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Roberto Stuckert Filho/PR

Banco dos Brics e o


mundo dos gigantes Pág. 13

Circulação Nacional Uma visão popular do Brasil e do mundo R$ 3,00

Ano 13 • Número 658 São Paulo, de 8 a 14 de outubro de 2015 www.brasildefato.com.br


Elói Corrêa/GOVBA

Infância interditada
Reportagem especial mostra que moradias precárias nas encostas
de morro colocam crianças em situação de risco e vulnerabilidade
em Salvador (BA). Especialista alerta que se essas crianças não
tiverem acesso à políticas sociais efetivas, isso vai produzir uma
relação cíclica com a tragédia. Págs. 9, 10, 11 e 12

ISSN 1978-5134
Entrevista com o filósofo Obra de Alckmin para a seca,
Paulo Arantes Págs. 4 e 5 só em abril de 2017 Pág. 7

Marcelo Barros Paulo Kliass Silvio Mieli

Muros da desolação O ajuste e as prioridades Pasolini aqui e agora


Nesses dias, o mundo recordou a unificação O governo tem buscado justificar a “Neste mundo culpado, que só compra e
da Alemanha, quando no dia 3 de outubro necessidade de promover drástica redução desdenha/ o mais culpado sou eu, petrificado
de 1990, durante uma noite, milhares de das despesas públicas. Tal compromisso tem de pena”. Aqui e agora, é importante ler
pessoas derrubaram, com as próprias mãos, como único intuito produzir um superávit Pasolini pela necessidade urgente de
o muro de Berlim. Pág. 2 primário nas contas da União. Pág. 3 compreendermos a realidade. Pág. 3
2 de 8 a 14 de outubro de 2015

editorial

“Na casa do Senhor não existe Satanás – Xô Satanás!”


COM O TÍTULO de Fundamentalis-
mo cristão é um projeto de poder, a
cial interna, para funcionar (ainda
com mais eficiência e/ou violência)
É absolutamente ra o Progresso inaugurado em toda a
América Latina, ainda durante o go-
ciativas que o cercam e fortalecem,
colocando em risco as conquistas
revista Carta Capital que começou a
circular no sábado, 3 de outubro, pu-
como as “marchas com deus e a fa-
mília” o fizeram em 1964, orientadas
impróprio para um verno John Kennedy; os cursos de
formação de lideranças sindicais bra-
democráticas de 1988.
Não é mais possível termos um ele-
blicou um importante artigo do jor-
nalista Carlos Juliano Barros, onde
pela Cruzada do Rosário (ou o Rosá-
rio em Família) criada e organizada
parlamento – no sileiras (e de outros países) desde
os anos 1950 pela AFL-CIO – Ame-
mento como o pastor Marco Felicia-
no (PSC-SP) na Presidência da Co-
ele aborda a ação política dos evan- pelo pároco católico de Hollywood caso, nossa Câmara rican Federation of Labor and Con- missão de Direitos Humanos e Mi-
gélicos neopentecostais. (EUA), reverendo Patrick Peyton, gress of Industrial Organizations (Fe- norias da Câmara Federal (cargo que
Depois de expor e analisar o histó- trazido ao Brasil com esta tarefa. Por Federal – ter na deração Americana do Trabalho e ocupou ao longo do ano de 2013). So-
rico recente desses fundamentalis- enquanto, a grande base social inter- Congresso das Organizações Indus- bretudo, é absolutamente impróprio
tas, e concluir que, “definitivamen- na dos evangélicos neopentecostais, sua Presidência triais), a maior federação estaduni- para um parlamento – no caso, nos-
te, o avanço do fundamentalismo re- além de eleger um número expressi- dense de sindicatos; ou os recentes sa Câmara Federal – ter na sua Pre-
ligioso já não pode mais ser encara- vo de parlamentares para o Congres- um personagem cursos de formação de jovens lide- sidência um personagem desmorali-
do como folclore ou teoria da conspi- so Nacional (mas não apenas), con- ranças negras brasileiras pela Funda- zado e pernicioso, da envergadura do
ração”, Barros afirma: “não há como seguiu ocupar a Presidência da nos- desmoralizado ção Ford – sendo que a Ford é hoje deputado Eduardo Cunha.
negar que uma força política ancora- sa Câmara, com o deputado Eduar- controlada pela grande burguesia ne- É bem verdade que, na semana
da no fundamentalismo cristão, hi- do Cunha (PMDB-RJ). Corrupto de e pernicioso, da gra dos EUA; além de tantos outros passada, um grupo de 16 parlamen-
perconservadora nos costumes e ul- longa data, essa cria do senhor PC etcéteras? tares de partidos de esquerda (inclu-
traliberal na economia, está se con- Faria tenta dirigir os destinos da na- envergadura do Enfim, quem inventou, estimulou e sive uns poucos do PT), subiu à tri-
solidando no Brasil. A referência vem ção através de chantagens, e do ab- armou os talibãs? buna da Câmara com cartazes onde
da direita dos Estados Unidos – de soluto desrespeito às regras do jogo deputado Eduardo E Bin Laden e sua Al Qaeda? se lia: “Cunha não nos representa”.
onde os pastores evangélicos brasi- democrático estabelecido pela Carta Quem inventou Saddam Hussein? A foto foi publicada em diversos jor-
leiros copiam quase tudo”. de 1988, submetendo o Estado Laico Cunha Quem inventou que o Iraque nais. Parabéns a esses parlamenta-
Bem, não é difícil entendermos o (conforme a Carta define esta Repú- construía armas atômicas? res. Mas, é preciso mais. É necessário
que se passa. Sobretudo se lembrar- blica) às crenças, preceitos e precon- E agora, quem inventou e con- que as bancadas desses partidos fe-
mos que o fundamentalismo religio- ceitos de sua Igreja. tinua a armar o tal do EI – Estado chem questão em torno de dois pon-
so tem sido motivo para as muitas in- Não esqueçamos que, no que diz Islâmico? tos: tirar o senhor Cunha da Presi-
tervenções de Washington, no sen- respeito a Estado Laico, a demo- E, e, e, e…? dência da Casa, e cassar seu manda-
tido de levar sua “democracia” e sua cracia estadunidense está absolu- Sim, estamos convencidos do que to por corrupção e quebra de decoro
“paz” (a paz dos cemitérios), para tamente à vontade, para tentar in- E mais: quando não é criando e escreveu o jornalista Carlos Juliano parlamentar.
inúmeros países. terferir na formatação de qualquer formando fundamentalistas neopen- Barros em seu artigo na Carta Ca- E, sem dúvida alguma, o PT – a
No Brasil, no entanto, a hipótese outra sociedade: seus hinos ofi- tecostais (e outros), os EUA continu- pital: o “fundamentalismo cristão é maior bancada da Câmara, com 69
mais viável é que os evangélicos neo- ciais não nos deixam mentir. Isto am em sua cruzada pedagógico-ideo- um projeto de poder”. E mais: ne- deputados federais – tem a grande
pentecostais possam jogar outro pa- para não falarmos na inscrição “In lógica, que em nosso país não come- cessitamos de uma estratégia políti- responsabilidade de articular essas
pel – ainda que na mesma direção: God we trust”, nas cédulas de dólar çou ontem ou anteontem: alguém es- ca clara para combatê-lo desde ago- iniciativas.
o papel de numerosa e forte base so- (Confiamos em Deus). quece os programas da Aliança pa- ra, bem como todas as demais ini- É o mínimo que se espera.

opinião Marcelo Barros crônica Elaine Tavares


Bob May/CC

Ensacando Dias Velho


O DIA NASCERA EMBURRADO, mas no alojamento o povo já se prepa-
rava. Estavam ali há três dias, em intensos debates sobre como sobreviver
na universidade. Eram jovens de vários lugares do Brasil, de variadas et-
nias indígenas. Já tinham discutido o acesso, a permanência, o preconcei-
to, a demarcação das terras, a violência que ainda enfrentam, seja ela sutil
ou explícita, como a que vive o povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do
Sul. Tinham também ouvido as experiências de parentes da Colômbia, do
México, do Equador e de outros cantos da América Latina.
Haviam compreendido que estar na universidade dos brancos era tam-
bém uma forma de resistir. Entrar, colocar a cunha, mostrar a cultura, di-
vidir saberes ancestrais. Aprender, mas também ensinar. E, no diálogo
com os companheiros latino-americanos, também entenderam que o mo-
vimento indígena brasileiro tem de avançar para a criação de uma univer-
sidade própria, indígena, para que, aí sim, possa realmente existir o diá-

Muros da desolação
logo intercultural. Um desafio que ficou para ser desvelado e superado.
Só que naquela tarde não haveria discussão. Eles marchariam até o cen-
tro da cidade, ocupando as ruas com suas cores, danças e cantorias. Flo-
rianópolis, tão acostumada a presença silenciosa dos Guarani, haveria de
conhecer a garra Tuxá, o grito Xavante, Pataxó, Pancararu. E assim foi.
NESSES DIAS, o mundo recor-
dou a unificação da Alemanha,
Lembremo-nos quando seus pais tentavam entrar
na Europa. Mas, poucos dias de-
Saindo da UFSC, a coluna indígena foi passando pelos caminhos, incen-
diando a cidade. As janelas se abriam e caras admiradas surgiam, bocas
quando no dia 3 de outubro de
1990, durante uma noite, milha-
de que, de um pois da morte de Aylan, calculam-
-se em, ao menos, 250 pessoas
abertas. O que era aquilo?
Cantando e dançando os estudantes iam mostrando a beleza de su-
res de pessoas derrubaram, com
as próprias mãos, o muro de Ber-
modo ou de outro, entregues à morte no Mediterrâ-
neo para não aportarem nas cos-
as culturas. Quando chegaram ao túnel que leva ao centro, eles tomaram
conta de todas as pistas e, por alguns minutos, bailaram em círculos, com
lim. Além de dividir uma cidade todos somos filhos tas europeias. gritos e passos cadenciados. Era a expressão da alegria, o encontro sagra-
em duas, aquele muro construído Embora alguns bispos e carde- do com as raízes, a apoteose da cultura.
no início dos anos 1960, simbo- de migrantes e ais tenham se pronunciado para
lizava a chamada “cortina de fer- que a Europa só acolha migran-
ro” entre a Europa Ocidental e o refugiados tes cristãos, o papa apelou para As armas ainda estão apontadas para os
Bloco de Leste. O muro de Ber- que todas as dioceses, paróquias e
lim tinha 66,5 km de grade me-
tálica, 302 torres de observação,
conventos abram suas portas pa-
ra acolher o maior número possí-
índios. Mas, a diferença é que agora, eles
127 redes eletrificadas dotadas
de alarme e 255 pistas de corrida
ses africanos. Roubaram da Áfri-
ca tudo o que podiam e condena-
vel de migrantes e refugiados. A
Bíblia lembra aos antigos israeli-
não têm medo algum
para ferozes cães de guarda. As ram os africanos à fome e à misé- tas: “Lembra-te que foste migran-
estatísticas oficiais falam em cen- ria. Agora, aos sobreviventes que te e refugiado no Egito. Portanto,
tenas de pessoas mortas e milha- fogem da morte, negam a última trata bem o estrangeiro que mo- Seguiram caminho até o centro, percorrendo mais de 20 quilômetros e
res aprisionadas na tentativa de esperança de vida. Nos anos mais ra em teu meio”. E, para mostrar lá, no meio do Mercado Público gurmetizado, ocupado agora apenas por
transpor aquele muro. recentes, os mesmos governos da que Jesus retoma a vocação e o turistas e riquinhos, de novo entoaram seus cantos, no bailado xamânico.
Agora, a Alemanha celebrou o Europa, junto com o dos Estados destino de Israel, o evangelho de As pessoas paravam, admiradas e estupefatas. E os Tuxá puxavam seus
aniversário de 25 anos da queda Unidos, armaram os rebeldes da Mateus conta que, assim que Je- cantos caboclos, evocando os deuses das florestas e dos igarapés. Momen-
do muro de Berlim, levantando Síria e tornaram esse país um in- sus nasceu, José, seu pai, teve de to mágico.
um novo muro em suas frontei- ferno vivo. Agora estranham que fugir com a família para o Egito O próximo passo era o mais esperado. Sob a ponte que liga a ilha ao
ras para deter a onda de migran- os sobreviventes de uma guerra afim de escapar da perseguição do continente, desde há anos se mostra, arrogante, o colonizador. Uma está-
tes que tentam entrar na Euro- mortífera batam às suas portas. rei Herodes. tua erguida para homenagear aquele que, conforme dizem os não-índios,
pa. Não era mais necessário um Na Idade Média se erguiam Quando nenhum muro puder “fundou” a cidade: Francisco Dias Velho. Em pé, nariz empinado, segu-
muro de tijolos e concretos e sim muros em torno das cidades. Ago- mais conter os direitos humanos rando o mosquete, o bandeirante matador de índios, que comandou caça-
uma muralha de desamor, pre- ra, são países que constroem mu- de quem procura sobreviver e as das por todo o Sudeste antes de chegar à ilha, olha para o centro da capi-
conceito e discriminação. No mo- ros para se proteger de migran- fronteiras da Europa se mostra- tal e dá nome ao elevado que corta a beira do mar.
mento atual, os migrantes ser- tes. Na fronteira dos Estados Uni- rem insuficientes para acolher as Numa correria louca, os estudantes atravessaram a perigosa autoestra-
vem para que os governantes de dos com o México, um muro alto novas migrações, lembremo-nos da no rumo da estátua. Burlando a polícia que acompanhava a caminha-
uma Europa em crise mortal des- percorre 300 km de extensão. Em de que, de um modo ou de outro, da eles assomaram, gritando como se fossem para a guerra. Num átimo,
viem a atenção de seus eleitores sua sombra, abundam cadáveres todos somos filhos de migrantes e sem que os policiais esboçassem reação eles já estavam ao pé da estátua.
para que não percebam os fracas- de latino-americanos, eletrocuta- refugiados. Somos todos filhos de Dois deles subiram no pedestal e a enrolaram numa faixa, na qual esta-
sos da política econômica oficial dos ao tentarem atravessar o mu- uma única humanidade e, como va escrito: Demarcação. Depois, afixaram cartazes com apoio aos paren-
e da falta de perspectivas. Esses ro, ou abatidos pelos guardas do irmãos e irmãs, cidadãos do pla- tes Guarani Kaiowá.
governantes fazem dos migrantes Império. Um muro imenso sepa- neta Terra, a nossa casa comum. Falas de repúdio ecoaram frente a estátua do assassino que havia varri-
o inimigo externo do qual preci- ra o Estado de Israel dos territó- Os cristãos são discípulos e discí- do do litoral a presença Guarani. “Homens como Dias Velho ainda estão
savam para fugir do julgamento rios palestinos ainda não ocupa- pulas de Jesus de quem São Pau- por aí, com suas armas na mão, matando índio. O massacre de nossa gen-
coletivo. E jogam nos migrantes dos. Outros muros dividem a Ín- lo afirmou: “Ele derrubou os mu- te continua. Não é possível que continuem fazendo homenagens aos es-
a culpa do desemprego e da de- dia do Paquistão. ros de inimizade que separavam cravistas assassinos.” E, em volta da figura do matador, eles dançaram e
cadência da sociedade europeia, Mais violentos ainda do que os os povos” (Ef 2, 13 ss). fizeram pajelanças. Nenhum passo atrás, a luta vai prosseguir.
provocada pelo veneno do que o muros de concreto são os do mer- Dois dias depois, quando todos já tinham partido da cidade para su-
papa Francisco tem chamado “a cado elitista que excluem milhões Marcelo Barros é monge as regiões, passei pela ponte e, surpresa, vi a estátua ainda coberta com a
cultura da indiferença na qual o de pessoas de qualquer possibili- beneditino e teólogo. Atualmente, faixa. Ninguém se preocupara em desembrulhar. Dias Velho estava cega-
lucro é muito mais importante do dade de uma vida digna. No mun- é coordenador latino-americano da do pela palavra “demarcação” e só o mosquete aparecia. Antes, como ho-
que as pessoas”. do inteiro, pessoas se comovem Associação Ecumênica de Teólogos/ je, as armas ainda estão apontadas para os índios. Mas, a diferença é que
Durante séculos, as potências ao ver a fotografia do pequeno as do Terceiro Mundo (ASETT) e agora, eles não têm medo algum.
da Europa exploraram os terri- Aylan, a criança síria de três anos, assessora comunidades eclesiais de
tórios e as populações dos paí- morta em uma praia da Turquia, base e movimentos sociais. Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
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Roberto Fier, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 8 a 14 de outubro de 2015 3

instantâneo Paulo Kliass

O ajuste e as
prioridades
O DISCURSO OFICIAL do governo federal tem busca-
do, por todos os meios, justificar a necessidade de pro-
mover uma drástica redução das despesas públicas em
nosso país. Tal compromisso tem como único intuito
produzir um superávit primário nas contas da União.
Esse tem sido o sentido de todas as principais decisões
do governo da presidenta Dilma: obter pleno êxito na
condução do ajuste fiscal.
Trata-se de uma absorção, por parte dos responsá-
veis pela condução da política econômica, da narrativa
que vem sendo alardeada há décadas pelos represen-
tantes do sistema financeiro. A intenção é promover
uma grande contenção nas despesas da administra-
ção pública vinculadas a programas sociais e investi-
mentos. Com isso, fica assegurada a transferência ple-
na dos recursos do Estado destinados ao pagamento
de juros e serviços da dívida pública brasileira.
Assim, quando se analisa o perfil dos cortes de gas-
tos já promovidos e os novos anunciados, percebe-se
que estão quase todos concentrados nas áreas sociais
e na capacidade de gestão da máquina pública. São re-
duções de orçamento para saúde, educação, previdên-
cia, direitos trabalhistas, investimento em infraestru-
tura, gastos com pessoal e material, entre outros des-
sa natureza.
Por outro lado, as rubricas que representam os valo-
res mais expressivos do total de gastos realizados pe-
la União permanecem intactas. Isso ocorre pelo impé-
rio da lógica do “superávit primário”. Como as despesas
associadas à dimensão financeira dos gastos não estão
presentes na metodologia dessa apuração do resultado
fiscal, cria-se uma tautologia. Algo que pode ser expres-
so pelo seguinte raciocínio: “não adianta reduzir a des-
pesa com juros, pois isso não altera o cálculo do superá-
vit primário”. E ponto final!
Beto Almeida Ocorre que não faz o menor sentido tentar enfiar a
cabeça no buraco e esquecer a própria realidade do
país e da estrutura de gastos orçamentários. Todo o

Síria, Rússia, China e Irã esforço fiscal tem sido orientado no sentido de buscar
a cobertura do chamado “rombo” de R$ 30 bilhões nas
contas fiscais desse ano. Como boa parte das despe-
sas realizadas pelo governo federal são gastos consti-
A GUERRA ARTIFICIAL, lançada contra o governo na- Agora é Putin quem declara: “Não permitiremos uma tucionais obrigatórios, acaba sobrando pouca margem
cionalista e anti-imperialista da Síria há 4 anos, produz nova Líbia na Síria!”, fazendo o que Chávez pedira na- de manobra para promover tais cortes, sem que haja
inúmeras lições. A primeira é revelar o inequívoco papel quela altura. E vai mais além. Coloca na mesa de ne- comprometimento da qualidade de serviços públicos
da Rússia como um protagonista central nas ações contra gociações os mais modernos aviões de bombardeios do oferecidos à população.
o imperialismo em escala internacional. mundo, organiza uma coalização militar com China, Irã
Muito diferente do que ocorreu na hipócrita e sanguiná- e com Hezbollah, que já estão atuando concretamente
ria “guerra humanitária” da Otan contra a Líbia, demolin-
do o país que registrava os melhores indicadores sociais
no terreno. E obrigou, com bombardeios que impedem
a formação de uma zona de exclusão aérea sob coman-
Sacrifícios impostos e exigidos da
da África, desta vez, a Rússia não está parada. Naquela
época, Hugo Chávez buscou todos os meios para conven-
do da Otan, a que os EUA mudem o seu discurso e já ad-
mitam que o processo de paz na Síria passa pelo reco-
maioria da população. Benefícios
cer as forças progressistas a uma ação coordenada em
defesa da Revolução Líbia e de seu líder, Kadafi. Obteve
nhecimento do governo de Bashar al-Assad, eleito pelo
voto popular.
e facilidades oferecidas aos
apoio de Cuba, da Bolívia, do Equador, da Nicarágua, da Tem razão a presidenta Dilma quando reivindica a de- representantes do capital
África do Sul. Mas, com a Resolução da ONU firmada por mocratização do Conselho de Segurança da ONU para
Rússia e China, ficou aberta uma porta para a sua imple- combater o terrorismo, pois, como se sabe, parte dos
mentação arbitrária, como se fosse uma autorização pa- membros deste Conselho, são a fonte deste terrorismo.
ra um ataque desproporcional, com 166 dias de bombar- Aliás, como admitiu Hillary Clinton, quando disse: “Os Mas há muito espaço para “queimar gordurinhas”
deios. Chávez não logrou seu intento, e não tinha os meios EUA criaram a Al Qaeda”. Declaração gravada e difun- caso se amplie o horizonte das contas públicas que po-
militares para fazer uma barreira de contenção. dida por Telesur. dem oferecer sua contribuição para o ajuste fiscal. Se
observarmos os dados divulgados pelo próprio Banco
Central (BC), somos informados de que apenas ao lon-
Silvio Mieli go dos últimos 12 meses o governo dispendeu o equi-
valente a R$ 484 bilhões (!!!) sob a forma de transfe-

