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Étic a Profissional (12º ano)

Módulo 1. - Abordagem introdutória ao estudo da Ética.

O tema da ética não é novo. Com regularidade ouvimos um pouco de todos os quadrantes da nossa
sociedade que urge uma aposta séria numa postura ética para que o nosso mundo não se transforme
rapidamente numa selva, onde a lei do mais forte acaba por imperar e onde o mais frágil e mais fraco não
sobrevive e não tem lugar para viver com dignidade.

A convivência em sociedade leva as pessoas a realizarem entre si,


diariamente, grande número de relacionamentos, com o objetivo de se
conseguirem alcançar determinados objetivos, os quais podem ser de
natureza individual (particular) ou coletiva (envolvendo o conjunto inteiro da
sociedade ou grande parte da mesma). Estes relacionamentos são fortemente
influenciados por aspetos ligados ao comportamento humano que, por sua vez,
recebe influência das crenças e valores que cada pessoa leva consigo. É de se
esperar, portanto, que alguns conflitos surjam entre as pessoas envolvidas nos
vários tipos de relacionamentos existentes no seio de uma sociedade,
uma vez que podem procurar objetivos antagónicos.

Tomemos, como exemplo, o caso de uma pessoa que entra numa loja com
o objetivo de adquirir um aparelho eletrodoméstico. Certamente que na loja irá encontrar alguém com o
objetivo de vender eletrodomésticos. Para que ambos os objetivos - o de comprar e o de vender - sejam
concretizados, é imprescindível que um "relacionamento comercial" seja mantido entre as partes.

Neste exemplo, o relacionamento envolve pessoas com objetivos opostos: um pretende comprar,
enquanto que o outro pretende vender. Deste relacionamento várias questões poderão surgir, tais como:
marca e preço do produto, condições de pagamento, prazo de entrega, etc. Na discussão para resolver tais
questões, cada lado assumirá uma posição e comportamento próprios, dentro daquilo que acreditam ser
certo e justo para a situação. Desse modo, os objetivos individuais só serão atingidos se ambas as
partes, não obstante as posições opostas, chegarem a um ponto de entendimento comum.

O principal desafio dessas questões, particularmente as mais complexas, é encontrar o "ponto de


entendimento", eliminando se possível ou, no mínimo, atenuando o conflito de interesses que envolve as
pessoas em cada situação.

Para que seja possível uma convivência pacífica no âmbito de cada sociedade, da mesma forma que entre
sociedades distintas, torna-se necessário que cada pessoa individualmente, dentro das fronteiras
delimitadas pelas suas crenças e valores, assuma comportamentos que respeitem os seus semelhantes,
naquilo que é de seu direito, ou dito de outra maneira, é necessário que os próprios agentes contribuam
para que se atinja o ponto de entendimento necessário ao relacionamento recíproco.

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O homem em sociedade.

Desde o seu nascimento e ao longo de toda a sua existência, o homem vive em sociedade; daí a
afirmação axiomática de que "o homem é um animal social por excelência". Sem dúvida que viver em
sociedade é inerente à condição humana, é atributo das várias sociedades e visa assegurar a
sobrevivência e, portanto, a continuidade da própria espécie.

O termo sociedade pode ser definido de várias maneiras, sempre em função do contexto no qual ele se
encontra inserido. Tomemos a seguinte definição: «integração verificada entre duas ou mais pessoas,
que somam esforços para que determinado objetivo seja alcançado». A integração entre pessoas só
se torna possível a partir do momento em que exista um relacionamento estabelecido entre as
mesmas, ou seja, viver em sociedade significa a manutenção de relacionamentos entre os membros
que a compõem.

Muitos e de diversas naturezas são os relacionamentos estabelecidos no quotidiano pelo ser


humano. Partindo-se do relacionamento primário que ocorre envolvendo pais e filhos, é possível atingir
muitos outros que podem ocorrer na escola, no trabalho, na religião, saúde, lazer, etc. Cada um desses
relacionamentos tem uma razão particular para existir e, naturalmente, busca objetivos específicos.
Podemos, então, olhar cada um deles como uma sociedade em particular como, por exemplo,
sociedade matrimonial; sociedade profissional; sociedade religiosa; sociedade de lazer; sociedade
de saúde; sociedade militar, etc.

A quantidade de relacionamentos existentes entre os membros de determinada sociedade, torna


complexa a vida em comum. Em princípio, essa complexidade reside no facto de uma mesma pessoa fazer
parte de várias sociedades, que procuram atingir objetivos opostos.

Devemos ainda lembrar que o facto de cada tipo de sociedade ter um motivo específico para existir e
objetivos próprios a conseguir não significa que as sociedades existam independentemente umas das outras.
Na verdade, existe um inter-relacionamento direto e constante entre os diversos tipos de sociedades, ou
seja, os objetivos de cada uma delas para serem atingidos, na maior parte dos casos, dependem do
relacionamento que a sociedade mantém com as demais. Vejamos, por exemplo, a sociedade
matrimonial. Normalmente, entre os seus objetivos encontramos: criar os filhos proporcionando-
lhes segurança, educação, saúde, lazer, etc. Dificilmente, qualquer um desses objetivos será alcançado
sem que aquela sociedade conte com a existência de várias outras, tais como: empresas, polícia, escolas,
clínicas médicas, etc.

Todos os tipos de sociedade até aqui citados podem ser vistos como componentes de uma sociedade mais
ampla, limitada por fronteiras geográficas, tais como bairros, vilas, cidades, estados, países. Sociedades
desse tipo têm os seus próprios objetivos, entre os quais se destacam a conservação da cultura, o bem-
estar dos seus habitantes, a manutenção das suas fronteiras, etc.

Em resumo, de acordo com a sua vontade, cada homem está obrigado a conviver com os demais, e esta
convivência transcende fronteiras entre as pessoas, isto porque, para atender aos seus anseios ao longo da
vida, ou seja, para alcançar os seus objetivos, cada pessoa em particular, e a sociedade na qual ela convive,
está obrigada a manter relacionamentos com as demais.

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Problemas morais e éticos.

O facto das pessoas fazerem parte de uma mesma sociedade não implica que elas sejam iguais, isto é, que
pensem da mesma forma, que acreditem nas mesmas coisas, que individualmente busquem o mesmo
objetivo, que desejem atender às mesmas necessidades, etc. De modo geral, cada pessoa transporta os
seus próprios valores e as suas próprias crenças. É natural, portanto, que, adicionalmente à
constatação de que cada sociedade tem os seus interesses próprios, cada pessoa, de modo individual, tenha
os seus interesses particulares.

Considerando-se que cada pessoa apresenta as suas próprias crenças e os seus próprios valores, na tentativa
de alcançar os seus interesses particulares, a fim de ver supridas as suas necessidades, é fácil imaginar que
ela tenha, da mesma forma, a sua maneira própria de se comportar.

A procura de objetivos diferentes por parte de pessoas que se comportam de maneira desigual, isto é, a
busca de interesses distintos, intra e intersociedades, conduz ao surgimento de conflitos de
interesses, algumas vezes entre indivíduos, outras entre o indivíduo e a sociedade, o que significa
que em determinados momentos as pessoas precisam de decidir qual interesse atender em primeiro
plano, qual comportamento adotar diante de determinadas situações, ou seja, decidir sobre o
que é justo, o que é certo, o que é errado, o que é bom, e o que é mau.

