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ADURA E RESISTÊNCIA
XXIV
HISTÓRIA I
Com as medidas tomadas a partir do AI-5, o Brasil passou a viver res morais, estéticos e políticos. A idéia do Brasil como potência em
o seu momento mais difícil dentro do regime militar. Nos anos 70, pleno desenvolvimento era difundida em slogans como “Brasil, ame-
haveria um acirramento das tensões entre o governo e diversos se- o ou deixe-o”, “Você constrói o Brasil”, “Ninguém segura este país”,
tores da sociedade, chegando por muitas vezes ao conflito armado. entre outros. A propaganda do governo pretendia apresentar o Bra-
sil como uma “grande potência” e investiu-se em obras que simbo-
EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI (1969 A 1973)
lizassem esta vultosidade, como a Transamazônica e a ponte Rio-
Foi durante esse governo, conhecido por mostrar a face mais re- Niterói.
pressiva do regime militar, que começaram a pipocar movimentos
Mas o clímax desse apelo ao patriotismo veio com a conquista da
armados de oposição. A revolução armada começou a ser vista como
Copa do Mundo de 1970. Médici soube capitalizar a conquista da
única forma possível de mudança por um grande número de jovens
seleção brasileira a seu favor, posando com a taça, concedendo prê-
brasileiros, e foram organizados, então, diversos grupos de guerrilha
mios aos tri-campeões, enfim, aproveitando para vender a imagem
rural e urbana, como por exemplo, a Vanguarda Armada Revolucio-
de um país vencedor, dentro e fora das quatro linhas.
nária (VAR – Palmares), a Aliança Libertadora Nacional (ALN), o
Ao mesmo tempo em que esse “país ideal” era exaltado pelos
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Ação Popular.
Cresciam, em contrapartida, os organismos oficiais de repressão. militares, boa parte da arte, cultura e produção intelectual viviam
sufocadas. Artistas e intelectuais viviam na clandestinidade ou no
Organizados como forças de polícia política, um grande número de
oficiais das forças armadas seria destacado para fazer parte do DOI- exílio, enquanto a canção oficial era “Eu te amo, meu Brasil, eu te
amo, ninguém segura a juventude do Brasil”.
CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna). Prisões repentinas, apreensão de li- Em 1973, a crise internacional do petróleo – gerada pela elevação
vros e material visto como “subversivo”, tortura, assassinato, figu- no preço do barril de petróleo pela OPEP (Organização dos Países
ram como métodos pouco ortodoxos utilizados na época sob a jus- Exportadores de Petróleo) – gera recessão nos Estados Unidos e
tificativa de se evitar uma revolução socialista. nos países economicamente dependentes. O Brasil, que para cons-
truir o seu modelo de desenvolvimento submetera-se a uma total
Na economia, o governo Médici viveu um período de euforia,
com a diminuição da inflação e aumento da produção. A injeção de dependência externa, começou a ver o seu sonho se esvaziar; o apa-
rente “milagre” começava a mostrar sua face obscura.
capital nacional e internacional, assim como o incentivo fiscal à in-
dustrialização, deram continuidade ao crescimento econômico, ob- A crescente concentração de renda acentuou o processo de exclu-
tido, contudo, através de um processo de “reconcentração” de ren- são e marginalização social. O crime organizado e as quadrilhas pas-
da pelas classes abastadas. sariam a atuar contando com a conivência e a participação da polícia
e de outros atores políticos, à medida que a corrupção e a ineficiên-
Os itens abaixo elucidam a política econômica do período e os
favorecidos com o milagre econômico: cia da justiça tornavam-se comuns.
empréstimos estrangeiros;
aumento da produção e venda de automóveis;
exportações maiores que importações;
redução do salário mínimo.
O “desenvolvimento a qualquer custo” correspondeu ao
endividamento ainda maior e à acentuação das desigualdades sociais
no país.
