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sabor da demagogia, do populismo e de conveniências econômicas,

financeiras ou políticas de natureza conjuntural ou circunstancial.


A introdução do regime de capitalização por si mesmo trará ape-
nas equilfr•io orçamentário. A sociedade quer também a estabilidade
operacional dos programas que garantam justiça social, que devem
ser protegidos tanto contra os erros de má gestão como contra a
gestão fraudulenta. A lembrança do esquema da CAPEMI não deve
ofender ninguém. Aliás, ofendidas ficaram as centenas de milhares
de associados que contribuíram, pois a instituição faliu antes que a
maioria pudesse se beneficiar. Não havia um esquema de solidarieda-
de e fraternidade, nem de punição. Terminou tudo em pizza.

7.5 A política monetária e Banco Central indepen-


dente
A independência do Banco Central do Brasil é uma tese sem ad-
versários, nos dias de hoje, que requer mais reflexão.
As questões pendentes são: a) a amplitude e o limite de poderes e
de sua autonomia como formuladore operador;b) a competência
para adotar políticas onerosas para a sociedade e gerar despesas que
não estão previamente incluídas no Orçamento Fiscal da União, ela-
borado pelo Poder Executivo, e que não foram submetidas à aprova-
ção prévia do Congresso Nacional; c) a viabilidade política e social da
política monetária quando são elevados os ônus sociais de curto e
médio prazos. Na ausência destas definições, mandatos fixos e
rotativos dos diretores podem se tornar ou irrelevantes ou um grande
problema. A capacidade operacional do presidente ou sua rede de
relações internacionais, dois importantes requisitos para o exercício
do cargo, podem fraquejar diante da falta de lastro objetivo, social e
político, para sustentar a política monetária.
Cabe, de início, destacar a diferença entre competência política e
competência técnica. A meritocracia que caracteriza os burocratas

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monetários como uma elite do
funcionalismopúblico
condição de representantes eleitos não lhes dá a
do povo. Quando
tica age, o povo não tem voz, nem a clite burocrá-
voto. A voz c o voto,
so Nacional, significam representação no Congres-
como uma competência
tica diferente da competência técnica da polí-
elite burocrática.A
tência política é a delegação de poderes compc-
feita pelo eleitor. A
tência técnica é o dote pessoal adquirido compe-
na experiênciae na escola,
de acordo com as características, habilidades
e dedicaçãode cada
um. Dito de outra forma: a burocracia não
representaos eleitorese,
portanto, não têm competência política para
gerar despesaspúblicas.
E simples assim.
Há pré-condições econômicas e políticas para que
um Banco Cen-
tral seja independente? Existem certamente requisitos
que facilitam a
atuação de um Banco Central independente,assim como, na contra-
mão, a independência em si pode ajudar a criar aqueles requisitos.
O modelo americano de banco central é atípico. O modelo inglês
deu certo na Inglaterra, porque o povo e os costumes de lá revelam
uma tradição secular de austeridade. O modelo de banco central ale-
mão atingiu um grau de austeridade, de disciplina e rigidez que não se
adapta aos nossos costumes e instituições frágeis e propensos à aco-
modação. Não vivemos os traumas históricos ingleses ou alemães —
de guerra e de inflação —,nem adquirimos a maturidade e a consciên-
cia crítica destes povos. Ficamos nos indagando se não caberia, pri-
meiro, ordenar a questão fiscal, de endividamentoe cambial,para
depois, pela evolução natural, chegar à independência do Banco Cen-
tral. É a velha história do ovo e da galinha.
É verdade que a política monetária tem grande eficácia para esta-
bilizar os preços, mas poderá se tornar politicamente insustentável se
provocar —e dela emergirem —custos sociais elevados. Imaginemos
o seguinte cenário, como exemplo:
a. o orçamento fiscal apresenta déficit histórico e crônico;
b. a poupança interna é pequena;

