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CONTEMPORÂNEA
A Revolução
Francesa
Hezrom Vieira Costa Lima
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Entre meados do século XVII até o final do século XVIII, a França era uma espécie
de vitrine do absolutismo no continente europeu. O luxo e a opulência dessa
monarquia mostraram seu auge durante o reinado de Luís XIV, reconhecido como
Rei Sol. O brilho desse “astro-rei” pairou sobre a França por mais de 70 anos,
entre 1643 e 1715. É a partir desse longo reinado que é possível lançar um olhar
de compreensão sobre a importância do sistema político francês e a ruptura
ocasionada com o processo revolucionário ocorrido em 1789.
Luís XIV foi um monarca que simbolizou o período em que viveu. Esse fato se
deve menos ao tempo que governou e mais à estrutura política e social que foi
fortalecida durante seu reinado. A nobreza francesa passou por uma mudança
ocasionada pela construção do Palácio de Versalhes. Esse castelo evidenciou o
poder real e transformou-se no novo local da corte francesa, ao mesmo tempo
que uma parcela da aristocracia vivia no luxo e em festas sustentadas pelos
cofres reais. Isso aumentava o desejo por parte da elite de viver perto do “Rei
Sol”, criando uma relação de dependência. Assim, o monarca ampliava seu poder,
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pois a elite ficava subordinada aos interesses reais e ficava próxima, o que evitava
uma fragmentação do poder.
Essa forma de governar de Luís XIV foi responsável por originar um modelo
em que a imagem do monarca deveria se fazer presente em todos os locais do
reino. Quando não estava presente fisicamente, o brilho do Rei Sol iluminava os
mais variados lugares por meio de diversas representações simbólicas, como
estátuas, bustos, moedas, quadros, broches, entre outros. Esse modelo, baseado
na “propaganda”, construiu uma imagem do rei que pode ser compreendida por
meio de duas perspectivas: a pública e a privada (BURKE, 2018). Na perspectiva
privada, a figura do rei ficava restrita a um círculo privilegiado que gravitava em
torno do rei, por meio da corte. Nesse contexto, a imagem real era apresentada
sob uma camada de maquiagem e outros elementos que faziam parte do estilo
da época e refletiam os objetivos estéticos de Luís XIV. Já na perspectiva pública,
em que as representações simbólicas do rei se faziam presentes, era mais fácil a
manipulação estética real em torno dos objetivos almejados pelo rei.
Embora o reinado de Luís XIV esteja separado dos eventos originários da
tomada da Bastilha em 1789 por um período de 74 anos, contemplando os governos
de Luís XV e Luís XVI, seus efeitos se mantiveram por meio da continuação da
Dinastia Bourbon no trono e, em especial, por meio da manutenção da relação
de dependência entre a aristocracia francesa e o monarca.
Neste capítulo, você vai estudar as especificações políticas e sociais da França
pré-Revolução, relacionando esse contexto com os desdobramentos ocorridos
após o 14 de julho de 1789. Em seguida, você vai compreender as pluralidades de
objetivos e interesses presentes no tecido social francês, bem como as interpre-
tações acerca do processo revolucionário por parte desses grupos sociais. Por
fim, você vai verificar diversas interpretações acerca da Revolução Francesa,
compreendendo a perspectiva de diferentes intelectuais e até uma perspectiva
historiográfica.
A Revolução Francesa
A constituição de uma monarquia parlamentar, em substituição do modelo
vigente pautado nos preceitos absolutistas, marcou politicamente a transfor-
mação da estrutura política da França e serviu como norte para os episódios
da Revolução Francesa. Porém, o seu significado simbólico e marco fundante
ganhou força com a Tomada da Bastilha, episódio ocorrido em uma terça-
-feira, 14 de julho de 1789, que contou com a participação das duas principais
forças que levaram a cabo o processo revolucionário: os sans-cullotes e as
camadas populares de Paris.
Uma das primeiras medidas adotadas pelo povo francês após a Assembleia
Constituinte foi a adoção da Guarda Nacional (La Garde Nationale), criada a
partir do Comitê de Vigilância. Ela visava a cumprir a função dupla de impe-
dir a reação por parte das antigas elites, representadas pelo rei, nobreza e
clero, e garantir a manutenção dos direitos adquiridos naquele momento.
Para tanto, foi necessário um chamado geral à nação para que todos os
cidadãos capazes pegassem em armas para defender os interesses do povo
francês. Para garantir o exercício da defesa, ficou decidido que cada distrito
se responsabilizaria pelo envio de 200 cidadãos para pegar em armas e lutar.
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Figura 4. Pintura de Jean Hans retratando o Grande Medo. É possível visualizar a dimensão
dos envolvidos no sentimento antinobiliárquico e a reação frente às violências sofridas
historicamente.
Fonte: Hans (1789, documento on-line).
Monarquia constitucional
Para sustentar a nova etapa que o governo revolucionário inaugurou, fez-se
necessária a criação de um documento que materializasse o pensamento
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Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos na-
turais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade,
a segurança e a resistência à opressão.
