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Verónica Goyzueta

Especial
Odebrecht ameaça camponeses peruanos Págs. 14 e 15

Circulação Nacional Uma visão popular do Brasil e do mundo R$ 3,00

Ano 13 • Número 652 São Paulo, de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 www.brasildefato.com.br


Luis Moura/Folhapress

Sem água e sem aula


Desde 2013, as escolas paulistas sofrem com a crise de abastecimento
de água, reconhecida recentemente pelo governo do estado. Para pais,
professores e diretores, a falta de orientação aos gestores escolares
agrava o prejuízo dos alunos. Págs. 4 e 5

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

ISSN 1978-5134
A relação entre CPTM encalha em
agrotóxicos e câncer Págs. 6 e 7 velhos problemas Págs. 10 e 11

Marcelo Barros Paulo Kliass Silvio Mieli

Carta de Santa Cruz Agenda (contra o) Brasil Causas e sintomas


Para enfrentar os grandes problemas O aprofundamento das dificuldades do “Qual foi a última grande vitória da
ecológicos e para superar o modelo de Palácio do Planalto na articulação de sua esquerda no Brasil?”, provocou o filósofo
organização social que joga as pessoas base de apoio no Congresso Nacional, levou à Paulo Eduardo Arantes em debate sobre as
umas contra as outras, os povos da terra solução provisória de oferecer essa tarefa ao grandes manifestações dos últimos dois anos
precisam se unir. Pág. 2 próprio Michel Temer. Pág. 3 e os seus impactos. Pág. 3
2 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015

editorial

Vou-me embora pra Pasárgada. Lá, nem sei o nome do rei


DEPOIS DE UMA quinta-feira (20
de agosto) com as ruas, avenidas
-RJ), é fundamental começar um
balanço das muitas tragédias que
Conciliações à car esses crimes, sugerimos a leitu-
ra do artigo de Kiko Nogueira, O que
to reúne as mães (e outros parentes)
das vítimas do massacre de maio de
e praças em todo o país lotadas de
manifestantes em defesa da legali-
continuaram a se abater sobre o
nosso país, ofuscadas pela crise po-
parte, a luta de o PCC ganhou, realmente, no acor-
do com o governo de São Paulo, pu-
2006. Na Audiência Pública, as re-
presentantes anunciaram que cobra-
dade democrática e, por conseguin-
te, pela garantia do mandato da pre-
lítica e institucional, e o espetáculo
midiático que a cercou.
classes prosseguiu blicado no site Diário do Centro do
Mundo, que transcrevemos um pe-
riam também o Direito à Memória,
Verdade, Justiça e Reparação Ple-
sidenta Dilma Rousseff, iniciamos De imediato, podemos dar uma e prossegue em seu queno trecho: “O deputado Conte nas (reparação física, psíquica, mo-
uma semana relativamente tranqui- olhada em São Paulo – não uma in- Lopes [PTB], ex-delegado, declarou, ral e material) a todas as famílias de
la – em termos de shows midiáticos vestigação de todos os problemas. rumo de aprofundar certa vez, que ‘essa facção criminosa vítimas fatais dos crimes recentes de
em torno da promoção de um golpe Passemos em rápida revista dois é cria do PSDB’. O PCC nasceu em agentes do Estado Democrático.
de Estado. episódios relativos à Segurança Pú- a democracia e de 1993 na Cadeia Pública de Taubaté e Em documento que distribuiu à
Até o senhor Roberto Egydio Se- blica: a recente chacina de Osasco – sua relação com o governo paulista é imprensa, o Movimento afirma que
túbal – presidente do Itaú Uniban- em 13 de agosto deste ano, quando conquistar novos recheada de episódios assombrosa- lembrariam ao Senado e a todas as
co – se manifestou pela normalida- 18 pessoas foram assassinadas nos mente estranhos”. autoridades federais as chacinas
de democrática, e afirmou “Não ha- municípios de Osasco e Barueri; e os direitos e justiça O atual secretário de Segurança do ocorridas no país, acrescentando
verá golpe” (!), parafraseando uma Crimes de Maio de 2006, quando, governador Geraldo Alckmin, dou- que, “caso as denúncias que temos
das palavras de ordem das passeatas na semana do Dias das Mães, foram para a classe tor Alexandre de Moraes – que as- feito, há quase 10 anos, tivessem si-
do 20 de agosto. Enfim, o que acor- assassinadas mais de 500 pessoas sumiu o cargo este ano – é advo- do levadas a sério antes, certamente
dos a portas fechadas não são capa- nas periferias da Grande São Paulo. trabalhadora e o gado em pelo menos 123 proces- centenas de vidas teriam sido pou-
zes de negociar...!!! Os Crimes de Maio ocorreram du- sos de uma cooperativa denomina- padas em todo o país”.
Mas, conciliações à parte, a luta rante a curta gestão (9 meses) de povo da Transcooper, citada em investi- O texto conclui afirmando que, ca-
de classes prosseguiu e prossegue Cláudio Lembo (do DEM – que en- gações que apuram lavagem de di- so a “Presidenta da República Sra.
em seu rumo de aprofundar a de- tão ainda atendia por PFL), tendo nheiro do PCC – nos informa ainda Dilma Rousseff não receber, pesso-
mocracia e de conquistar novos di- atravessado sem solução os 8 anos o jornalista. almente, as Mães e Familiares de Ví-
reitos e justiça para a classe traba- de governos do PSDB (José Serra, Na segunda-feira (24/08), quan- timas das Chacinas Policiais de todo
lhadora e o povo (povo = explora- Alberto Goldman e Geraldo Alck- do escrevíamos este editorial, Débo- o país no Palácio do Planalto até o
dos e oprimidos). min), sem qualquer solução. bate hoje no Brasil, de olho em 2018 ra Maria da Silva e Vera Lúcia Gon- próximo dia 7 de Setembro de 2015
Agora, que as questões da cha- A Chacina de Osasco, desencadea- (eles só pensam naquilo...). O fato zaga – representando o Movimento (Dia da ‘Independência’), nós, Mães
mada macro política que ameaça- da há menos de duas semanas, é de é que, até este momento as explica- Independente Mães de Maio – par- e Familiares, voltaremos à Brasília
vam as conquistas de 1988 pare- total responsabilidade do Governo ções oficiais têm sido contraditórias. ticipavam em Brasília da Audiência para fazer uma greve de fome inter-
cem amainar (pelo menos até o jul- Geraldo Alckmin, tucano silencio- Para entender em maior profundi- Pública interativa da “CPI dos As- nacional, por tempo indeterminado,
gamento do presidente da Câmara, so, blindado, que atravessa liso toda dade e mais informações os “misté- sassinatos de Jovens no Brasil”, con- até que sejam dadas respostas con-
deputado Eduardo Cunha – PMDB- a crise política e institucional em de- rios metafísicos” que costumam cer- vocada pelo Senado. Esse Movimen- cretas às famílias!”.

opinião Marcelo Barros crônica Elaine Tavares

O velho...
MELHOR IDADE É O CACETE, diria minha avó. Essa coisa só va-
le para quem é rico e pode pagar por uma companhia que lhes resol-
va a vida. Já a vida do velho pobre é uma desgraça só. Praticamen-
te ninguém o respeita e, no geral, o veem como uma atrapalho na vi-
da dos demais.
Bob May/CC Foi assim com Romão. Ele entrou na agência do INSS com o an-
dar arrastado, como sempre é o andar de todos os velhos. Pas-
so após passo, devagarito no más. As pessoas no aguardo de serem
chamadas já olharam meio de revesgueio. No geral, parecem não
gostar dessa lentidão dos velhos, dá aflição. E franzem ainda mais a
cara quando eles passam na frente.
Romão parecia meio perdido. Sozinho, carregava um saquinho
plástico, onde guardava os documentos. Dirigiu-se imediatamente
para a mesa. A trabalhadora olhou de través.
– Tem de esperar, senhor.
Ele titubeou e olhou para nós, que estávamos sentadas. Sorri pra

Carta de Santa Cruz


ele e ajudei a sentar ao meu lado.
– Fique tranquilo, elas chamam.
E fiquei espiando o número dele, ao notar que ele não percebe-
ra o painel e o fato de que era lá que apareceria o número. Nenhu-
ma alma ali parecia disposta a explicar como eram as coisas. Puxei
PARA ENFRENTAR os grandes pro-
blemas ecológicos e para superar o
É tarefa de todos os Ao completar 50 anos desse docu-
mento, o papa Francisco convida a
conversa e fui dizendo como era. Ele sorriu. Quando seu número foi
chamado, o avisei e ele se foi de novo rumo à mesa. Não ouvi o que
modelo de organização social que
joga as pessoas umas contra as ou-
cidadãos e cidadãs Igreja Católica a entrar em um “ano
da misericórdia”, compreendida co-
ele explicou à mulher.
– Vai ter de marcar outro dia, faltam documentos.
tras, os povos da terra precisam se
unir para além dos nacionalismos e
apoiar essas mo a solidariedade divina, no cui-
dado permanente com a terra e com
de quaisquer ideologias que os divi- lutas e participar toda a humanidade. Não, ser velho não é estar na melhor
dam. Para isso, é importante que os No Brasil atual, muitos dos mais
movimentos sociais e as comunida- desse processo de importantes meios de comunicação idade. Pelo menos não para os pobres
des de todas as tradições espirituais social insistem em apresentar a rea-
se unam em um grande mutirão pela transformação lidade do país como um desastre to-
construção da paz e da unidade. tal e como um fracasso sem saída.
Essa foi uma das afirmações cen- Quem tem consciência social sabe Ele vacilava, atônito, sem entender o que passava. E a mulher,
trais do Documento final do encon- que a verdade não é essa. Enfrenta- sem qualquer delicadeza insistia que não podia atendê-lo pois falta-
tro de movimentos sociais de todo mos muitos problemas e as soluções va algum papel. Rudemente, mandou que ele levantasse para dar lu-
o mundo, reunidos em Santa Cruz não virão dos palácios. Nem pode- gar a outra pessoa.
de la Sierra, Bolívia, em julho des- mos confiar no Congresso, domina- Eu tinha duas escolhas. Ou levantava e dizia algumas boas pa-
te ano. Eram mais de 1500 represen- “apoiar o direito humano de todos a do por figuras que estão ali, não pa- ra a mulher ou ajudava o velho. Decidi pela segunda. Ele viera da
tantes de grupos, organizações e mo- uma moradia digna, construir uma ra representar o povo e sim para de- Caieira, interior da ilha, buscando resolver um problema que de-
vimentos sociais. Pela segunda vez, verdadeira soberania alimentar que fender interesses corporativos, seus ra com seu salário de aposentado. Tinha diminuído e ele não sa-
foram convocados pelo papa Fran- supere a fome e a desnutrição, rejei- e das empresas que financiaram su- bia porquê. O documento que faltava, perguntei à mulher, era um
cisco. Ele os acolheu, recebeu o ma- tar o consumismo e, acima de tudo, as candidaturas. comprovante de residência. Ele não sabia que tinha de trazer. Fo-
nifesto votado pelos participantes e defender a solidariedade como pro- Na Bolívia, o papa afirmou aos ra uma odisseia vir até ali, no centro da cidade, sem ninguém para
os confirmou na missão de reunir a jeto de vida”. movimentos sociais: “Sob o nobre a acompanhar.
humanidade para um caminho novo O papa respondeu reafirmando disfarce da luta contra a corrup- – Meu filho, que me ajudava, morreu. Tô sozinho agora, dizia, co-
de unidade, paz e justiça eco-social. que os movimentos sociais têm uma ção, vemos que se impõem aos go- mo a se desculpar.
No final do encontro, a assembleia importância fundamental na trans- vernos medidas que nada têm a ver Insisti com a mulher sobre quais documentos que precisava trazer
votou em um documento, chama- formação do mundo. Pediu que as com a resolução dos problemas e e pedi que marcasse outra data. Ela disse que era para marcar pe-
do Carta de Santa Cruz. Nesse tex- Igrejas cristãs se coloquem em diá- muitas vezes tornam as coisas ain- la internet ou pelo telefone. Usei de toda a paciência “jedi”, explican-
to, todos concordam com o papa que logo e junto com eles na construção da piores”. do que o senhor não sabia como fazer isso, que era bem idoso e esta-
“as problemáticas social e ambiental do projeto divino da paz e da justiça Nossa esperança só poderá vir das va só. Como se ela não percebesse isso por si só. De má vontade ela
emergem como duas faces da mes- na terra. Embora o papa saiba que organizações sociais de base e das marcou a nova data, para dali a um mês e pouco. Ele não entendeu.
ma moeda” e retomam as palavras não é essa a visão que a maioria dos lutas pacíficas que esses grupos fa- Precisava resolver o problema logo. Como esperar tanto tempo?
do papa ao afirmar: “Um sistema in- bispos, padres e pastores têm sobre rão para transformar a sociedade. Fiz o que pude para explicar que era assim que as coisas eram na
capaz de garantir terra, trabalho e a missão da Igreja, lembra os evan- É tarefa de todos os cidadãos e ci- burocracia estatal. E ele balançava a cabeça, sem compreender. Per-
teto para todos, um sistema que des- gelhos e o testemunho de Jesus. In- dadãs apoiar essas lutas e partici- guntei quanto faltara no salário do mês. Ele disse e eu contive as lá-
trói a paz entre as pessoas e ameaça siste que a Igreja deve voltar-se para par desse processo de transforma- grimas. Eram só alguns cobres, mas para ele certamente fazia mui-
a própria subsistência da Mãe Terra, o mundo e ser uma “Igreja em saída ção. As pessoas que creem fazem is- ta falta.
não pode continuar a reger o destino de si mesma”. so como sinal de que Deus tem para – Aguarde aqui, vou ver com o moço.
do planeta”. Há 50 anos, o Concílio Vaticano o mundo um projeto de paz, justiça Saí, fui no caixa e voltei com os caraminguás.
Por isso, os representantes dos II promulgou a Constituição pasto- e comunhão com a natureza e é nos- – Por hoje aqui está, mas no dia marcado o senhor volta, para ver
movimentos sociais ali reunidos afir- ral sobre a Igreja no mundo de ho- sa missão fazer tudo para esse pro- o que aconteceu. Ele pegou o dinheiro e saiu, devagarinho, meio
mam: “Devemos superar um mode- je. Nela, os bispos católicos de todo o jeto aconteça. Diariamente, os cris- sem entender o que se passara. E eu fiquei em estado de profunda
lo social, econômico e cultural on- mundo afirmaram que “as alegrias e tãos oram ao Pai: “venha a nós o teu tristeza.
de o mercado e o dinheiro se conver- esperanças, tristezas e dores de toda reino”. Será que é tão difícil entender que os velhos ficam confusos e per-
teram nos reguladores das relações a humanidade são as alegrias e espe- didos em situações que fogem do cotidiano? Será que é pedir muito
humanas em todos os níveis”. ranças, tristezas e dores que a Igre- Marcelo Barros é monge beneditino que se tenha mais cuidado e atenção? Um pouco de carinho, quem
Para isso, se comprometem a lutar ja deve viver”. A partir dali, surgiram e teólogo. Atualmente, é coordenador sabe? Não, ser velho não é estar na melhor idade. Pelo menos não
pacificamente de todos os modos pa- as pastorais sociais e a decisão de co- latino-americano da Associação para os pobres. Saí dali espumando, acometida do ódio são, aquele
ra “impulsionar e aprofundar o pro- locar a Igreja “a serviço das causas Ecumênica de Teólogos/as do do poeta, que dizia que deveríamos ter contra os vilões do amor. E,
cesso de mudanças”, “viver bem, em mais urgentes e fundamentais da li- Terceiro Mundo (ASETT) e assessora assim, roguei uma praga das brabas contra a mulher.
harmonia com a Mãe Terra”, “de- bertação de todos os povos e de cada comunidades eclesiais de base e
fender a dignidade do trabalho”, pessoa humana” (Medellin 5, 15). movimentos sociais. Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
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René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti (in memoriam) • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 3

instantâneo Paulo Kliass


Pedro Nathan

Agenda
(contra o) Brasil
AO QUE TUDO INDICA, houve uma alteração na disputa
política interna do PMDB, para ver quem interfere mais
na política do governo Dilma. Apesar de seu mais im-
portante dirigente nacional, Michel Temer, ter sido elei-
to como vice-presidente da República em outubro passa-
do, esse partido nunca se definiu claramente como opo-
sição ou situação.
De início, articulou-se uma aliança entre o presidente
do Senado Federal (Renan Calheiros) e o presidente da
Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha), ambos parla-
mentares eleitos pelo PMDB. Essa atuação conjunta dos
dirigentes do poder legislativo no plano federal, logo de-
pois de suas respectivas eleições para esses cargos estra-
tégicos, criou um conjunto de dificuldades para a presi-
denta Dilma. Além de permitir a derrota do governo em
votações importantes no legislativo, pairava a ameaça
permanente de dar início a um eventual processo de im-
peachment.
O aprofundamento das dificuldades do Palácio do Pla-
nalto na articulação de sua base de apoio no Congresso
Nacional levou à solução provisória de oferecer essa ta-
refa ao próprio Michel Temer. O governo viu-se bastante
acuado, havendo delegado a condução da política econô-
mica a um ortodoxo conservador como Joaquim Levy e a
condução política a esse triunvirato do PMDB.
Ocorre que a divulgação de informações a respeito do
indiciamento de Eduardo Cunha por crime de corrupção
criou um curto-circuito nesse esquema de poder parale-
Altamiro Borges lo, que vinha sendo chamado de “parlamentarismo bran-
co”. Ao perceber o espaço para se aproximar de Dilma,
Renan rifou seu correligionário da Câmara e se colocou

Desemprego ameaça Dilma como o ponto de apoio e sustentação do fragilizado man-


dato da ocupante do Palácio do Planalto.
Esse movimento de rearranjo da estratégia das classes
dominantes deu-se pelo receio de embarcar na aventura
O MINISTÉRIO DO TRABALHO divulgou, dia 21, da- No ano, o Brasil já perdeu 494,4 mil vagas com car- patrocinada por Cunha. Assim, de repente, entidades pa-
dos alarmantes sobre a alta do desemprego no país. Co- teira assinada. No mesmo período de 2014, foram cria- tronais como CNI, CNA, FIESP, FIRJAN e outras, pas-
mo efeito já esperado do arrocho monetário (elevação dos das 681,5 mil vagas. Outro dado preocupante da pesqui- saram a declarar sua preferência pela continuidade do
juros) e fiscal (corte dos gastos públicos), as empresas de- sa indica que o Nordeste, que no passado liderava o cres- mandato de Dilma. A eles, veio se somar a postura de im-
mitiram 157,9 mil trabalhadores em julho – o quarto mês cimento da economia nacional e a expansão do empre- portantes meios de comunicação, como a Globo, a Folha
seguido de queda. Foi o pior desempenho do emprego go, agora voltou a pisar no freio. A região foi a que, pro- de S. Paulo e até os internacionais representantes dos in-
com carteira assinada, em julho, da série que teve início porcionalmente, mais perdeu empregos formais no ano, teresses do financismo global, como Financial Times e
em 1992. O último ano em que havia sido registrada perda com o fechamento de 190,4 mil vagas neste ano. Os pio- The New York Times.
de vagas no mês foi em 1998, com o fechamento de 21,5 res desempenhos foram de Alagoas e Pernambuco. O
mil postos. Para piorar, os sinais de retração da economia Centro-Oeste, que concentra produção de grãos, foi a
indicam novos facões nos próximos meses. A presidenta
Dilma, alvo de intensa campanha golpista da direita, de-
única região com saldo positivo de empregos (0,89%).
Como resultado desta regressão, o IBGE confirmou
É interessante observar a ausência
veria se preocupar mais com esta tragédia. Esta, sim, po-
de encurtar ou desgraçar de vez o seu segundo mandato!
dia 20 que o desemprego nas seis principais regiões me-
tropolitanas do país aumentou para 7,5% em julho, an-
de qualquer menção à política
Segundo o levantamento do Ministério do Trabalho, a
indústria foi o setor que mais fechou vagas no mês passa-
te 6,9% no mês anterior. O resultado, que abarca o tra-
balho formal e o informal, é o mais elevado para o mês
econômica de Levy, que está
do (-64,3 mil). Todos os segmentos industriais sofreram desde 2009. levando o país à recessão e ao
retração de postos, com destaque para materiais elétricos, Em um cenário tão preocupante, ainda tem gente no
indústria mecânica e metalúrgica. O desemprego também Palácio do Planalto que propõe adiar ou parcelar o pa- desemprego
vitimou as áreas de serviços (-58 mil), comércio (-34,6 gamento do 13º dos aposentados e pensionistas – o que
mil) e construção civil (-22 mil). O único setor que con- esfriaria ainda mais o mercado de consumo interno,
tratou mais do que demitiu foi o da agropecuária (+24,5 agravando a já dramática situação do emprego no país.
mil) devido a fatores sazonais - o mês é tradicionalmente Diante da rápida reação das centrais sindicais, parece No entanto, as articulações revelam que o preço da fa-
favorável por causa da safra do cultivo de alguns produ- que os “levyanos” de Brasília desistiram de mais este ti- tura por essa súbita mudança teria sido bem alto. Entre
tos, como laranja e milho. ro no pé. A conferir! outros aspectos, ele se manifesta na chamada “Agenda
Brasil”, que o presidente do Congresso lançou publica-
mente logo depois de uma reunião com o presidente das
Silvio Mieli Organizações Globo, oligopólio de propriedade da famí-
lia Marinho. Trata-se de uma lista de projetos que seriam

