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editorial
Simon Ernesto
esgrimindo ideias
VERÔNICA É UMA MULHER valente que criou os três filhos sem o há-
bito de tomar leite. Não é neurótica com isso, uma vez que o leite apare-
ce em muitos alimentos. Mas, não precisando tomar, a gurizada não to-
ma. Ela sempre ensinou que o leite da mãe é que é legal, assim como para
quase todas as espécies animais.
Quando ainda vivia no Brasil, e foi o tempo dos dois primeiros irem à
escola, não houve maiores problemas, pois eles levavam merenda e ela
podia preparar o lanche saudável, sem leite. Mas, agora, ela mora no Uru-
guai e, lá, é comum as crianças fazerem até três refeições na escola. Até
aí tudo beleza, isso é bacana demais. Mas, a coisa começou a complicar
quando Anaís foi obrigada a tomar leite. Verônica tentou dialogar com a
direção, mas as professoras alegavam que não podiam dar tratamento di-
ferenciado a uma aluna. Foi um tempo difícil. Havia toda a coisa de ser
diferente, brasileira, chegando na cidade, e ainda isso? Decidiram então
que a guria ia tomar o leite.
Arquitetos do destino
Mas, quem diz que o corpo entende a lógica alheia? A pequena Anaís
começou a ter dores de barriga, enjoos, gripe, toda a sorte de desarran-
jos. Não havia dúvidas de que era o leite. Só então as professoras per-
mitiram que ela levasse seu próprio lanche feito de chás, frutas e coi-
sas saudáveis.
ERNESTO CHE Guevara defendeu
em sua vida revolucionária que o
Opinamos que se Dessa forma, a política deixou as
ruas e se recolheu no interior dos
homem deixa de ser escravo quan-
do se converte em arquiteto do
há velha e nova lares, onde há guerra, na qual os
marqueteiros são os comandantes
Aconteça o que for haveremos de ver
próprio destino, por isso não basta
interpretar a natureza e a realida-
política, elas vêm e os eleitores espectadores que, de
ora em quando, se arrependem de
Simoncito pelos caminhos de nuestra
de, mas é preciso transformá-las. montadas em torcer pela destruição da trinchei- América, esgrimindo seus valores, com a
Supõe-se que ser arquitetos do ra alheia e mudam de lado levan-
destino é antes de tudo tomar nas velhos hábitos e do os números a suicidarem ou- força de um gigante
mãos o poder de decidir sobre os tros números fazendo subir e des-
passos a serem dados. Traçar pla- novos vazios cer as porcentagens nas pesqui-
nos e realizá-los. Construir alter- sas. Todos sabemos que programa
nativas programadas e, acima de eleitoral é como capítulo de nove- Quando chegou a hora de seu terceiro filho ir para a escola, de novo lá
tudo, coordenar a própria razão, la, no dia seguinte ninguém lem- veio o problema. Haveria que tomar leite. Simón Ernesto achou que po-
os sentimentos e os sentidos das bra mais o que passou e o que fica dia enfrentar essa. Mas, tal e qual a irmã, o corpo recusou e Verônica con-
práticas efetuadas pela afirmação é a afeição pelos personagens, por seguiu que ele pudesse levar sua garrafinha de chá de gengibre com cane-
do sujeito coletivo. isto, com uma fantasia na cabeça la. Só que um garoto como Simón, que entende a vida de um jeito diferen-
Por outro lado, não ser arqui- cada cidadão vai às urnas decidir o te, e é um questionador, começou a ficar preocupado com as coisas que a
tetos do próprio destino significa final da disputa. professora dizia na escola. “Ela fala que o leite é bom para a saúde. Mamãe,
continuar vivendo na condição de Opinamos que se há velha e no- tem que falar com ela”, pediu, por certo aflito com o que poderia acontecer
escravos, acorrentados pelos pró- va política, elas vêm montadas em com os colegas que tomam o leite.
