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Introdução

O discurso oficial desqualifica a mais pacifica manifestação de protesto, apresentando-a como um


expediente que não resolve os problemas do pais. O coro oficial assume, muitas vezes, formas de
violência fisica quando em nome de uma pretensa reposição da ordem e tranquilidade públicas a FIR
é mobilizada a descarregar balas de borracha-mais recentemente, gas lacrimogéneo e jactos de água
sobre cidadãos indefesos e desarmados que protestam contra as mais variadas injustiças. No fundo, a
retórica securitária visa camuflar em delito colectivo um direito constitucional, cujo usufruto não
carece da homologação politica ou administrativa dos burocratas do regime. Um aviso a quem de
direito e a necessária cautela para se evitar que os direitos de terceiros não sejam prejudicados são
expedientes suficientes para uma manifestação de sucesso. As causas, essas, não parecem faltar num
país onde a cada dia que passa vai nascendo mais um grupo de protestantes de direitos coarctados pelo
Estado.

Metodologia

Sobreudo, a metodologia usada durante a elaboração do trabalho foi pesquisa bibliográfica Conforme
Gil (2006), a pesquisa bibliográfica toma forma a partir da consulta à materiais já elaborados, sendo
esses, principalmente, artigos científicos e livros. Aponta, também, que quase todos os tipos de
estudos possuem essa natureza, contudo, há pesquisas que se voltam exclusivamente ao
desenvolvimento a partir de fontes bibliográficas.

Desta forma, o trabalho segue a seguinte estrutura a saber:

 Introdução;
 Fundamentação teórica;
 Conclusão; e
 Referências bibliográfica

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Direito à liberdade de manifestação

Há vários anos que é recorrente o governo de Moçambique, através da sua força policial, limitar
ilegalmente o exercicio do direito à manifestação pacifica pelos cidadãos ou diferentes grupos sociais,
por violação dos seus direitos e interesses legalmente reconhecidos ou contra a má gestão da coisa
pública. A manifestação do tipo marcha na via pública é praticamente a mais temida pela
Administração Pública. (ANDRADE, 2006)

A intervenção da Policia da República de Moçambique (PRM) para impedir o exercício do direito a


manifestação pacifica e livre tem sido caracterizado por detecções arbitrárias, agressão fisica,
baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para
além de argumentos falaciosos de que a manifestação não foi autorizada. (ANDRADE, 2006)

Perante esta situação, é curioso e notorio a injustificada inércia das instituições de justiça relevantes
nesta matéria, o que é problemático, preocupante, na medida em que perpetua a impunidade das
autoridades policiais e civis que violam o direito à liberdade de reunião e manifestação e outros
direitos humanos neste contexto. (ANDRADE, 2006)

Sentido e alcance do direito à liberdade de manifestação

De acordo com o disposto no artigo 51 da Constituição da República de Moçambique (CRM). "Todos


os cidadãos tem direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei." O que significa que
se trata de um direito fundamental que é directamente aplicável, vincula as entidades públicas e
privadas, deve ser garantido pelo Estado e deve ser exercido no quadro da Constituição e das leis,
conforme se depreende do n.º 1 do artigo 56 da CRM.

No entanto, na interpretação do n. 2 do artigo 56 da CRM, é fácil perceber que o direito à


manifestação pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesse protegidos
pela Constituição, como é o caso da salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas, da saúde pública
e da vida. A manifestação do tipo marcha pode ser limitada em virtude da luta contra a Pandemia da
Covid-19, tendo sempre em conta que pelo imperativo constitucional, essa limitação só por ter lugar
nos casos expressamente previstos na Constituição. (Vide n. 3 do artigo 56 da CRM).

O exercicio do direito à manifestação está regulado na Lei n. 9/91, de 18 de Julho (Lei das
Manifestações) e na Lei nº 22001, de 7 de Julho que altera alguns artigos da Lei das Manifestações.