Pasolini aqui e agora


rência ao sistema financeiro para pagamento de juros
da dívida pública.
Além disso, o mesmo relatório do BC sobre a situa-
ção da política fiscal nos adverte a respeito de outro ti-
po de gasto que o governo realiza e que não é contabili-
“NESTE MUNDO CULPADO, que só compra e desde- la influência que O evangelho segundo Mateus e o pró- zado oficialmente nos documentos do Ministério da Fa-
nha/ o mais culpado sou eu, petrificado de pena”. Aqui prio Teorema exerceram sobre os jovens do Cinema No- zenda. Trata-se de uma despesa que passou a ser mais
e agora é importante ler Pasolini. Não tanto pelas seme- vo, principalmente Paulo César Saraceni, Rogério Sgan- expressiva ao longo do último ano, em função do mo-
lhanças entre Brasil e Itália, que são muitas, mas pela ne- zerla e Glauber Rocha. E, desde então, sua obra nos re- vimento de desvalorização que vem atingindo a nos-
cessidade urgente de compreender a realidade, diante da mete ao cruzamento entre literatura, militância poético- sa taxa de câmbio. Com o intuito de acalmar os agen-
qual Pasolini estabeleceu uma relação brutal e afetiva. -política, ousadas soluções formais e forte crítica social. tes do mercado financeiro, o governo tem lançado títu-
Conhecemos o Pasolini cineasta, intelectual, crítico, Alfonso Berardinelli, organizador da coletânea, los especiais (chamados de swaps cambiais), por meio
cronista, mas muito pouco o Pasolini poeta. Mas agora afirma na introdução que a visão de Pasolini do pas- dos quais ele assume os riscos de desvalorização do re-
a lacuna está parcialmente preenchida com o lançamen- sado italiano era nostálgica e tangenciada por um mi- al frente ao dólar.
to de Poemas: Pier Paulo Pasolini, tradução de Maurício to pessoal. “Um mito que o ajudou, porém, a enxergar Entre 2008 e 2012 o impacto desse tipo de título foi
Santana Dias, organização e introdução de Alfonso Be- mais realidade e mais tempestividade do que puderam nulo. Mas a partir de então, a coisa começou a compli-
rardinelli, lançado pela Editora Cosac Naify. ver a sociologia e a política de esquerda nos anos en- car. Em 2013 a conta foi deficitária em R$ 1,3 bi e em
De certo modo Gramsci introduziu o Pasolini escritor tre 1955 e 1975.” 2014 superou R$ 17 bi. As previsões para 2015 são ex-
entre nós. No posfácio da obra, Maria Betânia Amoro- De qualquer forma não é fácil traduzir um autor tão plosivas: apenas ao longo dos últimos 12 meses, o go-
so resgata as primeiras aparições de Pasolini em jornais rico, contraditório e polissêmico. O tradutor Maurício verno gastou R$ 111 bi para cumprir esse compromisso.
brasileiros, através dos artigos de Ruggero Jacobbi e Ot- Santana Dias reconheceu (em entrevista a Denise Bott- Esses números expressam de forma bastante crista-
to Maria Carpeaux, que se debruçaram sobre o poema As mann), que “[…] Pasolini é sobretudo um poeta, como lina a orientação e a prioridade do ajuste atual. Sacrifí-
cinzas de Gramsci (1957): “Pobre entre os pobres, assim ele mesmo gostava de se definir, um poeta dramático, cios impostos e exigidos da maioria da população. Be-
como eles/me apego a esperanças humilhantes,/ e como do teatro de ideias”.“Quem conhecia apenas a sua cor, nefícios e facilidades oferecidas aos representantes do
eles para viver combato”. bandeira vermelha,/quase não a reconhece mais, nem capital.
Em 1969 é traduzido no Brasil o romance Teorema com os sentidos:/você, que já ostenta tantas glórias
(Nova Fronteira), que alavancado pelo lançamento do burguesas e operárias,/volta a ser um trapo, e que o Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de
filme de mesmo nome atinge a lista dos mais vendidos. mais pobre a agite” (trecho do poema A bandeira ver- Paris 10 e integrante da carreira de Especialista em Políticas
Mas de fato Pasolini tornou-se conhecido por aqui pe- melha, de Pasolini). Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

fatos em foco
da Redação
Realidade social melhorou MEC divulga resultados tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa- pelos bancários foi o abano de R$2.500,00, o
em 16 regiões metropolitanas preliminares do Censo Escolar 2015 cionais Anísio Teixeira (Inep) informa que os qual não se integra ao salário, incide imposto
Levantamento inédito do Instituto de O Ministério da Educação divulgou hoje números são parciais e tendem a crescer. de renda, INSS e representa total retrocesso
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), di- (5) no Diário Oficial da União o resultado em relação aos últimos anos. Entre 2004 e
vulgado dia 5, mostra que as melhorias na preliminar do Censo Escolar de 2015. O Bancários iniciam greve nacional e 2014, os bancários conquistaram, com muita
condição de vida do brasileiro entre 2000 levantamento detalha o número de matrí- cobram proposta decente da Fenaban mobilização, 20,7% de ganho real nos salários
e 2010 estimularam sensivelmente a rea- culas iniciais na educação básica das redes Os bancários de bancos públicos e privados e 42,1% no piso.
lidade social de 16 regiões metropolitanas públicas municipal e estadual de ensino. Elas entraram em greve por tempo indetermina-
do país. O documento registra redução referem-se à creche, pré-escola, aos ensinos do, a partir do dia 6, em todo o Brasil. É a res- Dilma pede a novos ministros mais
no Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) fundamental e médio, à educação de jovens posta que os trabalhadores decidiram dar pa- aproximação com movimentos
em todas as regiões avaliadas. O estudo e adultos e educação especial. Abrange as ra a proposta desrespeitosa apresentada pela Primeiro foi a iniciativa de mais diálogo
aponta que, ao contrário do que se via uma áreas urbanas e rurais e a educação em Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), com os partidos políticos, destacada pela
década antes, em 2010 nenhuma região tempo parcial e integral. Segundo os dados na última rodada de negociação, ocorrida no presidenta Dilma Rousseff durante o anún-
figurou mais na pior classificação do IVS preliminares, incluindo escolas estaduais e dia 25 de setembro. A categoria reivindica cio da reforma ministerial, dia 1º. Na ceri-
- a de “muito alta vulnerabilidade social”. municipais de áreas urbanas e rurais estão 16% de reajuste (incluindo reposição da infla- mônia de posse dos novos ministros, dia 5, a
A pesquisa mostra Salvador como a região matriculadas na creche 1.933.445 de crian- ção mais 5,7% de aumento real), entre outras presidenta destacou a importância de, além
metropolitana que mais reduziu a mor- ças; na pré-escola, 3.636.703; no ensino fun- pautas, como o fim do assédio moral e das dos partidos e do parlamento, os titulares
talidade infantil no país. A capital baiana damental, 22.720.900; no médio, 6.770.271 e metas abusivas. Mas a Fenaban ofereceu ape- dessas pastas manterem maior contato, tam-
conseguiu diminuir o número de crianças 2.765.246 na educação presencial de jovens e nas 5,5%, o que representa perda real de 4% bém, com os movimentos sociais. O recado
mortas com até um ano de vida de 40, em adultos. Um total de 37.826.565 alunos ma- para os salários e demais verbas da categoria, de Dilma foi um sinal claro da preocupação
2000, para 16 a cada mil nascidos, em triculados no Brasil. Já na educação especial já que a inflação acumulada de agostou ficou do Executivo com a relação que passará a ter,
2010. Uma redução de 60% no período. são 718.164 matrículas. A assessoria do Insti- em 9,88% (INPC). Outra proposta rechaçada daqui por diante, com essas entidades.
4 de 8 a 14 de outubro de 2015 brasil 5

“Estamos descobrindo agora que a sociedade brasileira é horrenda” Marcelo Sant Anna/Fotos Públicas Fernando Frazão/ABr

ENTREVISTA Para o
filósofo Paulo Arantes,
professor da Universidade
de São Paulo (USP), é
uma coisa desesperadora
para nós, nós somos a
esquerda e uma parte
da elite branca brasileira
que governa esse país,
e que governa de forma
truculenta também

Cátia Guimarães
do Rio de Janeiro (RJ)

DESDE AS ÚLTIMAS manifestações


sociais espalhadas pelo país, em que
faixas e cartazes pediam a volta do re-
gime militar, até os episódios mais re-
centes do Rio de Janeiro, em que mora-
dores de áreas nobres se juntaram em
verdadeiras milícias para atacar ônibus
com passageiros da periferia, sob o ar-
gumento de impedir os arrastões nas
praias, o Brasil vem se deparando com
um fenômeno novo: o surgimento, no
espaço público, de uma direita trucu-
lenta, que não tem vergonha de expor Blitz da PM revista ônibus com destino às praias do Rio de Janeiro
preconceitos e agir de forma violenta. Paulo Kobayashi/Folhapress

Para o filósofo Paulo Arantes, pro-


fessor da Universidade de São Paulo
(USP), o espanto se justifica porque du-
rante muito tempo, no esforço de cons-
truir um grande arranjo para adminis-
trar o capitalismo nacional, fomos leva-
dos a acreditar que essa “direita boçal”
tinha saído de cena.
Nesta entrevista, ele aponta junho de
2013 como o marco dessa mudança de
cenário, identifica demandas que mobi-
lizam parte desses grupos e explica por Manifestantes pedem novo golpe dos militares
que não faz sentido definir esse proces-
so como fascismo. os Black Blocs. E, do outro lado, apa- essa energia foi perdida pela esquerda, e só os ganhou com a garantia de que As análises marxistas costumam
receu uma população com pautas que por várias razões. O fascismo é sempre seria conservador, de que as reformas buscar as determinações
Existe uma relação direta, ou nós imaginávamos esquecidas no Bra- uma derrota da esquerda, não é uma vi- viriam sem confusão e sem confronto. econômicas dos fenômenos
um ambiente comum, para o sil e que foi para a rua de uma manei- tória da direita. E essa energia foi cap- Porque [eles sabem que] em confusão e sociais. Você identifica uma
recrudescimento de uma direita ra, digamos, assertiva, para não dizer turada por uma gangue, uma ralé, um confronto, são eles que levam na cabe- determinação econômica nesse
que não tem mais vergonha de com paus e pedras. Uma direita que vai movimento que depois veio a se chamar ça, a polícia mata, prende; eles são ob- comportamento de direita,
se mostrar, no Brasil inteiro, para a rua bater e, do outro lado, uma fascismo e investiu contra o establish- jeto de preconceito e, portanto, se colo- tanto nacionalmente como nas
e fenômenos como o dos esquerda que, pela primeira vez em 20 ment. O establishment era o liberalismo cam a favor dos preconceitos que não os expressões que ela assume em
“justiceiros” e a segregação anos no Brasil, reagiu à ordem de dis- e o sistema responsável pela grande de- prejudicam. A população é punitivista casos como o do Rio?
explícita pelo Estado no Rio de persar da PM [Polícia Militar]. A PM fi- pressão de 1929/30, pelo desemprego porque esse é o último recurso que ela Vou dizer uma coisa que vai lhe sur-
Janeiro? cou atônita. Pela primeira vez, a Polícia em massa e pela guerra. Nesse momen- tem. E, inclusive, prefere pagar um jus- preender. Eu já vinha ruminando um
Paulo Arantes – Eu acho que sim. Militar em São Paulo não viu obedeci- to, você canaliza essa energia, que pode ticeiro do que confiar numa polícia que pouquinho uns dados dispersos que eu
Existe um ambiente comum e esse am- da uma ordem de dispersão. As pesso- ser emancipadora, para o pior, prome- vai lhe extorquir. Há um acatamento, tinha – eu não sou pesquisador, não sou
biente é novo. Fomos embalados du- as não saíram e revidaram, botaram pa- tendo uma parte numa rapina que vai sim, a esquadrões da morte, à milícias, sociólogo, sou um professor de “clínica
rante uma quinzena de anos pela ideia ra correr muito policial aqui. E uma di- acontecer no mundo inteiro. O fascismo porque eles estão acostumados a serem geral”. Mas um jovem pesquisador, que
de um arranjo nacional, de um proces- reita que também botou a esquerda pa- é isso. Sem esses ingredientes, ao mes- esfolados. De modo que isso é perfeita- por acaso foi meu aluno, e participa de
so em que não haveria soma zero, isto é, ra correr a pau. Aqui em São Paulo, nós mo tempo conservador e radical, não dá mente compreensível, não acho que se- vários grupos de pesquisa que estão in-
em que todos ganhariam alguma coisa, apanhamos mesmo, de paulada, não foi para falar em fascismo. Se chamar um ja fascismo. Isso é o horror do Brasil. O teressados em estudar essa nova direita
que o cobertor daria para todo mundo. só xingamento.  fulano musculoso sarado de academia Brasil é isso. que apareceu de junho para cá, tem al-
Tem também o fato de que, desde me- Então, desse pano de fundo consen- que sai com um pedaço de pau para ba- A virada petista que permitiu a elei- gumas descobertas espantosas. Em São
ados dos anos de 1990, com os primei- sual, surgiu um tipo de polarização que ter em moleque da periferia de fascista, ção de quatro governos presidenciais Paulo, na última grande manifestação
ros governos tucanos, nós achamos que é novo, não é a polarização venezuela- ele nem sabe o que é isso. Ele não tem sucessivos foi fazendo uma concessão [de direita], em agosto, eles foram e fi-
a direita clássica, aquela que veio da di- na, argentina. O Brasil sempre acomo- ideia do que está fazendo, ele simples- brutal a esse conservadorismo. A era zeram perguntas para saber se as pesso- Manifestação do MPL no centro de São Paulo
tadura, havia delegado o poder de go- dou melhor essas polarizações e agora mente gosta de matar, linchar, não to- da classe trabalhadora organizada po- as eram a favor do Estado de Bem-Estar
verno a um partido — no caso, o PSDB não acomoda mais, o cobertor encur- lera pobre, não gosta de preto e faz par- liticamente representada nas instâncias Social. Perguntavam assim: o senhor/a por diante. Só que essa ideia de que vo- que vêm do subúrbio, diminuir do, que é a PM. Os dois atuam numa es-
—, que se encarregaria de civilizar a di- tou de vez. Tem uma espécie de súmula te de uma milícia de autodefesa das pes- de poder do Estado no Brasil pagou esse senhora acha que os poderes públicos cê compra serviços públicos, de que eles de linhas e até deter jovens pela pécie de continuidade que vai das po-
reita. Todos nós sabíamos que os tuca- cumprida pelos dois lados, que não são soas que querem tomar banho de mar.  preço, reforçou o conservadorismo. A devem oferecer serviços de saúde, edu- são mercadoria, começou a fazer água. presunção de que cometeriam líticas sociais mais diferenciadas e so-
nos, que eram uma dissidência aqui em os mesmos em todos os lugares, que é a conta está chegando agora. E quem es- cação, transporte, segurança de quali- Porque essa política pública que vo- algum crime. Qual o papel do fisticadas possíveis para atender focos
São Paulo do PMDB, tinham uma ori- seguinte: daqui para a frente nada fica- tá recebendo é o outro lado. É uma coi- dade gratuitamente como um bem pú- cê compra privadamente no mercado é Estado e da sociedade civil nesse precisos – você tem caixinha para colo-
gem, digamos assim, de centro-esquer- rá sem resposta. Os dois lados dizem is- “Pobre só nasce revolucionário sa desesperadora para nós, nós somos blico? Sabe o que deu? Sim, 98%. Bom, de qualidade cada vez pior. Todo mun- processo? car o menor isso, o menor aquilo, o in-
da, eram pessoas civilizadas, modera- so: haverá sempre um revide, uma res- a esquerda e uma parte da elite branca aí eles começaram a juntar A com B. Os do que tem o plano de saúde sabe que Primeiro, existe uma particularida- frator assim, a comunidade carente as-
das, cosmopolitas. Portanto, a trucu- posta. E nos casos de crimes históri- na nossa cabeça, porque achamos brasileira que governa esse país, e que organizadores dessas manifestações já é uma merreca, e você quer mudar de de carioca, de que, em alguns bairros sim — que são assistidas e acompanha-
lência da direita, o conservadorismo do cos, de desigualdades históricas, have- governa de forma truculenta também. sacaram isso há algum tempo e muda- plano para um menor mas os seus re- da zona sul, há uma cultura de que se das até um outro extremo dessa mesma
país estariam momentaneamente de- rá uma espécie de revanche. Essa di-
que basta ser proletário para estar Nossos programas sociais, nossas polí- ram o discurso. Não se fala mais — pelo cursos nunca chegam. Outras pesquisas manda matar, vai para cima. Mas eu assistência, que leva à prisão preventi-
belados. Enfim, não faria mais sentido reita que mostrou a cara, saiu do armá- na vanguarda de uma trincheira ticas públicas são políticas que tratam menos esse ano não se falou — em pri- também revelaram isso: eles acham jus- acho que a cumplicidade entre Estado e va por perfil e categoria social, ao encar-
uma direita boçal, como a que nós co- rio, não é a mesma dos tucanos — que a população como público-alvo, por- vatização, se fala em imposto: não deve- to que pessoas com recursos, os ricos de sociedade civil tem vários encaixes. Vou ceramento e ao extermínio puro e sim-
nhecemos durante a ditadura, voltar à são muito almofadinhas e grã-fininhos, da revolução social. Isso é fantasia tanto, administramos pessoas, gerimos mos pagar imposto, aceitar o aumento maneira geral, procurem o melhor para fazer agora uma bruta generalidade, ples. Essa continuidade é a política pú-
cena. De modo que havia uma espécie mas que estão de maneira oportunis- pessoas. Gerir pessoas é uma coisa hor- de tributação porque não temos os ser- a sua família, a melhor escola, o melhor mas eu acho que muita coisa se explica blica social no Brasil. Nesse caso especí-
de consenso, que eu não acho que te- ta tentando manipular isso. Nós temos de esquerda” rível, não tem nada a ver com democra- viços públicos correspondentes. Pon- serviço de saúde, assim por diante. Se por aqui. Mesmo no lado da sociedade fico [do Rio], você vê isso atuando. Tem
nha sido fabricado nem forjado, era um que compreender que essa nova direi- cia e nem com o protossocialismo vin- to. Essa famosa nova classe média, ou eles têm dinheiro, eles compram. Nós civil, digamos assim, civilizada — que é o lado policial, o lado da secretaria de
consenso real, substantivo, de que ha- ta também se sente injuriada, ultraja- douro. Nós fazemos, fizemos isso me- ex-classe média ou pós-classe média, também queremos isso, vamos com- o nosso lado, com presunção e tudo —, a desenvolvimento social com assistência
veria uma alternância à americana, di- da. Há um sentimento de ultraje e ele lhor do que a direita, por isso ganhamos foi de certa maneira disciplinada por prar no mercado mas esse mercado é política de direitos humanos entrou pe- ao menor em conflito com a lei ou vul-
gamos assim, entre os dois pólos do es- gera uma resposta de ação direta, ime- Diferente do que temos no quatro eleições e soubemos capturar a práticas econômicas e sociais segundo cada vez mais inacessível; se quisermos la porta punitiva. Qualquer crime con- nerável, e tem o lado justiceiro, que é
pectro político: uma esquerda modera- diata, da direita também. E começa um Brasil hoje, a classe operária que vontade política dispersa lá no fundo as quais aquilo que vem do mercado é voltar para o público, somos humilha- siderado hediondo é tipificado, a reação paramilitar. Esse conjunto não é susce-
da e uma direita igualmente moderada. contágio de ressentimentos sociais até apoiou o fascismo na Europa do tacho que também tem a sua vida melhor do que o que é público. E não dos, maltratados, desrespeitados. Daí o é sempre penal. Então, mesmo no cam- tível de mudança. E esse governo do Rio
E que elas tinham encontrado um mo- nós chegarmos às milícias de lutadores era organizada. Mas é comum a própria e complexa. São fantasias nos- precisa muito para mostrar que isso é ódio. Se tivesse alguma coisa equivalen- po progressista, temos a esquerda pu- de Janeiro é o governo de unanimida-
dus operandi para administrar o capi- assaltando ônibus para pegar jovens da população mais pobre também sas que estão sendo rasgadas. Estamos uma evidência: você vai com sua famí- te pública, é claro que eles queriam. En- nitiva – a [Maria Lucia] Karam expli- de nacional: municipal, estadual, fede-
talismo no Brasil. O cenário era de uma periferia e massacrar.  apoiar essas ações violentas de descobrindo agora, como quem desco- lia a um hospital público e corre o ris- tão, nós não estamos decifrando direito cou isso 15 anos atrás. Mas, voltando ao ral, todo mundo junto. O último bunker
sociedade, um país, uma economia, que “justiçamento”... bre a pólvora, que a sociedade brasilei- co de morrer no corredor e você tem o as demandas dessa nova direita conser- caso específico do Rio de Janeiro, nes- da era lulista está lá. Mas chega a coi-
havia encontrado um certo nicho no pa- Faz sentido chamar esse processo, Isso é clássico no Brasil. Pobre sem- ra é horrenda.  hospital privado, plano de saúde e daí vadora que, ao mesmo tempo que quer ses episódios de agora dos arrastões e sas espantosas como o [secretário esta-
norama internacional e regional com tanto nacional quanto localizado, pre foi conservador, porque tem tudo a que mate gente que vem da periferia fa- apreensão preventiva de suspeitos dos dual de segurança pública, José Maria-
um acordo entre elites — considerando de fascismo? perder. Pobre só nasce revolucionário zer arrastão e sonha com o governo mi- ônibus. A polícia para os ônibus, entra no] Beltrame falando que a polícia não
Rodrigo Paiva/Folhapress

