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2 de 15 a 21 de novembro de 2012

editorial

A dependência da economia ao capital estrangeiro


HÁ UM CONSENSO entre as corren-
tes de pensamento econômico, movi-
ral exportador e provocar uma desin-
dustrialização da economia, que che-
Os movimentos o comércio de drogas e armas.
Agora, começam a surgir notícias e
presas pelo capital estrangeiro.
Mas a galinha de ovos de ouro dos
mentos sociais e partidos políticos de
todo o mundo, que a partir da década
gou a pesar 38% do PIB na década de
1980. Hoje pesa apenas 15% da eco-
sociais e a estudos revelando um grave processo
de desnacionalização das empresas
capitalistas estrangeiros são as re-
servas do pré-sal. Essa é a verdadei-
de 1990 o capitalismo ingressou nu-
ma nova fase hegemonizada pelo ca-
nomia nacional.
Sofremos com essa redivisão in-
esquerda de todo brasileiras. O Brasil de Fato soma-
se a essa preocupação. Por isso, pu-
ra pressão que Obama e o primeiro-
ministro da Inglaterra fizeram so-
pital financeiro e pelas grandes cor- ternacional da produção e do tra- o mundo precisam blicaremos em nossas páginas análi- bre a presidenta Dilma: exigem que
porações internacionais que passa- balho. Cabe ao nosso território e ao ses e matérias para subsidiar esse de- o Brasil faça leilões do pré-sal, pa-
ram a dominar o mercado mundial. nosso povo trabalhar apenas pa- urgentemente bate. Parece que a crise que se aba- ra que suas empresas possam explo-
Assim, o capitalismo globalizou-se e ra fornecer matérias-primas baratas teu sobre o capitalismo financeiro in- rá-los. Todos sabemos que o petró-
domina toda a economia global; po- para o centro do capital. Essa é a ló- levantar a bandeira ternacional gerou para o Brasil um leo, pelas circunstâncias econômicas
rém sob o comando do capital finan- gica dominante. efeito contraditório, pois um grande atuais e pelo mercado garantido, ge-
ceiro e das grandes corporações. As Já a burguesia brasileira, inter- da luta contra os volume daquele capital fictício, para ra a maior renda extraordinária que
estatísticas mais conservadoras reve- na, continua com o mesmo com- evitar o risco de perder-se corre pa- um capitalista pode sonhar. Pois en-
lam que, passados vinte anos dessa portamento histórico denunciado paraísos fiscais, ra afugentar-se no Brasil. Chegaram quanto o preço de mercado do barril
hegemonia, o capital financeiro cir- por todos os pesquisadores, em es- aqui, de 2008 para cá, ao em torno está ao redor de 120 dólares, o cus-
culante saltou de 17 trilhões de dó- pecial Florestan Fernandes. Segun- suas isenções e de 200 bilhões de dólares por ano. E to de extração do pré-sal é de ape-
lares, em 1980, para 155 trilhões em do ele, essa burguesia nunca teve aqui, compraram terras, usinas, eta- nas 16 dólares. A diferença deve ser
2010, enquanto o volume de produ- interesses nacionais e muito menos sigilos nol, hidrelétricas, poços de petróleo, apropriada pelo Estado e não pelos
ção de mercadorias medidas pelo PIB de desenvolver nosso país. Pensa e empresas industriais, e até a empre- interesses do lucro capitalista. Fez
mundial passou de 15 trilhões de dó- age apenas em torno do lucro ime- sa de serviços de saúde como a Amil. bem a presidenta em anunciar que o
lares para 55 trilhões. Por outro lado, diato, e para isso, se apropria de como revelou o livro do jornalista Com um cadastro de 8 milhões de governo brasileiro se compromete-
as 500 maiores empresas interna- recursos públicos ou se alia subal- Amaury Ribeiro Jr., A privataria Tu- brasileiros, a empresa foi desnacio- ria a aplicar todos recursos advindos
cionais controlam 58% de todo PIB ternamente aos interesses da bur- cana onde descreve esse movimento nalizada e passada para um grupo de dos royalties do petróleo em educa-
mundial, embora empreguem menos guesia internacional. com detalhes e nomes. empresários estadunidenses. No se- ção. Medida sábia e necessária. Po-
de 5% da mão de obra disponível. Há alguns meses, os jornais revela- Por isso, os movimentos sociais e tor sucroalcooleiro, o movimento foi rém, sofreu boicote de sua própria
Essa força do capital em sua no- ram que haveria 580 bilhões de dó- a esquerda de todo o mundo preci- ainda mais violento. Em apenas três base parlamentar e a proposta so-
va fase atingiu e submeteu a todas lares de capitalistas brasileiros depo- sam urgentemente levantar a ban- anos, o capital estrangeiro passou a freu a primeira derrota no Congres-
as economias do hemisfério sul, en- sitados em paraísos fiscais no exte- deira da luta contra os paraísos fis- controlar 58% de todas as terras de so. Ou seja, a disputa dos recursos
tre elas o Brasil. Mais do que nunca a rior. A maior parte dessa fortuna sai cais, suas isenções e sigilos. Eles são cana, usinas de açúcar e etanol. Hoje, naturais com o capital só será venci-
economia brasileira é cada vez mais do país sem pagar impostos, e parte a verdadeira “lavanderia” secreta da três empresas controlem verdadeira- da pelo povo, se houver mobilização
dependente do capitalismo interna- dela às vezes retorna para esquentar maior parte dos capitalistas financei- mente o setor: Bunge, Cargill e Shell! de massa. Caso contrário, as empre-
cional, ao ponto de nos transformar- investimentos estratégicos, ou mes- ros do mundo. Por aí passam tam- E todos os dias os jornais da burgue- sas petrolíferas garantirão com mui-
mos novamente em país agro-mine- mo apenas para limpar sua origem, bém os verdadeiros ganhadores com sia anunciam novas compra de em- ta facilidade seus interesses.

opinião Miguel Urbano Rodrigues crônica Luiz Ricardo Leitão

Wheeties/CC

O império e a colônia
ENQUANTO DEVASTAVA o Caribe, Sandy era apenas uma “tor-
menta tropical”, quase ignorada pela mídia de Bruzundanga. Ele já
provocara dezenas de mortes na América Central e no Caribe, mas
não merecera sequer 15 segundos de atenção nos telejornais da co-
lônia. Quando desembarcou em praias estadunidenses, porém, o fu-
racão tornou-se uma celebridade, com muito mais destaque na tv do
que os shows (?) de Lady Gaga ou a derrota de Serra em São Paulo.
Era de dar dó o ar compungido que Mr. Bonner exibia ao tratar da
“tragédia em Nova Iorque”. Com a pronúncia impecável dos órfãos
de Tio Sam, ele nos informava passo a passo sobre os estragos que
Sêindi provocara na ilha de Manhattan, o coração do capital finan-
ceiro internacional. De fato, se fôssemos nos guiar pelo noticiário da
Rede Globo e de certas emissoras de rádio, seria possível crer que vi-
vemos nos EUA – e não nestes esfuziantes e tórridos trópicos ao sul
do Rio Bravo.
Até jornalistas da grande imprensa tupiniquim se incomodaram
com a papagaiada. A histeria faz crer que não seja piada o lugar-co-
mum das redações, segundo o qual um ianque assustado vale cerca de
40 caribenhos mortos ou 50 corpos africanos... O povo de Cuba, aliás,
conhece muito bem essa máxima: rota preferida dos ciclones e fura-

Obama dará continuidade cões, a terra de José Martí os enfrenta com invejável galhardia e mui-
ta organização social, a ponto de perder menos vidas que a Big Apple
(11 x 21).
Não estranho o “paradoxo” entre as duas ilhas. Na terra do primo
A REELEIÇÃO de Barack Obama
foi recebida com simpatia pelos seus
A utilização Times, têm sido mortos. Durante a
campanha, Obama evitou o envolvi-
pobre, o cidadão respeita as instruções do seu governo e, disciplina-
do, prioriza a segurança coletiva, evitando acidentes fatais; para o pri-
aliados europeus. Sobre ele chovem
elogios.
dos aviões sem mento dos EUA em novas guerras de
agressão. Mas, reeleito, a sua estra-
mo rico, a “pátria da liberdade”, vale a lei de Murici (“cada um trata de
si”). Não por acaso, em Nova Iorque uma pessoa morreu dentro de seu
Mas a sua campanha eleitoral não
transcorreu na atmosfera triunfa-
piloto, os drones, tégia belicista de dominação mun-
dial vai ser retomada. O ataque à Sí-
carro, atingido pela queda de uma árvore em pleno vendaval.

lista da anterior. O presidente não substituiu ria será o próximo objetivo. A deci-
cumpriu as promessas sintetizadas
no slogan “sim, nós podemos!”, que progressivamente
são será americana, muito embora
Washington incumba dessa tarefa a
E aí eu pergunto: de quantos Sandys
em 2008 entusiasmou milhões de
compatriotas que acreditaram numa os
Turquia e provavelmente a França e
a Grã-Bretanha.
precisaríamos para varrer esse lixo?
“mudança”. Resolvida “a questão síria”, os
O país continua mergulhado numa bombardeamentos EUA, em parceria com Israel, inten-
crise profunda. A dívida pública in- sificarão a campanha mundial que Isso tudo às vésperas da (re)eleição do bom-mulato Obama, acom-
terna aumentou para um nível astro- da força aérea visa a destruição do seu grande “ini- panhada com fervor pela mídia local. Faz sentido: se já há revistas por
nômico. A dívida externa é a maior migo” na região, o único grande Es- aqui com títulos e chamadas em inglês (vi uma que não tinha guia de
do mundo. O déficit da balança co- tradicional tado islâmico que não se submete à lazer, e sim living guide, além de welcome, at home e who’s who),
mercial é colossal. Os EUA são ho- sua estratégia imperial: o Irã. como querer que nossos repórteres não sonhem ser um novo Paulo
je um estado parasita que consome A atual política para a América La- Francis, arrulhando profecias como correspondente nos EUA?
muito mais do que produz e man- tina, que através de golpes de Esta- Só não dirão, obviamente, quão bizarra é a “festa da democracia”
tém a hegemonia mundial em conse- do atípicos – Honduras e Paraguai – ianque, à qual só comparecem 40% dos seus eleitores. Aliás, o que fa-
quência do seu enorme poderio mi- exterior que tenha configurado pa- afastou presidentes incômodos, te- lar da farsa, com seus debates inócuos, seu moralismo puritano de
litar. A política financeira de Obama, ra a humanidade uma ameaça com- rá continuidade. Washington sofreu araque e tanta alienação social cristalizada? De quantos Sandys preci-
concebida para favorecer as grandes parável à desenvolvida por Barack uma derrota importante com a ree- saríamos para varrer esse lixo?
transnacionais e a banca, contribuiu Obama. leição de Hugo Chávez, mas a guerra
para agravar o desemprego e mante- No Iraque, vandalizado pela ocu- não-declarada contra a revolução ve- E vai rolar a festa...
ve na miséria dezenas de milhões de pação militar, permanecem milha- nezuelana vai prosseguir. As eleições acabaram há mais tempo na Colônia – e os abutres já es-
famílias. res de oficiais e dezenas de milhares A prioridade na estratégia belicista tão de volta à cena pública. Aqui no Rio, com a farra da Copa e das
Romney com o seu programa as- de mercenários e a violência é um da nova administração será, contu- Olimpíadas, andam ainda mais assanhados. Sem perder tempo, o al-
sustou os negros, os latinos e um flagelo endêmico. No Afeganistão, a do, a China. Obama foi transparen- caide (re)eleito anuncia que vai demolir o velódromo do Pan para
amplo setor da pequena burgue- guerra está perdida. A maior parte te quando anunciou que dois terços construir um novo e que pretende retalhar uma Área de Proteção Am-
sia branca. No início o seu discurso do país encontra-se sob controle das do poder aeronaval dos EUA vão ser biental para fazer um campo de golfe olímpico (!). De quebra, ainda
era tão reacionário que o modificou, forças que combatem a ocupação concentrados na Ásia Oriental. É por decretou a morte da Escola Arthur Friedenreich, instalada no Maraca-
deslocando-se da direita cavernícola dos EUA e da Otan, e o governo fan- ora imprevisível o estilo que assumi- nã, que dará lugar a uma quadra de aquecimento (!) para os jogadores
para o centro. toche de Karzai é odiado pelo povo. rá a política anti-chinesa (e anti-rus- do Mundial 2014. Como diriam os cariocas, é mole ou quer mais?
Nos debates televisivos que en- A utilização dos aviões sem pilo- sa) de Barack Obama. Mas pode-se Este cronista pressente que os caprichos da tchurma da bandana
cerraram o grande circo milionário to, os drones, substituiu progressi- antecipar que o seu segundo manda- lhe custarão caro. A Audiência Pública do último dia 8/11 provou isso:
da campanha eleitoral ele e Obama vamente os bombardeamentos da to será para a humanidade tão nega- cerca de 500 pessoas, entre alunos e pais da escola municipal, jovens
coincidiram praticamente nas ques- força aérea tradicional. O presiden- tivo ou mais do que o primeiro. da Frente Nacional de Torcedores e chefes indígenas, foram até lá bo-
tões fundamentais. te Obama elogiou repetidamente du- Cabe perguntar: como foi possível tar água (e outras cositas) no chope dos playboys e dizer que, de Ca-
A mídia apresentou a política in- rante a campanha o recurso a essa atribuir a tal homem o Prêmio No- bral a Cabral, desde 1500 a coisa vai de mal a pior. Sem ter o que argu-
ternacional do presidente como o nova modalidade criminosa de guer- bel da Paz? mentar, o secretário da Casa Civil, Régis Fichtner, jurou que o governo
grande êxito do seu mandato; Rom- ra. É ele pessoalmente quem selecio- Fez uma chuva de novas promes- está fazendo “o melhor para o Rio”. Em resposta, o pau comeu na casa
ney não a criticou. Essa coincidência na os “inimigos” a abater em listas sas, mas elas serão engavetadas tal de Noca, sinal de que outras batalhas virão. E aí eu pergunto: de quan-
dos candidatos é por si só revelado- elaboradas pela CIA, submetidas à como as do primeiro mandato. tos Sandys precisaríamos para varrer esse lixo?
ra do nível de alienação do eleitora- sua aprovação. Mas nesses bombar-
do da grande república. deamentos “cirúrgicos” a aldeias do Miguel Urbano Rodrigues é jornalista Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ. Doutor em Estu-
É difícil encontrar precedente na Paquistão milhares de camponeses, e escritor português. Escreve uma vez dos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta
história dos EUA para uma política como reconhece o próprio New York por mês para o Brasil de Fato. da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Cristiano Navarro, Renato Godoy de Toledo • Subeditor: Eduardo Sales de Lima • Repórteres: Aline Scarso, Michelle Amaral, Patricia
Benvenuti • Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF) • Correspondentes internacionais: Achille
Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela), Marcio Zonta (Peru) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP), Flávio Cannalonga (in memoriam),
João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (Campinas – SP), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) • Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni •
Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Jade Percassi • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas:
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de 15 a 21 de novembro de 2012 3

instantâneo Paulo Kliass

Educação urgente!
iconoclasistas.com.ar

É SABIDO QUE NOSSO sistema político e as práticas nos


processos eleitorais criam vícios que contaminam o con-
junto dos atores da sociedade. A partir do momento do
anúncio dos resultados dos pleitos, a lógica dos detento-
res dos mandatos e dos políticos de forma geral passa ser
a busca da reeleição dali a 4 anos. E um dos aspectos que
mais contam no imaginário do político é a necessidade
premente de inaugurar obras e mostrar – literalmente –
serviço para a população.
Tendo em vista esse tipo de comportamento social e cultu-
ral, em boa parte das vezes, a ação do Estado termina por fi-
car comprometida em áreas vitais, a exemplo de saneamen-
to e educação. Existe mesmo uma série de “ditos populares”
exprimindo esse tipo de estratégia, como aquela que diz que
obras de água e esgoto não rendem voto, pois estão enterra-
das embaixo do solo e a população não visualiza a realização.
O mesmo raciocínio vale para projetos de maturação de lon-
go prazo, cujos resultados podem não render o mesmo nú-
mero de votos do que a inauguração de pontes, edifícios, es-
tradas e hospitais. A implementação de um projeto educacio-
nal sério, digno do nome, cai exatamente nesse tipo de carac-
terização de política pública negligenciada pela lógica mes-
quinha do sistema político corrompido.
Ao longo das últimas décadas, a educação brasileira so-
freu grave estrangulamento, especialmente no ensino funda-
mental. Os fatores são de natureza diversa: baixa qualidade
da rede pública; compressão salarial dos professores; suca-
teamento da rede física, sem equipamento, laboratórios, etc.
Com o passar do tempo, parcelas crescentes da classe média
terminaram por abandonar a opção pela escola pública e mi-
graram seus filhos para um setor em franca expansão: a esco-
la privada. Com isso, perdeu-se um importante foco de pres-
são política e de opinião pública pela melhoria das redes mu-
nicipal e estadual.
No ensino superior, apesar da manutenção da qualidade
do sistema público de universidades, houve também uma
ampliação expressiva da rede privada. Esse processo se re-
Beto Almeida força com programas do tipo ProUni, onde o governo asse-
gura recursos do orçamento federal em transferência dire-
ta para o caixa das faculdades particulares. Com o discurso

Obomba, o imperador de abertura de oportunidade de estudos para setores de ren-


da que não tinham acesso ao ensino universitário, na verda-
de alimenta-se uma rede ilusória de uma linha de montagem
de diplomas de educação superior. Os alunos são enganados
A ELEIÇÃO DE BARACK Obomba, pelo voto indireto, em tenha conseguido convencer sequer aos setores mais con- por um diploma que não teve a formação de qualidade cor-
campanha eleitoral que, dos seis candidatos presidenciais servadores dos Republicanos, que querem guerra nuclear respondida, os conglomerados educacionais aumentam de
existentes, só dois eram notícia - nos EUA , candidatos só já, acerca de sua capacidade de implementá-las. forma absurda seu faturamento com as bolsas concedidas
aparecem na TV se pagarem fortunas, lá não existe ho- O cenário que surge com a reeleição de Obomba não pelo governo federal e a sociedade perde pela péssima aloca-
rário eleitoral obrigatório como aqui - foi apresentada ao aponta para a solução dos conflitos mundiais pela via pa- ção dos recursos orçamentários.
mundo, pela mídia comercial, como a expressão mais ele- cífica. Ele já demonstrou incapacidade de resolver os pro-
vada da democracia mundial. Como crer nisto já que tra- blemas econômicos internos, optando pela priorização
tou-se de uma campanha eleitoral em que sobraram ame-
aças à soberania de outros países? Os dois candidatos,
dos investimentos bélicos e a emissão de dólar sem las-
tro e pelo tsunami monetário que arrasa com economia
Não basta crescer a economia e
Obama e Romney, divergiram em muitas coisas, mas não
sobre a manutenção dos planos de intervencionismo e do
das periferias, entre elas dos países emergentes. Isso é de-
mocrático? E não há nenhum sinal de que deixará de se-
distribuir a renda, caso o projeto
expansionismo militar imperialista contra a humanidade.
Chávez recomenda a Obama que concentre-se em resol-
guir a escalada de guerras e agressões, antes contra a Lí-
bia, agora contra a Síria, as sanções ilegais contra o Irã, o
de desenvolvimento nacional não
ver seus problemas internos. bloqueio contra Cuba, a implantação de dispositivos mi- coloque a educação de qualidade
Embora Obama tenha obtido o apoio das comunidades litares no Afeganistão, no Iraque, na Polônia, a ocupação
negras, latinas e alternativas em geral, tal como na pri- militar do mar da China. Ou seja, não foi uma eleição para como prioridade-zero do país
meira eleição, não há nenhuma garantia de que vá cum- celebrar a democracia, mas para referendar as novas táti-
prir qualquer uma das reivindicações programáticas por cas intervencionistas do imperialismo. E nisso, venceu o
elas levantadas. Evidentemente, Romney ameaçava com imperador Obomba. O mundo continua inseguro e peri-
medidas excepcionalmente fascistas, muito embora não goso para a paz! Em suma, a educação deixa de ser um bem público ofereci-
do pelo Estado e se transforma, cada vez mais, em uma mer-
cadoria. O setor educacional deixa de oferecer um compo-
Silvio Mieli nente essencial dos direitos constitucionais e de cidadania,
passando a compor apenas mais um ramo de acumulação de

