Você está na página 1de 25

ENSINO PROFISSIONAL

ÁREA DE
INTEGRAÇÃO

2.2 A construção do social

1- A dimensão sociológica do ser humano


2- Evolução da organização social desde a Antiga Grécia até à
Revolução Francesa
3- A evolução das organizações sociais europeias nos séculos
XIX e XX
4- Os grandes acontecimentos políticos do séc. XX
5- Um mundo de Tolerância

Formador: Fernando Sousa Silva


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Área de integração
TEMA PROBLEMA 2.2 – A CONSTRUÇÃO DO SOCIAL

1 – A DIMENSÃO SOCIÓLGICA DO SER HUMANO

Cada ser humano tem, na sua qualidade de indivíduo, duas dimensões:

 Dimensão biológica – cada ser vivo caracterizado pela sua própria unidade orgânica, que é
única, singular e irrepetível;

 Dimensão sociológica – o ser humano individualizado e distinto dos outros dentro de um grupo
ou sociedade.

O ser humano, ao contrário dos restantes animais, tem esta


segunda dimensão – a sociológica. Isto quer dizer que o Homem é
um animal social, que procura sempre ter uma vida em grupo, o
que, aliás, acontece, desde os primórdios da humanidade.
Falar de vida em grupo não é falar de simples ajuntamentos de
pessoas. Por exemplo, pode-se dizer que um conjunto de pessoas
dentro de uma carruagem do metro, que não se conhecem e que
não interagem umas com as outras é um grupo mas não há vida
em grupo. Viver em grupo implica o estabelecimento de relações
pessoais com outros elementos desse grupo, relações essas
caracterizadas pelo espírito de cooperação solidariedade,
entreajuda.
Através desta definição, chega-se facilmente à conclusão que a
vida em grupo é muito mais fácil, havendo até quem diga que
nenhum ser humano consegue viver sozinho. Viver em grupo
facilita a sobrevivência do ser humano. Isto ainda era mais visível nos primórdios da humanidade, em
aspetos de vida muito importantes para a sobrevivência, como a maior facilidade na obtenção de
alimentos ou na defesa da sua própria vida. O melhor exemplo que ilustra esta necessidade de viver
em grupo é a caça de animais muito maiores e mais poderosos.
Por outro lado, só afirmamos o nosso comportamento como seres humanos se estabelecermos relações
com outros humanos. É um facto que as crianças crescem imitando os adultos, observando e copiando os
comportamentos destes. Se uma criança for privada do contacto com outros seres humanos, ela adotará
os comportamentos dos animais que observa e imita e que não são característicos do ser humano. É o

Formador: Fernando Sousa Silva Página 1


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

caso das as chamadas crianças-fera ou crianças selvagens que são crianças que, por acaso do destino,
começaram a viver logo nos primeiros anos de vida em completo isolamento da humanidade. Estas
crianças, passado algum tempo isoladas da população, acabam por viver como animais, não falam (a
sua linguagem verbal é nula ou muito reduzida), comem e bebem como um animal, não riem, nem
choram, evitam a companhia de outros seres humanos, têm fraco controlo emocional, pode ser ferozes e
exibir uma força e agilidade acima no normal e podem não ter uma postura bípede, andando muita
vezes apoiadas nas mãos e nos pés (posição quadrúpede). As crianças-fera provam que o contacto com
outros seres humanos é importantíssimo para a criança se tornar - por assim dizer - humana nos seus
comportamentos. Ou seja, aprendemos a ser humanos convivendo com outros seres humanos. Daí muitas
vezes dizer-se que o Homem é, acima de tudo, um ser social, ou seja, que o seu estado natural é
estabelecendo relações sociais com outros seres humanos com quem vive em grupos.
Os primeiros grupos humanos eram de dimensão reduzida e, basicamente, compunham-se de elementos
da mesma família. Devido à descoberta da à descoberta da agricultura e da pastorícia, à
sedentarização e à cada vez maior divisão do trabalho, estes grupos aumentaram de tamanho e,
naturalmente, a sua organização e estruturação foi-se tornando mais complexa, surgindo, então, as
primeiras comunidades.

Conceito de COMUNIDADE
Grupos que partilham as mesmas crenças, costumes e ideias, tendo em comum um mesmo
passado, um mesmo presente e uma mesma expectativa de futuro.

Estas comunidades cresceram em tamanho e complexidade dando origem, pouco a pouco, ao surgimento
das primeiras sociedades. Isto deveu-se, em forte medida, ao fenómeno da sedentarização (ou seja, a
fixação das comunidades num local fixo, o que corresponde ao
abandono do modo de vida nómada). A sedentarização só foi
possível deve-se ao aparecimento e desenvolvimento da agricultura,
da pastorícia, ao surgimento de uma economia produtora (e não
meramente recolectora) e a alguns progressos técnicos como a
cestaria, a olaria, a roda, a vela, o arado.
Em suma, a complexificação das comunidades deu origem àquilo
que hoje podemos designar de sociedades.

Conceito de SOCIEDADE
Sistema semiaberto e interdependente de relações entre indivíduos, geralmente do mesmo grupo,
em relações sociais estruturadas segundo interesses comuns, partilhando as mesmas regras
(normas), cultura e instituições.

Hoje em dia, os conceitos de comunidade e de sociedade cruzam-se. Ainda existem comunidades que
tanto podem estar inseridas numa mesma sociedade ou atravessar várias sociedades. Por outro lado,
uma sociedade pode integrar várias comunidades.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 2


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Mas vejamos, para facilitar, as principais diferenças entre os conceitos de comunidade e de sociedade:

Comunidade Sociedade
(do latim communitas, junção de cum + unitas, ou (do latim societas, que significa “associação amistosa com
seja, “quando muitos formam uma unidade”). outros”. Por outro lado, societas vem do latim socius, que
quer dizer, companheiro, associado, camarada ou
parceiro de negócios”).

▪ Menor estruturação e organização ▪ Maior estruturação e organização


▪ Maior grau de proximidade e de ▪ Menor grau de proximidade e de
identificação entre os seus indivíduos identificação entre os seus indivíduos
▪ Relações primárias, ou seja, mais ▪ Relações mais secundárias, ou seja, mais
pessoais, íntimas e privadas impessoais e racionais
▪ Predomínio do lado afetivo nas relações ▪ Predomínio do lado racional nas relações
interpessoais interpessoais
▪ Relações interpessoais mais reguladas ▪ Relações mais reguladas por normas
pela tradição, consenso e respeito mútuo jurídicas reguladoras das relações
▪ Maior preocupação com o outro indivíduo interpessoais
▪ Menor necessidade de um decisor central ▪ Menor preocupação com o outro indivíduo
(Estado, p.e.) e instituições ▪ Maior necessidade de um decisor central
▪ Muito ligado aos imperativos profundos do (Estado, p.e.) e instituições
próprio ser (sentimento de pertença) ▪ Mais ligado à vontade de adesão do
▪ Maior caracterização cultural individuo (maior liberdade de adesão)
▪ A adesão à comunidade só pode ser feita ▪ Menor caracterização cultural
por quem pode e não apenas por vontade ▪ A adesão à sociedade pode ser feita por
do indivíduo (p.e., comunidade cigana) qualquer indivíduo

Chegamos então à conclusão de que os indivíduos humanos, ao contrário dos indivíduos animais, têm uma
dimensão sociológica. Mas…
O que é que distingue um grupo humano de um grupo de abelhas ou de formigas?

