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⇢ Introdução.............................................................................................................................................................................07
⇢ Módulo I: Saúde e Doença Mental........................................................................................................................13
⇢ Módulo II: Construção Social da Loucura ......................................................................................................16
⇢ Módulo III: Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica ...........................................................................34
⇢ Módulo IV: Os 5 períodos da Reforma Psiquiátrica (periodização) ...............................................52
⇢ Módulo V: A Criação do SUS ....................................................................................................................................54
⇢ Módulo VI: Política de Saúde Mental .................................................................................................................57
⇢ Módulo VII: Saúde Mental x Capitalismo ........................................................................................................60
⇢ Módulo VIII: Saúde Mental no Campo das Políticas Sociais .............................................................61
▸Estrutura da unidade
▸Comissões e Regimentos do CAPS
▸Acolhimento
▸Assistência Farmacêutica
▸Consulta aos Usuários pelos Profissionais de Saúde Mental
▸Atendimento às Emergências
▸Situações Judiciais
▸Produção e Faturamento
▸Intensidade no Acompanhamento
▸Estudos do Modelo do CAPS
Os CAPS que são dispositivos alternativos da rede de atenção à saúde mental são
consequência da Reforma Psiquiátrica, vinculada à conquista do SUS pela Reforma Sa-
nitária. O trabalho é desenvolvido com ênfase à dimensão social dos problemas mentais,
com intuito de emancipar o usuário do serviço sujeito de direitos. Ou seja, nessa institui-
ção há uma psiquiatria da desinstitucionalização que entende as contradições da reali-
dade e o lado social, criticando a institucionalização do sujeito em manicômios. Cabe
destacar que essa análise não é contra as instituições em si, mas a favor de uma trans-
formação para atender a um projeto político democrático e popular e não repressor (BIS-
NETO, 2011).
O Movimento de Reforma Psiquiátrica incorpora a necessidade da presença do Serviço
Social nas instituições da Saúde Mental, garantidas em portarias ministeriais. Essa aber-
tura de campo para a profissão se deu devido ao caráter crítico dos assistentes sociais
e de uma formação social e política, que trabalha de forma a garantir os direitos da po-
pulação.
Vasconcelos (2006) destaca em relação aos referenciais teórico-metodológico e
ético-político do assistente social:
Como pressupostos ideopolíticos, destacamos o comprometimento com a garantia dos
direitos civis, sociais e políticos dos segmentos populares, com a preocupação de análise
dos serviços tendo em vista os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, com
vistas a contribuir para a qualidade do espaço público, para o controle social e, em última
instância, para a construção de uma nova ordem social. (VASCONCELOS, 2006, p.244).
Como fruto das lutas do Movimento da Reforma Psiquiátrica temos três Centros de
Atenção Psicossocial- II (CAPS-II) no Distrito Federal, que representa um dos dispositi-
vos da política. O presente trabalho se propõe a analisar o atendimento feito pelas as-
sistentes sociais dos três CAPS-II do Distrito Federal – por meio de entrevistas -, com o
intuito de apreender a atuação destes profissionais nesses serviços se seu trabalho é
pautado pelo modelo biomédico ou pelo modelo social da deficiência, assim como tam-
bém identificar dificuldades existentes na atuação profissional.
Devido à nova compreensão de deficiência a partir da Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoa com Deficiência, a loucura e a deficiência se aproximam, pois pode se
compreender a loucura como uma forma de opressão pelo corpo, assim como a defici-
ência, além de historicamente ambas serem estigmatizadas pela lógica vigente. Mesmo
que a loucura ainda não seja vista como uma deficiência, o presente trabalho se desafia
a demonstrar que ambas se aproximam devido a vários determinantes, e analisará se o
trabalho das assistentes sociais dos CAPS II se desenvolve pela lógica do modelo social
da deficiência.
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Módulo 1
A doença mental permanece até hoje obscura perante a medicina [...], no en-
tanto, o adoecer psíquico é facilmente percebido, pois em geral, são apresen-
tados pelos indivíduos que adoecem comportamentos fora daqueles normal-
mente aceitos pela sociedade.
Sendo assim, temos estabelecidos socialmente condutas entendidas como normais e
anormais, o que nos permite diferenciar a pessoa portadora de transtorno mental, o que
dependerá também da doença e do seu grau de desenvolvimento em que ela se encon-
tra. Os comportamentos mais conhecidos vão desde alterações de humor, manias, alu-
cinações até pensamentos constantes sobre a morte, o que só poderá ser determinado
como transtorno após avaliação médica e ainda assim é muito complexo.
Chegar a um consenso sobre o que ocasiona tais doenças ainda gera discussões,
pois o que temos são possibilidades que ocorrem de maneiras diferentes e variam de
acordo com o indivíduo e também o ambiente que se encontra. Geralmente, as doenças
que são mais “fáceis” de serem compreendidas são aquelas que já nascem com o indi-
víduo por uma questão genética, entretanto existem as que são provocadas por acon-
tecimentos passados ou relacionamentos conturbados, neste caso acentuam-se as po-
lêmicas por se distanciar ainda mais de uma explicação que esteja direcionada a todos
os PTM’s.
E por se mostrar com tantas variações é que a saúde mental é um importante objeto de
problematizações, por envolver principalmente o receio diante do desconhecido, o que
provoca tanto preconceito e isolamento para com o PTM; problematizações que não
devem se limitar apenas aos médicos, mas que necessitam estarem presentes no uni-
verso de todos os profissionais que participam e influenciam o cotidiano do ser humano,
para isso é preciso conhecer ao menos os mais significativos movimentos ao longo da
história que se colocaram a favor da saúde mental.
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Módulo 2
Assim, o advento de uma nova forma de sociabilidade, burguesa, que coloca como pre-
missa a compra e venda da força de trabalho, num contexto de interesses divergentes
entre duas classes antagônicas, suprime o espaço destinado a tudo aquilo que se coloca
fora dos padrões impostos pelo novo modelo econômico, social, político, cultural, ideo-
lógico etc. de viver, e inserida nesse contexto ressaltamos a figura do “louco”. Entre-
tanto, apesar de ser posto à margem dessa estrutura produtiva burguesa, o louco sus-
citou uma preocupação dentro do contexto amplo de sociedade; exemplo maior disso foi
o advento de uma consciência médica (psiquiatria) que formulou como doença da natu-
reza aquilo que até então era reconhecido apenas como mal-estar da sociedade.
No asilo se trabalhava com uma prática médica e pedagógica. A reclusão ficava a ser-
viço da disciplina, já que o objetivo era o ‘tratamento moral’ do louco. Os conceitos de
saúde e doença estavam numa perspectiva social, seguindo as normas do trabalho in-
dustrial e da moral burguesa, visando à manutenção da ordem pública.
A loucura adquiriu, no século XIX, uma descrição baseada na subjetividade,
tendo como principais representantes Pinel, na França, e Tuke, na Inglaterra, e posteri-
ormente Esquirol, considerado um dos maiores teóricos do ‘alienismo’, primeira escola
psiquiátrica. O ‘alienismo’ se baseava no entendimento da loucura como ‘desrazão’, ou
seja, alienação mental. O tratamento era baseado no Asilo, que tinha uma função tera-
pêutica. A organização do espaço asilar e a disciplina rígida eram elementos importantes
do tratamento, que consistia em confrontar a confusão do louco, sua ‘desrazão’, com a
ordem do espaço asilar e com a razão do alienista, que, para tanto, tinha de ser uma
pessoa de moral inatacável.
O conhecimento psiquiátrico, produzido pela primeira escola alienista, oferecia os supor-
tes teóricos que justificavam o ato de intervenção. Afirmando ser o essencial da loucura
o desvirtuamento das paixões, que se desvelaria nas relações sociais, os psiquiatras
tornam-se os detentores de um saber legítimo com o poder de examinar a história do
indivíduo, julgar suas condutas e impor, segundo seu veredicto, um tratamento. Isso
tudo em nome do bem-estar moral e social da coletividade e da manutenção da ordem
pública (SILVA FILHO, 2001).
O trabalho de Pinel recebeu elogios e críticas. Uma crítica dizia respeito ao caráter fe-
chado da instituição psiquiátrica, isto é, ao fato de os doentes ficarem trancados o tempo
todo em um espaço que se parecia muito com uma prisão. A cura almejada por Pinel não
foi alcançada e essas instituições se transformaram, mais uma vez, em locais de depó-
sito, abandono e exclusão para pessoas às quais a sociedade não apresentava propostas
alternativas para inclusão.
A sociedade capitalista é perpassada por diferentes interesses econômicos que
estruturam relações de poder, criando ideologias para justificá-las, e vice-versa, tendo
por base a propriedade privada. O interesse em estabelecer que o menos frequente é
anormal, e que o anormal é patológico, provém também da necessidade das elites eco-
nômicas e políticas de encontrar explicações para o mau funcionamento da sociedade,
eximindo-se de qualquer parcela de responsabilidade, estigmatizando grupos sociais
mais fracos que são usados como “bodes expiatórios” para os problemas sociais, vistos
como disfuncionalidades, ignorando a natureza complexa que perpassa as relações so-
ciais. De acordo com BISNETO (2001):
A loucura (independente de sua natureza intrínseca), que faz emergir a incon-
gruência dos valores sociais vigentes, que denuncia as ambivalências econô-
micas, morais, sexuais, políticas, da sociedade, precisa ser neutralizada por
um saber competente que a segregue do contato maior com o resto da soci-
edade. Aquilo que é divergente precisa ser considerado pelos interesses ins-
tituídos como desvio doentio e antissocial, irracional, algo a ser curado ou
então excluído. Daí pensamos que a transformação da loucura em anormali-
dade e depois em patologia só pode ser contextualizada pela análise da di-
mensão política da sociedade, articulada com as dimensões econômicas e
ideológicas (culturas, representações, saberes) e não apenas por critérios ci-
entíficos pretensiosamente neutros e aquém do social.
A vida social da época aparece assim fortemente polarizada entre os dois ex-
tremos da vida social; de um lado uma minoria de senhores e proprietários e,
de outro, a multidão de escravos; entre estes, a massa indefinida que não
cessa de crescer, dos inadaptados, dos indivíduos sem trabalho definido ou
totalmente sem trabalho. Alguns deles permanecem pelos campos, apartados
da civilização, vivendo miseravelmente daquilo que a natureza lhes pode dar,
brigões e truculentos, não raro pilhando caravanas e tropas de burros: outros
procuram refúgio junto aos senhores de terras e engenhos – são os agregados
- ou vêm engrossar as milícias particulares dos grandes proprietários, sua
agressividade canalizada para fins socialmente aceitáveis (RESENDE, 2001).
Diante de um quadro cada vez mais crescente dos chamados vadios e desordeiros; pre-
tos, mulatos, mestiços ou brancos puros, que se veem repelidos de qualquer situação
estável, seja pelo preconceito ou pela inexistência de empregos disponíveis, sem ocu-
pação pelas ruas das cidades, apela-se para a repressão à desordem, à mendicância e
à ociosidade.
No Brasil, antes da fundação do hospício, os loucos, quando tranquilos eram aco-
lhidos pela sociedade, podendo circular livremente pelas ruas, porém, quando agitados
e agressivos, eram reclusos nas cadeias públicas. Além do critério comportamental, a
classe social também definia a abordagem do louco, pois os ricos eram tratados em casa
ou enviados para tratamento na Europa, reafirmando novamente o forte componente
social que permeia a loucura, tendo em vista a abordagem diferenciada com que era
tratado o louco pobre. Neste sentido, socialmente ignorada por quase trezentos anos, a
loucura acorda, confunde-se com a situação de miserabilidade vivenciada pelos demais,
engrossando assim as levas de vadios que serão arrastados na rede comum da repres-
são.
A criação do hospício se coaduna com a forma como a questão social era abordada no
período – como caso de polícia -, como um assunto ilegal, subversivo, tratada como
crime ou desordem, devendo assim ser severamente reprimida, excluída do cenário so-
cial.
Assim, as demandas pela intervenção estatal na questão do louco e da loucura se cons-
tituíram sobre três pilares:
✎ O primeiro deles foi o social, provocado pela intranquilidade decorrente da “lou-
cura solta na rua”, que ganhava maior visibilidade em meio aos riscos de tumultos
urbanos, gerados pelo crescimento do contingente de homens livres e desocupados;
✎ O segundo era o clínico, pois os médicos, majoritariamente higienistas, em nome
de princípios humanitários e da higiene pública, passam a denunciar os maus-tratos
a que são submetidos os loucos (principalmente furiosos e agitados) detidos em pri-
sões comuns e sem tratamento médico, já reivindicando para si, desde 1830, por in-
termédio da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, o monopólio da cura e do tra-
tamento;
✎ O terceiro, de cunho caritativo, pois as irmandades religiosas pleiteavam uma ação
sobre a loucura, a fim de atenuar os sofrimentos humanos dela decorrentes (ROSA,
2003).
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Módulo 3
Dentre os princípios que foram aprovados na Constituição de 1988, inspirados nas pro-
posições defendidas pelo movimento sanitário, verificam-se como mais importantes
para a saúde:
✎ O direito universal à saúde e o dever do Estado;
✎ Ações e serviços de saúde passaram a ter relevância pública;
✎ O SUS passou a integrar todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada,
regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comu-
nidade;
✎ Participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar;
✎ A proibição da comercialização de sangue e seus derivados.
No ano de 1995, a presidência é assumida por Fernando Henrique Cardoso, que as-
sume o poder dando continuidade à política econômica neoliberal, mesmo assim, a luta
para manter as conquistas na área da saúde mental prosseguiram e, em 1995, o Movi-
mento Nacional da Luta Antimanicomial realiza o II Encontro Nacional de Luta Antima-
nicomial, em Belo Horizonte – MG, com o tema “exclusão e cidadania”, em meio a várias
críticas dos opositores da reforma psiquiátrica (empresários donos de hospitais psiqui-
átricos e defensores do modelo manicomial e da indústria farmacêutica).
De 2 a 6 de setembro de 1996, realiza-se a X Conferência Nacional de Saúde com o
tema “SUS – Construindo um modelo de atenção à saúde para a qualidade de vida”.
Suas deliberações reafirmaram as diretrizes da Constituição de 1988 e o SUS como polí-
tica nacional, destacando o princípio da municipalização. Ainda durante a Conferência,
foi exigido do governo o redirecionamento das políticas econômicas, voltado para o com-
bate às desigualdades sociais, distribuição de renda e expansão do emprego [...] Incor-
porando a saúde mental nas ações de atenção integral à saúde mental, defende-se a
assistência em unidades de saúde e em novos serviços (CAPS, NAPS, Pensões protegi-
das, Centros de Convivência, Lares Abrigados e similares). Delibera-se pela “substitui-
ção progressiva dos hospitais psiquiátricos por Serviços de Atenção Integral à Saúde
Mental até o ano 2000” (Ministério da Saúde) (ROSA, 2003).
Em novembro de 1997, foi realizado o III Encontro Nacional de Luta Antimanicomial,
em Porto Alegre –MG, com o tema “Por uma sociedade sem exclusões”.
Naquela ocasião o movimento reafirmou a necessidade de uma mudança que extrapole
o âmbito da psiquiatria, buscando desinstitucionalizar as relações sociais da sociedade
em geral, reconhecendo, para isso, a necessidade de articulação com outros movimen-
tos sociais.
Por intermédio de negociações entre o Movimento de Luta Antimanicomial e a
Federação Brasileira de Hospitais, no dia 21 de janeiro de 1999, é aprovado, no Senado
Federal, o projeto de Lei Sebastião Rocha, em substituição ao projeto de lei da reforma
psiquiátrica. Esse projeto trouxe como pontos polêmicos os artigos 4º e 5º, por deixarem
sem definição o papel dos hospitais psiquiátricos e, assim, possibilitarem a sua manu-
tenção como um recurso assistencial. Portanto, o movimento antimanicomial vai de en-
contro a ele, pois luta pela permanência de apenas um modelo assistencial, de base
comunitária e aberto (ROSA, 2003).
Em fevereiro de 2000 foi promulgada a Portaria 106, que estabelece a criação de
serviços residenciais terapêuticos em saúde mental, em substituição à internação psi-
quiátrica prolongada, tendo como objetivos garantir a assistência aos que não tenham
possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares
e promover a reinserção destes na vida comunitária.
Depois de 12 anos de tramitação no Congresso, sofrendo uma forte resistência cultural
em função da concepção dominante que perpassa a saúde mental, que tem em sua base
o modelo hospitalocêntrico, e indo de encontro aos interesses do setor privado, em abril
de 2001 foi finalmente aprovada a Lei nº 10.216, que leva o nome de seu autor, Paulo
Delgado.
Essa Lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, constituindo o carro-
chefe da reforma psiquiátrica, subsidiando ações que de fato impulsionem o andamento
da reforma no país.
A Lei nº 10.216, em seu artigo 1º, estabelece os direitos e a proteção das pessoas
acometidas de transtorno mental, “que são assegurados sem qualquer forma de discri-
minação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionali-
dade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução
do seu transtorno”. E no parágrafo único do artigo 2º enumera os direitos da pessoa
portadora de transtorno mental:
Outros dois artigos desta mesma lei são importantes: os artigos 4º (que põe em destaque
um dos aspectos centrais da Luta Antimanicomial, a desinstitucionalização dos porta-
dores de transtornos mentais) e 6º, que descrimina acerca das internações.
Destaquemos:
O instrumento normativo oficial do Ministério da Saúde que implantou pela primeira vez
o Caps foi a Portaria nº 189 de 19/9/91, seguida da Portaria nº 224/02. Atualmente, os
Caps e outros tipos de serviços substitutivos que têm surgido no país (NAPS -Núcleos
de Atenção Psicossocial, CERSAMs – Centros de Referência em Saúde Mental, e outros)
são regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integram a
rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcio-
namento e a complexidade dos Caps, cuja classificação e credenciamento passam a ter
como critérios a população do município e a composição da equipe técnica.
Os Caps tipo I e II possuem as seguintes características:
O Caps tipo III, além de possuir as mesmas características acima ressaltadas, destaca-
se por ser um “serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente,
incluindo feriados e fins de semana, e por estar referenciado a um serviço de atendi-
mento de urgência e emergência geral de sua região, que fará o suporte de atenção
médica”. Além disso, o Caps III poderá “dar acolhimento noturno, nos feriados e finais
de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual repouso e/ou observação”,
sendo que a “permanência de um mesmo paciente no acolhimento noturno fica limitada
a sete dias corridos ou dez dias intercalados em um período de trinta dias” (Id., 2002b),
características que o diferem dos Caps tipo I e II.
O Ministério da Saúde situa os Caps como dispositivos que devem estar articula-
dos na rede de serviços de saúde e necessitam permanentemente de outras redes soci-
ais, de outros setores afins, para fazer face à complexidade das demandas de inclusão
daqueles que estão excluídos da sociedade por transtornos mentais. Os Centros de
Atenção Psicossocial (Caps) deverão assumir seu papel estratégico na articulação e no
tecimento dessas redes, tanto cumprindo suas funções na assistência direta e na regu-
lação da rede de serviços de saúde, trabalhando em conjunto com as equipes de Saúde
da Família e Agentes Comunitários de Saúde, quanto na promoção da vida comunitária
e da autonomia dos usuários, articulando os recursos existentes em outras redes: soci-
ossanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empresas etc.
Os Caps funcionam, pelo menos, durante os cinco dias úteis da semana e oferecem di-
ferentes tipos de atividades terapêuticas, recursos que vão além do uso de consultas e
de medicamentos, destacando-se a psicoterapia individual ou em grupo, oficinas tera-
pêuticas, atividades comunitárias, atividades artísticas, orientação, acompanhamento,
atendimento domiciliar e aos familiares, assembleias ou reuniões de organização do ser-
viço, atividades esportivas, atividades de suporte social, visitas domiciliares, dentre ou-
tras. Dessa forma, o Caps pode articular cuidado clínico e programas de reabilitação
psicossocial através de projetos terapêuticos que contribuam para a construção de tra-
balhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de
cidadania que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente
à sua vida.
Os profissionais que trabalham nos Caps possuem diversas formações e inte-
gram uma equipe multiprofissional. É um grupo de diferentes técnicos de nível superior
(enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, peda-
gogos, professores de educação física ou outros necessários para as atividades ofere-
cidas nos Caps) e de nível médio (técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, técnicos ad-
ministrativos, educadores e artesãos), contando ainda com equipes de limpeza e cozi-
nha. As equipes técnicas devem organizar-se para acolher os usuários, desenvolver os
projetos terapêuticos, trabalhar nas atividades de reabilitação psicossocial, compartilhar
do espaço de convivência do serviço e poder equacionar problemas inesperados e ou-
tras questões que porventura demandem providências imediatas, durante todo o perí-
odo de funcionamento da unidade.
O papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento e manu-
tenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos usuários no atendi-
mento dos Caps depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do
usuário até o projeto terapêutico traçado pela equipe, e a rede de apoio familiar e social
que se pode estabelecer. O importante é saber que o Caps não deve ser um lugar que
desenvolve a dependência do usuário ao seu tratamento por toda a vida. O processo de
reconstrução dos laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autono-
mia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. Para isso, é im-
portante lembrar que o Caps precisa estar inserido em uma rede articulada de serviços
e organizações que se propõem a oferecer um continuum de cuidados. É importante
ressaltar que os vínculos terapêuticos estabelecidos pelos usuários com os profissionais
e com o serviço podem ser parcialmente mantidos em esquema flexível, o que pode fa-
cilitar a trajetória com mais segurança em direção à comunidade, ao seu território re-
construído e ressignificado.
O trabalho do Caps, consequência do movimento de reforma psiquiátrica brasi-
leira, que inspirou os atuais cuidados em saúde mental ultrapassa uma mera técnica
terapêutica, pois esse cuidado inclui ações de natureza política, objetivando a mudança
de preconceitos, invenção de novas técnicas para conceber e implantar novos serviços,
além da organização de uma rede variada de serviços e de ações no sistema de saúde,
de informação e mudanças na cultura da população. Destacamos ainda que este serviço
agrega, em suas ações, as novas conquistas sobre os direitos humanos, de inclusão
social das minorias, em particular do paciente psiquiátrico, simbolizada na bandeira da
não-exclusão, reconquista de sua cidadania. Esse contexto ideológico-político e técnico
obrigou à releitura e retomada de princípios e bases teóricas para as atividades da área,
fazendo com que se priorizem a ética, as necessidades e direitos individuais e civis na
relação com os usuários e familiares, em detrimento da relação técnica tradicional de-
tentora de um conjunto de prescrições universalizadoras e padronizações prévias da
singularidade das pessoas ou sujeitos, a priori objetivantes e reducionistas. Também le-
vou a uma referência do usuário como possuidor de direitos iguais aos de qualquer ci-
dadão, o que lhe permite conhecer os cuidados e procedimentos que lhe são dispensa-
dos, inclusive os medicamentos, seus efeitos benéficos e indesejáveis; sendo assim, es-
tará apto a decidir, juntamente com seus familiares e responsáveis a aceitação ou não
desse cuidado (RABELO et al, 2005).
Outro grande destaque que configura progresso no encaminhamento da reforma
psiquiátrica foi a aprovação, em julho de 2003, da Lei 10.708, instituindo o programa De
Volta Para Casa, que prevê assistência, acompanhamento e integração social de pes-
soas com transtornos mentais que estiveram internadas por mais de dois anos.
Outra iniciativa diz respeito à Portaria Interministerial Nº 353, de 7 de março de 2005,
que institui o Grupo de trabalho de Saúde Mental e Economia Solidária, formado pelos
Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego, visando, dentre outras medidas, propor
mecanismos de apoio financeiro para experiências de geração de renda e trabalho em
saúde mental.
Não podemos negar que grandes conquistas vêm sendo alcançadas na trajetória que o
movimento de reforma psiquiátrica vem percorrendo. Vários líderes desse processo de
reforma e da Luta Antimanicomial encontram-se nos espaços de atuação da política de
saúde mental no atual governo, procurando garantir os princípios da reforma, entre-
tanto, devemos reconhecer que ainda é preciso trilhar um longo caminho. Nos fins dos
anos 1990, com a hegemonia das políticas neoliberais, que trazem em seu bojo a desva-
lorização do trabalho humano, a falta de solidariedade para com os que se encontram à
margem do processo social, o desmonte das políticas sociais etc., numa conjuntura de
não-democratização, o movimento de reforma psiquiátrica tem sofrido reveses na con-
tinuidade de suas propostas, dentre elas a diminuição do investimento público no setor
de Saúde Mental.
No entanto, a crise do Estado e das políticas sociais tem influência direta decor-
rente do nível da sociedade, das organizações institucionais e das práticas cotidianas.
Com base no projeto neoliberal o atual governo faz contenção de gastos na área da sa-
úde pública com a racionalização dos serviços, implicando uma diminuição da oferta do
atendimento, a passagem da responsabilidade para o setor privado, que objetiva princi-
palmente o lucro, a descentralização da saúde com isenção de compromisso, o atendi-
mento às camadas pauperizadas através de serviços mínimos e assistência apenas bá-
sica, essencial.
O impacto do neoliberalismo no Brasil, no tocante às políticas sociais, tem sido o des-
monte da assistência pública nas áreas de saúde, educação, previdência, segurança,
justiça, cultura, entre outras. Na área da Saúde Mental, o neoliberalismo reduz o orça-
mento governamental destinado à ampliação do novo modelo assistencial em saúde
mental, incentivando a busca da medicalização através da indústria farmacêutica e do
tratamento baseado em remédios como saída para o atendimento em massa. Podemos
também citar o aumento dos problemas psíquicos, decorrentes das situações cada vez
mais degradantes de vida, que terminam por abalar toda estrutura social e psicológica.
A luta pela reforma psiquiátrica implica progressos e retrocessos, e não podemos
esquecer que a política de saúde mental não está dissociada de toda uma conjuntura
política e estrutura econômica que privilegia uma política econômica neoliberal em de-
trimento do acesso aos direitos sociais duramente conquistados e tão pouco respeita-
dos. Assim, torna-se cada vez mais necessário compreender os rumos tomados pela
reforma psiquiátrica para poder identificar os obstáculos rumo à sua plena e efetiva re-
alização.