que um partido como o PT é elite sim, Não. A menos que o fascismo seja si- na nossa cabeça, porque achamos que litar, é a favor do serviço público. e pega os moleques porque eles têm um pode fazer nada.
elite de governo, com quadros consi- nônimo de violência de extrema-direi- basta ser proletário para estar na van- perfil vulnerável. E se a polícia não pe- Tem ainda um terceiro elemento que
deráveis, como também foram os tuca- ta, racismo ou antissemitismo, boçali- guarda de uma trincheira da revolução ga os moleques, entram os caras com operacionaliza tudo isso. Para nós, aqui
nos. O auge disso se deu em 2010, com dade, eu acho que não faz o menor sen- social. Isso é fantasia de esquerda. Nós “Nós não estamos decifrando direito um pedaço de pau ou simplesmente ar- em São Paulo, para os meus amigos do
a imagem de que nós vivíamos numa tido. A menos que seja para xingar a ex- sabemos que na Rússia czarista do sé- mados com músculos de academia e fa- MPL [Movimento Passe Livre], a pri-
sociedade pacificada num sentido ma- trema-direita de fascista, antissemita. culo 19, quando chegavam os narodni- as demandas dessa nova direita zem aquilo que a gente sabe que eles fa- meira coisa que a gente nota é o seguin-
cro, mesmo que lá no chão social conti- Mesmo na ditadura não fazia sentido. A ks tentando convencer os mujiques so- zem. O que a gente vê? Temos a secreta- te: veja como é importante a questão do
nuasse a violência de sempre dos agen- nossa ditadura não foi fascista, foi de- bre a causa da emancipação e da revo-
conservadora que, ao mesmo tempo que ria de segurança pública, o governo do transporte público. Nós não estamos fa-
tes do Estado, mas sempre monitorada, senvolvimentista. Autoritária e desen- lução social, a primeira providência dos quer que mate gente que vem da periferia estado ou prefeitura, mais a secretaria lando no vazio. Como é que a polícia e
denunciada pelas ONGs e secretarias de volvimentista: ela matava quem tinha mujiques era chamar a polícia e mandar de desenvolvimento social, mais o freio a secretaria de desenvolvimento social
direitos humanos, o que já era um pro- que matar, era uma matança seletiva. O matar os caras, bater de pau e expulsar fazer arrastão e sonha com o governo do judiciário que, pela defensoria, por definem a vulnerabilidade? É vulnerá-
gresso considerável. Nós achávamos fascismo é um movimento de mobiliza- das aldeias. O segredo do lulismo está exemplo, diz que não se pode apreen- vel aquele jovem com uma característi-
que haveria um modus vivendi entre o ção de massa. Ele mobiliza a ralé, mobi- no fato de que ele conseguiu ganhar o militar, é a favor do serviço público” der uma pessoa suspeita só porque ela ca biofísica marcante que não tem o di-
socialmente avançado e administrado e liza o lumpen e mobiliza, sobretudo, a voto dos pobres, daqueles que alguns tem aspecto vulnerável. Assim, volta- nheiro para pagar a tarifa do transpor-
a barbaridade ancestral de um país bru- classe operária. É duro dizer isso. Mas chamam de subproletariado, que eles mos ao ponto de partida dessa conver- te. A tarifa é o fundamental para a des-
talmente desigual como o Brasil. Isso, se nós pensarmos historicamente, ve- não têm condições políticas sociais de sa: nós temos uma administração de criminação das populações administra-
de repente, saiu de cena, de repente im- remos que a grande maioria do fascis- vender a sua força de trabalho de acor- No caso do Rio de Janeiro, vemos populações, uma administração do po- das. [O governo] diminui ou muda o iti-
plodiu e ninguém encontrou uma expli- mo italiano e alemão era a classe tra- do com os padrões vigentes no mercado duas ações bem complementares. vo em que se admite que, tanto do la- nerário dos ônibus que vão da zona nor-
cação razoável até agora. No meu pon- balhadora. Um ingrediente fundamen- e, portanto, estão fora do jogo da luta Indivíduos da sociedade civil se do do Estado quanto do lado da socie- te até a zona sul. O transporte público
to de vista tornou-se explícito em junho tal do fascismo é uma classe trabalha- de classes enquanto conflito distributi- organizam para “fazer justiça”, dade civil organizada, exista uma conti- e a tarifa fazem parte desse projeto de
de 2013, quando saíram duas coisas dora desmoralizada, no caso alemão, vo. O lulismo foi uma virada, foi o pri- com um discurso de que o Estado nuidade. Você vê o envolvimento gemi- gestão, que vai desde o menor assisti-
inesperadas que nós não conhecíamos por uma derrota militar e pelo desem- meiro momento em que eles consegui- não os protege, e o Estado, nado de secretaria do desenvolvimento do, do vulnerável que é acompanhado e
no Brasil. Uma foi uma espécie de re- prego. Você tem milhões de proletários ram o voto dessa maioria de trabalha- por outro lado, legitima uma social e segurança pública: uma gestão monitorado, até o extermínio. (Escola
volta popular espontânea com a meni- desmoralizados e, portanto, ressenti- dores pobres desorganizados — no sen- segregação ilegal, como as ações da vida social, que tem um lado do de- Politécnica de Saúde Joaquim Venân-
nada do MPL [Movimento Passe Livre], dos – e ressentidos contra o capital. E tido de que não estão nos sindicatos — O filósofo e professor Paulo Arantes de revistar apenas os ônibus senvolvimento social e um lado arma- cio – EPSJV/Fiocruz)
6 de 8 a 14 de outubro de 2015 brasil
Reprodução

Educação pública,
ditadura e neoliberalismo
OPINIÃO Reflexão sobre de modernidade, progresso e identidade “bem” contra toda gente do “mal”. Or- Sem tempo, empregamos o ritmo do
nacional atrelada ao trabalho. Os traba- ganizava-se assim uma moral conserva- capital contra o trabalho. É necessário
alguns pontos relativos lhadores-educandos deveriam ser educa- dora enraizada nos corpos dos trabalha- desacelerar, reaprender a construir, em
dos para a centralidade do emprego téc- dores que não viveram os exílios e nas plena era de aceleração do tempo histó-
ao papel da escola na nico, o consumo e a ideologia dominante futuras gerações que por primeira vez, rico e precarização das condições de tra-
construção da hegemonia viabilizados desde as ideias dominantes anos de 1970/1980, tinham acesso à es- balho. Tempos piores virão cuja necessi-
do Norte em total sintonia com as clas- cola pública formal. dade de revisão histórica é ainda maior
dos Estados Unidos e das ses hegemônicas do Sul. O povo deveria Tortura e conservadorismo eram com- sobre o que temos e como realizaremos
ser educado para reproduzir o doutrina- binações ideais daquela realidade cuja o que queremos.
burguesias nacionais no mento, a denuncia e a punição aos “fora” caça às/aos “bruxas/bruxos” anti-sistê-
período militar da ordem. micos dava a tônica. Como todo proces-
Nesse período de transição do modelo so de construção social, os 20 anos de A ditadura foi a expressão concreta
de desenvolvimento rural para urbano, ditadura foram imprescindíveis para a
era função da escola pública, reforçar a execução nos anos posteriores da cons- de contenção forçada, dos Estados
Roberta Traspadini educação moral e cívica e a Organização trução de uma “nova” ordem, ancorada
Social e Política Brasileira (OSPB), co- em “fortes-velhas” bases.
Unidos em aliança com seus
A EDUCAÇÃO FORMAL engendra deba- mo fronteiras epistemológicas do dever representantes nacionais, do perigo
tes complexos, difíceis de explicitar um ser, saber dos trabalhadores. Sob a for- Educação e neoliberalismo
movimento único em meio às diversas ça do regime militar essas disciplinas O processo de democratização da dé- real que representava o comunismo
lutas que compõem sua história. O mo- cumpriam uma dupla função: 1) exercí- cada de 1980 traz à tona velhos proces-
vimento que a rege é a contradição, uma cio do nacionalismo com forte teor de sos enraizados na estrutura do dever ser fora e dentro da América Latina
vez que é composta por seres sociais em projeção dos símbolos pátrios; 2) defe- do ambiente educativo-escolar brasilei-
permanente recriação e, mesmo media- sa da ideia de modernidade e de identi- ro. Filhos, netos e bisnetos das gerações
da pela consolidação da hegemonia bur- dade urbana da nação. que aprenderam o dever ser da dinâmi-
guesa, a educação formal foi e é, ao mes- ca educativa do período militar, depa- O conservadorismo não é uma ideia
mo tempo, reprodutora e contestadora ram-se com novos-velhos problemas re- que se tem sobre os outros e nem nasce
da ordem. No tom da associação ais. Como produzir outra ordem, tama- com a ditadura. É anterior a ela e mar-
Este artigo reflete sobre alguns pontos nha a memória-história ainda viva da- cado pelos traços coloniais. Mas com
relativos ao papel da escola na constru- entre os capitais do Norte e quela perversa ordem de modernização a ditadura ganhou planos de formali-
ção da hegemonia dos Estados Unidos conservadora? zação real. O conservadorismo se ma-
e das burguesias nacionais no período do Sul, a classe dominante A ditadura militar fez da escola públi- nifesta nas nossas práticas cotidianas.
militar. Momento em que se consolidou nacional se tornava ca um espaço de projeção de seu dever Está entranhado na nossa forma de li-
uma educação pública elitista, excluden- ser, enraizou sentidos pátrios e consoli- dar com os demais seres sociais, a na-
te, alienante e conservadora. protagonista na gestão da dou um campo muito amplo sobre como tureza e os seres vivos. É o resultado
se deve conduzir o processo educativo, das históricas construções sociais bur-
Ditadura e educação educação pública via controle e ação direta. O não deba- guesas. Para combatê-lo é necessário
A economia capitalista brasileira, no te transforma-se na tônica social no am- firmeza, autocrítica e ação contínua, o
período da ditadura militar, consoli- biente escolar. que demanda um longo tempo de lu-
dou um modelo de educação compatí- O diálogo aparente entre sujeitos que ta, cuja âncora está conformada pela
vel com a política de desenvolvimen- O sonho orquestrado desde os Esta- já estão conformados para disseminar disputa do poder.
to industrial. A simbiose entre a econo- dos Unidos como processo de devir à sua “verdades” que enriquecem poucos ro- As lutas pela educação pública e de
mia política e a educação teve como ba- imagem e semelhança transformava-se bustos bolsos no mundo. O neoliberalis- qualidade necessitam ser reforçadas por
se a defesa de um projeto (imperialismo paulatinamente na razão impositiva so- mo conserva os princípios ético-morais um projeto de sociedade que legitime um
dos Estados Unidos) e o ataque aprego- bre o sonho latino-americano. A igreja, a da ditadura, recrimina projetos entendi- ser/saber diferente da histórica domina-
ado por estes a outro, em que “perigo- escola e os meios de comunicação seriam dos como imorais e antiéticos, reproduz ção. A histórica luta dos trabalhadores-
sos monstros” rondavam as sociedades os espaços de excelência de reprodução os embates de classe. -estudantes da educação põe em pau-
latino-americanas: o comunismo russo. desta ordem moral. ta a fragilidade da unidade da classe tra-
Na relação dos Estados Unidos com O consciente projeto de dominação balhadora no século 21 como um de seus
as classes dominantes oligárquicas in- do Norte sobre o Sul se derivava no in- Tempos piores virão cuja necessidade principais limites. O devir está aberto.
ternas se orquestraram vários golpes consciente da classe trabalhadora do Mas precisa ser reconstruído já, via um
como forma de assegurar o status do- Sul, entendida como potencial segui- de revisão histórica é ainda caminhar em unidade de classe que ao
minante do país do Norte como “defen- dora dos pacotes mercantis exportados maior sobre o que temos e como viver o que não quer, consegue projetar
sor” da ordem-progresso no continen- pelo Norte. o que quer.
te. Além de projeção de sua ideia como O imperialismo estadunidense enrai- realizaremos o que queremos
a nova aspiração a ser seguida pelos “ci- zava-se no subimperialismo brasileiro. Roberta Traspadini é professora do
dadãos” latino-americanos, os Estados A identidade do capital introjetava-se curso de Relações Internacionais, UNILA e
Unidos através do aparato econômico- nos diversos grupos étnicos que com- professora militante da ENFF.
-militar ampliaram seus raios de domi- põem a classe trabalhadora. No tom da Vivemos no atual projeto de educação
nação e controle do território brasilei- associação entre os capitais do Norte e para a classe trabalhadora, a intensifi-
Arquivo Pessoal/Facebook

ro, a partir da construção de um con- do Sul, a classe dominante nacional se cação dos processos históricos materia-
senso sobre quem eram os inimigos da- tornava protagonista na gestão da edu- lizados ontem. O amanhã exigirá mui-
quela ordem. cação pública. ta calma frente a vitória excepcional do
A ditadura foi a expressão concreta de O imperialismo dos Estados Unidos na modelo educativo consolidado pela di-
contenção forçada, dos Estados Unidos contenção forçada do comunismo, con- tadura a ser seguido por todos.
em aliança com seus representantes na- solidava uma matriz estratégia-tática de A escola e as novelas reproduzem os
cionais, do perigo real que representa- guerra de baixa intensidade. Ao mesmo históricos padrões da casa grande-sen-
va o comunismo fora e dentro da Amé- tempo, a burguesia nacional, no pacto de zala. As mercadorias são veiculadas co-
rica Latina. desenvolvimento industrial, apropria-se mo única informação útil à sociedade. As
Sob a tutela dos Estados Unidos, a po- do Estado nacional como instrumento imagens ganham força e os meios de co-
tência capitalista brasileira se ergueu via necessário para sua dominação. municação assumem o papel protagonis-
dependência estrutural, assentada em Os sujeitos políticos que contestavam ta de formadores da nova fase de (re)pro-
uma matriz educativa-midiática que lhe as ordens eram torturados, vigiados e dução do capital.
permitiu aparentar autonomia em vez de punidos. Ainda quando não fossem co- As novas gerações aprendem que vi-
sujeição. A ordem do progresso era dada munistas, eram contestatários. O que os vem uma democracia no século 21. Mas
nas escolas e nos meios de comunicação, colocava na mesma teia de perseguição. seus corpos e mentes sabem que não são
estruturas que enraizavam o dever ser cí- Seus crimes e castigos resultaram da lu- livres. A atmosfera está poluída tanto
vico à época. ta pelo direito da classe trabalhadora so- quanto os rios, os corpos, os alimentos. A
nhar viver diferente. desintoxicação exige um tempo que ain-
Educação e período militar A tortura não foi apenas um meio de da não fomos capazes de protagonizar.
A estratégia do Estado para a educa- silenciar os que gritavam. Foi um meca- Com corpos e mentes doentes, precisa-
ção pública brasileira no período mili- nismo ideológico poderoso de ensina- mos de tempo. Tempo é a medida daqui-
tar foi a de conformar uma formação téc- mento sobre comportamentos, ordens e lo que nos escraviza via trabalho assala-
nica e nacional que abrisse passo à ideia morais a ser seguidas pelas pessoas do riado livre. A professora Roberta Traspadini
brasil de 8 a 14 de outubro de 2015 7

Obra de Alckmin para combater a seca


deve ficar pronta só em abril de 2017 Nilton Cardin/Folhapress
SÃO PAULO Transposição do Rio nicípio tinha quase 30 metros de pro-
fundidade. Hoje são apenas dois metros
Paraíba do Sul corre o risco de ser de profundidade de água. E, isso, após a
construção de uma barragem improvisa-
inútil se as chuvas não forem intensas, da. Depois dela, a água corre na forma de
pois o reservatório Jaguari tem hoje um córrego lento, que vai sendo cober-
to por plantas, ladeado por barrancos de
somente 19% do volume total de água terra seca que podem deslizar para o lei-
to do rio a qualquer momento.

Risco
Rodrigo Gomes Com esse volume de água, o reservató-
de São Paulo (SP) rio não tem condição de auxiliar, em se-
da Rede Brasil Atual  gurança, o Sistema Cantareira, que está
com -12,8% da capacidade, operando no
MAIOR E MAIS cara obra do governador volume morto. Isso depois das represas
Geraldo Alckmin (PSDB) para enfrenta- terem recebido quase o dobro de chuva
mento da seca que atinge a Região Me- sobre a média do mês setembro, em 50
tropolitana de São Paulo, a transposição anos. E o governo Alckmin corre o risco
da água do reservatório Jaguari, do Rio de realizar mais uma obra para ligar um
Paraíba do Sul, para a represa Atibainha, sistema em crise a outro em igual situa-
do Sistema Cantareira, deve ficar pronta ção. Como ocorreu com a ligação do Rio
somente em abril de 2017. A última pre- Guaió ao reservatório de Taiaçupeba, do
visão era para fevereiro do mesmo ano, Sistema Alto Tietê. Foram gastos R$ 30
mas somente dia 2 de outubro o gover- milhões na obra, que hoje está parada
nador autorizou a celebração de contra- porque o rio está com o nível baixo de-
to entre a Sabesp e o consórcio formado mais para que seja feita a captação.
pelas empresas Serveng/Civilsan, Enge- No dia 30 de setembro, Alckmin inau-
form e PB Construções Ltda. gurou a obra de transposição do braço
A previsão é que a primeira parte da Rio Pequeno, da represa Billings, para o
obra seja concluída em 18 meses. Es- Alto Tietê. A rede de dutos pretende levar
sa parte compreende a transposição de 4 mil litros de água por segundo de uma
água no sentido Jaguari-Atibainha. O represa a outra. Porém, a própria inau-
sentido contrário da transferência leva- guração foi adiada da manhã para a tar-
rá, pelo menos, mais 22 meses para ser de do mesmo dia, por conta de vazamen-
concluído, de acordo com o licenciamen- tos nos dutos. Outro problema é o au-
to ambiental aprovado pelo Conselho Es- mento da quantidade de algas – chama-
tadual do Meio Ambiente de São Paulo, das Cianobactérias – na represa Billin-
em 26 de agosto. Essas duas ligações per- gs, que podem suspender a transposição.
mitirão que até 8 mil litros de água por Um monitoramento realizado pela pró-
segundo sejam enviados de um lado ao pria Sabesp em agosto indica extrapola-
outro, conforme a necessidade. O custo ção dos limites para presença da alga de-
total previsto é de R$ 830 milhões. finidos pelo Conselho Nacional do Meio
A água captada será transportada por Ambiente (Conama) em vários pontos
uma adutora de 13,4 quilômetros de ex- da represa. Na região em que a água será
tensão e um túnel de cerca de seis quilô- coletada para a transposição foram en-
metros. O sistema também contará com contradas 68 mil células de cianobacté-
estação elevatória e subestação elétrica rias por mililitro de água, um índice 37%
para garantir o bombeamento. superior ao limite do Conama, de 50 mil
A maior preocupação em relação à por mililitro.
obra parte dos moradores do município Vista da represa Jaguari-Jacareí, no Vale do Paraíba (SP) Em excesso, essas algas são potencial-
de Santa Isabel, na Região Metropolita- mente tóxicas, pondo em risco a saú-
na de São Paulo, a 50 quilômetros da ca- “A captação pretendida poderá ser rea- reira. As cotas são unidades de medida de da população e causando problemas
pital. A cidade utiliza água do reservató- lizada das cotas 623 a 603 do reservató- (uma cota = 1 metro) contadas a partir do para o tratamento da água. A Sabesp
rio Jaguari para abastecimento de seus rio. Mas hoje nós quase não conseguimos nível do mar (equivalente a zero). já admitiu a possibilidade de suspen-
50 mil habitantes, e os moradores te- fazer captação para a cidade e estamos O reservatório Jaguari está hoje com der a transposição de água, caso a po-
mem que a interligação retire água de- na cota 609. Como vamos ter garantia de 19% da capacidade. Com isso, o local pulação de Cianobactérias não diminua
mais e deixe, novamente, a cidade seca. que não vamos ficar sem água?”, questio- em que o município de Santa Isabel faz na Billings. A Companhia de Tecnologia
Em 2014, os moradores chegaram a ficar nou o presidente da Associação de Pes- a captação está no limite. Há um ano, o de Saneamento Ambiental (Cetesb) está
35 dias sem água. cadores de Santa Isabel, Jair Simão Fer- ponto onde fica a bomba de água do mu- analisando o reservatório.

