (art. 25, §1º) dos Estados.
Para decidir se a regulação antidiscriminatória por ente subnacional
é constitucional é necessário interpretar os diversos âmbitos materiais
para se compreender se o provimento legislativo está sob a guarida de
um ou âmbito material450.
Ao interpretar o regime constitucional de repartição de
competências os diversos atores sociais mobilizam argumentos, isto é,
razões na esfera pública e justificativas em processos administrativos
ou judiciais para que se decida que o provimento legislativo está sobre
o abrigo de um âmbito material e não de outro. Esse acolhimento de
um âmbito em detrimento do outro pode modificar quem será o sujeito
competente para editar o ato. Assim, um caso que seria considerado
uma simples questão de inconstitucionalidade formal por usurpação de
competência451ganha novos contornos, pois o que se está – e sempre
se esteve a fazer – é a constituição do âmbito material daquela área do
direito. Decisões a respeito desse tema podem confirmar as expectativas
dos atores sociais que mobilizaram argumentos contra ou a favor do
exercício de tais competências452.
O caráter dinâmico da interpretação da repartição constitucional
de competências e das práticas constitucionais ficam mais claro
se compreendemos que a cada promulgação de leis pelos entes
da federação é realizada uma interpretação sobre a nossa prática
constitucional, e o respectivo Poder Legislativo interpreta se a ele é
assegurada esse poder/competência. É claro que tal interpretação

450
Da mesma forma, nos casos apresentados acima, as ADI 3.811 e ADI 3.356, é
indispensável refletir sobre o que é a proteção e a defesa da saúde (art. 24, XII) para
se verificar se se trata de restrições legítimas às respectivas atividades econômicas,
ou se se trata de usurpação de competências da União para legislar sobre direito
civil, comercial ou direito do trabalho (art. 22, I).
451
No caso de competências concorrentes pode se discutir se houve um abuso no
exercício de tal competência.
452
Alguns exemplos nos quais isso ocorreu: i) os diversos casos a respeito do movimento
“Escola Sem Partido” e contra a “ideologia de gênero” nas escolas
413
poderá ser contestada e suas razões poderão ser avaliadas pela Poder
Judiciário e pela esfera pública.
A descrição que fiz da dinâmica federativa pode contribuir para o
diálogo entre o direito e outros saberes que podem descrever as ações
e razões produzidas pelos atores sociais que disputam direitos e os
sentidos da democracia.
Por fim, a descrição transfederativa pode contribuir para o
desenvolvimento de uma proposta de interpretação funcional da
repartição de competências, a qual será útil para a resolução de casos
como os mencionados no item anterior.

6. DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS E TRANSFE-


DERALISMO

Compreendida a dinâmica federativa, fica claro porque é possível


a proteção dos direitos fundamentais por todos os entes da federação
brasileira em diálogo com instâncias internacionais em busca da melhor
proteção possível. Independentemente da existência de cláusulas de
aberturas expressas nas constituições estaduais, os legisladores estaduais
devem estar abertos as melhores práticas internacionais, as quais
podem ser incorporadas por meio de leis estaduais ou de emendas às
constituições dos Estados.
Nos casos mencionados acima, as Assembleias Legislativa de
ambos os Estados tomaram como referências medidas internacionais
que visam promover a saúde dos trabalhadores. As constituições dos
dois Estados preveem expressamente o direito fundamental à saúde453 e
os legisladores estaduais decidiram ampliar o âmbito de proteção de tal
direito. Logo, à luz das considerações feitas ambas as leis deveriam ser
consideradas constitucionais, pois visam garantir a saúde das pessoas
de cada Estado.
Própria da dinâmica federativa e dos Estados Democráticos de
Direito é a capacidade de aprendizado das pessoas e das instituições.
Portanto, espera-se que o STF contribua para que haja uma maior
proteção aos direitos fundamentais transversalmente e que permita
Cf. Artigos 8º e 39 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e Artigos 159 e
453

160 da Constituição de Pernambuco.


414
uma saudável “competição” por melhores práticas de proteção a
tais direitos, tendo como “piso mínimo” os direitos fundamentais da
Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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de la dinâmica jurídica. Madrid: CEPEC, 2000.

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MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação


no Brasil? SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (orgs.) Direito
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2014. 107-139

415
PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos Fundamentais:
Direito Estadual II. Trad.: António Franco; António Francisco de
Souza. Lisboa: Lusíada, 2008.

PIRES, Thiago Magalhães. Curso de Direito Constitucional


Estadual e Distrital: A organização dos Estados e do Distrito Federal.
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SAMPAIO, José Adércio Leite. As Constituições Subnacionais e


Direitos Fundamentais nas Federações. Revista de Direito da Cidade.
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SUNSTEIN, Cass. #Republic. New Jersey: Princenton, 2017.

UNGER, Roberto Mangabeira. Política: os textos centrais, a teoria


contra o destino. Trad.: Paulo César Castanheira. São Paulo: Boitempo;
Santa Catarina: Editora Argos, 2001.

WILLLIAMS, Robert. F. Teaching and Researching Comparative


Subnational Constitutional Law. Penn State Law Review. Vol. 115:4,
p. 1109-1131

416
DIREITOS FUNDAMENTAIS ESTADUAIS
NO BRASIL: UM DEBATE NECESSÁRIO
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo454
Emilio Peluso Neder Meyer455

Sumário: 1. Introdução; 2. Federalismo e direitos fundamentais


na experiência estadunidense; 3. Direitos fundamentais
e Estados Brasileiros; 4. Direitos fundamentais no plano
subnacional: o case COVID-19; 5. Conclusões; 6. Referências

1. INTRODUÇÃO

Se o constitucionalismo sugere que as bases da organização política


sejam estabelecidas em uma constituição456 que, por sua vez, terá ao
menos dois pontos focais, a estruturação de poderes e a consagração
de direitos fundamentais, então o constitucionalismo subnacional pode
ser analisado a partir dessas preocupações aplicáveis no âmbito das
entidades subnacionais. Ou seja, no caso do federalismo brasileiro, o
constitucionalismo subnacional teria como pontos focais a estruturação
dos poderes estaduais e, também, o desenvolvimento de uma pauta
de direitos fundamentais nas constituições de cada estado-membro da
federação. Daí falarmos em “direitos fundamentais estaduais”.

454
Professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco,
Graduação e Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor
em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FD/UFPE. Estágio
Pós-doutoral no Exterior pela CAPES na Universidade de Pisa, Itália. Diretor do
Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual – ConState
(www.constate.org).
455
Professor Adjunto de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG,
Graduação e Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado). Mestre e
Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FD/UFMG.
Pesquisador Nível 2 em Produtividade do CNPQ (304158/2018-6).
456
Adotaremos o termo “Constituição”, com letra maiúscula, para referir a textos
constitucionais datados e localizados temporalmente, como a Constituição Brasileira
de 1988 ou a Constituição Estadunidense de 1787. Quando a “constituição”, como
conceito da Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, estiver sendo
referida, sem lastro em um texto específico, a grafia será com letra minúscula.
417
Tradicionalmente, o tema dos direitos fundamentais recebe
continuada atenção da doutrina brasileira, mas apenas no âmbito
federal. Pela primeira vez, a expressão “direitos fundamentais”
constou com destaque de um texto constitucional brasileiro.457 Houve
considerável esforço de pesquisadores brasileiros para fazer uma
abordagem do tema de acordo com o novo tratamento constitucional.
De fato, enquanto outras constituições brasileiras faziam a previsão de
direitos após a disciplina orgânica (organização e funcionamento de
poderes), a de 1988 fez diferente: previu um catálogo, logo no início,
sob o nome de “Direitos e Garantias Fundamentais”.
Impressiona, contudo, o fato de que, após tantos anos da
promulgação da Constituição de 1988, os direitos fundamentais
tenham recebido pouca atenção na perspectiva de uma análise a partir
do plano subnacional de previsão e tutela. Vamos partir de alguns
pressupostos: a) de acordo com a cláusula de abertura constitucional
do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, os direitos fundamentais ali
expressos não são exaurientes;458 b) o próprio texto constitucional
federal determinou que os Estados elaborassem as suas constituições
(art. 25 e art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
ADCT); c) a ideia tradicionalmente aceita sobre o papel de um texto
constitucional é justamente o de contemplar a organização de estado
e poderes e previsão de direitos; d) o art. 24 da constituição de 1988
estabeleceu uma série de competências sobre direitos que podem ser
objeto de legislação por parte dos Estados concorrentemente com a
União; e) o art. 25 da constituição de 1988 estabeleceu competências
remanescentes aos Estados, indicando que podem ir além do que está
estipulado no plano federal.
A conjunção desses fatores traz a conclusão de que é possível,
mesmo no federalismo centralizado brasileiro, defender a noção

457
Ainda que a Constituição de 1967 mencione a expressão no art. 149, inc. I, deve-se
considerar que uma constituição vai além da definição feita em termos textuais.
Não era de se esperar que a ditadura de 1964-1985 fosse se preocupar em assegurar
direitos fundamentais, seja no plano federal, seja no plano estadual. A Constituição
de 1946 menciona expressão nos arts. 141, § 13, e 146.
458
Em termos comparados, observe-se que também a Emenda IX à Constituição
Estadunidense de 1787 provê que cidadãos terão também os direitos não
enumerados.
418
de direitos fundamentais estaduais. O presente artigo pretende
reforçar a ideia de que a normatização de direitos fundamentais não
é exclusiva do Congresso Nacional: de fato, a própria Constituição de
1988 textualmente fomenta que a proteção também ocorra no nível
subnacional. Para tanto, utilizaremos como referência comparada o já
tradicional caso norte-americano. O retorno a esse exemplo se justifica
pela abordagem de estudo de caso que o artigo adota. Tanto Estados
Unidos como Brasil enfrentaram conflitos federativos ao lidar com o
enfrentamento da pandemia da COVID-19. Baseando-se na literatura
comparada e nacional, discutiremos decisões do Supremo Tribunal
Federal (STF) que tocaram no problema a fim de reforçar o argumento
de que entes subnacionais, no Brasil, podem e devem normatizar e
efetivar direitos fundamentais.

2. FEDERALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS NA


EXPERIÊNCIA ESTADUNIDENSE

A literatura estrangeira trabalha esse tema de modo recorrente.459


Os Estados Unidos possuem uma longa experiência em state Bill of
rights. Mas há uma justificativa bem plausível para isso, que decorre
do processo centrípeto de construção da federação estadunidense:
primeiro vieram as constituições estaduais e apenas depois foi que
sobreveio a Constituição Norte-Americana.460 Assim, os Estados que
haviam já editado suas constituições antes da convenção de Filadélfia
mantiveram seus textos constitucionais com declarações de direitos
estaduais.461 Já no Brasil, os estudos sobre direitos fundamentais

459
Ver KATZ, Ellis & TARR, Alan (coord.). Federalism and Rights. Maryland: Rowman
& Littlefield Publishers Inc., 1996.
460
Para uma análise crítica da formação do constitucionalismo estadunidense, ver
MEYER, Emilio Peluso Neder. Um processo de desmistificação: compreendendo
criticamente o constitucionalismo estadunidense. Revista Direito Público, v. 15, n. 83,
2018, p. 9-32.
461
“The thirteen original states where fully functioning constitutional entities even before 1787.
Delaware, Maryland, New Hampshire, New Jersey, North Carolina, Pennsylvania, South
Carolina and Virginia all enacted constitutions in 1776. Georgia and New York wrote
constitutions the following year, 1777 and Massachusetts adopted its famous constitution in 1780.
Only Connecticut and Rhode Island continued to function under their old colonial charters until
419
normalmente se centram no plano da Constituição Federal e no
máximo abrangem a discussão entre direitos humanos (no âmbito
interamericano) e direitos fundamentais (no âmbito nacional).462 É
preciso reposicionar esse debate e, para isso, é preciso repensar o
federalismo e suas potencialidades.
Quando se fala em proteção de direitos, há muitos que pensam
que essa proteção pode ser mais bem conferida em um Estado forte
e centralizado. Um certo preconceito e desconfiança em relação ao
plano estadual: este ainda ficaria mais sujeito ao clientelismo local
e acordos com entidades privadas para a não proteção de direitos.
A “federalização”, portanto, é entendida como uma medida de
fortalecimento do âmbito de proteção. De fato, o federalismo foi muito
utilizado no passado como um meio de impedir a proteção de direitos
“de cima pra baixo”. Há casos clássicos julgados pela Suprema Corte
dos Estados Unidos que bem demonstram isso. Cite-se aqui apenas um,
para ilustrar: certa vez, uma lei federal proibiu o comércio interestadual
de produtos que eram manufaturados a partir do trabalho de crianças.
Esse caso é relatado por Bernard Schwartz e data de 1918 – cuida-se
de Hammer v. Dagenhart, 247 U.S. 251 (1918).463
A Suprema Corte estadunidense entendeu que não poderia
a União fazer tal proibição pois, a pretexto de legislar sobre
comércio interestadual, estaria legislando sobre trabalho (matéria
de competência dos Estados). Ocorre que os Estados se escondiam
atrás de sua autonomia federativa para implementar um modelo não
intervencionista na economia, preservando a autonomia da vontade
privada. Apenas em 1941, após as fricções entre Roosevelt e a
Suprema Corte – inclusive com ameaça de court packing – United States
v. Darby Lumber Co., 312 U.S. 100 (1941) foi que a Corte entendeu que

they replaced them which constitutions in 1818 and 1842, respectively” (KATZ, Ellis. “The
Complete American Constitution”. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política,
ano 5, n. 19, 1997).
462
Isto em termos territoriais de aplicação dos direitos fundamentais. Não se
desconsidera aqui a vasta literatura sobre a força normativa dos direitos fundamentais,
sua interpretação, eventual colisão e mesmo seus limites.
463
SCHWARTZ, Bernard. O federalismo norte-americano atual: uma visão contemporânea.
Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p. 28.

420
os Estados teriam o poder de regulamentar condições de emprego a
partir da clausula de comércio464.
Há, portanto, uma legítima preocupação em “conceder” ao plano
estadual a competência na previsão e defesa de direitos. Mas isso apenas
se justifica em um federalismo competitivo, dual, que adote a lógica de
“ou um ou outro” ente federado.
A questão federativa envolvendo proteção de direitos pela União,
na experiência estadunidense, pode ser observada em dois momentos
diferentes na história: em um primeiro momento, a União procura
elaborar normas para proteção de direitos mas é contida pela atuação
da Suprema Corte que decide a favor dos estados. Em um segundo
momento, após a grande depressão, a Corte passa a adotar a teoria dos
poderes implícitos para ampliar o poder de ação União em matéria de
proteção de direitos, notadamente de ordem econômica.
Vejam que a discussão posta acima está situada na ação do ente
central, por assim dizer, quanto aos direitos fundamentais. Todavia,
questão diferente é observada quando os próprios estados atuam na
previsão de direitos em cartas de direitos estaduais (state bill of rights).
De fato, a experiência dos Estados para a construção do próprio
constitucionalismo americano foi determinante, já que a organização
constitucional estadual (com suas respectivas cartas de direitos) precedeu
a organização constitucional federal da Convenção de Filadélfia.
Se, por um lado, os estados podem atuar no âmbito da criação
de direitos fundamentais em uma lógica do federalismo dual, também
no cooperativo, onde há competências compartilhadas, para além dos
que estão previstos em uma constituição federal, essa atuação também
pode ser realizada no âmbito de um federalismo cooperativo, quando
então estados e União podem atuar conjuntamente, tratando sobre
temas comuns e caminhando na mesma direção. Nesse caso, todos
poderão atuar na previsão e tutela de direitos.
Ocorre que a proteção de direitos no âmbito do federalismo
cooperativo pode se mostrar por meio de uma não-cooperação. Nos

Fundamental, também, para a compreensão do papel da Suprema Corte Norte-


464

Americana em relação ao new deal e a superação do liberalismo econômico da


chamada Lochner era [Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905)] é a decisão que garantiu
a constitucionalidade de leis estaduais fixadoras de salário-mínimo. Ver West Coast
Hotel Co. v. Parrish, 300 U.S. 379 (1937).
421
Estados Unidos, Heather Gerken adota o progressive federalism para
mostrar uma capacidade de os Estados em defender direitos inclusive
contra políticas erosivas do governo central (no caso, com sérias
ameaças do governo Trump). Gerken utiliza a expressão uncooperative
federalism para mostrar que, em um âmbito no qual seria possível
cooperar, a não cooperação pode ser vista como forma de resistência
e de proteção de direitos. Portanto, se eventualmente em um campo
de competências compartilhadas (como a do direito à saúde), a União
vier a adotar procedimento incompatível com a proteção de direitos,
os Estados podem não cooperar (uncooperative). Afinal, “(…) progressives
at the state and local level can influence policy simply by refusing to partner with
the federal government.”465 E mais: como afirma Gerken, poderia haver
um “localismo não cooperativo”, que se dá quando a resistência para
a proteção de direitos ocorre no âmbito das cidades (veja-se o caso
das “cidades santuários” nos Estados Unidos que prometeram não
implementar as políticas de deportação do governo federal466).

