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estudo)
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CAP. 1 – RELAÇÕES CLIENTELÍSTAS E CLIENTELISMO POLÍTICO NO BRASIL
1.1 – Sobre as relações clientelistas
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Esse conceito pode ser melhor compreendido nos estudos realizados por George Foster, conforme pondera
Landé.
grupos não corporados dos grupos corporados. Conforme sugere Landé (1977, p. 9) “um
grupo corporados é um agregado distinto e de múltiplos membros o qual possui propriedades,
objetivos e deveres que, como tais, são inerentes ao grupo, e são diferentes daqueles dos seus
membros individuais”. Percebe-se que nos grupos corporados há uma nítida separação entre
interesses do grupo e interesses individuais. Como exemplos de grupos corporados, Landé
(1977) cita as famílias, os clãs, as tribos e, no mundo moderno, as organizações partidárias,
civis e os estados nacionais.
Já os grupos diádicos não corporados incluem aqueles que não possuem objetivos
específicos, no entanto, têm uma certa organização e realizam atividades que são
compreendidas por todos. Landé coloca nesse patamar os “pobres” e a “multidão sem líder”,
mas também inclui os grupos de ação, grupos de amigos, facções políticas e as clientelas.
Dessa forma, nesse tipo de grupo diádico não corporado “os membros são assistidos na
proteção da sua propriedade privada, no processo de seus interesses privados e no
cumprimento dos seus deveres individuais por outros membros do grupo através da ajuda
recíproca e ação paralela” (LANDÉ, 1977, p. 9).
A breve compreensão das relações diádicas e dos grupos corporados e não
corporados nos permitem agora adentrar no cerne da nossa discussão: a relação patrono
cliente, a qual pode ser identificada nas diversas sociedades e culturas em diferentes
momentos da história. Sem pretender reduzir o conceito, vale destacar as considerações de
Landé (1977, p. 11): “uma relação patrão-cliente é uma aliança diádica vertical, isto é, uma
aliança entre duas pessoas de status, poder ou recursos desiguais que acham útil ter como
aliado alguém superior ou inferior a si mesmo”. O membro superior é identificado como o
patrão, enquanto o membro inferior como cliente. Como um exemplo típico de relação
diádica, a ligação patrão-cliente pressupõe acordos que incluem laços de lealdade e troca de
favores, o que não pode ser estendido, evidentemente, a todas as relações de natureza
clientelista.
Segundo Landé (1977) os benefícios trocados entre patrão e cliente são quase
sempre de tipos diferentes não apenas no tempo, mas também pelo fato de um possuir o que o
outro precisa, não podendo obter sem a ajuda do outro. Os bens, serviços e favores trocados
entre patrão e cliente geralmente não são de natureza equivalente. Conforme assinala Wolf
(2003, p. 109), “as ofertas do patrono são mais imediatamente tangíveis. Ele fornece ajuda
econômica e proteção contra exações – tanto as legais quanto as ilegais – das autoridades. O
cliente, por sua vez, retribui em recursos mais intangíveis”. De acordo com Wolf (2003), a
retribuição do cliente para com o patrão inclui pelo menos três formas, a saber: as
demonstrações de estima; a consecução de informações sobre as maquinações dos outros e a
promessa de apoio político. Em relação a essa última forma de retribuição, cabe lembrar que
“o cliente é obrigado a não apenas manifestar lealdade, mas, também a demonstrar essa
lealdade. Ele se torna membro de uma facção que serve aos propósitos competitivos de um
líder” (WOLF, 2003, p. 109).
Um patrão pode aglomerar em torno de si vários clientes, dependendo da sua
capacidade de beneficiá-los. “Na verdade, a importância de seu status e a qualidade de seus
recursos tendem a determinar o número de clientes que podem manter” (LANDÉ, 1977, p.
11). O resultado será um conjunto de relações diádicas de cunho vertical, pautadas na troca
de favores e acordos pessoais, tendo um patrão como centro e um aglomerado de clientes que
com ele se relacionam.