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c- a
é o govemo tem dificul-
a úvida p.íblica e até
nzsmo faz resgatespagos

d. há &fiat e no balanço
pagamen-
tos tamanho significativo, a situação
cambial é instável, os
InaEIOres extemos e os atémesmo
din}Eiro do país.
O governo elege uma rrrta
ambiciosa, nas condições
objeivas exiAE1tes. A Plítica
rrwnetária para estabilizar os preços
alcarçar a neste cenário, poderá ter uma intensi-
selvagem, criar uma ciranda financeira
de custos altos para o
pvo, reduzir a renda das Fssoas e aumentaro
desempregoe a
tragédia A estabilidade preços trará, no longo prazo, o bem-
estar O problema é aquele do John M. Keynes: "No
longo
prazo, estaremos mortos". Estas conseqüênciassão social-
rrrnte graves, sendo grande a chance de que venham a ser
repudia-
das Fla comunidade, especialmentese esta for formada,como
de
fato é no Brasil, pr maiorias excluídas que percebemsua condição e
conrçam a reagír até agora, pela vía eleitoral; depois, ninguém sabe
pr quais meios.
O combate à espiral de preços em ascensãoexige juros reais al-
tos, o que significa retirada de moeda do mercado, isto é, contração
da liquidez real da economia. Os juros reais são mais altos do que
poderíam ser exatamente porque há déficít público, de um lado, e
endividamento público elevado, do outro, sem falar no tamanhodo
Estado em si e dos outros riscos que caracterizama economia nacio-
nal. O nível de ativídade esfria com os juros altos, há reduçãodo
crescimento do PIB ou até queda do seu valor absoluto, acompanha-
do de desemprego. Ao lado disso, vem a insatisfação social, que po-
derá comprometer a expectativa de sustentação da independência do
Banco Central no longo prazo. Juntando tudo, lembramo-nos do sau-
doso professor Bulhões, ex-ministro da Fazenda, para quem o Banco

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Central não deveria ter sido sequer criado
para substituir a antiga
SUMOC. porque, na época, faltavam no país as
pré-condiçõcs.
Por outro lado, quando a relação dívida pública/PIB
é muito gran-
de, uma política de juros reais muito altos poderá sc
inviabilizar por
causa do impacto no orçamento fiscal. O sctor público
não terá caixa
fiscal para custear o serviço da dívida. E sc a socicdadc
alimenta a
expectativa de que o governo não vai pagar os juros ou
rcsgatar o
principal devido, a confiança desaparece e, na contramão,
poderão
vir o pânico, o caos e a inflação. Foi por esta porta que
passaram as
condições que deram início a muitas hiperinflações mundiais
no pas-
sado.
Ora, de um ângulo, sem apoio político gerado pelas
condições
discutidas é tolice falar de independência do Banco Central;
de outro
ângulo, a inexistência de caixa fiscal poderá impedir o uso da
política
monetária por causa do seu impacto nos juros que o setor público
terá de pagar aos compradores de títulos públicos e que o orçamento
não suporta. A fragilidade do orçamento público poderá impedir o
Banco Central de utilizar a força integral da política monetária, isto é,
ele seria independente e forte, mas não poderia utilizar a força de que
dispõe pelas razões apresentadas.
Esta história de superávit primário é enganosa, mascara a situa-
ção real das finanças públicas. Por quê? O que há, na verdade, é um
déficit público de bom tamanho, pois o valor dos juros devidos pelo
governo, em cada exercício, tem sido maior do que o tal superávit
primário. Dito de outro modo, as despesas globais do governo têm
sido maiores que as receitas ou, ainda, os investimentos governa-
mentais têm sido maiores que a poupança oficial. Então tem havido,
como há, déficit público, um déficit e uma dívida que a Nação tem
dificuldade de financiar e refinanciar. A geração de superávit primá-
rio poderá não significar, como não significa hoje no Brasil, que a
política fiscal seja austera. Tudo isto fragiliza o Banco Central do
Brasil e a política monetária.