Delicadeza perdida
capital. Essa mudança é tão expressiva, que até grandes gru-
pos estrangeiros passaram a investir pesado em nosso ensi-
no superior privado. Depois do agribusiness, agora temos o
unibusiness.
Existe um projeto aprovado pela Câmara dos Deputados,
“DEPENDENDO DAS CIRCUNSTÂNCIAS, o brasilei- Mas será que perdemos a delicadeza de vez para o nos- e ainda em tramitação no Senado Federal, que assegura 10%
ro pode dar numa raça generosa ou um povo até triste e so lado mais sombrio, ou nos escapa a capacidade de re- do PIB para alocação obrigatória em educação. Esse seria o
amargurado”. A frase é de Chico Buarque de Hollanda, presentar e compreender a agressividade que predomina primeiro passo para a grande transformação tão necessária
em depoimento ao documentário Chico – ou o país da de- nas relações sociais? A forma como a violência é retratada no nosso sistema de ensino. A questão não é apenas de me-
licadeza perdida (1990), de Walter Salles. No filme, Chico nos vários meios de comunicação de massa apontaria pa- lhorar os aspectos quantitativos de mais escolas, mais vagas
comenta a teoria do homem cordial de seu pai, o sociólogo ra a segunda alternativa. e mais professores. É fundamental melhorar também os ele-
Sérgio Buarque de Hollanda, enfatizando que “a ideia do Dois exemplos recentes só para abrir a discussão. Coin- mentos de qualidade da educação em nosso país. Isso por-
homem cordial é a do homem que reage conforme o seu cidentemente, na mesma semana na qual anunciou-se que as avaliações dos resultados continuam muito fracas,
coração, para o bem e para o mal, capaz de grandes efu- um aumento de 67% no número de estupros nos últimos seja pelos elevados índices de analfabetismo funcional, se-
sões amorosas e capaz de inimizades violentas (...)” três meses em São Paulo, a novela Salve Jorge da Rede ja pelas comparações internacionais de desempenho em tes-
O mote escolhido por Walter Salles não poderia ser Globo exibiu uma cena definida como um “estupro light”. tes básicos envolvendo capacidades em leitura, matemática
mais atual. De certo modo a obra de Chico Buarque trafe- Será que a cena de algum modo ilumina a questão da vio- e ciências.
ga nesse fio da navalha da alma humana e, ao revelar as- lência contra a mulher por algum dos seus ângulos? Ou se A urgência de uma verdadeira revolução na educação é in-
pectos contraditórios do nosso comportamento através vale do impacto emocional e da potência agressiva do ges- questionável. Cabe uma mudança radical de mentalidade, de
de um lirismo inspirado no samba e na bossa-nova, nos to para girar a roda da violência enquanto produto? focarmos no Brasil das próximas gerações e não apenas da
ajuda a pensar no que estamos fazendo com o nosso ima- Último exemplo. Diante da média de 26,2 assassina- miopia do “depois de amanhã”. E isso implica projetos inova-
ginário hoje. tos para cada grupo de cem mil habitantes, o Ministério dores e modernizantes de orientação pedagógica, com a ne-
Um país cuja colonização envolveu um genocídio indí- da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça, dentre ou- cessária valorização das condições salariais e de trabalho dos
gena e a escravidão de mão de obra africana, e posterior- tras entidades, criaram a campanha “Conte até 10. Paz”. professores. Não basta crescer a economia e distribuir a ren-
mente permitiu uma das maiores desigualdades sociais Quem foram os escolhidos para serem os protagonistas da, caso o projeto de desenvolvimento nacional não coloque
do planeta, não poderia almejar um arquétipo pacífico. dos vídeos da campanha? Lutadores de UFC: Júnior Ci- a educação de qualidade como prioridade-zero do país.
Entretanto, pela própria influência das culturas africana gano, Anderson Silva e Leandro Guilheiro. Para combater
e indígena, articulamos uma afetividade própria, abrin- a violência usa-se assim de violência pura, ainda que esti- Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris
do-nos para múltiplas formas de “efusões amorosas”, co- lizada. Metáfora maior para o que está acontecendo com 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políti-
mo diz Chico Buarque. a imagem da violência no Brasil não há. cas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

fatos em foco
da Redação
Royalties para a Educação dad aproveitou para tratar de alguns pontos Isso garantirá regras de trabalho mais cla-
Em nota, a CUT defende o cumprimento fundamentais de sua futura administração, ras, valorizando a carreira e garantindo um
da meta 20 do Plano Nacional da Educa- como a questão de habitação e da mobilida- piso salarial.
ção (PNE), que prevê a destinação de 10% de urbana. Fernando Haddad informou que
do PIB para a Educação. De acordo com a pretende construir 55 mil unidades habita- Atendimento a estudantes de SP
Central, construiu-se um amplo consenso cionais em São Paulo (SP), e pediu apoio do Oferecer tratamento oftalmológico in-
no qual seria indispensável a destinação de ministério para área de mobilidade urbana, tegral, ampliar a capacidade instalada de
100% dos recursos oriundos dos royalties um dos maiores problemas dos paulistanos. atendimento no país, com formação de
do petróleo para este fim. Havia concor- cadastro nacional de estabelecimentos pri-
dância da presidenta Dilma, bem como do Profissão de comerciário vados e públicos especializados na área de
ministro da Educação Aloizio Mercadante. O Projeto de Lei nº 3.592/2012, que oftalmologia, além de reajustar valores de
Porém, a Câmara dos deputados aprovou o regulamenta a profissão de comerciário, procedimentos na tabela do Sistema Único
texto-base do Senado Federal do Projeto de deve ser avaliado nos próximos dias pela de Saúde (SUS). Estas são as principais
Lei nº 2565/2011, que muda a distribuição Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) novidades do novo projeto Olhar Brasil,
dos royalties do petróleo. da Câmara dos Deputados. O relator do desenvolvido pelo Ministério da Saúde em
projeto, deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), parceria com o Ministério da Educação.
Moradias em SP deu parecer favorável à sua aprovação. A Com nova redefinição, o projeto estima
O ministro das Cidades, Aguinaldo Ribei- matéria, que teve origem no Senado, já foi atender até 2014, 190.345crianças, jovens
ro, reuniu-se dia 12 com o prefeito eleito de aprovada pelas Comissões de Desenvolvi- e adultos matriculados na rede pública e
São Paulo, Fernando Haddad, para estabe- mento Econômico, Indústria e Comércio e inseridos nos programas Saúde na Escola
lecer parceria do maior município brasileiro de Trabalho. São 12 milhões de trabalha- (PSE) e Brasil Alfabetizado (PBA) no esta-
com o ministério. Na oportunidade, Had- dores que aguardam essa regulamentação. do de São Paulo.
4 de 15 a 21 de novembro de 2012 brasil

Empresa nacional à venda Divulgação

ECONOMIA
Aquisições estrangeiras
batem recorde em 2012

Eduardo Sales de Lima


da Redação

O CAPITAL dos países desenvolvidos


está à caça de lucro nos países emer-
gentes. E tem no Brasil a oportunidade
para aproveitar a liquidez criada a par-
tir da crise econômica mundial.
Em 2012, bilhões e bilhões de dóla-
res voam a um dos portos mais segu-
ros. De janeiro a setembro deste ano,
247 empresas nacionais foram adqui-
ridas pelo capital externo. Comparados
ao mesmo período de 2011, que conta-
bilizou 157 empresas desnacionaliza-
das no mesmo período, os números re-
presentam um recorde histórico. Os da-
dos são da Pesquisa de Fusões e Aquisi-
ções da consultoria KPMG. Já a consul-
toria PWC aponta que 209 empresas fo-
ram vendidas para o capital estrangeiro
até outubro.
Considerando aquisições que com-
preendem até o mês de junho, do total
de empresas brasileiras vendidas, 71 fo-
ram adquiridas por transnacionais dos
Estados Unidos, 13 foram compradas
por francesas, 12 por inglesas, 11 por Funcionários trabalham no setor de envasamento da fábrica da cachaça Ypioca, comprada pela britânica Diageo
alemãs, oito por canadenses e seis por
transnacionais japonesas. Entre as em- Brasil, muito permissivas, favoráveis à
presas nacionais vendidas neste ano, a atração do capital externo”, explica.
maior parte se concentra no setor de Já o economista Rodrigo Ávila desta-
tecnologia da informação, produtos quí- ca mais o “fator” permissividade inter-
micos e farmacêuticos, alimentação, be- na. “Aqui não há nenhum tipo de con-
bidas, empresas de internet e serviços. trole ao fluxo de capitais. Somado a is-
As aquisições da Ypióca pela maior so, libera-se as privatizações, as conces-
destilaria do mundo (dona do uísque sões de aeroportos, de estradas. Todo
Johnny Walker e da vodca Smirno- esse processo atrai”.
ff) e da Yoki, indústria de alimentos Com liberdade de fluxo e real valori-
(vendida para a estadunidense General zado, os estrangeiros podem comprar o
Mills), ambas anunciadas em maio, são que quiserem ou aplicar em títulos, de-
exemplos de duas das maiores compras pende do que for mais interessante no
do ano. A primeira custou R$ 931 mi- momento. “Exatamente pela liberdade
lhões aos estrangeiros, a segunda, R$ do fluxo de capitais, eles podem fazer
1,75 bilhão. remessas ao exterior para algumas em-
presas e essas mesmas virem comprar
mais por aqui”, acrescenta Ávila.
“A crise teve como resposta por
parte dos governos centrais, Gestores de fundos de
sobretudo o estadunidense, uma investimentos falam
injeção de liquidez muito forte” em até 11 bilhões de
comprou o grupo de assistência médica (Alca), pois significa uma abertura do dólares “à espera” de
Amil (plano de saúde). O preço da tran- mercado de serviços. “A pretensão do
O Carlyle, maior fundo de participa- sação alcançou quase R$ 10 bilhões. imperialismo econômico já era essa. oportunidade por aqui
ção em empresas do mundo, com patri- Ainda no âmbito da saúde três la- Inclusive a pressão tanto por meio do
mônio de 156 bilhões de dólares, atua boratórios farmacêuticos nacionais – Departamento de Estado dos Estados
sobretudo na área de consumo, varejo Bunker, Delta e uma participação no Unidos, quanto através dos organis-
e serviços no Brasil. Suas participações Pele Nova – foram vendidos para a Va- mos multilaterais, que os Estados Uni- Segundo expôs o professor Ricardo
incluem, além da Tok&Stok (loja de leant, empresa farmacêutica interna- dos dominam, caminhavam nesse sen- Rondinel (do departamento de Ciências
móveis), a operadora de turismo CVC. cional de origem canadense. Isso ocor- tido”, lembra Passarinho. Econômicas da UFSM) à página O Ver-
As aquisições em 2012 ilustram a len- reu entre 2010 e abril de 2012. melho, o Brasil, entre 2000 e 2005, re-
tidão no mercado de capitais este ano. Fatores cebeu 100 bilhões de dólares em inves-
Com poucas ofertas públicas de ações O movimento de intensificação de timento estrangeiro direto – IED. Já
no país, os recursos se direcionaram “Aqui não há nenhum tipo de aquisições de empresas brasileiras por entre 2006 e 2011 recebeu 183 bilhões
mais para investimentos em private estrangeiros cresceu não somente por- de dólares.
equity, fundos que utilizam essa moda- controle ao fluxo de capitais” que, como alguns consultores econô- Ao mesmo tempo em que praticamen-
lidade de atividade financeira e inves- micos afirmam, está havendo uma de- te dobraram os investimentos diretos
tem essencialmente em empresas que saceleração da economia que, por con- entre os dois períodos, o professor res-
ainda não estão listadas em bolsa de va- sequência reduziria o preço de mercado salta que aumentaram em 30 vezes as
lores. O Carlyle é um exemplo desse ti- Na área da educação, o fundo de in- de várias companhias. Como assevera aplicações no mercado financeiro. Se en-
po de instituição financeira. vestimentos Advent, adquiriu a Uno- Paulo Passarinho, são basicamente dois tre 2000 e 2005 o investimento em car-
par, grupo universitário paranaense fatores que impulsionaram a enxurra- teira foi de 7 bilhões de dólares, de 2006
Preocupação especializado em ensino à distância, da de capital estrangeiro no Brasil: cri- a 2011 atingiu 207 bilhões de dólares.
O capital estrangeiro repousou tam- por R$ 1,3 bilhão. O private equity do se externa e políticas econômicas inter- Gestores de fundos de investimentos
bém sobre áreas estratégicas do pon- grupo britânico Actis investiu também nas. “A crise teve como resposta por falam em até 11 bilhões de dólares “à es-
to de vista econômico, sobretudo so- R$ 180 milhões na Universidade Cru- parte dos governos centrais, sobretudo pera” de oportunidade por aqui. Tor-
cial, como educação e saúde. A estadu- zeiro do Sul. o estadunidense, uma injeção de liqui- nou-se complexo separar capital produ-
nidense UnitedHealth deu-se conta de Curiosamente, a desnacionalização des- dez muito forte. E o problema é que há tivo de capital financeiro. Correm para
que a escassez de investimento público ses setores, segundo o economista Pau- incertezas muito graves nos países cen- onde houver mais rentabilidade. (Com
em saúde no Brasil pode gerar polpu- lo Passarinho, era um dos objetivos da trais; um outro fator são as políticas in- informações do Estado de S. Paulo e O
dos dividendos a seus cofres. A empresa Área de Livre Comércio das Américas ternas macroeconômicas adotadas pelo Vermelho).

Mais capital estrangeiro, menos indústria


Desnacionalização O corte em Guarulhos, a pedido da visão internacional do trabalho indus- compromisso com o país, “porque é di-
matriz da companhia, estava previsto trial busca também um papel secundá- nheiro público”.
tende a criar entraves no cronograma mundial para demis- rio para o país”, pontua o economista “É um problema de política econô-
para o setor sões da empresa e reflete um dos prin- Paulo Passarinho. mica”, engrossa o coro Wagner Gomes,
cipais riscos da desnacionalização da presidente nacional da Central dos Tra-
economia: desemprego. balhadores e Trabalhadoras do Brasil
da Redação
As empresas transnacionais com se- “O país não pode ficar na – CTB. Segundo ele, tanto os empre-
de no Brasil possuem estratégias glo- sários daqui como de lá, que visam ba-
balizadas. “Ao mesmo tempo em que dependência da estratégia de sicamente o dinheiro, em vez de mon-
Saiu no noticiário: Cummins – em- eles querem ter um pé no mercado bra- negócios das grandes corporações tar uma empresa, e pensar no seu de-
presa estadunidense produtora de mo- sileiro, desejam, sobretudo, viabilizar senvolvimento e de seus trabalhadores,
tores para caminhões, carros de grande seu negócio em escala mundial. Não internacionais” aplicam o capital no mercado financei-
porte, máquinas de construção – anun- há nenhum compromisso com a na- ro, graças aos juros. “É um dinheiro ga-
cia a demissão de 150 funcionários na ção”, afirma José Dari Krein, professor rantido, que não corre risco, e isso é um
fábrica de motores em Guarulhos, na do Instituto de Economia (Unicamp) e dos fatores importantes para a desin-
região metropolitana São Paulo. pesquisador do Centro de Estudo Sindi- BNDES dustrialização”, diz.
Apesar da melhora nas vendas de ca- cais e Economia do Trabalho (Cesit). Se o aumento de transnacionais no Medidas como a desvalorização do re-
minhões – que usam seus motores, a Paralelamente à pressão pela de- setor industrial pode quebrar cadeias al frente ao dólar e aumento de algumas
empresa também informou que a deci- sindustrialização, a desnacionaliza- produtivas, elevar os preços das merca- tarifas para a importação são considera-
são visa a adequar a força de trabalho ção tende a levantar mais entraves pa- dorias, acelerar as importações e demi- das paliativas por Krein. Para ele, é pre-
ao cenário esperado para 2013. No iní- ra o setor. Corre-se o risco, entre ou- tir trabalhadores, José Dari Krein de- ciso que o governo federal garanta que
cio de 2012, a Cummins já havia demiti- tros, de o país se tornar mero exporta- fende que o Banco Nacional de Desen- setores estratégicos sejam nacionais.
do 254 funcionários em Guarulhos. dor de componentes, “o parque indus- volvimento Econômico e Social (BN- “O setor fármaco é fortemente domina-
Enfim, isso é somente um exemplo trial brasileiro passa a ser meramen- DES), por ser fundamental fonte de cré- do por empresas transnacionais. O país
que liga dois processos paralelos no te complementar a cadeias produtivas dito a transnacionais, teria que ser mais não pode ficar na dependência da estra-
país: a desnacionalização de empresas e que se iniciam fora do país, ou que têm exigente e colocar “contrapartidas na- tégia de negócios das grandes corpora-
a desindustrialização da economia. no país apenas o seu início. E essa di- cionais” para que as empresas tenham ções internacionais”, pondera. (ESL)
brasil de 15 a 21 de novembro de 2012 5

Reformar é preciso? José Cruz/Agência Senado

CÓDIGO PENAL
Temas relacionados à
saúde estão entre os mais
polêmicos no o projeto de
lei que propõe a reforma
do Código Penal

Viviane Tavares
do Rio de Janeiro (RJ)

A REFORMA do Código Penal tem to-


mado as páginas da grande mídia e as
discussões acadêmicas do campo jurí-
dico. Com avanços e retrocessos, o PLS
346/2012, o projeto de lei que propõe a
reforma do Código Penal ainda não con-
seguiu agradar nem aos conservadores
e muito menos aos progressistas. Com
mais de 200 emendas recebidas até esta
primeira semana de novembro, o proje-
to traz assuntos novos como a eutaná-
sia, o bullying e o crime contra animais,
e, ainda, modifica assuntos já existen-
tes como o aborto e o uso de drogas, es-
tes últimos considerados os mais polê-
micos.
Para o professor da Faculdade de Di-
reito da Universidade Cândido Mendes Comissão de juristas destinada a elaborar o anteprojeto do novo Código Penal debate sobre os crimes da Lei de Drogas
e representante do Instituto de Advoga-
dos do Brasil (IAB), Sergio Chastinet, a queiram realizar o aborto. Por outro la- mas um recrudescimento punitivo para cinco anos, respectivamente, e podendo
ideia que está sendo passada pela refor- do, o assunto é perigoso em tempos de o traficante. Isso é hipocrisia. Uma polí- somar-se às penas de lesão e de homicí-
ma do Código Penal é errônea. “É qua- eleição para o legislador assumir como tica de drogas séria deveria reconduzir o dio dependendo da consequência do ato.
se uma propaganda enganosa. Você tem pauta, porque pode trazer problemas pa- problema das drogas para a questão de Para Daniel Groisman, professor e coor-
ilhas de ideias progressistas em um oce- ra ele, o que mostra a grande imaturida- saúde e não só criminal”, comenta Sér- denador do curso de formação de cui-
ano de ideias punitivas. Com este proje- de política dos tempos de hoje”, explica. gio Chastinet. dadores de idosos oferecido pela Esco-
to, vai aumentar a seletividade do siste- Para Sergio Alarcon, pesquisador da la Politécnica de Saúde Joaquim Venân-
ma penal. Punir é mais fácil, mais barato Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e au- cio (EPSJV/Fiocruz), o aumento da pe-
e dá mais voto”, explica. O professor des- “Não estamos defendendo um tor do livro Álcool e Outras Drogas: di- na não resolve problemas que devem ser
taca a questão do aumento da pena má- álogos sobre um mal-estar contempo- discutidos no âmbito social. “Quando o
xima de prisão para 40 anos, o fim do li- Estado ateu, mas que reconheça râneo, lançado pela Editora Fiocruz em estatuto do idoso trouxe esta questão em
vramento condicional e o rigor carcerá- agosto deste ano, a questão da droga de- 2003 foi interessante porque deu visibi-
rio como os pontos mais críticos.
a pluralidade de crenças e ve ser encarada por outras esferas. “Es- lidade para o tema, mas não adianta au-
necessidades diversas. As mulheres ta mudança não trará de fato a descri- mentar o tamanho das penas, é preciso
Rapidez minalização. Embora a proposta do no- atacar as causas. É necessário pensar em
Sergio lembra também que a propos- religiosas vão estar protegidas, caso vo código procure determinar critérios uma política preventiva e não punitiva
ta do novo Código Penal tem seguido um mais objetivos para diferenciar usuá- de culpabilização da família, que muitas
trâmite mais rápido do que o de costu- não queiram realizar o aborto” rios de traficantes, estabelecendo a na- vezes é vítima de tantas outras injustiças
me para um projeto de tamanha impor- tureza e quantidade da substância apre- sociais”, comenta.
tância para a legislação brasileira. O an- endida, estes critérios não são absolutos.
teprojeto foi preparado em junho deste Além da quantidade, o projeto fala tam-
ano, transformado em projeto e entre- Ela lembra ainda que esta questão de- bém do local, condições em que se de- “É necessário pensar em
gue em agosto para Comissão de Cons- ve ser considerada como prioritária por senvolveu a ação, as circunstâncias so-
tituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que já ser uma realidade. “A proposta de des- ciais e pessoais, conduta e antecedentes. uma política preventiva
considerou com uma das prioridades criminalização do aborto em situações Ora, há margem para abusos, dependen- e não punitiva de
pós-recesso do meio do ano. “A acade- específicas responde a uma mudança do do da perspectiva utilizada pelo avalia-
mia e instituições como o IAB estranha- país nestes 80 anos desde a criação do dor (autoridade policial ou juiz). Ou se- culpabilização da família,
ram o fato do projeto ter sido realiza- código em 1940. Nós conhecemos o que ja, nada diferente do que é hoje em dia”,
do tão rápido, passando por cima de al- tem de mais seguro e eficiente e que uma afirma Sérgio. “Acho que a manutenção que muitas vezes é
guns trâmites legislativos. Não se abriu a cada cinco mulheres brasileiras já fez da guerra às drogas é em si um produ- vítima de tantas outras
para discussão nos meios acadêmicos um aborto. Mas, se imaginarmos que es- tor de ilegalidades, e essa produção não
nem nos chamados operadores do direi- te aborto é realizado em condições clan- deixará, por mais que se pretenda ame- injustiças sociais”
to (advogados, promotores e juízes). Ele destinas e inseguras, proibir é não que- nizar a punição aos usuários, de se cri-
aposta muito no simbolismo da punição. rer ver a realidade. Temos um contin- minalizar a pobreza. Essa criminalização
Você vê o quanto o projeto é insensa- gente de condições precárias de saúde é a responsável pelo Brasil ter uma das
to: ele pune com rigor maior a omissão que não só colocam a vida das mulheres maiores populações carcerárias do pla- A pena também aumentou em casos
de socorro a animais do que a omissão em risco mas também acabam deman- neta. Sem contar no verdadeiro genocí- como causar epidemia mediante pro-
de socorro a crianças”, critica Sérgio. “O dando outros tipos de tratamentos pa- dio que a guerra produz, matando 15 mil pagação de microorganismos; a exposi-
nosso código pode estar desatualizado ra o SUS, que poderiam ser poupados se jovens por ano, na maioria negros e po- ção da vida, da saúde ou integridade fí-
em alguns pontos por não atender deter- o aborto fosse descriminalizado e acessí- bres”, analisa. sica de alguém a perigo direto e iminen-
minadas ideais mais libertárias, mas ele vel às mulheres”, explica. te; a exigência do cheque-caução, nota
é bem estruturado, não precisa de uma promissória ou qualquer garantia para
reforma. Ele pode ser atualizado como Drogas “Uma política de drogas o atendimento médico-hospitalar emer-
aconteceu em 1984, 2005 e 2009 “. As drogas são ainda mais repletas de gencial, que já tinha atualizada no Códi-
A posição de Sérgio não é isolada no controvérsia. De um lado, a lei descrimi- séria deveria reconduzir o go Penal com a Lei nº 12.653 neste ano.
campo jurídico. Numa carta em que jus- naliza o usuário, e, de outro, mantém a Entre outras novidades e mudanças re-
tifica sua saída da comissão de reforma pena de quem comercializa. No novo có-
problema das drogas para lacionadas à saúde estão a inserção da
do código, o jurista Renné Dotti critica digo, no artigo 212, não é criminalizado a questão de saúde e não só pena para quem cometer a esteriliza-
o método de trabalho e a urgência com aquele que, desde que seja para seu con- ção forçada, o estupro de vulnerável, in-
que o processo tem sido conduzido. “As sumo pessoal, adquire, guarda, tem em criminal” cluindo a pessoa portadora de enfermi-
reações ao açodamento com que trami- depósito ou traz consigo, semeia, culti- dade ou deficiência mental, e a eutaná-
tou o anteprojeto, automaticamente va ou colhe plantas destinadas à prepa- sia, excluindo a ilicitude quando o agen-
convertido em projeto sem a ampla e in- ração das drogas. Já a pena para o trá- te deixar de fazer o uso de meios artifi-
dispensável contribuição de estudiosos e fico de drogas mantém a redação da Lei Outras questões da saúde ciais em casos de doenças irreversíveis
profissionais da ciência penal e da socie- nº 11343/06, que Institui o Sistema Na- Abandono de incapaz e maus-tratos atestadas por dois médicos e com con-
dade em geral, estão se materializando cional de Políticas Públicas sobre Dro- também constam em ambos os códi- sentimento da família. (Escola Politécni-
nas mais diversas formas de crítica aca- gas (Sisnad). “A temática das drogas te- gos penais, mas, no mais recente a pe- ca de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz
dêmica e profissional”, afirma o jurista ve um avanço com a liberação do porte, na é mais rigorosa, chegando a quatro e – www.epsjv.fiocruz.br)
em sua carta. Elza Fiúza/ABr

