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Parte 3 - A Igreja global e em progresso (1789 - presente)

Capítulo 17 - A Igreja numa era revolucionária


Entre 1760 e 1815 uma onda de revoluções varreu o mundo
ocidental, indo desde manifestações de protesto (e resultando em
concessões do governo) até a grande revolução que sacudiu a
França. O resultado dos tumultos políticos foi a substituição da
sociedade hierárquica tradicional por uma outra de características
mais modernas. As idéias sociais do Iluminismo tiveram grande
participação no preparo do cenário para a “era da Revolução
Democrática”, como esse período foi caracterizado pelo
historiador R. R. Palmer.
Os philosophes baseavam suas críticas da antiga ordem nas
leis universais que afirmavam ser aplicáveis a pessoas em
qualquer lugar. Eles desafiaram não só a França e outros Estados
europeus mas também aqueles que viviam nas Américas. Essas
novas maneiras de pensar e de ver o mundo eram subversivas às
instituições e práticas tradicionais. Elas enfraqueceram
especialmente a Igreja Católica. Tanto estas quanto as igrejas
protestantes foram obrigadas a encarar a verdade inerente à
mensagem cristã de que Deus criou todos os seres humanos iguais.
Os evangélicos, porém, levaram esse conceito um passo adiante e
insistiram que todos também precisavam igualmente da salvação
por meio da fé em Cristo.

A revolução americana
O primeiro novo Estado a ser fundado tendo como base os
princípios do Iluminismo ficava na América do Norte. A
revolução que levou à criação da república americana surgiu dos
conflitos entre ingleses e franceses durante os séculos 17 e 18.
Conforme foi mencionado no capítulo anterior, essas guerras
foram travadas não apenas na Europa mas também no mundo
colonial, resultando na vitória britânica na América do Norte e na
Índia. Porém, como dinheiro e soldados britânicos tinham sido
usados para vencer a guerra e expulsar os franceses da América do
Norte garantindo que faria parte de um império em expansão,
Londres achou que a colônia deveria contribuir mais para os
custos de defesa. O esforço atabalhoado por parte do governo
britânico de coletar impostos para esse fim, alienou os colonos e
levou à Guerra da Independência.
A religião também contribuiu para a crise. Durante o Grande
Despertamento, muitos colonos passaram a esperar que estivessem
diretamente relacionados com os planos de Deus para o fim dos
tempos e que o reino milenar de Cristo estivesse prestes a
começar. Quando o fogo do reavivamento foi esfriando, muitos
clérigos misturaram as expectativas de que todas as nações seriam
convertidas a Cristo com um compromisso em relação à América
como terra da liberdade. Em primeiro lugar, viam a França e
depois a Inglaterra como arqui-inimigas dos direitos civis e da
liberdade religiosa. Esse “milenialismo civil” considerava que a
liberdade era a causa defendida por Deus, sendo a opressão civil
— e não uma religião formal — o Anticristo. A nação em si era
vista como agente da atuação de Deus na História.
O Despertamento ajudou a lançar as bases para um
reavivamento nacional. Tendo em vista que o Despertamento
havia funcionado de modo intercolonial e nutrido relações entre as
igrejas de várias regiões geográficas, foi o primeiro acontecimento
verdadeiramente “nacional” nas colônias. Também valorizou o uso
de palavras como “liberdade”, “virtude” e “tirania” no discurso
público e criou um modelo de liderança que exigia uma resposta
direta das pessoas. Clérigos de várias denominações — batistas,
congregacionalistas, presbiterianos, luteranos, reformados
holandeses e até anglicanos — viam-se sob a orientação de Deus
para despertar e guiar a nação para o cumprimento iminente do
milênio.
Com o aprofundamento da crise, esses pastores apoiaram a
resistência à Grã-Bretanha. A tentativa anglicana de criar uma
diocese na colônia também assustava muitos dos ministros de lá e,
numa série de reuniões conjuntas, congregacionalistas e
presbiterianos declararam firmemente que consideravam o
episcopado a ferramenta eclesiástica do governo absolutista.
Lançando mão do ideal puritano da aliança, insistiram que o
governo era baseado num acordo ou contrato entre o governante e
os cidadãos. Muitos anglicanos, especialmente aqueles das
colônias do sul, juntaram-se aos que rejeitavam a imposição de um
bispo da Inglaterra sobre a América e, de fato, dois terços daqueles
que assinaram a Declaração de Independência eram membros da
Igreja da Inglaterra.
1792 1792-98
Reune-se a Seita de Clapham Hannah More publica os Panfletos Baratos de Repositório
1773
O papa dissolve os jesuítas
1725 1755 1790 1791 1801 1813
O Grande Conversão de Constituição Civil Ratificada Concordata Abertura da
Despertamento John Newton dos Clérigos a Lei dos entre Napoleão Índia para
Direitos e o papa missões
1700 1750 1800 1850
1774 1775 1789 1806 1815
Lei de Início da Revolução Dissolução do Santo Derrota final
Quebec Revolução Francesa Império Romano de Napoleão
Americana
1763 1763 1787 1804 1807
Tratado de Febronianismo Convenção Napoleão O Parlamento aprova a
Paris proclamado Constitucional se torna Lei de Wilberforce
imperador abolindo o tráfico de
escravos
1781
Édito de Tolerância de
Joseph II
Mas outros cristãos sinceros opunham-se à idéia de uma
guerra pela independência. Entre eles estavam os anglicanos na
Nova Inglaterra e colônias centrais bem como os metodistas. O
próprio John Wesley escreveu sobre a Revolução num tom crítico
e muitos membros de seu grupo seguiram seu exemplo. Wesley
estava convencido de que o reavivamento que havia se espalhado
pelas colônias estava sendo abafado pelo materialismo e era isso
que, na realidade, estava por trás da revolução. Além disso, ele
concordava com o ensinamento de que um cristão não deve resistir
ativamente à autoridades devidamente instituídas. Outros que se
opunham ao conflito eram as igrejas da paz — os quakers, Igreja
dos Irmãos, morávios e menonitas. Durante as lutas, esses cristãos
pacifistas por princípio, eram mal compreendidos e perseguidos
por ambos os lados.
Dentre as ações britânicas mais provocadoras, estavam as
medidas que pareciam favorecer outras partes do império (como
impostos sobre melado e chá) e a imposição de novos impostos
como a Lei do Selo de 1765. Tendo em vista que a maioria dos
líderes coloniais haviam passado a aceitar os ensinamentos do
Iluminismo sobre o livre comércio, as novas medidas pareciam
anacrônicas e ameaçavam sua posição. O imposto do selo — que
deveria ser cobrado de todos os papéis impressos e documentos
legais — foi instituído numa época de queda na economia e fez
muitos se perguntarem se o Parlamento tinha o direito de cobrar
impostos das colônias. Como não havia nenhum representante
americano dentro do Parlamento, os líderes coloniais
argumentavam que essa era uma “taxação sem representação”.
Boicotes da colônia e problemas no recolhimento dos impostos
levaram à anulação dessas e outras leis de rendimento em 1770,
mas o imposto sobre o chá que favorecia a Companhia Britânica
das Índias Orientais continuou vigorando como sinal da autoridade
central. Quando colonos irados jogaram no mar todo o
carregamento de chá de um navio em 1773 (“Boston Tea Party”),
enfurecido o rei George III fechou o porto e revogou a
constituição de Massachusetts.
Os pastores americanos já estavam indignados com aquilo
que consideravam uma atitude injusta por parte dos britânicos,
mas tiveram um choque ainda maior com a Lei de Quebec de
1774. Essa medida, criada para facilitar a integração da Nova
França com o Império Britânico, dava amplos poderes à Igreja
Católica naquela região. Ela reconhecia oficialmente a Igreja e
permitia que esta coletasse os valores habituais. Como a lei
também estendia as fronteiras de Quebec de modo a incluir a área
de Ohio, colonos de Nova York, Pensilvânia e Virgínia acharam
que estavam sendo impedidos de ir para o interior.
Em setembro de 1774 ocorreu a primeira reunião do
Congresso Continental na Filadélfia na qual foi questionado o
direito do Parlamento de controlar as colônias. No dia 19 de abril
de 1775, logo depois de uma segunda reunião do Congresso,
começaram as hostilidades entre tropas britânicas e a milícia
colonial nos campos de Lexington e na ponte Corcor, não muito
longe de Boston. Os colonos acreditavam estar defendendo seus
direitos como pessoas livres e em seu desafio ao Parlamento e ao
rei da Inglaterra, tomaram os primeiros passos rumo tanto ao
republicanismo como à igualdade humana. As idéias iluministas
que haviam sido semeadas sobre o Novo Mundo começavam a
germinar.
Como a violência continuava, o Congresso Continental
formou um exército sob o comando de George Washington,
começou a procurar aliados europeus e adotou a Declaração de
Independência formal no dia 4 de julho de 1776. Escrita por
Thomas Jefferson (ver capítulo 15), sua invocação de Deus refletia
o deísmo iluminista e, no fundo, colocava Deus a serviço da tarefa
secular que os americanos tinham diante deles. Apesar de no
começo não terem se saído bem na guerra, uma importante vitória
em Saratoga no ano seguinte encorajou os franceses a apoiar os
americanos como um meio de restabelecer seu prestígio na
Europa. Enquanto isso, representantes das antigas treze colônias
(agora chamadas de “estados”) assinaram os Artigos de
Confederação que criavam os Estados Unidos da América. Em
1778, a França formou uma aliança com a nova nação e sua ajuda
levou à derrota dos britânicos que se entregaram em Yorktown em
1781. No Tratado de Paris, dois anos mais tarde, a Grã-Bretanha
reconheceu a independência das colônias.
O país viu-se imediatamente diante de uma crise econômica
tendo em vista que os navios americanos foram excluídos do
comércio com as Índias Ocidentais Britânicas. Além disso, a
instabilidade social devido à falta de autoridade dos Artigos
provisórios da Confederação preocupava especialmente as classes
mais ricas, que viam a necessidade de um governo central mais
forte. Sua preocupação os levou a convocar uma convenção na
Filadélfia em 1787 para revisar os Artigos. Um documento
completamente diferente resultou dessa reunião, a Constituição
que tornou-se vigente em 1789. Ela criava uma república federal,
com certos poderes reservados aos estados e outros dados ao
governo central. Nesse sistema, estava claro que os estados eram
mais do que unidades administrativas de uma burocracia central. A
Constituição também incorporou o conceito de Montesquieu de
separação dos poderes em legislativo, executivo e judiciário.
Havia dispositivos e recursos embutidos no mecanismo
governamental para impedir que uma das unidades se tornasse
poderosa demais, oprimindo as outras ou o próprio povo. O
judiciário tinha um caráter singular pois possuía poder de
interpretar a constitucionalidade das ações dos estados e do
Congresso. George Washington, um líder respeitado cujos padrões
morais eram impecáveis, tornou-se o primeiro presidente da
república.
O impacto do Iluminismo ficou evidente especialmente na
forma como a Constituição tratava da religião. Não havia nenhum
traço de instituição religiosa no documento e uma cláusula no
Artigo VI declarava especificamente que não seria exigida
nenhuma avaliação religiosa de quem estivesse ocupando cargos
públicos. (Esta foi, obviamente, uma reação a Lei inglesa do Teste
de 1673.) Além disso, por haver incerteza em certos meios se as
liberdades individuais estavam sendo suficientemente protegidas,
um conjunto de dez emendas conhecido como Carta de Direitos
foi aprovado em 1789 e ratificado dois anos depois. A principal
das Emendas era a Primeira:

O Congresso não fará nenhuma lei quanto ao estabelecimento de religião e nem


qualquer proibição do exercício desta nem regulamentará a liberdade de
discursos, ou imprensa, ou o direito de reunião pacífica do povo ou deste dirigir-
se ao governo para a apresentação de queixas.

Foram raras as ocasiões em que um documento de Estado de


tamanha importância declarou de modo tão simples e direto que a
liberdade religiosa era um direito humano. Na verdade, a
Constituição refletia um movimento por liberdade religiosa que já
havia surgido em vários lugares, especialmente na Virgínia. Pouco
antes da independência nacional, James Madison e Thomas
Jefferson realizaram uma campanha com o apoio dos
presbiterianos e batistas para incluir as palavras “o livre exercício
da religião” na Declaração de Direitos do novo Estado.
Então, em 1786 eles conseguiram que a Igreja Anglicana
deixasse, de uma vez por todas, de ser considerada oficial em seu
estado. Os documentos Petição e Protesto (1785) de Madison e a
Lei para o Estabelecimento da Liberdade Religiosa de Jefferson
(escrita em 1779, aprovada em 1786) estão entre os mais
influentes da história da liberdade religiosa na América.
Além disso, os batistas em Massachusetts, sob a liderança de
Isaac Backus tiveram um papel importante para garantir que seu
estado ratificaria a Constituição pois aprovavam sua atitude neutra
em relação às questões religiosas. Mais impressionante ainda foi o
fato do pregador batista John Lelan na Virgínia ter pessoalmente
colocado diante de Madison a necessidade de uma emenda
constitucional que garantisse a liberdade religiosa e desse encontro
resultou a forte afirmação da Primeira Emenda. Em 1802 Jefferson
— que era então o presidente — declarou que a Primeira Emenda
havia erguido um “muro de separação” entre a Igreja e o Estado.
Ao lhe ser negado qualquer apoio do Estado e ver-se livre de
qualquer responsabilidade para com o mesmo, as igrejas na
América encontravam-se num ambiente livre e benéfico que
resultou no surgimento de diversas expressões de fé diferente de
tudo o que já havia se visto num estado de população cristã.
Apesar dos Estados Centrais terem seguido o exemplo da
Virgínia (Rhode Island e Pensilvânia, é claro, nunca haviam tido
uma Igreja oficialmente reconhecida), a idéia de instituição
governante persistiu no Sul e na Nova Inglaterra por mais alguns
anos. Mas seus últimos vestígios sucumbiram ao racionalismo do
Iluminismo e às igrejas reavivadas que se espalharam por toda
parte. Assim, desde o começo dos Estados Unidas a vida religiosa
foi moldada pelo denominacionalismo de igrejas protestantes
livres.
O sucesso americano teve um impacto profundo em outros
povos. A criação de uma república independente no Novo Mundo
foi, de um modo geral, interpretado pela Europa como uma prova
de que as idéias do Iluminismo podiam ser colocadas em prática.
Era possível um povo estabelecer um governo baseado nos direitos
do indivíduo.

O declínio do Catolicismo
Depois de 1648, a Igreja Católica como instituição universal
entrou em declínio. O papa, que havia sido ignorado na Paz da
Westphalia, raramente era consultado sobre problemas
internacionais e não estava representado em nenhuma das grandes
conferências de paz. As diversas igrejas nacionais passaram cada
vez mais a ser governadas por sínodos ou bispos e o papado tinha
grande dificuldade em exercer sua autoridade. Uma série de papas
fracos deixou a instituição impotente diante dos crescentes
ataques.
A afirmação mais importante da idéia de Igreja nacional no
século 17 foi o Galicanismo. Numa assembléia em Paris em 1862,
os bispos franceses adotaram uma declaração (os Quatro Artigos
Galicanos) que afirmava que o rei Luís XIV não estava sujeito em
coisas temporais (seculares) a qualquer poder eclesiástico e
nenhuma ação do papa liberava seus súditos da obediência ao rei.
Também declarava que concílios gerais tinham autoridade sobre o
papa e que a coroa e os bispos podiam controlar a interferência do
papa na França. Apesar do papa ter autoridade espiritual universal,
os galicanos insistiam que o Estado controlasse, de fato, o
funcionamento da Igreja em questões como a seleção de bispos,
liturgia, lei eclesiástica e educação.
Um outro desafio ao poder papal foi uma doutrina conhecida
como Febronianismo. Esta foi apresentada num livro publicado
em 1763 por Johann Nikolaus von Hontheim (1701-90), bispo
auxiliar de Trier, sob o pseudônimo de Justus Febronius e com o
título Sobre o Estado da Igreja e o Poder Legítimo do Pontífice
Romano. Apesar de aceitar a primazia do papa como uma figura
digna de honra e administrador executivo em Roma, o pontífice
era, na verdade, um “primeiro entre iguais”. As chaves do reino
em Mateus 16.19 foram entregues a toda Igreja e não só ao
papado. A autoridade legislativa máxima da Igreja era um concílio
geral composto de todos os bispos, que haviam recebido o cargo
de Deus e não do papa e podia-se apelar para o concílio sobre uma
decisão papal. Além disso, no que dizia respeito a questões
humanas, não à lei divina, os príncipes seculares tinha o direito de
recusar-se a obedecer o papado. O autor acreditava que a
centralização excessiva do poder eclesiástico havia sido a causa da
Reforma; assim a descentralização poderia facilitar o retorno de
protestantes à Igreja Católica.
O papa condenou a obra de Hontheim no ano seguinte ao
colocá-la no Índice de Livros Proibidos, mas quatro príncipes-
arcebipos alemães afirmaram os princípios febronianos numa
conferência em 1786. Aceitando apenas uma primazia limitada do
papa, pediram o consentimento episcopal para decretos e bulas
papais, o fim dos apelos a Roma e a autoridade local sobre ordens
religiosas. Na verdade, sua intenção era formar uma Igreja
Católica nacional na Alemanha, mas os bispos inferiores, temendo
o poder dos superiores preferiram o governo distante em Roma à
autoridade mais imediata dos príncipes alemães. A revolta entrou
em colapso em 1789 quando os arcebispos retiraram suas
declarações, mas as implicações foram abrangentes.
A idéia de se limitar a autoridade do papa encontrou
ambiente propício em Viena, onde o futuro “déspota esclarecido”,
o jovem Joseph II, falou sobre a necessidade de liberdade religiosa
no reino do qual era herdeiro. Ele considerava a riqueza poderosa
da Igreja Austríaca um obstáculo para o desenvolvimento
econômico e o controle eclesiástico da educação uma barreira para
o amadurecimento da mentalidade no país. Ao tornar-se imperador
em 1780, Joseph pôs-se a colocar em prática um programa de
reforma completo que iria racionalizar a organização da sociedade
através da centralização estatal e autoridade superior.
Na esfera religiosa, ele foi bastante além do Galicanismo
francês. Em 1781, lançou o famoso Édito de Tolerância, que
garantiu aos protestantes e gregos ortodoxos o direito de ter seus
próprios templos e escolas, de possuir propriedades e assumir
cargos políticos e militares. Joseph justificou a liberdade de culto
dizendo que qualquer Igreja podia ser levada a obedecer o Estado.
Ações posteriores permitiram algumas liberdades um pouco mais
limitadas para os judeus.
As leis de censura foram relaxadas e obras literárias de
críticos da Igreja puderam, então, ser publicadas. Outros decretos
fecharam mosteiros e conventos ou reduziram seu tamanho,
explicando que eram inúteis e causavam desperdícios. Só aqueles
que mantinham escolas, hospitais ou outras obras de caridade
sobreviveram. Assim, setecentas casas religiosas foram fechadas e
trinta e oito mil monges colocados para fora. As propriedades
foram confiscadas e os lucros das mesmas foram revertidos para
financiar uma reorganização das paróquias e instituições de
caridade sob o controle do Estado e para as pensões e suplementos
salariais para os clérigos. Também foi implantado o ensino
universal e obrigatório.
O imperador Joseph na realidade colocou a Igreja sob o
controle do Estado. Exigia-se que os bispos fizessem um voto de
lealdade às autoridades. Os decretos papais precisavam ter
permissão do governo a fim de serem válidos na Áustria. A
educação clerical foi colocadas sob supervisão do Estado e os
seminários passaram a oferecer ensino de Ciências e conhecimento
secular juntamente com a Teologia. Foram dadas ordens tratando
dos mínimos detalhes das práticas religiosas como peregrinações,
observância dos dias santos e mobília e apetrechos das igrejas. Em
1782 o papa Pio VI chegou a fazer uma viagem às pressas para
Viena, onde pediu a Joseph para rescindir suas medidas mas não
teve sucesso. As reformas religiosas permaneceram intactas
mesmo depois de sua morte em 1790 e para os católicos romanos
o termo “josephismo” desde então adquiriu o sentido da Igreja
sendo controlada pelo Estado secular.
Denominações de destaque nas treze colônias americanas
Colônia Estabele Denominações principais Igreja
cimento estabelecida
Virgínia 1607 Anglicanos, presbiterianos e batistas Anglicana
Massachusets 1620 Congregacionais (puritanos), separatistas e batistas Congregacional
New Hampshire 1623 Congregacionais Congregacional
Nova York 1626 Reformados holandeses, anglicanos e presbiterianos Anglicana
(1693)
Maryland 1634 Católicos, anglicanos e presbiterianos Anglicana
(1691)
Connecticut 1634 Congregacionais Congregacional
Rhode Island 1636 Congregacionais, batistas e quakers Nenhuma
New Jersey 1638 Reformados holandeses, presbiterianos e quakers Nenhuma
Delaware 1638 Luteranos e anglicanos Nenhuma
Carolina do Norte 1653 Anglicanos, presbiterianos e morávios Anglicana
Carolina do Sul 1670 Anglicanos, huguenotes e presbiterianos Anglicana
Pensilvânia 1681 Quakers, luteranos, menonitas, irmãos, reformados Nenhuma
alemães, schwenckefelder, presbiterianos e morávios
Geórgia 1733 Anglicanos e morávios Anglicana
(1758)
Nova Scotia 1710, Anglicanos, mas havia tolerância para quase todas as Anglicana
(Acadia) 1749 crenças (1758)

Um outro sinal do enfraquecimento da Igreja foram os


crescentes ataques aos jesuítas. Monarcas que procuravam assumir
o controle sobre a Igreja dentro de seus domínios viam os jesuítas
— principais defensores do papa — como agentes de poder
estrangeiro. Por fim, depois de acusações exageradas de intrigas,
os governantes de Portugal (1759), França (1764), Espanha e
Nápoles (1767) e Parma (1768) ordenaram que os jesuítas fossem
expulsos de seus reinos. Com o aumento de pedidos da Igreja
Católica por toda Europa de eliminação da ordem, em 1773 o papa
Clemente XIV relutantemente assinou a bula que dissolvia a
Sociedade de Jesus.
A Igreja Francesa do século 18 encontrava-se numa situação
complicada. Era grande (130 mil clérigos — aproximadamente
meio porcento da população total) e bastante rica, pois era dona de
6 por cento das terras e tirava uma renda considerável de suas
propriedades. Porém, havia um enorme abismo entre um simples
padre de uma paróquia e aqueles que ocupavam cargos episcopais
(catedrais). O clero local era pobre e com freqüência possuía uma
educação mínima, mas trabalhava duro e tinha grande consciência
das aflições de seus párocos. Quase todos os líderes eclesiásticos
do alto clero eram de origem aristocrática e levavam uma vida de
nobre. Muitas vezes os bispos eram homens do Iluminismo cujos
horizontes intelectuais eram enormes mas cuja devoção era um
tanto limitada. Por exemplo, o conhecido Talleyrand, que serviu
sucessivos governantes franceses desde o antigo Regime até a
restauração em 1815, fez pouco da fé cristã; e o rei Luís XVI
reclamou que o arcebispo Loménie de Brienne, de Toulouse, não
acreditava em Deus.
A crença religiosa crescia nas vilas mas saía perdendo em
cidades de diferentes tamanhos, onde a classe média-alta seguia a
indiferença e incredulidade dos aristocratas. Ainda assim, os
líderes da Igreja estavam tristemente desligados da situação de
transformação na França. Eles aproveitavam suas regalias,
continuavam a exigir poder de censura sobre a imprensa e
condenavam o relaxamento das restrições aos protestantes. O
perceptivo Alexis de Tocqueville observou que a Igreja era odiada
“não porque seus sacerdotes afirmavam controlar os assuntos do
outro mundo, mas porque eram proprietários de terras, senhores de
mansões, coletores de dízimos e administradores neste mundo”.1
Não tinham consciência da revolução que estava prestes a
acontecer e que destruiria os paradigmas tanto seculares quanto
religiosos da ordem existente, da monarquia e da Igreja.

A Revolução Francesa
A contínua incapacidade do governo francês de lidar com os
problemas que afligiam o país tornou a revolução quase inevitável.
Apesar da França, de um modo geral, ser próspera, o sistema
social antiquado vigente no “antigo regime” deixava as finanças
públicas numa situação desesperadora. As terras que eram
propriedade do clero e da nobreza, os chamados “primeiro” e
“segundo” estados ou ordens da sociedade, eram isentas de
impostos, mesmo constituindo 35 por cento da área do país. Isso
significava que o fardo tributário recaía sobre o “terceiro” estado,
os vinte milhões de camponeses e quatro milhões de artesão e a
classe média (burguesia) que constituíam 98 por cento da
população do país. Tendo em vista que a maior parte dos impostos
era paga pelos camponeses, eles tinham boas razões para estar
descontentes. Os fatores econômicos não foram tão importantes na
alienação da classe média, pois sua situação estava melhorando,
mas ressentiam às vantagens sociais da nobreza e suas exclusão
dos cargos melhores no exército, serviço público e Igreja.
Desde a ascensão de Luís XVI ao poder em 1774, vários
ministros das finanças tentaram em vão efetuar reformas
tributárias e a dívida do governo continuou crescendo em ritmo
constante. Então, as guerras na América pesaram ainda mais sobre
o tesouro. Em 1787 o rei convocou uma reunião dos membros do
alto clero e dos nobres (os “Notáveis”) para que fosse aprovado
um programa de reforma que iria cobrar impostos sobre todas as
terras e envolver a colaboração dos contribuintes em assembléias a
serem eleitas sem distinção de classe social. Essa tentativa
fracassou e depois de meses de altercações, em maio de 1789
decidiu-se convocar o Estatamento Geral da França, um grupo que
não se reunia desde 1615. Os nobres insistiam que uma mudança
tributária de tal magnitude só poderia ser feita com o
consentimento de toda a nação através de uma assembléia de seus
representantes. Eles cometeram um erro grave ao pensar que
poderiam controlar o Estatamento Geral e o que resultou foi uma
tempestade revolucionária que destruiu as instituições dominantes
da França.
Essa assembléia não representava o “povo”, mas sim as
“ordens” da sociedade francesa. Porém o terceiro estado, com o
apoio de alguns clérigos e uns poucos nobres, assumiu a liderança
e a transformou numa Assembléia Nacional que escreveu uma
Constituição e fez do Estado um governo baseado nos princípios
do Iluminismo. Mas eles precisavam competir com as grandes
massas de Paris que exigiam comida e um sistema econômico mais
justo e que foram responsáveis pelo grande ato simbólico de
revolução, a invasão à Bastilha, o antigo forte usado como prisão,
em 14 de julho de 1789. Em seguida a violência espalhou-se para
o campo quando camponeses inflamados pelo incidente na
Bastilha começaram a tomar terras, destruir cercas e queimar
mansões senhoriais.
A Assembléia Nacional reagiu à situação desmanchando o
que restava do sistema senhorial, abolindo as diferenças legais
entre classes e adotando a Declaração dos Direitos do Homem e
Cidadão, um documento abrangente sobre direitos humanos.
Durante os dois anos seguintes, a assembléia transformou a nação
em monarquia constitucional e atacou o problema financeiro
através do confisco e venda de terras da Igreja e propriedades dos
nobres. Enquanto isso, o rei havia perdido todo seu poder.
Muitos dos nobres que fugiram para o campo, os chamados
émigrés, voltaram-se para potências internacionais em busca de
ajuda a fim de reconquistar os privilégios e propriedades que
haviam perdido. Ao mesmo tempo, um grupo dentro da assembléia
queria exportar a revolução para outros países. O resultado foi a
explosão de uma guerra com a Áustria e a Prússia em abril de
1792. Isso deu aos radicais (os jacobinos) o impulso necessário
para derrubar a monarquia constitucional e em setembro foi
proclamada uma república. Uma Convenção Nacional foi eleita
para escrever uma nova constituição e sua ala extremista garantiu
a execução de Luís XVI em janeiro de 1793.
Enquanto isso, os exércitos franceses haviam aderido à
ofensiva e a convenção tinha declarado que iria ajudar o povo de
toda parte a “recuperar sua liberdade”. Inglaterra, Espanha e
Holanda juntaram-se então à coalizão contra a França, mas um
exército conscrito, inspirado pelo amor à pátria e liderado por
jovens e competentes comandantes conseguiu enfrentar o desafio
estrangeiro. Além de suprimentos para o exército, os líderes da
república precisavam lidar com problemas internos — uma revolta
entre os devotos católicos e camponeses monarquistas no oeste,
inflação e falta de comida.
Para dirigir o governo foi criado um grupo chamado Comitê
de Segurança Pública, cujo membro dominante era um jovem
advogado, Maximilien Robespierre (1758-94). Discípulo de
Rosseau, era o defensor “incorruptível” da democracia e um
idealista fanático. Sob seu governo o comitê levou o povo a atos
heróicos, conduziu a política externa, impôs racionamento e
controle de preços e, de onde quer que viesse oposição, era
esmagada sem piedade. Assim, foi lançado o “Terror”, um
mecanismo que iria proteger a “República da Virtude” de seus
inimigos. Porém, a grande maioria das quarenta mil pessoas que
morreram no Terror não eram do primeiro e segundo estados, mas
sim camponeses, trabalhadores e pequenos artesãos. Só 15 por
cento das vítimas eram nobres ou clérigos. Madame Roland, uma
republicana convicta que desentendeu-se com Robespierre fez
uma das mais pungentes acusações ao idealismo revolucionário
enquanto era colocada na guilhotina: “Ó Liberdade, quantos
crimes são cometidos em teu nome!”
Em seu ímpeto cruel de salvar a revolução conforme ele a
havia imaginado, Robespierre foi alienando cada vez mais
pessoas. Uma vez que os exércitos tinham saído vitoriosos, não
havia mais necessidade do Terror, mas Robespierre executou até
mesmo seus próprios simpatizantes. Ninguém parecia livre de
suspeitas e quando o governante denunciou aqueles delegados da
Convenção Nacional que haviam se oposto a ele, os delegados
temeram que seriam os próximos e ordenaram a prisão e execução
de Robespierre.
As tensões diminuíram rapidamente e as pessoas reagiram
com entusiasmo diante do fim da República da Virtude. O ardor
revolucionário se arrefeceu e os líderes da fase mais extremista
perderam a credibilidade e muitos foram punidos, milhares de
prisioneiros foram libertos, émigrés voltaram para casa e as igrejas
reabriram suas portas. Porém, os burgueses asseguraram-se de que
manteriam o controle sobre a França através de uma nova
constituição adotada em 1795. Mas crescentes problemas
econômicos, a guerra contínua e os inimigos tanto da direita
quanto da esquerda ameaçaram o regime de tal forma que este
tornou-se dependente dos militares, especialmente do jovem
general Napoleão Bonaparte (1769-1821). Finalmente, em
novembro de 1799 ele derrubou o governo e estabeleceu uma
ditadura. Em 1804, proclamou-se imperador. O programa que
implantou em seu país durante esse período mostrou-se bem mais
duradouro que suas iniciativas imperiais e suas reformas legais,
financeiras, educacionais e religiosas lançaram as bases para um
Estado moderno.
Napoleão foi o herói militar supremo da história francesa e
suas brilhantes campanhas da Itália em 1796 à Áustria em 1809
maravilharam o mundo. Ele reorganizou a Itália em repúblicas-
satélite e reinos e mais tarde anexou a maior parte ao seu império.
Quando os dois papas da época lançaram objeções, foram levados
para a França praticamente como prisioneiros (1799 e 1812). Na
Alemanha, a anexação da margem esquerda do Reno em 1797
significou a extinção dos antigos Estados eclesiásticos — os
arcebispados de Colônia, Mainz e Trier — e desencadeou a
dissolução do Sacro Império Romano, que chegou formalmente ao
fim em agosto de 1806. Em 1810 Napoleão já havia reorganizado
a Europa numa vasta estrutura de territórios dependentes da
França ou aliados a ela. Mas então foi longe demais em sua
tentativa fracassada de derrotar a Grã-Bretanha através de uma
guerra econômica (o Sistema Continental), num conflito de
guerrilha sem vencedores na Espanha e na desastrosa campanha
contra a Rússia em 1812. Seu império entrou em colapso absoluto
em 1813-14 e depois de uma rápida virada ele foi exilado numa
ilha solitária no Atlântico Sul.

A revolução e a Igreja
Em 1789, entre os membros do baixo clero e até mesmo por
parte de alguns do alto clero, havia um forte apoio à reforma. A
maioria concordava que os mosteiros eram instituições inúteis e
que as finanças da Igreja precisavam ser repensadas. Assim,
muitos representantes clericais votaram junto com o terceiro
estado durante os primeiros meses da Assembléia Nacional. Não
houve grande oposição quando em agosto a assembléia aboliu o
dízimo (o principal imposto da Igreja) e os direitos senhoriais
sobre as propriedades da Igreja e quando em novembro confiscou
e vendeu terras da Igreja.
A fim de ter bases legais para essas medidas e garantir a
subordinação da Igreja ao Estado, em 12 de julho de 1790 a
assembléia adotou a Constituição Civil do Clero. Esta oferecia a
“racionalização” da estrutura da Igreja e de seu pessoal. Estipulava
que os clérigos receberiam salário de funcionários públicos e
eqüitativos, tendo em vista que o pagamento dos bispos foi
reduzido drasticamente enquanto o dos sacerdotes paroquiais
recebeu um considerável aumento. Também dispensou um grande
número de funcionários da Igreja que, aparentemente, não
exerciam nenhuma função útil a menos que estes concordassem
em ser empregados em tarefas “úteis” como professores ou
sacerdotes de paróquias. O resultado foi a eliminação de
aproximadamente 60 por cento do quadro da Igreja em 1789. A
Constituição Civil também reduziu o número de dioceses e as fez
contíguas aos novos distritos administrativos da França, os
departamentos. O clero deveria ser escolhido através da eleição
por leigos: bispos pelos eleitores do departamento e sacerdotes
pelos eleitores do distrito, os mesmos que votavam para deputados
no poder legislativo. O papa ainda era reconhecido como sendo
teoricamente o cabeça da Igreja mas não poderia mais receber
dinheiro de impostos do clero francês ou confirmar a nomeação de
bispos. A Assembléia também exigiu que todo o clero fizesse um
juramento de lealdade à Constituição civil.
Em 1791, o papa Pio VI denunciou a Constituição
declarando-a separatista e herética e suspendeu todos os
sacerdotes e prelados que haviam feito o juramento de lealdade. A
grande quantidade de clérigos “refratários” ou “obstinados”, isto
é, daqueles que se recusavam a fazer o juramento, levou a uma
clara divisão da Igreja e ao aparecimento do “anticlericalismo”
pela primeira vez. Este pode ser definido como a oposição a
qualquer forma dogmática ou institucional de Cristianismo pois a
ordem estabelecida nos assuntos da Igreja é vista como reacionária
e uma defesa da tirania política. O movimento viria a ser uma
importante força na Europa do século 19.
À medida em que aumentava o anticlericalismo na
Assembléia, também fortalecia-se a oposição ao clero que
recusava-se a jurar para a Igreja “constitucional”. Logo, eles foram
vistos como contra-revolucionários, especialmente depois do
início da guerra com a Áustria e a Prússia. Muitos achavam que
Pio VI era o incentivador por trás da coalizão do clero e os que
não juravam eram então suspeitos de traição. Entre trinta e
quarenta mil sacerdotes que não juraram imigraram ou foram
exilados, enquanto muitos outros foram presos e entre dois e cinco
mil foram mortos. Um método de execução era a
“descristianização por imersão” no qual os clérigos eram
amarrados juntos em pares e lançados no rio Loire.
A campanha de descristianização chegou a proporções
absurdas com a formação de seitas pagãs para homenagear
mártires revolucionários como Jean Paul Marat. Outro exemplo foi
a comemoração da nova Constituição na Bastilha em agosto de
1793. Um membro do Comitê de Segurança Pública colocou-se
em pé o lado de uma estátua da “Natureza” e declarou:

Soberana das nações, selvagens ou civilizadas — ó Natureza — este grande povo


é digno de ti. Ele é livre. Depois de atravessar tantos séculos de erros e servidão,
era preciso que ele voltasse à simplicidade dos teus caminhos para redescobrir a
igualdade e a liberdade.2

O Dia da Bastilha foi comemorado por toda a França de


modo religioso. As pessoas reuniram-se ao redor de um altar ao ar
livre e fizeram um juramento à nação — la Patrie.
Na República da Virtude o “Culto à Razão” suplantou o
Cristianismo. Várias igrejas foram transformadas em “Templos da
Razão”, heróis revolucionários como Voltaire e Rousseau
tomaram o lugar da Virgem e dos santos e conceitos abstratos
como lei, verdade, liberdade e natureza passaram a ser adorados.
No dia 10 de novembro de 1793, realizou-se um “Festival da
Razão” na Catedral de Notre Dame, em Paris, durante o qual a
estátua da Virgem foi substituída por uma atriz para a qual foram
entoados hinos. Num culto em Beauvais, a Razão, a liberdade e a
natureza foram adoradas como três deusas.
O calendário cristão foi descartado e substituído por outro. O
ano 1 começava no dia de fundação da república, 22 de setembro
de 1792, uma semana tinha dez dias e tanto os domingos como os
feriados foram eliminados. Os doze meses do ano receberam
nomes que representavam sua estação e um período de festas no
final do ano era usado para comemorar a revolução. Até mesmo a
própria Igreja “constitucional” foi perseguida e os sacerdotes não
recebiam mais salário ou eram proibidos de lecionar em escolas
públicas.
Robespierre, um deísta bem como um político, logo viu que
o Culto à Razão estava deixando muitos de fora e decidiu dar fim
à descristianização. O reconhecimento do “Ser Supremo” havia
feito da França a República da Virtude, era preciso dar crédito a
quem o merecia. Em junho de 1794 ele introduziu o “Culto ao Ser
Supremo”, uma religião deísta natural que reconhecia a existência
de Deus e a imortalidade da alma. Seus rituais eram, em essência,
uma paródia da liturgia católica. A religião provou ser um fracasso
tão grande quando a adesão das massas à República da Virtude e,
incitados pelo clero que não havia jurado, os camponeses no oeste
de França (o Vendée), entraram em revolta aberta contra o regime,
situação que durou até o final da década.
A maioria dos historiadores reconhece que a Constituição
Civil do Clero foi o maior fiasco tático da Revolução Francesa e
certamente seu impacto a longo prazo foi extremamente infeliz.
Ela não apenas agitou o fanatismo religioso e enfraqueceu a
revolução, como também garantiu que no próximo século a Igreja
Católica seria hostil ao Liberalismo e à democracia em todo lugar,
enquanto democratas e liberais acabariam tornando-se militantes
anticlericais. A Igreja francesa, que durante muito tempo gozou de
considerável independência, foi colocada nas mãos do papa no
processo de recentralização que ocorreria nas próximas décadas.
Quando Napoleão tomou o poder, ele reconheceu que o
Estado precisava de uma religião que fizesse a gente comum
manter-se em conformidade com a sociedade. Apesar de afirmar
que havia perdido a fé aos 11 anos de idade e de ser um
racionalista puro do século 18, ele concluiu que o patriotismo
funcionava melhor quando era reforçado pela religião e que as
pessoas precisavam dessa autoridade. Como declarou com
tranqüilidade:

Tenho para mim... que fora dos preceitos e doutrinas do Evangelho não há
sociedade que possa desabrochar e nem qualquer verdadeira civilização. O que
leva um homem pobre a não se admirar de que dez chaminés soltam fumaça em
meu castelo enquanto ele morre de frio — que tenho dez conjuntos de trajes em
meu armário enquanto ele está nu — que à minha mesa, em cada refeição há o
suficiente para alimentar uma família por uma semana? É a religião que diz a ele
que numa outra vida serei igual a ele e que, de fato, ele tem mais chance do que
eu de ser feliz lá.3

Ele também reconheceu que o clero refratário era a força por


trás da contra-revolução e decidiu que a saída para o impasse da
década anterior era restaurar a Igreja. Assim, voltou-se para o papa
Pio VII e firmou a Concordata de 1801. O governo reconhecia que
o Catolicismo era a "a religião da grande maioria" dos cidadãos
franceses, dava ao papa o direito de participar da nomeação de
bispos e permitia o culto público. O Vaticano aceitou perder terras
da Igreja (incluindo seu próprio território em Avignon que foi
tomado pelos franceses em 1791) e o fim dos impostos. Daquele
momento em diante, o governo pagaria o salário dos clérigos. Com
efeito, o papa reconheceu que o Estado francês e a paz civil
haviam sido restabelecidos, mas Napoleão descartou qualquer
idéia de uma Igreja oficial ao colocar também ministros
protestantes na folha de pagamento do governo. Pio foi convidado
para a coroação real em Paris em 1804, mas não recebeu nenhuma
participação na cerimônia.
Por todo o seu império, Napoleão efetuou as reformas
religiosas da Revolução Francesa. Em todo o lugar a Igreja perdeu
sua posição de autoridade pública ao lado do Estado, seus
tribunais e poderes de tributação foram eliminados e grande parte
de suas terras foi confiscada. Protestantes, judeus e descrentes
receberam os mesmos direitos civis que os católicos. Por outro
lado, as reformas na verdade fortaleceram o papado. A
constrangedora instituição da Inquisição espanhola havia sido
abolida, os principados alemães que afirmavam seu próprio poder
já não existiam mais e as antigas monarquias com suas fortes
igrejas nacionais, como a Áustria, Espanha, Portugal e França —
que antes haviam exercido tanta influências sobre os assuntos
papais — haviam sido enfraquecidas. Com a restauração dos
jesuítas em 1814, o caminho estava aberto para um ressurgimento
da autoridade papal.

Uma revolução espiritual na Grã-Bretanha


Enquanto a revolução estava em voga no continente, o
Parlamento britânico havia alcançado a supremacia política que
antes havia pertencido aos monarcas absolutos. Mas esta não era
nem representativa e nem democrática, tendo em vista que o
sufrágio era extremamente desigual e aqueles que desejavam ser
eleitos muitas vezes tinham que comprar os votos. Suas tentativas
de trazer uma centralização geral do império fracassaram na
América mas a Escócia e a Irlanda ficaram sujeitas a seu controle
completo. Os escoceses das regiões montanhosas da Escócia
foram subjugados em 1740 enquanto que os escoceses
presbiterianos que viviam no norte da Irlanda e, de um modo geral
eram contra os ingleses, foram dominados depois da Revolução
Americana. Estes últimos chegaram a unir forças com a maioria
católica na tentativa de livrar a ilha do governo inglês, mas sua
revolta em 1798 foi reprimida. Em 1801 a Irlanda uniu-se
formalmente com a Grã-Bretanha em um único reino.
Melhoras na agricultura durante o século haviam contribuído
para uma pequena ascensão do padrão de vida inglês, enquanto a
burguesia que continuava a crescer dava à classe média baixa
oportunidades de melhora.
As pressões por uma reforma no sistema político foram
crescendo nos anos que seguiram 1763, resultando numa
conturbação social considerável. Uma voz de destaque foi o
eminente teorista político Edmund Burke (1729-97) que mostrou o
fracasso da Grã-Bretanha na América e argumentou pela
eliminação dos abusos no sistema parlamentar.
A Revolução Francesa teve sérias repercussões na Grã-
Bretanha e muitos queriam ver algo parecido acontecendo em seu
país. O tratado Rights of Men [Direitos do Homem] (1791) de Tom
Paine — que apelou para os britânicos pedindo um golpe sobre a
monarquia e a instituição de uma república — foi de grande
influência. Joseph Priestley (1733-1804), o famoso cientista e líder
unitário na Grã-Bretanha defendeu a revolução em um tratado que
invocava bastante hostilidade. Porém, a obra Reflections on the
Revolution in France [Reflexões sobre a Revolução na França]
(1790) de Edmund Burke, previu a anarquia e ditadura e pediu aos
ingleses que aceitassem a lenta adaptação de suas próprias
liberdades. Condenou uma filosofia política baseada em princípios
abstratos de certo e errado e insistiu que cada povo deve moldar
sua própria história nacional e circunstâncias, mesmo que os
sistemas políticos resultantes sejam diferentes. Em 1792 a
violência incontida na França pareceu mostrar o que Burke havia
dito e desacreditar a revolução como aurora de uma nova era para
a liberdade política. A situação na França também enfraqueceu o
movimento de reforma parlamentar.
Mas havia uma outra possível força de mudança na Grã-
Bretanha — a religião evangélica. O Metodismo havia se
propagado extensivamente entre as classes mais baixas,
especialmente nas novas cidades industriais do norte. Isso criou
tensões em relação à Igreja da Inglaterra e levou a uma inexorável
separação. O abismo cresceu ainda mais pelo fato de Wesley usar
pregadores não-ordenados e ministros itinerantes, por causa de
criação de lugares de culto separados onde era servida a Ceia do
Senhor, pela formação de uma Igreja organizada fora da estrutura
anglicana e por causa da fundação de uma obra separada na
América. Por fim, a separação formal aconteceu em 1795, quatro
anos depois da morte de seu fundador.
Os reavivamentos metodistas tiveram um impacto decisivo
sobre a Igreja oficial e, em menor escala, sobre as igrejas
dissidentes. O termo “evangélico” logo começou a ser usado para
os anglicanos que apoiavam o reavivamento e que constituíam um
“partido” dentro da Igreja. Eles preferiam trabalhar dentro da
estrutura de paróquias da Igreja e resistiam firmemente à idéia de
usar pregadores não-ordenados. Não aprovavam ainda algumas
práticas associadas ao Metodismo, como o entusiasmo emotivo, as
pregações itinerantes, a fundação de capelas e as doutrinas
perfeccionistas. Como George Whitefield, sua tendência era mais
para o Calvinismo no que dizia respeito ao posicionamento
doutrinário. Por estarem baseados nas paróquias e dependerem do
apoio da pequena nobreza local, eles realizavam seu ministério de
modo a atrair os níveis sócio-econômicos mais elevados e deixar
de lado as classes mais pobres que os metodistas eram tão
eficientes em alcançar. Além disso, enquanto Wesley tinha uma
alta consideração pelas igrejas do Novo Testamento, os
evangélicos voltavam-se mais para a Igreja da Reforma e a
tradição puritana.
O reavivamento evangélico desenvolveu-se quase que de
modo simultâneo em vários lugares entre as décadas de 1740 e
1760 como resultado de conversões individuais. Alguns
encontraram a Cristo pela leitura de obras devocionais e outros
através de contatos pessoais. À medida em que indivíduos do clero
foram se convertendo, começaram a evangelizar suas próprias
paróquias e outros clérigos das redondezas e não tardou para que
pequenos grupos se formassem ao seu redor. Entre os primeiros
evangélicos mais conhecidos estavam John Fletcher (1729-85); o
escritor de hinos (Rock of Ages [Rocha eterna]) Augustus Toplady
(1740-78); Samuel Walker (1714-61) e Joseph Milner (1744-97),
um historiador da Igreja amador que era diretor de uma escola de
gramática onde William Wilberforce estudou. Na região de
Londres encontravam-se figuras importantes como William
Romaine (1714-95), Henry Venn (1724-97) e, sobretudo, John
Newton (1725-1807).
Filho de um capitão de navio da marinha mercante, Newton
foi forçado a entrar para a Marinha Real quando ainda era muito
jovem. Ele desertou de seu navio na África ocidental onde acabou
tornando-se servo de um comerciante de escravos. Durante dois
anos teve uma vida miserável mas foi finalmente libertado e
embarcou num navio para a Inglaterra. Durante a viagem o navio
em que Newton estava passou por uma tempestade violenta.
Diante da possibilidade iminente de morte, ele voltou-se para
Cristo pela fé. Então, trabalhou durante quatro anos como capitão
de um navio de escravos, o que deu a ele um conhecimento de
primeira mão sobre esse tráfico detestável, mas em 1755 sua
consciência não pode mais suportar e ele deixou seu cargo. Depois
de um período de estudo particular ele foi ordenado clérigo
anglicano e serviu durante quinze anos em Olney em
Buckinghamshire onde ele e o poeta William Cowper (1731-1800)
produziram a famosa coleção dos hinos de “Olney”. Dentre suas
composições estavam God Moves in a Mysterious Way [Deus
Move-se de Maneira Misteriosa], There Is a Fountain Filled with
Blood [Há uma fonte cheia de sangue] de Cowper e Amazing
Grace [A Graça Eterna], How Sweet the Name of Jesus Sounds
[Quão Doce é o Nome de Jesus], Glorious Things of Thee Are
Spoken [Coisas Gloriosas São Ditas sobre Ti], de Newton. Em
1779 ele mudou-se para Londres onde continuou a ser uma
importante figura na campanha contra o tráfico de escravos e um
conselheiro espiritual para os evangélicos.
Isaac Milner (1750-1820), irmão de Joseph e Charles Simeon
(1759-1836) fez de Cambridge o centro do evangelicalismo.
Milner tornou-se parte do Queen‟s College em 1776 e seu
presidente em 1788 e foi durante sua administração que essa
faculdade veio a ser o centro dos evangélicos na universidade. Em
1785 Milner acompanhou o jovem Wilberforce numa viagem pela
a Europa e através de suas conversas Wilberforce se converteu.
Simeon foi nomeado vigário da Igreja da Holy Trinity em 1728 e
ofereceu orientação espiritual para toda uma geração de
pregadores evangélicos. Provavelmente mais do que qualquer
outra pessoa do seu tempo, ele ensinou os evangélicos a
agarrarem-se firmemente à Igreja da Inglaterra e a resistir ao
latitudinarianismo bem como o entusiasmo indiscriminado e o
separatismo.
O grupo Clapham foi, de longe, a mais importante expressão
do evangelicalismo anglicano na esfera da ação social. Essa
“irmandade de políticos cristãos”, que na verdade era um grupo
diversificado de leigos que tinha como centro a Igreja de Clapham,
um subúrbio de Londres e cujo pastor era John Venn (1759-1813),
o filho de Henry. Eles eram evangélicos de segunda geração —
ricos, chegados àqueles que tinham poder político, bem
informados sobre as questões com as quais lidavam e adeptos das
técnicas de persuasão política. Seguindo a liderança de Wesley
bem como dos primeiros evangélicos anglicanos, eles
compreendiam a necessidade de organização para que seu trabalho
fosse mais eficaz. Além disso, eram pessoas de profundas
convicções que enfatizavam tanto a conversão quanto a aplicação
de sua fé indo de encontro às necessidades da sociedade.
Esse grupo uniu-se numa intimidade e solidariedade
incríveis, quase como uma grande família. Eles se visitavam e
moravam um na casa do outro, tanto em Clapham, como na
própria Londres e no campo. Ficaram conhecidos como “os
Santos” por causa de seu fervor religioso e desejo de estabelecer a
retidão no país. Vários comentaristas observaram que eles
planejavam e trabalhavam como um comitê que estava sempre
reunido em “concílios de gabinete” em suas residências para
discutir o que precisava ser consertado e estratégias que poderiam
usar para alcançar seus objetivos.
As origens do grupo Clapham podem ser encontradas no
relacionamento entre a família Thornton e William Wilberforce
(1759-1833). O abastado comerciante John Thornton (1720-90) e
seu filho Henry (1760-1815), um proeminente banqueiro, eram
ambos evangélicos. Henry era também um membro do Parlamento
e em 1792 ele não apenas foi morar em Clapham mas também
providenciou (através de Charles Simeon) para que John Venn
fosse nomeado para a Igreja paroquial. A casa de Thornton tornou-
se o ponto de encontro do grupo.
A SEITA CLAPHAM
Esse nome foi cunhado na década de 1840 para designar um grupo de cristãos, a maioria deles
anglicanos evangélicos, que residiam no subúrbio londrino de Clapham ou freqüentemente estavam
por lá por volta de 1792-1815. Eram pessoas de elevado nível social que se uniam para promover
reforma social e a propagação do evangelho.
Pessoas que viveram am Clapham ao menos parte desse tempo:
Charles Simeon (1759-1836), vigário da Holy Trinity Church, Cambridge, e mentor de toda essa
geração de evangélicos.
John Venn (1759-1813), reitor da igreja de Clapham desde 1793 e líder espiritual do grupo..
Henry Thornton (1760-1815), banqueiro proeminente e membro do Parlamento que se mudou
para Clapham em 1792 e cuja casa era um ponto de encontro do grupo.
William Wilberforce (1759-1833), membro do Parlamento e líder na luta contra o tráfico de
escravos e contra a corrupção; primo de Thornton.
James Stephen (1758-1832), advogado nas Índias Ocidentais e depois em Londres, também
membro do Parlamento e casado com a irmã de Wilberforce.
Zachary Macaulay (1768-1838), supervisor de plantações nas Índias Ocidentais, depois liderou a
colonização de Serra Leoa.
Charles Grant (1746-1823), oficial da Companhia das Índias Orientais e a partir de 1794 diretor
influente do Conselho das Índias Orientais em Londres, membro do Parlamento.
John Shore, Lord (Baron) Teignmouth (1751-1834), governador geral da Companhia das Índias
Orientais (1793-97).
Thomas Gisborne (1758-1846), clérigo em Yoxall, Staffordshire, conselheiro de Wilberforce para
o assunto escravidão, passava tempo livre em Clapham.
Thomas Babington (1758-1837), de Rothley Temple, Leiscestershire, membro do Parlamento e
cunhado de Gisborne e de Macaulay.
William Smith (1756-1835), membro do Parlamento.
Charles Elliott (1751-1832), cunhado de John Venn.
Edward James Eliot (1758-1797), cunhado do Primeiro-ministro Pitt, era governador na Índia mas
morreu de forma inesperada.
Hannah More (1745-1833), escritora e reformadora educacional em Somerset, passou muito
tempo na companhia do grupo de Clapham.
Granville Sharp (1735-1813), combateu a escravidão e garantiu a decisão do tribunal em 1772
tornando ilegal a escravidão na Grã-Bretanha.
Thomas Clarkson (1760-1846), figura proeminente no movimento abolicionista que reuniu os
dados sobre comércio de escravos e os colocou à disposição de Wilberforce.
Josiah Pratt (1768-1844), primeiro editor do Christian Observer, em 1802; um fundador da CMS
e da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
CAUSAS QUE ELES ESPOSARAM
Abolição do tráfico de escravos - Formação de sociedades de Bíblias e tratados para espalhar o
evangelho - Missões estrangeiras e abertura da Índia para o trabalho missionário - Escolas
dominicais e educação fundamental - Assistência aos pobres e melhoria da sorte das classes
trabalhadoras - Proibição da imoralidade pública, de esportes brutais e de embriaguês - Reforma
penal e das prisões - Observância do sabbath

Wilberforce, um primo de Thornton, foi eleito para o


Parlamento aos 21 anos de idade e logo tornou-se uma figura
conhecida na sociedade londrina. Como mencionamos
anteriormente, ele converteu-se enquanto faziam um “tour” pela
Europa e durante algum tempo considerou a possibilidade de
deixar a vida pública e dedicar-se inteiramente ao serviço da
Igreja. Porém o Primeiro Ministro William Pitt, que desejava
mantê-lo como um aliado dentro do Parlamento, o persuadiu de
que o envolvimento ativo nos assuntos públicos era parte dos
deveres cristãos do indivíduo. Em 1768 ele declarou sua decisão
de “viver para a glória de Deus e para o bem de suas criaturas” e
no ano seguinte escreveu que “o Deus Todo-Poderoso colocou
diante de mim dois grandes alvos, a abolição do comércio de
escravos e a reforma dos costumes”.4
Para alcançar este último, Wilberforce usou sua influência a
fim de garantir uma Proclamação Real do rei George III contra o
Vício e a Imoralidade e formou a “Sociedade da Proclamação” a
fim de colocá-la em prática. Esta incluía a repressão de literatura
“blasfema”, contenção do tráfico de bebidas alcoólicas e a
imposição da observância do domingo. Então, voltou sua atenção
para o comércio de escravos e com a ajuda de seus aliados em
Clapham continuou batendo nessa tecla diante de um Parlamento
relutante até que finalmente, em 1807 foi aprovado o projeto de lei
que abolia o comércio realizado por cidadão britânicos. (Em 1833
a escravidão foi abolida em todo o império.) Outros trabalharam
para abrir missões na Índia, fundaram sociedades missionárias,
bíblicas e de divulgação e deram dinheiro para a construção de
igrejas e sustento dos clérigos. Dentre as figuras de Clapham, além
daqueles já mencionados, estavam os militantes do
antiescravagismo Granville Sharp e Thomas Clarkson, dois altos
executivos na Companhia das Índias Orientais, vários advogados e
comerciantes, alguns membros do Parlamento e a escritora Hannah
More.
Considerada pelos contemporâneos com a principal mulher
da literatura, More (1745-1833) deixou o brilho da sociedade e a
fama literária para dedicar-se a uma vida de iniciativas
beneficentes. Newton e Wilberforce a encorajaram em seus
esforços para abrir escolas para crianças pobres e adultos em
Cheddar, nos montes Mendip e grande parte do financiamento
para isso foi proveniente de pessoas importantes de Clapham. Ela
também usou seus dotes literários para escrever Cheap Repository
Tracts [Panfletos Baratos de Repositório], sendo que cento e
quatorze deles foram publicados entre 1792 e 1798 e tiveram uma
circulação de mais de dois milhões de cópias. Tinham por objetivo
ser um material de leitura de qualidade para as classes
trabalhadores como uma reação às tendências revolucionárias e a
propaganda radical.

