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A REVOLUÇAO -

QUE NUNCA
HOUVE
'Vordeste do Brasil, 1955-1964

A l1istória do Nordeste brasileiro, vasta e superpovoada região situada entre o Rio São
f;"ra ncisco e o Amazonas, é um microcosmo da política revolucionária da América Latina,
um fascinante caso de estudo para abordagens sobre o subdesenvolvimento em ação e em
conflito. O Nordeste é, de fato, " subdesenvolvido", se é que uma palavra tão indulgente
pode descrever uma das mais extensas, pobres e calamitosas terras-áridas do mundo. Uma
terra onde legiões de pobres subsistem com uma alimentação de tal modo parca que a Medi-
cina afirma que de fato não vivem.
Dadas essas condições, era natural que revolucionários e reformistas radicais floresces-
sem na região; que o Governo brasileiro criasse a Sudene para planejar seu desenvolvimefü
to; e que, quando John F. Kennedy viesse a criar a Aliança para o Progresso, o Nordeste
fosse sua primeira prioridade.
O destino que tiveram todos esses esforços é o assunto deste livro: como o facciosismo
e a postura romântica frustraram as revolucionárias Ligas Camponesas, de Francisco Ju-
lião; como os "revolucionários legalistas", do tipo de Miguel Arraes, foram desamparados
pela esquerda quando a lei era assumida por eles; como os economistas brasileiros viram
seus planos sonhadores a fundarem numa enchente de mal aplicados dólares a mericanos;
e como a Aliança para o Progresso, castrada por seus planejadores da política de Guerra
Fria, virtualmente entrou em colapso e abriu caminho para a catástrofe.
Enquanto o caos se espalhava pelo Nordeste e por todo o Brasil, o Governo Goulart
fez um último esforço para manter a paz através de uma virada stíbita para a esquerda,
anunciando reforma agrária em massa e apoio para as reformas de base. Foi um desastroso
erro de cálculo. Dentro de poucas semanas as Forças Armadas apossavam-se do Governo
e impunham ao Brasil as normas totalitárias de poder que duravam até os dias em que o
livro foi publicado nos Estados Unidos (1971).
A REVOLUÇÃO QUE NUNCA HOUVE é urna erudita e ao mesmo tempo excitante
• colorida avaliação d os acontecimentos que levaram ao Golpe de 1964, um estudo incisivo
da falência da política americana para a América Latina e um retrato do tipo de movimento
revolucionário ainda hoje existente na rhaior parte do Continente latino-americano. Seu autor,
Joseph A . Page , é Professor Assistente de Direito da Universidade de Georgetown. Viajou
largamente pelo Brasil e escreveu artigos, sobre o Brasil e outros assuntos, para diversas
revistas e jornais, inclusive The Nation, The At/antic, The Reporter, The New Repub/ic,
The Progressive, Commomveal, The New York Times Magazine, assim como para as pu-
blicações jurídicas das Universidades de Yale, Denver, California e Georgetown. Possui o
gra u A.B. magna cum laude (distinção com louvor) do Harvard College e duas graduações
em Direito pela Harvard Law School. Habitualmente é ele quem prepara o relatório sobre
segurança e saúde no trabalho do Grupo de Estudos Ralph Nader. Ralph Nader que, aliás,
sob o pseudônimo de Roland Snyder, aparece neste livro pois foi personagem, ainda que
indireto e ausente, da breve mas desagradável aventura vivida por Joseph Page numa pri-
são do Recife durante a ditadura militar.
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Título original norte-ameciano
THE REVOLUTION THAT NEVER WAS

Para Roland Snyder

Copyright © 1972 by Joseph A. Page


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SUMÁRIO

Introdução 11

PRÓLOGO 15

UM O Elenco 17
DOIS o Cenário 30

PRIMEIRA PARTE 47

TRÊS Francisco Julião e as Ligas Camponesas 49


QUATRO Miguel Arraes e a Frente Urbana 69
C INCO Celso Furtado, a Sudene e a Usaid 83

SEGUNDA PARTE 97

SEIS Julião em Alta 99


SETE Julião em Baixa 114
OITO A Ascensão de Miguel Arraes 136
NOVE Entram os Americanos 148
DEZ Os Americanos e os Nacionalistas 161

TERCEIRA PARTE 177

ONZE Caos no Campo 179


DOZE A Revolução em 40 Horas 202
TREZE A Conta da Catástrofe 210

9
QUARTA PARTE 227
QUATORZE O Golpe Militar 229
QUINZE Conseqüências 237
EP!LOGO: Ou, Finalmente, o que Aconteceu com
o Nordeste do Brasil? 257
Apêndice 277
.
INTRODUCÃO

Notas 279
Notas de uma prisão no Recife* 298 Nos PRIMEIROS ANOS da década de 60, o público americano to-
índice analítico e onomástico 309 mou conhecimento de que uma parte do Brasil estava à beira de
uma violenta insurreição. Pelo menos assim parecia aos jornalis-
tas e políticos que faziam soar o alarme sobre a situação explosi-
va no vasto e superpovoado Nordeste brasileiro. Visitantes da
região relatavam que milhões de camponeses, vivendo em infini-
ta pobreza, vinham demonstrando evidentes sinais de desconten-
tamento, e que agitadores - políticos, estudantes e os inevitáveis
comunistas - eficazmente atiçavam as chamas. Os americanos,
perturbados pelo êxito da revolução cubana, começaram a ver
o Nordeste do Brasil como um campo de batalha onde a recém-
fundada Aliança para o Progresso poderia ser testada contra o
desafio do castrismo.
O Nordeste tornou-se, então, uma verdadeira arena; mas a
lula que se seguiu foi muito mais complexa do que muita gente
compreendeu na época.
A Aliança para o Progresso achou-se dividida entre seus pú-
blicos e declarados objetivos humanitários e reformistas, e as con-
skh.:rações sobre a segurança dos Estados Unidos, que eram a
oculla razão de ser do programa de ajuda. A segurança prevale-
ceu fucilmcnte sobre os objetivos declarados; o envolvimento ame- !
1 leu 110 visou primeiro preservar a estrutura básica do status quo
1• 11 pc1111s incidentalmente procurou melhorar as condições""ilãíê-' 1
~l(lo por caminhos que não enfraquecessem a ordem estabelecida.
Po r sua vez, o Nordeste forneceu o cenário para o choque
111111 1.1 O'l de fensores de uma revolução imediata e aqueles que cla-
11 111vu111 por uma radical redistribuição do poder através de mu-
1 l111 1~·111i o rdeiras, graduais e democráticas. Os r dmiradores de Fid_d )
10 11
Castro eram os expoentes da via revolucionária, enquanto os co- gens para Paris, Cuernavaca e outros lugares , assim como mi-
munistas da via sõv1ética estavam entre aqueles que preconiza- nha presença em Washington durante os últimos três anos. Na
vam o caminho legal e pacífico para a mudança radical. Os minha opinião, a história que estou para contar realmente acon-
revolucionários eram prejudicados por lideranças ocasionais e er- teceu.
rantes, e não conseguiram desenvolver uma ampla base de apoio Vários desvios de rota do destino, incluindo-se aí minha breve
entre as massas rurais e urbanas. Os reformadores radicais estada numa prisão do Recife em 12_64 (ver os detalhes no Apên-
mostraram-se ao mesmo tempo indecisos e por demais confian- dice), tornaram singular meu acesso a pessoas que representam
tes. No fim, ambos os grupos foram surpreendidos pelos aconte- todas as facções em luta no Nordeste brasileiro. Espero ter feito
cimentos no resto do Brasil , e, tanto cio ponto de vista mental justiça a elas.
quanto do físico, estavam totalmente despreparados quando che-
gou a hora da verdade. Hoje, o Nordeste é uma terra esquecida Seria impossível para mim agradecer às inumeráveis pessoas que
onde milhões de camponeses continuam vivendo numa pobreza ajudaram na preparação deste livro. A lista seria muito longa e
abissal. Uma vez que não exibem manifestações exteriores de des- teria que excluir as que me falaram confidencialmente ou que se
contentamento, não mais ameaçam os interesses da segurança dos veriam em dificuldades caso fossem identificadas. Posso apenas,
Estados Unidos; e o programa americano de ajuda que se suce- de todo coração, deixar aqui bem clara minha gratidão a todas
deu à já defunta Aliança para o Progresso foi reduzido às mo- elas.
destas dimensões desejáveis. Um regime militar autoritário Não posso calar, porém, minha expressão de particular apre-
suprimiu revolucionários e reformadores radicais; tudo está cal- ço a Emily Flint, do Atlantic Monthly, que me deu a primeira
mo - mortalmente tranqüilo, poder-se-ia dizer. oportunidade de escrever sobre a América Latina; ao Instituto
O Nordeste do Brasil merece ser resgatado da poeira da His- ele Estudos Políticos, por seu apoio à minha odisséia de 1967 pe-
tória. Seu breve instante de lampejo na atenção mundial consti- lo Nordeste; ao meu inigualável editor, Dick Grossman; e ao meu
tui uma atraente possibilidade de estudo das várias abordagens revisor, Tom Stewart.
do problema do subdesenvolvimento em ação e em conflito: op-
ções políticas versus opções militares; mudança versus reaciona- JOSEPH A. PAGE
rismo. Além disso, a luta no Nordeste esclarece consideravelmente Washington, D.C.
o papel, nesse problema, dos fatores culturais e sociais, assim co- 7 de julho de 1971
1 -
mo das personalidades individuais. Por isso, é necessário manter
atenção sobre a mistura especial do fermento que convulsionou
a região.

Ao escrever, tentei, quanto possível, manter o rigor e as normas


de trabalho que se exigem para um livro como este. Entretanto,
existem alguns fatores que julguei necessário incluir, se bem que,
por motivos óbvios, não pudessem ser explicitados em notas de
pé de página. Comprovei escrupulosamente esses fatos através
de conversações repetidas com os participantes dos acontecimentos
que descrevi e de testemunhos de primeira mão, aproveitando ao
máximo as seis visitas que fiz ao Nordeste em 1963 e 1971, via-

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O Elenco

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UMA HORA ANTES do nascer do sol, Pedro Mota subiu num ôni-
bus estacionado em uma rua lateral, a vários quarteirões de dis-
tância da zona portuária do Recife, juntando-se a diversos
organizadores, membros e simpatizantes do movimento das Li-
gas Camponesas do Nordeste do Brasil. 1 Muitos deles tinham
dormido durante a noite no chão poeirento de um salão próxi-
mo, que servia de quartel-general das Ligas Camponesas na ci-
dade. Agora, apenas despertos, eles se encaminhavam para o
Norte, em direção a Mamanguape, a cerca de oito horas de dis-
Lância.
O ônibus tinha visto melhores dias. Era um exemplar típico
da sucata que é encontrada nos mais remotos confins da terra,
constituindo a sacolejante espinha dorsal dos sobrecarregados e
subdesenvolvidos sistemas de transporte. Pedro Mota tentou dor-
mir, mas os assentos eram muito próximos uns dos outros, e as
cst radas demasiadamente cheias de lombas e bu'racos. Pela jane-
lu aberta, ele observava os pequenos sítios de bananeiras, coquei-
1·os e mangueiras, densos trechos de matagal não cultivados e os
cumpos familiares de cana-de-açúcar. Colinas suavemente ondu-
latlns lornavam amena a paisagem, ao contrário de tudo quanto

17
queno palanque de madeira, colocado diante de uma loja dando
ele tinha visto no Chile, Bolívia, Peru, Equador e Venezuela, paí- para a praça. Uma cobertura provisória de folhas de palmeira
ses que havia visitado em maio de 1962, numa tentativa de forjar e de ramos de árvores fornecia sombra para as pessoas impor-
um elo entre as Ligas Camponesas e outros movimentos revolu- tantes que se comprimiam no palanque. Pedaços de pano colori-
cionários na América Latina. O cenário lembrava mais, talvez, dos flutuavam ao vento em linhas estendidas que cruzavam a praça
Cuba, que ele tinha visitado no verão de 1961.2 aberta.
Pouco depois, o ônibus cruzou a fronteira com a Paraíba. Uns poucos tinham vindo a cavalo e permaneciam monta-
A parte oriental do estado, que então atravessavam, era, essen- dos, observando, de um trecho de terra coberto de grama, o mo-
cialmente, o domínio privado de duas famílias. Era, também, a vimento nas vizinhanças. Um deles, um negro enrugado, curvou-se
região que produzia os mais gostosos abacaxis de todo o Brasil. para a frente, sobre a manta dobrada que lhe servia de sela, es-
Várias horas depois, o grupo chegou à pequena cidade de Ma- preitando tudo por baixo das abas largas de seu chapéu. Os cam-
manguape, local de um comício que iria celebrar a fundação de poneses tinham suportado pacientemente, durante três horas, os
um sindicato de trabalhadores rurais. raios de um sol escaldante, enquanto os políticos locais, os líde-
A perspectiva de dirigir-se a um grande audiência de cam- res trabalhistas e, agora, um estudante tentavam incitá-los.
poneses estimulava Pedro Mota. Ele sabia o que estava errado Até ali, a multidão tinha reagido apenas a uma oradora, uma
no Brasil e nunca hesitava em dizê-lo: dar fim ao sistema apo- mulher vestida de preto. Elisabete Teixeira era a viúva de João
drecido sob o qual o proprietário rural explora o camponês, o Pedro Teixeira, rendeiro, britador e organizador dos trabalha-
industrial explora o operário e o imperialista explora todo mundo. dores rurais. 4 Os proprietários de terra no leste da Paraíba ha-
Pedro Mota tinha sido expulso, recentemente, do Partido Co- viam resistido fortemente a todos os esforços para implantar entre
munista Brasileiro porque, de acordo com o Partido, engajara- seus trabalhadores a noção de que eles tinham alguns direitos le-
se em "atividades aventurosas e divisionistas, incompatíveis com gais. Sua repressão tinha gerado a contraviolência por parte dos
o senso de responsabilidade e disciplina que deve inspirar os ver- camponeses, e esta escalada alcançou seu clímax quando um pro-
dadeiros revolucionários": 3 atividades tais como falar aos cam- prietário e político local contratou dois policiais da zona rural
poneses sem a permissão do Partido e trabalhar com os estudantes para emboscar João Pedro. Uma tarde, quando ele ia voltando
que ajudavam camponeses armados a invadir e ocupar os enge- para casa, para Elisabete e seus 11 filhos, eles o mataram a tiros.
nhos de açúcar. Elisabete, uma mulher miudinha, de olhos penetrantes e voz fir-
Agora ele mal podia esperar. Quando chegou a sua vez, deu me, fez o voto de continuar o trabalho do marido e pouco depois
um passo à frente, agarrou o microfone com a mão esquerda LOrnou-se presidente da Liga Camponesa local. Três meses mais
e gesticulou colericamente ao denunciar os "imperialistas nor- tarde, outro tiro, disparado de emboscada, feriu na testa Pedro
te-americanos" que estavam "sugando o sangue vital do Brasil". Paulo, seu filho de 13 anos, levando-o a hospitalizar-se e
Gotas de suor pingavam irregularmente pelos lados de sua fa- marcando-o, permanentemente, com uma cicatriz. Ao mesmo
ce lisa e simpática, enquanto ele jogava a cabeça para a fren- lcmpo, Elisabete vivia recebendo ameaças à sua própria vida. Ela
te e para trás e balançava-a de um lado para o outro. As pa- nsscverava que o proprietário responsável por toda essa violên-
lavras brotav.rn-lhe facilmente, sem hesitação, refletindo seu du estava agora oferecendo uma substancial recompensa à pes-
aprendizado político como líder estudantil na Faculdade de Di- soa que lhe trouxesse a língua dela. Sua filha mais velha, Marluce,
reito. de 18 anos, ficou tão perturbada com tudo isso que se matou com
Cerca de 600 camponeses que constituíam a audiência escu- 11111a dose letal de veneno. Destemida, Elisabete visitou Havana,
tavam atentamente. Atraídos por estouros de fogos de artifício, onde deixou um de seus filhos na escola. Na reunião de Maman-
eles se haviam reunido, no começo da tarde, na frente de um pe-
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18
Eles estariam exatamente aqui, lutando do lado dos camponeses.
guapc, conclamara o povo a seguir o exemplo da revolução cu-
bana e todos lhe haviam respondido com gritos excitados, levan- Jesus Cristo, um rebelde que lutou contra o imperador romano,
tando os braços para signific~r concordância. e que disse aos ricos para serem humildes, também estaria aqui
Pedro Mota não estava obtendo a mesma resposta. Foi tal- conosco.
vez uma felicidade para ele que os dissonantes acordes de uma O efeito nos camponeses foi eletrizante, com freqüentes ex-
pequena banda de metais interrompessem seu discurso. Uma pro- plosões de aplausos.
cissão aproximou-se, vinda de uma rua lateral. Padres, freiras, - Vocês devem permanecer unidos, ombro a ombro com
crianças bem arrumadas e pessoas da cidade cuidadosamente ves- seus irmãos. Sozinhos, vocês são uma gota d'água. Unidos, vo-
tidas encheram um canto da praça. No meio, um grupo de ho- cês são uma cachoeira. Havendo união, vocês podem se tornar
mens carregava, suspensas no ar, as imagens policromadas de São uma Liga Camponesa, coesa como um punho fechado. A Liga
Pedro e São Paulo. Poucos dos intrusos puderam resistir a uma é o povo marchando, o proprietário fugindo, seus capangas de-
espiadela ansiosa à multidão em frente ao palanque. sarmados. É o nascimento da verdadeira justiça, o alvorecer da
verdad~ira liberdade. E a primeira tarefa da Liga será a i:eforma
A contrademonstração distraiu os camponeses, que se vol-
taram para olhar, impassivelmente. Quando o último dos acom- agrária, que destroçará os grandes latifundiários pelas raízes.
panhantes da procissão desapareceu numa esquina, a atenção da A audiência esqueceu os outros no palanque. Ali só havia
audiência retornou ao palanque. Pedro Mota tinha saído. O Julião, uma esbelta e pálida figura; irradiando uma presença mís-
mestre-de-cerimônias, um negro de voz suave e pele de ébano, tica. Os camponeses pareciam ver somente a ele e ouvir apenas
apresentou o principal orador da tarde. Uma girândola de fogos suas palavras, pois ele falava nos seus próprios termos, de sua
fez eco aos aplausos e um cavalo sem cavaleiro avizinhou-se pe- própria angústia. Ele os prendia com sua maneira distinta e uma
rigosamente de um pequeno grupo de crianças. linguagem simples que seus ouvintes entendiam totalmente.
Os últimos a entrar no ônibus do Recife tinham estranhado - É o sistema vigente o responsável pela fome, a doença,
que Francisco Julião não estivesse ali. Somente quando Maman- a prostituição e o analfabetismo que vemos ao nosso redor. O
guape estava a uma hora de distância foi que uma pilha de co- que devemos fazer é criar um sistema novo que proporcione es-
bertas se mexeu e o presidente honorário das Ligas Camponesas colas, hospitais e empregos para todo mundo. Não importa co-
sentou-se na cadeira de frente, onde estava cochilando. mo chamemos este sistema de governo. O importante é que ele
Por toda a longa tarde, ele tinha permanecido no palanque, beneficiará cada brasileiro, e não os proprietários rurais, os in-
passeando seu olhar preocupado da multidão para os campos de dustriais e as companhias americanas.
cana-de-açúcar à distância e depois para o tablado sob seus pés. "Hoje, no Brasil, há 80 milhões de pessoas, mas apenas 15
Sua camisa estava desabotoada no colarinho, que caía frouxa- milhões de eleitores. A Câmara dos Deputados é composta de 250
mente sobre o decote de uma suéter marrom de mangas compri- proprietários rurais, 80 banqueiros, 50 industriais e somente 20
das. A protuberante estrutura óssea acima de seus olhos e sua nu 25 homens que lutam pelo camponês. Como podem vocês es-
testa inclinada para trás emprestavam uma aparência caracterís- perar que tais pessoas aprovem uma lei de reforma agrária? Eu
tica a seu perfil. A forma triangular de sua cabeça e a saliência lhes confesso que não acredito mais em eleições.
de seus osso.§. malares sugeriam um traço de ancestralidade indí- Com a palma afilada de sua mão direita, ele riscou um ágil
gena. Julião apossou-se do microfone manual e começou a falar 11 :u;ado de gestos no ar quente e pesado, apunhalando-o ocasio-
de modo clarq, deliberado, enfático. 11ahncntc com um ·dedo para pontear uma frase.
- Se São Pedro e São Paulo estivessem vivos hoje, não dei- - Diante disso, que o povo pobre do Brasil se reúna, a fim
xariam que os carregassem por aí sobre os ombros de ninguém. dr 1:011quistar de volta seu próprio país. Que haja terra sem pro-

20 21
prietários, fábricas sem industriais e bancos sem banqueiros. E la fornecia as condições necessárias para chocar qualquer pes-
"Há aqueles que dizem que querem trazer mudanças, mas soa com uma centelha de consciência e levá-la à ação.
insistem que isso deve ser conseguido sem violência. Mas nós não Havia, por exemplo, o problema habitacional. As estimati-
estamos vivendo, agora mesmo, no seio da violência? Uma criança vas mostravam que o número de moradores das áreas pobres, no
em cada duas nascidas no Nordeste do Brasil não sobrevive ao Recife, era de mais de 60 por cento dos seus habitantes, calcula-
primeiro ano. A fome e a doença estão em toda parte. Isto não dos aproximadamente em um milhão. Colônias de casebres, cha-
é violência? Os proprietários torturam e matam os camponeses mados mocambos, agrupavam-se na lama ao longo das margens
e queimam seus casebres. Isto não conta como violência? Eu pro- dos rios, para serem arrastados por uma ocasional inundação du-
meto a vocês que, de uma forma ou de outra, nós vamos ter uma rante as chuvas, sempre renascendo, entretanto, quando as águas
revolução. baixavam. Um constante fluxo de camponeses da zona do açú-
Seguiu-se uma ovação, e uma multidão de congratulantes ro- car e do interior alimentava essas fétidas pústulas urbanas. Um
d.eou Julião. Sua esposa Alexina, uma loura de olhar duro, com caso típico era o Coque, aninhado entre os dedos de terra que
calças jeans e botas de couro - principal mensageira entre as Li- acenavam para as águas pardas do rio Capibaribe. Diminutos ca-
gas e Fidel Castro -, ficou de pé silenciosamente a seu lado. Os sebres de madeira, com teto de telhas ou cobertos com papelão,
camponeses, com as palavras de Ji.;lião ressoando em seus ouvi- abrigavam uma comunidade que crescera até ultrapassar 20.000
dos, retornaram para suas casas no . ampo. pessoas. Pequenos botes e jangadas constituíam, no Coque, o mo-
do mais conveniente para alguém entrar e sair, desviando-se das
O Recife é a capital do estaco de Pernvmbuco, a maior e mais privadas colocadas sobre estacas que mergulhavam descuidada-
importante cidade do Nordeste do Brasil, um viveiro de radica- mente na água. A estrada para o aeroporto municipal passava
lismo, a Calcutá do Hemisfério Ocidenta'' - a "Veneza Brasi- pelo Coque, mas uma fila de construções caiadas poupava essa
leira", como alguns imaginosos incent vadores gostam de visão aos visitantes.
chamá-la. Ou, como no trocadilho de algumas línguas mordazes As pessoas que habitavam os mocambos ao longo dos rios
locais, "Resífilis, Cidade Venérea". eram as dramati personae, os personagens daqui.Jo que o nutri-
No alvorecer dos anos 60, um sopro de excitação e prenún- cionista Josué de Castro havia chamado o "Ciclo do Carangue-
cios atravessou a mortalha tropical da cidade. O poder político jo''. Elas se alimentavam de caranguejos, que, por sua vez, se
parecia estar se deslocandc,, de modo lento mas perceptível, de alimentavam de excrementos humanos na lama do rio. "E com
um círculo de famílias ricas para um movimento populista de am- esta carne feita de lama, elas [as pessoas] fazem a carne de seus
plas bases. Ubtrais e progressistas de todos os matizes, desde de- corpos e a carne dos corpos de seus filhos. São 100.000 indiví-
votos católicos até membros do Partido comunista, estavam se duos, 100.000 cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que seus
unindo num esforço maciço. Sua meta era democratizar o gover- corpos expelem retorna à lama, para se tornar de novo carne de
no da cidade e do estado, utilizar o poder político para fazer jus- caranguejo.' ' 6
tiça econômica e social às massas pobres urbanas e rurais, Brasília Teimosa exemplifica como apareceram essas comu-
mudando, assim, as estruturas da sociedade que eles sentiam te- nidades paupérrimas. Fugitivos da grande seca de 1958 começa-
rem condenado o Nordeste ao atraso e à extrema pobreza. ram a ocupar um aterro que se projetava dentro do porto do
O Recife forneceu mais do que um simples cenário para o Recife, construído para abrigar tanques de petróleo. A polícia vi-
novo movimento. Merecendo, na verdade, sua reputação de ca- nha e derrubava os casebres. Quando a polícia saía, os proprie-
pital do subdesenvolvimento na América Latina, a cidade por- t:'irios voltavam para reconstruí-los. Finalmente as autoridades
tuária servia como um constante lembrete da magnitude da tarefa. desistiram e um aglomerado de casas miseráveis espalhou-se ali

22 23
como uma chaga. Era inteiramente apropriado que tal aglome- Muitos deles têm os corpos cruelmente deformados, como se fei-
rado tomasse o nome de Brasília Teimosa, um triboto à tenaci- tos por algum louco praticante das artes plásticas. As formas po-
dade dos seus habitantes. deriam sugerir toda sorte de imagens a alguém cuja sensibilidade-
Somando-se' aos mocambos ao longo do rio e da praia, as não estivesse embotada pelo contato freqüente com tais quadros
comunidades pobres cobriam os morros nos arredores da cida- - a alguém que procurasse escapar dessas visões sub-humanas.
de. Um dos maiores problemas ali era que, na estação das chu- Desse modo, poder-se-ia encontrar nas ruas o Ponto de Interro-
vas, o solo cedia causando deslizamentos que arrastavam os gação, com sua espinha curvada, e o Número Quatro, sentado
casebres ladeira abaixo. A qualidade dos locais de moradia piora na ponte, com uma perna torcida sobre a outra. Havia a Rã, uma
(e a cor tia pele dos habitantes escurece) na medida em que se mulher cujo tronco era dobrado contra as coxas mantendo-a perto
deixa a rua principal e se sobe ao topo de uma dessas íngremes do chão enquanto saltava de um lugar para outro. E a Serpente,
colinas. É uma ironia que os mais pobres dos pobres tenham a um homem sem nariz e de membros retorcidos, coleando, de um
melhor vista da luxuriante paisagem verde que se espalha lá em- lado a outro, pelas calçadas. O pior de todos era o Amontoado,
baixo, entremeada de telhados vermelhos e dos brancos arra- uma bola de carne com barbatanas, empoleirado como Humpty-
nha-céus da cidade, com o azul do mar mais além. (Um fenômeno Dumpty numa cadeira de rodas, um lado da cabeça afundado,
semelhante ocorre no Rio de Janeiro, onde as classes mais baixas grunhindo aos passantes. Nas manhãs de domingo, numa igreja
constroem suas "favelas" nas montanhas espetaculares que ro- perto do centro da cidade, vários mendigos faziam regularmente
deiam a cidade, enquanto os ricos e a classe média vivem na bei- sua própria coleta, tremendo e sacudindo o corpo num grotesco
ra da praia. É instrutivo notar que os desenvolvimentistas já contraponto à melodia do órgão.
começaram a remover as favelas e tanger seus habiLantes para no- Esta foi a miséria que gerou a nova coalizão populista, a qual,
vas comunidades em terra nua, a muitos quilômetros do centro por seu turno, alimentou a esperança de crescente número de
da cidade.) "marginais" que estavam se tornando politicamente conscientes.
O desemprego e o subemprego afetavam a maioria daqueles O movimento emergente tinha sua causa: o opressivo subdesen-
que moravam nos mocambos. Era comum referirem-se a eles co- volvimento do Recife, do estado de Pernanbuco e de todo o Bra-
mo "marginais". Por outro lado, a pobreza urbana contribuía .,il; e também tinha o seu líder: Miguel Arraes, , um homem de
para gerar dois tipos distintos de trabalho, pelos quais a cidade t:\querda, nacionalista e defensor declarado de uma mudança ra-
se tornou bem conhecida. dical por meios legais. Arraes, um político cauteloso e hábil, ti-
O Recife é um dos grandes centros de prostituição do mun- 11ha sido eleito recentemente prefeito do Recife. Agora ele estava
do. Em julho de 1961, um monge francês, que conduziu extensa prornrando eleger-se governador do estado. Os políticos popu-
pesquisa sobre o assunto no Brasil, estimou que havia 30.000 pros- li ...1as estavam se movimentando, e uma genuína revolução demo-
titutas em Recife: Destas, ele calculou que 20 por cento traba- 1·1:'tlica parecia ao alcance de suas mãos.
lhavam em tempo integral, enquanto as restantes tinham empregos
regulares em bares ou restaurantes, ou mesmo trabalhavam co- l ln via também, trabalhando no Recife, alguns "revolucionários
mo empregadas doméstica·s em casas particulares. O engodo de lq •;ti-," apolíticos, tais como Celso Furtado, um economista que
empregos, que se revelavam inexistenLes, arrastava muitas delas l111ava para modernizar a economia do Nordeste do Brasil e que
para a cidade. 1111lta declarado guerra ao subdesenvolvimento da região. Sua ar-
O outro tipo de "emprego" pelo qual o Recife se tornou fa- 111 11 L'l':I um órgão especial1 do governo, a Superintendência para

moso é a prática de pedir esmolas. O centro da cidade é infesta- , , 1k -..envolvimento do Nordeste.


do de pedintes, que agarram e puxam os presumíveis doadores. A Suclcne, como a Superintendência era comumente conhe-

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cida, era um órgão federal diretamente subordinado ao presidente te para caminhar imediatamente na direção do progresso e do de-
do Brasil. Estava encarregada da tarefa monumental de plane- senvolvimento. Havia algo quase hipnótico nos seus cinzentos
jar, coordenar e implementar o desenvolvimento econômico de olhos de aço e no tom suave que ele usava para transmitir a ur-
todo o Nordeste do Brasil. Como criador e· primeiro diretor da gência do que estava tentando fazer pelo Nordeste.
Sudene, Celso Furtado assumiu a responsabilidade de descobrir A despeito desses formidáveis créditos, Celso Furtado cedo
soluções para os problemas mais prementes e persistentes do Brasil descobriu que tinha que desenvolver e utilizar um agudo senso
- o atraso e a extrema pobreza do imenso Nordeste, densamen- político a fim de sobreviver. A Sudene tinha autoridade para dis-
te populoso. tribuir grande parte do dinheiro alocado para o Nordeste pelo
Celso Furtado parecia mais do que preparado para o desa- governo federal. Entretanto, no exercício dessa autoridade, Cel-
fio. Suas qualificações para o tra balho incluíam realizações no so Furtado tinha que andar na corda bamba , balançada pelos ca-
âmbito universitário, versatilidade intelectual e magnetismo pes- prichos da política nacional, pela ascensão meteórica de Miguel
soal, além da vantagem primordial de ser um nativo da região. Arraes e pela agitação de Julião e suas Ligas Camponesas no in-
Economista de reputação internacional, ele tinha obtido um terior. Ao mesmo tempo, os mais violentos de seus inimigos da
doutorado pela Sorbonne de Paris em 1949 e havia trabalhado, direita continuavam a insistir que ele era um agente do Partido
por uma década, em problemas de subdesenvolvimento, primei- Comunista, enquanto um pequeno grupo de industriais e proprie-
ro como membro da Comissão Econômica das Nações Unidas tários rurais do Nordeste altamente inteligentes se dispusera, desde
para a América Latina e depois como diretor do Banco Nacional o começo, a solapar, de maneira calma, firme e insidiosa, as fun-
de Desenvolvimento do Brasil. 8 Seu livro, O Crescimento Eco- dações da sua incipiente superintendência.
nômico do Brasil, era, desde muito, um texto padrão em diver- O posto de comando da Sudene no Recife era no edifício Jus-
sos países. celino Kubitschek, um exemplar típico dos altos prédios de ci-
Ao mesmo tempo, ele possuía um toque de homem da Re- mento e vidro que tinham chegado a simbolizar o progresso no
nascença. Quando jovem, quase se tornara um concertista de pia- Brasil. Seus andares superiores tinham sido destinados original-
no. Também tinha experimentado uma carreira literária, mente a um hotel, mas a falta de verbas havia adiado indefinida-
ascendendo, por seu esforço, de repórter a editor-chefe de uma mente a sua conclusão. A Sudene, então à procura de alojamento,
popular revista do Rio de Janeiro , para a qual contribuíra com simplesmente ocupou-o, negociando, depois, o aluguel.
ensaios que iam desde Mahatma Gandhi até os filmes de cowboy Do seu escritório no último andar, Celso Furtado podia com-
americanos. Ta mbém escrevera um livro de histórias curtas inti- 1cmplar uma tranqüila extensão do Atlântico Sul ou, olhando para
tulado De Nápoles a Paris: Contos da Vida Expedjcionária, ba- o interior, os canaviais dos arredores da cidade. Ele teve pouco
seado em suas experiências na Segunda Guerra Mundial, como 1cmpo para gozar a vista.
tenente do Exército Brasileiro na Itália, o qual recebeu notas fa-
voráveis da crítica. U11quanto isto, em Washington, John F. Kennedy ~inha começa-
Além dos seus dotes intelectuais, Celso Furtado possuía ca- do a ouvir falar do Nordeste do Brasil. Ele havia destacado a Amé-
risma em abundância. Mostrou-se notavelmente apto a impres- 1 leu Latina como uma área de especial interesse desde os
sionar as pessoas. O jornalista canadense Gerald Clark, por p1 i111ciríssimos dias de sua administração e tinha lançado a Aliança
exemplo, chamou-o certa vez, "o homem mais excitante e inspi- 1rn1·u o Progresso como um " vasto esforço da cooperação , sem
rador que já encontrei" .9 Jovem, simpático, frio e competente, plll ulclo em magnitude e nobreza de propósito, para satisfazer
Celso Furtado atraía uma geração mais nova, cansada do slogan 11•. necessidades básicas de casaJ trabalho e terra, saúde e escolas
muitas vezes repetido: "O Brasil é o país do futuro" e impacien- do povo [latino] americano ... " 10 Ele fez rapidamente do Nordes-

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te o alvo de máxima prioridade para a Aliança. Como afirmou das outras, escuros casebres de barro, crianças de pernas finas
cm 15 de julho de 1961, "nenhuma área tem maior e mais urgen- e ventres inchados, e praticamente nenhuma pessoa idosa ... Num
te necessidade de atenção do que o vasto Nordeste do Brasil" . 11 casebre, um bebê, deitado desamparadamente nos braços da mãe,
O interesse do presidente Kennedy era resultado direto da estava morrendo de sarampo" . 12
enorme influência do jornal The New York Times. Em 31 de ou- Ao mesmo tempo, um filme documentário da ABC-TV -
tubro de 1960, os leitores do Times ficaram espantados ao des- A Terra Conturbada - emprestou um impacto ainda maior aos
cobrir que "o surgimento de uma situação revolucionária é cada relatórios que o presidente Kennedy estava recebendo. Numa cena
vez mais nítido por toda a vastidão do Nordeste brasileiro, gol- memorável, um proprietário rural brandia uma pistola para a ob-
peado pela pobreza e afligido pela seca''. A advertência tinha soa- jetiva e jurava que mataria qualquer dos seus trabalhadores que
do num artigo de primeira página pelo ativo correspondente tentasse se organizar.
latino-americano, Tad Szulc. Para traduzir a ansiedade em ação, o presidente Kennedy ins-
0

Depois de um sinistro esboço dos horrores atribuídos ao sub- talou no Recife uma missão?ª Agência dos Estados Unidos pa- \
desenvolvimento econômico e social da região, Szulc descreveu ra o Desenvolvimento I nternac~onal,_ a fim de coordenar os
1
como os extremistas da esquerda estavam se aproveitando da si- esforços da Aliança para o Progresso por toda a região. O enten- .
tuação para causar agitação e desordem nas cidades e no campo: dimento que rapidamente se cristalizou nos meios oficiais de Was-
"O premier de Cuba, Fidel Castro, e Mao Tsé-Tung, presidente hington era de que, enquanto a negligência e os erros americanos
do Partido Comunista da China, estão sendo apresentados co- no passado podiam ter ajudado a causar a revolução cubana, o
mo heróis que devem ser imitados pelos camponeses, trabalha- Nordeste do Brasil era a segunda rodada do circuito - na verda-
dores e estudantes do Nordeste." Ele sublinhava o valor estra- de um desafio mais crítico, pois estavam em jogo o Brasil inteiro
tégico da região para os Estados Unidos. "O Recife é a base de e o resto da América do Sul.
suporte para a cadeia meridional de estações de rastreamento de Nos dois anos seguintes, o Nordeste do Brasil tornou-se uma
mísseis teleguiados da Força Aérea dos Estados Unidos espalha- parada obrigatória nas viagens de todo mundo à América do Sul.
da no Atlântico Sul.'' Seu enfoque principal destacou-se de uma Políticos e funcionários do governo, universitários, jornalistas e
citação atribuída a um "alto funcionário municipal", o qual ad- (.!Scritores, distintos visitantes procedentes de vários países
vertiu que "o Nordeste se tornará comunista e terá uma situação seguiam-se uns aos outros, entrando e saindo do Recife, a fim
dez vezes pior do que Cuba se alguma coisa não for feita". Um tlc dar uma olhada em primeira mão nas agitações revolucioná-
segundo artigo, intitulado "Marxistas estão organizando os cam- 1 ias. A lista incluía: o diretor do Corpo da Paz, Sargent Shriver;
poneses no Brasil", apareceu numa página interna, no dia seguin- Clcorge McGovern, diretor do Programa de Alimentos para a Paz;
te, focalizando as Ligas Camponesas de Julião. l\dward M. Kennedy, um procurador-assistente de Massachusetts
O tom sensacionalista da reportagem de Szulc tocou nervos l111cressado em assuntos estrangeiros; Yuri Gagarin; dr. Henry
sensibilizados pela revolução cubana. Nos dias finais da campa- l<issinger; Adiai Stevenson; John Dos Passos; e um jovem escri-
nha presidencial, quando os artigos foram publicados, Kennedy l or independente do Christian Science Monitor chamado Ralph
anotou-os cuidadosamente. Logo depois de sua posse, seu re- Nndcr. '
cém-designado assistente especial, Arthur M. Schlesinger Junior, Os nordestinos podiam verdadeiramente sentir que o mun-
fcz uma viagem à América Latina em busca de fatos e retornou do inteiro os estava observando. Se o mundo entendia ou não
cio Nordeste com mais histórias de horror. Durante sua breve es- u que via, essa era outra questão.
tada no Recife, Schlesinger tinha visitado o campo com Celso Fur-
tado e ficara abalado à vista de "vilas desoladas, umas depois

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ao longo da costa, nunca penetra mais de 112 quilômetros no in-
terior. O solo é de barro escuro, rico e úmido, nutrindo original-
mente a floresta tropical e agora destinado ao cultivo de cana.
As cidades costeiras, inchadas nos anos recentes como resultado
das migrações do interior, incluem o Recife - a "capital" do
DOIS Nordeste-, Fortaleza, Natal e João Pessoa. Aproximadamente
metade dos habitantes da região está concentrada na zona do açú-
<:ar e nas cidades costeiras. O agreste, montanhoso e subtropical,
O Cenário produz alimento para as cidades da costa e para as do interior.
A parte mais afastada do interior engloba três quartos da super-
fície do Nordeste e abriga cerca de 29 por cento dos habitantes
da região. Este é o árido sertão, coberto de garranchos e de árvo-
res espinhentas e mirradas que os índios chamavam de caatinga
- a mata branca. As secas ocorrem ali na média de uma por 7 ,3
anos. Alcançando, às vezes, proporções desastrosas, elas deram
aos sertanejos a alcunha de flagelados, pois expulsam muitos de-
les dos seus lares. Entretanto, a população sertaneja permanece
surpreendentemente densa.
SE o NORDESTE DO BRASIL fosse um país independente, seria a se- As estimativas para a renda per capita do Nordeste variam
gunda nação mais populosa e a terceira em tamanho da América de US$ 50 a US$ 140 por ano . Esses números são falhos para
do Sul. 1 Somente o resto do Brasil abrangeria mais gente. Em traduzir as enormes disparidades na distribuição da renda entr:e
1955, a população nordestina era, aproximadamente, de 20 milhões os setores da população. Cerca de 2,5 por cento das pessoas no
de pessoas. Agora está passando de 30 milhões. Embora as fron- Nordeste recebem 40 por cento da renda total da região. A pro-
teiras do Nordeste variem ligeiramente, dependendo do órgão do priedade e a distribuição da terra são balanceadas de modo se-
governo, ou do autor sobre o qual nos apoiemos, somente a Ar- melhante. Um levantamento feito em 1963, no estado de Pernam-
gentina e o resto do Brasil teriam maior número de quilômetros buco, revelou que 690.000 famílias do meio rural estavam viven-
quadrados do que mesmo a menor configuração da região. do numa terra adequada para a manutenção de somente 110.000
O Nordeste ocupa a borda mais oriental do continente. A l'amílias. 2 O índice de analfabetismo é alto. Nas áreas rurais, po-
oeste, as florestas tropicais do vale do Amazonas se estendem por de exceder os 80 por cento. Os dados contam apenas uma parte
centenas de quilômetros. O Rio de Janeiro fica numa linha 1.861 da história. Um voluntário do Corpo da Paz disse ao autor, em
quilômetros ao sul e ligeiramente a oeste. Assim, de uma pers- 1%9, que alguns camponeses com os quais estava trabalhando
pectiva geográfica, o Nordeste não está, estritamente, na corren- 11ao se apercebiam da conexão de causa entre a relação sexual e
te principal da vida sul-americana (ou mesmo da brasileira), um .1 reprodução .
fato que os proponentes da "teoria do dominó" tendem a consi- A expectativa de vida é baixa: 35 anos para 80 por cento da
derar superficialmente. população. A mortalidade infantil durante o primeiro ano de vi-
A região contém quatro partes perfeitamente distintas: a zona d :1 J'oi estimada em 60 por cento. No campo e nos bairros pobres
do açúcar, as cidades costeiras, o sertão e uma área de transição d.i ~ ddades, aqueles que sofrem de apenas uma espécie de para-
conhecida como o agreste. A zona açucarcira, uma faixa úmida •, 11 11 intestinal são uma pequena e afortunada minoria. 3

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Um levantamento feito em 1957 pela Organização para Ali-
mentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) concluiu que Era essa, portanto, a violência incessante e silenciosa à qual
o consumo médio diário de alimento no Nordeste era do mon- Julião, Arraes e Celso Furtado estavam reagindo nos começos
tante de apenas 1.990 calorias, consideravelmente abaixo das mí- da década de 1960. Eram esses os abismos de degradação dos quais
nimas recomendadas, 2.500. 4 Uma amostragem no setor sul da os pobres, arrastando-se, tentavam sair. É importante ter em men-
zona do açúcar em Pernambuco revelou a existência de campo- te que se essas condições geravam fermento no Nordeste, tam-
neses consumindo somente 1.299 calorias diárias. 5 O que torna bém impunham certas limitações àqueles que buscavam
isto digno de nota é que, de acordo com as leis da ciência médi- mudanças. Camponeses cobertos de doenças e morrendo de fo-
ca, uma pessoa, sem fazer absolutamente nada durante vinte e me não são os melhores soldados de um exército de libertação
quatro horas, necessita, supostamente, de 1.440 a 1.512 calorias nacional.
para manter seu metabolismo básico. O entendimento das condições do Nordeste durante este pe-
Dados comparativos, compilados por uma força-tarefa do ríodo requer algum conhecimento de como elas se desenvolveram.
governo dos Estados Unidos em 1963,6 mostraram o resultado Diante disso, façamos uma breve pausa para examinar seu pano
dessalsubalimentação crônicãJO peso e a altura das meninas e de fundo histórico.8 !
menirtos do Nordeste, entre as idades de cinco e dezoito anos, Os portugueses primeiro vieram para o Nordeste nos anos
eram 10 por cento mais baixos do que os padrões de peso e altu- iniciais do século XVI. Eles estabeleceram uns poucos postos de
ra das crianças americanas do mesmo grupo etário. Homens e comércio ao longo da costa para negociar com os índios. Em 1534,
mulheres acima de 45 anos de idade mostram um declínio cons- a Coroa portuguesa deu a Duarte Coelh~ a chamada "capitania"
tante no peso. Nos Estados Unidos, ocorre o oposto. de Pernambuco - uma data de terra que se estendia por 400 qui-
Mas coisa ainda pior pode-se dizer sobre a fome no Nor- lômetros ao longo da costa e que, no interior, ia, teoricamente,
deste brasileiro. Um grupo de nutricionistas da Universidade até a linha traçada pelo papa como parte do famoso Tratado de
Federal de Pernambuco advertiu que a subnutrição das crian- Tordesilhas (dividindo o Novo Mundo entre a Espanha e Portu-
ças no seu primeiro ano de vida podia produzir debilidade men- gal). No regime da capitania, o donatário gozava virtualmente
tal. 1 Um estudo das crianças na zona açucareira revelou que so- de poderes soberanos, que incluíam os direitos de fundar vilas,
mente 4,4 por cento eram a mamenta das pelas mães depois de distribuir terras e cobrar impostos. Em troca, a Coroa podia ar-
ultrapassarem a idade de seis meses. A razão mais comum era recadar as taxas de exportação.
que a mãe não tinha leite para amamentar. Outras causas in- Duarte Coelho chegou a Pernambuco em 1535. Ele se im-
cluíam doença por parte da mãe ou da criança, ou uma nova pôs a tarefa de fundar uma colônia cujo propósito era plantar
gravidez. Uma vez privadas do leite materno, essas crianças pas- cana-de-açúcar. Os portugueses tinham aprendido a cultivar ca-
savam a uma dieta seriamente deficiente em vitaminas e proteí- 11a na Ilha da Madeira e haviam descoberto que a planta prospe-
nas. Entre os legados da subnutrição na infância estão: a fadiga, rn va no clima e no solo do Nordeste. Para ajudar na produção
o nervosismo, um limitado alcance da atenção e um inadequado de açúcar, Duarte Coelho importou técnicos, muitos dos quais
desenvolvimento muscular. O professor que dirigiu o estudo de- eram judeus,(os chamados cristãos-novos (na realidade converti-
nunciou que a falta de nutrição adequada durante esses primei- dos à força), que estavam começando a sentir a quentura da In-
ros anos está produzindo, no Nordeste, uma legião de seres quisição e buscavam refúgio no Novo Mundo.
humanos mentalmente retardados. Nas palavras de um jovem pro- Embora os índios opusessem alguma resistência, Duarte Coe-
fessor universitário do Recife, "a pobreza aqui paralisa tanto a 1ho foi capaz de estabelecer duas vilas e cinco engenhos nos pri-
mente quanto o corpo" 1111.:iros 15 anos da capitania. O trabalho era um problema. Os
l11cJios capturados se revelaram totalmente inadequados para as
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rigorosas exigências de trabalho num engenho de açúcar. Logo
ficou claro que a única solução estava no mercado escravo afri- Foi durante esse período que o sistema de engenho,.se desen-
cano. Em 1559, 120 negros do Congo foram embarcados para volveu como uma instituição que iria ter efeitos profun~os sobre
Pernambuco - o ponto de partida daquilo que iria se tornar um a vida no Nordeste. 9 Os engenhos eram virtualmente empresas
florescente comércio de escravos entre o Brasil e a África. auto-suficientes. Os proprietários, chamados senhores de enge-
Os negros preenchiam perfeitamente as necessidades. Vinham nho, tinham controle absoluto sobre suas propriedades. Eles man-
de uma sociedade agrária, na qual o trabalho escravo não era des- tinham, no engenho;uma relação paternalista altamente perso-
conhecido. Eram fortes e saudáveis, qualidades necessárias para nalizada com os escravos, trabalhadores assalariados, rendeiros
a sobrevivência nos engenhos. Ao longo dos anos, fundaram sua e fazendeiros independentes (muitas vezes parentes). O senhor
própria República dos Palmares, que durou até 1697. de engenho proporcionava segurança física àqueles que viviam
Os engenhos começaram a se multiplicar e a prosperar, e na sua terra. Sua influência muitas vezes se estendia além dos li-
seu sucesso atraiu a atenção do exterior. Os franceses fizeram mites do engenho. Se as autoridades locais prendiam um de seus
várias tentativas de invasão no Norte do Brasil, mas não con- homens, não era raro que ele entrasse na cidade à frente de uma
seguiram assegurar uma base duradoura.\_9s holandesêSforam força armada, para libertá-lo da cadeia.
mais persistentes. Em 1624, eles capturaram a cidade da Bahia, Os escravos que trabalhavam na mansão do engenho ou em
ao sul de Pernambuco, e a conservaram em seu poder por qua- seu redor muitas vezes gozavam da vantagem de serem tratados
se um ano. Em 1630, tomaram Olinda, uma das duas vilas ori- como membros da família do proprietário. Os filhos dos proprie-
ginalmente fundadas por Duarte Coelho quando chegou, e o vi- tários eram amamentados por mulheres negras, cresciam com os
zinho porto do Recife. Os holandeses não fizeram qualquer es- jovens pretos e eram iniciados nos mistérios do sexo por preco-
forço para mudar a vida econômica e social de Pernambuco, ces mocinhas negras. Por outro lado, os rendeiros (principalmente
e sua ocupação não deixou qualquer legado quando, em 1654, ex-escravos e mulatos) tinham vida particularmente insegura. O
uma longa luta com portugueses nativos, índios, negros e pes- senhor de engenho podia expulsá-los de seus lotes de terra a qual-
soas de sangue mestiço culminou com sua expulsão do país. Mas quer tempo e sem nenhuma razão, e muitas vezes impunha seus
enquanto estiveram no Nordeste, os holandeses haviam aprendi- desejos sexuais a suas esposas e filhas.
do tudo acerca da tecnologia da produção de açúcar e logo cria- O catolicismo exercia uma influência substancial sobre a vi-
ram uma indústria própria nas remanescentes colônias do Novo da do engenho. Muitos proprietários construíam suas próprias
Mundo. Isto marcou o começo do declínio da indústria do açú- capelas e contratavam padres para atender às necessidades espi-
car no Nordeste, uma queda da qual a região está ainda por se rituais dos habitantes. Isto incluía a educação religiosa, que ser-
recuperar. via para reforçar o sistema do engenho. Os camponeses eram
Pernambuco e as outras capitanias do Nordeste se fixaram imbuídos de senso de fatalidade acerca das lidas da sua vida ter-
durante um século e meio de relativa estabilidade. Embora os co- · rena, juntamente com um forte respeito pela autoridade. Seu ca-
lonizadores, entrando mais para o interior, começassem a plan- tolicismo tendia a ser primitivo, entremeado de superstição e das
tar algodão e a criar gado, a prosperidade ainda dependia do preço crenças pagãs que os negros tinham trazido da África para o Brasil
do açúcar. A competição das Índias Ocidentais causou dificul- e às quais nunca haviam realmente renunciado.
dades econômicas, que se atenuaram na última parte do século Inevitavelmente, o sistema político_que evoluiu dessa estru-
XVIII, quando uma série de revoltas desmantelou a produção das tura neofeudal estava destinado a preservá-lo. Certos senhores
índias e a guerra na Europa aumentou a demanda pelo açúcar de engenho da zona açucareira e grandes proprietários de todo
brasileiro. o resto do Nordeste assumiram o papel de chefes políticqs dos
seus arredores imediatos. Tornaram-se conhecidos como coronéis.
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Seu domínio permaneceu incontestado em muitos lugares até a sos de capital, leva~à construção de grandes indústrias de açú-
década de 1950. 10 car, chamadasl usina-3'por toda a zona açucareira. Estradas de
O século XIX foi marcado por uma grande turbulência po- ferro ligavam á s usinas aos portos. Os proprietários de engenho
lítica no Brasil. Em 1807, a família real portuguesa, fugindo de mais ricos participaram dessa expansão, o mesmo fazendo inves-
Napoleão, veio a estabelecer um governo em exílio, no Brasil. tidores de fora da região. As usinas tornaram não-econômico re-
Quinze anos depois, quando a corte retornou para Lisboa, os bra- finar o açúcar nos engenhos, onde juntas de bois forneciam a
sileiros declararam sua independência de Portugal e estabelece- energia para as máquinas, e como resultado disso os senhores de
ram uma monarquia própria sob um imperador, dom Pedro, filho engenho tiveram de limitar suas operações ao plantio de cana,
do rei português. Em 1889, a monarquia foi derrubada e o Brasil tornando-se meros fornecedores. As usinas começaram a com-
se tornou uma república. prar muitos dos engenhos e a cultivar sua própria cana. Os go-
Nesse meio tempo, uma longa campanha contra a escrava- vernos dos Estados, cujas fronteiras correspondiam, grosso modo,
tura tinha conseguido a abolição, em 1888. Embora os nordesti- às das antigas capitanias, apoiaram esta ·m udança drástica, tor-
nos tivessem desempenhado papéis proeminentes na campanha, nando fácil para os donos das indústrias (chamados usineiros) con-
esse acontecimento tivera pequeno efeito real sobre os negros que trair empréstimos em dinheiro. A longo prazo, isso resultou numa
trabalhavam nos engenhos de açúcar da região. A maior parte concentraçã& do poder político e econômico do Nordeste. Um

deles permaneceu tão dependente de seus patrões quanto antes. número relativamente pequeno de grupos familiares que possuíam
Esse tempo assistiu também à evolução de um novo relaciona- usinas sobreviveu aos altos e baixos da primeira metade do sécu-
mento entre o proprietário de terra e o rendeiro, popularmente lo XX.
conhecido como cambão. A palavra se refere literalmente à can- Os usineiros logo desenvolveram uma tradição de não rein-
ga com que se atrelam dois bois, e passou a descrever um arranjo vestir nenhuma parte dos seus lucros nas operações do açúcar.
de contrato pelo qual o rendeiro, em vez de pagar a renda em Em vez disso, preferiram entregar-se a um verdadeiro consumis-
dinheiro ou em colheitas, tinha de trabalhar vários dias por se- mo - viagens ao exterior, apartamentos caríssimos na cidade etc.
mana, e sem pagamento, para o proprietário. Uma aplicação es- - e investir em outras empresas, algumas das quais nem eram
trita do cambão efetivamente sujeitava os rendeiros aos ditames localizadas no Nordeste. Demonstrando uma notável falta de ini-
dos proprietários de engenho. Para os pretos recém-emancipados, ciativa para os negócios, recusaram-se a modernizar suas usinas
esta era uma continuação, não muito sutil, do seu anterior esta- locais. • •
é"
do de servidão. Nas décadas de 1950 e 19601 a indústria do açúcar no Nor- •
Ainda assim, uma mudança significativa chegou ao Nordes- deste estava começando a mostrar os resultados das atitudes dos
te durante esse período. Enquanto a indústria do açúcar conti- usineiros. A maquinaria estava velha e depreciada. O plantio e
nuou a declinar por causa da competição de Cuba; um novo u colheita da cana eram muito pouco mecanizados. Permitia-se
produto, o café, tomou seu lugar como o mais importante artigo que fossem deixadas sem cultivo terras que poderiam ter sido uti-
de exportação, e o local do poder econômico, no país, deslocou-se lizadas para outras culturas destinadas à subsistência ou à ven-
permanentemente do Nordeste para as regiões de cultura de café da. Somente 34 por cento, da área destinada à cultura da cana
do Sul. eram tratadas com fertilizantes; destas, 36 por cento eram locali-
Além disso, o desenvolvimento tecnológico ocorrido no fim 1adas em encostas com inclinação de 20 graus ou mais, e por isso
do século XIX e começo do século XX trouxe consigo uma pro- 1inham que ser tratadas pelo trabalho braçal. 11 De acordo com
funda transformação na estrutura da indústria do açúcar no Nor- 11111a história popular, um certo proprietário de engenho conti-
deste. Novos métodos de produção, exigindo extensos desembol- 1111ou a cultivar as encostas de uma colina perto de sua casa pelo

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prazer estético de poder contemplar de sua cama, pela janela, uma alimentos em elevação. O preço dos alimentos nos armazéns dos
cortina verde de cana. engenhos era, geralmente, 30 a 50 por cento mais alto do que nas
Enquanto isso, uma emergente indústria de 4çúcar no Sul cidades, e os proprietários dos armazéns exploravam seus fregue-
do Brasil começou a suplantar os produtores nordestinos. Os su- ses como coisa natural. Nos períodos de entressafra, os donos
listas logo estavam cultivando e refinando açúcar a custo mais adiantavam crédito ao camponês. A usina, então, pagava o salá-
baixo que seus competidores no Nordeste. Entre 1946 e 1961, rio do camponês diretamente ao dono do arrr.azém, que deduzia
quando a demanda generalizada de açúcar estava em grande ex- o que alegava lhe ser devido e devolvia o restante ao camponês.
pansão, o Nordeste dobrou sua produção de açúcar. No mesmo Este, usualmente analfabeto, não tinha meios de conferir a con-
período, os sulistas apresentaram uma produção dez vezes maior. ta com o dono do armazém, que podia reter quase tudo sem que
Em 1960, a produção por hectare, no Sul, alcançou 60,7 tonela- nada lhe acontecesse. Uma variante não muito incomum era a
das de açúcar, em comparação com 40, 1 toneladas no Nordes- usina pagar seus trabalhadores com vales permutáveis por alimen-
te. Num mercado livre, os usineiros do Nordeste teriam saído do tos no armazém da usina ou do engenho. O resultado líquido deste
negócio. sistema de distribuição era que o camponês terminava pagando
Os produtores nordestinos de açúcar, diante disso, usaram cerca de um terço do seu magro salário pelo privilégio de gastar
todos os recursos políticos à sua disposição para forçar o gover_:- os outros dois terços. Não é de admirar que ele se voltasse para
no federal a ajudá-los. Toda vez que surgiam tempos duros, eles o consolo da cachaça, uma bebida alcoólica forte, feita de ca-
insistiam que era dever do governo tirá-los do aperto com em- na-de-açúcar.
préstimos bancários e subsídios imediatos. Além disso, eles tira- Havia várias categorias de trabalhadores na zona do açúcar.
vam vantagem da superpopulação da zona do açúcar - sua Já foi mencionado o rendeiro, que pagava sua renda trabalhan-
abundância de mão-de-obra barata - como base de um argu- do vários dias sem pagamento - o arranjo do cambão. Alguns
mento que importava numa grosseira chantagem: o governo ti- trabalhadores do açúcar moravam nas cidades dos arredores. Ou-
nha de impedir que se afogasse a indústria do· açúcar no Nordeste tros, ainda, eram migrantes do interior mais longínquo, vindos
para evitar que toda essa gente morresse de fome. para a zona do açúcar no tempo da safra. Mas, de modo geral,
E desse modo o governo conservou os usineiros no negócio, o tipo mais comum de trabalhador era o morador, ao qual era
permitindo-lhes manter seus trabalhadores num estado de se- dado para uso um pequeno casebre na propriedade da usina ou
mi-inanição e, assim, de prontidão para a próxima crise. For- do engenho. Ali ele vivia com sua mulher e numerosos filhos, api-
mou-se um círculo vicioso cuja preservação era objetivo do nhados em um quarto ou dois, sem luz, sem água e sem instala-
Instituto do Açúcar e do Álcool, um órgão federal criado duran- ções sanitárias. Algumas vezes, em redor do casebre, eles tinham
te a Grande Depressão e, como era de esperar, sob o controle po- direito de usar um pequeno lote de terra, onde podiam plantar
lítico da indústria de açúcar nordestina. O Instituto compra o açú- culturas de subsistência. O trabalhador não tinha quaisquer di-
car das usinas do Nordeste a preços artificialmente altos e depois reitos legais a essa terra e podia ser expulso a qualquer tempo,
o vende no mercado interno ou no exterior. Os Estados Unidos, virtualmente ao capricho do proprietário rural. Isso desencora-
sob sua quota de açúcar, pagam preços de suporte por muito desse java o camponês a realizar melhoramentos. Do mesmo modo, as
açúcar e participam assim da perpetuação do sistema. 12 lo ngas horas que ele tinha que despender nos canaviais dificul-
Os camponeses, que dependiam da monocultura do açúcar tavam-lhe a luta pela sobrevivência. Ocasionalmente, permitiam-
para-sua existência, acharam-se presos na armadilha de um pro- lhe limpar alguma terra não utilizada no topo de urna colina, on-
cesso incrivelmente explorador. Seus salários permaneceram bai- de ele podia cultivar algum alimento, mas na maior parte das ve-
xíssimos e não puderam acompanhar o ritmo dos preços dos zes o proprietário rural, no ano seguinte, reclamava de volta a

38 39
Lcrra, para o cultivo de cana. Naturalmente, não era feito qual- ros. Além disso, um grande número de pequenos proprietários
quer pagamento pelo esforço do trabalhador para limpar a terra. de terra - uma baixa classe média rural - começou a emergir.
Até a década de 1960, nenhum desses trabalhadores gozava O descontentamento surgiu entre aqueles que pagavam o cam-
de qualquer :proteção legal efetiva, pois antes desse tempo as pou- bão quando os salários na região alcançaram um nível que fez
cas leis que existiam em seu benefício nunca eram aplicadas. Co- com que o valor do trabalho de vários dias por semana, num pe-
mo, na sua maioria, os trabalhadores do açúcar eram analfabetos, ríodo de vários anos, excedesse o valor da terra que os campone-
não podiam votar. Muito poucos tinham algum dinheiro para gas- ses vinham arrendando.
tar com qualquer coisa, exceto o meramente necessário. Eles vi- Originariamente explorado por aventureiros à procura de me-
viam, assim, além do alcance dos processos legais e políticos, e tais preciosos, o sertão (interior árido) logo atraiu uma raça va-
fora da economia monetária. No meado da década de 1960, a lente de habitantes permanentes, dispostos a rechaçar os índios
indústria do açúcar no Nordeste empregava cerca de 450.000 cam- e suportar o clima inóspito. Os governadores das capitanias que
poneses, enquanto mais de dois milhões eram dependentes da in- se espalhavam pelo sertão adentro distribuíram com a família e
dústria para seu sustento. com os amigos grandes datas de terra que geralmente se esten-
Na década de 1930 e começo da de 1940, os engenhos dis- diam das margens dos rios para o interior. Além disso, o solo
tantes da usina mais próxima, e não servidos por estradas ade- junto aos rios era propício ao cultivo do algodão. Aqui também
quadas, estavam sendo fechados por seus proprietários. Os o cambão evoluiu como um sistema de posse da terra e de em-
camponeses que viviam e trabalhavam nesses engenhos perma- prego, e eventualmente despertou o mesmo tipo de insatisfação
neceram como rendeiros. Mas no fim da Segunda Guerra Mun- q ue brotara no agreste.
dial, o preço do açúcar subiu consideravelmente. Vários senho- O sertão sempre tinha sido a área número um ~e catástrofe.
res que tinham abandonado suas plantações agora retornavam no Brasil. Somando-se às secas, chuvas pesadas muitas vezes cau-
e queriam começar novamente a cultivar cana. Primeiro, entre- savam repentinas inundações e danificavam severamente os po-
tanto, tinham de expulsar os camponeses dos lotes onde eles ti- voados ao longo das margens dos poucos rios que atravessam o
nham estado plantando cultura de subsistência. Esses rendeiros interior. Desde a Grand~ Seca de 1877-79, que matou estimada-
reagiram, como qualquer camponês cuja fome por um pedaço mente meio milhão de pessoas no estado do Ceará, o governo
de terra tivesse sido satisfeita. Aferrando-se a seus lotes, eles re- federal iniciara uma série de programas destinados a ir além do
sistiram aos proprietários, e a agitação, inquietação e perturba- mero socorro de emergência e defender os habitantes do sertão
ção espalharam-se por toda a zona do açúcar. Foi no meio dessa ...:entra os estragos de futuras secas. 13 Foram criados órgãos e co-
agitação que nasceu a primeira Liga Camponesa. 1t1issões federais, traçados planos , e iniciados projetos de obras
Enquanto isso, no vasto interior do Nordeste as condições públicas. Ainda assim, as secas continuavam a vir como de cos-
econômicas e sociais evoluíram a partir de um conjunto de cir- 111me, destruindo tudo na sua devastação.
cunstâncias completamente diferentes. O agreste, que marca a Um motivo para esse fracasso em resolver o problema das
transição da zona úmida do açúcar para o sertão semi-árido, de- M.:cas era a ausência de um programa consistente e de grande al-
via seu povoamento à indústria do açúcar. Grandes latifúndios ...:a nce. O governo estava sempre tomando falsas iniciativas e pa-
de criação de gado forneciam a força animal para os engenhos 1 ceia incapaz de decidir sobre a quantidade de verbas federais que
e carne para a população concentrada ao longo da costa. Ali tam- deveriam ser alocadas ao Nordeste. O instinto natural dos brasi-
bém se plantavam algodão e culturas de subsistência. O agreste lei ros para improvisar era um hábito difícil de quebrar, e a im-
não atraiu um grande proletariado rural. Muitos camponeses ar- provisação não era a maneira de tratar com o recorrente fantasma
rendavam a terra sob o regime do cambão. Outros eram meei- da seca.

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A calamidade do interior nordestino encontrou caminho até dos, exigindo penitência e sacrifício. A tradição da promessa, pela
as profundezas da consciência nacional brasileira por meio de vá- qual um indivíduo garante fazer algum ato de sacrifício se Deus
rias obras-primas literárias emanadas da região. Vidas Secas, de lhe concede um pedido, era derivada dessa crença.
Graciliano Ramos, por exemplo, delineia um sucinto e inesque- Essas atitudes misturavam-se de modo admirável com uma
cível relato de um ciclo doloroso na vida de um vaqueiro e sua crença popular conhecida como sebastianismo 14 , que os primei-
família, que sobrevivem a uma seca apenas para enfrentar a de- ros povoadores do interior haviam trazido consigo de Portugal
vastação de outra. Os Sertões, de Euclides da Cunha, transmite e implantado na região. De acordo com essa tradição, um rei por-
um quadro rude e desumano da repressão, pelo governo federal, tuguês, dom Sebastião, que desaparecera na África em 1578,
de um levante camponês no sertão. Por influência desses clássi- quando combatia os mouros, retornaria algum dia em triunfo,
cos, os brasileiros tendem a encarar o Nordeste com pontadas de trazendo consigo grandes recompensas terrenas para aqueles que
culpa temperadas apenas com um senso de romantismo. nele acreditassem.
Os habitantes do sertão originariamente incluíam escravos A primeira manifestação violenta do sebastianismo no Bra-
fugitivos e libertos, bem como a gama usual de misturas que se sil ocorreu na serra do Rodeador em Pernambuco, em 1819-20.
encontra no Nordeste (negro-português, português-índio, índio- Um profeta reuniu junto a si um grupo de seguidores para aguar-
negro e uma combinação de todos três). Exceto por uns poucos dar o rei dom Sebastião, que era esperado de volta a qualquer
planaltos que escaparam às secas, o sertão dificilmente parece momento, a fim de conduzi-los numa cruzada para a libertação
apropriado para a habitação humana. Mas o sertanejo sobrevi- de Jerusalém. O movimento incluía preces, cerimônias religiosas
veu e multiplicou-se. _ e exercício militar, em preparo para a aparição iminente de dom
Entre as características que distinguern_Jo sertanejo, ,e stá o Sebastião. Em vez disso, chegaram as tropas do Exército brasi-
fato de que ele é um homem honesto. Os proprietários de fazen- leiro com ordem para dispersar o acampamento. Os fiéis perma-
das, acostumados a pagar a seus empregados um de cada quatro neceram imperturbáveis, firmes na crença de que o seu rei os
bezerros nascidos no rebanho cada ano, podiam ficar descansa- protegeria e que as tropas atacantes baixariam suas armas e se
dos, seguros de que nada além dessa percentagem seria tirado. juntàriam ao movimento. Elas não o fizeram.
O isolamento do resto do país torna o sertanejo suspeitoso em O sebastianismo alcançou o seu ponto mais alto com o inci-
relação à gente de fora e marca a sua fala com interessantes ana- dente da Pedra Bonita, também no sertão do estado de Pernam-
cronismos. Se ele tem de viajar para outras partes do Brasil à pro- buco. Em 1836, um psicótico carismático atraiu um grupo de
cura de trabalho ou é compelido a deixar sua casa rumo a uma homens do interior com suas profecias de um iminente retorno
cidade costeira por causa de uma seca (o sertão parece viver cons- do rei, que iria criar um paraíso na terra para os fiéis. Os segui-
tantemente nas angústias da migração), nunca perde seu apego dores desse profeta mergulharam nas usuais práticas religiosas
a essa terra devastada e retornará tão cedo quanto possa. ocultas, que tinham lugar em redor de pedras gêmeas com 30 me-
Um dos aspectos mais fascinantes da vida no interior é a cons- tros de altura. Em 14 de maio de 1838, o profeta declarou que
tante explosão de fanatismo religioso, usualmente inspirado pela o rei dom Sebastião não podia quebrar o encanto que o impedia
aparição de alguma figura messiânica, barbada e envolta num de aparecer, a menos que o solo ao pé das pedras fosse banhado
manto. Esses profetas do interior jogam com o misticismo pro- com sangue. Os seguidores aceitaram a sua palavra e por três dias
fundamente arraigado do sertanejo, tendência gerada por uma se entregaram a uma orgia sacrificatória. As mães atiravam seus
fusão de isolamento, frustração e doutrina católica parcialmente filhos do alto das pedras. Os adultos pulavam ou eram empurra-
digerida. Pensa-se, assim, que a luta pela existência que marca dos. O cômputo final de mortos: 30 crianças, 12 homens, 11 mu-
a vida diária do homem do interior é uma punição por seus peca- lheres e 14 cachorros.

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A mais famosa dessas explosões de fanatismo religioso no lamento que produziu o misticismo apocalíptico de Antônio
sertão não envolveu o rei dom Sebastião. Antônio Conselheiro Conselheiro e padre Cícero. Do mesmo modo que os proprie-
era a própria imagem do profeta do interior, saindo diretamente tários de engenho eram, por si sós, a lei na zona do açúcar,
do elenco central: cabelos compridos, barba flutuando ao vento, bandos de fora-da-lei erravam pelo interior, desafiando as fra-
um manto azul esfarrapado, olhar hipnótico. Ele tinha se dedi- cas tentativas das autoridades federais, estaduais e locais para
cado à vida ascética depois que sua mulher fugira com um oficial estabelecer a lei e a ordem. Esses bandidos adotavam um estilo
de polícia, e finalmente adquiriu a reputação de ser um santo. distinto de se vestir e muitas vezes gozavam de uma reputação
O povo vinha até ele para se aconselhar: daí o nome de Antônio tipo Robin Hood. O mais conhecido de todos era Lampião, 16
Conselheiro. Logo se havia reunido a seu redor um número con- um bandido de óculos cujo bando só chegou a ser desbaratado
siderável de seguidores, cujas necessidades espirituais ele admi- em 1938. Os oficiais do governo decapitaram Lampião, sua aman-
nistrava do modo mais estrito. Seu ensinamento básico era que te Maria Bonita e o resto dos seus companheiros que foram cap-
o sofrimento é a virtude mais sublime. Seus seguidores construí- turados, e exibiram as cabeças por todo o interior, para provar
ram uma cidade, Canudos, no interior do estado da Bahia, e atraí- aos camponeses céticos que o legendário chefe estava morto de
ram a atenção nacional quando se recusaram a reconhecer o verdade. Por muitos anos, depois disso, os oficiais do governo
governo republicano que tomou o poder depois da queda da mo- responsáveis pela aniquilação do bando receberam ameaças de
narquia em 1889. Várias expedições do Exército tentaram esma- morte dos admiradores de Lampião. As cabeças decepadas final-
gar a rebelião, mas os sertanejos de Antônio Conselheiro usaram mente foram.encaminhadas à Escola de Medicina da Universida-
suas aptidões inatas para a guerrilha e inflingiram pesadas per- de da Bahia. Elas foram preservadas em formo! e se tornaram
das aos invasores. Finalmente, uma grande força suplantou os uma atração turística, até que os restantes parentes de Lampião
defensores e exterminou até os últimos homens, mulheres e convenceram o governo de que isso não era cristão, e as cabeças
crianças. receberam por fim um sepultamento apropriado. Lampião e Ma-
Quase ao mesmo tempo, ao norte de Canudos, na parte ria Bonita tornaram-se o assunto favorito dos cineastas brasilei-
do sertão onde os estados de P ernambuco, Paraíba e Ceará se ros em anos recentes.
juntam, um clérigo baixinho, chamado padre Cícero, estava Esse era o cenário do qual emergiram as Ligas Campone-.
começando a ganhar fama como um fazedor de milagres. 15 Sus- sas. Os primeiros membros das Ligas eram rendeiros e traba-
penso pela Igreja e exilado naquele remoto lugar do interior, lhadores assalariados da zona do açúcar. Suas atitudes, moti-
ele oferecia uma mensagem de esperança aos camponeses que vi- vações e reações refletiam um ambiente que tinha mudado muito
viam numa região crestada por terríveis secas. Nas primeiras dé- pouco durante séculos. O mesmo poderia ser dito dos proprie-
cadas do século XX, seu domínio espiritual se traduziu em po- 1ários de engenho e das famílias da classe alta que controlavam
der político, e o estado do Ceará ficou inteiramente sob seu con- n riqueza do Nordeste. Em todos os níveis sociais, os nordesti-
trole. Elaborando um modus vivendi com a Igreja, ele institu- nos tendem a ser introspectivos, abraçando um regionalismo di-
ciona lizou sua regra em uma confusão de procissões, flagela- l'uso que é reforçado e celebrado pela tradição e fortes raízes
ções públicas e outros rituais diários marcados por um conside- culturais.
rável fervor e um ocasional milagre. Já um santo popular ao tem- Quando as Ligas desperta ram interesse no mundo inteiro no
po de sua morte em 1934, ele ainda hoje é venerado por todo começo da década de 1960, os observadores estrangeiros tende-
o vasto interior do Nordeste. Há a lenda de que ele algum dia rum a ignorar esses fatores. Eles foram apressados ao presumir
voltará. t que uma "revolução" no Nordeste podia acender levantes no resto
Uma tradição de banditismo brota da mesma pobreza e iso- do país, em encarar as Ligas nos termos de uma guerra fria e em

44 45
acentuar a comparação com a revolução cubana. Mas a despeito
da monocultura do açúcar, o Nordeste não é Cuba. E a questão
relevante naquele tempo não era saber se Francisco Julião era ou-
tro Fidel Castro, mas se ele podia se tornar outro padre Cícero
ou Antônio Conselheiro.