A resposta é simples. Numa palavra, é a Cultura. Este conceito é tão abrangente que é muito difícil dar
uma definição completa do conceito de cultura. Ficamos pela sua aceção sociológica:

Conceito de CULTURA (aceção sociológica)


É tudo o que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de uma determinada sociedade e que
confere uma identidade dentro do seu grupo de pertença. Basicamente, reflete uma visão do que é
de como deve ser o mundo e a vida, visão essa que, em geral, é partilhada por todos os membros
da respetiva sociedade.

Definida assim, a cultura engloba quase tudo, desde os modos de produzir os diversos bens e serviços,
até ao comportamento comum aos membros de uma comunidades/sociedade, à hierarquização de

Formador: Fernando Sousa Silva Página 3


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

necessidades individuais e coletivas, às instituições, aos bens ou mesmo até às próprias normas, políticas,
jurídicas, morais e religiosas. Dito de outra forma, a Cultura refere-se aos modos de vida dos membros
de uma sociedade, ou dos grupos pertencentes a essa sociedade
Podemos, então, concluir que a Cultura é, antes de mais, algo que nos distingue dos animais.
Mas porque é que os seres humanos produzem cultura e os animais não?
Porque os seres humanos têm uma característica única e que não se encontra em mais nenhum animal: a
Racionalidade. Mas o que é isto de ser racional?
Tem a ver com o facto de não sermos apenas instintivos, não funcionamos de forma automática, não
somos repetitivos e nem sequer obedecemos cegamente só porque os outros obedecem (como fazem os
animais). Pelo contrário, refletimos sobre o que somos e o que fazemos, inovamos e inventamos, fazemos
experiências, desobedecemos, revoltamo-nos e violamos rotinas e, por vezes, regras, de forma
consciente e racional. Em suma, temos capacidades intelectuais que nos permitem pensar sobre o que nos
rodeia e atuar sobre essa realidade transformando-a de forma permanente e lógica, ou seja,
produzindo cultura a partir da cultura que recebemos.
Sendo animais racionais, ou seja, dotados de racionalidade, estamos habilitados a ser ao mesmo tempo
produto e produtores de cultura.
Como temos esta capacidade única de produzir cultura (da qual também somos um produto) estamos, no
fundo a modificar e a alterar, geralmente de forma acumulativa, essa mesma cultura. E ao fazê-lo,
estamos a fazer ou a contribuir para a História humana.
A História pode ser vista assim como a memória coletiva que os grupos sociais humanos (comunidades e
sociedades) mantêm das alterações da sua vivência grupal. E só o ser humano, fazendo uso dessa
qualidade única que á a racionalidade, consegue ter essa memória coletiva.
Assim, e em jeito de conclusão, podemos concluir que o Homem tem, simultaneamente uma dimensão
social e histórica, que é claramente outro ponto que nos distingue dos restantes animais.
Resumindo, isto quer dizer que o ser humano tem consciência de dois factos:

 De que é um ser social – pois, como já vimos, procura de forma consciente a vida em grupo, no
qual, por ser um animal racional, produz e é produto de cultura;

 E de que pode ser um sujeito histórico – ou seja, tem consciência do passado, de que outros
seres humanos o antecederam, produzindo cultura que, na maior parte dos casos, acumularam à
que receberam (ao contrário dos restantes animais que não têm consciência de que outros
semelhantes o antecederam, ou seja, não têm memória coletiva histórica).

Conceitos importantes para a análise de outras sociedades e culturas

Antes de entrarmos no estudo histórico de algumas sociedades e culturas antigas, importa compreender
alguns conceitos.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 4


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

O primeiro é o de relativismo cultural. Este é muito importante pois implica tomar uma atitude por
parte do observador. Esta atitude concretiza-se por uma atitude crítica e problematizadora, não
julgando sociedades e culturas antigas pelos valores e critérios do presente, mas sim pelos valores e
critérios dessa própria sociedade ou cultura.
Por exemplo, alguns comportamentos vulgares em outras sociedades e que são para nós estranhos
(quando não repugnantes) têm que ser compreendidos como consequências de fatores que podem ser,
por exemplo, históricos ou climáticos.
É paradigmático o caso do beijo dos esquimós, feito com a ponta do nariz, que se pode justificar pelas
baixíssimas temperaturas dos territórios onde vivem, que os impede de descobrir a cabeça, sob pena de
severas queimaduras pelo frio.
Outros conceitos importantes que convém reter são os de hierarquia social e estratificação social:

Conceito de HIERARQUIA SOCIAL

Patamares que agrupam pessoas com importância estatuto e papéis semelhantes.

Conceito de ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL


Este conceito permite-nos descrever a diferenciação social dos indivíduos que compõem uma
sociedade com base na distribuição desigual dos recursos e posições e os inerentes direitos,
deveres e funções. Esta diferenciação qualifica os indivíduos como superiores ou inferiores uns
em relação aos outros, de acordo com os valores mais importantes para a sociedade e época em
que esses indivíduos vivem ou viveram. Geralmente, permite ver a existência de desigualdades
sociais.

Estes dois conceitos, quando conjugados, permitem-nos analisar a organização das muito complexas
sociedades humanas pois estas não são homogéneas e são (por vezes, muito) dinâmicas devido ao facto
de serem constituídas por seres humanos (indivíduos) racionais e conscientes da sua dimensão social e
histórica que, como tal, atuam e transformam o meio que os rodeia.
É também a própria racionalidade de cada ser humano que faz com que haja sempre diferenças entre
grupos e/ou indivíduos (as formigas e as abelhas são, devido à sua irracionalidade, todas muito
semelhantes).
Assim, e em termos simplistas, podemos dizer que a
estratificação social pressupõe uma hierarquia social.
Deste modo, enquanto a estratificação diz-nos em que
partes – ou estratos – podemos dividir uma sociedade, a
hierarquia social diz-nos em que ordem as devemos
colocar. Mas tudo isto também pressupõe uma
desigualdade social que consiste em graus diferentes de
acesso a bens, serviços, oportunidades e capacidade de

Formador: Fernando Sousa Silva Página 5


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

influência na sociedade. As desigualdades sociais podem assentar na classe social, na etnia, no género e
nas oportunidades escolares e profissionais.
Na hierarquia social as pessoas com mais riqueza, poder, privilégios e prestígio social tendem ocupam o
topo e as pessoas com menor riqueza, poder, privilégios e prestígio social ficam na base

mais riqueza, poder,


privilégios, prestígio
(geralmente, um menor
número de pessoas)

menos riqueza, poder, privilégios, prestígio, prestígio


(geralmente, um maior número de pessoas)

Os critérios que determinam a posição social de um indivíduo na hierarquia social variam com a
sociedade mas podem ser em função de:

 Riqueza;
 Rendimento;
 Poder;
 Profissão;
 Grau de instrução;
 Prestígio;
 Religião;
 Etnia;
 Família de berço (ascendência social);
 Ou dos valores culturais e sociais dominantes.

Ponto importante: a estratificação social existe em todas as sociedades humanas.


Contudo, qualquer pessoa pode, em maior ou menor grau, mudar ou ver mudada a sua posição na
hierarquia social por via, dos seus méritos, episódio da vida ou qualquer outra razão. A este fenómeno
chama-se mobilidade social. E aqui entra o conceito de abertura da sociedade. Isto significa que as
sociedades podem ser:

 Mais abertas - sociedades onde a mobilidade social é mais fácil;

 Ou mais fechadas - Sociedade onde a mobilidade social é difícil ou não existe mesmo.

