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Colégio Moderno – Ciência Política 12º

Revoluções Liberais

A Revolução Americana e a Revolução Francesa foram acontecimentos ocorridos


na segunda metade do século XVIII, e que tiveram enorme importância para o resto
do Mundo. A principal mudança, no que à Ciência Política diz respeito, prende-se
com a relação entre governantes e governados, a legitimidade do exercício do poder e
os limites que passaram a ser impostos a quem o detém.

Estas revoluções, que tiveram como antecedente a Gloriosa Revolução britânica


(1689) e cujos princípios vêm de documentos tão antigos como a Magna Carta
(século XIII), vieram a estabelecer muitos dos marcos da atual vida política.

Revolução Americana

A Revolução Americana foi o processo ao fim do qual 13 colónias do Império


Britânico, situadas na América do Norte, proclamaram a independência e formaram
um novo país, os Estados Unidos da América.

Estas colónias rejeitaram a autoridade da metrópole, a cujas leis estavam sujeitas


embora nele não estivessem representadas. Os colonos também pagavam impostos à
Coroa britânica sem que, como se disse, fossem ouvidos na sua governação. Ora, a
seu ver, isto tornava ilegítimo o poder da monarquia britânica sobre as províncias
norte-americanas. O facto de haver, no Reino Unido, um grave problema de
corrupção contribuiu para agravar a contestação.

Contexto

Por detrás desta revolução estavam os princípios do Iluminismo, um período em que


a vida cultural, científica, intelectual e filosófica da civilização ocidental sofreu
grandes mudanças. Os avanços no conhecimento alcançados no século XVII foram
aplicados à condição humana, o que viria a provocar mudanças na sociedade e até nas
religiões.

A razão passou a ser vista como fonte de legitimidade e autoridade; sem ela, nenhum
poder era legítimo ou aceitável. Não surpreende, pois, que estas ideias tenham
suscitado um questionamento das instituições e poderes vigentes. Os privilégios de
reis, aristocratas e igrejas pareciam absurdos aos pensadores do iluminismo, para
quem os seres humanos nasciam iguais em direitos e deveres, os quais eram naturais e
não concedidos por outrem. As tentativas de conciliar ciência e religião, nem sempre
pacíficas, deram origem ao deísmo, uma forma de encarar Deus aliado à razão, sem o
obscurantismo que as igrejas cristãs até então cultivaram.
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Entre os pensadores do Iluminismo havia os mais moderados – David Hume, Adam


Smith, Adam Ferguson, James Hutton – nas ilhas britânicas e, em França, imperavam
os mais radicais, como Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, Holbach ou Claude
Adrien Helvétius.

A América, que não tinha uma aristocracia própria e que surgia aos colonos como
terra virgem e cheia de oportunidades, era um território propício à propagação de
novas ideias e valores. Liberalismo, democracia, república, tolerância religiosa
(havia, por esta altura, muitas igrejas nos atuais EUA que eram cristãs e protestantes,
mas que se tinham distanciado da igreja anglicana) foram princípios que depressa
convenceram a população.

Particularmente influentes foram os escritos do filósofo John Locke (1632–1704)


sobre liberdade. É-lhe atribuída a frase “ninguém deve prejudicar outrem na sua vida,
saúde, liberdade ou posses”.

A obra de Locke Dois tratados sobre o Governo influenciou pensadores posteriores,


como Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), autor do tratado Do contrato social. Esta
noção de contrato social significa que o povo outorga poder a um Governo para
assegurar a ordem social, sob o domínio da lei. O que implica que esse poder e o seu
exercício são condicionais ao cumprimento do referido contrato por parte dos
governantes. Ora, se assim for, os cidadãos tem o direito de derrubar os seus líderes
caso estes violem o contrato social.

Os valores republicanos foram outro pilar da revolução americana e da fundação do


novo país. Homens como George Washington, Samuel Adams, Benjamin Franklin,
Thomas Jefferson, James Madison e outros – os Pais Fundadores dos Estados Unidos
da América – defendiam que os titulares de cargos públicos tinham o dever de colocar
o dever cívico e o interesse do coletivo a frente dos seus interesses e desejos pessoais.
Um escrito muito divulgado, e que em muito reproduziu estes ideais, foi o panfleto
Senso comum, de Thomas Paine.