“É quase uma propaganda


enganosa. Você tem ilhas de
ideias progressistas em um
oceano de ideias punitivas”

Aborto
O aborto, considerado um dos grandes
avanços deste projeto, também é alvo de
críticas. Na nova redação, no artigo 128,
mulheres que não tenham condições psi-
cológicas de arcar com a maternidade
constatadas por médico ou psicólogo e
que optem por interromper a gestação,
podem realizar o aborto. De acordo com
a doutora em antropologia e professora
da Universidade de Brasília (UnB) Débo-
ra Diniz, os assuntos relacionados à saú-
de são considerados mais polêmicos por-
que não são tratados com a laicidade que
deveria ter o Estado. Prova disso é o nú-
mero de emendas às temáticas relacio-
nadas à saúde, que chegam a quase 1/3
do total. “O tema tem uma pauta religio-
sa em um espaço democrático. Não esta-
mos defendendo um Estado ateu, mas
que reconheça a pluralidade de crenças
e necessidades diversas. As mulheres re-
ligiosas vão estar protegidas, caso não Protesto no STF contra o aborto: assuntos relacionados à saúde não são tratados com laicidade
6 de 15 a 21 de novembro de 2012 brasil

A renda fundiária do petróleo Renato Araújo


OPINIÃO Haveria que temos no debate atual.Maiorias par-
lamentares também precisam de se guiar
que discernir sobre as por critérios éticos, sob pena de produzir
impasses para si próprias.
destinações compatíveis
com os rumos futuros do Custos sociais
Ora, chegando onde chegou a econo-
desenvolvimento, sob mia internacional do petróleo, a pon-
to de produzir renda fundiária interna-
pena de embarcarmos o cional compatível com exploração em
conflito federativo numa águas profundas, cria-se por este fa-
to uma pressão inusitada por super ex-
nau sem rumo ploração desse recurso, encadeada ago-
ra com a renda orçamentária vincula-
da de todos os entes federativos. Ade-
mais, não se tem a dimensão dos cus-
Guilherme C. Delgado tos sociais dessa super exploração, mas
apenas a previsibilidade dos custos pri-
O GRANDE PÚBLICO assiste de certa vados. Essas duas questões recomenda-
forma atônito a uma disputa por recur- riam uma divisão do bolo da renda fun-
sos e pela destinação dos mesmos, que diária muito mais preocupada com a
está longe de sua compreensão – de um contenção dessa super exploração e a
lado estados produtores de petróleo em prevenção dos riscos sociais e ambien-
mar territorial e adjacências (atualmen- tais, que infelizmente não estão no de-
te o Rio de Janeiro e o Espírito Santo co- bate. Em parte os estados produtores
mo principais, mas dependendo das no- têm essa responsabilidade imediata e
vas descobertas do Pré Sal outros esta- por aí se justifica uma fatia maior dos
dos entrariam na disputa, sendo natu- ‘royalties”. Mas a renda fundiária co-
ralmente São Paulo forte candidato); e Votação nominal do requerimento de urgência para o projeto que redistribui os royalties entre estados e municípios mo renda social é recurso do conjunto
de outro lado os demais estados da Fede- do país para ser usada numa perspec-
ração não produtores do petróleo na zo- participação na renda petroleira que iria A Lei do Pré Sal definiu esta renda em tiva de transição da economia petrolei-
na do Pré Sal dos 8,75% atuais, para 42% no final do termos físicos – percentual do petróleo ra em exaustão natural, para uma outra
A disputa ora em consideração já está período, enquanto que os estados e mu- extraído, mas ela depende basicamen- matriz energética.
em sua segunda rodada – a primeira foi nicípios produtores e afetados teriam te dos custos industriais da extração do
a Lei do Pré Sal de 2010, que criou regras queda de participação – dos 61% atuais barril de petróleo, ai já incluído o lucro
de partilha específicas para o petróleo ex- para 38% em números redondos. normal, em comparação aos preços de A renda fundiária como renda social é
traído desta zona, beneficiando estados e Observe o leitor que essa divisão é so- venda deste petróleo no mercado mun-
municípios não produtores de petróleo. bre o petróleo do Pré Sal, algo em torno dial. Essa renda fundiária é parte do recurso do conjunto do país para ser
Mas a lei somente teve validade para no- dos 20% da produção atual da Petrobras, lucro extraordinário, que consiste em usada numa perspectiva de transição da
vos contratos de exploração depois de mas esta fatia deverá crescer substancial- produzir petróleo atualmente a 30 ou
sua promulgação. mente nos próximos anos. 35 dólares de custo industrial unitário economia petroleira em exaustão natural,
Por sua vez, há uma segunda rodada Diante da disputa política por recursos e vende-lo a preços internacionais três
de regulação neste campo, que é assunto econômicos, parece-nos fundamental es- vezes mais altos. Mas os preços de com- para uma outra matriz energética
ora em processo de sanção presidencial clarecer duas questões subjacentes à dis- modities são variáveis e os custos so-
e que consistiria basicamente numa no- cussão: 1) o que está em disputa; 2) que ciais da extração não são iguais aos cus-
va divisão dos royalties (do Pré Sal), es- critério ético mais aproximaria a uma le- tos industriais. Há custos invisíveis, as-
calonada de 2013 a 2020, para contratos gislação do “interesse geral”. As des- sociados aos graves riscos de acidentes Finalmente, ao se concentrar o deba-
já vigentes na ocasião da promulgação tinações setoriais orçamentárias desses em larga escala, que estão longe da pre- te principal na divisão da renda fundiária
do novo texto legal (dezembro de 2012). recursos, são igualmente relevantes, mas visão econômica. As reservas naturais, do petróleo entre entes federativos, sem
A nova regra mudaria substancialmente não cabe tratar nos limites deste artigo. por sua vez são finitas. Portanto a divi- discutir os rumos do desenvolvimento de
a participação da União, estados e mu- são do bolo da renda fundiária do pe- um sistema econômico hoje fortemente
nicípios não produtores, que cederiam Renda fundiária tróleo não é nenhuma “galinha dos ovos dependente de recursos naturais, creio
parcela apreciável dos ‘royalties’ para A expressão “royalty” como uma ren- de ouro”, e dependerá de fato de muitos que não estamos ajudando nem União,
os não produtores – exemplo, estes te- da de compensação aos territórios po- outros fatores em evolução. nem estados nem os municípios, sejam
riam uma participação equivalente aos tencialmente afetados pela exploração Diante do fato, de que está em disputa eles produtores ou não de petróleo. Pre-
produtores – cerca de 21% do bolo to- econômica, que é o argumento princi- uma renda fundiária reivindicada inter- cedente à partilha, haveria que discernir
tal dividido pelos 25 estados atuais, en- pal dos estados e municípios produto- namente por diferentes proprietários das sobre as destinações compatíveis com os
quanto os produtores ficariam com 20% res, revela apenas uma parte do fenô- reservas naturais, cabe a pergunta sobre rumos futuros do desenvolvimento, sob
no final do período considerado. meno em disputa.Na verdade o que es- que critérios de partilha seriam justos à pena de embarcarmos o conflito federa-
O jogo de percentuais, com seu deta- tá em questão é partilha da renda fun- situação, a que a própria lei precisaria tivo numa nau sem rumo.
lhamento, que não cabe aqui reproduzir, diária, oriunda da forte expansão atual perseguir. Observe-se que o critério do
tem um evidente endereço – os estados e e prospectiva do preço da ‘commodity’ auto interesse, transposto do plano in- Guilherme C. Delgado é doutor em eco-
municípios não produtores reivindicam petróleo, reivindicada pelos proprietá- dividual para o agir dos entes federati- nomia pela UNICAMP e consultor da Comis-
legalmente uma elevação substancial da rios territoriais das reservas naturais. vos, conduz a impasse, que de resto é o são Brasileira de Justiça e Paz.

ONU

Brasil precisa ratificar convenção


sobre trabalhadores migrantes Marcelo Camargo/ABr
DIREITOS nal do Trabalho e Emprego de São Pau-
lo (SRTE/SP).
Para Gulnara Shahinian
Legislação
e representantes da A falta de uma agência específica pa-
sociedade civil, apesar ra tratar a respeito da imigração no Bra-
sil também corrobora para que não ha-
de ser pioneiro no ja uma política mais voltada à defesa dos
direitos humanos, de acordo com o padre
combate à escravidão, Roque. “Precisamos da criação de uma
país ainda precisa avançar agência de imigração que seja desvincu-
lada da Polícia Federal (PF), que tende a
muito na garantia de criminalizar os estrangeiros”, afirmou.

direitos a imigrantes
Pelo menos 300 mil
latinos-americanos
Guilherme Zocchio
de São Paulo (SP) vivem hoje na cidade
de São Paulo, segundo
A RELATORA da ONU para Formas de
Escravidão Contemporânea, a advogada levantamento do Cami
armênia Gulnara Shahinian, defendeu
em sua passagem pelo país que o gover-
no brasileiro ratifique a Convenção so- Enquanto não assina a Convenção da
bre a Proteção dos Direitos dos Traba- Em São Paulo, juízes atendem bolivianos e paraguaios sobre questões referentes ao trabalho ONU, ainda hoje, um dos principais ins-
lhadores Migrantes e Membros de Sua trumentos jurídicos que orienta sobre a
Família. Trata-se do acordo da Organi- O Brasil é o único país membro temente, no Paraná, 71 paraguaios foram presença de imigrantes no país é a Lei nº
zação das Nações Unidas (ONU) que ga- encontrados sujeitos à escravidão con- 6.815/1980, do período militar, também
rante direitos de trabalhadores migran- do Mercosul que não é signatário temporânea. conhecida como Estatuto do Estrangei-
tes e suas famílias. Durante audiência do acordo, em vigor desde 2003 Para Leonardo Sakamoto, coordena- ro, e em muitos pontos contraditória a
pública, dia 9 de novembro, na Assem- dor da Repórter Brasil, é preciso enten- alguns princípios da própria Constitui-
bléia Legislativa do Estado de São Pau- der que a situação do trabalho escravo ção Federal de 1988. O coordenador do
lo (Alesp), ela elogiou a experiência bra- de imigrantes não diz respeito somen- Cami defendeu a importância de o Brasil
sileira no combate ao trabalho escravo, isolados”, pontuou. Muitos dos estran- te ao indivíduo que sai de sua terra pa- adotar políticas favoráveis a migrantes.
mas defendeu que o país precisa assinar geiros, por entrarem no país em situa- ra procurar melhores condições de vida, A relatora da ONU defendeu que o
o tratado para assegurar dignidade aos ção precária, terminam em condições de mas deve ser encarada como um proble- combate ao trabalho escravo deve envol-
trabalhadores estrangeiros. trabalho subumanas. “Por causa da vio- ma de toda a sociedade. “A culpa da de- ver também “a conscientização dos tra-
O Brasil é o único país membro do lência que lhe é imposta, seja a guerra, a gradação e do cerceamento da liberdade balhadores e a reinserção, para trazer os
Mercosul que não é signatário do acor- desigualdade ou a pobreza, o imigrante é só do outro ou é nossa também?”, ques- trabalhadores de volta à situação de nor-
do, em vigor desde 2003. Gulnara e re- se vê obrigado a deixar seu país”, salien- tionou durante a audiência da comissão malidade”. Em maio deste ano, ela tam-
presentantes da sociedade civil aponta- tou na reunião o Padre Roque Patussi, de direitos humanos da Alesp. “Precisa- bém defendeu a aprovação da Propos-
ram a necessidade de ampliar a prote- coordenador do Centro de Apoio ao Mi- mos defender a cidadania que é retirada, ta de Emenda Constucional 57A, a “PEC
ção às vítimas do trabalho escravo, prin- grante (Cami). principalmente dos migrantes que estão do Trabalho Escravo”, a qual classificou
cipalmente àquelas que vêm de outros Pelo menos 300 mil latinos-america- aqui em São Paulo”, reforçou no mesmo como “mais poderoso instrumento legal
países. “É preciso de mais ajuda ao imi- nos vivem hoje na cidade de São Paulo, sentido Luiz Alexandre de Faria, chefe de para o combate à escravidão da história
grante, porque eles ainda estão muito segundo levantamento do Cami. Recen- fiscalização da Superintendência Regio- do Brasil”. (www.reporterbrasil.org.br)
brasil de 15 a 21 de novembro de 2012 7
Valter Campanato/ABr

espaço sindical
da Redação

Protesto em Belo Monte


A revolta tomou conta do canteiro de
obras do Sítio Pimental no dia 10 de
novembro. Após o anúncio da propos-
ta feita pelo Consórcio Construtor Belo
Monte (CCBM) de apenas 11% de au-
mento real, os trabalhadores atearam
fogo em alojamentos, departamentos
administrativos e galpões, revoltados
também com o pouco tempo de visita
às famílias. As informações dão conta
de que a Força Nacional de Segurança,
juntamente com a Polícia Militar do
Estado do Pará, mantêm suas tropas
dentro do Sítio Pimental (uma das
frentes de trabalho da obra) e um pa-
trulhamento no entorno do “empreen-
dimento” e ruas de Altamira (PA).

Acordo nas obras do PAC em RO


Cerca de 13 mil trabalhadores da
Usina Hidrelétrica (UHE) Santo An-
tônio, em Porto Velho (RO), um das
maiores obras do Programa de Ace-
leração do Crescimento (PAC), serão
beneficiados com a assinatura, dia 7 de
novembro, do Compromisso Nacional
para o Aperfeiçoamento das Condições
de Trabalho na Indústria da Cons-
trução. O acordo é tripartite, entre o
governo federal, a construtora e os
sindicatos que representam os traba-

Brasileiro gasta mais com plano


lhadores e deverá entrar em vigor em
30 dias. O acordo também prevê uma
comissão dentro da obra para fiscalizar
o cumprimento das normas estabeleci-
das no compromisso. Segundo Brizola

de saúde do que poder público


Neto, ministro do Ministério do Tra-
balho e Emprego (MTE), este acordo
é um exemplo nacional, não só para
empresas da construção civil e pesada,
mas para todos os setores de trabalho
no Brasil.

Brasileiros gastam mais com os planos de saúde que pioraram a qualidade do atendimento Contra o Judiciário e a Mídia
O presidente da Central Única dos
SAÚDE Enquanto do mercado de planos privados só nos a saúde pública é para os pobres e que Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas,
distancia da efetivação do SUS”. o plano privado de saúde ajuda porque afirmou que fará peregrinação pelos
operadoras de plano de Para Ligia Bahia, esse crescimento desonera o SUS. O fato de os planos se- estados para enfrentar o que chama
dos planos de saúde ainda interfere na rem financiados com recursos públicos de tentativa de calar os movimentos
saúde lucram, serviços universalização do SUS. “Como as in- é pouco divulgado e as negociações de sociais. Segundo o dirigente, o objetivo
públicos de saúde são terfaces entre o setor privado e o siste- contingenciamento de salários em troca é fortalecer as estaduais da CUT para
ma público são muito extensas no Bra- de alguns benefícios, que ocorrem nas enfrentar os ataques de setores conser-
enfraquecidos sil, a existência de um mercado de pla- mesas de negociação, nem sempre fi- vadores que atuam em duas frentes: o
nos de saúde em expansão represen- cam explicitadas”, considera. Poder Judiciário e a velha mídia.
ta um obstáculo concreto à universali-
zação do direito à saúde. Os planos de Mercado da saúde MP e o mundo do trabalho
Viviane Tavares saúde são os principais vetores de desi- O enfraquecimento do SUS em de- Freitas afirmou que o Supremo
do Rio de Janeiro (RJ) gualdade do sistema de saúde brasilei- trimento do crescimento dos planos de Tribunal Federal tornou-se uma ca-
ro”, analisa. saúde também pode ser observado em sa de julgamento político, papel que
MARIA PRECISAVA de uma consulta outros aspectos. Um exemplo é a aquisi- não deveria lhe caber, enquanto o
médica com um especialista. Embora ção, anunciada no início de outubro, de Ministério Público (MP) passou a
não fosse um caso de emergência, ela es- “A maioria das pessoas que 90% da empresa brasileira Amil pela es- intervir diretamente nas funções dos
perou quase dois meses para conseguir tadunidense United Health. Dependen- sindicatos. “Não adianta irmos para o
uma consulta e o único lugar que tinha adquire ou se vincula via do da interpretação, o assunto é consi- enfrentamento ao patrão porque se o
tal especialidade era a 50 km de sua re- empresa empregadora a derado inconstitucional, uma vez que MP não concordar com a nossa luta, a
sidência. A situação fictícia parece ser o está previsto na Constituição Federal o entidade sindical terá que estabelecer
retrato do serviço público de saúde mos- um plano de saúde precário veto a “participação direta ou indireta um Termo de Ajustamento de Conduta
trado pela grande mídia, mas é, na reali- de empresas ou capitais estrangeiros na (TAC). O Ministério Público não tem
dade, o encontrado por usuários da saú- sabe que não pode esperar assistência à saúde no país, salvo nos ca- experiência e nem vivência no mundo
de suplementar. sos previstos em lei”. No entanto, a Lei do trabalho para interferir dessa for-
Atualmente, de acordo com a Pesquisa um atendimento igual ao nº 9.656/98, conhecida como Lei Geral ma”, criticou.
de Orçamentos Familiares 2008-2009 - do patrão ou dos cidadãos dos Planos de Saúde, autoriza a partici-
Perfil das Despesas do Brasil do Institu- pação de capital estrangeiro. A questão, Mercedes recusa nas demissões
to Brasileiro de Geografia e Estatística brasileiros ricos” no mínimo, merece um sinal de alerta. Após semanas de negociações e pres-
(IBGE) divulgada em setembro, os bra- Isabel Bressan, diretora do Centro são dos trabalhadores, o Sindicato dos
sileiros gastam 7,2% de sua renda men- Brasileiro de Estudos em Saúde, em ar- Metalúrgicos do ABC conseguiu evitar
sal com saúde, entre planos de saúde e tigo publicado na página da instituição, as demissões de 484 trabalhadores na
remédios. Mas, como explicar um au- Baseado em dados da OMS, o Conse- analisa a compra e aponta o enfraqueci- Mercedes-Benz de São Bernardo do
mento nos gastos com saúde por parte lho Federal de Medicina (CFM) mostra mento do SUS em detrimento do cres- Campo (SP). Os contratos (por prazo
do cidadão, superando os investimentos que o governo brasileiro tem uma par- cimento dos planos de saúde. “Certa- determinado) venceriam dia 18 de no-
do poder público, e a qualidade dos ser- ticipação menor do que as suas necessi- mente, o investidor americano acredi- vembro e os trabalhadores já haviam
viços de saúde cada vez mais precária? dades e possibilidades no financiamen- ta que caminharemos para ser como até recebido telegrama da empresa,
Para Ligia Bahia, doutora em Saúde to da saúde pública. Do grupo de países nos EUA, onde o governo paga por pla- na semana passada, que comunicava
Pública e professora da Universidade com modelos públicos de atendimento nos mequetrefes para pobres e idosos, a dispensa. Foram orientados pelo
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), es- de acesso universal, o Brasil é o que tem garantindo para as empresas de saúde sindicato a rasgar o comunicado. Ras-
se fenômeno pode ser atribuído ao au- a menor participação do Estado (União, uma renda imensa gerada pelo subsí- garam. Pelo acordo negociado entre
mento das mensalidades e não exata- Estados e Municípios). Esse percentu- dio público. Não por coincidência, há o sindicato e a montadora e aprovado
mente ao fato de mais brasileiros se vin- al fica em 44%, quase a metade do que é um projeto de lei (PL 489/2011) nes- por unanimidade em assembleia re-
cularem aos planos privados. Apesar do investido pelo Reino Unido (84%), Su- se sentido, de uma deputada federal do alizada dia 13, os 484 trabalhadores
aumento, ela ressalta que a qualidade do écia (81%), e muito inferior a países co- Ceará (Ronalba Ciarlini do DEM/RN), terão seus contratos prorrogados até
serviço prestado não acompanhou a mu- mo a França (78%), Alemanha (77%), que propõe o pagamento de um adicio- 31 de março de 2013. Como contrapar-
dança e que essa pode ser a única alter- Espanha (74%), Canadá (71%), Austrá- nal em dinheiro para quem recebe Bol- tida, vão abrir mão da segunda parcela
nativa para muitos brasileiros. “A maio- lia (68%) e Argentina (66%). sa Família, para aquisição de plano de da PLR (Participação nos Lucros e
ria das pessoas que adquire ou se vincu- saúde. Há também uma sugestão de re- Resultados). Após aprovado, o acordo
la via empresa empregadora a um pla- O que a nova ‘classe média’ está presentantes das seguradoras de saúde foi comemorado pelos mais de 1.000
no de saúde precário sabe que não po- consumindo? de que o governo complemente o paga- trabalhadores que participaram da
de esperar um atendimento igual ao do De acordo com Lígia Bahia, as co- mento de planos para idosos como for- assembleia.
patrão ou dos cidadãos brasileiros ri- berturas dos novos planos para os seg- ma de compensar os preços exorbitan-
cos. A expectativa de aderir a um plano mentos de renda C e D são ainda menos tes que cobram das pessoas com mais Jornalistas em estado de greve
privado é a de escapar de dois grandes abrangentes do que as tradicionais dos de 60 anos. Tudo com o dinheiro que Em assembleia, jornalistas do Grupo
problemas do Sistema Único de Saúde planos básicos brasileiros, que já são certamente faltará ao SUS e aumentará Comunidade, do Distrito Federal man-
(SUS): a demora e a total despersonali- bem restritas. “O desenho dos planos o lucro das empresas”, analisa. têm o estado de greve, com possibili-
zação da assistência”, explica Ligia. Re- corresponde à acepção de diferenciação dade de parar a qualquer momento. A
centemente, a Agência Nacional de Saú- da qualidade da mercadoria de acordo direção da empresa prometeu pagar o
de Suplementar (ANS) divulgou que foi com o preço. O problema é que na saú- “A existência de um mercado de planos mês de setembro para todos os funcio-
de R$ 1,27 bilhão o lucro líquido, no pri- de tal distinção colide com todas as con- nários até o dia 7/11, porém, o Sindi-
meiro trimestre de 2012, de cerca de mil cepções sobre a igualdade biológica da de saúde em expansão representa um cato de Jornalistas do Distrito Federal
operadoras de saúde ativas no país. humanidade”, explica. obteve a informação, durante a assem-
A professora lembra ainda que a es-
obstáculo concreto à universalização do bleia, que alguns jornalistas ainda estão
Despesa pública x despesa privada tratificação social não pode ser trans- direito à saúde. Os planos de saúde são sem receber. Ronaldo Junqueira, presi-
De acordo com a Pesquisa de Orça- posta para a saúde. “Se fosse assim não dente do Grupo, informou ao sindicato
mentos Familiares 2008-2009, a des- seria necessário ter política de saúde. os principais vetores de desigualdade que não há previsão de data para este
pesa de consumo das famílias brasilei- A estratificação origina discriminações pagamento.
ras com bens e serviços de saúde che- e privilégios que estão na origem de fi- do sistema de saúde brasileiro”
gou a R$ 157,1 bilhões – 4,8% do Pro- las que não andam e atendimento ime- Ford e demições na Europa
duto Interno Bruto (PIB) em 2009. En- diato de autoridades públicas e priva- A Ford pode se desfazer de mais fá-
quanto isso, a despesa da administra- das e, portanto a demora injusta e evi- bricas e demitir mais trabalhadores na
ção pública com esses bens e serviços foi tável no tratamento de pacientes gra- De acordo com o artigo, esta tran- Europa se a crise da dívida na Zona do
de R$ 123,6 bilhões (3,8% do PIB). Por- ves”, analisa. sição bilionária é uma nova ameaça à Euro continuar agravando o excesso
tanto, como também informa o relatório Vale lembrar também que o próprio conquista efetiva do SUS. “Conforme de capacidade da indústria automobi-
Estatísticas de Saúde Mundiais 2011, da poder público ajuda a financiar a saú- destacou um considerado consultor lística. A situação nos mercados euro-
Organização Mundial de Saúde (OMS), de suplementar ao oferecer esse tipo empresarial, a compra da Amil por peus permanece “muito volátil”, disse
a iniciativa privada fica com a fatia de de benefício como parte da remunera- essa empresa americana deverá for- o presidente-executivo da companhia
56% diante de 44% dos gastos públicos ção aos servidores. Ligia Bahia entende çar a adoção de um novo modelo de norte-americana, Alan Mulally, em
com saúde. “É uma contradição estrutu- que falta consciência sanitária aos ser- saúde no Brasil - o modelo america- uma conferência ontem (7) em Berlim,
ral. O Brasil tem um sistema universal vidores públicos, inclusive àqueles que no”, enfatizou. (Escola Politécnica de duas semanas depois de a empresa ter
lastreado por um financiamento de sis- atuam em instituições de saúde. Mui- Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz – anunciado um corte de 6.200 empre-
tema segmentado. Ou seja, a expansão tos servidores públicos consideram que www.epsjv.fiocruz.br) gos na região.
8 de 15 a 21 de novembro de 2012 brasil
R$ 2,00

