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A n n ib a l V ie ir a
Sob o título acima serão publicados dado tratar os doentes com carinho, usar roupas
alguns artigos de autoria do ex-chefe do brancas e ter unhas e cabelos aparados. Aos doen
Gabinete do Diretor do Hospital dos Servi tes eram fornecidos vegetais e frutas frescas, remé
dios e aplicadas massagens. Os médicos indus
dores do Estado. Êstes artigos, vazados em
eram hábeis em cirurgia desconhecendo apenas
linguagem simples, a fim de permitir sua ligaduras. Outro ponto interessante era o com
mais ampla vulgarização, têm por escopo promisso que assumiam de guardar sigilo das con
mostrar a evolução dos hospitais, os trata fidências recebidas no exercício da profissão.
m entos antigamente dispensados aos doen N o Egito, o tratamento era, de preferência,
tes, as razões que têm motivado as espe ministrado em casa do paciente e, só quando isso
não se tornava possível, é que êle era levado ao
cializações clínicas, e, finalmente, os requi
Templo de Saturno, onde os remédios consistiam
sitos que o hospital moderno deve satisfa em fé e orações.
zer para se enquadrar dentro dos princípios
Na antiga Roma, os templos também foram
básicos do American College of Surgeons. usados como hospitais. A sugestão mental era lar
gamente empregada como terapia, sendo usada a
1. A N T E S D A E R A C R IS T Ã cirurgia como recurso extremo. Em cada santuá
rio existia um altar sagrado onde o paciente, ves
lE S D E o s primórdios do mundo, a solidarie- tido de branco, fazia oferendas e preces. Se obti
dade humana se traduziu pela solicitude do nha a cura, era ela atribuída a milagre ou visita
homem em prestar assistência a seus semelhantes, ção divina; em caso contrário, dizia-se que o doente
quer abrigando-os das intempéries, quer indicando- não tinha bastante pureza e era indigno de conti
lhes remédios empíricos para suas enfermidades. nuar vivendo.
O aperfeiçoamento moral do indivíduo e a noção Os templos gregos é que foram, realmente,
de família e lar, que logo surgiu e tomou vulto, os precursores dos modernos hospitais, pelo menos
obrigaram o homem a procurar meios de, embora no que se refere ao abrigo de doentes. Um dêsses
prestando ou recebendo assistência para males cor- santuários, dedicado a Esculápio, deus grego da
póreos, não só evitasse sua família da proximidade medicina, diz-se ter existido 1134 anos antes da
de portadores de moléstias repugnantes, mas, igual era cristã. No templo-hospital, existente em Epi-
mente, se acautelasse contra os aventureiros ines- dauro, havia salas para leitura e quartos para
crupulosos que se prevaleciam da sua condição de visitantes, médicos, enfermeiros e sacerdotes. N g&-
doente, para saquear as propriedades, na primeira se templo, a história clínica dos pacientes era re
oportunidade que se oferecesse. gistrada em suas colunas, constituindo tais regis
Foram assim os homens conduzidos a destinar tros os primeiros arquivos médicos de que tem
abrigos isolados aos doentes, onde repousavam, conhecimento nossa civilização.
eram alimentados e recebiam os tratamentos ao Um dos templos gregos mais procurados pe
alcance dos hospedeiros. los doentes foi o de K ó s . Nesse templo nasceu o
As referências mais remotas conhecidas sóbre ilustre Hipócrates, no ano 460 a. C ., onde se tor
a existência de hospitais pertencem às civilizações nou médico e sacerdote. Êsse notável homem es
Indu e E gípcia. Muitos séculos antes da era cris tabeleceu teorias médicas que têm assombrosa se
tã, a humanidade já utilizava hospitais para abrigo melhança com as de h oje. Empregou êle os prin
de aleijados, pobres, mulheres grávidas e doentes. cípios da percussão e auscultação, escreveu sóbre
Esta prática foi iniciada por Buda e seu filho fraturas, praticou numerosas intervenções cirúrgi
U patiso. cas, descreveu, com o entidades mórbidas distintas,
Interessante é notar que, naquele tempo, já a epilepsia, a tuberculose, a malária e as úlceras.