RIO GRANDE DO SUL

Agricultores expostos a agrotóxicos


ignoram risco de morte e doenças graves
VENENO Conferencista na área de meio ambien- Pela sua experiência de mais de uma de proteção, ou em acidentes que ocor-
te e autor de artigos em diversas publica- década na fiscalização de irregularida- rem na manipulação mesmo que eles
Promotor gaúcho ções, entre elas a Revista de Direito Am- des praticadas por aplicadores de agro- usem roupas de proteção, e se alimen-
aponta desinformação biental, o promotor explica que todos es- tóxicos, Santos afirma, categoricamente, tando com alimentos que recebem vene-
ses agrotóxicos interagem entre si, po- que nas regiões de plantações de alimen- nos”, diz o secretário de Políticas Sociais
e alto analfabetismo tencializando o risco à saúde e ao meio tos não há mais local livre do perigo de da entidade, José Wilson Gonçalves.
ambiente. contaminação por agrotóxicos. Segun- Apesar da força da bancada do agro-
funcional na zona “O fungicida Authority (fabricado pe- do ele, o herbicida 2.4-D – proibido na negócio no Congresso Nacional, a Con-
la FMC Corporation), por exemplo, se- maior parte do mundo, mas largamente tag acredita que é possível mudar, aos
rural do estado – que gundo sua própria bula, tem ‘meia vida usado no Brasil –, se propaga pelo ar por poucos, essa situação. Entre as ações
dificulta a compreensão de um ano’. Isso quer dizer que após um centenas de quilômetros. das quais participa, estão grupos de tra-
ano de sua aplicação na lavoura, meta- “Não respeita quebra-vento, morro, balho no Ministério da Saúde e na Agên-
das informações nos de do veneno não se degradou e continua floresta, muralhas, casas ou prédios. É cia Nacional de Vigilância Sanitária
ativa no ambiente. E durante esse ano fo- um gás realmente incontrolável, um ve- (Anvisa) que discutem estratégias para
rótulos dos venenos que ram aplicados dezenas de outros vene- neno altamente volátil, que fez parte do reduzir o apoio governamental às políti-
manipulam – como nos, alguns com meia vida muito maior. coquetel mortífero denominado ‘agen- cas que privilegiam o agronegócio e to-
Imagine esse coquetel de fungicidas, in- te laranja’, usado pelos americanos na dos os males trazidos por esse modelo
fatores de risco seticidas e herbicidas interagindo entre guerra do Vietnam para dessecar as flo- de produção.
si, com o ar, a água e o solo”, diz. restas”, diz. “O Ministério precisa atuar nessa ques-
É nesse ambiente, segundo ele, que vi- “Ficamos estarrecidos com as notícias tão, tem de ter estratégia de punição para
vem todos os agricultores do Rio Gran- sobre as consequências trágicas que até o excesso de venenos e tributar empresas
Cida de Oliveira de do Sul e da maior parte do Brasil. O hoje esse veneno perigoso provoca na que poluem o meio ambiente e adoecem
de São Paulo (SP) mais perverso, conforme diz, é que prati- comunidade vietnamita atingida, mas as pessoas. E a Anvisa deve regulamentar
da Rede Brasil Atual camente 100% dos agricultores que ma- achamos natural que os agricultores uti- politicas de fiscalização mais intensa pa-
nuseiam os venenos são analfabetos fun- lizem cada vez mais 2.4-D bem do nos- ra coibir a produção agrícola com uso ex-
NAS PLANÍCIES do Rio Grande do Sul, cionais. Lidam com essas substâncias so lado. E ainda misturado a outros vene- cessivo de agrotóxicos”, afirma.
onde predominam as monoculturas me- sem saber sobre sua formulação química. nos perigosos, como o Gramoxone e Hel- Para Gonçalves, são necessárias nor-
canizadas de soja, milho e trigo, o uso de “Mesmo lendo a bula, o rótulo e a re- moxone, com princípio ativo Paraquat, mas mais duras. Para começar, proibir
agrotóxicos é intenso. Ali, centenas de ti- ceita agronômica, não conseguem enten- até pouco tempo proibido no RS. o uso de venenos que já estão proibidos
pos de venenos sistematicamente pul- der o significado do que está escrito ali e em outros países e dificultar a entrada
verizados nas plantações circulam livre- dos riscos a que estão expostos, às gra- Contaminação sem limites desses venenos de maneira irregular. “É
mente pelo ar, sendo carregados para ves consequências para a própria saúde e De acordo com a Confederação Nacio- preciso também taxar esses venenos, ter
longe pelos ventos, chegando até os quin- do meio ambiente. Na região de Ijuí, é ra- nal dos Trabalhadores na Agricultura impostos. No Ceará, por exemplo, não
tais das casas localizadas nos perímetros ro ver um agricultor usando equipamen- (Contag), o modelo de produção agríco- há cobrança de impostos na comerciali-
urbanos. A contaminação vai além dos to de proteção individual enquanto pul- la baseado no monocultivo em grandes zação de agrotóxicos. Lá se paga impos-
trabalhadores rurais: atinge a população veriza a lavoura.” extensões de terra, com uso intensivo tos, é mais caro comprar comida do que
da área rural e também das pequenas ci- Para piorar a situação, os agrônomos, de agrotóxicos, predomina em pratica- agrotóxicos.”
dades, o que praticamente anula os es- técnicos, comerciantes e fabricantes não mente todo o país. Até mesmo no Nor- A Contag defende a implementação,
forços individuais de produtores que op- chamam agrotóxicos pelo nome, nem os deste, em grandes áreas com cultivo de de fato, da Política Nacional de Agro-
tam pela produção livre de intervenções mais perigosos. Referem-se a eles co- frutas voltado à exportação. Poucas re- ecologia. “Precisamos sair de um mo-
químicas. mo “agroquímico”, “defensivo agrícola”, giões, como a caatinga, por suas carac- delo tao agressivo à saúde. Esperamos
“De nada adianta um agricultor ou ou- “molécula”, “material”, “produto”, “prin- terísticas de solo e clima, ainda estão fo- que possamos concluir os trabalhos pa-
tro evitar usar agrotóxicos ou usá-los de cípio ativo”, “remédio” e até mesmo “tra- ra desse mapa. ra aprovar regras mais rígidas. O Minis-
forma racional; todos estão sob risco in- tamento”. “Dessa maneira, os trabalha- Assim como o meio ambiente sofre, tério precisa definir taxações dessas em-
tenso de contaminação”, avalia o promo- dores ficam despreocupados, totalmente com o solo, os rios e lençóis freáticos con- presas de agrotóxicos para financiar a
tor de Justiça do Ministério Público do alheios ao risco a que estão submetidos. taminados pelos venenos usados na agri- saúde. Já que estão lucrando com a pro-
Rio Grande do Sul em Catuípe, Nilton O correto seria orientar sobre os riscos e cultura, os trabalhadores adoecem pela dução de comida que adoece, têm de fi-
Kasctin dos Santos. que agrotóxico mata.” exposição aos venenos sem equipamento nanciar o SUS.”
8 de 8 a 14 de outubro de 2015 cultura

De sapato não sobra


CRÔNICA Quando temos dúvida
Bob May/CC

sobre a classe social a que pertence


um brasileiro, ainda é costume baixar
os olhos para os seus pés

Braulio Tavares

NÃO FORAM POUCOS os sertanistas, nos antigos tempos das “en-


tradas e bandeiras”, que se largaram descalços para desbravar os
cerrados, as florestas e os sertões. Botas eram artigo de luxo, e sa-
patos eram para ser usados na cidade, em ocasiões sociais. Sérgio
Buarque cita documentos dizendo que eles “a pé e descalços mar-
chavam por terras, montes e vales, trezentas e quatrocentas léguas,
como se passeassem nas ruas de Madri”. Sapato era para os fracos.
“Quem [es]tiver de sapato não sobra!” é o berro reiterativo do
anão no Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla (1968).
Ele quer dizer que quando soar a trombeta do Apocalipse, ou o api-
to liberando o Arrastão, vai para o paredão quem usar esses sapa-
tos protetores dos pezinhos de quem nunca pegou no pesado. O Ar-
magedon será seletivo. Figurino vai ter peso na lei da sobrevivência.
O Brasil cresceu descalço. Os caminhantes traziam as botas às
costas, pendentes de uma vara, e só as calçavam ao entrar na cida-
de, depois de lavar os pés. Daí a existência de tantos pontos de en-
trada com nome de “Lavapés” ou semelhante. Esse hábito condicio-
nou até (segundo Sérgio Buarque, Caminhos e Fronteiras, 1957) a
fabricação de estribos de metal, que eram feitos de molde a encai-
xar os dedos dos pés do cavaleiro ou cavaleira.

“As coisas estão feias! Estive na Gamboa e na Saúde...


Os estivadores dizem que não se calçam nem a ponta de
espada. Não falam noutra coisa. Vi um carroceiro dizer para
outro que lhe ia na frente guiando pachorrentamente: Olá
hé! Estás bom para andares calçado que nem um doutor!”

Em Isaías Caminha (1909) Lima Barreto conta as manifestações


que incendiaram o Rio de Janeiro durante a Revolta da Vacina em
1904. Para efeito ficcional, ele a transformou no romance na Revol-
ta do Calçado: “Nascera a questão dos sapatos obrigatórios de um
projeto do Conselho Municipal, que foi aprovado e sancionado, de-
terminando que todos os transeuntes da cidade, todos que saíssem
à rua seriam obrigados a vir calçados. Nós passávamos então por
uma dessas crises de elegância, que, de quando em quando, nos vi-
sita” (Cap. X). Mais adiante (cap. XII) um jornalista comenta: “As
coisas estão feias! Estive na Gamboa e na Saúde... Os estivadores di-
zem que não se calçam nem a ponta de espada. Não falam noutra
coisa. Vi um carroceiro dizer para outro que lhe ia na frente guian-
do pachorrentamente: Olá hé! Estás bom para andares calçado que
nem um doutor!”.
Lembro do velho cinema poeira do bairro popular de Zé Pinheiro,
o Cine Arte. Nos anos 1960 o Cineclube de Campina Grande (leia-
-se Luís Custódio) tentou implantar ali uma sessão de Cinema de
Arte, pois o cinema só passava filmes de Maciste e Golias. Exibi-
mos “O Picolino”, musical com Fred Astaire. Na entrada do cinema
lia-se numa placa enorme: “Proibido Entrar Descalço”. Quando te-
mos dúvida sobre a classe social a que pertence um brasileiro, ain-
da é costume baixar os olhos para os seus pés. (Texto publicado em O Brasil cresceu descalço. Os caminhantes traziam
sua coluna diária no Jornal da Paraíba – Campina Grande-PB)
as botas às costas, pendentes de uma vara, e só as
Braulio Tavares é escritor, poeta e compositor
de Campina Grande (PB). calçavam ao entrar na cidade, depois de lavar os pés

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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Diz-se dos carros turbinados – As Olimpíadas de 2016 acontecerão nesta cidade.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
2.Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013 que trata de um plebiscito ocorrido no 1
Chile quanto à permanência ou não do ditador Pinochet no poder – Na bandeira olímpica eles
são cinco, representando a união dos cinco continentes. 3.Obedecer – Tendência interna do PT. 2
4.Indica anterioridade e é seguido de hífen – Pronome na língua inglesa que é utilizado para coi-
sas e animais. 5.Área da comunicação em que as demissões em massa de seus profissionais são 3
conhecidas como passaralhos – – Muitos dos doces portugueses são feitos à base dela porque
antigamente as freiras usavam clara de ovo para engomar suas vestes e ela sobrava. 6.As pinturas 4
rupestres mais conhecidas no Brasil se encontram neste estado (sigla) – Pule – Quinto dos doze
meses do calendário judaico. 7.Em inglês, diz-se grandson – Regras estabelecidas por direito – A 5
das baianas é obrigatória no desfile de uma escola de Carnaval. – 8.Como o pronto-socorro é
chamado nos Estados Unidos – Estado brasileiro (sigla) que em tupi significa bico de tucano. 6
9.Avidez de ganho, lucro – A cocaína popularmente é chamada assim – Conjunto dos ossos sol-
tos do cadáver. 10.Paulo Freire, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre e João Cabral de Melo Neto 7
nasceram neste estado (sigla). 11.Recentemente elas tomaram as ruas do país – Movimento que
iniciou uma série de atos até conseguir baixar as tarifas do trem, ônibus e metrô, em São Paulo e 8
no Rio de Janeiro.
9
Verticais: 1.Razão de existir das agências de informação. 3.Este número, em alemão, pronuncia-
-se neun – Dez, em inglês. 4.Reza. 5.Considerada a maior ave brasileira. 6.Espécie de cobra que 10
também dá nome a um grupo de pessoas regido por um maestro. 7.Grupo separatista basco que
encerrou suas atividades em 2011. 8.Sopra o apito. 9.Agência federal, vinculada ao Ministério do 11
Meio Ambiente, responsável pela implementação da gestão dos recursos hídricos no país, que
tem uma sigla que forma um nome próprio – O malandro é assim – Ferramenta usada para cavar.
10. Sensação mais ou menos aguda, mas que incomoda. 11. Que tem inflamação em quaisquer
refegos da pele, causada pelo calor, pela nutrição ou pelo andar. 12.Vez, em alemão – Tem cinco dão.
dedos. 13.Os indígenas, ao longo da história do Brasil, têm sido alvo constante delas. 14. Sua
10.Dor. 11.Assado. 12.Mal – Pé. 13.Violações. 14.Rã. 15.Indígenas. 16.Oeste. 17.MA. 18.Escravi-
Verticais: 1.Espionagem. 3.Nove – Ten. 4.Ora. 5.Ema. 6.Coral. 7.ETA. 8.Apita. 9.ANA – Liso – Pá.
carne é apreciada por muitos, a despeito de outros terem nojo. 15.De acordo com o Cimi, mais de – MPL.
500 foram assassinados no Brasil nos últimos dez anos. 16.O seu oposto é o Leste. 17.Os holan- 6.PI – Salte – Av. 7.Neto – Leis – Ala. 8.ER – TO. 9.Ganância – Pó – Ossada. 10.PE. 11.Manifestações
deses ocuparam este estado brasileiro (sigla), no século XVII, por 27 meses. 18.Falta de liberdade.
Horizontais: 1.Envenenados – Rio. 2.No – Anéis. 3.Acatar – DS. 4.Pré – It. 5.Jornalismo – Gema.
brasil de 8 a 14 de outubro de 2015 9
Fotos: Donminique Azevedo

Infância interditada
ESPECIAL Moradias precárias nas encostas de morro colocam crianças em situação de risco e vulnerabilidade em Salvador
Criança brinca em via de acesso a morro em Salvador

