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Marcos conceituais

da Psicologia Comunitária
Prof. Vilson Sérgio Carvalho

Descrição

Os principais marcos conceituais orientadores da teoria e da prática na


Psicologia Comunitária.

Propósito

Um profissional que busca a excelência na área de Psicologia


Comunitária precisa conhecer seus marcos conceituais, de modo a
entender em profundidade a importância e as consequências de sua
prática para a comunidade.

Objetivos
Módulo 1

Marco basilar da comunidade


Reconhecer a importância da comunidade no contexto social e
entender o significado de integração em uma comunidade,
considerando sua força.

Módulo 2

Marco da subjetividade social


Analisar o conceito de subjetividade social esclarecendo como se dá
o processo de formação social da subjetividade.

Módulo 3

Marcos do empoderamento e da cidadania


ativa
Analisar o papel e a importância dos conceitos de empoderamento e
cidadania ativa no âmbito da Psicologia Comunitária.

Módulo 4

Marcos do desenvolvimento comunitário e da


sustentabilidade
Analisar os conceitos de desenvolvimento comunitário e
sustentabilidade, sua importância e inter-relação.


Introdução
Os marcos conceituais da Psicologia Comunitária são um rico
conteúdo que certamente será de grande proveito para o
entendimento do papel do psicólogo comunitário. Não os
conhecer implicará, no mínimo, uma prática profissional
mecânica e vazia, na qual alguns resultados podem até ser
atingidos, mas sem a compreensão do impacto do trabalho
realizado.

Se entendermos, por exemplo, que nossa subjetividade é também


construída com base nas relações sociais dos locais onde
vivemos, também entenderemos que, assim como formamos
uma comunidade, essa comunidade nos forma.

Dessa maneira, os efeitos de uma intervenção comunitária, seja


ela qual for, não se restringem ao âmbito interno, mas também à
nossa subjetividade.
1 - Marco basilar da comunidade
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a importância da comunidade no
contexto social e entender o que signi�ca fazer parte de uma comunidade, considerando sua
força.

Comunidade: um conceito elástico e


plural
O conceito relativo à comunidade, sua importância, sua riqueza e sua
força é considerado um marco basilar. Sem o entendimento
aprofundado do que seja uma comunidade, não teremos como avançar
nas conceituações.

É fundamental entender esse espaço de análise e


intervenção da Psicologia Comunitária para melhor
compreender de que forma a Psicologia Comunitária
pode favorecer o desenvolvimento de suas dimensões
(social, cultural, econômica, ambiental etc.).

Desde que abandonou a vida nômade para partilhar uma forma de viver
coletiva, o homem desenvolveu métodos e habilidades que lhe
permitiram uma melhor adaptação ao mundo à sua volta, passando a ter
maior controle da vida de modo geral por meio de atividades
cooperativas e organizadas.

É nesse contexto que a ideia de comunidade começou a ser construída.


O papel da comunidade na história humana é tão importante que, até
hoje, dois terços dos seres humanos que povoam a Terra são membros
de comunidades (tribos, clãs, vilas, aldeias etc.) que operam segundo
princípios socioculturais particulares (CARVALHO, 2006).

O termo “comunidade” se origina do latim communitas,


que tem sua formação etimológica baseada em cum e
múnus, relativos ao sentido de “estar junto” (cum), em
uma relação de dar sem receber em troca por dever,
obrigação ou retribuição (múnus).

Assim, o termo diz respeito a um grupo menor de pessoas do que uma


sociedade, que apresenta relações mais próximas e com uma conexão
mais intensa entre elas, seja pela proximidade geográfica, seja pelos
interesses e objetivos em comum.

Schimidt (2013), ao analisar a amplitude do termo “comunidade” e sua


utilização, explicita como ele abrange os mais diferentes e controversos
pontos de vista. É utilizado tanto em projetos conservadores como em
revolucionários, em propostas democráticas e totalitárias, tanto por
políticas de esquerda como de direita.

Mais recentemente, o termo comunidade também foi utilizado para se


referir a favelas brasileiras que passam por algum programa de
revitalização urbana.

A complexidade de definições revela que a essência de uma


comunidade vai muito além de um grupo de pessoas que convive num
determinado local, mas um complexo relacional de pessoas com certo
grau de intimidade pessoal, profundeza emocional, produção cultural e
engajamento moral em um determinado espaço de forma continuada.
Ela encontra seu fundamento no homem visto em sua totalidade, e não
nesse ou naquele papel que desempenhe na ordem social. Daí a
importância de fazer parte de uma comunidade, de ter vínculos com
outras pessoas que constroem uma história em comum, possuem
objetivos comuns e buscam juntas se fortalecer e se ajudar a viver
melhor por meio do apoio mútuo em um determinado espaço comum.

É válido ressaltar que existem diferentes tipos de comunidades que


podem variar. Veja a seguir.

Tamanho

Uma aldeia ou pequeno bairro.

Comunidades tradicionais

As comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, variam


quanto à organização e à própria natureza.

Comunidades não tradicionais

Um grupo de pessoas com interesses em comum que habitam


um mesmo espaço geográfico sem uma herança histórica
específica.

Comunidades institucionais

As comunidades acadêmicas, religiosas, comerciais ou


hospitalares, por exemplo.

Comunidades virtuais

As comunidades de redes sociais ou as comunidades virtuais


de pesquisa.

Independentemente do tipo de comunidade, as características


anteriormente destacadas de um grupo mais próximo com interesses
em comum que se inter-relacionam e se apoiam – em busca da
satisfação de suas necessidades e objetivos comuns – são
perfeitamente válidas.
Encontro de diferentes comunidades indígenas no Brasil, Rio de Janeiro, 9 ago. 2015.

Comunidade e suas dimensões


Uma comunidade pode ser analisada e entendida a partir de suas
dimensões. Veremos aqui as principais delas.

Dimensão ambiental 

Diz respeito ao meio ambiente, tanto em termos de natureza


física (vegetação, clima, riquezas naturais etc.) quanto de espaço
(meio ambiente ocupado/transformado pelo homem como um
conjunto de prédios ou uma praça pública). Ao analisar uma
comunidade, é fundamental considerar o meio ambiente do qual
ela faz parte, para entender como ele afeta e é afetado pelas
pessoas que ali vivem, favorecendo ou dificultando a vida local.

É fundamental conhecer as relações entre comunidade e meio


ambiente, uma vez que a intervenção do psicólogo comunitário
também se dá no âmbito da sustentabilidade em termos de sua
promoção e preservação ambiental, inclusive no que tange a
mudanças de atitude e comportamento. Quanto mais equilibrada
for a relação com o meio ambiente mais chances a comunidade
terá de viver melhor em relação à saúde (física e psicológica) e
em termos econômicos (uso saudável das riquezas naturais).

Respeitar uma comunidade é respeitar o meio ambiente do qual


é parte integrante a partir das relações que com ele e por meio
dele são estruturadas (CARVALHO, 2006).

Dimensão social 

A comunidade é uma comum unidade, apesar das diferenças


que abriga. Trata-se, como diz Esposito (2003), de um ser em
comum, um ser que precisa do outro para existir. Esta é talvez a
dimensão mais basilar de uma comunidade: a necessidade do
outro e sua natureza social.

Como nos ensina a Psicologia da Gestalt, o “todo comunidade” é


formado não apenas pelo ambiente físico e pelas pessoas, mas
pela totalidade e complexidade das relações que se estabelecem
entre elas. Relações construídas a partir de interesses comuns,
mas também das diferenças entre seus membros, já que nem
todas as ideias, crenças e representações são comuns. É essa a
riqueza e ao mesmo tempo o desafio relacional da comunidade.

Como acontece no âmbito da Biologia, o estudo das relações de


uma comunidade fala de relações intraespecíficas (com
membros da própria espécie) e interespecíficas (entre membros
de espécies diferentes). Embora na comunidade humana todos
sejam seres humanos, na comunidade existem diversidades de
credo, filiação política, opção sexual etc. E ainda que estejamos
falando de uma comunidade mais fechada, com valores muito
próximos, sempre haverá divergências de opiniões
intraespecíficas – incluindo os que não vivem na comunidade,
mas que a influenciam e auxiliam na sua manutenção, como as
relações comerciais e socioculturais.

Dimensão psicológica 

As relações com o outro favorecem nossa forma de pensar e de


sentir o mundo à nossa volta. Ao fazer parte de uma
comunidade, nós nos sentimos pertencents a algo maior do que
nós, e isso traz um sentimento de confiança e de união, já que
não estamos mais sozinhos. Ser sujeito de uma comunidade
ultrapassa nossa identidade individual e nos fortalece
internamente.

