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Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução modelos e práticas nos

séculos XVIII e XIX.

1. A implantação do Liberalismo em Portugal.


1.1. O triunfo das revoluções liberais
1.1.1. A ideologia liberal na base das Revoluções Americana e Francesa.

A Revolução Gloriosa (1688-1689), o pensamento de Locke e o


Iluminismo contribuíram para divulgar a ideia de liberdade, princípio
fundamental que marcou o pensamento político a partir do século XVIII.
Qual o significado do conceito de liberdade na Europa do século XVIII?
Era um conceito abrangente, fundamentado nos direitos naturais, como o
direito à propriedade e à felicidade. Associados ao princípio de igualdade
natural dos indivíduos, foram determinantes nas novas conceções
políticas e sociais que consagraram a ideologia liberal. Assim, na Europa do
século XVIII, o conceito de liberdade incluía as seguintes liberdades
individuais:
✓ de expressão e de pensamento;
✓ de culto ou de religião;
✓ de livre circulação;
✓ de posse de propriedade;
✓ de iniciativa económica.
A ideologia liberal, em termos políticos, inspirou-se nas ideias dos
pensadores iluministas:
- Montesquieu: a teoria do direito natural; a limitação e separação de
poderes; o contrato social;
- Rousseau: a teoria do contrato social; o princípio da soberania
popular;
- Montesquieu: criticou a monarquia absoluta; defendeu a separação
de poderes, como garante do exercício do poder monárquico, de forma
equilibrada e moderada, contrária ao absolutismo.
A ideologia liberal, enquanto teoria política, defendia os direitos
individuais e a abolição dos privilégios de nascimento, a separação de
poderes e o fim do absolutismo monárquico e manifestava-se contra a
autoridade arbitrária ou qualquer forma de tirania.
Nas décadas de 70 e 80 do século XVIII as estruturas políticas e sociais
vigentes foram postas em causa, abrindo o caminho aos processos de
transformação revolucionária das sociedades de Antigo Regime. A
burguesia, que desejava ver reconhecidos os direitos e a igualdade que lhes
eram negados, foi a base social de apoio das revoluções liberais e burguesas
que vieram a marcar a primeira metade do século XIX.
Estas revoluções (mudança brusca e violenta na estrutura política,
social e económica de um Estado e que ocorre num curto período de
tempo) liberais do século XIX tiveram como modelo a Revolução Americana
de 1776 e a Revolução Francesa de 1789.
As críticas às desigualdades, a injustiça do sistema de impostos e as
diferenças sociais baseadas no privilégio do nascimento, por exemplo,
estiveram na base do forte descontentamento social que se fez sentir em
França. No final do século XVIII foram publicadas diversas caricaturas, que
dizem respeito à situação da França em 1789.

1.2. A Revolução Americana.

A partir de 1773, nas 13 colónias da América do Norte, a Inglaterra


enfrentou a contestação dos colonos, desencadeada devido a diversos fatores.
A Guerra dos Sete Anos que opôs a França à Inglaterra fragilizou as
finanças inglesas.
Para garantir recursos financeiros, o rei Jorge III obteve do Parlamento
inglês o consentimento para aplicar diversos impostos sobre os colonos da
América do Norte.
- Impostos sobre o consumo na América:
✓ 1764: sobre o café, os vinhos e o vestuário;
✓ 1773: imposto sobre o chá;
✓ 1765: imposto de selo sobre a documentação oficial e sobre os
jornais e revistas.
Foi fundamentalmente, o aumento do imposto sobre o chá, em 1773,
que agravou o clima de descontentamento. Esta sobrecarga fiscal foi
entendida como um ataque ás liberdades dos colonos e considerada lesiva
dos seus interesses e direitos. O descontentamento foi acentuado pelo
facto de os colonos não terem sido consultados sobre essa iniciativa, nem
terem representação no Parlamento inglês, de modo a poderem expressar
a sua oposição à sobrecarga fiscal.
A política do Parlamento britânico veio a revelar-se desastrosa face
aos protestos dos colonos contra um conjunto de impostos.
A revolta do Boston Tea Party (1773) marcou o início do confronto entre
os colonos e a metrópole britânica. A insurreição culminou na realização do
primeiro Congresso de Filadélfia em 1774, no qual foi elaborada e aprovada
a Declaração dos Direitos. Este documento invocou as liberdades
desrespeitadas pelo Parlamento e pelo rei de Inglaterra e justificou a
rebelião dos colonos.
Em 1775, iniciou-se o confronto armado entre as 13 colónias e a
Inglaterra, no qual se destacou George Washington, um dos “pais”
fundadores dos Estados Unidos da América.
A Batalha de Lexington foi o primeiro confronto militar entre as tropas
inglesas e os colonos americanos.
A determinação dos colonos em afirmar a sua independência levou-os, a
4 de julho de 1776, no segundo Congresso de Filadélfia, a aprovar a Declaração
de Independência, redigida por Thomas Jefferson. A Declaração, considerada
o documento fundador da nação americana, centrou-se na defesa dos
direitos naturais, da soberania popular e da separação de poderes.
Os colonos ingleses contaram, na sua luta contra a Inglaterra, com o
apoio da França e da Espanha. Em 1781, sob o comando de George
Washington, as tropas inglesas foram derrotadas na Batalha de Yorktown.
Acabava o domínio britânico na América do Norte.
Os Estados Unidos foram reconhecidos, a nível internacional, no
Tratado de Paris, assinado em 1783. A formalização da independência
americana concretizou-se com a aprovação da Constituição (a lei
fundamental do país que estabelece a soberania e defina as liberdades
individuais e regula os direitos e os deveres dos cidadãos, em resultado da
vontade popular.

- A guerra entre a Inglaterra e as colónias da América do Norte: a


primeira grande vitória dos EUA aconteceu em Saratoga, em 1777. A
Inglaterra foi obrigada a negociar com os Americanos. No ano seguinte,
1778, a França entrou, ao lado dos EUA, na luta contra a Inglaterra. Em
1779, a Espanha entrou também na guerra contra a Inglaterra, como aliada
da França, o que garantiu a superioridade naval na Batalha de Yorktown,
com a vitória dos americanos. A paz de Paris definiu as fronteiras que eram
limitadas, a norte, pelos Grandes Lagos, a oeste, o Mississipi e os Montes
Apalaches, abrangendo territórios que iam para além daquilo que tinha
sido conquistado militarmente. A Flórida foi cedida à Espanha e a França
recuperou o Senegal (em África) e Tobago (nas Antilhas). O Canadá
permaneceu sob o domínio britânico.

George Washington: nasceu em 1732, na Virgínia. No primeiro


Congresso de Filadélfia foi eleito comandante do exército. Lutou, durante
seis anos, contra os Ingleses. Quando a Constituição foi ratificada, foi
eleito por unanimidade pelo colégio eleitoral. Presidente dos EUA. Tomou
posse em 1789. Morreu em 1799.

1.3. A Revolução Francesa.


1.3.1. As medidas da Assembleia Nacional (1789-1791).

A França, no último quartel do século XVIII, viveu uma grave crise


financeira, que se traduziu em défices sucessivos. Esta crise foi agravada
pelos efeitos da participação na Guerra da Independência Americana, o que
provocou o aumento da contestação social.
Perante a incapacidade de resolução da crise, o rei Luís XVI convocou
os Estados Gerais (assembleia consultiva criada no século XIV, em França,
que reúne as três ordens ou estados, convocada pelo monarca em
situações excecionais, com vista a ouvir cada uma das ordens sobre
questões políticas, financeiras, militares ou de política externa. Apesar de
não ter qualquer papel legislativo ou judicial, era o conselho mais alargado
que o rei podia reunir à sua volta). Por todo o Reino, foram eleitos os
deputados (representantes escolhidos para estarem presentes nos Estados
Gerais. O número de representantes de cada ordem variava consoante a
população) dos três Estados, elaboraram-se os cadernos de queixas (textos
redigidos em todas as paroquias com as queixas e os desejos das três
ordens).

- As causas do descontentamento nas vésperas da Revolução Francesa:


aos problemas financeiros juntou-se a incapacidade de reformar o sistema
de impostos que continuava a sobrecarregar exclusivamente o Terceiro
Estado. Socialmente, a divisão tripartida e hierarquizada, assente nos
privilégios, era, cada vez mais, um motivo de descontentamento,
sobretudo por parte de uma burguesia, letrada e rica, que desempenhava
funções mercantis, administrativas ou jurídicas, consciente de que era
sobre si que recai a maior parte das exigências fiscais. A persistência dos
direitos senhoriais era considerada responsável pelas más condições de
vida dos extratos mais baixos do Terceiro Estado. Os maus anos agrícolas
e as crises de subsistência aumentaram a fome, a miséria, a mendicidade
e o descontentamento social. A monarquia era ainda vista de forma
negativa – Luís XVI era considerado um rei fraco e hesitante; a rainha,
Maria Antonieta, uma mulher fútil e gastadora.
O impasse quanto á decisão sobre o sistema de votação a adotar nos
Estados Gerais levou o Terceiro Estado a autoproclamar-se Assembleia
Nacional, no célebre Juramento da Sala do Jogo da Pela.
Os representantes do Terceiro Estado consideraram-se investidos da
soberania nacional, uma vez que representavam a maior parte da
população francesa, assumindo o direito de tomar decisões em nome da
nação.
A 14 de julho de 1789, o povo de Paris reuniu-se junto da prisão da
Bastilha e tomou-a de assalto. O seu objetivo era capturar armas e
munições. A tomada da Bastilha foi um momento simbólico da Revolução
Francesa e da queda do Antigo Regime. O rei Luís XVI foi obrigado a
reconhecer a Comuna de Paris (assembleia de cidadãos que assumiram o
governo municipal da cidade de Paris, apoiados na Guarda Nacional,
comandada pelo marquês de Lafayette) e a Guarda Nacional. Rapidamente,
este movimento de contestação alargou-se a mais cidades em França e ao
mundo rural.
Foi neste contexto que a Assembleia Nacional elaborou e aprovou as
seguintes medidas:
✓ Os decretos de 4 para 5 de Agosto de 1789: na sequência das
revoltas que ocorreram nos campos, de que resultaram ataques a
castelos, a fornos, moinhos e lagares, bem como a destruição dos
registos senhoriais, foram aprovados diversos decretos, que
aboliram: a justiça senhorial; o pagamento da dízima ao clero; as
corveias (direito senhorial que obrigava ao trabalho gratuito dos
camponeses na propriedade senhorial), as banalidades (direito
senhorial que obrigava os camponeses ao pagamento de taxas
pela utilização de bens senhoriais como o forno, o moinho e o
lagar) e outros direitos senhoriais.
✓ A declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto
de 1789: foi um texto fundamental da Revolução Francesa e
tornou-se no preâmbulo da Constituição de 1791. Consagrou os
valores do Iluminismo: declarou a liberdade e a igualdade de todos
perante a lei; consagrou o direito à propriedade; decretou o direito
de justiça contra os abusos e as prisões arbitrárias; reconheceu a
soberania da Nação; constituir-se como o documento fundador
do novo papel do indivíduo na sociedade.
✓ A constituição civil do clero de 12 de julho de 1790: reorganizou a
Igreja Católica em França; suprimiu as ordens religiosas;
confiscou os bens do clero que passaram a ser considerados bens
nacionais; estabeleceu que os membros do clero se tornavam
funcionários do Estado, ficando obrigados a um juramento de
fidelidade à nação e à Constituição. Originou a divisão do clero
entre constitucional e refratário.
Entre os documentos produzidos, destacou-se a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, na qual convergiram as ideias de Locke, Rousseau
e Montesquieu: a teoria do contrato social, a soberania nacional e a
separação de poderes. Nela inscreveram-se os direitos individuais e
políticos: liberdade individual, liberdade de pensamento, liberdade
religiosa, igualdade perante a lei, direito à propriedade, ...
Apesar de consagrada, a igualdade não era universal. Grande parte dos
Franceses ainda se encontrava afastada do acesso ao direito de voto e,
consequentemente, da tomada de decisões políticas. Esta diferenciação
era agora justificada, não pelo privilégio do nascimento, mas pela riqueza
e posse de propriedade.
As mulheres participaram ativamente nos acontecimentos
revolucionários e promoveram a criação de clubes patrióticos. No entanto,
não alcançaram a igualdade e liberdade desejadas nos vários campos da
sociedade e da política.
Não obstante o reconhecimento de alguns direitos civis (como a
igualdade de sucessão, o divórcio ou o incentivo à educação), as mulheres
mantiveram-se excluídas da vida política e da cidadania ativa.
Algumas mulheres ligadas aos salões iluministas, destacaram-se pela
sua participação na Revolução como foi o caso de Madame Roland e
Olympe de Gouges, forte defensora do papel ativo da mulher e dos seus
direitos.
As medidas decretadas entre 1789-1790 significaram o fim da monarquia
absoluta e da sociedade do Antigo Regime.
- Madame Roland: viscondessa pelo casamento, manteve um salão
iluminista. Defensara fervorosa da República, apoiou a fação girondina na
Revolução Francesa. Foi julgada pelo Tribunal Revolucionário e morreu na
guilhotina em 1793, no Período do Terror.

A revolução culminou, numa primeira fase, com a aprovação da


Constituição de 1791, que insistiu em França um novo regime político: a
monarquia constitucional (sistema político em que os poderes do monarca são
limitados e sujeitos à Constituição). A Constituição enunciava os direitos dos
cidadãos, iguais perante a lei, mas ainda sem a igualdade política, porque nem
todos os cidadãos podiam voltar ou ser eleitos. Foi estabelecida a diferença entre
os cidadãos passivos (aquele que não dispõe de direitos políticos) e os cidadãos
ativos (aquele que não dispõe de direitos políticos), com base na riqueza,
calculada pelos impostos (designado censo tipo de imposto direto, variável,
segundo o qual eram estabelecidos os montantes que davam direito ao cidadão
de votar ou ser eleito) que o cidadão pagava, pelo que o voto ainda estava longe
de ser universal.

A Constituição de 1791 tornou-se uma referência para as outras


Constituições elaboradas em França, ao longo do século XIX, bem como para
outros países onde ocorreram revoluções liberais. Tornou-se a lei fundamental,
reguladora do exercício da soberania nacional, tal como tinha acontecido, em
1776, com a Constituição Americana.
A monarquia constitucional, instituída em 1791, foi efémera, devido aos
acontecimentos relacionados com a atitude do rei Luís XVI:

Os acontecimentos da Revolução Francesa ocorridos entre 1789-1791


provocaram reações internas e externas:

(Vendeia: região francesa onde ocorreu uma reação contrarrevolucionária,


apoiada pelos monárquicos; Sans-culottes: designação do povo miúdo que usava
calças e não calção (culotte) como os nobres. Foram a base do movimento
popular e urbano, entre 1791 e 1793, que agiu em defesa da revolução, através
da sua ação como patriotas armados; Sufrágio: o mesmo que voto ou votação. O
direito ao voto era tão limitado aos indivíduos do sexo masculino com um certo
nível de riqueza e instrução. Não era ainda universal.

As notícias de que a França estava a ser invadida, a 11 de julho de 1792,


levaram a Assembleia Nacional a declarar “a Pátria em perigo”, apelando a uma
mobilização geral na defesa da revolução. Os sans-culottes aumentaram a
pressão social e o ambiente da insurreição alastrou. A 22 de setembro de 1792, foi
instaurada a República e proclamado o fim da monarquia constitucional.

1.3.2. Da abolição da monarquia à Convenção republicana (1792-1795) – o


Período do Terror.

Neste contexto de tensão política e social, formou-se uma nova assembleia –


a Convenção Nacional – em funções entre 21 de setembro de 1792 e 26 de outubro
de 1795. Acentuou-se a radicalização política, opondo fações que representavam
diferentes tendências nas ideias e opções quanto ao rumo da evolução: os mais
moderados (girondinos) e os mais radicais (montanheses).

- Os Girondinos e os montanheses: os girondinos, liderados, entre outros, por


Brissot, eram republicanos moderados, apoiados pela rica burguesia dos negócios,
favoráveis ao liberalismo económico e, na sua maioria, contrários à morte do rei.
Foram afastados pelos montanheses, em 1793. Os montanheses, republicanos
mais radicais, eram defensores do carácter mais popular da revolução e
apoiantes das reivindicações igualitárias do povo miúdo de Paris (sans culottes),
que constituía a base social de apoio à revolução. Favoráveis à morte do rei,
eram liderados por Robespierre, Danton e Marat. A fação liderada por Robespierre
(designada jacobina) criou o Tribunal Revolucionário, o Comité de Salvação
Pública e a Lei dos Suspeitos, que evidenciaram a radicalização revolucionária.

Este foi um período de grandes mudanças, mas também de profundas


contradições numa fase do processo revolucionário:
- Robespierre: político francês surge como uma das mais importantes figuras
ligadas à Revolução Francesa. Liderou os montanheses na Convenção
Republicana. A sua crença numa república igualitária acabou por levá-lo a ações
extremistas e radicais. Morreu guilhotinado.

Após a morte de Robespierre, e ao longo do ano 1794, o período conturbado,


de conflitos entre fações, continuou. No entanto, o exército e a Guarda Nacional
agiram no sentido de reprimir as manifestações e a agitação social. A partir de
1795, a Convenção voltou a ser dominada pelos girondinos, o que significou o
regresso a uma república moderada e burguesa.

1.3.3. Do Diretório ao Consulado – a consagração de Napoleão e o regime do


Primeiro Império.

O regresso dos girondinos ao controlo da situação política significou o fim


do domínio dos jacobinos. Entre 26 de outubro de 1795 e 18 de maio de 1804, a
Revolução, durante a I República, entrou num novo período político associado ao
regime do Diretório e do Consulado.
O Diretório lançou as bases de um novo regime. Na sequência do golpe de 9
de novembro de 1799 (conhecido como o golpe de 8 do Brumário, do ano VIII do
Calendário Revolucionário (também conhecido como republicano. Foi criado em
setembro de 1792, com a proclamação da república. Os meses foram renomeados
com referência à natureza e às estações do ano, por exemplo. Rompeu com o
Antigo Regime e associou-se ao esforço de descristianização)), liderado por
Napoleão Bonaparte, o Diretório foi substituído pelo Consulado. Em 1804,
Napoleão tornou-se imperador.

- Diretório (1795-1799):
✓ Poder executivo exercido por cinco diretores, para evitar a tirania;
✓ Apoiado pela rica burguesia de negócios;
✓ Período marcado pela campanha de Itália (1796) da qual Napoleão saiu
vitorioso;
✓ A campanha do Egipto, iniciada em 1798, liderada por Napoleão,
procurou impedir o acesso da Grã-Bretanha ao Oriente;
✓ Manutenção da agitação militar e das rivalidades políticas entre
monárquicos e republicanos (moderados e radicais).
- Consulado (1799-1804):
✓ Iniciado com o golpe de Estado a 9 de novembro de 1799;
✓ O poder foi dividido por três cônsules;
✓ Napoleão foi elevado a primeiro cônsul, passando a controlar o poder
executivo e parte do poder legislativo;
✓ Napoleão foi nomeado cônsul vitalício e, a partir de 1802, assumiu um
poder autoritário.
- Império (1804-1815):
✓ Instaurado por plesbicito em novembro de 1804, com 3500000 votos a
favor e menos de 2600 contra;
✓ O regime foi consagrado na coroação de Napoleão, a 2 de dezembro de
1804;
✓ Assumiu a forma de uma monarquia;
✓ A estabilidade política e o crescimento económico deram popularidade
ao regime;
✓ A imagem de Napoleão foi utilizada como meio de propaganda.
Depois de 10 anos de revolução, Napoleão Bonaparte surgiu como o garante do
regresso à ordem e executor das conquistas revolucionárias. A partir de 1799
passou a dizer-se que a revolução terminara, fazendo eco das suas palavras:
“Cidadãos, a Revolução está fixada nos princípios que a iniciaram, ela está
terminada”.
A 2 de dezembro de 1804, Napoleão Bonaparte foi coroado imperador.
O Papa veio de Roma para coroas Napoleão como Imperador, na catedral de
Notre-Dame, em Paris. Mas Napoleão corou-se a si próprio e à sua esposa
Josefina, indicando que não dependia da Igreja ou de outra autoridade que não a
do povo. Acentuou a ideia de origem popular do seu poder, uma vez que foi
através do plesbicito que os franceses confirmaram o novo regime imperial.
O regime do Primeiro Império, centrado na figura de Napoleão Bonaparte, foi o
regime político de França entre 1804 e 1815:
O apogeu do Império Napoleónico foi também o período de continuação das
guerras contra diversos Estados da Europa, com consequências para o equilíbrio
europeu.

1.4. O impacto das Revoluções Americana e Francesa nas Revoluções Liberais e


Burguesas do século XIX.

A interligação e influência da Revolução Americana e da Revolução Francesa


foi evidente no decurso dos acontecimentos que vieram a marcar o século XIX. Os
seus princípios estiveram presentes nos processos revolucionários liberais que
eclodiram na Europa até 1848 e no Novo Mundo até aos anos 20 do século XIX.
Com efeito, os ideais das Revoluções Americana e Francesa influenciaram as
opções e o pensamento dos que lideraram os movimentos revolucionários do
século XIX, se bem que o entendimento dos historiadores não seja convergente
quanto ao respetivo peso e influência, considerando ser difícil distinguir o
contributo específico de cada uma delas.

Neste sentido, as Revoluções Americana e Francesa são hoje consideradas


pelos historiadores “revoluções fundadoras”.
Como herança ficaram também alguns dos símbolos e da linguagem
revolucionária: o barrete frígio, as cores revolucionárias (branco, azul e
vermelho), o conceito político-ideológico esquerda e direita, o lema “liberdade,
igualdade e fraternidade”, a Constituição enquanto garantia dos direitos e
liberdades.
1.4.1. A eclosão de movimentos revolucionários na Europa e na América Latina.

A divulgação da experiência da França como nação que reconhecia os cidadãos


como iguais perante a lei ficou enraizada nos povos europeus. Paralelamente ao
processo revolucionário francês, desenvolveram-se outros movimentos, por
contágio, influência, ou até pela intervenção dos exércitos revolucionários
franceses e napoleónicos que levaram as ideias liberais pela Europa e que
conduziram ao fim das monarquias absolutas.
No mapa seguinte podes observar as diversas vagas revolucionárias que
marcaram a Europa na primeira metade do seculo XIX.

Estes movimentos revolucionários tiveram objetivos diferentes:


• Na década de 20, as revoluções procuraram pôr fim ao Antigo Regime e
instaurar regimes constitucionais, como foi o caso de Portugal;
• Nas décadas de 30, os movimentos revolucionários, que ocorreram, por
exemplo, na Bélgica e na Grécia, conduziram ao surgimento de novos
países independentes cujos povos conseguiram afirmar a sua
nacionalidade;
• No ano de 1848, as aspirações de libertação nacional por parte de povos
que estavam submetidos a impérios traduziram-se em movimentos
revolucionários de inspiração nacionalista que culminaram na chamada
“Primavera dos Povos”.
A influência dos movimentos liberais também atravessou o Atlântico e atingiu
a América entre 1804 e 1828, provocando a independência das colónias
espanholas e do Brasil, o que levou os historiadores a designarem o fenómeno de
“revoluções atlânticas”.
Se na Europa se fez sentir, de forma
mais significativa, a influência da
Revolução Francesa, traduzida na difusão
das monarquias constitucionais em
diversos países, na América, foi o modelo
político adotado nos Estados Unidos que
serviu de referência para a libertação do
jugo colonial e para a consagração do
sistema republicano, com exceção do
Brasil, que adotou um regime monárquico.

1.5.1. A Revolução Liberal Portuguesa.


1.5.1. A conjuntura revolucionária – as
invasões francesas e a saída da corte para o
Brasil.

Durante o reinado de D. Maria I, na viragem do século XVIII para o século XIX,


vivia-se em Portugal sob o reinado da monarquia absoluta. Com a eclosão da
Revolução Francesa de 1789, o aprisionamento dos reis de França (1791) e a sua
execução (1793), a corte portuguesa foi abalada pelos acontecimentos. A rainha,
perturbada, foi considerada incapaz para governar e a regência foi assumida pelo
príncipe herdeiro, D. João (futuro D. João VI), a partir de 1799. Foi nesse contexto
que começaram a circular, com maior incidência, as ideias revolucionárias
“jacobinas”, como então se dizia, reprimidas pela polícia e pela censura.
A situação piorou quando, em 1806, Napoleão ordenou o Bloqueio Continental,
ameaçando com represálias os Estados que não cumprissem essa imposição.

Bloqueio Continental – no início do século XIX, Portugal encontrava-se


perante a encruzilhada dos interesses político-militares das duas maiores
potências da Europa: a França e a Inglaterra. A rivalidade entre estas duas
potências acentuou-se quando Napoleão Bonaparte, para derrotar a Inglaterra,
decretou, a 21 de novembro de 1806, o Bloqueio Continental. Com esta medida,
a França estabelecia que todos os países do continente europeu deviam fechar
os seus portos ao comércio britânico, de modo a obter a capitulação da
Inglaterra, através do isolamento económico.
D. Maria I – a Piedosa, a Louca. Nasceu em 1734 e era filha de D. José I. Subiu
ao trono no ano de 1777. Casou com o seu tio, D. Pedro, mas afastou-se dos
assuntos do Estado, em 1799, por sofrer de doença mental. Empenhou-se nas
questões religiosas e morais e teve um papel de destaque no desenvolvimento
da atividade cultural, com a criação da Academia das Ciências de Lisboa. Tomou
medidas para auxiliar os mais desfavorecidos, como a fundação da Real Casa Pia
de Lisboa e a criação da lotaria para financiar os serviços da Misericórdia de
Lisboa. No plano económico, impulsionou as manufaturas e a exportação do
vinho do Porto. Do ponto de vista diplomático, procurou soluções de equilíbrio e
neutralidade.