A mobilidade social pode ser:

 Vertical, quando o indivíduo muda de estrato social. Por seu turno, esta mobilidade pode ser:

Formador: Fernando Sousa Silva Página 6


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Ascendente - quando o indivíduo sobe a um estrato social superior na hierarquia


social;
 Descendente - quando o indivíduo desce a um estrato social inferior na hierarquia
social;
 Horizontal - quando o indivíduo muda de estatuto mas não muda de estrato (mudança de
emprego ou de profissão, por exemplo).

Atualmente, as sociedades ocidentais - e nomeadamente as europeias - são consideradas sociedades


abertas, onde a mobilidade social é possível
Mas…
Será que as sociedades ocidentais foram sempre assim e
organizaram-se sempre do mesmo modo?

Obviamente que não, dada a natureza do ser humano como produtor (ou seja, modificador) de cultura
e, como tal, produtor de História.
As sociedades europeias, por exemplo, percorreram (e percorrem) um longo e árduo caminho que
pretende chegar aos mais altos níveis de Liberdade, Democracia e Tolerância e a uma ainda maior
abertura. Este caminho tem sido (e é) difícil, tem tido alguns retrocessos (nos últimos anos as
desigualdades sociais e económicas até têm aumentado).
As mais importantes raízes das sociedades europeias contemporâneas encontram-se na Antiga Grécia
(também chamada de Clássica) e na Idade Média. Vejamos, então, como se organizavam essas
sociedades.

2 – EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL DESDE A ANTIGA GRÉCIA


ATÉ À REVOLUÇÃO FRANCESA

A Grécia Clássica

Como a civilização grega era constituída por uma diversidade de


cidades-estados politicamente independentes entre si, a forma de
organização social variava um pouco de cidade-estado para
cidade-estado. Vamos centrar a nossa atenção na principal cidade
grega, Atenas.
A Grécia Antiga é conhecida por ser o berço da democracia.
Contudo, a democracia grega ainda estava algo longe do conceito
de democracia que temos hoje em dia.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 7


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

A democracia foi implantada pela primeira vez em Atenas pela mão de Clístenes, em 508 a.C..
Contudo, a sociedade grega só era democrática para alguns dos seus indivíduos, em particular, aqueles
que estavam no estrato social que ocupava o topo da hierarquia social: os cidadãos.
Só podiam ser cidadãos os homens livres, que participavam através do seu voto na administração da
justiça e da política da cidade. Contudo, os cidadãos eram uma minoria na Atenas da Grécia antiga,
nunca chegando a ultrapassar um sexto (cerca de 16 a 17%) da população total, pois para se atingir a
cidadania era necessário preencher uma longa lista de requisitos, nomeadamente:

Alguns dos requisitos para poder ser cidadão em Atenas

▪ Não dever nada ao Tesouro Público


▪ Ser legitimamente casado
▪ Possuir bens em Atenas
▪ Ter cumprido os deveres para com seu pai e mãe
▪ Ter feito expedições militares sem “arremessar o escudo”
▪ Ser filho de pais atenienses
▪ Ser contra Esparta
▪ Trabalhar (na politica, no comercio ou na construção) do Ágora
▪ Gostar, amar e honrar Atenas
▪ Pagar impostos altos.
▪ Nunca ter cometido crime contra a cidade
Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_ateniense

Com tão longa e exigente lista, acabaram excluídos da cidadania (e por arrastamento, impedidos de
votar) a grande maioria dos habitantes de Atenas. Esta massa de excluídos da democracia grega,
organizava-se por estratos sociais aos quais não eram reconhecidos quaisquer direitos de cidadania,
pelo que não podiam participar nas decisões da cidade.
Esses estratos eram:

 Os estrangeiros ou “metecos”, que eram homens livres mas que não tinham poderes políticos e
não podiam possuir terras ou bens estáveis. Dedicavam-se ao comércio e ao artesanato e eram
obrigados a pagar impostos, nomeadamente o de residência, e a cumprir o serviço militar.
Tinham ainda que ter um patrono que os representava nos negócios públicos e privados e a
quem tinham que pagar um imposto especial;

 As mulheres, que normalmente casavam (ou a isso eram obrigadas) muito jovens, entre 15 e os
18 anos, conforme a escolha dos pais. Deviam obediência cega ao marido, sendo que as mais
ricas viviam reclusas em apenas uma das áreas da casa o “gineceu”. As mais pobres eram
obrigadas a trabalhar e os maridos tinham o direito de devolver a esposa aos pais dela em
caso de esterilidade ou adultério;

 E os escravos, que estavam privados da liberdade e que executavam a larga maioria dos
trabalhos pesados. Eram protegidos por leis que impediam os maus tratos e podiam obter a
liberdade, o que não acontecia com muita frequência.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 8


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Esta era uma sociedade fechada. Isto quer dizer que era uma sociedade muito rígida e que não
permitia grande mobilidade social (nomeadamente no sentido ascendente).
O próprio Aristóteles defendia esta quase nula mobilidade, através da sua “Teoria do lugar natural”,
segundo a qual um homem que nasça escravo devia morrer escravo e que um homem que nascesse livre
deve morrer livre. Esta teoria defendia assim o princípio de que era a própria natureza determinar o
lugar de cada homem na sociedade.
Isto equivale a dizer que Aristóteles defendia a que a desigualdade entre os seres humanos era
permanente e imutável.
Contudo, as sociedades humanas evoluem, pois os indivíduos atuando como sujeitos históricos, vão
produzindo cultura e, como tal, vão transformando a sociedade.
Assim, chegamos à organização social da Idade Média1 que com poucas ou nenhumas alterações se
manteve até à Idade Moderna2. Durante todo este largo período, as sociedades europeias estão
divididas em três estados ou ordens:

 A Nobreza – Normalmente a menos numerosa das ordens, constituída por aqueles que se
dedicavam às armas e que detinham os cargos políticos e militares, bem como grandes
extensões de terras, cultivadas por servos a quem cobravam elevadas rendas pelos seus direitos
senhoriais. Havia a nobreza de sangue, recebida por via familiar hereditária (eram os fidalgos,
ou seja, os filhos de algo), a nobreza de mérito, por feitos em prol do reino e a nobreza
nomeada pelo rei, que ficava com os cargos ligados à administração do reino e da
magistratura;

 O Clero – que também detinha uma posição privilegiada e que se pode consubstanciar na
Igreja. Ao clero competia ministrar os serviços eclesiásticos, tratar dos assuntos divinos, dedicar-
se ao ensino e à caridade. A Igreja tinha uma enorme poder espiritual, cultural, social e
económico que não raras vezes usou em proveito próprio, chegando a imiscuir-se nos assuntos de
Estado (em França pelos menos dois cardeais foram ministros) ou na administração da justiça civil
(com a Inquisição, p.e.). Tinha uma organização jurídica e judicial própria e os clérigos estavam
dispensados do serviço militar. Os clérigos com maior estatuto (bispos e arcebispos, p.e.)
provinham das famílias nobres) enquanto do povo saíam os párocos e os frades e monges, ou
seja, os clérigos com menor estatuto;

 O Povo (também chamado de «terceiro estado») – que constituía a maior parte da população e
a quem competia executar todas as atividades produtivas sem ser devidamente compensada
por isso na maior parte das vezes. O povo tinha mais obrigações (pagar impostos) que direitos
(quase nenhuns). Mas também o povo se podia estratificar. O estrato do povo mais elevado e
prestigiada era a burguesia citadina (que detinha alguma riqueza e que eram, sobretudo,
comerciantes e letrados com funções administrativas e de magistratura e que, por vezes,
conseguiam ascender à nobreza. O estrato médio era composto de negociantes, fabricantes,
professores, médicos e funcionários enquanto no estrato mais inferior ficavam os camponeses,
artesãos, criados e lacaios.