Tais conflitos de interesses, envolvendo questões sobre o justo, o certo, o errado, o bom, o mau, etc., em
várias situações, diante do comportamento adotado pelas pessoas, individualmente ou pelas sociedades
como um todo, podem trazer como consequência prejuízos capazes de atingir tanto quem assumiu o
comportamento (tomou a decisão) em defesa do seu próprio interesse, quanto quem teve o seu interesse
contrariado.

Tome-se, por exemplo, um aluno que procura "copiar" do seu colega do lado, durante um exame. De tal
situação, podemos destacar dois comportamentos distintos do aluno: o primeiro respeita ao facto de não se
ter preparado adequadamente para o exame; o segundo, refere-se ao ato de pedir ao colega para
copiar. O primeiro comportamento, ainda que contrariando o objetivo do professor (preparar o aluno),
traz prejuízo para o aluno que não procurou uma preparação adequada. Já o segundo comportamento,
que contraria, da mesma forma, o objetivo do professor (avaliar o grau de preparação do aluno), pode
trazer prejuízo tanto para o aluno que pede para copiar, como para o aluno que deixa copiar. Numa visão
mais ampla, o comportamento do aluno que copia acaba por prejudicar o objetivo da própria escola,
naquilo que diz respeito à preparação das pessoas para a sociedade, pelo que, em termos mais
alargados, podemos concluir que é a própria sociedade que acaba por ser prejudicada.

Podemos assim dizer que o dia a dia nos apresenta muitas situações nas quais, em virtude das
decisões tomadas, dos comportamentos assumidos e dos interesses contrariados, vários são os
prejuízos individuais ou coletivos que são causados. Destaquemos mais algumas dessas situações:

- o carro que avança num semáforo vermelho;

- o funcionário que aceita um suborno;

- o marginal que realiza um assalto;

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- uma discussão entre claques de futebol;

- um conflito entre gangs de rua;

- a guerra entre dois povos, etc.

Como se percebe, ainda que o ser humano seja obrigado a viver em sociedade, tal convivência nem sempre
é pacífica, sendo tão mais difícil quanto maiores forem os conflitos de interesses nela existentes.

É bom recordar que quanto maior for a distância existente entre as condições de vida de cada
segmento da sociedade, mais complexa se torna a solução para tais conflitos.

A questão que se coloca então é: o que é correto quando o interesse de determinada pessoa contraria o de
outra, isto é, o que é certo ou errado, bom ou mau, justo ou injusto, para todas as pessoas?

Todos esses problemas, tão presentes em qualquer sociedade, e relacionados com o comportamento das
pessoas, podem ser apontados genericamente como problemas ligados à Ética. Destes, resultam
questões e dilemas éticos, como:

- Devo sempre dizer a verdade ou existem ocasiões em que posso mentir?


- Será que é correcto encobrir um colega que procedeu mal?
- Devo ajudar um amigo em perigo, mesmo correndo risco de vida?
- Os soldados que matam numa guerra, podem ser moralmente condenados pelos seus crimes ou estão
apenas a cumprir ordens?
- Devo cumprir a promessa que fiz ontem ao meu amigo, embora hoje perceba que o seu
cumprimento me causará certos prejuízos?

- Se alguém, à noite, se aproxima de mim de maneira suspeita e desconfio que me vai atacar, devo agredi-lo
primeiro a fim de não correr o risco de ser agredido, sabendo que ninguém saberá que o fiz?

- Quem, numa guerra, sabe que o seu melhor amigo está a colaborar com o inimigo, deve calar-se, por
causa da amizade, ou deve denunciá-lo como traidor?

- Podemos considerar bom o homem que se mostra caridoso com o mendigo e com instituições, mas que
como patrão explora impiedosamente os operários e os empregados da sua empresa?

Considerando-se que cada pessoa não pode viver sem as demais, torna-se necessário que os seus
conflitos de interesses sejam ultrapassados e que seja estabelecido um estilo de comportamento que,
mesmo não servindo a cada uma em particular, sirva a todos enquanto sociedade.

Entender os conflitos existentes entre as pessoas, buscando as suas razões, como resultado direto
das suas crenças e valores, e com base nisto estabelecer tipos de comportamento que permitam a
convivência em sociedade, é o objetivo de estudo da Ética.

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Moral, Direito e Ética.

Desde os primórdios da humanidade que as atividades fundamentais como a procura de alimentos, a


construção de abrigos ou a invenção de artefactos, exigiram a cooperação inteligente e o esforço
partilhado entre os indivíduos que constituíam o grupo. Essas atividades grupais, cada vez mais
complexas, geraram a necessidade de uma organização social que garantisse uma participação mais
produtiva em áreas tão sensíveis como eram a sobrevivência do grupo. Daí que todo o grupo social possua
normas, princípios e critérios valorativos que regulam a conduta de quantos integram esse grupo e
levam a que as formas de conduta estejam perfeitamente balizadas. Estas normas, ideais e valores
determinam modos gerais de comportamento e expetativas relativamente à tradição desse mesmo
grupo.

Moral é a ciência que ensina as regras que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal (Del Toro
y Gisbert, 1969). O termo «moral» provém do latim «mores» (no plural), que significa costumes, modos
de se comportar; e «moralis» que significa moralidade.

Nos dias de hoje o conceito moral é utilizado tendo em consideração a intencionalidade do


comportamento, ou seja, tendo em linha de conta o impulso voluntário pelo qual se prefere atuar de forma
determinada. Isto porque, sendo as atitudes e os comportamentos dos indivíduos orientados por normas,
ideais e valores próprios do seu grupo social, este é um processo que se interioriza de modo impercetível na
consciência de cada um. Assim, a moral adquire-se, mediante a aprendizagem ao longo da vida, daquilo que
é devido, do que é bom ou mau. E tendo mesmo os sistemas de valorização moral relação com as
exigências sociais de cada etapa histórica, podendo o sentido social dos conceitos morais variar de uma época
para outra, o seu conteúdo moral conserva-se mais ou menos igual.

Assim, viver em comunidade significa a partilha de esquemas valorativos comuns, mas também a
necessidade de adaptação de cada indivíduo à vida social no respeito das suas normas, o que
pressupõe cumprir uma série de deveres e obrigações, ao mesmo tempo que possui um conjunto de direitos
e privilégios. Daí que a organização social tenha conduzido necessariamente ao estabelecimento
de mecanismos de controlo e sanção orientados para a regulação dos comportamentos coletivos.

Do latim directus, "que segue regras pré-determinadas ou um dado preceito", temos o Direito
enquanto conjunto de leis que regulam as relações entre os membros de uma dada sociedade. O Direito
espelha a moral, mas estabelece formas de punição para os que não acatam as leis, podendo implicar a
prisão ou punições mais graves.

Uma vez que toda a sociedade está interessada em preservar o seu bom funcionamento, moral e
legalmente, pede aos indivíduos uma consciência ética de tal forma que cada um atue do modo como se
espera que atue. Eis porque a ética adquire importância em toda a dinâmica social.