Portugal, que tinha procurado manter uma posição de neutralidade no


conflito franco-inglês, para não comprometer a aliança luso-britânica, só acedeu
a fechar os portos nacionais aos Ingleses em 1807. Esta ação tardia não evitou
a resposta de Napoleão Bonaparte, cujos exércitos, que já tinham conquistado a
Espanha, na campanha da Guerra Peninsular (1807-1814), invadiram Portugal.
A aliada Inglaterra ajudou na estratégia de retirada, não só dos súbditos
ingleses e dos seus bens como também da família real portuguesa, que rumou
em direção ao Brasil, de modo a antecipar-se à invasão do exército napoleónico.
Foram três as Invasões Francesas, que ocorreram entre 1807 e 1811, cujos
principais aspetos militares, políticos e sociais se podem analisar de seguida:
A retirada da corte para o Brasil, acontecimento com dupla implicação (não só
no Brasil, mas também na metrópole) e as Invasões Francesas tiveram diversas
consequências:

A necessidade de garantir a defesa do reino obrigou à instalação, em 1807, do


exército inglês. A sua permanência em Portugal, depois de derrotados os franceses,
e a sua atuação provocaram um crescente descontentamento, devido a questões
militares e políticas:
• Os amplos poderes de Beresford no exército faziam do reino um
protetorado inglês, situação que se prolongou para além da retirada
dos franceses, em 1811;
• A prepotência de Beresford exasperou os setores mais esclarecidos
(militares e juristas), mas também se fez sentir junto da população,
difundindo-se um sentimento antibritânico;
• A ação repressiva das autoridades britânicas acentuou-se, a fim de
controlar a circulação de ideias revolucionárias, sobretudo depois da
Revolução liberal de Cádis (Espanha) em 1812.

William Beresford - militar e político inglês, combateu ao lado do duque de


Wellington na Guerra Peninsular. Esteve na Madeira, para evitar que fosse
ocupada pelos franceses. Liderou o exército português, a partir de 1809. Depois
da saída dos franceses de Portugal, os ingleses permaneceram no país e passaram
a ser vistos como ocupantes. Em 1815, Beresford deslocou-se ao Brasil para
reforçar os seus poderes militares e políticos, o que lhe foi concedido por D. João.
Foi nomeado Marechal-General. Foi demitido na sequência da Revolução Liberal
portuguesa, em 1820.
Gomes Freire de Andrade – serviu no exército e em 1795 foi promovido a
Marechal de Campo. Pertencia à maçonaria (sociedade secreta cujos membros
defendiam a fraternidade, a igualdade, o humanismo, a filantropia e a construção de
uma sociedade livre e justa). Defensor das ideias liberais, foi preso e acusado de traição
à pátria e de liderar uma conspiração contra a monarquia, representada em Portugal
pela regência. Foi executado, tal como outros 11 insurretos, que ficaram conhecidos
como “Mártires da Pátria”.

As atitudes prepotentes dos dirigentes britânicos levaram alguns oficiais


defensores das ideias liberais a conspirarem, em 1817. Pretendiam expulsar os
Ingleses do reino e promover a independência da pátria. Esta conspiração foi
descoberta pelos Ingleses, e os oficiais que nela participaram, bem como Gomes
Freire de Andrade acusado de ter estado envolvido, foram condenados à morte,
em 1817.
A sua execução às mãos dos ingleses acentuou a ideia de subjugação do
reino e a necessidade de uma insurreição que pusesse fim ao domínio inglês em
Portugal.
O espírito conspirativo e revolucionário acentuou-se a partir de 1818, com
a formação do Sinédrio (associação secreta, criada no Porto, que tinha como
objetivo fazer uma revolução para instaurar o liberalismo em Portugal e pôr fim
ao domínio dos ingleses) constituído, maioritariamente, por juristas ligados à
Maçonaria, como Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho e José Ferreira
Borges. Neste grupo também se incluíam chefes militares, como António Silveira
Pinto da Fonseca.

Manuel Fernandes Tomás e José da Silva Carvalho – figuras destacadas do


liberalismo, foram fundadores do Sinédrio, que veio a ter um papel determinante
na Revolução Liberal do Porto. Fernandes Tomás fez parte da Regência do reino
até ao regresso do rei D. João VI e assumiu a pasta dos Negócios Eclesiásticos e
da Justiça até 1822.

O clima de descontentamento que se fazia sentir em Portugal, antes da


Revolução Liberal de 1820 – o ambiente social e económico em Portugal agravou-
se na sequência das Invasões Francesas. A submissão face ao domínio inglês
parecia inalterável. Foi neste clima de profunda insatisfação que se assistiu à
divulgação das ideias liberais em Portugal. Devido à presença dos exércitos
napoleónicos e também à imprensa, com a circulação de panfletos. A conjuntura
que se vivia em Portugal – invasões francesas, ação prepotente de Beresford,
problemas económicos, ineficácia da regência e ausência do rei no Brasil – foi
determinante para o desencadear do processo revolucionário.
1.5.2. A conjuntura revolucionária – a presença da corte no Brasil e a
desarticulação do sistema económico-financeiro luso-brasileiro.

A adesão dos setores burgueses e “ilustrados”, ligados ao comércio e às


profissões liberais, à causa revolucionária tinha fundamentos ideológicos, mas
devia-se, também, a motivos económicos e à política adotada pela Coroa em
relação ao Brasil.
Nos treze anos em que a corte permaneceu no Rio de Janeiro ocorreram
mudanças significativas na situação do Brasil e na sua relação com a metrópole:

O ambiente de descontentamento era crescente.

A questão do Brasil – a monarquia portuguesa, estabelecida no Rio de Janeiro,


procurou, desde 1815, uma base de sustentação social e de opinião pública,
realizando mudanças que fizeram da antiga colónia a sede de um Estado
multicontinental (o reino de Portugal e do Algarve – antiga metrópole -, as ilhas
adjacentes, as possessões em África e na Ásia e o reino do Brasil). A elevação do
Brasil a reino significou uma profunda rutura no sistema imperial português. Foi
o fim da condição colonial do Brasil e o fim da submissão do Rio de Janeiro a
Lisboa, deixando prever que qualquer tentativa de retorno à situação anterior
estaria condenada ao fracasso.
1.5.3. O eclodir da Revolução de 1820.
- O triénio vintista – objetivos, características e realizações.

O desencadear da Revolução Liberal portuguesa de 1820 foi o desfecho


inevitável das mudanças e problemas cujos traços principais vamos analisar.
No dia 24 de agosto de 1820, no Porto, teve lugar o pronunciamento militar
que marcou o início da Revolução Liberal. A par da revolta, constitui-se uma Junta
Provisional do Governo Supremo do Reino, cujo manifesto evidenciou os objetivos
imediatos e a médio prazo do levantamento militar:

A notícia do pronunciamento militar do Porto chegou a Lisboa no dia 26 de


agosto. A Regência foi destituída, a Junta do Porto e a Junta de Lisboa uniram-
se e formaram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, em 28 de
setembro de 1820. A esta Junta cabia manter a ordem, orientar a política externa
e preparar as eleições para as Cortes Constituintes, que tiveram lugar em
dezembro de 1820.
Em janeiro de 1821, as Cortes Constituintes iniciaram as suas funções.
Elegeram uma nova regência para governar o reino até ao regresso de D. João VI
e estabeleceram que o infante D. Pedro ficava regente do Brasil.
A Revolução de 1820 ficou associada ao Vintismo, primeira tendência
ideológica do liberalismo português que vigorou entre agosto de 1820 e abril de
1823, assente numa base ideológica liberal e progressista que defendia a
separação de poderes, o governo representativo, a soberania nacional e os
direitos e liberdades individuais, como garantias para a regeneração da pátria.
A mudança do regime absolutista era um objetivo político central e, a 4 de
julho de 1821, logo após D. João VI desembarcar em Lisboa, teve lugar o Ato de
Juramento das Bases da Constituição, documento que sintetizava os princípios
da futura Constituição de 1822, também designada Constituição Vintista.
Entre 1820 e 1823, no período que os historiadores designam “triénio vintista”
ou Vintismo, apesar da sua breve duração, foram lançadas as bases jurídicas do
novo regime político liberal saído da Revolução de 1820. A legislação vintista
abrangeu várias áreas da vida social e económica:

1.5.4. A desagregação do Império do Atlântico em 1822: a independência do


Brasil.

A questão do Brasil foi um dos motivos de descontentamento em Portugal e


uma das causas que precipitou a revolução vintista. Depois da Revolução de 1820,
era necessário encontrar uma solução política para a questão brasileira,
concertar os interesses de ambos os reinos e definir o estatuto político do Brasil.
Com efeito, depois de 1820, e durante os trabalhos das Cortes Constituintes, que
decorreram entre 1821 e 1822, as relações entre os dois reinos passaram por um
período conturbado.
A questão brasileira assumiu-se como o centro da crise do Império. As Cortes
procuraram reabilitar o sistema de dominação colonial. A possibilidade de
emancipação autonomista do Brasil, proposta por alguns deputados brasileiros,
foi recusada pelos deputados liberais na metrópole. Nas Cortes não se encontrou
uma solução conciliatória, devido a:

A divisão entre os dois reinos acentuou-se com a exigência por parte das
Cortes Constituintes, reunidas em Lisboa, da extinção dos tribunais com sede no
Rio de Janeiro, criados aquando da transferência da Corte, bem como a
submissão das tropas estacionadas no Brasil a Portugal. Estas exigências foram
entendidas, pelos deputados brasileiros, como uma afronta que punha em causa
o estatuto do reino.
A partir de 1821 organizou-se, em torno de D. Pedro, um movimento defensor
da independência do Brasil, numa tendência que se acentuou sobretudo após a
eclosão de um movimento revolucionário em Pernambuco. D. Pedro não aceitou
as exigências das Cortes e não regressou a Lisboa.
Em junho de 1822, D. Pedro convocou a reunião de Cortes no Rio de Janeiro,
rompendo com Lisboa, o que evidenciou a impossibilidade de encontrar uma via
política que satisfizesse os interesses dos dois reinos, que desde 1821 se
encontravam cada vez mais distanciados, apesar das tentativas de manter a
união.
O processo de desagregação do Império Atlântico culminou quando D. Pedro
proclamou a independência no célebre Grito do Ipiranga, a 7 de setembro de 1822.
Com a independência, D. Pedro tornou-se imperador do Brasil.

A Independência do Brasil – a declaração da independência exigiu o


reconhecimento por parte de Portugal e da comunidade internacional. No plano
externo, apenas os Estados Unidos da América reconheceram o novo país
independente. Os países da Santa Aliança, à exceção da Áustria, defensores da
causa monárquica legitimista, não aceitaram a independência. Portugal só
reconheceu o novo reino em 1825.

1.6. As dificuldades de implantação da ordem liberal entre 1822 e 1834.


1.6.1. Os golpes contrarrevolucionários.
Na sequência dos trabalhos das Cortes Constituintes reunidas a partir de 24
de janeiro de 1821, D. João VI jurou fidelidade às bases da Constituição, a 4 de
julho de 1821, depois de ter regressado do Brasil, declarando respeitar o novo
regime político e os princípios presentes nesse documento preparatório da lei
constitucional.
As Cortes Constituintes elaboraram a Constituição, aprovada em 30 de
setembro de 1822, que pôs fim ao absolutismo régio e consagrou um novo regime
político em Portugal: a monarquia constitucional.
Apesar de D. João VI ter aceitado o novo regime político, a rainha, D. Carlota
Joaquina, não jurou a Constituição, atitude que deixava antever conflitualidade
face à nova situação política do reino.
A primeira experiência liberal foi efémera e limitada ao triénio vintista (1820-
1823). Com efeito, depois da revolução liberal vintista, fizeram-se sentir os
primeiros obstáculos à implantação do liberalismo.
Desde logo, confrontaram-se duas tendências políticas no seio da família real
e na sociedade portuguesa:
• O rei, D. João VI, e o filho, D. Pedro, eram favoráveis à monarquia
constitucional;
• A rainha, D. Carlota Joaquina, e o filho, D. Miguel, eram defensores do
absolutismo.
O processo legislativo que se desenvolveu no âmbito das Cortes
Constituintes procurou desmantelar o Antigo Regime e abolir os privilégios.
Nesse sentido, amplos setores do clero e da nobreza sentiram-se descontentes
com a perda de prestígio e não se mostraram apoiantes do novo regime.
Além do mais, os absolutistas recusaram o facto de o rei ter sido destituído
de muitos dos seus poderes, ficando na dependência das Cortes, pelo que
apoiaram diversos golpes com vista a pôr fim ao liberalismo.
A partir de 1823 ocorreram golpes contrarrevolucionários, liderados por D.
Miguel com o apoio da rainha, D. Carlota Joaquina, que tinham por objetivo
restaurar o absolutismo.
A implantação do liberalismo em Portugal foi um processo marcado por
dificuldades, associadas ao confronto entre opções políticas antagónicas (o
absolutismo e o liberalismo), como aconteceu com outros processos
revolucionários, nomeadamente o francês, que inspirou e influenciou o
liberalismo em Portugal.
O processo de implantação do liberalismo situou-se, numa primeira fase, entre
1820 (data da Revolução Liberal do Porto) e 1834. Este período passou por diversos
episódios conturbados em que se destacaram os golpes contrarrevolucionários e
a guerra civil que opôs os liberais aos absolutistas, entre 1832 e 1834 (quando se
consolidou definitivamente o regime liberal em Portugal).

1.6.2. Da intervenção de D. Pedro no processo revolucionário ao regresso à


monarquia absoluta: 1826-1828.

Em março de 1826, o rei D. João VI morreu. D. Pedro tornou-se rei de Portugal,


com o título de D. Pedro IV. Esta aclamação não era compatível com o facto de
ser imperador do Brasil. Desde 1822. Houve, então necessidade de encontrar uma
solução para garantir a continuidade da monarquia constitucional portuguesa.
Perante as tensões políticas entre os defensores da revolução vintista e os seus
opositores (liberais modernos e absolutistas). D. Pedro IV procurou conciliar as
fações políticas divergentes. Para isso tomou as seguintes medidas:
• Outorgou, em abril de 1826, a Carta Constitucional, documento
elaborado e concedido, unilateralmente, por vontade do monarca,
assente em princípios e normas liberais moderadas, que se constituiu
como a lei fundamental da nação;
• Em 2 de maio de 1826, D. Pedro IV abdicou da Coroa portuguesa a favor
da sua filha, D. Maria da Glória, ainda criança com 7 anos;
• Contratualizou o casamento da sua filha com o tio, D. Miguel, que, depois
de jurar a Carta Constitucional, devia tornar-se regente até à maioridade
de D. Maria.
D. Miguel, exilado em Viena, depois de ter jurado a Carta, regressou a
Portugal e desembarcou em Lisboa.
No entanto, D. Miguel não respeitou os compromissos assumidos e o
regresso ao regime absolutista foi evidenciado pelas medidas que tomou:

Apesar da reação de D. Pedro, D. Miguel foi aclamado rei de Portugal, em


Cortes que reuniram os três braços sociais – clero, nobreza e Terceiro Estado. A
monarquia absoluta voltava a Portugal, oito anos depois de ter sido abolida.
Os liberais fizeram, no Porto, um levantamento militar, que foi
violentamente reprimido. Muitos liberais refugiaram-se no estrangeiro,
sobretudo em Inglaterra. A guerra civil era cada vez mais uma possibilidade.

1.6.3. Do governo absolutista ao desencadear da guerra civil – a vitória


definitiva do liberalismo (1828-1834).

Os Açores não reconheceram o governo miguelista. A ilha Terceira, a partir


de 1830, tornou-se a sede da regência liberal, onde os liberais exilados, liderados
por D. Pedro, a partir de 1831, organizaram a resistência ao absolutismo.
O ambiente de instabilidade e confrontos entre absolutistas e liberais, vivido
desde 1828, conduziu à guerra civil, a partir de 1832. Este conflito foi marcado por
diversos episódios.
Com a derrota das forças miguelistas, a guerra civil chegou ao fim. A 26 de
maio de 1834, foi assinada a Convenção de Évora Monte, pela qual o D. Miguel
foi exilado. O liberalismo foi definitivamente instaurado em Portugal.
1.7. As opções constitucionais da Revolução Liberal – a Constituição de 1822 e
a Carta Constitucional de 1826.

A 23 de setembro de 1822, na sequência dos trabalhos das cortes


constituintes, eleitas após a revolução de 1820, foi promulgada a primeira
Constituição liberal portuguesa, também conhecida pela Constituição vintista.
A Constituição de 1822 foi jurada pelo rei D. João VI e por todos os homens
do reino maiores de 25 anos. D. Carlota Joaquina e D. Miguel não juraram a
Constituição.
O texto constitucional vintista apresentava várias influências e
características:

(Unicameralismo – sistema político em qua a assembleia parlamentar tem


apenas uma câmara de deputados. O contrário de bicameralismo; Direito de voto
– direito pelo qual uma autoridade pode opor-se à entrada em vigor de uma lei).

A Constituição vintista - A Constituição de 1822, apesar de surgir com


décadas de atraso face ao constitucionalismo inaugurado com a Revolução
Americana e a Revolução Francesa, evidenciou a conquista de importantes
direitos constitucionais modernos, como a soberania da nação, a subordinação
do poder político à lei, a representatividade, a separação de poderes e a garantia
dos direitos de liberdade e igualdade que, ainda hoje, constituem a base da
democracia liberal. O progressismo da Constituição de 1822 foi de tal forma
inovador em Portugal que muitos dos seus princípios constitucionais só foram
retomados na Constituição de 1976.
A Constituição de 1822 esteve em vigor até junho de 1823. Evidenciou
a tendência do liberalismo mais progressista, associada ao Vintismo, que
se destacou por limitar o poder régio, retirar o poder à nobreza e aplicar o
sufrágio universal masculino. O carácter progressista da Constituição
provocou a oposição não só dos absolutistas como também dos liberais
mais moderados, defensores do Cartismo, tendência política associada à
Carta Constitucional e a princípios liberais mais moderados e
conservadores.
O Cartismo corporizou a tendência do liberalismo que agradou à
nobreza, à burguesia e ao rei, como chefe supremo da Nação. Foi
concretizado nos princípios instituídos pela Carta Constitucional de 1826,
outorgada por D. Pedro, a partir do Brasil.

(Pares do reino – membros da Câmara dos Pares, num sistema


bicameral, nomeados pelo rei, de modo vitalício e hereditário; Voto
censitário – direito de voto concedido aos cidadãos que têm determinados
rendimentos; Atos Adicionais – designação das alterações efetuadas à
Carta Constitucional; Bicameralismo – sistema político em que o poder
legislativo é exercido por duas câmaras. O contrário de unicameralismo).

Este texto constitucional teve várias revisões através dos Atos


Adicionais e vigorou durante 72 anos, em três períodos (1826-1828, 1834-
1836 e 1842-1919), marcando, por isso, de forma duradoura, o liberalismo
em Portugal.
1.8. A instauração do liberalismo e o novo ordenamento político e
socioeconómico (1834-1851).
1.8.1. A importância da legislação de Mouzinho da Silveira (1834).

As Cortes Gerais e Constituintes, reunidas entre 1821 e 1822,


procuraram desmantelar as estruturas sociais e económicas do Antigo
Regime. Assim, aprovaram um conjunto de medidas económicas e sociais
que, visavam abolir os direitos senhoriais, os privilégios do clero e da
nobreza, do rei e da família real, para promover a “regeneração nacional”
proclamada pela revolução vintista.
A legislação vintista não foi posta em prática devido à reação
contrarrevolucionária, a partir de 1823. Durante a guerra civil entre liberais
e absolutistas, o governo liberal estabelecido nos Açores criou um corpo
legislativo moderno que veio a constituir-se como um importante legado
da monarquia constitucional e do liberalismo português.
As iniciativas legislativas do Vintismo foram retomadas depois de 1834
com a vitória dos liberais e do Cartismo.
Uma das mais importantes figuras da reforma legislativa do
liberalismo português foi Mouzinho da Silveira, cuja ação legisladora se
apresenta de seguida:

(Dízimos – imposto pago à Igreja; Banalidades – direitos senhoriais que,


desde a Idade Média, obrigavam os camponeses ao pagamento de taxas
pela utilização de determinados bens senhoriais, como o forno, o moinho
e o lagar; Morgadio – regime em que as propriedades senhoriais eram
inalienáveis, sendo apenas transmitidas, hereditariamente, ao filho varão
mais velho (morgado); Vínculos – grupo de bens inalienáveis que se
transmitem sem serem divididos; Forais – documentos medievais que
regulavam a administração de um concelho ou município; Portagem –
imposto pago pela entrada de mercadorias (numa cidade ou vila); Sisa –
imposto que incidia sobre as transações; Bens de raiz – prédios rústicos ou
urbanos pertencentes a um proprietário).

- Qual a importância da legislação de Mouzinho da Silveira?


A legislação procurou garantir o direito à propriedade, defendendo a
libertação e a emancipação das terras, quanto à sua transmissão e
utilização, de forma a pôr fim ao regime de propriedade de tipo senhorial
(morgadios e vínculos). O objetivo era aumentar o número de proprietários
de terras livres e uniformizar fiscal e administrativamente o país. Procurou
desenvolver uma economia assente nos princípios liberais e capitalistas ao
eliminar os entraves fiscais e institucionais ao desenvolvimento e
circulação da riqueza, da propriedade e das mercadorias (abolição das
portagens). No domínio social, as reformas de Mouzinho da Silveira
aboliram privilégios e instituíram a figura do cidadão enquanto ator social
e político.
A legislação de Mouzinho da Silveira tocou os principais setores da vida
do reino, em termos políticos, sociais, económicos, judiciais e
administrativos.
A sua ação legisladora foi complementada com outras iniciativas, abaixo
destacadas:
• A publicação do Código Comercial, em 1833, de José Ferreira Borges,
para estimular o liberalismo no domínio económico em geral e do
comércio, em particular;
• A abolição das corporações de ofícios mecânicos em 1834,
organismos que, remontando à Idade Média, controlavam o
exercício de atividades ligadas ao artesanato ao nível dos preços
e dos produtos, limitando a inovação e a concorrência, o que era
contrário aos princípios liberais;
• A extinção das ordens religiosas, em 1834, e a venda de bens
eclesiásticos, tornados bens nacionais, em hasta pública, numa
reforma implementada por Joaquim António de Aguiar, que
permitiu a compra de propriedades pela burguesia e aristocracia
endinheirada ou a sua nacionalização, passando para a
propriedade do Estado.
As reformas de Mouzinho da Silveira foram fundamentais no panorama
legislativo português e visavam corresponder aos princípios liberais
manifestados a partir de 1820.

A Reforma legislativa de Mouzinho da Silveira e a consolidação do


liberalismo – o sucesso das suas reformas nem sempre foi conseguido, nem
se generalizou, igualmente, a todos os setores. Por exemplo, no caso da
venda dos bens nacionais, os efeitos pretendidos não se concretizaram e
o número de proprietários não aumentou, como era esperado.
Essencialmente, foram comprados por aristocratas e burgueses, acabando
nas mãos de uma elite que aumentou os seus imóveis. A maioria das
pessoas continuou a viver na pobreza e a economia do país permaneceu
altamente dependente. A partir de 1834, iniciou-se um novo ciclo político,
mas a vitória do liberalismo não trouxe a pacificação. Assistiu-se à divisão
dos liberais entre vintistas (adeptos da Constituição de 1822) e cartistas
(defensores da Carta Constitucional de 1826), cuja luta pelo poder causou
um clima de instabilidade, que se traduziu na sucessão de vários governos
cartistas até 1836.

1.8.2. O projeto setembrista e o ordenamento político e socioeconómico


do liberalismo português (1836-1842).

Entre 1834 e 1851, a vida política nacional ficou marcada pela divisão
entre a fação liberal vintista, considerada mais progressista, e a tendência
cartista, tida como conservadora e moderada, que estiveram no poder em
épocas diferentes:
• Vintismo e Setembrismo, entre 1836 e 1842, resultante da
Revolução de Setembro de 1836, defensor do vintismo. Uma das
figuras mais destacadas foi Passos Manuel;
• Cartismo. O Cabralismo, entre 1842 e 1851, resultante do golpe de
Costa Cabral, defensor do cartismo.
A oposição entre estas duas tendências impediu a existência de
consensos políticos estáveis e duradouros, o que condicionou o processo
de consolidação do liberalismo.
O projeto cartista esteve no poder em Portugal, entre 1834 e 1836,
ligado a cinco governos cartistas, o que revelou a instabilidade
governativa deste período. O resultado da atuação dos governos cartistas
saldou-se nas características abaixo apresentadas:

Os governos cartistas foram acusados de favorecer a alta burguesia,


beneficiária da venda dos bens nacionais e que enriqueceu e aumentou as
suas propriedades. Foram também incapazes de promover uma
dinamização eficaz da atividade produtiva. Esta ação precipitou a
agitação revolucionária.
Nas eleições para as Cortes, realizadas em 1836, os deputados adeptos
do vintismo venceram no Porto e nas Beiras. Quando chegaram a Lisboa, a
9 de setembro de 1836, foram recebidos entusiasticamente pela população
com vivas à Constituição de 1822, contando também com o apoio da
Guarda Nacional.
Perante os acontecimentos e a adesão dos militares ao movimento, a
rainha D. Maria II nomeou, a 10 de setembro, um novo governo, o primeiro
do período setembrista, no qual se destacaram Manuel da Silva Passos,
conhecido por Passos Manuel, e o marquês Sá da Bandeira.

D. Maria II – foi rainha entre 1826 e 1828, data em que o seu tio D.
Miguel se fez aclamar rei absoluto. Voltou a assumir o trono em 1834 e
reinou até 1853. Recebei o cognome de A Educadora.

Este movimento revolucionário mobilizou o apoio da burguesia


industrial e urbana, nomeadamente os comerciantes. A Revolução de
Setembro, como ficou conhecida, teve uma base popular e foi apoiada
pelos militares, levando ao afastamento dos cartistas do poder. Iniciava-
se o Setembrismo, período do liberalismo que fez regressar ao poder a
tendência vintista, defensora da Constituição de 1822:
A ação governativa setembrista permitiu a concretização dos objetivos,
apesar da constante instabilidade:
• A Constituição de 1822 foi reposta, mas ocorreram tentativas de
restauração da Carta e insurreições, como foi o caso da
Belenzada, em novembro de 1836;
• O compromisso para apaziguar o ambiente político passou por
conciliar a tendência vintista e cartista, através da elaboração
de uma nova Constituição, aprovada em 1838, que teve, no
entanto, uma vigência muito breve.
Após a Revolução de Setembro, impôs-se a necessidade de convocar
Cortes Constituintes. As eleições tiveram lugar a 22 de novembro de 1836.
Os deputados foram eleitos por sufrágio direto por cidadãos maiores de 25
anos, recuperando o modelo de sufrágio que tinha sido instaurado após a
Revolução Liberal.
Os trabalhos das Cortes decorreram entre janeiro de 1837 e 4 de abril
de 1838. Neste dia, a nova lei fundamental da nação foi jurada pela rainha
D. Maria II.
Assim, em termos políticos, o Setembrismo ficou marcado pelo texto
constitucional de 1838, um compromisso entre o Vintismo expresso na
Constituição de 1822 e o Cartismo de 1822 e o Cartismo presente na Carta
Constitucional de 1826. As características da Constituição de 1838:
Ainda que tenham sido eliminados os aspetos considerados mais
radicais da Constituição de 1822, a nova Constituição não agradou aos
setembristas nem aos cartistas.
Quanto ao projeto socioeconómico setembrista, este foi concretizado
através de um conjunto de medidas em vários domínios.