Algumas considerações históricas


Em sua obra clássica A Inglaterra em 1815 (1913), o
historiador francês Elie Halévy apresentou a idéia de que a Grã-
Bretanha tinha sido poupada de uma revolução como a que abalou
a França, uma que as contradições de seu sistema econômico e
político podia facilmente ter originado, por causa da influência
estabilizadora do Metodismo e da religião evangélica.
Argumentou que, de 1739 em diante, crises econômicas e
agitações nas classes trabalhadoras foram dissipadas pelas
pregações evangélicas e o reavivamento. Tais expressões de
entusiasmo religioso eram a forma de manifestação popular menos
propensas a perturbar a ordem social baseada na desigualdade e
riqueza.
Argumentos parecidos surgiram durante todo o século 19 e a
realização de Halévy foi popularizá-los. Alguns escritores,
especialmente os socialistas e marxistas, tem usado isso para
desacreditar o evangelicalismo, taxando-o de ópio das massas.
Outros como Ford K. Brown na obra Fathers of the Victorians
[Pais dos Vitorianos] (1961), mostram o “controle social”
praticado pelos evangélicos como, por exemplo, o programa da
Sociedade de Proclamação e o conceito de “reforma de costumes”
de Wilberforce. O fato paradoxal de que ambos eram
conservadores e inovadores políticos causa perplexidade nos
comentaristas desde aquela época até hoje.
A questão com a qual os historiadores lutam é do quanto o
evangelicalismo foi uma resposta genuinamente desinteressada ao
desafio espiritual da época e até que ponto foi a racionalização de
uma política para aumentar o poder das classes dominantes. Qual
era o assunto que mais tocava a sensibilidade de Wilberforce — a
necessidade de salvar almas da perdição eterna ou o medo do que
poderia acontecer se as massas sucumbissem ao jacobinismo? O
radical William Cobbett definiu a questão com sarcasmo ao dizer
que a missão dos “Santos” era de “ensinar o povo a morrer de
fome sem fazer barulho” e de impedir que “o pobre cortasse a
garganta do rico”. Em resposta a isso, alguns mostram que os
evangélicos também conclamaram um número considerável de
membros das classes mais altas a uma vida de responsabilidade e
de que deram continuidade aos ensinamentos tradicionais da Igreja
da Inglaterra sobre a preocupação com os pobres ao mesmo tempo
que acrescentaram o elemento do zelo. Num balanço geral, pode-
se dizer que as realizações dos reformadores evangélicos foram de
proporções heróicas e servem como modelo para os cristãos de
hoje. Porém, seu fracasso em ver o quanto suas ações estavam
presas à cultura é o que tira o brilho do significado de seu trabalho
como um todo.
Por outro lado, Bernard Semmel (The Methodist Revolution
[A Revolução Metodista], 1979) afirma que o Metodismo (e por
conseguinte o evangelicalismo anglicano) era um movimento
“liberal” e “progressista” que incentivou a modernização na Grã-
Bretanha. Foi a versão inglesa da “Revolução Democrática” e
evitou um equivalente violento da Revolução Francesa ao
adiantar-se quanto àquilo que havia sido tão atraente nesta última.
Os pregadores metodistas proclamavam uma doutrina libertadora e
igualitária e davam a seus seguidores um senso de fraternidade ao
integrá-los em grupos e sociedades. O pedido incessante de
Wesley por auto-disciplina e ordem política foi articulado
simultaneamente com um chamado à revolução espiritual. Ao
pregar a razão, a tolerância e a liberdade civil e religiosa, vendo os
seres humanos como sendo bons e capazes de alcançar a perfeição
nesta vida e ao urgir o povo a tomar o controle de sua própria vida,
a revolução metodista preparou o caminho para a Inglaterra tornar-
se uma democracia liberal.
Ainda nesse sentido, na obra Evangelicalism in Modern
Britain [Evangelicalismo na Grã-Bretanha Moderna] (1989),
David Bebbington apontou para uma outra dimensão importante
do movimento, a saber, sua afinidade com o Iluminismo. Contrário
à grande maioria de escritores cristãos que desprezaram o
Iluminismo sem ao menos fazer uma análise crítica, Bebbington
mostrou que os evangélicos adotaram sua ênfase na epistemologia
(a ciência do conhecimento) e afirmaram que Deus havia dado a
eles conhecimento inerente sobre Ele, que eles deveriam passar
adiante. Também enfatizaram a Razão, pois como Wesley
escreveu em 1768, “Renunciar à Razão é renunciar a Religião,
pois Religião e Razão andam de mãos dadas e toda religião
irracional é uma religião falsa”.5 Além disso, apreciavam
profundamente a Ciência e o método científico, como também
enfatizavam, a “religião experimental”. Havia outras
características do Iluminismo refletidas na expressão evangélica.
Uma delas era o forte senso de otimismo que fluía da crença na
Providência divina, a idéia de que Deus cuidava do mundo e os
capacitaria a fazer dele um lugar melhor. Também pensavam que
Deus queria que todas as pessoas tivessem felicidade nesta vida. A
ênfase iluminista na moderação podia ser vista nas ações de John
Wesley e de outros que acautelavam sobre os excessos de
“entusiasmo”. A ênfase dos evangélicos sobre o pragmatismo
refletia-se em coisas como pregações ao ar livre, templos
construídos de forma funcional e ministros leigos. Por fim, eles
concentravam-se nas questões éticas e morais e eram
profundamente comprometidos com a Reforma.

A era revolucionária viu tanto a extinção das antigas


estruturas políticas e religiosas como a criação de novas estruturas.
O Protestantismo e o Catolicismo foram profundamente afetados
pelo redemoinho político. O primeiro foi revitalizado e o segundo
foi purificado de seus antigos costumes. Essas mudanças abriram
caminho para o reavivamento de 1815. Porém, nesse período
estavam surgindo novas ideologias que iriam ser um desafio ainda
mais sério para Igreja nas décadas seguintes.

Capítulo 18 - A Igreja numa era de ideologia


Tanto o Iluminismo quanto a Revolução Francesa afetaram
grandemente o desenvolvimento do Cristianismo no século 19.
Nesse período encontravam-se as raízes de três importantes
ideologias pós-cristãs dos tempos modernos — Nacionalismo,
Individualismo (Liberalismo) e Socialismo marxista
(Comunismo). Quando a religião tradicional perdeu o controle da
comunidade intelectual “esclarecida” e mais tarde também das
massas, essas novas crenças tomaram o seu lugar. No começo do
século 20 elas já haviam assumido o caráter de fé religiosa, no
sentido de que faziam exigências extremas à pessoa e possuíam
seus próprios símbolos sagrados, cerimônias, dogmas, escritos
inspirados, santos e líderes carismáticos. O Nacionalismo em
particular e o Individualismo liberal em menor grau, tornaram-se
tão ligados ao Cristianismo que poucos crentes podiam distingui-
los.

Transições internacionais depois de 1815


Com o colapso do império de Napoleão em 1814, os poderes
vitoriosos — Grã-Bretanha, Áustria, Prússia e Rússia —
concluíram uma aliança diplomática contra a França, colocaram de
volta no poder o monarca Bourbon Luís XVIII e mandaram
Napoleão para o exílio. No outono, encontraram-se em Viena e
redesenharam o mapa da Europa a fim de conservar o equilíbrio
do poder e conter a França. Isso incluiu transferência de
territórios, restauração de governantes depostos e uma volta da
Itália e Alemanha à sua condição anterior de divisão, com vários
Estados situados em seu solo e com a Áustria exercendo forte
influência sobre seus assuntos políticos. Napoleão reapareceu na
França na primavera de 1815, mas a coalizão tratou dele com o
golpe final na batalha de Waterloo. Os aliados fizeram um novo
tratado com Luís XVIII e mais dois acordos de futura cooperação
— a Sagrada Aliança e a Quádrupla Aliança.
Esta última oferecia um mecanismo através do qual os
aliados se encontrariam de tempos em tempos para tratar de
assuntos que afetassem a paz da Europa. Quatro desses
“congressos” aconteceram entre 1818 e 1822, mas a aliança caiu
em desuso por causa das diferenças entre os mesmos no tocante à
revolta grega contra o governo turco e as lutas por liberdade na
América Latina. Ao mesmo tempo, regimes conservadores nos
principais países procuravam reprimir todos os movimentos no
sentido da democracia liberal.
Uma crescente onda de revolução em 1830 acabou com
alguns dos regimes reacionários, especialmente na França. A
violência na Grã-Bretanha só foi impedida pelas reformas
parlamentares de 1822 que estendiam o poder de voto a uma
classe média cada vez maior e faziam desta uma aliada da ordem
estabelecida. Na Rússia, porém, um movimento liberal foi
eliminado e o mesmo aconteceu com uma insurreição na Polônia
seis anos mais tarde. Então, em 1848-49, uma segunda onda de
revoluções democráticas atingiu com impacto muito maior. A
monarquia na França foi substituída pela república, os governantes
da Prússia e da Áustria foram forçados a conceder constituições e,
ao que parecia, a Alemanha e a Itália poderiam ser unidas. Mas em
dois anos todos os movimentos de democracia liberal haviam sido
esmagados e o que se seguiu foi um período de sério “realismo”.
Desse momento em diante, aqueles que desejavam mudanças
políticas deixaram o idealismo liberal, a persuasão pacífica e o
protesto popular e passaram a fazer uso do poder político e de
meios “práticos” para alcançar seus objetivos. O cenário estava
preparado para duas décadas de violência — a Guerra da Criméia
(1853-56), um conflito sem propósito no qual a Rússia sofreu uma
derrota humilhante nas mãos de uma coalizão ocidental; conflitos
na Itália que trouxeram a unificação nacional em 1870; as três
guerras instigadas pela Prússia que criaram o Império Alemão em
1871 e a sangrenta Guerra Civil nos Estados Unidos (1861-65)
que garantiu a sobrevivência da união federal.

1831
Formad a Sociedade Evangélica de Genebra
1813 1815 1833
J.A. Neander Fundada a escola da Começa o Tractarianism
designado professor Missão Basel
1799 1814 1825 1835 1850
Segundo Grande Restabeleci F.A. Charles G. J.C. Blumhardt abre
Despertamento nos mento dos Tholuck Finney um centro de
Estados Unidos Jesuítas começa a evangelismo
ensinar em
Halle
1750 1800 1850 1900
1755 1810 1813 1828 1853-1856 1861-1865
Frederick Georg H.F. Guerras de Recusa da Guerra da Guerra Civil
Schiller Hegel Libertação Lei do Teste Criméia Americana
1755 1814-15 1830 1848 1871
Johann Congresso Revoluções Revolução Unificação
Wolfgang de Viena de 1830 de 1848 da
von Goethe Alemanha

Romantismo e Nacionalismo
Enquanto esses acontecimentos políticos e militares
cativavam a atenção do público, mudanças intelectuais
significativas também estavam ocorrendo. Uma delas foi o
Romantismo, um movimento na Arte, Literatura, Filosofia e
Religião. Surgido na década de 1790 como uma reação ao
Iluminismo, suas raízes encontravam-se no pensamento de
escritores mais antigos como Rousseau e a escola de Tempestade e
Tensão cujos principais representantes — Wolfgang von Goethe
(1749-1832) e Friedrich von Schiller (1759-1805) — enfatizavam
a turbulência do espírito humano. As obras de Goethe Götz von
Berlichingen (1773) e Tristezas do Jovem Werther (1774) foram
importantes trabalhos pré-românticos, enquanto Fausto, um poema
dramático de duas partes escrito em seus anos de mais maturidade
foi a grande obra de arte da literatura alemã. Na Grã-Bretanha
entre as principais figuras do Romantismo estavam William
Woodsworth, Samuel Coleridge e Sir Walter Scott.
Os românticos rejeitavam o Classicismo e o Racionalismo
mas enfatizavam o emocionalismo, a sensualidade, fantasia e
imaginação. A realidade não era encontrada no pensamento
racional, mas sim através dos sentimentos, dos sentidos, da
iluminação espiritual e do ouvir a voz interior. Consideravam
todas as experiências como sendo subjetivas e enfatizavam a
consciência própria, espontaneidade e originalidade. Um senso de
mistério surgia do desejo interior daquilo que era desconhecido e
ainda não havia sido experimentado. Devia-se permitir que cada
personalidade se desdobrasse de acordo com seu próprio gênio e
características individuais. Beleza, cor, aventura, o exótico e a
vida no campo distinguiam as obras românticas artísticas e
literárias e formas tradicionais ou pré-determinadas sofriam
rejeição daqueles que eram diferentes, não-convencionais e novos.
Havia também um profundo interesse pelo passado, especialmente
a Idade Média e também pela mitologia e folclore nórdicos. Por
fim, sua arte era visionária e até mesmo mística, pois como disse
um poeta alemão, na visão romântica da vida “o mundo torna-se
sonho e o sonho torna-se mundo”.
O Romantismo contribuiu muito para o Nacionalismo
moderno. Enquanto os philosophes do Iluminismo eram
cosmopolitas em sua visão de mundo, os românticos voltaram-se
interiormente para suas próprias origens e tradições nacionais. Nos
quatro volumes de Idéias sobre a Filosofia da História da
Humanidade (1784-91) o pastor protestante Johann Gottfried
Herder (1744-1803) afirmava que as classes instruídas da
Alemanha, que dependiam demais do pensamento e costumes
franceses, deveriam ao invés disso desenvolver sua cultura nativa.
Argumentou que cada Volk (povo), isto é, um conjunto de pessoas
que compartilham de uma língua comum, possuía um Geist
(espírito ou gênio) singular e o Volkgeist (caráter nacional) deveria
ser permitido surgir a seu próprio modo. A fim de ser autêntica, a
cultura nacional tinha que surgir da vida do Volk — as pessoas
comuns — e tirar delas suas inspiração. Os Völker eram uma
característica natural da raça humana e sua diversidade havia sido
criada pelo Todo-Poderoso. A teoria nacionalista de Herder era de
natureza puramente racional — não havia interesse político — e o
conceito de desenvolvimento nacional aplicava-se de modo
semelhante a outros povos além dos alemães. Seguindo seus
passos, vários escritores alemães exploraram sua lei, folclore e
religião, mas depois de 1800 outros começaram a falar da
superioridade cultural alemã. Numa série de palestras entre 1807 e
1808, o filósofo J. G. Fichte, pedia a regeneração moral do povo
através da educação. As pessoas deveriam adquirir consciência de
seu caráter nacional singular e aprender a amar sua terra natal. Um
indivíduo só podia alcançar a “liberdade” ao identificar-se com a
personalidade de sua nação como um todo e os alemães tinham
uma genialidade que não estava presente em outros povos.
O mais importante filósofo da época, Georg W. F. Hegel
(1770-1831), levou esse pensamento um passo adiante e enfatizou
o Estado. Sua idéias estavam contidas num sistema vasto e
complexo que é de difícil compreensão mas exerceram enorme
influência. Em reação a Kant, cuja filosofia crítica despedaçou o
mundo do pensamento, Hegel via o universo como um grande
todo. Para ele a realidade era a “Mente Absoluta” ou “Espírito do
Mundo” que revelava-se na Natureza e na História. A mente de
cada pessoa é um aspecto do Espírito do Mundo e a atividade
intelectual é um fase do próprio Absoluto.
Para explicar como isso ocorria, Hegel lançou mão de uma
metodologia de raciocínio conhecida como dialética. Nessa
abordagem, uma determinada idéia, tema ou “tese” dá origem ou é
contrária ao seu oposto ou contradição — a “antítese”. Desse
conflito surge uma idéia ou “síntese” que é ao mesmo tempo nova
e superior em relação à sua antecessora. Esse desenvolvimento, o
qual ele chamou de “realização própria da Idéia Absoluta”, ocorria
na Natureza, Ciência e no processo histórico. A História muda
através do conflito de forças no reino das idéias puras e o Estado
era uma dessas idéias. As três principais fases da história do
Estado foram a asiática, caracterizada pela monarquia absolutista;
a clássica, marcada pela liberdade individual e por último a
germânica que era uma síntese de liberdade no contexto do Estado
todo-poderoso. Nesse ponto de “consciência plena” todos os
povos teriam liberdade e não apenas os monarcas ou uns poucos
escolhidos.1
A idéia de Hegel sobre o Estado não era tão autoritária como
pode-se pensar. Pelo contrário, ele o via como o mais alto
desenvolvimento de comunidade, o lugar onde a sociedade
perfeita encontraria sua existência. Era como a vontade geral de
Rousseau, a manifestação do espírito racional da comunidade
toda. Hegel rejeitava o individualismo das revoluções americana e
francesa, crendo ser este contrário à natureza da humanidade e à
realidade. Em seu sistema, o indivíduo só tinha valor e significado
como uma parte do todo maior e unificado. Assim, sua
preocupação com o aspecto político era atraente para os alemães
da época que desejavam a unidade nacional. Apesar de não terem
unidade naquele tempo, podiam sentir que ela acabaria vindo
através do movimento da História.
Durante a Era Romântica, escritores de outros países
aceitaram o desafio de Herder de concentrar-se na herança cultural
— sua história, linguagem, literatura e arte. Entre os resultados
estavam a renovação grega que levou à sua revolta contra o
governo turco, o ressurgimento dos magiares na Hungria pedindo
mais autonomia dentro do Império Austríaco e o movimento
nacionalista italiano contra os príncipes em 1815. Além disso,
apesar dos jacobinos da França revolucionária terem utilizado o
Nacionalismo para reunir o apoio público durante a era
napoleônica, ele serviu de catalisador para a resistência ao
conquistador. Foi um fator importante na revolta espanhola, na
iniciativa russa de 1812 e na renovação alemã que culminou com a
Guerra da Libertação em 1813.
Em resumo, o Nacionalismo é uma idéia ou sentimento
presente em um povo que veio a crer que é diferente dos outros —
ou seja, uma nação — e seu desejo de afirmar essa singularidade.
A existência da nacionalidade não é uma realidade que pode ser
determinada logicamente mas é, sim, algo irracional, emocional e
místico. O objetivo maior de um nacionalista é criar um Estado-
nação, uma ordem política na qual seus semelhantes exercem o
poder.
Na primeira metade do século 19, o Nacionalismo foi
marcado pela humanidade, diversidade e a simpatia por outros.
Seguindo os passos de Herder, a maioria dos primeiros
nacionalistas acreditava que a realização de suas aspirações
nacionais era essencial para o bem-estar geral da humanidade.
Cada um tinha sua contribuição a fazer para a civilização mundial
e a sociedade seria mais rica se várias nacionalidades tivessem
liberdade de expressão. Só depois da metade do século é que o
movimento começou a desandar e a mudança para uma tendência
ao exclusivismo e superioridade nacional tornou-se visível.
Ainda assim, mesmo nos seus primeiros momentos, o
Nacionalismo mostrou-se como rival da fé cristã. Timothy Dwight
(1752-1817), presidente do Yale College e um marco do
Cristianismo americano, opôs-se com veemência a essa
“infidelidade” que para ele era produto do Iluminismo. Ele pediu
aos americanos que resistissem à propagação das idéias francesas,
tendo em vista que sua nação tinha um papel especial no plano
divino. Deus os havia preservado durante as lutas revolucionárias
e, desde então, eles haviam crescido espiritual e fisicamente.
Naquele instante, muitos sinais apontavam para o advento de uma
nova era e o reino de Deus estava prestes a chegar na Terra. Isso
traria como resultado o reavivamento entre os cristãos e a
propagação do sistema americano de liberdade religiosa e política
por todo o mundo, pois sua nação era um instrumento de Deus
para converter a humanidade. Ao posicionar-se contra a ameaça
francesa, Dwight havia dado a sua própria nação importância
espiritual e identificado a América com o propósito de Deus.

Romantismo e Religião
Os românticos glorificavam o seu próprio poder de auto-
expressão e criatividade. Não seriam leais a qualquer força
espiritual superior à sua própria genialidade ou aos objetos de sua
devoção como a natureza, liberdade, beleza e amor. Porém alguns
aceitaram o Cristianismo. Em 1798, o escritor alemão Friedrich
von Schlegel ao que parece, teve uma experiência de conversão
(ao Catolicismo Romano) e a partir de então, todo o seu trabalho
passou a ter temas religiosos. Na obra Cristandade ou Europa
(1799), o poeta Novalis retratou o Cristianismo como símbolo de
uma fé universal, o exemplo mais puro de religião como fenômeno
histórico e a mais completa revelação. Esses dois homens
influenciaram o jovem pregador Friedrich Schleiermacher (1768-
1834), que foi o principal teólogo do século 19 e pai da teologia
protestante liberal.
Educado em escolas morávias e em Halle, Schleiermacher
foi moldado de acordo com o Pietismo místico. Nomeado capelão
de um importante hospital de Berlim em 1794, entrou em contato
com o círculo de escritores românticos da cidade. Na verdade, foi
Schlegel que incentivou Schleiermacher a escrever Sobre a
Religião: Discursos aos Ilustrados que a Desdenham (1799), uma
defesa da fé para os intelectuais da época. Ele argumentava que o
Racionalismo havia ignorado a verdadeira essência da religião,
que é o sentimento. Isso permite que a pessoa tenha uma
experiência direta com Deus. A devoção surge desse experimentar
a Deus (o Infinito) através da experiência do mundo (o finito), e
não por algum tipo de processo de reflexão racional. Como os
românticos, ele acreditava que as pessoas compreendiam o mundo
no qual viviam mais através da imaginação e sentimento do que ao
estudá-lo através de uma análise racional. Deus não é
transcendente, mas sim, está presente no mundo e o crente faz
contato direto com Ele. Ao invés de ser algo que surge das
expressões doutrinárias ou da vida na Igreja, a religião é a
experiência imediata da existência humana.
Schleiermacher deixou a capital da Prússia em 1804 para
lecionar em Halle mas voltou três anos depois para pastorear a
Igreja da Trindade e trabalhar como professor na Universidade de
Berlim. Ele ocupou ambos os cargos até sua morte, vinte e cinco
anos mais tarde. Schleiermacher publicou várias obras
expressando sua visão romântica da teologia, sendo a mais
importante delas A Fé Cristã (1821). Nela, ele apresentou a idéia
da “dependência” ou “Percepção de Deus” absoluta de cada
indivíduo. O pecado é deixar de depender, mas Cristo é o homem
que foi completamente dependente de Deus em todos os seus
pensamentos, palavras e gestos. Isso significa que Deus existia
dentro dele e, portanto, ele era divino. Assim, as doutrinas cristãs
são as expressões da visão religiosa da pessoa. A Bíblia molda e
informa a consciência de Deus no cristão, mas ao mesmo tempo é
produto dessa dependência. A consciência religiosa fundamental
levou ao desenvolvimento de comunidades cristãs, onde a
percepção de Deus demonstrada por Jesus e sua obra redentora
deu aos crentes o pleno conhecimento de Deus. Para ele a
regeneração ocorre através da participação na vida em comunidade
ao invés de depender simplesmente de acreditar na morte e
ressurreição de Cristo. Eles passam a experimentar, então, a
mesma percepção de Deus que Jesus.
Nessa época, vários românticos voltaram-se para a Igreja
Católica Romana, onde encontraram um lugar de descanso onde se
refugiar. Um desses digno de menção foi o escritor popular
François René Vicomte de Chateaubriand (1768-1848) que
converteu-se à fé viva. Em sua famosa obra O Gênio do
Cristianismo (1802) René elevou a defesa da fé do plano racional
para o dos sentimentos e argumentou que a História revelava o
Catolicismo como uma grande força cultural e moral.

Os conservadores
A era da “restauração” que seguiu-se à queda de Napoleão
caracterizou-se tanto pelo retraimento ao conservadorismo quanto
pelo avanço do Liberalismo. No Congresso de Viena, a antiga
ordem política não foi completamente restaurada: o Sacro Império
Romano, por exemplo, não foi reconstituído, mas a monarquia foi
afirmada como única forma de governo que poderia garantir a
estabilidade. O melhor exemplo disso foi a Sagrada Aliança, uma
proposta do czar Alexandre I, que na época estava sob a influência
do misticismo e do messianismo. Muitos afirmam que a inspiração
para a Sagrada Aliança veio da baronesa Julie von Krüdener, uma
escritora que havia passado por uma conversão ao Pietismo e que
fazia parte do séqüito do czar na época; mas a maior parte dos
estudiosos de hoje acha que a idéia veio do próprio czar. A
Aliança foi assinada por todos os monarcas europeus — exceto
pelo regente da Inglaterra, o papa e o sultão turco — e declarava
que as relações internacionais daquele ponto em diante seriam
baseadas nas “sublimes verdades ensinadas pela Santa Religião”.
Os governantes concordaram em seguir o princípio de que eram
irmãos, de “ajudar uns aos outros” sempre que necessário e
reconhecer a soberania de nenhum outro a não ser “Deus, nosso
Divino Salvador, Jesus Cristo”. Apesar da Sagrada Aliança não
ter, na realidade, nenhum poder, ela serviu para manter a
estabilidade da Europa oriental até a Guerra da Criméia.
A tendência conservadora ficou mais evidente na Igreja
Católica. Assim que foi liberto do cativeiro na França em 1814, o
papa Pio VII restabeleceu a ordem dos jesuítas. Então, através de
seu secretário de Estado que o representou em Viena, Pio VII
recebeu de volta os territórios papais na Itália. Também fez
tratados favoráveis com diversos países e condenou os carbonari,
uma movimento nacionalista italiano. Sob sua liderança e a de
seus sucessores, a posição “Ultramontana” prevaleceu, isto é, a
completa centralização da autoridade da Igreja na cúria papal em
Roma e não a independência das Igrejas Nacionais ou dioceses. O
papa também lutou contra o liberalismo social na França e em
1834 excomungou o conhecido escritor Félicité de Lamennais
(que originalmente era um tradicionalista).
O “tradicionalismo” católico reacionário foi melhor
representado nas obras de Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis
de Bonald (1754-1840). Émigrés durante a Revolução Francesa,
eles enfatizavam o desenvolvimento histórico e a providência
divina e oposição à autonomia humana e pediam a restauração da
monarquia Bourbon.
Seguindo os passos de Edmund Burke, eles denunciaram a
ênfase dada pelo Iluminismo à Razão e aos direitos naturais. Mas
foram ainda mais longe e atacaram toda a ênfase liberal na teoria
do contrato social e nas liberdades individuais. Os conservadores
também condenaram a falta de respeito pela autoridade
eclesiástica e, especialmente de Maestri, afirmou que o
Cristianismo católico era a base da ordem social.
Na obra Sobre o Papa (1819) de Maistre declarou que toda a
soberania é derivada de Deus e investida sobre o monarca. Pelo
fato da autoridade do rei ser de origem divina, seu poder não deve,
de forma alguma, ser limitado por seus súditos. A religião oferece
ao povo um motivo para obedecer o governante e reconciliá-lo
com as desigualdades naturais da sociedade. A Igreja e o Estado
devem trabalhar em conjunto para promover a moralidade humana
e preservar a ordem e caso surja um conflito entre as duas, a
autoridade da Igreja automaticamente tem primazia. Ele encerrou
retratando o papa como a autoridade política e religiosa suprema
naquela que era a teocracia universal.
Os conservadores alemães incorporaram um importante
conceito romântico em seu pensamento — a idéia do organicismo
— e um dos seus principais expoentes foi Schleiermacher. O
Estado não era o produto de um contrato social mas sim um
desenvolvimento autônomo numa forma superior de vida. Ele
crescia de acordo com suas próprias leis e o indivíduo alcançava a
plenitude e verdadeira liberdade dentro do contexto do Estado. Até
mesmo a própria nacionalidade era uma desenvolvimento
orgânico. Um grupo de pessoas falando a mesma língua e com
experiências históricas em comum tinha a tendência de se
organizar politicamente. Assim, o Estado era um organismo no
qual a nação havia se desenvolvido ao longo da História e ambos
eram criações divinas.
De acordo com os organicistas, não havia espaço para a
revolução pois ela causaria distorções no crescimento natural do
organismo político. O governo tinha suas raízes no passado e o
governante, o povo e a Igreja eram todos parte de um único
organismo espiritual. Estado e Igreja, trono e altar pertenciam
juntos e deviam ser organizados da mesma forma, ou seja, o
Estado monárquico e a Igreja episcopal.2 Um resultado dessa visão
foi a atitude do rei Frederico Guilherme III em 1817, o
tricentenário das Noventa e Cinco Teses, ao unir as igrejas
Reformada e Luterana em “uma única Igreja evangélica” — a
chamada união prussiana. Sua intenção era organizar uma frente
comum contra o Racionalismo, que ele encarava como um inimigo
da fé, mas isso provocou reações de todos os lados.
Os conservadores luteranos (“confessionalistas”)
organizaram um vigoroso contra-ataque. Um pastor — Klaus
Harms (1778-1855), publicou suas próprias noventa e cinco teses
condenando o Racionalismo e afirmando os ensinamentos básicos
luteranos sobre o perdão dos pecados e os sacramentos. Com a
crescente pressão para que se adaptassem, muitos luteranos da
Prússia imigraram para a América ou Austrália, levando com eles
o seu confessionalismo. Entre os mais conhecidos estavam C. F.
W. Walther (1811-87), o fundador da Igreja luterana — Sínodo de
Missouri e Wilhelm Löhe (1808-72) de Neuendetteslau na
Bavária, um brilhante pregador que ficou na Alemanha mas
enviou missionários confessionalistas para a América. O estudioso
de maior destaque no confessionalismo foi E. W. Hengstenberg
(1802-69), professor em Berlim. Através de seus comentários
bíblicos e do jornal que fundou em 1827, o Jornal da Igreja
Evangélica, Hengstenberg combateu o Racionalismo e o
Liberalismo teológico.

Os liberais
Ao contrário dos românticos, os liberais bebiam em grande
parte da fonte do Iluminismo. Enfatizavam a liberdade individual
— liberdade de discurso, imprensa e reunião e da prisão e
encarceramento arbitrários. Eles consideravam que a forma
constitucional de governo era a melhor a fim de garantir essas
liberdades. Nos países avançados os liberais exigiram direitos
civis e governos mais representativos, enquanto aqueles que se
encontravam em outras partes da Europa buscaram escrever
constituições que limitassem o poder do governante o fizessem
trabalhar em conjunto com as aspirações nacionalistas. Poucos
liberais, porém, aceitariam a soberania popular pois desejavam que
o direito de voto fosse restrito às classes com propriedades.
Consideravam a democracia em massa tão perigosa quanto a
tirania do rei. A maior parte concordava com o teorista utilitariano
inglês Jeremy Bentham que afirmou que “o maior bem para o
maior número de pessoas” seria o resultado se cada indivíduo
pudesse lutar pelos seus próprios interesses com um mínimo de
interferência externa.
Em outras palavras, estavam dispostos a aceitar a igualdade
perante a lei, mas não viam nada de errado na enorme
desigualdade da distribuição de propriedades e riqueza.
Acreditavam que um indivíduo com iniciativa, ambição e
capacidade empreendedora poderia ganhar uma fortuna se o
governo não interferisse na propriedade privada e sua aquisição.
No âmbito econômico, isso significava uma abordagem de laissez-
faire e os colocava em oposição aos dois grupos que buscavam a
reforma do sistema industrial no século 19 — os humanitários
cristãos e os socialistas (ver capítulo 19).
No âmbito teológico o Liberalismo refletiu-se primeiro na
atitude de Schleiermacher ao rejeitar a crença doutrinária racional
e enfatizar o sentimento subjetivo que fazia da fé uma questão de
experiência individual. Os seguidores de Hegel, inspirados por sua
ênfase na imanência divina (Deus está dentro do mundo e não
acima ou fora dele) e no desenvolvimento histórico sujeitaram o
Cristianismo à análise histórica. Os teólogos da “Escola de
Tübingen”, liderados por F. C. Baur (1792-1860) que foi nomeado
para a universidade em 1826, chamaram a atenção para aquilo que
acreditavam ser linhas e teologias diferentes dentro do Novo
Testamento e passaram a ensinar uma visão puramente histórica da
Bíblia. O próprio Baur rejeitou o sobrenatural e usou uma
abordagem dialética para o Novo Testamento. Concluiu que ele
refletia a tensão básica dentro da Igreja entre um antigo partido
ligado a Pedro ou “Judeu” e um partido mais novo, ligado a Paulo
ou “Helenista”. Também afirmou que a maior parte das cartas de
Paulo não era “autêntica” pois faltavam-lhes as “tendências” anti-
judaizantes. Ele identificou um terceiro grupo de livros católicos
ou conciliatórios, alguns deles como Atos que provavelmente foi
escrito no século 2º. Baur determinou um precedente para o
criticismo bíblico revisionista que mais tarde se tornaria a marca
registrada da teologia liberal. Os estudiosos discordam sobre se
Baur era, de fato, hegliano ou não, mas ele usava a análise
histórica e via a história da Igreja em termos dialéticos.3
O rompimento decisivo entre a antiga escola conservadora de
interpretação bíblica e o novo radicalismo anti-sobrenaturalista
ocorreu quando um aluno de Baur — David Friedrich Strauss
(1808-74) — publicou sua obra aclamada A Vida de Jesus
Examinada Criticamente em 1835. Ele concluiu que apesar de um
Jesus “histórico” estar escondido por trás da vida registrada nos
evangelhos, sua vida havia sido re-escrita e adornada pelos
escritores cristãos a fim de fazer com que se cumprissem as lendas
e previsões do Antigo Testamento. Essas reflexões devotas dos
seguidores de Jesus eram “mitos”, ou seja, verdades sobre ele que,
mesmo sendo historicamente imprecisas, estavam em harmonia
com suas idéias e sentimentos religiosos. Não eram falsidades em
si, mas sim verdades declaradas de modo indireto. Num senso
hegeliano, elas expressavam a consciência dos autores de que
Jesus havia descoberto que Deus e o homem são um e que o
verdadeiro Deus-homem não é um indivíduo, mas sim a
humanidade como um todo. Jesus deve ser compreendido de
maneira simbólica como a realização do Espírito Absoluto na raça
humana. A humanidade é a união do finito com o infinito, do
espírito com a natureza. A humanidade é destinada à perfeição em
sua marcha para dentro e para o alto, simbolizada no Novo
Testamento em termos de morte, ressurreição e ascensão.
O historiador de religião francês Joseph Ernest Renan (1823-
92) levou a discussão ainda mais adiante em sua obra Vida de
Jesus (1863). Ao fazer uso da ciência do criticismo textual que
encontrava-se em rápido desenvolvimento, ele substituiu a teoria
de mito de Strauss sobre Jesus por uma apresentação racional dele
como um homem moderno, um professor de ética itinerante que
certamente não era o Filho de Deus. Era um tranqüilo galileu que
pregava uma moralidade simples e sonhava em fundar uma
comunidade utópica do povo de Deus aqui na Terra. Ele assumiu o
papel de Messias, lutou contra o mal enquanto trabalhava para
formar o Reino de Deus e morreu por seu idealismo perfeito numa
luta contra o Judaísmo ortodoxo e estéril. Quanto à ressurreição,
esta era produto do amor idealizado de Maria Madalena.
Esses estudiosos que retratavam a essência da religião como
sendo a pureza de coração em comunhão com um Deus de amor
que está presente em toda a parte, trouxeram uma nova e
revolucionária era de estudos bíblicos e teológicos. A pesquisa
sobre “a vida de Jesus” enfatizava observar o que havia por trás do
“Jesus da fé”, e do “Cristo dos credos” para encontrar o “Jesus da
História”, enquanto o criticismo literário novo e “superior” tomava
liberdades extremas com as Escrituras e rejeitava sua origem
sobrenatural. Por fim, junto com a introdução do darwinismo (ver
capítulo 20) no liberalismo teológico, a alta crítica apresentou um
desafio imenso para a ortodoxia, tanto protestante quanto católica.

A Igreja na Grã-Bretanha
O reavivamento da religião inglesa no século 19
correspondeu de muitas maneiras ao crescimento das classes
médias. Freqüentar os cultos de uma Igreja anglicana ou capela
não-conformista era uma parte importante de ser respeitável.
Porém, as igrejas faziam mais do que simplesmente reforçar a
busca por riquezas. Elas ensinavam valores como o “dever” que
era contrário ao interesse próprio e uma seriedade no propósito de
tornar a fé religiosa algo relevante às questões do quotidiano que
encontrava-se presente em grande parte do Protestantismo inglês.
As classes trabalhadoras freqüentavam bem menos as igrejas,
mas muitos desse grupo participavam de congregações metodistas
e evangélicas anglicanas. Havia, porém, barreiras reais que
impediam os pobres de freqüentar as igrejas, tendo em vista que
estes não podiam se vestir adequadamente e nem pagar o aluguel
dos bancos que era cobrado em muitos lugares. A ênfase sobre a
disciplina dentro da Igreja parecia ser mais pesada em relação aos
pobres, especialmente sobre o seu consumo de bebidas alcoólicas.
Além disso, a crescente organização de atividades de lazer
concorria com a capacidade de atração da Igreja.
A única Igreja que claramente possuía a maior riqueza e
poder era a anglicana. Possuía os recursos financeiros para
reformar suas edificações antigas e construir novos templos, a
profissão de clérigo estava entre as de maior prestígio na
Inglaterra e a coroa mantinha um relacionamento próximo com
essa Igreja. Teoricamente, aqueles que não tomavam a Ceia na
Igreja da Inglaterra (não-conformistas e católicos romanos) eram
excluídos da vida pública, mas havia-se feito várias exceções. As
restrições foram finalmente eliminadas quando o Parlamento
anulou a Lei do Teste e a Lei da Corporação em 1828 e aprovou a
Lei da Emancipação Católica em 1829.
Aqueles que se preocupavam com a revitalização da Igreja
anglicana podiam ser divididos em três categorias. O “baixo
Clero” dava maior importância à inspiração e autoridade das
Escrituras do que ao culto litúrgico e reservava uma forte
desconfiança para as práticas e crenças católicas. Os evangélicos
mais conservadores eram os “Recordistas” cujo nome veio de The
Record [O Registro], um jornal da Igreja fundado em 1828 que
apresentava seu ponto de vista. Os evangélicos moderados
continuaram dentro da tradição de Charles Simeon e da Seita de
Clapham e seu jornal, The Christian Observer, afirmava lealdade à
Igreja. Essas várias facções trabalhavam em conjunto e sua
harmonia refletia-se nos “Encontros de Maio”, festivais de
exultação evangélica que ocorriam no Exeter Hall em Londres. O
“Alto Clero” enfatizava a continuidade do Catolicismo,
especialmente a sucessão apostólica e a autoridade episcopal, o
culto extremamente litúrgico e o poder salvífico dos sacramentos.
O partido da facção liberal da Igreja anglicana tentou encontrar
um meio termo e interpretava as doutrinas e o culto anglicanos de
maneira liberal. Os membros mais extremistas do Alto Clero eram
os “Anglo-Católicos” que enfatizavam as ligações históricas da
Igreja do presente com a Igreja medieval.
Foi do meio deles que surgiu o “tratarianismo” que teve
início em 1833 com a publicação de Panfletos para os Tempos. Os
autores defendiam a Igreja da Inglaterra como sendo uma
instituição divina, proclamavam a doutrina de sucessão apostólica
e defendiam o Livro Comum de Orações como regra de fé. Muitos
dos tratados eram reimpressões de obras escritas por pessoas do
Alto Clero no século 17. O grupo também era conhecido como
Movimento de Oxford pois seus líderes — John Keble (1792-
1866), E. B. Pusey (1800-82) e John Henry Newman (1801-90) —
foram colegas no Oriel College na década de 1820.
Muitos desse grupo pendiam mais para Roma, especialmente
Newman que era vigário da Igreja na universidade de Oxford.
Numa viagem para a Itália, ele escreveu um poema que
epitomizava sua luta espiritual e que recebeu uma música no hino
Lead, Kindly Light. Dos vinte e quatro tratados de sua autoria o
mais famoso (e último) foi o Panfleto No. 90 de 1841, que tentava
reconciliar os Trinta e Nove Artigos da Igreja anglicana com a
doutrina católica. O texto foi tão condenado que ele deixou o
pastorado e entrou para a Igreja Católica em 1845, acabando assim
com o Movimento de Oxford. Em 1879 ele foi nomeado cardeal.
Através de seus muitos escritos como a Idea of a University [Idéia
de uma Universidade] (1852), que apresentava sua concepção de
educação cristã e o esboço autobiográfico, Apologia Pro Vita Sua
(1864), Newman tinha uma influência enorme tanto nos meios
anglicanos como católicos.
Os evangélicos deram nova vida ao protestantismo inglês.
Sua preocupação em ganhar almas refletiu-se na criação de
agências para propagar a fé cristã. Entre elas, havia diversas
sociedades missionárias (discutidas no capítulo 20), a Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira (1804), Sociedades de Panfletos
Religiosos (1799), Sociedade de Londres para a Promoção do
Cristianismo entre Judeus (1809), União da Escola Dominical
(1803) e a Sociedade Nacional para a Educação dos Pobres
(1811). Os evangélicos sentiam-se particularmente atraídos pelas
sociedades bíblicas e muitas delas surgiram nas Ilhas Britânicas,
bem como no império e nos Estados Unidos. A BFBS enviou
membros para o continente e estes fundaram sociedades bíblicas
em vários países e durante um breve período a iniciativa gozou até
mesmo do apoio católico na Alemanha.
Porém, no decorrer do século, cada vez mais evangélicos
radicais começaram a questionar o valor das sociedades bíblicas,
missionárias e de panfletos. Eles consideravam seus métodos
“laboriosos” como sendo inadequados e ao invés disso
argumentavam em favor do auxílio sobrenatural através da obra do
Espírito Santo. Insistiam que os obreiros cristãos deferiam
depender somente de Deus para ajudá-los a realizar suas tarefas e
não em organizações burocráticas.
A linha radical do evangelicalismo foi afetada por muitos
fatores. Um deles foi o interesse renovado no Calvinismo e outro
foi o romantismo literário que enfatizava o “sobrenaturalismo
natural” (a possibilidade de discernir significado espiritual no
mundo quotidiano) juntamente com a emoção, experiência e
imaginação. Além disso, houve um ressurgimento do pré-
milenismo, a idéia de que não se devia considerar o triunfo da
Igreja como resultado da concretização do reino de Cristo pois a
sua volta à Terra era iminente. Uma quarta ênfase era uma alta
consideração pela inspiração bíblica e a interpretação literal das
Escrituras.
Edward Irving (1792-1839) era um conhecido evangélico
radical, ministro da Igreja na Escócia e que pastoreava uma igreja
em Londres. Sua eloqüência ao atacar os males morais da época
atraiu um grande número de seguidores, que incluía muitas figuras
proeminentes. Mas não tardou para que surgisse uma controvérsia
quando ele pregou sobre a volta iminente de Cristo em glória e
incentivou o falar em línguas durante cultos públicos. Ao mesmo
tempo, tinha grande consideração pelas idéias do Alto Clero
quanto aos sacramentos e liturgia.
Finalmente, em 1833 Irving foi dispensado, mas a essa altura
ele e um amigo — Henry Drummond, que era um homem de
negócios e membro do Parlamento — haviam formado a Igreja
Católica Apostólica. Crentes de que a Segunda Vinda estava
próxima, eles montaram uma estrutura de doze apóstolos dos
últimos dias que iriam assentar-se com os primeiros doze
apóstolos nos vinte e quatro tronos mencionados em Apocalipse 4.
Então, através de um “sacramento” distintivo, os membros da
Igreja eram “selados” e tornavam-se parte dos 144.000 de
Apocalipse 7. O grupo fazia uso de rituais em seus cultos e dava
pouco atenção a questões sociais. Apesar do movimento ter
desaparecido na Grã-Bretanha, espalhou-se para o continente,
onde seus frutos na Alemanha — A Nova Igreja Apostólica —
continuam sendo uma comunidade ativa até os dias de hoje.
Outro grupo dissidente evangélico importante foi o dos
“Irmãos de Plymouth” ou “Irmãos Evangélicos”. Originou-se em
Dublin no final da década de 1820 e recebeu esse nome por causa
da grande congregação formada em Plymouth em 1831. Buscando
uma volta à simplicidade da Igreja primitiva, os Irmãos
encontravam-se em casas para observar a Ceia do Senhor,
rejeitavam o clero ordenado e o culto litúrgico e escolhiam
presbíteros para liderar a comunidade. Suas reuniões eram
marcadas por profunda devoção a Cristo, zelo evangélico e um
forte interesse nas questões proféticas. Seu excepcional mestre,
John Nelson Darby (1800-82) foi tanto um estudioso da profecia
bíblica quanto um fervoroso crente no literalismo da Bíblia. Ele
formulou os princípios básicos do Dispensacionalismo, incluindo
o “arrebatamento” da Igreja antes da Segunda Vinda. Apesar de
ser uma idéia aceita pela minoria na época, no século 20 viria a
dominar o pensamento pré-milenista.
No final da década de 1840, quando surgiram disputas sobre
quanto controle centralizado deveria ser exercido sobre as
assembléias, houve uma divisão. Aqueles que eram a favor dos
princípios originais do movimento tornaram-se os Irmãos Abertos
e misturavam-se livremente com outros crentes. Sua figura mais
conhecida foi George Mueller (1805-98), um imigrante alemão
que pastoreava uma capela e administrava o famoso orfanato de
Ashley Down em Bristol. Este seguia o modelo da Fundação
Francke em Halle com a qual Mueller estava familiarizado.
Mueller foi pioneiro no conceito de manter um empreendimento
totalmente pela fé, sem fazer apelos para levantar fundos ou pedir
sustento à Igreja. Darby e seus seguidores formaram os Irmãos
Exclusivos cuja marca registrada era o estilo de vida austero e a
separação dos outros cristãos.
O maior líder evangélico do século 19 na Escócia foi
Thomas Chalremos (1780-1847). Ordenado em 1803, ele passou
por uma experiência de conversão em 1811, sendo que esta
transformou completamente sua visão e ênfase ministeriais.
Quatro anos depois ele aceitou uma cargo em Glasgow onde
desenvolveu um sistema de paróquias que poderia tratar dos
problemas de uma cidade industrial. O sistema envolvia a
nomeação de presbíteros para supervisionar as questões espirituais
e diáconos para ministrar às necessidades sociais e educacionais
da população.
Em 1823 Chalmers aceitou lecionar em St. Andrews e, em
1828, na Universidade de Edinburgo, onde foi o líder e símbolo do
partido evangélico. Além disso, ocupou também o cargo de diretor
do programa de extensão da Igreja e em seis anos supervisionou a
criação de mais de duzentas novas igrejas. Então surgiu um
problema quanto à interferência do Estado em assuntos da Igreja,
sendo que a questão evoluiu, tornando-se uma crise na assembléia
geral em 1843. Quando a assembléia se recusou a ir contra as
autoridades, duzentos ministros e presbíteros liderados por
Chambers deixaram a reunião num ato conhecido como
Rompimento. Eles logo formaram um novo grupo, a Igreja Livre
da Escócia, que o elegeu como moderador. Cerca de um terço dos
clérigos juntou-se ao novo movimento e pôs-se a duplicar as
igrejas e escolas da Igreja da Escócia. O cisma não seria
completamente superado até 1929.

A propagação do reavivamento
Os reavivamentos que varreram a Grã-Bretanha tiveram seus
equivalentes na Europa e na América. A Alemanha estava
especialmente preparada para uma renovação espiritual, tendo em
vista que a influência do Pietismo já havia diminuído sob a
pressão do Racionalismo. Mais uma vez, houve uma interatividade
do evangelicalismo inglês com o alemão, semelhante à relação
anterior entre Pietismo e Metodismo.

Reavivamento na Alemanha
A liderança do Erweckung [reavivamento] ficou por conta da
Sociedade do Cristianismo Alemão, fundada em 1780 pelo pastor
Johann Urlsperger de Augsburg. Seu plano era reunir todos os
cristãos fiéis numa iniciativa para levar adiante a “verdadeira
doutrina e verdadeira bênção”. Dentro dos modelos da Society of
the Propagation of Christian Knowledge - SPCK [Sociedade para
Propagação do Conhecimento Cristão (SPCC)] da Inglaterra, ela
realizava seu trabalho através de uma revista, contatos pessoais e
correspondência. Dentro de poucos anos ela havia tornado viável a
formação de sociedades missionárias, bíblicas e de panfletos por
toda a Europa.
Uma figura-chave foi seu secretário em Londres e pastor da
Igreja de língua alemã de Savoy, Karl F. A. Steinkopf (1773-
1859). Natural de Württemberg, ele espalhou a notícia sobre a
Sociedade Missionária de Londres pela Alemanha e foi co-
fundador da BFBS - British and Foreign Bible Society [Sociedade
Bíblica Britânica e Estrangeira]. Ele ajudou a começar filiais da
BFBS na Alemanha e incentivou seus compatriotas a fazer
doações em dinheiro para as missões britânicas. Também teve um
papel importante na fundação das sociedades missionárias alemãs.
Pastores do reavivamento cruzavam o país em todas as
direções e algumas regiões como Württemberg no sul da
Alemanha e Wuppertal e Siegerland no oeste, tornaram-se centro
de devoção protestante, fato que ainda é realidade nos dias de
hoje. A Igreja Católica também foi contagiada por parte desse
entusiasmo, sendo Johann Evangelista Gossner (1773-1858) o
sacerdote mais conhecido. Ele pregava sermões evangelísticos na
igreja em sua paróquia, realizava estudos bíblicos e reuniões de
oração em sua casa e chegou a organizar reuniões bíblicas
especiais na Basiléia para a Sociedade do Cristianismo. O
reavivamento católico acabou sendo silenciado pela hierarquia e
em 1826 Gossner passou para a Igreja luterana. Como protestante
ele pôs-se a fazer contribuições importantes nas áreas da atuação
social cristã e de missões.
A influência de alguns pregadores do reavivamento
continuou muito além de seu tempo. Um deles foi Ludwig
Hofacker (1798-1828), que na verdade foi o equivalente alemão
de David Brainerd. Um homem profundamente espiritual e
afligido por problemas de saúde, suas pregações resultaram em
milhares de pessoas que se voltaram para Cristo. Apesar de seu
ministério ativo ter durado pouco mais de quatro anos, sua obra
póstuma, Sermões para Todos os Domingos, Festivais e Dias
Santos, teve inúmeras edições e traduções e ainda é uma das obras
de maior distribuição na literatura popular cristã da Alemanha.
Outro foi Johann Christoph Blumhardt (1805-80), que
tornou-se pastor de Möttlingen em Württemberg em 1838 e
rapidamente ganhou distinção como pregador e através de curas
pela fé. Depois da cura miraculosa de uma mulher supostamente
endemoniada, milhares de pessoas dirigiram-se para sua paróquia.
Por fim, em 1852 ele deixou o pastorado e abriu um centro para
evangelismo e obras missionárias internacionais. Blumhardt
desejava profundamente a vida de Cristo e acreditava que um
novo Pentecoste, com a volta dos dons espirituais, iria preparar o
caminho para o Segundo Advento. Por esse motivo ele é
considerado um precursor do Pentecostalismo.
Um resultado do Erweckung foi a fundação de escolas
especializadas para missionários e evangelistas em Berlim (1800).
Basiléia (1815) e St. Chrischona (1840). Esta última foi a criação
de Christian Friedrich Spittler (1782-1867), secretário da
Sociedade do Cristianismo na Basiléia. Seu plano era treinar
artesãos competentes para serem evangelistas e então enviá-los
como obreiros cristãos auto-sustentáveis. Spittler comprou uma
igreja vazia em St. Chrischona, próximo à Basiléia e a transformou
na sede das chamadas “Missões Peregrinas”. Os alunos
encontravam sua própria área de trabalho e serviam em qualquer
igreja, sociedade missionária ou sínodo que os aceitasse.
As iniciativas da Igreja livre também são dignas de menção e
resultaram de relações exteriores. Imigrantes alemães que tinham
ido para a Grã-Bretanha e América fundaram congregações
metodistas em sua terra natal durante as décadas de 1830 e 1840.
O primeiro trabalho batista foi iniciado por Johann Gerhard Onken
(1800-84) que tinha vivido em Londres e havia se convertido
numa capela metodista. Trabalhou para vários grupos
evangelísticos no norte da Alemanha e então, em 1834 decidiu
receber o batismo do crente. Através do evangelismo itinerante
Oncken e outros fundaram várias igrejas e, mais tarde, os batistas
alemães foram ativos na propagação do evangelho em outros
países da Europa.
A própria capital da Prússia tornou-se um centro de
Erweckung e foi da Universidade de Berlim que saíram duas das
figuras acadêmicas mais importantes do movimento, Johann
August Neander (1789-1850) e Friedrich August Tholuck (1799-
1877). Neander era um convertido do Judaísmo e através de um
dedicado estudo da Bíblia desenvolveu uma fé profunda baseada
em suas experiências. Foi aluno de Schleiermacher e em 1831
tornou-se professor de história da Igreja em Berlim onde se
especializou em Cristianismo primitivo e também publicou uma
história geral da Igreja com seis volumes. Um inimigo fervoroso
do Racionalismo de Baur e Strauss, Neander comunicou uma fé
calorosa e viva para várias gerações de estudantes de Teologia.
Um jovem precoce, Tholuck estudou línguas orientais.
Através do testemunho de várias pessoas, ele encontrou a Cristo
como Salvador e então passou a estudar Teologia. Depois de um
breve período lecionando em Berlim, em 1826 mudou-se para a
Universidade de Halle onde trabalhou durante cinqüenta anos. Um
estudioso da Bíblia e teólogo distinto e conservador, era inimigo
declarado do Racionalismo. Mas também teve um amplo
ministério entre os estudantes e procurou desenvolvê-los para que
se tornassem cristãos fervorosos e diligentes. Ele os convidava
para estudos bíblicos e discussões sobre várias obras cristãs em
sua casa, visitava-os e orava com eles nos dormitórios e os levava
junto em suas viagens.
A preocupação social era uma das marcas registradas do
Erweckung, tendo em vista que naquela época muitos alemães
estavam sofrendo com a crise econômica. Um líder do movimento
em Berlim, o barão Ernst von Kottwitz, fundou com seus próprios
meios em 1807 uma residência para desempregados que chegou a
abrigar até seiscentas famílias, oferecendo-lhes oportunidades de
trabalho bem como abrigo. Um escritor cristão em Weimar,
Johannes Falk, viu o grande número de órfãos que restaram depois
das Guerras Napoleônicas e levou muitos deles para sua casa.
Abriu, então, um centro onde crianças pobres recebiam abrigo e
educação e tornavam-se aprendizes de um ofício. Também é digno
de menção o trabalho de Amalie Sievking, membro de uma família
proeminente de Hamburgo que tinha uma fé pietista e laços com
os evangélicos da Inglaterra. Quando uma epidemia de cólera
varreu a cidade em 1831, ela trabalhou em hospitais para ajudar as
vítimas da doença. No ano seguinte, formou a Sociedade Feminina
de Auxílio aos Pobres e Enfermos, um grupo de mulheres cristãs
que distribuía alimentos e visitava os necessitados.

O reavivamento na Escandinávia
O Ewerckung espalhou-se para o norte, chegando à
Escandinávia. Nikolai Grundtvig (1783-1872), um respeitado
estudioso de Literatura Medieval Nórdica bem como pastor de
uma Igreja luterana dinamarquesa, passou por uma experiência de
questionamentos e dúvidas. Ele encontrou a Deus de maneira
parecida com Lutero. Suas tentativas de iniciar um reavivamento
na Igreja Dinamarquesa foram mal recebidas e ele viu-se forçado a
ficar fora do ministério durante sete anos, tempo que gastou
escrevendo poesia e hinos. Ao voltar à paróquia em 1821, ele
combateu o Racionalismo e defendeu o Credo dos Apóstolos
como padrão para a Igreja. Depois de várias visitas à Inglaterra,
promoveu mais liberdade congregacional dentro da Igreja do
Estado. Outro centro de evangelicalismo desenvolveu-se na ilha de
Bornholm no final da década de 1860. A partir de lá, pregadores
leigos espalharam-se pela Dinamarca proclamando a justificação
pela graça, a reconciliação através da expiação de Cristo e o
sacerdócio de todos os crentes.
Na vizinha Suécia, havia muitos pregadores do reavivamento
em atividade, sendo o mais notável Karl Olof Rosenius (1816-68).
Apesar de ter sido fortemente influenciado pelo Metodismo inglês,
ele continuou dentro da Igreja luterana e proclamou a mensagem
da graça de Deus em Cristo e do perdão dos pecados sem mérito
humano. Várias igrejas livres surgiram depois de suas iniciativas,
sendo que a maioria juntou-se na Aliança de Missões da Suécia
em 1878.
Hans Nielsen Haugue (1771-1824) foi um excepcional
evangelista leigo na Noruega. Convertido aos 25 anos de idade,
começou imediatamente a pregar a mensagem da salvação e da
santidade pessoal. Viajou por todo o país e deu início a um
movimento religioso popular dentro da Igreja do Estado que
caracterizou-se por seus pregadores leigos auto-sustentáveis que
trabalhavam ligados a toda uma rede. Essa ênfase sobre a
atividade voluntária pelos leigos teve um efeito poderoso sobre a
Igreja, apesar do clero racionalista ressentir-se amargamente de
Hauge. As iniciativas missionárias e evangelísticas da Noruega no
final do século 19 se inspiraram nele.

O reavivamento na Europa de língua francesa


Apesar da Igreja huguenote (francesa reformada) ter sido
reprimida por Luís XIV, ela teve uma pequena recuperação
durante o século 18 (ver capítulo 13). Porém, a Igreja luterana
havia sido tolerada na Alsácia e foi lá que surgiu uma das
primeiras figuras do reavivamento protestante francês, Jean
Frédéric Oberlin (1740-1826). Um pastor profundamente devoto,
tornou-se conhecido por sua promoção da educação e de
empreendimentos comunitários de auto-ajuda em sua paróquia em
Waldersbach. Quando a Revolução Francesa começou ele a
recebeu com entusiasmo, vendo nela o início do reino de Deus na
Terra e considerando as virtudes republicanas e a fraternidade
como formas terrenas de realização do Cristianismo. Os excessos
do sistema jacobino o forçaram à clandestinidade e ele teve que
realizar cultos da Igreja em segredo em sua própria casa. Mas
Oberlin sobreviveu ao Terror e emergiu como um herói nacional.
Havia nele uma combinação de preocupação pelo bem-estar da
humanidade e uma profunda devoção a Cristo. Estas
características serviram de testemunho do amor e poder divinos e
ajudaram a preparar o cenário para o Réveil [despertar].
As origens desse movimentos encontram-se na situação da
Igreja protestante. Ela recobrou seus direitos legais sob a lei
napoleônica em 1802, enquanto em Genebra, na Suíça, a Igreja
calvinista francesa havia continuado a existir sem qualquer
interrupção. Na Igreja francesa, tanto a ala ortodoxa como a liberal
mantinham uma coexistência desconfortável. De tempos em
tempos, a Igreja, pastores e o povo realizavam os ritos da religião,
mas o Cristianismo verdadeiro não influenciava sua vida diária.
Porém, o despertar religioso que varreu as igrejas da Suíça e
França mudou drasticamente essa situação.
A principal influência do reavivamento veio do trabalho de
dois escoceses, os irmãos Robert (1764-1842) e James Alexander
(1768-1851) Haldane. Em 1795, tanto Robert, que administrava as
fazendas da família e James, que era capitão de um navio para a
Companhia das Índias Orientais, se converteram. Eles deixaram
seus cargos e tornaram-se pregadores itinerantes, fundaram
sociedades para promover o evangelismo rural e a distribuição de
panfletos, cuidaram de uma escola para treinamento de líderes
leigos e adotaram os princípios batistas de organização da Igreja.
Em 1816-19, Robert foi a Genebra e depois visitou vários lugares
na França onde realizou reuniões em casas e ensinou sobre a
inspiração plenária e infalibilidade da Bíblia. Também ganhou
muitos convertidos que, por sua vez, propagaram a mensagem
evangélica entre os protestantes franceses.
As três pessoas mais importantes influenciadas pelas
pregações de Haldane foram Jean Henri Merle d‟Aubigné (1794-
1872), Frédéric Monod (1794-1863) e César Malan (1787-1864).
Malan estudou Teologia e lecionou numa escola de latim. Já havia
passado pela renovação através da influência de amigos e sua fé
foi confirmada durante a visita de Haldane. Tornou-se então um
destemido pregador em Genebra e dedicou-se a várias missões
evangelísticas por toda a Europa ocidental e especialmente na Grã-
Bretanha. Depois de ser expulso da Igreja do Estado em Genebra,
juntou-se à Igreja escocesa. Apesar de continuar sendo convicto da
predestinação, tinha um amor profundo pelas almas e proclamava
uma fervorosa mensagem de salvação.
Merle d‟Aubigné era um protestante suíço, aluno da
Universidade de Genebra quando começou o reavivamento.
Depois de servir em igrejas em Hamburgo e Bruxelas, ele voltou
para Genebra em 1831 onde ele e uma outra figura do Réveil,
François Gaussen (1790-1863) fundaram a Sociedade Evangélica
de Genebra para promover a propagação da sã doutrina por toda a
França e pelas regiões suíças de língua francesa. Em 1834, o grupo
fundou uma escola de teologia independente, onde ambos
lecionavam e sustentavam missionários, pastores e a distribuição
de literatura cristã. As obras de Gaussen sobre a inspiração verbal
das Escrituras foram bastante lidas tanto na Inglaterra como na
França, enquanto Merle d‟Aubigné dedicou o fim de sua vida à
produção de uma extensa história da Reforma com treze volumes.
Frédéric Monod foi influenciado por Haldane enquanto
estudava em Genebra e tornou-se um destemido defensor da
ortodoxia calvinista. Durante quarenta e três anos ele foi editor de
uma revista de Cristianismo contemporâneo que ajudava a
esclarecer os pontos de vista ortodoxos. Insatisfeito com o
Liberalismo na Igreja Reformada, ele formou a Igreja Evangélica
Livre em 1849, cuja declaração de fé começava com uma ousada
formulação sobre a inspiração plenária e a autoridade da Bíblia.
Seu irmão Adolphe Monod (1802-56) converteu-se através do
contato com o conhecido teólogo leigo escocês, Thomas Erskine.
Aderiu aos princípios evangélicos, incluindo a absoluta insistência
na inspiração e autoridade bíblicas. Adolphe, que não juntou-se à
Igreja Evangélica Livre, foi o principal orador de púlpito da Igreja
Reformada francesa.
O intercâmbio entre o Réveil e o evangelicalismo britânico
foi extraordinário. Os pregadores franceses viajavam para a Grã-
Bretanha e suas obras eram traduzidas e amplamente lidas lá. Ao
mesmo tempo, a Sociedade Bíblica Britânica e estrangeira auxiliou
na fundação da Sociedade Bíblica Protestante em Paris em 1818,
enquanto que em 1822, os protestantes reavivados juntaram-se
num movimento cada vez maior em prol das missões ao fundar a
Sociedade Missionária de Paris.
Outro impacto importante do despertar foi sentido na
Holanda, onde em 1828 o jovem Guillaume Groen Van Prinsterer
(1801-76), fundador do “Partido Anti-Revolucionário”, conheceu
a Cristo através do ministério de Merle d‟Aubigné. Ele foi um
forte crítico daquilo que chamava de “revolucionário”, a saber, a
entronização da Razão, e dizia que esta deveria ser contraposta
pelo evangelho. Argumentava que os indivíduos devem se sujeitar
a Deus pela fé, sem a qual não poderia haver salvação. Além
disso, a soberania de Deus deve ser reconhecida na esfera política
bem como em todos os outros meios. Abraham Kuyper, o político
cristão mais famoso da Holanda, foi protegido de Groen.