Causas e sintomas
considerados prioritários para votação pelo legislativo e
que teriam contado com o aval e o apoio do Ministro da
Fazenda.
Ali constam itens diversos, mas que constituem a es-
sência do projeto conservador em nossas terras. Den-
“QUAL FOI A ÚLTIMA GRANDE vitória da esquerda no nasceram na rua e, ao serem utilizadas, se esgotaram tre eles, podemos verificar o desmantelamento do SUS,
Brasil?”, provocou o filósofo Paulo Eduardo Arantes em imediatamente. Foi uma demonstração de que a ação a privatização de empresas estatais, a anistia para recur-
recente debate sobre as grandes manifestações dos úl- política direta produz efeitos e, portanto, deslegitimou o sos enviados ilegalmente ao exterior, o aumento da idade
timos dois anos e os seus impactos no cenário político que havia de obsoleto na prática política da esquerda nos mínima para aposentadoria, a redução do Estado e ou-
brasileiro — realizado na Filosofia-USP — do qual tam- últimos 30 anos. “Desde então, a política de massas, de tros. O discurso passa pela tentativa enganosa de vender
bém participaram Camila Rocha, José Henrique Borto- acumulação de forças, de apresentar-se como alternati- a imagem de que o modelo de defesa de direitos sociais
luci e Ruy Braga. va de poder desapareceu do horizonte, pura e simples- básicos previstos na Constituição não cabe mais na capa-
O filósofo coloca a crise atual no “patamar da desgra- mente”, enfatizou. cidade arrecadadora do Estado brasileiro. Logo, a solu-
ça”. A farsa é mais sinistra do que a tragédia inicial (o Quanto à tentativa de o PT voltar às origens, como ção passa pelo desmonte das políticas públicas previstas
golpe de 1964). No golpe de 1964 a frustação era absolu- querem alguns, não faria o menor sentido para o filóso- pelos constituintes em 1988.
ta, mas a diferença é que há 50 anos, apesar de ter sido fo. Seria voltar a alguma coisa que já era uma miragem. É interessante observar a ausência de qualquer men-
estrategicamente derrotada, não houve uma desmorali- A utopia brasileira do trabalho — o indivíduo entrar no ção à política econômica de Levy, que está levando o país
zação da esquerda. universo dos direitos através do assalariamento — já es- à recessão e ao desemprego. Apenas mantém-se o man-
Agora, “de onde vem esses brutamontes da idade das tava em crise nos anos de 1980, quando surgiu o próprio tra a respeito da importância do ajuste fiscal. Assim, a
pedras?”, indaga Arantes sobre o perfil da “nova” direita. PT. Mas com a emergência do precariado, desfaz-se to- única despesa orçamentária que permaneceria imexível é
Ele argumenta que o lulismo administrou um progres- talmente essa utopia. aquela relativa ao pagamento de juros e serviços da dívi-
sivo conservadorismo da sociedade brasileira (o bom e O pior, na visão de Arantes, é que quando sai de cena da pública. As demais associadas a saúde, educação, pre-
velho pacto conservador). Portanto já havia um terreno a utopia do trabalho, entra um outro personagem como vidência social, saneamento, direitos dos trabalhadores e
preparado para que isso acontecesse. E junho/2013 não canal de acesso a direitos: a administração financeiriza- investimentos em áreas sociais seriam reduzidas ou eli-
teria sido uma explosão libertária da esquerda, mas um da da pobreza (um cadastro administrado pelo governo). minadas. Enfim, percebe-se que é uma verdadeira Agen-
marco divisório, um sintoma da decomposição do que “Esse cadastro foi até agora bem administrado por esse da Contra o Brasil!
estava por vir. conglomerado de organizações que está naufragando. O
Para Arantes, as jornadas de junho não foram plane- que virá depois, como será administrado esse cadastro Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de
jadas para dar em alguma coisa (no sentido da acumula- em que o veículo do acesso a alguma coisa semelhante à Paris 10 e integrante da carreira de Especialista em Políticas
ção de forças de longo prazo). As táticas de junho/2013 cidadania é um cartão magnético?”, concluiu. Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

fatos em foco
da Redação
Audiência denuncia más práticas Mulheres vão participar de eleições Deputados rompem com Syriza lista para as próximas eleições, que a im-
trabalhistas no McDonald’s na Arábia Saudita pela primeira vez e formam novo partido na Grécia prensa grega especula que acontecerão em
Parlamentares e sindicalistas do Brasil As mulheres na Arábia Saudita começaram A ala mais à esquerda dentro do Syri- 20 de setembro. (Opera Mundi)
e do exterior fizeram, dia 20 de agosto, a se registrar para poder votar e também se za anunciou, dia 21 de agosto, a criação
inúmeras acusações contra a rede Mc- candidatar nas eleições municipais que ocor- de um novo partido chamado Unidade Ato contra arrocho e por democracia
Donald’s sobre precarização das relações rerão em dezembro, reportou a Al Jazeera no Popular, rompendo com a então legenda reúne 100 mil em São Paulo
de trabalho, em audiência pública da Co- dia 19 de agosto. Esta é a primeira vez que elas governista da Grécia. A formação ocorre Manifestantes ligados aos movimentos
missão de Direitos Humanos, do Senado. participam do processo eleitoral no reinado. um dia após o primeiro-ministro, Alexis social e sindical ocuparam as ruas dia 20 de
O presidente da Confederação Nacional Embora a medida tenha sido aprovada pelo rei Tsipras, anunciar eleições antecipadas e agosto para pedir mudanças nos rumos da
dos Trabalhadores em Turismo e Hospi- Salman bin Abdelaziz al-Saud, o seu anteces- sua renúncia ao cargo. Com 25 deputados, economia nacional e defender a democracia.
talidade (Contratuh), Moacyr Tesch,que sor, Abdullah bin Abdul Aziz, morto em janeiro a legenda será liderada pelo ex-ministro Na capital paulista, o protesto começou no
propôs a realização da audiência ao de 2015, já havia indicado em 2011 a possibili- de Energia, Panagiotis Lafazanis – que Largo da Batata, na Zona Oeste, e seguiu
presidente da comissão, senador Paulo dade de mulheres votarem nas próximas muni- defende a volta do dracma como moeda até a Avenida Paulista. Os organizadores
Paim (PT-RS), revelou que a empresa cipais. A possibilidade de votação ainda é vista nacional – que saiu do governo em mea- estimaram a presença de cerca de 100 mil
troca todo o seu corpo de funcionários a por muitos setores conservadores da sociedade dos de julho, quando Tsipras remodelou pessoas. Os manifestantes condenaram a
cada ano. Para ele, isso demonstra como saudita como uma “intrusão ocidental”. A seu gabinete. Além disso, Lafazanis foi agenda conservadora que pauta o governo e
as condições de trabalho na rede são Arábia Saudita é um dos países com maior um dos principais críticos às negociações o legislativo, cobrando a retomada do rumo
massacrantes. Francisco Calasans, presi- desigualdade de gênero. Além da proibição de entre Tsipras e os credores europeus para progressista e de avanços sociais que mar-
dente do Sindicato dos Hoteleiros de São sufrágio, as mulheres são proibidas de dirigir o terceiro programa de resgate. O Unidade caram a última década. As manifestações
Paulo (Sinthoresp), denunciou práticas e até de viajar sozinhas, tendo suas escolhas Popular deriva da corrente tida como ra- ocorreram em 25 Estados e no Distrito Fe-
antissindicais impostas pela rede de lan- restritas pela decisão dos homens, sejam pais, dical do Syriza, a Plataforma de Esquerda, deral. Em todo o país foram registrados atos
chonetes. (Agência Sindical) irmãos ou maridos. (Opera Mundi) que anunciou que apresentará sua própria em 39 cidades. (Agência Sindical)
4 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 brasil 5

Hoje não tem água nem aula Consequências da precariedade


e outras possibilidades
Instituto Alana/Agência Pública/Felipe Paiva

CRISE HÍDRICA Desde


2013 as escolas paulistas
sofrem com a crise de Reprodução
abastecimento de água, de São Paulo (SP)
zado, dando prioridade aos banhei-
ros dos alunos em caso de escassez de
reconhecida recentemente água. “Em geral, o banheiro da direto-
Não houve nenhum tipo de preparo ra é prioridade nas escolas. Esse nunca
pelo governo do estado. dos órgãos públicos para que os diretores está sujo. Mas o mais importante são os
Para pais, professores pudessem enfrentar os problemas trazi- alunos”, argumenta.
dos pela falta de água. Aliás, nem sequer
e diretores, a falta de a falta de água e as medidas que deveriam
orientação aos gestores ser adotadas pelos gestores foram discu- “A escola é o primeiro
tidas nas escolas. “A escola é uma insti-
escolares agrava o prejuízo tuição pública, que recebe muitas pesso- espaço social que a criança
as. Lá, a lógica doméstica do balde pode frequenta. Se ninguém
dos alunos não funcionar”, critica Maura Barbosa,
coordenadora pedagógica de gestão es- garante sua limpeza, a
colar da Comunidade Educativa Cedac.
Por vezes, as ordens se atropelaram. mensagem transmitida
Camila Camilo No início do ano, a prefeitura solicitou
de São Paulo (SP) às escolas da rede uma economia de é que não precisa jogar o
água de 20%. Para alcançar a meta, uni- lixo no lixo nem cuidar do
NA SAÍDA DA TURMA da manhã da Es- dades da zona norte cortaram a hora de
cola Municipal de Ensino Fundamental escovar os dentes da rotina dos alunos, que é público”
(EMEF) Enéas Carvalho de Aguiar, na como revelou uma reportagem da Fo-
Vila Sabrina, zona norte de São Paulo, lha de S.Paulo. No mesmo dia, o prefei-
mães e avós esperavam seus filhos e ne- to declarou em um evento que a atitude
tos. Era final de junho, última semana Na Emef Enéas Carvalho de Aguiar, a orientação aos pais é que os filhos tragam garrafinhas de água era descabida. Priscila Monteiro, consultora peda-
antes das férias, e elas tinham uma re- A situação é ainda mais difícil no ca- gógica da Fundação Victor Civita, ob-
clamação na ponta da língua: a falta de berçários, maternidades, hospitais in- so das creches, que já sofrem com o des- serva que o prejuízo vai além do incô-
água constante na escola. fantis, postos de saúde e todos os ser- preparo de seus funcionários para aten- modo provocado pela sujeira. “A es-

Dispensa de alunos
Márcia Brito, mãe de uma aluna do 3º viços de acolhimento e atendimento”, der aos protocolos de saúde pública, co- cola é o primeiro espaço social que a
ano e avó de um aluno do 5º, era das descreve o inquérito. mo explica a doutora em Ciências da criança frequenta. Se ninguém garan-
mais indignadas. “Tem dias que eles O Ministério Público juntou ao do- Saúde e mestre em Enfermagem Pedi- te sua limpeza, a mensagem transmiti-
são dispensados. A gente mal é avisa- cumento gerado pela iniciativa do Ins- átrica, Damaris Gomes Maranhão. Pa- da é que não precisa jogar o lixo no li-
do se vai ter reposição depois ou se fi- tituto Alana, o ofício encaminhado pe- ra ela, os cursos de pedagogia não abor- xo nem cuidar do que é público.” Prisci-
carão com falta. Os dois reclamam do lo Núcleo de Políticas Públicas do MP, da entrada, nos intervalos e na hora da dam essas práticas e os cuidados com la atribui ao governo e à Sabesp a culpa
fedor no banheiro e contam que, às ve- noticiando o risco de colapso do Siste- de São Paulo (SP) saída. Segundo a funcionária, até o fim a higiene e saúde dos bebês e crianças Mensagem no Facebook da EMEF Enéas de Carvalho Aguiar afirma que não há água pelas iniciativas equivocadas dos gesto-
zes, a professora pede para segurar o xi- ma Cantareira e de outros sistemas da de maio a prefeitura mandava um cami- são considerados uma atividade esco- res: “O diretor manda a criança voltar
xi. Não é um absurdo?” Talita Carrara, região metropolitana. O promotor res- A reportagem presenciou a dispen- nhão-pipa quando a escola pedia. Mas lar menor. “É um trabalho de formigui- to comprado na farmácia é inadequado mãos ou deixar de fazê-lo aumenta o ris- para casa porque é a medida que ele co-
aluna no 9º ano do Ensino Fundamen- ponsável aguarda a resposta dos órgãos sa de alunos na EMEF Enéas Carvalho depois disso as solicitações não foram nha construir a importância dos cuida- para a pele da criança, que, além disso, co de contaminação: “Se houver um me- nhece. Todos estariam mais preparados
tal 2, que funciona à tarde, se queixa da governamentais convocados. de Aguiar por falta de água, embora não mais atendidas. dos nas escolas. Com a falta de água, as coloca as mãozinhas no olho e na boca o nino ou menina com diarreia, a chance para lidar com a falta de água se desde
mesma situação: “Tem dias que não te- Além da prestação de contas sobre a tenha obtido permissão da Secretaria Em 11 de junho deste ano, uma posta- desculpas para ignorá-los aumentam.” tempo todo. Pedir para segurar o xixi é de contágio geral é grande”. o começo o poder público tivesse fala-
mos aula porque ninguém consegue fi- escassez nas escolas, outros 49 inqué- Municipal de Educação para entrar na gem na página da instituição no Face- Damaris critica o uso do álcool-gel grave, pois pode gerar dores pélvicas e O ideal, para a especialista, seria a do abertamente sobre o assunto”. (CC)
car aqui, o cheiro é muito forte”. ritos e ações civis públicas sobre a crise escola. A secretaria alegou que não que- book pedia a colaboração dos pais, mas na Educação Infantil, diz que o produ- até infecção urinária. E lavar menos as adoção de um sistema mais organi- (Agência Pública)
A escola adotou medidas emergen- hídrica e suas consequências estão nas ria associar as escolas “à pauta da crise” afirmava que os alunos não seriam dis-
ciais, como pedir que os alunos tragam mãos dos promotores do Ministério. e não permitiu que a diretora desse en- pensados.
garrafinhas de água potável e servir a Em audiência pública, marcada para es- trevistas. Mas, enquanto a pequena Tie- A Secretaria Municipal de Educação,
merenda seca, ou seja, composta de ali- te mês, o órgão pretende ouvir a popula- mi Fujita, aluna do 2º ano, se queixava via assessoria de imprensa, negou que

Mais uma lição


mentos que não precisam ser cozidos, ção que está lidando com a falta de água. para a mãe, Adriana, da impossibilida- a EMEF Enéas Carvalho de Aguiar, ou
como biscoitos ou bolos prontos. Ina- No dia 20 de agosto, o Departamen- de de dar descarga na escola, uma fun- qualquer outra escola da rede, tenha in-
dequada à saúde e ao desenvolvimento to de Águas e Energia Elétrica de São cionária no portão liberava as crianças terrompido seu funcionamento regular
das crianças, conforme explica a nutri- Paulo (Daee) publicou no Diário Oficial para ir embora para casa. por causa do desabastecimento.
cionista Lígia Henriques: “Há risco de da União uma portaria reconhecendo a Sem se identificar, a funcionária ale- Segundo o órgão, a caixa de todos os
constipação intestinal, obesidade e des- “criticidade” da situação do Sistema Pro- gou que a direção fazia o possível para prédios suporta fornecer a água nos
nutrição, pois são alimentos pobres nos dutor Alto Tietê – que abastece a zona contornar a falta de água, mas a caixa dias de falta e o caminhão-pipa é envia- de São Paulo (SP)
nutrientes necessários na infância”. leste de São Paulo, além de Poá, Itaqua- com 10 mil litros de capacidade se esva- do sempre que solicitado. Por sua vez,
O caso da Vila Sabrina não chega a ser quecetuba, Ferraz de Vasconcelos, Aru- zia rápido com as atividades realizadas a Secretaria Estadual de Educação tam- A crise revela também a incapacidade das
exceção na periferia da cidade de São já, Suzano, Mogi das Cruzes, Mauá e pelos 1.053 alunos da unidade. Quan- bém negou a dispensa dos estudantes e escolas para preparar os alunos para o uso
Paulo, apesar da insistência do governo parte de Guarulhos. A atitude do gover- do há água da rua, os funcionários en- afirmou que não falta água nas escolas racional da água, o que teria impactos im-
em negar a crise de abastecimento, que no estadual não é uma resposta direta ao chem alguns baldes e reservam para a estaduais. Assim como na administra- portantes na rotina das famílias, como ex-
se arrasta desde 2013. Apenas neste mês inquérito aberto por iniciativa do Insti- limpeza, conta. As faxineiras usam es- ção municipal, foi aberto um canal com plica Luciana Hubner, diretora de relacio-
de agosto foi reconhecida, em portaria, tuto Alana, mas abre precedente jurídico sa água com desinfetante para limpar as escolas para solicitar caminhões-pi- namento e implementação da Abramundo
pelo governo do estado. Não há previ- para decretar rodízio. (Agência Pública) o chão e despejar nas privadas na hora pa. (CC) (Agência Pública) Educacional.
são de melhora: o arrefecimento causa- Segundo ela, a abordagem sobre a econo-
do pelas chuvas de verão não recuperou mia da água quase sempre é feita sob a for-
o nível das represas, embora tenha aju- ma de campanhas pontuais, que não alte-