(Pauta aduaneira – lista de produtos que pagam uma taxa quando


passam pela fronteira ou alfândega de outro país.)

1.8.3. O projeto cabralista e o ordenamento político e socioeconómico do


liberalismo português (1842-1846).

Os últimos tempos do Setembrismo, entre 1839 e 1842, foram


marcados pelas rivalidades, entre tendências do liberalismo e pelo avanço
das forças conservadoras, incluindo miguelistas.
A 27 de janeiro de 1842, o sétimo e último governo setembrista foi
derrubado na sequência de um golpe promovido pelo ministro da justiça
António Bernardo da Costa Cabral, afeto ao Cartismo.
Assim, o ciclo político vintista, iniciado em 1836, terminou a 27 de
janeiro de 1842, depois do movimento militar, iniciado ao Porto, que
instaurou uma ordem conservadora que teve como protagonista Costa
Cabral. Iniciava-se o Cabralismo, período do liberalismo caracterizado pelo
regresso da tendência cartista ao poder, cuja designação está associada
ao principal líder político, Costa Cabral.
Na sequência do golpe, formou-se um novo governo: Costa Cabral
assumiu a Pasta do Reino e o duque da Terceira conciliou a presidência do
Governo com a Pasta da Guerra.
Em termos políticos, este período ficou associado à restauração da Carta
Constitucional de 1826 e à influência da tendência mais conservadora do
liberalismo português (Cartismo). Concretizou a abolição da Constituição
de 1838 e assentou na ação política e governativa de Costa Cabral, um
homem autoritário que governou de mão firme.
O regime cabralista baseou-se nas características políticas:

Costa Cabral – entre os diversos cargos políticos que desempenhou


destacou-se o de deputado, par do reino, conselheiro do Estado e ministro.
Ainda que tenha sido um defensor da Revolução de Setembro de 1836,
acabou por liderar, em 1842, um golpe, com o apoio da rainha, que levou à
restauração da Carta. Foi nomeado ministro do reino por D. Maria II em
1842, cargo que manteve até 1846, data em que foi obrigado ao exílio na
sequência da revolta da Maria da Fonte. Regressou a Portugal e em 1849
tornou-se presidente do conselho de ministros, cargo que abandonou
depois da revolta do marechal Saldanha, em 1851.

Costa Cabral controlou as Cortes e as eleições, e o seu autoritarismo


gerou descontentamento em vários setores político-sociais, o que se
traduziu em agitação social.
Em termos socioeconómicos, o Cabralismo ficou associado à classe
dominante, a burguesia, enriquecida pelos negócios e empreendimentos
públicos e pelo envolvimento em empréstimos ao Estado, com altos juros.
Entre 1842 e 1851, foram implementadas medidas modernizadoras em
diversos domínios:

Em termos sociais, a ação dos governos cartistas teve consequências


significativas, pois se, por um lado, procurou modernizar o país, por outro,
confrontou-se com as resistências de uma sociedade profundamente
conservadora e ruralizada, com uma mentalidade arreigada às tradições e
à religiosidade, que, associadas ao elevado analfabetismo, fizeram
despoletar revoltas populares contra as mudanças.
As medidas cartistas foram vistas com muita desconfiança e geraram um
profundo descontentamento, evidenciado com a eclosão da revolta da
Maria da Fonte, entre abril e maio de 1846. Esta revolta, que se iniciou no
Minho, foi um levantamento popular que contou com a participação de
inúmeras mulheres contra o Governo de Costa Cabral. A revolta da Maria
da Fonte apresentou as seguintes características:
O governo cabralista reagiu à revolta com o envio de tropas para as
zonas sublevadas, para impor a ordem. O Governo demitiu-se e Costa
Cabral exilou-se em Espanha.
A instabilidade governativa instalou-se e o clima de insurreição
continuou. O país voltou a entrar, uma vez mais, em guerra-civil,
designada de Patuleia (guerra civil que, em 1846, opôs cartistas e
setembristas, na sequência da revolta da Maria da Fonte. Terminou em
junho de 1847, com a vitória dos cartistas.
A pacificação e a estabilidade surgiram a partir de 1851. O liberalismo
entrou numa nova fase, denominada Regeneração.

2. O legado do liberalismo na primeira metade do século XIX.


2.1. Uma nova ordem internacional na Europa (1814-1848).
2.1.1. O Congresso de Viena e a defesa da legitimidade dinástica.

Os acontecimentos e as mudanças políticas, sociais e económicas que


se seguiram à revolução de 1789 contribuíram para a difusão do
liberalismo, ao longo da primeira metade do século XIX. Na maioria dos
países ocupados pelo exército francês, o sentimento nacional despertou,
como no caso da Alemanha, Itália e Espanha. No entanto, a reação das
potências europeias não se fez esperar. Ameaçadas com o curso dos
acontecimentos, reagiram, primeiro, contra os exércitos revolucionários
franceses e, depois, contra os exércitos de Napoleão Bonaparte.
A derrota de Napoleão Bonaparte, em 1814, pelos exércitos da
Quádrupla Aliança (coligação que associou as quatro grandes potências
europeias (Reino Unido, Áustria, Rússia e Prússia) contra Napoleão. Designa
também a aliança, criada em 1815, entre estas potências para reorganizar
a Europa depois do fim do Império napoleónico), e o seu exílio forçado na
ilha de Elba, contribuiu para a restauração da antiga ordem política na
Europa.
As potências europeias (Áustria, Prússia, Rússia e Reino Unido)
reuniram-se no Congresso de Viena, entre 1814-1815, tendo em Metternich
o seu principal impulsionador. Estas potências pretendiam limitar a difusão
de ideias revolucionárias, herdadas de 1789, defender o princípio da
legitimidade dinástica e restaurar a ordem anterior à Revolução.
Os objetivos do Congresso de Viena apresentam-se no quadro seguinte:

Klemenz Metternich – nasceu em 1773 e destacou-se como o grande


organizador do Congresso de Viena. Criou um sistema diplomático para
impedir os movimentos liberais e nacionais. Defendeu a “Europa dos
príncipes”, em contraposição ao direito dos povos de disporem do seu
próprio destino. Defensor do Antigo Regime, enquanto ministro dos
Negócios Estrangeiros e Chanceler do Império Austríaco, apoiou os
interesses da Áustria através do conceito de equilíbrio de poder.

O Congresso de Viena – entre novembro de 1814 e junho de 1815, Viena


assumiu-se como o centro político da Europa. Ali, reuniram-se os
representantes de todos os Estados europeus, exceto o do Império
Otomano. O czar russo Alexandre I, o chanceler austríaco Metternich, o
secretário dos Negócios Estrangeiros inglês, Castlereagh, e do diplomata
prussiano, Hardenberg, consagraram o retorno à antiga ordem, depois das
experiências revolucionária e napoleónica.
O Congresso de Viena, para além de promover ações no sentido de fazer
vigorar a legitimidade dinástica, em oposição aos princípios liberais:

(Concerto Europeu: concertação permanente entre as grandes


potências para manter, entre elas, o equilíbrio, garantindo a paz na Europa,
e evitar uma guerra generalizada)
O Concerto Europeu, também conhecido como Concerto da Europa ou
Sistema Metternich, tinha como estratégia conter o movimento das
nacionalidades e manter o equilíbrio europeu, o que nem sempre foi
conseguido.
Apesar de o Congresso (reunião diplomática onde estão representadas
as grandes potências. Só voltou a ocorrer em 1856, em Paris, e depois em
Berlim, em 1878) de Viena representar a vitória da ideologia
contrarrevolucionária, que pretendia restaurar o Antigo Regime, não foi
possível conter o avanço do liberalismo que, nas vagas revolucionárias de
1820 e 1830, deixou marcas no sistema político e nas sociedades.
O Congresso de Viana adiou as aspirações nacionais dos povos que não
conseguiram ver reconhecida a sua independência, por não teve em conta
o princípio das nacionalidades (uma Nação, um Estado).
A Europa política após o Congresso de Viena assentou no princípio da
legitimidade dinástica. Prevaleceu a ideia de que o poder pertencia
legitimamente à dinastia reinante de um país e não ao povo soberano.

2.1.2. As revoluções liberais: a afirmação da soberania nacional e da


igualdade de direitos.

As revoluções liberais da primeira metade do século XIX,


confrontaram-se com a reação contrarrevolucionária, num contexto
adverso, marcado pelos efeitos do Congresso de Viena e pela restauração
de monarquias absolutistas, como aconteceu em Espanha (1814) e
Portugal (1828). Não obstante, a monarquia constitucional ganhou novo
impulso na década de 1830.
A conjuntura política europeia ficou marcada pelo confronto entre a
defesa da legitimidade dinástica (Restauração) e as mudanças promovidas
pelas revoluções liberais (Revolução). No esquema seguinte, podes analisar,
por um lado, em que consistiu a restauração da ordem e da legitimidade
dinástica e, por outro lado, o impacto que a revolução liberal teve nas
décadas de 20, 30 e 40 do século XIX.

Apesar das medidas repressivas, da censura e das intervenções


armadas, não se conseguiu impor o regresso integral ao Antigo Regime,
como o próprio Metternich reconheceu. Não foi possível erradicar os
impulsos revolucionários, de carácter liberal e nacionalista que, em vagas
sucessivas, marcaram a Europa na primeira metade do século XIX.
Apesar do falhanço dos movimentos revolucionários de 1848 na
Alemanha, na Hungria e em Itália, onde os projetos de independência e de
unificação foram derrotados e os poderes dos soberanos absolutos foram
restaurados, a “Primavera dos Povos” conseguiu concretizar algumas
mudanças.

A “Primavera dos Povos” – marcou a Europa de 1848. A crise económica


que se fez sentir em 1846-1847 provocou uma onda de sublevações
populares, marcadas por aspirações liberais e nacionalistas, entre o final
de fevereiro e o início de julho de 1848. Ainda que fortemente reprimidas,
estas aspirações lançaram as bases que conduziriam mais tarde à
unificação da Itália e da Alemanha, em 1870 e 1871, respetivamente.

Não foi possível conter as revoluções liberais, movimentos de rutura


política e social que permitiram a afirmação do regime liberal, monárquico
ou republicano (no caso da América Latina), assente na soberania nacional
e na consagração da igualdade de direitos e das liberdades.
Durante a primeira metade do século XIX, na sequência das revoluções
liberais, instaurou-se a soberania nacional, princípio segundo o qual o
poder pertence à nação, entidade coletiva, única e indivisível da qual
emana o poder. Este tinha origem na vontade soberana da Nação e não na
vontade divina ou na legitimidade dinástica.
O exercício da soberania da nação não era direto, mas concretiza
através do sistema representativo, segundo o qual o povo governa por
intermédio de representantes eleitos pelos cidadãos que neles delegam os
seus poderes. Os representantes eleitos, designados deputados,
representam a nação, votam as leis e controlam o governo, reunidos numa
assembleia designada parlamento ou, em alguns países, congresso.
Os movimentos liberais, inspirados nas Revoluções Francesa e
Americana defenderam a liberdade individual, a igualdade perante a lei, o
exercício da soberania nacional, a separação e limitação dos poderes do
Estado, de acordo com uma Constituição, documento aprovado pelos
deputados, que estabelece a soberania, o tipo de regime, a forma de
exercício do poder político, regula as liberdades individuais, os direitos e
deveres dos cidadãos, em resultado da vontade popular.
Em termos sociais, o liberalismo, inspirador das revoluções liberais,
teve as seguintes consequências:
• Substituiu os princípios da hereditariedade e do nascimento,
enquanto critérios de acesso e desempenho de cargos públicos,
como acontecia no Antigo Regime, dando origem a um novo tipo
de sociedade;
• Passou a valorizar o mérito e o esforço pessoal, reconhecidos pela
burguesia;
• Foi uma resposta às aspirações da sociedade em transformação e
aos anseios burgueses. A burguesia desejava deter poder político
e participar ativamente enquanto cidadãos e não como súbditos;
• Defendeu a igualdade de direitos através da abolição dos
privilégios, dos monopólios e de outras estruturas que limitavam
os direitos individuais e da sociedade civil;
• Estabeleceu a igualdade perante a lei e as liberdades individuais,
políticas, sociais e económicas e religiosas.
As revoluções liberais, na primeira metade do século XIX, consagraram
um conceito de nação, composta por cidadãos ativos e passivos, cabendo
apenas aos primeiros a participação política. Apesar do reconhecimento
da igualdade perante a lei, não se assistiu à instauração de uma igualdade
plena, no sentido universal e democrático. As leis constitucionais, na
primeira metade do século XIX, consagraram o sufrágio censitário, segundo
o qual o direito de votar e de ser eleito era concedido apenas aos cidadãos
que pagavam um determinado valor de imposto (ou censo) consoante o
rendimento estabelecido pela lei.
Só muito lentamente foram feitas reformas no sentido de alargar o
direito de voto, primeiro masculino, independentemente do rendimento,
mas ainda com exceções. O direito de voto feminino só foi conseguido
muito mais tarde (a partir da primeira década do século XX) e não ocorreu
em simultâneo em todos os países.

2.2. As revoluções liberais: alterações de mentalidade e de


comportamentos.
2.2.1. O cidadão, ator político.
O liberalismo constitui-se como um legado fundamental para a
história das sociedades ocidentais, cujos princípios se mantiveram até aos
nossos dias. A ideia central do liberalismo assenta no princípio da
liberdade, um direito inalienável (direito que não se pode transmitir a outra
pessoa) do cidadão, que não se limita aos domínios político e económico,
mas que engloba todos os aspetos da vida em sociedade.
Foram vários os pensadores que deram forma à ideologia liberal,
refletindo sobre a ideia central da liberdade. Neste domínio, destacaram-
se, entre outros, Benjamin Constant, John Stuart Mill, François Guizot ou
Adam Smith.
Segundo o liberalismo, cabia ao Estado garantir a liberdade, intervindo
exclusivamente nos aspetos essenciais da vida económica e social, que
devia assentar na concorrência e na livre iniciativa. Ao Estado liberal cabia
garantir as liberdades:

Benjamin Constant - pensador, político e escritor francês. Foi um


teórico do liberalismo, defensor da ideia de liberdade individual protegida
pela lei. Entendia a liberdade numa dupla vertente: as liberdades do
indivíduo e as liberdades em sentido político, como o direito de os cidadãos
tomarem parte no governo. Defensor da monarquia constitucional, muitas
das suas ideias tiveram eco no constitucionalismo do século XIX.
As revoluções liberais permitiram a concretização das ideias do
liberalismo. Com o fim da sociedade de ordens, o súbdito deu lugar ao cidadão
politicamente ativo, que participa em cargos políticos e na eleição dos
representantes da nação.
Era na burguesia que estava a responsabilidade política, atribuída
apenas aos que disponham de maior rendimento e nível de instrução e
cultura.
O direito de voto era um privilégio e a educação tornou-se
fundamental nas sociedades liberais como meio de promoção social e de
acesso aos direitos políticos, para além da riqueza.
Assim, nos Estados liberais do século XIX não foi concedida a igualdade
política a todos os cidadãos, uma vez que o direito de eleger e ser eleito,
de exercer o direito de voto ou de sufrágio não era universal e limitava-se
exclusivamente ao género masculino,
A soberania nacional, consagrada na primeira metade do século XIX,
não era, por isso, equivalente à democracia como hoje a conhecemos.
A participação política, na maior parte dos países europeus liberais,
era restrita e assentava no voto censitário que impunha restrições ao
exercício da atividade política, diferenciando cidadãos ativos de cidadãos
passivos.

A participação política no século XIX – o direito político era restrito a


uma elite, composta sobretudo pela burguesia. Neste sentido, o liberalismo
concretizou os seus interesses políticos. A evolução da participação
política dos cidadãos passivos, mais desfavorecidos, não era inalterável,
uma vez que, segundo o pensamento da época, o indivíduo que pelo seu
mérito conseguisse alcançar um determinado nível de fortuna e de
instrução podia vir a exercer o direito de voto.

O liberalismo, que se difundiu pela Europa durante a primeira metade do


século XIX, foi essencialmente monárquico e conservador:
2.2.2. A secularização das instituições.
Enquanto ideologia que fez da liberdade a sua bandeira principal, o
liberalismo rejeitou os dogmas, a intolerância religiosa e todas as formas
de dominação.
Defendeu um Estado laico, isto é, um Estado que não apoia a religião
nem é controlado pela Igreja, garantindo aos indivíduos a liberdade de
consciência e o direito de expressar as suas crenças.
Para assegurar a neutralidade e a separação entre o poder político do
Estado e o poder espiritual ou religioso, foram laicizados inúmeros aspetos
da vida política e social:

(Anticlerical – atitude de rejeição e hostilidade face ao clero e à


influência das suas ideias, expressa através de perseguições aos
eclesiásticos ou da extinção das ordens religiosas; Laicização – política
voluntária de um Estado em retirar todo o papel público às Igrejas e em
remeter a religião para o domínio da esfera privada).
As escolas cristãs, foram, durante o século XIX, progressivamente
substituídas por escolas públicas, laicas, sobretudo ao nível do ensino
primário, que passou a ser ministrado por um grupo profissional, os
professores.

2.2.3. Os limites da universalidade dos direitos humanos: a problemática


da abolição da escravatura.

A filosofia das Luzes e a defesa dos direitos naturais, a ideia de


igualdade e a valorização dos direitos humanos promovidas no quadro das
revoluções liberais na Europa contribuíram para a dignificação do ser
humano.
O problema da escravatura começou a ser mais amplamente debatido
a partir do século XVIII e, no século XIX, iniciou-se a contestação ao tráfico
de escravos e à prática da escravização.
Foram vários os fatores que contribuíram para a abolição da
escravatura:
• Defesa dos princípios do iluminismo (liberdade e igualdade);
• Surgimento de associações abolicionistas (sociedade que
defendem a abolição da escravatura e do tráfico de escravos), que
denunciaram as práticas esclavagistas;
• Diminuição do interesse pelo tráfico de escravos, considerado um
entrave ao trabalho livre (mais eficaz), decorrente da Revolução
Industrial e da generalização do liberalismo económico;
• Insurreições levadas a cabo por escravos.
A primeira revolta de escravos ocorreu na colónia francesa de São
Domingos, em 1791, o que levou à sua independência e, posteriormente, à
formação da República do Haiti, em 1804.
Durante o século XIX, assistiu-se, de modo progressivo, à proibição do
tráfico de escravos.
No caso português, o processo de abolição do tráfico de escravos e da
escravatura foi moroso e envolveu interesses económicos, bem como pressões
internacionais. No plano económico, o abolicionismo pôs em causa os
interesses dos negociantes que participavam no tráfico, no quadro da
economia colonial. No plano internacional, a Inglaterra, a partir de 1810,
começou a pressionar Portugal para decretar a abolição do tráfico de
escravos, o que veio a acontecer em 1836, durante o período do
Setembrismo.
Em 1869, aboliu-se a escravatura em todos os territórios sob a
administração portuguesa.

2.2.4. A consagração do liberalismo económico: princípios e papel do


Estado.
O liberalismo, para além da liberdade política, consagrou a vitória da
burguesia e os princípios defendidos por este grupo social. Assim, também
no campo económico a influência dos interesses da burguesia foi notória.
Traduziu-se na afirmação do liberalismo económico, doutrina que
defende a livre iniciativa, a liberdade de comércio e a propriedade privada.
Considera que existe uma ordem natural assente na livre iniciativa (ou
“mão invisível” que conduz o sistema económico para o equilíbrio, através
da lei da oferta e da procura.
O direito à propriedade e à prosperidade, assente no trabalho, na
poupança e no lucro, eram fatores de progresso que favoreciam o indivíduo
e dinamizavam a economia na qual o Estado não intervinha.
Adam Smith é considerado o “pai” do liberalismo económico. Do seu
pensamento destacam-se os seguintes princípios doutrinários:
• A livre iniciativa, considerada fundamental para o
desenvolvimento económico das nações através da livre gestão
dos negócios e das propriedades;
• O livre cambismo (sistema no qual as trocas comerciais são
realizadas de uma forma livre, sem restrições do Estado, opondo-
se ao protecionismo;
• A lei da oferta e da procura, que equilibrava o sistema económico
através da livre iniciativa;
• A intervenção mínima do Estado na Economia;
• O fim das políticas protecionistas do mercantilismo;
• A propriedade privada, incluindo a terra, livre de encargos
senhoriais;
• A livre concorrência com o fim das instituições e organismos como
as guildas, corporações e monopólios.
De acordo com o liberalismo económico, o funcionamento do mercado
ajusta-se automaticamente porque dispunha de mecanismos
autorreguladores. Os liberais defendiam que as crises económicas,
resultantes do desequilíbrio entre a oferta e a procura, resolviam-se por
si, sem a intervenção do Estado. As crises eram encaradas como um
processo natural da evolução do capitalismo e necessárias para garantir o
equilíbrio do mercado.

2.3. A importância das revoluções liberais para os regimes democráticos


contemporâneos.

As transformações políticas, sociais e económicas, desencadeadas a


partir da Revolução Francesa e generalizadas com as revoluções liberais e
burguesas que lhe sucederam, puseram fim ao Antigo Regime e
inauguraram a Época Contemporânea, o período da história das sociedades
ocidentais que se seguiu à Época Moderna e se iniciou a partir de 1789
com a Revolução Francesa.
A Época Contemporânea caracteriza-se por diversos traços comuns às
sociedades ocidentais, após a ocorrência das revoluções liberais e
burguesas. Nos vários países, assistiu-se a transformações profundas em
todos os domínios:
A nível político:
• Defesa da soberana nacional, assente nos princípios da liberdade
e da igualdade;
• Sistemas políticos representativos;
• Textos constitucionais que garantem os direitos e os deveres e
limitam o poder do Estado;
• Instituição da separação de poderes;
• Consagração do sufrágio (direito de voto) como meio de escolha
dos governantes.
A nível social:
• Fim dos privilégios de nascimento mediante a defesa da igualdade
enquanto direito natural;
• Valorização do indivíduo e do seu papel na sociedade: afirmação
do cidadão e do seu papel político;
• Valorização do esforço individual, do mérito e do trabalho como
forma de promoção social;
• Entendimento da educação como meio para formar uma classe
esclarecida e promover a ascensão social;
• Consolidação da burguesia como classe dominante.
No domínio económico:
• Apologia da propriedade privada e da livre iniciativa;
• Defesa da concorrência e do livre comércio (livre-cambismo);
• Defesa de que a lei da oferta e da procura é reguladora do
mercado;
• Defesa da não intervenção do Estado na economia;
• Valorização do papel dos privados no desenvolvimento
económico;
• Obtenção do máximo de lucro através da atividade económica.
Estes princípios e práticas, nascidos com as revoluções liberais e
burguesas, deram um importante contributo para os regimes democráticos
dos nossos dias.

Módulo 6 – A civilização industrial – economia e sociedade;


nacionalismos e choques imperialistas.

1. As transformações económicas na Europa e no mundo.


1.1. As transformações económicas na Europa e no mundo.
1.1.1. A industrialização na segunda metade do século XIX – fatores e
características.

A Revolução Industrial (mudança ocorrida, em meados do século XVIII,


em Inglaterra, resultante da passagem da manufatura para a
maquinofatura, com utilização da máquina a vapor, nos têxteis de
algodão, e uso do carvão como fonte de energia) conferiu à Inglaterra, na
segunda metade do século XVIII, um lugar pioneiro e permitiu-lhe um
avanço de quase um século, relativamente ao resto da Europa.
O processo de industrialização (transição de uma economia agrícola
para uma economia predominantemente industrial), que se difundiu desde
então, conheceu um novo impulso na segunda metade do século XIX,
graças a diversos fatores:
(Taylorismo – método de racionalização do trabalho definido por Taylor;
Estandardização – uniformização dos modelos de produção, sendo os bens
fabricados em série e em grandes quantidades)
O setor industrial, a partir de 1870, beneficiou de desenvolvimentos
técnicos e de descobertas científicas aplicados em inovações, em diversas
áreas. Assim, do ponto de vista técnico, a segunda Revolução Industrial
caracterizou-se pela utilização de novas fontes de energia (petróleo e
eletricidade) e pela dinamização de novos setores industriais (siderurgia,
química, transportes) graças a inovações nos processos de fabrico.
A generalização da máquina no processo de fabrico permitiu aumentar
a produtividade, criar novos produtos, reduzir os custos de produção e
aumentar os lucros. O desenvolvimento da indústria permitiu a expansão
dos mercados.
As inovações técnicas beneficiaram de progressos cumulativos
(resultantes da combinação entre as descobertas científicas e técnicas,
cuja associação favoreceu o surgimento de avanços na indústria e a
aceleração do ritmo de desenvolvimento) através da aplicação de
contributos da ciência e da técnica, que tiveram impacto em diversos
domínios:
No século XIX, para além das invenções (produção de um conhecimento
e de novas ideias; descobrir algo (uma substância, um facto, um fenómeno)
até então ignorado ou desconhecido) e da sua difusão, prosseguiu o
interesse pelos fenómenos físicos, através de trabalhos científicos e de
investigação laboratorial que possibilitaram importantes descobertas e
inovações (remete para um produto, processo ou mecanismo novo aplicado
num processo produtivo), aplicadas nos diversos setores económicos, da
agricultura à indústria e da medicina à física.
Os novos métodos de trabalho, a tecnologia e a utilização generalizada
da máquina passaram a ser uma referência para distinguir as economias
desenvolvidas das menos desenvolvidas.

Os novos métodos de produção e organização do trabalho – foi a partir


de 1880 que o engenheiro americano Taylor pôs em prática um novo
método de trabalho: o taylorismo. Este método de racionalização do
trabalho assentava em três condições fundamentais: o trabalho de cada
operário era dividido em gestos simples; a repetição rápida dos gestos dos
operários fazia-se sob a vigilância de um capataz; o ritmo de produção
assente de uma determinada sequência era controlado através de um
cronómetro. Este método foi aplicado, pela primeira vez, por Henry Ford, a
partir de 1913, nas suas fábricas de automóveis, nas quais se introduziu
um tapete rolante que levava as peças até ao operário, em cadeia, através
da linha de montagem.