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"A manifestação tem por finalidade a expressão pública de uma vontade sobre assuntos politicos e
sociais, de interesse público ou outros. É o que dispõe o n.º 3 do artigo 2 da Lei das Manifestações
Trata-se, pois, de exercicio de um direito que serve como um meio de supervisão da Administração
Pública ou da actividade do Estado pelo cidadão e é exercida nos processos de planeamento.
acompanhamento, monitoramento e avaliação das acções de gestão pública e na execução das
politicas e programas públicos, visando o aperfeiçoamento da gestão pública à legalidade e justiça e
respeito pelos direitos humanos. A manifestação é, indubitavelmente, pressuposto do principio
constitucional da participação democrática dos cidadãos na vida pública.

Nos termos do n." I do artigo 3 da Lei das Manifestações, "Todos os cidadãos podem, pacífica e
livremente, exercer o seu direito de reunião e de manifestação sem dependência de qualquer
autorização nos termos da lei." Desta disposição resulta clara e expressamente que a manifestação não
carece de qualquer autorização. O que significa que não há necessidade de formular pedido para
realização da manifestação à nenhuma autoridade pública ou privada.

Todavia, aqueles que pretendem realizar manifestação do tipo marcha, desfile ou cortejo em lugares
públicos ou abertos ao público devem informar nesse sentido, avisando ou comunicando, por escrito,
essa pretensão com antecedência minima de quatro dias úteis, as autoridades civis e policiais da área
em questão (ANDRADE, 2006)

É o que determina o n.º 1 do artigo 10 da Lei das Manifestações Cumpridas essas formalidades. que
também são questionáveis à luz das garantias constitucionais dos direitos e liberdades fundamentais,
as autoridades civis e policiais devem garantir o livre exercicio da manifestação pacifica e não
procurar artimanhas sem cobertura legal para impedir, a todo o custo, a realização da manifestação.
(Vide artigo 8 da Lei das Manifestações).

Aliás, qualquer decisão de proibição ou restrição da manifestação compete a autoridade civil da área
em causa e não à autoridade policial, para além de que essa proibição deve ser fundamentada e
notificada por escrito aos promotores da manifestação, no prazo de dois dias a contar da data da
recepção da comunicação pelas autoridades, sob pena de ineficácia da proibição caso não sejam
respeitados estes requisitos consagrados no artigo 11 da Lei das Manifestações e sobretudo os
critérios de limitação dos direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente estabelecidos.

As normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é parte,
cujos principios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, também protegem os direitos e
liberdades fundamentais, incluindo o direito à liberdade de reunião e de manifestação, de restrições ou
limitações arbitrárias como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta
Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos Direitos Civis e
Politicos, da Carta Africana sobre os Valores e Principios da Função, Administração Pública, etc.
Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: "Os preceitos constitucionais relativos aos direitos

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fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos."

Chamamento das instituições chave para agir

Considerando que há anos que é deveras dificil os cidadãos exercerem livre e pacificamente a
liberdade de reunião e de manifestação, sobretudo, na vertente de marcha na via pública, devido a
brutalidade policial, a denegação das autoridades civis para o exercicio das liberdades em causa. com
a consequente violação de direitos humanos, da legalidade e da justiça urge a intervenção e
pronunciamento público de determinados actores chave nesta matéria, quais sejam:

a.) O Ministério Público, como garante da legalidade e enquanto titular da acção penal. tem a
obrigação de investigar os factos supra descritos de modo a apurar a existência ou não de ilicitos de
natureza criminal por parte dos agentes da PRM e também repor a legalidade violada por parte das
autoridades civis que denegam a realização da manifestação infundadamente.

b.) O Provedor de Justiça, na qualidade de órgão que tem como função a garantia dos direitos dos
cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública;

c.) A Comissão Nacional Dos Direitos Humanos, que tem o mandato de promover, proteger e
monitorar os direitos humanos no pais, bem como consolidar a Cultura de Paz.

d.) A Assembleia Da República na qualidade do mais alto órgão legislativo na República de


Moçambique e autor da Lei das Manifestações para proceder a interpretação autêntica das normas
sobre o exercicio do direito à liberdade de reunião e manifestação com vista a dissipar as dúvidas e
problemas de interpretação que permitem espaço para abuso de poder e violação dos direitos
humanos, no contexto do exercicio destas liberdades.

