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Sumário

⇢ Introdução.............................................................................................................................................................................07
⇢ Módulo I: Saúde e Doença Mental........................................................................................................................13
⇢ Módulo II: Construção Social da Loucura ......................................................................................................16
⇢ Módulo III: Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica ...........................................................................34
⇢ Módulo IV: Os 5 períodos da Reforma Psiquiátrica (periodização) ...............................................52
⇢ Módulo V: A Criação do SUS ....................................................................................................................................54
⇢ Módulo VI: Política de Saúde Mental .................................................................................................................57
⇢ Módulo VII: Saúde Mental x Capitalismo ........................................................................................................60
⇢ Módulo VIII: Saúde Mental no Campo das Políticas Sociais .............................................................61

⇢ Módulo IX: Cuidado em Saúde Mental...............................................................................................................67


⇢ Módulo X: Políticas e Programas de Saúde Mental..................................................................................73
▸Políticas de Saúde Mental
▸Planos e Programas
▸Estratégias no Plano de Saúde Mental
▸Elaboração de Planos e Programas de Saúde Mental
▸Etapas do Plano de Saúde Mental
:: Exame Preliminar da Comunidade
:: Diagnóstico Comunitário
:: Levantamento de Recursos
:: Levantamento de Evidências nas Ações
:: Encontros com os Envolvidos no Plano
:: Elaboração do Plano de Saúde
:: Implementação, Monitoramento e Avaliação

▸Outros Aspectos na Formulação de Planos em Saúde Mental


:: Coordenação de Saúde Mental
:: Financiamento
:: Rede de Serviços

⇢ Módulo XI: Rede de Atenção Psicossocial......................................................................................................82


▸ Atenção Básica em Saúde;
▸ Atenção Psicossocial Especializada
▸ Atenção de Urgência e Emergência
▸ Atenção Residencial de Caráter Transitório
▸ Atenção Hospitalar
▸ Estratégias de Desinstitucionalização
▸ Reabilitação Psicossocial
▸ Portarias 121, 122, 123, 130, 131, 132, 3088, 3089, 3090, 3099

⇢ Módulo XII: O Centro de Atenção Psicossocial - CAPS..........................................................................86


▸O CAPS
▸Atendimento no CAPS
▸Fases de Desenvolvimento do CAPS
▸Objetivos do CAPS
▸Função do CAPS
▸Classificação do CAPS
▸O CAPS III
▸Descrevendo o CAPS
:: Acolhimento
:: Ambiência
:: Atividades

▸Estrutura da unidade
▸Comissões e Regimentos do CAPS
▸Acolhimento
▸Assistência Farmacêutica
▸Consulta aos Usuários pelos Profissionais de Saúde Mental
▸Atendimento às Emergências
▸Situações Judiciais
▸Produção e Faturamento
▸Intensidade no Acompanhamento
▸Estudos do Modelo do CAPS

⇢ Módulo XIII: Análise Institucional do CAPS..................................................................................................104


⇢ Módulo XIV: Integralidade do Atendimento................................................................................................106
⇢ Módulo XV: Intersetorialidade..............................................................................................................................109
⇢ Módulo XVI: Equipe Mínima...................................................................................................................................112
▸CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi, CAPSad, CAPSad III
⇢ Módulo XVII: Oficinas Terapêuticas.................................................................................................................114
▸Objetivos das Oficinas Terapêuticas
▸Propostas de Oficinas Terapêuticas

⇢ Módulo XVIII: Principais Atividades Desenvolvidas no CAPS.........................................................122


▸Acolhimento Inicial
▸Acolhimento Diurno e/ou Noturno
▸Atendimento Individual
▸Atenção às Situações de Crise
▸Atendimento em Grupo
▸Práticas Corporais
▸Práticas Expressivas e Comunicativas
▸Atendimento para a Família
▸Atendimento Domiciliar
▸Ações de Reabilitação Psicossocial
▸Promoção de Contratualidade
▸Fortalecimento do Protagonismo de Usuários e de Familiares
▸Ações de articulação de Redes Intra e Intersetoriais
▸Matriciamento de Equipes da Atenção Básica, Urgência e Emergência, e dos Ser-
...viços Hospitalares de Referência
▸Ações de Redução de Danos
▸Acompanhamento de Serviço Residencial Terapêutico
▸Apoio a Serviço Residencial de Caráter Transitório
▸Atividades Realizadas pelos CAPS Adulto, Infância e Adolescência, Álcool e Drogas
▸Atividades Específicas do CAPS III, CAPS ad, CAPSi
▸CAPS I, II, III, i e ad “Habilitados e Não-Habilitados”

⇢ Módulo XVIX: Demandas do Serviço Social (concepção histórico-crítica)...........................128


⇢ Módulo XX: Demandas Profissionais do Serviço Social no CAPS.................................................138
▸Agente Assistencial
▸Potencializador de Mediações
▸Agente Complementar (colaborador)
▸Agente Político (cidadania, direitos)
▸Agente Terapêutico
▸Agente Socializador
▸Profissional de Inserção
▸Profissional de Controle
▸Agente Multiplicador

⇢ Módulo XXI: Atuação do Assistente Social na Saúde Mental.........................................................161


⇢ Módulo XXII: Atuação do Assistente Social no CAPS...........................................................................164
▸O Trabalho Interdisciplinar
▸O Trabalho Multidisciplinar
▸O Trabalho Transdisciplinar
▸Intervenção Profissional do Assistente Social junto aos PTM’s

⇢ Módulo XXIII: Atuação do Assistente Social no Grupo Familiar....................................................169


⇢ Módulo XXIV: Dicas para Identificação de Problemas de Saúde Mental e Emocional em
...Usuários do CAPS.........................................................................................................................................................175

⇢ Módulo XXV: Política de Redução de Danos na Saúde Mental......................................................177


▸Histórico
▸Aspectos Práticos
▸Estratégias Globais
▸Estratégias Específicas

⇢ Módulo XXVI: Saúde Mental na Atenção Básica: O Matriciamento...........................................184


▸A Saúde Mental na Atenção Básica
:: Discussão de Casos
:: Consulta, Visita Domiciliar e Grupos Conjuntos
:: Projeto Terapêutico
:: Contatos à Distância
:: Registro e Planejamento

⇢ Módulo XXVII: Estratégias de Combate ao Estigma na Saúde Mental.....................................194


▸Autoestigma
▸Estigma Estrutural
▸Ações para Redução do Estigma
▸Estratégias Gerais
▸Modificação de Atitudes na Comunidade
▸Modificação de Atitudes dos Profissionais de Saúde
▸Modificação de Atitudes dos Meios de Comunicação
▸Promoção e Defesa de Direitos

⇢ Módulo XXVIII: Casos Clínicos Comentados...............................................................................................201


▸Caso 1: Somatização
▸Caso 2: Ansiedade
▸Caso 3: Depressão
▸Caso 4: Dependência Química - Abstinência Alcoólica
▸Caso 5: Transtorno Psicótico
▸Caso 6: Transtorno Global do Desenvolvimento em Crianças e Adolescentes
▸Caso 7: Transtorno de Conduta e Uso de Drogas

⇢ Módulo XXIX: Modelo de Projeto Terapêutico (completo).............................................................213


⇢ Módulo XXX: Modelo de Anamnese (completo)......................................................................................221
⇢ Glossário Psiquiátrico.................................................................................................................................................241
⇢ Referências Bibliográficas......................................................................................................................................271
Introdução

O Movimento de Reforma Psiquiátrica se desenvolveu no Brasil concomitante ao


Movimento da Reforma Sanitária ao longo dos anos 1970 e 1980, lutavam pela melhoria
da atenção à saúde sendo seus serviços distribuídos de forma mais democrática e equi-
tativa, mas ambos tinham suas particularidades.
A Reforma Sanitária representa uma luta pela reformulação de todo o sistema de
saúde que inspirou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) integral, participativo,
equitativo, descentralizado, com garantia de gratuidade e universalização do direito à
saúde, mas a criação do SUS foi apenas uma das conquistas do movimento. O movi-
mento contava com a participação de profissionais da área da saúde, lideranças popu-
lares, parlamentares de esquerda, intelectuais e estudantes da saúde, dentre diversos
outros atores sociais, que buscavam além da unificação do sistema de saúde, uma trans-
formação de todo o campo da saúde no Brasil, na busca da saúde como um direito de
todos a ser garantido pelo Estado sendo contra a privatização da saúde elaborando as
bases financeiras, o conceito ampliado de saúde e a criação de instâncias de participa-
ção social. Já a Reforma Psiquiátrica representa uma luta pela superação do modelo
asilar de tratamento a pessoas com transtornos mentais. A Reforma redireciona o paci-
ente para o cuidado integral em serviços abertos e comunitários com vistas a preservar
os vínculos sociais e os direitos de cidadania. Transforma as políticas sociais de saúde
mental de forma a alterar a assistência dada à pessoa com transtornos mentais. A Re-
forma é um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais,
assim como também mudança no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das
relações interpessoais que esse processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por
impasses, tensões, conflitos e desafios. O Movimento da Reforma Psiquiátrica é respal-
dado pela Lei 10.216 de 2001 e por diversas portarias implantadas pelo Ministério da
Saúde.
O Serviço Social surge no Brasil como profissão nos anos 1930 a 1945, e o campo
da saúde não era o que mais concentrava assistentes sociais. A partir de 1945 o Serviço
Social se expande no país, e nessa época o campo da saúde passa a absorver muitos
assistentes sociais devido ao contexto internacional e nacional da época logo após o
termino da 2ª Guerra Mundial e ao novo conceito de saúde que se difunde pelo mundo
em 1948 pela OMS - Organização Mundial da Saúde -, onde a saúde passa a ter consi-
derações a partir de aspectos biopsicossociais.
Com esse novo conceito as equipes de trabalho na área da saúde passaram a ser multi-
disciplinares. O assistente social tinha um papel educativo com uma intervenção norma-
tiva, para adequar os hábitos de higiene e saúde na vida das pessoas com uma ação
preventiva, assim como também age de forma embrionária na viabilização do acesso
dos usuários aos serviços de saúde (AGUIAR, 2011).
A profissão sofreu profundas transformações após 1964. Nos anos 1960 a profis-
são estava em processo de modificação questionando o seu conservadorismo, mas esse
processo de crítica foi interrompido pelo golpe militar de 1964. Onde o assistente social
na saúde trabalhava com práticas curativas, na assistência médica previdenciária, com
um trabalho mais burocratizado e psicologizante. Nos anos 1970 o trabalho do assistente
social não se altera, mesmo que no bojo da profissão estava ocorrendo um processo de
aprofundamento teórico e uma crítica com vistas à renovação da profissão.
Nos anos 1980 o Serviço Social que tinha passado por um movimento de recon-
ceituação pela ruptura com o conservadorismo e aliança à tradição marxista, se encon-
trava em um cenário político de lutas, pois nessa conjuntura havia a luta pela Reforma
Sanitária, que vinha desde meados dos anos 1970 e estava fortalecida, tendo como
marco a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Assim também como o avanço da Constitui-
ção de 1988, que garantia a integração da saúde, previdência e assistência social à Se-
guridade Social.
Com a Reforma Sanitária e a reformulação no sistema de saúde com a criação do Sis-
tema Único de Saúde (SUS), e a saúde sendo um direito do cidadão e dever do Estado,
o modelo de atenção à saúde se ampliou a partir da adoção e aplicação do paradigma
social da saúde. Segundo Eugênio Villaça Mendes (1996), o paradigma social da saúde é
uma nova concepção do processo saúde-doença, sendo que antes a saúde era enten-
dida como ausência de doença passa então a ser entendida a partir de quatro dimen-
sões: biologia humana, estilos de vida, meio ambiente e serviços de saúde. É a articula-
ção da saúde a condições de vida.
Onde a saúde constitui a partir de uma relação de equilíbrio entre o homem e seu
meio. Esse novo paradigma se desenvolve pela teoria da produção social da saúde, que
tudo que existe é produto do homem, numa determinada sociedade e determinado mo-
mento tudo aquilo que acontece nessa sociedade pode acumular ou desacumular saúde
em virtude do jogo social (MENDES, 1996).
Devido à adesão desse paradigma e com isso o aumento da preocupação com as deter-
minações sociais do processo saúde-doença que o assistente social teve a saúde como
o maior campo de trabalho. Mesmo com o processo de reconceituação da profissão
sendo concomitante à Reforma Sanitária e os assistente social ter ações relacionando
os ideais da Reforma Sanitária com o projeto ético-político da profissão, esses dois pro-
cessos de mudanças não se articularam diretamente, e “os avanços conquistados pela
profissão no exercício profissional são considerados insuficientes, pois o Serviço Social
chega à década de 1990 ainda com uma incipiente alteração no trabalho institucional”
(CFESS, 2010, p.25).
A Reforma Sanitária desencadeou conquistas no campo normativo, na Constitui-
ção Federal de 1988 e na Lei 8.080/90, na Constituição o conceito de saúde ressalta as
expressões da questão social ao colocar a saúde como um dever do Estado e direito de
todos que deve ser garantido por políticas sociais do governo, assim como indica que os
determinantes sociais, econômicos e culturais e condicionantes que influenciam no pro-
cesso de saúde-doença que também devem ser garantidos (CFESS, 2010). Sendo o as-
sistente social um profissional que intervém nas manifestações da Questão Social, aten-
dendo à demandas sociais da sociedade de forma a amenizar as expressões da contra-
dição capital x trabalho, o campo da saúde necessita da atuação do assistente social,
pois devido ao contexto social, político e econômico e as relações de trabalho atuais, “a
saúde do trabalhador vem se apresentando como uma importante área de atuação do
assistente social nas últimas décadas” (CFESS, 2010, p.40).
Mas atualmente devido ao projeto político econômico do Brasil – neoliberalismo- se con-
frontar com o projeto profissional crítico da profissão e os ideais da reforma sanitária,
os avanços foram insuficientes e a prática institucional ainda é desafiante no sentido de
conexão entre o discurso e o trabalho desenvolvido, devido à ofensiva neoliberal que
não valoriza a seguridade social – composta pela saúde, previdência e assistência social
(BRAVO; MATOS, 2006). Então o serviço social deve ter uma ação articulada com os
segmentos que defendem a contínua melhoria do SUS no sentido de formular estratégias
para a real efetivação e na defesa intransigente do direito social à saúde, pois o projeto
da profissão deve estar articulado com os ideais da reforma sanitária. O exercício pro-
fissional deve ser consciente, crítico, criativo e politizante, na busca de uma sociedade
livre, justa e mais igualitária (BRAVO; MATOS, 2006).
Há registros do início da inserção do Serviço Social na saúde mental datados de
1946. Sendo nessa época também era o início da profissão como tal, não havia muitos
assistentes sociais trabalhando nessa área (BISNETO, 2011). Como a profissão tinha um
viés filantrópico e conservador nos seus primórdios, sua atuação era direcionada apenas
à massa mais pobre da população, devido a esse caráter não existiam muitos empregos
nessa área, era mínima a existência de hospícios estatais que atendiam em suas maio-
rias indigentes ou doentes abandonados pela família. Havia hospitais psiquiátricos para
os trabalhadores pertencentes à rede IAPs - os Institutos de Aposentadorias e Pensões
– que também empregavam alguns assistentes sociais. E as clínicas psiquiátricas desti-
nadas ao atendimento às pessoas ricas, que não empregavam assistentes sociais. Nesse
período as primeiras práticas dos assistentes sociais na área da saúde eram desenvol-
vidas no modelo do Serviço Social clínico. O assistente social trabalhava com o indivíduo
e a sua subjetividade até os anos 1970. Suas práticas eram psicologizantes, atuava com
abordagens de cunho higienista.
Na Ditadura Militar em 1964, o número de clínicas psiquiátricas privadas aumentou. Es-
sas clínicas tinham convênio com o Estado, financiadas pelo Instituto Nacional de Previ-
dência Social - INPS resultado da unificação das IAPs, e atendiam também aos trabalha-
dores, mas inicialmente não contrataram assistentes sociais. É a partir desse momento
que a doença mental se torna mercadoria, objeto de lucro para empresários financiados
pelo Estado (BISNETO, 2011).
Depois dos anos 1970 o assistente social é requisitado para trabalhar em hospi-
tais psiquiátricos devido à necessidade de uma equipe interprofissional com sentido de
relacionar saberes profissionais na atuação. Mas a demanda por assistentes sociais era
apenas para cumprir regulamentação do Ministério da Previdência e Assistência Social
– MPAS. Os hospitais contratavam, mas os salários eram baixos e os assistentes sociais
não tinham funções especificas. O assistente social era requisitado pelo Estado para
executar políticas sociais na área de saúde mental, pois o problema nessa época não era
a loucura porque essa estava sendo controlado de forma desumana pelos psicotrópicos
e pelo aparato asilar. O grande problema era que pelo fato dos hospitais psiquiátricos
atenderem demandas dos trabalhadores, estes que estavam em situação vulnerável e
de miséria estavam sendo abandonados e os assistentes sociais teriam que atender a
essas demandas específicas. “O Serviço Social foi demandado pelo Estado Ditatorial
como executor terminal de políticas sociais na área da Saúde Mental, repetindo sua con-
tradição histórica, de uma demanda pelas elites para atender aos ‘necessitados’” (BIS-
NETO, 2011, p.25). O governo Ditatorial tentou usar o serviço social para controlar os
trabalhadores que estavam doentes devido ao agravamento do desemprego e da explo-
ração, e assim facilitar a acumulação capitalista.
Como citado anteriormente, que nos anos 1970 o Serviço Social estava em pro-
cesso de reconceituação, as práticas da profissão na área de saúde mental estavam
sendo contestadas devido ao viés psicologizante. E a aproximação da profissão ao mar-
xismo não estabelecia uma metodologia de atuação na área de saúde mental para abor-
dar a subjetividade do sujeito com doença mental e relacionar a questão social desse
ser.
Nos anos 1980 a Reforma Psiquiátrica compartilhava de propostas sociais similares ao
debate do Serviço Social. A corrente compartilhada pela reforma e pelo Serviço Social é
a da Análise Institucional por desenvolver uma crítica a institucionalização do doente
mental e por sua vez sua alienação nestes espaços.
De modo que o Movimento de Reforma Psiquiátrica apresenta pontos que tocam o mo-
mento atual do Serviço Social:
▸ O debate em torno da transformação progressista das organizações institucionais
psiquiátricas e de assistência social;
▸ A ênfase no aspecto político da assistência social e da assistência psiquiátrica;
▸ A necessidade da interdisciplinaridade e de ultrapassar os limites entre os saberes;
▸ A necessidade de democratizar as relações de poder entre técnicos e usuários
(BISNETO, 2011, p.36).

Os CAPS que são dispositivos alternativos da rede de atenção à saúde mental são
consequência da Reforma Psiquiátrica, vinculada à conquista do SUS pela Reforma Sa-
nitária. O trabalho é desenvolvido com ênfase à dimensão social dos problemas mentais,
com intuito de emancipar o usuário do serviço sujeito de direitos. Ou seja, nessa institui-
ção há uma psiquiatria da desinstitucionalização que entende as contradições da reali-
dade e o lado social, criticando a institucionalização do sujeito em manicômios. Cabe
destacar que essa análise não é contra as instituições em si, mas a favor de uma trans-
formação para atender a um projeto político democrático e popular e não repressor (BIS-
NETO, 2011).
O Movimento de Reforma Psiquiátrica incorpora a necessidade da presença do Serviço
Social nas instituições da Saúde Mental, garantidas em portarias ministeriais. Essa aber-
tura de campo para a profissão se deu devido ao caráter crítico dos assistentes sociais
e de uma formação social e política, que trabalha de forma a garantir os direitos da po-
pulação.
Vasconcelos (2006) destaca em relação aos referenciais teórico-metodológico e
ético-político do assistente social:
Como pressupostos ideopolíticos, destacamos o comprometimento com a garantia dos
direitos civis, sociais e políticos dos segmentos populares, com a preocupação de análise
dos serviços tendo em vista os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, com
vistas a contribuir para a qualidade do espaço público, para o controle social e, em última
instância, para a construção de uma nova ordem social. (VASCONCELOS, 2006, p.244).
Como fruto das lutas do Movimento da Reforma Psiquiátrica temos três Centros de
Atenção Psicossocial- II (CAPS-II) no Distrito Federal, que representa um dos dispositi-
vos da política. O presente trabalho se propõe a analisar o atendimento feito pelas as-
sistentes sociais dos três CAPS-II do Distrito Federal – por meio de entrevistas -, com o
intuito de apreender a atuação destes profissionais nesses serviços se seu trabalho é
pautado pelo modelo biomédico ou pelo modelo social da deficiência, assim como tam-
bém identificar dificuldades existentes na atuação profissional.
Devido à nova compreensão de deficiência a partir da Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoa com Deficiência, a loucura e a deficiência se aproximam, pois pode se
compreender a loucura como uma forma de opressão pelo corpo, assim como a defici-
ência, além de historicamente ambas serem estigmatizadas pela lógica vigente. Mesmo
que a loucura ainda não seja vista como uma deficiência, o presente trabalho se desafia
a demonstrar que ambas se aproximam devido a vários determinantes, e analisará se o
trabalho das assistentes sociais dos CAPS II se desenvolve pela lógica do modelo social
da deficiência.

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Módulo 1

Saúde e Doença Mental


Antes de iniciar uma discussão que nos aproxime da definição de saúde/doença
mental, é importante apresentar o significado de saúde propriamente dita, sendo assim,
segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde): “Saúde é um estado de bem-estar
físico, mental e social”, ou seja, a ausência de doenças não é o único determinante, pois
tal conceito se mostra abrangente, considerando todas as relações que os indivíduos
encontram-se inseridos e que rebatem em seu cotidiano, envolvendo outros determi-
nantes além dos biológicos, como fatores sociais, ambientais, culturais, políticos e
econômicos.
Tendo em vista a criação da Política Nacional de Promoção de Saúde, pelo Mi-
nistério da Saúde, em 2006, que visa à promoção da qualidade de vida e redução da
vulnerabilidade social e riscos à saúde, entende-se então, a concepção de saúde e do-
ença (físicas e mentais) como processos resultantes do modo de vida cotidiana de pes-
soas e de suas historicidades. Sendo assim, o objetivo terapêutico não é de curar doen-
ças, mas de “fortalecer sujeitos, produzir saúde e defender a vida” (BRASIL, 2006). As-
sim, os processos que compõem o sofrimento psíquico são produtos da vida em socie-
dade, incluindo fatores que podem ser sociais, culturais, econômicos, ou até mesmo po-
líticos, e não necessariamente possuem causas físicas e orgânicas.
No cenário mundial, depois da Segunda Grande Guerra, o Estado passa a ser res-
ponsável não somente por garantir o direito à vida, mas também o direito à saúde, como
forma de superação dos horrores da guerra (FEITOSA; ROSA, 2008). Da mesma forma, a
loucura passa a ser compreendida como uma doença, que necessita de um tratamento,
e não de uma punição, e visando à melhora no atendimento das pessoas portadoras de
sofrimentos psíquicos.
No caso da saúde mental no Brasil, a mudança de concepção e de trabalho com
o portador de sofrimento psíquico pode ser considerada recente. No passado a loucura
já foi entendida como uma ameaça à paz da sociedade e o seu tratamento foi um meca-
nismo de exclusão, de segregação, e punição para os que sofriam com esta doença. As
primeiras medidas de tratamento sempre foram no sentido de “vigiar e punir” os “lou-
cos” (Foucault, 1991) como se esta situação fosse um problema de conduta. “Tratavam”
os indivíduos como se fossem culpados por sua situação.
A lógica da exclusão, para retirar o problema – no caso o doente – sempre esteve
presente nos espaços destinados ao referido “tratamento”, que em muitas vezes era na
forma de correção, como é o caso do chamado “berço de contenção de loucos” (AMA-
RANTE, 2009, p. 16).
Desse modo, tratar do assunto saúde mental requer o mínimo de discernimento para não
se deixar influenciar pelo intenso preconceito que o tema carrega consigo, até mesmo
em questões simples como ao se referir aos PTM’s que são frequentemente intitulados
por termos estigmatizantes que apenas contribuem para a reprodução da discriminação.
Ainda hoje, falar sobre a saúde mental é desconfortável para os PTM, familiares,
Estado e até mesmo alguns profissionais que atuam nesta área, isto porque historica-
mente os transtornos mentais receberam as mais diferentes interpretações, sendo que
algumas delas ainda permanecem, sendo lançadas pelo senso comum.
Não existe uma causa única que ofereça uma explicação acerca dessa condição que
acomete tantas pessoas dos diferentes níveis culturais, econômicos e sociais, cau-
sando-lhes sofrimento e também o desgaste e a rejeição por parte daqueles que o ro-
deiam, que não se sentem preparados ou se negam a aceitar esta situação.
Ainda que seja imprescindível o respeito aos valores que cada indivíduo traz consigo, há
de se considerar que determinadas explicações para os transtornos mentais estão va-
zias de qualquer fundamento e por mais absurdas que sejam não é difícil encontrarmos
quem, ainda hoje, pense dessa forma, felizmente em menor número, pois entendia-se
que a loucura era resultante da possessão de maus-espíritos que atingiam aqueles que
em algum momento mereceu que isto acontecesse, como forma de pagar por algum
erro, ou então, pela falta de vontade ou fraqueza de caráter do indivíduo, que se vê em
posição favorável para não assumir suas responsabilidades, por exemplo, com o traba-
lho.
Phllipe Pinel é um referencial ao se falar em saúde mental, pois no século XVIII
traz um entendimento diferenciado acerca do assunto, cuja loucura é apresentada como
um distúrbio do sistema nervoso, ou seja, tratava-se de uma doença, colocando a pos-
sibilidade de cura e denunciando as barbaridades contra os pacientes no intuito de con-
tenção das crises, e enquanto médico psiquiatra propôs algumas mudanças como o trei-
namento para os funcionários desses hospitais e o fortalecimento do vínculo do doente
com os seus familiares.
Na concepção de Spadini e Souza:

A doença mental permanece até hoje obscura perante a medicina [...], no en-
tanto, o adoecer psíquico é facilmente percebido, pois em geral, são apresen-
tados pelos indivíduos que adoecem comportamentos fora daqueles normal-
mente aceitos pela sociedade.
Sendo assim, temos estabelecidos socialmente condutas entendidas como normais e
anormais, o que nos permite diferenciar a pessoa portadora de transtorno mental, o que
dependerá também da doença e do seu grau de desenvolvimento em que ela se encon-
tra. Os comportamentos mais conhecidos vão desde alterações de humor, manias, alu-
cinações até pensamentos constantes sobre a morte, o que só poderá ser determinado
como transtorno após avaliação médica e ainda assim é muito complexo.
Chegar a um consenso sobre o que ocasiona tais doenças ainda gera discussões,
pois o que temos são possibilidades que ocorrem de maneiras diferentes e variam de
acordo com o indivíduo e também o ambiente que se encontra. Geralmente, as doenças
que são mais “fáceis” de serem compreendidas são aquelas que já nascem com o indi-
víduo por uma questão genética, entretanto existem as que são provocadas por acon-
tecimentos passados ou relacionamentos conturbados, neste caso acentuam-se as po-
lêmicas por se distanciar ainda mais de uma explicação que esteja direcionada a todos
os PTM’s.
E por se mostrar com tantas variações é que a saúde mental é um importante objeto de
problematizações, por envolver principalmente o receio diante do desconhecido, o que
provoca tanto preconceito e isolamento para com o PTM; problematizações que não
devem se limitar apenas aos médicos, mas que necessitam estarem presentes no uni-
verso de todos os profissionais que participam e influenciam o cotidiano do ser humano,
para isso é preciso conhecer ao menos os mais significativos movimentos ao longo da
história que se colocaram a favor da saúde mental.

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Módulo 2

Construção Social da Loucura


Partimos do pressuposto de que a forma de conceber, tratar e enfrentar a lou-
cura é socialmente construída, pois cada época histórica, cada sociedade cria a sua
forma específica de abordar esse fenômeno. Aquilo que foge do padrão social estabele-
cido, em termos de comportamento, conduta e maneira de ser, constitui-se alvo de con-
trole, integração e segregação, sendo abordado de forma diferenciada devido aos valo-
res e às condições sociais, econômicas e culturais de cada momento histórico. Assim,
para apreender a trajetória da saúde mental é necessário compreender a sua construção
ao longo do processo histórico, fazendo-se necessário situá-la dentro de um contexto
mundial que nos possibilite identificar quais os elementos que estão diretamente articu-
lados à sua história, e como eles têm influenciado na construção de diferentes aborda-
gens no atendimento à saúde mental no Brasil e no mundo.
Dentre as grandes contribuições acerca do estudo sobre a loucura, um dos nomes de
grande destaque foi Foucault. Em sua obra História da Loucura (1978) ele investiga a
“experiência da loucura” em diferentes épocas, buscando articular as práticas instituci-
onais e as estruturas do saber de cada época. No decorrer desta sua obra o autor mostra
a transformação da loucura em doença mental através da retomada de alguns períodos
históricos:
✎ Na Renascença ele retrata aqueles que vivem a experiência trágica da loucura
sendo lançados à deriva nas “naus dos insensatos”;
✎ Na idade clássica, sob o fulgor das luzes da razão, a loucura é vista como desrazão
e os loucos passam a ser vítimas da grande internação, sendo acorrentados nos hos-
pitais gerais;
✎ Com o advento da modernidade, no século XIX, serão criados os asilos ou hospitais
psiquiátricos e os loucos serão tratados como doentes mentais. Analisando a história,
Foucault mostra o confinamento (idade clássica) e a sistematização do saber sobre o
louco (idade moderna) como episódios em uma longa história de estratégias de con-
trole das populações humanas.

Em nossa ingenuidade, imaginamos talvez ter descrito um tipo psicológico, o


louco, através de cento e cinquenta anos de sua história. Somos obrigados a
constatar que, ao fazer a história do louco, o que fizemos foi – não, sem dú-
vida, ao nível de uma crônica das descobertas ou de uma história das ideias,
mas seguindo o encadeamento das estruturas fundamentais da experiência –
a história daquilo que tornou possível o próprio aparecimento de uma psico-
logia. E por isso entendemos um fato cultural próprio do mundo ocidental
desde o século XIX: esse postulado maciço definido pelo homem no ermo, mas
que o demonstra bem: o ser humano não se caracteriza por um certo relacio-
namento com a verdade, mas detém, como pertencente a ele de fato, simul-
taneamente ofertada e ocultada, uma verdade (FOUCAULT, 1978).

Da Antiguidade até a Idade Média, o louco gozou de um certo grau de liberdade,


podendo circular livremente. A doença mental era uma questão de âmbito privado, ba-
sicamente determinada pelos costumes, e o poder público só intervinha em assuntos de
direito, por exemplo: validação ou anulação de casamentos em que um dos cônjuges
enlouquecia ou se curava e proteção da propriedade de insanos perdulários. Os trata-
mentos médicos na Grécia e Roma Antigas permaneceram como fenômenos localizados,
restritos a uns poucos abastados, contrariamente às práticas populares e mágico-reli-
giosas amplamente difundidas. As famílias de posse mantinham seus loucos em casa,
frequentemente, sob a guarda de um assistente especialmente contratado. Aos pobres
era permitido vagar pelos campos ou pelos mercados das cidades, e sua sobrevivência
era assegurada pela caridade pública ou por pequenos trabalhos realizados para parti-
culares. Na América colonial, os governos municipais costumavam remunerar aquelas
famílias de lavradores que se dispunham a receber os loucos pobres não totalmente
incapacitados para o trabalho. Um sistema precursor da chamada assistência heterofa-
miliar, que viria a ser proposta séculos mais tarde como parte do armamento terapêutico
psiquiátrico científico (RESENDE, 2001).
Com o desenvolvimento da produção e do comércio, típico da expansão europeia, a par-
tir do século XV, há um aceleramento dos progressos técnicos ligados diretamente ao
capital e ao uso da mão-de-obra. O renascimento científico marca o primeiro momento
desse impulso, cuja importância se torna decisiva nos séculos XVII e XVIII, quando então
a curiosidade científica, a nova mentalidade voltada para a observação e a experimen-
tação abrem caminho às conquistas científicas desse período e, concomitantemente, às
possibilidades de aplicação e utilização dos princípios e teorias ao próprio processo pro-
dutivo.
Assim, ao fim do século XV, na Europa, o advento da manufatura trouxe aos trabalha-
dores artesãos muitos problemas, pois a visão de que se trabalha para viver vai sendo
aos poucos substituída pela ideia de que se deve viver para trabalhar. Ideia essa ex-
pressa nas atitudes dos empresários, movidos pelo espírito do cálculo e do lucro, em
contrapartida à cultura dos trabalhadores, recém-saídos de uma rotina artesanal e com
uma cômoda e agradável concepção de trabalho. Essa visão dos trabalhadores, diante
do racionalismo burguês, será tida como carente de disciplina e irracionalista ante o
conceito de tempo, haja vista que o novo estágio capitalista exigirá um outro ritmo na
produção.
Para a nascente sociedade moderna, era necessário descartar um sentimento
ainda profundamente arraigado, próprio tanto do homem rural como do urbano, de que
a liberdade individual é incompatível com a subordinação a um processo de trabalho
estritamente vigiado e totalmente racionalizado, que, até aquele momento, só era co-
nhecido nos presídios e nas casas de correção. Nada mostra melhor o problema dos
trabalhadores desta época de transição, no final do século XV, do que as cidades que
regurgitam de desocupados, mendigos e vagabundos enquanto se experimentava es-
cassez de mão-de-obra.
Dessa forma, surgem, em toda Europa, medidas de repressão à mendicância, à vaga-
bundagem e à ociosidade, voluntária ou não. E complementarmente a essas medidas
legislativas de repressão, criam-se instituições: as casas de correção e de trabalho e os
chamados hospitais gerais que, apesar do nome, não tinham qualquer função curativa.
Seu destino principal era limpar as cidades dos mendigos e antissociais em geral, prover
trabalho para os desocupados, punir a ociosidade e reeducar para a moralidade medi-
ante instrução religiosa e moral.

Em toda a Europa o internamento tem o mesmo sentido, se for considerado


pelo menos em suas origens. Constitui uma das respostas dadas pelo século
XVII a uma crise econômica que afeta o mundo ocidental em sua totalidade:
diminuição dos salários, desemprego, escassez de moeda, devendo-se este
conjunto de fatos, muito provavelmente, a uma crise na economia espanhola.
Mesmo a Inglaterra, o menos dependente desse sistema dentre todos os pa-
íses da Europa ocidental, vê-se às voltas com os mesmos problemas.
Apesar de todas as medidas tomadas (...) a pobreza não deixa de aumentar
no país. (...) Ainda durante muito tempo a casa de correção ou os locais do
Hospital Geral servirão para a colocação dos desempregados, dos sem traba-
lho, e vagabundos. Toda vez que se produz uma crise, e que o número de
pobres sobe verticalmente, as casas de internamento retomam, pelo menos
por algum tempo, sua original significação econômica (FOUCAULT, 1978).
A derrocada do antigo regime feudal, por meio do processo desencadeado pela Revolu-
ção Francesa, e o surgimento de uma nova ótica social, instaurada com o advento da
sociedade burguesa, marcadamente a partir dos séculos XVII e XVIII, inauguram uma
nova ordem econômica, política e social, traduzida no projeto da Ilustração, que é a ex-
pressão histórica do Iluminismo.
A essência do Iluminismo consistia em libertar o homem da ignorância, dos mitos, forta-
lecendo o saber e o uso da razão como instrumento emancipatório de autogoverno hu-
mano. Libertar o homem equivalia a torna-lo consciente de sua realidade e responsável
pelo seu próprio destino.
Autonomia e autodeterminação se impõem na ordem burguesa, para ocupar o lugar da
cultura tradicional, em que o sagrado, o mito e o encantamento do mundo predomina-
vam (ROSA, 2003).
Essa nova ordem burguesa, no cenário de instauração de um novo regime de produção
(capitalista), pressupunha o indivíduo como centro da sociedade e sujeito normativo das
instituições. A sociedade passa a ser percebida como uma associação livre de seres
autônomos e iguais perante a lei, dispostos a comprar e vender sua força de trabalho.
Essa relação pressupõe conotações diferentes quanto à realização da liberdade, preco-
nizada de acordo com a classe social (burguesa ou trabalhadora) a que o indivíduo per-
tencesse. “Para os integrantes da classe burguesa, significava desvencilhar-se das obri-
gações e imposições do Antigo Regime; para a classe trabalhadora, ser livre seria não
ser mais escravo ou servo e estar desvinculado dos meios de produção” (ROSA, 2003).
A Ilustração e a modernidade expressam o ideário da burguesia revolucionária.
A ordem burguesa institui e incrementa a ciência como saber verdadeiro e instrumento
de emancipação humana e constitui o indivíduo moderno. O indivíduo passa a ser o cen-
tro da sociedade, o sujeito normativo das instituições. Este é concebido como ser moral,
racionalmente autônomo, livre e igual em estado de natureza, um valor em si mesmo.
A liberdade e a igualdade configuradas pela Lei expressa inicialmente pela declaração
dos direitos do homem e do cidadão de 1789 pressupõem uma livre relação entre cida-
dãos que fazem parte de um contrato de compra e venda num livre mercado. “Segundo
a leitura jusnaturalista, o louco ficava à margem do contrato por não partilhar da mesma
racionalidade burguesa. Com esse paradigma, fundam-se os pilares ideológicos que le-
gitimam a exclusão e a segregação do louco pelo Estado” (Id., 2003).
A presença da loucura e do louco na sociabilidade burguesa questionava seu princípio
essencial que é a razão. É a razão que funda os princípios dessa nova ordem, bem como
seus negócios e instituições (justiça, administração, disciplina, polícia, governo). Assim,
diante de uma total incompatibilidade de interesses que ressaltava interesses políticos
e econômicos maiores da burguesia, esta equacionou o problema essencialmente polí-
tico que representava a loucura, delegando mandato à Psiquiatria, que o deslocou para
a alçada técnica. Ao tornar a loucura administrável, medicalizou-a. A medicalização da
loucura arbitrou um novo status jurídico, social e civil para o louco, agora alienado, do-
ente. “Para Foucault o momento em que surge a separação da loucura e da razão situa-
se entre os séculos XVII e XVIII, quando se forma o saber psiquiátrico e a loucura passa
a ser vista como doença” (GREGOLIN, 2004).
A nova ordem social exigia uma nova conceituação da loucura e, acima de tudo,
de suas formas de atendimento. Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
com o Contrato Social e a livre circulação de pessoas e mercadorias, a nova soberania
civil tinha de refletir sobre a responsabilidade e os limites da liberdade. O grande enclau-
suramento, símbolo eloquente do absolutismo, tinha de ser abolido. Suprimidas as let-
tres de cachet – ordens reais que permitiam, com autorização governamental, a inter-
nação de qualquer pessoa incômoda nas bastilhas do Antigo Regime -, o alienado já não
podia ser enclausurado. Não podia porque as novas normas sociais necessárias ao de-
senvolvimento econômico proibiam a privação da liberdade sem garantias jurídicas. Daí
por diante, a reclusão dos alienados passou a ter que ser definida como algo terapêutico
e indispensável: o isolamento de um mundo externo perturbador, das paixões irritantes.
Até antes do final do século XVIII, a medicina não tinha se interessado, especialmente,
em saber o quê e o porquê das coisas ditas pelo louco. Apenas no final desse século,
com a nomeação de Pinel, em 1793, para a direção de Bicêtre (um hospital francês), é
que se difundiu uma nova concepção de loucura. Pinel concebeu a alienação mental
como um distúrbio das funções intelectuais do sistema nervoso, cujas principais causas
estariam relacionadas a fatores físicos (traumatismo na cabeça etc.) e morais. A partir
de então, a loucura adquire estatuto de ‘doença mental’, que requer um saber médico e
técnicas específicas. Configura-se assim uma reestruturação do espaço cultural em que
o normal passa a ser aquele comportamento que se adapta à liberdade burguesa, e que
está ligado a toda uma reformulação no conjunto de práticas médicas.
É somente no final do século XVIII que uma nova disciplina vai se diferenciar em termos
de conteúdo, de organização interna e de prática, de toda a medicina. As condições que
possibilitaram seu aparecimento estavam ligadas a um jogo de relações entre a hospi-
talização, a internação, as condições e os procedimentos da exclusão social, as regras
de jurisprudência, as normas do trabalho industrial e da moral burguesa. A psiquiatria é
um saber medicamente institucionalizado e constituído a partir do momento em que a
loucura vira um objeto para o conhecimento humano e adquire, então, o estatuto de
doença mental (SILVA FILHO, 2001).
Com o advento da revolução industrial, os antigos incapazes tornam-se social-
mente indispensáveis e vão constituir a reserva humana operadora da grande indústria.
As críticas ao antigo esquema de assistência, com base no liberalismo, que via nela um
bastião de absolutismo e um desperdício de força de trabalho e de vidas humanas, pos-
sibilitam a libertação dos presos internados arbitrariamente pela vontade da família. As-
sim, todos os grupos, que no período precedente conviviam com os loucos, vão sendo
restituídos à liberdade, com exceção dos próprios loucos. Estes passam a ocupar um
novo espaço de reclusão, individualizado e aberto para o conhecimento médico. Esse
novo espaço, onde passa a habitar a loucura, é o asilo (SILVA FILHO, 2001).
A internação em um estabelecimento específico – o asilo – passa a ser o elemento de-
terminante que condiciona o status de alienado, “doente mental”, ao louco. Com a in-
ternação hospitalar integral, a psiquiatria também explicita o caráter de classe, contri-
buindo para a manutenção das desigualdades sociais, na medida em que a atenção as-
sistencial e médica era diferenciada segundo critérios de origem de classe do paciente.
O asilo, desde suas origens, tornou-se espaço predominantemente destinado aos loucos
pobres ou empobrecidos, especialmente aos sem família.

Essa mudança de status da loucura relaciona-se com a história ideológica:


enquanto o mundo ocidental foi dominado pela religião católica, a loucura foi
associada ao demoníaco; com a Reforma (ligada ao desenvolvimento do ca-
pitalismo) o louco passa a ser aprisionado, pois iniciou-se o império da razão.
O movimento de encarceramento dos loucos, dos vagabundos, dos doentes,
por serem considerados ociosos, mostra o nascimento da ideologia da produ-
tividade (GREGOLIN, 2004).

Assim, o advento de uma nova forma de sociabilidade, burguesa, que coloca como pre-
missa a compra e venda da força de trabalho, num contexto de interesses divergentes
entre duas classes antagônicas, suprime o espaço destinado a tudo aquilo que se coloca
fora dos padrões impostos pelo novo modelo econômico, social, político, cultural, ideo-
lógico etc. de viver, e inserida nesse contexto ressaltamos a figura do “louco”. Entre-
tanto, apesar de ser posto à margem dessa estrutura produtiva burguesa, o louco sus-
citou uma preocupação dentro do contexto amplo de sociedade; exemplo maior disso foi
o advento de uma consciência médica (psiquiatria) que formulou como doença da natu-
reza aquilo que até então era reconhecido apenas como mal-estar da sociedade.
No asilo se trabalhava com uma prática médica e pedagógica. A reclusão ficava a ser-
viço da disciplina, já que o objetivo era o ‘tratamento moral’ do louco. Os conceitos de
saúde e doença estavam numa perspectiva social, seguindo as normas do trabalho in-
dustrial e da moral burguesa, visando à manutenção da ordem pública.
A loucura adquiriu, no século XIX, uma descrição baseada na subjetividade,
tendo como principais representantes Pinel, na França, e Tuke, na Inglaterra, e posteri-
ormente Esquirol, considerado um dos maiores teóricos do ‘alienismo’, primeira escola
psiquiátrica. O ‘alienismo’ se baseava no entendimento da loucura como ‘desrazão’, ou
seja, alienação mental. O tratamento era baseado no Asilo, que tinha uma função tera-
pêutica. A organização do espaço asilar e a disciplina rígida eram elementos importantes
do tratamento, que consistia em confrontar a confusão do louco, sua ‘desrazão’, com a
ordem do espaço asilar e com a razão do alienista, que, para tanto, tinha de ser uma
pessoa de moral inatacável.
O conhecimento psiquiátrico, produzido pela primeira escola alienista, oferecia os supor-
tes teóricos que justificavam o ato de intervenção. Afirmando ser o essencial da loucura
o desvirtuamento das paixões, que se desvelaria nas relações sociais, os psiquiatras
tornam-se os detentores de um saber legítimo com o poder de examinar a história do
indivíduo, julgar suas condutas e impor, segundo seu veredicto, um tratamento. Isso
tudo em nome do bem-estar moral e social da coletividade e da manutenção da ordem
pública (SILVA FILHO, 2001).
O trabalho de Pinel recebeu elogios e críticas. Uma crítica dizia respeito ao caráter fe-
chado da instituição psiquiátrica, isto é, ao fato de os doentes ficarem trancados o tempo
todo em um espaço que se parecia muito com uma prisão. A cura almejada por Pinel não
foi alcançada e essas instituições se transformaram, mais uma vez, em locais de depó-
sito, abandono e exclusão para pessoas às quais a sociedade não apresentava propostas
alternativas para inclusão.
A sociedade capitalista é perpassada por diferentes interesses econômicos que
estruturam relações de poder, criando ideologias para justificá-las, e vice-versa, tendo
por base a propriedade privada. O interesse em estabelecer que o menos frequente é
anormal, e que o anormal é patológico, provém também da necessidade das elites eco-
nômicas e políticas de encontrar explicações para o mau funcionamento da sociedade,
eximindo-se de qualquer parcela de responsabilidade, estigmatizando grupos sociais
mais fracos que são usados como “bodes expiatórios” para os problemas sociais, vistos
como disfuncionalidades, ignorando a natureza complexa que perpassa as relações so-
ciais. De acordo com BISNETO (2001):
A loucura (independente de sua natureza intrínseca), que faz emergir a incon-
gruência dos valores sociais vigentes, que denuncia as ambivalências econô-
micas, morais, sexuais, políticas, da sociedade, precisa ser neutralizada por
um saber competente que a segregue do contato maior com o resto da soci-
edade. Aquilo que é divergente precisa ser considerado pelos interesses ins-
tituídos como desvio doentio e antissocial, irracional, algo a ser curado ou
então excluído. Daí pensamos que a transformação da loucura em anormali-
dade e depois em patologia só pode ser contextualizada pela análise da di-
mensão política da sociedade, articulada com as dimensões econômicas e
ideológicas (culturas, representações, saberes) e não apenas por critérios ci-
entíficos pretensiosamente neutros e aquém do social.

No contexto de consolidação do capitalismo encontra-se um fenômeno chave, base para


que possamos compreender a formação do atendimento às demandas sociais da saúde
mental: a “questão social”, que “(...) surge para dar conta do fenômeno mais evidente
da história da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda de
industrialização, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do fe-
nômeno do pauperismo” (NETTO, 2001).
A denominação do fenômeno do pauperismo pela expressão questão social apresenta
uma perspectiva de análise que se relaciona aos desdobramentos sociopolíticos, em que
ficava claro para a burguesia que se consolidava a não-conformação dos pauperizados
(classe trabalhadora) com a sua situação. Essa não-conformação se expressou sob a
forma de protestos e tomou as mais diversas formas, configurando uma real ameaça às
instituições sociais existentes.

Com o desenvolvimento da indústria, o proletariado não apenas se multiplica:


reúne-se em massas cada vez maiores, sua força cresce e ele adquire maior
consciência dela. Os interesses, as condições de vida no interior do proletari-
ado tornam-se cada vez mais semelhantes na medida em que a maquinaria
vai diminuindo cada vez mais as diferenças do trabalho e quase por toda a
parte reduz o salário a um mesmo nível baixo. A crescente concorrência entre
os burgueses e as crises comerciais delas resultantes tornam o salário dos
operários progressivamente mais flutuante; o contínuo aperfeiçoamento da
maquinaria, que se desenvolve cada vez mais depressa, acentua a precarie-
dade da condição de vida dos operários; os confrontos entre o operário e o
burguês singulares assumem cada vez mais o caráter de confrontos entre
duas classes. Os operários começam a formar coalizões contra os burgueses;
juntam-se em defesa do seu salário; fundam associações permanentes para
se prevenirem para as insurreições ocasionais; aqui e ali, a luta expressa-se
em motins (MARX,1998).
As manifestações imediatas da questão social, próprias à sociedade que se desenvolve
no estágio monopolista do capitalismo, traduzem-se nas precárias condições de vida que
os trabalhadores sofrem neste período: forte desigualdade social, desemprego, fome,
doença, penúria etc., vistas como desdobramentos de características inelimináveis de
toda e qualquer ordem social, que podem, no máximo, ser objetos de uma intervenção
política capaz de amenizá-las e reduzi-las a um ideário reformista.
Nas sociedades anteriores às da ordem burguesa, as desigualdades e privações
econômicas decorriam de uma escassez que o baixo nível de desenvolvimento das for-
ças produtivas (baixo nível de produção) não podia suprir. No capitalismo, estas decor-
rem de uma escassez que resulta das contradições entre as forças produtivas e as rela-
ções de produção, que garantem a apropriação privada do excedente e a decisão pri-
vada da sua destinação.
A dinâmica da questão social só pode ser esclarecida através do conhecimento do pro-
cesso de produção do capital, sendo sua complexidade derivada do desenvolvimento
capitalista em todos os seus estágios, pois a questão social está determinada pelo traço
próprio e peculiar da relação capital/trabalho com a exploração. A relação das condi-
ções de exploração da força de trabalho pelo capital também contribui fortemente para
o adoecimento mental dos trabalhadores, como bem relatou MARX (1988):

A lúgubre rotina de uma infindável tortura de trabalho, na qual o mesmo pro-


cesso mecânico é repetido sempre de novo, semelha o trabalho de Sísifo; a
carga de trabalho, como a rocha, recai sempre de novo sobre o estafado ope-
rário (...) Enquanto o trabalho em máquinas agride o sistema nervoso ao má-
ximo, ele reprime o jogo polivalente dos músculos e confisca toda a livre ati-
vidade corpórea e espiritual. Mesmo a facilitação do trabalho torna-se um
meio de tortura, já que a máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas
seu trabalho de conteúdo.

Tomando a questão da doença mental e sua relação com o desenvolvimento ca-


pitalista, torna-se claro que com o advento dessa nova ordem burguesa suprime-se o
espaço público destinado ao louco, espaço público este voltado para a razão integrada.
Assim, dada a necessidade de se construir a imagem de uma sociedade harmônica, que
atendesse aos interesses burgueses de mascaramento das manifestações da questão
social, a loucura coloca-se como um fator de desordem dentro dessa estrutura, preci-
sando ser tratada e fazendo se restituir o ambiente de “paz social”, assim, era preciso
reprimi-la através do isolamento asilar.
Os loucos que se tratavam nos asilos, em sua grande maioria, se caracterizavam como
uma população extremamente pauperizada, com baixo nível de escolaridade, excluídos
do mercado de trabalho, desprovidos de qualquer cobertura social e necessitados de
apoio familiar, situação inerente à massa da classe trabalhadora. Essa realidade vem
demonstrar que o espaço socialmente reconhecido de tratamento do louco é potencial-
mente utilizado pelo louco pobre; o asilo foi destinado desde suas origens ao atendi-
mento da população pauperizada. Essa relação se expressa até os nossos dias, reafir-
mando a estreita relação entre a loucura, a questão social e a desigualdade.
O advento da ordem burguesa – no capitalismo - inaugura um novo tempo de exclusão
do trabalho e ausência de condições dignas de vida a todos os trabalhadores, que não
conseguem se inserir no mercado de trabalho. Para os acometidos de doença mental,
as condições de exclusão são duplamente cruéis, pois o louco, além de desprovido de
todas as formas de inserção nas relações sociais, restando-lhe apenas o caminho da
pobreza e da miséria, sofre toda uma carga de preconceito pela ausência de lucidez.
Assim, cabe destacar que nesse primeiro momento há uma preocupação com a loucura,
que inserida num contexto da nova sociabilidade burguesa passa a ser um incômodo,
pois, articulada às demais manifestações da questão social, poderá trazer problemas na
constituição e desenvolvimento dessa nova forma de produzir, pondo em risco a manu-
tenção da ordem; dessa forma, é preciso criar parâmetros que definam o que é normal
e o que é anormal dentro dessa ordem.
Ao relacionarmos a construção da trajetória histórica da saúde mental com a
realidade brasileira, precisamos levar em conta sua inserção num contexto social, polí-
tico, econômico e histórico-cultural amplo de formação, através da qual foram montadas
as bases que construíram as formas do lidar com a saúde mental.
A formação social brasileira possui fortes características: independência política sem
independência econômica, marcada pelo colonialismo e pelas relações de clientelismo e
patriarcalismo, longe da democracia e tendo no escravismo o traço do atraso, garan-
tindo a continuidade do conservadorismo e das estruturas sociais que marcam profun-
das contradições na sociedade brasileira. Todas estas características que culminaram
nas disparidades econômicas, políticas e sociais são fruto de uma história que, desde o
seu início, teve a marca da exploração.
Os séculos de escravismo marcaram profundamente a nossa formação social, seja em
suas peculiaridades econômicas, políticas, culturais, seja produzindo um universo de va-
lores, modos de ser, de pensar e de agir. Esta característica central, que é o trabalho
escravo na vida econômica do Brasil Colônia, condicionará a situação social do período,
moldará preconceitos e determinará transformações e consequências que terminarão
por exigir providências e ações concretas.

A vida social da época aparece assim fortemente polarizada entre os dois ex-
tremos da vida social; de um lado uma minoria de senhores e proprietários e,
de outro, a multidão de escravos; entre estes, a massa indefinida que não
cessa de crescer, dos inadaptados, dos indivíduos sem trabalho definido ou
totalmente sem trabalho. Alguns deles permanecem pelos campos, apartados
da civilização, vivendo miseravelmente daquilo que a natureza lhes pode dar,
brigões e truculentos, não raro pilhando caravanas e tropas de burros: outros
procuram refúgio junto aos senhores de terras e engenhos – são os agregados
- ou vêm engrossar as milícias particulares dos grandes proprietários, sua
agressividade canalizada para fins socialmente aceitáveis (RESENDE, 2001).

Diante de um quadro cada vez mais crescente dos chamados vadios e desordeiros; pre-
tos, mulatos, mestiços ou brancos puros, que se veem repelidos de qualquer situação
estável, seja pelo preconceito ou pela inexistência de empregos disponíveis, sem ocu-
pação pelas ruas das cidades, apela-se para a repressão à desordem, à mendicância e
à ociosidade.
No Brasil, antes da fundação do hospício, os loucos, quando tranquilos eram aco-
lhidos pela sociedade, podendo circular livremente pelas ruas, porém, quando agitados
e agressivos, eram reclusos nas cadeias públicas. Além do critério comportamental, a
classe social também definia a abordagem do louco, pois os ricos eram tratados em casa
ou enviados para tratamento na Europa, reafirmando novamente o forte componente
social que permeia a loucura, tendo em vista a abordagem diferenciada com que era
tratado o louco pobre. Neste sentido, socialmente ignorada por quase trezentos anos, a
loucura acorda, confunde-se com a situação de miserabilidade vivenciada pelos demais,
engrossando assim as levas de vadios que serão arrastados na rede comum da repres-
são.

Nos primeiros tempos o doente mental foi, digamos assim, um subproduto da


cristalização das relações de trabalho do Estado escravista, em certa medida
uma vítima ou consequência do não progresso (com as devidas ressalvas pela
liberdade de uso desta expressão a-histórica e a-dialética), não se justifi-
cando, portanto o investimento de qualquer empenho curativo, ou de outra
natureza (RESENDE, 2001).
As primeiras instituições psiquiátricas no Brasil surgiram em meio a um contexto de
ameaça à ordem e à paz social, desencadeado pelo crescimento do número de pessoas
livres e ociosas que circulavam pelas cidades mais importantes do Império. Assim, era
preciso reprimir as manifestações de desordem que essas pessoas (loucos, vagabundos,
vadios em geral) poderiam provocar, visando restituir a ordem social nas cidades. Inici-
almente foram administradas pelas irmandades religiosas e, principalmente, pelas San-
tas Casas de Misericórdia, primeiras instituições de saúde do país. Estas incluíam os
loucos entre seus hóspedes, dando-lhes tratamento diferenciado dos demais, amonto-
ando-os em porões, sem assistência médica, entregues aos guardas e carcereiros. Seus
delírios e agitações eram reprimidos por espancamentos ou contenção em troncos, con-
denando-os literalmente à morte por maus-tratos físicos, desnutrição e doenças infec-
ciosas.
A institucionalização do hospício, no Brasil, antecede à própria emergência da psiquiatria
e teve como marco institucional o ano 1852. Nesse ano, foi inaugurado no Rio de Janeiro,
pelo próprio imperador D. Pedro II, o hospício que recebeu seu nome, com capacidade
para 350 pacientes e destinado a receber pessoas de todo o Império (um contrassenso,
dadas as dimensões do território e as dificuldades de transporte e de comunicação na
época). Com a justificativa de proporcionar calma, tranquilidade e espaço aos doentes,
tornou-se comum isolar os hospícios em sítios afastados, alguns sendo recuados para
mais longe, tão logo o crescimento das cidades os deixava perigosamente próximos.

A função exclusivamente segregadora do hospital psiquiátrico, nos seus pri-


meiros quarenta anos de existência, aparece, pois, na prática, sem véus ou
disfarces de qualquer natureza. Uma das mais marcantes evidências desta
afirmação é a constituição da sua clientela no período; tratava-se, sobretudo,
de homens livres; os escravos, uma raridade. Muitos deles classificados como
“pobres”; mas, entre estes, poucos negros, a maioria mestiços e mesmo eu-
ropeus e brasileiros de “raça pura”, uma amostragem fiel daqueles grupos de
indivíduos que, na descrição de Caio Prado Jr., formavam a população errante
dos marginalizados das cidades, os vadios, os arruaceiros, os sem-trabalho
(RESENDE, 2001).

A criação do hospício se coaduna com a forma como a questão social era abordada no
período – como caso de polícia -, como um assunto ilegal, subversivo, tratada como
crime ou desordem, devendo assim ser severamente reprimida, excluída do cenário so-
cial.
Assim, as demandas pela intervenção estatal na questão do louco e da loucura se cons-
tituíram sobre três pilares:
✎ O primeiro deles foi o social, provocado pela intranquilidade decorrente da “lou-
cura solta na rua”, que ganhava maior visibilidade em meio aos riscos de tumultos
urbanos, gerados pelo crescimento do contingente de homens livres e desocupados;
✎ O segundo era o clínico, pois os médicos, majoritariamente higienistas, em nome
de princípios humanitários e da higiene pública, passam a denunciar os maus-tratos
a que são submetidos os loucos (principalmente furiosos e agitados) detidos em pri-
sões comuns e sem tratamento médico, já reivindicando para si, desde 1830, por in-
termédio da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, o monopólio da cura e do tra-
tamento;
✎ O terceiro, de cunho caritativo, pois as irmandades religiosas pleiteavam uma ação
sobre a loucura, a fim de atenuar os sofrimentos humanos dela decorrentes (ROSA,
2003).

Com o advento da República, a loucura e o louco tornam-se objetos de especialistas


e ganham contorno de doença mental, pois a República delimitou uma nova fase para
as instituições psiquiátricas, que saem do empirismo para entrar na fase científica.
Os historiadores brasileiros citam Juliano Moreira como o responsável pelo ingresso da
psiquiatria brasileira na era científica, pois tendo passado um tempo na Europa para tra-
tar uma tuberculose teve contato com Emil Kraepelin, médico alemão responsável, na
época, pelo mais moderno método de observação e diagnóstico dos alienados mentais.
Desde fins do século XIX, a psiquiatria alemã vinha se impondo como alternativa propri-
amente científica ao velho alienismo francês de Pinel e seus discípulos. Este, calcado
numa concepção moral da doença mental, acabava por afastar o alienismo da medicina
propriamente dita. Os alemães, voltando-se para os laboratórios de anátomo-patologia,
buscavam determinar a causa orgânica da doença, vinculando-a firmemente ao cérebro
e ao sistema nervoso (RUSSO, 2002).
A modernidade trazida pelo psiquiatra Juliano Moreira no atendimento à loucura no país
não estava limitada ao método diagnóstico kraepeliano ou à ênfase no caráter orgânico
da doença mental. Defendia uma reorganização da assistência ao doente; além disso,
ele é considerado um dos precursores da psicanálise brasileira (Id., 2002).
A denominação do Hospício Pedro II é alterada para Hospital Nacional de Alienados, ao
mesmo tempo que é desanexado da Santa Casa de Misericórdia e secularizado como
uma instituição pública, em 1890. A instituição é medicalizada e configurada como es-
paço de cura, transformando-se sua natureza assistencial e caritativa em científica, fato
que bem expressa o rompimento do Estado com a Igreja e o papel investido pela ciência
positivista e alienista no campo psiquiátrico, desde então (ROSA, 2003).
Ainda nesse mesmo ano foi criada a “Assistência Médica e Legal dos Alienados”, vincu-
lada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores da República, cujo objetivo era orga-
nizar a assistência psiquiátrica no país, difundindo o modelo Hospiciocêntrico hegemô-
nico por todas as regiões do Brasil. Em 1903, foi criada a primeira Lei Federal de Assis-
tência aos Alienados (Decreto nº 1132 de 22/12/1903), que previu a fiscalização das ins-
tituições psiquiátricas.
No final do século XIX a expansão da lavoura cafeeira, no Sudeste do país, e a crescente
dinamização do comércio exportador, atividade que intensificou a concentração urbana
da população, requeriam uma nova mão-de-obra, suprida pela imigração estrangeira,
principalmente europeia. Essa situação colocou novas questões para o Estado, sobre-
tudo na área da saúde. A propagação de doenças pestilenciais e a alta incidência de
doenças endêmicas na população, que aumentavam o índice de mortalidade, ameaça-
vam as atividades econômicas devido à imagem projetada do país no exterior. A saúde
pública, intermediada por Oswaldo Cruz e a psiquiatria (representada por Juliano Mo-
reira), se associam, tomando como objetivo o saneamento e a reorganização urbana,
visando eliminar os focos de desordem.
Segundo RESENDE (2001), nesse período, aumentou em 31% o contingente de estran-
geiros entre a população psiquiátrica.
O país vivenciava um momento conjuntural – já no século XX – em que o regime republi-
cano era instigado a responder a vários e heterogêneos problemas. Dentre eles, pode-
mos citar a questão dos negros que, após a abolição e o advento da República, embora
livres e cidadãos (iguais, no plano formal), encontravam-se sem lugar, devido a uma
sociedade que requeria um outro tipo de trabalhador; a questão dos imigrantes estran-
geiros, que exigiam o cumprimento das promessas feitas para trabalharem e se fixarem
no país, ao mesmo tempo que traziam novas ideias no plano da organização da classe
trabalhadora; a intensificação da migração interna sem infraestrutura adequada e au-
sência de planejamento urbano; a crescente urbanização etc.
Diante da intensificação das contradições entre capital e trabalho, expressa no surgi-
mento de diversos movimentos de trabalhadores em busca de terra, trabalho, condições
dignas de vida, garantias de direitos etc., advindos das intensificações das migrações
internas, surge, no contexto nacional, a organização do operariado urbano no cenário
político, que veio exigir do Estado ações que absorvessem suas demandas. Estava posta,
assim, a questão social, manifestada pela luta dos trabalhadores como interlocutor po-
lítico.
As diversidades e os antagonismos sociais começam a ser enfrentados como situações
suscetíveis de debate, controle, mudança, solução ou negociação, que têm na violência
e repressão a primeira forma de enfrentamento das manifestações da questão social. E
o protesto social, sob diversas formas, no campo e na cidade, sugere tanto a necessi-
dade da reforma como a possibilidade da revolução, indicando a gravidade da situação
social brasileira herdada de muitos anos e décadas. A massa dos trabalhadores padecia
em contraponto ao crescimento da economia e ao fortalecimento do poder das classes
abastadas.
Contudo, a inovação na área psiquiátrica, no período pós-republicano, além do arca-
bouço normativo e institucional, foi a implementação das colônias agrícolas, que surgi-
ram teoricamente como produto de uma inflexão interna no próprio alienismo e como
modalidades assistenciais que eram opostas aos asilos fechados, com o intuito de trans-
formá-los em hospitais psiquiátricos, com aparência de normalidade e não de exceção,
de liberdade e não de clausura. Por sua vez, as colônias agrícolas aperfeiçoaram o hos-
pício e se tornaram complementares a ele, no cerne do projeto medicalizante que se
expandiu para a sociedade extra-asilar, em direção a grupos populacionais mais abran-
gentes. Portanto, modernizaram o tratamento e estenderam a liberdade do louco (ROSA,
2003).
A maioria dos Estados brasileiros incorporam colônias agrícolas à sua rede de oferta de
serviços, seja em complemento a hospitais tradicionais já existentes, seja como opção
única ou predominante. Esperava-se que as colônias dessem conta do resíduo de crôni-
cos que as instituições “urbanas” produziam em quantidades crescentes.
As colônias agrícolas foram implementadas com pouco êxito nos principais estados do
país. Foram criticadas principalmente porque consideradas experiências anacrônicas
em relação a uma sociedade em crescente processo de urbanização e industrialização,
que requeria uma mão-de-obra de tipo diferente da rural e com uma outra subjetividade,
para se inserir no contexto urbano. Ou seja, carregavam consigo a contradição de serem
uma experiência que recriava uma realidade rural pré-capitalista, sendo que os doentes
nelas inseridos seriam devolvidos a um contexto urbano em franca industrialização (RE-
SENDE, 2001).
Essas colônias agrícolas no Brasil introduziram o trabalho como meio e fim do trata-
mento, e seu ideário extra-asilar estendeu-se para a higiene e profilaxia mental, que
propagava o postulado de que a sociedade seria o novo agente de cura e prevenção da
doença mental, veiculado por meio da ação da Liga Brasileira de Higiene Mental–LBHM,
criada em 1923.
O Programa da Liga Brasileira de Higiene Mental contribuiu para o deslocamento da res-
ponsabilidade da resolução dos problemas sociais do período, das elites para a própria
população, ao imputar a gênese dos problemas às próprias vítimas e traduzir os efeitos
como causas. Nesse sentido, o alcoolismo é percebido como causa da pobreza e da con-
dição moral de seus dependentes; a sífilis é entendida como herança genética dos ne-
gros, e a miscigenação racial torna-se motivo da desorganização política e social. A
LBHM impulsionou o movimento de higiene mental e profilático do país. Ela congregava
várias e diferentes vertentes, que disputavam hegemonia em seu interior e, no decorrer
histórico, mudou sua orientação. A princípio, propunha-se a melhorar os serviços psi-
quiátricos e capacitar recursos humanos. Ou seja, atuava sobre os doentes. Depois, mu-
dou seu objeto de ação para a prevenção em saúde mental, alterando seu alvo para a
população considerada sadia, num explícito trabalho pedagógico, moralizador e norma-
lizador das massas (ROSA, 2003).
Na década de 1920, o processo de desenvolvimento do modo de produção capi-
talista fez o Estado brasileiro tomar algumas medidas voltadas ao campo das políticas
sociais para suprir as necessidades colocadas pelas relações sociais a ele inerentes.
Uma dessas medidas foi a instituição, no ano de 1923, da Lei Elói Chaves, que regula-
menta o surgimento da Previdência Social. Nesse momento, as primeiras iniciativas de
atendimento à saúde se restringiam a algumas categorias profissionais. As mais signifi-
cativas da época montaram as Caixas de Aposentadoria e Pensões, que beneficiavam
apenas um número limitado de trabalhadores, como os ferroviários, por exemplo. Esse
sistema garantia aos seus segurados serviços como assistência médica curativa, medi-
camentos, aposentadorias por tempo de serviço, por idade e por invalidez, pensões para
dependentes e auxílio-funeral. A partir da década seguinte, com a consolidação do de-
senvolvimento do processo de industrialização brasileira, o enfrentamento da questão
social é assumido pelo Estado através das políticas sociais. O contexto histórico, econô-
mico e político dessa década possibilita a formulação da política nacional de saúde, que
é viabilizada pela criação de um aparato nacional como parte da estratégia de centrali-
zação do poder. Assim, em 1930, foi criado pelo Presidente Getúlio Vargas o Ministério
da Educação e Saúde, constituído por dois departamentos nacionais: o de Saúde, deno-
minado “Departamento Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social”, e o de Educa-
ção, sendo a Política Nacional de Saúde organizada em dois subsetores: o de Saúde Pú-
blica e o de Medicina Previdenciária.
É importante frisar que, nesse período, tem-se a ideia de cidadania associada à ideia de
trabalho, baseado no sistema de produção capitalista. Nesse período, cidadão seria
aquele que trabalhasse em uma profissão reconhecida pelo Estado, só possuindo direi-
tos sociais aqueles que contribuíssem com a previdência durante o tempo de atividade
profissional. No entanto, inserido nesse contexto, o doente mental não era produtivo,
não tinha profissão regulada, então, não era visto como cidadão; assim, continuava tu-
telado pelo Estado e excluído da vida em sociedade.
A partir da década de 1930 e especialmente da Segunda Guerra Mundial, conco-
mitantemente ao aprofundamento do capitalismo, acentuam-se os mecanismos de dis-
ciplinamento e controle social. Aparecem novas técnicas sociais, associadas ao revolu-
cionamento dos processos produtivos e ao aumento da composição orgânica do capital.
O Estado assume crescentemente as funções de zelar pelo disciplinamento e reprodução
da Força de Trabalho (e socialização de seus custos), tarefas em relação às quais as
instituições assistenciais desempenham um papel fundamental (IAMAMOTO, 1998).
No campo da assistência psiquiátrica, embora as estruturas hospitalocêntricas perma-
necessem centrais, hegemônicas, na década de 1930 dá-se um novo reordenamento
normativo e institucional, reforçando a tendência centralizadora da União. Assim, sob
inspiração do movimento de higiene mental, em 1934, por intermédio do Decreto nº
24.559 de 3 de julho é promulgada a Segunda Lei Federal de Assistência aos Doentes
Mentais, que “dispõe sobre profilaxia mental, a assistência e a proteção à pessoa dos
psicopatas e a fiscalização dos serviços psiquiátricos”. Com esse decreto, reforça-se o
poder do psiquiatra na direção dos serviços de saúde e a internação psiquiátrica como
principal meio de tratamento.
O artigo 26 suspende, parcial ou totalmente, a cidadania do “doente mental”; “os psico-
patas, assim declarados por perícia médica processada de forma regular, são absoluta
ou relativamente incapazes de exercer pessoalmente os atos de vida social”.
A assistência psiquiátrica manteve-se monopolizada no modelo hospitalocêntrico, ca-
racterizada pela precariedade do serviço, em que imperava a superlotação, um número
reduzido de pessoal e de baixa qualificação, bem como a violação de direitos humanos
dos internos.
As críticas ao asilo psiquiátrico e às condições desumanas de custódia e tratamento dos
doentes mentais são antigas, vêm de antes do início do século XX. Naturalmente não
havia, de início, discussões a respeito do efeito terapêutico da internação, mas se visava
mais a questão humanitária. Com o decorrer do tempo e o acúmulo de experiências, foi
tomando corpo a consciência de que o asilo era não apenas desumano, mas muito pouco
útil para o tratamento em si. Afinal, os doentes se amontoavam nos asilos, nunca saíam,
ou, quando saíam, retornavam em pouco tempo.
Veremos mais adiante que as mudanças socioeconômicas da sociedade brasi-
leira a partir da década de 1940 também vão atingir o atendimento em saúde mental,
havendo a incorporação dos profissionais de Serviço Social em algumas delas. Começa,
então, a participação da profissão na área de saúde mental, iniciando-se um processo
de colocação de demandas para os assistentes sociais nessa área, o que será tratado
ao longo da apostila.