A siderurgia, os caminhos de ferro e a indústria química, a partir da


década de 1870, tornaram-se setores-chave do crescimento económico e
impulsionaram a industrialização:

A expansão da industrialização foi acompanhada pela generalização


do capitalismo (distinguem-se tipos de capitalismo (comercial, agrário,
industrial), consoante o setor gerador do capital e do lucro), sistema económico
assente na propriedade privada, na livre iniciativa, na livre concorrência e no
mercado sem entraves e sem intervenção do Estado, como já tinha sido
defendido por Adam Smith.

A atividade industrial tornou-se “motor” do crescimento económico,


na segunda metade do século XIX. Assim, assistiu-se à consolidação do
capitalismo industrial, sistema económico que assenta na propriedade
privada dos meios de produção (fábricas, máquinas, matéria-prima) e na
liberdade de concorrência e de comércio, tendo por objetivo a acumulação
de capital, dominantemente resultante do lucro obtido na atividade
industrial.
A necessidade de inovação e de mais investimentos foi fundamental para
as empresas poderem enfrentar a concorrência e as crises. Deste modo, as
empresas viram-se obrigadas a recorrer ao sistema financeiro (bancos e
bolsa) para aumentarem os capitais.
- Quais os motivos que justificam a ligação da indústria à banca?
As crescentes exigências do mercado e a concorrência obrigaram à
disponibilidade de capitais que, muitas vezes, eram insuficientes. Assim, o
recurso à banca tornou-se indispensável para investir em maquinaria, na
compra de matéria-prima, na construção de complexos industriais, para
pagar salários ou contratar operários.
Outro meio utilizado para enfrentar a concorrência foi o recurso à
concentração industrial.

A concentração resultou da compra de empresas mais pequenas por uma


grande empresa, para limitar a concorrência e dominar o mercado. Ocorreu,
especialmente, nos países em que o capitalismo atingiu um elevado grau de
dinamismo empresarial e de movimentação de capital ou associado a momentos
de crise do sistema capitalista, como forma de reajustamento do mercado.
1.1.2. A geografia da industrialização na Europa e no Mundo: os desfasamentos
cronológicos.

No processo da industrialização que viemos a caracterizar, diferenciam-se duas


grandes etapas: a da primeira Revolução Industrial, que teve o seu arranque cerca
de 1750, e a fase de consolidação da hegemonia britânica, que decorreu entre
1830 e 1870, em simultâneo com o surgimento de novas potências industriais.
Estas etapas foram marcadas por condições específicas:

A partir de meados do século XIX, a Grã-Bretanha assumiu, claramente, a


supremacia industrial, mas confrontou-se com a afirmação de novos países que
iniciaram o respetivo processo de industrialização.
Este processo de industrialização não ocorreu em simultâneo e teve ritmos
diferenciados, quer nos diversos países da Europa, quer noutras regiões do
mundo.
Na Europa, as regiões que se tornaram mais industrializadas como fonte de
energia, e de terem o têxtil e a metalurgia como setores de arranque da
industrialização. No entanto, é possível verificar diferenças no interior de cada
país, ou entre o Norte, o Sul e o Leste da Europa.
Fora da Europa, o ritmo de industrialização ocorreu igualmente de modo
diferenciado, destacando-se os Estados Unidos e o Japão na liderança do processo,
nos respetivos continentes.
Em suma, os países apresentaram desfasamentos cronológicos entre si,
justificados pela diversidade de recursos disponíveis (matéria-prima, capitais,
mão de obra) e pelas maiores ou menores potencialidades (sociais, políticas e
económicas) necessária para promover o arranque e o crescimento industrial.
Apesar do avanço da industrialização, em meados do século XIX, o continente
europeu permanecia maioritariamente rural.
Foram vários os fatores que condicionaram, em geral, o avanço da
industrialização e que estiveram presentes nos países da Europa em que esta se
efetivou tardiamente ou com ritmos irregulares:

Para aferir o maior ou menos peso do setor industrial na economia e na


sociedade, de um país ou região, foram atrás evidenciados alguns indicadores
como, por exemplo, o consumo de carvão, a força motriz, a produção de ferro.
Acrescem ainda outros, como a urbanização (concentração crescente da
população nas zonas urbanas),
Assim, na segunda metade do século XIX, a população urbana aumentou,
devido ao crescimento demográfico natural e também em resultado dos
fenómenos migratórios, como o êxodo rural e a imigração.
No entanto, a maior parte das cidades não estava preparada para a pressão
demográfica verificada. Evidenciaram-se desajustamentos provocados pelos
efeitos quer da poluição quer das alterações de ordenamento urbano,
decorrentes da industrialização (construção de fábricas, de caminhos de ferro,
de gares).
De facto, a industrialização transformou a paisagem rural e urbana.
A urbanização foi uma realidade, com diferentes ritmos de crescimento,
consoante as regiões. As cidades cresceram em população.
Quanto ao incremento da rede de caminho de ferro, pode constatar-se a
relação entre a densidade da rede ferroviária e o grau de industrialização. O
desenvolvimento do caminho de ferro, para além de encurtar as distâncias e de
facilitar a circulação de produtos, foi responsável pela dinamização de outros
setores produtivos (metalurgia, carvão, construção, comércio) e pela
mobilização de avultados capitais. As empresas ligadas ao setor tenderam a uma
concentração de empresas (tendência de crescimento das empresas, através da
união ou associação ou fusão) que abrangiam a atividade de construção e
exploração das redes de caminhos de ferro, nos diferentes países europeus, mas
também no caso dos Estados Unidos, com algumas características:
As várias características da industrialização analisadas evidenciam a
preponderância industrial, económica e financeira dos países europeus, com a
Inglaterra e Londres na liderança, o que fez da Europa centro da indústria, da
economia e da finança mundial, na segunda metade do século XIX até à I Guerra
Mundial (1914-1918).
No entanto, no continente americano, os Estados Unidos assumiram, após
a década de 1870, uma crescente influência, tendo em conta que a sua produção
industrial mais que decuplicou.
No processo de industrialização ficaram evidentes os desfasamentos nos
ritmos de desenvolvimento que acentuaram contrastes e dependências, no
contexto da crescente mundialização.
Quais os fatores que contribuíram para acentuar as formas de domínio e
dependência, na segunda metade do século XIX, entre os países industrializados e
os territórios dependentes?
Nenhuma região escapou ao domínio financeiro e comercial das potências
industriais europeias que, a partir das décadas de 70 e 80 do século XIX, se
empenharam na conquista de territórios em África e na Ásia.
Os territórios explorados na Ásia, na América Latina e em África, enquanto
produtores de matérias-primas, ficaram sujeitos às flutuações do mercado, dos
preços e da procura, isto é, dependentes do escoamento dos respetivos produtos
para os países europeus e registaram atrasos na industrialização.
Foi através de uma política de domínio sobre outros povos e territórios que
as potências europeias alargaram a sua área de influência com a criação de
impérios coloniais.
O panorama internacional apresente, de forma evidente, a expansão colonial
europeia, no final do século XIX e início do século XX, que se traduziu na posse e
repartição de vastos domínios territoriais nos quais as potências europeias
exerciam o seu domínio, o que originou, nalguns casos, disputas pela posse de
territórios.
Foi neste contexto que se destacou a corrida a África. Durante o século XIX,
os países europeus realizaram diversas expedições militares e de reconhecimento
científico e geográfico, em especial no interior do continente africano até então
inexplorado, a fim de consolidar, politicamente, a sua presença e procurar novos
recursos (sobretudo nos anos 80, depois da abolição do tráfico de escravos).
A necessidade de estabelecer regras na competição imperialista conduziu à
realização da Conferência de Berlim, em 1884. O significado imperialista e a
cobiça das potências europeias são simbolicamente criticada e satirizada pela
“partilha” do “bolo” de África.
As decisões da Conferência de Berlim encontram-se destacadas no quadro
seguinte:
• O direito histórico de ocupação (relativo aos pais que tinha descoberto
primeiro, como era o caso de Portugal) foi substituído pelo direito de
ocupação efetiva (conquista e organização do território);
• Foram traçadas fronteiras arbitrárias sem ter em conta a organização
preexistente dos povos que viviam nos territórios ocupados ou a
ocupar pelos Europeus;
• Os diferendos relativamente às áreas de ocupação e de fronteiras entre
os Estados deviam ser resolvidos de forma pacífica e através de
conferências;
• Estabeleceu a liberdade de comércio na bacia e foz dos rios Níger e
Zaire, regiões de escoamento dos produtos coloniais do interior centro
e sul de África.
• Regulou o direito internacional colonial, na medida em que
estabeleceu: o princípio da desigualdade entre colonizadores e
colonizados, com estatutos diferentes; as colónias não dispunham de
personalidade jurídica, nem de liberdade de iniciativa; as submissões
dos territórios coloniais aos interesses das metrópoles, sendo as
colónias administradas por autoridades nomeadas pelo governo da
metrópole.
Estas decisões tiveram grande impacto na política internacional e foram, no
século XIX, o culminar das relações de domínio e dependência entre a Europa e a
África.
O colonialismo e o imperialismo geraram fortes rivalidades no final do século
XIX e início do século XX que se traduziram em conflitos internacionais, com
consequências a médio prazo:

Este clima de tensão culminou com o desencadear da Primeira Guerra Mundial,


em 1914.
Em síntese, o processo de industrialização que se acentuou na segunda
metade do século XIX, favoreceu a afirmação da Europa sobre o mundo até ao
início do século XX.
Quais as características que evidenciavam a supremacia europeia?
• Destacava-se pelo índice de urbanização, associado à industrialização
e ao desenvolvimento do caminho de ferro: nele se situavam as
grandes cidades, centros dinâmicos da indústria, do comércio
internacional e da finança;
• Grande parte da inovação, aplicada em diversos setores, tinha origem
europeia, em ligação com o desenvolvimento da ciência e da técnica;
• Grane parte da produção industrial mundial era oriunda da Alemanha,
Grã-Bretanha e França, pelo que a Europa se constitui como a “fábrica”
do mundo;
• Detinha o domínio do comércio mundial, uma vez que dispunha das
principais frotas mercantes, assegurando a importação e exportação
de produtos à escala mundial;
• A livre circulação de produtos e de capitais no mundo inteiro;
• Era o centro de decisão, no domínio das relações internacionais, onde
se resolviam conflitos e se definia o destino político de muitas regiões
no mundo;
• Era o centro de rivalidades, despertadas pelo domínio de mercados e de
regiões produtoras de matéria-prima, que se traduziam no
alargamento e consolidação dos impérios coloniais e na sujeição de
várias regiões aos interesses europeus;
• Exercia hegemonia sobre territórios fora da Europa, fornecedores de
matérias-primas, submetendo-os aos seus interesses, numa lógica de
dependência económica.

1.2. As flutuações de crescimento económico e as crises do capitalismo.


Entre 1850-1914, as mudanças resultantes do processo de industrialização
foram acompanhadas pelo aumento irreversível da produção. No entanto, o
crescimento económico não foi regular, mas sim marcado por flutuações, com duas
grandes tendências.
Os ciclos económicos alternaram, por isso, entre fases de prosperidade e
fases de crise e depressão.
Os períodos de forte crescimento, ou de prosperidade, ocorreram entre 1860 3
1873 e depois entre 1896 e 1914. Estiveram associados a diversos fatores que
impulsionaram a expansão económica.

O ciclo de expansão económica era interrompido, de forma geralmente


brusca, pela crise que abalava a economia capitalista. Com efeito, a partir do
século XIX, as crises cíclicas do capitalismo liberal ocorriam com uma
periodicidade mais ou menos regular, em determinados intervalos de tempo. Para
além do seu carácter cíclico, apresentam outras características, que geralmente
acompanhavam o processo de crise.
Ao contrário das crises de subprodução (más colheitas e falta de recursos)
da época pré-industrial, as crises típicas do capitalismo industrial eram crises
de superprodução, resultantes da falta de regulação económica que provocavam
o desequilíbrio entre o consumo (procura) e a produção (oferta).
Os ritmos de crescimento eram, portanto, desiguais, variando nos seus efeitos,
consoante o setor de atividade ou a região. Perante as flutuações da economia, os
economistas contemporâneos procuraram compreender os diferentes ciclos
económicos (flutuações na atividade económica face à tendência de longo prazo,
caracterizadas por períodos de expansão ou recessão).

- As flutuações da economia capitalista no século XIX: os economistas


Kondratieff (russo) e Clément Juglar (francês) estudaram as flutuações da
economia europeia no século XIX. Evidenciavam dois ciclos económicos: o ciclo
longo (de Kondratieff ) e o ciclo intermédio (de Juglar). Kondratieff distinguiu o
ciclo longo, de 40 a 60 anos, e divide-o em duas fases:
- a fase A, ascendente e de prosperidade, com aumento da produção, do
consumo e a subida dos preços;
- a fase B, descendente e de regressão, com estagnação da produção e o
aumento do desemprego.
Juglar distinguiu os ciclos intermédios, de 6 a 10 anos, divididos em quatro
fases:
1. aumento da produção;
2. surgimento da crise;
3. depressão económica;
4. recuperação ou relançamento da atividade económica.

Os princípios do liberalismo económico, associados ao sistema capitalista


industrial e financeiro, influenciaram muitas das opções e das práticas da
atividade económica. Na verdade, a falta de regulação contribuiu, em parte, para
as crises do sistema capitalista, na segunda metade do século XIX.
Entre os princípios defendidos pelo liberalismo, que determinaram as práticas
do sistema económico, destacam-se:

No período que estamos a analisar, de entre as crises capitalistas, salientam-se


a crise de 1873, à qual se seguiu uma depressão económica que decorreu entre
1873 e 1896, designada, por isso, como “a Grande Depressão”:
- As crises cíclicas do século XIX: durante este período, assistiu-se à sucessão
de várias crises capitalistas: 1819-1824; 1837-1843; 1857-1860; 1873-1979; 1893-
1896. A crise de 1873 atingiu uma magnitude superior às restantes (só comparável
às crises de 1929 e de 2008) e ficou conhecida como Grande Depressão. A convicção
de que os mercados se autorregulavam levou a que os Estados não interviessem
na economia para atenuar os efeitos da crise, contrariamente ao que veio a
acontecer em 1929 e 2008.

1.3. O capitalismo liberal – o comércio livre e a divisão internacional do trabalho.

Na passagem para a segunda metade do século XIX, no contexto do


capitalismo liberal e do aumento da produção de bens e de serviços, a maior parte
dos países europeus adotou o livre-cambismo, o regime de comércio internacional,
livre de taxas e de barreiras alfandegárias que pudessem limitar a importação de
bens ou de serviços. De acordo com os pensadores do liberalismo económico, o
livre-cambismo (ou livre-comércio, também designado livre-câmbio) era
considerado um importante fator do desenvolvimento económico.
O livre-cambismo assentava, por sua vez, em dois princípios já enunciados por
Adam Smith e David Ricardo: a divisão internacional do trabalho (refere-se à
especialização, à escala mundial das economias nacionais, em particular nas
atividades de produção (de tecidos, vinho ou cereais) ou de serviços (transportes,
bancos ou comércio) em que cada país era, em teoria, mais eficaz) e a vantagem
comparativa (teoria económica relativa ao comércio internacional desenvolvida
por David Ricardo, segundo a qual, no contexto do comércio livre, um país
aumenta a sua riqueza nacional quando se especializa numa produção em que
tem maior produtividade por comparação aos outros países com quem mantém
comércio. Em compensação, deve comprar os bens que não produz) entre os
diferentes países.
Em que consistia a divisão do trabalho?
Este conceito, apresentado por Adam Smith, e 1776, através do célebre
exemplo da fábrica de alfinetes, defendia que a cada trabalhador cabia uma tarefa
específica, de modo a aumentar a produtividade e o lucro. Este princípio foi
aplicado ao comércio internacional sob a designação “divisão internacional do
trabalho”.
David Ricardo defendeu que cada país tinha interesse em especializar-se
numa produção em que tinha maior capacidade produtiva, em comparação com
outro país ou região. Esta ideia de vantagem comparativa de um país em relação a
outro articula-se com a da vantagem absoluta, apresentada por Adam Smith, que
defende que os países não só tinham interesse em especializar-se na produção
(produzir aquilo em que estavam mais aptos ou tinham mais condições), mas
também em trocar os excedentes por bens de que necessitavam, através da
prática do livre-cambismo.
O sistema de produção capitalista, destinado a aumentar a produtividade e o
lucro, promoveu a divisão internacional do trabalho, a fim de tirar maior resultado
e eficácia das vantagens e aptidão de regiões e de países, numa articulação
destacada no seguinte esquema:

No contexto do capitalismo liberal, estas teorias serviram para evidenciar os


ganhos do comércio internacional baseado no livre-cambismo, partindo da ideia de
que o mundo era uma “fábrica” e cada país uma “oficina” especializada que
contribuía para o benefício de todos.
A partir da década de 1860, foram implementadas várias medidas para estimular
o comércio internacional, cabendo à Inglaterra a liderança, até às vésperas da
Primeira Guerra Mundial.
Em Inglaterra, o primeiro-ministro Robert Peel eliminou, em 1846, as
restrições às importações, de modo a diminuir o preço dos produtos. As
importações ultramarinas tornaram-se determinantes e foram assinados vários
tratados bilaterais que eliminaram as barreiras às importações, como foi o caso
do Tratado de Cobden-Chevalier, assinado entre a Inglaterra e a França, em 1860.
Na França e na Alemanha, o livre-cambismo afirmou-se entre 1860-1870, mas
a política comercial oscilou entre o livre-cambismo e o protecionismo.
Nos Estados Unidos, privilegiou-se o protecionismo por se considerar que o
livre-cambismo era benéfico para a Inglaterra.
A Europa industrialização criou um sistema de comércio livre multilateral para
dinamizar o mercado internacional com a adoção de várias práticas:
• Redução das tarifas alfandegárias;
• Orientação dos países para a produção de bens específicos (divisão
internacional do trabalho);
• Desenvolvimento dos transportes;
• Dinamização da produção em massa.
A partir da década de 1870, na sequência da segunda vaga de industrialização,
verificou-se a crescente mundialização do mercado, assente nas características
seguintes:

- O livre-cambismo – As teorias do comércio livre, com origem nos séculos


XVIII-XIX, ocupam, ainda hoje, um lugar de destaque na economia mundial e no
pensamento económico. Atualmente, vários acordos internacionais visam
promover o comércio livre: acordos bilaterais, criação de zonas de comércio livre
(como a União Europeia) ou acordos multilaterais (ao nível da Organização
Mundial do Comércio). Para os seus defensores, este sistema de comércio promove
o desenvolvimento económico a longo prazo. Para os seus adversários, o comércio
livre tem elevados custos, resultantes dos choques provocados pela abertura ao
mercado exterior (desemprego, reconversão dos setores económicos), além das
pressões exercidas sobre as políticas económicas nacionais para se ajustarem às
regras internacionais.
Concluindo, podemos afirmar que as economias nacionais mais desenvolvidas
(Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos) afirmaram o seu domínio sobre
regiões colonizadas ou dependentes da compra das suas matérias-primas. Esta
dependência, para além de ter provocado rivalidades coloniais e imperialistas,
influenciou o grau de desenvolvimento dos países e regiões envolvidas no circuito
comercial e produtivo, e agudizou as diferenças entre os países industrializados e
não industrializados. Uns e outros estavam sujeitos às flutuações do mercado e
aos ciclos económicos, que oscilaram entre a expansão e a depressão, e ainda, aos
abalos causados pela ocorrência das crises cíclicas do capitalismo que marcaram
a nova ordem económica mundial, a partir do século XIX.
Estas dificuldades e crises cíclicas, sobretudo nas últimas duas décadas do
século XIX, obrigaram os Estados a regressar a práticas protecionistas
conjunturais, num panorama em que apenas a Inglaterra manteve o livre-
cambismo até às vésperas da primeira Guerra Mundial (1914).

2. A sociedade industrial e urbana.


2.1. As transformações na sociedade oitocentista.
2.1.1. A explosão populacional na Europa.

A industrialização e as transformações económicas que ocorreram na Europa


foram acompanhadas pelo crescimento demográfico e por fluxos migratórios
(êxodo rural e emigração) que contribuíram para o fenómeno da crescente
urbanização das regiões mais industrializadas.
Segundo a demografia (ciência cujo objeto de estudo estatístico (quantitativo) das
sociedades humanas, das suas estruturas e dos seus movimentos internos (por exemplo,
taxa de mortalidade, natalidade, esperança de vida, migrações), foi no período entre 1800
e 1900 que a população europeia mais que duplicou, e a população mundial aumentou em
cerca de 50%, sendo que, no fim do século, ¼ da população mundial era de origem
europeia. Este fenómeno de crescimento elevado, rápido e irreversível da população é
designado explosão demográfica. Além do crescimento demográfico, em geral, registou-
se também um aumento significativo da população urbana.

O elevado crescimento populacional foi consequência de diversos fatores de natureza


demográfica, económica e científica, que se vieram a manifestar em algumas regiões,
desde meados do século XVIII:
O aumento demográfico refletiu-se no crescimento das cidades, tanto em
população, como em número e em extensão. Este crescimento urbano resultou
quer na concentração das atividades industriais quer do aumento do setor
terciário (englobo as atividades económicas ligadas aos serviço, comércio,
administração pública e transportes) e da proliferação de profissões na área do
comércio e dos serviços.
A urbanização, o crescimento da população urbana e a afirmação de novos
grupos socioprofissionais contribuíram para diversas mudanças.
Uma das mudanças verificadas centrou-se num novo ordenamento urbano,
como se verificou em Paris pela mão do perfeito (o barão Haussmann), responsável
pelas obras de grande envergadura que aconteceram na capital francesa, entre
1852 e 1882.

O espaço urbano transformou-se e as periferias expandiram-se, o que


obrigou a adotar soluções ao nível da circulação, tendo sido abertas
amplas avenidas, de modo a criar uma rede articulada e facilitar o trânsito
de pessoas e de mercadorias, para responder às novas exigências da vida
social e económica.
Outra das mudanças está relacionada com a construção de equipamentos
urbanos, destinados ao lazer, comércio ou transportes. De registar,
igualmente, a criação de espaços arquitetónicos monumentais, ligados às
instituições governamentais e administrativas, a remodelação de zonas
antigas degradadas, o derrube das velhas muralhas medievais, dando lugar
a habitações em andares e a palacetes ou vivendas destinadas à nova
aristocracia e às elites burguesas.
O urbanismo oitocentista, não só em Paris, mas também noutras cidades
da Europa e dos Estados Unidos da América, evidenciou as aspirações e o
modo de vida burguês: construíram-se teatros, óperas, criaram-se espaços
verdes e de lazer, tais como parques e jardins, nasceram grandes armazéns
de comércio, lojas, escritórios e gares para o caminho de ferro em
expansão. As cidades eram “cidade-luz”: os candeeiros a gás e a petróleo
iluminavam as avenidas, oferecendo um espetáculo de luminosidade.
As cidades do século XIX revelaram fortes contrastes sociais e refletiram
a diversidade da sociedade oitocentista. Os burgueses residiam em bairros
luxuosos e habitações elegantes, no centro remodelado das cidades,
enquanto os operários e as classes populares, que viviam em zonas
degradadas, na antiga malha urbana em remodelação, foram empurrados
para as periferias e zonas suburbanas, onde as condições de higiene e de
habilidades refletiam as duras condições de vida das classes mais pobres.
As inovações técnicas, decorrentes da expansão industrial da segunda
metade do século XIX, acompanhadas do período de prosperidade a partir de 1896,
após o fim da Grande Depressão (período de desaceleração económica e de crise
de sistema capitalista, verificado a partir de 1873 e que se prolongou até meados
da década de 90, do século XIX), trouxeram a crença no progresso e na
modernidade.
Assistiu-se a uma melhoria da qualidade de vida, que possibilitou o tempo
livre e o entretenimento, acessível a um número cada vez maior de pessoas. O
lazer passou a fazer parte do quotidiano, impulsionado pelo lançamento do
cinema, pelos irmãos Lumière, em 1895, pelo surgimento de novos desportos e
pelo crescimento do turismo. Nas grandes cidades, o automóvel, o elétrico e o
comboio afirmaram-se como os novos meios de transporte urbano. A eletricidade
iluminou as ruas e algumas casas abastadas.
A produção cultural era intensa. Afirmou-se um novo estilo de vida que ficou
associado à Belle Époque (expressão que designa, com nostalgia, os vinte anos
que precederam a Primeira Guerra Mundial), marcada pela paz e pela
prosperidade, entre o final do século XIX e o início do século XX.

- A Belle Époque: durante a Belle Époque, as pessoas entregaram-se ao prazer


e à diversão. Abriram-se cafés, cabarés, music halls, teatros, cervejarias, onde o
clima de festa era constante. Em Paris, em 1869, fundou-se o Folies Bergére e,
em 1889, o Moulin Rouge, local onde nasceu o cancã (dança em que as bailarinas
levantam a saia e elevavam a perna bem alto). Os bares e pubs cresceram em
número, e eram frequentados pela classe trabalhadora fabril, o que conduziu a
um maior consumo de bebidas alcoólicas. Nesta época, as distâncias encurtaram
graças ao desenvolvimento dos transportes, como o caminho de ferro, o barco a
vapor e o automóvel. Apesar de ser exclusivo, devido ao seu elevado custo, já
nesses anos, o uso do automóvel ficou associado à prosperidade.

2.2. A sociedade de classes.

Uma nova sociedade consolidou-se ao longo do século XIX, em consequência


das revoluções liberais e do fim da sociedade de ordens do Antigo Regime,
baseada no privilégio do nascimento. As alterações económicas resultantes da
expansão da indústria aceleraram as mudanças sociais que marcaram a
sociedade oitocentista e conduziram à afirmação da sociedade de classes, própria
dos países europeus industrializados e do mundo contemporâneo, em que cada
classe social se diferencia pelo grau de riqueza e rendimentos, pela atividade
económica ou profissional desempenhada e pelos comportamentos e valores
comuns a cada classe.
Foi a industrialização que modelou a nova sociedade, na qual os indivíduos
pertenciam a classes sociais (grupo social próprio do mundo contemporâneo e
industrializado, cuja diferenciação decorre do desempenho de funções
económicas que conferem diferentes estatutos sociais), isto é, a grupos cujos
membros dispunham de um estatuto social e económico diferenciado, consoante
fosse proprietário ou patrão, assalariado (aquele que trabalha por um salário), ou
operário.
A sociedade de classes assentava em diversas características:
A sociedade oitocentista assentava no antagonismo entre duas classes
marcadas por fortes contrastes económicos e sociais: a burguesia e o operariado.