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADOS BRASILEIROS



A implementação de um discurso federalista associado ao de
previsão e tutela de direitos fundamentais vem ganhando força no
Brasil.467 O caso brasileiro tem mostrado que o plano estadual pode sim
ser fortalecido enquanto um espaço adequado de proteção de direitos
fundamentais. O próprio argumento da excessiva centralização de

465
GERKEN, Heather. “We’re about to see states’ rights used defensively against
Trump”. Vox, https://www.vox.com/the-big-idea/2016/12/12/13915990/
federalism-trump-progressive-uncooperative. Acesso em: 14 jul. 2020.
466
A expressão pode ser empregada tanto para o plano estadual (sanctuary states)
quanto para o local (sanctuary cities). Para um aprofundamento do conceito,
especialmente no caso de imigrantes não documentados, ver VILLAZOR, Rose
Cuison. “Sanctuary Cities” and Local Citizenship. In: Fordham Urban Law Journal.
Volume 37, number 2, article 3. Disponível em https://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/
viewcontent.cgi?article=2338&context=ulj . Acesso em 02 de outubro de 2021.
467
Ver SGARBOSSA, Luis Fernando. BITTENCOURT, Laura Cabrelli. Os 30 anos
das constituições estaduais no brasil e os direitos fundamentais estaduais. Revista do
Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, v. 4, n. 1, 2019, p. 90-116. Ver também
SAMPAIO, José Adércio Leite. As constituições subnacionais e direitos fundamentais
nas federações. Revista de Direito da Cidade, v. 11, n. 1, p. 183-215.
422
recursos na União não pode ser mais utilizado para impedir processos
descentralizadores para proteção de direitos que não geram custos, já
que há direitos que dependem, realmente, de recursos (os prestacionais),
mas há outros que independem (os não prestacionais). Estados podem,
por exemplo, prever direitos liberais de inclusão e proteção de minorias,
igualdade de gênero e racial, apenas para exemplificar, sem que isso
onere cofres públicos. Não se está aqui a defender apenas uma leitura
não social de quaisquer direitos, mas sim que proteções não geradoras
de custos podem ser fomentadas por atores subnacionais.
Várias constituições estaduais fazem previsão de direitos. A
Constituição do Pará, por exemplo, veda qualquer tipo de discriminação
por orientação sexual em seu art. 3º. A Constituição do Rio de Janeiro
prevê uma série de direitos dos presos e do sistema prisional, fazendo
com que os atos de seu governador sejam sindicáveis à luz do texto
constitucional estadual. A Constituição do Estado do Amapá previu
iniciativa popular em emenda constitucional estadual (inaugurando
modelo inexistente no plano federal).
É claro que a previsão de direitos fundamentais nas constituições
estaduais deve ser algo construído a partir do sistema de repartição de
competências federativas previsto nos arts. 22, 24 e 25 da Constituição
Federal de 1988. Não se pode deixar de reconhecer que o poder
constituinte decorrente não é ilimitado e está condicionado às normas
parâmetro do texto federal. Mas, uma interpretação desse jogo de
repartição de competências termina conferindo aos Estados um
importante papel na proteção de direitos fundamentais. Por isso não
é errado afirmar que as questões de direitos fundamentais no Brasil
são, ao fim, também questões federativas.
É importante deixar claro que o tema dos direitos fundamentais
no plano subnacional pode ser de duas ordens: em primeiro lugar,
a própria constituição estadual pode prever uma carta de direitos.
Nesse caso, a opção jurídico-política do constituinte ganha um peso e
dimensão especial para o Executivo e Legislativo estaduais, que deverão
ter tais direitos como parâmetro para a sua atuação, seja ela positiva
ou negativa. Por exemplo, processos legislativos serão condicionados
negativamente (não produzir leis contra regras constitucionais que
entrincheiraram direitos nas Constituições estaduais) e positivamente

423
(elaboração de política legislativa para densificar direitos estaduais
prestacionais).
Em segundo lugar, para além da previsão de direitos em
constituições estaduais, há também a possibilidade de haver leis
ordinárias estaduais que terminam atuando no plano da competência
legislativa estadual desdobrando direitos fundamentais extraídos da
constituição federal. Por isso, não seria demasiado dizer, questões de
direitos fundamentais no Brasil podem facilmente se transformar em
questões federativas.
Para exemplificar, vamos utilizar o caso julgado pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 3359, quando se discutia a constitucionalidade
de uma lei do Rio Grande do Sul que impedia a chamada “revista
íntima”. Já há uma lei federal prevendo a impossibilidade de o
empregador fazer a revista íntima para verificar se o empregado está
levando algo indevido. Todavia, a lei federal proíbe a revista íntima
apenas em mulheres. Já o Rio Grande do Sul previu a proibição para
trabalhadores de qualquer gênero. O julgamento estava empatado em
4 a 4 mas, após pedido de vista do Min. Toffoli, a Corte terminou
julgando a norma inconstitucional pela violação a competência da
União para legislar sobre Direito do Trabalho. Destaca-se o voto do
relator Fachin que fez uma leitura do federalismo e do sistema de
repartição de competências de forma a servir aos propósitos de melhor
proteção de direitos fundamentais. Segundo o Ministro, “O federalismo
torna-se, portanto, um instrumento de descentralização política, não
para simplesmente distribuir poder político, mas para realizar direitos
fundamentais”.468
Como se vê, o sistema de proteção de direitos fundamentais não
pode dispensar uma leitura descentralizadora das regras de competência.
A legislação sobre direitos fundamentais não é exclusiva da União e,
portanto, há muitos temas que podem receber atenção de mais de um
ente da federação. Uma boa saída é identificar o pertencimento temático
não apenas a partir de uma conferência da matéria que foi legislada
com a matéria que foi atribuída ao ente pelo texto constitucional. O
pertencimento temático deve avaliar os fundamentos do federalismo:

Voto disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/9/


468

9253C1F65A3C7D_Fachin.pdf , acesso em 12 de junho de 2021.


424
alguns assuntos devem ter uma legislação central para que haja
uniformidade. Assim, se a legislação de algum estado for mais protetiva
de direitos fundamentais sem prejudicar a uniformidade do federalismo
brasileiro, a interpretação pela manutenção da legislação deve se guiar
pela maior proteção de direitos.
De fato, a uniformidade não pode ser desconsiderada para que
o lema dp federaços, “união na diversidade”, seja mantido. Há regras
que precisam ser uniformes. As de trânsito, por exemplo. Imaginem
um motorista cruzando a fronteira entre Rio de Janeiro e São Paulo e
tendo que mudar a forma de dirigir? Seria inviável. Por isso, esse tema
é colocado como central, de competência da União. Não se permite
diversidade de legislações sobre trânsito. Mas, se algum Estado prever
uma lei que permita ao motorista de ônibus parar o veículo quando um
cadeirante levantar a mão (mesmo fora da parada), nesse caso a matéria
trabalhada pela lei pode ser analisada sob a perspectiva do trânsito ou
sob a perspectiva da inclusão da pessoa com deficiência. No primeiro
caso, a lei estadual seria considerada inconstitucional por violar a
competência da União para legislar sobre trânsito. No segundo caso,
ela seria considerada constitucional pois Estados podem legislar sobre o
tema da integração da pessoa com deficiência (art. 24). A decisão sobre
a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da medida não pode se
ater apenas a uma conferência temática. Deve analisar se a manutenção
de uma legislação estadual gera algum prejuízo à uniformidade do
Estado Federal. Deve analisar também o melhor âmbito de proteção
de direitos fundamentais. Será que a lei estava querendo legislar sobre
trânsito ou será que estava querendo gerar mais inclusão às pessoas
com deficiência?
Há casos em que a legislação estadual, todavia, mesmo a pretexto
de proteger direitos fundamentais, termina gerando disfuncionalidade
no quesito “uniformidade” como, por exemplo, normas estaduais
que criam regramentos próprios sobre telecomunicação e antena de
telefonia.469 Já se a lei estadual amplia a proteção de direitos sem causar
prejuízo à uniformidade, deve ser, então, considerada constitucional
pois estará de acordo com o ordenamento que possui os direitos

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur447194/false Consulta em 07
469

de agosto de 2021.
425
fundamentais como eixo do constitucionalismo brasileiro. Essa foi a
orientação dada também pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a
lei de rótulos sobre transgênicos do Estado de São Paulo: reconheceu
uma ampliação de direitos sem que a diversidade de legislações entre
Estados pudesse prejudicar a uniformidade do federalismo. 470
Enfim, a lógica do âmbito de proteção de direitos fundamentais
no Brasil deve ser analisada sob a luz da repartição de competências
mas não apenas diante do chamado “princípio da predominância de
interesse”. A ideia de que pode haver uma melhor proteção de direitos
para validar a decisão sobre qual ente é competente para lidar com qual
assunto é de suma importância. Inclusive, quanto a isso, houve casos
vistos durante a pandemia de temas que tradicionalmente eram de um
ente e que, em virtude de um fiel da balança de proteção de direitos,
passaram para outro ente. Um bom exemplo disto pode ser visto
nos casos dos municípios de Cabedelo e Sete Lagoas que acionaram
o Supremo Tribunal Federal para ter o direito de definir horário de
funcionamento de comércio local. Há uma súmula vinculante que
diz justamente isso: “É competente o Município para fixar o horário
de funcionamento de estabelecimento comercial”. Todavia, durante
a pandemia, houve normativos estaduais disciplinando horários de
abertura de comércio ou até mesmo fechamento de comércio, com
base na cláusula de competência de proteção à saúde (art. 24 da CF/88).
Nesse exemplo, a Corte entendeu por bem manter a competência
estadual, mesmo estando diante de um caso que se enquadrava
perfeitamente na súmula vinculante 38. Prevaleceu não o princípio
da predominância de interesse (hora de abertura de comércio local)
mas sim a maior proteção de direitos fundamentais. Uma mudança de
critério de decisão sobre repartição de competência.

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS NO PLANO SUBNA-


CIONAL: O CASE COVID-19

A descentralização como medida de melhor proteção de direitos


também foi vista na pandemia, reforçando o papel dos Estados na
ConJur - Lei de SP sobre rótulo de produtos transgênicos é constitucional Consulta
470

em 09 de novembro de 2020.
426
proteção da vida e da sáude. Temas que seriam fronteiriços como, por
exemplo, a legislação sobre propriedade e sobre comércio (que seriam
da União), cederam no caso concreto à competência dos Estados para
legislar sobre proteção à saúde.471
Os casos norte-americano e brasileiro chamam a atenção para
uma conexão que deve ser explorada entre democracia e federalismo
– ou, nos dois casos comparados, entre retrocesso democrático e
antifederalismo. Pozen e Scheppele destacam que tanto os Estados
Unidos como o Brasil destacam-se pelo comando federal exercido
por populistas com perfis autoritários.472 Ocorre que, ao contrário de
Victor Orbán na Hungria, que aproveitou a pandemia de COVID-19
para expandir seus poderes centralizadores – inclusive com amplo
emprego do Exército supostamente em nome do enfrentamento da
doença – Trump e Bolsonaro trilharam o caminho do que se pode
chamar de executive underreach. Eles malversaram recursos públicos
ao subestimar o risco da doença e comprometeram, desse modo,
direitos prestacionais. O efeito duradouro é o de normalizar o baixo
investimento em políticas públicas, algo que, em termos federais,
pode encontrar repetições de comportamento nas unidades regionais
e locais, além de privar governadores que levem a sério um problema
de ordem nacional.
Compare-se, por exemplo, como o vínculo federativo pôde levar
a políticas exitosas de combate ao coronavírus. Na Alemanha, as
competências estaduais sobre eventual limitação de direitos de reunião,
saúde pública e bem-estar foram frutíferas para respostas em relação à
necessidade de lockdown. Estados como a Renânia do Norte-Vestfália
ou a Bavária precederam autoridades federais na implementação de
medidas de enfrentamento. Quando o Ministério da Saúde buscou
centralizar medidas de estoque e distribuição de equipamentos de

471
Para um vasto material sobre as relações entre federalismo e COVID-19, ver
o compêndio feito pela McGill University: https://www.mcgill.ca/federalism/
federalism-covid-19-pandemic. Acesso em: 30 set. 2020.
472
POZEN, David. SCHEPPELE, Kim Lane. Executive Underreach, in Pandemics
and Otherwise. American Journal of Comparative Law, v. 14 (no prelo), disponível em
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3649816, 2020, acesso em:
1 out. 2020, p. 9.

427
proteção individual e ventiladores, ele enfrentou severas críticas no
Bundestag.473
No Canadá, modelos de decisão coletiva (joint decision) têm sido
sugeridos para superar o tradicional federalismo de custo compartilhado
especialmente em virtude da discussão levantada por políticas de saúde
de cuidados de longo prazo.474 A reação do governo federal argentino
ao atraso do único laboratório no país com efetiva capacidade
inicial para testar a COVID-19 foi descentralizar os procedimentos
em cada província autônoma.475 Não sem surpresa, federações que
apresentaram respostas insatisfatórias como a Índia recorreram a
atos normativos inadequados (o National Disaster Management Act) para
inconstitucionalmente atribuir ao governo federal questões de saúde
pública que são da competência dos Estados.476
Note-se que, no Brasil, Estados como Maranhão e São Paulo que
equacionaram seriamente a necessidade de enfrentamento dos casos
de contaminação e óbito decorrentes da pandemia de COVID-19.
Enquanto isso, verbas que eram repassadas ao governo federal teriam
sido simplesmente desviadas para outras finalidades. Cite-se o caso
da empresa de frigoríficos MARFRIG que doara ao Ministério da
Saúde R$ 7,5 milhões para testes de COVID-19, obteve da Presidência
confirmação da destinação e se deparou, posteriormente, com
acusações de emprego da verba em programa da primeira-dama.477 Os
473
JOHNSON, Zoe. German pandemic efficiency: fiscal capacity, logistical
coordination, and infrastructure. University of Toronto Munk School of Global Affairs
and Public Policies, https://munkschool.utoronto.ca/german-pandemic-efficiency-
fiscal-capacity-logistical-coordination-and-infrastructure/. Acesso em: 1 out. 2020.
474
TUOHY, Carolyn. A new federal framework for long-term care in Canada. Policy
Options Politiques, https://policyoptions.irpp.org/magazines/august-2020/a-new-
federal-framework-for-long-term-care-in-canada/. Acesso em: 1 out. 2020.
475
BIANCHI, Matías. Federalism and COVID-19 crisis: more federalism than
ever in Argentina. Forum of Federations, http://www.forumfed.org/wp-content/
uploads/2020/04/ArgentinaCOVID-2.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
476
BHATIA, Gautam. An Executive Emergency: India’s Response to Covid-19.
Verfassungsblog, https://verfassungsblog.de/an-executive-emergency-indias-
response-to-covid-19/. Acesso em: 1 out. 2020.
477
REZENDE, Constança. Governo Bolsonaro repassou a programa de Michelle R$ 7,5
milhões doados para testes de Covid. Folha de S. Paulo, 30 de setembro de 2020, https://
www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/governo-bolsonaro-repassou-a-programa-
de-michelle-r-75-milhoes-doados-para-testes-de-covid.shtml. Acesso em: 1 out. 2020.
428
recursos teriam sido aplicados na compra de cestas básicas. Ainda que
louvável a finalidade, não se pode desconsiderar o desvio do objetivo e
a desconcentração de esforços em prioridades de combate à pandemia
– uma outra faceta do executive underreach.
Os desdobramentos dessa política federal encontrariam resistência
no Supremo Tribunal Federal (STF). Com efeito, no julgamento da
ADPF 672, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
questionava o comportamento das autoridades federais que desviavam
das recomendações internacionais para o combate da pandemia.478
A OAB apontou que Estados e Municípios, mais próximos do
gerenciamento cotidiano da crise pandêmica, teriam mais condições
de enfrentar o problema. Ocorre que enfrentavam o obstáculo federal
da subvalorização da questão que criava óbices no asseguramento de
políticas públicas e direitos fundamentais. O pedido de medida cautelar
na arguição de descumprimento de preceito fundamental era no
sentido de que o Presidente da República se abstivesse de praticar atos
contrários as medidas de isolamento social de Estados e Municípios e
que também praticasse atos necessários à proteção econômica daqueles
afetados pela crise. Note-se, assim, seguindo a terminologia de Pozen
e Scheppele, que havia, em março de 2020, uma mistura de executive
overreach e underreach, já que o governo federal ora se omitia, ora atuava
contra o combate à COVID-19.
A decisão da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes procurou
evocar as condições básicas de estruturação de um federalismo
cooperativo na proteção do direito à saúde no sistema constitucional de
1988. União e cooperação seriam fundamentais para o enfrentamento
da crise. O que se notava, contudo, era um elevado nível de divergência
entre autoridades federais e estaduais, mas também no seio das próprias
autoridades federais. Federação e separação de poderes, cláusulas
pétreas que são, são essenciais na interpretação da Lei 13.979/2020 e
nos atos normativos secundários. O cerne da decisão cautelar, contudo,
consiste no deferimento do pedido para que fossem respeitadas as
decisões de governadores e prefeitos: saúde e assistência pública são

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADPF 672. Rel. Min. Alexandre


478

de Moraes. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/
ADPF672liminar.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
429
questões que, na Constituição de 1988, estão disciplinadas no âmbito
de competências administrativas comuns e competência legislativa
concorrente. A decisão seguiu o caráter “pedagógico” de delimitação
da competência concorrente explicitado na cautelar deferida pelo
Ministro Marco Aurélio na ADI 6.341.479
Nesse contexto, o papel da Corte foi um ingrediente importante
na construção do espaço subnacional. Assim como a Suprema Corte
americana exerceu um papel importante na manutenção do federalismo
dual estadunidense do início do século passado, o Supremo Tribunal
brasileiro também teve um papel fundamental ao legitimar a atuação
dos Estados e Municípios no combate às causas e consequências da
pandemia. Ao se inclinar para a descentralização, construiu uma nova
narrativa jurisdicional das cláusulas de repartição de competências
concorrentes quanto ao tema saúde, permitindo a legislação sobre
direitos fundamentais no plano estadual de forma mais protetiva
que a do âmbito nacional. Não é possível, todavia, afirmar que a
postura descentralizadora do Supremo Tribunal é uma homenagem
ao princípio federalista. Mais parece uma questão contextual, diante da
desconfiança da eficiência das ações federais contra a pandemia.480Note-
se, também, que não houve qualquer decisão do Supremo Tribunal
Federal afastando a responsabilidade do governo federal no combate
à pandemia de COVID-19, como quis propagar o Presidente da
República em mais uma irresponsável desinformação veiculada durante
seu governo.481 Pelo contrário, o conjunto de decisões do STF apontou
no sentido de um condomínio administrativo e legislativo que organiza

479
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADI 6.341. Rel. Min. Marco Aurélio.
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15342747913&ext=.pdf.
Acesso em: 1 out. 2020.
480
LIZIERO, Leonam & ARAÚJO, Marcelo Labanca C. de. Reposicionando o debate
federalista no Brasil em razão da pandemia COVID-19: há mesmo uma tendência à
descentralização? In: TEIXEIRA, João Paulo Allain. Pensando a Pandemia. Curitiba:
Tirant Lo Blanch Brasil, 2020.
481
O Ministro Luiz Fux, atual Presidente do STF, chegou a esclarecer em entrevista
que a notícia falsa difundida pelo Presidente se opunha às decisões da corte. Ver
AMORIM, Felipe. STF não eximiu governo Bolsonaro de ações contra a covid,
diz Fux. UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/22/
stf-nao-eximiu-governo-bolsonaro-de-acoes-contra-a-covid-diz-fux.htm. Acesso
em: 1 out. 2020.
430
políticas públicas e garante a efetividade do direito à saúde. Na lógica
do presente artigo, reaparece, uma vez mais, a necessidade que os
direitos fundamentais se desdobrem, em sua consecução, em níveis
para além do central.
Na análise de Abrucio et al., a política do governo Bolsonaro
para a pandemia de COVID-19 opõe o federalismo cooperativo e
de coordenação da Constituição de 1988 a uma noção dualista das
relações intergovernamentais sem participação do governo federal para
promover a redução de desigualdades e apoiar entes subnacionais.482
Pelo contrário, o que se promove é a centralização de assuntos nacionais
e a valorização da hierarquia. E isto em uma situação de crise, que
requereria mais cooperação intergovernamental.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo federativo inaugurado com a Constituição de 1988


foi sempre compreendido como predominantemente cooperativo. O
período que se seguiu nas décadas de 1990 e 2000, contudo, assistiu
a uma excessiva centralização financeira na União que terminou por
esgarçar a autonomia federativa de Estados e Municípios. Os elementos
de cooperação, contudo, permanecem no Texto Constitucional de
1988. E foi justamente em um momento de estresse institucional,
causado pela pandemia de COVID-19 e pelo perfil autoritário do
governo federal, que o Poder Judiciário brasileiro, e especialmente o
STF, responderam com a própria estrutura desenhada pela Assembleia
Constituinte de 1987-1988.
Essas decisões deram a oportunidade para se repensar do modo
de proteção de direitos fundamentais no Brasil. Mais distante do
federalismo dual norte-americano, nosso modelo fomenta e oferece
as condições para uma adequada proteção subnacional que deve,
contudo, ser corrigida de modo a transferir os recursos necessários
para a proteção de direitos à prestação – como o direito à saúde. O que
não se pode, todavia, é negligenciar e, pior, obstaculizar a abordagem

ABRUCIO, Fernando et al. Combating Covid-19 under Bolsonaro’s Federalism: A


482

Case of Intergovernmental Incoordination. Revista de Administração Pública, v. 54, n.