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Módulo 3

Reformas Sanitária e Psiquiátrica


O cenário que compõe a conjuntura brasileira no final dos anos 1970 é formado
pela emergência dos principais movimentos sociais no cenário nacional, pois o grande
período de repressão implantado pelo regime militar impossibilitou a expressão política
da sociedade civil no país. Os movimentos sociais ganham visibilidade, pois surgem no-
vos atores na luta política como os sindicatos, organizações dos profissionais assalaria-
dos de classe média (professores, funcionários públicos, profissionais liberais), os movi-
mentos ligados aos locais de moradia (associações de moradores) trazendo uma nova
densidade política à questão urbana.
Nesse contexto, desenvolve-se no Brasil o denominado Movimento de Reforma Sanitá-
ria, tendo como eixo “a luta pela garantia do direito universal à saúde e pela organização
de um sistema único, integral, universal e estatal de prestação de serviços” (ROSA,
2003).
No campo acadêmico verificou-se, no período de 1975 a 1976, a expansão de uma
abordagem voltada para o enfoque de análise dos problemas de saúde, bem como uma
significativa produção intelectual, destacando-se a fundação do Centro Brasileiro de Es-
tudos de Saúde (CEBES), que contribuiu para estudos e pesquisas que resultaram na
formulação de alternativas para a política de saúde brasileira. A academia deu sua par-
cela de contribuição, em especial, na redefinição das políticas de saúde e na democrati-
zação das instituições de saúde do país.
O CEBES tinha como diretriz a democratização do país, a unificação do sistema de saúde
e a reforma sanitária. Congregava atores sociais em torno de uma contraproposta à po-
lítica de saúde imposta pelo Estado e apontava uma nova direção para o sistema de
saúde brasileiro, com princípios da universalização, da gratuidade, da descentralização
e da qualidade.
Os principais objetivos da Reforma Sanitária somente foram sistematizados em
1986, com a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (em Brasília), que teve
como tema “A Saúde como direito de todos e dever do Estado”. Ela foi a porta de entrada
da sociedade no cenário da discussão da saúde no país, tratando temas - saúde como
direito; reformulação do sistema nacional de saúde - em consonância com os princípios
de integração, descentralização, universalização e participação, redefinição dos papéis
institucionais das unidades políticas na prestação de serviços de saúde, representando
assim um marco na história do movimento social pela saúde.
O movimento da Reforma Sanitária vem apresentar questões que tinham como
propósito a transformação do modelo vigente do setor saúde, buscando ultrapassar as
questões específicas, trazendo, como pano de fundo, a luta pela construção de uma
sociedade democrática. O movimento sanitário se constituiu num movimento contra-
hegemônico, questionador do sistema de saúde daquele período (BRAVO, 1996). Esse
movimento trazia consigo uma nova concepção de saúde, entendida como resultado das
condições de vida da população, ultrapassando o mero conceito de saúde como ausên-
cia de doença.
Com a VIII Conferência Nacional de Saúde, o governo Sarney se viu obrigado a atender
às demandas surgidas com o movimento da reforma sanitária, assumindo, assim, medi-
das nas áreas de habitação, saneamento, alimentação, entre outras, e, consequente-
mente, ocorreram melhorias nos indicadores de mortalidade e morbidade vigentes no
país. Com a consolidação dessas medidas, viu-se a necessidade da constituição do Sis-
tema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), aprovado em 1987, que se mostrou
um passo decisivo para o processo de descentralização e redefinição de papéis e atri-
buições entre os níveis federal, estadual e municipal.
Os resultados da VIII CNS contribuíram para a aprovação de um capítulo sobre
saúde na Constituição Federal de 1988, fato inédito na história constitucional, refletindo
o pensamento e a luta histórica do movimento sanitário.

As Constituições brasileiras trataram a questão saúde de forma superficial e


arbitrária, não sendo definidas competências e fontes de financiamento, as-
segurando a prestação de serviço de saúde apenas aos segurados da previ-
dência social. Na elaboração do novo texto constitucional, houve um con-
senso com relação à necessidade de detalhar os temas abordados, como
fruto do contexto de transição e da necessidade de efetuar mudanças impos-
tergáveis. A VIII Conferência Nacional de Saúde, considerada como pré-cons-
tituinte da área de saúde, já havia definido os aspectos fundamentais das mo-
dificações para o setor (BRAVO, 1996).

Dentre os princípios que foram aprovados na Constituição de 1988, inspirados nas pro-
posições defendidas pelo movimento sanitário, verificam-se como mais importantes
para a saúde:
✎ O direito universal à saúde e o dever do Estado;
✎ Ações e serviços de saúde passaram a ter relevância pública;
✎ O SUS passou a integrar todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada,
regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comu-
nidade;
✎ Participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar;
✎ A proibição da comercialização de sangue e seus derivados.

As problematizações do sistema de saúde empreendido no interior do Movimento da


Reforma Sanitária englobam a assistência psiquiátrica, e como desdobramento, e sob
influência deste, surge no campo da saúde mental o Movimento da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, influenciado pelas experiências americana, europeia e italiana.
Os hospitais psiquiátricos eram comparados a grandes campos de concentração, tendo
em vista a situação de miséria experienciada pelos internos que neles viviam. Ao final
da Segunda Grande Guerra quase todos os países do continente europeu se livraram de
regimes fascistas e se democratizaram. Assim, os maus-tratos e o extermínio de doentes
mentais tornaram-se inaceitáveis para essas sociedades. Numa tentativa de humanizar
o asilo, destacaram-se algumas experiências que causaram uma radical mudança no
objeto da psiquiatria, que deixou de ser o tratamento da doença mental, a busca da cura,
e passou a ser a promoção da saúde mental através da adaptação social.
Todos esses fatores se coadunam, no cenário internacional, com a emergência do key-
nesianismo e a posterior crise do Estado de Bem-Estar conduzem a uma reforma na
assistência.
Dentre as experiências que surgiram na Europa no período do pós-guerra, pode-
mos citar a ‘Comunidade Terapêutica’ e a ‘Psicoterapia Institucional’, que surgiram
numa tentativa de humanizar o asilo. Uma outra proposta, a ‘Psiquiatria de Setor’, ini-
ciou-se na França e é anterior à Psicoterapia Institucional. Sua abordagem buscava ofe-
recer uma alternativa ao doente entre a doença e a instituição psiquiátrica, daí a ideia
de levar a psiquiatria à população, evitando a segregação e o isolamento. Destacou-se
também a ‘Psiquiatria Comunitária’, proposta desenvolvida na década de 60 nos EUA;
ela visava intervir nas causas do surgimento das doenças, pretendendo buscar a pre-
venção e a promoção da saúde mental. Todas essas experiências têm em comum o fato
de não criticarem a competência da psiquiatria para lidar com a doença mental. Duas
outras abordagens fizeram esta crítica:
✎ Antipsiquiatria: Considerava a loucura como um fato social, político e mesmo como
uma experiência de libertação. Defendia que o delírio do louco não deve ser contido,
sendo este acompanhado pelo próprio grupo, através de recursos como psicodrama
e regressão, por exemplo, procurando como saída possível a modificação da realidade
social.
✎ Psiquiatria Democrática Italiana: Ao contrário da Antipsiquiatria, não negava a
existência da doença mental, mas argumentava que a pessoa classificada como tal
perde as suas outras referências sociais, profissionais, culturais etc. Sob esta ótica,
buscou recuperar estes outros aspectos, entendendo o homem e o doente mental
como seres muito ricos, devendo esta riqueza ser levada em conta na hora do trata-
mento, tratamento este que deve acontecer na comunidade, fazendo com que o hos-
pital perca sua razão de existir (ESCOLA ..., 2003).

As raízes do Movimento de Reforma Psiquiátrica encontram-se no exterior, dadas as


ocorrências no âmbito internacional de alguns processos históricos que se caracteriza-
ram como estimuladores ou como fatos que intervieram nas características do processo
de desinstitucionalização do atendimento à saúde mental, dentre eles podemos citar:
✎ Contextos históricos de guerra – devido à escassez de força de trabalho e esforço
reabilitativo;
✎ Processos de transição demográfica, com aumento da população idosa, desestru-
turação e transformação das estruturas familiares convencionais, aumento do nú-
mero de arranjos domiciliares de famílias matrifocais e de pessoas sozinhas e de ocu-
pação do mercado formal de trabalho pela mulher;
✎ Ampliação de serviços sociais substitutivos e mudanças em direção a uma cres-
cente individualização;
✎ Conjunturas políticas de democratização, de processos revolucionários ou de
emergência de movimentos sociais populares em geral, processos políticos sociais de
afirmação dos direitos civis e políticos (reconhecimento da existência e dos direitos
dos doentes mentais e dos cidadãos em geral), e organização e avanço de movimen-
tos sociais de trabalhadores, usuários e familiares atuando diretamente no campo da
saúde mental;
✎ Desenvolvimento de sistemas maciços de bem-estar social e/ou contextos de afir-
mação dos direitos sociais, compondo ampliação de programas e seguros sociais para
os grupos populacionais dependentes em geral, incluindo os doentes mentais;
✎ Políticas neoliberais de desinvestimento em políticas sociais públicas que, em ge-
ral, induzem aos processos de desospitalização, já que a manutenção das instituições
psiquiátricas convencionais constitui item de custo elevado para o Estado;
✎ Mudanças nas formulações epistemológicas, filosóficas, teóricas e práticas em
ciências humanas e particularmente no campo psi;
✎ O desenvolvimento de terapêuticas psicofarmacológicas a partir do final dos anos
50, com os neurolépticos, possibilitando maior controle dos sintomas mais disruptivos
e o tratamento em ambientes menos coercitivos e menos isolados;
✎ Estratégias de modernização e/ou humanização por parte de setores da corpora-
ção médica para responder às críticas à psiquiatria convencional (VASCONCELOS,
2002).

É nesse conjunto de movimentos sociais que se inicia um forte processo de questio-


namento das políticas de assistência psiquiátrica vigentes na época, sendo importante
salientar que os principais estados do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais)
possuíam a maior rede de serviços psiquiátricos no Brasil e constituíam o principal palco
político das mudanças, tendo em vista a estreita relação que envolvia os movimentos
sociais com os trabalhadores da saúde mental no cenário político.
Durante os anos de 1978-1982 ocorreram, no Brasil, mobilizações na sociedade civil con-
tra o asilamento genocida e a mercantilização da loucura. Nesse período, o Movimento
de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) em conjunto com os demais movimentos
sociais populares, que começaram a emergir no ano de 1978, realizam articulações pré-
vias em congressos de psiquiatria e com o Movimento de Renovação Médica. Nesse
sentido, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental surge numa conjuntura de
enfraquecimento do regime ditatorial e de efervescência dos movimentos sociais, com
uma pauta de reivindicações de caráter sindical e político.
Nesse período, caracterizaram-se como objetivos desse movimento:
✎ As denúncias e a mobilização pela humanização dos hospitais psiquiátricos públi-
cos e privados, sendo alguns deles identificados como verdadeiros campos de con-
centração; a denúncia da indústria da loucura nos hospitais privados que eram con-
veniados ao INAMPS;
✎ A denúncia e reivindicações por melhores condições de trabalho nos hospitais psi-
quiátricos; e
✎ As primeiras reivindicações pela expansão de serviços ambulatoriais em saúde
mental, mesmo que o movimento não possuísse ainda uma clareza de como deveriam
ser organizados esses serviços.

No ano de 1980, o Rio de Janeiro iniciou o processo denominado de cogestão entre os


Ministérios da Saúde e da Previdência para administração dos hospitais públicos, que
possibilitou a abertura de um importante espaço político para que lideranças do MTSM
implantassem processos de reforma e humanização dos hospitais psiquiátricos públicos.
No início dessa década, o tema descentralização é tomado como bandeira política nos
programas dos governos de oposição, eleitos em 1982. Entre os anos de 1982-1987, ocor-
reram a expansão e a formalização do modelo sanitarista (ações integradas de saúde e
sistema único de saúde), bem como a montagem de equipes multiprofissionais ambula-
toriais de saúde mental e o controle e a humanização do setor hospitalar.
O Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (nessa conjuntura) teve por objetivo:
✎ Evitar a criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos especializados e a redu-
ção onde possível e/ou necessário;
✎ A regionalização das ações em saúde mental, integrando setores internos dos hos-
pitais psiquiátricos ou hospitais específicos com serviços ambulatoriais em áreas ge-
ográficas de referência;
✎ O controle das internações na rede conveniada de hospitais psiquiátricos privados
via centralização das emissões de AIH (Autorização de Internação Hospitalar) nos
serviços de emergência do setor público;
✎ A expansão da rede ambulatorial em saúde, com equipes multiprofissionais de sa-
úde mental, compostas basicamente por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais
e, às vezes, também por enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos;
✎ Humanização e processos de reinserção social dentro dos asilos estatais, também
com equipes multiprofissionais (VASCONCELOS, 2002).

A I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) data de 1987, tendo contribuído


para reordenar as forças atuantes no setor e apontar a necessidade de profundas e ime-
diatas transformações no modelo assistencial em saúde mental no Brasil. Nela, encon-
tra-se claramente nomeada a natureza do impasse colocado no campo da assistência
psiquiátrica no país: a necessidade de superação do modelo hospitalocêntrico.
A I CNSM constituiu-se em importante fórum de discussão que situou a saúde mental
na luta de classes, questionou o modelo psiquiátrico vigente e propôs a substituição dos
leitos psiquiátricos por leitos em hospitais gerais públicos e/ou serviços alternativos. Ela
consolidou discussões que já vinham ocorrendo na sociedade civil. Nesse mesmo perí-
odo, as bandeiras de lutas pela reforma sanitária foram incorporadas às da reforma psi-
quiátrica, levantadas pelos movimentos de trabalhadores de saúde e ganharam espaços
e representatividade de outros setores da sociedade.
A emergência do Movimento da Luta Antimanicomial, a partir de 1987, e a cres-
cente hegemonia de suas teses, promoveram uma forte mudança de direção na política
de saúde mental brasileira a partir do início da década de 1990. O Movimento Nacional
de Luta Antimanicomial implementará sua estratégia de trabalho por meio da luta por
mudanças no plano legislativo, de forma a assegurar a atenção no meio sociocultural do
portador de transtorno mental e reconstruir sua cidadania e poder de trocas sociais,
tomando como foco do movimento e dos debates do setor com a sociedade a extinção
dos manicômios e sua substituição por serviços extra-hospitalares.
No início da década de 1990, realiza-se a Conferência Regional de Caracas, sob o
patrocínio da Organização Pan-Americana de Saúde, da qual resulta a Declaração de
Caracas, que se configura num marco fundamental para embasar as iniciativas de rees-
truturação da atenção em saúde mental no continente. A Conferência de Caracas esta-
belece como eixo de reestruturação da assistência psiquiátrica a estratégia da atenção
primária de saúde no quadro dos sistemas locais de saúde, como forma de viabilizar
modelos de atenção centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais, garan-
tindo os direitos dos portadores de sofrimento psíquico, criando um consenso entre os
governos latino-americanos em torno da nova plataforma de reforma psiquiátrica.
Esse período reflete as profundas mudanças nas relações entre o Estado e a sociedade
e nas formas de organização e gestão do trabalho, das quais são frutos as transforma-
ções socio-históricas recentes, em que o modelo neoliberal é introduzido no país por
meio da abertura da economia brasileira, das privatizações e das medidas de desregu-
lamentação estatal. Entretanto, as dificuldades impostas por esta conjuntura não impe-
diram o avanço dos movimentos em prol da reforma psiquiátrica de persistir na sua luta.
Na saúde mental, uma das frentes de lutas do Movimento Antimanicomial foi o
campo jurídico-legislativo. Uma de suas primeiras expressões foi o Projeto de Lei nº
3.657/89, do deputado federal mineiro Paulo Delgado, que propõe a extinção dos mani-
cômios e sua substituição por serviços extra-hospitalares. Enquanto essa lei não era
aprovada, os integrantes do movimento criaram estratégias para a aprovação de proje-
tos de lei municipais e estaduais que permitissem a viabilização da proposta contida
neste projeto. Assim, no período de 1991 a 1995, foram verificadas mudanças significa-
tivas no campo da política de saúde mental no Brasil, avançando na perspectiva da de-
sinstitucionalização psiquiátrica e na criação e regulamentação de portarias relativas à
implementação da rede de serviços substitutivos. Destacaram-se a Portaria nº
189/1991, que amplia e estabelece a normatização e o financiamento governamental
para novos serviços de saúde mental, comunitários e substitutivos e a Portaria nº
224/92, que estabelece algumas normas com relação aos cuidados com os pacientes
internados, regulamenta os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de
Atenção Psicossocial (NAPS), os Hospitais-Dia e o atendimento ambulatorial, entre ou-
tros. Prevê ainda serviços de urgência psiquiátricos em Hospital Geral, com internações
de até 72 horas, e em Prontos-Socorros Gerais, funcionando 24 horas por dia.
Essa portaria insiste em que o atendimento deve ser feito por equipe multiprofissional e
que os pacientes devem contar com espaços para lazer, educação física e atividades
socioterápicas.
No ano de 1993, foi criada a Comissão Nacional da Reforma Psiquiátrica, vincu-
lada ao Conselho Nacional de Saúde, que, no decorrer dos anos, elaborou propostas para
viabilização da Reforma Psiquiátrica, culminando, em 1995, com a aprovação do Pro-
grama de Apoio à Desospitalização - PAD. Esse programa, que seria gerenciado pelas
Secretarias Municipais de Saúde, pretendia voltar-se para a população moradora dos
hospitais psiquiátricos, com mais de cinco anos de hospitalização, mas sem necessidade
de tratamento em regime de internação integral e sem vínculos familiares. Tinha por
objetivo organizar e manter uma infraestrutura de cuidados assistenciais que permitisse
o retorno do paciente ao convívio social.
No ano de 1994, destaca-se a Portaria nº 145, que estabelece a criação de um sub-
sistema de supervisão, controle e avaliação na assistência em saúde mental nos três
níveis de governo. O seu objetivo é acompanhar e avaliar, junto aos estabelecimentos
prestadores de serviço do SUS, a correta aplicação das normas em vigor. Em agosto do
mesmo ano, outra Portaria de destaque foi a de nº 147, que regulamenta o projeto tera-
pêutico de cada instituição. Ela determina que os serviços de saúde mental devem ofe-
recer atividades diversificadas, que atenda às necessidades de cada paciente, sejam
elas:
✎ Avaliação médico, psicológica e social;
✎ Atendimento individual e grupal;
✎ Abordagem à família;
✎ Preparação para a alta hospitalar etc.

No ano de 1995, a presidência é assumida por Fernando Henrique Cardoso, que as-
sume o poder dando continuidade à política econômica neoliberal, mesmo assim, a luta
para manter as conquistas na área da saúde mental prosseguiram e, em 1995, o Movi-
mento Nacional da Luta Antimanicomial realiza o II Encontro Nacional de Luta Antima-
nicomial, em Belo Horizonte – MG, com o tema “exclusão e cidadania”, em meio a várias
críticas dos opositores da reforma psiquiátrica (empresários donos de hospitais psiqui-
átricos e defensores do modelo manicomial e da indústria farmacêutica).
De 2 a 6 de setembro de 1996, realiza-se a X Conferência Nacional de Saúde com o
tema “SUS – Construindo um modelo de atenção à saúde para a qualidade de vida”.
Suas deliberações reafirmaram as diretrizes da Constituição de 1988 e o SUS como polí-
tica nacional, destacando o princípio da municipalização. Ainda durante a Conferência,
foi exigido do governo o redirecionamento das políticas econômicas, voltado para o com-
bate às desigualdades sociais, distribuição de renda e expansão do emprego [...] Incor-
porando a saúde mental nas ações de atenção integral à saúde mental, defende-se a
assistência em unidades de saúde e em novos serviços (CAPS, NAPS, Pensões protegi-
das, Centros de Convivência, Lares Abrigados e similares). Delibera-se pela “substitui-
ção progressiva dos hospitais psiquiátricos por Serviços de Atenção Integral à Saúde
Mental até o ano 2000” (Ministério da Saúde) (ROSA, 2003).
Em novembro de 1997, foi realizado o III Encontro Nacional de Luta Antimanicomial,
em Porto Alegre –MG, com o tema “Por uma sociedade sem exclusões”.
Naquela ocasião o movimento reafirmou a necessidade de uma mudança que extrapole
o âmbito da psiquiatria, buscando desinstitucionalizar as relações sociais da sociedade
em geral, reconhecendo, para isso, a necessidade de articulação com outros movimen-
tos sociais.
Por intermédio de negociações entre o Movimento de Luta Antimanicomial e a
Federação Brasileira de Hospitais, no dia 21 de janeiro de 1999, é aprovado, no Senado
Federal, o projeto de Lei Sebastião Rocha, em substituição ao projeto de lei da reforma
psiquiátrica. Esse projeto trouxe como pontos polêmicos os artigos 4º e 5º, por deixarem
sem definição o papel dos hospitais psiquiátricos e, assim, possibilitarem a sua manu-
tenção como um recurso assistencial. Portanto, o movimento antimanicomial vai de en-
contro a ele, pois luta pela permanência de apenas um modelo assistencial, de base
comunitária e aberto (ROSA, 2003).
Em fevereiro de 2000 foi promulgada a Portaria 106, que estabelece a criação de
serviços residenciais terapêuticos em saúde mental, em substituição à internação psi-
quiátrica prolongada, tendo como objetivos garantir a assistência aos que não tenham
possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares
e promover a reinserção destes na vida comunitária.
Depois de 12 anos de tramitação no Congresso, sofrendo uma forte resistência cultural
em função da concepção dominante que perpassa a saúde mental, que tem em sua base
o modelo hospitalocêntrico, e indo de encontro aos interesses do setor privado, em abril
de 2001 foi finalmente aprovada a Lei nº 10.216, que leva o nome de seu autor, Paulo
Delgado.
Essa Lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, constituindo o carro-
chefe da reforma psiquiátrica, subsidiando ações que de fato impulsionem o andamento
da reforma no país.
A Lei nº 10.216, em seu artigo 1º, estabelece os direitos e a proteção das pessoas
acometidas de transtorno mental, “que são assegurados sem qualquer forma de discri-
minação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionali-
dade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução
do seu transtorno”. E no parágrafo único do artigo 2º enumera os direitos da pessoa
portadora de transtorno mental:

I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às


suas necessidades; II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela in-
serção na família, no trabalho e na comunidade; III – ser protegida contra qual-
quer forma de abuso e exploração; IV – ter garantia de sigilo nas informações
prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para escla-
recer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI – ter livre
acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII – receber o maior número
de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VII - ser tratada
em ambiente terapêutico pelos meios menos evasivos possíveis; IX – ser tra-
tada preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental (BRA-
SIL,2001).

Outros dois artigos desta mesma lei são importantes: os artigos 4º (que põe em destaque
um dos aspectos centrais da Luta Antimanicomial, a desinstitucionalização dos porta-
dores de transtornos mentais) e 6º, que descrimina acerca das internações.
Destaquemos:

Art. 4º - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada


quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º - O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social
do paciente em seu meio.
§ 2º- O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a ofe-
recer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, inclu-
indo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de
lazer, e outros.
§ 3º- É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais
em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos
recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos
enumerados no parágrafo único do Art. 2º.
Art. 6º - A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo mé-
dico circunstanciado que caracterize os seus motivos (BRASIL, 2001).

Após a aprovação dessa Lei, a preocupação passa a ser sua regulamentação,


afinal, é preciso ultrapassar o plano formal e pôr em prática as mudanças no atendi-
mento à saúde mental tomando por base a construção de novos serviços e concepções
acerca da atenção ao portador de transtornos mentais.
Com esse intuito, em novembro de 2001 foi realizado, em Brasília, o Seminário Nacional
de Direito à Saúde Mental. Esse encontro contou com a participação de juristas, repre-
sentantes do governo federal, representantes de profissionais, familiares e usuários, que
formularam propostas concretas para o controle das internações involuntárias, visando
impedir o confinamento e garantir o respeito aos direitos humanos do portador de trans-
tornos mentais.
Em janeiro de 2002, foi aprovada a Portaria nº 251, que estabelece diretrizes e
normas para a assistência hospitalar, reclassificando os hospitais psiquiátricos e estru-
turando a porta de entrada para as internações. Um outro aspecto importante que esta
portaria ressalta é o controle social, considerando a participação social como uma das
diretrizes da assistência psiquiátrica no SUS.
No cerne da reforma psiquiátrica, destaca-se um dos novos dispositivos institucionais
deste movimento: os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), presentes na atual política
de saúde mental desenvolvida no país.
O Caps é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema único de Saúde
(SUS), lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos men-
tais severos e/ou persistentes, ou seja, pessoas com grave comprometimento psíquico,
incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e outras dro-
gas) e também crianças e adolescentes com transtornos mentais, e demais quadros,
cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cui-
dado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida. Seu objetivo é oferecer
atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o acompanhamento
clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de aten-
dimento de saúde mental criado para ser substitutivo das internações em hospitais psi-
quiátricos (BRASIL, 2004).
Esse novo modelo de atendimento em saúde mental, que põe a necessidade de articu-
lação entre os usuários e a comunidade, traz uma nova concepção no lidar com a saúde
mental, dando ênfase em novos elementos a serem destacados no dia-a-dia desses ser-
viços. Um dos termos bastante utilizados diz respeito à “reabilitação psicossocial” e/ou
“inclusão social”. Segundo PITTA (2001):

Fala-se em Reabilitação Psicossocial há no máximo quatro décadas, no en-


tanto, muitos são os usos que têm sido feitos em seu nome. (...) No seu sen-
tido instrumental a Reabilitação Psicossocial representa um conjunto de
meios (programas e serviços) que se desenvolvem para facilitar a vida das
pessoas com problemas severos e persistentes. Numa definição clássica da
International Association of Psychosocial Rehabilitation Services, de 1985, se-
ria “o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no me-
lhor nível possível de autonomia do exercício de suas funções na comunidade
... o processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do
indivíduo, mediante uma abordagem compreensiva e um suporte vocacional,
residencial, social, recreacional, educacional, ajustados às demandas singu-
lares de cada indivíduo e cada situação de modo personalizado”.

Ainda sobre o significado de “Reabilitação Psicossocial”, BERTOLOTE (2001) compre-


ende que:

Reabilitação Psicossocial não se refere exclusivamente, nem principalmente


às pessoas que, por qualquer crença ideológica que tenhamos, se convertam
em doentes mentais. As pessoas em função de transtornos mentais ou trans-
tornos físicos, transtornos sociais ou transtornos sensoriais, são degradadas
na escala social, perdem vantagens, perdem privilégios e o processo de Rea-
bilitação Psicossocial, como nós entendemos, é a restituição plena de direitos,
das vantagens, das posições que estas pessoas tinham ou poderiam vir a ter,
se lhes fossem oferecidas outras condições de vida, nas quais as barreiras
fossem atenuadas ou desaparecessem.

O instrumento normativo oficial do Ministério da Saúde que implantou pela primeira vez
o Caps foi a Portaria nº 189 de 19/9/91, seguida da Portaria nº 224/02. Atualmente, os
Caps e outros tipos de serviços substitutivos que têm surgido no país (NAPS -Núcleos
de Atenção Psicossocial, CERSAMs – Centros de Referência em Saúde Mental, e outros)
são regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integram a
rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcio-
namento e a complexidade dos Caps, cuja classificação e credenciamento passam a ter
como critérios a população do município e a composição da equipe técnica.
Os Caps tipo I e II possuem as seguintes características:

1 – responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da


demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito do seu território;
2 – possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da
porta de entrada da rede assistencial, definido na Norma Operacional de As-
sistência à Saúde (NOAS), de acordo com a determinação do gestor local;
3 – coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de
unidades hospitalares psiquiátricas no âmbito do seu território;
4 – supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e pro-
gramas de saúde mental no âmbito de seu território e/ou do módulo assisten-
cial;
5 – realizar e manter atualizado o cadastramento dos pacientes que utilizam
medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela
Portaria 1077 de agosto de 1999 e medicamentos excepcionais, regulamenta-
dos pela Portaria 341 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial;
6 – funcionar no período de 8 às 18 horas, em dois turnos, durante os cinco
dias úteis da semana (BRASIL, 2002)

O Caps tipo III, além de possuir as mesmas características acima ressaltadas, destaca-
se por ser um “serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas diariamente,
incluindo feriados e fins de semana, e por estar referenciado a um serviço de atendi-
mento de urgência e emergência geral de sua região, que fará o suporte de atenção
médica”. Além disso, o Caps III poderá “dar acolhimento noturno, nos feriados e finais
de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual repouso e/ou observação”,
sendo que a “permanência de um mesmo paciente no acolhimento noturno fica limitada
a sete dias corridos ou dez dias intercalados em um período de trinta dias” (Id., 2002b),
características que o diferem dos Caps tipo I e II.
O Ministério da Saúde situa os Caps como dispositivos que devem estar articula-
dos na rede de serviços de saúde e necessitam permanentemente de outras redes soci-
ais, de outros setores afins, para fazer face à complexidade das demandas de inclusão
daqueles que estão excluídos da sociedade por transtornos mentais. Os Centros de
Atenção Psicossocial (Caps) deverão assumir seu papel estratégico na articulação e no
tecimento dessas redes, tanto cumprindo suas funções na assistência direta e na regu-
lação da rede de serviços de saúde, trabalhando em conjunto com as equipes de Saúde
da Família e Agentes Comunitários de Saúde, quanto na promoção da vida comunitária
e da autonomia dos usuários, articulando os recursos existentes em outras redes: soci-
ossanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empresas etc.
Os Caps funcionam, pelo menos, durante os cinco dias úteis da semana e oferecem di-
ferentes tipos de atividades terapêuticas, recursos que vão além do uso de consultas e
de medicamentos, destacando-se a psicoterapia individual ou em grupo, oficinas tera-
pêuticas, atividades comunitárias, atividades artísticas, orientação, acompanhamento,
atendimento domiciliar e aos familiares, assembleias ou reuniões de organização do ser-
viço, atividades esportivas, atividades de suporte social, visitas domiciliares, dentre ou-
tras. Dessa forma, o Caps pode articular cuidado clínico e programas de reabilitação
psicossocial através de projetos terapêuticos que contribuam para a construção de tra-
balhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de
cidadania que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente
à sua vida.
Os profissionais que trabalham nos Caps possuem diversas formações e inte-
gram uma equipe multiprofissional. É um grupo de diferentes técnicos de nível superior
(enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, peda-
gogos, professores de educação física ou outros necessários para as atividades ofere-
cidas nos Caps) e de nível médio (técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, técnicos ad-
ministrativos, educadores e artesãos), contando ainda com equipes de limpeza e cozi-
nha. As equipes técnicas devem organizar-se para acolher os usuários, desenvolver os
projetos terapêuticos, trabalhar nas atividades de reabilitação psicossocial, compartilhar
do espaço de convivência do serviço e poder equacionar problemas inesperados e ou-
tras questões que porventura demandem providências imediatas, durante todo o perí-
odo de funcionamento da unidade.
O papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento e manu-
tenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos usuários no atendi-
mento dos Caps depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do
usuário até o projeto terapêutico traçado pela equipe, e a rede de apoio familiar e social
que se pode estabelecer. O importante é saber que o Caps não deve ser um lugar que
desenvolve a dependência do usuário ao seu tratamento por toda a vida. O processo de
reconstrução dos laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autono-
mia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. Para isso, é im-
portante lembrar que o Caps precisa estar inserido em uma rede articulada de serviços
e organizações que se propõem a oferecer um continuum de cuidados. É importante
ressaltar que os vínculos terapêuticos estabelecidos pelos usuários com os profissionais
e com o serviço podem ser parcialmente mantidos em esquema flexível, o que pode fa-
cilitar a trajetória com mais segurança em direção à comunidade, ao seu território re-
construído e ressignificado.
O trabalho do Caps, consequência do movimento de reforma psiquiátrica brasi-
leira, que inspirou os atuais cuidados em saúde mental ultrapassa uma mera técnica
terapêutica, pois esse cuidado inclui ações de natureza política, objetivando a mudança
de preconceitos, invenção de novas técnicas para conceber e implantar novos serviços,
além da organização de uma rede variada de serviços e de ações no sistema de saúde,
de informação e mudanças na cultura da população. Destacamos ainda que este serviço
agrega, em suas ações, as novas conquistas sobre os direitos humanos, de inclusão
social das minorias, em particular do paciente psiquiátrico, simbolizada na bandeira da
não-exclusão, reconquista de sua cidadania. Esse contexto ideológico-político e técnico
obrigou à releitura e retomada de princípios e bases teóricas para as atividades da área,
fazendo com que se priorizem a ética, as necessidades e direitos individuais e civis na
relação com os usuários e familiares, em detrimento da relação técnica tradicional de-
tentora de um conjunto de prescrições universalizadoras e padronizações prévias da
singularidade das pessoas ou sujeitos, a priori objetivantes e reducionistas. Também le-
vou a uma referência do usuário como possuidor de direitos iguais aos de qualquer ci-
dadão, o que lhe permite conhecer os cuidados e procedimentos que lhe são dispensa-
dos, inclusive os medicamentos, seus efeitos benéficos e indesejáveis; sendo assim, es-
tará apto a decidir, juntamente com seus familiares e responsáveis a aceitação ou não
desse cuidado (RABELO et al, 2005).
Outro grande destaque que configura progresso no encaminhamento da reforma
psiquiátrica foi a aprovação, em julho de 2003, da Lei 10.708, instituindo o programa De
Volta Para Casa, que prevê assistência, acompanhamento e integração social de pes-
soas com transtornos mentais que estiveram internadas por mais de dois anos.
Outra iniciativa diz respeito à Portaria Interministerial Nº 353, de 7 de março de 2005,
que institui o Grupo de trabalho de Saúde Mental e Economia Solidária, formado pelos
Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego, visando, dentre outras medidas, propor
mecanismos de apoio financeiro para experiências de geração de renda e trabalho em
saúde mental.
Não podemos negar que grandes conquistas vêm sendo alcançadas na trajetória que o
movimento de reforma psiquiátrica vem percorrendo. Vários líderes desse processo de
reforma e da Luta Antimanicomial encontram-se nos espaços de atuação da política de
saúde mental no atual governo, procurando garantir os princípios da reforma, entre-
tanto, devemos reconhecer que ainda é preciso trilhar um longo caminho. Nos fins dos
anos 1990, com a hegemonia das políticas neoliberais, que trazem em seu bojo a desva-
lorização do trabalho humano, a falta de solidariedade para com os que se encontram à
margem do processo social, o desmonte das políticas sociais etc., numa conjuntura de
não-democratização, o movimento de reforma psiquiátrica tem sofrido reveses na con-
tinuidade de suas propostas, dentre elas a diminuição do investimento público no setor
de Saúde Mental.

A Política Nacional de Saúde Mental no governo Luiz Inácio Lula da Silva é


composta por muitas forças políticas que tem como base o apoio à reforma
sanitária e à reforma psiquiátrica, cujos objetivos expressam-se neste sen-
tido.

O Governo brasileiro tem como objetivo reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos,


qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar - Centros de Atenção Psicosso-
cial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em
Hospitais Gerais (UPHG) – além de:
✎ Incluir as ações da saúde mental na atenção básica;
✎ Implementar uma política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas;
✎ Implantar o programa "De Volta Para Casa";
✎ Manter um programa permanente de formação de recursos humanos para reforma
psiquiátrica;
✎ Promover direitos de usuários e familiares incentivando a participação no cuidado;
✎ Garantir tratamento digno e de qualidade ao louco infrator (superando o modelo
de assistência centrado no Manicômio Judiciário) e
✎ Avaliar continuamente todos os hospitais psiquiátricos por meio do Programa Na-
cional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/ Psiquiatria.

No entanto, a crise do Estado e das políticas sociais tem influência direta decor-
rente do nível da sociedade, das organizações institucionais e das práticas cotidianas.
Com base no projeto neoliberal o atual governo faz contenção de gastos na área da sa-
úde pública com a racionalização dos serviços, implicando uma diminuição da oferta do
atendimento, a passagem da responsabilidade para o setor privado, que objetiva princi-
palmente o lucro, a descentralização da saúde com isenção de compromisso, o atendi-
mento às camadas pauperizadas através de serviços mínimos e assistência apenas bá-
sica, essencial.
O impacto do neoliberalismo no Brasil, no tocante às políticas sociais, tem sido o des-
monte da assistência pública nas áreas de saúde, educação, previdência, segurança,
justiça, cultura, entre outras. Na área da Saúde Mental, o neoliberalismo reduz o orça-
mento governamental destinado à ampliação do novo modelo assistencial em saúde
mental, incentivando a busca da medicalização através da indústria farmacêutica e do
tratamento baseado em remédios como saída para o atendimento em massa. Podemos
também citar o aumento dos problemas psíquicos, decorrentes das situações cada vez
mais degradantes de vida, que terminam por abalar toda estrutura social e psicológica.
A luta pela reforma psiquiátrica implica progressos e retrocessos, e não podemos
esquecer que a política de saúde mental não está dissociada de toda uma conjuntura
política e estrutura econômica que privilegia uma política econômica neoliberal em de-
trimento do acesso aos direitos sociais duramente conquistados e tão pouco respeita-
dos. Assim, torna-se cada vez mais necessário compreender os rumos tomados pela
reforma psiquiátrica para poder identificar os obstáculos rumo à sua plena e efetiva re-
alização.
Não podemos esquecer que a realidade social dos portadores de transtorno mental não
é diferente da realidade socioeconômica da grande maioria da população brasileira, que
sofre com desemprego, falta de acesso à educação, saúde, moradia, é vítima do pre-
conceito e da indiferença. Portanto, não podemos deixar de construir alianças com os
demais movimentos sociais na luta constante pela construção da cidadania dos porta-
dores de transtornos mentais e pela garantia e efetivação dos direitos da população.

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Módulo 4

Os 5 Períodos da Reforma Psiquiátrica


(Periodização)
A Reforma Psiquiátrica no Brasil tem início na década de 70 com a proposta de
superar o modelo vigente de assistência à saúde mental, priorizando a efetivação da
cidadania do PTM, apresentando denúncias das atrocidades cometidas contra os inter-
nados e também a precariedade das condições de trabalho dos profissionais da área.
Este movimento tem sua luta embasada não somente na transformação das instituições
que atendem o PTM, mas também busca por uma transformação cultural que atinja a
toda sociedade de forma a modificar a concepção de doente mental para sujeito que tem
o direito de usufruir com qualidade da saúde, educação, habitação, cultura, lazer etc.
Em termos simples, um cidadão que deve ser atendido em suas necessidades.
Vasconcelos (2000, p. 22-30) nos aponta cinco períodos históricos os quais cul-
minaram em avanços e também desafios para a Reforma Psiquiátrica, é a chamada “pe-
riodização” como será descrito a seguir.

O 1º período foi marcado pela emergência de movimentos sociais, entre eles o Movi-
mento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) em 1978, que tinham por princípios a
humanização dos hospitais, melhores condições de trabalho e aumento de serviços am-
bulatoriais em saúde mental, em 1980 acontece o Movimento de reforma Sanitária, en-
volvendo os profissionais da saúde de forma geral.
É importante ressaltar que o MTSM recebeu forte influência de Franco Basiglia, psiqui-
atra italiano, que em 1979 visitou três hospitais psiquiátricos implantados em três regiões
brasileiras e os comparou a campos de concentração. Franco Basiglia foi um dos res-
ponsáveis, que com ideias revolucionárias, conseguiram estabelecer significativas mu-
danças no tratamento à saúde mental na Itália.

No 2º período avança o MTSM, pois recebe espaço para iniciar a reforma e humanização
dos hospitais psiquiátricos, bem como sua entrada nas secretarias estaduais de saúde,
o que possibilitou sua intervenção em hospitais públicos e privados (1980-1987).

No 3º período (1987-1992) destaca-se principalmente a Luta Antimanicomial que propu-


nha serviços alternativos aos hospitais psiquiátricos, ou seja, a superação dos chamados
manicômios. Cabe salientar que é também neste período que acontecem duas grandes
conquistas: Constituição Federal em 1988 e aprovação da Lei Orgânica da Saúde em
1990.

No 4º período (1992-1995) houve a consolidação da desinstitucionalização psiquiátrica,


ou seja, avanços como a implantação de serviços que substituam a internação, além de
priorizar a participação dos usuários e familiares na melhoria da qualidade dos serviços
oferecidos na saúde mental.

Por fim, o 5º período inicia-se em 1995 no governo FHC, sendo que a partir do neolibe-
ralismo são agravadas as expressões da questão social, como o desemprego que reper-
cutiu de diferentes formas no cotidiano da população, inclusive resultando em determi-
nadas reações/comportamentos que tornaram-se demandas para a saúde mental.

Conforme as pontuações de Vasconcelos (2000, p. 22-30) têm-se na Reforma Psiquiá-


trica um movimento revolucionário, extremamente propositivo, que coloca a sua luta a
favor dos trabalhadores da saúde mental, mas principalmente pelo PTM e seus familia-
res que devem ser atendidos de acordo com suas necessidades, prezando sempre pela
equidade.
Considerando as propostas colocadas pela Reforma Psiquiátrica, percebe-se a estreita
relação existente com os princípios norteadores da prática profissional dos assistentes
sociais, configurando-se então a saúde mental não apenas como um campo de trabalho,
mas como parte da luta também desta categoria.

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Módulo 5

A Criação do SUS
Até o final da década de 1980, cabia ao Ministério da Saúde apenas campanhas
de promoção da saúde e prevenção de doenças, ações pontuais em locais com carências
importantes ou para populações específicas, e a manutenção de alguns hospitais para
tuberculose e psiquiátricos, estes últimos a cargo do Serviço Nacional de Doenças Men-
tais. A maior parte do atendimento em saúde pública estava a cargo do Instituto Nacio-
nal de Previdência Social (INPS), depois chamado de Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps), ligado a outro ministério, o da Previdência e As-
sistência Social. O INPS foi o resultado da fusão dos institutos de aposentadorias e pen-
sões de diferentes categorias profissionais organizadas na década de 1960, que propor-
cionava grande parte dos atendimentos de saúde, porém apenas para os trabalhadores
da economia formal e seus dependentes.
O restante da população que não pudesse pagar pelo atendimento particular era aten-
dido por instituições de caráter filantrópico ou nos hospitais-escola das faculdades de
Medicina. Nesse sistema, a proporção de investimentos na saúde para cada estado e
município era calculada pelo número de trabalhadores com carteira assinada residentes
nesses locais, criando uma enorme concentração dos serviços nas regiões mais ricas do
País.
Dentro desse quadro, e na conjuntura das lutas para a redemocratização do País,
já na década de 1970, vemos manifestações das entidades representativas dos profissi-
onais da saúde, centros universitários e setores organizados da sociedade, defendendo
a importância de uma gestão eficiente, justa e participativa do atendimento à saúde,
mais tarde dando origem ao denominado “movimento da reforma sanitária”.
Com o passar dos anos, um conjunto de mudanças é realizado para ampliar a cobertura
do Inamps, com crescente participação do Ministério da Saúde e dos estados e municí-
pios, mas a pressão crescente para uma cobertura universal e a crise do financiamento
do modelo da assistência médica da previdência social leva a medidas mais abrangen-
tes: primeiramente o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), na década
de 80, mediante convênios entre o Inamps e os governos estaduais e, logo a seguir, a
incorporação do Inamps ao Ministério da Saúde e a criação do SUS, em 1990 (Buss,
1995).
Já na Constituição de 1988 os princípios do novo sistema de saúde estão especi-
ficados nos cinco artigos da seção II (“da Saúde”) do capítulo sobre seguridade social.
O primeiro destes, o artigo 196, define a saúde como “direito de todos e dever do estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de do-
ença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação”.

A lei n.º 8.080, de 1990, aponta os seguintes princípios do SUS:


I – Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II – Integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das
ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III – Preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
moral;
IV – Igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie;
V – Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI – Divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua
utilização pelo usuário;
VII – Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação
de recursos e a orientação programática;
VIII – Participação da comunidade;
IX – Descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de
governo:
a) Ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) Regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X – Integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento


básico;
XI – Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de
assistência à saúde da população;
XII – Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;
XIII – Organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para
fins idênticos.

Mais adiante o princípio da equidade, que mencionamos anteriormente, e que já era


usado no artigo 194 da Constituição, no sentido de “equidade na forma de participação
no custeio”, seria adicionado, como um aperfeiçoamento do conceito de igualdade no
atendimento.
A participação da comunidade na gestão do SUS é garantida pela lei n.º 8.142, de 1990,
que cria as Conferências de Saúde e o Conselho de Saúde, em cada uma das esferas
federal, estadual e municipal.
Descentralização é um dos princípios chave, levando à municipalização da maioria dos
serviços e ações de saúde, com verbas específicas advindas da União e dos estados.
Serviços de maior complexidade, ou locados em áreas com maiores carências, poderão
ser administrados pelo nível estadual ou federal, no entanto, todo o sistema tem de ope-
rar de maneira unificada.
O financiamento do SUS opera-se por dois sistemas de pagamento: o repasse aos muni-
cípios, com base em sua população, de verba destinada à realização de toda uma série
de ações de saúde, listadas nas pactuações entre os três níveis de governo, e o paga-
mento por procedimentos específicos, como internações ou procedimentos de maior
complexidade.

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Módulo 6

Política de Saúde Mental

A Reforma Psiquiátrica brasileira se desenvolveu concomitante ao processo da


Reforma Sanitária, em meados dos anos 1970 em busca da superação do modelo asilar
e da mudança de valores culturais e sociais, principalmente nos estados da região Su-
deste do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), por ser o local com maiores
redes de serviços psiquiátricos no país.
O tratamento disponibilizado a pessoas com transtornos mentais antes da Reforma Psi-
quiátrica era o da prática asilar e da medicalização, assim como em todos os países do
mundo repetindo os modelos de exclusão e repressão.
Em 1830 foi criado um Hospício para os alienados no Rio de Janeiro, nos moldes
dos hospitais psiquiátricos europeus, no qual o tratamento era baseado no isolamento.
E a partir daí essas instituições se proliferaram. Houve um impulso para esta proliferação
em especial com a mercantilização dos serviços. A partir da década de 1960 a psiquiatria
privada sobressai à psiquiatria pública, tornando o tratamento da loucura um empreen-
dimento lucrativo. (ALVES et al, 2009)
A Reforma Psiquiátrica tem os seus antecedentes no Brasil em um contexto de
ditadura militar. Em 1978 se iniciou o Movimento dos Trabalhadores em saúde Mental
(MTSM) – formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, familiares,
pessoas com histórico de internação, dentre outros -, que emergiu após a repressão do
regime militar em um cenário de lutas de muitos movimentos sociais.
Quase uma década depois, em 1987 foi realizado no Rio de Janeiro a I Conferência Naci-
onal em Saúde Mental, um marco histórico importante para a criação do Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial, sendo um dos principais objetivos da luta a reinserção
social.
Nesse período dá-se início a uma rede substitutiva de atenção à saúde mental. No ano
de 1987 surgem os primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) na cidade de São
Paulo, serviços comunitários de oito horas diárias cinco dias por semana e no município
de Santos os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS).
A partir deste momento, não apenas aumentam as denúncias contra abusos em hospi-
tais psiquiátricos, como algumas dessas denúncias passam a ser investigadas e as pri-
meiras intervenções são levadas a cabo.
Em 1989 a Secretaria Municipal de Saúde de Santos intervêm em um hospital
psiquiátrico devido a denúncias de maus-tratos e mortes de pacientes.
Ainda no ano de 1989, representando o início da regulamentação das diretrizes do mo-
vimento da Reforma Psiquiátrica como direito, houve um avanço no campo legislativo e
normativo com a entrada no Congresso Nacional do Projeto de Lei do deputado Paulo
Delgado que dispõe sobre a regulamentação dos direitos das pessoas com transtornos
mentais e a extinção dos manicômios. E também como avanço a criação da Constituição
Federal de 1988 que cria o Sistema Único de Saúde (SUS), que serve de base para uma
rede de serviços substitutivos de atenção à saúde mental. Mesmo o projeto de lei Paulo
Delgado não sendo aprovado, vários estados e municípios se inspiraram para criação de
leis que determinassem a substituição de leitos psiquiátricos por uma rede de atenção
integral à saúde mental.
Em 1990 a realização da Conferência de Caracas que faz com que os países la-
tino-americanos entrassem em um consenso em relação à Reforma Psiquiátrica. E com
a realização no Brasil da II Conferência Nacional em Saúde Mental, em seu relatório final
tinham proposições que visavam discutir os direitos civis e trabalhistas desta população
de forma a desenvolver estudos que analisassem a interdição civil dos ditos incapacita-
dos. A partir dessa Convenção tivemos um avanço da Reforma Psiquiátrica no país e nos
moldes da atenção à saúde mental.
No ano de 1992, a Política do Ministério da Saúde para a saúde mental começa a
se firmar de acordo com as diretrizes da reforma psiquiátrica e então é criado no país as
primeira normas federais para regulamentar a implantação dos serviços substitutivos de
atenção diária a saúde mental. Devido a essa política há uma substituição progressiva
dos leitos em hospitais psiquiátricos para o desenvolvimento de uma rede integrada de
atenção à saúde mental, ou seja, ocorriam significativas mudanças no país em relação
à desinstitucionalização psiquiátrica. Foram abertos leitos psiquiátricos em hospitais ge-
rais e retirada de leitos em hospitais psiquiátricos públicos e privados que não tinham
condições mínimas de assistência, assim como também abertos vários CAPS E NAPS
em todo o país, que ilustram a mudança para o novo paradigma de atenção à saúde
mental.
A aprovação da legislação definitiva, no entanto, apenas conseguiu ser aprovada
mais de 20 anos depois das primeiras movimentações dos trabalhadores em saúde men-
tal.
No ano de 2001 é sancionado no país um substitutivo do projeto de Lei original do
deputado Paulo Delgado - após 12 anos de tramitação no congresso - a lei federal 10.216
que redireciona a assistência em saúde mental, dispõem sobre a proteção e os direitos
das pessoas com transtornos mentais. A lei oferece tratamentos com serviços comuni-
tários, mas não expõe a extinção dos manicômios, eles passam a existir tendo regras a
cumprir. Dispõe também sobre a necessidade de políticas para a inclusão social e proje-
tos de geração de renda que fomentem a autonomia das pessoas com transtornos men-
tais. Então com a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada ao final do ano de
2001, e promulgação da lei as diretrizes da Reforma Psiquiátrica ganha mais visibilidade
até mesmo em questões de financiamento por parte do governo, sendo formulada como
uma política pública do Estado.

Com a ampliação da rede de serviços substitutivos, foram criados:


✎ Centros de Referência em Saúde Mental, CERSAMs;
✎ Centros de Atenção psicossocial, CAPS;
✎ Núcleos de Atenção Psicossocial, NAPS;
✎ Centros de Convivência;
✎ Moradias assistidas, entre outros dispositivos da nova política pública de saúde
mental.

Assim como também foram criados mecanismos para a fiscalização, gestão e redução
de leitos psiquiátricos no país. Há uma importante expansão da atenção à saúde mental,
de acordo com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica, com a transição do modelo cen-
trado na internação hospitalar para um modelo de atenção comunitária.

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Módulo 7

Saúde Mental x Capitalismo


(conceito)

Pensar a atuação do assistente social na área da saúde mental requer uma dis-
cussão entre loucura e sociedade, alienação social e prática profissional. Sendo assim é
inquestionável a importância de perscrutar o contexto dos portadores de transtornos
mentais, identificando suas necessidades, sejam elas, políticas, sociais, culturais ou até
mesmo materiais, pois, “se objetivamos uma certa autonomia dos usuários na reabilita-
ção psicossocial, precisamos fazer uma análise correta de suas possibilidades de rea-
propriação das relações sociais que os atravessam e os determinam” (BISNETO, 2007,
p.192).
Contudo, podemos verificar alguns avanços de autonomia nas relações sociais, porém
do ponto de vista da totalidade, percebemos que apesar dos imensos benefícios que
proporcionam aos usuários, as atividades desenvolvidas pelas instituições muitas vezes
não são suficientes para obter uma autonomia vasta. Desse modo, percebemos a auto-
nomia dos usuários muito mais na medida afetiva do que em outras áreas, levando em
consideração que “[...] a reabilitação social através do lazer ou da efetividade não é
equivalente à conduzida por uma atividade de produção (cooperativas de trabalho) nem
a reabilitação através de moradia ou da família (da esfera da reprodução social)” (BIS-
NETO, 2007, p. 192).
O Raciocínio é lógico se compreendermos que atualmente vivemos em uma so-
ciedade capitalista e excludente, dessa forma se evidência a necessidade de realização
dos portadores de transtornos mentais em todos os aspectos.
As concepções filosóficas de Marx definem o homem como um conjunto das re-
lações sociais, tendo como atividade vital o trabalho. Sendo assim o conceito de homem
sadio baseia-se na liberdade e independência, sendo ao mesmo tempo ativo relacionado
e produtivo. Freud posiciona-se semelhantemente quando relata que a saúde mental é
poder amar e trabalhar, mas no sentido incondicional que o verbo exige em trabalhar no
sentido de criar, sendo ao mesmo tempo útil e produtivo. “Em países de Primeiro Mundo,
como na Itália, a proposta de reforma psiquiátrica avançou, e lá conseguiram desenvol-
ver serviços residenciais e cooperativas de trabalho amparadas pela legislação comer-
cial” (LEONARDIS apud BISNETO, 2007, p. 183).
Módulo 8

A Saúde Mental no Campo das Políticas Sociais

Ao longo de várias décadas o modelo de tratamento com base no isolamento foi


o grande protagonista no lidar com a loucura, afinal, não deixava de ser um obscureci-
mento do transtorno que o louco poderia trazer para a sociedade, trazendo implicações
para a manutenção da ordem social. O modelo biomédico, baseado no tratamento me-
dicamentoso e no isolamento, tidos como medidas determinantes na melhoria do doente
era o grande destaque. A figura do médico encontra-se como base central, devido ao
protagonismo por ele exercido no contexto das novas configurações trazidas pela do-
ença mental, entretanto, coloca-se a necessidade da intervenção de alguns profissio-
nais, mesmo que seja apenas no auxílio médico, pelo reconhecimento da loucura en-
quanto doença.
Segundo VASCONCELOS (2002), “o contexto histórico e político brasileiro de de-
senvolvimento dos serviços sociais como iniciativa de Estado e da emergência das pri-
meiras escolas de Serviço Social, na década de 1930, foi fortemente marcado pelas abor-
dagens e pela ação política do movimento de higiene mental”.
As ações vinculadas ao Movimento de higiene mental ganharam vigor a partir da
Revolução de 1930, quando integrantes e defensores da higiene mental lutaram pela
ocupação de espaços importantes na esfera administrativa, influindo de forma direta na
formulação de políticas sociais voltadas principalmente para a educação higiênica, para
o amparo da maternidade e da infância. Objetivavam conquistar hegemonia no aparelho
estatal a fim de promover uma revolução social e individual. Destacou-se a figura do
próprio Vargas, que chegou a ocupar a condição de presidente de honra da Comissão
Patrocinadora da Campanha Pró Higiene Mental, a partir de 1933, atuando sobretudo
através dos meios de comunicação de massa. A atuação dos higienistas se fez presente
na Constituinte de 1934, inscrevendo na Carta Constitucional o perfil das responsabili-
dades sociais do Estado em face da questão da higiene e saúde pública, que “incluíam
a coordenação de serviços sociais, o estímulo à educação eugênica, a ‘proteção’da ju-
ventude contra o ‘abandono físico, moral e intelectual’, a adoção de medidas de higiene
social, bem como a responsabilidade direta por suas tarefas.
No período compreendido entre 1938 a 1945, o Departamento Nacional de Saúde,
vinculado ao Ministério da Saúde, é dinamizado e reestruturado, centralizando e articu-
lando as atividades sanitárias de todo o país. Em 1942, é criado o Serviço Especial de
Saúde Pública (SESP), voltado para as áreas não cobertas pelos serviços tradicionais.
Verificamos, em relação às ações de saúde coletiva nesse período, o auge do sanita-
rismo campanhista, influenciado pelo movimento anteriormente abordado.
No âmbito da assistência psiquiátrica, esta passa a ser federalizada em 1944,
através do Decreto nº 7.055 de 18 de novembro, após a criação do Serviço Nacional de
Doenças Mentais – SNDM, fato que se deu pelo Decreto nº 3.171, de 2 de abril de 1941,
sendo encampado, em 1953, pelo recém-criado Ministério da Saúde. Apesar da reorien-
tação do discurso acerca do estímulo à atenção ambulatorial e aos serviços comunitá-
rios, as ações efetivas do governo federal continuam incentivando a construção de es-
truturas asilares.
Na área da saúde, nesse período, a ação desenvolvida pelos assistentes sociais deno-
mina-se Serviço Social Médico, cujas iniciativas são ainda extremamente embrionárias.
Estará ligada inicialmente à profilaxia de doenças transmissíveis e hereditárias e à pue-
ricultura. As funções exercidas se referirão a triagem, elaboração de fichas informativas
sobre o cliente (“dados importantes que o médico muito atarefado teria gastado muito
tempo para obter”), distribuição de auxílios financeiros para possibilitar a ida do cliente
à instituição médica, conciliação do tratamento com os deveres profissionais do cliente
(entendimentos com o empregador), o cuidado quanto aos fatores “psicológicos e emo-
cionais do tratamento”, e a adequação do cliente à instituição através da “obtenção de
sua confiança” (IAMAMOTO, 1998).
O Serviço Social é incorporado a instituições cujas práticas materiais principais são dos
mais diversos tipos: medicina curativa, medicina preventiva, puericultura, recuperação
motora, seguro, distribuição de auxílios, conjuntos habitacionais, assessoria jurídica, ins-
titutos correcionais para menores e adultos, asilos etc. Contudo, o domínio mais especí-
fico do Serviço Social, dentro dessas instituições, será uma determinada parcela dessa
população. Se a clientela básica das instituições sociais e assistenciais, por definição,
são os setores populares, o Serviço Social se dedicará àqueles segmentos mais caren-
tes, cujo comportamento se torna mais desviante em face de um padrão definido como
normal (Id., 1998).
Os vínculos do Serviço Social com a saúde são históricos, não só no Brasil, pois
nos Estados Unidos, em Nova Iorque, desde o início do século XX os assistentes sociais
vinham trabalhando com as equipes de saúde no tratamento e profilaxia dos inúmeros e
frequentes casos de tuberculose. O primeiro Serviço Social Médico de que se tem notícia
foi criado pelo Dr. Richard Cabot, em 1905, inserindo-se na estrutura organizacional do
Hospital Geral de Massachussets. Reconhecendo na ação do Serviço Social valioso ins-
trumento tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento médico-social dos pacien-
tes ambulatoriais ou internados, o Dr. Cabot considerou-o indispensável nas equipes de
saúde. Sua tese ganhou muitos adeptos, e vários hospitais, iniciando-se pelo de Boston,
passaram a demarcar a presença daquele profissional (MARTINELLI, 2005).
O trinômio higiene, educação e saúde, que caracterizava o Serviço Social na época, foi
o que impulsionou a criação de um novo campo de ação, voltado para a área escolar,
destinando-se a crianças com problemas de aprendizagem. A passagem da criança pela
escola precisava dar-se do modo mais rápido possível, pois a criança era também força
de trabalho, e de baixa remuneração. Baseando-se sempre na prática individual da as-
sistência, esses trabalhos vieram a valorizar muito as concepções de Mary Richmond
sobre a importância das famílias e de seus membros serem tratados de forma individual.
Acreditava Richmond que só através dessa abordagem e com o apoio de um diagnóstico
social bem elaborado, é que se poderia atingir a reforma do caráter das pessoas, a sua
reintegração social. Esse modo de encarar o Serviço Social como uma ação dotada de
força reintegradora, um instrumento de reforma do caráter, crescia em aceitação pela
burguesia, interessada em exercer sua ação de controle sobre a classe trabalhadora e
sobre a massa pauperizada (MARTINELLI, 2005).
No campo médico psiquiátrico o início das experiências de Serviço Social data de
1913, sendo pioneira Miss Many Jarret, que dirigia o Hospital Psiquiátrico de Boston,
partindo desta vivência as tentativas de especialização neste campo. O Serviço Social
atuava no reajustamento dos doentes mentais e na prevenção de recaídas, tendo como
função o auxílio moral e a facilitação do retorno do doente mental ao seio familiar e so-
cial. No Serviço Social Médico, o técnico vai desempenhar programas de saúde visando
à cura e à prevenção dos problemas sociais, sejam de ordem individual ou coletiva (CA-
LHEIROS, 1976).
Na década de 1920, nos EUA, vários assistentes sociais passaram a trabalhar em
clínicas de orientação infantil. Inicialmente, o trabalho era feito exclusivamente com os
pais, com a colaboração de psiquiatras que tratavam as crianças. Depois, os papéis das
duas profissões tornaram-se menos acelerados e, logo depois, os assistentes sociais
estavam envolvidos diretamente no tratamento infantil [...] Assim, as funções do assis-
tente social estavam voltadas para o âmbito familiar, desde a entrada do paciente no
hospital até sua volta à família (PERCIANO, 1975).
O Serviço Social nos EUA se muniu de vários referenciais teóricos para pautar sua atu-
ação, principalmente o funcionalismo, o estrutural-funcionalismo, o higienismo e as psi-
cologias (em seus vários ramos). O atendimento norte-americano na área psiquiátrica
segue a metodologia clássica de “Caso, Grupo e Comunidade”, adotando propósitos de
solução de problemas (linha funcionalista) ou de integração social (linha psicanalítica).
Além disso, há a participação do assistente social em planejamento, programas sociais
e pesquisa (BISNETO, 2001).
Nos registros e análises sobre o Serviço Social e Saúde Mental no Brasil predo-
mina a década de 1940 como o marco de entrada do Serviço Social na Saúde Mental.
Inicialmente sua inserção no campo da saúde mental deu-se através dos Centros de
Orientação Juvenil (COJ) e dos Centros de Orientação Infantil (COI), diretamente influ-
enciados pelo modelo das “Child Guindance Clinics”, proposto pelos higienistas ameri-
canos e brasileiros como estratégia de diagnóstico e tratamento de “crianças-problema”
e implementação da educação higiênica nas escolas e na família (VASCONCELOS, 2002).
Nesta década, uma vez que foram se formando os primeiros assistentes sociais no Rio
de Janeiro, as escolas procuraram induzir a assimilação desses profissionais pelas dire-
torias dos hospitais psiquiátricos, para trabalharem nas seções de assistência social
dessas instituições. Os assistentes sociais tendiam a constituir pequenas equipes uni-
profissionais situadas na “porta de entrada e saída” dos hospitais, funcionando de forma
diretamente subordinada aos médicos e à direção da instituição, atendendo prioritaria-
mente as suas demandas: por levantamentos de dados sociais e familiares dos pacientes
e/ou de contatos com os familiares para preparação para a alta; de confecções de ates-
tados sociais e de realização de encaminhamentos. Paralelamente, atendiam também
às muitas e variadas demandas “no varejo” dos próprios usuários em relação a seus
familiares ou vice-versa, normalmente em torno de necessidades imediatas em termos
de roupas, contatos, pequenos recursos sociais e financeiros etc.
Os relatórios de atividades da época também assinalam que as equipes em geral eram
pequenas para o número de leitos e demandas das instituições, e as profissionais esta-
vam sempre abarrotadas em responder a estas demandas “no varejo”, impedindo aque-
las que ainda o desejavam de desenvolver programas e serviços mais complexos e ricos,
do ponto vista profissional e dos interesses potenciais da clientela. Assim, o padrão geral
de prática dessas equipes era nitidamente uniprofissional, subalterno, burocrático, su-
perficial (sem poder se dedicar ao estudo e intervenção mais complexa de casos ou a
intervenções familiares, grupais e comunitárias) e, em alguns casos, assistencialista
(VASCONCELOS, 2002).
A constituição do Serviço Social como profissão no Brasil é marcada, tanto
pela vertente doutrinária católica quanto pela influência do movimento de hi-
giene mental, por abordagens com forte ênfase nos aspectos individuais e
psicológicos de problemas com dimensões políticas, sociais e econômicas
mais amplas, constituindo uma clara estratégia de hiperpsicologização e indi-
vidualização normatizadora e moralizadora da força de trabalho e da popula-
ção em geral, como estratégia de Estado, das elites empresariais, da
Igreja Católica e da corporação médica (Id., 2002).

O cenário do atendimento psiquiátrico no Brasil indica que boa parte do trabalho


do Serviço Social nas organizações psiquiátricas está voltada ao atendimento de ques-
tões mais emergenciais associadas à enorme pobreza dos pacientes e à ausência de
rede de suporte familiar e comunitário. Essa realidade difere do quadro norte-americano,
isto porque, no início do século, já havia nos EUA agências de Serviço Social que aten-
diam a população quanto às necessidades materiais e concessão de benefícios, en-
quanto o serviço prestado pelo assistente social ao seu usuário se restringia ao atendi-
mento das questões ligadas ao tratamento médico em si (BISNETO, 2001).
Essas primeiras experiências nos fazem destacar alguns pontos: a cultura moralizadora
que perpassa a forma de pensar a doença mental; a preocupação com a desintegração
social que os problemas sociais podem causar, colocando-se a necessidade de nela in-
tervir para reintegrar o indivíduo à sociedade; o chamado do Serviço Social para atuar
nas disfunções sociais familiares, devendo adaptar o indivíduo ao meio em que vive,
dentre outros. A influência dos vários referenciais teóricos, acima citados, reflete até
hoje em várias ações que caracterizam o trabalho dos assistentes sociais, seja na saúde
ou na particularidade da saúde mental.
Apesar das particularidades inerentes à forte influência dos diferentes referen-
ciais teóricos na construção das bases teóricas que perpassam as diferentes ações pro-
fissionais dos assistentes sociais que atuavam na área da saúde/ saúde mental, não
podemos deixar de lado a fundamental importância que a composição do cenário histó-
rico, político, econômico e social representa na construção das bases para o entendi-
mento da saúde mental no Brasil.
Acreditamos que só é possível compreender o papel do Serviço Social na saúde mental
se tomarmos como base as manifestações mais imediatas da questão social, expressa
nas condições de vida da classe trabalhadora, que exigiam do Estado uma intervenção
social visando amenizá-las. Com esse objetivo, inicialmente constrói-se um conjunto de
saberes que tomam a problemática social como um problema moral, culpabilizando o
indivíduo pelas suas condições sociais, e posteriormente coloca-se a necessidade do
controle social através das políticas sociais, que reconhece e ameniza a problemática
social posta pela contradição da exploração do trabalho. E é nesse contexto que se in-
sere um conjunto de intervenções sociais, dentre as quais se coloca a necessidade do
papel do assistente social.
A situação social, política e econômica que o Brasil vivenciou no início do século
XX trouxe uma preocupação com o restabelecimento da ordem social, que sofreu abalos
provocados pela questão social crescente, expressa nas condições de vida da popula-
ção. Nesse período, o Estado compreendia a questão social como uma questão moral,
sob a qual era preciso intervir para restabelecer a ordem. Dessa forma, os problemas
sociais eram tratados como caso de polícia. Só a partir do contexto da modernização do
Estado, quando é posto um cenário de lutas entre as classes sociais em que se coloca o
protagonismo da classe trabalhadora no cenário político do país, é que se redefinirão as
formas de enfrentamento da questão social, que terão nas políticas sociais seu principal
meio de intervenção, sendo solicitada a figura do assistente social como um dos execu-
tores destas. Assim, é nesse cenário de embates que efetivamente serão construídas e
consolidadas as demandas para os assistentes sociais na área da saúde mental.
Assim, compreendemos que o momento histórico empreendido entre as décadas
de 1940 até 1960 trouxe uma demanda para o Serviço Social na saúde mental que exigia
dele uma atuação voltada para a higiene social, expressa através da moralização do
indivíduo e da família, de uma atuação sobre o caráter das pessoas, visando à reintegra-
ção social por meio da adequação do comportamento à “normalidade”. Entretanto, essa
demanda posta ao Serviço Social se consolidará efetivamente na década de 1970,
quando o cenário conjuntural trazido pela ditadura e pela necessidade de reprodução da
classe trabalhadora consolida o papel dos assistentes sociais como executores de polí-
ticas sociais na saúde mental.

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Módulo 9

Cuidado em Saúde Mental

Alguns dicionários de filologia informam que a palavra “cuidado” origina-se de


cura, que se escrevia em latim coera, e era utilizada para descrever um contexto de
relações de amor e amizade marcadas por atitudes de atenção, desvelo e preocupação
com um objeto ou pessoa querida.
Outros estudiosos derivam a palavra “cuidado” de cogitare-cogitatus e de sua corrup-
tela coyedar, coidar, cuidar, que tem o mesmo significado de cura: pensar, colocar aten-
ção, mostrar interesse, desvelo e preocupação.
O ato de cuidar adquire características diferentes em cada sociedade e é deter-
minado por fatores sociais, culturais e econômicos. Esses fatores vão definir os valores
e as condições em que se processa o ato cuidador. Neste sentido, entendemos que a
palavra “cuidado” carrega duplo significado:

O cuidado inclui duas significações básicas, intimamente ligadas entre si. A


primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A
segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado
se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.
Cuidado, no sentido de alerta, o sinal vermelho do semáforo. Perigo de, na
relação com o outro, no movimento de sair de si mesmo, ir ao encontro do
outro, perder-se”. Um outro sentido desloca a palavra cuidado para a mater-
nagem, para o aconchego do colo, da relação amorosa/afetiva, do acolhi-
mento que, no geral, só um ser humano pode dispensar ao outro.
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O cuidado é único e é sempre dirigido a alguém. Não existem fórmulas mágicas
para o ato do cuidar e sim a invenção, o jogo de cintura, a busca de possibilidades várias.
No cuidar, avista-se o outro.
A assistência a transtorno mental, em toda a sua história, sempre registrou a impossibi-
lidade da família de estar junto, conviver com o doente mental e cuidar dele. Tratar do
doente mental significou, durante décadas, o afastamento do convívio social e familiar.
Transformar, recriar as relações existentes entre a família, a sociedade e o doente men-
tal não é tarefa das mais fáceis. Existe o pronto, o universalmente aceito, a delegação
do cuidado a outrem, que revelam as incapacidades de lidar com a loucura, de aceitar
novos desafios e de se aventurar em caminhos não trilhados.
Existem, portanto, maneiras diferentes de entender o ato cuidador. Para alguns, cuidar
pressupõe somente a presença de uma instituição, ou seja, o hospital psiquiátrico. Po-
rém, para cuidar não precisamos isolar, retirar o sujeito de seu âmbito familiar e social.
O ato cuidador, em nosso entender, vai mais além. Ele faz emergir a capacidade criadora
existente em cada um, ressalta a disponibilidade em se lançar, em criar novas maneiras
de conviver com o outro em suas diferenças. Isso não significa que no manejo da crise
possamos prescindir de ajuda especializada e acesso aos serviços de saúde. Eles são,
sem dúvida, o grande suporte que o familiar necessita para poder cuidar.
Por outro lado, nos serviços de saúde o ato cuidador pode ser definido como um serviço
se organiza para responder às necessidades do usuário está diretamente relacionada à
sua qualidade.

