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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

PROGRAMA DE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA–


PPG PsiCC

RENATA LELIS RUFINO DOS SANTOS

DISPOSITIVO MATERNO E A TENTATIVA LEGISLATIVA DE


CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA PEC 181A
BRASÍLIA
2019
RENATA LELIS RUFINO DOS SANTOS

DISPOSITIVO MATERNO E A TENTATIVA LEGISLATIVA DE


CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA PEC 181A

Artigo apresentado como requisito para aprovação na


disciplina Seminário em Psicologia Clínica e Cultura
II: saúde mental, gênero e mulheres, do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Clínica e
Cultura da Universidade de - UNB.
Professora Dra. Valeska Zanello

BRASÍLIA
2019
DISPOSITIVO MATERNO E A TENTATIVA LEGISLATIVA DE
CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA PEC 181A

Renata Lelis Rufino dos Santos1


RESUMO
Este trabalho discorre à cerca do direito a vida como garantia constitucional bem como discussão estabelecida na
jurisprudência a cerca do início da vida. Aborda-se o instituto do aborto, as excludentes de ilicitude do referido crime
como gravidez de risco para a gestante, em caso de estupro e em caso de gravidez de feto anencéfalo. Há menção ainda
a julgado em sede de Habeas Corpus do STF que tratou de aborto no primeiro trimestre da gravidez. Por fim aborda-se
o Proposta de Emenda Constitucional 181 que tem como objeto a alteração do prazo de licença maternidade em caso de
nascimento de prematuros. O que a princípio se tratava de alteração louvável decorrente da PEC 181 se transformou em
uma afronta e um retrocesso do direito, em especial do direito da gestante de por fim a uma gravidez indesejada
decorrente das excludentes de ilicitude já existentes. As alterações do projeto e sua aprovação perante comissão
constituída na Câmara dos Deputados são de iniciativa de deputados homens que buscam alterar os direitos já
conquistados pelas mulheres. Trata-se de uma afronta à autonomia da mulher, à integridade física e psíquica da
gestante, de seus direitos sexuais e reprodutivos e uma violação à igualdade de gênero. A continuidade de uma gravidez
indesejada traz uma série de prejuízos a mulher. As excludentes de ilicitude do crime de aborto representam o mínimo
do direito necessário a amparar o desejo e necessidade de interrupção de tal gravidez. A possibilidade de aprovação do
texto atual da PEC 181 tem o condão de retroceder tais garantias já conquistadas, trata-se de discursão por deputados
majoritariamente homens que tem repercussão sobre toda a população.

Palavras-chave: Vida. Aborto. Retrocesso.

ABSTRACT
This work deals with the right to life as a constitutional guarantee as well as a discourse established in the jurisprudence
about the beginning of life. The institute of abortion is discussed, the exclusions of the unlawfulness of said crime as a
risk pregnancy for the pregnant woman, in case of rape and in case of pregnancy of an anencephalic fetus, there is still a
judgment in Habeas Corpus of the STF that treated abortion in the first trimester of pregnancy. Lastly, the
Constitutional Amendment Project 181 was proposed, whose purpose was to change the term of maternity leave in the
case of the birth of premature infants. What was at first a commendable change resulting from PEC 181 has become an
affront and a setback of the law, in particular the right of the pregnant woman to put an end to an unwanted pregnancy
resulting from existing exclusions of illegality. The amendments of the project and its approval before a committee
constituted in the Chamber of Deputies are the initiative of men deputies who seek to change the rights already won by
women. It is an affront to women's autonomy, the physical and mental integrity of the pregnant woman, her sexual and
reproductive rights, and a violation of gender equality. The continuation of an unwanted pregnancy brings a series of
harm to the woman, the exclusion of unlawfulness of the crime of abortion represent the minimum of the right
necessary to support the desire and necessity of interruption of such pregnancy. The possibility of approving the current
text of PEC 181 has the power to revert such guarantees already conquered, it is a discourse by deputies mostly men
that has repercussion on the whole population.

Key word: Life. Abortion. Backspace.

