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EAD

PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE

PROFA. ORG. ESP. MÔNICA LUZIA FORTE BELANI


PROFA. ESP. RAQUEL CRISTINA ABDALLA CHIARADIA
PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE
Org. Prof. Mônica Luzia Forte Belani e Prof. Raquel Cristina Abdalla Chiaradia

Sumário
UNIDADE 01 – SOCIOLOGIA POLÍTICA....................................................................................... 2
UNIDADE 02 – ESTADO........................................................................................................... 14
UNIDADE 03 – ELEMENTOS CONSTITUIVOS E CARACTERÍSTICAS DO ESTADO ...................... 22
UNIDADE 04 – ESTADO E IDEOLOGIA...................................................................................... 39
UNIDADE 05 – SISTEMAS E IDEOLOGIAS ................................................................................. 44
UNIDADE 06 – REGIMES DE GOVERNO E SISTEMAS ELEITORAIS ............................................ 58
UNIDADE 07 – CIDADANIA ...................................................................................................... 71
UNIDADE 08 – PODER ............................................................................................................. 84
UNIDADE 09 – BIOPODER E BIOPOLÍTICA ............................................................................... 93
UNIDADE 10 – PODER, DISCURSO, IDEOLOGIA E MANIPULAÇÃO ........................................ 102
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 113

“O saber deve ser como um rio, cujas águas doces,


grossas, copiosas, transbordem do indivíduo,

e se espraiem, estancando a sede dos outros.


Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades”

Gilberto Freyre

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UNIDADE 01 – SOCIOLOGIA POLÍTICA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar a disciplina e buscar entendê-la


como ciência e apresentar e discutir a teoria política e conceitos fundamentais.

Conceitos importantes para compressão:

- Política: é o processo social através do qual poder coletivo é gerado,


organizado, distribuído e usado nos sistemas sociais. Na maioria das sociedades
é organizada sobretudo em torno da instituição do Estado. O conceito de
política pode ser aplicado virtualmente em todos os sistemas sociais nos quais o

poder representa papel importante.

- Sociedade: é um tipo especial de sistema social que, como todos os sistemas


sociais, distingue-se por suas características culturais, estruturais e

demográficas/ecológicas. Especificamente, é um sistema definido por um


território geográfico (que poderá ou não coincidir com as fronteiras de Nações-

Estado), dentro do qual uma população compartilha de uma cultura e estilo de


vida comuns, em condições de autonomia, independência e autossuficiência

relativas. É necessário especificar “relativa”, porque se trata de questões de grau


no mundo moderno, de sociedades interdependentes. É seguro dizer, no

entanto, que elas figuram entre os mais autônomos e independentes de todos


os sistemas sociais. Outra característica distintiva das sociedades é que tendem

a ser o maior sistema com o qual indivíduos se identificam como membros [...].
Sociedade é um conceito fundamental em sociologia porque é nesse nível que

são criados e organizados os elementos mais importantes da vida social.


Virtualmente todos os sistemas sociais de que participamos — da família e

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religião às ocupações e aos esportes — são, de certa maneira, subsistemas de

uma sociedade que define seu caráter básico. Até mesmo grupos subversivos e
revolucionários operam e se definem principalmente em relação a sociedades e

suas instituições. Mas, importante como sejam, não devemos imputar-lhes


características que não possuem. Esse fato é bem evidente na prática comum de

falar em sociedades como se elas fossem pessoas, capazes de pensar, sentir,


querer, necessitar e agir. Como sistema social, ela é em grande parte abstrata,

mesmo que possa ser experimentada como tendo realidade concreta.


JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997

ESTUDANDO E REFLETINDO
A sociologia tem como objeto de estudo as interações sociais, processos

e estruturas sociais. Assim como a ciência política, a sociologia política estuda as


relações de poder. Como colocado pela Associação Brasileira de Ciência Política,

“A Sociologia Política é um campo de pesquisa que reconhece tanto a


especificidade das instituições e dos comportamentos políticos como a sua

inevitável interação com outras dimensões da vida social”.


Portanto, não há como dissociar nosso olhar (mesmo que focado na

política) da sociedade como um todo, pois se todas as relações são políticas,


esta também é resultado delas. Sendo assim, para compreendermos a dimensão

política de uma sociedade, é necessário buscar a forma com que suas


instituições estão organizadas, o meio pelo qual o poder escoa por entre elas e,

não menos importante, como as riquezas estão distribuídas.


O homem, por ser um animal social, necessita do convívio em sociedade,

mas este convívio nunca foi simples. Desde o início das primeiras comunidades
ele se pautou em relações de poder, em padrões de comportamento coletivo,

no estabelecimento de regras e normas etc., mediadas pela cooperação, pelo


conflito e transformações.

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A sociologia política nasceu influenciada pela história e pela filosofia, que

nos auxiliou na construção do olhar sociológico sobre as relações e interações


sociais.

A filosofia nos traz inúmeros e interessantes debates sobre a natureza


singular do homem; já nos escritos de Platão inicia-se a discussão sobre esta

singularidade. Aristóteles afirma que o homem é um ser político pela sua


capacidade de conviver em sociedade; para outros filósofos, esta convivência

não seria natural, e sim resultado das necessidades de sobrevivência, mas de


forma alguma uma convivência pacífica.

Por isso, para os chamados contratualistas esse convívio em sociedade só


é possível através de um “contrato social”, que retiraria o homem do chamado

“estado natural”, no qual não se conhecia nenhuma organização política e


formas de coerção sobre os indivíduos e a liberdade era ilimitada, o que por

consequência fazia com que o ser humano se sentisse ameaçado pela liberdade
do outro. Então, para resolver esse conflito e defender o homem e sua

liberdade, pensando no bem comum, o ser humano aceitou submeter a sua


liberdade às leis e ao Estado, o qual limita o exercício das nossas liberdades

para que sejamos “livres”. Em outras palavras, o objetivo dos contratualistas é


justificar o aparecimento do Estado como instituição histórica, podendo ser

visto como o resultado de um “acordo” (contrato) entre os homens, proposto


ou imposto. Muitos filósofos modernos trataram de debater sobre a

ideia de transição do chamado “estado de Natureza” ao “estado de sociedade”.

O conceito de estado de natureza tem a função de explicar a situação


pré-social na qual os indivíduos existem isoladamente. Duas foram as principais
concepções do estado de natureza:

1. A concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em estado


de natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a

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guerra de todos contra todos ou "o homem lobo do homem". Nesse estado,

reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se


protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as

terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá
alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida

não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a
única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para

conquistar e conservar;

2. A concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em estado


de natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o

que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto,


pelo grito e pelo canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de

felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem


inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: "É meu". A divisão

entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao estado de


sociedade, que corresponde, agora, ao estado de natureza hobbesiano da

guerra de todos contra todos.

O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau

evidenciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando
a lei da selva ou o poder da força. Para fazer cessar esse estado de vida

ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao


Estado Civil, criando o poder político e as leis.

A passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de

um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à


posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um

terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se


autoridade política. O contrato social funda a soberania.

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Parte-se do conceito de direito natural: por natureza, todo indivíduo tem


direito à vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu corpo, e à liberdade.

Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais fortes e
outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurídica romana, só

tem validade se as partes contratantes foram livres e iguais e se voluntária e


livremente derem seu consentimento ao que está sendo pactuado. A teoria do

direito natural garante essas duas condições para validar o contato social ou o
pacto político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e

são livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro,


e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que

possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os


indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um

pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.

Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo


pacto, passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela

ação humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos naturais são
pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral,

coletivo ou Estado. A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma


inovação de grande importância: o pensamento político já não fala em

comunidade, mas em sociedade. A ideia de comunidade pressupõe um grupo


humano uno, homogêneo, indiviso, que compartilha os mesmos bens, as
mesmas crenças e ideias, os mesmos costumes e que possui um destino
comum. A ideia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos

independente e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que


decidem, por um ato voluntário, tornar-se sócios ou associados para vantagem

recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a ideia de uma


coletividade natural ou divina, a sociedade, a de uma coletividade voluntária,
histórica e humana.

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CHAUÍ, Marilena. Estado de natureza, contrato social, estado civil na filosofia de Hobbes, Locke e Rousseau. Filosofia.

São Paulo: Ática, 2000.

A forma com que nos relacionamos ou criamos a sociedade é política,


pautada nas relações de poder, nas quais abrimos mão de algumas liberdades

para garantirmos a “ordem social”.


Nesta e nas próximas unidades buscaremos definir alguns conceitos

norteadores na compreensão do que entendemos por poder, política e


sociedade, dando-nos, assim, pré-requisitos para discutir e analisar as relações

de poder em nossa e outras sociedades.

Política
A política surgiu como uma atividade social desenvolvida pelos homens

adultos nas cidades-Estado da Grécia antiga, onde os cidadãos se reuniam para


decidir questões coletivas. A palavra política tinha relação com a prática cidadã,

com a finalidade de obter o bem humano, praticado e alcançado, tanto pelo


indivíduo quanto pelo Estado, de acordo com a concepção divulgada por

Aristóteles.
O ato de discursar foi fundamental para a construção das sociedades
modernas e, principalmente, das democracias. Na Grécia Antiga, falar em
público era considerado uma das mais importantes qualidades de um cidadão,

pois ele podia contribuir para a sociedade de maneira mais efetiva com o
debate de ideias, que era o pilar formador da sociedade grega. O poder da

oratória, a capacidade de convencimento através do discurso era a prática


política, o meio pelo qual se acessava o poder.

O discurso, segundo Foucault, retrata aquilo pelo que se luta. O discurso


está relacionado à conquista do poder, poder esse que é mantido pelo discurso.

O poder pode levar à dominação de normas através de um discurso incisivo,


que retrata a sua ideologia e pode ser mais forte que as leis que os comandam.

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Isso a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente


aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque,
pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 13. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

Com as grandes revoluções burguesas, política passou a significar o

controle do Estado, mas foi Max Weber quem elaborou um conceito aceito até
os dias de hoje, no qual a política é entendida como ter um papel de liderança

no Estado e na luta por poder. Não há como entendê-la separando-a da ideia


de poder.

Nos Estados capitalistas modernos, a política pode tomar a forma de


embates entre Estados, mediada pelas tecnologias e sistemas sofisticados de

inteligência e ciência, como forma de reafirmar espaços de poder entre os


povos.

Desde o princípio a política carrega em si uma dicotomia: o sentido de


ser e existir para prover o bem-estar social, buscando a humanização das

relações sociais; e a sua prática manchada pela ganância, corrupção e


conspirações objetivadas para o ganho pessoal e obtenção de poder a todo

custo.
A política é um instrumento para resolver conflitos nas relações tanto

individuais quanto estatais. Sendo ela a arte da negociação e do


convencimento, acaba por promover meios para que o Estado e a sociedade

regulem e organizem mudanças em relações com diferentes práticas sociais,


legislações e políticas públicas.

Podemos ver a política como o instrumento utilizado por indivíduos ou

grupos para organizar, exercer ou conquistar o poder. E o Estado é a forma com


que se exerce o poder sobre a sociedade, atuando na modernidade com a
racionalização da gestão do poder.

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É por isso que, quando se estuda ciência política ou sociologia política,

busca-se compreender o Estado. De acordo com Max Weber, o Estado é o


detentor legítimo do monopólio do uso da força; ele, e somente ele, possui o

direito e o reconhecimento por parte da população de, em determinadas


situações, praticar a violência, a qual é aceita com o intuito de manter a ordem e

cumprir a lei.

Devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade


humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de
território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o

monopólio do uso legítimo da violência física. É, com efeito, próprio de nossa


época o não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos,

o direito de fazer uso da violência, a não ser nos casos em que o Estado o
tolere: o Estado se transforma, portanto, na única fonte do “direito” à violência.

WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1993

Podemos afirmar, a partir da posição de Weber, que o Estado se

transforma em um projeto de poder a partir da legitimidade, isto é, de decidir


quando, como e onde o uso da violência física deve ser aplicado (a autorização

do uso da força contra um indivíduo, um grupo ou até mesmo um Estado) e, de


forma mais implícita, a partir da dominação, já que existe um reconhecimento e

legitimação de um grupo que está no poder, seja através da dominação


tradicional, carismática ou legal.

Mas nem tudo se resolve com violência, o Estado também se vale de


outros meios para liderar e manter o poder.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Origem da sociedade

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O homem é um ser social por natureza. A teoria naturalista afirma que a

sociedade é fruto de um impulso natural do homem de viver em grupo, sendo a


sociedade a condição natural para a vida humana.

Há também os contratualistas que negam esse impulso e entendem a


sociedade como o produto de um acordo de vontades, um contrato hipotético

(fruto da vontade humana) celebrado pelos homens.


A finalidade é uma das características da sociedade, é o ato de escolha, o

objetivo consciente estabelecido que é o bem comum. É a tentativa de criação


de condições que permeiam cada homem e cada grupo social o favorecimento

do desenvolvimento integral da personalidade humana. Sendo a sociedade a


encarnação da vontade do grupo, ela gera um poder social que vem da

coletividade, da manifestação e do consentimento para o poder ser legítimo.


Poder que vem do povo como manifestação de conjuntos ordenados, que

reiteram permanentemente sua finalidade social, atuando de forma ordenada e


organizada segundo suas normas, como a norma moral (reconhecida pela

sociedade como desejável para convivência), a norma jurídica (elaborada pelo


Estado e imposta a todos), e convenções sociais e costumes.

Além da reiteração e da ordem, também é necessário que as ações do


grupo sejam adequadas para atingir o fim almejado, o do bem comum.

O Estado é a personificação das normas sociais, a organização política,


administrativa, jurídica de uma sociedade e do objetivo de realizar o bem

comum público.

O Estado como uma associação ou comunidade


Aqui, o conceito de Estado toma-se coextensivo ao conceito de
sociedade. Em outras palavras, as sociedades, em algum ponto de seu

desenvolvimento histórico, existem como tais, somente em forma de Estados.


Para este ponto de vista, o Estado abrange os habitantes de um dado território
e requer instituições governamentais, administrativas e repressivas para

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proteger tal associação das ameaças externas e do caos interno. Esta noção

admite duas variantes. Por um lado, existe a associação vista de "baixo", quer
dizer, o Estado emergindo de um acordo entre os membros de uma dada

comunidade humana. Esta abordagem adquiriu sua mais pura formulação nas
teorias do contrato social. Por outro lado, há a associação vista de "cima", uma

associação de dominação na qual certos grupos controlam outros grupos


dentro de um dado território. O representante mais importante dessa

abordagem é Max Weber.


ISUANI, Ernesto Aldo. Três enfoques sobre o conceito de Estado. Revista de Ciência Política, 1984, 27.1: 35-48.

Formas de nascimento do Estado

 Originária: surge do próprio meio, sem dependência de fator externo.


 Derivada ou secundária: originada do fracionamento ou união de

Estados.
 Fracionamento: tem território e povo divididos.

 União: dois ou mais Estados decidem se unir, formando um novo Estado.


 Confederação: união de países independentes, autônomos subordinados

a um governo central, sem abrir mão da soberania.


 Federação: união nacional perpétua e indissolúvel das entidades

federativas (estados-membros) com autonomia de governo e


administrativa, que passa a constituir uma só pessoa (descentralização

das competências do governo federal para os governos estaduais).


 União pessoal: é o governo de dois ou mais Estados por um só monarca.

 União real: união voluntária de caráter permanente de dois ou mais


Estados formando um só.

Formas estatais pré modernas


A - Oriental ou Teocrático – é uma forma estatal definida entre as antigas
civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo, onde a família, a religião, o

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Estado e a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem

diferenciação aparente. Em consequência, não se distingue o pensamento


político da religião, da moral, da filosofia ou de doutrinas econômicas.

Características fundamentais:
a) a natureza unitária, inexistindo qualquer divisão interior, nem territorial,

nem de funções;
b) a religiosidade, onde a autoridade do governante e as normas de

comportamento eram tidas como expressão de um poder divino,


demonstrando a estreita relação Estado/divindade;

B - Pólis Grega: caracterizada como: a) cidades-Estado, ou seja, a pólis como


sociedade política de maior expressão, visando ao ideal da auto suficiência; b)

uma elite (classe política) com intensa participação nas decisões do Estado
nos assuntos públicos. Nas relações de caráter privado, a autonomia da

vontade individual é restrita;


C - Civitas Romana, que se apresentava assentada em: a) base familiar de

organização; b) noção de povo restrita, compreendendo faixa estreita da


população; c) magistrados como governantes superiores;

D - Outras formas estatais da antiguidade, que tinham as seguintes


características: a) não eram Estados nacionais, ou seja, o povo não estava

ainda ligado por tradições, lembranças, costumes, língua e cultura, mas por
produtos de guerras e conquistas; b) modelo social baseado na separação
rígida das classes e no sistema de castas; c) governos marcados pela
autocracia ou por monarquias despóticas e o caráter autoritário e teocrático

do poder político; d) sistema econômico (produção rural e mercantil) baseado


na escravidão; e) profunda influência religiosa.

Principal forma estatal pré-moderna: o medievo


Três elementos se fizeram presentes na sociedade medieval, somando-se
para a caracterização de sua forma estatal:

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A - O cristianismo – base da aspiração à universalidade, isto é, a ideia do

Estado universal fundado na pretensão de que toda a humanidade se


tornasse cristã. Dois fatores, porém, influem nestes planos, a saber:

1º) a multiplicidade de centros de poder e 2º) a recusa do Imperador em


submeter-se à autoridade da Igreja;

B - As invasões bárbaras – que propiciaram profundas transformações na


ordem estabelecida, sendo que os povos invasores estimularam as regiões

invadidas a se afirmar como unidades políticas independentes. Percebe-se,


pois, que no Medievo a ordem era bastante precária, pelo abandono de

padrões tradicionais, constante situação de guerra, indefinição de fronteiras


políticas, etc.;

C - O feudalismo – desenvolve-se sob um sistema administrativo e uma


organização militar estreitamente ligados à situação patrimonial.

Ocorre, principalmente, por três institutos jurídicos: 1º) vassalagem (os


proprietários menos poderosos a serviço do senhor feudal em troca da

proteção deste); 2º) benefício (contrato entre o senhor feudal e o chefe de


família que não tivesse patrimônio, sendo que o servo recebia uma porção de

terras para cultivo e era tratado como parte inseparável da gleba); 3º)
imunidade (isenção de tributos às terras sujeitas ao benefício).

Conjugados os três fatores, temos as características mais marcantes da


forma estatal medieval:
A - permanente instabilidade política, econômica e social;
B - distinção e choque entre poder espiritual e poder temporal;

C - fragmentação do poder, mediante a infinita multiplicação de centros


internos de poder político, distribuídos aos nobres, bispos, universidades,

reinos, corporações, etc.;


D - sistema jurídico consuetudinário embasado em regalias nobiliárquicas;
E - relações de dependência pessoal, hierarquia de privilégios.

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O modo de produção feudal se espalhou por toda a Europa.


STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. Livraria do Advogado, 2019.

UNIDADE 02 – ESTADO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar o Estado.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Conceitos importantes para compressão:

Estado: A palavra estado vem do latim “status”, verbo stare, manter-se em pé,
sustentar-se. Mas na Antiguidade Clássica, a expressão para designar o
complexo político-administrativo que organizava a sociedade era “status rei

pubblicae”, ou seja, situação de coisa pública, em Roma, e polis, na Grécia. Foi


na Europa Moderna que surgiu a realidade política do Estado nacional. E com
Maquiavel, o termo estado começou a substituir civitas, polis e res publica,
passando a designar o conjunto de instituições políticas de uma sociedade de

organização complexa. O sociólogo Max Weber afirmou, no início do século xx,


que o Estado Moderno se definiu a partir de duas características: a existência de

um aparato administrativo cuja função seria prestar serviços públicos, e o


monopólio legítimo da força.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. Editora Contexto, 2005.

Existem inúmeras teorias sobre a origem do Estado. Os primeiros


registros históricos sobre a existência de um Estado nos remetem às cidades-
Estado da antiguidade, nas quais os assuntos públicos deixaram de ser

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privilégio de pequenos grupos e da religião e passaram a ser tratados de forma

pública.

No entanto, a maioria dos pesquisadores concorda que a formação do


Estado como conhecemos hoje surgiu na Idade Média, ainda de forma

embrionária. À medida que o Estado foi consolidando suas fronteiras e


demandas e a classe mercantil foi se fortalecendo, houve a necessidade de um

representante que defendesse seus interesses e, assim, o poder passou a ser


concentrado na figura do monarca. No Absolutismo, o monarca controlava todo

o poder na tomada de decisões da nação.