Não podemos esquecer que a realidade social dos portadores de transtorno mental não
é diferente da realidade socioeconômica da grande maioria da população brasileira, que
sofre com desemprego, falta de acesso à educação, saúde, moradia, é vítima do pre-
conceito e da indiferença. Portanto, não podemos deixar de construir alianças com os
demais movimentos sociais na luta constante pela construção da cidadania dos porta-
dores de transtornos mentais e pela garantia e efetivação dos direitos da população.
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Módulo 4
O 1º período foi marcado pela emergência de movimentos sociais, entre eles o Movi-
mento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) em 1978, que tinham por princípios a
humanização dos hospitais, melhores condições de trabalho e aumento de serviços am-
bulatoriais em saúde mental, em 1980 acontece o Movimento de reforma Sanitária, en-
volvendo os profissionais da saúde de forma geral.
É importante ressaltar que o MTSM recebeu forte influência de Franco Basiglia, psiqui-
atra italiano, que em 1979 visitou três hospitais psiquiátricos implantados em três regiões
brasileiras e os comparou a campos de concentração. Franco Basiglia foi um dos res-
ponsáveis, que com ideias revolucionárias, conseguiram estabelecer significativas mu-
danças no tratamento à saúde mental na Itália.
No 2º período avança o MTSM, pois recebe espaço para iniciar a reforma e humanização
dos hospitais psiquiátricos, bem como sua entrada nas secretarias estaduais de saúde,
o que possibilitou sua intervenção em hospitais públicos e privados (1980-1987).
Por fim, o 5º período inicia-se em 1995 no governo FHC, sendo que a partir do neolibe-
ralismo são agravadas as expressões da questão social, como o desemprego que reper-
cutiu de diferentes formas no cotidiano da população, inclusive resultando em determi-
nadas reações/comportamentos que tornaram-se demandas para a saúde mental.
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Módulo 5
A Criação do SUS
Até o final da década de 1980, cabia ao Ministério da Saúde apenas campanhas
de promoção da saúde e prevenção de doenças, ações pontuais em locais com carências
importantes ou para populações específicas, e a manutenção de alguns hospitais para
tuberculose e psiquiátricos, estes últimos a cargo do Serviço Nacional de Doenças Men-
tais. A maior parte do atendimento em saúde pública estava a cargo do Instituto Nacio-
nal de Previdência Social (INPS), depois chamado de Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps), ligado a outro ministério, o da Previdência e As-
sistência Social. O INPS foi o resultado da fusão dos institutos de aposentadorias e pen-
sões de diferentes categorias profissionais organizadas na década de 1960, que propor-
cionava grande parte dos atendimentos de saúde, porém apenas para os trabalhadores
da economia formal e seus dependentes.
O restante da população que não pudesse pagar pelo atendimento particular era aten-
dido por instituições de caráter filantrópico ou nos hospitais-escola das faculdades de
Medicina. Nesse sistema, a proporção de investimentos na saúde para cada estado e
município era calculada pelo número de trabalhadores com carteira assinada residentes
nesses locais, criando uma enorme concentração dos serviços nas regiões mais ricas do
País.
Dentro desse quadro, e na conjuntura das lutas para a redemocratização do País,
já na década de 1970, vemos manifestações das entidades representativas dos profissi-
onais da saúde, centros universitários e setores organizados da sociedade, defendendo
a importância de uma gestão eficiente, justa e participativa do atendimento à saúde,
mais tarde dando origem ao denominado “movimento da reforma sanitária”.
Com o passar dos anos, um conjunto de mudanças é realizado para ampliar a cobertura
do Inamps, com crescente participação do Ministério da Saúde e dos estados e municí-
pios, mas a pressão crescente para uma cobertura universal e a crise do financiamento
do modelo da assistência médica da previdência social leva a medidas mais abrangen-
tes: primeiramente o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), na década
de 80, mediante convênios entre o Inamps e os governos estaduais e, logo a seguir, a
incorporação do Inamps ao Ministério da Saúde e a criação do SUS, em 1990 (Buss,
1995).
Já na Constituição de 1988 os princípios do novo sistema de saúde estão especi-
ficados nos cinco artigos da seção II (“da Saúde”) do capítulo sobre seguridade social.
O primeiro destes, o artigo 196, define a saúde como “direito de todos e dever do estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de do-
ença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.
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Módulo 6
Assim como também foram criados mecanismos para a fiscalização, gestão e redução
de leitos psiquiátricos no país. Há uma importante expansão da atenção à saúde mental,
de acordo com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, com a transição do modelo cen-
trado na internação hospitalar para um modelo de atenção comunitária.
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Módulo 7
Pensar a atuação do assistente social na área da saúde mental requer uma dis-
cussão entre loucura e sociedade, alienação social e prática profissional. Sendo assim é
inquestionável a importância de perscrutar o contexto dos portadores de transtornos
mentais, identificando suas necessidades, sejam elas, políticas, sociais, culturais ou até
mesmo materiais, pois, “se objetivamos uma certa autonomia dos usuários na reabilita-
ção psicossocial, precisamos fazer uma análise correta de suas possibilidades de rea-
propriação das relações sociais que os atravessam e os determinam” (BISNETO, 2007,
p.192).
Contudo, podemos verificar alguns avanços de autonomia nas relações sociais, porém
do ponto de vista da totalidade, percebemos que apesar dos imensos benefícios que
proporcionam aos usuários, as atividades desenvolvidas pelas instituições muitas vezes
não são suficientes para obter uma autonomia vasta. Desse modo, percebemos a auto-
nomia dos usuários muito mais na medida afetiva do que em outras áreas, levando em
consideração que “[...] a reabilitação social através do lazer ou da efetividade não é
equivalente à conduzida por uma atividade de produção (cooperativas de trabalho) nem
a reabilitação através de moradia ou da família (da esfera da reprodução social)” (BIS-
NETO, 2007, p. 192).
O Raciocínio é lógico se compreendermos que atualmente vivemos em uma so-
ciedade capitalista e excludente, dessa forma se evidência a necessidade de realização
dos portadores de transtornos mentais em todos os aspectos.
As concepções filosóficas de Marx definem o homem como um conjunto das re-
lações sociais, tendo como atividade vital o trabalho. Sendo assim o conceito de homem
sadio baseia-se na liberdade e independência, sendo ao mesmo tempo ativo relacionado
e produtivo. Freud posiciona-se semelhantemente quando relata que a saúde mental é
poder amar e trabalhar, mas no sentido incondicional que o verbo exige em trabalhar no
sentido de criar, sendo ao mesmo tempo útil e produtivo. “Em países de Primeiro Mundo,
como na Itália, a proposta de reforma psiquiátrica avançou, e lá conseguiram desenvol-
ver serviços residenciais e cooperativas de trabalho amparadas pela legislação comer-
cial” (LEONARDIS apud BISNETO, 2007, p. 183).
Módulo 8
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Módulo 9
Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus pro-
fissionais, mas a toda a gama de oportunidades e lugares que favoreçam a reabilitação
do usuário. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os serviços é a comunidade
e dela fazem parte a família, as associações, os sindicatos, as igrejas, etc. A comunidade
é, portanto, fonte de recursos humanos e materiais, lugar capaz de produzir sentido e
estimular as trocas.
As relações estratégicas mantidas entre o serviço e a comunidade podem ser pautadas
pela negação (a comunidade não existe), pela paranoia (a comunidade são os inimigos
que nos assediam), pela sedução e busca de consenso (a comunidade é tudo aquilo e
somente aquilo que me aceita da forma como sou e me aprova) e pela interação/inte-
gração (a comunidade é uma realidade complexa e exprime interesses contrastantes).
Visto que a família é parte integrante da comunidade, o serviço geralmente usa com a
família as mesmas estratégias utilizadas com a comunidade. Dessa maneira, a família
pode se tornar não só a protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação pro-
postas pelo serviço, mas também uma protagonista conflituosa dessas mesmas estra-
tégias.
Para minorar as dificuldades enfrentadas pela família na convivência com o doente men-
tal, o serviço deve estar apto a:
▹ Reduzir os riscos de recaída do usuário;
▹ Prestar informação clara e precisa sobre a doença (sinais, sintomas, tratamento,
medicação, etc.); ensinar habilidades de manejo e minimização dos sintomas; e
▹ Possibilitar que os familiares sejam capazes de exprimir suas necessidades e sen-
timentos.
Essa passagem é norteada por uma forte resistência cultural, social e econômica à
transformação da assistência em saúde mental. A abordagem psicossocial acentua o
reconhecimento do papel dos usuários, da família, da comunidade e de outros profissi-
onais de saúde como fontes geradoras de recursos para o tratamento do transtorno
mental e da promoção da saúde mental.
A reabilitação psicossocial deve ser entendida como uma exigência ética, um pro-
cesso de reconstrução, um exercício pleno da cidadania e, também, de plena contratu-
alidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social. Nesse
processo, estão incluídas a valorização das habilidades de cada indivíduo, as práticas
terapêuticas que visam ao exercício da cidadania, a postura dos profissionais, dos usu-
ários, de familiares e da sociedade perante o transtorno mental, as políticas de saúde
mental transformadoras do modelo hegemônico de assistência, a indignação diante das
diretrizes sociais e técnicas que norteiam a exclusão das minorias, dos diferentes. É,
portanto, uma atitude estratégica, uma vontade política, uma modalidade compreensiva,
complexa e delicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade
habituais.
Reabilitação psicossocial não significa substituir uma desabilitação por uma habilita-
ção. Não se trata simplesmente de recuperar habilidades perdidas em consequência da
instauração de um processo de adoecimento psíquico grave.
Trata-se de oferecer ao usuário oportunidades para que ele possa aumentar suas trocas
de recursos materiais e afetivos, em que se estabelece como decisiva a perspectiva da
negociação. Trata-se não de conduzi-lo a determinada meta estabelecida a priori, em
um referencial da normalidade, mas de convida-lo a exercer plenamente aquilo, seja
pouco ou muito, do que seja capaz.
Assim, reabilitar não se reduz a repor mais ou menos bem uma perda e sim trabalhar na
direção da construção de vínculos sociais possíveis. Para alguns usuários, especial-
mente aqueles com alto risco de exclusão social e prejuízo de sua autonomia, pequenas
mudanças podem significar grandes avanços.
O processo de reabilitação tem muito a ver com a casa, com o lugar que acolhe o indiví-
duo, que atende às suas necessidades materiais e afetivas.
Merece destaque a diferença fundamental entre estar num lugar e habitar um lugar.
▸O estar diz respeito à impessoalidade, à ausência de posse e de poder decisional.
▸O habitar representa um grau de contratualidade elevado em relação à organização
material e simbólica dos espaços e dos objetos, um lugar de afeto.
Não basta, portanto, encontrar uma moradia para o doente mental, mas um lugar de
trocas e de bem-estar. As trocas, contudo, não acontecem somente dentro das casas,
mas também nas ruas, nos mercados, na cidade. A rede social é o lugar onde acontecem
essas trocas, e seu empobrecimento acarreta o empobrecimento dessa rede, tanto de
modo quantitativo quanto qualitativo.
Esse empobrecimento acontece a partir da primeira rede social disponível, que é o nú-
cleo familiar. Geralmente, os serviços intervêm na rede social por intermédio da família,
pois se trata do universo mais definido, não só do ponto de vista de sua definição social
(clara para o usuário, para o profissional e para a própria família), mas também do ponto
de vista das estratégias de coenvolvimento da família. A família é, portanto, o lugar pri-
meiro de qualquer intervenção de reabilitação.
Outro cenário importante para o processo de reabilitação é o trabalho como valor
social. Não o trabalho que apenas entretém o usuário, mas o que gera lucro e insere o
indivíduo socialmente. Em uma sociedade ditada pelo capital, pouco permeável às dife-
renças que existem entre os seres humanos, transformar as relações que existem entre
ela e o portador de transtorno psíquico é um dos grandes desafios a serem enfrentados
pela Reforma da Assistência Psiquiátrica.
Nessa linha, o objetivo da reabilitação não pode ser aquele que faz “com que os fracos
deixem de ser fracos para poderem estar em jogo com os fortes e sim que sejam modi-
ficadas as regras do jogo, de maneira que dele participem fracos e fortes, em trocas
permanentes de competências e de interesses” (SARACENO, 1999, p. 113).
Dessa maneira, a discussão sobre a reabilitação psicossocial do doente mental necessita
não apenas de mudanças na forma de assistência, mas também de transformações de
ordem organizacional e jurídica e, sobretudo, na maneira como percebemos e convive-
mos com a loucura.
A forma como os diversos atores sociais (usuários, familiares, técnicos, estado)
agem faz com que seja reproduzido determinado modo de cuidar. Faz parte da política
nacional de atenção à saúde mental a criação de equipes de apoio matricial. O apoio
matricial ou matriciamento constitui um arranjo organizacional que visa a outorgar su-
porte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de
ações básicas de saúde para a população.
Nesse arranjo, profissionais externos à equipe compartilham alguns casos com a equipe
de saúde local (no caso, as equipes de Saúde da Família de um dado território). Esse
compartilhamento se produz em forma de corresponsabilização que pode se efetivar a
partir de discussões de casos, conjuntas intervenções às famílias e comunidade ou em
atendimentos conjuntos. A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica
do encaminhamento, pois visa a aumentar a capacidade resolutiva de problemas de sa-
úde pela equipe local, estimulando a interdisciplinaridade e a aquisição de novas com-
petências para a atuação em saúde. Em saúde mental, o apoio matricial é geralmente
realizado por profissionais da saúde mental (psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupa-
cionais, enfermeiros a assistentes sociais com formação em saúde mental). Esses pro-
fissionais podem estar ligados a serviços de saúde mental – Centro de Atenção Psicos-
social (CAPS), ambulatórios de saúde mental – ou se dedicarem exclusivamente a essa
atribuição, na forma de equipes volante. Com a implantação, pelo Ministério da Saúde,
de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), espera-se, no futuro, que parcela sig-
nificativa do matriciamento em saúde mental seja realizada por profissionais de saúde
mental, ligados a esses núcleos.
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Módulo 10
Em outras palavras, não basta que o sistema de saúde de um país ou região seja efetivo
em promover saúde, prevenir e tratar as doenças. Essas ações devem ser realizadas de
maneira compatível com os valores da população e acessível a todos, independente de
seus recursos financeiros. Esse trinômio auxilia a sistematizar um conjunto de valores
que guiarão o sistema de saúde e, nesse ponto, mais do que nunca a participação de
toda a sociedade é desejada, especialmente dos mais envolvidos: os usuários dos servi-
ços de saúde, profissionais de saúde, governantes, empresários do setor e outros.
Como exemplo, uma sociedade pode valorizar em primeiro lugar as liberdades e direitos
individuais, e esse valor levará a princípios de ação dentro do sistema de saúde. Num
outro caso, uma sociedade valoriza mais a segurança coletiva e o controle social de
comportamentos inadequados, priorizando então outros princípios de ação. Uma dada
cultura, em um dado momento histórico, apresenta um conjunto de valores prioritários,
por força da tradição, da ação de grupos de interesse, movimentos sociais etc.
Os princípios da política de saúde mental advêm desse conjunto de valores, que
deveriam ser debatidos e explicitados ao máximo.
Quando uma sociedade não é capaz de pactuar valores e princípios fundamentais para
sua política de saúde, ou temos “princípios no papel”, que revelam declarações “politi-
camente corretas”, mas que não se acredita realmente que serão implementados, ou
temos ações desencontradas, contraditórias entre si.
Um princípio que nasce dos valores de uma sociedade associados à justiça social é o da
equidade. O princípio da equidade ganha cada vez mais destaque no debate brasileiro e
mundial a respeito da organização dos sistemas de saúde, para responder à questão de
como melhorar o acesso e resolubilidade do sistema, para diminuir as imensas dispari-
dades no estado de saúde entre indivíduos, grupos da população e países.
A Organização Mundial da Saúde enumera dez áreas principais para ação na política de
saúde mental:
1. Organização dos serviços, planejamento e orçamento.
2. Financiamento.
3. Legislação e direitos humanos.
4. Oferta e distribuição de medicamentos.
5. Recursos humanos e treinamento.
6. Sistemas de informação.
7. Melhora da qualidade das intervenções.
8. Defesa dos direitos (advocacy).
9. Avaliação da política e planos de saúde mental.
10. Áreas de especial interesse (infância e adolescência, p. ex.).
Para dar conta dessas áreas de ação, são sugeridas no Relatório Mundial de Saúde da
OMS, de 2001, dez estratégias:
1. Prover tratamento para transtornos mentais integrados aos cuidados primários.
2. Assegurar amplo acesso aos medicamentos psicotrópicos essenciais.
3. Prover cuidados na comunidade.
4. Educar o público.
5. Envolver comunidades, famílias e usuários.
6. Estabelecer políticas, programas e legislação nacionais de saúde mental.
7. Desenvolver recursos humanos.
8. Estabelecer vínculos com outros setores.
9. Monitorizar a saúde mental comunitária.
10. Apoiar pesquisas relevantes.
Não há necessidade de seguir essa divisão à risca, e a realidade local pode trazer mu-
danças à lista, mas o importante é lembrar os envolvidos no planejamento da política
que suas ações devem se dar em várias direções simultaneamente, ou seja, não basta
reorganizar os serviços se não buscarmos financiamento para garantir a sustentação do
sistema, recursos humanos capazes de trabalhar no modelo assistencial empregado,
atentarmos para a questão dos direitos humanos na saúde mental etc., e todas essas
demandas não podem ser geridas isoladamente, mas sim de modo simultâneo e coorde-
nado.
▸ Financiamento
Não existe um percentual ideal de quanto o sistema de saúde deveria investir na
atenção direta à saúde mental. Países com sistemas de saúde muito desenvolvidos,
como a Inglaterra, gastam em saúde mental 6% de todo o orçamento da saúde.
O Brasil utilizou em 2005, em ações diretas de saúde mental, 2,34% do orçamento federal
para a saúde. É interessante notar que, se não existe um número ideal, frente à realidade
do “cobertor curto” (em que as necessidades de saúde lutam entre si por mais recursos),
uma porcentagem maior de investimentos em saúde mental evidencia o sucesso da po-
lítica de saúde mental em angariar apoios, demonstrar sua importância, garantir, por
meio da legislação e da própria organização dos serviços no sistema, a destinação dos
recursos etc.
▸ A rede de serviços
A modelagem da rede de serviços sempre será o ponto de maior visibilidade den-
tro de um sistema de saúde, para onde se voltam as maiores críticas e apoios, pois é
para a prática diária do atendimento que todos os demais aspectos do plano convergem.
Por outro lado, a existência de uma rede de diferentes tipos de serviços não basta se
nosso planejamento não dá conta de estratégias para a defesa dos direitos do usuário,
formação dos recursos humanos, obtenção de dados dos serviços que permitam moni-
toramento, avaliação das atividades realizadas etc.
Um exemplo da complexidade da organização de um modelo de rede está na convivência
da diretriz de hierarquização dos serviços no SUS e o princípio de trabalho em redes. O
conceito de níveis hierárquicos de atenção dos serviços, com seu clássico desenho da
pirâmide, tem sido muito criticado, seja por pretender impor uma porta de entrada única
ao sistema, seja por estimular, através do sistema tradicional de referência e contrarre-
ferência, a não responsabilização dos profissionais com o paciente.
Devemos, porém, lembrar as razões históricas para a estratégia da hierarquização, em
especial a busca por inverter um modelo de sistema centrado no hospital (na saúde
como um todo), privilegiando o nível de atenção primária como norteador do sistema.
A hierarquização pode colidir, no entanto, em aspectos centrais da busca por um funci-
onamento em rede na saúde:
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Módulo 11
Hoje a rede de Atenção Psicossocial, segundo normas ministeriais, está constituída pe-
los seguintes componentes:
I. Atenção Básica em Saúde;
II. Atenção Psicossocial Especializada;
III. Atenção de Urgência e Emergência;
IV. Atenção Residencial de Caráter Transitório;
V. Atenção Hospitalar;
VI. Estratégias de Desinstitucionalização; e
VII. Reabilitação Psicossocial.
✏ Atenção Hospitalar
• Enfermaria especializada em Hospital Geral
• Serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes de uso de crack, álcool e ou-
tras drogas
✏ Estratégias de Desinstitucionalização
• Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT)
• Programa de Volta para Casa (PVC)
✏ Reabilitação Psicossocial
• Iniciativas de Geração de Trabalho e Renda
• Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais
Atenção Básica, Instância Coordenadora da Rede de Atenção Psicossocial
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Módulo 12
Atendimento no CAPS
Nos CAPS, as pessoas que podem receber atendimento, são aquelas que apre-
sentam intenso sofrimento psíquico, pessoas com transtornos mentais severos ou per-
sistentes, incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e ou-
tras drogas), assim como, as crianças e adolescentes com transtornos mentais.
Para ser atendido em um dos CAPS, é necessário que a pessoa (ou seu familiar
ou cuidador) procure diretamente esse serviço. Também pode ser encaminhado pela
Estratégia de Saúde da Família (ESF) ou por qualquer outro serviço de saúde. O acolhi-
mento é o primeiro passo que deve ser tomado quando o usuário chega à instituição (ser
ouvido em seu sofrimento), compreendendo a situação de forma mais abrangente pos-
sível, iniciando um vínculo terapêutico e de confiança com os profissionais que lá traba-
lham.
Juntamente com a equipe multidisciplinar, é construída uma estratégia terapêu-
tica para cada usuário, pois todo o trabalho desenvolvido na instituição deverá ser rea-
lizado, em um “meio terapêutico”, tanto as sessões individuais ou grupais como a con-
vivência no serviço. Tudo isto é obtido através da construção permanente de um ambi-
ente facilitador, estruturado e acolhedor, abrangendo várias modalidades de trata-
mento.
Após estabelecer o projeto terapêutico individual do usuário, o CAPS disponibiliza três
tipos de atendimento:
▪ Atendimento intensivo: Se trata de uma atenção diária e é oferecido ao indivíduo
que se encontra com grave sofrimento psíquico;
▪ Atendimento semi-intensivo: É destinado ao paciente quando o seu sofrimento e a
desestruturação psíquica já minimizaram, melhorando assim as possibilidades de re-
lacionamento, mas o usuário ainda necessita de acompanhamento direto da equipe
multidisciplinar para se estruturar e recuperar sua autonomia;
▪ Atendimento não-intensivo: É oferecido quando a pessoa não precisa de suporte
contínuo da equipe, podendo ser atendido até três dias durante o mês.
Os CAPS atendem esses usuários suprindo suas necessidades básicas, visando oferecer
às pessoas com transtorno mental um tratamento digno, estruturando-os para que pos-
sam agir sobre o mundo, através de uma equipe de profissionais, com acompanhamento
diário, e onde possam, ao final de cada dia, voltar para seus lares e estar em contato
com suas famílias.
3) 2002 - dias atuais:Nesse período, o formato dos CAPS, seus procedimentos, equipe
e papel social estavam consolidados, assim como as formas de incentivo financeiros
para implantação e manutenção.
Objetivos do CAPS
▪ Oferecer atendimento/acompanhamento clínico em regime de atenção diária;
▪ Promover a inserção social pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários;
▪ Organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios.
Função do CAPS
▪ Prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações
em hospitais psiquiátricos;
▪ Acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, pro-
curando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território;
▪ Promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações
intersetoriais;
▪ Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de
atuação;
▪ Dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica;
▪ Organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios;
▪ Articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado
território;
▪ Promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exer-
cício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.
Classificação do CAPS
Os CAPS se diferenciam pelo porte, capacidade de atendimento e usuários aten-
didos. Estes serviços diferenciam-se como CAPSI, CAPSII, CAPSIII, CAPSi e CAPSad.
Os CAPS I são os centros de menor porte, existentes em municípios entre 20.000
e 50.000 habitantes. Estes se utilizam de uma equipe mínima de nove profissionais; têm
como usuários adultos com transtornos mentais severos e persistentes.
Os CAPS II são os centros de médio porte e atendem a municípios com uma po-
pulação com mais de 50.000 habitantes. Os usuários deste centro são os adultos com
transtornos mentais severos e persistentes e contam com uma equipe mínima de 12
profissionais.
O CAPS II pode, por sua vez, ser dirigido para o atendimento de adultos em geral ou para
populações específicas, como infância e adolescência (CAPS i) ou para problemas liga-
dos ao uso de álcool e outras drogas (CAPS ad).
Os CAPS III são os serviços de maior porte da rede CAPS. São capazes de dar
cobertura aos municípios com mais de 200.000 habitantes. Os serviços disponibilizados
são de grande complexidade, uma vez que funcionam 24 horas em todos os dias da se-
mana, inclusive feriados. Com no máximo cinco leitos realiza acolhimento noturno
quando necessário (internações curtas, de algumas horas a no máximo sete dias). Dis-
põe de, no mínimo, 16 profissionais (nível médio e superior), além da equipe noturna e
de final de semana, e têm capacidade de atender cerca de 450 pessoas por mês.
A partir de março de 2012, também o CAPS III pode ser especializado em problemas
ligados ao uso de álcool e outras drogas, sendo chamado CAPS ad III.
Os CAPSi são centros especializados em atendimentos de crianças e adolescen-
tes com transtornos mentais. São instituições, geralmente necessárias, para dar res-
posta à demanda em Saúde Mental em territórios com mais de 200.000 habitantes. Fun-
cionam durante os cinco dias úteis da semana, e têm suporte para acompanhar cerca
de 180 crianças e adolescentes por mês. A equipe mínima para estas instituições é de
11 profissionais de nível médio e superior.
Os CAPSad são especializados em atender pessoas que fazem uso prejudicial de
álcool e outras drogas e atendem cidades com mais de 200.000 habitantes, assim como
municípios de fronteira (rota de tráfico) ou cenários epidemiológicos importantes. Sua
equipe mínima é de 13 profissionais.
As três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em
saúde mental, devendo estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento
de pacientes com transtornos mentais graves e persistentes.
As diferenças entre as três modalidades estão no seu horário de funcionamento e tama-
nho da equipe, além de se presumir que, nos municípios menores, as demandas deve-
riam ser menos complexas.