Antecedentes

Os antecedentes da revolução remontam a 1763, numa altura em que os britânicos


tinham vencido os franceses na disputa por parte das colónias que Londres detinha no
continente americano. A coroa britânica quis recuperar nas colónias – através de
impostos – o custo que a manutenção das mesmas tivera para os seus cofres.
Surgiram, assim impostos sobre o açúcar, o papel, o chá, o vidro, a emissão de moeda,
o imposto de selo.

Isto foi muito mal aceite do outro lado do Atlântico. Os habitantes das colónias
consideravam-se cidadãos britânicos, não havendo neles uma pulsão nacionalista, mas
sentiram-se injustiçados e prejudicados nos seus direitos: não estavam em igualdade
com os seus congéneres que viviam no Reino Unido. Grupos como os Filhos da
Liberdade começaram a espalhar a revolta e a promover boicotes aos produtos
britânicos e desobediência as novas leis.
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No Império Britânico vigorava um sistema mercantil, em que a riqueza de uma


nação dependia, em larga escala, do equilíbrio da sua balança comercial com outros
Estados. Londres proibiu, por isso, as trocas comerciais com países inimigos, de
forma a favorecer a metrópole. No caso britânico, havia vários inimigos, e
importantes: França, Países Baixos, Espanha. Os colonos sentiam-se prejudicados por
não poderem negociar com estes países e frequentemente recorriam ao contrabando.

Outra fonte de descontentamento foi o facto de o Governo britânico ter restringido as


autorizações para estender os colonatos ao território indígena. Pretendia-se, com isto,
obter relações cordiais com os indígenas, muitos dos quais tinham apoiado os
franceses na guerra anterior. Por outro lado, os colonos afirmavam que, concluída a
guerra, não havia motivo para a coroa britânica manter tropas permanentes no
território americano, devendo a segurança ser confiada as milícias formadas pelos
próprios colonos. Entre outros motivos, porque o alojamento das tropas britânicas
ficava a cargo – e a expensas – dos colonos.

Desenrolar da revolução

A contestação foi subindo de tom em todo o território. Boston foi palco de dois dos
episódios mais memoráveis desta época. A 5 de março de 1770, estando uma multidão
a lançar bolas de neve e pedras aos soldados britânicos, um destes caiu. Os restantes
retaliaram disparando sobre a multidão, tendo morrido cinco civis. Os soldados
envolvidos neste Massacre de Boston foram julgados e absolvidos mas o caso
alimentou a propaganda antibritânica.

A 16 de dezembro de 1773, Samuel Adams liderou um grupo de homens que,


disfarçados de índios, invadiram os navios da Companhia Britânica das Índias
Orientais (favorita da coroa) e deitaram ao mar carregamentos de chá no valor de dez
mil libras (hoje seriam perto de 700 mil euros). Foi o Boston Tea Party, episódio
crucial da historia dos EUA e inspirador do atual movimento homónimo.

Em 1772, os colonos começaram a criar comités para discutir estes problemas, os


quais evoluíram para se tornar Congressos Provinciais. Mas Londres não recuou e,
em 1774, o Governo britânico aprovou novas leis, que ficaram conhecidas como as
“Leis intoleráveis”, e que restringiam a liberdade de movimentos, reunião e expressão
dos colonos. Nesse ano, já todas as 13 colonias possuíam os seus congressos.

Em 5 de setembro de 1774, em reação às “Leis intoleráveis”, foi inaugurado o


Primeiro Congresso Continental, com 56 representantes de 12 das 13 colonias (a
Geórgia não se fez representar). Foram debatidas ações como boicotes, divulgação
pública das queixas dos colonos e apelos ao rei Jorge III para revogar os decretos
considerados injustos. A reação da coroa foi decretar a dissolução das autoridades
locais e enviar tropas para reafirmar o seu poder, considerando “traidores” os
desobedientes. Estas tropas encontraram a resistência de milícias dos colonos. Em
1775, a guerra rebentou.
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A primeira batalha foi a de Lexington e Concord, em 19 de abril de 1775, provocada


pelo envio de tropas britânicas para confiscar armas e prender revolucionários. As 13
colonias enviaram as suas milícias e o combate tornou-se inevitável.