prios limites que sufocam e intimi- velhos hábitos e novos vazios. Há Verônica escreveu um texto explicando para a professora as razões de
dam as reações contra os senho- candidatos que entram na disputa por que na casa deles ninguém tomar leite, pedindo que ela entendesse que
res que controlam a força e os sen- televisiva para divulgar ideias e cada um tem o direito de viver a vida segundo seus princípios. Dias depois
timentos dos juízos despolitizados. não lhes dão tempo, por isto dizem foi até a escola para discutir a questão, mas descobriu que a professora se-
É deixar-se levar pelas situações as melhores velhas coisas, mas por quer tinha lido o bilhete. Pelo contrário. Ainda estava contrariada com as
conjunturais como se isto fosse a terem se afastado das ruas, os per- coisas que Simón começou a fazer.
história possível de ser feita. sonagens não ganham a admi- E o quê faz o Simoncito? Militância contra o uso do leite na alimentação.
Ser arquitetos do destino é tor- ração do público; no entanto, há Todos os dias, na hora da merenda, ele reúne os colegas e explica que o lei-
nar-se consciente das responsa- aqueles com mais tempo, mas sem te, ao ser tomado, fica podre na barriga e acaba fazendo mal à saúde. Os
bilidades históricas e provocar o ideias, que dizem tudo do mesmo; outros ficam no espanto. Aquele corpinho miúdo já aprendeu a discursar e
surgimento de oportunidades pa- pintam o mundo com outras cores defender suas ideias.
ra que se possa agarrá-las e de- Os processos eleitorais das últi- e inovam o vazio. Verônica se debate entre o orgulho e a preocupação. É bom ver o filho
senvolvê-las como tarefas perma- mas décadas da história do Brasil, Como já não podemos viver sem protegendo os colegas, explicando que há outras maneiras de comer. Mas
nentes. Para que as oportunida- além de terem se despregado do novelas e sem eleições, elas são, também é difícil percebê-lo no meio da contradição. A mãe e a professora,
des apareçam, como a água escon- conjunto dos princípios contes- no capitalismo, o suspiro da alma duas mulheres importantes, divergindo tão radicalmente nos conceitos de
dida no subsolo, é preciso cavar a tatórios e de classe, sufocaram as dos dominados, há de se retomar alimentação. Pensou que isso pode ser confuso para ele.
terra e descobrir o veio que espera demais táticas e inibiram a reação as ações que convertam os corpos Bobagem, o garoto já tomou posição e mostrou que sabe muito bem to-
pela descoberta de quem tem sede. popular contra o poder do Esta- escravizados em sujeitos do desti- mar suas decisões. Mesmo confrontado com a autoridade da escola, não se
Portanto, para deixar de ser escra- do e do capital. Seguiram o cami- no, com o propósito de forjar em si furtou a pregar as ideias nas quais crê. Talvez por carregar o nome de dois
vos é necessário reconhecer-se en- nho oposto da formulação coleti- o projeto popular, no qual o poder grandes revolucionários (Simón e Ernesto) tenha tomado deles também
quanto tal, querer deixar de sê-lo e va. Mais ainda, a política da tática pertence à coletividade e nele não a fibra. Talvez porque reconheça a força de sua mãe, as escolhas do pai. O
inventar meios para implementar eleitoral impôs uma rotina con- haverá enganos, pois as palavras e certo é que esse garotinho já disse a que veio no mundo. Aconteça o que
esse querer. Os meios ou as táticas formista que tirou dos trabalha- as ações são expressões da mesma for haveremos de ver Simoncito pelos caminhos de nuestra América, esgri-
fazem parte da capacidade criativa dores o desejo de serem arquite- linguagem. mindo seus valores, com a força de um gigante. Por hoje é o leite...
que os sujeitos conscientemente e tos do próprio destino e passaram E amanhã, heim, Simón?
em luta desenvolvem nas conjun- a sonhar com a cabeça de seus re- Ademar Bogo é filósofo, escritor e
turas adversas. presentantes. agricultor. Elaine Tavares é jornalista.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
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de 18 a 24 de setembro de 2014 3
instantâneo Paulo Kliass
Potencial
do pré-sal
Pedro Nathan
Faixa do cidadão
A sociedade entra em clima de letargia, esquecendo-se de
que o petróleo é finito, que outras fontes de energia alterna-
tiva são descobertas a cada momento. Nossa vizinha Vene-
zuela experimentou esse movimento e depende de importa-
ções de manufaturados para assegurar o consumo interno.