Etimologicamente, ética, deriva de ethos que significa costume que, no latim, foi traduzido por mos e mores no
plural. É deste último vocábulo que surgem as expressões moral e moralidade. Assim, do ponto de vista
etimológico, a ética consiste no estudo dos costumes humanos.

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Os costumes incluem, por um lado, aquilo que diz respeito às práticas comuns ou convenções sociais que
definem o caráter próprio de um grupo ou nação, por exemplo, a forma de saudar, a maneira de vestir, as
normas sociais de etiqueta, as normas de cortesia, etc. Estas normas variam de uma para outra região, de
uma para outra época e podem, inclusive, ser mudadas pela própria sociedade. Por outro lado, os costumes
levam em si mesmo outro tipo de práticas mais transcendentais, que refletem o caráter e o modo de ser
das próprias pessoas: por exemplo, a atitude perante os pais e os professores, o respeito pela
honestidade, a valorização da liberdade, o respeito pelas leis e os direitos humanos, os quais se relacionam
com a natureza social e a essência espiritual do ser humano. É deste tipo de costumes também referidos à
moral, de que trata a ética.

Ao debruçar-se sobre o desenvolvimento e o funcionamento da moral, o papel dos valores e as


tradições morais na sociedade, a ética é um ramo da filosofia que lida com o que é
moralmente bom ou mau, certo ou errado. Pode-se dizer, também, que ética e "filosofia da moral"
são sinónimos.

O que parece ser uma definição simples e de fácil aplicação é, na realidade, um conceito complexo, pois
engloba juízos de valor, não tão fáceis de ser aplicados.

O uso popular do termo ética tem diferentes significados. Um deles, sempre mencionado, é que ética diz
respeito aos princípios de conduta que norteiam um indivíduo ou grupo de indivíduos. Assim, a expressão
ética pessoal é normalmente aplicada em referência aos princípios de conduta das pessoas em geral. No
mesmo sentido, a expressão ética profissional serve como indicativo do conjunto de normas que baliza a
conduta dos integrantes de determinada profissão.

O ser humano emite, por natureza que lhe é própria, juízos de valor em relação a si próprio e aos outros.
Através desses juízos enuncia aquilo que está bem e aquilo que está mal na conduta dos indivíduos, ao
mesmo tempo que expressa aquilo que devia fazer. Tudo isso num determinado contexto. Perante esta
realidade a filosofia coloca, através da ética, o estudo do comportamento humano em termos de bom e
mau, apenas para se referir ao que deveria ser. Deste modo, a questão do dever ser passa a ser a
caraterística que define e distingue a ética das restantes disciplinas. Assim, a ética define-se como sendo
uma disciplina da filosofia que estuda o «dever ser» do comportamento humano.

A ética estabelece os critérios de valorização moral, de liberdade e responsabilidade individual. Ocupa- se da


ação humana a partir do «dever ser». Diferencia-se das outras ciências que estudam o «quê», o
«como» e o «porquê» do comportamento humano, como acontece com a antropologia, a sociologia e a
psicologia. A ética carateriza-se por utilizar uma linguagem valorativa e prescritiva ou normativa (através
da moral), em vez de uma linguagem descritiva como outras ciências. A ética conduz à reflexão acerca do
bom e do mau. Com base nos princípios éticos, o indivíduo toma decisões e orienta as suas ações a partir de
motivações de tipo moral ou legal.

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A Pessoa, sujeito da ética.

Falarmos de ética sem falarmos do ser humano é uma tarefa impossível, dado que é a dimensão ética que
distingue o Homem de todo o restante Universo. É, aliás, a ética que decide o que é “humano”, como
defende Luiz Carlos Susin. Ao lado da pergunta sobre a ética, está sempre a pergunta radical sobre o que é
o Humano. O ser humano, esvaziado da sua dimensão ética, acaba por anular a caraterística basilar do
seu ser Pessoa, que é a sua Dignidade como Humano. Assim, a ética dirige-
se sempre ao Ser Humano, tornando-se este o sujeito da ética. Aquele a quem a reflexão
ética se destina e para quem a ética se orienta. A relação da ética com o ser humano é tão
estreita e profunda como o é a relação entre a conceção do ethos ou sentido do humano e a sua
realização, como ser humano e como Homem em relação com os outros. É esta relação do Homem
com os outros, que partilham a sua existência e o espaço físico que a todos pertence, que é o
objeto de estudo da ética. A ética procura uma reflexão sobre a problematização dos sentidos
possíveis do Humano na sua relação primordial com os outros, enquanto Pessoa, com a sua dignidade
absoluta de ser humano e a sua dignidade enquanto ser humano num contexto histórico e
sociocultural definido. O comportamento ético na relação humana não pressupõe apenas o
cumprimento de um dever, mas deve ter como pano de fundo a dignidade humana e a realização do ser
humano em todas as suas dimensões. A ética abrange a Pessoa não como um dever formal de
regulação das relações, mas como um imperativo moral da essência do ser humano como Pessoa.

Sendo uma ciência filosófica, e tratada como tal pelos pensadores e académicos, a ética acaba por se
concretizar nas ações, comportamentos e atitudes da Pessoa e, por isso, esta é o fundamento e o
sujeito da ética. É um ser aberto que supera a esfera da mera natureza e da dimensão instintiva que está
também presente no humano, superação essa que leva à transformação do humano no Homem
em relação com uma dignidade absoluta que se posiciona acima de qualquer outra razão de
existência.

Cada ser humano individual é diferente de outro, mas tem com ele em comum, a natureza humana. Quando
falamos de dignidade podemos diferenciar entre dois tipos: uma dignidade intrínseca, inseparável da
natureza humana, imutável, uma espécie de número de chassi do ser humano, e uma dignidade
extrínseca, ou “virtuosa”, que se adquire por repetição de
atos bons. Assim, por menor que seja a dignidade extrínseca de uma
pessoa, não podemos esquecer que já tem dignidade pelo simples facto de
ser Pessoa.

A luta pela vida, com a vitória e a seleção dos melhores, dos mais fortes, onde
os mais frágeis pouco podem, onde os mais fracos são eliminados, tornou-se
rapidamente uma das caraterísticas mais terríveis dos modelos económico-
sociais do neoliberalismo. E também aí a questão se impõe: será ser mais
humano eliminar os mais fracos? Será mais humano insistir
na repartição desigual da riqueza criada e produzida? Será ser mais
humano ficar calado perante uma situação onde o lixo da
superabundância de uns entope e inviabiliza a miséria e a necessidade de
tantos outros? O ser humano não pode ser nem uma mera organização
de leis naturais, nem tão pouco um escravo de correntes económicas e financeiras em torno das quais tudo é
delineado. O centro de toda a atividade humana reside na sua dignidade e na Pessoa Humana como centro e
fundamento de toda a sua ação.

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Universalidade e relatividade da ética.

Serão universais os princípios éticos? Uma discussão que se coloca desde a época pré-socrática diz respeito à
universalidade da ética, isto é, acerca do seu caráter geral, da sua aplicabilidade a todas as
circunstâncias e à sua validade em todos os âmbitos e contextos. Esta discussão iniciou-se quando Górgias
afirmou que a moral é puramente circunstancial, um produto das circunstâncias e que varia de acordo com a
condição do agente: a acção que num homem pode ser moral, poderia ser imoral numa mulher ou numa
criança. A virtude varia de acordo com a atividade de cada um, de acordo com a idade e relativamente a
cada ação e a cada ser humano.