4, p. 663-677.
431
estadual de direitos fundamentais sob o mantra tão repetido de que
o federalismo brasileiro é excessivamente centralizado. Fazer isso é
desconsiderar um importante papel que pode ser desempenhado por
atores subnacionais na previsão e proteção de direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Marcelo Labanca C. de, & LIZIERO, Leonam. Reposicionando


o debate federalista no Brasil em razão da pandemia COVID-19: há mesmo uma
tendência à descentralização? In: TEIXEIRA, João Paulo Allain. Pensando
a Pandemia. Curitiba: Tirant Lo Blanch Brasil, 2020.
ABRUCIO, Fernando et al. Combating Covid-19 under Bolsonaro’s
Federalism: A Case of Intergovernmental Incoordination. Revista de
Administração Pública, v. 54, n. 4, p. 663-677.
AMORIM, Felipe. STF não eximiu governo Bolsonaro de ações contra
a covid, diz Fux. UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
noticias/2020/06/22/stf-nao-eximiu-governo-bolsonaro-de-acoes-
contra-a-covid-diz-fux.htm. Acesso em: 1 out. 2020.
BHATIA, Gautam. An Executive Emergency: India’s Response to
Covid-19. Verfassungsblog, https://verfassungsblog.de/an-executive-
emergency-indias-response-to-covid-19/. Acesso em: 1 out. 2020.
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than ever in Argentina. Forum of Federations, http://www.forumfed.
org/wp-content/uploads/2020/04/ArgentinaCOVID-2.pdf. Acesso
em: 1 out. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADI 6.341. Rel. Min.
Marco Aurélio. http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.
asp?id=15342747913&ext=.pdf. Acesso em: 1 out. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC na ADPF 672. Rel.
Min. Alexandre de Moraes. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/
noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF672liminar.pdf. Acesso em: 1 out.
2020.

432
GERKEN, Heather. “We’re about to see states’ rights used
defensively against Trump”. Vox, https://www.vox.com/the-
big-idea/2016/12/12/13915990/federalism-trump-progressive-
uncooperative. Acesso em: 14 jul. 2020.
JOHNSON, Zoe. German pandemic efficiency: fiscal capacity,
logistical coordination, and infrastructure. University of Toronto Munk
School of Global Affairs and Public Policies, https://munkschool.utoronto.
ca/german-pandemic-efficiency-fiscal-capacity-logistical-coordination-
and-infrastructure/. Acesso em: 1 out. 2020.
KATZ, Ellis. “The Complete American Constitution”. Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política, ano 5, n. 19, 1997.
KATZ, Ellis & TARR, Alan (coord.). Federalism and Rights. Maryland:
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MEYER, Emilio Peluso Neder. Um processo de desmistificação:
compreendendo criticamente o constitucionalismo estadunidense.
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POZEN, David. SCHEPPELE, Kim Lane. Executive Underreach,
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14 (no prelo), disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
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REZENDE, Constança. Governo Bolsonaro repassou a programa
de Michelle R$ 7,5 milhões doados para testes de Covid. Folha de
S. Paulo, 30 de setembro de 2020, https://www1.folha.uol.com.
br/poder/2020/09/governo-bolsonaro-repassou-a-programa-de-
michelle-r-75-milhoes-doados-para-testes-de-covid.shtml. Acesso em:
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SGARBOSSA, Luis Fernando. BITTENCOURT, Laura Cabrelli. Os
30 anos das constituições estaduais no brasil e os direitos fundamentais

433
estaduais. Revista do Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, v. 4, n.
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SCHWARTZ, Bernard. O federalismo norte-americano atual: uma visão
contemporânea. Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1984.
TUOHY, Carolyn. A new federal framework for long-term care
in Canada. Policy Options Politiques, https://policyoptions.irpp.org/
magazines/august-2020/a-new-federal-framework-for-long-term-care-
in-canada/. Acesso em: 1 out. 2020.

434
MUNICÍPIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS:
UMA PAUTA PARA A PESQUISA
Gustavo Ferreira Santos483

É de se festejar a viragem que, nos últimos anos, os estudos


sobre o Estado federal fizeram em direção aos direitos fundamentais.
Tradicionalmente, a ênfase nos estudos federais era – e ainda continua,
em grande medida – em torno dos desenhos e do funcionamento
das instituições. Mesmo sendo boa parte da atividade dos entes
subnacionais direcionada à concretização de direitos, essa peculiaridade
era pouco destacada. No Brasil, as pesquisas realizadas ou orientadas
por Marcelo Labanca, na Universidade Católica de Pernambuco,
revelaram a riqueza dessa dimensão pouco explorada, mas que
precisamos tanto compreender.
No entanto, nesse movimento positivo, ainda nos parece pouco
explorada a questão municipal. No Brasil, o Município alcançou em
1988 um status constitucional sem precedentes. Para essa constatação,
é indiferente ser ele considerado ou não um ente de uma Federação
tripartite. É fato que a Constituição o inclui quando enuncia, logo em
seu art. 1º, os entes que formam a República Federativa do Brasil, e dá
destaque quando desenha um sistema de repartição de competências.
É comum ouvirmos que as pessoas vivem no Município e não
no Estado ou na União. Evidentemente, essa é uma afirmação sem
sentido, pois as entidades se superpõem no espaço territorial. Quem
está em um Município está em um Estado e está na União. Mas, a frase
de efeito reflete uma percepção de que há um vínculo mais evidente
entre a entidade pública municipal e a vida cotidiana, a cidadania. É
mais provável que, na vida, o indivíduo interaja mais com entidades
municipais que com entidades regionais ou nacionais. Também é mais
provável que tais entidades municipais sejam mais abertas a demandas
Professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco.
483

Mestre (UFSC) e doutor (UFPE) em Direito. Estágio Pós-doutoral na Univestitat


de València (2013-2014) e Visiting Scholar no Boston College (2018-2019)
435
que as outras entidades estatais, seja por estarem mais presentes, seja
por entendam mais os problemas específicos que afetam as populações
locais.
Nem precisamos destacar o fato de que, na origem, o poder local
foi o centro de nossa construção como uma nação. Apesar do modelo
centralizado politicamente adotado na nossa primeira Constituição,
havia movimentos autonomistas locais que refletiam interesses
específicos que precisavam se expressar. O poder municipal é uma
realidade muito concreta e as entidades municipais, ao menos em tese,
estão mais sujeitas a pressões e controles sociais.
Neste artigo, propomo-nos a fazer um breve apanhado sobre
esse protagonismo municipal em matéria de direitos fundamentais,
destacando o que nos parecem ser os principais campos de atuação
do Município como concretizado de direitos. Evidentemente, não
se trata de uma lista exaustiva, mas de exercício exploratório, inicial,
que pretende abrir espaços para que pesquisadores da área de Direito
Constitucional sigam em frente, aprofundando tais problemas.

II

Uma atividade na qual o papel do Município é central é o


desenvolvimento urbano. Apesar da competência legislativa da União
e dos Estados, em matéria de Direito Urbanístico, toda a especificidade
local precisa ser objeto de legislação municipal. Nessa atuação, o
Município é instrumento de concretização de um direito fundamental.
Lembremo-nos que, hoje, 84,72%, população brasileira vive em
áreas urbanas484.
Podemos dizer que há, na Constituição, um direito fundamental
ao bem-estar dos habitantes da cidade e que o Município é agente
fundamental para a sua garantia. O Art. 182 faz, claramente, essa
vinculação, quando estabelece que “política de desenvolvimento
urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

IBGE. Educa IBGE. População Rural e Urbana, s.d. Disponível em: https://educa.
484

ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.
html. Connsulta em 15 out 2021.
436
das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes”.
É um direito difuso, cujo conteúdo é desdobrado pela regulação que
promove valores constitucionalmente consagrados.
Ao pensar em construção, é a entidade municipal que é logo
lembrada, pois analisará projetos, autorizará construções, fiscalizará a
conformidade de tais construções. Além, evidentemente, de todas as
atividades administrativas na área, destacando-se a de polícia urbanística
e de zeladoria de espaços públicos, há um vasto espaço para a legislação,
desde a fixação de parâmetros para o uso e a ocupação do solo urbano
até a regulação das edificações.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é uma das leis específicas
referidas na Constituição. O constituinte prevê um conjunto de normas
sobre processo legislativo, dentre elas, no art. 59 da Constituição,
prevê as espécies normativas. Porém, já faz o constituinte a previsão
de algumas leis específicas, como, por exemplo, as leis orçamentárias,
dada a importância que atribui aos seus conteúdos. O Plano Diretor
será um instrumento de planejamento sob a forma de lei em sentido
estrito que dará à atuação da entidade municipal caminhos para o
desenvolvimento urbano que objetive a promoção do bem estar.
O estudo dos instrumentos legais de direito urbanístico tendem
a negligenciar a caracterização do direito ao bem estar dos habitantes
da cidade como um direito fundamental difuso. Essa caracterização
pode ser o fundamento para uma atividade legislativa municipal criativa
voltada à promoção desse bem estar.
Também a defesa do meio ambiente tem no Município um agente
central. Mesmo que, nesse tema, União e Estados ocupem um espaço
mais largo que em matéria urbanística, o Município é garantidor da
conformidade das construções e atividades urbanas com a defesa do
meio ambiente saudável. Muitos municípios contam com códigos
de meio ambiente próprios, que harmonizam com as legislações
estadual e federal, mas trazem limites mais concretos, considerando
as especificidades locais.
São muitos os aspectos da atuação do Município que reverberam,
de forma direta ou indireta, na proteção do meio ambiente. Pensemos,
por exemplo, no saneamento ambiental, que é ““é o conjunto de ações

437
socioeconômicas que tem por objetivo alcançar salubridade ambiental,
por meio do abastecimento de água potável, coleta e disposição sanitária
de resíduos sólidos, líquidos e gasosos, promoção da disciplina sanitária
de uso do solo, drenagem urbana, controle de doenças transmissíveis e
demais serviços e obras especializadas com a finalidade de proteger e
melhorar as condições de vida urbana e rural”485. É importante, ainda,
que evoluam os municípios no sentido de integrem seus órgãos que de
alguma forma atuam com temas ambientais, em um sistema municipal
de meio ambiente486.

III

Em matéria de garantia de direitos sociais, a essencialidade


do Município é evidente. Nesses direitos, o agir do poder público
pode definir o alcance de seu gozo. Direito sociais prestacionais só
terão um grau razoável de concretização se houver, tanto no plano
legislativo, quanto no plano administrativo, uma atividade do poder
público tendente à sua promoção. No caso de educação e saúde,
direitos prestacionais que exigem, para sua garantia, serviços públicos
abrangentes, o Município assume um papel central.
Pare se ter uma ideia do tamanho da participação municipal
na concretização do direito à educação, o Censo Escolar de 2020
aponta os municípios como responsáveis por 48,4% das matrículas
na educação básica no país, contra 32,1 dos estados e 18,6 da rede
privada487. Em consulta no InepData488, encontramos 1.562 escolas
públicas municipais no Município de São Paulo. No Município do
Recife, a consulta apontou 316 escolas.
485
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual do Saneamento. Brasília:
FUNASA, 2006.
486
ÁVILA, Rafael Doñate; MALHEIROS, Tadeu Fabrício. O sistema municipal de
meio ambiente no Brasil: avanços e desafios. Saúde e Sociedade, v. 21, p. 33-47,
2012.
487
CRISTALDO, Heloísa. Censo Escolar 2020 aponta redução de matrículas no
ensino básico. Agência Brasil, 29 jan 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.
ebc.com.br/educacao/noticia/2021-01/censo-escolar-2020-aponta-reducao-de-
matriculas-no-ensino-basico. Acesso em: 3 nov 2021.
488
INEP. InepData. Disponível em: https://inepdata.inep.gov.br/analytics/saw.
dll?dashboard. Acesso em: 25 out 2021.
438
Na saúde, o constituinte optou por um sistema integrado, com
distribuição de funções, dentro dele, entre os entes politicamente
autônomos. Esse sistema é caracterizado pela (i) descentralização,
com direção única em cada esfera de governo, pelo (ii) atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais e pela (iii) participação da comunidade. O
Município é a ponta desse movimento descentralizador, sendo essencial
para as atividades preventivas que o constituinte ressaltou e, ainda, é o
lugar onde se dá de forma mais ampla a participação da comunidade.
Para as atividades preventivas em saúde, uma das estratégias mais
importantes e bastante efetiva é a manutenção, nas comunidades, de
agentes de saúde. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2020,
eram aproximadamente 324 mil profissionais em atuação no Brasil489.
Esses profissionais, inseridos na vida das comunidades, orientam e
acompanham as pessoas em um conjunto de questões de saúde.
Foi em uma emergência de saúde que vivemos um dos momentos
mais prolíficos de disputas judiciais sobre a distribuição territorial do
poder sob a Constituição de 1988. Ao ser declarada pela Organização
Municipal de Saúde a pandemia da Covid-19, no primeiro semestre
de 2020, surgiram conflitos entre a União e os entes descentralizados.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar algumas ações que veiculavam
conflitos, homenageou a descentralização. Houve uma tentativa de
concentrar na União decisões sobre medidas a serem adotadas, o que
foi rechaçado pela jurisdição constitucional.

IV

O Município, por ser, como já dissemos, a entidade descentralizada,


em tese, mais próxima do dia a dia das pessoas e por ter com elas
mais identidade, deve ser visto como um instrumento essencial para a
concretização de direitos fundamentais. Quando pensamos em direitos
prestacionais ou, ainda, quando pensamos em interesses difusos, fica mais
fácil visualizar essa realidade. No entanto, são várias as possibilidades de
atuação da entidade municipal na promoção de direitos.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. ACS e ACE são fundamentais no combate à Covid-19.


489

Disponível em: https://aps.saude.gov.br/noticia/9996. Acesso em: 15 out 2021.


439
A garantia do consumidor, por exemplo, hoje conta com
uma rede de órgãos municipais voltados à fiscalização. Dados da
Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, de
2017, informavam que estavam integrados ao “Sistema Nacional de
Informações de Defesa do Consumidor” Procons de 459 municípios.
Essa é uma atividade administrativa fundamental. Mas, tem, ainda, o
Município, na temática, competência legislativa. O Supremo Tribunal
Federal entende que se trata de competência para legislar sobre assuntos
de interesse local, ainda que, de modo reflexo, atinja o direito do
consumidor490
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu essa
possibilidade de assunção pelo Município de outras tarefas não
diretamente a ele atribuídas na Constituição, ao julgar a ADPF 279.
Era questionada legislação municipal do Município de Diadema, em
São Paulo, que havia instituído uma assistência jurídica municipal. O
Procurador Geral da República alegou que violava as competências
de União e Estados, que podem legislar sobre assistência jurídica e
defensoria (art. 24, XIII, da Constituição). O Supremo entendeu que
não havia monopólio de União e Estados para prestar assistência
jurídica e que o serviço suplementar que o Município prestava não
violava a Constituição.
Essa decisão é importante porque promove direitos, à medida que
os hipossuficientes passam a contar com mais uma fonte de assistência.

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Ação direta de


490

Inconstitucionalidade. Lei nº 3.578/13 do Município de Campos do Jordão que


estabelece tempo máximo de espera para atendimento em caixas de supermercado.
Matéria de interesse local. Competência municipal. Precedentes. 1. A jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal vem reiteradamente afirmando a competência dos
municípios para legislar sobre matéria consumerista quando sobreleva o interesse
local, como ocorre no caso dos autos, em que a necessidade de um melhor
atendimento aos consumidores nos supermercados e hipermercados é aferível
em cada localidade, a partir da observação da realidade local. Precedentes: RE
nº 880.078/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de
1º/6/16; RE nº 956.959/SP, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 28/6/16; RE
nº 397.094/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ
de 27/10/06. 2. Agravo regimental não provido.
(RE 818550 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em
06/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC
27-10-2017)
440
Os municípios ficam autorizados a responder a demandas frente às
insuficiências de serviços de União e Estados. No caso das defensorias,
é patente que os estados não conseguiram alcançar cem por cento de
cobertura com suas defensorias públicas e que, existindo demanda,
municípios podem responder aos necessitados, estruturando serviços
que, mesmo não sendo defensorias públicas, auxiliam cidadãos na
defesa de seus direitos.
Essa perspectiva dos estudos federativos, que olha a dinâmica
da divisão territorial do poder a partir de uma preocupação com a
promoção de direitos, tem, ao nosso ver, uma dupla qualidade: lança
luzes sobre o papel do poder público como agente promotor de
direitos e vê a promoção de direitos como uma tarefa distribuída na
estrutura descentralizada. Mas, em nosso país, esse estudo precisa dar
mais atenção ao Município, entidade descentralizada de ponta, mais
aberta, em tese, ao recebimento de demandas.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Rafael Doñate; MALHEIROS, Tadeu Fabrício. O sistema


municipal de meio ambiente no Brasil: avanços e desafios. Saúde e
Sociedade, v. 21, p. 33-47, 2012.
CRISTALDO, Heloísa. Censo Escolar 2020 aponta redução de
matrículas no ensino básico. Agência Brasil, 29 jan 2021. Disponível
em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-01/
censo-escolar-2020-aponta-reducao-de-matriculas-no-ensino-basico.
Acesso em: 3 nov 2021.
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual do Saneamento.
Brasília: FUNASA, 2006.
IBGE. Educa IBGE. População Rural e Urbana, s.d. Disponível em:
https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-
populacao-rural-e-urbana.html. Connsulta em 15 out 2021.
INEP. InepData. Disponível em: https://inepdata.inep.gov.br/
analytics/saw.dll?dashboard. Acesso em: 25 out 2021.

