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2 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013

editorial

Em defesa da soberania da Síria


A HISTÓRIA DEMONSTRA que
as principais guerras e interven-
Al-Assad. A Síria é permeada de di-
versos grupos étnicos. Por mais pa-
Sabemos dos limites do controle do país? Por que utili-
zar armas químicas num momento
ocorreu este ataque com armas quí-
micas. E se ocorreu o ataque, os in-
ções militares patrocinadas pelas
potências capitalistas fazem par-
radoxal que seja, foi justamente a
chegada da minoria alauita – a qual
do governo Assad. em que a diplomacia russa e síria
unem esforços para evitar uma in-
teresses políticos da autoria estão
mais próximos dos rebeldes e da
te da saída clássica do imperialismo
frente às crises econômicas.
pertence Assad – ao governo que
permitiu a estabilidade econômica
Entretanto, nesse tervenção militar?
Além disso, mesmo do ponto de
CIA do que das forças de Assad.
Os misteriosos ataques prove-
A chamada acumulação por espo- e política dos últimos tempos. momento sua queda vista militar, o usos de armas quí- nientes do sul do Líbano em dire-
liação busca acumular capital me- O fato de ser minoria faz com que micas numa guerra irregular é ine- ção a Israel buscam justamente fa-
diante o saque e a pilhagem das ri- os alauitas tenham que estabelecer significa a ascensão ficaz pois o inimigo é disperso e im- zer com que Israel concentre su-
quezas de outros países. Além dis- diálogo com as diversas minorias. previsível. Não por acaso a Síria es- as baterias sobre o Hezbollah, um
so, trata-se de uma tentativa de Um governo da maioria sunita sob de um governo tá colaborando com a comissão da aliado fiel de Assad na guerra ci-
compensar perdas proporcionadas patrocínio do imperialismo poderá ONU que vai investigar e dar pare- vil Síria. O certo mesmo é que o Im-
pela crise capitalista que atinge o fazer com que essa divisão de pode- pró-imperialista. cer sobre o que de fato ocorreu. perialismo acumula cada vez mais
coração do império estadunidense e res na Síria seja interrompida. Enquanto isso, a maioria das frentes de batalhas.
toda a Europa. Apesar da ofensiva violenta dos Por isso faz-se agencias de notícias internacionais Acionar o complexo industrial mi-
Nos últimos dias, os Estados Uni- rebeldes, as forças militares de buscam justificar a intervenção mi- litar é a solução buscada pelo impe-
dos e seus aliados estão anunciando Bashar Al Assad recuperaram os necessário que a litar estadunidense. Está em cur- rialismo diante da crise econômica
a possibilidade de uma intervenção territórios perdidos inicialmente. O so uma ofensiva semelhante a que mundial. Ao mesmo tempo, o impe-
militar na Síria. A Síria é uma pe- episódio atual das supostas armas soberania da Síria ocorreu contra o Iraque, ou seja, es- rialismo estadunidense acumula di-
ça importante no xadrez geopolítico químicas que as forças militares sí- tão fabricando provas do uso de ar- versas frentes de batalhas abrindo o
mundial. Não somente pelas suas rias teriam utilizado contra a popu- seja garantida e mas químicas. flanco para se construir maior uni-
riquezas, mas também pela sua lo- lação civil nada mais é do que uma O contraponto tem sido feito dade entre os países periféricos.
calização privilegiada, pois faz fron- tentativa de justificar a intervenção que não se permita principalmente pela Rússia e pe- Sabemos dos limites do gover-
teira com Líbano, Israel, Joradânia,
Iraque e Turquia. Controlar mili-
militar imperialista na Síria.
Algumas reflexões importantes uma intervenção la China que alertam para a neces-
sidade de a ONU fazer uma inves-
no Assad. Entretanto, nesse mo-
mento sua queda significa a ascen-
tarmente a Síria faz parte dos pla-
nos estadunidenses.
nos ajudam a elucidar esta ques-
tão. Por que o governo Assad iria imperialista tigação isenta e imparcial sobre o
episódio. Até o Vaticano pediu pru-
são de um governo pró-imperialis-
ta. Por isso faz-se necessário que a
Desde 2011 que os chamados “re- utilizar armas químicas justamen- dência e condenou uma intervenção soberania da Síria seja garantida e
beldes” financiados pela CIA bus- te no momento em que suas for- sem que antes se conclua as inspe- que não se permita uma interven-
cam derrubar o governo de Bashar ças militares estavam retoman- ções. Existem dúvidas até se de fato ção imperialista.

opinião Roberta Traspadini crônica Luiz Ricardo Leitão

Chávez, O atraso manda


morte lembranças
morrida ou DEVO DIZER-LHES, SINCERAMENTE, caríssimos leitores, que
um mês de manifestações foi pouco para a cota colossal de desfaça-
tez e atraso de Bruzundanga. Quem se preocupa em recriminar os
“abusos” dos descolados e o “vandalismo” do Black Bloc carece de

matada? olhar com mais atenção à sua volta e não descuidar do bolso, por-
que os gatunos oficiais, já refeitos do susto de junho, seguem a sub-
trair a recém-desperta pátria-mãe com suas tenebrosas transações.
De fato, só um tênis atirado contra o prof. Uólston (!?), vereador
FAZ QUASE SEIS meses que Hu- do PMDB que preside a Câmara do Rio, é pouco para o cinismo da
go Chávez morreu. Mas nosso coti- bancada, fiel guardiã dos interesses dos magnatas dos ônibus (Ja-
diano de luta contra a exploração e cob Barata & Cia.) ao longo de décadas. Imaginem, então, quantas
a opressão é tão intenso que este fa- sapatadas mereceriam outros próceres desta buliçosa República...
to aparenta ter ocorrido há muito Comecemos pelo “painho” Jacques Wagner, na Bahia. Legíti-
tempo. mo herdeiro da cultura patriarcal nordestina, o governador não he-
A morte de Chávez foi um fato po- sitou em justificar o atraso na entrega do metrô de Salvador (em
lítico. Analisemos duas questões: obras há 13 anos, mas que só ficará pronto em setembro de 2014)
Por que Hugo Chávez incomoda- com a seguinte pérola: “O pessoal fica com certa demagogia... O tu-
va tanto? E por que, após sua mor- rista não vai andar de metrô. Turista tem grana, vai ficar no hotel,
te, a Venezuela deixa de aparecer vai pegar sua van, que vai levar direto para o estádio pelo corredor
nos principais meios midiáticos bra- exclusivo”.
sileiros? Mais que distorcer a realidade europeia (onde trens e metrô são
Chávez como agitador-propagan- meios de transporte triviais para qualquer cidadão de classe mé-
dista revolucionário dia), a declaração de “ioiô” Wagner revela-nos a atitude da ca-
O perfil de líder de Chávez e seu sa-grande diante do interesse público. Quem despreza o metrô e
papel de difusor tanto das maze- o transporte de massa não é o turista, mas a elite tupiniquim, que
las do imperialismo sobre o territó- prefere voar de helicóptero e jatinho (da FAB, claro, e sem pagar
rio latino, quanto das potencialida- passagem) a investir no transporte de massa. Quantas sapatadas
des de um bloco contra-hegemôni- esse cabra pede?
co desde o sul, estava atrelado: a) ao
peso dos recursos naturais estratégi-
cos que pertencem aos países latino-
americanos sem os quais a hegemo-
O ódio da(de) classe aos cubanos eu
nia norte-americana é visivelmen-
te fragilizada, senão destruída; b) ao
Para nós, povo tória constitucional sobre o raivo-
so rival de direita, após a morte de
entendo. O que me assusta é uma
peso da retomada de processos revo-
lucionários no horizonte latino, ten-
latino, Chávez Chávez. Isto implica, para dentro do
país, um trabalho intenso na defe-
entidade organizar uma campanha
do como ponto de partida a experi- está mais vivo do sa do projeto e no ataque à voracida- para fraudar um projeto destinado a
ência cubana, a relação direta com de do capital (inter)nacional em re-
os lideres cubanos e as necessárias que nunca nas tomar seu poderio e, para fora, a ne- suprir uma demanda básica do povo
táticas de reforma nacional que for- cessidade de contar com fortes alia-
talecem a construção de outro mo- lutas populares da dos na continuidade de seu projeto
delo de desenvolvimento. bolivariano.
Para fazer frente a dito desafio América Latina. A morte de Chávez abriu, no norte, O futebol, aliás, continua a ser um dos maiores bastiões do atra-
continental, Chávez, e seu gênio in- a retomada de sua estratégia de ven- so nacional, só comparável, por certo, em conservadorismo, ao la-
domável anti-imperialista, retomou Nossos povos estão cer simbolicamente a contraofensiva tifúndio secular que pautou a evolução capitalista do país. Vejam
o papel do Estado sobre dois gran- bolivariana a partir da invisibilidade que, apesar do clamor das ruas, J. Marin segue inabalável à frente
des monopólios nacionais: o petró- nas ruas. E com anunciada. Invisibilizar é um meca- da CBF, ditando os rumos de sua sucessão em 2014, enquanto o fi-
leo e os meios de comunicação. Am- nismo estratégico e violento de dizer nado Ricardo Teixeira regressa do exílio em Miami para tratar-se
bos abriram uma fenda direta de eles se levantam que o outro não existe, ainda quan- de grave doença na terrinha. Como é possível que Teixeira, Have-
ataque à ofensiva dos EUA sobre o do esteja visivelmente presente. É a lange e Marin escapem ilesos dos tênis voadores?
controle dos recursos e do território as bandeiras, forma sutil de um gesto tão brutal e A reação, porém, não é privilégio de “caciques” como Renan Ca-
venezuelano. violento quanto a visibilidade do ini- lheiros e Sarney. Ela também assola nossas corporações profissio-
Através da agitação e propagan- os exemplos e migo como criminoso por parte do nais, como demonstra o Conselho Federal de Medicina, avalizado
da, Chávez apresentou a indissociá- capital. por tucanos e democratas, em sua investida raivosa contra o pro-
vel relação entre a economia e a polí- a continuidade A morte de Chávez é projetada pe- grama “Mais Médicos” (iniciativa do governo para suprir a carên-
tica dos EUA. Os monopólios do pe-
tróleo e da comunicação sob o domí- da luta anti- los EUA e seus aliados, como a mor-
te do comunismo. Portanto é mor-
cia de pessoal na Saúde) e, sobretudo, a vinda de doutores cubanos
ao Brasil – que só tem 1,9 médico por mil habitantes (em Cuba, se-
nio americano operavam, no interior
da nação e em todo o continente, co- imperialista pelo te matada tanto no caráter crimino-
so da invisibilidade da Venezuela,
gundo a OMS, há 6,7) e exibe taxas ainda bem altas de mortalida-
de infantil (a da ilha é de 4,76 por mil nascidos vivos, inferior até à
mo o jeito de ser e fazer dos EUA so-
bre o continente. projeto popular quanto no histórico processo dos ho-
micídios culposos e dolosos decor-
dos EUA, que é 5,9) nas regiões Norte e Nordeste.
Não me estendo sobre o mote, pois morei três anos em Cuba e
Foi através do perfil popular, edu- rentes de a ação imperialista sobre o conheço de perto o seu serviço de saúde, seja a bem-sucedida ex-
cado nas forças armadas na ideia território latino. periência do médico de família ou o atendimento simples e decente
de defesa da Pátria, mas que tomou Para nós, povo latino, Chávez está dos hospitais (onde passei até por uma inusitada lavagem estoma-
partido pelos princípios bolivaria- mais vivo do que nunca nas lutas po- cal em 2000). O ódio da(de) classe aos cubanos eu entendo. O que
nos, que Chávez entrou ao mesmo por isto mesmo um arquiteto do so- pulares da América Latina. Nossos me assusta é uma entidade organizar uma campanha para fraudar
tempo pela porta da frente da casa nho bolivariano na integração dos povos estão nas ruas. E com eles se um projeto destinado a suprir uma demanda básica do povo, en-
dos lutadores sociais e teve, na com- povos latinos ante o processo de re- levantam as bandeiras, os exemplos quanto sua causa maior (a lógica mercantil da Medicina) não é su-
panhia do nosso líder Fidel, a opor- estruturação para a integração dos e a continuidade da luta anti-impe- perada. Afinal, quantos scarpins merecem os nossos doutores?
tunidade de reaprender a utilizar su- mercados do capital. rialista pelo projeto popular.
as estratégias e táticas de guerra em A morte de Chávez e o imperialis- Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ.
prol do povo latino-americano. mo dos EUA Roberta Traspadini é economista, Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é
Chávez foi um incondicional agita- O povo bolivariano conseguiu, educadora popular e integrante da autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de
dor e propagandista da revolução e com sua força lutadora, manter a vi- organização Consulta Popular. Lima Barreto – o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Eduardo Sales de Lima, Marcelo Netto • Repórteres: Marcio Zonta, Michelle Amaral, Patricia Benvenuti •
Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG), Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) •
Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália), Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),
Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper (Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Leonardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ) •
Ilustradores: Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração:
Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 –
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de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 3

instantâneo Paulo Kliass

Ensino superior
e mercadoria
AO QUE TUDO INDICA, o governo brasileiro realmente fez
uma opção clara pelo reforço da tendência de mercantili-
zação dos serviços públicos em nosso país. Algumas opera-
ções empresariais realizadas ao longo dos últimos tempos
só vêm confirmar tal movimento. Grandes conglomerados
financeiros apostam nos setores da saúde e da educação su-
perior como espaços econômicos para assegurar uma eleva-
da taxa de rentabilidade do seu capital aqui investido.
O discurso oficial se fundamenta na suposta carência de
recursos do Estado para implementar as políticas públicas
em geral, e nas áreas sociais em particular. No entanto, a
realidade é que a transformação dos serviços públicos em
áreas propícias à acumulação de capital conta com o bene-
fício e a generosidade dos cofres governamentais, para ga-
rantir o lucro privado.
No caso das faculdades, trata-se do programas como
ProUni ou o FIES, que proporcionam as bolsas de estudos
com recursos do Tesouro Nacional ou empréstimos a juros
subsidiados dirigidos aos alunos. Com isso, a receita das
universidades-empresas é assegurada, sem risco algum. No
caso das atividades empresariais do setor saúde, os recursos
surgem por meio das isenções tributárias para as despesas
médicas, hospitalares e laboratoriais.
A novidade mais recente, porém, tem sido o apetite de-
monstrado também pelo capital estrangeiro para inves-
tir em tais setores. Em outubro passado, houve um negó-
cio bilionário na área da saúde, quando o tradicional gru-
po brasileiro Amil foi vendido ao gigante norte-americano
United Health por R$ 10 bilhões. Em abril desse ano, hou-
ve o anúncio da fusão dos grupos universitários Anhangue-
ra e Kroton, criando o maior gigante do ensino superior pri-
vado do mundo – um negócio que cria um conglomerado
avaliado em cerca de US$ 12 bilhões. Na base de tal associa-
ção, fundos de investidores internacionais se fazem presen-
tes com suporte financeiro.
Beto Almeida
Ensino superior não poderia nunca
Mais Médicos, mais integração ser encarado como mercadoria.
Universidade não deve jamais
A CHEGADA DOS PRIMEIROS médicos cubanos, dos 4 Também devemos avançar na integração informativo-
mil que virão, representa um argumento eloquente para cultural. Fez muito bem Lula em criar a UNILA e a UNI- se converter em espaço para
a necessidade de acelerar a integração da América Lati- LAB. Mas, da mesma forma que ele nos convoca a criar
na, em benefício dos povos. nossa própria mídia, convocamos sua participação pa- reprodução ampliada do capital
A primeira constatação é que nada justifica esta demo- ra, finalmente, o Brasil conectar-se à Telesur, pela qual o
ra, a medida já poderia ter sido tomada há anos, tal co- povo brasileiro saberia que cerca de 3,5 milhões de cida-
mo fez Hugo Chávez, convocando 23 mil médicos de dãos latino-americanos já foram salvos da cegueira pelas
Cuba. Eles reduziram a mortalidade infantil na Vene- cirurgias realizadas por médicos cubanos, na Operación A operação mais recente foi a venda do grupo brasileiro
zuela: é a mais baixa da América do Sul. Afinal, existem Milagro. Isso nunca foi divulgado pela TV Brasil. de ensino superior FMU (e suas afiliadas) para o conglome-
70 mil engenheiros trabalhando no Brasil. E nenhuma Ante os insultos grosseiros que as representações mé- rado norte-americano Laureate. O negócio foi avaliado em
gritaria. É para levar riquezas. Quando se trata de sal- dicas e a mídia teleguiada pelas transnacionais farma- R$ 1 bilhão e os novos dirigentes declararam sua intenção
var vidas, acendem-se as fogueiras do inferno da nova cêuticas lançaram contra profissionais cubanos e contra de triplicar o número de vagas até 2016. A estratégia impli-
inquisição... Cuba, a resposta que os movimentos progressistas, os ca mudar o foco de sua clientela, passando a priorizar as no-
Há anos, arrasta-se um projeto piloto do MEC, de al- sindicatos, a UNE devem dar é qualificar o debate demo- vas camadas de população (segmentos de renda C e D) co-
fabetização, com cubanos, mas, inexplicavelmente, em crático em torno da integração, priorizá-lo e, convocar a mo o futuro de seus matriculados. Tal caminho só se torna-
apenas três cidades do nordeste brasileiro. Será que não TV Brasil a informar sobre a nobre história da medicina rá viável caso conte com a garantia de receita derivada de
se sabe, pela Unesco , que o método de alfabetização cubana e sua função libertadora, humanitária, solidária programas assentados em recursos públicos, a exemplo da
cubano tem eficiência comprovada em vários países? no mundo! Cuba comparte seus modestos recursos com expansão das bolsas de estudos do MEC e dos programas
Venezuela, Equador e Bolívia erradicaram o analfabetis- os povos. Deveria estar sendo indenizada, jamais insul- de financiamento das mensalidades oferecidos pelo gover-
mo em 1 ano. O que espera o MEC? tada por sua generosidade! no federal.
A inexistência de limitações para a participação do capi-
tal estrangeiro na saúde e na educação evidencia a preca-
Silvio Mieli riedade com que a ação privada em áreas tão sensíveis e es-
tratégicas é tratada pelo governo. No caso da saúde, inclusi-
ve, a operação foi mais complexa e arriscada, pois a lei pro-