PRIMEIRA PARTE

46 47
TRÊS

Francisco Julião e as Ligas


Camponesas

Ao INICIAR-SE o TERCEIRO ANO do primeiro mandato presiden-


cial de Dwight D. Eisenhower, as relações entre os Estados Uni-
dos e a América Latina refletiam aquela atitude de "não me
incomode agora, pois estou ocupado" que se cristalizara em Was-
hington durante a Segunda Guerra Mundial e deveria continuar
até a revolução de Cuba. O Departamento de Estado mantinha
uma orientação política de firme apoio à estabilidade e ao status
quo. Em editorial, com o título abrangente de "Nosso Hemisfé-
rio", em que dava o tom para sua análise crítica anual dos negó-
cios e finanças no Canadá e na América Latina, o The New York
Times expressava um otimismo cauteloso para 1955 e conciuía
reiterando a prescrição básica dos Estados Unidos para o desen-
volvimento da América Latina: os latino-americanos deveriam
"ajudar através da criação de um clima favorável ao investimen-
10 e ao comércio". ' A suposição era de que o progresso exigia
a promoção de condições estáveis que atrairiam o capital estran-
1•.ciro (isto é, americano).
Em janeiro de 1955, a estabilidade da América Latina resul-

49
tava de uma relação de ditadores ilustres, a qual incluía Batista, do rapidamente a se desvanecer na história. E um senador do Te-
em Cuba; Perez Jiménez, na Venezuela; Perón, na Argentina; Ro- xas, ao se tornar líder da maioria, tentava abafar os rumores de
jas Pinilla, na Colômbia; Somoza, na Nicarágua; Stroessner, no que era um candidato presidencial em perspectiva comentando:
Paraguai; e Trujillo, na República Dominicana. O Chile, o Peru "Estou consciente de minhas limitações. Devo dizer que ninguém,
e o Equador gozavam de governos respeitavelmente conservado- a não ser minha mãe, pensou, alguma vez, que eu chegasse até
res. Em 1954, o suicídio de Getúlio Vargas, no Brasil, e a deposi- onde já cheguei" .3
ção de Arbenz, da Guatemala, haviam eliminado dois presidentes
que tinham estado tumultuando as águas, ao pressionarem mu- Enquanto isso, em Caxangá, um bairro afastado da cidade do
danças. De fato, no dia de Ano-Novo o novo governo da Guate- Recife, um grupo de camponeses fez uma visita, sem qualquer
mala anunciou que a terra da United Fruit Company que Arbenz publicidade, a um advogado,4 dando início a uma série de acon-
tinha desapropriado, como parte integrante de uma reforma agrá- tecimentos que teriam uma repercussão muito mais ampla do que
ria, havia sido devolvida à sua dona anterior. o assassinato de um presidente do Panamá ou uma confusão em
O público americano permanecia completamente desinteressa- Costa Rica.
do dos acontecimentos e condições ao sul do Rio Grande, um fato No Nordeste do Brasil, o mês de janeiro é o meado do ve-
reconhecido (e encorajado) pela escassa cobertura dada à América rão, uma época de calor estafante e seco. Os camponeses tinham
Latina pela imprensa dos Estados Unidos. Somente quando explo- vindo de carroça puxada a cavalo pela ampla e mal conservada
sões de violência abalaram a calma foi que as cabeças se voltaram avenida Caxangá e, passando pelo único clube de golfe do Reci-
para o Sul. Nesse sentido, janeiro de 1955 foi um mês excepcfo- fe, chegaram ao limite da cidade, à margem direita do rio Capi-
nal. 2 O ano mal havia começado quando assassinos mataram, a baribe. O tráfego da manhã de domingo tinha sido mínimo,
tiros de metralhadora, o "homem forte" do Panamá, presidente apenas uma fração do torvelinho usual de caminhões, ônibus e
José Antonio Remón. Uma semana depois, no dia 10 de janeiro, bondes. Mesmo assim, os camponeses sentiram-se muito mais à
vieram a público os primeiros relatos de uma invasão da Costa Rica vontade ao entrar para uma rua lateral suja e sem pavimento,
pela vizinha Nicarágua. Daquela data até o final do mês, os ameri- atravessando um denso tapete de vegetação que parecia abafar
canos acompanharam o ataque malsucedido contra o presidente da qualquer vestígio de barulho da cidade. Pararam em frente a um
Costa Rica, José Figueres, membro proeminente da chamada "es- casarão em estilo colonial, com paredes de um amarelo desbota-
querda democrática'' na América Latina. O caso assumiu tons de do, dentro de um sítio de bananeiras e mangueiras que escondiam
ópera cômica quando o ditador Somoza, da Nicarágua, desafiou o sol da manhã.
o pequeno Figueres para um duelo. Nesse mesmo período de tem- O porta-voz dos camponeses, um homem alto chamado Jo-
po, surgiram histórias de instabilidade política no Peru e na Bo- sé dos Prazeres, estava carregando alguns papéis enrolados e
lívia, conspirações ''vermelhas'' em Cuba e na Guatemala, e o iní- amarrados com um pedaço de cordão. Enquanto seus companhei-
cio dos ataques de Perón contra a Igreja Católica na Argentina. ros esperavam na entrada da casa, ele passou por uma ante-sala
Acostumados a tais comportamentos ao sul da fronteira, os e encontrou-se em um escritório. Um lustre pendia do teto. Per-
americanos não podiam levá-los a sério. Fatos mais importantes sianas azul-claras ladeavam as janelas. Uma escrivaninha, entu-
vinham acontecendo no Oriente, onde os comunistas chineses es- lhada de papéis, bloqueava parcialmente a lareira branca oposta
tavam fazendo pressão sobre Formosa e sobre as ilhas litorâneas. à porta. Prateleiras com pesados e bolorentos livros de Direito
Em seu próprio país, os democratas haviam ganho o controle de cobriam as paredes. À esquerda ficava a sala de visitas, onde se
ambas as casas do Congresso. O senador McCarthy, com seu bri- encontravam sentados dois homens, trajados à vontade, lendo
lho empanado pelo interrogatório do Exército, estava começan- os jornais de domingo. Um deles, um mulato alto, barrigudo, com

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o cabelo ralo cortado muito curto, levantou a vista ao ouvir ba- Galiléia poderiam melhorar sua situação se se unissem em algum
ter o relógio e deu com José dos Prazeres, que, com o chapéu tipo de associação de benefício mútuo. Eles poderiam, por meio
na mão, esperava respeitosamente de pé, na soleira. de contribuições mensais, estabelecer um fundo que seria utiliza-
- O que é que você quer? - perguntou, levando instinti- do para contratar uma professora para as crianças e para formar
vamente a mão à boca, mas não suficientemente rápido para es- uma cooperativa de crédito para a compra de sementes e imple-
conder a falta de um dente na frente. mentos.
- Preciso falar com o deputado - respondeu José dos Pra- Além disso, os dependentes de membros falecidos poderiam
zeres. sacar do fundo o dinheiro para custeio das despesas do funeral.
O outro homem, sentado numa cadeira de balanço verme- Dessa maneira, os membros poderiam evitar a humilhação, ain-
lha e cuja cabeça havia permanecido enterrada no Diário de Per- da que póstuma, de serem levados ao cemitério em um caixão
nambuco, dobrou o jornal no colo e ergueu a vista. público fornecido pela prefeitura para todos os enterros de cari-
- Eu sou o deputado - disse em voz mansa. - Entre, por dade do município. Seus objetivos eram tão modestos que, se ti-
favor. · ~ vessem podido esperar mais uma década, poderiam ter tido um
Francisco Julião,tadvogado, deputado estadual e escritor nas voluntário do Corpo de Paz designado para ajudá-los.
horas vagas, fez um.gesto para o seu visitante. José dos Prazeres Assim sendo, Zezé, José dos Prazeres e os outr"os morado-
preferiu permanecer em pé, e após trocar os cumprimentos de pra- res do Galiléia, 140 famílias ao todo, formaram o que chama-
xe com Julião, explicou o motivo de sua visita. ram soknemente de Sociedade de Agricultura e Criação de Gado
José dos Prazeres era morador de um engenho chamado Ga- dos Plantadores de Pernambuco. Preocupados com formalida- .
liléia, no município de Vitória de Santo Antão, a uns 60 quilô- des legais, foram a um juiz local,\dr. Rodolfo Aureliano}que re-'"'
metros a oeste do Recife, no limite extremo da zona açucareira. digiu os documentos exigidos por lei para qualquer associação
O engenho, como muitos outros, havia parado de produzir açú- beneficente. Também visitaram o dono da terra, em Vitória.
car nos fins da década de 1930, e o seu proprietário, Oscar de Oscar Beltrão, cuja família havia possuído o Galiléia desde
Arruda Beltrão, tinha ido residir em Vitória. Antes de sair, ha- 1887, inicialmente nada viu de errado com a sociedade. Na ver-
via repártido a maior parte das terras do engenho entre as famí- dade, ele podia distinguir pelo menos uma vantagem positiva que
lias de camponeses que tinham trabalhado para ele. Como mo- ela poderia oferecer, desde que Zezé sugeriu que um dos seus pro-
radores, eles continuaram a plantar cana e outras culturas para pósitos colaterais poderia ser criar um fundo especial, onde os
a própria alimentação e para venda. Mensalmente pagavam uma membros incapacitados pela doença ou acidente poderiam bus-
renda, em dinheiro ou colheita, ao administrador do engenho, car ajuda para pagar suas rendas. Também ficou bastante satis-
José Francisco de Souza, um velho camponês mais conhecido pelo feito quando os moradores o convidaram para ser seu presidente
apelido de Zezé. honorário. (Um jornalista brasileiro depois descreveu isso como
As condições de vida no Galiléia sempre tinham sido primi- um gesto humilde, "o de um cachorro lambendo a mão daquele
tivas, mas não eram piores do que em outros lugares da zona ca- que lhe bate. ")5 No dia l? de janeiro de 1955, discursos, fogos,
navieira. Em dias passados, os camponeses tinham trabalhado e.lanças e outras festividades formalmente inauguraram a socie-
para Beltrão, plantando cana e produzindo açúcar. No momen- dade. Num estado de espírito eufórico, Beltrão anunciou aos seus
to trabalhavam para si mesmos, mas as condições não haviam moradores que eles poderiam usar sua madeira para construir uma
melhorado muito. capela como projeto inicial da sociedade.
Ao ver a penúria dos camponeses, Zezé, José dos Prazeres Não demorou muito a acabar a lua-de-mel. O filho e herdei-
e alguns dos outros moradores acreditaram que os habitantes do ' o ele Beltrão, que residia no Recife, desde algum tempo havia

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planejado transformar o engenho em uma fazenda para criação Julião era, no Recife, um dos poucos advogados capazes de re-
de gado. Uma vez que tal medida exigiria a expulsão dos mora- presentar os camponeses em assuntos legais. Apesar de residir e
dores, ele ficou alarmado com o fato de sua organização. Alguns trabalhar na cidade, ele nunca esquecera sua infância no inte-
donos de engenhos vizinhos também se alarmaram diante da pos- rior. 6 Estava sentimentalmente ligado à vida rural por raízes
sibilidade de propagação da idéia. Juntos, convenceram o presi- profundas, qualidade esta comum a vários intelectuais do Nor-
dente honorário de que ele tinha sido enganado, que uma deste.
sociedade de camponeses era coisa desconhecida, subversiva, pos- Francisco Juliano Arruda de Paula nasceu no dia 16 de fe-
sivelmente comunista, e certamente intolerável. Concluindo, dis- vereiro de 1915, no município de Bom Jardim, a aproximadamen-
seram também que os camponeses, possivelmente, estavam te 130 quilômetros do Recife, na periferia da zonâ açucareira de
querendo reduzir o pagamento de suas rendas. Pernambuco. Tomou o nome do avô paterno, Francisco de Pau-
Imediatamente Beltrão viu o erro de suas atitudes. Após con- la Gomes dos Santos. Sua mãe, católica devota, tinha por costu-
sultar seu advogado, ele renunciou ao cargo de presidente hono- me dar aos filhos nomes de santos, e o dia 16 de fevereiro era
rário e deu ordem aos camponeses para desfazer a sociedade. Para a festa de São Juliano. Quando chegou na escola primária, o seu
sua surpresa, eles resistiram. Ele tentou expulsar alguns. Eles re- nome já havia sido abreviado para Julião.
sistiram. Ele se zangou. Zezé, José dos P.razeres e outros foram Seus avós eram ambos senhores de engenl!o. Francisco de
ao Recife. Apelaram para o governador do Estado, general Cor- Paulá era meio romântico, alto, magro, dado a tratar seus escra-
deiro de Farias, uma autoridade conservadora que dava credibi- vos como se fossem parte da família. O seu engenho, Boa Espe-
lidade ao título de "gorila" tradicionalmente atribuído aos oficiais rança (ou Espera, como era chamado pelos camponeses), era um
brasileiros que se metem em política. Ele expulsou os campone- dos mais prósperos da área. Julião escreveu que "no coração de
ses, queixando-se, depois, aos seus funcionários da atitude "se- cada menino camponês existe um senhor de engenho" .1 Para o
diciosa" deles. Eles procuraram alguns advogados, mas todos jovem Julião, o seu xará dentro em breve assumia proporções he-
exigiam pagamentos altos. Pediram ajuda à Assembléia Legisla- róicas.
tiva. Alguém os instruiu a procurar um deputado estadual, cha- Manoel Tertuliano Travassos de Arruda, o seu avô mater-
mado Julião. no, era um proprietário mais tradicional. Baixo, corpulento, im-
José dos Prazeres fez uma pausa e pareceu suster a respira- perioso·, gritava ordens com voz estrondosa. Em conversa, seu
ção. Julião não hesitou. tom era só ligeiramente menos impetuoso. Não era raro vê-lo em
- Eu o defenderei - disse. - Sou um deputado. O Esta- longas caminhadas, supervisionando suas propriedades. Suas
do me paga. Você não terá de me pagar coisa alguma. energias se expandiam em outras direções. Casado duas vezes,
Seu companheiro, um advogado local e amigo de muitos teve 27 filhos de suas esposas legais e um número desconhecido
anos, chamado Jonas de Souza, linha estado examinando os do- de filhos ilegítimos. O cavanhaque branco, que se tornou uma
cumentos enquanto José dos Prazeres falava. de suas peculiaridades, dava-lhe um ar de respeitabilidade que
- Estes papéis terão de ter firma reconhecida e ser regis- muito o ajudou como advogado e líder político local. Manoel Ter-
trados, e a taxa de registro terá de ser paga - disse para Julião. tuliano governava os seus domínios com mão firme. Dizia-se que
- Sim, e a sociedade terá que eleger uma diretoria o mais fora ele quem introduzira o cambão naquela zona, distinção du-
cedo possível. Você poderá fazer eleições esta semana? vidosa da qual o seu neto jamais se esqueceria.
- Sim, doutor - disse José dos Prazeres, agradecido. Julião passou sua juventude no engenho, juntamente com
- Então visitaremos o Galiléia no próximo domingo, para seus quatro irmãos e três irmãs (uma de suas irmãs morreu quan-
verificar o que precisa ser feito. do criança). Ele era um típico menino de engenho, amamentado

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por uma ama-de-leite, endurecido pelo trabalho árduo durante antiga do Brasil. Muitos deles eram filhos de ricos e tinham em-
a colheita, cavalgando e nadando com os filhos dos empregados pregos na indústria e no comércio à sua espera. Uns poucos fica-
e moradores, totalmente dedicado às atividades simples da vida ram no Recife para exercer a profissão, e outros, ainda, foram
do interior. para as cidades maiores do interior do estado a fim de tra ba lhar
Quando Julião completou 13 anos, seu pai mandou-o estu- no que aparecesse. Julião estava.n este último grupo.
dar fora. Viajando pri'ineirainente a cavalo até Limoeiro e daí até Ele se casou em 1943 com uma menina de 15 anos que havia
o Recife de carro, ele se matriculou no Instituto Carneiro Leão, sido sua aluna durante o tempo em que fora professor. O casal
um colégio particular que possuía internato. Seus colegas eram, alugou uma casa modesta no bairro de Caxangá, na periferia do
na maioria, fiihos de grandes proprietários rurais. Inicialmente, Recife, perto da estrada que vai para Bom Jardim. Julião man-
a experiência foi infeliz. A combinação de vida de cidade com teve um estreito contato com o engenho, que não estava mais pro-
a disciplina escolar fez com que ele se sentisse como uma fera na duzindo âçúcar. Diariamente recebia em casa frutas e verduras
jaula. Eventualmente, porém, adaptou-se e sobreviveu. Tímido mandadas de Espera. Alexina lhe deu duas filhas e dois filhos:
e introvertido, lia muito (novelas na maioria) e devaneava ainda Anatailde (por apelido, Tatá), Anatilde (Tininha), Anatólio (Tu-
mais. Foi durante esse período que ele ,entrou em contato com lito) e Anacleto (Teto). Julião e Alexina casaram-se na Igreja Ca-
o marxismo, conforme desenvolvido por Engels em Anti- tólica e todos os seus filhos foram batizados - fatos estes que
Düring. 8 O livro o impressionou demais, e embora estivesse ain- sugerem que o casal continuou a respeitar as tradições do Nor-
da à procura de uma ideologia, ele começou a se considerar "um deste.
homem de esquerda". · Julião seguiu a carreira de advocacia no Recife, e parte do seu
Julião completou os quatro anos do curso em 1933 e, por trabalho era dedicado a representãr os camponesês'. Isso era tare-
causa de dificuldades financeiras, ensinou, depois, durante um fa difícil. Um governador de Pernambuco dissecerta vez: "Aos
ou dois anos numa escola primária em Olinda, cidade vizinha do meus inimigos, a lei; aos meus amigos, as facilidades." Tal afo-
Recife. Depois de alimentar a idéia de se tornar cirurgião, resol- rismo diz bem da grande brecha existente no Brasil entre a letra
veu ingressar na Faculdade de Direito do Recife. da lei e a sua aplicação real. A administração da justiça brasileira
Nos últimos anos da década de 1930, o Brasil era governado era, costumeiramente, flexível, mas só se inclinava num sentido -
por Getúlio Vargas, um ditador que moldou o chamado Estado na direção das riquezas e çio poder. Mesmo assim, a partir de 1941
Novo de acordo com os regimes fascistas da Itália, Espanha e Julião defendeu os camponeses nos tribunais do Recife e em ou-
Portugal. A polícia política andava por toda parte e mantinha tras cidades de Pernambuco e estados vizinhos, e logo adquiriu re-
sob vigilância especialmente os estudantes universitários. Assim, putação entre os trabalhadores rurais, moradores e pequenos
quando um amigo de Julião lhe escreveu uma longa carta defen- agricultores, especialmente na área em redor de Bom Jardim.
dendo Karl Marx e, sem saber como, tal carta acabou nas mãos Ao mesmo tempo, ele desenvolvia o gosto pela política. O
das autoridades, foi expedida uma ordem para prender Julião. processo eleitoral em Pernambuco operava em dois níveis . Os po-
Os policiais invadiram a casa onde ele estava morando, derosos grupos familiares e seus aliados rurais (os coronéis) do-
prenderam-no, revistaram o seu quarto e até cortaram o seu col- minavam o estado e excluíam os estranhos do exercício de
chão.9 Deixaram-no preso durante um dia e uma noite. No Es- qualquer poder efetivo. As únicas oportunidades para recém-che-
tado Novo, a experiência não era rara, mas esta deixou uma viva gados ambiciosos estavam na periferia do sistema, onde os pe-
impressão. quenos partidos competiam por postos menores. Julião mergulhou
No dia 16 de dezembro de 1939, Julião e mais 119 colegas 110 jogo com entusiasmo. E!U 1945 filiou-se ao Partido...Re_ ruiQli-
de turma receberam seus diplomas na.Faculdade de Direito mais 10
crmo, um dissidente do partido central conservador. O líder do

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Partido Republicano era um ex-presidente do Brasil, Artur Ber- quando a fama do autor assegurava um progresso sobre a limita-
nardes, um conservador, mas também um nacionalista em ter- da circulação de Cachaça (que é atualmente uma espécie de peça
mos econômicos, o qual se opunha às concessões de mineração de colecionadores).
a estrangeiros e apoiava o desenvolvimento dos recursos petrolí- Desde o início, estava bem claro que Julião e a Sociedade
feros pelo estado. Essas posturas nacionalistas atraíram Julião, de Agricultores e Criação de Gado dos Plantadores dê Pernam- .
que se alinhou com a ala esquerda do Partido. Ele se candida- buco estavam destinados um para o outro. Era uma dupla per-
tou, sem sucesso, a deputado federal em 1945.e a deputado esta- feita. Quando Julião tomou a defesa dos camponeses do Galiléia,
dual em 1948. Nesta última eleição, o Partido Republicano seus sonhos sentimentais e sua consciência social se fundiram. Ele
apresentou seu próprio candidato a governador, o qual pronta- devia saber, desde o início, que uma campanha para ajudar a so-
mente encorajou os seus eleitores a votar em um dos outros can- ciedade teria mais implicações comprometedoras do que proces-
didatos. Essas maquinações desgostaram de tal forma Julião que sos legais envolvendo individualmente os camponeses. Nunca,
ele resolveu deixar o Partido Republicano e filiar-se ao Partido porém, poderia ter imaginado a extensão e amplitude de tais im-
Socialista Brasileiro (PSB), cuja orientação ideológica era muito plicações.
mais parecida com a sua. O PSB, conhecido originalmente como Uma semana após a visita de José dos Prazeres à casa de Ca-
a Esquerda Democrática, era composto de um pequeno círculo xangá, Julião viajou para o Galiléia. Um grande grupo de cam-
de intelectuais, que falavam muito mas, na maior parte das ve- poneses recebeu-o com aplausos e fogos. Jogaram-lhe flores. Essa
zes, apenas para si mesmo. Eles não possuíam nenhuma base po- cena seria repetida muitas vezes. A sua mensagem a eles também
pular real, falha esta demonstrada amplamente em todas as seria repetida muitas vezes: "Farei tudo o que puder para que
eleições. Julião, pelo menos, injetou um pouco de frescor na ban- estas pétalas não se transformem em pedras. " 11 Uma reunião foi
cada do Partido, em Pernambuco, e, em 1954, foi eleito deputa- realizada em frente à casa de Zezé, que havia sido eleito presi-
do estadual, o único candidato do PSB a ganhar assento no dente da sociedade.
Legislativo naquele ano. Julião tornou-se seu conselheiro legal (depois seria promo-
Além de fazer política e advocacia, Julião possuía, também, vido ao antigo posto de Beltrão, presidente honorário). Inicial-
ambições literárias. Gostava de escrever sonetos e também expe- mente, ele tomou as providências para que a sociedade fosse
rimentou seu pulso na ficção. Seu primeiro livro, uma coletânea corretamente organizada e registrada de acordo com as leis do
de contos intitulada Cachaça, foi publicado localmente em 1951. estado, e, então, tomou a si a defesa dos moradores que Beltrão
A história-título descrevia a prática dos proprietários rurais, em estava tentando expulsar. Também fez uso de sua cadeira na As-
certas áreas, de pagar seus trabalhadores com o uísque local e sembléia Legislativa, de onde falou em apoio dos galileanos . Não
bar1to, a cachaça, feita de cana-de-açúcar. O estilo de prosa de era esta a primeira vez em que tomava, de público, uma posição
Julião captou o sabor do campo e ganhou aplausos no meio da em assuntos do campo. No término da Segunda Guerra Mundial,
pequena elite intelectual do Recife. Gilberto Freyre, o renomado quando caiu a ditadura de Vargas e a democracia constitucional
sociólogo do Brasil que reside no Recife, escreveu uma introdu- foi restabelecida, ele publicou um manifesto conclamando que
ção elogiosa, que apontava as "páginas de interesse intenso para algo fosse feito para aliviar a miséria dos camponeses do Nor-
todos aqueles que se dedicam, no Brasil, ao estudo do homem deste.12 Nenhuma palavra, porém, por mais eloqüente que fos-
do interior, do homem comum, e do homem do povo". Pouco se, efetuaria mudanças no campo brasileiro. A situação estava
tempo depois, Julião completou sua primeira novela, Irmão Jua- exigindo um aumento de pressão ao nível da raiz do problema.
zeiro, que focalizava o conflito entre um trabalhador e um pro- Os galileanos, com sua organização modesta, sem querer haviam
prietário de terras no interior. O livro só foi publicado em 1961, descoberto um mecanismo que poderia criar essa pressão e tra-

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duzi-la em movimento. Um jornal apelidou a sociedade de "Li- nha trabalhado duro para melhorar a pequena propriedade que
ga Camponesa"', com certeza para despertar lembranças e suge:- arrendara e com a qual podia manter sua família. Um certo dia,
rir uma conexão com as Ligas Camponesas organizadas pelo o proprietário lhe disse que ele tinha de pagar uma renda maior
Partido Comunista Brasileiro em 1945 e dissolvidas logo depois. ou então entregar uma parte da terra. Quando o velho Antônio
O nome pegou. Vicente recusou ambas as opções, o proprietário mandou que ele
A estrutura do poder na zona rural não aceitava de bom gra- derrubasse um dos dois casebres que havia construido no terre-
do nenhum tipo de organização de camponeses. Desde o início, no. José, um filho aleijado de Antônio Vicente, morava no case-
os proprietários de terra fizeram todo o esforço possível para cor- bre com sua família. As ameaças ·que acompanharam a ordem
tar o novo movimento ainda em botão. Algumas vezes, suas táti- fizeram com que Antônio Vicente obedecesse, e ele então cons-
cas eram um tanto extravagantes e ingênuas. Julião descreveu a truiu outro casebre para José, a vários quilômetros de distância.
reação de um de seus próprios parentes, um rico proprietário, ao Como era parcialmente paralítico, José não podia plantar e pre-
ouvir que seus moradores estavam em vias de formar uma Liga. cisava andar até a casa de seu pai para obter comida. A cami-
Ele os reuniu e fez com que todos recitassem algumas rezas, jun- nhada exigia que ele tomasse uma estrada que atravessava o
tamente com ele. Depois pronunciou o seguinte discurso: engenho. Um dia, o filho do proprietário, Clélio, que morava no
- A terra em que vocês agora vivem eu herdei do meu pai. engenho e era seu administrador, decidiu divertir-se um pouco
E vocês, o que é que herdaram? Nada. Portanto, eu não sou cul- e, ao mesmo tempo, dar uma lição a qualquer um dos demais
pado de ser rico e vocês não são culpados de serem pobres. Tudo camponeses que pensassem em resistir a uma ordem de seu pai.
foi ordenado por Deus. Ele sabe o que está fazendo. Se Ele dá Ele e dois capangas (polícia particular armada) do engenho fo-
a terra a mim e não a vocês, será uma rebelião contra Deus rejei- ram caçar e usaram José como caça. A sua presa não podia se
tar tal ato. Uma rebelião dessas constitui um pecado mortal. Que movimentar muito bem por causa da paralisia, portanto não de-
todos os homens aceitem a vontade de Deus para não incorrerem morou muito para que os três o derrubassem e atirassem nele.
em Sua ira e nem perderem as próprias almas. Vocês têm de acei- As autoridades locais não demonstraram nenhum interesse em
tar a pobreza na terra a fim de obter a vida eterna no Céu. Os investigar o crime. Também não se movimentaram sequer quan-
pobres vivem na graça de Deus. Os ricos, não. Dessa forma vo- do outro filho de Antônio Vicente, Manoel, foi amarrado atrás
cês são mais felizes do que eu, visto que estão mais perto do Céu. de um jipe e arrastado por dentro do matagal. (Na verdade, seria
Escutem o que eu lhes digo e aceitem o meu conselho. Aqueles difícil investigar este caso, porque o motorista do jipe era o che-
que aderiram à Liga devem deixá-la. 13 fe da polícia local.) Manoel ficou tão ferido que enlouqueceu e,
Os camponeses não gostaram da pregação do seu rico pa- pouco depois, rasgou o próprio estômago com um facãq. Antô-
trão e não abandonaram a Liga. Duas semanas depois, o pro- nio Vicente, então, filiou-se ~ Liga Camponesa mais próxima.
prietário mandou prendê-los e Julião teve de libertá-los mediante Vários outros incidentes ocorreram, talvez não tão dramáti-
habeas co1pus. cos, porém igualmente brutais. A atitude corrente entre os pro-
A reação do parente de Julião foi muito amena comparada prietários de terra foi muito bem expressa por Chico Romão, um
com o modo como os proprietários costumavam lidar com os cam- dos coronéis mais famosos do sertão, quando disse:
poneses aesobedientes. A história de Antônio Vicente e seus fi- - As Ligas são como epidemias ... J\!ossa reação é à bala,
lhos tem sido citada como o exemplo mais típico daquilo que os muitas balas. O Nordeste não é um parque de diversões.is
camponeses tinham de supo-rtar. ~ - A atitude do governador de Pernambuco, general Cordeiro de
Antônio Vicente era um velho que tinha vivido por muitos Farias, foi o que mais contribuiu para este "reino de terror" nos
anos como morador num engenho chamado Califórnia. 14 Ele ti- anos iniciais do movimento das Ligas Camponesas. 16 Seus inimi-

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gos gostavam de assinalar como o seu nome fora mal escolhido, vis- publicado sobre as Ligas, o próprio José dos Prazeres participou
to que a palavra "cordeiro" pressupõe mansidão. Ele adotou uma dos esforços do Partido Comunista depois da guerra para conse-
posição inflexível em favor da lei e da ordem como existia tradi- guir uma base no interior, e tinha em mente muito mais do que
cionalmente no campo. A polícia estadual apoiava o status quo até uma sociedade beneficente quando ajudou a formar a Socieda-
o fim e fazia todo o possível para esmagar qualquer resistência dos de de Agricultura e Criação de Gado dos Plantadores de Per-
camponeses ao exercício das prerrogativas dos proprietários. nambuco.19
Apesar do clima intensamente repressivo criado e mantido Outro fator que poderá ter beneficiado as novas Ligas foi
pelos proprietários e pela polícia, ~s Ligas Camponesas conse- o despertar dos intelectuais e dos elementos da classe média, pos-
guiram multiplicar-se. Há falta de dados confiáveis sobre estepe- suidores de consciência social, para a situaÇão desesperadora do
ríodo de formação do movimento. Provavelmente vários fatores interior nordestino e para a necessidade urgente de uma reforma
contribuíram para a sobrevivência e crescimento das Ligas. agrária. Em agosto e setembro de 1955, os intelectuais da ala es-
Primeiro de todos, uma corrente subterrânea de inquisição querda patrocinaram um "Congresso para a Salvação do Nor-
permeava as margens da zona canavieira, fazendo com que pelo deste" no Recife e também o "1 Congresso de Camponeses de
menos alguns camponeses fossem receptivos à idéia de organiza- Pernambuco", do qual participaram camponeses das novas Li-
ção. Os galileanos não eram os únicos moradores que tinham plan- gas.20 Tais reuniões serviram para encorajar os camponeses e po-
tado culturas de subsistência em terras arrendadas e agora se dem ter fortalecido sua resistência aos esforços dos proprietários
sentiam ameaçados pelas intenções dos proprietários de utilizá-las para reprimir suas incipientes organizações.
novamente para produção de açúcar, ou transformar suas plan- Um velho costume nordestino contribuiu para dar publici-
tações em fazendas para criação de gado. Estes camponeses, ao dade às novas Ligas através da região. Os cantadores cruzavam
contrário dos trabalhadores rurais sem terra que eram emprega- todo o Nordeste, tocando violão e entretendo os ca~poneses com
dos nos engenhos de açúcar, podiam, pelo menos, alimentar-se cantigas sobre esses tópicos. Foi por este meio que o bandido Lam-
do mínimo necessário, estando portanto em posição de se arris- pião e outros galgaram o status de heróis populares. Este era tam-
carem a participar do novo movimento. bém o meio mais efetivo para atingir os camponeses analfabetos.
Além disso, vários destes camponeses pertenciam a seitas pro- Os violeiros começaram a cantar louvações às Ligas e ao cres-
testantes fundamentalistas que não possuíam clero instituciona- cente número de heróis e mártires camponeses nascidos da luta.
lizado, tendo assim de desenvolver suas próprias lideranças. 11 Apresentando-se nas cidades, em frente aos armazéns e vendas
Alguns destes líderes leigos desempenharam papéis proeminen- dos engenhos e nas grandes fazendas e usinas, eles espalharam
tes na organização das Ligas. a informação sobre o movimento em todo o agreste e mesmo den-
Os esforços abortados do Partido Comunista para estabele- tro das fronteiras do árido sertão. 21
cer suas próprias Ligas Camponesas imediatamente após a Se- Durante este período inicial, Julião fez o que pôde para aju-
gunda Guerra Mundial talvez tenham colaborado para cria::- a dar as Ligas. Sua reputação como advogado que defendia os cam-
conscientização de alguns camponeses, tornando-os mais recep- poneses contribuiu para atrair novos membros. Como as
tivos ao novo movimento. É difícil avalia r se houve qualquer im- atividades das Ligas e as reações dos proprietários produziram
pacto da organização comunista sobre os camponeses do Nor- um número crescente de litígios, logo ele estava sozinho, com ex-
deste. Quando as Ligas Camponesas foram estabelecidas e setor- cesso de trabalho jurídico para cuidar; por isso, mandou Jonas
naram bem conhecidas no início da década de 1960, os escritores de Souza e outros advogados amigos para o interior, a fim de
comunistas, como era de esperar, atribuíram todo o crédito ao dar assist.ência legal aos membros da Liga. Sua idéia de instalar
Partido. 18 Realmente, de acordo com um artigo recentemente em vários municípios um escritório da Liga, que ele chamou de

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"delegacia", deu um estímulo psicológico aos camponeses. Eles constantemente salientavam a necessidade de se produzirem mu-
normalmente associavam o termo com as delegacias de polícia: danças radicais no sistema global de posse da terra e da produ-
Agora tinham a sua própria "delegacia", o que lhes dava um sen- ção agrícola do Nordeste. Mas raramente elaboravam uma
timento de proteção que ajudava a contrabalançar seu me~o da descrição detalhada do novo sistema que estavam defendendo ou
polícia. Finalmente, um dos seus associados escreveu que a casa dos métodos específicos para alcançar os seus objetivos.
de Julião em Caxangá possuía todo o ambiente de uma casa- A primeira tentativa de Julião para levar adiante um proje-
grande de engenho, só que os camponeses que lá iam eram aco- to específico de reforma agrária dificilmente poderia ser consi-
lhidos como hóspedes. 22 Este tratamento acolhedor em ambien- derada radical. A controvérsia sobre o engenho Galiléia havia
te familiar, coisa a que não estavam acostumados, causou, nos persistido por vários anos. Finalmente, Julião, com o apoio do
camponeses, uma impressão altamente favorável. governador Cid Sampaio, tentou conseguir a aprovação de uma
Outras pessoas, porém, tinham uma impressão negativa so- lei para desapropriação do engenho. Um jornalista do Rio, An-
bre os esforços de Julião para proteger e expandir as novas Li- tônio Callado, observou que o Estado estava pagando a Oscar
gas. A manifestação mais notável desta atitude em relação a ele Beltrão um preço elevado pela sua propriedade cheia de pedras
foi o "incidente com o capitão Jesus", no final de 1956. 23 Num - "um preço que não teria ocorrido nem mesmo a Shylock". 24
sábado à tarde, quando Julião estava se reunindo com os cam- A desapropriação antecipou o que se tornaria uma fórmula po-
poneses do Galiléia, um capitão da polícia estadual, capitão Je- pular (pelo menos em alguns setores) para a solução do proble-
sus Jardim de Sá, cortou a linha telefônica entre o Recife e Vitória. ma agrário na América Latina: "reforma agrária = transação
A seguir, prendeu Julião, apesar da circunstância de os deputa- vantajosa de propriedade imobiliária para os proprietários." Real-
dos gozarem supostamente de imunidade contra processos legais. mente, alguns proprietários posteriormente abordaram Julião, in-
Levando seu prisioneiro para Recife, ele entregou o impertinente sinuando que ele agitasse para obter a desapropriação de suas
advogado a um coronel do Exército que servia como ajudan- terras.
te-de-ordens do governador Cordeiro de Farias. O coronel ficou A crítica de Callado pode ter sido prematura, pois Julião sa-
horrorizado diante do desafio do capitão Jesus e imediatamente bia o que estava fazendo. Para os membros das Ligas Campone-
libertou Julião. O deputado enfurecido foi direto para a Assem- sas, a desapropriação tinha valor político. Era a primeira vez que
bléia Legislativa, onde, em altos brados, expressou seu protesto. os camponeses forçavam o governo a fazer alguma coisa. Isto
Os demais deputados, que, em sua maioria, não tinham especial pressagiava que fatos mais importantes iriam advir.
afeto por Julião, ficaram, não obstante, revoltados com esse des- Julião fez outras tentativas para instilar uma consciência po-
respeito à sua imunidade e exigiram a instauração de um inquéri- lítica nos seus seguidores do campo. No dia 1? de maio de 1957,
to. Uma semana depois, Julião, com dois de seus colegas de ele trouxe para o Recife aproximadamente 600 camponeses, a fim
legislatura, retornou ao Galiléia. Desta vez foram cercados por de participarem das comemorações tradicionais do dia dos tra-
um exército de capangas contratados por um dos proprietários balhadores. No dia 13 de maio de 1958, ele reuniu uns 3.000 cam-
locais. Só a presença de espírito dos deputados (um dos quais, poneses na cidade, para comemorar o aniversário da abolição da
vale a pena notar, era Miguel Arraes) evitou o derramamento de escravatura no Brasil.
·sangue. O incidente demonstrou quão perigoso era, mesmo para Os proprietários de terra e seus representantes políticos rea-
as autoridades estaduais, mexer com o estilo de vida que havia giram, invocando o fantasma da Conspiração Comunista Inter-
evoluído através de séculos no Nordeste do Brasil. nacional. De acordo com sua maneira de pensar, qualquer
A meta visada pelo movimento das Ligas Camponesas era conversa sobre reforma agrária tinha que ser parte integrante de
a reforma agrária. Julião e todos os que com ele trabalhavam uma conspiração "vermelha". Julião tinha uma resposta pron-

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ta. Em sua Cartilha do Camponês, ele contou que um proprietá- Na campanha presidencial de 1960, a esquerda brasileira (in-
rio certa vez dissera a seus trabalhadores que as Ligas estavam clusive os comunistas) apoiou o marechal Henrique Teixeira Lott,
trazendo o comunismo para o Nordeste. Quando um camponês um oficial do Exército que se dizia nacionalista, contra Jânio Qua-
perguntou o que era o comunismo, o proprietário respondeu que dros, governador do estado de São Paulo. Foi uma escolha infe-
o comunismo tomava os bens das pessoas, maltratava suas filhas liz, desde que o apagado Lott contrastava desfavoravelmente com
e destruía sua religião. O camponês observou que, desde que se o colorido e carismático Jânio. Julião acompanhou o resto da
entendia por gente, eram os proprietários que estavam tomando esquerda, especialmente porque Lott tinha apoiado os campone-
as terras dos camponeses, estuprando suas filhas e perseguindo ses com um pronunciamento enérgico, afirmando que "as Ligas
qualquer pessoa que pertencesse a uma seita protestante. têm tanto direito de existir quanto os clubes militares". Ele fez
- Se o que o senhor está dizendo é comunismo - concluiu o possível para que seus seguidores apoiassem Lott. Em 27 de
o camponês -, então nós já o temos por cá, e as Ligas estão con- setembro de 1960, os camponeses fizeram uma passeata no Reci-
tra ele. 2s fe em apoio a Lott e ouviram um discurso do líder comunista Luís
Esta interessante história não pôde esconder o fato de que Carlos Prestes. Por trás do palanque dos oradores estavam colo-
as Ligas Camponesas estavam merecendo atenção do Partido Co- cados gigantescos cartazes com as figuras de Lott, Prestes, Ar-
munista. O Partido apoiou Julião desde o começo. O semanário raes, Julião e um cubano barbudo que era o mais recente herói
comunista do Recife deu-lhe bastante cobertura, inélo ao extre- da esquerda brasileira. Um mês depois, quando os votos foram
mo de publicar o horário de sua chegada no aeroporto, quando contados, Jânio havia recebido 48 por cento e Lott somente 28
retornava para casa após uma viagem. 26 Clodomir Moraes, um por cento do total de 11,7 milhões de votos das urnas.
advogado e deputado estadual que freqüentemente ajudava Ju- Em 1960, Julião fez uma descoberta que afetou profunda-
lião, era um esteio do Partido. Quando o líder do Partido, Luís mente o seu relacionamento com o Partido Comunista e o resto
Carlos Prestes, fazia suas visitas políticas ao Recife, muitas ve- da esquerda radical. Em março daquele ano, ele empreendeu sua
zes Julião estava no palanque com ele. Em 1957, uma delegação primeira viagem a Havana. As circunstâncias da viagem foram
da Assembléia Legislativa de Pernambuco foi convidada a visi- curiosas. O imprevisível J ânio tinha decidido visitar Cuba, como
tar a Europa Oriental. Julião estava entre aqueles que viajaram parte de sua campanha para a presidência, e convidou Julião, en-
à Polônia, Tcheco-Eslováquia e União Soviética. tre outros, para acompanhá-lo. Julião não pôde resistir ao con-
Condicionados pela guerra fria, os americanos chegaram a to- vite. Ele havia desenvolvido um gosto por viagens ao exterior e
do tipo de conclusões sinistras no tocante às ligações de Julião com estava em vias de se tornar um inveterado turista político. Acei-
os comunistas. Apesar de existir realmente um relacionamento de tou e justificou-se dizendo que ia "a Cuba com Jânio, mas às
trabalho durante este período, é essencial ter em mente o seu con- urnas com Lott".
texto. O Recife ainda era uma cidade muito pequena, pelo menos A visita deveria ter durado oito dias, porém Jânio, fiel ao
quanto à sua comunidade intelectual. Os comunistas não eram, de seu costume, interrompeu abruptamente a viagem depois de cin-
forma alguma, socialmente marginalizados; ao contrário, muitas co dias e trouxe o grupo consigo para casa. Ele nunca esclareceu
vezes eram membros respeitáveis dessa comunidade. Todos seco- por que voltou (como também por que foi a Cuba), mas este era
nheciam, e laços pessoais, oriundos da família ou de amizades, o seu estilo político. Entretanto, a viagem foi bastante longa pa-
transcendiam as ideologias. Na realidade, um oficial americano, ra estimular o apetite de Julião, e, pouco tempo depois, ele re-
fixado no Recife durante os últimos anos da década de 1950, esta- tornou para uma longa visita. Daí por diante foi um "fidelista"
beleceu um relacionamento cordial com Hiram Pereira, líder do ardente, proclamando repetidamente sua solidariedade a Castro
Partido, ao descobrirem, ambos, um mútuo interesse pelo teatro. e à revolução cubana.

66 67
Socialista há algum tempo, Julião tinha trabalhado consis-
tentemente para o estabelecimento de um sistema no Brasil co-
mo um objetivo a longo prazo, mas descobriu em Havana que
um país latino-americano tinha alcançado esta meta no decorrer
de uma luta relativamente breve. O sonh') tinha se tornado reali-
dade e Julião não via qualquer razão para que isso não pudesse QUATRO
acontecer tembém no Brasil.
Sua retórica rapidamente mudou de tom. Em 1956, ele ha-
via escrito: "Eu não quero fazer qualquer revolução no sentido
de derramar o sangue do meu vizinho ou de tomar o poder pela Miguel Arraes e a Frente Urbana
força." 27 Agora ele começava a apontar aos camponeses do
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Nordeste o exemplo de Cuba e da China. No término de 1961,
ele estava dizendo que o Brasil precisava de mudanças radicais nas
suas estruturas, o que só poderia acontecer como resultado da
pressão das massas; e, tendo em vista a resistência inevitável da-
queles que agora estavam no poder, era impossível que esse pro-
cesso fosse pacífico. Em entrevista concedida a uma revista, ele
observou que "não faltarão armas, pois nunca há escassez de ar- (
mas em uma guerra civil, seja qual for o país."~ Ele enfatizava
constantemente que se opunha à aplicação maquinal de soluções ENQUANTO JULIÃO e seus camponeses estavam se descobrindo
estrangeiras a problemas brasileiros, mas não deixou qualquer dú- mutuamente no interior do estado, um político populista, na ci-
vida sobre seu objetivo imediato: começou a clamar por "refor- dade do Recife, começava a rtunir os elementos de uma frente
ma agrária ou revolução" e por uma reforma da terra "na lei que logo se converteria numa séria ameaça ao status quo pernam-
ou na marra". bucano.' Eleito prefeito do Recife em 1959, Miguel Arraes re-
Os Estados Unidos descobriram Julião sete meses após sua presentava uma vaga coalizão tle liberais; so~ialistas, comunistas,
primeira visita a Cuba, quando os artigos de Tad Szulc no The católicos progressistas, trabalhadores, estudantes e intelectuais.
New York Times o elevaram ao status de celebridade internacio- Não era esta a primeira vez que um líder esquerdista tomava a
nal. Julião não tomou conhecimento de que tão boa fortuna ti- frente do governo municipal do Recife. No entanto, o que tor-
nha caído sobre si. Na época da publicação dos artigos, ele estava nou a vitória de Arraes digna de observação especial foi o fato
visitando a República Popular da China. de que seu futuro político incluía claramente a possibilidade de
que as coisas maiores iriam surgir. Muitos daqueles que o apoia-
vam insistiam em que sua habilidade política e sua imagem po-
pular o impulsionariam para um cargo mais elevado e contri-
buiriam para que alcançasse objetivos revolucionários dentro da
estrutura da democracia constitucional já existente. Ao contrá-
rio de Julião, Arraes, pelo menos à primeira vista, não parecia
ler nascido para o papel que estava prestes a desempenhar. Sua
personalidade, tanto pública quanto privada, mostrava os traços

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inegáveis do matuto, ou sertanejo - qualidades que não combi- tro golpe para criar o que proclamou ser um "Estado Novo",
navam com um líder político urbano. Era um homem consuma- mas que veio a se tornar uma versão branda dos regimes já esta-
damente desconfiado, e essa qualidade dava tom a todos os seus belecidos em Portugal, Itália e Alemanha. Mesmo assim, Vargas
movimentos, enquanto abria caminho através dos emaranhados não parecia um ditador: baixinho, gordo, uma figura paternal,
políticos. Fumante inveterado, de físico robusto e projetando uma conhecido por todos simplesmente como Getúlio. Mestre em ma-
imagem ancestral, era capaz de tirar partido de sua forma abrupta nipulações políticas e em governar por improvisação, ele, entre-
e franca de falar e de sua reputação de honestidade - qualida- tanto, operou uma grande mudança institucional ao centralizar
des estas que provaram ser extremamente valiosas durante sua grande parte do poder no governo federal.
subida espetacular à proeminência política. Acima de tudo, era Durante a Segunda Guerra Mundial, Getúlio se opôs aos di-
um homem complexo que conhecia bem os "meios políticos an- tadores fascistas e enviou tropas brasileiras para guerrear na Itá-
tigos'' mas navegava na crista de uma nova onda que, na opi- lia, ao lado dos Aliados. No final da guerra, a contradição
nião de muitos, se espraiaria por todo o país. existente entre o governo autoritário do Brasil e as democracias
Miguel Arraes de Alencar vinha do sudoeste do estado do junto às quais os soldados brasileiros haviam lutado ofereceu
Ceará, da terra de padre Cícero. A pequena cidade de Araripe, apoio substancial aos inimigos de Getúlio. No dia 29 de outubro
onde ele nasceu em 1916, está situada no sopé de uma cadeia de 1945, os militares depuseram-no.
de montanhas perto do ponto onde o Ceará se limita com Per- A restauração da democracia no Brasil significava a volta
nambuco e o Piauí, este o estado mais atrasado do Nordeste. da política partidária. E Getúlio tinha deixado a sua marca no
É uma árida terra de ninguém. Arraes era o único filho de uma processo político. Os seus antagonistas tradicionais pertenciam
família que incluía seis irmãs mais jovens. Seus pais eram da classe à União Democrática Nacional (UDN), um partido conservador
média e de recursos modestos, tendo, porém, assegurado a edu- com base predominantemente composta da classe alta urbana.
cação dos filhos. Arraes foi para a Faculdade de Direito no Reci- Para se opor à UDN, Vargas tinha fundado não somente um,
fe. Cinco de suas irmãs tornaram-se professoras, e uma cursou mas dois partidos. O Partido Social Democrático (PSD) repre-
a universidade, graduando-se em Filosofia. Após obter o bacha- sentava uma tentativa de unificar os elementos da estrutura do
relato, Arraes permaneceu no Recife, trabalhando no Institu- poder rural que estavam prontos a colaborar com ele (ou ser com-
to do Açúcar e do Álcool. Casou-se, em 1945, com uma moça prados por ele). Após a sua queda do poder, o PSD herdou a
do Recife, cuja irmã era esposa do político e industrial Cid Sam- máquina que ele havia criado a partir do círculo dos políticos lo-
paio. Logo depois, o próprio Arraes mergulhou na política em cais que o tinham apoiado e dos interventores que ele havia no-
Pernambuco. meado para ocupar os estados, em substituição aos governadores
A fim de entender melhor a ascensão meteórica de Miguel que se lhe haviam oposto. Também durante a guerra, Getúlio ti-
Arraes, é preciso primeiramente conhecer algo sobre a cena polí- nha criado o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), para mobili-
tica de Pernambuco, o que, por sua vez, exige uma compreensão zar a classe trabalhadora e formar um movimento populista,
da cena política nacional. De 1930 a 1964, a política no Brasil tirando vantagem de sua imagem de "Pai dos Pobres" e atrain-
refletia a influência indelével de um só homem, Getúlio Vargas.2 do o apoio que, do contrário, iria para os comunistas.
Quase tudo que aconteceu nesse período, mesmo depois que ele Em 1950, Getúlio voltou, para surpresa de todos, vencendo
saiu do centro de ação, só é compreensível em termos da luta con- as eleições presidenciais pela chapa do PTB. Ele conseguiu isso
tínua entre seus seguidores e seus inimigos. mediante a ajuda considerável recebida dos seus velhos amigos
Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil em 1930, co- do PSD, apesar de o PSD ter apresentado um candidato próprio.
1110 resultado de um golpe militar. Sete anos depois, encenou ou- Mas quatro anos depois, frustrado pelos seus inimigos políticos,
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ele se suicidou de forma dramática. Nas eleições de 1955, o can- Em 1954, o PSD apresentou como seu candidato ao gover-
didato do PSD, Juscelino Kubitschek, obteve suficiente apoio do no, o general Oswaldo Cordeiro de Farias, um oficial do Exérci-
PTB para se eleger presidente. to que desde muito tempo estava envolvido em política e cujas
Embora teoricamente a UDN e o PSD fossem conservado- ambições pareciam crescer com o tempo. Ele se havia transfor-
res, e o PTB progressista, nenhum destes partidos apresentava mado num conservador anticomunista da linha dura, com uma
uma ideologia clara. Suas tramas originaram-se de conchavos hostilidade irreversível contra Vargas. De fato, fora um doses-
"por baixo do pano" e de surtos personalísticos. Isto era dupla- trategistas do golpe de 1945, que tinha derrubado Getúlio. A UDN
mente verdadeiro quanto ao que acontecia localmente nas várias escolheu, como seu porta-bandeira, João Cleofas, oligarca apa-
áreas subdesenvolvidas do país. No Nordeste, o jogo político cons- gado e constante perdedor, que Getúlio tinha nomeado ministro
tituía a preocupação dos ricos grupos familiares que se envolviam da Agricultura em 1951, como recompensa pelo apoio da UDN
nas bandeiras dos partidos, sem levar em consideração as posi- em Pernambuco. Cleofas era candidato sem esperança e perdeu,
ções ocupadas pela liderança nacional. Quase não existia disci- feio, as eleições.
plina partidária. Se o seu inimigo local pertencia à UDN, você Cordeiro de Farias manteve o governo estadual de Pernam-
se aliava ao PSD. Simplesmente isso. Assim, nas eleições presi- buco na linha antiga. Continuou sua orientação conservadora e
denciais de 1950 Vargas descobriu que não podia seduzir os che- rural, zelando pelos interesses das famílias do PSD e dos coro-
fes do PSD em Pernambuco e, por isso, procurou obter o apoio néis seus aliados. A oposição aumentou em várias frentes na me-
da UDN no estado - apesar do fato de que a força motivadora dida em que a cidade do Recife continuou a crescer e seus
da UDN era, supostamente, a oposição a Vargas. problemas a proliferar. A indiferença do governo estadual por
Grupos familiares pertencentes ao PSD tinham estado no go- esses problemas não era novidade, e os eleitores urbanos sempre
verno de Pernambuco por muitos anos. Seu sucesso era devido tinham manifestado antipatia pelo governador empossado. Esta
a uma aliança com os chefes locais, os coronéis, que podiam dis- animosidade tradicional intensificou-se. Os estudantes e intelec-
por do voto do interior. As exigências de alfabetização dos elei- tuais, geralmente esquerdistas e, portanto, hostis ao caráter eli-
tores, feitas pela Constituição federal, eram interpretadas libe- tista do governo estadual, aumentaram seus protestos. Miguel
ralmente quando os coronéis traziam vários caminhões cheios de Arraes, então membro da Assembléia Legislativa, desempenhou
camponeses para as urnas. O procedimento usual era entregar a um papel proeminente no movimento crescen1e .da oposição. Li-
cada camponês um pedaço de papel com o seu nome escrito. O derou muitas lutas do Legislativo contra a administração e rece-
camponês, então, copiava a sua "assinatura" em frente de um beu o título de "Deputado do Ano", numa homenagem da
membro da mesa eleitoral e votava conforme as instruções do co- Associação Estadual de Jornalistas pelos seus esforços neste setor.
ronel. O que realmente preocupava o PSD, porém, era a força cres-
Miguel Arraes experimentou pela primeira vez o gosto ver- cente da oposição da UDN. Vários industriais do Recife, com
dadeiro da política em 1948, quando um dos governadores do PSD idéias relativamente progressistas para a época e o local, sen-
o nomeou secretário da Fazenda. Apesar de seu cunhado Cid Sam- tiam-se extremamente desgostosos com a política econômica de
paio pertencer à UDN, Arraes sempre evitava identificação com Cordeiro de Farias. Eles viam que as oportunidades de expandir
aquele partido ou com qualquer outro. Essa cautela inicial ser- o desenvolvimento industrial e os mercados internos estavam sen-
lhe-ia de grande valor no futuro, visto que facilitou seu esforço do limitados por medidas de curto alcance, destinadas ao benefí-
para formar uma nova coalizão de eleitores em Pernambuco. Du- cio imediato dos oligarcas da terra. Em protesto contra um
rante a sua participação no governo do PSD, ele fez muitos con- aumento de impostos promulgado pelo governo estadual em 1957,
tatos úteis com os chefes do PSD no interior. esses industriais declararam-se em greve, fechando fábricas e ca-
( ''
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sas comerciais no Recife e em algumas outras cidades. A greve A intensidade emocional gerada pela campanha conseguiu
durou pouco tempo, e seu objetivo não era fazer uma guerra eco- obscurecer completamente os itens importantes que separavam
nômica total contra o governo do estado. Tratava-se apenas de os candidatos. Pela primeira vez em Pernambuco foram utiliza-
um jogo puramente político, destinado a projetar no cenário o das intensivamente as técnicas modernas das comunicações de
noine do líder das forças da UDN, Cid Feijó Sampaio. massa: quando Cid atacava a máquina do PSD, os partidários
Cid Sampaio não parecia ser o tipo de pessoa para liderar do PSD gritavam contra Cid: "Comunista". O PSD tinha boas
um rompimento político que teria implicações assustadoras para razões para se preocupar. O governo federal havia recentemente
Pernambuco. Na ocasião da greve, ele tinha cinqüenta anos de feito uma revisão das listas eleitorais. Como resultado disso, Per-
idade e era um industrial e usineiro pertencente a uma das famí- nambuco perdera 200.000 eleitores registrados (freqüentemente
lias mais antigas do estado. Por qualquer critério, âlém daquele nomes de mortos), utilizados pelos chefes do PSD para assegu-
do dia, ele seria considerado um conservador seguro e respeitá- rar a vitória dos candidatos do governo. No final, Cid assegurou
vel. Em Pernambuco, porém, em 1958, ao apresentar sua candi- sua base conservadora entre os industriais e comerciantes do Re-
datura para governador, ele foi alvo de forte reação da direita, cife, e a sua maioria esmagadora na cidade deu-lhe a vitória. Ele
pois havia decidido fazer algo - não muito, mas alguma coisa ganhou a eleição por mais de 100.000 votos.
- pela população pobre do estado, o que parecia ser de bom sen- Os vencidos do PSD naturalmente reagiram, dizendo que os
so, em termos práticos. Afinal de contas, pessoas sem dinheiro comunistas estavam a ponto de tomar tudo em Pernambuco. Até
não podiam comprar nada. espalharam a história de que Luís Carlos Prestes, o líder do Par-
O Partido Comunista apoiou Cid abertamente, e ele, aber- tido, estava comprando uma casa no Recife para ficar perto de
tamente, aceitou seu apoio. Apesar de não ser novidade o apoio todas as atividades . Cid ignorou o barulho e começou a desmon-
comunista a um candidato não-comunista, os oponentes de Cid tar a máquina do PSD no interior, substituindo-a pela sua pró-
no PSD reagiram muito, transformando-o num caso de grandes pria máquina da UDN. Pouco tempo depois, mantendo sempre
proporções, especialmente quando o arcebispo de Olinda e Reci- o seu espírito de desafio, ele visitou a China, onde teve uma cor-
fe, antes de uma viagem à Europa, declarou: "Candidatos que dial entrevista com Mao Tsé-Tung.
adotam princípios ideológicos e ações contrárias à doutrina da Miguel Arraes chefiou toda a campanha de Cid e fez bom
Igreja não poderão receber votos. Nem mesmo aquele que, ape- uso dos seus contatos com o PSD no interior. Sua preocupação
sar de oriundo de uma família católica, torna-se um mero instru- com as eleições governamentais fez com que ele negligenciasse sua
mento dos vermelhos e sobe aos palanques em comícios própria campanha para reeleição à Assembléia Legislativa, per-
promovidos por líderes comunistas cujas mãos estão manchadas dendo assim o seu lugar. Mas Cid o nomeou para o seu antigo
de sangue. " 3 cargo de secretário da Fazenda.
O vigário-geral da Arquidiocese, subseqüentemente, citou a Ele não permaneceu muito tempo na nova .administração,
condenação do papa Pio XII às alianças com o Partido Comunista, visto que 1959 foi ano de eleições nas cidades. Com o gosto da
como justificativa da posição tomada pelo arcebispo. No entanto, vitória recente servindo de estímulo, os novos elementos popu-
o assunto não se achava bastante claro. O povo estava lembrado listas no Recife viram uma oportunidade de ouro para se asse-
de como a hierarquia, pelas mesmas razões, se havia oposto à can- nhorear da prefeitura. Estavam certos de que Miguel Arraes era
didatura para prefeito do esquerdista Pelópidas Silveira, que, por o candidato que poderia fazer isto para eles.
coincidência, tinha uma irmã que era freira. Entretanto, quando A nova força representava uma coalizão dos grupos da es-
Pelópidas venceu as eleições, o arcebispo não recusou sua libera- querda e centro-esquerda, que abrangiam comunistas, socialis-
ção de verbas municipais para a construção de um seminário. tas, liberais, católicos progressistas, trabalhadores, estudantes e

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intelectuais. Viram inicialmente Arraes como o sucessor de Peló- o serviço telefônico da cidade e distribuíam panfletos publicados
pidas Silveira, o "gordo papai da esquerda" que havia sido re- por uma dita Aliança Libertadora Nacional, exigindo "PÃO,
centemente um prefeito popular. Cid e seus amigos conservadores TERRA E LIBERDADE para o povo".
da UDN não estavam gostando da possibilidade da candidatura Ao mesmo tempo, rebentavam revoltas em várias instalações
de Arraes. Cid tinha ambições políticas mais elevadas e via em militares. No quartel da 7~ Região Militar no centro da cidade,
seu cunhado um rival em potencial. Os industriais e comercian- um sargento de rosto avermelhado, cuja figura atlética testemu-
tes da cidade olhavam desfavoravelmente as forças que davam nhava seu trabalho como instrutor de educação física, deu sinal
suporte a Arraes. No final, porém, ainda que relutantemente, aos seus parceiros de conspiração e atirou em dois tenentes,
deram-lhe seu apoio, visto que a alternativa seria a vitória para atingindo-os no estômago. Um deles morreu do ferimento. Por
o grupo do PSD. este ato de violência, o Exército nunca esqueceria o nome de Gre-
Arraes venceu facilmente. Novamente houve boatos de que gório Lourenço Bez~ra. .' -
os comunistas iam tomar tudo, apesar de ninguém especificar o Esta insurreição foi um despropósito, visto que apenas uns
que achava que os comunistas fariam com uma cidade (além de poucos trabalhadores e soldados aderiram à "revolução". Os re-
governá-la, à maneira dos numerosos prefeitos "vermelhos" na beldes enviaram parte de suas forças para a vizinha cidade de Ja-
França e na Itália). Apesar de Cid manter distância do Partido boatão, cuja simpatia pela esquerda era notória, a ponto de ser
após eleito governador, Arraes não o fez. Ele nomeou Hiram Pe- chamada pelo povo de "Moscouzinho". O restante do contigen-
reira, um dos líderes do Partido em Pernambuco, para o cargo te rebelde se escondeu na torre da igreja do largo da Paz, que
de secretário de Administração, e Aluísio Falcão, um membro comandava o acesso à cidade pelo sul. Fortificaram a torre com
do Partido, como diretor da Divisão de Assuntos Culturais da metralhadoras pesadas e esperaram. Logo depois, as forças go-
cidade. vernamentais chegaram e cercaram a igreja. Seguiu-se um gran-
A presença de comunistas declarados dentro do governo mu- de tiroteio, que levou à demolição da torre e forçou a rendição
nicipal foi o ápice de um retorno espetacular do Partido no Nor- do que restava do grupo rebelde. Aqueles que fugiram para Ja-
deste, e refletiu seu crescente poder e prestígio a nível nacional. boatão tiveram o mesmo destino. O número de mortos, em am-
O que tornou este fato digno de nota foi que, 25 anos antes, o bos os lados, chegou a 150, de acordo com os dados oficiais. Há
Partido parecia ter cometido um erro de proporções suicidas, tan- quem diga que os rebeldes perderam muito mais do que isso, tanto
to em Pernambuco como em outras partes do país. durante como após a rebelião. Por algum milagre, Gregório .fu:-
Numa manhã de domingo, no dia 24 de novembro de 1935, zerra sobreviveu, não só à batalha mas também à sua captura.
enquanto o governador de Pernambuco atravessava o Atlântico Foi condenadõ a uma longa pena de prisão.
em direção a Lisboa, a bordo do dirigível alemão Hindenburg, Outras rebeliões ocorreram simultaneamente no Rio de Ja-
o Partido Comunista desencadeou uma rebelião armada no esta- neiro, Natal e outros pontos isolados em todo o país. Os comu-
do, como parte de um esforço coordenado para derrubar o go- nistas obtiveram sucesso somente em Natal, capital do Rio Grande
verno do Brasil.4 Se não se levar em conta um golpe abortado do Norte, onde conseguiram derrubar o governo estadual e per-
em El Salvador em 1932, foi esta a primeira e única vez que um maneceram no poder durante três dias. No final de novembro,
Partido Comunista, ligado à linha de Moscou, tentou fazer uma todo o movimento havia terminado; e o status quo sobreviveu.
revolução violenta na América Latina. O putsch em Pernambu- Até o início da década de 1930, o Partido Comunista Brasi-
co começou pela madrugada, quando civis armados atacaram os leiro havia sido um movimento pequeno, sem muita base popu-
postos policiais e as cadeias em vários distritos das classes traba- lar.5 Nestes anos de formação, o Partido tinha devotado a maior
lhadoras no Recife. Já às 10:30 os rebeldes haviam interrompido parte do seu tempo e energia a disputas, primeiramente com os

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anarquistas e depois com os tr9tskistas, acerca de quem deveria dada rebelião para reprimir a esquerda. Prestes, que havia sido
liderar a extrema esquerda no Brasil. O que capacitou o Partido proclamado pelos insurretos como o novo "presidente do Bra-
a se desenvolver tão rapidamente, a ponto de, em poucos anos, sil", conseguiu se manter fora do alcance da polícia até março
se julgar em condições de tentar uma revolução violenta, foi a de 1936, quando finalmente foi preso. Tanto ele como os outros
liderança de Luís Carlos Prestes, uma das figuras mais notáveis líderes e militantes do Partido foram condenados a longas penas
na história do Brasil. de prisão, e o Partido Comunista foi declarado ilegal.
Prestes era um capi~ão do Exército encarregado de uma for- Várias semanas depois do término da Segunda Guerra Mun-
taleza no Sul do país, quando aderiu a uma revolta que tinha ex- dial, Getúlio Vargas ordenou a libertação de Prestes e todos os
plodido em São Paulo em 1924, uma das várias rebeliões presos políticos do Brasil. Com seu governo cambaleando em fa-
comandadas então por jovens oficiais do Exército. O que tornou ce da oposição crescente daqueles que exigiam o retorno da de-
a rebelião de Prestes tão espetacular foi o fato de ele conseguir mocracia constitucional, Getúlio precisava de toda a ajuda que
sustentá-la durante quase três anos, palmilhando o vasto interior fosse possível angariar. Por sua. vez, os comunistas apoiaram o
do país, utilizando táticas de guerrilha, e tentando, embora sem presidente - prova està, se alguma fosse necessária, da firme ade-
êxito, incitar as massas rurais à revolta. A marcha da Coluna Pres- são de Prestes à linha do Partido, visto que· Vargas tinha entre-
' de admirável, cobrindo 34.700 quilômetros, e o pró-
tes foi algo gue a esposa de Prestes à Gestapo alemã e os nazistas a haviam
prio Prestes tornou-se uma figura popular cujas dimensões assassinado. Todas estas manobras não foram capazes de deter
heróicas raramente têm sido igualadas no Brasil. Ele e seus ho- o inevitável, e no dia 29 de outubro de 1945 os militares depuse-
mens chegaram a sintetizar a luta do pobre contra o rico. Dentro ram Vargas.
do próprio Exército, a admiração pela estratégia e coragem de Mesmo assim, Prestes e os comunistas conseguiram manter
Prestes era ilimitada. Acontecesse o que acontecesse, sua mística uma grande parcela do sentimento público a seu favor. Nas elei-
continuava intacta. Ele sempre iria ser conhecido pelo seu cog- ções que se seguiram à queda de Vargas, os candidatos comunis-
nome, Cavaleiro da Esperança. tas saíram-se muito bem. O Cavaleiro da Esperança, lançando
Apesar de exilado em Buenos Aires, Prestes começou a se mão de regras eleitorais peculiares ao Brasil, conseguiu eleger-se
envolver com política, aproveitando o fato de ter grande número para o Senado pelo Distrito Federal (a cidade do Rio de Janeiro)
de seguidores. Ao declarar, em 1931, que havia entrado no Par- e para a Câmara dos Deputados pelo Distrito Federal e mais qua-
tido Comunista, ele deu ao Partido um tremendo impulso. Pas- tro estados, inclusive Pernambuco. Ele preferiu o Senado. O can-
sou uns tempos em Moscou, onde trabalhou pelo Comintern didato comunista para presidente recebeu 1O por cento do total .
(Internacional Comunista): Em 1934, o governo brasileiro per- de votos nacionais. Quatorze comunistas foram eleitos deputa-
mitiu seu regresso, e ele colocou seu prestígio ao serviço do Par- dos federais. Entre eles estava Gregório Bezerra, cujo papel na
tido. No ano seguinte, tornou-se presidente honorário da Aliança revolução de 1935 não impediu que o povo de Pernambuco vo-
Libertadora Nacional, uma coalizão de forças esquerdistas lide- tasse nele. Esta tendência continuou nas eleições estaduais de 1946.
radas por comunistas, cujo objetivo era mobilizar a oposição po- O Partido ganhou 12 dos 25 lug'àres na Câmara dos Vereadores
lítica ao governo do presidente Getúlio Vargas. A Aliança tentou do Recife e colocou 13 deputados na Assembléia Legislativa de
ganhar o poder através de meios legais e constitucionais, mas, Pernambuco.
nos meados de 1935, extremistas do Partido acharam que o tem- Mas os comunistas não permaneceram no seu papel de par-
po estava maduro para uma revolução violenta, conseguindo con- tido de oposição política. Com o surgimento da guerra fria, o
vencer Prestes disto. Foi um monumental erro de cálculo. novo governo federal brasileiro assumiu cada vez mais uma po-
Vargas lançou mão da oportunidade fornecida pela malfa- sição militante anticomunista. Em maio de 1947, o Supremo Tri-

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bunal Eleitoral do Brasil declarou que o Partido era "antidemo- Quando se considera, retrospectivamente, com que surpreen-
crático" e portanto ilegal perante a Constituição. Em outubro, dente rapidez os fatos se seguiram no curto espaço de tempo en-
Prestes e todos os deputados comunistas no Congresso perderam tre 1958 e 1964, vê-se que a estratégia comunista, sem qualquer
seus lugares. Durante os 17 anos seguintes o Partido funcionou dúvida, foi correta. As eleições de 1958 não somente quebraram
à margem da lei, nunca apresentando seus próprios candidatos, a hegemonia do PSD, mas também provaram aos elementos pro-
mas trabalhando com outros partidos e instituições políticas, e gressistas de Pernambuco que eles podiam desequilibrar o status
por vezes dentro deles. quo. O que ninguém poderia ter previsto, porém, era· o súbito
Em Pernambuco, os comunistas cultivaram a base de apoio aparecimento de um político que poderia galvanizar esta nova for-
e simpatia que os tirtha levado a escolher o Récife: como alvo prin- ça política e utilizá-la para fins radicais.
cipal no golpe de 1935. Em 1955 aumentaram sua popularidade Naturalmente, os comunistas foram rápidos em reconhecer ''
ajudando a eleger Pelópidas Silveira, um administrador vigoro- o potencial de Miguel Arraes, e usaram toda a sua'influência en-
so e progressista, para a prefeitura do Recife. e
tre intelectuais, estudantes trabalhadores para promovê-lo. Por 1
Mesmo assim, a experiência de 1935 havia deixado suas mar- sua vez, Arraes incluiu membros do Partido no seu círculo ínti-
cas. Para os comunistas, serviam de lembrete os anos de cadeia mo de conselheiros. ~ • 11
que se haviam abatido sobre eles como resultado de suas ações Este novo movimento populista desafiou mais do que os in-
precipitadas e mal dirigidas. Não repetiriam seu erro. Para as uni- teresses econômicos e políticos entrincheirados no Recife e no es-
dades militares estacionadas no Nordeste, a vitória sobre os re- tado de Pernambuco. O sistema cultural dominante, presidido
beldes era conservada viva mediante uma tradição de constantes por Gilberto Freyre, também se colocoú na defensiva.
comemorações. Isto era especialmente observado no meio dos ofi- O morador mais distinto do Recife era um alvo convidati-
ciais, que não poderiam esquecer os companheiros que haviam vo, pois sua estrela já estava declinando. Em 1933, com a publi-
sido mortos nem perderiam de vista aqueles que tinham partici- cação do seu trabalho fundamental Casa-Grande & Senzala,* o
pado da revolta. sociólogo-historiador de cabeça prateada teve o mérito de apre-
O Partido Comunista em Pernambuco geria suas atividades sentar ao Brasil o seu próprio passado cultural. Conseguiu insti-
de acordo com as exigências da liderança do Partido. O alto co- lar em muitos patrícios um apreço pela forÇa de sua herança mul-
mando, no Rio, seguia fielmente a linha determinada por Mos- tirracial, o que, até aquele momento, era fonte de um complexo
cou. Esta estrutura centralizada e rigidamente disciplinada era de inferioridade para os brasileiros da classe alta e educada.
virtualmente o inverso da maneira pela qual outros partidos po- Nos fins da década de 1950, entretanto, o tempo estava co-
líticos oper~vam no Nordeste brasileiro. meçando a ultrapassar Gilberto Freyre. Os intelectuais mais no-
Em 1954, os comunistas discretamente apoiaram o candida- vos do Brasil já não o encaravam como a última palavra no seu
to da UDN, João Cleofas. Ainda estavam apoiando Getúlio Var- campo. Muitas das suas obras posteriores foram consideradas ape-
gas em âmbito nacional, e Cleofas era homem de Getúlio. Além nas uma repetição fragmentada do que ele tinha dito em Casa
disso, o Partido reconhecia a necessidade de quebrar o jugo do Grande & Senzala. Sua imagem idílica da vida nos engenhos foi
PSD sobre Pernambuco. questionada e ele foi acusado de sufocar o desenvolvimento da
Em 1958, Cid Sampaio recebeu apoio total e aberto dos co- sociologia no Nordeste, principalmente por sua influência sobre
munistas. No auge da campanha, o Partido trouxe o seu maior o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, órgão federal
trunfo, Luís Carlos Prestes, e o Cavaleiro da Esperança atraiu que era ~ua criação pessoal e sua base de operações no Recife.
multidões no Recife e nos subúrbios. Prestes apareceu no mes-
mo palanque, com Cid, e foram fotografados juntos. *Publicado pela Recora .

80 81
O ponto de vista político de Gilberto Freyre tornou inevitá-
vel seu conflito com Arraes e seus correligionários. Nascido em
1900, ele era descendente de uma família cujas raízes podem ser
rastreadas até o século XVII. Durante a década de 1930 ele se
opôs fortemente à ditadura de Vargas e passou vários anos exila-
do no exterior. Com a restauração da democracia após a Segun- CINCO
da Guerra Mundial, foi eleito deputado federal, mas perdeu
subseqüentemente uma campanha para a reeleição. Freqüente-
mente ele se chamava a si próprio de "esquerdista" e certa vez Celso Furtado, a Sudene e a
chegou a afirmar que era um "anarco-sindicalista''. Mas no Re-
cife - um canteiro de esquerdismo - o povo o conhecia como
Usaid
o conservador que era. Seus laços políticos ligavam-no à UDN.
No cenário internacional, ele tinha servido como fiel apologista
da política cO'lonialista de Portugal na África, fazendo conferên-
cias e escrevendo sobre o assunto. Por sua vez, os portugueses
outorgaram-lhe um diploma honorário de doutor pela famosa
Universidade de Coimbra e freqüentemente o convidavam para
visitar Portugal e as colônias africanas. t
Foi uma ironia o fato de que, apesar de Freyre ter recebido
uma parte substancial de sua educação formal nos Estados Uni- NA ESTEIRA DA DESASTROSA seca de 1958, Antônio Callado fez
dos (bacharel em Artes, por Baylor; mestre em Artes, por Co- uma viagem através do Nordeste brasileiro e regressou ao Rio de
lumbia), o seu trabalho não tenha obtido amplo reconhecimento Janeiro com material para uma sensacional série de artigos jor-
nesse país até que saiu de moda no Brasil. A Universidade do Re- nalísticos. Escreveu sobre uma indústria que encontrou em ple-
cife criou um Instituto de Ciências do Homem, o qual conseguiu no desenvolvimento numa terra nua onde não se pensava que
funcionar fora do âmbito de sua influência. A Sudene, através qualquer indústria pudesse sequer existir. Os artigos, publicados
da Divisão de Recursos Humanos, logo utilizaria seus recursos em setembro de 1959, expuseram à publicidade nacional os "in-
financeiros para subsidiar a pesquisa sociológica por intelectuais dustriais da seca'', ricos proprietários que estavam tirando lucros
jovens que não pertenciam ao círculo de Gilberto Freyre. tremendos do auxílio federal contra as secas.
Portanto, o ataque ao status quo no Recife amargurou Gil- A principal revelação de Callado era concernente à constru-
berto Freyre, que, por sua vez, nem sequer tentou esconder seu ção de açudes que ele intitulou " a loteria mais fantástica e injus-
desagrado pelo novo movimento populista. Enquanto isso, os cor- ta do mundo" . 1 A irrigação resultante desses projetos de obras
religionários de Arraes não faziam segredo de suas esperanças de públicas enriquecia os proprietários no sertão da noite para o dia.
elegê-lo governador de Pernambuco, promovê-lo a vice-presi- A decisão quanto ao local dos açudes constituía assunto pura-
dente, e depois, sonho maior e último, a presidência da Repú- mente político, não dependendo da alocação racional de recur-
blica. sos, mas das disposições dos políticos locais que eram
proprietários de terras. Estes haviam ganho o controle do Depar-
tamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), o órgão
federal responsável pelos programas contra a seca no Nordeste,

82 83
\ r :-
e, portanto, construíram açudes para satisfazer os seus próprios !idade, Callado havia realizado sua viagem à região a pedido de
interesses. O proprietário conseguia o dinheiro, irrigava sua pro- Celso Furtado.
priedade e podia fazer o que quisesse com a sua terra recém- O presidente Juscelino Kubitschek havia procurado o con-
irrigada. Um dispositivo da Constituição federal só faltava mes- selho de Celso Furtado após a seca de 1958 no Nordeste. 2 A .
mo proibir o governo de desapropriar terreno particular em be- pressão do público estava se avolumando na medida em que mi-
nefício público. Não havia meio de forçar um proprietário a lhares de flagelados deixavam o interior em busca de alimento
adotar técnicas modernas de agricultura e utilizar sua terra irri- e trabalho, enquanto circulavam histórias sobre o mau uso dos
gada de forma a criar empregos e fornecer alimentos aos seus nu- recursos federais destinados à sua ajuda.
merosos moradores. Desse modo, o dono enchia os seus bolsos, Kubitschek era um executivo extraordinário que gostava de
e os camponeses sem terra, vivendo e trabalhando na sua pro- grandes empreendimentos. Estava construindo a nova capital,
priedade ou perto dela, continuavam a levar uma existência mar- Brasília, no sertão. Ele possuía idéias grandiosas sobre o desen-
ginal. volvimento econômico. Durante os anos de seu governo, o Bra-
Callado também esclarecia o motivo pelo qual alguns pro- sil estava crescendo rapidamente, pelo menos no Sul. Entretanto,
prietários não queriam receber assistência federal contra a seca. o Nordeste permanecia estagnado. Em 1955, a região continha
Suas propriedades estavam localizadas nas adjacências de rios se- 32 por cento da população do Brasil, porém gerava apenas 13
cos, onde estavam plantando um tipo de palmeira (carnaúba) que por cento da renda do país. 3 E as coisas não tinham melhorado
fornecia cera para velas. A venda de cera constituía uma lucrati- muito. Portanto, Juscelino resolveu usar a seca para fazer algo
va fonte de renda. Maior umidade seria prejudicial às palmeiras; de grandioso para o Nordeste. -
portanto, os proprietários se opunham a qualquer projeto que Celso Furtado, que· naquela ocasião trabalhava como eco-
pudesse perenizar esses rios e se recusaram até a levar em conta nomista no Banco Nacional de Desenvolvimento Econôm,ico, no
os benefícios que uma maior quantidade de água poderia trazer Rio, preparou o que ficou conhecido como q Relatório Furtado<f\
aos camponeses dos arredores. Ele deu ênfase, no relatório, à disparidade existente entre o de:
Não eram novidade os relatórios sobre a irregularidade dos senvolvimento no Sul e no Nordeste, e afirmou que inúmeros pro-
programas federais cujo objetivo era auxiliar o Nordeste. Desde gramas econômicos efetuados pelo governo federal eram respon-
o início de tais esforços, a incompetência era companheira da cor- sáveis por manter, e até piorar, esta disparidade, favorecendo o
rupção. As barragens e os açudes foram construídos em lugares crescimento do Sul à custa do Nordeste. Como o valor das ex-
errados, e os recursos de emergência contra as secas achavam sem- portações do Nordeste para o exterior se deteriorava, enquanto
pre o caminho para os bolsos dos políticos e seus amigos. Já em os custos de importação do Sul industrializado do Brasil aumen-
1959, o DNOCS tinha adquirido uma imagem desagradável, es- tavam, o capital se escoava do Nordeste para o Sul! Ele então
pecialmente depois dos relatórios sobre propinas durante o pro- formulou um plano que propunha uma abordagem radicalmente
grama de ajuda financeira contra a seca em 1958. diversa dos problemas do Nordeste. Até aí as preocupações do
Callado, um jornalista urbano com leitores espalhados por governo tinham sido apresentadas em termos defensivos.
todo o t.e rritório nacional, ajudou a catalisar a indignação públi- Formulavam-se medidas para aliviar os efeitos da seca. Celso Fur-
ca. Seus artigos eram vívidos e explícitos. Mais importante ainda tado desejava um programa positivo que alcançasse as causas do
é que apareceram no momento oportuno, pois Celso Furtado~ subdesenvolvimento através de toda à região. O seu relatório ofe-
grande amigo de Callado, estava, no mesmo momento, engaja- recia várias sugestões para lidar com essas causas.
do numa luta para persuadir o Congresso Nacional a adotar uma A estratégia proposta envolvia: ( 1) uma política de industria-
1
política econômica completamente nova para o Nordeste. Na rea- lização para a área; (2) um projeto de colonização que transferi-

84 85
ria gente para fora do Nordeste superpovoado; (3) use mais ra- tado voou para Washington, com um pedido de ajuda aos Esta-'
cional de terras na zona açucareira; e (4) uma política de irriga- dos Unidos no montante de US$400 milhões.
ção que estimulasse uma crescente produção de alimentos no No dia 14 de julho de 1961, ele foi recebido pelo presidente
sertão. A elaboração e execução desta grande estratégia seria da Kennedy, a quem causou sua habitual boa impressão. Ao mes-
responsabilidade de um novo órgão federal, com amplos pode- mo tempo, sentiu-se encorajado pelo interesse do presidente por
res e grandes recursos financeiros à sua disposição. suas propostas. Vários homens das "Novas Fronteiras" opina-
Celso Furtado submeteu seu relatório a Kubitschek no iní- ram que o plano diretor poderia ser exatamente o tipo de progra-
cio de 1959, e o presidente o aceitou entusiasticamente. Uma le- ma imaginativo que os Estados Unidos deveriam apoiar, como
gislação foi rapidamente elaborada, incorporando algumas das contrapartida à crescente aceitação de Fidel Castro na América
suas recomendações. A chave fundamental da nova estratégia era Latina. Como ponto inicial, Kennedy despachou uma equipe de
uma nova autarquia federal, a Superintendência para o Desen- averiguação e estudo para o Recife.
volvimento do Nordeste (Sudene), que deveria elaborar um pla- Não foi esta a primeira descoberta do Nordeste do Brasil pe-
no diretor para o desenvolvimento de toda a região. los americanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a região ser-
'
A Sudell'e teria autoridade geral e seria diretamente subordi- vira como área de estágio para o transporte de homens e material

nada ao presidente. Para seu orçamento, receberia dois por cen- pelo Atlântico Sul até Dakar, na costa ocidental da África. Os
to da receita fiscal de todo o Brasil. Os governadores dos estados Estados Unidos construíram uma grande base áerea perto de Na-
do Nordeste seriam membros do Conselho Deliberativo da Su- tal, capital do estado do Rio Grande do Norte, bem como insta-
dene, envolvendo interesses locais nas funções de estabelecer uma lações no Recife e em outros locais ao longo da costa. Em 28 de
política para o órgão. janeiro de 1943, o presidente Franklin D. Roosevelt e o presiden-
Após uma luta política estafante, a Câmara dos Deputa- te Getúlio Vargas tinham conferenciado a bordo de um navio de
dos, em maio, aprovou a legislação. Em dezembro, o Senado, guerra americano, no porto de Natal.
ajudado pelo impacto dos artigos de Callado, também aprovou Os dólares gastos pelas tropas americanas deram estímulo
a legislação. Logo após, sem causar surpresa a ninguém, Kubits- temporário à economia do Nordeste. Os americanos também mon-
chek nomeou Celso Furtado como primeiro superintendente <la taram inúmeros postos de saúde e fizeram algumas tentativas para
Sudene. - expandir a produção de alimentos na região. Os Estados Unidos
Também não causou surpresa que o plano diretor, detalha- também prestaram assistência técnica na pesquisa de recursos na-
damente executado pela Sudene, seguisse de perto o Relatório Fur- turais, mas a maior parte deste esforço ficou centralizada na ba-
tado. O passo seguinte seria assegurar a aprovação do plano pelo cia amazônica. No final da guerra, as tropas foram retiradas,
Congresso, um esforço que foi retardado pelas eleições presiden- doando-se aos da terra a base aérea e diversas construções. Tam-
ciais de 1960 e a sucessão de Kubitschek pelo controvertido Jâ- bém foi deixado um transplante híbrido, o tomate, que haviam
nio Quadros. trazido consigo e introduzido no Brasil. 4
Enquanto isso, Celso Furtado estava fazendo pressão para De 1950 até a revolução cubana, o auxílio dos Estados Uni-
assegurar o que ele considerava uma importante fonte de apoio dos ao Brasil constou de assistência técnica, sob o programa do
para a Sudene e o seu plano diretor. O jornalista Tad Szulc tinha Ponto Quatro, ~. ocasionalmente, de empréstimos para o desen-.
usado a primeira página do The New York Times para dar o si-
nal de alarme quanto ao surgimento do "castrismo" no Nordes-
te brasileiro, e a administração de Kennedy estava se tornando
-
volvimento. O' Nordeste do Brasil recebera uma pequeníssima par-
cela deste modesto esforço . O professor Stefan H . Robock sugere
que uma razão para isto foi que "vários altos o ficiais brasileiros,
apreensiva com o desassossego na região. Portanto, Celso Fur- que estavam junto à embaixada americana e aos funcionários do
l
86 ._ f\ \-:,· 87
Ponto Quatro, acreditavam sinceramente que o Nordeste era uma Comissão Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Eco-
causa perdida e que não se deveria desperdiçar ajuda com aquela nômico, fundada no começo da década de 1950, como parte de
região". 5 (Além da pequena quantia que os Estados Unidos ca- um esforço americano para estudar os meios de remover os obs- r 1 ~
nalizavam para o Nordeste, várias agências das Nações Unidas táculos ao desenvolvimento do Brasil. A equipe que ele liderava /- t
conseguiram prover alguma assistência téçuicá, a despeito dos pãr- apreciou integralmente o papel d~ Sudene no Norde~te e trab~-\ t' ·ix
cos recursos da ONU para o desenvolvimento econômico.) lhou estreitamente com Celso Furtado e os seus jovens técnicos.
Portanto, os Estados Unidos haviam feito pouco no Nor- As recomendações do Relatório s~am bem de perto a arran-
deste antes de chegar ao Recife, em 23 de outubro de 1961, o eco- cada do plano diretor da Sudene. Até aí, tudo bem.
nomista Merwin L. Bohan, para iniciar um estudo prclundo das A esta altura, porém, fatores políticos começaram a apre-
necessidades de desenvolvimento da região. Trabalhando rn.pida- sentar suas horríveis implicações. Em âmbito nacional, o impre-
mente para satisfazer às determinações do presidente Kennedy, visível .Jânio Quadros excedeu-se a si mesmo, renunciando à
Bohan e sua equipe produziram um extenso documento, recomen- presidência no dia 25 de agosto de 1961, para surpresa completa
dando com urgência um comprometimento substancial de ajuda da maioria dos seus compatriotas. O vice-presidente João Gou-
americana. Seu relatório sugeria programas de longo e curto pra- Jart, do PTB (os brasileiros podiam dividir o seu voto entre can-
zo. Estes últimos foram indicados para "mostrar resultados ime- didatos à presidência e à vice-presidência), assumiu o poder
\. - diatos, como expressão dara de preocupação dos governos do somente depois de suplantar uma tentativa de elementos do Exér-
Brasil e dos Estados Unidos, agindo dentro da Aliança para o cito para realizar um golpe preventivo. Alguns oficiais não con-
Progresso, pelo bem-estar econômico e social da gente da re- fiavam em Goulart porque este havia sido um protegido de Getúlio
gião". 6 Incluíam a perfuração de poços artesianos, cacimbas, a Vargas e, mais recentemente, vinha colhendo um forte apoio da -
I construção, na zona açucareira, de tendas tipo Quoset, destina- esquerda. Um compromisso de última hora permitiu que Jango,
das a servir como "Centros de Trabalho da Aliança para o Pro- como ele era chamado popularmente, se tornasse presidente, de- \ (i •
gresso" para os serviços de educação e saúde, alfabetização e 11
pois que concordou na redução de alguns de seus poderes consti-1 {
treinamento vocacional, e a formação de unidades volantes de tucionais. Mas a preocupação aumentou em Washington quando'
saúde. O custo deste programa de impacto teria sido de US$33
\ milhões. o governo de Goulart çomeçou a demonstrar algo que pareciam f •.H"r
tendências ~querdistàs. 1 Ao mesmo tempo, as forças de apoio do 1 - -
O programa de longo prazo incluía medidas contra as secas, prefeito ~iguel ArraesJ estavam iniciando sua campanha para
construção de estradas, projetos de saúde e de água para asco- colocá-lo no palácio do governo, e Juliãd falava cada vez mais 1
munidades e a criação de colônias agrícolas que tirariam parte em revolução. Essas tendências aumentaram muito o nível de an- 1
do excedente de população do Nordeste para o vasto e vazio in- siedade em Washington . 4 - ;:
1

terior do Brasil. O programa se estenderia por um período de cinco É crucial ter em mente a situação política doméstica dos Es-
anos e custaria aproximadamente US$400 milhões {exatamente tados Unidos. Kennedy acabava de sofrer o fiasco da baía dos
a quantia que Celso Furtado havia procurado obter originaria- Porcos e a revolução cubana tinha se deslocado para uma linha
mente de Washington). abertamente marxista-leninista. Os democratas estavam altamente
Considerando-se as P,ressões de tempo sob as quais foi pro- sensíveis a acusações de que haviam "perdido" Cuba, da mesma
duzido, o fe latório Boh~ constituía uma tentativa competente forma que haviam "perdido" a China quinze anos atrás. O bri-
e recomendável para começar com o pé direito. Bohan, um expe- lho liberal da administração Kennedy não podia sobreviver a qual-
rimentado funcionário do Departamento de Estado, estava fa- quer coisa que sugerisse ser outra "perda".
miliarizado com o cenário brasileiro. Tinha sido membro da Portanto, antes mesmo que a missão Bohan chegasse ao Bra-