1 A Idade Média começa com a queda do Império Romano do Ocidente no ano 476 d.C. e termina com a queda do Império Romano
do Oriente, em 1453 (conquista de Constantinopla pelos Otomanos).
2 A Idade Moderna começa com a conquista de Constantinopla pelos Otomanos, em 1453, e acaba em 1789, com a Revolução

Francesa, que marca o início da Idade Contemporânea (idade na qual vivemos, atualmente).

Formador: Fernando Sousa Silva Página 9


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

No topo da pirâmide estava o rei que eram também um fidalgo. O rei detinha o poder absoluto, cuja
legitimação (ou justificação para deter o poder) era de origem divina. O rei português, por exemplo,
utilizava a expressão ”Dom F…, por Graça de Deus, Rei de Portugal, e dos Algarves…”).
Continuamos, todavia, ainda perante sociedades muito fechadas, com pouca mobilidade social.
Contudo, as sociedades europeias evoluíram pois a sua organização atual não coincide com nenhuma
das descritas.
Como evoluíram, então, essas sociedades desde a Idade Média (com uma organização muito rígida) até
aos nossos dias e às muito complexas, mas livres e democráticas, sociedades ocidentais
contemporâneas3? Que processo ou processos históricos levou ou levaram a que as sociedades ocidentais
contemporâneas passassem do modelo medieval que era fechado para a atual organização,
claramente mais aberta?
Pode-se dizer que tudo começou no século XVI, quando as Províncias Unidas (que correspondem, grosso
modo, às atuais Holanda e Bélgica) se libertaram do domínio espanhol.
Quando se deu essa libertação, o povo, particularmente a burguesia citadina, descobriu que poderia
haver outras formas de organização social, mais abertas e tolerantes. De facto, as cidades haviam
crescido muito durante a Idade Média e esta burguesia nascida nos meios citadinos começava a
acumular capital, e consequentemente, poder económico, poder este que queria afirmar também no
campo político, algo que naturalmente não agradava aos dois estratos sociais dominantes na altura, a
nobreza e o clero (e que se opuseram determinadamente a estas mudanças).
A libertação das Províncias Unidas veio, assim, concretizar esse desejo burguês de mudança social pois
correspondia, em pleno, aos anseios de maior protagonismo político da rica burguesia citadina.
Em Inglaterra, também correram factos que contribuíram para fazer crescer no estrato do povo a
necessidade de uma crescente abertura das sociedades medievais. Foi no séc. XVIII, o povo forçou o rei
a aplicar na prática um documento do séc. XIII, documento esse que limitava o poder real e que até aí
havia sido pouco ou nada respeitado: a Magna Carta. Quando tal aconteceu, o poder do rei deixou de
ser absoluto e passou a ter que contar com um parlamento eleito, forte e controlador. A Magna Carta
consagrava ainda alguns outros direitos civis e políticos como o direito de reunião, o direito a ser ouvido
por um juiz antes da condenação ou a abolição de castigos corporais e violentos, direitos e liberdades
estes que passaram a ser de facto respeitados.
Estes dois acontecimentos mostraram que havia uma alternativa, baseada em novos ideais, à
organização social medieval.
Esses ideais, que assentavam na libertação do ser humano de toda e qualquer servidão e no respeito
pelos direitos e liberdades individuais, espalharam-se depressa por toda a Europa e pelo continente
3
A complexidade das sociedades acuais é tanta que nos meios sociológicos ainda se discute qual a melhor designação que se
poderá dar à organização atual das sociedades ocidentais. Eis alguns exemplos: «sociedade de risco», «sociedade pós-industrial»,
«sociedade pós-tradicional», «pós-modernidade», «modernidade tardia», «tardo-
-modernidade», «sociedade pós-moderna», «pós-capitalismo», «sociedade da informação», «sociedade do conhecimento»,
«sociedade programada», «sociedade em rede», «sociedade global», «segunda modernidade», «modernidade reflexiva», «alta
modernidade», «modernidade radicalizada», «hipermodernidade», «sobremodernidade», «modernidade ambivalente», «capitalismo
flexível», «capitalismo desorganizado», «capitalismo avançado», «era da descontinuidade», «era dos extremos», «era da
informação», «fim da história», «pós-fordismo»).

Formador: Fernando Sousa Silva Página 10


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

americano, levando a que o povo, ou seja, a larga maioria da população, farto de opressão e das
gritantes e permanentes desigualdades sociais e políticas, lutasse por uma nova organização social e
política, mas aberta, tolerante e promotora de maior igualdade entre os seus indivíduos.

A Revolução Francesa (1789)

Todo este processo culminou na Revolução Americana (1776) e na historicamente decisiva e muito
importante Revolução Francesa (em 1789). Esta revolução é de tal modo importante, em termos
históricos, para a compreensão das sociedades ocidentais atuais que, para muitos autores, ela marca o
fim da Era Moderna e o princípio da Era Contemporânea (a era que atualmente vivemos).
Tal facto deve-se à circunstância de, com a Revolução Francesa se ter alterado de forma muito radical a
organização social até então vigente, o que era, aliás, o seu objetivo principal e na qual foi bem
sucedida. Ou seja, a Revolução Francesa marca o início do fim da organização social feudalista que
vinha da Idade Média. Por defender claramente a mobilidade social, particularmente ascendente, este
é o acontecimento que marca uma muito maior abertura da sociedade francesa, primeiro, e das
restantes sociedades ocidentais, posteriormente.
Foi durante a Revolução Francesa, cujo lema era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que foi
aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual consagrou alguns pontos que
concretizam a profunda mudança da organização social francesa, como vamos ver no quadro seguinte:

Princípios consagrados na Declaração dos Princípios organizativos da sociedade da


Direitos do Homem e do Cidadão Idade Média
▪ A liberdade e a igualdade como valores ▪ Sociedade assente em relações de
supremos (todos os homens nascem livres submissão e servidão de alguns em
e iguais) relação a outros (servos que deviam
obediência ao nobre) e na permanência de
profundas desigualdades entre nobres e
Povo, facto determinado pela família onde
se nascia
▪ A inviolabilidade da propriedade ▪ Apenas as propriedades dos nobres e do
clero era inviolável, podendo o povo perder
todos os seus bens, por simples vontade
real ou nobre
▪ A Nação é o soberano ▪ O rei é o soberano
▪ A lei é expressão da vontade geral ▪ A lei era expressão da vontade do rei
▪ Separação dos poderes políticos ▪ O poder estava concentrado apenas e
(legislativo, executivo e judicial) a fim de somente no rei, senso considerado que
garantir o respeito pela lei e evitar abusos este não cometia abusos de poder
de poder
▪ Instituição do sufrágio universal como ▪ A detenção do poder político era justificada
forma de legitimação do poder pela vontade divina

Formador: Fernando Sousa Silva Página 11


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Através destas alterações, a Revolução