Ano 3 • Número 131 de setembro de 2005


São Paulo • De 1º a 7

s do país
No dia 7, um Grito pelas rua
Diante da crise, movimen
tos sociais propõem
a organização do povo
e a criação de mecanism
os de democracia direta
Anderson Barbosa

m meio à crise, movi-

E mentos sociais anunciam


a manifestação do Grito
dos Excluídos, em 7 de
setem-
Além
bro, com uma novidade.
contra
dos tradicionais protestos
da
a exclusão e pela mudança
organi-
política econômica, as
criação
zações vão defender a
de mecanismos de democracia
na
direta para o povo participar
país.
definição dos rumos do
que a
“Temos de reagir, mesmo
en-
política esteja irremediavelm
te contaminada pela corrupção”,
Os
diz dom Demétrio Valentini.
tam-
movimentos vão divulgar
do
bém o manifesto “Em defesa
a
povo brasileiro”, convocando
sociedade a se mobilizar.
con-
Elite – Enquanto isso, os
desli-
servadores aproveitam os
do PT
zes do governo Lula e
vai se
para tripudiar. “A gente
anos”,
ver livre desta raça por 30
disse o senador Jorge Bornhau-
sen (PFL-SC). Quem respondeu
é
foi Emir Sader: “Bornhausen

Rumo aos 10 anos


uma das pessoas mais repulsivas
que re-
da burguesia brasileira, São Paulo
e pela Polícia Militar de
vela agora todo o seu racismo da capital paulista, após
despejo violento feito
acampadas nas ruas
seu ódio ao povo brasileiro”.
Págs. 2, 3 e 5 Desde 16 de agosto, 79
famílias sem-teto vivem

eyer Venezuela propõe


Empresas lucram Lula precisa mudar, diz Niem
dade de acabar seu mandato
de a esperança. “Se eu
fosse jovem,
agenda social
para o continente
mais e pagam O governo de Luiz Inácio modo digno. A avaliação é do em vez de fazer
Agora,
arquitetura, gos-
na rua protestando
Lula da Silva é ruim. comunista taria de estar em-
menos impostos com a crise que o assola,
ele arquiteto e militante
as promessas Oscar Niemeyer,
de 97 anos. contra este
mundo de merda em
vivemos”, afirma.
O governo venezuelano
placou na pauta da Organização
(OEA)
car- tem que cumprir exclusiva ao Bra- que Pág. 8 dos Estados Americanos
Todos reclamam da alta distribuição de Em entrevista que não perdeu rela-
chega a que fez, como sil de Fato, diz uma proposta diretamente
ga tributária no país – É sua última oportuni- dos 100
tem renda. cionada com o interesse
36% do PIB. O assalariado do con-
terço milhões de miseráveis
razão, já que trabalha um Estados
tinente. À revelia dos
Imagem

do ano só para pagar impostos países


imposto Unidos, delegados de 34
e, na hora de declarar Carta
discutiram a proposta da
Jean Ayssi/ AFP/ Folha

são
de renda, seus abatimentos da
do Social na Reunião Ministerial
pífios. Outras são as regras
No pri- OEA, em Caracas, que estabele-
fisco para as empresas.
das ce metas aos países membros,
meiro semestre, os lucros
a uma como a redução da desigualdade
empresas aumentaram
do que social e dos índices de pobreza.
taxa quatro vezes maior Pág. 9
os impostos e as contribuições

Primeira escola
que recolheram.
Pág. 7

latino-americana
LULA PRECISA MUDAR, alertava o arquiteto e militante co- modo digno”. E afirmava que não tinha perdido a esperança. “Se
A política
colonizada de agroecologia
Camponeses de toda a Amé-
pelo mercado trocar

munista Oscar Niemeyer, na época com 97 anos. Em entrevista eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na
rica Latina vão poder
téc- conhecimentos sobre sementes
“A política econômica é rede vai
mostra e técnicas agrícolas. A
nica, e não política. Isso Lati-
ser organizada pela Escola
um fortalecimento do Estado”, ,
no-Americana de Agroecologia
disse o ministro da Fazenda, em Paris em
inaugurada dia 27 de agosto,

exclusiva ao Brasil de Fato, publicada na edição número 131, rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos”.
entre- de incêndio em albergue,
Antônio Palocci, durante prestam homenagem às vítimas institui-
Na França, filhos de imigrantes Lapa (PR). Pioneira, a
vista coletiva em que respondia
eceita, ção é resultado de parceria
entre
às acusações de corrupção.
Para o economista Paulo
No-
Constituição do Tuberculose tem Super-R os governos da Venezuela
e do

gueira Batista Júnior,


essa vi-
cura, mas mata uma rasteira Estado do Paraná, Via Campesi-
na Internacional e Universidade
Iraque acirra
que circulou de 1º a 7 de setembro de 2005, dizia: “O governo de Leia abaixo a entrevista, registrada na página 8 daquela sema-
um
são do ministro evidencia
estelionato eleitoral: “Não
foi
milhões na África na Previdência Federal do Paraná (UFPR).
Pág. 15
isso que disseram aos eleitores conflito étnico Pág. 11
Pág. 12
Pág. 14
em 2002”.
Pág. 4 Conservatória

Luiz Inácio Lula da Silva é ruim. Agora, com a crise que o asso- na. Desde a edição de número 500, estamos reproduzindo al-
Marcio Baraldi

E mais: No Maranhão, atrai saudosos


TELEFONIA – Os preços
cobra-
compro-
comunidade luta da serenata
dos pelas operadoras
fami- contra a Vale A serenata, o canto sob
o se-

la, ele tem que cumprir as promessas que fez, como distribuição guns momentos importantes até aqui registrados em nossas pá-
metem 32% do orçamento ao tem-
a reno, resiste bravamente
liar. Uma CPI pode investigar Os moradores da Ilha dos
Ca- Todo
Pág. 6 po em Conservatória (RJ).
privatização do setor. chorros (MA) estão resistindo
à
fim de semana, seresteiros
e
contra implantação de um pólo siderúr- seresteiras caminham lentamen-
EQUADOR – Na luta
e pe- gico gigantesco na Ilha de São te pelas ruas, cantando
canções
transnacionais do petróleo

de renda. É sua última oportunidade de acabar seu mandato de ginas nestes quase dez anos.
naturais Luís. Parceria entre Companhia de amor. No dia 27 de
agosto,
la defesa dos recursos governo do os
obtêm Vale do Rio Doce, milhares de visitantes lotaram
do país, comunidades Luís e para
Pág. 10 Estado, prefeitura de São hotéis e pousadas do lugar
vitória parcial. transnacionais, o projeto
preten- Seres-
prestigiar o Encontro de
em zona músicos
de transformar a região teiros, a união entre os
cerca de
industrial, desalojando de fora e os locais.
danos das creches no Fundo Pág. 16
15 mil pessoas e causando sociais reivindicam a inclusão
Em Brasília, organizações em discussão no Congresso
ambientais. Educação Básica (Fundeb),
Pág. 13 de Desenvolvimento da

8 De 1º a 7 de setembro de 2005

NACIONAL
ENTREVISTA

Lula podia ter feito mais, diz Niemeyer


Para o arquiteto, presidente não fez mudanças radicais, mas tem condições de implementar ações contra a pobreza
esquecê-la. Sabemos que é o ca-
Taís Peyneau

João Alexandre Peschanski e


Taís Peyneau minho a seguir.
do Rio de Janeiro (RJ) Quem é
BF – No Brasil, a crise que afeta
o PT e Lula enfraquece a luta

S
entado, em seu escritório Nascido em 1907, Oscar
em Copacabana, no Rio de pelo comunismo? Niemeyer Soares Filho é
Janeiro, Oscar Niemeyer Niemeyer – Não, ao contrário. arquiteto e militante comu-
balança a cabeça. “Cansamos de A situação se faz tão difícil e nista. Formou-se em 1934
esperar as reformas que Lula pro- degradada que um dia só a na Escola de Belas Artes, no
metia”, diz, comentando a crise do revolução resolverá os nossos Rio de Janeiro. Onze anos
governo e do Partido dos Trabalha- problemas. Quando houve a depois, ingressou no Partido
dores (PT). Em entrevista exclusi- eleição do Lula, declarei que Comunista Brasileiro. Man-
va ao Brasil de Fato, o arquiteto meus candidatos seriam ou João teve a militância durante
revela que nunca teve ilusões em Pedro Stedile, do Movimento dos toda a vida. Entre seus prin-
relação ao presidente Luiz Inácio Trabalhadores Rurais Sem Terra cipais projetos estão o dese-
Lula da Silva, que, segundo ele, (MST), ou Leonel Brizola, ex- nho da sede da Organização
chegou ao poder “cheio de ânimo”, governador do Rio de Janeiro. das Nações Unidas (ONU),
mas sem um projeto para mudar Esses homens são de luta. Lula é o Parque do Ibirapuera em
radicalmente o Brasil. um ex-operário, cheio de ânimo, São Paulo (SP) e, principal-
Esboça um sorriso. Mantém-se mas nunca foi comunista. Seu mente, a construção de Bra-
otimista, pois “Lênin já dizia que projeto era melhorar o capitalis- sília, onde foi responsável
sem sonhar as coisas não acon- mo, o que é um objetivo impossí- pelos projetos do Palácio da
tecem”. Segundo ele, Lula ainda vel, a meu ver. Minha posição é Alvorada, do Congresso Na-
pode “virar a mesa” e implementar que precisamos de um presidente cional e da Catedral
ações efetivas contra a pobreza. que tenha a força de virar a me-
Para tanto, sugere, deve tomar sa e realizar mudanças radicais,
exemplo nos presidentes cubano e como Castro e Chávez. Lula. No geral, rejeitam a hipóte-
venezuelano, Fidel Castro e Hugo se. O que o senhor acha disso?
Chávez. BF – Qual o impacto da crise na Niemeyer – É péssimo. Os que são
Segundo Niemeyer, mais do esquerda? contra o Lula são muito piores.
que nunca é preciso voltar-se à Niemeyer – Cansamos de espe-
luta por mudanças radicais. Diante rar as reformas que Lula prome- BF – Se o presidente realmente
da possibilidade de transformar tia. Para nós ele deveria se ligar estivesse ameaçado de ser der-
o mundo, outras atividades – até à esquerda do PT e cumprir as rubado, o senhor acha que as
mesmo a arquitetura – perdem im- promessas que fez ao povo. Se- pessoas sairiam às ruas para
portância. Diz isso e caminha para ria a sua última oportunidade. defendê-lo?
a sala. Nas paredes, frases que es- Niemeyer – Depende dele. De-
creveu. “Revolução”, “Terra para pende dele.
todos”, “Por um mundo melhor”. (Lula) prometeu
Ao lado, nas mesmas paredes, ras- BF – O que isso quer dizer?
cunhos e desenhos de suas obras.
muita coisa e, para Niemeyer – Que ele tem que
acabar seu governo agir, apelar para as bases. Ele
Brasil de Fato – Apesar da queda como um homem prometeu muita coisa e, para
do muro de Berlim, da dissolução digno, de pé, acabar seu governo como um
da União Soviética e, agora, da homem digno, de pé, precisa
precisa cumprir as
crise do PT, o senhor continua a cumprir as promessas.
ser comunista. De onde encontra promessas que sem sonhar as coisas não problemas que ocorriam naque-
motivação? acontecem. la época. Lembro que, logo nos BF – O que aprendemos com a
Oscar Niemeyer – Deste mundo inícios de Brasília, fui chamado tomada do poder por Lula e com
de pobres que nos cerca e até ho- BF – Lula tem força e, princi- BF – O senhor concilia arquite- à polícia política. Avisei ao pre- a crise que o assola?
je espera por uma vida melhor. palmente, vontade para uma tura e comunismo, que parecem sidente, que, homem de centro Niemeyer – Um aprendizado
mudança radical? distantes... que era, me advertiu: “Você não muito duro... É que infelizmente
BF – O comunismo é a solução? Niemeyer – Tinha. Mas para Niemeyer – A vida é mais impor- pode ir. Tiram o seu retrato, e falta conhecimento político ao
Niemeyer – O comunismo resol- mantê-la ele teria que se ligar tante do que a arquitetura. A ar- eu não poderei mais recebê-lo nosso povo para decidir coisas
ve o problema da vida. Faz com ao povo, apoiar com maior vi- quitetura não muda nada, mas a no Palácio.” Mas o meu amigo dessa natureza. Sempre recla-
que a vida seja mais justa. E isso gor a reforma agrária, o MST, o vida pode mudar a arquitetura. logo se recuperou, telefonando mamos não serem levados à
é fundamental. Mas o ser huma- movimento mais importante que para o general Amaury Kruel: juventude os problemas da vida
no, este continua desprotegido, existe em nosso país. Deveria BF – O que é uma arquitetura “O Niemeyer não pode ir. É meu e do ser humano, cuja compre-
entregue à sorte que o destino ser menos gentil com os donos mais igualitária? elemento-chave em Brasília.” ensão deve fazer parte de sua
lhe impõe. do dinheiro, inclusive com o Niemeyer – Aquela que a todos formação. Cada um sai da
presidente dos Estados Unidos, atende sem discriminação. Vou BF – O senhor foi à política escola apenas interessado nos
BF – Como se constrói, no ideá- George W. Bush, um cretino que esclarecer a vocês meu ponto de política? problemas de sua profissão.
rio popular, uma visão positiva não devia existir. vista. Quando o governo decide Niemeyer – Mais duas vezes.
do comunismo – termo que pa- fazer uma escola perto das fave- Numa delas, só para ser “escra- BF – O que quer a direita?
rece estar bastante desgastado BF – O que deu errado no PT? las, a idéia é sempre fazer algo chado”, como se diz, isto é, ir de Niemeyer – Manter este clima
desde a derrocada da União Niemeyer – Um partido de es- mais pobre. Isto é errado. Recen- mesa em mesa, apresentando-se de poder, de injustiça social e de
Soviética? querda que se enfraquece esque- temente, projetei uma biblioteca aos policiais de plantão. Na outra subserviência ao império norte-
Niemeyer – A Revolução Russa cendo as suas origens... Até o e um teatro em Caxias. Fiz como vez, quando voltei ao Brasil, lem- americano.
de 1917 fez MST, um movimento que Stedile se fosse para Copacabana, o bro que fui levado para uma sala
Mujique – Nome
dado aos campo-
de um país de lidera tão bem, não teve do go- projeto mais audacioso possível. acolchoada, onde um policial me BF – Dizem geralmente que
neses russos que mujiques a se- verno atual o apoio que deveria Não pode ha- fazia as perguntas que um criou- quem controla o mundo é o
viviam em regime gunda potên- ter. Sobre tudo isso escrevi num Centros Integra- ver discrimi- linho batia à máquina. Recordo Bush.
feudal. O governo dos de Educação
cia mundial. artigo comentando como é difícil Pública (Cieps)
nação. Quan- a última pergunta: “O que vocês Niemeyer – O Bush, no fundo, é
revolucionário, ins-
taurado em 1917, Foi fantástico. mudar este mundo coberto de – Idealizados por do Brizola fez comunistas pretendem?” “Mudar um idiota que tem as armas na
após a Revolução de Setenta anos miséria e discriminação. Brizola, em 1983, e os Centros Inte- a sociedade”, respondi. E o poli- mão e delas se serve para levar
projetados por Nie-
Outubro, implemen- de glória e a grados de Edu- cial disse ao rapaz: “Escreve aí: o terror às áreas mais desprote-
tou diversas políticas meyer, são escolas
para melhorar as
vitória defi- BF – Nesse artigo, o senhor dis- de período integral. cação Pública mudar a sociedade”. E o criouli- gidas. Representa o capitalismo,
condições dos traba- nitiva contra se que era preciso ser otimista. Atendem em média (Cieps), vimos nho riu, dizendo para mim: “Vai que, decadente, tudo faz para
lhadores, especial- o nazismo. Continua com essa opinião? 1.000 crianças por que os meni- ser difícil”. subsistir.
dia, oferecendo,
mente os rurais. Não podemos Niemeyer – Sim. Lênin já dizia além de aulas, ati-
nos entravam
vidades culturais, nos prédios BF – Na arquitetura, o senhor
com orgulho, está trabalhando em algum pro-
Agência Brasil

esportivas e lazer.
Se eu fosse jovem,
Há 500 unidades em imaginando, jeto que traduza sua visão atual
funcionamento, ge-
na sua inocên- em vez de fazer do Brasil e do mundo?
ralmente instaladas
em áreas pobres do cia, que os tem- arquitetura, Niemeyer – Se eu fosse jovem,
Estado. pos iam mu- gostaria de estar em vez de fazer arquitetura, gos-
dar e eles po- na rua protestando taria de estar na rua protestando
deriam começar a usufruir o que contra este mundo de merda em
antes só às crianças mais ricas
contra este mundo que vivemos. Mas, se isso não é
era permitido. de merda em que possível, limito-me a reclamar o
vivemos mundo mais justo que desejamos,
BF – A arquitetura está muito com os homens iguais, de mãos
vinculada ao urbano. É possível dadas, vivendo dignamente esta
pensá-la para os camponeses? BF – Muitas vezes, o senhor foi vida curta e sem perspectivas
Niemeyer – A arquitetura obede- criticado porque Brasília é muito que o destino lhes impõe.
ce sempre a um programa e, no vazia. No entanto, sempre que
caso, seria diferente, voltada pa- desenhou a cidade, enchia-a de BF – A arquitetura não tem fun-
ra a vida dos homens do campo. gente. A cidade saiu como o se- ção social?
nhor queria? Niemeyer – Deveria ter. Mas,
BF – Se pudesse voltar no tempo, Niemeyer – Ao contrário, hoje quando ela é bonita e diferente,
o senhor participaria, de novo, Brasília tem gente demais. Até o proporciona pelo menos aos po-
da construção de Brasília? tráfego começa a ficar difícil. bres e ricos um momento de sur-
Niemeyer – Não sei. Brasília foi presa e admiração. Mas quanto
uma aventura, parecia o fim do BF – Setores da direita e esquer- lero-lero! Na verdade, o que nós
Na Brasília de Niemeyer, manifestação pela reforma política mundo. E não eram poucos os da discutem o impeachment do queremos é a revolução.
brasil de 15 a 21 de novembro de 2012 9