88 89
sil, a embaixada americana no Rio de Janeiro estava preocupa- so, beneficiando o candidato que seria apresentado pelas forças
da, avaliando se o Nordeste brasileiro constituía uma ameaça po- de Cid Sampaio para se opor a Arraes no pleito para governador.
lítica ao resto do Brasil e aos Estados Unidos. A conclusão a que Não foi esta, naturalmente, a única vez que a Aliança para
chegou a embaixada foi que forças radicais no Nordeste repre- o Progresso foi utilizada para servir a fins políticos de curta dura-
sentavam, de fato, uma séria ameaça, que precisava ser enfren- ção. Em 1966, o senador Ernest Gruening, então presidente da SUb-
taêla aemodo efetivo e rápido. comissão de Despesas com Ajuda Externa no Senado, efetuou um
Fazer isto significava interferir nos problemas domésticos do estudo pouco conhecido, intitulado "Ajuda Financeira dos Esta-
Nordeste brasileiro, táticaescaâa qual a embaixada não sees- dos Unidos ao Exterior em Ação", o qual documentou como os
quivou~E o veiculo mais conveniente através do qual esta políti- Estados Unidos tinham usado seu programa de assistência para ten-
.ca de intervenção poderia ser efetuada era a Aliança para o tar influenciar as eleições presidenciais no Chile r m 1964.9
Progresso. \ A decisão americana de tornar político séu programa de ajuda
Assim, a embaixada decidiu utilizar o programa de assistên- ao Nordeste do Brasil iria amontoar sobre Celso Furtado uma
cia americana no Nordeste para fins políticõs imediatos. Isto re- carga adicional de proporções vertiginosas. Apesar de ser um téc-
sultaria em rejeiçãQ. da possibilidade de um trabalho efetivo com nico altamente habilitado e insistir, repetidamente, que "não me
a Sudene. A autarquia de Celso Furtado tinha se comprometido treinei para ser um político", ele bem sabia que o seu programa
com o desenvolvimento econômico a longo prazo, cujo sucesso para o Nordeste teria um profundo impacto político sobre a re-
dependia, em grande parte, da sua abstenção de envolver-se em gião. Através de toda a sua carreira na Sudene, ele demonstraria
desgastantes emaranhados políticos. Como observou o professor o nexo inevitável entre o desenvolvimento econômico e o proces-
Riordan J. A . Roett, III, da Universidade de Vanderbilt, em seu so político. Sua norma central de conduta era permanecer afas-
extenso estudo das relações da'. Sudene-EUAJ "Forçados a esco- tado do jogo da política partidária. "Deve-se evitar uma ligação
lher entre apoiar a Sudene e a -modernização a longo prazo e o com a política'', disse ele numa entrevista no Recife em 1963,
impacto imediato, com a possibilidade de opor obstáculo à es- "pois esta é a única maneira de sobreviver aqui". Sua estratégia:
querda radical, os Estados Unidos escolheram esta última hipó- "Eu me dou com todos os grupos. É assim que conservo meu
tese e alienaram o órgão de desenvolvimento.' ' 7 poder." Mas enquanto ele lutava para manejar o que correspon-
Enquanto Bohan e sua equipe realizavam seu estudo, a em- dia a um poder político sem se deixar envolver em política parti-
baixada pensava em como manipular a assistência dos Estados dária, os americanos estavam planejando mergulhar o seu
Unidos ao Nordeste para obter o impacto político desejado. Um programa de assistência nas profundezas do matagal político.
técnico americano com experiência nos assuntos educacionais bra- ~ Enquanto isso, elementos conservadores no Congresso bra-
sileiros tinha acabado de visitar o Nordeste e regressara ao Rio sileiro estavam obstinadamente bloqueando o plano diretor da
com o plano para um projeto de construção de escolas no estado Sudene e as verbas necessárias para sua execução. Um senador
do Rio Grande do Norte. O embaixador Lincoln Gordon rejei- do PTB (um rico proprietário de terras do estado de origem de
tou sua escolha do local. A embaixada resolveu ir adiante com Celso Furtado, a Paraíba) só faltou acusá-lo de ser membro do
o projeto, mas em Pernambuco, e não no Rio Grande no Norte, Partido Comunista, denunciando o plano diretor como uma ma-

-
com o pretexto principal de que as "forças democráticas", su-
postamente representadas pelo governador Cid Sampaio, neces-
sitavam de ajuda dos Estados Unidos. 8 Com a proximidade das
nobra para fomentar a guerra civil no Nordeste. 10 Isto era uma
acusação antiga contra Celso Furtado. De acordo com Arthur
Schlesinger, Jr., "durante a década de 50, a embaixada america-
na o encarava com desconfiança, como um marxista e até mes-
eleições de 1962, a estratégia era tentar um rápido progr_ama dt:
construção que fornecesse alguma evidência tangível de progres- mo como um comunista" . 11 E existiam histórias fantásticas que

90 91

L
J

apareciam ocasionalmente nos jornais do Brasil, de que o Depar- de ajuda, não podia fazer empréstimos gerais deste tipo, Celso
tamento Federal de Segurança Pública, o FBI do Brasil, possuía Furtado aceitaria empréstimos para aplicação em projetos espe-
um dossiê em que ele figurava na lista dos participantes na fun- cíficos da Sudene.
dação do Bureau Informativo Comunista (Cominform) da Iugos- O Relatório Bohan, submetido a Washington em fevereiro
lávia em 1947, e como líder de uma célula do Partido Comunista de 1962, seguia de perto o plano diretor da Sudene, pelo menos
no Rio. 12 Apesar de tudo, Celso Furtado foi obrigado a se de- no que dizia respeito a projetos de longo prazo, sendo portanto
fender de todas essas ferozes acusações. aceitável a Celso Furtado. Ele supôs que o Relatório estabelece-
Ao mesmo tempo, Cid Sampaio tentava solapar as bases do ria a base para upi programa americano de ajud~,, dando ênfase
poder de Celso Furtado, insistindo em que fosse dado ao presi- aos projetos de longo prazo. Posteriormente admitiu também que
dente do Conselho Deliberativo da Sudene poder igual ao do Su- um programa de ajuda deste gênero exigiria uma presença ame-
perintendente. Isto constituía um movimento sutil por parte do ricana modesta no Nordeste. (Na verdade, esta parece ter sido
representante dos mais inteligentes industriais e proprietários de uma suposição do próprio Relatório Bohan.) O que ele não en-
terras do Nordeste para paralisar a instituição no nascedouro, co- tendeu foi que os funcionários dos Estados Unidos estavam ago-
mo prelúdio ao controle total do que restasse. ra encarando a região como um importante problema de segu-
Um número surpreendente de defensores da Sudene reuniu- rança. Ele não sabia que o Relatório fora virtualmente engaveta-
se para dar apoio à nova autarquia. Em 8 de dezembro de 1961, do porque falhava em levar suficientemente em conta estas con-
uma reunião de massa foi realizada no Recife, com uma greve siderações políticas.
de uma hora, pró-Sudene, sendo deflagrada, fechando quase to- Nesse meio tempo, o presidente João Goulart fora convida-
da a cidade. (0 professor Albert 1. Hirschman observou que foi do a visitar Washington, onde, entre outras coisas, assinaria um
este "o único movimento de protesto, no conhecer do escritor, acordo para o estabelecimento de um programa de ajuda ao Nor-
- ~ 1 •
a ser realizado em apoio de uma instituição de planejamento eco- deste. \Ç) acordo, formulado em Washington de conformidade com
nômico" .) 13 A pressão surtiu efeito, e o Congresso brasileiro âsõÕrmas da Aliança para o Progresso, foi enviado ao Rio antes
imediatamente deu a Celso Furtado o que ele desejava. de Goulart embarcar. Celso Furtado leu o projeto antes de Gou-
Uma vez obtidas as verbas e a aprovação do seu plano, Cel- lart sair e fez determinadas restrições, baseadas em seu ponto de
so Furtado dirigiu sua atenção para o problema da ajuda estran- vista sobre o papel da ajuda estrangeira. Ele achou que o projeto
geira. 1• Ele tinha a firme opinião de que o desenvolvimento do implicava que a missão de ajuda ~mericana a ser estabelecida no
Nordeste era responsabilidade exclusiva do Brasil. Nacionalista Recife teria algum controle sobre o programa total de desenvol-
algum poderia tolerar qualquer outra premissa. Do ponto de vis- vimento do Nordeste, inclusive sobre projetos a serem totalmen-
ta de Celso Furtado, o papel correto da ajuda estrangeira era te financiados pelo Brasil. 15 Do seu ponto de vista, tal arranjo
apoiar os planos brasileiros para projetos que o país doador de- levaria a ataques políticos desagregadores por parte de elemen-
cidisse ser de seu interesse apoiar. Estes planos ou projetos per- tos nacionalistas da região . Em reunião na casa do ministro do
maneceriam brasileiros e de forma alguma deveriam ser Exterior, Santiago Dantas, em Petrópolis, Celso Furtado insis-
considerados como ações empreendidas "conjuntamente" . As- tiu em que a missão americana funcionasse como um banco, apro-
sim sendo, Celso Furtado idealmente preferia receber dos Esta- vando ou desaprovando empréstimos dos Estados Unidos para
dos Unidos empréstimos que a Sudene poderia utilizar como realização de projetos. Goulart e o ministro do Exterior concor-
melhor entendesse para realizar o plano diretor (logicamente, en- daram.
tendido que os Estados Unidos aprovassem o plano diretor). Visto No dia 13 de abril de 1962, como parte da agenda de Gou-
que a Aliança para o Progresso, de acordo com sua legislação lart em Washington, os Estados Unidos e o Brasil assinaram o

92 93
. ~

que chamaram ddAcordo do Nordeste, dando-provimento à alo- duzir. Uma desavença sobre o Acordo teria servido para expor
cação de US$131 milhões de aj uda americana para o Nordeste, Celso Furtado a acusações de que estava sendo um obstrutor ideo-
num período de dois anos. O Acordo comprometia os Estados lógico da ajuda externa (ou "comunista"). Isso poderia, também,
Unidos a um esforço de cinco a nos, que aparentemente seguia colocá-lo em conflito com Goulart. Além disso, nos dias que se
as recomendações do Relatório Bohan, porquanto incluiria tan- seguiram à assinatura do Acordo, houve a garantia, de Goulart
to projetos de impacto, de curta duração, quanto programas de e de outros, quanto ao fato de que a Aliança para o Progresso
desenvolvimento a longo prazo. A responsabilidade de decidir so- de forma alguma competiria com a Sudene, mas, ao contrário,
bre os projetos e programas que receberiam aj uda americana ca- complementaria o trabalho daquela instituição. Em outras pala-
beria à missão Usai d~ à Sudene ou "outros órgãos... que poderão vras, a Sudene manteria o controle e a direção.
ser designadós pelo governo do ... Brasil". Os projetos e progra- Celso Furtado foi adiante com seu plano diretor, e a Usaid
mas deveriam ser tirados do Relatório Bohan e do plano diretor começou a montar no Recife o que se tornaria uma missão de
da Sudene, ou poderiam ser encargos ''mutuamente aprovados". -;- grandes proporções. E no dia 6 de junho de 1962, o órgão assi-
O pr-ofessor Riordan Roett analisou extensamente o Acordo nou um acordo cqm o governador de Pernambuco, Cid Sampaio,
e as negociações que levaram a isto, a fim de identificar as fontes no valor de US$1 milhão, para empreender um programa de cons-
de conflito que subseqüentemente surgiram entre a Usaid e a Su- trução de escolas. -
dene. Ele aponta uni desacordo básico~ de interpretação : a Sude- A utilização da Aliança para o Progresso para conter o cres-
ne acreditava que seria a representante exclusiva do governo cente movimento político de Miguel Arraes não foi a única inter-
brasileiro em todas as negociações de ajuda estrangeira na região venção direta dos Estados Unidos nos negócios internos do
e portanto teria o direito de examinar projetos de outras institui- Nordeste. A Agência Central de Informações (CIA) estava de olho
ções brasileiras em que a Usaid pudesse querer entrar. A posição na efervescência no interior, e secretamente planejava sua pró-
americana era de que o Acordo permitia à Usaid lidar diretamente pria estratégia para abafar o ardor revolucionário de Julião e de
com outras instituições, desde que isso fosse de antemão aprova- outros iguais a ele.
do pelo governo federal do Brasil. Outra diferença resultou da
suposição de Celso Furtado de que o programa de ajuda ameri-
cana seguiria de perto as linhas básicas de seu plano diretor. Mas
como escreveu o professor Roett: "Para os Estados Unidos, o
Acordo significava que eles poderiam agora começar a combater
diretamente a ameaça comunista que haviam identificado no Nor-
deste. " 16 Se a participação em tal luta exigisse o fornecimento de
aj uda externa a instituições estaduais isoladas, a Usaid estava
pronta para tal, a despeito do fato de que isto levaria a um tipo
de envolvimento na política local que Celso Furtado achava po-
der comprometer qualquer programa de desenvolvimento econô-
mico regional.
Por que, então, Celso Furtado aceitou o Acordo sem qual-
quer protesto? Em parte, a resposta se encontra na pressão que
começava a ser feita sobre a Sudene, especialmente por parte das
forças da direita, para que parasse de pla nejar e começasse a pro-

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Julião em Alta

UMA DAS HISTÓRIAS mais interessantes sobre Julião, e que pro-


vavelmente contém partes iguais de verdade e mito, tem início
em uma reunião secreta de vinte grandes latifundiários, ansiosos
por uma retaliação contra o Jíder das Ligas Camponesas. 1 Um
deles sugeriu que Julião poderia ser comprado, visto que era ad-
vogado. Outro retrucou: "Talvez ele recuse a oferta." " Pior ain-
da, ele poderá aceitar o dinheiro e usá-lo para comprar metra-
lhadoras. Seria melhor fazê-lo calar-se para sempre.'' Todos pen-
saram mais um pouco, e fina lmente um anunciou: "Deixem co-
migo. Eu darei conta dele ." O seu plano era atirar no deputado
enquanto ele estivesse discursando na Assembléia Legislativa. O
presumível assassino, no dia determinado, carregou seu revólver
e dirigiu-se de carro até a Assembléia. Mas, logo em seguida, co-
meçou a mudar de pensamento e, subitamente, sentiu um estra-
nho pressentimento que fez em pedaços sua resolução. Naquele
momento, uma voz dentro de si pronunciou claramente as seguin-
tes palavras: "Não o mate. Não faça isto." O homem sempre
tinha acreditado no espiritismo e nunca menosprezara tais men-
sagens. Ele deu uma volta no carro e rumou para sua casa, a uma
velocidade fora do comum, mesmo para o Recife. No dia seguinte,

99
de todas as maneiras possíveis, tática esta dificultada pelo idea-
arrependido, confessou tudo à sua pretensa vítima. Julião agra- lismo romântico de Julião e pelo fato de ele não sucumbir a uma
deceu e mais tarde fez uma lista dos nomes de todos os que ti- fraqueza compartilhada por muitos luminares políticos na Amé-
nham estado presentes à reunião clandestina. Deu a lista a seus rica Latina - ele não utilizava sua posição para ficar rico.
assistentes, dizendo: "Se qualquer coisa acontecer comigo, que- A acusação predileta, levantada inicialmente pelos oposito-
ro me encontrar com estes vinte no inferno." res políticos• e depois pelos observadores estrangeiros5 , era que
A oposição a Julião, no seu próprio estado de Pernambuco, o próprio Julião era um grande latifundiário que precisava co-
era sempre frenética, mas nunca tão cheia de iniciativa quanto meçar a reforma agrária em casa, dividindo sua terra com os cam-
a reunião dos vinte latifundiá rios. Alguns oponentes, como o go- poneses que moravam nela. Em várias ocasiões, seus inimigos
vernador Cid Sampaio, tentaram solapar as Ligas Camponesas chegaram a descarregar caminhões cheios de camponeses em sua
através de reformas. Em discurso pronunciado em 6 de julho de fazenda, e depois acusavam-no de chamar a polícia para retirá-los.
1961, Cid exaltou seus esforços de reforma, predizendo confian- (Os que o apoiavam negavam isto e sustentavam que a fazenda
temente que "no final do meu governo não haverá mais qual- oferecia pelo menos abrigo temporário a um sem-número de cam-
quer problema de reforma agrária em Pernambuco" .2 Tal poneses que haviam sido expulsos de suas casas pelos latifundiá-
otimismo estava terrivelmente mal colocado. rios.) Este tipo de ataque parece não ter sido levado a sério, a
Cid estava tentando ~calmar o tumulto no interior através ~ão s"er por uns poucos comentaristas estrangeiros. Por mais ima-
de uma reforma da terra administrada pela Companhia de Re- ginativo que se fosse, não se podia pensar em Julião como um
venda e Colonização (CRC), uma chamada companhia " mi'>ta" , grande proprietário de terras. Espera tinha 280 hectares. Enquanto
com 80 por cento das verbas provenientes do governo estadual vivo, o pai de Julião dividira a propriedade igualmente entre seus
e o restante de fontes federais e privadas. A CRC comprou ter- sete filhos, de modo que Julião era dono de apenas 40 hectares.
ras para estabelecer cooperativas de camponeses (tendo assumi- Esta acusação, como outras dirigidas contra ele, tinha colo-
do o engenho Galiléia depois da desapropriação). O programa ração política e não recebeu muita publicidade até 14 de abril de
foi um fracasso. A CRC possuía pouco dinheiro e podia apenas 1962, quando um artigo numa revista nacional se propôs a mos-
aflorar o problema agrário. O órgão planejou assentar 5.000 fa- trar "A Outra Face de Julião" .6 As acusações feitas pelo autor
mílias em colônias num período de cinco anos. De acordo com do artigo pareciam moldadas para uso dos oponentes de Julião
dados oficiais, mais de 200.000 famílias de camponeses estavam nas eleições para deputado federal, em outubro . Tratava-se, tam-
sem terra em Pernambuco . Além do mais, circularam relatórios bém, de uma tática divisionista. Seus inimigos se deliciariam em
com notícias de que a CRC estava exaurindo seus modestos re- vê-lo devotar todo o seu tempo e energia na administração de uma
cursos ao pagar preços elevados por terra pobre e ruim, enquan- cooperativa de camponeses, assim como aqueles que detestavam
to os donos dos engenhos se livravam de propriedades das quais qualquer revolução na Amér.ica Latina sentiram-se felizes ao ver
não poderiam descartar-se de outra maneira. De acordo com um Che Guevara no campo, com uma arma na mão.
dos relatórios, os preços eram estabelecidos por uma comissão Outras acusações foram lançadas contra ele. Dizia-se, por
tríplice, composta de representantes dos latifundiários, do governo exemplo, que ele era um covarde; que fugia dos palanques ao pri-
estadual e da CRC, 3 um processo de avaliação passível de enco- meiro sinal hostil de dissolução dos comícios ou reuniões políti-
rajar farsas. cas; que uma vez se refugiara numa igreja quando a polícia
Outros se opunham às Ligas Camponesas atacando Julião chegara para dispersar uma demonstração no centro do Recife;
pessoalmente. Os inimigos e críticos de Julião, tanto no país quan- e que tinha hesitado em ir ao vizinho estado de Alagoas para or-
to no estrangeiro, não podiam se limitar a avaliar o mérito de ganizar as Ligas Camponesas. 7 Acontece que Alagoas é o equi-
suas idéias e atividades. Em vez disso, contestavam seus motivos
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valente brasileiro da Sicília, ou do estado de Guerrero no Méxi- ta, conforme se desenvolvia nos anos iniciais da década de 1960.
co, lugares remotos cuja pretensão à fama repousa na predispo- Os camponeses, completamente condicionados pelos gritos de
sição de seus habitantes para atos de .violência. A vida de qualquer "bicho-papão!" da parte dos proprietários, não pareciam inco-
pessoa que tentasse organizar os camponeses em Alagoas esta- modados com a acusação feita.
ria, indubitavelmente, sem qualquer segurança. Na verdade, Ju- Tendo em vista a persistência da acusação, é curioso obser-
lião uma vez recebeu a seguinte mensagem: "Se você vier a var que um incidente ocorrido no início de dezembro de 1961, du-
Alagoas, terminará doutrinando cadáveres. " 8 Julião nunca pre- rante a visita de Julião a Goiânia, capital do Estado de Goiás, na
tendeu ser um militante que conduzisse seus camponeses a con- parte central do Brasil, tenha sido completamente ignorado pelos
frontos violentos. Ele não gozava de boa saúde e freqüentemente seus inimigos em Pernambuco. Ele pronunciou na Universidade
ficava incapacitado por fortes enxaquecas. Ele também não gos- um discurso inflamado, que provocou uma reação hostil por par-
tava de bancar o tipo másculo, "durão", imagem que outros lí- te de alguns setores da população local. Num encontro subseqüente
deres políticos brasileiros tentavam projetar. Ocasionalmente na mesma cidade, teve que se confrontar com alguma hostilidade
defendeu camponeses a lagoanos na justiça; no geral, porém, pa- por parte de seu auditório. O jornal altamente respeitado O Esta-
recia pensar que uma revolução por meio de suicídio era uma con- do de São Paulo descreveu-o como "contraditório e inseguro" e
tradição em termos . atribuiu-lhe a seguinte citação: "Na verdade, o que eu desejo é a
Os inimigos de Julião também se deliciavam em chamá-lo revolução e a implantação do regime de Cuba e da Rússia no Bra-
de "chifrudo", uma acusação séria no Brasil, como em todos os sil. Sou comunista e não me incomodo que me marquem como
países latinos, onde a infidelidade da mulher é vista como uma tal. " 9 De acordo com esse relato, o a uditório começou a vaiá-lo
substancial negação da masculinidade do marido. O seu casamen- e a gritar "Pega Julião!"; o orador fugiu do palanque e a reunião
to não tinha sido feliz, apesar da participação integral de Alexi- terminou com um puxa-e-empurra entre os membros da audiência.
na no trabalho das Ligas Camponesas. Julião nunca deixara de Como Fidel Castro se havia declarado marxista-leninista três
ter várias relações amorosas extraconjugais, o que é considerado dias antes deste incidente, a afirmativa de Julião foi citada como
uma prerrogativa dos maridos brasileiros. Alexina, possuidora um exemplo da sua devoção de escravo ao primeiro-ministro cu-
de espírito elevado e visão moderna, fizera o mesmo, e Julião pa- bano .10 Por outro lado, o relato do jornal sugere que Julião po-
rece ter fugido do padrão duplo prevalecente no mundo latino. de ter perdido a cabeça sob a pressão do momento e falado
Pelo menos até 1963, ambas as partes, aparentemente, concor- precipitadamente como um ato de desafio. Agora Julião nega ter
davam em que cada qual estava livre para cuidar, por fora, de feito tal afirmação. Dada a confiabilidade da imprensa brasilei-
seus interesses amorosos, mantendo, porém, a fachada da vida ra, é possível que ele esteja dizendo a verdade.
de casados. Não existe qualquer evidência de que a campanha de De qualquer forma, o incidente passou completamente des-
cochichos de seus inimigos, baseada nesse arranjo pouco comum, percebido em Pernambuco. Os oponentes políticos de Julião não
tenha tido qualquer efeito maléfico no trabalho de Julião. utilizaram tal declaração nem no momento em que supostamen-
Na turalmente, Julião foi acusado de ser comunista, e, des- te foi feita, nem tampouco durante a campanha eleitoral de 1962.
de que a guerra fria ainda vigorava com toda a sua fúria e vio- Baseado na teoria de que a melhor defesa é uma boa ofensi-
lência , tal acusação tinhâ' a conotação clara de que ele fazia parte va, Julião respondeu às diversas acusações feitas contra ele, ti-
da Conspiração Internacional emanada de Moscou. Os latifun- rando vantagem de seu acesso à imprensa nacional e internacional
diários, que enxergavam uma conjura "vermelha" por trás de pa ra fazer acusações sensacionais contra seus críticos. A mais fa-
qualquer ameaça sobre eles, nunca podiam ser dissuadidos disso mosa destas apareceu numa entrevista que ele concedeu à revista
pela evidência da real relação entre Julião e o Partido Comunis- Stern, 11 da Alemanha Ocidental. Ele descreveu três incidentes de
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brutalidade que igualavam qualquer daquelas do catálogo exis- to ao curso do desenvolvimento político do Brasil no futuro. Es-
tente sobre histórias de atrocidades. Uma das histórias envolvia tes planos excluíam um papel para revolucionários rurais inde-
um camponês que roubara comida de um dono de engenho. O pendentes, mas exigiam os serviços de um subordinado que
senhor de engenho mandou despir o ladrão, cobri-lo de mel e pudesse aparecer na frente, como líder de um movimento cam-
amarrá-lo a estacas, no chão, junto a um enorme formigueiro de ponês nacional. Julião era a escolha natural para o serviço, e tanto
vorazes formigas vermelhas. Na segunda história, um senhor de Jango como os comunistas estavam tentando seduzi-lo.
engenho puniu um dos seus camponeses forçando-o a ficar em Em 1960, Julião foi convidado para um congresso campo-
pé dentro de um tanque cheio de água até a altura de sua boca. nês em Londrina, no Estado do Paraná, no Sul do Brasil. 13 O
Uma vez por dia o camponês era alimentado com um pedaço de Partido Comunista, com a ajuda do então vice-presidente João
pão seco. Ele tinha que beber a água em que estava mergulhado Goulart, organizou a reunião. Julião levou consigo uma delega-
e na qual se acumulavam seus próprios excrementos. Após três ção das Ligas Camponesas de Pernambuco e também Zezé, do
dias, ele sucumbiu, caiu de joelhos e morreu afogado. O terceiro Galiléia, que já se havia tornado uma espécie de celebridade na-
caso era sobre um camponês que roubou cana de um engenho. cional. O deputado e advogado do Recife foi nomeado presiden-
Como castigo e também como um exemplo para outros campo- te honorário do congresso. Mais tarde,_ao regressar de sua viagem
neses com a mesma mentalidade, o seu corpo foi cortado em pe- à China, ele cruzou caminho com João Goulart em Moscou. Nu-
quenos pedaços e jogado aos cães. Quando a entrevista foi ma entrevista subseqüente no Rio de Janeiro, Julião informou
republicada, a repercussão foi grande, porque Julião asseverou que ambos se haviam encontrado num hotel e declarou que Jan-
que dois dos proprietários envolvidos nesses incidentes eram de- go tinha concordado em fundir o seu PTB com o Partido Socia-
putados estaduais na Assembléia Legislativa de Pernambuco. lista Brasileiro. 14 Nada resultou desse encontro, o que sugere que
Como um todo, tais acusações e contra-acusações tinham talvez Goulart estivesse apenas jogando uma isca para Julião.
pouco ou nenhum impacto sobre Julião e seus inimigos. As acu- Enquanto isso, os comunistas, apesar de terem apoiado Ju-
sações fluíam para lá e para cá numa época em que a estrela de lião desde os primeiros dias das Ligas Camponesas, vinham des-
Julião e de suas Ligas parecia estar em ascensão total, tanto no de algum tempo alimentando certos receios contra ele. Simone
horizonte nacional quanto no internacional. de Beauvoir relatou que, já em 1960, durante a campanha presi-
Sempre visionário, Julião planejou criar um movimento na- dencial Quadros-Lott, Luís Carlos Prestes tinha expressado em
cional de camponeses que uniriam a sua Liga Camponesa com particular uma crítica vigorosa contra as Ligas Camponesas. 1'
grupos camponeses em outras partes do país, permanecendo, po- Mesmo assim, o Partido preservou seu apoio de fachada a Ju-
rém, sob sua liderança. Como parte deste amplo esquema, ele ti- lião e em 1961 parecia em boa disposição para apoiá-lo.
nha esperança de forjar alianças com a classe trabalhadora e as Os comunistas se movimentaram logo no início no ano. Ju-
organizações estudantis e, ao mesmo tempo, de construir uma coa- lião encontrou-se secreta e privadamente com Prestes, no Rio de
lizão política entre o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e seu Janeiro. 16 Conversaram sobre as possibilidades de formar uma
próprio Partido Socialista Brasileiro (PSB). 12 Com sua união espécie de movimento nacional camponês. Por algum tempo os
camponesa, Julião possivelmente pensou que podia dominar o comunistas haviam controlado um grupo de camponeses conhe-
PSB em pé de igualdade, efetuando assim uma aliança de âmbi- cido como União de Fazendeiros e Trabalhadores Agrícolas do
to nacional entre operários e camponeses. Brasil (ULTAB), que eles usaram com o objetivo de organizar
Estas grandiosas ambições exigiam que Julião se articulasse os trabalhadores do café e do açúcar no estado de São Paulo,
com João Goulart (Jango), do PTB, e Luís Carlos Prestes, do no Sul do Brasil. A ULTAB era reformista quanto à orientação,
Partido Comunista, os quais tinham seus próprios planos quan- gastando a maior parte do seu tempo em barganhas coletivas e

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outros esforços para melhorar as condições de trabalho. Prestes lio da posse da terra pelos grandes latifundiários, principalmente
sugeriu fundir a ULTAB com as Ligas Camponesas. Julião seria através da desapropriação da terra pelo governo federal, substi-
o líder desta nova união, mas naturalmente teria de aceitar de- tuindo a posse monopolística pela: propriedade dos camponeses ...
terminadas condições, tais como a retenção do controle final pe- e propriedade do Estado" 18
lo P.utido. A proposta não conseguiu tentar Julião no mínimo -A esta altura, a Constituição brasileira declarava inequivo-
aspecto, visto que ele compreendia muito bem o que tais condi- camente que o governo federal não poderia desapropriar terras
ções representavam para a sua posição de liderança. Ele também sem pagar ao dono "indenização prévia, a preço ju~to em dinhei-
sabia que, naquele momento, .suas Ligas eram muito mais dinâ- ro''. A lei brasileira também não permitia o voto do analfabeto,
micas e possuíam um potencial de crescimento muito maior do tornando impossível, portanto, que os camponeses elegessem re-
que a ULT AB. Ele reagiu, insistindo para que Prestes aceitasse presentantes que pudessem promulgar, no Congresso, uma lei efe-
o desenvolvimento de grupos e líderes camponeses em várias partes tiva de reforma agrária. Não é de admirar que Julião expressasse
do país, argumentando que a diversidade poderia trazer mais força suas dúvidas de que a Declaração de Belo Horizonte pudesse ser
ao movimento do que a concentração de todas as organizações realizada através da legislação. A realidade da situação tornou
de camponeses dentro de uma estrutura monolítica. Assim sen- bem claro que a Declaração era um documento revolucionário.
do, um programa conjunto poderia ser forjado, de forma demo- A Conferência de Belo Horizonte constituiu uma virada es-
crática, numa conferência nacional. Prestes, que acreditava tratégica na carreira de Julião. Enquanto a reunião ainda estava
firmemente nas necessidades hierárquicas da organização revo- em progresso, o presidente Goulart fez-lhe uma oferta concreta,
lucionária, não ficou satisfeito com a proposta de Julião. a qual, apesar de nenhum dos dois jamais ter revelado os termos
A conferência que Julião tinha em mente realizou-se mais exatos da proposta, colocaria Julião na posição de utilizar e
tarde naquele ano, quando o presidénte João Goulart, num es- beneficiar-se dos recursos do governo federal. Por mais tentado-
forço para ampliar sua base política, convocou o 1 Congresso Na- ra que tal possibilidade pudesse ser, Julião recusou, pois temia
cional cte Camponeses. Mais ou menos 1.600 delegados, repre- que, aceitando-a, viesse a comprometer sua independência e se
sentuiivos dos movimentos rurais de todo o Brasil, reuniram-se tornar um mero agente pago do governo. Deste momento em dian-
em meados de novembro em Belo Horizonte, para discutir pro- te, João Goulart fez tudo quanto pôde para se descartar de Ju-
blemas agrários. Ao congresso compareceram esquerdistas bra- lião. E, ao mesmo tempo, a Conferência abriu uma fenda
sileiros de todos os matizes, bem como grande número de políticos irreparável entre Julião e os comunistas, os quais não estavam
nacionais proeminentes, pegando as deixas de Goulart e visando satisfeitos com o tóm revolucionário dos procedimentos e com
uma parcela da emergente união rural. Enquanto os comunistas a recusa contínua de Julião em aceitar a linha do Partido. Em-
da ULTAB puxavam por uma linha reformista, Julião tomou con- bora isso não tivesse ficado logo evidente, dessa hora em diante
ta do espetáculo. Apesar de apenas três meses antes, na 1 Confe- Julião estava agindo por conta própria. -
rência de Camponeses e Trabalhadores Rurais de Pernambuco, A separação dos comunistas surgiu primeiro. Em 6 de feve-
ter assinado um manifesto fazendo exigências relativamente mo- reiro de 1962, apenas três meses após a Conferência, um jornal
deradas para mudanças progressivas no campo, 11 ele agora des- de Recife publicou o que dizia ser um telegrama de Clóvis Melo,
fraldava a bandeira da "Reforma Agrária Radical". O seu lema um jornalista local que o jornal chamava de líder do Partido Co-
captou o clima do momento e atingiu os estudantes presentes à munista em Pernambuco. O telegrama dizia o seguinte: ''As via-
conferência. Ele obteve maioria na sessão plenária e o congresso gens internacionais do deputado socialista à Assembléia de
adotou uma Declaração que exigia "uma transformação radical Pernambuco resumem-se num negócio que traz vantagens pes-
na atual estrutura agrária do país, com a liquidação do monopó- soais a Julião, e nada mais." 19 O artigo também citava um ofi-

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cial comunista não identificado, que tinha chamado Julião de mentos pró-chineses que se separaram do Partido Comunista Bra-
"impostor e oportunista". (Vários dias depois, em carta ao edi- sileiro, em 1962, e formaram o seu próprio "Partido Comunista
tor, Clóvis Melo negou que fosse o líder do Partido em Pernam- do Brasil", nem expressou simpatia por eles. Os comunistas da
buco e que tivesse feito referências ofensivas a Julião, 20 mas os linha de Moscou, dizia ele, estavam ligados inflexivelmente ao
leitores com maior conhecimento do assunto não levaram a re- dogma de que a revolução deveria emanar da classe operária ur-
tratação a sério.) Em II de setembro, Julião deu uma entrevista bana; queriam converter os camponeses em comunistas ortodo-
que não deixou qualquer dúvida sobre seus sentimentos em rela- xos, sem consideração pelas forças culturais que, durante séculos,
ção ao Partido. 2 1 Ele acusou os comunistas e determinados ele- haviam moldado a vida no interior no Nordeste; tentavam um
mentos da classe média (isto foi provavelmente uma referência compromisso com a classe média, numa tentativa de manipular
a Goulart) de conspirarem para formar uma "República Sindi- a revolução de cima para baixo, em vez de encorajar os campo-
calista" por meio de um golpe de estado. O que seria uma repú- neses que despertavam a fazer sua própria revolução de baixo para
blica sindicalista, ele nunca esclareceu, porém possivelmente tinha cima? ·
em mente algo como a Argentina de Perón, com Goulart no pa- Por sua vez, os comunistas diziam que Julião estava deslum-
pel principal, os comunistas apoiando-o e os dissidentes, como brado pelo sucesso e pelo seu próprio carisma, e era um egocen-
ele próprio, marcados para serem eliminados. Na mesma entre- trista que pensava ser capaz de dirigir pessoalmente a revolução
vista ele disse que os comunistas não o apoiavam mais porque brasileira. Também, sem dúvida, estavam apreensivos quanto ao
ele se recusara a ser o fantoche do Partido. O jornal comunista uso que ele fazia da retórica revolucionária. A violência nesta oca-
do Recife, A Hora, publicou dois artigos respondendo a Julião sião, argumentava o Partido, seria contraproducente, visto que
em tom firme e pouco fraternal. 22 Um deles argumentou que os poderia provocar elementos da direita e derrubar o governo. Os
reacionários poderiam facilmente destruir as Ligas Camponesas pontos de vista de Julião foram descartados em termos conheci-
se estas falhassem em formar uma frente única com os trabalha- dos: "extremismo esquerdista, a doença infantil do comunismo."
dores urbanos (cujos sindicatos eram dominados pelo Partido, A rixa entre Julião e o Partido Comunista Brasileiro pertur-
o que o artigo não citou). O outro observou, em tom condescen- bou até Fidel Castro, que foi informado disso pouco antes do
dente, que as Ligas de Julião eram meramente uma reestrutura- dia 1? de maio de 1962. Julião estava em Havana, e Fidel sugeriu
ção das Ligas Camponesas que o Partido Comunista tinha que ele viesse ao aeroporto para receber Prestes, que estava che-
fundado logo após a Segunda Guerra Mundial. Daí em diante, gando para as festividades. Como não era pessoa para dizer não,
o nome de Julião nunca mais apareceu nas páginas do jornal do Julião acompanhou Fidel, porém foi rudemente censurado pelo
Partido. Cavaleiro da Esperança quando este desembarcou. Mais tarde,
O rompimento de Julião com os comunistas resultou de uma no hotel, Julião falou a Fidel sobre a briga. Castro resolveu visi-
divergência profunda em suas atitudes com relação ao estilo e tar Prestes no seu quarto para tentar consertar o rombo. Meia
substância daquilo que ambos os lados viam como a revolução hora depois retornou para onde estava Julião e disse desconsola-
que se aproximava no Brasil. Julião, baseado nas tradições au- do, com um dar de ombros: "O Cavaleiro está lá, mas toda a
tênticas da região, achava que a fé religiosa dos camponeses e Esperança se foi."
seu misticismo inato poderiam servir de fontes de conscientiza- Enquanto isso, a disputa de Julião com Goulart estava em
ção revolucionária. O Brasil é essencialmente uma nação rural, ebulição e finalmente ferveu no verão de I962, no estado da Pa-
e Julião acreditava que a revolução brasileira se assemelharia à raíba, logo ao norte de Pernambuco. 24 O movimento das Ligas
chinesa, começando no interior. Freqüentemente expressava ad· Camponesas havia se espalhado para a Paraíba no início de 1959,
miração pela revolução chinesa de Mao. Mas não se uniu aos ele- quando João Pedro Teixeira, um camponês que tinha estado em

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Pernambuco e testemunhado o crescimento do novu movimento sabete, que sucedeu a João Pedro na presidência da Liga Cam-
de Julião, fundara uma Liga em Sapé. Sapé está localizada na ponesa de Sapé. Ela o acompanhou em várias viagens a Havana
área de transição entre a zona açucareira e o agreste, onde mui- e ao Sul do Brasil, mas começou, também, a ultrapassar outros.
tos trabalhadores do açúcar moravam em casebres nos engenhos líderes camponeses do estado, com seus discursos cada vez mais
e podiam usar um pedaço de terra para plantar culturas de sub- militantes sobre revolução.
sistência e para venda. Eles eram obrigados a vender seus produ- À medida que as Ligas Camponesas na Paraíba se multipli-
tos ao dono do engenho, freqüentemente a preços vis, e a trabalhar cavam e expandiam, Julião encontrou crescentes dificuldades para
para o proprietário três vezes por semana, por um salário muito controlá-las. Um jovem agrônomo paraibano, Francisco de As-
abaixo do mínimo. O direito do camponês a seu casebre e ao pe- sis Lemos de Souza, ascendeu a uma posição de liderança dentro
daço de terra era incerto, e os donos das terras freqüentemente do movimento e logo começou a rivalizar com seu colega do Re-
mudavam os moradores de um casebre para outro, a fim de evi- cife. Assis Lemos, que gozava de bom relacionamento com o Par-
tar que reivindicassem quaisquer direitos especiais como resulta- tido Comunista, manteve uma abordagem mais pragmática e me--
do dos melhoramentos feitos na propriedade. Assim, a região nos revolucionária do que Julião. Ele desejava concentrar seu
forneceria solo fértil pa ra a organização dos camponeses. trabalho na melhoria das condições de vida dos camponeses. No
A principal atividade ~a nova Liga paraibana era fornecer início de 1962, ele atraiu a atenção do presidente João Goulart,
assistência legal aos camponeses que desejavam indenização pe- que estava procurando uma oportunidade para neutralizar Ju-
los melhoramentos feitos, ou pagar uma renda anual em vez de lião. Jango deu instruções ao ministro da Agricultura para for-
trabalhar três dias por semana para o proprietário da terra. Os necer verbas destinadas ao estabelecimento de postos de saúde
camponeses reclamavam na justiça, podendo assim evitar a ex- nas zonas rurais onde as Ligas Camponesas da Paraíba eram ati-
pulsão enquanto estavam pendentes os procedimentos legais. Os vas. Tal medida constituiu um benefício tangível para os campo-
donos, desacostumados a qualquer desafio por parte dos traba- neses e aumentou substancialmente o prestígio de Assis Lemos.
lhadores, freqüentemente recorriam à violência, e ocasionalmente Logo ele se tornou o presidente da Federação das Ligas Campo-
eclodiam conflitos sangrentos. No dia 17 de março de 1962, os nesas da Paraíba. Em julho de 1962, Goulart visitou a Paraíba
trabalhadores de um engenho, ao norte de Sapé, mataram a fa- e foi saudado por 16.000 camponeses em passeata.
cadas dois pistoleiros particulares dos donos das terras e feriram Em 1962, quando Assis Lemos se candidatou a deputado es-
o administrador do engenho, numa luta que também resultou na tadual, Elisabete também entrou no páreo. Falava-se que Julião
morte de dois camponeses. Os latifundiários juraram vingança. a havi;i convencido a entrar na disputa, numa tentativa de tirar
Pouco tempo depois, dois homens vestidos como vaqueiros votos de Assis Lemos. Se este foi o caso, o plano deu errado, pois
emboscaram João Pedro Teixeira e o mataram a tiros. Os crimi- Elisabete perdeu por muito. Depois disso, Julião tinha muito pou-
nosos foram Jogo capturados e descobriu-se que pertenciam à po- co a dizer sobre o curso do movimento da Liga Camponesa na
lícia local. Eles implicaram vários latifundiários, inclusive um Paraíba.
político proeminente. Os policiais foram presos, mas os verda- Apesar de ainda não saber de nada, Julião estava em apu-
deiros responsáveis nunca foram processados. Julião protestou ros. Afastando-se tanto de Goulart quanto dos comunistas, ele ,
vigorosamente contra o crime e mandou ao ministro da Guerra se isolou na ala esquerda da polítiç_a nordestina, e as conseqüen- \
de Goulart uma carta que recebeu bastante publicidadi;:, exigin- cias, especialmente as do seu rompimento com os comunistas, fo-
do que fossem confiscadas as armas que, segundo ele, os donos ram profundas. O movimento das Ligas Camponesas do Nordeste
de terras na Paraíba estavam armazenando. 25 Ele também pro- exigia liderança e coordenação, especialmente se se tratava de
jetou em cena, como uma figura de primeiro plano, a viúva, Eli· manter uma atitude revolucionária. Entretanto, Julião sabia muito

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bem que uma revolução regional nunca poderia ter sucesso, e, passar a outrem o direito de advogar a causa revolucionária com
portanto, ele teria de procurar aliados em outras partes do país, um certo grau de credibilidade. Assim, a estabilidade que os co-
além de necessitar de financiamento, o qual só poderia vir do Sul munistas haviam criado na esquerda não podia mais continuar.
do Brasil e do exterior. Ele precisava, também, manter seus con- A conclusão de Celso Furtado foi que "quando você passa das
tatos internacionais. palavras para a ação, tem que pagar um preço muito alto, espe-
Mas Julião era apenas uma pessoa, e teve de delegar respon- cialmente quando não existem condições para uma revolução".
sabilidades e depender de subordinados. Como havia rompido O ano de 1962 começou com Julião flanqueando o Partido l.
com os comunistas, não mais podia utilizar a máquina deles, que Comunista e encontrando-se na extrema esquerda do aspecto po-
funcionava às mil maravilhas, e foi obrigado a expandir sua pró- lítico do Nordeste. Havia chegado o momento para as Ligas Cam-
pria organização. O Congresso de Belo Horizonte ajudou a rea- ponesas produzirem um avanço visível em direção à revolução,
lizar isto, pois capacitou-o a atrair vários adeptos, na maioria não necessariamente um movimento armado, mas pelo menos sus-
estudantes, que estavam totalmente desencantados com o que citando com êxito uma consciência revolucionária entre os cam-
achavam ser um conservadorismo do Partido Comunista. Estes poneses e forjando uma espécie de infra-estrutura revolucionária.
novos adeptos estavam ansiosos para agir. Seu entusiasmo cria- Em suma, estava na hora de acontecer alg~ma coisa.
va outros problemas - se podiam agir sob a direção de Julião
e se permaneceriam sob seu controle.
A oposição comunista significava muito mais do que a mera
ausência do apoio do Partido. As Ligas Camponesas, por terem
uma estrutura imprecisa e estarem espalhadas em toda a zona açu-
careira, ofereciam um alvo irresistível para infiltração. Os comu-
nistas começaram a se imiscuir nas Ligas e a tentar tirar o seu
controle das mãos dos elementos pró-Julião. Tal competição ser-
viu apenas para confundir os camponeses e desviá-los da luta pe-
la reforma agrária. O faccionalismo, a doença congênita da
esquerda, tinha feito sua inevitável aparição e logo se espalharia
com grande intensidade.
Em entrevista concedida em 1963, Celso Furtado, com mui-
ta percepção, expôs outra dificuldade que Julião enfrentava, ao
adotar uma instância abertamente revolucionária. Ele observou
que, desde 1935, o Partido Comunista havia ocupado a extrema
esquerda do espectro político brasileiro e tinha conseguido o mo-
nopólio do usq da retórica revolucionária. Mas o Partido nunca
havia realmente feito qualquer coisa revolucionária. À medida
que os comunistas começaram a ser desalojados do seu confor-
tável lugar na extrema esquerda, por Julião e outros revolucio-
nários esquerdistas inspirados por Cuba, estes últimos acharam
que não podiam copiar a inação do Partido Comunista. Come-
çaram a sentir a pressão de ter de fazer alguma coisa, ou então

112 113
inevitável. Desde que as condições não haviam chegado ao pon-
to no qual os camponeses se levantariam em revolta espontânea
contra seus agressores, parecia lógico que aqueles que estavam
insuflando o que resultaria em revolução teriam que apresentar
um plano de ação, uma organização disciplinada, e um grupo de
SETE líderes que executariam o programa. A agitação em si não era
mais suficiente.
A tarefa não seria fácil. Para começar, ninguém sabia quan-
Julião em Baixa tas Ligas Camponesas já existiam e quantos camponeses delas par-
ticipavam. As estimativas iam da afirmação solene de Julião de
que o número dos membros das Ligas tinha ultrapassado a mar-
ca dos 100.000,J até a declaração de um padre católico, que
atuava junto aos trabalhadores· rurais em Pernambuco , de que
ficaria muito surpreso se, em janeiro de 1962, existissem vinte Li-
gas no estado. 4
Julião realmente acreditava que as Ligas estavam tão espa-
lhadas e numericamente fortes quanto ele continuava a insistir.
Seus escritos presumiam a existência de um movimento campo-
As HABILIDADES RETÓRICAS de Francisco Julião não incluíam a nês de massa através de todo o Nordeste. Tamanha auto-ilusão
sensibilidade para um epigrama feliz. No entanto, no curso de idílica refletia o triunfo da teoria e da ideologia sobre os duros
sua carreira no Nordeste, ele produziu uma máxima memorável. ditames da realidade. Isso provaria ser uma séria fraqueza no pe-
Durante uma entrevista com Antônio Callado, em 1963, ele fez, ríodo crucial que se aproximava, quando a necessidade de ação
com certa tristeza, a seguinte observação: "Agitar é uma coisa exporia a impotência da palavra falada e escrita.
bela. O difícil é organizar."• É discutível que a violência planejada tenha se tornado uma
Em meados de 1962, Julião já podia olhar com nostalgia os parte do programa de ação das Ligas em 1962. Mas nos primei-
primeiros anos do movimento camponês. Este fora um período ros dias estava bem claro que as Ligas não adotavam a violência.
romântico e relativamente sem complicações, já começando a as- Apesar de jornais do Recife culparem as Ligas por várias lutas
sumir a aura de uma legenda viva. Com certa ajuda de Julião, · urmadas no interior, tais acusações nunca foram comprovadas.
as Ligas tinham se reproduzido de uma forma mais espontânea As vezes os donos dos engenhos acusavam os membros das Li-
do que planejada. Talvez Julião não fosse "um agitador social gas ele tocar fogo nos canaviais, mas Julião sempre negava tais
como Cristo e Moisés" , o qualificativo histórico que ele aplicara ucusnções. Ele argumentava que os camponeses poderiam quei-
a si mesmo num discurso em 1962,2 mas durante os anos de for- 111ur toda a zona açucareira se realmente quisessem, mas não fa-
mação ele desempenhou um papel muito simples em seus esfor- " '" sentido destruírem recursos que eventu~lmente lhes
ços para agitar os camponeses do Nordeste. Agora, porém, as pc1tcnccriam na eventualidade de uma efetiva reforma agrária.
coisas estavam mudando. Julião e outros começavam a falar so- As Ligus também não parecem ter adotado um plano de ação
bre a necessidade imediata de uma reforma radical, que não po- par ti provocur, durante este período inicial, invasões dos enge-
dia ser obtida por meios pacíficos, dadas as circunstâncias então nhos ou dU'l usinas pelos posseiros, apesar de se encontrarem nos
existentes. Havia insinuações tenebrosas de que a violência era lur 11nl~ vngtlli rcf'crências a estes choques, usualmente após os cam-

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Cuba é nossa. Não apenas simbolicamente, porém concretamen-
poneses terem sido expulsos de suas casas. Ocasionalmente , tais te. Quem hoje tiver a audácia de tocar em Cuba ... estará direta-
expulsões resultavam do desejo do proprietário de desencorajar mente provocando o povo brasileiro a uma luta imediata e sem
o alistamento nas Ligas Camponesas. (Numa situação extrema limite."'
surgiu o relato de que a polícia particular de um latifundiário te- Assim começaram a circular as histórias de que o pessoal das
ria ferri;tdo um camponês na testa com as iniciais do dono da ter- Ligas Camponesas estava recrutando voluntários do Nordeste do
ra, diante de sua mulher e filhos, porque ele tinha se associado Brasil para ir a Cuba e ajudar aquela ilha oprimida a defender-se
às Ligas Camponesas.)s Para as Ligas, reagir com demonstra- da agressão americana; que camponeses e estudantes do Nordes-
ções ou invasões constituía mais um ato de autodefesa, e mesmo te estavam recebendo treinamento na tática de guerrilhas duran-
de necessidade de organização, do que uma política oficial. te suas visitas a Cuba; que carregamentos misteriosos de
Em 1962, as Ligas haviam definitivamente tomado a ofensi- armamento e dinheiro estavam chegando do exterior para o Nor-
V't· O Chicago Daily N ews relatou um incidente no qual os cam- deste. Um político do Recife chegou a ponto de afirmar que Ju-
poneses que estavam fazendo um piquete numa usina perto de lião possuía um depósito de armas tchecas escondidas no quintal
Vitória de Santo Antão circulavam uma petição com os seguin- de sua casa no Recife. 8
tes dizeres: Eram variadas as reações a tudo isso. O general Artur da
Costa e Silva, comandante do Exército no Nordeste (e depois pre-
Os nossos homens estão com uma fome danada. Pre- sidente do Brasil), não se perturbou com os boatos de revolução
cisamos de comida decente. armada. Ele disse sem rodeios: " Julião blefa muito. " 9
Os 1.500 camponeses que estão fazendo demonstração Os comunistas encaravam o tumulto causado pelas Ligas co-
pela reforma agrária nas terras desocupaçlas de Constâncio mo uma mera extensão do programa de agitação de Julião. Não
Maranhão exigem: 30 quilos de fa~inha, açúcar, feijão e acharam que o que estava acontecendo fosse digno de ser consi-
carne. derado como parte de qualquer plano revolucionário. Um jornal
Se esta petição do povo não for atendida, estas mes- do Partido indagou: "E agora? O que poderiam oferecer aos cam-
mas pessoas, com o seu espírito perturbado, terão que usar poneses como forma de luta? A ordem do dia era a reforma agrá-
" a marra", porque o nosso objetivo é que a terra seja da- ria. Mas que tipo de reforma agrária? Isto não interessava. A
quele que nela trabalha. 6 única coisa que importava era agitar." io O respeitado Jornal do
Brasil, do Rio, atirou farpas de ridículo sobre os rebeldes das Li-
Pelo menos a Liga tinha escolhido um alvo apropriad.o. Cons- gas Camponesas . Um editorial declarou: "O senhor Julião, um
tâncio Maranhão era o latifundiário que brandia a pistola no fil- conspirador e agitador, fala de barbas e armas. Ele esquece que
me documentário da TV-ABC intitulado A Terra Conturbada. isto aq ui não é Cuba. Homens barbudos armados, num Brasil
As Ligas também d~envolveram um apoio fervoroso a Fi- civilizado e democrático (neste país nunca houve Batistas), não
del Castro em 1962. Apesar da insistência de Julião de que Cuba 11ão revolucionários - são casos de polícia. Pior ainda, são cari-
era apenas um símbolo e Castro apenas mais um herói no seu pan- caturas. Caricaturas que não metem medo. Provocam risos ... " 11
teão revolucionário terrivelmente eclético Uuntamente com Moi- Ao mesmo tempo, alguns observadores estavam avançando
sés, Jesus, São Francisco de Assis, Mao Tsé-tung, Ben Bella, a teoria de que Julião era uma influência moderadora sobre ele-
Thomas Jefferson, Abraão Lincoln e outros), suas palavras fre- mentos explosivos no Nordeste. Os que assim acreditavam olha-
qüentemente continham implicações veladas de que Cuba era para vam sua linguagem inflamada apenas como um recurso para
ele mais do que uma simples inspiração. Certa vez ele disse a um apressar as reformas. Argumentavam que este tipo de oratória
jornalista no Rio: "Todos nós somos cubanos. A revolução de
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116
ajudava seus seguidores oprimidos a liberar tensões e, ao mesmo grupos de combatentes, compostos, em sua maioria, de estudan-
tempo, pressionar por mudanças significativas na estrutura agrá- tes. Estes centros também tentariam angariar o apoio ativo e pas-
ria. O fato de ele nunca ter especificado qualquer programa en- sivo de camponeses locais. Julião objetou vigorosamente a isto,
volvendo o uso da violência fortificou esta interpretação mais ou mas em vão.
menos benevolente do seu movimento. O "acampamento de Dianópolis" representava um desvio
Finalmente, deve ser notado que, durante este período, uma drástico da estratégia que Julião havia planejado para as Ligas, as
comissão especial do legislativo federal estava efetuando uma in- quais tiravam sua força das condições existentes na zona açuca-
vestigação das Ligas Camponesas. A comissão não conseguiu en- reira de Pernambuco e Paraíba, e que tinham crescido e prospe-
contrar qualquer evidência de subversão e a certa altura publicou rado em resposta a específicas pressões sociais e econômicas. Agora
uma nota observando que as Ligas estavam, de fato, procuran- seria feita uma tentativa para conseguir radicalização instantânea
do mudanças estruturais no interior. 12 de camponeses em diferentes áreas, bem longe destas pressões. Do
O que faziam as Ligas na realidade? Muitos dos rumores so- ponto de vista puramente militar, é verdade que o interior remoto
bre suas atividades não eram baseados em fatos. Po~ exemplo: e pouco habitado oferecia certas vantagens sobre a zona açucarei-
o próprio Julião admitiu, numa entrevista a Tad Szulc, do Ti- ra relativamente compacta. Estas vantagens, porém, nunca con-
mes, que nunca havia feito planos reais para mandar voluntários seguiram sobrepujar os obstáculos ao plano. O paralelo com a
para lutar em Cuba, mas que a agitação contra a agressão dos operação de Che Guevara na Bolívia é óbvio . O "acampamento
Estados Unidos constituía apenas um método para politizar os de Dianópolis" foi um precursor daquela malfadada aventura.
camponeses. 11 As freqüentes viagens a Cuba não parecem ter A idéia brotou na imaginação fértil de Clodomir dos Santos
produzido nenhuma guerrilha camponesa legítima. Como obser- Moraes, o principal lugar-tenente de Julião. Clodomir era um ad-
vou depois um dos lugar-tenentes de Julião, "não existia nada vogado do estado da Bahia, no limite sul do Nordeste. Ele veio
para aprender em Cuba sobre as lutas no Nordeste. P ara aqueles trabalhar no Recife e serviu, durante certo tempo, na Assembléia
camponeses que fo ram até lá, era mais como um piquenique, um Legislativa. Fez amizade com Julião e era um dos poucos depu-
fim de semana. Em suma, tudo foi um desperdício tremendo" .'4 tados estaduais que podiam acompanhar o líder das Ligas Cam-
Fi11ulmcntc, apesar do fala tório sobre a rmamentos, ninguém des- ponesas em viagens de investigação pelo interior. Ele era também
cobriu qualquer estoque significativo de armas que pudessem membro oficial do Partido Comunista. Quando estava de veia,
coustll uir uma séria ameaça contra o governo. C lodomir podia ser um maravilhoso contador de histórias,
Mesmo assim, seria errado descarta r o movimento das Li- embelezando-as com uma vivaz torrente de detalhes. Trazia qua-
gas Camponesas como gerador de palavras sem ações, pois hou- se sempre um cigarro no canto da boca. Mas havia nele uma in-
ve de fato uma tentativa , por pa rte ele pessoas ligadas às Ligas, disfarçável dureza, que sua inteligência rápida tendia a exagerar.
para realizar uma revolta verdadeira cm 1962. Apesar de os agen- Alguns o consideravam feio, mas ele projetava um magnetismo
tes de segurança do Brasil haverem apresentado evidência docu- que atraía seguidores. Dizia-se que sua esposa, uma linda tche-
mentada com o propósito de incrimina r Julião, 15 ele continuou ca , falava nove línguas .
a declarar que não tinha qualquer conexão com o "acampamen- C lodomir era um homem com ligações em Havana. Foi ele
to de Dianópolis". O que realmente aconteceu foi que Julião per- quem aproximou Julião de Fidel Castro. Por volta de 1961, ele
deu o controle sobre certos militantes dentro do movimento das se havia dedicado completamente à causa de Julião, e em dezem-
Ligas Camponesas, e eles agiram por conta própria para plane- bro foi censurado abertamente na primeira página do jornal do
jar e preparar uma insurreição armada no interior do Brasil. A Partido Comunista, no Recife. 16 Em junho de 1962, foi expulso
idéia era estabelecer vários acampamentos para treinar pequenos do Pa rtido por "aventureirismo" .11

118 119
Desse modo, Clodomir mudou-se da ala esquerda do Par- ção de suscitar o desenvolvimento dessa remota região tropical
tido Comunista para a ala esquerda do movimento das Ligas nos planaltos centrais. Na verdade, a especulação imobiliária por
Camponesas. Neste último, encontrou uma importante aliada, A- estrangeiros (na maioria americanos) atestou a validade desta vi-
lexina. A esposa de Julião era uma ativista dentro do movimen- são do futuro . Obviamente, os imigrantes que se estabeleciam em
to, e neste caso, como em muitos outros, continuou não que- Brasília, ou ao redor, assim como ao longo da nova estrada, pre-
rendo subordinar-se aos interesses do marido. Ambos, Clodo- cisariam de alimentos. Havia lógica, portanto, quando os nor-
mir e Alexina, estavam ·convencidos de que a revolução esta- destinos, chegando a Dianópolis, anunciaram planos para plantar
va ao seu alcance. Julião discordava, mas deixou-se levar. Nis- grãos e criar gado nas fazendas que estava m comprando. Tam-
to ele demonstrou uma das suas fraquezas mais sérias, uma in- bém fazia sentido eles dizerem que seus esforços estavam sendo
capacidade para dizer "não" e manter suas posições. Olhando financiados por um grupo de investidores nordestinos que haviam
em retrospecto esse período crucial, Julião observou, numa en- formado algo chamado (sem dúvida com um certo tom de grace-
trevista em 1969, que Clod.omir "não podia dizer onde acaba- jo) "Companhia Capitalista do Nordeste", com o objetivo de ti-
va a realidade e começava a fantasia. Então começou a viver rar vantagens das oportunidades que Goiás oferecia.
num mundo de fantasia. É muito perigoso trabalhar com um ho- Com o passar dos meses, os representantes da Companhia
mem desse tipo" .is Capitalista do Nordeste começaram a demonstrar uma consciên-
Dado o caráter clandestino do "acampamento", não é de cia social fora do comum. Pagavam bem aos seus tra balhadores
surpreender a escassez de detalhes que o confirmem. Tanto as acu- e forneciam serviços médicos e dentários. Também encorajavam
sações feitas pelo governo brasileiro como as negativas por fon- os seus trabalhadores e os da vizinhança a se organizar. Em ju-
tes das Ligas Camponesas parecem refletir um considerável nho de 1962, já se falava na formação de Ligas Camponesas na
exagero. Na verdade, um professor americano sem muita simpa- área de Dianópolis.
tia pelas Ligas expressou dúvidas quanto a ter o ''acampamen- Clodomir Moraes estava encarregado do grupo de Dianó-
20
to" realmente -acontecido. 19 Um exame de fontes publicadas, polis. Utilizando a Companhia Capitalista como cobertura, ele
comparadas com referências esporádicas feitas por pessoas das reuniu um pequeno núcleo, composto em sua maioria de estu-
Ligas Camponesas ainda relutantes em discutir o incidente, su- dantes. A operação Dianópolis foi um dos vários projetos seme-
gere a ocorrência dos seguintes eventos: lhantes iniciados em 1962. Outros acampamentos foram
Em novembro de 1961, um pequeno grupo de nordestinos estabelecidos nos estados da Bahia e Maranhão, em áreas nos li-
viajo u para o estado de Goiás e comprou várias fazendas no mu- mites do Nordeste. Os futuros guerrilheiros juntavam armas curtas
nicípio de Dianópolis e seus arredores, a uns 965 quilômetros ao e treinavam-se em longas marchas pelo interior. Tentaram tam-
norte e ligeiramente a leste de Brasília, a capital do Brasil. Goiás bém, sem muito resultado, alistar camponeses locais. As armas
é um dos vários estados, enormes e com pouca população, no uno foram enviadas do exterior, como alguns disseram: foram
interior do Brasil. Sua ponta norte estende-se acima da latitude compradas, ou roubadas, do Exército. Nessa época era fácil ob-
do Recife e sua base alcança quase o sul do Rio de Janeiro. A ter armas no Brasil.
leste da parte superior do• estado encontra-se o vasto sertão do O grupo de Dianópolis tinha problemas internos. Os estu-
Nordeste do Brasil. Quando os brasileiros falam de abrir o inte- duntcs não se aj ustaram bem aos rigores da vida de guerrilha.
rior do gigantesco subcontinente que é o seu país, invariavelmente l)c acordo com Clodomir, "as despesas dos campos de treina-
cilam o potencial de Goiás em termos esperançosos. A fundação mento se elevaram muito, como resultado da insistência desses
de Brasília, na parte sul do estado, e o início da construção de jovens em complementar a dieta frugal da guerrilha com um cons-
uma estrada de Brasília até a foz do Amazonas tinham a inten- 1unte suprimento de biscoitos, geléias e comidas enlatadas. Além

l20 121
disso, eles sustentavam que tinham direito a visitar semanalmen- O pior, porém, ainda estava por vir. No dia 13 de dezem-
te as prostitutas dos vilarejos vizinhos ..."
21 bro, a polícia estadual do Rio de Janeiro prendeu, numa cami-
A segurança do "acampamento" não era adequada. Em São nhonete, na periferia da cidade, Clodomir, uma moça chamada
Paulo, os estudantes falavam livremente sobre suas atividades e Célia (a esposa de Clodomir aparentemente havia regressado à
alguns até mesmo visitaram Dianópolis, brincando de guerrilhei- Tcheco-Eslováquia) e um rapaz não identificado. Na caminho-
ros no tempo disponível. nete, que pertencia a Julião, encontraram algumas armas. De
As autoridades brasileiras naturalmente estavam totalmente acordo com uma versão da história, os comunistas tinham de-
a par do que acontecia e mantinham os vários acampamentos sob nunciado Clodomir à polícia. Julião descartou toda a história co-
estreita vigilância. De acordo com Julião,22 no outono de 1962, mo uma armadilha e acrescentou, aparentemente com expressão
Pelópidas Silveira, então vice-governador de Pernambuco, avi- séria, que as armas encontradas no veículo pertenciam ao Ponto
sou-o de que os agentes de segurança o ligavam a essas ativida- Quatro, demonstrando claramente e inocência de Clodomir. O
des de guerrilha. Julião insistia que nada tinha a ver com isso, governador, militante conservador, do estado da Guanabara, que
mas imediatamente mandou uma mensagem aos estudantes nos corresponde à cidade do Rio de Janeiro, ficou feliz ao ver Clo-
acampamentos, para· fechar a casa e regressar ao Recife, a fim domir nas mãos da sua polícia, a mesma que, dentro de um mês,
de ajudar na campanha eleitoral de 1962, que estava começan- receberia publicidade nacional por sua tentativa de conseguir uma
do. Clodomir afirma que "camponeses e trabalhadores" expul- solução final para o problema da mendicância no Rio de Janeiro
saram os estudantes dos acampamentos. 23 De qualquer forma, jogando um grupo de mendigos desvalidos na baía de Guanaba-
no final de novembro o Exército invadiu a fazenda Dianópolis. ra. O ex-deputado de Pernambuco desapareceu de cena, sendo
É difícil afirmar com segurança o que realmente aconteceu colocado no porão de urna cadeia da Guanabara.
durante e após a invasão com base nas histórias, conflitantes e Como se a perda de Clodomir não fosse suficientemente sé-
muitas vezes patentemen~e exageradas, que emanavam da área. ria, um avião comercial brasileiro, no dia 27 de novembro de 1962,
Um jornal relatou que Clodomir fora preso no local e alguns dias espatifou-se perto de Lima, no Peru, num vôo procedente do Rio.
depois afirmou que ele havia surgido no Sul do Brasil. O item Foi descoberta, entre os destroços do avião, uma bolsa perten-
mais imaginoso foi uma sugestão de que os guerrilheiros haviam cente a um dos infortunados passageiros, um oficial cubano que
escolhido Goiás por causa de sua terra plana e sua rede de rios, 1lnha participado de uma conferência internacional no Rio. A bol-
24
especialmente' adequadas para a aterrissagem de aviões. Como su continha documentos que se referiam às atividades clandesti-
o governador de Goiás era um reformista suspeito de tendências nns ele Clodomir e dos outros no interior do Brasil e estabeleciam
esquerdistas, os seus inimigos estavam ansiosos por associá-lo a uma conexão entre os cubanos e os supostos guerrilheiros.
qualquer espécie de atividade ilegal ou subversiva. Desse modo, Esta descoberta embaraçosa resultou na suspensão do peque-
os relatos do incidente mencionaram que entre as pessoas presas 11<-) apoio financeiro que as Ligas Camponesas vinham recebendo
encontrava-se um funcionário do governo estadual. (Depois, o dt: Cuba, pelo menos até 1961. Mesmo naquela época, Castro re-
governador foi isentado de qualquer participação no "acampa- l111t1va em contribuir para as Ligas, porque tinha dúvidas quanto
mento".) As autoridades realmente fizeram algumas prisões e en- Ho seu potencial revolucionário. Agora ele estava certo disso. A
contraram algumas armas. O jornal das Ligas Camponesas, A 1wrdn de Clodomir também prejudicou a solvência do rnovimen-
Liga, publicou que as armas haviam sido colocadas no acampa- lu , vis10 que ele tinha se encarregado de obter ajuda financeira,
mentos por oficiais do governo e pertenciam de fato ao Ponto 1111110 cm seu país corno no exército. Isto deixou Julião com duas
Quatro, o programa de assistência técnica dos Estados Unidos l'nn1 cs internacionais de recursos: um comitê em Paris, que cole-
que precedeu a Aliança para o Progresso.
25 111vu dinheiro dos sindicatos trabalhistas na Europa Ocidental,

122 123
e um grupo de estudantes na Tcheco-Eslováquia, que estava an- ses indivíduos, poderá submeter o espírito do homem a urna pro-
gariando dinheiro para ser enviado ao Nordeste. 26 No âmbito va martirizante. Assim mesmo existem aqueles que, de alguma
nacional, o seu maior contribuinte era um grande proprietário forma, têm sucesso em preservar sua huma nidade e a pureza de
de terras do Rio, que acontecia ser também um marxista prati- seus ideais diante de pressões que convidam ao rancor e a uma
corrosiva· amargura. Joel Câmara era este tipo de pessoa. Suas

-
4 cante. 21 Portanto, o "acampamento de Dianópolis" teve êxito
no sentido de piorar a situação financeira, já bastante abalada, convicções ideológicas eram diretas e simples. "Sou socialista,
das Ligas. cristão e revolucionário", disse ele uma vez, durante uma entre-
Os acontecimentos em Dianópolis corroboraram o ponto de vista. "Socialista porque acredito que a riqueza deveria ser divi-
vista de Julião no tocante à inoportunidade das operações de in- dida entre todas as pessoas. Cristão porque o exemplo de Cristo
surreição, porém isso lhe trouxe pouco conforto. Dada a nature- como líder revolucionário é mais relevante e mais fácil de com-
za ambígua da sua conexão com o "acampamento", o líder das preender do que o de Marx. A cristandade é espiritual. Eu sou
Ligas Camponesas sofreu uma desgastante perda de prestígio, ar- espiritual. O Brasil está mergulhado em espiritualidade. O mate-
cando com abusos de todos os lados do compasso político. Os rialismo nunca poderá enraizar-se aqui. O socialismo da Bíblia,
revolucionários militantes consideraram o ocorrido como uma de- e não o de Marx, Lênin e Trotsky, é o que eventualmente preva-
monstração de incompetência. Os elementos conservadores da es- lecerá no Brasil. Finalmente, eu sou revolucionário porque esta
querda desaprovaram o que consideraram como um perigoso é a linica maneira de tomar o poder."
" aventureirismo". Julião ficou preso no meio, e não havia mui- A primeira vista, Joel não se parecia muito com um revolu-
to a fazer. cionário. Era magro, pálido, bem-educado, com dentes protube-
Enquanto isso, a nível local, o movimento no sentido de uma r·nntes e amarelados. Pertencia a uma família da classe baixa, e
ação mais militante das Ligas Camponesas de Pernambuco não HCll pai era ator. Um de seus professores, na universidade,
1ccorclava-se dele como "um bom rapaz, sempre sorrindo ou dan-
estava se mostrando eficaz para levar o Brasil mais perto da re-
volução. (0 problema principal que as Ligas enfrentavam - com- do gargalhadas, até mesmo quando falava sobre metralhadoras".
petição por parte da Igreja Católica, do Partido Comunista e de (Nu verdade, Joel tinha uma fascinação por metralhadoras.) Po-
161n, ele nem sempre sorria ou gargalhava. Havia ocasiões em que
outros grupos que buscavam estabelecer uma base de poder no
interior - será discutido no capítulo 11.) Julião também tinha l'lcnva excitado por alguma coisa que o tocava profundamente,
que lidar com a dificuldade de contar com lideranças efetivas a t• 11111 brilho duro cintilava nos seus olhos. Foi este olhar que assi-
nível local. Um dos seus lugar-tenentes de maior confiança era rutlou que ele não hesitaria em colocar o seu corpo na linha de
um estudante de Direito chamado Joel Câmara. 28 Ao contrário 1'1t1111 c quando achasse necessário.
de Clodomir, Joel não tinha ilusões grandiosas no sentido de im- Joel atraiu a atenção pública pela primeira vez em 1961,
plantar urna insurreição no interior do Brasil. Pelo contrário, pen- 111 11111clo j untamente com um colega da Faculdade de Direito, ga-
sava, com.o Julião, em alimentar um movimento revolucionário 11hnu um concurso com um ensaio analisando as condições exis-
interno entre os camponeses da cana açucareira. Mesmo assim, l 11111cs na Casa de Detenção do Recife. O seu trabalho expôs a
em janeiro de 1963, Joel, corno Clodomir, estava na cadeia. d1w11çn, a brutalidade, o homossexualismo e a loucura reinantes
O processo de radicalização é conhecido corno desumanizante 1111 t•udciu tipo fortaleza, vizinha de uma das piores favelas da beira
até mesmo para aqueles cujos primeiros passos na estrada da re- d 111 lo . l\s autoridades 11ão reconheceram o valor da análise feita
volução foram motivados pelos mais elevados impulsos humani- p1•f111J csLUclantes e os classificaram de subversivos.
tários. A dinâmica da frustração e da repressão, na medida em No final do mesmo ano, Joel viajou para Belo Horizonte a
que interage com o enorme senso de urgência que impulsiona·es- 111 11 du comparecer ao Congresso Nacional dos Camponeses. Foi

124 125
uma experiência renovadora. Ele conheceu e fez-se amigo de um Acendi a 001nba e joguei-a contra eles. Houve uma grande ex-
grupo de jovens trotskistas cuja sinceridade muito o impressio- plosão, e quando olhei, vi os pistoleiros fugindo às carreiras. Eu
nou . Por instigação dos comunistas, eles haviam sido excluídos poderia escrever um livro inteiro sobre isto", concluiu ele com
do Congresso. Joel protestou e ajudou-os pelo menos a obter per- um piscar de olhos, ''se você pudesse me mandar uma metralha-
missão para distfibuírem seus panfletos no encontro. Em vista dora" .
disto, os comunistas iniciaram uma série de ataques contra Joel. Os incidentes que ocorreram em Bom Jardim, em julho de
A grande déscoberta de Joel durante o Congresso foi a exis- 1962, resultaram em mais publicidade para Joel. A fim de defen-
tência de um grupo revolucionário do seu próprio estado. Ele se der José Firmino dos pistoleiros que estavam tentando expulsá-lo
apresentou a Julião, alistou-se no movimento das Ligas Campo- de sua casa, Joel decidiu que já era hora de uma operação para-
nesas e rapidamente assumiu uma posição de responsabilidade. militar, baseada nas táticas de guerrilha defensiva. Colocou cam-
Apesar de ter nascido e se criado na cidade, Joel resolveu poneses armados com suas primitivas espingardas de caça nas
fazer seu trabalho no campo, tornando-se um conselheiro legal proximidades do casebre de José Firmino e inventou um sistema
no dia-a-dia dos camponeses que pertenciam às Ligas. Cedo ele de sinalização baseado na explosão de fogos, para avisar da apro-
aprendeu que a lei viva, operando na realidade do campo, era ximação do inimigo. (Um tiro = aproximação dos pistoleiros do
bastante diferente daquela que estava estudando na faculdade. proprietário; dois = ferimento de camponês; três = aproxima-
"Você pergunta sobre a lei", ele disse em uma entrevista de ção da polícia ou do Exército.) Até deu um nome ao plano, "Ope-
1963, "e eu falarei sobre a lei. Num engenho, o dono tinha o há- ração Espada", que era o nome do engenho onde estas atividades
bito de se embriagar e depois sair correndo nu por dentro dos aconteceram. O seu principal companheiro na "Operação Espa-
casebres dos camponeses. Estes deram queixa à polícia, mas os da" era um tal de Dequinho, que por coincidência era irmão de
policiais encolheram os ombros e riram. Finalmente um dos cam- Julião e administrador da fazenda da família, Espera, que não
poneses pegou o dono do engenho em uma das suas visitas no- ficava fonge dali.
turnas e ameaçou-o de tirar fora sua masculinidade com uma fa- Foi tudo muito bom enquanto durou, o que não aconteceu
ca. Depois disto, o latifundiário manteve suas calças no lugar. por muito tempo. A imprensa do Recife publicou histórias ame..
"Tentei usar métodos legais, mas foi inútil. O caso de José drontadoras sobre as operações de guerrilha em Bom Jardim e
Firmino é um exemplo. O proprietário queria expulsá-lo de sua citou um oficial de polícia local, que teria declarado que "a ati-
fazenda, em Bom Jardim, e José me pediu assistência legal. Con- vidade de Joel é parte de um golpe subversivo bem organizado
seguimos testemunhas e preparamos os autos do processo. Mas, para implantar a anarquia em todo o interior" .29 Pouco depois
ao entrarmos no cartório, os pistoleiros do proprietário assusta- dlsto, a polícia prendeu Joel, Dequinho e alguns camponeses, e
ram as testemunhas. O juiz viu tudo, mas a única coisa que disse os entregou ao Exército. Infelizmente, por causa de sua inclina-
foi: 'Tenham calma, tenham calma.' Tinha medo de protestar. ~llo para a literatura ou talvez com olho na História, Joel descre-
"No dia seguinte, fui informado de que os pistoleiros esta- veu por escrito toda a "Operação Espada", chegando ao ponto
vam preparando uma emboscada para mim na cidade. Tive en- de desenhar um mapa detalhado do casebre de José Firmino e
tão uma nova idéia. Consegui uma grande bomba, pois estava Ncus arredores. O comandante do Exército imediatamente con-
próxima a festa de São João, e entrei na vila com vários campo- vc>cou uma conferência da imprensa, exibiu os documentos
neses. Um menino nos infhrmou onde os pistoleiros estavam se 1prcendidos e anunciou que tudo era tirado diretamente do ma-
escondendo. Aproximei-me sozinho, e quando ouvi o clique dos 1111nl ele Mao Tsé-tung sobre operações de guerrilhas. "Eles fica-
seus revólveres, pulei num buraco à beira da estrada. Começa- 111m me perguntando e perguntando sobre isto e eu fiquei
ram a atirar, mas fiquei bem quieto. Então saíram atrás de mim. 111..,istinclo que tinha feito o plano todo e não copiara nada de ne-