O reavivamento na América
Apesar de um reavivamento ter varrido as colônias
americanas durante a década de 1740, depois da Revolução a
membresia das igrejas tornou-se mais baixa do que nunca — cerca
de 5 a 10 por cento da população adulta. Porém, uma
reavivamento surgiu na fronteira no final da década de 1790 e
espalhou-se rapidamente também para as cidades do Leste.
Conhecido como o Segundo Grande Despertamento, esse
movimento espiritual resultou no triunfo evangélico na cultura
religiosa da América — o “Século Protestante”, como
historiadores tem chamado essa era.
Ao contrário do “primeiro” despertar, no qual as
denominações mais antigas assumiram a liderança, neste caso
foram os novos grupos — metodistas, batistas e discípulos de
Cristo — que dominaram e tornaram-se as maiores denominações
protestantes. Esse movimento também foi mais duradouro tendo
em vista que fez com que o país tivesse um caráter mais ou menos
evangélico até o final do século 19. Além disso, as sociedades
voluntárias que sustentavam as missões estrangeiras, a
evangelização e uma série de causas sociais, proliferaram. Nesse
caso, um papel-chave foi desempenhado pelo pregador
congregacionalista Lyman Beecher (1792-1863) que orquestrou
muitas das iniciativas que formaram a “frente evangélica unida”.
Outra característica foi a ênfase arminiana sobre o fato de
que Deus deu a todos a capacidade de chegar-se a Cristo se a
pessoa assim o desejasse. Essa teologia de ação refletia-se tanto
nas organizações voluntárias como nos evangelistas itinerantes
como Francis Asbury (1745-1816) e Charles G. Finney (1792-
1875). Wesley havia enviado Asbury para as colônias em 1771 e
depois da Revolução ele reorganizou a obra metodista lá. Usou
uma ampla rede de “viajantes” para alcançar pessoas na fronteira
com o evangelho e seus próprios esforços foram prodigiosos.
(Diz-se que ele viajou 450 mil quilômetros, a maior parte à
cavalo.) Em 1771 ele era um entre cinco obreiros; quarenta e cinco
anos mais tarde, já haviam dois mil ministros e mais de duzentos
mil metodistas na América.
Finney foi o mais conhecido evangelista das massas na
América. Coordenou reuniões cuidadosamente controladas nas
maiores cidades do país, bem como na fronteira. Também ligou a
religião evangélica à reforma social, especialmente a abolição e a
educação para mulheres, enquanto que, ao mesmo tempo,
formalizou os laços entre a teologia conservadora e a riqueza
industrial que mais tarde viria a caracterizar tão profundamente o
protestantismo americano; Finney foi presidente do Oberlin
College em Ohio de 1851 a 1866. Oberlin foi uma das primeiras
faculdades a aceitar mulheres e negros. Através dos escritos de
Finney sobre o governo moral de Deus e a vontade humana ele
também tornou-se um importante teólogo.
Igrejas trazidas da Europa ofereciam um santuário espiritual
para os imigrantes enquanto os afro-americanos organizavam suas
próprias igrejas, que ministravam ao povo que sofria a degradação
do racismo e da escravidão. A população católica romana estava
crescendo e algumas ordens missionárias usaram técnicas do
reavivamento para propagar sua igreja. Alexis de Tocqueville, que
visitou os Estados Unidos em 1831 e viu essas grandes
demonstrações de fervor religioso comentou que “não há nenhum
país no mundo onde a religião cristã tenha maior influência sobre
a alma dos homens do que a América”.4

As novas ideologias da era democrática tiveram um profundo


impacto sobre as igrejas, tanto protestantes quanto católicas.
Alguns reagiram voltando para o passado enquanto outros
receberam as tendências intelectuais da época sem criticá-las. A
religião evangélica fez importantes avanços na Europa e América
do Norte à medida em que os movimentos de reavivamento
enchiam de energia muitas das igrejas e o ministério do evangelho
era transmitido com vigor. Mas problemas ligados à Revolução
Industrial e à emergência de idéias ainda mais perigosas
começavam a surgir no horizonte. O Cristianismo do final do
século 19 enfrentaria desafios ainda maiores.

Capítulo 19 - A Igreja numa era industrial


O acontecimento mais importante da história moderna não
ocorreu na esfera política, mas sim na econômica. A Revolução
Industrial modificou profundamente a experiência humana.
Alterou a forma como homens e mulheres trabalhavam,
transformou a estrutura da sociedade e perturbou o equilíbrio
internacional de poder entre o mundo ocidental e o não-ocidental.
Isso possibilitou a fase de expansão mais dinâmica do Ocidente,
uma processo que havia começado com as Cruzadas e continuado
com a criação de impérios coloniais ultramarinos. Por causa da
industrialização, quase nenhuma parte do globo deixou de ser
afetada pelo poder econômico e político do Ocidente. Tendo em
vista que uma grande porção da Igreja havia se tornado parte
integrante da cultura ocidental, ela também foi profundamente
afetada por esse processo.

A Revolução Industrial
Apesar dos estudiosos discutirem assuntos como a
cronologia e a duração da Revolução Industrial, todos eles
concordam que a substituição de ferramentas manuais por
máquinas motorizadas na produção do trabalho no mundo foi uma
das transformações mais fundamentais da história humana.

A industrialização britânica
Quem tomou a frente nesse processo foi a Inglaterra, lugar
onde algum tempo antes havia ocorrido uma revolução agrícola.
Lá, as classes que possuíam terras controlaram o Parlamento e
obtiveram uma legislação que anexava as terras comuns e campos
abertos, colocando dessa forma a maior parte das propriedades
agrícolas nas mãos desses abastados senhores de terras. Com
extensões maiores, ele podiam usar técnicas de cultivo mais
eficientes para melhorar a produtividade da terra e portanto
aumentar também o suprimento de comida para o país. Ao mesmo
tempo, isso forçou um grande número de pequenos fazendeiros
(camponeses) a encontrar outras fontes de trabalho, o que
significava que toda a força de trabalho móvel passou a receber
em forma de salários. O capital gerado pelo setor agrícola também
podia ser canalizado para outros empreendimentos, especialmente
a manufatura.
A Inglaterra também possuía uma infra-estrutura política e
econômica que tornou possível a industrialização. O governo
estável permitiu que a economia funcionasse com liberdade. Como
não havia guerras em solo inglês desde a década de 1640, nem
lutas civis e nem exércitos invasores constituíam uma ameaça à
paz e prosperidade. O país tinha uma classe empreendedora
moderna e experiente e as vantagens de um banco central e de
instituições de crédito bem desenvolvidas. A Inglaterra possuía o
maior mercado interno da Europa e a maior parte dos lugares era
de fácil acesso pela água, quer fosse por rios, navegação costeira
ou canais. Através do desenvolvimento de sua marinha mercante e
do império colonial, a Inglaterra encontrava-se numa posição
favorável para colocar no mercado seu principal produto
manufaturado, o tecido de lã, e com o desenvolvimento do
maquinário, ele podia concorrer também com os tecidos de
algodão da Ásia.
Os avanços tecnológicos que criaram a Revolução Industrial
ocorreram em primeiro lugar na indústria têxtil do algodão. Uma
série de invenções entre 1765 e 1800 permitiu um aumento na
produção do algodão e na fiação e tecelagem. O uso de turbinas de
água e motores a vapor para operar essas máquinas exigia que
houvesse fábricas, portanto os trabalhadores têxteis passaram a
trabalhar nesses lugares e não mais em casa e em suas lojas. Essas
mudanças estimularam as indústrias de carvão e ferro e, logo,
estradas de ferro e navios a vapor foram construídos para
transportar a matéria prima para as fábricas e o produto pronto
para os mercados. Em 1850 a Inglaterra havia se tornado a oficina
do mundo, responsável por dois terços das produção mundial de
carvão e metade de seu ferro e tecido de algodão. Londres era o
centro financeiro do globo e, de lá, o capital era exportado para
outras partes a fim de criar novos empreendimentos.
A industrialização espalhou-se então para a Bélgica e França
nas décadas de 1820 e 1830 e para os Estados Unidos e Alemanha
logo em seguida. Depois de 1860 o crescimento espetacular desses
dois últimos países começou a ultrapassar a Inglaterra, e no final
do século 19, novos centros industriais estavam se desenvolvendo
na Itália, Áustria, Suécia, Rússia e até mesmo no Japão. Os
capitalistas de outras partes do mundo tomavam emprestados os
métodos desenvolvidos pela Inglaterra e usavam seu dinheiro e
capital, mas voltavam-se para seu próprio Estado em busca de
ajuda para promover o crescimento industrial.
1865 1891
Fundação do Exército da Salvação Leão XIII, Rerum Novarum
1780 1813 1848 1883 1911
Robert Haikes começa Elizabeth Fry Missão Fundada a Liga da Igreja
o movimento da inicia as visitas às interior na Sociedade Socialista
Escola Dominical prisões Alemanha Fabiana
1700 1800 1900 1950
1750 1833-34 1853
Início da Revolução Abolição da Escravidão Florence Nightingale funda a
Industial na Inglaterra no Império Britânico enfermagem científica
1833 1848
Lei da Fábrica Publicação do Manifesto Comunista

O impacto da industrialização
As conseqüências sociais desses acontecimentos foram o
maior desafio enfrentado pelas igrejas do século 19. O rápido
crescimento populacional que acompanhou a industrialização (a
Grã-Bretanha cresceu de dez para trinta milhões de pessoas entre
1750 e 1850) acabaram com o sistema de paróquias e incentivaram
o desenvolvimento de ministérios itinerantes como os dos
metodistas. As paróquias rurais foram empobrecidas pelas divisões
de terras enquanto as igrejas das cidades não tinham como lidar
com o fluxo de cada vez mais pessoas. Nas novas cidades
industriais, ao que parece, as igrejas dissidentes exerciam um
ministério mais eficaz junto às novas massas do que a Igreja
oficial.
Relacionado ao aumento da população, houve um
crescimento das favelas. Cidades inteiras pareciam surgir do nada
e o crescimento descontrolado colocava um peso excessivo sobre
os serviços urbanos — esgotos, coleta de lixo, abastecimento de
água, saúde pública, segurança e moradia. Aparentemente, não
havia regulamentos para construir. As edificações eram colocados
nos menores espaços possíveis e ficavam lotadas de gente. Muitas
vezes, famílias inteiras moravam em um só cômodo e em alguns
lugares a vida familiar desintegrou-se ao mesmo tempo que
inúmeras crianças começaram a encher as ruas. A fumaça pesada e
a fuligem do início da era do carvão escureciam o céu e causavam
doenças respiratórias. O fedor da sujeira e excrementos no chão
era inacreditável. Tendo em vista que normalmente não havia
transporte público disponível, as pessoas tinham que ir à pé para
as fábricas e lojas.
As condições dos trabalhadores nas fábricas era, na melhor
das hipóteses, incerta, e os primeiros anos da Revolução Industrial
foram os piores, como nos mostram os estudiosos da atualidade.
Até 1820, os preços dos alimentos subiram mais rapidamente do
que os salários, mas em 1840 os salários também começaram a
subir consideravelmente. Além disso, muitas famílias trabalhavam
juntas nas fábricas e minas de carvão, o que ajudava a manter a
coesão. Por outro lado, as horas semanais de trabalho eram
excessivas e a disciplina das fábricas constituia uma experiência
nova para quem estava acostumado a trabalhar em casa ou em
pequenas oficinas. Como muitas crianças eram empregadas,
tinham pouco acesso à educação. Muitas vezes, seu crescimento
era afetado pelo trabalho pesado em máquinas e várias sofriam
acidentes debilitantes.
Quanto aos donos das fábricas, estes engordavam cada vez
mais a classe média. Alguns já eram de famílias de comerciantes
bem estabelecidos mas, no início, muitos vinham de origens mais
humildes, apesar dessa situação ter mudado na metade do século
19. Havia boas possibilidades para artesãos competentes e que
tivessem iniciativa. Além disso, pessoas de grupos religiosos ou
étnicos que antes haviam sofrido discriminação em ocupações
controladas pela aristocracia, passaram a ter novas oportunidades.
Quakers e escoceses tiveram papéis importantes no
desenvolvimento industrial britânico, enquanto que os protestantes
e judeus dominaram o setor bancário na França.
Os novos industriais, de um modo geral, tinham um estilo de
vida modesto e investiam grande parte de sua renda de volta no
próprio negócio a fim de manter-se à frente da concorrência. Eles
consideravam os “pobres” como sendo preguiçosos e pensavam
estar lhes fazendo um favor quando lhes davam emprego e
exigiam que trabalhassem diligente e produtivamente. Os
empresários não queriam inspetores do governo vigiando seu
trabalho para ver se estavam tratando corretamente os empregados.
Eles insistiam que se fossem deixados em paz para dirigir seus
empreendimentos como bem entendessem, então o país iria
prosperar.
O impacto da Revolução Industrial sobre a família foi muito
importante. Para a classe média, a instituição do lar e a família
imediata substituíram a família que incluía parentes mais distantes
como da sociedade pré-industrial. A antiga indiferença para com
as crianças foi substituída por amor e preocupação em relação a
elas. Enquanto o marido trabalhava, a mulher ficava em casa para
administrar o lar e cuidar dos filhos. As famílias de classes
trabalhadoras passaram a sofrer muito mais tensão por causa das
longas horas de expediente, baixos salários, condições de trabalho
insalubres, moradia inadequada e falta de segurança social caso o
provedor da família ficasse desempregado, se acidentasse ou
morresse.
Juntamente com isso, desenvolveu-se uma divisão no
trabalho de acordo com o sexo, tendo em vista que só as mulheres
que não eram casadas ou as que eram casadas mas de família
pobre é que trabalhavam fora do lar. Boas oportunidades de
trabalho eram praticamente inexistentes e elas viam-se relegadas a
serviços domésticos, tarefas que não exigiam aptidão específica,
ou prostituição. A esposa não possuía identidade legal, não podia
ter propriedades em seu nome e sempre saía perdendo em acordos
de divórcio. Até mesmos seu salário podia pertencer ao marido.

Trabalho humanitário evangélico


Tendo em vista que a industrialização foi o maior desafio
encarado pela Igreja do século 19, os problemas sociais resultantes
dela não podiam ser ignorados. As reações variavam desde uma
aceitação e justificação das condições existentes como sendo a
vontade de Deus, até a ajuda direta às vítimas da ordem industrial
e envolvimento político a fim de trazer melhoras para essas
condições. A solução mais radical era substituir o Capitalismo de
laissez-faire por um sistema econômico totalmente diferente. Mas
dentre as opções, a mais atraente para os evangélicos era a
“filantropia” ou trabalho voluntário de caridade.
Vários fatores tornavam essa opção interessante. Era uma
forma de obedecer à ordem de Jesus para dar de vestir a quem
estivesse nu e de comer a quem estivesse faminto. Seria o passo
preliminar à conversão; os pobres precisavam ser erguidos das
profundezas da miséria antes de poderem responder ao chamado
para vir a Cristo. Outros dedicavam-se a realizar boas obras
simplesmente porque eram profundamente tocados pelo
sofrimento humano. Assim, a reação dos evangélicos aos males
sociais foi de caráter emocional e não ideológico. Para eles, o
pecado era a raiz da miséria humana e a fé cristã, o remédio. O
pecado era aquilo que impedia a propagação do evangelho e não
permitia uma vida de retidão. Em decorrência disso, as tentativas
de reforma tinham a tendência de ser de caráter negativo, isto é,
mais “anti” ou “contrárias” a algo do que voltadas para alcançar
algum objetivo alternativo ou uma nova política.
Os cristãos sentiam-se responsáveis por ajudar aqueles que
estavam sofrendo e por urgir aqueles que tinham riquezas ou
influência política a fazer o mesmo. Para eles, a evangelização e
trabalho missionário andavam lado a lado com as iniciativas
assistenciais e filantropia. Conforme foi mencionado
anteriormente (capítulo 17), os críticos consideravam essa atitude
como sendo “paternalista” e insistiam que os evangélicos não
queriam apenas atender às necessidades físicas dos pobres, mas
também “convertê-los” e fazer deles pessoas melhores. Mas
aqueles que trabalhavam em obras filantrópicas estavam
interessados nos pobres como indivíduos, cada um com uma alma
imortal que precisava de redenção e não apenas como vítimas
impessoais de um determinado sistema sócio-econômico. A maior
parte dos cristãos não acreditava que a pobreza podia ser
eliminada através da reconstrução da ordem social e econômica ou
que os pobres deveriam se organizar e buscar ativamente as
mudanças. Porém, essas atitudes foram alterando-se gradualmente
no decorrer do século.
Os cristãos reavivados acrescentavam o elemento do zelo à
tradição anglicana de preocupação com os pobres. Assim,
estratégias para realizar boas obras multiplicaram-se no final do
século 18. Alguns exemplos disso eram os orfanatos, Sociedades
de Amigos dos Estranhos que ofereciam assistência aos pobres,
iniciativas em favor de presidiários e do ensino básico. Um
inovador no trabalho para reforma das prisões foi John Howards
(1726-90), um evangélico muito sério que, como xerife de
Bedfordshire, ficou à par das terríveis condições que os detentos
das cadeias do condado tinham que suportar. Pôs-se, então, a
inspecionar prisões em outras partes da Grã-Bretanha e por toda a
Europa e encontrou o mesmo padrão de maus tratos — falta de
higiene, proliferação de doenças, alimentação e vestuário
inadequados. Seu famoso livro The State of the Prisons [O Estado
das Prisões], publicado em 1777, descrevia a desumanidade do
sistema penal e pedia reformas.
Apesar de Howard não ter procurado garantir soluções legais
ou colocar em prática um programa de supervisão das cadeias,
Elizabeth Gurney Fry (1780-1845), ministra evangélica da
Sociedade de Amigos, mostrou-se mais eficiente. Em 1813 ela
começou a visitar mulheres encarceradas na famosa prisão de
Newgale em Londres, onde lia a Bíblia e orava com as detentas.
Então, passou a fazer campanhas em favor de melhores condições
e em 1818 testemunhou sobre o assunto diante de uma comissão
parlamentar. Chegou até a influenciar seu cunhado T. Fowel
Buxton para que publicasse, no ano seguinte, um livro com duras
críticas às prisões e os esforços deles ajudaram a trazer reformas
penais na década de 1820 (Buxton é lembrado principalmente por
dar um final de sucesso à campanha de Wilberforce pela abolição
da escravatura no império britânico em 1833). Em 1853, a
mobilização evangélica também acabou com o transporte de
presos para as colônias penais.
O movimento de Escola Dominical foi um passo importante
no ensino público e, sua pioneira, Hannah Ball, discípula de
Wesley, abriu a primeira escola desse tipo na cidade de High
Wycombe em 1769. As escolas dominicais foram criadas para
ensinar às crianças os rudimentos da leitura, escrita e religião no
único dia da semana em que tinham folga do trabalho. A
divulgação das escolas dominicais foi realizada pelo dono de um
jornal em Gloucester, Robert Raikes (1735-1811), que abriu sua
primeira escola em 1780. A idéia fez tanto sucesso que, no final da
década, duzentos mil alunos da Grã-Bretanha já haviam se
matriculado. O movimento espalhou-se para o continente e
América do Norte e uma Associação de Escolas Dominicais
formou-se na Grã-Bretanha em 1803 e na América em 1824. À
medida em que as instituições educacionais, como as Ragged
Schools [Escolas para Crianças Pobres] proliferaram, as escolas
dominicais começaram a concentrar-se exclusivamente no ensino
religioso.
O grupo Clapham (ver capítulo 17) foi um exemplo
excepcional de iniciativas sociais coordenadas e seu trabalho
refletia o papel chave desempenhado pelas sociedades voluntárias
nas atividades filantrópicas evangélicas. A começar pela fundação
da Sociedade da Benfeitoria por Wilberforce e outros em Clapham
em 1796, as organizações de caridade começaram a surgir num
ritmo de seis por ano. Na metade do século já havia quinhentas
dessas instituições, sendo que pelo menos três quartos delas eram
de caráter e controle evangélico. Em 1853 o governo criou os
Comissários de Caridade para supervisionar suas iniciativas.
Um ponto de divergência entre os evangélicos era a questão
da reforma em fábricas. A maioria não se interessava por
sindicatos profissionais, apesar de alguns dos primeiros líderes dos
trabalhadores terem sido metodistas. Os membros de Clapham, por
outro lado, apoiavam firmemente o fim do trabalho infantil e
resistiam aos liberais do laissez-faire, obtendo as primeiras e
modestas legislações tratando dessas questões. Alguns tinham
cada vez mais dúvidas sobre o sistema das fábricas e começaram a
canalizar as energias — que antes haviam se voltado para a
abolição da escravatura — no sentido dessa nova causa. Os
evangélicos Michael Oastler e George Bull montaram em
Yorkshire uma campanha no estilo de Wilberforce para impor
limitações rígidas ao trabalho infantil em indústrias têxteis e seu
aliado no Parlamento, Michael Sadler, propôs uma lei de reforma
em 1832. Seu comitê de investigação descobriu abusos chocantes
e o interesse público numa lei sobre as fábricas cresceu até
alcançar um clímax exaltado, mas uma derrota eleitoral tirou
Sadler de cena.
Quem tomou seu lugar foi Anthony Ashley Cooper, o Sétimo
Conde de Shaftesbury (1801-85) que viria a ser o maior
reformador social cristão da Grã-Bretanha. De linhagem
aristocrática, ele havia se convertido na juventude, tinha sido
eleito para o Parlamento como um Tory em 1826 e adquirido
experiência no auxílio a pessoas com doenças mentais. Quando
George Bull pediu a Lord Ashley para liderar a luta, ele respondeu
depois de um dia de oração e meditação da Bíblia: “Creio que é
meu dever para com Deus e para com os pobres e Ele há de me
sustentar... Pareceu-me ser uma questão menos de política e mais
de religião”.1 Apesar da hostilidade dos manufatureiros, Ashley
continuou pressionando para passar a Lei das Fábricas de 1833,
que restringia o trabalho infantil nas fábricas e oferecia inspetores
para garantir que essa lei fosse cumprida.
Os esforços incansáveis de Shaftesbury em favor dos pobres
e oprimidos constituíram um dos maiores épicos da história cristã.
Durante quase seis décadas ele foi responsável pela legislação que
promovia a saúde pública, restringia o trabalho feminino e infantil
em fábricas e minas de carvão e proibia o uso de meninos para
limpar as lareiras no alto de telhados. Como líder da União das
Escolas para Crianças Pobres, ele promoveu a educação para a
população de baixa renda e envolveu-se numa dúzia de
organizações para melhorar a qualidade de vida dos jovens bem
como dos idosos. Ao mesmo tempo, também foi oficial em várias
sociedades evangelísticas e missionárias. Mas, sobretudo, ele
determinou a doutrina da intervenção benevolente do Estado na
organização de indústrias e comércio para proteger os interesses
dos trabalhadores.
No final do século 19, o número e variedade de organizações
de serviço social cristãs havia se tornado enorme. Duas dessas
organizações merecem comentário. Uma era o Exército da
Salvação, fundado em 1865 como “Missão Cristã” por William
Booth (1829-1912) e sua esposa Catherine (1829-90). Ambos
eram pregadores talentosos que foram forçados a sair da Igreja
metodista em 1861 e tornaram-se evangelistas autônomos. Foram
morar no extremo leste de Londres, uma área de intensa pobreza e
começaram a trabalhar onde pregavam o evangelho e uma forte
mensagem de santidade e, ao mesmo tempo, tratavam dos males
sociais. Seu programa incluía a alimentação dos famintos, abrigo
para os que não tinham casa, agência de empregos para os que
estavam sem trabalho e albergues para mulheres e ex-prisioneiros.
A missão foi assumindo cada vez mais uma estrutura militar e em
1878 recebeu o novo nome de Exército da Salvação. Booth
tornou-se o general, os evangelistas e obreiros receberam patentes
e formaram-se bandas marciais. Os uniformes padronizados foram
adotados em 1890, o mesmo ano em que começaram sua primeira
iniciativa ultramar e corporações (grupos locais) surgiram por toda
a Grã-Bretanha, continente europeu, Índia e América do Norte.
Em 1890 Booth escreveu In Darkest England - and the Way Out
[Na Mais Escura Inglaterra - e o Caminho para Fora], um best-
seller que apresentava os fatos da pobreza e o que precisava ser
feito sobre ela. Apesar do Exército da Salvação ser um grupo
extremamente centralizado, foi a única organização da época que
conseguiu trabalhar, de fato, entre as massas e comunicar-se com
elas.
Um outro importante ministério social foi o de Thomas John
Barnardo (1845-1905), que pertencia a uma assembléia dos Irmãos
de Plymouth e planejava ir para a China como missionário médico.
Porém, um dia em 1870 ele encontrou uma criança abandonada
que o inspirou a fundar um abrigo para meninos desamparados.
Um organizador talentoso, ele abriu diversos orfanatos na Grã-
Bretanha e chegou até a mandar jovens para o Canadá onde havia
mais oportunidades de emprego. Alguns dizem que os “meninos
de Barnardo” constituíam 1 por cento da população de língua
inglesa do Canadá no início do século 20.
Na Alemanha, os crescentes problemas sociais da
industrialização também chamaram a atenção dos cristãos. Uma
figura importante no Despertar, Theodor Fliender (1800-64)
juntamente com sua esposa Friederike (1800-42), fundou o
movimento de “diaconisas”, que abriu para as mulheres o campo
do trabalho filantrópico na Igreja protestante. Pastor da igreja de
uma vila perto de Düsseldorf, ela havia trabalhado num ministério
com presidiárias. Ao reconhecer o papel da mulher na Igreja
apostólica e seus ministérios junto aos pobres na Holanda, ele e
Friederike fundaram em 1836 o Instituto de Diaconisas a fim de
treinar mulheres para serem enfermeiras em hospitais. O lugar era
chamado de “casa matriz” e as residentes aprendiam diversas
habilidades que poderiam ser usadas no trabalho da igreja e nas
obras de caridade.
A idéia pegou tão rapidamente e logo outras casas matrizes
foram fundadas. Nesses lugares, mulheres não casadas viviam em
comunidades e faziam votos de obediência, fidelidade e devoção
ao seu chamado, mas esses compromissos não eram tão severos
quanto aqueles de uma ordem católica romana. O movimento de
diaconisas permitiu que mulheres cristãs se dedicassem ao alívio
da pobreza, doença e outros males. Também deu a elas a
oportunidade de ser ativas na vida pública da igreja e de aplicar
sua fé a questões práticas das necessidades humanas.
O impacto do movimento das diaconisas no campo da
enfermagem foi bastante significativo. Elizabeth Fry visitou o
Instituto das Diaconisas em 1840 e fundou o seu próprio Instituto
de Enfermagem no ano seguinte e Florence Nightingale (1820-
1910) esteve lá em 1849 e outra vez em 1851, quando passou três
meses trabalhando com as diaconisas. Neta de um membro de
Clapham, ela possuía uma profunda fé pessoal e o próprio
Shaftesbury a incentivou a dedicar-se à enfermagem. Sua
reorganização dos hospitais militares da Inglaterra durante a
Guerra da Criméia (1854-56) marcou o início da enfermagem
científica moderna. A ênfase dada pelos alemães às funcionárias
treinadas e à devoção ao dever modelou todo o desenvolvimento
dessa profissão.
O ministério social mais importante do século 18 na
Alemanha foi o de Johann Hinrich Wichern (1808-81). Depois de
Francke, ninguém mais havia mostrado a capacidade de organizar
questões práticas religiosos como ele. Wichern ligou a visão cristã
de caridade com uma iniciativa de reconstruir as bases morais do
país. Assim como os reformadores ingleses, ele teve uma visão da
vinda do reino de Deus no qual as pessoas experimentariam o
triunfo do bem sobre o mal. Isso seria auxiliado pela propagação
da devoção e moral cristãs e a fé religiosa iria prosperar quando se
melhorasse a qualidade de vida daqueles que estavam sofrendo.
Pelo fato do objetivo de Wichern ser uma reconstrução do
caráter humano e não uma reforma das estruturas sociais, sua
abordagem era individualista. Mas ao incluir a vida pública da
pessoa e a preocupação pelos fatores morais do problema social,
ele modificou a estrutura do individualismo. Tendo em vista que
rejeitava a igualdade social e que ligou o seu programa de reforma
à monarquia cristã conservadora da Prússia, Wincher poderia ser
considerado um “reformador Tory” como eram seus equivalentes
ingleses.
Nascido em Hamburgo, ele foi profundamente afetado pelo
Despertar quando era um estudante em Berlim. Ao voltar para sua
cidade natal a fim de servir em uma paróquia, ele tomou
consciência do abismo social entre a classe média e as classes
trabalhadoras. Notou a privação moral e econômica da classe
operária. Em 1833 um patrono deu-lhe um prédio para ser usado
como uma escola de treinamento de jovens pobres, lugar que ficou
conhecido como Rauhe Haus [Lugar Difícil]. Esse humilde
empreendimento desenvolveu-se rapidamente e tornou-se uma
importante operação de serviço social, uma iniciativa que seria a
de maior influência na Alemanha protestante, simplesmente
porque ele teve uma visão diferente do trabalho cristão. Enquanto
Fliedner havia se concentrado nas necessidades locais com sua
rede cada vez maior de institutos e hospitais, Wichern tinha
esperança de poder fortalecer a religião entre todas as classes de
pessoas e a partir disso reconstruir o Cristianismo.
Graças ao apoio que recebeu do rei da Prússia na década de
1840, ele transformou seu ministério social de sucesso na “Missão
Interior”, um termo que veio a ser usado para todo o programa de
obras de caridade dentro das igrejas luteranas. Para ele essa era a
tarefa missionária da Igreja dentro do mundo, isto é, conquistar os
outros elementos não-cristãos ou anti-cristãos. Ele considerava
essas forças como um impedimento para a construção do reino de
Cristo dentro da família, Igreja, sociedade e Estado. Em
decorrência disso, a Missão Interior foi a mais importante reação
dos protestantes alemães à ordem industrial. Ela não apenas
cultivou uma consciência entre um público que, de outro modo,
seria indiferente, como também trabalhou a nível nacional,
contribuindo para uma percepção cada vez maior da necessidade
de unificação da Alemanha e também da Igreja.
Entre os mais queridos ativistas sociais cristãos, um homem
conhecido por sua fé simples e profunda compaixão foi Friedrich
von Bodelschwingh (1831-1910). Um próspero fazendeiro da
Westphalia que decidiu estudar para o ministério, ele foi
profundamente influenciado pelo Despertar. Sua primeira
incumbência foi uma congregação de alemães em Paris, onde ele
trabalhou durante seis anos. Grande parte de seus párocos eram
operários de fábricas e empregados domésticos e através dessa
experiência ele adquiriu uma visão mais abrangente daqueles que
estavam “de fora” da sociedade moderna. Ao voltar para sua terra
natal, a Westphalia, em 1864, para pastorear uma igreja numa área
industrial em expansão, ele continuou a confrontar o problema da
nova era econômica. Não conseguia decidir se a “questão social”
surgia de um fracasso moral ou institucional e chegou até a
comentar que a classe trabalhadora estava num moinho, presa
entre duas pedras, “o álcool e o capital”.
Bodelschwingh havia passado cinco anos ensinando a Bíblia
para jovens. Depois de enfrentar a tragédia de perder quatro dos
seus próprios filhos por causa de uma doença num período de duas
semanas, ele renovou seu compromisso com os sofredores e
necessitados. Em 1872, aceitou o chamado para supervisionar um
pequeno lar para meninos “epilépticos” em Bielefeld. Esses jovens
deficientes mentais epitomizavam suas visão escatológica de que
não se construía o reino de Deus, mas era preciso se preparar para
a volta de Cristo. Vivendo à margem da sociedade, o futuro desses
meninos estava exclusivamente nas mãos de Deus. Mas a
esperança que Bodelschwingh encontrava no evangelho
significava que até a mais marginalizada de todas as pessoas era
importante aos olhos de Deus.
Dentro de poucos anos, o Instituto Betel, como era chamado,
havia se transformado numa grande entidade com fazendas,
oficinas, escolas, hospitais e igrejas. Bodelschwingh chegou até a
abrir uma escola de teologia na qual os alunos, através do estudo
diligente das Escrituras, iriam adquirir uma base firme para sua fé
e colocar suas crenças em prática dentro dessa comunidade
assistencial. Em 1914, mais de 3.925 pessoas moravam em Betel e
em suas várias instalações-satélite. Ela tornou-se uma das maiores
instituições cristãs de assistência social do mundo protestante.
O ímpeto humanitário também alcançou o Cristianismo
americano. Ao concentrar-se na transformação moral do caráter, o
reavivamento da década de 1840 havia gerado uma série de
iniciativas. A história mais conhecida é a do movimento para
abolição da escravatura, uma importante tentativa de reforma dos
evangélicos do norte, mas não para aqueles do sul. Os males
sociais urbanos também eram o alvo de atenção e o trabalho da
evangelista e co-fundadora metodista do movimento de santidade,
Phoebe Palmer (1807-74), é especialmente digo de menção.
Depois de envolver-se em vários ministérios junto aos
necessitados em Nova York, em 1850 Phoebe fundou a Missão
dos Cinco Pontos, um projeto para abrigar famílias pobres e
oferecer-lhes educação e trabalho. Esse trabalho serviu de
protótipo para o trabalho institucional cristão nas favelas das
cidades industriais.
As iniciativas filantrópicas multiplicaram-se nos Estados
Unidos como havia ocorrido na Grã-Bretanha e Alemanha, mas só
alguns exemplos poderão ser citados. Em 1880, o primeiro
contingente de obreiros do Exército da Salvação chegou a Nova
York e logo, seu trabalho já estava crescendo. Em 1896,
Ballington e Maud Booth deixaram o Exército pois não estavam
contentes com sua administração autocrática. O novo grupo
chamava-se Voluntários da América, mas mantinha a organização
quase militar e a ênfase em ministérios urbanos. Em 1872 Jerry
McAuley, um imigrante irlandês que havia se convertido enquanto
estava na prisão, fundou a Missão de Water Street em Nova York.
Essa foi a primeira “missão de resgate” dos Estados Unidos e a
inspiração para centenas como ela em anos subseqüentes. Na
década de 1890, os evangélicos criaram tanto a “Porta da
Esperança” como os Lares Florence Crittenton para oferecer
abrigo e cuidado para mulheres sem casa e mães solteiras.
Estes e outros empreendimentos semelhantes refletiram a
ênfase no reavivamento e na santidade e aqueles que lideravam
esses trabalhos viviam nas cidades. Em resumo, o ensinamento
bíblico de amor como a prática do auxílio aos necessitados foi o
que caracterizou a reação filantrópica ao industrialismo.

Socialismo
Uma reação completamente diferente aos problemas da era
industrial foi a do Socialismo. Os simpatizantes desse movimento
iam além da simples reforma e defendiam a criação de uma ordem
social totalmente nova. Apesar de haver muitas variedades de
Socialismo, um denominador comum era o pedido por alguma
forma de propriedade coletiva dos bens produtivos ou “meios de
produção” — terras, máquinas, fábricas, sistemas de transporte e
bancos. Além disso, ao contrário dos liberais, os socialistas
rejeitavam o Capitalismo de laissez-faire e a competição de
mercado livre, considerando-os causadores de desperdício. Em seu
lugar, preferiam algum tipo de arranjo comunitário ou cooperativo
em que as pessoas teriam propriedades em comum e
compartilhariam dos lucros da produção. Enfatizavam uma
distribuição mais justa de renda entre os membros funcionais da
sociedade, ao invés do simples aumento da produção.
Os primeiros socialistas eram chamados de “utópicos” pois
suas idéias baseavam-se em conceitos extremamente idealistas da
natureza humana. Por exemplo, aqueles que seguiam Robert Owen
achavam que o governo próprio de uma comunidade daria um fim
às desigualdades da vida. Os discípulos do Conde Saint Simon
argumentavam que o Estado deveria possuir os meios de produção
mas sob uma hierarquia de elites talentosas que recompensariam a
todos de acordo com o trabalho realizado. Charles Fourir
visualizava uma sociedade formada por unidades cooperativas de
mil e seiscentas pessoas nas quais todos fariam o trabalho que
estava mais de acordo com suas aptidões e todos compartilhariam
dos rendimentos dessa comunidade. Louis Blanc defendia a
formação de “oficinas sociais” financiadas pelo governo e que
teriam melhor desempenho do que os empreendimentos privados
pois os trabalhadores participariam de sua administração e dos
lucros.
Para Karl Marx (1818-83), o mais importante de todos os
pensadores socialistas, esses eram planos de sonhadores nada
pragmáticos. Marx e seu colega Friedrich Engels (1820-95)
insistiam que ao invés de criar sociedades ideais, deveria buscar-se
a destruição do sistema capitalista. Das suas cinzas surgiria uma
nova ordem baseada no tratamento justo dos trabalhadores.
Filho de pais judeus que haviam se convertido ao
Luteranismo, o jovem Marx rejeitava todas as religiões. Depois de
estudar filosofia em Berlim, foi para o jornalismo porque suas
idéias radicais impediam que ele conseguisse um cargo de
professor universitário. Porém, as autoridades prussianas fecharam
seu jornal e o forçaram ao exílio. Em 1844 ele começou um
relacionamento vitalício com Engels, um conterrâneo alemão que
havia se mudado para a Inglaterra a fim de administrar uma fábrica
têxtil que seu pai possuía lá e publicou um relato chocante do
tratamento recebido pelos trabalhadores do início da Revolução
Industrial. No começou de 1848, os dois homens escreveram um
plano de ação político chamado O Manifesto Comunista, para um
grupo radical quase desconhecido, a Liga Comunista.
Quando a revolução eclodiu na Alemanha, dois meses
depois, eles voltaram para casa, começaram um jornal e tentaram
sem sucesso direcionar os acontecimentos para um rumo social.
Quando a revolta entrou em colapso em 1849 os dois voltaram
para a Inglaterra. Engels continuou sua carreira de negócios e
ajudou a sustentar Marx, que passou os trinta anos seguintes
enterrado na biblioteca do Museu Britânico desenvolvendo os
detalhes de sua teoria. O primeiro volume de Das Kapital [O
Capital] saiu em 1867 e, depois da morte de Marx, seus discípulos
compilaram mais dois volumes usando suas anotações. Ele
também escreveu vários livros menores e muitas cartas a outros
socialistas numa tentativa de criar um movimento internacional
das classes trabalhadoras.
Para desenvolver seu próprio sistema, que explicava por que
os trabalhadores viviam na pobreza e por que ocorriam as
revoluções e depressões, Marx lançou mão extensivamente de
pensadores mais antigos. Rejeitando o idealismo de socialistas
anteriores e considerando-os “utópicos”, ele declarou que suas
idéias eram “científicas”, ou seja, baseadas nas “leis” que
governavam a sociedade e garantiu que os trabalhadores ainda
triunfariam. Dentre essas leis, a mais básica era a “visão
materialista da História” ou “materialismo histórico”. Para isso ele
fez uso de dois pensadores, Feuerbach e Hegel. O filósofo Ludwig
Feuerbach (1804-72) escreveu na obra A Essência do Cristianismo
(1841) que a matéria ou natureza (o material) era a fonte de todas
as idéias, o inverso daquilo que Hegel havia ensinado. Além disso,
Deus era uma projeção do homem, o desejo exaltado do coração
das pessoas, a amplificação de idéias sobre nós mesmos. Assim, a
Teologia era Antropologia, o conhecimento a humanidade. Marx
foi ainda mais longe argumentando que a realidade final não se
encontrava na natureza em si, mas nas estruturas da vida
econômica. Aqueles que controlam os meios de produção (a
“classe dominante”) constróem a sociedade de modo que eles
próprios sejam beneficiados. Determinam seus relacionamentos
sociais, órgãos políticos, leis, valores morais e crenças religiosas.
Isso inevitavelmente levava à exploração de outros.
Porém, um sistema econômico se expande naturalmente e
sofre mudanças nas técnicas de produção. Isso leva à ascensão de
uma nova classe que está profundamente envolvida na produção e
mais cedo ou mais tarde desafia a antiga classe dominante. Assim,
o fato básico da História é a “luta de classes”. Para explicar esse
fato, Max lançou mão da dialética de Hegel. A antiga classe
dominante é a tese e a emergente é a antítese. De sua colisão (luta)
surge um novo sistema que contém as melhores características de
ambas as classes. Esse processo de evolução histórica continuará
até que todas as classes tenham se “libertado” e o resultado final
será o “comunismo” ou “sociedade sem classes”. Na sua época, a
luta era entre a “burguesia”, a classe dominante do Capitalismo e o
“proletariado”, os trabalhadores assalariados que não possuíam
nenhum bem a não ser suas mãos e suas costas.
A maior parte do esforço literário de Marx tinha como
objetivo mostrar os males da sociedade burguesa e preparar o
caminho para a revolução do proletariado. Ele argumentava que o
poder capitalista baseia-se no lucro (“valor excedente”), as rendas
que deveriam ter ido para os trabalhadores que haviam feito os
bens e, portanto, o Capitalismo é um “roubo organizado”. Além
disso, o número de capitalistas irá diminuir pois o poder
econômico está se concentrando nas mãos de cada vez menos
pessoas e as classes trabalhadores estão aumentando. O acúmulo
de tensões e contradições dentro do Capitalismo juntamente com a
crescente miséria dos trabalhadoras finalmente levará a um
colapso de todo o sistema. Então, os trabalhadores irão tomar o
poder e instalar uma “ditadura revolucionária do proletariado”
para realizar as transições rumo à sociedade sem classes. Nesse
ponto, o próprio Marx tornou-se utópico, tendo em vista que ele
acreditava que no Comunismo a propriedade particular deixaria de
existir, o Estado (o “comitê executivo da classe dominante”)
acabaria tornando-se desnecessário e todos viveriam num estado
de liberdade autêntica, onde cada pessoa contribuiria de acordo
com sua habilidade e seria recompensada de acordo com sua
necessidade.
Apesar de Marx ter ajudado na formação da (Primeira)
Associação Internacional de Trabalhadores em 1864 e tê-la usado
como forma de espalhar suas idéias, a maior parte da organização
socialista foi feita por outros. O primeiro partido marxista alemão
foi formado em 1869 e depois de juntar-se com um outro grupo
socialista em 1875, o Partido Social Democrata da Alemanha
cresceu rapidamente. No começo do século 20, estava recebendo
mais votos que qualquer facção nas eleições parlamentares.
Partidos marxistas também se formaram em outros países
industrializados, sendo os maiores na Bélgica e França. Muitos
dos recém-criados sindicatos profissionais também eram
orientados pelo pensamento marxista. À medida em que os
partidos e sindicatos foram ganhando força, desenvolveram-se
diferentes estratégias. Os “ortodoxos” argumentavam que os
socialistas devem trabalhar no sentido de uma deposição
revolucionária dos regimes “burgueses”, enquanto os
“revisionistas” afirmavam que, tendo em vista que os
trabalhadores possuíam sindicatos e partido político, podia
conseguir uma transferência de poder através de meios pacíficos.
Uma importante influência na produção dessa segunda
abordagem foi o “gradualismo” defendido por um grupo de
críticos do Capitalismo pertencentes à classe média na Grã-
Bretanha e conhecidos como Sociedade Fabiana. Formada em
1883, seus membros (incluindo H.G. Wells e George Bernard
Shaw) viam o Socialismo como o equivalente social e econômico
da democracia, bem como seus resultados. O conflito de classes
não era inevitável e medidas graduais e conciliatórias acabariam
trazendo uma ordem socialista. Os marxistas desprezavam esse
pensamento taxando-o de “oportunismo”. Os marxistas mais
extremistas voltaram-se para o sindicalismo, um movimento de
anarquia que pedia a deposição violenta dos governos para que em
seu lugar fossem colocados sindicatos de trabalhadores com
autoridade suprema.
As relações entre as igrejas e os movimentos socialistas
eram, no mínimo, tensas. Marx era um “humanista pós-cristão” no
sentido de que proclamava a independência humana de Deus e da
religião. Para ele a religião era “o ópio do povo”, uma ferramenta
que a classe dominante usava para manter sua supremacia. Os
partidos socialistas eram indiferentes em relação às igrejas e a
freqüência da classe trabalhadora nos cultos caiu acentuadamente.
A alienação das massas trabalhadoras das igrejas oficiais da
Europa já estava a pleno vapor no final do século. Ao mesmo
tempo, a hostilidade das igrejas que em sua maioria eram
burguesas tornava ainda mais difícil uma reconciliação com as
classes trabalhadoras.

Socialismo cristão
Os humanitários evangélicos procuravam ajudar as vítimas
da ordem industrial enquanto os socialistas seculares encaravam o
sistema em si como sendo a principal fonte dos problemas sociais.
Porém, os “socialistas cristãos” tentavam reconciliar as
abordagens divergentes. Eles defendiam uma adaptação ou
remodelagem do sistema em si a fim de haver uma medida maior
de justiça social. A maioria deles propunha uma alternativa cristã
para a ordem econômica existente e alguns até trabalhavam com
partidos socialistas ou de trabalhadores na tentativa de realizar
mudanças.
Apesar de divergirem em questões de doutrina e ação, os
socialistas cristãos concordavam que a abordagem liberal clássica
à vida econômica era gravemente deficiente. É certo que suas
idéias eram tiradas de correntes reformistas contemporâneas
enquanto os socialistas mantinham-se céticos em relação à sua
ênfase sobre os fatores espirituais e o trabalho voluntário ao invés
da solução coletivista para os males da sociedade. Os socialistas
cristãos acreditavam que o reino de Cristo abrangia toda a raça
humana e, portanto, a humanidade poderia ser melhorada e
libertada das condições precárias de vida (como, por exemplo, as
práticas econômicas competitivas) produzidas pelo pecado. Essa
não era a intenção de Deus para suas criaturas.
Desde que as primeiras variedades de Socialismo ainda
estavam surgindo na França, assim também apareram as primeiras
expressões de Socialismo cristão. O sacerdote e escritor católico
Félicité de Lamennais (1782-54) identificava a pobreza como
sendo conseqüência do pecado humano. Ele pedia uma nova
ordem baseada na abolição dos privilégios do monopólio,
tornando o crédito disponível para todos e dando aos trabalhadores
o direito de formar cooperativas de produção (“associações”) mas
não era a favor da abolição da propriedade privada por si só. Em
seu jornal de curta duração L’Avenir [O Futuro], Lamennais
chegou a defender a separação entre Igreja e Estado e a
regeneração da Igreja Católica. Mas em 1832 o papa condenou
suas idéias e ele pediu demissão da Igreja e acabou até mesmo
abandonando sua fé.
Phillippe Buchez (1796-1865) era um escritor que rejeitava
veementemente o Catolicismo e ainda assim aceitava o
Cristianismo e pode até ter experimentado uma conversão. Era o
principal defensor das cooperativas independentes e voluntárias.
Via o “direito de trabalhar” que seria possibilitado pela
associação, como o cumprimento das implicações políticas e
sociais dos ensinamentos de Cristo. Algumas outras figuras
francesas defenderam formas vagas de Socialismo cristão, mas a
liderança eclesiástica reacionária também resistiu a elas.
Na Inglaterra, porém, a idéia atraiu grande número de
seguidores. Fundador de um movimento socialista cristão de estilo
próprio, John M. F. Ludlow (1821-1911) era um advogado que
havia sido educado na França e aprendido lá sobre o Socialismo.
Durante inquietações Chartistas de 1848 (um movimento
moderado que, através de abaixo-assinados e manifestações em
massa pedia uma reforma democrática do Parlamento) ele
persuadiu o teólogo anglicano liberal Frederick D. Maurice (1805-
72) e o escritor Charles Kingsley (1819-75) de que os cristãos
deviam estar preocupados com o sofrimento e as injustiças em
relação aos trabalhadores. Como disse Ludlow, “o novo
Socialismo deve ser cristianizado”. Durante os seis anos seguintes
eles publicaram panfletos, abriram uma “Faculdade para
Trabalhadores” em Londres e formaram oficinas cooperativas para
artesãos. Em 1855 o movimento havia se apagado devido à falta
de interesse tanto da Igreja como dos líderes da classe
trabalhadora e a distração causada pela Guerra da Criméia. Porém,
sua influência a longo prazo pode ser vista no movimento dos
sindicatos, na legislação para cooperativas e nas iniciativas de
educação da classe trabalhadora.
O Socialismo cristão foi reavivado com a fundação da
Guilda de São Mateus na Igreja oficial em 1877 pelo Reverendo
Stewart D. Headlam (1847-1924), que também era membro da
Sociedade Fabiana. A associação era fortemente favorável ao
trabalhador e desprezava as cooperativas, argumentando que, ao
invés delas, eram as leis que deveriam proteger os operários.
Headlam declarou que Jesus era o “Emancipador social e político,
o maior de todos os trabalhadores seculares, o fundador da grande
sociedade socialista para a promoção da retidão, o provedor de
uma revolução”.2 Porém seus principais rivais, o Sindicato Social
Cristão (1889) e a Liga Socialista da Igreja (1906) atraíam mais
membros e ofereciam soluções mais radicais para os males da
sociedade. Eles estudavam as condições de trabalho em fábricas e
expunham as firmas que apresentavam resultados negativos.
A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa foram um
golpe severo para esses grupos e os de “guildas socialistas”,
alguns dos quais eram associados à Igreja anglicana. (O
Socialismo de guilda era uma forma de reviver o antigo sistema
medieval de produção tendo como base as guildas de artesanato
em pequena escala.) Por causa de seu caráter de classe média, as
sociedades nunca alcançaram as massas urbanas que estavam cada
vez mais alienadas das igrejas. Ainda assim, o Protestantismo
pendia favoravelmente para o Socialismo. Um bom exemplo foi o
trabalhado do Arcebispo William Temple, cujo livro Christianity
and Social Order [Cristianismo e Ordem Social] (1942) ainda é
altamente respeitado.
Uma ilustração exemplar do envolvimento no Socialismo
“partidário” é o caso de J. Keir Hardie (1856-1915). Influenciado
pelos valores espirituais e éticos da tradição do Presbiterianismo
da Aliança proveniente de sua região de origem na Escócia, ele
possuía um comprometimento profundo com a justiça social. Isso
foi fortalecido por sua conversão numa reunião de Moody-Sankey
e por sua afiliação ao Sindicato Evangélico, um grupo
congregacionalista escocês. Mais tarde, ele disse que seu
Socialismo vinha do Sermão da Montanha, afirmando que “a única
forma que você pode servir a Deus é servindo a humanidade”. Ele
começou como mineiro de carvão, tornou-se um agente do
sindicato e então entrou para a política. Eleito para o Parlamento
em 1892, no ano seguinte ele ajudou a formar o Partido
Trabalhista Independente. Apesar de não usar o nome “socialista”,
sua proposta continha uma declaração que apoiava a propriedade
coletiva dos meios de produção. O nome foi logo mudado para
Partido Trabalhista e, em 1906 ganhou trinta cadeiras, sendo que
nessa ocasião Hardie trabalhou durante dois anos como presidente
do partido.
Na Alemanha, as igrejas viam a ordem industrial como um
enorme desafio. Em função disso, promoveram a observância do
Dia do Senhor, formaram comissões municipais para ministrar aos
trabalhadores e os recém-chegados do campo além de manterem
missões para os viajantes nas estações ferroviárias. Dedicaram-se
a muitas outras iniciativas através da Missão Interior, a principal
reação protestante à industrialização. Viam, porém, o Partido
Social Democrata como uma ameaça ainda maior. Durante a
década de 1880, o governo alemão tentou combater o Marxismo
com uma tentativa fútil de proibir o partido e oferecer assistência
médica, seguro de invalidez e aposentadoria para os trabalhadores.
Assim, os socialistas passaram a considerar a Igreja e o Estado
como seus inimigos.
A princípio, a posição dos Sociais Democratas em relação ao
Cristianismo era hostil. Alguns argumentavam em favor do
ateísmo ou chamavam o Socialismo de nova religião das massas,
enquanto outros insistiam que a religião era uma questão
puramente “particular”. Não tardou para que o partido moderasse
essas atitude como forma de ganhar mais seguidores. Apesar da
resposta de muitos líderes eclesiásticos ser puramente negativa,
um clérigo luterano, Adolf Stoecker (1835-1909) concebeu uma
forma de Socialismo cristão como alternativa ao Marxismo.
Através do pastorado em uma nova cidade industrial,
envolvimento com a Missão da Cidade de Berlim e serviço como
pregador da corte da Prússia, Stoecker esteve em contato próximo
com os problemas da era industrial. Ele concluiu que o reino de
Deus podia criar uma ponte sobre o abismo entre a antiga
sociedade conservadora e nova sociedade radical. A ênfase da
Igreja na liberdade, irmandade e igualdade perante Deus podia
reconciliar as diferenças de classe na terra e permitir que ricos e
pobres vivessem em paz uns com os outros.
Em 1878 Stoecker fundou o Partido dos Trabalhadores
Cristãos Socialistas para concorrer com os Sociais Democratas. O
partido pedia uma série de reformas para a classe trabalhadora e
incentivava sua lealdade a Igreja, monarquia e pátria. Como não
conseguiu repercussão entre os eleitores da classe trabalhadora,
voltou-se para a classe média baixa. Nesse meio ele descobriu o
poderoso apêlo político do anti-semitismo. Através desse artifício
Stoecker tornou-se uma figura nacional , chegando a ganhar a
eleição para o parlamento, mas isso o desacreditou como socialista
e acabou levando à sua dispensa do cargo de pregador da corte em
1890. Apesar de ter se dedicado a outras formas de ação social
mais para o final de sua vida, a maioria só se lembra dele como
precursor do nazismo por causa de suas atividades e discursos
anti-semitas.
Christoph Bulmhardt (1842-1919) um evangélico sério, filho
de J.C. Blumhardt (ver capítulo 18), era muito diferente. Ele
entrou para o ministério junto com seu pai em 1869 e endossou a
idéia dele de que Jesus é vitorioso e seu reino de luz irá conquistar
o reino de trevas do mundo. Porém, argumentava que a Igreja
institucional não estava servindo de testemunho do reino de Deus
tendo em vista que interessava-se apenas em detalhes da doutrina
e, portanto, os proletários e socialistas eram os aqueles que, na
verdade, tinham uma esperança escatológica. Blumhardt tornou-se
o primeiro pastor luterano a entrar para o Partido Social
Democrata e em 1899 uma assembléia local o expulsou de seu
cargo ao púlpito por apoiar publicamente os movimentos de
protesto dos trabalhadores. Em 1900 ele foi eleito para o
legislativo estadual de Württemberg como Social Democrata,
cargo que manteve até 1906. Então, desiludido com o Partido
Social Democrata, ele deixou a política ao perceber que o partido
estava menos preocupado com a luta pela justiça do que com a
possibilidade de um acordo confortável que pudesse fazer com o
mundo injusto. Ainda assim, a ênfase na soberania e revelação de
Deus continuaram presentes em suas pregações que influenciaram
muitos teólogos do século 20, incluindo Karl Barth, Emil Brunner
e Dietrich Bonhoeffer.
Sua influência também ficou evidente no trabalho dos
“Socialistas Religiosos”, uma sociedade fundada em 1906 por
Hermann Kutter (1863-1931) e Leonhard Ragaz (1868-1945) na
Suíça. O grupo identificava o Socialismo com a mão do Deus vivo
e insistia que a questão social seria resolvida no cerne do
Cristianismo. Ragaz chegou até a juntar-se ao Partido Social
Democrata Suíço, como também o fez Karl Barth. Uma forte
ênfase do movimento era o pacifismo, que seria um elemento
chave para o Socialismo cristão alemão desde então. Porém, em
1919 Barth sugeriu que o Socialismo religioso era um forma de
idolatria política quando afirmava que o serviço do homem,
quando realizado a partir do mais puro amor, tornava-se o serviço
de Deus e, por isso, Barth deixou o movimento. Graças a Paul
Tillich e outros, o Socialismo religioso cresceu na Europa de
língua alemã, apesar de nunca ter ficado muito claro qual era o
significado do termo para aqueles que faziam uso dele. Mostrou-se
um fenômeno duradouro e a Associação de Socialistas Religiosos,
formada em 1926, existe até hoje.
Nos Estados Unidos, a hostilidade ao Socialismo prevaleceu
tanto nos meios protestantes quanto católicos, mas várias pessoas
influentes chegaram a pertencer à Fraternidade Socialista Cristã
(1906) ou à Liga Socialista da Igreja (1911). Estes eram muito
diferentes dos grupos britânicos, tendo em vista que seus membros
se identificavam com o Partido Socialista da América, estavam
familiarizados com a teoria socialista e buscavam trazer mais
cristãos para sua iniciativa política. Essas pessoas, muitas das
quais (mas de forma alguma todas elas) era liberais, identificaram
a vinda do reino de Deus com o Estado socialista. Seu sucesso em
alcançar a Igreja de um modo geral foi mínimo e o movimento
entrou rapidamente em declínio durante a Primeira Guerra
Mundial. Porém, um resultado duradouro foi que um ministro
presbiteriano, Norman Thomas (1884-1968) acabaria liderando o
Partido Socialista. Além disso, o trabalho desses socialistas
cristãos contribuiu para a propagação de uma reação mais
singularmente americana à industrialização — o Evangelho Social.