O Estado Absolutista

A primeira forma do Estado Moderno surge da crise do sistema feudal,


onde a nobreza e o clero detinham o poder e passavam a se defrontar com a

nova classe em ascendência, a burguesia. O que caracteriza o Estado Absolutista


é o poder do Rei, que aparece socialmente como exercendo o poder, mas que

na realidade está submetido à burguesia. Diante das dificuldades da burguesia


para assumir o poder, tornou-se necessário usar a figura do Rei como seu

escudo para que o capitalismo se implantasse na sociedade sem provocar


maiores contestações, principalmente dos grupos em decadência. Diante das

mudanças que iniciavam na sociedade feudal, a burguesia nascente começou a


alinhavar alianças políticas com os monarcas, num momento em que a crise

feudal gerou uma série de disputas pelo poder.

O Rei passou a assumir diretamente a administração econômica, a justiça


e o domínio militar. Vale lembrar que não houve um modelo determinado na

Europa, cada país teve seus conflitos diante das relações de poder existentes no
período. Foram exatamente essas condições, de diferentes lutas entre os grupos

que estavam em processo de decadência, que impediram uma tomada imediata


do poder pela burguesia. Ela teve que, inicialmente, se unir ao Rei, para depois

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então tomar o poder diretamente. Por outro lado, a Igreja teve muitos conflitos

com o poder nascente, mas não interessava ao Rei cortar relações diretamente
com o poder religioso. Desta forma, mesmo com relações conflituosas, o Rei e o

Papado mantiveram as relações no mesmo patamar de antes da crise feudal.

No período absolutista surgem os primeiros elementos que viriam a


caracterizar o Estado Moderno:

• O primeiro deles é a divisão entre o Rei e o poder político do Estado.

Embora defendesse os interesses públicos em detrimento de seus próprios


interesses, em outros, seu interesse particular prevalecia. Mas os primeiros sinais

da diferença entre o Rei e o público já se delineavam. Weber denomina de


Estado Patrimonialista aquele em que não se faz a diferença entre o público e o

privado.

• Outro elemento visível foram os funcionários e demais agentes que

contribuíam para administração do Estado, como Ministros, assessores e demais


componentes, conferindo-lhe um caráter moderno. Inclusive os ministros

responsáveis pela política econômica do mercantilismo já se destacavam e


denominavam a política que haviam implementado. O Estado intervinha

diretamente na formulação de uma política econômica, inclusive diretamente


nas empresas, para que as medidas implantadas alcançassem seus objetivos.

A nobreza participava em alguns cargos do Estado, mas exerciam suas

funções de acordo com o que se exigia de um funcionário público. É o que


Weber vai chamar de burocracia, a transformação do Estado Patrimonialista em

Estado Burocrata, em que os funcionários assumem os cargos para exercer sua


atividade racionalmente para atender os interesses públicos.

• Para exercer as atividades de controle, surgem os funcionários


especializados – o judiciário – estabelecendo limites bem definidos entre o
público e o privado, segundo o direito romano. Além do mais, inicia-se a

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formação de um exército permanente, composto por nobres, mas que

lentamente passou a incorporar componentes das camadas populares, pois se


começa a levar em consideração a existência dos demais grupos na sociedade.

MARTINS, Mário de Souza, Sociologia geral. Guarapuava: Unicentro, 2012.

Estado significava ordem pública, mas Maquiavel, ao escrever seu livro “O


Príncipe”, concebia o Estado como o domínio que o império exerce sobre o

homem.

A obra de Maquiavel retrata a formação do Estado moderno, que era


embasado nos interesses do rei e da sociedade burguesa da época. Para ele

tudo era justificável para a manutenção do Estado. A teoria política de


Maquiavel é baseada no real; ele não pensa em Estados utópicos, mas procura

as possibilidades efetivas para manter a ordem, ou seja, como o governante (o


príncipe) deve fazer para ter o Estado em suas mãos e mantê-lo sob o seu

domínio, sempre visando à estabilidade.

Até então, os regimes eram julgados como puros ou corruptos [...]. A


filosofia política era altamente normativa e presa a ideais.

Maquiavel, entretanto, defendia que a política real não deveria se

prender a ideais. Assim, os estudos acerca da política precisavam analisar a


política como ela é, em vez de imaginar como ela deveria ser.

Ele percebeu que a política real lida com a necessidade de sobrevivência

e manutenção do poder e está enredada em conflitos de interesses em que a


ética, particularmente a cristã, raramente tem vez.

LEITE, Fernando. Ciência Política: da Antiguidade aos dias de hoje. Curitiba: InterSaberes, 2016.

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Uma das frases mais famosas de Maquiavel é a de que “os fins justificam

os meios”. Maquiavel afirma que, com a legitimação do poder, o Estado seria


preservado, garantindo ao governante a estabilidade de seu governo, sua

própria estabilidade e a manutenção no poder em que os fins justificam os


meios. Este pensamento expressa uma queda da moralidade em relação aos

princípios cristãos de sua época; para Maquiavel a política não deveria se


enquadrar no moralismo piedoso, isso seria a ruína total.

Outro fator que mantém o governante no poder é saber enfrentar suas

dificuldades e oposições dos seus oponentes. Para Maquiavel o governante


deve conquistar e se manter no poder.

Não há dúvida, os príncipes se engrandecem quando superam as


dificuldades e as oposições com as quais se enfrentam.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Penguim e Companhia das Letras, 2010.

Era necessário ser um governante firme, que tome decisões sem titubear
mesmo diante de mudanças em relação ao seu governo, não poderia ignorar o

povo, a religião e os conceitos éticos da época. As suas atitudes refletem

diretamente no seu governo e na sua posição de ser temido ou desconhecido.


Para Maquiavel:

“E é preferível ser temido a desconhecido, pois o mal, no terreno político,


não é mal, mas – como qualquer outro – é o meio de alcançar um fim: a

segurança do príncipe e, portanto, a segurança do Estado e, em última instância,


a dos súditos”.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Penguim e Companhia das Letras, 2010.

Maquiavel formava uma hierarquia de relação de poder e suas

influências. Dizia ele que na área política o governante deveria ser temido por
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suas atitudes e governo a ser um desconhecido e fraco. Com isso, propunha

que em primeiro lugar vem a segurança do príncipe, depois a segurança do


Estado e por último a segurança do seu povo, colocando o príncipe acima de

todos, do Estado e do povo.

A consolidação do Estado perpassa pela sua formação, mas acima de


tudo pela sua manutenção. Manter o Estado operante é, para ele, o maior

problema depois de sua formação. Para essa operacionalização do Estado, é


necessário a formação de leis que contribuam não só para o Estado, mas

também para o povo. Quando as leis não conseguem manter o poder do


príncipe existe ainda a utilização da força para consolidar assim o seu poder.

O príncipe precisa de um exército forte do seu lado para que a

dominação pela força seja consolidada. O príncipe com um exército forte e que

siga fielmente suas ordens constitui a coluna vertebral da doutrina de


Maquiavel.

As armas fazem as boas leis, as boas leis asseguram a tranquilidade do


principado porque garantem o pequeno contra a prepotência do grande. A

armação interna da doutrina é este equilíbrio: o povo não se revolta, os grandes


nada intentam contra o príncipe porque o sabem estimado pelo povo; e o povo

são os muitos, grandes são os poucos.


MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Penguim e Companhia das Letras, 2010.

Para ele, boas leis perpassam pelo exército forte do príncipe mantendo
assim um Estado forte e um povo que não se rebela contra o seu governante.

Um bom Estado para ter uma boa governabilidade deve estar embasado

em boas leis, e essas leis devem favorecer a população e não ao Estado e seus
seguidores. Para que isso se concretize, o Estado deve ter bons representantes,

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que não sejam mercenários e trabalhem em função do povo do país, esses

representantes são os que elaboram as leis do Estado.

BUSCANDO CONHECIMENTO

As teorias do contrato social

Segundo os mais proeminentes teóricos do contrato social, os indivíduos


concordam em criar uma entidade social para vencer as desvantagens de um
real ou hipotético "Estado de natureza". Para atingir essa meta, executam um

contrato pelo qual um "Estado civilizado" é ocasionado. Depois da "assinatura"


do pacto, o novo Estado torna-se uma associação compulsória. Além do termo

"Estado", outros termos são usados por diferentes autores para designar a
entidade surgindo do contrato social.

ISUANI, Ernesto Aldo. Três enfoques sobre o conceito de Estado. Revista de Ciência Política, 1984, 27.1: 35-48

De acordo com a teoria clássica sobre a concepção de Estado, Hobbes e

Locke diziam que o Estado se originou de um acordo entre os indivíduos que


buscavam uma forma de manter a si e as suas propriedades seguras. Thomas

Hobbes, em sua obra mais importante, Leviatã, distingue duas categorias de


Estado – O Estado racional, originário da razão humana, e o Estado real,

baseado nas razões da força. Já para John Locke, ao Estado cabe regular as

relações da vida social, reservando ao homem os direitos inerentes à


personalidade humana, as liberdades fundamentais e o direito à vida. Para

Rousseau, o Estado é fruto da vontade geral, que se sobrepunha à vontade do


rei. Rousseau não reconhecia a existência da separação dos poderes, teoria
desenvolvida por Montesquieu (legislativo, executivo e judiciário), posto que

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colocava, acima de todo poder, o poder da assembleia (aqui entendida como a

vontade geral).

Há ainda a Escola Histórica destacada por Maluf, segundo a qual o


Estado é fruto da evolução histórica de uma determinada sociedade; e Leon

Duguit (1859 –1928) afirma que o Estado se origina na diferenciação entre


governantes e governados, sendo que os primeiros impõem sua vontade aos

segundos através da força.

Estado Moderno

O Estado unitário dotado de um poder próprio, independente de


quaisquer outros poderes – começa a nascer na segunda metade do séc. XV na

França, na Inglaterra e na Espanha; posteriormente, alastra-se por outros países


europeus, entre os quais a Itália. Por conseguinte, diz Gruppi que, desde seu

nascimento, o Estado Moderno apresenta dois elementos que diferem dos


Estados do passado, que não existiam, por exemplo, nos Estados antigos dos

gregos e dos romanos. A primeira característica do Estado Moderno é essa


autonomia, essa plena soberania do Estado, a qual não permite que sua

autoridade dependa de nenhuma outra autoridade. A segunda é a distinção


entre o Estado e a sociedade civil, que vai evidenciar-se no séc. XVII,

principalmente na Inglaterra, com a ascensão da burguesia. O Estado se torna


uma organização distinta da sociedade civil, embora seja a expressão desta.

Uma terceira característica diferencia o Estado em relação àquele da Idade


Média. O Estado medieval é propriedade do senhor, é um Estado patrimonial. O

senhor é dono do território e de tudo o que nele se encontra (homens e bens).


No Estado Moderno, pelo contrário, existe uma identificação absoluta entre o

Estado e o monarca, o qual representa a soberania estatal [...]. É importante


registrar que, naquilo que se passou a denominar de Estado Moderno, o Poder
se torna instituição (uma empresa a serviço de uma ideia, com potência superior

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à dos indivíduos). É a ideia de uma dissociação da autoridade e do indivíduo

que a exerce. O Poder despersonalizado precisa de um titular: o Estado. Assim,


o Estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas condições de

existência são o território, a nação, mais potência e autoridade. Esses elementos


dão origem à ideia de Estado.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. Livraria do Advogado, 2019

UNIDADE 03 – ELEMENTOS CONSTITUIVOS E


CARACTERÍSTICAS DO ESTADO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar os elementos que constituem o


Estado e suas características.

ESTUDANDO E REFLETINDO

CARACTERÍSTICAS DO ESTADO

No século XVIII surgiram as ideias liberalistas, influenciadas pelos ideais e

conquistas da Revolução Francesa, que estabeleceu a máxima: todo governo


que não provém da vontade nacional é tirania. Sendo assim, foram

estabelecidas as características do Estado, a saber:

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Características
do Estado

Nacionalidade Finalidade Soberania

Nacionalidade: é a característica que define um povo. Relaciona-se a

alguns fatores legais, como o local de nascimento dos indivíduos e o processo


de naturalização; e também está ligado à cultura de um povo construída

historicamente.

Finalidade: o propósito do Estado deve ser o bem comum:

O bem comum [...] consiste no conjunto das condições para que as


pessoas, individualmente ou associadas em grupos, possam atingir seus

objetivos livremente e sem prejuízo dos demais.

DE CICCO, Claudio; GONZAGA, Álvaro de A. Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 3. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Revista dos tribunais, 2011.

Soberania: existe uma série de concepções acerca de soberania. Porém,


historicamente ela assume uma definição prática após a Guerra dos Trinta Anos

na Europa (1618 – 1648). O modelo de reinado religioso, herança da Idade


Média, tornou-se insustentável, pois já não representava bem a realidade do

povo europeu. Os reinados europeus reconheceram a necessidade de um


acordo multilateral para garantir, principalmente, sua territorialidade. Os países

passariam a reconhecer a existência uns dos outros, a importância da não


intervenção e, sobretudo, a unidade jurídica. Portanto, um território seria

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unitário e indivisível. A soberania nacional emerge a partir do momento em que

os países se reconhecem como Estado-nação, com território, população e um


ordenamento jurídico específico.

É importante apresentar alguns dos conceitos mais importantes de

soberania.

O jurista francês Jean Bodin foi o primeiro teórico a sistematizar o


conceito de soberania. Bodin conceitua a soberania como um poder supremo,
absoluto, ilimitado e incontrastável exercido inicialmente pelas monarquias

absolutistas.
Para ele a soberania era um imperativo necessário à própria existência do

Estado, que se torna independente na medida em que tem um Poder Legislativo


supremo.

O autor francês faz então, no século XVII, da soberania um elemento


essencial do Estado, delineando suas características. A soberania é: una (seria

contraditório que existisse mais de um poder supremo em um determinado


âmbito territorial); indivisível (não pode ser dividida em sua essência, sob pena

de deixar de existir, mas pode seu exercício ser repartido); imprescritível (atos
do Estado originam relações jurídicas que se transferem de geração em

geração; atividades dos governantes vigoram até serem alteradas); inalienável


(soberania não pode ser cedida ou transferida).
[...]
Com a Revolução Francesa, assistimos ao surgimento de um novo

conceito, o da soberania nacional. Preocupados em não permitir a volta das


monarquias absolutistas e empenhados em não se permitir uma excessiva

autoridade popular (que ocorria com a aplicação da ideia de soberania popular


de Rousseau) os revolucionários franceses, tendo como um dos inspiradores
Joseph Sieyès, lançam o conceito de soberania nacional. Dessa forma,

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..."povo e nação formam uma só entidade, compreendida organicamente como


ser novo, distinto e absolutamente personificado, dotado de vontade própria,

superior às vontades individuais que o compõem. A Nação, assim constituída,


apresenta-se nessa doutrina como um corpo político vivo, real, atuante, que

detém a soberania e a exerce através de seus representantes." (BONAVIDES, 1997,


p. 132/133)

Jellineck, em sua obra Teoria Geral do Estado, considera a soberania


como um conceito criado pela Ciência Jurídica e pertencente à esfera do direito

positivo, ou seja, situada no domínio jurídico. O citado autor define a soberania


como o poder que o Estado tem de construir e fundamentar de maneira livre a

sua ordem jurídica.


[...]

Trabalhando com a doutrina nacional, citemos o conceito de soberania


de José Afonso da Silva. Para esse autor, soberania é o poder supremo

consistente na capacidade de autodeterminação de um Estado, representando


um dos fundamentos do próprio conceito de Estado.

Diz o constitucionalista que a soberania significa poder político de um


Estado que se caracteriza pelo fato de ser supremo (pois não está limitado por

nenhum outro na ordem in terna) e independente (pois na ordem internacional


não tem o Estado de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas,

estando em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos).


(SILVA, 1999, p. 108)
FABRIZ, Daury Cesar; FERREIRA, Cláudio Fernandes. Teoria Geral dos Elementos Constitutivos do Estado. Rev.
Faculdade Direito Universidade Federal Minas Gerais, 2001, 39: 107

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO

O Estado como conhecemos é uma instituição organizada social, política


e juridicamente, que abrange um conjunto de indivíduos (população) que
ocupam um determinado território e estão sob a autoridade de um governo.

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O Estado é uma instituição organizada internamente, geralmente

amparada por uma constituição e/ou leis. Para existir, precisa ser constituído
por alguns elementos: um governo reconhecido como legítimo internamente

(pela população) e externamente (por outros Estados), uma população


organizada socialmente e um território.

Responsável pela organização da sociedade e pelo controle dela, é o

único com autoridade para impor a ordem pela força, em concordância com a
legislação vigente. A população que vive no território de um Estado é que dá a

ele toda legitimidade de ação e controle.

População

População é um conceito que não deve ser confundido com povo. Este

possui um sentido político, pois traz em si a noção de cidadania, de vínculo com


a nação, estando ligado a esta por meio do status de nacionalidade. A

nacionalidade é o vínculo de natureza jurídica, que qualifica o indivíduo a


participar da vida do Estado, agindo consciente de sua cidadania. Já nação, por

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sua vez, traz em si os laços históricos e culturais de uma comunidade,

manifestando este vínculo cultural em suas tradições, crenças, costumes,


linguagem e identidade.

Rousseau, no Contrato Social, escrevendo sobre o corpo soberano que é


formado pelo ato de associação, assim se referiu ao povo: "Quanto aos

associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chama em


particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos

enquanto submetidos às leis do Estado." (ROUSSEAU, 1997, p. 70). Alerta o


autor genebrino para a diferenciação dos dois termos, que expressam e devem

expressar condições diferentes. As noções de súdito e cidadão se


complementam. Nesse sentido, "um súdito é meramente um cidadão em seu

caráter (ou papel) de alguém que vive ao abrigo da lei, de cuja autorização
participou em seu caráter de cidadão."

Ser um súdito, na acepção de Rousseau, é estar limitado por uma lei da


qual também se é, indiretamente, o autor. De modo que o povo, para Rousseau,

é o conjunto de pessoas que compõe a coletividade política, que formam o


"corpo moral". Na qualidade de cidadão, o indivíduo expressa-se como
elemento ativo na formação da vontade geral; enquanto súdito, submete-se a
essa vontade geral. A igualdade de todos é assegurada pelo exercício dos

direitos políticos, que somente é concedida aos nacionais ou nacionalizados,


que se destacam como os componentes do povo.

As concepções rousseaunianas implementaram os contornos de uma


soberania que reside no povo, expressando a igualdade política de todos os

cidadãos.
FABRIZ, Daury Cesar; FERREIRA, Cláudio Fernandes. Teoria Geral dos Elementos Constitutivos do Estado. Rev. Faculdade
Direito Universidade Federal Minas Gerais, 2001, 39: 107.

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Povo e Estado são complementares um ao outro; o Estado precisa do

povo para existir. Quando o Estado exerce o poder, o povo também o exerce,
pois ele faz parte do Estado. Sendo o povo um organismo investido de

autoridade política e titular de direitos em face ao Estado, é dele (o povo) a


origem do poder do Estado.

Território

Consideramos o Estado como uma organização jurídica detentora de

soberania reconhecida pelo povo que ocupa determinado território. A


territorialidade é o que limita a extensão do poder do Estado.

O território terrestre é a forma mais básica de concepção territorial e


abrange o solo e o subsolo. O solo consiste na base física em que se encontra a
população do Estado, onde esta habita, vive, convive, interage, onde tem suas

atividades normais do dia a dia, de labor, de produção, de extração de riquezas,


de lazer, de obrigações e direitos etc. O território terrestre também consiste no

espaço físico e delimitado em que o Estado exerce seu poder soberano,


normalmente através das conhecidas funções soberanas, legislativa para

elaborar o direito, executiva para executá-lo e judiciária para aplicá-lo. Oportuna


a lembrança no sentido de que o solo não precisa ser contínuo. Dentro de seu

conceito jurídico, o solo pode abranger o chamado solo insular, constituído de


ilhas ou outras porções de terras situadas em regiões diversas, até mesmo em

outro continente.

PINTO, Kleber Couto. Curso de teoria geral do estado: fundamento do direito constitucional positivo. Editora
Atlas SA, 2000.

O território pode ser dividido em:

1) Espaço territorial: através do solo e subsolo.

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 Solo: porção de terras delimitadas pelo mar e fronteiras internacionais.

 Subsolo: porção de terras sob o solo com as mesmas delimitações


territoriais do solo.

2) Espaço fluvial: rios e lagos.


3) Espaço aéreo: porção aérea proporcional ao território terrestre, mais o

território marítimo.
4) Espaço marítimo: mar territorial, plataforma continental, alto mar.

Mar territorial
O mar territorial também se denomina domínio marítimo, águas

territoriais, mar litoral, mar adjacente, águas nacionais, litoral flutuante, águas
jurisdicionais e faixa litorânea.

