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As relações entre o Estado
e o setor privado
No Brasil, essa provisão legal tem sido utilizada principalm ente para re-
modelagem urbana ou reforma agrária. No segundo caso, se a propriedade
rural for produtiva ou for a única propriedade de um pequeno ou médio pro
prietário de terras, ela não pode ser desapropriada. A desapropriação para
reforma agrária pode ser feita através do pagamento antecipado de títulos de
dívida rural pública.
O Brasil tem um sistema judicial independente. Na maioria dos casos, os
tribunais costumam respeitar os direitos de propriedade, com um a exceção: os
direitos dos trabalhadores vêm em primeiro lugar em tribunais especializados,
criados no período da ditadura de Getúlio Vargas, inspirado nas leis trabalhistas
de Mussolini: os Tribunais do Trabalho.
Mais recentemente, houve uma consolidação dos direitos de propriedade
industrial ou, em outros termos, do direito temporário dos autores em relação
a invenções industriais, propriedade de marcas e nomes de empresas, com pri
vilégios relacionados à sua utilização. O mesmo aconteceu com outro compo
nente dos direitos de propriedade intelectual: o direito autoral, relacionado a
artistas, trabalhos literários, programas de computador e domínios da Internet.
A lei brasileira associa o direito autoral às criações do espírito e fornece um a
lista de trabalhos protegidos, como textos de trabalhos literários, artísticos e
científicos, conferências, coreografias, música com ou sem letra, programas de
computador, traduções e trabalhos artísticos semelhantes.
O órgão responsável pelos direitos industriais é o INPI — Instituto Nacional
da Propriedade Industrial — , encarregado do registro de marcas, concessão de
patentes, contratos de transferências de tecnologia, programas de computador
e semelhantes processos e produtos industriais. Embora tenha sido criado em
1970, em um período no qual o governo estava buscando ativamente a indus
trialização do país, até muito recentemente era ineficaz, desorganizado e sujeito
à corrupção. Apesar disso, ainda há um longo caminho a percorrer para reduzir
a burocracia e o excesso de documentação.
Outra instituição muito importante para a proteção do direito de proprie
dade é a lei de falências. A nova lei brasileira sobre falências é recente e data de
2005. A lei anterior era de 1945 e era claramente incapaz de lidar com os desafios
da época atual. A nova instituição prescreve um processo de recuperação da em 1
presa e, ao mesmo tempo, estabelece um a clareza para o com prador em relação
aos procedimentos judiciais envolvidos no encerramento do ativo adquirido.
Para respeitar os direitos de propriedade, é igualmente im portante a criação
e o bom funcionamento de agências reguladoras que possam oferecer trans
parência nas regras relacionadas à operação privada de serviços de utilidade
pública e serviços públicos e, dessa forma, assegurar ao investidor que sua pro
priedade e seus investimentos serão respeitados. Na década de 1990, o Brasil
estabeleceu, logo depois das privatizações, agências reguladoras para diferentes
objetivos, como a ANEEL (agência de energia elétrica), a ANATEL (agência de
telecomunicações) e a ANP (agência de petróleo). Outras agências se seguiram,
com a mesma meta de evitar tarifas abusivas em áreas nas quais monopólios
ou oligopólios são possíveis e de estabelecer regras claras e independentes para
investidores.
A independência dessas agências é fundamental para assegurar que o inves
tim ento privado seja protegido contra a descontinuidade das políticas gover
namentais. Mesmo assim, isso não aconteceu em todas as circunstâncias. Sinais
confusos foram enviados pelo atual governo em seu primeiro mandato, assegu
rando a independência, mas, ao mesmo tempo, pressionando os conselhos dire
tores das agências para mudarem as regras ou renunciarem. Felizmente, parece
que agora há um melhor entendimento do modelo das agências reguladoras.
O utra situação na qual a propriedade e os investimentos privados podem
correr risco, mesmo quando protegidos pela lei, é quando se adota um a aborda
gem populista em concessões de estradas ou em outros setores de infraestrutura
e políticas sociais. Com maior frequência do que gostaríamos de admitir, os
governantes tentam aumentar sua popularidade logo depois das eleições amea
çando congelar as tarifas definidas por contrato com um a operadora privada
de pedágios em estradas. Um deles chegou até mesmo a apoiar um a invasão
popular das cabines de pedágio. No final, as tarifas foram ajustadas conforme
estabelecido nos contratos, mas por trás dessa amèaça existe um a cultura con
trária ao investimento privado.