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In&F0dência de Banco Central nno se confunde com o papcl
que se esrrra de um alqtntntsta. nem com panacéaa ou fonte de dese-
e um ehX1tde longa Vida.ncm regulador Xavier.
A austendade fiscal danunut os cuqtoe das políticas de estabiliza.
a cargo do Banco Central. o que mesmo assim não quer dizer quc
a tart-a nio conttnue difícil. mas sim que sua ausência pode scr uma
tonte de &scontiança a tal ponto que politicamente inviabi lize a inde-
Fndêncta. Isto nos leva ao caminho oposto, isto é, obter a austerida-
fiscal. o equilibrio cambial e a estabilidade de preços e deixar que
a contiança do povo e dos mercados deságüe na independência ou na
autonomta da autoridade monetária. Dependendo da situação, tornar
o Banco Central independente como primeiro passo seria acreditar
que a monetária é de natureza formal e poderá ser resolvida
Arnas por decreto.
As do Banco Central são especializadas e, como tal, de-
veria haver no Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar da
ou algo equivalente, como espelho, para aprovar, examinar,
avaliar, Eompanhar e fiscalizar suas políticas, seus objetivos, metas
e atos gestão. Cabe ao CongressoNacional (Artigo 48), nos ter-
ms Constituição Federal, dispor sobre matéria financeira, cambial
e rMnetária, instituições financeiras e suas operações (Inciso XIII),
e também sobre moeda, seus limites de emissão, e montante da dívi-
da federal (Inciso XIV) e orçamento, dívida pública, ope-
rações de crédito, emissões de curso forçado (Inciso II), e fiscalizar
e controlar, diretamente ou por qualquer de suas casas, os atos do
Poder Executivo, incluídos os da administração indireta (Artigo 49,
Irriso X).
As definições em questão evitariam conflitos de competência. ao
colocar a autoridade monetária sob o controle dos representantes
eleitos da Nação no Congresso Nacional e na Presidência da Repúbli-
ca. Como a tarefa maior do governo é promover o crescimento e o
desenvolvimento da Nação, cabem-lhe também a unificação e a co-

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ordenação das políticas macroeconômicas c sctoriais como meio dc
evitar os feudos, a fragmentação c as açõcs isoladas, quc scmprc
resultam em ineficiência.
Caberia, de imediato, completar a separação c a especialização, dc
um lado, da política fiscal e da gestão do endividamento público, c
atribuí-las aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, e, dc outro,
atribuir as funções de autoridade monetária ao Banco Central do Brasil,
independente ou não. Um não poderá invadir a competência do outro,
nem as da Presidência da República e do Congresso Nacional. Não
caberá nunca ao Banco Central autorizar despesas públicas, pois esta é
uma competência do Congresso Nacional, nem emprestar ao governo
ou financiar o orçamento fiscal, assim como não caberá ao Ministério
da Fazenda ou do Planejamento emitir moeda ou realizar operações de
câmbio, assim como nenhum dos dois poderá se investir das funções
privativas dos outros órgãos e poderes da República.
Há exemplos recentes de atos de gestão do Conselho Monetário
Nacional e do Banco Central do Brasil que geraram elevados custos
fiscais para o governo —isto é, para nós, contribuintes —e que não
tiveram autorização prévia do Congresso Nacional:
• em 2001 e 2002, sem autorização prévia do Congresso Nacio-
nal, transformaram grande parte da dívida pública interna, expressa
em reais, numa dívida indexada ao dólar, a fim de oferecer hedging e
segurança ao mercado. O mercado já estava nervoso, as condições
macroeconômicas vinham se enfraquecendo, de modo que a indexação
ao dólar apenas adiou a crise para o período próximo da eleição;
quando o dólar subiu, a dívida subiu junto. Qual foi o prejuízo para o
orçamento público? Foi de US$50 bilhões, de US$IOObilhões? O
Banco Central absorveu os prejuízos de riscos cambiais que eram do
setor privado, Virou um hospital financeiro;
• recompra de títulos públicos da União, financiando indiretamen-
te o Tesouro Nacional, o que é proibido pela Constituição de 1988,
sob o pretexto válido ou não de regular a liquidez do mercado;

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• o Banco primeiro e vendeu depois reservas in-
ternamonas dezenas de de dólares sem consultar formal-
menteo Congresso Nacional.
• o Banco Central eleva os juros o quanto quer ou acha ncces€ário
sem que a totalidade das despesas dc juros esteja previamente Inclu-
ída no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional.