Zumbi vive na Serra da Barriga Gorivero/CC


HISTÓRIA fugiados políticos eram aceitos nos Pal-
mares. Eram braços para o trabalho e
Se apurarmos o ouvido, para a resistência.
A proposta da retomada da escravidão
escutaremos os atabaques colonial em Palmares, com Zumbi com
chamando às armas, um “séquito de escravos para uso pró-
prio”, é lixo historiográfico sem qual-
anunciando a chegada dos quer base documental, impugnado pe-
la própria necessidade de consenso dos
negreiros malditos palmarinos contra os escravizadores.
Trata-se de esforço ideológico de sico-
fantas historiográficos para naturalizar
a opressão do homem pelo homem, pro-
Mario Maestri pondo-a como própria a todas e quais-
quer situações históricas.
EM 20 DE novembro de 1695, Nzumbi Palmares garantiu que milhares de ho-
dos Palmares caía lutando em mata per- mens e mulheres nascessem, vivessem e
dida do sul da capitania de Pernambuco. morressem livres. Ao contrário, em pou-
Seu esconderijo fora revelado por lugar- cos anos, os seguidores de Ganga Zum-
tenente preso e barbaramente torturado. ba foram reprimidos, re-escravizados ou
Mutilaram seu corpo. Enfiaram seu sexo retornaram fugidos aos Palmares, en-
na boca. Expuseram a cabeça do palma- cerrando-se rápida e tristemente a trai-
rino na ponta de uma lança em Recife. ção que dividiu e fragilizou a resistência
Os trabalhadores escravizados e todos os quilombola.
oprimidos deviam saber a sorte dos que A paliçada do quilombo do Macaco foi
se levantavam contra os senhores das ri- a derradeira tentativa de resistência es-
quezas e do poder. tática palmarina, quando a resistência
Em 1654, com a expulsão dos holan- esmorecia. Ela foi devassada em feverei-
deses do Nordeste, os lusitanos lança- ro de 1694, por poderoso exército, for-
ram expedições para repovoar os enge- mado por brancos, mamelucos, nativos
nhos com os cativos fugidos ou nascidos e negros, entre eles, o célebre Terço dos
nos quilombos da capitania. Para defen- Enriques, formado por soldados e ofi-
derem-se, as aldeias quilombolas confe- Escultura de Zumbi dos Palmares na praça da Sé, em Salvador (BA) ciais africanos e afro-descendentes. Não
deraram-se sob a chefia política do Ngo- havia e não há consenso racial e étnico
la e militar do Nzumbi. A dificuldade dos dos opressores, pelas migalhas das me- vam as senzalas. Palmares era exemplo e entre oprimidos e opressores.
portugueses de pronunciar o encontro sas dos algozes. atração permanentes aos oprimidos que O último reduto palmarino, defendido
consonantal abastardou os étimos ango- Então Nzumbi assumiu o comando corroíam o câncer da escravidão. por fossos, trincheiras e paliçadas, en-
lanos nzumbi em zumbi, nganga nzum- político-militar da confederação. Como já lembraram, nos anos 1950, contrava-se nos cimos de uma altanei-
ba, em ganga zumba. A confederação te- Para ele, não havia cotas para a liber- o historiador marxista-revolucionário ra serra.
ria uns seis mil habitantes, população dade ou privilegiados no seio da opres- francês Benjamin Pérret e o piauiense A Serra da Barriga e regiões próximas,
significativa para a época. são! Exigia e lutava altaneiro pelo direi- comunista Clóvis Moura, a confedera- na Zona da Mata alagoana, com densa
to para todos! ção dos Palmares venceria apenas se es- vegetação, são paragens de beleza úni-
Não temos certeza sobre o nome pró- praiasse a rebelião aos escravizados dos ca. Quem se aproxima da serra, chegado
Ganga Zumba deu as costas aos prio do último nzumbi que chefiou a engenhos, roças e aglomeração do Nor- do litoral, maravilha-se com o espetácu-
confederação após a defecção de Nganga deste, o que era então materialmente lo natural. O maciço montanhoso rompe
irmãos de opressão e aceitou Nzumba. Documentos e a tradição oral impossível. abruptamente, diante dos olhos, no ho-
as miseráveis facilidades para registram-no como Nzumbi Sweca. rizonte, como fortaleza natural expugná-
Nos derradeiros ataques aos Palmares, vel, dominando as terras baixas, cober-
alguns poucos as armas de fogo e a capacidade dos es- Não havia possibilidade de tas pelo mar verde dos canaviais flutuan-
cravistas de deslocar e abastecer rapida- do ao lufar do vento.
mente os soldados registravam o maior coexistência pacífica entre Se apurarmos o ouvido, escutare-
nível de desenvolvimento das forças pro- escravidão e liberdade. mos os atabaques chamando às armas,
Em novembro de 1578, em Recife, dutivas materiais do escravismo, apoia- anunciando a chegada dos negreiros
Nganga Nzumba rompeu a unidade qui- do na superexploração dos trabalhado- Palmares era república de malditos. Sentiremos a reverberação
lombola e aceitou a anistia oferecida res feitorizados. As tropas luso-brasilei- dos tam-tans lançados do fundo da his-
apenas aos nascidos nos quilombos, em ras eram a ponta de lança nas matas pal- produtores livres tória, lembrando às multidões que labu-
troca do abandono dos Palmares e da vil marinas da divisão mundial do trabalho tam, hoje, longuíssimas horas ao dia,
entrega dos cativos ali refugiados ou que de então. não raro até a morte por exaustão, por
se refugiassem nas suas novas aldeias. Não havia possibilidade de coexistên- alguns punhados de reais, nos verdes
Acreditando nos escravizadores, Gan- cia pacífica entre escravidão e liberda- Palmares não foi porém luta utópica e canaviais dessas terras que já foram li-
ga Zumba deu as costas aos irmãos de de. Palmares era república de produto- inconsequente. Por longas décadas, pela vres, que a luta continua, apesar da já
opressão e aceitou as miseráveis facili- res livres, nascida no seio de despótica força das armas e a velocidade dos pés, longínqua morte do general negro de
dades para alguns poucos. Abandonou sociedade escravista, que surge hoje nas assegurou para milhares de homens e homens livres.
as alturas dos Palmares pelos baixios de obras da historiografia apologética como mulheres a materialização do sonho de
Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. um quase paraíso perdido, onde a paz, viver em liberdade de seu próprio traba- Mario Maestri é professor do programa de
Foi seduzido por lugar ao sol no mundo a transigência e a negociação habita- lho. Indígenas, homens livres pobres, re- pós-graduação em História da UPF.

CULTURA

10 anos de fomento à cultura Divulgação


POLÍTICA PÚBLICA rantes fazem a intervenção Latifúndio,
na Praça Dom José Gaspar, às 14h.
Lei paulistana de No dia 22, a Cia. Lya Tunde de Teatro
incentivo completa apresenta Eram os Orixás Humanos?,
na Praça da República, às 14h; o Vento-
uma década e ganha forte faz uma Apresentação e cortejo de
folguedos e cantorias, no Espaço Ven-
exposição em São Paulo to Forte (Rua Brigadeiro Haroldo Velo-
so, 150, Itaim Bibi), às 16h; a Cia. do Fei-
jão faz uma Mostra de processo, seguida
de debate, em seu espaço (Rua Dr. Teo-
Eduardo Campos Lima doro Baima, 68), às 20h; e a Kiwi Cia. de
de São Paulo (SP) Teatro apresenta a intervenção Interna-
cional, às 18h, no Espaço Pyndorama (r.
HÁ DEZ ANOS, grupos de teatro de São Turiassú, 481, Perdizes). Às 20h30, tam-
Paulo obtinham uma vitória significativa bém no Espaço Pyndorama, a Cia. Estu-
contra o desmanche das políticas gover- do de Cena apresenta A Farsa da Justi-
namentais para a cultura, aprofundado ça Burguesa.
a partir do governo de Fernando Collor. No dia 23, na Praça da República, o
Com a aprovação por unanimidade na grupo Buraco d’Oráculo faz Ser tão Ser,
Câmara dos Vereadores do Programa às 15h, o Núcleo Pavanelli de Teatro de
de Fomento ao Teatro, em 2001, artistas Rua e Circo apresenta Aqui não, se-
não alinhados ao mercado garantiam a nhor patrão, às 16h, e a Cia. Teatro dos
possibilidade de obter recursos para sua Ventos apresenta O Preço do Feijão, às
manutenção. 18h. O Grupo Redimunho de Investiga-
Em dez anos de existência do Progra- O Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo apresenta Aqui não, senhor patrão ção Teatral faz o Cortejo da Memória,
ma de Fomento, dezenas de grupos obti- às 14, no Jardim Pedreira (Pça. do Acu-
veram financiamento para suas ativida- riam para a instauração de uma políti- luta, a Lei de Fomento só continua exis- ri, s/n, altura do número 1614 da Estra-
des. Conforme lembra Iná Camargo Cos- ca de democratização da produção e do tindo, há dez anos, por causa da organi- da do Alvarenga); o Núcleo 184 apresen-
ta, professora aposentada da USP, no ar- acesso a bens simbólicos na cidade de zação aguerrida da parcela mais avança- ta Dassanta, às 16h, no Studio 184 (Pra-
tigo Teatro de grupo contra o deser- São Paulo. da dos artistas de São Paulo. ça Roosevelt, 184); e a Cia. Antropofági-
to do mercado, a criação do Programa, A partir de 2005, entretanto, com a A militância dos grupos teatrais marca ca faz Terror e Mistério no Novo Mundo
além de ter funcionado como uma con- saída de Marta Suplicy da Prefeitura, as também sua produção estética, profun- – Parte III, às 20h, no Espaço Pyndora-
quista de força simbólica, tornou pos- políticas para o teatro sofrem novos re- damente relacionada ao espaço urbano. ma (r. Turiassú, 481).
sível a mera existência de uma série de trocessos, como o fim do programa For- É por isso que a Mostra Fomento ao Te- No dia 24, o Teatro Popular União e
grupos que, não fosse pelas verbas do fo- mação de Público, entre outros. Como atro – 10 anos, que ocorre entre os dias Olho Vivo apresenta A cobra vai fumar,
mento, teriam desistido da luta pelo te- lembra uma carta da Cooperativa Pau- 21 e 24 de novembro, será composta por às 17h, em sua sede (Rua Newton Prado,
atro, “espremidos pela simples necessi- lista de Teatro endereçada a Fernan- atividades que se distribuirão pela cida- 766, Bom Retiro); o Grupo Teatral Par-
dade de pagar as contas no fim de cada do Haddad e lida em um encontro en- de inteira. Aproximadamente 100 peças lendas apresenta Marruá, no Espaço
mês”. Ao permitir a continuação do tra- tre o prefeito eleito e os artistas no dia serão apresentadas nos quatro dias da Dolores CDC (R. Frederico Brotero, 60,
balho de artistas cuja produção não se 25 de outubro de 2012, houve uma série Mostra, em todas as regiões de São Pau- Cidade Patriarca), às 18h; o Coletivo Do-
subordina aos ditames dos empresários de medidas, de lá para cá, com o objeti- lo, além de cortejos pelas ruas, debates e lores apresenta Insônias de Antonio, em
da indústria cultural, o Programa de Fo- vo de descaracterizar a Lei de Fomento, baile popular. seu espaço, às 20h; o Engenho Teatral
mento possibilitou também a ampliação por meio de decretos e regulamentação No dia 21, a Cia. Auto-Retrato apre- apresenta Opereta de Botequim, às 19h,
do “repertório de temas e formas de ex- por editais. senta Origem Destino, na Escadaria da no Espaço Engenho Teatral (R. Monte
pressão teatral”, como define Iná. Tais medidas não passaram desperce- Sé, às 12h; o Teatro Curupira apresen- Serrat, 230, Tatuapé); e o Grupo Hangar
Entre os anos de 2001 e 2004, a lei do bidas – e o movimento do teatro de gru- ta A-5087, às 20h, no Studio 184 (Pra- de Elefantes apresenta Terra à vista, na
fomento aliou-se a outras ações gover- po paulistano constituiu diferentes fren- ça Roosevelt, 184); o Teatro da Traves- Praça Dom Orioni – Vila de Itororó, às
namentais. Programas de caráter for- tes políticas, no último período, para sia apresenta Dias Raros, no Sacolão das 18h. (Confira a programação comple-
mativo, como o Formação de Público, combater o sucateamento dos progra- Artes (R. Cândido José Xavier, 577, Pq. ta em fomento10anos.wordpress.com/
o Teatro Vocacional e o VAI concor- mas municipais para a cultura. Fruto de Santo Antônio), às 20h; e a Cia. Os Itine- programacao-geral)
10 de 15 a 21 de novembro de 2012 cultura

Nego Fugido,
Negro Livre Fotos: Cristiano Navarro
CULTURA POPULAR mentação do torso e dos braços na dan-
ça e a presença de termos em iorubá nos
Há mais de 120 anos, cânticos), além das práticas da cultura
banto Congo-Angola, como o samba de
comunidade do roda. “O nego fugido é uma soma de di-
Recôncavo Baiano ferentes manifestações afro-brasileiras e
encontramos registros desta brincadeira
apresenta saga em busca em nossa comunidade de antes de 1888;
portanto, antes da própria abolição” des-
da liberdade taca Monílson Santos, que interpreta o
Capitão-do-Mato e é mestrando do curso
de pós-graduação em Artes Cênica pela
Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Cristiano Navarro,
da Reportagem
“O nego fugido é uma
DAS SENZALAS nos engenhos de ca-
na-de-açúcar, os escravos cantam, dan- soma de diferentes
çam, organizam-se e fogem em busca manifestações afro-
da liberdade. A mando do Rei , o Capi-
tão-do-Mato organiza os Caçadores de brasileiras e encontramos
Escravos que saem no encalço dos fugi-
dos. Depois de encontrados, baleados e registros desta brincadeira
reescravizados, os escravos (interpreta- em nossa comunidade de
dos por crianças e adolescentes), grave-
mente feridos, são obrigados a implorar antes de 1888”
por dinheiro para comprarem suas car-
tas de alforria. Ao lado do Rei e protegi-
da pelos militares, a Madrinha (repre-
sentando a paz e uma referência à Prin- O mar
cesa Isabel) ora assiste a tudo passiva, Nas décadas de 1970 e 1980, o nego
outra procura pacificar o conflito. fugido” passou por um período de qua-
Na última apresentação do Nego Fu- se desaparecimento, mas a partir de
gido, o epílogo mostra a revolta dos es- meados da década de 1980 passou a ser
cravos que tomam as armas dos milita- reencenado anualmente. “O nego fugi-
res e capturam o Rei e seus soldados, do é como a maré que tem seus altos e
exigindo a liberdade. “Queremos a car- baixos e depende da lua”, afirma o pes-
ta de alforria. Queremos a carta de alfor- cador Valdeci que há 28 anos participa
ria. Queremos a carta de alforria”, gri- do folguedo.
tam. Sob a mira dos revoltosos, o Rei ce- Nos últimos anos a maré parece es-
de as pressões dos escravos e pede para tar cheia para o grupo. Neste mês, o Ne-
que o Capitão-do-Mato anuncie a abo- go Fugido viajou cerca de 1900 Km para
lição. Por fim, os papéis se invertem e se apresentar em São Paulo (SP). Na ca-
os escravos perguntam ao público se al- pital paulista, apresentaram-se para pú-
guém quer comprar o Rei. blicos distintos como o das ruas do bair-
Atabaques ditam o ritmo da encena- ro de classe média-alta de Perdizes e do
ção. A letra das músicas contam o de- extremo leste da cidade, no bairro Ci-
senrolar das ações desta peça teatral dade Tiradentes – periferia onde o to-
apresentada tradicionalmente aos do- que de recolher vigora pelo crime. “A ca-
mingos do mês de julho pelas ruas no da apresentação é sempre uma grande
município de Acupe, distrito de Santo surpresa porque se trata de uma inter-
Amaro da Purificação (BA). venção que interage com o público que
Além de lembrar as lutas no período a interpreta do seu ponto de vista livre.
da escravidão na região do Recôncavo Em Acupe essa narrativa traz à tona a
Baiano, o enredo serve para ressignificar luta contra a escravidão. O que foi esse
a história e dar protagonismo à conquis- processo? Ele já se deu? Ele ainda está
ta da abolição aos negros. Com os ros- acontecendo?” destaca Monílson.
tos pintados com uma mistura de óleo e As expressões artísticas de Acupe
carvão e a boca com tinta vermelha re- acontecem sem contar com quase ne-
presentando o sangue expressam a dor nhum apoio de recursos públicos. Re-
e o sofrimento do povo negro. Os atores centemente a Associação Cultural Ne-
são pessoas da comunidade (pescadores, go Fugido comprou um terreno onde
marisqueiros, donas de casa, estudan- tenta a construção de sua sede. “O ne-
tes) e o impacto visual é assustador. go fugido’ cumpre um papel de mais de
Ao final de cada apresentação, os par- 100 anos de fortalecimento da identida-
ticipantes e o público celebram cantan- de local e a educação informal, dos mais
do e dançando em um samba de roda. velhos para as crianças, sem contar com
Em seguida, os moradores do distri- nenhuma estrutura. Agora queremos,
to preparam uma grande feijoada para por nós mesmos, montar a nossa sede
a comunidade com o dinheiro arreca- e investir em nossa cultura” afirma Mo-
dado durante a brincadeira (quando a nílson. Para ajudar na construção da se-
população contribui com a compra das de é possível fazer doações por meio do
cartas de alforria os escravos). site www.idea.me

Além de lembrar as “Então, eu resumo assim:


lutas no período da fazer para não esquecer,
escravidão na região lembrar pra não tornar a
do Recôncavo Baiano, acontecer”
o enredo da serve para
resignificar a história e dar Todos negos
protagonismo à conquista O soldador industrial Evilásio Cruz,
que interpreta um dos caçadores, con-
da abolição aos negros ta que morava na roça e tinha cinco anos
quando teve seu primeiro contato a ma-
nifestação cultural. “Perguntei: que dia-
bo é isso? E saí correndo atrás dos ca-
Mistério oral çadores”. Desde então o soldador de 58
Os mistérios e imprecisões sobre o anos mantém relação com a brincadeira.
mito repassado pela tradição oral fa- O tempo que ficou sem ser interpreta-
zem com que os registros e estudos so- do, o Nego Fugido fez falta para Evilá-
bre a criação do nego fugido não sejam sio e, provavelmente, para os morado-
conclusivos. “Quem inventou? Como res do distrito que em peso se envolvem
inventou? E porque inventou? Eu não com as apresentações hoje em dia. “Eu
sei. Mas eu acredito que essa pessoa costumo dizer que todos que nascem
quem criou essa história, esteja onde em Acupe são negos fugidos, por que
estiver, deve estar feliz de ver que hoje nada do que é mostrado é ensaiado”.
a gente abraçou essa causa, compramos A comunidade de Acupe - berço de ou-
essa tese e estamos colocando adiante” tras importantes manifestações popula-
comenta Valdeci Santana, presidente res como os Caretas de Acupe, Malan-
da Associação Cultural Nego Fugido e dus e Bombachas – tem na peça a ex-
pescador profissional. pressão de suas revoltas e reivindica-
Estudiosos apontam que sua formação ções “A razão do porquê nós não sabe-
se dá no século 19 a partir de uma soma mos. Mas o objetivo nós sabemos que é
de elementos da cultura jeje-nagô origi- passar o que acontecia com nossos ante-
nária da Nigéria e Benin, cultura do can- passados. Então, eu resumo assim: fazer
domblé (como o conjunto de três ataba- para não esquecer, lembrar pra não tor-
ques e seus padrões rítmicos, a movi- Cenas do espetáculo Nego Fugido, apresentado nas ruas do bairro de Perdizes, em São Paulo (SP) nar a acontecer” conclui o soldador.
cultura de 15 a 21 de novembro de 2012 11

“A verdadeira cara
do nosso sistema” Divulgação

TEATRO Violência contra


jovens de periferia é Impressões e
retratada e discutida em
Belo Horizonte através de
aplicação na
Teatro do Oprimido realidade
de Belo Horizonte (MG)
Maíra Gomes
de Belo Horizonte (MG) “Teatro Fórum é como a pessoa
vai aplicar aquilo na vida dela, os
“NÓS MOSTRAREMOS a verdadeira cara sentimentos que vivenciou, o efei-
do nosso sistema. Demonstraremos que a
essência de um regime está nos seus ex- to daquela vivência. O nosso teatro
cessos. Se o capital deve dar lucro, que começa quando o teatro acaba”, é o
seja o máximo. Se o homem é vulnerá- que afirma a integrante do grupo,
vel, que seja mantido no limite extre- Kelly Di Bertolli.
mo da sua resistência física. (...) Por que O Brasil de Fato realizou uma
dar mais, se com violência fazemos com
que se contentem com menos? (...) Não Cena da peça Torquemada – 17 balas, do grupo de Teatro do Oprimido da Garoa
roda de conversa com os espectado-
nos devemos permitir nenhuma hipocri- res e participantes das atividades do
sia. Temos que ver a nossa cara tal qual é. Garoa, traz o texto de Boal, com a Inquisi- dura é muito importante porque enquan- grupo em Belo Horizonte. Abaixo,
Nem bonita nem feia. É o que é. Não há ção Espanhola e a Ditadura brasileira, e o to não tivermos a punição desses crimes, trechos de alguns depoimentos.
crise moderada. Não há crueldade suave. retrato da violência no país atualmente. os mesmos crimes que acontecem ainda
Há o que há. Se há guerra, que seja o ex- A integrante do grupo, Kelly Di Bertolli, hoje continuarão naturalizados”, declara.
termínio. Divirtam-se”. conta que a peça foi escrita inicialmente O projeto, aprovado em edital do Mi- Após a peça
Cerca de onze pessoas são assassina-
das diariamente em Minas Gerais. Mais
em 2010, para a participação do grupo em
uma homenagem ao autor Augusto Boal
nistério da Justiça no início de 2011, con-
tou com a visita aos estados de São Paulo, “ Achei muito interessante o espe-
táculo, porque relata o que vive-
de 177 crianças e adolescentes estão desa- durante a 29° Bienal de Artes de São Pau- Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Ge- mos. Do jeito que vimos, a gente

parecidos em Belo Horizonte. Apenas es- lo. “Após a Bienal, decidimos atualizar o rais e Distrito Federal. Dos citados, ape-
pode retratar e mudar a historia .
te ano, 98 moradores de rua já foram as- texto. Tivemos contato com o grupo Tor- nas o último ainda não recebeu o proje-
sassinados na capital. Estes e outros nú- tura Nunca Mais, com o tema dos Direitos to, o que deve acontecer entre os dias 20 e Taís Carolina Santos, 15 anos.
meros traduzem a grave situação que se Humanos, e decidimos dar o tom de de- 23 deste mês.

