Você está na página 1de 12

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB

RENATA LELIS RUFINO DOS SANTOS

CÓDIGO CÍVIL DE 1916 DE CLÓVIS BEVILÁQUA

BRASÍLIA
2020
RENATA LELIS RUFINO DOS SANTOS

CÓDIGO CÍVIL DE 1916 DE CLÓVIS BEVILÁQUA

Artigo Acadêmico apresentado como requisito para


conclusão da disciplina Filosofia do Direito -
Específico do curso de Mestrado em Direito do
Centro Universitário de Brasília.

Professor: Dr. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

BRASÍLIA
2020
CÓDIGO CÍVIL DE 1916 DE CLÓVIS BEVILÁQUA

Renata Lelis Rufino dos Santos1

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Necessidade de Codificação 3. Clóvis Beviláqua. 4. O Código Civil de


1916 5. Considerações finais. 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo se propõe a compreender a importância da elaboração de um Código Civil
que entrou em vigor um ano após sua promulgação. Breve apontamento sobre o autor do Código
Civil de 1916. E por fim será analisado ainda os aspectos quanto à organização do código e
alterações decorrentes da mudança da sociedade.

2. NECESSIDADE DE CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL


Com a colonização portuguesa sobre as terras brasileiras vigiam na país as regras de
Portugal. As principais legislações portuguesas aplicadas no Brasil foram as Ordenações do Reino:
as Afonsinas (até 1521), as Manuelinas (de 1521 a 1603) e as Filipinas (a partir de 1603). Com a
independência do Brasil houve um afastamento da legislação portuguesa e fez despontar um direito
Brasileiro com destaque para primeira assembleia constituinte de 1823 que resultou na primeira
Constituição brasileira em 1824.2
A Constituição determinou que fosse organizado um Código Civil e um Código Criminal.
No entanto, a passos lentos, somente foi editado um Código Civil em 1916. Alguns óbices
contribuirão para a demora na edição do Código, como, a necessidade de regulamentação do Direito
Público além de outras questões controversas como a escravidão por exemplo. 3
Ressalte-se que a codificação do direito civil estava ligada a uma tentativa de estruturar um
quadro normativo com referencial claro e dotado de lógica intrínseca. Tendo em vista que os
juristas brasileiros, a partir do momento da emancipação colonial, começaram a acalentar mais um
projeto de afirmação da nacionalidade por meio do quadro jurídico: a produção de um código civil
brasileiro. 4
Nesse ponto é importante observar que existiam questões simbólicas relacionadas à
aprovação do Código Civil. A primeira é a necessidade de definição de um símbolo de nação. Por
1
Renata Lelis Rufino dos Santos, Mestranda em Direito pelo UNICEUB, Especialista em Direito Empresarial,
Advogada, E-mail: renata.lelis@gmail.com.
2
TRUGILHO, Diogo Lima A História da Reparabilidade do Dano Moral: De Freitas a Bevilaqua.1. ed. Belo Horizonte:
Initia Via, 2015. E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
3
Ibidem
4
VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática:
o direito e a política na formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa
de Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os%20dispositivos.pdf> Acesso em:
30 mar 2020
tal projeto, é possível identificar a pretensão na qual as leis civis deveriam ser nacionais, tanto em
termos de sua validade, quanto em termos de utilidade aos interesses econômicos e sociais
existentes no Brasil, não, apenas somente um reflexo da antiga metrópole portuguesa. A segunda
questão simbólica é a definição de uma legislação republicana que representasse a superação do
Império. E a terceira questão simbólica é a necessidade de uma legislação moderna, ordenada e
lógica. 5
Enquanto pendente de elaboração do Código Civil foi adotado no país dentro da esfera de
Direito Civil preceitos já preexistentes que de nenhuma forma tinham o condão de ferir a nova
soberania implantada. Mas existiam problemas decorrentes da utilização desses preceitos,
consubstanciados nas ordenações, quanto a matérias que eram omissas o que culminou na
elaboração de legislação extravagante a fim de sanar os vícios da legislação vigente acarretando em
elaboração de ordenações, leis, decretos, cartas régias, resoluções de consultas, assentos da Casa de
Suplicação, avisos, portarias, regulamentos, regimentos, estatutos, instruções, estilos e praxe, forais,
concordatas e tratados. 6
A dificuldade na interpretação de uma legislação espaça deixou latente a necessidade de um
Código Civil que sanasse dúvidas e orientasse de forma segura a atuação do operador do direito.
Mas, antes da elaboração de um Código era necessário a consolidação da legislação até então
vigente e coube então ao jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas, em sua obra intitulada
Consolidação das Leis Civis de 1857 sistematizar a legislação vigente à época o que representou um
marco no Direito Civil Brasileiro. No entanto, ainda não era suficiente estava pendente a necessária
a codificação da legislação civilista.7
Nesse meio tempo foi proclamada a República colocando fim ao período monarquista. E
para fundar o novo Estado, republicano e laico, foi promulgada uma nova Constituição de 1891 que
em seu preâmbulo determinava um regime livre e democrático decretando e promulgando a
Constituição da República e em seu primeiro artigo, no que se referia à Organização Federal. 8
O Estado brasileiro foi constituído pela divisão tripartite do Poder Público, o Poder
Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e o
Senado Federal. O Poder Executivo seria exercido pelo Presidente e Vice-Presidente que seriam
eleitos por sufrágio direto e maioria absoluta de votos. O Poder Judiciário era constituído pelo