O enfrentamento de determinados sentimentos como a angústia


e o medo pode se tornar mais fácil quando sabemos que não
estamos sós. Trata-se de uma vivência coletiva, em que a
comunidade se ajuda e se autocorrige em prol do bem-estar
comunitário. A certeza de que temos onde nos apoiar e com
quem dividir nossas histórias e nossos problemas – por meio de
rodas de conversa, dinâmicas de grupo, grupos de apoio – é
também um dos principais trabalhos do psicólogo comunitário
voltado para a saúde mental da comunidade.
Dimensão cultural 

A cultura é elemento constituinte e definidor de uma


comunidade. A dimensão cultural da comunidade compreende
tanto a cultura material por ela produzida (pratos típicos,
artesanatos, estruturas habitacionais, manifestações artísticas
etc.) quanto sua cultura imaterial (lendas, tradições e demais
elementos presentes no imaginário sociocultural de uma
comunidade).

Os elementos da dimensão cultural da comunidade constituem


parte de sua força. Sua preservação histórica é fundamental para
a continuidade e o desenvolvimento da comunidade. As
maneiras de pensar a realidade e com ela se relacionar são
também influenciadas por essa dimensão.

É também no âmbito cultural que reside a possibilidade de extrair


fontes de renda em termos da venda de produtos artesanais,
promoção de turismo etc.

Dimensão política 
Esta dimensão está relacionada diretamente ao âmbito da
cidadania ativa e consciente. Embora muitas vezes a
comunidade não faça ideia da força que tem, o fato é que
politicamente as possibilidades de independência econômica e
autogestão são favorecidas pela vida em comunidade. Quando
todos se unem e lutam por seus direitos de uma forma comum,
as chances de resolução de problemas e de alcance de uma
maior legitimidade diante das autoridades governamentais
responsáveis são muito maiores. Essa dimensão retrata a força
da comunidade organizada e mobilizada em prol da resolução de
suas demandas e necessidades visando à melhoria e ao bem-
estar.

Pertencer a uma comunidade


Vamos agora entender melhor a força de uma comunidade com base
em seus laços constituintes, no sentimento de pertença de seus
integrantes e na mobilização interna para o atendimento de suas
demandas e a resolução de problemas a partir de objetivos e interesses
comuns.

Uma comunidade não se faz de uma hora para outra. Os laços que a
sustentam vão se construindo aos poucos nas práticas cotidianas, na
rotina das vivências e da sobrevivência, cujas demandas aproximam
aqueles que se identificam por interesses comuns. No convívio diário,
hábitos e costumes são construídos, uma linguagem é criada e adotada,
uma cultura própria se constitui, representações sociais são formadas.
Aos poucos, desconhecidos tornam-se conhecidos, conhecidos tornam-
se colegas e estes, por sua vez, podem até se tornar amigos.

Com o tempo, os integrantes de uma comunidade entendem que ela não


é definida apenas por um nome, código postal ou mesmo por um
território, mas principalmente pelas pessoas que dão vida àquele
espaço e pelas relações que ali promovem.

Embora estejamos associando comunidades a um espaço geográfico,


este não chega a ser um elemento limitante por causa de dois fatores:

1. Pelo fato de que muitas comunidades não possuem fronteiras


fixas e, por vezes, o que está oficialmente nos mapas não
corresponde à vivência comunitária.

2. A decisão de pertencer a uma comunidade específica ou não


geralmente depende da própria pessoa. Assim, muitas vezes,
mesmo tendo se mudado ou estando distante de sua comunidade
de origem, a pessoa afirma que ainda pertence a ela. Há quem viva
em um lugar e não se sinta parte dali, como é o caso dos que
moram em cidades-dormitório, onde só vão para dormir e no final
de semana saem para passear. Nesse caso, as pessoas sentem
dificuldade de criar maiores vínculos com o local. Mas isso não
significa que não sejam afetados pela comunidade.
Embora existam pessoas que não desejam pertencer a uma
comunidade, há elementos essenciais, como nacionalidade e
dependência de um grupo econômico de subsistência, que não podem
ser evitados. Pode haver pessoas que, por motivos diversos, pertençam
a duas ou mais comunidades.

Pertencer a uma comunidade não significa


necessariamente morar na comunidade ou participar
de suas atividades. Trata-se de um sentimento de
pertença, de manter um vínculo com aquela
comunidade, enxergar-se como parte integrante dali e,
como tal, buscar se fazer presente de algum modo,
especialmente na luta por sua preservação e melhoria.
Trata-se da identificação com a cultura local, com o
ambiente, com as pessoas e o sentimento de bem-
estar relativo à ideia de lar.

Pertencer a uma comunidade traz consigo a ideia de que não se está


sozinho, de que existem pessoas que passam pelos mesmos problemas
e juntos se fortalecem na busca de soluções para problemas comuns,
como falta d’água, perda de um ente querido ou insegurança local. É aí
que reside a força da comunidade, da comum união entre seus
pertencentes, dos laços de afeto que são criados por meio do apoio
mútuo e da força que dele advém.

Re�exão

O que estamos enfatizando aqui é que essa “comum unidade” se faz


presente nos momentos mais difíceis de uma comunidade, quando
muitas vezes o pouco que se tem, a dor e a esperança que restam são
partilhadas com o que nada tem e já perdeu a esperança. Uma força
anima a comunidade a prosseguir em frente, sem desanimar, para o
enfrentamento dos desafios de um novo dia.

Analisando a força de uma
comunidade
Neste vídeo, o especialista apresenta a importância de pertencer a uma
comunidade destacando a força advinda da riqueza das dimensões
constitutivas e particularmente da teia relacional socioambiental tecida
por cada um de seus integrantes.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

A dimensão comunitária voltada para a promoção da saúde mental


da comunidade e a análise de processos associados à formação da
subjetividade e à estruturação psíquica por meio da teia de relações
comunitárias é a
A dimensão social.

B dimensão política.

C dimensão psicológica.

D dimensão cultural.

E dimensão ambiental.

Parabéns! A alternativa C está correta.

A dimensão psicológica é a dimensão comunitária que está


relacionada diretamente aos processos comunitários formadores
da subjetividade e da psique humana. Ela considera o quanto as
relações comunitárias favorecem a saúde mental, seja por meio de
processo de apoio mútuo, seja mediante o exercício do convívio
entre diferentes, em que seus membros são desafiados a buscar
estratégias de sobrevivência.

Questão 2

Qual alternativa se refere a “uma vinculação interior com a


comunidade”, no sentido de se enxergar como parte integrante da
mesma e, como tal, buscar se fazer presente de algum modo,
especialmente na busca por sua preservação e melhoria? Trata-se
de uma identificação com a cultura local, o ambiente, as pessoas e
o sentimento de bem-estar relativo à ideia de lar.

A O sentimento de pertença

B A mobilização comunitária

C A autogestão comunitária

D A participação comunitária

E A subjetividade social

Parabéns! A alternativa A está correta.

Essa vinculação interior com uma comunidade é o sentimento de


pertencimento. Trata-se de uma convicção interna que nos leva a
adotar determinado lugar como um local com o qual nos
identificamos.
2 - Marco da subjetividade social
Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar o conceito de subjetividade social
esclarecendo como se dá o processo de formação social da subjetividade.

O que entendemos por subjetividade?


Apoiado na teoria de Gonzáles Rey (2002, 2011), a formação da
subjetividade humana será analisada de forma complexa, não apenas a
partir de fatores de ordem interna, como temperamento e personalidade,
ou tampouco por fatores externos associados à realidade sociocultural
em que o homem está inserido, mas a partir de uma visão mais ampla,
por meio da qual essas duas concepções são consideradas dimensões
dialéticas complementares e interdependentes.
Podemos entender subjetividade como “a própria essência”. Trata-se da
síntese singular e individual que cada um de nós constrói ao longo de
nosso desenvolvimento no contexto de nossas experiências
socioculturais. Todos nós temos uma singularidade, isto é, somos
únicos, todos somos diferentes, temos as particularidades constituintes
de nosso Eu, de nossa psique. Essa síntese, fruto de contínua
construção que nos diferencia uns dos outros e nos faz ver e sentir o
mundo, o outro e a nós mesmos de forma única é a nossa
personalidade.

A subjetividade e seu processo de constituição são um dos principais


objetos de estudo da Psicologia, o que a diferencia das outras áreas do
conhecimento. A Psicologia também estuda a mente, o comportamento,
a percepção, a memória, a comunidade, mas esses objetos também são
estudados por outras áreas do conhecimento a partir de suas
perspectivas teóricas e instrumentos de pesquisa.