“pressar
encontra a violência no estado, sendo es- nuncia às torturas para a peça”, conta. Durante a temporada do projeto nas ci- Achei muito bacana a peça. Ex-
te também um reflexo do que acontece em Após uma longa e aprofundada pesqui- dades, são realizadas três etapas: a apre-
todo o país. sa e compilação de relatos sobre a reali- sentação do espetáculo, um bate papo que como as pessoas podem
O trecho com que a reportagem se inicia dade da violência no Brasil, foi elabora- traga a temática dos Direitos Humanos, e contribuir para acabar com a
é de um texto de 1971, do dramaturgo Au-
gusto Boal. Ali, o autor faz uma analogia
da não apenas uma peça, mas um proje-
to. “Nosso objetivo é que o cidadão civil
uma oficina de Teatro do Oprimido. Pa-
ra tal, antes da chegada do grupo é neces-
opressão é muito importante .

Welbert Rezende, 21 anos,
da Idade Média, através da Inquisição Es- participe desse movimento, de ter memó- sário o contato com entidades que traba- cursa o 7° ano em supletivo.
panhola, com os porões da Ditadura Mili- ria, memória histórica. O projeto traba- lhem a temática na região. Em Belo Hori-
tar. Ele retrata a violência imposta pelos
frades, à luz do Padre Tomaz de Torque-
lha com a memória da ditadura para falar
da memória de hoje em dia, e vice e ver-
zonte, o Movimento Nacional dos Direitos
Humanos foi o responsável pela recepção “vãoSaindo do teatro, as pessoas
pra casa mais sensibilizadas,
mada, e a imposta pelos militares tortura- sa. Quando colhemos histórias da violên- e articulação da vinda do projeto, que es- mais mobilizadas. Elas se sentem
dores da ditadura. Entre os casos, o que cia de hoje, fica claro que isso está direta- teve na cidade entre os dias 5 e 8 deste
há em comum é a obscuridade, a violência mente ligado a como a polícia funciona, e mês. A Fundação Municipal de Cultura parte de problema, e isso é muito
às escuras, em “porões da sociedade”.
Esta analogia é feita novamente, nos
como a policia funciona está ligado com o
aprendizado sobre como lidar com o cida-
fez um convite aos seus funcionários para
a participação nas atividades, além de ar-
importante .
” Flávia Santana, 50 anos,
dias atuais. A peça Torquemada – 17 ba- dão. A cultura de exploração é muito anti- ticulação com escolas da periferia da cida- trabalha com Direitos Humanos.
las, do grupo de Teatro do Oprimido da ga neste país, e relacionar isso com a dita- de e funcionários do município de Betim.
“taTeatro usado como ferramen-
política incrível, porque é muito
concreto, muito pratico. É ali, aos
seus olhos, que o conflito surge e a

O espetáculo solução também .


” Henrique LeMadre,
28 anos, ator.

Ao longo da peça, são do texto. “Coletamos histórias de violên- peça. Já em casa após o ocorrido, seus Após a oficina

reproduzidos discursos
cia com mais de vinte jovens, e também
trouxemos as vividas pelos integrantes do
pais reproduzem também algumas destas
falas. Assim, o espetáculo relaciona clara- “ Estava com colegas de traba-
lho, vendo eles em corpos diferen-
grupo. Assim, fizemos um compilado e se mente a memória da ditadura aos tempos tes, em uma relação diferente. Saio
opressores que estão criou uma dramaturgia coletiva, a partir atuais. Ao fim, Bruno não escapa da reali- muito grato, foi uma tarde muito
diariamente presentes na da experiência de usar o teatro do oprimi- dade. Dezessete balas perfuram seu cor-
realidade do país
do dentro do teatro”, explica.
O público tem a possibilidade de acom-
po. Sua mãe e amigos seguem a peça bus-
cando justiça. A empreitada traz outros

bonita .
Eduardo Ramos,
Centro Cultural Pampulha.
panhar diferentes momentos da vida de personagens opressores da nossa socie-
Bruno, um jovem negro morador da pe- dade, desta vez sendo a mãe de Bruno o
de Belo Horizonte (MG)
riferia. Bruno vive cenas de opressão a to-
do o momento. Ele é alvo de preconcei-
alvo de opressão.
O integrante do grupo de Teatro do
“trabalhar
Vi a necessidade que temos de
isso nos equipamentos
to do empregador, que o despreza e ofen- Oprimido da Garoa, Rodrigo Caldeira, culturais, principalmente os de pe-
A peça é dinâmica e envolvente. O tre- de; alvo de seus pais, que não compreen- conta que, ao longo da peça, são repro- riferia. Muitas vezes as pessoas fi-

cho de início desta reportagem abre tam- dem sua forma de expressão com o rap, e duzidos discursos opressores que estão
cam perdidas ou se acomodam .
bém o espetáculo, esclarecendo desde o as dificuldades enfrentadas por ele na so- diariamente presentes na realidade do
Vicente Paula de Souza,
princípio qual é o objetivo do grupo. A ciedade; de seguranças particulares, que país. “A peça reconhece o jovem pobre, Fundação Municipal de Cultura.
apresentação traz, logo de saída, fortes o ameaçam apenas por andar de skate negro, e da periferia como alvo da atu-

“vamos
cenas de tortura retiradas do original de em frente à propriedade; e da polícia. alidade. E Torquemada é o grande per- O desafio que fica pra nós é como
Boal, e vividas pelo mesmo, e segue com Uma batida que Bruno e seu amigo sonagem opressor ali. Ele aparece como
uma história da realidade atual de opres- Mosca sofrem da polícia é ponto chave da o político, como a mídia, como o empre- pegar carona na ferramen-
são aos jovens. peça. Neste momento, o texto traz trechos gador que não recebe jovens de periferia. ta do teatro, na perspectiva do tea-
Kelly, do grupo de Teatro do Oprimido dos diálogos antes proferidos nas sessões Tem vários Torquemadas na nossa socie- tro do oprimido, para trabalhar o
da Garoa, conta um pouco da construção de torturas vividas por Boal, no inicio da dade”, declara Rodrigo. (MG) tema Direitos Humanos .

Gilvásio Silva, Movimento
Nacional de Direitos Humanos.

“çãoQuando a gente vive uma situa-

Teatro Fórum e resultados de conflito, passa pela cabeça


de todo mundo diversas possibili-
dades. Vivenciar sua própria expe-
riência fora daquele espaço de con-
Os expectadores cumprem

a cena da batida policial, os que estavam nem pensar, pois esse policial que será flito real é incrível .
com farda se levantaram e foram embora. denunciado vai estar na comunidade no Adriana Riquena, pedagoga.
o papel de participantes O público fez questão de anunciar em voz dia seguinte. Há medo”, aponta.

“destas
alta que ainda havia policias presentes no Em destaque, Rodrigo traz duas pos- Quanto mais a gente se aproxima
ativos da história publico”, diz Kelly Di Bertolli. sibilidades apresentadas pelo público
Já durante a realização das oficinas na em suas viagens. Uma deles foi sugeri- vivências, mais a gente per-
cidade, os jovens e policiais participan- da em um dos momentos de maior difi- cebe o medo que a gente tem, as di-
de Belo Horizonte (MG)
tes viveram momentos importantes. “Ti-
nham ali jovens que identificaram um po-
culdade de se fazer alguma coisa, segun-
do o ator, que foi no momento do assassi- ”
ficuldades .
Célia Marques, psicóloga.
licial presente como seu opressor e vio- nato. “Quando a cena foi acontecer, umas
Em um segundo momento do espetácu- lentador em um episódio vivido anterior- vinte pessoas começaram a tacar pedras
lo, o público é convidado a fazer parte do
enredo. Os expectadores cumprem ago-
mente. Mas nem todos são assim, alguns
policiais se sentiram à vontade para colo-
(bolinhas de papel) na polícia”. Uma ou-
tra possibilidade, que Rodrigo declara ter
“formas
É muito importante pensar em
de ação, agir, é mais efeti-
ra o papel de participantes ativos da his- car também suas experiências enquanto considerado viável na época, foi a reação vo. Conseguir dar um passo, mes-
tória, capazes de mudar seu rumo. “Este é oprimidos”. Kelly conta que se há algum da mulheres da comunidade. “Elas afir- mo em palco, traz o protagonismo.
uma momento muito bacana da peça. Em conflito com o supervisor, o policial mui- maram que, quando conhecem o rapaz e Quero trabalhar isso com quem
nossas viagens, temos vivido diversas ex- tas vezes é colocado em uma unidade de estão certas de sua inocência, se juntam
periências diferentes”, conta o ator Rodri- risco, sozinho e sem armas. para ‘fazer um auê’ e botar a polícia pra atende essas pessoas que são opri-
go Caldeira. O integrante Rodrigo conta que, em ati- correr. O tratamento da PM com a mulher midas cotidianamente, pela policia,
Em uma visita à cidade de Rio Claro, no vidade no bairro Sapopemba, região de é diferente, por isso pareceu dar certo”. pela guarda municipal, serviço de
estado de São Paulo, policias militares fo- periferia com alto índice de violência na O Grupo de Teatro do Oprimido da Ga- saúde, educação, trabalhar isso em

ram convocados pela Secretaria Municipal cidade de São Paulo, as opções dos jovens roa disponibiliza imagens de muitas das
varias instâncias .
de Segurança a participar das atividades. são poucas. “É bater na policia, ou correr. alternativas surgidas em suas viagens,
Gabriela Vieira, Coordenadoria de Promoção
O grupo conta que muitos foram assistir Não existia um arsenal de alternativas além de espaço para debate. O endereço da Igualdade Racial. (MG)
à peça fardados, outros a paisana. “Após além destas duas para eles. Denunciar, do site é torquemada.art.br. (MG)
12 de 15 a 21 de novembro de 2012 cultura

Apesar de você
CONTO Esses seres, que
Reprodução

se reconhecem, se unem
e lutam. E serão eles, os
seres que lutam, que
tornarão para a terra sua
semente e dela verão
brotar o seu perdão

Marina Tavares

ERA UM TANTÃO de terra. Por ela,


corriam grandes veias de água limpa.
E da terra nasciam árvores e das árvo-
res nasciam frutos e flores. Das flores, o
perfume. Um cheiro, assim, de mundo
inteiro. E dos frutos se alimentavam os
seres. E os seres, então, alimentavam a
terra, tratavam a terra para que cres-
cesse o novo alimento. Aprenderam os
seres a abrir a vala da terra e lá semear
a semente. E da semente vinha o pólen,
o beija-flor, a açucena. Da semente da
terra vinha tudo o que precisavam para
sobreviver: a água, o alimento, o abrigo
e a beleza - sem a qual morreriam. Um
dia, os seres inventaram a estaca. Cor-
taram uma ripa de árvore e a cravaram
bem no fundo na terra. Depois, inven-
taram a cerca. Prenderam o fio na esta-
ca e disseram: aqui, é meu.
Da semente da terra veio a farinha, o
café e o ouro. Do brilho do ouro nasceu
um brilho esquisito no olho dos seres.
Os seres inventaram o papel e nele es-
creveram que valia ouro. Mais tarde, até
esqueceriam um pouco da pedra, por-
que o simples papel já lhes acenderia as
retinas – como a sineta tocada por Pav-
lov, trazendo saliva à boca do cão. E do Uma jovem garota, litogravura de Joan Miró de 1948
dinheiro inventaram os donos. A partir
de agora, os nomes não eram da terra.

Da semente da terra veio a


farinha, o café e o ouro. Do serviçais. Os donos da terra inventaram baobás, prédios cinzas e malcheiro- O que os donos da terra não sabem é
grandes sementeiras, para que semeas- sos – tão fétidos que faziam com que o que os seres sobre os quais julgam deter
brilho do ouro nasceu um brilho sem por eles tudo o que precisavam pa- odor se espalhasse por ruas e vales dis- os nomes, os seus serviçais, os seus em-
esquisito no olho dos seres. Os ra sobreviver. Mas, agora, o que precisa- tantes, pelas moradas de mães, pais e pregados, trazem, dentro de si, o maior
vam para sobreviver não era mais água, filhos que jamais gostariam de conhe- segredo da terra: aquela mesma semen-
seres inventaram o papel e nele alimento, abrigo e beleza. Agora, inven- cer o seu cheiro de silêncio e sangue. te, nascente da água, do abrigo, do ali-
taram que para sobreviver precisavam Na terra, seus serviçais lavaram rou- mento. O que os donos da terra não sa-
escreveram que valia ouro de dinheiro. E os donos da terra inven- pas e valentias, encararam o medo, bem é que a beleza, que julgam não mais
taram que, para que eles tivessem muito aprendendo com a noite, aquela que cla- carecer para sobreviver, germina dentro
dinheiro, quase todos precisariam não reia. E, hoje, ao assistir aos noticiários, de cada um desses seres e, neles, se vol-
ter nenhum. ao engolir seus nomes sujos nos rótulos ta em compreensão. Esses seres, preen-
Os nomes da terra eram dos donos da Na terra, seus donos plantaram cra- de sua comida, nas etiquetas de livros, chidos por beleza, se reconhecem. Esses
terra: a minha fazenda, o meu gado, a teras, abriram valetas, colheram pes- nos calçados vindos de além-mar, ouve- seres, que se reconhecem, se unem e lu-
minha plantação. E, sendo os donos da tes. Na terra, seus donos aprenderam o se, no mundo inteiro, uma melodia fina tam. E serão eles, os seres que lutam,
terra donos dos nomes da terra, passa- mando, descalçaram pés alheios, açoi- e precisa, um silêncio em ondas que res- que tornarão para a terra sua semente e
ram a chamar de seus, também, os de- taram carnes e bebericaram em copos soa a verdade inconteste: a da “ternura dela verão brotar o seu perdão.
mais seres que não detinham o ouro, o altos. Da ripa da árvore criaram gri- e do despojamento” - como disseram ao
papel que valia ouro e a terra comprada lhões, paus-de-arara e úlceras. Do fun- inventarem palavras aqueles que servi- Marina Tavares é poeta, escritora e
por ele: os meus empregados, os meus do da terra cresceram, como imensos ram para cantar as doenças do mundo. estudante de letras.

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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Bloco econômico criado para se contrapor à proposta da Alca – Há um mês, os índices de (?) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
em São Paulo não param de crescer. 2.Flexão feminina de “seu” - “Ovo”, em alemão. 3.Nome do furacão que
passou recentemente pelo Haiti, Cuba e Nova York – A sigla em inglês para “Localizador-Padrão de Recursos”, 1
vulgarmente chamado de “endereço do site” - Disco de Caetano Veloso gravado durante o exílio, cujo nome
remete à relação sexual. 4.Partidário – É infiel. 5.Distrito federal (sigla) - Pílula, tema de um filme, que teria 2
a capacidade de tornar a memória mais potente. 6.Historiador trotskista nascido na Argentina atualmente
professor da USP e do Mackenzie – Acre (sigla) – Interpreta o que está escrito. 7.Ordem dos Advogados do 3
Brasil - Palavra utilizada no árabe para designar Deus - “Ligado”, em inglês. 8.Rio Grande do Norte (sigla)
– Correios (sigla) – Amazonas (sigla). 9.Irmã do pai, da mãe ou mulher do tio – Droga feita a partir da mistura
de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio, uma forma impura de cocaína e não um sub-produto, seu 4
nome deriva do verbo em inglês que significa “quebrar”, devido aos pequenos estalidos produzidos pelos
cristais (as pedras) ao serem queimados, como se se quebrassem – Uma das três principais preposições em 5
inglês – Foi responsável na semana passada por uma ação desastrosa numa aldeia Munduruku que termi-
nou com a morte de um indígena, que recebeu quatro tiros no peito e um na cabeça. 10.Do latim, “Anno
6
Domini”, Ano do Senhor, o mesmo que d.C. - Unidade de Saúde das Universidades (sigla) – Edifício. 11.Estado
em que ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996 – Companhia (sigla) - Trabalhador urbano que
recolhe resíduos sólidos recicláveis, como papelão, alumínio e vidro (plural). 7

Verticais: 1.“‘?’ moral”, exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrange-
8
doras – Parceria Público-Privada. 2.Único satélite natural da Terra, situando-se a uma distância de cerca de
384.405 km do nosso planeta, o equivalente a 38 viagens entre a América do Sul e a Europa ou a 9,5 voltas
ao redor do mundo seguindo a linha do Equador. 3.“Banda”, em inglês – Narrar. 4.Tocantis (sigla) – Ato de 9
ir. 5.Doença articular, geralmente acompanhada de inchação. 6.Palavra sânscrita que significa divisão ou
disciplina assim como historicamente refere-se a um povo não-ariano. 7.Jornalista e ativista uruguaio de- 10
dicado ao trabalho com movimentos sociais na América Latina. 8.Ordem prescrita das cerimônias que se
praticam numa religião – Que está por cozer. 9.Como é chamado aquele que apenas “carrega” a droga para
11
entregá-la a outra pessoa – Briga, disputa entre pessoas ou grupos. 10.Período de tempo que vai desde a
meia-noite até à meia-noite seguinte – Um equivalente ao CPF. 11.“Peso (?)”, o mesmo que peso líquido, em
espanhol. 12.“Ar”, em inglês – Pessoa chata, na linguagem informal – Partido dos Trabalhadores. 13.Antigo
Testamento – Maneira informal de falar “camarada”. 14.Norma Regulamentadora (sigla) – Nome um urso
de pelúcia que dá nome a um filme recente que o tem como personagem principal. 15.Desalento – Diário sânimo – DO. 16.Ai – Ir. 17.Alô – Põe. 18.Enem – ENFF.
Oficial (sigla). 16.Interjeição de dor, desagrado, surpresa ou, por vezes, alegria - Passar ou ser levado de um – Crua. 9.Mula – Luta. 10.Dia – CIC. 11.Neto. 12.Air – Mala – PT. 13.AT – Camará. 14.NR – Ted. 15.De-
lugar para outro, afastando-se. 17.Expressão usada para atender ao telefone – Coloca. 18.Por meio do seu Verticais: 1.Assédio – PPP. 2.Lua. 3.Band – Contar. 4.TO – Ida. 5.Gota. 6.Anga. 7.Raúl Zibechi. 8.Rito
Twitter, a revista Veja incentivou os candidatos deste exame a fotografarem a prova, com a promessa de que 11.Pará – Cia – Catadores.
as melhores fotos viriam a ser publicadas – Nome da “universidade da classe trabalhadora” do MST, localiza- 6.Coggiola – AC – Lê. 7.OAB – Alá – On. 8.RN – ECT – AM. 9.Tia – Crack – At – PF. 10.AD – HU – Prédio.
Horizontais: 1.Alba – Criminalidade. 2.Sua – Ei. 3.Sandy – URL – Transa. 4.Aliado – Trai. 5.DF – NZT.
da em Guararema (sigla).
américa latina de 15 a 21 de novembro de 2012 13