5
VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática:
o direito e a política na formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa
de Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os%20dispositivos.pdf> Acesso em:
30 mar 2020
6
TRUGILHO, Diogo Lima A História da Reparabilidade do Dano Moral: De Freitas a Bevilaqua.1. ed. Belo Horizonte:
Initia Via, 2015. E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
7
Ibidem
8
ALBERGARIA, Bruno. A História do Direito: evolução das leis, fatos e pensamentos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
Supremo Tribunal Federal, Juízes e Tribunais Federais, distribuídos pelo país. E em face da adoção
do sistema Federativo, cada Estado também deveria ter uma Constituição Estadual. 9
Ressalte-se que A Constituição de 1891 assegurava aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, em que ninguém poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei e, ainda, assegurava a todos a igualdade perante a lei. 10
Ainda que tenha entrada em vigor a nova Constituição de 1891 o Brasil ainda não tinha a
sua legislação civil implementada através de um Código Civil 11 e ante a ainda necessária
codificação da legislação civilista foi elabora um projeto no início da republica por Clóvis
Beviláqua que posteriormente deu origem à Lei Nº 3.071/1916 denominado Código Civil dos
Estados Unidos do Brasil.
Nesse ponto é importante observar que existiam questões simbólicas relacionadas à
aprovação do Código Civil. A primeira é a necessidade de definição de um símbolo de nação. Por
tal projeto, é possível identificar a pretensão na qual as leis civis deveriam ser nacionais, tanto em
termos de sua validade, quanto em termos de utilidade aos interesses econômicos e sociais
existentes no Brasil; não somente um reflexo da antiga metrópole portuguesa. A segunda questão
simbólica é a definição de uma legislação republicana que representasse a superação do Império. E
a terceira questão simbólica é a necessidade de uma legislação moderna, ordenada e lógica. 12

3. CLÓVIS BEVILÁQUA
Em face da necessidade de codificação, em 1899, o professor de Legislação Comparada da
Faculdade de Direito do Recife Clovis Beviláqua elaborou o projeto do Código Civil. No entanto,
este não estava livre de críticas, inclusive, quanto a existência de juristas mais experientes que
poderiam elaborar tal projeto.
Neste ponto passa-se a indicar breve texto quanto a vida e produção de Clóvis Beviláqua que
nasceu no Ceará em 1859 e veio a falecer em 1944. Era abolicionista, republicano, casado e era
calmo e retraído. 13
O jurista Clóvis Beviláqua era membro destacado de uma elite política e intelectual, foi
professor na Faculdade de Direito de Recife, autor do Código Civil de 1917, consultor do