Serviço de alta qualidade é aquele que se ocupa de todos os usuários que a


ele se referem e que oferece reabilitação a todos os usuários que dele possam
se beneficiar. Neste jogo, o usuário se coloca como alguém que busca uma
intervenção que lhe permita recuperar, ou produzir, graus de autonomia no
seu modo de caminhar a sua vida. Coloca neste processo o seu mais impor-
tante valor de uso, a sua vida, para ser trabalhada como um objeto carente
de saúde.

Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus pro-
fissionais, mas a toda a gama de oportunidades e lugares que favoreçam a reabilitação
do usuário. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os serviços é a comunidade
e dela fazem parte a família, as associações, os sindicatos, as igrejas, etc. A comunidade
é, portanto, fonte de recursos humanos e materiais, lugar capaz de produzir sentido e
estimular as trocas.
As relações estratégicas mantidas entre o serviço e a comunidade podem ser pautadas
pela negação (a comunidade não existe), pela paranoia (a comunidade são os inimigos
que nos assediam), pela sedução e busca de consenso (a comunidade é tudo aquilo e
somente aquilo que me aceita da forma como sou e me aprova) e pela interação/inte-
gração (a comunidade é uma realidade complexa e exprime interesses contrastantes).
Visto que a família é parte integrante da comunidade, o serviço geralmente usa com a
família as mesmas estratégias utilizadas com a comunidade. Dessa maneira, a família
pode se tornar não só a protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação pro-
postas pelo serviço, mas também uma protagonista conflituosa dessas mesmas estra-
tégias.

Para minorar as dificuldades enfrentadas pela família na convivência com o doente men-
tal, o serviço deve estar apto a:
▹ Reduzir os riscos de recaída do usuário;
▹ Prestar informação clara e precisa sobre a doença (sinais, sintomas, tratamento,
medicação, etc.); ensinar habilidades de manejo e minimização dos sintomas; e
▹ Possibilitar que os familiares sejam capazes de exprimir suas necessidades e sen-
timentos.

Passar de uma abordagem biomédica a uma abordagem psicossocial obriga à adoção


de mudanças importantes:
▹ Na formulação das políticas de saúde mental;
▹ Na formulação e no financiamento de programas de saúde mental;
▹ Na prática cotidiana dos serviços;
▹ No status social dos médicos.

Essa passagem é norteada por uma forte resistência cultural, social e econômica à
transformação da assistência em saúde mental. A abordagem psicossocial acentua o
reconhecimento do papel dos usuários, da família, da comunidade e de outros profissi-
onais de saúde como fontes geradoras de recursos para o tratamento do transtorno
mental e da promoção da saúde mental.
A reabilitação psicossocial deve ser entendida como uma exigência ética, um pro-
cesso de reconstrução, um exercício pleno da cidadania e, também, de plena contratu-
alidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social. Nesse
processo, estão incluídas a valorização das habilidades de cada indivíduo, as práticas
terapêuticas que visam ao exercício da cidadania, a postura dos profissionais, dos usu-
ários, de familiares e da sociedade perante o transtorno mental, as políticas de saúde
mental transformadoras do modelo hegemônico de assistência, a indignação diante das
diretrizes sociais e técnicas que norteiam a exclusão das minorias, dos diferentes. É,
portanto, uma atitude estratégica, uma vontade política, uma modalidade compreensiva,
complexa e delicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade
habituais.
Reabilitação psicossocial não significa substituir uma desabilitação por uma habilita-
ção. Não se trata simplesmente de recuperar habilidades perdidas em consequência da
instauração de um processo de adoecimento psíquico grave.
Trata-se de oferecer ao usuário oportunidades para que ele possa aumentar suas trocas
de recursos materiais e afetivos, em que se estabelece como decisiva a perspectiva da
negociação. Trata-se não de conduzi-lo a determinada meta estabelecida a priori, em
um referencial da normalidade, mas de convida-lo a exercer plenamente aquilo, seja
pouco ou muito, do que seja capaz.
Assim, reabilitar não se reduz a repor mais ou menos bem uma perda e sim trabalhar na
direção da construção de vínculos sociais possíveis. Para alguns usuários, especial-
mente aqueles com alto risco de exclusão social e prejuízo de sua autonomia, pequenas
mudanças podem significar grandes avanços.

Por exemplo, a simples circulação de um usuário psicótico pela cidade, que


antes não saía de seu quarto, pode representar um movimento importante na
construção de novas perspectivas de trocas e de inserção social.

O processo de reabilitação tem muito a ver com a casa, com o lugar que acolhe o indiví-
duo, que atende às suas necessidades materiais e afetivas.

Merece destaque a diferença fundamental entre estar num lugar e habitar um lugar.
▸O estar diz respeito à impessoalidade, à ausência de posse e de poder decisional.
▸O habitar representa um grau de contratualidade elevado em relação à organização
material e simbólica dos espaços e dos objetos, um lugar de afeto.

Não basta, portanto, encontrar uma moradia para o doente mental, mas um lugar de
trocas e de bem-estar. As trocas, contudo, não acontecem somente dentro das casas,
mas também nas ruas, nos mercados, na cidade. A rede social é o lugar onde acontecem
essas trocas, e seu empobrecimento acarreta o empobrecimento dessa rede, tanto de
modo quantitativo quanto qualitativo.
Esse empobrecimento acontece a partir da primeira rede social disponível, que é o nú-
cleo familiar. Geralmente, os serviços intervêm na rede social por intermédio da família,
pois se trata do universo mais definido, não só do ponto de vista de sua definição social
(clara para o usuário, para o profissional e para a própria família), mas também do ponto
de vista das estratégias de coenvolvimento da família. A família é, portanto, o lugar pri-
meiro de qualquer intervenção de reabilitação.
Outro cenário importante para o processo de reabilitação é o trabalho como valor
social. Não o trabalho que apenas entretém o usuário, mas o que gera lucro e insere o
indivíduo socialmente. Em uma sociedade ditada pelo capital, pouco permeável às dife-
renças que existem entre os seres humanos, transformar as relações que existem entre
ela e o portador de transtorno psíquico é um dos grandes desafios a serem enfrentados
pela Reforma da Assistência Psiquiátrica.
Nessa linha, o objetivo da reabilitação não pode ser aquele que faz “com que os fracos
deixem de ser fracos para poderem estar em jogo com os fortes e sim que sejam modi-
ficadas as regras do jogo, de maneira que dele participem fracos e fortes, em trocas
permanentes de competências e de interesses” (SARACENO, 1999, p. 113).
Dessa maneira, a discussão sobre a reabilitação psicossocial do doente mental necessita
não apenas de mudanças na forma de assistência, mas também de transformações de
ordem organizacional e jurídica e, sobretudo, na maneira como percebemos e convive-
mos com a loucura.
A forma como os diversos atores sociais (usuários, familiares, técnicos, estado)
agem faz com que seja reproduzido determinado modo de cuidar. Faz parte da política
nacional de atenção à saúde mental a criação de equipes de apoio matricial. O apoio
matricial ou matriciamento constitui um arranjo organizacional que visa a outorgar su-
porte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de
ações básicas de saúde para a população.
Nesse arranjo, profissionais externos à equipe compartilham alguns casos com a equipe
de saúde local (no caso, as equipes de Saúde da Família de um dado território). Esse
compartilhamento se produz em forma de corresponsabilização que pode se efetivar a
partir de discussões de casos, conjuntas intervenções às famílias e comunidade ou em
atendimentos conjuntos. A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica
do encaminhamento, pois visa a aumentar a capacidade resolutiva de problemas de sa-
úde pela equipe local, estimulando a interdisciplinaridade e a aquisição de novas com-
petências para a atuação em saúde. Em saúde mental, o apoio matricial é geralmente
realizado por profissionais da saúde mental (psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupa-
cionais, enfermeiros a assistentes sociais com formação em saúde mental). Esses pro-
fissionais podem estar ligados a serviços de saúde mental – Centro de Atenção Psicos-
social (CAPS), ambulatórios de saúde mental – ou se dedicarem exclusivamente a essa
atribuição, na forma de equipes volante. Com a implantação, pelo Ministério da Saúde,
de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs), espera-se, no futuro, que parcela sig-
nificativa do matriciamento em saúde mental seja realizada por profissionais de saúde
mental, ligados a esses núcleos.

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Módulo 10

Políticas e Programas de Saúde Mental


Política” agrega o sentido de “politics”, em inglês, que entre outros signifi cados
refere-se a “relações sociais envolvendo autoridade e poder”; e o de “policy”, “um plano
de ação adotado por um indivíduo ou grupo social” (Princeton University, 2011).
Como não temos essa diferenciação em português, por vezes referimo-nos a “luta polí-
tica entre partidos” ou a “aliados políticos no Senado”, utilizando o mesmo termo para
“políticas sociais” ou “estabelecendo uma política de prioridades”. Neste módulo usa-
remos para política de saúde mental, o sentido geral de “filosofia presente no planeja-
mento do sistema de saúde mental”, ou seja, estaremos, no geral, mais próximos da
ideia do termo“policy”.

Políticas de saúde mental


A grande referência no campo de formulação das políticas de saúde mental são
as publicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), cujos textos se baseiam prin-
cipalmente na consulta a experts e nas descrições das experiências de determinados
países membros. Há mais de uma década a área de saúde mental da OMS vem sistema-
tizando uma linha de ação:
▸ O impacto dos problemas de saúde mental na sociedade é imenso;
▸ Existem ações efetivas para prevenir e tratar esses problemas, e se demonstra que
é possível adaptar essas ações a cada realidade econômica;
▸ Apesar disso, há uma imensa lacuna (maior nos países pobres) entre a necessidade
da população e o cuidado oferecido;
▸ Mudanças na política de saúde são necessárias para sanar essa lacuna.

Temos a seguinte definição de política de saúde mental:

Um conjunto organizado de valores, princípios e objetivos para a melhoria da


saúde mental e redução do impacto dos transtornos mentais na população.

A política de saúde define uma visão do futuro e colabora no estabelecimento de um


modelo para a ação. Ela também estabelece o nível de prioridade que o governo dedica
à saúde mental, em relação às demais políticas sociais e de saúde. Uma política de saúde
mental é geralmente formulada para cobrir um longo período (cinco a dez anos).
Para desenvolver o conceito de visão de futuro, podemos recorrer aos objetivos funda-
mentais de um sistema de saúde como um todo:
a) Melhorar a saúde da população;
b) Responder às expectativas da população;
c) Prover proteção financeira para os custos da saúde.

Em outras palavras, não basta que o sistema de saúde de um país ou região seja efetivo
em promover saúde, prevenir e tratar as doenças. Essas ações devem ser realizadas de
maneira compatível com os valores da população e acessível a todos, independente de
seus recursos financeiros. Esse trinômio auxilia a sistematizar um conjunto de valores
que guiarão o sistema de saúde e, nesse ponto, mais do que nunca a participação de
toda a sociedade é desejada, especialmente dos mais envolvidos: os usuários dos servi-
ços de saúde, profissionais de saúde, governantes, empresários do setor e outros.
Como exemplo, uma sociedade pode valorizar em primeiro lugar as liberdades e direitos
individuais, e esse valor levará a princípios de ação dentro do sistema de saúde. Num
outro caso, uma sociedade valoriza mais a segurança coletiva e o controle social de
comportamentos inadequados, priorizando então outros princípios de ação. Uma dada
cultura, em um dado momento histórico, apresenta um conjunto de valores prioritários,
por força da tradição, da ação de grupos de interesse, movimentos sociais etc.
Os princípios da política de saúde mental advêm desse conjunto de valores, que
deveriam ser debatidos e explicitados ao máximo.
Quando uma sociedade não é capaz de pactuar valores e princípios fundamentais para
sua política de saúde, ou temos “princípios no papel”, que revelam declarações “politi-
camente corretas”, mas que não se acredita realmente que serão implementados, ou
temos ações desencontradas, contraditórias entre si.
Um princípio que nasce dos valores de uma sociedade associados à justiça social é o da
equidade. O princípio da equidade ganha cada vez mais destaque no debate brasileiro e
mundial a respeito da organização dos sistemas de saúde, para responder à questão de
como melhorar o acesso e resolubilidade do sistema, para diminuir as imensas dispari-
dades no estado de saúde entre indivíduos, grupos da população e países.

A equidade na saúde pode ser definida como iguais oportunidades para se


alcançar ou manter um estado saudável, iniquidade em saúde sendo as dis-
paridades no risco de adoecer e no acesso ao tratamento, uma vez adoecido,
em decorrência de condições injustas e evitáveis. Não se trata de desejar que
todos nasçam e vivam com a mesma condição de saúde, mas combater dife-
renças injustas e passíveis de solução. Uma vez que as iniquidades estão for-
temente associadas ao status social, as soluções passam por melhores polí-
ticas na área da saúde, mas extrapolam um único setor, devendo ser debati-
das como projeto de sociedade que queremos.

Nas palavras da Comissão Internacional de Determinantes Sociais da Saúde, promovida


pela OMS:
A Comissão adota uma perspectiva holística dos determinantes sociais da sa-
úde. A saúde deficiente dos pobres, a gradação social na saúde dentro dos
países e as desigualdades profundas entre países são provocadas pela distri-
buição desigual de poder, rendimentos, bens e serviços, nas escalas nacionais
e global, a consequente injustiça nas circunstâncias visíveis e imediatas da
população – o seu acesso a cuidados de saúde, escolas e educação, as suas
condições laborais e recreativas, os seus lares, comunidades, vilas e cidades
– e as suas hipóteses de usufruir uma vida próspera. Essa distribuição desi-
gual de experiências potencialmente perigosas para a saúde não constitui, de
modo algum, um fenômeno “natural”, sendo antes o resultado de uma com-
binação tóxica de políticas sociais e programas débeis, estruturas econômi-
cas injustas e política de baixa qualidade. Em conjunto, os determinantes es-
truturais e as condições de vida quotidianas constituem os determinantes so-
ciais da saúde e são responsáveis pela maior parte das desigualdades na sa-
úde dentro e entre países.

Planos e programas de saúde mental


Após explicitarmos os valores e princípios pactuados, devemos desenvolver es-
tratégias para colocá-los em prática. A formulação organizada dessas estratégias é
chamada de plano:

“Uma detalhada elaboração para implementar ações em saúde mental”.

O plano permite a implantação da visão, valores, princípios e objetivos definidos na po-


lítica, organizando as estratégias escolhidas em elementos como atividades a serem de-
senvolvidas, metas a serem atingidas, indicadores, cronogramas e orçamentos.
Os programas são destinados ao enfrentamento de um quadro mais específico, em um
determinado grupo ou situação de saúde (como “programa para promoção de saúde na
terceira idade” por exemplo.

Programa de saúde mental é um conjunto de intervenções focadas em priori-


dades específicas em saúde mental.
Um programa costuma ser estabelecido para um período mais curto e para uma reali-
dade mais local do que os planos de saúde mental (e nesse sentido um plano de saúde
pode articular vários programas específicos).

Estratégias no plano de saúde mental


A elaboração de estratégias para um plano de saúde é um processo complexo,
no qual irão se destacar este ou aquele elemento, de acordo com a formação dos plane-
jadores e grau de participação de diferentes envolvidos.

A Organização Mundial da Saúde enumera dez áreas principais para ação na política de
saúde mental:
1. Organização dos serviços, planejamento e orçamento.
2. Financiamento.
3. Legislação e direitos humanos.
4. Oferta e distribuição de medicamentos.
5. Recursos humanos e treinamento.
6. Sistemas de informação.
7. Melhora da qualidade das intervenções.
8. Defesa dos direitos (advocacy).
9. Avaliação da política e planos de saúde mental.
10. Áreas de especial interesse (infância e adolescência, p. ex.).

Para dar conta dessas áreas de ação, são sugeridas no Relatório Mundial de Saúde da
OMS, de 2001, dez estratégias:
1. Prover tratamento para transtornos mentais integrados aos cuidados primários.
2. Assegurar amplo acesso aos medicamentos psicotrópicos essenciais.
3. Prover cuidados na comunidade.
4. Educar o público.
5. Envolver comunidades, famílias e usuários.
6. Estabelecer políticas, programas e legislação nacionais de saúde mental.
7. Desenvolver recursos humanos.
8. Estabelecer vínculos com outros setores.
9. Monitorizar a saúde mental comunitária.
10. Apoiar pesquisas relevantes.

Não há necessidade de seguir essa divisão à risca, e a realidade local pode trazer mu-
danças à lista, mas o importante é lembrar os envolvidos no planejamento da política
que suas ações devem se dar em várias direções simultaneamente, ou seja, não basta
reorganizar os serviços se não buscarmos financiamento para garantir a sustentação do
sistema, recursos humanos capazes de trabalhar no modelo assistencial empregado,
atentarmos para a questão dos direitos humanos na saúde mental etc., e todas essas
demandas não podem ser geridas isoladamente, mas sim de modo simultâneo e coorde-
nado.

Elaboração de planos e programas de saúde


Não pretendemos trazer uma “receita” pronta e, sim, ilustrar um encadeamento
lógico a ser adaptado a cada realidade e feitio do grupo que elabora o plano de ação em
saúde mental para uma região, cidade, distrito.
Não temos em nossa cultura a tradição de documentar com rigor nossos passos, esta-
belecer compromissos com investimentos, prazos, divisão de tarefas. Em nossa opinião,
o medo de parecer burocrático ou inacessível aos leigos em saúde mental favorece o
descompromisso dos gestores, além da sensação de estar sempre “inventando a roda”,
retomando a discussão sempre do início, ou de um avançar muito frágil, pela presunção
de consensos que não existem. Nosso grande argumento a favor de uma formalização
do planejamento em saúde mental é que esta deve estar a serviço de um debate mais
amplo e aprofundado com todos os envolvidos (usuários de serviços e seus familia-
res/amigos; técnicos de saúde, gestores, envolvidos de outros setores, como a educa-
ção, a justiça, o desenvolvimento social). Para que esse debate avance é necessário
(mas não suficiente...) que os consensos possíveis e os compromissos alcançados este-
jam registrados e acessíveis, sendo constantemente retomados e rediscutidos.

Etapas do plano de saúde mental

1. Exame preliminar da comunidade


Muitas vezes não temos recursos ou não podemos esperar por estudos (quanti ou quali)
de uma comunidade para elaborar nosso plano. Isso não implica sair do zero, ou aban-
donar a elaboração do plano. Na verdade, já temos muita informação disponível, espe-
rando por alguma sistematização. Os números produzidos pelos serviços são um bom
início (e a melhor maneira de demonstrar aos técnicos a importância de registrá-los cor-
retamente é usá-los para tomadas de decisão): número e características demográficas
dos usuários, número de consultas ou outras intervenções por usuário, diagnósticos etc.
O chamado exame preliminar da comunidade também pode conter diversas informa-
ções, recolhidas pelo grupo de trabalho, sem uma preocupação excessiva de rigor nas
fontes dos dados e sistematização da pesquisa:
▸ delimitação geográfica da área de cobertura do plano;
▸ dados sociodemográficos e socioculturais;
▸ principais atividades econômicas;
▸ organização política, lideranças e instituições de interesse presentes;
▸ organização da comunidade, valores, expectativas percebidas, senso comum, con-
cepções de doença e de saúde, itinerários terapêuticos, religiosidade;
▸ principais problemas sociais (desemprego, violência, degradação do meio ambi-
ente, meios de transporte, falta de moradias).

2. Diagnóstico comunitário e da comunidade


O diagnóstico comunitário pode ser definido como um “Processo quantitativo e
contínuo para estabelecer a distribuição e os determinantes do estado de saúde e do-
ença de uma comunidade”.
Trata-se do levantamento das dimensões dos problemas de saúde mental de uma co-
munidade, por meio dos registros dos serviços, estudos epidemiológicos disponíveis ou
realizados especificamente para esse diagnóstico, em que se buscam, além da frequên-
cia dos problemas, sua distribuição (grupos de maior risco), seu impacto e determinan-
tes, que guiarão a planificação.
Paralelamente à busca por dados quantitativos, a contextualização dos problemas pode
ser aprofundada por estudos qualitativos (por vezes diferenciados como “diagnóstico da
comunidade”.
Entrevistas com informantes-chave, grupos focais, observação in loco e pesquisa parti-
cipante, são os métodos mais utilizados.

3. Levantamento dos recursos


No exame preliminar, muitas vezes já estamos abordando recursos (e carências),
principalmente de setores não oficiais e fora da saúde. Nessa etapa, tratamos de expli-
citar os recursos identificados, em especial aqueles em que percebemos parcerias pos-
síveis em nossas estratégias (e aqui vale notar que esse processo de elaboração do
plano não segue uma progressão linear: ao chegarmos à elaboração das estratégias, nos
damos conta de um tipo de recurso não mencionado e voltamos atrás para completar
nosso levantamento, e assim por diante).
Os recursos podem ser nomeados de visíveis (serviços, recursos humanos etc.) e invisí-
veis (a qualificação profissional da equipe, tempo de experiência e de entrosamento;
existência de legislação e normalizações no campo da saúde mental ou setores interre-
lacionados; atitudes da população etc.).
A lista de serviços de saúde deve incluir os governamentais e não governamentais (con-
veniados ao SUS ou não) e, se possível, todos os locais de tratamento alternativo à saúde
oficial. Mesmo aquilo que for considerado uma distorção do sistema (por exemplo, au-
tomedicação nas farmácias) deve ser mencionado se for considerado significativo para
as ações pretendidas.

4. Levantamento de evidências nas ações


Quanto mais o plano consegue, partindo dos valores e princípios estabelecidos
na política, aprofundar ações técnicas, mais interessante será o esforço de justificar com
as evidências encontradas que essas ações são efetivas (ou seja, que funcionam na re-
alidade dos serviços) e eficientes (funcionam com um custo que permite que o máximo
de pessoas possam usufruí-las). Não é uma tarefa fácil, produzir ou adaptar à realidade
local essas evidências, e o debate de quem decide o que é uma evidência razoável per-
manece, mas o esforço de justificarmos nossas ações para a sociedade é um imperativo
ético e um desafio que só faz avançar o debate sobre a política e planos de saúde mental.
Várias metodologias de construção com a comunidade de um plano ou programa de
ação ressaltam a importância de se explicitar quais as teorias que embasam as ações
propostas.

5. Encontros com todos os envolvidos no plano


De posse das informações anteriores, geralmente recolhidas e elaboradas por
um pequeno grupo de trabalho (muitas vezes o coordenador de saúde mental chefia
“uma equipe de um só”), é crucial que se realizem o máximo de conversas possível, com
representantes dos usuários, técnicos de saúde, pesquisadores, coordenadores dos ser-
viços de saúde em geral, outros setores, de preferência por meio de encontros abertos
à participação de todos. Textos prévios a esses encontros ajudam a aprofundar a dis-
cussão e a formação de grupos de trabalho com incumbências específicas organiza a
execução de tarefas. Pode-se também utilizar o treinamento de facilitadores e métodos
de construção coletiva.
Temos várias barreiras para uma participação plena e diversificada: o pequeno número
de organizações de usuários e familiares, a dificuldade de se organizar uma representa-
tividade real dos participantes, a falta de tempo e energia que acomete a todos nós, que
custamos a acreditar que tais encontros serão de fato significativos para mudanças na
política de saúde etc.
A cultura de construir coletivamente a política de saúde é mais que uma exigência legal,
pelas diretrizes do SUS: é a melhor estratégia para que os envolvidos de fato banquem
as ações planejadas.

6. Elaboração do plano de saúde


Chegamos à parte mais importante: a passagem dos princípios e estratégias da
política de saúde mental para as ações do plano. As estratégias fazem a ligação entre
“política” e “plano”, ou seja, na política elegem-se as estratégias para cada uma das
áreas prioritárias, e no plano colocam-se em prática essas estratégias.
A OMS sugere que se descrevam até quatro estratégias para cada área de ação identi-
ficada (como as áreas de ação
Referidas acima). Para cada estratégia deveriam-se registrar metas e indicadores que
serão produzidos para o monitoramento do plano.
O passo seguinte é criar uma planilha com os custos estimados de cada atividade ne-
cessária para cada estratégia; e outra planilha com os responsáveis e prazos esperados
para cada passo dessas ações.

7. Implementação, monitoramento e avaliação


Cada um dos itens citados a seguir mereceria um capítulo à parte, mas neste
espaço nos limitaremos a breves comentários.
Na implementação do plano ou programa, o momento em que este “sai do papel”, vários
pontos merecem atenção:
▸ Divulgação da política de saúde mental;
▸ Geração de suporte político e de financiamento;
▸ Criação de um grupo de implementação;
▸ Estabelecer áreas de demonstração (em especial nos projetos de maior porte, es-
colher áreas-piloto para as mudanças não só permite desenvolver ajustes, como tam-
bém promove a divulgação e treinamento para as mudanças);
▸ Empoderar os cuidadores em saúde mental para a implementação do plano;
▸ Reforçar a coordenação intersetorial e promover interação entre todos os envolvi-
dos.

Uma diferenciação importante a ser lembrada é a de avaliação, como um processo de


obtenção de dados, comparação e emissão de juízo de valor sobre o avaliado; e de mo-
nitoramento, processo contínuo de diagnóstico da situação, por meio de um pequeno
número de indicadores selecionados.
Outros aspectos na formulação de políticas de saúde mental

▸Coordenação de saúde mental


É fundamental a existência de uma equipe responsável pela coordenação das
ações de saúde mental, tanto no sentido de seu planejamento como da execução das
ações, nas diferentes esferas administrativas (federal, estadual e municipal).
Os defensores da total integração da saúde mental ao sistema geral de saúde por vezes
sugerem que essa coordenação, no nível local, pode ser exercida por um único coorde-
nador de várias áreas temáticas (como a saúde da mulher, da infância, da população
indígena, DST-Aids etc.) ou da Atenção Básica. Apesar da integração com outros seto-
res da saúde ser necessária, as características da saúde mental (com legislação, servi-
ços, programas específicos) fazem com que a existência de uma coordenação específica
da saúde mental seja mais benéfica do que prejudicial à integração da saúde mental com
a saúde como um todo.

▸ Financiamento
Não existe um percentual ideal de quanto o sistema de saúde deveria investir na
atenção direta à saúde mental. Países com sistemas de saúde muito desenvolvidos,
como a Inglaterra, gastam em saúde mental 6% de todo o orçamento da saúde.
O Brasil utilizou em 2005, em ações diretas de saúde mental, 2,34% do orçamento federal
para a saúde. É interessante notar que, se não existe um número ideal, frente à realidade
do “cobertor curto” (em que as necessidades de saúde lutam entre si por mais recursos),
uma porcentagem maior de investimentos em saúde mental evidencia o sucesso da po-
lítica de saúde mental em angariar apoios, demonstrar sua importância, garantir, por
meio da legislação e da própria organização dos serviços no sistema, a destinação dos
recursos etc.

▸ A rede de serviços
A modelagem da rede de serviços sempre será o ponto de maior visibilidade den-
tro de um sistema de saúde, para onde se voltam as maiores críticas e apoios, pois é
para a prática diária do atendimento que todos os demais aspectos do plano convergem.
Por outro lado, a existência de uma rede de diferentes tipos de serviços não basta se
nosso planejamento não dá conta de estratégias para a defesa dos direitos do usuário,
formação dos recursos humanos, obtenção de dados dos serviços que permitam moni-
toramento, avaliação das atividades realizadas etc.
Um exemplo da complexidade da organização de um modelo de rede está na convivência
da diretriz de hierarquização dos serviços no SUS e o princípio de trabalho em redes. O
conceito de níveis hierárquicos de atenção dos serviços, com seu clássico desenho da
pirâmide, tem sido muito criticado, seja por pretender impor uma porta de entrada única
ao sistema, seja por estimular, através do sistema tradicional de referência e contrarre-
ferência, a não responsabilização dos profissionais com o paciente.
Devemos, porém, lembrar as razões históricas para a estratégia da hierarquização, em
especial a busca por inverter um modelo de sistema centrado no hospital (na saúde
como um todo), privilegiando o nível de atenção primária como norteador do sistema.
A hierarquização pode colidir, no entanto, em aspectos centrais da busca por um funci-
onamento em rede na saúde:

Redes são estruturas abertas capazes de se expandir-se de forma ilimitada,


integrando novos nós, desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou
seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por
exemplo, valores ou objetivos de desempenho).
Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente di-
nâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio.

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Módulo 11

A Rede de Atenção Psicossocial


A construção da Rede de Atenção Psicossocial apresenta-nos possibilidades e
desafios que devem ser assumidos não só em ações de saúde, mas também no âmbito
de construções coletivas entre o poder público, os trabalhadores e as instâncias de con-
trole social.
A gestão, orientada pelos princípios do Sistema Único de Saúde e pelas diretrizes da
Reforma da Assistência Psiquiátrica, tem como eixo estratégico o CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial) com a meta de oferecer e prestar atendimento clínico ao usuário
com transtorno mental em crise, atenção diária, evitando internações desnecessárias
em hospitais psiquiátricos. Esse dispositivo de atenção tem valor estratégico para a Re-
forma da Assistência Psiquiátrica Brasileira e hoje se configura como espaço central na
assistência ao usuário com transtorno mental em crise.
Outros dispositivos assistenciais se apresentam como eixos complementares para efe-
tivar o cuidado, como, a articulação necessária com as Unidades Básicas de Saúde, os
Centros de Convivência e Grupos de Produção e Geração de Renda, as Residências Te-
rapêuticas, a retaguarda em Hospitais Gerais (noturna/feriados/finais de semana), a im-
plantação do Programa de Volta Para Casa e construção de ações intersetoriais que tem
se revelado como algo de grande valia no fortalecimento dessa rede.

Hoje a rede de Atenção Psicossocial, segundo normas ministeriais, está constituída pe-
los seguintes componentes:
I. Atenção Básica em Saúde;
II. Atenção Psicossocial Especializada;
III. Atenção de Urgência e Emergência;
IV. Atenção Residencial de Caráter Transitório;
V. Atenção Hospitalar;
VI. Estratégias de Desinstitucionalização; e
VII. Reabilitação Psicossocial.

✏ Atenção Básica em Saúde


• Unidade Básica de Saúde
• Núcleo de Apoio a Saúde da Família
• Consultório na Rua
• Apoio aos Serviços do componente
•Atenção Residencial de Caráter Transitório
• Centros de Convivência e Cultura

✏ Atenção Psicossocial Especializada


• Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades : CAPS Geral,
Caps AD (Álcool e Drogas) e CAPSi (Infantil)

✏ Atenção de Urgência e Emergência


• SAMU 192
• Sala de Estabilização
• UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, Uni-
dades Básica de Saúde

✏ Atenção Residencial de Caráter Transitório


• Unidade de Acolhimento
• Serviço de Atenção em Regime Residencial

✏ Atenção Hospitalar
• Enfermaria especializada em Hospital Geral
• Serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes de uso de crack, álcool e ou-
tras drogas

✏ Estratégias de Desinstitucionalização
• Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT)
• Programa de Volta para Casa (PVC)

✏ Reabilitação Psicossocial
• Iniciativas de Geração de Trabalho e Renda
• Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais
Atenção Básica, Instância Coordenadora da Rede de Atenção Psicossocial

Portarias que Instituem a Rede de Atenção Psicossocial

▸Portaria nº 121 de 25/01/2011


Institui a Unidade de Acolhimento para pessoas com necessidades decorrentes do uso
de crack, álcool e outras drogas, no componente de atenção residencial de caráter tran-
sitório RAPS.

▸Portaria nº 122 de 25/01/2011


Dispõe sobre diretrizes e funcionamento das equipes de consultório de rua.

▸Portaria nº 123 de 26/01/2011


Define os critérios de cálculo do número máximo de equipes de Consultório na Rua (eCR)
por Município.
▸Portaria nº 130 de 26/01/2011
Redefine o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24h (CAPS AD III)
e os respectivos incentivos financeiros.

▸Portaria nº 131 de 26/01/2011


Institui incentivo financeiro para apoio ao custeio de Serviço de Atenção em Regime Re-
sidencial, incluídas as Comunidades Terapêuticas, voltados para pessoas com necessi-
dades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito da RAPS.

▸Portaria nº 132 de 26/01/2011


Institui incentivo financeiro de custeio para desenvolvimento do componente de Reabi-
litação Psicossocial da RAPS.

▸Portaria nº 3088 de 23/12/2011


Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno
mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no
âmbito do Sistema Único de Saúde.

▸Portaria nº 3089 de 23/12/2011


Estabelece novo tipo de financiamento dos CAPS.

▸Portaria nº 3090 de 23/12/2011


Estabelece que serviços residenciais terapêuticos (SRT’s), sejam definidos Tipo I e Tipo
II, destina recurso financeiro para incentivo e custeio dos SRT’s.

▸Portaria nº 3099 de 23/12/2011


Estabelece, no âmbito da RAPS, recursos a serem incorporados ao Texto Financeiro
Anual da Assistência Ambulatorial e Hospitalar de média e Alta Complexidade dos Esta-
dos, Distrito Federal e Municípios referentes ao novo tipo de financiamento dos CAPS.

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Módulo 12

O Centro de Atenção Psicossocial - CAPS


O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) surgiu no ano de 1978
e, com ele, veio a luta pelos direitos dos pacientes assim como denúncias sobre a vio-
lência dos manicômios, da mercantilização da loucura e da hegemonia de uma rede pri-
vada de assistência.
Neste período, surge o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS - Profes-
sor Luiz da Rocha Cerqueira) do Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, bem como o
início do processo de intervenção, que ocorreu em 1989, em um hospital psiquiátrico
(Casa de Saúde Anchieta) local de maus-tratos e numerosas mortes de pacientes. A
partir desta intervenção, demonstrou-se possível a construção de uma rede de cuidados
efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Assim, foram implantados, no muni-
cípio de Santos, os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionavam 24 horas;
também foram criadas cooperativas e associações voltadas para auxiliar os familiares
dos usuários a melhor lidar e entender a sua situação.
Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde – formado
pela articulação entre a gestão federal, estadual e municipal, sob o poder de controle
social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”.
A rede de atenção à Saúde Mental brasileira é faz parte do Sistema Único de
Saúde, em uma rede organizada de ações e serviços públicos de saúde, instituído, no
Brasil, pelas Leis Federais 8080/1990 e 8142/90. As Leis, Portarias e Resoluções do Mi-
nistério da Saúde priorizam o atendimento ao portador de transtorno mental em sistema
comunitário
Na década de 1990, passam a entrar em vigor, no país, as primeiras normas fe-
derais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, tudo isso devido à
assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de
Saúde Mental. Ao final deste período, o país tem em funcionamento 208 CAPS, mas,
cerca de 90% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental ainda são des-
tinados aos hospitais psiquiátricos.
Algumas linhas específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Sa-
úde para serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, e novos mecanismos são cria-
dos para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no país
inteiro.
Os Centros de Atenção Psicossocial tem um grande papel na Reforma Psiquiá-
trica, por constituírem a principal estratégia deste processo. Com eles se têm a possibi-
lidade de mostrar que pode existir uma rede substitutiva do hospital psiquiátrico no país.
A Reforma Psiquiátrica consiste no progressivo deslocamento do centro do cui-
dado para fora do hospital, em direção à comunidade, e os CAPS são os dispositivos
estratégicos desse movimento. Os CAPS foram criados, oficialmente, a partir da Portaria
GM 224/92 e regulamentados pela Portaria 336/GM de 19/02/2003, integrando a rede do
SUS. Essa Portaria regulamenta os CAPS como unidades de saúde locais/regionalizadas
que oferecem atendimento e cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a
internação hospitalar”.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde mental, aber-
tos e comunitários do Sistema Único de Saúde (SUS) e foram concebidos como a princi-
pal estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica.
Os CAPS se constituem como lugar de referência e tratamento para pessoas com grave
sofrimento psíquico, cuja severidade e/ou persistência demandem um cuidado inten-
sivo, incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e outras
drogas) e também crianças e adolescentes com sofrimento mental.
Tal cuidado é realizado por equipe multiprofissional com prática interdisciplinar que in-
clui médicos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas, as-
sistentes sociais entre outros profissionais.
Os CAPS devem promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais
que envolvam educação, assistência social, saúde, trabalho, esporte, justiça, habitação,
cultura e lazer, sempre de acordo com projetos Terapêuticos Singulares.
A portaria n.º 336, de 2002, do Gabinete do Ministro da Saúde (Brasil, Ministério
da Saúde, 2004), define o CAPS como “serviço ambulatorial de atenção diária que fun-
cione segundo a lógica do território”. Cada tipo de CAPS tem sua própria característica
quanto à quantidade de profissionais, podendo ampliar as equipes de acordo com a
abrangência do território sob sua responsabilidade e a expansão de suas ações.

Tipo de Unidade CAPS I CAPS II CAPS III


Tamanho da população
do município no qual Entre 20.000 e 70.000 Entre 70.000 e 200.000 Acima de
podem ser criados Habitantes habitantes 200.000 habitantes

De 8 às 18h, em 2 tur- De 8 às 18h, em 2 tur- 24h, sete dias da se-


Horário de funciona- nos, cinco dias úteis da nos, cinco dias úteis da mana
mento semana semana, podendo ha-
ver um terceiro turno
funcionando até às 21h
Máximo de vagas para
cuidado intensivo por 25 45 60
mês, financiadas pelo
SUS
Equipe mínima 1 médico com forma- 1 médico psiquiatra 2 médicos psiquiatras
Médico ção em saúde mental
1 enfermeiro com for- 1 enfermeiro com for-
Enfermeiro 1 enfermeiro mação em saúde men- mação em saúde men-
tal tal
Profissionais de nível
superior: psicólogo, as-
sistente social, tera-
peuta ocupacional, pe- 3 4 5
dagogo ou outro profis-
sional necessário ao
projeto terapêutico
Profissionais de nível
médio: técnico e/ou
auxiliar de enferma- 4 6 8
gem, técnico adminis-
trativo, técnico educa-
cional e artesão

Atendimento no CAPS
Nos CAPS, as pessoas que podem receber atendimento, são aquelas que apre-
sentam intenso sofrimento psíquico, pessoas com transtornos mentais severos ou per-
sistentes, incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e ou-
tras drogas), assim como, as crianças e adolescentes com transtornos mentais.
Para ser atendido em um dos CAPS, é necessário que a pessoa (ou seu familiar
ou cuidador) procure diretamente esse serviço. Também pode ser encaminhado pela
Estratégia de Saúde da Família (ESF) ou por qualquer outro serviço de saúde. O acolhi-
mento é o primeiro passo que deve ser tomado quando o usuário chega à instituição (ser
ouvido em seu sofrimento), compreendendo a situação de forma mais abrangente pos-
sível, iniciando um vínculo terapêutico e de confiança com os profissionais que lá traba-
lham.
Juntamente com a equipe multidisciplinar, é construída uma estratégia terapêu-
tica para cada usuário, pois todo o trabalho desenvolvido na instituição deverá ser rea-
lizado, em um “meio terapêutico”, tanto as sessões individuais ou grupais como a con-
vivência no serviço. Tudo isto é obtido através da construção permanente de um ambi-
ente facilitador, estruturado e acolhedor, abrangendo várias modalidades de trata-
mento.
Após estabelecer o projeto terapêutico individual do usuário, o CAPS disponibiliza três
tipos de atendimento:
▪ Atendimento intensivo: Se trata de uma atenção diária e é oferecido ao indivíduo
que se encontra com grave sofrimento psíquico;
▪ Atendimento semi-intensivo: É destinado ao paciente quando o seu sofrimento e a
desestruturação psíquica já minimizaram, melhorando assim as possibilidades de re-
lacionamento, mas o usuário ainda necessita de acompanhamento direto da equipe
multidisciplinar para se estruturar e recuperar sua autonomia;
▪ Atendimento não-intensivo: É oferecido quando a pessoa não precisa de suporte
contínuo da equipe, podendo ser atendido até três dias durante o mês.

Os CAPS atendem esses usuários suprindo suas necessidades básicas, visando oferecer
às pessoas com transtorno mental um tratamento digno, estruturando-os para que pos-
sam agir sobre o mundo, através de uma equipe de profissionais, com acompanhamento
diário, e onde possam, ao final de cada dia, voltar para seus lares e estar em contato
com suas famílias.

Fases no Desenvolvimento do CAPS


1) 1987 – 1991: Período em que os serviços implantados tinham caráter experimental.
Essas experiências eram fortemente ligadas a iniciativas políticas sensibilizadas por
referenciais da reforma psiquiátrica.

2) 1991 – 2002: Nesse período existiam já formas de repasse financeiro às secretarias


que optassem por implantar serviços de tratamento psiquiátrico alternativos aos hos-
pitais como os CAPS, NAPS e hospitais-dias.

3) 2002 - dias atuais:Nesse período, o formato dos CAPS, seus procedimentos, equipe
e papel social estavam consolidados, assim como as formas de incentivo financeiros
para implantação e manutenção.

Objetivos do CAPS
▪ Oferecer atendimento/acompanhamento clínico em regime de atenção diária;
▪ Promover a inserção social pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários;
▪ Organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios.
Função do CAPS
▪ Prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações
em hospitais psiquiátricos;
▪ Acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, pro-
curando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território;
▪ Promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações
intersetoriais;
▪ Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de
atuação;
▪ Dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica;
▪ Organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios;
▪ Articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado
território;
▪ Promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exer-
cício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

Estes serviços devem ser substitutivos e não complementares ao hospital psiquiátrico.


De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o
usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento.
Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em
busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com
o sujeito e a singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana.

Classificação do CAPS
Os CAPS se diferenciam pelo porte, capacidade de atendimento e usuários aten-
didos. Estes serviços diferenciam-se como CAPSI, CAPSII, CAPSIII, CAPSi e CAPSad.
Os CAPS I são os centros de menor porte, existentes em municípios entre 20.000
e 50.000 habitantes. Estes se utilizam de uma equipe mínima de nove profissionais; têm
como usuários adultos com transtornos mentais severos e persistentes.
Os CAPS II são os centros de médio porte e atendem a municípios com uma po-
pulação com mais de 50.000 habitantes. Os usuários deste centro são os adultos com
transtornos mentais severos e persistentes e contam com uma equipe mínima de 12
profissionais.
O CAPS II pode, por sua vez, ser dirigido para o atendimento de adultos em geral ou para
populações específicas, como infância e adolescência (CAPS i) ou para problemas liga-
dos ao uso de álcool e outras drogas (CAPS ad).
Os CAPS III são os serviços de maior porte da rede CAPS. São capazes de dar
cobertura aos municípios com mais de 200.000 habitantes. Os serviços disponibilizados
são de grande complexidade, uma vez que funcionam 24 horas em todos os dias da se-
mana, inclusive feriados. Com no máximo cinco leitos realiza acolhimento noturno
quando necessário (internações curtas, de algumas horas a no máximo sete dias). Dis-
põe de, no mínimo, 16 profissionais (nível médio e superior), além da equipe noturna e
de final de semana, e têm capacidade de atender cerca de 450 pessoas por mês.
A partir de março de 2012, também o CAPS III pode ser especializado em problemas
ligados ao uso de álcool e outras drogas, sendo chamado CAPS ad III.
Os CAPSi são centros especializados em atendimentos de crianças e adolescen-
tes com transtornos mentais. São instituições, geralmente necessárias, para dar res-
posta à demanda em Saúde Mental em territórios com mais de 200.000 habitantes. Fun-
cionam durante os cinco dias úteis da semana, e têm suporte para acompanhar cerca
de 180 crianças e adolescentes por mês. A equipe mínima para estas instituições é de
11 profissionais de nível médio e superior.
Os CAPSad são especializados em atender pessoas que fazem uso prejudicial de
álcool e outras drogas e atendem cidades com mais de 200.000 habitantes, assim como
municípios de fronteira (rota de tráfico) ou cenários epidemiológicos importantes. Sua
equipe mínima é de 13 profissionais.
As três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em
saúde mental, devendo estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento
de pacientes com transtornos mentais graves e persistentes.
As diferenças entre as três modalidades estão no seu horário de funcionamento e tama-
nho da equipe, além de se presumir que, nos municípios menores, as demandas deve-
riam ser menos complexas.
O caráter aberto e polivalente dos CAPS pode suprir grande parte das diversas e sempre
crescentes demandas da saúde mental, sem que sejam necessários outros serviços mais
específicos: os CAPS devem atender urgências, acompanhar os pacientes mais graves,
oferecer oficinas de oferta de trabalho, orientar a Atenção Básica, controlar medicações
psicotrópicas de alto custo, realizar atividades culturais e educativas para a comuni-
dade, entre tantas outras funções.
O CAPS III
O grande diferencial dos CAPS III está em possuir uma estrutura capaz de ofere-
cer um “acolhimento” durante as noites e finais de semana. Essa albergagem em mo-
mentos de crise é por vezes referida como “hospitalidade”, para indicar uma disponibi-
lidade mais integral da instituição de se adaptar à necessidade de seu usuário, que even-
tualmente necessite sair do ambiente em que vive (como a casa da família, pensão ou a
situação de rua) por alguns dias (até sete dias corridos ou dez dias no mês), permane-
cendo num ambiente conhecido e acolhedor, evitando-se assim o conhecido périplo de
confronto com a família, passar no pronto-socorro (e lá ficar mais agitado) e, por estar
agitado, ser internado (e na internação, ficar mais assustado, agressivo etc.) e perma-
necer internado por um longo período.
O modelo dos CAPS III é hoje colocado como um ideal a ser atingido pelos muni-
cípios de médio e grande porte, mas necessita ser mais debatido nas várias questões
que têm sido levantadas sobre seu funcionamento:
▪ O CAPS III não pode ser considerado uma retaguarda da urgência psiquiátrica ou,
pior, ser considerado uma unidade de urgências psiquiátrica, pela ausência de toda a
estrutura que essas urgências devem ter, para salvaguardar a vida da pessoa aten-
dida. Todos os municípios que implantaram o modelo de CAPS III de que temos notícia
possuem prontos-socorros de psiquiatria e disponibilidade de transporte por ambu-
lâncias para garantir cobertura aos CAPS III.

▪ Pelo princípio da equidade do SUS, um indivíduo que necessita do atendimento no


CAPS III não poderia ser excluído deste, por não morar em município ou região que
não possui o CAPS III. No entanto, toda a premissa para funcionamento dos CAPS
passa por uma referência contínua, que só pode ser organizada sobre um território
delimitado. É frequente as pessoas chegarem ao CAPS III em crise e serem encami-
nhadas para o pronto-socorro, seja por não morarem na região de cobertura do CAPS
III, seja por não estarem já em acompanhamento no serviço.

▪ Pela portaria n.º 336, os recursos humanos mínimos para o funcionamento no plan-
tão da noite são “3 técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro
do serviço; 1 profissional de nível médio da área de apoio”. O dilema que se coloca é
que se aumentarmos essa equipe mínima para dar conta mesmo de um pequeno nú-
mero de usuários em crise, o modelo pode encontrar maior resistência em ser custe-
ado pelo município. Caso contrário, temos um grande risco para os usuários e enorme
desgaste para a equipe de plantão, a não ser que adotemos a estratégia de albergar
apenas usuários em crise moderada, que lá passarão a noite e finais de semana, mais
pelo suporte social (um albergue diferenciado) oferecido, e todos os demais casos
sejam encaminhados para o PS.
Descrevendo o CAPS
Como vimos, o CAPS é um modelo de serviço em constante evolução, do qual se
espera uma imensa gama de ações, frequentemente com limites pouco precisos em sua
definição. A seguir falaremos de questões trazidas pelo anseio do CAPS “funcionar no
território” e ao mesmo tempo as demandas por um ambiente terapêutico mais especí-
fico.

Acolhimento
No Brasil, o termo acolhimento ganhou força a partir do Programa Humaniza SUS, do
Ministério da Saúde, que em uma de suas cartilhas coloca:

O acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura ética, não


pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo, implica compartilha-
mento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias e invenções.
Desse modo é que o diferenciamos de triagem, pois ele não se constitui como
uma etapa do processo, mas como ação que deve ocorrer em todos os locais
e momentos do serviço de saúde.

A ênfase do Programa na ideia de acolhimento visa corrigir distorções nos serviços de


saúde, onde os pedidos de ajuda com frequência são ouvidos como que numa triagem:
o profissional ouve já pensando “é comigo ou não?”, e com isso se predispõe a encami-
nhar a demanda para outra pessoa ou lugar.
Pedir que todos os trabalhadores da saúde acolham quem está pedindo alguma ajuda é
dizer: “pode ser que resolver esse problema não seja sua tarefa ou esteja em sua com-
petência, mas todos podem ouvir, procurar entender melhor o que é pedido e ajudar”.
Cabe comentar, no entanto, que a ênfase nessa mudança cultural criou um efeito cola-
teral: para muitos o termo triagem se tornou pejorativo, algo como “se tudo é acolhido,
nada precisa ser triado”.
Dependendo de como funciona um serviço com um excelente acolhimento das deman-
das internas e extremas, ainda assim pode precisar de um processo de avaliação e en-
trada na casa, ou encaminhamento para a rede, nomeado de triagem, e esta não vai
contra a filosofia do acolhimento.

Ambiência
Chamamos de ambiência no CAPS todo o ambiente terapêutico criado pela convivência
entre usuários e técnicos, que extrapola o espaço das atividades organizadas.
Não existem regras para estruturar essa ambiência, mas podemos encontrar formas de
estimulá-la na instituição.
▪ O ambiente da instituição deve propiciar uma experiência emocional reparadora, ou
seja, um espaço de experimentação novo para o usuário, diferente daquele que cons-
tituiu enquanto “ser”, uma sociedade que o exclui e não o acolhe.

▪ Se os profissionais de saúde têm todo o seu tempo de trabalho ocupado por uma
grade de atendimentos (grupos, consultas, visitas etc.) e reuniões, a possibilidade de
estarem na ambiência se torna episódica e superficial, quando não impossível. Além
disso, é uma queixa frequente nos CAPS que a disponibilidade dos técnicos para per-
manecer na ambiência é muito desigual. Escalas de acolhimento tentam favorecer
que os técnicos do CAPS dividam a semana para que todos tenham um período mí-
nimo no qual não agendam atividades e praticam uma busca ativa pelas demandas
da ambiência.

▪ Existem espaços e momentos estratégicos no CAPS: as refeições, por exemplo, são


um desses momentos que a instituição deveria aproveitar, pela interação intensa en-
tre usuários e o surgimento de várias questões na convivência diária. O horário da
chegada ao CAPS e a tomada de medicação no CAPS são outro exemplos.

▪ O ambiente se define também pelo que se considera que se pode e o que não se
pode fazer no CAPS: as “regras da casa” nos dizem como o conjunto usuários e téc-
nicos conseguiram lidar com questões como a necessidade de fumar, tomar café,
deitar-se para dormir num sofá ou no chão, entrar e sair das atividades, permitir que
os outros possam conversar ou se concentrar em alguma tarefa, a limpeza da casa,
entre tantas outras pequenas e grandes questões cotidianas. Tudo é permitido? Nada
é permitido?

Tudo depende e será discutido a cada instante? A maneira de lidarmos com as con-
tradições da convivência marcará as estratégias terapêuticas do serviço.

▪ Quando falamos dos usuários do CAPS, devemos lembrar que não estamos numa
comunidade terapêutica, onde o grupo que se constitui ao longo de inúmeras conver-
sas e convivências é relativamente estável. No CAPS diariamente temos pessoas no-
vas (frequentemente em crise) entrando e outras saindo. Se a casa não busca cons-
tituir uma cultura institucional com regras simples e bem conhecidas do grupo, há
muita dificuldade de organizar a convivência, partindo-se cada dia do zero. Os exem-
plos surgem em todas as frentes: pintar a parede pode? E pintar em cima da obra de
outro usuário? O limite sempre estará presente, negá-lo não faz a instituição mais
libertária, e sim infantilizante.

▪ As ações na ambiência estão no centro do projeto terapêutico de determinados usu-


ários e devem ser valorizadas e bem indicadas. O técnico na ambiência deve ter con-
dições de realizá-las e os usuários do CAPS devem encontrar facilitações para sua
convivência. Por outro lado, o cuidado intensivo (e, portanto, a estratégia de passar
o dia todo nessa ambiência) deve ser criteriosamente indicado. É preciso sempre es-
tar atento para que o projeto não “se acomode”, num esquema de atenção na ambi-
ência em que o usuário se cronifica. Passar o dia inteiro entre o jardim, a sala de TV
ou música, ou cochilando pelos sofás pode estar muito aquém do que o indivíduo
poderia fazer, e devemos incluir nessa constante redefinição do contrato terapêutico
suas atividades fora do CAPS.

Atividades
A Figura abaixo procura articular as diferentes ações desenvolvidas pelo CAPS: todas
as atividades (indicadas para determinada pessoa em seu projeto terapêutico, abertas a
todos do CAPS, ou ainda ações para acolher necessidades não planejadas), ocorrem
dentro e fora do CAPS, e não são apenas ações da equipe técnica, mas também dos
usuários, familiares, parceiros na rede de saúde outros setores etc.

Para mencionar esses outros setores, a 4.ª Conferência de Saúde Mental, que teve como
tema a intersetorialidade, nos auxilia em sua divisão de tópicos, para o planejamento de
ações intersetoriais:
1. Trabalho, geração de renda e economia solidária
2. Cultura e diversidade cultural
3. Justiça e sistema de garantia de direitos
4. Educação, inclusão e cidadania
5. Seguridade Social: previdência, assistência social e saúde
6. Comunicação, Informação e Relação com a Mídia
Estrutura da Unidade
▹ A unidade deve ser bem sinalizada com os fluxos de atendimento bem definidos
para a população, assim como o território de abrangência;
▹ O mapa com a área de abrangência do CAPS deve ficar exposto em local visível na
unidade;
▹ A unidade deve manter seu horário de funcionamento divulgado em local visível,
assim como o horário das atividades, da composição da equipe técnica, dos dias e
horários dos profissionais.

“É vedada a colocação de cartazes sobre o funcionamento na parte externa da unidade”.

Na sala dos profissionais, deve haver quadro com identificação dos usuários internados
e com o respectivo técnico de referência, além da informação mensal de usuários aten-
didos (número de casos novos, número de usuários em situação de intensivos, semi e
não intensivos de cuidado).
Prioritariamente os CAPS devem ter, pelo menos, um funcionário de referência por turno
de funcionamento para realizar o atendimento de recepção e acolhimento de primeira
vez.
As unidades devem dispor de salas para atendimentos individuais, em grupos, sala de
armazenamento e fornecimento da medicação, além de espaços de convivência.
Os CAPS devem contar com transporte para atividades externas (incluindo outros mu-
nicípios), que pode também ser utilizado para transporte de usuários.
Os CAPS devem possuir estrutura e equipamentos necessários para realização de fatu-
ramento e produção de informações relevantes.
Os CAPS devem possuir infra estrutura material para realização de atividades terapêu-
ticas.
Os CAPS devem contar com refeição em diferentes turnos como parte do projeto tera-
pêutico dos usuários.

Comissões e Regimentos
Todos os CAPS devem possuir:
▹ Regimento interno da unidade, incluindo projeto institucional;
▹ Comissão de revisão de prontuários;
▹ Cargo de direção da unidade;
▹ Cargo de coordenação técnica;
▹ Cargo de chefia de gestão administrativa;
▹ Responsável técnico médico (devidamente registrado no CREMERJ);
▹ Supervisor clinico-institucional.

Acolhimento
A assistência à saúde centrada na pessoa e o atendimento humanizado deve in-
cluir ações de acolhimento nas unidades. O acolhimento deve iniciar na recepção, que é
a porta de entrada da unidade. Esta proposta visa a desconstrução da demanda de me-
dicalização e de internação como respostas prioritárias para o sofrimento psíquico.
Os CAPS devem organizar o trabalho equacionando a oferta de atendimento por de-
manda programada (aqueles atendimentos previamente agendados) e demanda espon-
tânea (atendimentos de urgência, atendimentos sem agendamento prévio ou atendi-
mentos de primeira vez).
O acolhimento para demanda espontânea deve ser organizado de modo que sempre te-
nha algum profissional técnico (nível superior ou médio) disponível para esta ação.

Assistência Farmacêutica
Os CAPS devem apresentar um plano de uso racional de medicamentos que deve
estar de acordo com o regimento interno da unidade e com as diretrizes municipal e
nacional de uso racional.
Todos os CAPS devem dispensar e armazenar os medicamentos em local próprio e ade-
quado.
Fica vedada a visitação de representantes de laboratórios farmacêuticos bem como a
distribuição de medicamentos de “amostra-grátis”. Fica vedado ainda o recebimento de
brindes ou benefícios de representantes de qualquer empresa.
A dispensação deve ser realizada por profissional com treinamento para tal, preferenci-
almente técnico/oficial de farmácia. Na falta deste, um funcionário do CAPS deve ser
treinado para realizar esta função.
Toda a relação de medicamentos, ligados à saúde mental disposta no REMUME (Relação
Municipal de Medicamentos) deve ser dispensada nos CAPS.
Todo CAPS deve ter receituário azul e especial disponíveis. A organização do fluxo de
distribuição da medicação nas unidades deve ser feita em conjunto com a assistência
farmacêutica da CAP, tendo um farmacêutico responsável orientando sobre o devido
controle e armazenamento da medicação.
A validade da receita deve ser determinada pelo médico, indicando a periodicidade para
dispensação (mensal, quinzenal ou semanal).
Consulta aos Usuários pelos Profissionais em Saúde Mental
A assistência à saúde centrada na pessoa deve incluir ações de várias categorias
profissionais da saúde, de acordo com as Leis e Portarias do Ministério da Saúde, prio-
rizando o trabalho interdisciplinar.
O Médico e o Enfermeiro devem solicitar, caso necessário, exames complementares,
seguindo os protocolos clínicos que especifiquem essas ações e/ou normativas técnicas
ou decretos que regulamentem tais procedimentos.
Todos os CAPS devem ter a senha do SISREG, com possibilidade de acesso para agen-
damento de todas as clínicas.

Atendimento às Emergências
Os CAPS não são unidades de emergência, porém devem acolher a todas as si-
tuações de crise dos usuários em acompanhamento no serviço.
Os CAPS devem manejar estas situações de crise, e somente após todos os recursos
possíveis terem sido utilizados, encaminhar para o serviço de emergência ou internação,
preferencialmente em leitos de hospital geral, e acolhimento em CAPS III (seguindo a
territorialização).

Segundo a lei 10.2016, de 06 de abril de 2001:


Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a
pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Em relação às situações envolvendo uso de Álcool e Drogas, os casos graves de abs-
tinência e intoxicação devem ser encaminhados para as emergências clinicas dos
hospitais gerais ou UPAs.

Procedimentos em situação de emergência:

Os CAPS deve pedir diretamente a ambulância.

Usuário na unidade:
▹ Em agitação psicomotora – Direção ou Coordenação Técnica deverá ligar para
Central de Ambulâncias da prefeitura e para o Corpo de Bombeiros, unidade pró-
xima ao serviço, solicitando ABS (Auto Busca e Salvamento), caso necessário.
▹ Sem agitação psicomotora – Direção ou Coordenação Técnica deverá ligar para
Central de Ambulâncias da prefeitura.

Usuário em residência ou em via pública:


▹ Em agitação psicomotora – Familiares ou vizinhos deverão ligar para SAMU.
▹ Sem agitação psicomotora – Familiares ou vizinhos deverão ligar para SAMU.
▹ Antes de chamar a ambulância, o CAPS deve ligar para a emergência referente à
sua região e pactuar a internação.
▹ Preferencialmente, o usuário deve ir de ambulância, acompanhado por um profis-
sional do CAPS. Caso não seja possível, um familiar deve acompanhar. Em qualquer
destas situações o CAPS deve enviar um pequeno relato informando a necessidade
clínica da internação e as medicações em uso e ou administradas no dia da remo-
ção.
▹ Caso o CAPS avalie a necessidade de medicar o usuário no serviço antes da remo-
ção, deverá constar no relato enviado o que foi prescrito e administrado.

Os usuários que permanecem um turno de quatro horas nos CAPS devem receber uma
refeição diária; os assistidos em dois períodos (oito horas), duas refeições diárias; e os
que estão em acolhimento noturno nos CAPS III e permanecem durante 24 horas contí-
nuas devem receber quatro refeições diárias. A frequência dos usuários nos CAPS de-
penderá de seu projeto terapêutico. É necessário haver flexibilidade, podendo variar de
cinco vezes por semana com oito horas por dia a, pelo menos, três vezes por mês.

Situações Judiciais
No caso do recebimento de demandas judiciais, o CAPS deve avaliar o pedido, verifi-
cando se corresponde a sua área de abrangência, e proceder à avaliação, com posterior
relatório informando sua análise da situação e conduta à CAP correspondente.
▹ Os CAPS não realizam perícia, somente fornecem laudos a usuários matriculados e
em acompanhamento no serviço, devendo ser solicitado pelo próprio ou represen-
tante legal, com prazo mínimo de 15 dias.

Produção e Faturamento
Os CAPS habilitados pelo Ministério da Saúde deverão apresentar a produção
através do RAAS (Registro das Ações Ambulatoriais de Saúde), além de BPA-C e BPA-
I, que podem ser utilizados no sistema GIL (Gerenciamento de Informações Locais), e
entregues sempre até o segundo dia útil de cada mês a respectiva CAP, que depois irá
enviar para a SURCA – SMSDC.
Os CAPS ainda não habilitados pelo Ministério da Saúde devem apresentar sua produ-
ção através de BPA (Boletim de Pronto Atendimento), utilizando o sistema GIL (Geren-
ciamento de Informações Locais), entregando o faturamento a sua CAP até o segundo
dia útil de cada mês a SURCA – SMSDC (utilizar o filezilla para enviar a produção).

Intensidade no Acompanhamento
A partir da portaria n.º 3.089, de 23 de dezembro de 2011, o repasse financeiro
do nível federal para os municípios, que se tornaram fixos por tipo de CAPS (e com a
portaria n.º 854, de agosto de 2012) o registro das ações passa das Autorizações para
Procedimento de Alto Custo para os RAAS.
Ainda assim, parece útil uma classificação da intensidade no acompanhamento, visando
casar a “intensidade” com um planejamento para atender a perfis de uso dos recursos
oferecidos, de acordo com o projeto terapêutico individual:
▸Não intensivo (consultas e/ou sessões psicoterápicas): A pessoa vem para o CAPS
apenas para essas intervenções. A convivência diária dentro do CAPS não é reco-
mendada, ao contrário, procura-se estimular/manter a integração em atividades na
comunidade (trabalho, estudo etc.).

▸Semi-intensivo: Além do descrito no item anterior, somam-se atividades que exi-


gem mais tempo com a equipe do CAPS (pode-se necessitar das refeições nos dias
com mais de uma atividade) oficinas e outras atividades dirigidas.

▸ Intensivo: Além do descrito nos itens anteriores soma-se o ambiente terapêutico.


O projeto terapêutico identifica grande benefício na convivência diária com técnicos
e outros pacientes, ou necessidade de um ambiente protegido.

Essas divisões são muito dinâmicas e atreladas ao projeto terapêutico, e ajudam a dar
maior clareza à indicação de cada recurso do CAPS (passar o dia na ambiência, frequen-
tar uma oficina de geração de renda etc.), para cada momento do cuidado.

Estudos do Modelo CAPS


Apesar de crescente, a produção científica sobre os CAPS ainda é incipiente no
Brasil. Dada a importância do tema, a preocupação recai sobre quais as questões levan-
tadas nos estudos sobre os CAPS.
O modelo CAPS reúne características de financiamento, de operacionalidade, referenci-
ais teóricos e critérios de bom desempenho que viabilizam sua implantação e funciona-
mento na maior parte do território nacional. A instituição, no entanto, é, de forma geral,
estudada a partir de referenciais ligados à construção do modelo.
Estes referenciais possibilitam que os CAPS sejam avaliados, isto é, estuda-
dos no cumprimento de metas, no desempenho dos pressupostos da reforma
ou quanto à sua articulação dentro dos sistemas de saúde. Assim, o referen-
cial de análise institucional é a própria reforma psiquiátrica, o que torna a
maior parte dos estudos de dentro do movimento para dentro do movimento,
num diálogo interno.

Citamos, como indicações para leitura, exemplos de diferentes abordagens para o es-
tudo do funcionamento dos CAPS:
1. Pesquisas de satisfação do usuário: Pitta et al. (1995); Kantorski et al. (2009).

2. Estudos quantitativos, com avaliação da estrutura e processos internos: Nasci-


mento (2009); Andreolli (2004); Cavalcanti (2009).

3. Estudos qualitativos: Nunes et al. (2008); Dias (2007); Koda & Fernandes (2007);
Onocko-Campos et al. (2009).

Podemos mencionar também avaliações oficiais dos CAPS:


▪ “Avaliar CAPS”: avaliação periódica do Ministério da Saúde (não publicado).

▪ Avaliação da Secretaria Estadual de Saúde de SP (2006) dos CAPS e ambulatórios


de saúde mental do Estado, exceto capital (não publicado).

▪ “Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de São Paulo” realizada


pelo Cremesp (2010). Esta última com um caráter essencialmente normativo: um
questionário dirigido ao responsável pela coordenação do CAPS foi elaborado a partir
da portaria n.º 336, de 2002, do Gabinete do Ministro da Saúde, e aplicado pelo grupo
responsável pela fiscalização de serviços do Cremesp.

Ambiente terapêutico e território


Existem três modelos de trabalho que coexistem na mesma instituição:

▪ Modelo biomédico humanizado: Nele estariam presentes uma ênfase na psicopato-


logia, um cuidado assistencialista e, por vezes, tutelar, uma postura pedagógica, as-
sumindo como principal característica a influência sobre uma mudança de compor-
tamentos, com o objetivo de torná-los compatíveis com a reinserção social. Verifi-
cam-se ações bem intencionadas, mas, na maior parte, normalizadoras e pouco crí-
ticas.
▪ Modelo psicossocial com ênfase na instituição: Trata-se de um grupo mais centrado
em uma concepção psicossocial do cuidado e em um fazer institucional pouco orien-
tado para as práticas territoriais.

▪ Modelo psicossocial com ênfase no território: O grupo dos profissionais mais influ-
enciados por um modelo territorializado, que valoriza sobremaneira os aspectos so-
ciais do adoecimento, daí não conceberem um cuidado em saúde mental desvincu-
lado do trabalho com as esferas familiar e comunitária, e muito preocupados com a
esfera político-jurídica do mesmo.

A discussão que colocamos é a de como construir um serviço que de fato dialogue com
as pessoas que o procuram e a sociedade para além de nossos paradigmas?
Dois indivíduos chegam ao CAPS, trazidos por apresentarem um quadro psicótico e, in-
dependente disso, um se vê à margem dos valores e posturas convencionais da socie-
dade e procura manter essa posição; o outro almeja mais do que tudo uma vida “nor-
mal”, casar, ter filhos, ser bem aceito pelas pessoas que o rodeiam. Qual dos dois está
errado e precisa ser “corrigido”? Qual discurso (e projeto terapêutico) preconcebido é o
correto?
A sociedade é opressora, vamos fazer um filme demonstrando que suas alucinações são
uma forma de protesto” ou “a medicação está aí para ajudá-lo, você tem que tomá-la
para controlar essas vozes em sua cabeça, e você poder voltar a trabalhar. O que fará
sentido para um, será uma imposição para o outro, e a prática diária do CAPS se faz
através da busca do sentido pessoal para as ações do CAPS.
O “estar no território”, colocado como panaceia para essa complexa construção, corre
o risco de se tornar um discurso vazio, e para ilustrar nossos limites e contradições basta
pensar no microcosmos social que é a família. Muitas vezes é dito que a família deve ser
parceira no tratamento, mas e nos casos em que a relação familiar está tão deteriorada
que não conseguimos um acordo para superação dos problemas?
Frequentemente o CAPS adota a postura de validar o lugar do “louco”, constantemente
atacado, controlado ou rejeitado por seus familiares. Cria-se então um “espaço de re-
sistência”, onde o indivíduo ainda mora e depende de sua família, mas com a permanên-
cia durante o dia no CAPS, com as visitas domiciliares e conversas (nesses casos, fre-
quentemente tensas) com os familiares, reduz-se a área de atrito e, ao mesmo tempo,
torna-se claro para os familiares que eles têm que respeitar os direitos de seu parente
em tratamento (se o levarem ao pronto-socorro para uma internação, não terão apoio
da equipe, por exemplo). Tentando expandir essa estrutura para a comunidade como um
todo, podemos dizer que o CAPS se transforma muito facilmente nesse local de resis-
tência, onde o “louco” pode ser e fazer o que, fora do CAPS, será rejeitado e invalidado
por grande parte da população. Servimos de mediadores, reduzindo conflitos e empres-
tando nosso poder contratual, permitindo a circulação de nossos usuários em espaços
onde normalmente não seriam aceitos ou, por conta de um autoestigma, não se autori-
zam a entrar.
Mas, se esse é o caso, devemos ter mais clareza de que não estamos integrados a uma
comunidade amorosa e desejosa de participar na atenção aos nossos usuários, e sim
num ambiente difícil, no qual avançamos entre pequenas conquistas e recuos.
Tudo isso para afirmar que o CAPS está longe de “dissolver-se” no território”, por mais
importantes que as parcerias e ações “extramuros” sejam, o CAPS precisa ser também
uma referência de local protegido e acolhedor, e aproveitar ao máximo esse espaço para
ações terapêuticas potentes e criativas.

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Módulo 13

CAPS - Análise Institucional


A compreensão da prática do Serviço Social em Saúde Mental exige uma análise
institucional, no entanto não estamos analisando a instituição, mas sim a prática do Ser-
viço Social nela.
Os aspectos citados neste módulo são
abordados ao longo da apostila. Anote-
Nesse aspecto consideramos: os no verso da folha e durante o estudo
faça os apontamentos necessários!
▪ Data da fundação;
▪ Proposta da instituição;
▪ Como é mantida;
▪ Se está inserida no Movimento da Reforma Psiquiátrica;
▪ Se as práticas são interdisciplinares;
▪ Quais as demandas relacionadas à prática desenvolvida pela Assistente Social e
quantos aos usuários.

Em geral, o caps conta com uma equipe composta por psicólogos, assistentes sociais,
psiquiatras, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, técnicos em enfermagem, recepcio-
nistas, auxiliares de serviços gerais, motoristas e agentes administrativos.
A instituição é mantida por recursos financeiros do governo federal e municipal, e fun-
ciona de segunda a sexta, das 08h às 17h, onde ao final do expediente o paciente retorna
ao contexto sociofamiliar.
A proposta da instituição é acolher o usuário com transtornos mentais, e estimular sua
integração social e familiar, apoia-los em suas iniciativas de busca de autonomia, ofere-
cer-lhes atendimento merecido e psicológico, constituindo-se como instrumento estra-
tégico de Reforma Psiquiatra.

Os usuários inseridos na instituição são divididos em três modalidades:


▪ Intensivos: Frequentam todos os dias;
▪ Semi-intensivos: Frequentam de 2 a 3 vezes por semana;
▪ Não-intensivos: Frequentam apenas no dia da consulta.

O CAPS atende homens e mulheres caracterizando-se em um estabelecimento misto e


configura-se como um novo modelo de atendimento à população de sua área de abran-
gência, realizando acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo
acesso ao trabalho, lazer exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares
e comunitários. Isso se deve ao trabalho conjunto da equipe interdisciplinar onde o Ser-
viço Social também encontra-se incluído junto com outros saberes vem proporcionando
melhorias de vida para os usuários, sendo assim a prática do assistente social tem sido
muito importante principalmente no que se refere ao desenvolvimento de atividades com
os usuários que entendemos como possibilitadoras de uma apropriação das relações
sociais.