No âmbito das relações patrão-cliente, Landé (1977) distingue dois tipos de
instituições: as de subordinação pessoal, que podem ilustrar cenários mais remotos como a
Antiguidade e a Idade Média; e as de subordinação organizacional, associada ao mundo
moderno. Ao tratar dessa distinção, o autor afirma que nas instituições de subordinação
pessoal “os subordinados estão diretamente ligados a proprietários de escravos, senhores,
proprietários de terra e chefes de família individuais, e confiam neles para sua subsistência em
troca de serviços fornecidos a esses indivíduos e às suas famílias” (LANDÉ, 1977, p. 13). Por
outro lado, as instituições de subordinação organizacional compreendem as burocracias
modernas, firmas corporadas de negócios e diversos outros tipos de associações modernas.
Para o autor, nessas últimas existe uma constante tensão entre as exigências institucionais de
impessoalidade e imparcialidade e a prescrição de tratamento diferenciado entre patrão e
cliente.
A temática das relações patrão-cliente tem ganhado destaque no ambiente
acadêmico. Numa breve incursão sobre tais estudos, Igor Gastal Grill elenca alguns pontos
interessantes, os quais eu gostaria de mencionar. Segundo ele “o campo de reflexão
privilegiado é constituído pelas sociedades europeias mediterrâneas, latino-americanas,
asiáticas e africanas” (GRILL, 2013, p. 252). Para esse autor há uma concordância entre os
estudiosos que essas regiões apresentam características acentuadas das relações patrão-cliente,
marcada pelo controle, por parte de poucos, aos centros de poder e a bens e serviços
indispensáveis, bem como pelo predomínio do componente agrário e mercado fraco.
Para o autor, os estudos convergem acerca dos cenários propícios para a
observação do clientelismo. As situações mais comuns, aí descritas, são marcadas por uma
“estrutura oligárquica, com posições de mando exclusivo ou pouco competitivo,
monopolizado por indivíduos ou suas famílias que gozam de estabilidade nas posições de
poder e mecanismos de transmissão hereditária” (GRILL, 2013, p. 254).
Ademais, um dos pilares do clientelismo, e que é consenso entre a maioria dos
autores, é assimetria das relações e preponderância dos vínculos pessoais. “A ambiguidade
dessas relações reside no fato de forjarem elo de dependências dos dominados em relação aos
dominantes sem, no entanto, caracterizarem situações de coerção pura” (GRILL, 2013, p.
253). Em resumo, pode-se elencar quatro fatores convergentes nos estudos sobre as relações
clientelistas:
Alguns elementos são convergentes nas diferentes descrições que oferecem dos
laços sociais que compõe o clientelismo ou as relações patrão-cliente e aparecem
como traços constitutivos desse fenômeno: 1) o vínculo pessoal, diádico, direto; 2) a
estrutura vertical da relação, baseada na desigualdade de recursos, poder e status
entre as partes; 3) o componente da reciprocidade ou da troca; 4) o particularismo, o
favoritismo, a afetividade e as ligações com compromissos difusos e voluntários.
(GRILL, 2013, p. 252).
Evidentemente nem todos esses elementos vão conviver na mesma seara ou vão
estar presentes em todas as situações do tipo clientelista, mas terão destaque ou figurarão em
situações onde prepondera o clientelismo.
Ao buscar a gênese do clientelismo, há abordagens que aproximam a relação
patrono-cliente do conceito de dádiva (trabalhado por autores da antropologia), tendo em vista
que ambos seguem o princípio da reciprocidade. No entanto, são relações que se distinguem
em vários aspectos. Conforme argumenta Veloso (2006), essa aproximação não se justifica:
primeiro porque, ao contrário da dádiva, os agentes do clientelismo não se localizam no
mesmo patamar de poder; segundo, pelo fato das trocas clientelistas envolverem interesses
explícitos e não apenas demonstração de poder de retribuição; terceiro, porque as relações
clientelistas produzem assimetrias em que o cliente fica em condição de dívida com o patrão.
Acrescento aqui um fator que considero fundamental para distinguir o sistema de dádivas das
sociedades ditas primitivas da relação patrono-cliente. Nas palavras do próprio Mauss 2,
percebe-se que a dádiva naquele contexto está ligada ao coletivo, isto é, trocas entre grupos.
Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, nunca se constatam, por
assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas e de produtos num mercado
estabelecido entre os indivíduos. Em primeiro lugar, não são indivíduos, são
coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes
2
Marcel Mauss é um dos mais renomados autores das ciências sociais. Na sua obra Sociologia e Antropologia
dedica um capítulo inteiro ao sistema de dádivas das sociedades arcaicas.
ao contrato são pessoas morais: clãs, tribos, famílias, que se enfrentam e se opõem
seja em grupos frente a frente num terreno, seja por intermédio de seus chefes, seja
ainda dessas duas maneiras ao mesmo tempo (MAUSS, 2003, p. 190).
3
A obra foi publicada em 1949, tratando principalmente dos acordos políticos entre os coronéis donos de terra e
mandatários locais e os governadores no período da Primeira República.
compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a
decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terra”.
José Murilo de Carvalho segue em parte a linha teórica de Vitor Nunes Leal ao
tratar da temática. Para ele “o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de
relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos
recíprocos” (CARVALHO, 1997, p. 1). O título de coronel 4foi dado aos notários donos de
terra no período regencial como uma espécie de representante do Estado, tendo poder de
polícia para intervir nos conflitos instaurados em seus territórios. É justamente do poder
conferido pelo governo central que vem confirmar o mando dos coronéis sobre os que
residem em suas terras. O título de coronel era uma forma de legitimação do poder que os
grandes fazendeiros já tinham desde o período colonial face à inconstante atuação da Coroa.
Com o fim do Império os presidentes de província são substituídos pelos
governadores. Até então, não havia pleito para eleger os presidentes de província, visto que
estes eram escolhidos diretamente pelo imperador. Com a proclamação da república, a
história muda de feição. Os governadores para serem eleitos precisam constituir uma base
política e para isso precisam construir alianças junto aos representantes políticos locais. É
nesse contexto que surge o coronelismo como sistema de relações entre os políticos locais,
regionais e nacionais. Os coronéis passam a barganhar o apoio político e financeiro dos
governadores em troca de apoio eleitoral. Do mesmo modo que os coronéis firmavam alianças
com os governadores, estes últimos firmavam acordos com os candidatos a presidente. Essa
era chamada “política dos governadores”. Esse jogo de alianças, que envolvia o coronelismo e
a política dos governadores perdurou durante toda a Primeira República.
Como afirmado anteriormente, o coronel encabeça o mando do poder político e
econômico local não apenas quando recebe o título de coronel. A legitimação estatal apenas
confere funções já praticadas pelos mandatários locais. Faoro (2001, p. 736) afirma que “o
fenômeno coronelista não é novo. Nova será sua coloração estadualista e sua emancipação no
agrarismo republicano, mais liberto das peias e das dependências econômicas do
patrimonialismo central do Império”.
Via de regra, quando se trata do coronel clássico é costumeiro pensar que todo
coronel é um fazendeiro/latifundiário. Essa tese é rebatida por Raymundo Faoro, que insiste
4
A qualificação "coronel" vem da Guarda Nacional, criada em 18 de agosto de 1831. Pela hierarquia funcional,
os chefes locais ocupavam na instituição os postos mais elevados (coronéis), seguidos de chefes e capitães. Logo
após a proclamação da República a instituição foi extinta, porém o termo ficou. (SANTOS, 2007, p. 88)
em afirmar que o poder do coronel não reside apenas na propriedade rural, mas também no
reconhecimento dos seus pares e subordinados.
O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não
necessariamente, como se diz sempre, o fazendeiro que manda nos seus agregados,
empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples, que se
traduziriam no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. Segundo
esse esquema, o homem rico — o rico por excelência, na sociedade agrária, o
fazendeiro, dono da terra — exerce poder político, num mecanismo onde o governo
será o reflexo do patrimônio pessoal. [...] Ocorre que o coronel não manda porque
tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito.
(FAORO, 2001, p. 737)
Na mesma linha de Faoro, está Santos (2007) ao enfatizar que embora fosse fator
importante, não era necessariamente o fato de ser fazendeiro ou rico que daria ao mesmo o
reconhecimento de coronel na política local. Evidentemente também não poderia ser alguém
despossuído de bens, mas era preciso algo mais que o credenciasse ao posto. O poder político
do coronel derivava de um conjunto de fatores mais complexos.