Enquanto isso, na Vila Londrina…


dado a afastar o assunto do noticiário e ram a rotina e as práticas da própria escola,
das comunicações oficiais da Sabesp. levando a crer que gastar menos água não é
O fato é que nem todos sentem a crise algo desejável o ano todo, mas só durante a
da mesma forma, como disse Maria Iza- campanha.
bel Noronha, presidente do Sindicato A longo prazo, porém, o mais grave tal-
dos Professores do Ensino Oficial do Es- geral, eu libero a ida porque não acho “Aprendi que as escolas não são prio- vez seja a falta de investimento na estrutu-
tado de São Paulo (Apeoesp) diante das de São Paulo (SP) certo segurar o xixi”, diz a docente. ridade. Elas pagam caro pela água e são ra das escolas para a economia permanen-
sucessivas negativas oficiais da existên- desprezadas. Muitas solicitaram cami- te de água. Em 2003, quando Flávio Augus-
cia de problemas de abastecimento de Na E.E. Professor Caetano Miele, na Parque São Lucas nhão-pipa e nem sequer foram atendi- to Scherer finalizou sua dissertação de mes-
água nas escolas: “Nunca vi uma gestão Vila Londrina, zona leste da capital, os Situação parecida acontece no Parque das. Vivemos um fracasso civilizacio- trado – Uso Racional da Água em Escolas
tão mentirosa como essa. Aqui no cen- alunos também ficaram no prejuízo. São Lucas, no sudeste da cidade, na ca- nal, de repente uma escola sem água vi- Públicas: Diretrizes para Secretarias de
tro pode estar tudo bem, mas as perife- Cláudia Negruts conta que sua sobrinha, sa amarela que abriga o Centro de Edu- rou algo corriqueiro”, diz Camila. Pelo Educação – na Escola Politécnica da Uni-
rias vivem o racionamento e as escolas que estuda das 7h às 12h20, era dispen- cação Infantil Reino da Criança I. Lá, a compilado feito por ela, ao menos oi- versidade de São Paulo, já se previa a escas-
de lá estão sofrendo com isso”. sada antes das 10h30 pelo menos uma água chega diariamente às 6h e tem dias to municípios, além da capital, libera- sez de água em São Paulo.
Durante a última greve dos professo- vez por semana durante os meses de que às 9h já acabou. Cláudia de Souza, ram seus alunos por causa das tornei-
res no estado, encerrada em 15 de ju- março e abril por falta de água. As aulas funcionária da unidade, conta que o ba- ras secas: Guarulhos, Itu, Cristais Pau-
nho último, a Apeoesp fez uma campa- perdidas não foram repostas até o fim do nho para os bebês de 0 a 3 anos foi sus- lista, Mauá, Poá, Carapicuíba, Campi- “Eles se preocupam com quanto
nha chamada “Sem água, São Paulo pa- semestre e não há notícia de que serão. penso. Agora, a higiene das crianças é nas e Cajuru.
ra” e recolheu denúncias de educadores O diretor da unidade, Mário Augus- feita com lenço umedecido e álcool-gel. Na cidade de São Paulo, mais de 45 vai custar e se vai ficar pronto na
sobre a falta de água em seus locais de to Alexandre, explicou que nos perío- No ano passado, as turmas ficavam escolas se queixaram publicamente do sua gestão; se não gerar dividendos
trabalho. Algumas delas seguem abai- dos mais duros da seca, no meio do ano em casa quando não havia água na es- problema. Todas distantes da região
xo (a identidade dos professores foram passado, o sistema hidráulico do prédio cola. Mas a secretaria visitou a escola, central. Embora hoje dê o assunto co- políticos, acham que não vale a pena”
preservadas). não suportou a diferença de pressão: proibiu a dispensa de alunos e orien- mo encerrado, em outubro do ano pas-
“Eu tenho um encanamento de 1954. tou a chamar um caminhão-pipa quan- sado a própria prefeitura divulgou uma
Ele estourou e eu tive que rebolar para do necessário. O problema é que a cre- lista de unidades com falta de água:
“Nunca vi uma gestão tão mentirosa como fazer a escola funcionar”, diz. Todos os che é conveniada à prefeitura, portan- Santo Amaro: CEI Domingos Rufi- De acordo com ele, o ideal seria incluir
dias a água acabava às 9h e o consumo to, paga do próprio orçamento pelo ca- no de Souza, CEI Dep. José Salvador mudanças nos sistemas hidráulicos nos
essa. Aqui no centro pode estar tudo bem, foi racionado. “A gente sabe que dá pa- minhão. “Estamos tirando dinheiro dos Julianelli, CEI Profa. Maria do Carmo programas de uso racional da água, coisa
mas as periferias vivem o racionamento e ra ficar até três horas sem ir ao banhei- recursos pedagógicos para arcar com Pazos Fernandez – Madu, CEI Onadyr que a grande maioria das cidades e dos es-
ro. Então orientamos os alunos a segu- a compra dos lenços umedecidos, bal- Marcondes, CEI Vila Império, EMEI Al- tados não faz. Em São Paulo, a secretaria
as escolas de lá estão sofrendo com isso” rar, não usar o tempo todo. A descar- des extras e álcool. Mas não temos di- mirante Tamandaré, EMEI Geloira de estadual acordou com a Sabesp a adesão de
ga era acionada a cada duas horas se al- nheiro para chamar o caminhão sempre Campos, EMEI Dorina Nowill, EMEF 600 escolas ao Pura (Programa Racional de
guém fizesse cocô, se não deixávamos que precisar. Isso é impossível”, recla- Almirante Ary Parreiras, Cieja – Centro Uso de Água) para reparos e construção de
mais tempo”, conta o gestor. ma Cláudia. Int. de Jovens e Adultos e EMEF Prof. cisternas em algumas unidades, mas ainda
Representação A 15 quilômetros dali, Viviane* (no- Linneu Prestes; é pouco diante das 5.300 escolas da rede.
O poder público tem como obrigação me fictício) dá aulas de História na E.E. São Miguel: CEI Anton Makarenko: a Flávio costuma ouvir as mesmas objeções
legal garantir o abastecimento das esco- Dona Genoefa d’Aquino Pacitti, no Jar- “É pior para os mais novos, falta d’água comprometeu a realização quando apresenta às prefeituras a propos-
las e impedir qualquer prejuízo aos alu- dim Palmira, entre Guarulhos e São da reunião pedagógica, os professores ta desenvolvida no mestrado. “Eles se pre-
nos, como a perda de aulas, além de afir- Paulo. Desde o começo do ano, as tor- que pedem mais para usar compraram galões menores de água; ocupam com quanto vai custar e se vai fi-
mar a prioridade do direito das crian- neiras secam dia sim e dia não. A bom- EMEI Prof. Edi Greenfield: era dia de car pronto na sua gestão; se não gerar divi-
ças, estabelecida pela Constituição. ba não consegue fazer a água subir até o
o banheiro. Em geral, eu escola na família, mas não houve com- dendos políticos, acham que não vale a pe-
Foi com base nessa legislação, no Es- primeiro andar, onde ficam as classes do libero a ida porque não acho pra de carro-pipa; CEI Conv. Jardim na.” Para o engenheiro, as ações de preven-
tatuto da Criança e do Adolescente e na Ensino Fundamental 1, a sala de leitura, das Camélias: usaram reservatório; ção têm de ser vistas como contribuição de
Resolução 64/292 da Assembleia Geral a de Arte e a dos professores. Em mar- certo segurar o xixi” Pirituba: CEI Profª Maria José de longo prazo para o meio ambiente, para as
da Organização das Nações Unidas, que ço, um dos docentes construiu uma cis- Vasconcelos Mankel; contas públicas e também para uma socie-
o Instituto Alana entrou com uma re- terna improvisada para captar a água da Jaçanã/Tremembé: CEI Vila Medei- dade mais saudável e preparada para lidar
presentação no Ministério Público Es- chuva que fica na calha. Ela está no meio ros, CEI Espaço Criança, EMEI Otília com escassez de recursos.
tadual que deu origem a um inquérito do corredor, onde há trânsito de alunos. Repetência de Jesus Pires; EMEF Rodrigues Alves; Segundo dados da própria Sabesp, ho-
civil convocando Sabesp, prefeituras e A educadora conta que os professo- O triste cenário de escassez de água e EMEI Profa. Vera Arnoni Scalquetti, je estamos numa situação pior do que há
governo do estado a comunicar o que res estão sem banheiro e os usados pe- precariedade de recursos para resolver EMEI Padre Anchieta, CEI Vovó Marle- um ano. A primeira semana de agosto já te-
estão fazendo para garantir a priorida- los estudantes, não raro, ficam sem des- o problema se repete em escolas de ou- ne e EMEF Nilce Cruz Figueiredo; ve menos chuvas do que no mesmo período
de prevista em lei. carga. Apesar do revezamento das fun- tras regiões da capital e de vários muni- Butantã: EMEI Carolina Maria de de 2014, o ano mais seco vivido pelo estado.
A parcela infantil da população de- cionárias da limpeza, é impossível evi- cípios paulistas. Camila Pavanelli di Lo- Jesus, EMEI Emir Macedo Nogueira, Não há mudanças de atitude do poder pú-
ve ser a primeira a ter acesso aos locais tar o odor desagradável. A orientação renzi, autora do tumblr Boletim da Fal- EMEF Des. Arthur Whitaker e EMEF blico no horizonte. (CC) (Agência Pública)
com oferta de água em caso de crise de da direção é evitar que as crianças usem ta d’Água, mapeou tudo o que se publi- José de Alcântara Machado Filho; (Esta é primeira reportagem das
abastecimento, “garantindo-se o mes- muito o sanitário para não acumular cava sobre o tema de outubro de 2014 a Penha: EMEI Almirante Tamandaré; microbolsas sobre Crianças e Água
mo tratamento prioritário aos espaços a sujeira. “É pior para os mais novos, que junho de 2015. O resultado de sua pes- Ipiranga: CEI Inez Menezes Maria e promovidas pelo Instituto Alana em
elas destinados, como escolas, creches, pedem mais para usar o banheiro. Em quisa é alarmante. CEI Monumento. (CC) (Agência Pública) parceria com a Agência Pública)
6 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 brasil

Estudos apontam relação entre


consumo de agrotóxicos e câncer Fernando Frazão

ENTREVISTA Para a toxicologista


Karen Friedrich, independente
do tipo de intoxicação que
ocorre, o tratamento é apenas
sintomático, e dificilmente se
reverte uma intoxicação, porque
são poucos os agrotóxicos que
têm “antídotos”. Segundo ela,
muitas vezes esses danos podem
continuar se manifestando de forma
silenciosa até o fim da vida, tendo
como resultado, por exemplo, o
aparecimento de um câncer

Leslie Chaves e
Patrícia Fachin
de São Leopoldo (RS)

QUANDO O ASSUNTO é agrotóxico


e saúde, a discussão tem de ser feita a
partir da perspectiva da “prevenção pa-
ra evitar que um dano à saúde se esta-
beleça”, diz Karen Friedrich à IHU On-
-Line. Além da prevenção, frisa, “seria
importante incentivar iniciativas como O Brasil é considerado o campeão no uso de agrotóxicos há sete anos
o incentivo às práticas agroecológicas”,
já que o Brasil é considerado o campeão refere aos agrotóxicos. Então, o ideal é Quando se registra um produto, se co- deral, mas também que os municípios
no uso de agrotóxicos há sete anos. que sempre se evite o uso de agrotóxi- loca a questão de por que a Agência Na- e os estados possam agir para coibir al-
Na entrevista a seguir, concedida por cos, porque deste modo estamos pro- cional de Vigilância Sanitária (Anvisa) guns agrotóxicos em seus territórios.
telefone, Karen explica que alguns fa- tegendo a população trabalhadora do permite que se use agrotóxicos que cau- De outro lado, o Dossiê também traz
tores contribuem para que agrotóxicos campo, aqueles que residem no cam- sam câncer. Na verdade, quando a An- uma discussão sobre a fragilidade do
já banidos em outros países continuem po e aqueles que consomem alimentos visa libera o registro de um agrotóxico, processo de registro dos agrotóxicos no
sendo utilizados nas lavouras brasilei- que foram produzidos com agrotóxicos. ela faz essa avaliação a partir dos estu- Brasil e em outros países, apresentando
ras. Entre eles, ela menciona a forma Portanto, no caso da prevenção, essa dos que são apresentados pelas empre- dados de contaminação por agrotóxi-
como esses produtos são analisados no deveria ser a medida principal. sas. Então, são estudos experimentais, cos na água, na água da chuva, no leite
Brasil, individualmente, sem conside- Na questão da promoção da saúde, bem conduzidos, os quais acreditamos materno — muitas pessoas não têm co-
rar que durante a aplicação nas lavou- seria importante iniciativas como o in- serem idôneos, mas que têm suas limi- nhecimento disso, porque, às vezes, es-
ras há um uso combinado de vários ti- centivo às práticas agroecológicas, para tações. A primeira limitação é que eles sas informações estão publicadas ape-
pos de agrotóxicos. Além disso, desta- buscar a produção de alimentos sem o expõem um único agrotóxico naquele nas em artigos científicos. Além dis-
ca, a estrutura dos órgãos de vigilância uso de venenos e visando também uma estudo, enquanto no dia a dia o ser hu- so, o Dossiê também traz uma aborda-
e fiscalização é “precária”, o que impede lógica de justiça ambiental e social nos mano é exposto a uma mistura de vá- gem muito interessante sobre os terri-
o acompanhamento das populações ex- sistemas produtivos. Nesse sentido, a rios agrotóxicos. Por isso os estudos tórios que estão suscetíveis aos danos
postas, para verificar quais são os riscos reforma agrária é uma política impor- epidemiológicos, que têm sido realiza- dos agrotóxicos, e aí há depoimentos
do contato com essas substâncias. “Ou- tante que deve ser fortalecida no país, dos nos Estados Unidos e Canadá, estão de pessoas que falam sobre os impactos
tras ações importantes deveriam ser pois desse modo restringiremos mode- apontando a associação entre agrotóxi- que elas têm sentido e identificado.
feitas a partir do Estado, para melhorar los de produção dependentes do uso de cos e câncer, porque eles estão estudan-
a capacitação dos médicos e profissio- agrotóxicos. do o agrotóxico na sua realidade de uso, Como o debate sobre o uso de
nais da saúde, possibilitando o diagnós- A outra vertente, que diz respeito ao que considera justamente uma mistura agrotóxico na agricultura e os
tico das pessoas contaminadas e, con- tratamento daqueles que já estão into- de agrotóxicos. riscos à saúde tem sido feito em
sequentemente, o tratamento, quando xicados e que foram expostos ao agro- outros locais do mundo?
possível”, sugere. tóxico, deveria se voltar às ações pa- O Brasil é o maior consumidor mun-
ra fortalecer os centros de notificação “Muitas vezes esses danos dial e tem uma grande fragilidade regu-
de agrotóxicos, para poder mapear os latória em relação aos agrotóxicos. Por
“O ideal é que sempre se evite o uso locais onde existem maiores casos ou podem continuar se isso sabemos que há fragilidade nos la-
maior propensão ao aparecimento de boratórios analíticos, fragilidade em re-
de agrotóxicos, porque deste modo casos de intoxicação. Por isso, é impor-
manifestando de forma lação ao número de pessoas que traba-
estamos protegendo a população tante fortalecer as estruturas de vigi- silenciosa até o fim da vida, lham nos órgãos de Estado para darem
lância. Nesse sentido, outras ações im- conta do volume de trabalho. De fato, a
trabalhadora do campo, aqueles que portantes deveriam ser feitas a partir tendo como resultado, por situação do Brasil é a pior no cenário in-
do Estado, para melhorar a capacitação ternacional em relação ao uso de agro-
residem no campo e aqueles que dos médicos e profissionais da saúde, exemplo, o aparecimento tóxicos. Mas, ainda assim, em outros
consomem alimentos que foram possibilitando o diagnóstico das pesso- países existem organizações, até análo-
as contaminadas e, consequentemen- de um câncer ou um gas à campanha permanente contra os
produzidos com agrotóxicos” te, o tratamento, quando possível. Sa- dano hepático renal agrotóxicos, e existem organizações e
bemos que, independentemente do tipo grupos de pesquisadores que têm se po-
de intoxicação que ocorre, o tratamen- bastante grave” sicionado contra alguns agrotóxicos co-
Apesar da resistência brasileira em to é apenas sintomático, e dificilmente mo, por exemplo, o glifosato, que apre-
banir esses produtos, Karen informa se reverte uma intoxicação, porque são senta riscos à saúde.
que instituições nacionais, a exemplo poucos os agrotóxicos que têm “antído- Alguns agrotóxicos já foram proibidos
do Instituto Nacional do Câncer (In- tos”. Muitas vezes esses danos podem Além do câncer, que outros em vários países, mas ainda são comer-
ca), desenvolvem campanhas e parce- continuar se manifestando de forma si- impactos o uso e a exposição aos cializados no Brasil. Esse é um fato im-
rias com o Instituto Internacional de lenciosa até o fim da vida, tendo como agrotóxicos causam à saúde? portante, porque mostra que as autori-
Pesquisa em Câncer (Iarc), da Organi- resultado, por exemplo, o aparecimento Existem aqueles efeitos mais imedia- dades regulatórias internacionais já re-
zação Mundial da Saúde (OMS), que de um câncer ou um dano hepático re- tos, que podem ocorrer logo após a ex- conheceram os danos à saúde e proibi-
faz “avaliações e revisões sistemáticas nal bastante grave. posição. Então, em geral o trabalha- ram o uso dessas substâncias, enquan-
sobre alguns agrotóxicos”. “Os estudos dor do campo, que está mais exposto ao to nós continuamos usando esses agro-
feitos pelo Iarc mostram que os agrotó- Qual é a relação entre o consumo produto, faz relatos frequentes de in- tóxicos. (IHU On-Line)
xicos que usamos no Brasil apresentam de agrotóxicos e as causas de toxicações agudas, que causam dor de
enorme potencial de desenvolvimen- câncer? cabeça, vômitos, diarreia e até o óbito. Flaviano Quaresma/Abrasco

to de câncer em seres humanos. Den- Estudos experimentais científicos Além disso, existem os efeitos mais tar-
tre eles, o glifosato foi classificado co- tanto com animais de laboratório como dios, que são o câncer, alterações hor-
mo carcinógeno humano, assim como o com populações expostas, realizados monais, alterações reprodutivas, que
malathion, que é muito usado também em outros países, mostram uma relação são relacionadas, cientificamente, ao
em campanhas de saúde pública [pul- clara entre o uso de agrotóxicos e o apa- uso de agrotóxicos.
verizado em campanhas de combate ao recimento de câncer. Instituições que
mosquito da dengue], e o herbicida 2,4- têm conhecimento na área de pesqui- Como o Dossiê da Abrasco está
D, que foi classificado como possível sa de câncer, como o Instituto Interna- repercutindo entre os setores de
carcinógeno humano”, alerta. cional de Pesquisa em Câncer (Iarc), da saúde e vigilância sanitária no
No dia 24 de agosto, Karen ministrou Organização Mundial da Saúde (OMS), país? Como essa discussão acerca
a palestra “Uso combinado de Agrotó- fizeram avaliações e revisões sistemáti- da relação entre consumo de
xicos e o impacto na saúde”, na aber- cas sobre alguns agrotóxicos, e esses es- agrotóxico e implicações à saúde
tura do Seminário Agrotóxicos: Impac- tudos mostram que os agrotóxicos que tem sido discutida?
tos na Saúde e no Ambiente, realizado usamos no Brasil apresentam enorme O Dossiê foi lançado no final do mês
na Sala Ignacio Ellacuría e Companhei- potencial de desenvolvimento de cân- de abril, e várias instituições, como o
ros – IHU, na Unisinos. Na oportuni- cer em seres humanos. Dentre eles, o Ministério Público e Fóruns Estadu-
dade foi lançado o Dossiê Abrasco: um glifosato foi classificado como carcinó- ais, têm demandado da Abrasco o lan-
alerta sobre os impactos dos agrotóxi- geno humano, assim como o malathion, çamento e a divulgação do Dossiê. Para
cos na saúde. que é muito usado também em campa- nós, essa tem sido uma surpresa, espe-
QUEM É
Confira a entrevista. nhas de saúde pública [pulverizado em cialmente quando percebemos que pes- Karen Friedrich possui graduação em Bio-
campanhas de combate ao mosquito da soas que trabalham com a área da saú- medicina pela Universidade Federal do Estado
Que discussão é importante ser dengue], e o herbicida 2,4-D, que foi de ou que são representantes do Esta- do Rio de Janeiro (UNIRIO), mestrado e douto-
feita quando se trata da relação classificado como possível carcinógeno do têm poucas informações sobre os rado em Saúde Pública pela Escola Nacional
entre agrotóxicos e saúde? humano. Portanto, temos estudos cien- danos dos agrotóxicos. Então, o Dossiê de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação
Karen Friedrich – Da ótica da saúde, tíficos de organismos internacionais e traz, de um lado, alguns estudos cien- Oswaldo Cruz. Atualmente é servidora pública
sempre temos de trabalhar com a pre- nacionais, como o Instituto Nacional do tíficos para contribuir com informações do Instituto Nacional de Controle de Qualidade
venção para evitar que um dano à saúde Câncer (Inca), que estão se posicionan- para essas pessoas que trabalham na em Saúde (INCQS), da Fundação Oswaldo Cruz
se estabeleça. Só que a estrutura dos ór- do quanto ao risco do uso dos agrotóxi- área da saúde, ressaltando que esses es- e professora assistente da UNIRIO. É presidente
gãos de vigilância e fiscalização das po- cos desenvolverem câncer. tudos não estão esgotados, porque exis- da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambien-
pulações expostas é precária, e por is- tem mais estudos apontando os prejuí- te Natural (AGAPAN) e coordenadora do GT
so temos poucas iniciativas bem-suce- Como o agrotóxico ainda é zos dos agrotóxicos. Essas informações de Agrotóxicos e Transgênicos da Associação
didas que trabalham com a prevenção permitido, mesmo depois do podem ser úteis para que os órgãos do Brasileira de Agroecologia.
e com a promoção da saúde no que se resultado dessas pesquisas? Estado tomem ações não só em nível fe-
brasil de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 7

Comida ou veneno? Fotos: Eduardo Tavares/RBA

SAÚDE Produção orgânica


se viabiliza como garantia de
segurança alimentar. Ainda
modesta no país, atividade agrícola
sem agrotóxicos cresce 35% ao
ano e se viabiliza também no
modelo de negócio – solidário,
sustentável e lucrativo

Eduardo Tavares 
de Porto Alegre (RS)
da Rede Brasil Atual

VILMAR MENEGAT não tem filhos.


Mas se vê como “pai” de uma família nu-
merosa de sementes nativas. São mais
de 60 diferentes “filhotes” conservados
com carinho em potes de vidro recicla-
dos. Milho, feijão, trigo sarraceno, soja
preta, chia são alguns dos nomes dessas
crioulas – vistas pelo agricultor como
sementes da preservação da biodiversi-
dade do planeta.
Vilmar, 42 anos, vive com os pais, des-
cendentes de italianos, em um sítio de Brasil tem consumo médio de 5,2 quilos de veneno agrícola por habitante
50 hectares no interior de Ipê, municí-
pio localizado na serra gaúcha, autointi- minam o mercado no Brasil: Monsan- presa. Agricultores gaúchos que sempre de forma inexorável, as lavouras daque-
tulado “Capital Nacional da Agroecolo- to, Syngenta, Basf, Bayer CropScien- foram favoráveis à difusão da soja trans- les que insistem em trabalhar com a ba-
gia”. A principal cooperativa da cidade, ce, Dow AgroSciences e DuPont. As seis gênica resistente ao glifosato se revol- se genética comum, comprometendo di-
Eco Nativa, tem 67 produtores orgâni- são também as maiores proprietárias de taram e foram à Justiça contra o paga- versidade, autonomia e segurança ali-
cos associados que vendem diretamen- patentes de sementes transgênicas au- mento desses royalties. mentar dos povos.”
te em feiras de Porto Alegre e Caxias do torizadas no Brasil. A modificação, em “O fundamento do agronegócio é que O modelo polui o solo, o ar, manan-
Sul – o excedente vai para os supermer- grande parte, torna as plantas de soja, essas seis grandes empresas, através de ciais de água e lençol freático. Os agri-
cados. Ipê e a cidade vizinha, Antônio milho e algodão resistentes aos agro- pequenas modificações genéticas inse- cultores padecem de intoxicação aguda,
Prado, foram pioneiras da produção de tóxicos, exigindo aplicações de doses ridas nas plantas, estão obtendo direi- coceiras, dificuldades respiratórias, de-
alimentos orgânicos no Brasil. Toda se- maiores de veneno para controlar inse- to de propriedade sobre aspectos funda- pressão, convulsões, entre outros males
mana levam quatro caminhões carrega- tos e doenças. mentais para a vida de todos. As plan- que podem levar à morte. E os consumi-
dos às feiras de Porto Alegre. Normal- O agricultor é obrigado a comprar o tas transformadas, agora com dono, es- dores – a maioria da população brasilei-
mente retornam vazios. pacote semente/agrotóxico da mesma tão substituindo as plantas naturais, ra – podem ter intoxicação crônica, que
Esses produtores desafiam uma reali- empresa e não pode ter suas próprias cujas sementes deixam de estar dispo- demora vários anos para aparecer, resul-
dade assombrosa: o agronegócio brasi- sementes. A legislação brasileira ainda níveis”, resume o engenheiro agrônomo tando em infertilidade, impotência, có-
leiro é o maior consumidor de agrotóxi- permite a pulverização aérea e a venda Leonardo Melgarejo, dirigente da Asso- licas, vômitos, diarreias, espasmos, difi-
cos do mundo. A venda de agrotóxicos de agrotóxicos já proibidos nos Estados ciação Brasileira de Agroecologia. “Já as culdades respiratórias, abortos, malfor-
saltou de 2 bilhões de dólares em 2002 Unidos e União Europeia, e oferece in- sementes transgênicas estão ao alcan- mações, neurotoxicidade, desregulação
para quase 10 bilhões de dólares em centivos fiscais aos fabricantes. ce de todos que podem pagar por elas. hormonal, efeitos sobre o sistema imu-
2012. O Brasil tem um quinto do mer- Um exemplo do que o controle do Não é possível aos agricultores familia- nológico e câncer. A Fundação Oswaldo
cado mundial, com a marca de 1 milhão mercado por essas empresas é capaz: a res, estabelecidos em regiões domina- Cruz calcula que cada dólar gasto com
de toneladas, equivalente a um consu- Monsanto, repentinamente, quintupli- das pelo agronegócio, optar pelo plan- agrotóxicos em 2012 corresponda a 1,26
mo médio de 5,2 quilos de veneno agrí- cou o preço da semente resistente ao tio do milho crioulo, porque os grãos de dólar gasto no Sistema Único de Saúde
cola por habitante. Seis empresas do- agrotóxico glifosato, produzido pela em- pólen do milho transgênico alcançam, (SUS). (Revista do Brasil)

Solução
O agricultor Gilmar Bellé, formado
de Porto Alegre (RS) em Economia, dirigente da Cooperati-
va Aecia e vereador no município de An-
A alternativa para esse panorama é o tonio Prado, vai toda quarta-feira de ca-
fortalecimento da agricultura familiar e minhão a Porto Alegre, levando sua pro-
do cultivo sustentável. Apesar do aumen- dução e a de outros cooperativados pa-
tos dos investimentos do governo federal ra vender na Feira Cultural da Biodiver-
nos últimos anos na agricultura familiar, sidade. Ele é pioneiro na produção de or-
o lobby do agronegócio dificulta avan- gânicos. Participou da criação da coope-
ços mais significativos. A bancada rura- rativa em 1989, junto com outros jovens
lista no Congresso é numerosa (cerca de atuantes na Pastoral da Juventude Rural.
170 deputados e 13 senadores), enquan- A iniciativa é sucesso comercial. Produz
to o universo de 12 milhões de pequenos 500 toneladas de hortifrutigranjeiros e
agricultores conseguiu eleger apenas 12 mais 500 toneladas de alimentos proces-
deputados. O agronegócio produz, prin- sados nas suas agroindústrias. Além das
cipalmente, biocombustível, commodi- feiras, vendem para redes de supermer-
ties para exportação e ração para animal, cados, como Zaffari e Pão de Açúcar. Ne-
enquanto a agricultura familiar respon- gociam tudo o que produzem pelo preço Alexandre iniciou projeto em feira ecológica apoiado pela consumidora Fabiane
de por 70% da produção de alimentos. A que estabelecem.