O caráter aberto e polivalente dos CAPS pode suprir grande parte das diversas e sempre
crescentes demandas da saúde mental, sem que sejam necessários outros serviços mais
específicos: os CAPS devem atender urgências, acompanhar os pacientes mais graves,
oferecer oficinas de oferta de trabalho, orientar a Atenção Básica, controlar medicações
psicotrópicas de alto custo, realizar atividades culturais e educativas para a comuni-
dade, entre tantas outras funções.
O CAPS III
O grande diferencial dos CAPS III está em possuir uma estrutura capaz de ofere-
cer um “acolhimento” durante as noites e finais de semana. Essa albergagem em mo-
mentos de crise é por vezes referida como “hospitalidade”, para indicar uma disponibi-
lidade mais integral da instituição de se adaptar à necessidade de seu usuário, que even-
tualmente necessite sair do ambiente em que vive (como a casa da família, pensão ou a
situação de rua) por alguns dias (até sete dias corridos ou dez dias no mês), permane-
cendo num ambiente conhecido e acolhedor, evitando-se assim o conhecido périplo de
confronto com a família, passar no pronto-socorro (e lá ficar mais agitado) e, por estar
agitado, ser internado (e na internação, ficar mais assustado, agressivo etc.) e perma-
necer internado por um longo período.
O modelo dos CAPS III é hoje colocado como um ideal a ser atingido pelos muni-
cípios de médio e grande porte, mas necessita ser mais debatido nas várias questões
que têm sido levantadas sobre seu funcionamento:
▪ O CAPS III não pode ser considerado uma retaguarda da urgência psiquiátrica ou,
pior, ser considerado uma unidade de urgências psiquiátrica, pela ausência de toda a
estrutura que essas urgências devem ter, para salvaguardar a vida da pessoa aten-
dida. Todos os municípios que implantaram o modelo de CAPS III de que temos notícia
possuem prontos-socorros de psiquiatria e disponibilidade de transporte por ambu-
lâncias para garantir cobertura aos CAPS III.
▪ Pela portaria n.º 336, os recursos humanos mínimos para o funcionamento no plan-
tão da noite são “3 técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro
do serviço; 1 profissional de nível médio da área de apoio”. O dilema que se coloca é
que se aumentarmos essa equipe mínima para dar conta mesmo de um pequeno nú-
mero de usuários em crise, o modelo pode encontrar maior resistência em ser custe-
ado pelo município. Caso contrário, temos um grande risco para os usuários e enorme
desgaste para a equipe de plantão, a não ser que adotemos a estratégia de albergar
apenas usuários em crise moderada, que lá passarão a noite e finais de semana, mais
pelo suporte social (um albergue diferenciado) oferecido, e todos os demais casos
sejam encaminhados para o PS.
Descrevendo o CAPS
Como vimos, o CAPS é um modelo de serviço em constante evolução, do qual se
espera uma imensa gama de ações, frequentemente com limites pouco precisos em sua
definição. A seguir falaremos de questões trazidas pelo anseio do CAPS “funcionar no
território” e ao mesmo tempo as demandas por um ambiente terapêutico mais especí-
fico.
Acolhimento
No Brasil, o termo acolhimento ganhou força a partir do Programa Humaniza SUS, do
Ministério da Saúde, que em uma de suas cartilhas coloca:
Ambiência
Chamamos de ambiência no CAPS todo o ambiente terapêutico criado pela convivência
entre usuários e técnicos, que extrapola o espaço das atividades organizadas.
Não existem regras para estruturar essa ambiência, mas podemos encontrar formas de
estimulá-la na instituição.
▪ O ambiente da instituição deve propiciar uma experiência emocional reparadora, ou
seja, um espaço de experimentação novo para o usuário, diferente daquele que cons-
tituiu enquanto “ser”, uma sociedade que o exclui e não o acolhe.
▪ Se os profissionais de saúde têm todo o seu tempo de trabalho ocupado por uma
grade de atendimentos (grupos, consultas, visitas etc.) e reuniões, a possibilidade de
estarem na ambiência se torna episódica e superficial, quando não impossível. Além
disso, é uma queixa frequente nos CAPS que a disponibilidade dos técnicos para per-
manecer na ambiência é muito desigual. Escalas de acolhimento tentam favorecer
que os técnicos do CAPS dividam a semana para que todos tenham um período mí-
nimo no qual não agendam atividades e praticam uma busca ativa pelas demandas
da ambiência.
▪ O ambiente se define também pelo que se considera que se pode e o que não se
pode fazer no CAPS: as “regras da casa” nos dizem como o conjunto usuários e téc-
nicos conseguiram lidar com questões como a necessidade de fumar, tomar café,
deitar-se para dormir num sofá ou no chão, entrar e sair das atividades, permitir que
os outros possam conversar ou se concentrar em alguma tarefa, a limpeza da casa,
entre tantas outras pequenas e grandes questões cotidianas. Tudo é permitido? Nada
é permitido?
Tudo depende e será discutido a cada instante? A maneira de lidarmos com as con-
tradições da convivência marcará as estratégias terapêuticas do serviço.
▪ Quando falamos dos usuários do CAPS, devemos lembrar que não estamos numa
comunidade terapêutica, onde o grupo que se constitui ao longo de inúmeras conver-
sas e convivências é relativamente estável. No CAPS diariamente temos pessoas no-
vas (frequentemente em crise) entrando e outras saindo. Se a casa não busca cons-
tituir uma cultura institucional com regras simples e bem conhecidas do grupo, há
muita dificuldade de organizar a convivência, partindo-se cada dia do zero. Os exem-
plos surgem em todas as frentes: pintar a parede pode? E pintar em cima da obra de
outro usuário? O limite sempre estará presente, negá-lo não faz a instituição mais
libertária, e sim infantilizante.
Atividades
A Figura abaixo procura articular as diferentes ações desenvolvidas pelo CAPS: todas
as atividades (indicadas para determinada pessoa em seu projeto terapêutico, abertas a
todos do CAPS, ou ainda ações para acolher necessidades não planejadas), ocorrem
dentro e fora do CAPS, e não são apenas ações da equipe técnica, mas também dos
usuários, familiares, parceiros na rede de saúde outros setores etc.
Para mencionar esses outros setores, a 4.ª Conferência de Saúde Mental, que teve como
tema a intersetorialidade, nos auxilia em sua divisão de tópicos, para o planejamento de
ações intersetoriais:
1. Trabalho, geração de renda e economia solidária
2. Cultura e diversidade cultural
3. Justiça e sistema de garantia de direitos
4. Educação, inclusão e cidadania
5. Seguridade Social: previdência, assistência social e saúde
6. Comunicação, Informação e Relação com a Mídia
Estrutura da Unidade
▹ A unidade deve ser bem sinalizada com os fluxos de atendimento bem definidos
para a população, assim como o território de abrangência;
▹ O mapa com a área de abrangência do CAPS deve ficar exposto em local visível na
unidade;
▹ A unidade deve manter seu horário de funcionamento divulgado em local visível,
assim como o horário das atividades, da composição da equipe técnica, dos dias e
horários dos profissionais.
Na sala dos profissionais, deve haver quadro com identificação dos usuários internados
e com o respectivo técnico de referência, além da informação mensal de usuários aten-
didos (número de casos novos, número de usuários em situação de intensivos, semi e
não intensivos de cuidado).
Prioritariamente os CAPS devem ter, pelo menos, um funcionário de referência por turno
de funcionamento para realizar o atendimento de recepção e acolhimento de primeira
vez.
As unidades devem dispor de salas para atendimentos individuais, em grupos, sala de
armazenamento e fornecimento da medicação, além de espaços de convivência.
Os CAPS devem contar com transporte para atividades externas (incluindo outros mu-
nicípios), que pode também ser utilizado para transporte de usuários.
Os CAPS devem possuir estrutura e equipamentos necessários para realização de fatu-
ramento e produção de informações relevantes.
Os CAPS devem possuir infra estrutura material para realização de atividades terapêu-
ticas.
Os CAPS devem contar com refeição em diferentes turnos como parte do projeto tera-
pêutico dos usuários.
Comissões e Regimentos
Todos os CAPS devem possuir:
▹ Regimento interno da unidade, incluindo projeto institucional;
▹ Comissão de revisão de prontuários;
▹ Cargo de direção da unidade;
▹ Cargo de coordenação técnica;
▹ Cargo de chefia de gestão administrativa;
▹ Responsável técnico médico (devidamente registrado no CREMERJ);
▹ Supervisor clinico-institucional.
Acolhimento
A assistência à saúde centrada na pessoa e o atendimento humanizado deve in-
cluir ações de acolhimento nas unidades. O acolhimento deve iniciar na recepção, que é
a porta de entrada da unidade. Esta proposta visa a desconstrução da demanda de me-
dicalização e de internação como respostas prioritárias para o sofrimento psíquico.
Os CAPS devem organizar o trabalho equacionando a oferta de atendimento por de-
manda programada (aqueles atendimentos previamente agendados) e demanda espon-
tânea (atendimentos de urgência, atendimentos sem agendamento prévio ou atendi-
mentos de primeira vez).
O acolhimento para demanda espontânea deve ser organizado de modo que sempre te-
nha algum profissional técnico (nível superior ou médio) disponível para esta ação.
Assistência Farmacêutica
Os CAPS devem apresentar um plano de uso racional de medicamentos que deve
estar de acordo com o regimento interno da unidade e com as diretrizes municipal e
nacional de uso racional.
Todos os CAPS devem dispensar e armazenar os medicamentos em local próprio e ade-
quado.
Fica vedada a visitação de representantes de laboratórios farmacêuticos bem como a
distribuição de medicamentos de “amostra-grátis”. Fica vedado ainda o recebimento de
brindes ou benefícios de representantes de qualquer empresa.
A dispensação deve ser realizada por profissional com treinamento para tal, preferenci-
almente técnico/oficial de farmácia. Na falta deste, um funcionário do CAPS deve ser
treinado para realizar esta função.
Toda a relação de medicamentos, ligados à saúde mental disposta no REMUME (Relação
Municipal de Medicamentos) deve ser dispensada nos CAPS.
Todo CAPS deve ter receituário azul e especial disponíveis. A organização do fluxo de
distribuição da medicação nas unidades deve ser feita em conjunto com a assistência
farmacêutica da CAP, tendo um farmacêutico responsável orientando sobre o devido
controle e armazenamento da medicação.
A validade da receita deve ser determinada pelo médico, indicando a periodicidade para
dispensação (mensal, quinzenal ou semanal).
Consulta aos Usuários pelos Profissionais em Saúde Mental
A assistência à saúde centrada na pessoa deve incluir ações de várias categorias
profissionais da saúde, de acordo com as Leis e Portarias do Ministério da Saúde, prio-
rizando o trabalho interdisciplinar.
O Médico e o Enfermeiro devem solicitar, caso necessário, exames complementares,
seguindo os protocolos clínicos que especifiquem essas ações e/ou normativas técnicas
ou decretos que regulamentem tais procedimentos.
Todos os CAPS devem ter a senha do SISREG, com possibilidade de acesso para agen-
damento de todas as clínicas.
Atendimento às Emergências
Os CAPS não são unidades de emergência, porém devem acolher a todas as si-
tuações de crise dos usuários em acompanhamento no serviço.
Os CAPS devem manejar estas situações de crise, e somente após todos os recursos
possíveis terem sido utilizados, encaminhar para o serviço de emergência ou internação,
preferencialmente em leitos de hospital geral, e acolhimento em CAPS III (seguindo a
territorialização).
Usuário na unidade:
▹ Em agitação psicomotora – Direção ou Coordenação Técnica deverá ligar para
Central de Ambulâncias da prefeitura e para o Corpo de Bombeiros, unidade pró-
xima ao serviço, solicitando ABS (Auto Busca e Salvamento), caso necessário.
▹ Sem agitação psicomotora – Direção ou Coordenação Técnica deverá ligar para
Central de Ambulâncias da prefeitura.
Os usuários que permanecem um turno de quatro horas nos CAPS devem receber uma
refeição diária; os assistidos em dois períodos (oito horas), duas refeições diárias; e os
que estão em acolhimento noturno nos CAPS III e permanecem durante 24 horas contí-
nuas devem receber quatro refeições diárias. A frequência dos usuários nos CAPS de-
penderá de seu projeto terapêutico. É necessário haver flexibilidade, podendo variar de
cinco vezes por semana com oito horas por dia a, pelo menos, três vezes por mês.
Situações Judiciais
No caso do recebimento de demandas judiciais, o CAPS deve avaliar o pedido, verifi-
cando se corresponde a sua área de abrangência, e proceder à avaliação, com posterior
relatório informando sua análise da situação e conduta à CAP correspondente.
▹ Os CAPS não realizam perícia, somente fornecem laudos a usuários matriculados e
em acompanhamento no serviço, devendo ser solicitado pelo próprio ou represen-
tante legal, com prazo mínimo de 15 dias.
Produção e Faturamento
Os CAPS habilitados pelo Ministério da Saúde deverão apresentar a produção
através do RAAS (Registro das Ações Ambulatoriais de Saúde), além de BPA-C e BPA-
I, que podem ser utilizados no sistema GIL (Gerenciamento de Informações Locais), e
entregues sempre até o segundo dia útil de cada mês a respectiva CAP, que depois irá
enviar para a SURCA – SMSDC.
Os CAPS ainda não habilitados pelo Ministério da Saúde devem apresentar sua produ-
ção através de BPA (Boletim de Pronto Atendimento), utilizando o sistema GIL (Geren-
ciamento de Informações Locais), entregando o faturamento a sua CAP até o segundo
dia útil de cada mês a SURCA – SMSDC (utilizar o filezilla para enviar a produção).
Intensidade no Acompanhamento
A partir da portaria n.º 3.089, de 23 de dezembro de 2011, o repasse financeiro
do nível federal para os municípios, que se tornaram fixos por tipo de CAPS (e com a
portaria n.º 854, de agosto de 2012) o registro das ações passa das Autorizações para
Procedimento de Alto Custo para os RAAS.
Ainda assim, parece útil uma classificação da intensidade no acompanhamento, visando
casar a “intensidade” com um planejamento para atender a perfis de uso dos recursos
oferecidos, de acordo com o projeto terapêutico individual:
▸Não intensivo (consultas e/ou sessões psicoterápicas): A pessoa vem para o CAPS
apenas para essas intervenções. A convivência diária dentro do CAPS não é reco-
mendada, ao contrário, procura-se estimular/manter a integração em atividades na
comunidade (trabalho, estudo etc.).
Essas divisões são muito dinâmicas e atreladas ao projeto terapêutico, e ajudam a dar
maior clareza à indicação de cada recurso do CAPS (passar o dia na ambiência, frequen-
tar uma oficina de geração de renda etc.), para cada momento do cuidado.
Citamos, como indicações para leitura, exemplos de diferentes abordagens para o es-
tudo do funcionamento dos CAPS:
1. Pesquisas de satisfação do usuário: Pitta et al. (1995); Kantorski et al. (2009).
3. Estudos qualitativos: Nunes et al. (2008); Dias (2007); Koda & Fernandes (2007);
Onocko-Campos et al. (2009).
▪ Modelo psicossocial com ênfase no território: O grupo dos profissionais mais influ-
enciados por um modelo territorializado, que valoriza sobremaneira os aspectos so-
ciais do adoecimento, daí não conceberem um cuidado em saúde mental desvincu-
lado do trabalho com as esferas familiar e comunitária, e muito preocupados com a
esfera político-jurídica do mesmo.
A discussão que colocamos é a de como construir um serviço que de fato dialogue com
as pessoas que o procuram e a sociedade para além de nossos paradigmas?
Dois indivíduos chegam ao CAPS, trazidos por apresentarem um quadro psicótico e, in-
dependente disso, um se vê à margem dos valores e posturas convencionais da socie-
dade e procura manter essa posição; o outro almeja mais do que tudo uma vida “nor-
mal”, casar, ter filhos, ser bem aceito pelas pessoas que o rodeiam. Qual dos dois está
errado e precisa ser “corrigido”? Qual discurso (e projeto terapêutico) preconcebido é o
correto?
A sociedade é opressora, vamos fazer um filme demonstrando que suas alucinações são
uma forma de protesto” ou “a medicação está aí para ajudá-lo, você tem que tomá-la
para controlar essas vozes em sua cabeça, e você poder voltar a trabalhar. O que fará
sentido para um, será uma imposição para o outro, e a prática diária do CAPS se faz
através da busca do sentido pessoal para as ações do CAPS.
O “estar no território”, colocado como panaceia para essa complexa construção, corre
o risco de se tornar um discurso vazio, e para ilustrar nossos limites e contradições basta
pensar no microcosmos social que é a família. Muitas vezes é dito que a família deve ser
parceira no tratamento, mas e nos casos em que a relação familiar está tão deteriorada
que não conseguimos um acordo para superação dos problemas?
Frequentemente o CAPS adota a postura de validar o lugar do “louco”, constantemente
atacado, controlado ou rejeitado por seus familiares. Cria-se então um “espaço de re-
sistência”, onde o indivíduo ainda mora e depende de sua família, mas com a permanên-
cia durante o dia no CAPS, com as visitas domiciliares e conversas (nesses casos, fre-
quentemente tensas) com os familiares, reduz-se a área de atrito e, ao mesmo tempo,
torna-se claro para os familiares que eles têm que respeitar os direitos de seu parente
em tratamento (se o levarem ao pronto-socorro para uma internação, não terão apoio
da equipe, por exemplo). Tentando expandir essa estrutura para a comunidade como um
todo, podemos dizer que o CAPS se transforma muito facilmente nesse local de resis-
tência, onde o “louco” pode ser e fazer o que, fora do CAPS, será rejeitado e invalidado
por grande parte da população. Servimos de mediadores, reduzindo conflitos e empres-
tando nosso poder contratual, permitindo a circulação de nossos usuários em espaços
onde normalmente não seriam aceitos ou, por conta de um autoestigma, não se autori-
zam a entrar.
Mas, se esse é o caso, devemos ter mais clareza de que não estamos integrados a uma
comunidade amorosa e desejosa de participar na atenção aos nossos usuários, e sim
num ambiente difícil, no qual avançamos entre pequenas conquistas e recuos.
Tudo isso para afirmar que o CAPS está longe de “dissolver-se” no território”, por mais
importantes que as parcerias e ações “extramuros” sejam, o CAPS precisa ser também
uma referência de local protegido e acolhedor, e aproveitar ao máximo esse espaço para
ações terapêuticas potentes e criativas.
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Módulo 13
Em geral, o caps conta com uma equipe composta por psicólogos, assistentes sociais,
psiquiatras, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, técnicos em enfermagem, recepcio-
nistas, auxiliares de serviços gerais, motoristas e agentes administrativos.
A instituição é mantida por recursos financeiros do governo federal e municipal, e fun-
ciona de segunda a sexta, das 08h às 17h, onde ao final do expediente o paciente retorna
ao contexto sociofamiliar.
A proposta da instituição é acolher o usuário com transtornos mentais, e estimular sua
integração social e familiar, apoia-los em suas iniciativas de busca de autonomia, ofere-
cer-lhes atendimento merecido e psicológico, constituindo-se como instrumento estra-
tégico de Reforma Psiquiatra.
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Módulo 14
Integralidade do Atendimento
O conceito de integralidade, assim como o conceito de intersetorialidade (abor-
dado no módulo seguinte) surgem no cenário das políticas sociais através da política de
saúde, sendo difundidos às demais posteriormente.
Na saúde mental, a integralidade do cuidado é um princípio ético e político que implica
organizar e efetivar o atendimento e os serviços de forma que o usuário seja atendido
na sua integralidade, buscando superar a fragmentação no atendimento, tendo em vista
a concepção ampliada de saúde e todos os fatores que causam o adoecimento.
Segundo Mattos (2001, p. 41):
Através desta ruptura das estruturas organizadas, como afirma Mattos, ocorre
o fortalecimento efetivo do atendimento, descentraliza-se a figura do médico, e criam-
se mecanismos que possibilitem a atuação interdisciplinar. E como consequência ações
de prevenção, promoção e reabilitação, e não somente ações de tratamento, tanto no
âmbito individual, quanto no coletivo.
A integralidade pressupõe que o atendimento e as ações de saúde sejam realizadas de
forma integrada, e voltadas para a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde.
Sendo assim, as ações em saúde devem ser pensadas e estruturadas em conjunto com
os demais setores de atendimento e principalmente com os usuários, de forma que aten-
dam às necessidades destes.
Ainda sobre a análise das ações que visam à integralidade no atendimento, Cezar afirma
que a mesma “está assentada em dois pilares básicos, a interdisciplinaridade e a inter-
setorialidade”. Ou seja, o pressuposto para a efetivação da integralidade do atendimento
é uma estruturação e articulação da equipe do serviço, bem como uma estruturação e
articulação desta mesma com outras equipes de outros espaços e serviços.
É por isso que o primeiro sentido para a integralidade em saúde relaciona necessidade
de articulação entre as práticas de prevenção e assistência, envolvendo necessaria-
mente a integração entre serviços e instituições de saúde.
Logo, para que isso seja possível, é necessário o envolvimento e a articulação do setor
saúde como um todo, juntamente com outros campos de política social, por meio de
iniciativas, projetos e programas em várias áreas. A integralidade deve ser ideal de prá-
tica cotidiana. Desta forma, cabe defender a integralidade como valor a ser sustentado
nas práticas dos profissionais de saúde, ou seja, um valor que se expressa na forma
como os profissionais responderão aos pacientes que os procuram.
A adoção da integralidade do atendimento reflete diretamente na maneira com
que o usuário é atendido, a forma com que este terá sua atenção, e este processo não
deve ser adotado somente no âmbito da saúde, mas em caráter totalitário das demais
políticas sociais, programas e serviços, principalmente.
Pensar a integralidade do atendimento é transformar o modo de atuação. Perpassa a
adoção de mecanismos de escuta e respeito com o usuário. Como ressaltado pela Polí-
tica Nacional de Promoção de Saúde:
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Módulo 15
Intersetorialidade
Com a promulgação das leis 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, é implementado no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo
como premissa o art. 198 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). O SUS tem
como diretrizes principais a universalidade e integralidade no atendimento aos usuários,
a descentralização dos recursos e a regionalização, visando ao atendimento das peculi-
aridades de cada região.
Nos dispositivos da Lei 8.080, no art. 3º, está descrito que:
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Módulo 16
Equipe Mínima
CAPS I
▹ 1 médico psiquiatra ou médico com formação em saúde mental.
▹ 1 enfermeiro.
▹ 3 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao
projeto terapêutico.
▹ 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS II
▹1 médico psiquiatra
▹1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹4 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS III
▹ 2 médicos psiquiatras.
▹ 1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹ 5 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.
Para as 12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados, a equipe deve ser composta
por:
▹ 1 profissional de nível universitário.
▹ 3 técnicos/auxiliares de Enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço)
▹ 1 profissional de nível médio da área de apoio.
CAPSi
▹ 1 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental.
▹ 1 enfermeiro.
▹ 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicó-
logo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo
ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.
CAPSad
▹ 1 médico psiquiatra.
▹ 1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹ 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das in-
tercorrências clínicas.
▹ 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicó-
logo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profis-
sional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.
CAPSad III:
▹ 1 psiquiatra.
▹ 1 enfermeiro com experiência e/ou formação na área de saúde mental.
▹ 5 profissionais de nível universitário, 4 técnicos de Enfermagem;
▹ 4 profissionais de nível médio;
▹ 1 profissional de nível médio para a realização de atividades de natureza adminis-
trativa.
No período diurno aos sábados, domingos e feriados, a equipe mínima será composta da
seguinte forma:
▹ 1 enfermeiro.
▹ 3 técnicos de Enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço).
▹ 1 profissional de nível fundamental ou médio para a realização de atividades de
natureza administrativa.
Módulo 17
Oficinas Terapêuticas
A orientação do modelo assistencial em saúde mental, atualmente, vem impondo
a necessidade de complexificação da organização e oferta dos serviços (prevenção, pro-
moção, redução de danos, reabilitação, reinserção social, apoio, etc.) e , redefinir o ob-
jeto de trabalho (antes a doença, agora o sujeito) implica repensar os meios de interven-
ção, de modo que, possibilitem momentos de interação entre os dois sujeitos (usuário-
trabalhador) que instituem necessidades, saberes e representações de maneira demo-
crática e respeitosa.
As oficinas são tecnologias valiosas nesse processo, pois oportunizam, mediante
o trabalho e a expressão artística, espaços de socialização, interação, (re)construção e
(re)inserção social. Nelas, o sujeito, tem liberdade de se expressar, sendo capaz de lidar
com seus medos e inseguranças, bem como de realizar trocas de experiências.
As oficinas podem ser expressivas, geradoras de renda ou de alfabetização. Acontecem
diariamente nos CAPS sob a coordenação de um ou mais profissionais de nível superior
ou monitores, com o objetivo de trazer o sujeito em crise, desintegrado e isolado de volta
ao meio social mediante a reabilitação psicossocial.
Nos fragmentos de diários de campo a seguir, encontramos algumas características das
oficinas terapêuticas realizadas nos CAPS:
“É um grupo onde são realizadas atividades mais curtas com o assistente so-
cial e os técnicos de enfermagem, para diversificar e motivar (mobilizar) os
usuários. Havia oito usuários, com bastante dificuldade de interação, falavam
muito pouco. Fizeram atividades variadas, como: técnica de relaxamento,
conversar sobre a vida de cada um (como se sentiam em casa); faziam um
acompanhamento de sintomas (tinha melhorado o sono?), adequação da me-
dicação (ouviram e anotaram queixas sobre dificuldades com os medicamen-
tos), atividades de lazer e recreativas, ouviram música e conversaram sobre
suas preferências musicais.”
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Nos registros acima, constata-se a realização de uma atividade planejada que estimu-
lava os usuários a construir algo material (pintura no tecido, colcha) e, simultaneamente,
a expressarem seus sentimentos, na medida em que rememoravam o passado e proje-
tavam o futuro.
“A usuária que estava apenas desenhando solicita uma música e logo é aten-
dida pela professora que coordenava. Todos conversam sobre preferências
musicais, pedem músicas e são atendidos ou, quando a música desejada não
está disponível, se planeja como conseguir. Alguns cantam juntos. Encerra-
se a atividade avaliando e planejando a próxima.”