É TÃO RARO VER o espaço público ser resgatado pa- na de butique esbravejou: “Onde vou colocar as minhas Foi por isso que o nosso modelo tem a Noruega como re-
ra alguma iniciativa coletiva, que os 70,6 km de ciclovias clientes milionárias?”. Outra manifestação na mesma ferência. A ideia é reconhecer, sim, a importância econômi-
pintadas de vermelho inspiram uma outra virada cultu- toada ficou por conta de conhecida professora de comu- ca das reservas recentemente descobertas. Mas direcionar
ral em São Paulo. nicação e semiótica. A professora Lúcia Santaella postou as receitas derivadas de sua exploração para um fundo es-
“Não sou conduzido. Conduzo!”, diz o brasão da cida- em uma rede que o prefeito de São Paulo está “enchen- tratégico, que vai utilizar os recursos derivados de seu ren-
de. O paulistano fará qualquer coisa para não ficar atrás do as ruas de horrendas faixas vermelhas, provavelmen- dimento apenas para saúde, educação, ciência e tecnologia.
de quem quer que seja, muito menos de uma bicicleta. te encomendadas do diabo em pessoa”. Para ela, o ver- Trata-se de um reconhecimento necessário de que os gran-
Atinge a sua honra e o seu direito de propriedade absolu- melho atinge o nosso sistema nervoso central e, é cla- des beneficiários serão os integrantes das gerações futuras.
ta sobre a via pública. É preciso ultrapassar, custe o que ro, no fundo, tudo não passa “da mais descarada pro- A sanha de querer utilizar oportunisticamente essa ri-
custar, lançando faróis, buzinas e até impropérios pré- paganda vermelha do PT”. “Ou será ele (o prefeito Had- queza estratégica para fechar as contas de curto prazo é um
-gravados e amplificados. Nessas horas baixam no pau- dad) o ingênuo em querer nos fazer crer que vivemos em grande equívoco. Assim como o governo tem se aproveita-
listano três espíritos: o espírito bandeirante; um espírito plena Amsterdam?”, indaga. Rápida no gatilho, a jorna- do de malabarismos da chamada “contabilidade criativa”
de inferioridade (recalcado ao extremo) e o espírito dos lista Marjoerie Rodrigues, que mora em Utrech (Holan- para criar miraculosamente recursos para gerar superávit
pilotos (de fórmula 1) que aqui nasceram. da), respondeu à professora mandando uma série de fo- primário, teme-se que a mesma postura possa ser utilizada
E os excluídos desta guerra de ritmos, forças e pode- tos com ciclovias vermelhas pelo mundo afora. Ela tam- com as imensas divisas que começarão a jorrar para o Fun-
res (como os pedestres e ciclistas)? Desde as mobiliza- bém anexou o vídeo “Como os Holandeses conseguiram do do pré-sal. Afinal, alguns bilhõezinhos de reais a mais
ções dos Provos, com suas bicicletas brancas na Holan- as suas ciclovias” (http://bit.ly/1iIMCZM), que sintetiza aqui e ali não farão muita falta daqui a 50 anos, sendo que
da dos anos de 1960, passando por movimentos funda- as políticas públicas que priorizam a bicicleta por uma temos que pagar um vencimento da dívida pública depois
mentais como Reclaim the Streets e Critical Mass, os questão de necessidade. de amanhã. Ledo engano!
ciclistas não se conformaram em disputar o mesmo es- As ciclofaixas purpúreas causam arrepios ideológicos Esse é o grande risco associado à má utilização do poten-
paço com os automóveis. Foram à luta, politizando o e não semióticos nos paulistanos. Além disso, desconfio cial do pré-sal.
espaço público e esboçando uma nova pedagogia dos que a onda vermelha em SP não é coisa do capeta. Tudo
fluxos urbanos. começou quando os índios se juntaram aos black blocs e Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris
As recentes implantações das faixas exclusivas para ci- pintaram o monumento às bandeiras dessa cor que, de fa- 10 (Nanterre) e integrante da carreira de especialista em políti-
clistas têm revoltado a burguesia paulistana. Uma do- to, atinge o sistema nervosa central! cas públicas e gestão governamental, do governo federal.