A subjetividade é um objeto de estudo exclusivo da


Psicologia em seus diferentes âmbitos.

Durante muito tempo, o pensamento psicológico dominante considerava


a subjetividade como resultado de processos psíquicos individuais,
enclausurando-a no âmbito do indivíduo. O desenvolvimento da
subjetividade era compreendido como um processo natural,
desvinculado das condições históricas, como se ocorresse em etapas
universalizadas, pautadas, muitas vezes, apenas na maturação biológica
e não dando conta de explicar o homem concreto, síntese das relações
sociais. Mas a subjetividade também é fruto de influências
socioculturais externas.

Já o radicalismo social foi construído a partir de uma concepção social


determinista. O radicalismo social associava a subjetividade a um
resultado direto e sem muita resistência da força do mundo externo,
condenando os processos de formação da subjetividade a uma
regulação coercitiva por parte da realidade sociocultural onde o sujeito
atua.
Atenção!

Não se trata aqui de negar a influência sociocultural e seus processos


de subjetivação (constituintes da subjetividade humana), mas de se
entender que cada pessoa gera sentidos subjetivos próprios emergentes
no processo de subjetivação de suas experiências.

Gonzáles Rey (2011), na sua teoria da subjetividade, fundamenta um


caminho investigativo que permite a compreensão dos sentidos
subjetivos e configurações subjetivas constituintes dos complexos
processos psicológicos humanos produzidos nos diferentes espaços
sociais. Para fugir das armadilhas dicotômicas e assumir uma postura
dialética, Gonzáles Rey (2002) propõe que a subjetividade seja sempre
analisada a partir da noção de “complexidade” que abrange a dimensão
social e individual, dando destaque à emoção.

Para ele, a subjetividade estaria associada a uma expressão simbólico-


emocional que caracteriza a produção psíquica nos diferentes espaços
e nas áreas da vida humana. Nesse sentido, as dimensões “social” e
“individual” constituem-se mutuamente. São planos não apenas
complementares, mas interdependentes.

De acordo com Souza e Torres (2019), não é possível considerar a


subjetividade de um espaço social desvinculada da subjetividade dos
indivíduos que a constituem; do mesmo modo, não é possível
compreender a constituição da subjetividade individual sem considerar
a subjetividade dos espaços sociais que contribuem para sua produção.

Subjetividade individual e
subjetividade social
Vamos agora analisar com maior profundidade as duas dimensões da
subjetividade humana que juntas demonstram a riqueza e a
complexidade desse conceito: a subjetividade individual e a
subjetividade social. O estudo dessas duas dimensões revela que a
subjetividade é tanto produto como processo contínuo.

A subjetividade é a síntese configuracional e


simultânea produzida em dois planos
interdependentes: o social e o individual.

Assim, ao nos debruçarmos sobre a temática da subjetividade, de


acordo com Souza e Torres (2019), é fundamental compreender que
existem duas formas de subjetividade, a social e a individual, cada uma
configurada de maneira singular. As subjetividades social e individual
mantêm, nos espaços sociais como é o caso de uma comunidade, uma
inter-relação constante, tensa e mutuamente constitutiva. E isso se dá
sem que a subjetividade social signifique meramente a soma das
subjetividades individuais.

Uma vez que o sujeito possui um caráter reflexivo e ativo, sua relação
com o social se encontra em permanente estado de tensão, podendo
gerar novas unidades de subjetivação individual e social.

Como membros de uma comunidade e participantes ativos de sua


história, estamos também participando da construção histórica de
nossa subjetividade individual. A partir dos diversos espaços sociais de
uma comunidade — família, associação de moradores, igreja, espaço
cultural e de lazer — nos quais nos organizamos e nos incluímos em
uma diversidade de práticas sociais e simbólicas, estamos também
favorecendo a configuração singular de nossa subjetividade individual.
Veja um pouco mais sobre elas a seguir.

Subjetividade individual 

A subjetividade individual, segundo Souza e Torres (2019), se


refere aos processos e às formas de organização subjetiva
gerados nas histórias diferenciadas e singulares dos indivíduos.
Ela representa os processos e as formas de organização
subjetiva dos indivíduos concretos e traduz a história única de
cada indivíduo em uma cultura construída a partir de suas
relações pessoais. Isso implica que, embora os indivíduos
compartilhem espaços sociais comuns (como família, escola,
trabalho e sua comunidade), cada pessoa gera sentidos
subjetivos e configurações subjetivas muito específicas e
diferenciadas a partir dos processos de subjetivação de suas
experiências pessoais. Uma vez que o sujeito possui um caráter
reflexivo e ativo, sua relação com o social se encontra em
permanente estado de tensão, podendo gerar novas unidades de
subjetivação individual e social.

Como membros de uma comunidade e participantes ativos de


sua história, estamos também participando da construção
histórica de nossa subjetividade individual. A partir dos diversos
espaços sociais de uma comunidade — família, associação de
moradores, igreja, espaço cultural e de lazer — nos quais nos
organizamos e nos incluímos em uma diversidade de práticas
sociais e simbólicas, estamos também favorecendo a
configuração singular de nossa subjetividade individual.

Subjetividade social 

A subjetividade social, por sua vez, é fruto do sistema integral de


configurações subjetivas (grupais e individuais) que se articulam
em diferentes níveis da vida social nas diversas instituições,
grupos e associações de uma comunidade. A subjetividade
social expressa, portanto, a integração dos sentidos subjetivos
individuais com as configurações subjetivas presentes nos
múltiplos espaços sociais formadores de comunidade.

Assim, a comunidade, como espaço social, é enriquecida com os


sentidos subjetivos que cada integrante dá a mesma e suas
implicações no âmbito das ações e práticas comunitárias. A
subjetividade também é enriquecida e alimentada pelos
diferentes espaços sociais da comunidade aos quais o sujeito
está vinculado. Trata-se de um sistema de sentidos subjetivos e
configurações subjetivas que se instala nos sistemas de
relações entre as pessoas que compartilham um mesmo espaço
social, e isso se faz sentir ainda de forma mais clara em uma
comunidade, onde as relações sociais são mais próximas e
intensas do que na sociedade de uma forma geral.
A compreensão das dimensões do conceito de subjetividade nos
permite perceber de forma mais clara como o social e o individual estão
mutuamente constituídos, produzindo um tecido social que representa
não a soma dos indivíduos, mas uma rede viva de dinâmica de relações
sociais, de caráter subjetivo, tecida a partir das subjetividades
individuais sem se resumir a estas. Em outras palavras, a minha história
subjetiva e a história subjetiva da comunidade da qual faço parte estão
profundamente entrelaçadas, muito mais do que, por vezes, podemos
imaginar.

Daí a importância do olhar e da atuação da Psicologia Comunitária. A


percepção, a análise e o uso da subjetividade social a favor de
processos de sensibilização e mobilização comunitária. Não há como
compreender plenamente o que é uma comunidade se não analisarmos
os processos subjetivos que a constituem e sua relação com a rede de
subjetividades individuais de seus integrantes.

Dialética entre subjetividade e


comunidade
É importante compreender que o conceito de subjetividade social
comunitária, tal como estudamos, deve ser um foco fundamental da
investigação da Psicologia Comunitária. Não se pode entender a
importância de uma comunidade sem considerar a dimensão subjetiva
caracterizadora dos espaços sociais. Essa investigação possibilita uma
representação viva e dinâmica da rede de produções subjetivas
integradoras das configurações subjetivas daqueles espaços.

Nesse sentido, caracterizar os processos de sentidos


subjetivos e significados gerados nas diversas áreas
da vida social, buscando entender as formas históricas
e atuais de subjetivação produzidas nesses espaços, é
uma das principais tarefas de quem pretende
compreender profundamente uma comunidade.

É fundamental observar e analisar com cuidado a teia de relações


sociais que nela são construídas, buscando ouvir a comunidade para
tentar compreender tanto os sentidos subjetivos partilhados pela
mesma como também as diferenças e os conflitos que igualmente
constituem a comunidade.

Atenção!

Por mais que o psicólogo comunitário tenha prazos a cumprir dos


órgãos de fomento ou de outros agentes, é necessário tempo para
compreender os detalhes dessa teia. Caso essa riqueza seja ignorada, o
trabalho do psicólogo comunitário está fadado ao fracasso, podendo
haver compreensões insuficientes, equivocadas e deturpadas e,
consequentemente, ações ineficientes e, por vezes, desastrosas.