⇣
Analisando os registros acima, percebe-se que o elemento organizador dessas oficinas
era, principalmente, a subjetividade dos sujeitos e a reconstrução do papel social obtidos
por meio da inserção do usuário do CAPS em um nível ativo de participação, possibili-
tando-lhe, uma nova esfera de relações.
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Ele passa a exercer sua "contratualidade", ou seja, expressa seu poder de
decisão a respeito de si mesmo, de seu tratamento, das atividades que de-
seja realizar, exercendo, assim, sua cidadania. Nesse contexto, ele não é me-
ramente um autor de obras, mas autor de sua própria vida.
Entretanto, sabemos que todo processo social de transformação não é linear, mas, sim,
feito de avanços e retrocessos. Se em alguns CAPS há avanços no processo de conso-
lidação do modo de atenção psicossocial, com a utilização consciente de tecnologias
que favorecem a execução do projeto proposto (promover o exercício da cidadania e a
reinserção familiar, social e política dos sujeitos), em outros, as práticas desenvolvidas
eram nos antigos moldes da assistência psiquiátrica.
Para esclarecer os objetivos das oficinas, é fundamental explicitar que elas estão
ligadas a um dos paradigmas que amparam a Reforma Psiquiátrica no Brasil: a reabilita-
ção psicossocial.
No Brasil, com a Portaria GM nº 189, de 19 de novembro de 1991, as oficinas, que até
então eram realizadas apenas com a finalidade de possibilitar a expressão artística e a
reinserção de indivíduos socialmente segregados do mercado de trabalho, passam a ob-
jetivar também a socialização e a convivência entre os clientes, técnicos, familiares e
comunidade. Para atender a esses objetivos na prática cotidiana das oficinas, faz-se
necessário que a interação e os momentos de trocas sejam explorados durante a reali-
zação das atividades, e não que as atividades se encerrem em si.
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Pode-se observar que havia alguma interação entre os profissionais e os usuários, en-
tretanto não é identificada qualquer discussão da finalidade das atividades propostas ou
como cada um se sentiu realizando aquela atividade. Desse modo, os usuários parecem
não perceber qual o sentido da atividade desenvolvida, uma vez que a finalização tam-
bém não é discutida.
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Identifica-se, claramente, a falta de coordenação das atividades na oficina. O encontro
que ocorria entre elas era, certamente, de significativa importância terapêutica psicos-
social, entretanto ocorria à revelia do projeto terapêutico delas, pois não era sequer
identificado pelos profissionais. A dinâmica está mais afeta ao encontro social não in-
tencionado, da rua, da escola de artesanato, por exemplo. Numa abordagem psicosso-
cial de cuidado do CAPS seria necessário incluir mais diversidade na participação, e não
a exclusão por sexo ou critérios de habilidade. Essa exclusão, que muitas vezes está na
origem das oficinas de geração de renda nos CAPS, precisa ser problematizada. A au-
sência de coordenação e reflexão sobre a atividade realizada parece esvaziar a função
terapêutica da oficina no CAPS. Embora houvesse interação entre os profissionais e usu-
ários, a atividade era espontânea, não planejada, não compunha o projeto terapêutico
das usuárias.
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Neste registro, percebemos a pouca relação entre a atividade realizada e a vida dos
usuários. A maioria deles talvez não tivesse mais mãe a quem dar o cartão, mas, possi-
velmente, eram mães ou pais. Essa abordagem demonstra a ausência de interação e
reflexão sobre a finalidade da atividade: O que fazem? Para quê? Por quê? O que sen-
tem?
Confeccionar corações para o Dia das Mães que se aproximava, provavelmente, mobili-
zava sentimentos importantes nos usuários, entretanto nenhuma ação que motivasse a
expressão desses sentimentos foi implementada.
Essa abordagem evidencia a lógica do modelo biomédico nessas atividades, onde os
"espaços instituintes" são caracterizados pelo autoritarismo dos trabalhadores que de-
terminam as atividades a serem feitas, com o consequente silenciamento dos usuá-
rios. Nesses espaços, o processo de reabilitação psicossocial se torna inviável, uma vez
que essas oficinas não possibilitam aos sujeitos em sofrimento psíquico a estruturação
de uma rede de relações, a expressão dos seus sentimentos e dos problemas vivencia-
dos na vida cotidiana, além de dificultar o exercício da autonomia.
É preciso que os trabalhadores utilizem sua autonomia, sintam-se sujeitos ativos no pro-
cesso de reabilitação e sejam questionadores a respeito do produto do seu trabalho e do
paradigma que o sustenta. É necessário, também, que reconheçam no usuário a condi-
ção de sujeito de sua vida e de seus direitos, com o objetivo de estabelecer um canal
onde a comunicação com valor terapêutico perpasse pelos campos da solidariedade e
do respeito.A competência para o cuidado psicossocial é processo de construção coti-
diana e coletiva, pois se dá pelo aprendizado técnico de manejo de situações clínicas,
porém articulado à consciência política do próprio indivíduo e da sociedade.
As oficinas terapêuticas, em suas atuações, buscando unir saúde, convívio social e cul-
tura, transformam o conceito de saúde, assim como os conceitos de sanidade, qualidade
de vida e inclusão, dando condições de uma possível transformação desse sujeito - as-
sujeitado - em um sujeito desejante e produtivo, digno de respeito e inclusão social. Nas
oficinas terapêuticas, o paciente tem a possibilidade de resgatar o seu desejo com o
trabalho realizado dentro das mesmas: a produção e expressão livres.
Tão importante quanto a produção, são as diversas possibilidades que resultam dela,
para os pacientes:
▸ A valorização de sua fala;
▸ A discussão da vida cotidiana de cada um;
▸ A reinserção deste nos seus contextos familiar e social;
▸ A reconstrução da cidadania - direitos e deveres;
▸ A construção de um espaço coletivo e compartilhado, visando romper com o seu
estigmatizado isolamento;
▸ A suplência a seu sistema simbólico.
Objetivos
▸ As Oficinas Terapêuticas oferecidas possuem o objetivo de potencializar as ações
dos pacientes, no sentido de que possam arregimentar e redirecionar seus desejos, e
dentro deste prisma poderem entrar num movimento de produção diária.
▸ As Oficinas Terapêuticas podem ter em seu seio diretrizes: Expressivas, Didáticas,
Criativas, com enfoque Corporal etc.
▸As Oficinas Terapêuticas proporcionarão atividades coletivas, na medida em que
os pacientes portadores de sofrimento psíquico possam ampliar seus potenciais de
convívio interpessoal, transitando em acontecimentos onde as frustrações e conquis-
tas possam ser compartilhadas e expressas.
▸As Oficinas Terapêuticas atenderão a grupos de pacientes de ambos os sexos, com
transtornos psíquicos diferenciados, para não segmentarizar o atendimento.
▸As Oficinas Terapêuticas serão selecionadas pelo próprio paciente, com o apoio da
equipe. (Conforme o caso, a família se comprometerá em ser atendida para que os
benefícios do tratamento possam ser garantidos).
▸As Oficinas Terapêuticas poderão ser modificadas e criadas a partir das necessi-
dades e desejos da instituição como um todo.
▸As Oficinas Terapêuticas também terão como objetivo levar suas produções para
outros espaços, acontecimentos, escolas, etc. Este procedimento pode ajudar a uma
maior integração do portador de sofrimento mental nos vários segmentos de nossa
sociedade, bem como garantir a expressão de suas ideias e produções.
▸As Oficinas Terapêuticas poderão ter como monitores pacientes habilitados para a
função.
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Módulo 18
▹ Acolhimento Diurno e/ou Noturno: Ação de hospitalidade diurna e/ou noturna, reali-
zada nos CAPS como recurso do PTS de usuários, objetivando a retomada, o resgate e
o redimensionamento das relações interpessoais, o convívio familiar e/ou comunitário.
Procedimentos
Os principais procedimentos realizados no CAPS I, II e III, i e ad HABILITADOS são:
▹ Acolhimento noturno de paciente.
▹ Acolhimento em terceiro turno de paciente.
▹ Acompanhamento de paciente em serviço residencial terapêutico.
▹ Acolhimento diurno de paciente.
▹ Atendimento individual de paciente.
▹ Atendimento em grupo de paciente.
▹ Atendimento familiar.
▹ Acolhimento inicial.
▹ Atendimento domiciliar para pacientes.
▹ Ações de articulação de redes intra e intersetoriais.
▹ Fortalecimento do protagonismo de usuários e seus familiares.
▹ Práticas corporais.
▹ Práticas expressivas e comunicativas.
▹ Atenção às situações de crise.
▹ Matriciamento de equipes da atenção básica.
▹ Ações de redução de danos.
▹ Acompanhamento de serviço residencial terapêutico.
▹ Apoio a serviço residencial de caráter transitório.
▹ Ações de reabilitação psicossocial.
▹ Promoção de contratualidade.
▹ Acompanhamento de pessoas adultas com sofrimento ou transtornos mentais de-
correntes do uso de crack, álcool e outras drogas.
▹ Acompanhamento da população infanto-juvenil com sofrimento ou transtornos
mentais decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
▹ Matriciamento de equipes de pontos de atenção da urgência e emergência e dos
serviços hospitalares de referência para atenção a pessoas com sofrimento ou trans-
torno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e
outras drogas.
Entretanto, a intervenção do Estado sobre a questão social através das políticas sociais
se dá de forma fragmentada, parcializada, recortada em problemáticas particulares (o
desemprego, a fome, o menor abandonado etc.), tornando obscura a raiz que gera essa
problemática, pois, se a questão social for tomada como uma problemática configura-
dora de uma totalidade processual específica, estaremos remetendo-a concretamente
à relação capital/trabalho, e isto significa colocar em xeque a ordem burguesa e toda
sua estrutura de exploração.
Assim, inserido nesse contexto, o espaço histórico-social que possibilita a emergência
do Serviço Social como profissão só pode ser compreendido na intercorrência de um
conjunto de processos econômicos, sociopolíticos e teórico-culturais:
Os serviços sociais são uma expressão concreta dos direitos sociais do cida-
dão, embora sejam efetivamente dirigidos àqueles que participam do produto
social por intermédio da cessão de seu trabalho, já que não dispõem do capital
nem da propriedade da terra. São serviços a que têm direito todos os mem-
bros da sociedade na qualidade de cidadãos, mas são serviços que vêm suprir
as necessidades daqueles cujo rendimento é insuficiente para ter acesso ao
padrão médio de vida do “cidadão”; são, portanto, a esses efetivamente diri-
gidos e por eles consumidos predominantemente.
Esses serviços são originários de impostos e taxas pagos pela população, cuja
parte dessa riqueza socialmente gerada é repassada para o Estado, que as
converte em serviços sociais para a população através das políticas sociais.
Dessa forma, esses serviços, públicos ou privados, “nada mais são do que a
devolução à classe trabalhadora de parcela mínima do produto por ela criado,
mas não apropriado, sob uma nova roupagem: a de serviços ou benefícios
sociais” (IAMAMOTO, 1998).
A demanda de sua atuação não deriva daqueles que são o alvo de seus ser-
viços profissionais – os trabalhadores – mas do patronato, que é quem dire-
tamente o remunera, para atuar, segundo metas estabelecidas por estes,
junto aos setores dominados. Estabelece-se, então, uma disjunção entre in-
tervenção e remuneração, entre quem demanda e quem recebe os serviços
do profissional. O que deve ser ressaltado é que esse profissional, embora
trabalhe a partir e com a situação de vida do trabalhador, não é por ele dire-
tamente solicitado; atua junto a ele a partir de uma demanda, que na maioria
das vezes não é dele. A demanda dos serviços profissionais tem, pois, um
nítido caráter de classe, o que fornece, por sua proximidade estreita com o
Estado, um certo caráter “oficial” ao mandato recebido. Passa o profissional
a dispor de um suporte jurídico-institucional para se impor ante o “cliente”,
mais além de sua solicitação, restando ao usuário aceitar ou não os serviços
prestados, não podendo deles se subtrair. O caminho que percorre o cliente
até o profissional é mediatizado pelos serviços sociais prestados pelos orga-
nismos que contratam o profissional, os quais são, em geral, o alvo da procura
do usuário (IAMAMOTO, 1998).
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Módulo 20
✎ Agente político, da cidadania, dos direitos: Tal identidade auto referida pelos as-
sistentes sociais está relacionada à gama de informações sobre legislação social que
este profissional detêm e aciona para viabilizar o exercício de direitos por parte dos
usuários dos serviços. O assistente social possui um amplo e difuso campo de inter-
venção circunscrito ao trato com a legislação social, a rede institucional, os mecanis-
mos de acesso e restrição dos segmentos sociais aos institutos de regulação social,
e, ainda, às ações de caráter imaterial voltadas para a mobilização de valores e com-
portamentos no universo das relações sociais (BARBOSA; CARDOSO; ALMEIDA,
1998, p.110).
Desse modo, o assistente social contribui no processo de acesso a determinados di-
reitos pela veiculação de informação, aproximação dos canais garantidores de direi-
tos e no fomento à criação de conselhos locais de saúde. De outra maneira, também,
pode atuar como agente político no interior da própria equipe de saúde mental, pois
é identificado como um profissional que faz circular as informações entre os diferen-
tes membros da equipe; questiona o cotidiano institucional fazendo com que a equipe
funcione e acione seu potencial em prol das necessidades dos usuários e do serviço.
Para tanto, o assistente social articula o trabalho com os grupos familiares com
a intersetorialidade, pois, tem que atuar em conjunto com as demais políticas públicas,
sendo, em tese, um exímio conhecedor da rede sócio assistencial e de seus recursos.
Vale lembrar que todos os profissionais da equipe de saúde mental atuam de maneira
direta mesmo que, no geral, pontual com as unidades familiares. Todavia, é o assistente
social que temporalmente tende a ter maior dedicação a este grupo no seu cotidiano
interventivo. Há ainda uma tendência das políticas públicas se matriciarem no grupo
familiar. Historicamente, o assistente social tem uma relação de intervenção construída
com as famílias, mas a categoria não construiu um arcabouço teórico metodológico pró-
prio para atuar com este grupo, o qual necessita de maiores investimentos do Serviço
Social.
✎ Agente educativo, socializador: O assistente social ao conferir novos tons à reali-
dade da pessoa com transtorno mental, ao viabilizar os direitos de cidadania, é requi-
sitado a ser um agente educativo, socializador. É da natureza do conteúdo de seu
trabalho a dimensão pedagógica, o trabalho socioeducativo, de educação em saúde
até mesmo com a equipe de saúde mental, pois, é o profissional que em função de
seu ofício faz a informação circular entre todos os atores sociais e institucionais.
A presença dos assistentes sociais se faz marcante nos dois modelos atuais de aten-
dimento em saúde mental. A maioria das inserções desse profissional na saúde mental
se deu nas décadas de 1970 e 1990, períodos que representam a expansão dos serviços
oferecidos pelos dois modelos de atendimento em saúde mental.
Na proposta da reforma psiquiátrica e na implantação dos Caps dá-se um progressivo
deslocamento do centro do cuidado do portador de transtorno mental para fora do hos-
pital, em direção à comunidade, em articulação com uma rede básica de saúde e demais
instituições comunitárias (escolas, igrejas etc.) que façam parte do convívio deste usu-
ário. Isto vai repercutir no mercado de trabalho do Serviço Social na Saúde Mental. Estes
serviços necessitam da participação do Serviço Social em proporção maior do que na
internação e têm permitido um aumento de contratações desse profissional similar ao
produzido nos anos 1970 pelas resoluções do INPS.
O aumento do número de assistentes sociais na Saúde Mental nos anos 1990 também
está relacionado à expansão de práticas de saúde pautadas nos princípios da Reforma
Sanitária Brasileira, trazendo avanços democráticos na área da saúde expressos na
Constituição Brasileira de 1988, que postulou a criação do Sistema Único de Saúde. Este
determina a universalidade da assistência à saúde como direito do cidadão e dever do
Estado, a descentralização da organização do sistema de saúde, com o repasse para os
municípios das ações e serviços locais. Entretanto, cabe-nos também destacar que não
podemos esquecer que este modelo de saúde se encontra tensionado pelo projeto pri-
vatista atual de saúde, que, inserido no contexto das políticas neoliberais, “sufoca” as
equipes de saúde, pois ampliam-se as demandas por atendimento nos serviços e não se
amplia na mesma proporção o quadro da equipe para atendê-las, sobrecarregando os
serviços e oferecendo atendimentos de baixa qualidade, realidade esta presente nos
serviços de saúde como um todo.
A forma de compreensão e defesa das ideias do movimento da reforma psiquiá-
trica expressa nas concepções que dão ênfase à dimensão social e política dos proble-
mas mentais contribui para uma articulação direta junto ao Serviço Social, possibilitando
uma direção emancipadora tanto para o campo da saúde mental quanto para o Serviço
Social. Segundo BISNETO (2001), o Movimento da Reforma Psiquiátrica tem pontos que
tocam o momento atual do Serviço Social, destacando-se:
O Serviço Social tem uma grande contribuição a dar com a sua inserção nos no-
vos serviços de saúde mental, e de forma especial aqui nos referimos aos serviços subs-
titutivos, dentre os quais ressaltamos os Caps. O objetivo dos Caps, que é oferecer aten-
dimento à população de sua área de abrangência, realizando acompanhamento clínico
e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, se coloca como espaço aberto
de atuação para o Serviço Social, tendo em vista o papel histórico-político que a profis-
são tem desenvolvido através da elaboração, implementação, execução e avaliação de
políticas sociais voltadas para a garantia do atendimento às necessidades sociais da
classe trabalhadora.
Esses serviços possuem fortes características que se expressam através de demandas
sobre as quais se coloca a necessidade da contribuição do Serviço Social, dentre as
quais podemos destacar:
✎ A articulação junto à família, comunidade e instituições (escolas, trabalho etc.) nos
aspectos sociais e políticos relacionados aos usuários;
✎ As atividades de suporte social, que vão desde a articulação com a rede de saúde
e demais políticas sociais (educação, habitação, lazer, esporte e cultura, trabalho
etc.);
✎ O desenvolvimento de projetos de inserção no trabalho, alfabetização, concessão
de benefícios e encaminhamentos para obtenção de documentos e apoio para o exer-
cício de direitos civis;
✎ A formação de associações de usuários e/ou familiares, conselhos gestores, den-
tre outros, que proporcionem discussões acerca das condições de vida e saúde dos
usuários e viabilizem ações que possibilitem sua superação etc.
A reinserção social é uma demanda que sempre se colocou para o Serviço Social na
Saúde Mental, em decorrência do forte componente social que se faz presente desde o
início da problemática da loucura, posta sempre à margem da sociedade, gerando ne-
cessidade de reconhecimento e intervenção. O cenário em que ela é posta e a forma de
compreensão do que seja essa reinserção são a grande diferença que se configura ao
longo dos períodos históricos. Inicialmente (década de 1940), o assistente social era re-
quisitado para adequar o cliente à instituição, à escola, à família, num cenário de reajus-
tamento ao modelo de sociedade que se fazia presente.
Posteriormente, já na década de 1960, sua ação se desenvolvia e era ampliada para dar
respostas institucionais ao agravamento das condições de saúde da classe trabalhadora
num contexto de adequação do trabalhador e de sua família para o trabalho.
No atual cenário, configurado pelas experiências da reforma psiquiátrica, da qual desta-
camos o atendimento nos Caps, esta reinserção dá-se levando em conta novos elemen-
tos.
A Política Nacional de Saúde Mental, regulamentada pela Lei nº 10.216, que dis-
põe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental, assegura, dentre vários outros di-
reitos, que a pessoa portadora de transtorno mental deve: “ser tratada com humanidade
e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recu-
peração pela inserção na família, no trabalho e na comunidade”; assim, ela amplia o
leque de compreensão desta inserção, considerando que esta deve ser realizada pelo
acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familia-
res e comunitários.
Essa ampliação no sentido da inserção social posta pela atual política, numa perspectiva
de garantia de direitos e reconhecimento dos portadores de transtornos mentais como
sujeito de direitos, possibilita aos assistentes sociais o desenvolvimento de várias ações
postas a partir das variadas frentes (família, trabalho, comunidade, associações etc.)
nas quais se expressam as demandas.
Há uma preocupação dos assistentes sociais com a inserção social, a ressocialização e
a reintegração dos portadores de transtornos mentais, seja através da escola e das ati-
vidades na comunidade, seja na família e na sociedade em geral, indo ao encontro do
que preconiza a política de saúde mental.
A compreensão que o assistente social tem acerca da inserção social pode contribuir ou
não na ampliação de seus espaços de realização, por exemplo, temos verificado que a
inserção do portador de transtorno mental junto à família tem sido o grande foco de
atuação desse profissional, desenvolvendo-se através de orientações sociais, encami-
nhamentos, esclarecimentos acerca do desenvolvimento do usuário no seu projeto te-
rapêutico etc. Essas ações são fundamentais na articulação usuário/família, no entanto,
não se pode esquecer das demais instâncias nas quais se insere este usuário e sua fa-
mília, sendo preciso desenvolver e fortalecer ações que contribuam em sua articulação
junto à comunidade, no acesso à escola, ao trabalho, no incentivo à participação social,
na viabilização de ações que colaborem para a superação do preconceito e reconheci-
mento desse usuário como capaz de conviver e se desenvolver em sociedade, constru-
indo novas possibilidades junto à sociedade.
Se por um lado reconhecemos que a preocupação com a inserção social, ressocialização
e reintegração do portador de transtorno mental se configura numa demanda legítima
para o Serviço Social, por outro lado não podemos deixar de ressaltar a influência do
contexto econômico, social e político sobre a sua realização. Como inserir esse usuário
numa sociedade totalmente excludente? Será que o reconhecimento dos espaços e
ações que possibilitam essa inserção tem sido efetivado no cotidiano dos Caps?
No cotidiano do desenvolvimento dos serviços nessas instituições os profissionais depa-
ram-se com um perfil populacional caracterizado por desemprego, subemprego, analfa-
betismo, condições precárias de moradia, saúde, alimentação e dificuldade de acesso a
recursos sociais (aposentadorias, transporte gratuito, medicação) etc. Essas condições
expressam toda a fragilidade no acesso ao trabalho e proteção social desse usuário e de
sua família, inerente ao conjunto da classe trabalhadora que sofre os reflexos da preca-
rização do trabalho e da falta de condições dignas de vida, fruto dos efeitos das desi-
gualdades próprias da relação capital x trabalho na sociedade capitalista.
No dia-a-dia de trabalho dos assistentes sociais, estes têm procurado viabilizar ações
que contribuam no acesso aos recursos sociais para os usuários e familiares. Um exem-
plo marcante é a viabilização de documentos e encaminhamentos para aposentadorias
e demais benefícios (bolsa família, no caso dos usuários do Capsi), cujo acesso muitas
vezes representa a única fonte de renda da família, bem como o acesso à carteira de
transporte gratuito, viabilizando assim a ida desse usuário e de seus familiares ao ser-
viço.
O incentivo à criação de oficinas de geração de renda que possibilitem a inserção desses
usuários e familiares no mercado de trabalho tem sido preconizado pela política de saúde
mental, entretanto, não verificamos o desenvolvimento de ações efetivas nesses servi-
ços pela totalidade das instituições visitadas.
A construção de uma rede de atendimento que efetivamente garanta os direitos
sociais dos usuários através da viabilização do acesso ao conjunto das políticas sociais
constitui-se num elemento de inserção social.
A atual política de saúde mental preconiza que os Caps deverão assumir um papel es-
tratégico na articulação e na formação dessas redes, tanto cumprindo suas funções na
assistência direta e na regulação da rede de serviços de saúde, trabalhando em conjunto
com as equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, quanto na pro-
moção da vida comunitária e da autonomia dos usuários, articulando os recursos exis-
tentes em outras redes: sociossanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas,
empresas etc.
Entretanto, a efetivação da reabilitação psicossocial do portador de transtorno mental
encontra-se permeada por uma série de limites postos pelo atual cenário econômico,
político e social, tendo em vista sua influência direta nos avanços e retrocessos dos di-
reitos sociais, que esbarram nas políticas neoliberais que restringem e dificultam o
acesso das pessoas aos direitos assegurados pela legislação.
A ausência de recursos e articulação com as demais instituições que contribuam na am-
pliação das redes sociais de atendimento às demandas dos usuários dificultam a reali-
zação de ações que favoreçam a inserção social dos portadores de transtornos mentais.
Essas dificuldades influem diretamente nos espaços de atuação do Serviço Social tra-
zendo novas demandas que precisam ser respondidas. Sendo o Serviço Social uma pro-
fissão voltada para o atendimento das necessidades sociais fruto da questão social, um
dos fortes componentes que esbarra na prática profissional dos assistentes sociais ao
longo de sua natureza histórica diz respeito às dificuldades sociais que atingem direta-
mente seus usuários e as instituições nas quais atuam. Esse profissional constitui a
porta-de-entrada pela qual são viabilizadas as demandas por políticas sociais nas insti-
tuições, proporcionando o acesso aos serviços, tanto da instituição que atua quanto das
demais que compõem a rede, no atendimento ao conjunto de precarizações sociais que
sofrem seus usuários. Essa característica o diferencia das demais profissões, atribuindo
ao Serviço Social demandas a que as demais profissões não conseguem responder.
O assistente social nos Caps se depara no seu cotidiano de trabalho com usuários
que por trás do transtorno mental encontram-se em precárias condições de vida que
refletem diretamente em suas condições de saúde, sendo necessário uma atuação que
compreenda as necessidades sociais deste usuário em sua totalidade, procurando via-
bilizar ações que ampliem o atendimento das demandas postas por ele, numa ótica que
possibilite a prestação de serviços, tomando como base a noção de direitos. Assim, é
preciso ultrapassar o espaço institucional sob o qual atua, articulando-se com outras
instituições (Hospitais Gerais, INSS, Secretarias de Educação, Justiça, outras, ONGs, As-
sociações etc.) que atendam às demandas postas pela realidade social dos usuários
numa perspectiva de acesso aos direitos sociais destes.