O Evangelho Social
O movimento nacional desenvolveu-se dentro do
Protestantismo americano surgindo na década de 1880, tendo seu
ponto alto por volta de 1910-15 e entrando em declínio nos anos
20. Seus simpatizantes, que incluíam pastores, educadores,
jornalistas e líderes de agências de serviço social, lutavam com a
crise do industrialismo e urbanização e buscavam nas Escrituras e
na teologia cristã as soluções para esses problemas. Por causa do
uso impreciso do termo “evangelho social” tanto por aqueles que
apoiavam como por aqueles que criticavam o movimento, ele foi
usado de várias maneiras significando desde um envolvimento
significativo dos cristãos até a moralidade das boas obras que
esvaziava a mensagem do evangelho de todo o seu conteúdo
espiritual. O liberal Shailer Mathews chamava o movimento de
“aplicação dos ensinamentos de Jesus e da mensagem da salvação
cristã como um todo à vida econômica, instituições sociais ... bem
como aos indivíduos”.3 Por outro lado, o oponente W. B. Riley
afirmava que os pregadores do Evangelho Social “repudiavam o
sangue derramado enquanto imploravam para que o homem
servisse o homem, para um refinamento da educação, menos casas
alugadas e flores no jardim”.4
O Evangelho Social era, antes de mais nada, um fenômeno
urbano e de classe média e refletia a crença dos protestantes na
bondade essencial da América e os esforços de se cristianizar a
nação. Seu enfoque era dirigido às cidades pobres e dava-se pouca
atenção à situação dos fazendeiros ou dos afro-americanos.
Devido à ênfase em pregações contra os bares e vícios
semelhantes na reforma da imigração, alguns estudiosos afirmam
que o movimento na verdade tinha suas raízes nos valores das
cidades pequenas. Além disso, o Evangelho Social se apoiava
fortemente nos meios públicos e políticos para promover o bem-
estar da sociedade e, em certos aspectos, era o braço espiritual do
movimento Progressivo pró-reforma na política americana. Por
fim, o avanço das preocupação sociais até o ponto de ocuparam o
centro do palco no Protestantismo americano foi a conseqüência
direta do ativismo evangélico.
Conforme foi mencionado anteriormente, os evangélicos
com seus fortes impulsos morais que complementavam seu zelo
pelas almas, estavam na vanguarda da ação social urbana. Por
exemplo, logo depois do reavivamento de Dwight L. Moody em
Boston em 1877, o batista A. J. Gordon abriu um Lar Industrial
Temporário para oferecer comida, alojamento e empregos àqueles
para quem ele pregava. A. B. Simpson formou a Aliança Cristã e
Missionária na década de 1880 a fim de levar o evangelho aos
pobres dos centros urbanos. Sob a liderança do empresário Louis
Klopsch, a Revista Christian Herald [Arauto Cristão] era, na
virada do século, a principal patrocinadora em todo o país das
iniciativas sociais urbanas. O trabalho do Exército da Salvação nas
favelas americanas cresceu rapidamente. Porém, os evangélicos
seguiram um rumo diferente do Evangelho Social no que diz
respeito à ênfase na ação pragmática. Para os evangélicos, as
crenças teológicas e a afirmação da fé eram absolutamente
essenciais e a indiferença de muitos dos ativistas do Evangelho
Social parecia enfraquecer a relevância da mensagem da salvação
eterna.
O principal pregador do Evangelho Social foi o ministro
congregacionalista Washington Gladden (1836-1916). Em seu
famoso discurso “É Paz ou É Guerra?” (1886) ele defendeu o
direito dos trabalhadores de se organizar. Em várias palestras e
escritos ele pediu medidas de reforma práticas como a
regulamentação nas fábricas, impostos sobre heranças e quebra
dos monopólios. Um conhecido divulgador do Evangelho Social
foi o clérigo Charles M. Sheldon (1857-1946) que escreveu In His
Steps, or What Would Jesus Do? [Em seus passos, o que faria
Jesus? (1896). Ele retratava a regeneração social de uma
comunidade cujos líderes haviam seguido em suas vidas o modelo
de Cristo e, diz-se que a obra vendeu vinte e três milhões de
cópias. Josiah Strong (1847-1916), cuja obra Our Country [Nosso
país] (1885) talvez tenha sido o chamado mais poderoso à reforma
urbana, declarou que a conquista do oeste já havia sido alcançada
e que a nova fronteira era, então, a cidade. Ele passou seus últimos
trinta anos em Nova York trabalhando a fim de colocar em prática
os princípios do Cristianismo social nos problemas urbanos.
O principal teólogo do Evangelho Social foi Walter
Rauschenbusch (1861-1918), um batista teuto-americano que em
1887 tornou-se pastor de uma congregação de imigrantes numa
favela de Nova York e onze anos mais tarde, professor do
Seminário de Rochester. Ao adquirir conhecimento de primeira
mão sobre a exploração e sofrimento e a indiferença daqueles nas
posições de poder em relação à situação, tornou-se um crítico da
ordem estabelecida. Procurou nas Escrituras uma alternativa que
pudesse harmonizar seu profundo comprometimento à regeneração
pessoal com uma percepção igualmente firme da necessidade de
ação social. Em obras como Christianity and the Social Gospel
[Cristianismo e o Evangelho Social] (1907) e A Theology of the
Social Gospel [Uma Teologia do Evangelho Social] (1917), ele
enfatizou a centralidade do pecado na produção de crises sociais e
a construção do reino de Deus como resposta a elas.
A reação católica
Os católicos ficaram para trás em sua reação ao
industrialismo por causa do conservadorismo do papa, mas na
Alemanha houve esforços para confrontar o problema. No final da
década de 1840, Adolf Kolping (1813-65), um sacerdote em
Colônia, formou associações de artífices para incentivar os valores
religiosos e morais e imunizar os trabalhadores especializados
contra os apêlos sócio-revolucionários. (A organização, que
recebeu o seu nome, ainda existe e possui programas educaconais
clubes e albergues.) Vinte anos mais tarde, clérigos de Rhineland
lançaram um movimento “Social Cristão” para contratacar a
agitação Social Democrata. O principal expoente foi Wilhelm von
Kettler, arcebispo de Mainz (1811-77), que tinha um diálogo com
líderes socialistas e ligou o movimento ao Partido Central Alemão
Católico.
Uma mudança importante no rumo da política papal de
oposição absoluta às questões da classe trabalhadora ocorreu em
1891 com a encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Em sua
essência, era um documento conservador que condenava a idéia
marxista de sociedade sem classes e afirmava a propriedade
privada e o contrato salarial entre empregados e patrões mas
criticava o Capitalismo por sua ganância desmedida de competição
e a concentração de poder políticos nas mãos de uns poucos
poderosos. O papa também pedia aos patrões que pagassem
salários justos e que permitissem uma intervenção moderada do
Estado em favor dos fracos e pobres. Sugeria que os católicos
formassem seus próprios sindicatos, apesar de que estes deveriam
existir com o propósito de buscar a perfeição moral e religiosa e
não o exercício da política. Leão XIII certamente não foi o “papa
vermelho” como diziam alguns críticos do Rerum Novarum, e o
pensamento social católico continuou a ser mais conservador do
que o dos protestantes. Porém, incentivou alguns, especialmente
na América, a buscar relações mais estreitas com organizações
trabalhistas e a reforma social.

A Revolução Industrial transformou o papel do Cristianismo


na cultura ocidental. Seu caráter de classe média juntamente com a
hostilidade marxista contribuíram para aumentar o abismo entre as
igrejas e as classes operárias. Ainda assim, inúmeros cristãos,
muitos dos quais nem tiveram seus esforços reconhecidos,
procuraram criar uma ponte sobre esse abismo e alcançar aqueles
mais necessitados de ajuda física e espiritual e a mesmo
preocupação para com os outros foi vista nas iniciativas
missionárias internacionais. Uma onda de crescimento evangélico
ocorreu no final do século 19, mas o céu estava escurecendo com
nuvens de ideologias ainda mais ameaçadoras.

Capítulo 20 - A expansão mundial da Igreja


Apesar do trabalho missionário ter sido sempre um elemento
importante da história do Cristianismo, normalmente era a
preocupação apenas da minoria. A maior parte dos europeus
cristãos estava envolvida em suas existência quotidiana e não
pensava muito em outras partes do mundo que nunca haviam
ouvido o evangelho. Alguns teólogos chegavam a considerar as
missões como algo desnecessário, argumentando que Deus, a seu
próprio modo, possibilitaria que os predestinados à salvação
encontrassem a Cristo e que a “Grande Comissão” (Mt 28.18-20)
era dirigida apenas aos apóstolos. Ao mesmo tempo, a maioria dos
navegadores, comerciantes e colonizadores europeus via os povos
da Ásia, África e América como sendo inferiores ou até mesmo
subumanos e achavam que a evangelização no meio deles iria
interferir na busca por riqueza e poder. Porém, o reavivamento
evangélico e a Revolução Industrial colocaram o relacionamento
dos cristãos ocidentais com o resto do mundo em um outro
patamar.

O imperialismo europeu e as missões


O século 19 foi a grande era do imperialismo europeu. Ele
tornou possível que a Revolução Industrial atuasse a nível global e
que Europa exercesse hegemonia econômica — e em grande
medida também política — sobre o mundo. Antes dessa época, os
europeus controlavam as vias marítimas, mas o poder em terra era
relativamente limitado às regiões costeiras da Ásia, África e das
Américas. Nações poderosas como os Songhais e os Asantes na
África, o império Mogul na Índia, os Manchus (Ch‟ing) na China
e os Tokugauas no Japão eram equivalentes à altura do Ocidente.
Porém, a Revolução Industrial alterou o equilíbrio global do
poder. Ela deu aos ocidentais a tecnologia — navios à vapor,
estradas de ferro, equipamento agrícola e armas — necessária para
estabelecer seu controle sobre outros e até mesmo colonizar terras
que pertenciam a eles. Além disso, com a introdução da educação
em larga escala, da alfabetização geral e da formação de governos
relativamente democráticos, os líderes políticos podiam contar
com o apoio popular para suas iniciativas ultramarinas.
Até mesmo a Espanha, Portugal e a Holanda acabaram
ficando em segundo plano como gigantes imperiais, enquanto a
Inglaterra e a França tomaram a dianteira. Apesar dos ingleses
terem perdido a Revolução Americana, tinham firme controle do
poder sobre o Canadá, o Caribe e especialmente a Índia, que era a
jóia de seu reino ultramarino. O explorador do Pacífico Sul,
Capitão James Cook, havia mostrado a extensão das ilhas e suas
descobertas abriram caminho para a ocupação inicial da Austrália
em 1788 e da Nova Zelândia alguns anos depois. Em 1800 a
Inglaterra apossou-se das primeiras terras na Malásia e em 1819
Sir Stamford Raffles fundou a colônia de Cingapura que tornou-se
um centro de influência britânica no leste da Ásia.
Depois do fim do comércio de escravos em 1807 e do
subseqüente declínio na produção de açúcar das Índias Ocidentais,
o interesse comercial do país voltou-se cada vez mais para a Ásia.
Os britânicos foram aos poucos estendendo seu poder por todo
subcontinente indiano e, depois da Grande Rebelião em 1857, o
Parlamento dissolveu a Companhia das Índias Orientais e assumiu
o controle direto da região. Em 1878 a rainha Vitória foi
proclamada imperatriz da Índia, simbolizando sua importância
para a estrutura imperial britânica como centro de uma rede de
atividades comerciais que se estendia da China até a África. A
Grã-Bretanha também teve um papel chave no processo de forçar
a abertura da China para o comércio ocidental nas famosas
Guerras do Ópio e apoiou uma ação semelhante realizada pelos
Estados Unidos no Japão.
A defesa do “caminho” para a Índia era um fator crucial na
política imperial britânica. Foi o caso, por exemplo, da África do
Sul que eles haviam tomado dos holandeses em 1795 e de novo
em 1806 e que passou a ter importância estratégica. As tensões
com a população Boer1 de fala holandesa ou “Africânder” foi
crescendo mesmo depois de terem fugido do Cabo em 1830 para
escapar da dominação britânica. Mas no início do século 20 suas
repúblicas foram incorporadas à força à nova União da África do
Sul. Com a conclusão do Canal de Suez em 1869, o Egito também
adquiriu significado especial, o que resultou na imposição de um
protetorado sobre essa região em 1882. Ao mesmo tempo, os
empreendimentos comerciais britânicos cresciam nas regiões leste
e oeste da África.
Um fator importante na política britânica para a África
ocidental foi o movimento anti-escravagista. Alguns evangélicos
fundaram Serra Leoa em 1787 como um abrigo para escravos
libertos e membros do Grupo de Clapham eestavam envolvidos no
movimento. Em seguida à aprovação da lei que abolia a
escravidão uma esquadra naval britânica operava a partir de
Freetown, sua capital, para interceptar navios negreiros, e os
africanos resgatados eram ali assentados. Porque muitos deles
eram conquistados para o Cristianismo e recebiam uma modesta
educação, Serra Leoa tornou-se a ponta de lança do avanço
britânico na África ocidental.
1812 1864 1888 1901
Adoniram Judson Samuel Crowther Fundação do Amy Carmichael

1
Pronuncia-se bur e significa "fazendeiro", designação pejorativa que os ingleses adotaram na
África do Sul para os descendentes dos holandeses.
parte para Burma nomeado bispo sa Movimento Voluntário funda a Comunhão
África Ocidental Estudantil Dohnavur
1786 1793 1806 1844 1865 1891 1910
Thomas Coke Willia Reuniã Fundaç Hudson Taylor Mary Slessor Conferência
dirige a primeira m o de ão da funda a Missão nomeada vice- Missionária
missão Carey oração ACM do Interior da chanceler em Mundial em
metodista nas navega Haysta China Calabar Edinburgo
Índias para a ck
Ocidentais Índia
1750 1800 1850 1900 1950
1788 1834 1869 1898 1904-05
Tem início a Emancipação dos Termina o Guerra Hispano- Guerra Russo-
colonização britânica escravos no canal de Suez americana japonesa
na Austrália Império Britânico
1899-1902 1914
Guerra Boer na África do Irrompe a 1ª Guerra
Sul Mundial

Pelo fato da legislação — proibindo o tráfico e até dando a


liberdade em 1834 — não ter posto fim à escravidão, o
abolicionista evangélico T. Fowell Buxton decidiu que a solução
para os problemas africanos estava no desenvolvimento de seus
próprios recursos. Ele organizou uma expedição malfadada ao
Níger em 1841 que buscava realizar contratos anti-escravistas com
chefes africanos, montar fazendas e fundar operações comerciais.
Essa foi a primeira tentativa de se oferecer os famosos “três Cs”
— Cristianismo, comércio e civilização — como uma alternativa
à economia baseada no escravismo. Convencidas de que o
comércio “legítimo” poderia combater a escravidão, algumas
sociedades missionárias no oeste da África formaram comunidades
auto-sustentáveis que produziam bens para serem vendidos na
Europa. Na última metade do século a mesma abordagem foi
usada para atacar o tráfego de escravos no leste da África que se
encontrava nas mãos dos povos árabes e Swahili. O maior
expoente dessa iniciativa foi o conhecido David Livingstone, que
acreditava que um substituto econômico — comércio e agricultura
— poderia diminuir a atração do tráfego de escravos.
Enquanto isso, a França começou a recuperar seus territórios
ultramarinos com a tomada de Algiers em 1830 e da Tunísia em
1881, com a expansão em direção ao interior do oeste da África à
partir de sua base no Senegal na década de 1850, ao anexar ilhas
do Pacífico e do Índico e ao fundar seu primeiro protetorado na
Indochina em 1862. Ao longo do século os russos forçaram
caminho até a Ásia central e tomaram terras da China. Sua invasão
da Índia quase levou à guerra com a Grã-Bretanha, mas as duas
nações antagônicas acabaram resolvendo suas diferenças.
Na década de 1880 começou a “disputa” pela África. As
potências européias subdividiram grandes porções do continente
entre si. A Alemanha entrou na disputa colonial ao tomar posse de
terras no oeste, leste e sudoeste da África. A Bélgica apoderou-se
do Congo (veio depois a se chamar Zaire mas retomou depois a
denominação anterior), que havia sido um empreendimento
pessoal de seu rei. A Itália tomou terras da costa leste e, mais tarde
a Líbia ao norte, mas sua tentativa de conquistar a Etiópia foi
frustrada em 1896. Numa disputa pelo vale do alto Nilo, Grã-
Bretanha e França quase entraram em conflito armado em 1898 e
ocorreram graves tensões entre a Alemanha e a França por causa
desta última ter se apossado de Marrocos. Enquanto isso, ao
construir um império no sul da África, Cecil Rodes não apenas
possibilitou o domínio da região como também desencadeou a
trágica Guerra Boer.
Na Ásia o Japão aboliu o xogunato em 1868 e o novo
imperador supervisionou um extenso programa de reforma política
e econômica. As forças do Japão modernizado derrotaram a China
em 1895, terminando uma disputa pelas concessões territoriais e
econômicas, como a que havia ocorrido na África. Em 1898 os
Estados Unidos derrotaram a Espanha e juntaram-se às potências
imperiais ao tomar as Filipinas. Numa importante guerra em 1905
os japoneses frustraram a expansão russa na Ásia oriental, abriram
caminho para a anexação da Coréia cinco anos depois e mandaram
uma mensagem aos líderes nacionais de toda a Ásia mostrando
que os europeus não eram invencíveis. A era da dominação
ocidental sobre o mundo aproximava-se de seu final.
Foi nesse contexto que ocorreu a iniciativa missionária
protestante. Obreiros entraram nos domínios da Companhia
Britânica das Índias Orientais primeiro como capelães e depois
como missionários. Um barco cheio deles saiu rumo ao Taiti em
1796 e muitos outros seguiram o mesmo caminho em direção às
ilhas do Pacífico. Robert Morrison começou seus trabalhos no
Cantão (China) em 1807 e lá traduziu a Bíblia e lançou os
alicerces para uma enorme expansão da obra cristã depois das
Guerras do Ópio. Os primeiros missionários entraram no recém-
aberto Japão em 1859 e Coréia em 1884. Missionários britânicos e
alemães atuaram na Indonésia e também encontraram obras bem-
sucedidas no oeste, leste e sul da África.
Muitas outras iniciativas são dignas de menção. O batista
George Grenfell liderou uma importante missão na região do
Congo. Havia uma pequena obra no Caribe e trabalhos mais
extensos entre os índios americanos e canadenses, sendo que
destes o mais conhecido é o ministério do Dr. Wilfrid T. Grenfell
no Labrador. Foram feitas tentativas de se alcançar os
muçulmanos no Oriente Próximo e Médio e na região norte da
África. Uma intensificação das iniciativas acompanhou as disputas
pela África e China e na virada do século o número de obreiros e
as somas empregadas em missões haviam atingido novos
patamares. Muitos membros da comunidade missionária tinham
esperança de que o triunfo iminente da civilização ocidental
significava que o reino de Cristo estava próximo. Porém, o que
não perceberam foi a fragilidade da situação do Ocidente.

O Cristianismo e o Imperialismo
Neste ponto, é necessário fazer menção a algumas questões
interpretativas. A declaração marxista de que o Imperialismo era (e
ainda é) um produto do Capitalismo ainda é aceita sem
questionamento em muitos lugares nos dias de hoje, especialmente
nos países em desenvolvimento. Essa “ortodoxia popular” afirma
que todos os tipos de expansão imperialista ocidental era resultado
da busca do Capitalismo pelos lucros no além-mar. Isso incluía
tanto o “capital de exportação” como a dependência nos governos
locais no sentido de proteger seus investimentos dos capitalistas
de países rivais e da resistência das vítimas nativas às suas
políticas econômicas.
Assim, o Imperialismo serve de slogan apelativo para os
líderes de movimentos de libertação, mesmo que, na realidade, a
base histórica para essa idéia seja, no mínimo, fraca. Estudos sobre
o Imperialismo realizados mais recentemente mostram que os
banqueiros ocidentais em busca de lucros dedicavam pouca
atenção às áreas não-ocidentais. Ao invés disso, grande parte de
seus investimentos era colocada em regiões já desenvolvidas e não
em dependências coloniais recém-adquiridas. Fica claro que esse
foi o caso com a Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e
Alemanha. Alguns países, entre eles Rússia, Itália, Japão e
Portugal, que possuíam ou estavam procurando colônias, tinham
pouco capital. Além disso, o capital que era investido em novos
territórios coloniais não tinha um retorno muito mais alto do que
os investimentos domésticos. Assim, seria mais produtivo procurar
a origem do Imperialismo em outros fatores — como a busca pelo
prestígio nacional — do que em conspirações tramadas em virtude
de interesses capitalistas.
Essa questão é muito importante para os historiadores do
Cristianismo, tendo em vista que uma explicação materialista do
Imperialismo como essa descarta qualquer sentimento de
filantropia ou motivação missionária. Significa que quando os
missionários cristãos cooperaram com o Imperialismo, quer isso
fosse prudente ou não, estavam automaticamente promovendo os
planos de exploração do Capitalismo ocidental. Na melhor das
hipóteses, os missionários era ingênuos e, no pior dos casos,
estavam em conluio com os agentes do Imperialismo capitalista.
Além disso, essa interpretação impede qualquer avaliação dos
benefícios que podem ter resultado desse relacionamento
imperialista e, do ponto de vista teológico, não deixa espaço para a
obra da providência divina.
Porém, um problema de maior seriedade para os cristãos é a
relação entre Imperialismo e o conceito de superioridade cultural
do Ocidente. Idéias sociais darwinistas (ver capítulo 21) sobre a
“adequação” dos povos brancos para dominar as raças mais
“fracas” e trazer civilização e existência esclarecida para aqueles
que vivem nas trevas — “as línguas selvagens que não têm por
vós temor” e “raças inferiores sem a lei”, como colocou Rudiard
Kipling em seu hino poético “Recessional” (1987) — entraram em
colisão com a crença cristã da pecaminosidade universal da
humanidade e da igualdade de todos os povos diante de Deus.
Quanto à versão racista do darwinismo social — as nações mais
fortes sempre conquistaram as mais fracas e as raças brancas
dominantes tomaram posse de colônias para provar que eram mais
fortes e viris — esta não é apenas repugnante para o Cristianismo
mas também foi um dos elementos que prepararam o caminho para
a manifestação mais terrível de racismo: o nazismo alemão.
Porém, a fé na civilização moderna era muito mais sedutora
e, na verdade, para muitos havia tornado-se uma espécie de
substituto para a religião, tendo o Imperialismo como credo. Os
franceses falavam de sua “missão sagrada civilizadora”, os
alemães, de espalhar a Kultur, os americanos, das “bênçãos da
proteção anglo-saxônica” e os britânicos do “fardo do homem
branco”. Esta última expressão foi tirada do poema de Kipling de
1899, que urgia os europeus a dedicarem-se ao serviço altruísta em
terras distantes para levar adiante a obra da humanidade. O
problema estava no interesse próprio que era óbvio e na enorme
condescendência que acompanhava essa nobre visão.
Conforme a observação do historiador britânico Brian
Stanley, a maioria dos missionários protestantes do século 19,
especialmente aqueles que vinham da Grã-Bretanha, acreditava
que as missões transformariam o barbarismo incrédulo em
civilização cristã. Essa idéia baseava-se em quatro pressuposições.
A primeira era de que as culturas com as quais estavam entrando
em contato não eram neutras em relação à religião, mas sim
estavam sob o controle de Satanás em todos os seus aspectos,
incluindo a política, economia, moralidade pública e artes. Em
segundo lugar, eles viam sua própria nação como um modelo de
cultura e sociedade cristã; A Bíblia e a Reforma haviam
engrandecido seu país. Em terceiro lugar ficava implícita a fé no
progresso moral humano que havia sido uma contribuição do
Iluminismo ao pensamento cristão. Séculos de influência cristã em
seus países havia contido a pecaminosidade que reinava
livremente em países incrédulos. E, finalmente, o esforço bem-
sucedido de “civilizar” os incrédulos, como foi o caso em Serra
Leoa e algumas ilhas do Pacífico, parecia confirmar a
argumentação de que isso era possível. Foi só no século 20 que as
pessoas começaram a reconhecer que a civilização moldada de
acordo com a sociedade vitoriana pós-Iluminismo não era
necessariamente cristã.1

Sociedades missionários e a renovação da visão


Conforme foi mostrado no capítulo 16, havia uma vitalidade
missionária protestante considerável durante o século 18. Mas a
expansão geográfica da fé durante o século seguinte foi
verdadeiramente extraordinária, tendo em vista o fato de que antes
de 1875 o número de obreiros era relativamente pequeno. Muitos
escritores consideram que o movimento missionário moderno teve
suas origens em 1792, ano em que William Carey (1761-1834) —
que antes era um sapateiro e depois tornou-se pregador batista —
publicou a obra An Enquiry into the Obligations of Christians to
Use Means for the Conversion of the Heathens [Um Inquérito
sobre as Obrigações de Cristãos de Usarem Meios para a
Conversão de Pagãos] e pregou seu sermão numa reunião de
ministros batistas, proferindo as famosas frases “Espere grandes
coisas de Deus; tente realizar grandes coisas para Deus”. Isso
inspirou a fundação da Baptist Missionary Society [Sociedade
Missionária Batista] (BMS). Esses acontecimentos, porém, na
verdade marcaram o ápice de um processo no despertar
evangélico.
Um elemento desse processo era a ênfase na
responsabilidade de se pregar o evangelho para todas as pessoas.
Outra era a linha profética ou milenarista originada de Jonathan
Edwards que acreditava que os últimos dias estavam próximos e a
propagação do evangelho por todo o mundo juntamente com as
orações sinceras da Igreja fariam vir o reino de Cristo. A
influência de Edwards refletiu-se tanto no Chamado à Oração de
1784, lançado por um grupo de batistas e elaborado de acordo com
um apelo semelhante feito por ele quanto no trabalho do teólogo
batista Andrew Fuller (1754-1815), cuja obra Gospel Worthy of
All Acceptation [Evangelho Digno de Toda a Aceitação] (1785)
usou o argumento de Edwards de que a soberania divina operava
na propagação do evangelho através do esforço humano. Também,
o companheiro de Wesley, Thomas Coke (1747-1814) publicou
um plano para uma sociedade missionária em 1738 e levou a
primeira missão metodista às Índias Ocidentais em 1786. Além
disso, na década de 1790, os evangélicos voltados para missões
foram incentivados pela Revolução Francesa, que parecia prestes a
derrotar seu antigo inimigo, a Igreja Católica Romana.
Em 1793, Carey e sua família navegaram para a Índia, para
nunca mais voltar à Inglaterra, nem mesmo para levantar fundos.
Na verdade, eles eram imigrantes ilegais, tendo em vista que a
Companhia das Índias Orientais era hostil em relação a
missionários. Ela temia que a pregação do Cristianismo poderia
causar tumultos e enfraquecer o seu controle já incerto. Porém,
Carey conseguiu trabalho como administrador de uma fazenda de
índigo e passava seu tempo livre pregando e fazendo a tradução da
Bíblia. Em 1799, a BMS enviou mais dois missionários, Joshua
Marshman (1768-1837), um professor e William Ward (1764-
1823), um tipógrafo. Proibidos de entrar em Calcutá, eles se
estabeleceram no território dinamarquês adjacente, Serampore, e
convenceram Carey a juntar-se a eles.
Mais tarde ficaram conhecidos como o “Trio de Serampore”
e formaram uma das parcerias mais admiráveis da história do
Cristianismo. Viveram em comunidade, formaram uma igreja,
montaram uma gráfica, dedicaram-se ao evangelismo itinerante e
traduziram a Bíblia para várias línguas orientais, inclusive para o
bengali, sânscrito e até mesmo para o chinês. Também fundaram
uma faculdade a fim de treinar indianos para propagar o
evangelho. O próprio Carey tornou-se um especialista no mundo
do pensamento hindu e na verdade criou o estilo da prosa bengali
na literatura. Publicou uma gramática de sânscrito com mil
páginas, traduziu obras hindus para o inglês, lecionou a língua
indiana em Fort Williams College, em Calcutá e chegou até a fazer
pesquisas na área de horticultura.
A criação da BMS marcou a entrada dos anglo-saxônicos na
obra missionária de grande escala. Foi também uma sociedade
voluntária de fato ao contrário dos outros dois grupos da Igreja
Católica, o SPG e o SPCK (ver capítulo 16) que eram custeados
pelo Parlamento e tinham apoio do rei. Por certo, a SPCK
sustentou obreiros missionários na Índia, alguns dos quais foram
parte da missão dinamarquesa-alemã e outros foram capelães da
Companhia das Índias Orientais. Em 1795, a London Missionary
Society [Sociedade Missionária de Londres] (LMS) formou-se
como uma sociedade interdenominacional, mas dentro de poucos
anos tornou-se um órgão dos congregacionalistas. Em 1813 os
metodistas consolidaram algumas obras locais, transformando-as
numa sociedade missionária.
Em 1799 os anglicanos evangélicos, que desejavam manter a
identidade de sua Igreja, criaram a Society for Missions to Africa
and the East [Sociedade para Missões à África e ao Oriente], que
em 1812 recebeu o novo nome de Church Missionary Society
[Sociedade Missionária da Igreja] (CMS). Ao contrário dos grupos
não-conformistas, a CMS exigia que seus obreiros fossem
ordenados. Depois que a SPG do alto clero anglicano passou a
dirigir o trabalho da SPCK na Índia na década de 1820, o caráter
da SPG mudou e ela deixou de ser provedora de clérigo colonial e
tornou-se uma sociedade missionária voluntária mais geral. O
entusiasmo dos anglo-católicos refletiu-se na Universities Mission
to Central Africa [Missão das Universidades para a África
Central], formada depois que David Livingstone fez um discurso
famoso em Oxford e Cambridge em 1857, desafiando seus
ouvintes a “levar adiante o trabalho que eu comecei”.
Durante um longo tempo, a Igreja da Escócia ficou dividida
pela dissensão sobre a questão de dedicar-se ou não às missões
estrangeiras e só formou sua própria junta em 1824. Seu obreiro
de maior renome foi Alexander Duff (1806-78) que realizou um
trabalho educacional na Índia. Porém, vários grupos escoceses
locais promoveram missões e alguns escoceses serviram a LMS na
África: por exemplo John Philip e Robert Moffat, bem como o
genro deste último, David Livingstone. Em 1875-76 tanto a Igreja
Livre como a Igreja oficial da Escócia fundaram obras adjacentes
em Niasaland (leste da África) — as Missões Livingstonia e
Blantyre.
Nas colônias da Grã-Bretanha, a Igreja da Inglaterra
procurou ir ao encontro das necessidades espirituais dos primeiros
residentes europeus e mais tarde da população nativa também.
Apesar da Revolução americana ser algo do passado, ainda assim
três bispos foram ordenados lá entre 1784 e 1787 para aquela que
havia se tornado uma Igreja Protestante Episcopal independente.
Porém, ao norte da fronteira, o legalista Charles Inglis (1734-
1816) foi consagrado bispo de Nova Scotia em 1786, o primeiro
bispo colonial na Igreja da Inglaterra. Em 1814, depois que o
Parlamento abriu os territórios da Companhia das Índias Orientais
para as missões, Thomas F. Middleton (1769-1822) tornou-se
bispo de Calcutá e pôs-se a trazer missionários da CMS, muitos
dos quais ainda eram luteranos alemães, sob o controle da Igreja
Oficial. Nas décadas seguintes, foram criadas dioceses em
Bombaim, Madras e outros centros urbanos. Até então, a Austrália
era supervisionada por Calcutá, mas em 1836 William G.
Broughton (1788-1853) foi nomeado bispo da Austrália. Nos anos
seguintes, ele construiu uma extensa estrutura eclesiástica na
região esparsamente povoada. George A. Selwyn (1809-78), que
foi nomeado bispo da Nova Zelândia em 1841, exerceu um
ministério tanto com os colonos britânicos como em comunidades
da população indígena Maori. O primeiro bispo na África do Sul,
Robert Gray (1809-72) da Cidade do Cabo, tomou posse em 1848
e outros bispados foram criados na África à medida em que os
trabalhos missionários progrediam.
Nos Estados Unidos o impulso de se criar sociedades para
missões estrangeiras foi o Segundo Grande Despertamento.
Estudantes tiveram um papel importante nesse processo, sendo o
mais notável Samuel J. Mills (1738-1818) que voltou-se para
Cristo durante um reavivamento em sua cidade natal e decidiu
estudar no Williams College em Massachusetts a fim de preparar-
se para o trabalho missionário. Lá ele encontrou outros com os
quais se identificou e formaram um pequeno grupo chamado
Sociedade dos Irmãos. Uma tarde, em 1806, eles foram pegos por
uma tempestade e buscaram abrigo num palheiro perto da
faculdade. Usaram a ocasião para fazer uma reunião de oração e
assumiram o compromisso de tornarem-se missionários. Mills e os
outros do círculo foram para o Seminário Teológico de Andover
onde continuaram a proclamar sua visão. Lá, encontraram
Adoniram Judson (1788-1850), um jovem que havia se convertido
há pouco tempo e também tinha se consagrado ao serviço
missionário. Ele seria lembrado como o maior missionário
americano do século 19.
Em 1810 os jovens convenceram líderes da Igreja
Congregacional a fundar a ABCFM - American Board of
Comissioners for Foreign Missions [Junta Americana de
Comissários para Missões Estrangeiras]. Dois anos depois essa
junta enviou seus primeiros obreiros para a Índia, incluindo
Judson e sua esposa que eram recém-casados. Durante a viagem,
enquanto estudava o Novo Testamento, ele decidiu que o batismo
de crianças e a aspersão era impróprios e, ao chegar a Calcutá,
pediu a um batista que o imergisse. Um de seus companheiros,
Luther Rice (1738-1836) também optou por essa forma de
batismo. Eles deixaram a sociedade congregacionalista e buscaram
apoio dos batistas americanos, que por sua vez pediram à BMS
inglesa para usar Judson em seu trabalho na Índia. A Sociedade,
por sua vez, recomendou que os americanos formassem sua
própria junta e assim, em 1814 surgiu a Convenção Missionária
Geral da Denominação Batista nos Estados Unidos da América
para Missões Estrangeiras. Proibido pela Companhia de trabalhar
na Índia, Judson foi para a Birmânia, onde teve um longo e
frutífero ministério. Rice voltou para casa e promoveu as missões
e o crescimento denominacional.
Apesar da ABCFM ser mais conhecida por seu trabalho nas
ilhas do Havaí, seu ministério entre os índios americanos,
especialmente os Cherokees da Geórgia (as tribos levadas à força
para o Oklahoma) e os Nez Perce na região noroeste também foi
de grande importância. Tanto a Junta Americana como a sociedade
batista logo transformaram-se em juntas denominacionais, um
padrão organizacional que tornou-se predominante nos Estados
Unidos. Em 1819 os metodistas e em 1835 os episcopais criaram
juntas e quase todas as outras denominações protestantes foram
pelo mesmo caminho nos anos seguintes.
Assim como acontecia na Inglaterra, as sociedades
missionárias do continente europeu foram resultado do
reavivamento evangélico. Em 1797, Johannes T. Vanderkemp
(1747-1811) formou a Sociedade Missionária da Holanda antes de
viajar para trabalhar na África do Sul com a LMS e durante algum
tempo essa sociedade funcionou como uma assistente holandesa
da LMS. Organizações missionárias semelhantes foram formadas
por cristãos reavivados da França, Dinamarca, Suécia e Noruega,
mas as iniciativas mais importantes partiram da Alemanha.
Em 1800 o pastor Johannes Jänicke (1748-1827), que
participou do Erweckung de Berlim, abriu uma escola de
treinamento de missionários em sua igreja, sendo que muitos
daqueles que se formaram mais tarde foram trabalhar sob a
liderança de juntas britânicas. Em 1815 uma escola missionária e
sociedade foi fundada na Basiléia, Suíça. Apesar de ter a maior
parte de seu sustento vindo dos neo-pietistas do sudoeste da
Alemanha, seus laços com os ingleses eram particularmente fortes.
Em 1833 trinta obreiros treinados na Basiléia estavam trabalhando
para a CMS, sendo que esta também subsidiou o ensino de
missionários na Basiléia até 1858. Durante esse período, várias
outras sociedades foram fundadas na Alemanha, incluindo as
missões de Berlim (1816), Barmen ou Reno (1828), Bremen
(1836), Gossner (1836), Leipzig (1816) e Hermannsburg (1849).
O exemplo para essas sociedades vinha dos britânicos e,
assim como na Inglaterra, os líderes muitas vezes também eram
missionários e pessoas da classe média-baixa como funcionários
de escritório e artesãos. Mas na Alemanha era novidade que leigos
— povo comum da igreja — se juntassem sem a coordenação de
nenhuma autoridade superior para fazer aquilo que para eles era a
obra de Deus. Na verdade, a estrutura eclesiástica localizada e
territorial da Alemanha levou a esse tipo de individualismo
religioso. As sociedades, que eram vistas como uma decorrência
natural do espírito missionário na Igreja como um todo, buscava
apoio no país inteiro. Como eram iniciativas altamente
ecumênicas, os confessionalistas luteranos sentiam-se pouco à
vontade para colaborar tanto com os participantes anglicanos
britânicos como também com os reformados alemães. Sendo
assim, suas agência também tinham um caráter mais separatista.
As sociedades e juntas eram necessárias devido à extrema
dificuldade em ser auto-sustentável no campo missionário. Os
freelancers como Charles Rhenius, que se desligou da CMS no sul
da Índia durante a década de 1830 por causa de uma questão de
ordenação, ou o ambiciosos alemão Karl Gutzlaff (1803-51), que
trabalhou sozinho na China durante as décadas de 1830 e 1840,
eram claramente exceções. Porém, o mais notável missionário na
China, J. Hudson Taylor (1832-1905), desenvolveu uma
abordagem diferente à questão do sustento, a saber, a missão de
“fé”. Sua China Inland Mission [Missão do Interior da China]
(CIM - fundada em 1865) não tinha o apoio de nenhuma igreja ou
denominação e seus obreiros não recebiam uma salário fixo, mas
sim confiavam em Deus para suprir suas necessidades. Pedia-se
aos simpatizantes dessas iniciativas que orassem pelos
missionários e pelo dinheiro que era necessário para suas
passagens e sustento, mas não deveria se fazer nenhum pedido
direto por dinheiro. A sociedade, que não queria fazer dívidas,
aceitou fundos de cristãos dedicados de todo o mundo. Taylor
também exigia que seus obreiros se aculturassem o máximo
possível e vivessem nas mesmas condições que os chineses,
chegando até a vestir-se como eles. O objetivo da CIM era de
pregar o evangelho para o maior número possível de pessoas
dentro do menor espaço de tempo e Taylor deixava para outros a
tarefa de organizar os convertidos em igrejas. O modelo de missão
pela fé foi copiado por várias sociedades antes do final do século:
Evangelical Alliance Mission [A Missão da Aliança Evangélica]
(1890), Sudan Interior Mission [Missão do Interior do Sudão]
(1893), African Inland Mission [Missão do Interior da África]
(1895) e Libenzell Mission [Missão Libenzell] (1899).

O princípio nativo
Uma questão importante na teoria de missões foi o
desenvolvimento de uma igreja independente “nativa” ou
indígena. Apesar dessa ter sido claramente uma preocupação no
início do século, a discussão principal ocorreu entre 1840 e 1870 e
os princípios foram enunciados por Henry Venn (1796-1873),
secretário da CMS (1841-72) e Rufus Anderson (1796-1880),
secretário exterior da ABCFM (1832-66). O slogan "auto-
governante, auto-sustentável e auto-propagadora”, resumia seu
posicionamento. Isso significava descentralização do trabalho
missionário e incentivo à iniciativa local. Os fundos para o
ministério deveriam vir de fontes locais e não da Europa. Pastores
nacionais deveriam ser ordenados e receber a responsabilidade de
dirigir suas igrejas, que por sua vez iriam crescer por conta própria
e ganhar pessoas da comunidade. Isso liberaria os missionário das
funções pastorais e administrativas para que pudessem realizar o
trabalho de evangelização.
Uma boa ilustração do potencial e limitações dessa doutrina
foi Samuel Ajayi Crowther, o cristão africano mais conhecido do
século 19. Um Yoruba originário da atual Nigéria, quando era
adolescente foi capturado e vendido como escravo para
comerciantes portugueses em 1822. Porém, uma esquadra naval
britânica parou o navio em que se encontrava, deixando-o em
Serra Leoa. Lá ele encontrou a Cristo, foi batizado por um
missionário da CMS, adotou o novo nome de Samuel Crowther e
recebeu uma educação. Foi professor e evangelista, dedicou-se aos
estudos lingüísticos e acabou fazendo uma excelente tradução
Yoruba da Bíblia. Também foi enviado para Londres a fim de
aprofundar seus estudos e foi ordenado em 1843. Ao voltar,
trabalhou em estreita relação com uma missão da CMS em terras
Yoruba.
Ainda na linha da teoria de Venn, outros africanos foram
ordenados e, por fim, em 1864 Crowther foi consagrado bispo
dessa região. Para Venn, o papel do missionário era temporário e
uma vez que a igreja indígena estivesse estabelecida, os europeus
deviam seguir em frente. Porém, a resistência dos missionários em
países estrangeiros — que viam essa teoria como um idéia pouco
prática de um administrador que não havia saído do país — era
forte demais. Na década de 1880 a visão missionária havia se
espalhado entre as classes mais cultas e a CMS tinha um grande
número de jovens e perspicazes obreiros europeus que desejavam
sair para o campo missionário, ganhar o maior número possível de
convertidos e organizar a igreja a seu modo. Tendo em vista que
não havia interesse numa igreja africana com autonomia de
governo, eles ignoraram Crowther. Em 1891, bastante abatido, ele
faleceu e em seu lugar foi colocado um bispo europeu.
Mas a idéia de igreja nativa não estava morta. Ela foi
retomada pelo missionário presbiteriano americano na China, John
L. Neviu (1829-93), que escreveu a influente obra Planting and
Development of Missionary Churches [Implantação e
Desenvolvimento de Igrejas Missionárias] (1886). Depois de ser
convidado por missionários na Coréia para fazer uma avaliação de
seu campo em 1890, eles adotaram sua abordagem e houve um
crescimento fenomenal em sua igreja presbiteriana. O “método
Nevius” tinha quatro pontos: (1) cada cristão deve ser auto-
sustentável através de seu próprio trabalho e testemunhar de Cristo
através de palavras e atos; (2) os métodos de organização da igreja
devem ser desenvolvidos somente até o ponto a partir do qual os
cristãos nativos possam assumir a responsabilidade; (3) a Igreja
deve escolher para o trabalho de tempo integral aqueles que forem
mais bem-qualificados e capazes de se sustentar e (4) as igrejas
devem ser construídas no estilo nativo e pelos cristãos com seus
próprios recursos.
Essa abordagem triplamente autônoma (auto-governante,
auto-sustentável e auto-propagadora) foi reiterada pelo
missionário anglicano na China, Roland Allen (1868-1947). Essas
estratégia mostrou-se decisiva no crescimento da Igreja e foi a
base de uma enorme expansão eclesiástica em países do mundo
não-ocidental que ocorreu no século 20.

As missões e o progresso social


Apesar da grande maioria dos missionários ver como sua
principal tarefa ganhar os perdidos para Cristo, o movimento como
um todo teve um impacto enorme na melhoria da qualidade de
vida do mundo não-ocidental. A introdução da Medicina moderna,
saúde pública e saneamento foi um benefício real. Por exemplo,
um dos primeiros missionários no Japão, James C. Hepburn
(1815-1911) cuidou de uma clínica para pobres nas décadas de
1860 a 1870 onde eram tratados de seis a dez mil pacientes todos
os anos e onde também treinou estudantes de Medicina.
Outro benefício foi a educação, uma vez que os missionários
de um modo geral fundavam escolas e ensinavam o povo a ler e
escrever. Isso servia para preparar o caminho com a finalidade de
ter uma Igreja auto-governante, tendo em vista que uma liderança
nativa instruída era um pré-requisito para se conceder autonomia.
Mas alguém que havia sido educado para ler a Bíblia também
podia ler os jornais e folhetos políticos, e o fato é que muitos
futuros revolucionários nacionalistas foram educados em escolas
de missões.
O potencial para o ministério educacional revelou-se
especialmente no Japão. O Dr. Hepburn e outros pioneiros foram
tutores de alunos e abriram escolas e algumas mulheres também
começaram escolas para meninas, marcando assim o início da
educação feminina no Japão. Guido Fridolin Verbeck (1830-98),
um missionário americano-holandês reformado chegou em 1859 e
começou uma escola em Nagasaki. Vários de seus alunos viriam a
ser líderes do novo Japão. Em 1870 o governo o convidou para ir a
Tóquio a fim de fundar uma escola de Línguas Ocidentais e
Ciências, sendo que esta veio a tornar-se a Universidade Imperial
de Tóquio, tendo Verbeck como seu primeiro presidente. Outro
resultado da educação foi a formação de grupos dedicados de
estudantes, os “bandos” cristãos, como o Bando Kumamoto,
formado em 1876. Seu membro mais famoso foi Niishima Jo,
conhecido no Ocidente como Joseph Hardy Neesima (1843-90).
Convertido enquanto estudava na América, ele voltou com a idéia
de fundar uma faculdade cristã.
IMPORTANTES SOCIEDADES MISSIONÁRIAS ESTRANGEIRAS
PROTESTANTES
(Antes da 2ª Guerra Mundial)
1649 Sociedade para a Propagação do 1841 Sociedade Missionária
Evangelho na Nova Inglaterra (New Neuendettelsau (confessional luterana)
England Company) 1842 Sociedade Missionária Noruega
1698 Sociedade para Promoção do 1843 Missão da Igreja Livre da Escócia
Conhecimento Cristão (formada após a divisão)
1701 Sociedade para Propagação do 1844 Sociedade Missionária da América do
Evangelho no Estrangeiro Sul
1732 Os morávios de Herrnt iniciam o 1845 Junta de Missões Estrangeiras da
trabalho missionário ultramarino Convenção Batista do Sul
1792 Sociedade Missionária Batista 1849 Sociedade Missionária de
1795 Sociedade Missionária Londrina Hermannsburg (confessional luterana)
1797 Sociedade Missionária dos Países 1849 Sociedade Missionária Cristã
Baixos Americana (Discípulos de Cristo)
1799 Sociedade Missionária da Igreja 1857 Missões Universitárias para a África
1810 Junta Americana de Comissários para Central
Missões Estrangeiras 1859 Sociedade Missionária Finlandesa
1813 Sociedade Missionária Metodista 1865 Missão do Interior da China (Overseas
Wesleyana Missionary Fellowship)
1814 Convenção Missionária Geral da 1872 Regions Beyond Missionary Union
Denominação Batista nos EUA para 1872 Junta de Missões Estrangeiras, Igreja
Missões Estrangeiras (American Baptist Menonita, Conferência Geral
Foreign Mission Society) 1881 Missão para o Norte da África
1815 Missão Basel 1884 Missão Alemã para a Ásia Oriental
1819 Sociedade Missionária da Igreja 1889 Missão Geral para o Sul da África
Metodista Episcopal (EUA) 1890 Missão da Aliança Evangélica
1821 Sociedade Missionária Dinamarquesa 1892 Missão da Igreja Luterana Livre (ou
1822 Sociedade Missionária Evangélica de Bleckmar)
Paris 1892 União Missionária do Evangelho
1824 Comitê de Missões Estrangeiras da 1893 Missão para o Interior do Sudão
Igreja da Escócia 1895 Missão para o Interior da África
1824 Sociedade Missionária de Berlim 1897 Aliança Cristã e Missionária
1828 Sociedade Missionária Renana (oude 1899 Missão Liebenzell (Alemanha)
Barmen) 1901 Sociedade Missionária Oriental
1829 Missões cristãs em muitas terras 1904 Missão Sudanesa Unida
(Irmãos Cristãos ou de Plymouth) 1908 Missão Christoffel para os Cegos
1835 Sociedade Missionária Sueca (Christian Blind Mission)
1835 Sociedade Missionária da Igreja 1910 Missão Evangélica Mundial
Episcopal Protestante nos EUA 1914 Departamento de Missões
1836 Sociedade Missionária norte-alemã Estrangeiras das Assembléias de Deus
(ou de Bremen) 1914 Cruzada Mundial de Evangelização
1836 Sociedade Missionária Gossner
(Berlim)
1836 Sociedade Missionária de Leipzig
(confessional luterana)
1837 Junta de Missões Estrangeiras da
Igreja Presbiteriana nos EUA
1840 Missão Peregrina de Santa Chrischona
(Suiça)

O ensino superior era uma ênfase importante e várias


faculdades e universidades foram abertas. Dentre as mais notáveis
que podemos citar estavam o Serampore College, na Índia (1819),
Wilson College em Bombaim (1832), o Madras Christian College
(1837) e o United Theological College em Bagalore (1901). Na
China havia trinta e três instituições cristãs em 1914, sendo as
mais conhecidas as universidades de Peking, Yenching e St.
John‟s. No Japão, a famosa Universidade Doshisha foi organizada
em 1874. No Oriente Próximo a Universidade Americana de
Beirute e Robert College em Constantinopla foram fundadas na
década de 1860. O Fourah Bay College da CMS em Serra Leoa
(1827) e o Instituto Presbiteriano Lovedale na Colônia do Cabo
(1841) foram as instituições africanas pioneiras.
A tradução da Bíblia era uma preocupação central nas
iniciativas evangelísticas. Porém, conforme mostra o historiador
africano Lamin Sanneh, passar a Bíblia para as línguas
vernaculares do mundo significava reconhecer que aos olhos de
Deus havia uma pluralidade de culturas e que todas eram iguais
perante ele. Assim como nem a cultura judaica e nem a grega eram
superiores, o mesmo valia para a cultura ocidental. A revitalização
da linguagem de um povo, especialmente quando esta não era
escrita, foi um resultado inesperado da tradução da Bíblia. Ela
ajudou a preservar a cultura daqueles povos ao invés de destruí-la.
Ele concluiu que o uso da língua nativa pelos missionários foi
equivalente a adotar critérios da cultura indígena para a mensagem
cristã. Em outras palavras, essa é uma “parte radical na adaptação
cultural que vai muito além da imagem que normalmente retrata a
missão como uma forma de imperialismo cultural do Ocidente”.2
Os missionários também lutaram contra práticas desumanas e
bárbaras. Os primeiros obreiros na Índia pressionaram a
Companhia e depois o Parlamento para dar um fim à prática de
sati, na qual a viúva era queimada viva na pira funerária de seu
marido. Também fizeram campanhas contra o imposto para
peregrinos que ajudava a custear os grandes festivais religiosos.
Abusos terríveis como as mutilações e sacrifícios humanos
aconteciam durante esses festivais. Outra questão que sofreu a
crítica dos missionários foi o sistema indiano de castas. Apesar de
alguns o tolerarem, a maioria era radicalmente contra. Como disse
o bispo de Calcutá em 1835, era “como um câncer que vai
comendo as partes vitais de nossas jovens igrejas” e “a distinção
de castas deve ser abandonada decisivamente, imediatamente e de
uma vez por todas”.3 As escolas missionárias ajudaram a combater
esse mal ao dar às pessoas de castas inferiores uma senso de valor
próprio e ensinar que o sistema estava errado.
Um preocupação específica dos obreiros na China era o
costume brutal de amarrar os pés. Até 90 por cento das mulheres
da época eram forçadas a suportar um processo doloroso que lhes
dava pés muito pequenos. Os missionários lutaram contra essa
prática ao fundar escolas para meninas onde ela não era permitida
e ao formar sociedades de oposição que empenharam-se em
influenciar a opinião pública contra o costume. Na virada do
século, o movimento já havia feito progresso considerável graças
aos esforços persistentes tanto dos missionários estrangeiros
quanto das próprias mulheres chinesas.
Uma outra questão relacionada às mulheres era a prática
cruel de circuncisão feminina entre os povos Kikuyu na África
Oriental Britânica (Quênia). Os esforços missionários no final da
década de 1920 para proibir a operação causaram profundo
ressentimento em meio aos homens Kikuyu, resultando numa crise
política. Esse confronto aberto entre Cristianismo e valores
tradicionais acabou levando ao movimento de resistência Mau
Mau no Quênia durante os anos 50.
A escravidão era a questão mais delicada para os
missionários na África. Conforme foi mencionado anteriormente,
ela estava por trás da tentativa de se incentivar o chamado
comércio legítimo. Um bom exemplo disso foi o trabalho da
Missão da Basiléia na Costa do Ouro (atual Gana). Na década de
1850 ela formou uma companhia a fim de comercializar os
produtos das oficinas e das fazendas que a missão havia aberto
para empregar africanos. O empreendimento teve sucesso
especialmente na produção de cacau, que até hoje é um dos
produtos mais importantes da economia de Gana.
O defensor mais notável da política de comércio nativo foi
David Livingstone (1813-73). Ele chegou à África do Sul em 1841
e logo pôs-se a evangelizar em áreas remotas. Isso o levou às suas
famosas viagens por regiões desconhecidas onde ia à procura de
pessoas que ainda não haviam sido contaminadas pelo contato
com os brancos. Não tardou para que ele se tornasse mais um
explorador do que um evangelista, mas ainda acreditava que a
África podia ser aberta para “influências civilizadoras”, isto é,
para as missões e um comércio saudável. O que ele considerava
nocivo era o comércio de escravos e de colonos brancos
opressores e gananciosos como os Boere.2 Ele morreu sem ver
realizado seu sonho de uma rede de estações missionários e postos
de comércio na África Central.
Apesar dos missionários muitas vezes acabarem cedendo aos
interesses do poder imperial e de grupos de colonos, alguns deles
ofereciam resistência. Um desses missionários foi John Philip
(1775-1851), que foi envida pela LMS para reorganizar seu
trabalho no sul da África. Ao chegar à Cidade do Cabo em 1819,
ficou chocado com a forma como a população nativa era
maltratada pelos brancos. Ele acreditava que negros e brancos
eram iguais e montou uma campanha para convencer as

2
Plural de boer, fazendeiro, na língua africâner dos descendentes dos holandeses na África do Sul.
autoridades britânicas a dar direitos civis a todas as pessoas de cor.
Transformou as estações de sua sociedade em “cidades de refúgio”
para negros, onde estariam à salvo da intimidação de residentes
brancos por causa de discussões de contrato trabalhista. Philip
também tentou arranjar para que comerciantes brancos e
fazendeiros fossem tirados das áreas fronteiriças e obteve uma
legislação que abolia o trabalho forçado e afirmava a igualdade
legal de ambas as raças. Ele foi severamente condenado pelos
brancos da colônia por causa desses seus esforços.
Um história inspiradora é a do missionário batista inglês
William Knibb (1803-45). Ele foi para a Jamaica em 1825 e logo
deparou-se com a terrível situação dos escravos das plantações.
Ao ver que a evangelização e a libertação eram inseparáveis, suas
pregações contra o sistema vigente de plantações foi ficando cada
vez mais militante. Seu costume de tratar os negros como seres
humanos também desagradava os fazendeiros. Quando uma
insurreição escrava eclodiu em 1831-32, Knibb foi acusado de ser
seu instigador e um bando violento de brancos pôs fogo em sua
capela. Tendo em vista que sua vida estava então em perigo, ele
foi para casa e dedicou-se completamente à campanha pela
abolição da escravatura no Império Britânico. Publicou
documentos e deu palestras sobre as condições na ilha e
testemunhou perante uma comissão parlamentar sobre a servidão
nas colônias do Caribe. Ele voltou para a Jamaica depois de
aprovada a lei de abolição da escravatura e pôs-se imediatamente a
lutar contra o “sistema de aprendizes”, um meio termo entre a
escravidão e a liberdade. Para Knibb, a questão fundamental era a
justiça para seus “irmãos e irmãs”, como ele chamava os
jamaicanos.

As mulheres e as missões
A área da Igreja mais aberta para as mulheres era a de
missões estrangeiras. Nelas, as mulheres podiam pregar,
evangelizar, implantar igrejas, educar líderes nacionais e realizar
trabalho humanitário. Apesar de não serem ordenadas, elas
trabalhavam com autonomia, longe dos críticos em seus países de
origem. Além disso, como a maioria delas dedicava-se a
“trabalhos femininos” no campo missionário ou só pregava para
ouvintes masculinos “nativos”, as igrejas que eram dirigidas por
homens simplesmente faziam vistas grossas. As missões não
apenas constituíam uma profissão importante para milhares de
mulheres, como também milhões de outras acabavam se
envolvendo com as iniciativas de uma forma ou outra uma vez que
quase toda a denominação tinha uma sociedade missionária
feminina ou um grupo de apoio constituído por mulheres. A
historiadora Patrícia Hill comenta que as iniciativas missionárias
eram “substancialmente maiores do que qualquer outro movimento
feminino de grande escala durante o século 19” e de proporções
ainda maiores do que tanto o conhecido Movimento Voluntário
Estudantil como o Movimento de Leigos Missionários.4
As esposas dos missionários eram um elemento nesse
fenômeno. Apesar de algumas serem ignoradas por seus maridos
(Mary Moffat Livingstone foi um bom exemplo disso), muitas
delas eram tão competentes em seus ministérios quanto seus
maridos. Era o caso de Ann Hasseltine Judson, primeira esposa de
Adoniram que ficou famosa por seus escritos inspirativos e a
assistência ao marido quando ele encontrava-se numa prisão na
Birmânia. A primeira esposa de J. Hudson Taylor, Maria, o ajudou
a fundar a Missão do Interior da China e sua segunda esposa,
Jennie, foi uma parceira em pé de igualdade no ministério.
O número de obreiras cresceu assustadoramente. A maioria
das sociedades também considerava as esposas como missionárias
e várias mulheres solteiras foram para os campos a serviço de
juntas denominacionais ou através de uma das muitas agências
para mulheres como a Sociedade Feminina de Educação (Grã-
Bretanha), a Sociedade Missionária Zenana da Igreja da Inglaterra,
Sociedade Missionária da União de Mulheres (Estados Unidos) ou
a Ordem das Diaconisas na Alemanha. O fato é que na década de
1890 havia tantas mulheres voluntariando-se para o trabalho que
os homens começaram a vê-las como uma ameaça.
Muitas vezes ignoradas pelos historiadores, algumas dessas
mulheres foram indivíduos extraordinários. Uma delas foi
Charlotte (“Lottie”) Diggs Moon (1840-1912), um professora da
Virgínia, membro da Igreja Batista do Sul que foi para a China em
1873 e começou um ministério excepcional de ensino e pregação.
Cheia de energia, dizia-se que fazia o trabalho de três
missionários. Ela fundou uma estação remota de evangelização no
norte da China, onde outros já haviam feito tentativas e
fracassado. Lottie Moon também mantinha uma correspondência
persistente com a sede da missão, pedindo sempre mais
missionários e apoio financeiro. Em 1888 isso resultou no
lançamento de uma oferta anual de Natal para as missões
estrangeiras levantada nas igrejas batistas do Sul (oferta que
depois da morte de Lottie, recebeu o seu nome) que, ao longo do
tempo, já arrecadou mais de um bilhão de dólares.
Uma personalidade marcante na área das missões médicas foi
a Dra. Ida Sophia Scudder (1870-1960). Nascida na Índia, numa
família tradicional de missionários americanos, ela havia, a
princípio, decidido seguir os passos de seu pai e seu avô. Uma
experiência crítica em 1893 a fez mudar de idéia e ela estudou
Medicina, voltando para a Índia como médica. Abriu um hospital
para mulheres em Velore em 1900 e mais tarde anexou a ele uma
escola de enfermagem e em 1918 uma Faculdade de Medicina
para mulheres. Através de sua grande habilidade para levantar
fundos, ela construiu um complexo de treinamento médico que
envolveu a cooperação de cinqüenta missões de dez países. O
lugar ficou conhecido como o melhor centro médico na Índia.
Outra figura excepcional que trabalhou na Índia foi Amy
Carmichael (1867-1951). Nascida na Irlanda do Norte, ela foi
profundamente influenciada pelo Movimento Keswick (ver
capítulo 21). Depois de um breve período no Japão ela foi para o
sul da Índia em 1895 e nunca mais voltou para casa. Trabalhou em
Dohnavur com a Sociedade Missionária Zenana da Igreja da
Inglaterra que tentava alcançar as mulheres da casta mais elevada
que viviam isoladas da sociedade em geral. (Zenana era a parte de
uma casa grande onde viviam as meninas e mulheres.) Um
momento decisivo de sua vida foi em 1901 quando ela abrigou em
sua casa uma menina que havia fugido pois estava destinada a ser
uma prostituta do templo. Logo outras crianças abandonadas e
fugitivas do templo passaram a procurá-la e ela começou um
programa ativo para resgatar jovens vítimas de abusos. Ela
chamou seu empreendimento de Irmandade Dohnavur e em 1912
já havia cento e trinta crianças sob seus cuidados. A organização
funcionava como uma sociedade comunitária em que todos os
obreiros vestiam roupas indianas, cuidavam das crianças,
ensinavam-nas e lutavam para desenvolver nelas um caráter
cristão. Ela formou então uma ordem religiosa para mulheres
solteiras chamada Irmãs da Vida Comum. Apesar de inválida
desde 1931, ela ficou famosa por seus livros devocionais que eram
marcados por uma espiritualidade intensa.
A mulher mais admirável de todas foi Mary Slessor (1848-
1915). De uma família operária pobre da Escócia, ela foi criada
nas favelas de Dundee. Apesar de ter recebido sua educação
limitada e trabalhado numa indústria têxtil para ajudar a sustentar
sua mãe e outros membros da família, a morte de David
Livingstone inspirou-a para oferecer seus serviços como
voluntária na missão presbiteriana em Calabar, oeste da África
(atual Nigéria). Ela chegou lá em 1876, lecionou numa escola e
aprendeu a língua rapidamente. Em 1880 assumiu a liderança da
missão na Cidade Velha, onde morava numa cabana de barro,
comia os alimentos locais, supervisionava escolas, distribuía
medicamentos, resolvia disputas, lutava contra a bruxaria e
bebedeira e cuidava de órfãos, sendo que muitos desses eram
gêmeos que haviam sido abandonados. Slessor começou, então,
um trabalho pioneiro em meio à tribo dos Okoyong e era tão
competente trabalhando com pessoas em questões judiciais que as
autoridades inglesas a nomearam vice-consulesa em 1891, a
primeira mulher do império a receber esse título. Uma década
depois ela foi ainda mais para o interior para trabalhar entre os
Ibos. Sua identificação com os africanos era tanta que, no final de
sua vida, ela ficou conhecida como “Mãe de Todos os Povos”.