Ja com as hostilidades a decorrer, teve lugar o Segundo Congresso Continental


(iniciado a 10 de maio de 1775), que se prolongou no tempo, tornando-se um Governo
de facto. Os delegados das 13 colonias não só discutiam a orientação da guerra como
adotaram, a 4 de julho de 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos
da América. Recrutar exércitos, ditar a estratégia, nomear diplomatas e estabelecer
tratados foram algumas das atribuições deste congresso. Já não era apenas a
autoridade do Parlamento que contestavam, antes rompendo laços com a coroa.

Em março de 1776, George Washington comandava o exército revolucionário que


forçou os britânicos a evacuarem de Boston, passando os rebeldes a controlar as 13
províncias. Embora houvesse divisões no campo rebelde entre os que pretendiam
apenas repelir as leis injustas e os que eram pela soberania, estes últimos
prevaleceram.

Os patriotas continuaram a repelir os lealistas e a expulsar as autoridades britânicas


(representantes do Governo, tribunais, etc.). As 13 colonias elegeram assembleias –
ilegais do ponto de vista da coroa – que aprovaram constituições para cada uma delas.
A primeira foi a do Novo Hampshire, em janeiro de 1776. Nalguns casos, as
constituições eram apenas modificações aos estatutos reais dessas colonias, dos quais
eram apagadas as referências a coroa.

Os recém-nascidos Estados Unidos da América seriam uma confederação governada


por uma democracia representativa. A sua Constituição, aprovada em 1788, assim o
estabelece. Em 1791 foram-lhe acrescentadas dez adendas, doravante conhecidas por
Bill of rights, ou Carta dos direitos. Estabelecem os direitos naturais dos cidadãos e o
equilíbrio entre as com competências do Governo e as liberdades individuais.

Um dos resultados da revolução foi a criação, de raiz, de um Governo obrigado a


responder perante o povo, já que o seu poder emanava da vontade popular. O que não
significa, evidentemente, que não houvesse discrepâncias quanto ao grau de
democracia a instituir.

Nos anos seguintes sucederam-se as investidas britânicas para recuperar terreno.


Houve vários avanços e recuos – por exemplo, os britânicos ocuparam a cidade de
Nova Iorque entre 1776 e 1783 e, em 1777, tentaram invadir o território dos
revolucionários a partir do Canadá, sem êxito. Franceses, espanhóis e holandeses
vieram a aliar-se aos colonos, tendo a França sido o primeiro país a reconhecer a
independência dos Estados Unidos da América, em 1778. Os britânicos enfrentavam
uma guerra contra algumas das grandes potências da época. Ainda tentaram
consolidar posições nas colónias continentais mais a sul, mas acabaram por ter de
desistir do território continental americano, para poderem conservar colónias
caribenhas consideradas mais valiosas. O Tratado de Paris, em 1783, veio a selar a
paz. As terras a leste do Mississípi e a sul dos Grandes Lagos ficavam para os EUA, a
Florida para os espanhóis. Os indígenas que viviam nestes territórios foram ignorados
e nunca aceitaram o tratado, até este lhes ser imposto por vitória militar dos E-*8UA.
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A Revolução Americana foi a primeira rebelião bem sucedida contra um império


europeu e, pela criou o primeiro regime democraticamente eleito, que havia de ser
modelo para outros povos colonizados, como por exemplo os da América Latina. Pela
primeira vez os direitos do cidadão foram incluídos na Constituição, reconhecendo-se
liberdades individuais, igualdade e os valores republicanos. O poder político herdado,
ou de direito divino, foi contestado e recusado, passando a sua legitimidade a
depender da aceitação pelos governados.

Outro aspeto do regime resultante da revolução foi a separação do Estado e da


igreja, patente na primeira adenda à Constituição dos EUA. A liberdade de professar
qualquer religião, ou nenhuma, sem intervenção do Estado era desconhecida na
Europa.