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Módulo 14

Integralidade do Atendimento
O conceito de integralidade, assim como o conceito de intersetorialidade (abor-
dado no módulo seguinte) surgem no cenário das políticas sociais através da política de
saúde, sendo difundidos às demais posteriormente.
Na saúde mental, a integralidade do cuidado é um princípio ético e político que implica
organizar e efetivar o atendimento e os serviços de forma que o usuário seja atendido
na sua integralidade, buscando superar a fragmentação no atendimento, tendo em vista
a concepção ampliada de saúde e todos os fatores que causam o adoecimento.
Segundo Mattos (2001, p. 41):

A integralidade não é apenas uma diretriz do SUS definida constitucional-


mente. Ela é uma bandeira de luta, pois a proposta da integralidade é uma
ruptura com estruturas organizadas dos serviços de saúde (centralidade no
saber biomédico) e com as práticas fragmentárias e reducionistas.

Através desta ruptura das estruturas organizadas, como afirma Mattos, ocorre
o fortalecimento efetivo do atendimento, descentraliza-se a figura do médico, e criam-
se mecanismos que possibilitem a atuação interdisciplinar. E como consequência ações
de prevenção, promoção e reabilitação, e não somente ações de tratamento, tanto no
âmbito individual, quanto no coletivo.
A integralidade pressupõe que o atendimento e as ações de saúde sejam realizadas de
forma integrada, e voltadas para a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde.
Sendo assim, as ações em saúde devem ser pensadas e estruturadas em conjunto com
os demais setores de atendimento e principalmente com os usuários, de forma que aten-
dam às necessidades destes.
Ainda sobre a análise das ações que visam à integralidade no atendimento, Cezar afirma
que a mesma “está assentada em dois pilares básicos, a interdisciplinaridade e a inter-
setorialidade”. Ou seja, o pressuposto para a efetivação da integralidade do atendimento
é uma estruturação e articulação da equipe do serviço, bem como uma estruturação e
articulação desta mesma com outras equipes de outros espaços e serviços.
É por isso que o primeiro sentido para a integralidade em saúde relaciona necessidade
de articulação entre as práticas de prevenção e assistência, envolvendo necessaria-
mente a integração entre serviços e instituições de saúde.
Logo, para que isso seja possível, é necessário o envolvimento e a articulação do setor
saúde como um todo, juntamente com outros campos de política social, por meio de
iniciativas, projetos e programas em várias áreas. A integralidade deve ser ideal de prá-
tica cotidiana. Desta forma, cabe defender a integralidade como valor a ser sustentado
nas práticas dos profissionais de saúde, ou seja, um valor que se expressa na forma
como os profissionais responderão aos pacientes que os procuram.
A adoção da integralidade do atendimento reflete diretamente na maneira com
que o usuário é atendido, a forma com que este terá sua atenção, e este processo não
deve ser adotado somente no âmbito da saúde, mas em caráter totalitário das demais
políticas sociais, programas e serviços, principalmente.
Pensar a integralidade do atendimento é transformar o modo de atuação. Perpassa a
adoção de mecanismos de escuta e respeito com o usuário. Como ressaltado pela Polí-
tica Nacional de Promoção de Saúde:

A integralidade implica, para além da articulação e sintonia entre as estraté-


gias de produção da saúde, a ampliação da escuta dos trabalhadores e servi-
ços de saúde na relação com os usuários, quer individual e/ou coletivamente,
de modo a deslocar a atenção da perspectiva estrita do seu adoecimento e
dos seus sintomas para o acolhimento de sua história, de suas condições de
vida e de suas necessidades em saúde (BRASIL, 2006, p. 10).

Desta forma, a qualidade do atendimento oferecido reflete diretamente na resolutividade


da ação, bem como se torna um mecanismo de estímulo à participação dos usuários,
trabalhadores, familiares e comunidades no atendimento e na proposição dos serviços.
A integralidade não é apenas um conceito, mas uma diretriz que deve ser adotada no
cotidiano.
O alcance deste processo se dá através da intersetorialidade e interdisciplinari-
dade, mecanismos que devem compor a atuação do assistente social, como objetivo e
estratégia da ação profissional.
Não obstante ao exposto até o momento, não se ignora o atual quadro de fragilização e
segregação das políticas públicas e sociais dentro do cenário de economia neoliberal do
Brasil atual. Reconhecemos as dificuldades postas pela contradição entre direitos uni-
versais e políticas focalizadas, entre a redução do gasto público e degradação das con-
dições humanas de vida. Estes, como sendo reflexos de um sistema desenvolvido pró-
capital, excludente em sua essência lógica.
Porém é neste conhecimento que está a garantia de uma análise crítica acerca dos re-
trocessos e limites postos à então “reforma psiquiátrica”, e cite-se também, a brusca
redução dos repasses públicos para manutenção dos CAPS e a lenta alocação de leitos
em hospitais gerais para leitos psiquiátricos. Logo, soma-se um jogo de poder econômico
– devido à crescente mercantilização da saúde no Brasil – ao árduo fardo que o estigma
em ser portador de sofrimento psíquico lhe atribui.

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Módulo 15

Intersetorialidade
Com a promulgação das leis 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, é implementado no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo
como premissa o art. 198 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). O SUS tem
como diretrizes principais a universalidade e integralidade no atendimento aos usuários,
a descentralização dos recursos e a regionalização, visando ao atendimento das peculi-
aridades de cada região.
Nos dispositivos da Lei 8.080, no art. 3º, está descrito que:

A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a


alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços es-
senciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e
econômica do País (BRASIL, 1990).

Reconhecendo, portanto, que a concepção de saúde ultrapassa a simples ideia


da ausência de doença e, ainda, que engloba outros fatores para a sua efetivação, a
Política de Saúde no Brasil, está organizada, no âmbito de legislação, de forma interse-
torial para que seja possível o enfrentamento dos fatores que envolvem o processo de
adoecimento através de uma ação integrada com outras políticas sociais.
O contexto social, político, econômico e cultural de um país, localidade ou estado é re-
fletido diretamente nos níveis de saúde da população, e, consequentemente, no agrava-
mento da questão social. Conforme analisa Campos:

A definição da saúde como resultado dos modos de organização social da


produção, como efeito da composição de múltiplos fatores, exige que o Es-
tado assuma a responsabilidade por uma política de saúde integrada às de-
mais políticas sociais e econômicas e garanta a sua efetivação. Ratifica, tam-
bém, o engajamento do setor saúde por condições de vida mais dignas e pelo
exercício pleno da cidadania (CAMPOS et al., 2004a, p. 746).

Desta forma, caberia ao Estado a criação de mecanismos que subsidiem o combate e a


erradicação destes fatores, que contribuem para o adoecimento. Também vale ressaltar
outro aspecto importante da análise feita pelo autor, fazendo referência à efetivação de
uma política de saúde integrada às demais. Este é processo denominado de intersetori-
alidade entre as políticas sociais, onde diferentes mecanismos trabalham de forma com-
partilhada no enfrentamento aos problemas sociais.
Segundo Campos:

A intersetorialidade nada mais é do que um processo de construção compar-


tilhada, em que os diversos setores envolvidos são tocados por saberes, lin-
guagens e modos de fazer que não lhes são usuais, pois pertencem ou se
localizam no núcleo da atividade de seus parceiros. A intersetorialidade im-
plica a existência de algum grau de abertura em cada setor envolvido para
dialogar, estabelecendo vínculos de corresponsabilidade e cogestão pela me-
lhoria da qualidade de vida da população (2004b, p. 747).

A intersetorialidade é uma estratégia política complexa, cujo resultado na gestão


de um município é a superação da fragmentação das políticas nas várias áreas onde são
executadas, partindo do princípio do diálogo entre os seus executores e gestores. Tem
como desafio articular diferentes setores na resolução de problemas no cotidiano da
gestão, tornando-se um mecanismo para a garantia do direito de acesso à saúde, já que
esta é produção resultante de múltiplas políticas sociais de promoção de qualidade de
vida.
A intersetorialidade é construída e fortalecida enquanto processo coletivo entre
diversos setores, e principalmente de uma construção com a população, considerando
as peculiaridades e potencialidades de cada realidade, ou seja, de cada local, de cada
sujeito, visando atender as necessidades encontradas, e ainda valorizar e incentivar a
participação da população neste processo.
Como prática de gestão na saúde, a mesma permite o estabelecimento de espaços com-
partilhados de decisões entre instituições e diferentes setores do governo, que atuam
na produção da saúde. Assim, a intersetorialidade como uma articulação das possibili-
dades dos distintos setores de pensar a questão complexa da saúde, de corresponsabi-
lizar-se pela garantia da saúde como direito humano e de cidadania e de mobilizar-se na
formulação de intervenções que a propiciem. Tal processo propicia a cada setor a am-
pliação de sua capacidade de analisar e de transformar seu modo de operar a partir do
convívio com a perspectiva dos outros setores, abrindo caminho para que os esforços
de todos sejam mais efetivos e eficazes.
Desta maneira, permite considerar o cidadão na sua totalidade, nas suas necessidades
individuais e coletivas, colabora para ações resolutivas em saúde. Não obstante a cons-
trução de necessárias parcerias com outros setores como Educação, Trabalho e Em-
prego, Habitação, Cultura, Segurança, Alimentar e outros (DIAS, 2010).
A intersetorialidade remete, também, ao conceito/ideia de “rede”, cuja prática
requer articulação, vinculações, ações complementares, relações horizontais entre par-
ceiros e interdependência de serviços para garantir a integralidade das ações (DIAS,
2010). Em acordo com Sposati (2006), cabe ressaltar que não se trata aqui de negar a
importância da setorialidade; ao contrário, ela torna-se fundamental para o alcance da
intersetorialidade.
O enfrentamento do processo de adoecimento e a efetivação de um processo de produ-
ção de saúde requerem a prática da intersetorialidade, da articulação, da participação.
Desta forma, “a promoção da saúde depende da satisfação de diversas necessidades
sociais, através das mais diversas políticas sociais e que não se esgotam no setor da
saúde” (CEZAR, et al., 2008, p. 6), sendo necessário o envolvimento de outros segmen-
tos, de forma que seja possível a superação dos diferentes fatores que envolvem o pro-
cesso de saúde/doença, que são identificados como as expressões da questão social.
Por isso, cabe ressaltar a importância do conhecimento e da articulação dos espaços
que envolvem a realidade. Contudo o fortalecimento de uma rede de serviços, progra-
mas e projetos é fundamental para o alcance na efetividade do atendimento à popula-
ção. Segundo a análise de Cezar “a intersetorialidade é vista como mecanismo funda-
mental de garantia de direitos e de atendimento às necessidades da população”.
A adoção desta ideia, de atuação integrada, pode evitar os entraves causados
pela burocracia. Assim, ao ingressar em uma política, o acesso poderia servir, também,
para outros programas sociais, sem a necessidade de um novo cadastro, por exemplo.
Finalmente, o contexto da intersetorialidade estimula e requer mecanismos de envolvi-
mento da sociedade. Demanda a participação dos movimentos sociais nos processos
decisórios sobre qualidade de vida e saúde para buscarem as condições adequadas a
uma vida saudável através de políticas públicas. A discussão de intersetorialidade re-
mete a outro aspecto importante a ser discutido – a integralidade no atendimento –,
aspecto este que se torna primórdio e consequente à efetivação da intersetorialidade.

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Módulo 16

Equipe Mínima
CAPS I
▹ 1 médico psiquiatra ou médico com formação em saúde mental.
▹ 1 enfermeiro.
▹ 3 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao
projeto terapêutico.
▹ 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.

CAPS II
▹1 médico psiquiatra
▹1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹4 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.

CAPS III
▹ 2 médicos psiquiatras.
▹ 1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹ 5 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, as-
sistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou
outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.

Para o período de acolhimento noturno, a equipe deve ser composta por:


▹ 3 técnicos/auxiliares de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço).
▹ 1 profissional de nível médio da área de apoio.

Para as 12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados, a equipe deve ser composta
por:
▹ 1 profissional de nível universitário.
▹ 3 técnicos/auxiliares de Enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço)
▹ 1 profissional de nível médio da área de apoio.

CAPSi
▹ 1 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental.
▹ 1 enfermeiro.
▹ 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicó-
logo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo
ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.

CAPSad
▹ 1 médico psiquiatra.
▹ 1 enfermeiro com formação em saúde mental.
▹ 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das in-
tercorrências clínicas.
▹ 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicó-
logo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profis-
sional necessário ao projeto terapêutico.
▹ 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico admi-
nistrativo, técnico educacional e artesão.

CAPSad III:
▹ 1 psiquiatra.
▹ 1 enfermeiro com experiência e/ou formação na área de saúde mental.
▹ 5 profissionais de nível universitário, 4 técnicos de Enfermagem;
▹ 4 profissionais de nível médio;
▹ 1 profissional de nível médio para a realização de atividades de natureza adminis-
trativa.

No período diurno aos sábados, domingos e feriados, a equipe mínima será composta da
seguinte forma:
▹ 1 enfermeiro.
▹ 3 técnicos de Enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço).
▹ 1 profissional de nível fundamental ou médio para a realização de atividades de
natureza administrativa.
Módulo 17

Oficinas Terapêuticas
A orientação do modelo assistencial em saúde mental, atualmente, vem impondo
a necessidade de complexificação da organização e oferta dos serviços (prevenção, pro-
moção, redução de danos, reabilitação, reinserção social, apoio, etc.) e , redefinir o ob-
jeto de trabalho (antes a doença, agora o sujeito) implica repensar os meios de interven-
ção, de modo que, possibilitem momentos de interação entre os dois sujeitos (usuário-
trabalhador) que instituem necessidades, saberes e representações de maneira demo-
crática e respeitosa.
As oficinas são tecnologias valiosas nesse processo, pois oportunizam, mediante
o trabalho e a expressão artística, espaços de socialização, interação, (re)construção e
(re)inserção social. Nelas, o sujeito, tem liberdade de se expressar, sendo capaz de lidar
com seus medos e inseguranças, bem como de realizar trocas de experiências.
As oficinas podem ser expressivas, geradoras de renda ou de alfabetização. Acontecem
diariamente nos CAPS sob a coordenação de um ou mais profissionais de nível superior
ou monitores, com o objetivo de trazer o sujeito em crise, desintegrado e isolado de volta
ao meio social mediante a reabilitação psicossocial.
Nos fragmentos de diários de campo a seguir, encontramos algumas características das
oficinas terapêuticas realizadas nos CAPS:

“É um grupo onde são realizadas atividades mais curtas com o assistente so-
cial e os técnicos de enfermagem, para diversificar e motivar (mobilizar) os
usuários. Havia oito usuários, com bastante dificuldade de interação, falavam
muito pouco. Fizeram atividades variadas, como: técnica de relaxamento,
conversar sobre a vida de cada um (como se sentiam em casa); faziam um
acompanhamento de sintomas (tinha melhorado o sono?), adequação da me-
dicação (ouviram e anotaram queixas sobre dificuldades com os medicamen-
tos), atividades de lazer e recreativas, ouviram música e conversaram sobre
suas preferências musicais.”

“...oficina de artesanato, onde homens e mulheres confeccionavam objetos


variados ao redor de uma mesa grande: pintura em pano de prato, bordado
em tecido xadrez, cestas com jornal e tapete de retalho. Dois usuários não se
interessavam por nenhuma das atividades e permaneceram sentados partici-
pando da conversa. Houve estímulo à interação durante toda a atividade; to-
dos eram solicitados a participar de alguma maneira, da confecção do arte-
sanato ou da conversa. A coordenação era da artesã e houve participação da
enfermeira e merendeira.”
“Nas oficinas, a coordenação era de um profissional e havia sempre, pelo me-
nos, mais um, cuja presença ocorria não apenas no sentido de proporcionar
aprendizado de determinada técnica ou de aspectos relacionados a doenças,
mas principalmente de mobilizar o diálogo e a interação entre aqueles que
durante muito tempo permaneceram desacreditados do convívio social.”

“A maior conquista se dá na prática do diálogo, no respeito às singularidades


e aos direitos daqueles que utilizam os serviços e querem ser ouvidos e con-
siderados em sua totalidade biopsicossocial.”

Algumas oficinas, permitem aos usuários exteriorizar suas vivências e representações:

“... os usuários estavam confeccionando uma 'colcha de retalhos': eles dese-


nhavam fatos de sua vida em retalhos de tecido com pincel e tinta de tecido.
Esta atividade compreende quatro sessões. Numa primeira, os usuários eram
estimulados a exteriorizar seus sentimentos em relação à infância e pintar
algo relacionado a ela. Ao final deste dia, conversavam sobre o que haviam
desenhado, pensado e lembrado sobre sua infância. Guardavam o material
trabalhado e assim sucessivamente nos outros dias, com adolescência, famí-
lia e o futuro. Ao final, cada um tinha, pelo menos, quatro 'retalhos' de sua
vida para fazer uma 'colcha', que foi costurada por todos, com a ajuda da ar-
tesã.”

“Essa oficina proporciona uma integração de várias dimensões, e não a redu-


ção disciplinar de abordagem social, psicológica ou médica do sujeito. O co-
ordenador utiliza a oficina como estratégia para mobilizar os participantes,
possibilitando a troca de experiências, a construção de vínculo e a interven-
ção no processo de exclusão dos usuários.”


Nos registros acima, constata-se a realização de uma atividade planejada que estimu-
lava os usuários a construir algo material (pintura no tecido, colcha) e, simultaneamente,
a expressarem seus sentimentos, na medida em que rememoravam o passado e proje-
tavam o futuro.

Esta é a concepção de oficina terapêutica para os serviços de saúde mental.


Essa abordagem sinaliza, também, a pertinência à proposta de reabilitação
psicossocial considerando que a confecção de algum material como meio
pelo qual se constrói cidadania: o incremento da consciência do usuário a
respeito dos seus problemas (pessoais, familiares, de trabalho, econômicos,
sociais e culturais), da sua autonomia afetivo-material-social e a sua incor-
poração na vida social e política, objetivos da atenção psicossocial.

“A finalidade das oficinas terapêuticas é mais complexa do que a produção


de objetos: pretende-se produzir a vida das pessoas em sofrimento mental,
que se faz, refaz e reconstrói por meio da expressão artística.”

As oficinas terapêuticas são "atividades de encontro de vidas entre pessoas em sofri-


mento psíquico, que promovem o exercício da cidadania, a expressão de liberdade e a
convivência dos diferentes através preferencialmente da inclusão pela arte. Essas con-
cepções puderam ser concretamente identificadas em algumas observações:

“A usuária que estava apenas desenhando solicita uma música e logo é aten-
dida pela professora que coordenava. Todos conversam sobre preferências
musicais, pedem músicas e são atendidos ou, quando a música desejada não
está disponível, se planeja como conseguir. Alguns cantam juntos. Encerra-
se a atividade avaliando e planejando a próxima.”


Analisando os registros acima, percebe-se que o elemento organizador dessas oficinas
era, principalmente, a subjetividade dos sujeitos e a reconstrução do papel social obtidos
por meio da inserção do usuário do CAPS em um nível ativo de participação, possibili-
tando-lhe, uma nova esfera de relações.

“Nessas oficinas, o usuário era o foco da atenção desenvolvida, tinha a opção


de escolher o que desejava realizar, ou de nada realizar, pois nada lhe era
imposto. Além disso, o usuário era estimulado a interagir com o grupo e com
os profissionais, que demonstravam claramente que ele tinha importância no
espaço de tratamento.”

“O sujeito em sofrimento psíquico, que antes estava em posição de exclusão,


agora se insere num nível de participação, de trocas, de reconstrução de seu
cotidiano. “


Ele passa a exercer sua "contratualidade", ou seja, expressa seu poder de
decisão a respeito de si mesmo, de seu tratamento, das atividades que de-
seja realizar, exercendo, assim, sua cidadania. Nesse contexto, ele não é me-
ramente um autor de obras, mas autor de sua própria vida.
Entretanto, sabemos que todo processo social de transformação não é linear, mas, sim,
feito de avanços e retrocessos. Se em alguns CAPS há avanços no processo de conso-
lidação do modo de atenção psicossocial, com a utilização consciente de tecnologias
que favorecem a execução do projeto proposto (promover o exercício da cidadania e a
reinserção familiar, social e política dos sujeitos), em outros, as práticas desenvolvidas
eram nos antigos moldes da assistência psiquiátrica.

Para esclarecer os objetivos das oficinas, é fundamental explicitar que elas estão
ligadas a um dos paradigmas que amparam a Reforma Psiquiátrica no Brasil: a reabilita-
ção psicossocial.
No Brasil, com a Portaria GM nº 189, de 19 de novembro de 1991, as oficinas, que até
então eram realizadas apenas com a finalidade de possibilitar a expressão artística e a
reinserção de indivíduos socialmente segregados do mercado de trabalho, passam a ob-
jetivar também a socialização e a convivência entre os clientes, técnicos, familiares e
comunidade. Para atender a esses objetivos na prática cotidiana das oficinas, faz-se
necessário que a interação e os momentos de trocas sejam explorados durante a reali-
zação das atividades, e não que as atividades se encerrem em si.

“O assistente social e artesã chamaram os usuários para a atividade. [...] Re-


alizavam pintura em tecido. [...] Dedicaram-se a explicar, auxiliar e acompa-
nhar os usuários em seus trabalhos, elogiavam os avanços de alguns na téc-
nica (como você consegue pintar bem agora!) mas nada comentavam a res-
peito dos que tinham, visivelmente, muitas dificuldades na sua realização,
apenas os ajudavam com o pincel às vezes. Ao final, foram convidados a ir
para a sala do lanche. [...] Não houve encerramento das atividades, [...] os
trabalhos foram deixados na mesa e depois guardados pela artesã numa
caixa. As interações durante a atividade referiram-se exclusivamente à reali-
zação da pintura (facilidades, dificuldades), nenhuma expressão subjetiva foi
estimulada.”

“A atividade da tarde era prática corporal com o professor de educação física.


[...] Realizaram-se atividades leves, especialmente alongamento com o uso
de música e colchonetes. Os usuários eram estimulados de forma educada e
respeitosa, a praticar o exercício proposto. Terminada a sequência de exercí-
cios, o professor deu por encerrada a atividade sem estimular nenhuma par-
ticipação dos usuários. Um deles informou que não virá na próxima terça-
feira. Todos foram embora.”


Pode-se observar que havia alguma interação entre os profissionais e os usuários, en-
tretanto não é identificada qualquer discussão da finalidade das atividades propostas ou
como cada um se sentiu realizando aquela atividade. Desse modo, os usuários parecem
não perceber qual o sentido da atividade desenvolvida, uma vez que a finalização tam-
bém não é discutida.

A ausência de clareza sobre a finalidade (para quê) dessas atividades con-


tribui para a mera reprodução dela nos moldes psiquiátricos de assistência,
pois é a racionalidade que embasa a prática, a finalidade que se quer alcan-
çar, além do modo como se organiza a participação de todos nesse trabalho,
que orientará a atividade para um ou outro modelo de atenção em saúde
mental.

“Somente mulheres frequentam essa sala no período da tarde; [...] permane-


cem sentadas, conversando e fazendo trabalhos manuais; não foi observado
em nenhum momento, uma coordenação das atividades aí realizadas, ou seja,
as mulheres chegam, pegam os seus trabalhos iniciados, ou dirigem-se à ar-
tesã e iniciam um trabalho. Sentam-se e fazem o seu bordado, tapete, ou ou-
tro. Conversam amigavelmente entre si. A dinâmica remete a uma escola de
artesanato: faz-se e trocam-se experiências de confecção de trabalhos arte-
sanais (alguém sabe fazer tapete, então, outra senta ao lado e aprende e co-
meça a fazer) e, no 'meio' dessa conversa, surgem 'dificuldades com marido
e filhos', 'dificuldades financeiras', que vão 'tecendo redes de conversa' sem
nenhuma intervenção profissional. A artesã se ausenta com frequência e,
num dia, não esteve presente. Foi informado que somente as pacientes que
têm mais habilidade é que são indicadas para os trabalhos aí realizados, que
são destinados à venda (a renda é destinada para a compra de materiais para
o CAPS). Às 16 horas elas tomam o lanche e vão embora.”


Identifica-se, claramente, a falta de coordenação das atividades na oficina. O encontro
que ocorria entre elas era, certamente, de significativa importância terapêutica psicos-
social, entretanto ocorria à revelia do projeto terapêutico delas, pois não era sequer
identificado pelos profissionais. A dinâmica está mais afeta ao encontro social não in-
tencionado, da rua, da escola de artesanato, por exemplo. Numa abordagem psicosso-
cial de cuidado do CAPS seria necessário incluir mais diversidade na participação, e não
a exclusão por sexo ou critérios de habilidade. Essa exclusão, que muitas vezes está na
origem das oficinas de geração de renda nos CAPS, precisa ser problematizada. A au-
sência de coordenação e reflexão sobre a atividade realizada parece esvaziar a função
terapêutica da oficina no CAPS. Embora houvesse interação entre os profissionais e usu-
ários, a atividade era espontânea, não planejada, não compunha o projeto terapêutico
das usuárias.

“O grupo de homens e mulheres adultos e alguns idosos recortavam cartolina,


colavam papel camurça vermelho e enfeitavam com miçangas. Pergunto o
que fazem e eles respondem: 'coração para o dia das mães'. Não há nenhuma
conversa além de alguns fragmentos sobre dificuldades da tarefa, como, por
exemplo, a tesoura não corta bem, a cola aderiu onde não devia, o resultado
é bonito ou não, etc. A finalização acontece quando alguém chama para o
lanche. Todos se levantam e levam o seu coração. O restante do material
usado permanece na mesa e é guardado em seguida pelo monitor.”


Neste registro, percebemos a pouca relação entre a atividade realizada e a vida dos
usuários. A maioria deles talvez não tivesse mais mãe a quem dar o cartão, mas, possi-
velmente, eram mães ou pais. Essa abordagem demonstra a ausência de interação e
reflexão sobre a finalidade da atividade: O que fazem? Para quê? Por quê? O que sen-
tem?
Confeccionar corações para o Dia das Mães que se aproximava, provavelmente, mobili-
zava sentimentos importantes nos usuários, entretanto nenhuma ação que motivasse a
expressão desses sentimentos foi implementada.
Essa abordagem evidencia a lógica do modelo biomédico nessas atividades, onde os
"espaços instituintes" são caracterizados pelo autoritarismo dos trabalhadores que de-
terminam as atividades a serem feitas, com o consequente silenciamento dos usuá-
rios. Nesses espaços, o processo de reabilitação psicossocial se torna inviável, uma vez
que essas oficinas não possibilitam aos sujeitos em sofrimento psíquico a estruturação
de uma rede de relações, a expressão dos seus sentimentos e dos problemas vivencia-
dos na vida cotidiana, além de dificultar o exercício da autonomia.

Em alguns locais estudados, as oficinas não eram compreendidas por profissionais e


usuários tendo valor terapêutico em si, mas um "passatempo" para os usuários que fa-
ziam um tratamento centrado na consulta médica, psicológica e no uso de medicamen-
tos.

É preciso que os trabalhadores utilizem sua autonomia, sintam-se sujeitos ativos no pro-
cesso de reabilitação e sejam questionadores a respeito do produto do seu trabalho e do
paradigma que o sustenta. É necessário, também, que reconheçam no usuário a condi-
ção de sujeito de sua vida e de seus direitos, com o objetivo de estabelecer um canal
onde a comunicação com valor terapêutico perpasse pelos campos da solidariedade e
do respeito.A competência para o cuidado psicossocial é processo de construção coti-
diana e coletiva, pois se dá pelo aprendizado técnico de manejo de situações clínicas,
porém articulado à consciência política do próprio indivíduo e da sociedade.

Um serviço de saúde mental, que proponha a desospitalização e a valoriza-


ção do sujeito, deve ser composto de rede de serviços diversificados que
contemple as diversas áreas do saber, privilegiando por sua vez a saúde e a
prevenção de doenças, criando condições de uma melhor qualidade de vida,
com ações terapêuticas e interdisciplinares, proporcionando um sistema de
referência e contrarreferência destes serviços entre si.

Essas ações terapêuticas devem visar a aceitação das diferenças, advindas


dos transtornos mentais, buscando estratégias de inclusão desses indiví-
duos na sociedade e na família.

As oficinas terapêuticas, em suas atuações, buscando unir saúde, convívio social e cul-
tura, transformam o conceito de saúde, assim como os conceitos de sanidade, qualidade
de vida e inclusão, dando condições de uma possível transformação desse sujeito - as-
sujeitado - em um sujeito desejante e produtivo, digno de respeito e inclusão social. Nas
oficinas terapêuticas, o paciente tem a possibilidade de resgatar o seu desejo com o
trabalho realizado dentro das mesmas: a produção e expressão livres.

Tão importante quanto a produção, são as diversas possibilidades que resultam dela,
para os pacientes:
▸ A valorização de sua fala;
▸ A discussão da vida cotidiana de cada um;
▸ A reinserção deste nos seus contextos familiar e social;
▸ A reconstrução da cidadania - direitos e deveres;
▸ A construção de um espaço coletivo e compartilhado, visando romper com o seu
estigmatizado isolamento;
▸ A suplência a seu sistema simbólico.

Objetivos
▸ As Oficinas Terapêuticas oferecidas possuem o objetivo de potencializar as ações
dos pacientes, no sentido de que possam arregimentar e redirecionar seus desejos, e
dentro deste prisma poderem entrar num movimento de produção diária.
▸ As Oficinas Terapêuticas podem ter em seu seio diretrizes: Expressivas, Didáticas,
Criativas, com enfoque Corporal etc.
▸As Oficinas Terapêuticas proporcionarão atividades coletivas, na medida em que
os pacientes portadores de sofrimento psíquico possam ampliar seus potenciais de
convívio interpessoal, transitando em acontecimentos onde as frustrações e conquis-
tas possam ser compartilhadas e expressas.
▸As Oficinas Terapêuticas atenderão a grupos de pacientes de ambos os sexos, com
transtornos psíquicos diferenciados, para não segmentarizar o atendimento.
▸As Oficinas Terapêuticas serão selecionadas pelo próprio paciente, com o apoio da
equipe. (Conforme o caso, a família se comprometerá em ser atendida para que os
benefícios do tratamento possam ser garantidos).
▸As Oficinas Terapêuticas poderão ser modificadas e criadas a partir das necessi-
dades e desejos da instituição como um todo.
▸As Oficinas Terapêuticas também terão como objetivo levar suas produções para
outros espaços, acontecimentos, escolas, etc. Este procedimento pode ajudar a uma
maior integração do portador de sofrimento mental nos vários segmentos de nossa
sociedade, bem como garantir a expressão de suas ideias e produções.
▸As Oficinas Terapêuticas poderão ter como monitores pacientes habilitados para a
função.

Propostas de Oficinas Terapêuticas


▸ Oficina de Música e Canto
▸ Oficina de Corpo (Tai chi Chuan, Capoeira, Bioenergética, Dança, Shiatsu etc.)
▸ Oficina de Jornalismo;
▸ Oficina de Pintura;
▸ Oficina de Poesia;
▸ Oficina de Artesanato;
▸ Oficina de Informática;
▸ Oficina Jardinagem;
▸ Oficina de Culinária;
▸ Entre outras.

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Módulo 18

Principais Atividades Desenvolvidas no CAPS

▹ Acolhimento Inicial: Primeiro atendimento, por demanda espontânea ou referenciada,


incluindo as situações de crise no território. Consiste na escuta qualificada, que reafirma
a legitimidade da pessoa e/ou familiares que buscam o serviço e visa reinterpretar as
demandas, construir o vínculo terapêutico inicial e/ou corresponsabilizar-se pelo acesso
a outros serviços, caso necessário.

▹ Acolhimento Diurno e/ou Noturno: Ação de hospitalidade diurna e/ou noturna, reali-
zada nos CAPS como recurso do PTS de usuários, objetivando a retomada, o resgate e
o redimensionamento das relações interpessoais, o convívio familiar e/ou comunitário.

▹ Atendimento Individual: Atenção direcionada aos usuários visando à elaboração do


PTS ou do que dele deriva. Comporta diferentes modalidades, incluindo o cuidado e o
acompanhamento nas situações clínicas de saúde, e deve responder às necessidades
de cada pessoa.

▹ Atenção às Situações de Crise: Ações desenvolvidas para manejo das situações de


crise, entendidas como momentos do processo de acompanhamento dos usuários, nos
quais conflitos relacionais com familiares, contextos, ambiência e vivências causam in-
tenso sofrimento e desorganização. Esta ação exige disponibilidade de escuta atenta
para compreender e mediar os possíveis conflitos e pode ser realizada no ambiente do
próprio serviço, no domicílio ou em outros espaços do território que façam sentido ao
usuário e a sua família e favoreçam a construção e a preservação de vínculos.

▹ Atendimento em Grupo: Ações desenvolvidas coletivamente, como recurso para pro-


mover sociabilidade, intermediar relações, manejar dificuldades relacionais, possibili-
tando experiência de construção compartilhada, vivência de pertencimento, troca de
afetos, autoestima, autonomia e exercício de cidadania.

▹ Práticas Corporais: Estratégias ou atividades que favoreçam a percepção corporal, a


autoimagem, a coordenação psicomotora, compreendidos como fundamentais ao pro-
cesso de construção de autonomia, promoção e prevenção em saúde.
▹ Práticas Expressivas e Comunicativas: Estratégias realizadas dentro ou fora do serviço
que possibilitem ampliação do repertório comunicativo e expressivo dos usuários e fa-
voreçam a construção e a utilização de processos promotores de novos lugares sociais
e a inserção no campo da cultura.

▹ Atendimento para a Família: Ações voltadas para o acolhimento individual ou coletivo


dos familiares e suas demandas, que garantam a corresponsabilização no contexto do
cuidado, propiciando o compartilhamento de experiências e de informações.

▹ Atendimento Domiciliar: Atenção desenvolvida no local de morada da pessoa e/ou de


seus familiares, para compreensão de seu contexto e de suas relações, acompanha-
mento do caso e/ou em situações que impossibilitem outra modalidade de atendimento.

▹ Ações de Reabilitação Psicossocial: Ações de fortalecimento de usuários e de familia-


res, mediante a criação e o desenvolvimento de iniciativas articuladas com os recursos
do território nos campos do trabalho/economia solidária, habitação, educação, cultura,
direitos humanos, que garantam o exercício de direitos de cidadania, visando à produção
de novas possibilidades para projetos de vida.

▹ Promoção de Contratualidade: Acompanhamento de usuários em cenários da vida


cotidiana – casa, trabalho, iniciativas de geração de renda, empreendimentos
solidários, contextos familiares, sociais e no território, com a mediação de relações
para a criação de novos campos de negociação e de diálogo que garantam e propiciem
a participação dos usuários em igualdade de oportunidades, a ampliação de redes
sociais e sua autonomia.

▹ Fortalecimento do Protagonismo de Usuários e de Familiares: Atividades que fomen-


tem a participação de usuários e de familiares nos processos de gestão dos serviços e
da rede, como assembleias de serviços, participação em conselhos, conferências e con-
gressos; a apropriação e a defesa de direitos; a criação de formas associativas de orga-
nização. A assembleia é uma estratégia importante para a efetiva configuração dos
CAPS como local de convivência e de promoção de protagonismo de usuários e de fa-
miliares.

▹ Ações de articulação de redes Intra e Intersetoriais: Estratégias que promovam a arti-


culação com outros pontos de atenção da rede de saúde, educação, justiça, assistência
social, direitos humanos e outros, assim como com os recursos comunitários presentes
no território.
▹ Matriciamento de Equipes da Atenção Básica, Urgência e Emergência, e dos Serviços
Hospitalares de Referência: Apoio presencial sistemático às equipes que oferte suporte
técnico à condução do cuidado em saúde mental por meio de discussões de casos e do
processo de trabalho, atendimento compartilhado, ações intersetoriais no território, e
contribua no processo de cogestão e corresponsabilização no agenciamento do projeto
terapêutico singular.

▹ Ações de Redução de Danos: conjunto de práticas e de ações do campo da Saúde e


dos Direitos Humanos realizadas de maneira articulada inter e intrassetorialmente, que
busca minimizar danos de natureza biopsicossocial decorrentes do uso de substâncias
psicoativas, ampliar o cuidado e o acesso aos diversos pontos de atenção, incluídos
aqueles que não têm relação com o sistema de saúde.

▹ Acompanhamento de Serviço Residencial Terapêutico: Suporte às equipes dos servi-


ços residenciais terapêuticos, com a corresponsabilização nos projetos terapêuticos dos
usuários, que promova a articulação entre as redes e os pontos de atenção com o foco
no cuidado e no desenvolvimento de ações intersetoriais, e vise à produção de autono-
mia e à reinserção social.

▹ Apoio a Serviço Residencial de Caráter Transitório: Apoio presencial sistemático aos


serviços residenciais de caráter transitório, que busque a manutenção do vínculo, a res-
ponsabilidade compartilhada, o suporte técnico-institucional aos trabalhadores daque-
les serviços, o monitoramento dos projetos terapêuticos, a promoção de articulação en-
tre os pontos de atenção com foco no cuidado e nas ações intersetoriais, e que favoreça
a integralidade das ações.

Lista de Atividades Realizadas pelos CAPS Adulto, Infância e Adolescên-


cia, Álcool e Drogas:
▹ Acolhimento ao usuário de saúde mental, incluindo álcool e outras drogas, seguindo
a estratégia da política nacional de redução de danos.
▹ Acolhimento das situações de crise, realizando contato com outras unidades de
saúde, caso necessário.
▹ Promoção de saúde, participação nas campanhas realizadas pela SMSDC.
▹ Realização de ações intersetoriais (educação, justiça, assistência social, trabalho,
habitação, cultura e lazer).
▹ Atendimentos em grupo e/ou individuais por equipe multiprofissional.
▹ Atendimento a familiares (em grupo ou individual).
▹ Realização de Assembleias de Usuários e Familiares e/ou apoio à forma de associ-
ação de usuários e familiares.
▹ Realização e incentivo a participação de profissionais em fóruns de saúde mental,
participação nos conselhos distritais, visando à integração e construção de articula-
ção e parcerias intersetoriais.
▹ Acompanhamento nas internações, principalmente as psiquiátricas.
▹ Visitas domiciliares e institucionais, de acordo com o projeto terapêutico do usuário.
▹ Realização de oficinas terapêuticas.
▹ Atividades e eventos coletivos regulares (internas e externas).
▹ Projetos de geração de trabalho e renda.
▹ Projetos artísticos e culturais.
▹ Supervisão clínico-institucional.
▹ Articulação permanente com a rede setorial (Estratégia de Saúde da Família, Núcleo
de Apoio à Saúde da Família, Ambulatório Emergência Psiquiátrica, Hospital Geral ou
Psiquiátrico).
▹ Ações de matriciamento.
▹ Ações de Desinstitucionalização:
– Acompanhamento das pessaos em situação de internações de longa permanên-
cia (visita ao hospital para contato com o usuário, entrevista com a família, caso
ainda existente, construção de projeto terapêutico com a equipe do hospital a fim
de construir a ‘porta de saída’ ou ‘alta’);
– Gestão de residências terapêuticas;
– Acompanhamento de usuários do programa de bolsas de desinstitucionalização;
– Acompanhamento de usuários em moradias assistidas.
– Acompanhamento de usuários em abrigos, albergues, clinicas de apoio da saúde.

Atividades Específicas do CAPS III:


▹ Acolhimento noturno e nos finais de semana dos usuários em acompanhamento no
serviço.

Atividades Específicas do CAPSad:


▹ Acompanhamento de internações em Hospital Geral (leitos de atenção integral).
▹ Ações de redução de danos no território, realizada por profissionais capacitados em
redução de danos.
▹ Distribuição de insumos para ações de redução de danos:
▹ Panfletos;
▹ Cachimbos;
▹ Seringas e agulhas;
▹ Preservativos;
▹ Material de higiene (sabonete, escova e pasta dental);
▹ Achocolatado.
▹ Gestão das Unidades de Acolhimento (UA) e Unidades de Acolhimento Infanto-Ju-
venis (UAis).
▹ Acompanhamento dos Consultórios na Rua.
▹ Solicitante de vagas nos leitos eletivos ad em Hospital Geral.

Atividades Específicas do CAPSi:


▹ Acompanhamento de internações em Hospital Geral (leitos de atenção integral).
▹ Acolhimento da demanda por medicalização.
▹ Reuniões regulares com profissionais da educação, conselho tutelar, justiça.
▹ Inclusão de responsáveis e familiares no tratamento.
▹ Gestão de Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenis (UAis).

Procedimentos
Os principais procedimentos realizados no CAPS I, II e III, i e ad HABILITADOS são:
▹ Acolhimento noturno de paciente.
▹ Acolhimento em terceiro turno de paciente.
▹ Acompanhamento de paciente em serviço residencial terapêutico.
▹ Acolhimento diurno de paciente.
▹ Atendimento individual de paciente.
▹ Atendimento em grupo de paciente.
▹ Atendimento familiar.
▹ Acolhimento inicial.
▹ Atendimento domiciliar para pacientes.
▹ Ações de articulação de redes intra e intersetoriais.
▹ Fortalecimento do protagonismo de usuários e seus familiares.
▹ Práticas corporais.
▹ Práticas expressivas e comunicativas.
▹ Atenção às situações de crise.
▹ Matriciamento de equipes da atenção básica.
▹ Ações de redução de danos.
▹ Acompanhamento de serviço residencial terapêutico.
▹ Apoio a serviço residencial de caráter transitório.
▹ Ações de reabilitação psicossocial.
▹ Promoção de contratualidade.
▹ Acompanhamento de pessoas adultas com sofrimento ou transtornos mentais de-
correntes do uso de crack, álcool e outras drogas.
▹ Acompanhamento da população infanto-juvenil com sofrimento ou transtornos
mentais decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
▹ Matriciamento de equipes de pontos de atenção da urgência e emergência e dos
serviços hospitalares de referência para atenção a pessoas com sofrimento ou trans-
torno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e
outras drogas.

Os principais procedimentos realizados no CAPS I, II e III, i e ad NÃO HABILITADOS são:


▹ Atividade educativa/Orientação em grupo na atenção básica.
▹ Atividade educativa/Orientação em grupo na atenção especializada.
▹ Prática corporal/Atividade física em grupo.
▹ Práticas corporais em medicina tradicional chinesa.
▹ Visita domiciliar por profissionais de nível médio.
▹ Glicemia capilar.
▹ Consulta de profissionais de nível superior na atenção especializada (exceto mé-
dico).
▹ Consulta médica em atenção especializada.
▹ Consulta/Atendimento domiciliar na atenção especializada.
▹ Terapia individual.
▹ Assistência domiciliar por equipe multiprofissional na atenção básica.
▹ Assistência domiciliar por equipe multiprofissional na atenção especializada.
▹ Assistência domiciliar por profissional de nível médio.
▹ Atendimento em oficina terapêutica I.
▹ Atendimento em oficina terapêutica II.
▹ Atendimento em psicoterapia de grupo.
▹ Atendimento individual em psicoterapia.
▹ Administração de medicamentos na atenção especializada por paciente.
▹ Aferição da pressão arterial.
▹ Terapia de reidratação oral.
▹ Diagnóstico e/ou atendimento de urgência em psiquiatria.
Módulo 19

Demandas Profissionais do Serviço Social


(Concepção Histórico-Crítica)
No panorama da constituição do Serviço Social como profissão duas diferentes perspec-
tivas se colocam na compreensão de seu surgimento:
✎ Perspectiva Endogenista: Entende o surgimento do Serviço Social na evolução,
organização e profissionalização das formas anteriores de ajuda, caridade e filantro-
pia, vinculadas à intervenção na questão social;
✎ Perspectiva Histórico-Crítica: Entende o surgimento do Serviço Social como um
subproduto da síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvi-
mento histórico, especialmente no capitalismo monopolista, quando o Estado toma
para si as respostas à questão social (MONTAÑO, 1998).

Enquanto a primeira perspectiva tem uma visão particularista e focalista da profissão,


a segunda compreende a profissão articulada a um papel político, tendo uma função que
não se explica por si mesma, mas pela posição que ocupa na divisão do trabalho na
sociedade capitalista.
Dentre as perspectivas acima relacionadas, nos inserimos naquela que toma a visão his-
tórico-crítica como base para a compreensão da profissão, e é sobre ela que focaremos
nossas atenções.
Compreendemos que só é possível desvendar as questões inerentes ao capitalismo e à
profissão nele inserida, tomando como referência uma visão histórico-crítica de socie-
dade. Essa visão nos permite apreender a estrutura real da sociedade burguesa, tomada
a partir das contradições da vida material, que tem como base o conflito existente entre
as forças produtivas sociais e as relações de produção.
Os dois principais sujeitos envolvidos nessa contradição são: a classe burguesa
e a classe trabalhadora. A natureza essencial da classe burguesa encontra-se na explo-
ração dos trabalhadores, objetivando a produção de mercadorias que proporcionarão o
seu enriquecimento, enquanto a classe trabalhadora vende sua força de trabalho em
troca de um salário. A reprodução das relações sociais no capitalismo se realiza tanto
na força viva de trabalho e dos meios objetivos de produção quanto na “reprodução da
produção espiritual, ou seja, das formas de consciência social: jurídicas, religiosas, ar-
tísticas ou filosóficas etc., através das quais se toma consciência das mudanças ocorri-
das nas condições materiais de produção” (IAMAMOTO, 1998), e é nesse processo his-
tórico que são construídas as relações sob as quais todas as dimensões da vida humana
sofrem influência direta.
Dentre os autores que contribuíram diretamente na construção de uma perspec-
tiva histórico-crítica no entendimento da profissão, destacamos Iamamoto e Netto como
os principais mentores na construção dessas ideias. Ambos inserem a compreensão da
profissão articulada às entranhas do modo de produção capitalista, a partir das deter-
minações que lhes são peculiares na reprodução das relações sociais de exploração.
Iamamoto compreende a profissão como um produto histórico cujo significado social
depende da dinâmica das relações de classe e destas com o Estado. Dessa forma:

As condições que peculiarizam o exercício profissional são uma concretização


da dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade, em determinadas
conjunturas históricas. Como as classes sociais fundamentais e suas perso-
nagens só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do
assistente social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais clas-
ses, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante.
Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que con-
vivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e
só pode fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto. Participa
tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e
pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da
classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses soci-
ais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história.
(IAMAMOTO, 1998).

A origem e o desenvolvimento do Serviço Social como profissão se encontram no de-


senvolvimento capitalista industrial e na expansão urbana, que fazem emergir num ce-
nário contraditório duas novas classes, o proletariado e a burguesia industrial, “cujo in-
gresso da classe proletária no cenário político da sociedade passa a exigir seu reconhe-
cimento por parte do empresariado e do Estado, constituindo assim a chamada questão
social” (Id., 1998).
As bases que remontam à origem e desenvolvimento do Serviço Social localizam-
se no processo de complexificação da sociedade capitalista, em que o homem e suas
relações sociais colocam-se num novo campo de horizonte da ciência, pois o processo
de consolidação do modo de produção capitalista, impulsionado pelo crescimento da
industrialização, é acompanhado pelo aumento da miséria e de várias manifestações que
abalam a ordem social necessária à hegemonia burguesa. Essa realidade alavanca o
incremento de um conhecimento científico do qual é exigido não somente explicações
sobre estes fenômenos, mas principalmente a elaboração de subsídios para a criação de
mecanismos reguladores e moralizadores das relações sociais, nos moldes adequados
aos interesses das classes dominantes.
Enquanto Iamamoto compreende a profissão historicamente situada, configurada como
um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho pe-
culiar à sociedade industrial, Netto amplia este conceito situando como marco do surgi-
mento da profissão a fase do capitalismo monopolista.
Na perspectiva de análise por NETTO (2001) abordada, “a apreensão da particularidade
da gênese histórico-social da profissão nem de longe se esgota na referência à ‘questão
social’ tomada abstratamente; está hipotecada ao concreto tratamento desta num mo-
mento muito específico do processo da sociedade burguesa constituída, aquele do tran-
sito à idade do monopólio”; para ele, a falta desta determinação faz com que se perca a
particularidade histórico-social do Serviço Social, tanto quanto obscurece o lastro efe-
tivo que legitima a atividade profissional como tal.
O autor entende que a idade do monopólio altera significativamente a dinâmica
inteira da sociedade burguesa. As funções políticas do Estado se unem organicamente
com as suas funções econômicas, conduzindo ao ápice a contradição elementar entre a
socialização da produção e a apropriação privada. O eixo da intervenção estatal na idade
do monopólio é direcionado para garantir os superlucros dos monopólios e, para tanto,
como poder político e econômico, o Estado desempenha uma multiplicidade de funções
que favoreceram a acumulação e a valorização do capital monopolista. Paralelo a essas
atividades, é função primordial do Estado a preservação e o controle da força de traba-
lho, que se realizam através da operacionalização das políticas sociais, assegurando as-
sim as condições adequadas ao desenvolvimento monopolista.

O capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condi-


ções tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação política atra-
vés do jogo democrático, é permeável a demandas das classes subalternas,
que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos.
E que este processo é todo ele tensionado, não só pelas exigências da ordem
monopólica, mas pelos conflitos que esta faz dimanar em toda a escala soci-
etária. É somente nestas condições que as sequelas da “questão social” tor-
nam-se – mais exatamente; podem tornar-se – objeto de uma intervenção
contínua e sistemática por parte do Estado. É só a partir da concretização das
possibilidades econômico-sociais e políticas segregadas na ordem monopó-
lica (concretização variável do jogo das forças políticas) que a “questão so-
cial” se põe como alvo de políticas sociais (NETTO, 2001).

Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura


administrar as expressões da “questão social”, de forma a atender às demandas da or-
dem monopólica conformando, pela adesão que recebe de categorias e setores cujas
demandas incorpora, sistemas de consenso variáveis, mas operantes (Id., 2001).
O estabelecimento dos meios para efetivar o atendimento da questão social impõe ao
Estado a implantação e implementação de instituições, programas de ação, estratégias
e instâncias técnicas. Sobre isso, GUERRA (1995) se insere no debate destacando:

Deixando-se “seduzir” pelos princípios e métodos da gerência científica, a


questão social passa a ser objeto de intervenção técnica para a qual algumas
profissões devem se preparar. O Estado “nacional” transforma-se no “Estado
Racional –Corporativo” (...) Ao transviar-se de suas funções anteriores, o Es-
tado aparece sob uma “nova” racionalidade, que passa a ser sustentada pelas
fragmentações entre aspectos políticos e econômicos transmutados em
questões sociais; ao mesmo tempo que opera uma fusão entre os setores pú-
blicos e privados, realiza a oposição entre o público e o estatal. Ao incorporar
os princípios “cientificistas” da racionalização do processo de trabalho, con-
verte o político em técnico-burocrático. Com esses vetores, que comparecem
nas suas representações e dão o tom da sua racionalidade, o Estado busca
operar e mediar o minado campo no qual se defrontam os antagonismos entre
capital e trabalho, pela via das políticas sociais.

Entretanto, a intervenção do Estado sobre a questão social através das políticas sociais
se dá de forma fragmentada, parcializada, recortada em problemáticas particulares (o
desemprego, a fome, o menor abandonado etc.), tornando obscura a raiz que gera essa
problemática, pois, se a questão social for tomada como uma problemática configura-
dora de uma totalidade processual específica, estaremos remetendo-a concretamente
à relação capital/trabalho, e isto significa colocar em xeque a ordem burguesa e toda
sua estrutura de exploração.
Assim, inserido nesse contexto, o espaço histórico-social que possibilita a emergência
do Serviço Social como profissão só pode ser compreendido na intercorrência de um
conjunto de processos econômicos, sociopolíticos e teórico-culturais:

É somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as


condições histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do trabalho,
constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como
as do assistente social. A profissionalização do Serviço Social não se relaciona
decisivamente à “evolução da ajuda”, à “racionalização da filantropia” nem à
“organização da caridade”; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica. É só
então que a atividade dos agentes do Serviço Social pode receber, pública e
socialmente, um caráter profissional: a legitimação pelo desempenho de pa-
péis, atribuições e funções a partir da ocupação de um espaço na divisão so-
cial (e técnica) do trabalho na sociedade burguesa consolidada e madura; só
então os agentes se reproduzem mediante um processo de socialização par-
ticular juridicamente caucionada e reiterável segundo procedimentos reco-
nhecidos pelo Estado; só então o conjunto dos agentes (a categoria profissi-
onalizada) se laiciza, se independentiza de confessionalismos e/ou particula-
rismos. (NETTO, 2001).

O processo pelo qual a ordem monopólica instaura o espaço determinado que,


na divisão social (e técnica) do trabalho a ela pertinente, propicia a profissionalização do
Serviço
Social, tem sua base nas modalidades através das quais o Estado burguês se enfrenta
com a questão social, tipificadas nas políticas sociais. Estas requerem agentes técnicos
no plano da sua formulação e da sua implementação, assim, o assistente social é inves-
tido como um dos agentes executores das políticas sociais.
A estrutura organizativa dos monopólios expressa na previsibilidade e controle dos de-
sequilíbrios funcionais dos sistemas, racionalização e maximização dos recursos, nor-
matização de procedimentos técnicos, introdução de novas tecnologias, exigências de
eficácia e eficiência dos meios (materiais e culturais) destinados à reprodução ampliada
do capital, polivalência nas ações e interdisciplinaridade profissional, conforma a inter-
venção profissional do assistente social (GUERRA, 1995).

A funcionalidade da política social no âmbito do capitalismo monopolista não


equivale a verificá-la como uma “decorrência natural” do Estado burguês
capturado pelo monopólio. A vigência deste apenas coloca a sua possibilidade
– sua concretização, como sugerimos, é variável nomeadamente das lutas de
classes. Não há dúvidas de que as políticas sociais decorrem fundamental-
mente da capacidade de mobilização e organização da classe operária e do
conjunto dos trabalhadores, a que o Estado, por vezes, responde com anteci-
pações estratégicas. Entretanto, a dinâmica das políticas sociais está longe
de esgotar-se numa tensão bipolar – segmentos da sociedade de demandan-
tes/ Estado burguês no capitalismo monopolista. De fato, elas são resultantes
extremamente complexas de um complicado jogo em que protagonistas e de-
mandas estão atravessados por contradições, confrontos e conflitos (NETTO,
2001).

Entretanto, para que possamos situar o desenvolvimento da função social do assistente


social na sociedade capitalista, seria interessante ampliarmos o leque de compreensão
sobre o papel das políticas sociais na reprodução das relações sociais nesta sociedade.
IAMAMOTO (1998) parte da compreensão de que:

Os serviços sociais são uma expressão concreta dos direitos sociais do cida-
dão, embora sejam efetivamente dirigidos àqueles que participam do produto
social por intermédio da cessão de seu trabalho, já que não dispõem do capital
nem da propriedade da terra. São serviços a que têm direito todos os mem-
bros da sociedade na qualidade de cidadãos, mas são serviços que vêm suprir
as necessidades daqueles cujo rendimento é insuficiente para ter acesso ao
padrão médio de vida do “cidadão”; são, portanto, a esses efetivamente diri-
gidos e por eles consumidos predominantemente.
Esses serviços são originários de impostos e taxas pagos pela população, cuja
parte dessa riqueza socialmente gerada é repassada para o Estado, que as
converte em serviços sociais para a população através das políticas sociais.
Dessa forma, esses serviços, públicos ou privados, “nada mais são do que a
devolução à classe trabalhadora de parcela mínima do produto por ela criado,
mas não apropriado, sob uma nova roupagem: a de serviços ou benefícios
sociais” (IAMAMOTO, 1998).

Assim, forma-se a impressão de que o Estado ou a empresa privada são bem-feitores


que se preocupam com a massa trabalhadora e por isso gostam de ajudá-la, desconsi-
derando os cenários econômicos, sociais e políticos que estão por trás das lutas sociais.
Portanto, se os serviços sociais, expressos nas políticas sociais, favorecem os trabalha-
dores, como resultado de conquistas sociais que suprem suas necessidades básicas de
sobrevivência, por outro, contraditoriamente, tornam-se um instrumento político que re-
força o poder da classe capitalista, pois tanto mantêm a força de trabalho em condições
de ser explorada produtivamente, quanto são um instrumento de controle e subordina-
ção dos trabalhadores ao capital.
Diante do aprofundamento do processo de industrialização e do agravamento da ques-
tão social, o Estado e o empresariado vão atribuindo progressivamente novas determi-
nações à legitimação e institucionalização do Serviço Social, profissão esta que tem seu
campo de trabalho ampliado conforme estratégias estabelecidas pelos setores domi-
nantes para o enfrentamento da questão social, consolidada através das políticas soci-
ais. Assim, Iamamoto chama atenção para uma das contradições importantes na com-
preensão das demandas para essa profissão: o assistente social recebe um mandato
diretamente das classes dominantes para atuar junto à classe trabalhadora.

A demanda de sua atuação não deriva daqueles que são o alvo de seus ser-
viços profissionais – os trabalhadores – mas do patronato, que é quem dire-
tamente o remunera, para atuar, segundo metas estabelecidas por estes,
junto aos setores dominados. Estabelece-se, então, uma disjunção entre in-
tervenção e remuneração, entre quem demanda e quem recebe os serviços
do profissional. O que deve ser ressaltado é que esse profissional, embora
trabalhe a partir e com a situação de vida do trabalhador, não é por ele dire-
tamente solicitado; atua junto a ele a partir de uma demanda, que na maioria
das vezes não é dele. A demanda dos serviços profissionais tem, pois, um
nítido caráter de classe, o que fornece, por sua proximidade estreita com o
Estado, um certo caráter “oficial” ao mandato recebido. Passa o profissional
a dispor de um suporte jurídico-institucional para se impor ante o “cliente”,
mais além de sua solicitação, restando ao usuário aceitar ou não os serviços
prestados, não podendo deles se subtrair. O caminho que percorre o cliente
até o profissional é mediatizado pelos serviços sociais prestados pelos orga-
nismos que contratam o profissional, os quais são, em geral, o alvo da procura
do usuário (IAMAMOTO, 1998).

O trabalho do assistente social se insere numa relação de compra e venda de


mercadorias em que sua força de trabalho é mercantilizada, estabelecendo-se assim
uma linha divisória entre a atividade assistencial voluntária, desencadeada por motiva-
ções puramente pessoais, e a atividade profissional, que se estabelece mediante uma
relação contratual que regulamenta as condições de obtenção dos meios de vida neces-
sários à reprodução desse trabalhador especializado.
O Serviço Social não se inscreve enquanto profissão, vinculado diretamente ao processo
de criação de produtos e de valor, mas participa, ao lado de outras profissões, da tarefa
de implementação de condições necessárias ao processo de reprodução no seu con-
junto, como indispensável e facilitador do movimento do capital, pois tem o trabalhador
e sua família como alvos predominantes do seu exercício profissional, elementos vitais
e significativos do processo de produção (IAMAMOTO,1998). Assim, ao proporcionar a
esse trabalhador e sua família condições mínimas de sobrevivência, fornece ao capital
mão-de-obra apta e disponível para a engrenagem do processo de produção capitalista.
A manutenção e reprodução dessa dominação de classe exige, ao mesmo tempo, a in-
teriorização e aceitação dessa dominação. Dessa forma, as instituições sociais das quais
os assistentes sociais são requisitados a participar põem como requisito uma interven-
ção normativa sobre os diferentes grupos sociais; assim, o enquadramento dos hábitos
de saúde, alimentação, habitação, comportamento, educação, ajustamento psicossocial
do trabalhador etc. colocam-se como elementos básicos na ação de impor essa aceita-
ção e interiorização das relações sociais vigentes no contexto de hegemonia do capital.
Diante do exposto, reafirmamos a postura assumida por Iamamoto ao considerar que “o
Serviço Social, como profissão inscrita na divisão social do trabalho, situa-se no pro-
cesso da reprodução das relações sociais, fundamentalmente como uma atividade au-
xiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia da classe
dominante junto à classe trabalhadora” (IAMAMOTO, 1998). Tendo na mediação dos
serviços sociais, determinados pela política social do Estado, uma característica funda-
mental na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho.
A natureza do trabalho do assistente social é estabelecida através de sua inser-
ção nas estruturas institucionais prestadoras de serviços sociais, assim, ao atuar na
prestação dos serviços sociais vinculados às diversas políticas sociais ele se insere na
esfera das atividades voltadas à regulação das relações sociais. Isto é posto na medida
em que podemos observar a participação dos profissionais de Serviço Social na criação
de condições necessárias ao processo de reprodução social, através de ações que tanto
incidem sobre as condições de vida dos trabalhadores (saúde, alimentação, educação,
habitação, lazer, dentre outros), quanto produzem efeitos ideológicos que reforçam (ou
não) a aceitação das condições de compra e venda da força de trabalho. Trata-se, por-
tanto, de atividades que oferecem bens e recursos complementares à sobrevivência dos
trabalhadores e que atendem às necessidades de normatização e controle dos compor-
tamentos sociais. Desta forma, o Serviço Social ocupa seu espaço na divisão social e
técnica do trabalho, ao lado de outras profissões, participando da tarefa de implemen-
tação de condições necessárias ao processo de reprodução social, especialmente a par-
tir do capitalismo monopolista, quando se desenvolvem diversas iniciativas de interven-
ção social que procuram enfrentar as expressões da questão social (TRINDADE, 2001).
Entretanto, é justamente na natureza contraditória dessa profissão que se abrem as
possibilidades de intervenção a favorecer um projeto de classe alternativo. Pois, a de-
pender da opção política a que o profissional esteja vinculado, ele poderá apoiar e as-
sessorar a organização dos trabalhadores, colocando-se a serviço de suas propostas e
objetivos.
O modo capitalista de produzir supõe, pois, um “modo capitalista de pensar”, que
expressa a ideologia dominante; ambos são inseparáveis e se expressam no cotidiano
da vida social. Assim, o Serviço Social está diretamente inserido nesse contexto.
Estando a profissão institucionalizada dentro da divisão capitalista do trabalho, ela, no
exercício de suas atividades vinculadas a organismos institucionais, dedica-se ao plane-
jamento, operacionalização e viabilização de serviços sociais destinados para a popula-
ção. Dessa forma, o assistente social configura-se como agente institucional à frente
das relações entre a instituição e a população. É a partir das expressões concretas das
relações sociais no cotidiano da vida dos indivíduos e grupos que o profissional efetiva
sua intervenção. Estando sua atividade referida ao cotidiano, enquanto produto histórico
e enquanto vivência pelos sujeitos, ele é aqui aprendido como manifestação da própria
história, na qual os agentes a reproduzem e se reproduzem, fazendo-se e refazendo-se
nesse processo social. Assim, cada momento histórico aprofunda e/ou redefine as de-
mandas de atuação desse profissional, que, como já dissemos, se articula diretamente
ao processo histórico-social engendrado no capitalismo.
É a partir desse entendimento que se abrem as possibilidades de compreensão da pro-
fissão e do papel desempenhado pelo profissional de Serviço Social, ampliando as pos-
sibilidades de reconhecimento das demandas colocadas ao Serviço Social, dada a in-
fluência direta que estas sofrem pelas relações sociais advindas do modo de produção
capitalista, que tem na marca da contradição e da exploração sua principal caracterís-
tica.
Sobre as demandas, MOTA (1998) afirma que estas são requisições técnico-operativas
que incorporam as exigências dos sujeitos demandantes através do mercado de traba-
lho, comportando uma verdadeira “teleologia” dos requisitantes a respeito das modali-
dades de atendimento de suas necessidades. Por isso, a identificação das demandas
não encerra o desvelamento das reais necessidades que as determinam.
Dentro do embate travado pela luta de classes, que traz em seu cerne diferentes inte-
resses, tendo em vista um lado defender o capital e o outro defender o trabalho, surgem
as necessidades sociais, fruto da questão social, expressão desses antagonismos de
classe. Essas necessidades sociais colocam demandas sociais que precisam ser atendi-
das, entretanto, cabe aqui destacar que essas demandas são permeadas por diferentes
interesses.
A partir dessas necessidades sociais será criado um conjunto de profissões, que
se desenvolverá na medida da sua utilidade social, vindo a institucionalizar práticas pro-
fissionais reconhecidas socialmente. Como qualquer profissão inscrita na divisão social
e técnica do trabalho, a de Serviço Social, para se reproduzir, também depende da sua
utilidade social, devendo ser capaz de responder às necessidades sociais que são a fonte
de sua demanda (IAMAMOTO, 1992).
A forma mais organizada de atendimento dessas demandas tem sua expressão nas po-
líticas sociais, às quais a população tem acesso através das instituições. Por meio das
demandas sociais surgem as demandas institucionais, que adquirem legitimidade e re-
conhecimento através das respostas dos profissionais que nelas atuam. Entretanto, as
respostas profissionais extrapolam o âmbito institucional, pois elas incidem diretamente
nas necessidades sociais.
Assim, consideramos que as demandas sociais são históricas e produzidas por necessi-
dades sociais que derivam da prática histórica das classes sociais, nos atos de produzir
e reproduzir seus meios de vida e de trabalho, de forma socialmente determinada. Dessa
forma, cada momento histórico adquire particularidades que interferem na ampliação ou
retraimento do atendimento das demandas postas pelas necessidades sociais.

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Módulo 20

Demandas para o Serviço Social no CAPS


O contexto de luta pelos direitos sociais, ampliação e consolidação da cidadania,
acesso igualitário, melhores condições de vida, respeito às diferenças etc., que estão na
base do movimento pela reforma psiquiátrica, se coaduna com as ideias defendidas por
um projeto de sociedade posto por uma das profissões presentes no dia-a-dia da reali-
dade da saúde mental, o Serviço Social.
Ramos (2003) ao analisar a identidade do assistente social nos Centros de Atenção Psi-
cossocial a partir da própria categoria e com os demais membros, de outras categorias
profissionais da equipe, mostra que os assistentes sociais se autoqualificam como:

✎ Agente assistencial: Esta identidade está relacionada às funções tradicionais his-


toricamente vinculadas ao Serviço Social, relacionadas às condições socioeconômi-
cas dos usuários e às suas necessidades em acessar determinados recursos que vi-
abilizem o acesso a direitos. Entre as demandas colocadas neste campo encontram-
se o acesso aos benefícios sociais, sobretudo, benefício de prestação continuada,
vale-transporte, aposentadorias, licenças dentre outros.

✎ Potencializador de mediações: O assistente social potencializa mediações em vá-


rios sentidos, articulando as relações do Caps com a rede socioassistencial do muni-
cípio ou do Estado; a relação usuários-familiares e equipe de Caps; a relação do Caps
com a comunidade/território; a relação entre os próprios profissionais do Caps. Neste
sentido, o assistente social é um articulador por excelência, porque na prática cotidi-
ana assume a condição de veiculador de informações entre os diferentes atores so-
ciais que atuam a partir dos serviços de saúde mental.

✎ Agente complementar, colaborador: Historicamente o agente privilegiado em sa-


úde é o médico. O assistente social já figurou como paramédico e agente complemen-
tar, subsidiário à ação das categorias que dominam o setor. Figura como um coadju-
vante do processo de saúde mental, mas nem por isso com um estatuto ou importân-
cia menor.

✎ Agente político, da cidadania, dos direitos: Tal identidade auto referida pelos as-
sistentes sociais está relacionada à gama de informações sobre legislação social que
este profissional detêm e aciona para viabilizar o exercício de direitos por parte dos
usuários dos serviços. O assistente social possui um amplo e difuso campo de inter-
venção circunscrito ao trato com a legislação social, a rede institucional, os mecanis-
mos de acesso e restrição dos segmentos sociais aos institutos de regulação social,
e, ainda, às ações de caráter imaterial voltadas para a mobilização de valores e com-
portamentos no universo das relações sociais (BARBOSA; CARDOSO; ALMEIDA,
1998, p.110).
Desse modo, o assistente social contribui no processo de acesso a determinados di-
reitos pela veiculação de informação, aproximação dos canais garantidores de direi-
tos e no fomento à criação de conselhos locais de saúde. De outra maneira, também,
pode atuar como agente político no interior da própria equipe de saúde mental, pois
é identificado como um profissional que faz circular as informações entre os diferen-
tes membros da equipe; questiona o cotidiano institucional fazendo com que a equipe
funcione e acione seu potencial em prol das necessidades dos usuários e do serviço.

✎ Agente terapêutico/terapeuta: Há um grupo significativo de assistentes sociais


com formação específica em psicanálise, terapia de família ou fundamentados na te-
oria sistêmica, que se incluem no denominado Serviço Social Clinico. Há um intenso
debate pela Internet e materializado em publicações do CRESS do Rio de Janeiro em
torno desta identidade assumida por uma parcela de assistentes sociais. No debate
sintetizado no livro Atribuições Privativas do Assistente Social e o “Serviço Social
Clínico” Marilda Iamamoto entende que investir neste sentido é retornar a um pas-
sado profissional antes do Movimento de Reconceituação. Representantes da UERJ
e do CRESS entendem que “os defensores do Serviço Social Clínico não estabelecem
relação do seu modo de operar com o Código de Ética Profissional, com a Lei de Re-
gulamentação da Profissão e com as Diretrizes Curriculares” (CRESSRJ, 2004, p. 17).
Sintetizando, não é atribuição dos assistentes sociais ações no plano clínico-terapêu-
tico.
Apesar disto, por exemplo, há um número significativo de assistentes sociais com
formação em terapia de família, que balizam suas práticas com estes fundamentos e
não com base no Projeto Ético Profissional, como pode ser visualizado em Dócolas
(2009).

Todavia, o assistente social em saúde mental não se autoconstrói. Sua identidade é


construída nas relações sociais e a partir das demandas originárias do corpo de dirigen-
tes das instituições, dos usuários dos serviços e na relação com os demais profissionais
da equipe, que demandam ações do assistente social tendo em vista o que entendem
ser as competências e atribuições deste profissional. Evidentemente, o próprio entendi-
mento do profissional do Serviço Social e sua leitura acerca da legislação profissional
também influirão nesta construção. Ramos (2003) ao avaliar a identidade do assistente
social desenhada pelos demais profissionais da equipe informa que os mesmos aponta-
ram o assistente social numa multiplicidade de dimensões, numericamente mais signifi-
cativas do que aquelas traçadas pelos próprios assistentes sociais, como:
▪ Agente assistencial;
▪ Potencializador de mediações;
▪ Profissional auxiliar, complementar;
▪ Agente terapêutico/ terapeuta;
▪ Agente político/da cidadania, dos direitos;
▪ Profissional da família.

O assistente social comumente é identificado pelos demais membros da equipe de saúde


mental como o profissional que tem mais habilidade e competência para atuar direta-
mente com os grupos familiares, sobretudo de baixa renda. Neste sentido é demandado
a realizar:
▪ orientação social;
▪ analisar a dinâmica familiar;
▪ fazer atendimento ao grupo e realizar visita domiciliar.

Trabalhamos com famílias atuando no processo de viabilização dos direitos e


dos meios de exercê-los. Requer considerar as relações sociais e a dimensão
de classe que as conformam, sua caracterização socioeconômica, as neces-
sidades sociais e os direitos de cidadania dos sujeitos envolvidos, as expres-
sões da questão social que se condensam nos grupos familiares, as políticas
públicas e o aparato de prestação de serviços sociais que as materializam
(CRESSRJ, 2004, p. 39).