9
ALBERGARIA, Bruno. A História do Direito: evolução das leis, fatos e pensamentos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
10
Ibidem
11
Ibidem
12
VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática:
o direito e a política na formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa
de Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os%20dispositivos.pdf> Acesso em:
30 mar 2020
13
MARTINS-COSTA, Judith. Clóvis Bevilaqua e a escola do Recife. Ano 2 (2013), nº 8, 8349-8368 <
http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/08/2013_08_08349_08368.pdf>Acesso em: 30 mar 2020
Ministério das Relações Exteriores e jurista de prestigio internacional, além de crítico literário e
autor de livros de direito, filosofia e história.
Clóvis Beviláqua foi parte da Escola de Recife e nela formatou sua modelagem intelectual.
E seu pensamento acerca do Direito, as soluções incluídas no seu projeto de Código Civil de 1916 e
a sua ação como professor decorrem dos autores que estudou. 14
Tinha uma inquietação sobre a
função social do Direito que, é a grande contribuição ideológica da Escola do Recife”. E apontava
que o direito seria um fenômeno social.15
Beviláqua além de jurista, também demonstrava sua capacidade para elaboração de textos,
foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897, o que lhe dava, além dos já́
profundos conhecimentos jurídicos, respaldo intelectual para a sua produção textual. 16

4. O CÓDIGO CIVIL DE 1916


O jurista Clóvis Beviláqua foi contratado por Epitácio Pessoa e iniciou seu projeto em 1899
e o conclui após 06 meses. No entanto, o Congresso Nacional demorou de mais de quinze anos para
que fossem feitas as devidas análises e emendas, afastando as Ordenações.
Ressalte-se que ao elaborar o projeto que daria origem ao CC de 1916, Clóvis Beviláqua não
se deixou restringir somente por influências do modelo francês, o referido jurista não se esqueceu
da tradição jurídica nacional. Houve uma influência em seu texto de figuras como Teixeira de
Freitas, Joaquim Nabuco, Felício dos Santos e Coelho Rodrigues. 17
A estrutura do Código Civil de 1916 levou em consideração ainda uma estrutura germânica
onde há uma Parte Geral mais abstrata, seguida de uma Parte Especial, composta por quatro Livros
que tratam dos diferentes aspectos do Direito Civil: as relações obrigacionais, abrangendo todas as
fontes pelas quais nascem direitos de crédito e deveres jurídicos obrigacionais; as relações reais,
isto é, de Direito Real, como a posse e a propriedade; as relações familiares e o sucessões. 18
É importante observar ainda que o Código civil de 1916 não se traduziu como uma cópia de
outros Códigos, mas sim um receptáculo que incluiu tradições e inovações decorrentes da análise e
estudo da legislação estrangeira.19
O projeto do CC passou por juristas e entidades especializadas e foi nomeada comissão para
rever o projeto que realizou várias reuniões e incluiu diversas modificações ocorrendo a conclusão
do trabalho em 1900. O projeto após as revisões foi aprovado pela Câmara em 1902 e encaminhado
14
Ibidem
15
Ibidem
16
ALBERGARIA, Bruno. A História do Direito: evolução das leis, fatos e pensamentos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
17
PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. Código Civil em Perpectiva Histórica. In: SARLET, Ingo Wolgang (Org.). O
novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 48
18
MARTINS-COSTA, Judith. Clóvis Bevilaqua e a escola do Recife. Ano 2 (2013), nº 8, 8349-8368 <
http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/08/2013_08_08349_08368.pdf>Acesso em: 30 mar 2020
19
Ibidem
ao Senado onde encontrou grande resistência por parte de Rui Barbosa além da necessária
apreciação de emendas pelas duas casas do legislativo o que acarretou na aprovação do projeto
somente em 1916.
Um ponto objeto de crítica do projeto de codificação da legislação civil corresponde a uma
posição de Rui Barbosa que era contra a escolha de Clóvis Beviláqua e focava também no prazo
estabelecido para a fim do trabalho de codificação. No que tange as polêmicas envolvendo a
aprovação do Código Civil de 1916 estas podem ser divididas em três períodos, o primeiro na fase
antecedente a elaboração do projeto que foi marcado por uma ideologia em prol do código civil que
deveria definidor do espírito nacional e justificar a autonomia do país. 20.
O segundo período corresponde ao momento de formulação e apresentação do projeto de
Clóvis Beviláqua e as polêmicas envolvendo o autor do projeto, Rui Barbosa e Ernesto Carneiro
Ribeiro. E o terceiro período corresponde à tramitação legislativa do projeto de Clóvis Beviláqua
até a sua aprovação pelo congresso e sanção presidencial. O projeto foi paralisado por Rui Barbosa
o que acarretou em críticas dos opositores do referido jurista face o desejo de aprovação célere do
projeto pelo governo. 21
Após o período de vacatio legis o referido Código Civil de 1916 passou a
vigorar e teve vigência até o ano de 2003 quando entra em vigor a Lei 10.406/2002.
Quanto à redação dos artigos Clóvis Beviláqua optou por uma redação sintética, com artigos
curtos, em relação ao conteúdo dos livros. A Parte geral era baseada, em linhas gerais, na
pandectística alemã, a qual já estava recepcionada na doutrina brasileira, como se pode observar,
por exemplo, acerca do início da personalidade jurídica, de que o nascimento era fato decisivo,
razão pela qual a personalidade jurídica se dava com o nascimento com vida - embora,
pessoalmente, Clóvis Beviláqua entendesse que se deveria iniciar com a concepção. No tocante à
Parte especial, Clóvis Beviláqua escolheu uma ordem do pessoal para a composição do Código,
iniciando com Direito de Família ao patrimonial, terminando com o Direito das Sucessões. 22
A parte que toca ao Direito de Família não representou grandes inovações conservando a
tradição católica em vez de rompê-lá. Nesse ponto é importante observar que o autor do projeto do
Código Civil reconhecia a necessidade de igualdade entre cônjuges, ainda que sob a liderança do
homem, mas o texto promulgado estabelecia a incapacidade relativa da mulher por efeito do