126 127
nhum manual", relembrou Joel em 1969, "mas não me acredi- na delegacia de polícia. Quando tentamos sair, os pistoleiros ati-
taram. Finalmente disse-lhes que tinha tirado a idéia da 'Opera- raram contra nós e um policial atirou de volta. A procissão das
ção Espada' de um artigo publicado na Revista Militar e isto crianças estava no meio do fogo cruzado, e uma menina de cinco
pereceu satisfazê-los." Os jornais deram ao fato uma cobertura a nos foi morta."
sensacional, chegando até a publicar o mapa, e proclamaram o A atividade de Joel se restringia, em sua maior parte, à par-
início da atividade revolucionária em Pernambuco. Mas logo pa- le norte da zona açucareira. Ele, claramente, não se achava en-
raram com a história quando o Exército não prosseguiu com suas volvido em qualquer insurreição planejada, mas estava utilizando
acusações e soltou os prisioneiros . Relembrando o incidente du- a violência como uma defesa contra agressões reais ou imaginá-
rante nossa recente entrevista, Joel animou-se e declarou, com rias por parte dos latifundiários. (Existe também evidência indi-
um sorriso: "Joe, fiz o que fiz com cinco camponeses, armados cativa de que um pouco desta violência poderia ter sido parte da
com cinco rifles velhos, armas do tempo de Buffalo Bill. Imagi- disputa intramuros dos diferentes grupos que estavam tentando
ne, imagine só o que eu poderia ter feito com uma metralhadora!'' organizar os camponeses. )30 Apesar de contar com muito pouca
Naturalmente os comunistas denunciaram com veemência o uj uda externa- se é que existia alguma - em forma de dinheiro
que Joel estava fazendo e tentaram ridicularizá-lo. Começaram e suprimentos, ele via com prazer todos os rumores sobre a exis-
a chamá-lo de "general Joel" e espalharam a história de que ele túncia de bandos de camponeses armados e organizados, porque
era doido. Mesmo assim, os camponeses gostavam dele e sempre " isso mantinha os latifundiários e a polícia num estado de gran-
matavam uma galinha e preparavam uma comida especial em sua de confusão". A sua melhor arma era o segredo. "Um minuto
honra, por ocasião de suas visitas. A polícia tomou nota disso de surpresa vale um avião com uma bomba atômica."
e vivia dizendo aos camponeses que a única razão pela qual Joel Mas a carreira de Joel durou apenas até o final de 1962. Em
voltava para o interior era porque gostava de galinha. O fato de juneiro de 1963, no município de També, onde os seus amigos
Joel ter sobrevivido em suas constantes incursões pelo interior deve 1rotskistas estavam organizando os sindicatos de camponeses, al-
ser atribuído, pelo menos em parte, à sua grande sorte (e talvez HUns membros da Liga local haviam invadido três engenhos . A
também ao revólver Smith & Wesson que carregava consigo). pol(cia dispersou-os, prendeu vários deles e apreendeu, confor-
Houve várias ocasiões críticas . Um exemplo foi o incidente em me relatou, vários rifles e coquetéis-molotov. Debaixo de um ri-
Sirinhaém, um município da costa de Pernambuco, ao sul do Re- goroso interrogatório, os camponeses aprisionados culparam Joel
cife: por ter organizado as invasões, e no dia 14 de janeiro ele foi apa-
"Um latifundiário tinha destruído o casebre de uma cam- nhado pela polícia, em També. Seguiu-se uma comédia de erros,
ponesa viúva, e a Liga local organizou um protesto numa cidade q uando a polícia o ~ ... ltou por engano e colocou-o num ônibus
vizinha. Os camponeses fizeram uma passeata, carregando o res- pnra o Recife. Ao d< scobrir o engano, telegrafaram à polícia es-
tante dos bens pessoa1s da viúva. Eu me achava na linha de fren- 111dual do Recife para prendê-lo novamente e mandá-lo de volta,
te e um repórter americano estava comigo. Os.políticos e o padre uws isto foi desnecessário, uma vez que o próprio Joel, ao che-
da cidade organizaram uma contrademonstração, uma procissão /(ll l' ao Recife, tomou o ônibus de volta a També, sendo preso
de crianças. Ao nos aproximarmos da igreja, as crianças come- 111mim que chegou. Passou algum tempo na prisão de També, on-
çaram a sua procissão, enquanto o padre tocava os sinos da igre- do se apaixonou por uma moça do lugar que tinha ido à cadeia
ja e gritava pelo alto-falante instalado na torre: 'Livrai-nos, São cum um grupo de amigos para ver o "famoso líder das guerri-
Jorge, destes demônios; rezemos, iqnãos, para que São Jorge nos llm11" que estava enfeitando a prisão local. Pouco depois, ele foi
defenda.' Tentamos·falar com o padre, mas dois pistoleiros saí- r 11vittclo para o Recife e preso como subversivo sob a chamada
ram da igreja. Nós recuamos e o repórter e eu nos refugiamos 1 oi de Segurança Nacional, obtendo a oportunidade de experi-

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mentar, pessoalmente e por algum tempo, as condições da Casa mento "escandaloso", o arquiconservador cardeal do Rio de Ja-
de Detenção do Recife. neiro baixou uma ordem proibindo-lhe o exercício das funções
Certa vez, falando de Joel, Julião disse que seus únicos de- eclesiásticas. Isto não o deteve de forma alguma. Em 26 de ju-
feitos eram a pureza, o idealismo e a coragem.31 Existiam outras nho, ele enviou uma carta ao cardeal, declarando que a ordem
pessoas, dentro das Ligas Camponesas, que exibiam uma faixa era desnecessária, visto que achava impossível desempenhar os
mais ampla de defeitos. Tomemos, por exemplo, o padre Alípio deveres de um padre sob a "orientação pastoral" dele. 33 A car-
de Freitas, cognominado "o padre do povo"; calvo, rosto ver- ta também atacou os conselheiros do cardeal, um grupo de "eli-
melho, cheio de energia, e que rodopiou pelo movimento como te" que funcionava como "instrumento de dominação imperia-
um dervixe apalhaçado, trazendo um toque de cor, distribuindo lista".
confusão a mancheias e terminando, como Clodomir e Joel, atrás Apesar da ordem do cardeal, padre Alípio continuou usan-
das grades. do a batina e despontou no Nordeste, onde fez campanha com
O passado do padre Alípio era obscuro, tanto assim que um Julião, na Paraíba e em Pernambuco, durante as eleições de 1962.
cínico sugeriu que ele se infiltrara no movimento das Ligas Cam- Seu papel permaneceu pouco claro. Julião nomeou para o Dire-
ponesas como um espião da Igreja. Outros duvidavam que ele tório Nacional das Ligas Camponesas um grupo que parecia existir
fosse mesmo um padre. "Ele não falava como um padre", che- somente no papel e até revelou à imprensa que o padre era o seu
gou a comentar um funcionário das Ligas. "Se era padre, não confessor. A presença de um padre no palanque junto a ele, sem
levava isso muito a sério." O padre era originário de Bragança, dúvida, ajudou a anular qualquer tentativa de convence; os elei-
em Portugal. De acordo com um boato, havia sido expulso de tores de que Julião era o Anticristo, ou a encarnação do Diabo .
Angola, uma das colônias portuguesas na África, porque estava O problema é que o padre não ficava apenas em pé no palanque,
incitando os pretos contra os seus governadores coloniais. Numa mas fazia discursos e simplesmente não podia controlar o impul-
entrevista à imprensa, em 1962, Julião informou que ele era um so de usar uma linguagem provocativa e antimilitar. Oficiais do
"teólogo, multilíngüe, professor de Direito Internacional e capi- Exército prenderam-no no Recife, após uma explosão verbal de
tão da OTAN" . 32 Outro relatório retratou-o como um capelão palavras ofensivas, na qual incitou os camponeses e trocarem suas
das forças de paz da ONU no Congo. As causas da esquerda enxadas por rifles; porém soltaram-no poucas semanas depois.
atraíam-no muito. Ele compareceu, em 1962, a um Congresso /\pós um discurso semelhante na Faculdade de Direito de João
Mundial de Desarmamento e Paz, em Moscou, assim como a um Pessoa, na P araíba, tropas armadas com metralhadoras
Congresso de Líderes da Esquerda Cristã, no Brasil. Na entre- prenderam-no quando deixou o prédio. Mais ou menos em mea-
vista de 1962, Julião o descreveu como "um cristão autêntico". dos de novembro, já estava novamente solto e regressou ao Rio,
Sete anos depois, numa posição mais reflexiva, Julião admitiu onde, numa entrevista na televisão, não demonstrou qualquer per
que o padre Alípio "realmente era um anarquista. Ele seguia mais da de entusiasmo. Ele contou que, enquanto estivera preso, fize-
a Bakunin do que a Cristo". Julião disse ainda que, apesar de ra duas greves de fome, uma das quais em protesto contra o blo-
suas inclinações esquerdistas, o padre não era um bom marxista. queio dos Estados Unidos a Cuba; que não existia verdade alguma
Padre Alípio passou algum tempo trabalhando com campo- na história de que ele estava de partida para um país socialista,
neses no Maranhão, um estado grande e pouco povoado no Nor- uma vez que não era merecedor de tal recompensa e, de qualquer
te do Brasil. Vários jovens sentiam-se atraídos por ele e tornou-se f'orma, "há uma revolução a ser feita aqui"; e que, pelo fato de
moda entre os estudantes convidá-lo para participar de reuniões 70 por cento dos congressistas brasileiros serem latifundiários,
34
em que ele denunciava violentamente os "oligarcas". Em 1962, 11 reforma agrária só poderia ser obtida "na marra" .
passou outro tempo no Sul, e, tendo em vista o seu comporta- Julião não estava muito satisfeito com a viagem d~ padre

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Alípio ao Rio. E le sugeriu que o padre regressasse ao Maranhão exemplo de atividade "comunista" dentro da organização de Cel-
e tomasse conta da "região norte" das Ligas Camponesas. Mas so Furtado.36 Maria Ceales demonstrou ser extrovertida demais
a "região norte", ao que parecia, era tão inexistente quanto e um tanto autoritária na sua abordagem. Ela também gosta va
o d iretório nacional , e o padre não tinha intenção alguma de de receber crédito por coisas com as quais não t inha qualquer li-
retornar àquele fim de mundo. Ele preferia muito mais as delí- gação e logo entrou em choque com a lguns dos organizadores das
cias do Rio, onde escreveu alguns a rtigos para A Liga, o jor- Ligas Camponesas. J ulião, finalmente, teve que retirá-la, com cui-
nal das Ligas Camponesas, e ao mesmo tempo teve um caso dado, do movimento.
de amor, quentíssimo, com uma loura bonita, estuda nte de Me- Esses reveses, entre outros que o movimento das Ligas Cam-
dicina. Logo depois, separou-se do movimento de Julião e tor- ponesas sofreu nos fi ns de 1962 e início de 1963, foram apenas
nou-se ativista de um grupo católico radical denominado Ação superficialmente compensados pela eleição de Julião para clepu-
Popula r . Dentro de pouco tempo, estava de volta à cadeia. Em Lado federal. O seu triunfo na eleição de outubro de 1962 foi uma
28 de maio de 1963, um jornal do Recife publicou que o Exér- virada da qual ele poderia tirar grande satisfação, visto que tan-
cito o estava mantendo incomunicável e que ele havia requisi- to o "sistema" de Pernambuco como o Partido Comunista se opu-
tado uma batina limpa e uma Bíblia. Exceto por um artigo em nham à sua candidatura. O cargo lhe trazia imunidades contra
A Liga, la mentando a morte do papa João XXIII, e que ele, u prisão, novo prestígio, benefícios de viagem e a oportunidade
escondido, conseguiu enviar da cadeia em junho ,Js nunca mais ele fortalecer ligações no Sul. Mas existiam, igualmente, sérias des-
se ouviu falar dele. vantagens. Significava que Julião seria removido para mais lon-
O fato de Julião ter decidido utilizar os talentos duvidosos ge de sua base de poder na zona açucareira do Nordeste, e
do padre Alípio refletiu falta de discernimento, e o atormentaria devotaria ainda menos tempo ao desenv9lvimento de uma cons-
bastante. Esta falha, na realidade, era, de certo modo, efeito co- ciência revolucionária entre os camponesés, desvantagem esta tor-
lateral de outra de suas fraquezas . Maria Ceales, por exemplo, 11ada ainda mais severa pela falta de um quadro de subordinados
era uma jovem estudante de Direito cuja capacidade oratória era d'icazes. Ta mbém tornava manifesta uma contradição, visto que
grandemente aumentada pelo seu cativante aspecto físico. Julião ele estava condenando a versão brasileira do processo democrá-
achava seus olhos verdes irresistíveis, e, durante algum tempo, 1ico e ao mesmo tempo participando do jogo eleitoral.
ela passou por sua "secretária", acompanhando-o na viagem ao Por que se candidatou ele a um cargo fede ral? Algumas pes-
Congresso de Camponeses em Londrina, em 1960. Apesar de vir \Oas que lhe eram ma is chegadas acharam que isso fora um grande
de uma família de grandes proprietários rurais no estado do Ceará, equívoco . Os seus inimigos encaravam o fato como prova de que
seus pontos de vista eram definitivamente progressistas. Ela gos- ele não passava de um oportunista . O próprio Julião deu uma res-
tava de fazer discursos revolucionários para camponeses, e rapi- 11osLa que está lo nge de ser satisfatória . Numa entrevista cm 1969 ,
damente ganhou o cognome de "La Pasionaria do Nordeste". l'le ex plicou que se candidatara a deputado federal a fim de obter
Foi sua a idéia de ''infiltrar'' a Sudene e utilizar os recursos da- 11111a tribuna através da qual pudesse denunciar as eleições. Ele po-
quele órgão de desenvolvimento para ajudar as Ligas Campone- deria ter feito a mesma coisa recusando-se abertamente a participar
sas. Julião tinha suas dúvidas quanto a isto, pois não queria se do jogo político, ou renunciando a seu mandato a pós as eleições .
chocar com Celso Furtado; mas novamente foi incapaz de dizer /\. decisão de se candidatar parece ter sido uma extensão ló-
" não". E la conseguiu um emprego na Sudene e utilizou-o para weu dos outros esforços de Julião para ampliar o movimento das
coordenar a atividade das Ligas Camponesas em todo o Nordes- 1 1gas Camponesas. Re flete o dilema em que ele se encontrava em
te. E ntretanto, não foi muito discreta sobre o que estava fazen- 1% 2: viu a futilidade de tentar uma revolução regional, que po-
do e dentro em breve os inimigos da Sudene apontavam-na como d l· 1 iu ser esmagada facilmente pelo governo federa l, mesmo sem

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a ajuda militar dos Estados Unidos, e portanto tentou desenvol- sa. Um líder socialista afirmou : "Ele não é um canalha: é um
ver um tipo de aliança nacional do trabalhador rural, que pode- místico, um Savonarola às avessas, loucamente ansioso para pu-
ria adequar-se a modelos mais tradicionais da revolução socialista. lar dentro da fogueira. " 39
Pensava que sua eleição para a Câmara dos Deputados em Bra- Enquanto isso, no Nordeste a revolução pregada por Julião
sília facilitaria este processo. No entanto, os acontecimentos no vinha sendo varrida sob seus pés. Ele estava sendo substituído
Brasil estavam se processando rápido demais. As pessoas não es- como a figura revolucionária mais importante da região. O líder
tavam mais perguntando se haveria uma revolução, mas sim quan- mais importante começava a se destacar no estado justamente
do ela aconteceria e qual a direção que tomaria. Os camponeses quando as Ligas estavam caindo na desordem. O ano de 1962 tes-
do Nordeste, entretanto, simplesmente não estavam prontos pa- temunhava o raiar de uma "política nova" em Pernambuco. E
ra participar. Não possuindo um grupo confiável de organizado- o homem da hora era Miguel Arraes.
res, Julião cedo descobriu não só que era incapaz de manter o
seu movimento político na dianteira da marcha dos acontecimen-
tos nacionais, como também que estava mal preparado para en-
frentar o desafio de outros grupos que tentavam organizar os
camponeses em seu próprio estado de origem.
Se a candidatura de Julião era uma contradição entre o que
ele dizia e o que fazia, o recém-eleito deputado federal rapida-
mente redescobriu sua consistência em janeiro de 1961, quando
denunciou o plebiscito nacional que determinaria se o presidente
Goulart deveria assumir ou não todos os poderes inerentes a seu
cargo. Quando assumiu o poder em seguida à súbita renúncia de
Jãnio Quadros, Jango teve que concordar com a limitação dos
poderes da presidência, a fim de acalmar os elementos do Exér-
cito e da ala direita, que se opunham tenazmente a ele. O acor-
do, alcançado sem qualquer violência, de forma tipicamente
brasileira, exigia um plebiscito nacional para a restauração de to-
dos os poderes constitucionais do presidente. Julião chamou o
voto uma "farsa" e aconselhou seus seguidores a se absterem de
votar .37 Explicou que o plebiscito não seria de nenhuma utilida-
de para os camponeses, visto que não os traria mais para perto
de uma radical reforma agrária. Seu posicionamento conseguiu
apenas isolá-lo do resto da esquerda, que deu apoio total a Gou-
lart e ajudou-o a conseguir de volta a a utoridade que havia cedi-
do para alcançar a presidência. Dentro do contexto da política
nacional no Brasil, Julião realmente nunca se recuperou das con-
seqüências desta confusa demonstração de independência. O Par-
tido Comunista usou a oportunidade para culpá-lo do fiasco em
Dianópolis. 38 O Partido Socialista Brasileiro quase que o expul- .

134 135
porte público; 48 por cento eram beneficiadas pelo serviço de abas-
tecimento d'água; 36,8 por cento eram servidas pela coleta de li-
xo; 45,4 por cento tinham iluminação; 12 por cento tinham acesso
a linhas telefônicas; e 20, l por cento estavam ligadas ao serviço
de esgoto da cidade. 1 Incrível que pareça, numa cidade cuja po-
OITO pulação estava rapidamente se aproximando da marca de um mi-
lhão, só existiam 6.500 telefones em operação.
Em sua campanha de 1959, ArraL . tinha invocado a neces-
A Ascensão sidade de casas populares de baixo custo, expansão da rede de
água, melhor transporte e mais escolas. Mas os recursos finan-
de Miguel Arraes ceiros à disposição de um prefeito brasileiro são mínimos. Por
r-xemplo, em 1956 os municípios haviam recebido apenas 9 por
cento de todas as rendas federais provenientes de impostos .1
Portanto, Arraes não poderia fazer mais do que uma mossa
na armadura de miséria em que a cidade estava envolvida. Ele
conseguiu iniciar a lguns projetos de serviços públicos em fave-
las da periferia, e ganhou a reputação de ser um bom adminis-
trador.
Seu programa mais significativo e mais controvertido foi
aquele cujo objetivo era possibilitar as reformas radicais - o Mo-
EMBORA o MOVIMENTO das Ligas Camponesas estivesse começan- vimento de Cultura Popular (MCP), um esforço para promover
do a emitir sinais de desintegração em 1962, a inquietação no in- atividades educativas e culturais começando pela raiz. O projeto
terior e nas cidades do Nordeste intensificou-se e a imprensa principal do MCP foi o programa de a lfabetização de adultos.
internacional continuou a colocar Julião na vanguarda do que As pessoas que ministravam o programa usavam uma cartilha 3
muitos estavam chamando de "pré~revolução brasileira". Já em especialmente executada para os analfabetos do Recife. Os opo-
1962, no entanto, o prefeito do Recife havia substituído o líder sitores de Arraes acusavam a cartilha de ser subversiva, e, no con-
das Ligas Camponesas como o porta-voz mais importante do ra- texto das condições do Recife e de todo o Nordeste, realmente
dicalismo nordestino. era. A primeira lição ensinava que "o voto pertence ao povo".
Não que Miguel Arraes se proclamasse um revolucionário, Na lição n? 24, o aluno aprendia que " um bom político sempre
no sentido usual da palavra. Ele acreditava firmemente em tra- fica do lado do povo''. Outras noções perigosas propagadas pela
balhar dentro do sistema para efetuar mudanças ra~icais - e mui- cartilha: "Fome, doença, desemprego e analfabetismo são a lguns
tas pessoas achavam que ele podia conseguir isso dentro da dos males sociais do Nordeste"; " Um trabalhador, num sindica-
estrutura da Constituição brasileira e sem violência. Sua Frente to de trabalhadores, é um homem forte"; "Democracia é o go-
Popular estava em marcha. verno do povo , pelo povo, e para o povo". A teoria por trás desta
Os problemas urbanos com que Miguel Arraes se defronta- abordagem era que os adultos analfabetos do Recife poderiam
va eram de proporções alarmantes. Um levantamento efetuado ficar mais motivados pela esperança de que a alfabetização leva-
durante sua administração revelou que 27 por cento das ruas do ria à emancipação, a qual, por sua vez, possibilitaria ao novo elei-
Recife eram pavimentadas; 6,6 por cento eram servidas por trans- tor qualificado fazer alguma coisa acerca de sua própria miséria.

136 L37
Naturalmente, o que ele com toda a probabilidade faria era vo- apoiou Jânio Quadros. O esfuziante Jânio Quadros atraiu a fan-
tar em Miguel Arraes e outros como ele. tasia dos eleitores com uma campanha excitante e venceu facil-
Assim sendo, os críticos do MCP clamaram que o progra- mente. Ele conseguiu maioria, não somente no estado de
ma constituía uma tentativa gritante para radicalizar os pobres Pernambuco, mas também no Recife - uma indicação de que
da cidade e para consolidar e expandir a base eleitoral de Arraes. a esquerda estava longe de controlar ã política da cidade . No en-
O fato de que um certo número de comunistas conhecidos havia tanto, do ponto de vista político, Cid capitalizou pouco com a
penetrado no MCP intensificou o coro de protestos. Os que apoia- vitória de Jânio. O novo presidente começou a fazer tanto baru-
vam o MCP retrucavam que a função da cultura e educação po- lho quanto qualquer nacionalista de esquerda. Quando ele de-
pulares era conscientizar os indivíduos em relação a si mesmos monstrou interesse pelos problemas do Nordeste, foi o prefeito
e a seu ambiente; se tal processo produzia insatisfação e senti- Miguel Arraes e não o governador Cid Sampaio quem foi cha-
mento de urgência para mudar as coisas, isto era culpa das con- mado a Brasília para consulta. E quando ele renunciou abrupta-
dições do Recife e do Nordeste. Mas, de fato, certas atividades mente, o seu sucessor, João Goulart, claramente esposava maior
do MCP tinham matizes políticos diretos. Um festival de canta- simpatia pelos pontos de vista políticos de Miguel Arraes. En-
dores de viola trazidos do interior para o Recife a fim de apre- quanto isso, a morte da esposa de Arraes, cunhada de Cid, em
sentar o tema "A terra pertence àqueles que nela trabalham" 1961, dissolveu o relacionamento pessoal que havia ligado os dois
obteve um extraordinário sucesso. (Por outro lado, uma exposi- homens.
ção de fotografias da Albânia pareceu completamente alheia aos Cid Sampaio nutria a esperança de poder ser indicado para
camponeses e operários que foram vê-la.) o mais alto posto nacional nas eleições de 1965. Assim sendo, era
Não há qualquer dúvida de que o programa de alfabetiza- essencial que escolhesse o seu sucessor, como prova de sua força
ção ajudaria os partidários de mudanças radicais, mesmo que in- política no Nordeste. A esta altura, Arraes tinha se inclinado tanto
diretamente, e parecia ter muito maior oportunidade de funcionar para a esquerda que os elementos conservadores que compunham
do que os esforços que vários nacionalistas de esquerda estavam a base de apoio de Cid Sampaio estavam horrorizados com a pos-
efetuando no sentido de emendar a Constituição federal para dar sibilidade de Arraes entrar no palácio do governo. Assim sendo,
o direito de voto a todos os adultos, independentemente de alfa- Cid tinha que deter Arraes a qualquer custo.
betização. A feição conservadora da Câmara dos Deputados e O jogo político que caracterizava as eleições estaduais em Per-
do Senado não ofereceu nenhuma oportunidade para que a emen- nambuco foi muito mais frenético em 1962 do que de costume.
da conseguisse passar. Mas se um número suficiente de analfa- Desde o início, Arraes era o homem a ser derrotado. Ele conse-
betos aprendesse a ler e escrever, qualificando-se para votar, a guiu a indicação pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) do pre-
composição daquelas casas legislativas poderia mudar o suficiente sidente Goulart, que era forte no âmbito nacional, porém fraco
para possibilitar a emenda à Constituição. no estado de Pernambuco. A liderança do PTB tinha indicado
Enquanto o MCP se esforçava para reduzir o analfabetismo outro candidato, mas a ala esquerda queria Arraes, e os dirigen-
e, presumivelmente, aumentar a força eleitoral de Arraes, o pre- tes do PTB não conseguiram resistir às pressões.
feito do Recife passou a tentar ascender ao governo de Pernam- O PSD (Partido Social Democrático) se mostrava insatisfei-
buco. Sua aspiração o levava, no caminho, a um choque com o to por estar fora do poder desde 1958, especialmente porque o
então governador, seu cunhado Cid Sampaio. governador Cid Sampaio, da UDN (União Democrática Nacio-
O rompimento inevitável entre Arraes e Cid Sampaio veio nal), estava fazendo nomeações que diminuíam o poder dos che-
à luz durante a campanha presidencial de 1960, na qual o prefei- fes do PSD no interior. Mas o partido não podia chegar a um
to apoiou o marechal Henrique Lott, enquanto o governador acordo sobre uma estratégia eleitoral. Uma aliança com a dctc'i

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tada UDN estava fora de questão. Um político latifundiário do É duvidoso que o amplo apoio popular de Arraes pudesse
PSD, Paulo Guerra, já havia aceitado a indicação para vice-go- ter prevalecido sobre sua oposição, a qual podia jogar com ver-
vernador na chapa de Arraes, um indicativo da disposição deste bas aparentemente sem limite. Felizmente para Arraes, ele se viu
último de levar o jogo político até as últimas conseqüências. Mas beneficiado pelo apoio financeiro de um dos homens mais ricos
os líderes do PSD não podiam se decidir a fazer um acordo com do Brasil.
Arrat;s diante de sua firme recusa de denunciar publicamente o O maior contribuinte para a campanha de Arraes foi José
comunismo e de prometer que não nomearia comunistas para Ermírio de Moraes, um empresário de meia-idade que tinha jun-
qualquer cargo na sua administração. Portanto, depois de muita tado uma enorme fortuna através de ousados investimentos, tanto
deliberação e hesitação, o PSD indicou o seu próprio candidato no Nordeste quanto em São Paulo. Suas posses no Nordeste in-
a governador, um homem com pequeno apoio popular e sem qual- cluíam usinas , fazendas, a única fábrica de cimento de Pernam-
quer possibilidade de vencer. buco, fábricas de cerâmica e tijolos, e minas de rocha calcária.
Cid Sampaio estava em situação mais difícil. João Cleofas, Quando vinha à região, ele ficava numa majestosa mansão mo-
o perene perdedor, desejava muito ser indicado pela UDN. Cid, derna, à beira da praia.
que por lei não podia se candidatar à reeleição, procurou desespe- José Ermírio era um novo-rico típico. Ele não pertencia ao
radamente, dentro do seu partido, um candidato mais dinâmico. sistema, no Nordeste, e, como freqüentemente acontece com pes-
Todos os seus esforços foram em vão, visto que o velho cabo-de- soas trabalhadoras e ambiciosas que são de fora, desejava o pres-
guerra obteve a aprovação do Partido. Cid nada pôde fazer, ex- tígio que viria do reconhecimento social por parte das famílias
ceto usar toda a sua influência em favor de Cleofas e esperar pelo estabelecidas. No entanto, tal reconhecimento não lhe foi dado.
melhor. Na mesma ocasião, aproveitando-se de uma peculiarida- Além disso, uma vez ele esteve prestes a ser embaixador brasilei-
de da lei brasileira, o governador de Pernambuco se candidatou ro na Alemanha Ocidental, uma honraria que ele considerava a
a deputado federal pelo estado de Alagoas, numa tentativa, como façanha que coroaria sua carreira; mas sua nomeação foi bloquea-
dizia ousadamente, de conseguir a "união do Nordeste''.• da pela aliança PSD-UDN, que controlava o Senado, e pelo Mi-
A maioria dos grupos familiares que dominavam a econo- nistério do Exterior. Finalmente, ele era um nacionalista e
mia de Pernambuco apoiavam Cleofas, que era um latifundiário antiamericano declarado, que freqüentemente criticava a compe-
e tinha fortes ligações dentro da estrutura de poder existente. Cleo- tição, por ele julgada injusta, dos interesses comerciais dos Esta-
fas fazia parte do que era referido como o ''sistema' ', assim co- dos Unidos no Brasil. Esres fatores combinaram-se para motivá-lo
mo Cid Sampaio também tinha sido parte do sistema, pois Cid, a apoiar Arraes financeiramente, bem como a se candidatar ao
apesar de suas atitudes progressistas, realmente nunca fora além Senado pelo estado de Pernambuco. Arraes, por sua vez, pro-
daquilo que um astuto observador chamou de "desenvolvimen- meteu apoio político à campanha de José Ermírio. Para o indus-
to diversionista", ou de programas que não perturbassem o sis- trial gordo e de cabelos grisalhos, isto significaria uma doce
tema. Mas Arraes era outra pessoa. Ele constituía uma real vingança contra os nordestinos da classe alta, contra o Senado,
ameaça ao status quo. Entretanto, curiosamente, existiam alguns e, últimos mas não menos importantes, os "trustes norte-
membros do sistema que achavam Arraes aceitável. Ele havia cul- americanos". Os inimigos de Arraes se deleitavam em dizer que
tivado cuidadosamente certos contatos que fizera durante sua pas- José Ermírio era " de fora", apesar de pernambucano nato. Os
sagem, como secretário da Fazenda, pelo gabinete de um jornais conservadores chamavam-no muitas vezes de "o bilioná-
governador do PSD. O maior dividendo que tirou disto foi o apoio rio de São Paulo' '. ~ No entanto, se Arraes tinha apoio de fora,
de uma poderosa família do PSD que possuía a maioria das ter- Cleofas também tinha. A campanha eleitoral para governador ti-
ras na parte ocidental do estado. nha despertado grande interesse nacional. Os elementos da ala

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direita no Centro-Sul do Brasil reconheciam muito bem os peri- das eleições. Naturalmente, não havia qualquer ligação oficial en-
gos representados por Arraes e seu movimento, especialmente com tre estas reuniões e a excitação política que se apoderava da cida-
o potencial deste para se difundir além do Nordeste. Por isso, de, porém seria ingênuo supor que a sua programação, tão perto
tentaram cortá-lo logo de início. Sua arma era uma organização das eleições, fosse mera coincidência.
chamada Instituto Brasileiro para a Ação Democrática, ou IBAD. O arcebispo que fizera campanha contra Cid Sampaio nas
Uma das principais funções do IBAD era canalizar fundos para eleições de 1958 fora transferido do Recife, e o seu sucessor deci-
uma cidade ou estado, com o objetivo de influenciar o resultado diu permanecer formalmente neutro em 1962. Possivelment e is-
das eleições locais. Logo no começo da campanha, o IBAD mon- to beneficiou Arraes, bem como o apoio que recebeu de muitos
tou uma sede no Recife. Cid Sampaio, que estava dirigindo a cam- liberais e católicos da ala esquerda, que expressaram veement e-
panha de Cleofas, indicou um de seus cunhados para atuar como mente seu desprezo pelo argumento de que a vitória de Arracs
ligação entre o IBAD e as forças anti-Arraes e pró-Cleofas. Sua resultaria numa imposição forçada do "comunismo ateu" sobre
atividade não constituía segredo e forneceu a Arraes um bom as- os cidadãos de Pernambuco. A irmã de Arraes, Violeta, era mui-
sunto. Ele utilizou-o ao máximo, queixando-se bem alto da pre- to ativa dentro da ala progressista da Igreja Católica, e seus con-
sença do IBAD. 6 Havia até rumores de que as firmas americanas tatos provaram ser úteis. A fim de contrabalançar a propaganda
que tinham negócios no Brasil canalizavam dinheiro para o fun- religiosa que os seus inimigos estavam espalhando no interior, Ar-
do que o escritório do IBAD no Recife tinha à sua disposição. raes começou a viajar acompanhado de três padres, cuja presen-
O impulso principal da estratégia de "deter Arraes" era jo- ça no palanque junto a ele, durante os comícios, efetivamente di-
gar com o medo do "comunismo ateu", medo arraigado em mui- minuiu o efeito dos boatos de que ele era o candidato das forças
tas famílias católicas das classes média e baixa. Ao aproximar-se do mal.
o dia das eleições, um grupo conhecido como Movimento de Ação O resultado total da introdução de fatores religiosos na cam-
Católica para Adultos publicáva diariamente, na primeira pági- panha foi resumido por um observador americano que comen-
na de um dos jornais locais, anúncios contra a "ameaça verme- tou: "O povo recebeu a mensagem de que o comunismo é o mal,
lha". Foram também utilizadas outras abordagens menos sutis. mas não ficou convencido de que Arraes era comunista." Inicial-
Distribuíram retratos de Arraes, de joelhos, rezando, com um ro- mente Arraes se recusou a comentar a acusação, constantemente
sário do qual pendiam, em vez de uma cruz, a foice e o martelo. repetida pela imprensa local, de que era o "candidato da subver-
Em 29 de agosto, uma coluna de jornal do Recife publicou a se- são". Finalmente declarou: "Todos sabem que não sou comu-
guinte história: "Após um comício em També, o candidato Mi- nista e que não fiz qualquer acordo com os comunistas, do mesmo
guel Arraes foi convidado para almoçar com o prefeito em sua modo que não fiz qualquer acordo com as outras forças que me
residência. O convite foi aceito. Exatamente no momento em que apóiam. " 8 Os comunistas, sensíveis à atmosfera política, ajuda-
o sr. Miguel Arraes atravessou o portão da residência do prefei- ram, não trazendo Luís Carlos Prestes ao Recife para fazer cam-
to, caiu ao chão, com um estrondo, um quadro do Sagrado Co- panha pró-Arraes.
ração de Jesus. No dia seguinte, os habitantes de També O desmentido público feito por Arraes serviu apenas para
começaram a apanhar os pedaços de vidro e fragmentos do qua- intensificar os ataques sobre suas ligações comunistas. Os segui-
dro a fim de exorcizar o mau espírito." 7 O colunista então pu- dores de Cleofas construíram uma réplica do muro de Berlim no
blicou um poema em que se referia a Arraes como o "Anticristo". centro da cidade do Recife. Gilberto Freyre denunciou Arracs por
Finalmente, para culminar o aspecto religioso da campanha, suas aceitação do apoio comunista. As coisas chegaram ao pon-
o padre Patrick Peyton, da Cruzada Internacional do Rosário em to culminante quando, pouco antes das eleições, uma propaga n-
Família, apareceu no Recife para efetuar reuniões pouco antes da que ocupava uma página inteira do jornal9 reproduziu um

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desenho em quadrinhos mostrando Arraes construindo o seu pró- medidas contra ele por usar temas "subversivos" tais como "Re-
prio "muro de Berlim"; Fidel Castro segurava a planta baixa; forma Agrária ou Revolução" e "Reforma Agrária na Lei ou na
Nikita Kruchev empurrava um carrinho de mão cheio de aviões Marra". E numa cerimônia tranqüila, realizada no Recife durante
e armas com o dístiCo "acordos comerciais"; José Ermírio de Mo- a última semana da campanha, o general Artur da Costa e Silva
raes, usando uma gravata-borboleta, mexia um tonel onde esta- passou o comando do IV Exército a um general austero e baixi-
va escrito "$cimento$"; e Luís Carlos Prestes empilhava tijolos. nho chamado Humberto Castelo Branco.
No rodapé estava escrito: "O Preço da Liberdade é a Eterna Vi- Quando a campanha eleitoral chegou a um final tempestuo-
gilância." so, os jornais conservadores do Recife confiantemente prediziam
Talvez as forças que tentaram "parar Arraes" ganhassem a vitória de Cleofas. O corpulento candidato da UDN ainda foi
as eleições se tivessem encontrado um candidato mais ou menos mais longe. No dia 30 de setembro, sete dias antes das eleições,
à altura. Mas Cleofas era um caso perdido. No meio da campa- anunciou com gravidade: "Certos de perder, os comunistas pla-
nha, um jornal publicou uma fotografia dele sentado na varan- nejam sacrificar vidas - plano sangrento que estará para ser exe-
11
da do seu engenho, usando botas, e olhando para todo mundo cutado muito antes do dia da eleição."
como se fosse um velho senhor de escravos. Ele não tinha nada Nenhuma das duas previsões aconteceu. Quando todos os
de positivo a dizer e, pior do que isto, do ponto de vista político votos foram contados, Arraes foi declarado vencedor. A margem
era identificado popularmente como o candidato apoiado pelos de 40.000 votos obtida na cidade do Recife foi mais do que sufi-
Estados Unidos. (Não é segredo que os americanos também es- ciente para sobrepujar a força de Cleofas no interior. A diferen-
tavam nervosos acerca de Arraes. Um jornal do Recife citou um ça total pró-Arraes foi apenas de 13.000 votos. José Ermírio de
governador do Nordeste como havendo dito que durante a sua Moraes venceu o pleito para senador e Francisco Julião foi eleito
última viagem a Washington, numa entrevista na Casa Branca, por uma pequena maioria como deputado federal. Em Alagoas,
o presidente Kennedy indagava se Arraes iria ganhar.) 10 os eleitores resolveram que não precisavam de um pernambuca-
Enquanto isso, o prefeito do Recife estava tirando vantagem no para representá-los em Brasília e impuseram a Cid Sampaio
da publicação de um folheto popular intitulado ''As façanhas de uma clamorosa derrota. No todo, foi uma grande vitória para
Miguel Arraes", que fazia dele um herói legendário do povo. Os a esquerda.
..:antadores do Nordeste apoderaram-se do folheto e cantavam- Cleofas viajou para o Rio de Janeiro, onde comunicou à im-
no por todo o interior. Algum tempo depois, na campanha, o prensa que "o comunismo tomara o poder em Pernambuco" Y
pessoal de Cleofas começou a chamar Arraes de "Zé Ninguém", Os da ala direita, aborrecidos com a derrota, estavam querendo
uma expressão depreciativa na linguagem do povo do Brasil. O saber em particular por que os chefões da UDN e do PSD no in-
apelido teve efeito contrário, pois era um apelido perfeito, mui- terior "não tinham arranjado as coisas" para que Cleofas obti-
to melhor do que o que qualquer um dos seus seguidores tinha vesse ali a maioria suficiente para contrabalançar os votos do
sido capaz de inventar. Miguel Arraes, o taciturno homem do ser- Recife. O IBAD fechou seu escritório no Recife, porém o cunha-
tão, era na verdade um "Zé Ninguém", um rosto na multidão, do de Cid Sampaio manteve intacta a organização de forças anti-
o candidato que representava todos os "Zés Ninguéns" cuja par- Arraes.
ticipação na vida política do estado nunca tinha sido permitida. No dia da posse, 31 de janeiro de 1963, Arraes proferiu o
A controvérsia sobre a candidatura de Arraes obscureceu tu- melhor discurso de sua carreira, elevando-se à altura que a oca-
do o mais. Ninguém pareceu ter notado a campanha de Julião sião exigia com uma alocução inspirada, digna das frases elegan-
para deputado federal, a não ser alguns membros do Tribunal tes, escritas para ele por um seu primo, professor de literatura
Eleitoral do Estado, que, por algum tempo, cogitaram de tomar brasileira:

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- Tentaram apresentar-me como agitador e incendiário, o berto Freyre]. Ninguém é mais herdeiro das tradições do nosso
homem que iria perturbar a tranqüilidade e a paz da família per- passado do que o próprio povo : mas herdeiro daquela autêntica
nambucana, e convulsionar o país, se eleito governador do esta- e legítima tradição pernambucana e nordestina; tradição de tra-
do - declarou ele para um plenário abarrotado de gente na balho, de resistência ao invasor, de luta pela independê ncia; tra-
Assembléia Legislativa. 11 "Depois passaram a dizer que eu era dição de bravura, de coragem e do heroísmo de que deram prova
um bom-moço, que iria modificar minha posição política, aban- brancos, negros e índios , senhores e escravos, militares, comer-
donar aqueles princípios que, por serem os princípios do povo ciantes e sacerdotes, de que deu prova o povo do Nordeste, o po-
brasileiro, sempre nortearam a minha vida pública. Pois que nin- vo de Pernambuco ... Acredito ter tudo o que um homem precisa
guém se iluda: assim como não conseguiram me transformar em ter para o trabalho, e que outra coisa não é senão o que foi dito
agitador e incendiário, também não conseguiram e jamais conse- pelo poeta:
guirão me transformar num bom-moço, acomodatício aos privi-
légios que sempre combati e posso agora mais e melhor combater Tenho apenas duas mãos
no governo do estado. e o sentimento do mundo!
Um Cid Sampaio desgostoso tentava com dificuldade mas-
carar seu cansaço e ouvir atentamente. O governador que estava
para sair permanecera em seu gabinete no palácio do governo,
com dois assessores, até as 4:30 daquela manhã. Tinham feito
uma final e desesperada avaliação de maços de documentos, pa-
ra ver se não havia nada de politicamente embaraçoso deixado
para trás e que o novo governador pudesse explorar.
- Aqui mesmo nesta casa e fora dela, neste e em outros es-
tados - continuava Arraes - há milhões de brasileiros que pen-
sam como eu, que têm a mesma atuação que eu tenho, que são
capazes de administrar e governar, de governar e administrar com
honestidade e sofrimento, homens que são da Revolução Brasi-
leira. Esses brasileiros constituem uma espécie de fraternidade dos
inconformados: inconformados com a miséria, com a fome, com
o atraso, com o analfabetismo. Inconformados com a condição
de país subdesenvolvido e atrasado. Inconformados porque sa-
bem que o Brasil, o Nordeste inclusive, por força das mudanças
sociais e econômicas que aqui estão ocorrendo, está condenado
ao progresso, e esse progresso deve vir em benefício de todo o
povo e não apenas de alguns grupos. Fraternidade dos que detes-
tam o culto da miséria e por isso lutam contra o falso culto do
passado e da tradição, em que ainda se comprazem intelectuais
saudosistas, muito mais interessados na manutenção do status quo
que em qualquer outra coisa. Para esses, a tradição significa o
povo na senzala e· eles na casa-grande [era uma tapa sutil em Gil-

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troem busca de fatos. Ele chegou ao Recife no curso de uma ex-
tensa viagem através da América Latina, e passaria 42 horas exa-
minando os problemas do Nordeste. Sua comitiva incluía seu
colega de quarto na Faculdade de Direito (John V. Tunney, que
chegaria a ser deputado federal e depois senador pelo estado da
NOVE Califórnia), um professor de História Latino-Americana, um ho-
mem de negócios do Texas e um jornalista.
O grupo passou a tarde do domingo com o governador Cid
Entram os Americanos Sampaio e no dia seguinte viajou ao engenho Galiléia para uma
olhadela, em primeira mão, na Liga Camponesa original. Ove-
lho Zezé reuniu uns 50 camponeses em frente à sua casa para ou-
vir o jovem visitante. (Julião estava fora da cidade naquela
ocasião.) Kennedy, em mangas de camisa, transmitiu os cumpri-
mentos de seu irmão e, em seguida, fez um discurso de cinco mi-
nutos, o qual foi traduzido por um intérprete ilustre - ninguém
menos do que Celso Furtado: 1 As conversações que se seguiram
demonstraram o nível de compreensão mútua que caracterizou
o encontro. Kennedy fez aos camponeses perguntas da seguinte
As TARDES DE DOMINGO, no aeroporto dos Guararapes, nos ar- natureza: "Como desejam ver seus filhos quando eles crescerem?"
redores do Recife, são ocasiões curiosamente festivas. Grande nú- (Aparentemente ninguém deu a resposta óbvia: "Vivos.") O gru-
mero de pessoas passeia pelos salões de recepção, ou sobe para po respondeu com solicitações tais como: "Doutor, o que desé-
o terraço, no primeiro andar, a fim de observar a saída e chega- jamos é que peça a seu irmão para tirar a polícia daqui. Não existe
da dos aviões. Como é costume na América Latina, grupos de desordem, e a polícia é desnecessária."
parentes e amigos sempre se reúnem para receber os visitantes ou Finalmente, alguém mencionou que a cidade vizinha preci-
apresentar suas despedidas, mas uma vez por semana ninguém sava de um gerador para resolver um problema sério de falta de
precisa de uma razão especial para ir ao aeroporto. As famílias energia elétrica. 2 O jovem promotor-assistente tomou nota dis-
apreciam o passeio, os casais passeiam de mãos dadas, os jovens to; quando voltou para casa, manobrou alguns dos seus cordões
trocam boatos. Para alguns, durante os anos iniciais da década em Washington e um gerador foi enviado ao Recife. Cid estava
de 60, isso constituía uma oportunidade de parar na livraria e fo- relutante em oferecer qualquer ajuda ao quartel-general das Li-
lhear a mais extensa coleção de literatura esquerdista e ultra- gas Camponesas e adiou a remessa do gerador ao Galiléia. Só
esquerdista encontrável em qualquer lugar do Nordeste brasileiro. quando Miguel Arraes se tornou governador é que a máquina foi
No dia 30 de julho de 196i,la multidão, maior do que de entregue. Houve muita publicidade em torno da " inauguração"
,....costume, achava-se em estãcfo d~ excitação. O irmão do presi- do novo gerador. O único problema era que a população lo-
dente Kennedy estava chegando. cal não possuía o dinheiro para instalá-lo corretamente e pa-
Edward M. Kennedy, 29 anos, promotor-assistente no esta- ra comprar a gasolina necessária. Assim, quandq terminou a
do ele Massachusetts, estava se preparando para coisas muito "inauguração" o gerador foi guardado num mocambo. Final-
maiores e melhores prestes a acontecer. Um aspecto chave desta mente foi colocado em uso. O professor Neale Pearson relatou
preparação consistia em cruzar o mundo de um lado para o ou- que, em junho de 1965, Zezé e outros camponeses o levaram
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para ver o gerador, que estava fornecendo eletricidade para uma dificuldades de levar seus peixes para o mercado. Mais tarde, um
escola. 3 Eles afirmaram que o gerador lhes tinha sido dado pe- dos técnicos comentou: .!'Nós éramos o tipo de pessoas tecnica-
lo presidente Kennedy. mente habilitadas a dar ajuda estrangeira real; não éramos como
Outras formas de ajuda externa, tipo "do povo para o po- aqueles meninos do Corpo da Paz. " 4
vo", provaram ser mais bem-sucedidas. Durante certo período, Tais incidentes sugerem que a ajuda externa pode ser um as-
em 1963, um grupo de técnicos americanos, contratados pelos La- sunto delicado, dependendo o seu sucesso, em grande parte, do
boratórios Bell para trabalhar na estação de rastreamento de mís- bom relacionamento e concordância de propósitos entre o doa-
seis dos Estados Unidos, localizada na ilha de Ascensão, ficou dor e o receptor. Na ausência destes fatores, os esforços de aju-
retido por algum tempo no Recife, que era ponto de substituição da poderão produzir resultados contrários aos objetivos do
de homens e materiais em trânsito para aquela estação. Alguns programa a que se destinam .
dos homens fizeram-se de "nativos" e passaram a morar com Os cidadãos do Recife, desde muito tempo, tinham se acos-
prostitutas, na zona de prostituição ao longo da praia. Certa noite, tumado a ver estrangeiros, tanto residentes como de passagem.
numa festa em um edifício de apartamentos num bairro elegante Navios de várias nações atracam no porto do Recife, e seus pas-
à beira-mar, onde moravam muitas das prostitutas mais caras da sageiros e tripulação vão à cidade em busca de descanso e recrea-
cidade, as mulheres se queixaram do sistema elétrico do edifício. ção. De acordo com Gilberto Freyre, um missionário americano
Ao que parece, o suprimento de energia elétrica nos apartamen- visitou o Recife em 1838.5 Muitos outros se seguiram, tanto pro-
tos era inadequado, e algumas das mulheres possuíam toca-discos testantes como católicos. Os batistas americanos do Sul e os pres-
de alta-fidelidade, que causavam curto-circuito em ocasiões in- biterianos mantêm escolas na cidade. A Força Aérea dos Estados
convenientes. Os técnicos americanos, já bem embriagados, se· Unidos possui uma base no Recife, com oficiais e soldados para
gabaram de que, se quisessem, eram capazes de consertar a rede operar uma pequena estação de rádio e facilitar o envio de mate-
elétrica do prédio todo em apenas dois dias. Os brasileiros riram rial para as estações de rastreamentD de mísseis dos Estados Uni-
°de tal afirmação e seguiu-se uma discussão amigável, até que os dos na ilha brasileira de Fernando de Noronha e na ilha inglesa
americanos declararam que estavam prontos a realizar aquilo de de Ascensão, no Atl.ântico Sul. Vários países têm consulado no
que se haviam jactado. No dia seguinte, visitaram o galpão da Recife e por algum tempo os Estados Unidos mantiveram na ci-
Pan American, no aeroporto dos Guararapes. A Pan American dade uma pequena missão para assistência técnica.
administrava a instalação da ilha de Ascensão e mantinha no seu Mas o fluxo maciço de verbas e pessoal da Aliança para o ,
galpão todo o equipamento que seria levado à base. Os funcio- Progresso era algo muito diferente - uma tentativa de conseguir
nários brasileiros encarregados do galpão não tinham fama de afetar de forma significativa os progressos econômicos, sociais
serem bons vigilantes e a perda de material em trânsito ei:a co- e políticos da região, de uma forma coerente com os objetivos
mum. Silenciosamente, os técnicos furtaram fios e outros mate- e necessidades da política externa dos Estados Unido~.J3m 1962>
riais do armazém para efetuar o trabalho no edifício de a presença americana no Nordeste brasileiro começouã profffê"= \
apartamentos. Dentro do prazo prometido, não só substituíram rar aos saltos por causa da instalação de uma grande missão da
toda a fiação como também instalaram, como bonificações para Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid)
suas amigas, luzes mais fracas, sem dúvida de considerável utili- no Recife. E em curto tempo os americanos se encontravam em
dade profissional. Noutra ocasião, os técnicos irrepreensíveis to- sério conflito com um número substancial de brasileiros.
maram material emprestado do galpão a fim de construir uma A Missão da~Usaid ~Recife nasceu como resultado do cha-
estrada rudimentar de uma praia ao interior, para grande alegria madd Acordo do Nordeste assinado entre os Estados Unidos e
dos parentes das mulheres, que eram pescadores e estavam com o Ilrasil em 13 de abril de 1962. Nos termos do acordo, a Usaid
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deveria supervisionar a aplicação de US$131 milhões das verbas vens e agressivos que estavam chegando dos Estados Unidos pa-
da Aliança para o Progresso a serem alocadas num período de ra preencher cargos da Usaid no Brasil. Tinha também proble-
dois anos. A fim de cumprir esta decisão, os americanos resolve- mas em seu relacionamento com a imprensa local, que estava do
ram estabelecer uma missão formada de técnicos que, trabalhan- lado receptor de uma quantidade incrível de publicidade sobre
do com a Sudene, planejariam e administrariam projetos de o que a Aliança para o Progresso iria fazer pelo Brasil, e vivia
assistência, de acordo com as normas preestabelecidas pelo atormentando o novo diretor da missão por informações especí-
Acordo. ficas.
Bruno B. Luzzatto foi nomeado para dirigir a missão em abril Em meados de julho de 1962, o embaixador Lincoln Gor-
de 1962.6 Nascido e educado na Itália, diretor de produção das don subitamente removeu Luzzatto da missão no Recife e
fábricas de alumínio italianas por 12 anos, antes da Segunda Guer- mandou-o de volta a Washington. Para preencher a vaga, Gor-
ra Mundial, Luzzatto havia se naturalizado cidadão americano fon apelou para John C. Dieffenderfer, diretor-assistente para
e, no período imediatamente após a guerra, trabalhara no Plano planejamento e programas da missão da Usaid no Rio de Janeiro.
Marshall em Roma e Paris. Na década anterior à sua indicação Deveria ser evidente, mesmo então, que o cargo do Recife
para a missão, ele tinha trabalhado com o Banco Mundial, no era um lugar agitado. Os problemas de desenvolvimento no Nor-
Rio de Janeiro. Portanto, o seu currículo incluía experiência com deste eram assustadores, o clima político era tenso, e a pressão
problemas de desenvolvimento econômico e um contato direto para produzir resultados era sempre crescente, numa progressão
com o modo de vida no Brasil. Ele tinha que começar o seu tra- aparentemente geométrica. Além do mais, a inflação que estava
balho a partir do zero, visto q ue, até então, a única presença da arruinando a economia brasileira tornava imperativa uma ação
ajuda americana no Recife consistia num punhado de. técnicos, rápida e decisiva nos projetos de ajuda, antes que a verba aloca-
trabalhando sob o velho programa do\ Ponto Quatro da (na sua maior parte, em moeda local) perdesse muito do seu
Luzzatto não durou muito. Ele tinhã algumas idéiiS°bem de- valor. Apesar disso tudo , Lincoln Gordon enviou para a refrega
finidas de como manter e dirigir a missão, em termos de pessoal um homem que possuía pouca experiência em assuntos lati-
e administração, e uma infeliz brusquidão que facilmente o ini- no-americanos e sem o conhecimento da língua portuguesa ne-
mizava com as outras pessoas. Do seu ponto de vista, a chave cessário ao seu trabalho.
para o sucesso ou falha do esforço da Usaid estava em obter a John Dieffenderfer tinha estudado Economia em Amherst,
confiança e a cooperação total dos técnicos brasileiros da Sude- Direito Romano e Comparado em Oxford, e Direito Americano
ne. A fim de conseguir isto, ele desejava uma missão pequena em Yale. Exercera a advocacia em Cleveland e depois passara cin-
e que não chamasse atenção, com um quadro de pessoal forma- co anos com uma firma de consultoria e administração em Chi·
do por americanos com um bom conhecimento da língua portu- cago. Em algum ponto na sua carreira, ele desenvolvera um
guesa e com sensibilidade para a maneira brasileira de fazer as profundo interesse pela América Latina, e, por coincidência, fa-
coisas. Suas idéias erarri muito parecidas com as de Celso Furta- lou sobre isto a um dos seus sócios. Acontece que este havia tra-
do: a Usaid deveria funcionar como um banco, financiando pro- balhado para Lincoln Gordon, e quando Gordon foi nomeado
jetos aprovados pela missão como compatíveis com os objetivos embaixador no Brasil, o sócio recomendou-lhe Dieffenderfer. Um
da Aliança para Progresso. dia, em agosto de 1961, Gordon comunicou-se com Dieffender-
No entanto, a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Ja- fer e convidou-o para trabalhar com a missão da Usaid no Rio
neiro decidiu que a missão seria grande. Luzzatto não se dava de Janeiro. Bastante pressionado por Lincoln Gordon e concor-
bem com o consul-geral no Recife nem com o embaixador Lin- dando entusiasticamente com a política que estava sendo traça-
coln Gordon. Não se enquadrava na imagem dos executivos jo- da para a América Latina pelo presidente Kennedy,.Dieffenderfer

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aceitou, e em 8 de fevereiro de 1962 chegou ao Rio. Até que o Nordeste. A necessidade de reunir um grupo grande de funcio-
embaixador lhe jogasse em cima a missão do Recife, seu único nários no Recife, dentro de um curto espaço de tempo, ocasio-
contato com o Nordeste tinha sido através da leitura cuidadosa nou o recrutamento de pessoas tais como os cinco técnicos que
do Relatório Bohan. vieram para o Nordeste diretamente do Haiti, como resultado da
Inicialmente, Dieffenderfer foi designado diretor provisório decisão de "Papa Doe" Duvalier de expulsar a missão da Usaid
da missão, mas, tendo em vista que esta era uma fase crucial de de Porto Príncipe. O conhecimento do francês crioulo não lhes
formação, e-que algumas decisões de vastas conseqüências tinham foi de muita ajuda ao chegarem no Recife. A concorrência por
de ser tomadas, a sua interinidade terminou em 1? de novembro pessoal qualificado era intensa, desde que existiam muitos outros
de 1962. projetos da Usaid que exigiam funcionários no Centro e no Sul
O novo diretor aceitou com entusiasmo o desafio e talvez do Brasil. O resultado final foi que, enquanto alguns dos técni-
tenha ousado demais. Orientado para vencer e auto-exigente por cos atraídos para o Nordeste tinham entusiasmo pelos raros pro-
natureza, ele se sentiu forçado também por uma combinação de blemas com os quais lidavam, outros, na maioria, eram apenas
outros fatores: seu próprio idealismo; o curto espaçl) de tempo; funcionários de carreira do serviço exterior que estavam contan-
seu contrato de dois anos; o período de dois anos em que, pelo do seu tempo.
Acordo do Nordeste, os US$131 milhões em ajuda dos Estados O sociólogo Gilberto Freyre comentou certa vez que "a
Unidos deveriam ser alocados; e a atenção que a missão estava Aliança para o Progresso chegou num período difícil para come-
atraindo no seu país. Havia constantes visitas de jornalistas ame- çar a trabalhar, e alguns dos líderes enviados para cá não pos-
ricanos e de figuras políticas, e relatórios semanais dos progres- suem conhecimento das condições do Brasil para atuar de maneira
sos feitos tinham que ser enviados à Usaid em Washington. Não psicologicamente correta" .7 Os observadores queixaram-se espe-
era segredo que o presidente Kennedy estava observando o Nor- cificamente de que John Dieffenderfer e outros da missão não
deste. Problemas superpostos, domésticos e de saúde, durante o eram sensíveis aos brasileiros - uma acusação séria, tendo em
seu turno no Recife não ajudaram Dieffende~fer. A medida que vista a importância das relações pessoais dentro da fechada so-
as coisas foram se desenvolvendo, ele se tornou o protótipo do ciedade do Nordeste.
homem tenso. A linguagem provou ser uma barreira substancial, visto que
Embora o Nordeste tivesse sido declarado área de alta prio- poucos nordestinos falavam inglês. O fato de que muito contato
riedade na mira da Aliança para o Progresso, e a publicidade que pessoal com funcionários brasileiros exigia o uso de um intérpre-
envolvia o Acordo do Nordeste fosse suficiente para despertar te retardou o trabalho, aumentou o risco da incompreensão e não
as maiores expectativas, o sucesso da ajuda dos Estados Unidos foi muito bem encarado pelos brasileiros ultranacionalistas. O pes-
à região dependia obviamente do tipo de americanos que admi- soal da Usaid estudou português em cursos rápidos, porém, ine-
nistrassem o programa no Recife. A decisão de estabelecer uma vitavelmente, isto serviu para consumir o tempo que teria sido
grande missão da Usaid no Recife fez do Nordeste um caso sin- mais bem empregado em projetos de desenvolvimento.
gular, visto ter sido a única região do mundo julgada merecedo- Considerações quanto a saúde, educação e alojamento fize-
ra de ter a sua própria missão. (Todos os outros países que ram com que os técnicos que tinham família hesitassem em vir
recebiam ajuda americana tinham uma única missão na capital, para o Recife, que era qualificado como um posto de sacrifício.
exceto o Paquistão, que tinha duas por óbvias razões geográfi- O fluxo de americanos exigiu a organização de uma escola para
cas.) O problema estava no fato de não haver disponibilidade de seus filhos ainda dependentes, o que resultou na fundação de uma
técnicos americanos hábeis e dedicados, suficientemente familia- colônia americana de residências à beira-mar, no bairro elegante
rizados com a língua e a cultura, para operar com eficiência no de Boa Viagem. Os americanos que trabalhavam para o governo

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dos Estados Unidos podiam trazer seus automóveis para o Reci- A grande missão da Usaid exigia considerável apoio administra-
fe, e a presença de carros enormes nas ruas estreitas da cidade tivo, uma razão para o aumento do corpo consular americano
acrescentava-lhe um toque incongruente. O costume de vend~r no Recife. Antes de os Estados Unidos "descobrirem" o Nor-
esses carros com um lucro fantástico - um benefício a mais pa- deste brasileiro, o consulado era um posto pequeno, funcionan-
ra os americanos em serviço na América Latina - pode ter de- do apenas com um cônsul e dois vice-cônsules. O tamanho do
leitado alguns poucos brasileiros ricos que podiam comprá-los, consulado começou a aumentar gradativamente nos fins de 1961,
mas não refletia bem no programa de assistência como um todo. e durante os anos seguintes a posição do mais graduado funcio-
Uma crítica forte sobre a qualidade da operação da Usaid nário diplomático no Recife passou de cônsul para cônsul-geral,
veio à tona em 1963, qua ndo a missão do Recife recebeu a distin- e depois para ministro.
ção de ser a primeira agência governamental dos Estados Unidos Os funcionários consulares, naturalmente, estavam envolvi··
a ser "naderizada". O que tornou isto deliciosamente apropria- dos em atividades que iam muito além de administrar as necessi-
do - embora de forma acidental - foi o fato de o chefe da mis- dades da missão da Usaid. A seção econômica e comercial do
são, John Dieffenderfer, ser a única pessoa que dirigia um consulado reunia dados sobre o equilíbrio da economia da região
Corvair8 no Recife. e colocava as informações econômicas e financeiras à disposição
Ralph Nader estava em sua segunda parada, numa viagem de qualquer americano que desejasse fazer investimentos ou ne-
através da América do Sul, e originalmente havia planejado de- gócios no Nordeste. (Durante esses anos de desassossego, os ho-
dicar apenas uns dois dias ao Recife. Mas ficou fascinado com mens de negócio americanos mostraram pouco entusiasmo em
a sua efervescência e permaneceu por mais de um mês, concen- investir dinheiro na região.) A seção política mantinha constante
trando sua atenção na missão da Usaid. Ele escreveu uma série observação sobre o pulso político da região. Muito desse traba-
de três artigos que foram publicados no Christian Science Moni- lho consistia somente em ler e recortar jornais e em colecionar
tor de setembro, e concluiu que a missão estava em uma situação os documentos que aparecessem. Os funcionários políticos man-
triste. tinham um arquivo completo sobre todas as figuras políticas da
Nader anotou o baixo estado de ânimo e a frustração dopes- região.
soal da Usaid e citou queixas dos técnicos do escalão mais baixo A seção política do consulado também fornecia cobertura
de que não eram encorajados a oferecer críticas ou sugerir modi- para a execução do serviço de informação pelos agentes da Agên-
ficações na política. Ele também apontou a falta geral de um cia Central de Informações (CIA), disfarçados como funcioná-
"comprometimento entusiástico" por parte do pessoal da Usaid. rios consulares. Virtualmente, todas as embaixadas e consulados
maiores dos Estados Unidos tinham seus "fantasmas", como estes
"Parece que o tempo pesa em suas mãos, e se não estão agentes eram comumente conhecidos. Em 1960 e 1961, o homem
fazendo palavras cruzadas ou envolvidos em discussões ami- da CIA no consulado do Recife era um dos dois .ou três vice-
.gáveis, é provável que se debrucem sobre as coleções de li- cônsules designados para este posto, gozando da reputação de ser
vros de bolso e escolham um para ler durante a tarde. Um extremamente bem informado sobre as ocorrências locais. "Ele
visitante pode indagar o que é que livros como O Caso da trabalhava bem" , disse, dele, um observador, com admiração.
Mulher que Gritava, Uma Ilha Muito Particular, A Estra- Os seus substitutos não foram tão considerados. No início de 1962,
da para Laramie, ou O Pecado de Susan Slade têm a ver existiam dois homens da CIA no consulado, e dois anos depois
com a melhoria do padrão de vida no Nordeste brasileiro. o número tinha aumentado para três - uma amostra da atenção
Mais preocupante, talvez, é o tipo de liderança que tolera que a Agência Central de Informações estava dispensando ao Nor-
tais diversões. " 9 deste do Brasil.
156 I
15 7
O funcionário mais graduado da CIA no consulado coorde- Seu trabalho no interior foi além da obtenção de informa-
nava tanto a obtenção de informações como a execução de ativi- ções e organização de cooperativas. Ele também distribuiu ver-
dades operacionais encobertas, aproveitando-se da disposição de bas da CIA numa tentativa de influenciar a luta pelo controle do
cooperar dos brasileiros. A extensão da participação da CIA em movimento dos trabalhadores rurais (atividade esta que será des-
tentativas de derrotar Miguel Arraes nas eleições permanece des- crita no Capítulo 11).
conhecida, mas é difícil acreditar que os operadores da Agência Já em 1960, um grupo de técnicos da assistência america-
tenham se sentado sobre as mãos durante a campanha de 1962. na no Recife incluía um chamado Conselheiro de Segurança Pú-
A CIA obteve um sucesso notável no Nordeste. No final de blica, cuja função era ajudar as delegacias de polícia locais. A
1962, um jovem simpático e bem-apessoado chegou ao Recife com missão da Usaid, em expansão, continuou a administrar um
sua esposa para começar a trabalhar, promovendo a formação programa de segurança pública. O interesse demonstrado por fun-
de cooperativas agrícolas no interior. Representava ostensivamen- cionários americanos quanto à capacidade das forças policiais bra-
te a Liga Cooperativa dos Estados Unidos da América (CLUSA), sileiras tinha implicações óbvias, do ponto de vista político e de
uma organização privada dedicada ao movimento cooperativis- segurança. O Manual da Área do Exército Americano para o Bra-
ta. Não era coincidência o seu aparecimento nesse momento de sil, preparado pelo Escritório de Operações Especiais da Univer-
crescente inquietação no Nordeste. Na verdade, ele era um agen- sidade Americana (que também realizou o malfadado "Projeto
te secreto da CIA. Camelot" no Chile) e publicado em julho de 1964, apresentou
Depois de completar seu treinamento como agente, ele tinha uma análise detalhada da polícia militar estadual de Pernambu-
feito um curso intensivo de cooperativismo. O funcionário da co e concluiu: "O problema de equipamento e facilidades para
CLUSA que conseguiu que ele fosse despachado para o Brasil as forças de Pernambuco, juntamente com o das polícias esta-
foi H. Jerry Voorhis, um ex-deputado federal pela Califórnia (cu- duais de todo o país, está continuamente em estudo pelos peritos
jo lugar fora tomado por Richard Nixon em 1946) e que, nessa da polícia dos Estados Unidos em cooperação com o governo bra-
época, era presidente e diretor executivo da Liga Cooperativa. 10 sileiro. " 12
As verbas eram canalizadas para dentro da CLUSA por funda- A Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA) fun-
ções privadas conhecidas como sendo condutos da CIA. Em 1967, ciona no exterior sob o título de Serviço de Informação dos Es-
o The New York Times informou que, entre 1963 e 1965, a CLU- tados Unidos (USIS), para evitar que alguém faça confusão da
SA recebera US$526.500 destas fundações.li sua sigla com a da Agência Central de Informações. No Recife,
O homem da CIA-CLUSA provou ser extremamente bem- uma das principais tarefas assumidas pelo USIS foi a promoção
dotado. O seu círculo de conhecidos próximos incluía persona- da Aliai;iça para o Progresso. Seguiu-se uma campanha publici-
gens chaves da comunidade americana, intelectuais da esquerda tária, até o ponto de saturação. Um funcionário do USIS obser-
no Recife e líderes dos trabalhadores rurais. Um estudante de pós- vou: "Vendemos a Aliança como se fosse uma novela de
graduação, que não estava sabendo de sua filiação e o utilizou Jacqueline Susann." 13
como fonte para uma monografia sobre o movimento trabalhis- Certa vez, o USIS demonstrou interesse na maneira como
ta rural em Pernambuco, observou, um tanto ingenuamente, que os cantadores que andavam pelo Nordeste davam publicidade aos
sua "reputação como o maior perito entre os observadores da feitos de Julião e suas Ligas Camponesas. Tad Szulc, do The New
política nordestina é bem merecida". Um americano residente no York Times, noticiou que "quando um agente de propaganda dos
Recife, e que suspeitava do que ele estava fazendo, ao avaliar sua Estados Unidos foi informado recentemente das atividades dos
habilidade em obter informações secretas concluiu: "A CIA bem tocadores de viola brasileiros, sugeriu que um cantor folclórico
que saiu ganhando ao investir nele." famoso, de um sindicato de trabalhadores dos Estados Unidos,
158
159
fosse enviado ao Nordeste para cantar contra a propaganda de
Julião - em inglês". 14 O projeto proposto nunca foi executado.
As corporações americanas tinham pouca presença visível no
Nordeste durante este período. As mais importantes eram duas
firmas têxteis que transportavam algodão do interior para fábri-
cas na zona do litoral. O First National City Bank e várias outras DEZ
companhias tinham operações modestas no Recife e em outros
locais. A Firestone e a Union Carbide participaram da constru-
ção de uma fábrica de borracha sintética perto do Recife. Uma
firma americana possuía a companhia de eletricidade brasileira,
Os Americanos e os Nacionalistas
mas, nos termos expressos de sua concessão, estava em fase de
ser tomada pelo estado de P ernambuco de forma relativamente
inquestionável. As corporações dos Estados Unidos, com uma
fábrica no Centro-Sul do Brasil, mantinham distribuidores na re-
gião. Portanto, os esquerdistas não tinham realmente bons alvos
físicos sobre os quais pudessem descarregar seu rancor contra o
imperialismo americano. Na análise do teórico marxista André
Gunder Frank, a economia do Nordeste era um satélite dos inte-
resses econômicos do Centro-Sul, que, por sua vez, era um saté- "O NOSSO DEVER aqui é explodir a Aliança para o Progresso."
lite do poder econômico dos Estados Unidos. 15 O proponente desta violenta afirmação não era, como se pQderia
O esboço feito acima sobre a quantidade e qualidade da pre- imaginar, um extremista de esquerda. Tratava-se de um jovem
sença americana no Nordeste do Brasil durante os começos da magro, atraente, que havia passado vários anos numa universi-
década de 1960 estabelece o cenário para uma avaliação dos con- dade americana e, no momento, estava atuando num programa
flitos explosivos que distorceram as relações entre os Estados Uni- de alfabetização patrocinado pelo governo estadual. O ponto de
dos e o Brasil na região. Dentro de um espaço de tempo vista que ele expressou durante uma entrevista em junho de 1963
relativamente.curto, a missão da Usaid tinha se envolvido em vá- refletia a radicalização experimentada por um certo número de
rias controvérsias que frustravam totalmente as esperanças de se- nacionalistas moderados e católicos progressistas que tinham si-
rem alcançados quaisquer dos grandiosos objetivos do programa do atraídos pela bandeira de Miguel Arraes.
americano de assistência. "Nós precisamos de dinheiro, mas os Estados Unidos só que-
rem propaganda, com todos aqueles cartazes sobre a Aliança pa-
ra o Progresso que estão espalhando por toda parte. Até que ponto
a Aliança ajuda o Brasil a moldar o seu próprio destino, e até
que ponto o impede de ser independente?"
Os movimentos graciosos de suas mãos, a expressão séria do
seu rosto e o tom de voz comedido davam um ar sacerdotal ao
seu discurso. Era fácil descartar certas inconsistências lógicas que
ocasionalmente vinham à tona através de sua retórica emocional.
"O que precisa ser feito é remover 90 por cento do pessoal

160 161
americano daqui. E Dieffenderfer deve ser mandado de volta a ria do pessoal da Usaid para estereotipar a Sudene como não-coo-
plantar batatas. O Departamento de Estado fez uma grande con- peradora. Esta atitude é rapidamente transmitida aos que vão che-
fusão. Eles sempre fazem a coisa errada, e os russos sempre fa- gando para a Usaid. Um certo técnico, no seu segundo dia no
zem a coisa certa.'' Recife, diz a um funcionário consular dos Estados Unidos: "É
Sua abordagem da alfabetização: impossível trabalhar com o pessoal da Sudene. Ele nem sequer
"Precisamos mostrar ao camponês que ele deverá ser um su- tinha ido até os escritórios da Sudene. "'
jeito e não um objeto; que é capaz de fazer escolhas e não deverá O pessoal da Usaid trouxe consigo atitudes políticas inflexí-
nunca permitir que alguém lhe tire esta capacidade de escolher. veis que não podiam se adaptar logo ao cenário turbulento do
\.i
Precisamos chamar sua atenção para os duros fatos da vida e Nordeste brasileiro. Ficavam horrorizados ao menor vislumbre
......:
ajudá-lo a ver o que a Aliança para o Progresso realmente é." de comunismo, e eram rápidos em tirar conclusões nefastas so-
-, Os conflitos que se desenvolveram entre a Usaid e a Sudene bre a onipresença e onipotência do Partido. Suas ansiedades fo-
logo após instalada a missão americana contribuíram significan- ram aumentadas pela linha dura que os agentes da CIA no
temente para a atmosfera de hostilidade que logo obscureceu as consulado do Recife estavam seguindo com respeito ao que eles
relações entre os Estados Unidos e o Brasil no Nordeste. Como viam como uma séria ameaça comunista ao Nordeste. Histórias
foi observado anteriormente, os problemas com a língua e a bar- periódicas na imprensa brasileira sobre a alegada filiação de Cel-
reira cultural tornavam difícil para a maioria dos técnicos dos Es- so Furtado e alguns dos seus assistentes ao Partido Comunista
tados Unidos tratar com qualquer brasileiro. Existiam outros pioravam a situação,2 como também relatórios de que a CIA
fatores que causavam tensões específicas entre o pessoal da Usaid considerava um dos principais auxiliares de Celso Furtado como
e seus congêneres da Sudene. integrante do Partido e tinha informações de que os técnicos da
Os brasileiros que tinham se unido à equipe de Celso Furta- Sudene haviam comparecido a congressos comunistas realizados
do eram jovens e entusiasmados, fortes em idealismo, porém com em Cuba e na União Soviética. Desde que isto era uma explica-
pouca experiência nos aspectos técnicos de planejamento e de- ção conveniente para o que eles consideravam ser uma obstrução
senvolvimento econômico. Acreditavam no plano de Celso Fur- por parte da Sudene, o pessoal da Usaid chegou a acreditar logo
tado e no que estava nele subentendido. Alguns eram arrogantes em seguida que a Sudene estava sob a influência do comunismo.
e talvez abertamente agressivos. Os técnicos da Usaid eram ho- Os brasileiros nacionalistas de esquerda não viam nada er-
mens de mais idade. Tinham tendência para tratar seus congêne- rado em trabalhar com o Partido Comunista para alcançar obje-
res da Sudene de forma paternalista. Também tendiam a que as tivos mutuamente desejados. Eles consideravam as alegadas
coisas fossem feitas à "maneira americana". Os brasileiros re- implicações vermelhas como irrelevantes e divisionistas . Dada a
sistiam a isso. sua natureza reformista, a Sudene atraía muitos nacionalistas de
Os funcionários da Usaid sentiam que podiam trabalhar com esquerda e até mesmo alguns comunistas. O próprio Celso Fur-
Celso Furtado, cuja inteligência e boa vontade respeitavam. Mas, tado sabia que sua autarquia continha um pequeno número de
em novembro de 1962, o presidente Goulart nomeou-o ministro comunistas, mas não via mal nenhum nisto, desde que realizas-
do PlanejamentÔ, cumulativamente com o cargo de superinten- sem seu trabalho. A guerra fria anticomunista dos americanos
dente da Sudene. Durante os meses seguintes - um período cru- tornou-se irreconciliável com a tolerância política dos reformis-
cial na relação Usaid-Sudene - , Celso Furtado teve de gastar tas radic?is, tanto dentro da Sudene como do movimento popu-
muito tempo em Brasília e no Rio de Janeiro, e a relação passou lista de Arraes, que estava surgindo.
de mal a pior. O artigo de Ralph Nader no Christian Science Mo- Os funcionários da Usaid citaram unanimemente o caso de
nitor descreve esta deterioração e observa "a tendência da maio- Naílton Santos como a corporificação de seus problemas com a

162 163
Sudene. Naílton era um negro de 27 anos, com um diploma de econômico do Nordeste, os elaboradores da política dos Estados
bacharel em Direito pela Universidade de Salvador, no estado da Unidos ainda acharam necessário despachar para o Recife, no fi-
Bahia. Iniciahnente ele era chefe do departamento da Sudene en- nal de 1961, a equiee de estudo que em pouco tempo produziu
carregado de treinar os técnicos, e depois foi nomeado chefe da ó Relatório Bohan. Como foi apontado no Capítulo 5, o Relató-
Divisão de Recursos Humanos da instituição. De acordo com o rió Bohan·concorda\ a com o plano diretor da Sudene em certos
pessoal da Usaid ele era comunista (com tendências pró-chineses) aspectos, especialmente em relação aos programas de longa du-
e antiamericano (especialmente o americano branco); acima de ração, mas também sugeria um número de projetos de impacto
tudo, era inteiramente impossível trabalhar-se com ele. Um arti- que iam de encontro à ênfase de Celso Furtado quanto à necessi-
go numa revista brasileira havia se referido a Naílton como um dade crucial de mudanças na estrutura econômica da região. Al-
dos simpatizantes do comunismo dentro da Sudene, 3 talvez por guns nacionalistas brasileiros ressentiam-se até da existência do
causa de sua amizade pessoal com um ex-líder do Partido em Per- Relatório Bohan. Achavam que o Nordeste constituía problema
nambuco, o qual havia sido um agente comunista na América do brasileiro, que tinha de ser resolvido por brasileiros; além do mais,
Sul e um amigo pessoal de Stalin. se uma estratégia brasileira para o desenvolvimento já havia sido
Os fatos sugerem que estas descrições de Naílton foram um concebida, era uma presunção dos estrangeiros intrometerem-se
pouco exageradas. Solteirão gordo, com voz ressonante e um com propostas que não estavam em harmonia com esta estratégia.
atraente senso de humor, Naílton não podia ser muito racista, O próprio Celso Furtado esperava originalmente que a fun-
visto que um dos seus amigos mais íntimos no Recife era um téc- ção da Usaid pudesse ser limitada ao aval financeiro dos progra-
nico branco da Usaid. Os dois eram companheiros de bebida e mas da Sudene que atraíssem os americanos. Isto tinha sido uma
freqüentavam juntos os pontos noturnos da cidade. Na verdade, suposição básica do Relatório Bohan, que Celso Furtado apro-
o técnico da Usaid era um homem forte e bem-humorado, cuja vava em linhas gerais. No entanto, logo ficou claro que os Esta-
principal responsabilidade parece ter sido fornecer à sua missão dos Unidos deveriam ir além do mero desembolso de verbas e que
um meio de comunicação com Naílton. os técnicos americanos e brasileiros trabalhariam em equipe em
Um americano que teve oportunidade de observar Naílton projetos específicos. Alguns brasileiros interpretaram que isto sig-
no trabalho achava que ele gostava muito de jogar iscas para os nificaria que cada projeto da Sudene do qual a Usaid participas-
funcioná rios da Usaid e depois levá-los na conversa. Ele citou um se teria co-diretores americanos e brasileiros, arranjo este, como
incidente em que Naílton estava travando uma discussão caloro- era natural, politicamente indigesto. O fato de que alguns proje-
sa com duas pessoas-chave da Usaid e começou a agitar a sua gra- tos conjuntos utilizariam dinheiro brasileiro, bem como ameri-
vata em frente deles. A gravata era uma lembrança de uma viagem cano, serviu para fortalecer as objeções brasileiras a qualquer
que ele fizera à China, enquanto líder estudantil na Bahia, e ti- vestígio de controle dos Estados Unidos sobre tais projetos. Além
nha um dragão chinês pintado. Um observador americano mais disso, nos entendimentos originais os brasileiros tinham aceita-
objetivo concluiu que o problema de Naílton era que ele levava do a criação de uma pequena missão da Usaid no Recife. A acu-
em baixa conta a maioria do pessoal da Usaid e não tinha a me- mulação rápida de pessoal, que, até 30 de junho de 1963, já incluía
nor satisfação em tolerar idiotas. 133 técnicos americanos~. pegou os brasileiros de surpresa e cau~ !
Mais sério, ainda, do que as diferenças lingüísticas, cultu- sou considerável ressentimento.
rais e de personalidade entre americanos e brasileiros era o de- A missão da Usaid tinha de agir dentro das diretrizes esta-
sentendimento básico e profundo que chegava até o cerne das belecidas pelo Congresso dos Estados Unidos na legislação sobre
relações Usaid-Sudene. Apesar de Celso Furtado ter elaborado ajuda externa, que regia a Aliança para o Progresso. Algumas
detalhadamente seu próprio programa para o desenvolvimento dessas restrições, tais como a necessidade de estreitas prestações