Mártires íbe que capital externo controle hospitais. E mesmo assim


tudo foi aprovado, na base do nosso famoso “jeitinho” bra-
sileiro.
A educação universitária se caracteriza como uma ativi-
ESTE ANO COMEÇOU com o martírio de Aaron Swartz, privacidade para o cidadão, que deve ser livre para revelar dade essencial para a conformação social, política, econô-
ativista contra o controle da informação e da privatização só o que desejar. Esse é o mote da luta pelo marco civil da mica e cultural de qualquer nação. Ali estão sendo lançadas
do conhecimento. Swartz, gênio da informática (ajudou a internet, mas abrange também outras dimensões da vida as bases das futuras gerações em ciência, tecnologia, inova-
criar o RSS, Creative Commons, Watchdog, Open Libra- (saúde, educação, transporte, cidadania em geral). Pode ção e inserção profissional em setores estratégicos para o
ry…), baixou milhões de arquivos públicos do judiciário parecer exagero, mas quem leva essa batalha às últimas país. Esse é a razão, aliás, pela qual o ensino superior é con-
estadunidense e textos acadêmicos de bancos de dados consequências tem enfrentado o martírio, o sacrifício em siderado um direito dos cidadãos e um dever do Estado. A
cujo acesso é pago. Foi acusado de fraude eletrônica e ob- nome de sua crença ou ideal. transformação dessa lógica em simples cálculo de maximi-
tenção ilegal de informações. “Toda a solidariedade aos combatentes do império: zação de lucro privado subverte completamente a essência
Se Aaron Swarz não morresse antes — foi encontrado abaixo a CIA e o imperialismo estadunidense”, dizia o do serviço público subjacente ao conceito de Universidade.
enforcado em seu apartamento de Nova York em 11 de ja- cartaz distribuído pelos movimentos sociais da Alba. Frei Afinal, qual o compromisso que se pode esperar da par-
neiro aos 26 anos — poderia pegar a mesma pena do sol- João Xerri, dominicano, militante histórico pelos direitos te dos fundos de investidores internacionais com a quali-
dado Bradley Manning (acusado de fornecer arquivos se- humanos, exibiu o cartaz, enquanto dedicou uma recen- dade da formação no interior de nossas faculdades e cursos
cretos dos EUA ao site WikiLeaks): 35 anos de prisão. te homilia a Julian Assange, Bradley Manning e Edward superiores? Se os próprios empresários brasileiros do setor
Relendo o belo texto da jornalista Eliane Brum sobre Snowden, cujas fotos estão estampadas no cartaz. “Eu te- pouco oferecem nessa linha, os grupos estrangeiros se pre-
o caso Swarz (http://glo.bo/VUOC7N), nos deparamos nho a maior admiração e respeito por esses jovens que sa- ocupam exclusivamente com o retorno financeiro ao capi-
com uma declaração de Glenn Greenwald, colunista do crificaram a vida para dizer a verdade sobre os poderosos, tal investido, a qualquer preço. Ensino superior não pode-
Guardian. “Swartz foi destruído por um sistema de ‘justi- ou como dizem os movimentos de base nos EUA: Telling ria nunca ser encarado como mercadoria. Universidade não
ça’ que dá proteção integral aos criminosos mais ilustres truth to power!”. Para Frei João, além de não haver indí- deve jamais se converter em espaço para reprodução am-
(…) mas que pune sem piedade e com dureza incompará- cios de que militam por causas pessoais, eles são mártires pliada do capital.
vel quem não tem poder e, acima de tudo, aqueles que de- sim, porque dão a vida pela verdade contra a mentira. “Na
safiam o poder”, escreveu Greenwald. bíblia, o demônio é ‘o pai da mentira’ e do abuso do poder, Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10
Mas o que é desafiar o poder hoje? É exigir, no mínimo, lembra. Hoje, frei João incluiria também os nomes de Da- (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas
transparência total para o governo, na esfera pública, e vid Miranda e do próprio Glenn Greenwald. Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.

fatos em foco
da Redação
Grupos promovem violência e cidade. Comerciantes também não podem análise que podem ser divulgados a qualquer
incendeiam casas Tupinambá vender aos indígenas. Quem desrespeitou momento e que trazem informações estraté-
Enquanto a Portaria Declaratória da Terra teve o estabelecimento destruído. Moradores gicas sobre a política e o comércio do Brasil.
Indígena Tupinambá de Olivença, extremo ligados aos Tupinambá foram agredidos.
sul da Bahia, segue sobre a mesa do minis- Sanção contra Norte Energia por
tro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sem Instalada no Senado Federal a não cumprir condicionante
publicação há mais de um ano, o município CPI da Espionagem A Fundação Nacional do Índio (Funai)
de Buerarema, contíguo ao território tradi- Foi instalada no Senado Federal, dia 28, enviou ofício ao Instituto Brasileiro do Meio
cional, está sendo alvo de atos violentos pro- a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Ambiente (Ibama) comunicando que a Nor-
movidos por grupos ligados aos invasores da Espionagem. O objetivo é investigar a te Energia SA se recusa a cumprir uma das
da terra indígena. Entre o dia 23 e o final de denúncia de que o governo estadunidense condicionantes indígenas de Belo Monte,
semana (24 e 25), indígenas foram roubados monitorou milhões de e-mails e telefonemas prejudicando a comunidade dos índios Ju-
enquanto se dirigiam à feira e oito casas de brasileiros. O Brasil seria um dos países runa do KM 17, uma das mais impactadas
foram queimadas. O atendimento à saúde mais vigiados, segundo o jornalista Glenn pelas obras da usina. O ofício foi enviado
indígena está suspenso. No dia 24, oito casas Greenwald, que falou à Comissão de Rela- no dia 21 de agosto ao presidente do Ibama,
identificadas como moradias de Tupinambá ções Exteriores e Defesa Nacional (CRE) no Volney Zanardi, assinado pela presidente
foram incendiadas, em Buerarema, sob o início de agosto. Ele foi o responsável por da Funai, Maria Augusta Assirati. A comu-
olhar passivo da polícia. Os imóveis esta- expor os programas secretos dos Estados nicação de descumprimento atende uma
vam desocupados no momento dos ataques. Unidos para a interceptação de dados vaza- recomendação do Ministério Público Federal
Móveis foram lançados à rua e queimados, dos pelo ex-técnico da agência de segurança e pede que a empresa sofra as sanções pre-
eletrodomésticos saqueados e a orientação americana (NSA), Edward Snowden. Segun- vistas na legislação, de multa à suspensão da
é para nenhum Tupinambá circular pela do o jornalista, ainda há documentos em Licença de Instalação.
6 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 brasil

espaço sindical
O que a Veja não vai dizer Servidores municipais de
da Redação

sobre os Black Blocs Gabriela Batista/Mídia NINJA


Curitiba realizam 10 Congresso
Enfermeiras, guardas municipais,
educadores sociais e outras categorias
organizadas no Sindicato dos Servi-
dores Públicos Municipais de Curitiba
MÍDIA (Sismuc) realizaram o 10 Congresso,
encerrado no dia 25 de agosto, em
A despeito da Praia de Leste (PR). Na ocasião, os
servidores declaram apoio à vinda de
manipulação da médicos cubanos e repudiaram o Pro-
mídia sobre quem jeto de Lei nº 4.330, que regulamenta
as terceirizações.
são, o Brasil de Fato
Organização e
presenciou que, em sua força do sindicato
maioria, eles são jovens Os eixos principais do Congresso,
de acordo com a coordenadora-geral
que sofrem a violência do Sismuc, Ana Paula Cozzolino, são
a luta pelo Plano de Carreira e a or-
do Estado nas periferias ganização sindical. “Construímos o
plano de luta dos próximos três anos.
Estamos vivendo um momento histó-
rico de rediscutir, junto à prefeitura,
José Francisco Neto e um plano de carreiras. Outro ponto
Erick Miranda, importante é a nossa Organização por
da Reportagem Local de Trabalho (OLT), que con-
siste em três pilares: OLT, formação
“EU JÁ VI UM homem morto com mais e comunicação. Entendendo que a
de dez tiros em cima de um carrinho de organização por local de trabalho é a
mão na viela da favela de onde eu mo- força do sindicato”, afirma.
rava. Não foi bandido. Foi PM.” A fra-
se, dita por um adepto Black Blocs, foi Black Blocs queimam revistas Veja em frente à editora Abril, em São Paulo Centrais reafirmam atos do dia
dirigida a um policial militar que es- 30 e apoio ao Grito dos Excluídos
tava junto com a Tropa de Choque fe- portagem da revista, por diversas ve- da Euzébio Matoso, um segurança par- As oito centrais sindicais que
chando a Avenida das Nações Unidas, zes, declarou: “Eu não disse isso”. ticular de uma concessionária de auto- se reuniram para organizar o Dia
em São Paulo, durante o ato do dia 23 Na Carta ao Leitor da mesma edição, móveis sacou uma arma de fogo. Houve Nacional de Mobilização e de Para-
de agosto, uma sexta-feira, contra a re- a Veja disse que “sempre se pautou pe- discussão entre manifestantes e alguns lisação, em 30 de agosto, emitiram
vista Veja. la busca da informação correta em no- policiais militares que acompanhavam comunicado conjunto informando
O ato dos Black Blocs – tática anar- me do interesse público.” Ao ler, Emma o ato. Apenas uma pedra foi lançada que, para acelerar as negociações
quista que tem como alvo a destruição disse: “a população está vendo o que em direção à concessionária como res- com governo e Congresso Nacional,
de símbolos de instituições capitalis- vocês estão fazendo.” E, realmente viu, posta à atitude do segurança. foram destacados itens da pauta
tas e da força militar – teve como moti- e reagiu pelas ruas de São Paulo no ato trabalhista, que são a regulamen-
vação uma matéria distorcida sobre os da noite do dia 23 de agosto. tação da terceirização e o combate
ativistas que foi publicada pela revista. A revolta contra os meios de comuni- Durante o trajeto, na altura da ao Projeto de Lei nº 4.330, o fim do
cação que descaracterizam as ações dos Fator Previdenciário, a redução de
Black Blocs era evidente. Além de quei- avenida Euzébio Matoso, um jornada para 40 horas semanais e
A reportagem da Veja, marem exemplares da revista Veja, os
segurança particular de uma Reforma Agrária. As centrais sina-
ativistas se reuniram para decidir se fa- lizam apoio ao Grito dos Excluídos,
feita no Rio de Janeiro, lariam ou não com a imprensa quando concessionária de automóveis no dia 7 de setembro.
o ato se concentrava ainda no Largo da
dizia que os Black Blocs Batata. Houve um consenso da maio- sacou uma arma de fogo Ataque grave contra oposição
não passavam de jovens ria, e eles aceitaram falar com o Bra- sindical em Chapecó (SC)
sil de Fato, a TV Brasil, que é pública, Nas eleições do sindicato de base
drogados e vândalos e outras mídias independentes. da empresa de alimentação Aurora,
“Geram miséria” de Chapecó (SC), base sindical cria-
Fogo Em contraste com meios de comuni- da para dividir os trabalhadores nas
Em dois momentos, vários exempla- cação que procuram deturpar a confi- indústrias da alimentação na região,
Com toucas encobrindo os rostos pa- res da Veja foram queimados diante guração dos Black Blocs, o Brasil de a oposição sindical sofreu derrota em
ra não serem facilmente identificados, de dezenas de policiais que apenas ob- Fato apurou que os jovens que prati- eleição sindical recente. De acordo
os jovens, como constatou o Brasil de servavam a ação. Inicialmente, no Lar- cam ações diretas contra a opressão ca- com informações da Intersindical, a
Fato, em sua maioria alvos da violên- go da Batata, no bairro de Pinheiros, e, pitalista são oriundos de bairros pobres Aurora operou para a manutenção do
cia do Estado nas periferias, seguiram depois, em frente à sede da Abril, edito- e periféricos. Em sua maioria, trabalha- atual grupo na direção do sindicato,
pela avenida Faria Lima até chegarem ra que publica a revista. dores e estudantes que convivem diaria- por meio do controle do voto dos
ao prédio da editora Abril, na avenida mente com a violência do Estado. trabalhadores nos locais de trabalho.
Nações Unidas. “A gente tá aqui com um motivo mui- Após dois dias da eleição, o escritório
Além de queimarem to claro que é a luta contra o símbolo de um dos advogados apoiador da
Manipulação do capital, proteger aqueles que se pro- chapa, Patrick Monteiro, 29 anos, as-
A reportagem da Veja, feita no Rio de exemplares da revista Veja, põem a ir contra o capitalismo e pas- sessor jurídico do vereador Paulinho
Janeiro, dizia que os Black Blocs não sar outra mensagem muito clara: nin- da Silva (PCdoB), foi esfaqueado e se
passavam de jovens drogados e vânda- os ativistas se reuniram para guém manda e ninguém obedece”, ex- encontra internado na UTI.
los, descaracterizando os motivos pe- decidir se falariam ou não plicou um ativista que se identificou co-
los quais lutavam. “O protesto de ho- mo Amarildo. Greve dos professores no
je é pela democratização da mídia. Por- com a imprensa “Destruímos bancos porque eles ser- Rio de Janeiro mostrou força
que o que a Veja fez foi uma manipula- vem ao capitalismo. Eles geram misé- De acordo com o Sindicato Esta-
ção total”, disse um ativista. ria, ódio, tristeza e desavença na popu- dual dos Profissionais de Educação
A matéria da revista Veja referente lação”, complementou. do Rio de Janeiro (Sepe), 80% das
aos Black Blocs dizia que eles não pas- Não demorou muito para que a Tropa Durante os protestos, eles andam escolas do estado paralisaram. No
savam de jovens drogados e vândalos. de Choque, que já se posicionava junto sempre juntos e, usualmente, atacam dia 23, uma passeata interditou vá-
Uma ativista, identificada como Emma, com policiais da Força Tática, disper- bancos, grandes corporações ou qual- rias vias da capital por cerca de duas
diz ter sido procurada no acampamen- sasse as pessoas com tiros de balas de quer outro símbolo de instituições. horas. Na concentração, haviam 10
to no Rio de Janeiro por uma repórter borracha e bombas de gás lacrimogê- “Essa é a defesa do oprimido contra o mil pessoas, de acordo com a PM,
da Veja e também pelo Globo para dar neo. Até mesmo crianças que estavam opressor. Ninguém é invisível. Essa in- e 20 mil, segundo o sindicato. No
entrevista. No entanto, ela disse que re- nas proximidades foram atingidas. In- visibilidade é imposta pelo capitalis- mesmo dia, houve reunião com o
cusou ambos os convites por não con- dignados com a ação da PM, alguns ati- mo”, finalizou. prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo
cordar com a grande mídia. vistas quebraram vidros de bancos pú- Eles também afirmam não temer o Paes. A categoria segue exigindo re-
Afirmou, ainda, ter dito à repórter da blicos e privados, fazendo com que o confronto com a polícia. “É uma táti- ajuste salarial e plano de carreira.
Veja que não conversaria com ela, pois ato terminasse com perseguição po- ca de defesa. Nós estamos aqui pra de-
o editor manipularia tudo conforme licial e a prisão de um manifestante. monstrar que ninguém tem que ficar Negociações com aumento real
seu interesse. Porém, enquanto lia a re- Durante o trajeto, na altura da aveni- com medo de ninguém.” são menores que em 2012
Estudo do Dieese aponta que, de 328
acordos coletivos analisados, 85% das
negociações salariais analisadas no
primeiro semestre de 2013 conquis-
taram aumentos reais. O percentual é
Carta branca à desobediência civil inferior ao do ano passado (96,3%) e
ao de 2010 (87,2%), mas semelhante
ao de 2011 (84,4%). O comércio foi
o setor que teve maior percentual de
O Black Bloc é definido no pessoas que agem de maneira autônoma cia civil. Tachar manifestante de ‘vânda- sucesso: 98% de negociações consegui-
com algumas afinidades – enfrentam a lo’ esgota as chances de tentar compre- ram ganhos reais para os salários. Na
momento da manifestação polícia, constroem barricadas nas ruas e ender a complexidade de toda a situa- indústria, o percentual ficou em 85%.
e formado por um grupo depredam empresas-símbolo do Capital. ção”, resume ele. No setor de serviços, houve aumento
De acordo com Pablo Ortellado, pro- real em 79% das negociações.
de pessoas que agem de fessor de Políticas Públicas da USP, o Solidariedade
Black Bloc não pode ser considerado “A linha de frente foi o lugar onde mais Campanha salarial dos metalúr-
maneira autônoma uma tática de ação violenta, já que seus vimos atos de solidariedade”, diz Yargo, gicos inicia em São Paulo
adeptos destroem o patrimônio e não a ao argumentar que é preciso entender o A campanha salarial de 2013 dos
integridade física das pessoas. que leva esses jovens ao conflito direto metalúrgicos do estado de São Pau-
com os policiais. Segundo ele, a impotên- lo, representados pelos 54 sindica-
Flávia Alves Com vandalismo cia das pessoas perante o aparato repres- tos filiados à Força Sindical, come-
de São Paulo (SP) Para entender melhor como agem os sor da polícia também faz com que au- çou no dia 21. A categoria é formada
membros do Black Bloc, Yargo Gurjão, mente o espírito coletivo dos que se en- por cerca de 800 mil metalúrgicos.
Não há dúvida de que o Movimento membro do coletivo Nigéria, acompa- contram nessa situação. Os principais itens da pré-pauta de-
Passe Livre (MPL) e o Black Bloc saem nhou de perto os atos em Fortaleza. O re- Apesar de não simpatizar com as tá- finida pelos sindicatos são aumento
das “jornadas de junho/julho” como dois sultado é o documentário “Com vanda- ticas do Black Bloc, Dennis de Oliveira, real de salário, valorização dos pisos
dos seus principais protagonistas. lismo”. Gurjão explica que antes de qual- por sua vez, faz uma ressalva no mesmo e redução da jornada de trabalho.
O primeiro prioriza a ação direta não- quer julgamento, o importante é dialogar sentido. A de que a ação é justificada pe-
violenta; interdita ruas e estradas, res- com eles, e de preferência com muitos. la “existência de uma polícia contamina- Professores fazem greve de fo-
ponde como um grupo organizado com “O Black Bloc deve ser visto de manei- da com a ideologia militarista de comba- me no Paraguai
pautas objetivas. ra cuidadosa, a ideia é não haver unidade te ao inimigo interno, oriunda da ditadu- A Federação dos Educadores do
Já o Black Bloc não é um grupo, nem ou liderança, mas existe o espírito de so- ra militar”. Paraguai anunciou greve de fome
possui nenhum tipo de representação. lidariedade entre eles”, alerta. “A brutal concentração de riquezas, para pressionar o novo governo a
Carregam semelhanças com o grupo O integrante do coletivo Nigéria tam- em especial pelos bancos e instituições adotar uma série de medidas. Pelo
Anonymous, uma rede de troca de ideias bém aponta que é preciso diferenciar o financeiras, e a impunidade desses seg- menos 50 professores protestam em
e informação sem líderes e completa- ato violento daquele que é feito como re- mentos sociais por parte das instituições frente ao Congresso Nacional. Os
mente anônima. sistência a uma violência. do poder público é que facilitam a gera- professores reivindicam a revisão do
O Black Bloc é definido no momento da “A grande mídia não se interessa pela ção dessa revolta expressa pelos Black número de aulas, aumento salarial e
manifestação e formado por um grupo de motivação de quem pratica a desobediên- Blocs”, complementa. benefícios trabalhistas.
de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 7
8 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 brasil