Também nos países europeus a Revolução Americana inspirou os que defendiam


mudanças no estado das coisas. A Revolução Francesa foi grandemente encorajada
pelo êxito da americana e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 inspirou-se, em parte, na Declaração de Independência dos EUA.

Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi um acontecimento que mudou de forma radical a vida


política e social em França, tendo tido repercussões em toda a Europa. Este
levantamento pôs fim à monarquia absoluta que reinara durante séculos e levou à
eliminação de muitos dos privilégios da nobreza e do clero, conduzindo ao fim
efetivo do sistema feudal naquele país. Fortemente inspirada pelas ideias do
Iluminismo, e encorajada pelo êxito da Revolução Americana, a Revolução Francesa
tornou incontornáveis conceitos como cidadania e direitos humanos

Contexto

As características daquele que ficou conhecido por Antigo Regime (anterior à


Revolução) empurraram o povo francês para a revolta. A situação económica era má,
havendo fome e subnutrição, além de uma inflação descontrolada do preço dos
alimentos básicos, como o pão. Esta precariedade refletia-se na saúde e bem-estar da
população. As guerras em que o rei Luís XV se envolvera, nomeadamente a
participação francesa na guerra subsequente à Revolução Americana, apenas serviram
para piorar o estado da economia. Inclusive os veteranos de guerra sentiam falta de
apoio social ao regressarem a casa.

O luxo ostentatório em que viva a corte de Luís XVI e Maria Antonieta, em


Versalhes, alimentava o sentimento de injustiça. Além disso, a Igreja Católica,
embora fosse o maior proprietário de terras em França e não pagasse impostos à
coroa, cobrava o “dízimo” sobre a produção agrícola, já de si diminuta, dos
camponeses que trabalhavam nos seus terrenos. Estes privilégios de classe eram
inaceitáveis à luz das ideias do Iluminismo, que faziam o seu caminho em França,
favorecidas pela ascensão da classe burguesa e mercantil.
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É neste contexto que um conselheiro económico do rei, Jacques Necker, defende o


fim da isenção de impostos para a nobreza e o clero. Embora não tenha tido êxito
imediato, o seu sucessor, Charles Alexandre de Calonne, propôs uma reforma fiscal
que instituía um imposto sobre a terra, a ser pago pelo clero e pela nobreza.

As classes privilegiadas reagiram mal a esta ideia, levando Calonne a pedir apoio à
Assembleia de Notáveis, um conselho consultivo do rei. Mas esta não suportou as
ideias de Calonne, pelo que o Governo resolveu – em maio de 1789 – convocar os
Estados-Gerais, uma assembleia de representantes das três classes sociais (clero,
nobreza e povo), que não reunia desde 1614.

Estados-Gerais

Os Estados-Gerais organizavam-se em três estados, correspondentes às classes


sociais. As eleições de representantes aos Estados-Gerais tiveram uma alta
participação, tendo sido eleitos 291 nobres, 300 clérigos e 610 membros do povo. Os
delegados eleitos levaram aos Estados-Gerais as reclamações dos seus eleitorados.
Nesta fase, as preocupações eram muito mais de ordem prática e económica do que
ligadas à mudança de sistema político.

Os Estados-Gerais reuniram em Versalhes, a 5 de maio de 1789. Os representantes do


povo exigiram que as deliberações fossem tomadas pelo conjunto dos três estados,
não separadamente por cada assembleia (nesse caso, como funcionara em 1614, dois
dos estados podiam sempre bloquear as decisões do terceiro). Mas não foi possível
obter um consenso com o clero e a nobreza a este respeito, pelo que o Terceiro Estado
(povo) decidiu autoproclamar-se Assembleia Nacional, comunicando aos restantes
que poderiam aderir ou ficar de fora, sem com isso prejudicarem a legitimidade do
que nela fosse decidido.