Biodinâmicos
orgânica ainda é pequena, movimentou
R$ 1,5 bilhão em 2013, mas está em ex-
pansão de, em média, 35% ao ano desde “Tudo orgânico. A maior parte da
2011, favorecida pela regulamentação do
setor com a Lei dos Orgânicos. produção é adquirida pelas prefeituras de
A produção se concentra nos agricul- São Paulo e Porto Alegre para a merenda dutividade e propiciam excelente rela-
tores familiares organizados em associa- de Porto Alegre (RS) ção custo/benefício.
ções ou cooperativas. O Movimento dos escolar e pelo programa Fome Zero” As redes de supermercados vendem
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Na Fazenda Capão Alto das Criúvas, no cerca de 70% da produção de orgânicos
também incentiva o cultivo de orgâni- município Sentinela do Sul, a 100 quilô- no Brasil, mas os preços são maiores que
cos nos assentamentos. A Cooperativa metros de Porto Alegre, o engenheiro os de produtos da agricultura convencio-
Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), As 23 famílias da cooperativa têm bom agrônomo João Volkmann produz, des- nal. A alternativa são as feiras livres, on-
na Grande Porto Alegre, reúne 30 famí- padrão de vida. A de José Tondello com- de 1989, arroz orgânico e biodinâmico. de o produtor vende direto para o con-
lias assentadas numa área de 600 hecta- prova. Seus filhos Jonas, de 23 anos, es- Em 182 hectares, João extrai 5 toneladas sumidor e cria outros vínculos. As feiras
res, desde 1995. Segundo o diretor Air- tudante de Processos Gerenciais, e Nei- por hectare. O arroz Volkmann foi o pri- estão presentes em todas as capitais bra-
ton Rubenich, o empreendimento pro- va, 20 anos, dizem, enquanto colhem meiro a receber certificado de biodinâ- sileiras. Porto Alegre tem sete por sema-
duz por mês 40 mil litros de leite, e por moranguinhos, que nem pensam em sair mico no Brasil; abastece o mercado in- na. A mais antiga é a Feira Ecológica da
ano 268 toneladas de carne de suíno e do campo. A mesma opinião tem Maia- terno e é exportado para os Estados Uni- Redenção – funciona há 25 anos, todos
2 mil toneladas de arroz. “Tudo orgâni- ra Marcon, de 24 anos, que largou o cur- dos, Alemanha, Bolívia e Uruguai. os sábados. Anselmo Kanaan, veteriná-
co. A maior parte da produção é adquiri- so de Educação Física para ajudar seu pai Desenvolvidos por Rudolf Steiner, rio e coordenador da Feira da Biodiversi-
da pelas prefeituras de São Paulo e Por- na produção de mudas e desenvolver um criador da Antroposofia, os preparados dade do Menino Deus, constata que tem
to Alegre para a merenda escolar e pelo projeto de ecoturismo no sítio em Ipê. biodinâmicos usados pelo produtor são aumentado o número de consumidores
programa Fome Zero.” (ET) (Revista do Brasil) elaborados a partir de cristais e plantas com problemas de saúde que buscam no-
medicinais, constituindo uma fitoterapia vos hábitos alimentares. A feira tem 24
para que as plantas cumpram melhor módulos, e todos têm certificação de pro-
sua função e tenham mais potencial nu- dutores orgânicos.
tritivo. “No sistema de produção biodi- Entre eles está Gilmar Bellé, de Antô-
nâmico, a propriedade é vista como um nio Prado, com um avental, carregan-
organismo agrícola vivo e espiritual. Os do caixas de tomates. Na banca ao lado,
objetivos são a cura da terra, o bem-estar Alexandre Baptista, o Ali, é o mais no-
dos agricultores, a produção de alimen- vo produtor, e está iniciando um proje-
tos sadios para o consumidor e o desen- to bem-sucedido e consolidado na Eu-
volvimento da espiritualidade.” ropa e Japão: o CSA (da sigla em in-
Sua fazenda promove cursos e está- gles A Comunidade Financia o Agricul-
gios gratuitos. Um dos alunos, João tor). São 30 famílias que pagam men-
Kranz, é diretor da agroindústria da Co- salmente R$ 93 e recebem toda semana
operativa Ecocitrus, em Montenegro, uma cesta com oito produtos diferentes.
a 55 quilômetros de Porto Alegre. É a Dessa maneira é garantido o escoamen-
maior produtora brasileira de suco, pol- to da sua produção. A advogada Fabiane
pa e óleo essencial de laranja e tangeri- Galli é uma das apoiadoras. “As crian-
na e exporta quase tudo para a Alema- ças não adoecem e têm muita vitalida-
nha. Das 75 famílias associadas, 12 pro- de”, diz Fabiane, mãe de três crianças e
duzem com preparados biodinâmicos há nove anos consumindo produtos or-
Município gaúcho de Ipê é considerado um dos pioneiros na produção de alimentos orgânicos que, segundo Kranz, aumentam a pro- gânicos. (ET) (Revista do Brasil)
8 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 brasil

Família Sarney abre artilharia


contra governador Flávio Dino Reprodução

MARANHÃO
Com bombardeio diário,
críticas são gratuitas

Luiz Carlos Azenha


de São Paulo (SP)

O BOMBARDEIO é diário, sem trégua.


O governador Flávio Dino (PCdoB) é
“acusado” de sentar-se ao lado do mo-
torista pelo jornal O Estado do Mara-
nhão, que integra o império midiático
da família Sarney. Nem a Veja faria me-
lhor. Ou faria?
As críticas, especialmente na colu-
na Estado Maior, por onde fala o dono,
são absolutamente gratuitas. Por exem- A unidade escolar Centro do Milton, em Brejo de Areia, Maranhão; a família Sarney deixou mil escolas assim no Estado
plo, na edição de 19 de maio: “Flávio Di-
no não tem conseguido reagir às nume- ce a todos. É o velho patrimonialismo,

Reprodução
rosas crises que se instalaram no Gover- que aqui no Maranhão está em cada es-
no do Estado”. quina. Nós estamos desmontando isso
Na mesma coluna: “Gozações – Os es- e desmontando em um processo confli-
cândalos e constrangimentos em todas tuoso. Todas as vezes que a gente tira
as áreas do governo Flávio Dino têm fei- um privilégio pendurado na árvore do
to a alegria de piadistas e gaiatos da in- patrimonialismo maranhense, o dono
ternet. Todo dia surgem memes e ban- do privilégio reclama, reclama e luta.
ners fazendo troça do governo, que me- Luta, entra na Justiça, coloca seu sis-
te os pés pelas mãos quase diariamente. tema de mídia contra, porque ele quer
O que ajuda os provocadores é a postura manter o privilégio. Passou anos indo
do próprio governo de não reconhecer os lá colher essa fruta madura e alimen-
erros e querer impor seu ponto de vista”. tando os seus às custas de milhares de
Na mesma página, ao acusar Dino de maranhenses.
desperdiçar dinheiro com o aluguel de
um prédio, o jornal promove os dois O que é o programa
herdeiros políticos da família: os de- emergencial do IDH, o Índice de
putados Adriano Sarney (PV) e Andrea Desenvolvimento Humano?
Murad (PMDB). Eles são chamados a É uma política focalizada nos 30 mu-
opinar sempre que há “denúncias” con- nicípios de pior IDH do Maranhão, que
tra Dino. Propaganda política disfarça- estão entre os 100 piores do Brasil. Ação
da de jornalismo. de substituição de escolas, restauran-
A ênfase da cobertura é na violência, tes populares, força estadual de saúde,
que realmente é grave em São Luís. Se- construir casas, apoio à agricultura fa-
gundo Dino, a taxa de homicídios caiu, miliar, fornecer documento, um enxoval
mas o colunismo sarneyzista cria um cli- Reprodução de notas publicadas na imprensa maranhense de direitos. Eu, quando estudei, quan-
ma de pânico a ponto de invocar o holo- do dava aula de Direito, falávamos em
causto – como se o problema não fosse Para quem chega, é o porto melhor si- O senhor disse que conseguiu direitos de primeira, segunda e terceira
parte integral da herança maldita deixa- tuado do Arco Norte, do ponto de vista R$ 100 milhões em função de gerações. Século 18, direitos civis. Sécu-
da pelos Sarney. do mercado brasileiro, porque ele se si- mudanças administrativas? lo 19, direitos políticos. Século 20, direi-
De Pergentino Holanda, colunista: Co- tua exatamente na zona de transição en- Essas mudanças em cinco meses ge- tos sociais. Nós temos de fazer três sécu-
mo a família Sarney controla a TV Mi- tre a Amazônia e o Nordeste, com am- raram 100 milhões, porque nós comba- los em quatro anos. Pretendemos mos-
rante, afiliada da Globo no estado, acaba plo acesso ao Centro-Oeste do país. E temos problemas que havia no Detran, trar, que apesar das dificuldades nacio-
definindo a agenda do que aparece sobre ao mesmo tempo no sentido de saída. no sistema penitenciário, no sistema de nais, é possível mobilizar investimentos
o Maranhão nos jornais em rede nacio- Uma empresa que vai exportar soja pa- saúde, na educação. A escola que apa- públicos e privados capazes de elevar a
nal da emissora. “Toda semana tem pe- ra a costa Leste dos Estados Unidos vai rece na foto, para substituir, pode cus- qualidade de vida de populações antes
lo menos uma reportagem negativa”, diz economizar três ou quatro dias de fre- tar em média 500 mil reais. Dez mi- submetidas a patamares de negação de
um assessor de Dino. te usando Itaqui em relação a Parana- lhões dá para fazer 20 escolas. Dá para direitos realmente inacreditáveis.
O curioso é que os ataques partem da guá (Paraná). fazer uma escola técnica estadual, que
família que controlou o estado politi- o Maranhão não tem nenhuma. Com a Mostrar que governo
camente por mais de meio século. Que, O senhor diz que pretende Universidade Virtual do Maranhão dá faz diferença?
mais recentemente, “privatizou” a segu- casar esta vantagem logística para dizer que essas pessoas desviaram Que é imprescindível para superar os
rança do complexo penitenciário de Pe- com energia para desenvolver 70 escolas. problemas da população mais pobre.
drinhas, o que ajudou a provocar um es- um parque industrial e Durante décadas no Brasil se estabele-
cândalo de dimensões nacionais com a processar os produtos agrícolas Por que os ataques ceu uma espécie de dualidade: o Bra-
matança entre facções. do Maranhão no entorno de diários na mídia? sil moderno era privado, o Brasil arcai-
De um grupo político que, segundo Di- Itaqui. Qual energia? Na verdade, uma fração da elite bra- co público. Isso na verdade é uma falá-
no, chegou a pagar R$ 11 por um copo Na verdade, nós já temos uma grande sileira, acostumada a um modelo co- cia ideológica. Todos nós sabemos que
de leite servido numa refeição hospita- produção de gás, de cerca de 5 milhões ronelista e oligárquico, tem o hábito sem serviços públicos é impossível nós
lar. Isso sem falar nas mil escolas como a de metros cúbicos. Já foi feita a pros- de gerar acúmulo de fortunas pessoais termos um Brasil verdadeiramente mo-
desta foto. Confira a entrevista com o go- pecção e foi formalmente declarado pela a partir do desvio daquilo que perten- derno. (Viomundo)
vernador do Maranhão, Flávio Dino. Agência Nacional de Petróleo que esses
campos estão aptos a serem comercial-
Governador, quem olha para essa mente explorados. Na décima terceira
foto é difícil acreditar… rodada do leilão da ANP (Agência Nacio- Edital de Convocação Assembléia Geral
Flávio Dino – Nós encontramos mil es- nal do Petróleo) teremos mais 22 blocos
colas dessas, na qual existem professo- na chamada bacia do Parnaíba, que fica Ordinária e Extraordinária
res de enorme capacidade de se dedicar quase toda no Maranhão, de modo que
a uma causa, que eu respeito muito, mas nós esperamos que no futuro essa abun- Convocamos, nos termos do Estatuto em vigor, os sócios da COOPERATIVA DE
na qual, obviamente, os alunos pouco dância de fonte de energia de nosso esta- TRABALHO EM ASSESSORIA A EMPRESAS SOCIAIS DE ASSENTAMENTOS
conseguem apreender. Por isso, nós esta- do se consolide. Nós temos uma econo-
mos com um programa voltado para su- mia baseada na agricultura, na pecuária, DA REFORMA AGRÁRIA – COOPERAR, sociedade cooperativa de natureza ci-
perar isso. Realmente é inacreditável que na pesca, no extrativismo, na avicultura, vil, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazen-
em um país como o nosso, sexta ou séti- tudo isso é fundamental. Mas, ao mesmo da sob o n.º 07.899.004/0001-00, com endereço na Alameda Barão de Limei-
ma maior economia do planeta, essa con- tempo, é importante industrializar o es- ra, 1.232 , Campos Elíseos, São Paulo, Estado de São Paulo, para participarem da
dição social seja tão difícil. O estado que tado, substituir importações. ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA e EXTRAORDINÁRIA, que se realizará em
tem o décimo sexto PIB do Brasil, que
tem um porto promissor e importante, O senhor já lidou com a sua sede, no dia 28 de Setembro de 2015, às 9:00 horas, para tratar dos seguin-
tem a base de Alcântara… agora nós pre- herança maldita do governo de tes pontos de pauta:
cisamos fazer com que essas ilhas de mo- Roseana Sarney?
dernização, de século 21, consigam che- Nós encontramos aqui muitos absur- ORDEM DO DIA:
gar ao Maranhão profundo, que ainda vi- dos, infelizmente. Havia, por exemplo,
ve, em muitos casos, no século 19. uma Universidade Virtual do Maranhão.
A universidade era virtual, mas o rou- 01) Admissão, demissão de cooperados;
Qual a importância do porto de bo era real, porque lá houve desvio de 02) Eleição do Conselho Fiscal;
Itaqui, considerando que 10% da mais de R$ 30 milhões. No que se refe- 03) Avaliação do exercício social de 2014;
soja exportada pelo Brasil saem re à saúde encontramos situações abso- 04) Análise do balanço anual de 2014;
de Matopiba, a região fronteiriça lutamente injustificáveis do ponto de vis-
entre Maranhão, Tocantins, Piauí ta do custo, como o copo de leite que cus-
05) Parecer do conselho fiscal do exercício de 2014;
e Bahia? tava 11 reais. 06) Destinação das sobras ou rateio das perdas dos exercícios de 2014;
Geraldo Magela/Agência Senado 07) Análise do plano de metas para o novo período;
08) Análise do orçamento para o novo período;
09) Fixação de Honorários;
10) Outros assuntos de interesse dos cooperados;

Número de associados aptos a votar: 42


Ana Paula Botelho Lima
Coordenador Geral

Poleana Freitas Leal


Coordenador de Finanças

Sheila Pagnussatti
Coordenador Secretário

São Paulo, 24 de Agosto de 2015.


O governador do Maranhão, Flávio Dino
brasil de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 9

Reunido com tucanos em SP, Cunha


diz que Temer foi “sabotado” no governo ALESP

NA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA Presidente
da Câmara, acompanhado
por José Serra e Aloysio
Nunes, se recusa a
responder sobre Lava Jato,
volta a defender saída do
PMDB do governo e diz
“torcer” para vice deixar
articulação política

Eduardo Maretti
de São Paulo (SP)
da Rede Brasil Atual

O PRESIDENTE da Câmara dos Depu-


tados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dis-
se dia 24 de agosto, na Assembleia Legis-
lativa de São Paulo, que ainda não pode
confirmar que Michel Temer está de fato
deixando a articulação política do gover-
no, mas repetiu que o vice-presidente de- Fernando Capez, presidente da ALESP, o deputado Eduardo Cunha e o senador Antonio Anastasia
ve deixar o posto.
“Ainda não sei se ele efetivamente saiu, relativa à Operação Lava Jato. “Não fa- Cunha tratou também de avisar à se- proferida minha decisão, e essa decisão
mas torço para ser verdade. Eu mesmo lo sobre esse assunto. Esse assunto é pa- nadora Marta Suplicy, em sua chega- será dada com base em aspectos técni-
já estava ponderando que ele deveria dei- ra meu advogado.” Na semana passa- da ao partido, que ela deverá ter um cos”, garantiu.
xar”, afirmou. “[Temer] Foi muito sabo- da, ele foi denunciado pelo procurador- comportamento sem “prerrogativas”. O parlamentar prevê para setembro
tado nesse tempo todo e as condições po- -geral da República, Rodrigo Janot, por “Uma senadora de boa atuação. A vin- uma definição sobre a próxima reforma
líticas vão mudando. A saída dele da ar- corrupção e lavagem de dinheiro. Per- da de qualquer pessoa, para agregar, é que pretende fazer andar na Câmara, a
ticulação, se confirmada, é um bom sinal guntado se vai deixar o cargo duran- sempre positiva”, analisou, para ressal- tributária. A ideia, segundo ele, é que o
para ele.” te a investigação da Lava Jato, respon- var em seguida: “Desde que venha den- tema possa ser objeto de uma emenda
Cunha participou no parlamento pau- deu pela segunda vez: “Eu não falo so- tro de um ambiente da convivência, da aglutinativa, reunindo as muitas propos-
lista do Encontro dos Presidentes das As- bre isso”. O presidente da Câmara tam- disputa, com harmonia, para poder ga- tas que tramitam na Câmara, e ser leva-
sembleias do Brasil. A pauta foi o “Pac- bém não quis comentar o protesto. Dis- nhar seu espaço. Não que venha deten- da ao plenário em setembro.
to pelo fortalecimento da competência se que não ouviu. tora de qualquer prerrogativa, privilé-
dos Estados”, a partir da Proposta de Questionado se os movimentos de Te- gio. Como mais um quadro dentro do
Emenda à Constituição (PEC) 47/2012, mer ou a eventual saída do vice-pre- PMDB, é muito bem-vinda”. Cunha recusou-se a responder, em
cujo relator é o senador Antonio Anasta- sidente da coordenação política seria Capez comandou os trabalhos e garan-
sia (PSDB-MG). Antes da sessão no ple- “mais um passo” para o seu partido dei- tiu que a sessão, realizada no Plenário entrevista coletiva, sobre qualquer
nário, Cunha participou com deputados xar o governo, Cunha respondeu: “Não Juscelino Kubitschek, o principal da ca-
de todo o país de reunião da diretoria da sei se a saída dele da articulação é mais sa, não tem conotação política e sua mo-
questão relativa à Operação Lava Jato.
União Nacional dos Legisladores e Legis- um passo, mas para nós, que defende- tivação é “técnica”. “Não falo sobre esse assunto. Esse
lativos Estaduais (Unale). mos a saída, é um fator positivo”. Ques- Além de representantes das assem-
Enquanto se encaminhava ao microfo- tionado também se o PMDB deve deixar bleias legislativas dos estados brasilei- assunto é para meu advogado”
ne, Cunha foi objeto de manifestação de os cargos que tem no governo, declarou ros e dos caciques na mesa, o plenário foi
ativistas que gritaram palavras de ordem que sim, se a legenda decidir pela saída. ocupado por deputados da base de sus-
(“Fora Cunha, pode esperar, a tua hora “Defendo que o PMDB, no Congresso, tentação do governador Geraldo Alck-
vai chegar”) e saíram rapidamente do au- saia do governo.” min (PSDB), incluindo os líderes do go- O objetivo dos deputados reunidos
ditório Juscelino Kubitschek. Na mesa, o presidente da Assembleia verno, Cauê Macris, e do PSDB, Carlão na Assembleia paulista foi reunir forças
Segundo especulações da mídia, Te- paulista, deputado Fernando Capez (PS- Pignatari. em apoio à PEC 47/2012, defendida pe-
mer estaria disposto a participar apenas DB), foi ladeado por vários caciques da Eduardo Cunha voltou a afirmar à lo relator Anastasia ao microfone. A PEC
da “macropolítica” e não mais de nego- oposição ao governo Dilma Rousseff. imprensa que os processos de impea- permite que as Assembleias Legislativas
ciações sobre temas como cargos e emen- Entre eles, os senadores tucanos de São chment na Câmara estão sendo anali- possam legislar sobre temas hoje priva-
das de parlamentares. Paulo, José Serra e Aloysio Nunes Ferrei- sados “tecnicamente”. “Os processos tivos da União, como direito processu-
Cunha recusou-se a responder, em en- ra, e o vice-governador paulista, Márcio que não tiverem vício formal, estão sob al, trânsito, transporte, licitação e direi-
trevista coletiva, sobre qualquer questão França (PSB). análise técnica. Ao fim da análise, será to agrário, entre outros.