Socorro
Donminique Azevedo Os pedidos de socorro ecoavam aba-
de Salvador (BA) fados. “Quando retornamos para dentro
da Agência Pública do buraco, vi uma cena de horror. Um
pedaço da laje estava sobre dona Mag-
SALVADOR, BAHIA, 27 de abril de nólia. A amiga dela estava soterrada da
2015. Na comunidade do Barro Branco barriga até a cabeça, e só as pernas pa-
– a menos de dez quilômetros do Pelou- ra o ar. Minha pressão quase baixou. Pa-
rinho, um dos principais pontos turísti- ra chegar até Carla, filha de dona Mag-
cos da capital baiana – Gabriel*, 8 anos, nólia, teria que pisar sobre o corpo da
chora desesperadamente. Chove mui- mãe dela. Ao mesmo tempo, Robertinho
to. Ele mora em uma das cinco últimas também pedia que o tirasse dali. Ele es-
casas habitáveis do local. Pouco mais de tava esmagado entre dois pedaços de la-
três quilômetros separam Gabriel de Jor- je, uma grade, com um bocado de barro
ge*, 10 anos. No cubículo de dois cômo- e panelas por cima. Eu e Edmilson, nos-
dos, também na periferia da cidade, Jor- so vizinho, conseguimos tirar Carla. Ele
ge, a mãe, o pai e as duas irmãs tentam, não aguentou porque a cena foi bem for-
com vassoura, rodo e panos de chão, re- te e ficou sem condições de continuar.
tirar a água que entra pela única fonte de Já com a ajuda dos bombeiros, conse-
ventilação da casa, a porta. A alternativa guimos tirar Robertinho com vida, mas
mais viável para tamanho esforço é furar ele não resistiu. Isso me tocou muito. Eu
novamente a parede do quarto/cozinha/ tinha visto a mãe de Robertinho grávi-
banheiro que dá para os fundos. O volu- da dele”, lembra Jeferson emocionado.
me de água que entra é desproporcional- Em meio ao caos, o mecânico e estudan-
mente maior do que aquele que sai pelo te de engenharia civil teve ainda que re-
buraco feito. tirar seu filho de 1 ano às pressas de ca-
A preocupação de Jorge e da família sa, pois o barro estava descendo próxi-
não reside apenas nas perdas dos poucos mo à casa dele. Outros moradores esta-
móveis, mas, principalmente, em saber vam evacuando as residências, pois não
que o barranco pode desmoronar a qual- havia tempo nem condições de avaliar
quer momento. A casa dele está a 60 me- os riscos. A maior preocupação era com
tros de altura, na borda de uma pedrei- Local onde recentemente ocorreu uma tragédia as crianças e idosos que foram abriga-
ra desativada, em São Caetano. Mais dis- dos nas casas do início da rua, sem risco
tante de Jorge e de Gabriel, do outro la- uma máquina fotográfica. Já na primei- Horror de desabar, ou levados para outros bair-
do da cidade, em São Cristóvão, também ra tentativa, encontro muita resistência, O horror citado por Luciana é narra- ros. Embora houvesse uma tentativa
região periférica, porém na parte norte inclusive dos pais, para falarem sobre o do por seu vizinho em detalhes. Jefer- de poupar os pequenos, era impossível
de Salvador, para ir à escola, Ana Maria* assunto. “Mas você vai falar de chuva lo- son de Oliveira, 23, um dos primeiros a diante daquele quadro não perceber o
aguarda a mãe voltar da primeira traves- go agora que ela está passando. Não de- chegar ao local do acidente ocorrido três que acontecia. O desespero da vizinhan-
sia. Paula*, a mãe, percorre, por entre as sejo que minha filha fale sobre essas coi- dias antes do aniversário de Gabriel. “A ça eclodia à medida que, do meio dos es-
águas de chuva e de esgotos, 50 metros sas”, escuto, por telefone, de uma mãe, última cena que eu vi foi tudo em pé. Is- combros tomados pelo barro, mais um
com Miguel* no pescoço. Deixa o garo- moradora de uma das 600 áreas de ris- so era cerca de umas 18h30 de domin- corpo era retirado.
to de 10 anos e recomenda que aguarde co de Salvador. Depois de muitas tenta- go. Acordei cedo para ver como estava a
na esquina da rua para que ela volte para tivas, consigo agendar com uma famí- rua, pois ia sair para trabalhar. Não en-
buscar Ana Maria, de 12 anos. lia. Volto ao Barro Branco quatro me- xerguei nada direito, estava tudo bran- “Veio uma tempestade de chuva,
ses após o deslizamento de terra que vi- co, chovia muito. Foi só o tempo de fe-
timou 11 pessoas. Todos os mortos es- char a porta para ouvir um barulho bem desceu barro e soterrou Samuel.
“Mas você vai falar de tavam presentes na lista de convidados forte, como se fossem uns ‘estralos’ de Ajudamos a retirar com vida a mãe
da festa de aniversário de Gabriel, aque- vidro quebrando. Quando voltei à por-
chuva logo agora que ela le do início da reportagem. No portão, ta, vi aquela água barrenta escorren- dele, mas o menino não resistiu”
o garoto me recebe, com muita descon- do perto da casa de minha mãe, que fi-
está passando. Não desejo fiança. “Quem é essa, mamãe, é bombei- ca a três metros da minha. A casa do vi-
que minha filha fale sobre ro?” A mãe esclarece que é uma jornalis- zinho Sandro já estava no chão. Vi uma
ta e que veio conversar sobre algo impor- mão acenando mais adiante. Minha es- A pouco mais de 100 metros do local
essas coisas” tante. Recomeça a chover e Gabriel se posa e meu tio acharam que eu estava da tragédia, na entrada da rua, abriga-
encolhe na cadeira. Grita que está com vendo alucinações.” Era a mão do vizi- do em um bar, o pequeno Gabriel, atô-
medo. Da sala, a avó avisa que é apenas nho Sandro pedindo ajuda para retirar nito, procurava respostas para o que es-
uma nuvem. Daí em diante, Gabriel pas- dos escombros o filho Samuel Santos, tava acontecendo. “Mãe, foi a casa da
Basta chover mais forte para que con- saria boa parte do tempo entre o portão de 12 anos, uma das 11 vítimas do des- dona Maria? Ela morreu?” Gabriel era
dições semelhantes alterem a rotina de da casa e a varanda, local onde entrevis- lizamento de terra daquele dia no Bar- muito próximo a dona Maria Tereza, 57.
outras milhares de crianças que vivem to a mãe. “É assim que ele fica o tempo ro Branco. Desde pequeno, todos os dias, nos mes-
em áreas com risco de deslizamento de todo. Pergunta-me todo dia pelo pessoal mos horários, Gabriel ficava no portão
terra, desabamento e alagamentos na ca- que morreu e pelas casas também”, con- à espera da vizinha. A brincadeira entre
pital baiana. Somente neste ano foram 21 ta Luciana*, a mãe. No local do acidente, “É assim que ele fica o tempo os dois era certa. Dois dias antes do aci-
mortes, sete delas eram crianças e ado- um vazio. Com o risco de novos aciden- dente, dona Maria brincou dizendo que
lescentes. Quase 8 mil famílias ficaram tes, a prefeitura demoliu outras habita- todo. Pergunta-me todo dia esse ano Gabriel não ganharia presente
desabrigadas. Reza a Carta Magna que os ções. No chão, alguns pertences pesso- pelo pessoal que morreu e de aniversário, enquanto escondia uma
direitos das crianças e dos adolescentes ais das vítimas, semicobertos pelo barro. sacola nas costas. De fato, o presen-
estão amparados pelo princípio da prio- Enquanto lista, uma a uma, as tragé- pelas casas também” te não chegou. Dona Maria estava en-
ridade absoluta presente no artigo 227 dias que ocorreram no Barro Branco, Lu- tre os que morreram. Faleceram ainda
da Constituição Cidadã de 1988. Consta ciana oferece uma coxinha de frango a Cássia Vitória Paim dos Santos, 14, De-
que “é dever da família, da sociedade e do Gabriel. O garoto fala que perdeu a fo- zaneide Dias Figueiredo, 59, Elaine Oli-
Estado assegurar à criança e ao adoles- me, volta ao portão e permanece em si- Àquela altura, outros moradores se veira dos Santos, 30, Jocenildo dos San-
cente, com absoluta prioridade, o direito lêncio. A mãe continua: “Oxe, eu lembro juntaram aos primeiros a chegar ao lo- tos Luz, 33, José Cosme de Oliveira Luz,
à vida, à saúde, à alimentação, à educa- de todos acidentes daqui. Já ouvi muitos cal. Mesmo sabendo dos riscos que a 56, Magnólia Paim dos Santos, 44, Ma-
ção, ao lazer, à profissionalização, à cul- gritos na madrugada de gente correndo atitude apresentava, iniciaram o resga- ria José dos Santos, 75, Roberto Ubiratã
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade porque a casa desabou ou porque o barro te aos soterrados. Sob a chuva intensa, dos Santos Júnior (Robertinho), 16, Sa-
e à convivência familiar e comunitária, começou a descer. O povo só lembra das o barranco continuava a descer. “Veio muel Santos Oliveira, 12, Sivaldo Silva
além de colocá-los a salvo de toda forma tragédias com vítimas fatais”. uma tempestade de chuva, desceu bar- Neves Filho, 30. Como dizer a Gabriel
de negligência, discriminação, explora- A chuva dá uma trégua e o assunto ago- ro e soterrou Samuel. Ajudamos a reti- que, como numa espécie de desenho
ção, violência, crueldade e opressão”. No ra é futebol. “O Barcelona joga hoje?”, rar com vida a mãe dele, mas o menino animado, seus vizinhos foram engolidos
entanto, o cenário com que se depara é pergunta-nos Gabriel, chutando uma não resistiu”, conta Jeferson. Era preci- pela precariedade das moradias? Dife-
oposto à legislação maior do Brasil. Viver garrafa PET. Ofereço lápis de cor e pa- so continuar o trabalho sozinho. O Cor- rentemente do que ocorre no mundo da
em lugares sem as mínimas condições de pel. Peço que desenhe a casa em dias de po de Bombeiros, mesmo avisado do fantasia – no qual uma casa cai sobre al-
sobrevivência coloca a infância e a juven- chuva. Resiste. Deixo os materiais sobre ocorrido, demoraria a chegar devido aos guém e, de repente, como num passe de
tude em extrema situação de vulnerabili- a mesa. Em minutos, lá estava ele com problemas habituais em dias de chuva mágica, lá está a pessoa na tela, sem um
dade física, emocional e social. lápis de cor azul nas mãos. Faz apenas em Salvador: trânsito caótico – seguido arranhão sequer –, na vida real, aciden-
o nome completo no papel e me entre- de assaltos a motoristas presos nos con- tes deixam marcas. As cicatrizes, ou se-
Dificuldades ga, dizendo que terminou. Pergunto so- gestionamentos –, esgotos transbordan- ja, as consequências, vão além de mu-
Dialogar com meninos e meninas bre a casa e ele responde que está pron- do, alagamentos em diversos pontos da danças na paisagem, da destruição de
imersos nesse universo de violações ta. “É isso, ele não superou ainda, quer cidade, protestos em vias públicas, ár- imóveis e de outros bens. (Essa repor-
exige muito mais que bloquinho de ano- dizer, ninguém supera. Vivemos dias de vores e muros caídos, deslizamentos de tagem continua nas págs. 10, 11 e 12)
tações, roteiro de entrevista, gravador e terror”, diz a mãe. terra e desabamento de imóveis. (www.apublica.org)
10 de 8 a 14 de outubro de 2015 brasil 11

Crianças em desamparo Perigo da leptospirose


Fotos: Donminique Azevedo
erros no processo por parte dos pesqui-
ESPECIAL responde que sim e justifica o questio- “Essa inundação tem muito a ver com sa. As poucas economias já têm destino de Salvador (BA) sadores também. Eles fazem a pesqui-
namento. “Acho que se sair na televisão a idade dele”, explica a comerciante La- certo: comprar material para constru- sa que se transforma em um título aca-
Para o psicólogo e alguém vai resolver nosso problema.” na Maria da Conceição, também do ção, pagar a um pedreiro ou recorrer ao “Aqui em São Cristóvão a gente pa- dêmico, se transforma em artigo que é
bairro de São Cristóvão, falando do fi- mutirão, aquele mesmo requisitado aos ga taxa de esgoto para viver dentro de- publicado em uma revista boa, em in-
professor Júlio Hoenisch, Expectativa lho. “Quando veio a rede de esgoto do amigos para “bater a laje”. Uma caçam- le. Quando alaga, muitas crianças brin- glês. Isso vai servir para uma discussão
se essas crianças não Reflito sobre a expectativa das crian- Programa Bahia Azul, o menino estava ba de entulho é despejada dentro da re- cam dentro daquela água imunda. Os acadêmica. Para que importa para uma
ças. Meus pensamentos são interrompi- com seis meses de nascido, a casa ala- sidência para subir o nível do piso. Fei- meninos são fortes. Não têm doença e pessoa que está na Inglaterra saber que,
tiverem acesso à políticas dos pelos gritos da garota na rua convi- gou, eu ainda brinquei com ele por ter to isso, hora de colocar o concreto, fa- ninguém morre. É Deus que protege da aqui no bairro do Pau da Lima, quem
dando os amigos a desenhar. Ela mesma de ficar mais tempo no berço: ‘Oh, meu zer contrapiso e piso – quando a grana urina do rato”, reclama a ascensorista mora a 20 metros de esgoto acaba ten-
sociais efetivas, isso vai passou as recomendações. Preferi não filho, você não é Jonas nem Moisés, que permite. Tudo isso a custo médio de R$ Eliana Silva, atualmente desemprega- do mais leptospirose do que quem mora
produzir uma relação intervir, apenas observar. Enquanto de- foram parar no cesto!’. Tudo pode ter 1.000 para uma casa de cinco cômodos. da. Mesmo sem relatos de casos, o me- além dessa distância? Esses resultados
senhavam na calçada estreita de menos uma solução. Basta querer. O que não Mesmo contando com uma renda men- do de contrair a leptospirose é grande. precisam chegar ao agente de endemias
cíclica com a tragédia de 50 centímetros, ao lado da casa de dá é para continuar como está. Quan- sal que não chega a R$ 500, a família de O receio tem fundamento, recorte geo- que atua nessas áreas. Mas a maioria
Ana Maria, dei continuidade à entrevis- do chove, a gente fica ilhado!”, exclama. Ana Maria também teve de recorrer a es- gráfico delimitado e situação social. deles não lê inglês e não tem acesso a
ta com Paula. De repente, a garota per- Do lado dela, junto com outras duas sa alternativa. Uma pesquisa da Fundação Fiocruz, essas revistas”, acentua.
gunta à mãe se já havia me contado so- crianças, o filho de Lana inicia o dese- em Pau da Lima, a 15 quilômetros de Enquanto os adultos discutem, anali-
Donminique Azevedo bre o bote. Antes de qualquer resposta, nho. Um deles me pergunta sobre o que São Cristóvão, bairro também com sa- sam, lutam, reclamam, prometem, co-
de Salvador (BA) disparou: “Na última inundação, meu devem colocar no papel. Respondo que “Você reclama com a Embasa, que diz neamento precário, revelou que pesso- bram, as crianças em áreas com risco
da Agência Pública vizinho fez um bote com uma geladeira eles são livres para fazer como desejar. as residentes a menos de 20 metros de de desastres continuam vulneráveis,
velha. Colocou eu e meu irmão para po- O garoto retruca baixinho: “Se ainda ti- que o problema é de drenagem pluvial, ou esgotos abertos e em áreas propensas a privadas até mesmo de direitos bási-
PARA O PSICÓLOGO e professor uni- der atravessar a rua. Foi bom porque a vesse um modelo pra gente copiar…”. seja, da prefeitura. Procura a Secretaria alagamentos, nos fundos dos vales, ti- cos fundamentais, entre eles o de brin-
versitário Júlio Hoenisch, a probabi- gente não pisou na água, né? Mas o bom Lana argumenta: “Venha cá, vocês não nham uma chance de infecção 42% car. Para a educadora e cineasta Rena-
lidade de uma pessoa em desenvolvi- mesmo é que não tivesse esse problema. sabem o que acontece aqui quando cho- de Manutenção, que diz que é com a maior do que pessoas que moravam a ta Meirelles, o contexto no qual a crian-
mento, especialmente as crianças, apre- A gente não aguenta mais isso!”. ve?”. O filho responde: “A gente sabe, mais de 20 metros dos esgotos. Mos- ça vive reflete muito na brincadeira. “A
sentar um sentimento de inferioridade mas como é que a gente vai desenhar Secretaria de Obras Públicas. É um jogo de trou ainda que residir a menos de 20 criança, quando brinca, acessa quem
em relação ao outro é bastante conside- tudo debaixo d’água?”. empurra, e a gente continua aqui sofrendo metros de um acúmulo de lixo aumen- ela é. Limitando a brincadeira, ela terá
rável para meninos e meninas em áreas “Embora aqui, graças a Deus, tava a chance de infecção em 43%. Ou- menos acesso a si mesma. Há um des-
de risco. “Se essas crianças não tiverem Resposta com o alagamento ano após ano” tra revelação importante foi que o risco caso em relação à infância em vários
acesso à políticas sociais efetivas, isso não tenha morrido ninguém, Procuro a Empresa Baiana de Águas e de infecção diminuía em 11% para cada setores. O que diz a Constituição deve-
vai produzir uma relação cíclica com a Saneamento (Embasa) para saber sobre acréscimo de 1 dólar na renda familiar ria servir para que todas as leis levas-
tragédia. Certamente colocará a pessoa
como foi o caso de outros a situação da comunidade de São Cristó- diária per capita. sem em consideração a qualidade de vi-
em posição de desalento diante da rea- lugares, todo ano a gente vão. Segundo a empresa, trata-se de um O resultado nem sempre é satisfatório da da criança, mas não é isso que acon-
lidade. Este estado já é um dano porque problema de ocupação irregular e de dre- do ponto de vista estético nem é bom tece”, pontua a diretora do filme “Terri-
a pessoa não consegue ser protagonista sofre com a chuva” nagem pluvial. “As casas estão numa cota para a coluna daqueles com estatura “Há um descaso em relação tório do brincar”.
de mudança nenhuma. Ela foi cerceada abaixo da lagoa do Bispo. O pessoal ocu- acima de 1,70. Na casa de seu Jailson Com apenas três funcionários e es-
da condição de sujeito”, pontua. pou as margens do córrego. Na hora que Almeida, em São Cristóvão, por exem- à infância em vários setores. trutura precária, o Conselho Estadu-
Em São Caetano – bairro que reúne chove, a lagoa enche, essa vazão do cór- plo, o espaço que sobrou é tão apertado O que diz a Constituição al da Criança e do Adolescente (Ceca)
mais de 200 mil habitantes espremi- O desejo de Ana Maria é o mesmo de rego aumenta e inunda as casas. Eles es- que é possível tocar com as mãos no te- não se envolve nos problemas ligados à
dos em diversas comunidades –, Jorge, seus vizinhos, cansados de contabilizar tão ocupando a várzea onde o córrego de- to sem precisar levantar muito os bra- deveria servir para que moradia. “O Ceca precisaria participar
o garoto que mora na borda da abando- os prejuízos sociais e econômicos todos veria espalhar as águas. Vamos inspecio- ços. Na sala, a maioria dos móveis já fi- dessas questões. Se tivéssemos a Secre-
nada pedreira, conta-me, de forma con- os anos. É praticamente unânime entre nar casa por casa para saber o que é que ca sobre blocos. “Meu filho quando vem todas as leis levassem em taria da Criança e do Adolescente, po-
tida, que não gosta de morar naque- as autoridades que as inundações são tem de drenagem ligada na rede”, explica aqui tem que andar abaixado”, con- consideração a qualidade de deríamos acompanhar melhor a políti-
le local. Peço que me fale sobre as con- apenas decorrências de fortes chuvas e o superintendente de Esgotamento Sa- ta indignado o marmorista que já ele- ca de moradia, o que permitiria a arti-
dições da moradia. Ele silencia e conti- das ocupações irregulares. As reclama- nitário da Região Metropolitana de Sal- vou quatro vezes o nível do piso. Na ca- vida da criança, mas não é culação de todos os atores. Nossa atua-
nua desenhando a casa em dias de chu- ções dos moradores por obras de con- vador, Júlio Mota. A população contesta sa de Ana Pereira, na mesma localida- ção é limitada por falta de condições”,
va. Minutos depois, desabafa: “A única tenção e de infraestrutura viram peteca que seja apenas isso, afirmando que, em de, quase nada sobrou depois do último isso que acontece” justifica o presidente do Ceca, Edmun-
coisa que eu queria era uma casa com nas mãos dos diferentes órgãos da ad- dias de chuva, a água retorna para as ca- alagamento. Como de costume, perdeu do Kroger.
laje para poder ter quartos na parte de ministração pública. “Você reclama com sas por meio dos ralos e vasos sanitários. boa parte dos móveis da casa. A geladei- De um lado, meninos e meninas
cima, calçada para brincar e que es- a Embasa, que diz que o problema é de De acordo com Mota, a Embasa recebe ra e a TV continuam em cima dos cai- aprendem e reproduzem desde cedo
se barranco não fosse aqui perto”. Si- drenagem pluvial, ou seja, da prefeitu- em média 10 mil chamados mensais. Em xotes de plástico. No quarto, uma me- Para o geógrafo e o doutor em Biotec- que precisam se proteger da chuva, co-
lêncio novamente. Entrega o desenho e ra. Procura a Secretaria de Manutenção, época de chuva, 90% dos chamados se sa velha serve de guarda-roupa. “Não nologia em Saúde e Medicina Investiga- mo se o problema estivesse no fenôme-
pergunta se o desenho vai passar na TV. que diz que é com a Secretaria de Obras referem a problemas da prefeitura. tenho mais vontade de comprar nada. tiva pela Fiocruz, Renato Reis, que tam- no natural. Do outro, as esferas gover-
Digo que não e explico sobre onde e co- Públicas. É um jogo de empurra, e a Enquanto a peteca vai e volta, além Queria sair daqui”, lastima a auxiliar de bém participou da pesquisa, é urgente namentais, tentam explicar os desastres
mo o trabalho será publicado. No dese- gente continua aqui sofrendo com o ala- de construir “batente”, espécie de mu- serviços gerais que, na ocasião, estava que esses estudos se transformem em por meio de justificativas que incluem a
nho, Jorge pinta apenas a sala. Questio- gamento ano após ano”, conta o agen- reta erguida na porta das casas que po- medindo, com auxílio do vizinho Almir, elementos para subsidiar políticas pú- chuva acima do esperado e, principal-
no por que ele não coloriu o vão da ca- te de portaria Almir Belmont, que con- de chegar a meio metro de altura, outra quanto de entulho teria de colocar para blicas. “A pesquisa precisa extrapolar mente, a ocupação irregular e desorde-
sa que reúne quarto/cozinha/banheiro. vive há dez anos com o perigo dos de- solução encontrada pelos moradores de subir o piso da residência de sete cômo- a universidade, ir para o cotidiano das nada do solo. (DA) (Agência Pública -
Ele, cabisbaixo, com a voz embargada, sabamentos, no bairro de São Cristóvão. áreas alagadiças é elevar o nível da ca- dos. (www.apublica.org) pessoas. Eu enxergo que existem alguns Crianças temem a chuva, têm espaços limitados para brincar e testemunham tragédias www.apublica.org)
responde “não precisa”.
Jorge não conhece os dados do IBGE
que mostram que 67% da população de