Data desse período a criação do INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária). Voltado para a colonização da
Amazônia, estimulou a migração de enormes contingentes de nor- “Avante Seleção”. Caricatura de Jaguar. (Almanaque de Jaguar, Rio de Janeiro, Edições
destinos para a região de construção da Rodovia Transamazônica O Pasquim, 1977).
(nunca concluída).
ERNESTO GEISEL (1974-1978)
Sobre o política agrária do período militar, João Manuel Cardoso
A crise social que se alastrava, resultado do esgotamento do mila-
de Mello e Fernando A. Novais escrevem:
gre econômico, fez crescer o descontentamento de amplos setores
“O autoritarismo plutocrático instalado pela ‘Revolução de 64’, em lugar de da sociedade com o governo militar, que já completava uma década
promover a reforma agrária, reforçou o monopólio da terra, através da moderni- no poder. Isso pôde ser sentido já nas eleições de 1974, com o su-
zação selvagem do campo. A extensão do crédito subsidiado e a tecnificação dos
cesso do MDB nas urnas – passou de 87 deputados federais para
processos produtivos levaram à industrialização da agricultura, que se voltará
165, de 7 para 20 senadores – e a conseqüente queda da Arena - de
especialmente para os produtos de exportação (soja, milho, depois a laranja).”
223 para 199 deputados, de 59 para 46 senadores.
[História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea (vol.4) /
Lilia Moritz Schwarcz (org.). – SP: Cia das Letras, 1998, pp.618, 619.] Geisel governou de maneira ambígua, prometia “abertura lenta,
Na década de 70, 17 milhões de pessoas deixaram o campo. gradual e segura” ao mesmo tempo em que cassava mandatos.
Houve nesse governo um fortíssimo investimento em propagan- Promulgou a Lei Falcão em 1976, restringindo a propaganda elei-
da, especialmente através da TV. O “milagre econômico” vivido pelo toral no rádio e na televisão, de modo a garantir a vitória da Arena
país estimulava a diversificação da sociedade de consumo e a televi- nas eleições municipais de 1976.
são à cores se tornava o principal veículo de difusão dos novos valo- Em 1977, após um veto MDBista ao projeto de reforma do judi-
Pela Difusão do Conhecimento Crítico 27
ciário, fechou mais uma vez o Congresso e decretou o “Pacote de Unidos pela redemocratização política do Brasil, entidades civis
Abril”. Sobre ele, Marly Motta escreve: importantes como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Asso-
“(...) o Planalto estava preocupado com as eleições de 1978, prin- ciação Brasileira de Imprensa (ABI), União Nacional dos Estudan-
cipalmente para governador, as quais, segundo estipulava a Consti- tes (UNE), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), entre outras,
tuição em vigor, deveriam ser diretas. Uma emenda constitucional, voltaram a fazer manifestações públicas, pressionando o governo a
mantendo as eleições indiretas, era a saída. Mas havia uma pedra no realizar a abertura.
caminho: a Arena, o partido do governo, não tinha os 2/3 de votos JOÃO BAPTISTA FIGUEIREDO (1978-1985)
necessários para emendar a Constituição. Sob o pretexto de que o
A crescente pressão popular e a deterioração econômica resultan-
MDB estava obstando o projeto, o presidente Geisel, no dia 1o de
tes dos anos de ditadura tornavam inevitável o processo de abertu-
abril de 1977, decretou tanto o fechamento do Congresso, quanto,
ra. Os abusos cometidos em nome dos governos militares ficavam
por meio do AI-5, uma série de reformas constitucionais.
cada vez mais conhecidos, e as vozes do descontentamento iam se
Durante os 14 dias em que o Congresso esteve fechado, foi baixa- tornando mais fortes.
do um conjunto de medidas voltadas principalmente para garantir a
Último general da Ditadura, Figueiredo ficou marcado por seu
preservação da maioria governista no Legislativo, especialmente no
estilo truculento e pela forma tendenciosa com que conduziu o pro-
Senado. (...) uma das ‘novidades’ do chamado ‘Pacote de Abril’ foi a
cesso de distensão.