As mãos “invisíveis”
sobre a agricultura peruana Reprodução
PERU Convênio do convênio. Por fim, a Petroperú entra-
ria como parceira subsidiária para a pro-
firmado entre órgãos dução dos biocombustíveis.
Na trama entre os diversos órgãos, a
governamentais Devida seria uma instituição de fachada,
para produção de pois teria a influência estadunidense di-
tando as regras aos demais parceiros.
biocombustíveis no país Em visita aos Estados Unidos em maio
passado para cumprir uma agenda de
andino oculta anseio reunião com funcionários do alto esca-
lão da Casa Branca, a presidente da Devi-
estadunidense da, Carmen Masías revelou. “O governo
de Humala conta com ajuda norte ame-
ricana para assistência técnica destinada
às forças armadas peruanas, desenvolvi-
Marcio Zonta mento de cultivos alternativos à folha de
correspondente em Lima (Peru) coca e reabilitação de áreas dominadas
pelo narcotráfico”. Expondo a verdadei-
UM CONVÊNIO de cooperação inte- ra posição da Devida no convênio. “Es-
rinstitucional para promover pesquisas se projeto parte da intenção estaduni-
e produção de biocombustíveis na Ama- dense que vai se beneficiar da produção
zônia peruana foi assinado recentemen- de biocombustíveis no Peru e seus obje-
te no país. Entre os envolvidos no projeto tivos estão expressos na Devida”, alerta
estão a estatal Petroperú, o Instituto Na- Juan Villas, sociólogo peruano.
cional de Inovação Agrária (Inia), Conse- Os Estados Unidos destinou ao Peru no
lho Inter-Regional Amazônico (Ciam), o ano de 2011 cerca de 55 milhões de dóla-
Instituto Pró Investimento e a Comissão res para serem distribuídos entre as ins-
Nacional para o Desenvolvimento e Vida tituições de combate às drogas no país.
sem Drogas (Devida). Masías, ao assinar o projeto, no início
A iniciativa acena à possibilidade de de novembro, afirmou que a plantação
substituir grandes extensões de planta- de plantas oleaginosas traz mais bene-
ção de folha de coca e outros cultivos que fícios mercadológicos em relação à fo-
geram alimentos, por espécies de plantas lha de coca. “A vantagem é que existe
oleaginosas, próprias para produção de uma demanda de mercado para os bio-
biocombustíveis. combustíveis”.
Especialistas no assunto alertam que
a junção desses órgãos governamentais
oculta a intervenção dos Estados Unidos “Esse projeto parte da
no projeto, além de interesses empresa-
riais que ameaçam a soberania alimen- intenção estadunidense que
tar no Peru.
vai se beneficiar da produção
de biocombustíveis no
“Não tem sentido que se
Peru e seus objetivos estão
produza em regiões com
déficit de alimentos plantas expressos na Devida”
que serão transformadas em
combustível de carros” Para Soberón existe a tentativa de per-
Destruição da plantação de coca seria pretexto para entregar as terras para o agronegócio suadir o camponês cocaleiro e a socieda-
de peruana com um novo discurso para
to para entregar as terras dos cocaleiros A Devida teria um papel chave nesse além da criminalização da planta, “afir-
O discurso adotado pelos membros da aos anseios empresariais e estaduniden- processo, ficando responsável por desti- mando que não existe desenvolvimento
cooperação também expõe uma nova tá- ses na região”. Lourdes Benavides, auto- nar as terras com cultivos de planta de econômico com a folha de coca, por isso
tica contra os camponeses cocaleiros. As ra do estudo As Sementes da Fome que coca que julgar ilegal, à plantação de ole- teria que extinguir seu cultivo”.
argumentações contra o plantio da folha traz objeções à plantação de matéria pri- aginosas. Colocando os projetos de interesses
de coca já não são mais associadas so- ma para produção de biocombustíveis, O Inia será responsável por analisar estrangeiros, como os de biocombustí-
mente à produção de cocaína, mas como adverte: “Não tem sentido que se pro- e validar os estudos tecnológicos para veis, para alternativas ao plantio de co-
produto inviável economicamente para a duza em regiões com déficit de alimen- o cultivo dos insumos e o Ciam se en- ca. “Lançam uma série de programas go-
agricultura peruana. tos, plantas que serão transformadas em carregará de distribuir entre cinco e vernamentais e privados que dizem que o
Para o pesquisador peruano em polí- combustível de carros”. dez mil hectares, por projeto, das ter- camponês tem que se converter em em-
tica internacional e segurança nacional, ras apontadas pela Devida aos investi- presário, agroexportador, utilizando su-
Ricardo Soberón, que deixou o cargo de Mãos invisíveis dores privados. as terras de outra maneira”, complemen-
coordenador da Devida no início do ano A forma como se armou a tarefa de ca- Por sua vez, o Pró Investimentos tem a ta Soberón.
por discordar das políticas do presidente da órgão governamental envolvido no responsabilidade de garantir o aporte fi- No Peru, grandes grupos privados já
Ollanta Humala no combate às drogas no convênio insinua uma estratégia dos Es- nanceiro empresarial à assistência técni- utilizam 40 mil hectares de terras para
país, “a destruição da plantação da folha tados Unidos e uma mirada meramente ca e fomentar a parceria entre o público e plantação de palma azeiteira destinada à
de coca sob qualquer alegação é pretex- empresarial ao projeto. o privado nos futuros negócios em torno produção de biocombustíveis.

Moratória para transgênicos País sofre com


segue sem aprovação vulnerabilidade alimentar
Pressão das ressadas na produção e na exportação de Mais de 13 milhões Peruano de Estudos Sociais (Cepes).
transgênicos ao país. A agricultura camponesa no país pa-
transnacionais seria “Não existe explicação para a demora de peruanos não dece sem subsídio agrário do governo.
o motivo à não da execução da lei, o que vem determi- possuem alimentação O Agrobanco peruano responsável pelo
nando a postergação da norma é a influ- fomento da agricultura familiar no Peru
aplicação da lei ência das multinacionais no governo pe- adequada está prestes a ser comprado pela multi-
ruano”, protesta Trindad. nacional holandesa Rabonbank.
Hesse nega e diz que todas as assina- “Há interesse da Rabonbank em in-
turas praticamente já foram recolhidas. gressar como sócio do Agrobanco, po-
correspondente em Lima (Peru) “Eu mesmo já assinei. É que um decre- correspondente em Lima (Peru) rém as negociações somente vão se con-
to supremo que tem que passar por vá- cretizar no primeiro trimestre de 2013”,
O decreto de Lei nº 29.811 que foi rios ministros determina um período ló- Um estudo realizado pelo Ministério confirma o presidente da instituição fi-
aprovado no Congresso Peruano há um gico de tramitação”. da Mulher e Populações Vulneráveis no nanceira, Hugo Wiener.
ano contra o ingresso e a produção de Trindad afirma que essa vem sendo a Peru aponta que 47,5% da população do
transgênicos no país, ainda não entrou desculpa dos ministros ao longo desse país não têm acesso a suprimentos nu-
em vigor. um ano. “Em agosto, o Ministro do Meio tricionais com qualidade e quantidade “As multinacionais não
A norma estabelece uma moratória de Ambiente, Manuel Pulgar Vidal disse que para uma vida saudável.
dez anos para que o país pesquise sobre estava pronto o regulamento e passaria a O mapa elaborado pelo órgão revela estão preocupadas com
os Organismos Geneticamente Modifica- valer imediatamente e até agora segue na que os departamentos de Puno, Huánu-
dos (OGM) e instaure instrumentos de mesma situação, sem definição”, lembra. co, Amazonas e Huancavelica possuem a soberania alimentar
biotecnologia e biossegurança moder- Segundo informações do Ministério da índices acima de 80% de vulnerabilida-
nos, garantindo uma decisão segura em Agricultura peruano, o país importou em de alimentar. dos povos, mas sim
relação à utilização ou não de transgêni- 2011 aproximadamente 2 milhões de to- O índice é mensurado pela quanti- com maneiras de lucrar
cos no Peru depois do período estimado neladas de milho transgênico. Em 2012 dade de valor calórico ingerido diaria-
pela lei. importou 100% de soja, em grande quan- mente, além da qualidade dos produtos ainda mais com a
Reynaldo Trindad, membro da Con- tidade transgênica, para a produção de consumidos pela população.
venção Nacional do Agro Peruano- Con- outros insumos alimentícios. A situação seria fruto da inércia de di- segurança alimentar”
veagro defende que a lei deveria ser cum- Os grãos geneticamente modificados versos governos peruanos alheios à exe-
prida sessenta dias após sua aprovação. comprados pelo país andino são prove- cução de políticas para a soberania ali-
“Por determinação do próprio Congres- nientes da Argentina e dos Estados Uni- mentar no país.
so, todo decreto de lei passa a valer de- dos, cujos mercados de transgênicos são O general Juan Velasco que implan- A empresa holandesa atua em diver-
pois de dois meses de sua anuência”. dominados e propagados pelas transna- tou a reforma agrária no Peru na déca- sos países manejando venda de seguros
O Ministro de Agricultura, Milton Van cionais Syngenta, Bunge, Cargill e Mon- da de 1970 teria sido o último presiden- e negócios imobiliários.
Hesse, alegou que a norma ainda não é santo. te a se preocupar com o tema, chegando Para o sociólogo peruano Juan Villas,
executada por ajustes em seu regulamen- Estima-se que no mundo existem 160 a criar um Ministério da Alimentação. a entrada de capital privado ao Agro-
to. “Já estamos finalizando o documento milhões de hectares de cultivos de trans- “Atualmente não há nenhum Minis- banco pode ser uma cilada. “As multi-
e nos próximos dias deve ser publicado”. gênicos, equivalente a uma área 25% su- tério que assuma a responsabilidade nacionais não estão preocupadas com a
Existe a suspeita de que a lei estaria perior a toda superfície da China. Dos 29 de planejar e levar adiante uma propos- soberania alimentar dos povos, mas sim
emperrada pela falta de assinaturas de países que produzem transgênicos, 19 ta de soberania alimentar. Existem dois com maneiras de lucrar ainda mais com
vários ministros contrários ao regula- são considerados nações em desenvolvi- projetos de lei no Congresso peruano, a segurança alimentar, que não ajuda
mento e do presidente Ollanta Humala, mento. Entre eles Brasil, Argentina, Chi- que sequer foram debatidos”, reclama em nada a resolver o problema perua-
cedendo à pressão das transcionais inte- na, Índia e África do Sul. (MZ) Fernando Eguren, presidente do Centro no”, observa. (MZ)
14 de 15 a 21 de novembro de 2012 internacional

A crise global da água e dos alimentos Reprodução

ENTREVISTA Pedro Arrojo,


da Universidade de Zaragoza
(Espanha), debate as circunstâncias
da crise ambiental mundial

Eduardo Tamayo G.
de Quito (Equador)

NA AMÉRICA Latina, temas como


água, alimentação e uso dos transgê-
nicos situam-se no centro do debate. O
professor emérito da Universidade de
Zaragoza, Espanha, Pedro Arrojo, co-
loca que se queremos encarar a crise
alimentar o desafio não é tanto produ-
zir mais alimentos, senão acabar com a
pobreza e ser capazes de distribuir a ri-
queza que possuímos, de maneira “que
exista maior capacidade de acesso aos
alimentos por parte dos mais pobres”.
Arrojo acrescenta que é uma grande
mentira apresentar os transgênicos co-
mo solução aos problemas da fome.
Segundo o estudo da Cepal, 40 mi-
lhões de latino-americanos não têm
acesso aos serviços de água potável, en-
quanto outros 52 milhões se abastecem
através de sistemas que representam
um risco significativo para a saúde. A is-
so se acrescenta que 81 milhões sofrem
fome e subnutrição, segundo a FAO.
Em relação ao problema da água, o
professor Arrojo, fundador da Funda-
ção Nova Cultura de Água e o primei-
ro espanhol a receber o prêmio Gold-
man de Meio Ambiente, diz que este Para o professor Pedro Arrojo, o problema não é a escassez da água, mas de saúde dos sistemas aquáticos
não é um problema de escassez senão
de quebra da saúde dos sistemas aquá- tabilidade dos ecossistemas, é um erro o problema da alimentação. O que so eu que devemos prestar mais aten-
ticos, o que determina que onde antes mortal de necessidade, porque ao que- você opina a respeito disso? ção, desde a investigação, em entender
podíamos beber hoje nos envenenamos brar a saúde dos ecossistemas, ao que- Simplesmente, é uma grande menti- bem essa engenharia natural que temos
ou adoecemos. Ele critica a mineração brar as capacidades naturais de produ- ra. O que se está conseguindo com essa e poder encaixar bem nossas tecnolo-
a céu aberto e reivindica a água potá- ção de alimentos, justamente nossa tec- reengenharia transformada em grande gias artificiais com esses processos na-
vel como direito cidadão que deve estar nologia não supre a destruição da pro- negócio é perder a soberania alimentar, turais, não entrar em contradição com
acima de qualquer critério privatizador dução de alimentos, por exemplo, quan- perder a soberania de poder alimentar- isso. E todo o restante pode seguir sen-
ou mercantilista. do temos [que construir] uma grande se e de poder regenerar seus meios de do estudado, mas aquilo que não se co-
barragem por conta de que desejamos produção. Você passa a depender de nhece com rigor em seus efeitos a mé-
fazer uma agricultura mais industria- uma multinacional que lhe vende tudo, dio e longo prazo, e que tem a ver com
“Nós jogamos com algo tão lizada (geralmente produzimos agricul- lhe vende a semente que já não pode questões tão delicadas como a ordem
tura que não dá de comer), agricultura produzir-se, lhe vende o agrotóxico es- genética e com a informação genérica,
delicado e tão fino como é a de exportação, provavelmente vai des- pecífico para essa semente e sem o qual eu lhe dedicaria muitíssimo mais tem-
herança genética, entramos num locar população da zona de inundação a semente tampouco produz, e se entra, po de informação e seria um período de
da represa e essa população fica vulne- por outro lado, em riscos a médio e lon- prova em pequena escala e não na so-
túnel cujo final não conhecemos” rável, passa a ser população faminta. go prazo que ninguém experimentou. ciedade. O que ocorre é que isso não é
Ou, também, vamos destruir a pesca Nós jogamos com algo tão delicado e um bom negócio para Monsanto, es-
do rio da qual vivem muito mais pesso- tão fino como é a herança genética, en- perar é perder dinheiro, logo, portan-
as do que pensamos, porque a pesca é tramos num túnel cujo final não conhe- to, os riscos são pagos pela sociedade,
Atualmente fala-se que o mundo a proteína dos pobres. Quebrar as pes- cemos. Não digo que deva ser necessa- enquanto Monsanto coloca o dinheiro
vive múltiplas crises. Que carias nas massas fluviais de água do- riamente mau ou desastroso, na verda- no bolso.
intensidade tem a crise ambiental? ce tem consequências indiretas nos lito- de não o conhecemos. Já cometemos
Pedro Arrojo – A crise ambiental rais, porque hoje se sabe que a pesca do ultrajes e por arrogância tecnocráti-
tem sua expressão oficial mais contun- litoral depende dos fluxos de nutrientes ca que agora começamos a ver. Eu re- “Quebramos a saúde de
dente e reconhecida no que são as mu- que os rios oferecem. cordo de criança que brincávamos com
danças climáticas, que têm repercus- o DDT e jogávamos DDT em nossa ca- nossos rios, de nossos
sões já visíveis e previsíveis, realmente ra, mas então haviam nos falado que o
horripilante especialmente para comu- “O que se está conseguindo DDT matava mosquitos, mas não fa-
ecossistemas aquáticos,
nidades e lugares mais vulneráveis, co-
com essa reengenharia
zia dano algum às pessoas. Hoje sabe- primeiro morreram os
mo pode se ver em Bangladesh, e, so- mos que é um tóxico para as pessoas e
bretudo nas pessoas mais humildes e
transformada em grande que se acumula em nossos tecidos, tal- peixes e rãs, logo adoecem e
mais pobres que têm menor capacida- vez eu morra antes do que deveria por-
de de adaptação a mudanças bruscas, negócio é perder a que eu brinquei com DDT quando era morrem as pessoas”
seja na agricultura, seja no meio rural, criança. Essa imprudência, essa arro-
está sendo e vai ser um futuro verda- soberania alimentar” gância tecnocrática, em nome do negó-
deiramente doloroso. cio a curto prazo, tem seus expoentes
Outra faceta destas crises ambientais mais notáveis justamente nesse negó- Do ponto de vista da geopolítica,
verifica-se no que eu trabalho mais, que cio dos transgênicos que montou Mon- como está manifestando-se o
é o que se conhece como crise global da Todos estes elementos são chaves, de santo e companhia. problema da água no mundo?
água, de alguma maneira poderia dizer tal maneira que se queremos abordar a Eu acredito que é uma enorme im- No mundo já se qualifica como crise
que existe um paradoxo trágico, a crise crise alimentar o problema não é tan- prudência, uma temeridade, e que mais global da água e, acrescento eu, no pla-
global da água no planeta água, no pla- to produzir mais alimentos senão aca- nos valeria investigar, mas não experi- neta água. Existem grandes raízes no
neta azul, milhões de pessoas sem aces- bar com a pobreza, ser capazes de dis- mentar em vivo em grande escala, dar meu ponto de vista. Não é um proble-
so a água potável, dez mil mortes diá- tribuir melhor a riqueza que temos, de tempo ao tempo, seguir confiando co- ma geralmente de escassez, a imensa
rias só de diarreias, e um número inde- maneira que haja maior capacidade de mo questão essencial nas capacidades maioria dos bilhões que não têm aces-
terminado, que nem sequer se estima, acesso aos alimentos por parte das pes- naturais desta engenharia natural, que so a água potável vivem em países como
de envenenamentos progressivos por soas mais pobres. Por outro lado, outro não sei se foi feita por Deus, mas fez Equador, ao lado de um rio. O que ocor-
metais pesados, por contaminação tó- desafio é recuperar o funcionamento bem, uma tecnologia de regeneração re é que onde antes se podia beber ho-
xica, não biológica, derivada da mine- da engenharia natural, que é no fundo de nutrientes, de regeneração energéti- je nos envenenamos ou adoecemos, is-
ração a céu aberto, derivada dos agro- a natureza, os ecossistemas, na sua ca- ca através de energia solar que funciona to é o grande problema, a grande raiz
tóxicos e com impactos demolidores so- pacidade de regenerar a vida e de rege- com uma eficiência que os humanos es- das dificuldades do acesso à água potá-
bre a saúde pública das pessoas. Tu- nerar alimentos, seja pesca, agricultura, tamos longe de emular sequer. vel não é a falta d’água senão a falta de
do isso não é um problema de falta de fertilidade do solo. Aí temos, desde meu Não esqueçamos jamais que esses ci- acesso a água potável, água de qualida-
água, é um problema de quebra da saú- ponto de vista, dois grandes desafios. clos energéticos, esses ciclos imateriais, de. A primeira razão é que quebramos
de dos sistemas aquáticos, onde antes essa engenharia natural tão sofisticada a saúde de nossos rios, de nossos ecos-
podíamos beber hoje nos envenenamos As transnacionais apresentam os funciona gratuitamente com sofistica- sistemas aquáticos, primeiro morreram
e adoecemos. Portanto, as crises am- transgênicos como a solução para das tecnologias solares naturais. Pen- os peixes e rãs, logo adoecem e morrem
bientais têm muitas facetas, mas abrem Logan Abassi UN/MINUSTAH
as pessoas, mas sempre as pessoas mais
frentes de dor na humanidade sem pre- pobres, mais vulneráveis. E aí vem a se-
cedentes, particularmente nas comuni- gunda razão do problema: a crise de ini-
dades mais pobres. quidade e pobreza que produzimos des-
de um sistema capitalista profunda-
O que você pode nos dizer da crise mente imoral. E a terceira raiz, acres-
alimentar? cente-se, é a pretendida solução do sis-
A crise alimentar, pelo que dizem to- tema neoliberal dado que tornamos ca-
dos os informes oficiais medianamente da vez mais escassa a água de qualida-
sensatos, não é uma crise de produção de, a transformamos em negócio, um
de alimentos, mas de acesso aos alimen- bem útil e escasso, deixou-se que seja
tos que se produzem ou podem ser pro- o mercado quem administre os siste-
duzidos. O problema está fundamental- mas de água e saneamento; a privatiza-
mente na pobreza, não na produção. E ção dos sistemas de água e saneamento
tem a ver com o que está fazendo a de- está transformando o que é uma neces-
sarticulação social e cultural do meio sidade pública em negócio.
rural de comunidades tradicionais que Isso está transformando os cidadãos
acabam, por assim dizer, desprotegi- em meros clientes e se esse cliente tem
das da proteção que dava o lugar tradi- um cartão Visa no bolso talvez possa es-
cional de habitação. Todos esses fatores tar tranquilo, mas se eu sou pobre me
vão agravando os processos de miséria, valeria mais rebelar-me como os pobres
de vulnerabilidade das comunidades e, de Cochabamba na “guerra da água”.
por fim, do acesso aos alimentos. E aí está se produzindo a grande cri-
No tema da água, há vezes em que se se, de governabilidade dos serviços de
diz que como vamos crescendo teremos água e saneamento que vai tornando
que produzir mais irrigação, e para isso vulneráveis os mais pobres. (http://
mais barragens e vamos dar duas vol- alainet.org/active/59282)
tas de porca na exploração da natureza.
É um erro confrontar pretendidamente Tradução do Espanhol: Daniel S. Pereira,
a produção de alimentos com a susten- Mulheres em Porto Príncipe, capital do Haiti : desafio não é a produção de alimentos, mas a distribuição de riquezas São Paulo/SP
internacional de 15 a 21 de novembro de 2012 15

A reeleição de Obama e o Brasil Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

OPINIÃO
O melhor, agora, é torcer
para que Obama possa
melhorar as relações com
o nosso país e a América
Latina