1
Renata Lelis Rufino dos Santos, Aluna especial no Mestrado em Psicologia Clínica e Cultura – PPG PsiCC, Mestranda em Direito e
Políticas Públicas pelo UNICEUB, Especialista em Direito Empresarial, Advogada, Email: renata.lelis@gmail.com.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo se propõe a compreender o retrocesso decorrente da possibilidade da
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 181 na redação atual, o que representaria um
enorme retrocesso em face dos direitos conquistados até então, principalmente, das mulheres cuja
gravidez pretendem terminar. Idealizando uma maternidade indesejada que está ligada ao
dispositivo materno e a culpabilidade da mulher ao não levar adiante uma gravidez ainda que
decorrente de um crime de estupro.
Espera-se demonstrar a importância da manutenção dos direitos até então instituídos,
principalmente no que tange às excludentes do crime de aborto - gravidez de risco para a gestante,
em caso de estupro e em caso de gravidez de feto anencéfalo. Cada excludente é apontada de forma
individual tendo em vista a justificativa para a ausência de ilicitude em cada caso. Ressalta-se ainda
a necessidade de preservação da autonomia da mulher, de sua integridade física e psíquica, de seus
direitos sexuais e reprodutivos, bem como a proibição do aborto acarreta em uma violação à
igualdade de gênero.
Por fim, é realizada análise da Proposta de Emenda Constitucional cuja redação atual tem o
condão de criminalizar toda e qualquer possibilidade de realização do aborto ao determinar o direito
a vida desde a concepção, o que traz grandes riscos, tendo em vista que, a gravidez indesejada
provavelmente continuará sendo interrompida sem qualquer amparo médico às mulheres, o que
representa um perigo à vida delas.

2 DO DIREITO A VIDA

Inicialmente é importante destacar que o direito a vida encontra embasamento


constitucional, previsto no art. 5º, captu da CF2. Trata-se de segurança criada pelo legislador do
direito a vida de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. A Constituição Federal
ainda faz referência ao referido direito em seus artigos 227 3 e 2304 ao determinar como dever da
família, da sociedade e do Estado a defesa do direito a vida das crianças, adolescentes, jovens e

2
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:.
3
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
4
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
idosos. Ainda, o legislador assegura o referido direito no art. 7 o do Estatuto da Criança e do
Adolescente5.

Quanto ao tema, Pontes de Miranda aduziu: “O direito à vida é inato; quem nasce com vida,
tem direito a ela” (Pontes de Miranda, 1971). Carmem Lúcia sobre o tema dispôs: “O direito à vida
é a substância em torno da qual todos os direitos se conjugam, se desdobram, se somam para que o
sistema fique mais e mais próximo da idéia concretizável de justiça social.” (Antunes Rocha, 1998)

O direito à vida está associado ao direito de conservação da vida. O indivíduo pode usufruir
de sua vida mas não pode dela dispor, de forma que somente é justificado qualquer tipo de ação
lesiva contra a vida em casos de legítima defesa e estado de necessidade.

Ainda, o direito à vida está ligado a dignidade. Ou seja, o direito à vida não é apenas o
direito de sobreviver, mas de viver dignamente. A dignidade da pessoa humana é considerada de
valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional. (Mendes, Coelho e Branco, 2008).

Apesar de se tratar de direito constitucionalmente previsto e amplamente protegido, a


Constituição Federal em seu texto não dispôs sobre o instante em que se dá início à vida. O Código
Civil Brasileiro dispôs a cerca da responsabilidade civil da pessoa humana desde o seu nascimento,
salvaguardando os direitos do nascituro desde a concepção.6

O cerne da questão sobre o inicio da vida recai sobre se o início da vida se daria no
momento da concepção de forma que, o feto seria uma pessoa a partir da concepção, sendo qualquer
ameaça a seu direito à vida uma agressão à vida humana ou no caso do aborto um assassinato da
vida humana. Se adotado tal entendimento o feto seria portador de direitos, entre eles o interesse de
permanecer vivo e de proteção de seus interesses básicos. No sentido dispôs Dworkin: “A vida
humana tem um valor intrínseco e inato; a vida humana é sagrada em si mesma, o caráter sagrado
da vida humana começa quando a vida biológica se inicia, ainda antes de que a criatura à qual essa
vida é intrínseca tenha movimento, sensação, interesse ou direitos próprios.” (Dworkin, 2009)

Em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal


adotou entendimento diferente do acima suscitado. No que tange ao início da vida o Ministro Carlos
Ayres Britto, relator da ADI 3.510 em seu voto dispôs:

5
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência..
6
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.
O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em
que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem
jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria
"natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade
condicional"). E, quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até a "direitos e
garantias individuais" como cláusula pétrea, está falando de direitos e garantias do
indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente
distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento
familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder
normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa
humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra
tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três
realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a
pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa
humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (in vitro apenas) não é uma vida a
caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar
as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como
projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo
variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida
humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O
embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico
a que se refere a Constituição. (ADI 3.510, 2008)
De acordo com o trecho acima colacionado, referente ao julgamento da ADI 3.510 que
tratava da Lei da Biossegurança pesquisa de células tronco embrionárias, determinou-se que um
embrião ainda que juridicamente tutelado não se trata ainda de uma pessoa.

Dessa forma o direito à vida do individuo nascido com vida não recai sobre o embrião ainda
não nascido. Tal diferenciação é importante, tendo em vista a análise do ponto a seguir que trata do
instituto do aborto.

3 ABORTO NO BRASIL

O aborto se caracteriza pela interrupção seletiva da gravidez decorrente de expulsão do feto


do útero da mulher. (Diniz, 1997) Trata-se da morte de um embrião humano em formação, é a
opção pela morte em momento anterior ao início da vida. (Dworkin, 2009)

Trata-se de tema polêmico que cria divisões na sociedade em movimentos pró e contra o
aborto. Tais divisões decorrem da problemática decorrente de se o feto tem direito à vida ainda
dentro do útero.

A justificativa para que o aborto seja moralmente condenável e na necessidade de


regulamentação pelo direito decorre da questão de se o feto já é uma pessoa com direito e interesses
próprios e em que medida estes devem ter precedência sobre os direitos da mulher grávida. Trata-se
de uma valorização de que a vida humana mesmo que em sua forma mais incipiente possui valor
intrínseco. A vida humana é intrinsecamente valiosa de diferentes maneiras e que os diferentes
impulsos e convicções expressos nas interpretações antagônicas são muito poderosos e veementes.
(Dworkin, 2009)

Destaca Dworkin que a sociedade acha vergonhoso que alguma forma especifica de cultura
humana morra ou esteja em vias de desaparecer. Aduz que a vida é valiosa no sentido subjetivo,
instrumental e intrinsecamente valiosa. O valor da vida de uma pessoa é instrumental quando a
avaliamos em termos do quanto o fato de ela estar viva serve aos interesses dos outros. (Dworkin,
2009)

Aduz o referido autor que a convicção da maioria das pessoas sobre o aborto surge do
princípio de que a vida humana, inclusive a vida de um embrião recém-formado, é inviolável.
Aponta que a ideia de que os seres humanos são especiais entre as demais criações da natureza é
apresentada para justificar porque seria horrível que a vida humana fosse eliminada. Cada ser
humano é desenvolvido e é produto da criação natural e do tipo de força humana criadora e
deliberativa que reverenciamos ao reverenciar a arte. (Dworkin, 2009)

A idéia de que cada vida humana é inviolável tem raízes em duas bases do sagrado que se
combinam e se influenciam quais sejam a criação humana e a criação natural, assim, qualquer
criatura humana, ainda que seja um embrião é um triunfo da criação divina ou evolutiva, seria um
milagre da reprodução humana. Ressalta que a vida de um único organismo humano exige respeito
e proteção e que o horror diante da destruição da vida humana reflete o sentimento comum e
inarticulado da importância intrínseca de cada uma dessas dimensões do investimento feito.
(Dworkin, 2009)

No que tange a métrica do desrespeito destaca-se que o feto é uma pessoa com direito à vida
e que qualquer aborto implica uma perda de vida humana e, portanto, é, em si mesmo, vergonhoso e
condenável. Aponta que se a vida humana fosse medida apenas em termos cronológicos, um aborto
em fase inicial seria um insulto à vida humana, no entanto, a maioria das pessoas defende que
quanto mais avançada a gravidez mais reprovável seria o aborto, tendo em vista que seria mais
difícil e mais moralmente condenável. (Dworkin, 2009)