[...]
Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religio-
sas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos
direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente,
respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
[...]
Art. 17º. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode
ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir
e sob condição de justa e prévia indenização. (HUNT, 2009, p. 225-227).
O fim da monarquia
Conforme menciona Hobsbawm (2019), seria uma grande inocência imaginar
que Luís XVI aceitaria a derrota de bom grado e as mudanças que foram
geradas desde a convocação dos Estados Gerais, e mais ainda supor que ele
não estava orquestrando uma reação. As elites que fugiram para o exterior,
sobretudo nas nações vizinhas Prússia e Áustria, essa última com vínculos
fortalecidos com a monarquia francesa após o casamento de Luís XVI com
Maria Antonieta, iniciaram uma operação de contrarrevolução. Elas conse-
guiram convencer os monarcas dessas nações a enviar tropas para invadir a
França e acabar de vez com o mau exemplo que aquela nação estava lançando
para os demais Estados nacionais.
As divergências se ampliaram após essa questão. Os jacobinos, lidera-
dos por Robespierre, se posicionaram contra a guerra, visando a resolver
problemas internos. Por sua vez, a extrema direita e a esquerda moderada
enxergavam de forma positiva o conflito, cada um com um objetivo específico.
Era por meio da guerra, e da ameaça estrangeira que ela ocasionava, que
se poderia criar uma justificativa para a demora em solucionar problemas
levantados pela população. Outra parcela enxergava no exemplo francês uma
espécie de movimento que levaria à libertação das nações contra a tirania
do absolutismo (HOBSBAWM, 2019).
Uma declaração formal de guerra ocorreu em abril de 1792. Dois meses
depois, em junho, Luís XVI, juntamente com sua esposa Maria Antonieta e
membros da sua família, orquestraram um plano de fuga quase suicida. O
plano foi incentivado por oficiais estrangeiros, sobretudo representantes da
Áustria e da Prússia. Para Ozouf (2009), os planos de fuga foram um fracasso
por diversos fatores: a demora no processo, as constantes pausas, a ausên-
cia de troca de informações entre os envolvidos, entre outros. De qualquer
forma, o rei, que viajava disfarçado, foi reconhecido e capturado em Varenes,
próximo da fronteira com a Áustria.
A partir daí, iniciou-se o processo irreversível do declínio da monarquia.
O rei foi preso e se tornou o responsável pela situação na qual a França se
encontrava: cercada de inimigos por todos os lados, com seu território profa-
nado e a nação ameaçada por potências estrangeiras. Luís, agora considerado
traidor, deixava de ser rei e se transformava em prisioneiro. Preso, julgado
e condenado pela mais alta traição contra o povo, Luís foi condenado à gui-
lhotina. Abriam-se as portas para um novo governo na França, orquestrado
pelo povo. Quase instantaneamente, ao cair a coroa francesa, juntamente
com a cabeça do rei, surgia um novo governo: a república.
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O Diretório
Nesse contexto, a alta burguesia organizou um novo governo, em que o Poder
Executivo era composto por um grupo de cinco indivíduos, eleitos para o cargo
por cinco anos, visando assim a retirar a personificação do poder e evitar o
controle por parte de um único indivíduo. Os grupos de oposição brotavam
de todos os lados, desde os nunca totalmente derrotados restauradores da
monarquia até os recém-derrotados jacobinos.
O governo parecia não conseguir lidar com essas questões. Os restau-
radores da monarquia tentaram um golpe fracassado em 1795. No outro
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De 1815 ao final do século XIX a Revolução foi um arsenal do qual os partidos po-
líticos tiravam os seus argumentos: os liberais, os republicanos e os radicais para
justificarem sua política; os realistas, os conservadores e em certos momentos, os
bonapartistas, para condenarem a de seus adversários. Assim, a história política
da Revolução ficou sendo o único objeto dos estudos
Primeiro, as ideias desciam pela escala social “das classes altamente refinadas
para a burguesia, para a pequena burguesia e para o povo”. Em Segundo lugar, essa
penetração se difundia do centro (Paris) para a periferia (as províncias). Finalmente,
o processo foi se acelerando no decorrer do século, começando com minorias
que anteciparam as novas ideias antes de 1750 e prosseguindo nos decisivos e
mobilizadores conflitos na metade do século, para chegar, após 1770, na difusão
universal desses novos princípios.
curto prazo (os trinta ou quarenta anos que precederam a Revolução) e tentou
discernir as mudanças culturais que produziram transformações rápidas em
ideias e sentimentos”. Já Godechot (1969, p. 449) ressalta que o grande mérito
de Tocqueville foi evidenciar a luta de classes na evolução histórica:
Referências
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BURKE, E. Reflexões sobre a Revolução Francesa. 4. ed. Campinas: Vide Editorial, 2017.
HARTOG, F. Regimes de historicidade: presenteísmo e experiências do tempo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2015.
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tempo. Rio de Janeiro: Apicuri, 2016.
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VOLVELLE, M. A Revolução Francesa explicada à minha neta. São Paulo: Editora Unesp,
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