O rei Luís XVI, desesperado por impedir a Assembleia Nacional de tomar decisões,
ordenou que a Sala dos Estados (onde aquela iria reunir) fosse encerrada, alegando a
necessidade de obras. Mas os representantes do povo não desistiram: como as
condições meteorológicas não permitiam uma reunião ao ar livre, juntaram-se num
campo de ténis coberto e, juntos, fizeram o Juramento do Campo de Ténis (20 de
junho de 1789), no qual prometiam continuar unidos até dotarem o país de uma
Constituição. O clero e alguma nobreza acabaram por aderir a esta Assembleia, cuja
popularidade foi crescendo, e que passou a designar-se Assembleia Nacional
Constituinte.

Desenrolar da revolução

O rei voltou, nesta altura, a destituir Necker, que entretanto fora re-empossado. As
classes privilegiadas, e em particular a rainha Maria Antonieta, não lhe perdoavam o
papel de liderança que exercera junto do povo. Quando o conselheiro sugeriu que o
orçamento da família real fosse limitado, Luís XVI demitiu-o. Estava-se a 11 de julho
de 1789. Ora, muitos parisienses temeram que este fosse o primeiro passo para um
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golpe do rei contra a Assembleia Nacional. As ruas da capital encheram-se de


tumultos e pilhagens, com que a Guarda era conivente. A 14 de julho – data que hoje
é o feriado nacional francês –, os revoltosos tomaram a Bastilha, uma fortaleza-prisão
no centro de Paris, símbolo da tirania e, sobretudo, importante armazém de munições
e armamento. O governador da Bastilha, marquês Bernard de Launay, e o alcaide de
Paris, Jacques de Flesselles, foram executados.

O rei, rendido, re-empossou Necker. Jean-Sylvain Bailly, que presidira à Assembleia


Nacional durante o episódio do campo de ténis, passou a ser alcaide da cidade, e o
governo municipal auto-intitulou-se Comuna. O rei parecia aceitar o novo estado de
coisas, recordemos que o seu cargo não fora, ainda, posto em causa. Por esta altura a
nobreza, assustada com a passividade de Luís XVI, começou a apelar a potências
estrangeiras para que defendessem a monarquia francesa.

O facto é que a autoridade estava minada por todo o país. Castelos eram pilhados,
títulos de propriedade queimados, num período conhecido como La Grande Peur (o
grande medo). Entretanto, a Assembleia Nacional Constituinte continuava os seus
trabalhos, tendo abolido o feudalismo, os privilégios da nobreza e o dízimo, nos
famosos Decretos de agosto. No dia 26 desse mês, foi proclamada a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, que ainda não era uma Constituição, mas
explanava os princípios da nova organização do país.

A 5 de outubro, com rumores de uma possível reação dos partidários do Antigo


Regime, um grupo de mulheres juntou-se nos mercados de Paris e marchou primeiro
até à Câmara Municipal e, mais tarde (quando já eram milhares), até Versalhes. O
comandante da guarda do rei, La Fayette, acabou por convencer Luís XVI a ceder às
exigências do povo de que instalasse a corte em Paris, mostrando aceitar e legitimar a
nova ordem instituída. No primeiro aniversário da tomada da Bastilha, houve festejos
no Campo de Marte (onde hoje está a Torre Eiffel) e a própria família real esteve
presente.

No entanto, a Revolução foi-se radicalizando. Em 1790 as ordens religiosas foram


abolidas e os sacerdotes tornaram-se funcionários públicos. Na própria Assembleia
Geral nasceram fações, umas mais moderadas (que defendiam uma aproximação ao
sistema de monarquia parlamentar britânico e eleições para renovar a Assembleia ao
fim de um ano), outras mais radicais, que queriam avançar na redação da Constituição
para assegurar a irreversibilidade das conquistas, antes de qualquer eleição.

Neste contexto, é evidente que a situação económica não melhorava e todo o país
estava numa situação confusa, que levou a rebeliões em setores do exército e a uma
vasta onda migratória.