“A polícia não está a serviço do cidadão” Mariana Martins/Folhapress

ENTREVISTA Thiago Melo, do


Instituto de Defensores dos
Direitos Humanos, apresenta
balanço histórico e defende o fim
da polícia militarizada no Brasil

Marina Schneider
do Rio de Janeiro (RJ)

UMA DAS REIVINDICAÇÕES que tem


aparecido com frequência nas recentes
manifestações populares ocorridas no
Brasil é a desmilitarização da polícia.
Para o advogado Thiago Melo, do Ins-
tituto de Defensores dos Direitos Huma-
nos (DDH), essa pauta ganha força por-
que a polícia não atende aos interesses
públicos.
“A polícia está subordinada ao poder
político e a uma lógica de Estado que lan-
ça mão de expedientes pouco democráti-
cos para a gestão de conflitos sociais, seja
no campo, seja na cidade”, afirma.

Brasil de Fato – Por que o DDH


é a favor da desmilitarização da
polícia?
Thiago Melo – As polícias milita-
res no Brasil, constitucionalmente, são
forças auxiliares do Exército e, por is-
so, subordinadas a uma visão militaris-
ta, de guerra, de combate ao inimigo, no
caso, um inimigo interno. É uma insti- Polícia Militar realiza operação na favela das Mangueiras, na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo
tuição de 200 anos criada para garantir
os direitos da Coroa Portuguesa e man- bate a essa figura que é muito pouco de- A ideia de poder também faz a uma lógica de Estado que lança mão de
ter a ordem escravocrata. Durante a Di- limitada que é o traficante de drogas. parte da autoimagem dos expedientes pouco democráticos para a
tadura Vargas, se orientou por impor a Com a guerra às drogas, esse militaris- policiais? gestão de conflitos sociais, seja no campo
ética do trabalho que criminalizava as mo chega nas favelas, e se intensifica o Sim. Isso os diferencia de pessoas que seja na cidade. Não há nada que justifi-
pessoas por serem “vagabundas”, por tratamento discriminatório e violento são entendidas como “sem poder”. Esses que a polícia como ela está. O modelo he-
não trabalharem. Ou pautava-se pela contra as classes populares. Não que já traços de distinção foram os escolhidos gemônico no mundo é o modelo de uma
criminalização política dos anarquistas não existisse. Esta é uma marca de toda para organizar a repressão do Estado. polícia não militarizada. Esse padrão de
e comunistas. Na ditadura militar, es- a história brasileira, mas ganha o refor- A ideia da desmilitarização é a ideia de segurança pública é absolutamente não
sa polícia ganha um sentido claramen- ço com a ideia de combate às drogas. É romper com essa tradição de organiza- civilizado e colonial. É um padrão de Es-
te de guerra a um inimigo interno, ao uma polícia que não está a serviço do ci- ção da segurança pública no Brasil. É fa- tado de exceção.
subversivo, àquele que estava em con- dadão, mas que existe para a defesa do zer uma ruptura com isso e formar uma Reprodução/Facebook
fronto com a ordem ilegal que impera- Estado. polícia que atenda às demandas do cida-
va no Brasil. dão, que não veja a manifestação e a mo-
E por que um exército? bilização como algo que contraria o Esta-
Pensou-se: “precisamos ter um exér- do, que agride o Estado, mas como algo
“A ideia da desmilitarização cito grande e não queremos remune- importante para a política. O conflito em
rar muito. Onde a gente vai recrutar es- si não é algo que tem que ser reprimido.
é a ideia de romper com essa sas pessoas?” Nas próprias camadas po- É algo que sempre aconteceu e sempre
tradição de organização da pulares. Para isso, é necessário incutir acontecerá. Não é papel da polícia enten-
nessas pessoas uma retribuição que não der o conflito como algo negativo.
segurança pública no Brasil” seja uma retribuição salarial – porque
para isso não havia disposição. É uma Mas você acha que é possível
coisa mais simbólica: incutir nessas mudar isso no Brasil?
pessoas um não pertencimento às clas- É possível mudar. Não existe justifica-
O povo é considerado o ses populares, ou seja, elas se entendem tiva para uma polícia que não atenda os
inimigo interno? como um corpo à parte na sociedade, interesses públicos. Essa polícia que hoje
Na virada para a democracia, a ideia têm uma autoimagem vinculada a uma existe é atrelada a uma visão de subordi-
do inimigo público migrou para o com- ideia de honra, de disciplina. nação ao poder político, de subordinação Thiago Melo, do DDH

Ensino técnico como segunda opção


EDUCAÇÃO “São políticas que estão dentro de tudante não escolheu. Isso é tratar com trabalhadores disponíveis para que es-
uma lógica de que o Estado brasileiro enorme preconceito o trabalho técnico e sa massa em busca de emprego force a
Programa lançado na não oferece o ensino médio, médio téc- o manual”, explica. mão de obra para baixo. Não é que exis-
nico e superior em quantidade e quali- “E para quem são essas vagas? O jovem ta falta de força de trabalho, como alar-
primeira semana de dade suficientes. Não são medidas de foco desse programa é o de classe média deiam, mas é que essa força está exigin-
agosto coloca ensino igualdade e sim de equidade. Na ver- baixa ou popular”, indaga. do um salário maior. O empresariado
dade, o que o governo busca abstrata- Essa lógica de incentivo não é em vão tem como ponto de emergência massi-
técnico como opção mente oferecer com o Sisutec são chan- nem pontual. O professor da Faculdade ficar a formação profissional aligeirada
ces iguais aos que moram no interior do de Educação da Universidade Federal do e garantir o exército industrial de reser-
para a prova do Enem Acre ou nas mais longínquas cidades Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, va”, conclui o professor.
dos pampas do Rio Grande do Sul. Digo vem defendendo há algum tempo que es-
abstratamente, porque a mobilidade de te tipo de formação serve para responder Financiamento do ensino privado
um aluno que não seja um aluno de clas- às necessidades do mercado, para a for- Gaudêncio destaca ainda que outras
Viviane Tavares se média no sentido sociológico, e não mação do que ele chama de “exército in- formas de incentivo ao ensino técnico
do Rio de Janeiro (RJ) no de consumo, é muito difícil. Como o dustrial de reserva”. junto à iniciativa privada estão em an-
aluno vai ter mobilidade se ele passar do damento.
Lançado pelo ministro da Educação, Rio de Janeiro para o Acre? Isso só seria “O Ministério da Educação firmou
Aloizio Mercadante, na primeira semana possível se houvesse uma bolsa ou in- “São políticas que estão dentro de um convênio com o Todos pela Educa-
de agosto deste ano, o Sistema de Sele- centivos para esses alunos”, explica. ção que formou um grupo de investido-
ção Unificada da Educação Profissional e uma lógica de que o Estado brasileiro res sociais para que eles, através da Un-
Tecnológica (Sisutec) permite que insti- Estímulo ao ensino técnico? dime, influenciem a educação básica e
tuições públicas e privadas de ensino su- Os recursos federais do Pronate têm não oferece o ensino médio, médio média. Eles estão disputando o método
perior e educação tecnológica ofereçam sido utilizados diretamente pelo Sis- técnico e superior em quantidade e e a forma de dar a educação básica; além
vagas de cursos técnicos para candidatos tema S, instituições privadas de ensi- disso, outras ações como o Ensino Médio
participantes do Exame Nacional do En- no superior e de ensino médio profis- qualidade suficientes” Inovador, com o Instituto Unibanco, e o
sino Médio (Enem) que não alcançaram sional e tecnológico, além das institui- Telecurso, das Organizações Globo, para
nota para cursar o ensino superior. ções públicas, como os Institutos Fede- alunos com defasagem do ensino médio,
O programa engloba cerca de 240 mil rais de Educação Profissional Tecnoló- também foram firmadas”, lembra.
vagas, em 117 cursos e 561 instituições di- gica (Ifets). “Esses programas que focam justa- “Essas medidas são uma transferência
ferentes em todo o território nacional. Os Este financiamento está assegura- mente no público jovem, que já não ti- não só de fundo público, mas do proje-
estudantes que tenham concluído o ensi- do no projeto de lei ordinária 12.816/ nha mais esperança de ser um trabalha- to educacional, da concepção educativa.
no médio em escolas públicas ou em ins- 13, que no mês de junho de 2013 trami- dor assalariado, acaba por educá-los co- Hoje estamos transferindo recursos pú-
tituições privadas na condição de bolsis- tou em caráter emergencial. Este pro- mo força de trabalho potencial. Não im- blicos para que o mercado privado ganhe
ta integral terão direito a 80% das vagas. jeto de lei tinha, dentre outras críticas, porta tanto se ele tem a formação mais dinheiro e dê a orientação teórica, ideo-
O incentivo à educação profissional e a ampliação do programa para que ins- densa ou mais sistematizada, o impor- lógica e política da educação. Essa é mais
tecnológica já vem sendo tratado como tituições privadas de ensino superior tante é que ele busque um emprego com uma medida que mostra que o Estado es-
um dos carros-chefes do Ministério da criem cursos técnicos, além de uma a formação que conseguiu, assim, au- tá abdicando de sua face pública na edu-
Educação que, desde o lançamento do maior autonomia para que o Sistema menta a demanda por emprego, a con- cação para ser gerido pelo ideário do em-
Programa Nacional de Acesso ao Ensino S crie cursos técnicos, amplie vagas e corrência por uma vaga e os empresá- presariado privado”, explica Gaudêncio.
Técnico e Emprego (Pronatec), em 2011, unidades de ensino. rios passam a baixar os salários”, ana- Para Gaudêncio, esse tipo de iniciati-
vem a cada dia ampliando as formas de O Sisutec se soma a essa estratégia lisa. va segue a lógica da precarização. “Exis-
inserção de alunos nessa modalidade. As quando garante vagas a estudantes que “Nos últimos dez anos, de acordo com te uma fórmula que o professor Saviani
instituições que participarão do Sisutec tinham como objetivo o ensino supe- estudos do Instituto de Pesquisa Econô- aponta que é: improvisação + fragmenta-
são as já cadastradas no Pronatec, como rior. Foram inscritas 383 mil pessoas mica Aplicada (Ipea), a força de traba- ção + adiamento = péssima qualidade. É
informa o site do programa. no programa. Gaudêncio ressalta que o lho no Brasil cresceu na ordem de 20%. isso que estamos vivendo hoje. O gover-
O professor da Faculdade da Educação problema é o ensino técnico ser tratado Isso significa que, em termos médios, no perdeu o projeto educacional e quem
da Universidade Estadual do Rio de Ja- dessa forma. o salário subiu no Brasil. E isso acen- manda na filosofia e angaria a grande fa-
neiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, aponta “Este caráter de segundo plano que de uma luz vermelha no empresariado. tia do fundo público em todas essas me-
como um dos problemas do Sisutec a fal- dão ao ensino tecnológico pelo programa Estamos tendo uma pressão maior do didas é o empresariado da educação, o
sa oportunidade de igualdade a todos do é como se você estivesse dando moeda de trabalhador ao aumento salarial, mas Sistema S”, conclui. (Escola Politécnica
território nacional. troca de menor valor, é dar algo que o es- em que isso resulta? Em colocar mais de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz)
brasil de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 9