É a faixa de mar que se estende desde a linha de base até uma distância
que não deve exceder 12 milhas marítimas de largura, da costa, medidas a partir

da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, e sobre a qual o


Estado brasileiro exerce sua soberania, com algumas limitações determinadas

pelo Direito Internacional – Hildebrando Accioly, página 243, Ed. Saraiva, l2ª
edição, l996.

Mas, como se sabe, o mar territorial do Brasil se alarga até uma faixa de
200 milhas marítimas que se medem desde a linha de baixo-mar do litoral

brasileiro, continental e insular – Enciclopédia Saraiva do Direito, Ed. Saraiva, vol.


33.
Ao lado do conceito de mar territorial, encontramos os conceitos de zona
de pesca, de zona contigua, de zona econômica exclusiva e a plataforma

continental. Estas áreas são delimitadas em razão dos objetivos de cada Estado
e da relativização do poder soberano de cada um deles. A zona de pesca, como

adotada pelos Estados Unidos da América do Norte, protege o ecossistema


marítimo, a riqueza de sua fauna e a atividade industrial pesqueira do Estado
costeiro. A zona contigua, adotada pelo Brasil, constitui 12 milhas além do mar

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territorial. Somadas, estas milhas, portanto, chegam a 24. Em sua zona contígua,

os poderes soberanos do Brasil são relativizados. Poderá́, p.ex., fiscalizar para


evitar infrações relativas às leis e aos regulamentos aduaneiros, de imigração e

sanitários, podendo mesmo reprimir infrações. Essa relativização dos poderes


soberanos também ocorre na zona econômica, na qual são menores do que no

mar territorial ou mesmo na zona contígua. Os poderes soberanos estão


limitados à exploração, ao aproveitamento, à conservação e à gestão dos

recursos naturais, vivos ou não, podendo, inclusive, regulamentar pesquisas,


projetos e construções artificiais.

Plataforma continental, que é a planície de área variável existente em


cada costa dos oceanos e que, por convenção internacional, vai até 200 milhas.
PINTO, Kleber Couto. Curso de teoria geral do Estado: fundamento do direito constitucional positivo. Editora Atlas AS,
2000.

5) Espaço ficto: embaixada, navios e aeronaves.


 Embaixadas: sedes de representação diplomática dos diversos Estados,
que são consideradas parcelas do território nacional nos países

estrangeiros.
 Navios e aviões militares: são parte do Estado a que pertencem, em

qualquer lugar que estejam.


 Navio e aviões comerciais e civis: que esteja sobrevoando ou navegando

em território não pertencente a outros Estados.

Governo

Não se pode confundir governo com Estado. Governo refere-se à


representação regular de políticas, decisões e assuntos de Estado por parte dos

servidores que compõem um organismo político, é o exercício de administração


e governança. O Estado delega o direito de governo, pois quem detém o poder
é o Estado.

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Governo é uma instituição do Estado responsável por organizar e

administrar. É também transitório, pois sua administração normalmente é


alterada por eleições. Um governo precisa ser independente, pois sem

independência não há um governo soberano.

Quanto à origem do governo pode ser De Direito ou De fato. Um


governo constituído em conformidade com a lei fundamental do Estado e

considerado legítimo é originário De Direito, mas um governo implementado e


mantido por meio de fraude ou violência é originário De Fato.

Quanto ao seu desenvolvimento, quando é legal, independente da

origem, desenvolve-se em conformidade com a lei. Quando despótico, é


conduzido pelo arbítrio de quem detém o poder, modificando-o de acordo com

as vontades do detentor, sem observar a lei.

Quanto à extensão do poder, quando é absolutista, concentra todos os

poderes em um só órgão, sendo a vontade daquele que detém o poder a lei.


Quando constitucional, toda sua forma e organização obedece e se desenvolve

de acordo com uma constituição, assegurando a todos os cidadãos a garantia


dos direitos fundamentais.

FORMAS DE GOVERNO

As formas de governo despertaram o interesse dos estudiosos desde a


antiguidade.

Existem três tipologias clássicas das formas de governo, de grande

relevância, sendo elas: a de Aristóteles, de Maquiavel e de Montesquieu.

A teoria da forma de governo Aristotélica

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Ao analisar algumas constituições, Aristóteles criou uma classificação das

formas de governo com dois critérios: número de governantes e a moral, que


classificou como pura e impura. Para ele, as formas puras que visavam o bem de

todos eram: a monarquia, o governo de um; a aristocracia, o governo de poucos


e a politeia, o governo de um povo.

As formas impuras que beneficiam a um, ou apenas a um grupo são a

tirania, oligarquia e a democracia. Para Aristóteles, quando um só homem


ascende ao poder por meios ilegais, trata-se da tirania, sendo esta uma forma

distorcida de monarquia. A oligarquia seria o governo de um grupo


economicamente poderoso, como tivemos no Brasil durante a república

oligárquica. A democracia, governo do povo, no qual a maioria exerce o poder,


favoreceria preferencialmente os pobres.

Aristóteles também ordena essas formas de governo de modo


hierárquico. Assim como em Platão, o critério hierárquico é o mesmo: a forma

pior é a forma degradada. Sendo assim, a ordem hierárquica seria: monarquia,


aristocracia, política, democracia, oligarquia e tirania. A ordem hierárquica

estabelecida por Aristóteles e Platão sugere que a democracia, estando em


posição intermediária, seria a mais moderada.

A teoria da forma de governo de Maquiaveliana

Diferentemente de Aristóteles e Platão, para Maquiavel “todos os Estados


que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou monarquias”, são

as únicas formas de governo reconhecidas por ele. Em sua classificação, a


república seria a representação da vontade coletiva, correspondendo, assim, à

democracia e à aristocracia. Já a monarquia é a vontade de um único indivíduo,


um soberano, sendo este correspondente ao próprio reino.

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Para ele, a república é caracterizada pela temporalidade do poder e seu

exercício é atribuído ao povo (vontade coletiva). Já a monarquia é marcada pela


vitaliciedade do poder, que é confiado ao monarca ou rei (vontade de um só).

Para Maquiavel, a ação política não é importante, mas sim os resultados,


independentemente da forma de governo. Se os atos forem legítimos e usados

para atingir um bem final, a forma será válida, não existindo, assim, formas de
governo boas ou más; a estabilidade é a sua característica mais importante.

A teoria da forma de governo de Montesquieu

Segundo Montesquieu, a forma de governo é dividida em:

 Republicana: o povo como um todo, ou somente parte dele, possui


poder soberano;

 Monárquica: só um governa, mas de acordo com leis fixas e


estabelecidas;

 Despótica: é aquela em que uma só pessoa, sem obedecer a leis e regras


estabelecidas pela sociedade, realiza tudo por sua vontade e seus

caprichos.

Montesquieu se preocupa com o funcionamento do Estado, trazendo a


honra nas monarquias, a virtude nas repúblicas, e o medo no despotismo. A

virtude seria o amor da pátria e da igualdade.

Para evitar o abuso de poder, este deve ser distribuído de modo que o

poder supremo seja consequência de um jogo de equilíbrio entre diversos


poderes parciais e não se concentre nas mãos de uma só pessoa. A saber, tal

distribuição deve ser feita em uma tripartição de poderes: Legislativo, Executivo


e Judiciário.

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Dentre as formas de governo existentes, tem-se a Monarquia e a

República como as mais comuns. A distinção entre monarquia e república que


mais resistiu ao tempo e chegou aos dias atuais é a maquiaveliana.

Após as transformações históricas dos séculos XVIII, XIX e XX, o modelo

monárquico perdeu força. A partir do momento que a monarquia se depara


com a figura do Parlamento, constitucional ou parlamentar, perde o sentido

maquiaveliano de “governo de um só”, inaugurando-se a forma “mista”, que


agrega elementos monárquicos e republicanos.

Monarquia - características

 Vitalicidade: o monarca governa enquanto viver, ou enquanto


conseguir governar, seu mandato é vitalício.

 Hereditariedade: com a morte, perda ou motivo que impeça o


monarca de governar, o direito e o poder de governar passa a ser

de seu herdeiro, seguindo a linha de sucessão da realeza,


tornando o cargo hereditário.

 Irresponsabilidade: O monarca não precisa dar explicações ou


justificar ao povo sobre suas ações, nem a nenhum órgão, pois ele

é soberano.

Tipos de Monarquia

 Absoluta: o monarca possui todo o poder, sem limitações de nenhuma


forma, seu poder é absoluto.

 Limitada: as ações do monarca são limitadas por órgãos autônomos ou


o monarca é submetido à soberania nacional. Ela se divide em:

a) Monarquia limitada estamental: o rei descentraliza algumas funções,


transferindo-as para nobres, membros da corte ou para órgãos que são

ramificações do poder real (reinos feudais).


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b) Monarquia limitada constitucional: o poder executivo é exercido pelo

monarca de acordo com as normas constitucionais, correlacionando-se


com os poderes legislativo e judiciário.

c) Monarquia limitada parlamentar: o rei não é chefe de governo, exerce


apenas a função de chefe de Estado, seguindo as normas constitucionais.

O poder executivo é exercido por um conselho de ministro, responsável


perante o parlamento, podendo existir a figura do chefe de governo não

pertencente à família real.

República

O ideal de Estado democrático é fruto do pensamento e das ideias que


floresceram na Europa do século XVIII, fundamentados nos princípios da

supremacia da vontade popular, da preservação da liberdade e da igualdade de


direitos. O Estado democrático é aquele em que o povo governa e diante da

enormidade do Estado moderno, a participação do povo no poder de forma


democrática acabou se dando por meio de eleições. Segundo Bobbio (1998, p.

1170),

Na moderna tipologia das formas de Estado, o termo República se


contrapõe à monarquia. Nesta, o chefe do Estado tem acesso ao supremo poder

por direito hereditário; naquela, o chefe do Estado, que pode ser uma só pessoa
ou um colégio de várias pessoas (Suíça), é eleito pelo povo, quer direta, quer

indiretamente (através de assembleias primárias ou assembleias


representativas). Contudo, o significado do termo República envolve e muda

profundamente com o tempo (a censura ocorre na época da revolução


democrática), adquirindo conotações diversas, conforme o contexto conceptual

em que se insere.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, Vol. I. trad. Carmen C,
Varriale et al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Editora Universidade de
Brasília. Brasília, 1998.

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Na República, o representante é escolhido através do sufrágio do povo,

mas não necessariamente este foi e será universal para caracterizar sua forma.
Suas características principais segundo Martins (2017, p.1996)1 são a

temporariedade, isto é, possui um mandato por tempo predeterminado;


eletividade, isto é, o representante é eleito pelos votos do povo; e

responsabilidade, em que o Chefe do Governo é responsável por seus atos.

Assim como as monarquias, há mais de um tipo de república; a diferença


está na origem do poder. Quando parte da sociedade governa, trata-se de uma

república aristocrática, quando todo o poder emana do povo, trata-se de uma


república democrática.

Aristocrática: Significa literalmente, governo dos melhores, uma elite


privilegiada que detém o poder econômico, político e conhecimento governa.

Democrática: todo o poder emana do povo.

 República democrática direita

Todos governam por meio de assembleias (Estado Ateniense).

 República democrática indireta

Existe através de eleições para representantes nos poderes legislativo, executivo,

e em alguns países judiciário.

 República democrática semidireta

Assuntos legislativos cabem aos representantes eleitos, enquanto assuntos de


importância nacional são decididos após o povo ser consultado por processos

típicos da democracia direta, como: plebiscito, referendo, iniciativa popular,


entre outros.

1
MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. Revista dos tribunais. São Paulo, 2017.

36
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BUSCANDO CONHECIMENTO

Adam Smith (1723 - 1790), pai do liberalismo econômico, revendo as

proposições de Locke, preconizava a necessidade de manter no Estado o


sentido ético, isto é, admite um Estado voltado para a realização do bem-estar

coletivo, mas Smith considera que o Estado não pode intervir na economia de
mercado. Concorrência passa a ser expressão corrente, a assegurar o equilíbrio

entre o mercado, estimulando o progresso, resumindo o papel do Estado ao


estabelecimento da justiça, à manutenção das instituições não lucrativas e ao

controle de emissão de moedas.

O Estado Liberal

Surge após a Revolução Industrial como parte das explicações dadas


pelo positivismo no período, é o conceito de Estado dominante no período, ou

seja, naquele momento histórico, o Estado é a instituição que tem a função de


distribuir os bens sociais de forma igualitária para todos os seus cidadãos. A

revolução industrial cria o conceito de cidadão, que é o indivíduo pertencente a


uma determinada comunidade e que, por ser membro dessa comunidade,

possui determinados direitos independente da função ou posição que exercer


na sociedade, e esses direitos devem ser oferecidos e defendidos a seus
cidadãos.

O que caracteriza o Estado Liberal é a fundação do mercado que,

segundo os economistas liberais, deveria regular as relações econômicas da


sociedade sem que houvesse a interferência do Estado. O mercado estaria

agindo na sociedade civil. Desta forma, uma exigência básica do Estado Liberal
seria a separação entre o público e o privado, que já tinha apresentado alguns
elementos no Estado Absolutista, mas este ainda exercia grande influência no

37
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mercado. No Estado liberal essa separação torna-se fundamental. Nesse

momento é que se dá efetivamente a tomada do poder do Estado pela


burguesia. Com uma economia fortalecida, não houve dúvidas quanto ao

rompimento do Estado Absolutista. As revoluções burguesas exigiam novas


regras para regular o mercado e uma delas seria a de romper com o

mercantilismo que impunha relações que não mais eram condizentes com o
poder burguês. O Estado manteve-se limitado a atividades políticas devido a

centralização dos poderes, apesar de não conseguir separar o político do


econômico. Mas o burguês rejeitava o Estado e qualquer intervenção que ele

sugerisse. Não se desejava destruir o Estado, afinal ele se tornara um


instrumento da burguesia para regular as relações na sociedade civil, ou seja,

manter o operariado dócil ao mundo burguês.

Smith (2007) afirmava, em seu livro “Riqueza das nações”, a existência de


uma mão invisível no mercado que contribuiria para que as relações se dessem

sem que houvesse qualquer tipo de intervenção. A aparência que o mercado


transmitia uma desordem que não correspondia a realidade era na verdade um

ordenamento, uma lógica que o regulava, dispensando, portanto, qualquer


forma de controle. Seria esta mão invisível que permitiria ao mercado organizar-
se por si mesmo. O mercado serviria tanto a vendedores quanto a compradores.
A liberdade e a igualdade que foram promulgadas na Revolução Francesa como

direitos do Homem estariam oferecidas na sociedade civil e ao Estado caberia


somente proteger o funcionamento do mercado. A liberdade servia tanto para a

venda da força de trabalho para os trabalhadores, quanto para o direito à


propriedade para a burguesia. O sistema contemplava a todos sem exceção,

porém, a liberdade para os trabalhadores era limitada à fome. Eles não tinham
muita alternativa quando precisavam optar pelo trabalho, pois necessitavam

sustentar a família. O Liberalismo não via desta forma, a concorrência é que


move o mercado. Assim, nesta forma de governo, o Estado se apresenta como

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PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE
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braço direito da burguesia, não só transmitindo o pensamento dominante como

também controlando as manifestações que poderiam ameaçar o sistema.

MARTINS, Mário de Souza, Sociologia geral. Guarapuava: Unicentro, 2012

UNIDADE 04 – ESTADO E IDEOLOGIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar e discutir a relação existente entre


Estado e ideologia através do pensamento de Althusser.

ESTUDANDO E REFLETINDO

O filósofo Louis Althusser desenvolveu duas vertentes para o

funcionamento do Estado, a saber: os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) e o


Aparelho de Estado (AE).

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PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE
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O Aparelho de Estado (AE) é um corpo centralizado, único e atua de

maneira predominante através da repressão (física ou não). Estão englobados


nessa definição, de acordo com Althusser, o governo, a polícia, as forças

armadas, os tribunais, a justiça e seus dispositivos (as prisões, por exemplo),


dentre outros. Já os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) operam através da

ideologia e são a questão central na análise de Althusser. Nesse momento,


convém apresentar algumas definições acerca do conceito de ideologia para

compreendermos melhor o funcionamento desses aparelhos.

Um conjunto de ideias, opiniões ou concepções sobre algum tema ou


discussão. Quando indagamos qual é a ideologia de um pensador, estamos nos
referindo à doutrina, a um conjunto de ideias e posições diante de certos fatos.

Também pode significar uma teoria, no sentido de organização dos


conhecimentos para orientar a ação dos indivíduos ou instituições. Há, por

exemplo, [...] a ideologia religiosa de uma igreja, que estabelece regras de


conduta para os fiéis; a ideologia de um partido político, que estabelece uma

concepção de poder e fornece orientações de ação aos seus militantes.


Outro significado para o termo ideologia foi escrito por K. Marx e F.

Engels (1979), que afirmam que, diante da tentativa dos homens de explicar a
realidade, é necessário considerar as formas de conhecimento ilusório que

levam ao mascaramento dos conflitos sociais. Segundo Marx, a ideologia


adquire um sentido como instrumento de dominação de uma classe sobre outra

ou de um grupo social sobre outro.


Isso significa que a ideologia influencia decisivamente nos jogos de

poder e na manutenção dos privilégios que formam o pensar e o agir dos


indivíduos na sociedade.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; COSTA, Ricardo Cesar Rocha da. Sociologia para jovens do século XXI. Rio de
Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2007

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PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE
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Partindo dessas definições, Althusser elenca alguns Aparelhos

Ideológicos de Estado:
 Aparelho familiar;

 Aparelho escolar;
 Aparelho político;

 Aparelho sindical;
 Aparelho religioso;

 Aparelho cultural;
 Aparelho da Informação.

Como é possível perceber, esses AIE correspondem ao que chamamos de

organizações ou instituições. Diferentemente dos Aparelhos de Estados, não


atuam através da repressão ou da violência, mas sim de suas ideologias. Dessa

forma, quando os Aparelhos Ideológicos de Estado não são capazes de manter


a ordem, entram em ação os Aparelhos de Estado.

Cabe-nos questionar, agora, qual é ideologia que prevalece em uma


sociedade. Retomando a tradição marxista, para Althusser, a ideologia

dominante é a ideologia da classe dominante:

A unidade geral do Sistema de conjunto dos Aparelhos de Estado é


garantida pela unidade da política de classe da classe que detém o poder de
Estado e da Ideologia de Estado que corresponde aos interesses fundamentais

da classe (ou das classes) no poder).


ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

Para Althusser, os Aparelhos Ideológico de Estado (AIE) têm como função

manter a base do sistema capitalista, isto é, das relações de exploração,


reproduzindo as relações de produção. Cada Aparelho Ideológico de Estado
tem sua própria peculiaridade na sua influência em relação aos indivíduos. Não

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podemos deixar de mencionar que, nesse sentido, os Aparelhos de Estado (AE)

também atuam com a finalidade de conservar uma ordem pré-estabelecida:

O papel desempenhado pelo Aparelho repressor de Estado consiste,


essencialmente, enquanto aparelho repressor, em garantir pela força (física ou
não) as condições políticas da reprodução das relações de produção que são,

em última instância, relações de exploração. O aparelho de Estado não só


contribui, em grande parte, para a sua própria reprodução [...], mas também, e

sobretudo, garante, através da repressão (desde a mais brutal força física até às
mais simples ordens e proibições administrativas, à censura aberta ou tácita,

etc.), as condições políticas do funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de


Estado.
ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

Apesar da divisão dos aparelhos de Estados, todos eles funcionam


simultaneamente, embora um elemento (a repressão ou a ideologia) seja

predominante em sua atuação. Por exemplo, as forças armadas, embora


consideradas um Aparelho de Estado, também agem através de sua ideologia,

tanto para manter a coesão quanto para propagar seus valores.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Althusser é um dos principais representantes da corrente de pensamento

estruturalista francesa e foi um grande estudioso das ideologias. Ao longo de


seus estudos, procurou estabelecer a relação entre a ascensão da burguesia e o

desenvolvimento dos Aparelhos Ideológicos de Estado, especialmente o escolar.


Na visão do filósofo, com a instauração da ordem e do pensamento

burgueses e o avanço do capitalismo, o Aparelho Ideológico religioso é


substituído pelo escolar e este possui um papel determinante na reprodução
das relações de produção e manutenção de um grupo no poder.

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Por que motivo o aparelho escolar é, de fato, o aparelho ideológico de


Estado dominante nas formações sociais capitalistas e como funciona?
[...]