Carácter violento

"Se a manifestação assumir um carácter violento ou tumultuoso não será considerada como pacifica".
Isto é, perderá, desse modo, a protecção constitucional. Salienta-se, porém, que tal violência deverá
brotar da maioria ou globalidade dos respectivos participantes, pelo que a sua constitucionalidade será
aferida pelo carácter não excepcional dos actos lesivos. (CHAUL, 2000)

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Quanto à proibição de armas, abrange os participantes e os promotores da manifestação. Os
individuos armados não poderão beneficiar do exercicio desse direito. "já que o porte de arma é
interdito e objecto de sanção penal. Deve, portanto, entender-se por ama "todo o objecto susceptivel
de ser utilizado como meio de agressão fisica de pessoas ou bens, destituído de qualquer aptidão para
servir de veiculo de expressão espiritual' das ideias dos manifestantes". (CHAUI. 2000)

Importa salientar que a CRM não impõe qualquer limite substancial ao exercicio da liberdade de
manifestação, pelo que, por exemplo, não se poderá submeter a prévia ou posterior censura o teor da
manifestação. É claro que como qualquer outro direito constitucionalmente protegido, a liberdade de
manifestação encontra o seu limite naquela norma que garanta e discipline outro direito ou interesse
com ele colida, tal como o direito de propriedade, a liberdade de circulação, o direito à integridade
pessoal, o respeito pelos bons costumes e pela lei penal. (CHAUL, 2000)

Ou seja, "não existe qualquer privilégio ou imunidade de manifestações, pelo que as infracções
ocorridas durante ou no decurso (número 2 do artigo 16) fica sujeito à competente responsabilidade.
O que não podem é, so por si, determinar a dispersão da manifestação pela força.

O direito à manifestação comporta, diga-se, três componentes, a liberdade de manifestação, ou seja, o


direito de se manifestar sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia;

direito de não ser perturbado por outrem no exercicio desse direito, incluindo o direito à protecção do
Estado contra ataques ou ofensas de terceiros e, por último, o direito de utilização de locais c vias
públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que
com ela colidam (CAPORALI, 1997)

Autorização

O exercicio de manifestação ou reunião, em locais privados, não carece de informação e nem de


autorização. Quanto o mesmo acto é exercido em lugares públicos ou abertos ao público as pessoas ou
entidades que a pretendam realizar deverão avisar por escrito, do seu propósito e com antecedência
mínima de quatro dias úteis as autoridades civis e policiais da área. O aviso deve ser assinado por dez
dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de pessoas
colectivas, pelos respectivos órgãos de direcção, (CAPORALI, 1997)

Do aviso deverá constar a indicação da hora, local e objecto da reunião e se se tratar de cortejos,
desfile e outras formas de manifestação a indicação do trajecto a seguir. A entidade que receber o
aviso tem a obrigação de emitir o comprovativo da recepção.

As únicas restrições impostas ao exercicio do direito estão relacionadas com a ofensa à CRM, as leis e
à ocupação abusiva de espaços públicos. Também pode não ser permitida por razões de segurança a
realização de manifestações a menos de 100 metros de órgãos de soberania e das instalações militares

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e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes das representações diplomáticas e
consulares e ainda das sedes de partidos politicos. (CAPORALI, 1997)

A Policia da República de Moçambique contra o Direito à Manifestação

As duas últimas manifestações realizadas em Maputo (18 de Junho e 27 de Agosto de 2016)


trouxeram em evidencia "o lado negro" da Policia da República de Moçambique (PRM), na qualidade
de agente principal de protecção pública. Começando com a marcha de 27 de Agosto, organizada pelo
Parlamento Juvenil (PJ), informações veiculadas pelo jornal media nº 6133, da Terça-feira 30 de
Agosto de 2016, nas suas páginas 1 e 2, revelam o que de mais assustador caracteriza as nossas
autoridades policiais: o abuso de poder e a intimidação.