Para tanto, o assistente social articula o trabalho com os grupos familiares com
a intersetorialidade, pois, tem que atuar em conjunto com as demais políticas públicas,
sendo, em tese, um exímio conhecedor da rede sócio assistencial e de seus recursos.
Vale lembrar que todos os profissionais da equipe de saúde mental atuam de maneira
direta mesmo que, no geral, pontual com as unidades familiares. Todavia, é o assistente
social que temporalmente tende a ter maior dedicação a este grupo no seu cotidiano
interventivo. Há ainda uma tendência das políticas públicas se matriciarem no grupo
familiar. Historicamente, o assistente social tem uma relação de intervenção construída
com as famílias, mas a categoria não construiu um arcabouço teórico metodológico pró-
prio para atuar com este grupo, o qual necessita de maiores investimentos do Serviço
Social.
✎ Agente educativo, socializador: O assistente social ao conferir novos tons à reali-
dade da pessoa com transtorno mental, ao viabilizar os direitos de cidadania, é requi-
sitado a ser um agente educativo, socializador. É da natureza do conteúdo de seu
trabalho a dimensão pedagógica, o trabalho socioeducativo, de educação em saúde
até mesmo com a equipe de saúde mental, pois, é o profissional que em função de
seu ofício faz a informação circular entre todos os atores sociais e institucionais.

✎ Profissional da inserção: O assistente social tem sido percebido como profissional


da inserção exatamente pela articulação que promove entre as diferentes políticas
públicas, para mobilizar recursos com o objetivo de reintegração social da pessoa
com transtorno mental. Neste sentido, alguns assistentes sociais têm inclusive se
engajado em programas de geração de renda e cooperativas de trabalho para inserir
a PTM em atividades laborativas significativas.

✎ Profissional do controle: Historicamente o assistente social também teve um papel


disciplinador dos usuários dos serviços, ao ser o profissional encarregado de veicular
normas e rotinas institucionais, em algumas circunstâncias até mesmo assumindo o
papel de fiscalizador de seu cumprimento.

✎ Agente multiplicador: O assistente social na sua condição de veiculador de infor-


mação acaba por se constituir como um agente multiplicador da mesma, ao difundir
informações através dos veículos de massa, como rádios comunitárias; palestras em
serviços comunitários ou pelos demais serviços da rede socioassistencial.

A presença dos assistentes sociais se faz marcante nos dois modelos atuais de aten-
dimento em saúde mental. A maioria das inserções desse profissional na saúde mental
se deu nas décadas de 1970 e 1990, períodos que representam a expansão dos serviços
oferecidos pelos dois modelos de atendimento em saúde mental.
Na proposta da reforma psiquiátrica e na implantação dos Caps dá-se um progressivo
deslocamento do centro do cuidado do portador de transtorno mental para fora do hos-
pital, em direção à comunidade, em articulação com uma rede básica de saúde e demais
instituições comunitárias (escolas, igrejas etc.) que façam parte do convívio deste usu-
ário. Isto vai repercutir no mercado de trabalho do Serviço Social na Saúde Mental. Estes
serviços necessitam da participação do Serviço Social em proporção maior do que na
internação e têm permitido um aumento de contratações desse profissional similar ao
produzido nos anos 1970 pelas resoluções do INPS.
O aumento do número de assistentes sociais na Saúde Mental nos anos 1990 também
está relacionado à expansão de práticas de saúde pautadas nos princípios da Reforma
Sanitária Brasileira, trazendo avanços democráticos na área da saúde expressos na
Constituição Brasileira de 1988, que postulou a criação do Sistema Único de Saúde. Este
determina a universalidade da assistência à saúde como direito do cidadão e dever do
Estado, a descentralização da organização do sistema de saúde, com o repasse para os
municípios das ações e serviços locais. Entretanto, cabe-nos também destacar que não
podemos esquecer que este modelo de saúde se encontra tensionado pelo projeto pri-
vatista atual de saúde, que, inserido no contexto das políticas neoliberais, “sufoca” as
equipes de saúde, pois ampliam-se as demandas por atendimento nos serviços e não se
amplia na mesma proporção o quadro da equipe para atendê-las, sobrecarregando os
serviços e oferecendo atendimentos de baixa qualidade, realidade esta presente nos
serviços de saúde como um todo.
A forma de compreensão e defesa das ideias do movimento da reforma psiquiá-
trica expressa nas concepções que dão ênfase à dimensão social e política dos proble-
mas mentais contribui para uma articulação direta junto ao Serviço Social, possibilitando
uma direção emancipadora tanto para o campo da saúde mental quanto para o Serviço
Social. Segundo BISNETO (2001), o Movimento da Reforma Psiquiátrica tem pontos que
tocam o momento atual do Serviço Social, destacando-se:

O debate em torno da transformação das organizações institucionais psiquiá-


tricas e de assistência social; a ênfase no aspecto político da assistência so-
cial e da assistência psiquiátrica; a necessidade da interdisciplinaridade e de
ultrapassar os limites entre os saberes; a necessidade de democratizar as re-
lações de poder entre técnicos e usuários.

O Serviço Social tem uma grande contribuição a dar com a sua inserção nos no-
vos serviços de saúde mental, e de forma especial aqui nos referimos aos serviços subs-
titutivos, dentre os quais ressaltamos os Caps. O objetivo dos Caps, que é oferecer aten-
dimento à população de sua área de abrangência, realizando acompanhamento clínico
e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, se coloca como espaço aberto
de atuação para o Serviço Social, tendo em vista o papel histórico-político que a profis-
são tem desenvolvido através da elaboração, implementação, execução e avaliação de
políticas sociais voltadas para a garantia do atendimento às necessidades sociais da
classe trabalhadora.
Esses serviços possuem fortes características que se expressam através de demandas
sobre as quais se coloca a necessidade da contribuição do Serviço Social, dentre as
quais podemos destacar:
✎ A articulação junto à família, comunidade e instituições (escolas, trabalho etc.) nos
aspectos sociais e políticos relacionados aos usuários;
✎ As atividades de suporte social, que vão desde a articulação com a rede de saúde
e demais políticas sociais (educação, habitação, lazer, esporte e cultura, trabalho
etc.);
✎ O desenvolvimento de projetos de inserção no trabalho, alfabetização, concessão
de benefícios e encaminhamentos para obtenção de documentos e apoio para o exer-
cício de direitos civis;
✎ A formação de associações de usuários e/ou familiares, conselhos gestores, den-
tre outros, que proporcionem discussões acerca das condições de vida e saúde dos
usuários e viabilizem ações que possibilitem sua superação etc.

A reinserção social é uma demanda que sempre se colocou para o Serviço Social na
Saúde Mental, em decorrência do forte componente social que se faz presente desde o
início da problemática da loucura, posta sempre à margem da sociedade, gerando ne-
cessidade de reconhecimento e intervenção. O cenário em que ela é posta e a forma de
compreensão do que seja essa reinserção são a grande diferença que se configura ao
longo dos períodos históricos. Inicialmente (década de 1940), o assistente social era re-
quisitado para adequar o cliente à instituição, à escola, à família, num cenário de reajus-
tamento ao modelo de sociedade que se fazia presente.
Posteriormente, já na década de 1960, sua ação se desenvolvia e era ampliada para dar
respostas institucionais ao agravamento das condições de saúde da classe trabalhadora
num contexto de adequação do trabalhador e de sua família para o trabalho.
No atual cenário, configurado pelas experiências da reforma psiquiátrica, da qual desta-
camos o atendimento nos Caps, esta reinserção dá-se levando em conta novos elemen-
tos.
A Política Nacional de Saúde Mental, regulamentada pela Lei nº 10.216, que dis-
põe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental, assegura, dentre vários outros di-
reitos, que a pessoa portadora de transtorno mental deve: “ser tratada com humanidade
e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recu-
peração pela inserção na família, no trabalho e na comunidade”; assim, ela amplia o
leque de compreensão desta inserção, considerando que esta deve ser realizada pelo
acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familia-
res e comunitários.
Essa ampliação no sentido da inserção social posta pela atual política, numa perspectiva
de garantia de direitos e reconhecimento dos portadores de transtornos mentais como
sujeito de direitos, possibilita aos assistentes sociais o desenvolvimento de várias ações
postas a partir das variadas frentes (família, trabalho, comunidade, associações etc.)
nas quais se expressam as demandas.
Há uma preocupação dos assistentes sociais com a inserção social, a ressocialização e
a reintegração dos portadores de transtornos mentais, seja através da escola e das ati-
vidades na comunidade, seja na família e na sociedade em geral, indo ao encontro do
que preconiza a política de saúde mental.
A compreensão que o assistente social tem acerca da inserção social pode contribuir ou
não na ampliação de seus espaços de realização, por exemplo, temos verificado que a
inserção do portador de transtorno mental junto à família tem sido o grande foco de
atuação desse profissional, desenvolvendo-se através de orientações sociais, encami-
nhamentos, esclarecimentos acerca do desenvolvimento do usuário no seu projeto te-
rapêutico etc. Essas ações são fundamentais na articulação usuário/família, no entanto,
não se pode esquecer das demais instâncias nas quais se insere este usuário e sua fa-
mília, sendo preciso desenvolver e fortalecer ações que contribuam em sua articulação
junto à comunidade, no acesso à escola, ao trabalho, no incentivo à participação social,
na viabilização de ações que colaborem para a superação do preconceito e reconheci-
mento desse usuário como capaz de conviver e se desenvolver em sociedade, constru-
indo novas possibilidades junto à sociedade.
Se por um lado reconhecemos que a preocupação com a inserção social, ressocialização
e reintegração do portador de transtorno mental se configura numa demanda legítima
para o Serviço Social, por outro lado não podemos deixar de ressaltar a influência do
contexto econômico, social e político sobre a sua realização. Como inserir esse usuário
numa sociedade totalmente excludente? Será que o reconhecimento dos espaços e
ações que possibilitam essa inserção tem sido efetivado no cotidiano dos Caps?
No cotidiano do desenvolvimento dos serviços nessas instituições os profissionais depa-
ram-se com um perfil populacional caracterizado por desemprego, subemprego, analfa-
betismo, condições precárias de moradia, saúde, alimentação e dificuldade de acesso a
recursos sociais (aposentadorias, transporte gratuito, medicação) etc. Essas condições
expressam toda a fragilidade no acesso ao trabalho e proteção social desse usuário e de
sua família, inerente ao conjunto da classe trabalhadora que sofre os reflexos da preca-
rização do trabalho e da falta de condições dignas de vida, fruto dos efeitos das desi-
gualdades próprias da relação capital x trabalho na sociedade capitalista.
No dia-a-dia de trabalho dos assistentes sociais, estes têm procurado viabilizar ações
que contribuam no acesso aos recursos sociais para os usuários e familiares. Um exem-
plo marcante é a viabilização de documentos e encaminhamentos para aposentadorias
e demais benefícios (bolsa família, no caso dos usuários do Capsi), cujo acesso muitas
vezes representa a única fonte de renda da família, bem como o acesso à carteira de
transporte gratuito, viabilizando assim a ida desse usuário e de seus familiares ao ser-
viço.
O incentivo à criação de oficinas de geração de renda que possibilitem a inserção desses
usuários e familiares no mercado de trabalho tem sido preconizado pela política de saúde
mental, entretanto, não verificamos o desenvolvimento de ações efetivas nesses servi-
ços pela totalidade das instituições visitadas.
A construção de uma rede de atendimento que efetivamente garanta os direitos
sociais dos usuários através da viabilização do acesso ao conjunto das políticas sociais
constitui-se num elemento de inserção social.
A atual política de saúde mental preconiza que os Caps deverão assumir um papel es-
tratégico na articulação e na formação dessas redes, tanto cumprindo suas funções na
assistência direta e na regulação da rede de serviços de saúde, trabalhando em conjunto
com as equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, quanto na pro-
moção da vida comunitária e da autonomia dos usuários, articulando os recursos exis-
tentes em outras redes: sociossanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas,
empresas etc.
Entretanto, a efetivação da reabilitação psicossocial do portador de transtorno mental
encontra-se permeada por uma série de limites postos pelo atual cenário econômico,
político e social, tendo em vista sua influência direta nos avanços e retrocessos dos di-
reitos sociais, que esbarram nas políticas neoliberais que restringem e dificultam o
acesso das pessoas aos direitos assegurados pela legislação.
A ausência de recursos e articulação com as demais instituições que contribuam na am-
pliação das redes sociais de atendimento às demandas dos usuários dificultam a reali-
zação de ações que favoreçam a inserção social dos portadores de transtornos mentais.
Essas dificuldades influem diretamente nos espaços de atuação do Serviço Social tra-
zendo novas demandas que precisam ser respondidas. Sendo o Serviço Social uma pro-
fissão voltada para o atendimento das necessidades sociais fruto da questão social, um
dos fortes componentes que esbarra na prática profissional dos assistentes sociais ao
longo de sua natureza histórica diz respeito às dificuldades sociais que atingem direta-
mente seus usuários e as instituições nas quais atuam. Esse profissional constitui a
porta-de-entrada pela qual são viabilizadas as demandas por políticas sociais nas insti-
tuições, proporcionando o acesso aos serviços, tanto da instituição que atua quanto das
demais que compõem a rede, no atendimento ao conjunto de precarizações sociais que
sofrem seus usuários. Essa característica o diferencia das demais profissões, atribuindo
ao Serviço Social demandas a que as demais profissões não conseguem responder.
O assistente social nos Caps se depara no seu cotidiano de trabalho com usuários
que por trás do transtorno mental encontram-se em precárias condições de vida que
refletem diretamente em suas condições de saúde, sendo necessário uma atuação que
compreenda as necessidades sociais deste usuário em sua totalidade, procurando via-
bilizar ações que ampliem o atendimento das demandas postas por ele, numa ótica que
possibilite a prestação de serviços, tomando como base a noção de direitos. Assim, é
preciso ultrapassar o espaço institucional sob o qual atua, articulando-se com outras
instituições (Hospitais Gerais, INSS, Secretarias de Educação, Justiça, outras, ONGs, As-
sociações etc.) que atendam às demandas postas pela realidade social dos usuários
numa perspectiva de acesso aos direitos sociais destes.
Um aspecto importante a ser pontuado é a presença do componente político na efetiva-
ção das redes. Não desconsideramos que dentro do espaço público há um forte compo-
nente político que permeia as relações institucionais, entretanto, as dificuldades presen-
tes na base da organização para efetivação dos serviços públicos, gratuitos e de quali-
dade, extrapolam o conceito de “vontade política”. Certamente, reconhecemos a in-
fluência das questões “políticas” no espaço público, mas a base sob a qual se concen-
tram as dificuldades no acesso aos recursos e garantia na oferta de serviços de quali-
dade para todos tem seu fundamento na exploração capitalista, cujas contradições na
exploração do capital x trabalho geram condições de desigualdade e acesso aos bens
socialmente produzidos, beneficiando uma classe (burguesa) em detrimento daquela
que vende sua força de trabalho (classe trabalhadora) por um salário, estando esta úl-
tima submetida a toda estrutura ideológica, política, social, econômica, que constitui a
representação dos interesses burgueses desta sociedade.
Entretanto, apesar deste pano de fundo que se coloca na base das dificuldades para
efetivação de serviços de qualidade que atendam às necessidades da população, não
podemos esquecer que é dentro deste contexto contraditório expresso através da luta
de classes que se abrem as possibilidades para seu enfrentamento. A luta política ex-
pressa através dos movimentos organizados da sociedade civil se coloca como ponto de
destaque necessário neste enfrentamento. Se a efetivação das redes sociais através dos
diversos espaços públicos existentes na sociedade, de inserção social, seja através das
diferentes políticas sociais (concessão de benefício previdenciário; acesso à escola etc.)
ou de ações comunitárias (datas comemorativas, festas etc.) que possibilitam o acesso
dos portadores de transtornos mentais à vida em sociedade não se coloca como canais
disponíveis, é preciso entrar em cena a organização social através da mobilização social,
que tem como canais efetivos de expressão as associações, os conselhos de políticas,
as denúncias junto ao Ministério Público etc., em favor do reconhecimento dos direitos
assegurados pela legislação e não postos em prática.
Dentro do contexto institucional dos Caps esta é uma demanda a ser reconhecida
e/ou ampliada pelos assistentes sociais, compreendida como recurso necessário que
possibilite a legitimação e investimento nas redes sociais como recursos imprescindíveis
para a garantia dos direitos do portadores de transtornos mentais.
Não podemos pensar sobre as demandas postas aos assistentes sociais que atuam nos
Caps sem fazer referência a um conjunto maior de fatores que estão diretamente arti-
culados à construção e efetivação desses serviços. É preciso compreender o contexto
em que se foram construindo os diferentes modelos de atenção à saúde mental (hospi-
talocêntrico e comunitário/substitutivo), as diferentes formas de olhar sobre a loucura,
a influência direta dos aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais, para entender
a realidade que vivemos e pensar o futuro que desejamos.
A precarização das condições de vida é compreendida como um dos fatores que se re-
lacionam com o adoecimento mental. Ele aparece interferindo diretamente nas relações
familiares, pois o adoecimento mental traz uma carga de sofrimento e preconceito muito
grande, exigindo da família uma contrapartida (cuidados diários, atenção quanto a me-
dicação e observação da evolução do transtorno de seu familiar, dentre vários outros)
que muitas vezes ela não pode dar, pois tem de trabalhar para prover ou complementar
(no caso dos usuários que recebem benefícios) o sustento da casa.
Ao direcionarmos o nosso olhar para a problemática dos transtornos mentais, não po-
demos apreendê-lo como algo específico, mas sim inserido num contexto amplo que se
relaciona com outras problemáticas (falta de moradia, alimentação, trabalho, precon-
ceito etc.).
Esse conjunto de problemas são fruto de uma mesma base, cujos reflexos se apresen-
tam de forma fragmentada e que parecem não estar relacionados. Se tomarmos como
referência o conceito de saúde trazido pelo movimento da reforma sanitária veremos
que ele não está mais relacionado simplesmente à ausência de doença, mas sim com-
preendem a saúde como um conjunto de fatores articulados como o acesso ao lazer,
alimentação, moradia, trabalho etc. que, juntos, proporcionam o bem-estar de cada usu-
ário (BRAVO, 1996).
Desta forma, consideramos a questão social como o pano de fundo que permeia essas
relações, cujos fragmentos fazem parte de um todo que tem na exploração e reprodução
da força viva de trabalho a sua base. Essa questão social, presente no cotidiano da so-
ciedade, é a expressão das lutas de classe, da desigualdade na participação da distri-
buição da riqueza produzida no capitalismo. Assim, ela não pode ser dissociada da rea-
lidade diária dos usuários, muito pelo contrário, eles vivenciam ‘na pele’ a desigualdade
e é justamente sobre ela que o Serviço Social é chamado enquanto profissão para atuar.
Ele atua na reprodução das relações sociais através da criação de condições que obs-
cureçam as relações de exploração, ao mesmo tempo que provêm serviços sociais que
atendam às necessidades sociais dos trabalhadores.
Reconhecer este componente social, presente na problemática da saúde mental, implica
ampliar o universo de análise da saúde mental para além de uma abordagem puramente
patológica, pois a própria relação histórica no atendimento à saúde mental é perpassada
por este conjunto de problemáticas sociais (falta de moradia, alimentação, trabalho
etc.), que geram a necessidade da intervenção social na questão da loucura, colocando-
se como demanda de atuação para o assistente social.
Uma das relações sociais que sofrem as influências direta desta realidade é a família.
Essas e outras questões estão atreladas diretamente ao contexto familiar do qual o por-
tador de transtorno mental faz parte. Assim, a família torna-se fator de fundamental
importância na construção das demandas postas ao Serviço Social, pois ela também
sofre os reflexos diretos das problemáticas e dificuldades que fazem parte do dia-a-dia
dos usuários, configurando-se como presença constante no trabalho dos assistentes
sociais.
Um dos objetivos dos Caps é incentivar as famílias para participarem da melhor
forma possível do quotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo mais
próximo que os usuários têm com o mundo e por isso são pessoas muito importantes
para o trabalho dos Caps. Os familiares podem participar dos Caps, não somente incen-
tivando o usuário a se envolver no projeto terapêutico, mas também participando dire-
tamente das atividades do serviço, como os projetos de trabalho e ações comunitárias
de integração social. Os familiares são considerados pelos Caps como parceiros no tra-
tamento (BRASIL, 2004).
A família tem-se constituído como uma demanda histórica posta ao Serviço So-
cial. Os trabalhadores e sua família são os alvos predominantes da ação do assistente
social no sistema capitalista, configurando-se assim como alvo central de reconheci-
mento social, pois esta é perpassada por um conjunto de problemas (doença do familiar,
desemprego, falta de acesso aos recursos sociais etc.). Ela constituiu-se ao longo da
história da profissão como o foco do objeto da atuação do assistente social para o êxito
nas ações por este desenvolvidas, pois ela é a base sobre a qual todas as expressões da
questão social se refletem. No novo contexto da política de saúde mental trazido pelos
Caps ela configura-se como base de apoio fundamental na condução e desenvolvimento
dos portadores de transtornos mentais.
A família sofre o reflexo direto das dificuldades de acesso ao trabalho, renda,
moradia, direitos sociais, qualidade de vida digna etc., fatores que rebaterão direta-
mente na vida de cada usuário e no desenvolver de seu acompanhamento no Caps. O
trabalho junto à família não é específico do assistente social dentro do atendimento nos
Caps, entretanto, dada a particularidade de sua formação profissional no atendimento
às necessidades sociais, fruto da questão social e sua proximidade no entendimento da
problemática que atinge a grande maioria das famílias presentes no serviço, cabe a este
profissional articular suas ações junto a essa família visando proporcionar o acesso e a
garantia dos direitos sociais.
O Serviço Social pode desenvolver várias atividades que possibilitem ampliar o es-
paço social de reconhecimento das famílias, dentre as quais podemos destacar: oficinas
de politização que trabalhem junto à família o papel por ela desenvolvido nas relações
sociais e seu protagonismo frente às necessidades de superação de suas condições de
vida, através:
✎ Do reconhecimento dos seus direitos e estímulo à participação social, por meio da
formação de associações, na participação nos conselhos gestores e movimento na-
cional da luta antimanicomial;
✎ Da sua inserção em oficinas de geração de renda, possibilitando a expressão e o
desenvolvimento de suas habilidades como meio de prover recursos financeiros;
✎ Do incentivo à formação de cooperativas sociais, através de parcerias junto a em-
presas privadas, ONGs e demais instituições públicas; a formação de projetos de ca-
ráter educativo/reflexivo que possibilitem trabalhar aspectos relacionados ao sofri-
mento psíquico e aos rebatimentos na vida individual e coletiva (questões relaciona-
das ao trabalho, à convivência familiar, à convivência comunitária, questões institu-
cionais, questões culturais e religiosas etc.).

Além da realização do trabalho com as famílias dos usuários, vários outros componentes
dentro da instituição fazem parte do contexto que gera demandas para os assistentes
sociais.
A Lei de Regulamentação da profissão (Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993) ressalta que
constituem competências do assistente social:
✎ Encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à po-
pulação;
✎ Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identi-
ficar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direi-
tos;
✎ Planejar, organizar e administrar benefícios e serviços sociais, dentre várias outras
competências.

A partir dessa identificação podemos ressaltar alguns aspectos presentes nas ações
desenvolvidas pelos assistentes sociais. O primeiro deles diz respeito aos benefícios so-
ciais, sendo esta caracterizada como uma das atribuições de maior relevância desenvol-
vida por este profissional nos Caps. Um outro elemento a ser destacado é a confusão
feita por alguns profissionais ao identificar as visitas domiciliares e as entrevistas como
ação profissional, quando na verdade estas se caracterizam como instrumentos utiliza-
dos pelo Serviço Social no desenvolvimento de suas ações profissionais.
Na construção das atribuições postas aos assistentes sociais encontra-se um perfil po-
pulacional que sofre os reflexos diários da precarização das relações de trabalho, do
acesso à saúde, educação, moradia, lazer, enfim, condições dignas de vida. E diante
desta realidade o assistente social é o profissional responsável pela viabilização do
acesso a serviços que garantem os direitos sociais desses usuários e sua família, inter-
vindo diretamente sobre suas condições de vida através da viabilização de recursos so-
ciais, seja através da política previdenciária que viabilizará as aposentadorias, seja atra-
vés da política de educação, no acesso de determinado usuário à escola, seja através da
política de assistência social pela concessão do benefício de prestação continuada (BPC)
e a carteira de livre acesso no transporte público, enfim, intervindo no atendimento das
necessidades sociais postas pelos usuários dos serviços.
Assim, o conjunto dos elementos apontados acima nos permite verificar que grande
parte das atribuições postas aos assistentes sociais referem-se àquelas historicamente
consolidadas na profissão, indicando sua utilidade social através do atendimento às de-
mandas imediatas dos usuários pela viabilização de políticas sociais, relacionando-se à
execução terminal de serviços sociais, demandas essas que não são específicas da sa-
úde mental, mas sim caracterizadas como demandas gerais da profissão.
As atribuições do Serviço Social nos Caps têm uma relação direta com o projeto tera-
pêutico de cada usuário atendido pela instituição, pois certamente a viabilização do
acesso a esses recursos sociais proporciona uma maior aproximação destes à vida em
sociedade, além de na maioria das vezes interferir diretamente na vida familiar, pois o
recebimento de determinado benefício geralmente contribui com o orçamento domés-
tico.
Segundo o Ministério da Saúde:

Os usuários devem ser incentivados a criar suas associações ou cooperativas,


onde possam, através da organização, discutir seus problemas comuns e bus-
car soluções coletivas para questões sociais e de direitos essenciais, que ul-
trapassam as possibilidades de atuação dos CAPS (...) As organizações de
usuários e/ou familiares têm cumprido um importante papel na mudança do
modelo assistencial no Brasil, participando ativamente da discussão sobre os
serviços de saúde mental e promovendo atividades que visam a maior inser-
ção social, a geração de renda e trabalho e a garantia de seus direitos sociais
(BRASIL, 2004).

Uma outra competência prevista para o assistente social na Lei de Regulamentação da


Profissão diz respeito a prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria
relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa de direitos civis, políticos e
sociais da coletividade. Podemos observar uma quase ausência de articulação entre a
prática dos assistentes sociais com os movimentos sociais, conselhos de políticas, as-
sociações etc.
A partir da aproximação dessas duas realidades, observa-se que há uma enorme lacuna
a ser preenchida, pois, diante de um cenário de precarização e minimização de recursos
públicos, torna-se fundamental a articulação com a sociedade através de movimentos
organizados que visem exigir do poder público o cumprimento efetivo e a qualidade dos
serviços por ele prestados.
Há o predomínio das atribuições profissionais mais recorrentes na profissão: encami-
nhamentos, aconselhamento, viabilização de recursos sociais, dentre outros.
No entanto, cabe-nos destacar que outras possibilidades se abrem como espaço de re-
conhecimento das demandas postas aos assistentes sociais através de novas atribui-
ções que precisam ser reconhecidas por estes nos Caps. Elas se expressam por meio
das possibilidades de articulação do Serviço Social junto às demais políticas sociais (edu-
cação, previdência, habitação, cultura, esporte, lazer etc.), ampliando o acesso dos por-
tadores de transtornos mentais e suas famílias a novos espaços de construção social.
Os Caps inauguram novas possibilidades para os portadores de transtornos men-
tais, possibilitando aos assistentes sociais ultrapassar as barreiras dos limites físicos da
instituição e articular novas ações junto à comunidade, contribuindo na construção de
novos espaços sociais que possibilitem aos usuários do Caps o reconhecimento social
como sujeitos de direitos, que, apesar de algumas limitações postas pelos momentos de
crise, sejam reconhecidos como pessoas capazes e iguais aos demais. Potencialidades
como estas necessitam ser mais bem trabalhadas e reconhecidas pelos assistentes so-
ciais, dado o amplo leque de possibilidades que a prática profissional permite a este pro-
fissional desenvolver.
Dada a relevância do papel deste profissional no questionamento acerca dos serviços
oferecidos e nas condições de vida e saúde dos usuários junto à equipe, outras possibi-
lidades se colocam para os assistentes sociais:
✎ O incentivo para a formação e participação da equipe e dos usuários nos Conselhos
Gestores das unidades, fundamentais no reconhecimento junto ao poder público das
dificuldades inerentes à qualidade dos serviços oferecidos à população;
✎ O incentivo na formação de grupos de estudos sobre os aspectos que dizem res-
peito à saúde mental (legislação, Reforma Psiquiátrica, transtornos mentais etc.).

Um outro elemento de grande destaque e fundamental importância na construção dos


serviços substitutivos de saúde mental diz respeito à equipe técnica. Sobre a equipe que
trabalha nos Caps (regulamentada através da Portaria nº 336, de 19/2/2002), ela é com-
posta por profissionais que possuem diversas formações (diferentes técnicos de nível
superior e de nível médio) e é caracterizada como ‘equipe multiprofissional’.
De acordo com Ministério da Saúde:

As equipes técnicas devem organizar-se para acolher os usuários, desenvol-


ver os projetos terapêuticos, trabalhar nas atividades de reabilitação psicos-
social, compartilhar do espaço de convivência do serviço e poder equacionar
problemas inesperados e outras questões que porventura demandem provi-
dências imediatas, durante todo o período de funcionamento da unidade. O
papel da equipe técnica é fundamental para a organização, desenvolvimento
e manutenção do ambiente terapêutico. A duração da permanência dos usu-
ários no atendimento dos Caps depende de muitas variáveis, desde o com-
prometimento psíquico do usuário até o projeto terapêutico traçado, e a rede
de apoio familiar e social que se pode estabelecer. O importante é saber que
o Caps não deve ser um lugar que desenvolve a dependência do usuário ao
seu tratamento por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços sociais,
familiares e comunitários, que vai possibilitar a autonomia, deve ser cuidado-
samente preparado e ocorrer de forma gradativa

Há uma forte presença da equipe técnica no encaminhamento das ações do serviço e


que há uma articulação entre o Serviço Social e as demais categorias profissionais que
compõem a equipe, destacando-se principalmente a figura do psicólogo, que aparece
como a mais próxima do assistente social, dada a aproximação deste último com as re-
lações sociais nas quais se insere o usuário, sua família e sua relação com a comunidade
em que vive, entretanto, o assistente social tem seu papel legitimado na política de sa-
úde mental através da viabilização de serviços sociais no atendimento às demandas dos
usuários e da instituição.
Muitas das práticas de interdisciplinaridade verificadas em serviços de saúde mental
brasileiros, inspirados na proposta de desinstitucionalização feita pela Psiquiatria Demo-
crática Italiana, possuem várias características básicas que dizem respeito à reciproci-
dade, enriquecimento mútuo, com uma tendência à horizontalização das relações de
poder entre os campos implicados (VASCONCELOS, 2002).
O novo modelo de atendimento trazido pelos serviços substitutivos tem na equipe
técnica um elemento fundamental no desenvolvimento das ações institucionais. O tra-
balho deve se desenvolver de forma articulada, em que os saberes sejam compartilha-
dos, contribuindo assim no desenvolvimento de cada usuário dentro da instituição. As-
sim, é fundamental que a equipe tenha o domínio das concepções, formas de tratamento
e abordagem sobre a loucura postas pelos Caps e o reconhecimento das diferenças que
se colocam entre os diferentes modelos de atenção à saúde mental. O conhecimento
acerca dos aspectos patológicos, psicológicos, terapêuticos, sociais etc. presente no
dia-a-dia dos Caps torna-se pré-requisito fundamental que deve compor o entendimento
da equipe.
Acreditamos que uma clara compreensão acerca do papel dos Caps, da forma como se
estrutura o atendimento ao portador de transtorno mental, das particularidades ineren-
tes a cada usuário em termos de sua patologia e condições de vida, dentre outros as-
pectos também importantes nele inseridos, coloca para os assistentes sociais uma po-
sição estratégica dentro desses serviços, não configurando sua prática como uma inter-
venção terapêutica, mas sim sociopolítica, ou seja, situando as condições de vida dos
usuários dentro dos processos econômicos, sociais, políticos e culturais que perpassam
as relações sociais nas quais esses se inserem.
A problemática trazida pela loucura vai de um extremo, que tem como base o isola-
mento, ao outro, que tem como base o reconhecimento do portador de transtornos men-
tais como sujeito de direitos, cujo tratamento se volta para a inserção social deste na
família e na sociedade.
As mudanças que configuram as bases desse novo olhar sobre a loucura encon-
tram seu cerne num conjunto de discussões e reflexões trazidos por movimentos socio-
políticos nacionais e internacionais (os quais já foram citados, mas aqui cabe destacar o
movimento da reforma sanitária, da reforma psiquiátrica, da luta antimanicomial, dentre
outros) que propõe ações que contribuíram na construção de um novo modelo de aten-
dimento aos portadores de transtornos mentais. Diante do atual quadro econômico e
político expresso na precarização do trabalho e na redução do papel do Estado há um
enorme aumento das dificuldades e disparidades de construção de condições adequa-
das de inserção social deste na sociedade. Por outro lado, não podemos deixar de reco-
nhecer o portador de transtorno mental como sujeito de direitos, cujas necessidades
precisam ser atendidas através das políticas sociais. Compreendemos que o atendi-
mento dessas necessidades é o mínimo que pode ser feito dentro dessa ordem, tendo
em vista a desigualdade econômica, social e política fruto da exploração do trabalho,
que está na raiz do conjunto das relações inseridas na sociedade capitalista em que vi-
vemos. Entretanto, não podemos negar que o reconhecimento desse portador de trans-
torno mental como sujeito de direito seja uma grande conquista, tendo em vista o con-
junto de privações por ele vivenciado ao longo da abordagem dada à loucura no processo
histórico.
Inserido no conjunto de transformação do reconhecimento da problemática da
loucura encontram-se as demandas sociais postas ao Estado no atendimento aos por-
tadores de transtornos mentais, e diretamente relacionadas ao atendimento destas de-
mandas encontram-se as instituições e as diferentes categorias profissionais que bus-
cam responder a essas necessidades.
Dentre as diversas categorias profissionais cabe-nos aqui destacar os assistentes soci-
ais. O olhar inerente a este profissional extrapola a problemática individual de cada usu-
ário, inserindo-a num contexto mais amplo que situe as dificuldades postas à saúde
mental e à reforma psiquiátrica dentro do cenário econômico, político, social, cultural,
tendo em seu cerne o capitalismo e a exploração do trabalho, dos quais decorrem uma
série de dificuldades que impossibilitam o acesso igualitário e a garantia dos direitos
sociais a todos sem distinção.
O novo contexto no qual se insere a política de saúde mental traz a necessidade
de uma articulação com a rede de atendimento que ultrapasse o âmbito dos muros da
instituição, voltando-se para os demais recursos disponíveis, sejam eles: os recursos
afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc.), os recursos sanitários (serviços de
saúde), os recursos sociais (moradia, trabalho, escola, esporte etc.), econômicos (di-
nheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de lazer, enfim, todos aqueles que po-
tencializam as equipes de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial do
portador de transtornos mentais.
Estando o assistente social inserido nesse contexto trazido pelos Caps, posto como um
dos integrantes da equipe técnica que atua nesses serviços e dadas as particularidades
inerentes a sua formação profissional, abre-se um amplo leque de possibilidades para o
desenvolvimento de ações profissionais que ultrapassem uma mera prática conserva-
dora, reprodutora das atividades costumeiras do cotidiano de trabalho. O Serviço Social,
ao articular sua atividade profissional junto aos demais recursos disponíveis em outras
instâncias, pode ampliar os espaços de reconhecimento das necessidades postas pela
realidade dos usuários, buscando legitimá-los e reconhecê-los como construção de ci-
dadania e reconhecimento deste como sujeito de direito.
Reconhecemos as limitações muitas vezes presentes no cotidiano do desenvolvimento
dos serviços, as quais se inserem num cenário político, econômico e social que precariza
as condições de acesso e qualidade dos serviços ofertados, dificultando as articulações
junto à rede de atendimento, e que o assistente social no seu cotidiano é o profissional
que mais sente essas dificuldades, sofrendo os reflexos diretos dessas condições de
desinvestimento e precarização. Entretanto, algumas potencialidades se colocam rumo
ao questionamento e enfrentamento dessa situação.
O mercado profissional hoje está apresentando uma série de tensões que podem
ser encaradas como desafios de uma prática criativa, competente, crítica e compromis-
sada com a democracia e cidadania que vêm sendo contempladas no projeto ético-polí-
tico do Serviço Social.
Diante das possibilidades de trabalho que são demandadas ao assistente social no
campo da saúde mental, podemos constatar que hoje o projeto profissional do Serviço
Social vem exigindo da categoria uma enorme variedade de ações profissionais que não
se restringe àquelas que são efetivadas costumeiramente por esses profissionais no
campo da saúde mental. Dentre as novas requisições que estão sendo exigidas aos as-
sistentes sociais, podemos citar:
✎ Desenvolvimento de projetos de caráter educativo/reflexivo, individual e grupal,
que possibilitem trabalhar aspectos relacionados ao sofrimento psíquico e aos reba-
timentos na vida individual e coletiva (questões relacionadas ao trabalho, à convivên-
cia familiar, à convivência comunitária, questões institucionais, questões culturais e
religiosas, condições sociais etc.);
✎ Articulação com toda forma de movimento social e organização popular, enten-
dendo que é através da participação popular que se constroem alternativas para uma
sociedade mais justa (conselhos de saúde, movimento nacional da luta antimanico-
mial, associações de usuários e familiares, cooperativas etc.);
✎ Acompanhamento dos usuários e familiares numa perspectiva de reflexão crítica,
ampliando espaços de luta pela garantia de seus direitos sociais, identificando e tra-
balhando os seus potenciais, levantando os recursos individuais e coletivos que pos-
sam fortalecê-los no enfrentamento das questões apresentadas;
✎ Atividades de recepção de clientela, de caráter interdisciplinar, viabilizando um
atendimento integral ao usuário, corroborando o compromisso ético com a democra-
tização do espaço institucional;
✎ Desenvolvimento de trabalhos em equipe, a partir da visão de totalidade das ques-
tões sociais, exercitando quotidianamente o trabalho interdisciplinar, possibilitando o
diálogo e a troca de referenciais teórico-práticos; desenvolvimento de projetos de
pesquisa: como instrumento de avaliação institucional da assistência prestada e de-
mandas da população usuária;
✎ Articulação com a rede de saúde mental: conhecimento do potencial de cada
área/instituição, estabelecendo parcerias e convênios, ampliando a rede de suporte
social e estreitando as relações entre o Caps e o Programa de Saúde da Família e os
Agentes Comunitários de Saúde através do desenvolvimento de atividades junto à
comunidade onde se situa o Caps, visando a divulgação das ações desenvolvidas pelo
serviço e a compreensão de uma nova concepção de doença mental, combatendo o
preconceito; dentre outras.

Nesse sentido, o atual contexto da política de saúde mental coloca novas possibilidades
para os assistentes sociais, devendo estes terem como base o desenvolvimento de uma
prática investigativa que seja problematizadora do real, pois as alternativas para uma
intervenção profissional crítica e competente só podem surgir a partir de uma análise
crítica da realidade, ou seja, a partir de uma investigação concreta feita através de situ-
ações concretas.
A compreensão acerca das demandas postas pela saúde mental aos assistentes sociais
nos remete a uma realidade bem mais ampla no entendimento dos diferentes aspectos
que a compõem. Por isso, ao longo deste módulo, procuramos expor a trajetória histó-
rica, social, econômica, política, cultural, que compõe os elementos intrínsecos à saúde
mental e que perpassam essas demandas.
O Serviço Social enquanto profissão se insere na divisão capitalista do trabalho,
dedicando-se à viabilização de serviços sociais destinados à população através da inter-
venção de ações de políticas sociais, no atendimento às necessidades sociais postas
pela população num contexto de reprodução da força de trabalho. Ao atuar na prestação
dos serviços sociais vinculados às diversas políticas sociais, atende aos fragmentos da
questão social, que tem no adoecimento mental uma de suas expressões.
No início, década de 1940 (marco sob o qual situamos a primeira inserção do as-
sistente social na política de saúde mental no Brasil), o Serviço Social era chamado para
auxiliar os médicos no desenvolvimento das ações do movimento higienista, no atendi-
mento às expressões da questão social, configuradas pelas providências de auxílios fi-
nanceiros e acesso a recursos sociais disponíveis no momento, bem como a inserção
familiar, num cenário de instituição da ordem inerente à moral burguesa. As determina-
ções históricas, econômicas e políticas desse período demandavam um tipo de atuação
de caráter moralizador e estruturador da ordem.
No período conjuntural da ditadura militar no Brasil o cenário muda e a realidade
põe novas determinações, gerando outras demandas ao Serviço Social, que agora atua
diretamente junto aos trabalhadores e sua família na manutenção de uma força de tra-
balho que atende aos interesses do capital. O espaço de atuação junto às políticas soci-
ais torna-se legítimo ao Serviço Social e este é chamado para executá-las na saúde men-
tal, pois é nesse cenário que as políticas sociais tornam-se fundamentais num contexto
de amenização das expressões da questão social, num palco de luta política entre tra-
balhadores e capitalistas.
No cenário atual, marcado pelas iniciativas da reforma psiquiátrica, o novo reco-
nhecimento dado ao portador de transtorno mental como sujeito de direito coloca o as-
sistente social num novo contexto que o aproxima das bandeiras de luta também defen-
didas pelo Projeto Ético-Político da profissão, expresso no reconhecimento da liberdade
como valor central, defesa dos direitos humanos, ampliação e consolidação da cidada-
nia, eliminação do preconceito, dentre várias outras. Esse novo contexto, perpassado
pelas lutas sociais no campo político (Reforma Sanitária, Luta Antimanicomial, Confe-
rência de Caracas etc.), abre novos espaços de atuação para os assistentes sociais,
tendo como base novas perspectivas de atendimento (referenciadas através dos Caps
e demais serviços substitutivos) e respostas no lidar com os portadores de transtornos
mentais, pondo assim novas demandas aos profissionais que atuam nessas instituições.
Verifica-se ao longo deste processo que algumas demandas postas ao Serviço Social ao
longo de sua trajetória na saúde mental o acompanham desde a sua origem, pois elas
são inerentes à atuação deste profissional independentemente da área em que os assis-
tentes sociais atuem, pois são históricas e fazem parte de sua natureza reguladora das
relações sociais (trabalho com a família, caráter educativo da profissão, articulação com
demais serviços, acesso a recursos sociais etc.). Entretanto, cada processo histórico-
social coloca novas demandas ao Serviço Social, já que as relações sociais que consti-
tuem a base da atuação desta profissão são constantemente mutáveis e dinâmicas, pois
vivemos numa realidade social perpassada por diferentes determinações sociais, políti-
cas, econômicas, culturais, num contexto de interesses contraditórios que interfere nas
relações sociais e coloca novas requisições que precisam ser apreendidas.
No atual contexto da política de saúde mental no Brasil, o portador de transtornos
mentais é reconhecido como sujeito de direitos, num processo de construção de sua
cidadania que proporciona a sua inserção social junto à família, no trabalho, na socie-
dade, através de um conjunto de relações sociais e institucionais que possibilitam este
reconhecimento. No entanto, a efetivação desta inserção social do portador de trans-
torno mental encontra-se permeada por uma série de limites postos pelo atual cenário
econômico, político e social. A ausência de recursos e de articulação com as demais
instituições na construção das redes sociais de atendimento às demandas dos usuários
tem sido um dos grandes desafios colocados. Diante desta realidade é preciso fortalecer
a organização e estimular a participação dos movimentos sociais através de canais de
mobilização, expressos através de associações de moradores, movimento da luta anti-
manicomial, associação de usuários e familiares, participação em conselhos de políticas,
denúncias junto ao Ministério Público etc., em favor do reconhecimento dos direitos as-
segurados pela legislação e pelo fortalecimento da cidadania. Muitas vezes o precon-
ceito e o desconhecimento das possibilidades postas ao Serviço Social na saúde mental
fazem com que os assistentes sociais acabem reproduzindo práticas conservadoras, dei-
xando de compreender e reconhecer as demandas a eles postas pela realidade dos por-
tadores de transtornos mentais, inserida num contexto maior das relações sociais per-
passadas por um cenário contraditório.
Os assistentes sociais têm sido requisitados para atuar tanto nos hospitais
quanto nas instituições representativas do novo modelo de atenção em saúde mental
preconizado pela reforma psiquiátrica, expressa através dos Caps. Entretanto tem-se
verificado uma grande ampliação no mercado de trabalho dos assistentes sociais vol-
tada para os serviços substitutivos em saúde mental. A expansão deste modelo de aten-
dimento dá-se num contexto marcado pela precarização das políticas sociais na atuali-
dade, fruto de um modelo econômico neoliberal que ao privilegiar as relações econômi-
cas internacionais gera a redução de investimentos e recursos voltados para as diferen-
tes políticas sociais, limitando a construção de espaços de garantias de direitos.
Um longo caminho ainda precisa ser percorrido, pois esta sociedade não atende aos
interesses dos cidadãos de forma justa e igualitária, mas se olharmos para trás veremos
que um grande passo já foi dado em prol da cidadania do louco. Não podemos negar que
houve avanços nas formas de concepção e tratamento da loucura. O reconhecimento
do hoje portador de transtorno mental como sujeito de direito, cuja assistência no aten-
dimento de suas necessidades de saúde não limita seus passos ao âmbito de um hospi-
tal, em substituição a um modelo excludente e isolador que destitui o indivíduo de sua
liberdade física e mental, é sem dúvida um grande progresso. Mas este reconhecimento
não nos impede de vislumbrar novos horizontes, muito pelo contrário, ele alimenta nos-
sos anseios pela busca e construção de novos espaços que atendam às necessidades
de todos os indivíduos em sua integralidade.
O reconhecimento dos portadores de transtornos mentais como sujeitos de di-
reito rumo à construção efetiva da reforma psiquiátrica, através de uma nova compre-
ensão e concepção de loucura, é perpassado por sua inserção num conjunto de proces-
sos históricos, sociais, políticos, econômicos, culturais, integrantes de um contexto am-
plo das diferentes determinações de sua problemática, construindo novos canais de
construção social que possam reconhecê-los e incluí-los em novos espaços, através do
estímulo e da participação nos movimentos sociais que lutam pela ampliação e reconhe-
cimento dos espaços dos portadores de transtornos mentais na sociedade, possibili-
tando o resgate de sua cidadania, e neste sentido a contribuição do Serviço Social será
fundamental na construção desse processo.
Os assistentes sociais precisam reconhecer que eles possuem um espaço legítimo na
saúde mental, pois, são os elementos sociopolíticos que permeiam a base desses novos
serviços, e que é preciso um olhar amplo, que extrapole os aspectos biológicos, patoló-
gicos e psicológicos desses usuários.
O novo modelo de atenção em saúde mental extrapola o modelo biomédico de
saúde, construindo e ampliando uma nova abordagem, voltada a um modelo de saúde
cuja concepção perpassa o conjunto da vida de seus usuários (considerando suas con-
dições de alimentação, moradia, lazer etc.), incorporando em seu quadro vários profis-
sionais que certamente contribuíram para a construção dessa nova base.
Devido à abertura de novos espaços de atuação nessa área, cada vez mais se exige do
assistente social um conhecimento acerca da construção da política de saúde mental e
dos diferentes elementos que a perpassam (concepção de loucura, concepção das dife-
rentes abordagens em saúde mental, conhecimento sobre os transtornos, bases da re-
forma e os diferentes movimentos de luta em prol da reforma psiquiátrica, legislação em
saúde mental etc.), possibilitando assim sua efetiva contribuição na construção e am-
pliação de novos espaços reconhecedores e garantidores dos usuários da saúde mental
como sujeitos de direitos.

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Módulo 21

Atuação do Assistente Social na Saúde Mental


O Serviço Social na área de Saúde Mental começou, no Brasil, como assistência
aos trabalhadores para amenizar a relação entre capital e trabalho através da interven-
ção em fábricas, previdência, assistência social. No entanto, o Serviço Social passou a
fazer parte da área da saúde, sendo registrado como seu início em Saúde Mental o ano
de 1946.

Nos primeiros trinta anos de existência de Serviço Social no Brasil não havia
muitos assistentes sociais trabalhando na área psiquiátrica em clínicas, hos-
pitais ou manicômios simplesmente porque o número desses profissionais era
reduzido até os anos 1960 (ainda não ocorrera a “privatização” dos serviços
públicos de saúde). Havia hospícios estatais nas principais capitais do Brasil.

Os hospícios atendiam apenas a população que carecia de recursos financeiros


para obter tratamento em clínicas particulares, já que havia poucos hospícios estatais e
também eram poucos os assistentes sociais para desempenhar essa tarefa. As poucas
clínicas psiquiátricas privadas, não empregavam assistentes sociais e dedicavam-se ao
atendimento das pessoas com melhores financeiras.

As clínicas atendiam as demandas reais da população infantil/juvenil e suas


famílias por cuidados em saúde mental, até então não assumidas pelo Estado,
e constituíam equipes multiprofissionais pouco hierárquicas, o que valorizava
o status profissional e a participação do Serviço Social em relação aos outros
profissionais. Entretanto, tinham sua proposta marcada por forte viés adap-
tativo, individualizador e normatizador, dada esta inspiração geral no higie-
nismo, o seu enquadramento e subalternidade no paradigma médico (diag-
nóstico – tratamento – cura/ajustamento) e sua fundamentação teórica-téc-
nica na psicologia do ego e na sociologia e antropologia funcionalistas.

A constituição do Serviço Social como profissão no Brasil é marcada tanto pela


vertente doutrinária católica quanto pela influência do movimento de higiene mental, por
abordagens com forte ênfase nos aspectos individuais e psicológicos de problemas com
dimensões políticas, sociais e econômicas mais amplas, constituindo uma clara estraté-
gia de hiperpsicologização e individualização normatizadora e moralizadora da força de
trabalho e da população em geral, como estratégia de Estado, das elites empresariais,
da Igreja Católica e da corporação médica.
O modelo para Saúde Mental no Brasil é diferenciado por setores: público, pri-
vado, conveniado ou não, consultórios particulares e planos de saúde. O Serviço Social
em Saúde Mental faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS), e atua com outras profis-
sões da área, no trabalho realizado junto aos pacientes portadores de transtornos men-
tais.
Os assistentes sociais atuam na reintegração social dos usuários no:
▸Centro de Atenção Psicossocial (CAPS);
▸Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS);
▸Residências Terapêuticas;
▸Hospitais Psiquiátricos.

Suas ações nesses espaços referem-se à natureza da profissão, atuando junto à equipe
interdisciplinar na efetivação dos direitos dos portadores de transtorno mental, no aco-
lhimento, na orientação, nos encaminhamentos, e na mediação entre o usuário e sua
família. Nesse campo, os assistentes sociais são também profissionais da área da saúde.
Os assistentes sociais realizam:
▸Atendimento individual (orientação);
▸Trabalho em grupos com os usuários e sua família (oficinas terapêuticas, e de ge-
ração de renda);
▸Visitas domiciliares com o objetivo de verificar a situação socioeconômica e fami-
liar, buscando também recursos disponíveis na comunidade para reinserção social
desses sujeitos; atividades comunitárias, entre outras.

Conforme a Lei nº 8.662/93 Art. 4º - Constituem competência do Assistente


Social:

I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos


da administração pública direta ou indireta, empresas, entidades e organiza-
ções populares;
II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que
sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade
civil;
III - encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos
e à população;
V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido
de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa
de seus direitos;
VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;
VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a aná-
lise da realidade social e para subsidiar ações profissionais;
VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta
e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias
relacionadas no inciso II deste artigo;
IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacio-
nada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos
e sociais da coletividade;
X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Uni-
dade de Serviço Social;
XI - realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios
e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta,
empresas privadas e outras entidades.

Cabe também ao assistente social:


▸Mobilizar os usuários tendo como base os preceitos da Reforma Psiquiátrica;
▸Trabalhar em prol da garantia dos direitos e exercício pleno da cidadania;
▸Intervir, juntamente com a equipe interdisciplinar, visando à troca de experiências
e planejamento de estratégia de atuação;
▸Reinserir os usuários à sociedade, facilitando o acesso ao trabalho, lazer, exercício
dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

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Módulo 22

Atuação do Assistente Social no CAPS


O CAPS trabalha no sentido de desenvolver a autonomia e a cidadania dos usu-
ários, portanto configura-se como um novo modelo no campo de Saúde Mental. Os CAPS
se diferenciam pelo porte, capacidade de atendimento e usuários, e, também, organi-
zam-se no país de acordo com o perfil populacional dos municípios brasileiros.
Os CAPS são considerados, hoje, dispositivos estratégicos da política de Saúde Mental,
e um dos elementos centrais do que há de mais inovador nas propostas da Reforma
Psiquiátrica.
Ao atuar em um CAPS é pertinente que o assistente social seja capaz de:
▸Mobilizar o usuário para o exercício pleno da cidadania;
▸Orientar os usuários e seus familiares sobre benefícios;
▸Participar e elaborar programas e projetos sociais;
▸Elaborar estudos socioeconômicos, a fim de conhecer a realidade social em que o
usuário está inserido;
▸Explorar os recursos comunitários existentes;
▸Elaborar projetos que favoreçam a reinserção social do usuário e de sua família;
▸Orientar os usuários para recebimento de benefícios;
▸Realizar orientação familiar;
▸Promover atividades comunitárias;
▸Participar de reuniões técnico-administrativas;
▸Supervisionar estágios na área do Serviço Social;
▸Participar das reuniões de matriciamento em Saúde Mental com a atenção básica;
▸Realizar contatos e reuniões com a rede intersetorial (Conselho Tutelar, Juizado,
etc.).

Em relação às formas de registro, as mais utilizadas pela profissão são as atas das reu-
niões, os relatórios, os registros nos prontuários, os diários de campo e dados estatísti-
cos mensais e anuais sobre a atuação do Serviço Social.

O diário de campo é importante porque o Assistente Social, na medida em que


vai refletindo sobre o processo, pode perceber onde houve avanços, recuos,
melhorias na qualidade dos serviços, aperfeiçoamento nas intervenções rea-
lizadas - além de ser um instrumento bastante interessante para a realização
de futuras pesquisas.

Os instrumentais técnico-operativos são como um conjunto articulado de instru-


mentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional. Os instru-
mentais técnicos mais utilizados na ação profissional da assistente social junto ao CAPS
são:
▸Reunião;
▸Parecer social;
▸Estudo socioeconômico;
▸Visita domiciliar e institucional (escolas, hospitais, projetos sociais);
▸Contato com a rede intersetorial;
▸Entrevistas;
▸Encaminhamento;
▸Acolhimento;
▸Atendimento individual e em grupo;
▸ Preenchimento de prontuários.

A instrumentalidade possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em


respostas profissionais. É por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais mo-
dificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações inter-
pessoais e sociais existentes num determinado nível social: no nível do cotidiano.
O instrumental técnico-operativo é o “fio condutor” para se compreender e, consequen-
temente, transformar a realidade em que o indivíduo está inserido, tendo um objetivo
claro e uma intencionalidade pré-definida.

O trabalho Interdisciplinar
O trabalho interdisciplinar vem ganhando espaço e força entre os profissionais
da área de Saúde, e também nas discussões sobre a importância da atuação interdisci-
plinar, visando à melhor conduta para o paciente e, também, a busca de um aprimora-
mento na visão de trabalho, no sentido de compartilhar conhecimentos e experiências
como objetivo de uma vida saudável.
A exigência interdisciplinar impõe a cada especialista que transcenda sua pró-
pria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para acolher
as contribuições das outras disciplinas.

Para uma atuação interdisciplinar em um trabalho integrado em Saúde Mental é impres-


cindível:
▸ A complexidade crescente em saúde mental.
▸ A conscientização da comunidade científica de que o campo de atuação de um
único profissional isolado pode apresentar importantes limitações.
▸ A impossibilidade de uma única área de atuação profissional abarcar todo o conhe-
cimento teórico e prático.
▸ As dificuldades existentes para o planejamento adequado de qualquer política de
saúde ou de qualquer serviço ligado à Saúde Mental.

Hoje, há um expressivo número de fusões interdisciplinares, de onde se originam um


grande número de disciplinas afins que compõem a equipe de saúde no Brasil. Para que
se tenha uma eficiente troca de experiências e de conhecimentos, tanto teóricos como
práticos, é importante que o trabalho dessas equipes tenha como meta a prevenção, o
diagnóstico precoce e a reabilitação, realizados a partir do trabalho integrado de vários
profissionais.
No Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) o trabalho realizado entre os profissionais
junto aos usuários pode ser interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar, ou seja,
o trabalho realizado no CAPS é interdisciplinar, e algumas vezes mescla interdisciplina-
ridade com transdisciplinaridade.

▸Multidisciplinar: Na multidisciplinaridade, um elemento pode ser estudado por discipli-


nas diferentes ao mesmo tempo, contudo, não ocorrerá uma sobreposição dos seus sa-
beres no estudo do elemento analisado. A ideia mais correta para esta visão seria a da
justaposição das disciplinas, cada uma cooperando dentro do seu saber para o estudo
do elemento em questão. Cada um cooperará com o estudo dentro da sua própria ótica,
mas sem existir um rompimento entre as fronteiras das disciplinas. A grande dificuldade
nesta linha de trabalho se encontra na difícil localização da articulação entre as diferen-
tes ciências.
A multidisciplinaridade pode ser visualizada nas práticas ambulatoriais convencionais,
onde profissionais de diferentes áreas trabalham isoladamente, geralmente sem coope-
ração e troca de informações entre si, a não ser por meio de um sistema de referência e
contrarreferência dos clientes.

▸Interdisciplinar: A integração teoria e prática de que trata a interdisciplinaridade re-


fere-se à formação integral na perspectiva da totalidade. A interdisciplinaridade é estru-
tural, havendo reciprocidade, enriquecimento mútuo entre os campos implicados. Exige
a identificação de uma problemática comum, com levantamento teórico e/ou político-
básico e de uma plataforma de trabalho conjunto, colocando-se em comum os princípios
e os conceitos fundamentais, esforçando-se para uma decodificação recíproca da sig-
nificação, das diferenças e convergências desses conceitos e, assim, gerando uma
aprendizagem mútua, que se efetua por uma recombinação dos elementos internos.

▸Transdisciplinar: A proposta da transdisciplinaridade implica uma radicalização do ní-


vel anterior, com a criação de um campo teórico, operacional ou disciplinar de tipo novo
e mais amplo. O nível anterior em que se refere é a interdisciplinaridade.
Para a transdisciplinaridade as fronteiras das disciplinas são praticamente inexistentes.
É impossível identificar onde um começa e onde ela termina. O conhecimento passa de
algo setorizado para um conhecimento integrado onde as disciplinas científicas intera-
gem entre si. Através desta visão ocorrem interações recíprocas entre as disciplinas.
Estas geram a troca de dados, resultados, informações e métodos.

Intervenção Profissional do Assistente Social junto aos PTM’s (e suas fa-


mílias)
A atenção à família já faz parte da história do assistente social, uma vez que, os
assistentes sociais são os únicos profissionais que têm a família como objeto privilegiado
de intervenção durante toda sua trajetória histórica, ao contrário de outras profissões
que a privilegiam em alguns momentos e, em outros, não a levam em consideração. É
comum perceber, principalmente no membro que se apresenta como cuidador, as con-
sequências resultantes do preconceito, despreparo e desinformação, que se manifestam
pelo próprio isolamento, distanciamento de amigos e familiares, enfim, comprometem-
se as relações sociais, muitas vezes por opção do indivíduo que prefere evitar possíveis
situações e/ou comentários vexatórios que venham a ocorrer.
O trabalho do assistente social junto às famílias dos Portadores de Transtornos
Mentais deverá estar direcionado ao fortalecimento dos laços para com o membro que
necessita de atenção e cuidados especiais e também na luta contra o estigma social
pelo qual os portadores de transtornos mentais e suas famílias são submetidos.
Cabe ao profissional - para superar determinadas fragilidades ainda existentes no campo
de Saúde Mental - reconhecer seu próprio valor, saber o que está fazendo, criar um
discurso profissional, publicar ideias, lutar por seus princípios, fazer alianças, se expor
profissionalmente em Saúde Mental.
O assistente social deve também se disponibilizar as famílias dos portadores de trans-
tornos mentais, para escutá-las, demonstrando interesse e levando em consideração a
importância para com os seus problemas. Atitudes como essas - visivelmente simples,
poderiam ser realizadas por qualquer outra pessoa, mesmo sem formação acadêmica -
são, na verdade, uma etapa do caminho a ser percorrido na busca de algo maior, cujo
diferencial está na intencionalidade do assistente social que pode se deixar levar pelos
limites institucionais e outros desafios a serem superados ou então propor e efetivar
mudanças na realidade dessa família vítima da exclusão social.

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Módulo 23

Atuação do Assistente Social no Grupo Familiar


As unidades familiares ganham visibilidade, inicialmente, no interior do movi-
mento da Reforma Psiquiátrica Brasileira ao se constituir como um ator político, se or-
ganizando para defender os direitos das pessoas com transtorno mental.
Nos anos 90 é que crescem o número de pesquisas brasileiras orientadas para a relação
dos grupos familiares com a pessoa com transtorno mental. Surge uma multiplicidade
de análises, que apontam na seguinte direção, como explicita Rosa (2002):
▪ Como um recurso como outro qualquer, no rol das estratégias de intervenção
(SANT’ANNA; FONTOURA, 1996);
▪ Como um lugar de possível convivência da pessoa com transtorno mental, desde
que os laços relacionais possam ser mantidos ou reconstruídos;
▪ Como sofredora, pois, é influenciada pela convivência com uma pessoa com trans-
torno mental e, desse modo, precisa ser “tratada”, assistida, recebendo suporte so-
cial e assistencial (MOTTA, 1997);
▪ Como um sujeito da ação. Sujeito coletivo, ator político que se organiza em associ-
ações específicas, na opinião de Sant’Anna e Fontoura (1996) e, ainda, sujeito avali-
ador dos serviços, conforme Pereira (1997) e construtora da cidadania da pessoa com
transtorno mental;
▪ Como provedora de cuidados, desde que os serviços de saúde mental visam atuar
sobre os momentos de crise, tratando e não prestando cuidados contínuos. E também
porque a família é o principal agente potencializador de mediações entre a pessoa
com transtorno mental e a sociedade, constituindo historicamente um lugar privilegi-
ado de cuidados e reprodução social.

Essas perspectivas não são excludentes entre si. Ao contrário, se entrelaçam, indicando
simultaneamente a variedade de necessidades que emergem no interior dos grupos fa-
miliares; a pluralidade de identidades desta instituição e exigências de flexibilidade dos
serviços e das práticas profissionais para contemplar a heterogeneidade nesta arena.
Historicamente, o modelo hospitalocêntrico desenvolveu uma pedagogia de ex-
clusão do grupo familiar, ao restringi-la a mera informante do histórico da enfermidade
da pessoa com transtorno mental; a ser um recurso ocasional ou “visita” pontual, sendo
invisibilizada na sua condição de provedora de cuidados contínuos, no plano doméstico.
Neste modelo de gestão as abordagens dirigidas às famílias eram pontuais e limitadas a
algumas reuniões familiares (no geral palestras) e atendimentos individuais do grupo. A
maioria dos profissionais da equipe fazia algum tipo de atendimento com as famílias,
mesmo que de maneira assistemática e descontínua. Havia implicitamente uma divisão
de trabalho na abordagem do grupo familiar, como identifica Rosa (2003). O médico, so-
bretudo no ato da admissão, para colher informações sobre o histórico das enfermida-
des, dos sintomas. Os enfermeiros, no geral, por ocasião da alta hospitalar, para realizar
orientações sobre o prosseguimento do tratamento, via ambulatorial e cuidados com as
medicações. Os assistentes sociais, durante o processo de internação, coordenando
reuniões de famílias, no geral comandado por ações socioeducativas, abordando uma
variedade de questões, tais como normas e rotinas institucionais; mudanças no modelo
assistencial; direitos; manejo da pessoa com transtorno mental no ambiente doméstico
e difusão de conhecimentos sobre os diferentes quadros diagnósticos e medicamentos,
permitindo troca de experiência entre os diferentes cuidadores familiares.
Mudanças legislativas sinalizam no sentido de uma outra incorporação das famílias nos
projetos terapêuticos dos serviços de saúde mental.
A portaria nº. 251/GM de 31 de janeiro de 2002, que estabelece diretrizes e nor-
mas para a assistência hospitalar em psiquiatria e reclassifica os hospitais psiquiátricos
prevê, no desenvolvimento dos projetos terapêuticos, o preparo para o retorno à resi-
dência/inserção domiciliar e uma abordagem dirigida à família no sentido de garantir
orientação sobre o diagnóstico, o programa de tratamento, a alta hospitalar e a conti-
nuidade do tratamento.
As famílias, sobretudo na fase inicial da eclosão do transtorno mental, têm um
papel fundamental na construção de uma nova trajetória para o seu ente enfermo, desde
que seus recursos emocionais, temporal e econômico sejam bem direcionados pelos tra-
balhadores e serviços de saúde mental.
É importante destacar que nenhum grupo familiar está preparado para ter um membro
com transtorno mental em seu meio (MELMAN, 2001). Não está capacitado para prover
cuidado de uma pessoa adulta que tem um transtorno mental, cujo cuidado doméstico
é complexo, envolvendo intensas responsabilidades e dedicação temporal.
A complexidade se manifesta em uma variedade de acontecimentos.
Em primeiro lugar, ninguém espera ter uma pessoa com transtorno mental no
meio familiar.
Trata-se de um evento imprevisto na trajetória da vida familiar.
Em segundo lugar, no imaginário da sociedade moderna, é previsto que uma pes-
soa adulta seja emancipada, tenha incorporado o auto cuidado e seja independente, não
necessitando de cuidados de terceiros.
Em terceiro lugar, tratar de uma pessoa adulta, com transtorno mental, no am-
biente doméstico é uma tarefa complexa, que exige preparo mínimo do cuidador, para
lidar com uma gama imensa de ocorrências. Não é suficiente ter amor.
Em quarto lugar, os grupos familiares são demandados a se reposicionar em re-
lação a uma série de questões envolvendo inclusive sentimentos. Em quinto lugar, os
grupos familiares encontram-se sobrecarregados com uma série de demandas oriundas
de uma conjuntura de restrição de gastos sociais e pelas repercussões das mudanças,
sobretudo, demográficas em seu interior.
Quando emerge uma pessoa com transtorno mental as famílias são demandadas
primeiramente a enfrentar a nova situação, tendo que ao mesmo tempo compreender a
própria enfermidade, a dinâmica dos serviços de saúde mental e manejar seus próprios
sentimentos e recursos.
Frequentemente o familiar cuidador se isola no plano doméstico para cuidar, porque não
tem preparo mínimo para cuidar e não consegue manejar a pressão social e o estigma
que também o atinge.
Enquanto não são treinados para o conhecimento da enfermidade, passa por processos
de confronto com a pessoa com transtorno mental. Por exemplo, lidam com o delírio
como sendo “besteiras”, “bobagens”. Alguns chegam a querer corrigir a maneira da
pessoa com o transtorno mental ver o mundo (via delírios), confrontando-se com o
mesmo. No caso de uma depressão é comum os familiares afirmarem que “Sugeri pra
ela procurar um curso, passear, mas ela não vai. Ela não se ajuda”. É difícil para o fami-
liar, sem treinamento, entender que a depressão atinge o centro volitivo da pessoa, não
sendo expressão da “preguiça” ou má vontade.
O retrato dessas trajetórias facilita a avaliação do grupo familiar e mostra a importância
de inclusão das famílias nos projetos terapêuticos e pedagógicos dos serviços de saúde
e assistência.
Nos projetos terapêuticos dos Caps os familiares são incorporados como “par-
ceiros no tratamento” (BRASIL, 2004c) sendo estimulados a participar do cotidiano dos
serviços. “Os familiares podem participar dos” Caps, não somente incentivando o usuá-
rio a se envolver no projeto terapêutico, mas também participando diretamente das ati-
vidades do serviço, tanto internas como nos projetos de trabalho e ações comunitárias
de integração social (IDEM, p. 29).
Observa-se em alguns Caps e outros serviços de saúde mental o engajamento dos fami-
liares em redes de solidariedade, através de grupos de mutua ajuda e troca de suporte,
mas ainda de maneira tímida. É difícil mobilizar os familiares para ações grupais porque:
▪ A cultura e pedagogia dos serviços, historicamente, as excluiu;
▪ Participar para alguns familiares é um trabalho a mais, uma sobrecarga, exigência
a mais;
▪ Alguns serviços se limitam a oferecer um espaço para a família restrito a palestra,
que muitas vezes, é desfocada de suas necessidades;
▪ Os horários dos encontros nem sempre é compatível com os horários disponíveis
dos familiares.

Mas, com mudanças que levem em conta o acima explicitado e com o estímulo e a con-
solidação de engajamento dos familiares na abordagem pedagógica e terapêutica dos
serviços de saúde mental, espera-se construir uma nova etapa na trajetória dos mes-
mos, através de ações mais solidárias e partilhadas.
Destaca-se que as unidades familiares encontram-se muito sobrecarregadas na atual
conjuntura, com o crescente empobrecimento e mudanças demográficas. Os serviços
de saúde mental têm que contribuir inclusive neste sentido, sobretudo aliviando o peso
gerado pelas demandas de cuidado, dividindo encargos com as famílias.
O assistente social, frequentemente, contribui com os cuidadores familiares atra-
vés do trabalho socioeducativo, promovendo a troca de informações e vivências, para
que, sobretudo os cuidadores familiares saiam de seu isolamento pessoal e social, tendo
sua carga de trabalho aliviada, apoiada. Quando passam a trocar informações com ou-
tros cuidadores familiares é comum perceberem que muitas vivências são semelhantes
e que não foram os “únicos escolhidos para sofrer neste mundo”. Inclusive há uma pres-
são social para que as famílias não publicize, não remeta para a arena das políticas pú-
blicas a sua situação. Neste sentido é paradigmático o depoimento de um familiar com
um artigo no livro Minas sem manicômios (2004) “algumas pessoas acharam que está-
vamos expondo demais nossos dramas familiares” (ORNELAS, 2004, p. 83).
A troca de vivência potencializa novas estratégias de cuidado, tendo em vista que não
há uma “receita pronta” para cuidar, muito embora alguns familiares cheguem às reu-
niões com a expectativa do acontecimento de uma mágica, que mude substancialmente
suas vidas.
É importante desconstruir esta expectativa, pois, muitos familiares consideram que “só
quem estudou (isto é, esteve em uma universidade) sabe cuidar bem dele”. Todavia, os
familiares cuidadores historicamente aprenderam a cuidar no “ensaio e erro” (ROSA,
2003) das exigências cotidianas, no geral, sem as salvaguardas/respaldo dos profissio-
nais de saúde mental. É importante reconstruir as trajetórias dos familiares na constru-
ção de respostas para os desafios cotidianos, para reforçar o que foi aprendido e poten-
cializando os próprios recursos internos do grupo.
Potencializando um conhecimento que os cuidadores familiares construíram e nem sem-
pre se apercebem disso.
Com a criação de espaços próprios no interior do serviço (ou no território) para
reunir os grupos familiares e permitir a interação, com acompanhamento de um ou mais
profissionais (mais comumente o assistente social atua em conjunto com as psicólogas
ou enfermeiras), pode-se observar mudanças significativas na qualidade de vida destes
cuidadores.
Interessante que muitas reuniões denominadas de familiares, no geral, se reduzem a
reuniões de mulheres, comumente, mães, esposas, filhas e irmãs. É importante chamar
outros membros do grupo familiar para esta arena, resgatar, por exemplo, o homem
como cuidador, colocando assim em evidência as questões de gênero no interior das
famílias.
Os assistentes sociais com toda sua bagagem sobre investigação/análise social, po-
dem contribuir realizando levantamentos sobre o perfil das famílias usuárias dos servi-
ços de saúde mental, para:
▪ Conhecer que tipo de arranjo doméstico prevalece e a heterogeneidade de arranjos
existentes e como repercutem no provimento de cuidado;
▪ Como as mudanças demográficas repercutiram sobre a organização do grupo, tendo
por foco o provimento de cuidado;
▪ Analisar a dinâmica familiar. Como se dão as relações sociais. Quem provê renda?
Quem provê cuidados? Quem é a autoridade no grupo? Qual o lugar que a pessoa
com transtorno mental ocupa no grupo? Qual a qualidade das relações familiares?
Predominam os sentimentos positivos ou negativos entre seus membros? Como por
exemplo, um PTM que recebe um benefício em comparação a um outro que não o
têm, são tratados por suas famílias? Como este “ganho secundário” repercute no
grupo?
▪ Identificar a posição da pessoa com transtorno mental no grupo; os valores/a ética
que preside o provimento de cuidado de: “dar, receber, retribuir” (SARTI, 1996); qual
o clima que prevalece em relação à PTM: hostilidade ou solidariedade;
▪ Conhecer como a família vive, como mora. Qual o status do grupo no seu meio.
Identificar os recursos que lança mão na rede de parentesco, de vizinhança e rede
socioassistencial. Identificar os fatores de proteção e de risco existentes no meio fa-
miliar. Levantar os fatores sociais de vulnerabilidade do grupo.
▪ Conhecer os recursos da rede socioassistencial à disposição dos cuidadores famili-
ares;
▪ Levantar os significados, o imaginário e as práticas sociais sobre o louco e a loucura
em seu território existencial.