MAB realiza encontro nacional em SP Reprodução/Facebook do MAB

ENTREVISTA Liciane Andrioli


fala do evento que acontece
na cidade de Cotia, na
Grande São Paulo, de 2 a 5 de
setembro, com a participação
de mais de 3 mil pessoas de
todo o Brasil e representantes
de cerca de 20 países

Simone Freire
da Redação

A NECESSIDADE de uma política na-


cional de direitos para as populações
atingidas por barragens, uma políti-
ca energética popular, bem como a luta
contra as privatizações implementadas
no país. Essas pautas estarão presentes
no Encontro Nacional do Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB).
Com o lema “Água e energia com sobe-
rania, distribuição da riqueza e controle
popular”, será realizada entre os dias 2 e
5 de setembro, em Cotia (SP). São espe-
radas cerca de 3 mil pessoas de várias re-
giões do Brasil e do mundo.
Em São Paulo (SP), o movimento tam-
bém fará panfletagem nas ruas a fim de
denunciar as irregularidades das trans-
nacionais. A Siemens e a Alstom, por
exemplo, foco de denúncias por forma-
ção de cartel para atuação em obras do
metrô e trens da cidade, também forne-
cem equipamentos para as hidrelétricas
no Brasil e estão presentes, inclusive, “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular” é o lema do encontro
em Belo Monte, no Pará.
“A energia produzida em nosso país região onde já tem famílias sendo reti- A posição do Movimento é que aqui Teremos mais de 3 mil atingidos e
tem que estar a serviço da população, a radas de suas casas, sendo expulsas de no nosso país pagamos uma das tarifas atingidas por barragens, representantes
serviço da soberania do nosso país, e não suas moradias. Porém, tem lugares defi- mais altas do mundo, uma vez que a for- de 20 estados e representantes das dele-
a serviço de grandes empresas se apro- nidos para estas famílias irem, como re- ma de produção de energia aqui no Bra- gações internacionais, de 21 países. Esta-
priando de toda esta riqueza” enfatiza assentamento coletivo. Mas, está muito sil é via hídrica com a construção de bar- mos trabalhando para a participação de
Liciane Andrioli, da coordenação nacio- lento o processo de negociação em rela- ragens. É uma das tecnologias mais ba- todas as organizações da Via Campesina.
nal do MAB. Na entrevista abaixo, Licia- ção às famílias de Belo Monte do pon- ratas de produção de energia. Porém, a A Plataforma Operária e Campone-
ne discorre sobre o encontro e os 21 anos to de vista da pauta concreta das famí- gente paga um preço da energia baseada sa, que é uma articulação que tem cons-
de luta do movimento. lias avançar. no petróleo que é um preço internacio- truído neste último período que é junto
nal, até mesmo por este envolvimento aos eletricitários, junto aos petroleiros,
Brasil de Fato – Quais os temas e de muitas transnacinais na construção ao campo mais sindical e que atua na
objetivos deste encontro nacional? “Tivemos conquistas de alguns das obras e na produção da energia. área da energia.
Liciane Andrioli – Um dos objeti- Por exemplo, em São Paulo (SP), uma
vos do encontro é celebrar as conquistas pequenos convênios na área família paga de R$ 0,30 a R$ 0,40 cen-
que tivemos ao longo destes 21 anos de da produção, de formação e de tavos o quilowatt-hora (kWh) pela ener- “Teremos um debate sobre
movimento, denunciar as injustiças pra- gia. Enquanto as grandes empresas e
ticadas através da construção das barra- capacitação dos atingidos” transnacionais pagam neste mesmo qui- a questão da violação dos
gens que tem violado muitos direitos do lowatt, R$ 0,03 centavos. Queremos
atingidos; pressionar o governo fede- mostrar isso à sociedade e potenciali-
direitos dos atingidos por
ral em relação à dívida que tem com os zar a campanha que desenvolvemos des- barragens pautando o
atingidos e reafirmar a importância da No Tapajós, a situação é a mesma? de 2007; “O preço da luz é um roubo”.
articulação dos atingidos e camponeses No Rio Tapajós, a pauta também não É um processo de formação e conscien- governo federal”
com os trabalhadores urbanos. tem avançado. Apesar de ter se conse- tização da população em relação a este
guido o cancelamento dos estudos do cartel que existe entre as empresas.
início da obra, o processo da empresa Paralelo a isso, sabemos que a riqueza
“No Brasil, nós temos cerca de mais responsável em relação às pesquisas já gerada pelo petróleo tem que estar a ser- E como será a dinâmica do
retornou, com todo o levantamento e o viço da população. Na verdade, todos os encontro?
de 2 mil barragens construídas. Elas canteiro de obras. acordos apontam para privatização do Teremos um debate sobre a análise de
já expulsaram mais de um milhão de nosso petróleo. conjuntura atual, para sabermos definir
Qual o principal motivo destes melhor os próximos passos de ação do
pessoas de suas terras” entraves nas negociações? movimento. Teremos um debate sobre a
O principal motivo é a falta de aber- “A Siemens e a Alstom questão da violação dos direitos dos atin-
tura, inclusive do governo federal e das gidos por barragens pautando o governo
empresas que estão nestas regiões, de estão envolvidas. A Tracbel, federal para a construção de uma políti-
São mais de 20 anos de reconhecer os atingidos por barragens ca nacional de direitos das populações
movimento. Neste período, o que moram neste local. Estas obras aca-
que é uma empresa atingidas por barragens. Na concepção
que mudou na realidade dos bam beneficiando as grandes empresas transnacional, está de uma política que venha trazer o con-
atingidos por barragens? e não a população local e as famílias que ceito de atingidos nesta compreensão do
A gente teve várias conquistas ao lon- estão sendo atingidas nestes territórios. envolvida em várias obras” movimento de que todas as famílias, de
go destes anos de luta. Tivemos con- alguma forma, são atingidas pelo mo-
quistas em relação a assentamentos co- Quais as principais empresas delo energético e construção das barra-
letivos para algumas famílias atingidas. que estão envolvidas nestes gens. O movimento aborda nesta política
Uma conquista foi o lançamento de um processos? O assunto acerca das barragens que não é só a família atingida pelo lago
Decreto presidencial, em outubro de A Siemens e a Alstom estão envol- é muito associado ao meio e sim a família que tem qualquer situa-
2010, que reconheceu que há atingidos vidas. A Tracbel, que é uma empresa rural. Mas, sabe-se que ele ção prejudicada na sua vida com a cons-
por barragens no país. Porém, o Decreto transnacional, está envolvida em várias interfere muito na questão trução da barragem. Outro ponto forte
não trabalha muito o conceito dos atin- obras. A Alcoa também tem participação urbana. De que forma se dá este no encontro é a construção deste modelo
gidos que o movimento acredita. Ele é nas obras, inclusive a Vale. relacionamento? energético. Tudo o que este modelo vem
muito restrito. Ele é apenas para atingi- Tem tudo a ver com a questão urbana causando em toda a sociedade, pautan-
dos que têm titulação de terra e a gente No encontro, vocês também porque nos últimos anos as barragens do também um projeto energético popu-
sabe que nem todos têm a titulação. vão falar do preço alto têm cada vez mais atingido o meio ur- lar, em que a energia deve servir à popu-
Tivemos conquistas de alguns peque- das tarifas de energia bano. Por exemplo, uma barragem pe- lação como um todo e não às empresas,
nos convênios na área da produção, de pago pela população e dos la qual eu fui atingida, ela atingiu toda que vêm só explorando as nossas rique-
formação e de capacitação dos atingi- leilões de petróleo. Qual o uma cidade, por menor que seja. Mas é zas e as levando para fora do Brasil.
dos; mas conquistas compensatórias mí- posicionamento do MAB em todo um público urbano que teve que fa-
nimas. Nada de conquistas estruturan- relação a isso? zer a construção de uma outra cidade.
tes da vida da população dos atingidos No caso, foi a barragem de Itá, lá no Rio “São Paulo é o grande
como um todo. Grande do Sul e Santa Catarina, que des-
Arquivo pessoal

locou toda a população urbana para ou- centro econômico, político


Quantos são os atingidos tros lugares. Temos o caso das barragens
e qual o valor da dívida do do Rio Madeira, em Porto Velho, onde a
e comercial. Há também
governo federal para com grande maioria das população foi atin- uma grande exploração dos
esse setor da população? gida diretamente pela construção das
No Brasil, nós temos cerca de mais de obras. trabalhadores”
2 mil barragens construídas. Elas já ex- E mais. Como a gente trabalha para
pulsaram mais de um milhão de pesso- além da questão da barragem, e tem esta
as de suas terras e de suas casas. Muitas questão da energia e do modelo energé-
delas não tiveram nenhum direito e aca- tico, é um tema que atinge toda a popu- Para essa luta, estamos buscando vá-
baram indo para as favelas, sem ter ca- lação urbana e do campo também. rias alianças e entidades, organizações a
sas, moradias ou terras para a produção. participar da nossa luta unitária contra
A dívida também se refere à educação, as privatizações que será no dia 5 de se-
a estradas e várias questões estruturais “É um processo de tembro, finalizando o nosso encontro.
para melhoria da vida das famílias.
formação e conscientização Por que o encontro vai ser
Entre outras questões, o realizado em São Paulo?
encontro vai tratar da questão
da população em relação a São Paulo é o grande centro econômi-
da usina de Belo Monte e da este cartel que existe entre co, político e comercial. Há também uma
possível construção no Rio grande exploração dos trabalhadores.
Tapajós. Qual a situação destes as empresas” Sua importância tem a ver com o diálogo
dois casos atualmente? com o máximo de pessoas em relação ao
No nosso encontro, a gente vai ter de- tema da água, da energia, aos atingidos
legações tanto da região de Tapajós co- pela construção, a um projeto energéti-
mo de Belo Monte. Em Belo Monte, a Quais entidades estarão co popular, contra as privatizações e em
obra está sendo construída. A gente tem no encontro para discutir defesa do petróleo que deve estar a ser-
informações e estamos trabalhando na Liciane Andrioli, da coordenação nacional do MAB estas questões? viço da população.
10 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 brasil

Um código sob suspeita Divulgação/CVRD

ENTREVISTA Para Carlos Bittencourt,


pesquisador do Ibase, a proposta
do Novo Código da Mineração,
apresentada pelo governo federal
representa um retrocesso na
comparação com o atual código
apresentado em 1967, em plena
ditadura militar

Rogério Daflon
do Rio de Janeiro (RJ)

NA PRIMEIRA audiência pública da Co-


missão Especial da Câmara dos Deputa-
dos, que discute o projeto de lei do Novo
Código da Mineração, uma mesa forma-
da por movimentos sociais, empresários
e governo federal, além de parlamenta-
res, chegou a um consenso: o regime de
urgência para a votação do projeto é algo
sem qualquer propósito.
Não há como aprovar um novo código
sobre o qual o governo federal só havia
discutido com as grandes empresas do
setor mineral, em detrimento da socie-
dade civil e das pequenas empresas do
segmento. Vista aérea de mina de minério de ferro, no Pará, explorada pela Vale do Rio Doce
Carlos Bittencourt, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Análises Sociais “O crescimento da mineração significa gislativo representa um retrocesso quan- na sua relação com as instituições po-
e Econômicas (Ibase), falou em nome do to a esses pontos na comparação com o líticas brasileiras. Só as principais em-
Comitê Nacional em Defesa dos Territó- um crescimento também sobre os atual código apresentado em 1967, em presas do setor, como a Vale, CSN e An-
rios frente à Mineração, numa mesa em territórios e consequentemente sobre plena ditadura militar. Se neste código glo-America, somadas, doaram mais
que os empresários eram maioria na Fe- de um tempo de exceção, em seu arti- de R$ 17 milhões nas eleições de 2010.
deração das Indústria do Estado do Rio as comunidades e o meio ambiente” go 54, se condicionava a atividade mi- Não à toa, um dos principais beneficia-
Janeiro (Firjan). neradora à responsabilidade sobre os dos por essas doações são nada menos
Nesta entrevista ao Canal Ibase, ele usos da água e ao impacto de vizinhan- que o presidente (deputado federal Ga-
explica os problemas do projeto de lei e ça e ao dano e prejuízo causados a ter- briel Guimarães-PT/MG) e o relator Le-
afirma que, em alguns pontos, ele é mais Um dos mais notáveis é o impacto so- ceiros, no atual projeto de lei não há se- onardo Quintão (PMDB-MG) da Comis-
retrógrado do que o atual Código da Mi- bre a água. A mineração consome quan- quer menção a esses temas. Nesse aspec- são Especial, que tiveram campanhas de
neração, formulado em 1967, em plena tidades gigantescas de água. Em 2012, to, o governo Castello Branco se mostra- R$ 3 milhões e R$ 2 milhões e recebe-
ditadura militar. foram mais de 5 quatrilhões de litros de va mais progressista do que o atual go- ram cerca de 20% das empresas mine-
água, o equivalente ao consumo de oito verno federal. radoras. (Canal Ibase)
Qual é o tamanho do setor cidades do Rio de Janeiro. Além disso, a Reprodução
mineral hoje? mineração é uma das atividades econô- A proposta do novo código então
Carlos Bittencourt – Desde 2009, micas que mais poluem as águas super- é essencialmente voltada para o
sem o saldo positivo da balança comer- ficiais e subterrâneas no Brasil. negócio da mineração?
cial da mineração, a balança comercial Outros dois impactos importantes di- Sim. A omissão quanto a esses pon-
brasileira seria deficitária. O saldo do se- zem respeito aos trabalhadores do se- tos revela uma visão que trata a minera-
tor mineral tem sido maior do que o sal- tor, já que a mineração é dos segmen- ção exclusivamente como uma atividade
do total do comércio brasileiro. Como tos que mais mata, mutila e enlouque- econômica, como se ela ocorresse num
a mineração é uma atividade material, ce no país. E a mineração vem removen- espaço vazio, sem pessoas, comunida-
movimenta uma grande massa de recur- do famílias e afetando os modos de vida des, natureza.
sos naturais para existir. O crescimento de diversas comunidades atingidas por
da mineração significa um crescimen- sua logística. Isso tem a ver com o lobby do
to também sobre os territórios e conse- segmento?
quentemente sobre as comunidades e o Como o projeto de lei trata dessas Certamente. Em estudo realizado pe-
meio ambiente. questões? lo Ibase – Quem é quem nas discus-
Por incrível que pareça, a proposta sões do novo código da mineração – fi-
Quais são esses impactos? apresentada pelo governo federal ao Le- ca claro que as empresas investem alto Carlos Bittencourt, pesquisador do Ibase