CORRUPÇÃO

Denúncia contra Cunha pode ligar


Lava Jato à privataria tucana ABr
LAÇOS DE FAMÍLIA A Privataria Tucana (de Amaury Ribei-
ro Júnior, Geração Editorial, 2011) é de-
Livro publicado em 2011 dicado a Preciado, com o título “O pri-
trazia revelações sobre mo mais esperto de José Serra”. No final
do capítulo 7, há documentos da CPI do
movimentações financeiras Banestado obtidos no Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, comprovando a mo-
em paraísos fiscais por pessoas vimentação milionária de dinheiro de
Preciado em paraísos fiscais, em negó-
próximas ao senador José Serra. cios com Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-
E também a Fernando Baiano, -tesoureiro de Serra.
suposto “sócio oculto” de Cunha Caso antigo
As relações de Preciado com Serra são
antigas e profundas. A antiga empresa de
consultoria do atual senador, denomina-
Helena Sthephanowitz da ACP Análise da Conjuntura Econômi-
de São Paulo (SP) ca e Perspectivas Ltda., tinha como en-
da Rede Brasil Atual dereço o prédio da firma Gremafer, per-
tencente a Gregório Preciado. Neste imó-
A DENÚNCIA apresentada pelo procu- vel também funcionaram os comitês de
rador-geral da República, Rodrigo Ja- O procurador-geral da República, Rodrigo Janot campanha de José Serra nas eleições de
not, contra o presidente da Câmara, de- 1994 para o Senado, e de 1996, para pre-
putado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem Preciado também contribuiu para do de Claudia Talan Marin, que, por sua feito de São Paulo.
uma surpresa. Na página 40 aparece a li- vez, é proprietária do Condomínio Vale Preciado também contribuiu para fi-
gação da Operação Lava Jato com a pri- financiar campanhas de Serra nos do Segredo Gestão de Patrimônio Eire- nanciar campanhas de Serra nos anos de
vataria tucana, ao rastrear o caminho do anos de 1990 por intermédio de li, em Trancoso, no litoral sul da Bahia. 1990, por intermédio de suas empresas
dinheiro das propinas sobre contratos de Fernando Baiano tem entre seus bens se- Aceto, Gremafer e Petrolast. A família de
construção de sondas pela Samsung pa- suas empresas Aceto, Gremafer e questrados pela Justiça uma mansão na- Serra visitava sempre as casas de Precia-
ra a Petrobras. quele condomínio e realizou transferên- do em Trancoso, região onde ele passou
Segundo a denúncia do Ministério Pú- Petrolast. A família de Serra visitava cias para Cláudia Talan Marin no valor a fazer negócios imobiliários.
blico, o representante da Samsung, Júlio de R$ 1,6 milhão. Um caso rumoroso envolvendo o DEM
Camargo, recebeu comissão por ter con- sempre as casas de Preciado em Cláudia Talan Marin e Hiladio Ivo da Bahia foi na Ilha do Urubu. A ligação
quistado o contrato – e distribuiu propi- Trancoso, região onde ele passou a Marchetti são filha e genro de Gregó- de Fernando Baiano com a Iberbras foi
nas. Três desses pagamentos, entre ju- rio Marin Preciado, ex-sócio do sena- confirmada nas investigações a partir do
nho e outubro de 2007, saíram das con- fazer negócios imobiliários dor José Serra (PSDB-SP) em um ter- controle de acesso na portaria da Petro-
tas, em paraísos fiscais, das empresas reno no Morumbi, bairro nobre de São bras, onde Baiano identificou-se como
Piamonte Investment e Winterbothan Paulo. A mãe de Cláudia, Vicencia Ta- representante da empresa.
Trust Company, do próprio Camargo, pa- A denúncia registra que a Iberbras lan Marin, é prima do senador tucano. Segundo informações de bastidores a
ra a Iberbras Integración de Negócios Y tem uma sucursal brasileira – Iber- Por este parentesco, Preciado muitas respeito da delação premiada de Fernan-
Tecnologia, ligada a Fernando Soares, o bras Integração de Negócios, de CNPJ vezes é tratado nos meios políticos co- do Baiano, ainda sob sigilo, um dos as-
Fernando Baiano, chamado por Camar- 068.785.595/0001-01 –, registrada em mo “primo” de Serra. suntos delatados seria justamente negó-
go de “sócio oculto” de Eduardo Cunha. nome de Hiladio Ivo Marchetti, mari- Todo o capítulo 8 do livro-reportagem cios com o “primo” de Serra. A conferir.
10 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 brasil 11

CPTM encalha em velhos problemas das ferrovias que unificou Rivaldo Gomes/Folhapress

ESTAÇÃO DESCASO
Controlado por tucanos há
mais de 20 anos e com baixo
investimento, sistema não
Intervalos crônicos Danilo Ramos/RBA

atende à necessidade da Grande de São Paulo (SP)


São Paulo por transporte público Autora do livro de crônicas A Viajante
ágil e decente do Trem, Andréia Garcia, 42 anos, pro-
move saraus na estação do Brás. Usuá-
ria da CPTM há 20 anos, ela publica toda
semana em seu blog casos que só acon-
Cida de Oliveira tecem ali.
de São Paulo (SP) “Embora estejam mais confortáveis e
da Rede Brasil Atual com linhas novas, os trens ainda são su-
perlotados. É preciso diminuir o inter-
O METRÔ DE SÃO PAULO foi cons- valo, mas isso depende de mais trens e
truído na mesma época que o da capi- menos falhas”, diz. “Há várias linhas que
tal chilena, no final dos anos de 1960. não se concretizam como prometido, o
A diferença é que o daqui tem 78 qui- que é sério. Isso dá a entender que, por
lômetros de trilhos e o de lá, 92. Outra ser investimento público, as verbas es-
diferença é que a região metropolitana correm, como não deveriam, causando
de Santiago do Chile, com cerca de 6,6 os atrasos que todos vemos a cada dia.”
milhões de habitantes, tem a metade da Reforçando a queixa de seu colega
população da capital paulista. Grego, do Sinfer, o secretário-geral do
Diariamente, em média, 4,7 milhões Sindicato dos Trabalhadores em Em-
de pessoas passam pelas catracas das presas Ferroviárias da Zona Central do
estações em São Paulo. O sistema exibe Brasil, Leonildo Bittencourt Canabrava,
sinais de que já não dá conta da deman- cobra investimentos na manutenção da
da e – ao que tudo indica – deve chegar frota, das vias, da sinalização, da comu-
ao final desta segunda década do século nicação e do fornecimento de energia.
21 com os mesmos 78 quilômetros. “Os trens saem a cada cinco minutos,
Um reforço poderia vir da Compa- mas com a redução de velocidade e para-
nhia Paulista de Trens Metropolitanos das entre as estações esse intervalo mu-
(CPTM), com linhas que cortam a cida- da no trajeto. Do jeito que estão as vias,
de em praticamente todas as direções não há hoje como diminuir os interva-
e ligam ao centro da capital, e entre si, los”, afirma Canabrava. Usuária há 20 anos, Andréia publicou livro de crônicas com histórias do trem
dezenas de cidades da Grande São Pau-
lo. A CPTM, porém, transporta hoje 2,8 temas de sinalização e de comunicação há uma diferença de 30 centímetros en- gou a ficar dentro de um trem lotado por
milhões de passageiros por dia, embo- Vagão lotado: sistema já não dá conta da demanda “Embora estejam mais confortáveis e entre trens, centro operacional e esta- tre o piso da plataforma e a porta do mais de duas horas, no escuro, com as
ra disponha de 260 quilômetros de tri- ções. Porém, no final de fevereiro, sus- trem. A CPTM fala em construção, re- portas fechadas, entre as estações Piri-
lhos. Obviamente, as condições estrutu- “Fleury criou a CPTM para gerir mércio nos vagões, em que ambulantes ruim e de caráter provisório. E prome- com linhas novas, os trens ainda são pendeu, por tempo indeterminado, di- forma e adaptação de estações, desta- tuba e Piqueri. “Havia mulheres grávi-
rais das vias, estações e trens da com- ofereciam doces, salgados, bebidas, ci- tia reduzir os intervalos entre trens pa- versos contratos. cando a de Franco da Rocha, entregue das, pessoas passando mal. Só depois de
panhia, por ter uma história bem mais concessões, uma empresa com estrutura garros, brinquedos, revistas e eletrôni- ra três minutos. Mario Covas assumiu
superlotados. É preciso diminuir o Segundo o próprio governo paulis- ano passado, e obras nas de Suzano e uma hora e meia fomos informados de
antiga que a dos automóveis como meio
ruim e de caráter provisório. E prometia cos, disputando no grito a atenção dos em 1995 e seguiu o mesmo caminho”, intervalo, mas isso depende de mais ta, foram suspensos 38 dos 252 contra- Ferraz de Vasconcelos. que faltou energia.”
de mobilidade, não foram pensadas pa- passageiros com pedintes e pregadores lembra o estudante de Planejamento tos da estatal em obediência ao Decreto Porém, a estação de Francisco Mora- O estudante da UFABC, Caio Ortega,
ra atingir a mesma velocidade e volume reduzir os intervalos entre trens para religiosos, é mais controlado. Territorial na Universidade Federal do trens e menos falhas” 61.061, assinado por Alckmin em janeiro to, que já foi paga, não passa de um so- afirma que a CPTM é “controlada por
de passageiros do Metrô. Mas algumas Mas faltou aos sucessivos governos, ABC (UFABC), Caio César Ortega, ide- sob alegação de equilibrar as despesas. nho da população. Licitada em 2009 e pessoas que não conhecem a empresa e
medidas de modernização, que andam três minutos. Mario Covas assumiu em desde 1992, dar a merecida prioridade ao alizador do Coletivo Metropolitano de As responsabilidades de falhas são lan- prometida para março de 2011, só deve- tampouco sabem o que farão para redu-
em marcha lenta demais para o ritmo trem. À época, o então governador, Luiz Mobilidade Urbana (Commu). Duas çadas sobre trabalhadores. Descarrila- rá ficar pronta no final de 2017. O con- zir a humilhação diária à qual o passa-
da metrópole, demonstram que a ma- 1995 e seguiu o mesmo caminho” Antônio Fleury Filho, assinou a lei que décadas depois, o intervalo ainda é um Segundo ele, os maquinistas relatam mentos e acidentes geralmente sobram sórcio vencedor, Consbem/Tiisa/Ser- geiro é submetido nos horários de pico”.
lha ferroviária tem um potencial muito criou a CPTM ao lado do então vice e se- sonho cuja realização nunca é priorida- os problemas que afetam as viagens. As para o maquinista. veng, cobrou R$ 65,5 milhões para cons- Para ele, há dez anos o governo estadu-
maior do que o oferecido. cretário estadual dos Transportes Metro- de – e tampouco o orçamento é cumpri- soluções chegam a demorar três, quatro São profissionais que estudam na pró- truir esta e a estação de Franco da Ro- al subestimou a demanda dos subúrbios,
Ao completar 23 anos, em maio, a politanos, Aloysio Nunes Ferreira Filho, do. De 2003 a 2014, o total orçado pa- meses. Nas condições atuais, cinco tra- pria CPTM para operar seus trens du- cha, que já entregou. A CPTM pagou R$ para então se espelhar excessivamente
CPTM orgulha-se de ter deixado para das composições. Também são coisas do hoje senador (PSDB-SP). ra o setor somou R$ 8,2 bilhões, em va- balhadores levam uma hora para trocar rante oito horas por dia, sem horário de 63,5 milhões. A estação provisória, des- no Metrô. “Ignorou as longas distâncias,
trás a imagem frequente de passageiros passado usuários sem pagar passagem, “Fleury criou a CPTM para gerir con- lores atualizados, mas R$ 1,1 bilhão dei- um dormente, e os trens ficam sem cir- almoço, fazendo refeições fracionadas a de 2010, tem plataformas estreitas. Pa- negligenciou regiões que giram em tor-
pendurados ou se equilibrando no alto atravessando cercas esburacadas. O co- cessões, uma empresa com estrutura xou de ser investido. cular por cerca de duas horas, no início cada troca de composição na estação ter- ra acessá-las, os usuários são obrigados no de cidades como Jundiaí, Campinas,
da madrugada. Por isso, a curto prazo, é minal – pouquíssimos deles almoçam, a atravessar sobre os trilhos. O portão Santos e São José dos Campos, agravan-
necessário contratar trabalhadores e in- mas só porque conquistaram esse direi- de saída não dá vazão, principalmente do a pressão sobre as rodovias e enfra-
vestir em equipamentos mais modernos. to na Justiça. Entram a cada dia em ho- no horário de pico. Não há acessibilida- quecendo o papel da ferrovia como ser-

Fora dos trilhos Sucateamento


E a médio prazo, tirar do papel o ferro- rário e locais diferentes. Têm de estar de para idosos e pessoas com mobilida- viço de metrô urbano e regional.”
anel, para que os trens de carga, lentos atentos à sinalização e a qualquer no- de reduzida. A solução do problema, avalia o estu-
e pesados, deixem de usar as linhas dos va trepidação na via e se antecipar a fa- “A justificativa é que a estação fica nu- dante, depende de reforma administra-
trens de passageiros. lhas na comunicação, muito frequentes. ma área de aterramento, instável, que tiva que afaste a CPTM do antigo siste-
Danilo Ramos/RBA É quando é apertado o botão “prosseguir alaga e requer obras da prefeitura, co- ma ferroviário e se volte para o cenário
Lucros em velocidade reduzida” ou o trem é pa- mo um piscinão. E que há briga na Jus- atual. E que constitua um plano de de-
de São Paulo (SP) de São Paulo (SP) A companhia lucrou R$ 123,3 milhões rado. “Toda atenção é pouca. Se avançar tiça com o consórcio que perdeu a lici- senvolvimento apoiado nos trilhos, en-
em 2014, apesar de cortes. E informa a sinalização, o trem sair do trilho ou ba- tação”, conta a estudante de Jornalismo volva as prefeituras e estimule planos di-
A atual frota da companhia tem 196 Foco dos contratos investigados, a manuten- em seus relatórios que moderniza os sis- ter no da frente, na melhor das hipóte- Daniele Almeida, 21 anos, moradora de retores abrangentes. “O governo preci-
trens. Em setembro passado, o Ban- ção não é o forte das linhas. A mais sucateada, temas de energia, construindo e refor- ses estamos na rua”, afirma Canabrava. Franco da Rocha. sa ser menos preguiçoso, ouvir consulto-
co Nacional de Desenvolvimento Eco- a 7-Rubi, é conhecida pelos velhos trens da série mando subestações e cabines secciona- Também integrante do Coletivo Me- res, pesquisadores, a população, e acabar
nômico e Social (BNDES) aprovou fi- 1100, fabricados nos Estados Unidos entre 1956 doras em praticamente todas as linhas; Manutenção tropolitano de Mobilidade Urbana, ela com os contratos e seus aditivos inter-
nanciamento de R$ 982 milhões para a e 1957, além de outros com a lataria remendada que revitaliza a faixa ferroviária em toda Conforme os sindicatos, falta manu- participou de reunião em junho com o mináveis que assina com as grandes em-
compra de mais 35, a serem fabricados e goteiras nos vagões. Em julho de 2000, uma a rede, essencial para a conservação das tenção também nas estações. Das 96, só presidente da CPTM, Paulo de Maga- preiteiras que financiam sua campanha.”
pela CAF Brasil, em Hortolândia, no in- composição com falhas nos freios atingiu outro vias; e que implementa os chamados sis- 30% estão no padrão. Na Brás Cubas, lhães Bento Gonçalves. Daniele já che- (CO) (Revista do Brasil)
terior paulista. A empresa é uma das na estação Perus. Morreram nove pessoas, e 115
envolvidas em supostas irregularidades ficaram feridas. Vítimas e familiares ainda lutam

Tabela mapa trens Prejuízos generalizados


praticadas em contratos de obras, ser- na Justiça por indenização. Em julho de 2012,
viços de manutenção e fornecimento de dois trens da mesma linha se chocaram na esta-
equipamentos celebrados pelos gover- ção Barra Funda, matando cinco pessoas e dei- Reprodução