2.2.1. A burguesia: a classe dominante.

No século XIX a expansão da indústria, do comércio e da banca permitiu à


burguesia constituir-se como uma nova elite, e ocupar o lugar que, outrora,
pertencera à aristocracia (designava o conjunto dos nobres que no Antigo Regime
era uma minoria detentora de privilégios. Distinguia-se por qualidades e por
comportamentos considerados finos, superiores e próprios dos melhores de entre
a nobreza), em termos económicos, sociais e políticos.
A burguesia afirmou-se economicamente, no século XIX, investindo na
indústria e na banca, ficando associada ao capitalismo. A sua fortuna permitiu-
lhe concorrer com a antiga nobreza, cujos privilégios foram abolidos no quadro
das revoluções liberais.
A burguesia passou a ocupar uma posição social dominante, graças ao elevado
prestígio que alcançou pela riqueza e funções desempenhadas.
Politicamente, passou a ter um papel importante, ocupando funções
governativas na representação parlamentar e nas assembleias de notáveis
(deputados e pares) ao serviço do Estado, na administração, no exército e na
diplomacia.
A fortuna e o mérito individual tornaram-se critérios de distinção social,
que, no século XIX, definiram a nova aristocracia, contrapondo-se ao sangue e à
propriedade fundiária, que distinguiam a nobreza no Antigo Regime.
Na sociedade de classes, a burguesia passou a desempenhar um papel de
acordo com os novos princípios estabelecidos pelo liberalismo. Em termos gerais,
apresentava traços definidores enquanto classe:
O sentimento de pertença a uma classe, o orgulho de um nome e a honra eram
apanágio da alta burguesia, tal como o tinha sido na nobreza do Antigo Regime.
Se bem que a nobreza tivesse perdido o monopólio do poder político e do prestígio
social, a alta burguesia procurou alianças com famílias da antiga aristocracia,
através do casamento (prática que no Antigo Regime tinha sido um meio de
mobilidade social). Além disso, o modo de vida da aristocracia impôs-se como
modelo para a burguesia. No século XIX, a alta burguesia e a aristocracia
partilhavam os mesmos entretenimentos, usavam o mesmo vestuário e
frequentavam os mesmos círculos sociais.
Em termos de comportamentos sociais, a elite burguesa aristocrática
distinguia-se ao nível da maneira de ser e de agir em sociedade, segundo regras
de etiqueta ou de condutas refinadas, e pela prática de um modo de vida
identificado como burguês.
Quanto aos valores, distinguia-se pela moral que cultivava, de acordo com
princípios considerados exemplares: valorização do trabalho e da poupança, da
honra e das virtudes, da família e da educação.
A burguesia orgulhava-se do seu êxito, feito de mérito e competência, o que
contribuiu para perpetuar o mito do self-made man. Este conceito de “homem
que se faz a si próprio”, independente da origem social, assentava na convicção
de que o sucesso, fruto do trabalho e da poupança, era reflexo das qualidades
morais e dos valores que praticava, entendendo a pobreza como resultado da
falta de capacidade, da fraqueza moral e da ociosidade.
No entanto, muitos dos grandes magnatas e das famílias portuguesas, em
geral, não ignoravam os males sociais, da doença à orfandade, pelo que, no
quadro da moralidade cristã ou laica, procurou dar apoio aos desvalidos no
quadro de obras de filantropia (sentimento que impele os homens a ajudar os
outros (no sentido do altruísmo, beneficência, caridade).).
A burguesia desenvolveu uma consciência de classe (conjunto de valores e
comportamentos partilhados por indivíduos que desempenham a mesma função
económica), comum aos seus membros, assente em valores e comportamentos
próprios, cujos traços fundamentais:
A burguesia não era um grupo homogéneo e abrangia diversos estratos
sociais:
Em conclusão, o século XIX é referido como o “século da burguesia”,
cuja ideologia política, económica e social se traduz, em grande parte,
pelos princípios defendidos pelo liberalismo.
A alta burguesia partilha os gostos e cultura com a antiga aristocracia,
através da educação escolar e universitária, de uma vida social elegante,
à qual se alia pelo casamento e pelos negócios, o que possibilitou a
recomposição das elites da sociedade de classes oitocentista.

2.2. O incremento das classes médias.


No contexto da industrialização e da urbanização, assistiu-se,
igualmente, ao crescimento do setor terciário (setor da economia ligado às
atividades de comércio e de prestação de serviços), que englobava serviços
de comércio, da banca, e do Estado e prestação de serviços que
contribuíram para a terciarização da sociedade, devido a vários factores:

Acompanhando estas transformações, foram os estratos da pequena e


média burguesia, ligados, em grande parte, a estas atividades que
ganharam o estatuto de classes médias (refere-se a um conjunto
heterogéneo de indivíduos que desempenham funções no setor terciário.
Distinguem-se do operariado por não exercerem funções braçais e estão
ligadas ao comércio, serviços (“colarinhos brancos”) e às profissões
liberais). As classes médias eram um grupo heterogéneo, que abrangia
grande diversidade de profissões, com interesses muito variados, mas com
uma fraca consciência de classe, pois identificavam-se com a mentalidade,
valores e comportamentos da burguesia.
O leque de profissões associadas às classes médias era variado:
distinguiam-se os que eram designados como “colarinhos brancos”
(recrutados para a administração, são empregados, de camisa branca e
gravata, que se opõem aos colarinhos azuis, identificados com operários)
bem como os que desempenhavam profissões liberais (profissão não
comercial e não industrial, exercida por conta própria).
A composição das classes médias abrangia do advogado ao médico, do
engenheiro ao professor, dos diretores ou chefes administrativos no
aparelho de Estado e em empresas privadas aos empregados de escritório,
aos contabilistas e escriturários, incluindo os pequenos comerciantes e
empregados de comércio.
Neste quadro diversificado de atividades e profissões, podemos dizer
que, apesar de viverem essencialmente do salário, havia dentro das classes
médias um grupo que, sem possuir uma grande fortuna, vivia de rendas
fixas provenientes de propriedades rurais, de prédios urbanos, de depósitos
bancários ou do investimento em títulos e ações, o que lhes conferia uma
situação económica mais desafogada.
O sistema de recrutamento para a administração pública, através de
concurso, garantiu mais igualdade no acesso aos cargos, de acordo com o
princípio liberal do sucesso assente na meritocracia (sistema segundo o
qual a posição social é assegurada pelo mérito (escolar ou profissional) e
não pelo nascimento ou pela fortuna). A instrução afigurou-se,
igualmente, como meio de mobilidade social e permitiu escapar à condição
de operário ou de camponês.
Os elementos das classes médias partilhavam um conjunto de valores
inspirados nos da alta burguesia:

O papel das profissões liberais na sociedade oitocentista: o advogado


ganhou destaque devido ao desenvolvimento da burocracia, à
multiplicação das leis e dos processos legais de natureza civil ou
comercial, sobretudo na defesa dos interesses dos grandes empresários. O
médico, o cirurgião e o farmacêutico adquiriram maior prestígio e
importância porque no século XIX a medicina conheceu grandes progressos
e alargou o campo de intervenção junto da população. O investigador e o
engenheiro assumiram um papel cada vez mais relevante nos países mais
industrializados graças ao desenvolvimento das empresas, das indústrias
e dos empreendimentos urbanísticos. Os professores, apesar dos salários
modestos, gozavam de prestígio social, proveniente do conhecimento e do
alargamento do ensino.

2.2.3. A classe operária.


No contexto do capitalismo industrial e das transformações sociais, a
classe operária diferenciou-se no panorama da sociedade de classes e da
vida económica oitocentista. Os operários, apesar da diversidade que a
designação engloba, eram identificados, maioritariamente, com a mão de
obra masculina, feminina e infantil que trabalhava na fábrica, nas minas,
nos portos, enfim, nas áreas mais industrializadas, onde a divisão do
trabalho era uma realidade cada vez mais acentuada, ao longo do século
XIX.
O operariado estava sujeito às regras do mercado de trabalho e à mercê
do sistema capitalista, vivendo abaixo do limiar da pobreza. Na sociedade
oitocentista, a classe operária tinha as piores condições de trabalho e de
vida.
O trabalho de homens, mulheres e crianças, em espaços com poucas
condições de segurança, durante horas a fio, e sem qualquer proteção ou
garantia de direitos caracterizou as condições de trabalho do operariado.
A sua situação agravava-se durante as crises cíclicas do capitalismo, na
medida em que, para fazer face à contração económica e à diminuição do
lucro, os empresários reduziam os salários ou despediam os operários que,
sem qualquer apoio, ficavam desprotegidos.
O antagonismo de classes, com o operariado a ser colocado no fim da
escala social, foi a consequência social das transformações provocadas
pela industrialização.
As condições de trabalho precárias, mantidas ao longo de quase todo
o século XIX, conduziram os operários a um modo de vida marcado por
diversos problemas:

As suas condições de vida degradantes foram, em parte, agravadas pelo


crescimento urbano, na medida em que provocou a falta de alojamentos
para a mão de obra que afluiu às cidades, obrigando-as a despender grande
parte do salário com as rendas.
A vivência da classe operária tornou gritantes os contrastes sociais e
económicos, evidenciados pelas condições de vida, de higiene e de
habitação a que estavam sujeitos, ainda mais se comparadas com as
“classes altas”, que viviam em espaços marcados pelo luxo e ostentação.
Estes contrastes não passaram despercebidos aos contemporâneos.
Despertaram diferentes visões e abordagens e originaram a defesa de
diferentes propostas de transformação da sociedade.

O impacto das más condições de vida do operariado – no século XIX, as


desigualdades eram acentuadas, não só nos rendimentos, mas também na
qualidade de vida. Enquanto Londres, num bairro de classe alta, a
esperança média de vida baixava para os 36 anos. Nos bairros operários, a
mortalidade infantil até ao primeiro ano de vida era elevada, o que
contrastava com os números mais baixos que se verificaram nos bairros
das classes altas. A obrigatoriedade de as mães regressarem ao trabalho
após o parto impedia-as de amamentar os seus filhos, os quais eram
alimentados com leite de má qualidade ou com alimentos pouco
adequados. As taxas de mortalidade eram mais altas nas cidades
industriais e doenças como a cólera atingiam mais os pobres que os ricos.

2.2.4. O movimento operário e o sindicalismo.

A falta de condições de trabalho, as más condições de vida, em suma,


a miséria social do operariado fizeram despertar a chamada “questão
social”, no século XIX, uma expressão que designava os problemas sociais
da classe trabalhadora. A “questão social” (expressão surgida nos anos de
1840 para designar os problemas resultantes da miséria e do desemprego
da classe operária que obrigavam os políticos e procurar soluções) tornou-
se objeto de ação política no sentido de encontrar respostas para a
situação do operariado. Os problemas sociais despertaram o receio da
burguesia, a piedade dos filantropos e da Igreja, e a reflexão dos filósofos,
pensadores sociais e políticos. Os problemas da classe operária foram,
geralmente, identificados e divulgados através da realização de inquéritos
industriais realizados por inspetores que averiguavam da situação do
operariado.
Durante o século XIX, ficou evidente a contradição entre o ideal liberal
da igualdade civil e a realidade social. As condições degradantes de trabalho
e de vida dos operários, provocados pela industrialização tornaram-se um
tema de preocupação pública. A questão social foi vista de forma diferente,
consoante os protagonistas que a analisaram e nela intervieram.
A miséria social deixou, progressivamente, de ser vista como uma
fatalidade inevitável, como era encarada pelo pensamento liberal, ou
abordada com paternalismo (atitude de alguns patrões que olhavam para
a empresa com uma família e tratavam os operários com condescendência
económica e política da industrialização.
Perante a persistência da “questão social”, surgiram várias iniciativas
com vista a minorar as más condições dos operários.
Os problemas da classe operária motivaram ações de intervenção
social, ideológica e política, ao longo de várias décadas, com especial
destaque para as que ocorreram no contexto de movimento operário que
integrou um conjunto de iniciativas para promover a luta de classes
operária de modo a obter melhorias das suas condições de vida e de
trabalho, através de organizações associativas de trabalhadores e da
constituição de partidos operários.
No âmbito do movimento operário, destacaram-se inicialmente as
primeiras sociedades de ajuda mútua, com contribuições voluntárias dos
operários e as ações esporádicas nas fábricas, realizadas pelos
trabalhadores. No entanto, ações de forma organizada e sistemática
destinadas a lutar pela melhoria das condições de trabalho e de vida só se
consolidaram nas duas décadas finais do século XIX.
A Grã-Bretanha liderou a vanguarda do movimento sindical dos
trabalhadores, pois os sindicatos (associações de trabalhadores que
defendem os interesses e os direitos dos seus associados, através de greves
e de manifestações), associações que reuniam os trabalhadores por ramo
de atividade, surgiram a partir de 1825. No entanto, a sua ação foi quase
que anulada, já que os governos liberais das décadas de 1830 e 1840
permaneceram fechados às reformas sociais.
O operariado, na segunda metade do século XIX, foi cada vez mais
confrontado pela ocorrência de crises que, ciclicamente, abalavam o
sistema capitalista e que agravavam a situação dos trabalhadores, uma
vez que os patrões, perante a baixa de lucros e acumulação de stocks,
despediam os operários, lançando-os no desemprego, sem qualquer
proteção social ou outro meio de subsistência. As crises desencadearam
movimentos de protesto cada vez mais coordenados pelas organizações
operárias.
Só a partir de 1871, as trade unions (ou sindicatos) foram legalmente
reconhecidas em Inglaterra, através da promulgação do Trade Union Act.
Noutros países, esse reconhecimento foi progressivo, a partir da década de
80 do século XIX. Os sindicatos, que viram o seu poder aumentar,
tornaram-se na base do movimento operário, fortalecendo o sindicalismo,
isto é, o movimento de associação dos trabalhadores em sindicatos com
vista à proteção e defesa dos seus interesses e direitos, através de formas
de luta ou de negociação.
O sindicalismo acompanho a crescente afirmação de consciência de
classe do operariado. O objetivo era que os seus associados (sindicalizados)
obtivessem melhores salários e condições de trabalho, bem como o
reconhecimento dos seus direitos, nomeadamente o direito à greve
(interrupção temporária, voluntária e coletiva de atividades ou funções,
por parte de trabalhadores como forma de protesto ou de reivindicações).
Os patrões reagiram ao movimento sindical com despedimentos ou
interpondo ações legais nos tribunais contra as associações sindicais.
As manifestações e a greve foram as formas de luta mais usuais para
pressionar os patrões a reconhecer os direitos dos trabalhadores.
A perspetiva dos patrões sobre as condições de trabalho e de vida dos
operários, sobretudo quanto às longas jornadas de trabalho, evidenciou que
para estes o operário era uma “peça” inserida no sistema económico e nas
leis do mercado. Alguns empresários tentaram amenizar as dificuldades
dos seus trabalhadores através de iniciativas paternalistas, com a
concessão de benefícios aos operários (escolas, apoio na saúde, acesso à
habitação, ...), de modo a controlar ou evitar qualquer foco de revolta. Tal
foi, por exemplo, o caso da família Schneider, nas suas fábricas de aço em
Le Creusot (França) ou das empresas de Alfred Krupp, na Alemanha.
A Igreja Católica também não ficou alheia à “questão social” e na sua
intervenção apelou à consciencialização da sociedade. Foi através da
intervenção do Papa Leão XIII, em 1891, na Encíclica Rerum Novarum, que
denunciou as condições do operariado, condenou os excessos do
capitalismo e apelou à criação de associações de operários católicos para
superar o antagonismo entre o patronato e os trabalhadores.
Apesar das divergências quanto ás formas de interpretar a situação e de
apresentar soluções, todos os intervenientes, mais ou menos explicitamente,
estavam de acordo naquilo que eram as vertentes mais graves da “questão
social”:
• A necessidade de leis para regulamentar o trabalho nas fabricas;
• A necessidade de resolver o problema da habitação do operariado;
• A importância de solucionar a questão da saúde, tornada premente
devido à eclosão de epidemias (cólera, tuberculose, gripe, por
exemplo, que afetavam, com grande incidência, as cidades, devido
à maior facilidade de contágio;
• A necessidade de melhorar as condições de higiene no trabalho e nas
habitações;
• A importância da questão da educação e da regulação do trabalho
infantil.
Ao longo da segunda metade do século XIX, assistiu-se a uma ligeira
melhora das condições de trabalho e dos salários do operariado, em alguns
países europeus industrializados, como Inglaterra, França e Alemanha,
graças à promulgação de legislação social e laboral, a partir da década de
1880.
Em síntese, podemos afirmar que o movimento operário, através do
sindicalismo, e da crescente consciência de classe, lutou pela obtenção de
direitos de forma progressiva e desigual, consoante os países, incluindo
Portugal.
A ação sindical e o aumento da representação de partidos operários,
bem como o alargamento do direito de voto a partir de 1870, no sentido
do sufrágio universal masculino, favoreceram a concretização de algumas
aspirações do movimento operário com conquistas fundamentais:
- Mais segurança e higiene nos locais de trabalho (iluminação,
arejamento) em resultado dos progressos técnicos;
- O horário de trabalho semanal foi reduzido;
- O trabalho infantil e feminino foi regulamentado;
- O direito à greve foi consagrado;
- A obrigatoriedade de um dia de descanso semanal foi estabelecida;
- O aumento de salários.
Deste modo, assistiu-se à melhoria efetiva das condições de trabalho
e de vida dos trabalhadores.

O sindicalismo em Portugal no século XIX – as primeiras associações


mutualistas surgiram em 1840, a par do desenvolvimento da indústria,
durante o Setembrismo, ainda que o reconhecimento da liberdade de
organização dos trabalhadores remontasse a 1821. Na década de 1850, as
reivindicações do operariado acentuaram-se, não só devido às más
condições de vida decorrentes de maus anos agrícolas, mas também à
divulgação das ideias socialistas em Portugal. Em 1853, criou-se o Centro
Promotor do Melhoramento da Classe Laboriosa. A partir de 1870, o
movimento sindicalista dos trabalhadores portugueses consolidou-se e
adotou novos modelos organizativos, devido à influência das ideias
provenientes da Europa. Entre 1871 e 1877, as greves multiplicaram-se: 27
em Lisboa e 3 no Porto. Foi neste contexto que, em 1873, se constituiu a
Associação dos Trabalhadores da Região de Lisboa. Entre 1890 e 1900,
ocorreram 69 greves, apenas em Lisboa. Os trabalhadores de diversos
setores lutavam por aumentos salariais e pela diminuição da jornada de
trabalho. Estas greves e reivindicações, demonstram que o movimento
sindical e operário já tinha alcançado em Portugal, na segunda metade do
século XIX, algum poder de mobilização. Em 1890, o 1º de Maio foi
comemorado em Portugal. Em 1891, o sindicalismo foi legalizado e, até
1895, ganhou um carácter nacional, confirmado primeiro com a criação da
Federação de Associação de Classe e, depois, com o surgimento da União
Operária Nacional, em 1914.

2.2.5. As propostas socialistas de transformação revolucionária da sociedade.

A inoperância por parte dos poderes públicos face à “questão social” deu
lugar à divulgação de ideologias que defenderam a mudança da sociedade,
capitalista e liberal, cujo modelo era considerado responsável pelas más
condições de trabalho e de vida do operariado.
O socialismo foi a ideologia, desenvolvida ao longo da primeira metade do
século, que defendia um conjunto de ideias para transformar a sociedade no
sentido de uma maior igualdade e justiça social no trabalho, na distribuição da
riqueza e na melhoria das condições de vida.
As propostas socialistas abrangeram um conjunto de pensadores que
defenderam ideias e valore para transformar a sociedade:
Apesar de alguns princípios gerais comuns, as propostas socialistas
diferenciam-se, em diversas correntes ideológicas, quanto ao modo como deveria
ocorrer a transformação da sociedade.
Podemos distinguir duas grandes correntes do socialismo até à década de 1850:
• O socialismo utópico (assim designados por Marx pelo facto de não
darem uma explicação rigorosa das causas da miséria dos operários e
não apresentarem meios objetivos para pôr fim aos problemas do
operariado) ligado a um conjunto diversificado de pensadores;
• O socialismo, de cariz revolucionário, designado socialismo científico
(assenta numa teoria que procura encontrar leis sobre a evolução
histórica e a realidade social e económica, e apresenta propostas
revolucionárias para transformar a sociedade), associado a Karl Marx e
a Friedrich Engels.
As principais diferenças entre o socialismo utópico e o socialismo científico são:

A primeira corrente ideológica, o socialismo utópico, inspirou os ideias


da “Primavera dos Povos”, durante as revoluções de 1848 e 1850 e, em
termos práticos, influenciou na criação das cooperativas dos trabalhadores
e na tendência do anarquismo (teoria política baseada na anarquia, isto é, na
negação da autoridade e na defesa de uma sociedade constituída sem governo).

As propostas do socialismo utópico - Saint-Simon concebeu um modelo social


liderado pelos industriais, assente na eficiência da produção e na propriedade
pública dos equipamentos industriais. Charles Fourier defendeu a criação de
comunidades autossuficientes, os falanstérios, em que o trabalho devia ser um
prazer, adequado à personalidade de cada indivíduo. Robert Owen destacou a
importância da cooperação e melhorou os salários e as condições de trabalho
dos seus operários. Ao mesmo tempo defendeu a educação como meio para o
aumento da produtividade. Proudhon destacou-se como defensor do anarquismo,
uma teoria política baseada na anarquia, isto é, na negação da autoridade e na
defesa de uma sociedade em que o Estado não era necessário se os trabalhadores
detivessem o poder.

A segunda corrente ideológica, o socialismo científico, teve uma influência


mais duradoura. Teorizado por Marx e Engels, foi divulgado através do Manifesto
Comunista, publicado em 1848. Esta ideologia, designada marxismo, é uma
doutrina económica e política defensora da ideia de que a transformação da
História da humanidade era o resultado da luta de classes, ou seja, entre duas
classes opostas que, no século XIX, eram a burguesia e o proletariado. Segundo
o marxismo, a luta de classes conduziria à revolução considerada como único
meio para derrubar a ordem capitalista burguesa e instaurar a ditadura do
proletariado, isto é, uma etapa de transição para alcançar a sociedade sem
classes, ou seja, o comunismo.
Segundo o marxismo, a classe revolucionária que realizaria a transformação
da sociedade era o proletariado, a classe dos que nada possuíam para além da
sua força de trabalho, que vendiam aos detentores dos meios de produção, a
burguesia capitalista.
O marxismo, enquanto ideologia revolucionária de transformação da
sociedade, defendeu os seguintes princípios:
Qual a diferença entre o sistema capitalista e o sistema comunista, segundo
Marx?

Karl Marx – nasceu em 1818, na Prússia. Enquanto filósofo, economista e


teórico político desenvolveu um conjunto de teorias, das quais se destaca, entre
outras, o socialismo científico ou marxismo, que contribuiu para transformar o
pensamento e a análise política, económica e social. A sua teoria influenciou o
panorama ideológico e o movimento sindical na Europa e no mundo, sobretudo
nas últimas décadas do século XIX, e ao longo do século XX. Juntamente com
Friedrich Engels, publicou o Manifesto Comunista, através do qual difundiu o
marxismo, para além de outras obras em que expôs o seu pensamento, nas suas
múltiplas vertentes.

O marxismo tornou-se a base ideológica do movimento operário que ganhou


dimensão internacional, apoiado no sindicalismo e no socialismo ao longo da
segunda metade do século XIX. A causa social e política do operariado envolvia
interesses e problemas que ultrapassavam as fronteiras nacionais. A dimensão
internacional do movimento operário foi concretizada através da criação de uma
organização que integrava vários países, reunidos em Londres, no ano de 1864, e
que deu origem à Primeira Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).
Designada I Internacional Operária (primeira reunião operária, em 1864, decisiva
na consolidação do movimento operário e do sindicalismo), da qual Marx redigiu
os estatutos. Este organismo ultrapassou as fronteiras nacionais, reuniu
membros de todos os países europeus e dos Estados Unidos e consolidou o
movimento operário. A Internacional englobou diversas correntes ideológicas de
esquerda e, nos cinco congressos que realizou, aprovou diversas resoluções, entre
as quais se destaca a adoção da jornada de oito horas de trabalho como exigência
internacional, só muito lentamente consagrada como direito dos trabalhadores.
Já depois da morte de Marx, a ação internacional do movimento operário
prosseguiu em 1889, no Congresso de Paris, com a criação da II Internacional (ou
Internacional Socialista), que reuniu vários partidos socialistas e operários
europeus. Cem anos depois da Revolução Francesa, no dia da Bastilha, em 1889,
os líderes dos trabalhadores, reunidos em Paris, relançaram a Internacional sob
o lema “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”, escrito em letras douradas numa
faixa vermelha, a cor da Internacional operária. Entre as principais decisões da
II Internacional Socialista destacaram-se:

A II Internacional, para além dos símbolos e bandeira associados à


organização, adotou o hino A Internacional, cuja letra foi escrita em 1871 e
musicada em 1888, e que se tornou emblemática do movimento operário.
A II Internacional reuniu em vários congressos, entre 1889 e 1914 em que,
para além dos partidos socialistas europeus, participaram representantes dos
Estados Unidos, Turquia, Japão, Índia, Argentina, Chile e Uruguai.
As propostas socialistas de transformação revolucionária da sociedade
defendidas por Karl Marx e Friedrich Engels, foram revistas, no final do século XIX,
por Eduard Bernstein, um dos líderes do SPD (Partido Social-Democrata Alemão),
partido destacado no movimento socialista internacional, até então com uma
orientação marxista dominante.
Bernstein aprofundou as suas reflexões sobre o marxismo, o capitalismo, a
sociedade e o socialismo e, nas suas obras, entre 1897-1899, rejeitou os
argumentos de Marx e Engels acerca do fim do capitalismo por intermédio da
revolução.
Defendeu as seguintes ideias, consideradas revisionistas (designa a atitude
crítica de alguém que põe em causa, com argumentos, os fundamentos de uma
doutrina, teoria ou corrente de opinião. Neste caso foi aplicada aos marxistas
que defendiam a necessidade de rever a doutrina de Karl Marx, quanto à evolução
da sociedade e questionando algumas das teses revolucionárias) por parte dos
marxistas ortodoxos:
- constatou que o capitalismo não chegou ao fim e, apesar das suas crises
cíclicas, adaptou-se a novas condições da evolução económica;
- recusou o processo revolucionário da tomada de poder por parte do
proletariado;
- defendeu a realização de reformas legislativas como forma de transformação
da sociedade (geralmente designado como “socialismo reformista”);
- considerou a necessidade de conciliar o liberalismo e o socialismo com vista
a alcançar uma maior justiça social.
No final de Oitocentos, o socialismo, considerado nas suas diversas
correntes ou tendências, assumiu-se como uma ideologia que, a par do
liberalismo, passou a ter maior influência política e social no mundo
contemporâneo, a partir das primeiras décadas do século XX.