É fato que existem características universais hegemônicas que


padronizam múltiplos espaços sociais, mas é um erro achar que
experiências em uma ou mais comunidades são suficientes para o
entendimento de qualquer comunidade em particular, uma vez que,
ainda que alguns processos sociais institucionais locais sejam
parecidos com outros, muitas vezes os sentidos subjetivos são
diferenciados tanto do ponto de vista individual como social. A
complexidade da subjetividade social comunitária da qual o indivíduo é
constituinte e constituído nunca se repete de localidade para localidade.

Segundo Souza e Torres (2019), a subjetividade social deve ser


analisada como uma expressão do social que está para além dos fatos
aparentes, observáveis e objetivos que podemos identificar em várias
comunidades.

Trata-se de uma dimensão complexa e ímpar que põe em movimento


necessidades e formas de organização comunitária próprias,
resultantes das tramas dos sentidos subjetivos configuradores daqueles
de seus integrantes. Ou seja, as formações sociais e as necessidades
em suas bases não respondem linearmente aos elementos concretos
presentes de uma comunidade, mas estão em constante variação no
tempo e no espaço socioambiental.

Com base nessa compreensão, podemos pensar que a compreensão da


subjetividade social de uma comunidade em sua totalidade seja uma
tarefa impossível, o que não deixa de ser verdade. Não podemos ter a
ilusão de que um trabalho temporário de profissionais que não
pertencem a uma comunidade, mesmo efetivado com o cuidado e
profissionalismo que a prática da Psicologia Comunitária requer,
promoverá a compreensão aprofundada de todos os fios e tramas que
compõem a subjetividade social de uma comunidade.

No máximo, o psicólogo comunitário conseguirá identificar os


processos de subjetivação mais importantes presentes na comunidade
e que o auxiliarão tanto no entendimento dela quanto na promoção de
processos de ressignificação socioambiental, participação e
mobilização comunitária.

Do mesmo modo, o contato mais frequente com alguns de seus


membros favorecerá o entendimento parcial de suas subjetividades
individuais para a promoção de ações de autoestima e empoderamento.
Mas a compreensão de toda riqueza subjetiva de uma comunidade é
utopia. Ainda que uma compreensão temporária dessa totalidade fosse
possível, o movimento contínuo e as transformações dos fenômenos
sociais que afetam e são afetados pela rede de subjetividade individual
e social inviabilizariam tal compreensão por muito tempo.

O que não significa que a tentativa de compreender a subjetividade


social comunitária seja inútil, pois, ainda que tenhamos uma
compreensão limitada, toda luz lançada sobre ela se refletirá
positivamente no entendimento da comunidade e das relações sociais
que ela abriga.

Outra limitação a considerar é a dificuldade de nos colocarmos no lugar


do outro, de tentar entender suas subjetividades individuais com base
em uma pretensa neutralidade e enganosa objetividade profissional.
Muitas vezes somos ludibriados pela compreensão equivocada da
realidade comunitária por causa de nossa própria subjetividade
individual ou da subjetividade social da qual emergimos. É preciso fazer
o difícil movimento de ver a comunidade a partir dos olhos do outro, ou
melhor, a partir das subjetividades individuais do outro. De enxergar a
subjetividade social comunitária com base na subjetividade social local,
e não daquela que carregamos conosco.

Comentário

Isso não é uma tarefa fácil e, para muitos, igualmente utópica. No


máximo, o que muitas vezes conseguimos é construir outro jogo
dialético entre a nossa subjetividade em suas dimensões individual e
social e a subjetividade individual e social do outro.


Limites na compreensão da
subjetividade social comunitária
Neste vídeo, o especialista apresenta e reflete sobre a complexa
dialética que configura a rede das diversas subjetividades integradoras
de uma comunidade e a limitada compreensão do psicólogo
comunitário.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1
Pode ser entendida como um sistema de sentidos subjetivos e
configurações subjetivas que se instala nos sistemas de relações
entre as pessoas que compartilham um mesmo espaço social:

A Subjetividade individual

B Dimensão comunitária política

C Dimensão comunitária cultural

D Subjetividade cultural

E Subjetividade social

Parabéns! A alternativa E está correta.

Trata-se de uma dimensão da subjetividade resultante do sistema


integral de configurações subjetivas grupais e individuais,
articuladas em diferentes níveis da vida social.

Questão 2

Analise as opções a respeito dos fatores limitantes da


compreensão total da subjetividade social comunitária.

I. A complexidade das subjetividades individuais constituintes da


subjetividade social comunitária.
II. As subjetividades individual e social próprias de quem pretende
compreender a subjetividade social comunitária.

III. O tempo necessário para o conhecimento aprofundado da


subjetividade social comunitária considerando a complexidade de
processos envolvidos e os prazos a serem respeitados.

IV. O alto custo que tal aprofundamento da subjetividade social


comunitária exigiria inviabilizando esse tipo de análise.

V. As constantes mudanças e oscilações da subjetividade social


comunitária dificultando sua compreensão.

Marque a alternativa correta:

A As afirmativas I e II estão corretas.

B Apenas a afirmativa I está correta.

C As afirmativas I, II, III e V estão corretas.

D Apenas a afirmativa III está correta.

E As afirmativas I, II, III e V estão corretas.

Parabéns! A alternativa C está correta.

Todas as opções estão relacionadas a dificuldades presentes na


tentativa da compreensão total da subjetividade social comunitária,
exceto a opção relativa ao custo envolvido, uma vez que esse fator
é bastante relativo e não está diretamente relacionado ao estudo
aprofundado da mesma. Em outras palavras, não são os custos
envolvidos que inviabilizam a tarefa de compreensão total da
subjetividade social comunitária. Para tal, devem ser considerados
especialmente a complexidade das subjetividades individuais do
grupo, a subjetividade individual e social do observador, o tempo
disposto para seu estudo e a análise, assim como todas as
mudanças que possam acontecer durante o estudo.

3 - Marcos do empoderamento e da cidadania ativa


Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar o papel e a importância dos conceitos de
empoderamento e cidadania ativa no âmbito da Psicologia Comunitária.

Empoderamento, emancipação e
transformação social
O conceito de empoderamento é um dos mais importantes marcos
conceituais no âmbito da Psicologia Comunitária. Ele envolve o estudo
tanto de processos de empoderamento individual como também de
empoderamento coletivo da comunidade como reflexo direto do
primeiro.

O termo “empoderamento” é um neologismo, trata-se


de uma tradução literal do termo em inglês
empowerment. Apesar da vasta produção de estudos e
pesquisas associados ao termo, não há uma
delimitação conceitual muito específica sobre ele. É
uma espécie de categoria utilizada por diferentes áreas
do conhecimento com finalidades diversas.

O uso do termo não é novo, passou a ter notoriedade com a eclosão dos
novos movimentos sociais contra o sistema de opressão em
movimentos de libertação e de contracultura, na década de 1960, nos
Estados Unidos, onde empowerment passou ser utilizado como
sinônimo de “emancipação social”, graças ao surgimento e à
consolidação de movimentos emancipatórios na luta pelos direitos civis
de negros, mulheres, deficientes e homossexuais.

Grupo de pessoas em protesto fazendo o simbolo do empoderamento com as mãos.


O empoderamento pode ocorrer em três níveis inter-relacionados:

Nível individual
Quando se refere às variáveis psicológicas e comportamentais
associadas à descoberta dos valores e às capacidades individuais
como força e resistência.

Nível organizacional ou institucional


Quando se refere à mobilização participativa de recursos e
oportunidades em uma organização/instituição.

Nível comunitário
Quando se refere à soma dos empoderamentos individuais dos
membros de uma comunidade e suas lutas em comum por
transformações sociocomunitárias.

A seguir, você poderá saber um pouco mais sobre como cada um deles
se desdobra.

Empoderamento individual 

É fortemente influenciado por fatores de ordem psicológica,


como autoestima, personalidade, emoção, cognição e
comportamento, o empoderamento individual diz respeito ao
conhecimento de nós mesmos em termos de potencial, força e
possibilidades de existência, de modo que possamos usar essas
características pessoais para a tomada de decisões e a prática
de ações visando a uma interferência positiva nos processos que
determinam nossas vidas.
Trata-se de um empoderamento intrapessoal de ordem
psicológica que muitas vezes se traduz como uma verdadeira
descoberta. A maioria das pessoas não faz ideia da força que
tem e das possibilidades em termos de potencial de
transformação pessoal e social que traz consigo. Um trabalho
importante da Psicologia Comunitária é levar os integrantes de
uma comunidade – por meio de grupos de encontro, dinâmicas
de grupo, vivências, psicodramas e outras ferramentas
psicológicas de trabalho – a se descobrirem e reconhecerem os
próprios potenciais.