164 165

.._
de contas, irritavam os brasileiros, que nos melhores casos viam existentes para estabelecer e manter a supervisão e o controle de
isto como um incômodo formalismo, e, nos piores, como uma uma ampla série de atividades relacionadas com o desenvolvimen-
interferência não solicitada nos problemas domésticos. Esta últi- to econômico do Nordeste. A fim de manter o apoio local de que
ma acusação foi levantada quando a Usaid insistiu que tinha o precisava, Celso Furtado tinha que tomar muita cautela no exer-
direito de suspender o financiamento de um programa a qualquer cício do considerável poder à sua disposição, uma vez que deci-
tempo, se fosse provado que tal programa estava em desacordo sões sobre quais projetos a realizar e onde localizá-los obviamente
com a política dos Estados Unidos. Este foi um dos maiores obs- afetariam a política local por dar prestígio ao governador em exer-
táculos à assinatura de um acordo que envolvia um projeto edu- cício. Portanto, é fácil compreender por que a Sudene interpre-
cacional. Dieffenderfer tomou a posição de que a Usaid poderia tou que 0 1Acordo do Nordestdhe dava o direito exclusivo para
interromper sua participação se concluísse que o que estava acon- representar o governo do Brasil nas negociações de ajuda finan-
tecendo nas escolas em construção com dinheiro americano não ceira do exterior. A situação era bastante complexa sem o im-
seria aceitável pelo Congresso dos Estados Unidos. 4 A Sudene pacto adicional de decisões orientadas politicamente por um
encarou tal restrição como uma tentativa dos americanos de exer- governo estrangeiro sobre a ajuda externa.
cer controle sobre a educação brasileira. Uma proposta para le- Não se pode argumentar que a "não-cooperação" da Sude-
vantar o mapa aéreo de uma grande parte do interior do Nordeste, ne forçou a Usaid a procurar meios de embair a autarquia de Celso
sem dúvida um pré-requisito para a construção de estradas e pa- Furtado, pois a primeira oportunidade de um acordo direto com
ra pesquisas sobre água e recursos minerais, não foi aprovada pela o Estado ocorreu logo no início do funcionamento da missão,
Sudene por razões puramente nacionalistas. O projeto era para no Recife. O programa escolar para o qual a Usaid entrou em
ser executado com assistência técnica da Força Aérea americana, acordo com o governador Cid Sampaio em 6 de junho de 1962
e a Usaid submeteu-se a pressões de cima para impor a condição já foi descrito no Capítulo 9. Foi financiado por fora dos US$131
de que os Estados Unidos recebessem uma cópia do mapa. A Su- milhões comprometidos pelos Estados Unidos e representou uma
dene recusou, para espanto dos funcionários da Usaid, que de- tentativa desesperada e malsucedida, por parte da Usaid, de aju-
monstraram sua falta de sensibilidade ao nacionalismo brasileiro dar a derrotar Miguel Arraes. O fracasso desta intromissão na
não compreendendo por que isto ofendia os brasileiros. política local não desencorajou os americanos, pois, como os fun-
Estas diferenças entre a Usaid e a Sudene dentro em breve cionários dos Estados Unidos haviam determinado que o gover-
foram turvadas por uma decisão dos responsáveis pela política no do presidente João Goulart estava se voltando para a esquerda,
dos Estados Unidos, decisão que destruiu qualquer vestígio de a Aliança para o Progresso tornou-se o instrumento principal de
esperança de que os dois órgãos pudessem trabalhar juntos de uma ação política para apoiar os governos estaduais que se mos-
forma produtiva. A Usaid começou a utilizar a Aliança para o traram amigáveis para com os Estados Unidos. 5
Progresso para fins polít!,ços imediat.Qs, negociando diretamente A estratégia americana para o Nordeste foi exposta de ma-
com certos governadores estaduais que a embaixada desejava neira feliz por um funcionário da Usaid no Rio, cujo memoran-
apoiar. Naturalmente, isto significava pàssar por cima da Sudene. do sobre o assunto tem sido citado pelo professor Riordan Roett:
São óbvias as implicações desta decisão. Desde o seu nasci- " .. .parece-me que cada um dos nove governadores deve ser for-
mento, a Sudene tinha se engajado em ações de equilíbrio delica- çado a sentir tão agudamente quanto possível que está competin-
do que exigiam seu afastamento das lutas políticas locais, a fim do para demonstrar aos Estados Unidos que se acha pronto a fazer
de conseguir resultados que, em termos de desenvolvimeiito, te- bom uso do nosso dinheiro com maior rapidez e melhor seguran-
riam implicações políticas de vasto alcance. Além dos mais, a in- ça do que os outros oito governadores" .6 Nesta estratégia esta-
cipiente autarquia teve que manipular os outros órgãos federais va implícito que os americanos decidiriam o que constituía "bom

166 167
uso" e utilizariam critério político ao tomar tais decisões. Por- tado. Além disso, a Divisão de Recursos Humanos da Sudene,
tanto, a "competição" entre os governadores do Nordeste esta- com a qual o governador Aluísio Alves estava negociando, era
va relacionada com suas atividades políticas, que os americanos dirigida por Naílton Santos, que não gostou do que a Usaid e A-
esperavam correspondessem ao "aceno" da ajuda em dólares. luísio Alves tinham feito. Outras pessoas dentro da Divisão ti-
O governador do Rio Grande do Norte tornou-se o princi- nham a mesma opinião . Um fator adicional que tornou os fun-
pal candidato do Nordeste a estes dólares . Apesar de membro da cionários da Sudene ainda mais relutantes em cooperar foi o
UDN - um partido conservador-, Aluísio Alves gozava da re- fato de que o acordo com Aluísio Alves tinha motivação políti-
putação de ser um político progressista, com um futuro brilhan- ca e eles não estavam querendo se envolver em qualquer ativi-
te. Para John Dos Passos, ele representava "um jovem apaixo- dade contra o presidente Goulart, pois Celso Furtado fazia parte
nado por serviço social e que representa uma nova estirpe de po- do seu Gabinete e a Sudene dependia do contínuo apoio do pre-
líticos brasileiros" .7 De certo modo, ele era semelhante a Cid sidente.
Sampaio. Os funcionários americanos rapidamente o rotularam Em fins de novembro, o projeto de construção de escolas
como um homem com o qual os Estados Unidos podiam nego- do Rio Grande do Norte ainda não havia sido concluído, e o go-
ciar, e, em julho de 1962, ele visitou Washington e encontrou-se vernador Aluísio Alves estava zangado. Ele foi a Brasília e exi-
com o presidente Kennedy. Logo após o seu regresso, assinou, giu uma ação do presidente Go ulart, que, aparentemente, cedeu
com os funcionários da Usaid do Rio, um acordo pelo qual aquela a esta pressão. Em seguida, Aluísio Alves enviou um telegrama
agência se comprometia a contribuir para o desenvolvimento eco- à Sudene informando que o presidente apoiava o seu projeto, e
nômico e social do Rio Grande do Norte. 8 Não passou desper- poucos dias depois a Sudene assinou o acordo.
cebido que eles também estariam contribuindo para criar um Talvez seja conveniente nota r aqui qual o resultado do pro-
opositor político do presidente Goulart. O acordo foi realizado jeto de construção de escolas no Rio Grande do Norte. O gover-
sem consulta à Sudene, embora o órgão brasileiro tivesse de par- nador Aluísio Alves e sua equipe não hesitaram em fazer uso
ticipar de sua implementação, pois as verbas seriam tiradas dos político da ajuda americana em suas decisões no tocante à locali-
US$131 milhões do Acordo do Nordeste, que fazia da Sudene um zação das novas escolas. O secretário de Educação do estado even-
parceiro necessário. O governador Aluísio Alves desejava come- tualmente pediu demissão, apontando, entre outras coisas, a
çar com um projeto de construção de escolas, e viajou ao Recife interferência política e a transferência de verbas em violação do
com alguns planos específicos. acordo com a Usaid e a Sudene. A missão da Usaid viu-se envol-
Como é de imaginar, a Sudene não ficou muito satisfeita com vida numa confusão quando da inspeção do programa. Em abril
a nova tática da Usaid. A divisão educacional da Sudene estava de 1965 haviam sido construídas apenas 45 salas de aula de um
em processo de organização. O plano original de Celso Furtado total de 1.000 que tinham sido planejadas. Quanto ao futuro po-
I não tinha a educação primária como alvo. Em vez disso, a Sude- lítico de Aluísio Alves, o governo federal cassou seus direitos ci-
ne dedicou-se ao treina mento de peritos de variadas capacidades vis em 1969, sob a acusação de corrupção enquanto no governo.
técnicas a nível universitário. Isto refletia uma decisão conscien- A ~leição de Miguel Arraes acrescentou complicações ainda
1 te de Celso Furtado a respeito da alocação de recursos. Ele acha- maiores à relação Usaid-Sudene. O fato de que a maioria dos ame-
va que as necessidades de desenvolvimento do Nordeste, a longo ricanos no Recife preferia Cleofas não constituía segredo. Os
prazo, seriam mais bem servidas se os esforços se concentrassem agentes da CIA no consulado americano tinham confiantemente
na Universidade. Só depois que a Usaid assinou o acordo de edu- predito a,vitória fácil do latifundiário da UDN, em parte porque
cação com o governador Cid Sampaio foi que a Sudene começou seu pequeno conhecimento de português os forçava a depender
a demonstrar interesse em ir além do plano original de Celso Fur- quase totalmente de informações dos poucos nordestinos (da elas-

168 169
se alta, em sua maioria) que sabiam falar inglês. A política ado- rias semanas depois, em entrevista a um repórter da revista News-
tada pelo consulado refletia este julgamento e dava o tom às-ati- week, ele falou da Aliança para o Progresso: ''Vocês só estão nos
vidades de muitos funcionários da Usaid. Quando Arraes venceu, dando chocolates e confeitos, quando o que precisamos é de em-
a colônia americana facilmente aceitou a declaração feita pelos prego. Falam de nós como se fôssemos uma ameaça internacio-
conservadores pernambucanos de que os comunistas estavam pres- nal, e o que somos é uma região pobre, cheia de sofrimento e
tes a tomar o estado. de problemas humanos. Na realidade, o que queremos é muito
Logo depois das eleições, o Relatório Hispano-Americano ob- pouco - a sua compreensão. Mas vocês se comportam como
servou que "o embaixador Lincoln Gordon e os representantes da aqueles soldados na Casa de Chá do Luar de Agosto - vocês
12
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacio- insistem em fazer de nós alguma coisa que não podemos ser."
nal (AID) estavam observando Arraes [sic] na esperança de que em Um artigo na Newsweek de fevereiro de 1964 apresentou Ar-
1963 ele se tornasse mais moderado" .9 Se genuína, esta esperan- raes como sendo um antiamericano da linha dura: "Virtualmen-
ça qualifica-se facilmente como subproduto de pura arrogância. te os únicos americanos não denunciados por Arraes são os
Os americanos tinham feito um e5forço (embora frágil) para der- cigarros Marlboro e Wiston que ele fuma constantemente. 'Ame-
rotar Arraes. Agora ele iria supostamente tornar-se "moderado" ricanos são para serem queimados', ele diz com um encolher de
e trabalhar com eles. É de se indagar se um governador america- ombros. 13 Uma repartição do governo estadual reforçou esta
no, abordado por um órgão estrangeiro (ou mesmo federal) que imagem ao exibir desenhos a bico-de-pena, muitos dos quais ata-
ele acreditasse ter trabalhado ativamente para sua derrota, teria cavam os Estados Unidos, num barco atracado no rio, perto da
sido mais cooperador do que Arraes provou ser. agência central dos correios. Um dos desenhos mostrava um bra-
Durante sua campanha eleitoral, Arraes mencionara o que sileiro faminto deitado no chão, com Tio Sam em pé em cima
seria sua posição no tocante à Aliança para o Progresso. Dissera dele. Com uma mão, Tio Sam tirava sangue, com uma seringa,
em várias ocasiões, quando indagado sobre o seu ponto de vista das veias do brasileiro e com a outra pingava os dólares da assis-
quanto à ajuda estrangeira: "Não negociarei com potências es- tência com um conta-gotas.
trangeiras. Não sou presidente da República. " 10 Entretanto, considerável evidência apóia o argumento de que
O seu discurso de posse deu indicações mais avançadas do Arraes não recebia ordens do Partido Comunista e não era irre-
que estava por vir. Numa inclinação de cabeça para a esquerda, mediavelmente hostil aos Estados Unidos. Um alto funcionário
filosoficamente falou da necessidade de "liquidar a exploração americano que o observou de perto descreveu-o como "um polí-
pelo capital estrangeiro". Ele disse especificamente o seguinte, tico astucioso, pragmático, difícil de enganar, que estava usando
sobre os americanos: "Hoje constituímos uma das áreas de atra- o Partido Comunista mais do que este o usava." 14 O governo es-
so, fome e miséria conhecidas internacionalmente, um câncer que tadual sempre fornecia proteção policial aos prédios ocupados
o mundo todo conhece e cuja propagação todos temem. O cân- pelos funcionários dos Estados Unidos nos momentos de demons-
cer do Nordeste preocupa os americanos, que imaginam que a trações políticas e para a eventualidade de qualquer ameaça, por
nossa doença possa ser politicamente contagiosa e contaminar os menor que fosse, contra a presença americana. (Tais ameaças nun-
nossos vizinhos; por isso - não sei se o fazem ingenuamente - ca se concretizaram.) Os funcionários estaduais de Pernambuco
nos dão leite em pó, como se a nossa fome fosse diferente da sua, ajudaram muito a fazer passar em massa o pessoal da Usaid nos
como se ela não estivesse constantemente renascendo, como acon- exames para obtenção da carteira de motorista. Nunca houve qual-
tece no mundo todo. Isto é humor negro; não é engraçado, nem quer indício de uma política por parte do estado de Pernambuco
resolve, nem poderá resolver a situação angustiosa de uma única para importunar americanos. E o próprio Arraes mantinha rela-
família nordestina; quanto mais o problema do Nordeste." 11 Vá- ções cordiais com vários funcionários dos Estados Unidos.
171
170
Vários observadores americanos locais expressaram a opi- no Recife para falar perante o Conselho Deliberativo da Sudene.
nião de que Miguel Arraes era suficientemente pragmático para O relatório considerim que os acordos de Pernambuco violavam
reconhecer os benefícios que poderia colher da assistência ameri- tanto a Constituição do Brasil quanto o Acordo do Nordeste e
cana que fosse dada de uma forma que não comprometesse sua recomendou que o governador os revogasse. Arraes aceitou.a su-
posição política na esquerda. Aqueles que sustentam este ponto gestão, resultando disso que, para todos os intentos e propósi-
de vista apontam os objetivos comuns à Aliança para o Pro- tos, a Aliança para o Progresso estava morta no estado mais im
gresso e aos nacionalistas brasileiros de esquerda e concluem portante e populoso do Nordeste.
que algum trabalho poderia ter sido feito pelos americanos con- A reação americana ao relatório variou desde o comentário
juntamente com o governo de Pernambuco. No entanto, os fun- brusco do embaixador Lincoln Gordon: "Eu não sou advogado,
cionários americanos não fizeram qualquer proposta séria a Ar- portanto não posso discutir os aspectos legais da Aliança para
raes. o Progresso" 11, até os comentários feitos em particular p or fun-
Durante os meses cruciais de 1962 e o início de 1963, o côn- cionários da Usaid de que o relatório era "falso" e "mal infor-
sul-geral dos Estados Unidos no Recife era D. Eugene Delga- mado", embora afetasse muito conhecimento.
do-Arias, um diplomata da "velha escola", atraente, inteligente O argumento da inconstitucionalidade dos acordos estava ba-
e culto, que parecia um conde espanhol mas que não se esforça- seado na premissa de que um estado do Brasil não podia, por si
va para lidar com Arraes e seus correligionários em nenhum ní- só, entrar em acordos com potências estrangeiras, desde que a
vel. Da mesma forma que vários nordestinos da classe alta, ele Constituição brasileira reservava tal função ao governo federal.
~· considerava Arraes como a personificação do demônio e nem se- Com relação ao acordo educacional, esta restrição foi enfraque-
quer compareceu à sua posse como governador. cida pelo fato de que um dos signatários era o Ministério da Edu-
Pouco tempo depois de Arraes assumir o governo, Dieffen- cação e Cultura. A insistência de que o Acordo do Nordeste exigia
derfer visitou-o e informou-o de que a Usaid estava pronta a tra- a participação da Sudene em todos os acordos que envolviam a
balhar com ele nos acordos que haviam sido assinados pelo seu Aliança para o Progresso era derivada da interpretação brasilei-
predecessor15 (como vã tentativa de conservar Arraes fora dopa- ra do texto do Acordo. O mesmo texto foi interpretado diferen-
lácio do governo). Estes incluíam o acordo sobre educação, que temente pela Usaid, e, por mais surpreendente que pareça, estes
já foi discutido, bem como acordos sobre a saúde, habitação, co- pontos de vista conflitantes nunca foram resolvidos.
lonização e fornecimento d'água. Arraes mostrou-se frio edis- O relatório também atacou vários aspectos da Aliança para
tante para com o diretor da missão americana e transpirou o Progresso e a maneira pela qual as restrições ao desembolso
desconfiança por todos os poros. Ele despachou Dieffenderfer das verbas da Assistência americana davam à Usaid o poder de
e em 12 de fevereiro de 1963 estabeleceu uma equipe de estudo intervir nos negócios brasileiros de um modo que os autores do
para examinar todos os acordos. O grupo de seis homens foi li- relatório consideraram inaceitável. A decisão unilateral da Usaid
derado pelo recém-nomeado secretário de Educação, um católi- de reter os fundos do acordo sobre a educação em Pernambuco,
co de esquerda. Rumores sobre as tendências comunistas do gru- por ter este estado encomendado um relatório, foi citada como
po começaram imediatamente a circular na missão dos Estados exemplo específico de interferência estrangeira não solicitada, pois
Unidos. isto significava que a Usaid poderia conseguir a paralisia imedia-
O relatório final da equipe de estudo 16 chegou a Miguel Ar- ta de um programa - o que, por sua vez, causaria o fechamento
raes no dia 1? de maio. Poucos dias depois, ele entregou o docu- de escolas brasileiras.
mento a um dos jornais da cidade, que o publicou na íntegra, Como se isto tudo não fosse suficiente para exacerbar as re-
exatamente no dia em que o embaixador Lincoln Gordon estava lações brasileiro-americanas no Nordeste, no mesmo dia em que

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o relatório foi publicado outro jornal do Recife publicou a tra- rios dos Estados Unidos estavam ali para se intrometer nos pro-
dução de um artigo da Newsweek no qual John Dieffenderfer acu- blemas locais.
sava a Sudene de impedir o trabalho da Aliança para o Progresso: Para fazer justiça aos americanos, deve-se notar que Arraes
"Não posso gastar um centavo do dinheiro americano sem a apro- nunca se queixou das atividades do cônsul francês, que era um
vação da Sudene. Eles determinam como os recursos serão utili- tipo gordo e jovial; ex-combatente da Resistência, costumeira-
zados e se nossa participação é desejável. Estamos relegados a mente aparecia em importantes círculos políticos locais e apoia-
um papel negativo. O nosso único poder de decisão é para di- va Arraes abertamente. No entanto, a presença dos Estados
zer não. " 18 Mais incisivamente, ele observou que a Sudene es- Unidos estava apoiada por força muito maior do que a francesa
tava tão precariamente organizada, com jovens tão inexperien- sequer poderia querer apresentar, e isto fazia com que os nordes-
tes, que não podia utilizar os recursos à sua disposição. E acrescen- tinos nacionalistas se sentissem nervosos e indignados.
tou que dentro da Sudene havia certas pessoas que "não esta- Parecia haver uma troca de informações secretas entre os
vam particularmente interessadas em ver o sucesso dos esfor- agentes de segurança dos Estados Unidos e os do Brasil. A acusa-
ços dos Estados Unidos". No d ia seguinte, o superintendente- ção de Julião de que a polícia da Paraíba e de Pernambuco vende-
adjunto da Sudene replicou que " se nós tivéssemos a experiência ra ao "FBI" cópias dos arquivos sobre líderes camponeses locais22
dos norte-americanos, não estaríamos num estado de subdesen- pode não estar inteiramente longe da verdade. O consulado dos Es-
volvimento." 19 tados Unidos no Recife mantinha um arquivo completo de todas
Os comentários de Dieffenderfer certamente se achavam em as figuras políticas da região, e estas fichas continham fotografias
desacordo com a posição da Usaid no programa do Rio Grande que poderiam muito bem ter sido obtidas da polícia local. Tendo
do Norte (que estava longe de ser "negativo"). Mais tarde ele em vista a utilização de dados semelhantes durante a intervenção
declarou que suas informações ao repórter da Newsweek não eram dos Estados Unidos na República Dominicana muitos anos depois,
para ser p ublicadas.20 Desde o início do seu período de ativida- é totalmente compreensível a inquietação de alguns brasileiros pela
de no Recife ele tinha estado sob pressão de uma corrente contí- presença americana em seu país.
nua de jornalistas e políticos americanos, todos procurando O elemento humano certamente ocupou importante papel na
alguma evidência visível de progresso para relatar. A extensão da deterioração das relações entre os Estados Unidos e o Brasil no
culpa da Sudene pela ausência de tal evidência é questionável, mas Nordeste durante o início da década de 60. É possível que fun-
é fácil imaginar um repórter experiente e vivo conseguindo que cionários e técnicos americanos aptos a falar português, familia-
um funcionário do governo inexperiente e completamente frus- rizados com as condições e costumes do Nordeste, e simpatizantes
trado falasse à vontade. das aspirações dos nacionalistas de esquerda pudessem ter ame-
Apesar de a missão da Usaid ser o foco principal da tensão nizado parte da hostilidade que os nordestinos estavam dirigin-
existente nas relações Brasil-Estados Unidos, outros aspectos da do aos Estados Unidos. Porém, a decisão de usar a Aliança para
presença americana no Nordeste também causavam problemas. o Progresso como meio para interferir na política local, as pres-
Por exemplo, o aumento do tamanho do consulado americano sões intensas de Washington para se alcançarem resultados rápi-
no Nordeste atraiu críticas de pessoas no movimento de Arraes. dos, e a má vontade muito arraigada dos responsáveis pela política
Em agosto de 1963, o próprio Arraes se queixou da presença de americana para tolerar uma radical mudança de estrutura no Nor-
15 vice-cônsules no Recife. 21 Seus números não estavam corretos deste combinaram-se para produzir sérias restrições no que qual-
- no ponto máximo, o consulado tinha 10 funcionários consu- quer funcionário dos Estados Unidos poderia efetuar. A falha
lares, uma enfermeira e uma secretária-, porém o impacto da dos indivíduos manietados por estas restrições serviram meramen-
sua acusação implicava claramente que todos aqueles funcioná- te para tornar as coisas muito piores.

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Caos no Campo

A ESTRADA PRINCIPAL em direção ao sul parte, no Recife, de um


dos lados do aeroporto dos Guararapes e corre paralelamente ao
liloral, atravessando o que os nordestinos otimistas chamavam,
cm 1963, "parque industrial". Poucas indústrias tinham se loca-
lizado ali, mas haviam sido feitos muitos planos e foram desper-
ladas muitas esperanças. Antecipando o futuro desenvolvimento
industrial, o governo estadual tinha até iniciado um projeto de
construção de casas nos morros por trás do aeroporto. Um car-
laz desbotado dá publicidade à contribuição de recursos por par-
te da Aliança para o Progresso.
Um posto fiscal na estrada marca o limite dos subúrbios do
Recife e uma mudança na topografia. Algumas manchas de vege-
Lação interrompem uma longa extensão de terra arenosa semelhan-
le a um deserto. Então os canaviais fazem sua inevitável aparição,
11111 denso e macio tapete verde cobrindo os morros. Num local on-
de a estrada passa entre dois morros altos, cobertos de talos, di-
zem que aparece à noite o fantasma de um trabalhador negro de
um engenho próximo assustando os descuidados motoristas. A es-
l rnda sai dos canaviais, passa por uma grande fábrica de borra-
cha sinlética e volta-se suavemente em direção à cidade do Cabo.

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' de visitantes fez a viagem do Recife ao Cabo em


Um fluxo Uma visita feita ao Cabo em meados de 1963 revelou-nos
'1962 e 1963, pois a Igreja Católica, que havia tolerado a pobreza um padre Melo em plena forma e até um pouco desconcertante,
e à injustiçârto interior durante séculos, tinha reagido rapidamente mesmo para alguém prevenido sobre suas excentricidades. Sua
ao clamor de Julião pela revolução e movimentara-se para neu- casa paroquial era anexa à igreja e servia também como sala de
tralizar o apelo das novas Ligas Camponesas. A resposta da Igreja recepção e refeitório. A um canto do grande salão escassamente
a Julião foi o padre Antônio Melo, o jovem pároco do Cabo. 1 mobiliado, havia uma rede na qual o jovem padre de 29 anos se
O padre Melo, proveniente de uma família de 15 filhos, era deitou, sem o menor vestígio de acanhamento. Ele começou a se
um nordestino, natural do pequeno e modesto estado de Sergi- balançar em ritmo vigoroso, reforçando com a expressão do seu
pe, na parte sul da região . Ele havia sido designado para traba- rosto e de suas mãos delicadas o tom emocionado de sua voz.
lhar no Cabo em 1961, quando o governador Cid Sampaio estava - A estrutura agrária está velha. Não tem havido qualquer
fazendo os preparativos para um dos seus projetos favoritos, a n1udança desde os tempos coloniais. O velho sistema é a causa de
construção de uma fábrica que, para fabricar borracha sintética, nossa pobreza. O problema é mudar a estrutura. Se o Congresso
utilizaria o álcool, um subproduto da indústria do açúcar no Nor- não aprovar uma lei de reforma agrária, haverá uma convulsão so-
deste. Os recursos da Aliança para o Progresso, bem como in- cial da qual participarão todos os grupos. - A rede rangia suave-
vestimentos de várias companhias americanas, ajudaram a tornar 111cntc enqua ntQas palavras j orravam, com vigor mas sem pressa.
possível esta aventura que criaria uma nova indústria e novos em- Os únicos sinais visíveis de excitação eram o brilho do seu olho es-
pregos para a região, bem como novos mercados para os donos q uerdo (o olho direito era nublado), uma elevação no timbre de
das usinas. (Tais esperanças continuam irrealizadas até a presen- 'lua voz e uma tendência a bater nas pernas de seus ouvintes.
te data.) A fábrica seria construída no lugar de uma usina. O go- - As terras que não estão produzindo deveriam ser confis-
verno estadual tinha prometido tomar conta dos camponeses que cadas pelo governo e distribuídas entre os camponeses. -Ao ser
seriam d esalojados, mas o bispo a que o padre Melo era subordi- ln1errogado quanto a indenização aos proprietários das terras,
nado teve a inteligência de prever que tais promessas não eram ele quase saltou da rede. - Pagar? Por quê? Para quê? É con-
feitas para serem cumpridas e, portanto, designou o jovem pa- trá rio à doutrina social da Igreja permitir que um latifundiário
dre para zelar pelos interesses dos camponeses. fi que com terras que não produzem, enquanto ao seu redor os
Foi uma sábia resolução que colocou a Igreja na base de um c11 111poneses passam fome. - Ele observou, à parte, que o prín-
problema social sério, pois o governo estadual, como fora pre- ci pe Rainier possuía um enorme pedaço de terra ociosa no Brasil
visto, voltou atrás nas suas promessas e começou a forçar os cam- central, e caracterizou Julião como "o despertador que nos acor-
poneses a deixarem suas casas mediante o recibo de um pagamento (IOu para o problema, porém com intuitos políticos e não para
nominal irrisório. O padre Melo protestou sem êxito. Então ten- l'llCOntrar uma sÓlução" . Depois, colocou ambas as pernas den-
tou algo mais dramático: foi às casas dos camponeses, encora- t 1o da rede e ficou deitado de lado. - O The New York Times
jou-os a resistir à expulsão e anunciou que bloquearia fisicamente C'> lcvc aqui para me entrevistar e também me filmaram para a
a polícia na próxima vez que esta tentasse expulsar um campo- 1d cvisão americana.
nês. A sua tática funcionou. O governo estadual desistiu, decla- A entrevista retomou um tom mais sério.
rando por escrito que os camponeses poderiam permanecer no - O presidente Kennedy, sim, é um verdadeiro cristão -
local até que foss.em encontradas casas apropriadas para eles. Com tll1isc ele, sentando-se subitamente e reassumindo o seu balançar
a publicidade gerada pelo incidente, o padre Melo tornou-se um l'U111passado. - Mas os capitalistas de Wall Street controlam o
herói nacional. Ele continuou a trabalhar com os camponeses e ( '011grcsso e querem manter a América Latina escravizada. Que-
dentro de pouco tempo estava competindo com Julião. 1l'llt conlinuar a tirar os seus lucros do Brasil.

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O padre Melo concluiu com uma declaração: crivar sua batina de balas. Outro proprietário disse a um oficial
- Eu sou tanto contra o capitalismo como contra o comu- americano que a maior ameaça de subversão não vinha do Parti-
nismo. Sou a favor de uma forma de governo socialista, como do Comunista, que pelo menos era visível, mas de "padres ver-
o de Israel, o da Iugoslávia· e o da Suécia. melhos" como o padre Melo, que estavam subvertendo o sistema,
A esta altura ele falou para o quarto vizinho e vários cam- de dentro, defendendo a "praga" da reforma agrária.
poneses entraram no salão. Eles apanharam uns papéis que esta- A verdade sobre o assunto, no entanto, serve como um co-
vam sobre uma escrivaninha no canto da sala e formaram um mentário acerca da mentalidade desesperadamente retrógrada dos
grupo. A um sinal do padre Melo, começaram a cantar, nasala- proprietários de terras. Pois o padre Melo não comungava com
damente mas com determinação: "Camponês, avança na bata- os elementos esquerdistas da Igreja, os quais viam as mudanças
lha ... " - Padre Melo sorriu com aprovação. radicais como a única solução para os problemas do Brasil, e tra-
- É o Hino do Camponês. Letra e música de Aureliano Vi- balhavam com líderes como Miguel Arraes e com comunistas co-
cente Silva, que também é camponês - anunciou ele quando o nhecidos - na verdade, com qualquer pessoa tentando reestru-
canto terminou, balançando a cabeça na direção de um homem turar a sociedade brasileira. O padre Melo era o representante
de cabelo encarapinhado, cujo rosto barbado se abriu num sor- mais loquaz de um grupo de padres jovens que procuravam des- "'1,,
riso de acanhamento. viar o movimento trabalhista rural dos objetivos estabelecidos por
- Ele é protestante - interferiu outro camponês solenemen- Julião e outros. A influência exercida por esses padres foi, pelo
te - , mas toca órgão na igreja para o padre Melo. menos a curto prazo, profundamente contra-revolucionária\ fa- '
Os meios de comunicação brasileiros, sempre rápidos em criar to este devidamente notado por agentes secretos em Washingt on. \
e explorar novos "astros", fizeram do esperto padre Melo um O padre Melo fez uma barulhada marxista,' embora, na maio-
símbolo do padre rural radicalizado. O padre não se esquivou à ria das vezes, soasse mais como Harpo e Chico do que como Karl,
projeção. Em 1961, declarou que era .. meramente um acende- mas no final de 1963 ele estava abertamente aceitando dinheiro
dor de fogueiras". 2 Ao testemunhar, em Brasília, perante uma do ultraconservador Instituto Brasileiro de Ação Democrática
comissão federal que investigava as Ligas Camponesas em 1962, (IBAD), denunciando Miguel Arraes e proclamando seu apoio
ele insistiu que os responsáveis pela violência no campo não eram às ambições presidenciais de um político da ala direita, 8 descri-
os camponeses, mas os "reacionários" .3 Após a eleição gover- to pelo jornal New Republic como um candidato "do leite, da
namental em Pernambuco, ele negou vigorosamente que Miguel maternidade e da bandeira americana" .9
Arraes, a quem ele tinha apoiado, fosse comunista.4 Apesar de O interesse da Igreja Católica pela angustiosa situação dos
professar publicamente preocupação acerca de relatórios sobre camponeses nordestinos refletia os esforços pioneiros de um bis-
o uso de violência pelas Ligas Camponesas, as suas relações com po no estado do Rio Grande do Norte. 10 Durante os anos da dé-
Julião eram cordiais. Após sua bem-sucedida defesa dos campo- cada de 1950, ele fundara uma organização conhecida como
neses contra o governo estadual, o chefe das Ligas Camponesas ·Serviço de Assistência Rural e que executava programas de edu-
o visitou para parabenizá-lo, visita esta que recebeu bastante pu- cação e de saúde no interior, começando a organizar os traba-
blicidade da imprensa.5 lhadores rurais em sindicatos. O Serviço declarou-se livre de
Em alguns lugares, a postura do padre Melo suscitou rea- quaisquer ligações políticas, mas era explicitamente anticomunis@
1
ções nada simpáticas. Em fevereiro de 1963, um dos direitistas e não procurava mudanças radicais na estrutura sócio-econômica
mais causticantes incluiu o nome do jovem padre numa lista de do campo. Os sindicatos tentavam ajudar os trabalhadores ru-
católicos proeminentes que ele acusou de serem "criptocomunis- rais a defender seus direitos legais e a levar a cabo uma reforma
tas" .6 No Cabo, um proprietário de terras enraivecido ameaçou agrária suave. As condições no interior do Rio Grande do Norte

182 183
não eram tão cruéis quanto as de Pernambuco, um fator que con- e ministrador de carisma entre os camponeses. Mas o cérebro por
tribuiu para a popularidade e o sucesso dos programas do bispo trás da operação era um mulato gordo e cheio de energia, o pa-
(apesar de os proprietários rurais resistirem ao que ele estava ten- dre Paulo Crespo. Os dois homens trabalharam bem em conjun-
tando fazer). lo (pelo menos nesse período inicial), o padre Melo cabriolando
Enquanto isso, em Pernambuco, a Igreja observava, alar- para lá e para cá no foco da publicidade e o padre Crespo estru-
mada, as atividades de Julião e de suas ligas. Os clérigos tradi- turando uma organização por trás do pano.
cionalistas se contentavam em manter a identificação da Igreja A chave do seu movimento era o Serviço de Orientação Ru-
com os donos de terras e denunciar a difusão do "comunismo" ral de Pernambuco (Sorpe)', um órgão patrocinado pela Igreja e
1 no interior. Mas os elementos progressistas, especialmente entre o
moldelado de acordo com Serviço de Assistência Rural do Rio
os pádres jovens influenciados pelas encíclicas do p~a João Grande do Norte, o qual se destinava a encontrar líderes campo-
XXIII, reconheciam que uma abordagem mais positiva seria ne- i
neses e treiná-los nq sindicalismo cristão. 1 Estes líderes campo-
cessária. Alguns deles tinham visitado o R.io Grande do Norte e neses seriam usados para organizar sindicàtos rurais que seguiriam
visto com admiração o trapalho do Serviço de Assistência Rural. as diretrizes do Sorpe. Os novos sindicatos procurariam uma so-
Em 25 de julho de 1961, portanto, 25 padres pernambucanos se lução harmoniosa para as diferenças existentes entre os campo-
reuniram para discutirãt:rescente agitação política no campo e neses e os donos de terra, e entre os trabalhadores do açúcar e
decidiram que a forma mais efetiva de enfrentar o problema se- os usineiros, como uma alternativa preferível ao conflito de clas-
ria organizar sindicatos rurais. ses. Eles também encorajariam, como meio de melhorar a situa-
A essa altura, o status legal dos trabalhadores rurais não era ção do camponês, a formação de cooperativas, assim como o
muito claro. Em 1943, as leis do salário mínimo foram alteradas fornecimento de serviços legais e outros necessários.
para incluir os trabalhadores rurais; mas nunca foram cumpri- O padre Crespo enfatizou a distinção entre os novos sindi-
das, pelo menos no Nordeste. 11 Outras leis trabalhistas afetando catos que o Sorpe estava organizando e as Ligas Camponesas de
todos os trabalhadores eram teoricamente interpretadas como Julião: "As Ligas Camponesas, por si sós ... não constituem o
aplicáveis aos trabalhadores rurais, mas na prática também eram melhor instrumento para solução do problema dos camponeses .
ignoradas. Em 1944 entrou em vigor t1:ma legislação que sancio- Pela sua constituição, elas se assemelham mais de perto a uma
nava a formação de sindicatos rurais. Uma vez reconhecidos pe- sociedade beneficente, sem objetivos positivos. São mais uma or-
lo Ministério do Trabalho, estes sindicatos supostamente tinham ganização paternalística do que uma sociedade em que os pró-
o mesmo status legal que os sindicatos urbanos. Mas a situação prios camponeses lutam pelo seu desenvolvimento ... No meio de
política no campo estava tão desequilibrada que era ao mesmo todas estas contradições, surgiu o movimento sindicalista rural,
tempo inútil e perigoso encorajar a formação de tais organiza- como uma força de pressão, para o aperfeiçoamento da nossa
ções campones~s. Realmente, quando os padres pernambucanos ~lcmocracia. É a última esperança para o camponês ... " 13
realizaram seu encontro existiam apenas cinco sindicatos rurais É necessário notar que, apesar destes altos sentimentos, a
reconhecidos em todo o Brasil. abordagem do-sindicalismo rural pelo Sorpe desenvolveu um pa-
Mesmo assim, os jovens padres tinham certeza de que um ternalismo próprio. Os jovens advogados que se juntaram ao mo-
movimento trabalhista rural organizado dentro dos quadros que vimento dentro de pouco tempo assumiram posições de liderança,
a lei teoricamente fornecia poderia, com efeito, contrapor-se às e tanto o padre Crespo como o padre Melo nunca demonstraram
forças que Julião havia desencadeado no interior. Portanto, eles qualquer inclinação para entregar aos líderes camponeses que es-
começaram a trabalhar. tavam treinando o controle geral das forças que haviam posto
O padre Melo tornou-se uma combinação de chefe, intérprete cm ação.
184 185

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p: ·'-'
J"-1-, Nem tampouco sabiam que estavam recebendo apoio da ficava que os padres mantinham monopólio sobre as atividades
1 Agência Central de Informações americana. O jovem agente da legalmente sancionadas do sindicato dentro do município inteiro.
). f\ 1
CIA que trabalhava como técnico da Liga Coop.erativa (CLU- Em maio de 1962, realizou-se no estado da Bahia o 1 Con-
SA) tinha se movimentado de modo rápido e silencioso para de- gresso de Trabalhadores Rurais do Norte e do Nordeste. Os re-
senvolver contatos estreitos com o Sorpe e com o padre Crespo. presentantes dos sindicatos controlados pela Igreja dominaram
Dentro de pouco tempo ele estava canalizando recursos da CIA a reunião, que os comunistas depois acusaram de ter sido patro-
para dentro do movimento a fim de ajudar no pagamento desa- cinada e financiada pelos grandes proprietários rurais. 14 O minis-
lários e despesas do Sorpe e atrair pessóas que, de 'outro modo, tro do Trabalho aproveitou a ocasião para reconhecer 23 novos
1
poderiam não ter contribuído com seus esforços para o sindica- sindicatos rurais, cinco dos quais estavam localizados em Pernam-
lismo rural. Ele também trabalhou de maneira efetiva com as pes- buco. Em junho, uma parte dos sindicatos de Pernambuco se uniu
soas do Sorpe para estimular os novos sindicatos rurais e fundar para formar uma Federação de Sindicatos Rurais, de âmbito es-
cooperativas que poderiam fornecer uma ampla variedade de ser- tadual, que, em outubro, obteve reconhecimento do Ministério
viços agrícolas. Estas cooperativas futuramente produziram be- do Trabalho. 15 A Federação estava sob o firme controle do pa-
nefícios materiais para os seus membros. Mas de maior impor- dre Crespo e de seus associados do Sorpe.
tância para os interesses da segurança dos Estados Unidos foi o Enquanto os padres organizavam sindicatos no Nordeste, o
fato de que sua organização e sua administração desviaram Congresso Brasileiro estava debatendo a reforma agrária. O pro-
os líderes campon~es das lutas políticas no interior pernambu- blema subitamente havia se tornado muito popular a nível na-
cano, onde eles poderiam têr sido envolvidos nos esforços para cional - fato notável, tendo em vista que, apenas uns poucos
obter modificações radicais no status quo. Emqora tenha sido uti- anos antes, a "reforma agrária" era considerada um tópico "sub-
lizado o descontentamento para convencer os camponeses a for- versivo", que não podia ser discutido em ambientes polidos. Po-
mar as cooperativas, o movimento cooperativista nunca negou líticos, do presidente Goulart para baixo, estavam agora falando,
sua aceitação das estruturas políticas e econômicas existentes. Cer- alto e bom som, sobre a necessidade de uma solução para os pro-
ta vez, o próprio homem da CIA-CLUSA observou: "Ao con- blemas rurais brasileiros. É claro que cada um tinha uma solu-
vencer o camponês de que a miséria de sua condição é desne- ção diferente e a Constituição federal ainda proibia a desapro-
cessária, deve-se tomar o cuidado de não empurrá-lo até o extre- priação de terras particulares sem indenização total e imediata,
mo da revolta contra as autoridades e os interesses constituídos tornando portanto impossível ao governo acabar com as grandes
que o têm mantido no seu estado atual." Ao todo, a estratégia propriedades no interior. ., · ,~)
da CIA de financiar o Sorpe e de estabelecer cooperativas agrí- Mas uma coisa estranha ocorreu no dia 2 de março de 1963. ' ......\.
colas foi uma ação bem concebida e bem executada para ajudar O Congresso Brasileiro aprovou uma Lei do Trabalhador Rural
a reduzir o potencial revolucionário do movimento trabalhista ru- bastante ampla. A lei estipulava os vários direitos e benefícios \ · i.. l
ral em Pernambuco. - gurantidos aos trabalhadores rurais e formalizava os direitos e
O governo federal não se mostrava de forma alguma satis- responsabilidades dos sindicatos de trabalhadores rurais. Foi a
feito com o que os padres estavam fazendo, especialmente quan- primeira legislação federal a tratar exclusivamente dos trabalha-
do o pessoal do Sorpe tentou obter reconhecimento do Ministério dores rurais, mas não provocou muita reação. '6 Talvez a falta de
do Trabalho para os sindicatos rurais que estavam organizando. entusiasmo fosse devida ao fato de ela repetir coisas que já ha-
De acordo com as leis brasileiras, somente era permitido um sin- viam sido objeto de legislação anterior (tais como a aplicação da
dicato de trabalhadores rurais em cada município. Assim sendo, lei de salário mínimo ao trabalhador rural). Além disso, a lei não
o reconhecimento oficial de um sindicato filiado ao Sorpe signi- clava cobertura a todas as classes de trabalhadores rurais encon-

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trados no interior. Talvez também as pessoas tivessem admitido cer uma base de apoio entre os trabalhadores urbanos. Agora
que a nova lei sofreria a mesma sorte de outras leis semelhantes, Goulart reconhecia que a chave do controle dos trabalhadores ru-
que nunca tinham sido aplicadas. rais estava nas estruturas sindicais que vinham tomando forma
L , Entretanto, a nova lei veio a ser altamente significativa. Ao no interior.
assumir o governo de Pernambuco, Miguel Arraes realizou algu- As leis trabalhistas brasileiras atribuem ao governo federal
mas mudanças surpreendentes. Deu ordem à polícia estadual pa- o poder decisório. O Ministério do Trabalho supervisiona a cole-
ra se manter neutra em disputas entre camponeses e proprietá- la e distribuição do chamado "imposto sindical", que é pago pe-
rios de terras. Estes, privados dos seus aliados tradicionais, los trabalhadores e pelos patrões. O Ministério também tem poder
reclamaram em altos brados. A 10 de abril de 1963, uma associa- exclusivo sobre o reconhecimento de sindicatos particulares e de
ção de proprietários fez publicar, em página inteira de um jornal federações de sindicatos nos estados. O delegado regional do tra-
do Recife, uma carta aberta ao governador, na qual eram enu- balho, que representa o Ministério do Trabalho em cada Estado,
merados atos de violência que alegavam terem sido cometidos pe- pode "intervir" num sindicato local, removendo a sua lideran-
los camponeses em semanas anteriores. 17 No dia seguinte, em ça. O presidente Goulart não hesitava em lançar mão destes po-
resposta, Miguel Arraes fez publicar, em página inteira do mes- deres numa tentativa de assegurar o controle do movimento
mo jornal, uma lista de todos os atos de violência alegadamante trabalhista rural que estava surgindo em Pernambuco.
cometidos pelos proprietários contra os camponeses durante o Mas Miguel Arraes tinha seus próprios planos para os tra-
mesmo período de tempo. 18 Era grande novidade em Pernambu- balhadores rurais. Não constituía segredo que ele estava consi-
co o reconhecimento oficial dos problemas de lei e ordem do la- derando seriamente lançar sua candidatura para vice-presidente,
do dos camponeses. Ao descobrirem que uma fonte de intimi- o u mesmo para presidente, nas eleições nacionais. de 1965. Ele
dação contra eles havia sido removida, os camponeses criaram teria que se apresentar como o candidato do Nordeste - o que
ânimo para se organizar e exigir seus direitos legais com ainda exigiria o apoio dos trabalhadores rurais da região, e dos seus
maior vigor. sindicatos. Embora Goulart não pudesse legalmente candidatar-
Além disso, Arraes decidiu que a lei do salário mínimo na sc à reeleição como presidente, ainda buscava o poder político,
zona açúcareira deveria ser observada, e usou toda a sua influên- e suas ambições constituíam uma fonte de especulação. De qual-
cia para forçar os proprietários de engenhos e usinas a cumprir quer maneira, ele via Arraes como um adversário. E tanto ele
suas obrigações legais, e não apenas fingir que as observavam. quanto Arraes se opunham aos sindicatos patrocinados pela
Isto também contribuiu para o crescimento dos sindicatos rurais, Igreja.
que podiam agora pressionar os proprietários e assegurar benefí- O Partido Comunista, com sua base urbana tradicionalmente
cios financeiros reais para os seus membros. segura, resolveu seguir uma política de dois gumes, infiltrando-se
À medida que os sindicatos rurais começaram a assumir uma 1ws Ligas Camponesas já existentes e, ao mesmo tempo, formando
nova importância na zona açucareira, tornou-se cada vez mais sindicatos rurais que ficariam sob o controle do Partido. O pro-
óbvio que od E.adres tinham~ adiantado a todo mundo,) visto grama de infiltração aparentemente não funcionou e também se
que já vinham organizando sindicatos há muito tempÕ.l>olíticos 1ornou desnecessário, pois as Ligas mergulharam num mar de con-
esquerdistas e grupos políticos sempre tinham reconhecido o po- l'usão. Por outro lado, o Partido conseguiu algum êxito contra
tencial de poder de uma organização rural, especialmente se a os padres na competição para organizar sindicatos. Arraes deu
Constituição federal pudesse ser modificada para dar o direito s uporte aos comunistas, e estes, por sua vez, apoiaram Arraes
de voto aos analfabetos. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB}, cm suas manobras diante de Goulart.
do presidente Goulart, tinha usado os sindicatos para estabele- O movimento trabalhista rural em Pernambuco finalmente

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acabaria com as Ligas Camponesas, na falta de uma explosão de 1962, pois virtualmente todos os líderes rurais (inclusive o padre
revolta no campo. Os sindicatos tinham status legal e estavam Melo e o padre Crespo) apoiaram a candidatura de Miguel Ar-
em posição muito superior para assegurar benefícios financeiros, raes. Mas, em janeiro de 1963, várias semanas antes de Arraes
médicos e educacionais aos seus membros, bem como uma parti- assumir o governo, explodiu uma luta sangrenta numa grande usi-
cipação 30 poder político. Logo no início da jogada, Julião as- na na parte sul do estado, numa terrível advertência de que os
sumiu a posição de que as suas Ligas e os sindicatos poderiam grandes proprietários não estavam prontos a se deitar no chão
existir lado a lado. ''As Ligas são as mães dos sindicatos'', gos- e se fazer de mortos.
tava de repetir. Ele encorajou os membros das Ligas a se filia- O incidente resultou de uma manifestação feita por um gru-
rem aos sindicatos e vice-versa. Mas continuou a passar bastante po de cerca de 80 camponeses em frente ao escritório da usina.
tempo afastado do Nordeste, em viagem ao exterior e ao Sul do Os camponeses trabalhavam nos engenhos pertencentes à usina
Brasil, e nunca desenvolveu uma organização local forte. Como e estavam exigindo o pagamento da gratificação que a lei obriga-
resultado, os padres, com seus sindicatos, começaram a deixá-lo va os proprietários a lhes pagar no fim do ano. Acontece que o
a reboque, e Arraes e os comunistas drenaram parte do seu apoio. proprietário era deputado federal e membro do Partido Traba-
Apesar de Julião ter apoiado a candidatura de Arraes, o gover- l11ista Brasileiro de Goulart. Entre os manifestantes havia mulheres
nador não escondia o seu desdém pelo líder das Ligas Campone- e crianças, e os homens, de forma agressiva, estavam armados
sas. Em conversa com um repórter da revista Newsweek Arraes de cacetes e facas. De acordo com um relatório, vários campone-
disse o seguinte sobre Julião: "Eu tenho os meus próprios méto- llCS portavam revólveres. Aparentemente a manifestação era apoia-
dos e ele os dele: cabe ao povo julgar quem está certo. "'9 Em da pelas Ligas Camponesas.
uma entrevista subseqüente ele se referiu a Julião como "apenas O proprietário e político saiu do seu escritório para falar com
mais um político". 20 os camponeses, acompanhado de seus pistoleiros. A discussão lo-
Assim, Julião tentou conservar suas Ligas intactas, enquan- RO degenerou num verdadeiro confronto, que, por sua vez, ex-
to competia ao mesmo tempo com os padres e os comunistas pe- plodiu em violência. Cinco camponeses foram mortos e muitos
lo controle dos sindicatos rurais. O que adicionou mais lenha à o utros ficaram feridos. Pelo menos um dos pistoleiros foi tam-

l fogueira foi a aparição de um grupo de jovens trotskistas e outro


grupo de comunistas que tinham abandonado o Partidore esta-
vam seguindo a linha chinesà. Estes elementos dissidentes tam-
bém entraram na competição, não se mostrando capazes de
penetrar além da orla, mas contribuindo muito para a confusão
bém ferido. A polícia estadual tomou sua posição costumeira,
111untendo o direito dos proprietários de se proteger utilizando pis-
toleiros contratados. O máximo que Julião pôde fazer foi recair
numa desgastada reação liberal e exigir uma investigação.
Pouco depois deste incidente, surgiu na parte sul da zona açu-
maciça que caracterizou o campo pernambucano em 1963 e iní- cnrcira de Pernambuco um organizador carismático e einâm~ ,
cio de 1964. A competição freqüentemente era do tipo bizanti- que começou a compor um sindicato rural. O cabelo tle Gregó
no: Arraes versus Goulart, a nível superior; padres versus 1lo Bezerra agora estava branco, mas o antigo sargent~cfo Exér-
~
comunistas, versus Julião, versus trotskistas, versus maoístas, a 1.:ito e deputado federal estava, como sempre, em plena forma
nível local, com várias alianças sendo formadas e dissolvidas em t'fsica. Sua presença não tinha qualquer relação com o tiroteio
rápida sucessão. 21 E no meio de toda esta barulhada, os técnicos recente, mas assinalou o início da campanha do Partido Comu-
dafSudeiie,'estavam tentando o seu próprio projeto-piloto de re- nista para obter uma base entre os trabalhadores rurais.
forffiã- agrária em Pernambuco. A área em que Gregório estava trabalhando era a parte mais
As atividades de organização na zona açucareira haviam si- miserável da zona açucareira, dominada por grandes usinas que
do suspensas durante a campanha para eleição do governador em exploravam um proletariado rural sem terra. Existiam apenas al-

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guns meeiros e pequenos rendeiros ligados aos senhores de enge- neffcios tangíveis em favor dos trabalhadores da zona açucarei-
nho numa relação feudal. As Ligas Camponesas haviam obtido rn. No entanto, o Sindicato constantemente enfatizava o tema da
muito pouco sucesso ali no sul, e por causa disso Julião era acu- luta de classes entre os proprietários de terra e os camponeses .
sado de proteger os interesses de grandes proprietários de terras. Ourante o ano seguinte, o Sindicato promoveu várias greves e ma-
A verdade era que, como regra geral, apenas aqueles campone- nifestações . Para alguns camponeses, aquilo era como uma fes-
ses que tinham o uso de alguma terra própria ousavam se juntar ta, pois tinham oportunidade de fazer passeatas pelos engenhos
às Ligas. Aqueles que trabalhavam para as grandes usinas geral- e na cidade mas sem captar o significado real do que estava acon-
mente não possuíam terra de onde pudessem tirar sua subsistên- tccendo. Outros começaram a desenvolver uma consciência polí-
cia e, portanto, eram mais vulneráveis à retribuição dos donos tica, especialmente depois de serem organizados pelos comunistas
das usinas. É claro que as Ligas Camponesas não podiam ofere- cm pequenas células em cada engenho.
cer a esses trabalhadores proteção e benefícios que os compen- De mais imediata importância para todos os trabalhadores
sassem por sua filiação. Mas os sindicatos eram bem diferentes, du á rea foi o fato de os usineiros, sob a pressão de Arraes, esta-
especialmeD;te após a promulgação da lei de 2 de março de 1963. 1·c 111 pagando o salário mínimo legal. Como disse a Newsweek:
Eles era m legalmente reconhecidos como representativos dos in- "O dinheiro novo atingiu a moribunda economia de Pernambu-
teresses dos trabalhadores rurais e estavam mais capacitados a co como a explosão de uma nuvem no deserto. " 22 Os campone-
suportar as pressões dos proprietários de terras: NCS subitamente viram-se com dinheiro no bolso e apressaram-se
Gregório concentrou todo o seu esforço em Palmares~ a u exercer seus novos privilégios como consumidores. Palmares
maior cidade na área. O governador Miguel Arraes cõloooiTà sua e tts cidades vizinhas refletiam a nova prosperidade, à medida que
disposição certas facilidades que o ajudaram nos seus esforços, comerciantes e donos de lojas lucravam com o poder de compra
e outros membros do Partido se uniram a Gregório no campo. dos trabalhadores do açúcar.
Um destes veio de distância tão grande quanto o território do Além do sucesso obtido em Palmares, os comunistas tam-
Acre, um lugar remoto do Brasil nos limites com o Peru e a Bolí- bém ajudaram a minist@r_u~uro golpe no movimento contro-
via. Mas o presidente do sindicato recém-formado não pertencia ludo pela Igreja n~dade de Jaboat~ nos limites do Recife. ..-
ao Partido. Era, sim, um ex-membro das Ligas Camponesas que l!sta era a base onde residia o padre Crespo, que havia organiza-
tinha visitado Cuba com Julião . uo o sindicato rural do iugar. Jaboatão estava situada perto do
As atividades de organização do Partido surtiram efeito, pois Recife e, ao mesmo tempo, se estendia pela zona canavieira. Vá-
o ministro do Trabalho não apenas deu reconhecimento ao Sin- t'lus indústrias estavam ali localizadas, assim como duas usinas.
dicato de Palmares, mas também incluiu nele 22 municípios! A /\ cidade sempre tinha fornecido uma grande quantidade de tra-
criação deste sindicato gigante resultou na impossibilidade de os bulhadores que podiam ser transportados facilmente ao Recife,
padres tomarem do Partido o seu controle; mas também deu aos para passeatas e manifestações. Também tinha a reputação de ser
comunistas apenas um voto potencial na Federação Estadual de uni viveiro de adeptos dos comunistas - tanto assim que as pes-
Sindicatos Rurais, o que seria de pouco valor em qualquer tenta- soas comumente se referiam à cidade como " Moscouzinho". As-
tiva para tomar dos padres o controle da Federação. Conseqüen- Nim sendo, não era de admirar que fossem feitos esforços para
temente, o Sindicato de Palmares nunca se preocupou em se filiar nnancar do padre Crespo o sindicato rural da cidade.
à Federação. Um líder camponês que havia tomado parte na organização
Em comparação com a retórica violenta das Ligas Campo- do padre Crespo começou a fazer agitação contra o seu sindica-
nesas, as posições tomadas pelo Sindicato de Palmares pareciam l O. Ele contava com a ajuda do governo de Arraes e dos agitado-
meio conservadoras, pois os comunistas faziam agitação por be- ' cs cio Partido Comunista e das Ligas Camponesas, que acen-

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deram a centelha das manifestações contra o padre Crespo. O de- que ele lavou as mãos do negócio todo e não mais retornou ao
legado regional do trabalho, representando o presidente Goulart, movimento das Ligas Camponesas.
finalmente "interveio" no sindicato, removendo sua liderança Os jovens trotskistas <flue Joel havia conhecido em 1961 du-
pró-Crespo em agosto de 1963 e programando novas eleições pa- rante o Congresso Nacional de Camponeses em Belo Horizonte
ra novembro. Seguiu-se um período de grande confusão, com sofreram um destino um tanto diferente. Esses estudantes do Sul
ameaças e contra-ameaças, demonstrações e contrademonstra- cio Brasil, membros da chamada "Vanguarda Leninista", acha-
ções. Até o próprio padre Melo entrou na briga, defendendo o ram irresistível a oportunidade oferecida pelo fermento que con-
seu colega pelo rádio e pela televisão. No seu estilo inimitável, vulsionava a zona açucareira de Pernambuco. Ansiosos por
ele chegou ao ponto de denunciar Arraes como ''um homem do- participar do que lhes parecia ser uma experiência genuinamente
minado pelo ódio, que não faz outra coisa senão odiar". 23 Na revolucionária, eles abandonaram os livros para carregarem a ban-
véspera das eleições, o padre Crespo reconheceu que a chapa de deira da IV Internacional, de Trotsky, no Nordeste. O jorna-
seus candidatos não podia ganhar de forma alguma, e recuou, lista brasileiro Antônio Callado achou-os mais próximos do a-
entregando o controle do sindicato a um grupo de líderes que ti- narquismo do que do trotskismo: "Para mim, pareciam mais
nha estreitas relações com Arraes e com os comunistas. Em feve- uns seguidores de Norman Mailer, digamos assim, do que do ve-
reiro de 1964, o delegado regional do trabalho atacou novamente, lho Trotsky." 24
intervindo no sindicato do padre Melo, no Cabo, e instalando O pequeno grupo trotskista escolheu como teatro de suas ope-
novos líderes que pertenciam às Ligas Camponesas. rações o município de També, na parte mais setentrional da zo-
Entregues a seus próprios recursos, as Ligas não se saíram na açucareira de Pernambuco. Começaram a trabalhar entre os
bem na competição com os padres. Na cidade natal de Julião, camponeses, tentando tomar o controle do sindicato rural que
Bom Jardim, e até mesmo em Vitória de Santo Antão, municí- era dirigido pelos seguidores do padre Crespo e do padre Melo.
pio onde começara o movimento das Ligas Camponesas, os sin- Até sua prisão em 1963, Joel Câmara trabalhava em coordena-
dicatos rurais eram controlados pelos grupos ligados à Igreja. ção com eles. Embora um tanto cético quanto à abordagem de-
Vitória continuou sendo um viveiro para a atividade das Ligas les ("vieram do Sul, usando gravatas e não tinham a menor
Camponesas. Um jovem estudante de Direito, João Alfredo, e compreensão do que estava se passando na zona açucareira"),
uma professora de nome Maria Celeste coordenavam a agitação, ele admirava o seu entusiasmo. Pouco tempo depois, os seus es-
que consistia principalmente na invasão de engenhos. No final forços frutificaram e eles tomaram o controle do sindicato. Mas,
de 1963, João Alfredo rompeu com Julião, aparentemente por cm agosto, seu líder, um estudante de 23 anos que usava o pseu-
divergência de tática, resultando disso uma amarga rivalidade. dônimo de "Jeremias", foi morto numa emboscada pelos pisto-
Enquanto isso, Joel Câmara se consumia na Casa de Deten- leiros de um proprietário de terras. Tal acontecimento fez com
ção do Recife, escrevendo suas memórias e freqüentando as au- que o resto do grupo convocasse um Congresso de camponeses
las de Direito na companhia de vários guardas da prisão. A cm També, em 7 de outubro de 1963. Um manifesto anunciando
competição pelo controle dos sindicatos rurais tinham-no amar- o Congresso clamava por uma "Frente Unida de Trabalhadores,
gurado completamente. "Era ridículo", ele relembrou em 1967. Camponeses e Soldados'', e esboçou um programa que propu-
"O interior é enorme. Havia lugar para todo mundo. Existiam nha uma milícia camponesa, "tribunais populares" para julgar
muitos camponeses a serem tornados politicamente conscientes. e punir os proprietários, e a ocupação das propriedades dos gran-
O inimigo era o latifundiário. Mas os grupos estavam lutando des latifundiários. No dia do "Congresso", a polícia estadual de-
entre si. Por que perder tempo com estas rixas mesquinhas?" Joel teve os três estudantes que haviam assinado o manifesta, e eles
foi libertado em dezembro de 1963. Tão grande foi sua desilusão foram presos de acordo com a Lei de Segurança Nacional. Em
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outubro, o delegado regional do trabalho interveio no sindicato volução sozinho. Começou a beber novamente, a usar óculos es-
de També, expulsando a liderança e pondo fim à aventura trots- curos, a portar um revólver e até mesmo a ter os seus pistoleiros
kista no Nordeste do Brasil. particulares." 26 Antônio Callado chamou Júlio de "uma mistu-
Ainda mais bizarra foi a breve mas aventurosa carreira de ra de líder político e de bandido", e "um anarquista de primeira
Júlio Santana, líder camponês. Júlio era um pescador e fazen- categoria". 21
deiro de 40 anos, da cidade do Cabo. Ele se envolvera com Ju- De qualquer forma, no dia 7 de julho Júlio reuniu os seus
lião no movimento das Ligas Camponesas e em pouco tempo seguidores dentre os camponeses e apoderou-se do sindicato à for-
ascendera a uma posição de liderança, resultante de sua natural ça. Isto marcou o início de uma luta frenética, com as forças da
inteligência, habilidade oratória e personalidade agressiva. No en- Liga Camponesa e as de Júlio tomando e perdendo o sindicato
tanto, Júlio gostava de beber, e seu uso da garrafa revelou um alternadamente. O usineiro do lugar tinha um medo horrível de
traço de caráter violento que perturbou sobremaneira seus com- Júlio e ajudou os camponeses da Liga. Júlio tinha seu apoio pró-
panheiros das Ligas. Certo dia, embriagado, ele assustou terri- prio, vindo de fora. Julião sustenta que os trotskistas estavam
velmente a mulher de um funcionário das Ligas. Este, com a ajuda usando Júlio para exercer uma influência decisiva no interior. Ou-
de três amigos, correu atrás de Júlio com um facão e feriu-o se- tro líder das Ligas Camponesas insiste em que Miguel Arraes es-
riamente. Levado a um hospital, lá foi deixado como morto. Vá- tava usando Júlio para combater a influência de Julião. A certa
rios meses mais tarde, numa reunião da Liga, Julião estava ultura, Júlio apareceu em Sirinhaém num jipe oficial do delega-
cumprimentando alguns camponeses quando um homem com um do regional do trabalho, o representante de Goulart em Pernam-
grande bigode preto se aproximou dele e disse: "Julião, não está buco. Se Arraes estava dando cobertura a Júlio, esse apoio não
me reconhecendo?" Era Júlio, com as marcas de uma rudimen- durou muito. No dia 11 de outubro, a polícia estadual deteve Jú-
tar cirurgia plástica. "Era como se fosse um cadáver voltando lio e prendeu-o na Casa de Detenção do Recife, com base na Lei
do cemitério", recordou Julião recentemente. 25 Júlio assegurou de Segurança Nacional. Foi uma ironia ter aparecido no mesmo
que' não estava mais bebendo, e pediu para ser aceito novamente dia num jornal do Recife um anúncio da criação do "Sindicato
no movimento das Ligas Camponesas. Julião consultou outros Central dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco" ,28 que cla-
funcionários da Liga e eles concordaram em dar mais uma opor- mava pela aliança entre trabalhadores, camponeses e soldados e
tunidade a Júlio. denunciava Júlio. Constava, como vice-presidente do novo gru-
Isso resultou num grande erro. Júlio foi trabalhar no muni- po, o nome de Júlio; e João Alfredo, outro ex-líder das Ligas
cípio de Sirinhaém na parte sul de Pernambuco. No início de 1963, Camponesas, aparecia como membro do Conselho Consultivo.
as Ligas Camponesas haviam organizado o sindicato rural de Si- Somente os trotskistas protestaram contra a prisão de Júlio.
rinhaém, aparentemente com o apoio de um dos usineiros do lu- Depois, então, chegou a referência apropriada. Um estudante
gar. Júlio tornou-se um dos funcionários do sindicato e dentro ele Direito com inclinação para o drama (e que, talvez, também
de pouco tempo começou a sentir que suas qualidades de lide- poderia estar agindo de acordo com os trotskistas) seguiu o te-
rança não estavam sendo plenamente apreciadas. De acordo com nente da polícia que tinha prendido Júlio, capturou-o de surpre-
Julião: "Esta era uma época em que os usineiros estavam sendo sa, tomou-lhe a metralhadora e o fez desfilar, a ele e a seu
forçados a pagar o salário mínimo legal. Os camponeses de Siri- motorista, pelas ruas da cidade. O tenente conseguiu escapar, e
nhaém não possuíam qualquer experiência sindical. Eles eram finalmente a polícia prendeu o estudante, que logo se juntou a
muito impressionáveis e creditaram a Júlio tudo o que estava acon- Júlio, aos trotskistas e a Joel Câmara como os únicos presos po-
tecendo. Começaram a olhá-lo como seu salvador. Isto subiu à líticos em Pernambuco.
cabeça de Júlio. Ele começou a pensar que estava fazendo are- Diante de uma oposição crescente, o padre Crespo, o padre

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Melo e seus associados do Sorpe conseguiram repelir os esforços federação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas. Esta confede-
em curso para tirar a Federação de Sindicatos Rurais do seu con- ração, conhecida como Contag, representaria as várias federa-
trole. Em 18 de novembro de 1963, a Federação determinou uma ções estaduais a nível nacional. O presidente Goulart viu na
greve contra a indústria açucareira de Pernambuco, diante do fra- Contag um veículo importante para a manipulação política do
casso de negociações entre os trabalhadores do açúcar, os usinei- emergente eleitorado rural e estava determinado a manter con-
ros e os senhores de engenho. As Ligas Camponesas e os lrole sobre ela. Um dos seus planos para const:guir isso foi a cria-
comunistas cooperaram, e cerca de 90 por cento dos trabalhado- ção de sindicatos de ''papel'' e federações de sindicatos, especial-
res do açúcar do estado abandonaram o seu trabalho. Depois de mente nas áreas mais remotas do país. Entretanto, o primeiro pre-
três dias, a greve chegava ao seu término, já que os usineiros con- ~ idente da Contag foi o líder da União de Fazendeiros e Traba-
cordaram em aumentar o salário mínimo em 80 por cento, pagar lhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), que era controlado pelos
a gratificação anual exigida pela lei e pagar os dias perdidos du- comunistas. Tratava-se de um homem que o Partido tinha apre-
rante a paralisação. sentado para competir com Julião no período inicial, quando os
Apesar de os líderes da Federação terem obtido grande pres- comunistas estavam tentando enfraquecer a posição de Julião co-
tígio com a greve, os seus problemas estavam longe de serem re- mo porta-voz nacional dos interesses dos camponeses.
solvidos. O delegado regional do trabalho anunciou que ia criar A natureza intensamente política das convulsões na zona açu-
mais duas "federações" de trabalhadores rurais em Pernambu- careira explicam, pelo menos em parte, uma omissão curiosa no
co, uma para representar os trabalhadores do agreste e outra pa- plano diretor de Celso Furtado para a Sudene. O problema agrá-
ra incluir os trabalhadores do sertão. Havia uma certa lógica rio certamente era da mais alta prioridade dentro de qualquer es-
superficial nesta decisão, uma vez que os trabalhadores, em cada quema de desenvolvimento para a região; entretanto, as propos-
uma das três regiões distintas de Pernambuco, tinham interesses las de Celso Furtado quase não tocavam nele. A razão disto era
e problemas diferentes. No entanto, não era esta a razão verda- a natureza essencialmente política do problema agrário,
deira existente por trás da proposta do delegado. Os padres con- colocando-o assim fora do âmbito das atividades da Sudene. Celso
trolavam a única Federação existente por causa do seu poder sobre furtado tinha planos de criar várias colônias de nordestinos,
quase todos os sindicatos, no agreste e no sertão. Se estes sindi- transferindo-os para as margens de um rio na parte oeste da re-
catos fossem colocados em federações separadas, o controle que gião; mas a colonização era uma solução muito dispendiosa e qua-
os padres exerciam sobre a federação restante, que englobaria ape- se não faria diferença na superpopulação da zona açucareira.
nas a zona açucareira, seria muito precário e sujeito a mudan- Seriam "campos de concentração".
ças. E naturalmente a federação da zona açucareira seria a maior O único projeto interessante que se materializou na zona açu-
e mais poderosa do estado. careira de Pernambuco não resultou de qualquer planejamento
Além disso, existia desacordo, dentro da Federação dos pa- da Sudene, mas da iniciativa de um usineiro jovem e progressis-
dres, sobre o problema das relações com os comunistas. O presi- ta, que colocou em disponibilidade, para uma reforma agrária-
dente da Federação era um católico de boa-fé da ala esquerda piloto, parte de suas terras no município do Cabo. 29 Vários cam-
que favorecia a colaboração com os comunistas, a fim de alcan- poneses, sob a supervisão da Sudene, deveriam arrendar a terra
çar objetivos específicos. O padre Crespo sustentava uma posi- e plantar cana, que então venderiam ao dono da usina. O proje-
ção rigidamente anticomunista e lutou com sucesso contra toda to seria administrado nas bases de uma cooperativa. O Banco do
tentativa de permitir aos comunistas qualquer influência dentro Brasil deveria fornecer crédito para compra de equipamentos, e
da Federação. a missão da Usaid ofereceu a ajuda do programa de Alimentos
Outra complicação foi a formação, em dezembro, da Con- para Paz, a fim de que os camponeses atravessassem os meses

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iniciais. Apesar da oposição de usineiros e donos de engenhos rea- Pouco se pode dizer sobre a posição de deixar como está,
cionários, e da crítica hostil por parte dos comunistas, a coope- que tentava prolongar as condições genocidas no interior do Nor-
rativa de Tiriri foi aberta formalmente em 30 de junho de 1963. deste. A abordagem radical sofria de várias desvantagens. Exis-
Alguns observadores consideraram ter sido esta a última oportu- 1ia um limite na natureza e quantidade das mudanças radicais que
nidade para o capitalismo na zona açucareira. podiam ser realizadas dentro de um contexto regional. A neces-
As atividades dos grupos em competição no interior refle- sidade de atuar a nível nacional, e até mesmo internacional, exi-
tiam as várias abordagens filosóficas e ideológicas em relação à gia uma dependência de forças externas. Também os radicais eram
reforma agrária. Na verdade, estas abordagens receberam uma particularmente vulneráveis à competição de outros grupos que
análise geral no Recife em maio de 1963, quando o Instituto Joa- o fereciam recompensas tangíveis e imediatas aos camponeses. O
quim Nabuco de Pesquisas Sociais promoveu um simpósio sobre pro blema da posição de centro era que dependia, em parte, da
" O Problem'a Agrário na Zona Açucareira de Pernambuco.' ' 30 cooperação de uma estrutura de poder já existente, que havia tra-
Julião, o padre Melo, João Alfredo, um líder camponês da Fe- dicionalmente demonstrado uma atitude insensível para com os
deração dos Sindicatos Rurais, um representante dos donos de camponeses. Além disto, os programas levados a efeito pelos re-
engenhos, vários professores, jornalistas, burocratas e políticos fo rmistas trouxeram benefícios apenas a um número limitado da
trocaram idéias e opiniões, num debate notavelmente livre e aber- população camponesa. Tanto os radicais como os refo~mistas es-
to. O comandante do IV Exército, general Humberto Castelo 1avam propondo soluções que exigiriam desembolsos maciços de
Branco, presidiu uma das sessões e o governador Miguel Arraes dinheiro, mas nenhum dos grupos tinha a menor noção de como
proferiu o discurso de encerramento. obter tal apoio financeiro .
Sob as camadas de retórica, três posições básicas emergiram. A superpopulação da zona açucareira surgia como um obs-
Num dos extremos do espectro, vários donos de engenho e de usi- 1:.\culo definitivo, e ninguém realmente abordou este problema.
nas estavam convictos de que não existia nada a reformar. Viam A medida que os sindicatos rurais pressionavam para obter o sa-
como sendo imutável a relação altamente paternalística entre os lário mínimo legal e o pagamento da gratificação anual, os ·do-
donos de terras e os camponeses, um produto da mentalidade bra- nos dos engenhos e das usinas começaram a cortar as despesas
sileira e do caráter nacional. Para este grupo, qualquer mudança e, cm alguns casos, até a modernizar suas indústrias. Isto signifi-
no status quo era um anátema. ca ria redução da força de trabalho. Ao mesmo tempo, o atrativo
No outro extremo estavam aqueles que sustentavam que a cau- de melhores salários estava conservando no Nordeste campone-
sa da miséria na zona açucareira tinha sua raiz na forma vigente ~cs que, de outra forma, teriam emigrado para outras regiões.
de distribuição e posse da terra. Isto foi definido pela Comissão O desemprego e o subemprego, já em níveis muito altos, aumen-
Interamericana de Desenvolvimento Agrícola como um problema 1uram, e a atmosfera de crise se prolongou pelo ano de 1964
"de relações entre aqueles que podiam ceder os direitos sobre a ter- aden tro.
ra e aqueles que procuravam terras para cultivar" .31 Para alterar Ao mesmo tempo, a influência das Ligas Camponesas tinha
esta inter-relação, seriam necessárias mudanças radicais na estru- decrescido muito, e os sindicatos rurais, apoiados pela Igreja e
tura política, econômica e social da região. pela CIA, estavam sentindo grande pressão e começando a per-
Uma posição de centro procurava benefícios tangíveis para der terreno. Elementos mais radicais, ligados a Arraes, Goulart
os camponeses dentro do sistema vigente. Isto era essencialmen- e ao Partido Comunista, estavam aumentando sua penetração no
te urna abordagem reformista que oferecia a considerável atra- cumpo e se tornava cada vez mais claro que algum lado teria que
ção de recompensas imediatas mas deixava intacta a estrutura do ceder.
poder na região.