441
MINISTÉRIO DA SAÚDE. ACS e ACE são fundamentais no combate
à Covid-19. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/noticia/9996.
Acesso em: 15 out 2021.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 818550 AgR, Relator(a):
DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC
27-10-2017

442
OS DIREITOS SOCIAIS E O INESPERADO
RENASCIMENTO DA IMPORTÂNCIA DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL NA REFORMA
DA PREVIDÊNCIA
Sérgio Ferrari 491

Sumário: 1. Introdução; 2. Direitos Fundamentais e Constituições


Estaduais; 3. A Previdência Social como Direito Fundamental;
4. A Previdência e suas Sucessivas Reformas: reflexos sobre o
constitucionalismo estadual; 5. A Emenda Constitucional nº 103
e sua Surpreendente Reverência às Constituições Estaduais; 6.
Conclusões. 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Escolher a carreira acadêmica não é uma questão de dinheiro,
tampouco de prestígio, mesmo no Direito. Aqueles que buscam
programas de pós-graduação ou o magistério, procurando fama e
fortuna, logo descobrem que não terão nenhuma das duas. Quem
persiste nesse mundo, o faz porque descobriu outras recompensas,
tão ou mais valiosas que a fama ou a fortuna.
Uma destas recompensas vem do fato de, constantemente,
ter as próprias ideias submetidas à crítica dos pares, ao seu
desenvolvimento por ex-alunos e colegas, que obrigam a uma
constante reflexão e, sobretudo, a manter a mente aberta e não ter
opiniões inflexíveis.
O tema das constituições estaduais tem me proporcionado essas
recompensas de valor intangível. A ele dediquei minha pesquisa de
mestrado, entre 1999 e 2001. No ímpeto de quem não completara ainda
30 anos, fiz críticas demolidoras: “um artificialismo importado, seu espaço
legítimo de aplicação é mínimo e desimportante e, a despeito do discurso dogmático

Doutor em Direito Público e Professor Adjunto de Direito Constitucional da


491

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi pesquisador visitante no


Instituto do Federalismo da Universidade de Freiburg. Colaborador e membro do
Conselho Consultivo do Constate.
443
laudatório, não passam de leis orgânicas”, como descrito na apresentação
da edição comercial da dissertação (BARROSO, 2003).
Passados alguns anos, recebi um telefonema, com um gentil
convite para um evento comemorativo dos 30 anos das constituições
estaduais brasileiras. Do outro lado da linha, Marcelo Labanca de
Araújo, da Universidade Católica de Pernambuco, me deixou, como
diz o vocabulário local, “aperreado”. Como um crítico tão duro do
próprio conceito de constituição estadual poderia ser convidado para
um evento que pretendia celebrá-las? E mais ainda: ser convidado
por alguém que criticava, com elegância e rigor acadêmico, minhas
ideias a respeito? (ARAÚJO: 2009). Mas é daí que vem a recompensa
da vida acadêmica: Marcelo Labanca, sem deixar de ser um crítico
rigoroso, tornou-se também um parceiro acadêmico e um amigo. E
me fez lançar novos olhares sobre o tema, procurando, exatamente,
as potencialidades das constituições estaduais para que desenvolvam
sua efetividade e relevância, ainda que sejam bem menores do que em
outros Estados federais.
Esta obra vem exatamente neste contexto. Embora a Constituição
Federal de 1988 seja pródiga na enunciação de direitos fundamentais,
seu estudo no âmbito das constituições estaduais ainda era incipiente.
Por isso, vem em bom momento esta obra. Vai suprir uma importante
lacuna no estudo do constitucionalismo estadual, com o olhar já
experimentado de mais de vinte anos de desenvolvimento do tema,
por vários autores, dentre os quais se destacam os organizadores
desta obra.
Neste breve ensaio, abordarei o papel das constituições estaduais
no direito fundamental à previdência, no texto original da Constituição
Federal, seu eclipse desde a “primeira” Reforma Previdenciária, e do
seu surpreendente renascimento, no âmbito de um ressurgimento
da própria importância do Direito estadual e municipal na “quarta”
Reforma da Previdência, promulgada com a Emenda Constitucional
nº 109, de 2019.

444
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONSTITUIÇÕES
ESTADUAIS

É tema sabidamente conflituoso, na doutrina, a terminologia


adotada para os direitos fundamentais, no que tange à sua própria
denominação, oscilando entre as expressões “direitos humanos”,
“direitos fundamentais” e “direitos do homem”. A vasta produção
doutrinária sobre o tema demandaria, apenas para seu relato, páginas
e páginas de explicações. Como esta discussão desviaria o foco do
presente trabalho, adota-se, para fins meramente instrumentais, a
distinção, bastante ponderada, de Ingo Wolfang Sarlet (2006, p. 63):

Assim, com base no exposto, cumpre traçar uma distinção,


ainda que de cunho meramente didático, entre as expressões
“direitos do homem” (no sentido de direitos naturais não,
ou ainda não positivados), “direitos humanos” (positivados
na esfera do direito internacional) e “direitos fundamentais”
(direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito
constitucional interno de cada Estado). (...) A utilização da
expressão “direitos do homem”, de conotação marcadamente
jusnaturalista, prende-se ao fato de que se torna necessária
a demarcação precisa entre a fase que, nada obstante sua
relevância para a concepção contemporânea dos direitos
fundamentais e humanos, precedeu o reconhecimento destes
pelo direito positivo interno e internacional e que, por isso,
também pode ser denominada de uma “pré-história” dos
direitos fundamentais.

Assim, neste trabalho, é utilizada a expressão “direitos fundamentais”,


não apenas por ser a mais difundida, mas, também, como clara opção
pelo sentido adotado por Ingo Sarlet, ou seja, considerando os direitos
positivados na Constituição Federal, sem prejuízo do uso da locução
“direitos do homem”, também exatamente no sentido apontado, ou
seja, para indicar os direitos consagrados em declarações internacionais.
As Constituições brasileiras, acompanhando a evolução do tema,
sempre abrigaram, em maior ou menor grau, declarações de direitos.
Registre-se, a respeito, a conhecida referência de Luís Roberto Barroso
à Constituição Imperial de 1824 (BARROSO, 1996, p. 103):
445
Diversos autores, principalmente europeus, atribuem à
Constituição belga de 1832 – marcante documento da
construção jurídica do Estado liberal – a primazia na positivação
destes direitos, por havê-los absorvido em seu texto, em lugar
de conservá-los, como até então se fizera, em uma declaração
apensa. Tal prelação, é bem de ver, teria de ser disputada com
a Cara Imperial brasileira, de 1824, que, oito anos antes, já dera
concreção jurídica a diversos direitos fundamentais, fazendo-os
acompanhar, inclusive, das respectivas garantias.

Decerto, a principal mudança, em época mais recente, não está


na presença, ou não, de tais declarações no texto constitucional, mas
no status que adquiriram no ordenamento jurídico, passando ao centro
do sistema e se constituindo em vetor de interpretação. Assim, em que
pese esta presença de declarações de direitos, em todas as Constituições
anteriores (inclusive declarações meramente nominais, como em 1937
e, em parte, em 1967-69), fato é que a Carta de 1988 representou
um novo patamar de positivação dos direitos fundamentais, como
reconhece Ingo Sarlet (2007, p. 75)

Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e


o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já
numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de
significativa importância na seara dos direitos fundamentais.
De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na
história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com
a merecida relevância. Além disso, a inédita outorga aos direitos
fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do
status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido
reconhecimento ao longo da evolução constitucional.

Na verdade, é somente a partir da Constituição de 1988 que


se pode falar, propriamente, num sistema de direitos fundamentais.
Evidentemente, do ponto de vista formal, essa sistematização é
imperfeita, sem uma clara distinção, em certos momentos, entre direitos
e garantias. Tampouco a distinção entre direitos individuais e coletivos
é primorosa. Nada disso, todavia, empana a virtude deste novo enfoque
– teórico e prático – dos direitos fundamentais.

446
Uma outra distinção tormentosa é entre os direitos a serem
adimplidos por abstenção do Estado (numa aproximação grosseira,
corresponderiam à “primeira geração” de direitos humanos, no
âmbito internacional) e os direitos “prestacionais”, ou seja, aqueles
que dependem de um facere do Estado para sua satisfação. Recorrendo
uma vez mais à clássica lição de Luís Roberto Barroso (1996, p. 108):

Embora existam dissenções doutrinárias, fulcradas, sobretudo,


em sutilezas semânticas, e haja discrepância na linguagem do
Direito Constitucional positivo, é possível agrupar os direitos
fundamentais em três grandes categorias, que os reparte em:
direitos políticos, direitos individuais e direitos sociais.

Esta classificação se encontra, hoje, em curiosa posição no
progresso científico, já experimentada por outros institutos. Por um
lado, continua essencial à análise do fenômeno (direitos fundamentais),
mas, por outro, suas premissas têm sido questionadas de maneira severa.
Estudos aprofundados já demonstraram, com argumentos sólidos, que
a distinção entre direitos “de abstenção” e “prestacionais” é meramente
aparente, não se sustentando como critério científico (AMARAL, 2001;
GALDINO, 2005). Além disso, a aplicação dos direitos fundamentais
às relações privadas, objeto também de intensos estudos da doutrina
estrangeira e nacional (SARMENTO, 2006; PEREIRA, 2006), relativiza
sobremaneira esta distinção. Basta pensar em direitos como o de
locomoção e de expressão, quando o indivíduo pode ter estes direitos
violados por outro indivíduo e, por isso, precisa da proteção do Estado
(em forma de ação, não de omissão).
Em todo caso, quando o Direito Constitucional estuda os direitos
fundamentais, está sempre presente a figura do “Estado”, ora como
potencial algoz das liberdades públicas, ora como garantidor destes
direitos, ora como obrigado à implementação de políticas públicas
para satisfação dos direitos ditos “prestacionais”. Em outras palavras,
o “Estado” é elemento essencial na discussão e efetivação dos direitos
fundamentais. O que se pretende destacar, aqui, é que o “Estado”,
considerado em tais estudos, não é monolítico, nem pode ser abstraído
da sua formação múltipla e conflitiva, quando tem natureza federal.

447
Quanto ao papel das constituições estaduais na enunciação
e garantia de direitos fundamentais – tema desta coletânea – há
posições divergentes na doutrina. O Professor José Afonso da Silva,
tratando em tese do conteúdo possível das constituições estaduais,
observou, quanto aos direitos e garantias fundamentais, que “repeti-
los no texto da Constituição do Estado não é só uma superfluidade,
mas uma impropriedade. A Constituição Estadual não tem que tratar
dos direitos fundamentais que constam do Título II da Constituição
Federal.” (SILVA, 1994, p. 541). O autor admite, porém, que as cartas
estaduais possam ampliar as garantias a estes direitos, desde que não
ingressem em área dependente de legislação federal (idem). Ricardo
Lobo Torres, por sua vez, ao tratar especificamente da possibilidade
de as cartas estaduais instituírem imunidades tributárias, afirma que
a “resposta positivista” deve ser temperada: não podem tratar das
imunidades explícitas na Constituição Federal, mas as imunidades
implícitas “especialmente as do mínimo existencial, carecem de
regulamentação pelas Cartas estaduais, a partir da perspectiva de
que a proteção dos direitos fundamentais deve ser feita pelo poder
central e pelos Estados-membros, coordenadamente.” (TORRES,
1995, p. 60-61).
Não se pode negar que o espaço para as constituições estaduais
tratarem de direitos fundamentais é bastante reduzido (como, de resto,
em quase todos os temas), pela esmagadora influência do princípio da
simetria, que esgota na Constituição Federal a normatividade de vários
temas, como o processo legislativo, os servidores públicos, tributação
e orçamento. Não se trata, porém, de um espaço inexistente. Existe,
sim, uma potencialidade a ser explorada, especialmente naqueles temas
de competência concorrente, como meio ambiente, em que há fatores
locais que possam ser decisivos na diferença entre os ordenamentos
jurídicos de cada Estado-membro492.

Em pesquisa realizada em 2001, encontrei exemplos de disposições relacionadas


492

a questões ambientais, tratando da proteção de ecossistemas ou acidentes naturais


próprios dos Estados-membros, protegendo o Pantanal Mato-Grossense (Mato
Grosso do Sul, art. 224), a Floresta Amazônica (Amazonas, art. 232), o Arquipélago
de Marajó (Pará, art. 13 § 2º), a Baía de Guanabara (Rio de Janeiro, art. 268, VII),
e vários outros acidentes geográficos de importância local (Minas Gerais arts. 214
e 243, Rio Grande do Sul art. 209 § 2º, Tocantins art. 112, Bahia arts. 216 e 288,
448
A forma de tratar os direitos e garantias fundamentais pode ser
dividida, de maneira aproximada, em três grupos (FERRARI, 2003):

- Constituições que simplesmente não trataram do tema: São


Paulo, Tocantins, Alagoas, Pernambuco, Mato Grosso do Sul,
Paraná, Ceará e Goiás;
- Constituições que fizeram mera remissão à Constituição
Federal: Minas Gerais, Pará, Amazonas e Maranhão;
- Constituições que fazem remissão à Constituição Federal
mas acrescentam algumas disposições autônomas: Bahia, Rio
de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, Piauí e
Sergipe.

Vale destacar a curiosa opção da Constituição de Rondônia, que
enunciou apenas o direito à liberdade de consciência e de crença (art.
139).

3. A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDA-


MENTAL

A caracterização da previdência como direito fundamental social
não deixa margem a dúvidas, conforme a expressa dicção do art. 6º da
Constituição Federal493. A menção é relevante, diante da enunciação
meramente genérica de “direito” nos arts. 194494 (regime geral) e
40495 (regime público) da mesma Carta. De todo modo, a literatura
jurídica não hesita em apontar esta natureza: “Enfim, a proteção social

Espírito Santo art. 247, Maranhão arts. 196 e 241, Ceará art. 259-XV, Piauí art. 242,
Rondônia art. 230, Sergipe art. 233.) (FERRARI, 2003).
493
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
494
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
495
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos
efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo
ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
449
é direito fundamental, já que reconhecido pela Constituição, mas
também é direito humano, adotado em diversas declarações e pactos
internacionais”. (IBRAHIM, 2015, p. 81).
Destarte, embora sejam admitidas mudanças no regime jurídico
da previdência, é certo que este não poderá ser abolido, nem extintos
direitos como a aposentadoria, sem esbarrar na cláusula pétrea que
protege os direitos fundamentais496. Do mesmo modo, estas mudanças
de regime deverão respeitar direitos adquiridos, oponíveis inclusive às
emendas constitucionais. Vale anotar que a aposentadoria, em especial,
é tema que gera infindáveis polêmicas e divergências à luz da garantia
do direito adquirido.

4. A PREVIDÊNCIA E SUAS SUCESSIVAS REFORMAS:


REFLEXOS SOBRE O CONSTITUCIONALISMO
ESTADUAL

O debate e as menções sobre a “reforma da previdência” são quase


permanentes no Brasil, pelo menos, desde meados dos anos 1990,
ou seja, pouco após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
O texto original da Constituição Federal tratou de maneira
razoavelmente detalhada dos regimes próprios de previdência
(aplicáveis aos servidores públicos), inclusive estabelecendo, de
imediato, requisitos de idade e tempo de serviço para aposentadoria497.

496
Art. 60. (...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
497
Art. 40. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de
acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao
tempo de serviço;
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos
integrais;
b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e
vinte e cinco, se professora, com proventos integrais;
450
As constituições estaduais, por sua vez, foram promulgadas em
1989, à exceção daquelas de Estados criados na própria Constituição
de 1988 (Amapá, Roraima e Tocantins). Não fugiram, neste particular,
à lógica que permeou a maioria dos temas em que o princípio da
simetria incidiu fortemente: ou bem repetiam exatamente os termos da
Constituição Federal, ou bem estavam destinadas a serem declaradas
inconstitucionais. Se estipulassem menos direitos que a Carta Federal,
violariam o princípio da simetria; se estipulassem mais direitos que
aquela, violariam a reserva de iniciativa498.
Logo após a posse, em 1995, do presidente eleito em 1994, se
começou a falar numa “reforma da previdência”, especialmente em
razão do alegado desequilíbrio atuarial e orçamentário que decorreria
do sistema aprovado em 1988. Naquele mesmo ano (1995), foi enviada
ao Congresso Nacional a proposta de emenda à Constituição (PEC)
que resultaria, em 1998, na Emenda Constitucional nº 20.
Essa Emenda foi chamada, então de “Reforma Previdenciária”,
tendo alterado de maneira profunda os regimes previdenciários próprios
dos entes federativos (regimes “públicos”, aplicáveis aos servidores
efetivos e distintos do regime geral, aplicável aos trabalhadores com
vínculo de natureza contratual) principalmente ao substituir o conceito
de “tempo de serviço” pelo de “tempo de contribuição”, estatuindo
expressamente o caráter contributivo do sistema499.
Embora os Estados-membros e Municípios tenham se lançado a
grandes esforços para interpretação e aplicação da Reforma, poucos se
preocuparam em reformar suas constituições estaduais e leis orgânicas,
para adaptá-las ao novo texto federal. O que se observou, à época,

c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos
proporcionais a esse tempo;
d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com
proventos proporcionais ao tempo de serviço.
498
O STF, após a promulgação das constituições estaduais, firmou rapidamente a tese
de que a veiculação, nestas cartas, de matérias sujeitas à iniciativa privativa do Chefe
do Poder Executivo, seria vedada, por representar uma fraude à estas restrições.
Para uma análise crítica dessa jurisprudência, veja-se FERRARI: 2003, p. 197-202.
499
Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
451
foi a simples aplicação direta da Emenda 20 aos servidores estaduais
e municipais, muitas vezes sem sequer promulgar leis ordinárias ou
complementares com a necessária adaptação do ordenamento jurídico
local. Mais ainda: na maioria dos casos, leis locais foram alteradas ou
editadas (no mais das vezes, para criação do fundo de previdência
do regime próprio), mantendo-se, no entanto, o texto original da
constituição estadual ou lei orgânica municipal500. Este fato foi recebido,
à época, com absoluta naturalidade pela comunidade jurídica, sendo
isoladas as vozes que mostraram perplexidade com esta omissão.
Seguindo o que se tornaria um padrão no constitucionalismo
brasileiro, com a chegada de outro partido político ao poder, em
2003, voltou-se a falar em “reforma da previdência”. Curiosamente, a
expressão era usada no singular, e como se algo inédito fosse, ignorando
por completo o fato de que, menos de cinco anos antes, ampla reforma
previdenciária já havia sido empreendida.
O fato é que, ainda em 2003, foi aprovada a Emenda Constitucional
nº 41, que aqui estou denominando de “Segunda Reforma
Previdenciária”. Vários dispositivos foram modificados, inclusive alguns
que já haviam sido alterados em 1998501.
Durante a tramitação da PEC que viria a resultar na Emenda
41, e como forma de facilitar a sua aprovação no Congresso, alguns
temas mais polêmicos foram retirados da proposta original e reunidos
em outra proposição, chamada à época de “PEC paralela”. Em julho
de 2005, a proposta foi aprovada, sendo promulgada como Emenda
500
Em texto da época, já apontara este fato: “Malgrado as cartas estaduais contivessem,
em sua maioria, cópia dos dispositivos federais, não houve qualquer preocupação
em reformá-las. Antes, a preocupação maior foi a de regulamentar, através de lei,
aquelas reformas para o âmbito estadual. Especialmente na questão previdenciária,
vários Estados-membros apressaram-se em editar novas leis regulando o novo
regime previdenciário dos servidores públicos, sem qualquer preocupação em
primeiro compatibilizar a constituição estadual com o novo regime da previdência
na Constituição Federal.” (FERRARI, 2003, p. 260).
501
Destaque-se a nova redação do art. 40, a terceira até então:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição
do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto
neste artigo.
452
Constitucional nº 47. Apesar da menor amplitude, pode ser chamada,
para maior clareza, de “Terceira Reforma Previdenciária”.
Após estas duas Reformas, Estados-membros e Municípios
aprofundaram as mudanças e adaptações de seus regimes próprios,
especialmente no que tange a contribuições para fundos próprios de
previdência e criação de sistemas de previdência complementar. Mais
uma vez, porém, pouca ou nenhuma atenção foi dada à adaptação das
constituições estaduais, de modo que muitos Estados continuaram,
em suas constituições, com o mesmo texto de 1989, porém aplicando
diretamente o texto da Constituição Federal.
Este foi o quadro encontrado pela Quarta Reforma da Previdência,
da qual se tratará a seguir.

5. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103 E SUA SUR-


PREENDENTE REVERÊNCIA ÀS CONSTITUIÇÕES
ESTADUAIS

Seguindo um padrão histórico, a ascensão ao poder de um partido
diferente, em 2016, deu início a novos debates sobre a necessidade
de reformar a previdência, pelos mesmos motivos que, desde 1995,
têm sido apontados. E, mais uma vez, a proposta era chamada de “a”
reforma da previdência, no singular, novamente ignorando a existência
de reformas quase periódicas neste capítulo da Constituição Federal.
A PEC então enviada ao Congresso não foi apreciada até 2019,
quando, já sob um novo governo e com algumas poucas mudanças,
resultou na Emenda Constitucional nº 103, em novembro de 2019.
No que diz respeito à autonomia de Estados-membros e
Municípios, a emenda 103 se tornou o exemplo perfeito de fazer a coisa
certa pelo motivo errado.
Diante das dificuldades na aprovação da proposta, no Congresso
Nacional, surgiu a ideia de limitar as mudanças ao regime próprio dos
servidores públicos federais. Segundo o cálculo político da época, isto
diminuiria as resistências à PEC, ao excluir os servidores públicos
estaduais e municipais. Não se tratou de uma preservação ou prestígio
da autonomia dos entes federativos locais, mas, antes, de um arranjo
de ocasião, para obter a aprovação da Quarta Reforma.
453
Assim, a Emenda 103 inaugurou um período inédito, em
que os entes locais receberam uma autonomia que jamais tinham
experimentando durante a vigência da Constituição de 1988.
Como, porém, isto não decorreu de um movimento planejado ou
fundamentado juridicamente, a marca do improviso pode ser facilmente
percebida na tortuosa redação do art. 36, II da Emenda 103, que trata
justamente da sua aplicabilidade aos entes locais:

Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:


II - para os regimes próprios de previdência social dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração
promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no art.
149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea
“a” do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data de
publicação de lei de iniciativa privativa do respectivo Poder
Executivo que as referende integralmente;502

Este dispositivo poderia dar a impressão de que bastaria uma única
lei ordinária do Estado-membro, para “aderir” às regras estabelecidas
na Quarta Reforma. Não é isso, porém, que se percebe do texto da
Emenda 103.
Na verdade, há diversas referências ao Direito local na Emenda,
tratando de diferentes temas e exigindo diferentes espécies normativas.
Foram estabelecidos, pelo menos, três diferentes diplomas para essa
“adesão” dos Estados-membros à Quarta Reforma. Em primeiro
lugar, quanto às “regras para o cálculo de proventos”, fala-se apenas
em “lei”, no § 3º do art. 40:
502
As remissões tratam dos seguintes temas: o art. 149 trata da contribuição
previdenciária para os regimes próprios dos entes federativos; a alínea “a” do inciso
I do art. 35 da Emenda 103 revogou o § 21 do art. 40 da Constituição Federal
(incluído na Terceira Reforma), que por sua vez estabelecida um limite diferente
para a incidência de contribuição no caso de portadores de doença incapacitante; o
inciso III do art. 35 revoga os arts. 2º, 6º e 6º-A da Emenda 41 (Segunda Reforma),
os quais tratam de regras especiais de transição naquela Emenda e também nas
Emendas 47 (Terceira Reforma) e 70; o inciso IV do art. 35 revogou o art. 3º da
Emenda 47 (Terceira Reforma), que também estabelece normas de transição. Em
suma, todos estes dispositivos foram “revogados” apenas para a União, e serão
“revogados”, para os Estados-membros, por leis ordinárias futuras, de iniciativa
privativa do Governador do Estado.
454
§ 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão
disciplinadas em lei do respectivo ente federativo.

Quanto ao “tempo de contribuição e demais requisitos”, nos


termos da parte final do art. 40, III, deverão ser “estabelecidos em
lei complementar” do ente federativo. Portanto, duas leis estaduais
diferentes, uma ordinária e outra complementar, tratarão conjuntamente
dos requisitos para aposentadoria e do cálculo dos proventos, assuntos
inteiramente interligados.
Mas não é só. A parte inicial do mesmo dispositivo estabelece
a exigência de uma terceira espécie normativa, especificamente para
tratar da idade mínima para a aposentadoria:
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores
titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário,
mediante contribuição do respectivo ente federativo, de
servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência
social será aposentado:
III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade,
se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem,
e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
na idade mínima estabelecida mediante emenda às
respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o
tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em
lei complementar do respectivo ente federativo. (não destacado
no original)

Portanto, a Quarta Reforma estabeleceu pelo menos três diferentes


modos de “adesão” dos Estados-membros, conforme o resumo abaixo:

TEMA ESPÉCIE NORMATIVA FUNDAMENTO


EXIGIDA CONSTITUCIONAL
Idade mínima E m e n d a à C o n s t i t u i ç ã o Art. 40, III
Estadual
Tempo de contribuição e Lei Complementar Estadual Art. 40, III
“demais requisitos” para
aposentadoria
Cálculo dos Proventos Lei Ordinária Estadual Art. 40 § 3º

455
Assim, mais de vinte anos após a Primeira Reforma, que condenara
ao esquecimento e à inutilidade os capítulos das constituições estaduais
que tratavam de regimes próprios de previdência, a Quarta Reforma
promove uma súbita “ressurreição” da importância da carta estadual.
Várias são as perplexidades, teóricas e práticas, que a inovação traz.
Em primeiro lugar, as constituições estaduais teriam que ser
reformadas pontualmente, de modo a alterar apenas a idade mínima
para aposentadoria? O restante do texto permaneceria desatualizado?
E as incompatibilidades e contradições que seriam geradas?
Em segundo lugar, um Estado-membro poderia, em vez de adotar
o procedimento tríplice indicado na Constituição Federal, reformar
todo o seu sistema através de Emenda à Constituição Estadual? Neste
caso, a iniciativa privativa do Governador deveria ser observada?
Este procedimento (uma “reforma constitucional no âmbito
estadual”) seria tecnicamente mais correto, e evitaria várias contradições
e dificuldades interpretativas que, muito provavelmente, advirão do
sistema tríplice estabelecido. O art. 36, II da Emenda 103, com seu
emaranhado de remissões e revogações, algumas delas “condicionais”
ou diferidas, já dá uma medida das dificuldades adicionais que poderão
advir de uma adesão açodada, ou mal planejada, por parte dos entes
locais, à Quarta Reforma.
Seria possível cogitar que o constituinte derivado (federal) teria
partido do pressuposto de que as os Estados-membros teriam se
adaptado às sucessivas Reformas Previdenciárias (Emendas 20, 41
e 47) e que, portanto, bastaria fazer agora uma adaptação pontual,
apenas quanto à idade mínima para a aposentadoria? Não parece ser o
caso, por duas razões: a uma, porque, como visto, isto está totalmente
desconectado da realidade, e qualquer pesquisa de poucos minutos
pode confirmar tal informação e, a duas, porque essa reverência às
constituições estaduais, como dito, é apenas aparente, tratando-se, na
verdade, de mera estratégia de negociação, durante a tramitação da
PEC da Quarta Reforma, para obter sua aprovação pelo Congresso.

456
6. CONCLUSÃO

Como visto ao longo destas breves reflexões, a previdência
social constitui um direito fundamental de natureza social que,
desde a Constituição de 1988, esteve inteiramente regulada no
texto da Constituição Federal, inclusive naquilo que diz respeito
aos regimes próprios dos entes federativos, estabelecendo regras
aplicáveis à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
O tratamento da matéria nas constituições estaduais não fugiu à
regra da estreita autonomia do constituinte decorrente no Brasil: as
regras estabelecidas, ou bem eram ociosas, por repetir a Constituição
Federal, ou eram consideradas inconstitucionais, seja pela violação
ao princípio da simetria, seja à regra da iniciativa privativa do Poder
Executivo.
Com as sucessivas reformas previdenciárias, de 1998, 2003 e
2005, os entes locais não alteraram suas constituições estaduais,
concentrando-se na reforma da legislação infraconstitucional e na
aplicação direta, aos seus regimes próprios, das normas contidas
na Constituição Federal, tal como enunciadas após as Emendas
Constitucionais Federais respectivas (20, 41 e 47).
A Quarta Reforma (Emenda Constitucional 103), porém, em
2019, inovou profundamente no tema, inclusive com relação ao
texto original da Constituição de 1988: estabeleceu, além de regras
de natureza nacional, outras aplicáveis apenas à União, deixando a
possibilidade de que os entes locais “adiram” a este mesmo regime.
Esta adesão, regulada de maneira confusa no texto constitucional,
ao menos segundo o texto, teria que ocorrer com pelo menos três
diferentes espécies normativas: emenda à Constituição Estadual, lei
complementar e lei ordinária estaduais, cada uma tratando de diferentes
subtemas do regime de aposentadoria.
Como já dito, essa referência, na Quarta Reforma, às constituições
estaduais, foi uma hipótese de fazer a coisa certa pelo motivo errado. É
verdade que se atribui, aos Estados-membros, uma autonomia inédita,
embora pontual. Isto foi feito, porém, apenas como uma solução de
negociação política, não por um refletido prestígio à autonomia dos
Estados-membros e à importância de suas constituições. As marcas do

457
improviso, e da insinceridade de propósitos, ficam claras na redação
confusa e na má sistematização do texto.
Apesar de todas estas críticas, porém, o fato é que foi devolvida,
aos Estados-membros (e também aos Municípios, vale ressaltar)
uma parcela, ainda que pequena, de sua autonomia constitucional,
em matéria relevante, diretamente ligada ao direito fundamental à
proteção social, na vertente da previdência. É um avanço que pode,
e deve, ser celebrado, a despeito de sua origem tortuosa, por aqueles
que pretendem prestigiar a autonomia dos entes locais e a relevância
das constituições estaduais.

REFERÊNCIAS

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2001
ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Jurisdição constitucional e federação: o
princípio da simetria na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas
Normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
__________ Prefácio ao livro Constituição Estadual e Federação. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003.
FERRARI, Sérgio. Constituição Estadual e Federação. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.
GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos (“Direitos
não nascem em árvores”). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário, 21ª ed.
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PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos
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TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação –
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459
460
LA FEDERACIÓN BRASILEÑA EN
MOVIMIENTO: OPORTUNISMO Y
DESCENTRALIZACIÓN FRENTE A LA
PANDEMIA503
Luis Guilherme Arcaro Conci 504

Introducción; 1. Algunas notas históricas sobre el federalismo


brasileño; 2. Aspectos de la federación brasileña en la
Constitución de 1988: diseño y realidad; 3. La gestión
descoordinada de la crisis en la federación brasileña: legislación
503
El artículo se encuentra publicado en Fuchs, Marie-Chistine; Nader,
Esteban(directores). Covid-19 y Estados en acción: un estudio constitucional
comparado entre países federales y no federales. Bogotá: Tirant Lo Blanch, 2021,
pp. 143.174. Disponible en https://www.kas.de/documents/271408/4591369/Co
vid19+y+Estados+en+acci%C3%B3n++un+estudio+constitucional+comparado
++entre+pa%C3%ADses+federales+y+no+federales.pdf/882baa4e-f650-727e-
16c6-966187a92b48?version=1.0&t=1625191219244.
504
Profesor de la Facultad de Derecho y Coordinador del Curso de Posgrado en
Derecho Constitucional de la Pontificia Univ. Católica de São Paulo (PUC-SP);
Profesor en PEPG en Relaciones Internacionales - Gobernanza Global y Políticas
Públicas Internacionales en PUC-SP (Maestría Profesional) y PEPG en Derecho
(Maestría y Doctorado Académicos); Colíder del Grupo de Investigación de
Derechos Fundamentales (PUC-SP / CNPq); Profesor Catedrático de Teoría
del Estado en la Facultad de Derecho São Bernardo do Campo - Autoridad
Municipal. Hizo estudios postdoctorales en el Instituto de Derecho Parlamentario
de la Universidad Complutense de Madrid (2013-2014). Fue visiting professor en las
Universidades de Buenos Aires (2011-2014), Messina (2019), Medellín (2019) y
Bolonia (2016). Actualmente es visiting professor en la Universidad de Turín, Italia.
Correo electrónico: lgaconci@hotmail.com y lgaconci@pucsp.br.. Algunas de
las ideas aquí presentadas, ahora desarrolladas con más rigor, se discutieron
en otros textos anteriores, especialmente en Luiz Guilherme Arcaro Conci,
“Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira: descentralizando
a disfuncionalidade” Revista Opinión Jurídica (2020): 225-242 y Luiz Guilherme
Arcaro Conci, “O federalismo brasileiro e alguns de seus dilemas: cooperação e
competição como problemas tradicionais do constitucionalismo brasileiro.” (XII
Congreso Iberoamericano de Derecho Constitucional: el diseño institucional del
Estado democrático, 15, 16 y 17 de septiembre de 2015). Sobre el enfrentamiento
de la pandemia, también organizamos Conci, Luiz Guilherme Arcaro (Coord.). O
Direito Público em Tempos Pandêmicos – 9 países, 11 trabalhos e uma porção de
inquietudes. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020.
461
y jurisdicción constitucional; 3.1. El “núcleo político” en el
enfrentamiento de la crisis pandémica; 3.2 El “núcleo judicial”
en el enfrentamiento de la Pandemia; 4. Síntesis conclusiva; 5.
Bibliografía

INTRODUCCIÓN

Los desafíos enfrentados por los diversos estados nacionales


a partir de los variados modelos de distribución territorial de
competencias y atribuciones para la gestión de una crisis pandémica
han sido múltiples, independientemente de la decisión constitucional
por la nomenclatura de federal, regional o unitario, pues los problemas
entre centro y periferia en la dinámica territorial son una constante.
El caso brasileño no es la excepción. A pesar de adoptar la
fórmula territorial federal desde 1889, esta está marcada por fases en
las que la relación centralización-descentralización se mueve de un lado
hacia el otro. En estos períodos de cambio, en los cuales la realidad
constitucional se impone, los espacios que definen las decisiones
y acciones de los entes de la federación también se redefinen. El
enfrentamiento de la pandemia por parte del Estado brasileño es
uno de estos momentos en los que se pueden restablecer distancias
que permitan el surgimiento de un nuevo modelo federativo con
experiencias nuevas.505 Pero también puede profundizar problemas
ya existentes.
En el caso de la epidemia del COVID-19 y del modo como se
enfrenta la crisis sanitaria, están presentes la novedad, por un lado, con
un movimiento descentralizador que se describirá a continuación, y,
por el otro lado, la disfuncionalidad de la federación brasileña en no
lograr concretar, dadas las equivocaciones de los variados gobiernos, la
coordinación506 de las acciones de los entes nacionales y subnacionales,

505
Sobre Brasil y otros 8 países e sus acciones durante la pandemia, ver Luiz Guilherme
Arcaro Conci, O Direito Público em Tempos Pandêmicos – 9 países, 11 trabalhos
e uma porção de inquietudes. (São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020).
506
Lotta, Gonçalves e Bitelman. A coordenação federativa de políticas públicas: uma
análise das políticas brasileiras nas últimas décadas. (2014), 15: “Coordinación,
que, por parte del gobierno federal, implica, además de la articulación entre
diferentes niveles de gobierno, los mecanismos de incentivos e inducción, las
462
pasando por el protagonismo judicial ejercido en este período por el
Supremo Tribunal Federal.
En Brasil, el tema del pacto federativo presenta situaciones que
merecen tomarse en cuenta para su análisis, pues aquel que comprende
la Constitución y sus normas como objetos que se transforman
constantemente y que, en este sentido, entiende la exigencia de que
la realidad constitucional507 y el texto constitucional sean objetos
permanentes de reflexión conjunta, tiene un buen número de dudas
en momentos como el presente.
Para pensar la federación brasileña se exige que se la entienda en
su aquí y ahora, además de en su relación con la historia constitucional,
sin perder de vista los influjos que imponen los momentos como el
actual sobre su diseño constitucional, ya que se perciben en nuestro
federalismo ciclos508 que dependen de dichas realidades constitucionales,
imponiendo más centralización o descentralización y exigiendo una
readecuación de los espacios de competencia existentes para los entes.
Y estos espacios se pueden alterar sin planificación. Por otro lado, no
se puede negar que existe un grado importante de oportunismo en los
federalismos, pues sus movimientos en pro de una mayor o menor
centralización terminan sensibilizándose con las voluntades de la
sociedad.509
Existe, además, un sistema de frenos y contrapesos vertical,
propio de las federaciones, en las que los mecanismos adoptados en
las Constituciones funcionan como instrumentos de control recíproco
entre los entes y también terminan por redimensionar espacios.510

normatizaciones, los buenos diseños de programas, la redefinición de la atribución


de responsabilidades y competencias, las transferencias de recursos y la organización
e capacitación de cuadros técnicos (tanto del órgano coordinador como de los
órganos de quien está en la punta de la implementación), entre otros aspectos”.
507
Marcelo Neves, A Constitucionalização Simbólica, (São Paulo: Editoria
Académica:1994, p.77.
508
Richard P. Nathan, “There will always be a new federalism.” Journal of Public
Administration Research and Theory 16.4 (New York: Routledge, 2006), 505.
509
Richard P. Nathan, “There will always be a new federalism.” Journal of Public
Administration Research and Theory 16.4 (New York: Routledge, 2006), 500
510
“Power being almost always the rival of power, the general government will at all
times stand ready to check the usurpations of the state governments, and these
will have the same disposition towards the general government”, cf. Madison, J.
463
El modelo federal brasileño tiene marcas de una gran centralización;
está signado por un largo proceso en dirección al fortalecimiento de la
Unión Federal en detrimento de los demás entes subnacionales. Por
esta razón, si se lo compara con otros diseños, como el norteamericano,
el argentino y el mejicano, se ve una mayor proximidad con los dos
últimos y una mayor distancia del primero,511 pero, aun así, todos ellos
pasan por momentos pendulares de mayor o menor centralización,
a pesar de que en la historia constitucional brasileña se perciba la
tendencia a un federalismo autoritario y centralizado, con acentuado
poder fiscal y político en el gobierno federal.512 El hiperpresidencialismo
y el centralismo fiscal marcan la trayectoria de las federaciones
latinoamericanas, y Brasil no es una excepción.513
Sin embargo, el actual momento muestra que hay movimientos
que exigen que los entes subnacionales exploren con más rigor sus
capacidades, con miras a transformar la realidad en un laboratorio para
nuestro federalismo. No quiero decir con esto que el pacto federativo
sea mejor cuanto mayor sea la descentralización alcanzada. Esta es una
equivocación bastante bien trabajada desde hace mucho en Brasil.514
Tampoco la excesiva centralización lo sería.515 Como se verá, algunos
elementos serán importantes para estudiar nuestra realidad actual: el
modelo fiscal, las capacidades constitucionales y el rol desempeñado
por los poderes de Estado.