O coronel mandava não porque era rico mas porque a sociedade reconhecia nele a
figura do mandatário, em consonância com a oligarquia local. [...] Seu poder formal
derivava, isto sim, da capacidade de encarnar este líder e de influir diretamente no
resultado das eleições e garantir à nova ordem eleitoral vigente a capacidade de
reinar republicanamente (SANTOS, 2007, p. 90).
As elucidações feitas até aqui servem para ilustrar o debate que envolve os temas
muitas vezes tidos como sinônimos. Não se trata apenas de diferenciá-los ou relacioná-los,
mas também de mostrar como estão situados na história, destacando que enquanto o
clientelismo permanece firme nas relações políticas, o coronelismo e o mandonismo seguem
uma trajetória de decadência.
O clientelismo está presente também nas relações políticas do período imperial. Segundo
Graham (1999, p. 3) “de 1840 a 1889, durante o reinado do imperador Pedro II, a ascensão e queda de
famílias, clãs e partidos dependeu da distribuição habilidosa de cargos publicas, proteção e
favorecimento em troca de lealdade política e pessoal”. Esse mesmo autor acrescenta que a
preocupação central dos políticos da época era defender os interesses dos donos de terra e
comerciantes ao mesmo tempo em que buscavam legitimar sue status social e manter a posição
privilegiada da classe dominante.
A articulação clientelista na política do século XIX traz uma intrínseca relação com o
mandonismo, porém traz ainda a cultura do favor e da lealdade, isto é, uma relação de reciprocidade
que vai além do poder de mando. O potentado local fazia valer sua influência política à medida que
fosse reconhecido como o distribuidor de dádivas e merecedor de lealdade:
A medida de um homem era o tamanho de sua clientela. A posse de vastas terras - e
quando apropriado, de escravos - demonstrava sucesso e ajudava muito no trabalho
de aumentar o número de partidários. Mas o recurso crucial era a lealdade dos
outros. Com o apoio desse grande séquito, um senhor rural podia exercer influência
suficiente sobre juízes e policiais (ou garantir esses cargos para si mesmo) a fim de
oferecer proteção e conceder favores, aumentando assim a quantidade de amigos,
assegurando-se da lealdade de sua crescente clientela por meio da gratidão, senão
pela força. Todos buscavam um patrão que lhes desse proteção e todos batalhavam
para ter seu próprio séquito. Como dizia o ditado dos pobres, “tem patrão, tem
tudo”. (GRAHAM, 1999, p. 4).
Lenardão pondera que o eleitor, por outro lado, busca não apenas a recompensa
momentânea. A sua aproximação com o político representa uma forma de reconhecimento, de
sentir-se próximo ao poder. Em diversos casos a formação da clientela política se dá pelo viés
da amizade ou dos vínculos familiares. No clientelismo urbano contemporâneo pode não está
presente a relação de dependência direta com o líder político, embora ainda apareçam casos
dessa natureza em pequenos municípios, porém, persiste a relação personalizada entre eleitor
e político ou entre o eleitor e o agente eleitoral. Por isso, na visão desse autor, o capitalismo
não pode ser visto como único viés de manutenção do fenômeno, como também não se pode
atrelar o clientelismo moderno ao atraso político, como veremos:
No Brasil capitalista, o clientelismo político não tem sido uma simples gratuidade
em um universo de relações impessoais e universais, mas também não pode ser
considerado simples expressão de atraso, deslocado no tempo, como resquício do
passado sem bases sociais na contemporaneidade. Ele existe hoje como produto de
relações sociais assentadas em situações sociais particulares reais, concretas,
pertencentes à estrutura geral de funcionamento da vida nacional, além de receber
diferentes estímulos dos contextos conjunturais. (LENARDÃO, 2006, p. 152)
A aproximação entre político e eleitor pelo viés clientelista obedece a uma lógica
de cumplicidade. Não se trata apenas da velha máxima (corruptor e corruptível). Sobretudo
nos pequenos municípios, a identificação do eleitor com um determinado lado (facção
política) ou mesmo com um politico em especial, é necessária para eventuais ganhos. Como
se observa: “o clientelismo é utilizado pelos líderes políticos para manterem-se no poder. Ao
redor de si formam grupos de eleitores fiéis que sabem que com sua vitória aproveitarão
melhor as possibilidades que a estrutura da Prefeitura oferece” (ALVES, 2003, p. 167).