fatos em foco
da Redação
Mais de 3,4 mil crianças foram pela Federação Única dos Petroleiros em pública, elaboração e publicação de re-
flagradas trabalhando este ano conjunto com as centrais sindicais CTB, latório final que justifique a escolha do
Desde o início do ano, auditores fiscais CUT, UGT e entidades do movimento candidato que será submetido à saba-
flagraram 3.432 crianças e jovens traba- social como MAB, MST, UNE, UBES, tina do Senado e participação da socie-
lhando em todo o Brasil. O resultado é UEES-RJ, FETEERJ, UEE-RJ, MPA E dade nas sabatinas. Com isso, espera-se
inferior aos 5.382 casos registrados no CNM, FAMERJ, FAFERJ. que o compromisso com os direitos
mesmo período do ano passado, mas, humanos, as perspectivas de gênero e
segundo especialistas, demonstra que o Organizações cobram participação raça sejam critérios estruturantes para
Brasil pode não atingir a meta de erra- e transparência no STF escolha de novos/as ministros/as.
dicar o trabalho infantil até 2020, caso Mais de 50 entidades, movimentos
a iniciativa privada e, principalmente, o sociais e redes enviaram hoje (15) uma Sindicalistas argentinos e brasilei-
Poder Público não intensifiquem os esfor- Carta Aberta à Presidência da Repú- ros discutem intercâmbio
ços nesse sentido. blica, à Secretaria Geral da Presidência A CUT e o Sindicato de Mecânicos e
da República e ao Ministério da Justiça Afins do Transporte Automotor da Ar-
Milhares tomam as ruas do país pa- reivindicando a regulamentação de um gentina (Smata) se reuniram em Buenos
ra defender a Petrobras e o pré-sal procedimento democrático para os pro- Aires, dia 8 de setembro, para debater a
No dia 15 de setembro, mais de 10 cessos de escolha e nomeação de novos/ formação de redes de trabalhadores em
mil trabalhadores, dos mais variados as ministros/as do Supremo Tribunal montadoras presentes nos dois países. O
segmentos lotaram a Praça da Cinelân- Federal (STF). As organizações reque- Smata representa hoje a maioria dos tra-
dia, no centro do Rio de Janeiro para rem a criação de chamadas públicas de balhadores ligados à indústria automobi-
defender o pré-sal, a Petrobras e o Brasil. candidaturas, combinada a etapas de lística argentina, que este ano sofreu uma
O ato foi convocado de forma unitária divulgação das candidaturas, consulta redução de mais de 25%.
6 de 18 a 24 de setembro de 2014 brasil
SAÚDE Historicamente, os
avanços no tratamento da Aids e
DST foram alcançados porque os
órgãos governamentais se abriram
à sociedade civil e construíram
programas de acesso à saúde
Malú Damázio
de São Paulo (SP)
da Rede Brasil Atual
Preconceito e tratamento
O atendimento de DST é um dos pontos criticados por portadores de HIV e movimentos voltados à defesa de direitos humanos
nir como será feito o tratamento de DST apenas portador, mas que não manifes- indústria farmacêutica de produzir e co-
de São Paulo (SP) e alguns optam pelo modelo para desa- ta o vírus, precisa fazer acompanhamen- mercializar cada vez mais medicamentos.