OPINIÃO

Carta indígena para a bancada do governo da


Comissão Nacional de Política Indigenista
Wilson Dias/ABr
“O TEMA ‘TERRA’ é imprescindível e – Que a FUNAI não paralise os oi-
prioritário aos povos indígenas, mas tenta e três estudos de identificação e
tem se apresentado uma série de en- delimitação que estão em curso, além
traves e investidas de retrocesso aos di- dos vinte e sete processos de demarca-
reitos territoriais”, afirma carta indíge- ção física e os quarenta e dois proces-
na dirigida à Comissão Nacional de Po- sos de pagamento de benfeitorias (ver
lítica Indigenista (CNPI). Leia abaixo a anexo) e traga prazos concretos para a
carta, publciada pelo Conselho Indige- finalização de cada um deles na próxi-
nista Missionário (Cimi). ma reunião da CNPI.
– Que a FUNAI traga na próxima
Senhores e Senhoras Membros da reunião a lista da totalidade das terras
Comissão Nacional de Política Indi- reivindicadas para as quais não há ne-
genista (CNPI) e demais convidados e nhum processo administrativo instau-
presentes, rado, para que as comparemos com
Considerando o regimento da CN- nossas próprias listas, também em ane-
PI, em especial o que trata do objetivo xo, e estabeleça prazos concretos para
dessa comissão. Considerando que es- a criação de GTs para essas terras.
ta reunião extraordinária tem o objeti- Reiteramos que a metodologia para
vo de avançar nas demandas apresen- o avanço nas mesas de diálogo já foi
tadas sucessivas vezes nas últimas reu- acordado em plenária, e elas devem
niões da CNPI e condensadas em Car- ter espaço na própria CNPI, sem a re-
ta para a presidenta Dilma, a qual se dução da bancada.
comprometeu com os lideres indíge- Ouvindo que o governo é contrário à
nas a avançar na implementação dos PEC 215 e PLP 227, esperamos empe-
nossos direitos, inclusive determinan- nho para rejeição dessas propostas no
do aos seus ministérios auxiliares e em Congresso Nacional, pois caso aprova-
especial ao Ministério da Justiça maior das podem acabar com nossos direitos.
empenho nesse sentido. Reafirmamos Da mesma forma, as dezenove condi-
que o tema “terra” é imprescindível e No dia 22, a Comissão Nacional de Política Indigenista se reuniu no Ministério da Justiça cionantes discutidas pelo STF no caso
prioritário aos povos indígenas, mas Raposa Serra do Sol não estão julgadas
tem se apresentado uma série de entra- – Que a FUNAI emita, até a próxima Reiteramos o pedido de criação do e nem transitadas em julgada, portanto
ves e investidas de retrocesso aos direi- reunião da CNPI, proposta para o iní- a Portaria 303 da AGU não faz sentido
tos territoriais. cio de outubro, as portarias de delimi- Conselho Nacional de Política Indigenista devendo ser revogada em definitivo.
Considerando que os procedimentos tação das três terras indígenas para as Como ato simbólico com os Povos In-
de regularização fundiária das terras quais não há nenhuma pendência téc-
por Decreto Presidencial, seguindo a dígenas, esperamos um sinal do Esta-
indígenas estão respaldadas na Cons- nica que impeça o avanço do proce- resolução da última reunião da CNPI, do Brasileiro de que quer ter um diá-
tituição Federal e no Decreto 1775/96, dimento. A saber, TI Tapeba (CE), TI logo sério e transparente, por isso rei-
sendo estes os instrumentos legais que Mato Castelhano (RS) e TI Kaxuyana/ como medida justa e necessária teramos o pedido de criação do Con-
devem orientar os procedimentos de- Tunayana (PA). selho Nacional de Política Indigenista
marcatórios: é necessário estabelecer – Que no mesmo prazo o Ministro por Decreto Presidencial, seguindo a
prazos e ter a seriedade em responder da Justiça emita as portarias declara- resolução da última reunião da CNPI,
aos povos indígenas sobre a implemen- tórias das sete terras indígenas para pendência técnica que impeça o avan- como medida justa e necessária.
tação de seus direitos. as quais não há nenhuma pendência ço do procedimento.
Portanto, após receber as informa- técnica que impeça o avanço do pro- – Que no mesmo prazo a Presidên- Atenciosamente,
ções prestadas pela Funai sobre a ques- cedimento. cia da República emita os decretos de
tão fundiária, discutir em grupos regio- – Que no mesmo prazo a Presidên- desapropriação das duas terras indí- Bancada Indígena da CNPI, APIB, e
nais, analisar a situação administrati- cia da República emita os decretos de genas para as quais não há nenhuma demais lideranças e organizações indí-
va, política e jurídica das terras indíge- homologação das quinze terras indí- pendência técnica que impeça o avan- genas convidadas
nas nos Brasil, recomendamos: genas para as quais não há nenhuma ço do procedimento. Brasília, 23 de agosto de 2013.
cultura de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 11

A trágica história de três gerações


de mulheres brasileiras Edison Vara/Pressphoto
REPARE BEM Em Repare bem, a cineasta quis, pri-
meiro, se aproximar de Denise Crispim
Filme de Maria de e ganhar a confiança dela. “No começo”,
contou, “não foi fácil, pois nunca é fácil
Medeiros registra os lembrar experiência tão dura quanto a
momentos mais difíceis que ela viveu. Teve uma filha num hos-
pital militar, na condição de presa polí-
da vida de Denise Crispim, tica, enquanto o marido, Eduardo Lei-
te, de apenas 22 anos, era barbaramen-
esposa do guerrilheiro te torturado, até a morte”. Outro compli-
cador foi sensibilizar Eduarda a partici-
“Bacuri” e mãe de par do filme.
Eduarda, que nasceu num “Solicitei à Denise que convidasse a fi-
lha a dar seu depoimento ao documen-
hospital-presídio militar tário”, lembrou Maria. “Mas Denise me
fez ver que o certo era eu mesma fazer o
convite. Fui então, com meu marido e fi-
lhos, ao encontro dela, na Holanda. Ex-
Maria do Rosário Caetano pliquei, com muito jeito, o que desejava
de São Paulo (SP) e ela ficou reticente. Depois, aos poucos,
foi aceitando, se abrindo.” Há que se re-
A ATRIZ E DIRETORA portuguesa Ma- gistrar que Eduarda pertence a outra ge-
ria de Medeiros assina, com paixão e em- ração, não teve a militância política da
penho, o documentário Repare bem, já avó, nem da mãe, nem do pai que não
lançado em cinemas do Rio e de São Pau- pôde conhecer.
lo. O filme é, por seu tema e pelas per- Os diários de Encarnación, espanhola
sonagens que envolveu, uma produção radicada no Brasil e mulher de militan-
brasileira. Mas como a cineasta não re- te político (o deputado constituinte José
side no Brasil, na prática o documentário Maria Crispim), ajudaram a enriquecer o
é identificado como uma produção inter- retrato de três gerações. A avó de Eduar-
nacional entre Itália, França e Espanha. da perdeu além do genro (Eduardo Ba-
Burocracia à parte, trata-se de um dos A atriz e diretora portuguesa Maria de Medeiros assina o documentário “Repare bem” curi), o filho e militante político Joelson,
melhores títulos cinematográficos apoia- também aos 22 anos.
dos pelo projeto “Marcas da Memória”, ra e cineasta portuguesa. Nada mais na- nifestações contra a ditadura brasileira,
soma de esforços de coletivos, como o tural que ela dirigisse um filme como es- com a polícia a cavalo perseguindo mi- Ettore Scola
Grupo Tortura Nunca Mais, e a Comis- te, que alcançou grande reconhecimento litantes são muito conhecidas. O que há O orçamento reduzido do projeto não
são de Anistia e Reparação, do Ministé- em Gramado. de arquivo no filme vem de suas perso- serviu de elemento inibidor para Maria
rio da Justiça. nagens. São objetos e documentos pesso- de Medeiros. “Fomos à Itália e à Ho-
O filme conquistou recentemente três Chapa branca? ais de Encarnación (e seu tocante diário, landa, pois era fundamental estar com
prêmios no 41º Festival de Cinema de Repare bem registra, através da histó- que queremos reorganizar e publicar em Denise e Eduarda em seus ambientes
Gramado: melhor longa-metragem lati- ria de três mulheres (avó, mãe e filha), livro), de Denise Crispim e da filha Edu- domésticos, no meio de seus objetos
no, Prêmio da Crítica Cinematográfica e importante fração da história brasilei- arda. São objetos, como as poucas fotos e afetivos.”
prêmio de melhor filme, pela Federação ra. A personagem central da narrativa é a camisa de ‘Bacuri’, que trazem enorme Na hora de finalizar o filme, Maria pe-
Internacional de Cineclubes, cujo símbo- Denise Pérez Crispim, militante política carga afetiva ao filme.” diu e Chico Buarque cedeu, de graça, Olé,
lo é uma pomba em vermelho, desenha- e companheira de Eduardo Leite, o “Ba- Para realizar Repare bem, Maria de Olá, que aparece na rarefeita trilha sono-
da em 1947, por Pablo Picasso. curi”, torturado e morto pelas forças re- Medeiros conta que viu e reviu as no- ra, na voz delicada de Nara Leão. Conse-
A atriz lusitana, com longa carreira pressivas, em 1970. ve horas do épico documental “Shoah” guiu, ainda, comprar direito de utilização
na França, é conhecida do grande pú- A filha de Denise e “Bacuri”, Eduar- (1985), dirigido por Claude Lanzmann, de belo e significativo trecho do filme Um
blico brasileiro por dois filmes dos anos da Ditta Crispim Leite, nascida no Bra- realizador que acredita na força do de- dia muito especial, de Ettore Scola (Una
de 1990: Henry & June, de Philip Kau- sil, criada, primeiro no Chile de Allende, poimento. Giornata Particolare, de 1977).
fman, e Pulp fiction, de Quentin Taran- depois na Itália, também tem lugar de “Queria tanto usar a sequência do fil-
tino. Já a diretora Maria de Medeiros se destaque na narrativa. E, vendo Repare me de Scola”, confessou, em Gramado,
revelou, em 2000, ao dirigir o longa-me- bem, conhecemos um pouco da história Filme cita trecho de “Um dia “que não medimos esforços. Só sosse-
tragem Capitães de abril, sobre a Revo- da mãe de Denise, a operária e militante guei quando a produtora de Um dia
lução dos Cravos, que colocou fim à dita- política Encarnación Lopez Pérez. muito especial”, de Ettore muito especial liberou as imagens da
dura portuguesa. Maria de Medeiros, que não quis re- Scola, e tem canção de Chico dona de casa, interpretada por Sofia Lo-
Quem se espantou ao ver uma realiza- correr a material de arquivos históricos, ren, em seu apartamento em Roma, nos
dora luso-francesa dirigindo um docu- captou imagens para o filme no Brasil, Buarque, na voz de Nara Leão momentos em que se aproximará do ra-
mentário sobre perseguidos pela dita- na Itália (onde Denise vivia com o com- dialista homossexual, vivido por Mar-
dura brasileira (1964-1984), não sabe o panheiro italiano, Leonardo) e na cida- cello Mastroianni. Usamos, inclusive, as
quão profundas são as ligações de Maria dezinha de Joure, onde Eduarda fixou imagens documentais, em preto-e-bran-
com o Brasil. residência com o marido holandês e as “Quis fazer um filme centrado na pa- co, que abrem o filme de Ettore Scola e
Ela cresceu ouvindo Chico Buarque, filhas. lavra, no testemunho pessoal, no afeto, situam aquele dia especial: o da visita de
Caetano Veloso e Gilberto Gil, em espe- A primeira sessão de Repare bem, no na memória. Para mim, como realiza- Adolfo Hitler a Benito Mussollini.”
cial, e aqui protagonizou dois filmes (O Brasil, aconteceu na Mostra Internacio- dora, Repare bem é uma continuação de Um filme “chapa branca” buscaria iní-
xangô de Backer Street, de Miguel Fa- nal de Cinema de São Paulo, ano passa- Capitães de abril. Neste filme, de cons- cio tão enigmático? Afinal, o que tem a
ria Jr, e O contador de histórias, de Luiz do. Críticos mais jovens tacharam o filme trução ficcional, busquei misturar a his- ver a impactante abertura de Um dia
Villaça). Aqui fez shows e participou, ati- de “chapa branca” e o acusaram de não tória coletiva com a história pessoal dos muito especial com a história de Denise
vamente, de muitas edições da Mostra aprofundar a difícil relação entre mãe e jovens capitães que fizeram a Revolução e Eduarda, mulher e filha do guerrilheiro
Internacional de Cinema de São Paulo. filha (Denise e Eduarda). dos Cravos. Havia muito de improviso no “Bacuri”? O público só descobrirá, qua-
Ao longo deste ano, vem dividindo pal- Em Gramado, Maria de Medeiros ana- processo revolucionário, inspirei-me em se ao final dos 95 minutos de projeção
cos paulistanos com a dramaturga e atriz lisou, a pedido do Brasil de Fato, a livros escritos pelos jovens capitães. Ha- de Repare bem, porque Maria de Medei-
Laura Castro. As duas protagonizam a proposta estética e temática de seu do- via naqueles relatos um clima de filme de ros quis tanto dispor das imagens criadas
peça teatral Aos nossos filhos. Coube a cumentário: Carlitos (Charles Chaplin). A História es- por Ettore Scola. Veja Repare bem e des-
Maria interpretar, com acento bem bra- “Nosso filme é antichapa branca. Cons- tá lá, mas os afetos também estão. cubra o porquê.
sileiro, a militante política desconsertada truímos a narrativa que desejávamos,
com a atitude da filha lésbica (Laura Cas- com total liberdade, centrados na pala-
tro), que encomenda embrião, nos EUA, vra e nos afetos das personagens. A di-
para inseminação da companheira. reção é pessoal. Eu não quis usar arqui-
Como se vê, o Brasil entranhou-se de vos históricos, por entender que muitos
forma profunda na vida da atriz, canto- filmes já o fizeram. As imagens das ma-
Marcas da memória
Divulgação

impressas em filmes
Além de Repare bem, veira e mostra retrospectiva, incluindo
seus principais filmes como atriz e di-
outros filmes ligados à retora. Repare bem ganhará, então, sua
ação dos que defendem pré-estreia cearense.
A atriz Ana Petta, que produziu o do-
a busca da verdade cumentário e dá voz a trechos dos diá-
rios de Encarnación, mãe de Denise e
e a condenação dos avó de Eduarda, é responsável pelo con-
vite à Maria, para que dirigisse o filme. É
torturadores já foram responsável, também, pelo nome Repa-
produzidos re bem.
Em Gramado, Petta, filha de militantes
Denise Crispim, esposa de Eduardo Leite, o “Bacuri” (na foto abaixo), torturado e morto pela ditadura políticos e companheira do ex-ministro
dos Esportes, Orlando Silva, falou de seu
de São Paulo (SP)
Divulgação

entusiasmo com a “dupla carga significa-


tiva” do título: “repare bem” tem os sen-
A premiação de Repare bem, no Fes- tidos de “preste atenção” e “faça uma jus-
tival de Gramado, trouxe satisfação aos ta reparação”.
militantes que lutam pela busca da ver- Além de Repare bem, outros filmes li-
dade, pela punição dos torturadores e pe- gados à ação dos que defendem a bus-
la reparação a familiares das vítimas. ca da verdade e a condenação dos tor-
O filme de Maria de Medeiros foi, den- turadores, já foram produzidos e apre-
tre os realizados até agora, o que obteve sentados em mostras e festivais de cine-
maior visibilidade. Além dos prêmios, ma: os longas-metragens Eu me lembro,
o documentário conseguiu lançamento de Luiz Fernando Lobo, e Memória pa-
comercial e pode ser visto agora por to- ra uso diário, da Beth Formaggini, o mé-
dos os interessados. E será exibido em dia-metragem Duas histórias, de Ânge-
festivais internacionais (como o de Ha- la Zoe (MG, 52 minutos), Vou contar pa-
vana, em Cuba). ra meus filhos (30 minutos) e o curta A
No CineCeará (Fortaleza, de 7 a 14 de mesa vermelha (17 minutos), ambos de
setembro), Maria de Medeiros será ho- Tuca Siqueira (ligado ao Grupo Tortura
Foto do guerrilheiro Eduardo Leite, o “Bacuri” menageada com o Troféu Eusélio de Oli- Nunca Mais, no Recife).
12 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 cultura