Um aspecto importante a ser pontuado é a presença do componente político na efetiva-
ção das redes. Não desconsideramos que dentro do espaço público há um forte compo-
nente político que permeia as relações institucionais, entretanto, as dificuldades presen-
tes na base da organização para efetivação dos serviços públicos, gratuitos e de quali-
dade, extrapolam o conceito de “vontade política”. Certamente, reconhecemos a in-
fluência das questões “políticas” no espaço público, mas a base sob a qual se concen-
tram as dificuldades no acesso aos recursos e garantia na oferta de serviços de quali-
dade para todos tem seu fundamento na exploração capitalista, cujas contradições na
exploração do capital x trabalho geram condições de desigualdade e acesso aos bens
socialmente produzidos, beneficiando uma classe (burguesa) em detrimento daquela
que vende sua força de trabalho (classe trabalhadora) por um salário, estando esta úl-
tima submetida a toda estrutura ideológica, política, social, econômica, que constitui a
representação dos interesses burgueses desta sociedade.
Entretanto, apesar deste pano de fundo que se coloca na base das dificuldades para
efetivação de serviços de qualidade que atendam às necessidades da população, não
podemos esquecer que é dentro deste contexto contraditório expresso através da luta
de classes que se abrem as possibilidades para seu enfrentamento. A luta política ex-
pressa através dos movimentos organizados da sociedade civil se coloca como ponto de
destaque necessário neste enfrentamento. Se a efetivação das redes sociais através dos
diversos espaços públicos existentes na sociedade, de inserção social, seja através das
diferentes políticas sociais (concessão de benefício previdenciário; acesso à escola etc.)
ou de ações comunitárias (datas comemorativas, festas etc.) que possibilitam o acesso
dos portadores de transtornos mentais à vida em sociedade não se coloca como canais
disponíveis, é preciso entrar em cena a organização social através da mobilização social,
que tem como canais efetivos de expressão as associações, os conselhos de políticas,
as denúncias junto ao Ministério Público etc., em favor do reconhecimento dos direitos
assegurados pela legislação e não postos em prática.
Dentro do contexto institucional dos Caps esta é uma demanda a ser reconhecida
e/ou ampliada pelos assistentes sociais, compreendida como recurso necessário que
possibilite a legitimação e investimento nas redes sociais como recursos imprescindíveis
para a garantia dos direitos do portadores de transtornos mentais.
Não podemos pensar sobre as demandas postas aos assistentes sociais que atuam nos
Caps sem fazer referência a um conjunto maior de fatores que estão diretamente arti-
culados à construção e efetivação desses serviços. É preciso compreender o contexto
em que se foram construindo os diferentes modelos de atenção à saúde mental (hospi-
talocêntrico e comunitário/substitutivo), as diferentes formas de olhar sobre a loucura,
a influência direta dos aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais, para entender
a realidade que vivemos e pensar o futuro que desejamos.
A precarização das condições de vida é compreendida como um dos fatores que se re-
lacionam com o adoecimento mental. Ele aparece interferindo diretamente nas relações
familiares, pois o adoecimento mental traz uma carga de sofrimento e preconceito muito
grande, exigindo da família uma contrapartida (cuidados diários, atenção quanto a me-
dicação e observação da evolução do transtorno de seu familiar, dentre vários outros)
que muitas vezes ela não pode dar, pois tem de trabalhar para prover ou complementar
(no caso dos usuários que recebem benefícios) o sustento da casa.
Ao direcionarmos o nosso olhar para a problemática dos transtornos mentais, não po-
demos apreendê-lo como algo específico, mas sim inserido num contexto amplo que se
relaciona com outras problemáticas (falta de moradia, alimentação, trabalho, precon-
ceito etc.).
Esse conjunto de problemas são fruto de uma mesma base, cujos reflexos se apresen-
tam de forma fragmentada e que parecem não estar relacionados. Se tomarmos como
referência o conceito de saúde trazido pelo movimento da reforma sanitária veremos
que ele não está mais relacionado simplesmente à ausência de doença, mas sim com-
preendem a saúde como um conjunto de fatores articulados como o acesso ao lazer,
alimentação, moradia, trabalho etc. que, juntos, proporcionam o bem-estar de cada usu-
ário (BRAVO, 1996).
Desta forma, consideramos a questão social como o pano de fundo que permeia essas
relações, cujos fragmentos fazem parte de um todo que tem na exploração e reprodução
da força viva de trabalho a sua base. Essa questão social, presente no cotidiano da so-
ciedade, é a expressão das lutas de classe, da desigualdade na participação da distri-
buição da riqueza produzida no capitalismo. Assim, ela não pode ser dissociada da rea-
lidade diária dos usuários, muito pelo contrário, eles vivenciam ‘na pele’ a desigualdade
e é justamente sobre ela que o Serviço Social é chamado enquanto profissão para atuar.
Ele atua na reprodução das relações sociais através da criação de condições que obs-
cureçam as relações de exploração, ao mesmo tempo que provêm serviços sociais que
atendam às necessidades sociais dos trabalhadores.
Reconhecer este componente social, presente na problemática da saúde mental, implica
ampliar o universo de análise da saúde mental para além de uma abordagem puramente
patológica, pois a própria relação histórica no atendimento à saúde mental é perpassada
por este conjunto de problemáticas sociais (falta de moradia, alimentação, trabalho
etc.), que geram a necessidade da intervenção social na questão da loucura, colocando-
se como demanda de atuação para o assistente social.
Uma das relações sociais que sofrem as influências direta desta realidade é a família.
Essas e outras questões estão atreladas diretamente ao contexto familiar do qual o por-
tador de transtorno mental faz parte. Assim, a família torna-se fator de fundamental
importância na construção das demandas postas ao Serviço Social, pois ela também
sofre os reflexos diretos das problemáticas e dificuldades que fazem parte do dia-a-dia
dos usuários, configurando-se como presença constante no trabalho dos assistentes
sociais.
Um dos objetivos dos Caps é incentivar as famílias para participarem da melhor
forma possível do quotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo mais
próximo que os usuários têm com o mundo e por isso são pessoas muito importantes
para o trabalho dos Caps. Os familiares podem participar dos Caps, não somente incen-
tivando o usuário a se envolver no projeto terapêutico, mas também participando dire-
tamente das atividades do serviço, como os projetos de trabalho e ações comunitárias
de integração social. Os familiares são considerados pelos Caps como parceiros no tra-
tamento (BRASIL, 2004).
A família tem-se constituído como uma demanda histórica posta ao Serviço So-
cial. Os trabalhadores e sua família são os alvos predominantes da ação do assistente
social no sistema capitalista, configurando-se assim como alvo central de reconheci-
mento social, pois esta é perpassada por um conjunto de problemas (doença do familiar,
desemprego, falta de acesso aos recursos sociais etc.). Ela constituiu-se ao longo da
história da profissão como o foco do objeto da atuação do assistente social para o êxito
nas ações por este desenvolvidas, pois ela é a base sobre a qual todas as expressões da
questão social se refletem. No novo contexto da política de saúde mental trazido pelos
Caps ela configura-se como base de apoio fundamental na condução e desenvolvimento
dos portadores de transtornos mentais.
A família sofre o reflexo direto das dificuldades de acesso ao trabalho, renda,
moradia, direitos sociais, qualidade de vida digna etc., fatores que rebaterão direta-
mente na vida de cada usuário e no desenvolver de seu acompanhamento no Caps. O
trabalho junto à família não é específico do assistente social dentro do atendimento nos
Caps, entretanto, dada a particularidade de sua formação profissional no atendimento
às necessidades sociais, fruto da questão social e sua proximidade no entendimento da
problemática que atinge a grande maioria das famílias presentes no serviço, cabe a este
profissional articular suas ações junto a essa família visando proporcionar o acesso e a
garantia dos direitos sociais.
O Serviço Social pode desenvolver várias atividades que possibilitem ampliar o es-
paço social de reconhecimento das famílias, dentre as quais podemos destacar: oficinas
de politização que trabalhem junto à família o papel por ela desenvolvido nas relações
sociais e seu protagonismo frente às necessidades de superação de suas condições de
vida, através:
✎ Do reconhecimento dos seus direitos e estímulo à participação social, por meio da
formação de associações, na participação nos conselhos gestores e movimento na-
cional da luta antimanicomial;
✎ Da sua inserção em oficinas de geração de renda, possibilitando a expressão e o
desenvolvimento de suas habilidades como meio de prover recursos financeiros;
✎ Do incentivo à formação de cooperativas sociais, através de parcerias junto a em-
presas privadas, ONGs e demais instituições públicas; a formação de projetos de ca-
ráter educativo/reflexivo que possibilitem trabalhar aspectos relacionados ao sofri-
mento psíquico e aos rebatimentos na vida individual e coletiva (questões relaciona-
das ao trabalho, à convivência familiar, à convivência comunitária, questões institu-
cionais, questões culturais e religiosas etc.).
Além da realização do trabalho com as famílias dos usuários, vários outros componentes
dentro da instituição fazem parte do contexto que gera demandas para os assistentes
sociais.
A Lei de Regulamentação da profissão (Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993) ressalta que
constituem competências do assistente social:
✎ Encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à po-
pulação;
✎ Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identi-
ficar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direi-
tos;
✎ Planejar, organizar e administrar benefícios e serviços sociais, dentre várias outras
competências.
A partir dessa identificação podemos ressaltar alguns aspectos presentes nas ações
desenvolvidas pelos assistentes sociais. O primeiro deles diz respeito aos benefícios so-
ciais, sendo esta caracterizada como uma das atribuições de maior relevância desenvol-
vida por este profissional nos Caps. Um outro elemento a ser destacado é a confusão
feita por alguns profissionais ao identificar as visitas domiciliares e as entrevistas como
ação profissional, quando na verdade estas se caracterizam como instrumentos utiliza-
dos pelo Serviço Social no desenvolvimento de suas ações profissionais.
Na construção das atribuições postas aos assistentes sociais encontra-se um perfil po-
pulacional que sofre os reflexos diários da precarização das relações de trabalho, do
acesso à saúde, educação, moradia, lazer, enfim, condições dignas de vida. E diante
desta realidade o assistente social é o profissional responsável pela viabilização do
acesso a serviços que garantem os direitos sociais desses usuários e sua família, inter-
vindo diretamente sobre suas condições de vida através da viabilização de recursos so-
ciais, seja através da política previdenciária que viabilizará as aposentadorias, seja atra-
vés da política de educação, no acesso de determinado usuário à escola, seja através da
política de assistência social pela concessão do benefício de prestação continuada (BPC)
e a carteira de livre acesso no transporte público, enfim, intervindo no atendimento das
necessidades sociais postas pelos usuários dos serviços.
Assim, o conjunto dos elementos apontados acima nos permite verificar que grande
parte das atribuições postas aos assistentes sociais referem-se àquelas historicamente
consolidadas na profissão, indicando sua utilidade social através do atendimento às de-
mandas imediatas dos usuários pela viabilização de políticas sociais, relacionando-se à
execução terminal de serviços sociais, demandas essas que não são específicas da sa-
úde mental, mas sim caracterizadas como demandas gerais da profissão.
As atribuições do Serviço Social nos Caps têm uma relação direta com o projeto tera-
pêutico de cada usuário atendido pela instituição, pois certamente a viabilização do
acesso a esses recursos sociais proporciona uma maior aproximação destes à vida em
sociedade, além de na maioria das vezes interferir diretamente na vida familiar, pois o
recebimento de determinado benefício geralmente contribui com o orçamento domés-
tico.
Segundo o Ministério da Saúde:
Nesse sentido, o atual contexto da política de saúde mental coloca novas possibilidades
para os assistentes sociais, devendo estes terem como base o desenvolvimento de uma
prática investigativa que seja problematizadora do real, pois as alternativas para uma
intervenção profissional crítica e competente só podem surgir a partir de uma análise
crítica da realidade, ou seja, a partir de uma investigação concreta feita através de situ-
ações concretas.
A compreensão acerca das demandas postas pela saúde mental aos assistentes sociais
nos remete a uma realidade bem mais ampla no entendimento dos diferentes aspectos
que a compõem. Por isso, ao longo deste módulo, procuramos expor a trajetória histó-
rica, social, econômica, política, cultural, que compõe os elementos intrínsecos à saúde
mental e que perpassam essas demandas.
O Serviço Social enquanto profissão se insere na divisão capitalista do trabalho,
dedicando-se à viabilização de serviços sociais destinados à população através da inter-
venção de ações de políticas sociais, no atendimento às necessidades sociais postas
pela população num contexto de reprodução da força de trabalho. Ao atuar na prestação
dos serviços sociais vinculados às diversas políticas sociais, atende aos fragmentos da
questão social, que tem no adoecimento mental uma de suas expressões.
No início, década de 1940 (marco sob o qual situamos a primeira inserção do as-
sistente social na política de saúde mental no Brasil), o Serviço Social era chamado para
auxiliar os médicos no desenvolvimento das ações do movimento higienista, no atendi-
mento às expressões da questão social, configuradas pelas providências de auxílios fi-
nanceiros e acesso a recursos sociais disponíveis no momento, bem como a inserção
familiar, num cenário de instituição da ordem inerente à moral burguesa. As determina-
ções históricas, econômicas e políticas desse período demandavam um tipo de atuação
de caráter moralizador e estruturador da ordem.
No período conjuntural da ditadura militar no Brasil o cenário muda e a realidade
põe novas determinações, gerando outras demandas ao Serviço Social, que agora atua
diretamente junto aos trabalhadores e sua família na manutenção de uma força de tra-
balho que atende aos interesses do capital. O espaço de atuação junto às políticas soci-
ais torna-se legítimo ao Serviço Social e este é chamado para executá-las na saúde men-
tal, pois é nesse cenário que as políticas sociais tornam-se fundamentais num contexto
de amenização das expressões da questão social, num palco de luta política entre tra-
balhadores e capitalistas.
No cenário atual, marcado pelas iniciativas da reforma psiquiátrica, o novo reco-
nhecimento dado ao portador de transtorno mental como sujeito de direito coloca o as-
sistente social num novo contexto que o aproxima das bandeiras de luta também defen-
didas pelo Projeto Ético-Político da profissão, expresso no reconhecimento da liberdade
como valor central, defesa dos direitos humanos, ampliação e consolidação da cidada-
nia, eliminação do preconceito, dentre várias outras. Esse novo contexto, perpassado
pelas lutas sociais no campo político (Reforma Sanitária, Luta Antimanicomial, Confe-
rência de Caracas etc.), abre novos espaços de atuação para os assistentes sociais,
tendo como base novas perspectivas de atendimento (referenciadas através dos Caps
e demais serviços substitutivos) e respostas no lidar com os portadores de transtornos
mentais, pondo assim novas demandas aos profissionais que atuam nessas instituições.
Verifica-se ao longo deste processo que algumas demandas postas ao Serviço Social ao
longo de sua trajetória na saúde mental o acompanham desde a sua origem, pois elas
são inerentes à atuação deste profissional independentemente da área em que os assis-
tentes sociais atuem, pois são históricas e fazem parte de sua natureza reguladora das
relações sociais (trabalho com a família, caráter educativo da profissão, articulação com
demais serviços, acesso a recursos sociais etc.). Entretanto, cada processo histórico-
social coloca novas demandas ao Serviço Social, já que as relações sociais que consti-
tuem a base da atuação desta profissão são constantemente mutáveis e dinâmicas, pois
vivemos numa realidade social perpassada por diferentes determinações sociais, políti-
cas, econômicas, culturais, num contexto de interesses contraditórios que interfere nas
relações sociais e coloca novas requisições que precisam ser apreendidas.
No atual contexto da política de saúde mental no Brasil, o portador de transtornos
mentais é reconhecido como sujeito de direitos, num processo de construção de sua
cidadania que proporciona a sua inserção social junto à família, no trabalho, na socie-
dade, através de um conjunto de relações sociais e institucionais que possibilitam este
reconhecimento. No entanto, a efetivação desta inserção social do portador de trans-
torno mental encontra-se permeada por uma série de limites postos pelo atual cenário
econômico, político e social. A ausência de recursos e de articulação com as demais
instituições na construção das redes sociais de atendimento às demandas dos usuários
tem sido um dos grandes desafios colocados. Diante desta realidade é preciso fortalecer
a organização e estimular a participação dos movimentos sociais através de canais de
mobilização, expressos através de associações de moradores, movimento da luta anti-
manicomial, associação de usuários e familiares, participação em conselhos de políticas,
denúncias junto ao Ministério Público etc., em favor do reconhecimento dos direitos as-
segurados pela legislação e pelo fortalecimento da cidadania. Muitas vezes o precon-
ceito e o desconhecimento das possibilidades postas ao Serviço Social na saúde mental
fazem com que os assistentes sociais acabem reproduzindo práticas conservadoras, dei-
xando de compreender e reconhecer as demandas a eles postas pela realidade dos por-
tadores de transtornos mentais, inserida num contexto maior das relações sociais per-
passadas por um cenário contraditório.
Os assistentes sociais têm sido requisitados para atuar tanto nos hospitais
quanto nas instituições representativas do novo modelo de atenção em saúde mental
preconizado pela reforma psiquiátrica, expressa através dos Caps. Entretanto tem-se
verificado uma grande ampliação no mercado de trabalho dos assistentes sociais vol-
tada para os serviços substitutivos em saúde mental. A expansão deste modelo de aten-
dimento dá-se num contexto marcado pela precarização das políticas sociais na atuali-
dade, fruto de um modelo econômico neoliberal que ao privilegiar as relações econômi-
cas internacionais gera a redução de investimentos e recursos voltados para as diferen-
tes políticas sociais, limitando a construção de espaços de garantias de direitos.
Um longo caminho ainda precisa ser percorrido, pois esta sociedade não atende aos
interesses dos cidadãos de forma justa e igualitária, mas se olharmos para trás veremos
que um grande passo já foi dado em prol da cidadania do louco. Não podemos negar que
houve avanços nas formas de concepção e tratamento da loucura. O reconhecimento
do hoje portador de transtorno mental como sujeito de direito, cuja assistência no aten-
dimento de suas necessidades de saúde não limita seus passos ao âmbito de um hospi-
tal, em substituição a um modelo excludente e isolador que destitui o indivíduo de sua
liberdade física e mental, é sem dúvida um grande progresso. Mas este reconhecimento
não nos impede de vislumbrar novos horizontes, muito pelo contrário, ele alimenta nos-
sos anseios pela busca e construção de novos espaços que atendam às necessidades
de todos os indivíduos em sua integralidade.
O reconhecimento dos portadores de transtornos mentais como sujeitos de di-
reito rumo à construção efetiva da reforma psiquiátrica, através de uma nova compre-
ensão e concepção de loucura, é perpassado por sua inserção num conjunto de proces-
sos históricos, sociais, políticos, econômicos, culturais, integrantes de um contexto am-
plo das diferentes determinações de sua problemática, construindo novos canais de
construção social que possam reconhecê-los e incluí-los em novos espaços, através do
estímulo e da participação nos movimentos sociais que lutam pela ampliação e reconhe-
cimento dos espaços dos portadores de transtornos mentais na sociedade, possibili-
tando o resgate de sua cidadania, e neste sentido a contribuição do Serviço Social será
fundamental na construção desse processo.
Os assistentes sociais precisam reconhecer que eles possuem um espaço legítimo na
saúde mental, pois, são os elementos sociopolíticos que permeiam a base desses novos
serviços, e que é preciso um olhar amplo, que extrapole os aspectos biológicos, patoló-
gicos e psicológicos desses usuários.
O novo modelo de atenção em saúde mental extrapola o modelo biomédico de
saúde, construindo e ampliando uma nova abordagem, voltada a um modelo de saúde
cuja concepção perpassa o conjunto da vida de seus usuários (considerando suas con-
dições de alimentação, moradia, lazer etc.), incorporando em seu quadro vários profis-
sionais que certamente contribuíram para a construção dessa nova base.
Devido à abertura de novos espaços de atuação nessa área, cada vez mais se exige do
assistente social um conhecimento acerca da construção da política de saúde mental e
dos diferentes elementos que a perpassam (concepção de loucura, concepção das dife-
rentes abordagens em saúde mental, conhecimento sobre os transtornos, bases da re-
forma e os diferentes movimentos de luta em prol da reforma psiquiátrica, legislação em
saúde mental etc.), possibilitando assim sua efetiva contribuição na construção e am-
pliação de novos espaços reconhecedores e garantidores dos usuários da saúde mental
como sujeitos de direitos.
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Módulo 21
Nos primeiros trinta anos de existência de Serviço Social no Brasil não havia
muitos assistentes sociais trabalhando na área psiquiátrica em clínicas, hos-
pitais ou manicômios simplesmente porque o número desses profissionais era
reduzido até os anos 1960 (ainda não ocorrera a “privatização” dos serviços
públicos de saúde). Havia hospícios estatais nas principais capitais do Brasil.
Suas ações nesses espaços referem-se à natureza da profissão, atuando junto à equipe
interdisciplinar na efetivação dos direitos dos portadores de transtorno mental, no aco-
lhimento, na orientação, nos encaminhamentos, e na mediação entre o usuário e sua
família. Nesse campo, os assistentes sociais são também profissionais da área da saúde.
Os assistentes sociais realizam:
▸Atendimento individual (orientação);
▸Trabalho em grupos com os usuários e sua família (oficinas terapêuticas, e de ge-
ração de renda);
▸Visitas domiciliares com o objetivo de verificar a situação socioeconômica e fami-
liar, buscando também recursos disponíveis na comunidade para reinserção social
desses sujeitos; atividades comunitárias, entre outras.
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Módulo 22
Em relação às formas de registro, as mais utilizadas pela profissão são as atas das reu-
niões, os relatórios, os registros nos prontuários, os diários de campo e dados estatísti-
cos mensais e anuais sobre a atuação do Serviço Social.
O trabalho Interdisciplinar
O trabalho interdisciplinar vem ganhando espaço e força entre os profissionais
da área de Saúde, e também nas discussões sobre a importância da atuação interdisci-
plinar, visando à melhor conduta para o paciente e, também, a busca de um aprimora-
mento na visão de trabalho, no sentido de compartilhar conhecimentos e experiências
como objetivo de uma vida saudável.
A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua pró-
pria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para acolher
as contribuições das outras disciplinas.
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Módulo 23
Essas perspectivas não são excludentes entre si. Ao contrário, se entrelaçam, indicando
simultaneamente a variedade de necessidades que emergem no interior dos grupos fa-
miliares; a pluralidade de identidades desta instituição e exigências de flexibilidade dos
serviços e das práticas profissionais para contemplar a heterogeneidade nesta arena.
Historicamente, o modelo hospitalocêntrico desenvolveu uma pedagogia de ex-
clusão do grupo familiar, ao restringi-la a mera informante do histórico da enfermidade
da pessoa com transtorno mental; a ser um recurso ocasional ou “visita” pontual, sendo
invisibilizada na sua condição de provedora de cuidados contínuos, no plano doméstico.
Neste modelo de gestão as abordagens dirigidas às famílias eram pontuais e limitadas a
algumas reuniões familiares (no geral palestras) e atendimentos individuais do grupo. A
maioria dos profissionais da equipe fazia algum tipo de atendimento com as famílias,
mesmo que de maneira assistemática e descontínua. Havia implicitamente uma divisão
de trabalho na abordagem do grupo familiar, como identifica Rosa (2003). O médico, so-
bretudo no ato da admissão, para colher informações sobre o histórico das enfermida-
des, dos sintomas. Os enfermeiros, no geral, por ocasião da alta hospitalar, para realizar
orientações sobre o prosseguimento do tratamento, via ambulatorial e cuidados com as
medicações. Os assistentes sociais, durante o processo de internação, coordenando
reuniões de famílias, no geral comandado por ações socioeducativas, abordando uma
variedade de questões, tais como normas e rotinas institucionais; mudanças no modelo
assistencial; direitos; manejo da pessoa com transtorno mental no ambiente doméstico
e difusão de conhecimentos sobre os diferentes quadros diagnósticos e medicamentos,
permitindo troca de experiência entre os diferentes cuidadores familiares.
Mudanças legislativas sinalizam no sentido de uma outra incorporação das famílias nos
projetos terapêuticos dos serviços de saúde mental.
A portaria nº. 251/GM de 31 de janeiro de 2002, que estabelece diretrizes e nor-
mas para a assistência hospitalar em psiquiatria e reclassifica os hospitais psiquiátricos
prevê, no desenvolvimento dos projetos terapêuticos, o preparo para o retorno à resi-
dência/inserção domiciliar e uma abordagem dirigida à família no sentido de garantir
orientação sobre o diagnóstico, o programa de tratamento, a alta hospitalar e a conti-
nuidade do tratamento.
As famílias, sobretudo na fase inicial da eclosão do transtorno mental, têm um
papel fundamental na construção de uma nova trajetória para o seu ente enfermo, desde
que seus recursos emocionais, temporal e econômico sejam bem direcionados pelos tra-
balhadores e serviços de saúde mental.
É importante destacar que nenhum grupo familiar está preparado para ter um membro
com transtorno mental em seu meio (MELMAN, 2001). Não está capacitado para prover
cuidado de uma pessoa adulta que tem um transtorno mental, cujo cuidado doméstico
é complexo, envolvendo intensas responsabilidades e dedicação temporal.
A complexidade se manifesta em uma variedade de acontecimentos.
Em primeiro lugar, ninguém espera ter uma pessoa com transtorno mental no
meio familiar.
Trata-se de um evento imprevisto na trajetória da vida familiar.
Em segundo lugar, no imaginário da sociedade moderna, é previsto que uma pes-
soa adulta seja emancipada, tenha incorporado o auto cuidado e seja independente, não
necessitando de cuidados de terceiros.
Em terceiro lugar, tratar de uma pessoa adulta, com transtorno mental, no am-
biente doméstico é uma tarefa complexa, que exige preparo mínimo do cuidador, para
lidar com uma gama imensa de ocorrências. Não é suficiente ter amor.
Em quarto lugar, os grupos familiares são demandados a se reposicionar em re-
lação a uma série de questões envolvendo inclusive sentimentos. Em quinto lugar, os
grupos familiares encontram-se sobrecarregados com uma série de demandas oriundas
de uma conjuntura de restrição de gastos sociais e pelas repercussões das mudanças,
sobretudo, demográficas em seu interior.
Quando emerge uma pessoa com transtorno mental as famílias são demandadas
primeiramente a enfrentar a nova situação, tendo que ao mesmo tempo compreender a
própria enfermidade, a dinâmica dos serviços de saúde mental e manejar seus próprios
sentimentos e recursos.