2.2.6. As transformações políticas do final do século XIX.

As mudanças que marcaram a Europa ao longo do século XIX, em resultado da


industrialização e da afirmação do capitalismo, tiveram impacto político. O
sistema político liberal assentava no sufrágio censitário e no domínio político de
notáveis, elite dominante, na primeira metade do século XIX. Este processo
eleitoral já não correspondia à realidade social e aos movimentos de contestação
que agitaram a Europa, devido ao fortalecimento do movimento sindical, bem
como à divulgação das ideias socialistas e republicanas.
Assim, na segunda metade do século XIX, os regimes políticos liberais
democratizaram-se, com ritmos diferenciados no que tocou às reformas políticas.
A democratização foi acompanhada pela tendência de diminuição da supremacia
das elites de notáveis e pela chegada ao poder de novos estratos sociais, o que
para muitos historiadores, marcou o “fim dos notáveis”. Com efeito, os membros
da pequena e média burguesia reivindicaram, em nome do mérito, da formação
e da competência, o direito de participar na condução dos assuntos públicos.
As medidas adotadas com vista ao alargamento da participação dos
cidadãos na vida política e do direito de voto foi condição fundamental para a
afirmação do demoliberalismo, sistema político de democracia representativa,
fundado nos princípios liberais, no qual a soberania é delegada pelo povo em
órgãos representativos, regendo-se pelo princípio da maioria e pelo respeito da
vontade popular expressa em eleições.
Em França, foi a partir da década de 1870, período da III República que o
movimento de democratização foi reforçado, especialmente ao nível da
representação parlamentar e do Estado, graças à renovação das elites. Até este
período, tinha-se assistido à preponderância política da nobreza aristocrática de
ricos proprietários e da alta função pública, à sub-representação das profissões
liberais e à quase ausência da pequena e média burguesia.

As características dos Estados Liberais: Os Estados Liberais apresentam as


seguintes características:
- consagração de uma lei base, sob a forma de Constituição ou de Carta
Constitucional, para garantir a separação dos poderes, defender a igualdade dos
cidadãos perante a lei e garantir as liberdades e os direitos fundamentais;
- afirmação das instituições parlamentares (unicameral ou bicameral), local
privilegiado para discussão e resolução de problemas nacionais;
- emergência e organização de partidos políticos;
- aumento da importância da opinião pública;
- generalização da laicização, visando a neutralidade do Estado em matéria
religiosa e a consagração do princípio da separação da Igreja do Estado, ao longo
da segunda metade do século XIX e início do século XX.

A evolução do direito de voto, progressivamente alargado às classes


populares, foi um processo longo.
Iniciou-se em Inglaterra, a partir da década de 1830, quando o movimento
operário viu o alargamento do sufrágio um meio de efetuar reformas para
melhorar a condição dos trabalhadores, aspiração que acabou por não ser
concretizada. Em França, no contexto de uma tendência mais democrática e
revolucionária (Primavera dos Povos), foi implementado, em 1848, ainda que de
forma transitória, o sufrágio universal masculino, que tornava o direito de voto
extensivo a todos os homens, independentemente da sua riqueza ou condição
social.
Em Inglaterra, só na década de 1890 é que os sindicatos concretizaram a
ideia de criar um partido operário para, através da ação política e da participação
no parlamento, fazer aprovar reformas sociais (paralelamente á ação sindical
que tinha na greve o seu principal meio). Assim, em 1893, foi criado o Independent
Labour Party (Partido Trabalhista Independente), que a partir de 1906 passou-se
a chamar Labour Day (Partido Trabalhista).
Consequentemente, a segunda metade do século XIX correspondeu a uma época
de consolidação do demoliberalismo, visível pela ampliação do direito ao voto,
pela consagração do sufrágio universal masculino, ou pelo reconhecimento do
direito sindical. No entanto, continuaram a existir limitações, sobretudo em
termos políticos, já que as mulheres, por exemplo, permaneceram afastadas dos
direitos políticos.

3. Portugal, uma sociedade capitalista periférica.


3.1. A Regeneração (1850-1880).
3.1.1. O desenvolvimento das infraestruturas.
A intervenção militar liderada pelo duque de Saldanha, em 1851, durante o
reinado de D. Maria II, pôs fim ao governo de Costa Cabral e deu início a um novo
período do liberalismo português: a Regeneração. A Regeneração iniciou-se em
1851, e correspondeu ao período de consolidação do liberalismo; em termos
políticos, traduziu-se na pacificação das diferentes correntes políticas liberais;
em termos económicos, na consolidação do capitalismo e, no domínio social, na
afirmação da burguesia enquanto classe dominante.
Este foi um período durante o qual se assistiu à modernização do país e o
crescimento económico foi uma realidade. Acompanhando a tendência histórica
da Europa Ocidental, a industrialização e o capitalismo reforçaram-se em
Portugal.
A política económica da Regeneração foi sustentada no desenvolvimento das
obras públicas e de infraestruturas, cuja importância é atestada na criação, em
1852, do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. A chamada política
dos “melhoramentos materiais” foi indissociável da figura de Fontes Pereira de
Melo, ministro das obras públicas. Este período é muitas vezes designado
Fontismo (designação atribuída à política de desenvolvimento e modernização
das infraestruturas, no contexto de Regeneração, sob influência de Fontes Pereira
de Melo).
A política do Fontismo foi norteada pelos objetivos seguintes:

A Regeneração assentou no princípio de que o progresso estava relacionado


com o desenvolvimento do mercado e da tecnologia. Por isso, o Fontismo foi
responsável pela introdução do caminho de ferro em Portugal, considerado
fundamental para a criação de um mercado unificado, para o desenvolvimento
do comércio e para a criação de circulação dos produtos.

Fontes Pereira de Melo – político que desempenhou um papel relevante na


segunda metade do século XIX, durante o período que ficou conhecido por
Regeneração. Ocupou as pastas da Marinha e Ultramar, da Fazenda, das Obras
Públicas, Comércio e Indústria. Teve um papel determinante no desenvolvimento
das infraestruturas, através da criação de estradas e caminhos de ferro.
Contribuiu para a consolidação do capitalismo em Portugal. A polítiva de
melhoramentos materiais ficou conhecida por Fontismo e correspondeu ao
momento em que a burguesia concretizou as suas aspirações. Esteve à frente do
Partido Regenerador entre 1859 e 1887, data da sua morte, em Lisboa.

A política da Regeneração, no domínio das infraestruturas, até aos anos 80 do


século XIX, fez-se sentir em diversos setores, destacando-se a criação de uma
ampla rede de transportes e de comunicações, a fim de promover um mercado
mais aberto e unificado e inseri-lo nos parâmetros da modernidade industrial
contemporânea:
- Ao nível dos transportes: estradas e caminhos de ferro;
- Infraestruturas ligadas aos transportes: estações de caminhos de ferro,
portos e faróis e pontes;
- Comunicações: telégrafo, correios (reforma do selo postal); as malas-
postas, na entrega ao domicílio, que, em 1821, começou a funcionar na cidade
de Lisboa; aprovação da Reforma Postal, ainda considerada a matriz do correio
moderno português, acessível a toda a população apenas em 1893;
- Procedimentos comerciais: adoção do sistema métrico decimal.

Ao nível dos transportes, a construção de estradas assumiu grande destaque,


nomeadamente com a adoção da técnica de macadamização (novo tipo de
técnica de pavimento para estradas, criadas por McAdam, a partir de 1820.
Consistia em assentar várias camadas sobrepostas de pedras, sendo que a última
era compactada com um rolo de estrada, de modo a ficar mais uniforme) a partir
de 1852, ao ritmo de cerca de 100 km por ano, tendo atingido um total de 9000
km, no ano de 1900. Quanto ao caminho de ferro foi considerado um elemento de
modernização e de progresso. A sua construção e exploração foi feita pelo Estado
e por companhias privadas. A primeira viagem de comboio, ocorreu em 1856 e
ligou Lisboa ao Carregado (36 km de distância). A ligação de Lisboa ao Porto
realizou-se em 1877. Em 1890 estavam construídos os principais troços
ferroviários entre o Norte e o Sul do país.
O desenvolvimento do caminho de ferro obrigou à construção de estruturas
de apoio, ou seja, estações ferroviárias, como Santarém (1861), Évora (1863),
Entroncamento (1864), Santa Apolónia (1865), Campanhã (1877), Rossio (1891),
São Bento (1896) e Faro (1899).
No domínio das infraestruturas (suporte imprescindível para o
funcionamento de qualquer estrutura ou conjunto de serviços) ligadas aos
transportes, o Fontismo ficou associado à construção de portos, como o porto de
Leixões, em 1883, ou as obras de ampliação do porto de Lisboa, em 1887. Para
além da construção de faróis para apoiar à navegação, assinala-se a criação da
Companhia de Navegação a vapor Luso-brasileira, em 1852, com sede no Porto,
que permitiu dar respostas às necessidades dos emigrantes, ao fazer a ligação
Portugal-Brasil. Em 1871, fundou-se a Companhia Insulana de Navegação, com
sede em Ponta Delgada, Açores.
A navegação a vapor entre Lisboa e Porto foi relançada. A construção de
pontes ficou marcada pela edificação, em 1877, da ponte D. Maria Pia, de da Ponte
D. Luís I, em 1886, sobre o Douro, no Porto. É de referir ainda a ponte sobre o rio
Lima em Viana do Castelo, de 1877, e a ponte sobre o rio Coura em Caminha, em
1879.
Ao nível das comunicações, assistiu-se ao seu desenvolvimento, com o
telégrafo, que, em 1855, ligou os principias centros urbanos, e cuja exploração foi
aberta ao público em 1857. Em 1870, havia 136 postos de telégrafo. No ano de
1900, a rede era já de 8500 km e o número de postos era de 443. O telefone foi
introduzido em Lisboa, em 1882, mas a sua generalização foi lenta. Os correios
foram igualmente objeto da reforma do selo postal, que permitiu a melhoria dos
bilhetes postais e facilitou a troca de correspondência – as 738 estações de
correio, existentes em 1878, aumentaram significativamente para 1362, no ano
de 1900.

O comércio (circulação, compra e venda de mercadorias) foi também


beneficiado pela adoção do sistema métrico decimal (que a França
introduzira em 1790), uma vez que a enorme diversidade dos pesos e das
medidas resultava em prejuízo para o comércio externo e interno. Em 1852,
D. Maria II publicou o decreto de 13 de dezembro, que adotou o Sistema
Métrico Decimal (o metro, o litro, o quilograma e respetivos múltiplos e
submúltiplos).
Durante o Fontismo, assistiu-se, no domínio do urbanismo, a um
projeto de transformação de Lisboa marcado pelas seguintes
características:
- melhoria da rede de esgotos para enfrentar o surto de cólera e de
difteria que atingiu a cidade entre 1856-1869;
- instalação da iluminação a gás nas zonas centrais da capital;
- facilitou o transporte e ajudou a estruturar o povoamento em torno
da cidade, com o planeamento de uma linha ferroviária da cintura que se
prolongou pela linha de Sintra;
- projeto de expansão, associado à abertura de novas ruas e avenidas,
como a Avenida da Liberdade, as Avenidas Novas ou o bairro de Campolide,
com vista a responder ao crescimento populacional, liderado por Ressano
Garcia.
Quais as consequências da política de “melhoramentos materiais” no
domínio dos transportes?

3.1.2. A dinamização da atividade produtiva.


- A Agricultura.
Até 1850, a económica nacional assentava sobretudo nas atividades
ligadas ao setor primário. No entanto, a agricultura estava pouco
desenvolvida.
Constata-se que, em termos agrícolas, as estruturas produtivas
continuavam a ser muito tradicionais. Apesar de a maior parte da
população se dedicar à agricultura, a produtividade e o rendimento da
atividade agrícola era baixo, o que revelava o atraso das técnicas, dos
métodos de cultivos e os desajustamentos, na estrutura da propriedade.
Entre os fatores que contribuíram para o atraso estrutural (ou seja, a
longo prazo) da agricultura destacaram-se os seguintes:
O movimento de crescimento agrícola foi decisivo na década de 50 e início
dos anos 60, consequência de um conjunto de inovações, das quais se
destacam:
- a melhoria dos métodos de cultivo cerealífero com a introdução da
sementeira em linha e a diminuição do pousio;
- a associação das culturas cerealíferas às culturas forrageiras,
favorecendo o aproveitamento mais intensivo da terra;
- a introdução do cultivo da batata e do arroz;
- a dinamização da atividade agropecuária com a conversão de pântanos
em prados naturais, no perímetro das lezírias do Tejo e do Sado;
- a expansão da viticultura para outras regiões, tendo o vinho de
consumo substituído muitas plantações de cereais no Centro (região do Dão),
na Estremadura e no Ribatejo.
O crescimento agrícola foi ainda resultado do surgimento de
associações agrícolas, da participação em exposições e feiras, da
publicação de guias práticos, que contribuíram para difundir novos
produtos, técnicas agrícolas e maquinaria. A criação do Instituto Agrícola
e Escola Regional de Lisboa, em 1852, permitiu o desenvolvimento de um
ensino especializado, fundamental para a formação de agrónomos.
Neste contexto de dinamização agrícola, destacou-se ainda a
adequação das culturas ao solo e ao clima que favoreceu a especialização
do milho nas terras do Litoral, o centeio no Interior Norte e o trigo no
Alentejo).
A melhoria da produtividade agrícola foi ainda resultado de inovações
como a introdução de adubos químicos a partir de 1861, que favoreceu a
adoção de práticas agrícolas intensivas na viragem para o século XX. Esta
melhoria foi ainda devida à crescente importância de maquinaria agrícola,
com a debulhadora a vapor ou a charrua com aiveca.
Durante a Regeneração, a agricultura beneficiou, também de medidas
legislativas que, desde a Revolução Liberal de 1820, foram
progressivamente implementadas no sentido de libertar a terra de
encargos e formas de exploração senhoriais, de carácter ainda medieval,
das quais se destacam:
- a desamortização (sujeitar ao direito comum algo que não se pode
alienar) dos bens das corporações e dos baldios (terrenos incultos), que
possibilitou o arroteamento (processo para aumentar a área cultivada
através da desflorestação ou da secagem dos pântanos) e o desbravamento
de terras (em regime de propriedade livre), aumentado a área cultivável em
cerca de 35%, e os espaços para a criação de gado;
- a extinção definitiva dos morgadios (o mesmo que morgado, vínculo
indivisível e inalienável que se transmitia, na família, de primogénito para
primogénito), em 1863, que pôs fim às estruturas fundiárias senhoriais do
Antigo Regime que ainda persistiam.

A política agrícola portuguesa durante a Regeneração – o processo


tendente à privatização dos baldios culminou, em 28 de Agosto de 1869,
com a lei que determinava a desamortização desses terrenos tanto a nível
municipal, como paroquial, excetuando, apenas, aqueles que eram
indispensáveis ao logradouro. Esta lei revela o esforço de desenvolvimento
da agricultura, mas também a exploração de minerais como matérias-
primas existentes em baldios, com resultados positivos, na segunda
metade do século XIX. Este processo iniciara-se em 1834 com a venda dos
bens nacionais. Alarga-se, em 1861, a alguns bens das igrejas e das
corporações religiosas e, em 1866, a bens dos distritos, municípios e
paróquias. Este processo permitiu aumentar a terra cultivável
desvinculada, sem restrições à venda.

Apesar dos progressos atrás evidenciados, a agricultura portuguesa da


segunda metade do século XIX continuou a registar algumas limitações e
dificuldades:
- a regressão da produção vinícola devido às pragas biológicas, com o
oídio da videira (1850),a filoxera (1861) e o míldio da videira (1878),
responsáveis por uma forte quebra na produção (cerca de 75%), entre 1852-
1853 e 1861-1862, e por problemas nas décadas de 1880 e 1890 (sobretudo no
Douro);
- a cerealicultura foi afetada por maus anos agrícolas, que atingiram
sobretudo as culturas de grãos e forragens do Sul e, em 1856 e 1858, cujo
impacto se traduziu em défices superiores a 25%;
- a desaceleração da produção cerealífera e a superprodução na
viticultura devido à falta de mercados.

A abertura à livre-concorrência e ao livre-cambismo (política


económica que assenta na diminuição das taxas alfandegárias para
aumentar o comércio e estimular o crescimento económico) colocou os
produtos de exploração na dependência dos mercados externos,
principalmente da Inglaterra, que continuou a ser o mercado de
escoamento privilegiado para os produtos primários nacionais

- Indústria:

Vários fatores contribuíram para que Portugal mantivesse o seu


desfasamento em relação ao processo de industrialização,
comparativamente com outros países europeus:

Os efeitos dos problemas herdados na primeira metade do século XIX


refletiram-se no atraso estrutural da indústria e no seu fraco crescimento,
revelado aquando do início da Regeneração.
Em 1851, Portugal não tinha uma economia desenvolvida, de acordo com os
parâmetros do desenvolvimento económico moderno, já que a atividade
industrial continuava a ser menos importante do que a agricultura.
Quais os problemas que se faziam sentir no início da Regeneração?
- A dinamização da atividade produtiva durante a Regeneração: o
desenvolvimento esteve associado à generalização do capitalismo, à
dinamização do setor financeiro, associado à atividade de bancos privados (como
o Banco Burnay ou o Banco Nacional Ultramarino) e de sociedades financeiras,
ao alargamento do mercado, à especialização da produção e à integração da
tecnologia moderna dos setores produtivos. Os principais polos industriais do
país situavam-se em Lisboa e no Porto, seguidos da Covilhã, Braga, Aveiro,
Portalegre e Tomar. O polo industrial mais dinâmico foi o de Lisboa, com
indústrias diversificadas e unidades fabris de maiores dimensões.

A Regeneração adotou, em 1852, uma política livre-cambista que se manteve


até 1892. O objetivo do governo era que Portugal participasse no mercado
internacional e competisse com os produtos que, de alguma maneira, lhe
conferiam vantagens na concorrência internacional. Esta política traduziu-se na
revisão das pautas alfandegárias (lista de produtos que pagam uma taxa quando
passam pela fronteira ou alfândega de outro país), no sentido de reduzir taxas e
de adotar de uma política mais liberal, promover a importação de matérias-
primas, reduzir os custos de produção e aumentar a competitividade. Durante o
século XIX, Portugal especializou-se na produção de produtos primários, uma boa
parte da qual era exportada para um mercado largamente dominante – a
Inglaterra.
Apesar das dificuldades estruturais, a indústria mostrou algum crescimento,
nomeadamente no setor têxtil do algodão, e também nos lanifícios. No caso da
indústria têxtil do algodão, e também nos lanifícios. No caso da indústria têxtil
algodoeira, o aumento da produção deveu-se ao crescimento da procura interna.
Assistiu-se ao aumento da atividade fabril e ao uso, em escala crescente, da
máquina a vapor, bem como dos fornos verticais, principalmente nas indústrias
do tabaco, moagem e fertilizantes químicos.
O mercado externo contribuiu, mais do que o mercado interno, para o
aumento da atividade industrial, especialmente nos setores produtivos ligados à
transformação da cortiça e das conservas de peixe, sentido sobretudo no final
do século XIX.
Nas últimas décadas do século XIX, afirmaram-se novos setores industriais
(fertilizantes ou adubos, tabaco e cerâmica): o número de unidades industriais
cresceu, tal como o número de operários.
Os principais polos industriais situavam-se no litoral, na região do Porto e
de Lisboa, que concentravam a maior parte da população operária. Destacavam-
se ainda as regiões de Castelo Branco e Santarém. Ao nível do valor médio da
produção industrial, a região de Lisboa ocupava o primeiro lugar, seguida de
Braga e Castelo Branco.
Entre 1850 e 1890, a indústria nacional abarcava setores diversificados:
A participação em exposições industriais também favoreceu a introdução da
tecnologia em Portugal. As empresas aderiram à euforia das obras públicas e
promoveram a realização e a participação em exposições industriais, como foi o
caso da Exposição Internacional de 1865, no Porto, que divulgou as novidades da
civilização industrial, no Palácio de Cristal, construído para o efeito.
Depois de analisado o desenvolvimento dos setores produtivos durante a
Regeneração, pode concluir-se que o crescimento económico e a modernização de
Portugal não foi suficiente para recuperar do atraso relativamente aos países
europeus mais desenvolvidos, nem para transformar a estrutura económica do país.
Apesar de a atividade fabril crescer a um ritmo razoável ao longo das três
primeiras décadas da Regeneração (1851-1880), este desenvolvimento revelou-se
insuficiente para modificar a estrutura da economia e afirmar Portugal como
uma economia industrial. O ritmo de crescimento económico registado foi
desigual, sendo marcado por uma nítida desaceleração do crescimento a partir
de finais da década de 1880. Os anos 1890 foram mesmo de recessão económica.

- A necessidade de capitais e os mecanismos de dependência externa.

A política de melhoramentos materiais que ocorreu durante a Regeneração,


promovida pelo Estado, ao nível das infraestruturas, exigiu um financiamento
avultado para a sua construção, verbas de que o país não dispunha. Acreditava-
se que, a longo prazo, o investimento em infraestruturas reverteria em receitas
e permitiria amortizar a dívida contraída. Contudo, durante a Regeneração, os
investimentos não tiveram a rentabilidade desejada e o recurso ao crédito
continuou.
Em 1851, a dívida pública estava centrada nos “brasileiros”, ou seja,
emigrantes enriquecidos regressados, que foram o recurso para emprestar
quantias elevadas ao Governo.
Para responder aos compromissos, recorreu-se à consolidação da dívida
através de novos empréstimos.
Criou-se um círculo vicioso e o endividamento público atingiu níveis
insustentáveis já a partir da década de 1870-1880.

- A crónica dependência de capitais e o endividamento – para além da


espiral de endividamento público, herdada dos governos cabralistas, e
acentuada durante a Regeneração, assistiu-se ao agravamento do défice
comercial, devido ao elevado número de importações face às exportações
verificadas. O desequilíbrio orçamental era elevado e as remessas dos
emigrantes brasileiros não foram suficientes para colmatar o défice. De
facto, as remessas ou eram destinadas ao consumo ou eram captadas
pelos bancos, sob a forma de poupanças que serviam, depois, para financiar
a economia ou para comprar dívida pública.
Um dos principais constrangimentos da política do desenvolvimento
foi a carência de capitais. Como se obtiveram os capitais necessários para a
construção das infraestruturas? Foram reunidos através de três meios
diferentes:
- constituição de consórcios (associação de empresas com o objetivo de
participar numa atividade comum) que participavam na construção de
equipamentos e emprestavam capitais ao Estado;

- recurso a empréstimos, contraídos no estrangeiro, meio considerado


indispensável para alimentar o crescimento económico, para construir
infraestruturas, para manter as despesas do Estado e, inclusive, pagar os
encargos das dívidas ( juros e capital);
- reforma e aumento dos impostos, visto que os governos da Regeneração
recorreram a medidas fiscais para obter receitas e enfrentar a necessidade de
capitais para as despesas públicas e para investimentos. Entre os impostos
destacaram-se:

Em suma, pode referir-se que a crónica dependência de capitais resultou,


assim, de vários fatores:
- recurso crónico ao investimento estrangeiro para obter os capitais
necessários ao fomento com juros elevados e às obras públicas, o que provocou a
contratação de empréstimos com juros elevados e a dependência económico-
financeira do Estado e das empresas face à finança e ao estrangeiro;
- incapacidade do regime monárquico e dos governos liberais em resolver os
problemas económico-financeiro do país: atividade financeira girava em torno da
cobrança de impostos e da contração de empréstimos: o défice público agravou-se;
havia desequilíbrios orçamentais constantes e acumulados que colocaram o défice
no centro de debate e da sátira política.

3.2. Entre a depressão e a expansão (1880-1914).

Como já foi referido, um dos problemas do funcionamento do sistema


capitalista era a ocorrência de crises cíclicas da economia. Das crises que
atingiram a economia portuguesa na segunda metade do século XIX, a crise de 1891
foi a mais relevante. Esta era a crise, uma das mais graves do século XIX, só
resolvida por volta de 1895-1896 nos países mais desenvolvidos (Grã-Bretanha,
Alemanha, Estados Unidos), abriu um longo período de recessão em Portugal que
não terminou antes de 1897 ou 1898.

3.2.1. A crise económica (1880-1890).

A crise de finais de 1880 e início de 1890, frequentemente encarada como


uma crise pontual, tornou-se uma crise mais geral, tanto a nível económico
(agrícola, comercial, industrial) como financeiro e monetário, com reflexos ao
nível social, devido ao agravamento das condições de vida.
Esta crise decorreu:
- por um lado, de fatores internos, relacionados com os problemas que
afetaram a viticultura do Douro (filoxera nos anos 70 e 80 e o míldio em 1890) e que
se repercutiam na diminuição dos rendimentos dos produtores, alastrando-se a
outros setores devido à diminuição do consumo;
- por outro lado, de fatores externos relacionados com o sistema capitalista e
com a conjuntura internacional.
Na origem desta crise esteve, para além do problema relacionado com a
agricultura, o desenvolvimento económico assente na política de
“melhoramentos materiais”, concretizada através da contração de empréstimos.
A partir de 1888, ao défice comercial somou-se o endividamento do Estado e o
agravamento do défice orçamental, em resultado do regresso de Fontes Pereira
de Melo ao poder, em 1871, e da sua aposta nas obras públicas e no caminho de
ferro. O colapso das finanças, do Estado e a crise económica levaram à
diminuição da produção de riqueza.

3.2.2. A crise financeira (1890-1891).

A diminuição das remessas dos emigrantes agravou a situação de


desequilíbrio da balança comercial. Esta situação decorreu do facto de o Estado
brasileiro, na sequência da proclamação da República de Brasil (1889), ter taxado
em 40% as remessas enviadas para Portugal.
O clima de recessão afetou vários setores da economia, manifestando-se
desde o setor da agricultura ligado à exportação às atividades industriais. As
condições de vida dos trabalhadores portugueses foram agravadas. Assistiu-se
ao aumento dos movimentos migratórios internos (em direção às cidades e ao
sul do país) e externos (emigração).
A estes aspetos internos juntou-se uma conjuntura externa desfavorável,
que agravou a debilidade das contas públicas nacionais. A amortização (processo
de extinção de uma dívida através de pagamentos periódicos) da dívida pública
foi suspensa. O padrão-ouro (sistema monetário que esteve em vigor do século
XIX à Primeira Guerra Mundial. Traduziu-se na adoção de um regime cambial fixo
face ao ouro, que favoreceu a estabilidade dos preços) a que Portugal tinha
aderido em 1854 foi abandonado, iniciando-se a emissão do papel-moeda. A crise
gerou a bancarrota (suspensão de pagamento dos juros de dívida e de outros
encargos de um país) parcial em 1892. A dívida pública (mede o endividamento
das administrações públicas de um país. Diz respeito ao financiamento realizado
pelo Estado para financiar os gastos públicos. Aumenta quanto menos os
impostos cobrem as despesas), foi renegociada num processo moroso que
culminou no acordo da conversão da dívida de 1902. Portugal manteve-se fora
dos mercados financeiros internacionais.
No quadro seguinte, pode analisar os fatores da crise que abalou Portugal
entre 1890 e 1892, bem como as consequências respetivas:

A crise abalou o sistema político e foi aproveitada pelos opositores da


monarquia, contribuiu para o descrédito do regime.