Esta [a escola] recebe as crianças de todas as classes sociais desde o


Maternal e a partir daí, com os novos e igualmente com os antigos métodos, ela

lhes inculca, durante anos e ano, exatamente no período em que a criança está
mais “vulnerável”, imprensada entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho

de Estado escolar, “savoir-faire”2 revestidos pela ideologia dominante (língua


materna, o cálculo, história natural, ciências, literatura), ou simplesmente a

ideologia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia). Em determinado


momento, por volta dos dezesseis anos, uma grande quantidade de crianças vai

parar “na produção”: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra


parte da juventude continua na escola: e haja o que houver, avança ainda um

pouco para ficar pelo caminho e prover os postos ocupados pelos pequenos e
médios quadros, empregados, pequenos e médios funcionários, pequenos

burgueses de toda a espécie. Uma última parcela chega ao topo, seja para cair
no semi-desemprego intelectual, seja para fornecer, além dos “intelectuais do

trabalhador coletivo”, os agentes da exploração (capitalistas, empresários), os


agentes da repressão (militares, policiais, políticos, administradores, etc.) e os

profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são


“laicos” convictos).

Cada parcela que fica pelo caminho é praticamente provida da ideologia


que convém ao papel que deve desempenhar na sociedade de classe: papel de

explorado (com “consciência profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e


apolítica altamente “desenvolvida”); papel de agente da exploração (saber dirigir

e falar aos operários: as “relações humanas”), de agentes da repressão (saber

2
Tradução livre: saber-fazer. Ou seja, relaciona-se à habilidade, à capacidade de resolver,
solucionar algo.

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dar ordens e se fazer obedecer “sem discussão” ou saber manipular a

demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais da ideologia


(sabendo tratar as consciências com o respeito, isto é, o desprezo, a chantagem

e a demagogia que convêm, acomodados às regras da Moral, da Virtude, da


“Transcendência”, da Nação, do papel da Pátria no Mundo, etc.).
ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

UNIDADE 05 – SISTEMAS E IDEOLOGIAS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar conceitualmente os regimes e


ideologias.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Conceitos importantes:

Modo de produção: combinação historicamente determinada de forças


produtivas, isto é, de meios de produção entendidos em sentido amplo
(inclusive a terra), conhecimentos técnico-científicos e práticas necessárias para

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utilizá-los; e de relações sociais [...] que regulam o modo e o uso dos meios de

produção.
GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005.

Meios de produção

Objetos de trabalho Instrumento de trabalho

Como está na natureza: Ferramentas necessárias para


recursos naturais. Exemplo: realizar qualquer tipo de
solo, rochas, rios, petróleo. trabalho

Como esteve na natureza:


matéria-prima. Produtos na
forma final

A partir dos conceitos acima, iremos discorrer neste momento sobre

sistemas econômicos.

CAPITALISMO
O capitalismo surgiu na Europa nos séculos XVI e XVII. Podemos

compreender, incialmente, que no capitalismo é fundamental a coexistência de


trabalhadores, de meios de produção e de um grupo de pessoas que possui ou

controla esses meios. Assim podemos definir da seguinte forma o capitalismo:

Sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de


produção, na busca racional do lucro através da produção e do comércio, no
trabalho de indivíduos que só obtêm os meios de subsistência cedendo a
própria força-trabalho aos proprietários dos meios de produção, no controle da

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PODER, POLÍTICA E SOCIEDADE
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destinação do excedente produzido pelos primeiros aos segundos, que o

empregam sobretudo para aumentar o volume dos próprios meios de


produção, e, enfim, na ampliação da produção e do comércio de mercadorias.

Essas características são inseparáveis; nenhuma delas, tomada isoladamente, é


suficiente para definir a especificidade histórica e sociológica do capitalismo,

pois uma ou outra pode ser encontrada também em outras formações


econômico-sociais.
GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005.

A partir do conceito acima é possível delinearmos alguns aspectos


fundamentais do capitalismo. Primeiramente, é um sistema econômico que tem

como objetivo a acumulação de riquezas e o lucro com base na propriedade


privada dos meios de produção. Na concepção clássica marxista existem dois

grupos (classes sociais) que estabelecem uma relação de dependência:


burgueses (ou capitalistas) e proletários (trabalhadores), sendo estes

responsáveis pela geração da riqueza.


No capitalismo considerado puro não há interferência do Estado, mas de

forma geral ele é atuante, aproximando-se ou do liberalismo econômico


quando há mínima interferência ou da política de bem-estar social na busca por

garantias de serviços básicos quando sua presença é maior. Além da proteção à


propriedade privada, economicamente o Estado não exerce influência no

estabelecimento do preço de bens e serviços, é o próprio mercado que os


regula por meio da oferta e da demanda.

SOCIALISMO

Enquanto doutrina política e econômica, o socialismo surgiu e se


desenvolveu no auge da Revolução Industrial, isto é, com a consolidação do

modo de produção capitalista. Diante de longas jornadas de trabalho, da


extrema exploração, do salário de fome e da ausência de leis de proteção aos

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trabalhadores, começaram a surgir teorias socioeconômicas de análise, crítica,

contestação e combate ao modo de produção capitalista.


O socialismo é um sistema econômico que, no marxismo, se estabelece

com a superação do sistema capitalista, ou seja, não se trata simplesmente de


uma substituição. Na construção de um projeto político que leve ao socialismo,

os atores sociais precisam criar as condições para esta superação.


O socialismo, nesta concepção, é a próxima etapa do desenvolvimento

histórico humano e econômico que se embasa com o fim da exploração da


força de trabalho. Depende, portanto, da criação de poder popular, do

desenvolvimento de forças produtivas, de construções políticas que podem dar


viabilidade para sustentar esse sistema, considerando que atualmente o

capitalismo age através de muitas outras forças, como o imperialismo.


Marx e Engels não cunharam o termo socialismo, nem mesmo a sua

ideia. Antes deles vieram outros pensadores socialistas que, é preciso dizer,
eram mais movidos a fazer uma análise intelectual da sociedade voltada para

uma concepção de igualdade. Esses pensadores são conhecidos como


socialistas utópicos, pois não desenvolveram um método científico e não

conseguiram escapar da simples teorização do socialismo para a sua


concretização, isto é, em meios de se observar a realidade material e

transformá-la social, econômica e culturalmente. Temos como exemplos os


teóricos Robert Owen, Charles Fourier, Henri de Saint-Simon.

Engels, porém, viu a necessidade de elaborar um socialismo científico.


Este se baseia no método do materialismo histórico para entender a sociedade

do passado e a sociedade do presente para estipular uma tendência em relação


ao capitalismo.

Em sua célebre obra O Capital, Marx aponta tendências do capitalismo,


como a concentração de riqueza e acúmulo de capital, ou seja, menos

capitalistas cada vez mais donos de mais empresas, formas de produção e que

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empregam cada vez mais gente. Basta, por exemplo, olharmos para os

conglomerados de alimentação, roupas, remédios e cosméticos.


A tendência de acumulação com centralização geraria várias tensões no

capitalismo. Na análise feita por Marx, essas tensões representavam


contradições internas e a partir dessas contradições seria possível organizar a

classe trabalhadora e estabelecer uma socialização dos meios de produção,


controlados pelos trabalhadores para então entrar numa fase transitória.

No socialismo ainda há Estado e ele está submetido a vários arranjos de


controle e decisão da maioria – o controle democrático dos trabalhadores.

Assim, temos que:

Capitalismo Socialismo
Propriedade privada dos Propriedade social dos
meios de produção meios de produção

COMUNISMO

Da forma descrita por Karl Marx, o comunismo é um modo de produção


no qual os meios de produção e virtualmente todos os demais aspectos da vida
social são controlados pelos que deles participam mais diretamente, isto é,

pelos trabalhadores, membros da comunidade, e assim por diante. A vida das


pessoas é organizada menos em torno da cobiça, competição e medo do que

da satisfação de necessidades humanas autênticas, cooperação e


compartilhamento. A base material da comunidade é a capacidade de produzir
abundância de bens. A base social inclui ausência geral de propriedade

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econômica privada, divisões de classe social, desigualdades em riqueza e poder

e instituições opressivas, como o Estado.


JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

Na concepção de Marx, o comunismo seria o resultado final do


socialismo, este sendo um período de transformações revolucionárias das

sociedades capitalistas industriais. Com a derrocada do capitalismo, o Estado


assumiria uma forma de governo em prol dos trabalhadores. Porém, com o

passar do tempo, as razões de existência do Estado acabariam por desaparecer.


Esta análise nos remete diretamente aos equívocos que são cometidos

nos dias de hoje diante do uso frequente do termo comunismo proferido pelos
indivíduos e grupos políticos para identificar regimes políticos e posições

ideológicas de diversos segmentos sociais. Partindo da teoria marxista, pode-se


afirmar que não ocorreram revoluções socialistas em nenhuma sociedade

capitalista industrial avançada. Portanto, de acordo com o modelo marxista, não


existiu uma sociedade comunista, embora muitas tenham sido e ainda são

rotuladas como tal. De acordo com Johnson, o mais próximo que a humanidade
teria chegado do comunismo ocorreu em sociedades tribais e ainda nos caberia

a seguinte pergunta: é possível o comunismo ser implementado em sociedades


industriais avançadas?

ANARQUISMO

Doutrina e ideologia política que acentua, de modo especial, a


necessidade de eliminar antes de tudo o Estado, isto é, o domínio da lei e da

autoridade constituída, sob todas as suas formas, com o fim de garantir a

máxima liberdade ao indivíduo e possibilitar-lhe o desenvolvimento de suas


melhores faculdades, como a vontade e a capacidade de cooperar livremente

com o próximo.

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GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005.

Um dos maiores expoentes do anarquismo foi Mikhail Bakunin, que

desenvolveu uma concepção muito particular de satisfação moral e política da


sociedade de seu tempo, o século XIX. Ele argumentava que os indivíduos só

podem se realizar verdadeiramente ao colocar em prática sua capacidade de


pensar e ao se rebelar contra qualquer tipo de autoridade, seja religiosa (os

deuses) ou do próprio homem.


Na primeira situação, Bakunin via as doutrinas religiosas como um

mecanismo de opressão, que fazia tanto manter o povo servil quanto as


pessoas poderosas se estabilizarem em suas posições sociais. Já na segunda

situação, aceitar o Estado enquanto instituição seria uma forma de escravidão.


As leis da natureza limitariam as ações humanas, então não seria necessária

nenhuma organização política de regulação da sociedade. Bastaria os indivíduos


obedecerem conscientemente a essas leis, ou seja, elas não deveriam ser

impostas, pois aí o homem deixa de ser livre.

REGIMES POLÍTICOS E IDEOLOGIAS

Um fenômeno presente em todo grupo social, do menor ao maior, do


mais primitivo ao mais evoluído, e do mais curto ao mais duradouro, é o de que

existem distinções entre os que governam e os que são governados. Podemos


chamar de regime político o modo pelo qual essas distinções se fazem

presentes entre esses dois grupos. Assim, o termo regime político está direta e
exclusivamente ligado à estrutura governamental que podemos encontrar no

interior de uma sociedade.

DEMOCRACIA

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Forma de governo de uma coletividade – que pode ser tão ampla quanto
uma sociedade, ou limitada como uma comunidade local, uma associação

política, uma unidade produtiva – pela qual a totalidade dos membros tem o
direito e a possibilidade objetiva de intervir nas decisões de maior relevância

coletiva, ou diretamente, exprimindo pessoalmente a própria vontade, ou


indiretamente, através de representantes livremente eleitos pelo voto de todos;

forma associativa na qual não existem distinções e privilégios sociais de caráter


jurídico, e todos estão sujeitos às mesmas normas, para cuja elaboração todos

contribuíram.
GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005.,

A palavra democracia tem origem no século V a.C., na Grécia. Os

pensadores clássicos desse período, a exemplo de Aristóteles, usaram-na para


definir um sistema político no qual a kratia, isto é, o poder do governo, era

atribuída e exercida pelo demos, pelo conjunto de cidadãos pertencentes a um


Estado que tinham plena capacidade jurídica, opondo-se aos regimes nos quais

o governo estava restrito aos nobres (aristocracia), aos ricos (plutocracia), ou a


uma minoria que se mantinha constantemente no poder por cooptação

(oligarquia).
Quando as cidades-Estado gregas entraram em declínio (sendo estas as

primeiras conjunturas de uma democracia com certo grau de evolução, embora


com limitações), o conceito de democracia simplesmente ficou ausente nos

escritos do pensamento político, reaparecendo apenas na época do Iluminismo.


Em oposição ao absolutismo e aos privilégios do clero e da nobreza

(crítica desenvolvida por Rousseau, John Locke, Voltaire e Montesquieu), a


democracia, enquanto doutrina, tornou-se uma poderosa arma ideológica para

a emancipação da burguesia europeia entre o fim do século XVIII e o início do


século XIX. Aqui é importante lembrarmos que nesse período a burguesia
constituía o que chamamos de terceiro Estado. Este era composto pela maior

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parte da população – alguns estudiosos acreditam que nesse período somava

98% da população. É daí que surge a reivindicação para que a massa tivesse o
poder de decisão, e não a minoria composta por nobres e eclesiásticos que

possuíam privilégios oriundos de uma tradição secular.


As demandas particulares da burguesia foram elaboradas em termos

universais, de modo que se estenderam às demais categoriais que compunham


a sociedade. A ideia de um regime democrático foi adquirindo uma visão

extremamente positiva, tanto que até os dias de hoje basicamente não há


partido ou governo que não mencione a palavra democracia e afirme

categoricamente que se propõe a trabalhar pela sua manutenção e


aperfeiçoamento, exceto as posições mais extremas.

Aprofundando o conceito e pensando a democracia brasileira

A democracia é um regime político que estabelece a forma de governo

do Estado. É um regime que envolve uma série de instituições e garantias


específicas geralmente através de uma constituição, a carta fundamental de

uma determinada sociedade, com direitos e deveres.


A democracia enquanto regime político pode ter marcas de gestão de

acordo com quem estiver ocupando as instituições democráticas que, no caso


brasileiro, são os três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Se esses

poderes governam junto com o povo ou a sociedade civil, a democracia é


considerada plural. Porém, quando há um abuso de poder a fim de se manter

interesses particulares ou manipular interesses da população, existe a


possibilidade de surgir uma democracia autoritária, podendo ocorrer uma

desdemocratização através do desmonte dos pilares da democracia em


questão.

No Brasil, a democracia é garantida pela Constituição Federal de 1988; é


uma democracia liberal baseada na separação de poderes, no Estado de Direito,

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no direito ao voto e na propriedade privada; portanto, é também uma

democracia liberal representativa. Os seus pilares estão pautados em valores


similares ao da Revolução Francesa (liberdade, igualdade, fraternidade). Para o

sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, esse tipo de democracia é limitado


porque não conseguiu estabelecer na prática uma forma de impedir que a

individualidade se sobressaísse à comunidade e que a liberdade econômica de


uns não prevalecesse sobre a igualdade de todos. Por isso, esse tipo de

democracia também é chamado de democracia liberal burguesa, pois os


princípios políticos estão sujeitos aos do sistema econômico.

DITADURA

A ditadura é um regime político oposto à democracia, é um sistema de


governo que pode ser conduzido por uma só pessoa ou por um pequeno

grupo, o qual impõe suas normas, regras e desejos de forma autoritária e


arbitrária sobre os governados, na tentativa de impedir que estes se manifestem

ou reajam contra a vontade dos governantes. As ditaduras se caracterizam pela


supressão total ou parcial das liberdades democráticas individuais e coletivas.

Os regimes ditatoriais sustentam-se mediante dois fatores essenciais: o

fortalecimento dos órgãos de repressão e o controle dos meios de comunicação


de massa. Conforme o local em que ocorre este tipo de regime, ele pode

apresentar características específicas, mas de forma geral é marcado também


pela perseguição aos opositores, pouca ou nenhuma participação popular e

proibição de partidos políticos.

Este sistema de governo é considerado um regime de exceção e tende a

surgir a partir de um golpe de Estado, o que gera questionamentos sobre a sua


legitimidade. Os que defendem um regime ditatorial normalmente se apoiam
na ideia de que é considerado um mal necessário para a reestruturação e

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restabelecimento da ordem nacional. Entretanto, historicamente temos muitos

exemplos de ditaduras que se arrastaram por décadas.

A ditadura possui algumas variações. Ela pode ser:

 Militar: como as ocorridas no Chile, Argentina, Brasil e Coreia do


Norte.

 Fascista: além de conter atributos básicos ditatoriais, como a


censura, uso ilegítimo da violência e autoritarismo, também é

caracterizada pelas ideias populistas, pelo belicismo e pelo


ultranacionalismo.

Fascismo e Nazismo

Como ponto de referência histórica, o movimento [fascista] chegou ao


poder na Itália em 1922, consolidando-se depois como regime e assim durou
até 1943. Sua ideologia e práxis política caracterizam-se pelo culto ao chefe e à

hierarquia, e pelo desprezo correlato das instituições democráticas, por um


nacionalismo exacerbado, pelo emprego sistemático da violência para reduzir

os opositores políticos ao silêncio e à inação, pelo mito da superioridade racial e


da missão civilizadora do povo, pela supressão de qualquer manifestação do

movimento operário, por um intenso anticomunismo, pela evidente proteção


aos interesses dos pequenos ou grandes burgueses. O termo fascismo tornou-

se de uso comum na sociologia contemporânea para designar todos aqueles


regimes e movimentos sociais que (...) apresentaram ou apresentam, em

conexão sistemática, a maioria das características supramencionadas.


GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005.

O fascismo pode apresentar algumas variantes como contexto histórico,


as conjunturas política e econômica, a cultura e o nível de desenvolvimento

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socioeconômico. No mesmo período em que o fascismo ganhava força na Itália

através de seu líder Mussolini, o nazismo se expandia na Alemanha com a


ascensão de Hitler ao poder. É importante dizer que o nazismo é uma variação

do fascismo por apresentar similaridades tanto em suas características quanto


em suas ideologias. Porém, o nazismo também elaborou ideias bem particulares

de sua filosofia política e aprimorou, aperfeiçoou os ideais fascistas.


Partindo da difícil situação que a Alemanha se encontrava após a

Primeira Guerra, por meio da propaganda a população começou a apoiar Hitler,


uma vez que seus discursos estavam sempre pautados na ideia de progresso

econômico e da superioridade do povo alemão. Ou seja, Hitler aparecia como


uma espécie de salvador da pátria.

Enquanto no fascismo o Estado se concretizou como exacerbação do


autoritarismo, o nazismo trouxe como traços específicos o nacionalismo, o

antissemitismo e o racismo. Implementou o genocídio como procedimento


administrativo do Estado, criou um Estado de vigilância total a fim de eliminar

desafetos do regime e interpelou cada cidadão como um verdadeiro agente de


segurança a serviço do Estado.

Autocracia

A palavra autocracia é de origem grega e tem como significado o

governo por si próprio. É um regime no qual os poderes estatais se concentram


apenas em torno de um elemento, podendo ser uma pessoa (líder), um comitê,

uma assembleia. Ou seja, trata-se do controle total e absoluto de tudo que se


relaciona com a esfera governamental. No que tange à legitimidade, uma

autocracia pode surgir tanto por imposição quanto por vias democráticas
(eleições).

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Na Antiguidade, existia a crença de que o imperador era escolhido por

Deus ou podia concentrar em si um poder ilimitado por vir de uma família real.
Esta concepção foi levada adiante na Rússia imperial com a figura do czar.

Autocracia não tem uma precisa conotação histórica. Este termo não foi
criado para classificar um tipo particular de sistema político concreto (mesmo

quando autocrata era chamado especialmente o czar da Rússia). Este é um


termo abstrato que se usa com dois significados principais: um particular e

outro geral. No significado particular e mais pleno da palavra, autocracia denota


um grau máximo de absolutismo na direção da personalização do poder.

Uma autocracia é sempre um Governo absoluto, no sentido de que


detém um poder ilimitado sobre os súditos. Além disso, a autocracia permite

que o chefe do Governo seja de fato independente, não somente dos seus
súditos, mas também de outros governantes que lhe estejam rigorosamente

submetidos. O chefe de um Governo absoluto é um autocrata sempre que suas


decisões não possam ser eficazmente freadas pelas forças intra-governativas.

Sob este aspecto, o monarca absoluto pode ser um autocrata, mas pode
também não ser, quando divide o poder com alguns colaboradores que tenham

condições de limitar sua vontade.


As Ditaduras são, por vezes, regimes autocráticos, que se concentram na

figura de um chefe e podem levar muito adiante a personalização do poder.


Existem, porém, Ditaduras não-autocráticas, nas quais o poder está nas mãos de
um pequeno grupo de chefes, que dependem reciprocamente um do outro.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, Vol. I. trad. Carmen C, Varriale et
al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Editora Universidade de Brasília.

Brasília, 1998.