As missões afro-americanas na África


Não é de conhecimento geral que os afro-americanos
dedicaram-se à atividade missionária e ainda há muita pesquisa
por fazer antes que a história toda possa ser contada. Um dos
primeiros desses missionários foi Daniel Coker (1780-1835), um
dos fundadores da Igreja Metodista Episcopal Africana em 1816.
Em 1820 ele liderou um grupo de negros livres que imigraram
para Serra Leoa e ficaram lá para pastorear uma igreja metodista
em Freetown que ministrava para escravos libertados pelos
britânicos.
Os batistas negros fundaram uma sociedade missionária em
1815, e ela orientou um de seus fundadores, Lott Cary (cerca de
1780-1828), um escravo liberto e pregador autodidata da Virgínia,
a acompanhar os colonos a caminho da futura Libéria em 1821-22.
Ele fundou uma igreja e uma escola e tentou alcançar os povos
nativos bem como os imigrantes vindos da América. Certamente o
envolvimento de Cary na iniciativa mal planejada de “repatriar”
negros na África pode ter afetado sua reputação histórica, mas sua
contribuição foi importante para a posição dominante na qual os
batistas se encontram hoje na Libéria. Mais tarde, batistas afro-
americanos deram seu nome a uma junta de missões.
Outra iniciativa digna de menção foi iniciada pelos batistas
da Jamaica. Em 1838-39 eles começaram a levantar fundos para
uma missão que iria para o oeste da África e dois voluntários
puseram-se a caminho mas desapareceram sem deixar pistas.
William Knibb fez pressão em favor dos jamaicanos junto à Igreja
batista de Londres e em 1840 convenceu essa igreja a sustentar o
projeto. Um grupo de reconhecimento dos batistas britânicos
verificou qual era a situação em Camarões e na ilha espanhola
vizinha, Fernando Po, e descobriu que as perspectivas
missionárias eram favoráveis. A resposta jamaicana foi cheia de
entusiasmo e dois homens de lá, Joseph Merrick e Alexander
Fuller, navegaram para Fernando Po em 1843. Cinco meses
depois, chegaram mais dois batistas britânicos e trinta e nove
jamaicanos, sendo que entre eles havia professores, pregadores e
colonos. Apesar de ser muito pobre, a Igreja da Jamaica contribuiu
com uma grande soma em dinheiro para apoiar a iniciativa na
África e assim refletiu uma notável parceria com a missão
britânica.
Apesar de terem iniciado um ministério promissor, em dois
anos os espanhóis pressionaram os missionários para que
deixassem a ilha e a maioria dos jamaicanos voltou para as Índias
Ocidentais. Porém Merrick e suas esposa mudaram-se para o
continente, onde ele reduziu uma língua local a uma forma escrita,
começou a tradução da Bíblia, abriu uma escola e realizou cultos.
Ele morreu em 1849, mas um membro britânico da missão em
Fernando Po, Alfred Saker, conseguiu dar ao trabalho batista em
Camarões um caráter permanente. .
Afro-americanos metodistas e batistas começaram missões
na África do Sul na década de 1890. Os metodistas também
tinham trabalhos em Serra Leoa, Libéria e Costa do Ouro. Esses
laços com os negros americanos foram importantes para o
surgimento do “Etiopianismo”, um movimento eclesiástico
independente no sul da África durante os anos que antecederam a
Primeira Guerra Mundial.

Os avanços católico-romanos
Em suas terras não-européias — na América Latina — a
Igreja Católica passou por tempos difíceis. Com o fim do
patrocínio espanhol, os regimes liberais revolucionários depois de
1815 exerceram suas próprias formas de controle sobre a Igreja e o
Catolicismo perdeu grande parte de seu poder e influência legal.
Aqueles governos que estavam lutando contra a Igreja muitas
vezes encontravam aliados entre os protestantes e isso levou a
pequenos avanços destes últimos, especialmente mais para o final
do século. Apesar de, durante algum tempo, as relações com o
papado terem sido razoavelmente boas, a religião a nível popular
estava em rápido declínio e depois de 1850 os liberais passaram a
exigir cada vez mais (e em muitos países conseguiram) a
separação entre Igreja e Estado. O rompimento mais radical
aconteceu no México, onde até mesmo as terras da Igreja foram
confiscadas e as ordens religiosas fechadas.
No final do século, um renascimento missionário teve início
na América Latina. Várias ordens religiosas trabalharam no meio
do povo a fim de ganhá-lo (ou recuperá-lo) para o Catolicismo e
os bispos começaram a desenvolver estratégias para preservar a fé
levando em consideração os movimentos anti-cristãos e a
crescente competição protestante, incluindo metodistas, batistas do
sul e missões interdenominacionais que eram especialmente ativas.
Em outras partes do mundo, muitas ordens católicas mais
antigas deram continuidade ao trabalho missionário, mas suas
iniciativas não foram tão espetaculares como aquelas dos
protestantes. Além disso, quase cem novas ordens e comunidades
religiosas foram fundadas e dedicaram-se a algum tipo de missão.
Elas não tinham tanta liberdade de ação como as sociedades
protestantes, uma vez que a Propaganda em Roma exercia uma
certa supervisão. Mas as missões a seguir podem servir de
exemplo.
Em 1868 uma ordem francesa chamada Padres Brancos foi
fundada pelo Cardeal Charles M. Lavigerie (1825-92), arcebispo
de Algiers e líder da Igreja Católica no norte da África. Eles eram
sacerdotes seculares que usavam uma roupa branca distintiva e
que faziam votos de servir as missões da África para o resto da
vida. A princípio trabalharam entre os muçulmanos, mas depois,
em 1877, foram enviados a Uganda, onde criou-se uma rivalidade
feroz entre eles, obreiros da CMS e muçulmanos que buscavam o
controle do reino de Buganda. A luta contra o comércio de
escravos também era uma grande preocupação para ordem que
tinha estações por toda a África central e oriental.
A Sociedade da Divina Palavra foi formada em 1875, por
católicos alemães, em grande parte como reação às crescentes
iniciativas protestantes. Seu primeiro campo missionário foi em na
região Shantung, na China e o governo alemão usou o assassinato
de dois sacerdotes da sociedades por terroristas chineses em 1897
como pretexto para tomar uma cidade portuária na região e
transformá-la em base militar. O grupo também fundou trabalhos
na América Latina, África e no Sul do Pacífico. Uma outra
sociedade importante foi uma congregação americana de
sacerdotes diocesanos conhecidos como os Missionários de
Maryknoll. Formada em 1911, seus principais campos
localizavam-se no leste da Ásia, porém mais tarde abriram missões
na América Latina e na África.

As missões e o Ecumenismo
O movimento ecumênico do século 20 originou-se nos
avanços missionários e foi um cumprimento destes. Nos campos
estrangeiros cristãos de muitas denominações e países dedicavam-
se ao esforço comum de pregar o evangelho e nos meios não-
cristãos eles descobriram que as diferenças entre eles não eram
assim tão importantes quando comparadas à tarefa que tinham
diante de si. Os recursos limitados e a magnitude da necessidade
espiritual forçaram as agências missionárias a aprender como
cooperar umas com as outras e as lições que aprenderam lá foram
levadas de volta para as sedes na Europa e América do Norte.
Um elemento da nova visão ecumênica era o estudo da
missiologia. Alexander Duff em Calcutá, que era um forte
defensor do ensino como meio de propagar o evangelho,
promoveu o estudo científico de missões. Em 1867 ele foi
nomeado para a primeira cátedra universitária de missões no Free
Church of Scotland‟s New College em Edinburgo. Outro pioneiro
no estudo das missões foi Gustav Warneck (1834-1910), que
recebeu uma cátedra honorária de missões na Universidade de
Halle, editou o primeiro jornal acadêmico dedicado ao estudo de
missões e publicou importantes obras teóricas sobre a História,
Filosofia e Teologia das Missões. Julius Richter (1862-1940) foi
autor de trinta livros e duzentos artigos sobre missões e foi
nomeado para a nova cátedra de missiologia na Universidade de
Berlim em 1913. Esses três homens eram fortes defensores do
ecumenismo. The Muslim World [O Mundo Muçulmano], fundado
em 1911, ainda é o principal jornal sobre as relações entre
muçulmanos e cristãos. Uma revista mais popular que noticiava
sobre missões de um ponto de vista global era a Missionary
Review of the World [Resenha Missionária do Mundo], editada
pelo proeminente evangélico americano A. T. Pierson (1837-
1911).
Iniciativas conjuntas tiveram início nos campos missionários
sob a forma de reuniões regionais e conferências gerais. Também
foram importantes as conferências da Aliança Evangélica, uma
organização internacional formada em 1846 para prover a unidade
entre as igrejas e que enfatizava a autoridade plena das Escrituras,
a encarnação e expiação dos pecados em Cristo, a salvação pela fé
e a obra do Espírito Santo. Numa Convenção Missionária da
União em Nova York e numa reunião da Aliança Evangélica em
Londres, ambas em 1854, Duff realizou apresentações
empolgantes sobre missões. Várias conferências foram realizadas
na Alemanha e Grã-Bretanha durante as três décadas seguintes
culminando com grandes encontros Londres (1888) e Nova York
(1900) que pediam maior unidade. Além disso, formaram-se
organizações cooperativas entre os países que mais enviavam
missionários como o Comitê Permanente de Missões Protestantes
Alemãs (1885), a Conferência das Missões Estrangeiras da
América do Norte (1911) e a Conferência das Sociedades
Missionárias da Grã-Bretanha e Irlanda (1913).
Os movimentos estudantis foram um fator ainda mais crucial.
A Associação Cristã de Moços, fundada na Inglaterra em 1844 por
George Williams (1821-1905), um homem de negócios e
evangelista leigo, chegou aos Estados Unidos em 1851. Logo a
ACM começou trabalhos nas universidades (em 1884 havia 181),
enfatizando o estudo da Bíblia, adoração e evangelismo pessoal.
Outros grupos estudantis atuavam em seminários e universidades
britânicas, inclusive um em Cambridge onde, em 1882, sete
importantes atletas assumiram o compromisso de tornar-se
missionários. Os “Sete de Cambridge” tiveram um poderoso
impacto sobre o recrutamento missionário. Numa reunião de
estudantes na casa de D. L. Moody em Mount Hermon,
Massachusetts, em 1886, aconteceu um reavivamento e cem
jovens assumiram o compromisso de tornar-se missionários.
Um deles foi um jovem estudante da Universidade de
Cornell, John R. Mott (1865-1955), que entrou para o trabalho
universitário da ACM. Em 1888 ele fundou o SVM - Student
Voluntary Movement [Movimento Voluntário Estudantil para
Missões Estrangeiras], cujo lema era “A Evangelização do Mundo
Nesta Geração”. Mott continuou sendo obreiro cristão leigo
durante toda sua vida e, como seu mentor Moody, nunca recebeu
educação teológica formal e nem foi ordenado. Era um escritor e
orador talentoso, um organizador cheio de energia e criatividade e
um viajante contínuo que deu a volta ao mundo promovendo o
trabalho entre estudantes e a cooperação cristã. Além de liderar o
SVM, a ACM de estudantes e a Federação Mundial de Estudantes
Cristãos, que ele formou em 1895, foi o principal motivador por
trás da Conferência Missionária Mundial, em Edinburgo no ano de
1910.
Esse foi o primeiro encontro verdadeiramente ecumênico.
Foi organizado por um comitê internacional e 1.200 delegados
representaram 159 sociedades e juntas missionárias. Dezessete
eram líderes asiáticos. O principal assunto das discussões plenárias
e das reuniões das comissões era o trabalho missionário. Um
Comitê de Continuidade foi nomeado para dar seqüência aos
tópicos investigados e preparar o caminho para um concílio
missionário internacional permanente. Mott era o presidente dessa
organização juntamente com Eugene Stock da CMS e Julius
Richter de Berlim o vice. O secretário era J. H. Oldham (1874-
1969), um rapaz dinâmico que se tornaria um dos líderes do
movimento ecumênico. Também foi o editor de International
Review of Mission [Resenha Internacional de Missões], fundada
em 1912 e que era o órgão do novo ecumenismo. Porém, as
esperanças de unidade protestante baseada na cooperação
missionária foram cruelmente destruídas pelo começo da guerra
em 1914.

O progresso extraordinário das missões estrangeiras levou


muitos a pensar que o reino de Cristo estava próximo. O avanço
dos valores da classe média que eles identificavam com a
civilização cristã escondiam, na verdade, o fato de que outras
ideologias estavam competindo pela lealdade tanto do mundo
ocidental como do não-ocidental. Um nacionalismo obstinado já
se desenvolvia na Ásia enquanto nas cidades industriais da Europa
e América do Norte, grandes segmentos da população tinham
praticamente abandonado a Igreja. O assalto violento de idéias
diferentes e, finalmente, o cataclismo da guerra iriam abalar para
sempre o consenso evangélico. O Ecumenismo teria que basear-se
não na propagação do evangelho, mas em outras premissas.

Capítulo 21 - A Igreja no crepúsculo do Ocidente


Enquanto o Catolicismo foi atrasado pelo conservadorismo
do papa, o protestantismo evangélico parecia estar crescendo. O
aumento das obras missionárias era um aspecto desse processo.
Outro era a evangelização em massa, tendo em vista que milhares
encontraram a Cristo em grandes cultos urbanos da época e os
movimentos de santidade e pentecostalismo acrescentaram um
dimensão espiritual poderosa ao evangelicalismo. Porém, novas
idéias contrárias à tradição cristã ameaçavam as igrejas católicas e
protestantes e formavam uma nuvem negra sobre o otimismo que
havia sido tão prevalecente no começo do século 20. Os liberais
tentavam se adaptar às mudanças e os conservadores resistiam a
elas, mas nenhum dos dois podia fazer retroceder as forças que
estavam levando a civilização ocidental a se desintegrar.

A política do poder numa era liberal


As nações ocidentais passaram por muitas mudanças durante
o final do século 19, mas nem todas foram negativas. O governo
democrático teve avanços nas regiões norte, oeste e central da
Europa. As reformas políticas na Grã-Bretanha haviam estendido
o direito de voto a quase todos os homens e em 1911 a Casa dos
Lordes perdeu seu poder de veto. Nos Estados Unidos, a união
havia sido preservada e a escravidão eliminada. A criação do
Domínio do Canadá em 1867 marcou o primeiro exemplo de
concessão da liberdade política dentro de um dos impérios
coloniais da Europa sem que fosse necessário apelar para uma
revolução violenta. Depois da virada do século, uma condição
semelhante foi concedida à Austrália, Nova Zelândia e à União da
África do Sul. Até mesmo os impérios monárquicos — Alemanha,
Austro-Hungria e Rússia — haviam liberalizado seus regimes.
Tanto a Alemanha quanto a Áustria tinham governos
parlamentares, ainda que uma porção considerável do poder
continuasse com os monarcas. A Rússia aboliu o sistema de
servidão em 1861.
Os dois problemas que tornaram-se mais ameaçadores com o
passar dos anos foram o nacionalismo e o militarismo. O governo
britânico na Irlanda era uma constante fonte de dissensão no Reino
Unido, enquanto a anexação pela Alemanha das províncias
francesas da Alsácia e de Lorena em 1871 contaminaram
permanentemente as relações entre os dois vizinhos. Os impérios
multinacionais da Europa central e oriental continham muitos
povos que queriam suas próprias nações-Estado como os
poloneses, checos, romenos e búlgaros. A Itália e a Sérvia
desejavam incluir em suas fronteiras pessoas de sua nacionalidade
que eram governadas pela Austro-Hungria. A Turquia otomana era
uma colcha de retalhos de diferentes nacionalidades, sendo que
várias delas queriam seus próprios Estados ou desejavam juntar-se
aos seus irmãos de mesma etnia fora do império.
Para evitar a possibilidade de guerra entre Alemanha e
França e para impedir que as “grandes potências” se envolvessem
num conflito fratricida nos Balcãs, o chanceler alemão Otto von
Bismarck elaborou um complexo sistema de alianças. Se a sua
estratégia de paz iria ou não funcionar ainda é questionável, mas
depois que Bismarck foi dispensado pelo jovem kaiser
(imperador) Guilherme II em 1890, só restou uma aliança com a
Áustria-Hungria. Porém, o imperialismo deu um novo aspecto ao
nacionalismo. A Grã-Bretanha preocupava-se com rivais
imperialistas e com o crescente poder econômico da Alemanha,
enquanto o kaiser exigia um “lugar ao sol” para seu país. A falta
de definição das ambições ultramarinas da Alemanha perturbava
os outros países. A Rússia czarista reacionária fez o impensável e
realizou uma aliança com a França republicana, enquanto a Grã-
Bretanha acertou suas diferenças coloniais com suas rivais França
e Rússia. Em 1908 a Alemanha sentia-se cercada e tinha apenas
um aliado, a dupla monarquia da Áustria-Hungria que estava se
desintegrando e cujo envolvimento nos Balcãs levaria à guerra.
1854 1856 1878 1908
Dogma da Imaculada D.L. Moody Leão Criado o Conselho
Concepção chega a Chicago XIII se Federal de Igrejas
torna
papa
1846 1854 1870 1890 1909
Fundação da Charles Spurgeon Concílio Reavivamento do Bíblia
Aliança começa o seu Vaticano Movimento de Scofield
Evangélica ministério em I Comunhão na
Londres Alemanha
1800 1850 1900 1950
1803 1853-56 1859 1890 1901-05 1914
Eslavofilismo na Conflito Origem das Floresce o Abraham Começa a
Rússia da Espécies, de darwinismo Kuyper, Primeira
Criméia Charles social Primeiro Guerra
Darwin Ministro da Mundial
Holanda

O militarismo acentuava o problema pois as grandes


potências tinham exércitos efetivos enormes e lobistas militares
estavam pressionando os governos para realizar gastos ainda
maiores. A decisão da Alemanha de construir uma grande marinha
como símbolo de sua grandeza nacional ameaçava os britânicos
que consideravam sua força naval igualmente vital para a
sobrevivência nacional. Voltaram-se então para a França, que já
esperava por isso. Líderes militares com seus planos de
mobilização e batalha exerceram uma influência excessiva no
processo de decisão política. Esse fatos, juntamente com a
mudança no sistema de alianças levou a uma situação em que era
praticamente impossível conter uma guerra local entre duas
grandes potências. Assim, quando um terrorista sérvio assassinou
o príncipe da Áustria-Hungria no dia 28 de junho de 1914, os
principais países da Europa foram, um por um, puxados para
dentro de uma guerra que iria alterar completamente o rumo da
civilização. Mas durante os pacíficos e prósperos anos da era
vitoriana, poucos podiam prever o cataclismo que os aguardava
além do horizonte.

Conservadorismo católico-romano
Com a ascensão de Pio IX (1792-1878) ao trono papal em
1846, parecia, a princípio, que haveria uma certa liberalização,
mas a Revolução de 1848 o deixou apreensivo e o fez voltar à
costumeira posição reacionária do papado (ver capítulo 18). Ele
havia fugido de Roma quando os radicais tinham formado uma
república lá e havia retornado em 1850 sob a proteção das forças
armadas francesas. O objetivo de Pio era fortalecer sua autoridade
espiritual de todas as formas possíveis, o que começou a fazer em
1854 ao proclamar o dogma da concepção imaculada da Virgem
Maria. Então, em 1864 lançou uma encíclica (carta papal aos
bispos) fazendo uma lista de oitenta proposições ou “erros” que
deveriam ser rejeitados pelos católicos. A maioria desses pontos já
havia sido condenada antes, mas colocá-los todo em num pacote
foi visto como uma rejeição formal ao mundo moderno. Na Lista
dos Erros estavam incluídos o panteísmo, naturalismo,
Racionalismo, indiferentismo, Socialismo, Comunismo,
maçonaria, sociedades bíblicas, ensino público, liberdade de
discurso, qualquer limitação ao poder civil do papa e muitos
outros pontos. A seção mais ofensiva era a de número 80, que
condenava a afirmação de que “o pontífice romano deve adequar-
se e alinhar-se com o progresso, o Liberalismo e a civilização
moderna”. Essa encíclica enfureceu os protestantes e católicos
liberais, mas não havia nada que pudessem fazer.
Em 1869-70, Pio IX convocou um concílio (Vaticano I) para
tratar de várias questões da Igreja e usou a ocasião para afirmar
ainda mais a primazia papal. Os ultramontanos, defensores
radicais do papa, eram em número muito maior do que os liberais
no concílio e garantiram a aprovação de um decreto que afirmava
a infalibilidade do papa. Declarava que o papa era infalível “em
seu falar ex cathedra”, isto é, no papel de pastor e mestre e “pela
virtude de sua autoridade apostólica suprema define a doutrina
acerca da fé ou moral que deve ser aceita pela Igreja Universal”.
Superficialmente, essa era uma afirmação chocante, mas na
realidade era bastante limitada e a prerrogativa foi usada em raras
ocasiões. Porém, o papado havia ganho uma posição de poder
dentro do Cristianismo romano como não havia tido nem no
século 13 e a maioria dos cristãos católicos pareciam dispostos a
conceder essa autoridade à Santa Sé. Na era da democracia, Roma
havia construído para si uma fortaleza contra a modernidade. A
aceitação incondicional da jurisdição papal havia prevalecido
sobre as tendências nacionais e liberais.
A declaração foi aceita por todos, com exceção de um
punhado de dissidentes na Alemanha e Áustria. Um distinto
historiador da Igreja, Johann von Dölinger de Munique, liderou a
oposição ao decreto e foi excomungado, mas não juntou-se ao
grupo que se separou em 1871. Esse grupo afirmava que os
decretos do Vaticano e outros pronunciamentos recentes haviam
criado uma nova Igreja, mas eles desejavam perpetuar o
“verdadeiro” Catolicismo. Eles se autodenominavam os “Antigos
Católicos”, adotando uma forma episcopal de governo e
reconhecendo como corretas a maioria das doutrinas declaradas
antes de 1054. Os Antigos Católicos, que nunca passaram de uma
minoria, em 1932 acabaram entrando em comunhão com a Igreja
da Inglaterra e, com efeito, tornaram-se os Episcopais Alemães.
Enquanto o Concílio do Vaticano estava em andamento,
eclodiu a guerra entre França e Prússia e a guarnição francesa foi
retirada de Roma. Esse era o momento tão aguardado pelo jovem
estado italiano. Mais que depressa, suas forças entraram no
Vaticano e anexaram a cidade, finalizando assim o poder temporal
do papado. A longo prazo, essa ação foi um benefício enorme para
a Igreja. Uma vez que o papa não era mais um príncipe secular,
aumentou seu poder espiritual sobre os católicos de todo o mundo.
Porém, Pio IX ficou indignado que os italianos haviam
tomado suas terras e retirou-se para o Palácio do Vaticano. De lá,
assumiu o papel de “prisioneiro do Vaticano” e a “questão
romana” encheu de amargura as relações entre o papado e a Itália
pelos próximos cinqüenta anos. O Estado fez uma oferta generosa
na Lei das Garantias (1871) que, apesar de privar o papa de seu
poder soberano, ainda concedia-lhe todas as honras e direitos de
um soberano e o tornava isento da lei italiana. Recebeu permissão
de ficar com o Vaticano e duas outras propriedades, a Santa Sé
continuaria a ter corporações diplomáticas e suas tradicionais
unidades policiais, os eclesiásticos podiam ir e vir quando bem
entendessem e tratar dos assuntos da Igreja sem impedimentos.
Além disso o Estado deu-lhe um fundo anual equivalente ao que
teria recebido através de suas antigas propriedades.
Pio e seus sucessores rejeitaram essa proposta pois ela não
reconhecia o direito do papa de ser um príncipe territorial
independente. Foi impossível entrar num acordo, tendo em vista
que os italianos não estavam dispostos a devolver qualquer parte
dos Estados Papais. A situação foi agravada quando os
monarquistas de direita da França apoiaram a posição do papa,
gesto que a Itália tomou como uma interferência em suas questões.
Quando Leão XIII ordenou em 1898 que os católicos se
abstivessem da vida política enquanto ele estivesse naquela
“posição intolerável”, o gesto só fez surgir ainda mais
anticlericalismo. Essa questão só foi resolvida depois da Primeira
Guerra Mundial.
Na Alemanha, um severo conflito entre Igreja e Estado
ocorreu durante a década de 1870. Conhecido como Kulturkampf
[luta cultural], foi equivocadamente retratado por alguns liberais
como um conflito entra a civilização moderna e a religião antiga e
obsoleta. Na verdade, as bases do conflito eram políticas. Por
várias razões, o chanceler alemão Bismarck temia que na
Alemanha, que era dominada por protestantes, a minoria católica
fosse uma ameaça à sua segurança. Eles possuíam um partido
político forte, o Centro, que era hostil ao seu regime. A declaração
de infalibilidade papal parecia ser uma afirmação de superioridade
em relação ao Estado. As intensas exigências de alguns católicos
por uma intervenção que restaurasse o poder temporal do papa
perturbaram a relação amigável com a Itália. Havia, ainda, o
perigo dos católicos alemães unirem-se aos seus companheiros na
França e Áustria e entrarem numa guerra que desintegraria a
unificação alemã.
O programa de repressão de Bismarck incluiu a expulsão dos
jesuítas (instrumento tradicional de autoridade papal), a abolição
do departamento católico no Ministério de Culto Público, a
instituição do casamento civil e a transferência da educação sob o
controle completo do Estado. Além disso, nomeou um liberal —
Adalbert Falk — como Ministro do Culto Público na Prússia e
ordenou que ele defendesse os direitos do Estado contra a Igreja.
Falk foi responsável pela adoção das famosas “Leis de Maio”
(1873) que declaravam a supremacia absoluta do Estado.
Limitavam ainda o poder dos bispos em questões disciplinares,
criavam uma suprema corte eclesiástica escolhida pelo imperador,
colocavam o treinamento dos sacerdotes sob rígida supervisão
estatal e davam ao regime o poder de veto sobre as nomeações
clericais. Quando Pio IX condenou as medidas, Bismarck rompeu
relações diplomáticas com o Vaticano, cortou todo o apoio
financeiro à Igreja alemã e obrigou ordens religiosas a deixarem o
país.
A resistência católica às ações do Estado foi obstinada e
muitos bispos e sacerdotes foram presos ou expulsos de seus
cargos. No parlamento o Partido de Centro criticou
veementemente essas decisões. Até alguns protestantes
simpatizaram com a resistência uma vez que consideravam que as
medidas tinham ido longe demais e temiam ser as próximas
vítimas da ação arbitrária do Estado. Bismarck, que não esperava
que suas medidas fossem atrair uma reação tão hostil, viu-se
politicamente constrangido e começou a procurar uma saída.
Finalmente, com a ascensão do diplomático Leão XIII ao trono
papal, uma mudança no clima político da Europa (os republicanos
haviam vencido na França e a Áustria tinha se aliado com a
Alemanha) e com o início da campanha anti-socialista, a política
foi revertida e as leis discretamente retiradas dos livros oficiais. A
tentativa de Bismarck de intimidar a Igreja Católica e seu partido
político havia fracassado completamente. Desde então, o termo
Kulturkampf tornou-se parte do vocabulário político moderno e é
usado com freqüência para designar um conflito entre a Igreja e o
Estado.
Na França, a maioria dos principais católicos romanos
opunha-se à Terceira República que havia sido fundada em 1870 e
defendia a restauração da monarquia. O governo reagiu com leis
anti-clericais para manter a Igreja sob controle. Entre estas estava
o registro de associações religiosas, a eliminação da capelania do
exército, a legislação do divórcio e a educação primária
obrigatória que incluía uma proibição do ensino religioso nas
escolas públicas. Porém, em 1890 Leão XIII decidiu por uma
conciliação com o regime ao ordenar que os católicos franceses
deixassem seu apoio à restauração da monarquia.
A partir de então as relações entre Estado e Igreja
melhoraram, mas não tardaram a sofrer danos irreparáveis com a
questão Dreyfuss. Esta envolvia a corte marcial e condenação de
um oficial judeu do exército acusado de vender segredos para os
alemães. Quando foi mostrado em 1896 que as acusações eram
falsas, o país dividiu-se entre os defensores e os críticos do
exército. Os militares recusavam-se a admitir o erro ou tratar do
anti-semitismo que era o cerne da questão. Enquanto os
republicanos apoiavam o capitão Dreyfuss e exigiam justiça, os
monarquistas e o clero católico apoiavam a atitude inicial.
O capitão acabou sendo exonerado, mas nesse meio tempo,
os republicanos voltaram-se contra os monarquistas e seus aliados
clericais e em 1905 aprovaram uma lei que separava a Igreja do
Estado. Esta garantia a completa liberdade de consciência,
estipulava que o Estado não teria nenhuma relação com a
nomeação de clérigos ou com o pagamento de seus salários (o
mesmo se aplicava também aos protestantes e judeus) e
determinava a formação de corporações privadas que tomariam
posse das propriedades da Igreja.
A importância dessa ação dificilmente pode ser exagerada.
Ela não apenas cancelou o acordo napoleônico entre Estado e
Igreja (ver capítulo 17) como, mais importante ainda, significou o
fim do um relacionamento especial entre papas e governantes
franceses que havia começado em 756 quando Pepino o Breve
tinha autorizado Estevão II a assumir o controle de terras na Itália,
lançando assim as bases para o poder temporal do papado.
Chegava ao fim uma era que havia durado doze séculos. Além
disso, os acontecimentos da época ajudam a explicar o motivo da
França, apesar de sua forte herança católica, ser hoje um dos
países mais seculares da Europa.

O ressurgimento da ortodoxia
Com o rápido declínio do Império Otomano, a autoridade do
Patriarca Ecumênico de Constantinopla foi ficando cada vez
menor. No decorrer do século, as igrejas sérvias, gregas, romenas
e búlgaras tornaram-se todas autônomas. Enquanto isso, a Igreja
Ortodoxa da Rússia continuava intimimante ligada ao Estado (ver
capítulo 13) e durante o reinado do czar Nicolau I (1825-52), foi
desenvolvida a doutrina da “nacionalidade oficial”. Proclamada
pelo seu ministro da educação em 1833, ela continha três
princípios — ortodoxia, autocracia e nacionalidade. A autocracia
significava a manutenção do poder absoluto do soberano, o que
era um fundamento indispensável ao Estado. A ortodoxia indicava
que o papel oficial da Igreja era de ser a fonte maior da ética e dos
ideais que davam significado à vida e à sociedade na Rússia. A
nacionalidade referia-se à natureza singular do povo russo, o que
fazia deles um poderoso e dedicado defensor da dinastia e do
governo. Para possibilitar que a Igreja realizasse um trabalho mais
eficaz em inculcar o povo com a lealdade ao czar foram fundados
mais seminários e o Estado pagava o salário do clero.
Para Nicolau I, a ortodoxia também estava relacionada à
política externa. Ele afirmou o direito de “proteger” a ortodoxia
cristã presente no império otomano, o que levou a uma crise
diplomática no início da década de 1850. Uma disputa eclodiu
entre monges ortodoxos e católicos romanos sobre a custódia dos
lugares santos na Palestina e o ambicioso Napoleão III afirmou
que a França era a protetora dos católicos lá. Nicolau enviou um
ultimato ao sultão turco insistindo para que ele resolvesse a
controvérsia da Terra Santa em favor dos ortodoxos e
reconhecesse o protetorado russo sobre as igrejas ortodoxas no
império. A França e a Grã-Bretanha urgiram o sultão a resistir às
exigências, o que ajudou a desencadear a Guerra da Criméia em
1854.
Nas décadas de 1830 e 1840 surgiu um grupo de intelectuais
românticos conhecidos como Eslavófilos. Eles tiveram um
importante impacto sobre o pensamento religioso russo.
Rejeitaram o Ocidente e enfatizaram a natureza superior e missão
histórica da Rússia e de sua Igreja ortodoxa. Argumentaram que os
eslavos eram divinamente chamados para preservar a fé cristã em
sua pureza e que sua Igreja e Estado eram guardiões do verdadeiro
Cristianismo e da sociedade ideal. De acordo com os Eslavófilos,
o caráter do camponês eslavo, especialmente do russo, era
marcado pelo amor, liberdade e cooperação, enquanto o Ocidente
era decadente. No Ocidente, o Cristianismo havia sido corrompido
pelo Racionalismo, pela tirania papal e pelo individualismo
protestante. Alguns diziam que a Rússia deveria libertar todos os
eslavos do governo estrangeiro e trazer todos os cristãos para
debaixo das asas da ortodoxia. Era uma reafirmação da Santa
Rússia como Terceira Roma.
Os principais filósofos religiosos eslavófilos foram os leigos
Alexis S. Khomiakov (1804-60) e Vladimir S. Soloviev (1853-
1900). Khomiakov argumentava que a Igreja Ortodoxa era um
todo orgânico, tendo Cristo como o cabeça e o Espírito Santo
como alma e sua essência era a unidade e a liberdade. A
autoridade religiosa estava sobre toda a Igreja e não na Bíblia ou
no papado. Soloviev apresentou um conceito de “bondade
humana” sendo que com isso ele se referia à união da humanidade
com a divindade através da identificação do homem com Cristo, a
Palavra encarnada. Defendeu a reunião das igrejas do Oriente e
Ocidente e o estabelecimento de uma teocracia universal.1
Uma importante figura russa do final do século 19 foi
Constantino Pobiedonostev, um advogado que trabalhou como
procurador do Santo Sínodo de 1880 a 1905 e foi o arquiteto da
política reacionária czarista. Enfatizava a fraqueza e maldade da
humanidade e a falibilidade da Razão humana, detestava a
Revolução Industrial e o crescimento das cidades e via o propósito
do Estado como sendo de manter a lei, ordem, estabilidade e
unidade. Na Rússia, a melhor forma de alcançar esse propósito era
através da autocracia e da Igreja Ortodoxa. Constantino não
confiava no Ocidente e queria evitar ao máximo que a Rússia
fosse contaminada pelas idéias que vinham de lá. Opunha-se aos
parlamentos, julgamentos diante de um júri, jornais e escolas
seculares e censurava rigidamente a imprensa. A fim de assimilar
os vários povos do império para dentro da cultura russa
(russificação), ele incentivava as missões ortodoxas entre esses
povos.
Um dos principais alvos de Pobiedonostev foi a grande
população de judeus no oeste da Rússia e Polônia. Declarou que
um terço deles se converteria à ortodoxia, um terço emigraria e um
terço seria exterminado. Muitos pogroms (palavra russa para a
violência organizada contra os judeus) ocorreram durante esses
anos, levando a uma migração em massa de judeus russos para a
Europa ocidental e América. Seu anti-semitismo era um assustador
prenúncio do que aconteceria na Alemanha nazista. Em resumo,
ele colocou a ortodoxia firmemente do lado da reação e contribuiu
para desacreditá-la aos olhos do povo mais questionador.2
A Igreja Ortodoxa não tinha mais consideração pelos grupos
evangélicos do que pelos Molocanos e Doucobores (O fato é que
estes últimos emigraram em massa para o Canadá em 1898 para
escapar da perseguição). Os primeiros protestantes na Rússia eram
imigrantes, mas a fé evangélica acabou criando raízes entre os
russos nativos. Catarina a Grande havia convidado colonos
menonitas e huteritas da Alemanha para assentarem-se na Ucrânia,
enquanto outros alemães de origem pietista foram para o sul da
Rússia no começo do século 19. Alguns deles dedicaram-se à
evangelização, mas sob o governo de Nicolau I tais atividades
foram dificultadas. Até mesmo a Sociedade Bíblica Russa foi
fechada, mas a distribuição clandestina das Escrituras continuou.
Na década de 1840, batistas da Alemanha começaram a trabalhar
na área do Báltico e, depois da morte de Nicolau, espalharam-se
pela Rússia.
O grupo dos Estudistas — cujo nome veio de sua prática de
estudar a Bíblia em determinados horários — estava intimamente
relacionado aos batistas. O movimento surgiu na década de 1860.
A princípio, operavam dentro da Igreja Ortodoxa, mas acabaram
sendo forçados a sair. F. W. Baedeker (1823-1906), um
evangelista alemão de uma alta posição social e laços estreitos
com círculos dos Irmãos na Inglaterra, começou a trabalhar na
Rússia em 1875 e teve um certo sucesso em alcançar pessoas da
classe alta. Um desses convertidos, um coronel do exército,
organizou a primeira reunião da União Batista Russa em sua casa
em 1884. Por causa de suas ligações, Baedeker podia fazer
viagens missionárias freqüentes e até mesmo visitar presídios onde
distribuía bíblias. Mais tarde, batistas e estudistas se juntaram,
formando o núcleo dos “Cristãos Batistas Evangélicos” na Rússia.

Avanços evangélicos
Enquanto as igrejas oficiais da Europa protestante estavam
perdendo impulso no final do século 19, as denominações
americanas — que eram unidades bem organizadas e socialmente
homogêneas — alcançaram uma porção muito maior da
população. Na América, não só o denominacionalismo se
desenvolveu, mas também a inovação religiosa. O Adventismo,
com sua ênfase na vinda apocalíptica do reino de Deus,
desenvolveu-se na década de 1840 e foi institucionalizado
formando a Igreja Adventista do Sétimo Dia, que cresceu e
transformou-se numa denominação mundial através de sua ênfase
na dedicação leiga à área da saúde. Um adventismo bem mais
radical era pregado pelas Testemunhas de Jeová, movimento
fundado por Charles T. Russel na década de 1870. Mas aquela que
viria a ser a maior de todas as novas fés era a Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos dias (os mórmons). Ela surgiu na
década de 1830 e depois do assassinato de seu fundador, Joseph
Smith em 1844, dividiu-se em duas igrejas separadas. A ala maior
com sede em Utah tornou-se uma denominação internacional,
graças à integridade de sua iniciativa missionária. Um outro grupo,
pequeno mas de alto nível, constituiu a Ciência Cristã, fundada na
década de 1870. O historiador Sydney E. Ahlstrom comenta
apropriadamente que esses quatro grupos, mais o Pentecostalismo,
são os cinco movimentos que podem ser chamados de “norte-
americanos”.3
Porém, mais importante do que qualquer uma dessas
inovações, foi a formação americana do protestantismo
evangélico. Isso o preparou para sobreviver aos ataques
ideológicos e a funcionar como uma verdadeira fé global no final
do século 20. Um produto do meio americano foi a evangelização
em massa. Essa abordagem popularizou-se nas primeiras décadas
do século com o trabalho de Charles Finney e tornou-se um dos
pilares do Protestantismo nos Estados Unidos depois da Guerra
Civil.
Suas figura de destaque foi Dwight. L. Moody (1837-99).
Convertido quando adolescente em seu estado de origem, o
Massachusetts, ele foi para Chicago em 1856 a fim de trabalhar
como vendedor de sapatos. Ao mesmo tempo, tornou-se
profundamente envolvido com as atividades da ACM, pregou,
começou escolas dominicais e distribuiu literatura cristã. Depois
de cinco anos, havia se tornado um homem de negócios bem-
sucedido, mas deixou a carreira para dedicar-se ao ministério em
tempo integral. Apesar de ser apenas um leigo sem treinamento
teológico, sua fama de pregador cresceu rapidamente. Então,
encontrou o dirigente da área de música Ira Sankey (1840-1908) e
entre 1873 e 1875 foram juntos para uma longa missão de
pregação na Grã-Bretanha. O sucesso das reuniões foi tanto que
Moody recebeu convites de todos os Estados Unidos. Durante os
anos seguintes, ele e Ira realizaram cultos evangelísticos em quase
todas as grandes cidades do país e voltaram mais duas vezes à
Grã-Bretanha.
A organização foi um elemento crítico para o sucesso de
Moody. Ele se recusava a visitar uma cidade até que todos os
pastores das igrejas evangélicas o convidassem. Criava-se então
um comitê local para cuidar da preparação como a reserva de um
espaço para o evento, a divulgação e a arrecadação de fundos.
Organizava-se um coral de voluntários e este ensaiava músicas do
hinário de Sankey. Escolhiam-se pessoas para fazer a recepção do
povo e pastores e leigos para conversar com aqueles que fossem à
frente durante o apelo a fim de receber a Cristo. Durante a
campanha, Moody também realizava cursos práticos para obreiros
cristãos, sendo que estes teriam um papel importante no
“acompanhamento” dos recém-convertidos.
Seus modos como pregador eram um modelo de decoro.
Vestia-se como um homem de negócios comum, as reuniões eram
cuidadosamente planejadas e seguiam uma agenda e ele falava de
modo calmo e claro. Suas mensagens eram simples e diretas e ele
concentrava-se em Deus, no pecado e na necessidade de um
Salvador. Moody não falava sobre teologia, não tratava de
questões doutrinárias e nem promovia a ação social, mas
simplesmente chamava homens e mulheres para Cristo. Ele se via,
antes de mais nada, como alguém que ganhava almas e seus
sermões poderosos eram preparados para atingir esse objetivo.
Quanto aos convertidos, seu conselho era que se tornassem
membros de uma igreja local imediatamente e começassem a
trabalhar para Deus.
A agenda de Moody era tão exaustiva, cheia de viagens,
reuniões de oração, palestras, cursos com obreiros e entrevistas
que, quando ele estava com 62 anos de idade, seu coração não
resistiu. Mas seu legado continuou em sua escola de treinamento
para leigos em Chicago (o atual Moody Bible Institute), escolas
secundárias no Massachusetts e pessoas tocadas por seu ministério
como John R. Mott. Todos os outros grandes pregadores entre
1870 e 1920 (os “anos dourados” do evangelismo itinerante das
massas) — Samuel O. “Sam” Jones, J. Wilbur Chapman, R. A.
Torrey, Rodney “Cigano” Smith, William A. “Billy” Sunday e
inúmeras outras figuras menos conhecidas dos Estados Unidos,
Grã-Bretanha e Alemanha — seguiram a trilha metodológica
desbravada por Finney e transformada em uma auto-estrada
espiritual por Moody.
Uma outra contribuição americana foi a ênfase na
“santidade”. Teve suas origens nos ensinamentos de John Wesley
sobre o perfeccionismo e em textos sobre santificação de autores
anteriores à Guerra Civil como Charles Finney, Asa Mahan e
Phoebe Palmer. A santidade surgiu com força total nos
“acampamentos” que começaram no final da década de 1860 e
vários grupos e publicações a promoveram nos meios metodistas.
Porém, seus defensores dentro da linha geral das igrejas
metodistas (tanto do norte como do sul) sentiram-se cada vez mais
alienados pela indiferença às suas preocupações e, finalmente, se
separaram e formaram suas próprias denominações de santidade.
Dentre estas, as maiores foram a Igreja de Deus, fundada por
Daniel S. Warner em 1881 e a Igreja do Nazareno, iniciada por
Phineas F. Breeze em 1895.
A marca registrada do ensinamento americano de santidade
era a “santificação completa”, um estágio do desenvolvimento
espiritual que ia além da conversão. Essa “segunda bênção” do
Espírito Santo conferia à pessoa a capacidade de resistir às
tentações de cometer pecado e de viver uma existência totalmente
dedicada a Deus.
A idéia da santidade foi levada para a Grã-Bretanha por
William E. Boardman (1810-86), autor do livro The Higher
Christian Life [A Vida Cristã Mais Elevada], R. Pearsall Smith
(1827-99) e sua esposa Hannah Whithall Smith (1832-1911). Ela
escreveu o conhecido livro The Christian’s Secret of a Happy Life
[O Segredo do Cristão para uma Vida Feliz]. O casal propagou as
doutrinas da santidade na Inglaterra enquanto ele lá esteve a
negócios e durante a campanha de Moody, em 1873, juntaram-se
com Boardman a fim de transmitir a mensagem aos ministros
britânicos. Seguiu-se então uma série de conferências em Oxford
em 1874 só sobre a santidade e um convite de um ministro
anglicano em 1875 para realizar reuniões ao ar livre em sua cidade
de Lake Country, Keswik. Estas tornaram-se um evento anual e
outras convenções começaram a acontecer ao redor do mundo. O
nome “Keswik” ficou ligado ao ensinamento, mas na Europa ele
também é conhecido como “Movimento de Oxford”.
Na busca pela santidade pessoal os defensores de Keswik
rejeitavam o aspecto perfeccionista da santificação e, ao invés
disso, enfatizavam o que chamavam de “plenitude do Espírito”.
Era preciso buscar essa experiência, que consistia em um ato de fé
em Cristo diferente da regeneração necessária para se conseguir a
vitória sobre o pecado. O poder recebido do Espírito Santo
também capacitava a pessoa para ser um servo eficiente de Cristo.
Alguns termos associados a Keswik eram “viver elevado”, “vida
de vitória”, “habitar em Cristo”, “descansar no Senhor”, “entrega
total”, “consagração” e “vida cheia do Espírito”.
Keswik teve um profundo impacto no evangelicalismo
moderno. Moody trouxe as idéias de volta para as conferências de
verão que realizou em sua terra natal no Massachusetts e elas
espalharam-se rapidamente pelas escolas bíblicas evangélicas e
sociedades missionárias. Os termos de Keswik acabaram sendo
usados até em corinhos evangélicos populares. Os principais
evangelistas de massas seguiram o exemplo de Moody e falaram
sobre a plenitude do Espírito Santo, enquanto professores da
Bíblia como F. B. Meyer, Andrew Murray, W. H. Griffith-Thomas
e W. Graham Scroggie tornaram-se nomes conhecidos tanto para
evangélicos britânicos como americanos. Keswik teve um impacto
crítico no espetacular reavivamento de Gales em 1905 e sua
influência também ficou evidente no Movimento de Comunhão,
um reavivamento de santificação que varreu a Alemanha entre
1880 e 1910. Os pregadores desse reavivamento eram
relativamente desconhecidos fora da Alemanha, mas a Associação
Gnadau, que se formou em torno de uma conferência bíblica
dentro do estilo de Keswik, preserva até hoje a forma
organizacional do Movimento de Comunhão.
Um fruto da ênfase na santidade foi o Pentecostalismo. Este
ia além da segundo benção, enfatizando o “batismo no Espírito
Santo” que era acompanhado dos “dons do Espírito” ou
“charismata”. Esse não era um acontecimento isolado, mas sim
algo que deveria continuar a manifestar-se na vida do crente e na
Igreja daquele dia em diante. Entre os dons, estavam a glossolália
(falar em línguas), interpretação das línguas, profecia, curas
divinas e uma experiência semelhante a um transe de ser “morto
no Espírito”.
Os primórdios do movimento encontram-se em 1901 quando
uma mulher falou em línguas numa escola bíblica dirigida por um
pregador metodista, Charles F. Parham (1873-1929), em Topeka,
Kansas. Mais tarde, ele formulou a doutrina das “línguas” como
primeiro sinal necessário de que alguém experimentou a bênção
pentecostal. Então, William J. Seymour (1870-1922), um afro-
americano que pregava a santidade, adotou o ensinamento
pentecostal depois de ter contato com Parham. Em 1906, tornou-se
líder de uma missão de santidade na rua Azuza, em Los Angeles e
um dia começou a falar em línguas. Grandes multidões reuniram-
se no velho prédio para compartilhar essa experiência e essas
reuniões, que foram realizadas durante três anos, deram início, de
fato, ao pentecostalismo americano. A partir dessas modestas
origens surgiu um movimento mundial completo, com divisões
denominacionais e debates teológicos sobre questões delicadas da
doutrina.
Um Pentecostalismo europeu desenvolveu-se
independentemente através de Thomas B. Barrat (1862-1940), um
metodista da Noruega que recebeu o batismo do Espírito Santo em
1906. Espalhou-se rapidamente para a Alemanha, mas o
Movimento de Comunhão dividiu-se por causa dessa questão. Em
Berlim, uma declaração de líderes da santidade em 1909 condenou
o “movimento de línguas” e os pentecostais alemães seguiram um
outro caminho. O considerável intercâmbio que ocorreu entre
pentecostais americanos e europeus ajudou a incentivar o
crescimento do movimento.
Uma quarta contribuição americana ao evangelicalismo foi a
campanha contra as bebidas alcoólicas. O movimento de
temperança antes da Guerra Civil foi a iniciativa de reforma com
maior repercussão na época e foi trazido de volta depois da Guerra
Civil através dos esforços de evangelistas como Frances Willard
(1839-98) e sua União Feminina Cristã da Temperança e
organizações políticas poderosas como a Liga Anti-Bares. É certo
que os grupos de temperança existiam na Grã-Bretanha e Europa,
mas eram pequenos e procuravam principalmente refrear a
embriaguez. Os americanos, porém, foram mais longe, proibindo o
uso de álcool em seus próprios meios e pressionando o governo a
impedir completamente a produção e distribuição de todas as
bebidas alcoólicas. Em 1914 as leis para isso já estavam vigorando
na maior parte dos estados e em 1920 foi estabelecida uma
Proibição Nacional. A grande maioria dos evangélicos apoiou essa
medida, mas cristãos de igrejas imigrantes, especialmente
luteranos e católicos demonstraram muito menos entusiasmo.
Alguns até opunham-se fortemente à medida. Uma crescente
divergência pública sobre a Proibição Nacional finalmente
resultou em sua suspensão em 1933, mas a maioria dos americanos
evangélicos ainda pratica a abstinência total.
Um dos pregadores evangélicos mais influentes da época foi
Charles Haddon Spurgeon (1834-92). Convertido numa capela
metodista, tornou-se batista e começou a pregar aos 17 anos de
idade. Três anos depois foi chamado para uma congregação em
Londres, onde trabalharia até o fim da vida, trinta e oito anos mais
tarde. A igreja cresceu tão rapidamente durante seus primeiros
cinco anos que ele teve que construir um novo templo em 1859
chamado Tabernáculo Metropolitano, a fim de abrigar uma
congregação que, naquela época, contava com seis mil membros.
Também fundou uma faculdade para treinar pastores, um orfanato
e várias outras agências de assistência social. Um calvinista
evangélico, ele era muito conhecido por seus sermões que foram
muldialmente distribuídos e ainda são lidos nos dias de hoje.
A principal iniciativa ecumênica foi a Aliança Evangélica.
Depois de uma considerável discussão entre líderes protestantes de
ambos os lados do Atlântico, foi convocada uma reunião em
Londres, em 1846, a fim de criar uma frente unida para defender o
Cristianismo bíblico. A intenção era formar um grupo que
promovesse a comunicação e comunhão entre evangélicos de todo
o mundo e auxiliasse na propagação do evangelho, mas a
delegação americana decidiu não se envolver quando alguns
levantaram a questão da escravidão. Os participantes da
conferência finalmente decidiram que ao invés de ter uma
organização abrangente, cada país iria formar sua própria Aliança
nacional. Ainda assim, sendo mais forte, a organização britânica
manteve abertos os contatos com os outros e foram realizadas
algumas convenções nas principais cidades para reunir o povo. As
várias Alianças concentravam-se na defesa da liberdade religiosa
dos protestantes evangélicos tanto em países católicos como não-
católicos, apoiando as iniciativas evangelísticas (como por
exemplo, Moody e Sankey na Grã-Bretanha, uma escola bíblica
em Berlim e as viagens de Baedeker à Rússia), incentivando o
trabalho missionário e patrocinando a Semana Mundial da Oração.
Os grupos da Grã-Bretanha e Alemanha foram os que
tiveram maior sucesso em cumprir os objetivos da organização.
Nos dias de hoje a Aliança Alemã trabalha como uma organização
cooperativa para as igrejas livres, enquanto a Aliança Britânica
dedica-se a várias obras evangelísticas, missionárias e de
assistência. A criação da União Evangélica Mundial em 1951
ajudou a dar novas forças para esse conceito. Enquanto isso, os
Estados Unidos formaram uma Aliança em 1867 e entre seus
líderes estava o historiador da Igreja Philip Schaff e a
personalidade do Evangelho Social, Josiah Strong. Seu sucesso na
promoção da cooperação ecumênica não foi muito espetacular e
em 1900 já estava em profundo declínio. Foi suplantada pelo
Concílio Federal de Igreja de Cristo, formado em 1908.
A influência dos protestantes evangélicos era excepcional.
Abastados homens de negócio sustentavam evangelistas e
políticos muitas vezes testemunhavam sua fé. O primeiro ministro
britânico William E. Gladstone era considerado um cristão
admirável, enquanto um dos presidentes americanos, James A.
Garfield, tinha sido pregador leigo em sua juventude e confessava
abertamente ser “nascido de novo”. Outro presidente, William A.
McKinley, era um dedicado leigo metodista e Woodrow Wilson,
um presbiteriano participativo, freqüentemente manifestava seus
valores cristãos em suas ações presidenciais. William Jennings
Bryan, três vezes candidato à presidência e secretário de Estado de
Wilson, era um evangélico muito respeitado. Na Holanda,
Abraham Kuyper (1837-1920), um ministro Reformado e teólogo
lutou contra o Liberalismo de sua época ao desenvolver a “visão
de mundo e de vida” neo-calvinista. Esta consistia em formar
instituições políticas, econômicas e sociais separadas para que,
através delas, a Igreja Reformada pudesse ir ao de encontro de
todos os aspectos da sociedade e cultura com uma perspectiva
distintivamente cristã. No âmbito político ele tornou-se líder do
Partido Anti-Revolucionário e foi primeiro ministro de seu país de
1901 a 1905.

