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*
Audrey Debei
ABSTRACT: This research work intends to reflect about the role played by third sector.
Therefore, it was necessary to search their theoretical reference, aiming to understand
how is established the organizations of civil society and what are the challengers for
their development.
Key-Words: third sector - non-governmental organizations - philanthropy
O invólucro que permeia o debate sobre o terceiro setor o aponta com “sinônimo
da modernização da ação social contemporânea” (Teodósio, 2002), contudo essa
perspectiva de panacéia aos problemas sociais possui entraves que correspondem às
suas capacidades de revolucionar os valores postos na sociedade capitalista.
As discussões sobre o desenvolvimento de um dito “terceiro setor” têm como
marco conceitual o final da década de 1970, quando Jonh D. Rockefller Third cunha a
*
Docente da Faculdade Interação Americana
expressão “third sector”, na “Commission on Private Philanthropy and Public needs”,
através de uma pesquisa que demonstrava a abrangência das iniciativas privadas com
caráter público e sua integração com a esfera estatal dentro da sociedade norte-
americana.
No mesmo sentido, encontramos o artigo de Nerfin (1987) apresentando a
gênese de um fenômeno social diferenciado, marcado pelo signo da livre participação
de cidadãos em organizações que possibilitassem influenciar o arranjo da vida social
nas diferentes esferas.
No Brasil, podemos apontar o “III Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor”,
realizado no Rio de Janeiro em 1996, como pioneiro na discussão das “formas e limites”
deste setor. Segundo Ioschpe (1997), as ações do terceiro setor agregam uma
variedade de organizações da sociedade civil que não são unívocas em suas
reivindicações, mas que convergem no sentido de tentar desenvolver uma sociedade
mais igualitária e mais efetiva de direitos.
Para uma delimitação da abrangência que engloba o terceiro setor, as
organizações que o compõem vão desde a filantropia tradicional, entendida por
trabalhos de caridade, até instituições multinacionais, com certificações que atestam a
qualidade e a sustentabilidade de seus projetos. Assim, a definição de terceiro setor,
segundo Salamon (1994, p.26) é
no âmbito da empresa - já não era possível, quem sabe então as transformações pudessem ser
preparadas numa outra escala de tempo, trabalhando-se pelas bases do edifício social. Valorizar a
comunidade implicava, portanto, romper - e mais que isso, inverter - a tradição arraigada de ter o Estado
e o mundo do trabalho como referências estratégicas para as lutas políticas e sociais (Fernandes, 1994:
p.52).
1
Vale salientar que essa campanha foi apresentada pelo governo brasileiro como candidata ao Prêmio Nobel da Paz
no ano de 1994.
2
Para essa discussão ver Celso Daniel (2002).
a desigualdade social, mas assinalar para um provável caminho de combate as
desigualdades.
O projeto de emancipação social, que Boaventura propõe, constitui-se em uma
nova concepção de “obrigação política vertical entre os cidadãos e o Estado e uma
nova política horizontal entre os cidadãos” (Boaventura, 2003: p.105), sendo que ambas
devem ter como premissa a revalorização do princípio de comunidade pautado em
valores como igualdade e solidariedade. Essa valorização da comunidade como “um
conjunto de relações sociais nas quais se criam identidades coletivas que se vinculam
nas esferas espaço-tempo”(Boaventura, 2003: p. 57), convergem com a abordagem de
Castells (2000) em A Sociedade em Rede, uma vez que analisa uma nova dinâmica
social baseada na difusão de novas tecnologias de informação e comunicação que
permitiram não somente aumentar e agilizar o fluxo de capitais, como também, na
esfera dos ativismos sociais, permitiu uma articulação dos movimentos sociais que
somente foi possível nesta sociedade da informação.
De fato, as concepções de redes como organizadoras de uma cidadania
planetária estão baseadas em grande parte nos postulados de Durkheim e seu
entendimento da sociedade como um organismo vivo no qual desenvolve-se uma forma
de solidariedade capaz de manter a coesão social, e em Capra (1996 e 2002), A Teia
da Vida e As Conexões Ocultas, na qual identifica a “fisiologia” das redes como um
padrão comum a todos os organismos vivos, isto é, aludindo a proposição de que tanto
os organismos vivos, como à articulação de ativismos sociais se dão em forma de rede.
Castells (2000) aponta que a novidade dessas redes reside no fato de
possibilitarem que os relacionamentos episódicos entre diversos atores sociais se
transformassem em uma forma de prática corrente e se configurassem como uma
resposta coletiva a demandas sociais, se revestindo, portanto, como forma de
expressão da organização coletiva no plano nacional e internacional.
