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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

O TRABALHO DO LÍDER COMUNITÁRIO SOB A PERSPECTIVA DA


ANTROPOLÍTICA

Maria da Conceição Santos de Lima Sousa1


(Professor colaborador)

RESUMO

Esta pesquisa é fruto dos diálogos realizados no interior da disciplina Teorias em Ciências
Sociais e Humanas, ministrada no curso de Mestrado em Ciências Sociais e Humanas. O
objetivo é fazer reflexões sobre o trabalho do líder comunitário e a política que acontece no
bairro, sob a perspectiva dos debates acerca do saber científico além dos moldes tradicionais,
abordando os conceitos do pensamento complexo, da Antropolítica e da Fraternidade como
categoria política, e as conexões que se dão entre os sujeitos, com suas subjetividades e a
participação de múltiplas vozes, na produção de saberes e no exercício de uma política mais
humana e planetária.

Palavras - chave: Pensamento Complexo; Sociedade; Comunidade; Antropolítica;


Fraternidade.
INTRODUÇÃO

A História dos Movimentos Sociais mostra que a representatividade nasce a partir


da organização de grupos de indivíduos, que se unem em torno de interesses comuns, a
fim de provocar alguma transformação do meio onde vivem, unindo-se através de
problemas concretos vividos pelo povo - condições de vida e trabalho; discriminações de
gênero, raça, classe, orientação sexual, credo, destruição do ambiente; formas de
participação política; etc. e cuja mobilização se dá pela intervenção de um “agente de
mediação social” que pode ser a figura do educador, de um líder , sujeitos sem qualquer
notoriedade, e que, a partir da utilização de novas metodologias e narrativas, passaram a
produzir significados próprios de suas lutas e na construção de referenciais de memória
coletiva, que contribuíram para a elaboração de uma identidade.
Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem
propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que agem como
resistência à exclusão e lutam pela inclusão social. Constituem e desenvolvem
o chamado empowerment de atores da sociedade civil organizada à
medida que criam sujeitos sociais para essa atuação em rede. Tanto os
movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais têm construído
representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas.
Criam identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, como
bem acentuou Melucci (1996). Ao realizar essas ações, projetam em seus
participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram
excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo
ativo. (GOHN, 2011, p. 47).

Como esse sentimento de pertencimento se verifica nos moradores, quais


significados e fragmentos de memória de lutas e reuniões populares por melhorias de
condições de vida estão presentes no fazer histórico dos sujeitos? Hobsbawm (1987)
em seu livro “Mundo do trabalho”, faz uma reflexão sobre o fato de que, na maioria
das vezes a história de pessoas comuns é desprezada por uma história tradicional,
baseada nos grandes feitos, e em fatos ocorridos em espaços temporais maiores, de modo
que a Micro História veio desempenhar um papel preponderante, pois nela ganham valor as
narrativas de sujeitos não conhecidos, os quais se tornam atores de seu próprio fazer
histórico. Nisto, também se junta a voz de um novo fazer científico, que atenta para as
subjetividades presentes nas narrativas, nas memórias, que transmitem saberes muitas vezes
ignorados.