7.6 A reforma política


O bom senso poderia indicar a introdução de aperfeiçoamentos
nas legislações partidária e eleitoral em vez de uma reforma. Vamos
deixar o povo se habituar às leis que tem e que ainda não conhece.
Acabamos de fazer a Constituição Federal de 1988 e, em conseqüên-
cia, mudamos todas as constituições dos estados e municípios,
estamos pondo em vigor um novo Código Civil, mesmo não mencio-
nando o mar de leis, decretos e súmulas, portarias e outras normas
menores e maiores. As reflexões escritas a seguir tentam explorar o
entendimento de que as verdades, em matérias desta espécie, gozam
de relatividade histórica e filosófica. Fora do ambiente em que ocor-
rem, as soluções literais que se alienam das lições da história e da
cultura da Nação correm o risco de virar cópia carbono de modelos
aplicados em países hoje avançados e que vivem um momento eco-
nômico, político e social diferente.
A proposta é refletir aqui sobre os seguintes pontos-chaves que
distorcem as relações entre o representante eleito, seu partido e o
eleitor:
I ) A infidelidade partidária é um ponto de fricção e um porto para
aventureiros, onde há embarque e desembarque da corrupção e de
violações éticas.
A questão de fundo é: o que é representação política? Representa-
ção não existe sem a eleição; é uma procuração de sentido mais am-
PIO,na qual a relação é bilateral, isto é, só existe representante porque

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há representado. Num sentido formal, os podcrcs do rcprcscntantc
estão contidos nos limites da dclcgação rcccbida,que, por sua vez,
tem como conteúdo o programa do partido subordinado às leis e
costumes nacionais. O clcitor vota em tudo isto, mesmo porquc a
ninguém é dado desconhecer a lei. A infidelidade ganha legitimidade
quando vista deste ângulo, como parte dos institutos c das institui-
ções do país. Eis uma das muitas razões que devem inspirar a refor-
ma política.
A infidelidade expressa, num sentido mais restrito, o direito de o
representante, depois de eleito, trocar de partido. A representação que
recebeu na eleição se descaracterizaria, de um ponto de vista purista,
porque se desvincula: a) dos compromissos com o eleitor que nele
votou, mas esta conclusão assume que o eleitor tem compromissos e
convicções ideológicas e programáticas que o ligam ao partido e que o
candidato não tem; b) do partido pelo qual se elegeu, tanto do ponto de
vista do programa partidário como em relação às verbas orçamentárias
investidas no candidato eleito. A lógica da infidelidade mandaria que os
fundos gastos pelo partido que elege o representante sejam reembolsa-
dos pelo partido que o acolhe. O critério, além de lógico, tem uma
conseqüência financeira: partidos piratas —os que tiram representantes
de outros partidos —pagam pelo butim.
A infidelidade teve, porém, uma função libertária na história brasi-
leira, pois alimentou a luta dos representantes, não importa se tinham
ou não compromissos de conteúdo, contra o fisiologismo dos caci-
ques do partido a que pertenciam. Considerando que os partidos po-
líticos nativos quase sempre tiveram "donos", e alguns ainda têm,
sendo esta realidade mais forte em algumas regiões do que em ou-
tras, a migração interpartidária livre dos representantes eleitos era um
mecanismo que enfraquecia a autocracia vigente e criava canais que
davam àqueles representantes maior autonomia individual, meio pelo
qual garantiam sua autenticidade, qualquer que fosse sua natureza,
para o bem e para o mal.