Frei Betto

A REELEIÇÃO de Obama, que contou


com a torcida discreta da presidente Dil-
ma, é um alívio para o Brasil e a Améri-
ca Latina. Mitt Romney (que, na intimi-
dade, chamo de Mitt “Money”) represen-
taria a volta das políticas elitistas e in-
tervencionistas de Reagan e George W.
Bush. E, com certeza, uma forte política
econômica protecionista, que afetaria as
exportações brasileiras aos EUA.
Obama mereceu o apoio de 70% dos
eleitores de origem hispânica. É verdade
que, em seu primeiro mandato, deixou
de cumprir muitas promessas que fize-
ra na campanha anterior, como o fecha-
mento do cárcere de supostos terroristas,
na base naval de Guantánamo, em Cuba.
Porém, adotou uma política imigrató-
ria menos hostil a estrangeiros indocu-
mentados que se encontram em territó-
rio estadunidense. Mesmo porque mui-
tos estão de volta a seus países de ori-
gem, devido à crise financeira iniciada
em 2008 e a queda da oferta de postos de
trabalho nos EUA. Hoje, 7,9% da popula-
ção laboral estadunidense se encontram
sem emprego.
Os EUA necessitam de mão de obra ba- Dilma Rousseff cumprimenta Barack Obama durante encontro na Casa Branca
rata no setor de serviços. Onde buscá-la
fora da América Latina? Há muitos interesses brasileiros em pende da criação de um sistema eficien- o bloqueio, embora adote uma política
O democrata Obama, ao contrário do jogo quando se trata dos EUA. A Força te de intercâmbio de informações tribu- menos agressiva em relação a Cuba do
republicano George W. Bush, nunca foi Aérea daquele país recentemente can- tárias. Tal projeto está paralisado no Se- que seus antecessores.
muito próximo do presidente Lula, ape- celou a compra de 20 aviões Super Tu- nado brasileiro. Agora, com as novas leis migratórias
sar de considerá-lo “o cara”. Aliás, desde cano, fabricados pela Embraer, devido Até 31 de dezembro deste ano, 1,8 mi- que liberam viagens de cubanos ao exte-
o fim do mandato Reagan, a Casa Bran- às pressões da americana Hawker Bee- lhão de turistas brasileiros terão viajado rior, os EUA se deparam com uma bata-
ca não se mostra muito preocupada com chcraft. Porém, nova licitação está pre- aos EUA. Obama já acenou com a possi- ta quente: um fluxo significativo de mi-
a América Latina. O país que lhe dá mais vista e a encomenda pode ser refeita. E bilidade de suprimir a exigência de visto grantes cubanos que, graças à lei de Re-
dor de cabeça é a Venezuela de Chávez. a Boeing está interessada em vender ca- de entrada, mas isso ainda depende de agan, serão considerados cidadãos esta-
Lula teve de acalmar os ânimos bélicos ças ao nosso país. modificações na legislação vigente. Há dunidenses pelo simples fato de pôr os
de George W. Bush para evitar uma in- Cerca de 10% das exportações brasilei- seis projetos no Congresso americano pés naquele país.
tervenção no país vizinho. Embora mui- ras aos EUA são beneficiadas pelo Siste- propondo o fim do visto ou facilitação O Brasil mantém plenas relações com
tos não simpatizem com Chávez, o fato é ma Geral de Preferências (SGP), que es- no intercâmbio turístico. Cuba e os EUA. Contudo, o orçamento
que ele resulta do jogo democrático, e a tabelece tarifa zero a nossos produtos dos EUA para 2013, a ser votado, pro-
maioria pobre da Venezuela o apoia. Os que chegam àquele país. Prevê-se uma põe endurecer o tratamento a empre-
EUA são obrigados a suportá-lo também revisão do SGP e o Brasil está ameaça- O Brasil se acautela, sas que se relacionem com países consi-
por razões geoeconômicas: a Venezuela do de exclusão. derados inimigos de Tio Sam, como são
é o segundo maior exportador de petró- No próximo ano deve ser votada a pois sabe que poderá ser os casos de Cuba e Irã. Uma lei seme-
leo para a pátria de Tio Sam. Devido à “Farm Bill”, lei que inclui subsídios ao lhante já adotada na Flórida prejudicou
proximidade geográfica, o produto che- algodão produzido nos EUA. O Brasil é
duramente afetado caso a Odebrecht, empenhada na construção
ga ali bem mais barato do que os barris contra e, em recente tentativa dos ame- os EUA e a China reduzam do novo porto de Cuba, em Mariel, pró-
comprados da distante Arábia Saudita. ricanos, se queixou junto à Organização ximo a Havana.
Mundial do Comercio (OMC) e ganhou a as importações de nossos Há tempos o Brasil pleiteia por vaga
causa. Hoje, os EUA pagam compensa- no Conselho de Segurança da ONU e pe-
Dilma e Obama coincidem em posições ção ao Brasil e querem, o quanto antes, produtos la ampliação do número de vagas perma-
suspender esse pagamento. nentes. Para atingir tal objetivo, nosso
importantes no cenário internacional país precisa do apoio de pelo menos cin-
Protecionismo co países membros (são 15 países mem-
Já expirou a sobretaxa do nosso eta- Relações internacionais bros, dos quais 5 permanentes – EUA,
nol exportado para os EUA, encareci- Dilma e Obama coincidem em posi- Reino Unido, França, Rússia e China). O
Interesses comerciais do ainda mais pelos subsídios ao etanol ções importantes no cenário internacio- Brasil conta com o apoio da Casa Branca,
O que interessa ao Brasil, no que se re- produzido naquele país. Devido à cri- nal. Os dois criticaram os governos da mas até agora Obama desconversa...
fere aos EUA, são as relações comerciais. se econômica, nada indica que a sobre- União Europeia dispostos a enfrentar Frente à crise econômica que afeta
De janeiro a setembro deste ano, as ex- taxa voltará a vigorar. Porém, a banca- a crise econômica com o amargo e im- o hemisfério Norte, o Brasil se acaute-
portações do nosso país aos EUA soma- da agrícola no Congresso estadunidense popular purgante da austeridade fiscal la, pois sabe que poderá ser duramen-
ram 20,6 bilhões de dólares. E as im- pressiona a favor de medidas protecio- e do desemprego. Dilma e Obama ape- te afetado caso os EUA e a China redu-
portações dos produtos americanos pe- nistas. Obama, até agora, tem se mos- laram à Alemanha para adotar medidas zam as importações de nossos produ-
lo Brasil, 24 bilhões de dólares. trado aberto no que concerne à coope- de estímulo ao crescimento da econo- tos. O melhor, agora, é torcer para que
A eleição não mudou a composição do ração bilateral em matéria de energia. mia mundial. Obama possa, efetivamente, melhorar
Congresso americano. Os republicanos Tanto o empresariado brasileiro quan- Um ponto de divergência entre Dilma as relações com o nosso país e a Amé-
continuarão a ter maioria na Câmara e to o americano reivindicam o fim da bi- e Obama são as relações com Cuba. O rica Latina.
os democratas no Senado. E é o Con- tributação. Impostos pagos em um país Brasil defende o fim do bloqueio impos-
gresso quem monitora as relações de não deveriam ser novamente cobrados to pela Casa Branca e a autodetermina- Frei Betto é escritor, autor de Calendário
comércio exterior. em outro. Aprovar tal medida ainda de- ção da ilha do Caribe. Obama mantém do poder (Rocco), entre outros livros.

fatos de nossa américa


Joaquín Piñero
Paraguai nas Prisões dos Estados Unidos), de Sarah El Salvador Venezuela
O presidente deposto do Paraguai, Fer- Flounders, publicado no jornal estadunidense A Frente Farabundo Martí para a Liber- Um relatório da Organização das
nando Lugo, foi o porta-voz da Frente Guazú Workers World, o artigo denuncia como as tação Nacional (FMLN) escolheu, em sua Nações Unidas para a Alimentação e a
para anunciar que o candidato da esquerda grandes corporações do complexo militar uti- XXIX Convenção Nacional, seu candidato Agricultura (FAO) revela que a Venezuela
nas próximas eleições será o médico e atual lizam-se de mão de obra carcerária para dimi- para as próximas eleições presidenciais. Tra- atingiu uma das metas do milênio esta-
presidente do partido Tekojoja, Aníbal Car- nuir seus preços ante a concorrência mundial. ta-se do atual vice-presidente do país, Salva- belecidas pela organização e reduziu em
rillo Iramain. O anúncio colocou fim a uma Segundo o estudo, nesse momento, os pre- dor Sánchez Cerén e que terá como compa- 50% a proporção de pessoas em pobreza
possível candidatura à presidência como sos de penitenciárias federais, que são em nheiro de chapa Óscar Ortiz, atual prefeito extrema.
queriam alguns partidários de Lugo, que sua maioria privatizadas, estão fazendo com- de Santa Tecla. Em seu primeiro discurso co- De acordo como o estudo, publicado
anunciou que vai concorrer a uma vaga ao ponentes complexos para aviões de combate mo candidato, Sánchez Cerén prometeu uma em outubro, o prazo para que o país
senado federal. F-15 da MCDonnell Douglas/Boeing, F-16 da participação mais direta de El Salvador na conseguisse atingir essa marca era o ano
Aníbal Carrillo foi o nome de consenso da General Dynamics/Lockheed Martin e heli- Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa de 2015. Intitulado Sofi (Estado da inse-
Frente Guazú, que reúne mais de 10 agre- cópteros Cobra da Bell/Textron, entre outros. América (Alba). Segundo ele, El Salvador gurança alimentar no mundo 2012, em
miações entre partidos e movimentos, mas precisa se abrir mais para América Latina sua sigla em inglês), ele constata que, no
que não conseguiu uma aliança com outro Haiti e uma de suas missões, se eleito, será a de período entre 1990 e 1992, a porcentagem
candidato do campo de apoio a Lugo, Mario A população haitiana, que nem havia se construir essa integração entre a América de pessoas subnutridas em relação à po-
Ferreiro da frente Avança País. recuperado do terrível terremoto que pratica- Central e América do Sul. pulação total era de 13,5% na Venezuela.
Em seu primeiro discurso, Anibal Carrillo mente destruiu Porto Príncipe em 2010 e dei- Em 2012, essa porcentagem revelou-se
fez duras críticas ao governo golpista de Fede- xou centenas de milhares de mortos e outros Guatemala inferior a 5%.
rico Franco, aos setores agropecuários e aos tantos desabrigados, sofreu com a tempestade O terremoto de 7,2 graus que atingiu a Gua- Em 2000, os 198 países membros da Or-
parlamentares e membros do judiciário que tropical Isaac, que atingiu o país no mês de temala dia 7 de novembro, já contabiliza 52 ganização Nações Unidas concordaram em
apoiaram o golpe. Mas também fez um cha- agosto e foi novamente vítima do furacão San- mortos e mais de duzentas pessoas feridas. cumprir oito linhas de desenvolvimento
mado a unidade dos trabalhadores para cons- dy. Agora sofre com fortes chuvas e inunda- Além da enorme destruição de casas, escolas nas áreas de alimentação, educação, saú-
truírem um novo país, que segundo ele “não ções em todo país. e hospitais. Prontamente, o governo da Ve- de, igualdade de gênero e meio ambiente.
virá como presente de ninguém, mas pela Os impactos sociais que deixam os desastres nezuela, a exemplo do que fez com as vítimas Conhecidas como Objetivos do Milênio, o
conquista do povo organizado e mobilizado”. naturais no Haiti se acumulam em uma espi- do furacão Sandy, enviou 50 toneladas de prazo máximo para suas concretizações é
ral crescente de vulnerabilidade ambiental e alimentos e medicamentos de primeiros so- 2015. Doze anos após o estabelecimento
EUA de agravamento da crise humanitária no país. corros aos vitimados guatemaltecos. desses objetivos e metas para liberar a
Mais uma denúncia de trabalho escravo é Além das perdas de vidas humanas, as perdas O governo de Otto Pérez Molina, eficaz na humanidade da pobreza extrema, da fome,
levada a público pelos trabalhadores e mais materiais como as escassas infraestruturas, utilização das forças armadas na repressão do analfabetismo e de doenças sanitárias,
uma vez é abafada pelos grandes meios de danificação de pontes, estradas e o setor de aos movimentos sociais, agora se vê completa- a Venezuela tornou-se um dos primeiros
comunicação dos Estados Unidos. Sob o tí- agricultura, certamente trarão mais fome, mente lento ao convocar essas mesmas forças países a atingir vários desses objetivos. Em
tulo The Pentagon and Slave Labor in U.S. desnutrição, e a intensificação de epidemias para fazer frente a mais esta tragédia humana 2005, a Venezuela foi considerada pela
Prisons (O Pentágono e o Trabalho Escravo como o cólera. e material. ONU um território livre do analfabetismo.
16 de 15 a 21 de novembro de 2012 internacional

“Obama tem muito a


aprender com Hugo Chávez” Steve Rhodes/CC

ENTREVISTA
Filósofo espanhol analisa
a eleição de Obama e
estabelece comparativo
com o presidente
venezuelano

Silvia Mazzini
de Doha (Qatar)

O QUE TÊM em comum o presiden-


te da Venezuela Hugo Chávez, o movi-
mento Occupy e a Primavera Árabe? Pa-
ra Santiago Zabala, professor de filosofia
da Universidade de Barcelona, são todos
“alterações” hermenêuticas que geram
efeitos “saudáveis” para sociedades de-
mocráticas. Aqui, a professora da Hum-
boldt University, Silvia Mazzini, discute
o “comunismo hermenêutico” com Za-
bala; e como o recém reeleito presiden-
te Chávez da Venezuela deve ser visto co-
mo modelo a ser seguido, pelo também
recém reeleito presidente Barack Oba-
ma dos EUA.

Silvia Mazzini – Slavoj Zizek


elogiou seu Hermeneutic
Communism (escrito com
Gianni Vattimo) como “livro
necessário como o ar que
respiram, para todos e todas Marcha realizada pelo movimento Occupy Wall Street em setembro
que pensam em política
radical!” O livro conclui com a Até agora, ainda não! É verdade. Chá- ses sobre Feuerbach), é “os filósofos até sóficas. Em nosso livro, falamos das fa-
sugestão de que o presidente da vez fala de “socialismo para o século 21” hoje descreveram o mundo de diferentes velas como “descarga do capitalismo”;
Venezuela é modelo a seguir, ou “revolução bolivariana”. O comunis- modos: é chegada a hora de interpretar o também são descargas, em termos filo-
para o presidente dos EUA. mo, como você sabe, popularizou-se com mundo”. Ambos, a hermenêutica, que fa- sóficos, outras posições (o desconstru-
Você acha que o fato de os dois vários filósofos contemporâneos (Terry vorece a interpretação mais que a verda- cionismo, a teoria crítica, a hermenêu-
presidentes terem sido reeleitos Eagleton, Slavoj Zizek, Jodi Dean), de- de, e o comunismo, que anseia pelo con- tica) consideradas marginais e desneces-
confirma aquela tese? pois que Francis Fukuyama declarou o trole estatal sobre os recursos das na- sárias porque não se submetem ao rea-
Santiago Zabala – Não, não acho, por- “fim da história” como “vitória neolibe- ções, são alterações que acontecem den- lismo metafísico ou científico. Mas se es-
que os dois foram reeleitos por razões ral”. Mas, como a Primavera Árabe e a tro das nossas instituições intelectuais sas posições não se submetem ao realis-
muito diferentes. Obama usou a palavra crise financeira em curso demonstraram, estabelecidas. mo científico (o qual, como Herbert Mar-
“mudança” como chamariz, mas a mu- a história está longe de acabada; e o capi- cuse alertou-nos há tanto tempo, prepa-
dança já estava em curso, desde antes, talismo luta duramente para sobreviver. ra “o caminho para a ideologia racista”),
na Venezuela e em outros países latino- Nessa condição, o comunismo não vol- “Um dos maiores erros de não é por razões teóricas, mas por jus-
americanos. Veja, por exemplo, a refor- ta como repetição, mas, sim, como uma tificações éticas, pelo interesse que têm
ma da Saúde, de Obama: é nada, compa- possibilidade de emancipação para fora Obama foi ter investido no pelos mais fracos, os marginais, os per-
rada à que Chávez conseguiu fazer. Chá- do enquadramento neoliberal do pensa- bipartidarismo, quando dedores da história. Chávez, a Primave-
vez oferece hoje atendimento gratuito à mento em que ainda vivemos. ra Árabe e Occupy vivem, de fato, pelas
saúde para milhões de pessoas, pela pri- A China ainda prossegue dentro dos tinha a maioria do Senado” margens e periferias do chamado ‘fun-
meira vez; reduziu 70% da pobreza ex- parâmetros antigos e autoritários dos so- cionamento certo’ das finanças, da polí-
trema; e quadruplicou as aposentado- vietes... Mas na Venezuela, não só se res- tica, da sociedade, porque provocam mu-
rias, dentre outras mudanças. Em ques- peitam todos os procedimentos de elei- dança, provocam alterações, quero dizer:
tões de política exterior, não há qualquer ções livres, limpas e democráticas, como, Então, o comunismo provocam alterações não autorizadas.
dúvida de que Obama foi muito mais vio- também, o sistema do Estado burocrá- hermenêutico não é basicamente
lento, se se considera as guerras ainda tico foi descentralizado para as missões uma teoria da interpretação, mas, Você vê alguma utilidade em
em curso no Afeganistão e no Paquistão sociais, as missiones encarregadas dos principalmente, um chamado às comparar um ator regional, a
e, claro, os prisioneiros que continuam projetos para as comunidades. alterações? Venezuela, com um ator global,
em Guantanamo. Sim, alterações como Chávez, a Pri- como os EUA?
Por mais que Obama seja, e provavel- Como a palavra “comunismo”, mavera Árabe ou o movimento Occupy, Ora essa! Claro que sim. Chávez, co-
mente é, homem decente, todos ainda também o adjetivo as quais, todas essas, sacudiram a nossa mo Obama para o Ocidente, não repre-
estamos esperando as tais “mudanças”. “hermenêutico” pode ser chamada diplomacia internacional e co- senta só seu país; é líder de todos os paí-
Chávez, por outro lado, não apenas fez as interpretado de diferentes modos. munidades nacionais democráticas. Co- ses latino-americanos que uniram for-
mudanças que prometeu fazer: também O que significa “hermenêutico” em mo já se sabe, todas essas alterações fo- ças (mediante Unasul, Alba e Mercosul)
soube impô-las, quando necessário. Seja seu livro? ram benéficas para o desenvolvimento para libertarem-se do jugo do FMI e do
como for, a ideia de que Chávez é mode- Hermenêutico refere-se à filosofia da de sociedades democráticas: Chávez de- Consenso de Washington em geral. Não
lo que Obama deve seguir tem de ser dis- interpretação, que prossegue, mais ou monstrou que separar-se do FMI é be- esqueçamos que a América Latina deve
cutida e entendida dentro do contexto fi- menos, de Aristóteles a Richard Rorty. néfico; a Primavera Árabe, que nenhum crescer 10,1% em 2013, mais que qual-
losófico do livro. Embora Platão, no Ion apresente a her- daqueles ditadores jamais foi bem-vindo quer outra região do mundo.
menêutica como uma teoria da recep- naqueles países; e o movimento Occupy
ção e prática para retransmitir as men- demonstrou que absolutamente nem to-
“Veja, por exemplo, a reforma sagens dos deuses do Olimpo, a palavra dos vivem satisfeitos nos países demo- “Obama é muito melhor que
rapidamente adquiriu significado filosó- cráticos e ricos.
da Saúde, de Obama: é nada, fico mais amplo, apontando a alteração Quando Martin Heidegger, um dos ar- Bush ou Romney, mas se
comparada à que Chávez dos significados, quer dizer, a possibili- quitetos da hermenêutica, destacou, há apresentou como agente de
dade de receberem diferentes interpreta- décadas, que “a única emergência é a fal-
conseguiu fazer” ções. Usamos a hermenêutica como um ta de emergência”, referia-se a esses ti- mudança que ninguém até
modo para indicar essa flexibilidade no pos de alterações: emergência é quando
comunismo. essas alterações não ocorrem. hoje viu em ação”
Por isso o motto do livro (parafrase-
Você fala do “comunismo ando o conhecido dito de Marx, em Te- Mas por que Chávez deveria ser
hermenêutico” de Chávez, em Prensa Miraflores modelo para Obama? Afinal,
oposição ao “neoliberalismo as mudanças que o presidente E o que você responde aos que
conservador” de Obama? venezuelano promoveu não se veem Chávez como político
Sim. A ideia básica é que os EUA, a aplicam nos EUA. populista ou pouco democrático?
União Europeia e outras democracias Falemos claro: Obama é muito melhor Acho que a imprensa-empresa apre-
ocidentais já estão “enquadradas”, quer que Bush ou Romney, mas se apresen- senta Chávez sempre sob a pior luz pos-
dizer, já foram politicamente neutraliza- tou como agente de mudança que nin- sível, para garantir que ninguém perceba
das. Um dos maiores erros de Obama foi guém até hoje viu em ação, nem interna- que sua política de mudança é exemplo
ter investido no bipartidarismo, quan- cionalmente nem nacionalmente. Have- a ser seguido. Começamos a pensar as-
do tinha a maioria do Senado, nos dois ria muitas questões que poderia mencio- sim, quando nos demos conta da enorme
primeiros anos de governo. Em tese, po- nar aqui, desde nomear para gerenciar a quantidade de intelectuais que se dedi-
deria ter feito, naquele momento, o que crise as mesmas pessoas que criaram a cam a construir a imagem de Chávez co-
quisesse. Chávez fez exatamente o con- crise econômica, ou o uso indiscrimina- mo ditador, Thomas L Friedman, Moisés
trário: usou a maioria que tinha, não só do de aviões-robôs armados, os drones, Nairn e Francis Fukuyama, todos unidos
para afastar a Venezuela do FMI, mas, no Oriente Médio. Mas há uma questão contra Chávez, “o déspota”. Mas é preci-
também, para nacionalizar grande par- que conecta e liga Obama, Bush e Rom- so dizer também que graças a economis-
te dos recursos nacionais, para, assim, fi- ney, como se fossem um só: a favelização. tas como Mark Weisbrot e jornalistas co-
nanciar os programas sociais que já con- A população que vive em favelas cresce mo Richard Gott, e diretores de cinema
seguiram, dentre outras coisas, erradicar hoje ao ritmo de 25 milhões de pesso- como Oliver Stone, que dedicam também
o analfabetismo e criar clínicas médicas as por ano, e já é grave questão social e grande quantidade de empenho a denun-
por todo o país. de segurança para todas as nações. Já há ciar os vícios da desinformação, Chávez
Se se consideram as diferenças entre Ministérios de Defesa que veem as fave- já começa, afinal, a ser reconhecido.
Obama e Romney, não eram tão gran- las como o campo e batalha das guerras
des quanto as diferenças que separam do século 21. Chávez canalizou quantida- Você também, como Tariq Ali
Chávez e Capriles. É verdade que Obama des massivas de recursos do Estado para e Noam Chomsky, parece estar
acaba, apenas, de ser reeleito, mas é mui- dar casa a essas populações. Nos EUA, a completamente apaixonado pelo
to claro que nada aconteceria de muito população favelizada cresce em velocida- presidente da Venezuela.
diferente, nos EUA, sob governo republi- de assustadora. Não diria “apaixonado”, parece-me
cano, que justifique o muito que Obama exagero. O que interessa é que Obama
fala sobre “mudança”. Você acredita que Obama lá está, com quatro anos de governo pela
deveria pensar nas favelas e na frente para promover mudanças. E, em
Se examina-se Chávez mais favelização? matéria de governo que promete e faz
de perto... Ele não se declara Sim, mas não falamos das favelas só mudanças, hoje, no mundo, gostem dele
“comunista” nem, e muito menos, porque elas continuam a crescer por toda ou não, não há melhor modelo que Chá-
comunista “hermenêutico”. O presidente venezuelano Hugo Chávez: modelo a ser seguido por Obama a parte; falamos também por razões filo- vez. (Al-Jazeera)

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