Para Harres (2006: p.133) “[...] recordar liga-se a subjetividade, recordamos sob a
forma de emoções, sentimentos e imagens. A memória depende de encadeamentos, elos são
condições para recordar”. Sob esta ótica, a história oral é registrar experiências e
lembranças dos indivíduos que unem à socialização de sua memória com o coletivo e que
de outra forma não conheceríamos. Dessa forma, consideramos o trabalho do Líder
Comunitário como um vislumbre desse novo fazer científico, que considera os saberes
adquiridos fora da academia; é a política sem os dogmas da Ciência Política, é a Ciência
Social acontecendo longe dos debates mais atuais da Sociologia, ainda, não distante das
transformações que são objeto de estudo, por que ele está onde as transformações acontecem.
O papel do líder comunitário é fundamental na dinâmica da vida em comunidade. Ele
aproxima as pessoas das figuras que detém o poder de resolver administrativamente e
politicamente, os problemas do bairro. Ele reúne pessoas em torno de um objetivo em
comum, que é o bem estar coletivo. Isso vai além das tratativas da política sistemática
(partidária), por que o foco é a promoção de melhorias na vida da comunidade, que afeta
diretamente o dia a dia dos moradores.
Nesta perspectiva, entende-se que a preservação da memória e a construção de uma
identidade coletiva, passa também pelo estudo mais criterioso sobre a comunidade, sobre
quem são seus sujeitos, quais suas necessidades, qual a realidade de vida, e pensar nos
elementos que levam em conta a percepção da comunidade acerca de sua própria História,
e a importância que essa percepção de fato, exerce no conceito de pertencimento dessas
pessoas.
Assim, a identidade do líder comunitário está fortemente atrelada à da comunidade,
sendo então, neste espaço geográfico, que se dão mudanças estruturais e onde as relações
sociais são construídas, caracterizando ali um fazer político e social próprio, tornando cada
morador, sujeito participante desse processo de construção social.
A figura do líder não existe independente deste espaço e das relações que emergem
dele. Essa comunidade, que representa um fragmento da sociedade, é o lugar de nascimento
do que BUBER (1987), denomina de “inter-humano.”
“O inter-humano é aquilo que acontece entre homens, em que estes tomam parte
como em um processo impessoal, aquilo que o indivíduo vivencia como seu agente
e paciente da ação; não se restringe, porém, exclusivamente a isto. O inter-humano
só pode ser concebido e analisado como síntese do agir e do suportar a ação de dois
ou mais homens. Este fazer e sofrer se entrelaçam mutuamente e encontram um no
outro oposição e equilíbrio. Dois ou mais homens vivem mutuamente, isto é, se
defrontam em relação recíproca, em ação recíproca. Cada relação, cada ação
recíproca entre eles, podem ser denominadas sociedade, A função da sociedade é o
social ou, mais concretamente, o inter-humano.” (BUBER, 1987. P.41)

Como esse entrelaçamento de identidades acontece? À medida que essa figura do líder
não está distante dos problemas dos moradores. O líder comunitário é a pessoa que resolve
desde o remédio até a construção de um canal. Ele intermedia conflitos pessoais de vizinhos,
ele se envolve com a questão da creche, do transporte, da limpeza urbana, do circo que chega
no bairro, do parque, das igrejas, (não importando a confissão de fé). Então o seu nome é
lembrado, referenciado, como alguém que representa a comunidade, e ao mesmo tempo, ele
se torna indivíduo parte dessa comunidade, por que assume para si o compromisso de
construir um ambiente mais justo, mais digno, para si e seus pares.
Longe de ser uma espécie de “salvador da pátria”, essa figura em sua prática, se
assemelha mais a esse sujeito inter-humano, que, nas palavras de BUBER (1987), “que
queiram a comunidade com toda a força de sua alma; que se interessem pela comunidade às
quais pertencem, do mesmo modo pelo qual se interessam por seus assuntos amorosos e por
suas amizades”[..]
Essa representatividade que o líder comunitário exerce, grita a natureza de seu serviço,
anuncia o significado do que é viver em comunidade e o que ela pode ensinar a respeito de
fraternidade, de respeito ao semelhante, de justiça e dignidade para todos, independente de
raça, credo ou gênero. A existência da figura do líder comunitário fala sobre o que é ser e
viver em comunidade, e a comunidade fala qual é a essência do serviço comunitário. As
representações, memórias, símbolos, a história oral, ajudam a entender essa dinâmica, em que,
numa simbiose, à medida que nasce uma comunidade, nasce a necessidade de uma liderança,
e essa necessidade faz surgir o protagonismo do líder comunitário. Um fala a respeito do
outro. O líder é concebido ao mesmo tempo indivíduo passivo (o que quis dizer? Ficou
contraditório com a ideia de liderança ativa?), participante do meio em que vive, e sujeito
ativo, que age para provocar mudanças nas estruturas do seu lugar.
1- O SERVIÇO COMUNITÁRIO COMO UMA EXPRESSÃO DA
ANTROPOLÍTICA