BUSCANDO CONHECIMENTO

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A democracia está bem distante de estar presente em todo o mundo.

Enquanto alguns Estados a conquistam, outros acabam por perdê-la. E nem


mesmo países considerados democráticos o são completamente. Por isso,

pode-se afirmar que ela é considerada um bem instável e que requer atenção e
cuidado constantes. Nesse sentido, o sociólogo italiano Domenico De Masi

discorreu de forma muito clara sobre o processo de autoritarismo e


totalitarismo:

A democracia é um bem instável, que deve ser buscado e cultivado com


cuidado, sob pena de dar lugar ao autoritarismo quase sem que percebamos.

Uma ditadura não surge do nada, e a onda autoritária mostra claros sinais
premonitórios, mesmo com muita antecipação. No entanto, a distração, a

superficialidade, o medo, a falsa consciência, a presunção e a ilusão toldam o


olhar e induzem a subestimar o perigo [...].

O processo é garantido: quem tem o poder, mesmo conquistado com


instrumentos formalmente democráticos, e pretende transformá-lo em domínio

autoritário começa ampliando, matizando ou confundindo seus limites


constitucionais, para depois criar grupos oligárquicos apenas aparentemente
pluralistas. As eleições populares são primeiramente manipuladas e em seguida
eliminadas, de modo que a legitimação de baixo se torne autolegitimação e o

déspota já não tenha de prestar contas nem ao Parlamento nem ao povo.


Depois o poder se concentra inteiramente nas mãos de uma única pessoa e de

sua turma, enquanto o Estado de direito se transforma em Estado autoritário. O


jogo é bem-sucedido porque o grupo dominante (por exemplo, o exército ou

um partido único, nacionalista ou fundamentalista) promete tirar o país da


profunda crise em que se encontra para depois devolvê-lo à plena democracia.

Nazismos, fascismos e comunismos são exemplos dessa escalada, que


desemboca no totalitarismo quando o ditador consegue controlar cada aspecto
da vida individual e social através da escola, da propaganda, da polícia e do

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medo. Desaparece, assim, qualquer resquício de pluralismo, e o cidadão se vê

completamente submetido à imprevisível e irrefreável vontade ditatorial,


irremovível por parte do eleitorado e não mais responsável por ela. A essa

altura, o estado é totalitário para todos os efeitos: o poder está concentrado


numa só pessoa ou num partido único que impõe a todos a ideologia oficial,

usa as forças de polícia e o terror como instrumentos de poder, manipula e


mobiliza as massas através da propaganda.

Quando, em 1946, os italianos se dispuseram a construir uma democracia


sobre os destroços da monarquia e do regime fascista, quando em 1985 os

brasileiros fizeram o mesmo sobre as ruínas do regime militar, tiveram uma


vantagem incalculável: a de poder contar com a repugnância popular diante do

autoritarismo, do antiparlamentarismo e da guerra. Acumulado em vinte anos


de submissão e de degradação, esse patrimônio de ódio pelo fascismo conferia

às duas renascentes instituições uma garantia de invulnerabilidade sem


precedentes diante de qualquer tentativa restauradora. Temos de nos perguntar

agora se não existe o período de que tal patrimônio tenha sido dilapidado em
poucas décadas e de que uma conspiração de homens e de circunstâncias

possa novamente levar uma parte do povo, ainda que minoritária, a silenciar os
fantasmas do passado e recriar as condições para uma volta à mais desastrosa

das nossas experiências históricas.


MASI, Domenico De. Alfabeto da sociedade desorientada: para entender o nosso tempo. São Paulo: Objetiva,
2017.

UNIDADE 06 – REGIMES DE GOVERNO E SISTEMAS


ELEITORAIS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

Esta unidade tem por finalidade apresentar os sistemas de governo e os


sistemas eleitorais.

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ESTUDANDO E REFLETINDO

Os regimes de governo [...] traduzem, em última instância, grau de


concentração de poder nas mãos do governante e, particularmente, o grau de

coesão e/ou independência das funções clássicas do poder estatal (executiva,


legislativa, judiciária), associadas ou não a um poder de moderação.

FRIEDE, Reis. Curso de Ciências Políticas e teoria geral do Estado: teoria constitucional e relações internacionais. 5. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2013.

Presidencialismo e Parlamentarismo

Em uma República, como é o caso do Brasil, deve haver troca de

representantes e a escolha deve ser feita pela população. A República pode ser
presidencialista ou parlamentar. Para entender a diferença entre ambas, é

necessário, primeiramente, compreender a diferença entre Chefe de Estado e


Chefe de Governo.

Chefe de Estado é o representante do país perante o mundo, é quem

recebe chefes estrangeiros, dialoga com lideranças internacionais, comanda as


Forças Armadas e participa de reuniões e tratados internacionais. O chefe de

governo, por sua vez, direciona-se mais à política interna. É quem se relaciona
com o poder legislativo, busca harmonia com outros partidos, define as

políticas econômicas e sociais do país.

A partir dessa diferença, pode-se afirmar que no presidencialismo o

presidente concentra as duas funções, a de chefe de Estado e chefe de governo.


Portanto, quando os eleitores elegem um presidente, estão escolhendo alguém

tanto para representar o país externamente como para administrar


internamente, através da nomeação de ministros de sua confiança.

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Embora existam exceções, como regra geral no parlamentarismo existe a

divisão entre o chefe de Estado, normalmente representado por um rei ou


presidente, e o chefe de governo, sendo este um Primeiro Ministro, chanceler,

premiê, entre outros nomes. Neste caso, o chefe de Estado, mesmo possuindo o
título de presidente, exerce apenas algumas funções, uma vez que é o chefe de

governo que primordialmente comanda o país e toma as decisões políticas. É o


caso, por exemplo, de países como a Alemanha, que possui um presidente e um

chanceler.

No parlamentarismo, é o parlamento que determina ou participa


ativamente da escolha do chefe de governo, ou seja, o poder executivo é

dependente do legislativo, uma vez que o parlamento coloca o chefe de


governo e pode retirá-lo a qualquer momento caso perca a confiança.

No presidencialismo, a retirada de um chefe de governo presume um


longo processo de impeachment, no qual, apesar de haver a presença do

legislativo, não é possível destituir um presidente tão facilmente.

É possível notar que em ambos os sistemas o poder legislativo assume


um papel de grande relevância, seja na figura de parlamento ou de congresso.

Sem uma boa relação com os parlamentares, a governabilidade tende a ficar


comprometida.

Semipresidencialismo

O semipresidencialismo agrega elementos tanto do presidencialismo


como do parlamentarismo, buscando reunir as principais vantagens desses

modelos.

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Nesse sistema, o poder executivo é formado por um presidente (eleito

através do voto popular) que assume o papel de chefe de Estado, e por um


Primeiro Ministro, que é o chefe de governo. Porém, ao contrário do que ocorre

no parlamentarismo, no semipresidencialismo, o chefe de Estado é bem


atuante, sendo-lhe atribuídas diversas funções, como a nomeação e demissão

do Primeiro Ministro, cuidar da política externa, nomear funcionários, vetar leis,


chefiar as forças armadas. Já o Primeiro Ministro, escolhido pelo congresso,

tende a cuidar dos assuntos internos do país.

Os que defendem o semipresidencialismo alegam que ele pode trazer


maior equilíbrio entre os poderes legislativo (mais forte no parlamentarismo) e

executivo (mais influente no presidencialismo), uma vez que ocorreria uma


desconcentração de poder e as decisões políticas seriam compartilhadas.

Também é possível a substituição do Primeiro Ministro em caso de ausência de


governabilidade, apoio ou representatividade, sendo desnecessário processo de

impeachment que tende a ser muito desgastante política, social e


economicamente para um país. Por outro lado, o presidente pode dissolver o

congresso e convocar novas eleições caso este não atenda aos anseios
populares.

Três Poderes

Como já sabemos, existem três poderes na esfera política: executivo,


legislativo e judiciário. O executivo é ocupado pelo presidente da República,

pelos governadores dos estados e pelos prefeitos dos municípios. O legislativo


engloba deputados federais e estaduais, senadores e vereadores. O judiciário,

por sua vez, abrange os ministros do Supremo Tribunal Federal, os


desembargadores dos Tribunais Estaduais e todos os juízes. Esses três poderes
são responsáveis pela preservação de um Estado justo e democrático no país.

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Ao executivo, cabe a administração do Estado observando as normas

vigentes, além de governar o povo, executar as leis, propor planos de ação e


administrar os interesses públicos. É o poder que dialoga diretamente com o

legislativo, tendo o poder de sancionar ou rejeitar uma lei aprovada no


congresso.

O poder legislativo é responsável por criar e aprovar leis, analisar a

gerência do Estado, aprovar ou reprovar as contas públicas, podendo, inclusive,


questionar atos do poder executivo. Assim, o legislativo exerce função de

controle político-administrativo e financeiro-orçamentário.

O poder judiciário tem como função interpretar as leis e julgar os casos


de acordo com as regras institucionais e as leis criadas pelo legislativo.

Em resumo, o legislativo cria as leis, o executivo as coloca em prática e o


judiciário cobra o cumprimento delas. Um poder não pode se sobrepor ao

outro, porém existem algumas situações em que ocorrem mecanismos de freio


entre eles. Por exemplo:

 Do poder executivo em relação ao legislativo: pode existir a adoção de

medidas provisórias com força de lei.


 Do poder legislativo em relação ao executivo: a câmara pode processar e

julgar o presidente e o vice-presidente da república e promover um


processo de impeachment.

 Do poder judiciário em relação ao legislativo: os deputados e senadores


estão submetidos ao Supremo Tribunal Federal.

Sistema Eleitoral brasileiro

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Um sistema eleitoral é o conjunto de procedimentos realizados nas

eleições que transformam o voto em mandato. Este é o pilar básico da


democracia representativa.

O sistema eleitoral possui um cálculo específico de apuração, no qual se

computam apenas os votos válidos, ou seja, votos brancos e nulos são


completamente descartados, mesmo que a maioria dos eleitores decida optar

por esses votos. Basicamente, temos dois sistemas eleitorais: majoritário e


proporcional.

No sistema majoritário, o candidato que recebe mais votos é eleito.

Porém, temos dois tipos de sistema majoritário: o simples e o absoluto. O


simples funciona para senadores e prefeitos de municípios que possuem menos

de 200 mil eleitores. Já no majoritário absoluto, só é eleito o candidato que

receber 50% + 1 dos votos e funciona para presidente, governadores e prefeitos


de municípios com mais de 200 mil eleitores. É por isso que nesses casos é bem

frequente ocorrer um segundo turno, apenas entre os dois candidatos mais


votados, já que dificilmente se atinge a quantia mínima logo no primeiro turno.

O sistema proporcional é responsável por eleger deputados e

vereadores. Este sistema existe para trazer mais pluralidade ao parlamento


(poder legislativo), pois propicia a eleição de partidos menores para que estes

também tenham acesso ao poder e possam trazer suas demandas.

Quando votamos em um vereador ou deputado, estamos votando


primeiramente no partido, e não no candidato, pois no sistema proporcional

existe o quociente eleitoral, que é um número mínimo para que um partido


consiga eleger um representante. Este número varia, evidentemente, de região

para região. A ocupação das cadeiras é proporcional à porcentagem de votos


que cada partido obteve. No caso brasileiro, conforme o partido atinge este
quociente, os candidatos mais votados ocuparão o cargo a que concorreram.

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Por exemplo, numa disputa de 10 cadeiras para uma câmara de

vereadores, se um partido X obtiver 40% dos votos válidos, ele ocupará quatro
cadeiras; um partido Y que obtiver 30% dos votos válidos terá direito a três

representantes e assim por diante. O partido que não atingir o número mínimo
do quociente eleitoral não elegerá nenhum representante.

Com o voto proporcional, fica claro que é importante conhecer não

apenas as propostas dos candidatos, mas os princípios que norteiam os


partidos também.

O sistema proporcional é alvo de críticas por algumas razões. Se, como

vimos, pode trazer mais pluralidade, por outro lado nem sempre um candidato
que conseguir mais votos será necessariamente eleito, caso seu partido não

atinja o número mínimo do quociente eleitoral. Um segundo candidato de

outro partido pode não ter tido uma quantidade tão expressiva de votos, mas
se o seu partido teve, ele pode ser eleito. Por isso também é muito comum a

formação de coligações partidárias.

O sistema de listas

O sistema proporcional funciona através de listas. Estas são elaboradas

por todos os partidos ou coligações que concorrem a uma eleição. Em qualquer


lugar do mundo em que vigore o voto proporcional existem três tipos de lista: a

lista aberta, a lista fechada e a lista flexível. Vejamos cada uma delas.

A lista aberta consiste simplesmente no lançamento das candidaturas


vinculadas ao partido ou coligação e os candidatos que recebem o maior

número de votos, respectivamente e atingindo o quociente eleitoral, são os que


ocuparão as cadeiras do congresso ou da câmara de vereadores. É o caso do

Brasil, onde sabemos quem são os candidatos que estão na disputa eleitoral e o

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partido ao qual pertencem; assim, votamos primeiramente no partido e num

candidato específico.

A lista fechada é definida pelos partidos ou coligações antes das


eleições. Eles determinam um ordenamento dos candidatos e, caso o quociente

eleitoral seja atingido, já se sabe a ordem de quem irá ocupar as cadeiras, uma
vez que as listas são divulgadas para os eleitores. Ou seja, o eleitor vota apenas

no partido. É o caso de países como Portugal, Argentina, Uruguai, Turquia,


Espanha, entre outros.

A lista flexível é o sistema no qual o partido elabora um ordenamento

dos candidatos que ocuparão as cadeiras caso atinja o quociente eleitoral,


porém permite que o eleitor interfira na ordem preestabelecida e possa alterá-

la. Assim, o eleitor pode marcar sua preferência. Esta lista está presente, por

exemplo, na Áustria, Bélgica, Dinamarca e Holanda.

Voto distrital puro e voto distrital misto

O sistema distrital é um sistema de votação que divide estados e

municípios em vários distritos e os eleitores só podem votar em um candidato


que necessariamente pertença ao seu distrito. Está presente em países como

Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Itália e França.

No voto distrital puro, a eleição de um representante se dá por maioria


simples (voto majoritário), ou seja, os representantes do poder legislativo são

escolhidos a partir do voto diretamente no candidato. O número de distritos de


cada estado é o correspondente ao de cadeiras que são ocupadas. Por exemplo,

partindo do número de deputados estaduais que temos hoje, o estado de São


Paulo possui 70 cadeiras; portanto o estado seria dividido em 70 distritos. Já o

Tocantins possui 8 representantes, portanto seria dividido em 8 distritos, e


assim por diante. O mesmo ocorreria em todos os municípios a partir da

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quantidade de cadeiras nas câmaras. Já a quantidade de eleitores em cada

distrito é definida a partir da divisão entre o número total de eleitores do


estado e o das cadeiras a serem ocupadas. O candidato mais votado de cada

distrito ocuparia uma cadeira em disputa.

No voto distrital misto, metade das vagas são escolhidas de forma


proporcional e a outra metade no modelo distrital. Dessa forma, cada eleitor

possui dois votos: um para o candidato que o eleitor considerar o melhor para o

seu distrito e outro seguindo a lógica proporcional já estudada, com o voto


sendo direcionado inicialmente para o partido.

O sistema proporcional, que foi criado pelo Código Eleitoral de 1932 e


que vem sendo aplicado até os dias de hoje, gera distorções na representação

de forma que o eleitor, ao votar em determinado candidato, tem o seu voto


contabilizado no total de votos do partido ou da coligação para se apurar a

quantidade vagas no parlamento a que o partido ou a coligação terá direito. As


vagas obtidas pelo partido político ou pela coligação serão, portanto,

preenchidas pelos mais votados.

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Esse sistema de representação proporcional, segundo os defensores do


voto distrital, leva a uma crise de representação, já que o deputado ou o

vereador não tem ligação com quem o elegeu, e isso prejudica a fiscalização
efetiva do eleitor sobre as atividades parlamentares.

Argumentam também que, no sistema de voto distrital, o parlamentar


teria uma relação muito mais próxima com a sua base política, diferentemente

do que ocorre hoje.


No sistema proporcional, para a eleição de um deputado estadual,

promove-se campanha por todo o estado, visando ampliar ao máximo a


visibilidade da sua candidatura, a fim de conseguir o maior número de votos

possível para garantir que o seu partido atinja o quociente eleitoral e,


consequentemente, tenha direito a vaga na Assembleia Legislativa. Nesse

mesmo exemplo, utilizando o sistema distrital, o candidato disputaria a eleição


por um distrito, delimitando o número de eleitores em uma região menor, o

que, em razão disso, baratearia a campanha eleitoral, diminuiria sua


abrangência e aproximaria o representante dos eleitores.

Apesar das aparentes vantagens do sistema distrital, as críticas destacam


que o sistema proporcional traz justiça ao ampliar a representação da sociedade

no parlamento. Os partidos que representam pequenos segmentos na


sociedade, por meio do sistema proporcional, conseguem representação dessa

minoria no parlamento por meio do somatório de votos em todo um estado ou


município, que atinge o quociente eleitoral e permite a obtenção de

representantes no parlamento. Pelo sistema distrital, dificilmente conseguiriam


votos suficientes em um distrito para obter uma vaga no parlamento.

Outra crítica seria a de que um parlamento eleito pelo sistema distrital


estaria dominado por parlamentares tendenciosos por interesses locais, em

detrimento das questões de interesses regionais e nacionais.


Como alternativa às críticas, os defensores do voto distrital defendem
que a sociedade brasileira poderia aderir ao sistema misto, no qual a metade

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das vagas seria preenchida pelo sistema proporcional e a outra metade pelo

sistema distrital, privilegiando tanto o fortalecimento dos partidos pelo sistema


proporcional quanto a aproximação do eleitorado ao seu representante por

meio do sistema distrital.


Nesse contexto, quando se fala em reforma política, em especial quanto

a sistemas eleitorais, é preciso ampliar o debate para que, se entender


necessária a mudança, a sociedade tenha conhecimento de todos os aspectos

positivos e negativos. Assim, assegura-se que, em caso de troca do sistema


eleitoral, seja refletida a maturidade política da nossa sociedade e não apenas

uma mera substituição do antigo pelo novo.


SENA, Adriano Alves de Sena. Voto Distrital. Revista Eletrônica EJE n. 1, ano 5.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Soberania popular
A soberania popular baseia-se na ideia de que todos os poderes políticos

derivam do povo, e não de fontes divinas ou externas. Este conceito de


soberania popular deriva do contratualismo, já abordado na apostila.

A visão contratualista se opõe à versão aristotélica de que o homem é


um animal político por natureza. A política, o Estado e o direito surgiram por

um pacto, um contrato, de uma saída de um estado de natureza por um estado


civil político e esse contrato tinha como grande base firmar, declarar e positivar

os direitos naturais. Para Hobbes, o grande direito natural era a vida. Já para
Locke, além da vida, nós temos o direito natural da propriedade e da liberdade.

Mas é em Rousseau que encontramos a base do conceito de soberania popular,


base da doutrina democrática, a partir da ideia de vontade geral.

Segundo o autor do contrato social, a soberania popular consiste na


soma das distintas frações do poder político pertencentes a cada membro da
comunidade formadora de um Estado e que constituem, em conjunto, a

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vontade geral de todos os membros do Estado nas questões político-decisórias

do Estado, como se dá na escolha dos governantes e elaboração de leis: tal


teoria, da soberania popular, fundamenta-se na igualdade política dos cidadãos

e no sufrágio universal, pois todos os indivíduos detêm uma parcela de


soberania. Tal conceito é base da maioria das constituições democráticas

atualmente.
FABRIZ, Daury Cesar; FERREIRA, Cláudio Fernandes. Teoria Geral dos Elementos Constituivos do Estado. Rev. Faculdade
Direito Universidade Federal Minas Gerais, 2001, 39: 107.

Soberania popular no Brasil

Para tratar sobre a soberania popular no Brasil, iniciaremos apresentando


o parágrafo único do Artigo 1° da Constituição Federal de 1988:

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, ou nos termos desta Constituição.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

A partir do parágrafo supracitado, pode-se dizer que quando nós,

eleitores, vamos às urnas e elegemos aqueles que serão vereadores, prefeitos,


governadores, deputados, senadores e presidente, estamos escolhendo

representantes e suas respectivas atuações nada mais são (ao menos em tese)
do que o nosso próprio exercício do poder de forma indireta.

A Constituição Federal também prevê o exercício do poder do povo de


forma direta. Trata-se do Artigo 14° que, além de definir a democracia do

Estado brasileiro, especifica as formas por meio das quais o povo pode exercer
a sua soberania de forma direta:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

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I - plebiscito;
II - referendo;

III - iniciativa popular.