Aquele não era o Chico


CRÔNICA O bloco já estava preparado, com as fantasias
costuradas, e ela me chega com um novo enredo na quadra

Aldo Gama

DARLENE GOSTAVA que as pessoas dobrassem o “r” e esticassem o pri-


meiro “e” do seu nome.
– Darrlêêêêne! – Assim como um falso sotaque de subúrbio carioca, meio
Irajá, meio Vista Alegre.
A motivação era desconhecida, já que a moça era do Brás, nascida e criada.
Talvez um amor de verão carioca, talvez influência da novela. Ou a vontade
de personalizar o nome que, vá lá, nem é assim tão popular.
Fato é que me lembrei dela agora. E o mínimo que podia fazer era lembrar
seu nome como ela gostaria que alguém o fizesse.
– Darrlêêêêne!
Pois ela me ensinou muita coisa e, dizia, teria ensinado muito mais se eu
não fosse tão burrinho. Agora já temos começo e fim de história. O meio vem
a seguir.
Chega um momento no relacionamento em que as pessoas têm que discu-
tir abertamente questões como doenças sexualmente transmissíveis, liber-
dade religiosa, ronco, hemorroida e luta de classes.
Não falo de um “round” de sumô em cima das páginas de Marx e Engels
ou de um macarrão com frango, polenta e Teatro do Oprimido. Mas apenas
do reconhecimento da existência de uma gente que trabalha e de outra gen-
te que vive do trabalho dessa gente que trabalha.
Nunca duvidei da fidelidade e do caráter dela enquanto estivemos juntos.
Podia estar pela noite afora, com amigos e amigas, e voltar despenteada, de
manhã, que não tinha ciúme. Era só mantê-la longe do Chico Buarque, zona
de perigo declarada, que estava tudo bem.
Por isso a traição foi tão dolorida. Por isso a separação tão traumática.
O bloco já estava preparado, com as fantasias costuradas, e ela me chega
com um novo enredo na quadra. Arruma confusão com todo mundo, traz a
turma pra cantar o novo samba, ameaça substituir a bateria...
E eu cá: “o quê que é isso Darrlêêêêne”? E ela é só pragmatismo, moderni-
dade e desenvolvimento.
Como diretora de bloco sabe das coisas, a turma topa e tal, mas eu quero
saber se não vamos discutir o assunto, chegar a um consenso. Mesmo por-
que tem a turma que já fez a fantasia e está ensaiada pra entrar na Avenida.
– Olha só, menino. – Disse a musa. – Eu não tenho tempo pra discutir es-
sas coisas com você ou com qualquer um que seja. Nós já tomamos a deci-
são do que é melhor pra vocês.
– Mas aí eu não tinha que participar...
– Olha, cretino. – Interrompeu a deusa. – Não vou consultar quem não
entende de nada não é mesmo? Perderam tempo com a fantasia? Faça-me o
favor! Deixa de ser pequeno-burguês. Ta revoltadinho? Leu a Revolução dos
Bichos em versão ilustrada?
– Mas flor...
– Mas nada. – Cortou a linda. – Vamos vencer e vamos ser presidentes
da liga.
E saiu correndo pro palanque onde discursou pra turma reunida pro en-
saio. De onde eu estava, ouvindo aquelas palavras, ela estava iluminada.
Pensei comigo: “nossa, como é bom estar debaixo do holofote. Realça mes-
mo a cor dos olhos”.
Aí o discurso acabou e comecei a rodar o salão atrás dela, que encontrei al-
gum tempo depois aos beijos com um dos novos ritmistas.
– Pô, – Reclamei. – Esse aí não é o Chico!
– Não seja infantil. – Respondeu saindo de mãos dadas com o percussio-
nista para o meio da multidão. – Essa aliança é oportuna nesse momento.
“Não falo de um ‘round’
Consultei os búzios e fiz a santa leitura da conjuntura.
Eu ainda gritei que estava começando a entender as diferenças entre a tur-
de sumô em cima das
ma do FHC e a do Theotônio dos Santos, mas ela me chamou de rancoroso
e desapareceu no salão.
páginas de Marx e Engels
Aquele ano não saí com o bloco e assisti a tudo pela televisão. Confesso
que vendo o desfile, não sabia o que era bateria e o que era ala das baianas.
ou de um macarrão com
No final, tudo é questão de referência. frango, polenta e Teatro
Aldo Gama é jornalista. do Oprimido”
www.malvados.com. br dahmer

PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Setor da sociedade que acaba de ter aprovado um estatuto próprio que 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
estabelece seus direitos – A Marcha Mundial das (?) realiza nesta semana seu primeiro 1
encontro internacional no Brasil. 3.Região no Pará em que a mineradora Vale aumentará
a sua exploração de minério de ferro – “é ou está”, em inglês – Canal internacional de 2

televisão a cabo que traz uma visão dos fatos sempre a favor dos interesses dos Estados
3
Unidos. 4. Como o chip do celular é chamado – Sociedade Anônima – Aqui. 5.Grupo de
apoio aos que querem manter a abstinência do álcool – Como o Ministério das Relações
4
Exteriores do Brasil é conhecido. 6. Ideia expressa por uma frase que serve de guia ou de
motivação – Sua carne, apesar de causar nojo a alguns, é bastante apreciada por outros 5
– Sua capital é Fortaleza – Considerada a maior ave brasileira. 7.Festival de cinema que
acontece anualmente na Suíça que tem como prêmio maior o Leopardo de Ouro – No 6

futebol, lugar onde o centro-avante deve se posicionar. 8.Traje característico de um su-


7
per-herói – “Ovo”, em alemão. 9.Movimento que luta pela terra desde 1975 considerado
um dos “pais” do Movimento Sem Terra – Regionalismo mineiro – “Dentro”, em inglês. 8
10.“Casa”, em tupi – Time de futebol de Arapiraca, Alagoas. 11.Homicida – No Brasil, as
mais recentes reservas de petróleo encontradas estão localizadas nesta camada. 9

Verticais: 1.Manifesta-se por meio da tirania, da opressão e do abuso da força. 3.A 10


noiva usa – Autoridade religiosa muçulmana. 4.São Luís é a sua capital. 5.Agência de
espionagem dos Estados Unidos – Mastro de uma embarcação. 6.No sentido figurado, 11
“maquinar” – Nação. 7.Agência Latino-americana de Informação. 8.Rede popular de
supermercados – “Ligado”, em inglês. 9.Investigação conduzida pelo Poder Legislativo.
10.Filme chileno que trata de um plebiscito que foi feito no país para que fosse decidi- 18.Sina – Carnal.
do se o ditador Pinochet permaneceria no comando. 11.Acaba de acontecer no Egito. 9.CPI. 10.No. 11.Massacre. 12.Ameniza. 13.Lei. 14.Ré. 15.ET – Cama. 16.Cataratas. 17.Sã.
Verticais: 1.Violência. 3.Véu – Imã. 4.MA. 5.CIA – Pau. 6.Tramar – País. 7.Alai. 8.Dia – On.
12.Suaviza. 13.Regra estabelecida por direito. 14.Segunda nota musical. 15.Alienígena 11.Assassino – Pré-sal.
– Leito. 16.As do Iguaçu são junto com as do Niágara as mais famosas do mundo. 17.Sa- raty. 6.Lema – Rã – CE – Ema. 7.Locarno – Área. 8.Capa – Ei. 9.CPT – Uai – In. 10.Oca – Asa.
dia. 18.Fado – Sensual.
Horizontais: 1.Juventude – Mulheres. 3.Carajás – Is – CNN. 4.SIM – SA – Cá. 5.AA – Itama-
cultura de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 13
Fotos: Joka Madruga

Fotos da exposição “Palante Venezuela”, em cartaz até o dia 6 de setembro em Curitiba

Venezuela para lentes abertas


ENTREVISTA A exposição contou com a participa- bertação. Me sinto um privilegiado em o povo sabe dos seus direitos e deveres.
ção do repórter e assessor de impren- viver da fotografia e poder ser um mili- A Constituição é vendida na rua, as pes-
Exposição fotográfica sa da CUT, Leonardo Severo, que in- tante ao mesmo tempo. Tem quem não soas carregam como livro de bolso. Ma-
de Joka Madruga tegrou a mesa de debates “Imprensa e goste, mas isto não me incomoda, por- duro, por ser sindicalista, com certeza
Democracia na Venezuela”. Ao lado de que tenho clareza do meu papel social vai priorizar os trabalhadores e traba-
revela a politização do Madruga, Severo formou o coletivo Co- como profissional, que é anunciar as lhadoras.
municaSul, que tem feito coberturas de conquistas do povo ou denunciar uma
povo venezuelano, de eleições e denúncias de criminalização opressão com o meu olhar.
crianças a aposentados, dos movimentos sociais nos países da “Um dos grandes
América Latina. A viagem mais recente Na condição de observador,
do cotidiano a foi a visita do coletivo à Guatemala, pa- atuando junto aos movimentos legados de Chávez foi o
grandes eventos
ra retratar perseguições e mortes sofri- sociais no marco da investimento na educação
das por sindicalistas. solidariedade, o que mais lhe
chamou a atenção no processo consciente de seu povo”
bolivariano?
“Me sinto um privilegiado A expressiva presença do povo nas ur-
Pedro Carrano nas. Foi isto que me fez ficar boquiaber-
de Curitiba (PR) em viver da fotografia e to. Cerca de 80% compareceram para A politização presente no
poder ser um militante ao votar, num país onde o voto não é obri- povo venezuelano se reflete na
O FOTÓGRAFO Joka Madruga lançou gatório. E ainda dizem que lá não tem produção cultural e jornalística
a exposição “Palante Venezuela”, no dia mesmo tempo” democracia, que é uma ditadura, etc. do país?
23 de agosto, em Curitiba. A reunião de O jogo na Venezuela é muito claro. Um dos grandes legados de Chávez foi
trabalhos compreende duas oportuni- Existe esquerda e existe direita, e ca- o investimento na educação consciente
dades em que esteve no país de Simón da um tem seu lado assumido, não é co- de seu povo. Por onde se anda é possí-
Bolívar. A primeira ocorreu nas elei- O processo que marca a luta em paí- mo aqui que tem uma maquiagem. Isto vel ver muros, camisetas, bonés e car-
ções de Hugo Chávez, em 2012. A se- ses como Bolívia, Venezuela e Equador é mostrado nas imagens que retratam o tazes com poesia, e poesia revolucioná-
gunda foi em 2013, com a morte de é a “construção do público no interior cotidiano dos venezuelanos durante as ria. Esta consciência que tem crescido
Chávez, no acirrado processo eleitoral do Estado”, afirma Severo. No caso ve- eleições. E algo mais que ficou gravado é visível na postura dos artistas, sejam
que conduziu o presidente Nicolás Ma- nezuelano, ele cita a política da petro- em minha memória é o massivo inves- eles das grandes produtoras ou dos gru-
duro para dar continuidade ao proces- leira estatal PDVSA que apresenta hoje timento do governo em programas so- pos de rap das favelas. Ao visitar a Pla-
so bolivariano. 140 mil operários, todos com contratos ciais. A Venezuela tem problemas es- za Simón Bolívar, vi a estátua do liber-
A mostra está organizada no espa- “primeirizados”, ao passo que a Petro- truturantes como qualquer outro país tador, que leva o nome da praça, ser to-
ço cultural do Sindicato dos Bancários brás tem nas suas fileiras 360 mil tra- da América Latina, mas caminha para talmente cuidada, com vigilância e ze-
de Curitiba e Região. Não é a primei- balhadores terceirizados. ser um diferencial. lo. Aqui no Brasil, as nossas estátuas
ra seleção de trabalhos do fotógrafo/ A obra de Madruga coletada no pe- de “heróis” são de opressores e são mal
militante, que esteve há pouco tempo ríodo eleitoral revela, de maneira sim- cuidadas. O PSUV, partido do governo,
na Guatemala e também já realizou di- ples e crítica, o outro lado do que foi “Existe esquerda e existe tem um grande papel neste avanço po-
versos trabalhos ombro a ombro com os apresentado pela mídia. Ao fim das lítico, pois organiza as massas em Con-
movimentos sociais, sobretudo no mar- eleições do presidente Nicolás Maduro, direita, e cada um tem seu lado selhos Comunais, algo como um dia já
co da Via Campesina, e sindicatos. que ganhou por uma margem de 2% de assumido, não é como aqui que tivemos no Brasil que foram os núcleos
No capítulo venezuelano, as fotos de votos, o clima gerado pela mídia nativa de base do PT.
Madruga, em preto e branco e colori- era de instabilidade e “tensão”. tem uma maquiagem”
das, retratam o cotidiano marcado pe- “Criaram um ambiente de terrorismo Reprodução/Facebook

la politização das pessoas. Ao todo são midiático. E é para isso que precisamos
73 fotografias que mostram eleitores de fotógrafos como o Joka Madruga. Nas
votando, levando sua Constituição em imagens, você pode observar o brilho O que sentiu da população em
mãos, crianças participando de comí- no olhar daquele povo, a felicidade das relação ao fim de um ciclo que se
cios, jovens e velhos envolvidos no pro- crianças, aquele colorido, aquela festa, a esgota com a morte de Chávez e
cesso político, ao lado de grandes no- fartura nas feiras livres, quando na TV a a presidência de Maduro que se
mes, como o presidente Nicolás Madu- cobertura jornalística aparece miséria e inicia, uma vez que as últimas
ro e o argentino Diego Maradona. opressão”, finaliza Severo. Confira a en- eleições foram apertadas?
Dentre outros detalhes, a participa- trevista com o fotógrafo Joka Madruga: Chávez foi um estrategista. Ao esco-
ção e o engajamento da juventude no lher Maduro para ser seu vice, mesmo
processo bolivariano é captado pelas Brasil de Fato – Como é fazer antes da doença, sabia que precisava
lentes de Madruga. “Acima de tudo foi um trabalho fotográfico a ter alguém de confiança para dar con-
um grande fenômeno social, com am- partir da luta social, que é tinuidade ao processo bolivariano. Is-
pla participação e, ao contrário do que a sua característica como to é fato. Com a morte dele, eu imagi-
se diz, sem nenhum cerceamento a li- fotógrafo, em um país nava chegar lá e encontrar um povo ór-
berdade de nenhum dos lados. Imagine polarizado politicamente? fão. Mas não foi o que vi. Ao conversar
uma eleição sem voto obrigatório e com Joka Madruga – É prazeroso. Minha com um vendedor de camisetas, perce-
80% de participação”, destaca. formação é baseada na Teologia da Li- bi que o processo seria continuado, pois O fotógrafo Joka Madruga
14 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 américa latina

A liberdade segundo os zapatistas Fotos: Marcelo Câmara

OPINIÃO Ser autônomo


significa colocar em
prática uma lógica de
organização da vida
coletiva que elimina as
hierarquias verticalizadas