Conforme avançou o jornal, baseando-se em supostas investigações, um dia antes da realização da


manifestação pacifica, a PRM decidiu convocar os seus organizadores, Alice Mabota da Liga dos
Direitos Humanos (LDH) e Salomão Muchanga. Presidente do PJ, na tentativa de "persuadi-los" a não
realizarem a marcha. Segundo o jornal, a PRM argumentou que estava na posse de informações
segundo as quais havia um grupo que estava a organizar-se para criar distúrbios e que, se isso
acontecesse, os organizadores seriam responsabilizados. (FERNANDES. 2000)

Depois dessa afirmação, a policia não pediu, mas exigiu que os organizadores abdicassem do seu
direito constitucionalmente previsto de manifestarem-se, até que ela, quando bem lhe aprouvesse,
indicasse uma data apropriada para o efeito. Ou seja, foi a PRM a violar o principio de separação de
poderes, pretendendo ir alem do espirito da lei e do legislador, que reconhece o direito à manifestação
como um direito subjectivo, próprio dos cidadãos e das cidadãs, enquanto membros do Estado-
comunidade, não do Estado-poder (instituições e agentes públicos), do qual a PRM é parte.
(FERNANDES, 2000)

Ao elaborar a lei, o legislador estava ciente que, a partir do momento que este direito ficasse
resignado à estrita vontade do Estado-poder, os direitos, as liberdades e garantias dos cidadãos e das
cidadas estariam em risco. É dai que se deve extrair o entendimento e o sentido do n" I do artigo 3 da
Lei que regula as manifestações, Lei nº 9/91, de 18 de Julho, quando preceitua que "todos os cidadãos
podem, pacifica e livremente, exercer o seu direito de reunião e manifestação, sem dependência de
qualquer autorização nos termos da lei".

Mas infelizmente, esta não foi a primeira vez que as estruturas de poder e, inclusivamente, a policia
da República de Moçambique, através do Comando da cidade, procuram de forma expressa
desencorajar o exercicio do direito à manifestação. Durante a preparação da marcha que teve lugar no
dia 18 de Junho de 2016 sob lema "Pelo Direito à Esperança", organizada por um grupo de
organizações da sociedade civil, para contestar a instabilidade politica-militar, as dividas ilegais e a

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violação da liberdade de expressão, a policia agiu de forma a colocar os organizadores da marcha
muma situação de incerteza quanto à protecção e de certeza quanto à repressão, (FERNANDES 2000)

Depois de os organizadores terem recebido do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) o


comunicado da marcha com as devidas assinaturas do Presidente do Municipio, decidiram, de boa-fé,
apresentar ao Comando da Cidade o respectivo documento. Numa atitude, diga-se, sádica, nenhum
funcionário da secretaria do Comando Geral da Policia quis dar o visto de entrada ao documento, um
formalismo simples, apenas confirmativo, exigido por lei a qualquer órgão de administração pública.
(CAPORALI, 1997)

O mais caricato é que no meio do processo, dias antes da realização da marcha, um oficial da policia
ligou para um dos representantes das organizações informando que, caso não apresentassem o
documento com as respectivas assinaturas do CMCM, a policia iria reprimir com força e caninamente
a marcha. Quer dizer, era a própria policia a deitar cascas de banana para o cidadão infringir a lei.

Este comportamento da PRM demonstra um profundo desrespeito aos cidadãos e cidadãs que de bom
grado e fazendo jus aos principios da nossa República, fazem de tudo para respeitar a Constituição e a
lei. E exclui a própria policia do papel de agente principal na consolidação da paz democracia e do
Estado de Direito. Ademais, é necessário que se desculturalize a ideia equivocada de que a actuação
da PRM é alheia à observância da lei e do respeito pelos Direitos Humanos, ao contrano, a sua
existência é (ou deve ser) a prova viva da garantia da efectivação desses direitos.