Federalist Paper# 28 in Alexander Hamilton. James Madison, John Jay, The Federalist


Papers, 245; Leonam Liziero, “Federalismo, Facções E Freios E Contrapesos Na
Emergência Do Constitucionalismo Norte-Americano.” (Curitiba: UNIBRASIL ,
2019), 143.
511
Peter Ward et al, Decentralization, democracy and sub national governance:
comparative reflections for policy making in Brazil, Mexico and the US, 58; Antonio
Maria Hernández, Aspectos históricos y políticos del federalismo argentino.
(Cordoba: Academia de Ciencias de Cordoba, 2009), 22.
512
Marta Arretche, Relações federativas nas políticas sociais. (Campinas:  CEDES,
2002), 28, https://doi.org/10.1590/S0101-73302002008000003
513
Giorgia Pavani,, “Tendencias Centrífugas Y Centrípetas De La Descentralización
En América Latina, Revista: La Evolución Del Derecho Público En El Siglo XXI,
(2019), 73.
514
Sobre el exceso de poder en el margen del federalismo brasileño y los beneficios
de alguna centralización, ver Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto: o
município e o regime representativo, no Brasil. (São Paulo: Alfa. Omega, 1975).
515
Levi Carneiro, Federalismo e judiciarismo. (Rio de Janeiro: Alba, 1930), 160.
464
1. A L G U NA S N OTA S H I S T Ó R I C A S S O B R E E L
FEDERALISMO BRASILEÑO

Ya antes de la independencia, ideas federalistas fondeaban por aquí.
Algunos ya leían en estas tierras516 las ideas federalistas que estaban
presentes, en 1789, en los inconfidentes mineiros, que se espejaban en los
norteamericanos con la intención no solo de deshacer las relaciones
con la monarquía, sino también de producir la descentralización
política y administrativa.517 También en la Revolución Pernambucana
de 1817 estaban presentes dichas ideas, incluso porque, a pesar de los
esfuerzos de la Metrópolis por producir centralización en la Colonia
brasileña, la realidad de este lado del Atlántico era bastante diferente.
Como resultado de un pluralismo normativo poco racional, de la poca
estructura administrativa portuguesa, y, quizá, de la estrategia de la
Corona de no permitir que cualquier autoridad se volviera demasiado
poderosa de este lado, había una pluralidad de centros de poder que
impresionaba.518
Con el Imperio y con la independencia adquirida con costos
financieros altísimos se relegó la realidad post-independencia a un
conjunto de problemas de difícil solución. Entre ellos, la necesidad
de hacer expandir, a lo largo de un vasto territorio, el poder del
Rey (o Emperador). En la Asamblea Constituyente de 1823 la
distribución política y administrativa del poder por todo el territorio
era un asunto central. La reacción “federalista”, en el plano formal,
vendría en 1834, con el Acto Adicional (Ley 16/1834) que otorgaba
nuevas competencias a las Asambleas Provinciales (antiguos Consejos
Generales de las Provincias), cuyos miembros serían elegidos en
elecciones regionales y que legislarían sobre varias materias, incluso
con capacidades tributarias. Este período de descentralización permitió
que las provincias legislaran sobre “la fijación de los gastos municipales
y provinciales, y los impuestos para ellas necesarios, con tal de que
516
Kenneth Maxwell, Conjuração mineira: novos aspectos, (Rio de Janeiro: Estudos
Avançados, 1989), 04-24.
517
Nesse sentido, Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos
decisivos, (São Paulo: Fundação Editora UNESP, 2007), 28.
518
José Murilo de Carvalho, Pontos e bordados: escritos de história e política, (Belo Horizonte:
UFMG, 1998).
465
estos no perjudiquen las imposiciones generales del Estado” (art. 10,
§5º.), habiendo sido el tema reglamentado por la Ley en el. 99, del 31
de octubre de 1835. Se trataba del primero acuerdo fiscal entre los
“entes” estatales. Ya en 1837, ocurrió un retorno centralizador, con la
supresión de poder de las asambleas provinciales, y con la creación de
la justicia y policía vinculadas al poder central y, en seguida, con la Ley
de Interpretación, en 1840 (Ley 105/1840), se provocaría un retorno
centralizador que duraría hasta el final del Imperio.
Con la proclamación de la República, el 15 de noviembre de
1889, en verdad se vio también un grito por la federación y por la
inspiración norteamericana que se adueñaba de la elite liberal brasileña
y ganaba fuerza en el transcurso de aquel siglo XIX.519 En el plano
constitucional, la Constitución de 1891 fue el documento constitucional
más descentralizador que se conoció en Brasil. El tema de la federación,
a partir, principalmente, de las lecciones de Amaro Cavalcanti, puso
en las manos de los estados materias de importancia central. El
modelo norteamericano, de competencias expresas a la Unión Federal,
remanentes para los estados y concurrentes entre los entes aparece,
pero la dependencia política del Gobierno Federal de los acuerdos
políticos con las oligarquías estaduales tuvo, en aquel período, el poder
de fortalecer sobremanera a las elites regionales. Preveía que los estados
proveyeran sus necesidades especialmente por medio del Impuesto a
las Exportaciones, aunque recaía sobre la Unión Federal, no obstante,
la responsabilidad sobre la deuda pública interna y externa.520 Y las
constituciones estaduales, en aquel momento, discrecionalmente, daban
a los municipios un amplio poder de orden administrativo y financiero,
reforzando los poderes de las oligarquías regionales.521
Con la llegada de Getulio Vargas a la Presidencia en 1930, y con la
falta de gobierno debido a la ausencia de una Constitución, que duró
hasta 1934, no fueron pocas las insatisfacciones regionales, que tuvieron
su ápice con la Revolución Constitucionalista de 1932. Sin embargo
el resultado no fue el esperado por las fuerzas descentralizadoras. La
Constitución, a pesar de presentar las primeras normas características
519
Op. Cit, 250.
520
Amaro Cavalcanti, Regimen federativo e a Republica Brazileira. (Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1900), 322.
521
Levi Carneiro,  Federalismo e judiciarismo. (Rio de Janeiro: Alba, 1930), 182.
466
de un Estado Social522 (un capítulo con deberes estatales vinculados al
Orden Económico y Social), recrudeció la centralización, aumentando
los poderes federales y las materias de competencia de la Unión
Federal. Por otro lado, reconoció la autonomía municipal, con tributos
incluso de competencia de los entes locales, así como concedió al
Distrito Federal la prerrogativa de elegir a su gobernador por medio
del voto directo. En el plano fiscal, la Unión Federal pasó a tributar la
renta, exceptuando aquella sobre los inmuebles. Los Estados tenían
competencia para crear impuestos sobre los combustibles, que con la
Constitución de 1946 pasaron a integrar la lista federal de competencias
tributarias.523 También en 1934 se incluyó a los Municipios en la
partición tributaria, factor positivo en la transformación de nuestro
constitucionalismo hasta entonces dual, especialmente en cuanto a
la división de los ingresos entre los Estados y la Unión Federal, que
excluía a los Municipios de dicho reparto. Además, trajo normas de
cooperación financiera.524
Pero el proyecto centralizador ganó fuerza con el otorgamiento de
la Constitución de 1937, respecto de la cual se puede afirmar, incluso,
la suspensión de la cláusula federativa, considerando que en el período
entre 1937 y 1945 hubo intervención federal en todos los estados,
habiendo el Presidente de la República nombrado interventores que,
a su vez, repetían el proceso en los municipios,525 por el sistema de la
necesaria confirmación de los mandatos de los entonces gobernadores
por parte del Presidente, o de la elección de los interventores (art. 176)
y haciendo uso de la prerrogativa de legislar por decretos (art. 181 de
la CF 1937).
Con el fin del Estado Nuevo y el inicio de la redemocratización,
en 1945, se dio, en el orden federativo, el retorno de las autonomías

522
Paulo Bonavides, Do Estado Liberal ao Estado Social: (São Paulo: Malheiros, 1996),
184.
523
Afonso Arinos de Melo Franco, Algumas instituições políticas no Brasil e nos Estados
Unidos: um estudo de direito constitucional comparado. (Rio de Janeiro: Forense, 1975), 94.
524
José Afonso da Silva, O constitucionalismo brasileiro: (evolução institucional), (São Paulo:
Malheiros, 2011), 309.
525
Adriano Codato, Os mecanismos institucionais da ditadura de 1937: uma análise das
contradições do regime de Interventorias Federais nos estados. (São Paulo: História,
2013), 195. https://doi.org/10.1590/S0101-90742013000200010.
467
estaduales y el consecuente aumento de las competencias municipales,
volviendo el péndulo al centro con el orden autoritario instaurado
con el Golpe Militar de 1964. Se vio nuevamente la pérdida de
autonomía política por parte de los entes subnacionales, en los que
los gobernadores y alcaldes de las 150 ciudades medianas y grandes
eran seleccionados por la cúpula militar.526 En el plano constitucional,
la Constitución de 1967, alterada por la Enmienda No. 1 de 1969,
provocó una nueva ola de centralización, con la consecuente ampliación
de las competencias de la Unión y su reducción en los Estados y
Municipios, con la implantación de un “federalismo cooperativo” de
índole autoritaria. En el plano fiscal, ya en 1965, con la Enmienda 18,
se estructuró un sistema tributario centralizado cuyas bases permanecen
hasta los días de hoy, en que una lista ampliada de competencias
tributarias fue traída al texto constitucional al punto de no generar
dudas sobre el avance financiero del poderío de la Unión Federal.
Después, con la Enmienda 7/1977, se provocó un nuevo acuerdo en
lo federal con la posibilidad de nombramiento de senadores por parte
de las asambleas legislativas y el aumento de la representación de los
estados más pequeños en la Cámara, pues eran esos los que daban un
mayor apoyo político a los militares. Y las políticas sociales, por ejemplo,
en aquel momento estaban totalmente centralizadas: su gestión estaba
en las manos de la Unión Federal, aunque las unidades federativas
subnacionales estuvieran plenamente instauradas.527

2. ASPECTOS DE LA FEDERACIÓN BRASILEÑA EN LA


CONSTITUCIÓN DE 1988: DISEÑO Y REALIDAD

El pacto formulado para la elaboración y promulgación de la


Constitución de 1988 resaltó fórmulas de cooperación entre los
entes regionales, locales y nacionales con la finalidad de disminuir
las asimetrías regionales y con el objetivo de concretar el principio
de la solidaridad en el plano institucional. 528 El proceso de

526
Marta Arretche, Relações federativas nas políticas sociais, (Campinas: CEDES,
2002): 28,  https://doi.org/10.1590/S0101-73302002008000003
527
Op. Cit., 30.
528
Interesa afirmar, especialmente para los lectores extranjeros, que, a pesar del cambio
468
redemocratización abrió las puertas a un federalismo cooperativo529 y
las cláusulas constitucionales se mostraron abiertas a la reducción de
las desigualdades regionales y sociales como objetivo estampado entre
los deberes del Estado Democrático y Social brasileño (art. 1º C.C.,
art. 3º, de la Constitución). El significado de dicha previsión entre los
“principios fundamentales” del nuevo constitucionalismo brasileño,
tan importante en la disposición textual de la Constitución, apuntaba,
por otro lado, en el plan de la realidad constitucional, a una promesa
–lamentablemente, no realizada.
La fórmula cooperativa de federación diseñada en el texto
constitucional prometía un cambio de rumbos en la historia
constitucional brasileña. No quiere decir que no se hubieran hecho
tentativas de diseño cooperativo –en 1934 y 1946, especialmente.
La promesa de una federación cooperativa exigía, por lo tanto, una
mayor aproximación en el campo de las competencias entre los entes
de la Federación, según se expuso en el párrafo único del artículo
23,530 que, al estipular competencias comunes para los entes, apostaba
a la necesidad de que dicha cooperación fuera establecida por leyes
complementarias, que fijarían “normas para la cooperación entre la
Unión y los Estados, el Distrito Federal y los Municipios, con miras al
equilibrio del desarrollo y del bienestar en el ámbito nacional”. Fue en
este artículo 23, en su inciso II, que se afirmó la competencia común
de “tratar de la salud” como atribución de todos los entes.
Esa relación de cooperación mediante leyes complementarias
apuntaría a la necesaria coordinación entre los entes, de modo a
volverla adaptable a las diferencias regionales existentes en un estado
nacional con sede en un territorio tan extenso; pero, a pesar de los
treinta y dos años de la Constitución, solo se aprobó una ley para

prometido, los estados, históricamente, aprueban constituciones que terminan


copiando el texto constitucional federal, en una demostración de cierta sumisión,
cf. Celina Souza, Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no
Brasil pós-1988,  (Curitiba: Revista de sociologia e política, 2005), 105-121.
529
Gilberto Bercovici, Dilemas do estado federal brasileiro. (Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004), 23-24.
530
“Leyes complementarias establecerán normas para la cooperación entre la Unión
y los Estados, el Distrito Federal y los Municipios, tomando en cuenta el equilibrio
del desarrollo y del bienestar en ámbito nacional”.   
469
dar concreción a dicha determinación constitucional, tratando del
tema ambiental (Ley Complementaria 140/2001). Esto refuerza la
fragilidad de la concreción del modelo cooperativo. Obviamente,
hay otros mecanismos cooperativos en la federación brasileña,
como la distribución de ingresos tributarios entre los entes (Fondo
de Participación de los Estados y Fondo de Participación de los
Municipios, por ejemplo), o la creación de sistemas cooperativos de
gestión de servicios (como el Sistema Único de Salud y el Fondo de
Mantenimiento y Desarrollo de la Educación Básica y de Valorización
de los Profesionales de la Educación, por ejemplo). Pero la inexistencia
de leyes complementarias para la mencionada finalidad denota una
realidad poco dada a la cooperación.
En lo que se refiere al enfrentamiento de la pandemia, la
Constitución brasileña adopta un Sistema Único de Salud, financiado
por todos los entes, aunque organizado desde una “red regionalizada
y jerarquizada” (art.198), que reforzó la tendencia a que los entes
subnacionales se limitaran a ejecutar las políticas públicas elaboradas
por el ente federal.531 La dirección de tales políticas por parte del
Gobierno Federal se volvió la regla, y las transferencias federales a los
demás entes, un instrumento importante para generar homogeneidad
en dichas políticas,532 reforzando lo que se había afirmado sobre el
excesivo prestigio legislativo de la Unión Federal en detrimento de los
entes subnacionales.533 Como las leyes “de cooperación”, previstas en
el § único del artículo 23 de la CF, no se elaboraron para reforzar el
espíritu cooperativo de la Constitución, se impuso una estructura de
salud jerarquizada en las decisiones y descentralizada en la ejecución
de políticas públicas.
Por otro lado, el tema de la salud también está previsto en el
artículo 24, que trata de las competencias legislativas concurrentes. Esa
verificación de los “espacios legislativos” de cada uno de los entes suele
generar conflictos constantes. En la forma en que lo siento, serviría
muy bien, en el caso, que dichos análisis competenciales se pudieran
531
Marta Arretche, Relações federativas nas políticas sociais, (Campinas: CEDES,
2002), 58.
532
Lotta, Gonçalves, e Bitelman. A coordenação federativa de políticas públicas: uma
análise das políticas brasileiras nas últimas décadas. (2014)
533
Celso Bastos,  Curso de direito constitucional, (São Paulo: Celso Bastos, 2002), 489.
470
hacer también partiendo del principio pro persona,534 de modo que se
buscara el control de la validez de dichas decisiones. Es decir: si por
un lado hay una distribución de competencia por razones nacionales y
regionales, por otro, una eventual regulación más protectiva o menos
restrictiva debería prevalecer sobre otra más restrictiva o menos
protectiva, de forma que admitiera una concurrencia substancial en pro
de la mejor protección de los derechos fundamentales mencionados
en el artículo 24.
Otra cuestión que debe entenderse en el presente caso es el
modelo fiscal de la federación brasileña. No hubo un cambio del
rumbo centralizador existente anteriormente, que fue aseverado
con los cambios fiscales producidos desde la década de 1990, y que
terminaron creando nuevas contribuciones sociales, cuyos ingresos no
se reparten entre los entes. El uso exagerado de recursos de renuncia
fiscal sobre impuestos compartidos también mostró que a pesar de que
la autonomía financiera de los entes federativos fuera una característica
relevante del Estado Federal535 –pues sin ella las asimetrías se revelarían
más presentes y se reduciría el poder decisorio en los planos políticos
y administrativo de los entes federados–, la realidad brasileña caminó
en sentido opuesto.
En el orden de la realidad constitucional, los conflictos federativos
pueden profundizarse en situaciones de crisis, como la que vivimos
actualmente, donde restricciones a la circulación de personas y cosas,
restricción de hora de funcionamiento del comercio y de actividades
industriales o de servicios, y la implementación de multas por el
incumplimiento de dichas determinaciones, entre otros, fueron posibles por
no depender directamente de recursos públicos. Hay una clara dicotomía
entre la libertad de decidir cuando no hay un uso amplificado de recursos
financieros –lo que ocurrió– y las amarras existentes para demandas que
involucren la compra de bienes y servicios, por ejemplo, supeditados al
uso directo de recursos, que limitan sobremanera la autonomía decisoria
de los entes subnacionales, tan dependientes de la Unión.
534
Luiz Guilherme Arcaro Conci, O controle de convencionalidade como parte de um
constitucionalismo transnacional fundado na pessoa humana. (São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014), 336.
535
Enrique Ricardo Lewandowski, Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no
Brasil, (Belo Horizonte: Fórum, 2018).
471
Se sabe que también existen recursos de descentralización
financiera y que se usan corrientemente en estados unitarios.536 La
cuestión es que la asimetría financiera en la federación brasileña
impresiona. En 1983, la Unión Federal se quedaba con el 70% de
los ingresos públicos disponibles. A principios de los años 1990, los
municipios y los estados pasaron a tener un 45% de participación en
los ingresos públicos disponibles. Los municipios saltaron del 8,6%,
en los comienzos de los años 1980, al 15,8%, en 1993.537 En 2013,
los ingresos tributarios disponibles (verificados tras los repartos
constitucionales) eran del 58% para la Unión y lo restante para los
Estados (22%) y Municipios (20%).538 O sea: se verifica el constante
protagonismo fiscal de la Unión y, aunque se perciba una ampliación
de la participación de los municipios, esto afecta fundamentalmente a
los estados-miembros y no a la Unión misma, reforzando la ausencia
de solidaridad en la Federación brasileña, ya que 3/5 de los ingresos
nacionales quedan disponibles para la Unión Federal. En el caso de
otras federaciones, para poder comparar, Brasil solo es superado en lo
que se refiere al poderío central fiscal –tomando en cuenta los datos de
la OCDE– por Australia (80,6%), México (81,1%) y Austria (65,7%). En
los demás casos, los entes nacionales se apropian de una menor parte
de los recursos fiscales disponibles: Bélgica (51,4%), Canadá (40,9%),
Alemania (29,5%), Suiza (36,5%) y EEUU (44,5%).539
Otro aspecto que refuerza la centralización de los conflictos entre
intereses subnacionales y nacionales se puede ver en la regulación de los
partidos políticos en Brasil, que deben ser nacionales y tienen amplia