200 201
depois de se tornar governador deixou os guardiães do status quo
positivamente lívidos de medo. A cartilha dentro de pouco tem-
po tornou-se obsoleta, sendo substituída por um método de alfa-
betização que ensinava as pessoas a ler os j ornais e escrever cartas
upós quarenta horas de instrução. 1 Isto seria "a Revolução em
DOZE 40 Horas", como prometiam os proponentes do novo método.
O homem que estava por trás do método era Paulo Freire,
um professor ligeiramente calvo e com um tórax levemente abau-
A Revolução em 40 Horas lado, o qual irradiava entusiasmo e inocência em proporções
iguais.2 Nascido em 1921 no Recife, de urna família de classe
média, sofrera uma exposição direta aos rigores da. pobreza du-
rante a Grande Depressão, após a morte do seu pai, um policial
do estado. A experiência deixara uma marca duradoura na sua
consciência social. Ele se diplomara em Direito, mas achara de-
sínteressante o exercício legal da advocacia, voltando-se então para
o estudo da Sociologia e da Educação . Católico praticante e de-
voto, levava a sério as doutrinas sociais da Igreja e decidiu fazer
Hlgo sobre um problema nacional que havia ocupado os discur-
UMA RAZÃO PELA qual eram tão altos os lances na competição 1ios dos políticos durante décadas. E lançou um ataque direto con-
pelo controle do movimento trabalhista rural era a possibilidade 1ra a chocante taxa de analfabetismo no Brasil.
de uma emenda à Constituição brasileira que estendesse aos anal- Em 1961, o MCP de Arraes estava indo de vento em popa.
fabetos o direito de voto. A população do Brasil era predomi- Pa ulo Freire, então professor universitário no Recife, trabalha-
nantemente rural. Se os trabalhadores rurais fossem organizados VH com o programa de alfabetização do MCP, mas, ao mesmo
e persuadidos a votar em bloco, poderiam exercer uma influên- 1cmpo, ela borava o seu próprio método de alfabetização, verda-
cia decisiva nas eleições. Sem dúvida, tal possibilidade explica- deiramente singular. Em 1962, ele foi nomeado diretor do Servi-
va, em parte, a preocupação do governador Miguel Arraes com ço de Extensão Cultural da Universidade (SEC), entre cujas
os sindicatos rurais. Mas Arraes, demonstrando, com grande coe- !'unções constava a educação de adultos. Isto lhe permitiu colo-
rência, uma sensibilidade aguda para o que fosse politicamente car suas teorias em ação.
praticável, reconhecia plenamente os obstáculos que tornavam Apesar de o SEC promover um certo número de pequenas
aquela emenda constitucional quase sem valor algum. Assim sen- experiências com o Método P aulo Freire, o melhor teste para o
do, ele procurou um caminho alternativo para sua ação. método, o que obteve maior publicidade, veio, surpreendentemen-
Como prefeito do Recife, ele tinha apoiado o trabalho de w, da Aliança para o Progresso. A missão da Usaid, no Recife,
alfabetização do Movimento de Cultura Popular (MCP), um ór- huvia resolvido testar alguns projetos de curto impacto na edu-
gão da prefeitura que atuava ensinando os habitantes adultos dos cução de adultos, um campo de realização fértil e quase intoca-
mocambos a ler e escrever. Já foi mencionada aqui a controvér- tlo. Ao mesmo tempo, o acordo sobre educação que a Usaid havia
sia sobre a natureza "subversiva" da cartilha que o MCP estava :t'iSinado com o governador Aluísio Alves, do estado do Rio Gran-
usando. Se a cartilha do MCP tinha enfurecido os conservado- de do Norte, estava em processo de execução . A Usaid, então,
res, o programa de âmbito estadual que Arraes instituiu pouco 1csolveu, no início de 1963, lançar um projeto-piloto com o Mé-

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todo Paulo Freire, no município de Angicos, no interior do Rio Teria sido um gesto simpático se Goulart tivesse se comovi-
Grande do Norte. ' Sendo esta a cidade natal do governador do com o discurso e decretado seu perdão imediato . Mas ele não
Aluísio Alves, naturalmente ele ficou entusiasmadíssimo com a o fez. O cantador permaneceu na cadeia, onde começou a publi-
idéia. car o seu próprio jornal.
Embora o tempo real utilizado para as .a ulas, no projeto de Outro incidente sentimental resultante do projeto de Angi-
Angicos, ultrapassasse um pouco as 40 horas, em todos os ou- cos não teve nem mesmo um fim agridoce. Uma das senhoras lo-
tros aspectos o Método Paulo Freire cumpriu o prometido. A cais dirigiu-se ao jovem encarregado do projeto de alfabetização
Usaid financiou o treinamento de 70 professores, os quais, em e acusou-o de discriminação contra as prostitutas da cidade. "To-
seguida, utilizaram o Método para ensinar 299 analfabetos a ler do mundo está aprendendo a ler", argumentara ela. Então ele
e escrever . .O presidente Goulart veio de Brasília para assistir à 1csolveu organizar uma classe especial para as prostitutas. O único

aula final de algumas das classes. local disponível para as aulas era a sala de visitas da cadeia. Oito
Uma dessas sessões finais teve lugar na cadeia de Angicos, ou nove mulheres vieram para as aulas, realizadas à noitinha. Não
onde um grupo de prisioneiros estava sendo alfabetizado. Um de- li ouve'problema algum até a próxima noite de encontros conju-
les cumpria pena de prisão perpétua por ter cometido um homi- guis na cadeia, que infelizmente coincidiu com a noite em que
cídio quando tinha 12 anos. Tornara-se um cantador de certa 11 uula estava sendo realizada. Quando a s esposas dos prisionei-
reputação, tomando conhecimento dos fatos ocorridos e dos boa- 1 os viram as prostitutas, tiraràm imediatamente a conclusão ób-

tos da cidade pelos passantes que paravam perto da janela de sua via, mas errada, e apresentaram uma queixa vigorosa às autori-
cela, e entretendo, depois, os seus companheiros de cadeia com tlndcs. Como resultado, as aulas tiveram que ser canceladas. Uma
versos em que contava as notícias do dia. Durante a última aula, dn'l j ovens, de 18 anos de idade, mandou uma carta ao governa-
que contava com a presença do presidente Goulart, o cantador dor Aluísio Alves: "Tenho sido prostituta desde os 12 anos de
levantou a mão. O professor recusou-se a prestar-lhe atenção, mas lduclc, quando descobri a única parte do meu corpo que valia al-
ele continuou abanando a mão. Finalmente Goulart interveio. 1wma coisa. Por um momento, enquanto estava freqüentando a
" Deixe-o ralar." O cantador levantou-se e falou, com o ritmo d usse, quase acreditei ter achado uma maneira de me libertar.
e a inflexão característicos do sertanejo do Nordeste . Ele disse Mas agora tudo terminou e eu estou muito triste." As aulas nun-
que por vários anos tinha cantado seus versos, mas que ali, pela l'll recomeçaram.
primeira vez, iria escrever uma poesia. Pegou um pedaço de giz Apesar do efeito do Método P aulo Freire em projetos-piloto
e escreveu no quadro-negro uma poesia em homenagem a Gou- 11111Lo cm Angicos como em outros locais do Nordeste; apesar do
lart. Ao escrever as palavras, ele recitava os versos com uma voz l 'I cscente interesse que educadores do Centro-Sul do Brasil e até
tão trêmula quanto suas mãos, e quando terminou repetiu tudo do exterior demonstravam pelo programa, a Usaid interrompeu
novamente. Depois virou-se para Goulart. l'll apoio financeiro em janeiro de 1964.
- Senhor presidente - começou ele, recitando um pequeno O Método ensinava somente palavras simples, fonéticas, na
discurso que havia decorado-, durante 27 anos tenho tentado ob- 111tdoria substantivos, e Paulo Freire não tinha podido desenvol-
ter perdão. Fiz um requerimento ao seu antecessor e ao anteces- Vl' I' 11ta is do que planos rudimentares para continuar a educação
sor dele e nenhum me respondeu. Fiz um requerimento ao senhor do nd ulto além do estágio de alfabetização. A inadequação de
e nunca recebi resposta. Mas não irei requerer novamente. Agora 111111eriais e de procedimentos complementares explica, em parte,
posso escrever minhas poesias e mandá-las para fora desta cadeia. 11 decisão da Usaid.
Não sou mais um prisioneiro. Este jovem - disse, apontando pa- O utro fator também contribuiu para a resolução america-
ra o professor - ensinou-me a escrever e com isso me libertou. 1111 : o Método tinha se tornado altamente controvertido. Os seus

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críticos entoavam o coro bastante conhecido de que era "subver- do na cultura tecnológica moderna que ele via a seu redor. Uma
sivo". De acordo com os seus inimigos mais declarados, o devo- vez que ele começava a ver que esta lacuna era a causa do seu
to católico Paulo Freire estava em vias de tornar o Brasil próprio atraso, nada poderia detê-lo.
"bolchevista". A alfabetização propriamente dita começava na sessão se-
Os críticos estavam certamente corretos quanto ao fato de guinte, quando os alunos aprendiam a escolher, na lâmina de um
o Método Paulo Freire ser "subversivo". A aquisição de direitos mapa contendo várias sílabas de duas letras, os grupos de som
políticos por um grande número de camponeses recentemente al- que compunham uma palavra correspondente a um objeto co-
fabetizados poderia substancialmente "subverter" a distribuição mum, cuja fotografia era também projetada na tela. Enquanto
do poder político existente no Brasil. Além disso, a essência do faziam isto, aprendiam as cinco vogais. Desse ponto em.diante,
Método era confrontar o indivíduo analfabeto com a realidade os alunos escolhiam as suas próprias palavras, usualmente com
de sua privação de direitos, levá-lo a captar a relação existente grande entusiasmo, e as outras 11 palavras-chave lhes eram apre-
entre a sua pobreza e a sua falta de cidadania e canalizar sua rea- sentadas da mesma maneira. Dentro de pouco tempo, eles eram
ção diante dessa conscientização, transformando-o numa força capazes de escrever não apenas as 12 palavras-chave como mui-
capaz de motivá-lo a alfabetizar-se e a fazer algo para ajudar a Las outras que podiam construir com as consoantes e vogais das
si mesmo. palavras-chave. O moderador, então, realizava uma competição
Havia várias etapas para este processo. Primeiro, um grupo para ver quem poderia escrever em casa a palavra mais longa (em
de estudantes visitava a área onde as aulas seriam ministradas e uma turma, ganhou uma mulher que trouxe de volta a palavra
entrevistava um certo número dos seus habitantes. Esta era a fa- " penicilina"). Ao fim das quarenta horas, os alunos podiam ler
se "romântica", em que os estudantes coletavam respostas que e escrever 500 palavras.
descreviam as condições locais com uma certa pureza arcaica de Os que estavam insatisfeitos com o Método Paulo Freire ar-
expressão. Destas respostas produzidas pelas questões, os entre- gumentavam que ele tinha sido concebido mais para incentivar
vistadores compilavam uma lista de 12 palavras comumente usa- um espírito de rebeldia nas massas sem instrução do que mesmo
das e que refletiam o ambiente imediato e ao mesmo tempo para alfabetizá-las. Como observou um funcionário da Usaid:
continham todas as combinações possíveis de consoantes e vo- ' 'Não era realmente um programa de alfabetização, mas um meio
gais freqüentemente repetidas. ele politizar o povo. O objetivo do método era despertar os poli-
As classes variavam em tamanho, desde os grupos pequenos licamente apáticos e levá-los a uma convulsão." Um dos auxilia-
de oito até os de 25 a 30 pessoas. O professor, geralmente um res de Paulo Freire, que, subseqüentemente, se tornou amar-
estudante universitário, assumia o papel de moderador da discus- 11amente desiludido com os acontecimentos no Nordeste, agora
são. Durante cada uma das oito primeiras sessões, a classe assis- chama o Método de "fábrica revolucionária". Uma acusação pa-
tia à projeção de fotografias que mostravam objetos .e cenas ralela era que muitos dos que ensinavam nos projetos de alfabe-
conhecidas. O moderador, utilizando o método socrático de ques- 1ização em Pernambuco, depois que o governador Arraes decidiu
tionar, tentava tornar os alunos conscientes de si mesmos e do usar o Método em larga escala no seu estado, eram comunis-
mundo em que viviam. O objetivo era conseguir que os alunos 1os e extremistas da esquerda que estavam manipulando o Méto-
alcançassem a conscientização, pela qual o indivíduo se tornava do para doutrinar seus alunos na ideologia marxista.
criticamente cônscio de sua situação existencial. A motivação ex- Havia muita verdade na alegação de que o Método Paulo
plodia quando o analfabeto reconhecia a lacuna existente entre 1;reire agitaria os analfabetos e os levaria a ficar altamente insa-
o seu nível de educação, que o colocava no mesmo nível dos ín- 1Is feitos com sua posição na sociedade. No entanto, como res-
dios mais primitivos do Brasil, e o nível de conhecimento refleti- pondiam os que o apoiavam, isto era culpa da sociedade e não

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do método. Se os pobres das zonas urbanas e rurais, tomando do MCP. Mas ele nada tinha a ver com o movimento de alfabeti-
conhecimento do que o homem tem feito e pode fazer, concluí- iação. Um certo número de estudantes universitários qentro do
rem que podem melhorar sua condição e que a sociedade, atra- MCP pertencia a um grupo de jovens comunistas. Muitos deles
vés de seus processos políticos, não tem direito de passá-los para conseguiram ser designados para ensinar o Método Paulo Freire
trás, que assim seja. na área de Palmares, onde os comunistas controlavam o Sindi-
Até que ponto certos grupos estavam utilizando o método cato de Trabalhadores Rurais. É mais do que provável que eles
para fins políticos é questionável. A essência do método era fa- coqrdenavam o seu trabalho com o programa de ação do Parti-
zer o aluno pensar criticamente e desse modo humanizá-lo. Co- do para a zona açucareira do sul de Pernambuco.
mo declarou um dos assistentes de Paulo Freire: "O Partido O Método Paulo Freire não era o único programa de_>alfa- '
Comunista não apresenta opções. O Método ensina o camponês bctização em vigor no Brasil nessa época. O Serviço de Assistên~
a fazer sua escolha. Os comunistas ditam as respostas. O Méto- eia Rural da Igreja Católica no Rio Grande do Norte estava
do diz ao camponês que ele deve se manter um sujeito em vez efetuando uma campanha de alfabetização ativa que utilizava,
de um objeto, e que não deverá permitir que pessoa alguma reti- cm grande extensão, os programas de rádio para alcançar os cam-
re dele o direito de escolha. " 4 poneses. O presidente Jânio Quadros tinha ficado tão impressio-
Um moderador comunista poderia, naturalmente, usar as au- nado com essa campanha que financiara parcialmente um
las para uma doutrinação política pura, e os seus alunos pode- programa nacional denominado Movimento da Educação de Base
riam nunca ter acesso ao método. Além disso, as discussões em (MEB), que utilizava as técnicas da campanha do Serviço de As-
classe, especialmente durante as oito primeiras sessões, tocavam Histé\ncia Rural e estava sob a direção da Conferência Nacional
em assuntos políticos, e um moderador hábil poderia abusar do tios Bispos dos Brasil. 5 João Goulart continuou o programa.
seu papel, tentando influenciar o pensamento dos alunos sobre Nos fins de 1963, os instrutores do MBB estavam começando a
política. Nesse sentido, o método estava sujeito à possibilidade u1ilizar uma cartilha que acabou criando quase tanta controvér-
de uso impróprio. sia quanto o Método Paulo Freire. O seu título era Viver é lutar,
Quando Miguel Arraes decidiu lançar uma campanha de al- u ensinava sentenças tais como: "É justo que as pessoas vivam
fabetização em todo o estado de Pernambuco com o Método Pau- com fome?" e "Há necessidade de uma mudança completa no
lo Freire, expandiu o Movimento de Cultura Popular (MCP) para llrasil. " 6
que este pudesse atuar como um órgão estadual, e deu-lhe juris- No entanto, o Método Paulo Freire tinha dominado a ima-
dição sobre o programa de educação para adultos no estado. O ginação dos educadores por todo o Brasil, e com o apoio finan-
Serviço de Extensão Cultural (SEC) de Paulo Freire, na universi- ceiro do governo federal começou a espalhar-se como uma das
dade, deveria trabalhar com o MCP e treinar pessoas (estudan- Idéias mais contagiantes, cuja hora havia chegado. Cursos de trei-
tes universitários, em sua maioria) para serem moderadores den- namento para moderadores foram estabelecidos em quase todas
tro do Método. Não há qualquer evidência de influência comu- ll'i capitais dos estados. O plano nacional para 1964 estimava que
nista dentro do SEC. Paulo Freire conduzia o seu próprio cerca de dois milhões de analfabetos passariam pelo programa
espetáculo, e o seu assistente imediato era um padre católico. Duas (udicionando-os portanto ao eleitorado). A "Revolução em 40
pessoas que, dentro do SEC, ensinavam o método aos modera- 1lo ras" parecia estar ao alcance da mão.
dores do MCP eram consideradas comunistas, mas nada indica
que não tenham executado corretamente seu trabalho.
O principal comunista dentro do MCP era Abelardo da Ho-
ra, um artista do Recife encarregado do Centro de Arte Popular

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Julião olhou o mar de rostos morenos, de olhos fixos, pres-
tando atenção ao espetáculo à sua frente. O povo da cidade, par-
te do qual chegado recentemente do interior, estava atento, mas
pouco entusiasmado. Foi necessária a explosão da claque, obvia-
mente infiltrada na multidão, para acender os aplausos. Quase
TREZE todos os presentes usavam roupas surradas, sujas e rasgadas. Na
frente, um camponês cujos olhos brilhantes refletiam uma into-
xicação ou um estado mental tristemente deteriorado, mergulhou
A Conta da Catástrofe os pés descalços na lama, que escorreu entre os seus dedos. Am-
bos os artelhos estavam num ângulo absurdo em relação ao pé.
Um sorriso tolo atravessava o seu rosto. Por trás dele, estava em
pé outro camponês, com um cachimbo pendurado na boca, um
chapéu velho sombreando os olhos e uma lata de conserva segu-
ra entre os braços e o tórax. Um grupo de crianças se entretinha
Imitando a gesticulação dos oradores.
A iluminação atraía toda espécie de insetos, que desceram
cm massa dos campos vizinhos. Os políticos, em sua maioria can-
didatos à prefeitura local, demonstraram completa indiferença
NUMA NOITE de julho de 1963, um jipe percorria vagarosamente pelos intrusos. Somente quando um enorme besouro de cor viva
um labirinto de ruas e becos pavimentados de pedras irregulares pousou no ombro de um dos candidatos a prefeito houve uma
em Goiana, uma cidade tristonha do nordeste de Pernambuco.• reação defensiva do homem junto a ele, que matou o inseto com
O veículo, todo salpicado de lama, havia trafegado pelos sulcos 11 palma da mão. O candidato agradeceu o serviço com um cum-
e buracos cheios d'água da estrada vinda do Recife, e estava agora primento ligeiro de cabeça, sem tomar conhecimento da grande
tentando localizar uma pequena praça no extremo da cidade. De- 111uncha amarela no seu paletó branco.
pois de muitas voltas pelas ruas vazias, o motorista finalmente Quando chegou a vez de Julião falar, o mestre-de-cerimônias,
fez as manobras necessárias e parou na retaguarda de um comí- 11m jovem de aspecto limpo, usando óculos com armação escu-
cio político que já estava sendo realizado. rn, apresentou-o como "o homem que poderá salvar o Brasil'',
- Ele acaba de chegar - gritou o locutor, interrompendo- c n multidão aplaudiu devidamente. Mudando o peso do corpo
se no meio de uma sentença quando viu os ocupantes do jipe atra- llc um pé para o outro, o deputado federal começou com uma
vessando a multidão. - Um grande líder latino-americano aca- l'xplicação de sua presença ali.
ba de chegar. - No dia 1? de maio, 3.000 camponeses de Goiana anda-
O povo começou a aplaudir enquanto Francisco Julião se di- rn111 a pé até o Recife para um comício. Naquela ocasião prometi
rigia para um palanque colocado na parte traseira de um grande devolver a visita, e esta é a razão pela qual estou aqui.
caminhão. Sobre a carroceria, um cordão de lâmpadas ilumina- Passou, então, para a denúncia já conhecida das condições
va os políticos locais reunidos no palanque. Julião subiu a esca- l'Xlstcntes no Brasil e declarou a sua falta de fé no processo elei-
da bamba encostada no lado do caminhão, trocou abraços com torul. Ninguém pareceu ter observado quando ele passou discre-
os homens no palanque e assumiu uma atitude de interesse, en- t111ncnte para um tom eleitoreiro.
quanto o ora~or voltava a seus comentários. Devemos derrotar os reacionários e eleger um governo

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honesto. Vamos colocar no governo homens como os candida- estas invasões até irritavam Julião; parece que ele não havia au-
tos presentes aqui esta noite, homens que apoiarão o governador torizado muitas delas, ou mesmo nenhuma, e eram a causa de
Miguel Arraes. Arraes está fazendo o mais que pode para me- uma amarga controvérsia entre ele e o estudante João Alfredo.
lhorar as condições de Pernambuco. Ele abriu as portas do palá- Concomitantemente, os seus esforços para transferir o mo-
cio do governo aos camponeses. Eles agora podem sentar-se em vimento camponês para as cidades estavam sendo infrutíferos.
poltronas onde antes só os ricos tinham lugar. Em 1962, ele escrevera, numa revista mexicana, que a revolução
As palavras de Julião receberam uma resposta morna da mul- cubana " tem demonstrado que a revolução pode ser feita do cam-
tidão. Ele falava igual a todos os outros mascates políticos, bem po para as cidades .. . No Brasil, a Revolução também poderá ser
longe do agitador social cujo desdém por eleições havia evocado feita do campo para a cidade ... ' ' 2 Apesar de as Ligas terem fra-
visões revolucionárias em muitas mentes na zona rural do Nor- cassado em acender uma revolta que se ampliasse para as cida-
deste. des, Julião seguiu o que tinha dito em 1962, tentando organizar
A viagem de volta ao Recife parecia sem fim. Julião estava "Ligas Urbanas" no Recife e em outras cidades. Um dos seus
com a garganta irritada e falou muito pouco. Um companheiro principais assistentes encarregou-se dessas noxas Ligas, que nun-
no banco traseiro do jipe cortava roletes de cana e os distribuía ca deram grande resultado. Outras ligas semelhantemente plane-
com os demais passageiros, que mastigavam com vigor, extrain- jadas, tais como as "Ligas das Mulheres", as "Ligas dos
do o caldo doce e cuspindo depois o bagaço. Pescadores" e as "Ligas dos Estudantes" sofreram o mesmo des-
Ao se aproximarem dos limites da cidade do Recife, saíram 1ino. Organizar na cidade significava competição direta com os
da estrada principal e passaram por dentro das poças d'água e comunistas, que há muito tempo vinham atuando entre os traba-
de lama que tornavam o caminho quase intransitável. Subitamen- lhadores urbanos. Se Julião já tinha sérios problemas para ad-
te, uma massa de objetos em movimento encheu a estrada estrei- ministrar o movimento rural, seguramente não teria meios para
ta na sua frente. O jipe parou de repente e inclinou-se para um desenvolver as "Ligas Urbanas".
lado, pois a roda entrara num profundo buraco. Um bando de Mesmo assim, estas considerações práticas não impediram
bois zebus, com suas grandes orelhas pendentes, rodeou rapida- que Julião e os seus seguidores "sonhassem alto". De forma pou-
mente o veículo. Um homem a cavalo entrou no meio deles, co caridosa, pode-se dizer que os seus sonhos não tinham limi-
tocando-os para fora com um grito lamentoso que parecia não 1cs. Em outubro de 1963, eles resolveram amalgamar estes grupos
ser deste mundo. O motorista do jipe permaneceu fiel ao seu há- que mal existiam em uma " Organização Política das Ligas Cam-
bito de apagar as luzes toda vez que parava. Todos ficaram sen- ponesas do Brasil" , a fim de criar uma frente única para a luta
tados calmamente, sem perceber que um chifre poderia penetrar rcvolucionária. 3 Este novo órgão político era confessadamente
a coberta de lona do jipe. Julião, meditativo, olhava para a es- inarxista-leninista, apesar de nunca ter sido esclarecido exatamente
curidão. cm que diferia ideologicamente do Partido Comunista e dos gru-
pos dissidentes maoístas e trotskistas.
O movimento da Liga Camponesa não mais apresentava qual- Esse foi também o período em que o casamento de Julião
quer semelhança com uma ameaça revolucionária coerente con- e /\lexina chegou ao ponto de rompimento. Seu liberal arranjo
tra a estrutura do poder na zona açucareira de Pernambuco. A sexual tinha sobrevivido a muitas dificuldades, mas em fins de
fortiori, tinha pouca importância nacional. As Ligas podiam ainda 1963 Julião estava vivendo abertamente com uma morena boni-
organizar protestos e até mesmo invasões de engenhos, mas es- 111 chamada Regina de Castro. Na verdade, em meados de janei-
sas práticas eram mais de natureza a molestar as autoridades e ' o de 1964 um jornal do Rio publicou, erradamente, que ele havia
estavam limitadas à área de Vitória de Santo Antão. Por vezes ~·usado novamente e estava em lua-de-mel no Rio.•

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Regina, uma advogada, esposa de um advogado da Sudene, sensível aos problemas do homem do campo. Ele os empobreceu
tinha trabalhado com Julião desde os tempos do Congresso Na- violentamente durante os seus cinco anos de governo. Ele os ma-
cional dos Camponeses em 1961. Tendo se apaixonado por ele, tou. Brasília foi construída sobre os cadáveres de centenas de mi-
permaneceu dentro do movimento, utilizando um apartamento · lhares de camponeses." 6
que possuía perto da praia de Ipanema, no Rio. O apartamento Arraes não tinha tais problemas por causa de sua cautela e
tornou-se o quartel-general das Ligas Camponesas no Centro-Sul, habilidade política consumada. Gozava de sábia identificação com
onde Julião, padre Alípio e outros ficavam durante suas visitas u esquerda, mas nunca se comprometera, retoricamente ou de
ao Rio. Com o tempo, as pressões começaram a se elevar. Regi- qualquer outra forma, com posições que o impedissem de traba-
na obteve uma separação legal do seu marido e manteve a custó- lhar com elementos mais moderados do espectro nacional.
dia de seus dois filhos. Durante uma das viagens de Alexina a Ele era cauteloso, em parte porque estava sendo constante-
Cuba no fim de 1963, Regina mudou-se para a casa de Julião em mente observado por representantes importantes do estamento
bases mais ou menos permanentes, e dentro de pouco tempo fi- militar do Brasil. O IV Exército tinha o seu quartel-general no
cou grávida. Recife e era responsável pela segurança do Nordeste. Embora os
A atividade política de Julião no período de julho e agosto cínicos questionassem sua capacidade real de luta em termos de
de 1963 centralizou-se nas eleições locais para prefeito e verea- material ("sucata bélica", diziam alguns) e pessoal (camponeses
dores, realizadas em todo o estado de Pernambuco . No próprio recrutados), era o único exército da cidade. Arraes controlava a
Recife, o movimento esquerdista que havia levado Miguel Armes política do estado, mas não tinha milícia estadual. As Forças Ar-
ao governo tentou instalar na prefeitura um engenheiro, Pelópi- madas brasileiras durante vários anos haviam desenvolvido uma
das Silveira, integrante da ala esquerda do Partido Socialista Bra- 1radição de manter-se fora dos assuntos civis, exceto para "de-
sileiro e que havia sido um prefeito popular do Recife, vice- fender a Constituição". Portanto, quando foram feitos esforços
governador de Pernambuco durante a administração de Cid Sam- para impedir Kubitschek de assumir a presidência, após sua elei-
paio e secretário dos Transportes de Miguel Arraes. Pelópidas, (,:âo em 1955, e para evitar que Goulart lhe sucedesse no mais al-
o gordo "papai da esquerda", com estreitas ligações com o Par- to cargo do país, após a renúncia de Jânio, foi o Exército (ou,
tido Comunista, contava com amplo apoio do cabo-de-guerra co- pelo menos, elementos poderosos dentro dele) que interveio para
munista Luís Carlos Prestes e até atraiu sua presença num manter os procedimentos constitucionais. Uma vez restauradas
comício. A oposição indicou Lael Sampaio, irmão de Cid. Peló- a lei e a ordem, as tropas voltavam aos quartéis. No entànto, o
pidas venceu, mas com uma margem de menos de 9.000 votos, 5 .~ istema militar decidia por si só quando a Constituição necessi-
sugerindo que, apesar de seu otimismo crescente, a esquerda ra- LUva ser defendida; assim, a esquerda política tinha de conside-
dical não tinha aumentado sua maioria, mesmo no Recife. En- rnr como o Exército reagiria às abertas tentativas de conseguir
tretanto, os esquerdistas não escondiam seus planos de apoiar mudanças radicais no Brasil.
Miguel Arraes para vice-presidente em 1965 (colocando suas es- Duas das figuras mais influentes dentro do alto comando ser-
peranças numa chapa encabeçada pelo popular ex-presidente Jus- viriam como comandantes do IV Exército durante os primeiros
celino Kubitschek), e de promover Pelópidas ao palácio do unos da década de 1960. O general Artur da Costa e Silva e o
governo em 1966. Os seus sonhos também não pareciam ter li- general Humberto Castelo Branco tiveram oportunidade de ob-
mites. servar em primeira mão o nascimento do movimento de traba-
Este cenário ameaçava isolar Julião ainda mais, por causa lhadores rurais no Nordeste e o surgimento das forças populistas
de sua crítica aberta a Kubitschek. "Juscelino foi o líder que mais que apoiavam Miguel Arraes. Nenhum dos dois generais tinha
traiu o Brasil", declarou ele certa vez. "Ele era totalmente in- muita simpatia pela esquerda, e em agosto de 1963 Goulart subs-

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tituiu Castelo Branco por Justino Alves Bastos, um general que E_nquanto isso, o presidente Goulart estava provando, cada
ele acreditava lhe ser leal. Na verdade, as instruções finais de Gou- vez mais, não ter capacidade para lidar nem com a inflação que
lart a Justino Alves foram: "Mantenha um olho em Arraes; ele devastava a economia do Brasil nem com as pressões que se cho-
é muito perigoso. " 7 Mas se Goulart pensava que o general ia cavam pró e contra as reformas. 10 Ele se recnsava a adotar me-
cuidar dos interesses políticos do presidente, iria ver que estava didas econômicas severas, desde que uma política antiinflacionária
redondamente enganado. ortodoxa iria atingir duramente o bolso dos seus seguidores per-
A nível nacional, havia alguns altos oficiais do Exército que tencentes à classe operária, que o apoiava; e obstáculos políticos
tinham a reputação de se inclinar para a esquerda. Políticos ra- insuperáveis impediam que ele efetuasse reformas estruturais bá-
dicais esforçavam-se ao máximo para cultivá-los. Ao mesmo tem- sicas. Suas constantes falas sobre reforma serviam somente para
po, segundo se pensava, o elemento revolucionário mais promissor aumentar o número dos insatisfeitos e torná-lo malquisto pelos
dentro das Forças Armadas eram os sargentos. 8 Certos elemen- conservadores. Os grupos da ala direita estavam agora conspi-
tos radicais trabalhavam para politizar estes suboficiais, na espe- rando ativamente para derrubá-lo; os oficiais do Exército esta-
rança de que eles não pegariam em armas caso houvesse uma vam discutindo seus "deveres constitucionais"; os trabalhadores
tentativa de golpe militar da ala direita; esperavam também que urbanos e rurais, mobilizados pela esquerda, viam suas expecta-
eles pudessem se tornar um grupo de pressão política capaz de i ivas frustradas; e grupos, em ambos os extremos do espectro po-
contrabalançar seus superiores hierárquicos mais conservadores. lítico, falavam em adquirir armas.
Parte desse programa incluía uma proposta para mudar a Cons- No dia 4 de outubro de 1963, Goulart requereu que o Con-
tituição, a fim de remover a cláusula que impedia os soldados gresso lhe outorgasse poder para governar sob estado de sítio du-
de votar. Em várias ocasiões, os protestos de grupos de sargen- rante 30 dias . Pressentindo que o presidente poderia estar buscando
tos transformaram-se em insubordinação. Uma revolta de subo- uma solução autoritária de acordo com o modelo do seu mentor
ficiais da Força Aérea, da Marinha e dos Fuzileiros Navais e ídolo, Getúlio Vargas, tanto a direita quanto a esquerda rejeita-
irrompeu em Brasília no dia 12 de setembro de 1963, mas foi ra- ram veementemente o pedido. No dia 7, Arraes programou um dis-
pidamente esmagada. O corpo de oficiais ficou bastante pertur- curso para denunciar o requerimento de estado de sítio. Antes de
bado e agora tinha um problema, a disciplina de suas tropas, que pronunciá-lo, chegou ao Recife a notícia de que Goulart tinha re-
os levava a uma opinião ainda mais sombria sobre a esquerda i irado o pedido. Uma vez que já estava com um auditório à sua
radical. A influência dos poucos oficiais que simpatizavam com disposição, Arraes, de todo modo, fez o discurso. Uma hora de-
a esquerda ficou enfraquecida, e certos oficiais começaram a pen- pois , tropas e tanques do IV Exército apareceram no centro da ci-
sar que dentro de pouco tempo poderia ser necessário defender dade e cercaram o palácio do governo. 11 O general Justino Alves
a Constituição. Bastos anunciou que eram apenas "manobras''. Mais tarde foi re-
Desde que Arraes não possuía força militar à sua disposi- velado que uma das primeiras coisas que Goulart havia planejado
ção, seu único caminho para o poder estava no processo demo- realizar sob o estado de sítio era remover do cargo tanto o gover-
crático e na adesão estrita à Constituição, com a qual ele nador Miguel Arraes como, no Sul, Carlos Lacerda, governador
constantemente reiterava um firme compromisso. De acordo com 111 ilitantemente conservador do estado da Guanabara. Aparente-
o jornalista Antônio Callado, Pernambuco era "o estado mais mente o presidente perdera o sangue-frio.
democrático da União."9 O quanto isto ajudaria o governador Enquanto isso, no interior continuava, acelerada, a compe-
em sua aspiração a um posto nacional era outra questão. Muitas 1ic;ão pelo controle dos sindicatos rurais. Em novembro, a Fede-
figuras políticas no Centro-Sul olhavam-no com9 provinciano de- ração de Sindicatos Rurais realizou uma greve bem-sucedida, que
mais, ou cauteloso demais, para o seu gosto. envolveu a maior parte dos trabalhadores da zona açucareira.

216 21 7
Mas, como já foi salientado, a Federação e os padres católicos Celso Furtado não fora capaz de recusar o pedido de Gou-
que a apoiavam estavam sob pressão constante da esquerda radi- lart para que assumisse o espinhoso cargo de ministro do Plane-
cal. No início de 1964, greves e invasões de terra ainda estavam ja mento. Durante o último trimestre de 1962, ele trabalhara
perturbando a tranqüilidade dos canaviais. Em meados de janei- heroicamente para formular um Plano Trienal para a economia
ro, segundo as reportagens, 10 camponeses foram mortos e ·19 brasileira. 14 O trabalho manteve-o fora do Recife durante um pe-
feridos numa usina da Paraíba, numa luta entre a polícia esta- ríodo crucial de formação, quando a Sudene estava começando
dual e um grande grupo de manifestantes supostamente perten- a se firmar e tendo também de enfrentar o crescimento da mis-
centes às Ligas Camponesas. 12 Um sargento usou uma são da Usaid. Nos primeiros meses de 1963, os esforços para pôr
metralhadora durante a luta, em que também perderam a vida o Plano em ação consumiram um tempo valioso.
vários policiais. As autoridades culparam Julião, que havia visi- Quando Celso Furtado estava ausente do Nordeste, o seu
tado a área dias antes da explosão de violência. principal assistente tornava-se superintendente substituto, mas não
Durante os meses de janeiro e fevereiro, os camponeses per- possuía o poder de tomar decisões importantes. Celso Furtado
tencentes à Ligas de Julião ocuparam um engenho em Vitória de podia anular qualquer ato determinado pelo superintendente subs-
Santo Antão. O dono o havia abandonado em abril de 1963, mas lituto durante sua ausência. Muitas vezes, decisões que deveriam
agora o queria de volta. Os camponeses que tinham ocupado o ser tomadas em situações de emergência tinham que ser adiadas.
engenho recusaram-se a sair. O governador Miguel Arraes fez mes- O trabalho do Plano Trienal não resultou em qualquer van-
mo um apelo pessoal, prometendo comida, abrigo e emprego lagem política, quer para Celso Furtado quer para a Sudene. Re-
àqueles que saíssem. Alguns concordaram em aceitar o ofereci- sultou em identificar o diretor com a administração de Goulart,
mento e foram transportados para o local do Parque de Exposi- quando ele estava se tornando cada vez mais inseguro. As previ-
ção do Estado. Finalmente, em 3 de março, o órgão federal sões do Plano para as reformas, especialmente no interior, pio-
encarregado da reforma agrária desapropriou o engenho. raram a posição de Celso Furtado diante dos conservadores, que
Em meados de março, Clodomir Moraes emergiu de uma ca- antes haviam suspeitado que ele fosse um subversivo. As duras
deia da Guanabara e retornou a Pernambuco. Ele reassumiu seu medidas de estabilização projetadas no Plano encontraram uma
trabalho com as Ligas Camponesas e foi para Vitória de Santo oposição feroz por parte do trabalho organizado. O reconheci-
Antão. Em 25 de março, explicou, em uma entrevista a um jor- mento, pelo Plano, da necessidade que o Brasil tinha de maior
nal do Recife, que as Ligas se opunham às invasões de terras e investimento estrangeiro atraiu a crítica da esquerda radical. A
acusou os proprietários de provocarem invasões para que alguns administração Kennedy, desconfiada da tendência esquerdista do
órgãos estaduais ou federais desapropriassem a terra por um preço governo Goulart, recusou-se a fornecer o extremamente necessá-
inflacionado. O que as Ligas desejavam, insistia Clodomir, era rio apoio financeiro a longo prazo. No final, faltaram a Goulart
"o confisco puro e simples" . 13 a coragem e a força política, indispensáveis para executar o Pla-
O crescente tumulto nos fins de 1963 e início de 1964 torna- no, e ele o abandonou em meados de 1963, de modo que todo
va extremamente difícil para a Sudene a realização do seu traba- o esforço de Celso Furtado para salvar a economia brasileira nun-
lho. Alguns dos problemas encontrados pela Superintendência do ca teve oportunidade de ser testado.
Desenvolvimento poderiam ser debitados às ausências freqüen- Quando retornou ao Nordeste, mais ou menos em tempo in-
tes de Celso Furtado no Nordeste. Realmente, durante todo este tegral, Celso Furtado encontrou as relações entre a sua Superin-
período ele morava apenas temporariamente num pequeno apar- •endência e a Usaid em níveis muito baixos. Além disso, por causa
tamento perto da praia, no Recife, mantendo sua residência per- Je sua ausência, alguns dos seus subordinados haviam construí-
manente no Rio de Janeiro. do pequenos impérios dentro da enorme burocracia da Sudene.

218 219
Isso tornava difícil tomar de maneira flexível e efetiva qualquer deria investir no Nordeste uma certa percentagem dos impostos
medida contra os variados problemas de desenvolvimento. devidos ao governo federal. Em outras palavras, a empresa po-
As relações entre Arraes e Celso Furtado durante este perío- deria tomar o dinheiro destinado aos impostos e investi-lo no Nor-
do eram enigmáticas. O próprio Celso Furtado não se identifi- deste, em vez de pagá-lo ao governo. Este era um plano semelhante
cou com o movimento de Arraes; no entanto ele deve ter ao utilizado na Itália para atrair indústrias do Norte para o Sul.
reconhecido que as reformas estruturais que procurava atingir com Mas a Sudene manteria a autoridade para aprovar ou desapro-
a Sudene exigiam o tipo de apoio político que poderia ser mais var projetos específicos de investimentos antes que esta isenção
bem atendido por uma força política nacionalista de esquerda. de impostos funcionasse.
Por sua vez, Arraes se uniu com o resto da esquerda para denun- Existiam razões válidas para agir cautelosamente com tal pro-
ciar o Plano Trienal de Celso F urtado ; mas, dentro de sua linha grama. Certa oposição a ele resultava da repulsa ideológica a qual-
de inata reserva política, o governador mantinha, em todos os quer solução capitalista. O jornal do Partido Comunista no Recife
sentidos, uma atitude apropriada para com o diretor da Sudene. criticava de forma especial a idéia de atrair capital de fora para
Arraes não parecia ter qualquer idéia profunda própria sobre as n região. 15 Alguns nacionalistas da esquerda não gostaram de
necessidades econômicas do Nordeste. Seu plano predileto, a pro- uma proposta para extensão dos incentivos fiscais de modo a per-
moção de pequenas indústrias "caseiras" por todo o estado, nun- mitir que companhias não-brasileiras com negócios no Centro-
ca progrediu além das conversações iniciais e não podia competir Sul investissem seus impostos no Nordeste, expandindo assim sua
com as prescrições de Celso Furtado para o desenvolvimento de penetração na economia brasileira. Nos fins de fevereiro de 1964,
toda a região. Um funcionário da Sudene caracterizou a relação uma organização trabalhista dominada pelos comunistas trans-
dos dois como sendo do tipo "amor e ódio", com Celso Furtado portou de caminhão camponeses armados para o Recife e
perturbado com o que considerava lapsos ocasionais de demago- mandou-os cercar o prédio da Sudene, numa tentativa de impe-
gia por parte de Arraes, e Arraes periodicamente desencantado di r uma reunião onde se discutiria a conveniência ou não de se
com o frio intelectualismo de Celso Furtado. permitir que companhias estrangeiras obtivessem a vantagem dos
Nos fins de 1963 e início de 1964, Celso Furtado achava-se Incentivos fiscais. Os camponeses carregavam cartazes denuncian-
sob pressão crescente dos elementos esquerdistas dentro da Su- do o "imperialismo" e exigindo "reformas básicas". De acordo
dene. Os funcionários da autarquia estavam organizados em sin- com um jornal recifense, a polícia ficou de fora, permitindo que
dicato; conseguiram entrar em greve e fechar a Sudene em várias u manifestação seguisse o seu curso. 16
ocasiões. Parecia que a agitação dos trabalhadores, que estava Os elementos conservadores de Pernambuco tentaram resis-
se tornando bastante comum no Recife e no interior, havia se es- 1Ir à crescente onda de greves que estavam convulsionando o es-
palhado dentro da própria repartição governamental. ruclo. No início de fevereiro recorreram ao fechamento de
Mais graves foram os esforços para barrar a aplicação, pela cmpresas, 17 uma arma que, sete anos antes, havia promovido
Sudene, de um programa de incentivos fiscais destinado a atrair com sucesso as ambições de Cid Sampaio. Agora, com as posi-
capital para o Nordeste. Um ponto-chave do plano diretor de Cel- 1;ões políticas polarizadas, os proprietários de terra, industria is
so Furtado para o Nordeste era procurar industrializar a região, e comerciantes se uniram contra a ameaça da esquerda. Arraes
numa tentativa de utilizar a mão-de-obra que era um subprodu- denominou o esforço dos conservadores de "Operação Terror"
to da superpopulação e do desemprego. Se novos empregos pu- e denunciou-a ao presidente Goulart em um telegrama de 28 de
dessem ser criados, os empregados, com o recém-adquirido poder f'cvereiro. 18 Se Arraes realmente esperava ajuda de Goulart, es-
de compra, exigiriam bens e serviços , que, por seu turno, cria- luva subestimando,' de forma trágica, a antipatia do presidente
riam empregos adicionais. De acordo com a lei, uma empresa po- pura com ele. No dia 3.de mal'ço, os empresários do Recife fe-

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charam as portas. Arraes, deixado à sua própria sorte por Gou- um discurso em Juiz de Fora, ele exigiu proteção de um grande
lart; conseguiu de certa forma resolver a disputa trabalhista que contingente de polícia estadual, que foi apedrejada pela multi-
havia dado início à controvérsia, e o fechamento das empresas dão hostil.
durou apenas um dia. O incidente serviu para aumentar ainda Numa jogada desesperada, Goulart decidiu apelar diretamen-
mais a considerável popularidade de que o governador já gozava. te para o povo. Em 13 de março, realizou, no Rio de Janeiro,
Enquanto isso, a "Revolução em 40 Horas" foi empurrada um gigantesco comício, que foi televisionado. 20 Apropriadamen-
para o fundo do quadro. O Método de Paulo Freire ainda não te, era uma sexta-feira.
havia passado da porta de entrada. Os programas rápidos, que A maior parte da organização do comício foi feita pelos sin-
deveriam tornar milhares de camponeses alfabetizados, ainda não dicatos trabalhistas dominados pelos comunistas. Cartazes cla-
haviam começado. O Método exigia tempo para tornar os cam- mando pela legalização do Partido Comunista eram exibidos com
poneses conscientes de suas necessidades, mas os acontecimen- destaque na platéia.
tos em Pernambuco e no resto do Brasil estavam se processando Os líderes esquerdistas da nação se apresentaram no palan-
depressa demais. Os líderes dentro da Secretaria de Educação do que com Goulart. Leonel Brizola, o deputado federal e cunhado
Estado, do MCP e do SEC de Paulo Freire não podiam chegar ultra-esquerdista do presidente, fez um discurso violento, claman-
a um acordo sobre o que fazer. O próprio Paulo Freire era poli- do pela dissolução do Congresso e pela criação de uma Assem-
ticamente ingênuo e não sabia lidar com o que estava acontecen- bléia Constituinte. Goulart, falando com grande emoção, que por
do a seu redor. (Em certo momento, um de seus associados vezes chegava às raias da falta de controle, promulgou e assinou
informou o consulado americano de que ele se filiara ao Partido com grande floreio dois decretos presidenciais: um, nacionalizan-
Comunista por "razões oportunísticas", mas esta informação do refinarias de petróleo particulares, todas pertencentes a brasi-
nunca foi corroborada.) Além do mais, problemas técnicos esta- leiros; e outro, desapropriando terras localizadas dentro de uma
vam retardando a administração do programa. Havia uma séria faixa de dez quilômetros em torno de estradas federais, ferro vias,
falta de recursos e de pessoal treinado. Paulo Freire, que tinha barragens e projetos de irrigação, e consideradas "subutilizadas".
em vista utilizar o seu Método em toda a América Latina e até Ele também prometeu medidas futuras para tratar da reforma
mesmo na África, não conseguiu fazê-lo funcionar realmente se- agrária, da reforma tributária e da extensão do voto aos analfa-
quer no Brasil. betos e às Forças Armadas.
Cada vez mais a ebulição crescente no Nordeste refletia o O comício de 13 de março causou grande sensação. No Re-
tumulto que estava tomando conta do país. O presidente Gou- cife, um jornal de esquerda publicou um cabeçalho com letras
lart parecia estar se inclinando para a esquerda, numa tentativa maiúsculas proclamando o "Golpe de Morte nas Grandes Pro-
de acabar com o impasse político que o impedia de resolver os priedades" .21 Era muito barulho por pouco, uma vez que o pro-
problemas econômicos e sociais que estavam rapidamente alcan- blema agrário do Brasil ia além, muito além, das terras junto às
çando dimensões de crise. estradas, às ferrovias e às barragens. Mesmo assim, a esquerda
No Centro-Sul, os conservadores estavam tomando medidas ficou positivamente obsedada com o passo arrojado que Goulart
militantes em sua oposição ao presidente e aos políticos que o tinha dado. A direita começou a planejar seriamente um golpe
apoiavam. Organizações de mulheres católicas interrompiam reu- ele Estado.
niões políticas da esquerda. 19 Em várias ocasiões o seu alvo era Os ultraconservadores tinham estado falando entre si so-
Miguel Arraes. Em fevereiro, numa entrevista televisionada em bre um golpe desde que Goulart assumira o governo. Para eles,
São Paulo, ele teve de entrar pelos fundos do prédio, para evitar Goµlar t era a reencarnação de Getúlio Vargas. Alguns altos ofi-
um grupo que estava à sua espera para atacá-lo. Depois, durante ciais militares haviam cogitado da necessidade de "defender a

222 223
Constituição" e agora estavam considerando planos específicos que nascesse da conspiração viria embrulhada numa bandeira
para tal ação. O comício do 13 de março possibilitou à direi- americana.
ta montar uma campanha de "pânico" de tais proporções que Miguel Arraes voltou do Rio para o Recife cinco dias após
500 mil pessoas fizeram uma manifestação contra Goulart nas ruas o comício, sendo saudado nos cabeçalhos dos jornais como quem
de São Paulo no dia 19 de março. Grupos de católicos conserva- estivera prestes a lançar uma "Corrida para as Reformas" . Não
dores organizaram a marcha, que tinha um cunho inegavelmente interessava, pelo menos à imprensa, que os decretos presidenciais
anticomunista. Ainda mais significativo foi o fato de que os ma- assinados no comício de 13 de março não dessem quaisquer po-
nifestantes, em sua maioria, eram da classe média, uma indica- deres novos aos governos estaduais. A euforia estava na ordem
ção de que agora a burguesia se mostrava totalmente assustada do dia. A esquerda exalava confiança. O líder de uma Liga Cam-
com o que o presidente estava fazendo. Outras manifestações fo- ponesa relembrou: "Nos fins de março um dos comunistas me
ram planejadas. disse: 'Nós vamos tomar o poder', e eu respondi: 'Com quê?',
Ao mesmo tempo, os conspiradores estavam recebendo for- mas ele não escutou. Acreditava que o determinismo histórico es-
te encorajamento de Washington. A nova administração vinha tava prestes a deixar cair o Brasil no seu colo."
realizando uma abordagem mais "pragmática" em relação à Amé- Os conservadores não falavam muito. Estavam muito ocu-
rica Latina. Em março de 1964, Thomas C. Mann, secretário-as- pados juntando armas. 21 Cid Sampaio liderava os conspiradores
sistente para Assuntos Interamericanos no governo do presidente de Pernambuco e permanecia em contato com os do Centro-Sul.
Johnson, anunciou que os Estados Unidos não mais se oporiam Um dos seus cunhados se encarregou das estações de rádio. Um
automaticamente à derrubada das democracias latinas. 22 Charles chefe político proprietário de terras estava comprando em São
Bartlett, um colunista político com fama de ter excelentes conta- Paulo metralhadoras tchecas que eram embaladas de uma ma-
tos em Washington, confidenciou a seus leitores que essa mudança neira inocente e transportadas para o Recife em ônibus comer-
de tática tinha por objetivo encorajar os militares brasileiros a ciais. Cinco ou seis homens da Federação das Indústrias de
se movimentarem contra Goulart. 23 Um oficial do Exército dos Pernambuco, uma organização de homens de negócios domina-
Estados Unidos, ligado à embaixada do Rio, tinha relações ex- da por Cid Sampaio, estavam tomando lições, durante os fins de
tremamente próximas com o alto comando brasileiro. De acordo semana, num engenho perto do Recife, sobre como usar armas.
com o professor Thomas Skidmore, em sua excelente história Po- Seu instrutor era um oficial pertencente à Associação Estadual
lítica no Brasil, o embaixador Lincoln Gordon tinha total conhe- de Senhores de Engenhos, e eles guardavam as armas em suas
cimento da crescente conspiraçã0. 24 Na verdade, o embaixador residências.
cancelou uma viagem ao Nordeste, programada para o fim de É curioso que, enquanto tudo isso estava acontecendo, o go-
março, a fim de poder permanecer no Rio durante aquele mo- vernador consultava os seus auxiliares sobre o instável clima po-
mento crucial. 25 A embaixada assegurou aos conspiradores que litico. Arraes, cauteloso como sempre, não estava muito exube-
os Estados Unidos lhes dariam cobertura. Isto significava que o rante. Sua preocupação era que Goulart fizesse um jogo pelo po-
regime que substituísse Goulart poderia contar com uma subs- der que resultasse em sua expulsão do governo. Ele continuava
tancial assistência americana. De acordo com um respeitado jor- a se apoiar no processo democrático.
nal de São Paulo, a embaixada chegou a oferecer armas, se fosse Mas na noite de 29 de março a sorte foi lançada. Um grupo
necessário. 26 de marinheiros havia efetuado um protesto violento contra os seus
A conspiração não foi concebida em Washington, como al- superiores no Rio, no dia 26 de março. Goulart, que havia per-
guns brasileiros depois disseram. Os acontecimentos de fevereiro mitido que o Exército sufocasse a revolta dos sargentos em Bra-
e março, no entanto, indicaram claramente que qualquer coisa sília a 13 de setembro, desta vez tomou o partido dos manifes-

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tantes. Nessa noite fatal ele fez um discurso pela televisão, no
qual virtualmente fechou os olhos à quebra da disciplina militar
pelos sargentos. "Foi uma decisão quase igual a um suicídio po-
lítico", escreveu o professor Skidmore. 28 Na madrugada de 30
de março, um general, no estado-chave de Minas Gerais, deu or-
dem para suas tropas marcharem sobre o Rio. As coisas não ti-
nham sido planejadas exatamente desta maneira, mas a
conspiração agora tinha se transformado numa insurreição.
Durante deis dias, Goulart e seus aliados da esquerda tenta-
ram reunir suas forças para defender o governo. Um grupo tra- QUARTA PARTE
balhista e comunista convocou uma greve geral, O trabalho
continuou como sempre. Goulart mandou tropas para intercep-
tar a coluna rebelde. Elas pareciam não poder encontrar o inimigo.
No Recife, durante os dias 30 e 31 de março, sentia-se a con-
fusão reinante e até mesmo uma sensação de paralisia. Algumas
notícias filtravam-se do Centro-Sul, mas ninguém parecia saber
o que estava acontecendo ou o que fazer. Uma organização tra-
balhista controlada pelos comunistas publicou, no jornal, anún-
cios que conclamavam à união de todos os trabalhadores em face
da reação e denunciava os "inimigos do progresso e da emanci-
pação nacional" .29
Na noite de 31 de março, Miguel Arraes' escreveu um mani-
festo em nome dos governadores dos estados nordestinos, expres-
sando sua "serena confiança na pacificação fsic] da família
brasileira", e sua "determinação em preservar seus legítimos di-
reitos. " 3º Ele também deu, por si mesmo, a seguinte declaração:
"O Estado está calmo e a nossa posição é a de apoiar a legalida-
de, os princípios democráticos, as liberdades individuais e as prer-
rogativas do presidente da República. " 31
O prefeito Pelópidas Silveira deu uma declaração de que per-
manecia, "como sempre, a favor da liberdade" .32

226 '. ~ . . ' 227

•,
QUATORZE

O Golpe Militar

'ELSO FURTADO participava de uma sessão do Conselho Con-


~ u ltivo da Aliança para o Progresso em Washington e não estava
101almente a par do que acontecia no Brasil. Ele regressou ao Re-
ci fe no dia 31 de março, em cima da hora da crise. ' Ao voltar,
uma das primeiras coisas que fez foi dar à imprensa uma decla-
rnção na qual expressava a necessidade de reformular o impulso
da Aliança, pois os grupos da Aliança que detinham o poder na
América Latina não tinham qualquer intenção de renunciar ao
que ele denominou "constelação de privilégios". 2 As implicações
deste pronunciamento iriam cair sobre ele de uma forma total-
mente inesperada.
Mesmo após um telefonema para Brasília e uma visita no-
1urna ao palácio do governo, o diretor da Sudene não conseguiu
descobrir se Goulart fora capaz de subjugar a insurreição. Algu-
111 u s horas de sono em seu apartamento o reanimaram, e às sete
horas da manhã ele se dirigiu novamente ao centro da cidade pa-
111 ver Arraes.
Exceto pelos obstáculos costumeiros apresentados pelo trá-
lcgo matutino, o acesso à cidade ainda estava livre. Ao passar
pela praça da República, parque espaçoso que separa o palácio

229
do governo do restante do centro do Recife, Celso Furtado pôde O telefone tocou, e Celso Furtado, inteiramente confuso com
observar como era solitária e excessivamente vulnerável aquela os comentários vagos do general, foi convidado a se retirar. Ele
construção - colocada numa extremidade delicadamente encurva- voltou ao palácio do governo.
da do bairro de Santo Antão e debruçada sobre o rio Capibari- Logo depois, uma delegação militar, encabeçada pelo almi-
be, que, ali, se enrola num arco de 180 graus, misturando-se com rante que comandava as forças navais baseadas no Recife, visi-
as águas túrgidas do rio Beberibe, desembocando ambos no mar. tou o governador Miguel Arraes e começou a fazer-lhe certas
Miguel Arraes estava andando de lá para cá, fumando fu- exigências. Eles queriam que Arraes pedisse a renúncia de Gou-
riosamente um Marlboro, e num estado de espírito obviamente lart, demitisse o seu secretário de Segurança Pública (o funcio-
agitado, quando Celso Furtado chegou ao seu gabinete. Ele rela- nário encarregado de fazer cumprir a lei) e prometesse não usar
tou ao diretor, minuciosamente, o que estava acontecendo até a polícia contra o Exército. Logo ficou evidente que estavam for-
aquele minuto. Começara a ouvir rumores de que o IV Exército çando indiretamente a renúncia dele, Arraes. Quando Celso Fur-
estava ocupando partes de Pernambuco. Um oficial do Exército tado chegou de volta ao palácio e foi informado do que estava
tinha estado ali pouco antes para lhe perguntar qual seria sua rea- acontecendo, subitamente compreendeu que o general Justino Al-
ção se as tropas cercassem o palácio. O governador respondera ves Bastos o estivera enganando.
que absolutamente não havia razão para tal manobra, uma vez Somente depois Celso Furtado compreendeu a extensão do
que o estado estava calmo; que ele já havia comunicado ao gene- engano. Desde os primeiros momentos da conspiração, Justino
ral Justino Alves Bastos seu intento e esperança de impedir que Alves tinha se aliado ao movimento anti-Goulart; na realidade,
o Nordeste fosse arrastado para o conflito que parecia estar ocor- o homem do presidente no Nordeste foi o primeiro dos oficiais
rendo no Centro-Sul; que havia tomado medidas para prevenir comandantes dos quatro comandos militares do Brasil a expres-
a ocorrência de greves no Recife; e que já dera ordens à polícia sar seu apoio aos conspiradores. Isto tinha dado considerável con-
estadual para cooperar integralmente com o Exército. Ele tinha fiança a Cid Sampaio e seus aliados, em Pernambuco. Os es-
dado ao oficial uma cópia do manifesto dos governadores do Nor- querdistas, superconfiantes e demasiadamente ocupados para ave-
deste, dizendo-lhe que a entregasse ao general Justino Alves. Mas riguar com cuidado a posição dos militares, tinham permaneci-
Arraes ainda estava apreensivo quanto ao que o general iria fa- do totalmente desinformados sobre a decisão do general.
zer. Ele pediu a Celso Furtado para fazer uma visita a Justino Tarde da noite, em 31 de março, os militares tinham tido
Alves e sondar quais eram suas intenções. um susto sério quando foram recebidas informações de que um
O quartel-general do IV Exército estava localizado conve- navio carregado de armas e munições estava para atracar nas do-
nientemente no vizinho bairro da Boa Vista, do outro lado do cas particulares do senador José Ermírio de Moraes, o principal
rio Capibaribe. Em poucos minutos Celso Furtado foi admitido apoio financeiro de Arraes na campanha eleitoral de 1962. Fora
à presença do general Justino Alves Bastos. Oficial de carreira, um alarme falso. O navio carregava uma carga de mercúrio.
baixo, de tez escura, Justino Alves era conhecido pelo agudo senso Durante a maior parte da manhã do dia 1? de abril, um ofi-
de oportunismo que compensava seus limites intelectuais. (Seguin- cial militar fez proclamações regulares pelo rádio, assegurando
do o costume bem brasileiro de fazer gracejo com todas as pes- aos ouvintes que o Recife estava calmo e que o governo estadual
soas que ocupam cargos públicos, seus detratores gostavam de· e o IV Exército estavam cooperando para manter a normalida-
parodiar seu nome, chamando-o de "Justino cheio de bosta".) de; justamente para poder proclamar isto é que o Exército pren-
- Goulart deverá renunciar ou mudar o seu Gabinete - in- dera o comandante da polícia do estado de Pernambuco. Ao
formou o general a Celso Furtado. - O que ele deve fazer é co- mesmo tempo, o general Justino Alves estava em consulta cons-
locar gente séria como você no seu governo. tante com outros oficiais e políticos que participavam da conspi-

230 231
ração. Unidades do Exército estavam se dirigindo às redes da di- ns suas armas". Naílton, o funcionário graduado presente na Su-
retoria de alguns sindicatos de trabalhadores onde podia ser es- clcne naquela ocasião, convidou-o a dar uma busca em tantos es-
perada certa resistência ao golpe. As tropas tomaram conta da critórios quantos desejasse. Wandenkolk e seus homens reviraram
cidade, porque Arraes, em sua ânsia de evitar um conflito, tinha todo o prédio, mas não acharam qualquer arma. Com os olhos
dado ordens à polícia estadual para que se mantivesse nos quar- semicerrados por trás das lentes grossas dos seus óculos, a saliva
téis. Isto criava apenas um problema real: achar um pretexto pa- uflorando no canto da boca, o vereador chamou Naílton de "co-
ra a deposição do governador, que, teimosamente, se agarrara munista" e saiu do prédio batendo os pés. Logo depois Naílton
à única coisa que lhe restava - a legalidade de sua posição. \tdu, e imediatamente tratou de se esconder.
Naquele dia, de manhã cedo, dois ardentes seguidores de Ar- Gregório Bezerra, veterano da rebelião de 1935, pode ter sen-
raes se encontravam na rua de um dos bairros modestos da clas- tido o mesmo impulso nostálgico que impeliu Wandenkolk a agir.
se média do Recife. Um deles tinha estado tentando, sem sucesso, Ou pode ter sido considerado sacrificável por seus superiores do
ouvir pelo rádio alguma notícia da insurreição rio Centro-Sul. Partido Comunista. Ou talvez estivesse sendo simplesmente im-
- Acho que teremos problemas aqui - disse baixinho. - prudente. De qualquer forma, na manhã do dia 1? Gregório co-
Julião trará seus camponeses para a cidade. Será que devemos locou um revólver 32, com seis balas, sob seu cinturão, pulou
tentar conseguir algumas armas? dentro de um jipe e saiu do Recife em direção a Palmares.
- Deveríamos ter pensado nisto há muito tempo - respon- No dia 1? de abril, o escritório da Usaid estava trabalhando
deu seu amigo com um tom de amargura na voz. - Quanto a 11ormalmente. Algumas funcionárias foram mandadas para casa
Julião, está em Brasília, e mesmo que estivesse aqui não ajudaria dmante as horas incertas da manhã, mas logo depois um oficial
em nada. Os camponeses não lutarão. Não há nada a fazer, se- militar anunciou pelo rádio que o IV Exército tinha aderido à "re-
não esperar. Nossa única esperança é que o III Exército fique com volução" e que tropas estavam agora cercando o palácio do go-
Goulart. verno. De um dos prédios ocupados pela missão, podiam ser vistos
Sediado no Rio Grande do Sul, estado natal do presidente, ~oldados instalando metralhadoras perto da ponte que leva ao pa-
o III Exército tinha interferido num momento crucial para asse- l~cio do governo. Os americanos deram um suspiro de alívio, pois
gurar a Goulart a sucessão, depois da renúncia de Jânio Quadros cfü1vam preocupados com a possibilidade de violência, como re-
em 1961. Estado mais meridional da União, o Rio Grande do Sul <J11ltado de uma cisão dentro do Exército. No consulado, do ou-
estava longe, muito longe de Pernambuco. tro lado do rio, não existiam tais preocupações. Cid Sampaio e
Naílton Santos, o chefe da Divisão de Recursos Humanos ~cus conjurados de Pernambuco tinham mantido os funcionários
da Sudene não tinha ilusões sobre o III Exército. A primeira coi- rnnsulares dos Estados Unidos informados dos seus planos des-
sa que ele fez naquela manhã foi passar no seu escritório no pré- de o início da conspiração.
dio da Sudene e limpar suas gavetas. 3 O som de altas vozes no Tropas e tanques apareceram em massa nas ruas do Recife
corredor interrompeu-o. Ele saiu do escritório a tempo de se con- durante a tarde. Às 14:00, um grupo de estudantes universitários
frontar com um vereador de rosto avermelhado, Wandenkolk ~e reuniu nos degraus da faculdade de Engenharia.• O presidente
Wanderley, rodeado por um grupo agressivo. Wandenkolk era du U~ião de Estudantes de Pernambuco fez um discurso pedin-
um dos maiores direitistas militantes do Recife, apresentando cre- do calma e ponderando que qualquer manifestação seria inútil.
denciais impecáveis para isso sob a forma de um ferimento que As cabeças mais quentes prevaleceram, e uma multidão iniciou
recebera como oficial militar lutando contra o levante comunista 11111a passeata em direção ao centro da cidade. Quando chegaram
de 1935 em Pernambuco. Ele havia organizado um grupo de vi- ti praça da Independência e tentaram dobrar a rua que conduz
gilância e estava agora exigindo que a Sudene "entregasse todas diretamente ao palácio do governo, os manifestantes toparam face

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a face com uma linha de soldados, com fuzis e baionetas em po- ro foi acreditar que os meios legais poderiam trazer mudanças
sição de combate. Os estudantes começaram a cantar "Ar-raes, verdadeiramente radicais no Brasil. Mas tinha inteligência sufi-
Ar-raes" e a importunar os soldados, que atiraram para o ar. Mais ciente para não aumentar esse erro, recorrendo à força, numa si-
gritos, mais tiroteio, porém desta vez as tropas atiraram na mul- tuação em que seus inimigos claramente o superavam em número.
tidão, que rapidamente se dispersou. Dois estudantes ficaram mor- A noitinha, outro grupo militar entrou no palácio. Alguns
tos na sarjeta. Foi quase uma cópia em papel carbono de um dos homens portavam metralhadoras. Desta vez não foi feita ne-
confronto entre estudantes e soldados em 1945, durante uma gran-• nhuma exigência polida. Arraes foi preso e, às 20:00, conduzido
de manifestação contra a ditadura de Vargas. Naquela ocasião, para fora do edifício.
um estudante, Demócrito de Souza Filho, foi morto. Tornou-se Tendo estado no palácio durante toda a tarde, Celso Furta-
um mártir, e seu nome ainda hoje é lembrado. Desta vez, a ma- do estava consciente de que o fim tinha chegado quando a últi-
nifestação foi considerada de maneira geral uma loucura. Os dois ma delegação subira a escadaria. Saiu sem qualquer problema e
estudantes assassinados foram esquecidos há muito tempo. entrou no seu carro. Um oficial acenou para ele sair do carro,
Enquanto isso, Miguel Arraes almoçava no palácio com dizendo que tinha ordens de levar todos os que estavam no palá-
membros de sua família e de sua equipe. Os militares rebelados cio para o quartel-general do IV Exército. O diretor da Sudene
e seus companheiros civis ainda não sabiam exatamente o que fa- informou-o friamente de que era exatamente para lá que estava
zer com ele. No mesmo dia, à tarde, uma delegação de oficiais indo. O oficial fez uma continência e Celso Furtado saiu.
retornou ao palácio, agora completamente cercado pelas tropas. Cid Sampaio e alguns dos seus companheiros de conspira-
Um deles informou Arraes de que ele havia sido afastado do go- ção estavam negociando com o general Justino Alves Bastos quan-
verno. do Celso Furtado chegou. O general foi cortês porém firme com
- O senhor está livre para ir aonde quiser - acrescentou. ele.
O governador consultou sua equipe. O consenso era que seria pe- - Você não nos ajudou em nada. O governador nos tem
rigoso sair, visto que até então os militares eram responsáveis por causado muitos problemas.
ele; uma vez porém fora do palácio, ele se arriscaria a ser ferido Celso Furtado disse a Justino que fecharia a Sudene e aguar-
ou mesmo morto. Arraes respondeu à delegação: daria o desenrolar dos acontecimentos. Deixou o quartel sem ser
- Não concordo em ser deposto. Recebi meu mandato do detido.
povo e só ele poderá tirá-lo de mim. Permanecerei aqui, com mi- Enquanto isso, na Assembléia Legislativa os dep1,1tados es-
nha família. - Vendo sua armadilha rejeitada, os oficiais enco- taduais estavam debatendo sobre o que fazer quanto a Arraes,
lheram os ombros e partiram. que se recusara a renunciar formalmente. Um cordão de tropas
Alguns dos seguidores mais zelosos de Arraes criticam-no rodeou o prédio, dando um ar de urgência às deliberações. Uma
agora por não ter ido para o interior do Estado, num carro equi- solução engenhosa para o impasse foi finalmente encontrada. As
pado com rádio e com tantos policiais fiéis quantos pudesse mo- 23:30, enquanto Miguel Arraes era mantido prisioneiro numa de-
bilizar. Assim, argumentam, ele poderia ter iniciado uma pendência militar na cidade, uma maioria do Legislativo estadual,
resistência ao golpe, resistência que teria obtido amplo apoio por após um debate formal, votou de cara dura (45 a 17 votos, com
todo o Nordeste. Com a vantagem de uma visão posterior, não uma abstenção) por sua remoção do governo, porque ele agora
se pode fugir à conclusão de que tal ação teria sido um suicídio. estava impedido de exercer as funções do seu ofício. O vice-
Arraes nunca pretendeu ser um revolucionário. Sempre tinha si- governador Paulo Guerra, um dos maiores criadores de gado de
do a favor da legalidade, da democracia e da Constituição. Não Pernambuco, assumiu então o mais alto posto do estado. De acor-
era um líder militar. Até o fim, defendeu seus princípios. Seu er- do· com a descrição feita por um repórter brasileiro: "Paulo Guer-

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ra passou pela peneira militar e, sendo reconhecido como um ho-
mem sério, foi considerado capaz de assumir o governo." ~ A le-
galidade havia triunfado.
Enquanto isto, o presidente João Goulart estava experimen-
tando o mesmo sabor dos estranhos aspectos legais no Brasil. Na
manhã do dia 1? de abril, ele saiu, por via aérea, do Rio de Ja- QUINZE
neiro para Brasília, onde não encontrou qualquer apoio signifi-
cativo contra a insurreição. Naquela noite, seguiu para Porto
Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul. Logo depois, Conseqüências
o presidente do Senado brasileiro anunciou que a presidência da
República estava vaga, e Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara
dos Deputados e o seguinte na linha de sucessão constitucional,
foi empossado como presidente em exercício.
Doze horas depois, enquanto Goulart ainda estava no Bra-
sil, esses atos solenes receberam a sanção final. Lyndon Johnson
enviou a Mazzilli uma mensagem, transmitindo seus "mais calo-
rosos votos por sua posse como presidente" ,6 e expressando ad-
miração pelo "resoluto desejo de que a comunidade brasileira
resolva suas dificuldades dentro da estrutura da democracia cons- GREGÓRIO BEZERRA quase não chega a Palmares. 1 A polícia ha-
titucional" . Incapaz de persuadir o III Exército a arriscar uma via organizado vários bloqueios na estrada, mas por alguma ra-
guerra civil, Goulart fugiu para o Uruguai no dia 4 de abril. zão não evitou que aquele duro sexagenário de rosto avermelhado
passasse. Quando, finalmente, ele chegou à cidade onde tinha ob-
Assim, um movimento que começara no final da década de 1950, lido tão notável êxito corno organizador comunista do sindicato
e que estava ameaçando alterar o equilíbrio entre o poder político rural, elementos da polícia estadual e do IV Exército o prende-
e o econômico no estado mais importante do Nordeste do Brasil, ram imediatamente.
desmoronou no curso de um único dia como um castelo de cartas. Felizmente para Gregório, a polícia estadual assumiu a res-
Apoiada na cuidadosa preparação de um grupo de conspiradores ponsabilidade por sua segurança. Os oficiais do Exército, em Pai
civis, a força militar prevaleceu, num golpe súbito e aparentemente mares, queriam matá-lo na hora. Os militares não tinham es-
fácil. As massas , que supostamente apoiavam Arraes, não levan- quecido que, em 1935, quando era sargento do Exército, Gregó-
taram um dedo para ajudá-lo. Após a confusão inicial no Recife rio desempenhara um papel de destaque na revolta comunista no
durante horas incertas da manhã e no começo da tarde, não hou- Recife e matara um tenente. Chegava a hora de acertar as con-
ve virtualmente qualquer resistência à tomada do poder. 1as. Alguns soldados levaram o ex-deputado federal para uma usi-
Isto marcou o início de um tempo de grande angústia para 11a próxima e o teriam eliminado se não fossem os protestos da
a esquerda. Os novos administradores teriam que justificar suas polícia.
ações. A culpa teria que ser lançada sobre aqueles grupos e indi- Assim, Gregório foi trazido de volta ao Recife. Aí sua sorte
víduos que haviam "provocado" o golpe militar, o qual, agora, piorou. Ele caiu nas garras do tenente-coronel Darcy Villocq Via-
em vista do seu sucesso, tinha sido transformado em "revolução". 11a, cujo espírito vingativo submeteu o físico robusto de Gregó-
A ventania do revide ia começar a varrer o Nordeste do Brasil. rio a uma prova severa. Inicialmente o coronel e seus homens

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J
bateram nele com canos de ferro. Um médico que tentou interfe- Joel Câmara tinha levado uma vida burguesa e calma.desde que
rir recebeu, por sua intromissão, um soco no queixo. Depois des- fora libertado da Casa de Detenção do Recife, em dezembro de
piram o velho, deixando-o de cuecas. O coronel Villocq Viana 1963. A não ser por um relato escrito de suas experiências no cam-
estava possesso de fúria vingativa e macabra. Deu ordem a seus po, tinha renegado completamente sua vida anterior como revo-
homens para amarrar uma corda em torno do pescoço de Gregó- lucionário; terminara o seu curso de Direito e estava atualmente
rio e exibi-lo, assim, pelas ruas do Recife. efetuando trabalho legal para uma firma comercial na cidade do
A procissão hedionda só fez foi embrulhar o estômago dos Recife. No dia .2 de abril, um tenente, um sargento e quatro sol-
circunstantes: alguns tiveram que virar a cabeça, e duas mulhe- dados, todos armados com fuzis - o tenente tinha uma metra-
res desmaiaram. Os soldados ficaram batendo em Gregório e lhadora - , foram, de jipe, ao escritório onde Joel estava
insultando-o com gritos de "Comunista" e "Traidor". O espe- trabalhando. Fecharam a rua completamente e depois mandaram
táculo atingiu o clímax quando o coronel ordenou que passas- dizer a Joel que saísse com as mãos para cima. As pessoas que
sem em frente da sua própria casa, com a idéia, talvez, de que estavam por perto ficaram pasmadas quando o jovem magro e
a família que esfola unida permanece unida. Sua esposa, obser- dentuço apareceu. Lisonjeado por essa surpreendente mostra de
vando aquela paródia macabra da procissão da Semana da Pai- atenção, o ex-conselheiro legal das Ligas Camponesas entregou-
xão, caiu em prantos e implorou-lhe que parasse. Gregório, num se à patrulha e foi levado para a cadeia. Teve a sorte de não so-
último gesto de desafio, conseguiu forças para gritar: frer maus-tratos físicos, mas passou 45 dias num cubículo dimi-
- Eis aqui como é a civilização cristã do Ocidente! - Sem nuto. Preocupado com a possibilidade de a polícia revistar sua
se comover, o coronel mandou que seus homens continuassem. casa em busca de qualquer documento que pudesse incriminá-lo,
Era difícil imaginar que uma pessoa da idade de Gregório seu pai queimou o único manuscrito de suas memórias.
conseguisse sobreviver a tal provação. Na verdade, começou a Nos primeiros dias após a "revolução", o Exército e a polí-
circular um história de que Gregório havia caído morto com um cia (agora sob o controle do novo governo estadual) aprisiona-
ataque cardíaco. Um jornal recifense chamou isto de "boato co- ram todos os líderes das Ligas Camponesas que puderam
munista" , 2 tarde demais para evitar que um correspondente cncontrar.4 Clodornir Moraes foi preso numa cidade do interior.
americano incluísse a notícia num despacho para Nova York. A Assis Lemos, detido na Paraíba, foi trazido para o Recife, es-
revista Time subseqüentemente relatou a morte de Gregório,3 de pancado e colocado na prisão. A polícia invadiu o engenho Gali-
uma maneira bastante exagerada. léia, em Vitória de Santo Antão, e prendeu Maria Celeste, a
O coronel Villocq Viana entregou o homem sob sua guarda professora que vinha liderando as Ligas Camponesas nas inva-
a uma das prisões do Recife, mas o comunista de cabeça branca sões de terras. Descobriram o mocambo onde estava o gerador
estava em condições tão precárias que o oficial-comandante da de Ted Kennedy, e utilizaram esta modesta oferta americana co-
cadeia não o aceitou. Assim, levaram Gregório a um hospital e mo ''evidência" de uma trama para fornecer energia a um trans-
finalmente deram-lhe algum tratamento médico. Ele foi devolvi- missor de rádio que emitiria mensagens subversivas para o interior.
do à prisão, onde conseguiu reabilitar-se fazendo exercícios físi- (A explicação dada f:Jelos camponeses de que o gerador tinha si-
cos, juntamente com um padre católico que também tinha sido do um presente do "presidente Kennedy" não conseguiu quebrar
preso depois do golpe e agora estava compartilhando sua cela. o gelo da polícia. 5) O novo secretário de Segurança Pública or-
Permaneceu ali durante cinco anos e finalmente foi levado para denou que todas as Ligas Camponesas fossem fechadas e todo
o México, em setembro de 1969, como um dos presos políticos o seu material ·apreendido. O irmão de Julião, Dequinho,
libertados em troca do embaixador americano no Brasil, Burke escondeu-se por certo tempo no mato, em Bom Jardim, mas fi-
Elbrick, que havia sido seqüestrado. nalmente foi apanhado e conduzido para a cadeia. A figura mais

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notável a escapar do desastre foi Maria Ceéíles, a ex-"secretá- que o novo governo estava prestes a cassar um certo número de
ria" de Julião. A polícia, por alguma razão, queria pegá-la a to- parlamentares. Julião permaneceu no edifício e chegou a fazer
do o custo, e revistou todos os recantos possíveis, numa busca um dos seus raros discursos no recinto da Câmara. Quando esta-
sem sucesso. va pronto para sair, observou um contingente de policiais, do la-
O próprio Julião tinha um destino especial à sua espera. 6 do de fora, à sua espera. Um dos seus colegas estava com um
Conseguiu evitar a indignidade de uma prisão imediata, quando carro à porta e se ofereceu para levá-lo. Ele deslizou para dentro
nada, como um caso de justiça poética. Sua carreira no Nordeste do carro, conseguindo não ser notado pela polícia.
chegou ao fim, de uma forma adequada ao seu papel de figura Naquela tarde, Julião disfarçou-se com roupas rasgadas co-
central de uma revolução que nunca houve. mo um candango, o termo usado para designar os nordestinos
Por ocasião do golpe, ele e Regina estavam vivendo juntos, pobres que deixam sua região à procura de trabalho. Despediu-
em Brasília. Alexina tinha viajado para Havana no começo de se de Regina e saiu para Belo Horizonte num caminhão cheio de
março, a fim de assistir ao casamento de sua filha mais velha com candangos genuínos. Deixando Brasília, estava abrindo mão da
um estudante equatoriano, também revolucionário. No final de oportunidade de procurar asilo político numa das embaixadas es-
março, Julião esteve no Recife por alguns dias, devendo regres- trangeiras ali localizadas. Mas, não abandonando ainda toda a
sar a Brasília para passar os feriados da Semana Santa com Re- esperança, ele havia traçado um plano engenhoso para despistar
gina, que se encontrava em adiantado estado de gravidez. Logo seus perseguidores e refugiar-se num lugar onde ninguém pensa-
cedo, na manhã de 26 de março, um amigo íntimo levou-o ao ria em procurá-lo. Dois dias depois, o governo decretou a cassa-
aeroporto dos Guararapes para o que seria o seu último vôo à ção do seu mandato.
capital como deputado federal. O assunto principal de sua con- Na tarde do dia 8 de abril, ele chegou à capital do estado
versa foi a próxima visita de um jornalista alemão que havia es- de Minas Gerais, local do seu grande triunfo no Congresso Na-
crito uma história sensacional na revista Stern sobre a tortura dos cional de Camponeses em 1961. Perambulando pelas ruas,
camponeses pelos donos de terras do Nordeste. deparou-se com um comício celebrando a vitória da "revolução"
Cintilantes arranha-céus, cuidadosamente alinhados no barro e misturou-se com a multidão. Depois, foi descansar numa pen-
vermelho de um planalto deserto aparentemente sem fim, proje- são, onde se registrou como "sr. Antônio".
tam um isolamento esplêndido, que se tornou a marca de Brasí- Em seguida chegou a parte difícil de sua odisséia. Ele saiu
lia. As grandes distâncias que separam a nova capital dos centros de Belo Horizonte voltando em direção a Brasília - inicialmen-
populosos da nação deveriam aliviar as pressões sobre os funcio- te de táxi, até a cidade de Sete Lagoas, e depois a pé, por lugares
nários do governo e permitir que tomassem decisões numa atmos- pouco habitados. No interior do estado, fez uma parada preesta-
fera repousante, se bem que um pouco rarefeita. Durante todo belecida no casebre de uma família camponesa, onde passou al-
o golpe, Brasília permaneceu tranqüila. Havia um tom surrealis- guns dias. Ali encontrou-se com um amigo de Pernambuco que
ta na rápida visita de Goulart no dia 1? de abril e na posse subse- lhe trouxe uma notícia trágica. Logo após seu desaparecimento
qüente do presidente em exercício - eventos desempenhados de Brasilia, um repórter do Recife espalhara, pelo rádio, a notí-
contra um pano de fundo ultramoderno, diante de uma audiên- cia de que ele fora morto. Seu pai, de 86 anos, ouvindo o noti-
cia modesta engolida por espaços parados e vazios. ciário, caíra morto com o choque.
Convencido de sua imunidade contra detenção, um dos pri- Julião escapou do pesar mergulhando em seu ambiente na-
vilégios de um deputado federal, Julião continuou a comparecer tural, o que lhe trouxe de volta toda a sua infância no engenho.
a reuniões na Câmara dos Deputados. Mas no dia 7 de abril, ao Ao continuar·a jornada, começou a reviver suas fantasias cam-
entrar na Câmara para a sessão da tarde, um amigo o avisou de ponesas. Podia estar desempenhando cenas de sua novela Irmão
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Juazeiro, ou de alguma história ainda não escrita sobre sua vida mente pensou que estava sendo enterrado vivo. A enxaqueca pas-
no interior. sou, mas ele pegou uma gripe muito forte. Antes astro da im-
No princípio de maio, chegou ao Distrito Federal. Em vez prensa internacional, Julião agora se via numa luta solitária pela
de retornar a Brasília, foi diretamente para um engenho num dos sobrevivência. Com o movimento das Ligas Camponesas esma-
municípios satélites de Brasília. Regina já havia feito os arranjos gado até o esquecimento, o ex-deputado compreendia plenamente
para a sua chegada e tinha alugado o engenho para ele. Ele ainda que o Exército não se incomodaria nem um pouco se ele morres-
era o "sr. Antônio", agora um pedreiro, vestido com roupas de se no transcurso do seu confinamento.
camponês e com uma pequena barba. Durante o dia ele fazia ser- Enquanto isso, ele era substituído na Câmara dos Deputa-
viços de pedreiro na construção de uma pequena casa. De noite dos por seu suplente, Luís Pereira da Silva, um pintor de paredes
costumava ler a Bíblia para os camponeses, seus companheiros. que tinha recebido 126 votos nas çleições de 1962.
No dia 2 de junho recebeu a notícia de que dois dias antes
Regina tinha dado à luz uma menina. Mal teve tempo para feste- As primeiras semanas da "revolução" foram difíceis para todo
jar. Na manhã seguinte, com um denso nevoeiro cobrindo o en- , o movimento trabalhista rural em Pernambuco. Alguns latifun-
genho, uma patrulha da polícia invadiu o casebre que ele estava diários viam o golpe como um sinal de que "os bons e velhos tem-
compartilhando com alguns camponeses. Ele protestou que era pos" tinham voltado, e deram o troco ad hoc aos camponeses
apenas o sr. Antônio, um simples camponês, mas os seus dentes que tinham participado das atividades dos sindicatos rurais ou
e os seus pés o denunciaram. Os dentes eram bem cuidados, e das Ligas Camponesas. Os ditos senhores feudais e seus pistolei-
os pés muito macios. 7 ros aplicavam surras e outras formas mais sutis de humilhação
A caminhada de volta a Brasília foi longa. Seus captores e tortura.
ficharam-no e em seguida entregaram-no à imprensa para entre- Dan Kurzman, um repórter do Washington Post, visitou a
vistas e fotografias. Depois destes atos preliminares, levaram-no área logo depois do golpe e mandou de volta um apanhado da
a uma prisão militar, onde foi relativamente bem tratado duran- situação 8 - para grande irritação dos americanos no Recife, os
te uma estada de três semanas. quais insistiam em que o novo governo "revolucionário" estava
Em 24 de junho, dia da festa de São João, Francisco Julião atuando admiravelmente bem e que as coisas não podiam estar
retomou ao Recife. Este era o dia em que sua família tinha o cos- melhores. O artigo de Kurzman foi um dos poucos relatos críti-
tume de se reunir no engenho; uma de suas irmãs preparava as cos da "revolução" a serem publicados nos Estados Unidos. Fi-
comidas tradicionais da festa. Mas neste São João ele não cele- nalmente, o IV Exército pôs fim a essas barbaridades. Entretanto,
braria a festa em Bom Jardim. Chegou à cidade num avião da os latifundiários tinham imposto o seu ponto de vista e continua-
Força Aérea e foi entregue ao IV Exército. ram a ignorar a maior parte da legislação sobre o trabalho rural
Levaram-no imediatamente para uma cadeia na vizinha ci- que o governo de Goulart tinha aprovado e que a administração
dade de Olinda, e de sua cela ele podia ver, a distância, as fo- de Arraes colocara em vigor.
gueiras de São João. Naquela noite, sofreu um ataque agudo de Quatro dias depois do golpe, o novo secretário de Seguran-
enxaqueca, a doença que o afligia há muitos anos. Suportá-la sem ça Pública de Pernambuco determinou as diretrizes para os ser-
medicação era apenas um começo. De manhã cedo uma patrulha vidores encarregados da execução da lei e que tinham de lidar com
de soldados chegou para transferi-lo para um local mais apro- o movimento trabalhista rural. 9 A essência do seu pronuncia-
priado. Conduziram-no por um longo corredor escuro, bateram- mento era que os direitos dos camponeses deveriam ser respeita-
lhe várias vezes nas costas com um cassetete, e jogaram-no no dos e que os sindicatos rurais legítimos não deveriam ser
chão de cimento de uma cela, pequena como um túmulo. Inicial- destruídos. Na prática, o controle de fato do movimento traba-