Francesa destruiu o regime feudalista, típico
da sociedade fechada medieval do Antigo
Regime, baseada na desigualdade, para uma
sociedade aberta, sem privilégios, distinções
ou direitos especiais (como os senhoriais)
assente nos princípios da liberdade, igualdade
e fraternidade, onde os direitos e liberdades
do homem estão garantidos pela lei e pelo
poder político, nomeadamente as liberdades
de pensamento e de expressão.
Consagraram-se também os princípios de que,
perante a lei, todos os Homens são
considerados livres e iguais, tanto física, como
psicologicamente, que todos devem ter os
A Tomada da Bastilha foi um evento central da Revolução Francesa, mesmos direitos e deveres e que aquilo que
ocorrido em 14 de julho de 1789 durante a vida couber a cada pessoa será
fruto do seu próprio trabalho e ações.
Outro facto muito importante passa pela entrega do poder político à nação, que passa a ser
considerada a soberana (até então o soberano era o rei), estabelecendo-se ainda o princípio da
separação dos três poderes políticos:
 O legislativo (que é legitimado diretamente pelo povo em eleições democráticas e que elabora
as leis),
 O executivo (também legitimado pelo povo, podendo ser por via indireta, que executa as leis,
sem nunca poder estar a cima delas ou abster-se de as cumprir)
 E o judicial (corporizado nos tribunais).

Ao nível económico, a Revolução de 1789 proporcionou duas importantíssimas alterações que


reconfiguraram toda a economia. Foram elas:
 O livre acesso a todas as profissões – ou seja, todos passaram a poder aceder à profissão
que quisessem, o que não ocorria até então pois o acesso a determinadas profissões
(geralmente as melhores e mais prestigiadas) eram limitado por questões políticas e /ou
administrativas (como as corporações, por exemplo);
 O critério económico como critério principal de hierarquização da sociedade – A
estratificação e a hierarquia sociais passaram a assentar sobre a propriedade de terras, de
capital ou de indústrias, substituindo o critério até então vigente e que assentava nos laços de
sangue (família onde se nascia).

Uma característica que distingue a Revolução Francesa de outras revoluções da mesma altura e que
tinham os mesmos objetivos é a sua universalidade.
Isto quer dizer que os princípios defendidos pelos revolucionários franceses podiam ser aplicados em
qualquer país do mundo. A Revolução Americana, apesar de anterior e de defender alguns princípios

Formador: Fernando Sousa Silva Página 12


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

semelhantes aos da Revolução Francesa, não foi tão universalista pois alguns dos seus fundamentos eram
específicos para a realidade anglo-americana, não podendo ser transpostos para outros países.
Aliás, os princípios defendidos pela Revolução
Francesa eram de tal modo universais e justos
que rapidamente se espalharam a outros países
de todo o mundo, o que só vem confirmar a sua
enorme e incontornável importância histórico-
política.
Esses princípios ainda hoje são, em termos muito
aproximados, os que orientam as organizações
político-administrativas de quase todos os países
atuais. De resto, as constituições atuais de
centenas de países, nomeadamente aqueles que
são de facto estados de direito democrático
(como é o caso de Portugal), consagram ainda
princípios semelhantes aos proclamados na A Liberdade Guiando o Povo, quadro de Eugène Delacroix
Revolução Francesa.
Mesmo a Declaração Universal dos Direitos do Homem (talvez o mais importante documento legislativo
dos nossos dias, proclamada em 1948) foi inspirar-se na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789.

3 – A EVOLUÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EUROPEIAS NOS


SÉCULOS XIX E XX

Como já vimos, os ideais da Revolução Francesa espalharam-se rapidamente por toda a Europa, o que
é comprovado pela aprovação, na maior parte dos países europeus, pela aprovação de constituições
liberais que, inspiradas na Revolução Francesa e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, promoviam a igualdade entre todos os cidadãos, protegiam os direitos individuais de cada
ser humano, atribuíam a soberania à nação, consagravam a liberdade económica e a democracia como
regime político.
Estes princípios práticos vieram a ser consumados numa corrente de pensamento político e económico que
estende a sua influência no tempo até aos nossos dias – o Liberalismo ideologia que descende em linha
direta do iluminismo.
O liberalismo é claramente uma ideologia burguesa, o que reflete claramente qual a nova ordem social
resultante da Revolução Francesa, na qual a burguesia assume o papel predominante.
Os ideais liberais têm várias facetas, mas para o nosso estudo, importam apenas duas que se
complementam uma à outra:
 A faceta política¸ que defende a redução do Estado às funções mínimas (ou seja, as estritamente
necessárias ao funcionamento da sociedade como as de segurança interna e externa, as da
defesa das liberdades individuais, resolução e mediação dos conflitos e administração fiscal), a

Formador: Fernando Sousa Silva Página 13


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

organização e legitimação democrática (via eleitoral) do poder político de acordo com uma
Constituição que imponha a separação dos poderes e o cidadão como centro da vida política;
 A faceta económica através da qual o capitalismo industrial floresce e que faz a defesa da
livre iniciativa económica, da livre concorrência, do livre acesso à propriedade e da
inviolabilidade desta, sempre com uma intervenção mínima do Estado pois seriam os mercados a
regularem-se por si próprios como, aliás, defendia Adam Smith na sua conhecida teoria da “mão
invisível”.

As consequências desta nova corrente ideológica


passaram pela expansão económica dos principais
países europeus, o enriquecimento e aumento do poder
político da burguesia, a degradação das condições de
vida dos trabalhadores assalariados (proletariado). Mas
a principal consequência foi a implantação definitiva do
capitalismo como modelo económico.

Conceito de CAPITALISMO
Sistema económico baseado na troca mercantil, na liberdade
empresarial e na concorrência económica. Neste sistema,
caracterizado pela propriedade privada dos meios de
produção, o capital (que inclui, para além da moeda, inclui
propriedades e máquinas) pode ser utilizado na produção de
mercadorias destinadas à venda ou investidas num mercado,
na esperança de obter lucro.

É o Liberalismo (e a consequente ascensão definitiva do


capitalismo) que permite a ocorrências de todas as
grandes mudanças na Europa do séc. XIX e cujas
influências se estende até aos nossos dias.
Logo após
a Revolução
Francesa e durante o séc. XIX europeu dão-se vários
acontecimentos de extrema importância: o florescimento das
constituições de cariz liberal, o aparecimento dos
nacionalismos, os processos de colonização e de
descolonização. Vejamos essa evolução histórica.

O florescimento das democracias liberais

A democracia liberal é talvez a mais importante das consequências diretas da Revolução Francesa,
perdurando até aos nossos dias.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 14


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Conceito de DEMOCRACIA LIBERAL


Sistema político caracterizado pela escolha dos governantes por eleições livres e justas, pela
submissão do Estado à Lei (Estado de Direito), separação de poderes e proteção dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais (de expressão, de reunião, de religião e de propriedade).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento marcante dessa revolução, veio a
inspirar os regimes constitucionais que se foram implantando por toda a Europa durante o séc. XIX.
Em todos esses regimes foram aprovadas constituições políticas. Mas o que é uma constituição política?

Conceito de CONSTITUIÇÃO
Constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, registada num
documento escrito, mediante o qual garantem-se os direitos fundamentais e organizam-se, de
acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político.