“A desigualdade e a injustiça enchem de tensão, hostilidade e


violência as comunidades e até mesmo as nações. Os
promotores da paz, portanto, não podem evitar as questões
relativas à injustiça e à parcialidade. Isso significa entrar na
briga para garantir igualdade de educação, moradia e
emprego. Significa manifestar solidariedade posicionando-se
contra o tratamento injusto e a força excessiva da polícia.
Significa assegurar a dignidade da imagem de Deus em todos,
defender o mesmo tratamento garantido pela lei a todas as
pessoas, bem como reparar os erros cometidos contra
alguém”. (KELLER, 2021)

O texto acima nos remete ao pensamento de Edgar Morin a respeito da “face do


humanismo que devemos abraçar” (MORIN, 2011). O Humanismo que considera a dignidade e
o valor intrínseco de todo ser humano, manifestado, podemos assim dizer, no trabalho do
serviço comunitário.
Esse conceito aplicado à política é desafiador, se pensarmos no sistema político partidário
no qual vivemos. Implica exercer uma política diferente, para além das negociações
eleitoreiras, que se importa, de fato, com o bem estar coletivo. É no ambiente comunitário que
identificamos com mais notoriedade essa forma de fazer política.
Isso não significa agora empreender uma romantização ou negação de que, mesmo na
política comunitária, exista elementos da política tradicional e sistemática; não esqueçamos que
são os líderes comunitários os grandes articuladores das eleições municipais, sendo eles, muitas
vezes, os maiores responsáveis pelo sucesso da candidatura de vereadores e prefeitos.
Porém, entre tantos fatores, um dos diferenciais desse fazer político é a relação de
proximidade com os moradores e a mediação dos problemas mais corriqueiros que diz respeito
a vida ordinária de cada um. A figura do líder é investida de uma figura de mediador, que o
coloca perto dos sujeitos, e como diz Edgar Morin (2011), o leva a construir uma política do
homem no mundo, que concebe o desenvolvimento dos seres humanos e seus problemas acerca
do sentido da vida, e as suas relações mútuas, do ser societário, que leva em consideração a
ação imediata, o local, o regional e o médio prazo.
A resolução dos problemas da comunidade muitas vezes não espera a publicação de um
decreto, de uma lei, ou o envio de uma emenda parlamentar. São situações que exigem uma
imediata resposta, e por sua vez, um relacionamento entre sujeitos que no qual não cabe
formalidades. Os resquícios do coronelismo obrigatoriamente são extintos, pois esse fazer exige
uma aproximação entre os sujeitos, uma relação em que o bem estar coletivo vem antes do
interesse pessoal de qualquer um. Nessa perspectiva, a comunidade é o espaço onde se dá as
relações inter-humanas e este se torna o espaço semelhante ao que MORIN (2010) denominou
de “ reserva antropológica”, em contraste com a política planetária movida pela exploração,
pela técnica, caracterizada pela corrida da industrialização, da obtenção do lucro a qualquer
custo.
Outro aspecto observável da Antropolítica no serviço comunitário advém justamente dessa
proximidade. Pois ela exige algo mais que um saber científico ou acadêmico. O serviço
comunitário é antropolítico por que tem uma dimensão antropológica. Ele leva a pessoa do
líder comunitário a lidar diretamente com os anseios e labores do ser humano, para além de
suas necessidades materiais. “A entrada de todas as coisas humanas na política deve dar-lhe um
caráter antropológico” (MORIN,2010).

O caráter multidimensional, planetário e antropológico da


política é a consequência desta tomada de consciência global:
o que estava nos confins da política (os problemas do sentido
da vida, o desenvolvimento, a vida e a morte dos indivíduos, a
vida e a morte da espécie) tende a passar ao núcleo.
Precisamos, portanto conceber uma política do homem no
mundo, política da responsabilidade planetária, política
multidimensional, mas não totalitária.
O desenvolvimento dos seres humanos, de suas relações
mútuas, do ser societário, constitui o propósito mesmo da
política do homem no mundo, que requer a busca da
hominização. (MORIN, 2010).