Empoderamento organizacional/institucional 

É o empoderamento gerado na e pela organização/instituição.


Envolve tanto a concessão de maior poder de decisão e incentivo
à participação mais ampla de todos os seus integrantes (por
meio de uma administração menos vertical e mais democrática)
quanto a descoberta por parte de quem está à frente da
organização/instituição da sua importância, força e
responsabilidade social. Nessa perspectiva, o empoderamento
organizacional envolve tanto um maior nível de autonomia dos
integrantes (visando melhorar as condições e/ou o desempenho)
quanto uma maior integração à comunidade onde as
organizações estão inseridas e seus processos de
funcionamento e sobrevivência.

Quando as organizações/instituições e seus integrantes são


mais conscientes de seus vínculos com a comunidade, isto é,
conscientes da força de seu papel em uma comunidade em
termos de manutenção e promoção de desenvolvimento local
graças à geração de empregos, à movimentação da economia, à
transformação sociocultural e ao impacto socioambiental, elas
podem compreender melhor a responsabilidade social que
carregam consigo, agindo de forma mais comprometida e
valorizando a localidade da qual é parte integrante.

Empoderamento comunitário 

É o processo pelo qual os sujeitos – atores individuais ou


coletivos – de uma comunidade, por meio de processos
participativos, desenvolvem ações para atingir seus objetivos
coletivamente definidos. O empoderamento comunitário tem sua
raiz no empoderamento individual, pois os membros mais
conscientes de sua força e de seu papel se engajam nas lutas
voltadas à emancipação e à transformação social da
comunidade.

O empoderamento comunitário envolve processos de


capacitação, sensibilização e mobilização dos integrantes da
comunidade para a articulação de interesses comunitários, por
meio do exercício de uma cidadania mais participativa na luta
pela conquista de seus direitos de forma autônoma, sem que
haja acomodação e/ou dependência em relação aos órgãos
governamentais.

A importância da cidadania ativa


Podemos dizer que, por meio de processos de empoderamento
comunitário, os membros de uma comunidade têm a possibilidade de
se assumirem como protagonistas dos processos que ali se dão. Mas a
descoberta de potenciais individuais e da força comunitária precisa
proporcionar ações cidadãs concretas que ajudem a comunidade a
tomar as rédeas dos processos que a mantêm funcionando, isto é, sua
autogestão.

Cidadania pode ser definida, segundo o sociólogo britânico Marshall


(2002), a partir de três dimensões ou direitos que o autor relaciona com
a história da Inglaterra: civil, político e social. Veja a seguir.

Marshall
Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), natural de Londres, foi o quarto
dos seis filhos de uma próspera e culta família de classe média. Seu pai era
um arquiteto bem-sucedido, e seu bisavô fez fortuna na indústria. Educado
em Rugby e Cambridge, foi um sociólogo conhecido principalmente pela
obra Citizenship and social Class, além de outros ensaios, nos quais
analisou o desenvolvimento da cidadania, dos direitos civis, políticos e
sociais. (Fonte: MASTRODI; AVELAR, 2017)

Direitos civis

Estes correspondem à igualdade formal e à liberdade individual


(século XVIII).

Direitos políticos

Estes correspondem à possibilidade de participação nas ações e


nos negócios do governo de maneira direta ou indireta (século
XIX) que favoreçam a criação de novos direitos e ampliem os
direitos civis.

Direitos sociais

Estes buscam conferir a todos os cidadãos, de forma irrestrita,


um padrão de bem-estar com base nos direitos humanos
fundamentais, reconhecidos no âmbito do direito constitucional
positivo de determinado Estado. Eles se referem ao direito de um
mínimo de bem-estar social, que só seria consolidado quando
todos os cidadãos tivessem acesso a esse mínimo.

No Brasil, como se sabe, as condições históricas foram completamente


diferentes da Inglaterra, desde a condição do país como colônia de
exploração agrícola portuguesa, passando pela independência abrupta e
a constituição de um império brasileiro, até a Proclamação da
República. A República permitiu a modificação do poder político em
nosso país, mas sem alterar os direitos civis.

Esses foram alguns dos fatores que prejudicaram a evolução do senso


de cidadania no Brasil. Tal realidade só começou a mudar de fato a
partir da promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, em que,
ao menos formalmente, foram garantidas, no âmbito de um Estado
Democrático de Direito, os direitos civis, políticos e sociais a todos os
membros da sociedade.

Podemos pensar o termo cidadania também a partir de algumas


categorias:

Cidadania nata
É aquela que temos desde o nascimento como sujeito de direitos e
deveres de uma localidade onde vigora o Estado Democrático de Direito.

Cidadania conquistada
Refere-se à cidadania que luta para que o que está nas legislações
municipal, estadual e federal e, de modo particular, na Constituição seja
uma realidade.

Cidadania passiva
Consiste no simples acesso individual aos direitos políticos, sociais,
civis fornecidos pela cidadania inata.

Cidadania ativa
Traz consigo a dimensão das responsabilidades que os sujeitos têm
com a comunidade política à qual pertencem.

Cidadania e democracia deveriam caminhar juntas. Lamentavelmente,


existe uma organização hierarquizada em nossa sociedade, em que os
direitos de uma grande parcela da população não são garantidos, pois
são dispensados pela elite em função de privilégios que detêm. A
Psicologia Comunitária pode contribuir para o favorecimento de uma
cidadania consciente e ativa aliada ao empoderamento individual e
coletivo na promoção de transformações sociais positivas visando à
melhoria integral da comunidade.

Autogestão e mobilização
comunitária
Promovendo o empoderamento, a conscientização contra a alienação e
a mobilização social, a Psicologia Comunitária estimula o exercício de
uma cidadania ativa, consciente e crítica que busca a melhoria das
condições sociocomunitárias para todos os que dela fazem parte.
Assim, a comunidade conhece suas forças e fraquezas, reconhece
oportunidades e luta em conjunto, para que o acesso a direitos
essenciais seja uma regra, e não uma exceção (CARVALHO, 2006).

O conceito de autogestão é utilizado para se referir à gestão dos


processos sociais, políticos, econômicos, ambientais e culturais de uma
comunidade por ela mesma. Ela é fruto do empoderamento comunitário
por meio do qual entende sua responsabilidade social e assume uma
postura comunitária. Veja um pouco mais sobre a autogestão em
âmbitos diferentes.

 No âmbito da Psicologia Comunitária

O termo “autogestão” é fundamental. Segundo


alguns autores, como Montero (1984), promover a
autogestão é o objeto central perseguido pelas
intervenções da Psicologia Comunitária em uma
comunidade, de modo que os indivíduos possam
entender, produzir e controlar as mudanças em seu
ambiente imediato.

 No âmbito dos processos comunitários


autogestórios

A comunidade passa a se ocupar e se organizar


para resolver os problemas “do seu jeito”, utilizando
seus próprios recursos e suas potencialidades de
forma autodeterminada e independente.

Não se trata de romper com o mundo exterior ou mesmo com as


autoridades governamentais e incentivar a formação de uma espécie de
“gueto comunitário”, e sim de uma compreensão coletiva e mobilizadora
de que a comunidade pertence a eles como moradores, mantenedores e
parte integrante de seu ambiente.

Atenção!
Trata-se de estimular a autonomia e a responsabilidade social para que
todos atuem na comunidade de uma forma mais eficiente e
participativa, excluindo toda ideia de paternalismo. O objetivo é levar a
comunidade a tomar as rédeas, mobilizando seus integrantes a lutar por
sua preservação e desenvolvimento.
A Psicologia Comunitária realiza um trabalho de sensibilização da
comunidade com base em uma subjetividade social e uma identidade
local construídas pela mobilização de seus integrantes. Esse é um
ponto importante para entender o papel da Psicologia Social
Comunitária. Outras áreas como a Educação e o Serviço Social
trabalham com informação.

A Psicologia informa, mas também sensibiliza, vai a fundo nos


processos de informação e é capaz de elucidar que somos fruto da
comunidade onde habitamos e que isso se dá de tal modo que o
entendimento de quem somos passa pela comunidade.

Com a Psicologia Comunitária, é possível sensibilizar os integrantes de


uma comunidade de que se ela melhora em suas diferentes dimensões,
seus integrantes também melhoram em termos de bem-estar físico e
mental.