nos tucanos. xando 47 feridas. Dinheiro federal – Somente em aval para empréstimo até o momen-
As denúncias abrangem integrantes Aparentemente mais moderna, a linha 8-Dia- to, o governo federal já concedeu R$ 22 bilhões para o estado, junto ao
dos governos Mário Covas, Geraldo Al- mante carece de reformas em sua via. Em dezem- BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica e instituições multilaterais
ckmin e José Serra, além de diretores bro de 2011, dois trabalhadores experientes fo- de fomento, como Banco Mundial, JBIC, BID, entre outros, para obras
de 18 empresas do setor metroferrovi- ram atropelados e mortos por um trem durante metroferroviárias. Do PAC Mobilidade Urbana, o estado e as cidades
ário, conforme revelações feitas por um uma inspeção regular nos trilhos, perto da esta- paulistas ganharam R$ 4,5 bilhões a fundo perdido do Orçamento Geral
executivo de uma das suspeitas, a mul- ção Barueri. da União. Serão R$ 400 milhões para a Linha 18–Bronze, monotrilho
tinacional alemã Siemens, em 2013. Na Estação Francisco Morato, prometida para 2011, ficou para 2017; a estação provisória é insegura Isso aconteceu menos de uma semana depois
lista, inclui a francesa Alstom, a cana- de três outros funcionários serem mortos entre
que ligará a cidade de São Paulo a São Bernardo do Campo, passando
dense Bombardier e a japonesa Mitsui. Na época, o promotor Marcelo Milani em 2007 e 2008, durante a gestão Ser- as estações Belém e Tatuapé da linha 11-Coral. por Santo André e São Caetano. Também serão repassados, a fundo per-
E a formação de cartel para celebração disse acreditar em irregularidades nos ra. Entre eles, o executivo da CAF, José Dias depois, o governador Alckmin extinguiu a dido, R$ 1,3 bilhão do Orçamento da União para três projetos: a cons-
de contratos até 30% acima do valor, novos contratos, que poderiam ter sido Manuel Uribe e o ex-presidente da co- 3ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre trução da Linha 13–Jade, duas novas estações na linha 9 e a reforma de
conforme estimativa do Ministério Pú- evitadas se o MP tivesse levado adiante missão de licitações da CPTM, Reynal- Infrações contra o Meio Ambiente, o Meio Am- 18 estações. A lista de obras é longa.
blico (MP) de São Paulo. as investigações em 1997, quando as au- do Rangel Dinamarco. Outras empresas biente do Trabalho e as Relações do Trabalho.
toridades da Suíça já verificavam paga- com diretores denunciados foram as ha- Vinculada ao Departamento de Polícia de Pro-
Atrasos – Os usuários deverão continuar se apertando por muito mais
mento de propinas. bituais Alstom, Bombardier e Tejofran. teção à Cidadania (DPPC), o órgão investiga- tempo. As razões dos atrasos vão de obras paralisadas pelo Tribunal de
As denúncias abrangem va as causas do acidente. Oficialmente, foi ex- Contas por irregularidades em editais, em licitações e em contratos, à
Indiciamento tinta para otimização dos recursos humanos e falta de recursos.
integrantes dos governos Ainda em dezembro, a Polícia Federal No inquérito, os promotores materiais. Extensão Linha 9 até Varginha – Orçada em R$ 727 milhões, a
indiciou 33 executivos. Entre eles, um Comparada ao Metrô, a linha 9-Esmeralda
Mário Covas, Geraldo ex-presidente da CAF, Agenor Marinho pedem ressarcimento ao estado margeia o Rio Pinheiros, cortando bairros nobres
obra que inclui a estação Mendes foi prometida para 2014. Ainda em fa-
se de desapropriação dos terrenos, tem novo cronograma para 2016,
Alckmin e José Serra, além Contente Filho, e um ex-presidente da de R$ 418 milhões e a dissolução da zona sul. Liga Osasco ao bairro do Grajaú, na
com recursos do PAC.
CPTM, Mário Bandeira, cujo nome cir- zona sul. Recebeu investimentos, estações e trens
de diretores de 18 empresas cula entre trabalhadores da companhia de dez empresas envolvidas novos entre 1998 e 2000, entre os quais os famo- Linha 13-Jade – Ligação de São Paulo ao aeroporto de Guarulhos,
como o “cunhado de Alckmin”, além de sos espanhóis doados pela Renfe mediante con- com 12,2 quilômetros de extensão, ao custo de R$ 1,8 bilhão, deverá
do setor metroferroviário quatro diretores. Bandeira foi defendi- trato de reforma assinado por Covas, no valor de Linha 7 –Rubi: Inaugurada em 1867, passou à E.F. Santos a Jundiaí e à Rede Ferroviária Federal.
do, elogiado e mantido no cargo pelo su- R$ 93,2 milhões, sem licitação. As panes, porém, Trens velhos superlotados, problemas de sinalização e fornecimento de energia. transportar 130 mil passageiros por ano. Prometida para 2014, não deve
posto cunhado até o final de fevereiro. A CAF tem outra ligação com a CPTM. são frequentes. Em fevereiro de 2011, um trem sair antes do final de 2017. Alckmin alega que faltam repasses federais,
A lista inclui o ex-diretor de opera- O mesmo Agenor Marinho Contente Fi-
Linha 8 –Diamante: Criada em 1875 como Companhia Sorocabana, foi estatizada em 1919 e em 1971 mas o projeto original não previa recursos da União.
descarrilou próximo à estação Ceasa.
Os contratos de manutenção preven- ções e manutenção, José Luiz Lavoren- lho está vinculado à CTrens – Compa- Partindo do Brás até Rio Grande da Serra, cor- tornou-se Fepasa. Carece de reformas. A manutenção dos trens piorou com a terceirização desses servi-
ços. Modernização de estações – Em 2007, o então governador José Ser-
tiva e corretiva com a CPTM são alvo te, o diretor de engenharia e obras, Ade- nhia de Manutenção. A empresa não tando São Caetano, Santo André, Mauá e Ribei- ra (PSDB) prometeu modernizar 63 estações ao custo de R$ 2,5 bilhões
de diversos inquéritos do MP paulista. mir Venâncio de Araújo (que teria 1,2 mantém sequer um site para divulgar rão Pires, municípios da região do ABC, a Linha Linha 9 – Esmeralda: Entre 1998 e 2000 ganhou estações e trens novos. Superlotada, a linha mais
Um deles, concluído em dezembro, exa- milhão de dólares em cinco contas na suas atividades. Porém, segundo o Sin- 10 é outra com vagões velhos e estações malcon-
no prazo de quatro anos. O prazo terminou em 2011, mas apenas 15 es-
bonita carece de subestação elétrica e tem gargalos nas integrações Pinheiros e Largo 13. tações (23% do prometido) foram modernizadas.
minou acordos assinados entre 2001 e Suíça), o diretor de operações da estatal dicato dos Empregados em Empresas servadas. A de Rio Grande da Serra tem passare-
2002 para manutenção de composições nas gestões Covas e Alckmin, João Ro- Ferroviárias da Zona Sorocabana (Sin- la apoiada em uma estrutura metálica instalada Linha 10 –Turquesa: Com a mesma origem da Linha 7, tem trens antigos, superlotados, panes elétri- Trens regionais – São Paulo a Sorocaba – Anunciado em 2013
com Alstom, Adtranz, CAF e Siemens – berto Zaniboni (que teria lá 826 mil dó- fer), a CTrens faz manutenção de com- emergencialmente. O telhado da única platafor- cas e de sinalização. Como nas demais linhas, os trilhos irregulares precisam de reforma. e previsto para funcionar em 2017, não tem data para sair do papel. O
todas empresas com diversos acordos lares), e Antonio Kanji Hoshikawa, di- posições das linhas 8 e 9 em um pátio da ma em operação tem péssimas condições, assim projeto prevê investimento de R$ 4 bilhões, com a construção de trilhos
ainda em vigor com o governo de São retor administrativo na gestão Alckmin estatal na estação Presidente Altino, em como os banheiros. A Linha 11- Coral tem dois Linha 11 – Coral: Criada em 1875 para ligar São Paulo e Rio, tornou-se E.F. Central do Brasil em 1889.
Paulo. (2003-2006). Osasco, na Grande São Paulo. “Não se trechos. Um que vai do Brás à estação Estudan- Superlotada, necessita de novas estações e de sistemas de controle e sinalização. e estações em Sorocaba e São Roque.
No inquérito, os promotores pedem Em abril, foi o Grupo Especial de De- sabe ao certo como é feito o trabalho de tes, em Mogi das Cruzes, e outro que sai da Luz Trem Intercidades – Litoral-Interior – Em dezembro de 2013,
ressarcimento ao estado de R$ 418 mi- litos Econômicos (Gedec), do MP pau- manutenção. Eles não permitem a entra- e vai até Itaquera – o Expresso Leste, com me- Linha 12 – Safira: Construída em 1932 pela Central do Brasil, tem estações antigas, em péssimo estado
sem detalhar o projeto, Alckmin anunciou um trem ligando São Paulo,
lhões e a dissolução de dez empresas lista, que denunciou à Justiça direto- da de gente do sindicato lá”, diz o diretor nos paradas. Antes de receber trens novos para a de conservação, composições superlotadas e problemas elétricos e na sinalização.
Santos, Jundiaí, Sorocaba, Campinas e São José dos Campos. A primeira
envolvidas. A matriz espanhola da CAF res de 12 empresas por participação em do Sinfer, Evângelos Loucas, o Grego. A Copa, a linha sofreu uma pane em 2008, deixan- Expresso Leste: Complementar à linha 11-Coral, para somente nas estações Brás, Tatuapé e Guaiana- etapa começaria por Campinas. A ideia está parada no Conselho Gestor
ficou de fora do pedido de dissolução, esquema de contratos de fornecimen- CPTM não atendeu às solicitações de en- do 60 mil pessoas sem transporte. Os passagei- ses. Seus trens são os mais lotados de toda a rede. (CO) (Revista do Brasil) das Parcerias Público-Privadas. (CO) (Revista do Brasil)
mas foi incluída no de ressarcimento. to de trens e de manutenção assinados trevista. (CO) (Revista do Brasil) ros apedrejaram o trem. (CO) (Revista do Brasil)
12 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 cultura

Em casa com a Globo


TELEVISÃO Bastou assistir parte de
Divulgação/TV Globo

um programa (15 de agosto) para ver


o tipo de narrativa a que se propõe nos
assuntos mais sérios

Terezinha Vicente

PODE ENTRAR QUE “É DE CASA!” Esse é o nome e o espírito


anunciado para o novo programa “família” que a Rede Globo estreou
neste mês de agosto, nas manhãs de sábado. O programa dura três
horas e promete serviços, jornalismo e variedades. Mas o que aca-
ba fazendo mesmo é uma forte propaganda ideológica associada aos
novos discursos da direita em nosso país. Para isso, a Globo montou
um time com seus apresentadores mais populares e “confiáveis” –
Ana Furtado, André Marques, Cissa Guimarães, Patrícia Poeta, Tia-
go Leifert e Zeca Camargo; meio a meio na questão de gênero, mas
a diversidade para por aí. O fortalecimento da família é o discurso
principal, a mesma família utilizada no discurso da direita atual pa-
ra violentar direitos humanos conquistados.
O tema central é a vida dentro de casa. Ficar em casa é conselho
básico em tempos de perigos nas ruas, sobretudo nas periferias das
chacinas e mortes pela polícia e das perseguições que produzem o
encarceramento em massa que hoje temos. Mas isto não se discute,
o principal é moda, decoração, entretenimento, saúde.
A humilhação dos pobres começa no cenário/casa – cozinha, quar-
to, sala, escritório, garagem e até quintal e quadra de esportes – para
que cada assunto esteja no local certo da casa. Quantas pessoas po-
dem ter casas assim? E quantas podem desejar a qualquer custo uma
casa assim? Os apresentadores estão ali para conversar com os teles-
pectadores, não importa o problema; eles até parecem mesmo da fa-
mília, pessoas que “nos querem bem e estão ali para nos aconselhar”.

O fortalecimento da família é o discurso principal, a


mesma família utilizada no discurso da direita atual
para violentar direitos humanos conquistados

Bastou assistir parte de um programa (15 de agosto) para ver o ti-


po de narrativa a que se propõe nos assuntos mais sérios. O tema era
drogas, sobretudo a crescente utilização pelos jovens. Naquela se-
mana e nas seguintes, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a
julgar a descriminalização do porte de drogas para uso próprio, de-
cisão que vem sendo sucessivamente adiada.
Mas a discussão não era o que uma mudança na política das dro-
gas poderia fazer, ou qualquer outro aspecto social, e sim como sair
do vício e os motivos para adolescentes buscarem as drogas. Para
largar as drogas, segundo o programa, o remédio é uma combinação Foto de divulgação do programa “É de Casa!”, nova atração da TV Globo
de religião e família. Trocar a dependência química por outra droga
– o fanatismo religioso – é o que fazem muitas das instituições pa- O tema central é a vida dentro de casa. Ficar em
ra “tratamento”.
E as famílias? Se elas são solução, também são causa; a família casa é conselho básico em tempos de perigos nas
(quando existe) constrói os valores ideológicos e subjetivos. A bus- ruas, sobretudo nas periferias das chacinas e mortes
ca da droga pelos jovens, segundo os conselheiros globais, ocorre de-
vido à “insegurança, depressão, decepção, vontade de ter sucesso, pela polícia e das perseguições que produzem o
ser mais expansivo”... Ora, onde são construídos esses sentimentos
e posturas infelizes perante a vida? O tema é profundo, o debate do encarceramento em massa que hoje temos
programa, raso.
Para coroar, foi um programa permeado de “criança esperança”,
pois é época da arrecadação anual do projeto beneficente do impé-
rio midiático brasileiro. Neste ano, apenas no dia do início da cam-
panha, a arrecadação foi de mais de R$ 16 milhões. Dinheiro que dá
pra fazer bastante política.

Terezinha Vicente é jornalista.

www.malvados.com. br dahmer

PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1. Ilusão perdida, desapontamento – Repulsa ou preconceito con-
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

tra a homossexualidade. 2. Ir, no pretérito imperfeito (1ª pessoa do singular). 3. 1

Constante matemática, sigla do estado do Piauí – Sigla da entidade que moni-


2
tora o tráfego de automóveis na cidade de São Paulo. 4. Autonomia – Plantas
agrestes, abundantes em terrenos baldios. 5. “É”, em inglês – Dupla. 6. Sigla de 3

Instituto de pesquisas que visa contribuir para o planejamento do desenvolvi-


4
mento brasileiro – Partido da presidenta da República. 7. Praticar – Ácido deso-
xirribonucleico – Deslocar-se até um lugar. 8. Dia de janeiro em que o Brasil de 5

Fato completou doze anos. 9. Morada – Coloca – Aquilo que tem qualidades
6
positivas. 10. Extraterrestre – Está (informal). 11. Trabalho acadêmico entregue
ao final do curso – Processo necessário para que ocorra a redistribuição de ter- 7
ras no Brasil.
8
Verticais: 1. Saldo negativo – Movimento camponês que luta pela reforma
agrária. 2. Curso natural de água. 4. Pronome possessivo – Magneto. 5. O “?” 9

da Estrada, canção de Sá e Guarabyra – Ligado, em inglês – Departamento de 10


Estradas e Rodagem. 6. Interpretar o que está escrito – Faça soar o apito. 7.
Acre (sigla) – Paraná (sigla). 8. Pena. 9. Sigla do estado de Pernambuco – Sigla 11

para o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. 10. Dentro, em inglês – “?”
Chomsky, renomado linguista estadunidense. 11. Saudação – Assinatura de to-
mada de conhecimento. 12. Ex-primeira-dama do Brasil – Sexta nota musical. Botar. 17. Pico. 18. Alto – Trompa.
PE – IPTR. 10. IN – Noam. 11. Ciente. 12. Marisa – LA. 13. Dez. 14. Penca. 15. Ema – Ai – PA. 16.
13. Número da camisa de Pelé. 14. Grande quantidade. 15. Ave parecida com Verticais: 1. Déficit – MST. 2. Rio. 4. Meu– Ímã 5. Pó–On – DER. 6. Ler – Apite. 7. AC – PR. 9.

avestruz – Interjeição de dor – Sigla para o estado do Pará. 16. Pôr. 17. Cume
– Reforma Agrária.
6. Ipea – PT. 7. Treinar – DNA – Ir. 8. Vinte e cinco. 9. Moradia – Põe – Bom. 10. ET – Ta. 11. TCC
agudo de monte. 18. Elevado – Espécie de trombeta. Horizontais: 1.Decepção – Homofobia. 2. Ia. 3. Pi – CET. 4. Independência – Mato. 5. Is – Par.
cultura de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 13

O Legado de Perón Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

CINEMA Fernando Solanas


revê trajetória do presidente
que marcou a história
contemporânea da Argentina

Maria do Rosário Caetano


de Gramado (RS)

O CINEASTA e senador da República


argentina, Fernando “Pino” Solanas,
que fará 80 anos em fevereiro do pró-
ximo ano, está de volta ao tema que o
apaixona desde sua juventude: o pero-
nismo. Ele acaba de concluir novo lon-
ga-metragem documental, “O Legado”,
que revê a herança política de Juan Do-
mingo Perón (1895-1974), duas vezes
presidente da Argentina (1946-1955 e
1973-1974).
Solanas passou pelo Festival de Cine-
ma de Gramado, no Rio Grande do Sul,
para receber o troféu Kikito de Cristal pe-
lo conjunto de sua vasta obra audiovisu- O cineasta Fernando Solanas recebe o Kikito de Cristal durante o 43º Festival de Cinema de Gramado
al, composta de cinco longas ficcionais e
14 documentários.

Inventário da Argentina
O Brasil de Fato participou de con-
corrida coletiva que ele concedeu à im-
prensa no reduzido período que passou
em solo brasileiro. Tinha compromissos
parlamentares em Buenos Aires. Sola-
nas estava acompanhado da mulher, a
atriz brasileira Ângela Corrêa, protago- gitais, foi para as ruas documentar a re- mantelamento de 80% de suas estradas
nista da série “Escrava Anastácia”, da de Gramado (RS) belião popular. Todo o material recolhi- de ferro, deixando pequenos povoados
TV Manchete, que trabalhou com ele do deu origem ao primeiro dos dez lon- no mais completo isolamento, fato que
em “A Viagem” e “A Nuvem”. Eles estão Fernando Solanas realizou cinco gas-metragens que compõem rico in- provocou forte leva de migração para
casados há 23 anos. longas ficcionais: “Los Hijos de Fier- ventário da Argentina Contemporânea as grandes cidades”.
Ao agradecer o Kikito de Cristal, So- ro” (1972), “Tangos, O Exílio de Gar- – “Memorias del Saqueo” (Memórias do O diretor dedicou, em seguida, dois fil-
lanas contou que “gosta tanto do Bra- del” (1985, o mais festejado e premia- Saque, 2004). mes ao “ouro” argentino: as jazidas au-
sil e de cineastas como Nélson Pereira do), “Sur” (1988), “A Viagem” (1992, Para o crítico e professor da USP, Je- ríferas existentes nas cordilheiras do no-
dos Santos e dos saudosos Glauber Ro- co-produção com o Brasil, o filme te- an-Claude Bernardet, com este filme, roeste do país, e o petróleo. “Tierra Su-
cha, Leon Hirzman e Joaquim Pedro de ve a Amazônia como uma de suas loca- Solanas enfrenta dois dos três tabus que blevada – Oro Impuro” (2009) registrou
Andrade”, que “escolheu uma brasileira ções), e “A Nuvem” (1998). Nos anos costumam amedrontar (e até silenciar) “a entrega, na terrível década de 1990, de
como esposa”. Quando o cineasta candi- 2000, dividido entre a política parti- os documentaristas brasileiros: o poder nossas maiores jazidas de ouro às trans-
datou-se à presidência da Argentina, pe- dária e o cinema, não conseguiu mais financeiro (os bancos à frente) e a mí- nacionais, efetivada pelo Governo de
la Frente Sur, o país – que praticamente viabilizar seus projetos ficcionais. Con- dia (os meios de comunicação, em espe- Carlos Menem”.
dizimou sua população de origem afri- tribuiu, também, para seu afastamen- cial as redes de TV). O terceiro tabu é o “Tierra Sublevada – Oro Negro” tratou
cana – poderia ter ganho bela e exube- to das estórias inventadas, a morte de imenso poder das Forças Armadas. da privatização da YPF, a “Petrobras” ar-
rante primeira-dama negra. Mas Sola- seu empenhado produtor, o argenti- Depois de “Memorias del Saqueo”, gentina, e da Empresa de Gás do Estado,
nas não foi o escolhido. Já para o Par- no de origem libanesa, Envar El-Kadri lançado comercialmente no Brasil, So- “seguindo plano desenhado pelo FMI e
lamento, foi eleito, primeiro deputado, (1941-1998). lanas realizou “La Dignidad de los Na- pelo Banco Mundial”.
e agora cumpre mandato legislativo co- Solanas guardou seus roteiros ficcio- dies” (2005), que define como “um con- O filme mais recente da série – “La
mo senador. nais e mergulhou fundo no cinema do- traponto aos tempos do saque”. Ou se- Guerra del Fracking” (2013) – analisa
Perón entrou na vida cinematográfica cumental. Para tanto, um acontecimen- ja, um filme que mostra como os “joão- o impacto social e ambiental de méto-
do jovem Solanas, em 1968, quando ele to brutal na história argentina foi deci- -ninguém” se organizaram para “en- dos como o fracking (fraturamento hi-
e Octávio Getino, ambos integrantes do sivo. Em dezembro de 2001, a crise fi- frentar a crise comandada pelos digna- dráulico), usado para obter petróleo por
coletivo Cine Liberación, dirigiram épico nanceira derrubou o presidente Fer- tários neo-liberais”. Reuniu “dez como- vias não-convencionais. O cineasta-se-
documental que fez história: “La Hora de nando de la Rua. Assumiu em seu lu- ventes histórias de solidariedade, pe- nador vê com reservas este “modelo ex-
los Hornos: Notas y Testemonios Sobre gar o então presidente do Senado, Ra- quenas vitórias cotidianas, construídas trativista”, criticado com veemência por
el Colonialismo, la Violencia y la Libe- mon Puerta (que permaneceu no car- na hora mais difícil”. O filme seguinte – grupos ambientalistas e comunidades
ración”. Ou simplesmente, “A Hora dos go apenas 48 horas). O Congresso ele- “Argentina Latente” (2007) – também originárias. Vê, também, como temerá-
Fornos”, hoje um clássico. Tanto que fi- geu então, Adolfo Rodriguez Saá (mas teve caráter positivo. O cineasta des- ria a cessão da exploração dos hidrocar-
gura na lista “50 maiores documentários ele governou por apenas sete dias). As tacou o papel das universidades e dos bonetos não-convencionais à transna-
de todos o tempos” elaborada pelo BFI duas casas que compõem o Parlamen- cientistas na construção do país, mes- cional Chevron.
(Instituto Britânico de Cinema) e revis- to escolheram, por fim, Eduardo Duhal- mo em tempos de poucos recursos e de Depois que lançar “O Legado” (de Pe-
ta Sigth & Sound. de, que fez um governo de transição. Só muitas privatizações. rón), Fernando Solanas retomará esta
Quem enfrentou as empolgantes e ar- em março de 2003, o país elegeria, pe- série, ou inventário da Argentina con-
regimentadoras quatro horas de dura- lo voto direto, o novo presidente, Nestor Tragédia social temporânea, que ele intitulou “Crónicas
ção de “La Hora de los Hornos” sabe o Kirchner (1950-2010), que tomaria pos- Com “La Proxima Estación” (2008), de la Causa Sur”. Dois já estão com tema
quanto o peronismo é essencial à sua se em 25 de maio de 2003 e completa- Solanas radiografou “a tragédia social definido e em processo de criação e mon-
narrativa. O cineasta Eduardo Couti- ria seu mandato em dezembro de 2007. provocada pela privatização da ma- tagem. Um sobre o “Ouro Verde”, que
nho (1933 -2014), aliás, definia o épico Solanas viveu de perto os meses do lha ferroviária” de seu país. No come- abordará a questão dos alimentos trans-
de Solanas & Getino como “o mais pero- grande tumulto, aqueles em que a Ar- ço dos anos de 1990, com a promessa gênicos, e outro sobre as “Economias Re-
nista dos filmes”. gentina teve quatro presidentes interi- de que o sistema “ferrocarril” seria mo- gionais” (a Argentina vista de suas pro-
O novo longa de Solanas, “O Legado”, nos. Graças aos leves equipamentos di- dernizado, a Argentina assistiu “ao des- víncias). (MRC)
recupera trechos de dilatadas conver-
sas mantidas pelo cineasta e seus cole-
gas do Coletivo Cine Liberación com Ju-
an Domingo Perón durante seu exílio
madrilenho. As conversas, gravadas em
1971, já haviam rendido dois longas do-
cumentais: “Perón: Actualización Políti-
ca y Doctrinaria para la Toma del Poder”
Tango, Gardel e Ástor Piazzola
e “Perón: la Revolución Justicialista”. Divulgação
“O Legado” já está concluído, mas só
será lançado ano que vem. “Estamos de Gramado (RS)
em ano eleitoral na Argentina [as elei-
ções do substituto de Cristina Kirchner Se “La Hora de los Hornos” é o docu-
acontecem em outubro]” – pondera o mentário mais famoso de Fernando So-
cineasta-senador – “e não acho ade- lanas, no terreno da ficção sua obra má-
quado lançá-lo agora. O faremos ano xima é o filmusical “Tangos, o Exílio de
que vem”. Solanas se opõe, à esquer- Gardel”, fruto de parceria entre Argenti-
da, ao governo de Cristina. O novo fil- na e França.
me é dedicado à memória de integran- Exibido no Festival de Veneza, que
tes do Grupo Cine Liberación: Gerardo lhe atribuiu o Prêmio Especial do Jú-
Vallejo (1942 – 2007) e Octavio Geti- ri, o filme foi vendido para dezenas de
no (1935-2012), cineasta e pensador do mercados e motivou críticas entusias-
“Tercer Cine”. madas na Europa e América Latina. Pa-
O “Terceiro Cinema”, defendido pelo ra o respeitado crítico italiano Tulio Ke-
grupo naqueles anos rebeldes (e até ho- zich, “com este longa-metragem, Sola-
je, por Solanas) prega “caminho que in- nas inventou a ‘tanguédia’, ousada mis-
vista no poético, nas histórias abertas, tura de tango, tragédia e comédia”, e Cena do filme “Tangos, o Exílio de Gardel”
na recusa do cinema industrial com su- gerou “o mais belo musical de todos os
as tramas prontas, com suas trucagens tempos”. Quando foi mostrado no Fes- Composta de atos, a peça dentro do fil- pletam – “Tangos, o Exílio de Gardel”
e feitos especiais”. E mais: “rejeitamos tival do Novo Cinema Latino-America- me soma números de dança, música e a e “Sur”. “O primeiro, ambientado em
os filmes nos quais há personagens só no de Havana, o impacto foi imenso. dor do exílio. A trilha sonora Piazzolla Paris” – relembrou – “é um filme so-
bons, ou só maus”, pois estamos cansa- “O Exílio de Gardel” foi laureado com (1921-1992), com contribuições de Cas- bre o exílio visto de fora”. Já o segun-
dos “de personagens justiceiros, de nar- o Grande Coral Negro (o prêmio máxi- tiñera de Diós e do próprio Solanas, é do, “é um filme sobre o exílio interior,
rativas que no início apresentam o pro- mo, dividido com o também formidável realmente arrebatadora. o sentir-se deslocado em seu próprio
tagonista e o antagonista para jogar o “Frida, Natureza Viva,” de Paul Leduc). país”. Uma característica de Sur – “os
espectador numa montanha russa de E sua trilha sonora, comandada por Ás- Sonho números de tango são cantados no meio
emoções previsíveis. Este tipo de cine- tor Piazzolla, além de conquistar o Prê- O cineasta contou, em Gramado, que da rua, algo totalmente inusual” – cau-
ma não permite ao receptor um minuto mio Coral, recebeu elogios unânimes. seu sonho era ser músico. Estudou mú- sou controvérsia entre os tradicionalis-
sequer de reflexão”. O cinema com tais O argentino Carlos Gardel (1890- sica seriamente e preparou-se para ser tas. Eles haviam questionado também
características, do qual Hollywood é a 1935) nunca viveu no exílio. Mas no fil- compositor. O cinema, porém, assumiu o “exílio” irreal de Gardel. Solanas sabe
matriz, constitui o Primeiro Cine. O se- me de Solanas, tomado por intencional o primeiro plano e a música tornou-se que os aferrados a tradições não enten-
gundo, ao qual também se opunha a tur- e onírica liberdade poética, um grupo atividade esporádica. Dele, Caetano Ve- dem a transgressão dos sonhos. Já “A
ma do Cine Liberación, seria o cinema de exilados argentinos resolve montar, loso gravou, no belo CD “Fina Estam- Viagem”, um road-movie latino-ame-
da Europa. Para Solanas, “os europeus na Paris que os abriga, peça que, além pa”, a canção “Vuelvo al Sur” (melodia ricano, filmado em diversos países, da
são muito mais cartesianos que nós e, de denunciar a ditadura, contribua com de Piazzolla, letra de Solanas). Patagônia até a América Central, pas-
por isto, não entendem nossas liberda- sua subsistência cotidiana. Afinal, nem Para somar cinema e música, o cine- sando pelo Brasil, “tem muita música,
des poéticas, nossos sonhos e delírios”. sempre é fácil viver longe do país natal. asta realizou dois filmes que se com- mas não é um musical”. (MRC)
14 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 américa latina