No que se refere ao humano e divino destaca o autor que a frustração não é decorrente
apenas da perda, mas também que compromete a inviolabilidade da vida humana. Uma vez
começada a vida humana há divergência quanto a questão se a morte prematura passível de ser
evitável é sempre a mais grave frustração de vida possível. (Dworkin, 2009)
Destaca o autor, ainda exceções conservadoras em que o aborto seria moralmente
permissível como na possibilidade de salvar a mãe e no caso de gravidez decorrente de estupro,
tendo em vista que exigir que a mulher avance na gravidez decorrente da concepção de uma criança
em tamanha agressão é destrutivo para sua realização pessoal pois frustra sua escolha quanto a
reprodução. Destaca ainda que não haveria distinção e, portanto, possibilidade do aborto ainda que
em situações especiais como estupro e risco para a mãe, caso o feto fosse uma pessoa com direitos e
interesses próprios pois tal pessoa seria inocente a despeito de qual fosse a natureza ou a intensidade
da culpa de sua mãe. (Dworkin, 2009)

No Brasil o Aborto é medida tipificada como crime 7, no entanto, o próprio Código Penal
prevê hipóteses de exclusão de ilicitude decorrente da prática de aborto 8 que coincidem com as
possibilidades moralmente aceitas apontadas por Dworkin. Ainda, por meio de construção
jurisprudencial foi incluída a possibilidade de prática do aborto decorrente de gestação de feto
anencéfalo. Tais possibilidades serão tratadas nos sub tópicos a seguir.

Ressalte-se, ainda, que a criminalização do aborto como prevista hoje no ordenamento


jurídico brasileiro atinge a saúde da mulher de uma dupla forma. A primeira forma representa uma
lesão aos direitos das gestantes, quando estas são obrigadas a continuar ainda que represente risco
de lesão a sua saúde psíquica, tendo em vista que somente em caso de risco de vida da mãe é
autorizado o aborto. E a segunda como uma lesão coletiva ao direito à saúde das mulheres que, ante
a proibição do aborto em todos os casos se submetem a clinicas irregulares e procedimentos sem
qualquer segurança que representam riscos graves para sua vida e saúde.

3.1) Aborto em caso de risco à vida da gestante

A primeira possibilidade de excludente de ilicitude do aborto, prevista no art. 128, inciso I,


do Código Penal se trata de aborto necessário em caso não haja outro meio de salvar a vida da
gestante. Trata-se da possibilidade decorrente do direito da mulher defender sua vida contra ameaça
criada da criança que ainda não nasceu, ainda que isso implique a morte da criança.

7
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento; Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho
provoque: (Vide ADPF 54) Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, sem o
consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide
ADPF 54) Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência; Forma
qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou
dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas
causas, lhe sobrevém a morte.
8
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida
da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Tal possibilidade se justifica em face da razoabilidade decorrente de que não se pode impor
a mulher o perigo de prosseguir numa gestação que pode lhe comprometer a saúde física.
Devidamente comprovado o risco, deve ter a gestante o direito de optar pela interrupção da
gestação. Dessa forma, tem-se a valorização do direito da mulher decorrente da CF em face
do direito do feto.

3.2) Aborto em caso de estupro

O segundo caso de possibilidade de aborto é decorrente da gravidez em caso do estupro.


Trata-se de uma gravidez decorrente de agressão física a mulher cuja possibilidade de aborto
encontra amparo no art. 128, inciso II do Código Penal.

O crime de estupro decorre da violência que obriga uma pessoa a manter contato sexual
físico bem como participar de outras relações sexuais com uso de mecanismo que anule ou limite a
vontade pessoal.

O crime de estupro é de tal barbárie que é autorizado o procedimento de aborto até a


vigésima semana de gestação. Tal possibilidade é importante tendo em vista que o aborto realizado
de forma insegura pode acarretar em riscos à saúde e à vida da mulher.

Em pesquisa realizada por mestre em psicologia, essa levantou dados referentes ao


atendimento de urgência da mulher agredida sexualmente, bem como com vítimas do referido crime
que resultaram em gravidez. Na referida pesquisa, aduziu que é necessáriA uma abordagem
interdisciplinar tendo em vista a complexidade da situação e a enorme variedade de consequências
para a mulher. Apontou a necessidade de atendimento de forma correta a fim de que a vítima se
sinta acolhida. (Nunes, 2014)