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A fideli não porém. se transformar no voto livre e em
bloco da do partido não precedido de mecanismos internos
de controle. como a aprovação prévia de cada item da agenda por
uma assembléia de representantes eleitos ou dc comissão interna cs-
Fcializada do partido. A ausência deste tipo de controle estimularia o
caciquismo partidário e nos mandaria de volta às práticas do Império
e da Velha República. A corrupção embarcaria e desembarcaria, en-
tão. no prto dos caciques. migrando do porto dos representantes,
que viranam meros servos dos senhores de guerra do partido.
Outro requisito é a formação democrática da lista de candidatos,
com o objetivo de proteger o direito constitucional de cada um de votar
e ser votado e a legitimidadeda representação.Se houver voto em
bloco livre da direção do partido e listas fechadas de candidatos feitas
por ela, o país perderá menos com a infidelidade do que ganhará com
a fidelidade, considerando que o Brasil é especialmente vulnerável aos
esquemas e estruturas que refletem excesso de poder do dirigente.
Está escrito na sua história e no folclore popular, nas centenas de his-
tórias contadas, por exemplo, por Sebastião Néri em seu livro Folclore
Político, e naquela propaganda que anunciava que o negócio era "levar
vantagem em tudo", personalizadapelo jogador de futebol Gerson,
campeão brasileiro e homem de bem que sofreu pessoal e profunda-
mente os efeitos morais e psicológicos da infeliz campanha publicitária
para a qual emprestou seu nome e sua imagem.
A infidelidade, definida num sentido amplo, incluiria até a ocupa-
ção de cargos públicos no Poder Executivo, situação na qual o repre-
sentante titular deixaria o cargo para o qual foi eleito entregue ao
suplente, rompendo com a delegação que lhe foi dada pelo eleitor. O
presidencialismo, na organização política brasileira, ganhou maquiagem
de parlamentarista,que legitima a prática e a descaracteriza como
infidelidade.
2) O quociente eleitoral é uma característica boa do voto propor-
cional, mas quando aplicado literalmente cria distorções: as fórmulas

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dos matemáticos Victor d'Hondt e André Saint-Laguê deixam saldos
de votos que causam estas distorções. Um candidato com centenas
de milhares ou milhões de votos a deputado federal. por exemplo,
elege muitos candidatos nanicos, isto é. scm votos. A
proporcionalidade é um bom sistema, respeitado mundo afora. Seu
aperfeiçoamento pede um ponto de apoio, qualquer mudança que for-
taleça o espírito e a prática democrática e que reduza o saldo de
votos. Por exemplo, que o candidato, para ser eleito por qualquer
partido, tenha a votação mínima de X, restringindo o efeito dominó
dos grandes puxadores de votos, quando o valor X poderia estar
num pequeno intervalo em torno do número médio de votos por vaga
disponível, restringindo o contingente de candidatos beneficiados pelo
saldo de votos àqueles que tivessem atingido o mínimo.
3) O financiamento público da campanha eleitoral e o fundo par-
tidário são instrumentos democráticos, pois reduzem os efeitos das
desigualdades econômicas entre os candidatos. A distribuição de verbas
entre os partidos segundo a proporcionalidade de representantes é o
critério dominante, mas ignora o papel tanto dos partidos pequenos
na democracia como da formação de novos partidos. De certa for-
ma, substitui o poder do candidato rico pelo poder do partido endi-
nheirado. A liberdade política do cidadão ficaria então prejudicada se
este não tiver afinidades com os grandes partidos. Por outro lado, os
gastos de campanhanão podem virar uma farra com dinheiro da
viúva, o que pede fiscalização e punição.
4) O voto distrital misto aperfeiçoaria a representação regional
dentro das unidades da Federação, desde que não houvesse listas
fechadas, um dos alimentos dos quais se nutrem os caciques e man-
da-chuvas dos partidos. Ademais, a proporção entre candidatos elei-
tos pelo voto misto e pelo voto proporcional deve ser uma fonte de
equilíbrio entre os compromissos paroquiais e os nacionais.
5) O voto obrigatório gera também polêmicas freqüentes. A
obrigatoriedadedo voto tem contribuído para fortalecer o processo