Górgias referiu que não se podem fixar normas éticas válidas para todos os indivíduos nem sequer para um
grupo deles, mas sim que em cada ocasião concreta e determinada, cada um tem de perceber o que é
moral e o que não é. Não há possibilidade de formular qualquer lei moral uma vez que a moral é ocasional.
Para Protágoras, a moral consistia num conjunto de regras de caráter mais ou menos geral, estabelecidas
por um grupo social e dotadas de validade universal para esse grupo. Alguns princípios éticos, porém,
poderiam ser generalizados por serem considerados válidos em qualquer sociedade ou cultura, mas, em
todo o caso, sempre se manifestarão de modo particular em ações pessoais do indivíduo, de acordo com as
caraterísticas, condições e natureza do grupo social no qual participa.

Serão absolutos os princípios éticos? Por outras palavras, serão os juízos éticos omniformes e sem
restrições? Será a ética um conceito supremo, não condicionado e independente da decisão humana? O
caráter ético das ações humanas, segundo o qual se ajuíza o comportamento próprio ou alheio, implica:
tomada de consciência, atitudes pessoais e tomada de decisões.

A atitude ética deriva de posturas pessoais que cada um decide livremente. Assim, o
comportamento ético é relativo, varia de um grupo social para outro e até, de um indivíduo para outro.
São fatores importantes na conduta ética a convicção pessoal e o uso da liberdade, assim como a sua
influência nas ações individuais dentro do contexto social.

Até que ponto é o ser humano realmente livre para adotar as suas próprias posturas éticas? Devemos pensar
apenas no que é melhor para a nossa «boa vida» ou pensar no que é correto? A resposta a estas
perguntas leva-nos a inferir que a conduta humana não é totalmente assética (imune) pois envolve
outros seres humanos, o que dá um caráter controverso e complexo ao tema da ética. Assim, o
comportamento ético é valorizado como bom ou mau, correto ou incorreto a partir de postulados ou princípios
valorativos que levam a determinar se um ato é justo ou injusto, honesto ou desonesto, permitido ou
proibido, na relação com os outros. Isto é, a essência valorativa do comportamento ético transcende a
dimensão individual e adquire relevância no contexto social na medida em que tal conduta é assumida e
aceite pelo coletivo. Neste contexto, os códigos éticos podem ser partilhados ou recusados por todos os que
fazem parte de grupos sociais, ou em certas ocasiões, pelas distintas gerações.

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Os valores.

A vida de cada um de nós é construção humana que se vai realizando a partir da concretização de projetos.
Esta vida concreta, que se vai definindo à medida que vamos vivendo, tem como ponto de partida a
situação concreta de cada um de nós. A forma como vemos o mundo ou interpretamos a realidade está
dependente da forma como somos capazes de olhar para ela. A magia que colocamos em cada olhar e a
poesia que deixamos transparecer em cada relação podem transformar uma realidade que à partida
pode parecer fria, inóspita e incómoda.

Na sua relação com os homens, os objetos, as circunstâncias e os factos adquirem uma realidade de
natureza diferente – tornam-se úteis, belos, agradáveis, desejáveis, ou os seus opostos, inúteis,
horríveis, indesejáveis. A essa outra realidade que as coisas adquirem ao humanizar-se,
chamamos valor.

O homem não se limita a estar passivamente perante a realidade. Ele habita o mundo como um ser
complexo que deseja, que possui paixões, sentimentos e interesses. A sua posição face à realidade nunca é
completamente neutra e objetiva, pois ela transporta sempre consigo uma visão ideal da realidade e
revela um desejo de a humanizar. No ato essencialmente humano de criar valores é também a si próprio
que o homem se recria.

Mas, afinal de que falamos quando falamos de valores? Importa, talvez, começar pelo sentido
etimológico do termo. A palavra Valor (do latim) significa força, coragem, valentia. Valor é, no entanto,
uma palavra frequentemente usada na nossa vida diária e tem hoje uma ligação direta com a economia:
carro de valor, ter valores no banco, bolsa de valores. Em sentido abstrato, valor é a propriedade ou
caráter daquilo que não é somente desejado, mas desejável. O termo valor tem, então, um campo
de ação extremamente amplo: a justiça, o amor, o prazer, a aventura, a liberdade, a paz, a
solidariedade são valores em sentido abstrato porque correspondem a aspirações da consciência.

Valorizar tem a mesma raiz que avaliar, e é um vocábulo com afinidade com as expressões apreciar,
reconhecer e aceitar. Valorizar é dar valor a algo ou a alguém. E é porque somos capazes de criar e atribuir
valor ao que nos cerca, que a realidade em que vivemos não se reduz a um painel cinzento onde
desfilam acontecimentos, fenómenos, os quais só nos restaria traduzir racionalmente em números e/ou
leis. Por isso, o nosso quotidiano, o nosso viver do mundo, constitui-se no entrelaçamento dos
valores que criamos, quer sejam apenas nossos, quer sejam partilhados com outros homens, como herança
cultural e produtos da sociedade a que pertencemos.

Todas as pessoas têm necessidade de se colocarem a si mesmas critérios de atuação bem como uma série de
crenças, convicções e aspirações.

São os valores enquanto conjunto de crenças, convicções e aspirações que formam a nossa «filosofia de
vida». Revelam-se assim, guias de atuação que dão aos atos humanos um determinado
significado.

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A forma como vemos o mundo ou interpretamos a realidade está dependente de valores. Estes, além de nos
permitirem dar um sentido ao universo que nos rodeia, condicionam a nossa forma de pensar, as
ações e o sentido dos comportamentos humanos.

Todos nós aspiramos aos valores quando formulamos critérios para a nossa atuação: «Não há mal que não
venha por bem»; «Faz o bem sem olhar a quem». Todo o ser humano tem que formular critérios de
atuação para distinguir entre o que é e o que deve ser, o bom e o mau, o correto e o incorreto. Aspiramos
à realização de valores na nossa própria vida quando nos parece importante distinguir entre uma ação
justa e outra que é injusta, quando apreciamos e reconhecemos o valor da honestidade, bem como quando
criticamos ou recusamos o comportamento desonesto. A nossa vida procura a realização dos valores
quando nos sentimos responsáveis pelas nossas próprias ações. Responsabilidade é responder por aquilo
que fazemos, que não fazemos ou que omitimos.

Qualquer organização, para ser criada, desenvolver-se e poder chegar aos outros, tem de ter como
fundamento um conjunto de valores. Só assim podemos entender que cada grupo social procure cumprir
um objetivo ou uma missão.