3.2.3. O surto industrial do final do século XIX.


O período que sucedeu aos anos da crise foi caracterizada por um novo salto
industrial, apoiado em grande medida na adoção do protecionismo consagrado
na pauta alfandegária de 1892. Assim se compreende que, entre 1891 e 1898, o
valor da produção industrial tenha aumentado significativamente, bem como o
valor da importação de maquinaria.
No final do século XIX, o surto industrial concretizou-se, por um lado, pela
afirmação de novos setores de atividade (indústria elétrica, adubos químicos,
cimentos) e, por outro, pelo reforço de setores já existentes (têxtil algodoeiro,
metalurgia, conservas, refinação do açúcar, fabrico da borracha).
O crescimento industrial beneficiou da generalização da máquina a vapor,
da produção mecanizada e da concentração da produção industrial em setores
específicos, como os têxteis, tabaco e químico.
A adoção de medidas protecionistas, durante o reinado de D. Carlos,
favoreceu a constituição de grandes companhias monopolistas ligadas à
indústria, transportes, comunicações, serviços públicos e comércio colonial, com
vista a promover o desenvolvimento industrial.
Foi neste contexto que se afirmaram grandes capitalistas, como Hery
Burnay, e grandes companhias industriais, entre as quais se destacou a CUF
(Companhia União Fabril), fundada em 1898, por Alfredo da Silva. O complexo
industrial da CUF instalou-se no Barreiro, em 1907.

- A CUF – o polo industrial da CUF, ativo durante cerca de 100 anos,


transformou radicalmente a periferia de Lisboa e o setor industrial. Com os
lemas “mais e melhor” e “o que o país não tem a CUF cria”, a Companhia União
Fabril dedicou-se ao fabrico de óleos para a produção de sabões, à laminagem de
chumbo, à produção de soda, de magnésio, de ácidos, de adubos, à refinação de
copra (óleo de coco), bem como ao setor têxtil, à metalomecânica e ainda à
construção naval. O desenvolvimento da indústria química favoreceu a criação
de grandes parques industriais, localizados nos limites periféricos das cidades,
como o que surgiu no Barreiro, em 1907. É um dos exemplos mais significativos
da expansão industrial em Portugal, uma vez que favoreceu a instalação de
centenas de fábricas especializadas no setor químico.

O setor dos tabacos continuou a ser muito lucrativo e concentrava em


quatro empresas grande número de trabalhadores. No entanto, aquando da crise
de 1891, o monopólio do tabaco foi concedido a particulares em troca de um
empréstimo ao Estado.
A indústria de conservas de peixe estabeleceu-se em Vila Real de Santo
António, cerca de 1853m e em Setúbal, em 1880. A indústria conserveira
expandiu-se nos anos 90 e passou a ter um lugar de destaque no panorama
industrial português. Nas vésperas da I Guerra Mundial, Portugal era o principal
produtor mundial de conservas de peixe.
Em 1895, foi criada a Companhia Portuguesa dos Fósforos, que detinha o
monopólio do fabrico deste produto. Criaram.se a Companhia das Águas de Lisboa
e as Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade (1891) e, em 1897, a Companhia
de Gás do Porto.
A produção industrial, no domínio das conservas e das cortiças, orientou-se
para o mercado externo enquanto o têxtil continuou a apostar no mercado
interno. A produção nacional passou a ter como destino, a partir de 1889, as
colónias africanas, o que possibilitou o alargamento do mercado e contribuiu
para estimular a produção.
O crescimento da indústria neste período aproximou-se dos níveis médios
europeus, nomeadamente da Grã-Bretanha, no entanto, não foi suficiente para
integrar Portugal no quadro de desenvolvimento demonstrado pelos países que
se industrializaram na segunda metade do século XIX.

3.3. As transformações do regime político na viragem do século.

A transformação da sociedade portuguesa e a forma como estava organizado o


sistema político e governativo, no quadro da monarquia constitucional,
contribuíram para um progressivo desgaste do regime monárquico. A partir de 1890,
o descrédito do regime acentuou-se e a ação republicana destacou-se na
contestação e na execução de golpes contra a monarquia que acabou por cair
em outubro de 1910.

3.3.1. A sociedade portuguesa do final do século XIX.


- Composição e problemas sociais:

No final do século XIX, assistiu-se ao crescimento da urbanização,


resultante das mudanças registadas com a industrialização e as opções
económicas da Regeneração. A tendência para a concentração populacional nas
cidades associou-se, igualmente, ao crescimento da burguesia e das classes
médias, bem como ao aumento do número de operários.
O setor primário e o mundo rural continuaram, no entanto, a ser
dominantes. A persistência de um setor agrícola com elevada percentagem de
população ativa e as dificuldades e transformações associadas à industrialização
refletiram-se na sociedade portuguesa e contribuíram para a emigração,
fenómeno sempre crescente desde então.
Outro aspeto a destacar, pelo seu significado social, mas também económico e
político foi o elevado analfabetismo que atingia a maior parte da população e que
tinha influência ao nível da qualificação dos trabalhadores, da mentalidade e do
exercício da cidadania, já que os analfabetos não podiam votar, o que se assumiu
como uma limitação do sistema político português.
Assistiu-se também a mudanças resultantes da legislação liberal,
relacionada com a abolição de privilégios da antiga nobreza e das suas
propriedades (morgadios), que, apesar de ter abalado os fundamentos deste
grupo social, não significou o seu desaparecimento. Na verdade, assistiu-se á
recomposição da aristocracia, através de novos títulos e de alianças com a
burguesia.
O clero perdeu influência, devido à laicização das instituições e ao
anticlericalismo crescente da sociedade, bem como ao conjunto de medidas
legislativas que lhe retirou a posse e a administração de vastas propriedades e
rendimentos.
A burguesia consolidou-se como classe. Era uma elite ligada às profissões
liberais e aos cargos da administração ou ao desempenho de funções políticas e
parlamentares. A Regeneração não provocou uma alteração social da elite
política, mas acentuou a tendência de alargamento da sua base de
recrutamento.
As classes médias, grupo de origem popular, exercia profissões diversas,
tinham rendimentos que permitiam custear a educação dos filhos e que, por essa
via, ascenderam na escala social: eram proprietários, negociantes, membros de
profissões ligadas ao funcionalismo público e ainda pequenos comerciantes e
lojistas.
O operariado e as classes médias urbanas, em crescimento, sentiram as
consequências das crises económicas (o aumento do custo de vida e dos impostos)
e tornaram-se cada vez mais recetivos a novas ideias políticas que questionaram
a atuação dos governos e o regime monárquico a eles associado, como teremos
oportunidade de analisar à frente.
Em síntese, destacam-se no esquema abaixo as principais mudanças na
composição da sociedade portuguesa, bem como os problemas sentidos no final do
século XIX:
3.3.2. A contestação da monarquia.
- As fragilidades do exercício do poder político assente no rotativismo.

Entre 1851 e 1865, o exercício do poder executivo caracterizou-se por uma


política de acordos entre o Partido Regenerador e o Partido Histórico, que
alternavam no poder: ora formavam governo, ora constituíam a oposição
parlamentar, ora estabeleciam alianças pontuais. Foi um período de relativa
acalmia política e social – apenas ameaçada pela difícil conjuntura de 1867 a
1876.
A partir de 1867, as tensões sociais acentuaram-se, em consequência de
crise económica e do aumento de impostos, com especial destaque para o
imposto sobre o consumo. A 1 de janeiro de 1868, deu-se, nas cidades de Lisboa,
do Porto e de Braga, a revolta da janeirinha (motim popular que ocorreu na
sequência da criação do imposto geral do consumo). Esta contestação provocou
a queda do governo e pôs fim a uma experiência de coligação – denominada
“governos de Fusão” (1865-1868) – entre os partidos Regenerador e Histórico.
Seguiu-se um período de instabilidade política, entre 1868 e 1871, durante o qual
se sucederam sete governos.
Entre 1871 e 1886, assistiu-se a um período de pacificação e estabilidade
governativa, marcada novamente pela figura de Fontes Pereira de Melo, como
chefe do governo e ministro, na liderança do partido Regenerador. Foram os
tempos áureos do Fontismo, marcados, uma vez mais, pelo dinamismo industrial
e pela política de obras públicas.
Esta época ficou associada, a partir de 1876, pela alternância entre o Partido
Regenerador e o Partido Progressista (resultante da fusão do Partido Histórico e
do Partido Reformista pelo Pacto da Granja, de 7 de setembro de 1876), numa
situação política designada rotativismo (designação do regime político-
partidário que caracterizou a monarquia constitucional, marcado pela
alternância no poder de dois partidos (Partido Regenerador e o Partido
Histórico/Progressista).
Apesar de o rotativismo procurar conferir ao sistema político alguma
instabilidade, a verdade é que não funcionava plenamente, pois dentro dos
principais grupos políticos – Partido Regenerador e Partido Histórico/Progressista
– existiam fações em torno de figuras influentes e as eleições eram momentos
de disputa política marcados pelo confronto, pela negociação e pela fraude
eleitoral.
Outro problema é que estes partidos de notáveis (pessoas influentes,
associadas aos partidos do século XIX, cujas redes clientelares favoreceram a
manutenção do poder) não dispunham de princípios ideológicos e programáticos
muito claros, pelo que não apresentavam grandes diferenças entre si. O
caciquismo (prática política baseada no domínio ou influência eleitoral, exercida
por indivíduos que têm grande poder ao nível local), através de vastas redes
clientelares, garantia a alternância política. Os caciques locais eram
fundamentais na organização das máquinas eleitorais que, através do voto
censitário, asseguravam o acesso dos partidos ao poder.
Pode afirmar-se, então, que os dois grandes partidos que marcaram o
rotativismo em Portugal apresentavam as seguintes características:
- eram partidos de notáveis;
- afirmavam-se como partidos de poder, já que deles saíam os deputados, os
Pares, os membros do Governo e os que desempenhavam altos cargos no Estado;
- eram monopolizadores da Câmara eletiva, sendo que a carreira parlamentar
era desejada pelos seus membros;
- a sua organização assentava em redes locais de influência.
O rotativismo foi incapaz de solucionar os problemas do país e não se isentou
das fraudes nos atos eleitorais, uma vez que os resultados eram manipulados
para obter maiorias parlamentares dos Regeneradores ou dos
Históricos/Progressistas. A intervenção e a colaboração, direta ou indireta, dos
monarcas (D. Luís e D. Carlos) na dissolução da Câmara dos Deputados e na
nomeação de “fornadas de pares” para a Câmara dos Pares, de modo a garantir
maiorias, contribuiu para a descredibilização do sistema partidário da monarquia
constitucional.
A aparente regularidade do funcionamento da alternância política entre os
dois partidos do sistema escondia, na verdade, uma grande instabilidade
governativa que caracterizou a governação dos executivos. À medida que se
avançava para a viragem do século XX, as tensões partidárias, os interesses e as
rivalidades pessoais subiram de tom e levaram a dissidências dentro dos partidos
Regenerador e Progressista que deram origem a novos partidos, tendência que
persistiu até ao final da monarquia.
Outro fator que contribuiu para pôr em causa o modelo do rotativismo
monárquico foi a divulgação e implantação de ideologias políticas que, não sendo
novas, ganharam relevo e base social de apoio em Portugal. Na segunda metade
da década de 70 do século XIX, surgiram dois novos partidos no sistema até então
dominado pelos partidos monárquicos de “notáveis”: em 1875 formou-se o
Partido Socialista Português (defensor das ideias socialistas, opôs-se aos partidos
burgueses e defendeu os trabalhadores e o valor do trabalho. Nascido em 1875,
dissolveu-se em 1933) e, em 1876, o Partido Republicano Português (defensor da
República e do municipalismo e do associativismo, do anticlericalismo e,
inicialmente, baseado no ideário socialista. Ganhou expressão a partir de 1875 e
foi responsável pelo nacionalismo exacerbado e pela contestação da monarquia
a partir de 1890. Disputou eleições e elegeu deputados). Estes dois partidos
integravam correntes ideológicas cada vez com maior adesão na Europa: o
socialismo e o republicanismo.
Estes partidos pretenderam ser mobilizadores de uma participação mais
ampla e popular, no quadro do sufrágio censitário, contribuindo para atenuar o
caciquismo ao permitir a eleição de deputados originários das classes médias,
sobretudo nas áreas urbanas onde se implantaram.
O Partido Socialista não teve peso em termos de representação parlamentar,
implantando-se apenas em alguns meios intelectuais e nalguns setores do
operariado. A divulgação das ideias socialistas contou com a ação da Associação
Fraternidade Operária ( janeiro de 1872), que esteve na origem do Partido
Socialista Português.
O Partido Republicano assumiu um papel mais interventivo, mobilizou a
população, sobretudo urbana, para causas políticas e sociais que constituíram
uma oportunidade de contestação ao regime monárquico.
A divulgação das ideias republicanas nos meios urbanos assentou em diversas
iniciativas:
- a publicação de artigos na imprensa e a existência de jornais ligados à defesa
do republicanismo;
- a publicação de manifestos e a realização de conferências;
- a realização de manifestações e iniciativas por ocasião das comemorações de
acontecimentos históricos, com significado patriótico, aproveitadas como ações de
propaganda de ideias republicanas, como aconteceu nas comemorações do terceiro
centenário da morte de Luís de Camões, em 1880 e no primeiro centenário da morte
do Marquês de Pombal, em 1882.

3.3.3. O agravamento da contestação política a partir de 1890.

A contestação à monarquia recebeu, em 1890, um impulso decisivo em


consequência do Ultimato (são as últimas condições que um Estado apresenta a
outro, e cuja não aceitação terá como resultado o início das hostilidades) de 11
de janeiro de 1890. O documento, apresentado pela Grã-Bretanha, ameaçava o
domínio colonial português em África. A opinião pública agitou-se de tal forma
que forçou o Governo em exercício (progressista) a demitir-se.

- Em que contexto internacional surgiu o Ultimato?

Nos anos 80 e 90 do século XIX, o contexto internacional era marcado pela


rivalidade entre as grandes potências industriais na conquista de espaços ricos
em matérias-primas, ou importantes estrategicamente, no quadro das rotas do
comércio internacional.
No século XIX, foi, sobretudo, a África que atraiu a cobiça das potências
industriais europeias, através de uma política imperialista e colonialista. O
Imperialismo assumiu-se como opção política dos países europeus, com o fim de
estender o seu domínio sobre outros povos e territórios.
Neste contexto do apogeu da Europa, cerca de 1870, o colonialismo afirmou-
se como uma doutrina política que defendia a exploração de uma colónia ou de
um território por um Estado que exercia um domínio político, militar e
económico. Assim, o colonialismo foi uma forma de expansionismo e de
imperialismo, que se reafirmou por motivos demográficos, económicos, políticos,
e que era ainda entendido, na época, como um “dever civilizador”.
A expansão colonial foi também um meio de prestígio, já que considerava
que quantos mais territórios coloniais tivesse uma nação mais poderosa seria.
O colonialismo contribuiu para a afirmação do nacionalismo, uma ideologia
defensora da primazia e do poder de uma nação face a outra. O nacionalismo
favoreceu a difusão de rivalidades e a corrida aos territórios coloniais. Os
nacionalismos europeus atingiram um grau de exaltação.
Foi no contexto da Conferência de Berlim, em que Portugal participou, que
as ambições quanto à partilha de África levaram a Inglaterra, em 1890, a lançar
o Ultimato a Portugal.
A reação ao Ultimato assumiu um significado nacionalista, já que os
Portugueses se sentiram ofendidos face às pretensões hegemónicas da Inglaterra
sobre um território que era considerado parte integrante do seu império colonial.
O Ultimato inglês teve consequências significativas para Portugal:
- obrigou a renunciar ao projeto de criação de uma faixa territorial que ligava
os territórios de Angola e Moçambique, prevista no “mapa cor-de-rosa”, por colidir
com a intenção britânica de ligar o Cairo (Egito) ao Cabo (África do Sul);
- pôs em causa a política colonial e as iniciativas de Portugal ao nível da
exploração do interior de África (com destaque para as iniciativas de Hermenegildo
Capelo e Roberto Ivens, que, em 1884, ligaram Angola e Moçambique), no sentido
de demonstrar a capacidade de iniciativa e de ocupação efetiva das áreas
reivindicadas no mapa cor-de-rosa;
- resultou na cedência, por parte de D. Carlos e do governo, aos interesses
ingleses, o que provocou uma onda de indignação nacionalista e antibritânica;
- acentuaram-se a contestação e o descrédito da monarquia;
- sucederam-se manifestações públicas de descontentamento;
- desencadearam-se campanhas na imprensa contra a cedência
governamental, obrigando mesmo o governo a demitir-se.
Foi no contexto destes acontecimentos do Ultimato que, numa
manifestação de patriotismo, Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça
compuseram o hino A Portuguesa.
A República emergiu como a salvação. A 31 de janeiro de 1891, deu-se no Porto,
a primeira tentativa de instauração da República, através de uma revolta.

- D. Carlos I – o seu reinado iniciou-se em 1889 e ficou marcado pela agitação


republicana, bem como pelo crescente sentimento de descredibilização da
monarquia. A questão do Ultimato, em 1890, a revolta no Porto, um ano depois,
e os adiantamentos à Casa Real acentuaram as críticas à monarquia. A
governação ditatorial de João Franco contribuiu para aprofundar a rutura entre
a monarquia e a opinião pública. Cognominado O Diplomata, morreu assassinado
em 1908.
O falhanço da revolta de 31 de janeiro de 1891 foi um golpe nos objetivos dos
republicanos. As perseguições aumentaram e as liberdades, como a de imprensa,
foram limitadas, com a publicação de uma série de leis, entre 1890 e 1907, que
estabeleceram uma censura apertada aos jornais e aumentaram as penas por
delito de opinião. Quanto aos republicanos, só entre 1905 e 1910 voltaram a
recuperar a sua influência eleitoral.
A situação política agravou-se em consequência dos problemas abaixo
indicados:

(Ignóbil porcaria – decreto que criou 22 círculos plurinominais no Continente,


dividindo as grandes cidades, com parcelas integradas por concelhos rurais, para
comprimir a representação dos franquistas e dos republicanos, com forte peso
nas zonas urbanas).

O rei D. Carlos, perante a incapacidade dos Partidos Regenerador e


Progressista em solucionarem os problemas do país, tornou-se mais interventivo
e, através de várias iniciativas, procurou assegurar soluções governativas:
- nomeou e demitiu governos;
- dissolveu o parlamento;
- entregou o poder a João Franco, em 1906;
- tentou restabelecer o rotativismo.
No entanto, as suas ações contribuíram para acentuar mais o seu
descrédito.
A contestação social aumentou e as greves multiplicaram-se.
Em 1906, durante a governação de João Franco, os republicanos foram eleitos
para o Parlamento, o que significou o regresso da contestação republicana.
No mesmo ano, foi divulgada a prática repetida dos “adiantamentos” á Casa
Real, isto é, de verbas adiantadas à família real que nunca foram saldadas. Este
escândalo financeiro resultou em críticas violentas na imprensa, apesar da censura
e da repressão.
João Franco, para resolver o problema dos adiantamentos, propôs a venda de
bens da família real ao Estado para saldar a dívida. O aumento da dotação à Casa
Real em 160 contos anuais originou manifestações de protesto e permitiu aos
republicanos aproveitarem-se politicamente da questão dos “adiantamentos”.
Acusaram a família real, de “defraudar” os cofres públicos e exigiram a abdicação
do rei. Nessa sessão, Afonso Costa foi expulso do Parlamento, pela guarda policial
e preso em nome da Carta Constitucional, porque “a pessoa do Rei é inviolável e
sagrada”. Na verdade Afonso Costa referia-se de forma contundente ao rei e
sugerira que fosse afastado do trono.
A tensão política aumentou de tom a partir de 1907. João Franco passou a
governar em ditadura com o consentimento do rei, até 1908, e nessa qualidade
dissolveu as câmaras de deputados e dos pares e restringiu a liberdade de
imprensa para conter os ataques republicanos.
A oposição a João Franco e à monarquia manifestou-se através de diversas
ações:
- os republicanos, a maçonaria (sociedade semissecreta, com origem no
século XVIII, em Inglaterra, cujos membros cultivavam o humanismo, os
princípios de liberdade, democracia e aperfeiçoamento intelectual. Tem por fim
o desenvolvimento da fraternidade e da filantropia. Usa como símbolos o
compasso e o esquadro associados ao arquiteto e ao pedreiro) e a carbonária
(sociedade secreta, criada em Portugal, entre finais de 1898 e 1900, com o
objetivo de contribuir para a implantação da República) (associações secretas)
conspiraram contra João Franco e contra o rei;
- os republicanos prepararam um novo golpe de Estado, em janeiro de 1908 (a
intentona do Elevador da Biblioteca), para pôr fim á monarquia e instaurar a
república, mas acabou por fracassar.
A 1 de fevereiro de 1908, a família real foi alvo de um atentado quando
regressava de Vila Viçosa, provocando o regicídio, que causou a morte de D. Carlos
e do príncipe herdeiro, D. Luís, levando ao trono D. Manuel II.
O reinado de D. Manuel II ficou conhecido como o período da “acalmação”. A
tolerância e a liberdade promovidas pelo monarca possibilitaram a ascensão do
Partido Republicano, que, nas eleições de 1910, tece uma vitória muito
significativa.

3.4. A solução republicana e parlamentar – a primeira República.

No dia 5 de outubro de 1910, a monarquia foi derrubada, num contexto


internacional europeu adverso, uma vez que existiam, apenas, dois Estados
europeus com o regime republicano: França e Suíça. O resto do continente era
governado por monarquias, mais ou menos conservadoras.
A implantação da República (sistema político no qual o mais alto magistrado
da nação (o chefe de Estado) é o Presidente da República, eleito por um período
definido na lei fundamental (Constituição). A soberania pertence ao povo, que a
exerce por intermédio de representantes eleitos (deputados). Estes são
responsáveis perante a nação e o seu mandato é limitado por um período de
tempo. A autoridade do Estado deve servir o bem-comum, através da lei aplicada
aos cidadãos, livres e iguais), considerada a solução para todos os males que
afetavam o país, permitiu, então, a consolidação do projeto republicano.

3.4.1. A ação do governo provisório.

O governo provisório, nomeado, foi liderado por Teófilo de Braga, e contou


com António José de Almeida, na pasta do Interior, Afonso Costa, na Justiça,
Bernardino Machado, nos Negócios Estrangeiros e Brito Camacho na pasta do
Fomento.
O governo provisório republicano teve os seguintes objetivos:

O governo provisório na sua atuação implementou: a laicização do Estado, a


liberdade de consciência e de crença, a neutralidade religiosa no ensino.
Durante a sua vigência, entre 5 de outubro e 3 de setembro de 1911, o governo
provisório adotou diversas medidas no sentido de concretizar o programa
republicano:
3.3.2. A Constituição de 1911.
As eleições para a Assembleia Constituinte tiveram lugar a 28 de maio de
1911. Nesta eleição votou, pela primeira vez, uma mulher, a médica Carolina
Beatriz Ângelo, feminista portuguesa, ao abrigo da lei eleitoral que estabelecia o
voto para todos os cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem
ler e escrever e fossem chefes de família.
A Assembleia Nacional Constituinte era composta, na sua totalidade, por
deputados republicanos propostos maioritariamente pelo Diretório do Partido
Republicano Português. Nesta assembleia foi aprovada, a 18 de agosto, a
Constituição de 1911, que substituiu a Carta Constitucional de 29 de 1826. A 24
de agosto de 1911 teve lugar a eleição do primeiro Presidente da República
Portuguesa, Manuel José de Arriaga Brum da Silveira, geralmente conhecido
como Manuel de Arriaga.
A Constituição de 1911 instituiu a República como forma de regime.
Determinou a divisão tripartida do poder e fez sobressair a supremacia
parlamentar, assente em duas câmaras (Congresso e Senado), a quem competia
o poder legislativo. Era também responsável pela eleição do Presidente da
República e pela sua destituição. Esta preeminência do poder legislativo sobre os
demais poderes fez depender a formação do governo das maiorias parlamentares.
O Presidente da República tinha uma função representativa do Estado e
dividia o poder executivo com os ministros, que nomeava e demitia. Competia-
lhe promulgar as leis votadas pelo Congresso, mas não as sancionava, nem as
submetia de novo ao Congresso.

- As eleições para a Assembleia Constituinte – a lei eleitoral não estabelecia


o sufrágio universal, uma vez que só podiam votar os cidadãos alfabetizados e
chefes de família. Era nesta situação que se encontrava a médica Carolina
Beatriz Ângelo, que a utilizou para fundamentar o seu direito de voto. No ano
seguinte, a lei eleitoral foi alterada, passando a estar especificado que apenas os
chefes de família masculinos tinham direito de voto, como ficou consagrado no
código eleitoral de 1913: “são eleitores de cargos legislativos os cidadãos
portugueses do sexo masculino maiores de 21 anos ou que completem essa idade
até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos
seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português, residam no
território da República Portuguesa”. As mulheres só em 1931 viram concedido o
direito de voto, ainda que com restrições, na medida em que apenas podiam
votas as que tivessem cursos secundários e superiores, enquanto aos homens
era concedido desde que soubessem ler e escrever.