A autogestão é um desafio. Não se trata de um trabalho simples e


rápido. Para que a autogestão seja verdadeiramente uma proposta
viável, é necessário, segundo Caro (apud CEDEÑO, 1999), a existência de
seis fatores:
1. Participação ativa dos sujeitos comunitários;
2. Capacitação dos agentes interventores de forma que tenham
clareza de suas ações/intervenções comunitárias;
3. Assistência técnica integral e acompanhamento das
ações/intervenções;
4. Respaldo financeiro;
5. Apoio, coordenação e compromisso interinstitucional;
�. Registro e cumprimento dos processos burocráticos.

É preciso ainda estimular práticas de respeito, diálogo, transparência,


tolerância e paciência, quesitos indispensáveis ao processo
democrático que envolve saber ouvir diferentes opiniões e chegar a
caminhos válidos onde todos se sintam representados e a voz da
maioria se faça ouvir.

A autogestão é essencialmente relacional, trata-se de fortalecer a


comunidade contra toda forma de opressão, dependência e submissão
por meio da união, da prática do diálogo, da partilha de saberes e
fazeres e da mobilização em prol do bem-estar comunitário. Um
caminho onde as diferenças não são negadas, e sim valorizadas em prol
do enfrentamento de necessidades comuns, em que todos não abdicam
do direito de decidir o que consideram melhor para a comunidade da
qual fazem parte.


Autogestão e mobilização
comunitária
Neste vídeo, o especialista apresenta e reflete sobre o papel da
Psicologia Comunitária no atendimento de processos básicos que
permitem a continuidade da vida digna em comunidade,
aperfeiçoamento e desenvolvimento comunitário.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Assinale a única opção correta que completa os espaços da frase:


“Cidadania e democracia deveriam caminhar lado a lado. A
_________________ significa o acesso individual aos direitos
(políticos, sociais, civis) providos pela _________________. A
___________________ remete à dimensão das responsabilidades do
indivíduo com a comunidade política à qual pertence. E repercute
em ações para o bem-estar da comunidade.
cidadania adquirida, cidadania passiva e cidadania
A
inata

B cidadania ativa, cidadania inata e cidadania passiva

cidadania inata, cidadania passiva e cidadania


C
adquirida

D cidadania passiva, cidadania inata e cidadania ativa

cidadania passiva, cidadania adquirida e cidadania


E
plena

Parabéns! A alternativa D está correta.

A primeira linha de preenchimento, cidadania passiva, corresponde


a uma cidadania inata (segunda linha de preenchimento). Ela se
refere ao simples exercício dos direitos e deveres individuais. Já a
terceira linha de preenchimento tem a ver com a cidadania ativa, por
meio da qual o cidadão não se conforma apenas com o
atendimento de suas necessidades, mas considera a resolução
coletiva de problemas comunitários por meio de ações em comum.

Questão 2

Entre os tipos de empoderamento existentes, qual deles se refere à


soma dos empoderamentos individuais de uma comunidade e ao
engajamento nas lutas pela emancipação e transformação social?

A Empoderamento individual

B Empoderamento organizacinal/institucional

C Empoderamento comunitário

D Empoderamento crítico-reflexivo

E Empoderamento cultural

Parabéns! A alternativa C está correta.

O empoderamento comunitário só é possível a partir do


empoderamento individual. Conscientes de sua força e da
importância de seu papel na comunidade, os integrantes não se
conformam apenas em atender às suas necessidades e exercer
seus direitos, mas se preocupam e se mobilizam para resolver de
forma coletiva os problemas da comunidade como um todo.
4 - Marcos do desenvolvimento comunitário e da
sustentabilidade
Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar os conceitos de desenvolvimento
comunitário e sustentabilidade, sua importância e inter-relação.

Desenvolvimento e sustentabilidade
Como um organismo vivo, a comunidade não para de crescer e se
desenvolver e isso é fundamental para sua sobrevivência. No âmbito
local, dizemos que um lugar se desenvolveu não apenas quando
cresceu economicamente, mas se sua qualidade de vida melhorou com
a ampliação e a melhoria dos serviços de saúde e bem-estar, com os
dispositivos de deslocamento e segurança pública, com a abertura
política, a valorização da diversidade cultural e a preocupação com
sustentabilidade ambiental.
Durante longo tempo, predominou no Brasil a
concepção economicista de desenvolvimento como se
o país se configurasse exclusivamente em crescimento
ou avanço econômico. Essa concepção acabou
promovendo a prevalência dos indicadores
econômicos de uma localidade como decisivos para
determinar seu desenvolvimento ou
subdesenvolvimento.

No entanto, o aspecto econômico se refere apenas a um dos aspectos


elementares do desenvolvimento. A ele devem ser associados outros
três aspectos. Veja a seguir.

Biológico

Esse aspecto está associado ao bem-estar e melhoria da saúde.

Político

Esse aspecto está associado à expansão da liberdade, garantia


de direitos, livre exercício da cidadania.

Econômico

Esse aspecto está associado à preservação e valorização da


cultura local, além da promoção da educação e do avanço
técnico-científico.

A priorização dos aspectos econômicos sobre os demais,


especialmente no sistema capitalista – no qual o lucro fala sempre mais
alto –, trouxe vários problemas que acabaram comprometendo o
equilíbrio social em âmbito global. Alguns dos males decorrentes do
desenvolvimento de base economicista são: excessiva concentração de
poder e riquezas nas mãos de poucos gerando graves injustiças sociais;
altos índices de analfabetismo; uma alarmante deterioração dos
recursos naturais; dominação cultural e perda da diversidade cultural.

O conceito de sustentabilidade tem origem no termo latino sustentare,


que significa suportar, sustentar e manter. Diz respeito à manutenção ou
sustento de algo ao longo do tempo, ainda que existam forças e/ou
intervenções externas agindo sobre ele.

Por ser um conceito bastante amplo e interferir em várias áreas da


sociedade, a sustentabilidade tem sido pensada a partir de quatro
pilares: sustentabilidade ambiental/ecológica; sustentabilidade
organizacional/institucional; sustentabilidade sociocultural;
sustentabilidade político-econômica. Veja uma pouco mais sobre elas a
seguir.

Sustentabilidade ambiental

Refere-se ao uso consciente dos recursos naturais, de modo


que eles não se esgotem para as próximas gerações. A
redução do desmatamento, das queimadas e da poluição, por
exemplo, é primordial para uma comunidade mais sustentável.
No âmbito comunitário, é possível realizar várias ações que
contribuam com a sustentabilidade ambiental e ecológica. A
separação de lixo, a reciclagem, a redução do consumo e a
reutilização de materiais são algumas das formas possíveis de
se cooperar com a sustentabilidade de uma comunidade.

Sustentabilidade organizacional/institucional

Tem a ver com a sustentabilidade promovida por


organizações/instituições conscientes de sua responsabilidade
socioambiental e dos valores ambientais e sociais que detêm e
divulgam (marketing verde). Em geral, esses valores
encontram-se associados à marca. Entre as ações
sustentáveis, podemos destacar tanto as ações internas de
educação ambiental e capacitação dos empregados,
colaboradores e clientes quanto ações externas, quando estas
aderem ou apoiam programas ou projetos voltados à
preservação socioambiental e à valorização da saúde e da
cultura local.

Sustentabilidade social

Está diretamente ligada a um conjunto de ações que visam


melhorar a qualidade de vida das pessoas. Isso inclui a
diminuição da desigualdade social e a garantia de acesso a
serviços básicos como saúde e bem-estar, lazer, cultura e
educação, por exemplo. A valorização da organização política
da comunidade (sua organização interna de forma participativa
e democrática) também se insere nesse pilar.
Sustentabilidade econômica

Volta-se para o desafio de combinar a geração de renda e


empregos com um conjunto de práticas que visam à
preservação do equilíbrio ambiental. Em outras palavras, é
fundamentada num modelo de gestão sustentável. A
sustentabilidade econômica corresponde à capacidade da
sociedade de produzir, distribuir e utilizar as riquezas
produzidas. Seu foco está na distribuição de renda mais justa e
utiliza meios que preservem os recursos naturais para as
próximas gerações.

Esses quatro pilares se integram na Psicologia Comunitária por meio de


ações voltadas para o fortalecimento comunitário, o empoderamento e
a autogestão, tais como formação de grupos de encontro, dinâmicas de
grupo comunitárias e incentivo e participação na criação e na
implementação de projetos comunitários diversos, construindo
sinergias para a sustentabilidade comunitária.