536
OECD. https://www.oecd-ilibrary.org/sites/0bbc27da-en/1/2/6/index.
html?itemId=/content/publication/0bbc27da-en&_csp_=fb150f38de3d79feb04
0c95e33debbe5&itemIGO=oecd&itemContentType=book
537
Marcelo Figueiredo, Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio - a
tendência mundial de concentração de poderes na união. A questão dos governos
locais. (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008), 134.
538
José Roberto Afonso, Pacto Federativo (2005). Acessado em 09 de abril de 2020.
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/
comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pacto-federativo/documentos/
audiencias-publicas/JosRobertoAfonso.pdf
539
OCDE, op. Cit. https://www.oecd-ilibrary.org/sites/0bbc27da-en/1/2/6/index.
html?itemId=/content/publication/0bbc27da-en&_csp_=fb150f38de3d79feb04
0c95e33debbe5&itemIGO=oecd&itemContentType=book
472
libertad en su organización interna. La primera fortalece los vínculos
entre políticas nacionales y decisiones partidarias, tomando en cuenta
que habrá dificultad de decidir en pro de los entes subnacionales si
sus fuerzas internas no disponen de mecanismos de veto de orden
regional. La fuerte sumisión a las decisiones de sus liderazgos
nacionales conduce a la nacionalización de los intereses en detrimento
de los intereses regionales que se podrían despertar en sus instancias
internas. Ello ocurre porque la libertad de reglamentación interna
de los partidos políticos (art. 17, § 1º de la CF) crea un escenario de
superposición de los intereses nacionales sobre los subnacionales, pues
dicha reglamentación impone la tendencia a la fidelidad interna, a la
organización vertical, a votos que siguen a los liderazgos y a los intereses
partidarios nacionales, más que a los de los entes subnacionales.540
Las decisiones de las direcciones partidarias son seguidas por sus
miembros,541,542 y los directorios regionales también tienden a ser
sumisos a la dirección nacional.543 En este sentido, ni siquiera el Senado
Federal funciona como casa de representación de los intereses de los
Estados, rigiendo la regla de que las decisiones partidarias tomadas
por sus liderazgos las siguen los miembros del partido al votar.544 Esta
tendencia se debilita en el momento actual por no haber logrado, el
actual gobierno federal, formar una base partidaria estable, lo que le
viene causando severas derrotas. La fragmentación partidaria, sumada
a la ausencia de una coalición de partidos, también profundiza el
540
Marta Arretche, Quando instituições federativas fortalecem o governo central? (São
Paulo:  Novos estudos CEBRAP 95, 2013), 54.
541
Fernando Limongi, A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e
processo decisório (São Paulo: Novos estudos CEBRAP 76, 2006), 24.
542
Carlos Pereira e Bernardo Mueller, Weak parties in the electoral arena, strong parties
in the legislative arena: the electoral connection in Brazil (Rio de Janeiro: DADOS-
Revista de Ciências Sociais, 2003), 764.
543
Marcus Leonardo Corrêa Rodrigues, Estruturas decisórias dos partidos políticos
brasileiros: uma análise da distribuição de poder no PFL/DEM, PMDB, PSDB
e PT (Curitiba: Em Democracia e Representação: impasses contemporâneos.
Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, 2018). André Rehbein Sathler
Guimarães, Malena Rehbein Rodrigues e Ricardo de João Braga, A Oligarquia
desvendada: Organização e estrutura dos Partidos Políticos Brasileiros (Rio de
Janeiro:  Dados 62.2, 2019).
544
Mona Marie Lyne, Proffering pork: How party leaders build party reputations in
Brazil (New Jersey: American Journal of Political Science, 2008), 293.
473
descompás entre las decisiones del Gobierno Federal y el apoyo de los
parlamentarios, y de los partidos, en las casas del Congreso Nacional.545
El modelo de gestión interna de los partidos políticos refuerza la
centralización de sus decisiones. El enfrentamiento entre gobierno546
y partidos políticos ha mostrado la fragilización del gobierno en su
poder de definición y aprobación de su agenda política. Afrontar a los
partidos políticos se ha mostrado un error. Ello porque, además de la
centralización de las decisiones intrapartidarias, existe un sistema de
fuerte fidelidad de sus partidarios (parlamentarios),547 que se someten a
dichas decisiones bajo pena de sufrir penalidades en el ejercicio de sus
actividades. No hubo cambios en cuanto a la disciplina parlamentaria y
se verifica que el control de la agenda ha dejado de estar centralizado
en las manos del presidente para ser compartido con el Congreso.
Una síntesis de lo que se afirmó hasta el momento se puede
presentar en el siguiente sentido: a) la lista de competencias concurrentes,
en el plano legislativo, y comunes, en el plan administrativo, son en gran
número, proponiendo el texto constitucional una fórmula federativa
cooperativa de pacto territorial; b) el alto empoderamento fiscal de la
Unión Federal, por otro lado, impone un excesivo fortalecimiento de
sus decisiones, especialmente en temas de políticas públicas, para las

545
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade (Medellín: Opinión Jurídica 19.40 2020), 305-322.
546
Bolsonaro, especialmente, desde su campaña presidencial ha demonizado a los
partidos políticos, y cuando armó su gobierno los despreció al constituir su
“gabinete”, ocasión en que las elecciones se hicieron a rebeldía de los partidos
políticos. Viendo la fragilidad de tal decisión, ha venido cambiando, desde el inicio
de la pandemia, esta opción, acercándose a los partidos políticos que considera
actores de la corrupción en Brasil.
547
Sobre el tema, ver Fernando Limongi, A democracia no Brasil: presidencialismo,
coalizão partidária e processo decisório (São Paulo: Novos estudos: CEBRAP,
2006) 17-41 e Jairo Nicolau. Representantes de quem?: Os (des) caminhos do seu
voto da urna à Câmara dos Deputados. (São Paulo: Editora Schwarcz-Companhia
das Letras, 2017). Sobre su refuerzo por medio de la jurisprudencia del STF, ver
Gilmar Mendes, Fidelidade partidária na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (Brasília: Ciência Jurídica em Foco, 2007), 260; Clèmerson Merlin & Ana
Carolina de Camargo Clève. A evolução da fidelidade partidária na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal (Curitiba:  Direito eleitoral contemporâneo: 70 anos
da redemocratização pós-ditadura Vargas e da reinstalação da Justiça Eleitoral/
Eneida Desiree Salgado; Luiz Fernando Tomasi Keppen (Orgs.), 2016.
474
cuales los entes subnacionales pasan a ser más sus ejecutores que sus
formuladores; c) la reglamentación partidaria constitucional, al exigir
partidos nacionales y otorgar amplia libertad de organización interna,
impone una superposición de los intereses partidarios nacionales
sobre los regionales o locales, debilitando la protección de los intereses
subnacionales en detrimento de los intereses nacionales de la institución
partidaria y de sus líderes.
Como se afirmó, en el plano de la realidad constitucional el
federalismo cooperativo se volvió una promesa no cumplida.

3. LA GESTIÓN DESCOORDINADA DE LA CRISIS EN


LA FEDERACIÓN BRASILEÑA: LEGISLACIÓN Y
JURISDICCIÓN CONSTITUCIONAL

A continuación, paso a analizar las decisiones más importantes


tomadas por el Poder Ejecutivo Federal y por el Congreso Nacional
(núcleo político de enfrentamiento de la pandemia) para luego verificar
aquellas tomadas por el Supremo Tribunal Federal (núcleo jurídico para
el enfrentamiento de la pandemia).
El movimiento que analizo demuestra que un evento tan
abrupto como la crisis pandémica puede estar afectando, de modo
oportunista,548 el funcionamiento tradicional de la Federación brasileña,
tendiendo a la descentralización y al refuerzo de la autonomía decisoria
de los entes subnacionales.549

3.1 El “núcleo político” en el enfrentamiento de la crisis


pandémica

El enfrentamiento de la crisis pandémica no exigió que se hiciera uso


de los recursos constitucionales de emergencia (Estado de Sitio, Estado
de Defensa o Intervención Federal). Tales previsiones normativas, que

548
Richard P. Nathan, “There will always be a new federalism.” Journal of Public
Administration Research and Theory 16.4 (New York: Routledge, 2006), 500.
549
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade, (Medellín: Opinión Jurídica, 19.40.2020), 225-242.
475
establecen el Sistema Constitucional de Crisis en situaciones más agravadas,
admitirían decretar el Estado de Defensa, que podría ocurrir en casos
de “calamidades de grandes proporciones en la naturaleza” (art.136,
CF). Sin embargo, al exigirse su condicionamiento al principio de la
subsidiariedad,550 el recurso a soluciones menos restrictivas de derechos
fundamentales y que controlen el exceso de empoderamiento estatal es
una obligación que fue seguida en el presente momento. Por esta razón,
la declaración de Emergencia en Salud Pública de Importancia Nacional
ocurrió el 3 de febrero de 2020,551 por intermedio de la Resolución
188/2020, expedida por el Ministro de la Salud. A continuación, se
aprobó la Ley 13.979, del 06 de febrero de 2020, en la que se dispone
sobre medidas para el enfrentamiento de la emergencia de salud
pública de importancia internacional. Se trata de la ley que regula las
cuestiones más esenciales para el enfrentamiento de la pandemia, como
el concepto de cuarentena, el uso de los tapabocas o barbijos, y reglas
excepcionales para las contrataciones públicas, entre otras cuestiones
esenciales.
Además de estas dos medidas, se emitieron otros 504 actos
normativos federales, entre leyes, decretos, resoluciones y medidas
provisorias. A continuación se listan algunas, por grado de importancia:

a) el Decreto 10.212, del 30 de enero de 2020, en el que se


promulga el Reglamento Sanitario Internacional, que había sido
aprobado en la 58ª Asamblea General de la OMS, el 23 de mayo
de 2005. Aunque estuviera vigente en el ámbito internacional,
internaliza reglas importantes construidas desde otras crisis,
como la del SARS, por ejemplo. Se trata, por lo tanto, de un
conjunto de reglas internacionales eficaces jurídicamente;
b) Resolución 188, del 3 de febrero de 2020, en la que el
Ministro de la Salud declara Emergencia de Salud Pública de
Importancia Nacional (ESPIN) debido al COVID-19. En su
artículo 2º establece un Centro de Operaciones de Emergencias
en Salud Pública (COE-nCoV), que debería funcionar como
“mecanismo nacional de la gestión coordinada de la respuesta
550
Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Sistema constitucional das crises: restrições a direitos
fundamentais, (Rio de Janeiro: Método, 2009), pp. 210-211.
551
Brasil, Legislação COVID-19, Recuperado a partir de http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Portaria/quadro_portaria.htm
476
a la emergencia en el ámbito nacional”. Lamentablemente, el
centro mencionado no cuenta con información disponible
sobre sus reuniones y decisiones;
c) La Medida Provisoria No. 927 que estatuye medidas laborales
para el enfrentamiento del estado de calamidad pública, con
criterios para protección del trabajo, que acabó no siendo
convertida en ley;
d) Decreto 10.282/2020, que reglamenta la Ley 13.979/2020
y define servicios públicos y actividades esenciales;
e) Decreto 10.316/2020 que reglamenta el Auxilio de
Emergencia a los brasileños para protección social durante
la epidemia del COVID-19, después también tratado por la
Medida Provisoria No. 1000/2020, que instituyó el auxilio
de emergencia residual para enfrentamiento de la emergencia
de salud pública de importancia internacional resultante del
coronavírus.

Vale decir, además, que el Congreso Nacional también aprobó


la Enmienda Constitucional No. 107, que postergó las elecciones
municipales y alteró plazos electorales. Eso porque la Constitución
brasileña (art. 29, II) determina que dichas elecciones se realicen el
primer domingo de octubre y, considerando el modelo federal de
administración de las elecciones, se postergaron plazos por decisión
del Congreso Nacional en función de la pandemia y, exclusivamente,
para el pleito electoral del 2020.
Ya los actos normativos estaduales y municipales (resoluciones,
leyes y decretos, y otros actos) existen de a miles. Para que se tenga
una idea, solo en el Estado de San Pablo, entre el 16 de marzo y el
28 de octubre ya iban 2680 actos552 estaduales y municipales, desde
resoluciones a decretos y leyes. En Río Grande do Sul, 11910.553 O sea:
hay una profusión legislativa increíble en temas vinculados también a
los entes subnacionales.
La relación entre el Gobierno Federal y el Congreso Nacional
también ha sido afectada. La Cámara de Diputados aprobó, el 13

552
En San Pablo, el Decreto no. 64.881, de 22/3/2020 trató la cuarentena, habiendo
sido prorrogado por el Decreto no. 69.420/2020.
553
Leyes creadas por los Municipios Brasileños, Recuperado a partir de https://
leismunicipais.com.br/coronavirus.
477
de abril, un proyecto de ley que apunta a recomponer las pérdidas
fiscales que sufrieron los Estados y Municipios con la disminución de la
recaudación del ICMS y del ISS durante la crisis. Se refería a tributos que
inciden sobre la circulación de mercaderías y la prestación de servicios.
Ello acentuó los roces ya existentes entre el Gobierno y el Parlamento,
habiendo acusado el Presidente al presidente de la Cámara de pretender
derrocar a su gobierno.554 Esta relación conturbada entre el Congreso
Nacional y el Gobierno Federal muestra que desde el inicio de la
democratización (1985) tenemos el gobierno con más vetos revocados555
y medidas provisionales no convertidas en ley556. Se trata del gobierno
cuyo apoyo del Congreso Nacional se ha mostrado más débil desde 1985.
Los gobiernos estaduales y municipales –actuando de forma
descoordinada, ya que el deber de dirección de la Unión Federal
está ausente, en un federalismo nacido para ser cooperativo en
1988– mostraron la faz de la disfuncionalidad de la implementación
del modelo que se pretendió aplicar en Brasil. Un ejemplo de esta
disfuncionalidad se puede ver en la compra de respiradores. Dada
la ausencia de participación de la Unión en la coordinación de los
esfuerzos, los precios pagados por los estados y municipios presentó
una gran asimetría.557 Si la Unión hubiera asumido su rol de dirección
en este proceso, se habría ahorrado mucho. La misma realidad se
presentó en el caso de los tapabocas y otros productos necesarios para
el enfrentamiento de la pandemia.

3.2 El “núcleo judicial” en el enfrentamiento de la


Pandemia

El Poder Judicial también fue protagonista de importantes acciones


en este período, habiendo recibido el Supremo Tribunal Federal 5912
554
Daniel Carvalho, Bolsonaro acusa Maia de conspiração e diz que atuação do
presidente da Câmara é péssima, Folha de São Paulo, 16 de abril de 2020.
555
Daniel Waterman, Bolsonaro é o Presidente com mais vetos no congresso, O Estado
de São Paulo, 13 de agosto de 2020.
556
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/08/bolsonaro-e-presidente-que-
mais-sofreu-derrotas-em-votacao-de-vetos-pelo-congresso.shtml
557
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/05/26/preco-de-respirador-comprado-
por-estados-varia-ate-4-vezes-e-enfrenta-apuracoes
478
procesos que tratan temas relacionados con la epidemia de Coronavirus,
a 3194 de los cuales se negó prosecución, 587 cuyas órdenes fueron
denegadas, 178 recursos de amparo que fueron concedidos, 179 que
no fueron concedidos, 178 amparos que se concedieron, además de
174 concesiones y 978 otros actos.
Decir que el STF ha sido protagonista en este período exige que se
trate, aunque sea rápidamente, el modelo de jurisdicción constitucional
brasileño (mixto), que presenta elementos tanto de una jurisdicción
constitucional difusa y concreta, por un lado, como concentrada y
abstracta, y excepcionalmente concreta (ADPF), por otro. Fue en el
ejercicio de sus competencias concentradas que el STF asumió un
rol importante. En el análisis que sigue trataré los fallos del STF en
la modalidad concentrada, tanto concreta como abstracta, que tratan
sobre el pacto federativo en este período:

a) en la Acción Directa de Inconstitucionalidad 6341 el Supremo


Tribunal Federal, cautelarmente,558 analizó en profundidad el pacto
federativo brasileño y su diseño para el enfrentamiento de la pandemia,
afrentando la inconstitucionalidad del ímpetu centralizador que el
Gobierno Federal estaba queriendo imponer en vez del deber de dirigir
y coordinar políticas públicas en un régimen de cooperación con los
entes subnacionales. Se afirma que es “grave que, bajo el manto de la
capacidad exclusiva o privativa, se premien las inacciones del gobierno
federal, impidiendo que los Estados y Municipios, en el ámbito de sus
respectivas competencias, implementen las políticas públicas esenciales.
El Estado garante de los derechos fundamentales no es solo la Unión,
sino también los Estados y los Municipios”. Refuerza el protagonismo
de los entes subnacionales con apoyo en la omisión del gobierno federal
en asumir sus responsabilidades federativas. Dio a los referidos entes
el poder-deber de regular el enfrentamiento bajo aspectos regionales
y locales, reconociendo, por un lado, la competencia de la Unión
para definir servicios esenciales y su funcionamiento, pero, por otro,
atendiendo a los designios constitucionales de autonomía de los entes

Referendo na medida cautelar na Ação Direta De Inconstitucionalidade 6.341,


558

Proced: Distrito Federal, Relator: Min. Marco Aurélio, Redator do Acórdão: Min.
Edson Fachin.
479
subnacionales, para que estos también establecieran sus decisiones. Es,
en mi opinión, el principal fallo dictado por el tribunal en el período y
camina en sentido contrario a la jurisprudencia centralizadora que el
tribunal venía diseñando desde la promulgación de la Constitución. Se
trata de un fallo impositivo contra las omisiones federales y el espíritu
negacionista del Gobierno Federal.