da Rede Brasil Atual fogar serviços especializados, mas o ór- to médico regular para monitoramento. Porém, na visão do coordenador da
gão reforça que o atendimento oferecido A política da OMS, no entanto, defen- Pela Vidda SP, a política representa um
Murilo é portador de HIV há 27 anos nos CRT é fundamental. de que o casal sorodiscordante – em que avanço no tratamento e modo de vida do
e se trata desde 1990 no Centro de Re- O atendimento de DST em esferas lo- uma das pessoas seja portadora do vírus portador de HIV e é positiva. “Quando
ferência e Treinamento em DST/Aids cais é um dos principais pontos critica- HIV e a outra não – tenha acesso aos an- se fala em qualquer tipo de atitude ou de
(CRT) Santa Cruz, na região Centro-Sul dos por portadores de HIV e movimen- tirretrovirais. Nesse caso, além do uso empenho da OMS e dos governos de ten-
de São Paulo. Após quase três décadas tos voltados à defesa de direitos huma- da camisinha, o soropositivo deve tomar tar diminuir o número de contágios de
de sorologia, ele precisa ir ao hospital a nos. Nos CAP, além do contato com di- os medicamentos para evitar transmis- HIV, aumentar a prevenção da popula-
cada três meses para passar por exames versos tipos de patologia, o portador do são do vírus para o parceiro. Controver- ção e tentar desenvolver um sistema em
de rotina, como hemograma completo e vírus e as demais pessoas infectadas po- sa, a recomendação da OMS busca pre- que as pessoas se sintam mais protegi-
a detecção de carga viral. A infectologis- dem passar por situações constrangedo- venir novas infecções e dar maior segu- das, tudo é válido”, argumenta.
ta que o acompanha há 12 anos analisa a ras e se expor a comentários e comporta- rança ao casal sorodiscordante. A im- Murilo avalia que as pessoas não se
ação do antirretroviral no organismo do mentos preconceituosos ao encontrar co- plementação no Brasil ainda é discuti- submeteriam a altas cargas de medica-
paciente, prescreve medicamentos para nhecidos que não saibam da situação. da. Alguns setores de pesquisa em HIV/ mento com fortes efeitos colaterais ape-
o próximo período e ele pode retirá-los “Antes de falar de Aids e HIV, temos Aids, no entanto, discordam da postura nas para fazer sexo sem preservativo. “A
logo em farmácia. que pensar primeiro no pior vírus que de “super prevenção” adotada pelo ór- gente tem que saber o seguinte: os re-
Assim como é feito em São Paulo, na existe, que é o preconceito. Ele mata a gão por acreditarem que o portador de médios têm efeitos colaterais, são super
maioria dos municípios brasileiros o pessoa em vida, como cidadão, destrói HIV, tomando os antirretrovirais, esta- drogas, drogas poderosíssimas. Então, a
atendimento ao portador do vírus HIV e a autoestima e ela se sente rejeitada. Es- rá sujeito a efeitos colaterais muito vio- pergunta é a seguinte: você acha que uma
à pessoa infectada com DST é feito em lo- se é o pior vírus. A maioria das pessoas lentos e desnecessários. pessoa que não tem Aids irá se submeter,
cais especializados, os CRT. A vantagem não quer ser atendida no posto de aten- de certa forma, a tomar esses remédios
dos centros é que as atividades são dire- dimento no bairro em que mora, ou na diariamente, em horários regulares, so-
cionadas somente ao tratamento dessas região do bairro em que mora. Ela cor- “Antes de falar de Aids e HIV, temos frer os efeitos colaterais que eles eventu-
doenças específicas e a pessoa com Aids, re o risco de encontrar um vizinho, um almente causam só pelo simples fato de
por ter a imunidade baixa, não precisa parente, um colega da escola, amigos de
que pensar primeiro no pior vírus que que vai poder transar sem preservativo?
entrar em contato com as demais enfer- rua etc. Como explicar para a pessoa o existe, que é o preconceito” A camisinha é ainda a melhor forma de
midades, como em hospitais e prontos- que ela está fazendo lá?”, explica Murilo. se prevenir”, ressalta.