Marcelo Argenta Câmara

MUITO SE FALOU sobre a possibilida-


de de o mundo acabar em dezembro de
2012, previsão cuja origem teriam sido
os calendários utilizados pelos povos
maias. Pois bem: o mundo não acabou,
mas o 21 de dezembro de 2012, data
prevista para o fim das atividades deste
planeta em que vivemos, teve sim o seu
evento extraordinário, vindo das mes-
mas florestas centro-americanas nas
quais acreditava-se ter se originado as
previsões fatalistas sobre aquele dia.
Pois, naquela data, o Exército Zapatis-
ta de Libertação Nacional (EZLN) que-
brou o silêncio de quase seis longos anos
sem emitir comunicados ao mundo ex-
terior, e irrompeu nas ruas de San Cris-
tóbal de las Casas, no estado de Chia-
pas, sul do México, para mostrar que se-
guiam lutando, resistindo e existindo.
E assim como esconderam seus ros-
tos, quando de seu surgimento da clan-
destinidade, naquele primeiro de janeiro
de 1994, para serem vistos pela primei- O Escuelita Zapatista, maior encontro que acontece desde 2007, reuniu mais de 1.500 ativistas de todas as partes do mundo
ra vez na história de seu país, em dezem-
bro do ano passado marcharam pelas ru- que lhes poderiam ser importantes – o
as da mesma San Cristóbal, que há qua- que foi possível ver nas diferenças de
se 20 anos os via pela primeira vez, em condições materiais observadas entre
absoluto silêncio, para serem ouvidos. algumas comunidades zapatistas com
Eram 40 mil zapatistas – jovens, homens suas vizinhas não zapatistas –, a digni-
e mulheres, anciãos e anciãs –, que com dade não é algo que se conquiste com a
seu silêncio mostravam, mais uma vez, submissão.
que queriam ser escutados. Ao se manterem firmes em seu compro-
misso com a autonomia, os/as zapatistas
angariam inimizades: o mal gobierno, as
Ainda que o nome do comunidades por ele cooptadas, as forças
de repressão, sejam elas estatais ou “in-
encontro possa sugerir dependentes”. As tensões são várias: suas
terras sofrem o acosso frequente de pos-
algum tipo de estrutura seiros apoiados por grupos paramilitares,
formal de ensino, ele passou que tornam necessárias a contínua vigi-
lância e o olhar atento desenvolvido no
distante dessa possibilidade período de clandestinidade. Os anos de
enfrentamento direto já passaram, mas
isso está longe de significar a tranquilida-
de de suas comunidades.
E foi com esse objetivo que a partir
dali se começou a organizar o primei-
ro grande encontro das comunidades E não há, para os zapatistas,
zapatistas com sua rede de apoio ex-
terior que acontece desde 2007. Cha- forma de se construir autonomia
mado Escuelita Zapatista e tendo como mantendo relações com o Estado,
subtítulo “La Libertad según los/las Za-
patistas”, esse encontro, do qual tive a chamado por eles de “mal gobierno”
honra de participar, aconteceu entre os trumentalização das relações interpes- Buen Gobierno, espaços de encontro
dias 12 e 16 de agosto passados, e reu- soais imposta pela sociedade ociden- político e cultural criados há dez anos
niu mais de 1.500 ativistas e militantes tal e capitalista. E sim – isso também nos quais se coordenam praticamente
de todas as partes do mundo que foram se aprende lá – qualquer um que ponha todos os temas relacionados às comu- É também por isso, por estarem iso-
até lá para aprender com os/as zapatis- esses princípios em prática é imediata- nidades, da educação à saúde, da comu- lados em meio a um sem fim de territó-
tas sobre a prática que vem sendo cons- mente visto como uma ameaça por to- nicação à segurança, da economia à jus- rios organizados sob preceitos distintos
truída por eles ao longo dos últimos dos aqueles que se acostumaram a não tiça. Todos esses temas são conduzidos dos seus e por serem quase que perma-
anos: a autonomia. ter seu poder questionado, um exemplo sob formas de democracia direta, se- nentemente vistos como uma ameaça,
que deve ser eliminado antes que come- guindo seus usos e costumes e fiéis aos que as/os zapatistas souberam desde
Ensino-aprendizagem ce a ser seguido. preceitos do “mandar obedecendo”. o princípio a importância da solidarie-
Ainda que o nome do encontro possa E não há, para os/as zapatistas, for- dade. O abrir as portas de suas comuni-
sugerir algum tipo de estrutura formal ma de se construir autonomia man- dades para receber mais de 1.500 visi-
de ensino, ele passou distante dessa Pois ser autônomo tendo relações com o Estado, chama- tantes é uma prova disso. Não há como
possibilidade. Afinal, para os zapatistas do por eles de “mal gobierno”. A liber- avançar sozinho nessa luta. É preciso a
não há forma mais eficiente de apren- significa aplicar a sua dade é construída com uma recusa vee- união entre aqueles que acreditam em
der o funcionamento e a organização de mente a qualquer relação com los ma- um outro tipo de ordenamento social,
suas comunidades autônomas do que
existência, individual e les gobiernos, independente de quais mais equânime, mais igualitário, mais
os vivenciando em seu cotidiano. comunitária, uma outra sejam seus matizes partidários. Nenhu- justo. E do alto de uma sabedoria cons-
Assim, nós, alunos, éramos convida- ma ação é dirigida ao Estado; nenhuma truída ao longo dos séculos em que se
dos a diariamente compartilhar da ro- concepção de mundo oferta vinda dele é aceita. viram submetidos ao domínio dos ma-
tina de trabalhos que compõem a vida Assim, recusam-se a participar dos les gobiernos, sabem também que a di-
de um camponês da região de Chiapas: planos de apoio estatal às pequenas versidade é parte essencial do tão an-
a manutenção de milharais, cafezais ou comunidades camponesas, planos por siado “mundo em que caibam muitos
canaviais, nos lotes particulares dos in- Caracóis meio dos quais os governos vão “mai- mundos”, em que haja respeito às di-
tegrantes do movimento em ou pro- A luta zapatista segue firme, em seu zando” as comunidades (de maíz, ou versas formas de construção dessa nova
priedades comunitárias, em trabalhos avanço lento mas constante, assim co- milho, em analogia ao ato de distribuir realidade, surgidas dos saberes disper-
que envolviam todos os habitantes dos mo o andar de um caracol. E é justa- grãos de milho aos pombos em praças). sos no mundo, das distintas histórias de
povoados. mente essa a analogia utilizada para Entendem que foi (e é!) exatamente es- luta e de resistência.
Essas atividades rotineiras eram en- dar nome aos cinco conjuntos de muni- sa distribuição de migalhas estatais que
tremeadas por conversas com nossos/ cípios autônomos organizados pelos za- manteve (e mantém!) suas comunida-
as votánes, os guardiões e guardiãs de- patistas. Os Caracóis (Oventic, La Re- des na invisibilidade. E sabem que, ain- É preciso a união entre aqueles que
signados a acompanhar de forma qua- alidad, La Garrucha, Morelia e Rober- da que essa recusa signifique na prática
se permanente a cada um de nós ali pre- to Barrios) são as sedes das Juntas de não ter acesso a determinados recursos acreditam em um outro tipo de
sentes. Nessas conversas, entre goles re- ordenamento social, mais equânime,
frescantes do tradicional pozol, a bebi-
da preparada com milho que acompa- mais igualitário, mais justo
nha os chiapanecos em seus fazeres di-
ários, se compartilhavam dúvidas e en-
sinamentos sobre a construção da auto-
nomia zapatista. A Escuelita Zapatista foi um momen-
E é aí que se vê o verdadeiro heroís- to especial para esse aprendizado. Su-
mo dos companheiros e das companhei- as próximas edições, marcadas para de-
ras zapatistas, ainda que essa palavra te- zembro e janeiro próximos, prometem
nha boa probabilidade de ser recusada repetir essa experiência com uma mes-
por eles, o que não diminui o gigantis- ma finalidade: que mais e mais compa-
mo da sua luta. Pois ser autônomo sig- nheiros e companheiras se somem a es-
nifica aplicar a sua existência, individu- sa jornada, construindo, em seus calen-
al e comunitária, uma outra concepção dários e geografias, um pouco da liber-
de mundo, de vida em sociedade e de re- dade experimentada naquele calendá-
lação de homens e mulheres entre si e rio e geografia distantes. Afinal, como
com a natureza. eles sempre fazem questão de recordar,
No caso zapatista, ser autônomo sig- somos todos e todas zapatistas!
nifica colocar em prática uma lógica de
organização da vida coletiva que elimi- Marcelo Argenta Câmara é doutor
na as hierarquias verticalizadas que dis- em Geografia pela Universidade
tanciam os tomadores de decisões da- Federal Fluminense (UFF) e professor
queles que são por elas afetados; sig- titular do Colégio de Aplicação
nifica estabelecer relações intra e extra- da Universidade Federal do
comunitárias que rompem com a ins- Outras edições já estão marcadas para dezembro e janeiro próximos Rio Grande do Sul (UFRGS).
internacional de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 15

“O que dirão ao próprio povo


sobre a intervenção militar?” james_gordon_losangeles/CC

ENTREVISTA
O presidente da Síria
Bashar al-Assad aponta
extremistas da Al-Qaeda
como peças-chave para
compreensão do conflito
interno no país e vê caso
do pretexto criado por
potências do Ocidente
para guerra

de Damasco (Síria)

NA IMINÊNCIA de um ataque bélico co-


mandado pelos Estados Unidos, o presi-
dente da Síria Bashar al-Assad fala sobre
a delicada situação que vive seu país. As-
sad ressalta desde vultoso influxo de “re-
beldes” islâmicos que vêm de outros paí-
ses – estimados em dezenas de milhares
–, até a possibilidade de ter o seu territó-
rio atacado por forças da OTAN.
Sobre o ataque químico em que a mí-
dia ocidental o denuncia como mandan-
te do assassinato de centenas de civis, ele
se defende, pontuando que se trata de
uma jogada política que tenta legitimar
uma intervenção militar. “E que país usa-
ria armas químicas em áreas na qual es- Outdoor de Bashar al Assad na beira da estrada que liga Damasco a Aleppo
tão suas próprias forças? É ridículo! São
acusações completamente politizadas e taneamente diferentes entre eles, porque prios países. Não há corpo no mundo, EUA não descartam a intervenção
vêm na sequência e como reação contra são incoerentes e dispersos, com cada nem alguma superpotência, que pos- militar na Síria. À luz dessas
os avanços que o Exército Sírio alcançou grupo seguindo um líder separado e se- sa fazer uma acusação e, na sequência, declarações, parece provável que
contra os terroristas”, argumenta Assad. guindo sua própria agenda, diferente das pôr-se a recolher provas para confirmar os EUA ajam como agiram no
Abaixo um trecho da entrevista. demais. Claro que é bem sabido que paí- o que eles mesmos tenham dito. O go- Iraque. Em outras palavras, que
ses, como a Arábia Saudita, que controla verno dos EUA fez a acusação na quar- procurem um pretexto para a
Sr. Presidente, a questão mais ‘a bolsa’, pode manejá-los e manipulá-los ta-feira e dois dias depois já anunciava intervenção militar?
premente no mundo hoje é a como mais lhe interesse. que começaria a recolher provas. E que Não é a primeira vez que se levan-
situação atual na Síria. Que Ideologicamente, esses países mobi- provas encontrariam para recolher, de ta a possibilidade de intervenção mili-
partes do país continuam sob lizam terroristas por meios diretos ou tão longe?! tar. Desde o início, EUA, com França e
controle dos rebeldes? indiretos, como instrumentos de extre- Disseram que a área em questão es- Grã-Bretanha, anseiam por uma inter-
Bashar al-Assad – Do nosso ponto mismo. Se declararem que os muçulma- taria sob controle dos ‘rebeldes’ e que o venção militar na Síria. Infelizmente pa-
de vista, não se trata de rotular algumas nos devem fazer Jihad na Síria, milha- Exército Sírio teria usado armas quími- ra eles, os eventos tomaram rumo dife-
áreas como controladas pelos terroristas. res de extremistas responderão. Finan- cas. Na verdade, trata-se de área contí- rente, com a balança pendendo contra os
Não estamos lidando com uma ocupação ceiramente, os que financiam e armam gua a posições do Exército Sírio. E que planos deles, no Conselho de Seguran-
convencional, que permita que se con- esses grupos podem instrui-los para que país usaria armas químicas em áreas na ça, apesar das muitas tentativas que fi-
textualizem as coisas desse modo. Esta- organizem atos de terrorismo e espa- qual estão suas próprias forças? É ridí- zeram para seduzir Rússia e China, sem
mos combatendo contra terroristas infil- lhem a anarquia. A influência que rece- culo! São acusações completamente po- qualquer sucesso. Os resultados negati-
trados em algumas áreas, cidades, áreas bem é reforçada, quando um país como litizadas e vêm na sequência e como rea- vos que emergiram na Líbia e no Egito
periféricas de cidades. Eles atacam, van- a Arábia Saudita dirige os terroristas, si- ção contra os avanços que o Exército Sí- tampouco trabalham a favor deles. Tudo
dalizam, destroem infraestrutura e ma- multaneamente, por meios financeiros e rio alcançou contra os terroristas. isso tornou virtualmente impossível con-
tam civis inocentes, simplesmente por- pela ideologia wahhabista (referente ao vencer os cidadãos naqueles países e no
que a população os denuncia. O exército movimento religioso ultraconservador mundo de que seus governos teriam po-
se mobiliza para essas áreas com as for- muçulmano). “Desde o início, EUA, com líticas sólidas e bem-sucedidas para essa
ças de segurança e agentes policiais para parte do mundo.
erradicar os terroristas; os que sobrevi- O governo sírio tem denunciado França e Grã-Bretanha, A situação na Líbia também é diferen-
vem, mudam-se para outras áreas. Por- que há ligação estreita entre anseiam por uma te da do Egito e Tunísia, e a Síria, como
tanto, a essência de nossa ação é conter Israel e os terroristas. Como o eu disse, é diferente de todos esses paí-
terroristas. senhor explica isso? A opinião intervenção militar na Síria” ses. Cada país tem sua específica situa-
Enfrentamos o desafio, que complica a geral é que islamistas extremistas ção. Aplicar o mesmo cenário em dife-
situação, de um influxo de grande núme- odiariam Israel e entrariam em rentes partes do mundo já não é opção
ro de terroristas que vêm de outros paí- surto só de ouvir o nome do país. plausível. Claro que podem criar guer-
ses – estimados em dezenas de milha- Se essa opinião fosse correta, o que ex- Quanto à Comissão da ONU, nós fo- ras, mas não se pode prever para que la-
res de terroristas, pelo menos. Enquanto plica que cada vez que atacamos os ter- mos os primeiros a exigir investigação do elas se espalharão ou como termina-
continuarem a receber ajuda financeira e roristas na fronteira, Israel ataca nossos da ONU, quando terroristas lançaram rão. Isso os levou a perceber que os cená-
militar, nós continuaremos a atacá-los. soldados, para reduzir a pressão contra ataques com gás tóxico nos arredores rios que eles próprios inventaram espira-
A maioria dos terroristas que nos ata- os terroristas na fronteira? Fosse assim, de Alepo. Vários meses antes do ata- laram para fora do que eles mesmos pos-
cam são Takfiris, que adotaram a dou- por que, quando bloqueamos os terro- que já se ouviam declarações de esta- sam controlar.
trina da Al-Qaeda, além de um pequeno ristas numa área, Israel os deixa esca- dunidenses e ocidentais, que começa- Já é hoje absolutamente claro para to-
número de bandidos comuns. par pelo lado israelense, para que pos- vam a preparar a opinião pública para dos que o que está acontecendo na Síria
sam tentar nos atacar de outra direção? o ‘possível’ uso de armas químicas pelo nada tem de revolução popular que vi-
Por que Israel tem atacado, ataques di- governo sírio. Daí nasceram nossas sus- se à reforma política; trata-se, isso sim,
“A maioria dos terroristas que nos retos contra o Exército Sírio, em mais peitas de que o ‘Ocidente’ sabia das in- de terrorismo orientado para destruir o
de uma ocasião, nos últimos meses? É tenções dos terroristas, de usar armas Estado sírio. O que dirão ao próprio po-
atacam são Takfiris, que adotaram a evidente que a opinião geral que o se- químicas e, na sequência, tentar culpar vo, argumentando a favor de interven-
doutrina da Al-Qaeda, além de um nhor citou é inacurada. Israel já decla- o governo sírio. ção militar? Que o Estado sírio estaria
rou publicamente que está cooperando Depois de contatos com a Rússia, de- apoiando o terrorismo contra o próprio
pequeno número de bandidos comuns” com os terroristas e os trata em hospi- cidimos requerer que uma comissão in- Estado sírio?!
tais em Israel. vestigue o incidente. Mas requeremos
Se os terroristas fossem de fato hostis uma investigação baseada em fatos
a Israel, dados a surtos de histeria à sim- em campo, não em boatos e conversas. “Claro que podem criar
Mas a mídia hegemônica ples menção do nome, porque lutaram EUA, França e Grã-Bretanha tentaram
ocidental diz que os terroristas contra a União Soviética, a Síria e o Egi- explorar o incidente, para investigar os guerras, mas não se pode
controlam de 40% a 70% do to, mas jamais atacaram Israel, uma úni- boatos, não o que realmente aconteceu.
território sírio. Qual é a verdade? ca vez? Quem criou esses grupos terro- Durante as últimas poucas semanas,
prever para que lado elas
Nenhum exército, em nenhum país ristas? Foram criados no início dos anos trabalhamos com a Comissão e fixa- se espalharão ou como
do mundo, pode estar presente, com to- 1980 pelos EUA e pelo ocidente, com di- mos os parâmetros para a cooperação.
do o armamento, em todos os pontos de nheiro dos sauditas, para combater con- O primeiro desses parâmetros é que a terminarão”
país algum. Os terroristas exploram is- tra a União Soviética no Afeganistão. Co- soberania da Síria é a linha vermelha
so, e violam áreas nas quais o exército mo seria possível, logicamente falando, que não poderá ser ultrapassada; por-
não esteja. Fogem de uma área para ou- que esses grupos fabricados pelos EUA e tanto, a Comissão deve reportar direta-
tra, e continuamos a erradicá-los, com o Ocidente algum dia atacassem Israel? mente ao governo sírio, durante todo o O que acontecerá nos EUA,
sucesso, de todas as áreas onde apare- processo. Segundo, a questão não é ape- no caso de decidirem pela
çam. Reitero portanto que a questão não nas como conduzir a investigação, mas intervenção militar, com guerra
é a extensão do território no qual se infil- “Israel já declarou publicamente também como os resultados serão inter- contra a Síria?
trem, mas o grande fluxo de terroristas pretados. Estamos perfeitamente cons- Acontecerá o que já aconteceu em to-
que vêm de fora da Síria. que está cooperando com cientes de que, em vez de serem inter- das as guerras estadunidenses, desde o
os terroristas e os trata em pretados de modo objetivo, os resulta- Vietnã... Fracassarão. Os EUA têm fei-
Senhor presidente, o senhor dos podem ser facilmente interpretados to muitas guerras, mas nunca conse-
falou de extremistas Takfiri que hospitais em Israel” do modo como mais interesse às agen- guiram, pelas suas guerras, alcançar os
entraram na Síria. São grupos das de alguns grandes países. Eviden- seus objetivos políticos. O governo dos
fragmentados que atacam temente, esperamos que a Rússia blo- EUA não conseguirá convencer o povo
esporadicamente? Ou compõem queie qualquer interpretação distorci- estadunidense de algum benefício des-
algum tipo de força maior que Na quarta-feira, 21 de agosto, da para servir aos interesses e às políti- sa guerra. Tampouco conseguirão con-
busca destruir a segurança e a os ‘rebeldes’ acusaram o cas dos EUA e do Ocidente. O mais im- vencer o povo de nossa região, sobre as
estabilidade na Síria e em todo o governo sírio de ter usado portante é que distinguimos claramente políticas e planos dos EUA. As grandes
Oriente Médio? armas químicas. Alguns entre acusações do Ocidente, baseadas potências globais têm poder para fa-
Há os dois tipos. São semelhantes, na líderes ocidentais aceitaram em boatos e intrigas, e a nossa solicita- zer guerras. Mas conseguem vencer as
medida em que todos partilham a mes- as acusações. O que o senhor ção de uma investigação baseada em fa- suas próprias guerras? (originalmen-
ma doutrina Takfiri extremista de indiví- responde a isso? tos e provas concretas. te publicada em www.isvestia.ru; con-
duos como Zawahiri (líder da Al-Qaeda); Governos dos EUA, do Ocidente e de fira entrevista completa também em
também são semelhantes na medida em outros países fizeram declarações des- Declarações recentes, pelo www.brasildefato.com.br)
que recebem o mesmo apoio financeiro denhosas de flagrante desrespeito até governo dos EUA e outros
e o mesmo apoio militar. Mas são simul- contra a opinião pública em seus pró- governos ocidentais, dizem que os Tradução: Vila Vudu.
16 de 29 de agosto a 4 de setembro de 2013 internacional