Esta é o conceito de Gomes Canotilho. Mas a ideia forte é esta – uma


constituição é o documento fundamental de um Estado que regula a
organização do poder político e os direitos, liberdades e garantias dos
cidadãos.
As constituições aprovadas nos diversos países europeus adotavam
claramente os princípios de uma nova teoria política, o Liberalismo,
descendente direto da corrente iluminista.
O liberalismo político assentava em princípios como a limitação e regulação
do poder político, a garantia das liberdades e dos direitos individuais,
redução do Estado a um papel mínimo e garantia da legitimidade
democrática da detenção do poder.
Assim, nessas constituições liberais eram estabelecidos os seguintes princípios:
 Garantia e proteção dos direitos individuais dos cidadãos, nomeadamente os de liberdade e
propriedade;
 Separação dos poderes políticos (legislativo, executivo e judicial);
 Primazia da lei e sua aplicação a todos os cidadãos sem exceção;
 Igualdade de todos os cidadãos perante a lei;
 Atribuição ao Estado de funções bem definidas, nomeadamente, as ligadas à segurança e
manutenção da ordem social;
 Consagração da participação dos cidadãos na vida política através do sufrágio.

Se olharmos para as constituições atuais de muitos países (como Portugal, por exemplo) encontramos
muitos pontos coincidentes com os das constituições liberais dos países europeus do séc. XIX, tidas elas
inspiradas nos ideais da Revolução Francesa.

Formador: Fernando Sousa Silva Página 15


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

O nascimento dos nacionalismos

Na sequência da Revolução Francesa de 1789, e passados dez anos


(1799), chega ao poder em França um sujeito histórico incontornável na
História Europeia – Napoleão Bonaparte, que de imediato parte à
conquista da Europa, combatendo em particular regimes monárquicos
absolutistas (apesar de Napoleão estar longe de poder ser considerado um
democrata).
Estas campanhas napoleónicas são importantíssimas no disseminar dos ideais
revolucionários franceses por toda a Europa, nomeadamente o conceito de
nação, a quem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
entregou a soberania.
Este novo conceito – o de nação – fez com que os indivíduos de uma determinada sociedade sentissem
que faziam parte de algo maior do que eles próprios. Os soldados franceses, ao contrário, dos
soldados dos outros povos europeus, lutavam por algo em que acreditavam, que sentiam como seu e que
amavam: a Nação, entidade coletiva que abrangia todos os cidadãos e que detinha a soberania.
Ao contrário, os soldados dos outros reinos e países europeus não eram livres e sentiam-se a combater
por algo com o qual não tinham nada a ver e que, claramente não era deles e para o qual nada
contavam, pois eram os monarcas, os “donos” do reino. Visto desta forma é fácil concluir que a
motivação dos exércitos franceses seria muito provavelmente superior.
Por outro lado, estas ideias eram bastante atrativas pois valorizavam o papel do cidadão, fazendo com
que cada pessoa se sentisse valorizada, bem como às suas opiniões, que podia livremente expressar e
que era tida em conta.
Estas ideais corporizaram-se nos ideais nacionalistas

Conceito de NACIONALISMO
Conjunto de crenças e símbolos que exprimem uma identificação espiritual e cultural e um
sentimento de pertença a uma dada comunidade nacional, normalmente delimitada por um espaço
geográfico.

A identificação de que fala a definição acima


escrita é, sobretudo, uma identificação cultural,
levando à formação de novos países, tanto na
Europa, como fora da Europa.
Na Europa, surgem países como a Alemanha ou a
Itália, países que até aí estavam divididos em
unidades políticas mais pequenas mas que
partilhavam uma identidade nacional, surgindo
daqui alguns dos mais poderosos países europeus.
É a época dos Estados nacionais modernos em

Formador: Fernando Sousa Silva Página 16


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

que a um estado corresponde uma profunda identificação cultural, linguística e com raízes históricas
comuns. Até aí as unidades políticas estaduais (chamassem-se elas reinos ou repúblicas) eram simples
amálgamas de povos que muitas a única coisa que tinham em comum era o soberano que as governava.

Os processos de colonização e descolonização

Por outro lado, fora da Europa, o aparecimento de nacionalismos e de


movimentos independentistas principalmente na América Central e do
Sul conduziu a que muitas colónias de países europeus declarassem a
independência (como o Brasil, em 1822), adotando muitas vezes
discursos claramente anticolonialistas, mas seguindo normalmente a
doutrina liberal na sua organização política e económica.
A atitude de confronto por parte dos novos países (ex-colónias) gera
por parte das potências colonizadoras um reforço das políticas
colonizadoras, levando ao extremar de posições e ao aprofundamento
dos sentimentos anticolonialistas.

A Revolução Industrial e o início da cultura científico-tecnológica europeia

Nos finais do séc. XVIII, enquanto os franceses se debatiam com a


libertadora Revolução Francesa, em Inglaterra dava-se um outro
acontecimento extremamente importante para a compreensão das
sociedades europeias atuais: a Revolução Industrial.
Esta revolução consiste num conjunto de mudanças tecnológicas que
mudaram profundamente o processo produtivo e a organização
económica e social das sociedades europeias. Começou em Inglaterra e
espalhou-se pela restante Europa durante todo o séc. XIX. Alguns
historiadores defendem que ainda estamos em plena Revolução
Industrial, outros acreditam que estamos no início de uma outra revolução
– a Revolução da Informação.
As grandes marcas da Revolução Industrial foram:
 Um forte progresso tecnológico que permitiu a passagem da manufatura à industrialização,
permitindo um grande aumento da produção;
 Profunda alteração da organização social, com o surgimento de duas novas classes sociais que
se encontram em situação de grande desigualdade – os capitalistas (proprietários do capital) e
o proletariado (que possuindo apenas a sua força de trabalho a vendem aos capitalistas);
 Radical alteração do carácter do trabalho, com a crescente desqualificação dos trabalhadores
dada a maior divisão do trabalho que passou a ser também, na sua grande trabalho

Formador: Fernando Sousa Silva Página 17


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

assalariado. Estes salários eram, contudo, cada vez mais baixos, as condições de trabalho eram
degradantes. As condições de vida eram igualmente absolutamente miseráveis, o trabalho
infantil generalizou-se (era normal as crianças começarem a trabalhar aos 6 anos de idade) e
não havia qualquer tipo de proteção social em caso de acidente, doença ou morte, não havendo
inclusive, nenhuma pensão ou reforma.

Mas a Revolução Industrial é importante em termos históricos


também por um outro motivo: ela está na origem da fase científica
da civilização europeia, que alguns historiadores afirmam ser,
ainda hoje, uma das principais características das sociedades
europeias. Esta fase é fortemente marcada por uma cultura
científico-tecnológica muito pragmática, focada na resolução dos
problemas humanos e muito ligada às necessidades de aumento de
produção ou redução dos custos associados a esta.
De facto, é durante o séc. XIX que a ciência deixa definitivamente
de ser uma atividade de alguns homens mais curiosos e desligada
da vida prática ou das necessidades humanas. Sendo uma
atividade desenvolvida de forma mais sistemática, a ciência é
agora mais rigorosa e objetiva e procura exclusivamente
explicações racionais.