-socorros, que recebem todo tipo de ur-
gência médica e de patologia infectocon- Prevenção medicamentosa
tagiosa, como tuberculose. Desde o ano passado, a Organização “Além de aumentar os efeitos cola- Serviço
Algumas cidades, porém, realizam o Mundial da Saúde (OMS) passou a re- terais, essa medida também favorece o
Grupo Pela Vidda SP
atendimento das DST nos Centros de comendar a terapia antirretroviral para não uso da camisinha em relações sexu-
Atenção Primária (CAP) e de saúde da qualquer portador do vírus HIV que te- ais. Quando você alimenta a ideia de que Rua General Jardim, 566, Vila Buarque – São Paulo
família, que geralmente recebem público nha quantidade de linfócitos CD4 (célu- não precisa usar preservativo, está au- Atendimento gratuito de segunda-feira à sexta-
da região ou bairro em que estão locali- las de defesa) menor ou igual a 500 cé- mentando também a chance de transmis- -feira, das 14h às 20h
zados. Rio de Janeiro, Porto Alegre, For- lulas/mm3 de sangue contra 350 célu- são de todas as DST. Elas não são trans- Durante as quintas-feiras, das 19h30 às 22h, ocor-
taleza e Curitiba são capitais que ado- las/mm3. Geralmente, somente as pes- mitidas pela mesma forma do HIV? Não re o Chá Positivo – roda de conversa com psicó-
taram esse tipo de política pública. De soas que têm Aids, que caracteriza a defi- são as mesmas práticas?”, critica Maria logos, assistentes sociais e assessoria jurídica que
acordo com o Ministério da Saúde, ca- ciência do sistema imunológico, realizam Amélia. Para a pesquisadora da UFES, a recebe portadores de HIV/Aids e familiares
da município tem autonomia para defi- tratamento com antirretrovirais. Quem é recomendação atende aos interesses da
ELEIÇÕES
Matemática e corpo
CRÔNICA O corpo, a gente joga a toalha:
Braulio Tavares
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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Controle – Movimento que tem protagonizado massivas ocupa-
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
ções de terrenos urbanos na cidade de São Paulo. 2.Está há 12 anos no governo 1
federal – Uma das operadoras de telefonia celular. 3.Partido do presidente boli-
viano Evo Morales – A protestante foi liderada por Martinho Lutero. 4.Reduzidos 2
– Jovem mais visado pela polícia nas periferias. 5.Parte imortal do ser humano –
9
Sigla do latim post scriptum [o que se escreve num texto depois de ser assinado].
6.Segunda nota musical – Estado (sigla) com menor litoral do Brasil. 7.Reduzir a 10
cinzas. 8.“Seis”, em algarismo romano – Terceira nota musical. 9.Movimento da
esquerda cristã, nascido em 1962, a partir de um congresso em Belo Horizonte 11
– Lição. 11.Nesse lugar – Interromper. 12.A capital deste estado (silga) é Porto
Alegre – Em alemão, diz-se “Straße”. 13.Fernando de Noronha pertence a este es-
tado (sigla) – Frequência de rádio – Da sigla “computador pessoal”, em inglês. 16.ETA. 17.Somar – Tio. 18.Tiã – Favor.
14.Organização católica tradicionalista brasileira fundada em 1960. 15.Canal de nerar. 8.VI – Mi. 9.AP – Aula. 11.Aí – Cortar. 12.RS – Rua. 13.PE – AM – PC. 14.TFP. 15.CNN – Mês.
TV a cabo de notícias dos Estados Unidos – Período de 30 dias. 16.Movimento Verticais: 1.Fome – MG. 2.Asa – CIA. 3.Sesc – ONU. 4.Ri – Negro. 5.Alma – PS. 6.Ré – PI. 7.Inci-
– Racismo.
que lutava pela independência do País Basco. 17.Adicionar – Irmão de pai ou de – On. 7.Conservadora – Neta. 8.Cine – Ai – Rumo. 9.Auge – Luta – Mato. 10. IR. 11.Genocídio
mãe. 18.Amuleto dos negros malês – Serviço gratuito prestado ou recebido. Horizontais: 1.Fiscalização – MTST. 2.PT – Oi. 3.MAS – Reforma. 4.Escravizados. 5.Cor. 6.Pré
américa latina de 18 a 24 de setembro de 2014 13
ANÁLISE A experiência
da Venezuela, que lançou
uma lufada de vento
fresco sobre a América
Latina, fraqueja, mas ainda
não está derrotada
Elaine Tavares
CUBA
INTERNACIONAL
Escócia e Catalunha: rumo à independência Na Catalunha, milhares foram às ruas pelo direito de consultar a população
ANÁLISE Em ambos os casos, vale destacar o incentivo à democracia direta, mas um resultado deverá ter pouca influência no outro
lhano nunca foi totalmente assimilado ço pelo imigrante que busca integrar-se mitir a consulta, decisão respaldada tam-
Raphael Tsavkko Garcia pela população catalã, cuja maioria ab- – e estes são buscados a integrar-se –, bém pelos tribunais.