Com a sistematização destas informações, o assistente social pode devolvê-las aos gru-
pos familiares, propiciando o debate e a troca de informações entre os provedores de
cuidado.
É importante o investimento dos profissionais para que outros membros das famílias
passem a participar da gestão do cuidado cotidiano da pessoa com transtorno mental,
que tende a ficar ao encargo de uma única pessoa.

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Módulo 24

Dicas para Identificação de Problemas de Sa-


úde Mental e Emocional em Usuários do CAPS
É muito comum que demandas psicossociais na Atenção Básica não apareçam
de forma clara nos atendimentos, especialmente se o profissional da saúde não explora
a biografia do usuário. Quando o profissional investiga apenas informações relacionadas
aos sintomas apresentados, ou seja, estabelece uma abordagem estritamente biomé-
dica, esquecendo-se de explorar o contexto de vida atual do usuário, quase nunca há
detecção de problemas emocionais ou sociais que possam ter motivado a busca por
atendimento.

É importante que os profissionais fiquem atentos e desconfiem de problemas na área


psicossocial quando há:
▸ Demanda por atenção de forma inapropriada ou urgente;
▸ Aumento na frequência de consultas ou solicitação de exames sem necessidade
aparente;
▸ Manifestações emocionais inesperadas ou desproporcionais durante as consultas;
▸ Relacionamentos interpessoais muito instáveis;
▸ Circunstâncias sociais geradoras de estresse ou perda importante (morte de ente
querido, desemprego, violência, etc.).
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Além dessas pistas, a maneira de conduzir a entrevista clínica é elemento fundamental
na detecção de problemas emocionais. O atendimento deve ser focado na pessoa como
um todo e não apenas na exploração das queixas físicas apresentadas.
Preste bastante atenção nas dicas seguintes na condução da entrevista clínica para a
identificação de problemas emocionais dos usuários:
1. Estabelecer bom contato “olho no olho”: Isso propicia o estabelecimento de uma
relação de confiança entre o usuário e o profissional de saúde;
2. Começar com questões mais amplas e abertas e posteriormente utilizar perguntas
mais fechadas: Entrevistas muito diretivas, voltadas apenas para o esclarecimento
das queixas físicas, não propiciam exploração da vida pessoal do usuário;
3. Clarificar as queixas atuais: Não é necessário que você explore toda a vida do usu-
ário para que possa ter boa compreensão do que se passa com ele. Explore os episó-
dios mais recentes e construa a história pregressa aos poucos, de forma natural;
4. Usar questões diretivas na pesquisa de queixas físicas: A investigação das queixas
físicas deve ser precisa, com o aprofundamento necessário, porém não deve ser o
único foco da entrevista;
5. Fazer comentários empáticos: Dizer “eu posso imaginar o que você tem passado”
ou ”esta é realmente uma situação difícil de resolver” demonstra que você se importa
com a pessoa que está sendo atendida, que você consegue perceber seu sofrimento;
6. Estar atento às dicas verbais e não-verbais dos usuários: A postura do corpo, a
atitude e a expressão facial podem “falar” muito durante a entrevista; não despreze
esse elemento e observe as mudanças ao longo do tempo;
7. Não ler enquanto estiver entrevistando o usuário: Demonstra que todo o seu inte-
resse e a sua atenção estão focados no usuário, que ele é o que importa para você
naquele momento;
8. Saber lidar com o usuário que fala demais: Dizer “já entendi o que você está que-
rendo dizer, mas precisamos explorar mais um outro aspecto da sua vida” geralmente
produz resultados e reconduz a entrevista para uma perspectiva mais produtiva e
menos cansativa ou repetitiva;
9. Explorar problemas emocionais: Perguntar “o que você sentiu” ou “o que passou
pela sua cabeça” explorando determinada situação da vida do usuário é uma atitude
simples, mas que incita a expressão emocional durante a entrevista.

Há diversas circunstâncias orgânicas que, se afetarem direta ou indiretamente o sistema


nervoso central, podem gerar alterações no comportamento. Portanto, antes de esta-
belecer um diagnóstico psiquiátrico, não deixe de pesquisar:
▸ Estado clínico geral: Investigue se há alguma doença clínica de base que possa
justificar a alteração de comportamento atual;
▸ História recente de queda com perda da consciência e episódios convulsivos: Po-
dem indicar doença de base neurológica;
▸ Padrão do uso de álcool e outras drogas: Investigar quais substâncias, quantidade
e frequência do consumo para auxiliar na tipificação de possível intoxicação, uso abu-
sivo ou quadro de dependência química;
▸ História atual de uso de medicação clínica, neurológica ou psiquiátrica: Efeitos co-
laterais de diversas medicações podem provocar alterações comportamentais.

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Módulo 25

Política de Redução de Danos na Saúde Mental


O trabalho com dependentes de álcool e outras drogas, além da necessidade do
domínio dos aspectos técnicos, torna necessário um constante esforço no sentido de
flexibilizar metas, desconstruir expectativas – sejam elas do dependente, da família ou
do próprio terapeuta – e ainda assim manter a esperança de poder alcançar dias melho-
res. Os tratamentos convencionais para dependência de álcool e outras drogas ainda
são bastante limitados, cerca de dois terços dos dependentes não alcançam resultados
satisfatórios, seja porque não conseguem, seja porque não desejam abster-se das dro-
gas.
Embora a abstinência seja uma meta amplamente difundida e até desejada entre depen-
dentes, familiares, profissionais da saúde e a sociedade como um todo, deve-se manter
um olhar crítico sobre essa meta tão difícil – e, às vezes, quase impossível – de ser atin-
gida. A dependência é um fenômeno que, uma vez desencadeado, assemelha-se mais a
uma doença crônica do que a um evento episódico na vida do sujeito. Sendo assim, es-
tamos falando de um processo que levará de meses a anos para sua instalação e, no
mínimo, o dobro de tempo ou até uma vida inteira requisitando assistência com o obje-
tivo de obter alguma forma de controle, seja ele caracterizado ou não pela abstinência.
Desse modo, deve-se levar em conta que, se a abstinência ainda não foi atingida e, ace-
nando para a possibilidade de que nunca seja, os indivíduos terão um longo percurso –
provavelmente anos – fazendo uso das substâncias e abrir os olhos para esse fato fará
com que se ofereçam diversos recursos de cuidado, prevenção e promoção da saúde na
vida desses sujeitos.
Ampliar o campo de ação para além dos tratamentos convencionais também am-
plia a abrangência do cuidado para uma população por vezes negligenciada, por vezes
tratada erroneamente como dependente: os usuários sociais, recreativos e abusadores,
uma vez que esses indivíduos não se enquadram, não aderem ou não chegam aos ser-
viços de tratamento.
É nesse cenário que a Redução de Danos (RD) se insere, abrangendo todos os usuários
de álcool e outras drogas, mesmo que não sejam dependentes. De acordo com a Inter-
national Harm Reduction Association (IHRA):
“A Redução de Danos é uma política pública dirigida a usuários de drogas que não con-
seguem ou não desejam momentaneamente interromper seu uso, com o objetivo de re-
duzir os danos por elas provocados, em que a abstinência pode ser uma de suas estra-
tégias”.

Breve Histórico
Considera-se a Europa, sobretudo a Holanda e a Inglaterra, o “berço” da Redução
de Danos. Na década de 1970, vivia-se na Europa uma epidemia do uso de drogas inje-
táveis, sobretudo a heroína, com um cenário bem assustador: mortes por overdose, da-
nos à saúde, graves crises de abstinência, seringas contaminadas deixadas nas ruas e
praças públicas. É nesse momento que autoridades e associações de usuários de drogas
passam a reunir esforços no sentido de oferecer cuidados à saúde desses usuários, com
o objetivo de garantir um uso menos arriscado, diminuindo as mortes por overdose e a
criação dos coffee shops na Holanda, que vendiam drogas ditas “mais leves”, como a
maconha, visando desestimular o uso de drogas ditas “pesadas”, como a cocaína e a
heroína.
Com a epidemia da Aids, na década de 1980, aumenta a necessidade da imple-
mentação de estratégias direcionadas aos usuá rios de drogas, no intuito de conter a
transmissão do HIV, na qual 30-40% eram atribuídos ao uso de drogas injetáveis, pelo
compartilhamento de seringas. Sabe-se que, com a ampla difusão da estratégia de for-
necimento de seringas descartáveis aos usuários de drogas injetáveis, a transmissão por
essa via foi reduzida a cerca de 10%. No mesmo momento, começaram a se alastrar
diversos programas governamentais de distribuição de metadona, em detrimento do uso
de heroína injetável. Pode-se dizer que esse foi o grande impulso à expansão e à conso-
lidação da Redução de Danos no mundo.
No Brasil, os primeiros focos das estratégias de Redução de Danos datam da
década de 1990, nas cidades de Salvador e Santos, sobretudo pela grande soropreva-
lência do HIV nessas cidades.
Em São Paulo, o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Uni-
versidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi a primeira instituição acadêmica a apoiar e
implementar esse tipo de estratégia no País.
Atualmente, a Redução de Danos é uma política pública reconhecida em nível nacional,
preconizada pelo Programa Nacional DST-Aids do Ministério da Saúde e pela Secretaria
Nacional Antidrogas (Senad). O Brasil dispõe de Programas de Redução de Danos (PRDs)
espalhados por todo o território nacional, sendo a meta do atual governo a expansão
desses programas, através de projetos financiados, como a Escola de Redutores de Da-
nos, em articulação com os projetos de Consultórios de Rua e os programas de supervi-
são sobre álcool e outras drogas para a Rede Básica de Saúde, com ênfase nas estraté-
gias de Redução de Danos.

Aspectos Práticos
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer e desmistificar três conceitos errôneos e muito
arraigados à Redução de Danos.
O primeiro deles é de que a RD é um incentivo, uma apologia ao uso de drogas.
A RD não incentiva o uso de drogas; é uma política de saúde séria pautada na realidade
de que o indivíduo não consegue (pela intensidade da dependência) ou não deseja (pelo
direito individual, pela ausência de desejo) abster-se das drogas. O pressuposto da RD é
trabalhar com metas realistas e com modelos de baixa exigência, instituindo a lógica do
cuidado e da prevenção, ampliando o espectro de ações em cuidados à saúde, no qual
a abstinência é uma das possibilidades.
O segundo é afirmar que, com a RD, o usuário nunca vai buscar tratamento. As
estratégias de RD funcionam numa ótica de inclusão social, acessando muitas vezes
populações extremamente marginalizadas que não têm acesso aos serviços de saúde.
A partir do contato do profissional de RD, o “redutor de danos”, esses usuários recebem
material informativo e equipamentos para uso seguro, e são levados às unidades de sa-
úde para a realização de testagem para o HIV e hepatites, além de serem conduzidos
para as unidades especializadas em tratamento para a dependência, quando assim o
desejam.
O terceiro é afirmar que a RD gasta dinheiro público ao fornecer material para
que o indivíduo continue se drogando.
A lógica do fornecimento dos insumos (materiais descartáveis) para o consumo seguro
de substâncias reside no fato de que esse indivíduo deixará de contribuir para a elevação
das taxas de transmissão de HIV e hepatites, com a consequente redução de gastos
públicos no tratamento dessas doenças. Além disso, ao receber cuidados, torna-se apto
a resgatar sua cidadania e seu direto à saúde.

Estratégias globais

▸ Redução de consumo: A primeira e mais importante estratégia de RD é diminuir a


exigência em relação aos resultados esperados, e aprender a aceitar e incentivar quais-
quer mudanças que o usuário possa vir a ter no sentindo da redução de consumo, em
que qualquer diminuição deve ser vista como um progresso.
▸ Substituição da forma de uso: Quando um usuário muda a via de uso da droga, ado-
tando outra de menor risco, trazendo menos danos à sua saúde. O exemplo mais preciso
dessa estratégia é quando ele deixa de fazer uso de cocaína injetável e passa a fazer uso
de cocaína inalada: muito embora ele não tenha parado ou diminuído seu uso, o uso
injetável está muito associado à transmissão do HIV e de hepatites virais, endocardites,
embolias e maior risco de overdose.
▸ Substituição de droga: Quando um usuário passa a fazer uso de uma substância de
menor risco, como deixar de fumar crack para fumar maconha.
▸ Orientações gerais: Alimentar-se adequadamente, manter-se hidratado, praticar re-
lações sexuais seguras (com preservativo, gel lubrificante), não consumir a droga sozi-
nho e, em caso de algum mal-estar, procurar ajuda médica e comunicar ao profissional
de saúde o tipo de droga e a quantidade utilizada.
▸ Encaminhar o usuário para testagem de HIV e hepatites virais.
▸ Encaminhar o usuário para tratamento da dependência, quando ele desejar: Nesse
quesito, é importante que o redutor de danos, o agente de saúde ou outro profissional
da saúde saiba identificar o momento certo de fazer esse encaminhamento, a partir da
elaboração da demanda do próprio usuário, porque a insistência do profissional pode
aumentar a resistência do usuário, que pode inclusive passar a rejeitar as estratégias de
RD.

Estratégias Específicas

RD para drogas injetáveis


Em nosso meio, a principal droga de uso injetável é a cocaína, mas também en-
contramos uso de opióides, sobretudo entre profissionais da saúde e portadores de sín-
dromes dolorosas crônicas, e de heroína, em menor quantidade. Fato curioso é que o
uso compartilhado de seringas por travestis para a injeção de silicone industrial e de
anabolizantes em frequentadores de academias de ginástica.
Como foi dito anteriormente, o uso injetável está associado ao aumento do risco da
transmissão do HIV e hepatites virais, endocardites, embolias e morte por overdose.
As principais estratégias preconizadas para o uso de drogas injetáveis são:
▸ Fornecimento do kit de RD, contendo seringas e agulhas descartáveis (agulhas de
fino calibre), água para injeção, copinho plástico para diluição da droga, compressa
alcoolizada para assepsia, folheto explicativo, preservativo e gel lubrificante;
▸ Evitar o compartilhamento de seringas;
▸ Orientação sobre pontos mais seguros de uso no corpo;
▸ Troca para outra forma de uso de menor risco, como por exemplo, a cocaína ina-
lada ou a substituição para outro tipo de droga, como a maconha. Devido à epidemia
do HIV, percebeu-se uma intensa migração de usuários injetáveis para o uso do crack.
Essa migração não deve ser encarada como uma “boa troca”, uma vez que os riscos
à saúde e a vulnerabilidade para a transmissão de doenças associados ao uso do
crack são tão maléficos quanto o uso da cocaína injetável;
▸ Orientação para a troca de seringas ou o descarte em lugares adequados. Sabe-
se que a troca de seringas usadas por novas ainda é um desafio para a maioria dos
PRDs no Brasil, uma vez que, tanto usuários como redutores temem acidentes com o
material, batidas policiais etc. Dessa forma, preconiza-se o amplo fornecimento dos
kits e as orientações práticas para o recolhimento das seringas utilizadas, acomo-
dando-as em recipientes seguros, como as embalagens plásticas de refrigerantes
(“pet”), evitando-se assim o risco de acidentes com material potencialmente conta-
minado.

RD para o crack
O dependente de crack torna-se mais vulnerável ao sexo sem proteção, à trans-
missão e ao contágio de HIV, hepatites e DSTs, através das fissuras e queimaduras la-
biais; ao contágio de infecções cutâneas pelas queimaduras em mãos e lábios; à toxici-
dade dos materiais utilizados como cachimbo (metais pesados, gases tóxicos liberados
da combustão de plásticos, má higiene de materiais encontrados nas ruas e em latas de
lixo). Além disso, tem-se observado o aumento da incidência de transtornos psicóticos
e quadros de agressividade associados ao seu uso.
Dessa forma, as principais estratégias de RD para o crack são:
▸ Orientação a não compartilhar o cachimbo;
▸ Distribuição de kits, contendo preservativos e gel lubrificante, protetor labial, fo-
lheto informativo. A distribuição do cachimbo para o uso do crack não é uma estra-
tégia padronizada nacionalmente;
▸ Substituição do crack por maconha. Alguns estudos internacionaisapontam re-
sultados positivos quando o usuário faz um “caminho de volta” para drogas mais
leves e a maconha tem sido apontada há vários anos como uma estratégia eficaz
para que o usuário deixe de consumir drogas mais “pesadas”, como cocaína, crack
e heroína, mediante o consumo de maconha.
Em 2001, o Proad realizou uma pesquisa com dependentes graves de crack, dos
quais 68% abandonaram o uso de crack em cerca de apenas cinco semanas fazendo
uso da maconha fumada, referindo melhora da fissura, dos sintomas paranoides, da
insônia, e abandonando hábitos e atitudes indesejáveis, como furtos, perambula-
ções e noites fora de casa.
▸ Uso do “mesclado”. Embora não haja estudos comprovando a eficácia dessa es-
tratégia, diversos pacientes relatam conseguir diminuir o uso do crack, com melhora
da fissura e dos sintomas paranoides, quando fazem uso do crack associado à ma-
conha, ou “mesclado”. Desse modo, essa estratégia pode ser encarada como um
benefício temporário, até que o indivíduo consiga abster-se totalmente do crack.

RD para o álcool
Apesar dos problemas relacionados ao crack, o uso de álcool é, de longe, um dos
maiores problemas de saúde pública no mundo.
A partir da consolidação da RD como uma política pública no Brasil e em diversos países
do mundo, passou-se a pensar em estratégias de RD para todas as drogas, inclusive o
álcool.

Atualmente, as principais estratégias de RD preconizadas para o álcool são:


▸ Proposta de diminuição de consumo/beber controlado: Dependentes de álcool,
com orientação de redução de consumo, apresentam menos recaídas e recaídas me-
nos graves quando comparados à meta de abstinência total.
▸ Troca por bebidas de menor teor alcoólico: Há maior capacidade de controle, re-
caídas menos frequentes e menos graves, menor exuberância de efeitos comporta-
mentais, como agressividade e acidentes, quando optam por bebidas de menor teor
alcoólico, a exemplo da troca de destilados por cerveja.
▸ Alimentação e hidratação: Mais do que qualquer outra droga, o hábito de alimen-
tar-se antes de beber e manter um nível adequado de hidratação enquanto se está
bebendo, demonstra excelentes resultados nas bebedeiras, com diminuição dos da-
nos à saúde, como vômitos, quedas e riscos associados às mudanças de comporta-
mentos, como envolvimentos em brigas, acidentes e dirigir embriagado.
▸ Treinamento de pessoal de bares, restaurantes e empresas de alimentos: Embora
pouco difundido ainda no Brasil, esse tipo de treinamento visa reconhecer indivíduos
potencialmente embriagados e adotar medidas que vão desde a cessação de venda
de bebidas até a retirada do indivíduo do recinto. Além disso, estratégias como servir
a bebida ao invés deixá-la à vontade (open bar), recolher precocemente copos e gar-
rafas de vidro, evitando acidentes, bem como a proibição da entrada de recipientes
de vidro em ambientes de grande concentração de pessoas, como festas, estádios e
boates, auxiliam a diminuir danos associados ao uso de álcool.

Vale lembrar que as medidas de proteção ao ambiente se afinam amplamente com os


pressupostos da Redução de Danos e, muitas vezes, com estratégias governamentais.
Um exemplo disso é a medida de fechamento dos bares em algumas cidades a partir das
22 horas, que promoveu um impacto na diminuição de acidentes, violência doméstica e
ocorrências policiais. Outro exemplo é a campanha Amigo da Vez, iniciada em Recife,
onde grupos de jovens escolhiam o amigo que não beberia para poder conduzir o veículo
em segurança. Essa estratégia tem sido amplamente difundida em outras cidades bra-
sileiras e se harmoniza muito com a Lei Seca do Governo Federal.

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Módulo 26

Saúde mental na Atenção Básica


O Matriciamento
A Atenção Básica à Saúde (ABS), tal como o Sistema Único de Saúde, é norteada
por princípios, dentre os quais a integralidade.
Ao propor um cuidado independente da presença ou ausência da doença, incorporando
a prevenção e promoção de saúde e, principalmente, sem que haja distinção entre con-
dições físicas e mentais, observa-se a importância da efetiva abordagem das condições
psicossociais nesse nível de atenção. Assim, seus profissionais devem estar habilitados
para uma abordagem resolutiva, além de contarem com uma efetiva integração da rede
de saúde.
No entanto, é comum que os profissionais da ABS não estejam familiarizados com esse
aspecto da integralidade e as redes de saúde estejam pouco integradas. Neste módulo,
além de se destacar a importância da saúde mental na Atenção Básica, serão apresen-
tados os desafios da formação dos profissionais da ABS em saúde mental e o papel que
o matriciamento exerce nessa formação e na organização das redes de saúde.

A saúde mental na Atenção Básica


No Brasil, já foi demonstrada a importância das condições psiquiátricas na Aten-
ção Básica, com índices que variam de 38% a 56% de prevalência de transtornos mentais
na população de abrangência e que utiliza as Unidades Básicas de Saúde, em especial
no modelo Estratégia Saúde da Família.
A Organização Mundial da Saúde enfatiza a importância dos quadros mentais na Aten-
ção Básica e apontou, em parceria com a Wonca (Associação Mundial de Médicos de
Família), a necessidade de uma ótima integração de cuidados em saúde mental nesse
nível de atenção, destacando que transtornos mentais tratados inadequadamente estão
associados a uma baixa qualidade de vida e à perda de capacidade funcional, além de
um aumento nos custos dos serviços de saúde que gera um impacto negativo na eco-
nomia dos países.
Não há dúvida, portanto, da necessidade de se desenvolver estratégias para o
efetivo suporte ao sofrimento psíquico e às doenças psiquiátricas na Atenção Básica.

Mas, como desenvolvê-las?


Quais as etapas e desafios para implementação da política matricial?
Para atingirmos as respostas a essas perguntas, dividiremos este módulo didaticamente
em aspectos teórico-conceituais e prático-administrativos.

1. Aspectos teórico-conceituais
Primeiramente, é importante que se entenda exatamente o que é Atenção Básica
no contexto brasileiro.
Em 21 de outubro de 2011 foi publicada a portaria n.º 2.488,10 que regula a nova Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB). Essa portaria vem ratificar as portarias n.º 648 e
n.º 1.097, de 2006, nas quais foram incluídos parâmetros para ações de saúde mental na
Atenção Básica nas diretrizes para a Programação Pactuada e Integrada da Assistência
à Saúde (PPI). A portaria n.º 2.488 mantém a Saúde da Família como estratégia prioritá-
ria para a Atenção Básica no país e apresenta a Atenção Básica da seguinte forma:

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âm-


bito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a
prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução
de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma aten-
ção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas, e
nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. É desenvol-
vida por meio do exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e
participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de
territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, consi-
derando a dinamicidade existente no território em que vivem essas popula-
ções. Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem auxiliar
no manejo das demandas e necessidades de saúde de maior frequência e re-
levância em seu território, observando critérios de risco, vulnerabilidade, re-
siliência e o imperativo ético de que toda demanda, necessidade de saúde ou
sofrimento devem ser acolhidos. É desenvolvida com o mais alto grau de des-
centralização e capilaridade, próxima da vida das pessoas. Deve ser o contato
preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e centro de comunica-
ção da Rede de Atenção à Saúde. Orienta-se pelos princípios da universali-
dade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integrali-
dade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da
participação social. A Atenção Básica considera o sujeito em sua singulari-
dade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral.

No Brasil existem dois modelos de Atenção Básica: a “tradicional”, na qual o cuidado


dá-se por meio da clínica pediátrica, ginecológica e médica, em grandes centros de sa-
úde e pequenas Unidades Básicas de Saúde; e a estratégia Saúde da Família, nas unida-
des de Saúde da Família, orientada por uma equipe de referência, focada na abordagem
integral sem divisão das clínicas, por gênero ou faixa etária, com ênfase na vigilância em
saúde e adstrição de clientela. A inserção de cuidados à saúde mental neste último mo-
delo dá-se de forma mais natural, dado que as equipes deparam-se frequentemente com
a problemática psicossocial e há, via de regra, maior proximidade e responsabilidade
junto às comunidades.
A Atenção Básica, como porta de entrada do sistema de saúde, relaciona-se com
as redes de atenção à saúde. Porém, tradicionalmente, os sistemas de saúde organizam-
se de uma forma vertical (hierárquica) através de uma lógica de transferência de res-
ponsabilidade, em especial quando Atenção Básica apresenta baixos índices de resolu-
bilidade por formação e atuação insuficientes de seus trabalhadores. Há uma precária
comunicação entre os níveis hierárquicos, geralmente mediante documentos de “refe-
rência e contrarreferência”, ou outros formulários, que não oferece uma boa resolubili-
dade em função de ações burocratizadas e pouco dinâmicas.
Objetivando-se um processo de trabalho mais horizontalizado, que propicie uma
maior interação entre os demais níveis especializados e melhor resolubilidade na ABS,
surgem estratégias para aproximação dos níveis de atenção e equipamentos de saúde.
No Brasil, esse modelo foi impulsionado pela oficialização da política matricial e pela
criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, em 2008, que foram reorientados e
redimensionados pela portaria n.º 3.124 em 2012.11 Experiências semelhantes vêm
sendo desenvolvidas no mundo e são apresentadas como cuidados colaborativos (col-
laborative care) ou compartilhados (shared care).
Recentemente foi demonstrado, em revisão sistemática que envolveu 24 mil pessoas em
79 ensaios clínicos randomizados, que os cuidados colaborativos são efetivos para ma-
nejo de quadros de depressão e ansiedade na ABS. Foram apontados como elementos
fundamentais na composição dos cuidados colaborativos (critérios de inclusão para re-
visão) a atuação de equipe multiprofissional, plano de cuidado estruturado, acompanha-
mento contínuo e compartilhado (case management) e comunicação
interprofissional “potencializada”. Tais elementos guardam semelhanças com os funda-
mentos estruturantes da prática matricial. Assim, por meio da prática matricial há, no
processo de trabalho das UBS, a participação de profissionais de outras especialidades
médicas e de outras categorias profissionais (matriciadores) junto aos profissionais de
Atenção Básica (equipe de referência), com objetivo de implementar a resolubilidade na
atenção primária e capacitar seus profissionais para uma prática mais integrativa, além
de facilitar a articulação das redes de saúde.
Inicialmente, a atenção horizontalizada proposta por esse modelo foi voltada à
saúde mental. No entanto, com a experiência em diversos municípios e a inserção dos
Núcleos de Apoio à Saúde da Família, há uma ampliação disciplinar, atingindo outras
especialidades médicas – fisioterapia, nutrição, educação física, entre outras.
Há, entre as equipes matriciais e as da Atenção Básica, uma relação que constitui um
novo arranjo organizacional do sistema de saúde para gestão do trabalho, objetivando
ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entre dis-
tintas especialidades e profissões. É fundamental que ocorra um suporte técnico por
parte dos matriciadores, a fim de ampliar o campo de atuação e qualificação dos profis-
sionais da Atenção Básica, caracterizando-se, portanto, como um espaço para educa-
ção permanente e transferência de tecnologias. Esse suporte técnico-pedagógico pro-
picia retaguarda especializada, vinculação interpessoal e apoio institucional no processo
de construção coletiva de projetos terapêuticos, de tal forma que o matriciador participa
ativamente do processo de cuidado. O matriciador pode, ainda, referenciar a si mesmo,
caso seja identificada a necessidade de um cuidado mais específico como parte do pro-
jeto terapêutico. Deve também apoiar a articulação com outros equipamentos de saúde
e sociais, ajudando portanto à composição de uma rede de cuidado onde o usuário deve
transitar com mais resolubilidade.
Pode-se dizer que o matriciamento não é:
▸ Encaminhamento ao especialista;
▸ Atendimento individual pelo profissional de saúde mental ou de outra especiali-
dade;
▸ Intervenção psicossocial coletiva realizada apenas pelo profissional matriciador.

O matriciamento constitui-se, assim, numa ferramenta para transformação da realidade


de trabalho de equipes interdisciplinares e de suas relações com as pessoas e comuni-
dades. É fundamentado também nos seguintes elementos:
▸ Efetiva comunicação e coordenação de cuidados entre os profissionais envolvidos;
▸ Ações realizadas predominantemente na Atenção Básica;
▸ Integração entre recursos locais de saúde e intersetorial.

2. Aspectos prático-administrativos
A implementação do modelo matricial na ABS depende de um comprometimento
tanto dos profissionais envolvidos, seja nas equipes de referência ou matriciais, quanto
dos gestores locais. A maioria dos profissionais da ABS não é especialista em Saúde da
Família ou Medicina de Família e Comunidade, além de terem tido uma formação acadê-
mica sem enfoque na ABS, com ênfase em uma prática hospitalar. Dentre os profissio-
nais matriciadores, é comum que não compreendam as particularidades e responsabili-
dades da ABS, além de não dominarem o uso das ferramentas e tecnologias comuns à
pratica dos cuidados compartilhados propostos pelo matriciamento, apresentados a se-
guir.
As pessoas com problemas de saúde mental apresentam-se à ABS de forma diferente
daquelas que são tratadas nos ambulatórios de especialidades, CAPS ou hospitais psi-
quiátricos. Frequentemente, os transtornos mentais comuns estão associados a queixas
físicas e/ou a quadros subsindrômicos, sem os critérios diagnósticos dos sistemas tra-
dicionais de classificação CID-10 ou DSM-4, porém igualmente associados a prejuízo da
qualidade de vida. Menos comuns (mas muito impactantes), são os transtornos mentais
graves e persistentes, que podem se apresentar para os profissionais da ABS a partir de
situações extremas de violência e exclusão social. Quadros psicóticos em cárcere pri-
vado, violência sexual em pessoas com deficiência mental, drogadição e desestrutura-
ção familiar são exemplos vistos rotineiramente pelas equipes de saúde da família.
Dessa forma, passo fundamental para o desenvolvimento da saúde mental na ABS, por
meio da prática do matriciamento, é a facilitação de espaços de treinamento e educação
permanente que envolvam os profissionais das equipes de referência e matricial, prefe-
rencialmente de forma conjunta. Conteúdos da clínica psiquiátrica devem ser apresen-
tados aos profissionais da ABS, elementos dos sistemas de saúde e particularidades da
ABS para os profissionais de saúde mental e, finalmente, a construção de um espaço
comum de trabalho deve ser facilitada e discutida em conjunto, com o desenvolvimento
e prática na realidade das tecnologias de cuidado e matriciais, como, por exemplo, a
construção de projetos terapêuticos singulares a partir de avaliações clínicas conjuntas
e discussão de casos. Nesse processo, a participação efetiva dos gestores é determi-
nante para a implementação do modelo, uma vez que os cuidados compartilhados (ma-
triciamento) envolvem mudanças no processo de trabalho de todos os profissionais en-
volvidos.
As tecnologias envolvidas na rotina de trabalho da prática matricial são específicas e
necessitam ser desenvolvidas.
a) interconsultas e seus vários elementos: discussão de caso, consultas, visitas e grupos
conjuntos;
b) elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares;
c) contatos à distância: uso de telefones ou outras tecnologias de comunicação;
d) instrumentos de registro e planejamento: genograma e ecomapa.

Para referências mais detalhadas e entendimento dessas tecnologias, sugerimos o es-


tudo do manual prático de matriciamento, disponível em nosso site. Clique aqui para
efetuar o download.
2.1. Discussão de casos, consulta, visita e grupos conjuntos
As interconsultas têm sido um instrumento comum para as atividades interdisci-
plinares, sendo portanto o principal instrumento de apoio matricial. A prática mais co-
mum nas atividades matriciais é a discussão de caso entre as equipes ou profissionais
de referência e os matriciadores. No processo de trabalho do NASF, é comum os matri-
ciadores entrarem em reuniões de equipe e discutirem as situações ali apresentadas,
desenvolvendo uma ação colaborativa e compartilhada. Espera-se que, nesse momento
de discussão entre os vários profissionais detentores de visões e saberes distintos, cons-
trua-se uma compreensão do processo saúde-doença, atingindo-se uma visão ampliada
e integral da situação, para construção de projetos terapêuticos.
No entanto, é frequente que esse espaço seja dominado por momentos de apresentação
de referenciais teóricos subjetivos ou distantes da realidade dos profissionais da Aten-
ção Básica, como elementos da psicanálise, por exemplo. Antes mesmo da teorização
das situações ali discutidas, é importante que alguns tópicos sejam previamente defini-
dos, como:
▸O motivo pelo qual aquele caso deve ser discutido (com a demanda do profissional
da Atenção Básica e do usuário ou família em questão);
▸Descrição da situação atual (com elementos da realidade, problemas concretos,
dados sociofamiliares);
▸Recursos terapêuticos e de suporte disponíveis naquele território ou UBS;
▸Objetivos que as equipes pretendem alcançar (sendo comum a conclusão de que
muitas vezes o principal objetivo é o acolhimento de situações de sofrimento).

A riqueza da discussão de caso está relacionada positivamente com a quantidade de


profissionais de diferentes disciplinas que dela efetivamente participam e do envolvi-
mento e organização metodológica de todos os integrantes.

Consulta, visita domiciliar e grupos conjuntos: são as atividades em que os matriciadores


realizam a aviação do caso e a intervenção juntamente com os profissionais de referên-
cia, usuários e famílias, em um mesmo ambiente. São as atividades mais ricas do matri-
ciamento, pois permitem a real troca de experiências e transferências de saberes, uma
vez que os profissionais envolvidos podem observar a atividade do outro e incorporá-la
à sua prática. É uma técnica de aprendizagem em serviço para complementar e/ou elu-
cidar aspectos da situação de cuidado em andamento que fujam ao entendimento do
solicitante para traçar um plano terapêutico.
É importante destacar que, por vezes, é possível a participação dos Agentes Comunitá-
rios de Saúde (ACS), em especial nas visitas domiciliares conjuntas. No entanto, a par-
ticipação dos ACS em atividades compartilhadas com os pacientes deve ser cuidadosa-
mente planejada. Trata-se de profissionais sem formação específica na área de saúde,
além de serem pessoas das comunidades, às vezes muito próximas pessoalmente dos
usuários do serviço. Assim, a questão do sigilo e confidencialidade da consulta pode ser
ameaçada, fragilizando a relação entre profissional e paciente.
Por outro lado, os ACS podem ser potencializadores da vinculação com os usuários e
conhecedores de detalhes importantes, sendo via de regra indispensáveis durante a dis-
cussão dos casos.

É importante que o matriciador não seja apenas um prescritor de condutas e compartilhe


suas observações com os profissionais matriciados, de tal modo também que estes con-
tinuem sendo os principais responsáveis pelo usuário ou grupo de pessoas. Um roteiro
mais detalhado sobre os passos das atividades conjuntas pode ser encontrado no ma-
nual prático de matriciamento já citado anteriormente.

Vale destacar algumas particularidades das visitas domiciliares conjuntas. É possível


que os profissionais de saúde mental estejam habituados às visitas realizadas pelos
CAPS ou equipamentos semelhantes, para acompanhamento de pessoas com transtor-
nos mentais graves. No entanto, na Atenção Básica, as visitas podem acontecer por
vários motivos, como para vigilância em saúde com casos de variada complexidade psi-
cossocial e econômica.
E também deve-se evitar que as discussões dos achados sejam feitas na casa, devendo
as equipes reservar um momento na UBS para rediscussão e retornar à casa, se for o
caso.
Os grupos com participação dos matriciadores também são outro espaço riquíssimo para
o desenvolvimento de matriciamento.
Geralmente, os profissionais da ABS não tiveram formação específica nos fenômenos
grupais e seus potenciais terapêuticos e vinculantes. Acabam por fazer dos grupos mo-
mentos de palestras ou transmissão vertical de conhecimentos. A presença dos matri-
ciadores pode auxiliar os profissionais a entenderem essa proposta de intervenção, seja
nos grupos de convivência, de trabalhos manuais ou até nos grupos terapêuticos.

Projeto Terapêutico Singular (PTS)


O PTS foi originalmente criado como um recurso da clínica ampliada e da política
nacional de humanização em saúde.
Não é um recurso específico do matriciamento, mas é um instrumento fundamental para
organização do processo de trabalho matricial. Há uma valorização do olhar as práticas
de saúde coletiva nas quais leva-se em consideração o indivíduo e seu contexto social,
focando-se na singularidade de sua realidade, como consta na política nacional de Aten-
ção Básica.
Os projetos podem ser, além de individuais, familiares e até territoriais. Assim,
permitem extrapolar o foco da intervenção para além do indivíduo, o que para saúde
mental muitas vezes é fundamental. São produto da interação entre os vários profissio-
nais, nas discussões de caso.
Parte integrante da realização do PTS é a formulação diagnóstica multiaxial, que é com-
posta pelos seguintes itens:
▸sintomas mentais e transtornos mentais;
▸estilo de personalidade e transtornos de personalidade e do desenvolvimento;
▸problemas de saúde em geral;
▸avaliação de incapacidade;
▸problemas sociais.

As propostas de intervenção são criadas conjuntamente pelos membros da equipe,


sendo que tarefas específicas devem ter seus responsáveis destacados, assim como o
momento para reavaliação do caso. Deve haver também um responsável pelo caso, para
coordenar (e cobrar) as pactuações construídas durante sua formulação. Finalmente, a
formulação do PTS deve ser composta por vários tópicos, a saber:
▸ abordagens biológica e farmacológica;
▸ abordagens psicossocial e familiar;
▸ apoio do sistema de saúde;
▸ apoio da rede comunitária; e
▸ trabalho em equipe – quem faz o quê.

Contatos à distância
Cada equipe de NASF pode estar vinculada com até nove equipes da ESF, segundo a
nova portaria, de tal modo que muitas vezes os encontros matriciais acontecem men-
salmente. Às vezes, quando o matriciamento fica a cargo de profissionais dos CAPS, há
uma relação maior de equipes por profissional matriciador, com contatos menos fre-
quentes. No entanto, podem ser necessários contatos mais constantes, ou mesmo mo-
mentos para uma consulta rápida, como uma dúvida a respeito da dose de uma medica-
ção, por exemplo. A disponibilização de linhas de telefone, por mais simples que pareça,
facilita e tranquiliza as atividades dos profissionais de referência da Atenção Básica.
Algumas equipes matriciais têm adquirido celulares, como forma de facilitar o acesso.
Contudo, como em qualquer relação de trabalho, as equipes que optarem por essas tec-
nologias de comunicação devem pactuar momentos de disponibilidade, além de preocu-
par-se em registrar em prontuário os passos da assistência proposta.
Um exemplo bem sucedido em alguns estados do Brasil é o Telessaúde, projeto que
aproxima os profissionais especialistas focais dos profissionais da Atenção Básica para
segunda opinião ou esclarecimento de dúvidas. Nesse projeto, o acesso se faz via inter-
net.
(Mais detalhes sobre esse projeto podem ser obtidos no portal www.telessaudebra-
sil.org.br/php/index.php.)

Registro e planejamento do cuidado


É comum que durante os encontros matriciais a discussão não avance, pela es-
cassez de informações sobre o caso, sua rede social de apoio e equipamentos de saúde,
que podem ser utilizados para composição do PTS. Para melhor entendimento da situa-
ção apresentada, duas fontes de informações são o genograma e o ecomapa.
O genograma permite entender não só a composição familiar, como suas relações. Estas
podem ser muito importantes na prevenção e recuperação de doenças, e seu envolvi-
mento na abordagem terapêutica pode ser necessário. Com uma representação gráfica
da composição familiar, propiciada pelo genograma, é mais fácil visualizar os padrões
de relações, repetição de doenças, permitindo uma abordagem familiar mais efetiva.
Algumas vezes, é importante também conhecermos a relação das famílias com o meio
social, além da rede social de apoio para construção de projetos terapêuticos mais am-
pliados. Para tal finalidade, há o ecomapa, que pode ser definido como uma visão gráfica
do sistema ecológico de uma determinada família, permitindo que os padrões organiza-
cionais e suas relações com o meio sejam avaliados.
Genograma e ecomapa não são familiares a muitos profissionais de saúde, seja
da Atenção Básica ou das equipes de apoio, sendo necessário muitas vezes momentos
de capacitação e sensibilização para fomentar o uso dessas ferramentas.
Espera-se que com a prática rotineira do matriciamento, o uso contínuo dessas tecno-
logias e o envolvimento das equipes de saúde, através da relação horizontalizada, com-
partilhada e colaborativa, haja um desenvolvimento profissional de todas pessoas en-
volvidas e que, finalmente, amplie-se a resolubilidade da Atenção Básica e integração
da rede de serviços. Assim, nesse processo se estabelece a lógica da educação perma-
nente atribuída ao matriciamento.
Ainda, para que tais atividades se efetivem, é muito importante que os seguintes
elementos sejam enfatizados:
▸ contatos interprofissionais e pessoais baseados em respeito e confiança;
▸ competência e interesse técnico-científicos, baseados nas características cultu-
rais locais e recursos disponíveis;
▸ apoio organizacional e gerencial.

Aqui, observa-se a importância do ambiente das unidades de saúde para efetivação da


prática matricial. Há problemas estruturais, como falta de espaço, mas também organi-
zacionais, como o não planejamento da agenda dos profissionais, contemplando os mo-
mentos de atividades conjuntas. Além disso, como essa prática ainda é pouco compre-
endida entre muitos profissionais, em especial os da Atenção Básica, que guardam
enorme expectativa na possibilidade de “encaminhar” os casos para os matriciadores e
assim transferirem a responsabilidade, é comum o surgimento de ruídos entre as pes-
soas, ou mesmo a disputa por espaço e falta de entendimento de funções e responsabi-
lidades.
A portaria do NASF determina que cada equipe matricial apoie de 8 a 20 equipes de
saúde da família (ESF), o que pode ser um desafio de planejamento quando se adota a
relação de uma equipe de NASF para 20 de ESF. Assim, é fundamental a existência de
um corpo administrativo que possa coordenar as atividades de matriciamento, bem
como planejar e avaliar seu impacto.
Todas as atividades matriciais tomam tempo dos profissionais, o que afeta inicialmente
suas “produtividades” em termos quantitativos. Muitos gestores mantêm a cobrança de
volume de consulta, mesmo tendo implementado as equipes de apoio matricial.
É importante o entendimento de que, se por um lado as tecnologias matriciais tomam
tempo, por outro elas atingem situações extremamente desgastantes, tanto para a
equipe quanto para a comunidade. Há grande avanço qualitativo quando a equipe se vê
apoiada na organização para o enfrentamento de situações graves; impactando na au-
toestima das equipes e na vinculação com a comunidade. Mas há que se ter instrumen-
tos para registrar as atividades matriciais, bem como seu volume de trabalho. Para
tanto, é possível a adoção de “fichas de matriciamento” que, além de favorecerem a
coleta de informações e sistematizarem o PTS, possibilitam o registro em prontuário e a
produção das equipes.
Nota-se, portanto, a importância do envolvimento dos gestores no processo de imple-
mentação do matriciamento.

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Módulo 27

Estratégias de Combate ao Estigma na SM


O estigma associado aos transtornos mentais é composto essencialmente por
três elementos:
▸Ignorância (falta de ou conhecimento inadequado sobre os transtornos mentais);
▸Preconceito (crenças e atitudes negativas direcionadas às pessoas estigmatizadas,
que incluem não somente pensamentos negativos como também emoções negativas:
raiva, hostilidade e repugnância);
▸Discriminação (comportamentos evitativos e de rejeição direcionados às pessoas
estigmatizadas).

A maneira como se dá a percepção pública em relação aos transtornos mentais influen-


cia diretamente na aceitação dos portadores pela sociedade. As reações da população
em relação às pessoas com transtorno mental são chamadas de estigma público, verifi-
cando-se reações negativas associadas aos seus portadores, como por exemplo senti-
mentos de medo e antipatia.
A tendência da população em considerar pessoas com transtorno mental como “impre-
visíveis” e “perigosas”, incitando o desejo por distanciamento social, gera a discrimina-
ção e a consequente exclusão social. Isso é especialmente recorrente com relação à
esquizofrenia, condição mais representativa da doença mental no imaginário das pes-
soas.
Empregadores, profissionais de saúde, vizinhos, colegas de trabalho, entre outros, po-
dem ser agentes do estigma público.
Empregadores de grandes empresas (a maioria deles) nunca ou ocasionalmente empre-
garia uma pessoa com esquizofrenia, sendo observadas significantes atitudes de resis-
tência, ignorância e estigma em relação aos portadores de tal transtorno, revelando ati-
tudes discriminatórias negativas em relação aos mesmos. Tais comportamentos e atitu-
des trazem experiências negativas aos portadores, incluindo prejuízo no acesso a trata-
mento e a outras oportunidades na vida (emprego, educação, moradia), culminando em
sua sistemática exclusão social.
Ainda com relação à percepção pública acerca dos transtornos mentais, verifica-se que
a mídia exerce forte influência nessa percepção, sendo considerada uma das principais
fontes de informação para a população em geral a respeito desses transtornos. No en-
tanto, as distorções da mídia acerca das doenças mentais e dos comportamentos dos
portadores fornece informações inadequadas ao público em geral, que passa a ter uma
imagem negativa dos portadores. Grande parte dos vilões nos filmes, seriados e novelas
são apresentados como possuindo algum tipo de “loucura”, a qual justificaria não só seu
comportamento violento e transgressor, mas também um sádico senso de maldade.
Nessas mesmas obras de ficção, quando o personagem com transtorno mental não é
descrito como violento, muitas vezes surge como um personagem cômico, com seu
comportamento estranho, tolo ou infantil. Também os profissionais de saúde mental,
nessas obras de ficção, são apresentados como incompetentes, excêntricos ou malévo-
los com os pacientes. Na imprensa escrita e em programas informativos das rádios ou
TVs, notícias envolvendo portadores de transtorno psicóticos em crimes tendem a ser
sensacionalistas, superdimensionadas e passam conceitos errôneos à população. As no-
tícias tendem a retratá-los como perigosos e nocivos, o que pode favorecer a perpetua-
ção de crenças e atitudes negativas dirigidas às pessoas com transtorno mental.

Autoestigma
A rotulação das pessoas como “portador de transtorno mental” em geral eviden-
cia atributos negativos como, por exemplo, serem considerados violentos e perigosos,
além de despertarem sentimentos de desvalorização, descrédito e desejo por distância
social. Esses atributos, crenças e sentimentos se aplicam aos portadores quando eles
“se tornam doentes”, já que antes de estarem nessa condição, tais crenças e sentimen-
tos formavam suas próprias concepções em relação às pessoas com transtorno mental.
Dessa forma, portadores podem se desvalorizar ao se verem pertencendo à categoria
que anteriormente acreditavam ser vista negativamente pelos outros e por eles mesmos,
tendo essa crença efeitos negativos em sua autoestima.
A expectativa de rejeição produz desmoralização e os portadores podem acredi-
tar que serão evitados pelos outros, que deixarão de os querer como amigos, emprega-
dos, companheiros ou amantes.
Nesse sentido, portadores podem aceitar a rotulação da doença mental e se sujeitar aos
estereótipos atribuídos a essa rotulação, reeditando, de forma negativa, as expectativas
que têm de si e de sua qualidade de vida, e sujeitando-se a condições de marginalização.
Evitam se expor às situações do cotidiano como estratégia encontrada para enfrentar
situações passíveis de discriminação, o que os mantém restritos em suas relações e
convívio social. Do mesmo modo, como reflexo do autoestigma, os sujeitos podem não
acreditar que merecem ter uma condição de vida mais favorável, já que se veem como
inúteis e incapazes de se relacionar, conseguirem um emprego, fazer amigos, namorar.
Ocultam seu diagnóstico, evitam se engajar em atividades e ter contato com as pessoas
como estratégia de enfrentamento à discriminação que esperam sofrer.
Em decorrência disso, pessoas com transtorno mental podem apresentar sentimentos
de vergonha e baixa autoestima, além de sentirem medo de experimentar discriminação.
Essa desvalorização e a percepção negativa de si e de sua doença podem aumentar o
isolamento e diminuir a autoestima, a procura e a adesão ao tratamento. Isso gera pre-
juízos na efetiva participação social em relação, por exemplo, a moradia, emprego, sa-
lário, saúde, culminando na sistemática exclusão social dos mesmos.
Familiares e cuidadores também sentem o impacto negativo causado pelo estigma, es-
pecialmente familiares de portadores de esquizofrenia, sendo relatados elevados níveis
de sobrecarga e sentimentos negativos, como vergonha e medo de serem discriminados
ou evitados. Familiares podem ser estigmatizados por associação e as chances de ca-
samento diminuem para os irmãos do paciente, a família pode ser isolada, não sendo
convidada para eventos sociais etc. Ideias errôneas sobre a doença decorrentes da cri-
ação recebida dos pais ou simplificações grosseiras dos fatores genéticos nas doenças
mentais aumentam ainda mais o peso a ser carregado pelos familiares, com ideias de
culpa e vergonha.

Estigma Estrutural
O estigma é inerente às estruturas sociais que fazem parte da sociedade, influ-
enciando as leis, os serviços, o sistema judiciário e a alocação dos recursos financeiros.
Esse tipo de estigma, que atinge tudo o que se relaciona com a doença mental, é deno-
minado de estigma estrutural ou coletivo. O estigma recai, portanto, não somente sobre
o paciente e seus familiares, mas também se estende aos seus amigos e a tudo aquilo
que diz respeito ao tratamento da doença mental, como as instituições de saúde mental,
os profissionais que nela trabalham e os medicamentos psicotrópicos, que também são
estigmatizados em nossa sociedade. É comum que locais de atendimento à saúde men-
tal em hospitais e ambulatórios sejam mal equipados, alocados num setor de menor im-
portância e movimentação da edificação. Funcionários que não se mostraram adequa-
dos em outros setores são transferidos para o setor de psiquiatria “onde não podem pôr
em risco a vida de um paciente”. Os recursos investidos em saúde mental são despro-
porcionalmente pequenos em vista do impacto da doença mental na sociedade.

A consequência é que [aos pacientes] é negado acesso ao melhor tratamento


e a serviços de boa qualidade, cuidado subqualificado terá resultados pobres,
o que confirmará o mito da intratabilidade das doenças mentais.

O estigma (público, autoestigma e estrutural) tem um impacto negativo na vida das pes-
soas estigmatizadas, gerando isolamento, exclusão, institucionalização e diminuição da
qualidade de vida. O indivíduo pode ser impedido de se envolver ou se engajar em situ-
ações como interações sociais, trabalho, educação, vida comunitária, entre outros, pre-
judicando sua participação social e consequentemente sua saúde. Dessa forma, diminuir
o impacto do estigma da doença mental é certamente um dos maiores desafios para a
melhora das condições de saúde mental em uma comunidade.

Ações para Redução do Estigma

Estratégias gerais
Inicialmente devemos observar que cada comunidade reage à doença mental
com nuanças particulares e que para combater a estigmatização do paciente temos que
primeiramente entender em profundidade como ela se manifesta localmente.
Grupos focais podem ser uma boa alternativa para um levantamento das principais quei-
xas e sugestões das pessoas com transtornos mentais, familiares e profissionais de sa-
úde mental, assim como das atitudes e comportamentos frente à doença mental, na
população e em grupos críticos (profissionais de saúde em geral, mídia, educadores,
policiais, entre outros que podem surgir nos próprios grupos focais).
As campanhas informativas aos diferentes públicos-alvo podem ser iniciadas por reuni-
ões para grupos de interessados, privilegiando o diálogo e a troca de experiências. Pro-
fissionais de saúde mental, portadores de transtorno mental e familiares podem ser con-
vidados para tal atividade, apresentando-se em conjunto, procurando-se mesclar infor-
mação científica com depoimentos das dificuldades vividas em decorrência do estigma
e da discriminação.
Essas reuniões podem ser oferecidas para acontecer em diferentes instituições e locais
públicos, baseando-se no voluntariado.
Essa estratégia não deve ser a única ação contra a estigmatização, mas tem vantagens
na criação de uma massa crítica de pessoas sensibilizadas e de um acúmulo de temas e
relatos que alimentam outras medidas de maior proporção. Além disso, os profissionais
de saúde envolvidos aprimoram sua sensibilidade clínica às questões envolvendo o es-
tigma da doença, respeito aos direitos do paciente, consequências do erro diagnóstico
etc., e o paciente e o familiar têm sua autoestima aumentada, lançando-se a semente
para associações de defesa dos usuários de saúde mental.

Modificação das atitudes na comunidade


Favorecer o aumento do conhecimento da população em relação aos transtornos
mentais e sobre os tratamentos possíveis para tais transtornos pode diminuir o estigma
e as atitudes discriminatórias negativas em relação a essas pessoas. Campanhas edu-
cativas podem ser uma estratégia para isso e devem considerar tanto ações voltadas
para a população em geral como para públicos específicos.
Em intervenções contra o estigma da doença mental, um dos maiores preditores
de impacto positivo é o contato prévio, pelo participante da intervenção, com pessoa
com doença mental. Esse contato não só possibilita a percepção da dimensão humana
do portador como permite que se contraponham a experiência real e os mitos da peri-
culosidade ou imprevisibilidade do doente mental, por exemplo.
Ações que aumentem a possibilidade de contato diário entre portadores e demais mem-
bros da comunidade, acompanhadas do aumento de conhecimentos dessa comunidade
sobre a doença, talvez sejam as mais efetivas na redução do estigma em longo prazo.
Ações em parceria com outros setores, como esporte, lazer e cultura, que incluam a
participação de portadores em atividades com a comunidade são facilitadoras desse
contato, assim como o tratamento aberto e comunitário, como é a proposta dos Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS).

Modificação das atitudes dos profissionais de saúde


Doenças de longa evolução geralmente são vistas com desconfiança e pessi-
mismo por profissionais de saúde, reduzindo a expectativa e o investimento do profissi-
onal e prejudicando o tratamento dos pacientes, e isso é semelhante nas doenças men-
tais. Em função disso, identificar e combater as próprias atitudes estigmatizantes deve-
ria ser uma das metas do profissional de saúde. Um dos instrumentos mais valiosos
nesse processo é a educação e o uso cuidadoso da linguagem e das formas de abordar
o portador.
Compartilhar conhecimentos com os pacientes e seus familiares ajuda a diminuir a culpa
e a vergonha que os afligem.
Ofertar informações sobre a doença, o tratamento e recuperação é essencial, pois pode
ajudar portadores e familiares a lidar com a mesma da melhor forma, além de empoderá-
los para isso. Nesse processo, é fundamental não confundir o paciente com seu diag-
nóstico, evitando utilizá-lo como um adjetivo.
Uma intervenção a esse nível significa, além de diminuir o desrespeito verbal à pessoa
estigmatizada, uma tentativa de dizer que existe algo errado na linguagem daquele que
estigmatiza.
Para desenvolver essa tarefa, o profissional precisa capacitar-se e adquirir habilidades
relacionais e de comunicação. Sobretudo, é importante ser empático, escutar; tolerar e
compreender o paciente como um indivíduo com preocupações e necessidades. Essas
necessidades podem ser investigadas conhecendo-se a natureza das experiências ad-
versas do paciente, a extensão de suas redes sociais, sua autoimagem e outros aspectos
relevantes de suas características pessoais, incorporando essas questões no plano de
tratamento.
Vale ressaltar que a prevenção do estigma é, provavelmente, mais efetiva do que as
ações que visam combatê-lo. Uma etapa privilegiada para esse tipo de prevenção é o
período de formação dos profissionais de saúde. Essa tarefa pode ser operacionalizada
estimulando-se o debate sobre o estigma, encorajando os estudantes a resolver os seus
próprios conflitos emocionais e capacitando-os a reconhecer e modificar suas atitudes
discriminatórias.

Modificação das atitudes dos meios de comunicação


Diversos estudos sobre o conteúdo veiculado nos meios de comunicação a res-
peito da doença mental, seu tratamento e consequências, alertam para distorções, como
citado anteriormente.
É importante ressaltar que qualquer ação contra o estigma da doença mental deve con-
tar com o apoio dos meios de comunicação:
▸ Por meio de contatos com profissionais e agências de comunicação, alertando so-
bre as consequências da desinformação e do preconceito;
▸ Cobrando maior espaço para a divulgação de conceitos científicos e sobre iniciati-
vas promovedoras da integração do paciente;
▸ Orientando sobre informações e estereótipos que devem ser evitados.

Promoção e defesa dos direitos


Os direitos das pessoas com transtornos mentais passam pelo direito ao melhor tra-
tamento disponível, direito a ajuda social do Estado, direito de não ser discriminado pela
sua condição.
Grupos de apoio aos portadores de transtornos mentais e seus familiares devem ser
estimulados, pois, além da pressão social que fazem por mudanças, identificam práticas
discriminatórias e também são instrumento terapêutico valioso para melhoria da autoe-
stima, engajamento no tratamento, entendimento da doença, auxílio na comunicação
com familiares, colegas, vizinhos, empregadores etc. e favorecendo a reabilitação e a
integração social do paciente, empoderando-o para ser agente de transformação.
Intervenções junto às empresas podem também ser proveitosas, para diminuir a
discriminação na contratação de funcionários e mesmo oferecer condições de trabalho
protegido para pessoas com dificuldades devido à doença.
Em maior escala, o setor da saúde deve buscar contatos na sociedade para gerar uma
política de proteção legal aos portadores de transtornos mentais e contra a sua discri-
minação.
Em resumo, as estratégias para reduzir o estigma associado a transtornos mentais de-
vem incluir:
▸ Educação e orientação para informar sobre os transtornos mentais, esclarecendo
dúvidas e mitos relacionados a esse tema, considerando tanto a comunidade em geral
como grupos específicos (estudantes, profissionais de saúde);
▸ Contato com os portadores de transtorno mental, a fim de desmistificar crenças
errôneas associadas a eles;
▸ Ações voltadas para o aumento da autoestima e empoderamento de portadores
de transtorno mental, priorizando intervenções consentidas por eles, a fim de auxiliá-
los no enfrentamento de obstáculos impostos pela discriminação;
▸ Intervenções de apoio aos portadores, familiares e serviços de saúde mental.

Destacamos a importância da visão das pessoas com transtornos mentais no planeja-


mento de ações para lidar com essa questão, tendo-o como protagonista nesse pro-
cesso, pois só assim as ações poderão de fato ser efetivas.

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Módulo 28

Casos Clínicos
Neste módulo, apresentaremos casos clínicos comentados. Trata-se de situa-
ções comuns observadas na Atenção Básica, com comentários que podem orientar a
conduta geral dos profissionais de saúde em situações semelhantes. Contudo, alertamos
que, em saúde mental, dificilmente haverá apenas uma conduta correta para a aborda-
gem das doenças mentais. Em grande medida, a organização do cuidado vai depender
dos recursos humanos e materiais disponíveis.

Caso 1: Somatização
Francisco tem 42 anos, é trabalhador rural, casado e tem quatro filhos pequenos. Nos
últimos seis meses, tem comparecido à Unidade de Saúde quase que semanalmente.
Quando chega à unidade costuma exigir atendimento imediato; se diz muito doente, em-
bora já tenha sido atendido várias vezes sem que evidente doença física tivesse sido
identificada. As queixas são variadas e se alteram ao longo do tempo: cefaleia quase
que diária sem características de enxaqueca, dor abdominal, dor nas costas e aperto no
peito. Além de exames físicos detalhados, foram solicitados vários exames laboratoriais,
todos sem achados positivos: hemograma, exame de fezes, urina rotina, eletrocardio-
grama, radiografia de tórax e de coluna e ultrassom abdominal. Devido à insistência de
Francisco por atendimento médico, a equipe de saúde começou a antipatizar com o usu-
ário. Por sugestão do agente comunitário de Francisco, a enfermeira solicitou a presença
da esposa para uma conversa. Esta relatou que há cerca de nove meses a situação em
casa está muito difícil. Francisco foi dispensado da fazenda onde trabalhava há 14 anos
e desde então não tem conseguido trabalho regular, o que tem trazido graves dificulda-
des financeiras para a família. Francisco passou a ficar nervoso, irrita-se facilmente,
especialmente quando falta alguma coisa em casa. A esposa informou que observa me-
lhora dos sintomas quando ele consegue algum biscate. Apesar das consultas, analgé-
sico e vitaminas prescritas pelo médico, no geral a esposa de Francisco não vê melhora
significativa de seu quadro. Atualmente ela diz não saber mais o que fazer.
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Comentários
É comum que a manifestação do transtorno mental, na Atenção Básica, ocorra através
de sintomas físicos. Por isso mesmo, é sempre importante pesquisar os aspectos de vida
atual do usuário, já que situações de vida que geram estresse podem estar relacionadas
com esse tipo de expressão sintomatológica. Na maioria das vezes, a tranquilização so-
bre a natureza das queixas (de origem emocional e não orgânica) é suficiente no apazi-
guamento dos sintomas; mas, em alguns casos mais graves, os usuários apresentam
muita dificuldade de relacionar problemas emocionais às suas queixas físicas, o que
pode tornar o acompanhamento a esse tipo pouco confortável para a equipe de saúde.
Para esse perfil de usuário, que demanda atenção e cuidados de forma frequente e
pouco organizada, o ideal é o estabelecimento de consultas semanais agendadas.
Essa conduta vai assegurar-lhe que seu problema será acompanhado de forma sistemá-
tica, tornando desnecessária sua presença na unidade a todo o momento. Geralmente,
é para o médico que as queixas de natureza física são encaminhadas e, portanto, ele
deve esclarecer ao usuário que problemas psicossociais vivenciados pelas pessoas po-
dem se expressar por meio de dores e desconfortos percebidos no corpo.
Assim, não devemos banalizar a queixa, mas atendê-lo de forma regular, procurando
estabelecer com ele relações entre as queixas físicas e os acontecimentos de sua vida.
Espera-se que, gradativamente, ele perceba de forma mais clara as relações existentes
entre o corpo e os aspectos emocionais e passe a conviver melhor com seus sintomas.
Como o usuário não apresenta quadro ansioso ou depressivo significativo, concomitante
com suas queixas somáticas, não há indicação para qualquer medicação psicotrópica.
A inclusão desse perfil em grupos de atenção psicossocial, organizados na própria uni-
dade de saúde, pode beneficiar boa parte dessa clientela. Devemos, sempre, suspeitar
de somatização quando estão presentes queixas físicas frequentes, geralmente mutá-
veis no tempo, sem substrato fisiopatogênico aparente.

Caso 2: Ansiedade
Dona Maria Helena tem 51 anos, casada, seis filhos, do lar. Veio até a unidade de saúde
solicitar remédio para dormir. Conta que desde criança é muito impressionada com as
coisas, nervosa, preocupada com tudo.
Sempre que tem um problema em casa só consegue dormir quando toma seu compri-
mido de diazepam. Relata preocupação constante com os filhos, tem receio de que algo
aconteça a eles quando estão fora de casa, especialmente que se envolvam com bebidas
ou drogas. Quando está pior, percebe “aperto” no peito, coração disparado, tonteira e
sensação de que algo ruim vai acontecer a qualquer momento. Esses sintomas duram
normalmente apenas alguns minutos, mas são bastante desconfortáveis. A usuária já
compareceu várias vezes à unidade de urgência médica durante as crises mais graves.
Geralmente é examinada, faz eletrocardiograma, é medicada com injeções e liberada
para casa com a orientação de que não apresenta doença, “que estava só estressada”.
A primeira vez que tomou o diazepam foi há uns quinze anos; desde então, arruma com
amigas, compra sem receita na farmácia ou vai ao Pronto-Socorro local, onde o planto-
nista sempre atende ao seu pedido por mais “receita azul”. Houve períodos em que che-
gou a tomar três comprimidos por dia, mas atualmente toma um pela manhã e um à
noite. Quando fica alguns dias sem tomar a medicação, fica insone e irritada. Informação
trazida pela agente comunitária de saúde, que é vizinha da usuária, confirma a história
de nervosismo constante e crises mais fortes eventuais, especialmente quando o marido
chega bêbado em casa, o que ocorre quase que diariamente. São frequentes as visitas
de Dona Maria à sua casa para “desabafar” e pedir algum conselho.
A usuária é também hipertensa e não tem conseguido manter os níveis pressóricos den-
tro da normalidade.

Comentários
A ansiedade e a insônia são sintomas muito comuns na vida das pessoas. Podem repre-
sentar respostas normais às pressões do cotidiano ou, eventualmente, manifestações
de transtornos psiquiátricos que exigem tratamento específico. A ansiedade deve ser
considerada uma resposta normal diante de situações de perigo real, nas quais constitui
um sinal de alarme e, portanto, um mecanismo essencial para a defesa e a sobrevivência
do indivíduo. Ela também costuma ocorrer em situações de insucesso, perda de posição
social, perda de entes queridos ou em situações que geram expectativas de desamparo,
abandono ou de punição. Nessas circunstâncias, ela é uma emoção muito semelhante
ao medo e é útil para que a pessoa tome as medidas necessárias diante do perigo real,
como lutar, enfrentar, fugir ou evitar. Dependendo da intensidade, do sofrimento que
provoca, da interferência ou não nas atividades diárias ou no sono e da sua duração,
poderá ser considerada normal ou patogênica. O caso em questão é comum na prática
clínica. Quase sempre, a saída praticada pelos médicos é a banalização do uso dos ben-
zodiazepínicos, o que contribui para seu abuso e dependência no futuro. Embora muito
eficiente nos quadros de ansiedade aguda, o uso diário desse tipo de psicotrópico não
deve ser recomendado nos transtornos de ansiedade crônica, como é o caso dessa se-
nhora. Nessas situações, embora o benzodiazepínico possa ser introduzido no início do
tratamento ou em momentos de piora eventual do quadro, o ideal é que seja indicado
um antidepressivo, medicação que também apresenta ação ansiolítica sem gerar depen-
dência física ou problemas cognitivos de longo prazo. Uma estratégia que costuma dar
bons resultados é a introdução de um antidepressivo de perfil mais ansiolítico e com
propriedades sobre a indução do sono (ex.: amitriptilina ou nortriptilina) e só depois ini-
ciar a retirada gradual dos benzodiazepínicos, com redução de 25% da dose a cada se-
mana ou a cada 15 dias. Nesses casos, é importante também oferecer algum dispositivo
de apoio, por exemplo, consultas programadas na unidade básica de saúde, participação
em grupos de atenção psicossocial, encaminhamento para atividade física, exercícios
de relaxamento, participação em grupos de convivência ou oficinas comunitárias.
Essas atividades serão fundamentais para que essa senhora possa refletir sobre sua
vida, sua relação com os filhos e com o marido, usuário nocivo de álcool. Devemos sem-
pre suspeitar de ansiedade quando estão presentes: tensão, preocupações excessivas,
sudorese frequente, palpitações, aperto no peito, vertigens, medos infundados de coisas
ou lugares.

Caso 3: Depressão
Paulo, 65 anos, policial militar aposentado, reside sozinho desde a morte de sua esposa
há mais ou menos um ano. Possui três filhos e cinco netos que residem em uma cidade
a 50 km de onde ele mora. O Sr. Paulo tem boa autonomia para as atividades diárias,
mas reside com uma senhora que o auxilia no trabalho de casa. Um dos filhos veio pro-
curar o serviço de saúde porque tem observado o pai diferente nos últimos três meses.
Antes da morte da esposa, era ativo, alegre, costumava caminhar todas as manhãs,
visitava amigos e familiares. No último mês, quase não tem saído de casa, descuidou-se
da aparência e já foi encontrado várias vezes suspirando e com lágrima nos olhos. Se-
gundo informações da senhora que mora com ele, Sr. Paulo começou a apresentar in-
sônia terminal e passou a tomar dois comprimidos de bromazepam toda noite, fornecidos
por uma vizinha. Há duas semanas, ligou para o primo, advogado, solicitando que o aju-
dasse com seu testamento. Nos últimos dias, começou a dizer que a vida não valia a
pena. Quando interpelado pela família, mostra-se indiferente. Sr. Paulo não possui his-
tórico de doença clínica e nunca apresentou transtorno psiquiátrico. A história familiar
é positiva para quadro psiquiátrico, pois um de seus tios se matou quando ele ainda era
criança. O filho está muito preocupado, especialmente porque ele mantém armas em
casa.

Comentários
Nos últimos anos, o termo depressão tem sido banalizado e é constantemente usado
para descrever um estado emocional normal.
Sentimentos de tristeza ou infelicidade são comuns em situações de perda, separações,
insucessos ou conflitos interpessoais e fazem parte da experiência cotidiana, caracteri-
zando estado emocional não patogênico. Um exemplo é o luto normal, no qual há tristeza
e ansiedade, que melhoram com o tempo. Na maioria dos casos, o papel dos profissio-
nais de saúde deve ser acolher o sofrimento e oferecer algum suporte de escuta e acon-
selhamento, sem necessidade de prescrição medicamentosa. Em todo caso suspeito de
depressão, é muito importante que pesquisemos o intuito de conduta suicida. Uma abor-
dagem ativa por parte do profissional de saúde pode prevenir tentativas de suicídio, con-
tribuindo, assim, para a diminuição dos óbitos por esse tipo de agravo. Nem toda ideação
suicida necessita de encaminhamento urgente para as equipes ou serviços de saúde
mental.
Quase sempre, as pessoas que pensam em se matar não desejam realmente fazê-lo,
especialmente se não apresentam transtorno psiquiátrico evidente. Quando pensam em
suicídio é porque estão se sentindo desesperados, não veem saída para algumas situa-
ções impostas pela vida.
Nesse caso, é fundamental adequada avaliação de risco para definição de uma possível
emergência psiquiátrica (alto risco) ou se o caso poderá ser conduzido na Atenção Bá-
sica (baixo risco). No evento em questão, pela presença dos sintomas clássicos de de-
pressão - profundo sofrimento e alto risco de autoextermínio -, estamos diante de um
usuário com transtorno depressivo grave. A equipe da Atenção Básica deverá estabele-
cer contato franco e aberto com o usuário e seus familiares, organizar uma estrutura de
proteção continuada (na residência, Centro de Apoio Psicossocial, hospital geral ou psi-
quiátrico) até que um parecer psiquiátrico possa ser providenciado. Aqui, há clara indi-
cação de tratamento medicamentoso com a introdução de antidepressivo e/ou mesmo
de benzodiazepínico, que poderá ser utilizado para reduzir a angústia e ajudar na regu-
lação do sono nas primeiras semanas de tratamento. A indicação de internação hospi-
talar ou em CAPS que possuem leitos noturnos deverá ser instituída sempre que houver
ideação de autoextermínio persistente, especialmente se há transtorno psiquiátrico ou
comportamental grave associado, por exemplo, usuários com depressão grave, psicóti-
cos em crise, dependentes químicos e indivíduos com impulsividade evidente. Devemos
sempre suspeitar de depressão quando estão presentes: humor deprimido persistente,
baixa energia, perda de interesse pelas coisas que antes davam prazer, inibição psico-
motora, falta de esperança, ideação de autoextermínio.