As formas como se estabelecem as relações clientelistas nos pequenos e médios
municípios, em suma, seguem essa metodologia onde prevalecem os vínculos informais, onde
serviços públicos são muitas vezes confundidos com dádivas distribuídas seletivamente por
parte de quem está no poder. Mais uma vez volta-se à questão do personalismo, do privilégio
de uns em detrimento de outros. Essa distinção se faz necessária para identificar a clientela
que apoia a facção vencedora, como veremos:
Em qualquer caso, a ação clientelista consiste em subtrair o indivíduo da condição
de “comum” e conferir-lhe certa especificidades, real ou simulada. Com isso, a ação
isenta o cliente não apenas dos inconvenientes de trâmites e de delongas, mas
também, e principalmente, garante-lhe a obtenção do quanto pleiteia – uma vez que
sabiamente não há suficiente para todos (SOUZA JUNIOR, 2008, p. 26-27).
O estudo acerca dos cargos públicos trocados por apoio político-eleitoral é um dos
temas mais debatidos nas ciências sociais. No Brasil, essa prática é tida como um dos principais
elementos do clientelismo político, levantando discussões nas várias áreas do conhecimento tais
como direito, economia, história, antropologia, sociologia e, é claro, a ciência política. Como
enfatiza Barone (2010, p. 1):
A nomeação de funcionários não estatutários nos níveis locais de governo é, para a
ciência econômica, responsável pela persistência de níveis altos e/ou crescentes de
gasto com pessoal; e para a ciência política, pela manutenção de práticas
clientelistas na relação entre eleitor e representante (BARONE, 2010, p. 1)
O provimento de cargos públicos no Brasil, até 1822, se dava por meio da nomeação do
rei de Portugal. Conforme Oliveira Viana (1999), todos os agentes públicos, civis e militares,
funcionários da alta administração, juízes, ouvidores gerais etc. eram nomeados pelo Rei ou em nome
dele. A exceção era o cargo de vereador, investido por meio do voto. Mas o direito ao voto era restrito
a poucos, aos notáveis de cada cidade. Por isso mesmo Amorim (1998) pondera que as câmaras nunca
foram organizações democráticas e sim oligárquicas onde o povo não tinha participação efetiva. Como
podemos ver, “no período colonial principalmente, o serviço público da vereança era, com efeito,
uma dignidade pública, um munus, uma honraria: - e só por nobre ou gente de qualificação podia
ser exercido” (VIANNA, 1999, p. 149).
Assim, os cargos oficiais, desde aqueles concedidos pelo Rei ou mesmo aqueles
obtidos pelo voto, eram conseguidos pela rede de relacionamentos interpessoais e familiares,
prática que vai se estender pelo século XIX quando o Brasil passa a constituir um Estado
independente. De acordo com Graham, (1997, p.35), “ Os vínculos que levavam homens a
cargos oficiais e ao domínio local constituíam parte importante desses recursos e, através da
política, famílias lutavam para preservá-los, muitas vezes contra outras famílias”.
O século XIX e a Primeira República são momentos onde, segundo Graham, fica
bastante evidente a prática clientelista no pleiteamento de cargos públicos. Graham é um dos
autores que mais estuda o clientelismo no século XIX. O autor se detém numa abordagem crítica
do tema, dando ênfase à troca de cargos por apoio político. Segundo ele, o clientelismo
estabelecia vínculos essenciais entre líderes políticos locais e os políticos de mais alto escalão. Os
primeiros almejavam o controle de cargos e da clientela local e avançar na escala de poder e
status, enquanto os segundos queriam reforçar o poder do governo central. Como se vê:
Conseguir formar um grupo de seguidores, locais ou nacionais, obviamente
implicava assegurar a lealdade de outros; a fidelidade de um grupo podia ser
demonstrada mais efetivamente vencendo-se eleições. Por isso, o governo - isto é, o
Gabinete governante - usava o poder do clientelismo para garantir a eleição da
Câmara de Deputados que quisesse. E o chefão local usava sua vitória nas urnas
para mostrar que merecia receber os cargos públicos, para si ou seus amigos,
enquanto seus adversários faziam o que lhes era possível para desafiar seu domínio
eleitoral. (GRAHAM, 1997, p. 104).