20
VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática:
o direito e a política na formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa
de Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os%20dispositivos.pdf> Acesso em:
30 mar 2020
21
VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática:
o direito e a política na formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa
de Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os%20dispositivos.pdf> Acesso em:
30 mar 2020
22
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O legado do Código Civil de 1916. Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, v. 111, p. 85-100, 9 jun. 2017. < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133495 >
Acesso em: 30 mar 2020
casamento, assim como a necessidade de autorização do marido para o exercício de profissão. Foi
mantida ainda distinções entre filhos legítimos e ilegítimos e a proibição do divórcio, foi inserido a
figura do desquite, como uma resposta ao costume do povo brasileiro, a respeitabilidade da família
brasileira e a honestidade das mulheres. 23
Quanto ao Direito das coisas, a propriedade foi regulada de forma inovadora no direito
brasileiro e passou-se a adotar a obrigatoriedade de transcrição da escritura pública no registro
imobiliário para a efetivação da alienação de direitos reais sobre imóveis. Também disciplinava a
propriedade literária em seu bojo. 24
No que tange o direito das obrigações foi introduzido uma teoria geral das obrigações
contratuais e extracontratuais e não se previa a boa-fé́ nem a revisão contratual por onerosidade
excessiva, decorrente da modificação das circunstâncias existentes no momento da celebração do
negócio. 25
No Direito das Sucessões, reconheceu-se a igualdade entre descendentes legítimos e filhos
naturais reconhecidos, tal como já havia na legislação, reduziu-se a transmissão da herança até
colaterais de sexto grau e colocou-se o cônjuge supérstite como terceiro na ordem de vocação
hereditária. 26
Ainda se destaca que entre os pontos objeto do referido código tem-se a possibilidade de
caracterização dp dano moral e a possibilidade de sua reparação previsto no artigo 159. 27 Ainda que
o referido dispositivo não trouxesse a literal indicação de dano moral o artigo 76 28. Com a redação
do Código Civil ficou claro que era possível a reparação em decorrência de dano moral praticada e
para a propositura de uma demanda era necessário além do direito o interesse em face de ameaça ou
lesão. E em face da lesão da personalidade, honra, liberdade de um individuo nasce o interesse
moral de uma ação para defende-lo ou buscar a sua reparação em valores expressos em quantias
monetárias. 29
O Código Civil de 1916 passa então a admitir a reparação do dano moral ao disciplinar a
liquidação das obrigações decorrentes de atos ilícitos levando em consideração a extensão do dano
experimentado. Um exemplo é a reparação em caso de ferimento ou ofensa à saúde30 em que o
23
Ibidem
24
Ibidem
25
Ibidem
26
Ibidem
27
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo
a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo
disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553.
28
Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou moral. Parágrafo único.
O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou á sua família.
29
TRUGILHO, Diogo Lima A História da Reparabilidade do Dano Moral: De Freitas a Bevilaqua.1. ed. Belo
Horizonte: Initia Via, 2015. E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
30
Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, indenizará o ofensor ao ofendido as despesas do tratamento
e os lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grão médio da pena
criminal correspondente. § 1º Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2º Se o
Código Civil além da reparação material previu também reparação moral por meio de imputação de
multa um segundo exemplo seria no caso de injúria ou calúnia 31 em que caso não fosse possível a
comprovação do prejuízo material o ofensor deveria pagar o dobro da multa no grau máximo da
pena criminal respectiva, ou seja, nesse caso se não for possível a indenização por dano material o
Código adota um sistema de reparação de dano moral. 32
Ainda, um outro exemplo, seria no caso de ofensa à honra da mulher em que caso não se
pudesse ou quisesse repara o mal pelo casamento 33 seria o ofensor obrigado a pagar uma quantia, a
título de dote, que seria graduada pelo juiz, segundo a condição social e o estado civil da ofendida.
Ressalte-se que os princípios contratuais no Código Civil de 1916 eram implícitos, de forma
que os indivíduos tinham que deduzi-los a partir da sistemática apresentada pelo código. Desta
forma não representavam normas jurídicas de caráter obrigatório, sendo utilizados apenas quando a
situação fática apresentava lacunas. 34
A boa-fé subjetiva era a modalidade de boa-fé empregada no código civil de 1916, e se
traduz como regra de comportamento, a boa-fé subjetiva ou a má-fé se traduzia como simples
ignorância por partes dos sujeitos, ou pelo desconhecimento sem culpa à ignorância desculpável e
ainda se traduzia a má-fé como o conhecimento de certo prejuízo que poderia ser imputado a
outrem.35
Ainda que a pretensão do Código Civil de 1916 fosse de regular as relações cíveis por um
longo período ocorreram transformações sociais ocorridas após sua entrada em vigor que acarretou
em modificações em seu texto original o que é natural e aconselhável a fim de adaptar a legislação a
realidade da época.
Durante a vigência do CC de 1916 ocorreram duas crises econômicas mundiais, a crise de
1929 que acarretou no enfraquecimento do liberalismo econômico e a crise ocorrida nos anos de
1970 em face do aumento vertiginoso do preço do barril de petróleo, com a formação da
organização dos Países exportadores de Petróleo combinado com as péssimas condições sociais que