Os valores permitem alguma classificação. Se isto é possível, como classificar os valores? Uma forma de
os visualizar com uma certa ordem, é a seguinte:

a) Valores vitais: Os seres humanos, tal como os animais, têm instintos de conservação e de
sobrevivência. Preocupam-se com a saúde ou a doença. Falamos de mal-estar e bem-estar porque é
essencial para todo o ser humano, aumentar, proteger e cuidar a sua vida, no sentido biológico do termo.
A essência dos valores vitais é a proteção da vida.

b) Valores económicos: os aspetos económicos estão presentes quando nos referimos à abundância ou à
escassez, quando falamos de caro ou barato, de necessário ou supérfluo. Poupar ou gastar são as dimensões
deste valor. A essência do valor económico é a busca de segurança.

c) Valores intelectuais: verdade ou falsidade, certo ou provável, subjetivo ou objetivo, são


categorias para este valor. Buscamos este valor quando queremos compreender a realidade que nos rodeia.
A essência do valor intelectual é a busca da verdade.

d) Valores estéticos: Beleza ou fealdade. No nosso agrado ou desagrado relativamente às


manifestações artísticas como a música, a pintura, a escultura ou a arquitetura dá-se a nossa
interpretação do estético. Este valor tem duas dimensões: a do criador e do espectador. A essência do valor
estético é a busca da beleza.

e) Valores ético-morais: justo ou injusto, honesto ou desonesto, respeito para consigo mesmo e para
com os outros ou agressão, supõem a realização do ético, a fim de entender a vida em função de direitos e
obrigações. É a tendência a um dever ser. A essência do valor ético é a busca do bem.

f) Valores religiosos: sagrado ou profano, terreno ou místico. É o afã de interpretar a existência em função
de um significado espiritual. A essência do valor religioso é a busca da transcendência.

g) Valores político-sociais: democracia ou ditadura, solidão ou convívio, egoísmo ou solidariedade, ordem


jurídica ou anarquia.

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A lista apresentada não é exaustiva nem, muito menos, indiscutível. É uma simples tentativa de
orientação no universo denso e complexo dos valores. Exige, contudo, esclarecer as caraterísticas dos
valores:

1.BIPOLARIDADE - Algo tem valor quando se contrapõe ao que não o tem. Por outras palavras, os valores
apresentados, em geral, têm um pólo negativo e um pólo positivo. Os valores, em geral, desdobram-se
num valor positivo e no seu pólo negativo, ou contravalor. Por exemplo, bem/mal; saúde/doença;
belo/feio, conhecer/ignorar, etc.

2.HIERARQUIZAÇÃO - Há valores que têm mais valência do que os outros. Quando decidimos adquirir um
determinado objeto ou realizar uma certa ação, fazemo-lo porque preferimos esse objeto ou ação, em
detrimento de outros. Valoramos aquilo que consideramos mais ajustado, mais digno e mais estimável. Tal
como preferimos alguns objetos, também damos mais importância a uns valores, considerando-os superiores
a outros. Podemos considerar como exemplo os valores políticos: podemos considerar mais valiosa a
liberdade de expressão do que a segurança, atribuir mais valor à dimensão económica que à social, etc.
Podemos ainda considerar como mais importantes os valores sensíveis que os espirituais, podemos
considerar preferível a beleza, à bondade, e por aí adiante. Cada pessoa, cada grupo, cada meio social
estabelece uma escala de valores, hierarquiza-os.

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QUAIS OS VALORES DA NOSSA SOCIEDADE?

A nossa sociedade atual está toda ela montada em torno de uma catastrófica interpretação do famoso
«Aproveita o dia» (carpe diem) de Horácio [poeta latino 65-8 a.C.] (Odes, I, 11, 8).

Com efeito, aquilo que para o poeta consistia num apelo à vida autêntica, num convite à capacidade para intensificarmos
a realização dos nossos possíveis desejos, em súmula, na mensagem ética valorizada do investimento numa vida mais qualitativa
e digna, numa vida boa em sentido pleno, tornou-se, na interpretação permitida pela mediação poderosa e bárbara da
moderna tecnologia, numa intensificação dos padrões quantitativos, homogeneizadores e mensuráveis da existência.

O que vale não é o que torna as pessoas interiormente mais ricas, o que amplia o seu desempenho como cidadãos
válidos, como interlocutores no diálogo social e afetivo, como agentes culturais. O que vale é apenas o que pode ser traduzido em
consumo energético e de matérias-primas, em aumento da produção de resíduos e de poluição. O que valorizamos como
sociedade é o que permite o aumento do PNB (Produto Nacional Bruto), da produção e do crescimento. O que idolatramos
coletivamente é o que permite maior aquisição de bens materiais, férias em locais mais longínquos, de preferência acessíveis
apenas de avião, carros com motores mais potentes, enfim, os sucedâneos do
«Progresso», esse deus que há muito substituiu no Ocidente o Cristianismo, tornado num mero ritual, vacilando entre a
arqueologia das crenças e a mais descarada e conveniente das hipocrisias.

HÁ CRISE NO MUNDO MODERNO?

Que possamos falar de uma crise do mundo moderno, tomando a palavra 'crise' na sua aceção mais vulgar, é algo de que
muita gente já não duvida, e, pelo menos no que a isto diz respeito, já se verificou uma mudança bastante sensível: sob a ação dos
próprios acontecimentos, certas ilusões começam a dissipar-se e podemos, por isso, felicitar- nos, porque há, apesar de tudo, um
sintoma bastante favorável, o indício de uma possibilidade de retificação da mentalidade contemporânea, qualquer coisa que surge
como uma pequena luz no meio do caos atual.

É assim que a crença num progresso indefinido, tido até há pouco tempo como uma espécie de dogma intocável
e indiscutível, já não é, no geral, admissível; há quem entreveja, mais ou menos confusamente, que a civilização ocidental, em vez
de continuar sempre a desenvolver-se no mesmo sentido, poderá muito bem chegar um dia a um ponto de paragem, ou mesmo
soçobrar completamente em qualquer cataclismo. Talvez esses não vejam claramente onde está o perigo, e os receios
quiméricos ou pueris que por vezes manifestam e provam suficientemente a persistência de muitos erros no seu espírito; mas
enfim, já é bom que se dêem conta de que há um perigo, ainda que sintam que não o compreendem verdadeiramente, e que
tenham chegado a perceber que esta civilização, de que os modernos estão tão enfatuados, não ocupa nenhum lugar privilegiado
na história do mundo e que pode ter a mesma sorte de tantas outras que já desapareceram em épocas mais ou menos distantes,
e de que apenas ficaram traços ínfimos, vestígios dificilmente percetíveis ou identificáveis.

Portanto, se se diz que o mundo moderno sofre uma crise, o que habitualmente se entende por isso é que ele chegou a
um ponto crítico, ou, noutros termos, que uma transformação mais ou menos profunda está iminente, que uma mudança de
orientação deverá igualmente produzir-se a breve trecho, de bom grado ou à força, de maneira mais ou menos brusca, com ou
sem catástrofe. [... ] Parece que nos aproximamos do desenlace, e é isto que torna mais sensível, hoje em dia, o caráter
anormal deste estado de coisas que já dura há alguns séculos, mas cujas consequências não eram tão visíveis como o são
agora.

René Guénon, La Crise du Monde Moderne, Paris, Éditions Gallimard

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Os valores no mundo contemporâneo.

Marcadas por um processo de Globalização, as sociedades contemporâneas tendem a,


progressivamente, ir perdendo as suas caraterísticas e propriedades únicas, e cada vez mais se
transformam numa imensa aldeia global onde todos partilham dos mesmos modelos, dos mesmos gostos,
dos mesmos consumos. Mais perigoso ainda é a tentativa de imposição de determinados regimes e
soluções políticas a países financeiramente dependentes das grandes potências.