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lhista rural passou para as mãos do único no qual o Exército con- sada a "crise" e restaurada a ordem. Mas nos dias que se segui-
fiava - o padre Melo. 10 ram ao golpe·era possível descobrir indicações de que desta vez
Sua desavença com Miguel Arraes nos fins de 1963 veio a as coisas poderiam ser diferentes.
ser a melhor coisa que poderia acontecer ao jovem padre do Ca- No cenário nacional, os chefes militares que haviam execu-
bo. Quando ocorreu o golpe, ele já era bem conhecido publica- tado o golpe escolheram um dos seus pares, o marechal Hum-
mente como um firme adversário do governador; portanto, berto Castelo Branco, para ser presidente. 13 Seus colegas civis
quando o Exército estava à procura de alguém que lhe dissesse aplaudiram, e o Congresso, que não tinha outra alternativa, do-
o que fazer com o movimento trabalhista rural, a escolha óbvia cilmente ratificou essa decisão. Castelo Branco deveria servir du-
recaiu sobre o padre Melo. Por certo tempo, ele se tornou um rante o resto do mandato de Goulart (até 1965) e depois disso
ditador não oficial, dirigindo o Exército e a polícia para intervir os políticos entendiam que a presidência retornaria às mãos dos
virtualmente em todos os sindicatos rurais e nomeando diretores civis. Eles decidiram minimizar as afirmações de altos oficiais mi-
novos para substituir os líderes que havia removido. litares indicando que agora competia às Forças Armadas limpar
Enquanto isso, o padre Crespo se achava em situação difí- a política brasileira e colocar o país irrevogavelmente no cami-
cil. Graças a algumas renúncias ocorridas em tempo, o novo re- nho da modernização. Era indubitável a sugestão de que elemen-
gime não interveio na Federação estadqal, mas na histeria que tos importantes entre os militares sentiam que o destino do país
se seguiu ao golpe começaram a aparecer nos jornais artigos cri- não poderia mais ser confiado aos civis, e que agora era dever
ticando o padre pela sua "colaboração" com os comunistas. 11 das Forças Armadas desenvolver o potencial de grandeza do Bra-
Padre Crespo, como se descobriu, tinha enviado um telegrama sil, há muito reconhecido.
a João Goulart expressando seu apoio às tímidas medidas de re- Além disto, dois dias antes da posse de Castelo Branco os
forma agrária que o presidente havia decretado no agora infame militares publicaram o que foi chamado eufemisticamente de "Pri-
comício de 13 de março. meiro Ato Institucional", um decreto que dava amplos poderes
Finalmente a tempestade passou, e o padre Crespo perma- no novo chefe do Exército~ O mais significativo desses poderes
neceu no seu cargo no Sorpe. Uma razão para sua sobrevivência nutorizava o presidente a suspender sumariamente os direitos po-
foi o fato de os americanos não estarem dispostos a permitir que Htico5 de qualquer brasileiro durante dez anos. Isto significava
o seu padre favorito fosse expurgado. Alguém da missão da Usaid que qualquer pessoa submetida à "cassação", como tal processo
se comunicou com um advogado que tinha ligações com os ofi- era chamado, não poderia ocupar qualquer cargo no governo e
ciais do IV Exército e insistiu fortemente para que o padre fosse nem mesmo votar. A primeira lista continha alguns dos nomes
poupado.i2 Seis meses mais tarde, o padre Crespo participou de óbvios - Goulart, Arraes, Julião-, assim como algumas gran-
um acordo aberto, firmado pelo Sorpe com a Liga Cooperativa des surpresas. O ex-presidente Juscelino Kubitschek e o ex-
(CLUSA), e que possibilitava à CIA, sob a cobertura da CLU- presidente Jânio Quadros nela estavam incluídos. Nenhum des-
SA, carrear fundos diretamente para o movimento cooperativis- 11cs dois homens poderia ser considerado "subversivo", por mais
ta no Nordeste do Brasil. 1ratos que se desse à imaginação. Mas eles constituíam uma amea-
Com a queda do governo de Arraes, os velhos políticos que .,:n política aos novos chefes militares - outro indício de que os
representavam a estrutura tradicional do poder em Pernambuco militares poderiam permanecer fora dos quartéis por algum tem-
acharam que preencheriam o vácuo e controlariam o estado co- po. Também havia indícios de que acusações de corrupção pode-
mo haviam feito na era pré-Arraes. Quando começou o movi- 1 lum qualificar um político para a "cassação", aumentando ainda
mento contra Goulart, não havia razão para que eles acreditassem mais a crença na determinação dos militares no sentido de lim-
que as Forças Armadas não voltariam aos quartéis, uma vez pas- pm a casa. De acordo com os termos do Ato Institucional, o pre-

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l~
...
sidente Castelo Branco poderia determinar "cassações" até 15 altas autoridades eclesiásticas. O governador nomeou Marco An-
de junho. Nos dois meses seguintes tornou-se um passatempo na- tônio Maciel como seu secretário do Trabalho. Um jornal reci-
cional procurar nomes de cassados nas listas publicadas nos fense chamou Marco Maciel de "um soldado da democracia" .' 4
jornais. Só mais tarde alguém descobriu que, de acordo com a lei estadual,
Em Pernambuco, uma manifestação imediata da preeminên- Marco Mafciel, recém-saído da universidade, era jovem demais
cia militar ocorreu quando Cid Sampaio tentou colher alguma para fazer parte do secretariado. A lei exigia que os secretários
recompensa pelos seus esforços anti-Arraes. Cid tinha sido um tivessem pelo menos 25 anos de idade; desse modo, o governador
dos primeiros a apoiar a conspiração, tanto a nível estadual quan- Paulo Guerra teve de encontrar outro secretário do Trabalho.
to a nível nacional. Ele achava que estava agora na fila para uma No dia 2 de abril, o prefeito P elópidas Silveira foi detido ele-
nomeação importante, e olhava ambiciosamente para a Sudene. vado para a cadeia. Seguindo o precedente estabelecido pela As-
O controle do órgão de desenvolvimento regional certamente au- sembléia Legislativa, a Câmara dos Vereadores do Recife deliberou
mentaria o seu slatus de um dos maiores ipdustriais do Nordes- destit uir Pelópidas, por 20 votos contra 1. "Eu não tenho nada,
te. Existia, porém, um obstáculo enorme às suas ambições. Um pessoalmente, contra ele", um dos vereadores comentou depois,
dos principais conspiradores militares tinha sido o general Cor- "mas não podemos ter um socialista-comunista solto por aí." 15 O
deiro de Farias, o ex-governador de Pernambuco a quem Cid ti- vice-prefeito foi imediatamente empossado no seu cargo.
nha atacado vigorosamente durante sua própria ascensão ao Nos dias e semanas seguintes, o IV Exército e a polícia deti-
governo . No momento, Cordeiro de Farias era uma pessoa-chave veram todas as pessoas que se enquadravam na sua larga defini-
por trás dos bastidores e exercia grande influência sobre o alto ção de " subversivo" . Relatórios dando conta do seu rude
comando. Ele também tinha boa memória. E não apenas vetou desempenho nessa tarefa espalharam-se rapidamente através de
a nomeação de Cid para qualquer cargo, como também amea- todo o estado. 16 Por exemplo, o ex-marido de Regina de Castro,
çou processá-lo ou submetê-lo a uma "cassação", por ter aceita- um advogado da Sudene foi visitar seus dois filhos, logo após
do apoio do Partido Comunista durante a campanha eleitoral para o golpe. Infelizmente para ele, as crianças estavam na casa de Ju-
governador, em 1958. Assim, Cid não teve oportunidade desa- lião, que a polícia mantinha sob vigilância. Ele foi detido quan-
borear o sucesso da "revolução", pois estava muito ocupado em do tentou entrar. Um dos seus colegas da Sudene, por coincidência
neutralizar a ira do general. de ascendência chinesa, foi também detido pelo Exército, quedes-
Apesar de terem prometido "limpar completamente o qua- cobriu estar ele de posse de uma carta escrita em cantonês. Ele
dro", os militares conseguiram fazer certas exceções aos padrões ficou preso durante quinze dias, até que seus captores pudessem
utilizados no expurgo. O multimilionário José Ermírio de Mo- encontrar alguém de confiança para traduzir a carta, que era de
raes, o homem que fornecera a ma ior parte do dinheiro para a um seu tio, de São Paulo, com notícias de seus familiares. Outro
campanha de Miguel Arraes, manteve seu lugar no Senado e per- técnico da Sudene, que se encontrava em Washington por ocasião
maneceu intocado pelos novos dirigentes do Brasil. do golpe, visitara a embaixada soviética em busca de literatura
A administração de Paulo Guerra as~ umiu o governo de Per- sobre desenvolvimento agrícola. Como de costume, o FBI obtusa-
nambuco com apenas uns poucos problemas. Miguel Arraes com- mente fotografou-o e anotou sua visita. Quando ele regressou ao
provou não ser nenhum destes. Ele foi despachado rapidamente Recife, a polícia chamou-o e pediu-lhe para explicar seus negócios
para a pequena ilha de Fernando de Noronha , perto do litoral com a embaixada russa, um exemplo deprimente da estreita coope-
do Nordeste brasileiro, e lá ficou preso, numa instalação militar. ração do FBI com seus correligionários da América Latina.
Foi feita uma tentativa de incluir o padre Melo no novo governo As autoridades revistaram as residências de vários intelec-
estadual, mas a indicação sugei:ida não recebeu a aprovação das tuais, descobrindo e confiscando livros subversivos tais como Nos-

246 247

,.
so Homem em HavanÇL, * de Graham Greene, e Por que não sou bendo homenagens dos chefes políticos locais, e não podia con-
Cristão, de Bertrand Russell. Dentro de pouco tempo as cadeias Lrolar seus asseclas. Paulo Guerra também não demonstrou qual-
estavam superlotadas e houve horríveis incidentes de tortura. A quer interesse em segurar os cachorros.
polícia retirou das bancas de jornais e das livrarias todo tipo de Ironicamente, seus caçadores de comunistas pegaram muito
literatura esquerdista, sem se incomodar sequer em indenizar os poucos comunistas reais. A liderança do Partido em Pernambu-
proprietários. Naturalmente, o jornal comunista do Recife foi co desapareceu quando o golpe começou. Seus planos de emer-
imediatamente fechado, e algumas semanas depois do golpe o ou- gência provaram ser muito efetivos durante a crise, resultando
tro jornal esquerdista da cidade deixou de ser publicado. Os três que Hiram Pereira, Aluísio Falcão e os outros grandes do Parti-
jornais conservadores não causaram preocupação ao governo. O do efetuaram fugas perfeitas. Hiram Pereira escapou vestido de
general Justino Alves Bastos elogiou-os, anotando que eles "ti- padre. (0 sempre caridoso padre Melo subseqüentemente denun-
nham se comportado muito bem, não merecendo qualquer res- ciou o padre que o tinha ajudado.) Os únicos a serem presos fo-
trição por conta de suas ações'' . 17 ram os tipos mais à margem, tais como o artista Abelardo da
A "Revolução em 40 Horas" terminou um tanto enfatica- Hora, o intelectual mais importante do Partido no Recife, Paulo
mente. Uma das principais coisas que o Exército fez foi invadir Cavalcanti; e, naturalmente, Gregório Bezerra.
a sede do Serviço de Extensão Cultural (SEC) de Paulo Freire Virtualmente toda a liderança nacional do Partido, inclusi-
na Universidade do Recife e confiscar todos os materiais que es- ve Luís Carlos Prestes, também conseguiu·escapar. A figura mais
tavam sendo usados no programa de alfabetização. Paulo Freire importante do Partido capturada pelo Exército foi Carlos Ma-
estava em Brasília quando começou o golpe.'ª Ele retornou ao righella, que recebeu um tiro no estômago, dentro de um cine-
Recife com salvo-conduto obtido por um dos padres que traba- ma, no Rio. Marighella sobreviveu e rompeu com o Partido,
lhavam para ele. Virtualmente sob prisão domiciliar, foi final- tornando-se o líder das guerrilhas urbanas do Brasil. Em 1969
mente arrastado para a cadeia em meados de junho.'9 Vários dos as autoridades não repetiram o erro de 1964: a polícia matou-o
seus colegas também foram encarcerados. a tiros numa emboscada de rua.
A experiência de Paulo Freire ilustrou uma das característi- Um setor que sofreu pesada repressão foi a esquerda católi-
cas trágicas do período imediatamente após o golpe. Havia mui- ca.20 Muitos foram aprisionados. Vários padres foram forçados
to pouco controle ou coordenação sobre as atividades repressivas a deixar Pernambuco. As autoridades praticamente destruíram
dos vários coronéis e capitães do Exército que detinham funções o Movimento de Educação de Base (MEB), o programa de alfa-
de comando, e dos vários "delegados" que desempenhavam a fun- betização e educação de adultos da Igreja. A cartilha do MEB.
ção de aplicar a lei civil, comandados pelo secretário de Seguran- Viver é Lutar, foi declarada subversiva e confiscada. (0 profes-
ça Pública. Mais de 24 horas depois que os soldados tinham tirado sor Neale Pearson escreveu: "Um oficial do Serviço de Informa-
Paulo Freire de sua residência, sua mulher e seus amigos eram ção do Exército disse a este escritor em agosto de 1965, no quartel
incapazes de dizer se ele estava em segurança ou onde se encon- do IV Exército, em Recife, Pernambuco, que o conteúdo da car-
trava. Inicialmente os oficiais do IV Exército negaram que ele ti- tilha, por si só, justificava a Revolução de abril de 1964."21 )
l
vesse sido preso. Finalmente descobriram que um capitão havia O desmantelamento da esquerda católica coincidiu com a che-
tomado para si a tarefa de jogar o diretor do SEC na cadeia. gada de dom Hélder Câmara ao Recife. O arcebispo de Olinda
Durante este tempo, Justino Alves Bastos estava ocupado e Recife, dom Carlos Coelho, tinha f~ido..no..dia..1...df março,
demais viajando por todo o estado, de cidade em cidade, rece- e uma semana depois o progressista do~ Hélder Câm;ua, um nor-
destino que estava servindo como bispo auxiliar no Rio de J anei-
•Publicado no Brasil pela Record. ro, foi nomeado para o cargo. Os ultraconservadores brasileiros
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já haviam marcado dom Hélder como um dos integrantes do "cle- ciosamente nos bastidores. Dessa forma ele sobreviveu à repres-
ro comunista" do país, por causa de sua constante defesa das re- são e dentro de pouco tempo tornou-se a única figura pública,
formas e dos seus desacordos com o tradicional e duro cardeal no Nordeste, capacitada a protestar contra o que a "revolução"
do Rio de Janeiro. O prelado baixinho não poderia ter escolhido estava fazendo.
hora pior para vir para o Recife. Ele chegou no dia 1O de abril Já foram mencionadas as surpresas com a primeira lista de
e logo no dia seguinte soldados armados invadiram seu palácio. "cassações" produzida pelo regime de Castelo Branco. Um dos
O pretexto usadÓ para este incidente foi a presença da irmã nomes incluídos, e que causou grande repercussão internacional,
de Arraes no palácio. 22 Violeta tinha trabalhado com dom Hél- foi o de Celso Furtado. O superintendente da Sudene, e técnico
der no Rio de Janeiro e era sua velha amiga. Ela ouvira o boato apolítico, viu-se excluído do serviço público no Brasil durante dez
de que o Exército estava prestes a colocá-la num navio para ir anos. Até mesmo aqueles americanos que tinham aplaudido o gol-
juntar-se ao irmão em Fernando de Noronha, e fora solicitar ajuda pe tiveram dificuldade em reconciliar sua crença nas qualidades
de dom Hélder. Uma'patrulha de reservistas do Exército vesti- "progressistas" do novo governo depois deste sacrifício, aparen-
dos com camisas esportivas e carregando metralhadoras seguiu- temente sem sentido.
ª até dentro do palácio. Outra tropa cercou o prédio. Dom Hél- O cutelo havia descido, realmente, vários dias antes da pu-
der, que estava lanchando com o bispo de Sergipe, telefonou pa- blicação da primeira lista, quando o IV Exército interviera na Su-
ra o general Justino Alves Bastos para se queixar de que aquela dene e sumariamente removera Celso Furtado do seu cargo. Foi
não era a maneira de dar as boas-vindas a um novo arcebispo. nomeado um general para substituí-lo. No dia 6 de abril, Celso
Os soldados se retiraram e permitiram que Violeta regressasse à Furtado limpou a sua escrivaninha e compareceu à posse do no-
sua residência. Lá, ela permaneceu em prisão domiciliar até 29 vo superintendente. Em seguida, dirigiu-se diretamente ao aero-
de maio, quando foi libertada juntamente com seu esposo fran- porto e viajou para o Rio. Lá permaneceu por algum tempo, e
cês, seguindo ambos de avião para Paris. depois deixou o Brasil, num exílio de facto.
No mesmo dia em que o seu palácio foi invadido, dom Hél- Elementos conservadores do Recife sempre tinham encara-
der e os demais bispos do Nordeste brasileiro emitiram uma men- do a Sudene como um viveiro de penetração comunista. Em 3
sagem expressando a esperança de que "os inocentes detidos no de abril, um jornalista se referiu à Superintendência como "uma
primeiro momento de inevitável confusão fossem devolvidos à maquinaria comunista muito bem equipada" . 24 Portanto, não
liberdade no menor espaço de tempo; e de que mesmo os culpa- são de surpreender as tentativas levadas a efeito para desacredi-
dos ficassem livres de vexames e fossem tratados com o respeito tar a organização de Celso Furtado. O superintendente-adjunto
devido a todo ser humano".23 foi detido e levado para a cadeia, com vários técnicos. (Naílton
Naturalmente este pedido tão gentil não recebeu resposta, Santos conseguiu se esconder ein vários hotéis, antes de escapar
e dom Hélder se es~abeleceu no seu novo cargo em meio a rumo- para o Rio e depois para fora do país.) O Exército iniciou várias
res de sua iminente prisão. Pode-se especular que, se ele houves- investigações separadas sobre a "infiltração comunista" na Su-
se feito um protesto público veemente contra os excessos dene. A imprensa publicou todo tipo de acusações, obviamente
cometidos pelos militares e pela polícia, provavelmente teria si- sem substância.
do preso, o que poderia ter provocado uma reação no sentido Na verdade, no período imediatamente após o golpe o novo
de deter a repressão ou, pelo menos, reduzi-la. Por outro lado, regime e seus entusiásticos seguidores dispararam um fogo de bar-
como ele tinha acabado d.e chegar ao Nordeste, não estava em ragem de acusações, criando a impressão de que sua "revolução"
posição bastante forte para falar sobre assuntos pertinentes à re- Linha evitado a iminente tomada do país pelos comunistas. Ha-
gião. Dom Hélder resolveu ficar quieto e tentar trabalhar silen- via alegações de um bem elaborado plano comunista para um gol-

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pe a ser executado no dia 2 de abril (os acusadores depois muda- cios pontos críticos de mudança da História mundial no meado
ram a data para 1? de maio, na verdade um dia mais apropria- do século XX, ao lado do início do Plano Marshall, do fim cio
do), bem como de uma "lista negra" contendo os noqies das bloqueio de Berlim, da derrota da agressão comunista na Coréia
pessoas a serem liquidadas pelos "vermelhos" assim que tomas- e da solução da crise da base de mísseis em Cuba" . 2•
sem o poder. Os jornais constantemente informavam seus leito- Os escritórios do Serviç0 de Informações dos Estados Uni-
res da descoberta de material que documentava essas graves dos (USIS), tanto no Rio como no Recife, fizeram sua parte na
acusações, mas raramente expunham o que estava realmente con- promoção do novo regime. Não hesitaram em distribuir os "do-
tido nesses documentos. cumentos mais incríveis elaborados pelo governo para justificar
Mas, no.dia 7 de abril, as autoridades de Pernambuco final- a 'revolução'" .28
mente tornaram pública a prova que tinham prometido - evi- >-
O auge do apoio dos Estados Unidos (~ém~o...enor.rru5..fill-\
dência irrefutável da planejada "revolução vermelha" que a mento de assistência americana ao Brasil, imediatamente após o 1
coragem, a devoção e as diligências das Forças Armadas brasi- goii)e) partmdaComunidade comercial americana em São Pau-
leiras haviam cortado no início. Num armazém pertencente à lo. Apesar da propaganda favorável que a "revolução" vinha re-
Compan hia de Revenda e Colonização, um órgão estadual de re- cebendo na imprensa dos Estados Unidos, estes cavalheiros
forma agrária que tinha estado sob o controle do infame Miguel estavam preocupados com os poucos artigos editoriais que repro-
Arraes, o Exército e a polícia tinham descoberto 10.000 maca- vavam o novo regime por excessos tais como as "cassações" de
cões. Sim, 10.000 macacões. Pouco importava se não existiam Juscelino Kubitschek e Celso Furtado. Assim sendo, organiza-
armas ali ou se os macacões não estavam tingidos de vermelho. ram "esquadrões da verdade" para viajar aos Estados Unidos
Wandenkolk Wanderley, num discurso inflamado na Câmara dos e "consertar os relatórios" .29 Chegaram a pensar em conseguir
Vereadores do Recife, declarou, em 10 de abril, que ninguém po- um agente de imprensa para escrever artigos elogiosos sobre o
deria exigir uma prova mais clara de que Arraes e seus amigos Orasil, artigos que seriam publicados nas revistas e jornais ame-
comunistas haviam planejado distribuir esses uniformes com a ricanos.
milícia camponesa que estavam em vésperas de organizar a fim A missão da Usaid no Recife descobriu~ a " revolução" \
de tomar o poder em Pernambuco. 25 resolvera o problema de como lidar com à,Sudend. O ó rgão bra- -
Em termos de insensatez, o caso dos macacões superou até ~ileiro adotou uma política de cooperação Cõmpreia com os ame-
o tumulto feito quando da deportação, no Rio de Janeiro, de nove ricanos . Na verdade, o que isto significava era que a opinião
chineses - membros de uma missão comercial da China conti- umericana sobre o que era melhor para o Nordeste brasileiro não
nental - portando dólares americanos. Chineses vermelhos com mais seria contestada.
dinheiro era igual a subversão. Simplesmente isto. O processo co- No início do mês de junho, o presidente Castelo Branco vi-
mum de pensamento lógico estava suspenso durante esta fase par- bilou cí Recife e teve uma recepção de herói-conquistador. Uma
ticular da nova "revolução" brasileira. tropa cerimonial de cavalaria, organizada por Paulo Guerra co-
Os americanos que residiam e trabalhavam no Brasil, como mo um dos seus primeiros atos como governador, liderou a pas-
cidadãos particulares ou funcionários dos Estados Unidos, exal- i;cata ·pelas ruas do centro da cidade. Gilberto Freyre, cujo
taram a "revolução" com entusiasmo' quase unânime e apoiaram entusiasmo pela "revolução" não tinha limites - ele recentemente
completamente o novo regime. O embaixador Lincoln Gordon havia escrito que Castelo Branco era "o De Gaulle brasileiro, mas
era o principal animador da torcida.26 No dia 5 de maio, em dis- sem a sua arrogância" 30 - , ficou j unto do presidente no palan-
curso na Escola Superior de Guerra, ele solenemente declarou que que armado para revista das tropas, palanque onde se encontra-
a ação do Exército brasileiro "poderá tomar seu lugar, como um vam outros dignitários e personalidades. Durante sua visita de

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48 horas, Castelo Branco recebeu os títulos de "Cidadão do Re- a agitação sem pensar seriamente na possibilidade de um golpe
cife" e "Cidadão de Pernambuco" e foi condecorado com a Me- militar, e depois haviam desaparecido, deixando que os outros
dalha de Mérito Guararapes. Ele falou numa reunião dos pagassem o preço da falta de preparo. Outros criticavam Arraes,
funcionários da Sudene, assinou um acordo para construção de por não ter mobilizado uma resistência armada ao golpe. Outros
estradas com a Usaid e foi convidado de honra num almoço de criticavam Celso Furtado, por não ter dado diretamente à Sude-
gala patrocinado pelos homens de negócio do estado. ne um impulso político. Outros, ainda, tentavam racionalizar,
A visita do presidente simbolizou o raiar de uma nova era afirmando, um tanto fracamente, que qualquer conflito violento
no Nordeste. Apesar das esperanças de alguns ultraconservado- no Nordeste teria provocado a intervenção dos Fuzileiros Navais
res, a "revolução" não fez regredir o calendário para 10 anos dos Estados Unidos, como acontecera na República Dominica-
atrás. Apesar de os militares terem destruído as Ligas Campone- na. Um sentimento difuso de depressão e desilusão profunda pre-
sas e as forças políticas populares dirigidas por Miguel Arraes, valecia, de tal modo que muitos desses antigos ativistas, ao saírem
esses movimentos tinham deixado uma marca duradoura na cons- da prisão, sequer se ocupavam em ler os jornais.
ciência regional e nacional. Castelo Branco, nordestino de nasci- Com a vantagem de uma visão posterior, é fácil compreen-
mento, reiterou sua determinação de promover o desenvolvimento der por que as coisas terminaram desse modo em 1964. A recente
da região. Homens de negócio com visão do futuro encaravam revolução cubana, embora praticamente não pudesse ser compa-
a "revolução" como a oportunidade de ouro para resolver os pro- rada com o que estava acontecendo no Nordeste, amedrontava
blemas do Nordeste pela expansão e racionalização da empresa tanto as pessoas que estas aumentaram de forma ridícula as pro-
privada. Assim fazendo, podiam contar com a cooperação total porções dos primeiros movimentos de um campesinato que ha-
da Usaid. O IV Exército, detentor do máximo poder, mantinha via suportado durante séculos uma existência quase animal. Os
a lei, a ordem e a estabilidade com pulso forte, e às vezes férreo. acontecimentos, especialmente como se desenrolaram no Cen-
Uma onda de otimismo alentava os adeptos da "revolução", que tro-Sul desenvolvido, ultrapassaram o processo lento do desper-
agora procuravam criar um "novo Nordeste". tar que era um pré-requisito essencial à mobilização política efetiva
Se alguém estivesse à procura de um símbolo da totalidade no Nordeste.
da destruição das forças que lutavam por uma mudança radical, Francisco Julião, mais romântico do que revolucionário,
uma escolha sentimental poderia ser a prisão de Zezé do Gali- preencheu bem o seu papel original como catalisador e símbolo
léia, em meados de junho. A polícia deteve para interrogatório, messiânico. Mas a avalanche dos acontecimentos o tentou a assu-
e depois prendeu, o velho que havia gozado do status de celebri- mir tarefas para as quais ele manifestamente não estava capacita-
dade mundial como presidente da primeira Liga Camponesa. do. Em suma, ele era um homem complexo ao qual faltava robustez
de corpo e espírito para executar as suas próprias visões idílicas.
Aqueles que haviam participado ativamente dos movimentos pa- Aqueles que procuravam mudanças radicais por meios legais
ra mudança radical antes do golpe, e que não fugiram do Nor- e constitucionais subestimaram extremamente a tenacidade da es-
deste, atravessaram um período de grande angústia, freqüen- trutura local de poder, que de forma alguma iria abrir mão dos
temente tanto físico como mental. A seqüência usual envolvia seus privilégios. Também superestimaram a extensão e a força
ansiedade, investigação, detenção e prisão por períodos de tem- do seu próprio apoio popular. Miguel Arraes e seus seguidores
po variados. A maior parte daqueles que sofreram estava total- tinham esperança de aplicar a retórica da democracia à realidade
mente despreparada para tal provação. do Nordeste. Falharam em reconhecer as limitações inerentes à
As reações dos derrotados percorriam toda a escala emocio- ação democrática, a qual tem tendência a desaparecer diante de
nal. Alguns recriminavam os comunistas, que tinham insuflado tanques e tropas.

254 255

.....
A tentativa de Celso Furtado, de desenvolver o Nôrdeste atra-
vés do mecanismo de planejamento racional e implementação por
meio de uin órgão federal independente exercendo amplos pode-
res, falhou por causa da interdependência fatal entre o desenvol-
vimento econômico e o político. Como ele mais tarde observou,
declaração de certa forma dolorosa, "a luta pelo poder entre os EPÍLOGO
líderes populistas e a classe dirigente tradicional é o ponto cru-
cial de um conflito político que tende a frustrar toda tentativa
de um planejamento coerente por aqueles que de tempos em tem-
pos governam o País" .31
Ou, Finalmente, o que Aconteceu
Finalmente, o curso dos acontecimentos no início da década com o Nordeste do Brasil?
de 1960 fornece um instrutivo estudo casuístico da intervenção
dos Estados Unidos na América Latina e do papel político da aju-
da estrangeira. Apesar das armaduras idealistas da Aliança para
o Progresso e das preocupações verbalizadas por alguns oficiais
americanos acerca das massas empobrecidas do Nordeste do Bra-
sil, estava claro desde o início que os interesses de segurança eram
sempre predominantes. Desta perspectiva, o trabalho da Usaid
e da CIA deve ser considerado um grande sucesso. As forças do
radicalismo foram completamente vencidas, o status quo perma-
neceu seguro, e o Nordeste não se tornou "outra Cuba". EM 1969, o PRESIDENTE Richard M. Nixon encarregou o gover-
Corno estes triunfos a curto prazo serão vistos daqui a 30 nador Nelson A. Rockefeller de fazer uma série de visitas à Amé-
anos é um assunto completamente diferente. Enquanto o Nor- rica Latina. O propósito da missão era "conferenciar, em nome
deste permaneceu relativamente tranqüilo nos anos recentes, as do presidente, com os líderes das outras repúblicas americanas
forças políticas do país inteiro estão se polarizando em extremos e ajudar a administração de Nixon a desenvolver uma política de
formados por um regime militar crescentemente repressivo e au- conduta para as relações internacionais dos Estados Unidos atra-
toritário, e uma oposição que não tem outra escolha a não ser vés de todo o Hemisfério Ocidental". 1 O governador Rockefel-
funcionar como um movimento de guerrilha urbana. O tumulto ler e sua comitiva não pararam no Recife nem em qualquer outro
pré-golpe pode ainda provar ter sido o 1905 do Brasil. lugar do Nordeste do Brasil.
Antônio Callado escreveu vários artigos para os jornais so-
bre a fermentação pré-1964 no Nordeste, mas depois da "revo-
lução" ele escolheu a novela como forma de transmitir sua
interpretação final do desmoronamento. Quarup, publicada em
1967, 2 descreve a radicalização de um padre pernambucano cu-
jo sonho de formar uma estrutura comunitária para os índios,
incorporando o comunismo puro da Bíblia e modelada na Repú-
blica Indígena Guarani, estabelecida pelos jesuítas no século
XVIII, abre caminho a uma participação ativa nos esforços con-

256 257
temporâneos para mobilizar os camponeses do Nordeste. Os per- Neste meio tempo, Regina, que permaneceu livre, estava f a-
sonagens secundários sugerem figuras da vida real, com a dife- zendo todo o esforço possível para conseguir a liberdade de Ju-
rença de que todos demonstram qualidades heróicas inquebran- lião. Depois de passada a euforia das primeiras semanas da " re-
táveis e continuam a sua luta mesmo depois de sobreviver à pri- volução", o governo militar viu-se na posição de ter de encon-
são e à tortura após o golpe. Na última cena da novela, o prota- trar justificativa legal para manter na cadeia seus prisioneiros.
gonista, agora ex-padre, viaja para o sertão a fim de se unir a As autoridades civis proferiram algumas acusações contra Julião,
uma insurreição liderada por refugiados do movimento em Per- enquanto as Forças Armadas tinham as suas próprias acusações,
nambuco. que eram processadas num tribunal militar. 3 Regina, que tinh~
O roman à clef de Antônio Callado reflete escapismo e de- preparo como advogada, ajudou a impetrar um requerimento ae
sapontamento causados pela incapacidade da esquerda brasilei- habeas co1pus ao Supremo Tribunal Federal, que tinha jurisdi-
ra para oferecer qualquer resistência séria ao golpe militar. Antes ção sobre os processos civis. O requerimento foi deferido e Ju-
era moda racionalizar tal passividade repetindo-se a máxima se- lião foi solto em 27 de setembro de 1965.
gundo a qual "os brasileiros são um povo não-violento". Mas Ele imediatamente deixou o Recife e viajou de avião para
acontecimentos recentes, inclusive relatórios de genocídio siste- o Rio, onde viveu calmamente na clandestinidade durante um mês.
mático dos índios brasileiros, desmentem este brilho otimista do Depois, no dia 27 de outubro, ante o desagrado dos militares com
caráter nacional brasileiro. A verdade é que, não obstante Qua- as eleições estaduais que tinham sido então realizadas, o regime
rup, os elementos militares que tomaram o poder no dia 1? de de Castelo Branco decretou o Segundo Ato Institucional, dissol-
abril de 1964 esmagaram completamente o movimento em favor vendo todos os partidos políticos e tornando o poder militar mais
de mudanças radicais no Nordeste; aqueles que participaram do abertamente ditatorial.
movimento escaparam para o exílio ou permaneceram na região, Assim que tomou conhecimento do Ato n? 2, Antônio Cal-
mas sem a mínima disposição para reviver suas atividades de an- lado compreendeu que os elementos da "linha dura" dentro das
tes do golpe. Forças Armadas iriam usar novamente a força contra as suspei-
Julião, por exemplo, conseguiu de alguma forma sobreviver tas de subversão; portanto, comunicou-se com Julião e acon-
a seu sofrimento na prisão, onde foi mantido em confinamento selhou-o a refugiar-se numa embaixada. A primeira providência
solitário, sem tomar banho nem fazer a barba durante dois me- de Julião foi disfarçar-se: apresentou-se em casa de Callado com
ses. Os militares transferiram-no, então, para uma cela mais con- o cabelo alisado e usando uma camisa de cores berrantes. "Pare-
fortável na prisão, e em outubro de 1964 colocaram-no num cia mais Julião do que nunca" , relembrou Callado recentemen-
quarto espaçoso no Quartel dos Bombeiros nos arredores do Re- te, "como um místico do sertão. " 4
cife. Durante este período, ele escreveu um relato lírico dos seus Foram infrutíferas as primeiras tentativas para achar uma em-
últimos dias como um homem livre e conseguiu mandá-lo às es- baixada que o aceitasse. A embaixada do Chile, que dera refúgio
condidas para um editor. Até Quarta, !sabe/a foi escrito na for- a muitos fugitivos em abril de 1964, recusou-se a deixá-lo entrar,
ma de uma carta para sua filha mais nova, uma bela criança loura, o mesmo acontecendo com a embaixada da Argélia. A princípio,
de olhos azuis. É a melhor coisa de tudo o que ele escreveu. os únicos estrangeiros compreensivos, curiosamente, foram os in-
Durante certo tempo ele compartilhou suas acomodações com donésios e os bolivianos. Julião não se entusiasmou a ir para ne-
um ilustre companheiro, Miguel Arraes, que tinha sido trazido de nhum dos dois países. Finalmente os mexicanos concordaram em
volta de Fernando de Noronha para o Recife. Os dois homens ti- aceitá-lo. Portanto, Julião, com seu disfarce, e uma Regina mui-
veram tempo de sobra para discutir suas diferenças anteriores, e to nervosa esconderam-se no chão do Volkswagen de Callado e o
qu~ndo Arraes foi transferido, separaram-se como bons amigos. jornalista os levou para a segurança da embaixada mexicana.

258 259
As autoridades brasileiras forneceram-lhe o costumeiro sal- soluto, não havia nada que impedisse os generais de decretarem
vo~conduto e ele seguiu por via aérea para o México. Regina, com reformas básicas. Esta era a sua oportunidade, mas eles se esqui-
Isabela ê dois filhos do seu primeiro casamento, reuniu-se com varam dela.
ele ali. Viveram por um tempo na Cidade do México e depois fo- Em Pernambuco, devolveram o poder político às mãos dos
ram residir em Cuernavaca. Sua fuga provou ser oportuna, pois grupos de famílias estreitamente unidas que controlavam tudo an-
o Tribunal Militar, subseqüentemente, processou-o in absentia tes da ascensão de Miguel Arraes. Toda atividade política, natu-
e condenou-o a dezenove anos de prisão. ralmente, permaneceu sob a vigilância do IV Exército, mas a elite
Atrapalhado por doenças ocasionais e sem qualquer fonte de Pernambuco não deu qualquer problema aos militares. Paulo
de renda certa, Julião ainda conseguiu manter o seu bom espíri- Guerra terminou o mandato de Arraes como governador e foi
to e não deixou de pensar e sonhar com o seu querido Nordeste. sucedido por Nilo Coelho, r Jja família é dona de quase toda a
Enquanto isso, no subúrbio de Caxangá, no Recife, um velho ami- parte ocidental do estado. O fato de que ambos tivessem apoia- 1}r'
go mora no seu casarão, entre memórias do passado, tentando
em vão preservá-lo dos estragos do tempo e dos elementos.
Após deixar o Quartel dos Bombeiros, no Recife, Miguel Ar-
militares.
Dentro da charada que passava por ser uma política, nin-

do Arraes nas eleições de 1962 não os desqualificou aos olhos dos \·

mes tornou-se objeto de disputa entre elementos das Forças Ar- guém se preocupou com os interesses dos pobres. Uma "renova-
madas. O Supremo Tribunal mandou soltá-lo em meados de abril ção urbana" no Recife ressaltou os resultados desta falta de
de 1965, e o presidente Castelo Branco ordenou que a decisão representação. O prefeito removeu pela força 300 famílias que
do Tribunal fosse mantida. Mas os oficiais militares de ''linha moravam em mocambos à beira do rio, perto do centro da cida-
dura", que investigavam suas alegadas atividades comunistas, de, e recolocou-as num pequeno vale por trás do aeroporto. 5
continuaram a mantê-lo preso. Esta perseguição continuou até Elas se acharam fora da vista, com difícil acesso à cidade, e sem
o final de maio, quando Arraes se asilou na embaixada da Argé- condições de arranjar qualquer meio de vida.
lia e teve permissão para deixar o país. Ele viajou para a Argélia, O Exército e a polícia têm mantido uma rígida cobertura so-
onde está residindo desde então. Um tribunal militar brasileiro bre qualquer atividade política que possa desafiar o status quo.
sentenciou-o a 23 anos de prisão. Apenas os estudantes universitários têm protestado abertamen-
Outras figuras no exílio incluem Paulo Freire, Clodomir Mo- te, mas seus comícios e passeatas ocasionais têm ~ido reprimidos
raes e Maria Ceales. Pelópidas Silveira, Joel Câmara, João Al- violentamente. A presença de informantes e a técnica de prisões
fredo e Paulo Cavalcânti estão entre aqueles que cumpriram penas ao sabor do acaso têm conseguido desmoralizar os estudantes.
de prisão e estão agora levando vidas calmas e completamente Seis bombas explodiram no Recife entre março e julho de 1966,
apolíticas no Recife. mas as circunstâncias dão credibilidade à crença popular de que
Desde o momento em que tomaram o poder, os dirigentes as explosões foram provocadas por elementos da "linha dura" ,~C.,,
militares do Brasil reforçaram sua determinação de instalar uma do Exército. ~ ~\
"nova ordem" no país. Sua missão era modernizar a nação e efe- - A-única,.\!Qz.,real de dissidência no Nordeste pertencia a dom l
tuar as reformas necessárias, eliminar a corrupção da vida políti- Hélder Câmar~ O arcebispo do Recife moveu-se rapidamente .,, ~'
ca e destruir todo e qualquer traço de comunismo. Pelo menos f para dentro do vácuo político criado pelos militares, e ofereceu '
assim o disseram. Um cartaz de propaganda amplamente divul- um raio de esperança a todos os elementos das classes média e
gado anunciava que "até 1964 o Brasil era o país do futuro; ago- baixa que anteriormente tinham se dirigido a Miguel Arraes em J:,
ra o futuro chegou" . busca de uma liderança. O Exército não podia amordaçar dom
Desde que o seu controle sobre o país era virtualmente ab- Hélder e ele falou sobre a necessidade de reformar a sociedade

260 261
feudal que havia reduzido os camponeses da região a um estado .heiros da Usaid e converteram o Nordeste em um tubo de ensai~
sub-humano. Ele ressaltou a urgência da formação de uma nova para desenvolvimento ao estilo americano. -
mentalidade que possibilitasse aos trabalhadores tanto urbanos ~parã"não serem contes tados pêlos fatos , os promotores da
quanto rurais uma libertação das cadeias da pobreza, da doença nova estratégia quase imediatamente exaltaram o seu sucesso com
e da ignorância. Sua ênfase constante era sobre a não-violência, ruidosas celebrações. Anunciaram o alvorecer de " um novo Nor-
na tradição do Mahatma Gandhi e Martin Luther King. deste". Uma série de artigos publicados numa reyista nacional,
Em 1966, dom Hélder en frentou seu primeiro desafio direto dizendo tratar-se de relatos colhidos no local, descreveu o cresci-
por parte dos militares quando os bispos do Nordeste publica- mento da região nos termos mais veementes. 9 (Ninguém parece
ram um manifesto protestando contra a situação dos trabalha- ter percebido ou se incomodado com o fato de os artigos terem
dores dos engenhos. Vários oficiais do Exército consideravam o sido parafraseados diretamente da literaturiJpromocional. 10) As
documento "subversivo" e tentaram impedir sua publicação. Mas
dom Hélder conseguiu ganhar o apoio do presidente Castelo Bran-
co. Vários generais foram transferidos do Nordeste e o documento
--
coisas chegaram ao auge em agosto de 1967 quando o sucessor
do presidente Castelo Branco e o seu Gabinete passaram uma se-
mana inteira no Nordeste, fazendo proclamações e confirmando
foi publicado. o magnífico desenvolvimento da região.
Esta confrontação e o seu resultado provocaram a ira do sis- Não se pode negar que o Recife e outras cidades nordestinas
tema conservador de Pernambuco, e os direitistas começaram uma apresentaram uma notável expansão na sua capacidadaj.ruiustrial
campanha para difamá-lo e marcá-lo como um "comunista". Gil- durante os últimos seis anos.- As novas fábricas e o aumento êiõ
berto Freyre dirigiu um ataque excepcionalmente violento con- número de automóveis nas ruas são os sinais mais visíveis de pro-
tra o arcebispo e conseguiu acusá-lo, num mesmo artigo de jornal, gresso . Mesmo assim, uma olhadela por sob esse verniz revela
de ser um "dr. Goebbels brasileiro" e um "Kerensky brasilei- que o alarido de publicidade celebrando o " novo Nordeste" é
ro". 7 terrivelmente prematuro. 11
Nos anos seguintes, dom Hélder e seus seguidores publica- O impulso pa~-ª., industrializ~ção deve seu ímpeto a um en-
ram vários outros documentos, inclusive um p anfleto eloqüente genhoso artifício de 'ncentivos fiscais.\Uma empresa que faça ne-
intitulado Desenvolvimento sem Justiça, protestando contr~ as gócios no Brasil poderá investir ou reinvestir até 50 por cento de
condições do trabalho urbano no Nordeste, 8 e uma continuação seu imposto de renda anual em vez de pagá-lo ao governo. Esse
recente, Nordeste: o Homem Proibido. Mas as dificuldades que investimento específico exige aprovação pela Sudene. Os investi-
eles nunca puderam superar foi a de estarem confrontando pro- dores poderão também obter crédito em termos bastante liberais
blemas políticos sem possuir sequer uma aparência de poder po- de Banco do Nordeste do Brasil e de alguns órgãos estatais de
lítico próprio. desenvolvimento. Um programa promocional agressivo tem da-
~ ,,., Os que detinham o poder possuíam s uas próprias idéias de do publicidade a estas oportunidades de investimento.
/ como desenvolver o Nordeste. Os homens de negócio e industriais No final de 1968, estatística publicada pela Sudene indicou
progressistas de Pernambuco mantinham o çimtrole..do_g~rno que novas indústrias já em operação ou em fase de planejamento
~st~aduaj,..J.~nham cobertura do IV Exército ejo a12oio entusiástiro
,.,._ da Usaid. les iniciaram um plano ambicioso que procurava atrãir
garantiriam 123.300 novos empregos. A Sudene afirmou que ca-
da emprego diretamente criado estimularia, por sua vez, mais qua-
novas indústrias para o Nordeste, estimular o investimento de re- tro empregos.
' cursos públicos na infra-estrutura da região (transporte, saúde, Há várias dificuldades com o programa de industrialização .
projetos hidrelétricos etc.) e aumentar a produção agrícola, es- Primeiramente, ainda está em escala muito pequena para ser sig-
pecialmente na zona açucareira. Escutavam de perto os conse- nificativo. Aproximadamente 50 por cento da força de trabalho

262 263

J
existente na área do Grande Recife estão desempregados ou su- to de vida continue subindo, o governo federal tem sempre per-
bempregados. A população está crescendo aceleradamente. A ver- mitido que os salários fiquem para trás, como um dos compo-
dade sobre o assunto é que os desenvolvimentistas do "novo nentes do seu arsenal de medidas antiinflacionárias. Por causa
Nordeste" têm sido obrigados a correr para se manterem para- do excesso de mão-de-obra na região, os trabalhadores acham de-
dos de pé. ~aconselhável fazer greve. Os sindicatos de trabalhadores conti-
Apesar da crescente magnitude do problema, murmúrios de nuam a existir, mas sob o domínio do empresariado, ou sob a
insatisfação têm se ouvido de industriais do Rio e de São Paulo; liderança de homens apreensivos com o que o Exército faz a qual-
ele prefeririam investir no Centro-Sul e obter mais lucro com o quer um que seja rotulado por ele de "agitador".
seu dinheiro. Ao mesmo tempo, outras regiões não desenvolvi- Ocasionalmente aparecem reformas significativas, tais como
das ou subdesenvolvidas do Brasil têm obtido incentivos fiscais a tentativa da Sudene, em 1968, de incluir no seu Quarto Plano
semelhantes que lhes permitem competir com o Nordeste na bus- Diretor a exigência de as novas indústrias adotarem planos de par-
ca de capital. ticipação nos lucros por seus trabalhadores e desenvolverem meios
Além disso, as novas indústrias do Nordeste estão natural- de incluir trabalhadores na administração da empresa. De forma
mente utilizando maquinaria moderna, a qual exige um menor alguma isto constituía um plano subversivo. A Sudene estava me-
número de trabalhadores altamente habilitados. A força de tra- ramente implementando mudanças que haviam sido especifica-
balho existente na região é constituída, em sua maioria, de pes- mente declaradas desejáveis pela nova Constituição federal,
soas analfabetas e sem treinamento, apesar dos esforços que estão promulgada pelo governo militar em 1964. Mas um clamor de
sendo empregados na educação vocacional. protesto, tanto no Nordeste quanto no Centro-Sul, forçou a Su-
O capital que tem chegado para o Nordeste toma a forma clene a retirar a proposta. Um jornalista recifense explicou:
de novas indústrias ou investimentos em indústrias já existentes, - Você pode imaginar um negro sentado no conselho ad-
com o intuito de expansão e modernização. Neste último caso, ministrativo de uma companhia, pedindo para ver os livros de
os empresários nordestinos freqüentemente têm sido forçados a contas, queixando-se de práticas comuns, tais como uma com-
pagar 10 por cento de gratificação (eufemismo para suborno ou panhia pertencente a uma família pagando o salário das empre-
"retorno antecipado") ao investir de fora para obter estes recur- gadas domésticas com os recursos da companhia? Seria impos-
sos. Várias companhias_est~ang~ira~ (americanas, francesas, ja- sível. O nível cultural aqui é muito baixo. Os trabalhadores se-
ponesas) com negócios no c ã':ttrdul também têm considerado riam manipulados para causar problemas. E também ter traba-
vantajoso montar fábricas no Nordeste sob a nova lei. lhadores ajudando a administrar suas próprias fábricas é socia-
A afluência de novos capitais não destruiu o domínio dos lismo.
grupos de famílias que controlam a economia da região, nem es- Enquanto isso, o interesse por oportunidades de investimento
timulou qualquer melhoria de condições nas indústrias existen- 110 Nordeste tem estimulado uma demanda por outro tipo de em-
tes. Os novos investidores estão interessados primariamente na presário, o consultor local, uma pessoa indispensável para con-
manutenção de um bom clima de negócios. Eles acham conve- tatos nos bastidores e capaz de orientar o investidor em perspectiva
niente trabalhar dentro da estrutura e não "entornar o caldo", alravés dos intrincados caminhos legais e práticos para o estabe-
competindo com a concentração do poder econômico dentro da lecimento de um negócio na região. Este tipo de trabalho pode
região. ser bastante compensador. Um dos consultores do Recife está ga-

~
Ao mesmo tempo, os trabalhadores das fábricas de tecidos nhando por ano mais do que o equivalente a US$30.000. Como
e de outras indústrias mais antigas têm tido de aceitar pagamen- ele observou durante uma recente entrevista: "Há muito dinhei-
. to abaixo do salário mínimo estabelecido por lei. Embora o cus- ro para se ganhar no Nordeste."

264 265

~
O Nordeste continua a sofrer um desfavorável balanço <.:O- em sua maior parte mostrou ser inviável. Uma tentativa para re-
mercial. Os críticos do atual programa de industrialização sus- formar o sistema educacional dentro do modelo americano fa-
tentam que é preciso reverter esta evasão de capital, uma das lhou, tanto no Nordeste quanto em outros lugares, por causa da
-causas básicas de subdesenvolvimento no Nordeste. ampla e determinada resistência dos estudantes e de outros gru-
~ L. Um aspecto interessante do "novo Nordeste" diz respeito pos. O treinamento de policiais para o controle de rebeliões, den-
ao que aconteceu com a Sudene e a Usaid. A demissão de Celso tro do chamado Programa de Segurança Pública da Usaid, reviveu
r, Furtado retirou da Sudene a sua mística fascinante. Enquanto ele ressentimentos e o reconhecimento de que era um esforço ameri-
estava passando um ano exilado no Chile, ensinando durante ou- cano para fortalecer o status quo contra qualquer tipo de mobili-

~
tro ano em Yale, e depois permanecendo como professor de Eco- zação popular. Muitos nordestinos têm expressado sérias dúvidas
nomia na Sorbonne, em Paris, a Sudene deixou de funcionar como quanto à "Cruzada do ABC", um programa de alfabetização ad-
uma entidade independente subordinada diretamente ao presiden- ministrado por presbiterianos brasileiros e americanos com apoio
te e, numa reorganização do governo, tornou-se parte do Minis- do programa Alimentos para a Paz. A "Cruzada" rejeita a filo-
tério do Interior. O choque causado pela demissão de Celso sofia de conscientização de Paulo Freire, ou seja, tornar os anal-
Furtado, a subseqüente depressão psicológica sofrida pela autar- fabetos conscientes e portanto críticos de sua posição no sistema
quia e um corte nos recursos financeiros resultante do programa social; tenta, em vez disso, treiná-los para aceitar as coisas como
antiinflacionário do governo estiveram perto de destruir a Sude- são e tirar o melhor partido da sua condição atual.
ne. O fato de sua sobrevivência a todo custo deve ser considera- Até 30 de junho de 1968, a Usaid tinha gasto US$249.462.000
do um dos pontos altos do período pós-1964. em empréstimos e subvenções para o Nordeste. 12 Outros US$40
Depois da "revolução", as relações entre a Sudene e a Usaid milhões já haviam sido comprometidos com projetos em anda-
melhoraram
r. - -
consideravelmente.
.... - '--'
Os dirigentes militares do Brasil mento.
tornaram claro que não tolerariam qualquer obstrução da políti- O programa de promoção industrial da Sudene e os vários
ca desenvolvimentista aprovada por Washington e avidamente projetos da Usaid descritos deixaram ~~almente intocadQ...Q..pr-2:-f
aceita pelos encarregados da economia brasileira. A Sudene se-
ria obrigada a cooperar, portanto; de certa forma, aquela autar-
quia tinha de se tornar uma chancela, um carimbo para os projetos
da Usaid. - ~ -
- -- -
blema principal do Nordeste - a indústria açucareira. A maqui-
naria das usinas continuou ãntiquada, a mentalidade feudal da
maioria dos donos de usinas e engenhos persistiu, e a miséria dos
trabalhadores do açúcar e de suas famílias aumentou. Um estu-
- ·Em 1966, as pessoas que trabalhavam para a Usaid no Nor- do sobre nutrição efetuado em 1968, por amostragem, num gru-
deste eram mais de fso.!Uma parte do seu trabalho estava de acor- po de trabalhadores rurais na área em torno de Palmares revelou
do com os temas específicos e a filosofia do plano diretor original que eles trabalhavam consumindo menos calorias do que em
de Celso Furtado e do Relatório Bohan. Portanto, a Usaid for- 1962. 13 Um jornal francês relatou que, numa pequena cidade na
neceu empréstimos e assistência técnica para vários projetos hi- zona açucareira no sul de Pernambuco, "em condições 'normais'

~
arelétricos ambiciosos, que aumentar si velmente o todas as crianças nascidas entre junho e dezembro de 1968 tinham
suprimento de energia para a região. assistência americana ju- morrido' ' . 1• Em 1967, várias usinas perto de Palm~res entraram
dou a construir estradas, poços, sistemas ele irrigãÇão e postos em bancarrota, e relatórios da fome que assolava a região chega-
de saúde. ram ao Recife.15 Uma história descreveu camponeses desespera-
- Outros esforços da Usaid são de valor questionável. Um pro- dos comendo ratos para sobreviver. O proprietário de uma gran-
grama amplamente divulgado para estimular pequenas indústrias de usina começou a pagar os seus trabalhadores com valores rcs
rurais que seriam financiadas unicamente por investimento local gatáveis no armazém da empresa. Durante várias semanas u
266 .~ <í'l
armazém ficou vazio, e o governo teve de mandar às pressas su- maneceu com o seu sindicato no Cabo, mas tirou partido ele sua
primentos de emergência para a área. boas relações com os militares para favorecer seus projetos quanto
Donos de usinas e engenhos continuam a infringir a lei com à liderança do movimento. Em 1965 aconteceu o inevitável: os
impunidade. Às vezes simplesmente se recusam a pagar o salário dois padres se envolveram numa amarga querela. Uma diferença
mínimo exigido por lei. Ou encontram meios de fugir a suas obri- de opinião sobre estratégia foi a causa da rixa, que chegou ao
gações contratuais. Um expediente comum para burlar a lei é de- auge quando o padre Melo tentou conseguir, sem sucesso, que
rivado do fato de o salário legal ser calculado com base em urna o padre Crespo fosse expulso da Federação. A briga ferveu e ainda
semana de sete dias. Para recebê-lo, um trabalhador do campo persiste até o presente. O padre Crespo nunca relaxou sua mão
tem que trabalhar seis dias por semana. Seu trabalho diário é ano- férrea sobre o Sorpe e a Federação, um fato que, na opinião de
tado por tarefas (tantos metros quadrados destocados, tantos fei- alguns observadores, contribuiu para o fracasso do movimento
xes de cana cortados, tantos metros arados). A fim de evitar o pernambucano para desenvolver uma liderança interna. No iní-
pagamento do salário mínimo legal, o proprietário manda que cio de 1971, ele anunciou que estava deixando a batina para se
o feitor anote para o camponês uma carga de trabalho impossí- casar, mas que continuaria seu trabalho com o Sorpe e a Fe-
vel de ser realizado em um dia. Quando o trabalhador não pode deração.
terminar a tarefa, perde o direito ao salá rio mínimo da semana Em dezembro de 1964, a Liga Cooperativa (CLUSA) firmou
e recebe somente ciãco dias por seis de trabalho. com o Sorpe um contrato pelo qual a organização católica conti-
O pagamento por meio de vales, apesar de proibido por lei, nuou a receber aj uda financeira da CIA. Foram fundadas várias
continua a ser uma prática comum. Os camponeses de uma das cooperativas agrícolas, e a maioria delas ainda hoje funciona. A
maiores usinas de Pernambuco vêm negociando os seus vales com CLUSA retirou seu apoio financeiro em 1967, mais o u menos na
o pessoal do escritório da usina, trocando-os por 20 por cento mesma época em que a sua ligação com a CIA foi publicamente
do valor total em dinheiro . Por sua vez, os empregados do escri- revelada, e a responsabilidade pela assistência ao movimento coo- I
tório vendem os vales de volta à usina por 40 por cento do seu perativo rural foi transferida para a Usaid e o Corpo da Paz. )
valor. O envolvimento dos Estados Unidos com o movimento tra-
Uma lei de reforma agrária promulgada pelo governo fede- balhista rural no Nordeste desenvolveu-se no períódo após o gol-
ral logo depois do golpe tem sido ignorada. Uma das exigências pe mediante a atuação do Instituto Americano para o Desen-
da lei é que a cada camponês que trabalha na indústria açucarei- volvimento do Trabalho Livre (AIFLD), uma corporação priva-
ra sejam dados dois hectares de terra perto de sua casa, para o da, não lucrativa , criada pela AFL-CIO primariamente como
seu próprio uso. Até agora nenhuma tentativa foi feita para for- um instrumento para combater as influências comunistas e cas-
çar os donos de usinas e engenhos a obedecer à lei. 1ristas no movimento trabalhista da América Latina. 16 A Usaid
O movimento trabalhista rural, que era ativo em Pernam- fornece a maior parte das verbas para o AIFLD, cuja política
buco, não tem sido capaz de assegurar aos camponeses meios efe- segue de perto a do Departamento de Estado dos Estados U-
tivos para conseguir seus supostos direitos ou para obter qualquer nidos e cujo corpo de diretores inclui representantes das corpo-
nova legislação que beneficie os trabalhadores na zona rural, uma rações americanas que têm participação substancial na América
vez que os chefes militares do Brasil têm impedido o trabalho or- Latina.
ganizado de funcionar como uma força política independente. Já em Julho de 1963, os chefes da AIFLD estavam tentando
' No Nordeste, o Exército colocou novos líderes na maior parte o rganizar um programa no Nordeste do Brasil. Mas os aconteci-
( dos sindicatos rurais logo depois do golpe. O padre Crespo con- mentos se sucediam depressa demais, e o AIFLD não conseguiu
.... seguiu manter o controle sobre a Federação. O padre Melo per- reunir os seus recursos em tempo suficiente para causar um im-

268 269

b~c-
pacto na agitação que precedeu o golpe no interior. (0 AIFLD prover assistência às massas empobrecidas, estava completamente
estava ativo em outros lugares no Brasil. Na verdade, um dos seus de acordo com as noções de Washington sobre o desenvolvimen-
chefes tem se gabado orgulhosamente da contribuição da entida- to de cima para baixo. Parece incrível que aqueles que por mul-
de para a derrubada de Goulart.) 17 tas décadas tinham preservado um sistema que trouxera pobreza,
Não muito tempo depois do golpe, uma equipe do AIFLD doença e ignorância a milhares de camponeses fossem agora re-
chegou ao Recife p~ra se envolver no que restava do movimento compensados, tornando-se os beneficiários diretos de mais aju-
trabalhista rural em Pernambuco. O AIFLD programou cursos da governamental.
de treinamento para líderes trabalhistas e construiu vários Cen- Naturalmente, o Geran não podia forçar os donos de usinas
tros de Serviço para Camponeses. Tem sido dada ênfase ao de- a modernizá-las. Não possuía autoridade para compeli-los a fa-
senvolvimento de "sindicatos livres e democráticos", um conceito zer coisa alguma, mas tinha de passar-lhes a idéia de tirar vanta-
altamente duvidoso numa ditadura militar que não tolera ativi- gem do novo programa. Havia muita conversa no Recife de que
dade trabalhista independente e atuante, mas o AIFLD não tem o Geran iria se concentrar na modernização das usinas e esque-
tido problemas por causa desta contradição. Desse modo, os sin- cer os problemas dos trabalhadores que seriam dispensados. A
dicatos rurais de Pernambuco realizam eleições democráticas para Usaid expressou preocupações quanto a esta possibilidade e de-
escolha de líderes que percebem altos salários, assistem aos cur- senvolveu planos para transportar estes camponeses para centros
sos do AIFLD e trabalham muito pouco. de relocação, onde receberiam treinamento e assistência técnica.
O governo brasileiro estava totalmente advertido das condi- A idéia alarmou alguns brasileiros, que viam na proposição uma
ções na zona açucareira e decidiu fazer uma nova abordagem do tentativa de manter "campos de concentração". Mas a proposta
problema. Seguindo as recomendações de um estudo na Usaid nunca ultrapassou a fase de planejamento.
sob a direção da Companhia Havaiana de Agronomia Interna- O Geran foi anunciado em 1966. No início de 1967, estava
cional, 18 o regime militar anunciou, com a publicidade apropria- em fase de organização. Seus dirigentes expressavam a esperan-
da, a criação do Geran - Grupo Especial para a Racionalização ça de que apresentaria resultados dentro de cinco anos. Em agosto
da Indústria Açucareira do Nordeste. Os objetivos do Geran eram daquele ano, o órgão sofreu uma modificação drástica na sua ad-
promover a modernização da zona açucareira e realizar uma ge- ministração, que durou por mais dois anos. Em maio de 1969,
nuína reforma agrária. A idéia era estimular a adoção de nova o governo designou um coronel do Exército como administrador-
maquinaria e novos métodos que capacitassem os donos de usi- chefe do Geran. Sua fama consistia em ter sido encarregado da
nas a produzir a mesma quantidade de açúcar que vinham pro- segurança no Recife durante o período repressivo imediatamente
duzindo, porém na metade das terras. As terras restantes ficariam depois do golpe. Em junho de 1969, o Geran ainda se encontra-
então disponíveis para diversificação das culturas e distribuição va em fase de organização. No início de 1971, apenas uma usina
entre os camponeses. em Pernambuco tinha obtido a aprovação dos seus planos de mo-
A criação de um novo órgão federal para lidar côm os pro- dernização pelo Geran, mas nenhuma ação tinha sido iniciada.
blemas mais urgentes do Nordeste indicava claramente a perda Ao mesmo tempo, tinha sido criado um novo órgão, o GERA
de poder, prestígio e importância da Sudene. A entidade estava (Grupo Executivo para Reforma Agrária). Em junho de 1971, o
representada no Conselho Deliberativo do Geran, mas compar- regime militar anunciou um novo plano de reforma agrária, que
tilhava responsabilidades com o Instituto do Açúcar e do Álcool, envolvia a desapropriação de terras na zona açucareira (com pa-
o Banco do Brasil e várias outras entidades governamentais. gamento em dinheiro aos proprietários) e o transplante de cam-
A filosofia básica do Geran, que era encorajar os donos de poneses nordestinos para colônias ao longo da nova estrada
usinas a se ajudarem a si próprios e, portanto, incidentalmente Transamazônica. E assim por diante.

270 271
j• - uma moça do Corpo da Paz, falsamente acusada de esterilizar
Enquanto o Geran continua fazendo tímidos esforços pa-
f' ra "racionalizar" a indústria açucareira do Nordeste, os con- mulheres camponesas. 20
sumidores americanos têm estado ajudando os donos de usinas A estreita relação·entre Washington e o regime militar cio
y ,t; • e engenhos a resistir às mudanças. De acordo com o Ato do Açú- Brasil era a causa subjacente dessas manifestações hostis. Uma
car, os Estados Unidos compram cotas de várias nações pro- vez que o Exército suprimiu toda crítica contra o governo no Nor-
dutoras de açúcar, inclusive o Brasil, por um preço mais alto deste, o antiamericanismo forneceu um meio indireto para os bra-
do que o do mercado mundial. Quase todo o açúcar importa- .;ileiros expressarem sua insatisfação com a política doméstica.
do do Brasil pelos Estados Unidos, sqb o Ato, é proveniente Além disso, muitos brasileiros sentiam que o seu governo tinha
do Nordeste. Um relatório do Escritório de Contabilidade do se tornado intoleravelmente subserviente para com os Estados
governo dos Estados Unidos calculou que, em 1967, o Brasil Unidos e estavam alarmados com o que viam como uma política
recebeu US$44,4 milhões como subsídio resultante do Ato do Açú- de americanização forçada sobre eles. A intervenção americana
car. 19 Esse bafejo permite que o Instituto do Açúcar e do Álcool na República Dominicana e a intensificação do envolvimento dos
compre açúcar do Nordeste por um preço artificialmente alto, Estados Un!.9Qs no Vietnã serviram para aumentar as animosi-
dades. EXE- 12§.8\ os Estados Unidos reduziram ~ncialmente !'/
tornando rentável para os produtores do Nordeste manter mé-
-
todos antiquados..de produção e não lhes dando nenhum estí-
- sua presença oficial no Brasil, em parte pelo menos por causa da \
muJoPara alterar os seus métodos. É uma contradição curiosa crescente onda de antiamericanismo.
que, enquanto a missão da Usaid no Recife tenta encorajar o Enquanto isso, o arrocho repressivo do regime parecia estar T
programa do Geran, os funcionários do Departamento de Es- afrouxando um pouco quando o general Artur da Costa e Silva
tado em Washington não têm feito nenhum esforço para pres- foi escolhido pelos oficiais seus colegas para suceder Castelo Bran- ..6
sionar o Congresso no sentido de propor uma emenda ao Ato co como presidente. Costa e Silva subiu ao poder em março de • 4. i '-
do Açúcar, a fim de criar pressões sobre os antiquados produ- 1967 e anunciou sua intenção de "humanizar a revolução". Mas -
tores de açúcar, como os do Nordeste brasileiro, para reformar sua administração fracassou em fazer qualquer progresso real no
seus métodos. sentido de uma justiça social ou uma reforma estrutural para com-
Na medida em que os esforços americanos se intensifica- plementar a pequena recuperação econômica obtida pela políti-
ram no Nordeste nos anos que se seguiram ao golpe, ~pre§_,el!;, ca de estabilização do governo. Ao iniciar-se o segundo ano do
\1 ça americana se expandiu. perceptivelmente. <!J Co rpo da Paz governo de Costa e Silva, a oposição ao regime aparentemente
' enviou uma multidão de voluntários para a região. Em iüeados estava ficando fora de controle. Os estudantes organizavam de-
de 1967, 204 voluntários estavam trabalhando em várias comu- monstrações violentas por todo o país. Ocorreram algumas ati-
nidades através do Nordeste. Até o número de missionários ame- vidades isoladas de guerrilhas. Os católicos progressistas inten-
ricanos aumentou. Um dos subprodutos deste influxo foi uma sificaram sua mobilização por reformas sociais. Os velhos políti-
onda de antiamericanismo. Na Paraíba, os estudantes aborda- cos (Kubitschek, Jânio, o exilado Goulart e outros) tentaram
vam os voluntários do Corpo da Paz e os missionários mórmons formar um partido político de oposição como frente única, em
com gritos de "Vão para casa!". Um estudo conjunto feito pe- desafio às leis que determinavam ser ilegais tais organizações.
la Sudene e o Estado de Michigan sobre as práticas de compra Grupos paramilitares da direita, com o apoio tácito de certos ofi-
e venda no Nordeste marcou passo por muito tempo por cau- ciais do Exército, reagiram com uma campanha terrorista contra
sa da suspeita dos brasileiros de que os americanos estavam li- a esquerda, e católicos conservadores requereram que o Vatica-
gados a empresas dos Estados Unidos que planejavam mudar-se no fizesse algo quanto à "infiltração comunista" da Igreja bra-
para a região. Uma campanha dos jornais do Recife caluniou sileira.

272 273
As coisas atingiram um ponto de crise CJ..Uando um deputado no sertão de Pernambuco foi preso e tão barbaramente tortura-
federal denunciou os militares como "torturadores" por terem do que tentou o suicídio, tendo quebrado a espinha ao pular de
suprimido um congresso de estudantes. O governo exigiu que o uma janela do quartel da polícia. Um grupo de estudantes do Sul
Congresso retirasse as imunidades dos parlamentares. O Congres- foi capturado pela polícia após um tiroteio no Recife. Os estu-
so re_çusp.Jb e em 13 de d~zembro Costa e Silva decretou o Ato dantes foram acusados de planejar o seqüestro do cônsul dos Es-
1Institucional n? f}o Congresso foi dissolvido e o Exército im- tados Unidos. Entre eles se achava uma moça americana.
pôs uma rlgida censura à imprensa. A onda de prisões que se se- Washington tem expressado alguma insatisfação com esta vi-
guiu foi uma reminiscência de abril de 1964. rada nos acontecimentos no Brasil. O que em 1964 foi denomi-
As universidades foram submetidas a sérios ataques, e os pro- nado um grande triunfo para o hemisfério ocidental é atualmente
fessores e estudantes foram vítimas de novos expurgos pela polí- fonte de embaraço para aqueles que vêem, confusos, a destrui-
cia e pelo Exército. Isto provou ser forte demais até para Lincoln ção das instituições democráticas, a censura da imprensa e a tor-
Gordon, naquela época presidente da Universidade Johns Hop- tura de estudantes, padres e freiras. Para os que fazem a política
kins, e ele se reuniu a outros especialistas em estudos latino- dos Estados Unidos, as galinhas voltaram para o poleiro, em casa.
americanos para mandar um telegrama de protesto a Costa e Sil- ' "
va.21 Em~io ~e 1970, uma seca seriíssima, a pior desde 1958, nova-
No Nordeste, o Ato..Iustitucional n? 5 significou a,_repr~ã2 mente transformou o Nordeste numa área de desastre nacional.
s9bre dom Hélder Câmara~ seus seguidores. Um grupo católico Os camponeses invadiam as cidades do interior e saqueavam lo-
ultraconservador denominado "Sociedade para Defesa da Tra- jas, mercearias e residências, à procura de comida. Chegaram mes-
1 <lição, Família e Propriedade" fez uma campanha para transfe- mo a parar os trens e retirar as cargas de alimento. A Sudene,
rir o arcebispo do Nordeste. O governo expulsou dois padres antes orgulhosa, criada para defender a região contra os efeitos
americanos que estavam trabalhando no Recif~ e cujo boletim de futuras secas, rapidamente organizou um programa de "fren-
•paroquial reproduzia artigos de jornais estrangeiros criticando o tes de trabalho" para que os camponeses pudessem ganhar em
regime (um terceiro padre americano retornou aos Estados Uni- projetos de serviços o bastante para permanecerem vivos. Refu-
dos pouco antes de sua iminente expulsão). A censura à impren- giados do sertão - os flagelados - começaram a chegar à cida-
sa excluiu dos jornais o nome e os pronunciamentos de dom de de São Paulo. Le Monde, o conhecido jornal parisiense,
Hélder, com exceção de alguma notícia ocasional nas páginas re- publicou que, "pela quinta vez em um mês, a polícia de Pernam-
ligiosas. Os espiões da polícia começaram a freqüentar as missas buco parou um caminhão lotado de homens e mulheres que iam
de domingo para surpreender sermões "subversivos". Terroris- ser 'vendidos' (como trabalhadores escravos) aos grandes proprie-
1tas atiraram contra o palácio episcopal, o escritório arquidioce- tários no estado de Minas Gerais por oitenta cruzeiros - menos
sano e a residência de dom Hélder, e pintaram o muro com os de US$18 por r cabeça" .22
dizeres "Morte a Dom H élder, o Arcebispo Vermelho' ). No dia Plus ça change ...
26 de maio de 1969, um de seus padres foi brutalmente assassi-
nado. Este fato, somado ao ferimento a bala de um líder estu-
dantil que ficou paralítico, estendeu um manto de terror sobre
os nordestinos que haviam expressado de alguma forma sua crí-
tica ao regime.
O processo de polarização tem continuado rapidamente. Um
jovem estudante de São Paulo que tentou organizar camponeses

274 275

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NOTAS

CAPÍTULO UM
1 O autor estava presente no ômbus e no comíc10, em 29 de
junho de 1963.
2. Congressional Record, 25 de março de 1963, pp. 4866-69.
3. A Hora Uornal do P artido Comunista, Recife), 6 de outu-
bro de 1962.
4. Em relação à história de João Teixeira e sua família, reporte-
se a Lêda Barreto, Julião - Nordeste - Revolução (Edito-
ra Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963), p. 130; An-
tônio Callado, Tempo de .1rraes: Padres e Comunistas na
Revolução sem Violência (.fosé Álvaro Editora, Rio de Ja-
neiro, 1965), pp. 65-70; Land Tenure Conditions and Socio-
Economic Development of the A gricultura/ Sector: Brazil
(Comitê Inter-Americano para Desenvolvimento Agrícola,
União Pau-Americana, Washington, D.C., 1966), pp. 312-13;
Jornal do Comércio (Recife), 10 e 11 de abril de 1962; A Ho-
ra, 7 de abril de 1962; Última Hora (Recife), 1 e 13 de julho
de 1962; The New York Times, 10 de abril de 1962, p . 17;
id., 11 de ab ril de 1962, p. 18.
5. Para um retrato interessante do Recife, vide artigo de Ralph
Nader no jornal Christian Science Monitor, 30 de setembro
de 1963 .
6. Jornal do Comércio, 11 de j ulho de 1961.
7. Josué de Castro, Documentário do Nordeste (Editora Brasi-
liense, São Paulo, 1959), pp. 25-28.

279
8. A fonte para a informação biográfica sobre Furtado é Ales- 7. Vide Tamer, op. cit., supra, nota 5, pp. 105-27.
sandro Porro, "por que ele é um cassado", Realidade, agos- 8. O melhor estudo da história sócio-econômica do Norclc!>lc
to de 1967, p . 76. é de Manoel Correia Andrade, A Terra e o Homem no Nor
9. Gerald Clark, The Coming Explosion in Latin America deste (Editora Brasiliense, São Paulo, 1963). Vide tambóm
(McKay, New York, 1963), p. 248. Josué de Castro, Death in the Northeast (Rondom Housc,
10. Discurso do Presidente John F. Kennedy, 13 de março de New York, 1966); Andre Gunder Frank, Capitalism and Un-
1961. Public Papers of the Presidents of the United States, derdevelopment in Latin America (Monthly Review Press,
1961 (Escritório da Imprensa do Governo dos Estados Uni- New York, 1967), Cap. 4; Celso Furtado, The Economic
dos, Washington, D.C., 1962), pp. 170-81. Growth of Brazil (University of California Press, Berkeley,
li. Citado no The New York Times, 15 de julho de 1961, p. 10. 1965); Tamer, op. cit., supra, nota 5.
12. Arthur M. Schlesinger, Jr., A Thousand Days (Houghton 9. Vide, em geral, Gilberto Freyre, The Masters and the Sla-
Mifflin, Cambridge, Mass ., 1965), p. 171. ves, ed. abreviada (Alfred A. Knopf, New York, 1964); José
Lins do Rêgo, Plantalion Boy (Alfred A Knopf, New York,
CAPÍTULO DOIS
1966)
10. Vide Marcos V. Vilaça e Roberto C. de Albuquerque, Coro-
1. Para materia l de fundo sobre o Nordeste do Brasil, vide em nel, Coronéis (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1965).
geral The Brazilian Northeast (folheto preparado pela em- 11. Tamer, op. cit., supra, nota 5, p. 26.
baixada do Brasil, Washington, D.C., agosto de 1961), pp. 12. Vide Jerome Levinson e Juan de Onis, The Alliance That Lost
1-3; René Dumont, Lands Alive (Monthly Review Press, New Its Way (Quadrangle, Chicago, 1970), pp. 244-45.
York, 1965), Cap. 3; Celso Furtado, Diagnosis of the Brazi- 13. Vide Albert O. Hirschman, Journeys Toward Progress (Twen-
lian Crisis (University of California Press, Berkeley, 1965), tieth Century Fund, New York, 1963), Cap. 1.
. Cap. 9; Stefan H. Robock, Brazil's Developing Northeast: 14. Vide René Ribeiro, "Movimentos Messiânicos Brasileiros",
A Study of Regional Planning and Foreign Aid (Brookings Millennial Dreams in Action (Thrupp ed., Mouton, The Ha-
Institution, Washington, D.C., 1963), Caps. 1-3; Charles Wa- gue, 1962); Waldemar Valente, Misticismo e Religião: Aspec-
gley, An !nlroduction to Brazil (Columbia University Press, tos do Sebastianismo Nordestino (Instituto Joaquim Nabuco,
New York, 1963), pp. 33-53. Recife, 1963).
2. Vide Northeast Brazil: Nutrition Study, March-May, 1963 15. Vide Ralph della Cava, Milagre em Juazeiro (Columbia Uni-
(Relatório da Comissão Interdepartamental sobre "Nutrição versity Press, New York, 1970).
para Desenvolvimento Nacional", maio de 1965). A Comis- 16. Vide Wagley, op. cit., supra, nota l , p. 49; Eduardo Barbo-
são Interdepartamental é composta de representantes dos de- sa, Lampião: Rei do Cangaço (Edições de Ouro, Rio de Ja-
partamentos de Defesa, Estado, Agricultura e Alimentos do neiro, 1963).
Programa da Paz.
3. Vide Ruy João Marques, Aspectos da Saúde Pública no Nor- CAPÍTULO TRÊS
deste (Imprensa Universitária, Recife, 1964).
4. Nutrition Study, supra, nota 2. 1. The New York Times, 5 de janeiro de 1955.
5. Alberto Tamer, O Mesmo Nordeste (Editora Herder, São 2. E.g., a primeira página do The New York Times publicou
Paulo, 1968), pp. 114-15. histórias da América Latina nos dias 3, 4, 6, 9, 10, l l, 12,
6. Nutrition Study, supra, nota 2. 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23, e 26 de janeiro de 1955.