O presidente está muito irritado com o ritmo lento da burocracia, os ministros alegam
que as licitações públicas são quase impossíveis de implementar devido ao excesso de
exigências formais, as disputas entre concorrentes no sistema judiciário ameaçam para
lisar o uso da energia do rio Madeira.
7.6. Conclusões
O Brasil tem condições de se tornar um dos mais importantes BRICs, como
sugeriu o nome de um recente seminário no Rio de Janeiro. Isso pode ser con
seguido através de algumas medidas nas quais as instituições exercem um papel
importante.
Em primeiro lugar — e mais importante —, o Brasil tem de continuar a con
solidar a democracia e o Estado de direito. Como vimos anteriormente, foram
feitos avanços importantes nos últimos anos, especialmente com a independência
do Judiciário; a transição pacífica de um governo eleito para outro, embora fos
sem oponentes; mudanças em importantes leis; e até mesmo a Constituição cria
da pelo Congresso eleito, usando mecanismos legais para assegurar o processo.
Em segundo lugar, o país tem de implementar novas medidas para sim
plificar a vida dos cidadãos e das empresas em seus contatos com o governo.
Isso exigiria um esforço para substituir um a cultura burocrática, baseada nos
controles sobre rituais e no intenso uso de documentos, por uma cultura mais
administrativa, baseada nos resultados apresentados. Se o nom e do jogo é um
desenvolvimento inclusivo e sustentável, não são organizações com excessivos
controles e exigências competitivas de diferentes agências que vão ajudar.
Essa m udança cultural exigiria um intenso treinamento em medições. Os
servidores civis e funcionários públicos deveriam ficar confortáveis com a iden
tificação dos custos envolvidos em projetos e com comparações entre metas
previstas e resultados atingidos em cada programa do governo. Medições como
“contratos de programas internos”, adotadas pelo governo de Minas Gerais, em
que cada secretaria ou órgão tem objetivos a serem alcançados e tetos para gas
tos orçamentários, poderiam ser um a boa ideia.
Também é im portante desenvolver mais ferramentas para avaliar o impacto
de cada política pública. Avanços importantes, como o IDEB (índice de Desen
volvimento da* Educação Básica), que permite um a comparação entre sistemas
escolares e a experiência internacional, ou medições na saúde ou na previdência
pública, foram introduzidos e, agora, o esforço deve ser no sentido de desen
volver prestações de contas e recompensas para o alcance das metas. Devem ser
abordados benchmarks e boas práticas.
O respeito aos direitos de propriedade e ao investimento privado tem apre
sentado grandes avanços e progressos institucionais. A nova lei de falências
certamente está entre eles, bem como o recente fortalecimento do INPI, órgão
da propriedade industrial. Mas, para garantir que os direitos de propriedade
sejam totalmente respeitados, o INPI ainda tem um longo caminho a percor
rer, e a propriedade intelectual deve receber mais apoio. Existe um a mística
infeliz no país relacionada à necessidade de socialização de ideias e inspirações.
No entanto, por mais poético que possa parecer, por trás dessa proposta apa
rentem ente generosa, isso implica desrespeito pelo trabalho intelectual e pelo
investimento.
Na sobreposição de organizações que lidam com o investimento privado
e o comércio internacional, o SISCOMEX (sistema de informação que integra
órgãos envolvidos com o comércio exterior) e a criação de agências regulado
ras são melhorias significativas (embora não sejam tão recentes). Mas deve-se
tom ar m uito cuidado para, por um lado, assegurar que documentos adicionais
não sejam exigidos fora do sistema, em um a demonstração de micropoder em
disputas burocráticas, e, por outro lado, m anter a independência das agências
para publicar regulações e evitar práticas abusivas não competitivas.
Uma definição melhor dos papéis dos governos federal, estadual e m uni
cipal em diferentes políticas organizaria não apenas os serviços públicos, mas
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