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

Conforme descrito, a Constituição elencou três formas de exercício do

poder oriundo do povo: plebiscito, referendo e iniciativa popular. A Lei n° 9709


regulamenta a execução dos incisos I, II e III deste artigo. Cabe neste momento

fazer a diferenciação dos dois primeiros.


O plebiscito é uma consulta que se faz ao eleitorado a respeito de um

determinado tema ou assunto para saber a opinião sobre qual solução deve ser
dada para uma determinada situação. Já o referendo é a aprovação ou não de

um texto legal que o eleitorado se manifesta de acordo ou contra. Em suma, no


plebiscito o eleitorado opina e no referendo ele decide.

Apesar de estarem garantidos como soberania popular, tanto o plebiscito


quanto o referendo são muito raros de acontecerem no Brasil e também não

partem inicialmente da vontade popular. São meios de consulta privativos do


congresso nacional, cujo resultado deve ser homologado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
A lei de iniciativa popular é um pouco mais ampla. No Artigo 61°,

parágrafo 2°, tem-se que:

§ 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara


dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos

de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

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O que é possível perceber quanto à lei de iniciativa popular é que, assim

como no plebiscito e no referendo, ela também encontra obstáculos, pois a


votação e aprovação estão a cargo do congresso nacional.

Um dos maiores exemplos de iniciativa popular é a Lei Complementar


135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, por iniciativa do Movimento de

Combate à Corrupção Eleitoral. Esta lei trata dos casos de inelegibilidade a fim
de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do

mandato. Ou seja, o indivíduo que já cometeu crime de natureza eleitoral ou


qualquer outro relacionado ao seu mandato, após sentença condenatória

transitada em julgado, torna-se inelegível pelos próximos 8 anos.

UNIDADE 07 – CIDADANIA

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CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar o conceito de cidadania e os seus

desdobramentos na contemporaneidade.

ESTUDANDO E REFLETNDO

O termo cidadania é frequentemente utilizado. Ele está nas conversas do


cotidiano, nos discursos de líderes, representantes governamentais e nas mídias.

Consiste na situação social na qual o indivíduo tem acesso e exerce o conjunto

de direitos e deveres no papel de cidadão de acordo com os padrões da


sociedade em que vive. Apesar da definição ser simples, o conceito tem uma

longa história e ao longo do tempo foi ampliado ou restringido a partir das


circunstâncias e eventos históricos, alterando o seu sentido.

É necessário voltar à sociedade grega, aproximadamente no século VIII


a.C., com a formação das pólis (cidades-Estado). No período de

desenvolvimento das cidades gregas, a cidadania foi concebida como um


conjunto de direitos que uma pequena parcela privilegiada da sociedade tinha

em relação à vida pública. Não há como afirmar que a concepção de cidadania


da antiguidade clássica seja próxima de como a entendemos hoje, mas em

termos conceituais, de gênese de uma ideia e inspiração para o que viria a ser
cidadania, tomamos a construção do conceito a partir deste ponto. Nesse

contexto, a ideia de cidadania – estendida até os dias de hoje – está relacionada


à ideia de como o cidadão vive a partir do exercício de obrigações e direitos em

um espaço coletivo. Assim, o termo assume uma conotação política clara, que é
a de organização social. Desta forma, o objetivo vinculado a este conceito é o

de cuidar, não apenas do aspecto físico da cidade, mas prezar pela vida coletiva
e pelo bem comum.

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A palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade, e da qual
também resultaram os termos “civilização” e “civilidade”. A cidade foi o

ambiente que mais favoreceu o crescimento da ideia de cidadania. Mais do que


o campo, ela veio exigir dos indivíduos uma convivência próxima e contínua;

nela tornou-se necessário saber respeitar os direitos dos outros e cumprir os


seus deveres, senão a vida se tornaria insuportável. Uma definição geral de

cidadania pode então ser assim formulada: conjunto de direitos e deveres ao


qual um indivíduo está sujeito no ambiente social em que vive.
BOMENY, Helena & FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do Brasil,
2010.

Ainda na antiguidade clássica, em Aristóteles encontramos o conceito de


eudaimonia, traduzido como felicidade. Porém, naquele momento no mundo

grego, felicidade não significava um estado de espírito individual, e sim uma


ordem coletiva de um bem comum (chamada de sumo bem pelos gregos), isto

é, o exercício de virtudes através da política.


Apesar da Grécia ter sido o berço dos ideais de cidadania, pode-se dizer

que a cidadania grega era do tipo direta, porém restrita, limitada, uma vez que
pouquíssimas pessoas eram consideradas cidadãs, gozavam do exercício pleno
da cidadania e tinham acesso ao usufruto do poder político.
A cidadania limitada é aquela em que um pequeno grupo de indivíduos

privilegiados possui acesso à condição de cidadania, seja por nascença, poder


econômico, influência política ou poder. No caso da antiguidade clássica,

consistia em ter nascido nas cidades-Estado, ser homem, maior de 18 anos e


proprietário de terras.

Tanto a sociedade, a cultura e o pensamento gregos tornaram a ideia de


cidadania mais centralizada, assim como ocorreu na sociedade romana. Porém,

a longa Idade Média e suas fragmentações políticas e estruturais do feudalismo


levaram praticamente ao desaparecimento do termo, uma vez que os exercícios

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políticos daquele período se restringiam à noção de servidão ou na relação de

suserania e vassalagem entre os nobres.


Alguns cientistas sociais chegam a afirmar que a cidadania não ocorreu

durante a Idade Média europeia pelo seu próprio contexto estrutural que, com
raras exceções (como no caso do rei), não propiciava nem ao menos o direito à

vida. Em uma sociedade em que a vida de um servo pertencia ao senhor, não há


espaço para se falar em cidadania. O requisito básico para se ter cidadania é o

direito à vida; sem esse direito não há liberdade. Portanto, a cidadania moderna
como conhecemos só foi possível com as transformações que mudaram o

mundo.
Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, com o advento do

capitalismo e a mudança de paradigmas estruturais, foi necessário o surgimento


do homem livre, daquele com direito de escolha. Quando o homem saiu da

condição de servo para a de homem livre no mundo moderno que surgia,


conquistamos a primeira e crucial condição para a existência cidadania.

A partir do momento em que o homem se tornou livre, podemos afirmar


que se deu o início da construção da cidadania. É por isso que muitos autores

só tratam do conceito a partir dos acontecimentos modernos, pois entendem


que a cidadania está relacionada à conquista do direito à vida e da liberdade,

simplesmente pelo fato de que homens livres não apenas sonham com a
liberdade, mas lutam e buscam-na.

O reaparecimento ou a abrangência de cidadania retorna


aproximadamente com a Revolução Inglesa (1642 – 1689) e se consolida em sua

última fase, a Revolução Gloriosa. Nela foi desenvolvido um conjunto de leis


que ficou conhecido como Bill of Rights, a carta de direitos dos cidadãos, na

qual se tem pela primeira vez o direito à cidadania ampliado a todos os


indivíduos, sem distinção.

Como dito anteriormente, a universalização da liberdade e dos direitos


básicos levam à concepção de cidadania plena, à ideia de todos os cidadãos

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sem distinção terem acesso a seus direitos e deveres. Quando todos os homens

se tornaram cidadãos livres de direito, todos passaram a buscar a conquista de


novos direitos.

Um cidadão com direito e controle sobre a própria vida luta por


liberdade, um homem livre luta por justiça, almeja melhores condições de vida

e, para isso, busca participar do poder; tendo poder, torna seus sonhos de
dignidade realidade. Os direitos civis permitem a luta por direitos políticos;

estes, dão condições para conquista de direitos sociais.


O Bill of Rights é um marco para a cidadania, pois reduziu o poder do

monarca por meio do estabelecimento de uma monarquia constitucional no


lugar da realeza do direito divino. O Parlamento adquiriu poderes mais amplos,

iniciando historicamente a participação oficial do povo no poder.


Quase um século depois, com a Independência dos Estados Unidos e a

Revolução Francesa, este processo se amplia ainda mais a partir de cartas e


declarações (como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) que

tornam o exercício político e da cidadania plenos aos indivíduos, visando o fim


dos privilégios de pequenos grupos e reafirmando a ausência de distinção de

classe, gênero e cor.


Um documento extremamente importante nesse processo é a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela ONU (Organização das
Nações Unidas). É um documento que foi elaborado por representantes

oriundos de todas as regiões do mundo e, portanto, de diversas origens


culturais e jurídicas. A declaração serviu de base para muitas constituições e

Estados considerados democráticos, pois trata da dignidade humana e


apresenta direitos universais, inalienáveis e igualitários.

Os eventos aqui destacados são considerados marcos da história


mundial, que influenciaram as mais diversas sociedades ao redor do mundo,

porém não podemos deixar de dizer que cada sociedade possui sua história e,
portanto, os seus próprios marcos de construção e desenvolvimento da

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cidadania. No Brasil, por exemplo, alguns autores trazem a abolição da

escravatura como o marco inicial da cidadania moderna em nosso país,


afirmando que anteriormente a ela havia apenas a cidadania limitada. Isso não

quer dizer que a cidadania é plena, como veremos adiante, mas o início dela se
deu com a conquista da liberdade de todos os indivíduos.

Cidadania e direitos

O sociólogo inglês Thomas Marshall tem importância fundamental e se


tornou referência na reflexão sobre a cidadania, tanto por sua presença na

sociedade quanto pela sua ausência. Em 1949, numa conferência, Marshall


estabeleceu algumas características e direitos que compõem a cidadania e os

dividiu em três grupos. Esta divisão pode ser encontrada no livro Cidadania,
Classe Social e Status, de 1967. Na concepção de Marshall, ser cidadão é uma

condição que se relaciona a uma época e sistema político específicos.


Os três principais grupos seriam:

 Direitos civis, necessários à liberdade individual, originários nos séculos


XVII e XVIII.

 Direitos políticos: ligados à formação do Estado democrático


representativo, originários no século XIX.

 Direitos sociais: ligados ao bem-estar econômico e social, originários no


século XX.

Cidadania e direitos no Brasil

A cidadania pode ser entendida em dois aspectos: formal ou substancial.


O primeiro diz respeito à lei. A Constituição Federal brasileira, por exemplo, é o

documento que nos formaliza como cidadãos do Estado brasileiro.

Na teoria constitucional moderna, cidadão é o indivíduo que tem um


vínculo jurídico com o Estado. É o portador de direitos e deveres fixados por

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uma determinada estrutura legal (Constituição, leis) que lhe confere, ainda, a

nacionalidade. Cidadãos são, em tese, livres e iguais perante a lei, porém súditos
do Estado. Nos regimes democráticos, entende-se que os cidadãos participaram

ou aceitaram o pacto fundante da nação ou de uma nova ordem jurídica.


BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, São Paulo, n. 33, p. 5-16, Ago. 1994.

O aspecto substancial da cidadania se relaciona à compreensão e

reflexão dos direitos na prática, se eles de fato se concretizam para todos os


indivíduos. Por isso, vamos analisá-los e ver o que diz nossa Constituição, pois

eles compõem a base da democracia.


Os direitos civis são os relacionados aos direitos individuais, que cada

um tem simplesmente por fazer parte da sociedade, por ser membro de uma
comunidade. Nesse sentido, esses direitos precisam ser assegurados e

protegidos tanto pelo Estado quanto por todos os membros da sociedade. São
os direitos apresentados no artigo 5°:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à


propriedade
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

Neste mesmo artigo, encontram-se os desdobramentos desses direitos,


como o de liberdade religiosa, de expressão, de igualdade de gênero, as

condições de propriedade e os aspectos da segurança.


Os direitos sociais referem-se aos direitos coletivos. São os direitos que

precisam ser ofertados à toda a sociedade pelo Estado através de políticas


públicas, serviços, arranjos governamentais ou instituições encarregadas de
efetivá-los. Eles encontram-se no artigo 6° da Constituição Federal:

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Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

Os direitos políticos, conforme vimos na unidade anterior, permitem

que a democracia se concretize. Existem direitos políticos de participação e de


representação. Eles estão no artigo 14°, no qual constam uma série de

condições para que possam ser usufruídos e exercidos.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;

II - referendo;
III - iniciativa popular.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
1988.

A Constituição Federal apresenta também subdivisões desses três grupos


principais, como os direitos trabalhistas, da criança e do adolescente, do idoso,

do consumidor, entre outros.


A partir do conhecimento de como os direitos e deveres são

apresentados na Constituição, cabe-nos questionar o quanto de fato a


cidadania é exercida no Brasil e se existe um projeto político que busque o seu

aprimoramento. Pois, de acordo com Benevides, apesar de todos os avanços,


ainda são pertinentes outros questionamentos, como em que medida se torna
possível ampliar tudo o que envolve a cidadania num contexto de desigualdade

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e exclusão. Mais do que isso: até que ponto os direitos são vistos como algo

legítimo e não apenas como benesses ou concessões oferecidas pelo Estado.

Na verdade, nunca tivemos reformas sociais visando à cidadania


efetivamente democrática. Nossa festejada modernização conservadora

empreendeu reformas institucionais (ampliação de direitos políticos e


liberdades de associação partidária), reformas econômicas (no setor financeiro)

e reformas sociais (leis trabalhistas impostas pela ditadura Vargas). Mas não se
mudou, no sentido democrático, o acesso à justiça e à segurança, a distribuição

de rendas, a estrutura agrária, a previdência social, educação, saúde, habitação


etc. A cidadania permaneceu parcial, desequilibrada, excludente. Direitos ainda

entendidos como privilégios — só para alguns, e sob determinadas condições.


BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, São Paulo, n. 33, p. 5-
16, Ago. 1994.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Direitos Humanos

A experiência do holocausto e a violação de direitos durante a Segunda


Guerra deixaram registradas suas marcas na história – genocídios, escravização

de povos e etnias, um cenário de fome e miséria.


Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, e a criação da Organização das

Nações Unidas (ONU) também em 1945, iniciou-se um processo construção de


um sistema normativo internacional visando à proteção dos direitos humanos

em escala global. O marco mais significativo desse processo foi a elaboração e


aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada por 48

países em 1948 e baseada no princípio da dignidade humana.

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Esse documento adquire fundamental importância na medida em que


define, pela primeira vez, um padrão comum de realização para todos os povos

e nações no âmbito dos direitos fundamentais – noções até então difusas e


tratadas sem uniformidade no meio internacional.

A declaração foi o primeiro documento a apresentar à comunidade


internacional um corpo de princípios e diretivas sobre a proteção internacional

dos Direitos Humanos. Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da


igualdade, a declaração demarcou a concepção contemporânea de direitos, pela

qual esses mesmos direitos passam a ser concebidos como uma unidade
interdependente e indivisível.
NIELSSON, Joice Graciele. In: Direitos humanos [recurso eletrônico]: emancipação e ruptura / org. Mara de Oliveira,
Sérgio Augustin – Caxias do Sul, RS: Educs, 2013.

Para que os horrores vividos pela humanidade não se repetissem, a


busca e a luta pelos direitos fundamentais tornaram-se parte da realidade e do

objetivo de trazer paz a todas as nações do mundo. Norberto Bobbio afirma


que os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por

todas. Eles são construídos e reconstruídos pelo homem, como colocado por
Hannah Arendt. Os direitos ganham valor e refletem um espaço simbólico de
luta e ação social, são a racional resistência traduzida nos processos de luta ao
longo da história e a busca pela dignidade e a emancipação do indivíduo.

O direito à liberdade, à igualdade, à vida (conhecidos pelos cientistas


sociais como direitos civis); o direito de opinião, expressão e voto (conhecidos

como direitos políticos); e os direitos de qualidade de vida como saúde,


educação, entre outros (sendo direitos sociais) passaram a fazer parte de uma

concepção maior e tornaram-se requisitos básicos para o alcance da dignidade


e por isso sua busca, sua luta e a conquista dos mesmos nos levaram aos

direitos humanos.

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Os direitos humanos englobam todos os demais direitos e vão além

deles, pois trata-se dos direitos fundamentais; sem eles, o indivíduo não
consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e levar uma vida plena. Mas

quem define como é que deve ser esta “vida plena”? Tal condição é difícil de ser
alcançada ou fiscalizada, pois é difícil determinar parâmetros diante de toda

diversidade cultural e estrutural das sociedades existentes no mundo. É neste


ponto que enxergamos a importância da Declaração Universal de Direitos

Humanos: ela nos traz os parâmetros de concepção do que seriam os direitos


fundamentais, do que esperar quando se fala em vida plena e dignidade da

pessoa humana.
A declaração é formada por 30 artigos que tratam dos direitos

inalienáveis que devem garantir a liberdade, a justiça e a paz mundial. Foi


assinada pelos 192 países que atualmente compõem as Nações Unidas e para

estes países ela serve de base para elaboração de constituições e tratados


internacionais – sem força de lei, mas com força moral, capaz de estabelecer

princípios que se tornaram o norte na elaboração de leis e normas sociais para


os países que a adotaram e seguem.

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na


Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no

valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que


decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma

liberdade mais ampla, … a Assembleia Geral proclama a presente Declaração


Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos

os povos e todas as nações.


Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948
HUMANOS, DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. V. 13, 2015.

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O Brasil é um dos países que aderiu aos princípios da declaração. Houve

muitos avanços, tanto na percepção quanto aos direitos fundamentais como


também na concepção e elaboração de uma legislação pertinente à questão,

mas infelizmente o senso comum adotou a visão de que os direitos humanos se


tratam de privilégios e não direitos fundamentais.

É comum entender a justiça como vingança e equiparar os direitos


fundamentais a privilégios, porém a justiça no Brasil não parte do princípio da

vingança, muito menos trata-se de uma justiça de auditório que desconhece o


conceito de cidadania. Todas as leis elaboradas no Brasil partem e seguem os

parâmetros e características da declaração. Na página da ONU vemos o


destaque das características mais importantes:

Algumas das características mais importantes dos direitos humanos


são:

- Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o


valor de cada pessoa;

- Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados
de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;

- Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de


seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por

exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é


considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido

processo legal;
- Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e

interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e


outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos

outros;

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- Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual


importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada

pessoa.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/

Percebemos que a justiça deve ter caráter universal, visando garantir a

todas as pessoas o vislumbre de uma vida digna, a segurança e a proteção de


todos os seus direitos. Fica claro que direitos não são privilégios, e as diferenças

sociais, étnicas, culturais ou religiosas não alteram o direito ou o acesso a eles.


A Constituição Federal de 1988 classifica os direitos humanos como

sendo direitos e garantias fundamentais e estes são subdivididos em cinco tipos


(categorias), a saber: direitos individuais, os direitos sociais, direitos nacionais,

direitos políticos, por último, os direitos coletivos e difusos. Estes incidem nos
direitos de cada ser humano e na coletividade.

Os direitos humanos no Brasil foram alcançados gradualmente, apesar


dos períodos de retrocesso, com ditaduras que ignoraram por completo tais

direitos. Porém, seus princípios estiveram presentes desde a primeira


constituição de 1824 até a atual de 1988.

Ainda existem situações que ocorrem em nosso país, como as condições


do sistema carcerário brasileiro, a superlotação dos presídios, a tortura e os

longos períodos de prisão provisória, os trabalhadores que laboram em


condições análogas à escravidão. Essas situações demonstram que ainda temos

um longo caminho a percorrer, precisamos criar meios que sejam capazes de


assegurar a efetividade de tais direitos.

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UNIDADE 08 – PODER

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar e discutir o conceito de Poder.

Conceitos importantes para compressão:

- Poder: Conceito sociológico com vários significados, o mais comum entre eles
é o de Max Weber, que conceitua poder como a capacidade de controlar
indivíduos, eventos e recursos – fazer com que aconteça aquilo que a pessoa

quer, a despeito de obstáculos, resistência ou oposição. É a capacidade de


fazer com que o outro faça aquilo que você quer. (Grifo do autor).

- Autoridade: é o poder associado à ocupação de um dado status social,

definida socialmente como legítima, o que significa que tende a ser apoiada
pelos que a ele estão sujeitos.

- Poder de coerção: carece de legitimidade social e se baseia no medo e no


uso da força.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

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ESTUDANDO E REFLETINDO
Poder e Organização:

Em geral, quando nos referimos ao poder, nós o relacionamos


diretamente à política e ao Estado. Entretanto, o poder não se resume a

políticos e governantes, pois devemos considerar o poder como a capacidade


de atuação, de produção de efeitos sobre os indivíduos e sobre a sociedade.

Neste caso, o poder se manifesta por meio das relações nas quais os indivíduos,
os grupos e as instituições interferem na vida social.