de Bilbao (País Basco) soluta emprega o catalão como língua que busca compreender o que se passa. Apesar dos discursos de que tais parti-
veicular e o ensina nas escolas, pese São movimentos nacionalistas, base- dos respeitam a democracia, não são ca-
EM 18 DE SETEMBRO, milhões de es- históricas tentativas de suprimi-lo, em ados em identidades culturais e étnicas pazes de aceitar que a população exerça
coceses irão às urnas votar em um re- especial durante a ditadura de Franco. que, ao mesmo tempo, são abertos ao di- livremente seu direito ao voto, ou seja,
ferendo pela independência do país do O “catalanismo” sempre foi um senti- ferente e ao que vem de fora aproveitan- trata-se de uma democracia apenas em
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlan- mento muito forte, mas a crise que aba- do uma sinergia entre os diferentes. Pode relação ao que o governo permite.
da do Norte. Pelas pesquisas divulga- lou a Europa e que ainda permanece co- parecer contraditório, mas faz todo sen- Para além das diferenças e semelhan-
das até o momento, é impossível saber mo uma nuvem negra no horizonte aca- tido, pois parte da força destes movimen- ças básicas, fica a questão sobre qual efei-
qual será o resultado, mas há a certeza bou por empurrar ainda mais os catalães tos hoje vêm exatamente da maior parti- to terá a consulta escocesa sobre o eleito-
de que a mera existência de tal referen- em direção à rota da independência. cipação social e horizontal que converge rado catalão e, mais além, se o governo
do é um marco. em um sentimento de identidade local. catalão – Generalitat – capitaneado por
Caso semelhante de grande repercus- Semelhanças O direito de decidir é parte do proces- Artur Mas, irá levar adiante uma consul-
são, o da separação do Quebec do Cana- Há semelhanças entre as situações ca- so democrático, é horizontal, é agrega- ta baseada no princípio da desobediência
dá, acabou com a vitória dos unionistas talã e escocesa no que tange a questões dor, ao passo que busca corrigir erros civil – opção apoiada por forças de es-
por pequena margem nos anos de 1990 e econômicas e sociais. Recortes de benefí- históricos e imposições horizontais vin- querda nacionalista.
desde então o nacionalismo “quebequen- cios sociais e o excesso de imposto pago das de longe. Quanto mais proibição,
se” encontra-se em banho-maria. por estas duas nações, respectivamente, maior se torna o movimento e mais in- Consequências
A Escócia de William Wallace, famo- a Londres e a Madri fizeram crescer um clusivo também. A intenção de catalães A vitória do “sim” na Escócia poderia
so guerreiro pela liberdade de seu povo sentimento de injustiça que, aliado a ou- e escoceses é buscar um caminho pró- ter junto à população catalã o mesmo
nos séculos 13 e 14 e retratado no grande tras formas de opressão cultural e mes- prio, mas não excludente. efeito que jogar gasolina no fogo, mas
sucesso do cinema Coração Valente, de mo aliado a uma história larga de confli- ao mesmo tempo poderia tornar ainda
Mel Gibson, em 1995, nunca aceitou to- tos e conquista, acabaram por impulsio- mais intransigentes as lideranças espa-
talmente os acordos e arranjos reais que nar o sentimento nacionalista. São movimentos nholas em seu rechaço ao exercício de-
acabaram por uni-la definitivamente ao Em ambos os casos há também seme- mocrático.
resto do Reino Unido (na concepção es- lhante o terrorismo praticado por ban- nacionalistas, baseados Ao contrário da Escócia, onde o “não”
cocesa, unidos à Inglaterra, real “cabe- cos e grandes empresários que ameaçam em identidades culturais é o favorito, a ampla maioria social ca-
ça” deste emaranhado de nações). Che- mudar as sedes de suas empresas pa- talã apoia a independência. Uma virada
gou o momento de medir forças e buscar ra Londres e Madri na tentativa de usar e étnicas que, ao mesmo do “sim” na Escócia, baseado no princí-
um novo caminho. a pressão econômica para manipular e pio democrático, acenderia a luz verme-
pressionar a vontade popular. tempo, são abertos ao lha na Espanha, demonstrando que a op-
O fenômeno político do Podemos, par- ção por impedir o processo democrático
Seguros da vitória do “não”, lideranças tido de esquerda nascido dos movimen- diferente e ao que vem de estaria “correta”.