Muito além do puxadinho


Salvador reside em bairros sem condi-
ções mínimas de saneamento e com ín-
dices elevados de pobreza. O garoto não
sabe também, mas a “terra mãe do axé
Retratos pelas próprias crianças
music” está entre os municípios brasi-
leiros que apresentam os maiores per-
centuais de domicílios sem espaçamen- de Salvador (BA)
to entre si e com verticalização predo- de Salvador (BA)
minante de dois ou mais pavimentos, Desenho de uma das crianças que convivem com a tragédia
localizados em áreas não propícias à “A gente sabia que um dia ia cair, só
urbanização regular, como encostas. das inundações. Na capital baiana, milhares de famílias ha- não sabia a proporção nem a gravidade.
No entanto, Jorge vive essa realidade bitam em condições de alto risco nas encostas dos morros e Quando chovia, todos ficavam em aler-
que, como espécie de hereditariedade, barrancos. As crianças estão entre as principais vítimas das ta. Cada qual vai construindo e dizendo
acompanha sua família há longos anos. que não cai, fazendo o famoso puxadi-
inundações e deslizamentos. São crianças traumatizadas por nho”, comenta Jackson Pereira, 23 anos,
testemunharem tragédias que ocorrem periodicamente e viti- técnico em telecomunicações, morador
“A única coisa que eu queria era mam seus parentes e amiguinhos. Basta ameaçar chuva para
do Barro Branco, que, após o desastre de
abril, fez de sua casa uma central de so-
uma casa com laje para poder que elas entrem em pânico. Quando chove forte, os pais as le- corro aos desabrigados. Dezenove anos
atrás, em 21 de abril de 1996, ali mesmo,
ter quartos na parte de cima, vam para casas de parentes e amigos em locais mais seguros,
22 pessoas morreram – 15 crianças, três
calçada para brincar e que esse deixam de ir à escola e não têm onde brincar. Educadores e mulheres e quatro homens. Na ocasião,
psicólogos avaliam que as crianças submetidas a essa convi- 900 metros cúbicos de terra caíram so-
barranco não fosse aqui perto” vência com a tragédia podem ser vítimas de depressão e de
bre as casas.
Em 1996, ano da primeira tragédia com Para atender vítimas, Jackson Pereira transformou sua casa em centro de apoio
perda de autoestima que influenciarão negativamente em seu vítimas no Barro Branco, Jackson tinha
desenvolvimento como cidadãos. Nos desenhos as crianças menos de 5 anos de idade. O rapaz ain- uma minoria tentava desviar donativos. ne alguns moradores espalhados pelo en-
Seu pai nasceu e foi criado no casebre da guarda recordações daquele momen- Deitavam para dormir às 2 da manhã. Às torno do bairro para decidir quais passos
onde vivem. “Eu era menino e já vi vizi- descrevem com sensibilidade as cenas trágicas com as quais to: “Lembro da gente, eu e meus irmãos, 5h, começavam a chegar as demandas. devem ser tomados para cobrar, a quem
nhos serem soterrados aqui. A gente sai convivem. (DA) (Agência Pública - www.apublica.org) saindo daqui para casa da minha tia em De queixa sobre os entes governamen- é de dever, melhorias para o local. “Me-
para trabalhar, não sabe se vai chegar e São Caetano com as roupinhas nas saco- tais a pedidos de alimentos. A filha não ses sem respostas e só vendo anúncios na
encontrar os filhos vivos, como foi o ca- las de supermercado”. Naquele ano, a ca- entendia por que os familiares estavam TV de que as obras já estavam em anda-
so do Marotinho, uma comunidade que sa de Jackson também servira de abrigo sempre ocupados e questionava: “Foi a mento, a gente se reuniu e decidiu pro-
fica aqui perto, no bairro de Bom Juá”, para 13 pessoas. casa de Carlinhos que caiu, mamãe? Ca- testar. Nossa boca é a reportagem. Se eu
desabafa o pai de Jorge. O operador de A esposa de Jackson, Suiane Estre- dê ele, tá dodói?”. chegar ali e gritar, me chamam de louco.
máquinas faz referência ao deslizamen- la, confessa que a estigmatização inco- Se a imprensa chegar, aí já é a comunida-
to de terra que causou desabamento de moda, mas nem de longe é sua principal Solidariedade de do Barro Branco.”
um imóvel, a 130 metros de seu domicí- preocupação. Embora a casa da família O rapaz, de voz tranquila, conta que na “Eu aprendi muito com essa tragédia”,
lio. Sete pessoas, todas da mesma famí- esteja avaliada como fora de risco, o ca- mesma proporção em que crescia o nú- diz Jackson. “O Brasil é muito solidário.
lia, foram soterradas. Entre os mortos sal pensa na qualidade de vida da filha mero de doações, aumentava o número Pessoas que traziam meio quilo de ali-
estavam os irmãos Joice Bispo Ribeiro de 3 anos. Como restaram poucas crian- de necessitados, inclusive de outras cida- mento amarrado. Tirava da despesa da
Reis, 15 anos, e Jonathan Bispo Ribeiro ças no local, a menina tem poucas op- des e bairros da capital baiana. Era preci- própria casa.” O jovem, mesmo sem sede
Reis, 13 anos, parentes de Adriano Bis- ções de interação. “A gente teve que le- so muita dedicação e paciência para lidar e eleição, foi designado pela comunidade
po Pereira, 11 anos, e de Geraldina da var a bicicleta dela para a escola porque com a situação. “Era confusão demais. para ser presidente da futura associação
Cunha Bispo Reis, 35 anos. Na mesma não tem onde brincar”, conta Suiane. Uma senhora levou quatro cestas básicas de moradores do Barro Branco.
região, em 2013, duas pessoas também Foi justamente para propiciar um espa- de uma só vez. Pedi calma e ela me acu- Em São Caetano, o presidente da as-
morreram soterradas. ço de recreação para filha que, na véspe- sou de roubo.” sociação de moradores que representa
Em São Cristóvão, Paula, mãe de Ana ra da tragédia deste ano, Jackson pas- Ao fim da “missão”, restaram a satisfa- a Vila Tiradentes, Gomeia e a Fonte da
Maria, revela que desde pequena con- sou o dia arrumando sua outra casa, na ção de ajudar e as dívidas. Jackson gasta- Bica de Cima, Joaquim Júnior, 41 anos,
vive com os problemas ocasionados pe- qual havia acabado de colocar laje. O ra o dinheiro reservado aos pagamentos lembra os quase 20 anos de lutas, gran-
las inundações. “Embora aqui, graças a serviço terminou às 22h. Mal imaginava das contas mensais com deslocamento de parte delas por causa da falta de in-
Deus, não tenha morrido ninguém, co- que o trabalho estava apenas começan- dos donativos para áreas afetadas pelas fraestrutura urbana que piora considera-
mo foi o caso de outros lugares, todo do. Essa casa dele, que estava em cons- chuvas. Cedo iniciavam as filas na frente velmente quando associada aos eventos
ano a gente sofre com a chuva. Olha pa- trução, serviria de abrigo, “sala de im- da residência, uma das cinco que não fo- pluviométricos. O técnico em perfura-
ra aqui como é que eu estou! Fiquei qua- prensa” e posto de coleta e de distribui- ram interditadas na comunidade do Bar- ção de poços conta que o maior desafio é
tro dias internada com meu filho mais ção de donativos do bairro nos dias se- ro Branco. “Meu nome desceu para o manter a população mobilizada. “Infeliz-
novo com problema alérgico por causa guintes ao desastre. SPC e para o Serasa. O carro financiado mente, você percebe que ocorre uma mo-
da frieza”, desabafa Paula, mostrando Depois de três dias, tendo a casa da em 48 vezes também ficou em atraso. Até bilização em prol de alguma coisa ime-
as feridas no corpo, resultado do con- mãe e a obra inacabada como posto de para receber o dinheiro dos clientes fi- diata, mas a longo prazo é extremamente
tato com águas contaminadas ao passar coleta e distribuição de doações, a mãe, cou difícil. Fiquei sem tempo para traba- difícil. Para quem está começando, eu di-
por dentro do alagamento para levar e Edilene, começou a reclamar de cansaço lhar. Não gosto de ficar sem honrar meus ria que faça de forma altruísta, não espe-
buscar os filhos na escola. A garota, ao devido aos problemas de saúde que tem, compromissos”, conta, em meio aos bo- re reconhecimento e que fuja do caminho
lado da mãe, observa atenta. Proponho incompatíveis com o ritmo que o traba- letos de cobrança. Aos poucos, Jackson mais fácil, pois normalmente não é o me-
o desenho, e Ana Maria também ques- lho voluntário exigia para aquele mo- está normalizando a situação financei- lhor. Pode até dar um resultado tempo-
tiona se é para “colocar na TV”. Pergun- mento. A casa da família estava sempre ra. A experiência trouxe consigo o desejo rário, mas nem sempre é o ideal.” (Essa
to se ela deseja que coloque e por quê. cheia de desconhecidos, em sua maioria de ajudar a comunidade, a partir de ago- reportagem continua na pág. 12) (DA)
Prontamente, a garota de olhar atento voluntários. Era preciso fiscalizar, pois ra através do engajamento político. Reú- (Agência Pública - www.apublica.org)
12 de 8 a 14 de outubro de 2015 brasil

Diminuir a imigração
ESPECIAL A população da capital baiana cresceu de 2,4 milhões em 2000 para 2, 9 milhões em 2015, de acordo com o IBGE
Fotos: Donminique Azevedo

Donminique Azevedo
de Salvador (BA)
da Agência Pública

O ENGENHEIRO Luís Edmundo Prado


de Campos, do Conselho Regional de En-
genharia e Agronomia da Bahia (Crea-
-Ba), explica que existe muito mito sobre
as encostas da capital baiana. “Algumas
pessoas dizem que as encostas em Sal-
vador não são boas. Isso não é verdade.
Poderiam ser ocupadas tranquilamente
desde que as pessoas soubessem ocupar.
O ideal seria que o poder público chegas-
se antes, criando infraestrutura, para de-
pois a população assentar as suas edifica-
ções. Isso não existiu. Agora o poder pú-
blico está correndo atrás para dar assis-
tência a essas áreas. A população não vi-
ve nas áreas de encostas por opção, e sim
por falta de opção”, explica Campos, que
é também professor da Universidade Fe-
deral da Bahia.
De acordo com o IBGE, Salvador tem
limitação geográfica para expansão de
moradias; são 309 km² de área conti-
nental. Tal limitação poderia indicar que
o crescimento populacional da capital es-
taria perto da exaustão. No entanto, a fal-
ta de espaço não reduz o surgimento de
novos domicílios. O motivo principal é a
onda migratória do campo para a cida-
de. A população da capital baiana cres-
ceu de 2,4 milhões em 2000 para 2,9 mi-
lhões em 2015, de acordo com o IBGE.
Esse fluxo força a verticalização urbana
nos bairros da periferia, contribuindo
para as situações de risco.
Para Campos, “antes de resolver o pro-
blema daqui, deveríamos diminuir a mi-
gração do campo para cidade, ou até in-
verter. Não que fosse forçado, mas com Barro Branco: construções nas encostas de Salvador são exemplos de inventividade e precariedade
condições dignas para que as pessoas pu-
dessem viver e trabalhar fora dos centros “A presença do fator de risco co mais, teremos deslizamentos de ter- sociedade. “A presença do fator de risco
urbanos”, explica. ra e, com isso, pessoas estão sujeitas a naturalizado leva a criança a achar que
O geógrafo Renato Reis, que também naturalizado leva a criança a achar morrer. É um descaso que está materia- é algo normal brincar dentro do esgo-
é professor e pesquisador do Programa lizado […]. É uma coisa que se tornou to, que é natural as pessoas morrerem
de Pós-Graduação em Desenvolvimento
que é algo normal brincar dentro tão corriqueira, que as pessoas perde- soterradas.” Para o psicólogo Júlio Ho-
Regional e Urbano da Universidade Sal- do esgoto, que é natural as pessoas ram a capacidade de dialogar sobre isso. enisch, há uma manutenção desse ciclo
vador, comenta indignado: “Todo ano a A chuva é apenas um gatilho”. de tragédia e de vulnerabilidade porque
gente já sabe de quais regiões da cidade morrerem soterradas” Reis destaca que a presença das crian- alguém lucra, seja financeira e politica-
virão determinadas doenças, por causa ças nos locais de risco precisa ser enca- mente ou na espetacularização da tragé-
dos fatores de risco. Se chover um pou- rada com mais sensibilidade por toda a dia. (www.apublica.org)

Remédios e remediações conhecidas


questiona a prefeitura sobre a falta de
de Salvador (BA) ações preventivas. Foi encaminhada ao
município, em setembro de 2013, iní-
Com a morte de 21 pessoas em 2015, e cio da gestão do prefeito ACM Neto, re-
sob a ameaça de novos acidentes graves, comendação expedida pela promotora
todos os entrevistados ligados às esferas de Justiça de Habitação e Urbanismo de
governamentais anunciaram medidas Salvador, Hortênsia Pinho. O documen-
de prevenção, mesmo reconhecendo os to orientava que fossem atualizados o
inúmeros trâmites legais burocráticos. Plano Diretor de Encostas, a reestrutu-
Todavia, boa parte das ações anuncia- ração da Defesa Civil e a elaboração de
das passa pelas fases dos pleitos, pro- um plano em caso de desastres. Em en-
jetos, anteprojetos, autorizações, licita- trevista a uma TV local, ainda sob o calor
ção, execução de obras, longa caminha- das tragédias, a promotora afirmou que,
da até a resposta chegar às famílias em mesmo sem responder formalmente ao
áreas de risco. Recursos para resposta MP, houve um empenho nos primeiros
imediata parecem existir, embora haja meses, depois esmoreceu.
contestação sobre a demora no repasse. “Depois que se conseguem os ganhos
Entre 2007 e até o início de agosto deste políticos, que são os que interessam, o
ano, o Ministério da Integração repas- problema se torna invisível. Porque já
sou para o município de Salvador mais se tirou a foto, já se fez a propaganda,
de R$ 60 milhões, quase metade (R$ Pedreira em São Caetano é vulnerável a tragédias já se colocou na mídia. O padrão é sem-
36,385 milhões) somente em 2009. pre o mesmo. Faz uma etapa, depois
A encosta que deslizou no último 27 Auxílios “Depois que se conseguem os vai ter uma segunda etapa que nunca
de abril não integrava o Programa de O secretário municipal de Promoção sai, repetindo um ciclo de incompetên-
Contenção de 98 Encostas do gover- Social, Esporte e Combate à Pobreza, ganhos políticos, que são os que cia que se materializa na perda de vi-
no estadual, caracterizadas como de al- Bruno Reis, destaca a concessão de au- das, na deterioração da qualidade de
to e de muito alto risco. “O Barro Bran- xílios moradia, emergencial e funeral.
interessam, o problema se torna vida das pessoas. Ocorre algo também
co faz parte de um pleito agora no Mi- “Já chegamos a um total de 7.497 pes- invisível. Porque já se tirou a que não se mede: destrói-se a autoes-
nistério da Integração. Nós consegui- soas recebendo o aluguel social, sendo tima das pessoas. Esta população vive
mos encaixá-lo como emergencial por que 745 apresentaram inconsistências.” foto, já se fez a propaganda, já em lugares aonde serviços básicos do
conta do deslizamento e por conta das Segundo ele, o cancelamento, que re- cotidiano não chegam. Não chega um
vítimas”, diz o diretor de habitação da presenta pouco mais de 10% dos auxí- se colocou na mídia” carro que vende gás. Se passa mal, não
Companhia de Desenvolvimento Urba- lios, decorre de irregularidades encon- entra uma ambulância da Samu. Dia de
no do Estado da Bahia (Conder), Deus- tradas. “Pessoas que se aproveitaram chuva é um terror”, lamenta o geógra-
dete Fagundes de Brito. O Plano Dire- daquele calor, daquele momento, que fo Renato Reis. (DA) (Agência Pública
tor de Encostas de Salvador (PDE) é de não faziam jus àquele benefício e se ca- – www.apublica.org)
2004 e o Programa de Contenção de En- dastraram. Segundo, duplicidade, havia
costas acima citado – que conta com o membros de uma mesma família, dois,
recurso de R$ 156 milhões do Programa às vezes, até três, recebendo no mesmo
de Aceleração do Crescimento (PAC 2), imóvel. Terceiro, pessoas que não saí-
captados em 2013 – tem como parâme-
tro o PDE defasado.
Na Defesa Civil de Salvador (Codesal),
ram de seus imóveis receberam o bene-
fício naquele primeiro momento, passa-
ram cinco, dez, 15 dias fora, mas depois
E a prioridade absoluta como fica?
o foco está na reestruturação das ações, retornaram ao imóvel interditado”, jus-
com plano anunciado no último dia 15 tifica Reis. berdade e dignidade, como garante o ar-
de setembro. De acordo com o secretário Hoje, há 6.800 famílias recebendo alu- de Salvador (BA) cabouço jurídico nacional. Histórias co-
Álvaro Augusto da Silveira, as medidas guel social. Para atender a essa demanda mo as de Gabriel, Jorge, Ana Maria e de
mais importantes serão as voltadas para de moradia, o secretário garante que se- Tendo ouvido várias fontes governa- tantos outros milhares de garotas e ga-
prevenção. A Superintendência de Pro- rão construídas em torno de 5 mil resi- mentais, observo que, embora existam rotos no país também precisam estar
teção e Defesa Civil (Sudec), órgão es- dências, uma parte pela prefeitura e ou- ações voltadas para as famílias e algu- nas pautas sobre moradia, como priori-
tadual, aponta como soluções a moder- tra pelo governo do estado. Ele explica mas com foco nas crianças em situação dade absoluta. Que essas discussões se
nização do sistema de monitoramento que, do contingente das 6.800 famílias de vulnerabilidade, o problema da pre- materializem em políticas públicas para
e alarme, com base nas experiências de que recebem o auxílio moradia, há al- cariedade das moradias ainda não é en- que os primeiros pingos no telhado não
outros estados, principalmente o Rio de go em torno de 3 mil famílias vítimas de carado sob a ótica do mundo infantil, a continuem representando aflição. Inter-
Janeiro, onde, em 2010, um deslizamen- alagamentos; são desocupações provisó- partir de uma proteção que vai além de romper a relação cíclica com a tragédia é
to de terra com lixo soterrou centenas de rias. Reis afirma que as novas ações pre- projetos e programas pulverizados, nem urgente. Caso contrário, a infância con-
casas e matou 48 pessoas no morro do vistas pela reestruturação da Defesa Ci- sempre disponíveis a todos. São ações, tinuará interditada, feito ilha, cercada
Bumba, em Niterói; e de Santa Catarina, vil mais a atenção dada à questão habi- na maioria das vezes, fragmentadas e de problemas por todos os lados. (DA)
onde, em 2008, 126 pessoas morreram – tacional “fecham o ciclo e passam a do- desconexas que nem sempre levam em (Agência Pública - www.apublica.org)
vítimas de deslizamentos e inundações. tar Salvador de condições para enfrentar consideração o desenvolvimento físico,
Ambos os estados investiram na moder- as chuvas que virão nos anos seguintes”. mental, moral, espiritual e social, de for- *Os nomes foram trocados por
nização da Defesa Civil. O Ministério Público do Estado da Bahia ma sadia e normal, em condições de li- questões de segurança
internacional de 8 a 14 de outubro de 2015 13
Blog do Planalto

Objetivo central da cúpula foi aprofundar o diálogo entre países que compõem o Brics e avançar na cooperação financeira