A actuação da policia da república de Moçambique na manutenção e reposição da ordem


pública em reunião e manifestação

Nos momentos em que vivemos, a defesa dos direitos de liberdade de expressão frutos do
democratismo tornam-se cada vez mais preponderantes num Estado de Direito. Assim sendo, a
democracia é vista como sinónimo de reunião ou manifestação, quer seja pacifica, violenta,
inopinadas ou com pré-aviso. A gestão destes eventos face aos novos riscos e ameaças para a ordem e
tranquilidade públicas exigem muito empenho por parte das Autoridades policiais, servidores de
segurança pública em Moçambique. (FREIRE, 1996)

Nestes eventos de cariz democrático, em que se verificam riscos, em termos de segurança, pois por
diversas vezes o exercicio do direito de reunião e manifestação colide com outros direitos, a actuação
policial deve-se pautar meramente pela preservação da ordem e de tranquilidade públicas, respeitando
os direitos e liberdades dos cidadãos, porque finalmente a actividade da Policia é vigiada por várias
instituições democráticas. (FREIRE, 1996)

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Havendo necessidade de alteração do actual modelo orgánico operacional da Policia da República de
Moçambique (PRM) que só confere a Unidade Intervenção Rápida (UIR) como única força de
reposição de ordem pública em caso de desordem pública em Moçambique, a resposta policial da
unidade de elite tem sido ineficaz, aliado a longas distâncias que tem percorrido para o interior dos
Distritos, porque a UIR encontrar-se sedeada nas capitais provinciais, (FREIRE, 1996)

Face a isso, para melhorar o actual problema que assola a PRM e os cidadãos em geral, importa aludir
à reorganização da actual estrutura organica, criando-se uma força intermediária nos Comandos
distritais mais desenvolvidos do pais, com enfoque nos Distritos com historiais de conflito politico
armado, incluindo as capitais provinciais. (FREIRE, 1996)

A criação duma força inferior à UIR e superior à Polícia de Protecção (PP), para além de dar rápida
resposta policial, actuará de forma proporcional atendendo ao nível de escalada de desordem, porque
actualmente a UIR é chamada a responder em situações menos graves, limitando o exercicio do
direito de reunião e manifestação (FREIRE, 1996)

Restrições legais do direito à liberdade de reunião e manifestação

As restrições relativas à liberdade de manifestação parecem estar a circundar todas as esferas e de


forma constante. No plano constitucional, decorre do número 2 do artigo 56 que as liberdades de
reunião e manifestação não são absolutas, podendo ser limitadas em razão de salvaguarda de outros
direitos ou interesses protegidos pela Constituição, mormente a saúde pública. (MENDES, 2000).

Deste dispositivo depreende-se que para evitar arbitrariedade, o legislador constituinte desenhou todo
um quadro em que limitações às liberdades de reunião e manifestação são possíveis. Assim, dispõem
os números 2, 3 e 4 do artigo 56, que o "exercicio dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão
da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela constituição"; a "lei só pode limitar os
direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição"; e que "as
restrições legais dos direitos e das liberdades devem revestir carácter geral e abstracto e não podem ter
efeito retroactivo,"

Estas exigências da lei vinculam as autoridades públicas, ainda que tomadas em circunstâncias ou
situações excepcionais como o estado de emergência. As liberdades de reunião e manifestação são
igualmente objecto de tutela pela Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, artigo 11. Este
instrumento dispõe que as liberdades de reunião e manifestação se exercem sob reserva de restrições
previstas por leis, no interesse de segurança nacional, segurança de outrem, saúde, moral ou direitos e
liberdades de outrem, (MENDES, 2000)

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Decorre de jurisprudência constante da Comissão Africana de Direitos do Homem e dos Povo o
sistema africano de direitos humanos não permite distinções entre restrições de direitos em
circunstâncias e situações excepcionais e em periodos ditos normais4, e as restrições permitidas aos
direitos consagra- dos da Carta são nos termos definidos pela Carta, seu artigo 27, número 2.