Claro que, num mundo que vive à intensa velocidade das novas tecnologias da informação e da
comunicação, não há tempo para parar, refletir, criticar e procurar um sentido mais profundo para a
existência humana, tentando ver mais além daquilo que a realidade sensível nos pretende mostrar.

Consumimos informação, aceitamos como verdades absolutas aquilo que essa sociedade da
informação nos impõe e descuramos a responsabilidade pessoal de desenvolver um espírito crítico
relativamente àquilo que, de forma superficial e muitas vezes errónea, nos invade diariamente a casa, o
escritório, o computador.

Defrontámo-nos não apenas com uma sociedade marcada por uma velocidade estonteante no que ao
desenvolvimento tecnológico diz respeito mas também com um sistema económico marcado por uma ditadura
do dinheiro, onde o lucro fácil, o monopólio financeiro e a instrumentalização da pessoa reduzida a um
mero instrumento ao serviço de um capitalismo feroz, são o prato principal de um manjar que continua a
excluir da mesa aqueles que nada têm e não têm poder nem força para inverter a realidade.

E, sem tempo para pensarmos e refletirmos sobre o sentido desta vida, sem disponibilidade para aceitar
valores que parecem querer afastar-nos destes valores onde a economia, o luxo, o conforto, o individualismo
parecem reinar, embarcamos facilmente neste ritmo alucinante e escravizante.

Urge, portanto, parar e começar a questionar acerca do sentido da vida e da organização social que nos
envolve.

Victoria Camps, na sua obra intitulada “Paradoxos do individualismo” alerta para algumas destas questões
do mundo de hoje. Questiona, a autora, sobre “a legitimidade da perspetiva que defende que as
sociedades atuais, tecnologicamente desenvolvidas, valorizam mais a satisfação dos desejos, a felicidade e o
bem-estar individualista e egoísta, do que o trabalho, o sentido do dever, a solidariedade e a
preocupação com o outro”.

Poder-se-á, de facto, generalizar e aceitar que são a necessidade de realização pessoal imediata, a pressa
em viver o momento e o culto do efémero que determinam as nossas decisões e regulam os nossos
comportamentos? Assim sendo, será aceitável tomar como valor o individualismo exacerbado, numa atitude
egoísta, numa falta de solidariedade, na indiferença perante as desigualdades sociais e no desinteresse pelas
coisas públicas? Podemos aceitar e tolerar este individualismo ou teremos de condená-lo e combatê-lo?

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Claro que não se trata de condenar o individualismo enquanto respeito pela individualidade e
autonomia de cada pessoa. O culto do indivíduo só se torna negativo e condenável quando degenera em
individualismo egoísta e assolidário.

É neste sentido que Victoria Camps condena o individualismo, definindo o “indivíduo individualista” como:
“aquele que não reconhece o outro, nem se preocupa que existam outros seres com os mesmo direitos que
ele reclama, aquele que luta pelos seus interesses sem reparar que estes podem ser incompatíveis com
os interesses de outros seres menos privilegiados que ele. O que não entende que certas formas de usar a
liberdade impedem a liberdade dos outros.”

Temos de reconhecer, também, que há valores positivos presentes no mundo atual: a condenação da
violência, da tortura, da guerra e da vingança; o respeito pelos direitos humanos (reconhecidos, pelo menos
idealmente, ao nível do discurso ou daquilo que é considerado como “politicamente correcto”), a liberdade, a
igualdade e também, muitas vezes, a dignidade humana são valores considerados supremos aos quais
todos os outros se deveriam subordinar. Sabemos, no entanto, que longe dos discursos anda a realidade
que compromete, por vezes, estes discursos otimistas e intelectualmente muito bem construídos.

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OUTRO MUNDO É POSSÍVEL

A globalização, tal como a conhecemos, levantou inúmeras críticas e imensos anti-corpos por parte dos movimentos sociais,
conhecidos vulgarmente como “anti-globalização”. Claro que, estes movimentos declarados primariamente de anti- globalização não
estão propriamente contra um mundo globalizado, até pela inevitabilidade do mesmo, dado o extraordinário desenvolvimento
tecnológico e científico e a ampla difusão das novas tecnologias da informação e da comunicação. Aquilo para o qual a maioria destes
movimentos, assim denominados, pretende chamar a atenção é para o rumo que a Globalização está a conduzir o mundo, transformando-
o num joguete na mão de alguns poderes económico-financeiros, submetendo toda a vida humana aos interesses desses mesmos poderes,
numa lógica de submissão e de exclusão daqueles que, sem dinheiro e sem poder, são eliminados desta corrente global que submete tudo
ao poder do dinheiro. O combate dá-se, exatamente, entre aqueles que defendem um globalização inclusiva, baseada na cooperação e na
segurança e aqueles que querem que seja o Mercado a definir o rumo do mundo.

O que está em causa é a defesa da necessidade de uma globalização de direitos sociais e da necessidade de valores éticos
planetários baseados na Liberdade da Justiça e na Solidariedade que ajude a equilibrar a crescente desigualdade. A necessidade da
criação de organismos superestatais que controlem os fluxos financeiros do mercado global, fomentando uma democracia participativa em
ordem a uma melhor distribuição da riqueza criada.

Imaginar um mundo melhor é o primeiro passo para melhorar o mundo. Porque um outro mundo é possível. A rápida evolução
e mudança da realidade é sempre precedida do sonho de alguém ou de alguns que um dia ousaram pensar mais longe. Novas formas de
relacionamento humano, no âmbito político, económico e social só serão possível construir-se se recuperarmos a capacidade de imaginar
alternativas. Urge sonhar novas utopias que possam fazer emergir do pessimismo e da resignação.

Mas, para ir construindo um novo mundo, um mundo mais solidário, onde não haja exclusão, onde todos possam ter acesso a
uma vida digna e dignificante, é necessário previamente uma mudança de mentalidade. É muito importante perceber que não estamos
sozinhos nesta tarefa de sonhar um mundo diferente e que fazê-lo não implica, necessariamente, grandes transformações, mas que dos
pequenos gestos do quotidiano, das pequenas mudanças que vamos provocando ao nosso redor é possível criar uma nova dinâmica
que possa fomentar uma nova esperança num novo amanhã. E essas pequenas mudanças começam a aparecer num mundo marcado pela
injustiça e pela falta de solidariedade.

E a emergência de uma nova mentalidade terá de passar por atacar os problemas a montante e não a jusante. Não se pode
fazer uma abordagem superficial às grandes questões mundiais, mas antes deve tentar refletir-se acerca das causas dos acontecimentos e
não com base apenas nas suas consequências. Por exemplo, aquando dos atentados terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos,
uma enorme corrente de solidariedade com as vítimas foi crescendo em todo o mundo. Mas rapidamente quer a imprensa, quer os
governos entraram no jogo dos terroristas. Numa atitude defensiva, e talvez mais fácil, iniciou-se uma guerra contra os terrorismos vários,
sem tentar perceber-se quais as suas causas e combatê-las.