Todas as relações são relações de poder, todas elas


ocorrem entre quem tem a capacidade de “convencer” o outro a fazer o que

quer e quem “aceita” o comando do outro. Um exemplo são as relações


familiares, nas quais membros de uma mesma família exercem poder uns sobre

os outros em diferentes níveis, pais sobre filhos, filhos sobre pais. Outro
exemplo é na amizade, quando um amigo convence o outro a realizar uma

atividade que era apenas da vontade de um ou quando um fato duvidoso se


torna verdade diante da capacidade de convencimento de um indivíduo sobre o

outro.
Para Foucault, a verdade é produzida a partir das relações de poder e

sofre mudanças no decorrer da história. Por isso que poder e saber estão
correlacionados, porque não há poder sem saber e não há saber sem poder, ou

seja, o saber acaba sendo imposto pelo poder e o poder é fruto do saber.
Não é possível haver verdade sem poder, pois ambos são conceitos

intrínsecos. O poder é aquele que gera o saber, o conjunto de conhecimentos e


crenças que caracteriza a verdade.

O micropoder para Foucault está embasado na relação dos indivíduos,


isto é, eles são influenciados pela relação homem-mulher, pais-crianças, na

educação, no trabalho, no ceio familiar, na religião.

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Essas pequenas relações de poder é que mantêm as grandes relações de

poder como o poder do Estado.

As relações de poder existem entre um homem e uma mulher, entre


aquele que sabe e aquele que não sabe, entre os pais e as crianças, na família.
Na sociedade há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte,

relações de forças de pequenos enfrentamentos, micro lutas, de algum modo.

Se é verdade que essas pequenas relações de poder são com frequência


comandadas, introduzidas do alto pelos grandes poderes do Estado ou pelas

grandes dominações de classe, é preciso ainda dizer que, em sentido inverso,


uma dominação de classe ou uma estrutura de Estado só podem bem funcionar

se há, na base, essas pequenas relações de poder.


FOUCAULT, Michel. Estratégia Poder e Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.

O poder está em todos os lugares da sociedade, nas pequenas estruturas

como nas grandes estruturas.

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo
que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está
somente nas mãos de alguns. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas

malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer


este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do

poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se


aplica aos indivíduos, passa por eles.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.

Se o poder é algo circular, que acontece em rede e todo indivíduo em


dado momento pode executar, mas também sofrer sua ação, isto significa que

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existe um poder que emana da sociedade, o poder social. O poder social está

vinculado a uma interação, ou seja, sempre que os indivíduos interagem, alguns


procuram impor sua vontade e dominação sobre outros, que se sujeitam e são

dominados dentro de uma determinada relação.


Weber distingue três tipos básicos de dominação:

Dominação carismática: tem sua legitimidade apoiada na crença de que


a pessoa ou pessoas que mandam têm um poder mágico, sobrenatural ou

religioso e também um caráter heroico. É o caso de Jesus Cristo, que pode ser
considerado um líder carismático porque seu poder está ligado a dons mágicos

e religiosos.

Dominação tradicional: Está apoiada na crença a um poder sagrado


herdado das tradições. Esse tipo de dominação, se refere a aquele poder

passado de geração em geração dentro de uma tradição, como é o caso dos


reis, por exemplo.

Dominação racional-legal: tem seu fundamento na legalidade da lei e


na legitimidade do poder daqueles que fazem essas leis e normas. É o caso da

nossa legislação. Aceitamos estas leis porque as pessoas que a fazem são
consideradas legítimas em suas funções. Os vereadores, deputados, senadores e

o presidente da república são legitimados pela eleição, que é considerado o


meio mais “racional” para escolher os representantes e os legisladores.

PAIXÃO, Alessandro Ezequiel da. Sociologia Geral. 1ª ed. Curitiba, Intersaberes, 2012.

Estamos diante das regras de direitos imprimidas por alguns indivíduos e


da obrigação à obediência que deve ser aceita por outros. A imposição de

regras e normas, ou mesmo o controle que indivíduos e instituições possam

promover sobre outros indivíduos, pode se dar por meio do uso da força, que
deve ser compreendida como um instrumento para o exercício de poder.

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Quando nos referimos à força, podemos nos remeter ao uso da força

física, da coerção e violência, no entanto, este pode ser apenas um modelo de


força.

A utilização da força como mecanismo de dominação, controle e punição


pode ser um instrumento de intervenção violenta de determinadas instituições,

tais como os reformatórios e as prisões.


O Estado detém instrumentos de coerção próprios para manter a

dominação como as leis, a polícia e o exército.


Segundo Weber, a dominação não é legítima quando tem como fonte

exclusiva a força; o controle pela força acaba quando o indivíduo perde o medo
de sofrer punição, como por exemplo quando os alunos só ficam em silêncio ou

fazem as atividades por medo das sanções da professora ou de sua reação. No


momento em que eles deixarem de ter medo ela perderá o controle da sala.

As melhores e mais eficientes fontes de poder são as apresentadas por


Max Weber anteriormente, pelo simples fato dos indivíduos escolherem

reconhecer a autoridade e aceitar a dominação como legítima, como por


exemplo a dominação carismática que também pode se dar pela admiração ou

pelo amor direcionado a um indivíduo. A admiração por um líder político


populista pode levar um grande número de indivíduos a segui-lo sem

questionar suas ações e posturas, como ocorreu com Hitler na Alemanha, ou


um líder político religioso como Osama Bin Laden, ou um líder revolucionário

como Mahatma Gandhi, ou Martin Luther King, ou ideológico como Lula ou


Bolsonaro.

Como vimos, as relações de poder podem ser mais simples (entre dois
indivíduos) ou mais complexas (Estado). As formas do exercício do poder,

segundo Norberto Bobbio, podem ser: poder econômico, poder político e


poder ideológico. O poder econômico é a forma com que o capital influencia a

conduta de indivíduos, instituições e a sociedade, a exemplo do privilégio de


classe. O poder ideológico é a capacidade de influenciar a formação das ideias,

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práticas sociais, padrões de comportamento, identidades e a forma de

interpretar o mundo. O poder político é a imposição da vontade de uma


coletividade, é a influência no consenso social, é o monopólio legítimo dos

instrumentos que constituem o poder.


Para Correia existem três tipos de poder, a saber: o simbólico, o

institucional e o instrumental. O primeiro está relacionado à soberania, o


segundo ao Estado e o terceiro à defesa nacional.

O primeiro é o simbólico e anímico: é o poder, expressão do produto de


uma vontade por uma capacidade (ter e exercer); é o patamar da soberania.

O segundo é o institucional: é ter poder, expressão de uma autoridade

dos órgãos de uma soberania; é o patamar do Estado.

O terceiro é o instrumental: é exercer poder, expressão de potencial, de

uma capacidade dos agentes do Estado; é o patamar da defesa nacional.


CORREIA Pedro de Pezarat. Manual de Geopolítica e Geoestratégia. Lisboa Portugal; Almeidina S.A., 2018.

Neste contexto, Correia caracteriza a estratégia do poder com um Estado

soberano e defesa nacional para poder se defender ou até mesmo atacar seus
inimigos. Esses elementos são mantidos, segundo Correia, por uma trilogia do

poder, o poder religioso, o poder militar e o poder econômico.

Trilogia do poder
Poder religioso, que se exerce através do sagrado e dirige as relações
com o além.

Poder militar, que se exerce através da força e dirige as relações entre os


grupos sociais.
O poder econômico, que se exerce através do dinheiro e dirige as
relações no interior de cada grupo social.

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CORREIA Pedro de Pezarat. Manual de Geopolítica e Geoestratégia. Lisboa Portugal; Almeidina S.A., 2018.

Para Correia, os três poderes operam da seguinte forma: o poder


religioso mantém a ideologia da classe social dominante, o poder militar é o

poder que “mantém o povo em sua mais perfeita ordem” (coercitivo) e o poder
econômico é que mantém o Estado vivo e o povo pacificado pela ideologia

e/ou pela coerção, quando a ideologia não consegue mantê-los.


Maquiavel reconhece o poder militar do governante como forma de

manter o Estado e o próprio poder. Para isso é necessário realizar formas


estratégicas para essa manutenção.

Maquiavel compreendeu a importância que o poder militar desempenha


como instrumento do poder político, a íntima relação entre o poder de um

Estado e o seu potencial militar, e deixou submeter que se apercebeu do que


hoje é considerado um dos grandes pressupostos da estratégia, a coação ao

serviço da política, a existência de um outro e a negação desse outro.


CORREIA Pedro de Pezarat. Manual de Geopolítica e Geoestratégia. Lisboa Portugal; Almeidina S.A., 2018.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Desvio Social e Controle Social:

O conceito de desvio social está vinculado às condutas, regras e normas


individuais ou coletivas que são impostas pela sociedade. O que determina um

desvio é a sua transgressão, ou seja, pode-se denominar a ausência ou falha de


conformidades diante das normas e obrigações sociais.

Um comportamento só pode ser classificado como desviante por


referência à sociedade em que passar a existir e às suas regras e normas. Desta

forma, podemos afirmar que cada sociedade, ao definir o campo dos


comportamentos socialmente aceitáveis, determina ao mesmo tempo quais são

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as condutas desviantes. Sendo assim, o desvio social é resultado de uma

classificação social.
No entanto, se o desvio pode ser compreendido como um atentado à

ordem e às leis, por outro lado, pode ser percebido como a incapacidade dos
grupos e da sociedade em impor uma socialização e contenção dos

comportamentos dos indivíduos. Podemos enfatizar que as denominadas


condutas desviantes acontecem em associação, em geral estão acopladas a

algum grupo, o indivíduo não atua sozinho, pois para se “desviar” ele deve
receber o apoio de terceiros. Assim, temos um fenômeno de concordância, o

indivíduo estaria conformado e determinado a fazer parte de um grupo que não


se identifica com o padrão social normativo imposto pela sociedade.

Se existem os padrões sociais, por um lado, existem os inaceitáveis, por


outro, que são estigmatizados e denominados como “imorais, “loucos”,

“delinquentes”, ou simplesmente “anormais”. A este respeito, o filósofo francês


Michel Foucault analisou de que forma surgiu na sociedade, no final do século

XIX, uma crescente obsessão e medo dos “anormais”; para sua contenção,
formou-se um grupo de instituições de controle que desenvolveram uma série

de mecanismos de vigilância.
Segundo Foucault, são três os elementos que vão compor o grupo dos

anormais: o “monstro humano”, o “indivíduo a corrigir”, o “onanista”. Procurar


desvendar as anomalias serviria para a sociedade abarcar os pequenos desvios

sociais, como a delinquência juvenil, para, em seguida, interditar, punir e


dissuadir aqueles que apresentassem um comportamento desviante.

No século XIX, alguns teóricos analisaram a anormalidade e os


comportamentos desviantes como patologias. Determinados tipos de conduta

foram considerados casos patológicos individuais, resultantes de desordens


mentais, físicas, ou mesmo de origem hereditária. Um dos defensores desta

concepção clínica do desvio foi Cesare Lombroso (1835-1909), psiquiatra e


criminologista italiano. Para ele, o delinquente ou criminoso era constituído de

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um comportamento mental à parte, portanto deveria ser estudado, confinado e

corrigido. Este pensamento fomentou as técnicas jurídicas e médicas por todo o


século XIX, mas adentrou o século o XX, quando estas técnicas foram sendo

aperfeiçoadas.
O conceito de controle social está vinculado ao ato de “vigiar e punir”. Os

mecanismos de vigilância servem para impor aos indivíduos sanções legais ou


“espontâneas”, que visam garantir a conformidade em detrimento das normas e

regras sociais impostas pela sociedade.


Neste sentido, o controle social está diretamente ligado ao desvio e ao

crime, pois o indivíduo com comportamento desviante deve ser punido e


castigado. A socialização, bem como a internalização de normas, regras, valores

sociais e morais, garantiriam parcialmente o controle da sociedade sobre o


indivíduo, que deve ser antes de tudo disciplinado. Sendo assim, o controle

social é essencial para os mecanismos de socialização, vigilância e sanções de


comportamento.

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UNIDADE 09 – BIOPODER E BIOPOLÍTICA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é discutir a questão da biopolítica e biopoder e


as suas influências na sociedade.

ESTUDANDO E REFLETINDO

Biopoder e biopolítica
Biopoder e biopolítica são conceitos fundamentais trabalhados pelo

filósofo Michel Foucault.

Biopoder Biopolítica
Impacto do poder Regulamentação da vida, os
(geralmente governamental) modos como a política
sobre a vida enxerga e lida com a vida

Na contramão de muitos autores clássicos das ciências humanas,


Foucault se tornou um dos mais importantes pensadores do século XX por
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apresentar uma mudança de paradigma, inclusive no que se refere à concepção

de poder. Sua obra é extensa, densa e se estende a uma série de áreas do


conhecimento, como a filosofia, psicologia, medicina, psiquiatria e política.

Tradicionalmente, a visão predominante sobre o poder sempre colocou o


Estado como monopolizador do poder. Como este seria uma relação de força e

obediência, o Estado buscaria centralizar e legitimar o exercício do poder. Nesse


sentido, e conforme estudado, a influência de Weber é incontestável.

Foucault buscou entender como o poder funciona, suas formas de


manifestação e seus regimentos em determinadas sociedades. Como vimos

anteriormente, ele não é um elemento encontrado única e exclusivamente no


Estado, mas em outras instituições. Diz Touraine, ao elucidar esta questão

foucaultiana:

O poder não é um discurso proferido do alto de uma tribuna; ele é um


conjunto de enunciados produzidos de maneira autônoma em todas as
instituições, e que são tanto mais eficazes quanto menos apelam para uma

vontade soberana e mais para a observação objetiva, também para a ciência.


TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Para Foucault, ocorre uma mudança extremamente significativa acerca

do poder e da punição na passagem das sociedades pré-capitalistas para as


capitalistas (neste caso, referimo-nos ao capitalismo industrial). Esta discussão

está presente na obra Vigiar e Punir, no estudo sobre as formas de


disciplinamento construídas socialmente. Assim, na visão do filósofo, existiriam

duas maneiras de compreender o poder a partir da punição.


A primeira teria ocorrido aproximadamente até o século XVIII (passando

pela Idade Média e o Absolutismo) e tem base na tortura e no suplício,


prevalecendo as práticas de punição corpóreas, ligadas aos indivíduos, que
assumem um caráter muitas vezes cruel e bárbaro. Vejamos o exemplo:

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[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão


publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser]
levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha

de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e
sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e

barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito
parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado

se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre


derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado

por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a


cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento”
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.

Como é possível perceber, nesta primeira acepção, o corpo é visto como


o espaço de punição do indivíduo. Isso porque até então a ideia de poder que

se tinha era o “poder do fazer morrer ou deixar viver”, o monarca ou o


governante tinha autonomia para interferir diretamente na vida dos súditos.

Com o advento do Iluminismo, porém, teria surgido um novo tipo de

disciplinamento e ideia de poder. A partir do século XVIII, ao invés de se punir


fisicamente, cria-se a ideia do que Foucault chama de “punição da alma”, algo

mais subjetivo, com características mais racionalizadas.

O período do capitalismo industrial traz consigo a lógica de “fazer viver

ou deixar morrer”, ou seja, de criar políticas que promovem a vida, uma vez que
a mão de obra passa a ser fundamental para manter o capitalismo funcionando.

Isso passa a ocorrer de várias formas, como por exemplo a partir do controle de
doenças, das taxas de natalidade e mortalidade, de práticas de higienização e
saneamento. Por outro lado, as vidas que não interessam ao poder (econômico

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e político) estabelecido poderiam ser descartadas. Assim, podemos concluir que

a biopolítica representa as práticas do biopoder.

É com base nessas duas visões de poder que Foucault desenvolve a


macro e a microfísica do poder. Até o século XVIII, tem-se um poder

macrofísico, ligado ao poder exercido pela monarquia, pelos Estados nacionais,


pelo poder centralizado. Posteriormente, nas sociedades capitalistas industriais,

destaca-se a microfísica do poder, onde este é dissolvido e pode ser exercido


por diversas instituições.

Quando falamos de biopolítica, falamos de uma relação com a

microfísica do poder, da aplicação deste por meio da disciplina que é exercida


sobre os corpos das pessoas para torná-los corpos aptos, capacitados para se

adequar às normas e exigências da sociedade.

Foucault observa a relevância de certas instituições que até então não

eram compreendidas como espaços de poder. Ele as chamará de instituições


disciplinares, a exemplo da família, da escola, do exército, da fábrica. São

lugares de disciplinamento por excelência e exercem poder de coerção sobre os


indivíduos.

Porém, nos casos de não adaptação às regras vigentes na sociedade,

para os indivíduos com “desvios de conduta”, considerados “doentes”, “maus”


ou “loucos” existem também as instituições de confinamento, como os presídios

e os hospitais psiquiátricos (manicômios). Em suma, a disciplina produz corpos


submissos e “dóceis”.

O exemplo clássico utilizado por Foucault ao se referir sobre um aparato


de punição mais racionalizado é o Panóptico, conceito elaborado pelo jurista e

também filósofo inglês Jeremy Bentham, a respeito de uma nova estrutura física
de presídios. Trata-se de uma penitenciária modelo, com estrutura circular e
guaritas centralizadas; neste espaço, a questão não é vigiar direta e fisicamente

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o preso, mas gerar a dúvida da vigilância, uma vez que ele não saberia se estaria

sendo vigiado ou não e isso o forçaria a ter disciplina e bom comportamento o


tempo todo – é a ideia de coibir as ações antes que elas sejam praticadas.

O mesmo princípio da racionalidade, a ideia de vigiar e classificar, se

estenderia às demais instituições. De acordo com Foucault, a disciplina ocorre


de três formas:

 Hierarquia: todas as instituições são hierarquizadas.

 Sanção normalizadora: os indivíduos estão sujeitos a punições a todo


momento, basta o descumprimento das regras.

 Exame: o tempo todo os indivíduos são avaliados e classificados, seja por


condutas, formas de se expressar, e assim por diante.

Dito isto, é possível dizer que, na concepção de Foucault, o modelo de


sociedade disciplinar se forma não apenas através da figura do Estado como

detentor único do poder, uma vez que este se dissemina nas relações.

O que Foucault está nos dizendo exatamente?


[...] Foucault está insistindo em sua resposta numa ideia que atravessa

toda a sua obra e que vimos destacando até aqui: existe uma forte correlação
entre saber e poder. Instituições como a escola, o hospital, a prisão, o abrigo

para menores etc. nem são politicamente neutras, nem estão simplesmente a
serviço do bem geral da sociedade. Nós é que acreditamos que elas são

neutras, legítimas e eficazes porque acreditamos na neutralidade, na


legitimidade e na eficácia dos saberes científicos – como a pedagogia, a

medicina, o direito, o serviço social – que lhes dão sustentação. Foucault nos
ajuda a perceber, portanto, que há relações de poder onde elas não eram

normalmente percebidas. O conhecimento não é uma entidade neutra e


abstrata; ele expressa uma vontade de poder. Se a ciência moderna se

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apresenta como um discurso objetivo, acima das crenças particulares e das

preferências políticas, alheio aos preconceitos, na prática, ela ajuda a tornar os


“corpos dóceis”, para usar outra de suas expressões.

“Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não
ser dizer não”, provoca Foucault, “você acredita que seria obedecido?”. Por meio

de perguntas como esta, ele nos leva a refletir sobre os mecanismos de


manutenção, aceitação e reprodução do poder. O poder, tal como Foucault o

concebe, não equivale à dominação, à soberania ou à lei. É um poder que se faz


aceito porque está associado ao conceito de verdade: “Somos submetidos pelo

poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a


produção da verdade”, afirma ele. Nós estamos acostumados a pensar a

verdade como independente do poder porque acreditamos que ela de nada


depende, é única e absoluta. Assim sendo, temos dificuldade em aceitar a ideia

de que o “verdadeiro” é “apenas” aquilo que os próprios seres humanos


definem como tal. Para Foucault, é a crença nessa verdade que independe das

decisões humanas que nos autoriza a julgar, condenar, classificar, reprimir e


coagir uns aos outros.
BOMENY, Helena & FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do Brasil,
2010.

Hoje, existem outras formas de se analisar a biopolítica, muitas releituras

foram feitas na tentativa de compreender o período atual que vivemos, as


relações entre os indivíduos e suas dimensões políticas, incluindo a natureza, a

organização e a administração da vitalidade humana e individual.

Numa visão mais recente, por exemplo, o sociólogo britânico Nikolas

Rose afirma que os dispositivos disciplinares se intensificaram, e que o controle


se estendeu para fora das instituições através de um sistema de redes que

abarca todo o corpo social. O poder é exercido mediante máquinas que


organizam diretamente o cérebro – através de sistemas de comunicação e redes

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de informação – e os corpos por atividades monitoradas, objetivando um

estado de alienação permanente. Assim, refletir sobre a biopolítica se torna


cada vez mais importante em detrimento do papel do conhecimento biológico,

do gerenciamento que fazemos da nossa vida e o que o governo faz de nós.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Necropolítica

O termo necropolítica foi cunhado pelo filósofo camaronês Achille


Mbembe, que pensou e elaborou conceitualmente a relação entre o poder e a

morte de forma mais aprofundada do que outros autores vinham fazendo.