A vitória nas eleições dava ao político o poder de conceder recompensas, por meio de
nomeações, aos fiéis partidários. “ Algumas vezes os candidatos ofereciam antecipadamente os
cargos àqueles que os ajudariam nas eleições” (Ibidem, p. 130). Da mesma forma, o poder de
nomear também trazia consigo o poder de demitir, sentença dada aos protegidos desobedientes ou
aos adversários. Esse é o mesmo entendimento de Faoro (1999, p. 522) quando afirma que “o
patronato político não distribui somente empregos e cargos, ele enriquece e empobrece seus
protegidos e adversários, num entendimento que o dinheiro projeta além dos partidos”.
Para Graham, à exceção de algumas contestações, o apadrinhamento para ganho
eleitoral não era visto como uma prática vergonhosa, na verdade fazia parte dos costumes sociais
da época. Em suma, a prática compunha o jogo político. Segundo o autor, o próprio Imperador
Dom Pedro II, que por vezes demonstrava inquietação com o patronato, aceitava que poderia se
negligenciar as qualificações dos nomeados para posições “de confiança”. “O clientelismo
vicejava em si mesmo. E o círculo de apadrinhamento-eleições-apadrinhamento fortalecia os
valores do próprio sistema clientelista, baseado na troca de gratidão por favor”. (GRAHAM,
1997, p. 299).
Apesar da exigência de concurso público, a partir de 1872, para o exercício de
algumas funções, o apadrinhamento para conseguir cargos públicos continuou vigoroso.
Antes de participar de um concurso, o postulante ao cargo precisava suprir uma extensa lista
de exigências que ia desde a origem familiar até cartas de recomendações e elogios à sua
conduta. “Em suma, para se obter autorização para participar de concursos era preciso conquistar
a boa vontade de muitos protetores, aos quais se passava a dever favores” (Ibidem, p. 49).
Na Primeira República, a maioria dos cargos também era provida pela nomeação
direta, ou seja, sem concurso público, o que favorecia a prática clientelista. Para Carvalho
(1997, p. 4), “no coronelismo, como definido por Leal, o controle do cargo público é mais
importante como instrumento de dominação do que como empreguismo”. Para José Murilo de
Carvalho, o clientelismo cresce à medida que o coronelismo decresce e o controle de acesso
cargos públicos passa a ser uma das principais moedas dos políticos.
Evidentemente as práticas acima-mencionadas para a obtenção de cargos públicos
não deixaram de existir ao longo do século XX e nem mesmo nos dias atuais, apenas reduziram
em escala, com o advento de leis que pretendiam moralizar o acesso aos cargos públicos.
É sobre essa camada de servidores que detemos nossa análise, isto é, os contratados
por tempo determinado e os que exercem funções comissionadas, tendo em vista que estão mais
vulneráveis ao controle político. Cabe notar que a distinção entre funcionários públicos
estabilizados e instáveis não é recente. Como já foi exposto acima, nos estudos de Weber desde a
constituição do Estado moderno, os funcionários públicos foram se dividindo entre funcionários
administrativos e funcionários políticos.
No Brasil, os servidores concursados gozam de certa autonomia política garantida por
lei. Já os funcionários contratados, especialmente aqueles que têm algum tipo de apadrinhamento,
estão mais submetidos aos interesses políticos. Isso é mais nítido nos pequenos municípios, onde é
possível monitorar com mais precisão as preferências políticas dos eleitores.
No entanto, é importante reconhecer que existem outras variáveis a serem
consideradas dentro do clientelismo, que não implicam apenas na troca de bens materiais, cargos
ou outras benesses por apoio político. Além dos ganhos materiais existe uma gama de
possibilidades de ganhos simbólicos que estão em jogo. Como enfatiza Bezerra (2001, p. 185):
“(correspondências, pequenos favores, visitas, etc.) – não chegam a ser examinados. Quando se
incorporam esses elementos à análise, resulta, entre outros aspectos, que as trocas de benefícios por
votos tornam-se muito menos mecânicas, isto é, deixam de ser uma troca do tipo toma lá dá cá”.
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