280 28 1
3. /d., 2 de janeiro de 1955. 10. Entrevista com Julião. Cuernavaca, México, setembro c.lc
4. A minha principal fonte de informação para a história das 1969.
visitas dos camponeses à casa de Julião é oriunda de entre- 11. Julião, op. cit., supra, nota 6, p. 110.
vistas com Jonas de Souza durante minhas próprias visitas 12. Entrevista com Julião, Cuernavaca, México, setembro de
em julho de 1967 e junho de 1969. A minha versão do en- 1969.
contro é coerente com aquela de Antônio Callado, quem pri- 13. Julião, op. cit., supra, nota 6, pp. 111-12.
meiramente escreveu sobre isto em uma série de artigos num 14. Fontes para a história de Antônio Vicente são Meira e Pas-
jornal do Rio, Correio da Manhã, em setembro de 1959. Os sos, op. cit., supra, nota 4, pp. 9-12; Julião, op. cit., supra,
artigos estão reproduzidos em Os Industriais da Seca e os nota 6, pp. 131-37. Julião refere-se a ele como Antônio da
"Galileus" de Pernambuco, de Antônio Callado (Editora Ci- Mata.
vilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1960), pp. 33-43. Uma 15. Vilaça & Albuquerque, op. cit., supra, Cap. 2, nota 10, p.
segunda versão do encontro, bastante diferente, primeiramen- 56.
te apareceu em um artigo intitulado "Nordeste: As Semen- 16. Vide Francisco Julião, Que São as Ligas Camponesas? (Edi-
tes da Subversão", de Mauritônio Meira e Hélio Passos, em tora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962), pp. 44-45.
O Cruzeiro de 11 de novembro de 1961, pp. 8-9. Esta versão 17. Entrevista com Gilberto Freyre, Recife, junho de 1963 .
foi subseqüentemente reproduzida por Gerald Clark, op. cit., 18. Vide, por exemplo, A Hora, 20 e 27 de outubro de 1962; No-
supra Cap. 1, nota 9, pp. 203-04, e Josué de Castro, op. cit., vos Rumos Uornal do Partido Comunista publicado no Rio
supra, Cap. 2, nota 8, pp. 7-17. É rejeitada pelo prof. Neale de Janeiro), 23 e 29 de novembro de 1962.
J. Pearson em sua dissertação Smal/ Farmer and Rural Pres- 19. Moraes, op. cit., supra, nota 4, p._ 453.
sure Groµps in Brazil (University Microfilms, Ann Arbor, 20. Vide Clodomir Moraes, Queda de Uma Oligarquia (Gráfica
Mich., 1967), p. 103, nota de rodapé 3. Uma terceira versão, Editora, Recife, 1959).
que diminui o papel de Julião e torna José dos Prazeres o 21. Vide Julião, op. cit., supra, nota 16, pp. 34-41.
principal motivador do movimento das Ligas Camponesas, 22. Moraes, op. cit., supra, nota 4, p. 453 .
veio à tona recentemente em "Ligas Camponesas do Brasil", 23. Vide Gondin da Fonseca, Assim Falou Julião (Editora Ful-
de Clodomir Moraes, publicado em Agrarian Problems and gor, São Paulo, 1963), pp. 49-53.
Peasant Movements in Latin America (Stavenhagen ed., An- 24. Callado, op. cit., supra, nota 4, p. 142.
chor Books, Garden City, N. Y., 1970), pp. 462-64, nota de 25. Francisco Julião, A Cartilha do Camponês (Recife, 1960),
rodapé 10. Esta descrição está distorcida pelo fato de que tan- p. 5.
to o autor como José dos Prazeres discutiram com Julião e 26. Vide, por exemplo, A Hora, de 30 de setembro de 1961.
disputaram a sua liderança das Ligas Camponesas. 27. Citado em Barreto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 131.
5. Meira e Passos, op. cit., supra, nota 4, p. 9. 28. Citado em Meira e Passos, op. cit., supra, nota 4, p. 13.
6. Julião escreveu extensamente sobre a sua infância e sua fa-
mília em Cambão: La Cara Oculta de Brasil (Siglo XXI Edi-
CAPÍTULO QUATRO
tores, Mexico City, 1968).
7. !d., p. 21. 1. A fo nte p rimeira da carreira de Miguel Arraes é Adirson de
8. Francisco Julião, Até Quarta, /sabe/a! (Editora Civilização Barros, Ascensão e Queda de Miguel Arraes (Editora Eq ua-
Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), p . 50. dor, Rio de Ja neiro, 1965).
9. /d., pp. 48-51. 2. Sobre a carreira de Getúlio Va rgas, vide Thomas E. Skid

282 UH

L-
~

do Senado sobre Operações Governamentais, U .S. Govcrn-


0 more,, Politics in Brazil: 1930 - 1964 (Oxford University Press, ment Printing Office, Washington, D.C., 1966).
te New York, 1967), pp. 3-136; John W. F. Dulles, Vargas of
Brazí/: A Political Biography (University of Texas Press, Aus- 10. The New York Times, 12 de novembro de 196 1, p. 43.
11. Schlesinger, op. cit., supra, Cap. 1, nota 11 , p. 172.
tin, Texas, 1967}. Para obter um retrato interessante de Ge-
túlio, vide John Gunther, Inside Latin America (Harper & 12. O Estado de Seio Paulo, 7 de maio de 1963; Glauco Carnei-
Bros., New York, 1941, Cap. 23. ro, "Nordeste: Sinal Vermelho ", O Cruzeiro, 30 de junho
de 1963.
3. Citado em Barros, op. cit., s upra, nota l, p. 34.
13. Hirschman, op. cit., supra, nota 2, p . 88 .
4. A revolta comunista no Recife é descrita no livro de Glauco
14. A seguinte descrição do papel de Furtado nas negociações pa-
Carneiro, História das Revoluções Brasileiras (Edições O Cru-
ra ajuda exterior é baseada numa entrevista com Furtado em
zeiro, Rio de Janeiro, Volume 2, 1965). Vide também Diário
Paris, maio de 1968.
de Pernambuco, 27 e 28 de novembro de 1935. 15. lbid.
5. Vide Robert J. Alexander, Communism in Latin America (Rut- 16. Roett, op. cit., supra, no ta 7, p. 274.
gers University Press, New Brunswick, N.J., 1957}, Cap. 7.
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO CI NCO
1. Mauritônio Meira, "As Soluções da Estupidez", O Cruzei-
1. Callado, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 6. ro, 25 de novembro de 196 1, p. 57.
2. Para uma extensa discussão do problema da seca e a funda- 2. Jornal do Comércio, 7 de julho de 1961.
ção da Sudene, vide Albert O. Hirschman, Journeys Toward 3. Meira, op. cit., supra, nota 1, p. 54.
Progress: Studies of Economic Policy-Making in latin Ame- 4. Vide, por exemplo, Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de
rica (Twentieth Century Fund, New York, 1963), Cap. l. 1962.
3. Andre Gunder Frank, Capitalism and Underdevelopment in 5. Vide Anthony Leeds, "Brazil a nd the Myth of F rancisco Ju-
Latin America (Monthly Review Press, New York , 1969), p. lião", Politics of Change in Latin America, Maier e Wea-
245. therhead, eds. (Praeger, New York, 1964), p . 190; Roett, op.
4. The New York Times, 31 de julho de 1969, p. 33. cit., supra, Cap. 5, nota 7, p. 282.
5. Robock , op. cit. , supra, Cap. 2, no ta l , p. 128. 6. Glauco Carneiro," A Outra Face de Julião", O Cruzeiro, 14
6. Northeast Brazi/ Survey Team Report (fevereiro, 1962), p. 2. de ab ril de 1962, p. 20.
7. Riordan J. A. Roett III, Economic Assistance and Política! 7. Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de 1962.
8. lbid.
Change: The Brazilian Northeast (University Microfilms, Ann
Arbor, Mich., 1968}, p. 12, publicado como Política/ Chan- 9. O Estado de São Paulo, 6 de dezembro de 1961, p. 5.
ge and Economic Assistance in the Brazilian Northeast pela 10. Vide T ad Szulc, The Winds of Revolution: Latin America
Vanderbilt University Press. Today -and Tomorrow (Praeger, New York , 1963) , p. 20.
8. Entrevista com funcionário da Usaid, Washington, D.C ., ou- 11. Vide Jornal do Comércio, 14 de junho de 1962.
tubro de 1969; entrevista com o dr. Lincoln Gordon, Balti- 12. The New York Times, 23 de j aneiro de 1961, p. 5.
more, Md., março de 1971. 13. O Congresso está descrito na Revista Brasiliense, janeiro -
9. United States Foreign Aid in Action: A Case Study (Subco- fevereiro de 1961.
missão de Despesas com Assistência ao Exterior, Comissão 14. The New York Times, 23 de janeiro de 1961, p. 5.

284 285
15. Simone de Beauvoir, Force of Circumstances (Putnam's, New 14. Entrevista no Recife, junho de 1969.
York, 1964), p. 535. 15. Vide, por exemplo, Jornal do Comércio, 21 de dezembro de
16. Entrevista com Julião, Cuernavaca, México, setembro de 1962.
1969. 16. A Hora, 9 de dezembro de 1961.
17. Vide Benno Galjart, "Classe e Seguidores' no Brasil Rural", 17. !d., 23 de junho de 1962.
América Latina, julho-setembro de 1964. 18. Entrevista em Cuernavaca, México, setembro de 1969.
18. Citado em Julião, op. cit., supra, Cap. 3, nota 16, p. 84. 19. Pearson 1 op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 125, nota de ro-
19. Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de 1962. dapé 1.
20. !d. , 9 de fevereiro de 1962. 20. Jornal do Comércio, 4, 7, 15, 16, 19 e 21 de dezembro de
21. Jornal do Comércio, 11 de setembro de 1962. 1962; Congressional Record, 25 de março de 1963, pp.
22. A Hora, 15 e 29 de setembro de 1962. 4866-69; Documentation of Communist Penetration in La-
23. Vide Eckstein, "Um Relatório sobre o Nordeste Brasileiro", tin America (Declarações feitas perante a Subcomissão para
Swiss Review of World Affairs, dezembro de 1962, p. 16; Bar- Investigação da Administração do Ato de Segurança Interna
reto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 79-84. e outras Leis de Segurança Interna, da Comissão Jurídica do
24. Vide fontes citadas no Cap. l, nota 4. Senado, Pt. 1, 2 de outubro de 1963), pp. 99-102; /d, Pt. 3,
25 . Vide Julião, op .. cit., supra, Cap. 3, nota 6, pp. 159-63. pp. 389-92; A Liga, 11 de dezembro de 1962, p. 6, republica-
da em Ligas Camponesas: Outubro 1962 -Abril 1964 (F. Ju-
CAPÍTULO SETE lião, ed., Cuaderno N? 27, Centro Intercultural de
Documentación, Cuernavaca, México, 1969), pp. 75-84. O
1. Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 58.
2. Jornal do Comércio, 27 de abril de 1962. fato de o "caper" ter realmente ocorrido foi agora confir-
mado irrefutavelmente em Moraes, op. cit., supra, Cap. 3,
3. The New York Times, 18 de novembro de 1961, p. 9.
4. Jornal do Comércio, 27 de janeiro de 1962. nota 4, pp. 484-89.
21. Moraes, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 487.
5. Vide Gerrit Huizer, "Algumas Anotações sobre o Desenvol-
22. Entrevista, Cuernavaca, México, setembro de 1969.
vimento de Comunidade e Pesquisa Social Rural", América
Latina, julho-setembro de 1965, p. 128. 23. Moraes, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 489.
24. Jornal do Comércio, 19 de dezembro de 1962.
6. Citado em Belden Paulson, " Dificuldades e Projeções para
25. Ligas Camponesas, op. cit., supra, nota 20, p. 76.
o Desenvolvimento da Comunidade no Nordeste do Brasil",
26. Entrevista, Cuernavaca, México, setembro de 1969.
lnter-American Economic Affairs (Vol. 17, N? 4, primavera
de 1964), p. 37. 27. lbid. •
28. O material sobre Joel Câmara está baseado em entrevistas
7. Citado em Barreto, op. cit., supra, Cap. l, nota 4, pp. 49-50.
com ele em junho e julho de 1963; julho de 1967; e junho
8. Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1964.
de 1969; vide também F. Novaes Sodré, Quem é Francisco
9. Citado em Meira e Passos, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, Julião? (Redenção Nacional, São Paulo, 1963), p. 32.
p. 13.
29. Diário de Pernambuco, 2 de outubro de 1962.
1O. Citado em Galjart, op. cit., supra, Cap. 6, nota 17. 30. Jornal do Comércio, 13 de janeiro de 1963.
11. Jornal do Comércio, 12 de janeiro de 1962. 31. Id., 9 de maio de 1963.
12. !d., 17 de abril de 1962. 32. ld., 11 de setembro de 1962.
13 . The New York Times, 23 de janeiro de 1961, p. 5. 33. Republicado em Aluísio Guerra, A Igreja está com o Po-

286 287
vo? (Editora CiviJização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963), pp.
são vários oficiais dos Estados Unidos e J. Warren NysLrom
19-23.
34. Citado em Ligas Camponesas, op. cit., supra, nota 20, pp.
e Nathan A. Haverstock, The Al/iancefor Progress (D. Van Noi>-
trand, Princeton , N. J., 1966), p. 82.
..
44-55.
3. Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 108, nota de ro-
35. !d., p. 273.
dapé 3.
36. Vide Carneiro, op. cit., supra, Cap. 5, nota 12.
4. Entrevista em Washington, D.C., março de 1969.
37. Vide Hispanic American Report (Vol. 16, janeiro de 1963),
5. Gilberto Freyre, Guia Prático, Histórico e Sentimental da Ci-
p. 81.
dade do Recife, 4? ed. (Livraria José Olímpio Editora, Rio de
38. Jornal do Comércio, 6 de janeiro de 1963.
39. l bid. Janeiro, 1968), p. 11.
6. Minha exposição sobre vários funcionários da Usaid no
Nordeste está baseada em entrevistas extensivas com ameri-
CAPÍTULO OITO
canos e brasileiros que possuíam conhecimento direto das opera-
1. Minhas fontes de informação para estes dados foram Rela- ções da Usaid durante este período.
tórios Mensais preparados pelo consulado americano no Re- 7. Entrevista no Recife, junho de 1963.
cife em 1963. 8. Entrevista com John Dieffenderfer, New York, dezembro de
2. U. S. Army Area Handbookfor Brazil (panfleto do Depar- 1969.
tamento do Exército, No 550-620, julho de 1964), p. 297. 9. Ralph Nader, "Brazil Aid Effort Rapped", Christian Scien-
3. Livro de Leitura para Adultos (Gráfica Editora do Recife, ce Monitor, 7 de setembro de 1963, p. 12. Os outros artigos fo-
1962). ram publicados no Monitor em 5 e 9 de setembro de 1963.
4. Diário de Pernambuco, 2 de setembro de 1962. 10. Vide T . Hogen, The Introduction of the Peasant to the Coo-
5. Vide, por exemplo, id., 6 de outubro de 1962. perative Movement (CLUSA, Chicago, 1966), p. 9.
6. Para o depoimento de Arraes perante a comissão federal que 11. Sheehan, "Co-op Group Got CIA Conduit Aid" , The New
investigava o IBAD, vide Barros, op. cit., supra, Cap. 4, no- York Times, 16 de maio de 1967, p. 37.
ta l, pp. 171-74. 12. U.S. Arrny Area Handbook for Brazil, citado supra, Cap.
7. Diário de Pernambuco, 29 de agosto de 1962. 8, nota 2, p. 627.
8. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota l, p. 82. 13. Entrevista em Washington. D.C., janeiro de 1970.
9. Diário de Pernambuco, 7 de outubro de 1962. 14. Tad Szulc, The Winds of Revolution: Latin America Today
10. Jd., 30 de agosto de 1962. - and Tomorrow (Praeger, New York, 1963), p. 34.
11. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, p. 85. 15. Frank., op. cit., supra, Cap. 2, nota 8, pts. 3-4.
12. Jornal do Comércio, 15 de fevereiro de 1963.
13. O discurso está republicado em Palavra de Arraes (Editora CAPÍTULO DEZ
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), pp. 9-24.
l. Nader, op. cit., supra, Cap. 9, nota 9.
CAPÍTULO NOVE 2. Vide Cap. 5, nota 12, supra.
3. Carneiro, op. cit. , supra, Cap. 5, nota 12.
I. Para uma descrição detalhada da ocorrência, vide Diário de 4. Entrevista em Nova York, dezembro de 1969.
Pernambuco, 1? de agosto de 1961. 5. Vide Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, p . 88.
2. Minhas fontes de informação sobre a história do gerador
6. Roett, op. cil., supra, Cap. 5, nora 7, p. 322.
288
21N
7. John Dos Passos, Brazil on the Move (Doubleday, New York, 7. Ele ainda está fazendo barulho marxista. Vide Antônio Me-
1963), p. 189. lo, The Coming Revolution in Brazil (Exposition Press, Ncw
8. Os projetos do Rio Grande do Norte estão descritos detalha- York, 1970).
damente em Roett, op. cit., supra, Cap. 5, nota 7, pp. 314-19, 8. Vide Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 50-53.
330-43; vide também Report of the Special Study Mission to 9. New Repub/ic, 4 de janeiro de 1964, pp. 10-11.
the Dominican Republic, Guyana, Brazil and Paraguay (Co- 10. Sobre o trabalho do bispo Eugênio Sales, vide Pearson, op.
mitê de Assuntos Exteriores, Câmara de Deputados, 1? de cit., supra, Cap. 3, nota 4, pp. 149-50.
maio de 1967), pp. 28-29. 11. Fontes de observação sobre legislação de trabalho rural in-
9. Hispanic American R epor! (Vol. 15, dezembro de 1962), p. cluem Robert E. Price, Rural Unionization in Brazil (Land
962. Tenure Center, University of Wisconsin, Madison, Wis., No.
10. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, pp. 138-39. 14, agosto de 1964); Land Tenure Conditions, op. cit., su-
11. Palavra de Arraes, op. cit., supra, Cap. 8, nota 11, pp. 13-14. pra, Cap. l, nota 4, pp. 297-332.
12. Newsweek, 11 de março de 1963, p. 55. 12. Informação sobre o Sorpe foi obtida através de entrevistas
13. ld., 24 de fevereiro de 1964, p. 36. com o padre Crespo e membros de sua equipe no Recife, em
14. Entrevista em Washington, D.C., março de 1970. junho e julho de 1963.
15. Entrevista com John Dieffenderfer, Nova York, dezembro 13. Citado em Price, op. cit., supra, nota 11 , pp. 50-51.
de 1969. 14. A Hora, 16 de junho de 1962.
16. Publicado em Aliança para o Progresso: Inquérito (Editora 15. Vide Cynthia N. Hewitt, "Brazil: The Peasant Movement of
Brasiliense, São Paulo, 1963). Pernambuco, 1961-64", Latin American Peasant Movements,
17. Última Hora, 4 de maio de 1963. H. Landsberger, ed., (Cornell University Press, lthaca, N.Y.,
18. Jornal do Comércio, 4 de maio de 1963. 1969), p. 374. O estudo de Hewitt, baseado principalmente
19. Última Hora, 5 de maio de 1963. no Nordeste após o golpe de 1964, é importante fonte de in-
20. Entrevista com John Dieffenderfer, Recife, julho de 1963. formação, devendo ser visto como um lado da história.
21. Jornal do Comércio, 20 de agosto de 1963. 16. Vide Caio Prado, Jr., "Marcha da Questão Agrária no Bra-
22. Última Hora, 18 de julho de 1962; Fonseca, op. cit., supra, sil", Revista Brasiliense, ja neiro e fevereiro de 1964.
Cap. 3, nota 23, p. 67. 17. Diário de Pernambuco, 10 de abril de 1963.
18. Id., 11 de abril de 1963.
CAPÍTULO ONZE 19. Citado no Jornal do Comércio, 16 de fevereiro de 1963.
20. Entrevista com o autor, junho de 1963.
1. A ascensão à proeminência de padre Melo está descrita por 21. As fontes de informação das quais dependi incluem Hewitt, op.
Mauritônio Meira em "Nordeste: A Revolução de Cristo",
cit., supra, nota 15; Mary E. Wilkie, A Repor! on Rural Syndi-
O Cruzeiro, 2 de dezembro de 1961, p. 28.
cates in Pernambuco (Centro Latino-Americano para Pesquisa
2. Jornal do Comércio, 12 de novembro de 1961. nas Ciências Sociais, Rio de Janeiro, abril de 1964) (cópia mi-
3. ld., 6 de maio de 1962. meografada arquivada com o autor); Callado, op. cit., supra,
4. Hispanic American Repor! (Vol. 15, dezembro de 1962), p. Cap. l, nota 4; jornais do Recife publicados durante este perío-
962. do (Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio, Última Hora
5. Meira, op. cit., supra, nota 1. eA Hora); Ligas Camponesas, op. cit., supra, Cap. 7, nota 20;
6. Jornal do Comércio, 16 de fevereiro de 1963. entrevistas com pessoas ligadas às Ligas Camponesas e Sorpe.

290 29 1
2. Francisco Julião, "La lzquierda en el Brasil ", Polftica, 15
22. Newsweek, 24 de fevereiro de 1964, p. 36.
23 . Citado em P r ice, op. cit., supra, nota 11 , p. 53. de abril de 1962.
3. Vide Ligas Camponesas, op. cit., supra, Cap. 7, nota 20. pp.
24. Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 98.
25. E ntrevista em Cuernavaca, México, setembro de 1969. 529-30, 538-48.
4. Vide Diário de Pernambuco, 18 de janeiro de 1964.
26. Jbid.
27. Callado, op . cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 97-98.
5. Jornal do Comércio, 20 de agosto de 1963.
6. Citado em Fonseca, op. cit., supra, Cap. 3, nota 23, p. 65.
28 .Última Hora, 11 de outubro de 1963.
7. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, p. 97.
29. Vide Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 135-50.
8. Vide Barreto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 26-34.
30. Para uma cópia da ata, vide O Problema Agrário na Zona Ca-
9. Callado, op. cit., supra, Cap. ! , nota 4, p. 103.
navieira de Pernambuco (Imprensa Universitária, Recife, 1965).
10. Vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 1, nota 8, pp. 234-52.
31. Land Tenure Conditions, op. cit., supra, Cap. 1, no ta 4, pp.
329-30. 11. !d., pp. 275-76.
12. Diário de Pernambuco, 16 de janeiro de 1964
13. Jd., 25 de março de 1964.
CAPÍTULO DOZE
14. Vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 234-52.
1. Fontes de informação sobre o Método Paulo Freire incluem 15. A Hora, 22 de janeiro de 1964.
Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 123-33; Paulo 16. Diário de Pernambuco, 25 de fevereiro de 1964.
Freire, Educação como Prática de Liberdade (Paz e Terra, 17. Vide Skidmore, op. cil., supra, Cap. 4, nota 2, p. 276.
Rio de Janeiro, 1967) (especialmente a introdução por Fran- 18. Última Hora, l ? de março de 1964.
cisco C . Weffort); "The Paulo Freire Method", trabalho não 19 . Vide J ohn W. F. Dulles, Unrest in Brazil (University of Te-
publicado de Robert Myhr, um bolsista Fulbright no Recife, xas Press, Austin, Texas, 1970), pp. 257-63.
em 1963-64; entrevista com Jarbas Maciel, assistente de Paulo 20. Para descrição e discussão sobre o comício, vide Skidmore,
Freire, em Recife, junho de 1963; Levinson e Onis, op. cit., op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp . 284-93; Dulles, op. cit.,
supra, Cap. 2, nota 12, pp. 284-92. supra, nota 19, pp. 267-74.
2. A fonte de informação para dados biográficos sobre Paulo 21. Última Hora, 13 de março de 1964.
Freire é Márcio Moreira Alves, O Cristo do Povo (Editora 22. Vide Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, p. 88.
Sabiá, Rio de Janeiro, 1968), pp. 200-03 . 23. Boston Globe, 23 de março de 1964, p. 12.
3. Detalhes sobre o projeto Angicos foram fornecidos pelo fun- 24. Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 325-26
cionário da Usaid Philip Schwab em entrevista em Washing- 25. E ntrevista com funcioná rio da Usaid.
ton, o.e., outubro de 1969. 26. Vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, p. 326.
4. Entrevista com Jarbas Maciel no Recife, junho de 1963. 27. Entrevista com um conservador q ue participou da reunião
5. Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, pp. 150-51. de arm ~ - . Recife, julho de 1967.
6. Vide Viver é Lutar: 2.0 Livro de L eitura para Adultos (Movi- 28. Skidmo11.:, op. cil., supra, Cap. 4, nota 2, p. 300.
mento de Educação de Base, outubro de 1963), pp. 8, 32. 29. Diário de Pernambuco, 3 1 de março de 1964.
30. Palavra de Arraes, op. cit., supra, Cap. 8, nota 11 , pp.
CAPÍTULO TREZE 135-36.
31. Jornal do Comércio, l ? de abril de 1964.
l. O autor estava presente no jipe durante o comício aqui
descr ito. 32. l bid.

293
292

.....
~ .......
CAPÍTULO QUATORZE 11. Vide, por exemplo, Jornal do Comércio, 14 de junho de 1964.
1. Detalhes do que aconteceu a Celso Furtado em 31 de março 12. Entrevista com funcionário da Usaid, Recife, julho de 1967.
foram obtidos em entrevista com Furtado em Paris em maio 13. Para uma discussão das ocorrências após o golpe, vide Skid-
de 1968. Estão corroborados por uma tabela de acontecimen- more, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 303-21.
tos publicados no Jornal do Comércio, 2 de abril de 1964. 14. Jornal do Comércio, 9 de abril de 1964.
2. Jornal do Comércio, l ? de abril de 1964. 15. ld., 3 de abril de 1964.
3. Entrevista com Naíiton Santos, Cambridge, Mass., dezem- 16. Informação sobre as nulidades e atrocidades pós-golpe fo-
bro de 1969. ram obtidas no curso de extensas entrevistas no Recife em
4. Detalhes do confronto entre os estudantes e as tropas foram junho de 1964 e julho de 1967.
obtidos em entrevista com Robert Myhr, bolsista Fulbright, 17. Jornal do Comércio, 10 de abril de 1964.
em Recife, junho de 1964, e do Jornal do Comércio, 2 de 18. Vide Alves, op. cit., supra, Cap. 12, nota 2, pp. 203-05.
abril de 1964. 19. O autor entrevistou Freire e lanchou com ele em sua residên-
5. Murilo Marroquim, "Ação do IV Exército Contra Arraes", cia um dia antes de ser preso.
O Cruzeiro, 25 de abril de 1964. 20. Vide em geral, Alves, op. cit., supra, Cap. 12, nota 2 .
6. Tad Szulc, "Washington Sends Warmest' Wishes to Brazil's 21. Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 154, nota de ro-
Leader'', The New York Times, 3 de abril de 1964, p . 1. dapé 1.
22. Entrevista com mme. Violeta Gervaiseau, Paris, maio de
CAPfTULO QUINZE 1968.
23 . Última Hora, 14 de abril de 1964.
1. Fontes para a história de Gregório Bezerra são Antônio Calla- 24. Diário de Pernambuco, 3 de abril de 1964.
do, "Les Ligues Paysannes", Les Temps Modernes, outubro 25. !d., 11 de abril de 1964.
de 1967, p. 751; Márcio Moreira Alves, Torturas e Tortura- 26. O dr. Gordon tem afirmado que ficou tão perturbado pelos
dos (Idade Nova, Rio de Janeiro, 1966), pp. 59-61; entrevista abusos pós-golpe dos processos constitucionais que conside-
com companheiro de cela de Gregório, Recife, julho de 1967. rou pedir demissão do seu posto de embaixador, sendo dis-
2. Diário de Pernambuco, 5 de abril de 1964. suadido de tal ação pelo seu conselheiro político. Vide
3. Time, 17 de abril de 1964, p. 49. Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, pp. 90-91.
4. Vide Alves, op. cit., supra, Cap. 3, nota l . Suas palavras e ações durante o período pós-golpe não eram
5. Vide Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, pp. 108-09, de forma alguma consistentes com esta revelação recente.
nota de rodapé 3. 27. A citação exata foi fornecida pelo dr. Gordon em uma carta
6. A fonte para a história da captura de Julião é J ulião, op. cit., ao editor em Commonweal, 7 de agosto de 1970, p. 379.
supra, Cap. 3, nota 8. 28. Em junho de 1964, um funcionário do USIS no Rio forne-
7. Vide Jornal do Comércio, 7 de junho de 1964; vide também ceu ao autor uma cópia de um jornal publicado pelo gover-
O Cruzeiro, 27 de junho de 1964, p. 142. no brasileiro e intitulado Brasil Acordou em Tempo. Apesar
8. Washington Post, 12 de maio de 1964. de ser um pouco mais do que mera propaganda tentando jus-
9. Cópia no fichário do autor. tificar o golpe, o funcionário do USIS presenteou o artigo
1O. Minha fonte de informação sobre o Sorpe e os sindicatos da ao autor como uma ''folha de fatos''. Em Recife, várias se-
Igreja após o golpe é uma entrevista com um homem da CIA- manas antes, um funcionário do USIS "informou" o autor
CLUSA, no Recife, agosto de 1965. com "fatos" que apoiavam o golpe completamente.
294 295

[:-...
15. Para um relatório da visita do autor a Palmares em julho de
29. Vide Christian Science Monitor, 14 de agosto de 1964. 1967, vide Page, "Northeast Brazil: Rich Become Richcr anel
30. Life (Ed. Internacional), 31 de maio de 1964. Poor Poorer", Denver Post (Perspective Magazine), 6 de
31. Celso Furtado , ''Political Obstacles to Economic Growth in agosto de 1967, p. 12.
Brazil' ', Obstacles to Change in Latin America, C. Veliz, ed. 16. Vide, em geral, Survey of the Alliance for Progress (Com-
(Oxford University Press, London, 1965), p. 160. mittee on Foreign Relations, U.S. Senate, Doe. No 91-17, 29
de abril de 1969), pp. 573-658.
EPÍLOGO
17. Jd., p. 586.
1. The Rockefeller Report on the Americas (Quadrangle, Chi- 18. " Diverslfication and Modernization of Agriculture in the Su-
cago, 1969), p. 5. gar Cane Zone of Northeast Brazil", Hawaiian Agronomics
2. Para a tradução da novela em inglês, vide Antônio Callado, lntemational, Basic Agreement No AID/ csd.-842, Task Or-
Quarup (Alfred A. Knopf, New Iork, 1970). der N? 1.
3. Entrevistas com Julião e seu advogado, Recife, agosto de 19. General Accounting Office, "Foreign Aid Provided Through
1965. the Operations of the United States Sugar Act and the lnter-
4. Entrevista no Rio de Janeiro, julho de 1967. national Coffee Agreement" (B-167416, 23 de outubro de
5. Entrevista com Voluntários do Corpo da Paz, Recife, julho 1969), p. 23.
de 1967. 20. Jornal do Comércio, 6 de maio de 1967.
6. Vide a biografia recentemente publicada, José de Broucker, 21. The New York Times, lo de junho de 1969, p. 24.
Dom Hélder: The Violence oj a Peacemaker (Orbis Books, 22. Le Monde (English Language ed.), 20 de maio de 1970, p. 4.
Maryknoll, N.Y., 1970). Vide também Page, "The Little
Priest Who Stands up to Brazil's Generals", The New York
Times Magazine, 23 de maio de 1971, p. 26.
7. Jornal do Comércio, 21 de agosto de 1966.
8. Nordeste: Desenvolvimento sem Justiça (Ação Católica Ope-
rária, Recife, 1? de maio de 1967), republicado em H. Câ-
mara, The Church and Colonialism (Dimension Books,
Denville, N.J., 1969), p. 131.
9. O Cruzeiro, 3 de junho de 1967, p. 51; id., 10 de junho de
1967, p. 47 .
10. Cópias no arquivo do autor.
11 . Informações das condições econômicas atuais no Nordeste
foram oriundas de entrevista no Recife, em julho de 1967,
junho de 1969 e janeiro de 1971.
12. United States Assistance to Northeast Brazi/: Summary Re-
por!, 1962-June 30, 1968 (AID/ Brazil, Northeast Area Offi-
ce, Recife, 31 agosto 1de 1968).
13. A. Tamer op. cit., supra, Cap. 2, nota 5, p. 115 .
14. Le Monde Diplomatique, 4 de maio de 1971.
297
296

-.....
-;ao acadêmica. Vários conhecidos meus - um funcionário 1111 Fnculdn·
de de Direito e um estudante de pós-graduação na universidade - CO!l•
Notas de Uma Prisão no Recife* vidaram-me para participar de uma "equipe de pesquisa" que estnvu m
organizando, como parte de uma concorrência para um contrato lucru-
tivo com a Força Aérea dos Estados Unidos, a fim de realizar um estu-
do em profundidade na América Latina. Eu seria o "homem de campo"
no Nordeste do Brasil. Minha impressão inicial era que isto envolveria
investigação fiel e legítima das condições políticas, sociais e econômi-
cas; até que meus dois amigos me informaram de que o objetivo do exer-
cício era determinar como diversos setores da população local reagiriam
a uma invasão e ocupação por tropas estrangeiras; disseram que eu de-
veria tentar reunir "coisas de peso". O estudante de pós-graduação es-
clareceu mais, com um breve sorriso: "Nós queremos documentos -
panfletos, até mesmo correspondência particular -, mesmo que você
VISITEI o RECIFE, pela primeira vez, no verão de 1963. Deveria ter sido tenha de pedir, tomar emprestado ou roubar." Essas instruções me sur-
uma breve parada numa viagem de turismo por toda a América do Sul, preenderam a tal ponto que nunca cheguei a indagar a nacionalidade das
mas, em vez disso, a visita tornou-se o ponto alto de toda a viagem. Via- hipotéticas tropas estrangeiras. (O grupo de Harvard não conseguiu o
jei com um amigo cujas atuais atividades e idiossincrasias forçam-me contrato. Subseqüentemente, outro esforço de pesquisa semelhante, o
a referir-me a ele como Roland Snyder. Estávamos ansiosos para exa- "Projeto Camelot" do Exército, no Chile, resultou num grande fiasco
minar, em primeira mão, a inquietação que por algum tempo havia mar- quando exposto publicamente e prejudicou terrivelmente o prestígio dos
cado o Nordeste brasileiro como um "local de problemas". Permane- pesquisadores acadêmicos americanos na América Latina.)
cendo no Recife mais do que os três dias reservados aos visitantes ame- Embora a imprensa americana tivesse noticiado as inúmeras prisões
ricanos, conseguimos observar de perto e por longo tempo o que estava ocorridas imediatamente após o golpe, eu não tive qual(!Jer premoni-
acontecendo na região. ção de perigo ao planejar minha partida. Não foi possível Roland vir
Apesar de termos conseguido entrevistar a maioria das personali- também; portanto, parti sozinho para a aventura.
dades importantes no Recife e ao seu redor, quem mais nos fascinou foi Cheguei ao Recife no domingo, 1? de junho. O ambiente parecia
Francisco Julião. Por sorte, conseguimos persuadi-lo de que éramos ob- calmo e sem modificação. Naquela noite telefonei a Antônio Lucena,
servadores objetivos; por isso, permitiu que viajássemos com ele em vá- um engenheiro do Departamento de Saneamento do Recife e amigo de
rias oportunidades, para observá-lo em ação. Após uma estada de mais infância de Julião. Lucena, pessoa alegre, não-política, que havia pas- •
de um mês, ficamos convencidos de que as Ligas de Julião eram fracas, sado um ano na Universidade da Carolina do Norte, tinha servido de
desorganizadas e, em geral, superestimaáas como uma ameaça revolu- intérprete para Julião quando este concedia entrevista aos americanos.
cionária.** - Ele está fora da cidade agora - respondeu uma voz.
Meus planos de regressar ao Nordeste no verão de 1964 não sofre- - Quando ele voltar, peça para telefonar para Joe Page, no Hotel
ram modificação pelo golpe de 31 de março de 1964. Eu estava passan- Guararapes - repliquei.
do o ano acadêmico na Faculdade de Direito de Harvard, a fim de obter Levei mais ou menos 48 horas para chegar à conclusão de que Lu-
o grau de mestre em Direito. A minha descoberta mais notável durante cena deveria estar na cadeia. Pouco depois, soube que a "revolução"
este período ocorreu quando tive meu primeiro contato ·com a prostitui- havia abalado o Recife com especial força e que virtualmente todas as
pessoas ligadas às Ligas Camponesas haviam sido presas.
Como descobri uns três anos depois, Lucena realmente estava atrás
•Esta é uma versão revista de um artigo publicado na edição de junho da Revista da Univer- das grades, definhando numa cadeia, na vizinha cidade de Olinda. Eu
sidade de Denver. Quando escrevi esse artigo, não sabia absolutamente por que os meus cap- havia falado pelo telefone com o seu filho, que transmitiu a mensagem
tores tinham tão grande interesse no meu companheiro de viagem em 1963, e por que estavam
tão convencidos de sua presença no Recife. Só em julho de 1967 foi que Antônio Lucena, a ele dois dias depois, durante uma visita à prisão. Lucena insistira que
com muitas desculpas, me informou exatamente o motivo pelo qual a polícia estava à procu- tinha apenas servido de intérprete para Julião, agarrando-se, agora, a
ra de nós do!s. _ · uma aparente oportunidade de provar sua inocência. Infelizmente ele
••Nossas conclusões foram publicadas em "Report on Brazil", The Atlantic, março de 1964. não compreendeu minha mensagem telefônica. Chamou o oficial do Exér-

298 299
cito encarregado da prisão e disse-lhe que agora poderia fornecer teste- Quando saímos do prédio ele se virou para mim com ar tranqui-
munhas sobre a natureza não-política de seus vínculos com Julião; que lizador.
dois jornalistas americanos que haviam entrevistado Julião em 1963 es- - Vamos fazer o seguinte: amanhã, pela manhã, telefonarei parn
tavam agora de volta ao Recife, e que testemunhariam a seu favor. Ele ele e marcarei uma audiência. Fique calmo. Nada acontecerá de imediato.
deu nossos nomes aos oficiais. Naquele estágio ultraparanóico da "re- Balancei a cabeça com certa hesitação e lhe agradeci pelas suas pro-
volução", a única coisa que interessou ao oficial foi que dois america- vidências. Ele seguiu no seu carro e eu voltei a pé para o hotel. Estáva-
nos que haviam certa vez conversado com Julião estavam agora no Recife. mos no meio da tarde. Um irritado formigueiro de carros e velhos táxis
Enquanto isso, sem suspeitar de nada, comecei a entrevistar funcio- tornava as ruas intra nsitáveis, até que um policial de uniforme cáqui,
nários americanos no consulado e na missão da Usaid, e entrei em conta- em pé debaixo de um guarda-sol na esquina, mudava as luzes de trânsi-
to com meus amigos brasileiros que não haviam sido presos. Em to, com controles manuais reminiscentes dos aceleradores de mão dos
comparação com 1963, minha primeira semana na cidade transcorreu sem antigos bondes.
qualquer acontecimento digno de nota. Uma noite fui visitar pela primeira Sentindo calor, resolvi dormir um pouco. O pesado ar tropical
vez a famosa zona do porto do Recife. Bairro comercial muito ativo du- forçou-me a um sono profundo. Então acordei, estremunhado, com uma
rante o dia, a zona tornava-se, de noite, base de operações para as prosti- batida na porta. A batida era persistente. Ergui-me da cama e cambaleei
tutas do Recife. Elas perambulam pelas ruas e salões de dança e oferecem até a porta. Dois homens estavam em pé no corredor. Um deles, o único
algo para todos os gostos. Mesmo assim, a visão de uma moça atraente, funcionário do hotel que falava um pouco de inglês, aparentava um es-
vestida com cores alegres, de pernas e braços roliços, balançando os q ua- tado de profu ndo desconforto. Ele fez um gesto indicando seu compa-
dris à procura de fregueses, foi demais para mim, e procurei abrigo num nheiro, um homem baixo, moreno, d e ca ra dura, que usava um terno
galpão perto do palácio do governo, onde estava anunciado um strip tea- branco machucado.
se que veio a ser um espetáculo de variedades muito ruim (exceto por um - É a polícia. Ele quer revistar seu quarto e levá-lo para ser inter-
ato onde a moça começou nua e se vestiu com acompanhamento musical) . rogado.
- Deve haver engano - respondi; e então, falando português, afir-
Eu estava no Recife há nove dias quando recebi um telefonema urgente mei: - Eu sou americano.
para comparecer ao consulado americano. Um vice-cônsul, Pete de Vos, - Sim, ele sabe. Quer levá-lo preso.
tinha notícias interessantes para mim. - Está certo , está certo - resmunguei. - Pelo menos permita que
- Você tentou entrar em contato com Antônio Lucena, o intér- vista minhas calças. - Fechei a porta e me vesti. Ainda sonolento, não
prete de Julião? consegui pensar em .Qualquer coisa inteligente que pudesse fazer.
- Sim, na semana passada. Como soube? Reabri a porta. O Cara Dura, com ar sério e decidido, foi direto
- Bem, esta manhã a polícia telefonou. Eles descobriram isso e onde estavam meus pertences e começou a remexer neles com as patas.
indagaram de Lucena. Como sabe, ele está na cadeia. Dizem que ele in- O funcionário do hotel me olhava nervosamente. Prendi a respiração
formou que você é um agitador comunista notório, aliado a Julião. quando o policial se dirigiu à considerável quantidade de material escri-
Senti-me quase envaidecido: to que eu havia empilhado sobre a penteadeira. Uma edição de bolso
- Ótimo. E agora, que devo fazer? d a tradução do clássico brasileiro Os Sertões estava em cima de tudo.
- Informamos que você não é comunista, mas é melhor que você Infelizmente, a versão em inglês do título era R ebel/ion in the Backlands.
vá logo à delegacia para explicar tudo a eles. Ele jogou o livro ao assustado funcionário.
- Eu não vou sozinho, não senhor - respondi deselegantemente. - Traduza - ordenou, e o funcionário deu o equivalente em por-
- Está bem, irei com você. tuguês do título em inglês. - Rebelião, hein? - Seus olhos brilharam
Seguimos de carro, atravessando um dos rios que cortam o Recife, com a expressão de quem havi,a descoberto o já previsto, e ele começou
e estacionamos em frente a um prédio pintado de branco, na b eira do a juntar todo o meu materfaJ:.l impresso.
rio. Um grupo de pessoas se apinhava no corredor, que exalava um odor - Por favor, p ermita que eu telefone ao consulado americano -
desagradável. Com sua aparência elegante completamente deslocada na- pedi sombriamente.
quele ambiente, Pete conduziu-me a um escritório no primeiro andar, - Não, não pode. Você tem que vir comigo. -Apanhou um dos
também cheio de gente. Ele olhou o grupo com impaciência. meus blocos de anotações e algo fatal aconteceu. Um pedaço de papel
- Nunca veremos o delegado hoje - murmurou. - Vamos sair caiu no chão. Ele agarroll o papel e o leu com evidente satisfação. Nele
daqui. estavam escritos os nomes "Joseph Page, Roland Snyder".

300 301
- Joseph Page é você. Quem é Roland Snyder? Nesse momento, outro guarda apareceu e mandou que eu o scu11f11 ·
- Um amigo. Ele veio comigo o ano passado na minha visita ao se. Segui-o apreensivo para uma sala mal mobiliada. O Cara Dum c,qrn.
Recife - respondi. - Não pôde vir comigo desta vez. Está atualmente va ali, sentado atrás de urna escrivaninha. A fraca luz da vela accntuuv11
nos Estados Unidos. as rugas de seu rosto. Ele mandou que me sentasse.
O Cara Dura encarou-me com o mais suspeitoso dos olhares e me- - Gostaria de lhe fazer algumas perguntas - falou brandamente.
teu o papel no bolso. Comecei a lamentar ter trazido comigo o caderno - Se vou ser interrogado, gostaria de ter um intérprete para que
de anotações de minha viagem de 1963. possa responder em inglês.
Deixamos o quarto e caminhamos pelo corredor. Quando chega- - Isto não será necessário.
mos ao elevador, as portas se abriram, dando passagem a um jovem de - Então, gostaria de telefonar para o consulado americano.
óculos, obviamente um americano. Era, de fato, um Voluntário Papal, - Também não é necessário. - Ele folheou alguns papéis sobre
pertencente a um grupo de leigos católicos que estavam efetuando servi- a mesa e então fitou-me diretamente nos. olhos.
ços sociais para os bispos no mundo inteiro . Ele tinha estado trabalhan- - Sabemos que você está aqui no Recife com Roland Snyder e que-
do em construção para o bispo de Natal no Norte do Brasil e um amigo remos saber onde ele está.
comum recentemente lhe havia dito para me procurar na sua próxima Totalmente possuído pela surpresa, falei:
visita ao Recife. - Já disse que ele não está aqui. Está nos Estados Unidos.
Ele me fitou por um momento e depois perguntou, em inglês: - Não, você está enganado. Ele está no Recife. Temos testemu-
- Você é Joe Page? nhas que viram você com ele e nos comunicaram.
- Por que não volta mais tarde? - respondi. - Esta hora está Tive dificuldades para acreditar no que ouvia. Consegui dar um sor-
um tanto imprópria. riso amarelo.
O Cara Dura não pôde reprimir um olhar de triunfo. Colocando - o senhor deve estar brincando.
no chão meus livros e papéis, deu um passo à frente e exclamou: - Não, estou falando sério. Você tem que 11os dizer onde ele está.
- Ahah! Roland Snyder! Por qualquer motivo - talvez pela frustração das longas horas de
- Mas ... mas ... meu nome é Bernie - protestou o recém-chegado espera, talvez pelo absurdo de tudo aquilo - de repente fui totalmente
em português perfeito. dominado pela cólera.
- Pode provar isso? - Isto é ridículo, absolutamente ridículo - falei. - Vocês são to-
Bernie procurou sua carteira, que continha seu cartão de seguro so- dos loucos. Eu sou um escritor.· Sou americano. Exijo que me deixem
cial e a carteira de motorista de Ohio. telefonar para o consulado.
- Seu passaporte - exigiu o Cara Dura. Foi um grave erro. O Cara Dura pulou da cadeira, com os olhos
- Deixei-o no hotel. reluzindo perigosamente.
- Então você também está preso. Venha conosco. - Está bem - rosnou ele, fazendo um gesto oara os guardas. -
O Cara Dura levou-nos, através da ponte, para a delegacia de polí- Levem-no para o buque.
cia. Os grupos tinham ido embora, e o prédio, mal iluminado, estava Fiquei em pânico quando os policiais me agarraram pelo braço e
com um ar de abandono. Fomos encaminhados ao andar superior e de- revistaram meu casaco. Ensaiei um fraco protesto, que de nada valeu.
tidos numa pequena sala cheia de caixas de livros e panfletos confisca- Empurraram-me para fora da sala e descemos um lance de escada. Os
dos. Passaram-se horas, durante as quais a única ocorrência digna de acontecimentos estavam se processando depressa demais para minha com-
nota foi a falta de luz. Procuraram velas, e a luz bruxuleante projetava preensão. Atravessamos um pátio e encontrei-me em frente de um gran-
sombras amedrontadoras nas paredes. Bernie e eu conversávamos bai- de portão de ferro gradeado. Um policial gigantesco, usando um blusão
xinho, e de vez em quando o guarda ordenava que nos calássemos, não azul, apareceu. Um molho de chaves pendia de seu cinturão. Olhei-o de-
hesitando em exibir urna arma que carregava na cintura. sesperadamente.
Depois, levaram Bernie da sala. Eu podia ouvir a animada conver- - Eu sou americano. Eu sou americano. - Minha voz soava es-
sa na sala próxima. Ele voltou completamente transtornado. tranha e vazia.
- Ficaram perguntando se eu era comunista - disse ele em voz baixa Ele sorriu, mostrando uma falha entre os dentes da frente.
e apressada. - Eu disse que não, e eles então indagaram por que é que - Aqui embaixo isso não significa nada.
eu estava em companhia de um conhecido agitador comunista. Disse a eles Fui conduzido para o aposento central. Havia de cada lado um blo-
que nunca tinha visto você antes em minha vida, mas não acreditaram. co de celas apinhadas de prisioneiros. O meu novo carcereiro chamou

302 303
um deles, um jovem usando apenas calças de pijama, e abriu o portão cela foi aberta. Uma pausa, seguida de inconfundível som de pancttcl ni..
para as celas do lado direito. Entrei e o portão foi trancado. Gritos de dor, interrompidos por gargalhadas. Eu sabia agora que po
- Venha comigo - disse o prisioneiro, e caminhamos para o inte- deria permanecer deitado quieto por muito tempo.
rior do bloco de celas.
O cheiro de suor era insuportável. Duas horas depois uma voz chamou:
- Quantos estão aqui? - perguntei. - Americano, Americano. - Levantei-me de um salto, vesti-me
- Quarenta, neste bloco. rapidamente e saí da cela. Um dos policiais que me havia levado ao bu-
- Que tipo de prisioneiros são? que estava em pé na sala central. Olhou-me com desdém. - Venha.
Ele se virou, com olhar divertido. Retornamos ao escritório. O Cara Dura estava sentado atrás de sua
- Políticos. - Então seus olhos se apertaram. - Você é um es- escrivaninha, com um ar de presunção. Junto a ele estava um mulato
pião, não é? gordo, em mangas de camisa. Era o intérprete da polícia, mas na reali-
Minha negativa aparentemente não produziu nenhum efeito, e dade o seu inglês era tão rudimentar que sua única utilidade era conver-
ocorreu-me a idéia de que talvez eu não pudesse sobreviver a uma longa ter português difícil em português fácil.
permanência neste novo ambiente. - Sente-se - começou o intérprete com uma voz tranqüilizadora.
Chegamos à cela mais central, um pequeno cubículo já ocupado por - Queremos fazer-lhe algumas perguntas. - Obedeci, e um grupo de
quatro homens. Eles estavam deitados de bruços, dois em cima e dois guardas postou-se ao meu redor. - Agora, antes de tudo, o que é que
embaixo, no par de beliches presos à parede. A minha chegada em nada você está fazendo no Recife?
perturbou seu estado catatônico. - Eu sou um escritor.
- Você pode se deitar ali - disse o encarregado, apontando um - Pode provar isso?
espaço vazio junto à parede. Coloquei minha capa no chão e olhei em - O senhor está com minha pasta. Ela contém cartas de revistas
torno, desalentado. Um dos meus companheiros de cela, um negro com americanas dizendo-se interessadas em artigos sobre o Brasil.
cuecas sujas e rasgadas, sentou-se e ofereceu-me uma banana que tirou O Cara Dura pegou a pasta e jogou-a em minha frente.
de uma sacola de papel junto a seu catre. - Mostre-nos as cartas.
- Não, muito obrigado. Estou com muita sede. Há água por aqui? Com uma mistura de medo e suspeita, remexi entre os cadernos e
O encarregado gritou para a cela vizinha, e outro prisioneiro apare- classificados, mas a pasta de "Correspondência Independente" havia sido
ceu com uma lata de óleo cheia do que passava por água. Fitei o líquido retirada.
repulsivo e decidi expor-me a um ataque de desinteria aparentemente ine- - Estava aqui - gaguejei-, mas ... desapareceu ...
vitável, bebendo de uma só vez o "coquetel de ameba". - Ahahl - proclamou o Cara Dura. - Está vendo? Você não é
Avisando-me para permanecer na cela, o encarregado tomou a lata um escritor!
e saiu. O negro voltou a estirar-se no seu catre e continuou a olhar para Baixei a cabeça, desesperado. Minha expressão sensibilizou o intér-
o teto. Nenhum dos meus outros companheiros de cela se mexeu, mas prete.
estavam de olhos abertos. Eu me dirigi para a parede oposta. No calor - Espere, não fique perturbado - disse ele para me reanimar. -
opressivo, não hesitei em ficar só de cuecas. Usando jornais como col- Não estamos atrás de você. Não nos incomodamos com você. - Pausa.
chão, tive que escolher entre colocar minha cabeça junto a um par de Senti-me melhor. - A pessoa que realmente queremos - continuou -
pés descalços ou junto ao buraco que servia de latrina para a cela. O é Roland Snyder.
menor dos dois males prevaleceu e deitei-me no chão duro. Dentro de A expressão de meu rosto deve ter sido extremamente dolorosa.
pouco tempo descobri que a luz brilhante da sala, combinada com as - Oh, não - gemi. - Eu já disse que ele não está aqui.
gotas de chuva que começaram a cair pelas grades da janela aberta so- - Mas sabemos que está - declarou o Cara Dura imperiosamente.
bre mim, tornava o sono impossível. Cada minuto se arrastava intermi- - Ele esteve aqui o ano passado, não é verdade? - indagou o in-
navelmente. Especulei quanto à provável extensão de minha permanência térprete.
ali. - Sim.
Passou-se meia hora. Minhas emoções variavam entre o pânico e - E vocês ficaram no mesmo hotel, o Guararapes?
o terror. O tempo era meu inimigo. Por quanto tempo poderia ficar dei- - Sim, sim.
tado quieto? Um barulho na sala central atraiu minha atenção. Várias - E o pessoal do hotel conhecia vocês dois?
pessoas tinham entrado. Houve um clamor tumultuoso. Uma porta de - Talvez.

304 )05
- Talvez, não. Sim. Eles viram vocês dois juntos durante esta úl- Entretanto, às 9:30, Pete de Vos e Celso, um jovial f1111c1oná1lo h 111
tima sema na. sileiro do consulado, entraram no escritório do delegado. Em po11crn1
- Devem estar enganados. momentos vieram à nossa sala. Bernie deveria ser solto imcditttt11n1:111l',
- Não, você é que está enganado tentando nos fazer de tolos - mas, por causa de uma alegada burocracia, eu teria que esperar 1116 cl11
interrompeu o Cara Dura. - Ele ia se encontrar com você no hotel hoje co horas da tarde.
à noite. Estivemos escutando o seu telefone. Ouvimos você marcar um - Acho que estão interessados em suas anotações - confidencio u
encontro com ele. Pete.
- Não, não, não - gemi, convencido de que eles estavam com- Foi um dia longo, avivado apenas pelas histórias que meus compa-
pletamente loucos. Enterrei a cabeça nas mãos. nheiros contavam acerca dos horrores perpetrados contra os campone-
- Não temos mais nada a perguntar - anunciou o intérprete, e ses pelos militares e proprietários de terra depois da "revolução" de 1~)
a inquisição terminou subitamente. - Você pode se encontrar com seu de abril. No início da tarde, o Cara Dura passou pela sala para me dizer
patrício na sala anexa. Lamento que tenha sido necessário colocá-lo no que "tudo iria terminar bem". Consegui forçar um sorriso enquanto ima-
buque, mas era preciso dar-lhe uma lição. ginava o que faria se algum dia me encontrasse com ele num beco escuro.
- Sinto muito. Exatamente às cinco horas, Pete e Celso reapareceram, e eu fui sol-
- É um bom sinal - observou o Cara Dura com profundidade to. Não me disseram como tinham sabido da minha prisão, mas tenho
- , quando um americano diz que sente muito. razões para pensar que alguém que trabalhava na polícia era informante
Passava de meia-noite, mas Bernie estava acordado. Ainda se mos- do consulado.
trava nervoso pela provação a que fora submetido. Alguns guardas ar- Nenhuma desculpa oficial foi oferecida. Quando o cônsul-geral fez
mados tinha m-no levado em um jipe e lhe haviam dado distintamente um protesto informal às autoridades militares, o delegado respondeu que
a impressão de que aquele seria seu último passeio. Em vez disso, levaram- não liberaria minha anotações. Permaneci no Recife por mais duas se-
no ao hotel, onde ele apresentou seu passaporte. Mesmo assim, manas e tornei-me uma espécie de celebridade entre o "establishment"
recusaram-se a soltá-lo e levaram-no de volta à polícia, deixando-o con- americano e os conservadores locais, que se divertiram muito com mi-
finado no escritório onde agora eu o encontrara. Para o seu entreteni- nha experiência.
mento noturno, um dos guardas se embriagara e ficara meneando uma
pistola sob seu nariz. Quando cheguei no Rio de Janeiro, procedente do Recife, a Associated
Estendemo-nos no chão, mas foi-me impossível dormir, apesar de Press foi informada do incidente; mas resolveu-se não publicar a histó-
estarem na sala mais sete prisioneiros, todos dormindo um sono pro- ria. Não pude deixar de me indagar se uma decisão semelhante teria si-
fundo. Jo tomada se eu tivesse sido preso pela polícia cubana.
Minhas anotações foram finalmente liberadas e enviadas por mala
O novo dia se anunciou com a aparição dos faxineiros e de um rapazola diplomática do Recife para o Rio. Os meus captores tinham-nas enfiado
esperto com uma grande cafeteira pendurada nas costas. "Esta é a últi- na primeira embalagem encontrada, que aconteceu ser um grande enve-
ma indignidade", pensei. "Eles não vão nem nos alimentar." Na verda- lope pardo aparentemente confiscado de um professor local. Este toque
de, os prisioneiros tinham que comprar suas refeições, ou, como era mais final de insensatez é a recordação mais valiosa de minha experiência. No
comum, suas famílias traziam a comida em suas visitas diárias. O escri- envelope estavam impressas as palavras "Biblioteca Nacional de Pequim,
tório era muito mais informal e relaxante do que o buque. Isto era por- República Popular da China".
que os nossos colegas de quarto tinham sido detidos apenas pa ra
"investigação" (e estavam confinados neste escritório há uns 60 dias),
enquanto os infelizes lá embaixo haviam sido presos de maneira mais
formal.
Nossos novos companheiros nos pressionaram, salientando a neces-
sidade de uma comunicação urgente com o consulado americano.
- Caso contrário, vão manter vocês aqui por várias semanas -
disse-nos um jovem bancário. Ele concordou em nos ajudar a contra-
bandear uma mensagem por intermédio do seu irmão, que vinha visitá-
lo ao meio-dia.

306 307
ÍNDICE ANALÍTICO
E ONOMÁSTICO

" Acam pamento de Dianópolis", 167, 169-175; programa de alfnbctil ll·


119-124, 134 ção, 202-209; atividades anteri o rc~ uo
Ação popu lar, 132 golpe, 214-217, 220-222, 225-226; que-
Acordo do Nordeste, 94-95, 151 , 154, da, 229-235
168, 173 Arruda, Manoel Tertuliano Tra va~~º~
Acre, 192 de, 55
Aeroporto dos Guararapes, 48 , 150, 179, Ascensão, ilha de, 150-151
240 Associated Press, 307
AFL-ClO, 269 A té quarta, l sabefa! (Julião), 258
Agência Central de Inteligência, v. CIA Ato do Açúcar, 272
Agência dos Estados Unidos para o De- Ato Instit ucional, Primeiro, 210; Segun-
senvolvimen to Int ernac ional , v . do , 259; Q uinto (A l-5), 274
USA ID Aureliano, Rodolfo, 53
Agência de I nformação dos Estados Uni-
dos, v. USIA Bahia (cidade), 34
Agreste, 30-31, 40, 63 , 110, 198 Bahia(estado),44, 11 9, 121 , 164, 187
AJFLD (Instituto Americano para o De- Banco do Brasil , 199, 270
senvolvimento do Trabalho Livre), 269 Banco Munàial, 152
Alagoas, 102, 140, 145 Banco Nacional para o Desenvolvimen-
Alencar, Miguel Arraes de, v. Arraes, Mi- to Econômico (Rio de Janeiro), 85
guel
Alexina (esposa de Julião), 22, 57, 102. Bart lett, Charles, 224
120, 214, 240 Bastos, Justino Alves, 216-217, 230-23 1,
Alfredo, João, 194, 197, 200, 213, 260 235, 248, 250
Aliança Libertadora Nacional, 77, 78 Batista (ditador de Cuba), 50
Aliança para o Progresso, 11 , 12, 27-28, Beauvoir, Simone de, 105
88, 91, 93-95, 151-173, 179-180, 229 Beberibe, rio, 230
Alimentos para a Paz, 29, 199 , 267 Bell , Laboratórios, 150
Alves, Aluísio, 168-169, 203 , 205 Belo Horizonte, 106- 107, 125, 24 1
Angicos, 204-205 Beltrão , Oscar, 52-65 passim
Angola, 130 Bernardes, Artur, 58
Anti-Düring (Engels), 56 Bezerra, Gregório, 77, 79, 191 -192, 233,
Araripe, 70 237-238, 249
Arbenz (presidente da Guatemala), 50 Bohan, Mer win L., 88-89
Argentina, 30, 50, 108 Bo lívia, i8, 50, 11 9
Arraes, Miguel, 25, 27, 33, 64, 89, 91, 95, Bom Jardim, 55 , 57, 126- 127, 194, 239,
135, 149, 158, 161 , 182-183, 188, 192, 242
197, 201, 212, 244-246, 252-255, Branco, Humberto Castello, 145, 200,
258-26 1; ascensão política , 70-82, 2 15,245-246, 25 1, 253,259, 263, 273
136:147; relações com os americanos , Brasília, 121, 134, 139, 145, 162, 169, 182,

309
215, 225, 236, 240, 241; revolta dos sar- Coelho , dom Carlos , 249 Dakar, 81 Frank, André Gunder, 160
gentos, 216 Coelho , Duarte, 33-34 Dantas, San tiago, 9:' Freire, Paulo, 203-209, 222, 24R
Brasília Teimosa, 23-24 Coelho, Nilo, 261 Delegad o regional do trabalho, 194, Freitas, padre Alípio de, 130-13 1, 2 14
Brizola , Leonel, 223 Colômb ia, 50 Freyre, G ilberto, 58, 81, 143, 146-1'17,
196-198
Buenos Aires, 78 Cominform (Bureau Informativo Comu- Departamento Federal de Segurança Pú- 151, 155, 253, 262
nista), 92 blica (Brasil), 92 Furtado, Celso, 28, 33, 11 2, 132, 149 ,
Cabo, 179, 182, 194, 196, 199, 244 Comintern (Internacional Comunista), 78 Dequinho (irmão de J ulião), 127, 239 152, 199, 219-220, 255, 266; dado~ bio·
Cachaça (Julião), 58 Comissão Intêramericana de Desenvolvi- Desen volvimento sem Justiça, 262 gráficos, 25-27; e a origem da SUOE-
Café, importância econômica, 36 mento Agrícola, 200 De Vos, Pete, 300-301 , 307 NE, 84-95; relações com a USA ID,
Callado, Antônio, 65, 83-84, ll 4, 195, Companhia Capitalista do Nordeste, 121 Diário de Pernambuco, 52 162-169; e a q ueda de Miguel Arme~,
197, 216, 257, 259 Companhia Havaiana de Agronomia ln- Dieffcnderfer, John C., 153-156, 162, 229-235; cassação, 25 1
Câmara, d om Helder, 249-250, 261-262, ternacion11I, 270 166, 172-1 74
274 Companhia de Revend a e Colonização DNOCS (Departamento Nacional de Gagarin, Yuri, 29
Câmara, Joel, 124- 125, 194-195, 197, 239, (CRC), t08, 252 Obras Contra as Secas), 83-84 Galiléia, 53-59 passim; 64-65, 100, 149,
260 Conferência de Camponeses e Trabalha- Dos Passos, John, 29, 168 239
Cambào, 36-41 passim, 55 dores Rurais de Pernambuco, 106 Duvalier (ditador do Haiti), 155 GERA (Grupo Executivo para Rerorma
Canudos, 44 Conferência Nacional dos Bispos do Bra- Agrária), 27 1
Capangas, 21, 61, 64 sil (CNBB), 209 Eisenhower, Dwight D., 49 GERAN (Grupo Especial para a Racio-
Capibaribe, rio, 23, 51, 230 Congresso Nacional dos Camponeses, nalização da Indústria Açucareira do
Elbrick, Burke, 238
"Capitão Jesus, incidente com", 64-65 106-107, 125, 214, 241 EI Salvador, 76 Nordeste), 270-272
Cartilha do Camponês, 66 Congresso de Trabalhadores Rurais do Embaixada americana do Brasil, 90, 91, Goiana, 210-2 11
Casa de Chá do Luar de Agosto, 171 Norte e Nordeste, 187 152, 307 Goiânia, 103
Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Conselheiro, Antônio, 44-45 Equador, 18,50 Goiás, 103, 120-122
81 Cônsul francês, Recife, 175 Escravos negros, 34, 37 Gordon, Lincoln, 90, 152-1 53, 170, 172-
Castro, Fictel, 11-12, 22, 28, 67 , 87, 103 , Consulado americano, Recife, 157, 163, Escritório de Contabilidade do Governo 173, 224, 252 , 274
109, 116, 123, 144 169, 174, 222, 300, 307 dos Estados Unidos, 272 Goulart, João, 89, 93-95, 104-1 1I , 134,
Castro, Josué de, 23 Constit uição brasileira, 72, 80, 84, 136, 139, 162, 167-169, 187-189 passim,
Espera, 55, 10 1, 127
Castro , Regina de, 213-214, 240-242, 247, 138, 173, 187, 202, 215, 224, 234, 265 Estado de São Paulo, 103 221-225, 244-245, 270, 273
259-260 CONTAG (Confederação Nacional dos Grande Seca, 41
Catolicismo Romano, 35, 42 Trabalhadores Agrícolas), 199 Faculdade d e Direito de Harvard, 298 Greene, Graham, 248
Cavalcanti, Paulo, 249, 260 Coque, 23 Falcão, Aluísio, 76, 249 Gruening, Ernest, 9 1
Caxangá, 51, 57, 59, 64, 260 "Coronéis", 35, 57, 61, 72 FAO (Organização para Alimentação e Grupo Executivo para Reforma Agrária,
Ceales, Maria, 132-133, 240, 260 Corpos da Paz, 29, 31, 53, 151, 269, Agricultura das Nações Unidas), 32 v. GERA
Ceará, 41, 44, 70, 132 272-273 Farias, Osvald o Cordeiro de, 54, 61, 64, Guanabara, 123, 217
Celeste, Maria, 194, 239-240 Costa e Silva, Artur da, 117, 145, 21 5, 73, 246 Guatemala, 50
Chicago Daily News, 116 273-274 Guerra, Paulo, 140, 235, 246-249, 253,
FBI, 175, 247
Chile, 18, 50, 91, 159, 266 Costa Rica , 50 Federação das Indústrias de Pernambu- 261
China, 50, 164, 252, 307; visita de Cid CRC, v. Companhia de Revenda e Co- co, 225 Guevara, Che, 101, 119
Sampaio a, 75; influência sobre J ulião, lonização Federação de Sindicatos Rurais, 187, 192,
68 O Crescimento Econômico do 198, 217, 268 Haiti, 155
Chineses comunistas, 50 Brasil (Celso Furtado), 26 Fernando de Noronha, 151, 246, 250 Havana, 19,67, 109, lll , II 9
Christian Science Monitor, 29, 156, 162 Crespo, padre Paulo, 185-186, 191, 193, Figueres, José, 50 H indemburg (dirigível) , 76
C lA (Agência Central de Inteligência), 195, 197-198, 244 Firestone, 160 H irschman, Albert l. , 92
95, 157-159, 163, 169, 186, 201, 244, Cristãos novos, 33 Firmino, José, 126-127 Hora (A), 108
256, 269 " Cruzada do ABC" , 267 First National City Bank, 160 Hora, Abelardo da, 208, 249
Cícero, padre, 45-46, 70 Cruzada Internacional do Rosário, 142 Flagelados, 31, 27 5
Ciclo do caranguejo, 23 Cuba, 68 , 116-118, 13 1, 163, 192', 214, Força Aérea dos Estados Unidos, 28, 151, IBAD (Instituto Brasileiro para a Ação
Clark, Gerald, 26 256; e a indústria açucareira , 36 Democrática), 142, 145, 183
166, 299
Cleofas, João, 73, 80, 140-145, 169 C uernavaca (México), 260 Igreja católica, posição em relação aos co-
Formosa, 50
CLUSA, 158, 186, 244, 269 C unha , Euclides da, 42 munistas, 74; envolvimento nas eleições
Fortaleza , 31

310 311
de 1962, 142-14_,; organizando sindi- Liga Cooperaiiva dos fa lados Unidos da Nicarágua, 50 Pernambuco, 22, 25, 43, 90, 95, 11 5, 1ICJ,
catos rurais, 180-187, 192-193, 197-198 América , \ . CLUSA Nixon, Ric ha rd M .. 158, 257 147, 159, 17 1-173, 261: co ndlçõc~lln1,
Igreja do Largo da Paz, 77 " L iga dos Estudanies" , 213 Nordeste: o Homem Proibido, 262 3 1-33; his1ória, 33-35; polfllca, 57-S'J,
lndúslria açucareira do nordes1e. 33-40. "l.igll das Mulhe res" , 2 13 /\ osso Homem em Havana (Greene). 248 70-82: oposição a Julião, 99-104: mi·
180, 267-268 "Liga dos Pe~cadores" . 213 vidade das Ligas Campo n c~1111 ,
Inquisição, 33 "Ligas Urbana5". 213 124-135; movimemos de 1rabalhudorc\
Olinda, 34, 56, 242, 299
lns1itu10 do Açúcar e do Álcool, 38, 70, Londrina, 105, 132 "Operação Espada", 127 rurais, 182-201
270, 272 Lou , Henrique, 67, 138 " Operação Terror", 221 Perón (ditador da Argentina), 50, 108
lns1itu10 Americano para o Desenvolvi- Lucena, An tônio, 299-300 Organização para Alimemação e Agricul- Peru , 18, 50
mento do Trabalho Livre, 269-270 Luzzaw, Bruno B .. 152 tura das Nações Unidas, v. FAO Pe1rópolis, 93
lnslilulO Brasileiro para a Ação Demo- "Organização Polí1ica das Ligas Campo- Peyton , padre Patrick, 142
crática, v. IHAD Maciel, Marco An1õ11io, 247 nesas do Brasil". 213 P iauí, 70
lnsti1u10 J oaquim Nabuco de Pe~qu ba5 Madeira, Ilha da, 33 ONU (Organização das Nações Unidas) • Pio XII, papa, 74
. Sociais, 8 1, 200 Mamanguape, 17-20 88 Política no Brasil (Skidmore), 224
Irmão Juazeiro (Julião). 58. 241 -242 Man11, Thomas C., 224 Polõnia, 66
Mao l\é-tung, 28, 75 , 108, 116. 127 Pa lmares (cidade). 192, 233, 237, 267 Porcos, Baía dos, 89
J aboa1ão, 77 , 193 Maobla5, 190 Pa lma res, República dos, 34 Porto Alegre, 236
J oão Pessoa, 31, 131 Maranhão, 12 1, 130 Pan American (eia. aérea), 150 Portugal , 7 1, 82
João XX lll , papa, 184 Maranhiio, Co1h1i\ncio, 116 Panamá, 50 Prazeres , José dos, 51 -54, 59; e o Parti-
Johnson, Lyndon B., 236 Maria Boniia, 45 Paq uistão, 154 do Comu nista, 63
Jornal do Brasil, 11 7 Marighella, Carlos, 249 Paraguai, 50 Prestes, Luís Carlos, 66-67, 75, 104-106,
Judeus, 33 Mazzilli , Ra nieri, 236 Paraíba, 18, 19, 44, 119, 13 1, 21 8, 272; 114, 143, 249; e o Partido Comunista,
Julião, Francisco, 20-22, 27, 28, 33, 46, McCanhy, Joseph, 50 Ligas Camponesas na. 109- 11 2 78-80 ; rompimento com Julião, 109
89, 95, 149, 159, 175, 232,245, 258-260, McGovern, George, 29 Paraná, 105 Programa de Segurança Pública, 267
298-300; e as Ligas Camponesas, 52-68; MCP (Movimen10 de Cul1ura Popular), Partido Comunisla Brasileiro, 18, 22, Programa Pomo Quatro, 88, 122, 152
dados biográficos, 55-59; ascensão e 137-138, 202-203, 208, 222 163; e as Ligas Camponesas, 60, 62, 66; " Proje10 Camelot'', 159, 299
decadência políticas, 99- 135, 210-2 14; MEB (Movimento d e Educação de Base), associação de Julião, 66-68, 102-1 11; Promessa, 43
disputa pelo contro le de sindicaws ru- 209, 249 na polí1ica de Pernambuco, 74-8 1 pas- Protestantismo, e as Ligas Camponesas,
rais, 190-201; captura de, 239-243 Melo, padre Antônio, 180-186, 19 1, sim; e o levame de 1935, 76-78; cone- 62
194-200 passim, 244 246 249, 268 xão alegada co m Celso Fut lado, 92; P SB, v. Partido Socialista Brasileiro
Kennedy, Edward M., 29, 148-150, 239 Melo, Clóvis, 107- 108 rompimento de Julião, 107-108; opo- PSD, v. Partido Social Democrata
Kennedy, John F., 27-29, 87, 144, 149, Método Pa ulo Freire, 203-209, 222 sição a Julião, 133, 134; relações com PTB, v. Partido Trabalhista Brasileiro
168, 18 1,219 Michigan, esiado de (EUA), 272 Miguel Arraes, 171; organização de
Khrusehev, Nikita, 144 Ministro do lmer ior, 266 sindicatos rurais, 189-1 94; envolvimen- Quadros, Jâ nio, 67, 86, 89, 134, 139, 209,
Kissinger, Henry, 29 Mimslro do T rabalho, 186, 189 to com o p rograma de alfabet ização, 232, 245, 273
Kubilschek, Juscelino, 214, 215, 245 1!53 Morador, 39 207-208; fuga dos líderes, 249 Quarto Exército, 2 15-217, 230-235 pas-
273 Moraes, Clodomir , 66, 119, 2 18, 239, 260 Partido Comunista do Brasil (pró- sim, 237, 243-254 passim, 262
Kurzman, Dan, 243 Moraes, José Hcrmírio de, 14 1-145, 231, C hinês), !09 Qu«rup (Callado), 258
246 Partido Democrata (EUA), 89
Lampião, 44, 63 Moscou, 78 Partido Socialista Brasileiro, 7 1, 89, 91, Ramos, Oraciliano, 42
Lei de Segurança Nacional, 129, 195 Mota P edro, 17-20 !04-105, 139, 188, 19 1 Rainier, príncipe, 181
Lei do Trabalhador Rura l, 187 Movimemo de C ultura Popular MCP Par1ido Trabalhista Brasileiro, 58, 104, Recife, 34, 74, 92, 95, 149, 300; condi-
Leis Trabalhis1as Rurais, 184, 189 134, 2 14 ções no, 20-29, 136-137; sob domínio
L e Monde, 275 Nações Unidas, 88 Paula, Francisco Julião Arruda de, v. Ju- holandês, 34; ascensão comunista no,
Lemos, Francisco de Assis, 111 , 239 Nader, Ralph , 29, 156, 162 lião, Francisco 75; in íluência de Gilberto Freyre,
Liga (A), 122, 132 Napoleão, 36 P earson, Neale, 149, 249 81-82; Casa de Detenção, 125, 129,
Ligas Camponesas, 17-21, 28, 29, 40, 45, Na1al, 3 1, 77, 87 Pedra Bonila, 43 194, 197, 238; presença americana,
99- 100, 159, 182, 185, 2 18, 243; ori- New Republic, 183 Pedro, dom, 36 151- 160, 174- 175; eleições de 1963,
gens, 5 1-68; a tividades, 114-135; com- New York Times, 28, 49, 68, 86, 158, 159 P ereira, Hira m, 66, 76, 249 213-214; " renovação urbana", 260-261
petição com outros grupos, 189-201 Neivsweek, 17 1, 174, 190, 193 Pérez Jiménez (diiador da Venezuela), 50 Relatório Bohan, 88-93 passim, 154, 165

312 313

~
Relatório Furtado, 85-87 Serviço de Extensão Cultural, v. SEC Trotskistas, 78, 125, 129, 190, 195-197 Usinas, 37
Relatório Hispano-Americano, 170 Serviço de Informações dos Estados Uni- Tunney, John v., 149 Usineiros, 37-38, 74
Remón, J osé Antonio, 50 dos, v. USIS TV ABC, 29, 116
República Dominicana, 50, 175, 273 Sete Lagoas, 241 Vargas, Getúlio, 50, 56, 59, 70-80 J)n1Sl111,
República Indígena Guarani, 252 Skidmore, Thomas, 224, 226 UDN, v. União Democrática Nacional 87, 89, 217, 223
Revista Militar, 128 Shriver, Sargent, 29 ULTAB (União de Fazendeiros e Tra- Venezuela, 18, 50
Revolução Cubana, 11, 20, 29, 49, 67-68, Silva, Aureliano Vicente, 182 balhadores Agrícolas do Brasil}, 105, Viana, Darcy Villocq, 237-238
87-89, 116-117, 213, 255 Silva, Luís Pereira da, 243 Vicente, Antônio, 61
199
"Revolução em Quarenta Horas", Silveira, Pelópidas, 74, 76, 80, 122, 214, Vicente, José, 61
Union Carbide, 160 Vicente, Manoel, 61
203-209, 222, 248 226, 247' 260 União Democrática Nacional (UDN),
Rio de Janeiro, 24, 26, 30, 77, 83, 85, 90, Sirinhaém, 128, 196, 197 Vidas Secas (G raciliano Ramos), 42
71-82passim, 139-141 , 145, 168, 169
92, 120, 123, 132, 145, 152, 162, 218; Snyder, Roland, 298-305 passim Vietnam, 235
União Soviética, 66, 163 Violeiros, 63
eleição de Prestes para o Senado, Sociedade de Agricultura e Criação de
United Fruit Company, 50 Violeta (irmã de Miguel Arraes), 143, 250
78-79; Comício de 13 de março, 223, Gado dos Plantadores de Pernambu-
244; revolta dos marinheiros, 225 co, 53, 59-60, 63 Universidade Americana, 159 Vitória de Santo Antão, 52, 64, 194, 212,
Rio Grande do Norte, 77, 87, 90, 183-185, Sociedade para a Defesa da Tradição, Fa- Universidade da Bahia, 45 218, 239
171; acordo de educação, 168- 169, 174 mília e Propriedade, 274 Universidade do Recife, 208 Viver é Lutar, 209, 249
Robock, Stephan H., 87 Somoza (ditador da Nicarágua), 50 Uruguai, 236 Voorhis, H. Jerry, 158
Rockefeller, Nelson A., 257 SORPE (Serviço de Orientação Rural de USAID (Agência dos Estados Unidos pa-
Roett, Riordan J. A., III, 90, 94, 167 Pernambuco), 185- 186, 198, 244, 269 ra o Desenvolvimento Internacional), Wanderley, Wanderkolk, 232-233, 252
Rojas Pinilla (ditador da Colômbia), 50 Souza, Francisco de Assis Lemos de, v. 29, 94-95, 151-175, 199, 203-207, 219, Washington Post, 243
Romão, Chico, 61 Lemos, Francisco de Assis 233, 244, 253-254, 262, 269, 272
Roosevelt, Franklin D., 87 Souza, Jonas de, 54, 63 USIA, v. USlS Zezé (José Francisco de Souza}, 52, 54,
Russell, Bertrand, 248 Souza, José Francisco de, v. Zezé USIS, 59, 217 59, 105, 149, 254
Stern, 240, 283
Sá, Jesus Jardim de, 64 Stevenson, Adiai, 29
Sampaio, Cid, 65, 70, 72-81 passim, Stroessner (ditador do Paraguai}, 50
90-100passim, 139-146, 149, 167-168, SUDENE (Superintendência para o De-
180, 221, 225, 231, 235, 246 senvolvimento do Nordeste). 25, 27,
Sampaio, Lael, 214 82, 132, 190, 199, 218-221, 263-267,
Santana, Júlio, 196-197 270, 272, 275; origens, 86-95; relações
Santos, Francisco de Paula Gomes dos, com a USAID, 152-175; programa de
55 incentivos fiscais, 221, 263-264; desti-
Santos, Naílton, 164, 169, 232, 251 no após o golpe, 251, 253-255
São Paulo (cidade), 224, 253, 275 Szulc, Tad, 28, 68, 86, 118, 159
São Paulo (estado}, 67, 78, 105
Sapé, 110 També, 129, 142, 195, 196
Schlesingcr, Arthur M., Jr. 28, 91 Tcheco-Eslováquia, 66
Sebastião, rei de Portugal, 43 Teixeira, Elisabete, 19, J10-111
Sebastianismo, 43 Teixeira, João Pedro, 19, 109- 110
SEC (Serviço de Extensão Cultural), 203, Teixeira, Marluce, 19
208, 222, 248 Teixeira, Paulo Pedro, 19
Senhores de engenho, 35-40 passim, 55 Terra Conturbada (A), 29, 116
Sergipe, 180, 250 Time, 238
Serro do Rodeador, 43 Tiriri, 206
Sertanejos, 42-44 Tordesilhas, Tratado de, 33
Sertão, 31, 40-44, 61, 63, 83, 86, 198, 258, Tortura no Brasil, 275
259 Transamazônica, rodovia, 271
Sertões (Os) (Euclides da Cunha}, 42, 30 Trujillo (ditadpr da República Domini-
Serviço de Assistência Rural, 181-185 cana), 50

314 ~15
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