Novas idéias desafiam a Igreja


As ideologias seculares do Liberalismo, Nacionalismo e
Socialismo não podiam ser vistas nem como complementos e nem
como alternativas do Cristianismo, mas, com o passar do século,
surgiram outras ideologias que podiam ser consideradas um
desafio frontal à fé. Entre elas estava a evolução darwiniana, o
niilismo de Nietzche, o relativismo cultural e a alta crítica. Os
problemas que as igrejas tinham diante de si por causas desses
elementos eram enormes pois ondas de dúvida e descontentamento
varriam a sociedade. A essência do Cristianismo como um todo
estava sendo questionada.
A publicação em 1859 da obra On the Origin of Species by
Means of Natural Selection [Sobre a Origem das Espécies através
da Seleção Natural] de Charles Darwin (1809-82), a princípio não
chamou muito a atenção, mas logo ondas de choque reverberaram
por toda a comunidade cristã. Sua teoria da evolução orgânica
causou consternação semelhante àquela provocada pelo
aristotelianismo no século 13 e a teoria de Copérnico no século 16.
Na realidade, a idéia de que os seres vivos mudavam e se
desenvolviam não era nova. Darwin havia chegado a essa
conclusão quinze anos antes, depois de ter estudado as obras de
outros cientistas naturais como Jean Lamarck e Charles Lyell e ter
realizado uma expedição de pesquisa no sul do Pacífico. Ele
chegou até a apressar a publicação de seu livro para que fosse
lançado antes da obra de um rival que estava prestes a dizer a
mesma coisa. Além disso, as filosofias evolucionárias — a crença
de que para se entender alguma coisa é preciso estudar seu
desenvolvimento — já eram bastante comuns. Tanto Hegel quanto
Marx usaram essa abordagem, como também fizeram historiadores
românticos dos Estados nacionais. A idéia de progresso do
Iluminismo também era um conceito evolucionário. A
contribuição singular de Darwin foi de que ele deu à evolução o
selo de Ciência.
Darwin argumentava que todas as espécies produzem mais
crias do que o ambiente pode sustentar e que elas competem umas
com as outras por comida, abrigo e a chance de reprodução. Na
“luta pela existência” alguns indivíduos possuem variações
inexplicadas, como músculos mais fortes ou garras mais afiadas,
que os tornam capazes de vencer, reproduzir-se e passar adiante
essas qualidades superiores para suas crias. Com o tempo esse
processo de “sobrevivência do mais adequado” leva à mudanças
nas espécies. Assim, todas as espécies de organismos vivos
desenvolveram-se através de pequenas mudanças sucessivas
daqueles que os antecederam. A decisão quanto a qual filhote vai
ter as variações é tomada pela natureza, ou “seleção natural” —
isto é, uma espécie de sorteio. Numa obra posterior, ele aplicou a
teoria ao desenvolvimento humano e disse que os homens eram
descendentes dos animais.
Muitos líderes eclesiásticos ficaram assustados com as idéias
de Darwin, tendo em vista que essas negavam a criação especial
da humanidade e o papel da Providência divina no funcionamento
da natureza. Dentre outros, que adaptaram sua visão do mundo
natural de modo a incluir as hipóteses darwinianas, havia
evangélicos proeminentes como Asa Gray, James Frederick
Wright e James Orr. O que eles rejeitavam eram as explicações do
processo evolutivo que eliminavam o papel de Deus em orientá-lo.
Apesar da “guerra” entre Ciência e Religião não ter sido tão
séria como declaravam alguns escritores populares da época, a
hostilidade cresceu rapidamente depois da virada do século. Os
conservadores viam a evolução como uma contradição das
Escrituras e os ativistas sociais temiam seu potencial
desumanizador. Tendo em vista que Darwin não podia demonstrar
de modo conclusivo que uma espécie verdadeira tivesse evoluído
de outra, o debate entre cientistas sobre a veracidade da hipótese
continuou durante décadas.
O que facilitou o triunfo da abordagem evolucionária foi o
fato de ela ser atraente para as ricas classes empreendedoras e de
ter sido aceita em dois importantes campos de pesquisa — a
antropologia e o criticismo bíblico. Os abastados descobriram que
ela justificava seu estilo de vida e tornaram-se “Darwinistas
Sociais”. A figura mais conhecida dessa idéia, isto é, da aplicação
da evolução orgânica à sociedade, foi Herbert Spencer (1820-
1903). Ele argumentava que a existência humana evoluia do
simples para o complexo e qualquer tentativa de se interferir nesse
processo só atrasava o progresso. A evolução como lei universal
atuava até mesmo em esferas como a Sociologia, Economia e
Política. A competição entre pessoas, negócios e nações resultava
na sobrevivência do mais adequado e os governos não deviam
interferir para ajudar os fracos ou pobres.
Alguns cristãos, como por exemplo William Jennings Bryan
(1860-1925) reconheceram que o darwinismo social reduzia os
seres humanos a um nível puramente material. Eles não tinham
mais valor como criaturas de Deus, mas só como objetos de uso da
sociedade, que podiam ser descartados quando não fossem mais
necessários. Esse era o sentimento por trás da incessante oposição
de Brian ao ensino da evolução, resistência pela qual ele foi tão
condenado pelos liberais na década de 1920.
Porém, a maioria dos darwinistas sociais via as coisas de
outro modo. Concordavam com a idéia de que a sociedade não era
marcada pela cooperação e compaixão, mas pela perversa
competição. O empresário de sucesso era o mais “adequado”
independente de como havia conseguido esse sucesso. E tendo em
vista que a sobrevivência era a única coisa que importava, não
havia mais padrões superiores para julgar as ações de um
indivíduo. As classes mais altas mereciam ser ricas pois eram
“mais adequadas” do que os preguiçosos e inertes pobres. Da
mesma forma, a “natureza” mandava que as grandes empresas
absorvessem as pequenas e certas raças “superiores” ou
“dominantes” deviam governar sobre as “inferiores” — brancos
sobre negros, alemães sobre eslavos, não-judeus sobre judeus. Ao
fazer uso da teoria biológica da evolução era possível justificar a
regra do mais forte dominando o mais fraco em todos os aspectos
da vida. Não é de se admirar que o maior darwinista social de
todos acabou mostrando-se uma das figuras mais diabólicas da
História — Adolf Hitler. Ele fez a competição entre nações e raças
a pedra fundamental de seu programa político.
Como muitos de sua geração, Friedrich Nietzche (1844-
1900) levou o darwinismo social ao seu final lógico. Ele afirmou
que devia-se permitir que a seleção natural ocorresse livremente
na sociedade. A constante eliminação dos inadequados iria, um
dia, produzir um raça de “super-homens”. Esses seres nobres com
força de caráter iriam governar as massas e aqueles que
perecessem durante as lutas eram os moralmente fracos.
Declarando que Deus estava morto, Nietzche insistiu que a
humanidade precisava passar por esse processo sozinha e criar
suas próprias regras de sobrevivência. Porém, os fracos tentavam
atrasar os fortes ao inventar religiões como o Cristianismo, que
glorificava as “virtudes do escravo” como a humildade, paciência,
esperança, amor, aceitação, preocupação com os fracos e
abnegação. Nitzche declarou que a mediocridade devia abrir
caminho para o talento e a piedade para a competição. Assim, ele
não apenas foi um dos culpados pelo individualismo extremo do
mundo moderno, como também seus ensinamentos niilistas
contribuíram para o sentimento tão prevalecente no século 20 de
que a vida é vazia e sem sentido.
A Antropologia colaborou muito para ampliar a aceitação do
darwinismo. Alguns antropólogos concentraram-se na evolução
das raças e determinaram que os brancos eram os que mais haviam
se desenvolvido e que nesse grupo os nórdicos, teutônicos e anglo-
saxões eram os mais competentes. Outros insistiam que nenhuma
cultura ou sociedade era “melhor” que qualquer outra e de que
todos os padrões eram meramente uma questão de costume e não
de moral. Não havia um padrão objetivo para julgar as instituições
sociais; tudo era uma questão de costume social e de ponto de
vista. Esse relativismo foi logo infundido em todos os âmbitos das
Ciências Sociais, especialmente na Psicologia. Quanto à Religião,
em sua obra The Golden Bough [O Ramo Dourado] James Frazer
concluiu que os ritos, práticas e idéias do Cristianismo não eram
exclusividade sua mas podiam ser encontrados também nas
sociedades primitivas. Além do mais, ele via pouca diferença entre
a magia e a religião.
Uma outra área em que as idéias evolucionárias tiveram
impacto foi sobre o criticismo bíblico. O criticismo “inferior” ou
textual estava relacionado a determinar-se qual era o texto mais
preciso do documento e ao longo dos séculos os estudiosos
encontraram muitos manuscritos antigos que tornaram possível a
produção de um texto mais preciso para o Novo Testamento. A
alta crítica ou crítica literária envolvia questões de forma literária,
autoria, data e propósito do texto e dava ao leitor o direito de
interpretar qual era o sentido correto. A partir de década de 1830,
estudiosos da Alemanha (ver capítulo 18) haviam voltado-se para
o criticismo literário do Novo Testamento, rejeitando qualquer
elemento sobrenatural encontrado no texto. Escritores posteriores,
como J. R. Seeley, Adolf Harnack e Albert Schweitzer deram
continuidade a essa tendência em seus estudos sobre “a vida de
Jesus”.
A mesma metodologia foi aplicada ao Antigo Testamento
por Julius Wellhausen (1844-1918) que defendia que o Hexatêuco
(os seis primeiros livros da Bíblia) havia evoluído a partir de uma
série de seitas israelitas que acabaram finalmente centralizando-se
num único templo. Seguindo as linhas da nova antropologia, ele
afirmou que a evolução das crenças religiosas havia progredido do
simples tribalismo do período nômade para os grandes escritos dos
profetas da era do reinado e a legislação deuteronômica do século
7º antes de Cristo e culminado com a religião sacerdotal da
comunidade pós-exílio. Esses livros não eram oráculos fruto de
revelação divina e escritos por Moisés e Josué, como a Igreja
sempre havia acreditado, mas sim uma compilação de
“documentos” de diferentes períodos da história israelita.
Enquanto isso, outros críticos “descobriram” que Isaías havia sido
escrito em dois períodos de tempo diferentes e que o livro de
Daniel era do século 2º antes de Cristo.4
A questão da alta crítica causou profunda angústia dentro das
igrejas protestantes, especialmente na América. Os conservadores
chamavam a abordagem evolucionária da história de Israel e da
Igreja primitiva, bem como a rejeição do caráter sobrenatural da
Bíblia de criticismo “destrutivo”. Ele enfraquecia a veracidade e
autoridade da Bíblia. A alta crítica também era uma preocupação
nos meios católicos e ambos os ramos do Cristianismo viam-se
então diante do problema do “modernismo”.

Reações católicas e protestantes ao modernismo


Um papado conservador não estava disposto a adaptar-se a
novas idéias, como ficou claro nas já mencionadas medidas de Pio
IX e Leão XIII e o mesmo aconteceu em relação à forma como
Leão tratou da “Controvérsia Americanista”. Isaac Hecker (1819-
88), um convertido ao Catolicismo e fundador dos Padres
Paulinos, havia promovido uma fé democrática. Quando sua
biografia foi publicada na Europa, muitos católicos expressaram a
preocupação de que a Igreja estava transigindo suas crenças,
adaptando-se ao meio americano. Ao mesmo tempo, James
Cardinal Gibbons, arcebispo de Baltimore (1834-1921) trabalhou
com diligência a fim de trazer a Igreja para a realidade da vida
americana e promoveu a idéia de que a Igreja podia crescer numa
sociedade sem o apoio do Estado. Em 1895 e 1899 Leão XIII
dirigiu encíclicas às igrejas americanas criticando-a por “sua
indulgência às teorias modernas populares”, mas Gibbons lhe
assegurou de que as heresias não eram toleradas lá.
A reação ao “modernismo” foi ainda mais forte. Na França o
historiador Louis Duchesne (1843-1922) expôs fraquezas na
doutrina e tradição da Igreja em seus muitos livros sobre o
Cristianismo primitivo. O estudioso da Bíblia Alfred Loisy (1857-
1940) afirmou uma teoria extrema sobre a composição dos
evangelho e declarou que os ensinamentos do Cristianismo não
eram os de Cristo, mas sim da Igreja primitiva. Na Inglaterra o
jesuíta George Tyrrell (1861-1909) criticou o Escolasticismo e a
ortodoxia católica. Primeiro, o papa Leão respondeu à alta crítica
em 1893 afirmando a inspiração plenária e a inerrância da Bíblia.
Então, Pio X pôs fim a toda a questão através de seu decreto
Lamentabili em 1907 que condenava sessenta e cinco erros da
“heresia modernista”. Prosseguiu com uma encíclica que exigia
que todos os bispos, sacerdotes e professores fizessem um
juramento antimodernista. Duchesne retratou-se, Loisy e Tyrrell
foram excomungados mas não houve nenhuma divisão na Igreja.
O problema do Liberalismo teológico (modernismo) foi bem
pior para as igrejas protestantes. Havia se originado nessa
comunidade e não havia estruturas de autoridade que pudessem
tratar da questão de maneira eficaz como aconteceu na Igreja
Católica. Em 1900 as doutrinas estavam bem definidas, apesar de
serem poucos os liberais que aceitavam todos estes pontos:
1. As idéias religiosas devem adaptar-se à cultura e aos
modos de pensar modernos.
2. Todas as crenças religiosas baseadas apenas na
autoridade devem ser rejeitadas. A razão e a experiência são testes
igualmente válidos de crença e a “essência do Cristianismo”
substitui a autoridade das Escrituras, dos credos e da Igreja.
3. Deus está presente e habitando no mundo e em suas
estruturas (imanência divina), e não acima de tudo como um ser
transcendente.
4. Um sentimento religioso universal está por trás das
instituições e credos de determinadas religiões, de modo que, no
final das contas, não há nenhuma diferença entre elas.
5. O pecado é o mal da imperfeição, ignorância,
desajuste e imaturidade, não uma falha fundamental no universo.
6. Jesus significou a presença de Deus no mundo
através de seus feitos heróicos e sua morte, mas ele não realizou
milagres e nem ressuscitou, exceto no sentido de que, assim como
todos os mortais, seu espírito e personalidade continuam vivos.
7. Deve-se olhar para a concretização do reino de Deus
que será um estado ético de perfeição humana.5
A teologia liberal foi um conjunto de crenças
extraordinariamente confusas e contraditórias. Lançava mão de
muitas fontes: a Ciência moderna; a alta crítica; o Evangelho
Social; o unitarianismo americano; o conceito de consciência de
Deus afirmado por Schleiermacher; a redefinição das doutrinas
tradicionais em linguagem que, segundo Horace Bushnell,
enfatizava a intuição, o potencial humano e o progresso social; a
teologia experimental voltada para as ações conforme propôs
Albrecht Ritschl; e a teoria de Adolf Harnack de que deve-se
separar o grão permanentemente válido do evangelho da palha que
o envolve e que consiste na forma de vida e pensamento em
constante mutação.
O modernismo teve suas grandes vitórias nos centros de
ensino superior e só mais tarde as idéias chegaram ao nível das
igrejas locais. As universidades alemãs e britânicas adaptaram-se
rapidamente e na América os primeiros centros de pensamento
modernista foram o Union Theological Seminary em Nova York e
a Universidade de Chicago, representados respectivamente pelas
figuras importantes de A. C. McGiffert (1861-1933) e Shailer
Mathews (1863-1941). Na Grã-Bretanha uma ampla parte da
Igreja no anglicanismo foi particularmente atraída pelo
Liberalismo.
Os conservadores reagiram energicamente ao avanço do
modernismo. Sua estratégia baseou-se em afirmar a integridade da
Bíblia como sendo verbalmente inspirada e singularmente
confiável e revestida de autoridade. O expoente dessa reação e
grande defensor da inerrância bíblica foi Benjamin B. Warfield
(1851-1921) do Seminário de Princeton. Na sua definição, isso
significava que todas as declarações das Escrituras eram
verdadeiras se interpretadas de acordo com o sentido pretendido
por seus autores quando as escreveram.
Um outro elemento do contra-ataque conservador foi uma
forte ênfase na Escatologia, especialmente na volta pré-milenar de
Cristo. Apesar dos evangélicos não serem unânimes nessa questão,
muitos tendiam para o dispensacionalismo que havia sido trazido
para a América do Norte por J. N. Darby. Essas idéias
popularizaram-se através de Niagara e outras conferência de
profecias do final do século 19 e começo do século 20 e do best-
seller escrito por William E. Blackstone (1841-1935), Jesus is
Coming [Jesus Está Vindo] (1908). Elas pareciam oferecer uma
alternativa viável no lugar da ênfase liberal sobre o avanço do
reino de Deus e a percepção evangélica de que a cultura americana
estava rapidamente fugindo ao controle protestante histórico. De
longe, a declaração mais influente sobre o ensinamento da
dispensação foi a Scofield Reference Bible [Bíblia de Referência
Scofield], uma versão anotada das Escrituras publicada pela
Oxford University Press em 1909. Um antigo advogado, C. I.
Scofield (1843-1921) tornou-se um ministro congregacionalista
depois de sua conversão e passou anos trabalhando em
conferências bíblicas e estudando antes de levar adiante esse
projeto.
Um estágio importante da resistência evangélica organizada
foi a publicação de uma série de doze livros entre 1910 e 1915
chamado The Fundamentals [Os Fundamentos]. Dois magnatas do
petróleo na Califórnia, Lyman e Milton Stewart, financiaram o
projeto e ofereceram três milhões de cópias gratuitas para obreiros
cristãos de todo o mundo. Os noventa artigos da coleção foram
escritos por respeitados professores da Bíblia de ambos os lados
do Atlântico. Eles demonstravam que as doutrinas evangélicas
básicas como a inspiração bíblica, os milagres e a ressurreição
eram compatíveis com a Ciência moderna e racionalidade e que o
testemunho da experiência pessoal podia confirmar a crença cristã.
Desde aproximadamente 1895 os evangélicos vinham
tentando definir os elementos básicos (ou fundamentos) da fé que
precisavam ser protegidos dos efeitos erosivos do pensamento
moderno. Uma ilustração importante disso foi a atitude tomada
pela Igreja Presbiteriana do Norte em 1910, declarando as cinco
doutrinas bíblicas críticas que os candidatos ao ministério
deveriam aceitar: a inspiração e inerrância das Escrituras, a
concepção virginal, a expiação substitutiva, a ressurreição física
de Cristo e sua realização de milagres durante seu ministério na
terra. Outros acrescentavam a divindade de Cristo e a Segunda
Vinda à sua lista de fundamentos.
Na Grã-Bretanha os evangélicos expressaram uma
preocupação semelhante em relação ao modernismo, mas suas
reações não foram tão bem organizadas ou articuladas com tanto
força quanto as de seus colegas na América do Norte. Além disso,
apesar dos conservadores enfatizarem essas crenças fundamentais
durante a disputa com os modernistas pela alma do protestantismo
anglo-americano, o termo “fundamentalismo” só foi criado em
1920 por um jornalista batista. A essa altura, porém, a contenda já
havia assumido um caráter bem diferente.
O Cristianismo encontrava-se em estado de desordem.
Apesar de muitos protestantes continuarem a ver o mundo em
termos otimistas, os evangélicos estavam cada vez mais
conscientes de que nem tudo estava certo. O modernismo parecia
estar avançando, especialmente em suas instituições de ensino
superior e nos empreendimentos de assistência social. Muitos
haviam desistido da “cristianização” do mundo e estavam à
procura da Abençoada Esperança e da Segunda Vinda. Mas então,
quando as chamas da guerra tomaram conta da Europa em 1914,
todas as ilusões do otimismo liberal foram despedaçadas. O
mundo jamais seria o mesmo.

Capítulo 22 - A Igreja no mundo dividido pelas guerras


Enquanto o mundo entrava no século 20, os humanistas
liberais, defensores do Cristianismo social e até mesmo muitos
evangélicos estavam certos de que o reino de Deus, ou pelo menos
um mundo melhor, se aproximava. Talvez nada tenha refletido
melhor esse otimismo do que a extensa obra de três volumes do
missionário americano presbiteriano na Síria, James S. Deenis,
Christian Mission and Social Progress [As Missões Cristãs e o
Progresso Social] (1906). Mas outros questionavam se havia
provas válidas de que tal progresso realmente existia e sugeriam
que os males da industrialização e urbanização eram muito
maiores que seu benefícios. Com certeza os novos sistemas de
crença daquele tempo não eram otimistas e nem ofereciam elogios
à natureza humana. Os marxistas viam os seres humanos em
termos de relação de propriedades, os darwinistas sociais em
termos de sobrevivência do mais adequado, os freudianos falavam
de uma libido desconhecida e os positivistas, de um Racionalismo
científico. Então, duas guerras mundiais, seguidas por quase meio
século sob o temor de uma terceira, sepultaram de vez a esperança
otimista de aperfeiçoamento humano. Essa situação iria moldar
profundamente o Cristianismo do século 20.

A Primeira Guerra Mundial e as igrejas


Apesar da Europa dar a aparência de estar rumando para a
guerra, ainda assim, o movimento pela conciliação nacional tinha
feito muitas conquistas. Havia sociedades pacíficas em vários
países e diversos congressos internacionais procuravam dar uma
rumo a essa causa. Eles acreditavam que a partir da comunidade
internacional iriam surgir instituições que poderiam resolver
disputas entre nações. Nessa época foram formados o Tribunal
Permanente de Justiça Internacional (o Tribunal Mundial) em Haia
e o Fundo Carnegie para a Paz Internacional.
A partir de sua perspectiva cristã, o Secretário de Estado
americano, William Jennings Bryan, negociou tratados de
conciliação ou “resfriamento” para impedir que certos países se
lançassem à guerra e durante o período entre 1913-14 foram
assinados trinta desses tratados. Em 1915 ele contou a um amigo
que aquele havia sido um dos períodos de sua vida guiados por
Deus. Além disso, em 1908 líderes das igrejas na Alemanha e Grã-
Bretanha começaram a trocar visitas para incentivar um
entendimento comum e estabeleceram contatos com colegas nos
Estados Unidos que também compartilhavam dessas
preocupações. Essas iniciativas impressionaram tanto o
industrialista Andrew Carnegie que ele doou uma grande soma
para criar a CPU - Church Peace Union [União da Paz
Eclesiástica] (conhecida nos dias de hoje como Concílio Carnegie
de Ética e Assuntos Internacionais). Seu objetivo era promover a
cooperação ecumênica entre protestantes, católicos e judeus a fim
de buscar os ideais da paz. Em agosto de 1914, representantes da
CPU e os europeus formaram a World Alliance for Promoting
International Friendship Through the Churches [Aliança Mundial
para a Promoção da Amizade Internacional Através das Igrejas].
Apesar dos fundos para a Aliança Mundial virem da CPU, a
guerra limitou seu trabalho à educação e a manter abertas as linhas
de comunicação entre cristãos de ambos os lados. Em 1919 ela
surgiu como uma força importante na promoção do entendimento
internacional.
Apesar das ações bem-intencionadas dos defensores da paz,
as tensões continuaram a crescer. Só foi preciso uma faísca para
acender o barril de pólvora da Europa: o assassinato do príncipe
austro-húngaro em 28 de junho de 1914. Depois dos diplomatas
lutarem em vão para evitar a eclosão de conflitos, os exércitos
marcharam alegremente para a guerra. Eles imaginavam que
estariam de volta ao lar para o Natal, tendo resolvido todos os
problemas prementes pelos quais seus países estavam passando. O
que se seguiu, na verdade, foi um impasse, e durante os três anos
seguintes todos os esforços de romper as linhas inimigas falharam.
Os chamados povos civilizados do Ocidente dedicaram-se a uma
carnificina sem precedentes que custou mais de doze milhões de
vidas e exterminou uma grande porção da população masculina
entre 18 e 32 anos de idade. A liberação das emoções até então
contidas da guerra destruiu o otimismo dos defensores da paz.
1896 1917 1923 1929 1937 1945
Theodor Formação do J. Gresham Acordos Pio XI Bonhoeffer é
Herzl lança Conselho Machen, Lateranenses critica o executado
o movimento Nacional Christianity Nazismo e
sionista Católico de and o
Guerra Liberalism Comunismo
1900 1950
1913 1917 1925 1929 1939 1941-42 1945
Woodrow Revolução Julgamento Começa a Começa o Começa a A bomba
Wilson se torna russa Scopes Grande Holocausto Solução atômica
presidente Depressão na Polônia Final encerra a
Segunda
Guerra
Mundial
1915 1919 1941
Massacres armênios Tratado de O ataque a Pearl Harbor coloca os Estados
Versalhes Unidos na guerra

Tratava-se de uma “guerra total” no sentido de que foi


travada em terra, no mar e no ar, contando com o complexo
industrial para garantir um suprimento constante de armas.
Governos dirigiram a economia de seus países, controlando
rigidamente a produção industrial de alimentos e distribuição de
matéria-prima e mão-de-obra. Através de um bloqueio naval e
submarino, cada um dos lados tentou destruir a economia do outro.
As atividades civis também sofreram restrições. Os direitos
civis foram cortados para silenciar as críticas contra os esforços de
guerra ou combater a subversão doméstica, mesmo que isso fosse
ilusório. Eugene Debs, líder do Partido Socialista Americano, por
exemplo, foi sentenciada a um longo período de prisão por afirmar
que tratava-se de uma “guerra capitalista”. A censura foi usada
para evitar a propagação de notícias que pudessem ajudar o outro
lado e também para erguer o moral. A propaganda de guerra
retratava o inimigo da pior maneira possível e criava nas pessoas
um senso de solidariedade e de convicção de que estavam
engajados numa cruzada de retidão.
Apesar do Comitê Permanente de Edinburgo e o movimento
pela paz terem feito progresso no sentido da cooperação
ecumênica, os sonhos de solidariedade cristã se dissipavam à
medida em que os ventos da guerra sopravam sobre a Europa. A
iniciativa missionária sofreu um golpe devastador tendo em vista
que os fundos para obras em outros países haviam sido
drasticamente reduzidos e as viagens missionárias dificultadas. Os
Aliados também ignoravam a “supranacionalidade das missões”,
um princípio amplamente discutido antes de 1914 quando
conquistaram os territórios alemães na África e no Pacífico. Eles
confiscaram propriedades das missões e detiveram ou repatriaram
missionários de nacionalidade alemã que estivessem trabalhando
nesses locais. Os Aliados continuaram esse processo em seus
próprios territórios na Índia, África e Pacífico Sul.
Essas ações levaram a Igreja a envolver-se nos conflitos
desde o princípio. Líderes da comunidade teológica e missionária
alemã, incluindo Adolf von Harnack, prepararam uma declaração
com termos severos, condenando os Aliados de culpar a Alemanha
pela guerra e de tomar posse de propriedades das missões.
Afirmaram as medidas tomadas por seu país como sendo de defesa
própria. No mês seguinte, líderes e teólogos da Igreja britânica
liderados pelo arcebispo de Canterbury responderam com uma
defesa igualmente severa de seu país e acusações continuaram a
ser trocadas. Pastores de ambos os lados pregavam sermões
extremamente cáusticos proclamanado a retidão de sua causa e
acusando o inimigo dos mais vis motivos e atos. Apesar de John
R. Mott e J.H. Oldham tentarem desesperadamente manter algum
tipo de solidariedade ecumênica, o movimento para a cooperação
entre igrejas baseado no envolvimento comum em missões se
fragmentou. Finalmente, em 1917 os alemães repudiaram Mott
completamente. Porém, um aspecto mais positivo foi que, de
ambos os lados, grupos cristãos como a ACM trabalharam
incansavelmente para dar assistência às regiões afetadas pela
guerra e ajudar prisioneiros de guerra e soldados feridos.
Entre as atrocidades da guerra, houve uma que mexeu
profundamente com o Ocidente — o massacre turco de cristãos
armênios. Um massacre anterior em 1895-97 havia atraído a crítica
internacional mas não havia sido tão extenso como o de 1915. O
conflito existente entre dois nacionalismos, o turco e o armênio,
agravou-se pelo fato da Rússia e da Turquia estarem em lados
opostos na guerra e a população armênia encontrar-se dividida
igualmente entre os dois países. As forças turcas atacaram os
armênios e aproximadamente um milhão deles morreu vítima de
assassinato, linchamento e marchas mortais de deportação. É certo
que os Aliados condenaram verbalmente o genocídio, mas não o
impediram de acontecer. Essa questão é importante pois constituiu
um extermínio sistemático de um povo cristão muito antigo e deu
a Hitler um modelo para seguir no tratamento dos judeus
europeus. Os Massacres Armênios foram preocursores do
Holocausto.
Ao manipular notícias e explorar os erros alemães, como o
naufrágio do navio Lusitânia e a execução da enfermeira Edith
Cavell, os propagandistas dos Aliados conquistaram a simpatia de
pessoas influentes nos Estados Unidos, especialmente nos meios
eclesiásticos. Ao retratar constantemente o conflito em termos
moralistas e ideológicos, como sendo uma guerra santa contra a
tirania, despotismo e militarismo, uma paz negociada e baseada no
restabelecimento do equilíbrio do poder tornou-se totalmente fora
de questão. Apesar do presidente Wilson declarar neutralidade,
tendia cada vez mais para os Aliados e, finalmente, em abril de
1917, colocou o seu país na guerra. Com o envolvimento de
Wilson — o idealista — e a deposição da autocracia russa no mês
anterior, o argumento de que a guerra era uma luta entre a
democracia e o autoritarismo ganhou novo fôlego. Os Poderes
Centrais precisavam ser derrotados para que uma nova ordem
mundial fosse criada.
A maioria dos cristãos americanos apoiou com entusiasmo a
participação na guerra, apesar das igrejas historicamente
favoráveis à paz (Menonitas, Quakers e Igreja dos Irmãos)
continuarem firmes em seus princípios pacifistas. Muitos de seus
membros foram designados para serviços fora de combate ou
recusaram-se completamente a participar. Os menonitas que
tomaram esta última posição foram severamente perseguidos pelas
autoridades civis e militares. Alguns pregadores protestantes
foram a extremos em sua retórica de guerra, como o evangelista
Billy Sunday que declarou: “Se você virar o inferno de cabeça
para baixo, vai ver a marca „Feito na Alemanha‟ escrito no fundo”
ou o proeminente ministro liberal e educador presbiteriano Henry
Van Dyke (1852-1933) que defendia que todos aqueles que
erguiam a voz contra a participação americana na guerra
“deveriam ser enforcados sem demora”. Esse tipo de entusiasmo
ilimitado na defesa de seu lado podia ser encontrado igualmente
nos sermões de ministros alemães e britânicos.
Muito mais importante do que o nacionalismo proclamado
dos púlpito americanos foi o impacto que a guerra teve sobre as
denominações em si. O recentemente formado FCC - Federal
Council of Churches [Concílio Federal de Igrejas], que em 1917
representava dois terços dos protestantes de todo o país, emergiu
como uma das forças religiosas mais influentes da América. Isso
deveu-se à Comissão Geral de Igrejas em Tempos de Guerra do
FCC, que coordenava as iniciativas de assistência social e lidava
com o governo. Ao concentrar-se nas questões práticas, as igrejas
superaram as divisões e desbravaram novos horizontes na busca
pela unidade.
Quanto aos católicos, sua experiência com guerras permitiu
que se tornassem parceiros integrais da comunidade religiosa
americana. Antes dessa época, faltava à Igreja americana uma
organização nacional e coesa. Até 1908 ela nem sequer era
considerada uma unidade independente da Igreja romana. Antes
disso, era uma missão sob a jurisdição primária da Congregação
para a Propagação da Fé em Roma (ver capítulo 12). Só depois de
1908 é que tornou-se igual aos ramos europeus da fé católica.
Através da liderança competente do cardeal Gibbons — que
estabeleceu uma relação bastante próxima com o presidente
Wilson — e do ministério em tempos de guerra do Concílio
Nacional Católico de Guerra, a Igreja desenvolveu um trabalho
nacional unido. Em 1919, essa agência adquiriu caráter
permanente como Conferência Nacional Católica de Assuntos de
Guerra servindo de centro de intercâmbio para os líderes católicos
e cuidando dos interesses da Igreja na esfera política. Em 1966
duas outras organizações assumiram suas funções: a Conferência
católica de Bispos para exercer o ministério pastoral conjunto e a
Conferência Católica dos Estados Unidos para cuidar de questões
políticas públicas.
Com sua visão idealista de guerra como uma contenda do
bem contra o mal e da democracia contra a tirania e o militarismo
prussiano e com sua idéia de um mundo pós-guerra em que todas
as nações viveriam em harmonia e resolveriam suas diferenças
através de um órgão internacional — a Liga das Nações — o
presidente Wilson foi, verdadeiramente, um revolucionário.
Vladimir I. Lenin (1870-1924) e seu Partido Bolchevique
ofereceram um segundo elemento revolucionário ao quadro geral
quando depuseram o governo da República da Rússia em 1917 e
estabeleceram uma ditadura. Sua revisão do sistema de crenças
ultrapassado de Marx deu-lhe nova vitalidade e o Marxismo-
leninismo tornou-se um desafio ideológico gigantesco à
democracia, conforme mostraremos mais adiante. Ciente de quão
fraco era seu controle sobre o poder, Lenin concluiu
imediatamente uma paz separada com a Alemanha. Para ele essa
era a única forma de preservar a revolução na Rússia.
Os alemães estavam prontos para desferir o último golpe na
frente ocidental, mas os recursos industriais e humanos dos
Estados Unidos impediram uma vitória. Os Aliados lançaram uma
ofensiva em todas as frentes, os Poderes Centrais entraram em
colapso, seus países foram varridos por revoluções e a guerra
terminou com o armistício de 11 de novembro de 1918.

O falho acordo de paz


O clima predominante na conferência de paz que se seguiu
em Paris era de nacionalismo do século 19. Os europeus
planejavam punir a Alemanha e impedir que ela se levantasse
contra eles novamente, enquanto muitos dos grupos de diferentes
nacionalidades queriam dividir os antigos impérios em novas
nações-Estado. Os defensores do poder político colocaram de lado
os líderes das igrejas e os estadistas como Wilson que defendiam a
nova diplomacia de se resolver disputas através de leis
internacionais e de uma organização supranacional. O medo de
que o Bolchevismo se espalharia em seus países firmou ainda mais
a resolução dos líderes de não aceitar uma paz conciliatória. Com
ondas conservadoras avançando sobre os países Aliados, os líderes
em Paris estavam extremamente cônscios das tendências
nacionalistas e anti-revolucionárias em suas nações.
O Tratado de Versalhes, assinado com seu principal inimigo
em 28 de junho de 1919, tinha um caráter de paz imposta pois não
foi permitido aos alemães participar das sessões de negociação. A
Alemanha foi forçada a ceder territórios ao seus vizinhos,
submeter-se a severas restrições de armamento e à ocupação da
Renânia e ainda a fazer pagamentos de indenização. Para garantir
o cumprimento desta última exigência a Alemanha teve que aceitar
a responsabilidade de ter causado as perdas e danos sofridos pelos
Aliados por causa da guerra “imposta sobre eles pela agressão dos
alemães e seus aliados”. Essa foi a chamada “cláusula de culpa da
guerra” de que os alemães se ressentiram tão amargamente.
O acordo de paz também ergueu uma barragem na Europa
oriental para conter o Bolchevismo ao permitir a criação de vários
países novos nos territórios dos antigos impérios. Uma vez que a
ameaça bolchevique foi se dissipando, esses Estados foram
assolados pelos conflitos de classe e nacionalidade e a maioria
adotou regimes autoritários. As possessões coloniais da Alemanha
e grande parte das regiões não-turcas do Império Otomano foram
tomadas e distribuídas entre as forças vitoriosas como “mandatos”
sob a supervisão da Liga das Nações. Essa era a organização
mundial que Wilson havia proposto para manter a paz e sua
aliança foi incluída em todos os tratados com os Poderes Centrais.
O presidente americano considerou esta a tarefa mais premente da
conferência de Paris e fez concessões danosas a fim de garantir
sua criação. Ele acreditava que a Liga daria ao acordo de paz um
fundamento moral e os mecanismos necessários para corrigir erros
nos tratados.1
Uma importante realização da comunidade cristã no acordo
de paz foi a preservação das propriedades de missões. Os redatores
do tratado haviam incluído seções autorizando os Aliados a
confiscar em suas terras todos os bens que pertencessem a
cidadãos alemães para quitar dívidas com indivíduos e com os
vários governos. Isso teria significado a completa destruição das
missões alemãs, mas J. H. Oldham e outros membros do grupo
ecumênico persuadiram os redatores do tratado a incluir uma
cláusula de exceção no documento. O artigo 438 determinava que
as propriedades das missões seriam colocadas nas mãos de um
“curador” da mesma denominação que a sociedade envolvida.
Depois que as ânimos haviam se acalmado os curadores ocidentais
discretamente devolveram as propriedades para seus proprietários
alemães.

Os anos inquietos entre as guerras


A grande “guerra civil do Ocidente” havia prejudicado
fatalmente o posicionamento mundial da Europa. Os novos
gigantes industriais, os Estados Unidos e o Japão haviam
encontrado seu lugar ao sol imperial, o primeiro na América
Latina e o último no leste da Ásia e ambos competiam pelo poder
sobre o Pacífico. A Grã-Bretanha estava sob pressão cada vez
maior para relaxar o seu controle sobre a Irlanda, Egito, Oriente
Médio e Índia. O fato é que o movimento da M. K. Gandhi na
Índia, com sua ênfase sobre a resistência não-violenta, boicotes e
desobediência civil, foi grandemente admirado pelos ativistas da
paz no Ocidente. O Estatuto de Westminster (1931) concedia aos
territórios de brancos da Grã-Bretanha (Canadá, Austrália, Nova
Zelândia, África do Sul e Irlanda) igualdade legal com a Inglaterra
na Comunidade Britânica de Nações. Enquanto isso, a iniciativa
francesa de promover a assimilação cultural no norte da África e
Indochina estava afundando nas pedras do nacionalismo colonial.
Ondas cada vez maiores de nacionalismo na China, Japão e
Indonésia desafiavam as comunidades cristãs nesses lugares.
As perdas sofridas pelos países do Ocidente foram enormes e
na realidade quase uma geração toda de líderes pereceu nos
campos de batalha. Suas economias estavam em ruínas e a
perspectiva de indenização pela Alemanha era incerta. Porém, os
tempos haviam mudado. Os regimes democráticos mais antigos
alargaram as bases de participação política de modo a incluir as
mulheres enquanto os mais novos formados desde a guerra
tiveram que lidar com as questões de desemprego, inflação,
reconstrução econômica e extremismos políticos de direita e
esquerda. Organizações da ala esquerdista como o Partido
Britânico do Trabalho e o Partido Social Democrata da Alemanha
passaram a participar de coalizões do governo e na maioria dos
países um Socialismo democrático pragmático havia substituído a
ênfase no laissez-faire de outros tempos. Até mesmo o “New
Deal” de Franklin Roosevelt, cujo objetivo principal era salvar o
sistema capitalista, envolvia uma medida considerável de
intervenção do Estado na economia. O Socialismo se encaixava
bem com os avanços pós-guerra do secularismo, mas como a
maioria dos socialistas havia adquirido uma visão de mundo típica
da classe média, os esquerdistas radicais voltaram-se para o
Comunismo.
Apesar das altas aspirações de seus fundadores, a longo
prazo, a Liga das Nações não impediu agressões ou preservou a
paz. Wilson não conseguiu obter a ratificação do Senado para o
Tratado de Versalhes e os Estados Unidos acabaram não
participando da Liga. Tendo em vista que a Alemanha e a União
Soviética haviam sido excluídas desde sua fundação, os
bolcheviques consideravam a Liga das Nações um mecanismo
capitalista para cercar a Rússia e dar um golpe no Comunismo
enquanto os alemães a viam como um instrumento para fazer
cumprir o Tratado de Versalhes e evitar que seu país se reerguesse.
Quando as duas potências ostracizadas acabaram juntando-se à
Liga (A Alemanha em 1926 e a União Soviética em 1934), só o
fizeram para fortalecer sua posição política e não porque
acreditavam no novo sistema internacional. Considerando-se que a
maioria dos países realizou negociações de desarmamento fora da
Liga e concluiu alianças diretamente entre si, a organização não
conseguiu muita coisa a não ser promover a cooperação nos
âmbitos técnico e econômico e garantir a liberdade religiosa e
missionária nas terras que antes haviam pertencido à Alemanha e
Turquia sob sua supervisão obrigatória.
Apesar da prosperidade ter retornado à Europa até 1924, a
recuperação foi superficial. A economia da Rússia soviética ainda
estava arruinada e havia bolsões de pobreza por toda a parte.
Então, quando o declínio começou em 1929, nada parecia ser
capaz de conter a queda no abismo da Grande Depressão.
Desesperadas por qualquer coisa que pudesse ajudar, as pessoas
abandonaram o meio-termo democrático e voltaram para os
extremos políticos.

Anti-semitismo e sionismo
O crescimento do racismo europeu é um assunto complexo,
mas fica claro que a criação de estereótipos como o “nobre ariano”
e a sistematização dos tipos raciais à partir de características
físicas eram voltadas para um grupo — os judeus. Muito disso
tinha suas raízes nos conceitos românticos de Volk e de sangue e
nas idéias do Socialismo darwiniano de evolução das raças. Havia
também uma lenda medieval bastante popular nesse período sobre
um “judeu errante”, um homem chamado Assuero que apressou
Jesus a caminho da crucificação, recusando-se a confortá-lo e dar-
lhe abrigo e que por isso foi amaldiçoado, condenado a uma
infindável existência errante. Essa lenda reforçava a idéia do judeu
como o eterno estrangeiro, um nômade incapaz e sem raízes que
dedicava-se ao comércio — diferente do bom fazendeiro ariano
que tinha raízes. Um outro mito era o da sinistra conspiração
mundial judia, um tema da ficção do século 19 que foi
incorporado no maior livro anti-semítico de todos os tempos, The
Protocols of the Learned Elders of Zion [Os Protocolos dos Sábios
Anciãos de Sião]. Produzido na Rússia por volta de 1905, chegou
traduzido no Ocidente em 1918 e é considerado desde então a
“bíblia” dos anti-semitas.
Em contraste com esse pensamento, havia a idéia iluminista
de assimilação dos judeus. Esta afirmava que os judeus poderiam
tornar-se parte da civilização em geral e que deveriam ter os
mesmos direitos que todas as outras pessoas. A emancipação —
concessão de direitos civis aos judeus — foi alcançada em muitos
países durante o século 19. Mas em décadas posteriores, o
sentimento anti-judeu mostrou sua cara assustadora outra vez,
especialmente na Rússia mas também na Áustria-Hungria e na
Alemanha. Theodor Herzl (1860-1904), um jornalista austríaco
que acompanhou o julgamento de Dreyfuss e viu o anti-semitismo
agressivo naquele que era o mais liberal de todos os países — a
França — concluiu que a assimilação não era a solução. Publicou
um livro no qual argumentava que os judeus deveriam ter sua
própria terra — um Estado judaico.
Herzl foi o fundador do sionismo moderno, o movimento em
favor de um país para os judeus. Para ele essa era uma resposta
racional para o anti-semitismo e não alguma coisa baseada num
profundo sentimento de identidade nacional dos judeus. Ele não
foi capaz de negociar um acordo com o sultão para separar um
território na Palestina otomana, mas um número cada vez maior se
dirigia para lá de qualquer forma, um gesto que causou espanto
nos árabes nativos da região. Com o crescimento do nacionalismo
árabe por todo o Oriente Médio em 1914, já existia um potencial
para conflitos. Porém, pelo fato da Turquia ter tomado partido dos
Poderes Centrais, o sentimento de sionismo cresceu no Ocidente.
Chaim Weizman (1874-1952), um fervoroso defensor do
movimento na Grã-Bretanha e que tinha contatos em cargos
elevados, persuadiu o Secretário de Assuntos Estrangeiros Arthur
Balfour a apoiar o sionismo como uma medida de guerra.
Na famosa Declaração de Balfour em 2 de novembro de
1917, ele afirmou que o governo britânico “vê favoravelmente a
fundação na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”. A
intenção dessa declaração era firmar o apoio de judeus americanos
e russos para as iniciativas de guerra e buscar um possível endosso
alemão para o sionismo e, de fato, no mês seguinte as tropas
britânicas entraram em Jerusalém. No tratado de paz a Grã-
Bretanha recebeu um mandato da Liga das Nações sobre aquela
área, enquanto a França assumiu o mandato do Líbano e da Síria.
Imigrantes judeus começaram a dirigir-se em massa para a
Palestina mandatária, compraram terras, construíram cidades,
fundaram escolas e hospitais e, em 1929, criaram um órgão de
governo próprio, a Agência Judia da Palestina. Durante os anos
que se seguiram, a violência entre grupos de guerrilha judeus e
árabes intensificou-se e os britânicos ficaram presos entre os dois.
Depois que Hitler subiu ao poder na Alemanha, a imigração
cresceu ainda mais e com ela também o ressentimento árabe. O
número de judeus na região havia subido de 58 mil em 1919 para
450 mil em 1939. Para a Grã-Bretanha o problema na Palestina
parecia não ter solução.

A crise cultural e o pensamento cristão


A revolução de idéias que havia se iniciado antes da Primeira
Guerra Mundial espalhou-se para toda a população na década de
1920. A sociedade ocidental começou a questionar e até mesmo
abandonar valores que antes eram considerados preciosos e
crenças que os haviam orientado desde o Iluminismo. Muitos
autores rejeitaram a fé geral no progresso e racionalidade humana
e sugeriram que a experiência direta e a intuição eram tão
importantes quando o pensamento científico. Vários profetas do
apocalipse falaram do declínio da civilização ocidental e usaram a
guerra mais destrutiva da História como prova de que os seres
humanos eram um bando de animais violentos e irracionais.
Dúvida, desordem, incerteza, alienação e pessimismo
marcaram a crise do pensamento. A nova Física retratou um
universo sem qualquer realidade absoluta e objetiva. Tudo era
relativo e dependia da referência usada pelo observador. A
Psicologia freudiana explicou o comportamento humano em
termos de inconsciente irracional que era dirigido por desejos
sexuais, agressivos e dirigidos para o prazer que estavam em
constante conflito como as partes racionais e morais da mente. O
Positivismo lógico afirmou que os únicos conceitos válidos eram
aqueles que podiam ser testados através de experimentos
científicos ou demonstrados pela lógica da Matemática. Assim,
não se podia falar de conceitos como Deus, liberdade e moralidade
pois estes não tinham significado.
Esses acontecimentos afetaram profundamente a Teologia.
Desde a Idade Média a Fé e a Razão estavam ligadas e a
confiabilidade do Cristianismo só era questionada por aqueles que
estavam do lado de fora, como foi o caso do deísmo iluminista,
que na verdade era uma religião rival. Porém, no século 19 o
conceito de revelação divina foi colocado em dúvida não apenas
por descrentes mas por teólogos dentro da própria Igreja. Essa foi
uma questão extremamente significativa. Se Deus se revelou em
Cristo e redimiu a humanidade do pecado, deve haver submissão a
essa revelação impositiva. Porém, a quem deve-se ser submisso e
até que ponto pode-se acreditar? Essas questões dividiram os
cristãos modernos mais do que as antigas separações
denominacionais.
A reação liberal foi de reforçar a nova situação enquanto os
conservadores a rejeitaram. No cenário americano essa posição
preparou o terreno para um terrível conflito cultural na década de
1920, a controvérsia fundamentalista-modernista. Os
conservadores desafiaram os princípios básicos do modernismo
com coragem profética e mostraram que coisas como a teoria da
evolução e a hipótese documentária das Escrituras eram
incompatíveis com o Cristianismo bíblico. Porém, no estágio
inicial do movimento, conforme exemplificado na obra Os
Fundamentos, os conservadores foram moderados em suas críticas
aos liberais, chegando a cooperar com eles em projetos
denominacionais e interdenominacionais.
Mas a guerra santa de Wilson contra o “barbarismo” alemão
e em favor da “sobrevivência da civilização e moralidade”
transformou a disputa teológica numa luta cultural. Os
conservadores encontraram uma explicação plausível para o
“colapso” da civilização alemã na teologia modernista e na
evolução darwiniana. Logo viram que a “descrença” que havia
destruído a alma da Alemanha estava enfraquecendo as
instituições religiosas e educacionais da América. Assim, a
intensidade e militância da Guerra Mundial foi transferida para o
campo da religião. Outro fator que estimulou o ativismo
fundamentalista foi a profecia bíblica. A libertação britânica de
Jerusalém dos turcos havia aberto caminho para a volta dos judeus
e para muitos isso significava que a Segunda Vinda estava
próxima. Então, o exército celestial do Rei Jesus iria aniquilar as
formas terrenas do mal.
Em 1919, W. B. Riley (1861-1947), um proeminente
pregador batista do norte em Minneapolis, organizou um encontro
de conservadores na Filadélfia para lançar a World’s Christian
Fundamentals Association [Associação Mundial dos Fundamentos
Cristãos]. Seu credo era a inerrância bíblica e a volta pré-milenar e
iminente de Cristo. O movimento espalhou-se rapidamente e
desafiou os modernistas em duas frentes: nas igrejas e na cultura
de um modo geral. As principais denominações e suas agências
missionárias combateram o Liberalismo ao pressionar os oficiais a
se comprometerem com as doutrinas tradicionais. Modernistas
como Shailer Mathews e Harry Emerson Fosdick (1878-1969),
que se chamavam de “liberais evangélicos”, apelaram para a
tolerância e insistiram que na verdade estavam preservando as
linhas principais da ortodoxia cristã numa expressão mais
adequado para os novos tempos. Em grande parte esse era um
problema do norte, tendo em vista que os conservadores
controlavam as denominações do sul. As lutas mais dramáticas
aconteceram nos Discípulos de Cristo, Convenção dos Batistas do
Norte e Igreja Presbiteriana nos EUA. Uma figura central desse
último grupo foi o brilhante estudioso do Novo Testamento do
Seminário de Princeton, J. Gresham Machen (1881-1937), cujo
livro Christianity and Liberalism [Cristianismo e Liberalismo]
(1923) argumentava de modo convincente que esses dois lados
eram religiões diferentes.
Na esfera cultural, o movimento concentrou-se em salvar a
civilização americana da influência perniciosa do darwinismo, que
foi acusado de causar a revolução na moralidade e ameaçar a
democracia. Os fundamentalistas asseguraram-se de que fossem
aprovadas leis em alguns estados proibindo o ensino da evolução
nas escolas públicas, mas a lei do Tennessee foi desafiada pelo
Julgamento de Scopes em 1925. A mídia transformou esse
julgamento num circo. Os fundamentalistas foram ridicularizados
e o movimento perdeu força rapidamente. Machen deixou
Princeton em 1929 e começou o novo Westminster Theological
Seminary e os conservadores deixaram as principais
denominações para começar novos grupos, como a Igreja
Presbiteriana Ortodoxa (1932), a Igreja Metodista do Sul (1936),
as Igrejas Independentes Fundamentais da América (1930) e a
Convenção Cristã Norte-Americana (1927).
Pelo fato de concentrarem-se exclusivamente em negar o
modernismo, os fundamentalistas deixaram de desenvolver uma
visão afirmativa de mundo e tornaram-se, desse modo, o partido
derrotado na política denominacional. Ainda assim, o
fundamentalismo passou por uma transformação institucional,
transformando-se numa religião popular através da criação de uma
complexa rede de institutos bíblicos, conferências bíblicas de
verão, iniciativas de radiodifusão religiosa e sociedades
missionárias. Isso permitiu que os conservadores voltassem à tona
com vigor renovado na década de 1940.
Ao mesmo tempo, um outro movimento chamado neo-
ortodoxia oferecia respostas mais singulares para o dilema
moderno. Uma importante fonte dessa nova visão de mundo foi
Soren Kierkgaard (1813-55), um filósofo dinamarquês cujas obras
eram desconhecidas fora de sua terra natal até o século 20. Ele
veio de uma família devota, estudou para o ministério mas nunca
pastoreou uma igreja e viveu uma existência solitária e
deprimente. Passou a ver a importância da fé pessoal baseado num
coração partido, rebelou-se contra as explicações sobre a fé
oferecidas pelo racionalismo popular e insistiu que a verdade
podia ser vista através das lutas, da dedicação e da decisão.
Kierkgaard declarou que “a existência é anterior à essência”,
isto é, que a pessoa individual é mais importante do que a
abstração. Possuía uma profunda consciência do pecado e achava
que o abismo entre o Deus distante e majestoso e a humanidade
podia ser transposto somente através da fé em Cristo. Cada pessoa
está sozinha diante de Deus e deve encontrar o caminho até Ele
através da ansiedade e do desespero. Deve-se ter uma fé autêntica
e pessoal, não algo recebido de segunda mão da Igreja oficial
secular e morna de sua época. Foi o primeiro expoente do
Existencialismo, a filosofia que rejeitava tanto o Romantismo
como a Razão e enfatizava a existência da pessoa como um todo
(ou o ser) e a experiência como base para o viver.
Foi depois da Primeira Guerra Mundial que a melancolia do
dinamarquês influenciou a Teologia. O sofrimento daquele
conflito desacreditou a fé na Ciência e na capacidade de
aperfeiçoamento do ser humano e muitos se perguntaram como
Deus podia permitir tal tragédia. O pastor suíço Karl Barth (1886-
1968), que viria a ser o maior teólogo do século 20, publicou um
comentário sobre Romanos (1919) que tomava por base a Bíblia e
a obra de Kierkgaard e mostrava a inadequação do Liberalismo e a
necessidade de uma fé genuína em Deus. Rejeitando a ênfase
liberal sobre a imanência de Deus na natureza, Barth insistiu na
transcendência divina. A teologia não era uma experiência
religiosa ou filosofia humana, mas uma dependência da palavra
revelada de Deus. A História não era o desenvolvimento gradual e
progressivo de uma vida boa, mas sim de caráter “dialético” ou
“cataclísmico”. Ele caracterizou a existência humana como a
tensão entre o julgamento e a graça de Deus. A única esperança
estava na “crise de fé” quando havia o arrependimento diante de
Deus e o viver num estado de humildade, perdão e obediência.
Isso preparava o indivíduo para a participação na Igreja e no reino
de Deus, para o qual não há substitutos nas meras instituições
humanas.
Apesar dessas idéias serem semelhantes às dos reformadores
protestantes, a neo-ortodoxia reteve algumas coisas do
Liberalismo do século 19, incluindo a explicação científica da
natureza e da vida humana, a natureza histórica das declarações e
atividades religiosas e a necessidade de relevância por parte da
mensagem cristã. Além disso, por não ser uma escola organizada
ou movimento, foi difícil encontrar qualquer teólogo associado a
ela que concordasse com todas essas afirmações. Eles vão dos
“ortodoxos” Barth e Emil Brunner (1889-1956) até Reinhold
Niebuhr (1892-1971) e o “liberal” Paul Tillich (1886-1965). Na
realidade, tratava-se de uma síntese do velho e do novo que
contribuiu muito para restabelecer a mensagem da Bíblia, a missão
singular da Igreja, a importância da Teologia e a relevância do
evangelho cristão tanto para a vida pessoal quanto social.
Depois de 1918, a religião tornou-se mais importante e
significativa para os pensadores do que havia sido antes. Não
apenas os filósofos franceses Gabriel Marcel (1889-1973) e
Jacques Maritain (1882-1973) voltaram-se para o Catolicismo em
busca de sustento para sua fé como também os escritores T. S.
Eliot (1888-1965) e C. S. Lewis (1898-1963) eram profundamente
comprometidos com os valores cristãos. Através de suas obras
literárias e apologéticas, Lewis exerceu uma enorme influência no
evangelicalismo anglo-americano, onde é considerado em alta
estima até os dias de hoje.

Ditaduras desafiam a Igreja


O maior desafio para o Cristianismo no período entre guerras
foi das ditaduras brutais que surgiram na Itália, Alemanha e
Rússia. Elas normalmente são chamadas de “totalitárias”, apesar
da maior parte dos historiadores relutar no uso desse termo pois
ele não transmite uma definição significativa e é usado
principalmente no contexto de propaganda.
O Fascismo e a Igreja Católica
A primeira ditadura foi a de Benito Mussolini (1883-1945)
na Itália. Um ex-jornalista, veterano de guerra e orador talentoso,
ele fundou o Partido Fascista em 1919, sendo que este explorava
os descontentamentos nacionalistas e o medo do Bolchevismo. Ele
chegou ao poder através de um blefe na chamada Marcha sobre
Roma em 1922 e nos anos seguintes governou o país com mão de
ferro através da supervisão policial, terror, censura e propaganda.
Na esfera religiosa, a maior realização de Mussolini foi a
reconciliação entre a Igreja Católica Romana e o Estado italiano.
O papa Pio XI, eleito em 1922 e inimigo fervoroso do Comunismo
bem como do Liberalismo tradicional estava disposto a fazer
vistas grossas para os aspectos menos atraentes do regime fascista
a fim de resolver a Questão Romana. Apesar do próprio Mussolini
ser contra o clero, ele via as vantagens políticas de um acordo e o
resultado foram os Acordos de Latrão de 1929. O papado abriu
mão da petição de territórios na Itália, reconheceu a dinastia
governante italiana e concordou em ficar fora da política. Da sua
parte, a Itália reconheceu a Cidade do Vaticano como um Estado
independente e soberano, compensou a Santa Sé pela perda de
Roma em 1870, estabeleceu o Catolicismo como “única religião
do Estado”, estendeu as leis canônicas às questões de casamento,
permitiu a instrução religiosa nas escolas e concordou em dar
condição legal permanente às ordens e associações religiosas.
Apesar de Pio ter elogiado o ditador como “homem enviado
pela providência”, as relações entre eles logo esfriaram. Em 1931
o papa criticou alguns aspectos do regime de Mussolini,
especialmente sua sanção severa sobre a Ação Católica, uma
grande organização leiga que dedicava-se à educação e assistência
social. O Duce acabou cedendo e permitindo que a associação
continuasse a existir, mas sob severas restrições. Líderes
eclesiásticos italianos deram sua bênção para iniciativas
ultramarinas como a conquista da Etiópia e a intervenção na
Guerra Civil Espanhola e a única crítica das ações fascistas foi em
relação a questões específicas da competição entre Igreja e Estado
e não sobre assuntos teológicos ou filosóficos mais amplos,
Também houve laços entre o Catolicismo e outros movimentos de
estilo fascista na Áustria, Espanha, Portugal e Hungria.