Frequentemente o familiar cuidador se isola no plano doméstico para cuidar, porque não
tem preparo mínimo para cuidar e não consegue manejar a pressão social e o estigma
que também o atinge.
Enquanto não são treinados para o conhecimento da enfermidade, passa por processos
de confronto com a pessoa com transtorno mental. Por exemplo, lidam com o delírio
como sendo “besteiras”, “bobagens”. Alguns chegam a querer corrigir a maneira da
pessoa com o transtorno mental ver o mundo (via delírios), confrontando-se com o
mesmo. No caso de uma depressão é comum os familiares afirmarem que “Sugeri pra
ela procurar um curso, passear, mas ela não vai. Ela não se ajuda”. É difícil para o fami-
liar, sem treinamento, entender que a depressão atinge o centro volitivo da pessoa, não
sendo expressão da “preguiça” ou má vontade.
O retrato dessas trajetórias facilita a avaliação do grupo familiar e mostra a importância
de inclusão das famílias nos projetos terapêuticos e pedagógicos dos serviços de saúde
e assistência.
Nos projetos terapêuticos dos Caps os familiares são incorporados como “par-
ceiros no tratamento” (BRASIL, 2004c) sendo estimulados a participar do cotidiano dos
serviços. “Os familiares podem participar dos” Caps, não somente incentivando o usuá-
rio a se envolver no projeto terapêutico, mas também participando diretamente das ati-
vidades do serviço, tanto internas como nos projetos de trabalho e ações comunitárias
de integração social (IDEM, p. 29).
Observa-se em alguns Caps e outros serviços de saúde mental o engajamento dos fami-
liares em redes de solidariedade, através de grupos de mutua ajuda e troca de suporte,
mas ainda de maneira tímida. É difícil mobilizar os familiares para ações grupais porque:
▪ A cultura e pedagogia dos serviços, historicamente, as excluiu;
▪ Participar para alguns familiares é um trabalho a mais, uma sobrecarga, exigência
a mais;
▪ Alguns serviços se limitam a oferecer um espaço para a família restrito a palestra,
que muitas vezes, é desfocada de suas necessidades;
▪ Os horários dos encontros nem sempre é compatível com os horários disponíveis
dos familiares.
Mas, com mudanças que levem em conta o acima explicitado e com o estímulo e a con-
solidação de engajamento dos familiares na abordagem pedagógica e terapêutica dos
serviços de saúde mental, espera-se construir uma nova etapa na trajetória dos mes-
mos, através de ações mais solidárias e partilhadas.
Destaca-se que as unidades familiares encontram-se muito sobrecarregadas na atual
conjuntura, com o crescente empobrecimento e mudanças demográficas. Os serviços
de saúde mental têm que contribuir inclusive neste sentido, sobretudo aliviando o peso
gerado pelas demandas de cuidado, dividindo encargos com as famílias.
O assistente social, frequentemente, contribui com os cuidadores familiares atra-
vés do trabalho socioeducativo, promovendo a troca de informações e vivências, para
que, sobretudo os cuidadores familiares saiam de seu isolamento pessoal e social, tendo
sua carga de trabalho aliviada, apoiada. Quando passam a trocar informações com ou-
tros cuidadores familiares é comum perceberem que muitas vivências são semelhantes
e que não foram os “únicos escolhidos para sofrer neste mundo”. Inclusive há uma pres-
são social para que as famílias não publicize, não remeta para a arena das políticas pú-
blicas a sua situação. Neste sentido é paradigmático o depoimento de um familiar com
um artigo no livro Minas sem manicômios (2004) “algumas pessoas acharam que está-
vamos expondo demais nossos dramas familiares” (ORNELAS, 2004, p. 83).
A troca de vivência potencializa novas estratégias de cuidado, tendo em vista que não
há uma “receita pronta” para cuidar, muito embora alguns familiares cheguem às reu-
niões com a expectativa do acontecimento de uma mágica, que mude substancialmente
suas vidas.
É importante desconstruir esta expectativa, pois, muitos familiares consideram que “só
quem estudou (isto é, esteve em uma universidade) sabe cuidar bem dele”. Todavia, os
familiares cuidadores historicamente aprenderam a cuidar no “ensaio e erro” (ROSA,
2003) das exigências cotidianas, no geral, sem as salvaguardas/respaldo dos profissio-
nais de saúde mental. É importante reconstruir as trajetórias dos familiares na constru-
ção de respostas para os desafios cotidianos, para reforçar o que foi aprendido e poten-
cializando os próprios recursos internos do grupo.
Potencializando um conhecimento que os cuidadores familiares construíram e nem sem-
pre se apercebem disso.
Com a criação de espaços próprios no interior do serviço (ou no território) para
reunir os grupos familiares e permitir a interação, com acompanhamento de um ou mais
profissionais (mais comumente o assistente social atua em conjunto com as psicólogas
ou enfermeiras), pode-se observar mudanças significativas na qualidade de vida destes
cuidadores.
Interessante que muitas reuniões denominadas de familiares, no geral, se reduzem a
reuniões de mulheres, comumente, mães, esposas, filhas e irmãs. É importante chamar
outros membros do grupo familiar para esta arena, resgatar, por exemplo, o homem
como cuidador, colocando assim em evidência as questões de gênero no interior das
famílias.
Os assistentes sociais com toda sua bagagem sobre investigação/análise social, po-
dem contribuir realizando levantamentos sobre o perfil das famílias usuárias dos servi-
ços de saúde mental, para:
▪ Conhecer que tipo de arranjo doméstico prevalece e a heterogeneidade de arranjos
existentes e como repercutem no provimento de cuidado;
▪ Como as mudanças demográficas repercutiram sobre a organização do grupo, tendo
por foco o provimento de cuidado;
▪ Analisar a dinâmica familiar. Como se dão as relações sociais. Quem provê renda?
Quem provê cuidados? Quem é a autoridade no grupo? Qual o lugar que a pessoa
com transtorno mental ocupa no grupo? Qual a qualidade das relações familiares?
Predominam os sentimentos positivos ou negativos entre seus membros? Como por
exemplo, um PTM que recebe um benefício em comparação a um outro que não o
têm, são tratados por suas famílias? Como este “ganho secundário” repercute no
grupo?
▪ Identificar a posição da pessoa com transtorno mental no grupo; os valores/a ética
que preside o provimento de cuidado de: “dar, receber, retribuir” (SARTI, 1996); qual
o clima que prevalece em relação à PTM: hostilidade ou solidariedade;
▪ Conhecer como a família vive, como mora. Qual o status do grupo no seu meio.
Identificar os recursos que lança mão na rede de parentesco, de vizinhança e rede
socioassistencial. Identificar os fatores de proteção e de risco existentes no meio fa-
miliar. Levantar os fatores sociais de vulnerabilidade do grupo.
▪ Conhecer os recursos da rede socioassistencial à disposição dos cuidadores famili-
ares;
▪ Levantar os significados, o imaginário e as práticas sociais sobre o louco e a loucura
em seu território existencial.
Com a sistematização destas informações, o assistente social pode devolvê-las aos gru-
pos familiares, propiciando o debate e a troca de informações entre os provedores de
cuidado.
É importante o investimento dos profissionais para que outros membros das famílias
passem a participar da gestão do cuidado cotidiano da pessoa com transtorno mental,
que tende a ficar ao encargo de uma única pessoa.
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Módulo 24
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Módulo 25
Breve Histórico
Considera-se a Europa, sobretudo a Holanda e a Inglaterra, o “berço” da Redução
de Danos. Na década de 1970, vivia-se na Europa uma epidemia do uso de drogas inje-
táveis, sobretudo a heroína, com um cenário bem assustador: mortes por overdose, da-
nos à saúde, graves crises de abstinência, seringas contaminadas deixadas nas ruas e
praças públicas. É nesse momento que autoridades e associações de usuários de drogas
passam a reunir esforços no sentido de oferecer cuidados à saúde desses usuários, com
o objetivo de garantir um uso menos arriscado, diminuindo as mortes por overdose e a
criação dos coffee shops na Holanda, que vendiam drogas ditas “mais leves”, como a
maconha, visando desestimular o uso de drogas ditas “pesadas”, como a cocaína e a
heroína.
Com a epidemia da Aids, na década de 1980, aumenta a necessidade da imple-
mentação de estratégias direcionadas aos usuá rios de drogas, no intuito de conter a
transmissão do HIV, na qual 30-40% eram atribuídos ao uso de drogas injetáveis, pelo
compartilhamento de seringas. Sabe-se que, com a ampla difusão da estratégia de for-
necimento de seringas descartáveis aos usuários de drogas injetáveis, a transmissão por
essa via foi reduzida a cerca de 10%. No mesmo momento, começaram a se alastrar
diversos programas governamentais de distribuição de metadona, em detrimento do uso
de heroína injetável. Pode-se dizer que esse foi o grande impulso à expansão e à conso-
lidação da Redução de Danos no mundo.
No Brasil, os primeiros focos das estratégias de Redução de Danos datam da
década de 1990, nas cidades de Salvador e Santos, sobretudo pela grande soropreva-
lência do HIV nessas cidades.
Em São Paulo, o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Uni-
versidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi a primeira instituição acadêmica a apoiar e
implementar esse tipo de estratégia no País.
Atualmente, a Redução de Danos é uma política pública reconhecida em nível nacional,
preconizada pelo Programa Nacional DST-Aids do Ministério da Saúde e pela Secretaria
Nacional Antidrogas (Senad). O Brasil dispõe de Programas de Redução de Danos (PRDs)
espalhados por todo o território nacional, sendo a meta do atual governo a expansão
desses programas, através de projetos financiados, como a Escola de Redutores de Da-
nos, em articulação com os projetos de Consultórios de Rua e os programas de supervi-
são sobre álcool e outras drogas para a Rede Básica de Saúde, com ênfase nas estraté-
gias de Redução de Danos.
Aspectos Práticos
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer e desmistificar três conceitos errôneos e muito
arraigados à Redução de Danos.
O primeiro deles é de que a RD é um incentivo, uma apologia ao uso de drogas.
A RD não incentiva o uso de drogas; é uma política de saúde séria pautada na realidade
de que o indivíduo não consegue (pela intensidade da dependência) ou não deseja (pelo
direito individual, pela ausência de desejo) abster-se das drogas. O pressuposto da RD é
trabalhar com metas realistas e com modelos de baixa exigência, instituindo a lógica do
cuidado e da prevenção, ampliando o espectro de ações em cuidados à saúde, no qual
a abstinência é uma das possibilidades.
O segundo é afirmar que, com a RD, o usuário nunca vai buscar tratamento. As
estratégias de RD funcionam numa ótica de inclusão social, acessando muitas vezes
populações extremamente marginalizadas que não têm acesso aos serviços de saúde.
A partir do contato do profissional de RD, o “redutor de danos”, esses usuários recebem
material informativo e equipamentos para uso seguro, e são levados às unidades de sa-
úde para a realização de testagem para o HIV e hepatites, além de serem conduzidos
para as unidades especializadas em tratamento para a dependência, quando assim o
desejam.
O terceiro é afirmar que a RD gasta dinheiro público ao fornecer material para
que o indivíduo continue se drogando.
A lógica do fornecimento dos insumos (materiais descartáveis) para o consumo seguro
de substâncias reside no fato de que esse indivíduo deixará de contribuir para a elevação
das taxas de transmissão de HIV e hepatites, com a consequente redução de gastos
públicos no tratamento dessas doenças. Além disso, ao receber cuidados, torna-se apto
a resgatar sua cidadania e seu direto à saúde.
Estratégias globais
Estratégias Específicas
RD para o crack
O dependente de crack torna-se mais vulnerável ao sexo sem proteção, à trans-
missão e ao contágio de HIV, hepatites e DSTs, através das fissuras e queimaduras la-
biais; ao contágio de infecções cutâneas pelas queimaduras em mãos e lábios; à toxici-
dade dos materiais utilizados como cachimbo (metais pesados, gases tóxicos liberados
da combustão de plásticos, má higiene de materiais encontrados nas ruas e em latas de
lixo). Além disso, tem-se observado o aumento da incidência de transtornos psicóticos
e quadros de agressividade associados ao seu uso.
Dessa forma, as principais estratégias de RD para o crack são:
▸ Orientação a não compartilhar o cachimbo;
▸ Distribuição de kits, contendo preservativos e gel lubrificante, protetor labial, fo-
lheto informativo. A distribuição do cachimbo para o uso do crack não é uma estra-
tégia padronizada nacionalmente;
▸ Substituição do crack por maconha. Alguns estudos internacionaisapontam re-
sultados positivos quando o usuário faz um “caminho de volta” para drogas mais
leves e a maconha tem sido apontada há vários anos como uma estratégia eficaz
para que o usuário deixe de consumir drogas mais “pesadas”, como cocaína, crack
e heroína, mediante o consumo de maconha.
Em 2001, o Proad realizou uma pesquisa com dependentes graves de crack, dos
quais 68% abandonaram o uso de crack em cerca de apenas cinco semanas fazendo
uso da maconha fumada, referindo melhora da fissura, dos sintomas paranoides, da
insônia, e abandonando hábitos e atitudes indesejáveis, como furtos, perambula-
ções e noites fora de casa.
▸ Uso do “mesclado”. Embora não haja estudos comprovando a eficácia dessa es-
tratégia, diversos pacientes relatam conseguir diminuir o uso do crack, com melhora
da fissura e dos sintomas paranoides, quando fazem uso do crack associado à ma-
conha, ou “mesclado”. Desse modo, essa estratégia pode ser encarada como um
benefício temporário, até que o indivíduo consiga abster-se totalmente do crack.
RD para o álcool
Apesar dos problemas relacionados ao crack, o uso de álcool é, de longe, um dos
maiores problemas de saúde pública no mundo.
A partir da consolidação da RD como uma política pública no Brasil e em diversos países
do mundo, passou-se a pensar em estratégias de RD para todas as drogas, inclusive o
álcool.
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Módulo 26
1. Aspectos teórico-conceituais
Primeiramente, é importante que se entenda exatamente o que é Atenção Básica
no contexto brasileiro.
Em 21 de outubro de 2011 foi publicada a portaria n.º 2.488,10 que regula a nova Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB). Essa portaria vem ratificar as portarias n.º 648 e
n.º 1.097, de 2006, nas quais foram incluídos parâmetros para ações de saúde mental na
Atenção Básica nas diretrizes para a Programação Pactuada e Integrada da Assistência
à Saúde (PPI). A portaria n.º 2.488 mantém a Saúde da Família como estratégia prioritá-
ria para a Atenção Básica no país e apresenta a Atenção Básica da seguinte forma:
2. Aspectos prático-administrativos
A implementação do modelo matricial na ABS depende de um comprometimento
tanto dos profissionais envolvidos, seja nas equipes de referência ou matriciais, quanto
dos gestores locais. A maioria dos profissionais da ABS não é especialista em Saúde da
Família ou Medicina de Família e Comunidade, além de terem tido uma formação acadê-
mica sem enfoque na ABS, com ênfase em uma prática hospitalar. Dentre os profissio-
nais matriciadores, é comum que não compreendam as particularidades e responsabili-
dades da ABS, além de não dominarem o uso das ferramentas e tecnologias comuns à
pratica dos cuidados compartilhados propostos pelo matriciamento, apresentados a se-
guir.
As pessoas com problemas de saúde mental apresentam-se à ABS de forma diferente
daquelas que são tratadas nos ambulatórios de especialidades, CAPS ou hospitais psi-
quiátricos. Frequentemente, os transtornos mentais comuns estão associados a queixas
físicas e/ou a quadros subsindrômicos, sem os critérios diagnósticos dos sistemas tra-
dicionais de classificação CID-10 ou DSM-4, porém igualmente associados a prejuízo da
qualidade de vida. Menos comuns (mas muito impactantes), são os transtornos mentais
graves e persistentes, que podem se apresentar para os profissionais da ABS a partir de
situações extremas de violência e exclusão social. Quadros psicóticos em cárcere pri-
vado, violência sexual em pessoas com deficiência mental, drogadição e desestrutura-
ção familiar são exemplos vistos rotineiramente pelas equipes de saúde da família.
Dessa forma, passo fundamental para o desenvolvimento da saúde mental na ABS, por
meio da prática do matriciamento, é a facilitação de espaços de treinamento e educação
permanente que envolvam os profissionais das equipes de referência e matricial, prefe-
rencialmente de forma conjunta. Conteúdos da clínica psiquiátrica devem ser apresen-
tados aos profissionais da ABS, elementos dos sistemas de saúde e particularidades da
ABS para os profissionais de saúde mental e, finalmente, a construção de um espaço
comum de trabalho deve ser facilitada e discutida em conjunto, com o desenvolvimento
e prática na realidade das tecnologias de cuidado e matriciais, como, por exemplo, a
construção de projetos terapêuticos singulares a partir de avaliações clínicas conjuntas
e discussão de casos. Nesse processo, a participação efetiva dos gestores é determi-
nante para a implementação do modelo, uma vez que os cuidados compartilhados (ma-
triciamento) envolvem mudanças no processo de trabalho de todos os profissionais en-
volvidos.
As tecnologias envolvidas na rotina de trabalho da prática matricial são específicas e
necessitam ser desenvolvidas.
a) interconsultas e seus vários elementos: discussão de caso, consultas, visitas e grupos
conjuntos;
b) elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares;
c) contatos à distância: uso de telefones ou outras tecnologias de comunicação;
d) instrumentos de registro e planejamento: genograma e ecomapa.
Contatos à distância
Cada equipe de NASF pode estar vinculada com até nove equipes da ESF, segundo a
nova portaria, de tal modo que muitas vezes os encontros matriciais acontecem men-
salmente. Às vezes, quando o matriciamento fica a cargo de profissionais dos CAPS, há
uma relação maior de equipes por profissional matriciador, com contatos menos fre-
quentes. No entanto, podem ser necessários contatos mais constantes, ou mesmo mo-
mentos para uma consulta rápida, como uma dúvida a respeito da dose de uma medica-
ção, por exemplo. A disponibilização de linhas de telefone, por mais simples que pareça,
facilita e tranquiliza as atividades dos profissionais de referência da Atenção Básica.
Algumas equipes matriciais têm adquirido celulares, como forma de facilitar o acesso.
Contudo, como em qualquer relação de trabalho, as equipes que optarem por essas tec-
nologias de comunicação devem pactuar momentos de disponibilidade, além de preocu-
par-se em registrar em prontuário os passos da assistência proposta.
Um exemplo bem sucedido em alguns estados do Brasil é o Telessaúde, projeto que
aproxima os profissionais especialistas focais dos profissionais da Atenção Básica para
segunda opinião ou esclarecimento de dúvidas. Nesse projeto, o acesso se faz via inter-
net.
(Mais detalhes sobre esse projeto podem ser obtidos no portal www.telessaudebra-
sil.org.br/php/index.php.)
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Módulo 27
Autoestigma
A rotulação das pessoas como “portador de transtorno mental” em geral eviden-
cia atributos negativos como, por exemplo, serem considerados violentos e perigosos,
além de despertarem sentimentos de desvalorização, descrédito e desejo por distância
social. Esses atributos, crenças e sentimentos se aplicam aos portadores quando eles
“se tornam doentes”, já que antes de estarem nessa condição, tais crenças e sentimen-
tos formavam suas próprias concepções em relação às pessoas com transtorno mental.
Dessa forma, portadores podem se desvalorizar ao se verem pertencendo à categoria
que anteriormente acreditavam ser vista negativamente pelos outros e por eles mesmos,
tendo essa crença efeitos negativos em sua autoestima.
A expectativa de rejeição produz desmoralização e os portadores podem acredi-
tar que serão evitados pelos outros, que deixarão de os querer como amigos, emprega-
dos, companheiros ou amantes.
Nesse sentido, portadores podem aceitar a rotulação da doença mental e se sujeitar aos
estereótipos atribuídos a essa rotulação, reeditando, de forma negativa, as expectativas
que têm de si e de sua qualidade de vida, e sujeitando-se a condições de marginalização.
Evitam se expor às situações do cotidiano como estratégia encontrada para enfrentar
situações passíveis de discriminação, o que os mantém restritos em suas relações e
convívio social. Do mesmo modo, como reflexo do autoestigma, os sujeitos podem não
acreditar que merecem ter uma condição de vida mais favorável, já que se veem como
inúteis e incapazes de se relacionar, conseguirem um emprego, fazer amigos, namorar.
Ocultam seu diagnóstico, evitam se engajar em atividades e ter contato com as pessoas
como estratégia de enfrentamento à discriminação que esperam sofrer.
Em decorrência disso, pessoas com transtorno mental podem apresentar sentimentos
de vergonha e baixa autoestima, além de sentirem medo de experimentar discriminação.
Essa desvalorização e a percepção negativa de si e de sua doença podem aumentar o
isolamento e diminuir a autoestima, a procura e a adesão ao tratamento. Isso gera pre-
juízos na efetiva participação social em relação, por exemplo, a moradia, emprego, sa-
lário, saúde, culminando na sistemática exclusão social dos mesmos.
Familiares e cuidadores também sentem o impacto negativo causado pelo estigma, es-
pecialmente familiares de portadores de esquizofrenia, sendo relatados elevados níveis
de sobrecarga e sentimentos negativos, como vergonha e medo de serem discriminados
ou evitados. Familiares podem ser estigmatizados por associação e as chances de ca-
samento diminuem para os irmãos do paciente, a família pode ser isolada, não sendo
convidada para eventos sociais etc. Ideias errôneas sobre a doença decorrentes da cri-
ação recebida dos pais ou simplificações grosseiras dos fatores genéticos nas doenças
mentais aumentam ainda mais o peso a ser carregado pelos familiares, com ideias de
culpa e vergonha.
Estigma Estrutural
O estigma é inerente às estruturas sociais que fazem parte da sociedade, influ-
enciando as leis, os serviços, o sistema judiciário e a alocação dos recursos financeiros.
Esse tipo de estigma, que atinge tudo o que se relaciona com a doença mental, é deno-
minado de estigma estrutural ou coletivo. O estigma recai, portanto, não somente sobre
o paciente e seus familiares, mas também se estende aos seus amigos e a tudo aquilo
que diz respeito ao tratamento da doença mental, como as instituições de saúde mental,
os profissionais que nela trabalham e os medicamentos psicotrópicos, que também são
estigmatizados em nossa sociedade. É comum que locais de atendimento à saúde men-
tal em hospitais e ambulatórios sejam mal equipados, alocados num setor de menor im-
portância e movimentação da edificação. Funcionários que não se mostraram adequa-
dos em outros setores são transferidos para o setor de psiquiatria “onde não podem pôr
em risco a vida de um paciente”. Os recursos investidos em saúde mental são despro-
porcionalmente pequenos em vista do impacto da doença mental na sociedade.
O estigma (público, autoestigma e estrutural) tem um impacto negativo na vida das pes-
soas estigmatizadas, gerando isolamento, exclusão, institucionalização e diminuição da
qualidade de vida. O indivíduo pode ser impedido de se envolver ou se engajar em situ-
ações como interações sociais, trabalho, educação, vida comunitária, entre outros, pre-
judicando sua participação social e consequentemente sua saúde. Dessa forma, diminuir
o impacto do estigma da doença mental é certamente um dos maiores desafios para a
melhora das condições de saúde mental em uma comunidade.
Estratégias gerais
Inicialmente devemos observar que cada comunidade reage à doença mental
com nuanças particulares e que para combater a estigmatização do paciente temos que
primeiramente entender em profundidade como ela se manifesta localmente.
Grupos focais podem ser uma boa alternativa para um levantamento das principais quei-
xas e sugestões das pessoas com transtornos mentais, familiares e profissionais de sa-
úde mental, assim como das atitudes e comportamentos frente à doença mental, na
população e em grupos críticos (profissionais de saúde em geral, mídia, educadores,
policiais, entre outros que podem surgir nos próprios grupos focais).
As campanhas informativas aos diferentes públicos-alvo podem ser iniciadas por reuni-
ões para grupos de interessados, privilegiando o diálogo e a troca de experiências. Pro-
fissionais de saúde mental, portadores de transtorno mental e familiares podem ser con-
vidados para tal atividade, apresentando-se em conjunto, procurando-se mesclar infor-
mação científica com depoimentos das dificuldades vividas em decorrência do estigma
e da discriminação.
Essas reuniões podem ser oferecidas para acontecer em diferentes instituições e locais
públicos, baseando-se no voluntariado.
Essa estratégia não deve ser a única ação contra a estigmatização, mas tem vantagens
na criação de uma massa crítica de pessoas sensibilizadas e de um acúmulo de temas e
relatos que alimentam outras medidas de maior proporção. Além disso, os profissionais
de saúde envolvidos aprimoram sua sensibilidade clínica às questões envolvendo o es-
tigma da doença, respeito aos direitos do paciente, consequências do erro diagnóstico
etc., e o paciente e o familiar têm sua autoestima aumentada, lançando-se a semente
para associações de defesa dos usuários de saúde mental.
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Módulo 28
Casos Clínicos
Neste módulo, apresentaremos casos clínicos comentados. Trata-se de situa-
ções comuns observadas na Atenção Básica, com comentários que podem orientar a
conduta geral dos profissionais de saúde em situações semelhantes. Contudo, alertamos
que, em saúde mental, dificilmente haverá apenas uma conduta correta para a aborda-
gem das doenças mentais. Em grande medida, a organização do cuidado vai depender
dos recursos humanos e materiais disponíveis.
Caso 1: Somatização
Francisco tem 42 anos, é trabalhador rural, casado e tem quatro filhos pequenos. Nos
últimos seis meses, tem comparecido à Unidade de Saúde quase que semanalmente.