O que é desenvolvimento
comunitário?
Inicialmente devemos entender que o desenvolvimento comunitário é
um processo de construção de capacidades para as comunidades, a fim
de que elas busquem as melhorias necessárias para atender suas
necessidades e demandas prioritárias por meio de ações democráticas
eficientes, tornando-se autodeterminadas e autossuficientes. Isso
envolve sensibilização, mobilização, planejamento, formação de
lideranças e gestão de projetos desde sua criação até sua
implementação e controle.

Trata-se, portanto, não de um resultado, mas de um processo contínuo


que é renovado a partir das novas necessidades comunitárias que vão
surgindo e dos desafios a serem enfrentados.

Esse processo se inicia quando a comunidade decide promover o


desenvolvimento à sua maneira, apostando em seu potencial,
aproveitando suas próprias capacidades de lidar com suas riquezas
socioambientais locais.

A autogestão não significa que a comunidade tenha que se fechar em si


mesmo, mas que reconheça a necessidade da independência local. É
desejável que a comunidade busque diferentes instâncias de
participação: entidades governamentais, empresas, grupos e
associações, ONGs e outros.

A estratégia de desenvolvimento de determinada


comunidade é condicionada por sua história, em que
diferentes fases de transformação socioambiental
trazem prioridades de desenvolvimento. Por isso
mesmo não se deve importar planos de
desenvolvimento. Cada comunidade deve definir em
termos de desenvolvimento o que quer ser ou aonde
quer chegar. E isso não se dá de forma estanque.
O desenvolvimento é um processo que envolve o movimento de
passagem de um estado a outro a partir de uma série sucessiva de
mudanças com ritmo próprio a ser deflagrado por motivos variados,
tanto externos quanto internos ao local. O desenvolvimento comunitário
é resultado de um conjunto interativo de fatores em constante
reelaboração e exige grande mobilização de recursos e energias. É
sempre bom lembrar que sem cooperação e parceria não existiria
sequer uma comunidade, e sim uma mera localidade.

Dizer que uma comunidade segue rumo a uma perspectiva de


desenvolvimento é afirmar que as pessoas que a constituem, as
interações que a promovem, a cultura que ela produz, os meios
econômicos de que a comunidade dispõe e o meio do qual faz parte
encontram-se em processo de desenvolvimento, o que representa um
movimento de avanço em termos de qualidade de vida comunitária em
todos os níveis: político, econômico, social, cultural, ambiental etc., sem
ignorar sua história.

Para a promoção do desenvolvimento comunitário, é necessário romper


com alguns mitos. Eis alguns deles:

Mito 1 

“Só alguém de fora pode resolver os problemas da comunidade,


já que santo de casa não faz milagre.”

Esse entendimento desacredita a comunidade, seu próprio


potencial humano e sociocultural, como se “o jardim do vizinho
tivesse sempre a grama mais verde”. O mito limitador deturpa o
quanto a comunidade pode, de forma autogestória, tomar as
rédeas e valorizar as pessoas, suas competências e sua cultura.
Como já foi dito, parcerias externas são bem-vindas, mas a
potencialidade das ações e a responsabilidade com o
desenvolvimento devem partir da própria comunidade, que
precisa acreditar em si mesma e lutar por melhorias.

Mito 2 

“A comunidade não tem a competência técnica para mudar sua


realidade.”

Esse mito traz como consequência a desqualificação de saberes


tradicionais e de habilidades, bem como desvaloriza as
competências práticas dos integrantes da comunidade. Em
qualquer comunidade há uma sabedoria acumulada que deve ser
valorizada. Parcerias técnicas são possíveis, desde que haja um
compromisso com a capacitação de membros da comunidade,
de forma que esta mantenha a autonomia e a autossuficiência
de seus processos constitutivos.

Mito 3 

“Somos uma comunidade pobre e sem recursos.”

Eis um mito falacioso. Dificilmente uma comunidade é pobre de


recursos naturais, culturais e relacionais. O que acontece, muitas
vezes, é a incapacidade da comunidade de descobrir e utilizar
seus recursos de maneira eficaz para a promoção do
desenvolvimento comunitário.

Mito 4 

“Para a promoção do desenvolvimento comunitário, é preciso


um grande capital financeiro.”

Mais uma falácia. Sempre é possível promover o


desenvolvimento comunitário, ainda que com poucos recursos
financeiros. A questão é o planejamento do desenvolvimento
comunitário: as primeiras etapas devem se concentrar na
captação dos recursos e sua aplicação, de modo a favorecer as
demais etapas associadas ao emprego do capital na melhoria da
comunidade.

Mito 5 

“Não adianta se preocupar como o desenvolvimento


comunitário, se o país está em crise e não consegue se
desenvolver.”

Ora, se ficarmos esperando que o país saia da crise para depois


nos preocuparmos com o desenvolvimento comunitário,
estaremos fadados ao fracasso. Para que o país saia da crise, é
preciso que as comunidades busquem estratégias próprias de
desenvolvimento. É preciso ter senso crítico sobre a ideia de
crise, porque “crise também é sinônimo de oportunidade”.
Caminhos da sustentabilidade
comunitária
Como já vimos, o termo “sustentabilidade” é empregado com frequência
em várias áreas. Sustentabilidade diz respeito à possibilidade de
promover desenvolvimento sem prejuízo dos recursos existentes. Isso
significa completar o ciclo de produção mantendo-se relativamente
estáveis as condições ambientais.

A sustentabilidade comunitária, portanto, ocorreria


quando a comunidade fosse capaz de, mesmo
manipulando os recursos nela existentes, promover
ações sustentáveis com êxito em seus quatro pilares
de apoio.

As vantagens da adoção de ações e posturas comunitárias são muitas.


Poderíamos citar aqui algumas delas:

• A melhoria da qualidade de vida;


• A preservação da biodiversidade e dos recursos naturais;
• A redução dos desastres ambientais e de seus impactos ao meio
ambiente e à população comunitária;
• A adoção de hábitos mais saudáveis e conscientes;
• A atuação mais responsável no âmbito socioambiental por parte
de organizações/instituições comunitárias;
• A redução da desigualdade social e de todas as formas de
preconceito;
• A recuperação da economia local a partir de princípios como
ecoeficiência;
• A melhoria das condições de saúde.

O processo que promove a sustentabilidade exige mudanças de


comportamento, renúncias a certas facilidades e comodismos e, de
forma geral, uma série de adaptações à nova comunidade sustentável.
Exigências que nem todos estão dispostos a cumprir. Vejamos algumas
delas:

 Reconhecimento da necessidade de
mudança

Para que uma comunidade se torne sustentável, é


preciso promover uma profunda reflexão sobre a
maneira de agir na comunidade, as formas de uso
de recursos naturais e de consumo, por exemplo,
como descartamos o lixo, o tempo que levamos no
banho ou a quantidade de água que gastamos para
lavar nosso carro. A consciência da necessidade da
mudança de postura de hábitos não sustentáveis é
o primeiro passo para que a mudança aconteça.

 Renúncia a comportamentos, posturas e


práticas insustentáveis
Reconhecer a necessidade de mudar é importante,
mas é preciso que a mudança aconteça de fato a
partir de uma tomada de decisão. A escolha pela
sustentabilidade traz consigo uma série de
renúncias de práticas já consolidadas ao longo de
anos de existência, alimentadas nas práticas
institucionais, nas representações sociais da
comunidade e, em alguns casos, na própria tradição
cultural da comunidade. É preciso renunciar a essas
práticas antigas visando ao bem-estar comum.

 Adaptação a uma nova realidade

Adaptações requerem tempo. Não é possível se


tornar uma pessoa ou uma organização sustentável
de uma hora para outra. Trata-se de um processo
difícil, e por vezes até doloroso, pois implica a
adoção de novos valores e hábitos antagônicos aos
valores e hábitos anteriores. Cada um tem o seu
tempo para isso. O problema é que a
sustentabilidade se faz urgente e é difícil saber
quanto tempo uma comunidade realmente precisa
para se tornar sustentável. De qualquer forma, o
importante é adotar o caminho da sustentabilidade,
ainda que a velocidade não seja a desejável.

 Desenvolvimento de hábitos mais


sustentáveis
Adotar práticas sustentáveis simples e que se
tornem habituais pela repetição é outra exigência
da sustentabilidade. Ela vai exigir abertura para o
novo e algumas renúncias como: economizar água,
adotar coleta seletiva de lixo, evitar o desperdício e
promover a reutilização e a reciclagem, incentivar
práticas de valorização da cultura local, fortalecer a
memória da comunidade e evitar todo tipo de
impacto ambiental negativo.