O sistema nazista e a reação cristã


O Socialismo nacionalista (Nazismo) na Alemanha nutriu-se
das desilusões com a guerra, do ressentimento sobre a paz e dos
problemas econômicos. Um veterano de guerra e agitador político
nascido na Áustria, Adolf Hitler (1889-1945), transformou o
Partido Socialista Nacional numa organização poderosa depois do
início da depressão. Conservadores de pouca visão que
consideravam-no um antídoto para o Comunismo ajudaram-no a
tornar-se chanceler em 30 de janeiro de 1933. Uma vez com o
poder em suas mãos, Hitler colocou gente de sua confiança em
cargos estratégicos e usou da força para intimidar seus inimigos.
Em dois anos o Estado estava sob seu controle absoluto.
A idéia organizacional básica de Hitler era a união do povo
alemão com um líder (Führer) e a introdução do princípio de
liderança nas estruturas políticas, econômicas e sociais do país. Ao
integrar todas as classes que estavam em competição e os grupos
de interesse dentro de uma nação, os nazistas esperavam formar a
supercomunidade ideal mas não conseguiram ganhar a lealdade
completa do exército e dos líderes da Igreja. Ideologicamente, os
nazistas rejeitavam o Iluminismo, a vida urbana, a democracia e
outros aspectos da existência moderna e exaltavam o Volk, sangue
e solo, afirmando que os alemães possuíam várias características
ligadas à sua pátria e ambiente que os diferenciavam do resto. Na
luta social darwiniana entre grupos e nações, os alemães mais
fortes iriam deslocar e destruir as raças mais fracas. Uma destas
eram os russos. Hitler disse que os alemães precisavam de “espaço
para viver”, o que iriam obter com a conquista da Rússia. Então,
fazendeiros alemães seriam assentados lá, longe das influências
corruptíveis das cidades e supririam a matéria prima, alimentação
e força de trabalho para o “Reich de Mil Anos”.
Na teoria racial de Hitler, os judeus eram a fonte de todos os
males, a “raça destruidora de cultura” que deu ao mundo tanto o
Capitalismo como o Marxismo. Até a fé cristã era uma artimanha
dos judeus: “o maior golpe a atingir a sociedade foi a chegada do
Cristianismo. O Bolchevismo é o filho ilegítimo do Cristianismo.
Ambos são invenções dos judeus”.2 Ele via a raça ariana “criadora
de cultura” como se estivesse envolvida numa luta pela
sobrevivência, sendo que a erradicação dos judeus como raça seria
um ato de purificação social que restauraria o passado não-
corrompido. Estas foram as bases ideológicas do Holocausto.
Os nazista privaram meio milhão de judeus alemães de seus
direitos de cidadania e através de boicotes, expulsão de seus
empregos e perseguição constante, incentivaram-nos a emigrar.
Em novembro de 1938 eles foram vítimas de um terrível massacre
organizado conhecido como a “Noite do Vidro Quebrado”. Depois
que os exércitos alemães marcharam sobre o leste da Europa, cuja
população de judeus era bem maior, o anti-semitismo tornou-se
muito mais violento. Na Rússia, esquadrões da morte nazistas
assassinaram centenas de milhares de judeus onde quer que
estivessem enquanto na Polônia eles foram ajuntados em favelas
urbanas miseráveis chamadas de “guetos”.
Os notórios campos de concentração, construídos a princípio
para quebrantar o espírito dos inimigos do Nazismo, tinham um
significado ainda mais sombrio para os judeus. Em 1940-41 foram
criados seis campos na Polônia, sendo os mais conhecidos
Auschwitz e Treblinka, onde os nazistas colocaram em
funcionamento a “solução definitiva”, o extermínio de populações
inteiras de judeus da Europa. Homens, mulheres e crianças eram
transportados para essas “fábricas de morte” e, a sangue frio, de
modo calculado, eram espancados, deixados para morrer de fome
ou exaustão com trabalhos forçados, usados em experiências
médicas e mortos em câmaras de gás. As estimativas mais precisas
indicam a morte de aproximadamente seis milhões de judeus no
Holocausto e até hoje teólogos e filósofos procuram o significado
dessa tragédia incompreensível.
A situação dos cristãos sob o regime nazista também era
precária. Nascido e educado no Catolicismo, Hitler abandonou
qualquer princípio cristão que pudesse ter possuído mas nunca
rompeu formalmente seus laços com a Igreja e nem foi
excomungado. O Socialismo Nacional em si era uma nova fé que
apelava para os alemães que almejavam a regeneração nacional. A
atitude de Hitler para com as igrejas era política; ele invejava o
poder que o Catolicismo exercia sobre seus fiéis mas desprezava o
Protestantismo por sua falta de unidade e autoridade. Porém,
durante sua ascensão ao poder ele procurou agradar a membros de
ambas as igrejas.
A maioria dos protestantes não tinha nenhum envolvimento
com a república pós-guerra, cuja Constituição separava a Igreja e
o Estado e parecia ser dominada por socialistas e católicos, mesmo
que a Igreja Católica continuasse a ter uma posição privilegiada. A
maioria dos líderes eclesiásticos simpatizava com a ala de direita
anti-republicana e via de forma positiva o “movimento nacional”
de Hitler à medida em que as condições foram se deteriorando
depois 1929. Eles faziam vistas grossas para o lado anti-semítico e
pagão do Nazismo e louvavam o anticomunismo de Hitler e seu
chamado para um “Cristianismo positivo”. Um partido pró-nazista
chegou a surgir dentro da Igreja, os chamados “Cristãos Alemães”.
A “tomada do poder” por Hitler foi recebida com
entusiasmo. Alguns esperavam ver a república “marxista” ser
substituída por um governante cristão. Seu programa “pró-moral”
e “pró-família” também era atraente no sentido de que enfatizava a
importância de se ter filhos e o lugar da mulher no lar e prometia
eliminar a pornografia, prostituição e homossexualidade. Mas sua
própria política era puramente pragmática, tendo em vista que ele
percebeu o poder que era exercido pela Igreja e não queria um
outro Kulturkampf. Mais que depressa ele conquistou a simpatia
dos católicos e o Partido de Centro votou em favor da medida que
permitia que ele governasse por decreto. Depois que seu partido e
os sindicatos de trabalhadores foram dissolvidos, Hitler assinou
um tratado com o Vaticano garantindo aos católicos alemães o
direito de praticar sua religião e a independência da Igreja. Isso
sem dúvida enfraqueceu a resistência nos meios católicos.
Os nazistas tiveram mais problemas com os protestantes. Os
Cristãos Alemães desejavam unificador todas as igrejas regionais
numa única Igreja nacional sob um “Bispo do Reich” nazista
chamado Ludwig Müller (1883-1945). Também queria que a
Igreja introduzisse o princípio de Fürher e adotasse o “Parágrafo
Ariano” que permitia a demissão de qualquer funcionário da Igreja
de descendência judia. Mas Hitler rejeitou a idéia de uma Igreja de
Estado Socialista Nacional pois acreditava que a única função da
Igreja era atender ao povo ignorante que ainda tinha necessidades
religiosas. Qualquer igreja, até mesmo uma que fosse nazificada,
poderia limitar seu poder e não tardou para que os Cristãos
Alemães fossem completamente ignorados.
O Parágrafo Ariano indignou muitos dentro da Igreja e em
setembro de 1933 o pastor Marin Niemöller (1892-1984) formou a
Liga de Emergência dos Pastores para combater as idéias dos
Cristãos Alemães. Isso marcou o início do “conflito eclesiástico”.
Seu grupo repudiou o Bispo do Reich e criou uma estrutura
eclesiástica de governo alternativa conhecida como a Igreja
Confessional. Suas bases teológicas foram apresentadas pela
Declaração de Barmen em maio de 1934. Escrita em grande parte
por Karl Barth, ela chamava a Igreja alemã de volta para as
verdades centrais do Cristianismo e rejeitava as afirmações
totalitárias do Estado nas questões da fé.
A Declaração não tinha a intenção de ser um protesto
político e a Igreja Confessional não planejava liderar uma
resistência contra o Nazismo. Essas medidas foram tomadas a fim
de defender a fé ortodoxa de inovações e distorções heréticas dos
Cristãos Alemães. Porém, a Igreja Confessional foi repudiada ou
pelo menos ignorada pela maioria dos líderes protestantes e
perseguida pela Gestapo. Sua própria existência era embaraçosa
para os nazistas e seu testemunho do senhorio de Cristo desafiava
implicitamente a declaração de poder absoluto da parte de Hitler.
Algumas figuras da Igreja, sendo uma das mais conhecidas
Dietrich Bonhoeffer (1906-45), envolveram-se com a resistência
anti-hitlerista, mas o conservadorismo e nacionalismo da maior
parte dos cristãos os impediu de erguer-se contra o sistema
perverso. Ainda assim, a Igreja Confessional havia desafiado a
aliança tradicional entre Igreja e Estado, fato que marcou o
rompimento mais radical na história da Igreja alemã desde a
própria Reforma.
Os católicos também foram envolvidos no Conflito
Eclesiástico quando os nazistas destruíram uma rede de
organizações católicas e fecharam o cerco em torno de sua
imprensa e escolas. Os líderes ficaram alarmados com a
propagação do “novo paganismo” e em 1937 o papa Pio XI emitiu
a encíclica Com Profundo Pesar, que foi levada clandestinamente
para dentro da Alemanha e lida dos púlpitos no Domingo de
Ramos. Pedia aos católicos que rejeitassem o culto idólatra à raça
e ao Estado e se mantivessem leais a Cristo e Sua Igreja.
Enfurecido, Hitler evitou um rompimento com Roma ao responder
com o silêncio. Os nazistas mantiveram a pressão sobre o clero
para evitar qualquer resistência mas não tomaram nenhuma atitude
contra dignitários como o Bispo de Münster que criticou o
programa de eutanásia em 1941.

O Cristianismo sob o Comunismo soviético


A terceira grande ditadura foi fundada por Lênin na Rússia.
Ele havia desenvolvido uma doutrina do Partido e da natureza da
Revolução que iriam garantir a vitória ao proletariado, mesmo
num país retrógrado como a Rússia. Sob um partido rigidamente
organizado trabalhadores e camponeses podiam dar um golpe no
regime czarista e estabelecer uma ditadura revolucionária para
dirigir o desenvolvimento econômico do país e criar uma
sociedade sem classes. Em 1917 os bolcheviques se identificaram
com os concílios eleitos pelo povo (soviets) e tomaram o poder de
uma república fraca que havia substituído o czar. Ao começar a
colocar suas teorias em prática, seus inimigos contra-atacaram,
levando a uma amarga guerra civil e à intervenção dos Aliados
ocidentais. Os bolcheviques tentaram em vão incentivar
revoluções nos países capitalistas, mas quando perceberam que a
força dos Estados europeus era derivada de seus impérios, os
comunistas também apoiaram a libertação colonial.
Logo depois da morte de Lênin em 1924, o ambicioso Joseph
Stalin (1879-1953) subiu ao poder. Quando menino ele freqüentou
um seminário ortodoxo em Tiflis, mas abandonou a religião em
troca do Materialismo marxista. Stalin percebeu como era fútil
tentar espalhar a revolução para além da Rússia e pôs-se a
transformá-la num Estado industrializado tomando como base seus
próprios recursos para que pudesse competir com as nações
capitalistas do Ocidente. O que se seguiu foi a criação de uma
ditadura ainda mais brutal que a de Hitler, envolvendo a
coletivização forçada de fazendas, terror policial, campos de
trabalho escravo, extermínio de rivais e russificação dos povos
subjugados do antigo império czarista, que em 1922 recebeu o
novo nome de União Soviética. Ele trouxe para o Comunismo o
“culto à personalidade”.
Tendo em vista que a hostilidade para com todas as religiões
era um tema central do Marxismo-leninismo, os comunistas russos
lutaram ativamente contra a Igreja. Eles não apenas viam o
Cristianismo como uma força social reacionária que impedia o
progresso rumo a uma sociedade sem classes, como também o
consideravam uma visão de mundo alternativa que ameaçava o
poder e o prestígio do partido comunista. Da sua parte, os cristãos
não podiam aceitar a visão secular de que a natureza estava
encaminhando a humanidade para um final definitivo e perfeito e
nem a ênfase marxista-leninista sobre a luta violenta entre classes.
Nos últimos dias do regime czarista, muitos líderes
eclesiásticos acreditavam que as condições dos trabalhadores e
camponeses precisavam ser melhoradas, mas poucos estavam
dispostos a aceitar o Socialismo. Assim, eles receberam de braços
abertos a Revolução de março de 1917 que criou a república. Em
agosto de 1917, foi convocado um conselho totalmente russo
(Sobor) da Igreja. Este foi contra a opinião pública ao reintroduzir
o sistema patriarcal de governo eclesiástico que havia sido abolido
em 1700, ao nomear para o cargo o prelado de Moscou, Tikhon
(1866-1925).
Quando os bolcheviques tomaram o poder em novembro,
confiscaram terras da Igreja, cancelaram subsídios do Estado para
a Igreja, decretaram o casamento civil e nacionalizaram as escolas.
O patriarca Tikhon reagiu excomungando os líderes do governo e
através de manifestação pública os oficiais da Igreja pediram a
restauração da monarquia. O governo de Lenin retaliou ordenando
a separação imediata entre Igreja e Estado e reconhecendo a
igualdade perante a lei de todos os grupos religiosos. Todo e
qualquer vestígio de religião foi banido das escolas públicas e
todas as propriedades da Igreja foram nacionalizadas.
Propriedades que geravam lucro ficaram com o Estado enquanto
os edifícios usados para cultos foram cedidos para as
congregações sem que nada fosse cobrado. Tikhon condenou
severamente a tomada de tesouros da Igreja, com a finalidade de
alimentar os famintos mas acabou se retratando por suas “ações
anti-soviéticas” e declarou-se leal ao regime. Um cisma ocorreu
quando um grupo de sacerdotes paroquiais formaram a “Igreja
Viva” que apoiava as reformas. Porém, o Sobor de 1923 aceitou a
postura soviética, cortou todos os laços contra-revolucionários e
assegurou o governo de sua lealdade.
Apesar das várias constituições garantirem “liberdade
religiosa e de propaganda anti-religiosa”, a Lei de Associação
Religiosa de 1929 limitava rigidamente as atividades das igrejas.
Elas não podiam dedicar-se a trabalho social, educacional ou de
caridade, distribuir ajuda material para seus membros ou realizar
reuniões que não fossem cultos. Além disso, cada congregação
tinha que ser registrada, reuniões extraordinárias ou conferências
religiosas necessitavam de permissão especial e oficiais fechariam
a Igreja se resolvessem que precisavam do prédio para alguma
finalidade pública.
A década seguinte foi de intensa perseguição, durante a qual
milhares de clérigos foram presos ou assassinados e os
sobreviventes, tratados como cidadãos de segunda categoria ou
perseguidos pela polícia secreta. Em decorrência disso, a Igreja
ortodoxa russa viu-se à beira da desintegração, enquanto o terror
stalinista eliminava completamente os luteranos e destruía as
denominações evangélicas cristãs-batistas. Um grande número de
menonitas emigrou para as Américas na década de 1920 e aqueles
que ficaram foram perseguidos, assim como todos os outros
grupos religiosos — católicos romanos, católicos uniatas, antigos
crentes e até mesmo judeus e muçulmanos. O Vaticano condenou
energicamente as perseguições e em 1937 Pio XI declarou que o
“Comunismo é intrinsecamente errado e ninguém que pretendia
salvar a civilização cristã poderia colaborar em suas ações
quaisquer que fossem elas”. Porém, depois que a Rússia entrou na
Segunda Guerra Mundial, Stalin permitiu muito mais liberdade
para a Igreja, pois percebeu que esta poderia contribuir para o
moral do povo e servir para promover a política externa soviética.

A Segunda Guerra Mundial e as igrejas


As atividades expansionistas dos ditadores da Alemanha e
Itália e a sociedade exclusivista de militares do Japão foram
fatores que levaram à Segunda Guerra. Em 1941 a Rússia foi
atacada pela Alemanha e os Estados Unidos pelo Japão,
preparando desta forma o cenário para o maior conflito de toda a
História. Durante a década de 1930, os cristãos estavam divididos
em suas atitudes para com as ditaduras. Alguns eram tão
profundamente anti-comunistas que apoiavam movimentos do tipo
fascista e Hitler até encontrou favor entre alguns cristãos. Um
deles chegou a elogiá-lo em 1936 por construir “uma frente de
defesa contra o Anticristo do Comunismo”. Cristãos liberais
pendiam para a esquerda e alguns eram socialistas ativos, como
Reinhold Niebhur e Norman Thomas, mas poucos juntaram-se ao
partido comunista ou condescenderam com os acontecimentos na
União Soviética.
O movimento de paz na América serviu de apoio para as
políticas isolacionistas, mas alguns liberais perceberam uma vasta
diferença entre 1914 e a situação de sua época e começaram a
argumentar em favor da participação americana nas lutas cada vez
mais abrangentes. Irados com aquilo que consideravam um
pacifismo cego, Niebuhr e outros fundaram o jornal Christianity
and Crisis [Cristianismo e Crise] em fevereiro de 1941,
desafiando o povo da igreja a rejeitar a neutralidade e aceitar a
intervenção como uma alternativa necessária.
Uma vez que a guerra chegou, líderes eclesiásticos de vários
países juraram lealdade a seus regimes, mas em comparação com
1914, o compromisso não foi tão rígido. No Ocidente, igrejas
davam aos soldados cuidado pastoral através de capelães militares,
os direitos de objetores religiosos conscientes eram normalmente
respeitados e alguns clérigos chegaram a demonstrar oposição à
guerra ou pelo menos criticaram o bombardeio destruidor sobre a
Alemanha e Japão. Líderes protestantes e católicos alemães
também pediram ao seu povo que se retirasse das iniciativas de
guerra, enquanto as igrejas russas apoiaram com entusiasmo a
“Grande Guerra Patriótica”. No Japão a pequena comunidade
cristã havia sido forçada a formar uma única igreja, a Kyodan,
sendo que esta urgia seus seguidores a “promover o grande
empreendimento”. Alguns evangelistas que criticavam os festivais
patrióticos shintoístas foram perseguidos.
Na Alemanha, as atitudes conciliatórias dos líderes da Igreja
não impediram a perseguição de cristãos. Os conselheiros mais
próximos de Hitler estavam trabalhando no sentido de chegar a
uma “solução final” das relações entre Igreja e Estado e seu
Cristianismo de “nova ordem” seria deixado agonizando até que,
nas palavras de Hitler, tivesse uma “morte natural”. Nas áreas
ocupadas sacerdotes e pastores, juntamente com leigos devotos,
eram tratados como criminosos comuns e milhares foram
executados ou enviados para campos de concentração. Porém,
alguns cristãos foram motivados por sua consciência a rejeitar o
regime nazista e até mesmo matar Hitler se isso fosse necessário
para dar um basta à violência demente que ele havia desencadeado
pelo mundo. Alguns estavam envolvidos na conspiração para
depor o Fürher e, na realidade, a pessoa que plantou a bomba no
dia 20 de julho de 1944 foi o conde Klaus von Stauffenber, um
católico fervoroso. Infelizmente, a explosão só feriu Hitler e a
retaliação nazista foi rápida. Dentre os milhares de mártires
estavam o leigo luterano Conde Helmuth von Moltke, o jesuíta
Alfred Delp e Dietrich Bonhoeffer. Martin Niemöller passou mais
de sete anos em campos de concentração como “prisioneiro
pessoal” de Hitler.
No final das contas, porém, as igrejas protestantes não
tiveram a coragem moral de resistir a Hitler, fato que foi
reconhecido na “Declaração de Culpa de Stuttgart”, escrita por
Niemöller em outubro de 1945. Isso deveu-se a sua preocupação
exclusiva com a fé pessoal individualista, sua tradição de
submissão ao Estado e uma visão de mundo conservadora que lhes
permitiu aceitar a declaração nazista de que eram a única
alternativa ao Comunismo. O silêncio de Pio XII quando subiu ao
trono papal em 1939 foi especialmente controverso tendo em vista
que ele pessoalmente detestava o Nazismo e o Comunismo. Os
críticos afirmam que sua falha em condenar a agressão nazista e o
massacre de milhões de judeus foi porque ele queria ver a
destruição do Comunismo. Os defensores argumentam que ele
precisava ser neutro e que os católicos alemães apoiavam Hitler
tão fortemente que não reagiriam a qualquer iniciativa que fosse
tomada para contra-atacar as políticas nazistas em relação aos
judeus.
O movimento ecumênico protestante também viu-se numa
posição difícil pois não queria colocar em perigo o destino dos
crentes na União Soviética, nos países do Eixo ou nos territórios
ocupados pelos japoneses ao condenar pecados específicos de
lideres nacionais desses lugares. O Concílio Missionário
Internacional ajudou as “missões órfãs” da Alemanha e de outros
países europeus na África e na Ásia a continuar funcionando,
demonstrando assim que uma comunhão cristã mundial era
possível. Outros grupos ecumênicos concentraram-se na ajuda
internacional, cuidando de prisioneiros de guerra e refugiados e
mantendo contato entre as igrejas de ambos os lados.
A guerra teve, claramente, um impacto devastador sobre o
Cristianismo, tanto física quanto moralmente. Milhares de igrejas
foram destruídas, clérigos foram mortos e crentes perseguidos ou
arrancados de seus lares. O nível de violência cresceu por causa de
tantas novas armas, de bombardeios incendiários e, no final, da
bomba atômica, sendo que todos estes resultaram na morte de
milhões de pessoas. O rumo intencional tomado pela guerra de se
atacar civis e a indiferenças dos líderes ocidentais que se diziam
cristãos diante do sofrimento dos judeus e a aliança das
democracias do Ocidente com a União Soviética foram questões
morais de grande preocupação para os cristãos. Isso levou muitos
a perguntar se a “guerra justa” ainda era possível e a sugerir que o
apoio cristão à guerra só levou à sua intensificação.
A Segunda Guerra Mundial terminou com grandes porções
da Europa e Ásia em ruínas. Mas a paz que retornou foi irrequieta
porque uma “guerra fria” entre os dois aliados — Estados Unidos
e União Soviética — logo passaria a dominar o cenário
internacional. Ainda assim, o poder ocidental havia terminado e o
processo de libertação colonial significava que um novo mundo
estava se formando. Nessas áreas, o Cristianismo realizou grandes
avanços e dentro de algumas décadas o centro de gravidade
numérica mudou-se da Europa e América do Norte para a Ásia e
América Latina. Isso apresentou novos desafios para a fé cristã na
última metade do século 20.

Capítulo 23 - A Igreja como instituição global


O impacto da Guerra Fria sobre as igrejas foi misto. Nos
países do bloco soviético os cristãos sofreram discriminação, os
regimes sujeitaram as igrejas a constantes pressões e o
Cristianismo foi levado à clandestinidade ou reduzido à
impotência política. Nas terras ocidentais o evangelicalismo
desabrochou, mas as igrejas tradicionais experimentaram uma
queda contínua na freqüência aos cultos. Em ambas as partes, a
influência pública das igrejas decresceu, mas pelo menos os
líderes políticos do Ocidente continuavam a identificar-se com
uma igreja ou denominação, quer fossem membros praticantes ou
não. Os evangélicos nos Estados Unidos contribuíram muito para
a propagação da fé através de uma crescente força missionária e da
evangelização de massas. Consequentemente, as igrejas do mundo
não-ocidental cresceram a passos largos. Mas encontraram um
grande rival no ressurgimento das religiões não-cristãs.

A guerra fria do começo ao fim


A Segunda Guerra Mundial não terminou com um tratado
geral de paz. Os líderes Aliados traçaram um esboço do mundo
pós-guerra durante várias conferências mas profundas divisões
surgiram entre Stalin e seus colegas do Ocidente — Churchil da
Grã-Bretanha e Roosevelt dos Estados Unidos. Esses dois últimos
sonhavam com uma nova era em que todas as nações teriam um
governo próprio, direitos iguais e trabalhariam juntas em busca de
segurança econômica, melhoria do padrão de vida e eliminação da
força e das agressões nas questões internacionais.
Com o final da guerra em 1945, formou-se a Organização
das Nações Unidas. O sonho de um mundo onde todos os povos
viveriam em paz parecia prestes a se realizar. Porém, esse não
seria o caso. Os soviéticos, que haviam sofrido ataques do
Ocidente duas vezes no último século, estavam inflexíveis quanto
a necessidade de segurança contra qualquer futura agressão alemã.
Assim, o Exército Vermelho permaneceu na Europa oriental, onde
eles puseram-se a estabelecer “democracias populares” comunistas
nesses países. As tensões entre Oriente e Ocidente cresceram à
medida em que os soviéticos paralisaram as Nações Unidas com
seus vetos e tentaram forçar os poderes ocidentais a sair de Berlim.
Os vitoriosos haviam conseguido ocupar a Alemanha e o Japão e
de fazer tratados com a Itália e o Japão mas tinha sido impossível
chegar a um acordo final sobre a Alemanha. Apesar da Guerra Fria
ter começado como uma rivalidade entre duas grandes potências,
adquiriu rapidamente um caráter ideológico, tendo em vista que os
soviéticos pregavam as doutrinas do Comunismo e pediam a
libertação dos povos oprimidos pelos “imperialistas”. Em 1949 a
recuperação econômica e a divisão real da Alemanha levaram à
estabilidade através de um desconfortável equilíbrio de poder na
Europa, mas a luta espalhou-se pela Ásia onde, depois de uma
amarga guerra civil, os comunistas chineses assumiram o controle
de seu vasto país.
Como líder das democracias ocidentais, os Estados Unidos
tomaram a iniciativa de “conter” o poder comunista ao suprir
armas e assistência econômica aos países ameaçados. Apesar da
contenção da expansão soviética continuar a ser a pedra
fundamental da política externa americana até o final da União
Soviética em 1991, muitos procuravam ampliá-la de forma a
incluir a oposição ao Comunismo como doutrina social,
especialmente depois de “perder” a China. O Comunismo em
qualquer parte, quer fosse dentro de seu próprio país, na Europa
ou no mundo não-ocidental, era considerado uma ameaça à
segurança nacional americana. As “caças às bruxas” do senador
Joseph McCarthy e outros investigadores eram voltadas para a
subversão doméstica, enquanto ajuda externa e alianças militares
resistiam à exploração comunista das fraquezas de outros países.
Isso levou a um envolvimento militar direto na Coréia e, mais
tarde, no Vietnã.
Na metade dos anos 50, depois da morte de Stalin e da
ascensão de Eisenhower ao poder, as tensões da Guerra Fria
diminuíram um pouco. O desenvolvimento da bomba H e dos
mísseis balísticos de longo alcance tornaram a guerra entre as duas
superpotências algo impensável. Tanto a Coréia quanto o Vietnã
foram divididos entre regimes comunistas e não-comunistas e os
Estados Unidos não interferiram quando os soviéticos entraram na
Polônia e Hungria em 1956. Então, quando Nikita Kruschev
assumiu o controle do governo soviético, decidiu testar a posição
do Ocidente em dois pontos de Berlim e em Cuba. A América não
tentou impedir a construção do Muro de Berlim em 1961, mas
respondeu energicamente à crise de mísseis em Cuba no ano de
1962 e, durante alguns dias, as duas nações ficaram à beira da
Terceira Guerra Mundial.
Isso marcou um ponto crítico da Guerra Fria. Nos anos
seguintes foram feitos mais esforços para se negociar as diferenças
enquanto os blocos polarizados se desintegraram com a saída da
China e da França e os Estados Unidos se afundaram numa guerra
sangrenta e inconclusiva de contenção no Vietnã. Enquanto isso,
os soviéticos seguiram uma política de repressão dentro de seu
país e no bloco comunista e sua entrada no Afeganistão em 1979
para ajudar um regime marxista que se encontrava em declínio
acabou sendo desastrosa. Também buscaram a igualdade com a
América em poder naval e armas estratégicas e a crescente corrida
armamentícia levou as duas nações à falência.
1948 1962-65
Fundação da WCC Concílio Vaticano II
1928 1945 1949 1974 1989
InterVarsity John R.W. Stott Cruzada Congresso de Congresso
Christian começa seu Billy Evangelização Lausanne II em
Fellowship no ministério na All Graham em em Lausanne Manila
Canadá Souls Church Los Angeles
1925 1942 1950 1951 1978
Formada a Igreja Criação da Criação da Fundação da João Paulo II
Unida do Canadá NAE Visão Mundial Campus Crusade for eleito papa
Christ
1900 2000
1939-45 1948 1961 1967
Segunda Guerra Criação do Levantado o Agrava-se a Guerra
Mundial Estado de Israel Muro de Berlim do Vietnam
1946-47 1962 1991
Começa a Guerra Fria Crise dos misseis em Cuba Fim da União Soviética

Em 1985 Mikhail Gorbachev introduziu um programa de


reformas que abriu a sociedade soviética, mas já era tarde demais
para salvar o sistema. À medida em que uma onda de revoluções
populares varreu o Europa oriental, o bloco soviético se
desintegrou. Por fim, a própria União Soviética dissolveu-se num
colosso de entidades nacionais. Os Estados Unidos ficaram como
única superpotência internacional, mas sua economia estava
atolada numa recessão e tensões sociais dividiam o país.

As revoluções coloniais e o Terceiro Mundo


O colapso de todo o mundo colonial veio logo depois da
Segunda Guerra Mundial. Nos anos 40 e 50 toda a região sul e
sudeste da Ásia conquistou a independência e no Oriente Médio
haviam terminado os mandatos da antiga Liga das Nações. Entre
1951 e 1968 todos os Estados muçulmanos do norte da África e a
maioria das colônias a sul do Saara estavam livres. Em 1974-75, o
império português havia se desintegrado. Em 1980 o Zimbabwe e
em 1990 a Namíbia ganharam a independência. O único bastião de
poder branco que restava era a África do Sul, que saiu da União
das Nações Britânicas em 1961 por causa das críticas à sua
política de apartheid. Um processo semelhante ocorreu no Caribe
e nas ilhas do Pacífico Sul.
O problema mais complexo foi na Palestina, onde os
britânicos entregaram a questão para as Nações Unidas que
recomendou uma divisão em Estados judeus e árabes. Quando os
árabes rejeitaram essa proposta, os sionistas radicais declararam a
criação de Israel em 14 de maio de 1948. Enfurecidos, os membros
da Liga Árabe atacaram imediatamente a nova nação mas não
foram capazes de eliminar o Estado judeu. Israel acabou ficando
com um território maior do que aqueles que havia sido proposto
pela comissão da ONU. Ainda assim, vivia num constante estado
de sítio e envolveu-se em mais conflitos em 1956 e 1967 a fim de
melhorar sua posição defensiva. Na Guerra do Yom Kippur em
1973 Israel sofreu uma derrota temporária e sua imagem de força
foi manchada. Mas não parecia possível haver uma solução para a
questão árabe-israelense. Na verdade, as chances de uma resolução
pacífica ficaram ainda menores por causa das exigências de judeus
radicais tradicionalistas de que se tirasse todos os árabes de Israel
e por causas de um simultâneo fortalecimento da resistência
palestina na chamada “Intifada”.
A reação dos cristãos ao problema foi complicada por vários
fatores. Quase todos os árabes cristãos, quer católico-romanos,
ortodoxos ou protestantes, apoiavam firmemente os palestinos.
Assim como os árabes muçulmanos, eles consideravam Israel um
ponto de colonialismo ocidental e ao mesmo tempo se
identificavam com os muitos cristãos que eram palestinos. Os
cristãos do Ocidente, especialmente os liberais, foram
atormentados por um sentimento de culpa por causa do
Holocausto, mas ainda assim queriam que se fizesse justiça para
aqueles que haviam sido tirados de suas casas. Tinham medo de
criticar a política de Israel e ser taxados de anti-semitas. De
qualquer forma, muitos condenaram o tratamento recebido pelos
árabes. Protestantes conservadores, especialmente os pré-
milenialistas, por outro lado, estavam entre os simpatizantes mais
articulados de Israel. Apesar do trabalho missionário ser proibido
lá, ainda assim muitos viram os acontecimentos na Palestina como
um cumprimento de profecias bíblicas.
O termo “Terceiro Mundo” começou a ser usado na década
de 1950 para as nações menos economicamente avançadas ou
nações “em desenvolvimento” na África, Ásia e América Latina.
Ele distinguia esses países dos outros dois “mundos” industriais
— o bloco ocidental (incluindo o Japão) e o bloco comunista.
Também viam-se como sendo “neutros” ou “não alinhados” apesar
de, na verdade, muitos deles (como Cuba) serem mais alinhados
com o bloco comunista. As Nações Unidas serviam como
principal fórum no qual essas nações podiam expressar suas
idéias. Elas pediam uma Nova Ordem Econômica Internacional —
uma remodelação da economia global que daria a elas mais acesso
aos fundos de investimentos e tecnologias do Ocidente. Tendo em
vista que o antigo mundo colonial situava-se na porção sul dos
hemisférios, o confronto adquiriu um caráter de “norte-sul”. As
igrejas reagiram de várias formas à mudança da configuração
mundial e apesar das tendências de secularização e do
ressurgimento de religiões rivais, elas continuaram a ser as
principais protagonistas no cenário mundial.

A Guerra Fria e as igrejas


Na Alemanha a Igreja foi parte da Guerra Fria. Konrad
Adenauer, o primeiro chanceler da Alemanha Ocidental, era um
obstinado anti-comunista católico e seu partido da União Cristã
Democrática juntou católicos e protestantes conservadores. A
princípio, as igrejas não foram divididas pela fronteira política
imposta que atravessava a Alemanha e sua estrutura
organizacional ajudou a perpetuar a idéia de unidade. A
Kirchentag (Assembléia da Igreja) — reunida pela primeira vez
em 1949 — era uma inovação na Igreja protestante e as grandes
multidões que compareciam mostravam o papel importante que
podiam desempenhar trazendo os leigos de volta para a vida
eclesiástica. No desenvolvimento da consciência cristã entre os
leigos também foram importantes as academias evangélicas
fundadas depois da guerra.
Uma vez que a divisão política da Alemanha tornou-se
permanente, o regime comunista forçou as igrejas a redefinir seus
limites de forma a coincidir com as fronteiras políticas. Na
Alemanha Oriental, ocorreu uma secularização quase total da vida
pública, mas a Igreja institucional não foi destruída. Em 1978,
depois de décadas de perseguição, líderes das igrejas chegaram a
um acordo com o Estado no qual ela seria a “Igreja no
Socialismo”. Por outro lado, a Igreja na Alemanha Ocidental pôde
continuar funcionando normalmente. Tinha permissão de cobrar
um “imposto” de seus membros, oferecer ensino religioso nas
escolas e participar ativamente dos assuntos públicos. Porém, o
nível de envolvimento da Igreja em ambos os Estados alemães
diminui ao longo dos anos.
Nos países do bloco comunista os cristãos sofriam intensa
pressão, apesar da natureza desta variar de um país para o outro e
de uma época para outra. Por um lado, a influência da Igreja
Católica na Polônia era considerável; por outro lado, a Albânia
proibiu oficialmente todo tipo de religião. As condições nos outros
países do bloco oriental variavam entre esses dois extremos. A
ausência de religião era conscientemente incentivada através do
ensino do Materialismo marxista nas escolas, das organizações
ateístas e da substituição de ritos religiosos por outros seculares
como a “dedicação da juventude” na Alemanha Oriental. O Estado
stalinista na Rússia soviética acabou com os uniatas — católicos
de ritos gregos na Ucrânia — forçando-os a tornarem-se ortodoxos
russos. Com o crescimento da perseguição na Rússia, em 1959 os
batistas dividiram-se quanto a questão de se deveriam ou não
continuar se submetendo às regulamentações do Estado sobre as
atividades da Igreja. Josef Cardinal Mindszenty (1829-1975)
denunciou o regime comunista húngaro e foi sentenciado a prisão
depois de um julgamento arranjado em 1949. Libertado durante a
revolta de 1956 em Budapeste, ele buscou refúgio na embaixada
americana e ficou lá durante anos como um símbolo anti-
comunista até que o papa assegurou sua libertação.
Em todos os países da Europa oriental o Estado exercia
influência sobre a nomeação de oficiais da Igreja e dava a algum
órgão do Estado a tarefa de supervisionar os assuntos
eclesiásticos. Havia cada vez menos clérigos e sua idade média era
cada vez maior; menos pessoas freqüentavam os cultos (exceto na
Polônia) e foram fechadas muito mais igrejas antigas do que se
abriram novas. Mas isso também aconteceu na Europa ocidental.
A diferença era que o Ocidente havia se tornado mais secular
apesar do Estado em si não ser anti-religioso.
Outro acontecimento interessante no lado oriental foi a
fundação da Conferência de Paz Cristã (CPC) em 1958. Seu líder,
Josef L. Hromádka (1889-1969), um teólogo de Praga altamente
respeitado, transformou a CPC numa importante ponte entre os
dois blocos. Ela promoveu a conciliação entre Leste e Oeste,
diálogo entre cristãos e marxistas, desarmamento nuclear e
questões de justiça no Terceiro Mundo. Mas a invasão soviética da
Tchecoslováquia em 1968 praticamente desacreditou a CPC aos
olhos da maior parte dos ocidentais.
O principal impacto da Guerra Fria nas igrejas ocidentais foi
o encorajamento do anti-comunismo. Esse foi o caso
especialmente nos Estados Unidos onde o Liberalismo, Socialismo
e outras tendências de esquerda eram mais do que depressa
rotuladas de comunistas. Alguns fundamentalistas acusavam os
líderes eclesiásticos liberais de serem “Vermelhos” ou “camaradas
de viagem”. Em um incidente em 1953, um investigador do comitê
de McCarthy afirmou que o maior grupo que apoiava o sistema
comunista era composto pelos clérigos protestantes. Truman e
Eisenhower repetidamente ligaram a fé em Deus ao modo
americano de vida em contraste com o ateísmo comunista. Na
verdade, a adição do termo “under God" [sob Deus] no Juramento
de Lealdade em 1954 e a adoção de “In God We Trust" [Em Deus
Confiamos] como lema nacional em 1956 foram resultado direto
da ênfase dada a Deus e ao país durante a Guerra Fria.
Os regimes comunistas da Europa oriental, apesar de seus
esforços, não conseguiram erradicar o Cristianismo. A nível
popular, os sentimentos religiosos eram profundos, como ficou
evidente pela recepção entusiasmada que Billy Graham recebeu
em suas viagens para o bloco soviético a partir de 1977. O colapso
do Comunismo começou na Polônia, onde a Igreja Católica havia
se mantido firme e lutado por seus direitos ao longo dos anos. A
Igreja polonesa foi ainda mais encorajada pela eleição do primeiro
papa polonês em 1978. Um governo baseado num partido de
classe proletária altamente católica (Solidariedade) chegou ao
poder em 1989 e começou a desmontar o sistema marxista. As
igrejas também tiveram um papel importante nas outras
revoluções, como os cultos de oração e passeatas à luz de velas na
Alemanha Oriental e o apoio crucial do cardeal Tomasek à revolta
na Tchecoslováquia e o corajoso pastor reformado Laszlo Tökes
que deu início à resistência romena contra o governo brutal de
Ceausescu. As leis religiosas nada populares foram abolidas em
todos os países, inclusive na Rússia. As pessoas passaram a ter o
direito de cultuar livremente e as igrejas recobraram o controle de
suas propriedades confiscadas.
É certo que alguns argumentaram que as revoluções não
precisaram das igrejas. Como o governo comunista não podia mais
suprir as necessidades econômicas dos cidadão ou depender do
apoio de tanques soviéticos, o povo poderia ter-se manifestado por
conta própria. Mas essa idéia ignora as condições históricas
existentes. O Cristianismo era a única “oposição” por assim dizer,
que havia sido permitida dentro do bloco soviético e os cristãos,
com sua visão de mundo diferente daquela dos marxistas, tinham
bases para uma ação ética. Além disso, tendo em vista que os
governos haviam repudiado a religião, não podiam procurar na
Igreja a legitimação como fizeram ditadores de outros partes do
mundo. Por fim, as igrejas eram parte integrante dos países pois
compartilhavam da evolução histórica dessas nações. Os
comunistas argumentavam que a unidade humana estava nas
classes, mas na verdade a unidade podia ser encontra na família e
nação. Quando foi seriamente testada, a ideologia marxista
fracassou.

O movimento ecumênico
Mesmo antes da Primeira Guerra Mundial os protestantes da
Europa e América do Norte já pensavam na cooperação cristã em
âmbito internacional e nacional e as primeiras tentativas de união
aconteceram depois da Segunda Guerra com o “movimento
ecumênico”, termo que se refere à ampla gama de iniciativas no
sentido de reintegrar o Cristianismo. Entre os primeiros exemplos
de empreendimentos cooperativos podemos citar as sociedades
bíblicas, a ACM, grupos cristãos estudantis e o Esforço Cristão.
Depois de 1900 os concílios nacionais e regionais das igrejas
começaram a se organizar. Os primeiros foram os da Federação
Protestante da França, formado em 1905 e o Concílio Federal das
Igrejas de Cristo na América, fundado em 1908 e reestruturado
como Concílio Nacional de Igrejas em 1950. Concílios Nacionais
Cristãos foram criados na Índia, China e Japão em 1922 e na
Coréia em 1924. A Igreja Evangélica na Alemanha (1922) e o
Concílio Britânico de Igrejas (1942) foram organizações nacionais
importantes para a Europa. Em 1948, havia trinta concílios
nacionais em todo o mundo e em 1990 o número já havia
alcançado a casa dos noventa.
Depois da Segunda Guerra, formaram-se vários concílios
regionais. O primeiro deles, a Conferência de Igrejas do Leste da
Ásia (que mais tarde mudou de nome para Conferência Cristã da
Ásia) foi formado em 1959, sendo D. T. Niles (1908-70) do Sri
Lanka seu primeiro secretário geral. Um evangelista da Igreja
Metodista, ele era um brilhante organizador e trabalhador
incansável em prol das causas ecumênicas. Outros grupos
regionais incluiram a Conferência de Igrejas Européias (1959), a
Conferência de Igrejas de Toda a África (1961), a Conferência
Pacífica de Igrejas (1966), a Conferência Caribenha de Igrejas
(1973), o Concílio de Igrejas do Oriente Médio (1974) e o
Concílio Latino-Americano de Igrejas (1982). Todos eles
almejavam ajudar as igrejas divididas a entenderem-se e a
trabalhar juntas, mas não esperavam que os membros aceitassem
uma posição doutrinária comum ou abrissem mão de qualquer
autonomia.
Uma outra forma de cooperação ecumênica ocorreu dentro
de grupos denominacionais específicos. A primeira foi a das
Conferências de Lambeth, reuniões consultivas de bispos da
família anglicana de igrejas que tiveram início em 1867 e tem sido
realizadas a cada dez anos desde então. A Aliança Mundial de
Igrejas Reformadas (1970) foi resultado da união de uma agência
criada pelas igrejas presbiterianas britânicas e norte-americanas
em 1875 com o Concílio Congregacional Internacional. A Aliança
Mundial Batista foi formada em 1905 e concentrava-se na
comunhão e em programas nos quais os batistas podiam oferecer
apoio mútuo. A Federação Mundial Luterana foi fundada em 1947
tendo como base uma organização anterior conhecida
especialmente por suas iniciativas assistenciais. O Conselho
Mundial Metodista foi criado em 1951 como sucessor de uma
conferência ecumênica que vinha se encontrado a cada década
desde 1881. A maioria deles entrou num relacionamento
consultivo através do WCC - World Church Council [Concílio
Mundial de Igrejas] e são conhecidas como “Sociedades Cristãs
Mundiais”.
O CRISTIANISMO COMO FÉ GLOBAL (Dados de 1993)
População mundial (total) 5.575.954.000
------------------------------------------------------------------------------------- -------------------------------------
População mundial por religião
Cristãos (de todos os grupos)
Não-cristãos 1.899.751.000
Muçulmanos
Sem religião 1.014.372.000
Hindus 912.874.000
Budistas 751.360.000
Ateístas 334.002.000
Novas religiões 241.852.000
Religiões tribais 123.765.000
Sikhs 19.853.000
Judeus 18.153.000
Religiões menores ou não classificadas 190.234.000
Total 3.706.202.000
Total percentual de cristãos na população mundial 34%
------------------------------------------------------------------------------------- -------------------------------------
Membros por bloco eclesiástico
Anglicanos (Episcopais) 55.974.000
Católicos Romanos (incluindo Uniatas) 1.020.804.000
Protestantes 342.696.000
Protestantes periféricos 20.020.000
Ortodoxos (todos os grupos) 185.568.000
Cristãos nativos não-brancos 161.873.000
Crentes secretos ou não classificados 112.816.000
------------------------------------------------------------------------------------- -------------------------------------
Porcentagem de cristãos por área geográfica
África 16.6%
Ásia Oriental 6.2%
Europa 24.1%
Norte da Ásia (antiga União Soviética) 6.7%
América Latina 25.3%
América do Norte 11.6%
Sul e Sudoeste da Ásia 8.4%
Oceania 1.1%
Fonte: David B. Barret, "Annual Statistics Table on Global Mission - 1993", International Bulletin of
Missionary Research 17 (January 1993), 23.

A iniciativa mais enérgica em busca de unidade foi a criação


de igrejas unidas de diferentes tradições confessionais. Grande
parte dessas uniões surgiu depois de longos períodos de
negociação e planejamento. Mas uma exceção, a Igreja Unida de
de Cristo no Japão (Kyodan), foi resultado de uma ordem do
governo em 1941. A maior iniciativa do século 20 foi a Igreja
Unida do Canadá (1925), na qual juntaram-se congregacionalistas,
presbiterianos e metodistas. Esses mesmos três grupos formaram a
Igreja Unida da Austrália em 1977. Também foram de grande
importância a Igreja do Sul da Índia (1947) e a Igreja do Norte da
Índia (1970), que incorporaram anglicanos, metodistas,
congregacionalistas e presbiterianos. A principal figura que deu
início ao movimento responsável por essas uniões foi V. S.
Azariah (1874-1945), o primeiro bispo indiano da Igreja
Anglicana, personagem memorável da história da Igreja da Índia.
Desde 1962 a Consultoria sobre União de Igrejas tem explorados
possíveis caminhos para uma Igreja unificada nos Estados Unidos.
A iniciativa ecumênica mais importante foi o Concílio
Mundial de Igrejas. Sua raízes encontram-se em três organizações
anteriores. Primeiro o Concílio Missionário Internacional, formado
em 1921, institucionalizou a idéia da Conferência de Edinburgo e
realizou grandes convenções em Jerusalém (1928) e Madras
(1938) para coordenar e incentivar a obra missionária. Em
segundo lugar, a Conferência Mundial de Fé e Ordem encontrou-
se em Lausanne em 1927 e promoveu o diálogo teológico sobre
questões que dividiam a Igreja como o batismo, a eucaristia, os
ministros ordenados, credos e confissões, a autoridade das
Escrituras, formas de culto e Eclesiologia. Em terceiro lugar, a
Conferência Universal Cristã sobre a Vida e o Trabalho foi
inspirada pelo arcebispo luterano de Uppsala, Nathan Söderblom
(1866-1931). Em 1925 ele convocou uma reunião para discutir as
questões sociais em Estocolmo e buscar a aplicação do modo de
vida cristão aos problemas contemporâneos. Uma segunda
Conferência de Vida e Trabalho em Oxford em 1937, adotou uma
declaração teológica que tratava do papel do cristão no mundo
moderno. A Fé e Ordem encontrou-se em Edinburgo naquele
mesmo ano e esclareceu vários pontos relacionados à unidade
cristã.
O mais importante foi que estas últimas decidiram criar uma
assembléia representativa de igrejas. Em 1938 um comitê
temporário foi escolhido para formar o Concílio Mundial de
Igrejas, tendo como presidente o arcebispo anglicano William
Temple e Willem A. Visser „t Hooft (1900-85) da Holanda como
secretário geral. Uma assembléia fundadora foi planejada para
1941, mas a guerra alterou os planos e Visser t‟ Hooft dirigiu a
iniciativa ecumênica de Genebra. Assim que a paz retornou,
continuou o planejamento e a reunião de abertura aconteceu em
Amsterdã em 1948. Assembléias subseqüentes foram realizadas a
cada sete a oito anos. Apesar do Concílio Missionário
Internacional ter continuado como uma organização separada, ele
finalmente uniu-se ao WCC em 1961.
Durante a guerra, a recém-formada organização ecumênica
foi envolvida no movimento anti-Hitler. Dietrich Bonhoeffer
estava trabalhando como mensageiro dos conspiradores que
planejavam dar um golpe no Führer e encontrou-se com vários
líderes ecumênicos, mantendo-os informados dos acontecimentos
na Alemanha. Porém, o governo britânico ignorou os pedidos de
ajuda feitos através desses contatos. O envolvimento de
Bonhoeffer nesse movimento acabou custando-lhe a vida.
Decidiu-se que o WCC seria uma “comunhão de igrejas que
aceitam nosso Senhor Jesus Cristo como Deus e Salvador”. Não
seria uma “superigreja” mas um instrumento através do qual as
igrejas poderiam dar testemunho conjunto de sua lealdade a
Cristo, buscar a unidade que ele deseja para sua Igreja (Jo 17.11) e
cooperar em questões de interesse geral. Para alcançar esse
objetivo o WCC desenvolveu uma estrutura complexa. Também
cresceu rapidamente, passando de 147 membros em 1948 para 311
igrejas em 100 países em 1991. Não era apenas uma instituição
protestante pois as igrejas ortodoxas gregas, russas e orientais
também participaram, bem como algumas igrejas independentes
africanas. Apesar de seu conceito de Igreja impedir que se
tornassem membros, os católicos romanos participaram de
programas do WCC.
O entusiasmo pelo Ecumenismo em geral e o Concílio
Mundial em particular eram tidos em alta consideração em muitos
meios, mas o movimento também já foi criticado. Do ponto de
vista teológico, alguns apontaram para as idéias erradas, limitadas
e incoerentes do que vinha a ser Ecumenismo e os cínicos
sugeriram que o movimento era mais uma jogada política diante
das congregações e fundos cada vez menores. A unidade foi
exaltada às custas da verdade, colocou-se mais ênfase na ação
social do que nas questões doutrinárias, minimizando a
importância de se proclamar o evangelho e enfraquecendo o
testemunho cristão através de diálogos com outras religiões.
Outros criticaram a teologia “liberal” do WCC, o número
excessivo de burocratas que eram “profetas” de um único assunto
e não tinham experiência no trabalho pastoral, o posicionamento
político vago e incoerente, o desperdício de tempo e dinheiro em
conferências internacionais.

O ressurgimento evangélico
Entre os fundamentalistas americanos, cresceu o sentimento
de que deveriam cooperar uns com os outro, mas viam o Concílio
Federal com uma organização totalmente modernista. O primeiro
passo foi dado por Carl McIntire, que nasceu em 1906, estudou
com J. Gresham Machen e seguiu seu mentor e outros quando
estes deixaram o Seminário de Princeton. Quando desafiaram a
Igreja Presbiteriana dos EUA ao formar uma junta de missões
independente, foram expulsos do ministério. Então, McIntire
rompeu com seus colegas por causa de questões de pré-milenismo
e estilo de vida e criou uma nova denominação e seminário. Em
1941, organizou o ACCC - American Council of Christian
Churches [Concílio Americano de Igrejas Cristãs], cujas bases
teológicas eram o fundamentalismo e o exclusivismo separatista.
Nenhuma denominação ou igreja individual podia juntar-se ao
ACCC a não ser que renunciasse formalmente o modernismo e
cortasse todos os laços com o Concílio Federal.
Uma outra abordagem à cooperação evangélica
transdenominacional foi a de J. Elwin Wright (1896-1966). Em
1929 ele formou a Sociedade da Nova Inglaterra, cujo programa
cooperativo incluía um ministério no rádio, educação cristã,
livrarias e conferências bíblicas. Ele urgiu os representantes de
quase quarenta denominações reunidos em St. Louis em 1942 a
formar a NAE - National Association of Evangelicals [Associação
Nacional de Evangélicos]. Eles adotaram uma declaração de fé
conservadora mas rejeitaram o pedido de McIntire para que se
juntassem ao seu concílio separatista (o ACCC). Ao invés disso,
optaram por uma sociedade para ações unificadas em campos
como a evangelização, a transmissão por rádio, missões
estrangeiras e relações entre Igreja e Estado. A NAE assumiu uma
postura separatista no sentido de que as denominações que eram
parte do Concílio Federal (depois chamado de Nacional) não
podiam candidatar-se à afiliação, sendo que esse requisito não se
aplicava a indivíduos ou congregações. Além disso, organizações
pentecostais e da santidade também podiam se afiliar.
As diferenças entre os dois grupos eram claras e os encontros
de McIntire e do ACCC atacaram mordazmente a NAE por sua
posição “transigente” e “inclusiva”. Devido ao seu próprio
negativismo e anti-liberalismo a NAE não conseguiu atrair muitos
que poderiam ser definidos como evangélicos, como as igrejas
mais conhecidas e das denominações negras. Na verdade, as
grandes denominações conservadoras — a Convenção dos
Batistas do Sul, Igreja Luterana-Sínodo de Missouri e Igrejas de
Cristo — não se afiliaram. Porém, grupos secundários como A
Associação Evangélica de Missões Estrangeiras,
Radiotransmissores Nacionais Religiosos, Comissão de
Assistência Mundial e Associação de Imprensa Evangélica
ajudaram a realizar a visão cooperativa.
Mais importante ainda foi o surgimento de uma nova geração
de intelectuais fundamentalistas. Muitos deles, tendo se formado
em importantes universidades, começaram a ser ouvidos nos meios
teológicos e acadêmicos. O Fuller Theological Seminary, fundado
em 1947, era o centro desses novos estudiosos e o crescimento
acelerado das faculdades e seminários refletiu uma sede de ensino
entre os evangélicos. Novas sociedades acadêmicas foram
formadas para representar essa visão de mundo, incluindo a
Afiliação Científica Americana em 1941 e a Sociedade Evangélica
Teológica em 1949.
Em 1947 o jornalista e teólogo de 34 anos, Carl F. H. Henry,
publicou The Uneasy Conscience of Modern Fundamentalism [A
Consciência Inquieta do Fundamentalismo Moderno], que
desafiava as igrejas conservadoras a irem ao encontro dos
problemas que confrontavam a mente e a sociedade modernas.
Henry e outros argumentavam que o Fundamentalismo, apesar de
afirmar a integridade do Cristianismo ortodoxo diante dos desafios
modernos, havia perdido seu caráter profético e passado a ser uma
ameaça para a fé histórica. Eles o culpavam de simplificar em
demasia questões teológicas complexas, separar a fé do indivíduo
de sua vida diária, ser anti-intelectualista e ter um caráter belicoso
e negativo. Afirmavam que, na mente popular, o Fundamentalismo
havia se tornado repleto de conotações ruins e as contribuições
positivas porventura realizadas num período crítico da Igreja
haviam sido esquecidas.
O “novo evangelicalismo”, um termo criado por um de seus
fundadores, Harold J. Ockenga (1905-85), representava uma força
vital do Protestantismo americano. Em uma década havia
alcançado uma posição de liderança. Um símbolo dessa escalada
foi a fundação da revista Christianity Today em 1956, tendo
Henry como seu editor. Essa visão de unidade que os novos
evangélicos expressavam era uma iniciativa de cooperação
realizada por pessoas de pensamento semelhante em áreas como
evangelização, educação e ação social e não uma fusão de
denominações ou um ecumenismo abrangente. Sua estratégia era
de “infiltração”, não separação e iria ministrar a todas as igrejas e
influenciá-las através da aplicação da verdade cristã a todas as
fases da vida.
A personalidade mais relevante que comunicou a idéia de um
evangelicalismo mais amplo foi William F. “Billy” Graham.
Nascido em 1918, converteu-se numa reunião evangelística e
estudou em Wheaton College. Em 1943 começou o ministério
trabalhando para a MPC - Mocidade Para Cristo, uma das maiores
organizações do novo evangelicalismo e identificou-se com a
NAE e sua posição intermediária entre o negativismo
fundamentalista e a heresia modernista. Seu chamado era
claramente para a evangelização de massas, tornando-se uma
figura nacional depois de uma cruzada em Los Angeles em 1949 e
ganhando renome internacional com sua campanha em Londres
em 1954. Na metade da década de 50 já não havia a quem
compará-lo nesse campo. Em seus primeiros anos ele demonstrou
características de Fundamentalismo americano — uma teologia
conservadora ligada a uma filosofia política e social que
enfatizava a ética de trabalho, o patriotismo, o papel central da
religião na vida pública, papéis tradicionais dentro do lar e nos
relacionamentos familiares, uma defesa nacional forte e a rejeição
da ideologia estrangeira comunista.
Porém, Graham possuía uma flexibilidade excepcional e foi
capaz de mudar à medida em que os tempos mudavam. Apesar de,
no fundo, ser um humilde rapaz do interior, era capaz de
relacionar-se com os mais altos membros do governo e do mundo
dos negócios. Seus contatos com eles e inúmeras viagens
ampliaram sua visão de mundo. Sua ênfase no “evangelização
cooperativa”, isto é, no apoio ecumênico local para suas várias
cruzadas enquanto mantinha o funcionamento com firmeza nas
mãos de sua organização e de outros evangélicos, tudo isso
contribuiu imensamente para seu sucesso. Mas também lhe
conferiu uma persistente inimizade com os fundamentalistas
separatistas. Além disso, ele amadureceu em sua visão das
questões sociais, abandonando em primeiro lugar a segregação
racial que havia aprendido como tantos outros do sul do país e,
mais tarde, moderando seu anti-comunismo depois de visitas à
Europa oriental. Também passou a perceber a necessidade do
desarmamento nuclear e de abrir mão de seu antigo
superpatriotismo. O mais extraordinário, porém, foi sua
capacidade de criar uma ponte sobre o abismo que separava os
evangélicos das outros expressões de fé cristã, chegando até a
comparecer a eventos do Concílio Mundial e estabelecer uma
relação cordial com o papa João Paulo II.
Graham também promoveu o Ecumenismo entre os
evangélicos. Ele não apenas os reuniu em suas cruzadas locais
como também foi o principal motivador do lançamento da revista
Chrisitianity Today. Sua organização patrocinou congressos sobre
evangelização, começando com uma reunião em Berlim em 1966,
sendo que todos esses eventos incluíam uma vasta gama de
participantes. Foi facilitador do Congresso de Lausanne sobre
Evangelização Mundial em 1974 e sua reunião de
acompanhamento em Manila no ano de 1989. Também realizou
conferências de treinamento para evangelistas itinerantes em
Amsterdã em 1983 e 1986. Essas reuniões, enfatizando a
importância do esforço cooperativo em escala global para alcançar
homens e mulheres para Cristo, incluíam em sua visão não apenas
os ensinamentos bíblicos mas também a preocupação social.
O evangelicalismo americano deu origem a inúmeras
instituições evangelísticas, missionárias, educacionais e de
assistência social que funcionam a nível interdenominacional e
muitas vezes internacional. A organização World Vision [Visão
Mundial], por exemplo, foi fundada em 1950 por Robert “Bob”
Pierce (1914-78) para ajudar órfãos coreanos e hoje está entre as
maiores organizações humanitárias do mundo. O InterVarsity
Christian Fellowship [Aliança universitária cristã], que teve
origem na Inglaterra e depois passou para o Canadá em 1928 e
Estados Unidos em 1940, tem sido uma das grandes forças no
incentivo à evangelização e interesse em missões estrangeiras
junto a estudantes. Uma organização associada, a International
Fellowship of Evangelical Students [Aliança internacional de
estudantes evangélicos], formada em 1947, auxilia e encoraja o
trabalho com estudantes nativos em 130 países. Um ministério
com estudantes de igual importância é a Campus Crusade for
Christ International [Cruzada Estudantil], fundada em 1951 e que
também trabalha em âmbito global. O Comitê de Lausane para
Evangelização busca, através de conferências, publicações e
contatos, ser um catalisador e facilitador da evangelização
mundial.
O crescimento evangélico não foi apenas um fenômeno
americano. Na Grã-Bretanha, durante os anos entre as duas
grandes guerras, a divisão entre conservadores e liberais não era
tão hostil como na América. Os conservadores estavam envolvidos
na estrutura institucional das igrejas, onde sua voz era ouvida.
Alguns conservadores moderados como o batista W. Graham
Scroggie (1877-1958) e o congregacionalista G. Campbell Morgan
(1863-1945), haviam visitado a América e voltado lamentando-se
do estrago que o Fundamentalismo havia feito ao evangelho.
Tendo em vista que a separação entre liberais e conservadores
britânicos não foi absoluta e os evangélicos estavam ampliando
sua própria visão das questões teológicas, o evangelicalismo
britânico era de caráter bastante diferente.
Assim como seus colegas na América do Norte, o
InterVarsity Fellowship (hoje chamado de Universities and
Colleges Christian Fellowship), formado em 1920, estimulou o
avanço do evangelicalismo conservador depois da Segunda
Guerra. Entre seus empreendimentos estava a criação de
associações de profissionais cristãos, a fundação da Tyndale
House em Cambridge em 1945, como um centro para estudos
bíblicos, a fundação do London Bible College em 1954 a fim de
treinar pessoas para o trabalho cristão e a publicação de literatura
cristã acadêmica.
Dentro da própria Igreja da Inglaterra, o líder do movimento
que trouxe o Cristianismo evangélico de volta para a linha
principal em termos de vida e pensamento foi John R. W. Stott.
Nascido em 1921 e educado em Cambridge, ele trabalhou na All
Soul‟s Church em Londres, onde teve um ministério notável entre
1945 e 1975. Através de suas palestras e escritos tornou-se
conhecido em todo o mundo como um grande evangelista
apologista e professor da Bíblia. Foi o organizador do Primeiro
Congresso Nacional Evangélico Anglicano em Keel em 1967, um
acontecimento que teve impacto decisivo sobre a renovação do
evangelicalismo dentro da Igreja.
Entre outras figuras conhecidas do evangelicalismo britânico
estão o eminente líder anglicano e estudioso de Lei Islâmica, Sir
Norman Anderson; o estudioso do Novo Testamento, F. F. Bruce;
o estudioso do Antigo Testamento, D. J. Wiseman; e o pregador
D. Martyn Loyd-Jones. Além disso, o TEAR - The Evangelical
Alliance Relief Fund [Fundo para a Assistência da Aliança
Evangélica], criado em 1968, tem se tornado uma importante
agência de assistência social, enquanto o Projeto Shaftesbury
incentivou o pensamento e a ação no meio social.
Na Alemanha, o número de evangélicos era pequeno se
comparado com os Estados Unidos e Grã-Bretanha, mas as igrejas
livres e a Aliança Evangélica promoveram a obra evangelística e
nos anos pós-guerra cresceram os esforços realizados por estes e
muitos outros grupos. Billy Graham foi à Alemanha em várias
ocasiões e suas reuniões atraíam enormes multidões. O pregador
itinerante Anton Schulte, Ulrich Parzany da ACM alemã, o Bispo
Rolf Scheffbuch da Igreja protestante de Württemberg e o Dr.
Theo Lehmann, o principal evangelista de jovens na antiga
Alemanha Oriental, tornaram-se figuras respeitadas do
evangelicalismo alemão. A Rádio TransMundial começou a operar
na Alemanha em 1961 e tornou-se uma importante organização
cristã. Além disso, evangélicos alemães patrocinaram uma
convenção nacional bienal criada para ser um contrapeso da
Kirchentag (Assembléia da Igreja) das igrejas tradicionais.