Caso 4: Dependência Química – Abstinência Alcoólica


Pedro, 37 anos, solteiro, completou o ensino médio e chegou a frequentar a Faculdade
de Administração por um ano, mas abandonou o curso quando sua namorada ficou grá-
vida. Pedro então foi trabalhar na pequena mercearia do pai, que também funciona como
bar. Depende financeiramente da família para tudo, reside com os pais e o irmão mais
novo de 25 anos. Hoje, os pais de Pedro conseguiram trazê-lo à unidade de saúde porque
começou a passar mal ontem. Está insone, ansioso, inquieto, queixando-se de dor em
queimação na região abdominal. Ao exame, observou-se que ele estava com consciên-
cia clara e informava seus dados adequadamente. Presença de um tremor fino nas
mãos, sudorese evidente, pulso acelerado, afebril. Após a avaliação física, os pais soli-
citaram conversar com os profissionais de saúde a sós. Relataram que nos últimos 10
anos Pedro fazia uso abusivo de álcool quase que diariamente e uso eventual de maco-
nha. Passa o dia conversando com amigos, à noite costuma beber e fica pelos bares,
alcoolizado. Em várias vezes, ligou para o pai solicitando que pagasse suas contas de
bar e era prontamente atendido. Já teve problemas com a polícia devido a badernas,
mas o pai sempre convencia as pessoas a retirarem as queixas. Os atritos em casa são
frequentes. A mãe, extremamente protetora, atua sempre como mediadora dos conflitos
gerados pelo filho com o pai e o irmão. Alega ter receio de que aconteça “algo pior em
casa”. Os pais já tentaram levar o filho para serviços de saúde, mas Pedro nunca se
mostrou legitimamente interessado, já que não retornava após a primeira consulta. As-
sim, a mãe passou a frequentar grupos de autoajuda para familiares de dependentes
químicos. Há três meses, devido à intensa desorganização de comportamento, Pedro
aceitou a ir a um hospital psiquiátrico da região para um período de desintoxicação, onde
passou 10 dias. Sua mãe resolveu retirá-lo 30 dias antes do tempo estabelecido pela
equipe de saúde, após ter recebido vários telefonemas do filho, que alegava não estar
mais suportando o sistema de confinamento. Durante toda a entrevista, os pais demons-
traram profundo afeto pelo filho; choram e manifestam sentimentos de culpa em relação
a Pedro. Alegaram que sempre fizeram de tudo por ele, nunca lhe negaram nada e não
sabem mais o que fazer.

Comentários
Os quadros de dependência química geralmente trazem, além das repercussões negati-
vas sobre a saúde do usuário, graves reflexos no âmbito sociofamiliar. Entre esses pro-
blemas, está a chamada codependência da família, ilustrada no caso presente. Em situ-
ações como essa, os membros da família perdem a autonomia em relação às suas vidas
e passam a viver exclusivamente voltados para os problemas gerados pelo dependente
químico. Geralmente esse tipo de conduta gera muito sofrimento familiar e ajuda pouco
o usuário de álcool ou drogas. A família necessita ser orientada e apoiada para consti-
tuir-se em um grupo que deve acolher o dependente químico, mas não a qualquer custo.
Os membros da família devem ser estimulados a falar de seus sentimentos em relação
ao problema e encorajados a retomar seus projetos de vida sem clima de culpabilização,
muito frequente nessas circunstâncias.
Reuniões familiares regulares na própria Unidade de Saúde e indicação para participação
em grupos de autoajuda são ações recomendadas. Nos casos semelhantes, em que o
usuário não apresenta demanda clara para o tratamento, os profissionais de saúde de-
vem compreender que ele ainda está na fase de negação do problema ou não consegue
perceber os prejuízos que o envolvimento com a droga tem causado para si e para as
pessoas de sua convivência. Em relação a Pedro, ele está apresentando sinais e sinto-
mas de abstinência alcoólica moderada. O tratamento poderá ser instituído ambulatori-
almente com o uso de benzodiazepínicos, reposição de tiamina, repouso e hidratação
oral. Deverão ser agendados retornos a cada dois ou três dias até a remissão do quadro,
momentos em que se deve tentar abordar o problema da dependência de álcool. Para
abstinência alcoólica grave ou delirium tremens, o local de tratamento indicado é o hos-
pital geral, por tratar-se de emergência clínica. Uma postura considerada adequada é a
equipe se disponibilizar a acolhê-lo sempre que ele tiver alguma complicação com o uso
da droga ou que ele queira discutir alguma coisa sobre o tratamento do problema. Nes-
sas ocasiões, sem emitir juízo de valor sobre as ações do usuário, deve-se procurar re-
fletir com ele sobre sua vida, a família e sua relação com as drogas. O encaminhamento
para grupos de autoajuda como os Alcoólatras Anônimos (AA) ou Neuróticos Anônimos
(NA) e dispositivos comunitários de tratamento como os Centros de Apoio Psicossocial
de Álcool e Drogas (CAPS AD) deve ser sempre encorajado. A ida para comunidades de
tratamento terapêutico ou clínicas de reabilitação de dependentes químicos, onde os
usuários ficam restritos do contato social e familiar por semanas ou meses, deve ser
indicada apenas para aqueles que fracassaram nas estratégias de tratamento ambula-
torial, que não possuem outros transtornos psiquiátricos graves e que aceitem passar
por um regime de confinamento prolongado. No tratamento da dependência química, o
ideal é que a equipe da Atenção Básica possa prover informações úteis para os usuários
de drogas e seus familiares e oferecer várias opções de tratamento, já que cada usuário
poderá se beneficiar de recursos diferentes de acordo com seus interesses e necessida-
des em um dado momento do seu tratamento.
Devemos sempre suspeitar de dependência química quando estão presentes pelo menos
três dos elementos que se seguem:
a. compulsão para consumir a substância,
b. dificuldades de controlar o consumo da substância,
c. evidências de estado de abstinência ou tolerância da substância,
d. abandono progressivo de outras atividades ou interesses em favor do uso da subs-
tância,
e. persistência no uso a despeito de evidência clara dos prejuízos físicos, econômicos
e sociofamiliares envolvidos.

Caso 5: Transtorno Psicótico


Você é interpelado pelos pais de um usuário e resolve fazer uma visita domiciliar, já que
ele se recusa a comparecer à unidade de saúde. José Mauro é um rapaz de 19 anos,
estudante do último ano do Nível Médio de uma escola pública de sua cidade. Reside
com os pais, com quem parece ter um relacionamento satisfatório, e mais duas irmãs,
de 15 e seis anos de idade. Sem histórico de problemas clínicos ou neurológicos signifi-
cativos no momento ou no passado, é tabagista e faz uso eventual de bebidas alcoólicas.
Não há registro de problemas relacionados ao uso de drogas. Seus pais começaram a
ficar preocupados com ele, especialmente nos últimos dois meses, quando começou a
ter comportamentos estranhos.
Às vezes aparentava estar zangado e teria comentado com um amigo que estava sendo
seguido por policiais e agentes secretos; outras vezes era visto sorrindo sozinho, sem
qualquer motivo aparente. Começou a passar cada vez mais tempo sozinho, chegava a
se trancar no quarto, parecia distraído com seus próprios pensamentos. Passou também
a perder noites de sono e seu rendimento escolar, que sempre havia sido bom, estava
se deteriorando. Durante a visita, José Mauro estava um pouco inquieto, parecia assus-
tado, mas aceitou conversar com o profissional de saúde (você) e o agente comunitário,
que também participou da visita. Perguntado sobre o que lhe estava ocorrendo, disse
que ouvia vozes comentando seus atos ou lhe insultando. Disse também que seus pro-
fessores pareciam estar conspirando com os policiais para prejudicar sua vida, já que,
no desfile de Sete de Setembro, os viu conversando na rua. Não tem conseguido ver
televisão ou escutar o rádio porque tem a impressão de que seu nome é divulgado por
esses meios de comunicação para toda a população da cidade. Seus pais queriam levá-
lo para consultar um psiquiatra, mas ele achou a ideia absurda, já que ele não estava
doido!

Comentários
É bastante comum que usuários que apresentam expressivo comprometimento de jul-
gamento da realidade também tenham dificuldade em perceber a necessidade do trata-
mento. Nesses casos, é importante que o profissional de saúde não conteste nem cor-
robore a vivência psicótica descrita pelo usuário, mas que procure estabelecer, desde o
início, uma postura de escuta interessada e respeitosa. O fundamental é a construção
de uma relação de confiança que reverta a posição de involuntariedade inicial para com
o tratamento. A indicação da estratégia farmacológica, fundamental para a reversão
mais adequada dos sintomas, deve ser discutida com o usuário e, sempre que possível,
negociada com ele com base nas queixas apresentadas. Por exemplo, se ele não está
dormindo bem, pode ser sugerido que tome uma medicação que o ajude a descansar
durante a noite. Nesse caso, o antipsicótico é a medicação de escolha. Um benzodia-
zepínico também pode ser introduzido durante a fase aguda. Além disso, é muito impor-
tante estabelecer se há alguma situação de risco para o usuário e terceiros. Caso exista,
orientar o usuário e a família a não se exporem àquela situação específica até que haja
melhora significativa dos sintomas, por exemplo, evitar ir à escola, como no caso rela-
tado. O atendimento inicial de um quadro como esse pode e deve ser realizado pela
equipe da Atenção Básica, que deverá discutir o caso com a equipe de Saúde Mental
assim que possível. A internação hospitalar pode e deve ser evitada, caso haja coope-
ração do usuário para os procedimentos de tratamento e se não houver situação de risco
que exija observação diária e contínua devido à intensa agitação psicomotora, franca
hostilidade dirigida a terceiros, grave negligência com os cuidados com a saúde ou con-
duta suicida.
Devemos sempre suspeitar de um transtorno psicótico quando, na ausência de uma
causa orgânica detectável, estão usualmente presentes os sintomas de alucinações, de-
lírios, comportamento bizarro ou anormal para o padrão cultural do usuário, excitação e
hiperatividade grosseiras, retardo psicomotor marcante ou comportamento catatônico.

Caso 6: Transtorno Global do Desenvolvimento em Crianças e Adolescen-


tes
Carina é uma menina de seis anos, que veio com a mãe, Josiene, à Unidade Básica de
Saúde. A família de Carina, seus pais e um irmão mais velho, de nove anos, se mudaram
há poucos meses para a área da enfermeira Kátia, responsável pelo acolhimento. A mãe
está muito preocupada. A menina ainda não fala, estabelece pouco contato visual e afe-
tivo com a mãe e com os outros membros da família. Costuma ficar isolada, por vezes
realiza movimentos repetitivos com as mãos. Dorme pouco e, quando contrariada, fica
agitada. Não larga uma boneca que ganhou de presente da madrinha. Segundo a mãe,
onde moravam não havia Atenção Básica organizada, portanto, não fez pré-natal ou
qualquer seguimento de puericultura da criança. Nasceu a termo, parto hospitalar, tive-
ram alta no dia seguinte, aparentemente sem complicações. Josiene também conta que
teve muita dificuldade em amamentar a filha, “que não queria mamar”. Durante a con-
sulta, Carina entrou no consultório sem oposição. Dirigiu-se há vários pontos da sala,
sem responder às tentativas de comunicação que lhe foram dirigidas. Não pronunciou
qualquer palavra, emitindo apenas sons repetitivos e monossilábicos. Ao sentar, por so-
licitação da mãe, balançava o corpo repetidamente, mantendo o olhar dirigido em dire-
ção oposta aos presentes.

Comentários
A criança em questão apresenta grave comprometimento do desenvolvimento relacional
e um atraso da linguagem verbal. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais rapidamente
iniciaremos o tratamento e as orientações à família, o que facilita a resposta da criança.
Certamente não será um caso em que a equipe da Atenção Básica poderá conduzir so-
zinha, já que a definição de um diagnóstico mais preciso e as condutas de estimulação
dependem de acompanhamento especializado. Sabemos da dificuldade em acionar um
psiquiatra infantil ou equipe de CAPS I, portanto, na ausência desse profissional ou dis-
positivo, podemos solicitar a avaliação de um psiquiatra geral, pediatra experiente, ou
mesmo de um neurologista, para afastarmos síndromes genéticas ou quadros neuroló-
gicos. Uma medicação poderá ser útil se a criança apresentar distúrbio importante do
sono, agitação psicomotora ou impulsividade aumentada. Estimulação por fisiotera-
peuta, terapeuta ocupacional ou mesmo fonoaudióloga, é fortemente recomendado. Es-
ses profissionais podem fazer parte do CAPSI, do NASF, de algum ambulatório especia-
lizado, ou mesmo de alguma entidade conveniada com a prefeitura local, por exemplo,
da APAE. As evidências apontam a importância das intervenções educacionais, apropri-
adas, precoces e contínuas, visando à aquisição de habilidades sociais, comunicativas e
cognitivas básicas, visando ao máximo de autonomia possível. Caberá à Atenção Básica
o cuidado longitudinal da saúde da criança, a articulação com os recursos intersetoriais
de tratamento e as orientações familiares cabíveis.
Devemos sempre suspeitar de Transtorno global do desenvolvimento, quando, há com-
prometimento importante da interação social, comunicação e padrões restritos e repe-
titivos de comportamentos, atividades e interesses, por parte da criança. Cabe aqui o
diagnóstico diferencial entre: Déficits sensoriais (cegueira ou surdez congênitas), Au-
tismo infantil, Transtorno de Asperger, Síndrome de Rett, Retardo mental grave e crian-
ças que foram submetidas a grave negligência.

Caso 7: Transtorno de Conduta e Uso de Drogas


A ACS Rosana começou a ficar preocupada com Gabriel, 15 anos, que, está apresen-
tando alterações de comportamento importante nos últimos seis meses. Segundo a mãe,
após a morte do pai, há um ano, o jovem não está bem, muito rebelde. Teve notícias da
escola que está matando aulas a apresenta baixo rendimento escolar. Desafia frontal-
mente a autoridade de mãe e dos professores, sem qualquer sentimento de culpa. Ele
também tem cometido pequenos furtos, tornando difícil o convívio coletivo, além de cor-
rer risco de vida, já que vive em uma comunidade onde existe grande influência do nar-
cotráfico. Por vezes, aparece muito irritado em casa, agride verbalmente a mãe e os dois
irmãos menores, de 12 e 9 anos.
Nessas ocasiões, não dorme, apresenta agitação psicomotora, “fala sem parar”, co-
menta a mãe, que desconfia do uso de drogas: crack e maconha. Não sabendo mais o
que fazer, recorreu à ACS, Rosana.
Comentários
A adolescência é um período do ciclo de vida bastante propício ao primeiro contato com
substâncias psicotrópicas legais ou ilegais, especialmente se o acesso à droga é muito
facilitado. O jovem é curioso, apresenta uma necessidade de constituir uma identidade
própria, e é naturalmente impulsivo, ou seja, costuma agir primeiro e pensar depois.
Por tudo isso, o acompanhamento próximo dos pais ou cuidadores é crucial nessa faixa
de idade, em especial do cultivo à noção de autoridade e à imposição de limites. Com a
falência da função paterna, ausência concreta ou simbólica do pai, que culturalmente
representa essa autoridade, muitas vezes o jovem perde sua referência e seus valores
ficando à mercê das influências do meio social. Se o contexto de pobreza e falta de pers-
pectivas de futuro está presente, esse meio parece exercer uma força ainda maior, con-
duzindo o jovem para o uso abusivo ou mesmo para o tráfico de drogas. Daí a importân-
cia da intervenção precoce por parte da equipe da Atenção Básica.
Em geral, os profissionais da Atenção Básica sentem-se inseguros em participar do tra-
tamento desses pacientes, que geralmente não aceitam bem uma abordagem de ajuda,
especialmente quando já apresentam um quadro mais evidente de dependência de dro-
gas. Certamente, pela gravidade relacionada a esse problema, é necessário constituir
uma Rede de Apoio Intersetorial: NASF (Educação física, psicologia, terapia ocupacio-
nal) ou Equipe de Saúde Mental (CAPS AD, CAPS I ou CAPS Geral), Serviço social, Con-
selho tutelar e Escola. A atração do jovem para a unidade de saúde, sem que haja uma
postura preconceituosa por parte do profissional de saúde é fundamental, já que pode
ser fator decisivo na aceitação de alguma forma de tratamento. Está claro na literatura
atual que não há um regime de tratamento que seja fundamentalmente melhor do que
outro. Ou seja, o tratamento pode ser realizado em qualquer regime: ambulatorial, hos-
pitalidade diurna, hospitalização integral de curta ou de longa duração, grupo de apoio
comunitário. O importante é que o usuário aceite a proposta estabelecida com a equipe
e que essa possa modificar o regime de tratamento de acordo com as necessidades do
usuário. Assim, no caso de intoxicação e abstinência mais graves, o melhor lugar de
tratamento é o Hospital Geral ou Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
Nessa situação, se o paciente apresenta risco para si ou terceiros, devido ao intenso
grau de comprometimento físico ou psíquico, uma conduta involuntária de tratamento
pode ser aceitável. Às vezes, a situação de involuntariedade inicial constitui-se em opor-
tunidade preciosa de entrada no tratamento, especialmente naqueles casos mais graves
e de difícil abordagem ambulatorial. Em se tratando de um problema de drogas em usu-
ário adolescente, é fundamental a retomada da escola e a inclusão do jovem em ativida-
des culturais, de lazer, esportes e em programas de qualificação profissional. A psicote-
rapia e orientação familiares, também, são de grande valia, já que o comportamento de
desafio deve ser abordado para melhorar as relações interpessoais.
Devemos sempre suspeitar de uso nocivo de drogas, quando observamos um prejuízo
evidente no uso de substâncias psicotrópicas em qualquer área da vida: desempenho
escolar e vida de trabalho, saúde física e nas relações interpessoais. Devemos suspeitar
sempre de transtorno de conduta quando um padrão repetitivo e persistente de com-
portamento no qual são violados os direitos básicos dos outros ou normas e regras so-
ciais importantes ou apropriadas à idade.

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Módulo 29

Modelo de Projeto Terapêutico


1. Introdução

Os CAPS representam estruturas terapêuticas intermediárias entre a hospitalização in-


tegral e o acompanhamento ambulatorial, que se responsabilizam por atender indivíduos
com transtornos psiquiátricos graves, desenvolvendo programas de reabilitação psicos-
social. Entende-se por reabilitação psicossocial a possibilidade de reverter um processo
desabilitador através do aumento da contratualidade social do indivíduo com o mundo.
Desde agosto de 2000 funciona, em prédio anexo ao HCPA, o Centro de Atenção Psicos-
social (CAPS) constituído na modalidade CAPS II, conforme a Portaria 336 de 19 de fe-
vereiro de 2002, credenciado em outubro de 2002.
A assistência é prestada a uma população adulta com transtornos mentais graves e per-
sistentes, causadores de importante grau de desabilitação, ou seja, limitação ou perda
de capacidade operativa. O atendimento abrange regime intensivo, semi-intensivo e não
intensivo.

1.1. Objetivo Geral

▸Promover a manutenção dos usuários no melhor nível de funcionamento e máximas


condições de autonomia possível, para cada caso, evitando novas internações e vi-
sando a reintegração no seu grupo social.
▸Integrar a família ao tratamento.

1.2. Objetivos Específicos

▸Reduzir os sintomas: farmacologia, grupos terapêuticos, apoio familiar;


▸Reduzir a Iatrogenia: diminuindo e eliminando sempre que possível as consequên-
cias físicas e comportamentais da institucionalização prolongada.
▸Promover a competência social e profissional;
▸Reduzir o estigma;
▸Apoiar a familiar e seu grupo social;
▸Promover autonomia.
1.3. População-Alvo

Usuários com transtornos psíquicos graves e persistentes referidos dos serviços de sa-
úde mental.

1.4. Recursos Humanos

A equipe fixa constitui-se de:


▸ 2 enfermeiras;
▸ 1 auxiliar de enfermagem;
▸ 1 terapeuta ocupacional;
▸ 1 recreacionista;
▸ 1 psicóloga;
▸ 1 assistente social;
▸ 1 recepcionista;
▸ 1 funcionária da higienização;
▸ médicos residentes em psiquiatria
▸ 2 psiquiatras supervisores.

O serviço de nutrição fornece a alimentação dos usuários.


Contamos, também com estagiários em graduação e com o trabalho voluntariado.

2. Metodologia

Os pacientes serão triados pela equipe médica, de enfermagem e serviço social com
aplicação do formulário de ingresso e das escala de autocuidado KATS, escala BPRS
ancorada e escala qualidade de vida-breve além de dados de anamnese objetiva e sub-
jetiva. Todos os pacientes serão discutidos em equipe quando se definirá a inclusão,
grau de desabilitação e plano de atendimento.

▸ Plano I: O plano de atendimento nos primeiros 6 meses visa resgatar hábitos de


socialização, autocuidado, conhecimento sobre a doença e desenvolvimento de ha-
bilidades cognitivas. Após esse período de atendimento, todos os pacientes serão re-
avaliados com objetivo de definir a sequência de atendimento e possibilidade de in-
gressar no plano II. A partir deste momento serão definidos critérios para encaminha-
mento dentro ou fora do CAPS. O trabalho de reabilitação abrange dois planos distin-
tos e interligados de trabalho.

▸ Plano II: Treinamento profissionalizante, adaptado para cada paciente conforme


capacitação específica.
:: Não necessariamente dentro do CAPS.
:: Auxilio na busca de trabalho também através de convênios com empresas.

Observação: Os períodos de permanência nos planos são estimados em caráter experi-


mental dependendo sua confirmação da evolução prática do trabalho.

2.1. Fluxograma

Observação: Os pacientes que ingressarem no CAPS, já deverão ter sido atendidas em


nível ambulatorial.
2.2 Plano I

Programa de Reabilitação Psicossocial

Este programa tem como objetivo o treinamento para atividades de autocuidado de


forma mais abrangente possível aos usuários do CAPS. O programa de capacitação de
autocuidado é dividido em quatro núcleos: núcleo de psicoeducação, núcleo de treina-
mento cognitivo-comportamental, núcleo do autocuidado, núcleo terapêutico.
Cabe salientar que esta divisão tem caráter didático e operativo, posto que suas ativi-
dades estão intrinsicamente interrelacionadas.

:: Núcleo de Psicoeducação: O núcleo psicoeducação visa capacitar os familiares


quanto ao entendimento da doença, informando sobre aspectos diagnósticos, tera-
pêuticos, prognósticos. Este trabalho é desenvolvido, a partir do ingresso no Caps,
semanalmente, em grupo de no máximo de 10 indivíduos (no máximo 2 por família).
Este treinamento é realizado pelos residentes de medicina do HCPA em estágio rota-
tivo. As atividades consistem de 10 aulas expositivas, com duração de uma hora e
meia, bem como exercícios práticos de reforço.

:: Núcleo de Treinamento Cognitivo-Comportamental: Esta atividade consiste de um


treinamento para melhora de funções cognitivas através de exercícios práticos além
de informações sobre aspectos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos sobre a do-
ença, com frequência semanal, de uma hora e meia de duração, em grupo de no má-
ximo 10 pacientes, a partir do ingresso no CAPS.

:: Núcleo do Autocuidado:
1) Grupo de Cuidados Pessoais: realizado semanalmente e coordenado pela enfer-
meira com a participação do auxiliar de enfermagem. O grupo deverá ter uma du-
ração máxima de 30 minutos e deverá realizar-se preferencialmente entre as 12:30
e 13:00 horas. Este horário é conveniente no sentido de reunir dois turnos. Assun-
tos a serem abordados: higiene pessoal, vestuário.

2) Oficina de Culinária: é um grupo que ocorre nas segundas feiras, das 10 horas
às 11:30 horas, terça-feira das 14 horas às 15:30, quinta-feira das 10:30 às 11:30 e
sexta-feira das 14 horas às 15:30, sob a coordenação da auxiliar de enfermagem e
participação da enfermeira, tem como proposta ensinar cardápios simples para
sua própria alimentação. Desta forma eles adquirem autonomia, segurança e liber-
dade de escolha nos alimentos; organização no preparo e conceito de higiene.

3) Atividade de Vida Diária: os pacientes serão treinados para compras, transpor-


tes públicos, pagar e receber dinheiro, falar ao telefone, utilizar computador, mar-
car consultas, etc. através da participação em diversas atividades que são reali-
zadas nos diferentes núcleos.

4) Grupo de Treinamento em Medicação e Doença: este grupo é realizado quartas


e quintas feiras alternadamente e será coordenado pelos residentes ou cursistas
do primeiro ano de psiquiatria que estejam em estágio no CAPS. Tem duração de
45 minutos, 30 minutos iniciais para exposição teórica e 15 minutos para pergun-
tas. Projeta-se que este grupo possa ser ampliado a familiares no futuro. Tem
como objetivo a melhor adesão ao tratamento, através do entendimento sobre a
doença, mecanismo de ação dos medicamentos, efeitos colaterais.

5) Atividade do Passeio: passeios realizados nas quartas-feiras das 13:30 até 16:30
e contam com a participação dos residentes, enfermagem e psicologia. Busca in-
tegrar os tópicos trabalhados durante a semana, como o convívio social, autono-
mia, colocando-os em prática e estimulando a participação dos usuários nesta ta-
refa.

6) Grupo Operativo: é um grupo de usuários do CAPS que se responsabilizam por


realizar tarefas diárias de organização (cozinha, banheiro, camas, sala) têm como
objetivos aprendizagem de AVDs, organização, resgate da autoestima, valorização
e interação social. Realizam-se reuniões nas segundas-feiras no horário das 12:00
ás 12:30 sob a coordenação da Terapeuta Ocupacional.

7) Alongamento: é realizado todas as manhãs, sendo sempre, a primeira atividade


do dia. Além dos benefícios de relação do sujeito com o seu meio, oportuniza a
manutenção e/ou recuperação do movimento normal de membros e articulações
desenvolvendo melhor mobilidade articular, agilidade, assim como auxilia no pro-
cesso de restabelecimento ou construção da corporeidade nos pacientes. Está sob
a coordenação do recreacionista terapêutico.

8) Assembleia: reunião realizada semanalmente, na quinta-feira, com usuários e


equipe que tem como objetivo discutir assuntos pertinentes ao funcionamento do
grupo e CAPS estimulando um indivíduo crítico, com opinião.
:: Núcleo Terapêutico:

1) Grupo de Atividade Pedagógica: atividade que vem sendo desenvolvida pelos


professores do voluntariado, nas quartas-feiras à tarde. O programa visa resgatar
conhecimentos teórico-práticos adequando-se em nível de escolaridade indivi-
dual. Deve servir de estímulo para pelo menos um grupo de pacientes retomar
atividade escolar oficial.

2) Grupo de Pacientes: Dois grupos quinzenais de usuários com alternância sema-


nal. A equipe fixa é constituída de um médico psiquiatra, psicólogo e auxiliar de
enfermagem. A coordenação é efetuada por todos os técnicos de forma alternada.
O coordenador tem um papel ativo, com a utilização da dinâmica de grupo e inte-
rações entre os membros, na busca dos objetivos: Entre os objetivos: promover
aspectos mais integrados da personalidade; promover contato interpessoal a fim
de favorecer suporte e socialização; desenvolver teste de realidade, através da
discussão dos sintomas e compreensão do transtorno mental; permitir a expressão
de emoções com vista a reduzir ansiedade.

3) Acompanhamento psiquiátrico individual: os usuários serão atendidos individu-


almente pelos residentes de psiquiatria, em princípio mensalmente, para revisão
do quadro terapêutico e do esquema farmacológico.

4) Grupo de Familiares: Dois grupos quinzenais de familiares, com alternância se-


manal. A participação de familiares é obrigatória. A equipe fixa é constituída de
um médico psiquiatra, psicólogo e assistente social. Tem como objetivo integrar a
família ao tratamento, informar e esclarecer sobre o transtorno mental, buscar a
facilitação da convivência com o paciente e suas limitações: estimular a troca de
experiências entre famílias que compartilham um problema comum, estimular a
autonomia na busca de recursos e soluções junto à comunidade.

5) Roda de Conversa: Ocorre nas terças e sextas-feiras sob a coordenação da en-


fermeira e com a participação da estagiária de psicologia e da auxiliar de enferma-
gem. A roda de conversa promove um ambiente de redescobertas; onde conse-
guem cuidar de si e dos outros.

6) Grupo de Acolhida: Ocorre todas as segundas-feiras pela manhã e é coordenado


pela psicóloga e terapeuta ocupacional. O grupo aborda a rotina do fim-de-se-
mana, estimulando ao convívio familiar e a atividades recreativas. Pode definir me-
tas de trabalho para a próxima semana.
7) Grupo Psicodinâmico: Ocorre nas quintas-feiras às 13:30, tem duração de uma
hora, é coordenado pela psicologia e conta com a participação da enfermagem.
As dinâmicas de grupo são utilizadas para favorecer a integração dos colegas.
Além disso, são utilizadas técnicas que favorecem a integração dos participantes
por meio de experiências pessoais que são compartilhadas e que ganham signifi-
cado por meio do que é falado e compreendido pelo grupo.

8) Jornal CAPS: É elaborado pelos usuários com matérias que descrevem suas
atividades, passeios, notícias do mundo, eventos. Além disso, mantém o contato
e a crítica das atualidades e coloca em circulação nossas produções. É impresso
pela gráfica do HCPA, tem periodicidade trimestral e está sob a coordenação da
terapeuta ocupacional e recreacionista.

9) Oficina de Pintura e Atividades Plásticas: Realizada por voluntários nas sextas-


feiras com duração de uma hora, turno da manhã e tarde.

10) Oficina de psicodrama: esta oficina tem como objetivo possibilitar, através da
dramatização, a vivência de uma determinada situação trazida pelo grupo. Ao final
da representação são convocados a compartilhar seus sentimentos e impressões
com os demais e após é feita reflexão no grande grupo. Realizada semanalmente,
nas quintas-feiras no horário de 9:30 às 10:45.

11) Oficina de Pintura e Desenho: esta é uma atividade de expressão artística que
procura auxiliar no processo de autorreconhecimento do portador de sofrimento
psíquico, oferecendo um setting diferenciado e a possibilidade de expressão de
sentimentos de forma não-verbal. Esta oficina funciona semanalmente com dura-
ção de 1 hora.

12) Oficina de Exercício da Cidadania e Leitura de Notícias de Jornais: consiste


numa oficina de caráter operativo e socioeducativo com uma hora de duração,
duas vezes por semana sob a coordenação do Serviço Social. O objetivo é estimu-
lar e promover uma atitude de cidadania levando os usuários à reflexão, a experi-
mentação e a capacitação da prática social através da discussão, debate, troca de
experiências e leitura de notícias de jornais de temas relativos a questão sociais,
políticas e de livre escolha dos usuários.
2.3 Plano II

:: Núcleo de preparação para o trabalho e convívio social:

1) Oficina de Geração de Renda: esta atividade proporciona geração de renda,


além de trabalhar aspectos como lidar com diferentes materiais, organização, res-
ponsabilidade, dificuldades, aprendizagem e, se possível, profissionalização. A
renda poderá ser usada para compra de materiais.

• Confecção de velas: realizada às segundas-feiras, sob a coordenação da tera-


peuta ocupacional e recreacionista.

• Pintura em tecido e bordado: realizada às segundas-feiras, sob a coordenação


da terapeuta ocupacional e enfermeira.

2) Oficina de informática: realizada às quintas-feiras, sob a coordenação da tera-


peuta ocupacional.

3) Recursos da comunidade: Esta proposta é de buscar contatos com recursos da


comunidade, estabelecendo convênios e alternativas na profissionalização, socia-
lização, educação, reabilitação e reinserção de nossos usuários. A responsabili-
dade técnica é da recreacionista e terapeuta ocupacional.

4) Esporte Cidadão: esta atividade é realizada quinzenalmente sob a coordenação


da recreacionista. É trabalhado sobre uma modalidade esportiva, de escolha do
grupo, proporcionando conhecimento à cerca dos esportes. São discutidas sobre
regras, personalidades, acessibilidades, locais, materiais e demais aspectos perti-
nentes. Além disso, é proposta a prática e/ou visitas.

5) Oficina Reciclando Papéis: esta oficina procurará trabalhar a inclusão social e


desenvolver a autonomia dos usuários potencializando seus interesses pelo pro-
cesso de fabricação de papel reciclado artesanal. A intenção é oferecer a possibi-
lidade de aprender um labor que possa, além de auxiliar na manutenção de seu
bem estar mental, eventualmente, garantir uma renda extra como retorno pela
dedicação empenhada.

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Módulo 30

Modelo de Anamnese
Considerando as dificuldades que alguns profissionais da área da saúde mental,
(principalmente Assistentes Sociais e psicólogos) têm em colher e organizar dados que
auxiliem a reconstituição da história do paciente (por meio da elaboração da chamada
técnica de anamnese), incluímos este modelo de anamnese clássico e esperamos que,
efetivamente, torne mais fácil a organização e a realização desta técnica por aqueles
que desejam obter, de seus pacientes, dados que possibilitem um ponto de partida mais
claro para a reconstrução de suas histórias.
Nosso objetivo é auxiliar aqueles que pouco ou nenhum contato tiveram na rea-
lização dessa técnica, explicando seus vários itens e, na medida do possível, contribu-
indo com esclarecimentos que subsidiem a inclusão ou não de determinados fatos.
Como também foi observada a necessidade de mais esclarecimentos práticos que per-
mitissem ao profissional em treinamento maior facilidade e autonomia na elaboração
escrita de seu trabalho, tentamos acrescentar, ao final de cada item, exemplos de reda-
ção.

Anamnese
O termo vem do grego ana (remontar) e mnesis (memória). Para nós, a anamnese é
a evocação voluntária do passado feita pelo paciente, sob a orientação do médico ou do
terapeuta.
O objetivo dessa técnica é o de organizar e sistematizar os dados do paciente, de forma
tal que seja permitida a orientação de determinada ação terapêutica com a respectiva
avaliação de sua eficácia; o fornecimento de subsídios para previsão do prognóstico; o
auxílio no melhor atendimento ao paciente, pelo confronto de registros em situações
futuras.
Não podemos deixar de lado o fato de que essa técnica advém de uma relação
interpessoal, na qual ao terapeuta cabe, na medida do possível, não cortar o fluxo da
comunicação com seu paciente, assim como, paralelamente, não deixar de ter sob sua
mira aquilo que deseja saber.
Para tanto, faz-se necessário que um esquema completo do que perguntar esteja
sempre presente em sua mente. Assim, diante de um paciente que se apresente prolixo
ou lacônico, estes não serão fatores de empecilho para que se possa delinear sua histó-
ria.
Ao entrevistador inexperiente cabe lembrar o cuidado em não transformar coleta
de dados em “interrogação policial”. Um equilíbrio entre neutralidade, respeito e solida-
riedade ao paciente deve ser mantido. O paciente deve perceber o interesse do entre-
vistador e não o seu envolvimento emocional com a sua situação.
Muitas vezes, não se consegue ter todo o material em uma única entrevista, prin-
cipalmente em instituições em que o número de pacientes e a exiguidade do tempo de
atendimento tornam-se fatores preponderantes.
É aconselhável que a entrevista seja conduzida de uma maneira informal, des-
contraída, com termos acessíveis à compreensão do paciente, porém bem estruturada.
Em uma anamnese, acaba-se por fazer dois cortes na vida do paciente: um longitudinal
ou biográfico e outro transversal ou do momento.
No corte longitudinal, podemos localizar os registros das histórias pessoal, familiar e
patológica pregressas.
No corte transversal, enquadraríamos a queixa principal do sujeito, a história da sua do-
ença atual e o exame psíquico que dele é feito.
O roteiro para sua execução pode sofrer algumas poucas variações, em função
daquilo a que se propõe, porém a estrutura básica que aqui será colocada é aquela da
anamnese médica clássica. Nele constam: a identificação do paciente; o motivo da con-
sulta ou queixa que o traz ao médico ou terapeuta; a história da doença atual; a história
pessoal; a história familiar (estas duas poderão vir sob o mesmo título – “História Pessoal
e Familiar”); a história patológica pregressa; um exame psíquico; uma súmula psicopa-
tológica; uma hipótese de diagnóstico nosológico.
Além disso, é de nosso interesse que, após a anamnese propriamente dita,
conste uma proposição de uma hipótese psicodinâmica, um planejamento para que se
conduza o caso e uma breve descrição da atuação terapêutica junto ao paciente em
questão.

Alguns cuidados terão que ser tomados ao se fazer uma anamnese:


▸ As informações fornecidas pelo paciente devem constar como de sua responsabili-
dade. Daí, na redação, serem usados verbos como relatar, declarar, informar, tendo
o paciente como sujeito deles.

Ex: Paciente informa ter medo de sair à rua sozinho... Outras expressões como: “con-
forme relato do paciente...”, “de acordo com declarações do paciente...” são usadas,
sempre com o intuito de aclarar que o que estiver sendo registrado é baseado no que
é informado pelo entrevistado.
▸Sempre que forem usadas expressões do entrevistado, estas virão entre aspas.
▸Depois de identificado o paciente, no item I da anamnese, aparecerão apenas as
suas primeiras iniciais ao longo do registro.

A próxima etapa será o desenvolvimento da anamnese propriamente dita.

I. IDENTIFICAÇÃO
Os dados são colocados na mesma linha, em sequência (tipo procuração). Dela
constam os seguintes itens:

▸ Somente as iniciais do nome completo do paciente, uma vez que, por extenso, constará
o mesmo do seu prontuário ou ficha de triagem (ex: R.L.L.P.):
▸ Idade em anos redondos (ex. “35 anos”);
▸ Sexo;
▸ Cor: branca, negra, parda, amarela;
▸ Nacionalidade;
▸ Grau de instrução: analfabeto, alfabetizado, primeiro, segundo ou terceiro grau com-
pleto ou incompleto;
▸ Profissão;
▸ Estado civil – não necessariamente a situação legal, mas se o paciente se considera
ou não casado, por exemplo, numa situação de coabitação;
▸ Religião;
▸ Número do prontuário.

II. QUEIXA PRINCIPAL (QP)


Neste item, explicita-se o motivo pelo qual o paciente recorre ao Serviço em busca
de atendimento. Caso o paciente traga várias queixas, registra-se aquela que mais o
incomoda e, preferencialmente, em não mais de duas linhas. Deve-se colocá-la entre
aspas e nas palavras do paciente.
Ex: “Tô sem saber o que faço da minha vida. Acho que é culpa do governo”.

III. HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (HDA)


Aqui se trata apenas da doença psíquica do paciente. Registram-se o sintomas mais
significativos, a época em que começou o distúrbio; como vem se apresentando, sob
que condições melhora ou piora.
Indaga-se se houve instalação súbita ou progressiva, se algum fato desencadeou
a doença ou episódios semelhantes que pudessem ser correlacionados aos sintomas
atuais.
Alguma coisa fazia prever o surgimento da doença? Houve alguma alteração nos inte-
resses, hábitos, comportamento ou personalidade? Quais as providências tomadas?
Averígua-se se já esteve em tratamento, como foi realizado e quais os resultados
obtidos, se houve internações e suas causas, bem como o que sente atualmente. Pede-
se ao paciente que explique, o mais claro e detalhado possível, o que sente.
É importante lembrar que ao se fazer o relato escrito deve haver uma cronologia
dos eventos mórbidos (do mais antigo para o mais recente).
Aqui também são anotados, se houver, os medicamentos tomados pelo paciente
(suas doses, duração e uso). Caso não tome remédios, registra-se: “Não faz uso de me-
dicamentos”.
Neste item busca-se, com relação à doença psíquica, “como” ela se manifesta,
com que frequência e intensidade e quais os tratamentos tentados.

IV. HISTÓRIA PESSOAL (HP)


Coloca-se, de forma sucinta, separando-se cada tópico em parágrafos, dados sobre
a infância, educação, escolaridade, relacionamento com os pais, relacionamento social,
aprendizado sobre sexo..., enfim, tudo o que se refere à vida pessoal do paciente. Não
se titulam esses tópicos, apenas relata-se a que se refere cada um deles.

Apreciam-se as condições:
▸De nascimento e desenvolvimento: gestação (quadros infecciosos, traumatismos
emocionais ou físicos, prematuridade ou nascimento a termo), parto (normal, uso de
fórceps, cesariana), condições ao nascer. Se o paciente foi uma criança precoce ou
lenta, dentição, deambulação (ato de andar ou caminhar), como foi o desenvolvi-
mento da linguagem e a excreta (urina e fezes).
Ex: “Paciente declara ter nascido de gestação a termo, parto normal...”.
▸ Sintomas neuróticos da infância: medos, terror noturno, sonambulismo, sonilóquio
(falar dormindo), tartamudez (gagueira), enurese noturna, condutas impulsivas
(agressão ou fuga), chupar o dedo ou chupeta (até que idade), ser uma criança mo-
delo, crises de nervosismo, tiques, roer unhas.
Ex: “A.F. informa ter tido muitos pesadelos e insônia, além de ser uma criança isolada
até os 9 anos...”.
▸ Escolaridade: anotar começo e evolução, rendimento escolar, especiais aptidões e
dificuldades de aprendizagem, relações com professores e colegas, jogos mais co-
muns ou preferidos, divertimentos, formação de grupos, amizades, popularidade, in-
teresse por esportes, escolha da profissão.
Ex: “Afirma ter ido à escola a partir dos 10 anos, já que não havia escolas próximas à
sua casa...” ou “Afirma ter frequentado regularmente a escola, sempre com idade e
aprendizado compatíveis...”.
▸ Lembrança significativa: perguntar ao paciente qual sua lembrança antiga mais sig-
nificativa que consegue recordar. O objetivo é observar a capacidade de estabelecer
vínculos, além do auxílio à compreensão da ligação passado-presente.
Ex: “Foi quando minha mãe estava limpando uma janela, bateu com a cabeça e caiu
no chão. Era tanto sangue que pensei que ela estava morta. Nessa época, eu tinha 3
anos”.
▸Puberdade: época de aparição dos primeiros sinais; nas mulheres, a história mens-
trual (menarca: regularidade, duração e quantidade dos catamênios; cólicas e cefa-
leias; alterações psíquicas, como nervosismo, emotividade, irritabilidade, depressão;
menopausa, última menstruação).
Ex: “Paciente relata que os primeiros sinais da puberdade ocorreram aos onze anos
e que obteve informações sobre menstruação...”.
▸História sexual: aqui se registram as primeiras informações que o paciente obteve e
de quem; as primeiras experiências masturbatórias; início da atividade sexual; jogos
sexuais; atitude ante o sexo oposto; intimidades, namoros; experiências sexuais ex-
traconjugais; homossexualismo; separações e recasamentos; desvios sexuais.
Ex: “Teve sua primeira experiência sexual aos 18 anos com seu namorado, mantendo,
desde então, relacionamentos heterossexuais satisfatórios com outros namora-
dos...”.
▸ Trabalho: registrar quando o paciente começou a trabalhar, diferentes empregos e
funções desempenhadas (sempre em ordem cronológica), regularidade nos empre-
gos e motivos que levaram o paciente a sair de algum deles, satisfação no trabalho,
ambições e circunstâncias econômicas atuais, aposentadoria.
Ex: “Conta que aos 20 anos obteve seu primeiro trabalho como contador numa em-
presa transportadora...”.
▸ Hábitos: uso do álcool, fumo ou quaisquer outras drogas. Caso não faça uso, assi-
nalar: “Não faz uso de álcool, fumo ou quaisquer outras drogas”.
V. HISTÓRIA FAMILIAR (HF)
O item deve abrigar as relações familiares (começa-se pela filiação do paciente).
▸Pais: idade; saúde; se mortos; causa e data do falecimento; ocupação; personali-
dade; recasamentos, se houver, de cada um deles. Verificar se há caso de doença
mental em um deles ou ambos.
Ex: “A.F. é o quinto filho de uma prole de dez. Seu pai, J.C., falecido, em 1983, aos 70
anos, de infarto...”.
▸Irmãos: idade; condições maritais; ocupação; personalidade. Indagar se há caso de
doença mental. Apenas referir-se por iniciais.
Ex: “Seus irmãos são: A.M., 34 anos, solteiro, desempregado, descrito como violento,
não se dá com ele”.
▸ Cônjuge: idade, ocupação e personalidade; compatibilidade; vida sexual; frigidez ou
impotência; medidas anticoncepcionais.
Ex: A.F. coabita maritalmente com G., 39 anos, do lar, descrita como carinhosa e “bo-
azinha”.
▸Filhos: número; idades; saúde; personalidade. Também referir-se apenas pelas ini-
ciais.
Ex: “Tem dois filhos: J., de 8 anos, cursando a 2ª série do 1º grau, apontado como
“carinhoso, mas cobra demais de mim e da minha mulher”.
▸Lar: neste quesito, descreve-se, em poucas palavras, a atmosfera familiar, os acon-
tecimentos mais importantes durante os primeiros anos e aqueles que, no momento,
estão mobilizando toda a família; as relações dos parentes entre si e destes com o
paciente.
Ex: “Quanto ao seu lar, diz não se adaptar muito bem à filha mais velha, que é muito
desobediente...” ou “Não gosta do ambiente familiar, pois nele há muitas pessoas
doentes...”.

Nunca é demais lembrar que se evite o estilo romanceado e opiniões pessoais por parte
de quem faz a anamnese. Frases curtas e objetivas, contendo dados essenciais, facili-
tarão a apreensão do caso. A utilização das palavras do paciente será produtiva na me-
dida em que se queira explicitar, de maneira objetiva e clara, alguma situação ou carac-
terística relevante.

VI. HISTÓRIA PATOLÓGICA PREGRESSA (HPP)


Nesta etapa, investigam-se os antecedentes mórbidos do paciente. Devem constar
somente as doenças físicas.
Viroses comuns da infância, desmaios, convulsões e sua frequência, doenças, opera-
ções, acidentes, traumatismos (sintomas, datas, duração), internações e tratamentos.

VII. EXAME PSÍQUICO (EP)


Até aqui, tivemos um relato feito pelo paciente e, em alguns casos, outros dados
colhidos por familiares ou pessoa que o acompanha à entrevista. Nosso trabalho foi o de
registrar e organizar tais informações.
Neste ponto da anamnese, cessa esse relato do paciente e passa-se a ter o re-
gistro da observação do entrevistador ou terapeuta, no momento da(s) entrevista(s).
No exame psíquico, as anotações deverão ser feitas de forma que alguém de fora
da área “Psi” possa compreendê-las.
A sua organização deve obedecer a determinados quesitos que, obrigatoria-
mente, serão respondidos pelo entrevistador. Nunca é demais lembrar que tudo o que
não é observado no momento da entrevista ficará na HDA ou HPP. Exemplo: se o paci-
ente diz ter insônia, isso constará da HDA.
Os tópicos seguintes apontam para os diferentes aspectos da vida psíquica do
indivíduo e devem ser investigados. A coleta desses dados, bem como a de todos os
outros, poderá ser feita na ordem em que melhor parecer ao entrevistador. Porém, no
texto final, será mantida uma ordem preestabelecida, com a finalidade de facilitar o
acesso ao material.
Para melhor organização, usa-se a forma de parágrafo para cada um dos assun-
tos, sem porém titulá-los.
No exame psíquico, não se usam termos técnicos; o que se espera que seja re-
gistrado aqui são aspectos objetivos que justifiquem os termos técnicos que serão em-
pregados posteriormente na súmula.
Ex: “Paciente apresenta-se inquieto, demonstrando desassossego, mas podendo ainda
controlar sua agitação.” Isso corresponde ao que se chama de “hipercinesia moderada”.
Esse termo não será aqui utilizado. Ele aparecerá somente na súmula quando se estiver
apontando o termo técnico indicativo da psicomotricidade do paciente.
Em seguida, apontamos os diversos aspectos que integram o exame psíquico.

1. Apresentação
Refere-se à impressão geral que o paciente causa no entrevistador. Compreende:
a. Aparência: Tipo constitucional, condições de higiene pessoal, adequação do ves-
tuário, cuidados pessoais. Não confundir com a classe social a que pertence o indiví-
duo.
Ex: “Paciente é alto, atlético e apresenta-se para a entrevista em boas condições de
higiene pessoal, com vestes adequadas, porém sempre com a camisa bem aberta...”.
b. Atividade psicomotora e comportamento: Mímica – atitudes e movimentos expres-
sivos da fisionomia (triste, alegre, ansioso, temeroso, desconfiado, esquivo, dramá-
tico, medroso, etc.); gesticulação (ausência ou exagero); motilidade – toda a capaci-
dade motora (inquieto, imóvel, incapacidade de manter-se em um determinado local);
deambulação – modo de caminhar (tenso, elástico, largado, amaneirado, encurvado,
etc.).
Ex: “Sua mímica é ansiosa, torce as mãos ao falar, levando-as à boca para roer as
unhas...” ou “Seu gestual é discreto...”.
c. Atitude para com o entrevistador: cooperativo, submisso, arrogante, desconfiado,
apático, superior, irritado, indiferente, hostil, bem-humorado, etc.
Ex: “Mostra-se cooperativo, mas irrita-se ao falar de sua medicação...”.
d. Atividade verbal: normalmente responsivo às deixas do entrevistador, não-espon-
tâneo (tipo pergunta e resposta), fala muito, exaltado ou pouco e taciturno.
Ex: “É normalmente responsivo às deixas do entrevistador, mas torna-se hostil
quando algo é anotado em sua ficha...”.

2. Consciência
Não se trata de consciência como capacidade de ajuizar valores morais, mas, sim,
num sentido amplo, uma referência a toda atividade psíquica, ou seja, é a capacidade
do indivíduo de dar conta do que está ocorrendo dentro e fora de si mesmo.
Consciência, aqui, será a indicação do processo psíquico complexo, que é capaz
de integrar acontecimentos de um determinado momento numa atividade de coordena-
ção e síntese. Na prática, a consciência se revela na sustentação, coerência e pertinên-
cia das respostas dadas ao entrevistador.
A clareza dessa consciência é traduzida pela lucidez. Quando o paciente está
desperto, recebendo e devolvendo informações do meio ambiente, ele está lúcido, não
importando, para esta classificação, o teor de sua integração com o meio.
Os distúrbios da consciência geralmente indicam dano cerebral orgânico. As in-
formações sensoriais chegam amortecidas ou nem chegam à consciência.
Os estados de rebaixamento da consciência podem ser: rebaixamento ou embo-
tamento, turvação ou obnubilação (que é um rebaixamento geral da capacidade de per-
ceber o ambiente) e estreitamento (perda da percepção do todo com uma concentração
em um único objetivo paralelo à realidade (ex. estados de hipnotismo e sonambulismo).
Cabe ao entrevistador avaliar o grau de alteração da consciência, observando se
o paciente faz esforço para manter o diálogo e levar a entrevista a termo, se a confusão
mental interfere na exatidão das respostas, que se fazem com lentidão, ou se o paciente
chega mesmo a cochilar, adormecer no curso da entrevista.
O paciente que exibe estado alterado da consciência, com frequência mostra al-
gum prejuízo também de orientação, embora o contrário não seja verdadeiro.
Exemplo de como descrever paciente lúcido nas entrevistas: “Paciente apresenta-
se desperto durante as entrevistas, sendo capaz de trocar informações com o meio am-
biente...”.

3. Orientação
Pode-se definir orientação como um complexo de funções psíquicas, pelo qual
tomamos consciência da situação real em que nos encontramos a cada momento de
nossa vida.
A orientação pode ser inferida da avaliação do estado de consciência e encontra-
se intimamente ligada às noções de tempo e de espaço.
Em geral, o primeiro sentido de orientação que se perde é o do tempo, depois o
do espaço, que envolve deslocamento e localização e, num estado mais grave, a deso-
rientação do próprio eu (identidade e corpo).

A orientação divide-se em:


a. Autopsíquica: paciente reconhece dados de identificação pessoal e sabe quem é;
b. Alopsíquica: paciente reconhece os dados fora do eu; no ambiente:
:: Temporal: dia, mês, ano em que está; em que parte do dia se localiza (manhã,
tarde, noite);
:: Espacial: a espécie de lugar em que se encontra, para que serve; a cidade onde
está; como chegou ao consultório;
:: Somatopsíquica: alterações do esquema corporal, como, por exemplo, os mem-
bros fantasmas dos amputados, negação de uma paralisia, a incapacidade de lo-
calizar o próprio nariz ou olhos...
Ex: “Sabe fornecer dados de identificação pessoal, informar onde se encontra, dia,
mês e ano em que está...”.

4. Atenção
A atenção é um processo psíquico que concentra a atividade mental sobre determi-
nado ponto, traduzindo um esforço mental. É resultado de uma atividade deliberada e
consciente do indivíduo – foco da consciência – a fim de inserir profundamente nossa
atividade no real.
Essa energia concentrada sobre esse foco está intimamente ligada ao aspecto
da afetividade. Destaca-se aí a vigilância (consciência sem foco, difusa, com atenção
em tudo ao redor) e a tenacidade (capacidade de se concentrar num foco). O paciente
não pode ter essas duas funções concomitantemente exaltadas (o paciente maníaco,
por exemplo, é hipervigil e hipotenaz), porém, pode tê-las rebaixadas, como no caso do
sujeito autista, esclerosado ou esquizofrênico catatônico.

Investiga-se assim:
▸atenção normal: ou euprossexia; normovigilância;
▸ hipervigilância: ocorre num exagero, na facilidade com que a atenção é atraída pe-
los acontecimentos externos;
▸ hipovigilância: é um enfraquecimento significativo da atenção, onde é difícil obter a
atenção do paciente;
▸ hipertenacidade: a atenção se adere em demasia a algum estímulo ou tópico; con-
centração num estímulo;
▸ hipotenacidade: a atenção se afasta com demasiada rapidez do estímulo ou tópico.
Ex: “Concentra-se intensamente no entrevistador e no que lhe é dito, abstendo-se
completamente do que se passa à sua volta...”.

5. Memória
“É o elo temporal da vida psíquica (passado, presente, futuro). A memória permite a
integração de cada momento. Há cinco dimensões principais do seu funcionamento: per-
cepção (maneira como o sujeito percebe os fatos e atitudes em seu cotidiano e os reco-
nhece psiquicamente), fixação (capacidade de gravar imagens na memória), conserva-
ção (refere-se tudo que o sujeito guarda para o resto da vida; a memória aparece como
um todo e é um processo tipicamente afetivo), evocação (atualização dos dados fixados
– nem tudo pode ser evocado). Cabe ressaltar aqui que nada é fixado e evocado de
maneira anárquica: há dependência das associações que estabelecem entre si (seme-
lhança, contraste, oposição, contiguidade e causalidade), e reconhecimento (reconhe-
cimento do anagrama (imagem recordada) como tal – é o momento em que fica mais
difícil detectar onde e quando determinado fato aconteceu no tempo e no espaço).
A função mnésica pode ser avaliada pela rapidez, precisão e cronologia das infor-
mações que o próprio paciente dá, assim como a observação da capacidade de fixação.
O exame da memória passada (retrógrada) faz-se com perguntas sobre o pas-
sado do paciente, data de acontecimentos importantes. Contradições nas informações
podem indicar dificuldades.
Com relação à memória recente (anterógrada), podem ser feitas perguntas rápi-
das e objetivas, como “O que você fez hoje?” ou dizer um número de 4 ou 5 algarismos
ou uma série de objetos e pedir para que o paciente repita após alguns minutos, se hou-
ver necessidade.
Para o exame da memória de retenção pode-se pedir ao paciente que repita al-
garismos na ordem direta e depois inversa.
A maior parte das alterações da memória é proveniente de síndromes orgânicas
(amnésia, hiper ou hipomnésia).
Ex: “A.F. é capaz de fornecer dados com cronologia correta; consegue lembrar
de informações recentes, como a próxima consulta com seu psiquiatra...”.

6. Inteligência
O que se faz nessa avaliação da inteligência não é o que chamamos “uma avaliação
fina”, realizada por meio de testes. É mais para se constatar se o paciente está dentro
do chamado padrão de normalidade. Interessa a autonomia que o paciente tenha, a sua
capacidade laborativa.
Quando houver suspeita de déficit ou perda intelectiva, as informações podem
ser obtidas pedindo-se-lhe que explique um trabalho que realize, alguma situação do
tipo: “Se tiver que lavar uma escada, começará por onde?”, que defina algumas palavras
(umas mais concretas, como “igreja”, outras mais abstratas, como “esperança”), que
estabeleça algumas semelhanças, como, por exemplo, “o que é mais pesado, um quilo
de algodão ou de chumbo?”.
A consciência, a inteligência e a memória estão alocadas entre as funções psí-
quicas de base.
Ex: “Durante as entrevistas percebe-se que o paciente tem boa capacidade de compre-
ensão, estabelecendo relações e respostas adequadas, apresentando insights...”.
Um déficit intelectivo (oligofrenia) é diferente de uma perda intelectiva, onde após
o desenvolvimento psíquico ter atingido a plenitude ocorre uma baixa, indicando síndro-
mes organocerebrais crônicas.
Uma alteração de consciência pode indicar um quadro organocerebral agudo. Uma alte-
ração de inteligência e memória pode indicar uma síndrome organocerebral crônica.

7. Sensopercepção
É o atributo psíquico, no qual o indivíduo reflete subjetivamente a realidade objetiva.
Fundamenta-se na capacidade de perceber e sentir.
Neste ponto, investigam-se os transtornos do eu sensorialmente projetados, si-
multâneos à percepção verdadeira, ou seja, experiências ilusórias ou alucinatórias que
são acompanhadas de profundas alterações do pensamento.
Ilusão é a percepção deformada da realidade, de um objeto real e presente, uma
interpretação errônea do que existe.
Alucinação é uma falsa percepção, que consiste no que se poderia dizer uma
“percepção sem objeto”, aceita por quem faz a experiência como uma imagem de uma
percepção normal, dadas as suas características de corporeidade, vivacidade, nitidez
sensorial, objetividade e projeção no espaço externo.
São significativas as alucinações verdadeiras (aquelas que tendem a todas as
características da percepção em estado de lucidez), as pseudo-alucinações (mais repre-
sentação do que realmente percepção; os relatos são vagos), as alucinações com diá-
logo em terceira pessoa, fenômenos de repetição e eco do pensamento, sonorização,
ouvir vozes.
As alucinações podem ser auditivas, auditivo-verbais (mais comuns), visuais, ol-
fativas, gustativas, cenestésicas (corpórea, sensibilidade visceral), cinestésicas (movi-
mento).
As perguntas que esclareçam essa análise poderão ser feitas à medida que a oportuni-
dade apareça. Porém, não se pode deixar de investigar completamente esse item.
Algumas perguntas são sugeridas: “Acontece de você olhar para uma pessoa e achar
que é outra?”; “Já teve a impressão de ver pessoas onde apenas existam sombras ou
uma disposição especial de objetos?; “Você se engana quanto ao tamanho dos objetos
ou pessoas?”; “Sente zumbidos nos ouvidos?”; “Ouve vozes?”; “O que dizem?”; “Diri-
gem-se diretamente a você ou se referem a você como ele ou ela?”; “Falam mal de
você?”; “Xingam?”; “De quê?”; “Tem tido visões?”; “Como são?”; “Vê pequenos ani-
mais correndo na parede ou fios”; “Sente pequenos animais correndo pelo corpo?”;
“Tem sentido cheiros estranhos?”.
Ex: Relata sentir um vazio na cabeça, mas que “é bom, pois não ligo pros problemas da
vida” e “ouvir uma voz que lhe diz ser um deus...”.

Caso o paciente não apresente nenhuma situação digna de nota neste item, pode-se
registrar: “Não apresenta experiências ilusórias ou alucinatórias”.

8. Pensamento
Por meio do pensamento ou do raciocínio, o ser humano é capaz de manifestar suas
possibilidades de adaptar-se ao meio. É por ele que se elaboram conceitos, articulam-se
juízos, constrói-se, compara-se, solucionam-se problemas, elaboram-se conhecimentos
adquiridos, ideias, transforma-se e cria-se.
Este item da anamnese é destinado à investigação do curso, forma e conteúdo do pen-
samento. Aqui se faz uma análise do discurso do paciente.

a. Curso: Trata-se da velocidade com que o pensamento é expresso e pode ir do acele-


rado ao retardado, passando por variações.
▸ Fuga de ideias: paciente muda de assunto a todo instante, sem concluí-los ou dar
continuidade, numa aceleração patológica do fluxo do pensamento; é a forma ex-
trema do taquipsiquismo (comum na mania).
▸ Interceptação ou bloqueio: há uma interrupção brusca do que vinha falando e o
paciente pode retomar o assunto como se não o tivesse interrompido (comum no
esquizofrenia).
▸ Prolixidade: é um discurso detalhista, cheio de rodeios e repetições, com uma certa
circunstancialidade; há introdução de temas e comentários não-pertinentes ao que
se está falando.
▸ Descarrilamento: há uma mudança súbita do que se está falando.
▸ Perseveração: há uma repetição dos mesmos conteúdos de pensamento (comum
nas demências).

b. Forma: Na verdade, é um conceito difícil de se explicar. Porém, pode-se dizer que a


forma é a maneira como o conteúdo do pensamento é expresso. O pensamento abriga
um encadeamento coerente de ideias ligadas a uma carga afetiva, que é transmitida
pela comunicação. Há um caráter conceitual.
As desordens da forma podem ocorrer por: perdas (orgânicas) ou deficiência (oligo-
frenia) qualitativas ou quantitativas de conceitos ou por perda da intencionalidade (fu-
são ou condensação, desagregação ou escape do pensamento, pensamento imposto ou
fabricado), onde pode se compreender as palavras que são ditas, mas o conjunto é in-
compreensível, cessando-se os nexos lógicos, comum na esquizofrenia.
É importante lembrar que a velocidade do pensamento (curso) pode ser normal, porém
a forma pode estar alterada por conter ideias frouxas com o fluxo quebrado.
Ex: “Paciente apresenta um discurso com curso regular, porém não mantém uma coe-
rência entre as ideias, que se apresentam frouxas e desconexas”.

c. Conteúdo: As perturbações no conteúdo do pensamento estão associadas a determi-


nadas alterações, como as obsessões, hipocondrias, fobias e especialmente os delírios.
Para se classificar uma ideia de delirante tem-se que levar em conta alguns aspectos:
a incorrigibilidade (não há como modificar a ideia delirante por meio de correções). A
ininfluenciabilidade (a vivência é muito intensa no sujeito, chegando a ser mais fácil o
delirante influenciar a pessoa dita normal). A incompreensibilidade (não pode ser expli-
cada logicamente). O delírio é uma convicção íntima e inemovível, contra a qual não há
argumento.
Os delírios podem ser primários (núcleo da patologia) ou secundários (são consequentes
a uma situação social, a uma manifestação afetiva ou a uma disfunção cerebral).
Uma distinção faz-se importante:
a. delirium: rebaixamento da consciência (delirium tremens; delirium febril);
b. delírio: alteração do pensamento (alteração do juízo);
:: ideia delirante: também chamada de delírio verdadeiro; é primário e ocorre com
lucidez de consciência; não é consequência de qualquer outro fenômeno. É um
conjunto de juízos falsos, que não se sabe como eclodiu.
:: ideia deliróide: é secundária a uma perturbação do humor ou a uma situação
afetiva traumática, existencial grave ou uso de droga. Há uma compreensão dos
mecanismos que a originaram.

As ideias delirantes podem ser agrupadas em temas típicos de:


▸ expansão do eu: (grandeza, ciúme, reivindicação, genealógico, místico, de missão
salvadora, deificação, erótico, de ciúmes, invenção ou reforma, ideias fantásticas,
excessiva saúde, capacidade física, beleza...).
▸ retração do eu: (prejuízo, autorreferência, perseguição, influência, possessão, hu-
mildades, experiências apocalípticas).
▸ negação do eu: (hipocondríaco, negação e transformação corporal, autoacusação,
culpa, ruína, niilismo, tendência ao suicídio).
O exame do conteúdo do pensamento poderá ser feito por meio da conversa, com a
inclusão hábil por parte do entrevistador de algumas questões que conduzam à avalia-
ção. Pode-se perguntar se o paciente tem pensamentos dos quais não consegue se livrar
(explicar quais), se acha que quando está andando na rua as pessoas o observam ou
fazem comentários a seu respeito (explicitar); se os vizinhos implicam; se existe alguém
que lhe queira fazer mal, alguma organização secreta; se acha que envenenam sua co-
mida; se possui alguma missão especial na Terra (qual), se é forte e poderoso, rico; se
frequenta macumba; se sofre de “encosto”; se espíritos lhe falam; se há alguma comu-
nicação com Deus e como isso se processa. Aqui vale apontar para o fato cultural-reli-
gioso. Dependendo da religião que professa (espiritismo, umbanda, candomblé), algu-
mas dessas situações podem ser observadas, sem, no entanto, a priori, fazerem parte
de patologias.
Ex: “A.F. muda de assunto a todo instante e subitamente. Reconhece que já ficou “bem
ruim, mas nunca fiz sadomasoquismo, porque isso é coisa de judeu de olhos azuis. Mas,
graças a Deus, nunca pisei numa maçonaria. Não influencio ninguém, mas sou influen-
ciado. Sou o deus A., defensor dos fracos e oprimidos...”.

9. Linguagem
A comunicação é o meio que permite ao indivíduo transmitir e compreender mensa-
gens. A linguagem é a forma mais importante de expressão da comunicação. A lingua-
gem verbal é a forma mais comum de comunicação entre as pessoas.
A linguagem é considerada como um processo mental predominantemente consciente,
significativo, além de ser orientada para o social. É um processo dinâmico que se inicia
na percepção e termina na palavra falada ou escrita e, por isso, se modifica constante-
mente.
Neste tópico, o que irá nos interessar é o exame da linguagem falada e escrita.
Sua normalidade e alterações estão intimamente relacionadas ao estudo do pensa-
mento, pois é pela linguagem que ele passa ao exterior. Abaixo, enumeramos alguns
tipos mais comuns de patologias que, não custa lembrar, poderão ser apenas descritos
no exame psíquico e não denominados tecnicamente.
▸Disartrias: má articulação de palavras;
▸Afasias: perturbações por danos cerebrais que implicam na dificuldade ou incapaci-
dade de compreender e utilizar os símbolos verbais
▸Verbigeração: repetição incessante de palavras ou frases;
▸Parafasia: emprego inapropriado de palavras com sentidos parecidos;
▸Neologismo: criação de palavras novas;
▸Jargonofasia: “salada de palavras”;
▸ Mussitação: voz murmurada em tom baixo);
▸Logorreia: fluxo incessante e incoercível de palavras;
▸Para-respostas: responde a uma indagação com algo que não tem nada a ver com
o que foi perguntado.
Ex: “Expressa-se por meio de mensagens claras e bem articuladas em linguagem cor-
reta...”.

10. Consciência do Eu
Este item refere-se ao fato de o indivíduo ter a consciência dos próprios atos psíqui-
cos, a percepção do seu eu, como o sujeito apreende a sua personalidade.
As características formais do eu são:
▸ sentimento de unidade: eu sou uno no momento;
▸ sentimento de atividade: consciência da própria ação;
▸ consciência da identidade: sempre sou o mesmo ao longo do tempo;
▸ cisão sujeito-objeto: consciência do eu em oposição ao exterior e aos outros.
O terapeuta orientará sua entrevista no sentido de saber se o paciente acha que seus
pensamentos ou atos são controlados por alguém ou forças exteriores, se se sente hip-
notizado ou enfeitiçado, se alguém lhe rouba os pensamentos, se existe eletricidade ou
outra força que o influencie, se pode transformar-se em pedra ou algo estático, se sente
que não existe ou se é capaz de adivinhar e influenciar os pensamentos dos outros.

11. Afetividade
A afetividade revela a sensibilidade intensa da pessoa frente à satisfação ou frus-
tração das suas necessidades.
Interessa-nos a tonalidade afetiva com que alguém se relaciona, as ligações afetivas
que o paciente estabelece com a família e com o mundo, perguntando-se sobre: filhos,
pai, mãe, irmãos, marido ou esposa, amigos, interesse por fatos atuais.
Pesquisa-se estados de euforia, tristeza, irritabilidade, angústia, ambivalência e
labilidade afetivas, incontinência emocional, etc. Observa-se, ainda, de maneira geral, o
comportamento do paciente.
Ex: É sensível frente à frustração ou satisfação, apresentando ligações afetivas fortes
com a família e amigos...”.

12. Humor
O humor é mais superficial e variável do que a afetividade. É o que se pode observar
com mais facilidade numa entrevista; é uma emoção difusa e prolongada que matiza a
percepção que a pessoa tem do mundo. É como o paciente diz sentir-se: deprimido, an-
gustiado, irritável, ansioso, apavorado, zangado, expansivo, eufórico, culpado, atônito,
fútil, autodepreciativo.

Os tipos de humor dividem-se em:


▸ normotímico: normal;
▸ hipertímico: exaltado;
▸ hipotímico: baixa de humor;
▸ distímico: quebra súbita da tonalidade do humor durante a entrevista;

No exame psíquico, descreve-se o humor do paciente sem, no entanto, colocá-lo sob um


título técnico. Ex: “O paciente apresenta uma quebra súbita de humor, passando de um
estado de exaltação a um de inibição...”.

13. Psicomotricidade
Todo movimento humano objetiva satisfação de uma necessidade consciente ou
inconsciente.
A psicomotricidade é observada no decorrer da entrevista e se evidencia geralmente de
forma espontânea. Averigua-se se está normal, diminuída, inibida, agitada ou exaltada,
se o paciente apresenta maneirismos, estereotipias posturais, automatismos, flexibili-
dade cérea, ecopraxia ou qualquer outra alteração.
Ex: “Apresenta tique, estalando os dedos da mão direita...”.

14. Vontade
Está relacionada aos atos voluntários. É uma disposição (energia) interior que tem
por princípio alcançar um objetivo consciente e determinado.
O indivíduo pode se apresentar normobúlico (vontade normal) ter a vontade rebaixada
(hipobúlico), uma exaltação patológica (hiperbúlico), pode responder a solicitações re-
petidas e exageradas (obediência automática), pode concordar com tudo o que é dito,
mesmo que sejam juízos contraditórios (sugestionabilidade patológica), realizar atos
contra a sua vontade (compulsão), duvidar exageradamente do que quer (dúvida pato-
lógica), opor-se de forma passiva ou ativa, às solicitações (negativismo), etc.
Ex: “Apresenta oscilações entre momentos de grande disposição interna para conseguir
algo e momentos em que permanece sem qualquer tipo de ação...”.

15. Pragmatismo
Aqui, analisa-se se o paciente exerce atividades práticas como comer, cuidar de sua
aparência, dormir, ter autopreservação, trabalhar, conseguir realizar o que se propõe e
adequar-se à vida.
Ex: “Exerce suas tarefas diárias e consegue realizar aquilo a que se propõe...”.

16. Consciência da doença atual


Verifica-se o grau de consciência e compreensão que o paciente tem de estar
enfermo, assim como a sua percepção de que precisa ou não de um tratamento.
Observa-se que considerações os pacientes fazem a respeito do seu próprio estado; se
há perda do juízo ou um embotamento.
Ex: “Compreende a necessidade de tratamento e considera que a terapia pode ajudá-lo
a encontrar melhores soluções para seus conflitos...”.