Recentemente, a Europa viu-se invadida por milhares de cidadãos africanos, que clandestinamente têm chegado às costas de
Espanha, França e Itália, como pontes para a restante Europa e a atitude primeira tem sido a de deitar mão de alguma violência no
sentido de travar tais movimentos clandestinos e na repatriação desses cidadãos. Importa perceber porquê esta constante migração
e quais as causas que leva a que esses cidadãos apostem e arrisquem tudo numa viagem que é para muitos, e muitas vezes, uma viagem
sem regresso. Num lógica de solidariedade global a Europa tem de perceber que só tem a ganhar se for capaz de ajudar os países africanos
a iniciar um processo de desenvolvimento sustentado e ajudar na eliminação da pobreza extrema e da falta de justiça social que se vive
nesses países e que leva a que as populações tenham como único, e último desejo, o tentar fugir a uma morte certa.

Importa, por isso, uma mudança de mentalidade por parte daqueles que têm o poder de dirigir estados e nações e de tentar,
numa lógica global, encetar uma atitude de solidariedade para com aqueles que nada têm, e de uma justa distribuição da riqueza criada.
Urge um mundo de valores e de ética. Urge uma efetiva reflexão acerca do sentido da existência humana e de uma criatividade que nos
possa ajudar na criação de alternativas credíveis em ordem a dar resposta a alguns dos
problemas que mais afetam a Humanidade.
Joan Carrera, Mundo Global, Ética Global.

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A ética na sociedade contemporânea.

Não há sociedade que progrida e evolua com firmeza por muito tempo, que se mantenha
politicamente consistente, que ofereça bem-estar social aos seus membros sem que a Ética esteja
presente a servir de cimento que fortaleça a estrutura social contra as contrariedades e as
tempestades a que as sociedades contemporâneas estão sujeitas. A força da ética torna-se
absolutamente necessária na relação entre as pessoas, tal como dissemos já anteriormente. Relação que
pode ser familiar, profissional, religiosa, desportiva, cultural, empresarial, etc.

As sociedades contemporâneas, marcadas na sua essência por um capitalismo neoliberal feroz, têm vindo a
empurrar para os subúrbios do desenvolvimento e da dignidade, milhões de pessoas em favor de mais lucro
das grandes multinacionais. A questão da justiça social e do acesso a um nível de vida com dignidade por
parte de todos, tem andado arredada das grandes opções políticas, sociais e económicas e temos
assistido cada vez mais a uma economia que mais do que dar oportunidades no acesso a uma vida
desafogada, digna e livre, tem tornado absolutamente escravos aqueles que não conseguem libertar-se das
amarras de uma economia absolutista e dominante.

Num contexto social marcado por atropelos constantes à dignidade humana, ao desvio do centro de toda a
atividade económica: da pessoa como fundamento da economia, centramos o dinheiro como eixo
fundamental em torno do qual tudo é gerido, a questão da necessidade da Ética emerge como uma
preocupação cada vez mais premente e urgente. É hoje, de facto, um sinal muito claro disto, que se comece a
ouvir falar em necessidade de ética nos mais variados quadrantes da sociedade, da política aos negócios,
da cultura ao desporto, da vida social à vida pessoal, das famílias às empresas. Todos clamam neste momento
por mais ética e valores nos comportamentos e atitudes, nas relações e nos contratos.

Urge, portanto, uma nova atitude face aos problemas sociais que deixaram de ser problemas
domésticos de um país para se tornarem em grandes questões mundiais e de corresponsabilização de todos
nós. Numa sociedade globalizada, com a informação a circular à velocidade da luz, com as novas
tecnologias, todos temos acesso on-line às tragédias que afetam determinada região ou população.
Todos estamos informados dos mais recentes avanços da ciência, da evolução das mais variadas teorias
económicas, sociais, científicas, tecnológicas, etc. Isto implica não apenas uma maior opção nas decisões mas,
uma maior responsabilização de todos nas decisões tomadas. Já não é mais possível ignorar o que se passa no
mundo, nem fazer de conta que não é nada connosco.

A sociedade de consumo e a ética.

Aristóteles afirmava que tudo o que o homem precisava para ter uma vida cómoda já havia sido
descoberto. O homem encontrava-se materialmente realizado e só lhe restava dedicar-se à elevação do
espírito. Portanto, apesar de haver sentenciado a realização material, o filósofo grego indicava a
impossibilidade da satisfação absoluta do homem.

No começo do século XX, os economistas mostravam-se preocupados com a possibilidade de chegar o


dia em que as famílias seriam proprietárias de todos os bens disponíveis no mercado, pois assim o sistema
entraria em colapso. Graças à impossibilidade da satisfação humana, a economia de mercado encontra-se
hoje a pleno vapor.

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Parece que, de algum modo, a ideia de realização sempre esteve ligada à satisfação material. As
economias de mercado, em geral, reduzem-se ao consumo de bens materiais, a proporcionar mais lazer,
ou para ostentar a aparência de poder.

É comum ouvirmos que realização significa "vencer na vida". E esse "vencer" é basicamente acumular
bens materiais e ostentar poder. É "vencedor" aquele sujeito que possui o carro do ano, que se veste com as
melhores marcas de roupa e, de preferência, que frequenta os locais badalados. Essa nova forma de encarar o
mundo passou a ser hegemónica na nossa sociedade e já está interiorizada em cada um de nós, dentro do
nosso processo de socialização. Os meios de comunicação de massa ainda reforçam esta dinâmica social
como sendo "a realidade" e considerando absurdos e irracionais toda e qualquer proposta alternativa.

A obsessão pelo vencer - que é a mesma pelo poder - é uma das principais caraterísticas das
sociedades modernas. A partir dela, torna-se muito difícil qualquer ética de convivência solidária. A vontade
individual de vencer predomina, não importando os meios para a realizar. Símbolo da civilização
moderna, o consumismo egocêntrico produz a barbárie, em que as relações sociais se transformam
numa arena: vence o mais forte ou o mais esperto. É o quero tudo para mim, com o mínimo esforço e no
menor tempo possível.

Neste mundo de individualismo, a ética pode muito facilmente transformar-se em "o que não
prejudica ninguém está ok", ou, "o que os outros conseguem fazer impunemente deve estar certo", ou
mesmo "se ninguém souber, está tudo bem". O que há de errado, por exemplo, se alguns atletas usam
drogas (anabolizantes) para aumentar a sua performance se não estão a prejudicar ninguém, além deles
próprios? O que há de errado em receber subsídio de desemprego e trabalhar ao mesmo tempo? Afinal, o
governo pode pagar isso!... O que há de errado em contratar um engenheiro só para assinar um projeto?
Toda gente faz isso e sai bastante mais barato...

Mesmo que aceitássemos como válido esse estilo de vida, quantas pessoas na nossa sociedade
conseguiriam acompanhá-lo? Não se percebe que, para a maioria da população, a possibilidade de vencer
é uma ilusão construída e incentivada pela própria sociedade de consumo. A criação dessa expetativa
esconde um facto fundamental: esse "paraíso dos vencedores" não é destinado a todos, mas apenas a
uma minoria. Com certeza aos cinco ou dois por cento mais ricos da população. De qualquer modo, será
que esses "vencedores" encontram efetivamente uma realização no consumismo, ou apenas se
submetem a uma angústia? Não seria por acaso essa a causa dos desajustes sociais nos países ricos?