ofendido, aleijão ou deformado, for mulher solteira ou viuvam ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dota-
la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.
31
Art. 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grão máximo da
pena criminal respectiva (art. 1.550).
32
TRUGILHO, Diogo Lima A História da Reparabilidade do Dano Moral: De Freitas a Bevilaqua.1. ed. Belo
Horizonte: Initia Via, 2015. E-Book. Arquivo Kindle. Paginação irregular.
33
Art. 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o
mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da ofendida: I. Se, virgem e menor, for deflorada. II.
Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças. III. Se for seduzida com promessas de casamento. IV. Se
for raptada..
34
MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV, v.1, n.1,
maio 2005. p. 44.
35
ROCHA, Antônio Manuel; CORDEIRO, Menezes. Da boa fé no direito civil. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2001. p.
409.
ocasionaram revoluções socialistas. Houve ainda a primeira e a segunda guerra mundial além da
instalação da Guerra Fria polarizada entre estados Unidos e União Soviética. 36
A polarização apontada acarretou em divisão do mundo por um longo período, e a partir de
então, reconheceu-se a necessidade de superação da desigualdade substancial entre as pessoas, a
qual não se podia camuflá-lá mais por meio da igualdade formal, houve a valorização da dignidade
da pessoa humana, a solidariedade e justiça social ganharam força no Direito internacional e
encontraram suporte no Direito constitucional, surgindo daí a necessidade de um Direito civil
constitucional bem como a necessidade do reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais. Cabia aos Estados retomar um papel protagonista na organização social, por meio de
leis de ordem pública e por políticas de bem-estar social.37
O Código Civil de 1916 em face da nova dinâmica social não poderia se manter inalterado,
tendo em vista que este favorecia a desigualdade econômica e a subversão das pessoas ao
patrimônio além de dar uma falsa ideia de igualdade jurídica como no caso das relações com
empregados que estes ficavam a mercê dos interesses daqueles que o contratavam. O direito civil
até então não tinha interesse em legislar toda e qualquer situação tanto aquelas que não eram
interessantes eram excluídas como, por exemplo, a relação dos indígenas com a terra. 38
O CC de 1916 sofreu o impacto dessas transformações havendo a conservação praticamente
intacta apenas do tocante ao direito das sucessões. No campo dos direito reais houve a edição de leis
especiais como a de incorporações imobiliárias, a alienação fiduciária em garantia, regulada
inicialmente pelo art. 66 da lei do Mercado de capitais (lei n. 4.728/1965) e, posteriormente, pelo
Decreto-lei n. 911/1969, aplicada para proporcionar o financiamento de bens de consumo duráveis,
como no caso dos automóveis. Houve alteração do regime de hipotecas com o Decreto-Lei n.
70/1966, como meio de viabilizar o financiamento imobiliário, que somente se consolidou com a
Lei n. 9.514/1997, sobre alienação fiduciária para imóveis. O direito autoral foi retirado do código
civil e passou-se a ter legislação específica - Lei n. 5.988/1973 revogada pela Lei n. 9.610/1998.39
No direito das obrigações houve a separação das relações de trabalho que passaram a ter
legislação própria, houve a necessidade de instalação de um dirigismo contratual em face da
necessidade de proteção da parte mais fraca da relação. Também passou a ser objeto de lei própria a
relação locatícia e a necessidade de promulgação do Defesa do consumidor. No caso de obrigações
extracontratuais, a cláusula geral de responsabilidade civil do art. 159 permitia a solução dos mais