Os ideais socialistas, de utopismo social e de revolução social

A Revolução Industrial e as ideologias liberais e capitalistas transformam radicalmente a realidade


mundial durante o séc. XIX.
Estas mudanças refletem-se naturalmente na organização social e do trabalho: as empresas, por
exemplo, tornam-se nas principais unidades de produção (substituindo as famílias neste papel) e à
cabeça destas grandes empresas estão os capitalistas (aqui entendidos como os detentores dos meios de
produção).
O trabalho passa ser executado por trabalhadores assalariados e a ser regulado por um contrato de
trabalho na qual a parte mais fraca é o trabalhador.
O grande crescimento que o capitalismo conhece no séc. XIX leva a que, num contexto liberal e de
grande concorrência, se procure a máxima rentabilização da produção e do lucro, nem que fosse à
custa das condições de trabalho ou dos direitos dos trabalhadores.
Assiste-se a uma grande transformação na estratificação e hierarquia sociais. As sociedades europeias
estão agora estratificadas em classes sociais, hierarquizadas segundo um critério económico:

Formador: Fernando Sousa Silva Página 18


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

Temos, assim, claramente distintas três classes sociais:


 A alta burguesia financeira e industrial – que detinha os meios de produção e detém o poder
político e que rapidamente se transformou na elite social e cujos comportamentos e modos de
vida eram exemplos a seguir;
 A classe média – muito conotada com a burguesia, constituída por famílias que auferem
rendimentos razoáveis. Esta classe, com o avançar do século foi ganhando dimensão e
importância social;
 A classe operária – constituída essencialmente por pessoas que detinham apenas a sua força de
trabalho que cediam, mediante um salário, à alta burguesia industrial.

Esta estratificação da sociedade era o espelho de grandes desigualdades


na distribuição da riqueza.
Enquanto a elite burguesa vivia de forma luxuosa, as condições de trabalho
da classe operária – classe a que Karl Marx chamou de proletariado –
eram extremamente más: salários baixíssimos, horários de trabalho
desumanos (até 16 horas diárias), inexistência de períodos de descanso,
péssimas condições de higiene, segurança e saúde no local de trabalho e
utilização intensiva de mão-de-obra
infantil.
As respetivas condições de vida
também não eram melhores, vivendo em
bairros que não eram melhores do que
aquilo a que chamamos “bairros de lata”, e onde proliferavam os
problemas de alcoolismo, prostituição e onde a mortalidade infantil
era altíssima.
É neste contexto que os operários começam a perceber a necessidade de se organizarem para
defenderem os seus direitos e constituindo associações cujo objetivo era auxiliar os trabalhadores em
situações de doença, desemprego, invalidez e velhice (os montepios ou as caixas de previdência, por
exemplo). A defesa dos seus direitos passou a ser assegurada por sindicatos, associações de
trabalhadores cujos objetivos passavam por lutar por melhores condições de trabalho.
O crescimento deste movimento operário acabou por consolidar-se, na segunda metade do séc. XIX, em
correntes ideológicas de carácter mais abrangente e político, que defendiam o fim do sistema

Formador: Fernando Sousa Silva Página 19


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

capitalista e a transformação da sociedade. De entre estas correntes destacamos o socialismo utópico,


cujo principal ideólogo foi Proudhon e o socialismo científico, que teve em Marx e Engels os seus maiores
teóricos.
Marx e Engels acabariam mesmo por fundar o movimento comunista, cujo objetivo era a conquista do
poder pelo proletariado, que acabaria por se apropriar dos meios de produção, então nas mãos da
burguesia. Neste sistema, onde não era permitida a propriedade privada pois tudo é do Estado, cada
indivíduo poria o interesse coletivo acima do interesse individual, proporcionando assim a criação de
uma sociedade mais justa, sem classes, ou seja, uma sociedade comunista, onde o Estado não seria
necessário.
As teorias socialistas tiveram uma grande importância histórica, marcando fortemente o séc. XX.
Logo em 1917, a Revolução Russa impôs um modelo político-económico marcadamente socialista, dando
origem à URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) que só terminaria, dando novamente lugar
à Rússia (ou mais exatamente à CEI, Comunidade de Estados Independentes) em 1991.
Em 1945, na China também se deu revolução de cariz semelhante e poucos anos depois, em 1959, foi a
vez de Cuba.
Estes são os exemplos mais conhecidos mas houve mais exemplos de países que, de uma ou de outra
forma, adotaram uma organização político-económica socialista.
A pegada histórica das teorias socialistas é de tal forma vincada que durante cerca de 50 anos o
mundo ficou dividido entre o mundo ocidental – com uma organização democrática, liberal e capitalista
– e o mundo socialista, divisão esta que só terminaria com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o
correspondente triunfo do modelo capitalista liberal.
Mas ainda hoje, a China, Cuba e a Coreia do Norte mantêm um modelo de organização socialista, se
bem que da parte do governo chinês tem havido uma crescente abertura ao capitalismo.

4 - OS GRANDES ACONTECIMENTOS POLÍTICOS DO SÉC. XX

O séc. XX europeu e mundial fica marcado por duas guerras mundiais, uma guerra fria e a queda de
um muro.
Dito desta forma, parece estranho, mas tem explicação.
Logo no início do séc. XX, em 1914, dá-se o início
de uma guerra que durou 4 anos e que atingiu
dimensões que nem a Europa, nem o mundo,
haviam alguma vez conhecido – a I Guerra
Mundial.
Foi uma guerra de tal forma violenta que nela
morreram mais de 10 milhões de homens e foi de
tal forma marcante que alterou radicalmente e
de forma definitiva o mapa europeu e fez com
que, pela primeira vez em milhares de anos, a

Formador: Fernando Sousa Silva Página 20


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

liderança económica mundial pertencesse a um país fora da Europa – os Estados Unidos da América.
As causas desta guerra são difíceis de explicar de uma forma sumária. Tudo começou quando o
arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono austro-húngaro foi assassinado por um estudante
sérvio, o que fez acionar todo um perverso mecanismo de alianças políticas que desembocaram no
conflito armado.
Esta guerra terminou com a derrota da Alemanha, consumada no Tratado de Versalhes. Este tratado foi
humilhante para a Alemanha, impondo-lhe a perda de largas fatias de território, fortes limitações à
reconstituição das forças armadas e o pagamento de enormíssimas quantias monetárias a título de
indemnizações, que pesariam enormemente sobre a economia alemã nos anos seguintes.
O povo alemão nunca aceitou totalmente estas imposições humilhantes, criando um quadro favorável a
que uma ideologia de carácter nacionalista, racista e fascista, como foi a ideologia nazi se implantasse
e com ela ascendesse ao poder uma figura tenebrosa como foi Hitler e o seu projeto de domínio
mundial.
Mas não foi só na Alemanha que a ideologia fascista se implantou:
Espanha, Itália e Portugal são exemplos de adesão ao fascismo.
Esta ideologia rege-se por alguns princípios antidemocráticos,
como a concentração de todo o poder numa única pessoa, pela
atitude hostil e violenta contra todos os que se lhe opõem interna e
externamente, proibição de outros partidos que não o partido que
esteja no poder, fortes limitações às liberdades individuais
nomeadamente as de expressão, opinião e informação ou a
desigualdade entre os homens, cabendo
apenas a uma minoria elitista a
capacidade para governar.
Apelando ao orgulho alemão e desta
forma mobilizando fortemente a sociedade alemã, Hitler iniciou esse projeto
expansionista com a invasão da Polónia em 1939 dando início desta forma
início à II Guerra Mundial.
Esta guerra pôs de um lado os Aliados, composto por um vasto conjunto de
países liderados pela Inglaterra e, principalmente, pelos Estados Unidos, e do
outro a Alemanha, a Itália e o Japão.
A União Soviética teve uma atuação dúbia. Numa primeira fase da guerra assinou o secreto “Pacto
Germano-Soviético” com a Alemanha através do qual, dividiram largas fatias de território na Europa
oriental, entre as quais a Polónia.
Mas em 1941 a Alemanha de Hitler ataca também a URSS e esta passa-se para o lado dos Aliados: No
final do mesmo ano, Hitler domina praticamente toda a Europa: está a 25 km de Moscovo e são poucos
os países que escapam ao controlo alemão – basicamente a
Inglaterra, a Suíça, a Suécia e Portugal.
Mas no final da guerra, em 1945, a vitória era dos Aliados, mas
com um forte custo para Europa. A violência deste conflito não
tem paralelo na história da Humanidade: 30 milhões de mortos e
as infraestruturas sociais e económicas europeias completamente
arrasadas. Para se ter uma ideia, 75% da cidade de Berlim
estava em ruínas e em Dusseldorf a situação ainda era pior –