O número 2 do artigo 27 da Carta estabelece as mesmas exigências da reserva estabelecida no artigo


11. designadamente restrição por via de lei, para respeitar os direitos de outrem, segurança colectiva,
moral e interesse comum. Não definindo nenhum dos elementos ou conteúdo e alcance das razões
podendo levar à restrições de liberdades de reunião e manifestação (segurança colectiva, moral, saúde,
interesse público), a Carta Africana reenvia, através margem nacional de apreciação, no Estado o
cuidado de os definir.

A CRM, por sua vez, reenvia a prudência da lei à definição do modo de exercicio das liberdades de
reunião e manifestação, ao mesmo tempo que enquadra a possibilidade de limitação no artigo 50 e as
exigências não vão para além das estabelecidas na Carta Africana: fundamento legal para restrição,
em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição, mor- mente a
saúde pública, como foi o caso do impedimento da manifestação da Associação Médica de
Moçambique, (MENDES, 2000)

Ora, das disposições dos instrumentos de protecção de direitos do Homem supracitados resulta que
apesar de o direito às liberdades de reunião e manifestação serem tangíveis, na medida em que
admitem-se restrições, estas obedecem certos critérios e ainda que fluxo são objectos de estrito
controlo.

Controlo das medidas restritivas de direito às liberdades de reunião e manifestação

Morin (2005), "como liberdade e direito afectado por certo coeficiente de relatividade e cujas razões
são cobertas pela margem nacional de apreciação, as restrições às liberdades de reunião e
manifestação não são feitas de forma discricionária”.

Os critérios estabelecidos, tanto pela Constituição (limitação legal, salvaguarda de outros interesses
protegidos ou direitos de ou- trem) como pela Carta Africana (legalidade, respeito de direitos de
outrem, segurança colectiva, saúde, moral e interesse comum) resumem-se em três:

1. Legalidade - restrição de um direito fundamental apenas pode resultar de lei

2. Necessidade da restrição, dito motivos/razões imperiosas; salvaguarda de outros interesses


protegidos pela CRM, tal como a segurança, saúde pública ou de direitos de outrem;

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3. Proporcionalidade, das medidas restritivas das liberdades e dos direitos fundamentais à
situação que as tornou necessárias. Estas exigências decorrem da preeminencia do Estado de
Direito mencionado no artigo 3 da Constituição e permite reforçar a eficácia do controlo da
interferéncia das autoridades na esfera de direitos das pessoas e recurso aos órgãos
jurisdicionais em caso de excesso ou abuso de poderes das autoridades públicas e
consequentes violações de direitos fundamentais. (MORIN, 2005)

Ora, se o despacho de indeferimento da solicitação da Associação Médica de Moçambique (desde


logo abusivo pois nos termos do número I do artigo 3 da Lei das Manifestações o direito de reunião e
de manifestação se exerce sem dependència de qual- quer autorização) se funda no Decreto de
Conselho de Ministros número 76/2021, de 24 de Setembro, e motivo imperioso, protecção da saúde
pública contra o risco de propagação do virus da Covid-19, o mesmo falha ao teste de
proporcionalidade.

A jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos considera a técnica de "cerco legal, mas
sublinha que "as autoridades nacionais não podem recorrer a tais medidas de controlo de multidões
afim de directa ou indirectamente, sufocar e desencorajar movimentos de manifestação." (MORIN,
2005)

A cultura das autoridades públicas em Moçambique leva a crer que os impedimentos ao exercicio do
direito à liberdade de expressão visam desencorajar e sufocar qualquer intenção de manifestação, O
fundamento da medida imposta pelo Conselho Municipal de Maputo dispõe de certa carga de
incoerência, atento a factos como sobrelotação de transporte público relativamente ao qual as
autoridades públicas parecem tapar propositadamente os olhos. (MORIN, 2005).