A I República Portuguesa não solucionou os problemas do país. O Partido


Republicano Português, para além do reconhecimento internacional que demorou
mais de um ano, teve de consolidar a aceitação do novo regime, não só nas
cidades, onde residia o eleitorado republicano, mas também no Portugal rural,
tradicionalmente monárquico.
Destacou-se uma vasta obra legislativa, marcada por medidas anticlericais,
retomando diplomas relativos à expulsão dos Jesuítas e à extinção das ordens
religiosas e aprovando decretos de cariz anticlerical, como os respeitantes à
alteração dos feriados, à abolição do juramento religioso e outras medidas que
puseram em causa a influência da Igreja, o que, num país profundamente
católico, foi motivo de descontentamento.
A legislação laboral não respeitou os compromissos da propaganda
republicana: o estabelecimento do sufrágio universal e a criação de círculos
uninominais. Na verdade, o voto censitário da monarquia constitucional foi
parcialmente substituído, adicionando-se o voto dos chefes de família, ainda que
analfabetos.
A base social de apoio do projeto republicano – as classes médias e o
operariado – não viu os seus anseios satisfeitos e as suas condições de vida
foram agravadas com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914. A limitação
de liberdades e a repressão de movimentos de contestação afastou,
progressivamente, a República dos seus apoiantes, confrontados com as
sucessivas divisões do Partido Republicano Português em múltiplos partidos e
por governos instáveis.
A I República foi marcada por várias dificuldades, que conduzirão à sua queda:

A I República (também referida como República Parlamentar) vigorou entre


a revolução republicana de 5 de outubro de 1910 e o golpe de 28 de maio de 1926,
que deu origem à Ditadura Militar, mais tarde Ditadura Nacional e,
posteriormente, Estado Novo.
4. Os caminhos da cultura.
4.1. A confiança no progresso das ciências.

No final do século XIX, os progressos científicos desempenharam um


importante papel na transformação económica e social e tiveram consequências
práticas no quotidiano. No primeiro caso, através do desenvolvimento de novos
processos técnicos e industriais; no segundo, com o surgimento de novos
produtos que tiveram impacto nas formas de viver e na progressiva melhoria das
condições de vida.
O século XIX foi o século em que o progresso científico se constituiu como
o grande motor do desenvolvimento, que modificou definitivamente o individuo
e a sociedade. Neste século afirmou-se o cientismo (designa a crença na ciência
como motor do progresso e da felicidade, e defende que os métodos das ciências
naturais são aplicáveis a todas as investigações), defensor das seguintes ideias:

4.1.1. Avanço das ciências exatas e emergência das ciências sociais.


As ciências exatas (ciências cujos resultados são demonstráveis por
expressões quantitativas e dispõem de métodos rigorosos para testar as
hipóteses), como a Matemática, a Química e a Física, assumiram um lugar
de destaque na compreensão do mundo e na transformação da vida
quotidiana. O método científico permitiu avanços significativos na
ciência, através da recolha e observação dos danos, da sua quantificação
e análise, de modo a estabelecer leis para alcançar a verdade científica.
O triunfo da ciência experimental, os sucessos das teorias aplicadas ao
mundo real fizeram os cientistas acreditar na razão e nas suas
potencialidades para chegar à verdade por intermédio da ciência. Foi o caso
de uma série de descobertas, teóricas e experimentais, que renovaram a
Física, a Química e as Ciências da Vida.

(Entropia – função que define o estado de desordem de um sistema;


Pasteurização – processo desenvolvido por Louis Pasteur que elimina os
microrganismos patogénicos (que podem provocar doenças) de certos
alimentos).
Como constatou, os campos do saber tornaram-se mais amplos e
diversificados. Os progressos nas ciências foram fundamentais para a melhoria da
qualidade de vida das sociedades.
O método científico foi também aplicado às ciências sociais. O conhecimento
passava a ser produzido mediante a recolha, observação e análise dos factos
sociais, como forma de alcançar o conhecimento. A procura da verdade através
da observação dos factos objetivos, a crença na razão e nos progressos
científicos levaram à defesa da ideia de que os métodos utilizados nas ciências
exatas deviam ser aplicados às ciências sociais.
Influenciado por este contexto, Auguste Comte fundou o positivismo,
sistema filosófico segundo o qual a descoberta da realidade era feita através da
observação e da experimentação, tendo por finalidade enunciar leis gerais com
valor universal, eliminando a influência da religião, da metafísica e da
subjetividade.
O positivismo considerou que o progresso, a investigação científica e o
conhecimento das sociedades, contribuíram para o desenvolvimento social, ou
seja, para o progresso do ser humano. O progresso da sociedade era encarado
numa perspetiva otimista, dado através da ciência seria possível conhecer e
prever o desenvolvimento das sociedades.
O positivismo e as ideias defendidas por Charles Darwin influenciaram
Herbert Spencer, que transpôs para o domínio social os princípios definidos por
Darwin para a natureza. Defendeu a sobrevivência do mais apto para determinar
o destino do individuo na sociedade. Foi o fundador do darwinismo social.
Assistiu-se à afirmação de novas ciências sociais:

- O comportamento condicionado e a psicanálise – Ivan Pavlov, fisiologista


russo, que estudou os reflexos condicionados, através de experiências com cães,
concluiu que, perante estímulos, os cães reagiam com determinados
comportamentos. Josef Breuer foi uma influência relevante nos estudos da
Psicanálise desenvolvidos por Sigmund Freud, através do estudo do caso clínico
de Ana O., que, por intermédio da hipnose, foi-se libertando dos sentimentos
reprimidos. A partir deste caso, Freud desenvolveu os seus estudos sobre a
Psicanálise e “livre associação”, segundo a qual os pacientes iam falando do que
lhes ocorria durante as sessões. As suas pesquisas contribuíram para o estudo e
tratamento dos problemas de instabilidade emocional, como foi o caso da
histeria.

O final do século XIX e o início do século XX foram marcados pelo


aparecimento do cientismo, do positivismo e do darwinismo, modelos
epistemológicos e teóricos que influenciaram, a partir de então, todos os
domínios da investigação.
4.2. A arte: rutura com o academismo e as novas correntes artísticas.
4.2.1. Renovação das artes nos finais do século XIX.

O progresso técnico, o desenvolvimento urbano e industrial e as revoluções


que abalaram a Europa em meados do século XIX tiveram impacto no
pensamento e na arte.
A vida moderna pôs em causa o conceito tradicional e romântico do belo. A
burguesia, classe social dominante da Revolução Industrial, apoiou artistas e
académicos, desprezando aqueles que punham em causa o bom gosto, as
tradições e o academismo (representação artística baseada no ensino
aprofundado das técnicas e do rigor de representação, com base nos
ensinamentos aprendidos nas escolas e academias de pintura e escultura.
Caracteriza-se pela precisão do desenho, pelo rigor anatómico, pela perspetiva,
por personagens idealizadas e por temas religiosos, mitológicos e históricos).
No entanto a produção dos jovens artistas foi cada vez mais marcada pelo
interesse pela realidade social, em especial no terceiro quartel do século. Isto
ocorreu num contexto marcado:
- pelas inovações técnicas e progressos científicos;
- pela valorização da objetividade e da abordagem positivista da realidade
social;
- pela divulgação das ideias socialistas;
- pela descoberta da fotografia, que contribuiu para que, no domínio artístico,
a perceção e a representação da realidade assumissem novas expressões.

- O Realismo:
A arte e a literatura foram repensadas no século XIX, no sentido de captar
objetivamente a realidade, numa perspetiva positivista, registando a vida e a
sociedade desligadas dos tradicionais convencionalismos que idealizavam o
indivíduo e a natureza. Cerca de 1850, consolidou-se o Realismo, uma corrente
artística que descrevia a realidade de forma detalhada, procurando captar
objetivamente o real, sem idealização e emotividade.
O Realismo, cujo auge se situou entre 1854 e 1863, operou uma profunda
transformação na arte, à qual imprimiu as seguintes características;
Os problemas do quotidiano, as classes sociais mais numerosas e menos
favorecidas passaram a fazer parte das temáticas da pintura realista, refletindo
preocupações políticas e sociais.
Entre os pintores realistas destacaram-se: Gustave Coubert, Édouard Manet e
Honoré Daumier.

- Gustave Coubert – considerado o precursor desta corrente artística, foi alvo


de críticas pelos temas e caráter social das suas obras, uma vez que se afastou
dos motivos idealistas e mitológicos românticos, chegando a ser apelidado de
socialista. A rutura com o academismo situou-se também ao nível da sua
técnica, do abandono dos cenários idealizados, do uso da cor através da qual
representou a realidade a partir da experiência que conhecia. As suas obras
evidenciam um forte carácter social.
- Édouard Manet – é um dos outros dos vultos importantes do Realismo. As
suas obras chocaram, não só pelas temáticas, como também pela técnica
utilizada: a gradação de cores e os suaves contrastes claro-escuro foram
eliminadas, a pincelada era mais rápida e as manchas de cor começaram a ocupar
áreas mais vastas na tela, colocando de lado as subtilezas técnicas da pintura
académica.
- Honoré Daumier – representou as classes populares e evidenciou um estilo
próprio: com uma técnica mais livre, imprimiu um sentimento de introspeção
nas suas figuras, que se assumem como caracteres individuais.

- A rutura do realismo – os pintores do realismo abandonaram a exaltação e


a emotividade do Romantismo e aproximaram-se da autenticidade e do real, a
partir da visão do artista. Romperam com a tradição romântica, deixando de
representar a exaltação de episódios históricos ou de personagens
suficientemente relevantes para serem representadas. Chocaram a burguesia e
revelaram uma nova abordagem à realidade, ao pintarem o que conheciam, e não
uma imagem idealizada. Abandonaram os estúdios para pintar ao ar-livre, onde
a luz, a cor e as temáticas se aproximavam do mundo real.
4.2.2. As novas correntes estéticas na viragem do século.

A transformação social ligada á progressiva ascensão da burguesia, à


afirmação dos seus valores e ao inconformismo dos artistas perante a realidade,
conduziram à experimentação de novas técnicas artísticas. As necessidades de
representação centraram-se na interioridade e na experimentação de novos
caminhos formais. A invenção da fotografia que captava a realidade com
exatidão, obrigou os artistas a repensarem o sentido da pintura que passou a
representar uma interpretação da realidade. Deste modo, no final do século XIX,
afirmaram-se novas correntes artísticas: o Impressionismo, o Simbolismo, a Arte
Nova e o Pós-Impressionismo.

- Impressionismo:

O impressionismo foi um movimento artístico que marcou a pintura do final


do século XIX e rompeu com as regras académicas, procurando, de forma
espontânea, captar uma impressão visual. A luz, a cor, as pinceladas soltas, o
movimento e a produção da obra ao ar livre caracterizam esta corrente artística.

-Impressionismo – o termo surgiu em 1874, quando o crítico Louis Leroy,


depois de ver o quadro Impressão, Nascer do Sol, de Claude Monet, apelidou o
grupo que expunha no Salão dos Recusados de Impressionistas. O Salão dos
Recusados surgiu em 1863, na mesma altura do Salão de Paris. Neste salão eram
expostas as obras recusadas para o salão oficial, o motivo pela qual se tornou
um forte concorrente dos salões da Academia.

Os pintores impressionistas captaram a perceção da


cor, da luz e do movimento ao ar livre (en plaina ir) através
da combinação de cores. Os impressionistas não se
detiveram nos detalhes, mas procuraram dar uma
sugestão do que parecia ser a realidade, que muda a todo
o instante. Estudaram os efeitos de luz, que
transpuseram para a tela, com cores justapostas que se
misturam apenas no olhar do observador. Em termos
técnicos, o Impressionismo assentou nas seguintes
característica:
Entre os pintores impressionistas destacaram-se, entre outros, Claude
Monet, Auguste Renoir, A. Sisley, Camilo Pissarro, B. Morisot e Edgar Degas.

- Claude Monet – integrou a exposição dos primeiros impressionistas,


em 1873. Nas suas telas, captou a experiência visual que tinha da
realidade. Tecnicamente, as pinceladas curtas e rápidas, aplicadas
diretamente na tela com tintas de cores claras e fortes, davam forma aos
objetos e captaram a perceção da luz e da realidade fugaz.

- Pierre-Auguste Renoir – dedicou-se à pintura figurativa e retratou


ambientes da sociedade parisiense, representado a vida descontraída da
capital francesa. Nos seus quadros, a luz natural incide sobre as figuras e
as manchas de cor, pouco definidas, contribuem para dar ideia de
luminosidade natural. A representar cenas do quotidiano burguês e de
gente anónima, Renoir abandonou a exclusividade de representação de
figuras relevantes da nobreza ou de vultos destacados da história ou da
vida política.

- Edgar Degas – ao contrário dos outros impressionistas, pintou


sobretudo cenas do interior, como aulas de dança e cenas do quotidiano
burguês. No seu estilo impressionista, a forma é retratada pela mancha de
cor e a luz incide sobre as figuras de uma forma natural.

No domínio da escultura, destacou-se Auguste Rodin, que operou uma


rutura com os cânones tradicionais. A expressão das suas obras assumiu
um aspeto inacabado, com os impressionistas tinha feito na pintura. Rodin
imprimiu aos seus trabalhos uma tensão plástica, evidente pelos efeitos
de irregularidade conseguidos. O seu sentido escultórico pôs de parte a
ideia de perfeição.
A fotografia surgiu, enquanto expressão artística, na segunda metade
do século XIX, e deixou de ser encarada como uma representação objetiva
da realidade. Passou a transmitir o entendimento próprio do fotógrafo que,
através da escolha dos temas, do jogo de luz, do enquadramento e do
momento captado, era reveladora de personalidade artística.

- A oposição ao Realismo e ao Impressionismo:


Em oposição ao Realismo/Naturalismo e ao Impressionismo, surgiu um
novo sentimento artístico – o Simbolismo (movimento literário e artístico
surgido em França no final do século XIX que centra a sua atenção na
interioridade e na subjetividade das obras) – que procurou dotar a arte de
um sentido espiritual, ideal e simbólico, que recusou a descrição da
realidade do realismo e a exterioridade impressionista. A subjetividade foi
sobreposta à objetividade e o conteúdo da pintura foi transformado.
Procurou-se colocar no espetador reflexões acerca do real através de
signos que continham uma mensagem subjetiva, que, por isso, não era
apreendida de modo imediato. A arte devia expressar uma ideia.

- Arte Nova:

A sociedade industrial do século XIX, mecanizada e repetitiva, marcada


pelo aumento dos produtos estandardizados foi confrontada com a
procura, por parte da alta burguesia, de peças sofisticadas, criadas por
artistas e artesãos, feitas com novos materiais (ferro, vidro, esmaltados,
pedras). Assistiu-se á afirmação da Arte Nova, expressão artística,
sobretudo decorativa, cujas peças se distinguiam pela liberdade criativa,
linhas curvas e contracurvas, temáticas naturalistas (vegetais, florais,
minerais, insetos) e motivos orientalizantes.
Definida como Art Nouveau em França, na Bélgica e na América, foi
denominada Jugendstill na Alemanha, Secession na Áustria, Stile Liberty
em Itália e Modernismo em Espanha. Esteve em voga no período da Belle
Époque, a partir de 1890. As suas manifestações estenderam-se até 1920.
Arte urbana por excelência, a Arte Nova procurou libertar-se da
sociedade industrial e do seu estilo de vida e encontrou na natureza
motivos de inspiração.
O uso de linhas onduladas evocou o feminino, considerado fonte de
beleza primordial, sobretudo a figura do corpo da mulher, numa exaltação
da sensualidade através das linhas curvas e fluídas. Fez dos motivos
orientalizantes e japoneses uma temática que possibilitou a valorização
da assimetria, o preenchimento do vazio e a presença de elementos
orgânicos e exóticos. Procurou encontrar também na simplicidade uma
forma de beleza.
A Arte Nova foi uma arte total, na medida em que abrangeu várias
formas de expressão.
No domínio da arquitetura, a Arte Nova destacou-se pelo uso do ferro
e do vidro, que, combinados, conferiram leveza e dinamismo às
construções. Destacou-se Antoni Gaudi, que utilizou formas orgânicas
inspiradas na natureza. Na Áustria, salientou-se Otto Wagner, em França,
Hector Guimard e, na Bélgica, Victor Horta.
Nas artes decorativas, os objetos do quotidiano foram enriquecidos
com formas sumptuosas, cujas criações de Émile Gallé, Louis Tiffany e
René Lelique se apresentam como emblemáticas da Arte Nova.
Nas artes gráficas, destacaram-se as criações do checo Alphons Maria
Mucha e do francês Henri de Toulouse-Lautrec.
Na pintura, Gustave Klimt inspirou-se no feminino e combinou a
riqueza das cores com os fundos dourados, refletindo riqueza, exuberância
e sensualidade.
Em suma, a Arte Nova destacou-se pelos seguintes aspetos:

- Pós-Impressionismo:

No final do século XIX, a rutura com a arte académica acentuou-se


através das obras de três artistas – Paul Cézanne, Vincent van Gogh e Paul
Gauguin – que se enquadram no Pós-Impressionismo.
Apesar das diferenças técnicas, temáticas e de estilo entre Cézanne,
van Gogh e Gauguin, estes apreenderam as inovações dos artistas que os
antecederam bem como dos seus contemporâneos, conferindo-lhes uma
nova identidade.
As suas obras contribuíram para transformar a pintura e influenciaram
as correntes artísticas de início do século XX.
Paul Cézanne procurou inspiração nas formas geométricas e concebeu
as suas figuras de acordo com diferentes prismas e facetamentos. Utilizou
uma pincelada mais sólida e ampla, esbatendo as diferenças entre o fundo
e os primeiros planos, ao contrário dos impressionistas.

- Paul Cézanne – deu um novo tratamento às cores, às formas e ao


espaço. Inspirou-se nas formas geométricas (a esfera, o cilindro e o cone)
para representar a realidade. Alargou a mancha de cor para dar
facetamento aos objetos e distorceu a noção de perspetiva.

- Vincent van Gogh – reduziu a paleta de cores, deu dinamismo às obras


e exaltou a expressão e a emoção, abrindo caminho a novas formas
artísticas: conseguiu um forte dinamismo através do ondulado da
pincelada; utilizou cores vibrantes e contrastantes (amarelos, azuis e
verdes); valorizou a imeadiatez das emoções; evocou os sentimentos e os
estados de espírito.

- Paul Gauguin – empreendeu uma rutura nas artes plásticas quando,


depois de uma estadia na comunidade rural de Pont-Aven, na Bretanha,
tomou contacto com os valores da ruralidade e, no Taiti, ilha do oceano
Pacífico, contactou com o exotismo que trouxe para a arte através de
novas temáticas e princípios estéticos: valorizou o sentido do primitivo,
com o qual contactou no Taiti, afastando-se dos valores da civilização
europeia; procurou o mito do “bom selvagem”; experimentou uma forma
de vida próxima dos valores mais puros, verdadeiros e genuínos.

4.2.4. Portugal: o dinamismo cultural do último terço do século.

Em meados do século XIX, as novas correntes intelectuais que se


afirmavam na Europa não tinham eco em Portugal. O país continuava
dominado pelos valores do Romantismo (corrente de ideias no domínio da
expressão literária e artística que vigorou entre o fim do século XVIII e
meados do século XIX. Caracterizou-se pela rejeição das regras clássicas e
do racionalismo, a favor da expressa da natureza, do Eu, da sensibilidade
e do sonho. Valorizou o gosto pela História e tradições nacionais).
Durante a década de 70 do século XIX, um grupo de jovens estudantes
de Coimbra, entre os quais se destacou Antero de Quental, através do seu
olhar atento e inconformado perante a sociedade, contribuiu para a
afirmação de um novo gosto literário. Este grupo defendeu uma nova
atitude cultural: aproximação de Portugal à modernidade europeia, uma
nova atitude filosófica e estética, o gosto por novas formas literárias e a
defesa da liberdade criativa.
A defesa de novos valores provocou a oposição entre os “novos”
intelectuais e os vultos do romantismo literário português, num debate
de ideias que ficou conhecido como a Questão Coimbrã (polémica literária
que opôs os realistas e naturalistas aos românticos). Esta polémica opôs
os vários membros da chamada “Geração de 70” (que, à data da contenda,
estudavam em Coimbra), defensores do Realismo e do Naturalismo, aos
seus antecessores românticos (alguns deles seus professores em Coimbra),
dos quais o poeta Feliciano de Castilho era uma figura dominante. A
Questão Coimbrã marcou o início de um novo período da cultura portuguesa.

- A Questão Coimbrã – em 1865, Antero de Quental publicou o texto


Bom Senso e Bom Gosto, no qual responde às críticas de Feliciano de
Castilho, que representava a literatura apegada aos valores estéticos do
passado, enquanto Antero de Quental liderava o movimento de renovação
do panorama literário português. Antero e o grupo dos “novos”, composto
por Teófilo de Braga e Vieira de Castro, defenderam a liberdade criativa e a
integração da cultura portuguesa na vanguarda europeia, libertando-a de
um passado rotineiro.

Eça de Queirós, Antero de Quental, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão,


Guerra Junqueiro e Jaime Batalha Reis formaram uma tertúlia de jovens,
o grupo do “cenáculo”, empenhado em criticar a vida política, mas,
sobretudo, em promover a transformação cultural.
Foi neste contexto que Eça de Queirós e Ramalho Ortigão publicaram
As Farpas, onde faziam uma crítica satírica à sociedade da época. O grupo
da “Geração de 70” organizou as Conferências Democráticas do Casino
Lisbonense em 1871.
A “Geração de 70” defendia um espírito racionalista antimonárquico,
anticlerical, positivista e apologista do cientismo. Em termos políticos,
oscilava entre o republicanismo liberal e o socialismo, manifestando
influências de Proudhon, Balzac, Michelet ou Victor Hugo, importantes
vultos do panorama político e cultural francês.
A Questão Coimbrã e as Conferências do Casino dinamizaram a vida
intelectual no último quartel do século XIX.
As novas ideias e correntes literárias – Naturalismo e Realismo –
impuseram-se. Júlio Dinis e Eça de Queirós assumiram-se como os
protagonistas das novas correntes.
No final de Oitocentos, a “Geração de 70” manifestava uma certa
desilusão e frustração, num país que continuava a revelar-se distante da
Europa.
Algumas das personalidades da “Geração de 70” constituíram o grupo
dos “Vencidos da Vida”, assim designado devido à incapacidade em
transformar culturalmente o país.
Manuel Laranjeira simbolizou o pessimismo nacional e o sentimento
de desilusão num país distante da modernidade europeia, quando afirmou
“Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se, tudo o que é canalha
triunfa”.

- A Pintura:

A pintura das últimas décadas do


século XIX ficou marcada
essencialmente pelo
Realismo/Naturalismo. Esta corrente
ganhou relevo com os pintores do
“Grupo do Leão”, conhecido por se
reunir na Cervejaria Leão de Ouro, em
Lisboa. Deste grupo faziam parte,
entre outros, José Malhoa, Rafael
Bordalo Pinheiro, Columbano Bordalo
Pinheiro e Silva Porto, imortalizados
na obra O Grupo do Leão, realizado por
Columbano, em 1885. Este grupo que
expôs pela primeira vez em 1881,
extinguiu-se em 1889.
No Realismo/Naturalismo destacaram-se ainda pintores como Silva
Porto, Henrique Pousão, José Malhoa e Aurélia de Sousa, que representaram
a renovação da pintura portuguesa nas últimas décadas do século XIX.
- Silva Porto – foi um pintor que, depois de estudar em Paris, regressou
a Portugal, para onde trouxe a tradição realista. Como pintor de paisagens
e cenas rurais, fez um retrato do povo e dos costumes do país.
- Henrique Pousão – foi bolseiro em Paris, onde contactou com o
Realismo e com o Impressionismo. Viajou até Itália, onde pintou ruas,
paisagens e figuras típicas. A sua obra, inspirada no Realismo francês,
conseguiu inovar ao nível do tratamento da luz e da paleta de cores.
- José Malhoa – foi um dos fundadores do Grupo do Leão. Participou no
Salão de Paris entre 1897 e 1912 e nas Exposições Internacionais de Berlim
(1896), de Paris (1900) e de Madrid (1901). Destacou-se como pintor de
género que fixou na tela os costumes de um povo rural, simples e genuíno,
as festas pagãs e religiosas e os hábitos urbanos de Portugal de Oitocentos.
Malhoa salientou-se ainda no retrato, sendo da sua autoria o retrato de
D. Carlos, datado de 1891. A sua paleta de cores, rica e intensa, e o
tratamento da luminosidade, mais aberto, destacam a sua pintura da dos
seus contemporâneos.
- Aurélia de Sousa – nasceu no Chile e viveu no Porto a partir dos três
anos, onde expôs em 1892. Entre 1899 e 1902 esteve em Paris. No seu
autorretrato de 1900, a figura revela forte intensidade, patente no
contraste de cores – o vermelho do casaco e o tom escuro do fundo – o
que acentua os contornos do rosto. O jogo de luz e sombra conferem ao
rosto e ao olhar maior dramatismo e confronto com o espetador.

As obras destes pintores, inspirados no Realismo francês, tiveram,


sobretudo, destaque ao nível da pintura de exterior e fixaram na tela o
retrato de um povo marcadamente rural, afastado da industrialização.
Esta corrente correspondeu ao gosto da alta burguesia, culta e refinada, o
que contribuiu para que o Impressionismo não tivesse representatividade
em Portugal.

- A escultura:

A partir da segunda metade do século XIX, a escultura pública, para


além das figuras políticas, passou a retratar também os heróis da cultura
nacional:
- o monumento a Camões (1867), em Lisboa, de Victor Bastos;
- o monumento comemorativo da Restauração
(1886), na Praça dos Restauradores, em Lisboa, da
autoria de José Simões de Almeida e de Alberto
Nunes;
- os monumentos ao duque da Terceira (1877), em
Lisboa, a Bocage (1871), em Setúbal, a D. Pedro IV
(1866), no Porto, a Avelar Brotero (1887), em Coimbra
e a D. Afonso Henriques (1888), em Guimarães
Obra ímpar da escultura portuguesa foi O
Desterrado (1872), de Soares dos Reis, que articulou
elementos classicizantes com Realismo e
Naturalismo, o que conferiu interioridade à figura.
A figura do Zé-Povinho, criada em 1875 por Rafael
Borlado Pinheiro, captou os vícios e virtudes do povo
português. As suas caricaturas, publicadas em diversos
títulos da imprensa da época, retrataram de forma
satírica e mordaz a sociedade e a política do seu tempo.

- A arquitetura:

O final do século XIX foi marcado por um conjunto


de inovações arquitetónicas resultantes das novas
técnicas de engenharia, bem como da arte do ferro, que
deram origem a novas construções:
- o mercado Ferreira Borges no Porto (1875);
- a estação ferroviária do Rossio, em Lisboa (1886-1887);
- as pontes, como a D. Luís I no Porto;
- os palacetes, teatros, hotéis, edifícios municipais, quartéis, hospitais e
escolas um pouco por todo o país;
Entre os arquitetos destacaram-se:
- Luís Monteiro, que projetou a estação ferroviária do Rossio e o Hotel Avenida
Palace, em Lisboa;
- José Luís Parente, com o projeto da Câmara Municipal de Lisboa.

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