Formador: Fernando Sousa Silva Página 21


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

95%. Outro triste exemplo do nível de destruição encontrava-se no


território soviético situado na Europa, onde haviam sido destruídas
1700 cidades ou vilas e 70.000 aldeias. No Japão, o lançamento
de duas bombas atómicas, em Hiroxima e Nagasaki, reduziram a
cinzas cidades inteiras.
Mas logo a seguir à II Guerra Mundial, surgiram novos e muito
complicados problemas. Entre os três grandes vencedores da guerra
havia ideias muito diferentes sobre o destino do mundo: de um lado
os Estados Unidos e a Inglaterra, defensores da democracia e das liberdades individuais, e do outro a
URSS que advogava um modelo de governo de cariz totalitário e comunista.
A tensão que se gerou entre estes países e que se prolongou durante mais de quarenta anos foi
conhecida por “Guerra Fria”. Esta “Guerra Fria” caracterizou-se por não ter havido confronto direto
entre as duas grandes potências da altura (os EUA e a URSS), mas que, contudo, manipulavam outros
países para se combaterem e experimentarem novas armas. Outra característica da guerra fria foi a
ameaço constante e mútua de utilização de armas de destruição maciça, como as armas nucleares.
Este clima de tensão e conflito entre americanos e soviéticos só terminaria com a queda do Muro de
Berlim. Este muro simbolizava a divisão do mundo entre o bloco americano e o bloco soviético, dividindo
a cidade de Berlim: de um lado a zona dos Aliados, do outro, a zona soviética, não sendo permitido o
atravessamento de zonas.
A queda do Muro de Berlim marcou e
simboliza a vitória da democracia, das
liberdades individuais e dos direitos
humanos, do modelo económico capitalista,
das economias de mercado e do liberalismo,
ou seja, do modelo socioeconómico no qual
vivemos. Por outro lado, assinala a derrota
do modelo económico socialista e de modelos
governativos autoritários, limitadores das
liberdades individuais e não respeitadores
Quadro intitulado “Reunificação”, do pintor alemão Herbert Smagon
dos direitos humanos.

5 - UM MUNDO DE TOLERÂNCIA

Neste rápido olhar sobre a forma como se construiu a


nossa organização social verificamos que em períodos
de paz há desenvolvimento e aumenta o bem-estar, a
qualidade de vida e o conhecimento. Em guerra nada Guernica - painel pintado a óleo por Pablo Picasso em 1937 e
de bom floresce, há um retrocesso civilizacional e que pretende retratar todo o horror e destruição causados
cultural, a qualidade vida cai a pique, o conhecimento pelos bombardeamentos da Alemanha nazi na localidade
estagna (ou mesmo regride). espanhola de Guernica em 26 de abril do mesmo ano, durante
a Guerra Civil Espanhola (que aconteceu entre julho de 1936 e
Pelo contrário, em períodos de guerra assiste-se à abril de 1939).

Formador: Fernando Sousa Silva Página 22


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

tentativa de destruição do outro, daquele que é diferente, tenta-se aniquilar a cultura, as crenças, o
modo de vida e de estar do «inimigo». A guerra e o terrorismo são as expressões mais dramáticas,
extremas e destruidoras da intolerância. A intolerância é um valor negativo, causado por todas as
atitudes dogmáticas (crenças consideradas indiscutíveis), arrogantes, não questionável e que não aceita
a diferença ou o que é estranho, que não aceita outros modos de vida ou de pensar, que discrimina ao
tenta anular os outros epnas pelas suas características físicas ou opções ideológicas, religiosas ou mesmo
morais. A intolerãncia pode manifestar-se de várias formas, das quais as principais são:

Atitude do indivíduo que considera


Etnocentrismo o seu grupo étnico superior aos
outros

Atitude baseada na crença de que


existem «raças humanas» e de
Racismo estas entre estas há «raças
superiores» e «raças inferiores»

Atitude baseada no medo,


aversão, profunda antipatia ou
mesmo ódio em relação aos
Xenofobia estrangeiros ou a pessoas
estranhas ao meio cultural e/ou
religioso

Fundamentalismo é a estrita
aderência a um conjunto
Fundamentalismo específico de doutrinas teológicas
vistas como verdades absolutas e
religioso indiscutíveis e que não aceitam
qualquer outra forma de religião
ou de diálogo.

A bem da paz, da prosperidade e da felicidade humana impõe-se, assim, um outro caminho assente em
valores positivos, assente na TOLERÂNCIA, na aceitação do outro, daquilo que é diferente, na

Formador: Fernando Sousa Silva Página 23


Área de integração
Tema-problema 2.2 – A construção do social

aceitação de outras opiniões e comportamentos, na aceitação de de valores morais ou normas que não
são os nossos.
Mas será aceitável, será legítimo, aceitar tudo o que é diferente?
Não haverá limites para a tolerância?
Sim, nem tudo vale neste mundo. Há situações em que a
tolerância pode significar cumplicidade com um crime, omissão
culposa, insensibilidade ética ou comodismo. Por exemplo,na
História da Humanidade foram várias as civilizações em que as
respetivas religiões exigiam que nos seus rituais se fizessem
sacrifícios de vidas humanas, inclusive de crianças. Será isto
aceitável? Devemos ser tolerantes com práticas culturais ou
religiosas deste tipo? Não, de forma nenhuma, nunca podemos
ser tolerantes, por exemplo, com aqueles que destroem vidas
humanas e prejudicam a Natureza; com aqueles que assassinam inocentes, abusam sexualmente e
escravizam manores ou traficam órgãos humanos; com terroristas que em nome duma religião ou projeto
político cometem crimes e matanças; com aqueles que corrompem e são corrompidos, ou com aqueles
que discriminam seres humanos em função da sua ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação
sexual. Quando é roubada às pessoas a sua dignidade humana não podemos ser tolerantes.
A resposta aos limites da Tolerância pode ser encontrada na
Declaração Universal dos Direitos do Homem¸ proclamada em 1948
na Organização das Nações Unidas. Este documento enuncia os
direitos fundamentais, civis, políticos e sociais de que devem gozar
todos os seres humanos, sem discriminação de raça, sexo,
nacionalidade ou de qualquer outro tipo, qualquer que seja o país que
habite ou o regime nele instituído. Ou seja, estabelece os limites
mínimos e fundamentais para a dignidade que todo o ser humano
merece. É um princípio básico de Justiça para toda a Humanidade.
Um mundo tolerante, que respeite a dignidade de todos os seres humanos, será com certeza um mundo
mais justo, mais feliz, mais desenvolvido, sustentável e harmonioso, em suma, um mundo melhor para
todos.

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em


direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os
outros em espírito de fraternidade.
(artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem)

Formador: Fernando Sousa Silva Página 24

Você também pode gostar