Quando chega à unidade costuma exigir atendimento imediato; se diz muito doente, em-
bora já tenha sido atendido várias vezes sem que evidente doença física tivesse sido
identificada. As queixas são variadas e se alteram ao longo do tempo: cefaleia quase
que diária sem características de enxaqueca, dor abdominal, dor nas costas e aperto no
peito. Além de exames físicos detalhados, foram solicitados vários exames laboratoriais,
todos sem achados positivos: hemograma, exame de fezes, urina rotina, eletrocardio-
grama, radiografia de tórax e de coluna e ultrassom abdominal. Devido à insistência de
Francisco por atendimento médico, a equipe de saúde começou a antipatizar com o usu-
ário. Por sugestão do agente comunitário de Francisco, a enfermeira solicitou a presença
da esposa para uma conversa. Esta relatou que há cerca de nove meses a situação em
casa está muito difícil. Francisco foi dispensado da fazenda onde trabalhava há 14 anos
e desde então não tem conseguido trabalho regular, o que tem trazido graves dificulda-
des financeiras para a família. Francisco passou a ficar nervoso, irrita-se facilmente,
especialmente quando falta alguma coisa em casa. A esposa informou que observa me-
lhora dos sintomas quando ele consegue algum biscate. Apesar das consultas, analgé-
sico e vitaminas prescritas pelo médico, no geral a esposa de Francisco não vê melhora
significativa de seu quadro. Atualmente ela diz não saber mais o que fazer.
60
Comentários
É comum que a manifestação do transtorno mental, na Atenção Básica, ocorra através
de sintomas físicos. Por isso mesmo, é sempre importante pesquisar os aspectos de vida
atual do usuário, já que situações de vida que geram estresse podem estar relacionadas
com esse tipo de expressão sintomatológica. Na maioria das vezes, a tranquilização so-
bre a natureza das queixas (de origem emocional e não orgânica) é suficiente no apazi-
guamento dos sintomas; mas, em alguns casos mais graves, os usuários apresentam
muita dificuldade de relacionar problemas emocionais às suas queixas físicas, o que
pode tornar o acompanhamento a esse tipo pouco confortável para a equipe de saúde.
Para esse perfil de usuário, que demanda atenção e cuidados de forma frequente e
pouco organizada, o ideal é o estabelecimento de consultas semanais agendadas.
Essa conduta vai assegurar-lhe que seu problema será acompanhado de forma sistemá-
tica, tornando desnecessária sua presença na unidade a todo o momento. Geralmente,
é para o médico que as queixas de natureza física são encaminhadas e, portanto, ele
deve esclarecer ao usuário que problemas psicossociais vivenciados pelas pessoas po-
dem se expressar por meio de dores e desconfortos percebidos no corpo.
Assim, não devemos banalizar a queixa, mas atendê-lo de forma regular, procurando
estabelecer com ele relações entre as queixas físicas e os acontecimentos de sua vida.
Espera-se que, gradativamente, ele perceba de forma mais clara as relações existentes
entre o corpo e os aspectos emocionais e passe a conviver melhor com seus sintomas.
Como o usuário não apresenta quadro ansioso ou depressivo significativo, concomitante
com suas queixas somáticas, não há indicação para qualquer medicação psicotrópica.
A inclusão desse perfil em grupos de atenção psicossocial, organizados na própria uni-
dade de saúde, pode beneficiar boa parte dessa clientela. Devemos, sempre, suspeitar
de somatização quando estão presentes queixas físicas frequentes, geralmente mutá-
veis no tempo, sem substrato fisiopatogênico aparente.
Caso 2: Ansiedade
Dona Maria Helena tem 51 anos, casada, seis filhos, do lar. Veio até a unidade de saúde
solicitar remédio para dormir. Conta que desde criança é muito impressionada com as
coisas, nervosa, preocupada com tudo.
Sempre que tem um problema em casa só consegue dormir quando toma seu compri-
mido de diazepam. Relata preocupação constante com os filhos, tem receio de que algo
aconteça a eles quando estão fora de casa, especialmente que se envolvam com bebidas
ou drogas. Quando está pior, percebe “aperto” no peito, coração disparado, tonteira e
sensação de que algo ruim vai acontecer a qualquer momento. Esses sintomas duram
normalmente apenas alguns minutos, mas são bastante desconfortáveis. A usuária já
compareceu várias vezes à unidade de urgência médica durante as crises mais graves.
Geralmente é examinada, faz eletrocardiograma, é medicada com injeções e liberada
para casa com a orientação de que não apresenta doença, “que estava só estressada”.
A primeira vez que tomou o diazepam foi há uns quinze anos; desde então, arruma com
amigas, compra sem receita na farmácia ou vai ao Pronto-Socorro local, onde o planto-
nista sempre atende ao seu pedido por mais “receita azul”. Houve períodos em que che-
gou a tomar três comprimidos por dia, mas atualmente toma um pela manhã e um à
noite. Quando fica alguns dias sem tomar a medicação, fica insone e irritada. Informação
trazida pela agente comunitária de saúde, que é vizinha da usuária, confirma a história
de nervosismo constante e crises mais fortes eventuais, especialmente quando o marido
chega bêbado em casa, o que ocorre quase que diariamente. São frequentes as visitas
de Dona Maria à sua casa para “desabafar” e pedir algum conselho.
A usuária é também hipertensa e não tem conseguido manter os níveis pressóricos den-
tro da normalidade.
Comentários
A ansiedade e a insônia são sintomas muito comuns na vida das pessoas. Podem repre-
sentar respostas normais às pressões do cotidiano ou, eventualmente, manifestações
de transtornos psiquiátricos que exigem tratamento específico. A ansiedade deve ser
considerada uma resposta normal diante de situações de perigo real, nas quais constitui
um sinal de alarme e, portanto, um mecanismo essencial para a defesa e a sobrevivência
do indivíduo. Ela também costuma ocorrer em situações de insucesso, perda de posição
social, perda de entes queridos ou em situações que geram expectativas de desamparo,
abandono ou de punição. Nessas circunstâncias, ela é uma emoção muito semelhante
ao medo e é útil para que a pessoa tome as medidas necessárias diante do perigo real,
como lutar, enfrentar, fugir ou evitar. Dependendo da intensidade, do sofrimento que
provoca, da interferência ou não nas atividades diárias ou no sono e da sua duração,
poderá ser considerada normal ou patogênica. O caso em questão é comum na prática
clínica. Quase sempre, a saída praticada pelos médicos é a banalização do uso dos ben-
zodiazepínicos, o que contribui para seu abuso e dependência no futuro. Embora muito
eficiente nos quadros de ansiedade aguda, o uso diário desse tipo de psicotrópico não
deve ser recomendado nos transtornos de ansiedade crônica, como é o caso dessa se-
nhora. Nessas situações, embora o benzodiazepínico possa ser introduzido no início do
tratamento ou em momentos de piora eventual do quadro, o ideal é que seja indicado
um antidepressivo, medicação que também apresenta ação ansiolítica sem gerar depen-
dência física ou problemas cognitivos de longo prazo. Uma estratégia que costuma dar
bons resultados é a introdução de um antidepressivo de perfil mais ansiolítico e com
propriedades sobre a indução do sono (ex.: amitriptilina ou nortriptilina) e só depois ini-
ciar a retirada gradual dos benzodiazepínicos, com redução de 25% da dose a cada se-
mana ou a cada 15 dias. Nesses casos, é importante também oferecer algum dispositivo
de apoio, por exemplo, consultas programadas na unidade básica de saúde, participação
em grupos de atenção psicossocial, encaminhamento para atividade física, exercícios
de relaxamento, participação em grupos de convivência ou oficinas comunitárias.
Essas atividades serão fundamentais para que essa senhora possa refletir sobre sua
vida, sua relação com os filhos e com o marido, usuário nocivo de álcool. Devemos sem-
pre suspeitar de ansiedade quando estão presentes: tensão, preocupações excessivas,
sudorese frequente, palpitações, aperto no peito, vertigens, medos infundados de coisas
ou lugares.
Caso 3: Depressão
Paulo, 65 anos, policial militar aposentado, reside sozinho desde a morte de sua esposa
há mais ou menos um ano. Possui três filhos e cinco netos que residem em uma cidade
a 50 km de onde ele mora. O Sr. Paulo tem boa autonomia para as atividades diárias,
mas reside com uma senhora que o auxilia no trabalho de casa. Um dos filhos veio pro-
curar o serviço de saúde porque tem observado o pai diferente nos últimos três meses.
Antes da morte da esposa, era ativo, alegre, costumava caminhar todas as manhãs,
visitava amigos e familiares. No último mês, quase não tem saído de casa, descuidou-se
da aparência e já foi encontrado várias vezes suspirando e com lágrima nos olhos. Se-
gundo informações da senhora que mora com ele, Sr. Paulo começou a apresentar in-
sônia terminal e passou a tomar dois comprimidos de bromazepam toda noite, fornecidos
por uma vizinha. Há duas semanas, ligou para o primo, advogado, solicitando que o aju-
dasse com seu testamento. Nos últimos dias, começou a dizer que a vida não valia a
pena. Quando interpelado pela família, mostra-se indiferente. Sr. Paulo não possui his-
tórico de doença clínica e nunca apresentou transtorno psiquiátrico. A história familiar
é positiva para quadro psiquiátrico, pois um de seus tios se matou quando ele ainda era
criança. O filho está muito preocupado, especialmente porque ele mantém armas em
casa.
Comentários
Nos últimos anos, o termo depressão tem sido banalizado e é constantemente usado
para descrever um estado emocional normal.
Sentimentos de tristeza ou infelicidade são comuns em situações de perda, separações,
insucessos ou conflitos interpessoais e fazem parte da experiência cotidiana, caracteri-
zando estado emocional não patogênico. Um exemplo é o luto normal, no qual há tristeza
e ansiedade, que melhoram com o tempo. Na maioria dos casos, o papel dos profissio-
nais de saúde deve ser acolher o sofrimento e oferecer algum suporte de escuta e acon-
selhamento, sem necessidade de prescrição medicamentosa. Em todo caso suspeito de
depressão, é muito importante que pesquisemos o intuito de conduta suicida. Uma abor-
dagem ativa por parte do profissional de saúde pode prevenir tentativas de suicídio, con-
tribuindo, assim, para a diminuição dos óbitos por esse tipo de agravo. Nem toda ideação
suicida necessita de encaminhamento urgente para as equipes ou serviços de saúde
mental.
Quase sempre, as pessoas que pensam em se matar não desejam realmente fazê-lo,
especialmente se não apresentam transtorno psiquiátrico evidente. Quando pensam em
suicídio é porque estão se sentindo desesperados, não veem saída para algumas situa-
ções impostas pela vida.
Nesse caso, é fundamental adequada avaliação de risco para definição de uma possível
emergência psiquiátrica (alto risco) ou se o caso poderá ser conduzido na Atenção Bá-
sica (baixo risco). No evento em questão, pela presença dos sintomas clássicos de de-
pressão - profundo sofrimento e alto risco de autoextermínio -, estamos diante de um
usuário com transtorno depressivo grave. A equipe da Atenção Básica deverá estabele-
cer contato franco e aberto com o usuário e seus familiares, organizar uma estrutura de
proteção continuada (na residência, Centro de Apoio Psicossocial, hospital geral ou psi-
quiátrico) até que um parecer psiquiátrico possa ser providenciado. Aqui, há clara indi-
cação de tratamento medicamentoso com a introdução de antidepressivo e/ou mesmo
de benzodiazepínico, que poderá ser utilizado para reduzir a angústia e ajudar na regu-
lação do sono nas primeiras semanas de tratamento. A indicação de internação hospi-
talar ou em CAPS que possuem leitos noturnos deverá ser instituída sempre que houver
ideação de autoextermínio persistente, especialmente se há transtorno psiquiátrico ou
comportamental grave associado, por exemplo, usuários com depressão grave, psicóti-
cos em crise, dependentes químicos e indivíduos com impulsividade evidente. Devemos
sempre suspeitar de depressão quando estão presentes: humor deprimido persistente,
baixa energia, perda de interesse pelas coisas que antes davam prazer, inibição psico-
motora, falta de esperança, ideação de autoextermínio.
Comentários
Os quadros de dependência química geralmente trazem, além das repercussões negati-
vas sobre a saúde do usuário, graves reflexos no âmbito sociofamiliar. Entre esses pro-
blemas, está a chamada codependência da família, ilustrada no caso presente. Em situ-
ações como essa, os membros da família perdem a autonomia em relação às suas vidas
e passam a viver exclusivamente voltados para os problemas gerados pelo dependente
químico. Geralmente esse tipo de conduta gera muito sofrimento familiar e ajuda pouco
o usuário de álcool ou drogas. A família necessita ser orientada e apoiada para consti-
tuir-se em um grupo que deve acolher o dependente químico, mas não a qualquer custo.
Os membros da família devem ser estimulados a falar de seus sentimentos em relação
ao problema e encorajados a retomar seus projetos de vida sem clima de culpabilização,
muito frequente nessas circunstâncias.
Reuniões familiares regulares na própria Unidade de Saúde e indicação para participação
em grupos de autoajuda são ações recomendadas. Nos casos semelhantes, em que o
usuário não apresenta demanda clara para o tratamento, os profissionais de saúde de-
vem compreender que ele ainda está na fase de negação do problema ou não consegue
perceber os prejuízos que o envolvimento com a droga tem causado para si e para as
pessoas de sua convivência. Em relação a Pedro, ele está apresentando sinais e sinto-
mas de abstinência alcoólica moderada. O tratamento poderá ser instituído ambulatori-
almente com o uso de benzodiazepínicos, reposição de tiamina, repouso e hidratação
oral. Deverão ser agendados retornos a cada dois ou três dias até a remissão do quadro,
momentos em que se deve tentar abordar o problema da dependência de álcool. Para
abstinência alcoólica grave ou delirium tremens, o local de tratamento indicado é o hos-
pital geral, por tratar-se de emergência clínica. Uma postura considerada adequada é a
equipe se disponibilizar a acolhê-lo sempre que ele tiver alguma complicação com o uso
da droga ou que ele queira discutir alguma coisa sobre o tratamento do problema. Nes-
sas ocasiões, sem emitir juízo de valor sobre as ações do usuário, deve-se procurar re-
fletir com ele sobre sua vida, a família e sua relação com as drogas. O encaminhamento
para grupos de autoajuda como os Alcoólatras Anônimos (AA) ou Neuróticos Anônimos
(NA) e dispositivos comunitários de tratamento como os Centros de Apoio Psicossocial
de Álcool e Drogas (CAPS AD) deve ser sempre encorajado. A ida para comunidades de
tratamento terapêutico ou clínicas de reabilitação de dependentes químicos, onde os
usuários ficam restritos do contato social e familiar por semanas ou meses, deve ser
indicada apenas para aqueles que fracassaram nas estratégias de tratamento ambula-
torial, que não possuem outros transtornos psiquiátricos graves e que aceitem passar
por um regime de confinamento prolongado. No tratamento da dependência química, o
ideal é que a equipe da Atenção Básica possa prover informações úteis para os usuários
de drogas e seus familiares e oferecer várias opções de tratamento, já que cada usuário
poderá se beneficiar de recursos diferentes de acordo com seus interesses e necessida-
des em um dado momento do seu tratamento.
Devemos sempre suspeitar de dependência química quando estão presentes pelo menos
três dos elementos que se seguem:
a. compulsão para consumir a substância,
b. dificuldades de controlar o consumo da substância,
c. evidências de estado de abstinência ou tolerância da substância,
d. abandono progressivo de outras atividades ou interesses em favor do uso da subs-
tância,
e. persistência no uso a despeito de evidência clara dos prejuízos físicos, econômicos
e sociofamiliares envolvidos.
Comentários
É bastante comum que usuários que apresentam expressivo comprometimento de jul-
gamento da realidade também tenham dificuldade em perceber a necessidade do trata-
mento. Nesses casos, é importante que o profissional de saúde não conteste nem cor-
robore a vivência psicótica descrita pelo usuário, mas que procure estabelecer, desde o
início, uma postura de escuta interessada e respeitosa. O fundamental é a construção
de uma relação de confiança que reverta a posição de involuntariedade inicial para com
o tratamento. A indicação da estratégia farmacológica, fundamental para a reversão
mais adequada dos sintomas, deve ser discutida com o usuário e, sempre que possível,
negociada com ele com base nas queixas apresentadas. Por exemplo, se ele não está
dormindo bem, pode ser sugerido que tome uma medicação que o ajude a descansar
durante a noite. Nesse caso, o antipsicótico é a medicação de escolha. Um benzodia-
zepínico também pode ser introduzido durante a fase aguda. Além disso, é muito impor-
tante estabelecer se há alguma situação de risco para o usuário e terceiros. Caso exista,
orientar o usuário e a família a não se exporem àquela situação específica até que haja
melhora significativa dos sintomas, por exemplo, evitar ir à escola, como no caso rela-
tado. O atendimento inicial de um quadro como esse pode e deve ser realizado pela
equipe da Atenção Básica, que deverá discutir o caso com a equipe de Saúde Mental
assim que possível. A internação hospitalar pode e deve ser evitada, caso haja coope-
ração do usuário para os procedimentos de tratamento e se não houver situação de risco
que exija observação diária e contínua devido à intensa agitação psicomotora, franca
hostilidade dirigida a terceiros, grave negligência com os cuidados com a saúde ou con-
duta suicida.
Devemos sempre suspeitar de um transtorno psicótico quando, na ausência de uma
causa orgânica detectável, estão usualmente presentes os sintomas de alucinações, de-
lírios, comportamento bizarro ou anormal para o padrão cultural do usuário, excitação e
hiperatividade grosseiras, retardo psicomotor marcante ou comportamento catatônico.
Comentários
A criança em questão apresenta grave comprometimento do desenvolvimento relacional
e um atraso da linguagem verbal. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais rapidamente
iniciaremos o tratamento e as orientações à família, o que facilita a resposta da criança.
Certamente não será um caso em que a equipe da Atenção Básica poderá conduzir so-
zinha, já que a definição de um diagnóstico mais preciso e as condutas de estimulação
dependem de acompanhamento especializado. Sabemos da dificuldade em acionar um
psiquiatra infantil ou equipe de CAPS I, portanto, na ausência desse profissional ou dis-
positivo, podemos solicitar a avaliação de um psiquiatra geral, pediatra experiente, ou
mesmo de um neurologista, para afastarmos síndromes genéticas ou quadros neuroló-
gicos. Uma medicação poderá ser útil se a criança apresentar distúrbio importante do
sono, agitação psicomotora ou impulsividade aumentada. Estimulação por fisiotera-
peuta, terapeuta ocupacional ou mesmo fonoaudióloga, é fortemente recomendado. Es-
ses profissionais podem fazer parte do CAPSI, do NASF, de algum ambulatório especia-
lizado, ou mesmo de alguma entidade conveniada com a prefeitura local, por exemplo,
da APAE. As evidências apontam a importância das intervenções educacionais, apropri-
adas, precoces e contínuas, visando à aquisição de habilidades sociais, comunicativas e
cognitivas básicas, visando ao máximo de autonomia possível. Caberá à Atenção Básica
o cuidado longitudinal da saúde da criança, a articulação com os recursos intersetoriais
de tratamento e as orientações familiares cabíveis.
Devemos sempre suspeitar de Transtorno global do desenvolvimento, quando, há com-
prometimento importante da interação social, comunicação e padrões restritos e repe-
titivos de comportamentos, atividades e interesses, por parte da criança. Cabe aqui o
diagnóstico diferencial entre: Déficits sensoriais (cegueira ou surdez congênitas), Au-
tismo infantil, Transtorno de Asperger, Síndrome de Rett, Retardo mental grave e crian-
ças que foram submetidas a grave negligência.
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Módulo 29
Usuários com transtornos psíquicos graves e persistentes referidos dos serviços de sa-
úde mental.
2. Metodologia
Os pacientes serão triados pela equipe médica, de enfermagem e serviço social com
aplicação do formulário de ingresso e das escala de autocuidado KATS, escala BPRS
ancorada e escala qualidade de vida-breve além de dados de anamnese objetiva e sub-
jetiva. Todos os pacientes serão discutidos em equipe quando se definirá a inclusão,
grau de desabilitação e plano de atendimento.
2.1. Fluxograma
:: Núcleo do Autocuidado:
1) Grupo de Cuidados Pessoais: realizado semanalmente e coordenado pela enfer-
meira com a participação do auxiliar de enfermagem. O grupo deverá ter uma du-
ração máxima de 30 minutos e deverá realizar-se preferencialmente entre as 12:30
e 13:00 horas. Este horário é conveniente no sentido de reunir dois turnos. Assun-
tos a serem abordados: higiene pessoal, vestuário.
2) Oficina de Culinária: é um grupo que ocorre nas segundas feiras, das 10 horas
às 11:30 horas, terça-feira das 14 horas às 15:30, quinta-feira das 10:30 às 11:30 e
sexta-feira das 14 horas às 15:30, sob a coordenação da auxiliar de enfermagem e
participação da enfermeira, tem como proposta ensinar cardápios simples para
sua própria alimentação. Desta forma eles adquirem autonomia, segurança e liber-
dade de escolha nos alimentos; organização no preparo e conceito de higiene.
5) Atividade do Passeio: passeios realizados nas quartas-feiras das 13:30 até 16:30
e contam com a participação dos residentes, enfermagem e psicologia. Busca in-
tegrar os tópicos trabalhados durante a semana, como o convívio social, autono-
mia, colocando-os em prática e estimulando a participação dos usuários nesta ta-
refa.
8) Jornal CAPS: É elaborado pelos usuários com matérias que descrevem suas
atividades, passeios, notícias do mundo, eventos. Além disso, mantém o contato
e a crítica das atualidades e coloca em circulação nossas produções. É impresso
pela gráfica do HCPA, tem periodicidade trimestral e está sob a coordenação da
terapeuta ocupacional e recreacionista.
10) Oficina de psicodrama: esta oficina tem como objetivo possibilitar, através da
dramatização, a vivência de uma determinada situação trazida pelo grupo. Ao final
da representação são convocados a compartilhar seus sentimentos e impressões
com os demais e após é feita reflexão no grande grupo. Realizada semanalmente,
nas quintas-feiras no horário de 9:30 às 10:45.
11) Oficina de Pintura e Desenho: esta é uma atividade de expressão artística que
procura auxiliar no processo de autorreconhecimento do portador de sofrimento
psíquico, oferecendo um setting diferenciado e a possibilidade de expressão de
sentimentos de forma não-verbal. Esta oficina funciona semanalmente com dura-
ção de 1 hora.
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Módulo 30
Modelo de Anamnese
Considerando as dificuldades que alguns profissionais da área da saúde mental,
(principalmente Assistentes Sociais e psicólogos) têm em colher e organizar dados que
auxiliem a reconstituição da história do paciente (por meio da elaboração da chamada
técnica de anamnese), incluímos este modelo de anamnese clássico e esperamos que,
efetivamente, torne mais fácil a organização e a realização desta técnica por aqueles
que desejam obter, de seus pacientes, dados que possibilitem um ponto de partida mais
claro para a reconstrução de suas histórias.
Nosso objetivo é auxiliar aqueles que pouco ou nenhum contato tiveram na rea-
lização dessa técnica, explicando seus vários itens e, na medida do possível, contribu-
indo com esclarecimentos que subsidiem a inclusão ou não de determinados fatos.
Como também foi observada a necessidade de mais esclarecimentos práticos que per-
mitissem ao profissional em treinamento maior facilidade e autonomia na elaboração
escrita de seu trabalho, tentamos acrescentar, ao final de cada item, exemplos de reda-
ção.
Anamnese
O termo vem do grego ana (remontar) e mnesis (memória). Para nós, a anamnese é
a evocação voluntária do passado feita pelo paciente, sob a orientação do médico ou do
terapeuta.
O objetivo dessa técnica é o de organizar e sistematizar os dados do paciente, de forma
tal que seja permitida a orientação de determinada ação terapêutica com a respectiva
avaliação de sua eficácia; o fornecimento de subsídios para previsão do prognóstico; o
auxílio no melhor atendimento ao paciente, pelo confronto de registros em situações
futuras.
Não podemos deixar de lado o fato de que essa técnica advém de uma relação
interpessoal, na qual ao terapeuta cabe, na medida do possível, não cortar o fluxo da
comunicação com seu paciente, assim como, paralelamente, não deixar de ter sob sua
mira aquilo que deseja saber.
Para tanto, faz-se necessário que um esquema completo do que perguntar esteja
sempre presente em sua mente. Assim, diante de um paciente que se apresente prolixo
ou lacônico, estes não serão fatores de empecilho para que se possa delinear sua histó-
ria.
Ao entrevistador inexperiente cabe lembrar o cuidado em não transformar coleta
de dados em “interrogação policial”. Um equilíbrio entre neutralidade, respeito e solida-
riedade ao paciente deve ser mantido. O paciente deve perceber o interesse do entre-
vistador e não o seu envolvimento emocional com a sua situação.
Muitas vezes, não se consegue ter todo o material em uma única entrevista, prin-
cipalmente em instituições em que o número de pacientes e a exiguidade do tempo de
atendimento tornam-se fatores preponderantes.
É aconselhável que a entrevista seja conduzida de uma maneira informal, des-
contraída, com termos acessíveis à compreensão do paciente, porém bem estruturada.
Em uma anamnese, acaba-se por fazer dois cortes na vida do paciente: um longitudinal
ou biográfico e outro transversal ou do momento.
No corte longitudinal, podemos localizar os registros das histórias pessoal, familiar e
patológica pregressas.
No corte transversal, enquadraríamos a queixa principal do sujeito, a história da sua do-
ença atual e o exame psíquico que dele é feito.
O roteiro para sua execução pode sofrer algumas poucas variações, em função
daquilo a que se propõe, porém a estrutura básica que aqui será colocada é aquela da
anamnese médica clássica. Nele constam: a identificação do paciente; o motivo da con-
sulta ou queixa que o traz ao médico ou terapeuta; a história da doença atual; a história
pessoal; a história familiar (estas duas poderão vir sob o mesmo título – “História Pessoal
e Familiar”); a história patológica pregressa; um exame psíquico; uma súmula psicopa-
tológica; uma hipótese de diagnóstico nosológico.
Além disso, é de nosso interesse que, após a anamnese propriamente dita,
conste uma proposição de uma hipótese psicodinâmica, um planejamento para que se
conduza o caso e uma breve descrição da atuação terapêutica junto ao paciente em
questão.
Ex: Paciente informa ter medo de sair à rua sozinho... Outras expressões como: “con-
forme relato do paciente...”, “de acordo com declarações do paciente...” são usadas,
sempre com o intuito de aclarar que o que estiver sendo registrado é baseado no que
é informado pelo entrevistado.
▸Sempre que forem usadas expressões do entrevistado, estas virão entre aspas.