Segundo Castells (1999, p.497), redes são definidas como,
a nova morfologia social de nossa sociedade, e a difusão da lógica de redes
modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos
produtivos e de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização
social em rede tenha existido em outros tempos e espaço, o novo paradigma da
tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão
penetrante em toda a estrutura social.
Considerações finais
É possível perceber que o terceiro setor e suas diversas organizações propõem
uma outra possibilidade aos excluídos de poderem tomar para si o governo de suas
vidas, ou seja, a perspectiva de emancipação social não mais se limita ao viés da
vanguarda da sociedade ou de uma classe especifica, ao contrario pode ser promovida
por um agente transformador do sistema que tenha legitimidade ou em sua comunidade
ou na escala global.
Neste momento, o posicionamento fundamental que o terceiro setor necessita
assumir perpassa por duas dimensões: a de se limitar como uma aresta que encobre as
mazelas do sistema capitalista e que perpetua a desigualdade, ou ser uma
possibilidade de mudança do sistema econômico e social que minora as desigualdades
e recupera valores sociais maiores, como a solidariedade.
Investimentos para essa empreitada não faltam, pois de acordo com pesquisa
realizada pelos institutos IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), IPEA
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Gife (Grupo de Instituições, Fundações e
Empresas) e Abong (Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais),
em 2003, o crecimento do terceiro setor, no Brasil, entre os anos de 1996 e 2002, foi
157%, tornando-o o segmento econômico com maior taxa de crescimento do período.
Outra pesquisa de caráter similar realizada nos Estados Unidos, pelo Conselho
Nacional das Entidades Filantrópicas, também em 2003, contabilizou o investimento do
setor na monta de 1,76 trilhões de dólares, o que pode ser comparado ao PIB da sexta
economia mundial.
No Brasil, a pesquisa realizada pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião)
apontam que os recursos disponibilizados pelo terceiro setor no país no ano de 1995
correspondiam à cerca de 1,5% do PIB nacional, ou seja, aproximadamente R$ 10,9
bilhões de reais. Esses dados são um referencial para as potencialidades de ações
inclusivas e de emancipação para as populações menos abastadas que o setor pode
promover.
O centro de estudos norte-americano, The Johns Hopkins University - Institute for
Policy Studies Center for Civil Society Studies, também realizou uma pesquisa que
quantifica o percentual de recursos disponibilizados pelo terceiro setor em relação aos
produtos internos brutos dos países mais industrializados como Estados Unidos, Reino
Unido e Alemanha, e apresentou os seguintes números 6,30%, 4,80% e 3,60%
respectivamente. Este dado se demonstra relevante na medida em que aponta para
uma dimensão de expansão do setor.
Assim, entendemos que o surgimento desse novo potencial não deve se
contentar com os limites impostos pelo capitalismo, mas deve transformá-lo através de
“uma poupança solidária, de investimentos responsáveis e um consumo engajado e
justo” que nos leve a uma nova ética social (Rouillé D’orfeuil: 2002, p.48).
Devemos relembrar que, atualmente, essas organizações não estão pautadas
sob o signo exclusivo da benemerência e necessitam se mostrar como organizações
profissionalizadas, utilizando-se de dispositivos e mecanismos desenvolvidos pelos
sistemas administrativos- financeiros, tais como a forma mais apropriada de gestão dos
recursos financeiros.
É importante ressaltar que independente da matiz histórico-social essas
organizações tem como característica fundamental o fato de suas ações se dedicarem
a promoção do bem comum, bem como o ativismo social ter sua raiz na organização
espontânea, isto é, não responde a uma hierarquia pré-determinada permitindo que
coabite uma grande diversidade de ações.
Essas mobilizações têm um poder de interferência na organização da vida social
em escala global, ou seja, um poder de abrangência jamais possível às ações
congêneres passadas. Esse ativismo é marcado por inúmeras temáticas, e diversos
campos de ações.
De fato, as ações propostas e realizadas pelas organizações da sociedade civil
têm ao mesmo tempo o viés da solidariedade próxima a tradicional filantropia e o
caráter contemporâneo de possibilidade de organização da vida social de forma
espontânea na qual a interação entre as partes pode ser tanto virtual como real.
Certamente que essas atuações marcam de forma definitiva uma nova relação
entre os indivíduos e sua inserção nas diferentes escalas de poder, pois sua
participação no cotidiano não se restringe a uma adequação as condutas sociais, mas a
promoção e o cuidado com as diferentes gerações, desenvolvendo-se desta forma uma
nova perspectiva de direitos e liberdades.
Por último, podemos ponderar que o ativismo das organizações sociais, de certa
forma, supre uma parte das mazelas sociais, acenando com a redescoberta da
comunidade e o desenvolvimento de valores democráticos, estabelecendo um contrato
social de caráter público e universal.
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