b) en la Argumentación de Incumplimiento de Precepto


Fundamental (ADPF) 568, en recurso de amparo, el ministro
Alexandre de Moraes determinó la destinación inmediata de R$ 32
millones al Estado de Acre para costeo de las acciones de prevención,
contención, combate y mitigación a la pandemia del nuevo coronavirus
al homologar una propuesta de ajuste presentada por el gobierno de
ese estado para autorizar la reasignación del monto que se le había
asignado en un acuerdo de destinación de valores recuperados en la
Operación “Lava-Jato”.559 Se trata de una derrota de la Fuerza-Tarea
de la “Lava-Jato” y de la Justicia Federal en aquel estado, que pretendía
otra destinación para dichos valores.

c) en la Acción Civil Originaria (ACO) 3363, el ministro Alexandre


de Moraes suspendió durante 180 días el pago de las cuotas de la
deuda del Estado de San Pablo para con la Unión para que el gobierno
paulista aplicara íntegramente esos recursos en acciones de prevención,
contención, combate y mitigación a la pandemia causada por el nuevo
coronavírus (Covid-19). Lo mismo ocurrió en la Acción Civil Originaria
(ACO) 3365 en relación al Estado de Bahía.560 Las acciones, que
buscaban suspender deudas de los estados para con la Unión en función
de la pandemia, acabaron siendo extinguidas porque se satisficieron los
intereses por medio de la Ley Complementaria 173/2020.

d) en la Acción Directa de Inconstitucionalidad (ADI) 6357,


propuesta por el Presidente de la República, el ministro Alexandre de
Moraes concedió una medida cautelar que descarta la exigencia de una
559
STF, STF, Ministro determina destinação de R$ 32 milhões ao Estado do Acre para
utilização em ações de combate ao coronavírus, Notícias STF, 08 de abril de 2020.
560
STF, Parcelas da dívida do Estado de SP com a União devem ser usadas no combate
à Covid-19, Notícias STF, 23 de março de 2020.
480
demostración de adecuación presupuestal con relación a la creación y
expansión de programas públicos destinados al enfrentamiento de la
Covid-19, siendo válida para todos los entes de la federación que hayan
decretado estado de calamidad pública consecuente de la pandemia
del nuevo coronavírus.561 Se trata de un fallo más del STF que cambia
su jurisprudencia centralizadora. Ello porque desde la década de 1990
el STF venía siendo el garante de la Ley de Responsabilidad Fiscal.562
En la práctica, refuerza el rol fiscalizador de la Unión. El tribunal
entendió que durante ese período los estados que decretaron calamidad
pública pudieran hacer excepcionales “gastos presupuestales destinados
a la protección de la vida, la salud y la subsistencia misma de los
brasileños afectados por esa grave situación –derechos fundamentales
consagrados constitucionalmente y merecedores de efectiva y concreta
protección”, aunque sea en descompás con las obligaciones legales;

e) en la Acción Directa de Inconstitucionalidad No. 6362, que


trataba el tema de la solicitud administrativa de bienes y servicios
contra la pandemia, el STF falló que los estados, el Distrito Federal
y los municipios tienen autonomía para la expedición de órdenes de
solicitud, independientemente de una autorización del Ministerio de
Salud, pues no debe haber primacía en el poder de solicitud, sino una
cooperación necesaria entre los entes y una responsabilidad común.
La Unión pedía que existiera su primacía en casos de conflicto en los
pedidos. El ministro Lewandowski afirma en su fallo que el federalismo
cooperativo “exige que los entes federativos se apoyen mutuamente,
dejando de lado eventuales divergencias ideológicas o partidarias de
los respectivos gobernantes, sobre todo ante la grave crisis sanitaria y
económica resultante del coronavírus”563 –otro fallo contra la tentativa
de centralización del Gobierno Federal, ya tenido en aquel momento
como incompetente y negacionista;

561
STF, Ministro afasta exigências da LRF e da LDO para viabilizar programas de
combate ao coronavírus, Notícias STF, 29 de março de 2020.
562
Ley federal que tiene como objeto responsabilizar a los administradores públicos
por la malversación de dinero público mediante el uso descuidado de los estándares
fiscales existentes y que centraliza expedientes fiscales.
563
https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/8/4C1C48B5E49AC0_leitos.pdf
481
f) en la Argumentación de Incumplimiento de Precepto
Fundamental 709 el ministro Luis Barroso, en sede cautelar,
determinó que el gobierno federal adoptara medidas para contener
el avance del COVID-19 en las comunidades indígenas, haciendo
uso de la determinación de que las autoridades del gobierno federal
deberían abrir un diálogo institucional y cultural con representantes
de dichas comunidades para prevenir el mayor número de muertes
y preservar etnias. Determinó que el gobierno federal trabajara
también para expulsar invasores de las tierras indígenas, amenazadas
por dichas personas, y con sus efectos en la propagación del virus del
COVID-19. El 26 de octubre, en despacho, el Min. Barroso certificó
el incumplimiento parcial de su decisión cautelar y determinó la
devolución al Gobierno Federal de la obligación de elaborar un Plan
General para el enfrentamiento del COVID-19 para las diversas
comunidades indígenas en el país. En este fallo, el STF se desvió de
emitir fallos que impusieran el uso del poder de coerción para exigir
a la Unión obligaciones de hacer y no hacer. Se impuso que las partes
involucradas se reunieran, conjuntamente, para elaborar planes de
enfrentamiento de la pandemia. Se hizo uso del deber de realizar
resultados, mediante diálogos institucionales, en forma compartida
y plural. Es verdad que no se sabe aún si fue por temor a asumir
responsabilidad por los efectos de sus fallos, o si fue por un accionar
comedido, pero abrió un nuevo capítulo en el enfrentamiento de la
pandemia. Sin embargo, la respuesta del Gobierno Federal, como se
vio más arriba, fue poco técnica y exigió al relator que no se aceptara
la propuesta de Plan General para enfrentamiento de la pandemia para
las comunidades indígenas, dada la ausencia de respuestas objetivas y de
un cronograma detallado. Mostró la ausencia de interés del Gobierno
Federal en proteger a dichas comunidades –algo muy claro en su
agenda política;564

François-Michel Le Tourneau, O governo Bolsonaro contra os Povos Indígenas:


564

as garantias constitucionais postas à prova  (São Paulo: Confins. Revue franco-


brésilienne de géographie/Revista franco-brasilera de geografia 501, 2020). Nayara
Rodrigues Pires. O indígena e seus direitos ameaçados por declarações de um
presidente (Palmes: Humanidades & Inovação 7.4, 2020), 48-54.
482
g) En la Argumentación de Incumplimiento de Precepto
Fundamental (ADPF) 672, en recurso de amparo del Min. Alexandre
de Moraes, se aseguró a los gobiernos estaduales, distrital y
municipales, en el ejercicio de sus atribuciones y en el ámbito de
sus territorios, la competencia para la adopción o mantenimiento de
medidas restrictivas durante la pandemia del Covid-19, tales como
“la imposición de distanciamiento/aislamiento social, cuarentena,
suspensión de actividades de enseñanza, restricciones al comercio, a
las actividades culturales y a la circulación de personas, entre otras”.
Se trata, como se percibe, del ejercicio de funciones que no dependen,
directamente, de grandes montos de dinero.565 Una vez más el STF
reafirmó “el respeto a las determinaciones de los gobernadores y
alcaldes en cuanto al funcionamiento de las actividades económicas
y las reglas de aglomeración”, pues la federación “gravita en torno al
principio de la autonomía de las entidades federativas, que presupone
el reparto de competencias legislativas, administrativas y tributarias”,
con relación a la salud y a la asistencia pública, y que la Constitución
consagra (art. 23, incisos II y IX, del artículo 23), la “existencia de
capacidad administrativa común entre Unión, Estados, Distrito
Federal y Municipios”, y dichas reglas deben orientar el “reparto de
competencias administrativas y legislativas (...) de la Ley 13.979/20,
del Decreto Legislativo 6/20 y de los Decretos presidenciales 10.282
y 10.292, ambos del 2020”.
En las mencionadas acciones hay señales importantes para el pacto
federativo brasileño. El federalismo fiscal brasileño y las asimetrías
financieras existentes apuntaron, en ese momento, a una percepción,
por parte del Supremo Tribunal Federal, en el sentido de entender que
las reglas fijadas anteriormente sobre responsabilidad fiscal de los entes
se debían mitigar durante la pandemia.
Dichos fallos las mitigan y apuntan a una realidad circunstancial
que un tribunal supremo debe tener en cuenta, aun contrariando
uno de los pilares del empoderamiento de la Unión Federal: el fiscal.
De esta manera, el Supremo Tribunal Federal, que señalaba con una
interpretación centralizadora del pacto federativo desde la promulgación

STF, Ministro asegura que los estados, el DF y los municipios pueden adoptar
565

medidas contra la pandemia, Noticias STF, 08 de abril de 2020.


483
de la Constitución,566 terminó fungiendo como un tribunal que arbitra
los conflictos federativos durante la pandemia, cambiando este modo
de fallar en momentos cruciales. Puede estarse verificando, por lo tanto,
un cambio de mirada sobre el pacto federativo brasileño567 tendiente
a la descentralización y con el recurso de la actualización del pacto
federativo a partir de la interpretación del Supremo Tribunal Federal.
Otro aspecto interesante es que, a pesar de haber sido un tribunal
que ha utilizado su poder de imposición de obligaciones de hacer
y no hacer al Gobierno Federal, como se ha referido en los juicios
mencionados más arriba, en la ADPF 709 señaló en el sentido del
uso de un fallo compositivo, mediante el uso del recurso a los diálogos
institucionales. Esta propuesta más conciliadora en el plano decisional,
que ponía al tribunal a funcionar como árbitro de los conflictos
existentes, exigía que las partes involucradas dedicaran esfuerzos a
formular conjuntamente un plan de enfrentamiento de la pandemia,
en el caso de las comunidades indígenas referido anteriormente. El
resultado, como se ha visto hasta el momento, es de fracaso, pues los
planes presentados por el Gobierno Federal fueron rechazados por
el Relator, Min. Barroso. Pero con ello el tribunal se retira del centro
decisorio, imputándole la carga política de los fallos al Gobierno
Federal, principalmente.
Se verifica, por lo tanto, una tendencia al cambio en la
jurisprudencia del STF, rumbo a la descentralización del modelo federal
brasileño.

4. SÍNTESIS CONCLUSIVA

La tendencia centralizadora de la federación brasileña, que


tiene raíces tanto en nuestra Constitución como en la historia
constitucional republicana brasileña, ha sido víctima de importantes
convulsiones durante el período del enfrentamiento de la pandemia.
Tales convulsiones, que aún no se sabe si serán permanentes o si

566
Marcelo Labanca Corrêa de Araújo, Jurisdição constitucional e federação: o princípio
da simetria na jurisprudência do STF. (Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009).
567
Luiz Guilherme Arcaro Conci, Impacto da pandemia da Covid-19 na federação brasileira:
descentralizando a disfuncionalidade (Medellín: Opinión Jurídica 19.40 2020), 225-242.
484
se volverá al modelo que se venía consolidando, muestran cierto
oportunismo propio de modelos federales bajo presión hacia un
cambio institucional. Para que este resultado ocurriera, actores como
el Supremo Tribunal Federal y el Congreso Nacional, además de los
jefes de gobierno subnacionales, han sido esenciales reforzando las
atribuciones y capacidades, y protegiendo la salud financiera de los
entes subnacionales.
El Supremo Tribunal Federal, con su consolidada jurisprudencia
centralizadora, ha sido sorprendido por la dejadez e ineficiencia del
Gobierno Federal y ha actuado, la mayoría de las veces en forma
cautelar, para contrariar intereses y decisiones de la Unión Federal.
En el transcurso de la pandemia ha pasado también a hacer uso de la
función de árbitro de conflictos, en vez de solo imponer fallos sobre
políticas públicas, a pesar de que los resultados de esta opción sean
débiles hasta el momento.
El Congreso Nacional, que ya venía consolidando la expansión
de sus poderes de control sobre el Gobierno –que es el más derrotado
desde el inicio del proceso de redemocratización– ha estado atento a
las acciones del Gobierno Federal y actuado de modo independiente
en determinados momentos.
La omisión por parte de la Unión Federal en cumplir con el deber
de dirección en un federalismo cooperativo, ha acabado por acentuar
la acción de los gobiernos estaduales y municipales, que han actuado
de manera descoordinada. Queda claro que la profusión de actos
estaduales y municipales sobre el tema de la pandemia, fortalecida
por los fallos del STF analizados, ha reforzado el espacio legislativo y
administrativo de los entes subnacionales y aumentado la presión en
procura de la coordinación entre los entes nacional y subnacionales.
El momento y el modo como esto está ocurriendo no hacen más
que poner en evidencia la falta de planificación en la concreción de la
disposición de descentralización en la federación brasileña, existente
en el texto constitucional, la cual, ante la descoordinación568 en las
acciones y decisiones, ha engendrado más competición entre los entes
subnacionales y el ente nacional.

Gilberto Bercovici. A descentralização de políticas sociais e o federalismo


568

cooperativo brasileiro (São Paulo: Revista de Direito Sanitário 3.1, 2002), 13-28.


485
Los resultados son débiles y muestran la necesidad de que el
contrato federal brasileño se piense a partir de los problemas que
se han presentado últimamente. Las federaciones se transforman a
resultas de procesos de reflexión sobre su funcionamiento, o cambian
de manera oportunista en momentos de gran presión sobre su diseño.
En los próximos años sabremos cuál ha sido el resultado del período
en que estamos viviendo esta pandemia, cuyo final aún es desconocido.

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491
492
PROPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
ESTADUAIS REMISSIVAS À CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E SUA DEFESA ABSTRATA
PERANTE OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA:
O CASO DAS NORMAS DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Léo Ferreira Leoncy569

Sumário: 1. Colocação do problema; 2. Normas remissivas nas


Constituições estaduais; 3. Considerações acerca da remissão
normativa; 4. O posicionamento do STF; 5. A recepção de
direitos e garantias fundamentais nas Constituições estaduais;
6. Conclusão; Referências.

1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

As normas jurídicas costumam trazer elas próprias a regulamentação
direta das matérias a que concernem, circunstância em que são
denominadas normas de regulamentação direta ou, em fórmula mais
sintética, normas materiais.570 Normas há, entretanto, que se valem de uma
técnica indireta para a atribuição de efeitos jurídicos a determinado fato
contido na hipótese normativa, “consistindo numa remissão para outras
normas materiais que ao caso se consideram, por esta via, aplicáveis”.571
Tais normas podem designar-se normas de regulamentação indireta
ou normas per relationem, sendo também cabível denominá-las normas
remissivas.572
Essa classificação das normas jurídicas em geral é plenamente
aplicável às normas constitucionais em particular. Daí ser possível
distinguir entre normas constitucionais materiais e normas constitucionais

569
Doutor em Direito do Estado pela USP. Procurador do Distrito Federal. Professor
de Direito Constitucional do CEUB.
570
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito. 4.ed. Lisboa, [s.n.], 1972, p. 163.
571
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito, cit., p. 163.
572
J. Dias Marques, Introdução ao estudo do direito, cit., p. 163-4.
493
remissivas, “consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem
para a regulamentação constante de outras normas”.573 Como não
poderia deixar de ser, fenômeno semelhante ocorre com as normas
contidas nas diversas Constituições estaduais.
Embora a remissão normativa promovida pelas Cartas estaduais
possa alcançar – ao menos em tese – qualquer norma jurídica,
integrante do repertório de qualquer (sub)sistema normativo, a
abordagem a ser aqui desenvolvida limitar-se-á ao fenômeno das
remissões que essas Cartas fazem a determinadas normas integrantes
da Constituição Federal, notadamente as definidoras de direitos e
garantias fundamentais.
Em relação a tais normas das Constituições estaduais que fazem
remissão a normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
da Constituição Federal, a questão que se coloca é se seria cabível o
controle abstrato de normas previsto no artigo 125, § 2º, da Carta
federal, tendo por fim a defesa daquelas normas locais.574 Em outras
palavras, o que se quer saber é se os Tribunais de Justiça podem
promover a defesa das respectivas Cartas estaduais quando a norma
invocada como parâmetro de controle – a norma constitucional
estadual tida por violada – consistir na reprodução, mediante a técnica da
remissão, de norma(s) da Constituição Federal.575
Em caso positivo, ficará demonstrado que a utilização da técnica
da remissão pelas Constituições estaduais com vistas à incorporação
de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal
tem a vantagem de propiciar a defesa dos respectivos conteúdos no
âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados (e também do Distrito

573
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional. Tomo II. 4.ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 2000, p. 243.
574
Eis o teor do § 2º do artigo 125 da Constituição Federal: “Art. 125. [...] § 2º Cabe
aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a
atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.
575
Relembre-se que as normas da Constituição estadual que reproduzem normas de
observância obrigatória para os Estados, oriundas da Constituição Federal, podem
validamente servir de parâmetro do controle de constitucionalidade estadual. Foi o
que o Supremo Tribunal Federal decidiu no histórico julgamento da Rcl 383, Rel.
Min. Moreira Alves. A questão que será tratada aqui, por outro lado, diz respeito
àquelas situações em que essa reprodução se dá pela técnica da remissão normativa.
494
Federal), mediante o acionamento da jurisdição constitucional estadual
abstrata (art. 125, § 2, CF).
Essa é a questão que o presente artigo buscará desenvolver.576

2. NORMAS REMISSIVAS NAS CONSTITUIÇÕES


ESTADUAIS

Não é recente a prática de o poder constituinte decorrente


fazer constar das Constituições estaduais um significativo número
de proposições jurídicas remissivas à Constituição Federal. Tal
comportamento foi observado tanto no regime anterior como no
regime constitucional ora vigente, e pode ser atribuído, em grande
medida, à expansividade normativa da ordem constitucional federal,
que em diversas questões relevantes pouco espaço deixou à criatividade
dos constituintes estaduais.
O uso de tais fórmulas remissivas acaba por revelar muitas
vezes a intenção do constituinte decorrente de transpor para o plano
constitucional estadual a mesma disciplina normativa existente para
uma determinada matéria no plano constitucional federal, ainda quando
tal transposição não seja obrigatória, nem que dela dependa a incidência
dos respectivos comandos da Constituição Federal na esfera estadual.577
Diante dessa constatação, coloca-se o problema de saber se tais
proposições jurídicas remissivas constantes das Constituições estaduais
configuram parâmetro normativo idôneo para o efeito de se proceder,
em face delas, ao controle da legitimidade de leis ou atos normativos
estaduais ou municipais perante os Tribunais de Justiça dos Estados.

576
Uma versão desse texto, voltada todavia ao problema genérico das normas
constitucionais estaduais remissivas à Constituição Federal, consta de Léo Ferreira
Leoncy, Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória
e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro, São Paulo: Saraiva, 2007,
pp. 88-96.
577
Conforme se sabe, uma vez ocorrendo a transposição, a incidência de tais
proposições jurídicas na esfera normativa estadual se dá por força tanto do comando
proveniente da Constituição Federal como daquele oriundo da Constituição estadual.
A esse respeito, cf. Léo Ferreira Leoncy, Controle de constitucionalidade estadual, cit., p.
149.
495

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