Estados Unidos planejam “ataque


humanitário” contra a Síria Reprodução

JOGOS DE GUERRA
Assassínio com
substâncias químicas
que coloca Assad como
suspeito principal se
assemelha a outras
situações criadas para
justificar uma guerra

Achille Lollo
de Roma (Itália)

O PRESIDENTE Obama concordou com


o primeiro-ministro britânico David Ca-
meron no “ataque humanitário contra a
Síria para salvar os civis” usando apenas
foguetes e aviões que destruiriam toda a
infraestrutura militar e civil. Entretanto,
Rússia e Irã alertam o Ocidente de que
foram os rebeldes que usaram nos arre-
dores de Damasco, capital da Síria, as
bombas químicas na véspera da chegada
dos inspetores das Nações Unidas.
As dramáticas imagens gravadas pelos
rebeldes no dia 21 de agosto após o ata-
que do exército sírio contra as últimas
posições do Exército Livre Sírio (ELS),
em Goutha, na periferia de Damasco e,
em seguida, divulgadas na rede e, sobre-
tudo, nos sites dos jornais europeus e es-
tadunidenses pelo Observatório Huma-
nitário Sírio, sediado em Londres, pro- Obama e Cameron jogam pingue-pongue em foto de 2011; “dobradinha” deve ser reeditada na invasão da Síria
vocaram nas chancelarias europeias e na
Casa Branca o efeito desejado: repetir a ra com o Líbano, liberando as importan- truído para esconder vários barris com Entretanto, às 20h do dia 26 de agos-
“Operação Kosovo” permitindo à OTAN tes cidades de Qasr, Alepo e Homs. A se- gás nervino, aconteceu a incrível revira- to, o secretário do Departamento de Es-
substituir a ONU. Isto é, atacar e destruir guir, concentrou sua ofensiva na perife- volta do presidente dos Estados Unidos, tado, John Kerry, convocava uma con-
a Síria, tal como foi feito em 1999 com a ria de Damasco – precisamente nos bair- Barack Obama. ferência de imprensa declarando suma-
Iugoslávia, o Iraque e, por último, a Lí- ros de Jobar, de Zamalkana, de Goutha, e riamente: “Não podemos esperar as de-
bia e o Mali. na cidade de Muaddamiya – onde os re- Casus bellis cisões dos fiscais da ONU que estão em
O presidente Barack Obama – que em beldes do ESL criaram fortes bases gra- Na manhã do dia 26, Obama fez uma Damasco e que nada dirão, visto que
1989 foi um dos poucos que votaram ças ao contínuo abastecimento de armas breve aparição na TV para dizer que ha- os efeitos do gás nervino desaparecem
contra a invasão no Iraque para procu- e homens vindos da vizinha Jordânia. via falado 40 minutos com o primeiro após três dias. Por isso, avaliamos que
rar as armas químicas de Saddam – bem A partir desse momento, os serviços de ministro britânico David Cameron e que as informações de nossos serviços e de
como uma boa parte de seus colaborado- inteligência sionistas, e depois os turcos, concordava com ele em intervir dura- outros países são suficientes para dizer
res, no dia 24 de agosto, ainda não se ha- veicularam na imprensa britânica e fran- mente contra o regime de Bashar el-As- que os EUA darão uma resposta exem-
via manifestado a favor do ataque. O Se- cesa relatórios “confidenciais”, segundo sad, apesar de esse governo ter permiti- plar ao regime de Bashar el-Assad”.
cretário da Defesa Chuck Hagel admitiu os quais o exército sírio estaria prepa- do a chegada dos fiscais da ONU. Após Charles Kupchan, outra voz “in-
que os EUA esperavam a resposta dos fis- rando um grande ataque usando as ar- dependente” se levantar na mídia, o bri-
cais da ONU e que por isso respeitariam mas químicas. tânico Gwyn Winfield, notório conhece-
as leis internacionais. No dia 24 de agosto, o general esta- Turquia e França – no caso dos EUA dor de armas químicas e chefe da Fal-
dunidense Martin Dempsey e o britâni- con Comunications, declarou ao jornal
co Sir Nick Houghton convocavam na ca- decidirem esperar pela decisão da italiano La Repubblica: “O ataque com
“Tais acusações são uma pital da Jordânia, Amã, a “Cúpula Militar ONU – manifestaram a intenção de substâncias químicas parece um casus
dos 10 países que sustentam a Oposição belli artisticamente criado para justi-
ultraje ao bom senso, síria” (nomeadamente EUA, Grã-Bre- participar numa outra possível frente ficar uma escalada de ataques milita-
tanha, França, Alemanha, Canadá, Itá- res contra a Síria, tal como aconteceu
uma vez que as mesmas lia, Turquia, Jordânia, Arábia Saudita e em 1964 quando foi provocada a inter-
respondem a precisas Qatar). Nessa reunião ficou decidido que venção estadunidense no Vietnã. De fa-
o uso das armas químicas por parte do Ou seja, segundo Obama e Cameron, to, é muito difícil acreditar que o regime
motivações políticas que exército sírio dava aos países da OTAN o regime sírio seria o único responsável de Bashar el-Assad realize uma ofensi-
a possibilidade de tomar a iniciativa pa- pela explosão das bombas químicas em va com esse material ao mesmo tempo
visam reverter a conjuntura” ra destruir com foguetes e bombardeios Goutha e por isso os EUA estariam ava- em que chegam os fiscais em Damasco
aéreos o exército de Bashar el-Assad per- liando a possibilidade de realizar um para averiguar se o exército sírio estaria
mitindo, assim, o avanço triunfal dos re- “ataque humanitário apenas com fo- usando as armas químicas. Então, por
beldes na capital. guetes, aviões e navios como foi feito que o regime deveria fazer algo que cer-
Em resposta às acusações dos minis- Por sua parte, Turquia e França – no no Kosovo”. tamente o iria prejudicar?”.
tros das Relações Exteriores francês e caso dos EUA decidirem esperar pela de- O conhecido professor Charles Kup- As intervenções de Charles Kupchan
britânico, Lorens Fabious e William Ha- cisão da ONU – manifestaram a intenção chan, que na Universidade de George- e de Gwyn Winfield não provocaram
gue, o presidente sírio, Bashar el-Assad de participar numa outra possível frente town ensina Relações Internacionais e é efeitos dissuasivos nas chancelarias dos
sublinhou que “tais acusações são uma na qual os países do Golfo (Arábia Sau- um “expert” no Council on Foreign Re- países da OTAN, que após a intervenção
ultraje ao bom senso, uma vez que as dita, Emirados Unidos, Bahrein e Qatar) lations sobre Estratégia e Política Exte- na TV do secretário de Estado John Ker-
mesmas respondem a precisas motiva- estariam dispostos a criar e, sobretudo, rior dos EUA, logo após a reviravolta de ry, memorizaram o roteiro belicista dos
ções políticas que visam reverter a con- financiar. Barack Obama, declarou ao jornal ita- EUA, manifestando sua participação na
juntura logo após as contínuas vitórias Finalmente, no dia 25 de agosto, quan- liano La Repubblica que “não podemos nova “guerra humanitária da OTAN”.
que as forças armadas do governo sírio do o governo da Síria aceitou que a co- confiar totalmente nos rebeldes. Por
estão alcançando contra os terroristas.” missão de inspetores da ONU investi- outro lado, mesmo se o regime sírio for Achille Lollo é jornalista italiano,
De fato, a partir do mês de maio o exér- gasse os locais onde houve a explosão de punido segundo o modelo operativo se- correspondente do Brasil de Fato
cito sírio registrou concretas vitórias em bombas químicas e também averiguas- melhante à Operação Kossovo, não vai na Itália e editor do programa TV
toda a região leste e ao longo da frontei- se o túnel onde os rebeldes haviam cons- funcionar na Síria”. “Quadrante Informativo”.

Rússia, China e Irã se opõem à guerra


Líderes alertam para “graves do por telefone com o secretário de Es- Fato é que as palavras de Lavrov de- a Rússia pretende realizar com os EUA
tado dos EUA John kerry publicamen- vem ter tocado algumas questões estra- e outros países para debater uma real
consequências” caso Estados te advertiu que “se a hipótese de ataque tégicas importantes. Tanto que o mes- e possível solução política para a crise
Unidos e Europa ataquem a Síria militar à Síria for efetivado haverá con- mo presidente Barack Obama, no dia 26, síria, visto que a guerra civil entrou no
sequências muitos graves, uma vez que disse que precisava de mais 48 horas pa- terceiro ano.
sem provas de que ataque químico o Ocidente acusa a Síria sem ter provas ra decidir se os EUA vão apoiar o projeto O Irã também advertiu os Estados
deste país ter feito uso de armas quími- da Grã-Bretanha e da França, que juntos Unidos por meio de uma intervenção na
ocorrera a mando de Assad cas. Por outro lado, uma intervenção mi- atacariam a Síria, “com uma guerra hu- TV iraniana do comandante das Forças
litar sem a aprovação do Conselho de manitária para salvar os civis, como foi Armadas, Massoud Jazayery, que sem
Segurança das Nações Unidas seria uma feito no Kosovo”, nos próximos dez dias. os meios termos da linguagem diplomá-
grave violação do direito internacional.” A China também, que no Conselho tica logo afirmou: “Os Estados Unidos
de Roma (Itália) de Segurança, juntamente com a Rús- conhecem as limitações da linha ver-
sia, havia votado o envio de uma co- melha na frente síria. Se Washington
A intervenção militar da OTAN con- “Se Washington vai violar missão de fiscais da ONU para realizar vai violar essas limitações, então a Ca-
tra a Síria, mesmo se limitada ao lança- uma profunda análise do que aconte- sa Branca vai sofrer sérias consequên-
mento de foguetes dos navios e dos sub- essas limitações, então a ceu em Goutha, tomou posição contrá- cias por tê-lo feito.”
marinos, aos bombardeios ditos “cirúr- Casa Branca vai sofrer sérias ria à “guerra humanitária” da OTAN. Advertências políticas que devem ter
gicos” dos F-16 e aos ataques com avi- Wang Yi, ministro das Relações Exterio- deixado o presidente Barack Obama
ões sem pilotos (os drones telecoman- consequências por tê-lo feito” res, alertou os países ocidentais pedindo ainda mais confuso porque o que agora
dados), provocou uma dura reação no “mais cautela em julgar os elementos da está em jogo não é somente a queda do
Kremlin por parte do presidente Putin e crise na Síria, uma vez que quando se fa- regime de Bashar el-Assad, mas, quem
do governo russo que não admitem mais la de armas químicas todas as partes de- irá sucedê-lo. De fato, os grupos salafi-
outras “guerra humanitárias da OTAN” Depois, tentando esfriar a situação, veriam ser questionadas” e de que é pre- tas e jihadistas sírios – todos ligados à
contra países aliados ou amigos da Rús- Sergei Lavrov sublinhou que conver- ciso resolver a questão síria por meio de Al Qaeda – monopolizam a resistência
sia, tal como aconteceu com a Iugoslá- sou novamente com John Kerry, o qual uma solução política. armada, enquanto os homens do ESL fi-
via em 1999. “prometeu fazer uma nova avaliação A advertência do ministro das Rela- caram famosos em gerenciar os campos
Por isso, o ministro das Relações Exte- dos argumentos que estão empurrando ções Exteriores da China, Wang Yi, se de refugiados no exterior no lugar de
riores Sergei Lavrov, após ter conversa- os EUA para uma intervenção militar.” refere, antes de tudo, à Conferência que combater no interior da Síria. (AL)

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