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democrático ao ajudar a: educar politicamente o cidadão que não foi
à escola ou que tem baixa escolaridade; formar consciência crítica
de minorias e maiorias excluídas, que ficaram no papel de classes
inferiores na República Velha e no Império; engajar o cidadão na arte
da representação política, ensinando a escolher, avaliar e rever esco-
lhas a cada eleição.
As eleições são aulas ministradasa mais de uma centena de mi-
lhões de cidadãos, eleitores ou não, que geram debates nas academias
do conhecimentoe nos botequins da esquina. Os temas discutidos
vão do preço do arroz e da farinha à questão do desenvolvimento do
país, do câmbio e da dívida pública, da corrupção e da falta de justi-
ça. Em nenhum outro momento, o debate e a participação têm esta
grandeza. No plano formal, as liberdadesjurídicas e políticas indica-
riam o voto voluntário, mas a liberdade, no plano material, está nos
dizendo que as instituições devem apoiar o eleitor na sua ascensão ao
trono da liberdade formal plena.
6) A reeleição, como conseqüênciado mandato curto de quatro
anos, ainda não convenceu muitos brasileiros. Avaliam que a medi-
da deu forças aos caciques e coronéis, às oligarquias e aos interes-
ses escusos. Sabemos que nossas instituições ainda são frágeis e
não conseguem dar dignidadee majestade aos pleitos, nos quais
muitos são reeleitos mediante o uso de meios condenáveis. A pre-
venção e a punição são precárias. O civismo é menor ainda. Entre-
tanto, a solução de um problema nem sempre é uma linha reta. Eis
que o tema praticamente desapareceu da mídia e dos debates, po-
dendo indicar que o instituto está sendo mansamente absorvido e
aprovado pela população. Nas eleições de 2002, houve rejeição a
mandatários incompetentes e desonestos. O segundo turno, na nossa
percepção, está fortalecendo a democracia ao ajudar a consolidar a
governabilidade.Quem se elege no primeiro turno, assume forte.
Quem se elege no segundo turno, ganha tempo para conquistar o
eleitor e fazer alianças. Em resumo, vamos dar tempo ao tempo

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para a sociedade continuar construindo, lenta mas seguramente, a
democracia.
Na reeleição e no segundo turno, o eleitor é convocado para ava-
liar a sua decisão anterior, mas a avaliação exige acompanhamento e
desenvolve também o hábito da fiscalização,que só ocorrem se a
prática democrática de votar for rotineira. É como "aprender a na-
dar, nadando", processo que contribui para o amadurecimentodo
eleitor. Ambos são institutos que adotam a repetição como prática
pedagógica e instrumento de aprendizagem, assim como a participa-
ção —em que a ênfase é posta no esforço que o aluno dedica à apren-
dizagem no lugar das longas aulas expositivas induzidas pelo trabalho
de ensinar —constitui explicação forte para a adoção do voto obriga-
tório.
7) A longevidade das leis eleitorais seria educativa, pois o eleitor
terminaria apreendendo as regras, habituando-sea elas. Por outro
lado, as mudanças poderiam entrar em vigor apenas nas eleições
seguintes, deixando de ser instrumentos de conveniências momen-
tâneas.
a
O Tribunal de Contas, o Ministério Público e o Poder Judiciário,
Secretaria da Receita Federal e a própria Polícia Federal têm um pa-
pel preventivo, fiscalizador, de investigação e punitivo, fundamental
para assegurar a pureza do sistema. Se os órgãos e poderes do Esta-
tam-
do devem agir com a lisura e a independência esperadas, devem
bém ser revistos os critérios de acesso dos titulares aos respectivos
cargos. O que dá vida à democracia é o funcionamento correto e do
conjunto das instituições da sociedade. As indicações e nomeações
feitas pelos caciques e manda-chuvase por instituições de natureza
corporativa não têm a pureza e a eficácia desejadas. A tarefa é tam-
bém de todos os cidadãos, de modo que um indivíduo que receba
a
uma atribuição que não seja de sua competência deve encaminhá-la
quem de direito, sendo esta uma das suas responsabilidades, civis ou
funcionais.