Mbembe coloca no centro da reflexão política uma discussão sobre os modos e

as formas pelas quais o poder político se apropria, de diferentes maneiras, da


morte como um objeto de gestão. O que Mbembe aponta é que o poder, além

de se apropriar da vida, de nos limitar e estabelecer normas como devemos


viver, agir e nos conduzir, também decide, toma medidas a respeito de como se

deve morrer, quem deve morrer e o que deve acontecer com essa morte e com
o corpo.

O termo já vem sendo utilizado há um tempo por pesquisadores de


diversas áreas do conhecimento e no Brasil ele se destaca sob vários prismas de

observação da realidade.
Para realizar uma análise fidedigna sobre a necropolítica no Brasil, é

necessário relacioná-la com outras formas de gestão da vida, isto é, não se trata
de pensar que a necropolítica é a única maneira do poder gerir a vida dos

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indivíduos. Ela entra num dispositivo mais complexo ao se encontrar com outras

questões estruturais presentes no país, como por exemplo o racismo, o discurso


do inimigo interno e outras tantas racionalidades que compõem a lógica do

poder no Brasil.
Pensando especificamente na necropolítica, o que se observa é que, em

muitos casos, as forças de segurança no Brasil são responsáveis pela gestão


violenta e mortífera das populações das periferias. De acordo com Mbembe, a

partir do momento que esta se torna a maneira de administrar uma população,


definindo quem e de que forma será morto, já se pode falar em necropolítica.

A necropolítica possui dois atributos fundamentais. Em primeiro lugar,


ela não é responsável apenas por fazer morrer e produzir a morte. Mais do que

isso, ela procura gerir as condições mortíferas. Ou seja, trata-se de fazer com
que determinadas regiões estejam submetidas permanentemente ao controle

das condições necessárias para a sobrevivência em níveis mínimos, ao controle


dos processos de circulação, de ir e vir, marcados pelo risco permanente da

morte. Então, ao pensarmos em algumas regiões do Brasil, notadamente as


periféricas, nas quais existe uma gestão de segurança responsável por exercer

permanentemente o medo de ser morto a qualquer momento, fazendo com


que o estado de exceção se transforme em norma nessas regiões, podemos

afirmar que isso é, de certa maneira, uma gestão necropolítica dessas


populações.

Outro aspecto importante para refletir sobre a necropolítica diz respeito


a expandir o olhar além do Estado; é necessário pensar como essa gestão da

morte se mantém por meio de uma série de outros atores sociais que também
são responsáveis pela produção da morte em larga escala, junto ou não com o

Estado. É o caso do narcotráfico e das milícias, por exemplo, agentes ambíguos,


aliados ao Estado e ao mesmo tempo fora dele, mas que também têm

responsabilidade pela administração dessas condições mortíferas em diversas


regiões do Brasil.

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Como vimos anteriormente, Michel Foucault insistia que o poder não

pode ser pensado apenas de forma negativa, como sinônimo de destruição,


limitação e silêncio; ele também deve ser pensado na esfera da produtividade.

O poder também produz, cria. Nesse sentido, se considerarmos que a


necropolítica fica muito explícita nas ações e discursos oriundos ou não do

governo, seu poder consiste na produção de corpos cuja identidade é não ter
identidade. Por consequência, um segundo efeito que ela produz é um estado

de melancolia nas pessoas que diariamente são submetidas a este risco ou que
já vivenciaram esta situação e assumem uma posição de quem já não tem mais

nada a fazer contra esse poder.


No Brasil, o discurso do inimigo interno também é muito presente e

muito potente. Este discurso está organizado e se orienta a partir de uma lógica
conhecida por “lógica imunológica”. Na imunologia, quando uma “entidade”

externa infecta e contamina um corpo, para que seja possível manter a saúde
desse corpo, é necessário eliminar essa entidade externa responsável por

infeccionar; é preciso, portanto, destruí-la. A necropolítica está muito vinculada


a essa lógica em relação ao discurso do inimigo interno. Ou seja, a partir de

uma ideologia, cria-se a ideia de que é preciso matar, eliminar, de que é preciso
fazer com que algumas pessoas e alguns grupos desapareçam para garantir a

“saúde”, o bem-estar do país. Em última instância, o que sustenta a


necropolítica é a sua articulação com o discurso da “saúde nacional”.

Mbembe também estabelece uma relação entre a necropolítica e alguns


pressupostos neoliberais. Embora pareça o oposto – afinal, o discurso neoliberal

se caracteriza, dentre outras coisas, por uma espécie de supervalorização da


potência e da performance – a chave para pensar a relação entre essas duas

racionalidades encontra-se justamente no fato de que no atual estágio do


capitalismo se produz cada vez mais uma extensa massa populacional que não

será absorvida pelo mercado de trabalho, que pode ser considerada


improdutiva. Alguns acreditam que essa população é gerida de tal forma que a

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médio prazo será reincorporada no mercado de trabalho. Já para Mbembe,

parece que essa lógica se altera completamente na medida em que a única


coisa feita com essa parcela da população é justamente gerir condições nas

quais a sobrevida será mantida, e em alguns casos a morte será produzida. Para
o filósofo, portanto, o neoliberalismo opera de forma calculada, uma vez que a

vida de uns parece valer mais que a de outros e que estes, então, podem ser
descartados.

UNIDADE 10 – PODER, DISCURSO, IDEOLOGIA E


MANIPULAÇÃO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE

O objetivo desta unidade é apresentar uma discussão sobre a questão da


ideologia em relação ao discurso que mantém o poder e como o poder se

relaciona com a manipulação.

ESTUDANDO E REFLETINDO

O Estado de Bem-estar Social


A crise do sistema capitalista gerou uma mudança nas suas instituições,
sendo que no Estado estas ficaram mais transparentes, por ser este a instituição

que estabelece as políticas públicas, regulando as relações sociais. No período

inicial do capitalismo industrial ainda não existia uma classe operária


organizada, somente o seu desenvolvimento permitiu a organização de

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instituições que vieram dar ao operariado, por intermédio de lutas incansáveis,

o surgimento dos sindicatos, gerando uma série de conquistas. Após a primeira


crise do capitalismo, possibilitou-se a criação de direitos sociais regulando a

relação entre capital e trabalho.


A crise do capital foi uma crise de superprodução que obrigou uma

ampliação para outros mercados, para que os produtos fabricados tivessem


demanda suficiente para serem vendidos. Esse acontecimento provocou uma

busca por novos mercados, na medida em que a produção no início do sistema


capitalista era ilimitada. Para os países dependentes, esta procura se tornou

uma queda na indústria nacional. Na medida em que adentram em novos


mercados, o capital retorna com alta tecnologia, que as empresas nacionais não

conseguem acompanhar, o que torna impossível sua manutenção, fazendo com


que muitas desapareçam neste processo. O capitalismo nesse período é

denominado de monopolista, exatamente pelo poder devastador que apresenta


nas economias nacionais. Dessa forma, não há mais possibilidade de se manter

o Estado Liberal.
Com a decadência do Estado Liberal, surgem as instituições de proteção

aos trabalhadores. Sua atuação possibilitou que diversas exigências dos


trabalhadores fossem cumpridas. O movimento operário diante de um

significativo poder de barganha com o capital torna o Estado uma instituição


que passa a intervir na economia, diferentemente do Estado Liberal, que não

permite qualquer tipo de intervenção. Surge assim a denominação de Estado de


Bem-Estar Social.

[...] Para sustentar as campanhas de reivindicações trabalhistas e sociais, a


classe operária se organizou em sindicatos, segundo os ramos da produção (por

exemplo, o da indústria têxtil) ou de acordo com a categoria profissional


(alfaiates, pedreiros, etc.). Mais que isso, a classe operária passou a disputar o

próprio poder, através dos partidos operários – socialdemocratas, socialistas e

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outros – ou mesmo através de organizações políticas não partidárias, como os

anarquistas (TOMAZI, 2000, p. 144).


O Estado de Bem-Estar Social assume determinados serviços sociais, que

deveriam ser na realidade, assumidos pelos trabalhadores com seus salários.


Isto não ocorre devido aos baixos salários recebidos pelos trabalhadores. Como

o capital está em crise e as exigências dos trabalhadores tinham que ser


cumpridas, pois estes possuem um poder de barganha que atingiram com seu

nível de organização, o Estado aparece para suprir determinados serviços. Esta


atuação do Estado surge para que o capital não perca com a crise, ou seja, o

Estado vem a oferecer serviços para a população para que não seja necessário o
capitalista oferecer um aumento nos salários dos trabalhadores. A entrada do

Estado significou o fim da crise do capital sem que ele próprio tivesse que
dispender de qualquer gasto, caso tivesse que aumentar o valor dos salários

dos trabalhadores. Isso mostra a estreita relação que Estado e capital possuem
na regulação das relações sociais. O Estado de Bem-Estar Social ofereceria

educação, saúde, moradia e segurança à sociedade, na medida em que


universalizava esses serviços. A universalização se torna uma “faca de dois

gumes” no sistema capitalista e principalmente nos países dependentes. Nos


países europeus, o Estado de Bem-Estar Social, local onde teve seu surgimento,

funcionou plenamente, dando aos trabalhadores uma segurança, inclusive


diante do desemprego. Caso ficassem desempregados, o Estado oferecia salário

que não obrigava o trabalhador a diminuir o nível de vida e de sua família.


Oferecia-se desde o apoio com aluguéis, até um pleno funcionamento do

sistema de saúde, oferecendo desde medicamentos a óculos, suprindo


realmente todos os serviços à sociedade. Mas temos que salientar que mesmo

na Europa não foram todos os países que tinham um Estado de Bem-Estar


Social no mesmo nível que a Inglaterra ou a Alemanha, por exemplo.
MARTINS, Mário de Souza, Sociologia geral. Guarapuava: Unicentro, 2012

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O Estado de bem-estar social fez nascer uma nova concepção de Estado

moderno, no qual vivemos com acesso a um nível de condição social que


passamos a chamar de cidadania, possuidores de direitos e deveres

proporcionados pela lei e pelo Estado. Assim, concebemos direitos sociais numa
esfera ampla, desde o mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito

de participar por completo na herança social e levar a vida de acordo com o


padrões que prevalecem na sociedade, como a educação, saúde, segurança

salarial, entre outros; o direito civil composto de direitos necessários à vida, à


liberdade, à propriedade privada e à igualdade entre as pessoas; e o direito

político como o direito de participar no exercício do poder, como um membro


de um organismo investido de autoridade política ou como um eleitor dos

membros de tal organismo.


Para que esses e outros diretos sejam respeitados e os cidadãos possam

exercê-los livremente, é necessário a existência de um Estado democrático,


respeitador das normas institucionais e constitucionais, com um governo de

direito, que desenvolva legalmente suas funções de administração.


Mas nem todos os Estados se apresentam com tais características.

Quando ocorre abuso de poder por parte dos indivíduos investidos de


autoridade política por meio do Estado, os diretos sociais, políticos e civis

passam a ser violados, como ocorre em governos despóticos.

O abuso de poder, então, significa a violação de normas e valores


fundamentais no interesse daqueles que têm o poder e contra os interesses dos

outros. Os abusos de poder significam a violação dos direitos sociais e civis das
pessoas.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

O poder coercitivo descrito por Dijk pode ser entendido como o


Aparelho de Estado (AE) de Althusser, estudado anteriormente, que é o

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aparelho repressivo. E o poder persuasivo está relacionado com o micropoder

de Foucault e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) de Althusser.

Tipos de Poder
Poder coercitivo = pela força (forças armadas, força policial, pessoas violentas);
Poder do capital = valor monetário (diferenças de classes sociais)

Poder persuasivo = pais, professores e mídia (baseado na autoridade, no


conhecimento e na informação)
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

De acordo com Dijk, para se analisar a questão existem outras

interferências que ocorrem na dimensão do poder, entre elas a variabilidade das


instituições, suas estruturas internas diversas, as disputas entre grupos sociais, e

o domínio das instituições ou de grupos em relação às dimensões do poder.


Existe uma relação intrínseca entre três componentes essenciais: o

discurso, a ideologia e a manutenção do poder. O poder é exercido pelo


discurso, por isso este é quem direciona a questão ideológica, isto é, qual a

ideologia que está no discurso e consequentemente no poder. Essa ideologia é


que mantém o poder, suas ideias e os grupos sociais aos quais ela pertence

(efetivação do poder).

Poder

Ideologia Discurso

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Outra questão que Dijk coloca são os elementos que favorecem as


dimensões do poder, que são as instituições de poder, o status quo, as relações

sociais, o domínio e o controle social exercido.

1-Instituições de poder: governos, empresas, partidos políticos, meios de


comunicação, sindicatos, igrejas, instituições de ensino.
2- Status quo: hierarquia social.

3- Relação social: relação de poder entre os grupos sociais.

4- Domínio: abrangência da ação, área de influência.


5- Controle social: pela força ou pela democracia.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

Para que o discurso seja bem-sucedido, faz-se necessário saber em qual


contexto ele está inserido e, consequentemente, manter este contexto para que

o discurso seja condizente e controle as pessoas. Nesse sentido, existe o


emissor do discurso e o receptor do discurso; o primeiro, para influir no

segundo, deve procurar formas de manter o contexto do discurso sob controle.

Se o discurso controla as mentes, e mentes controlam ação, é crucial para


aqueles que estão no poder o discurso em primeiro lugar.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

A análise do discurso está diretamente ligada à questão da manutenção


do poder, possuindo dimensões para que ele se perpetue. Essas dimensões

envolvem as instituições do poder e suas estruturas internas, as relações de


poder entre os grupos sociais e também o domínio dessas instituições e grupos

sociais.

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Dijk coloca os principais fatores para a Análise Crítica do Discurso (ACD),

elaborados por Fairclough e Wodak.

Fairclough e Wodak (1997: 271- 280) sintetizam os principais


fundamentos da ACD da seguinte maneira:
1- A ACD aborda problemas sociais;

2- As relações de poder são discursivas;


3- O discurso constitui a sociedade e a cultura;

4- O discurso realiza um trabalho ideológico;

5- O discurso é histórico;
6- A relação entre texto e sociedade é mediada;

7- A análise do discurso é interpretativa e explanatória;


8- O discurso é uma forma de ação social.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

Para o reconhecimento do discurso e sua análise crítica, algumas


abordagens devem ser feitas como:

1- Problemas sociais: o discurso deve trazer os principais problemas sociais,


visando discuti-los com a sociedade e mostrar o profundo saber do

assunto de quem está por trás desse discurso.


2- Relações de poder: o discurso deve ter uma relação de poder entre os

grupos sociais.
3- Questões sociais e culturais: o discurso deve trazer questões sociais e

culturais da sociedade na qual está inserido.


4- A ideologia do discurso: trata-se da relação intrínseca entre o discurso, a

ideologia e a manutenção do poder.


5- A sua historicidade: o discurso deve conter elementos históricos e sociais.

6- Mediação entre texto e sociedade: o texto deve estar em acordo com a


sociedade.

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7- A interpretação e a sua explanação: é necessária uma boa explanação do

discurso para que haja uma boa interpretação.


8- O discurso e a ação social: o discurso deve levar a uma ação social para

que seja efetivado.

Como vimos, A Análise Crítica do Discurso investiga como as formas de


poder, as desigualdades e a dominação são apresentadas e reproduzidas a

partir da ideologia dominante encontrada no discurso e, consequentemente, no


poder. Além disso, Dijk também propõe algumas questões para se entender a

questão do abuso do poder, levando em consideração a ACD.

1- O poder é uma propriedade das relações entre grupos, instituições ou


organizações sociais. Por conseguinte, apenas o poder social, e não o poder

individual, é aqui considerado.


2- O poder é definido em termos do controle exercido por um grupo ou

organização (ou seus integrantes) sobre as ações e/ou as mentes de (membros


de) um grupo, limitando dessa forma a liberdade de ação dos outros ou

influenciando seus conhecimentos, atitudes ou ideologias.


3- O poder de um grupo ou instituição específica pode ser “distribuído”, e

pode ser restrito a um domínio ou escopo social específico, com o da política,


da mídia, do direito e da ordem da educação ou das empresas, resultando,

assim, em diferentes “centros” de poder e grupos da elite que controlam tais


centros.

4- Dominância é entendida aqui como uma forma de abuso de poder social,


isto é, como exercício moral e legalmente ilegítimo de controle sobre os outros

em benefício ou interesse próprio de alguns, frequentemente resultando em

desigualdade social.

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5- O poder é baseado em um acesso privilegiado a recursos sociais


valorizados, como riqueza, empregos, status ou mesmo um acesso preferencial

ao discurso e à comunicação públicos.


6- O poder social e a dominância são frequentemente organizados e

instrumentalizados, de forma a permitir um controle mais efetivo e possibilitar


formas rotineiras de reprodução do poder.

7- A questão da dominância raramente é absoluta; é frequentemente


gradual e pode encontrar maior ou menor resistência ou contrapoder por parte

de grupos dominantes.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

PODER E MANIPULAÇÃO

As relações sociais são definidas pelo poder. Este, exercido pelo Estado

com atribuições socais, estabelece as relações de dominação, sendo o discurso


um elemento fundamental de manipulação da sociedade. A manipulação não

ocorre sem um controle social influente na vida dos indivíduos e,


evidentemente, ela é oriunda dos grupos considerados dominantes.

Nós observamos que a manipulação é uma das práticas sociais


discursivas de grupos dominantes que servem à reprodução do seu poder. Esses
grupos dominantes podem fazer isso também de várias (outras) formas, por

exemplo, através da persuasão, fornecendo informações, educação, instrução e


outras práticas sociais que objetivam influenciar o conhecimento, as crenças e

(indiretamente) a ações dos receptores.


DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

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O poder pode estar aparecendo em todos os locais, mas também pode

estar bem dissimulado dentro de discursos e ideologias para assim conseguir se


manter.

O objetivo da análise das estruturas discursivas é não apenas examinar as


características detalhadas de um tipo de prática social discriminatória, mas

também, em especial, obter uma compreensão mais profunda do modo como


os discursos expressam e manejam nossas mentes.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

Em épocas de crises, o discurso entra em ação desqualificando alguns

valores conquistados, atacando questões religiosas, de gênero, de raça, cheio


de preconceitos para manter o discurso do dominante. O objetivo principal da

análise do discurso é saber como ele influencia o pensamento das pessoas.

BUSCANDO CONHECIMENTO

Poder e manipulação estão na pauta da educação ao se estabelecer


doutrinação de ideologias de grupos dominantes sem a atuação da formação

crítica dos estudantes.

Sabemos que os professores e livros didáticos influenciam as mentes dos


alunos, e não é possível negar que esperamos que eles o façam se quisermos

que nossos filhos aprendam algo. Mas é muito difícil distinguir entre uma
aprendizagem que realmente serve aos estudantes nas suas vidas presentes e

futuras, de um lado, e a doutrinação das ideologias de grupos ou organizações

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poderosas na sociedade, ou uma aprendizagem que impede que os alunos

desenvolvam seu potencial crítico, do outro.


DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

Bourdieu, em seu livro “O poder simbólico”, estabelece uma relação entre

a dominação simbólica que é exercida do dominante ao dominado.

A revolução simbólica contra a dominação simbólica e os efeitos da


intimidação que ela exerce tem em jogo não, como se diz, a conquista ou a

reconquista de uma identidade, mas a reapropriação coletiva deste poder sobre


os princípios de construção e de avaliação da sua própria identidade de que o

dominado abdica em proveito do dominante enquanto aceita ser negado ou


negar-se (e negar os que, entre os seus, não querem ou não podem negar-se)

para se fazer reconhecer.


BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2012.

Para a manutenção do poder, é necessário que o discurso seja eficaz

controlando e manipulando, portanto, o pensamento das pessoas, pois assim


não há resistências a esse poder.

É claro que as pessoas são influenciadas pelas notícias que leem ou


veem, mesmo se leem ou veem as notícias para adquirir e atualizar seu
conhecimento sobre o mundo. Mas sua compreensão das notícias e a maneira

como mudam suas opiniões ou atitudes dependem de suas próprias atitudes ou


ideologias prévias (compartilhadas com outros membros de grupo), como

também suas m experiências pessoais. É essa interpretação pessoal das notícias,


esse modelo mental dos eventos, que é a base da ação pessoal específica dos

indivíduos.
DIJK T. A. Van, Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2017.

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