ao pessoal em serviço nos hospitais era recomen E o que mais surpreende ainda são as anotações
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Casa do Trem. Ao fundo, o outeirinho de Sta. Catarina, onde Braz Cubas construiu a Santa Casa de Santos
( Quadro de Benedito Calixto)
clínicas que êsse extraordinário homem mantinha Os jesuítas expandiram-se por tôdas as pro
sôbre a maioria de seus pacientes, anotações que, víncias, recolhendo, do convívio com os aborígi
em alguns casos, podem ser comparadas com as nes, conhecimentos da flora brasílea e indicações
em uso nos hospitais hodiernos. a respeito de suas virtudes terapêuticas. Em troca,
Antes da era cristã, os hospitais eram templos portadores de rudimentares conhecimentos dos
dedicados aos deuses da medicina, onde o trata meios médicos europeus, foram divulgando, pelos
mento dos doentes se fazia acompanhar de rituais núcleos coloniais nascentes, os remédios, a higiene
religiosos, magia e misticismo. Após o apareci e a cirurgia. Por outro lado, a imigração africana
mento de Jesus Cristo, que intensificou e desper trazia-nos o empirismo, a magia e os bruxedos das
tou os sentimentos de amor e caridade, foi dado superstições feiticistas. Assim, o empirismo dos
novo impulso para estabelecimento de hospitais, jesuítas, a arte dos pajés e o feiticismo dos africa
que passaram a fazer parte integrante das institui nos formaram os três elementos que, caldeando-se
ções religiosas, algumas das quais, com o a dos na retorta de nossa nascente medicina, fizeram
Beneditinos, usaram o seguinte lema básico em surgir o curandeiro, que foi, no Brasil, o primeiro
suas atividades: “ Iníirmarum cura ante omnia et prático das artes médicas.
super omnia adhibenda est” . Pouco a pouco, os principais homens residen
tes no Brasil sentiram a necessidade de auxiliar
2. N A S A M É R IC A S os religiosos na nobre missão de cuidar da alma e
do corpo, e, por isso, organizaram-se em irmanda-
A saúde dos que demandavam a Terra do des, cujo objetivo principal era a prestação de
Brasil era bastante comprometida pela longa via socorros corporais aos necessitados. A essas confra
gem, sujeita às calmarias e suas desagradáveis con rias de misericórdia couberam a criação e manu
seqüências. Soldados, tripulantes e passageiros de tenção de nossos primeiros hospitais. Os irmãos
sembarcavam, magros, doentes, reclamando repou dessas confrarias assumiam compromissos, que de
so e alimentação. finiam os fins da irmandade.
Para fazer face a essas emergências, foram Como exemplo, transcrevemos o Capítulo I,
improvisadas pelos jesuítas as primeiras enferma do Compromisso de 1551, dos arquivos da Santa
rias que, também, atendendo aos moradores locais, Casa de Santos:
prestavam abnegada e proveitosa assistência aos “ O Fundam ento pois desta Santa confraria e Irm an
enferm os. dade he cum prir as obras de M izericordia he necessário
ENSAIOS SÔBRE A HISTÓRIA DOS H OSPITAIS 33
Vista da moderna Santa Casa de Misericórdia de Santos — São Paulo — Fachada do edifício da esplanada do
Jabaquara
cientes as acomodações existentes, de natureza pú pital dos Servidores do Estado, planejado em 1934
blica, que ainda obedeciam às diretrizes traçadas e iniciada a construção em maio de 1937, empreen
por Braz Cubas, em 1543. Tal situação motivou dimentos êsses do Governo do Sr. Getulio Var
a criação de hospitais fechados, destinados a de gas.
terminados grupos sociais, surgindo, assim, os hos Trataremos em outro artigo do seguinte as
pitais militares, os privativos de òrdens religiosas, sunto : Matéria Médica Antiga e Curiosa — Espe
os de classes trabalhadoras e, finalmente, o Hos cializações Médicas.