177
Conclusões

Jose Samey c foram tolerantes como governantes c ajuda-


ram consolidar a rotatividade democrática no comando da Nação
Graças a este avanço. Lula se clegc e toma distante das antigas
ameaças de golF que pesavam sobre os presidentes eleitos. Os docs
ex-presidentes. porém, agravaram as frustrações sociais quando nio
conseguiram retomar o desenvolvimento econômico, objetivo estra-
tégico nacional maior, e quando perderam o controle da inflação.
certamente uma das mais importantes alavancas de redistribuição
perversa da renda, de instabilidade e injustiça social. legando aos seus
sucessores uma economia endividada, com grande fragilidade fiscal
e profundamente exposta também à vulnerabilidade externa, com um
quadro final emoldurado pela aprovação da lei que concede foro pri-
vilegiado a ex-governantes (presidente, governador, prefeito), apro-
vada durante o último pôr-do-sol de 2002. É a herança. dote e desa-
fio do presidente Lula.
A história se repete? A hegemonia global dos Estados Unidos não
engessou as relações nem fechou janelas de oportunidades, pode tê-
Ias estreitado. A globalização chegou e, com ela, os mercados co-
muns e as áreas de livre comércio, de modo que apenas os avanços
tecnológicos e de gestão, a educação e o conhecimento. a
competitividade, produtividade e eficiência podem atuar como moto-
res de desenvolvimento econômico e social —mesmo que seja via
substituição de importações sem o que uma melhor distribuição de
renda e a justiça social serão difíceis. A indústria, surgida sob o man-
to da proteção estatal, sem potencial de emancipação competitiva,
tem dificuldades de sobreviver à competitividade de concorrentes
internacionais, numa economia mais aberta, dominada pelo setor de
serviços e por blocos econômicos.

178
O Brasil anda para trás cntrc seus pares cconômicos mundiais.
Os dados abaixo mostram o tamanho do PIB nortc-americano em
relação ao PIB do Brasil. O leitor dcvc ler cautelosamente números
desta natureza, convertidos dc uma mocda para outra, mas os da-
dos sinalizam que o hiato quc separa os dois paísc« cresce cm ritmo
explosivo. Nós, brasileiros, dcvcmos nos perguntar: onde estamos
errando? Que deveremos fazer para nos destacar, quando c como?
A retórica de nossos políticos e governantes não tem sido e não
será suficiente para nos devolver a grandeza que já tivemos. Será o
nosso futuro igual ao da Argentina, que já esteve entre as nações
mais desenvolvidas do mundo? A retomada do desenvolvimento auto-
sustentado é a prioridade nacional número um.

Relação entre o PIB dos Estados Unidos da América do Norte e o do Brasil


18 19 1
1947 7
8 vezes 6,7 vezes 8,2 vezes 11,9 vezes 5,5 vezes 16,6 vezes 20 vezes
Fonte: Veja, 11/12/2002,p. 42/48. ( *) dado estimado
Os países hoje desenvolvidos já eram mais avançados do que os
demais há uns duzentos anos. Entraram no grupo e dele saíram pou-
cos países. Por exemplo, o Japão entrou e a Argentina saiu. E um
clube seleto e quase fechado. Quem está lá, geralmente permanece
dentro. Quem está fora, dificilmente entra. E o desafio do Brasil in-
gressar nesse clube dos mais ricos. Não há por que não fazê-lo. A
nossa já foi a oitava economia do mundo, em tamanho absoluto,
caindo recentemente para a décima-segunda posição. Entretanto, para
chegar lá, precisamos mais do que de um projeto de desenvolvimen-
to. Precisamos da união dos brasileiros em torno de um projeto de
poder nacional, como contrapeso às forças que movem o mundo
globalizado, no qual os poderes econômico e militar e a concorrência
têm mais força do que a solidariedade, e os mais competentes e agres-
sivos colherão mais benefícios que os mais fracos, compreensivos e
generosos.