O líder Comunitário está mais próximo dos aspectos humanos da comunidade. Ele é
obrigado, pela natureza da sua função, a ver a face da fome, do luto, do abandono, do vício.
Esses elementos que, os políticos tradicionais (a política partidária) não são capazes de
enxergar além de possíveis eleitores. Na comunidade também se enxerga o riso dos idosos, a
satisfação das crianças nas creches, a promoção da saúde nos postinhos, a informação mediada
pelas agentes de saúde que conhecem a problema do seu Zé, de dona Maria. Esses elementos
humanos, não aparecem nas estatísticas. Embora não se negue a necessidade delas, e aqui é
onde encontramos o fundamento do pensamento de Edgar Morin, de não abandonar os critérios
da Ciência tradicional, aquela que mede, que conta, que analisa, mas, abraçarmos essa que lê o
humanismo presente no serviço comunitário.
“Assim, a política deve tratar da multidimensionalidade dos
problemas humanos. Ao mesmo tempo, como o desenvolvimento se
tornou um objetivo político maior e a palavra desenvolvimento
significa (certamente de forma pouco consciente e mutilada) a
incumbência política do devir humano, a política se incumbe, também
de forma pouco consciente e mutilada, do devir dos homens no
mundo. E o devir do homem no mundo traz em si o problema
filosófico, doravante politizado, do sentido da vida, das finalidades
humanas, do destino humano. A política, portanto, se vê de fato
levada a assumir o destino e o devir do homem assim como o do
planeta.” (MORIN, 2010.p 136)

Não se faz necessário muito esforço para que essa política aconteça no meio da
comunidade. Ela possui uma dinâmica própria, e o papel do líder comunitário é essencial pra
que haja esse movimento de inter-relação aconteça. Ainda hoje, quando a força do
movimento comunitário não é a mesma de anos passados, é possível perceber a grande
influência da liderança comunitária.

Só é possível conceber a ideia de uma Antropolítica no serviço comunitário sob a


perspectiva das ciências da complexidade que considera o elemento humano. De outro modo,
o sentir e as questões da subjetividade que compõe o homem, não seriam considerados como
fatores importantes ao se falar sobre Ciência. Essa forma de pensar, rompe com antigos
paradigmas que não leva em consideração o homem e sua complexidade, mas desconsidera o
entorno desses sujeitos e os mais diversos fatores que o constrói.
Sob essa perspectiva, o Líder comunitário não é em si mesmo um protagonista sem os
demais elementos que o tornaram o que é. Daí a importância das múltiplas vozes, ou dos
silêncios, dos anônimos. Nesse trabalho que se requer coletivo, ninguém faz nada sozinho, e
assim as histórias dos sujeitos vão se construindo entrelaçadas, e à medida que se investiga
um, se descobre o outro, por que ambos estão envolvidos em processo de diálogo entre o todo
e as partes, regido pelo princípio hologramático.
O pensamento cartesiano não enxergaria o protagonismo de um líder comunitário além
da quantidade de feitos que realizou. Uma História escrita sobre sua vida, contada de maneira
fria, contabilizaria todos os registros que existem sobre as realizações. Mas uma ciência que
considera a complexidade do ser, consegue ir um pouco mais adiante para compreender, além
de informar, e para isso, ela exige uma sensibilidade que só é possível sob a perspectiva do
pensamento complexo.
1.1 - A FRATERNIDADE COMO CATEGORIA POLÍTICA NO SERVIÇO
COMUNITÁRIO.

Para além das ferramentas da política, através das quais se chegam às conquistas que
melhoram a vida em comum da comunidade, existe a Fraternidade como categoria política.
Esse conceito, segundo TORRES (2010), nasceu na Revolução Francesa, ao lado de outros
dois conceitos, igualdade e liberdade, imprimindo a ideia de que nenhum ser humano é
superior ou inferior a outro, seja por questões culturais ou econômicas.
De acordo com TORRES (2010), a Fraternidade como categoria política é identificada
através do exercício da democracia participativa, quando ela se propõe a ser uma “
possibilidade de uma alternativa à democracia representativa, a alteridade em função do
reconhecimento do outro como alguém igual a mim e a diversidade que inclui a perspectiva
do multiculturalismo e, ainda, a construção da unidade a partir da diversidade.” (TORRES,
2010. p 70).