O universo empresarial é o que mais reflete este modelo e, muitas organizações, acreditam que
devem ter como objetivo o lucro a qualquer custo, principalmente se puder ser conseguido em detrimento
da concorrência e até mesmo dos clientes. E num ambiente em que vale tudo, como no competitivo mundo
empresarial, as considerações éticas são as primeiras a perder o valor.

As administrações das empresas preocupam-se em verificar a precisão da contabilidade e tomar


providências cada vez mais enérgicas para que haja qualidade nos seus produtos e serviços, mas, na
maioria das vezes, não se procede a nenhuma revisão sistemática da sua ética onde essa revisão é muito
mais necessária. Na maioria das empresas, o simples levantar uma consideração ética numa discussão, exige
coragem, já que a questão costuma ser considerada pela administração mais como fonte de problemas do
que de oportunidades, pois existe a crença de que a conduta ética pode não ser a melhor para os negócios.

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É exatamente esse individualismo e falta de ética predominante na sociedade


contemporânea que tem provocado uma nova corrida ao seu estudo. A ética tem-se tornado num tema
corrente nos nossos dias, uma vez que a nossa sociedade, ao enfrentar esses graves desafios nos finais do
século XX, precisa de visões do futuro que sejam atraentes, inspiradoras e vigorosas, para levar as pessoas
a deixarem de lado o seu costume atual de se concentrarem em crises imediatas e de se voltarem com
esperança para o futuro - um futuro em que a saúde e o bem estar da Terra e dos seus habitantes estejam
assegurados.

Estamos mais sensíveis às questões de conservação, ao caráter sagrado da vida e à


cooperação global. As inúmeras conferências internacionais sobre ecologia, fome e direitos humanos são
exemplos significativos da necessidade de uma mudança ética em todos os campos da vida social.

O debate sobre a Ética na política, nas questões sociais e económicas, ressurgiu com muita
força nos últimos anos. O estudo e a preocupação com questões éticas também passou a ser assunto de
discussão nos meios empresariais. Já existe uma vasta bibliografia sobre "Ética nas Empresas" e muitos
cursos de Gestão de Negócios incluem nos seus currículos a disciplina "Ética". Um bom exemplo foi a criação pela
Universidade de Harvard (EUA) do curso "Ética para Executivos", onde se aprende a tomar decisões baseadas
em critérios éticos.

A Sociedade industrial cresceu arraigada no materialismo e na supremacia do homem sobre a


natureza. Vem daí o ênfase na competição, na auto-preservação e no consumo, que levou aos
problemas atuais como a poluição, o crime, a violência, o terrorismo internacional, a destruição de
espécies animais, a devastação das florestas, os buracos na camada de ozono, a fome, o crescimento
populacional fora de controle e a perversa distribuição de riqueza. Parece que perdemos a capacidade de agir
eticamente…

Fritjof CAPRA no seu livro "O Ponto de Mutação" faz-nos uma terrível advertência: Dentro desse
novo contexto só teremos chances de sobrevivência se dedicarmos algum tempo a olhar por cima dos
nossos próprios ombros, se de facto nos preocuparmos com os outros e vivermos para além dos limites das
nossas próprias famílias e instituições.

As necessidades de mudanças, que nos conduzam a uma nova visão de mundo são urgentes e, de
certa forma, já estão a ocorrer. Hoje em dia, por exemplo, as exigências do cidadão não recaem apenas por
produtos ou serviços de qualidade, mas são também de natureza ética. Ou seja: se se vai comprar um carro,
um sabonete, uma garrafa de refrigerante ou um serviço financeiro queremos saber se aquela empresa
paga os seus impostos, paga os ordenados dos seus empregados dentro do padrão de mercado, polui o meio
ambiente, trata a concorrência com lealdade, atende as eventuais reclamações dos seus clientes e participa
de forma positiva na sua comunidade.

Muitas pessoas, e especialmente os jovens, estão dispostos a contribuir com boas causas na procura
crescente de empresas não apenas voltadas para a produção e lucro, mas que também estejam
preocupadas com a solução de problemas mais amplos como a preservação do meio ambiente e o
bem estar social.

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RESPONSABILIDADE ILIMITADA

O séc. XX marcou uma busca de conhecimentos sem precedentes na história da Humanidade. O avanço simultâneo
da ciência, das artes e da tecnologia, criou um movimento imparável que levou a uma reflexão constante da Humanidade sobre a sua
própria condição e organização.

Áreas tradicionalmente mais estáveis, menos permeáveis à mudança, viram-se interrogadas. Os fundamentos da religião, da
política, da moral, das organizações sociais em geral, deixaram definitivamente de ser adquiridos.(…)

Compreendemos que o passado não nos obriga a um futuro fixo, que, embora limitados pelas nossas heranças, podemos
trabalhá-las e modificá-las, alterá-las em sentidos diferentes do inicialmente previsto, desde que a competência e a criatividade no-lo
permitam. Sem dúvida, as condições sócio-históricas restrigem ou ampliam, apoiam ou limitam, as nossas decisões, mas em
qualquer dos casos não apontam um caminho único, deixando-nos a responsabilidade de escolher o próximo passo.

Somos hoje confrontados com uma infinidade de escolhas tornada possível pelo desenvolvimento tecnológico, científico e
económico.

Cada ato nosso encerra um conjunto de decisões complexas. Escolher um tipo de café ou detergente já não pode ser feito
simplesmente em função do paladar ou da qualidade da lavagem. Somos constantemente lembrados que o dinheiro que
pagamos pela bica pode ser usado para financiar um exército de uma ditadura, que o impacto ambiental da limpeza da nossa roupa
pode fazer de nós criminosos, ou que a compra de um tapete pode tornar-nos coniventes com a escravidão de crianças.

O indivíduo passou de entidade manipulada e inconsciente a centro nevrálgico de todas as decisões que afetam a
Humanidade. Agora responde por si e pelo bem estar de todos os outros.

O alargamento da esfera de responsabilidade individual, para incluir o impacto social do comportamento, é um dado
novo que deriva da informação disponibilizada a quem decide. Descobrimos com espanto, através dos meios de comunicação, a
complexidade da teia de relacionamentos entre causas, ações e consequências. Como se uma coisa se ligasse progressivamente a
todas as coisas, de múltiplas maneiras e com diferentes resultados. Desconhecer o impacto dos comportamentos próprios no universo
que nos rodeia é hoje visto como manifestação segura de irresponsabilidade social.

Mas, ao mesmo tempo que novos dados são disponibilizados a quem decide, são também constantemente alterados os
pontos de referência. Os critérios do que é correto parecem mudar, tornar-se difusos e de cada vez mais difícil entendimento. O que
parece uma boa decisão no momento de agir, pode tornar-se uma má consequência, julgada previsível a posteriori. Ou porque
o comportamento é julgado por um grupo de referência diferente do nosso, ou porque o nosso próprio grupo de referência mudou o
seu posicionamento sem que nos apercebêssemos.

Sozinho com a sua consciência no momento de agir, sobrecarregado com o peso do impacto do seu comportamento em si e
nos outros, inundado de informação contraditória, sem estabilidade nos pontos de referência, como pode o Homem decidir?

Ricardo Vargas, Os meios justificam os fins, Gradiva, 2005

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