inglesas impuseram um referendo com tos de rua, dos chamados Indignados e fora aproveitando uma Por outro lado, uma vitória do “não” na
das mobilizações contra as políticas de Escócia teria pouco efeito tanto na Cata-
apenas duas alternativas, “sim” e “não”. austeridade durante o auge da crise eco- sinergia entre os diferentes lunha quanto na Espanha, dado que difi-
nômica ajuda a explicar um pouco o que cilmente o insucesso de um processo em
Nas últimas semanas, porém, se viu se passa com Escócia e Catalunha na que desde o começo o “não” liderava fa-
questão da representação. ria com que população catalã ou governo
um crescimento vertiginoso do “sim” Tanto o Podemos quanto diversos mo- Diferenças espanhol mudasse de posição.
vimentos pelo mundo, como os Occupy Porém, Catalunha e Escócia sustentam
iniciados nos EUA, a Primavera Árabe e diferenças significativas. A principal de-
Referendo mesmo os protestos de Junho de 2013 no las sendo o modelo de decisão. O refe- Porém, Catalunha e Escócia
Alex Salmond, primeiro-ministro da Brasil demonstram uma guinada geral rendo escocês é legal, irá acontecer com
Escócia e principal líder do Scottish Na- para um modelo mais participativo da e o apoio de Londres e seu resultado será sustentam diferenças
cional Party (SNP), batalhou para conse- na política, por uma democracia (mais) respeitado (acredita-se). No caso catalão,
guir um acordo com Londres e pelo refe- direta e por menos poder nas mãos de uma consulta seria ilegal, feita na base da
significativas. O referendo
rendo em marcha. políticos distantes. desobediência civil e seu resultado difi- escocês é legal, irá acontecer
Na visão dos ingleses, uma separação Escócia e Catalunha têm o interesse de cilmente seria respeitado pela Espanha,
parecia improvável. Salmond propôs um aproximar o centro de poder de seu povo, trazendo incertezas inúmeras. com o apoio de Londres e
referendo com três questões: “Sim”, pela aproximar o centro de decisões traçando Se por um lado é fato que a principal
independência; “Não”, pela manutenção linhas étnicas e culturais e acentuando razão para que o referendo aconteça na seu resultado será respeitado
da união; e uma terceira opção em que diferenças ao ponto de declarar que “os Escócia seja ou tenha sido a certeza in-
buscava “mais autonomia”. outros” não “nos” entendem como “nós” glesa de que o “não” venceria (e não em (acredita-se). No caso
Seguros da vitória do “não”, lideranças nos entendemos. si um respeito pela democracia), por ou- catalão, uma consulta seria
inglesas impuseram um referendo com tro o referendo sairá e a democracia foi
apenas duas alternativas, “sim” e “não”. “Nacionalismos” respeitada – a decisão final cabe à popu- ilegal, feita na base da
Nas últimas semanas, porém, se viu um É curioso notar, porém, que este sen- lação escocesa.
crescimento vertiginoso do “sim”, que timento nacionalista destas nações (e Já na Catalunha, partidos “espanholis- desobediência civil
em ao menos uma pesquisa chegou a ul- aqui inclui também o forte nacionalis- tas” como o PP catalão, setores do PSC
trapassar o “não” e pôr em perigo a união mo basco) não tem nada de xenófobo ou (PSOE catalão) e Ciutadans apoiam a de-
da Escócia com o resto do reino. excludente. Pelo contrário. São movi- cisão de Mariano Rajoy, primeiro-minis-
Foi o momento de novas negociações e mentos que, em geral, têm grande apre- tro espanhol, do PP, de se recusar a per- O fato de um referendo ser legal e ou-
tentativas de convencer líderes escoceses tro (no caso, uma consulta) ser ilegal
de que, vejam, só, mais autonomia pode- acaba por, na prática, diminuir os efei-
Stuart Crawford/CC