179
socieda-
"O presidente da República terá de ser capaz de liderar a
de para harmonizar conflitos e juntar vontades em torno de objetivos
comuns", disse o ex-presidente Sarney. A vontade nacional forte
definida pelos rcsultados elcitorais autoriza o novo presidente a defi-
nir com clarcza e firmcza os objetivos c instrumentos (mobilização
dc rccursos humanos, materiais, financeiros e institucionais) de um
plano de desenvolvimento e poder nacional, reunindo competências
para fazer e mobilizar aliados para aprová-los, e depois, executá-los.
A vontade nacional sozinha e a retórica política são condições neces-
sárias, mas não suficientes. O presidente Lula irá precisar da capaci-
dade de diálogo e do gosto pela negociação que acumulou durante
sua vida, e que traz para o cargo, se quiser de fato ser o padrinho e
executar um projeto desta grandeza.
O eleitor deu um recado na eleição do presidente Lula, em 2002,
ao estabelecer a estrutura nacional e regional de poder de governar
e de representar; ao distribuir o poder de representar no plano nacio-
nal e nas unidades da Federação mais importantes —econômica,
política e eleitoralmente —entre os partidos; ao desenhar e definir o
pluralismo partidário e ideológico da sociedade atual; ao revelar que
ele, eleitor, se distanciou do partido único e do centralismo demo-
crático que vigorou no Leste Europeu a partir de 1917, por força da
Revolução Russa liderada por Lênin e seus companheiros; ao rejei-
tar a polarização, a hegemonia e as conseqüências que a concentra-
ção de votos em um só partido poderia causar, no atual momento
brasileiro.
O que nos perguntamos é: qual será o patrimônio eleitoral do
presidente Lula e do PT, no final do seu mandato? A equação é
simples. Se os eleitos atenderem pelo menos parte das demandas
mais essenciais da sociedade e conseguirem sustentar os símbo-
10se os sonhos seus e do partido que representam, chegarão ao
final do mandato com seu patrimônio eleitoral pouco arranhado
ou até maior. Sabemos que pode ser também uma questão de de-

180
semFnbo e O tempo será
testemunha. A agenda
goverrw. FesiLnte Lula. é então de
aquela que nos leva
ag:r e dizer ¯tenho orgulho de ser a pensar,
Cm povo Vivede
mas vive melhor sc tiver também
nho. como Martin Luther King e Nelson símbolos e um so-
Mandela. para nutrtrcm
sua vida e sua luta.
&Ejamos extremos. Bill Gates —até
mesmo ele, um dos
}wrnens mas ricos do mundo —declarava. outro dia,
que nãojulgava
saudável que seus filhos crescessem tendo
bilhõxs de dólares, e que
doará grande parte do seu patnmônio para
fundaçõescom objetivos
desenvolvirnentistas e humanitários. É um gesto
comum na história
dos Estados Unidos da América do Norte.
Outros ícones desta soci-
edade, como Henry Ford c John Rockfeller,
fizeram o mesmo. Há
milhares de fundações e de ONGs sustentadas
por doações que estão
lutando por justiça social c divulgando
conhecimento, as quais, ao
lado dos fundos de pensão, estão também
socializando a propriedade
do capital físico e humano. A mobilização a
favor do avanço social é
um desafio com o qual nossa elite ainda não se
comprometeu plena-
mente.
É preciso acreditar que os interesses e princípios, os direitos
indi-
viduais e os direitos coletivos e sociais não são linhas paralelas no
Brasil. Cabe-nos construír esta conciliação, num ambiente de desen-
volvimento econômico e social, sem prejuízo da eficiência e do im-
pério da lei, para que os cidadãos sejam capazes de se sustentarem e
possam se ver livres da gratidão que deverão àqueles que os ajuda-
rem. O homem luta, há séculos, pela vida, pela liberdade e pelo
patrimônio. A liberdade sem trabalho, renda ou patrimônio é uma
meia liberdade, pois deixa o cidadão preso à sua fonte de sustenta-
ção, como o servo que ficava preso ao senhor feudal, na Idade Mé-
dia, e como o cidadão que, ao receber uma cesta de alimentos, mani-
festa gratidão, mas continua escravo da necessidade e do senhor que
o protege, mesmo que seja este senhor o Estado.

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