Ronderos, os vigias do rio Marañón Celendin Libre

ESPECIAL
Camponeses das
“Rondas”, vigias das
comunidades protegidos
pela legislação,
enfrentam processos e
prisões ao se opor aos
projetos de infraestrutura
nos Andes peruanos

Verónica Goyzueta
de Celendín (Peru)

SENTADOS em velhos bancos de ma-


deira em um salão quase no escuro,
sem velas disponíveis, uma dúzia de lí-
deres camponeses de El Porvenir, um
bairro na periferia de Celendín, no es-
tado de Cajamarca, decide transferir a
reunião para a casa de seu presidente,
Eduar Rodas Rojas. Ali, a cinco quar-
teirões de distância, uma única lâmpa-
da incandescente ilumina a sala de 20
metros quadrados, com chão de terra
batida, sem móveis.
“Nós não precisamos de luz, os gera-
dores são suficientes para nós”, diz Ro-
das, apoiado pelos colegas. Em círculo, Assembleia da Frente de Defesa de El Porvenir, um bairro na periferia de Celendín, no estado de Cajamarca
os ronderos, como são conhecidos os lí-
deres camponeses de Cajamarca, pas- cionais, como a Convenção 169 da Or-
sam de mão em mão cal e folhas de co- ganização Internacional do Trabalho
ca que mastigam sem parar, formando
uma bola que lhes incha as bochechas.
Chacchar coca é um hábito milenar de
(OIT), que salvaguarda direitos dos po-
vos indígenas.
Os líderes ronderos tomam as decisões
Perseguição e conflito
índios peruanos e, também, a fonte de por consenso, um modelo tradicional an-
energia para as longas caminhadas exi- dino comparável à democracia participa- De acordo com a Defensoría del Pue-
gidas pelos debates dos líderes com as tiva. A principal questão na agenda do dia de Celendín (Peru) blo, há uma alta taxa de criminalização
comunidades que serão afetadas. é como evitar a construção da hidrelétri- dos manifestantes presos nos protes-
A hidrelétrica Chadín 2, a cargo da ca de Chadín 2, o carro-chefe de uma sé- Santos Saavedra, presidente das Ron- tos. Zulma Villa, advogada do Institu-
construtora brasileira Odebrecht, é pa- rie de 20 represas que ameaçam inundar das de Cajamarca, acusa a Odebrecht de to Internacional de Direito e Sociedade
ra eles uma ameaça grave como Yana- as terras das comunidades instaladas em perseguir agricultores e adverte que a (IIDS), assessora legal das Rondas e re-
cocha, a maior mina de ouro do mundo. vales ao longo do rio Marañón, um dos tensão pode intensificar os conflitos so- presentante de organizações indígenas
Em 30 anos de exploração, a mina trou- principais afluentes do Amazonas (veja ciais, ambientais e culturais já desen- na CIDH, afirma que cada um dos líde-
xe prejuízos ao ambiente sem melhorar na página ao lado a reportagem “Eles cadeados pelos projetos de mineração. res ronderos de Cajamarca tem entre 20
a vida dos agricultores nem promover o que comam ouro!”). “Nós temos líderes que estão sendo pres- e 50 investigações contra eles, a maioria
desenvolvimento de Cajamarca, um de- sionados e perseguidos. Eles estão crimi- ligada às diligências feitas por eles para
partamento (estado) ao norte do Peru na nalizando os protestos”, denunciou Sa- proteger suas comunidades.
fronteira com o Equador e com a Amazô- Os líderes ronderos tomam avedra em uma entrevista na sede das “Eles têm medo de nós porque sabem
nia que, ironicamente, é um dos mais po- Rondas na cidade de Chota, 112 quilôme- que estamos nos organizando. Querem
bres do país. Uma tragédia que não que- as decisões por consenso, tros ao norte de Celendín. nos tirar à força, com as Forças Arma-
rem repetir. “Temos muitos ronderos que foram as- das, com o Ministério Público e o Judi-
As “Rondas” – formadas por repre-
um modelo tradicional sassinados por pistoleiros da mineração. ciário. Não vamos nos render. Eles vêm
sentantes da Justiça das comunidades andino comparável à Temos líderes que estão na prisão”, disse para colocar veneno nas nossas águas,
– surgiram na década de 1970 em Caja- Santos, culpando também o governo pe- para levar nosso futuro embora”, diz
marca e se multiplicaram em outras áre- democracia participativa las detenções. Protestos contra mineiros Saulo Vásquez Marín, de 25 anos, o ron-
as rurais do país nos anos 1980. Naque- em Cajamarca, em Conga, deixaram 11 dero mais jovem no grupo de Rodas.
le momento, além da ausência do poder mortos e 282 feridos entre 2004 e 2013. (VG) (Agência Pública)
público na região, era preciso se defen-
der da violência do conflito travado en- Outros assuntos na pauta são o moni-
tre o grupo guerrilheiro de inspiração toramento da área e as sanções a ser to-
maoista, Sendero Luminoso, e o Estado, madas contra os funcionários da Ode-
que resultou em quase 70 mil vítimas.
A Constituição peruana e a Lei
27.908, de 2003, reconhecem os ron-
brecht, que, segundo eles, têm violado
as regras das Rondas Campesinas, co-
mo são chamadas as patrulhas. Esta é
Duas culturas, duas leis
deros como representantes da Justiça outra atribuição dos ronderos: eles têm
em suas comunidades, defensores do autoridade para deter e interrogar pes- res de cada grupo –, mas também em ní-
território e do ambiente. Eles são pro- soas que cometem crimes em suas ter- de Celendín (Peru) vel político, pelo desejo de um grupo tra-
tegidos também por acordos interna- ras. (Agência Pública) dicionalmente discriminado por respeito
Não deixa de ser um desafio comple- e poder político, e no campo judicial, pe-
xo conciliar a justiça tradicional inca, las dificuldades de conciliar os dois códi-
que se apoia em três regras básicas: Ama gos de conduta em um único sistema de
Sua, Ama Llulla e Ama Quella (“não ser justiça. O mais grave é que não há sequer

Confiscos e prisões ladrão”, “não ser mentiroso” e “não ser


preguiçoso” em quechua), dentro de um
único sistema de justiça. Zulma Villa, as-
a tentativa de conciliar os opostos, ele
diz. “Infelizmente, o problema da mine-
ração tornou-se tão político que há anos
sessora legal das Rondas, explica que, ninguém fala honestamente, nem há diá-
do nem foi emitida nenhuma senten- embora o Peru tenha passado por avan- logo”, resume Gitlitz.
de Celendín (Peru) ça. Mas nós, que estamos defenden- ços normativos que reconhecem o plura- Jorge Armando Guevara Gil, antropó-
do a nossa terra e a água, estamos sen- lismo jurídico, ainda falta clareza sobre o logo e professor de Direito da Pontifícia
O líder Eduar Rodas é o segundo nome do condenados por qualquer motivo. É assunto entre operadores de justiça, in- Universidade Católica do Peru (PUCP),
de uma lista de 46 pessoas que a Comis- uma perseguição porque é preciso um cluindo juízes, procuradores e advoga- dá razão aos ronderos, que, para ele, es-
são Interamericana de Direitos Huma- dinheiro que não temos para nos de- dos. tão sendo processados ao exercer legiti-
nos (CIDH), da Organização dos Estados fender”, denuncia Rodas, que também Segundo o sociólogo norte-americano mamente suas funções jurisdicionais. O
Americanos (OEA), apresentou em 2012 acusa o Ministério do Interior de infil- John Gitlitz, especialista em justiça in- motivo dos conflitos, diz o antropólogo,
ao governo peruano para pedir proteção. trar espiões nas Rondas e de criar “Ron- tercultural e autor do livro Administran- é a imposição pelo Estado de uma opção
Como em outros documentos apresen- das paralelas”, que atuariam a favor das do justicia al margen del Estado. Las de desenvolvimento sem ter o apoio das
tados ao longo dos últimos quatro anos, mineradoras, sem legitimidade. “Usan- rondas campesinas de Cajamarca (Ins- comunidades. “Temos de ver se o mode-
a CIDH voltou a lembrar o governo pe- do presentes como arroz, fornos, azu- tituto de Estudos Peruanos [IEP], 2013), lo proposto pelo governo é realmente in-
ruano que as Rondas dos municípios de lejos, brinquedos e panetones de Natal, o choque cultural se dá não apenas em clusivo e democrático”, questiona. (VG)
Cajamarca, Celendín e Hualgayoc-Bam- eles [funcionários da Odebrecht] se in- nível filosófico – de acordo com os valo- (Agência Pública)
bamarca são protegidas por leis interna- filtram nas Rondas. Eles ainda oferecem
cionais que regem os povos indígenas. salários e seguros”, detalha.
Rodas, que já foi preso várias vezes, é A maioria das acusações contra Rodas

Crimes e castigos
alvo de cem denúncias e 12 ações judi- e outros “ronderos” é por roubo e seques-
ciais movidas contra ele. “Estes senho- tro – eles admitem que confiscam “pre-
res nos trouxeram a perseguição”, ele sentes” dados aos membros da comuni-
diz, referindo-se às construtoras e às dade e detêm funcionários da Odebrecht
mineradoras que movem os processos e de mineradoras que invadem suas ter-
contra ele. ras para interrogatórios. ma ao outro.
O governo peruano não respondeu ain- “A Odebrecht está fazendo a mesma de Celendín (Peru) Algumas ações das Rondas, típicas da
da à solicitação da CIDH, apesar da pro- coisa que Yanacocha [mineradora peru- cultura andina, contra corruptos, mulhe-
messa feita durante sua campanha elei- ano-estadunidense] fez no passado. Eles Para Zulma Villa, porém, a oposição res e homens infiéis, tiveram má reper-
toral em 2011: proteger a agricultura, a estão organizando Rondas paralelas com dos ronderos às obras de infraestrutu- cussão na imprensa peruana. A advoga-
água e os recursos naturais contra o ou- a polícia. Eles estão nos caluniando e ten- ra em seus territórios tem claro respaldo da, porém, alerta: “Administrar justiça
ro, o abuso e a imposição. tando nos difamar. Mas a lei nos ampara. legal: os projetos não têm o necessário não é o mesmo que justiçar. Há limites.
Em vários discursos em municípios Nós somos autoridades em nosso territó- consentimento dos indígenas nem res- Mas a justiça ordinária tem que enten-
de Cajamarca, Humala repetiu a fra- rio”, reafirma. É por esse motivo, diz o lí- peitam o direito à livre determinação. De der os direitos fundamentais desde uma
se “Querem água ou ouro? Nós bebe- der, que em dezembro osronderos con- acordo com a advogada, se os ronderos perspectiva intercultural. Para nós, po-
mos água, não comemos ouro”. Depois fiscaram os produtos que os empregados interrogam um engenheiro que está co- de ser chocante entender certas práticas.
de eleito, passou a dizer: “Temos uma levavam para as comunidades depois de metendo um delito em uma área de sua Por isso, é importante a perícia de an-
posição sensata de água e ouro”, como interrogá-los e os fizeram assinar docu- jurisdição, eles são as autoridades com- tropólogos jurídicos”, adverte, lembran-
fez em um discurso já como presidente, mentos em que se comprometiam a não petentes para investigar e, portanto, es- do as milhares de vítimas do conflito ar-
em novembro de 2011. No ano seguinte, passar mais por suas terras. tão dentro da lei. mado contra o Sendero Luminoso para
quatro agricultores e uma criança mor- A reportagem questionou a Odebrecht A advogada acusa governo e empresas alertar contra os riscos de um confronto:
reram em um protesto contra a mina de sobre esse incidente específico e sobre de perseguir judicialmente os ronderos e “Nós sabemos o custo de vida que envol-
Conga, em um confronto com a polícia como a empresa protege os seus funcio- destaca que o novo código processual pe- ve isso”.
na praça de Celendín. As mortes não fo- nários. Os escritórios da empresa em Ca- nal continua a proteger as Rondas, reco- O Ministério do Interior e o gabinete
ram investigadas. jamarca, Lima e São Paulo não respon- mendando o diálogo cultural e a coorde- da Presidência no Peru não responderam
“Eles [a polícia] mataram quatro com- deram às perguntas nem aos pedidos de nação dos sistemas coexistentes de jus- aos nossos pedidos de entrevista sobre o
panheiros, e ninguém foi investiga- entrevista. (VG) (Agência Pública) tiça, e não a subordinação de um siste- assunto. (VG) (Agência Pública)
américa latina de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 15

“Eles que comam ouro!” Verónica Goyzueta


ESPECIAL Camponeses das volvido pela Eletrobras como parte dos
acordos de comércio energético firmados
comunidades ao longo do entre Peru e Brasil em junho de 2010.
rio Marañón, um dos mais Ao todo, 20 represas serão instaladas ao
longo dos 1.700 quilômetros do rio na
importantes afluentes do próxima década, de acordo com o plane-
jamento do governo peruano.
Amazonas, resistem às obras O rio Marañón é um dos afluentes mais
importantes do rio Amazonas. Ele per-
da Odebrecht para instalar corre uma região do norte do Peru onde
hidrelétricas em Cajamarca, se fundem dois dos biomas mais impor-
tantes da América do Sul: os planaltos
celeiro de alimentos do Peru montanhosos dos Andes e a densa flores-
ta tropical da Amazônia. É uma das áreas
mais ricas do mundo em biodiversidade
e também um dos maiores depósitos de
Verónica Goyzueta ouro do mundo. Marañón, o sinuoso rio
de Celendín (Peru) que corta a Amazônia peruana, significa
“serpente de ouro” em quechua, a língua
“NÃO A CHADÍN” é o que se lê pichado dos indígenas peruanos, porque as suas
no tronco de uma árvore à beira da estra- areias estão cheias de minérios.
da de terra que leva a Huanabamba, uma A exploração de ouro e prata há mais
pequena vila ao norte do Peru. A árvore de 30 anos ameaça a região, agora tam-
fica na frente de uma casinha de adobe bém traumatizada com os novos proje-
rodeada por frutíferas silvestres e uma tos hidrelétricos. Ali fica a sede da mine-
pequena plantação de bananeiras, com- radora peruano-estadunidense Yanaco-
pondo o cenário do caminho entre os An- cha, proprietária do projeto Conga, ou-
des e a Amazônia peruana. tra gigantesca jazida que também tem si-
Os camponeses peruanos são famosos do fonte de conflitos sociais que fazem da
por sua hospitalidade, mas o homem que região uma das mais convulsionadas do
aparece na porta depois do meu chama- país nessa última década. Protestos con-
do apenas rosna: “Quem é você?”. Primi “Não a Chadín”, frase escrita em tronco de árvore à beira da estrada de Huanabamba, pequena vila ao norte do Peru tra a mineração em Cajamarca, especial-
Araujo, a professora primária que é mi- mente em Conga, deixaram 11 mortos e
nha guia na região, explica que sou uma A exploração de ouro e prata há mais para a Hidrelétrica Rio Grande 1. Essa 282 feridos, entre 2004 e 2013. Segundo
jornalista de um veículo internacional. E, é uma das três hidrelétricas conhecidas a Defensoría del Pueblo, 303 líderes am-
mais importante, não sou representan- de 30 anos ameaça a região, agora coletivamente como “Chadín” – as ou- bientais foram presos e julgados no mes-
te da construtora brasileira Odebrecht. também traumatizada com os novos tras são Rio Grande 2 e Chadín 2 – com mo período.
“Eles [os funcionários de Odebrecht] vie- concessão para construção obtida pela A maior oposição ao projeto das hi-
ram aqui e tiraram fotos sem minha per- projetos hidrelétricos Odebrecht no governo peruano, mas ain- drelétricas, porém, vem de agricultores
missão”, diz o agricultor Paquito Vargas da sem licença social – que compreende ameaçados de perder suas terras, como
Machuca, para explicar sua reação à visi- a consulta e anuência dos camponeses – Vargas Machuca, mas os ambientalistas
ta inesperada. para ser realizada. Rio Grande 1 e 2 inun- se mobilizam também diante dos efeitos
A hostilidade do camponês é uma boa nas e La Libertad. A família Vargas Ma- darão uma área de 38 km² e Chadín 2, potencialmente negativos das obras ​​nes-
mostra da reputação da Odebrecht em chuca, composta por seis pessoas, corre o outra de quase 33 km². sa região ecologicamente sensível. Agri-
Huanabamba, um município de mil ha- risco de perder a chácara em que vive pa- A pequena cidade de Huanabamba é cultores e ambientalistas fazem a mesma
bitantes situado em um cânion cortado ra uma obra da Odebrecht. uma das mais impactadas entre as 20 co- pergunta: por que inundar uma das ter-
pelo rio Marañón, na divisa dos departa- A área da sua chácara deve ser inunda- munidades que vivem na área de influ- ras agrícolas mais produtivas e férteis do
mentos (estados) de Cajamarca, Amazo- da pelo reservatório que gerará energia ência do projeto de hidrelétricas desen- Peru? (Agência Pública)

Submergindo o celeiro do Peru Perseguição e


de Celendín (Peru)
A agricultora Gregoria Bazán, que vive
perto dos Vargas, também se opõe à bar-
estão construindo por aqui não fazem
sentido em termos de transporte de pro-
ameaças
ragem. “Nós temos plantações de manga, dutos”, diz Milton Sánchez, secretário-
Quando ouviu falar pela primeira vez limão, banana, folhas de coca, que vende- -geral da Plataforma Interinstitucional
sobre a represa Chadín, Vargas Machu- mos em Celendín [sede do município on- Celendina (PIC), organização que reúne de Celendín (Peru)
ca confessa que gostou da ideia. “Eles de fica a comunidade] e Cajamarca [capi- os principais movimentos sociais da re-
[Odebrecht] nos ofereceram um mon- tal do departamento]”, enumera. Até os gião. “Queremos estradas para levar fru- O reservatório que promete atingir
te de coisas boas, mas nada disso real- funcionários da Odebrecht que vivem em tas para o mercado, e não para os vales a vida dos Vargas e seus vizinhos ain-
mente vai acontecer”, diz o camponês, Cajamarca compram os alimentos que que serão inundados”, critica. da não pode ser construído. A Odebre-
que vive da pesca, das frutas e dos legu- Gregoria e seus vizinhos produzem, co- Em relação aos prejuízos ambientais, é cht tem a concessão e obteve a aprova-
mes que colhe na sua terra fértil, ao la- mo ela destaca, bem-humorada. “O que impossível calcular a extensão do dano. ção da licença ambiental pelo Ministério
do do Marañón. eles vão comer depois disso? Dinheiro? “Eles estão bloqueando rios que fluem li- de Energia e Minas, em outubro do ano
Ele conta que recebeu uma oferta da Eles terão prata e ouro, mas não vão ter vres, que serão represados ​​pela primei- passado, mas ainda não conseguiu a li-
construtora para vender suas colheitas nada para comer. Eles não vão ter água”, ra vez, em vários pontos, provocando al- cença social. A consulta prévia às comu-
e terras e ganhar uma nova casa para a diz soltando uma gargalhada. terações no fluxo hidrológico da Amazô- nidades tradicionais no caso de obras
família, mas decidiu não aceitar. “Eles Além da preocupação com a remoção, nia, e sem saber quais serão os impac- com influência em suas terras é obriga-
[Odebrecht] dizem que, se concordamos os agricultores reclamam do direciona- tos”, diz César Gamboa, diretor-execu- tória e prevista na lei peruana. Os líde-
com um contrato de venda, eles vão nos mento dos investimentos para o comple- tivo da ONG peruana Derecho, Ambien- res entrevistados afirmaram que ainda
pagar e vão nos mudar para outro lugar. xo hidrelétrico. “A região produz o me- te y Recursos Naturales (DAR), em Lima. não foram consultados e que a empre-
Mas esse lugar é um deserto”, afirma. lhor cacau do país, mas as estradas que (VG) (Agência Pública) sa está fazendo movimentos para tentar
convencê-los a aceitar as hidrelétricas,
dando presentes e infiltrando gente nas
comunidades.