Receoso da radicalização, Luís XVI decidiu fugir. Em 21 de junho 1791, a família


real deixou o Palácio das Tulherias, disfarçando-se de gente comum. No dia seguinte,
porém, foram detidos em Varennes a Assembleia Nacional suspendeu o rei. Mesmo
assim, não o destituiu e a Constituição previa, para o monarca, um papel meramente
decorativo. Um decreto chegava a estipular que, caso não jurasse a Constituição,
desobedecesse ou tentasse revogá-la, o rei estaria, de facto, a abdicar do trono. Nas
franjas mais radicais, circulava uma petição que defendia que o rei já abdicara, ao
fugir das Tulherias.
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Por esta altura, dirigentes europeus como o Imperador romano Leopoldo II e


Frederico Guilherme II da Prússia rejeitaram a evolução da situação política em
França, que poderia trazer-lhes problemas caso servisse de exemplo. Ameaçaram
invadir o país caso Luís XVI não recuperasse os seus poderes.

Este, contudo, preferiu aceitar a Constituição, proclamada em setembro de 1791.


Passaria a partilhar o poder com a Assembleia Legislativa, mantendo o poder de veto
das leis e a nomeação de ministros. No entanto, as divisões entre os revolucionários
prejudicaram a gestão dos assuntos do Estado e da economia, causando
descontentamento popular. Os sans-culottes (trabalhadores pobres e revoltados)
lançavam o caos. Para agravar as coisas, França estava em guerra com a Áustria e a
Prússia desde abril de 1792.

A 10 de agosto desse ano, a Comuna de Paris patrocinou um ataque às Tulherias que


resultaria na prisão da família real. A Assembleia, numa sessão convocada à pressa e
em que apenas participaram os mais radicais, suspendeu a monarquia. O caos
intensificou-se, com a Comuna a ganhar preponderância e a permitir muitas violações
à lei e violência contra prisioneiros ainda não julgados.

Após a tomada das Tulherias foi formada uma nova Assembleia, a Convenção,
encarregue de re-escrever a Constituição e governar o país. A 21 de setembro de
1792, este órgão dissolveu a monarquia e proclamou a República. O dia foi,
posteriormente, adotado como o primeiro do calendário republicano francês.

O Terror

A 17 de janeiro de 1793, a Convenção condenou Luís XVI à morte. O rei era um


incómodo demasiado grande, pois enquanto vivesse haveria quem defendesse a sua
restauração, nomeadamente as potências externas. Acusado de estar aliado a estas
contra França, o “cidadão Luís Capeto” foi guilhotinado a 21 de janeiro. Os ânimos
populares estavam ao rubro e a fação jacobina (radical) da revolução aproveitou para
tomar o poder, excluindo os girondinos (moderados). Seguiu-se o regime do Terror,
caracterizado pelo controlo dos preços e pela sangrenta repressão do Comité de
Segurança Pública, chefiado por Robespierre. Quase 20 mil pessoas (40 mil segundo
certos historiadores) foram sumariamente executadas neste período, sem julgamento.
Uma das infelizes foi a rainha Maria Antonieta.

Ao mesmo tempo, a Convenção adotou, a 24 de junho, a Constituição de 1793, que


estipulava o sufrágio universal (só para homens). Mas o descontentamento popular
persistia, pois as condições de vida reais não melhoravam e o poder era cada vez mais
ditatorial e repressivo, exigindo contributos humanos e em géneros para o esforço de
guerra.

Tantos excessos levaram à revolta. A 27 de julho de 1794 (9 de Thermidor no


calendário revolucionário), Robespierre foi derrubado e guilhotinado. O novo
Governo, girondino, também perseguiu e reprimiu os jacobinos, no que ficou
conhecido por “Terror Branco”. Em 1795, França tinha uma nova Constituição, a do
“Ano III”. O poder, encarnado no Diretório, procurou corrigir excessos da Revolução.
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Foi neste contexto que um general, Napoleão Bonaparte, que se destacara na


resistência às invasões estrangeiras, decidiu tomar o poder. Em 9 de novembro de
1799 (18 de Brumário do ano VIII), lideou um golpe que destituiu o Diretório e
colocou no seu lugar o Consulado. Com nova Constituição e, em 1804, a
autocoroação de Napoleão como Imperador, terminava a fase republicana da
Revolução.