criação da eleição indireta para 1/3 dos senadores, logo denomina-
dos pejorativamente de “biônicos”. Composto de 14 emendas e três O movimento popular pela anistia, nos anos de 1978 e 1979, de-
artigos novos, além de seis decretos-leis, o ‘Pacote’ determinou ain- fendia o fim dos exílios e a libertação dos presos políticos. O movi-
da, entre outras medidas: mento foi encampado por organizações civis de defesa dos direitos
humanos, com respaldo internacional e a participação ativa dos fa-
eleições indiretas para governador, com ampliação do Colégio Eleitoral; (...)
miliares das vítimas do regime. Figueiredo concedeu a “anistia am-
extensão às eleições estaduais e federais da Lei Falcão (...);
pla, geral e irrestrita”, estendendo-a também aos militares envolvi-
ampliação do mandato presidencial de cinco para seis anos.” dos em processos judiciais sob acusação de participação em tortu-
(http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/PacoteAbril.asp, 08/08/ ras.
2002, 00:13h)
O país vivia, naquele momento, uma crise de proporções grandi-
A opinião pública defendia cada vez mais a abertura política, a osas. O desemprego subiu a níveis jamais vistos, e a inflação chegou
medida em que se dava conta dos horrores praticados pela ditadura. a 94,7% entre junho de 1979 e maio de 1980.
Vários atos de violência praticados pelos militares começavam a ter
Ao mesmo tempo, o movimento operário se rearticula, tendo como
maior repercussão, ainda que os meios de comunicação continuas-
centro principal o ABC paulista, e como liderança mais expressiva
sem sofrendo censura. Foram estes os casos do assassinato do dire-
Luís Inácio Lula da Silva. As greves do período chegaram a reunir
tor da TV Cultura Vladimir Herzog (1975) e do líder sindical Manoel
em torno de 500 mil trabalhadores.
Fiel Filho em repartições do Exército, bem como do seqüestro do
Uma reforma política promoveu a extinção dos dois partidos exis-
bispo dom Adriano Hypolito, espancado e abandonado nu em uma
tentes; enquanto a base governista, antiga Arena, criava o PDS (Par-
estrada em 1976.
tido Democrático Social), o MDB se desmembrava em diversos par-
tidos:
PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro);
PDT (Partido Democrático Trabalhista), composto por setores
ligados a Leonel Brizola;
PTB (Partido Trabalhista Brasileiro);
PT (Partido dos Trabalhadores), fundado em 1980 a partir das
lutas sindicais do ABC paulista.
Descontentes com a crescente movimentação democrática, gru-
pos de militares da “linha dura” planejam e executam uma série de
atentados terroristas que vão desde o incêndio de bancas de jornais
que vendiam publicações da oposição, até o mais conhecido deles, o
frustrado atentado do Riocentro, em 1981. A bomba que deveria ser
lançada em meio ao show do dia do trabalhador, acabou explodindo
acidentalmente dentro de um carro estacionado, no colo de um sar-
gento pertencente ao DOI-CODI.
Atos como estes podem ser interpretados como a última ten-
tativa de manutenção do poder pelos militares, ao mesmo tem-
po em que ganhava força a Campanha pelas Eleições Diretas
Morto sob tortura – embora os militares tentassem falsear uma versão de que havia se para Presidente, correndo o país com a participação de artis-
suicidado - Vladimir Herzog tornou-se símbolo na luta pelo fim do regime militar no
Brasil. tas, grupos civis, políticos de oposição e líderes sindicais. Che-
Fonte: História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea gava ao fim uma das mais difíceis etapas da história de nosso
(vol.4) / Lilia Moritz Schwarcz (org.). – SP: Cia das Letras, 1998, p.361. país.
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