Eletricidade e Lava Jato


Aurora Araujo, uma líder comunitária
nos municípios de Huanabamba e Ce-
lendín, conta que as reuniões com enge-
nheiros da Odebrecht têm sido tensas e
complicadas. Muitas delas foram adia-
viu formas de minimizar os impactos so- cht deu de presente para a cidade de Li- das na última hora, prejudicando agri-
de Celendín (Peru) ciais e ambientais. “Para a empresa, é um ma, na gestão do presidente Alan Gar- cultores e povos indígenas, que frequen-
negócio. Eles constroem para ter rentabi- cía, em 2011, virou piada entre os peru- temente têm de viajar longas distâncias
E para quem as hidrelétricas de Ca- lidade”, diz o engenheiro José Serra Ve- anos. Acabou sendo apelidada de “Cris- para chegar aos eventos. De acordo com
jamarca e Chadín vão fornecer ener- ga, autor do relatório Custos e Benefícios to do roubo”. Aurora, as reuniões têm sido manipu-
gia? Cajamarca é a sede de Yanacocha, a do Projeto Hidrelétrico Chadín 2 no rio ladas. “Eles [Odebrecht] trazem pesso-
maior mina de ouro do mundo. Existem Marañón, publicado ano passado pela Deslocamentos forçado as que não são da comunidade, às vezes
na área 16 projetos de mineração que ONG Forum Solidaridad Perú. O professor Einer Esteban Dávila, que para nos atacar”, disse ela, mostrando
precisarão de grande volume de eletrici- O ambientalista Gamboa, da ONG cresceu em Huanabamba, vive perto de os documentos das seguidas reuniões
dade – especialmente Conga, El Galeno e DAR, concorda. “Há um fast-track pa- Nuevo Huabal, onde foram reassenta- desmarcadas.
Michiquillay – nas redondezas das bar- ra aprovar projetos na região, com uma dos, em 2009, os moradores da comu- “Eles nos dizem que vamos ser remo-
ragens projetadas. Os acordos energéti- redução de salvaguardas, que são consi- nidade de Huabal para o enchimento do vidos pela força se não aceitarmos a sua
cos entre Brasil e Peru preveem a expor- deradas como obstáculos ao investimen- reservatório da represa El Limón, no es- proposta. Eles enganam as pessoas com
tação de excedentes energéticos do Peru to”, diz o pesquisador, que critica a fal- tado vizinho de Lambayeque, outra obra presentes, como panetones e fornos, e
para o Brasil, mas a maior suspeita recai ta de transparência e participação públi- realizada pela Odebrecht. “Tiraram as têm conseguido as assinaturas de apoio
sobre as mineradoras. Em 2013, o presi- ca no desenvolvimento dos megaprojetos pessoas [das suas casas] à base de en- de algumas das pessoas que já vende-
dente Ollanta Humala deu a seguinte de- de infraestrutura. Segundo ele, uma hi- ganos”, diz. ram suas casas e não têm mais terra na
claração em um congresso de mineração drelétrica demora cerca de dez anos pa- O assentamento de Nova Huabal foi área”, explica a líder comunitária, que
no Peru: “Como vemos, nesta área pre- ra começar a dar retorno, mas segue sen- construído em uma área desértica, onde calcula em 5 mil as pessoas que serão
dominam os projetos de ouro e cobre, lo- do a opção dos governos da América do as 70 famílias transferidas em 2009 não impactadas pelas represas e reservató-
calizados na serra de Piura, Lambaye- Sul, que teriam alternativas como a ener- têm terras férteis nem água suficiente rios Rio Grande I e Rio Grande 2.
que, Cajamarca e Trujillo. Para funcio- gia solar e eólica, que não interessam aos para cultivar. Esteban teme pelo futuro Em sua modesta e antiga casa no cen-
nar, precisam de energia, e para isso se investidores. do rio Marañón. “Estão quebrando um tro de Celendín, Aurora conta que fun-
prevê a construção de pelo menos cin- Gamboa aponta também o risco de su- ciclo. Este rio é um dos poucos pulmões cionários da Odebrecht a acusaram de
co centrais que, aproveitando a força hi- pervalorização das obras, um risco real, que estão limpando a poluição de Yana- ganhar dinheiro de ONGs para despres-
dráulica, poderão alcançar uma produ- já que as relações do governo peruano cocha”, diz. tigiá-la perante a comunidade. E faz uma
ção superior aos 10 mil megawatts”, dis- com as construtoras brasileiras – que Para os moradores de Huanabamba, denúncia grave: diz ter recebido ameaças
cursou o presidente peruano. Os cinco incluem megaprojetos como a estra- Huabal serve de exemplo da indiferen- de morte desses mesmos homens, assim
projetos destacados por ele foram: Cha- da Interoceânica, outras hidrelétricas ça da Odebrecht. “A Odebrecht levou as como teria acontecido com outras pes-
dín 2, Rio Grande 1 e 2, Veracruz, Rente- e obras de infraestrutura – estão sen- pessoas para um local sem condições de soas que se opõem aos projetos. “Quan-
ma e Manseriche, uns dos 20 que corta- do investigadas pela Justiça peruana. A vida decentes. Houve um grande desli- do temos uma reunião, há tiros. É Deus
rão em pedaços o rio Marañón. Fiscalía Anticorrupción do Peru está in- zamento de terra [em 2012], e muitas quem nos protege na luta pela água”, diz.
O que não surpreendeu o líder dos mo- vestigando os contratos dos governos de pessoas perderam o pouco que tinham. “Eles querem nos levar pela força. Nós
vimentos sociais Milton Sánchez. “Yana- Alejandro Toledo, Alan García e Ollan- Eles acabaram se sentindo enganados”, não queremos represas. Ninguém quer
cocha vai usar três vezes mais energia do ta Humala com as construtoras brasi- explica Milton Sánchez, do PIC. perder suas chácaras. Onde é que vamos
que a cidade de Trujillo (uma das cidades leiras Andrade Gutierrez, OAS, Quei- O agricultor Vargas Machuca e a agri- viver?”, indigna-se Aurora.
mais importantes do norte do país). Con- roz Galvão, Galvão Engenharia e Enge- cultora Gregoria Bazán, de Huanabam- A reportagem fez um segundo con-
ga é três vezes maior”, compara. Só na vix. Uma equipe da Fiscalía peruana es- ba, ameaçados agora de perder as ter- tato com o escritório da Odebrecht em
área de Chadín há 16 projetos mineiros teve em Curitiba no final de julho para ras, conhecem a história de Huabal. Celendín para obter uma resposta de-
que precisam de energia, especialmente trocar informações com os investigado- “Não estamos contra a energia, mas talhada a essas acusações, mas não ob-
Conga, El Galeno e Michiquillay. “Para res da Operação Lava Jato, que está sen- achamos que há outras formas, como teve resposta. Contatados, os represen-
nós, isso já está claro”, diz. do divulgada diariamente pela imprensa a solar e a eólica. Não estamos prepa- tantes da Odebrecht em Lima e São Pau-
Para as ONGs que trabalham na região, peruana. O Cristo do Pacífico, um mo- rados para viver em uma área urbana”, lo também não responderam à reporta-
além de danificar o rio, o projeto não pre- numento de 37 metros que a Odebre- diz Gregoria. (VG) (Agência Pública) gem. (VG) (Agência Pública)
16 de 27 de agosto a 2 de setembro de 2015 internacional

Na rota do desespero, refugiados


assombram a União Europeia Forças de Segurança da Macedônia
CRISE HUMANITÁRIA lo importante para os imigrantes que op-
taram por percorrer o último trecho por
Nas costas da Turquia via marítima.
e África estão milhares, Em julho passado, chegaram à Grécia
cerca de 50 mil pessoas, o que represen-
talvez milhões de ta um aumento de 750% em comparação
ao mesmo mês de 2014. Em algumas das
humilhados, que em ilhas os imigrantes precisam obter um
certificado de permanência temporária,
algum momento tentarão para seguir viagem à Atenas.
cruzar as águas As autoridades gregas não estão em
condições de suprir as necessidades de
milhares de recém-chegados, razão pelo
qual facilitam a continuidade do seu ca-
Guadi Calvo minho rumo ao norte, passando o pro-
de São Paulo (SP) blema para a Macedônia e a Sérvia.
Há várias semanas, os parques ate-
UM FANTASMA ronda a Europa: o fan- nienses, como o Pedion Tou Areos – no
tasma da imigração, da imigração deses- caso dos afegãos – e a Praça Omonoia –
perada, já não só dos famintos, mas tam- no caso dos sírios – vêm sendo ocupa-
bém das milhares e milhares de pessoas dos por famílias que tentam conseguir o
que fogem das guerras que os próprios salvo-conduto para resolver a continui-
interesses europeus, juntos aos dos seus dade da sua viagem. Na maioria dos ca-
sócios estadunidenses, decidiram orga- sos, o objetivo é chegar até a Macedônia,
nizar, estimular, financiar e manter vi- e embarcar num trem, na estação de Ge-
gente nessas nações. vgelija, que os levará até a fronteira com
Um fantasma criado a partir do som a Sérvia, por onde passam atualmente
da cobiça dos grandes bancos, as gran- umas duas mil pessoas por dia.
des holding, dos que exploraram a As autoridades macedônias, assim co-
África desde o princípio dos tempos, mo as gregas, entregam vistos de três
o Oriente Médio e a Ásia Central des- dias, para que sigam seu caminho em di-
de que descobriram que nas entranhas reção à Alemanha – em muitos casos –
dessas nações se encontravam oceanos ou à França, inclusive à Grã-Bretanha.
de petróleo. Imigrantes sírios e afegãos são detidos por militares na fronteira da Grécia com a Macedônia Em Calais, na França, bem na entrada do
Se não houvesse tantas vidas em jogo, túnel que conecta a Inglaterra com o con-
tantas vidas que tiveram que abandonar às máfias, para chegar à Turquia, em tra- Segundo dados da Frontex, a agora tinente, centenas de imigrantes arriscam
tudo para sobreviver, fugindo do Esta- vessias, que podem durar de uma sema- a vida, tentando de qualquer modo che-
do Islâmico, da al-Qaeda ou dos Talibãs, na a três meses, cruzando distâncias de chamada “Rota do Mediterrâneo gar às ilhas – mais de uma dúzia deles fa-
poderia valer a ironia de que os imigran- até 6 mil quilômetros. leceram, atropelados por caminhões ou
tes vão à Europa por outra coisa, pelas Segundo dados da Frontex (Agên- Oriental” registrou, entre janeiro e em outros tipos de acidentes.
grandes fortunas que foram levadas dos cia Europeia para a gestão de coopera- junho deste ano, 79.286 pessoas, Por sua parte, a Hungria, outro dos
seus países ao longo da história, mas ção operativa nas fronteiras exteriores), países usuais dessa rota intermediária
não são tempos para ironias, nem sen- a agora chamada “Rota do Mediterrâneo 12 mil a mais que as registradas no para esses imigrantes – mais de mil deles
tenças moralistas. Oriental” registrou, entre janeiro e junho tentam cruzar a fronteira todos os dias
Já observamos como as primave- deste ano, 79.286 pessoas, 12 mil a mais mesmo período entre a Líbia e a Itália –, construiu uma cerca de arame farpa-
ras árabes se afogam no Mediterrâneo, que as registradas no mesmo período en- do. Nessa altura da viagem, já não há so-
como a migração que parte das costas tre a Líbia e a Itália. Segundo a mesma mente sírios, afegãos e iraquianos. Uma
africanas, especialmente de Misrata agência, entraram na Europa cerca de importante quantidade de kosovares ini-
(Líbia), até a ilha de Lampedusa e ou- 340 mil imigrantes nos sete primeiros A imigração marítima da Turquia até cia por ali sua própria diáspora.
tras adjacências do sul da Itália, atra- meses deste ano. Só no mês de julho, fo- a Grécia se intensificou nesses últimos Em 2014, para equilibrar um pouco
vés de miseráveis embarcações reple- ram registrados mais imigrantes que em anos, após a construção de uma cerca que essa balança, os países europeus expul-
tas, saturadas, excessivamente carre- todo o ano de 2013. separa as fronteiras terrestres de ambos saram 252 mil pessoas, em sua maio-
gadas de líbios, sudaneses, eritreus, so- A Grécia já se declarou incapaz de se os países, de aproximadamente 206 qui- ria residentes ilegais, mas não recém-
malianos, etíopes, malienses, deixando encarregar do desafio de conter esse flu- lômetros. No maior trecho, ao longo do -chegados.
para trás uma geografia incendiada por xo, e por isso está tentando criar um rio Evros, restam apenas 12,5 quilôme- O novo fantasma que ronda a Europa
guerras de todo tipo. processo de identificação mais rápido, tros de terra firme por onde os imigran- chegou para ficar. Nas costas da Turquia
Numa economia devastada, os africa- para que os imigrantes, já em terra, pos- tes ilegais conseguem cruzar com alguma e da África estão mais centenas de milha-
nos do Saara e do Sahel não contam com sam seguir seu caminho por Macedô- facilidade, mediante subornos. res, talvez milhões de humilhados e ofen-
outra possibilidade de trabalho que não a nia e Sérvia, para chegar à Hungria, on- O alambrado, de três metros de altura, didos, que em algum momento tentarão
de se incorporar a um dos tantos bandos de poderão iniciar os trâmites para con- protegido com câmeras térmicas e sen- cruzar as águas, enquanto a Europa pa-
de salafistas que operam em seus países. seguir o status de refugiado na Comuni- sores de movimento, além das patrulhas rece jogar roleta russa com todas as balas
Ali, não só terão que arriscar suas vidas dade Europeia. de segurança, passou a ser um obstácu- no tambor. (Carta Maior)
todos os dias, mas também serão obriga-
dos a realizar degradantes atos de tortu-
ra aos prisioneiros em nome de um Deus
ao qual, sem nenhuma dúvida, seus che- ACORDO
fes não respeitam.

Alemanha e França buscam medidas


Porém, agora o mundo está começan-
do a descobrir outras das portas pelas
quais os desamparados do Oriente Mé-

para conter migração e xenofobia


dio e da Ásia Central estão tentando en-
trar na Europa.
Somente durante este ano chegaram
340 mil imigrantes e refugiados, segun-
do a ACNUR (Alto Comissariado das Na- EU Council

ções Unidas para os Refugiados), a me- CRISE HUMANITÁRIA


tade deles através das costas africanas, a
outra metade entrou pela Grécia. Edifício no sudoeste
alemão que serviria de
Agora o mundo está começando abrigo para refugiados
a descobrir outras das portas é incendiado. Merkel se
pelas quais os desamparados do encontra com Hollande
Oriente Médio e da Ásia Central para debater o problema
estão tentando entrar na Europa
de Brasília (DF)

A outra porta UM INCÊNDIO destruiu, no dia 24 de


A crise migratória que a Grécia vive agosto, um edifício desabitado que deve-
aprofunda ainda mais suas crises econô- ria transformar-se em habitação para re-
mica e política, fazendo colapsar todas as fugiados, na cidade de Weissach im Tal,
instituições de ambas as áreas. no Sudoeste da Alemanha. O presidente francês, François Hollande, e a chanceler alemã, Angela Merkel
Em pleno verão, enquanto os gregos Não se sabe ainda as causas do incên-
tentam tirar vantagens da única indús- dio, mas a polícia não descarta a possibi- Também no dia 24, a chanceler ale- ta” para lidar com os milhares que procu-
tria que funciona em seu país: o turis- lidade de ter sido um atentado xenofóbi- mã, Angela Merkel, e o presidente fran- ram refúgio no continente.
mo, se tornou comum ver como os tu- co. A cidade já registrou ocorrências con- cês, François Hollande, reuniram-se Os dois líderes querem também ace-
ristas europeus que descansam nas ilhas tra estrangeiros antes. em Berlim, para tentar restringir os pe- lerar a instalação de centros de acolhi-
do Mar Egeu, como Cós, Lesbos, Quios Em 2004, um centro para refugiados didos de asilo, entre outras medidas, mento na Grécia e na Itália para iden-
ou Samos, presenciam a chegada das foi alvo de um atentado protagonizado para resolver a pior crise de refugiados tificar requerentes de asilo e imigrantes
lanchas carregadas de imigrantes, 64% por um neonazista de 17 anos, que lançou desde a 2ª Guerra Mundial. Os dois go- ilegais.
deles sírios, 20% afegãos e o resto divi- dois coquetéis molotov contra o prédio. vernos procuram respostas mais efeti- “Enquanto esses centros não forem
didos entre iraquianos a bangladeshia- O aumento no número de refugiados vas para a crise. instalados e não houver solidariedade in-
nos e outros. no país  é um desafio para as autorida- “Tem de haver novo ímpeto para se fa- terna da União Europeia, o regresso dos
Os imigrantes, após meses atraves- des alemãs, tanto do ponto de vista lo- zer o que já foi decidido e olhar para o migrantes aos seus países de origem –
sando diferentes rotas, alcançam o por- gístico como político. O estado federal de problema sob novas perspectivas”, dis- que dissuadiria novas chegadas – não vai
to turco de Bodrum, e podem, pagando Baden-Württenberg calcula que, duran- se uma fonte da presidência francesa acontecer”, argumentou a fonte do Palá-
entre 1.000 e 1.500 euros, abordar uma te este ano, devem chegar 100 mil refu- à agência de notícias France Presse. A cio do Eliseu, sede do governo francês.
lancha preparada para transportar 30 giados ao país. mesma fonte admitiu que as decisões já Em Roma, autoridades italianas adian-
pessoas, mas que chega a levar até 65, Nos últimos meses, os ataques contra tomadas na União Europeia “não che- taram que só no sábado (22/08) reco-
durante os 4 quilômetros até alguma lares de refugiados em todo país têm se gam, não são suficientemente rápidas e lheram 4,4 mil migrantes que tentaram
das ilhas gregas do arquipélago do Do- multiplicado. Atualmente, um dos focos não servem”. atravessar o Mediterrâneo em 22 embar-
decanésio. Normalmente, essas lanchas de atenção encontra-se em Heidenau, no As prioridades de Merkel e Hollande cações – o número diário mais alto dos
podem realizar entre quatro e cinco via- leste do país, onde houve confrontos en- passarão por fazer uma lista de países últimos anos.
gens por dia, o que torna o negócio mui- tre grupos neonazistas e manifestantes cujos cidadãos não terão resposta a pedi- O vice-chanceler alemão, Sigmar Ga-
to lucrativo. de esquerda que se solidarizaram com os dos de asilo, a não ser em circunstâncias briel, disse que o aumento do número de
Dependendo do lugar de origem desses refugiados. excepcionais. pedidos de asilo – que este ano deverá
imigrantes (especialmente sírios e afe- O vice-chanceler e ministro da Econo- Até agora não tem havido consenso pa- exceder 800 mil – é “o maior desafio pa-
gãos), essa chegada já significou o paga- mia alemão, Sigmar Gabriel, viajou no ra elaborar esse tipo de lista, o que ilustra ra a Alemanha desde a reunificação”, em
mento de um valor entre 2 e 10 mil euros mesmo dia (24/08) para Heidenau. a falta de “uma política europeia comple- 1990. (Agência Brasil)

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