VIII. SÚMULA PSICOPATOLÓGICA


Uma vez realizado e redigido o exame psíquico, deverão constar na súmula os termos
técnicos que expressam a normalidade ou as patologias observadas no paciente. Trata-
se de um resumo técnico de tudo o que foi observado na entrevista.
Aconselha-se seguir-se uma determinada ordem, assim como na redação do exame psí-
quico. A disposição da súmula deverá constar de um único parágrafo, com cada item
avaliado limitado por ponto.
Costuma-se não usar a palavra “normal” para qualificar qualquer um dos itens, evi-
tando-se, assim, possíveis distorções com relação ao conceito de normalidade.
Com o objetivo de melhor esclarecer, apresentamos um exemplo de súmula de um
paciente que apresentava uma hipótese diagnóstica de “quadro maníaco com sintomas
psicóticos”.

“Lúcido. Vestido adequadamente e com boas condições de higiene pessoal. Orientado


auto e alopsiquicamente. Cooperativo. Normovigil. Hipertenaz. Memórias retrógrada e
anterógrada prejudicadas. Inteligência mantida. Sensopercepção alterada com alucina-
ção auditivo-verbal. Pensamento sem alteração de forma, porém apresentando altera-
ção de curso (fuga de ideias e descarrilamento) por ocasião da agudização do quadro e
alteração de conteúdo (ideias deliróides de perseguição, grandeza e onipotência). Lin-
guagem apresentando alguns neologismos. Consciência do eu alterada na fase aguda
do quadro. Nexos afetivos mantidos. Hipertimia. Psicomotricidade alterada, apresen-
tando tiques. Hiperbúlico. Pragmatismo parcialmente comprometido. Com consciência
da doença atual”.
Com a súmula, é possível a outro profissional da área, em poucos minutos, inteirar-se
da situação do paciente.

IX. HIPÓTESE DIAGNÓSTICA


“Diagnóstico” é uma palavra de origem grega e significa “reconhecimento”. No ato
médico, refere-se ao reconhecimento de uma enfermidade por meio de seus sinais e
sintomas. Trata-se aqui de diagnóstico nosológico a ser seguido em conformidade com
a CID-10.
De acordo com o que pode ser observado durante a entrevista, propõe-se uma
hipótese de diagnóstico, que poderá ser esclarecida, reforçada ou contestada por outro
profissional ou exames complementares, se houver necessidade. Não é demais lembrar
que poderá haver um diagnóstico principal e outro(s) secundário(s), em comorbidade.
Ex: F 30.2 – Mania com sintomas psicóticos.

X. HIPÓTESE PSICODINÂMICA
A hipótese psicodinâmica e a atuação terapêutica deverão constar em outra folha
à parte. Um entendimento psicodinâmico do paciente auxilia o terapeuta em seu esforço
para evitar erros técnicos. Há que se ter uma escuta que vá além do que possa parecer
à primeira vista. A compreensão da vida intrapsíquica do paciente é de fundamental im-
portância no recolhimento de dados sobre ele.
Uma avaliação psicodinâmica não prescinde da avaliação realizada na anamnese.
Pode ser considerada, inclusive, como uma extensão valiosa e significativa dela.
É na busca do funcionamento psicodinâmico do paciente que se tem um melhor enten-
dimento do quanto ele está doente, de como adoeceu e como a doença o serve.
Estabelecido um bom rapport entre entrevistador e paciente, é de fundamental
importância que este último seja compreendido como alguém que em muito contribui
para o seu próprio entendimento, além de ajudar na precisão de um diagnóstico. O paci-
ente não é uma planta sendo observada por um botânico. É uma pessoa que, por não
conseguir mais se gerenciar sozinho, busca auxílio em outro ser humano. Sente medo,
ansiedade, desconfiança, alegria e está diante de uma outra pessoa que ele julga poder
auxiliá-lo.
À medida que esse entendimento vai se estruturando, o entrevistador pode co-
meçar a formular hipóteses que liguem relacionamentos passados e atuais do paciente,
assim como a repetição de seus padrões de relação e comportamento. Deve haver, por-
tanto, uma interpretação global da problemática desse paciente a respeito do que pode
estar causando suas dificuldades atuais, motivo da busca de ajuda profissional.
Fica evidente que uma hipótese psicodinâmica vai além do que o paciente diz.
Alcança, também, o estilo de relação que ele estabelece com o terapeuta e que dá indí-
cios de sua demanda latente. Também é preciso ressaltar que a hipótese psicodinâmica
está sempre baseada num referencial teórico seguido pelo terapeuta, que deverá cir-
cunscrever o funcionamento psicodinâmico do paciente, formulando uma hipótese que
resuma, da melhor maneira possível, a psicodinâmica básica do paciente.
No Setor de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia
do Rio de Janeiro, atendendo às exigências técnicas da P.B. que utilizamos, há que se
estabelecer, ainda, para melhor avaliação da condição psicodinâmica do paciente aten-
dido, o triângulo do conflito (I – impulso; A – ansiedade; D – defesa), o foco (isto é, a
prioridade a ser estabelecida como trabalho terapêutico) e o planejamento (onde se co-
loca aquilo que se pretende fazer na condução do caso, além do objetivo a ser atingido
pelo terapeuta ao final de seu trabalho com o paciente).
É ainda importante lembrar que a hipótese psicodinâmica formulada serve ape-
nas como uma compreensão maior do funcionamento do paciente para o terapeuta e
deve conter em seu bojo o foco e o conflito nuclear.

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Glossário Psiquiátrico

Abulia: Perda da capacidade de ter vontade; falta de estímulo para agir.


Abuso: Tudo que vai além do uso habitual ou sancionado; maus-tratos, ameaças ou le-
sões infligidos a outrem, de natureza física, psicológica ou moral; uso excessivo de dro-
gas ou substâncias que pode resultar em danos à saúde ou em um aumento de risco a
tal dano.
Acatalepsia: Perturbação mental; demência.
Acatisia: Agitação motora; necessidade de movimentar-se.
Acinesia: Imobilidade; perda da função motora; abolição de toda motricidade, inclusive
a neuromotricidade.
Aconselhamento genético: Aplicação dos princípios e dados específicos da genética mé-
dica à estimativa de riscos de ocorrência ou recorrência de transtornos transmissíveis
por herança e o provimento, a famílias e indivíduos, de informação e orientação perti-
nentes à prevenção, diagnóstico, prognóstico e controle desses transtornos.
Acrofobia: Medo de altura.
Adinamia: Humor deprimido, triste ou desesperado com medo.
Afasia: Distúrbio da função de linguagem resultante da lesão ou doença dos centros ce-
rebrais; perda da fala; perda parcial ou total da capacidade de se expressar através da
linguagem ou da capacidade de compreender a comunicação verbal de outra pessoa.
As várias formas de afasia dependem do local da lesão cerebral.
Afasia auditiva: Perda da capacidade de compreender a linguagem falada.
Afasia de condução: Afasia causada por uma lesão do trajeto entre os centros sensitivos
e motores da fala.
Afasia mista: Combinação de afasias motora e sensitiva.
Afasia motora: Perda da capacidade de expressar os pensamentos pela fala e pela es-
crita; a pessoa entende o que foi dito, porém não consegue produzir a sequência de
movimentos necessários para murmurar a palavra.
Afasia repetitiva: Incapacidade para compreender o que alguém está dizendo; com fre-
quência associada com lesão na área do lobo temporal (lesão cerebral).
Afasia sensitiva: Incapacidade de compreender a linguagem falada (afasia auditiva) ou
a linguagem escrita (afasia visual).
Afasia visual: Perda da capacidade de compreender a linguagem escrita.
Afasia de Wernicke: Uma incapacidade de compreender a linguagem falada ou escrita
e, em especial, para entender ou comunicar-se através de linguagem falada e nomear
objetos ou qualidades. A leitura e a escrita estão secundariamente prejudicadas.
Afeto: É o fator dinâmico da emoção, a qualidade dos sentimentos ou emoção em geral.
Afonia: Incapacidade de produzir sons vocais, resultante de um transtorno orgânico ou
emocional.
Agitação: Inquietação marcante e atividade motora excessiva, acompanhadas de ansi-
edade.
Agnosia: Perda da faculdade de reconhecer os estímulos sensoriais (auditivos e sono-
ros); distúrbio do conhecimento e do reconhecimento, embora se conserve a percepção
sensorial.
Agorafobia: Um grupo de fobias bem definido que inclui entre outras: medo de sair de
casa, de entrar em lojas, de multidões e lugares públicos, de viajar sozinho em trens,
ônibus e aviões. Ataques de pânico são manifestações frequentes. Sintomas depressi-
vos e obsessivos e fobias sociais estão também presentes como aspectos subsidiários.
A esquiva de situações fobígenas demonstram pouca ansiedade, devido à sua capaci-
dade de evitar situações que lhes causam fobias.
Agrafia: Incapacidade de escrever; uma inabilidade para expressar idéias por escrito,
que não está relacionada a uma disfunção da capacidade motora, da fala ou da compre-
ensão.
Agromania: Loucura por tendência a solidão.
Alegria patológica: Transtorno da afetividade; o paciente sente-se eufórico, otimista, hi-
perativo, elevada autoestima, enérgico.
Alexia: Perda da capacidade de ler; uma inabilidade para reconhecer ou entender pala-
vras, ideogramas, letras (manuscritas ou em letra de forma) ou cores devido a uma in-
capacidade para reconhecer o significado linguístico de padrões visuais. A alexia se en-
contra comumente combinada com a agrafiacomo um sintoma de assimbolia visual.
Alexitimia: Incapacidade de reconhecer ou de verbalizar as próprias emoções.
Alienação: Condição caracterizada pela perda de relacionamento significativos com ou-
tros, com sua sociedade ou sua cultura. Este termo, também usado num sentido socio-
econômico, passou a substituir o antigo conceito de loucura.
Alienação da adolescência: Desenvolvimento de antipatia ou até mesmo hostilidade
frente a sua própria sociedade ou cultura, durante a adolescência. A alienação durante
a adolescência, pode resultar em problemas psicossociais, como por exemplo, abuso de
álcool e drogas, delinquência, depressão, conflitos familiares, gravidez fora do casa-
mento, abandono escolar, vandalismo e suicídio.
Alterações da consciência: Pode ser chamados de aqueles estados em que se distin-
guem bem nitidamente da vida psíquica normal, a consciência restringe-se a certos se-
tores mantendo-se a outros inacessível, e só o que corresponde às tendências interiores
é que o indivíduo apreende; estados da consciência em que ficam fragmentados.
Alteração de humor: Uma mudança mórbida do afeto que ultrapassa as variações nor-
mais, e que leva a vários estados que incluem: depressão, exaltação, ansiedade, irrita-
bilidade e raiva.
Alteração da memória: Alteração da capacidade de fixar fatos recentes algum tempo
depois de informado.
Alterações permanentes da personalidade: Um transtorno da personalidade e do com-
portamento adulto que se desenvolve após stress catastrófico ou excessivamente pro-
longado, ou após várias doenças psiquiátricas graves num indivíduo sem transtorno de
personalidade prévia. Há uma mudança definitiva e permanente no padrão individual de
perceber, relacionar-se com ou pensar sobre o meio ambiente e o self.
Alucinação: Perda da faculdade de reconhecer os estímulos sensoriais; o sujeito percebe
estímulos ou objetos que na realidade não existem; senso, percepção de qualquer natu-
reza, que se dá na ausência de estímulos externo apropriado. Em indivíduos normais,
podem ocorrer alucinações nos estados de transição vigília-sono (hipnagógicas) e sono-
vigília (hipnopômpicas). Enquanto fenômeno mórbido, as alucinações podem ser sinto-
máticas de patologia orgânica cerebral, de psicoses funcionais e de intoxicação por dro-
gas, com aspectos característicos para cada qual.
Alucinação auditiva: Reações auditivas ilusórias, sem estímulo sensorial adequado, o
indivíduo ouve vozes, gritos, zumbidos, passos, ruídos e raramente são de conteúdo ami-
gáveis.
Alucinação do cativeiro: São imagens visuais ou auditivas induzidas pelo isolamento e
pelo stress decorrente de situações de ameaça à vida, na ausência de disfunções psi-
quiátricas graves. Pode ocorrer em indivíduos que sofreram sequestros, ou estão sendo
mantidos em cativeiro isolado.
Alucinação corporal: Alucinação de tato; alterações da sensação do próprio corpo, alu-
cinações dolorosas.
Alucinação hipnagógicas: Falsas percepções que ocorrem quando o paciente está ador-
mecendo, para as quais não há base na realidade, ocorre na fase de transição vigília-
sono.
Alucinação hipnopômpicas: Falsas percepções que ocorrem quando o paciente está
acordando, para as quais não há base na realidade, ocorre na fase de transição sono-
vigília.
Alucinação ósmica ou gustatória: Reações de odor ou paladar ilusórias, sem estímulo
sensorial adequado; o indivíduo sente o cheiro ou o gosto.
Alucinação de odor ou paladar: Reações de odor ou paladar ilusórias, sem estímulo sen-
sorial adequado; o indivíduo sente o cheiro ou o gosto.
Alucinações óticas: Reações óticas ilusórias, sem estímulo sensorial adequado.
Alucinógeno: Substância psicoativa, natural ou sintética, capaz de ocasionar estados
alterados de consciência caracterizados por: percepção intensificada, imagens vívidas
que podem evoluir para ilusões e alucinações, alterações do humor e vivências de des-
personalização/ desrealização.
Ambivalência: Existência simultânea de tendências opostas; duplos sentimentos incon-
ciliáveis.
Amiotrofia: Perda de músculo esquelético de base neurogênica, diferente da perda de-
corrente de uma doença muscular primária.
Amnésia: Perda ou perturbação da memória (completa ou parcial, permanente ou tem-
porária), atribuível a causas orgânicas ou psicológicas; incapacidade de recordar de
forma total ou parcial; distúrbio da memória que atinge certo tempo limitado, do qual
mais nada ou pouca coisa se pode recordar.
Amnésia anterógrada: Tipo de amnésia que ocorre depois do acontecimento; perda de
memória de duração variável para eventos e experiências subsequentes a um incidente
causal ou a uma lesão cerebral, em geral depois da recuperação da consciência.
Amnésia dissociativa: Tipo de amnésia geralmente centrada em eventos traumáticos,
tais como acidentes, perdas ou lutos inesperados, e é geralmente parcial e seletiva. A
manifestação principal é a perda da memória geralmente de eventos recentes importan-
tes, que não é decorrente de transtorno mental orgânico. A amnésia completa e gene-
ralizada é rara, e geralmente é parte de uma fuga.
Amnésia pós-ictal: Perda de memória de duração variável que segue convulsões epilép-
ticas, geralmente acompanhada por períodos de obnubilação da consciência ou auto-
matismo.
Amnésia retrógrada: É um tipo de amnésia relacionada com o período antes do aconte-
cimento, lesão cerebral ou incidente casual.
Amnésia lagunar: É uma amnésia que ocorre dentro do acontecimento; a pessoa não se
lembra do acontecimento.
Amnéstico: Evento, traumatismo ou substância que causa amnésia.
Anamnese: História de uma doença ou de um paciente.
Anartria: Impossibilidade de articular palavras, não havendo paralisia dos músculos da
fonação.
Anedonia: Ausência da capacidade de experimentar prazer, associada frequentemente
com estados esquizofrênicos e depressivos ou incapacidade de sentir prazer ao viven-
ciar experiências normalmente prazerosas às pessoas.
Angústia patológica: Transtorno da afetividade em que a angústia ou a ansiedade
chega a ser incontrolável, seguida de insegurança e temor pelo desconhecido ou indefi-
nido, que mantém a pessoa em permanente estado de alerta.
Anorexia: Recusa da alimentação como consequência de um desejo de emagrecer; ina-
petência.
Anorexia nervosa: Perda de peso deliberada, induzida e mantida pelo paciente, com uma
psicopatologia específica na qual um receio de engordar e da flacidez do contorno cor-
poral persistem como uma ideia intrusiva e supervalorizada. Os pacientes impões a si
próprios um limite baixo de peso, geralmente resultando em subnutrição de intensidade
variável, alterações secundárias endócrinas e metabólicas e perturbações de funções
fisiológicas. O transtorno ocorre mais frequentemente em meninas adolescentes e mu-
lheres jovens.
Anosmia: Perda do sentido do olfato, atribuível tanto à obstrução física como ao dano
do mecanismo nervoso associado a este sentido.
Anosognosia: Uma negação da doença baseada numa distorção da imagem corporal.
Ansiedade: Sentimento de apreensão, desconforto e preocupação, habitualmente de ori-
gem inconsciente.
Ansiolíticos: Medicamentos que atuam nas tensões e ansiedade.
Antidepressivos: Medicamentos que atuam na depressão endógena.
Antipsicóticos: Medicamentos que atuam nos sintomas psicóticos.
Apatia: Falta de sentimentos; indiferença.
Apneia: Parada da respiração.
Apraxia: Incapacidade de levar a cabo um gesto ou ação previamente aprendidos; dis-
túrbio da motilidade que consiste no fato de que plenamente intactos os processos or-
gânicos funcionando corretamente de um lado, ataxia e os mecanismos motores que
vão do córtex à periferia não pode o indivíduo por outro lado, fazer o movimento ade-
quado à intenção objetiva normal; a pessoa pensa em fazer um movimento, mas não
consegue executá-lo corretamente.
Área de Broca: Área cortical responsável pela integração das miríades de vias de asso-
ciação necessárias à compreensão e à formulação da linguagem, mede pouco mais de
3 cm3. A área de Broca está tão próxima da área motora que um distúrbio nessa área
afeta área da fala.
Astenia: Perda das forças.
Ataque: Um acesso súbito de anormalidade transitória de natureza motora, sensorial,
autonômica ou psicológica, com uma disfunção cerebral temporária.
Ataque de perda do fôlego: Um padrão de comportamento relativamente comum em
crianças jovens, caracterizado por períodos de suspensão voluntária da respiração os
quais podem levar a cianose e perda de consciência. A condição é autolimitada e pode
ser usada para manipular o ambiente.
Ataxia: Falta de coordenação muscular motora; comprometimento da coordenação dos
movimentos.
Atraso mental: O funcionamento intelectual é geralmente muito abaixo da média, que
aparece juntamente com déficit de adaptação, e que se manifesta durante o período de
crescimento.
Aumento da impulsão: Aumento da atividade não dirigida ou da iniciativa dirigida.
Autismo: Isolamento num mundo de fantasias, próprio e artificial, a pessoa não se inte-
ressa e não tem necessidade de nada.
Autismo infantil: Transtorno desintegrativo do desenvolvimento definido pela presença
de desenvolvimentos anormal ou prejudicado, que se manifesta antes da idade de três
anos e pela tríade característica de: funcionamento anormal na interação social, comu-
nicação anormal e comportamento restrito, estereotipado e repetitivo.
Automatismo: Atividade motora sem controle consciente, automática e sem direção; ato
que não está sob o controle da vontade.
Automatismos de ordem: As ordens são automaticamente obedecidas.
Baforada delirante (Bouffée Délirante): Condição psicótica aguda e transitória associada
com turvação da consciência, excitação psicomotora e comportamento agitado, seguida
de amnésia anterógrada.
Belle indifférence: Ausência aparente de preocupação em relação a sintomas incapaci-
tantes, proeminentes nos transtornos dissociativos.
Bloqueio: Cessação súbita do fluxo de pensamentos e fala, relacionado a emoções for-
tes.
Bloqueio afetivo: Estado de ânimo imutável por longo tempo.
Bradicinesia: Lentidão dos movimentos; dificuldade para iniciar e realizar os movimen-
tos.
Bradipneia: Respiração lenta.
Bruxismo: Movimentos dos maxilares produzindo fricção entre as arcadas dentárias, as-
sociados quase sempre à fase 2 do sono.
Bulimia: É a compulsão para ingerir alimentos de maneira incontrolável, pode ser asso-
ciadas com transtornos metabólicos, cerebrais ou funcionais. Sinonímia: hiperfagia, me-
gafagia.
Catalepsia: Síndrome nervosa onde ocorre a supressão total dos movimentos voluntá-
rios; o indivíduo fica pálido, frio e estático; atitude de imobilidade cérea mantida pela
pessoa (o sujeito fica parecido com uma figura de cera imóvel); um estado semelhante
a um transe, com perda da motilidade voluntária.
Cataplegia: Perda temporária do tônus muscular, precipitada por emoções fortes.
Cataplexia: Diminuição abrupta do tônus muscular, que pode ser parcial (envolvendo
músculos circunscritos) ou generalizada (o paciente desaba abruptamente, incapaz de
mover-se ou falar). A consciência permanece intacta.
Catarse: Purgação psicológica (Freud); processo de descarga ou liberação de tensão
emocional associada a um conflito, memória ou ideia reprimidas e frequentemente de-
sencadeada pela recordação de uma experiência dolorosa.
Choque: É a supressão da função, sem destruição e sem consequências de lesões de
toda ordem sofrida pelo sistema nervoso, passado algum tempo, a capacidade funcional
das partes que o choque afetou reaparece por si mesma.
Claustrofobia: Medo de lugares fechados, geralmente encontrado em pacientes com
neurose de angústia.
Cleptomania: Mania de roubar; compulsão para o roubo de objetos que não tem uso
próprio; doença mental que leva o indivíduo a roubar; insucesso repetido em resistir a
impulsos de furtar objetos que não são adquiridos para uso pessoal ou para ganho pe-
cuniário, ao invés disso os objetos poderão ser descartados, doados ou colecionados. O
comportamento geralmente é acompanhado por uma sensação de tensão crescente an-
tes do ato, e uma sensação de satisfação durante e imediatamente depois do ato.
Clônicos: Os músculos contraem e relaxam alternadamente.
Coma: Estado de perda completa da consciência, da sensibilidade e da mobilidade. O
estado de coma é classicamente definido como a síndrome de perda completa ou parcial
da consciência, da motricidade voluntária e da sensibilidade, com preservação das fun-
ções vegetativas. A perda da consciência constitui o elemento básico para a conceitua-
ção do estado de coma, podendo os distúrbios de motricidade e de sensibilidade decor-
rerem exclusivamente dessa alteração funcional. A intensidade do comprometimento da
consciência é variável, desde a obnubilação até o coma, passando ou não pelo estado
de torpor.
Complexo de castração: Medo exagerado de ser ameaçado com a castração ou privação
dos órgãos sexuais, acompanhado de ansiedade doentia em relação à atividade sexual.
Complexo de Édipo: Fixação inconsciente e obsessiva de um filho pela mãe geralmente
acompanhado de ciúme pelo pai, podendo resultar em sentimento de culpa e conflitos
emocionais que podem levar a um problema psíquico; termo usado para descrever a
ligação emocional entre uma criança do sexo masculino e sua mãe e os sentimentos
ambivalentes dirigidos ao pai. O menino teme a retaliação e possível perda do pênis
(medo da castração) e tem desejos de matar o pai.
Complexo de Electra: Termo usado para descrever os desejos de uma menina pelo pênis
de seu pai e esperanças de tomar o lugar da mãe, a quem ela culpa por não possuir um
pênis.
Comportamento infantil: Modo de se conduzir igual ao da infância, como linguagem in-
fantil, urinar ou evacuar na roupa ou fralda.
Compulsão: O indivíduo sente uma necessidade intensa de praticar o ato. A compulsão
é o equivalente motor e comportamental da obsessão.
Condensação: O processo de reduzir várias ideias a um símbolo.
Confusão: Perda de controle voluntário sobre as faculdades intelectuais; o sujeito não
recorda o que percebe e é incapaz desintegrar no pensamento; perde a clareza das
ideias.
Confusão mental: Estado de turvação de consciência associado a doença cerebral orgâ-
nica aguda ou crônica.
Convulsão: É a contração muscular involuntária, ou uma série de contrações, resultante
de um estímulo cerebral anormal.
Convulsões dissociativas: Transtorno convulsivo dissociativo que pode simular exata-
mente um ataque epiléptico em termos de movimentos, mas no qual são raros os sinto-
mas de mordedura de língua, ferimentos por queda e de incontinência urinária.
Coprolalia: É a compulsão em proferir palavras obscenas.
Copropraxia: Gestos obscenos e uma forma de ecopraxia que ocorrem no transtorno de
tiques vocais e motores múltiplos.
Coreia: Movimentos involuntários, sem propósito, em contração e rápidos dos membros
ou músculos faciais, incluindo a careta facial.
Craniectomia: É a ressecção de uma porção do crânio.
Cranioplastia: É a correção de um defeito craniano.
Craniotomia: É a abertura cirúrgica do crânio para remover um tumor, aliviar a pressão
intracraniana, retirar um coágulo sanguíneo ou parar uma hemorragia.
Decomposição de palavras: Só são faladas palavras ou expressões.
Defeito : Deterioração irreversível de qualquer função psicológica particular do desen-
volvimento geral das capacidades mentais, ou dos padrões característicos do pensa-
mento, afeto e comportamento que constituem a personalidade do indivíduo. Um defeito
em qualquer uma destas áreas pode ser inato ou adquirido.
Deficiência: No contexto psiquiátrico é qualquer perda ou anormalidade de uma estru-
tura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica.
Deficiência mental: Retardamento mental, refere-se ao desenvolvimento mental inade-
quado, congênito ou manifesto nos primeiros anos da infância. Implica na dificuldade de
compreensão e aprendizagem, e ocorre em vários graus. O funcionamento intelectual e
a adaptação social podem mudar no decorrer do tempo, e podem melhorar em função
da maturação e da resposta ao tratamento, à reabilitação e ao treinamento.
Delírio: Sensação de pavor, do mutável, sem que as alterações possam ser descritas;
coisas corriqueiras recebem um significado especial; a mente produz ideias de conteúdo
falso sem apoio a realidade e incapaz de ser modificada; uma crença falsa mantida ape-
sar das evidências contrárias.
Delírio de ciúme: Convicção delirante de que o seu par “partner” está abandonando-o
ou traindo-o.
Delírio de dermatozoários: Pequenos animais, como mosquitos, ratos, baratas são sen-
tidas sobre a pele.
Delírio de grandeza: Supraestimação própria delirante que pode ir até a própria supera-
ção; crença mórbida na própria importância, grandiosidade ou superioridade, frequen-
temente acompanhada por outras ideias delirantes.
Delírio de influência: Convicção delirante que algo de si está sendo substituído ou está
sendo submetido à influência e controle de alguma força estranha.
Delírio hipocondríaco: Convicção delirante de que está gravemente enfermo e que po-
derá evoluir para a morte.
Delírio de perseguição: Crença patológica de vitimização de um ou mais indivíduos ou
grupos. Ocorre nos transtornos paranoides, mais comumente na esquizofrenia, mas
também em alguns estados orgânicos ou depressivos.
Delírio polimórfico: Quadro composto por delírios com numerosos conteúdos inconsis-
tentes e contraditórios. Caracteriza-se pela inconstância dos temas e mudança de forma
em breves unidades de tempo.
Delírio sensitivo de autorreferência: Forma específica de psicose paranoide não esqui-
zofrênica com ideias mórbidas de autorreferência, surgindo da base de uma estrutura
de personalidade introvertida sensitiva, com uma capacidade pobre de desenvolver a
liberação de afeto e tensão.
Delirium: Síndrome orgânica cerebral aguda, de etiologia inespecífica, caracterizada por
perturbações da consciência, atenção, percepção, orientação, pensamento, memória,
comportamento psicomotor, emoções e ciclo sono-vigília. O estado de delirium é transi-
tório e de intensidade flutuante. Sinonímia: Estado confusional orgânico agudo.
Delirium tremens: Síndrome de abstinência com delirium; um estado psicótico agudo que
ocorre durante a fase de abstinência em indivíduos dependentes de álcool e caracteri-
zado por confusão, desorientação, ideação paranoide, delírios, ilusões, alucinações (ti-
picamente visuais ou táteis, menos comumente auditivas, olfatórias ou vestibulares),
inquietação, distração, tremores (algumas vezes grosseiros), sudorese, taquicardia e hi-
pertensão. É usualmente precedida por sinais de síndrome de abstinência simples. O
início do delírium tremens ocorre usualmente 48h ou mais após a retirada ou a redução
do consumo de álcool, mas pode apresentar-se até 1 semana após este período.
Demência: Perda irreversível das funções psíquicas; perda da condição de integração
social por dificuldades relacionadas às funções cerebrais tais como a memória, a crítica
e o julgamento, influenciando também nas funções físicas.
Demência vascular: Demência resultante de infarto cerebral devido à doença vascular,
inclusive a doença hipertensiva vascular cerebral. A demência pode suceder-se a crises
isquêmicas passageiras, a uma sucessão de acidentes vasculares cerebrais agudos ou,
menos comumente, a um único e grave ataque apoplético.
Depressão: É um contínuo sentimento de tristeza acompanhado muitas vezes do senti-
mento de inferioridade; o indivíduo fica apático, perde o interesse pelas coisas em geral,
quer ficar sozinho, não tem vontade de fazer nada, nem de ir para lugar algum; é uma
estado patológico em que se produz uma diminuição geral de toda a atividade psíquica;
sentimento caracterizado pela sensação de tristeza, rejeição e pessimismo.
Depressão puerperal ou Depressão pós-parto: Perturbação afetiva, usualmente transi-
tória, que se segue a um parto, e que tem início no período puerperal (aproximadamente
até 45 dias após o parto). As características clínicas variam de um breve rebaixamento
do humor até uma depressão grave com ansiedade e apreensão, sentimentos de indife-
rença ou hostilidade para com o bebê e o pai deste, e também alterações do sono.
Desagregação do pensamento: Dificuldade para desenvolver o pensamento; discurso
constituído de frases corretas, mas sem compreensão; perda da coerência lógica do
pensamento ex: o indivíduo começa um assunto, depois entra no meio do assunto com
outro totalmente diferente.
Desagregado: Pensamento e expressão com perda parcial da relação de sentido.
Desconhecimentos ilusórios: Percepções reais não são reconhecidas ou corretamente
avaliadas.
Desinibição: Deficiência de autocontrole ao falar ou gesticular, caracterizável como con-
duta inadequada; estado de liberação das funções inibitórias em geral exercidas pelo
córtex cerebral. A desibinição pode resultar tanto de lesões orgânicas cerebrais como
da administração de uma droga psicótica.
Desintoxicação: Processo pelo qual um indivíduo é afastado dos efeitos de uma subs-
tância psicoativa.
Desmaio: Perda súbita da consciência com uma sensação prévia de desfalecimento; um
sentimento desagradável antes da inconsciência.
Desorientação : Obscurecimento das esferas temporal, topográfica ou pessoal da cons-
ciência, associado a várias formas de síndromes cerebrais orgânicas ou, menos comu-
mente, com síndromes dissociativas.
Desorientação orgânica: Dificuldade ou impossibilidade de se situar corretamente
quanto à data, local e hora.
Despersonalização: Sentimento de estranheza e de irrealidade de uma pessoa em rela-
ção a si mesma e ao que a rodeia; o sujeito não reconhece a sua própria identidade;
estado de perturbação da consciência no qual a pessoa percebe a si mesma como irreal,
distante ou artificial.
Desrealização: Experiência subjetiva de alienação semelhante à despersonalização, mas
que envolve o mundo externo ao invés das experiências próprias do indivíduo e sua per-
sonalidade.
Desvio: Em geral, forma de comportamento que se afasta significativamente daquilo que
é considerado como normal em uma dada cultura.
Deterioração esquizofrênica: Redução da capacidade cognitiva adaptativa, da resposta
volitiva e afetiva, da motivação e das habilidades sociais, que ocorrem em uma parte
das doenças esquizofrênicas, após o início da doença, por períodos variáveis. Este pro-
cesso normalmente resulta em um defeito ou em um estado terminal, mas nem sempre
é irreversível.
Diplopia: Visão dupla ou consciência de duas imagens do mesmo objeto ocorrendo em
um ou ambos os olhos.
Dipsomania: É o hábito de ingerir bebidas alcoólicas; forma de uso excessivo de álcool
caracterizado por uso episódico, porém descontrolado.
Disartria: Dificuldade de articulação das palavras; dificuldade de dicção ou pronúncia;
transtorno da articulação da fala que interessa o componente motor da expressão ver-
bal, que pode ser causado por lesões dos neurônios motores superiores ou inferiores,
das vias extrapiramidais ou cerebelares ou dos músculos da fala.
Discauculia: Dificuldade de fazer cálculos matemáticos.
Discinésia: Termo geral que cobre várias formas de movimentos anormais que incluem
tremor, tique, balismo, torção espasmódica, atetose, distonia e mioclono; aumento dos
movimentos involuntários.
Discinesia tardia: Síndrome neurológica que em geral aparece após um longo período de
tratamento com neurolépticos, e que se manifesta por movimentos involuntários anor-
mais, lentos e irregulares da língua, lábios, boca e tronco, e também por movimentos
coreoatetóides das extremidades.
Discrasia: Estado anormal.
Disfagia: Dificuldade em deglutir ou engolir.
Disfasia: Déficit ou perda da fala; distúrbio da fala; forma parcial ou incompleta de afasia.
Disfemia: São as alterações do ritmo da fala, também conhecida popularmente como
gagueira.
Disfonia: São as alterações da qualidade sonora da voz. Há uma alteração do timbre
vocal, e na maioria dos casos, a voz se apresenta rouca.
Disforia: Desânimo exageradamente elevado, descontentamento exagerado.
Disglossia: Designa as dificuldades da pronúncia causadas por alterações na estrutura
anatômica dos órgãos articuladores. São as alterações encontradas nos casos de lábio
leporino e fenda palatina.
Dislalia: Termo impreciso para a má articulação dos sons da fala que resulta num dis-
curso anormal, por comparação ao de outras pessoas da mesma cultura ou da mesma
faixa etária.
Dislexia: É uma dificuldade no aprendizado da escrita e da leitura acompanhada de alte-
rações psicomotoras, de desorganização espacial e temporal e de dificuldades na pro-
núncia dos sons sonoros (B-D-G-J-V-Z), substituindo-os pelos respectivos surdos (P-T-
Q-X-F-S).
Dismnésia: Perturbação de memória; a expressão síndrome dismnésica é empregada al-
gumas vezes como sinônimo da síndrome de Korsakov não alcoólica.
Disnomia: Dificuldade na seleção apropriada das palavras, particularmente de nomes.
Dispraxia: Forma parcial ou incompleta de apraxia.
Dissociação: Alteração temporária da consciência não devido à doença mental orgânica.
Suas manifestações clínicas podem incluir conversão, fuga, desorientação, amnésia e
pseudo-convulsões.
Distimia: Transtorno caracterizado por uma depressão crônica do humor, que dura pelo
menos vários anos, e que não é suficientemente grave nem tem episódios de duração
suficiente para caracterizar um transtorno depressivo recorrente.
Distonia: Distúrbios do tônus muscular; contrações musculares sustentadas causando
frequentemente contorções e movimentos repetitivos ou posturas anormais.
Distorção: Alteração de fatos, percepções, ideias ou impulsos de forma que eles não
correspondem às interpretações ou percepções comumente aceitas. A distorção pode
ser consciente ou inconsciente, ou pode ser uma combinação de ambas. Geralmente a
distorção não implica nem um erro interpretativo psicótico nem uma percepção deli-
rante.
Distúrbios esquizofrênico do raciocínio: Interrupções do pensamento; espaços vazios no
pensamento; respostas sem sentido; bloqueio do pensamento; excesso de raciocínio na
memória.
Doença maníaco-depressiva: Termo empregado por primeira vez por Kreapelin (1856-
1926) na sexta edição do seu livro (1899) para descrever o conceito nosológico que inte-
gra os conceitos prévios de doença cíclica, mania periódica e melancolia periódica.
Eco do pensamento: Experiência de que os próprios pensamentos são repetidos dentro
da cabeça da pessoa. O intervalo que decorre entre o pensamento original e o seu eco é
usualmente de uns poucos segundos. O pensamento repetido, embora idêntico no seu
conteúdo, pode ser sentido como ligeiramente alterado em termos de qualidade.
Ecolalia: Repetição mecânica de termos que acabam de serem ouvidos; é involuntário e
sem sentido; ou a repetição da fala de outra pessoa.
Ecopraxia gestual: Também chamada de ecocinese ou ecomimia. Imitação patológica
de movimentos ou gestos de outros. Usualmente é de natureza semiautomática, não
estando sujeita a um controle voluntário total; é a repetição de movimentos e gestos
vistos em outra pessoa.
Egodistônico: Refere-se a qualquer coisa que o indivíduo não aceita como parte de si ou
a impulsos, desejos, pensamentos, sentimentos e emoções próprios que são tidos como
repugnantes ou rejeitados por ele.
Elação: Um alto grau de confiança, histórias exageradas, otimismo sem crítica e alegria,
acompanhados de atividade motora aumentada.
Eletrochoque: Método terapêutico em que se provocam convulsões por meio de cor-
rente elétrica, ainda é usado no tratamento de certas doenças mentais.
Eletroencefalograma: EEG, exame que registra o gráfico das diferenças de potencial en-
tre duas regiões do couro cabeludo, ou entre uma região e um eletrodo indiferente.
Embotamento: Perda da capacidade afetiva.
Emergência psiquiátrica: É um distúrbio súbito e grave do comportamento, do senti-
mento, ou do pensamento que torna o paciente incapaz de dirigir sua vida e controlar
suas relações com outras pessoas.
Epífora: Fluxo abundante de lágrimas.
Escotoma: Um defeito na visão em uma área específica de um ou ambos os olhos.
Espasticidade: Enrijecimento dos membros. Hipertonicidade muscular com resistência
aumentada para estirar, frequentemente associada a fraqueza, reflexos tendinosos pro-
fundos exacerbados e reflexos superficiais diminuídos.
Espondilose: Artrite degenerativa ou osteoartrite das vértebras cervicais ou lombares
que resulta em rigidez da articulação vertebral.
Esquizofrenia: Dissociação absoluta do indivíduo diante da realidade física, não designa
exatamente uma personalidade dualista; transtorno caracterizado em geral por distor-
ções fundamentais e características do pensamento e da percepção e por afeto inade-
quado ou embotado. A consciência clara e a capacidade intelectual estão usualmente
mantidas, embora certos déficits cognitivos possam surgir no curso de tempo. A pertur-
bação envolve as funções mais básicas que dão à pessoa normal um senso de individu-
alidade. Os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem eco do pensamento,
inserção ou roubo do pensamento, difusão do pensamento, percepção delirante e delírio
de controle, influência ou passividade, vozes alucinatórias comentando ou discutindo
com o paciente na terceira pessoa, alterações do curso do pensamento, catatonia ou
sintomas negativos.
Esquizofrenia catatônica: Manifesta-se com uma ruptura completa da mente do indiví-
duo com a realidade do cotidiano; transtorno esquizofrênico dominado por proeminentes
perturbações psicomotoras que podem alternar-se entre extremos de hipercinesia e es-
tupor ou obediência automática e negativismo. Atitudes e posturas forçadas podem ser
mantidas por longos períodos.
Esquizofrenia paranoica: Caracteriza-se por um delírio, geralmente de perseguição ou
grandeza. O indivíduo tem normalmente uma inteligência brilhante e coerente e só ma-
nifesta sua doença nas zonas de comportamento diretamente afetadas por seu delírio.
Esquizofrenia paranoide: Transtorno esquizofrênico dominado por delírios paranoides
relativamente estáveis usualmente acompanhados por alucinações, particularmente da
variedade auditiva, e outras alterações da senso-percepção.
Estado crepuscular: Estado de consciência perturbado, no qual um comportamento
complexo e irracional pode ocorrer sem nenhuma recordação posterior. Os estados cre-
pusculares podem ocorrer associados com despertar do sono, epilepsia, intoxicação al-
coólica e delirium.
Estado oniroide: Estado no qual surgem fenômenos de despersonalização / desrealiza-
ção contra um fundo de leve turvação da consciência.
Estereotipia: Realização sempre dos mesmos movimentos; atividade motora ou fala re-
petitiva persistente.
Estupor: Inibição motora em que o contato com o meio ambiente é apenas parcial ou
mesmo ausente; o indivíduo fica imóvel e totalmente calado; do ponto de vista neuroló-
gico considera-se um estado prévio do coma, podendo ter uma origem psíquica ou or-
gânica.
Estupor dissociativo: Profunda diminuição ou ausência de movimentos voluntários e da
capacidade de resposta aos estímulos externos, tais como luz, ruído ou toques na au-
sência de quaisquer indícios de uma causa física. Além disso, há evidência positivas de
uma etiologia psicogênica, sob a forma de eventos ou problemas estressantes recentes.
Euforia: Ânimo exageradamente elevado e contentamento exagerado; é um estado men-
tal caracterizado por sentimento de bem-estar e otimismo; sentimento excessivo de
bem-estar físico e emocional inadequado aos estímulos reais do ambiente.
Exaltação: Estado afetivo de alegria, o qual quando intensificado e sem conexão com as
circunstâncias, é um sintoma dominante da mania e da hipomania.
Exibicionismo: Transtorno da preferência sexual (parafilia) consistindo numa tendência
recorrente ou persistente a expor a genitália a estranhos (usualmento do sexo oposto)
ou a pessoas em lugares públicos, sem convite ou pretensão de contato mais íntimo. Há
em geral, mas não invariavelmente, excitação sexual quando da exposição e o ato co-
mumente seguido de masturbação.
Extâse: Sentimento irresistível de alegria e arrebatamento.
Exultação: Uma reação afetiva que ultrapassa a elação, e é acompanhada por senti-
mento de grandeza.
Fabulação: Transtorno de memória que ocorre sem alteração de consciência, caracteri-
zado por falsos relatos de eventos passados ou experiências pessoais com tendência a
grandiosidade. As memórias falseadas são usualmente esquecidas e precisam ser evo-
cadas.
Facies: Semblante; expressão do rosto.
Fadiga: Corresponde ao enfraquecimento da função por uma ação prolongada que afeta
o sistema nervoso.
Fetichismo: Transtorno da preferência sexual consistindo na dependência de alguns ob-
jetos inanimados como um estímulo para excitação e satisfação sexuais; O indivíduo
sente prazer sexual ou se excita pegando ou vendo peças íntimas, objetos e partes do
corpo de outra pessoa.
Fixação de ideia: Pensamento fixo, as ideias de tornam repetidas, outras ideias são in-
teiramente afastadas
Fobias: Medo excessivo; aversão mórbida e infundada.
Folie à Deux: Ideias delirantes partilhadas por pessoas com relacionamento próximo; a
pessoa dominante frequentemente manifesta o delírio em primeiro lugar, enquanto que
a pessoa dependente o manifesta posteriormente.
Fonofobia: Aversão ao barulho.
Fuga de ideias: Evolução de ideias, mas que se desviam frequentemente da ideia básica;
o indivíduo interrompe a todo o instante sem motivo aparente a marcha do pensamento,
começando a dizer ou fazer alguma coisa, depois fala outra coisa ou faz algo diferente,
sem fixar-se num objetivo, sempre ocupados com uma quantidade grande de ideias; não
consegue terminar o que fazia ou dizia do pensamento inicial; conversação rápida com
desvio de tópicos sem conexão lógica.
Fúria: Raiva incontrolável.
Geriatria: Estudo das doenças da velhice.
Glossolalia: Linguagem incoerente na qual se utilizam formas sintáticas anormais e pa-
lavras inventadas.
Hemianopia homônima: Visão defeituosa em metade do campo visual.
Hemiparesia: Diminuição da força muscular em um dimidio corporal; paralisia muscular
unilateral, completa ou parcial, associada à lesão cerebral contralateral.
Hemiplegia: Paralisia de um dimidio corporal; paralisia de um lado do corpo.
Hiperacusia: Audição sensível Em algumas síndromes e transtorno a hiperacusia pode
causar irritabilidade no paciente, e em alguns casos particulares, também pode desen-
cadear uma agressividade.
Hipercinesia: Movimentos excessivos, destrutivos ou atividade de ataque.
Hiperfagia psicogênica: O comer excessivo como uma reação a eventos estressantes
tais como luto, acidentes, parto, que pode ser associado a outras perturbações psicoló-
gicas.
Hipersonia não orgânica: Transtorno não orgânico do sono que consiste em sonolência
diurna excessiva e ataques de sono (não justificáveis por uma quantidade inadequada
de sono) ou em um período prolongado de transição entre o sono e a vigília completa,
após o despertar. Em contraste com a hipersoniaorgânica, esta condição está habitual-
mente associada a certos transtornos mentais.
Hipervigilância: Estado de alerta excessivo que se manifesta através de um perscrutar
constante do ambiente para a detecção de sinais de perigo. É observada mais frequen-
temente em indivíduos com uma estrutura paranoide de personalidade, em reações pro-
traídas ao stress, em crianças que estiveram sujeitas a abusos ou negligência parental
e em algumas formas de utilização de substâncias psicoativas.
Hipnose: Estado de transe, superficialmente semelhante ao sono, induzido por sugestões
de relaxamento e atenção concentrada num único objeto, durante o qual o indivíduo se
torna sugestionável e reativo à influência do hipnotizador e pode recordar acontecimen-
tos esquecidos e obter alívio de sintomas psicológicos.
Hipocondria: Preocupação mórbida com a saúde e sentimento de doença sem qualquer
fundamento médico real.
Hipoestesia: Diminuição da sensibilidade.
Hipomania: Transtorno caracterizado por uma elevação leve, porém persistente do hu-
mor, aumento da vitalidade e da atividade e, habitualmente uma notável sensação de
bem-estar e de eficiência física e mental. Os transtornos do humor e do comportamento
não se fazem acompanhar nem por delírios nem por alucinações.
Hipomimia: Expressão facial sem emoção.
Histeria: Estado psíquico de extremo distúrbio e emotividade.
Histeria de conversão: Distúrbio mental em que um problema emocional é convertido em
doença física.
Id: A parte inconsciente da personalidade humana.
Ideias delirantes: São representações falsas que surgem de tendências internas deliran-
tes.
Idiotia: Termo psiquiátrico que define a forma mais pronunciada de deficiência mental,
QI abaixo de 25 e a idade mental nunca passa de 2 anos.
Ilusão: Percepção real alterada; interpretação errônea de um estímulo real, existente,
externo por qualquer um dos sentidos.
Ilusão cenestésicas: Distorções de sensações corporais, experimentadas como quei-
mor, sussurros, sensações semelhantes a borboletas em movimento, bola subindo à gar-
ganta, choque elétricos irradiando por todo o corpo (sinal deLhermitte). As ilusões so-
matossensoriais são frequentes numa variedade de transtornos neurológicos e psiquiá-
tricos.
Imbecibilidade: Termo psiquiátrico que define a deficiência mental que fica imediata-
mente acima da idiotia, QI entre 25 e 50 e a idade mental entre 2 e 7 anos
Impulsividade: Explosões de atividades que são imprevisíveis e súbitas.
Inatenção: Alteração da atenção; dificuldade para concentrar a atenção.
Incapacidade: No contexto psiquiátrico, a incapacidade designa um certo grau de dis-
função ou inadequação no desempenho de quaisquer papéis sociais ou funções especí-
ficos normalmente esperados de acordo com a posição, sexo e idade de um indivíduo.
Incoerência: Episódios de raciocínio que não se relacionam inteiramente.
Incontinência afetiva: Estados de ânimo que se alteram anormal e rapidamente, nos
quais as expressões sentimentais como riso e choro não podem ser controlados ou diri-
gidos.
Inibição do pensamento: Pensamento é lento acompanhado de verbalização em um tom
baixo; não inicia ocupação alguma, custa a proferir uma palavra ou frase, pensa com
grande esforço quando tem que responder a uma pergunta e nada lhe ocorre.
Insanidade: Termo genérico que designa incapacidade mental e social de um indivíduo.
Insônia não orgânica: Qualidade e/ ou quantidade insatisfatórias do sono que persistem
por um período considerável de tempo. Inclui dificuldade em conciliar o sono, dificuldade
em manter o sono e despertar precoce.
Integração: Em ciências sociais, uma forma de aculturação na qual um indivíduo é capaz
de manter a própria identidade cultural concomitante à manutenção de relações positi-
vas e produtivas com uma cultura adjacente ou dominante. Em psiquiatria psicodinâ-
mica, o termo se refere à internalização de uma nova imagem, papel ou persona articu-
lados com outros elementos da própria personalidade ou história de vida.
Irritabilidade: Sentimento caracterizado por impaciência, aborrecimento e ira.
Labilidade afetiva: Transtorno da afetividade em que o estado de ânimo se altera rapi-
damente, nos quais as expressões sentimentais como riso e choro não podem ser con-
trolados ou dirigidos, sendo que essas mudanças não têm relação com estímulos exter-
nos; é uma das características de estados demenciais.
Lambadacismo: Transtorno da fala que consiste na repetição frequente da letra L, ou
sua substituição pelo R.
Letargia: Sonolência.
Libido: Na teoria psicanalítica, uma forma de energia sexual com que são investidos os
processos, impulsos e representações mentais dos objetos.
Lipotimia: Perda transitória dos sentidos; desmaio.
Logoclonias: Repetição múltipla do início das palavras.
Logorreia: Excesso de fala; fala incessantemente ou muito baixo, ou como se fosse um
murmúrio, fala muito alto quase gritando, ou fala para si mesmo; produção verbal anor-
mal intensa e acelerada, frequentemente associada à fuga de ideias e distraibilidade.
Mania: Transtorno no qual o humor está exaltado em discordância com as circunstân-
cias em que o indivíduo se encontra e que pode variar desde uma jovialidade despreo-
cupada até uma excitação quase incontrolável. A exaltação é acompanhada de aumento
da energia que resulta em hiperatividade, verborreia e diminuição das necessidades do
sono.
Manierismos: Esquisitices.
Melancolia: Termo popular que designa depressão.
Melancolia involutiva: É uma forma de depressão que ocorre em idades avançadas
Mentiras patológicas: Estórias do passado oriundas de fantasias terminam sendo cria-
das por seus inventores.
Mixoscopia: Forma de desvio sexual relacionada ao ato de observar outros enquanto
estes estão tomando banho, lavando-se, despindo-se ou vestindo-se. Sinonímia: Voyeu-
rismo.
Movimentos coreiformes: Movimentos involuntários parecidos as sequências aleatórias
ou desordenadas de fragmentos de movimentos propositais, que afetam tipicamente as
extremidades superiores e inferiores e a face: os punhos se sacodem, os pododáctilos
se contorcem, a língua se projeta, os lábios são contraídos ou contorcidos em um sorriso
bizarro. Estes movimentos interferem com os movimentos voluntários, mas usualmente
desaparecem durante o sono.
Mutismo: Ausência da fala com preservação dos órgãos da fonação; renúncia em falar;
o sujeito não se expressa verbalmente; silêncio deliberado; nenhuma expressão de pa-
lavras ou incomunicabilidade em um período de tempo.
Narcolepsia: Consiste numa excessiva sonolência diurna; alterações do sono REM;
transtorno paroxísmico, de base hereditária, caracterizado por uma tendência súbita e
irresistível a dormir, geralmente por períodos curtos.
Narcisismo: Autoestima e o amor a si próprio.
Narcose: É um entorpecimento provocado por drogas; estado patológico por efeito de
drogas para sedação; sono estuporoso produzido por drogas.
Necrofilia: É o prazer sexual com cadáveres ou pessoas recém-mortas.
Negação: Recusa em admitir ou ser capaz de conhecer uma verdade aparente. Em al-
guns casos de alterações cerebrais, pode existir anosognosia, caracterizada pela falta
de consciência dos sintomas e incapacitação. Na teoria psicanalítica, a negação exteri-
oriza um mecanismo psicológico de defesa pelo qual se nega uma dolorosa experiência
ou um aspecto do self.
Negativismo: O paciente executa o contrário do que lhe é ordenado ou do que é espe-
rado; é a resistência a sugestões feitas por outras pessoas com reação oposta a sugerida
ou desejada.
Neologismos: Neoformação de termos; palavras inventadas; criação de palavras novas.
Neurastenia: É o estado nervoso caracterizado por fadigas intensas; falta de energia,
irritabilidade; forma de neurose na qual a pessoa sente fadiga excessiva ao menor es-
forço físico.
Neurite: Significa doença dos nervos de caráter inflamatório.
Neurolépticos: Medicamentos que atuam nos sintomas psicóticos.
Neuropatia: Termo geral usado para denominar doença ou comprometimento dos ner-
vos em geral.
Neurose: Conflitos existentes na origem projetam-se no inconsciente e não encontram
uma solução racional; distúrbio psicológico e emocional; é um transtorno da personali-
dade que se manifesta com reações inconscientes anormais diante de determinadas si-
tuações.
Neurose de angústia: Tipo de distúrbio emocional caracterizado por ansiedade mórbida,
as vezes são acompanhados por um pressentimento de iminente desgraça ou tragédia.
Neurose compulsiva: Tipo de neurose caracterizado por ações e pensamentos repetidos
obsessivamente e que o paciente é incapaz de controlar e superar.
Neurose fóbica: É uma alteração mental que se manifesta com um medo desproporcio-
nal a certos objetos ou situações.
Neurose obsessiva: É uma alteração mental que se caracteriza pela insistência pertinaz
num pensamento ou ideia.
Ninfomania: É uma insatisfação sexual da mulher a qual procura o prazer com mais de
um homem.
Nosofobia: Medo mórbido de doenças.
Obnubilação mental: Redução das funções psíquicas como a percepção, atenção, orien-
tação, raciocínio, capacidade de observação; dificuldade para formar e relacionar con-
ceitos da realidade; incoerência das ideias.
Obsessões: Ações repetitivas sob impulso interno; obsessão de limpeza, de repetição,
de controle; é a persistência patológica de uma ideia, emoção ou tendência irresistível;
pensamento persistente, involuntário e recorrente.
Oligofrenia: É um estado patológico em que o indivíduo quer na vida prática, quer na vida
intelectual é incapaz de resolver novas tarefas.
Omissões: No transtorno da linguagem verbal, parte das palavras ou frases truncadas
quando o indivíduo fala, lê ou escreve.
Palilalia: Repetição se sons ou palavras.
Paralisia: Perda do poder motor atribuível a um transtorno funcional ou orgânico do me-
canismo neuromuscular ou neural.
Paralisia cerebral: Grupo de transtornos cerebrais crônicos e não progressivos, presen-
tes já ao nascimento ou adquiridos, durante o período de desenvolvimento, caracteriza-
dos por alterações bilaterais da motricidade.
Paramimia: Manifestações que não se adaptam à situação.
Paramnésia: É constituída por falsas recordações.
Paranoia: É um delírio sistematizado, lógico, com base falsa; distúrbio mental caracteri-
zado por delírio persecutório; o paciente distorce até o menor incidente tentando provar
a verdade de suas ilusões.
Paranoide: Um termo descritivo que designa ideias dominantes mórbidas ou delírios de
autorreferência relativas a um ou mais temas, sendo os mais comuns: perseguição,
amor, ódio, inveja, honra, litígio, grandeza ou sobrenatural.
Paraplegia: Perda de movimento e sensibilidade nos membros inferiores.
Paratimia: Sentimentos que não se adaptam à situação.
Paresia: Paralisia leve.
Parestesia: Sensações cutâneas anormais de anestesia, formigamento ou queimação.
Pensamento elíptico: Relativo a uma vocalização na qual faltam uma ou mais partes
principais, o que a torna incompreensível para quem ouve.
Perseveração: Repetição constante das mesmas palavras e temas; fixação de elementos
psíquicos que sempre aparecem após breves pausas.
Pica: Insistência em comer substâncias não nutritivas (terra, lascas de madeira pintadas,
etc). Isto pode ocorrer como um dos vários sintomas que fazem parte dos transtornos
psiquiátricos conhecidos (como o autismo) ou relativamente isolado como um fenômeno
psicopatológico. É mais comum em crianças com deficiência mental. A pica deve ser
diferenciada da voracidade bulímica que às vezes, ocorre no autismo infantil, na esqui-
zofrenia e em alterações cerebrais como a demência.
Prolixidade: Insistência em citar detalhes, com que o mais importante da narração es-
sencial ocupa lugar secundário.
Psicanálise: Método para descobrir as causas das doenças nervosas.
Psicologia: Ramo da biologia que estuda todos os aspectos do comportamento e da
consciência.
Psicose: É o distúrbio da personalidade que leva a quebra com a realidade; comporta-
mento inadequado e estranho não relacionado com as circunstâncias do mundo real e
quase sempre fora do controle do paciente; distúrbio mental mais grave no qual há um
certo grau de desorganização da personalidade; o indivíduo perde a noção da realidade
e seu comportamento se desorganiza passando a gravitar em torno de situações imagi-
nárias.
Psicose cicloide: Transtorno psicótico agudo caracterizado por um episódio relativa-
mente curto (2 a 4 semanas) de excitação ou de inibição psicomotora, ou de ambos es-
tados se sucedendo rapidamente. Desorganização emocional, confusão e delírios tran-
sitórios frequentemente acompanham o quadro.
Psicose maniaco-depressivo: Distúrbio mental caracterizado por alternância de fases de
comportamento entre a euforia excessiva ou a depressão profunda
Psicose puerperal: Qualquer forma de estado psicótico que ocorre durante o puerpério.
Psicosíndrome cerebral focal: Redução adquirida da inteligência.
Psicosíndromeorgânica: Alterações da memória, alterações da orientação, pobreza de
raciocínio, perseveração, labilidade afetiva, incontinência afetiva
Psicoterapia: Forma de tratamento psiquiátrico que ajuda as pessoas a enfrentar seus
problemas emocionais e mentais, pode ser individual ou em grupo; tratamento por meio
psicológico.
Psicoterapia de casal: Os dois parceiros são atendidos ao mesmo tempo e o processo é
focado mais nos problemas do relacionamento do que nos conflitos pessoais de cada
um.
Psicoterapia familiar: Todos os membros da família são atendidos juntos. A partir da ob-
servação de como interagem entre si, o terapeuta esclarece as dificuldades que estão
prejudicando as relações. Esta terapia visa melhorar a comunicação entre todos, dimi-
nuir os conflitos, definir mais claramente o papel de cada um e melhorar a qualidade
afetiva.
Psicoterapia de grupo: Formado por seis a dez pessoas, o grupo se reúne semanalmente,
por cerca de uma hora e meia. Um ou mais participantes falam sobre seus conflitos e os
outros dão opiniões, sob a coordenação do terapeuta.
Psicoterapia cognitiva: Esta modalidade se baseia no princípio de que os problemas emo-
cionais são causados por padrões de pensamento distorcidos que o paciente tem a res-
peito de si mesmo, dos outros e da realidade à sua volta. Por meio de técnicas verbais
ensinadas pelo terapeuta, ele aprende a identificar e modificar esses pensamentos. É
especialmente indicada para casos de fobias, transtorno de pânico, anorexia, bulimia e,
em combinação com medicamentos, depressão e esquizofrenia.
Psicoterapia cognitivo-comportamental: Também chamada de terapia de exposição, é
indicada para casos de fobias, transtornos de pânico e transtorno obsessivo compulsivo.
Orientado pelo especialista, o paciente se expõe gradualmente às situações temidas.
Essa exposição repetida, aliada a técnicas de controle da respiração e de relaxamento
muscular, faz com que o medo e a ansiedade desapareçam.
Psiquiatria: Ramo da medicina que se dedica ao estudo e ao tratamento das doenças da
mente humana, dos distúrbios do comportamento e das emoções.
QI - Quociente de Inteligência: É um número derivado da relação entre a idade mental
obtida por testes de inteligência e a idade verdadeira do indivíduo. A inteligência média
está entre 90 e 110, na escala do QI. A deficiência mental fica abaixo desse nível.
Quebras afetivas: Sentimentos de medo ou felicidade, de intensidade exagerada, sem
motivo especial.
Raciocínio acelerado: Evolução de ideia rapidamente com interrupções.
Reação aguda ao stress associada ao HIV: Expressões de desespero, raiva, culpa, re-
traimento e medo e o desenvolvimento de sintomas somáticos que o indivíduo considera
como sinal de evidência de deterioração física devido à infecção por HIV. Estas reações
são particularmente frequentes e ocorrem imediatamente após a tomada de conheci-
mento da soropositividade e simultaneamente com as alterações do estado clínico do
doente.
Reação de luto: Resposta da pessoa enlutada à perda; progride classicamente de uma
fase inicial de choque e perplexidade, passando por uma preocupação excessiva com a
pessoa falecida, até um período de resolução gradual. São comuns desvios desta se-
quência, e padrões mórbidos de luto podem constituir uma doença depressiva mani-
festa.
Reações psicogênicas: Particularidades psíquicas, transitórias e de curta duração que
se relacionam com desajustamentos situacionais.
Redução da impulsão: Redução geral da atividade dirigida.
Retardamento psicomotor: Atividade diminuída, lentificada.
Rinolalia: É a voz anasalada em que o fenômeno da ressonância se faz indevidamente
nas cavidades nasais.
Sadomasoquismo: Transtorno da preferência sexual (parafilia) no qual a atividade sexual
preferida envolve a inflição de dor, humilhação ou servidão. Se o indivíduo prefere ser o
objeto de tal estimulação, é chamado masoquismo, se é o executor, sadismo. Frequen-
temente o indivíduo obtém excitação sexual de ambas as atividades, sádicas e maso-
quistas.
Sedativos: São medicamentos controlados que atuam como depressores do sistema
nervoso central, são administrados para aliviar a ansiedade e induzir o sono. A dose varia
com o estado fisiológico e psicológico do paciente. São drogas que com o uso contínuo
podem causar dependência química. Alguns pacientes ficam viciados com a droga, e só
se acalmam quando o medicamento é administrado.
Sinal de Babinski: O Sinal de Babinski é um sinal clínico neurológico de fácil constatação
para detectar lesões especificamente na porção piramidal do sistema de controle motor,
pois não ocorre quando a lesão é nas partes extrapiramidais do sistema de controle mo-
tor. O sinal é demonstrado quando um firme estímulo tátil é aplicado à sola lateral do
pé. O hálux se estende para cima, e os outros dedos se afastam entre si. A resposta
normal seria: que todos os dedos se curvassem para baixo.
Sincinesias: Movimentos involuntários
Síncope: Perda súbita e passageira da consciência geralmente causada por uma redu-
ção do fluxo sanguíneo, decorrente de uma hipotensão.
Síndrome de Asperger: Transtorno de validade nosológica incerta que surge na infância,
e é caracterizado pelo mesmo tipo de anormalidade qualitativa da interação social recí-
proca que caracteriza o autismo, junto com um repertório restrito, estereotipado e repe-
titivo de interesses e atividades. Difere primariamente do autismo pelo fato de que não
existe um retardo geral na linguagem ou no desenvolvimento cognitivo.
Síndrome de Binswanger: Forma rara de demência pré-senil associada a hipertensão e
lesões isquêmicas profundas da substância branca dos hemisférios cerebrais, na pre-
sença de um córtex intacto e de um aspecto de translucidez da substância branca à
Tomografia Computadorizada. Esta condição foi descrita por Binswanger em 1894.
Síndrome de dependência: Grupo de fenômenos comportamentais, cognitivos, e fisioló-
gicos que podem desenvolver-se após uso repetido de uma substância. Esses fenôme-
nos incluem tipicamente um forte desejo de ingerir a droga, controle prejudicado sobre
o seu uso, uso persistente a despeito das consequências danosas, prioridade ao uso da
droga sobre outras atividades e obrigações, aumento da tolerância e reação física de
privação quando o uso da droga é interrompido.
Síndrome de Estocolmo: Identificação com o agressor, por parte de suas vítimas, obser-
vada particularmente em indivíduos sequestrados.
Síndrome da Fadiga Crônica (SFC): Distúrbio que ocorre normalmente, em adultos jo-
vens e principalmente em mulheres, caracterizado por fadiga extrema, que prejudica as
atividades normais por, no mínimo 6 meses, e ausência de outras doenças conhecidas,
que possam produzir sintomas semelhantes.
Síndrome de Ganser: Condição vista em pessoas acusadas ou encarceradas, que se ma-
nifesta por sintomas de confusão e dissociação. O exame do estado mental frequente-
mente evidencia respostas apenas aproximadas à questões referentes a orientação, me-
mória ou função cognitiva.
Síndrome de Korsakov: Notável perturbação da memória recente e remota, com preser-
vação da memória imediata e redução da capacidade de aprendizagem de material iné-
dito e desorientação temporal. A confabulação pode ser uma característica acentuada,
mas a percepção e outras funções cognitivas, incluindo as intelectuais, estão intactas,
em geral. Sinonímia: Síndrome amnésica orgânica.
Síndrome de Landau-Kleffner: Transtorno no qual a criança que tem um desenvolvi-
mento normal da linguagem, perde tanto as habilidades de recepção como de expres-
sões verbais, mas mantém a inteligência intacta. O início do transtorno é acompanhado
por alterações paroxísticas do EEG e na maioria dos casos, também por convulsões.
Usualmente começa entre os 3 e 7 anos, com a perda das habilidades ocorrendo numa
questão de dias ou semanas. A associação temporal entre o estabelecimento da perda
da linguagem e os ataques epilépticos é variável, com um precedendo o outro (em qual-
quer ordem) de poucos meses até dois anos. As características clínicas sugerem o en-
volvimento de um processo inflamatório do cérebro, como etiologia. Cerca de dois terços
dos pacientes permanecem com um déficit receptivo da linguagem mais ou menos
grave.
Síndrome de Lesch-Nyhan: Um transtorno neuromuscular grave com movimentos core-
oatetóides involuntários, vômitos periódicos, deficiência mental de leve a grave, auto-
mutilação (mordedura dos lábios e pontas dos dedos) e uma artrite gotosa grave asso-
ciada a níveis elevados de ácido úrico. O metabolismo anormal da purina deve-se a uma
deficiência genética da enzima hipoxantinaguaninafosforribosiltransferase, transmitida
como um transtorno recessivo ligado ao cromossomo.
Síndrome de Rett: Uma condição até então relatada somente em meninas, na qual o
desenvolvimento inicial, aparentemente normal, é seguido por perda parcial ou total da
fala e das habilidades de locomoção e do uso das mãos, junto de uma desaceleração do
crescimento do crânio, usualmente com início entre os 7 e 24 meses de idade. São ca-
racterísticas: perda dos movimentos propositais das mãos, estereotipias de aperto de
mãos e hiperventilação. O desenvolvimento social e lúdico é interrompido, porém o in-
teresse social tende a ser mantido. Ataxia e apraxia do tronco começam a se desenvol-
ver na idade de 4 anos e são seguidos frequentemente por movimentos coreoatetóides.
A deficiência mental grave é o resultado invariável.
Síndrome de tensão pré-menstrual: Grupo de sintomas físicos e psíquicos múltiplos
que, em combinações variáveis, ocorrem caracteristicamente em mulheres na segunda
fase do ciclo menstrual (fase luteal) e declina durante os primeiros 11-12 dias do ciclo.
Os sintomas mais comuns são: tensão, irritabilidade, depressão, dor nos seios, retenção
de líquidos e lombalgias. A relação entre a perturbação mental e alterações hormonais
nessa síndrome permanece obscura. Sinonímia: Tensão pré-menstrual (TPM).
Sonambulismo: Estado de consciência alterada no qual se combinam fenômenos do sono
e da vigília.
Sono REM ouparadoxaloxal: Períodos de sono, com duração média de cinco minutos,
que ocorrem em adultos, mais ou menos a cada noventa minutos e durante o qual os
movimentos oculares rápidos (REM) podem ser registrados através de eletrooculografia.
Períodos de sono REM (ou paradoxal) são quase totalmente ocupados por sonhos vívi-
dos e acompanhados por uma variedade de mudanças fisiológicas na frequência cardí-
aca, na frequência respiratória, no tônus muscular e no fluxo sanguíneo cerebral.
Taquifemia: Aceleração da fala com ruptura da fluência (porém sem repetições ou hesi-
tações) a ponto de provocar uma redução da inteligibilidade. A fala é errática e disrít-
mica, com arrancos rápidos e abruptos que usualmente envolvem padrões defeituosos
de frases.
Taquilalia: Falar rápido.
Tetraplegia: Perda de movimentos e sensibilidades nos membros inferiores e superiores.
Tiques: Movimentos rápidos automáticos, repetidos e involuntários.
Tranquilizantes: São drogas que atuam em todas as partes do cérebro, principalmente
nas regiões subcorticais, de maneira a provocar relaxamento mental e calma emocional.
Os tranquilizantes atuam em níveis subcorticais diferentes, têm propriedades farmaco-
lógicas diferentes e graus variáveis de utilidade clínicos. Os tranquilizantes sintéticos
causam secura da boca, problemas visuais, constipação e taquicardia.
Transtornos: Emoções patogênicas.
Transtorno dissociativo: Uma perda completa ou parcial da integração normal entre lem-
branças do passado, auto-orientação, senso-percepção e controle dos movimentos cor-
porais. Os transtornos dissociativos tendem a desaparecer após poucas semanas ou
meses, particularmente se seu início estiver associado com um evento de vida traumá-
tico.
Transtorno esquizoide da personalidade: Caracterizado por retração do contato afetivo,
social e outros contatos, com preferência por fantasias, atividades solitárias e intros-
pecção, acompanhados por uma incapacidade para expressar sentimentos e experimen-
tar prazer.
Transtorno hipercinético: Transtorno caracterizado pelo início precoce (habitualmente
nos primeiros 5anos de vida) de falta de persistência em atividades que requerem o en-
volvimento de processos cognitivos e tendência a mudar de uma atividade para outra
sem completar nenhuma delas, juntamente com um padrão geral de atividades desor-
ganizado, mal regulado e excessivo. É um tipo de transtorno que pode acompanhar-se
de várias outras alterações.
Transtorno do humor: A perturbação fundamental é um deslocamento do humor ou do
afeto seja para o polo da depressão (com ou sem ansiedade associada) seja para o polo
da exaltação.
Transtornos da linguagem: Distúrbios na pronúncia de sílabas.
Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): Transtorno psiquiátrico descrito como uma
condição crônica e heterogênea caracterizada por cognições perturbadoras súbitas e
recorrentes, que invadem a consciência (obsessões) e ações governadas por padrões
que o indivíduo sente-se compelido a realizar (compulsões); pensamentos obsessivos
recorrentes ou atos compulsivos recorrentes. Pensamentos obsessivos são ideias, ima-
gens ou impulsos que entram repetidamente na mente do indivíduo de forma estereoti-
pada.
Transtorno paranoide da personalidade: Transtorno caracterizado por sensibilidade ex-
cessiva à frustração, desconfiança, tendência a distorcer experiências através da inter-
pretação errônea de ações neutras ou amigáveis dos outros como hostis ou desrespei-
tosas, e um senso combativo e tenaz de direitos pessoais.
Transtorno da psicomotricidade: Qualquer transtorno caracterizado por anomalias da
movimentação. Essas anomalias incluem acinesia e as várias formas de discinesia.
Tricotilomania: Um dos transtornos de hábitos e impulsos, caracterizado por perda visí-
vel de cabelos devido ao arrancar impulsivo de pelos, que não é uma resposta nem a
delírios nem a alucinações. O arrancar dos cabelos é geralmente precedido por um au-
mento de tensão e, é seguido por uma sensação de alívio ou gratificação.
Tristeza patológica: Transtorno da afetividade; diminuição da autoestima; o sujeito se
sente abatido e triste, sem interesse pela vida e pelos que o rodeiam acompanha senti-
mento de culpa.
Variações da impulsão: Variações que com a quebra do controle voluntário e da vontade
própria são dirigidas por forte afetação.
Verbigeração: Repetição mecânica persistente das mesmas palavras, expressões ou
trechos de frases quase sempre em tom de discurso.
Vertigem: Caracteriza-se por uma sensação rotatória na qual a pessoa sente que as coi-
sas estão girando a sua volta, podendo ser acompanhada de náusea e vômito.
Zoopsia: Uma forma de alucinação em que o doente vê animais como insetos, cobras,
cachorros. Acompanha usualmente psicoses associadas a condições orgânicas agudas,
tais como delirium tremens, mas pode também ocorrer como parte de um transe religi-
oso ou de uma visão.

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