36
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O legado do Código Civil de 1916. Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, v. 111, p. 85-100, 9 jun. 2017. < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133495 >
Acesso em: 30 mar 2020
37
Ibidem
38
FROTA, Pablo Malheiros da Cunh. Danos Morais e a Pessoa Jurídica. São Paulo: Método, 2008. p. 69/70.
39
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O legado do Código Civil de 1916. Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, v. 111, p. 85-100, 9 jun. 2017. < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133495 >
Acesso em: 30 mar 2020
variados problemas relativos a danos, mas somente com o advento da Constituição Federal de 1988
é que se reconheceu, de forma pacífica, a indenização do dano moral. 40
No direito de família houve grandes alterações em decorrência das transformações sociais,
as mudanças de costumes e o maior reconhecimento da igualdade entre cônjuges que acarretam em
promulgação de leis, como por exemplo a promulgação do estatuto da Mulher Casada (Lei n.
4.121/1962), que, por meio de alterações no Código Civil, pôs fim à incapacidade relativa da
mulher que contraísse núpcias, ainda o Decreto-lei n. 4.737/1942 que admitiu- se o reconhecimento
de filhos ilegítimos após o término da sociedade conjugal e a Lei n. 883/1949, que possibilitou o
reconhecimento de paternidade após o término da sociedade conjugal do pai e a Lei do Divórcio
que suprimiu o desquite e inseriu a figura da separação judicial como estágio preparatório para o
divórcio, e alteração do regime legal para comunhão parcial de bens. Ainda, com a entrada em
vigor da Constituição de 1988 houve a ruptura de distinção entre filhos legítimos e ilegítimos,
reconhecimento da união estável.41