Novas correntes nas missões cristãs


Nos anos entre as duas grandes guerras o entusiasmo pelas
missões foi ficando cada vez menor. Muitos ainda pensavam em
termos de “cristandade”, isto é, a idéia de se criar uma civilização
global cristã tendo a Igreja como centro religioso em torno do qual
as nações e povos se uniriam. Ainda assim, a maré de crescentes
expectativas dentro do mundo não-ocidental fluiu para uma
direção bem diferente. Eles desejavam acentuar suas próprias
tradições culturais dentro de uma estrutura democrática e um
Cristianismo expansionista só podia ser mantido através da
coerção. Críticos liberais negaram que o Cristianismo podia
afirmar ser o único verdadeiro enquanto todas as outras religiões
eram falsas e sugeriu que essa era uma forma de Imperialismo
cultural. Missionários das principais igrejas tiveram grande
dificuldade em se adaptar a essa nova situação, enquanto os
fundamentalistas continuaram a interpretar o chamado para
missões como o ato simples e não-ambíguo de salvar almas,
ignorando as questões sócio-políticas. Suas missões cresceram
mas perderam impulso e na década de 1930 estavam passando por
um forte declínio em termos de voluntários e fundos. Até mesmo o
SVM - Student Volunteer Movement [Movimento Voluntário
Estudantil], antes tão vibrante, haviam enfraquecido.
Algumas vozes influentes na Igreja questionaram se as
missões sequer tinham um futuro, como ficou evidente no relatório
de uma comissão liderada pelo filósofo da religião de Harvard
William Ernest Hockning (1873-1966) publicado em 1932. Com o
título Re-Thinking Missions: A Laymen’s Inquiry After One
Hundred Years [Repensando as Missões: O Inquérito de Leigos
depois de Cem Anos], ele argumentava que os missionários
deveriam procurar ligar sua fé às características comuns que
podiam encontrar em outras religiões não-cristãs e que deveria
haver maior unidade nas atividades missionárias tanto entre
missões como também com membros de outras religiões. O
objetivo não deveria ser a criação de igrejas institucionais nos
campos estrangeiros, mas de permear a sociedade com ideais
criativos e, a seu tempo, formar uma união internacional na qual
cada religião encontraria seu lugar apropriado.
Os fundamentalistas viram isso simplesmente como mais
uma prova de que o modernismo estava destruindo as missões,
apesar de muitos missionários na verdade serem bastante
conservadores. Muitas figuras proeminentes se encaixavam nessa
categoria: o batista e professor de Yale, Kenneth Scott Latourette
(1884-1968), principal historiador de missões; Robert E. Speer
(1867-1947), que trabalhou durante quarenta e seis anos como
secretário da Junta Presbiteriana de Missões Estrangeiras; Samuel
Zwemer (1867-1952), o grande obreiro entre árabes muçulmanos e
E. Stanley Jones (1884-1973), o renomado missionário metodista
na Índia, além de outros. Além disso, como mostra Joel Carpenter,
40 por cento dos obreiros em 1935-36 vinha de juntas de
denominações conservadoras e missões de fé e, em 1952, esse
número passava de 50 por cento.1 A criação da Sociedade de
Estudantes para Missões Estrangeiras em 1936 e sua ligação com a
InterVarsity Christian Fellowship uma década depois também
garantiu que a visão que se perdera no SVM ganhasse nova vida
nos campi.
A mudança na força missionária da Grã-Bretanha e Europa
para a América do Norte também foi muito importante. Enquanto
o número total de obreiros dobrou durante o século 20, o
contingente americano sextuplicou. No começo do século um
terço dos missionários protestantes era da América do Norte, mas
em 1969 essa proporção havia crescido para 70 por cento. As
organizações missionárias de linha ecumênica decresceram
enquanto que as evangélicas cresceram a passos largos. O número
de sociedades missionárias e agências de apoio também subiu
dramaticamente.
Foram vários os motivos que levaram ao rápido crescimento
da obra missionária americana. Um deles foi a forte ênfase
teológica nas igrejas e escolas evangélicas sobre a propagação do
evangelho. Outro foi o próprio impacto da Segunda Guerra. A
retórica de conflito e conquista prevalecia nos sermões
missionários, enquanto muitos que haviam servido nas forças
armadas em outros países tinham a visão de voltar e trabalhar entre
os povos desses lugares. O chamado do general Douglas
McArthur para que missionários fossem enviados ao Japão
também animou as igrejas evangélicas. A introdução da
metodologia científica na prática de missões através de disciplinas
como a Antropologia cultural, Lingüística, Estatística e
Comunicações impulsionou a relação entre pesquisas acadêmicas
e trabalho prático. Tecnologias como a aviação e o rádio passaram
a ser usadas nessas iniciativas e especialistas dessas áreas
juntaram-se a obreiros médicos e educacionais para formar as
equipes de apoio. E, por fim, deu-se grande importância à
contextualização da mensagem do evangelho, ao crescimento da
Igreja e ao progresso do reino de Deus.
Essas idéias ressaltaram a crescente influência das igrejas do
Terceiro Mundo, que viam as questões sociais, políticas e
econômicas como parte vital do processo de evangelização
mundial. Elas enfatizaram a abordagem “holística” em missões, na
qual uma profunda espiritualidade era combinada por uma
preocupação com o bem-estar total do indivíduo. Também foi de
grande importância o desenvolvimento de agências emissárias de
obreiros no Terceiro Mundo, como as da Coréia e Brasil. O
número de missionários de países não-ocidentais cresceu
continuamente durante os anos 80 e 90. O papel das missões
pentecostais, com grande ênfase ao papel do Espírito Santo na
evangelização é um outro fator importante no Cristianismo do
Terceiro Mundo. Teólogos desses países, como o evangélico
Orlando Costas (1942-87), muitas vezes acusaram os ocidentais de
serem prisioneiros de um individualismo e racionalismo que
impedia que a Palavra de Deus operasse com pleno poder e
condenavam a “descrença prática” daqueles que se diziam cristãos
mas oprimiam o próximo.

Pentecostalismo e movimento carismático


Antes da Segunda Guerra, havia a tendência de se associar o
Pentecostalismo às classes sócio-econômicas mais básicas e o
movimento era colocado à margem do Cristianismo evangélico.
Porém, através do trabalho do evangelista Oral Roberts, cuja
ascensão à fama foi comparada à de seu contemporâneo Billy
Graham e do fazendeiro de gado leiteiro da Califórnia Demos
Shakarian, que fundou a Sociedade de Homens de Negócio do
Evangelho Pleno em 1951, o Pentecostalismo aproximou-se mais
da maioria. Então, o sul-africano David J. du Plessis (1905-87),
chamado carinhosamente de “Sr. Pentecostes”, transformou essa
obra num movimento internacional. Ele era pastor e secretário
geral da maior Igreja pentecostal de seu país e em 1947 começou a
trabalhar com a Conferência Mundial Pentecostal, na Suíça. Mais
tarde, mudou-se para os Estados Unidos, entrou para a Assembléia
de Deus e envolveu-se no movimento ecumênico. Para o espanto
de muitos, ele era um participante freqüente das assembléias do
Concílio Mundial de Igrejas e deu início aos diálogos entre
pentecostais e católicos romanos.
Na década de 1950, vários indivíduos nas igrejas evangélicas
e também nas mais tradicionais experimentaram o batismo do
Espírito Santo e no começo dos anos 60 a chamada “renovação
carismática” já estava crescendo rapidamente. Em 1962 du Plessis
organizou o primeiro encontro de carismáticos de tradições não-
pentecostais. Em 1967 a renovação espalhou-se para a Igreja
Católica Romana, onde o prelado belga Joseph Cardinal Suenens
tornou-se seu defensor. Durante os anos 70 e 80 o movimento
espalhou-se por todas as igrejas americanas; todas as
denominações maiores tinham grupos e conferência de renovação
carismática, mas tensão e fragmentação consideráveis ocorreram
dentro do movimento. Vários dos principais carismáticos tinham
ministérios na televisão, incluindo Rex Humbard, Marion “Pat”
Robertson, Paul Crouxh, Jimmy Swaggart, Jim Bakker e James
Robinson.
O movimento espalhou-se para a Grã-Bretanha onde o
clérigo anglicano Michael Harper, um colega de John Stott,
recebeu o batismo do Espírito Santo e em 1964 fundou a Fountain
Trust, uma agência a serviço da renovação carismática. Também
criou raízes nos meios protestantes e católicos de toda a Europa.
Houve uma importante difusão de Pentecostalismo na Ásia, sendo
o exemplo mais conhecido David (Paul) Yonggi Cho, um pastor
da Assembléia de Deus em Seul, Coréia, que começou uma igreja
de tabernáculo em 1958 e a transformou na maior congregação do
mundo, a Igreja Yoido do Evangelho Pleno, com mais de meio
milhão de membros.
Na América Latina o Pentecostalismo tornou-se uma
importante força religiosa, mas não manteve o caráter ecumênico
que teve na América do Norte e na Europa. Apesar da renovação
ter sido abrangente na Igreja Católica latino-americana, com
aproximadamente dois milhões de carismáticos no final dos anos
80, a própria hierarquia era extremamente hostil em relação a
pentecostais protestantes. Eles eram considerados intrusos
proselitistas que “roubavam” os fiéis enquanto os evangélicos
viam os católicos como pagãos perdidos num pântano de
superstição. Em 1987 estimava-se que entre 80 e 85 por cento dos
protestantes eram pentecostais ou carismáticos. A maioria deles
pertencia a igrejas nacionais independentes onde contribuíram de
modo vital para o Cristianismo latino americano.

Mudanças na Igreja Católica Romana


A linha conservadora do papado continuou durante os anos
50, como ficou exemplificado pela atitude unilateral do papa Pio
XII em 1950 ao decretar como dogma da Igreja a assunção física
da Virgem Maria aos céus. Porém, a maior mudança ocorreu com
a eleição de Angelo Roncalli (1881-1963) como papa João XXIII
em 1958. Ele escolheu esse nome para repudiar João XXIII que
havia sido o papa de Pisa no tempo do Grande Cisma (ver capítulo
9). Esperava-se que ele fosse apenas uma papa de “manutenção”,
mas ele surpreendeu o mundo ao anunciar que iria convocar um
Concílio Ecumênico (o Vaticano II) e ao criar o Secretariado para
a Promoção da Unidade Cristã, a fim de incentivar o diálogo com
outras igrejas. Na abertura do Vaticano II em 1962, João disse que
queria “atualizar” a Igreja pois a maneira mais eficaz de se
combater o erro seria demonstrar a validade de seu ensinamento ao
invés de condenar suas falsidades. Seu propósito seria de
promover a concórdia e a unidade fraternal de todos. Apesar de
João XXIII ter morrido depois da primeira sessão, Paulo VI (1963-
78) acompanhou o concílio até seu encerramento em 1965.
As várias decisões do Vaticano II transformaram
radicalmente a Igreja Católica. A liturgia deveria ser realizada na
língua do povo e não mais em latim. A Igreja teria um caráter mais
“colegial”, ou seja, a hierarquia deveria fazer parte do povo de
Deus e não se separar dele e os bispos trabalhariam junto com o
papa a fim de orientar a Igreja. Do ponto de vista pastoral, a Igreja
estava no mundo e sua missão era servir a toda a família de seres
humanos para que pudesse surgir um mundo benevolente.
Colocou-se maior ênfase na revelação contida nas Escrituras e na
importância do fácil acesso dos fiéis à Bíblia. Além disso, pelo
fato de Deus falar através de outras religiões, a Igreja deveria estar
em diálogo com elas. Tendo em vista que os judeus tinham um
relacionamento especial com a Igreja e não podiam ser culpados
pela morte de Jesus, o anti-semitismo foi condenado. Afirmou-se a
liberdade religiosa para todos e ninguém deveria ser forçado a
aceitar a fé. Admitiu-se que ambos os lados eram responsáveis
pela divisão entre os cristãos e encorajou-se a cooperação e o
diálogo entre as “igrejas e comunidades separadas” em relação a
questões de interesse comum.
Depois do Vaticano II, surgiu um novo clima encorajador no
relacionamento entre protestantes e católicos, incluindo cultos em
conjunto e cooperação ecumênica. Os católicos passaram a ter
representantes na Comissão de Fé e Ordem da WCC, a participar
de concílios locais das igrejas e de diálogos com outros grupos
cristãos desde anglicanos até pentecostais tornaram-se uma
atividade regular. Em dezembro de 1965, Paulo VI e o patriarca de
Constantinopla, Atenágoras, revogaram as excomunhões de 1054
e as consideraram “apagadas da memória” da Igreja. Seguiu-se
então um contínuo diálogo entre ortodoxos e católicos romanos.
Alguns católicos ficaram consternados com as mudanças e
procuraram conforto em congregações tradicionais que haviam se
separado do resto enquanto outros que queriam ir ainda mais longe
formaram igrejas informais ou “domiciliares”. O fato de ainda
haver um forte elemento de conservadorismo ficou evidente na
afirmação do papa Paulo em 1968 sobre a posição tradicional da
Igreja contra todas as formas artificiais de controle de natalidade e
na atitude de Roma ao dispensar o teólogo extremamente popular
Hans Küng de suas atividades como professor da Faculdade
Católica de Tübingen por ser radical demais em suas idéias.
O cardeal Karol Wojtyla, que tomou posse como papa João
Paulo II em 1978, também assumiu uma postura conservadora em
questões polêmicas como o celibato clerical, a ordenação de
mulheres e o controle de natalidade. Porém, suas fortes afirmações
de liberdade política e religiosa e sua visita à Polônia em 1987
ajudaram-no a dar início às revoluções no mundo comunista.
Como o papa mais viajado da História, ele tem sido um
proponente firme do Ecumenismo e bastante popular no Terceiro
Mundo.

Cristianismo e conflito étnico e racial


Um problema sério enfrentado pela Igreja do século 20
foram os conflitos étnicos e raciais, como ilustram os exemplos a
seguir. Apesar de ter características religiosas, a luta entre
católicos e protestantes na Irlanda do Norte na verdade foi luta
entre classes e etnias. Os gregos ortodoxos e os turcos
muçulmanos entraram em conflito em Chipre, onde o arcebispo
Makarios (1913-77) foi escolhido como presidente em 1960. A
minoria turca, com medo de ser dominada pelos gregos, recebeu
ajuda da Turquia em 1974 e a nação insular foi divida em duas
comunidades étnicas. A luta entre judeus e árabes na Palestina
também teve uma dimensão religiosa, e continua havendo conflito
entre muçulmanos tradicionalistas e coptas no Egito e entre
muçulmanos e cristãos na Nigéria e no Sudão.
O problema mais sério foi a questão do apartheid na África
do Sul. Essa política legal de separação racial supostamente
assegurava o pluralismo através do “desenvolvimento separado”
ou “coexistência cooperativa” e garantia a paz, liberdade e
prosperidade para todos. Na verdade, era um mecanismo que tinha
por finalidade manter o poder político e econômico dos brancos às
custas da maioria não-branca. É certo que a segregação racial
originou-se logo no começo da África do Sul, mas tornou-se muito
mais intensa depois da fundação da união em 1910. A política do
apartheid nasceu da luta entre as populações de ingleses e
africânderes (de língua holandesa) e o partido Nacionalista
Africânder subiu ao poder em 1948 usando como plataforma a
promessa de implementar uma supremacia branca. Durante os
anos 50 foram aprovadas as leis mais restritivas, incluindo a
classificação racial, obrigatoriedade de carteiras de identidade,
proibição de casamentos e relações sexuais inter-raciais,
segregação das áreas residenciais e públicas e criação de “terras-
natais” onde os africanos negros poderiam exercer seus direitos
políticos e ter “independência soberana”. O sufrágio e os melhores
empregos eram reservados aos brancos. O exército e a polícia
agiam arbitrariamente para fazer cumprir as leis.
Essa política transformou a África do Sul num pária
internacional ao mesmo tempo que cresceram as oposições
internas. Mas a polícia de segurança foi impiedosa tanto com
críticos moderados como com grupos de resistência ilegais. As
várias igrejas reformadas holandesas eram, de um modo geral, a
favor do apartheid, mas durante os anos 80 cada vez mais igrejas
voltaram-se contra a política racista. O Conselho Mundial de
Igrejas iniciou um PCR - Program to Combat Racism [Programa
de Combate ao Racismo] em 1969 a fim de voltar a atenção do
mundo para essa situação e levantar fundos para sustentar a
resistência. O PCR foi bastante criticado no Ocidente por
incentivar a violência. O bispo anglicano Desmond Tutu defendeu
o programa ao perguntar por que Bonhoeffer era considerado um
santo na Europa por ter tentado matar Hitler e livrar os alemães do
sistema nazista, enquanto os sul-africanos negros que lançavam
mão de armas para derrotar o sistema de apartheid eram
considerados terroristas. O WCC também fez lobby em favor da
suspensão de investimentos na África do Sul e das sanções da
ONU contra o regime.
Os próprios cristãos da África do Sul estavam na frente de
batalha: o bispo Desmond Tutu, o autor Alan Paton, Byers Naudé
do Instituto Cristão, o ministro reformado Allan Boesak, Michael
Cassidy do Empreendimento Africano, o pastor pentecostal Frank
Chikane, o metodista Charles Villa-Vicenio e o historiador da
Igreja John de Gruchy. Líderes cristãos fizeram diversas
declarações criticando com ousadia o sistema, sendo que a
Declaração Rustenburg (1990) foi particularmente notável tendo
em vista que foi assinada por representantes de todas as igrejas da
África do Sul exceto dois grupos linha-dura de holandeses
reformados. Ela afirmava que o apartheid era um pecado e uma
heresia e pedia formas concretas de reparação. Finalmente, o
regime sul-africano começou a desintegrar o apartheid.
A discriminação contra os negros também foi um problema
sério nos Estados Unidos e sua luta por justiça foi longa e dura. O
movimento de direitos civis nasceu e cresceu na igreja negra.
Muitos de seus líderes eram filhos de pastores ou pelo menos
haviam sido criados como membros da igreja e muita da
organização e orientação vinha de pessoas das igrejas. A figura
central, Martin Luther King , Jr. (1929-68) era um ministro batista.
Ele deu o direcionamento teológico do movimento pela liberdade
e insistiu que a não-violência e o amor estivessem sempre no cerne
da luta. A partir de suas origens espirituais, ele desenvolveu uma
visão do sofrimento negro, do significado da labuta histórica e da
fé na vitória final de Deus. Apesar de sua mensagem ter
encontrado resistência considerável, especialmente na comunidade
cristã branca, e de ele ter se tornado um mártir da causa da
liberdade, sua visão acabou triunfando.
Líderes ecumênicos e tradicionais apoiavam King e o
movimento de direitos civis, mas os evangélicas tinha a tendência
de ficar para trás. Porém, Billy Graham ofereceu o seu apoio à
causa ao começar a realizar cruzadas não-segregadas no sul em
1953 e nomear um afro-americano (Howard O. Jones) para fazer
parte de sua equipe de evangelistas em 1957. Também passou
algum tempo no Alabama promovendo a reconciliação durante o
auge da luta pelos direitos civis naquele estado em 1965 e
recusou-se a falar na África do Sul até que fosse permitida uma
platéia mista. Durante os anos 60, vozes afro-americanas como
William Pannel, John Perkins e E. V. Hill passaram a ser cada vez
mais ouvidas nos meios evangélicos.
O vinho velho em odres novos
A fé cristã estava constantemente sendo apresentada de
novas maneiras. Na África uma rica variedade de igrejas
“Independentes” ou de “Instituição Africana” surgiram nas
primeiras décadas do século 20, a começar pelas igrejas “Etíope”,
“Sionista” e “da cura profética” na África do Sul. Outras incluíam
a Igreja Harriste na Costa do Marfim, a Igreja do Exército de
Cristo no Delta do Níger, as igrejas Aladura (de oração) entre os
Yoruba da Nigéria, a Igreja Kimbanguista no Zaire e a Igreja de
Cristo na África em meios aos povos Luo e Quênia. Elas
adaptaram características da cultura e formas africanas ao
Cristianismo, dando grande ênfase ao Espírito Santo e à sua obra,
tinham um caráter fortemente biblicista e um profundo senso de
comunidade. Essas igrejas continuam crescendo tão rapidamente
que muitos prevêem que a África logo será o continente mais
cristão.
Nos anos 60 “comunidades de base” populares surgiram
entre os católicos romanos na América Latina e a idéia espalhou-
se amplamente para outras partes, inclusive África e Ásia. Nesses
grupos que existem à margem da Igreja institucional, o povo pobre
estuda a Bíblia à luz de sua própria experiência de opressão e
recria a experiência da Igreja primitiva como comunidade
participatória. Essa região também foi o solo de onde germinou a
“teologia da libertação”, uma abordagem complexa e multi-
facetada à questão da libertação política e econômica. Apesar de
seus expoentes mais conhecidos — Gustavo Gutiérrez, José
Miranda, Juan Luís Segundo e Leonardo Boff — serem católicos e
algumas vezes ter influências da teoria marxista, muitos
protestantes latino-americanos como José Miguel Bonino e
membros da Fraternidade Teológica Latino-Americana apoiam sua
ênfase. Ela valoriza a “praxis”, isto é, a crença de que a teologia
surge das experiências dos pobres e de que a Bíblia deve ser
aplicadas às situações nas quais as pessoas se encontram.

Novas teologias e abordagens da fé foram abundantes na


segunda metade do século 20. Havia teologias geográficas —
africana, asiática, coreana, “minjung” (do povo), japonesa “dor de
Deus”, “coco” das ilhas do Pacífico e da libertação na América
Latina — e diversos tipos de teologias feministas, negras e
políticas. Também estiveram presentes movimentos transitórios
como o da “Morte de Deus” e Teologia da Esperança. Enquanto o
crescimento desacelerou na América do Norte e decresceu na
Europa, igrejas estavam se multiplicando na América Latina,
África sub-Saara, China, Coréia e outras partes da Ásia e do
Pacífico. Porém, havia outras forças em ação que desafiariam a
Igreja com a chegada do fim do século.
Epílogo
Desafios contínuos aos avanços da Igreja
À medida que nos aproximamos do fim deste relato de dois
mil anos de história cristã, a Igreja de Jesus Cristo está de pé e
mais firme do que nunca. Ela de fato sobreviveu ao teste do
tempo. Quanto ao futuro, os cristãos estão convencidos de que
Deus continuará a trabalhar no processo histórico. Apesar de não
poderem usar as ferramentas da Ciência moderna para demonstrar
objetiva e conclusivamente a operação do sobrenatural, ainda
assim podem ver o agir de Deus com os olhos da fé. Deste modo,
afirmam com segurança que sua Igreja continuará a realizar a
tarefa da qual foi incumbida por ele, que é de tornar seu nome
conhecido por todos os povos. Ao entrar no século 21, a Igreja
enfrenta muitos desafios, mas ao mesmo tempo são oportunidades
de testemunhar sobre aquele que chamou a todas as nações e
comprou-as com seu sangue.

O desafio da secularização
O desafio mais imediato da Igreja é algo com que ela já vem
lutando há muito tempo — o processo de secularização. O termo
secular vem da palavra latina saecullum ("era" - o mundo
considerado de acordo com os aspectos do tempo) e foi usada para
traduzir o termo grego aion, que possuía o mesmo sentido. No
Novo Testamento aion refere-se a “era” que foi criada por Deus
(Hb 1.2) na qual vivemos e fazemos o bem ao nosso próximo
(1Tm 6.17) sendo que não devemos nos conformar com seus
valores e padrões (Rm 12.2) e um tempo que terminará com o
julgamento de Deus (Mt 24) e que será seguido da era futura na
qual os fiéis gozarão a vida eterna (Lc 18.30). Foi o tempo
histórico no qual as pessoas viveram a expectativa do Redentor
que estava por vir. Porém, a palavra assumiu um significado
diferente na Idade Média, quando o “secular” passou a ser
identificado com o “temporal”, a era presente em contraste com o
“eterno”, a esfera do espiritual, sagrado e divino.
Nos tempos modernos, a secularização veio a significar mais
do que apenas um processo de viver e agir no mundo presente. É,
agora, uma visão de mundo que pode ser chamada de
“Secularismo”. Essa é uma filosofia que enfatiza o material sobre
o espiritual, o respeito por toda verdade, independente de sua
origem, desde que leve ao aprimoramento humano, uma
preocupação exclusivamente com coisas desse mundo e não de um
outro mundo que possa vir e uma moralidade racional
independente de qualquer referência a Deus ou à realidade
espiritual. Do ponto de vista secularista, a região convencional
fica à margem do funcionamento da ordem social e a sociedade é
governada por sistemas impessoais de controle, tais como a
Burocracia, Ciência, Tecnologia e Pragmatismo (qualquer coisa
que funcione). Grupos que valorizam o sobrenatural não têm mais
permissão de exercer um papel no processo de tomar decisões.
Apesar do Secularismo aparentar ser a visão de mundo
predominante dos tempos modernos, seu vazio foi demonstrado
pela condição deplorável das cidades da Revolução Industrial,
pela tirania de Hitler, Stalin e Mao Tse-tung, bem como a criação
de armas de destruição em massa que poderiam eliminar toda a
vida na Terra. Até mesmo no Ocidente “esclarecido” onde a
Ciência produziu os mais altos padrões de vida na História e a
separação entre Igreja e Estado permitiu a ambos funcionar de
maneira mais autêntica, o Secularismo fracassou na tarefa de
oferecer respostas significativas para os problemas básicos do ser
humano. A corrupção política, o número crescente de ameaças ao
meio ambiente e o perigo de novas doenças mortais como a AIDS
ajudaram a destruir a ilusão de otimismo que havia tomado conta
do Ocidente no início do século 20.
Até mesmo para muitos cristãos o ritmo de vida na era
secular deixa muito a desejar. Isso fica evidente no aumento do
uso de medicamentos para dormir bem como de outras drogas e
pelas estatísticas sobre saúde mental, doenças relacionadas ao
estresse e suicídios. Eles não são imunes aos males que assolam os
outros no mundo.
Um outro tipo de Secularismo consiste na devoção quase
religiosa a coisas ou processos que aparentemente não tem ligação
nenhuma com aquilo que é considerado religião. Entre os novos
deuses seculares desta era estão a obsessão com a sexualidade, a
confiança no Estado-nação, a crença nos processos tecnológicos, a
fixação por entretenimento e esportes e o desejo de bens materiais.
Apesar de não haver nada intrinsecamente errado nessas coisas,
ainda assim qualquer uma delas pode exigir um nível de
comprometimento que deve ser reservado exclusivamente para
Deus.
O ressurgimento de religiões tradicionais em todas as partes
do mundo é uma prova de quão vazio é o Secularismo e isso
reforça para os cristãos o fato de que não devem ignorar o
problema existente e deixar a encargo de outros a tarefa de
desafiar o sistema do mundo. Eles não devem se conformar com o
espírito destes tempos ou permitir que a Igreja seja manipulada por
líderes políticos ou outros que estejam em busca de benefícios
temporais.
A reação dos crentes ao Secularismo deve ser de tornar a fé
relevante a todas as questões da atualidade. Não existe nenhuma
esfera da vida que seja isenta do escrutínio de Deus. Por outro
lado, não devem procura voltar a imaginários tempos áureos da
cultura cristã ou se retrair em algum tipo de gueto cristão. É
preciso que os crentes confrontem o secularismo vivendo no
mundo e demonstrando como é possível ter uma vida integrada
cujas diferentes partes são unidas pelo conceito de um Deus
criador que se preocupa com seu universo e que possibilitou a
redenção através da morte de Cristo.

Riqueza e pobreza
Um segundo desafio que confronta a Igreja é a extrema
divergência entre os ricos e os pobres do mundo de hoje, um
contraste que muitas vezes é descrito em termos de divisão entre
Norte e Sul. Especialistas em dados demográficos estimam que em
2000 a população do mundo será de 6,3 bilhões de pessoas e em
2025 pode chegar aos 8,5 bilhões. Além disso, 95 por cento do
crescimento populacional durante esse período será nos países em
desenvolvimento da América Latina, África e Ásia. Em 2025 o
México terá tomado o lugar do Japão entre os dez países mais
populosos do mundo e a população da Nigéria será maior que a
dos Estados Unidos.
Apesar do verdadeiro progresso realizado no crescimento
econômico, saúde pública e alfabetização no Terceiro Mundo,
pelo menos 800 milhões vivem em condições de “pobreza
absoluta”. O termo significa uma condição de vida na qual a
desnutrição, o analfabetismo, doenças, habitação inadequada, alta
taxa de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida estão
abaixo de qualquer definição de decência humana. A dura
realidade é que o Norte (incluindo a Europa Oriental e excluindo a
China), tem um quarto da população mundial e 80 por cento de
sua renda, enquanto no Sul (incluindo a China), três quartos da
população do mundo vivem com um quinto de sua renda. Além
disso, aproximadamente 90 por centro da indústria mundial de
manufatura encontra-se no Norte. Enquanto a qualidade de vida no
Norte sobe num ritmo regular, no Sul a cada dois segundos uma
criança morre de fome ou doença.
Ainda assim, o contraste entre a riqueza e a pobreza não
corresponde exatamente à divisão Norte-Sul. Muitos dos países da
OPEP são ricos enquanto a pobreza pode ser encontrada na
América do Norte e Europa. Nos Estados Unidos, 14 por cento das
pessoas e um quinto de todas as crianças estão abaixo da definição
legal de pobreza e na Grã-Bretanha mais de 10 a 15 por cento
estão próximos desse ponto. A realidade é que a grande
disparidade entre riqueza e pobreza não existe somente entre as
nações mas também dentro delas.
Por outro lado, um quinto da população do mundo vive em
relativa afluência e consome aproximadamente quatro quintos da
produção mundial. Além disso, de acordo com um relatório do
Banco Mundial, no ano de 1988 a “contribuição total” das nações
ricas para o Terceiro Mundo foi de $92 bilhões, um número
equivalente a menos de 10 por cento dos gastos mundiais com
armamentos, mas isso foi mais do que compensado pelo “serviço
total de débito” de $142 bilhões. O resultado foi uma transferência
negativa de aproximadamente $50 bilhões do Terceiro Mundo
para os países desenvolvidos. Essa disparidade entre riqueza e
pobreza é uma injustiça social tão grave que os cristãos não podem
ousar ignorá-la.
Não se deve culpar a Deus pela situação na qual existe o
pobre. Ele deu recursos suficientes através do solo e dos mares da
terra para atender as necessidades de todos. Também não é culpa
dos próprios pobres, tendo em vista que a maioria deles nasceu na
pobreza, mas alguns dos líderes de seu governo podem ser
culpados de corrupção e incompetência. Além disso, não é
necessariamente culpa daqueles que estão no Ocidente. Porém, os
cristãos tornam-se pessoalmente culpados quando não fazem nada
sobre essa situação.
Na história do Homem Rico e Lázaro (Lc 16.19-31) não há
nenhuma indicação de que a pessoa rica fosse responsável pela
triste situação do pobre. A culpa estava em sua ignorância cega
quando ao mendigo em seu portão. Ele não usou sua afluência
para suprir as necessidades do homem e permitiu que uma situação
de pobreza extrema privasse Lázaro de sua humanidade. O
Homem Rico foi enviado para o inferno não porque explorou o
mendigo, mas porque o ignorou. Os cristãos de hoje são tentados a
usar a complexidade da economia como desculpa para não fazer
nada. O povo de Deus precisa dedicar-se não apenas à
evangelização, mas também a atender as necessidades humanas,
tanto em seu próprio país como nos confins da terra.
Isso explica porque os cristãos no Terceiro Mundo colocam
as questões de pobreza e desenvolvimento no topo de suas
prioridades teológicas. Alguns cristãos no Norte têm dificuldade
de entender que a “libertação” é tão central no pensamento de seus
irmãos na América Latina, África e Ásia, mas eles nunca
enfrentaram a realidade dura e desumana da pobreza completa.
Não deve ser surpreendente que os evangélicos do Sul, com seu
forte compromisso com a integridade e autoridade das Escrituras,
estejam na vanguarda da iniciativa de se garantir mais justiça para
seus vizinhos. Eles simplesmente acreditam naquilo que a Bíblia
diz.
Essa dedicação à ação nunca foi mais eloqüentemente
afirmada do que no Manifesto de Manila, adotado no II Congresso
Internacional de Evangelização Mundial em Lausanne no mês de
julho de 1989. Com três mil representantes de cento e setenta
países, essa reunião nas Filipinas foi a organização mais
representativa de evangélicos a se reunir em um único lugar. As
palavras a seguir estão na seção que tem como título “o Evangelho
e a Responsabilidade Social”:

Ao proclamar o amor de Deus devemos estar envolvidos no serviço de amor e à


medida em que pregamos o reino de Deus devemos estar comprometidos com
suas súplicas de paz e justiça...
Jesus não apenas proclamou o reino de Deus, mas demonstrou sua chegada
através de gestos de misericórdia e poder. Somos chamados a fazer uma
integração semelhante entre as palavras e os atos. Num espírito de humildade,
podemos pregar, ensinar, ministrar aos enfermos, alimentar os famintos, cuidar
dos prisioneiros, ajudar os incapacitados e deficientes, resgatar os oprimidos...
Em nossa preocupação pelos pobres, somos perturbados pelo fardo de dívidas do
Terceiro Mundo. Também ficamos indignados com as condições desumanas em
que vivem milhões de pessoas que foram feitas à imagem de Deus como nós.
Nosso contínuo comprometimento com a ação social não é uma confusão do
reino de Deus com uma sociedade cristianizada. É, na verdade, um
reconhecimento de que o evangelho bíblico tem implicações sociais das quais
não podemos escapar. A verdadeira missão... precisa entrar humildemente no
mundo de outras pessoas, identificando-se com sua realidade social, sua tristeza e
sofrimento e suas lutas por justiça contra os poderes opressores. Isso não tem
como ser feito sem sacrifícios pessoais.1

A contínua ameaça de guerra


O alívio das tensões internacionais que veio logo depois do
fim da União Soviética levou muitas pessoas à complacência com
a ameaça contínua de guerra. Mesmo quando dissipou-se o perigo
internacional do Comunismo e, com ele, o medo de um holocausto
nuclear, seu lugar foi tomado pelo nacionalismo de fragmentação.
Um grande número de mini-nacionalismos demonstrou o grande
paradoxos desses tempo, a saber, a dolorosa divisão de um mundo
que, em outros aspectos está cada vez mais unificado. Desde o
final da Segunda Guerra mais de cem novos Estados declararam
sua independência e puseram-se a caminho de construir uma
nação. Normalmente instáveis e economicamente fracos, esses
Estados enfrentam problemas graves. O surgimento de tantos novo
e pequenos países tem estimulado o nacionalismo em grupos
minoritários de países maiores e mais antigos. Porém, o fato é que
esses movimentos muitas vezes levam à violência e o
derramamento de sangue parece não preocupar os líderes dessas
novas nações. Como disse um deles: “preferimos um governo
próprio cheio de perigo do que a tranqüilidade na servidão”.
A maioria desses Estados foi aceita como parte das Nações
Unidas, determinando assim um precedente para outros grupos
dissidentes de que eles também devem ser ouvidos, mesmo
aqueles que vivem em situações que não seriam tradicionalmente
consideradas “coloniais”. Até pouco tempo atrás, todos os países
existentes haviam declarado que a situação de suas “minorias”
étnicas estava sob controle, tendo o caráter de uma questão
basicamente interna, mas a natureza da política internacional
encontra-se num ponto em que esse não é mais o caso. Líderes de
nacionalidades supostamente “oprimidas” buscam conquistar a
simpatia da comunidade mundial por sua luta e alguns chegam a
recorrer ao terrorismo para isso.
A existência de tantos Estados nacionais é uma questão séria
pois encontram-se em condições tão precárias. Tendo em vista sua
pequena área territorial e recursos limitados, as esperanças que
foram estimuladas pela independência não podem ser alcançadas
através do desenvolvimento pacífico. Consequentemente, muitos
acabam lançando mão das armas para conseguir o que desejam.
Essas guerras podem ser travadas com armas convencionais, mas
há sempre a tentação de se fazer uso de combate a nível atômico,
biológico e químico (ABC - Atomic, Biological, and Chemical). O
uso de armas químicas pelos iraquianos durante os anos 80 mostra
como esse é o caso.
O que faz disso uma ameaça tão assustadora é a proliferação
de armas atômicas. Nos anos 80 apenas cinco países as tinham —
os Estados Unidos, a União Soviética, a Grã-Bretanha, a França e
a China. No início da década de 90, sabia-se de dezessete outros
países que tinham capacidade de produzi-las. Muitos acreditam
que na primeira década do século 21, o “clube nuclear” pode vir a
ter mais de uma centena de membros. Com tantos países de posse
de armas nucleares, a possibilidade de serem usadas numa guerra é
extremamente grande.
Isso torna urgente as iniciativas cristãs em favor da paz.
Como disse Jesus: “Bem-aventurados os pacificadores, pois ele
serão chamados filhos de Deus” (Mt 5.9). Estas e outras
declarações de Cristo devem eliminar completamente o uso de
força em conflitos entre nações. Mas devido à complexidade
dessas situações é possível que alguns cristãos ainda pensem que é
melhor aquiecer com a questão armamentista. Certamente não
pode haver espaço para armas nucleares nesse tipo de conflito,
mas armas convecionais, incluindo aquelas de alta tecnologia,
estão a disposição em quantidade assustadora.
Um observador imparcial de outro planeta iria concluir que,
de fato, a Terra é um lugar estranho. Há um excedente tão grande
de armas letais e ao mesmo tempo uma escassez de comida para os
famintos e de abrigo para os que não tem um lar. Assim, a tarefa
que está confrontando a Igreja é urgente. A Igreja deve ensinar as
pessoas a transformar suas espadas em arados e a construir a paz
no mundo tendo por base um verdadeiro conhecimento de Deus,
um relacionamento de justiça entre as nações e uma preocupação
pelos membros mais fracos e vulneráveis da sociedade.

Racismo e etnicidade
O racismo e a etnicidade estão intimamente ligados aos
problemas de guerra. Uma definição amplamente aceita dentro da
comunidade cristã afirma que racismo é

O orgulho etnocêntrico de seu próprio grupo racial e preferências pelas


características distintivas desse grupo; crença de que essas características são
fundamentalmente de natureza biológica; [e] fortes sentimentos negativos para
com outros grupos que não compartilham dessas características além de um
impulso para descriminar e excluir esses grupos de uma participação plena em
sua comunidade.2

A etnicidade tem a ver com a identidade cultural ou do


grupo. Membros de um grupo étnico (muitas vezes chamado
também de “nacionalidade”) compartilham de uma língua e de
instituições sociais e culturais em comum e estão conscientes de
que essas características os diferenciam de outros grupos. A
etnicidade era o que distinguia os hebreus dos outros povos e o
conceito de nação é reconhecido no Novo Testamento (At 2.5; Ap
21.24). Os próprios cristãos, porém, constituem uma “nação
sagrada” (1Pe 2.9) e na era apostólica as diferentes congregações
eram estruturadas geograficamente (como era o caso da igreja de
Corinto) e não etnicamente.
O racismo e a etnicidade são questões globais e não algo que
se restringe ao Ocidente. Antes da expansão européia (1500 d.C.)
as diversas raças da família humana viviam num certo isolamento,
mas isso foi sendo gradualmente modificado pelas migrações em
massa, tanto livres quanto forçadas, e hoje em dia existe um grau
variado de misturas raciais pelo mundo. A mudança no mapa
racial do mundo não fez com que os conflitos se tornassem
necessariamente inevitáveis. O que na verdade promoveu esses
choques foi a expansão européia. Os europeus possuíam
superioridade tecnológica e militar e conquistaram vastos
territórios coloniais na África, Ásia e Américas, transportando
milhões de escravos africanos para o Novo Mundo. Ao longo
desse processo, os europeus desenvolveram um mito de
superioridade racial para justificar sua conduta. No mundo
contemporâneo, as tensões raciais e étnicas vem aumentando
constantemente.
Os cristãos estão de posse de ferramentas especialmente
adequadas para lidar com essas situação, como o apóstolo Paulo
mostrou em seu famoso discursos aos atenienses (At 17.22-31).
Atenas estava entre as cidades mais racial, étnica e culturalmente
diversificadas do Império Romano e ele tratou do assunto de suas
diferenças aos olhos de Deus. Seu sermão enfatizou quatro pontos.
Primeiro, ele afirmou a unidade da raça humana pois Deus é
o Criador, sustentador e Pai de toda a humanidade.
Conseqüentemente, o racismo não é apenas tolo, mas também
perverso, tendo em vista que viola os propósitos criativos de Deus.
Em segundo lugar, Paulo reconheceu a diversidade das culturas
étnicas. Apesar do fato de Deus ter feito todas as nações a partir de
um homem, “ele determinou o tempo de cada uma e o lugar onde
deveriam viver” (v.26). As Escrituras reconhecem que as culturas
enriquecem a vida humana como um todo, assim os cristãos
podem afirmar tanto a unidade da humanidade como sua
diversidade étnica. Em terceiro lugar, Paulo aceitou a riqueza das
várias culturas, ele não transportou essa questão para o âmbito
religioso. Ele não aceitou a idolatria na qual estavam baseadas
pois Deus não tolera rivais de seu Filho Jesus Cristo, o único
Salvador e Juíz da humanidade. Por fim, o apóstolo declarou a
importância da Igreja, que seria uma comunidade nova e
reconciliada da qual todos poderiam fazer parte (v.34). Como
Paulo afirmou em Gálatas 3.28 e Colossenses 3.11, em Cristo “não
há judeu nem grego, escravo ou livre”. Nele, todos são um.
John R. W. Stott resume com eloqüência o ímpeto do sermão
de Paulo aos atenienses:

Por causa da unidade da raça humana, exigimos direitos iguais e respeito igual
para as minorias raciais. Por causa da diversidade de grupos étnicos, renunciamos
o imperialismo e buscamos preservar toda a riqueza da cultura inter-racial que for
compatível com o senhorio de Cristo.
Por causa do caráter decisivo de Cristo, afirmamos que a liberdade religiosa
inclui o direito de propagar o evangelho. Por causa da glória da Igreja, devemos
procurar nos desfazer de qualquer traço de racismo e transformá-la num modelo
de harmonia entre as raças, no qual o sonho multirracial tornou-se realidade.3

O desafio ambiental
Talvez o desafio mais sério para a Igreja do século 21 seja o
de preservar a Terra. A extensão da destruição ambiental é
assustadora, como indicam desastres recentes como o vazamento
de gás venenoso de uma indústria química em Bhopal na Índia em
1984, que matou mais de duas mil pessoas e deixou seqüelas em
mais de duzentas mil; o acidente na usina nuclear de Chernobyl na
Ucrânia em 1986, cujos efeitos letais só serão conhecidos ao longo
de décadas; o derramamento de petróleo da Exxon Valdez no
Alasca em 1989 e o derramamento ainda maior de petróleo nas
Ilhas Shetland. Acontecimentos alarmantes como a destruição da
floresta amazônica, a eliminação sistemática das florestas no norte
da Índia, o deserto do Saara avançando para o sul, as crises de
chuva ácida na Europa e América do Norte, os buracos na camada
de ozônio, a eliminação de inúmeras espécies de animais e plantas
chamaram a atenção do público para a necessidade de
responsabilidade ambiental.
Infelizmente, ecologistas seculares acusam a Igreja de ser a
principal origem desse problema por causa da afirmação em
Gênesis 1.26,28 de que a humanidade deve “subjugar” e ter
“domínio” sobre a terra e toda a vida que nela há. Alguns chegam
a afirmar que os cristãos tem uma boa dose de culpa na exploração
desordenada do meio-ambiente e pedem uma religião panteísta
que junte os seres humanos e a natureza.
Os cristãos devem responder a essas acusações mostrando
que Gênesis 1 e 2 tem um equilíbrio mútuo. Deus delegou o
domínio aos seres humanos mas estes seriam responsáveis perante
ele e deveriam cooperar com as forças da natureza. O princípio de
que Deus possui a terra e supervisiona o que acontece com ela
aparece repetidamente nas Escrituras “A terra é do Senhor” (Sl
24.1), “cada animal na floresta é meu bem como o gado em
milhares de colinas” (Sl 50.10) e ele alimenta os pássaros, faz
crescer os lírios e veste a erva dos campos (Mt 6.26,28,30). Isso
exige a conservação dos recursos da terra, incluindo sabedoria
para usar e reciclar produtos manufaturados. Se deseja manter sua
credibilidade no mundo de hoje, a Igreja deve promover a
consciência da responsabilidade ambiental.

Mulheres no ministério?
Nas últimas décadas do século 20, poucos assuntos foram tão
controversos nos meios protestantes e católicos como a questão da
mulher ser aceita e ordenada como clériga. De um lado, estão
aqueles que acreditam que a missão da Igreja de Deus é
prejudicada quando é negada a metade dos membros a
oportunidade de exercer os dons que receberam de Deus. Do outro
lado estão os que acreditam com igual convicção que o ministério
masculino foi instituído pelo próprio Jesus quando chamou doze
homens para serem seus apóstolos. Tanto os tradicionalistas
quanto os igualitários lançam mão das Escrituras Sagradas e do
desenvolvimento histórico da Igreja para apoiar seu
posicionamento quanto ao papel da mulher no ministério. Cada um
acusa o outro de projetar na Bíblia sua própria visão
preconceituosa escolhendo passagens que reforçam sua posição
sobre o assunto.
No século 19, vários grupos protestantes permitiam a
participação de mulheres no ministério público. Entre os exemplos
mais conhecidos estavam a metodista americana Phoebe Palmer,
Catherine Booth do Exército da Salvação e Hannah Whitall Smith,
que ajudou a começar o movimento Keswick. Nos Estados Unidos
a maior parte das organizações pentecostais e movimentos da
santidade tiveram mulheres como pastoras e evangelistas no
início, mas foi só na metade do século 20 que as denominações
mais tradicionais começaram, de fato, a ordenar mulheres. Porém,
a nível de igreja local, havia uma considerável resistência até
pouco tempo atrás. Nos dias de hoje, quase um terço dos alunos de
seminários são mulheres.
Os luteranos da Suécia começaram a ordenar mulheres em
1958 e os alemães seguiram o exemplo alguns anos mais tarde. A
primeira mulher alemã à exercer o bispado foi nomeada em 1992.
A Igreja Reformada e a Igreja da Escócia começaram a aceitar
mulheres no ministério nos anos 60 e os batistas e metodistas na
Grã-Bretanha e Alemanha, só mais recentemente. Os evangélicos
de um modo geral são resistentes a essa tendência, mas alguns
deles têm argumentado em favor da ordenação feminina.
As tensões mais sérias podem ser vistas nas igrejas
Anglicana e Católica Romana. Nos anos 70 tanto a Igreja
Anglicana do Canadá como a Episcopal da América começaram a
ordenar mulheres e em 1991 a Nova Zelândia nomeou uma mulher
para o cargo bispal. Mas as igrejas anglicanas na Grã-Bretanha e
Austrália foram divididas por profundas dissensões. Em 1992, a
decisão de permitir mulheres no ministério ameaçou dividir a
Igreja nos dois países e colocou em sério risco a iniciativa de
ecumenistas anglicanos no sentido de estreitar os laços com Roma.
O papa João Paulo II adotou um posicionamento intransigente na
questão da ordenação feminina, apesar das pressões contrárias de
um forte movimento feminista dentro da Igreja Católica. As
igrejas ortodoxas orientais nunca estiveram mais firmes do que
agora em sua rejeição da ordenação feminina.
Pelo visto essa questão ainda continuará a perturbar várias
comunidades cristãs pelo mundo afora por anos ou talvez mesmo
décadas futuras. Muitos cristãos devotos, entre eles multidões de
mulheres, apegam-se fervorosamente aos antigos costumes quando
tudo o que lhes é sagrado parece estar desmoronando. É por isso
que igrejas conservadoras que opõem-se rigorosamente à
ordenação de mulheres continuam a crescer. A fim de ter sucesso a
longo prazo, o novo feminismo cristão terá que demonstrar que a
igualdade entre os gêneros contribui para a força moral e espiritual
da Igreja.

O ressurgimento das religiões não-cristãs


Uma das conseqüências do fim da era imperial tem sido o
ressurgimento das religiões não-cristãs. O século 20 começou com
o sonho triunfalista de ver o Cristianismo conquistar o mundo e
encerra-se com os credos não cristãos na posição ofensiva em
muitos lugares. Do ponto de vista cristão, ainda é mais
preocupante a forma com que está se organizando o contra-ataque,
a saber, o tradicionalismo militante. Um importante projeto de
pesquisa iniciado no começo dos anos 90 na Universidade de
Chicago tem procurado avaliar as dimensões e impacto a longo
prazo desse ressurgimento do tradicionalismo em várias religiões
do mundo e os resultados até agora tem sido assustadores.
O Hinduísmo, o desafio mais antigo e complexo ao
Cristianismo, afirma ter 751 milhões de fiéis, a maior parte na
Índia ou seja, 13 por cento da população mundial. O Budismo, um
de seus rebentos, varreu a Ásia no século 3º a.C. e então estagnou-
se. Mas depois da Segunda Guerra Mundial, o movimento vem
passando por um reavivamento. Os budistas hoje têm um total de
aproximadamente 334 milhões de adeptos, ou 6 por cento da
população mundial e predominam por toda a Ásia oriental, exceto
na China. O Islamismo é a fé mais parecida com o Cristianismo no
sentido de afirmar ser uma religião universal e, ao mesmo tempo, a
única verdadeira religião. Com seu fervoroso zelo missionário, o
Islã é a religião que está crescendo mais rapidamente no mundo e
afirma ter um bilhão de praticantes do Marrocos às Filipinas ou 18
por cento da população mundial. Mais 12 por cento do mundo
identifica-se com vários outras crenças como o Xintoísmo,
Jainismo, Sikhismo, Judaismo e religiões tribais africanas.
Esse reavivamento de outras religiões vem acontecendo tanto
através de iniciativas missionárias como pela determinação
política de uma religião oficial do Estado, como é o caso do
Paquistão, Irã e Malásia. Os praticantes dessas crenças afirmam
que elas são mais relevantes às necessidades das pessoas. Essas
religiões apresentam-se como um modo de vida que é sinônimo da
cultura. O Cristianismo, por outro lado, é visto como uma religião
estrangeira e culturamente distante. Alcançar os seguidores de
crenças não-cristãs é uma tarefa monumental que a Igreja deve
encarar.
Nas áreas que antes eram dominadas pelo Comunismo, há
um enorme vácuo espiritual que tanto os cristãos como seus
concorrentes estão tentando preencher. Porém, o Ocidente
secularizado está rapidamente tornando-se, ele próprio, um campo
missionário. Religiões orientais híbridas competem com muitas
outras “novas religiões” pela lealdade de pessoas que não tem
outro deus a não ser o Materialismo e isto também é um desafio
missionário para a Igreja.

Rumo ao futuro
A lista de problemas apresentada acima não é, de forma
alguma, completa. Entre outras questões que poderiam ser
mencionadas estão a era da informática, o totalitarismo de alguns
chefes de Estado, o impacto das tecnologias de comunicação,
alienação do mundo moderno, questões familiares (como divórcio,
violência contra cônjuges e filhos, homossexualidade e eutanásia),
uso de drogas e álcool, analfabetismo e ignorância, direitos
humanos, emprego e trabalho e relações industriais. Só de pensar
nos múltiplos desafios que se apresentam à Igreja poderia levar ao
desespero. Porém os cristãos não devem jamais fraquejar em sua
crença de que o poder soberano de Deus está agindo sobre o
mundo.
Caso os acontecimentos continuem no rumo que estão
tomando no momento, é bastante provável que em algum
momento do futuro a Igreja seja obrigada a voltar a uma existência
parecida com a que era predominante antes do tempo do
imperador Constantino. Ao invés de fingir seu uma extensão do
mundo, ela terá que operar como a Igreja de uma minoria e aceitar
a posição de antagonismo consciente do mundo. Independente do
que reserve o futuro, as palavras de despedida de Jesus aos seus
discípulos são tranquilizadoras:
Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No
mundo passais por aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo (Jo 3.16).

Notas
Capítulo 2
1. Tático, Anais 15.44.
2. Eusébio, História Eclesiástica 8.2.4-5.
3. Orígenes, Homilias sobre Levíticos 9.1.3.
4. Hipólito, Refutação de Toda Heresia 9.12.21-22.
5. Minúcio Félix, Otávio 8.4
6. Ibid., 9.4.
7. Ibid., 31.7-8.
8. Tertuliano, Apologia 37.4.
9. Lactâncio, Sobre a Morte dos Perseguidores 44.5.

Capítulo 3
1. Clemente, Stromateis 6.8.
2. Tertuliano, Sobre o Corpo de Cristo 5.4.

Capítulo 4
1. Para lendas cristãs sobre Juliano, ver Robert
Browning, The Emperor Julian (Berkley, Calif.: Univ. of
Califórnia, 1976), 225-58.
2. Hipólito, A Tradição Apostólica 2.20.7-21.1.

Capítulo 5
1. Bede, Uma História da Igreja Inglesa 2.13.
2. Citado de uma fonte contemporânea por J. Brondsted.
The Vikings (Londres: Penguin, 1965), 58.

Capítulo 6
1. Alcuin, carta à Meginfried (796).
2. Einhard, Life of Chalemagne 28.
3. Capitulário (820) de Luís o Pio de Capitularia
Requim Francorum 1, 298.
4. Inocêncio III, carta a Acerbus (1198).

Capítulo 8
1. Teodoro o Estudita, First Refutation of the
Iconoclasts 2.
2. John J. Norwich, Byzantium: the Apogee (Nova York:
Knopf, 1992), 321.
3. T. Fitzgerald, “Toward the Reestablishment of Full
Communion: The Orthodox-Orthodox Oriental Dialogue”. Greek
Orthodox Theological Review 36 (1991), 169-82; cf. e também
“Joint Comission of the Theological Dialogue between the
Orthodox Church and the Oriental Orthodox Churches”, idem.,
183-88.

Capítulo 9
1. A. G. Dickens, The English Reformation (University
Park, Pa.: Pennsylvania State Univ., 1991), 46-60.
2. Matthew Spinka, Advocates of Reform from Wyclif to
Erasmus. Library of Christian Classics (Filadélfia: Westminster,
1953), 15:337.

Capítulo 10
1. Roland H. Bainton, Here I Stand: A Life of Martin
Luther (Nashville: Abingdon-Cokesbury, 1950), 65.
2. Ibid., 185.
3. Ibid.

Capítulo 11
1. Clyde, L. Manschreck, A History of Christianity in
the World (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1985), 206.

Capítulo 12
1. Lewis, Hanke, org., Tears of the Indians by
Bartholomé de Las Casas (Williamstown, Mass.: John Liburne,
1970), xiii.
2. Charles R. Boxer, The Portuguese Seaborne Empire,
1415-1825 (Nova York: Knopf, 1975), 228.

Capítulo 13
1. Paul Althaus, The Theology of Martin Luther
(Filadélfia: Fortress, 1966), 274-86.
2. Paul Hazaard, The European Mind: The Critical
Years (1680-1715) (New Haven, Com.: Yale Univ., 1953), 198-
216.

Capítulo 14
1. Robert J. Nelson. Pascal: Adversary and Avocate
(Cambridge, Mass.: Harvard Univ., 1981, 115-209. Ver também
Alexander Sedgwick, Jansenism in Seventeenth-Century France
(Charlottesvile, Va.: Univ. of Virginia, 1977).
2. Blaise Pascal, Pensées, Fragmentos 432-380;
3. F. Ernest Stoeffler. The Rise of Evangelical Pietism
(Leiden, Holanda: Brill, 1971), 228-48.

Capítulo 15
1. John Dillenberger, Protestant Thought and Natural
Science (Londres: Collins, 1961), 54:359.
2. R. R. Palmer, A History of the Modern World, 7a ed.
(Nova York: McGraw-Hill, 1992), 54: 359.
3. The Complete Works of Benjamin Franklin, ed. John
Bigelow (Nova York: Putnam‟s, 1888), 10:194-95.

Capítulo 17
1. Alexis de Tocquevile, The Old Regime and the
French Revolution (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1955), 6.
2. Paul Johnson, A History of Christianity (Nova York:
Atheneum, 1970), 360.
3. Alec R. Vidler, The Church in an Age of Revolution
(Nova York: Penguin, 1961), 19.
4. R. I. Wilberforce e Samuel Wilberforce, The Life of
William Wilberforce (1838), 1:149, citado em John Pollock,
Wilberforce (Nova York: St. Martin‟s, 1977), 69.
5. David W. Bebbington, Evangelicalism in Modern
Britain (Londres, Unwin Hyman, 1989), 52.

Capítulo 18
1. T. A. Burkill, The Evolution of Christian Thought
(Othaca, N.Y.: Cornell Univ., 1971), 382-98.
2. Fritz Fischer, “Der deutche Protestantismus und die
Politik im 19 Jharhundert”, Historische Zeitschrift 171 (1951)m
480-83.
3. “Tübingen School”, in Evangelical Dictionary of
Theology, org. Walter A. Elwell (Grand Rapids: Baker, 1984),
1114-15.
4. Alexis de Tocqueville, Democracy in America (Nova
York: Schocken, 1961), 1:359-60.

Capítulo 19
1. Edwin Hodder, The Life and Works of the Seventh
Earl of Schaftesbury (Londres: Cassell ,1887), 1:146.
2. John C. Cort, Christian Socialism (Maryknoll, N.Y.:
Orbis, 1988), 156.
3. Shailer Matthews, “The Social Gospel” in A
Dictionary of Religion and Ethics (Nova York: Macmillan, 1921),
416-17.
4. W. B. Riley, The Menace of Modernism (Nova York:
Christian Alliance, 1917), 337.

Capítulo 20
1. Brian Stanley. The Bible and the Flag: Protestant
Missions and British Imperialism in the Nineteenth and Twentieth
Centuries (Leicester, Inglaterra: Apollos, 1990), 160-62.
2. Lamin Sanneh, Translating the Message: The
Missionary Impact on Culture (Nova York: Orbis, 1989), 3.
3. Stephen Neill, A History of Christian Missions (Nova
York: Penguin, 1964), 278.
4. Patricia R. Hill, The World Their Household: The
American Woman’s Foreign Mission Movement and Cultural
Transformation,1870-1920 (Ann Arbor, Mich.: Univ. of
Michigan, 1985), 3.

Capítulo 21
1. Dmitrij Tschizewskij, Russian Intelectual History
(Ann Arbor, Mich.: Univ. of Michigan, 1978), 194-97.
2. Ibid., 221-26.
3. Sydney E. Ahlstrom, A Religious History of the
American People (New Haven, Conn.: Yale Univ., 1972), 1021.
4. “Julius Wellhausen”, in The Oxford Dictionary of
Theology, org. F. L. Cros (Nova York: Oxford Univ., 1958), 144.
5. “Theological Liberalism” in Evangelical Dictionary
of Theology, org. Walter A. Elwell (Grand Rapids: Baker, 1984),
631-32: William R. Hutchinson, The Modernist Impulse in
American Protestantism (Nova York: Oxford Univ., 1976) 2-6.

Capítulo 22
1. Ver a discussão em Richard V. Pierard e Robert D.
Linder, Civil Religion and the Presidency (Grand Rapids:
Zondervan, 1988), 153-58.
2. Hitler’s Secret Conversations 1941-1944 (Nova
York: New American Library, 1961), 34, 330.

Capítulo 23
1. Joel A. Carpenter e Wilbert R. Shenk, org., Eaarthern
Vessels: American Evangelicals and Foreign Missions, 1880-1980
(Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 335-42.

Epílogo
1. J. D. Douglas, org., Proclaim Christ Until He Comes
(Minneapolis: World Wide, 1989), 20-21.
2. Adotado em 1968 na assembléia do Concílio Mundial
de Igrejas. Ver Dictionary of the Ecumenical Movement. Org.
Geoffrey Wainwright, et al. (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 841.
3. John Stott, Decisive Issues Facing Christians Today
(Tarrytown, N.Y.: Revell, 1990), 225-26.

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