Para especialistas, Banco dos Brics


foi fundado sob interesse do Brasil
ECONOMIA Desinteresse rentabilidade quase mínima dada à atual mos no segundo semestre de 2016. Planejado desde 2005, o Banco do Sul
conjuntura econômica internacional”, Mas por que criar um novo banco em é parte do projeto financeiro regional da
do governo brasileiro por observa o pesquisador especialista em vez de apostar na capitalização de outros Venezuela para a América do Sul, den-
projetos regionais, como Brics. “Então faz sentido mobilizar capi- já existentes? Hoje, segundo Pinto, existe tro da construção de uma Nova Arqui-
tal para projetos de infraestrutura, que um trancamento da estrutura de gover- tetura Financeira Regional (NARF), cuja
o Banco do Sul, e ambição possuem maior rentabilidade.” nança das instituições tradicionais, prin- ideia seria diminuir a dependência dos
Com sede em Xangai, o novo banco cipalmente o Banco Mundial e o FMI, países sul-americanos ao dólar, facili-
chinesa explicam impulso tem um fundo batizado de Arranjo de onde não há possibilidade de os países tar a obtenção de divisas para o comér-
Contingente de Reservas de 100 bilhões que se desenvolveram no decênio passa- cio e financiar o desenvolvimento econô-
para o Novo Banco de de dólares, sendo 41 bilhões provenien- do aumentarem sua participação, levan- mico da região, buscando autonomia em
Desenvolvimento tes da China, três partes de 18 bilhões do do-os à criação de novos bancos onde te- relação a financiadores tradicionais, co-
Brasil, Rússia e Índia, e 5 bilhões da Áfri- nham mais voz. mo o BID e o Banco Mundial. Com o total
ca do Sul. Seu primeiro presidente é o in- “A ideia é evitar excessos de ingerên- de 10 bilhões de dólares de capital subs-
diano KV Kamath, antigo executivo do cia nas políticas públicas, como muitos crito, o banco mostrava-se para o Brasil
Marsílea Gombata ICICI (maior banco privado da Índia), analistas apontaram no fim das déca- como parte de um dilema, no qual teria
de São Paulo (SP) seguido posteriormente de um represen- das de 1980 e 1990 em relação ao Ban- de optar pelo investimento unilateral do
tante brasileiro, um sul-africano, um rus- co Mundial com projetos de reforma BNDES como um dos principais finan-
DESDE QUE FOI anunciado em julho de so e um chinês. estrutural”, observa Pinto, ao ressal- ciadores dos megaprojetos regionais de
2014, o banco composto por Brasil, Chi- tar a preocupação com excesso de bu- empresas brasileiras na região ou cons-
na, Índia, Rússia e África do Sul cami- rocracia e morosidade das operações, truir multilateralmente um banco regio-
nha a passos largos. Com o nome de No- “A ideia é evitar excessos além do foco em infraestrutura, setor nal de desenvolvimento econômico e so-
vo Banco de Desenvolvimento (NBD), o que corresponde a 38% dos desembol- cial, encarnado no Banco do Sul. Optou-
chamado Banco dos Brics começou em de ingerência nas políticas sos totais do BID (Banco Inter-Ameri- -se por emperrar o projeto regional no
21 de julho a delinear suas políticas fi- públicas, como muitos cano de Desenvolvimento) e a 56% dos Congresso brasileiro.
nanceiras e sua estrutura mais enxuta, a do Banco Mundial.
fim de dinamizar a concessão de crédito analistas apontaram no
para projetos de infraestrutura de gran- América Latina “O Banco do Sul não existe e não vai
de magnitude. Mas, além do capital ini- fim das décadas de 1980 e Se na própria região latino-america-
cial de 50 bilhões de dólares, o que expli- na já eram debatidos novos organismos existir. O Brasil o enterrou porque
ca o rápido funcionamento da nova insti- 1990 em relação ao Banco financeiros que dessem protagonismo a
tuição financeira, se comparado a outros atores em desenvolvimento, o que levou
concorria com o seu BNDES (Banco
Mundial com projetos de
projetos de cunho regional, como o Ban- o Brasil a centrar forças no NBD? Para Nacional de Desenvolvimento
co do Sul? reforma estrutural” Oscar Ugarteche, economista peruano
Para Ernesché Rodríguez, ex-mem- do Instituto de Pesquisas Econômicas Econômico e Social)”
bro da direção de estudos econômicos e das Universidade Nacional Autônoma do
financeiros do Banco Central de Cuba e México (UNAM), o Banco dos Brics re-
um dos idealizadores do Banco da Alba, o Apesar de hoje o banco ser composto flete uma opção política clara do Brasil,
principal fator por trás da rápida criação por seus sócios fundadores, prevê-se a que mostrou profundo desinteresse pelo Enquanto alguns enxergam oposição
e funcionamento do novo banco deve-se, entrada de novos membros, mantendo Banco do Sul. “O Banco do Sul não existe entre o Banco do Sul e o Banco dos Bri-
fundamentalmente, à China. “O gigan- sempre a porcentagem de 55% nas mãos e não vai existir. O Brasil o enterrou por- cs, há quem aponte para uma dinâmica
te asiático é um dos países com maiores do Brasil, Rússia, Índia, China e África que concorria com o seu BNDES (Banco de fortalecimento mútuo entre projetos
reservas internacionais no mundo, e sua do Sul, a fim de garantir a maior fatia a Nacional de Desenvolvimento Econômi- nacionais ou regionais e o NBD.
grande capacidade financeira possibilita eles. Haverá, ainda, um teto para a entra- co e Social)”, afirma ao lembrar que o no- “O Banco do Sul poderia colaborar e
o andamento rápido da instituição”, diz da de países desenvolvidos, que não cos- vo banco funciona como porta de entra- fortalecer todas as funções do BNDES”,
Rodríguez, ao lembrar que o PIB da Chi- tumam tomar empréstimos. da para a promoção de ações do BNDES avalia Rodríguez. “Além disso, o Banco
na (10 trilhões de dólares) é maior que o A ideia é que o banco mantenha o seu em outras partes do mundo. “O proble- dos Brics serviria como importante re-
dos demais países do Brics somados. princípio de funcionar como credor pa- ma é que para o Brasil a América do Sul taguarda para o Banco do Sul e o Ban-
ra os mesmos que tenham investido ne- fica longe em termos de política externa. co da Alba, que, apesar das diferenças,
le, ou seja: nações em desenvolvimen- Interessa quando convém e não signifi- mantêm pontos comuns em relação à
“O gigante asiático é um to. Com a promessa de se basear nos pa- ca nada em termos de integração. A res- independência de instituições atrela-
drões da Rio+20 e o slogan “Um Novo posta à ideia do Banco do Sul foi fortale- das a países desenvolvidos.”
dos países com maiores Banco para um Novo Desenvolvimento” cer o CAF (banco de desenvolvimento da Considerado um meio de repasse de
reservas internacionais (que pressupõe condicionantes ambien- América Latina fundado em 1970 e for- recursos da Venezuela para outros países
tais, sociais e trabalhistas), o banco deve mado por 17 países da região, Espanha, da Aliança Bolivariana para os Povos da
no mundo, e sua grande começar a fazer seus primeiros emprésti- Portugal e 14 bancos privados).” Nossa América, o Banco da Alba nasceu
em 2008 com o objetivo de financiar pro-
capacidade financeira Reprodução
jetos de cunho social, econômico e, em
possibilita o andamento menor medida, no setor de infraestrutu-
ra. Apesar de se tratar de um projeto bem
rápido da instituição” menos ambicioso que o Banco do Sul, a
instituição foi capaz de realizar opera-
ções comerciais dentro do bloco através
do chamado Sucre (Sistema Unitário de
Pesa também o fato de o banco ter si- Compensação Regional de Pagamentos),
do beneficiado pelo label da marca Bri- que se fundamenta em uma moeda vir-
cs, observa o brasileiro Luiz Pinto, vis- tual denominada “sucre”, utilizada pelos
ting scholar da Universidade de Colum- bancos centrais dos países membros pa-
bia. Segundo ele, a nomenclatura dada ra operações comerciais.
por atores privados do mercado de capi- “Estávamos falando de novos paradig-
tais acabou ganhando peso político jun- mas e mudanças de centro de poder. A
to a outras iniciativas financeiras patro- ideia era os países pequenos tendo mais
cinadas pela China, como o Asia Infraes- posições e tomando mais iniciativas, dei-
tructure Investment Bank (AIIB) aberto xando os grandes sem os remédios habi-
à participação de outros países, como In- tuais para jogar com os pequenos”, lem-
glaterra e Brasil. bra Ugarteche. “Mas me equivoquei. O
“Obviamente há motivos geopolíticos, Banco dos BRICS mostrou que os gigan-
como a China buscando expandir sua tes fizeram uma divisão do mundo em
presença, mas também há razões econô- termos de mercado e que não há espaço
micas para a criação do NBD, como o fa- para os pequenos em uma reforma finan-
to de esses países terem muita reserva e Ernesché Rodríguez, um dos idealizadores do Banco da Alba, comenta o novo banco dos emergentes ceira”, argumenta. (Opera Mundi)
14 de 8 a 14 de outubro de 2015 américa latina 15

Para evitar ditaduras, é preciso retirar poder dos militares, da mídia e do capital Reprodução Reprodução
ENTREVISTA tuto Multimedia DerHumALC (IMD)],
uma ONG. E que realiza projeções de
Segundo Ramón Pablo direitos humanos e outras.
Videla , membro do O Papa Francisco é considerado
Centro Internacional para importante para o diálogo entre
diversos países, inclusive, entre
a Promoção de Direitos os países da América do Sul.
Qual é sua avaliação a respeito da
Humanos e funcionário do liderança de Jorge Bergoglio?
Ministério da Justiça e Direitos Eu tenho uma opinião. A Igreja Cató-
lica Apostólica Romana necessitava de
Humanos da Argentina, um papa negro. Bergoglio é esse papa
negro. Mas não de pele, e sim porque a
hoje em dia, no seu país, na Igreja Católica Apostólica Romana ne-
política de direitos humanos cessitava resgatar, recuperar, em cons-
ciência e em participação, todo esse ca-
é encarcerar todos aqueles tolicismo, porque os países da América
Latina são católicos por descendência e
militares, forças de segurança estavam se perdendo com a política dos
e civis, tanto eclesiásticos Estados Unidos, que realiza através das
Igrejas Evangélicas.
como da parte industrial, Ele foi eleito porque a Igreja Católi-
ca Romana necessitava do papa negro.
que foram colaboradores da Um papa negro que recuperasse tudo
ditadura militar isso que havia perdido com a política
que implementava Roma, por meio do
Vaticano. Porque haviam se transfor-
mado em outro imperialismo, porque
Marcela Belchior administravam a economia do mundo
de São Paulo (SP) pelo poderoso que era.
Francisco diz que o grau de concen-
TRINTA ANOS após a retomada da de- tração monopólica que chegou o capi-
mocracia política na Argentina, após talismo (não fala de imperialismo) se
superar sua sexta ditadura – conside- O general Videla discursa em sua posse após o golpe de 1976 Videla foi condenado à prisão perpétua em 2010, sendo condenado mais uma vez em 2012 por sequestro de bebês tornou o eixo, cruel. E isto é o mesmo
rada a mais cruel da América do Sul – que a esquerda do marxismo-leninis-
o enfraquecimento dos poderes militar, liberdade os militares que haviam sido dos. Na Argentina, temos 577 militares civis, tanto eclesiásticos como da parte mo diz, o imperialismo é a última etapa
Alessandro Grussu

econômico e midiático nas decisões do condenados pelos delitos cometidos to- presos, muitos deles estão morrendo na industrial, que foram colaboradores da do capitalismo. Por quê? Porque é tan-
Estado é sua principal política de direi- maram as decisões que fazer o juiz Bal- prisão, seja pela sua idade ou pela do- ditadura militar, levá-los a julgamen- ta a necessidade, tanta avareza, que vai
tos humanos. A orientação é proteger o tazar Garzón, da Espanha, levar adian- ença que têm, e estão em processo de ir tos em tribunais federais e à prisão em se concentrando cada vez em menos,
país dos três pilares que, juntos, podem te condenações e de militares, não na para a prisão. Ou seja, na Argentina, na uma prisão comum. E isto é o que es- menos e menos mãos, inclusive, absor-
aplicar um golpe de Estado e destituir a presença deles, mas como um país, di- política de memória, verdade e identi- tá sendo feito já. Há militares, há sacer- vendo seus sócios menores, e se torna
população do seu poder soberano. Para gamos, que tinham tratado firmado com dade, se aplica justiça. dotes, bispos, empresários, que foram cruel, claro.
discutir o assunto, a Adital entrevistou a Argentina. Que, diante dos delitos co- colaboradores da ditadura militar. Es- Mas há uma coisa. Da última vez, eu
o ativista de direitos humanos Ramón metidos pelas ditaduras militares, esses Hoje em dia, a lei argentina te é o objetivo número um: retirar po- segui esta última viagem de Francis-
Pablo Videla, ex-operário metalúrgico delitos tomavam um conceito que, até permite que se faça o julgamento der deles. Porque foi publicado um li- co pela Bolívia, Equador e Paraguai e,
que lutou em movimentos da guerrilha o momento, não haviam sido tomados, dos militares antes daquela data, vro, na Argentina, que se chama “Nun- quando ele estava na Bolívia, o via pe-
armada dos anos de 1970, na Argentina, que eram delitos de lesa humanidade, os na década de 1980. ca mais”, que diz “nunca mais uma di- la televisão, porque o canal da Venezue-
esteve 10 anos na prisão pela repressão delitos cometidos contra a humanidade. Sim, mas segue sendo uma política tadura militar na Argentina”. E a única la, a TeleSur, passava direto na Argenti-
militar e, hoje, colabora dentro do go- Portanto, imprescritíveis e que seus de Estado retirar poder das Forças Ar- forma de que isso não ocorra é retiran- na. Ele falou sobre solidariedade, e fa-
verno da presidenta Cristina Fernández executores podiam ser julgados em madas. As Forças Armadas a serviço da do poder desses três: o poder militar, o lou como um princípio da Igreja. Mas a
com a construção de uma nação livre de qualquer parte do planeta que tivesse nação e não para reprimir os protes- poder econômico e o poder dos meios Igreja não faz solidariedade. A solidarie-
autocracia. acordos a partir das Nações Unidas, e tos, porque a presidenta da nação disse de informação. dade é um princípio da humanidade. É
Membro do Centro Internacional pa- acordos firmados que fizessem possível também que, na Argentina, nunca mais um princípio que determina a consciên-
ra a Promoção de Direitos Humanos essa aplicação. Daí que as Avós da Pra- haverá um prisioneiro político por de- Atualmente, vivemos no Brasil cia do ser humano. É uma prática social.
(CIPDH) e funcionário do Ministério ça de Maio tomaram o que, até agora, fender suas ideias. Na Argentina, nun- um momento em que a elite Em troca, a Igreja não aplica solidarie-
da Justiça e Direitos Humanos da Ar- não havia sido posto em execução, que é ca mais vai se condenar uma pessoa por conservadora de direita pede dade, porque a Igreja vive de um dízimo,
gentina, Videla esteve no Brasil, recen- o sequestro dos filhos dos detidos desa- suas ideias. a volta dos militares ao poder, é muito forte, poderosa economicamen-
temente, para promover a discussão em parecidos. Havia mães que pariam em Isso continua sendo feito. A política com a saída da presidenta da te. Faz caridade, mas não faz solidarie-
torno da importância da valorização do um centro clandestino e, no momento de direitos humanos, na Argentina, é República, Dilma Rousseff, em dade. Então, não confundamos. Claro,
tripé memória, verdade e justiça para a de parir, era sequestrado seu filho e a um exemplo para o mundo. Nos centros um movimento que se assemelha eu não vou sair por aí dizendo, porque
consolidação do sistema democrático matavam. Houve 600 crianças desapa- clandestinos de detenção, onde se tor- a um golpe de Estado. O que você não estarei contra. Mas, atentem, cari-
em todos os países sul-americanos, que recidas na Argentina. Digo “havia” por- turava, se matava, onde se extermina- pensa sobre isso? dade não é o mesmo de solidariedade.
viveram ditaduras nas últimas décadas. que, até o momento, recuperamos, na vam pessoas — que, aqui [Brasil], tam- Bom, isto é uma política que não cor-
Estas orquestradas pelo interesse im- Argentina, 155 filhos. Já são pais, já têm bém vocês têm —, em todos os centros, responderia a mim falar. Eu sou um O atual contexto da política,
perialista dos Estados Unidos, mas que, filhos. Faltam 350 [450]. houve mais de 600 centros clandesti- funcionário do Ministério da Justiça economia internacional e da
ainda hoje, não implementaram todas nos; são recuperados e não se paga in- da Argentina e não tenho que intervir religião hegemônica estaria
as possíveis formas de fazer justiça aos denização para recuperar porque tam- em manifestações verbais contra a po- preparado para manter o Papa
que sofreram com a repressão dos mili- Manifestação das Mães da Praça de Maio “Na Argentina, temos 577 bém havia casas, casas de veraneio, fa- lítica de outro país. Isto eu deixo para Francisco na liderança da Igreja
tares e dos donos do capital. zendas. Não, lá foram colocados três pi- que vocês façam uma leitura do que a Católica?
Para ele, além de retirar poder do his- militares porque não haviam firmado nado pelos militares e, nas eleições or- so trouxe dificuldades, por isso a quan- militares presos, muitos lares, que um é memória, o outro verda- Argentina faz no governo federal, reti- Ele sempre diz: “rezem por mim”. E
tórico tripé Forças Armadas-Capital- sua proposta de governo, de controlar ganizadas às pressas, surgiu o presiden- tidade de detidos, de desaparecidos, deles estão morrendo na de, justiça, e se apropria disso o Estado. rando poder dos três poderes, que sem- diz porque está com esse temor de que
-Grande Mídia, é preciso penalizar to- o poder dos militares, controlar o poder te Carlo Menem. Carlos Menem, fazen- que são 30 mil. Desses 30 mil, um ter- E isso é um centro da memória. pre se unem para dar golpes militares. algo possa lhe ocorrer. Não acredito
dos os colaboradores das ditaduras da econômico do Fundo Monetário Inter- do uso da faculdade que lhe dá a Consti- ço são operários de fábrica e outro tan- prisão, seja pela sua idade Transformou-se no centro da memó- Façam uma revisão disso e se atentem. que esteja na concepção da Igreja Ca-
história política recente em território nacional, controlar o poder dos meios tuição Federal, como presidente da na- to são estudantes. E há famílias intei- ria. Têm cultura, têm política, se trans- Nós [na Argentina] temos 577 militares tólica Romana, mas, sim, na concepção
sul-americano. “Na Argentina, temos de comunicação massiva, que eram os ção, como comandante e chefe das For- ras. Há famílias que têm desaparecidas ou pela doença que têm, mite às pessoas que, antes, sequer sa- presos. Vejam se vocês têm algo disso de Francisco. Porque Francisco foi par-
577 militares presos, ou seja, na polí- que permitiam que a direita politica- ças Armadas, ditou uma anistia a todos até 15 pessoas. e estão em processo de ir biam que isso acontecia lá. Na Argenti- aqui [Brasil]. te de um movimento muito numeroso
tica de memória, verdade e identida- mente se sentisse forte e levasse adian- os militares que haviam sido julgados Mas não conseguiram destruir tudo is- na, a política de direitos humanos tem e poderoso na Argentina, que foi o pe-
de se aplica justiça. Na Argentina, nun- te sua política de golpe de Estado. até então. Deixou em vigência as duas so. Por isso nós vimos que também, na para a prisão” uma projeção. Por quê? Porque a polí- ronismo. E ele é peronista (mas eu não
ca mais vai se condenar uma pessoa por Então, esse governo começou a reti- leis, a de Obediência de Vida e a de Pon- década de 1990, houve tentativas do im- tica de direitos humanos, hoje, trata da “De nós se avizinha agora, além sou peronista). E é provável que ele te-
suas ideias”, assevera Videla. rar poder dos militares e a levar a jul- to Final. Existe toda uma pressão social perialismo de continuar com essa apli- história recente da Argentina. E a his- nha metas firmadas nesse resgate da es-
gamento as primeiras juntas militares. com muito conteúdo relacionado aos cação política neoliberal e de contrain- tória recente, qual é? Os 30 mil desa- de vivermos no Cone Sul, o piritualidade da humanidade.
A Comissão da Verdade na Mas surgiu um movimento dentro das direitos humanos, motorizada pelos or- surgência. Mas, na Argentina, havia um Com relação àquele número de parecidos.
Argentina conseguiu resgatar os Forças Armadas, que pressionou o go- ganismos de direitos humanos. estado de mobilização permanente, que 30 mil pessoas desaparecidas, é Mas a política de direitos humanos
problema que vai ser a água. Vai Espiritualidade libertadora?
elementos ocultos da história da verno e faz manifestações, como ocu- Assim, levaram adiante essa políti- deixava impossível essa aplicação. E as- um numero antigo ou, até hoje, para o futuro, para os que hoje têm 15 ser um problema, que vai levar a Eu tive ativa participação com com-
ditadura militar? par quartéis, levar os tanques às ruas ca de direitos humanos do governo do sim foi que, em 2003, assumiu o presi- 30 mil seguem com paradeiro anos, 14 anos, 16 anos, que, na Argenti- panheiros que praticaram a Teologia da
Ramón Pablo Videla – Bom, em e atos de conspiração, e arrancou des- presidente Menem, que levava adiante dente Néstor Kirchner, com um proje- desconhecido? na, podem votar, eleger — dos 16 aos 18 enfrentamentos. Não, por nada, os Libertação nacional, que eram sacerdo-
épocas, inclusive, da ditadura militar, se primeiro governo democrático a res- uma política de amizade com o imperia- to de inclusão social bem antineoliberal, A política de atirar ao mar os deti- não é obrigatório, mas sim, depois dos tes guerrilheiros, e posso te dizer que
ano de 1978, a dois anos da ditadura tauração de uma das primeiras leis, que lismo, com o Fundo Monetário Interna- dando muita participação à política de dos desaparecidos tornou possível en- 18. A política dos direitos humanos tem ingleses se instalaram nas Malvinas” pensávamos igual, com algumas dissi-
instalada, surgiram os organismos de foi chamada de Obediência de Vida. Es- cional, porque aplicou o projeto neoli- direitos humanos. Nós vínhamos, a par- contrar seus restos mortais, porque, a muito a ver com aquilo que, no sistema dências em relação à luta armada. Mas
direitos humanos. Estes organismos ti- ta lei estabelecia que poderiam ser jul- beral na Argentina. Tudo o que haviam tir das organizações de direitos huma- princípio, os atiravam no mar com vida capitalista, em sua Constituição Fede- que também eram guerrilheiros, tam-
veram uma ativa participação, que, in- gadas as juntas militares, os ideólogos conseguido fazer os militares, sendo go- nos, pressionando os governos que vi- e isto fazia com que seus pulmões não ral, estabelece para os Estados e os go- bém defendiam sua vida, às vezes, com
clusive, chegou àquela tentativa dos mi- da repressão, mas não os subalternos; verno de fato, ele fez com um governo nham se sucedendo para que tomassem se enchessem de água, flutuavam e apa- vernos e diz que os governos devem ga- Como avalia a relação da uma arma. Muitos deles foram mortos,
litares na Guerra das Malvinas contra por isso a Obediência de Vida. democrático. como política de Estado a política de di- reciam nas costas. Muitos deles apare- rantir a seus cidadãos os direitos à vi- Argentina com outros governos estão desaparecidos alguns. (...)
os ingleses. Os militares fizeram como reitos humanos, mas não conseguíamos. ceram nas costas uruguaias. As Mães da, à saúde, ao trabalho, à moradia e à considerados progressistas na Bergoglio era militante desse movi-
última tentativa de conseguir continu- A superação da ditadura militar Até 2003, quando chegou o presiden- da Praça de Maio, que sequestraram, educação. América do Sul, como Bolívia mento [peronismo]. Deve ter, em seu
ar no poder por toda a vida, como ha- “Esse primeiro governo na América do Sul, no fim dos te Kirchner; ele, no mesmo ato que anu- em 1978, na Igreja Santa Cruz, em Bue- Tudo isso são direitos humanos tam- e Equador? O Brasil também pensamento, algo de libertação. Mas a
viam proposto. Mas a participação das anos 1980, foi de interesse dos lou as Leis de Obediência de Vida e a de nos Aires. bém, mas também é um direito humano é considerado, mas está em Igreja Católica Apostólica Romana ain-
organizações de direitos humanos tam- democrático depois da ditadura Estados Unidos, para iniciar uma Ponto Final, também anulou os conte- Então, o que faziam depois: coloca- a defesa dos recursos naturais. De nós um momento um pouco mais da não pediu perdão ao povo. Espero
bém chegou a esses familiares que fo- continuou pressionado pelo poder nova fase neoliberal, uma vez que údos do indulto, que havia decretado o vam nos aviões, lhes davam injeções, se avizinha agora, além de vivermos no distante dessa orientação. que Francisco faça isso, uma vez que
ram mandados à guerra e muitos deles o comunismo e o socialismo já presidente Carlos Menem. Mas, além mas, no momento de atirá-los ao mar, Cone Sul, o problema que vai ser a água. Eu acredito que [o Brasil] perdeu no resolva os problemas internos, que são
morreram. que ainda tinham os militares” estavam reprimidos. disso, pediu perdão à sociedade argen- os esfaqueavam, digamos, para que Vai ser um problema, que vai levar a en- trem da vida, que tiveram nesse mo- muito fortes. Vai ser dentro do Vaticano
Isto fez com que se abrisse um pro- Sim, mas, na Argentina, era algo mui- tina como presidente da nação pelos fei- sangrassem e, no momento de chegar frentamentos. Não, por nada, os ingle- mento. Quando o governo teve 80% de porque o Vaticano está muito raivoso
cesso de democratização na Argenti- to particular. Não se pode esquecer de tos da ditadura militar, pelos crimes que na água, o sangue atraísse os tubarões ses se instalaram nas Malvinas. Porque aceitação, não foi capaz de levar adiante com isso de deixar tanta opulência, tan-
na e se desse, em 1982, um chamado que a Argentina foi um país onde o aces- havia cometido a ditadura militar. Algo e, bom, eram exterminados. são parte do projeto do [Tratado de] Ot- esta política da Argentina. Por isso não ta suntuosidade, tanto ouro. Não, não.
às eleições. Aí, surgiu o primeiro gover- Porque os subalternos cumpriam or- so à cultura sempre esteve presente. que deveria ter sido adotado por outras Era quase impossível encontrar seus tawa e do Atlântico Sul. Porque eles já há um militar preso. Com a Bolívia e a Por que eles não se dirigem a quem não
no democrático, eleito pelas urnas. Es- dens dos seus superiores. Ainda as- O fato de que, após a Segunda Guerra instituições que também são parte do restos mortais. Houve gente que mor- estão nos barcos levando água para a Equador nós estamos colaborando mui- tem nada? O que vão dizer a uma pes-
se governo tomou como política que le- sim, eles continuaram com as conspira- Mundial, muitos imigrantes tenham se Estado, como a Igreja Católica argenti- reu nas prisões, houve gente que mor- Europa, para seus países. Claro! E água to. Lembre-se que são países produto- soa que não tem nada, quando sua casa
vasse a julgamento as ditaduras milita- ções militares e, posteriormente, tam- aproximado da Argentina em busca de na, que, até hoje, não pediu perdão. reu nos centros clandestinos de deten- doce, que temos na Argentina, temos no res de droga, mas não deve se estender. está cheia de ouro? Ele está realizando
res, as juntas militares que haviam le- bém arrancaram outras lei desse go- Trabalho. Vinham operários, profissio- ção e houve gente que fuzilaram por- Brasil, na Bolívia. Esta é a política de di- E que a coca na Bolívia é utilizada para uma política contrária, porque, por is-
vado adiante a política da repressão na verno, que foi a Lei do Ponto Final. A nais, tipógrafos, sapateiros, da indústria Isso se manifestava também que, nesse dia, não levava documento. reitos humanos, que tem projeção com medicação. Para produzir cocaína você so, foram cometidos muitos crimes. E é
Argentina. Foi assim que se produziu, Lei do Ponto Final dizia que não se po- frigorífica, da indústria metalúrgica... na valorização da economia Foram formadas forças comuns e isto vistas ao futuro. necessita de muitos quilogramas de co- preciso corrigir tudo isso. (Adital)
em 1987, o primeiro julgamento políti- diam julgar atos posteriores à retirada E, logo que esses operários chegaram, nacional? é o que se está sendo descoberto, por- Para nós, ao fazer uma política de Es- ca para fazer um grama de cocaína. Nós
co da junta militar. Isto foi alcançado, da ditadura e a chegada do governo de- como imigrantes, conseguiram traba- A política se firmou em objetivos no que as Avós da Praça de Maio, ao con- tado, todas as pessoas têm acesso a essa temos boas relações e, além disso, cola- Reprodução
mas veremos mais adiante o porquê da mocrático, ou seja, que do ano de 1983 lho, se organizaram e formaram orga- governo do presidente Néstor Kirchner. siderarem o sequestro de crianças, pu- política, porque o Estado imprime em boramos, neste momento, com o gover-
aplicação tão férrea da política de di- para trás, não se podia julgar nada. Era nizações, como as anarquistas, como as Os objetivos eram retirar poder dos mi- deram, perante as Nações Unidas e pe- folhetos, em livros, em jornais, em rá- no do presidente Rafael Correa, com tu-
reitos humanos. Esse primeiro gover- como uma Lei de Autoanistia, como a comunistas, chegaram a formar asso- litares, para que nunca mais se desse rante a Organização de Estados Ameri- dios comunitárias, na televisão comuni- do o que é atividade social.
no democrático depois da ditadura con- que tem o Brasil. Ou como a que tem o ciações sindicais de primeiro, segundo um golpe militar na Argentina; retirar canos (OEA) instalar um novo conceito tária, implementa essa política de direi- Um exemplo: com relação à questão
tinuou pressionado pelo poder que ain- Uruguai. Ou como a que tem o Chile. e terceiro nível (digamos, sindicato, as- poder do Fundo Monetário Internacio- de delito de lesa humanidade, e isso tor- tos humanos. Ou seja, todo mundo está de cinema. O Incaa (Instituto Nacional
da tinham os militares. sociação e federação). É algo muito di- nal, que nos fixava sempre regras de co- nou possível que se recomeçasse aque- informado, na Argentina, o que é a ati- de Cinema e Artes Audiovisuais), da Ar-
E, nos últimos anos, com o ferente de qualquer outro país da Amé- mo deveríamos administrar, os argen- la proposta inicial de levar a julgamen- vidade de direitos humanos. gentina, está colaborando, neste mo-
E os Estados Unidos. governo de Cristina Fernández, rica Latina, inclusive, era surpreenden- tinos, a economia; e retirar poder tam- to todos os militares que haviam come- mento, com o Equador. E, de um filme
Claro, e os Estados Unidos. Atra- qual foi o tratamento em torno te para um sindicalista alemão, um sin- bém dos meios de comunicação massiva tido esses delitos. Quais são os principais temas de que tinham por ano, passaram a ter 26
vés do Brasil, mantinham toda a políti- dessa questão? dicalista italiano ver que, na Argentina, concentrados e que tinham, digamos, na Ou seja, que muitos dos que haviam direitos humanos, hoje em dia, filmes. Na Argentina, se produz cinema.
ca. O Brasil era a ponta de lança de to- Em 1990, diante das pressões que vi- um delegado de uma parte dessa em- Argentina, sob seu poder. E assim foi. sido condenados, que estavam na pri- na Argentina? Na Argentina, o cinema nacional é rea-
das as ditaduras na Argentina e no Co- nha recebendo esse primeiro governo presa podia para com a indústria. As Avós da Praça de Maio, vendo que são e que haviam sido deixados em li- Hoje em dia, na Argentina, na política lizado pelo Estado, mas também tem o
ne Sul. Esse governo continuou sendo democrático, de Raul Alfonsín, entre- Era um grau de consciência extraor- as Leis de Obediência de Vida e de Pon- berdade por essas duas leis e pelo indul- de direitos humanos é encarcerar todos cinema de direitos humanos, que reali-
pressionado pelo poder que tinham os gou antes o poder por se sentir pressio- dinário, que não tinha outro povo. E is- to Final haviam conseguido colocar em to, voltaram, novamente, a serem julga- aqueles militares, forças de segurança e za, hoje, o Instituto Multimídia [Insti- O ativista Ramón Pablo Videla
16 de 8 a 14 de outubro de 2015 américa latina