Apontou, ainda, que as mulheres vítimas de violência apresentam consequências além das
imediatas decorrente do ato de violência como cicatrizes em sua vida sexual, afetiva e profissional,
e a continuidade da gravidez pode acarretar na lembrança da violência e do agressor que, ainda que
desconhecido, deixa marcas profundas no desenvolvimento da pessoa havendo agravante quando se
trata de violência decorrente de pessoas conhecidas. (Nunes, 2014)

A decisão pelo aborto pode não ser fácil em nenhum dos casos, tendo em vista que a mulher
vítima da violência tenha temor do julgamento social e do preconceito por parte dos profissionais
que a atenderão nos serviços de saúde faz com que essas mulheres não busquem a ajuda de outras
pessoas e também não busquem a atenção em saúde para o tratamento necessário. (Nunes, 2014)
Em entrevistas com vítimas foram detectadas as sensações advindas do trauma decorrente da
violência, como cheiro do agressor, tentativas de eliminar qualquer vestígio da violência:

Eu não sei explicar. É ... a minha cabeça tá totalmente sem... Eu to totalmente sem chão,
sem saber o que pensar. Que depois do que aconteceu. Quando eu descobri meu único
pensamento era tirar e tentar viver novamente. Mas eu não consegui. (Ana-E1)
Eu tinha muita vontade de morrer. Eu queria morrer. Muito, muita vontade de morrer.
Muito nojo. De tomar banho eu sentia muito nojo. De me tocar, de... Era assim uma coisa
assim que parecia que eu tava assim sempre muito suja. Muito suja. Parecia assim que por
mais que eu tomasse banho. Por mais que ninguém tivesse vendo, mas eu sentia. As
pessoas me olhavam às vezes eu achava assim que tava suja, que aquela pessoa tava com
nojo de mim e ninguém nem sabia da história e eu achava que tinham nojo de mim. E eu
sentia muita vontade de sumir. De morrer, de sumir, de sair [...] Eu tinha ciência que
ninguém sabia de nada. Só quem sabia era minha mãe, isso eu sempre tive muita ciência,
mas pra mim as pessoas já estavam me olhando, me julgando, assim, sabe? Sei lá. É muito
difícil explicar assim com palavras. Mas era como se a pessoa me olhasse e soubesse de
tudo que tinha acontecido comigo. Eu não conseguia encarar a pessoa. Olhar a pessoa assim
nos olhos. Tá entendendo? Pra mim aquela pessoa tinha visto, tinha ouvido falar ou
qualquer coisa do tipo [...] (Bruna-EUn)
“Me senti humilhada, destruída como pessoa, completamente impotente diante de situação
que eu não queria, mas também não podia fazer nada pra que não fosse acontecer... aquele
momento... [...] Senti um nojo daquilo. Nojo. Nojo. Um nojo tão grande, tão grande... que
eu comecei a sentir esse nojo também do meu corpo, não só daquele momento, mas depois
que aconteceu aquilo, eu sentia um nojo, uma rejeição do meu próprio corpo... [...] (Clara-
E1) (Nunes, 2014)
Quanto à gestação, as vítimas relataram:

Eu me sinto horrível. Eu me sinto mal com tudo. Eu tô carregando uma vida que eu não
sinto nada por ela. Que até tem momentos que eu chego até a ter raiva. Eu me sinto mal por
não gostar dela [...] Eu me sinto mal por eu tá me modificando totalmente por uma coisa
que eu não desejo ter, que eu não planejei. Eu vendo meu corpo se transformando, a minha
vida.... Eu sinto muito uma revolta. Se eu pudesse eu tiraria com minhas próprias mãos.
Mas eu não posso<choro>. Eu não consigo aceitar. Cada dia fica mais difícil. (Ana-E1)
Então, quando eu senti que eu tinha assim uma coisa. Eu sei que é uma criança. Eu sei que
era um ser, mas eu sempre senti como se fosse uma coisa. Uma coisa dentro de mim. Uma
coisa ruim, uma coisa podre, uma coisa que fedia, sabe? Às vezes eu passo assim por um
ambiente que tem assim um mau cheiro e às vezes aquele mau cheiro me lembra o mau
cheiro daquele homem, sabe? Então quando soube que eu tinha essa criança ai. Eu sentia
assim aquela coisa ruim. Como se fosse um, Deus que me perdoe, mas um monstro. Eu não
queria. Eu sentia nojo. Eu não queria de jeito nenhum. De jeito nenhum. Nunca quis.
(Bruna-EUn).
[...] além disso ter o pensamento de que eu estava gerando, gestando uma coisa que eu não
queria, fruto daquele dia, daquela... daquele momento terrível, que foi absolutamente ruim,
e do qual eu não... eu nunca podia imaginar num momento desses, viver uma violência
dessas. [...] Foi muito difícil, assim... Foi muito revoltante. (Clara-E1) (Nunes, 2014)
Relataram as vítimas ainda sentimentos de nostalgia:

É horrível. Eu sinto uma grande saudade de como a minha vida era antes. Eu sinto um
desejo tão grande de poder tá em casa. Fazer as minhas coisas como eu fazia antigamente.
Pensar no futuro como eu pensava.(Ana-E1)
Foi horrível. Foi muito horrível porque eu sempre sonhei em casar, em ter família [...] Eu
sempre sonhei que eu ia encontrar o meu príncipe, que eu ia me casar e que eu ia ter filhos.
(Bruna-EUn)
Eu espero um dia poder me amar de novo, assim, de gostar de mim, do meu corpo, de... não
sei, eu queria ter uma família...(Clara-E1)
Só a única coisa que eu tenho certeza é que eu perdi tudo, que todos os meus sonhos foram
embora. (Ana-E1)
Assim, antes eu pensava assim que era por minha causa assim, por ter demonstrado medo,
por ter demonstrado fraqueza, certo. Até mesmo por ter andado, ter no dia que eu tava de
saia, né, que é uma roupa justa né. É uma roupa que chama atenção de um homem né.
Talvez se eu tivesse com uma roupa mais comprida, por exemplo, não tivesse chamado
atenção dele. Sei lá. Aí no início eu me julgava muito que tinha acontecido muito pelos
meus modos, certo. (Bruna-EUn) (Nunes, 2014)
Em face de tais relatos fica evidente a vulnerabilidade da vítima de estupro e o aborto
legalizado no caso representa uma saída, um alivio pequeno de tal sofrimento.

3.3) Aborto em caso de feto anencéfalo

O terceiro caso de aborto legalizado no Brasil refere-se ao de feto anencéfalo. No que tange
à anencefalia, essa se caracteriza pela ausência dos hemisférios cerebrais, o que torna o feto
anencéfalo a representação do sub-humano. Trata-se de fetos que não atingiram o mínimo
desenvolvimento biológico exigido para a entrada na humanitude, seres cuja vida está fadada ao
fracasso. Trata-se de uma ausência de vida associada à imagem de sub-humanidade. (Diniz, 1997)

A decisão proferida se trata da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº


54, para legalização do aborto para feto anencéfalo, em que restou definido que não há conflito
entre a proteção da vida, expressa na Constituição e a interrupção da gravidez e fetos sem cérebro.
(ADPF, 2012)

Aduziu o Ministro Relator Marco Aurélio de Mello que o anencéfalo, tal qual o morto
cerebral, não tem atividade cortical. Ressaltou ainda:

O feto anencéfalo mostra-se gravemente deficiente no plano neurológico. Faltam-lhe as


funções que dependem do córtex e dos hemisférios cerebrais. Faltam, portanto, não
somente os fenômenos da vida psíquica, mas também a sensibilidade, a mobilidade, a
integração de quase todas as funções corpóreas. O feto anencefálico não desfruta de
nenhuma função superior do sistema nervoso central "responsável pela consciência,
cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade." (ADPF, 2012)
Ressaltou o Ministro a inviabilidade do anencéfalo em face da ausência de expectativa de ser
o titular do direito à vida, justificando a ausência de conflito entre direitos fundamentais. Apontou
que, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade
humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de
vida. (ADPF, 2012)
Não se trata de um crime contra a vida, tendo em vista que a tipificação do aborto tem como
objeto a tutela de uma vida em potencial, o que não ocorre no caso do anencéfalo. Além disso a
manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica
da mulher gestante, posto que, durante a gestação podem surgir sentimentos mórbidos, de dor, de
angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito. (ADPF, 2012)
Constou ainda do voto do relator:

Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da


relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida
extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe
sacrifício de sarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado
final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do
sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade,
à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos
direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter
a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo,
desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à
tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido.
(ADPF, 2012)
Foi importante o julgamento da ADPF 54 a fim de por fim a uma situação de sofrimento à
mulher gestante bem como assegurar o tratamento médico e psiquiátrico adequados.
3.4) HC 124.306
Por fim, no que trata de aborto é importante ressaltar julgado ocorrido em novembro de
2016 pela 1o Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 124.306 em que restou vencedor o voto do
Ministro Luís Roberto Barroso, acompanhado dos ministros Rosa Weber e Luiz Edson Fachin, que
considerou que o aborto, se praticado até o terceiro mês naquele caso especifico em análise, não
deveria ser considerado crime.