“A democracia, numa perspectiva da fraternidade,


deve ter como foco não apenas a lógica da consulta, mas,
sobretudo, a construção de uma agenda política que
contemple o princípio da subsidiariedade horizontal, no
sentido de fazer com que as instituições não estejam isoladas,
na busca do bem comum, mas tendo todos os envolvidos
como responsáveis pelas decisões e demandas, consolidando
um pertencimento recíproco a partir da igual dignidade dos
sujeitos” (TORRES, 2010. p. 77)

Identifica-se a Fraternidade como categoria política no serviço comunitário observando


a sua própria dinâmica, como ela acontece entre os moradores. O serviço comunitário
permite, por exemplo, a consciência de pertencimento, quando promove o debate público
entre seus atores, de forma que eles estejam diretamente envolvidos nas decisões que
interessam à comunidade.
As assembleias realizadas nas reuniões do Conselho Comunitário, envolvem não só a
figura do líder, mas também daqueles que, por determinada influência entre os moradores, são
investidos de uma certa representatividade. Nisso também está representada a diversidade de
ideias, que permitem a existência da alteridade, o respeito às diferenças, mesmo que esteja se
buscando um bem em comum. A Fraternidade torna possível a coexistência de múltiplos
saberes e fazeres na política comunitária, assim como afirma TORRES (2010) “Ela só se
concretiza a partir das relações entre dois ou mais seres e na medida em que ambos os lados
estejam dispostos a manter uma relação fraternal, ou seja, ninguém é fraterno solitariamente,
é necessária uma atitude que vai e que vem”.
O protagonismo de um líder comunitário, a sua identidade e a identidade da
comunidade que lidera, não são elementos desconexos entre si, mas eles coexistem a partir da
presença desse elemento subjetivo, ou seja, a característica daquilo que chamamos de
Fraterno, sob o qual é possível que sujeitos de diferentes níveis educacionais, ou ainda com a
total ausência de uma formação escolar, longe dos ditames e normas acadêmicas ou dos
paradigmas tradicionais da ciência, produzem saberes, promovam mudanças estruturais no
meio onde vivem, de forma ativa, a fim de transformar a sua realidade e a de seu semelhante.
A Fraternidade como categoria da política comunitária contribui também para a
construção de uma política mais humana, que considera os sentimentos, as aspirações, e todo
elemento humano que faz parta da essência das pessoas. Está ligada a esse equilíbrio, entre o
que é sistemático, partidário, mas também, comunitário.

“O apelo da fraternidade não se encerra numa raça, numa classe,


numa elite, numa nação. Procede daqueles que, onde estiverem, o
ouvem dentro de si mesmos, e dirige-se a todos e a cada um. Em toda
parte, em todas as classes, em todas as nações, há seres de boa
vontade” que veiculam essa mensagem.” (MORIN, 2011 p .167)