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Código Civil de 1916 foi promulgado após verificação de necessidade de uma legislação
pátria que guardasse coerência com a realidade nacional e como um anseio decorrente do processo
de independência e posterior instalação da república no Brasil. Foi escolhido o jurista Clóvis
Beviláqua para elaboração do projeto que posteriormente se consolidou no Código Civil de 1916,
nesse ponto é importante ressaltar que o projeto passou por diversas críticas e tramitou por longos
anos no congresso nacional até a sua promulgação.
A Lei 3.071/2016 trouxe a evidência os anseios da sociedade à época e foi dividido em parte
geral e parte especial. Em seu bojo legislou em matérias de direito das obrigações, direitos reais,
família e sucessões trouxe várias inovações, mas, com as mudanças da sociedade no cenário global
foi sofrendo alterações até a promulgação de novo Código Civil em 2002.
Havia a valorização do direito individual, submissão das mulheres, uma falsa ideia de
igualdade entre as partes o que foi superado com legislação fora do Código após sua entrada em
vigor, e pela promulgação da Constituição Federal de 1988. A legislação civilista passou a se
depara com a valorização de uma justiça social, a necessidade de princípios expressamente
positivados além de uma resposta aos novos anseios da sociedade que acarretou na alteração do
Código Civil.

Ibidem
40

41
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O legado do Código Civil de 1916. Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, v. 111, p. 85-100, 9 jun. 2017. < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133495 >
Acesso em: 30 mar 2020
6. REFERÊNCIAS

ALBERGARIA, Bruno. A História do Direito: evolução das leis, fatos e pensamentos. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2019. E-Book. Arquivo Kindle.

FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Danos Morais e a Pessoa Jurídica. São Paulo: Método, 2008

MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista
Direito GV, v.1, n.1, maio 2005.

MARTINS-COSTA, Judith. Clóvis Bevilaqua e a escola do Recife. Ano 2 (2013), nº 8, 8349-8368


< http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/08/2013_08_08349_08368.pdf>Acesso em: 30 mar 2020

ROCHA, Antônio Manuel; CORDEIRO, Menezes. Da boa fé no direito civil. 2ª ed. Coimbra:
Almedina, 2001.

PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. Código Civil em Perpectiva Histórica. In: SARLET, Ingo
Wolgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O legado do Código Civil de 1916. Revista da Faculdade de


Direito, Universidade de São Paulo, v. 111, p. 85-100, 9 jun. 2017. <
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/133495 > Acesso em: 30 mar 2020

TRUGILHO, Diogo Lima A História da Reparabilidade do Dano Moral: De Freitas a Bevilaqua.1.


ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2015. E-Book. Arquivo Kindle.

VERONESE, Alexandre. Entre os dispositivos conceituais e a gramática: o direito e a política na


formação do Código Civil de 1916. 2012. Escritos, VI: 297-338. Rio de Janeiro, Fundação Casa de
Rui Barbosa. < http://escritos.rb.gov.br/numero06/escritos%206_13_entre%20os
%20dispositivos .pdf > Acesso em: 30 mar 2020

Você também pode gostar