Outra integração regional é possível! The Beehive Design Collective/CC

OPINIÃO Tanto as
iniciativas do Mercosul
como da Alba são
insuficientes para
responder às necessidades
do desenvolvimento de
nossos países

Gustavo Codas

EM NOVEMBRO 2015 terão passado 10


anos desde a derrota do projeto da Área
de Livre Comércio das Américas (Alca),
em Mar del Plata. Esse resultado não
deteve o governo dos EUA. A estratégia
norte-americana foi, na sequência, avan-
çar sobre aqueles países onde a resistên-
cia era menor. Nesse período assinou
tratados de livre comércio (TLCs) com
Chile, Peru, Colômbia, América Central e
República Dominicana.
Derrotada a Alca, esboçaram-se du-
as respostas alternativas. Por um lado,
desde o Mercosul foram impulsionadas
a União de Nações da América do Sul Reprodução de cartaz de campanha contra a ALCA de 2003
(Unasul) e a Comunidade de Estados da
América Latina e o Caribe (Celac). Du- nômicas pós neoliberais que buscavam a Campanha Continental contra a Alca do retroceder o mercado, superar o con-
as iniciativas visando criar espaços de “desviar” nossos países desse “curso na- tinham clareza de que não era suficien- sumismo imposto pelo “modo de vida
construção de identidade política regio- tural” dos países sob a globalização ne- te derrotar essa negociação. Era neces- americano” e apontar a novos padrões
nal, porém pouco ambiciosas em matéria oliberal. Enfraquecidos nossos Estados sário atacar os alicerces da globalização de vida ambientalmente sustentáveis,
econômica já que incluem a países que nacionais pelas crises econômicas, as neoliberal e do imperialismo norte-a- fazer da nossa região um espaço de paz
têm TLCs com os EUA. Entre os gover- empresas multinacionais sediadas aqui mericano na região: derrotar a ditadura sem bases militares norte-americanas.
nos não alinhados com os EUA a princi- e os capitais nacionais voltam a pressio- do capital financeiro internacional, re- A derrota da Alca foi uma batalha de-
pal estratégia econômica continuou sen- nar pela “outra via” – a dos TLCs com verter a apropriação da agricultura pe- cisiva para nossa região, mas não acabou
do o Mercosul, com nova orientação e os centros do capitalismo desenvolvido. las transnacionais e o capital latifundiá- com as ameaças do imperialismo.
buscando sua ampliação regional – in- As multinacionais porque suas sedes rio, avançar na autonomia das mulheres
gressaram Venezuela e Bolívia, e Equa- centrais estão lá; os empresários brasi- contra o patriarcado, impulsionar a eco- Gustavo Codas é economista, assessor
dor está a caminho. Para além de aumen- leiros (e latino-americanos) porque sua nomia popular solidária frente à econo- da Fundação Perseu Abramo (FSA – Brasil)
tar o comércio entre os países, a região se vocação é de súditos neocoloniais. Os mia dos monopólios capitalistas, avan- e participou ativamente da Campanha
propôs desenvolver uma nova arquitetu- movimentos sociais que impulsionaram çar numa nova economia pública fazen- Continental contra a Alca.
ra financeira regional – banco de desen-
volvimento, fundo de estabilização, co-
mércio entre países com moedas nacio-
nais, iniciativas todas ainda pendentes ACORDO

EUA e 11 países do Pacífico fecham


de implementação.
A integração regional, proposta pelos
governos não alinhados com Washing-
ton, colocava as tarefas de construir um
polo político para intervir no cenário in-
ternacional e hemisférico (Unasul, Ce-
lac) e um espaço econômico onde a inte-
acordo histórico de livre comércio
gração dos negócios (investimentos, “ca-
deias regionais de valor”) transformasse NOVAS REGRAS bre nossos produtos”, explicou o presi- que é comunista; e estabelecerá uma fis-
a região em polo econômico emergente dente dos EUA, Barack Obama, à im- calização única sobre o tráfico ilegal de
no cenário internacional e não em apên- Tratado de Associação prensa. “Ela inclui os mais fortes com- animais e crimes ambientais. Além dis-
dice de um dos centros do capitalismo promissos com o trabalho e o meio am- so, o tratado também visa diminuir a in-
desenvolvido. Obviamente as principais
Transpacífico representa biente do que qualquer outro acordo na fluência chinesa na região.
economias da região – Brasil, Argenti- 40% da economia história”, ressaltou. Outros países asiáticos, como a Coréia
na e Venezuela – teriam um papel chave O acordo representa um importante do Sul, Taiwan e Filipinas, além de sul-
nesse desenho. mundial e irá eliminar marco no governo de Obama, mas ainda -americanos, como a Colômbia, já ex-
Passou o ciclo de preços altos das co- precisa ser aprovado no Congresso, que pressaram interesse no acordo.
modities (agrícolas, minerais, energé- 18 mil impostos deverá votar apenas em 2016. Sindicatos trabalhistas, ativistas de di-
ticas) exportadas pela região e com isso
as condições que facilitavam o financia-
colocados sobre produtos reitos humanos e ambientalistas se opu-
seram ao acordo, justificando que o TPP
mento dessa estratégia alternativa. Com norte-americanos “Esta parceria iguala o irá beneficiar apenas as grandes empre-
aqueles três países atingidos em cheio sas, prejudicando trabalhadores e enfra-
por crises econômicas e sem as ferra- campo para os nossos quecendo leis de proteção ambiental.
mentas de uma nova arquitetura finan- fazendeiros, rancheiros e Na política, um dos que criticaram o
ceira regional, crescem as pressões para de São Paulo (SP) tratado foi Bernie Sanders, pré-candida-
a volta à negociação de TLCs com países manufatureiros por eliminar to à Casa Branca pelo Partido Democra-
do capitalismo desenvolvido. ESTADOS UNIDOS e outras 11 nações ta, que afirmou que o TTP vai “devastar
com abertura para o oceano Pacífico mais de 18 mil impostos que famílias trabalhadoras”.
(Japão, Canadá, Chile, Austrália, Bru- vários países colocam sobre A formação do TPP entrou em discus-
A derrota da Alca foi uma nei, Malásia, Nova Zelândia, México, Pe- são quase oito anos atrás e as negocia-
batalha decisiva para nossa
ru, Cingapura e Vietnã) anunciaram, dia nossos produtos” ções finais foram retomadas dia 30 de
5 de outubro, o Tratado de Associação setembro em Atlanta, nos Estados Uni-
região, mas não acabou com as Transpacífico (TPP), acordo histórico de dos, para acertar os detalhes quanto ao
livre comércio. Juntos, esses países com- comércio de laticínios e a nova geração
ameaças do imperialismo põem 40% da economia mundial. Além de eliminar impostos, o TPP es- de biomedicina. Outros pontos de atri-
“Esta parceria iguala o campo para os tabelecerá regras uniformes sobre a pro- to, que atrasaram a criação do grupo, in-
nossos fazendeiros, rancheiros e manu- priedade intelectual das corporações, cluíram os setores agrícolas, automoti-
fatureiros por eliminar mais de 18 mil abrirá o fluxo de informação pela inter- vos, produtos farmacêuticos e proprie-
Em 2005 também avançava a iniciati- impostos que vários países colocam so- net entre as nações, inclusive no Vietnã, dade intelectual. (Opera Mundi)
va liderada por Venezuela e Cuba deno-
minada Aliança Bolivariana para os Po-
vos de Nossa América (Alba), que incluiu
a Bolívia, Equador, Nicarágua e vários VIOLÊNCIA
países do Caribe, buscando novas formas
de cooperação entre países e novos para-
digmas de comércio. Se queremos buscar
antecedentes desta iniciativa, podemos
Nos EUA, total de mortes por armas de fogo é
encontrar no discurso do Che Guevara
na Conferência Afroasiática em Argélia
(24.02.1965) quando questionou que as
mais de mil vezes maior do que por terrorismo
relações entre países do campo socialista
se dessem com critérios do mercado ca- Para presidente Barack Segundo o CDC, 316.545 pessoas fo- “Somos o único país desenvolvido do
pitalista. Estão ainda para ser avaliadas ram mortas por armas de fogo em terri- mundo que presencia esses tiroteios a
iniciativas da Alba, mas qualquer infor- Obama, tiroteios tório norte-americano, de 2004 a 2013. cada poucos meses”, falou o presiden-
me econômico sério nos mostra que vá-
rias pequenas economias caribenhas sal-
viraram “rotina” no país; Os números contemplam todos os tipos
de mortes, incluindo homicídios, aciden-
te na ocasião. “Minha resposta neste pa-
lanque acaba sendo rotina. Nós nos tor-
varam-se da falência econômica nos anos em 2015, aconteceram tes e suicídios. Já de acordo com o De- namos dormentes a isto [atentados]. Es-
de altos preços do petróleo graças a Pe- 264 tiroteios com mais partamento de Estado, 277 cidadãos fo- pero que eu não precise aparecer nova-
trocaribe (um programa complementar a ram mortos no exterior por incidentes mente [para se pronunciar sobre um ti-
Alba). E dezenas de milhares de pobres de quatro mortos terroristas, no mesmo período. Além roteio]. Porém, baseado em minha ex-
da América Latina agradecem uma das disso, atos comprovadamente terroris- periência como presidente, não posso
primeiras iniciativas da Alba – a “Missão tas dentro do território norte-americano garantir isso”, repetiu.
Milagre” – que devolveu a visão a pesso- mataram 36 pessoas, gerando um total Para Obama, enquanto houver propa-
as que os sistemas médicos privatizados de São Paulo (SP) de 313 mortos. Segundo a ONG Gun Vio- gandas de armas e pessoas que argumen-
em seus países se recusavam a atender lence Archive, em 2015 ocorreram 264 tem que elas são necessárias para defe-
mesmo para uma relativamente simples DADOS DO DEPARTAMENTO de Esta- casos de “mass shooting” (termo que se sa pessoal, os atentados irão continuar.
cirurgia nos olhos. do e do CDC (Centro de Controle e Pre- refere a situações com pelo menos qua- Em mais de uma ocasião, ele mencionou
Mas tanto as iniciativas do Mercosul venção de Doenças) dos EUA mostram tro vítimas de arma de fogo, com exce- o controle que a Associação Nacional dos
como da Alba são insuficientes para res- que, de 2004 a 2013, ocorreram 1.011 ve- ção do atirador). Isto equivale a quase Rifles (NRA, na sigla em inglês) tem so-
ponder às necessidades do desenvol- zes mais mortes por armas de fogo que um tiroteio por dia. O pedido de Oba- bre o Congresso norte-americano.
vimento de nossos países. Isso se deve por terrorismo nos EUA. Os cálculos, di- ma foi feito à mídia durante uma cole- Dados da emissora CBS mostraram
a que as economias latino-americanas vulgados dia 2 de outubro pela emissora tiva de imprensa, dia 1º, que tratou do que a NRA gastou mais de US$ 12 mi-
continuam em grande medida depen- norte-americana CNN, foram feitos após atentado de Oregon, onde um atirador lhões (mais de R$ 46 milhões) na candi-
dentes do mercado mundial capitalis- o presidente do país, Barack Obama, pe- matou 13 e feriu 20 pessoas. O atirador datura de alguns deputados e senadores
ta e subordinadas aos fluxos do capital dir que a imprensa levantasse os núme- também morreu, mas ainda não se sabe nas eleições de 2014. Ainda de acordo
financeiro internacional. Os governos ros, durante discurso por causa do aten- se foi suicídio ou se foi resultado da atu- com a emissora, 95% dos candidatos em
não alinhados aos EUA tinham resgata- tado que matou 13 pessoas numa facul- ação policial. Ele já havia dito que tiro- que a NRA investiu foram eleitos. (Ope-
do os Estados para aplicar políticas eco- dade do Oregon dia 1º. teios haviam se tornado rotina no país. ra Mundi)

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