É paradoxal e revolucionário pensar uma forma de fazer política longe daquilo que
normalmente se conhece quando se fala nesse assunto. A política, segundo o senso comum,
nos remete ao jogo de interesses, dos lucros exacerbados, da ganância, da corrupção que
usurpa o direito do pobre, da viúva, do órfão e do estrangeiro.
No entanto, podemos refletir a partir dessa perspectiva da política comunitária, que é
possível exercer a política a partir de um novo molde, sob outros princípios, outras
prerrogativas, que não aquelas já conhecidas. O serviço comunitário é um vislumbre dessa
possibilidade, por permitir, através de sua dinâmica de representatividade, incluir a todos os
sujeitos e aproximar uns dos outros, através de ideários comuns, ou necessidades particulares,
que são capazes de unir vizinhos, e rivais políticos.
Segundo MORIN (2011), isso também é algo inerente à Fraternidade. A superação das
rivalidades, das individualidades, que são parte, igualmente, das subjetividades humanas, mas
algo a ser vencido, a fim de que possamos enxergar no semelhante, um irmão. Ainda de
acordo com MORIN (2011), não se trata de uma forma ilusória de resolver problemas, mas
resistir à crueldade e ao horror que impera nas relações humanas, e neste caso, principalmente
na política.
A Fraternidade faz seu apelo, para que os homens lembrem do que são feitos, de como
são iguais, sendo diferentes. Lembra do quanto se pode fazer, pelo seu semelhante, se forem
vencidas as questões que os separam, em nome de uma unidade, ainda que não uniformidade.
“O evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria nos diz: sejamos irmãos, não por que
seremos salvos, mas por que estamos perdidos” “(MORIN, 2010)
Por vezes, esta categoria na política comunitária, é o que a fará subsistir. Recursos
financeiros são não suficientes para se fazer política comunitária. Não há como atender à
todas as solicitações que surgem. Nem sempre o representante é recebido pela autoridade
competente. Depende da época, e do que se ganha em troca. A união dos sujeitos na
comunidade é o que irá prevalecer nas reivindicações. Eles precisarão enxergar no outro o seu
próximo, trabalhar para que o interesse coletivo seja alcançado, independente da vontade
individual, e acima da sua identificação pessoal partidária.
Eles se percebem iguais, por que as condições de moradia, os iguala. Outras vezes é a
tristeza, advinda de infortúnios da vida. Na individualidade de cada um, a união de objetivos e
interesses comuns. Por isto mesmo, a vida em comunidade é desafiadora. Daí a figura e o
protagonismo do líder não ser um fenômeno solitário.
Segundo ROPELATO (2008, P 105) “No que diz respeito a esse ponto, a
fraternidade aparece como elação de pertencimento recíproco, baseada na igual dignidade dos
sujeitos, decorrente da referência a um quadro unitário... que aceita o dinamismo da
composição dos interesses, garante as diversas identidades pessoais que não desvaloriza, mas
antecede e fundamenta com base na afirmação de uma identidade coletiva comum. (apud
TORRES 2010, p. 84)
A Fraternidade como categoria política do serviço comunitário, portanto, se manifesta
na presença da coletividade, da representatividade, e na existência da alteridade. A
democracia exercida de forma mais concreta, no espaço local, com proximidade entre
representante e representados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Humanizar” tornou-se um verbo presente nas práticas que lidam com o ser humano.
Fala-se em “parto humanizado”, “atendimento humanizado” etc; sugerindo que, em algum
momento parece que deixamos de ser “seres” humanos.
E o que dizer da Política? Cada vez mais afastada do ideal original, que busca promover
o bem estar da coletividade, ela tem se distanciado cada vez mais do seu propósito. Buscamos
assim, separar a política partidária, aliada à burocracia e ao sistema partidário, da política
comunitária, que ocorre em menor escala, e leva em consideração a relação mais próxima
entre representantes e representados.
Essa política comunitária também passa por um “saber fazer”, que caminha de mãos
dadas com um modo de fazer Ciência que não considera apenas os números e gráficos, mas,
antes de tudo, aquilo que é inerente ao ser humano, que é o seu pensar, o sentido da vida que
ele carrega, e o que move a interrelação com o semelhante e o que eles podem fazer juntos em
prol de melhores condições de vida.
Partindo desse pressuposto, é possível aplicar o conceito de Antropolítica na política
comunitária, pois é na comunidade que ela acontece na sua forma mais humana; por que
dentre outras coisas, lida-se diretamente com pessoas e seus problemas.
Aliado à isso, o conceito do pensamento complexo, nos permite compreender como
pessoas simples, sem uma educação formal, exercem uma certa forma de ciência, e a sua
prática política, é considerada como um saber científico, ainda que não conforme os critérios
tradicionais daquilo que conhecemos como Ciência, daquilo que é inerente ao humano, e
suas implicações na construção do conhecimento.
Considerar essa política do bairro e pensá-la como um fazer científico é romper com
paradigmas solidificados ao longo da história, acerca do que é ou não científico. É o modo
de fazer ciência, que se relaciona com os fenômenos, incluindo também, como objeto de
estudo, suas subjetividades.
Sob essas perspectivas, vemos também na política comunitária, a Fraternidade como
categoria política presente na democracia representativa que acontece no bairro. Dessa forma,
o protagonismo de uma liderança comunitária não é um fenômeno solitário, mas construído
através de conexões, interações e compreensões profundas das necessidades da comunidade.

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