 Manutenção e ampliação das medidas


positivas

A prática sustentável incentiva outras práticas à


nossa volta, ou seja, “um exemplo fala mais que mil
palavras”. As ações positivas em termos de
sustentabilidade precisam ser continuadas,
divulgadas e ampliadas. Para tal, temos à
disposição a Internet, sites e redes sociais, como
Facebook e Instagram, além de jornais e revistas
locais. Para ampliar tais medidas, vale a pena
investir em programas de educação ambiental;
encontros de formação com lideranças de modo a
envolvê-las na causa da sustentabilidade e na
promoção de ações sustentáveis, incluindo algum
tipo de premiação.

Enfim, a adoção de tais práticas sustentáveis traduz uma nova filosofia


de vida que a sustentabilidade exige e com que a Psicologia
Comunitária quer colaborar.

A busca pela sustentabilidade
Neste vídeo, o especialista apresenta propostas e exemplos em que o
psicólogo comunitário pode agir a fim de estimular e promover
comprometimento e mobilização dos membros da comunidade em
programas e práticas sustentáveis.

Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

Avalie as opções a seguir que dizem respeito aos mitos associados


à promoção do desenvolvimento comunitário:

I. O desenvolvimento comunitário só ocorrerá se o país sair da crise


e também se desenvolver.

II. A comunidade não possui capacidade técnica para resolver


sozinha seus problemas.

III. O empoderamento de seus integrantes é essencial para o


desenvolvimento comunitário.
IV. Para promover o desenvolvimento comunitário, é preciso muito
dinheiro.

V. Só alguém externo à comunidade pode resolver com eficiência


seus problemas.

Marque a alternativa correta:

A Apenas a afirmativa I está correta.

B Apenas a afirmativa II está correta.

C As afirmativas II, III e IV estão corretas.

D As afirmativas I, III e V estão corretas.

E As afirmativas I, II, IV e V estão corretas.

Parabéns! A alternativa E está correta.

É pelo empoderamento que os integrantes de uma comunidade


compreendem melhor a importância de seu papel na comunidade e
seu potencial de mudança social. A promoção do desenvolvimento
comunitário é uma tarefa extremamente difícil. Todas as demais
opções referem-se a mitos do desenvolvimento comunitário que
inviabilizam sua promoção e precisam ser removidos por diferentes
ações que podem ser facilitadas pela presença e atuação do
psicólogo comunitário.
Questão 2

Considere a seguinte reflexão sobre o desenvolvimento comunitário


e depois assinale a alternativa que melhor traduziria sua explicação:
“A estratégia de desenvolvimento da comunidade é condicionada
por sua história, assim, diferentes fases de transformação
socioambiental apresentam prioridades de desenvolvimento.”
Não é possível importar modelos de
desenvolvimento externos, uma vez que as
A
estratégias de desenvolvimento comunitário estão
associadas à história da comunidade.

O desenvolvimento comunitário é o resultado de um


processo demorado e custoso, uma vez que envolve
B
diferentes etapas associadas a uma história
imutável da comunidade.

São as prioridades das necessidades locais que


C determinam a história do desenvolvimento
comunitário em uma comunidade qualquer.

A comunidade está presa à sua história, devendo


sempre usar métodos e práticas de
D
desenvolvimento comunitário historicamente
determinados sem exceções.

As fases de transformação socioambiental de uma


comunidade são determinadas por sua história
E
independentemente dos processos de
desenvolvimento comunitário.

Parabéns! A alternativa A está correta.

A reflexão que integra a questão diz respeito à necessidade de se


entender que toda comunidade tem uma história a ser preservada e
respeitada e que as necessidades da comunidade e suas fases de
desenvolvimento variam de acordo com essa história. Não existe
referência alguma na reflexão a algum tipo de dependência
histórica como fator limitador do desenvolvimento comunitário, e
sim uma valorização da história da comunidade como fator
importante para a compreensão e promoção do desenvolvimento
comunitário.

Considerações �nais
O percurso de nosso estudo foi bastante didático e, com certeza, irá
aclarar as ideias que envolvem o conhecimento dos processos
comunitários essenciais à existência e à continuidade de uma
comunidade.

Estudamos o conceito de comunidade, procurando entender suas


dimensões, seus processos e a força que ela detém graças à sinergia de
processos de cooperação e coesão. A seguir, vimos um conceito vital
para a Psicologia, o de subjetividade, procurando demonstrar que nossa
psique também é fruto das relações sociais que produzimos em um
determinado meio ambiente do qual somos parte integrante. Deixamos
claro que, se pretendemos entender uma comunidade, é fundamental
compreender o que chamamos de subjetividade social comunitária,
ainda que existam limitações para sua compreensão total.

Posteriormente, discutimos o empoderamento no âmbito individual e


comunitário associado à importância da cidadania consciente e ativa
para a promoção de transformações sociais positivas na comunidade.
Por fim, os marcos da autogestão e do desenvolvimento comunitário.
Terminamos nossos estudos com a sustentabilidade e suas dimensões,
porque as conquistas comunitárias e a preservação/valorização
socioambiental não devem ser temporárias, e sim sustentadas ao longo
do tempo.


Podcast
Neste podcast, você ouvirá sobre os principais marcos conceituais da
Psicologia Comunitária: comunidade, subjetividade social,
empoderamento, desenvolvimento comunitário e sustentabilidade
comunitária.

Referências
CARVALHO, V. Educação ambiental urbana. 2. ed. Rio de Janeiro: WAK,
2018.

CARVALHO, V. Educação ambiental e desenvolvimento comunitário. 2.


ed. Rio de Janeiro: WAK, 2006.
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Comunitária na América Latina. In: Psi – Revista de Psicologia Social e
Institucional, v. 1, n. 2, nov. 999.

FURTADO, O.; GONZÁLEZ REY, F. (Orgs.). Por uma epistemologia da


subjetividade: um debate entre a teoria socio-histórica e a teoria das
representações sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

GONZÁLEZ REY, F. El sujeto y la subjetividad en la psicología social: Un


enfoque histórico-cultural. Buenos Aires: Noveduc, 2011.

GONZÁLEZ REY, F. La subjetividad: su significación para la ciencia


psicológica. In: FURTADO, O.; GONZÁLEZ REY, F. (Orgs.). Por uma
epistemologia da subjetividade: um debate entre a teoria socio-histórica
e a teoria das representações sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2002.

GONZÁLEZ REY, F. Problemas Epistemológicos de la Psicología.


Habana: Editorial Academia, 1996.

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In: CAMPOS, R. H. F. (Org.). Psicologia Comunitária: da solidariedade à
autonomia. Petrópolis: Vozes, s.d., p. 17-34.

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Federal, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério da Ciência e
Tecnologia, 2002.

MASTRODI, J.; AVELAR, A. E. C. O conceito de cidadania a partir da obra


de T. H. Marshall: conquista e concessão. Cadernos de Direito,
Piracicaba, v. 17(33):3-27, jul.-dez. 2017. Consultado na Internet em: 16
set. 2022.

MONTERO, M. Aportes metodológicos de la Psicología Social as


Desorollo de Comunidades. Anais do XVII Congresso Latinoamericano
de Psicología (SIP), 1984.

ROSSATO, M.; MITJÁNS MARTÍNEZ, A. Desenvolvimento da


subjetividade: análise de histórias de superação das dificuldades de
aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, v. 17, n. 2, 2013, p.
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SOUZA, E. C. de; TORRES, J. F. P. A teoria da subjetividade e seus


conceitos centrais. Obutchénie – Revista de Didática e Psicologia
Pedagógica, v. 3, n. 1, 2019, p. 34-57.

Explore +
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo:

Conheça os sites:

• Conheça uma interessante experiência de desenvolvimento


comunitário com o vídeo do pesquisador Ricardo Luis de Assis,
Construindo sinergias locais para o desenvolvimento comunitário:
a práxis dos adolescentes e jovens da comunidade de cajueiro, no
YouTube. Instituto Federal de Ciência e Tecnologia, Campus
Serrinha.

• Assista no YouTube ao trabalho da Comunidade Junior Chamber


International (JCI) ao redor do mundo. Ele é voltado para o
desenvolvimento comunitário em seus diferentes estágios por meio
da cidadania ativa dos membros da comunidade e a partir de uma
metodologia própria de ação.

• Saiba mais sobre o que é empoderamento e desenvolvimento


comunitário assistindo ao vídeo A maior horta comunitária da
América Latina, no YouTube. Localizado na favela de Manguinhos,
Zona Norte do Rio de Janeiro, o espaço, que um dia foi dominado
por montanhas de lixo e viciados em crack, hoje abriga plantações
orgânicas que geram renda e levam comida para a mesa de quem
mais precisa.

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