A importância da Revolução Francesa é tal que muitos historiadores consideram ser


ela “a alvorada da modernidade”. A abolição dos privilégios do clero e da nobreza foi
permanente, bem como o reconhecimento de direitos (embora estes tenham tido
avanços e recuos nas décadas seguintes). Mas o impacto da Revolução também se
sentiu fora de portas, tendo influenciado movimentos tão posteriores como a
Revolução Russa. O subsequente surgimento de Repúblicas e democracias liberais
deve muito aos acontecimentos franceses, o lema “liberdade, igualdade, fraternidade”
ainda hoje é citado e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, primeira
formalização dos direitos humanos, foi uma forte inspiração para a atualmente vigente
Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada pela ONU em 1948.

Constituição portuguesa de 1822

Os acontecimentos franceses viriam a ter uma forte influência, também, no


nascimento da primeira Constituição portuguesa, a de 23 setembro de 1822. Esta
significou o fim do absolutismo e a criação da monarquia constitucional.

Portugal esteve sem rei fisicamente presente entre 1807 e 1820. A fuga da corte para o
Rio de Janeiro, devido às invasões napoleónicas, levou a capital e o Governo para o
Brasil. Na metrópole, os cidadãos sentiam-se “colónia de uma colónia”. Empobrecido,
humilhado pela prepotência dos ingleses (cuja ajuda fora, no entanto, fulcral para
repelir as invasões), liderados por Beresford, o país revoltou-se.

Em 1817, Gomes Freire de Andrade liderou uma primeira tentativa, falhada, de abolir
o absolutismo. Em 24 de agosto de 1820, no Porto, a Revolução Liberal já teve êxito.
Aproveitando uma ausência temporária de Beresford (no Brasil), um grupo de liberais
forçou a mudança política. Inspirados pela Constituição de Cádis (Espanha, 1812),
exigiram uma Constituição e uma ordenação política e jurídica que limitasse o poder
do rei e garantisse os direitos individuais.

Foram eleitas as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa


(1821-1822), o primeiro parlamento português. Em outubro de 1822, o regressado D.
João VI aceitou a Constituição que dela resultou, com 6 título e 240 artigos. Inspirada
na de Cádis e nas da revolução francesa, esta legislação progressista aboliu privilégios
feudais e prerrogativas do clero e da nobreza e estabeleceu os direitos e deveres dos
cidadãos, com tónica nos direitos humanos: liberdade, igualdade perante a lei,
segurança, propriedade.

A soberania do país passou a estar baseada na nação e exercida pelos seus


representantes legais – as Cortes. Deu-se a separação dos poderes legislativo,
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executivo e judicial, com predomínio do legislativo, materializado nas Cortes. Até o


poder do rei passava a emanar do povo e a depender da sua legitimação por aquele.

O rei mantinha a chefia do Governo e a nomeação de funcionários, mas o seu poder


de veto era meramente suspensivo – se as Cortes voltassem a aprovar uma lei, ele
tinha de aceitá-la. Além disso, o Conselho de Estado, órgão consultivo do rei, era
eleito pelas Cortes. Ao contrário de outras Constituições da época, a de 1822 mantém
o catolicismo como religião de Estado. O direito de voto, nesta altura, estava restrito
aos homens maiores de 25 anos que soubessem ler e escrever.

A Constituição de 1822 teve um percurso acidentado. Suspensa a 3 de junho de 1823


pelo rei D. João VI, após a revolta absolutista da Vilafrancada, liderada pelo futuro rei
D. Miguel I, viria a ser reposta brevemente, entre 1836 e 1838. Portugal teve,
entretanto, outas Leis Fundamentais: a Carta Constitucional de 1826 (assim chamada
porque não resultou de cortes eleitas, mas foi escrita pelo punho do rei D. Pedro IV),
mais moderada do que a de 1822; a de 1838, que procurava conciliar as de 1822 e de
1826; a de 1911, resultante da implantação da República; a de 1933, que criou o
Estado Novo; e a de 1976, resultante do 25 de abril de 1974 e ainda hoje vigente,
tendo sido revista em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005).

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