▸Depois de identificado o paciente, no item I da anamnese, aparecerão apenas as
suas primeiras iniciais ao longo do registro.
I. IDENTIFICAÇÃO
Os dados são colocados na mesma linha, em sequência (tipo procuração). Dela
constam os seguintes itens:
▸ Somente as iniciais do nome completo do paciente, uma vez que, por extenso, constará
o mesmo do seu prontuário ou ficha de triagem (ex: R.L.L.P.):
▸ Idade em anos redondos (ex. “35 anos”);
▸ Sexo;
▸ Cor: branca, negra, parda, amarela;
▸ Nacionalidade;
▸ Grau de instrução: analfabeto, alfabetizado, primeiro, segundo ou terceiro grau com-
pleto ou incompleto;
▸ Profissão;
▸ Estado civil – não necessariamente a situação legal, mas se o paciente se considera
ou não casado, por exemplo, numa situação de coabitação;
▸ Religião;
▸ Número do prontuário.
Apreciam-se as condições:
▸De nascimento e desenvolvimento: gestação (quadros infecciosos, traumatismos
emocionais ou físicos, prematuridade ou nascimento a termo), parto (normal, uso de
fórceps, cesariana), condições ao nascer. Se o paciente foi uma criança precoce ou
lenta, dentição, deambulação (ato de andar ou caminhar), como foi o desenvolvi-
mento da linguagem e a excreta (urina e fezes).
Ex: “Paciente declara ter nascido de gestação a termo, parto normal...”.
▸ Sintomas neuróticos da infância: medos, terror noturno, sonambulismo, sonilóquio
(falar dormindo), tartamudez (gagueira), enurese noturna, condutas impulsivas
(agressão ou fuga), chupar o dedo ou chupeta (até que idade), ser uma criança mo-
delo, crises de nervosismo, tiques, roer unhas.
Ex: “A.F. informa ter tido muitos pesadelos e insônia, além de ser uma criança isolada
até os 9 anos...”.
▸ Escolaridade: anotar começo e evolução, rendimento escolar, especiais aptidões e
dificuldades de aprendizagem, relações com professores e colegas, jogos mais co-
muns ou preferidos, divertimentos, formação de grupos, amizades, popularidade, in-
teresse por esportes, escolha da profissão.
Ex: “Afirma ter ido à escola a partir dos 10 anos, já que não havia escolas próximas à
sua casa...” ou “Afirma ter frequentado regularmente a escola, sempre com idade e
aprendizado compatíveis...”.
▸ Lembrança significativa: perguntar ao paciente qual sua lembrança antiga mais sig-
nificativa que consegue recordar. O objetivo é observar a capacidade de estabelecer
vínculos, além do auxílio à compreensão da ligação passado-presente.
Ex: “Foi quando minha mãe estava limpando uma janela, bateu com a cabeça e caiu
no chão. Era tanto sangue que pensei que ela estava morta. Nessa época, eu tinha 3
anos”.
▸Puberdade: época de aparição dos primeiros sinais; nas mulheres, a história mens-
trual (menarca: regularidade, duração e quantidade dos catamênios; cólicas e cefa-
leias; alterações psíquicas, como nervosismo, emotividade, irritabilidade, depressão;
menopausa, última menstruação).
Ex: “Paciente relata que os primeiros sinais da puberdade ocorreram aos onze anos
e que obteve informações sobre menstruação...”.
▸História sexual: aqui se registram as primeiras informações que o paciente obteve e
de quem; as primeiras experiências masturbatórias; início da atividade sexual; jogos
sexuais; atitude ante o sexo oposto; intimidades, namoros; experiências sexuais ex-
traconjugais; homossexualismo; separações e recasamentos; desvios sexuais.
Ex: “Teve sua primeira experiência sexual aos 18 anos com seu namorado, mantendo,
desde então, relacionamentos heterossexuais satisfatórios com outros namora-
dos...”.
▸ Trabalho: registrar quando o paciente começou a trabalhar, diferentes empregos e
funções desempenhadas (sempre em ordem cronológica), regularidade nos empre-
gos e motivos que levaram o paciente a sair de algum deles, satisfação no trabalho,
ambições e circunstâncias econômicas atuais, aposentadoria.
Ex: “Conta que aos 20 anos obteve seu primeiro trabalho como contador numa em-
presa transportadora...”.
▸ Hábitos: uso do álcool, fumo ou quaisquer outras drogas. Caso não faça uso, assi-
nalar: “Não faz uso de álcool, fumo ou quaisquer outras drogas”.
V. HISTÓRIA FAMILIAR (HF)
O item deve abrigar as relações familiares (começa-se pela filiação do paciente).
▸Pais: idade; saúde; se mortos; causa e data do falecimento; ocupação; personali-
dade; recasamentos, se houver, de cada um deles. Verificar se há caso de doença
mental em um deles ou ambos.
Ex: “A.F. é o quinto filho de uma prole de dez. Seu pai, J.C., falecido, em 1983, aos 70
anos, de infarto...”.
▸Irmãos: idade; condições maritais; ocupação; personalidade. Indagar se há caso de
doença mental. Apenas referir-se por iniciais.
Ex: “Seus irmãos são: A.M., 34 anos, solteiro, desempregado, descrito como violento,
não se dá com ele”.
▸ Cônjuge: idade, ocupação e personalidade; compatibilidade; vida sexual; frigidez ou
impotência; medidas anticoncepcionais.
Ex: A.F. coabita maritalmente com G., 39 anos, do lar, descrita como carinhosa e “bo-
azinha”.
▸Filhos: número; idades; saúde; personalidade. Também referir-se apenas pelas ini-
ciais.
Ex: “Tem dois filhos: J., de 8 anos, cursando a 2ª série do 1º grau, apontado como
“carinhoso, mas cobra demais de mim e da minha mulher”.
▸Lar: neste quesito, descreve-se, em poucas palavras, a atmosfera familiar, os acon-
tecimentos mais importantes durante os primeiros anos e aqueles que, no momento,
estão mobilizando toda a família; as relações dos parentes entre si e destes com o
paciente.
Ex: “Quanto ao seu lar, diz não se adaptar muito bem à filha mais velha, que é muito
desobediente...” ou “Não gosta do ambiente familiar, pois nele há muitas pessoas
doentes...”.
Nunca é demais lembrar que se evite o estilo romanceado e opiniões pessoais por parte
de quem faz a anamnese. Frases curtas e objetivas, contendo dados essenciais, facili-
tarão a apreensão do caso. A utilização das palavras do paciente será produtiva na me-
dida em que se queira explicitar, de maneira objetiva e clara, alguma situação ou carac-
terística relevante.
1. Apresentação
Refere-se à impressão geral que o paciente causa no entrevistador. Compreende:
a. Aparência: Tipo constitucional, condições de higiene pessoal, adequação do ves-
tuário, cuidados pessoais. Não confundir com a classe social a que pertence o indiví-
duo.
Ex: “Paciente é alto, atlético e apresenta-se para a entrevista em boas condições de
higiene pessoal, com vestes adequadas, porém sempre com a camisa bem aberta...”.
b. Atividade psicomotora e comportamento: Mímica – atitudes e movimentos expres-
sivos da fisionomia (triste, alegre, ansioso, temeroso, desconfiado, esquivo, dramá-
tico, medroso, etc.); gesticulação (ausência ou exagero); motilidade – toda a capaci-
dade motora (inquieto, imóvel, incapacidade de manter-se em um determinado local);
deambulação – modo de caminhar (tenso, elástico, largado, amaneirado, encurvado,
etc.).
Ex: “Sua mímica é ansiosa, torce as mãos ao falar, levando-as à boca para roer as
unhas...” ou “Seu gestual é discreto...”.
c. Atitude para com o entrevistador: cooperativo, submisso, arrogante, desconfiado,
apático, superior, irritado, indiferente, hostil, bem-humorado, etc.
Ex: “Mostra-se cooperativo, mas irrita-se ao falar de sua medicação...”.
d. Atividade verbal: normalmente responsivo às deixas do entrevistador, não-espon-
tâneo (tipo pergunta e resposta), fala muito, exaltado ou pouco e taciturno.
Ex: “É normalmente responsivo às deixas do entrevistador, mas torna-se hostil
quando algo é anotado em sua ficha...”.
2. Consciência
Não se trata de consciência como capacidade de ajuizar valores morais, mas, sim,
num sentido amplo, uma referência a toda atividade psíquica, ou seja, é a capacidade
do indivíduo de dar conta do que está ocorrendo dentro e fora de si mesmo.
Consciência, aqui, será a indicação do processo psíquico complexo, que é capaz
de integrar acontecimentos de um determinado momento numa atividade de coordena-
ção e síntese. Na prática, a consciência se revela na sustentação, coerência e pertinên-
cia das respostas dadas ao entrevistador.
A clareza dessa consciência é traduzida pela lucidez. Quando o paciente está
desperto, recebendo e devolvendo informações do meio ambiente, ele está lúcido, não
importando, para esta classificação, o teor de sua integração com o meio.
Os distúrbios da consciência geralmente indicam dano cerebral orgânico. As in-
formações sensoriais chegam amortecidas ou nem chegam à consciência.
Os estados de rebaixamento da consciência podem ser: rebaixamento ou embo-
tamento, turvação ou obnubilação (que é um rebaixamento geral da capacidade de per-
ceber o ambiente) e estreitamento (perda da percepção do todo com uma concentração
em um único objetivo paralelo à realidade (ex. estados de hipnotismo e sonambulismo).
Cabe ao entrevistador avaliar o grau de alteração da consciência, observando se
o paciente faz esforço para manter o diálogo e levar a entrevista a termo, se a confusão
mental interfere na exatidão das respostas, que se fazem com lentidão, ou se o paciente
chega mesmo a cochilar, adormecer no curso da entrevista.
O paciente que exibe estado alterado da consciência, com frequência mostra al-
gum prejuízo também de orientação, embora o contrário não seja verdadeiro.
Exemplo de como descrever paciente lúcido nas entrevistas: “Paciente apresenta-
se desperto durante as entrevistas, sendo capaz de trocar informações com o meio am-
biente...”.
3. Orientação
Pode-se definir orientação como um complexo de funções psíquicas, pelo qual
tomamos consciência da situação real em que nos encontramos a cada momento de
nossa vida.
A orientação pode ser inferida da avaliação do estado de consciência e encontra-
se intimamente ligada às noções de tempo e de espaço.
Em geral, o primeiro sentido de orientação que se perde é o do tempo, depois o
do espaço, que envolve deslocamento e localização e, num estado mais grave, a deso-
rientação do próprio eu (identidade e corpo).
4. Atenção
A atenção é um processo psíquico que concentra a atividade mental sobre determi-
nado ponto, traduzindo um esforço mental. É resultado de uma atividade deliberada e
consciente do indivíduo – foco da consciência – a fim de inserir profundamente nossa
atividade no real.
Essa energia concentrada sobre esse foco está intimamente ligada ao aspecto
da afetividade. Destaca-se aí a vigilância (consciência sem foco, difusa, com atenção
em tudo ao redor) e a tenacidade (capacidade de se concentrar num foco). O paciente
não pode ter essas duas funções concomitantemente exaltadas (o paciente maníaco,
por exemplo, é hipervigil e hipotenaz), porém, pode tê-las rebaixadas, como no caso do
sujeito autista, esclerosado ou esquizofrênico catatônico.
Investiga-se assim:
▸atenção normal: ou euprossexia; normovigilância;
▸ hipervigilância: ocorre num exagero, na facilidade com que a atenção é atraída pe-
los acontecimentos externos;
▸ hipovigilância: é um enfraquecimento significativo da atenção, onde é difícil obter a
atenção do paciente;
▸ hipertenacidade: a atenção se adere em demasia a algum estímulo ou tópico; con-
centração num estímulo;
▸ hipotenacidade: a atenção se afasta com demasiada rapidez do estímulo ou tópico.
Ex: “Concentra-se intensamente no entrevistador e no que lhe é dito, abstendo-se
completamente do que se passa à sua volta...”.
5. Memória
“É o elo temporal da vida psíquica (passado, presente, futuro). A memória permite a
integração de cada momento. Há cinco dimensões principais do seu funcionamento: per-
cepção (maneira como o sujeito percebe os fatos e atitudes em seu cotidiano e os reco-
nhece psiquicamente), fixação (capacidade de gravar imagens na memória), conserva-
ção (refere-se tudo que o sujeito guarda para o resto da vida; a memória aparece como
um todo e é um processo tipicamente afetivo), evocação (atualização dos dados fixados
– nem tudo pode ser evocado). Cabe ressaltar aqui que nada é fixado e evocado de
maneira anárquica: há dependência das associações que estabelecem entre si (seme-
lhança, contraste, oposição, contiguidade e causalidade), e reconhecimento (reconhe-
cimento do anagrama (imagem recordada) como tal – é o momento em que fica mais
difícil detectar onde e quando determinado fato aconteceu no tempo e no espaço).
A função mnésica pode ser avaliada pela rapidez, precisão e cronologia das infor-
mações que o próprio paciente dá, assim como a observação da capacidade de fixação.
O exame da memória passada (retrógrada) faz-se com perguntas sobre o pas-
sado do paciente, data de acontecimentos importantes. Contradições nas informações
podem indicar dificuldades.
Com relação à memória recente (anterógrada), podem ser feitas perguntas rápi-
das e objetivas, como “O que você fez hoje?” ou dizer um número de 4 ou 5 algarismos
ou uma série de objetos e pedir para que o paciente repita após alguns minutos, se hou-
ver necessidade.
Para o exame da memória de retenção pode-se pedir ao paciente que repita al-
garismos na ordem direta e depois inversa.
A maior parte das alterações da memória é proveniente de síndromes orgânicas
(amnésia, hiper ou hipomnésia).
Ex: “A.F. é capaz de fornecer dados com cronologia correta; consegue lembrar
de informações recentes, como a próxima consulta com seu psiquiatra...”.
6. Inteligência
O que se faz nessa avaliação da inteligência não é o que chamamos “uma avaliação
fina”, realizada por meio de testes. É mais para se constatar se o paciente está dentro
do chamado padrão de normalidade. Interessa a autonomia que o paciente tenha, a sua
capacidade laborativa.
Quando houver suspeita de déficit ou perda intelectiva, as informações podem
ser obtidas pedindo-se-lhe que explique um trabalho que realize, alguma situação do
tipo: “Se tiver que lavar uma escada, começará por onde?”, que defina algumas palavras
(umas mais concretas, como “igreja”, outras mais abstratas, como “esperança”), que
estabeleça algumas semelhanças, como, por exemplo, “o que é mais pesado, um quilo
de algodão ou de chumbo?”.
A consciência, a inteligência e a memória estão alocadas entre as funções psí-
quicas de base.
Ex: “Durante as entrevistas percebe-se que o paciente tem boa capacidade de compre-
ensão, estabelecendo relações e respostas adequadas, apresentando insights...”.
Um déficit intelectivo (oligofrenia) é diferente de uma perda intelectiva, onde após
o desenvolvimento psíquico ter atingido a plenitude ocorre uma baixa, indicando síndro-
mes organocerebrais crônicas.
Uma alteração de consciência pode indicar um quadro organocerebral agudo. Uma alte-
ração de inteligência e memória pode indicar uma síndrome organocerebral crônica.
7. Sensopercepção
É o atributo psíquico, no qual o indivíduo reflete subjetivamente a realidade objetiva.
Fundamenta-se na capacidade de perceber e sentir.
Neste ponto, investigam-se os transtornos do eu sensorialmente projetados, si-
multâneos à percepção verdadeira, ou seja, experiências ilusórias ou alucinatórias que
são acompanhadas de profundas alterações do pensamento.
Ilusão é a percepção deformada da realidade, de um objeto real e presente, uma
interpretação errônea do que existe.
Alucinação é uma falsa percepção, que consiste no que se poderia dizer uma
“percepção sem objeto”, aceita por quem faz a experiência como uma imagem de uma
percepção normal, dadas as suas características de corporeidade, vivacidade, nitidez
sensorial, objetividade e projeção no espaço externo.
São significativas as alucinações verdadeiras (aquelas que tendem a todas as
características da percepção em estado de lucidez), as pseudo-alucinações (mais repre-
sentação do que realmente percepção; os relatos são vagos), as alucinações com diá-
logo em terceira pessoa, fenômenos de repetição e eco do pensamento, sonorização,
ouvir vozes.
As alucinações podem ser auditivas, auditivo-verbais (mais comuns), visuais, ol-
fativas, gustativas, cenestésicas (corpórea, sensibilidade visceral), cinestésicas (movi-
mento).
As perguntas que esclareçam essa análise poderão ser feitas à medida que a oportuni-
dade apareça. Porém, não se pode deixar de investigar completamente esse item.
Algumas perguntas são sugeridas: “Acontece de você olhar para uma pessoa e achar
que é outra?”; “Já teve a impressão de ver pessoas onde apenas existam sombras ou
uma disposição especial de objetos?; “Você se engana quanto ao tamanho dos objetos
ou pessoas?”; “Sente zumbidos nos ouvidos?”; “Ouve vozes?”; “O que dizem?”; “Diri-
gem-se diretamente a você ou se referem a você como ele ou ela?”; “Falam mal de
você?”; “Xingam?”; “De quê?”; “Tem tido visões?”; “Como são?”; “Vê pequenos ani-
mais correndo na parede ou fios”; “Sente pequenos animais correndo pelo corpo?”;
“Tem sentido cheiros estranhos?”.
Ex: Relata sentir um vazio na cabeça, mas que “é bom, pois não ligo pros problemas da
vida” e “ouvir uma voz que lhe diz ser um deus...”.
Caso o paciente não apresente nenhuma situação digna de nota neste item, pode-se
registrar: “Não apresenta experiências ilusórias ou alucinatórias”.
8. Pensamento
Por meio do pensamento ou do raciocínio, o ser humano é capaz de manifestar suas
possibilidades de adaptar-se ao meio. É por ele que se elaboram conceitos, articulam-se
juízos, constrói-se, compara-se, solucionam-se problemas, elaboram-se conhecimentos
adquiridos, ideias, transforma-se e cria-se.
Este item da anamnese é destinado à investigação do curso, forma e conteúdo do pen-
samento. Aqui se faz uma análise do discurso do paciente.
9. Linguagem
A comunicação é o meio que permite ao indivíduo transmitir e compreender mensa-
gens. A linguagem é a forma mais importante de expressão da comunicação. A lingua-
gem verbal é a forma mais comum de comunicação entre as pessoas.
A linguagem é considerada como um processo mental predominantemente consciente,
significativo, além de ser orientada para o social. É um processo dinâmico que se inicia
na percepção e termina na palavra falada ou escrita e, por isso, se modifica constante-
mente.
Neste tópico, o que irá nos interessar é o exame da linguagem falada e escrita.
Sua normalidade e alterações estão intimamente relacionadas ao estudo do pensa-
mento, pois é pela linguagem que ele passa ao exterior. Abaixo, enumeramos alguns
tipos mais comuns de patologias que, não custa lembrar, poderão ser apenas descritos
no exame psíquico e não denominados tecnicamente.
▸Disartrias: má articulação de palavras;
▸Afasias: perturbações por danos cerebrais que implicam na dificuldade ou incapaci-
dade de compreender e utilizar os símbolos verbais
▸Verbigeração: repetição incessante de palavras ou frases;
▸Parafasia: emprego inapropriado de palavras com sentidos parecidos;
▸Neologismo: criação de palavras novas;
▸Jargonofasia: “salada de palavras”;
▸ Mussitação: voz murmurada em tom baixo);
▸Logorreia: fluxo incessante e incoercível de palavras;
▸Para-respostas: responde a uma indagação com algo que não tem nada a ver com
o que foi perguntado.
Ex: “Expressa-se por meio de mensagens claras e bem articuladas em linguagem cor-
reta...”.
10. Consciência do Eu
Este item refere-se ao fato de o indivíduo ter a consciência dos próprios atos psíqui-
cos, a percepção do seu eu, como o sujeito apreende a sua personalidade.
As características formais do eu são:
▸ sentimento de unidade: eu sou uno no momento;
▸ sentimento de atividade: consciência da própria ação;
▸ consciência da identidade: sempre sou o mesmo ao longo do tempo;
▸ cisão sujeito-objeto: consciência do eu em oposição ao exterior e aos outros.
O terapeuta orientará sua entrevista no sentido de saber se o paciente acha que seus
pensamentos ou atos são controlados por alguém ou forças exteriores, se se sente hip-
notizado ou enfeitiçado, se alguém lhe rouba os pensamentos, se existe eletricidade ou
outra força que o influencie, se pode transformar-se em pedra ou algo estático, se sente
que não existe ou se é capaz de adivinhar e influenciar os pensamentos dos outros.
11. Afetividade
A afetividade revela a sensibilidade intensa da pessoa frente à satisfação ou frus-
tração das suas necessidades.
Interessa-nos a tonalidade afetiva com que alguém se relaciona, as ligações afetivas
que o paciente estabelece com a família e com o mundo, perguntando-se sobre: filhos,
pai, mãe, irmãos, marido ou esposa, amigos, interesse por fatos atuais.
Pesquisa-se estados de euforia, tristeza, irritabilidade, angústia, ambivalência e
labilidade afetivas, incontinência emocional, etc. Observa-se, ainda, de maneira geral, o
comportamento do paciente.
Ex: É sensível frente à frustração ou satisfação, apresentando ligações afetivas fortes
com a família e amigos...”.
12. Humor
O humor é mais superficial e variável do que a afetividade. É o que se pode observar
com mais facilidade numa entrevista; é uma emoção difusa e prolongada que matiza a
percepção que a pessoa tem do mundo. É como o paciente diz sentir-se: deprimido, an-
gustiado, irritável, ansioso, apavorado, zangado, expansivo, eufórico, culpado, atônito,
fútil, autodepreciativo.
13. Psicomotricidade
Todo movimento humano objetiva satisfação de uma necessidade consciente ou
inconsciente.
A psicomotricidade é observada no decorrer da entrevista e se evidencia geralmente de
forma espontânea. Averigua-se se está normal, diminuída, inibida, agitada ou exaltada,
se o paciente apresenta maneirismos, estereotipias posturais, automatismos, flexibili-
dade cérea, ecopraxia ou qualquer outra alteração.
Ex: “Apresenta tique, estalando os dedos da mão direita...”.
14. Vontade
Está relacionada aos atos voluntários. É uma disposição (energia) interior que tem
por princípio alcançar um objetivo consciente e determinado.
O indivíduo pode se apresentar normobúlico (vontade normal) ter a vontade rebaixada
(hipobúlico), uma exaltação patológica (hiperbúlico), pode responder a solicitações re-
petidas e exageradas (obediência automática), pode concordar com tudo o que é dito,
mesmo que sejam juízos contraditórios (sugestionabilidade patológica), realizar atos
contra a sua vontade (compulsão), duvidar exageradamente do que quer (dúvida pato-
lógica), opor-se de forma passiva ou ativa, às solicitações (negativismo), etc.
Ex: “Apresenta oscilações entre momentos de grande disposição interna para conseguir
algo e momentos em que permanece sem qualquer tipo de ação...”.
15. Pragmatismo
Aqui, analisa-se se o paciente exerce atividades práticas como comer, cuidar de sua
aparência, dormir, ter autopreservação, trabalhar, conseguir realizar o que se propõe e
adequar-se à vida.
Ex: “Exerce suas tarefas diárias e consegue realizar aquilo a que se propõe...”.
X. HIPÓTESE PSICODINÂMICA
A hipótese psicodinâmica e a atuação terapêutica deverão constar em outra folha
à parte. Um entendimento psicodinâmico do paciente auxilia o terapeuta em seu esforço
para evitar erros técnicos. Há que se ter uma escuta que vá além do que possa parecer
à primeira vista. A compreensão da vida intrapsíquica do paciente é de fundamental im-
portância no recolhimento de dados sobre ele.
Uma avaliação psicodinâmica não prescinde da avaliação realizada na anamnese.
Pode ser considerada, inclusive, como uma extensão valiosa e significativa dela.
É na busca do funcionamento psicodinâmico do paciente que se tem um melhor enten-
dimento do quanto ele está doente, de como adoeceu e como a doença o serve.
Estabelecido um bom rapport entre entrevistador e paciente, é de fundamental
importância que este último seja compreendido como alguém que em muito contribui
para o seu próprio entendimento, além de ajudar na precisão de um diagnóstico. O paci-
ente não é uma planta sendo observada por um botânico. É uma pessoa que, por não
conseguir mais se gerenciar sozinho, busca auxílio em outro ser humano. Sente medo,
ansiedade, desconfiança, alegria e está diante de uma outra pessoa que ele julga poder
auxiliá-lo.
À medida que esse entendimento vai se estruturando, o entrevistador pode co-
meçar a formular hipóteses que liguem relacionamentos passados e atuais do paciente,
assim como a repetição de seus padrões de relação e comportamento. Deve haver, por-
tanto, uma interpretação global da problemática desse paciente a respeito do que pode
estar causando suas dificuldades atuais, motivo da busca de ajuda profissional.
Fica evidente que uma hipótese psicodinâmica vai além do que o paciente diz.
Alcança, também, o estilo de relação que ele estabelece com o terapeuta e que dá indí-
cios de sua demanda latente. Também é preciso ressaltar que a hipótese psicodinâmica
está sempre baseada num referencial teórico seguido pelo terapeuta, que deverá cir-
cunscrever o funcionamento psicodinâmico do paciente, formulando uma hipótese que
resuma, da melhor maneira possível, a psicodinâmica básica do paciente.
No Setor de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia
do Rio de Janeiro, atendendo às exigências técnicas da P.B. que utilizamos, há que se
estabelecer, ainda, para melhor avaliação da condição psicodinâmica do paciente aten-
dido, o triângulo do conflito (I – impulso; A – ansiedade; D – defesa), o foco (isto é, a
prioridade a ser estabelecida como trabalho terapêutico) e o planejamento (onde se co-
loca aquilo que se pretende fazer na condução do caso, além do objetivo a ser atingido
pelo terapeuta ao final de seu trabalho com o paciente).
É ainda importante lembrar que a hipótese psicodinâmica formulada serve ape-
nas como uma compreensão maior do funcionamento do paciente para o terapeuta e
deve conter em seu bojo o foco e o conflito nuclear.
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Glossário Psiquiátrico
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