O teste de proporcionalidade impõe que as medidas restritivas sejam tomadas na estrita medida da
necessidade. Qualquer extravaso faz da medida desproporcional e abusiva e violadora do direito ou da
liberdade restringidos. Implicando a realização de um teste de substituição, este último impõe a
necessidade de escolher, dentre várias medidas que se apresentam face à situação de necessidade
imperiosa, a que menos restringe ou limita os direitos e liberdades. (RIOS, 2010).

Manual para uma manifestação de sucesso

 Identificar a causa.
 Definir a rota ou local público onde ela decorrerá
 Garantir a assinatura de dez promotores
 Informar das causas da manifestação
 Avisar ou informar as autoridades civis e policiais da área

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 Entregar o aviso com quatro dias de antecedência
 Exigir o documento comprovativo da entrega do aviso
 Solicitar protecção do Estado contra eventuais sabotadores
 Garantir que nenhum manifestante tenha armas ou objectos susceptíveis de ferir terceiros
 Se houver necessidade de se aproximar de um espaço de soberania garantir que esteja, no

máximo, a 110 metros de distância

 Não colocar em causa a integridade de terceiros ou a propriedade privada


 Informar os órgãos de informação social sobre o objectivo e espirito da manifestação.

Conclusão

Tendo em vista os aspectos observados, nota-se que nos momentos em que vivemos, a defesa dos
direitos de liberdade de expressão frutos do democratismo tornam-se cada vez mais preponderantes
num Estado de Direito. Assim sendo, a democracia è vista como sinónimo de reunião ou
manifestação, quer seja pacífica, violenta, inopinadas ou com pré-aviso. A gestão destes eventos face
aos novos riscos e ameaças para a ordem e tranquilidade públicas exigem muito empenho por parte
das Autoridades policiais, servidores de segurança pública em Moçambique. Nestes eventos de cariz
democrático, em que se verificam riscos, em termos de segurança, pois por diversas vezes o exercicio
do direito de reunião e manifestação colide com outros direitos, a actuação policial deve-se pautar
meramente pela preservação da ordem e de tranquilidade públicas, respeitando os direitos e liberdades
dos cidadãos, porque finalmente a actividade da Policia é vigiada por várias instituições democráticas.

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Referências bibliográficas

ANDRADE, Jaqueline Alencar, (2006) Direito à liberdade de manifestação: Estudo Sobre o Juizo.
Porto Alegre: UFRGS.

CHAUI, Marilena. (2000) Etica e Violência. [Palestra apresentada no Colóquio Interlocuções com
Marilena Chaui, São Paulo.

CAPORALI, Renato (1997) "A Policia da República de Moçambique contra o Direito à

Manifestação". In Estado de Minas. Minas Gerais, 22 Set.. FERNANDES, M. (2000). Mudança e


Inovação na pós-modernidade. Perspectivas curriculares.

Porto: Porto Editora.

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FREIRE, Paulo. (1996) A actuação da policia da república de Moçambique na manutenção e
reposição da ordem pública em reunião e manifestação: saberes necessários à prática educativa. 15.
ed. São Paulo: Paz e Terra

MENDES. João Batista. (2000) Utilização de jogos de empresas no ensino de contabilidade - Uma

experiência no curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Uberlândia. Contabilidade


Vista e Revista. Belo Horizonte, v. 11. n. 3. p 23-41, dez.

MORIN, Edgar. (2005) Restrições legais do direito à liberdade de reunião e manifestação. 10.ed.

São Paulo, Cortez

RIOS. Terezinha de Azeredo. (2010) A Ética: para além de disciplinas e códigos, In: DALBEN.
Angela Imaculada Loureiro de Freitas. (Org.) et all, Convergências e tensões no campo da formação e
do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade (2010) Técnicas de pesquisa: planejamento
e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de
dados. 3. ed. São Paulo: Atlas.

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