Restou demonstrado no voto do Ministro Barroso que a criminalização do aborto é


incompatível com diversos direitos fundamentais, como os direitos sexuais e reprodutivos e a
autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade.

Para fundamentar seu voto o Ministro adotou três fundamentos. O primeiro, cientifico, ao
apontar que no primeiro trimestre de gestação não há formação completa do sistema nervoso
central, portanto não se poderia falar em vida humana, que é marcada pela atividade cerebral. O
segundo, social, decorrente de uma discriminação social tendo em vista que o aborto realizado de
forma insegura pode gerar graves consequências. O terceiro, jurídico, tendo em vista a violação de
diversos princípios e normas. (HC 124.306, 2016)

4 DO RETROCESSO DECORRENTE DA POSSIVEL APROVAÇÃO DA PEC 181 A


A proposta de emenda constitucional 181 A tem como objeto a alteração do inciso XVIII do
art. 7o da Constituição Federal para dispor sobre a licença-maternidade em caso de parto prematuro.
9
.

Ocorre que no tramitar da referida PEC está sofreu alterações, passando de uma louvável
determinação a uma armadilha com a supressão de direitos conquistados pelas mulheres. O voto do
deputado relator Jorge Tadeu Mudalen inclui no texto da PEC o seguinte:

(...)Diante do exposto, cabe-nos observar que se protegemos, de forma justíssima,


aquele que já vivia e prematuramente deixou a proteção materna, concedendo uma
ampliação da licença maternidade à sua genitora , não podemos deixar de explicitar, ainda
mais, a sua proteção no âmbito uterino, desde o seu início, isto é, desde a concepção. (...)
No caso específico do aborto, assunto complexo e sensível, a sede própria para a sua
discussão é, indiscutivelmente, o Poder Legislativo e não o Supremo Tribunal Federal,
seja como colegiado, seja sobretudo em suas turmas ou considerando-se os seus
membros isoladamente. Ao Tribunal falta competência e legitimação constitucional para
definir o tema de tal importância.
Por tanto, vale enfatizar que, no caso do aborto, não pode eventualmente um Ministro –
que não foi eleito e, assim, não tem vinculação direta com o titular do poder, qual seja
o povo – desconsiderar não apenas o princípio representativo consubstanciado no
Congresso Nacional, tal qual prevê o parágrafo único do art. 1º da Constituição (“Todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”), como também desconsiderar direta e veementemente a
vontade do povo, que, quase à unanimidade, rechaça a prática do aborto, como
demonstram as pesquisas feitas sobre o assunto. (...)
Nesse sentido é que sugerimos um Substitutivo. Com isso, cremos estar reproduzindo
um sentimento plenamente majoritário, colhido nas discussões realizadas durante os
nossos trabalhos na Comissão, tendo em consideração os posicionamentos dos líderes e
dos demais parlamentares de diferentes partidos. Acreditamos que, de uma forma ou de
outra, as Propostas de Emenda à Constituição em tramitação na Comissão Especial, em
associação com a vontade majoritária dos parlamentares, estão contempladas em
nosso Substitutivo.
Isso posto, votamos pela aprovação, nos termos do nosso Substitutivo, da Proposta
de Emenda à Constituição de nº 181-A, de 2015, principal, bem como da apensada de
nº58-A, de 2011. (Maulen, 2017)
Assim apresentou o referido deputado a PEC 181-A que além de alterar o inciso XVIII do
art. 7o da CF também alterou o inciso III do art. 1o e do captu do art. 5o da CF:

Art. 2º Dê-se a seguinte redação ao inciso III do art. 1º da


Constituição Federal:
“Art. 1º.III - dignidade da pessoa humana, desde a concepção;”.
Art. 3º Dê-se a seguinte redação ao caput do art. 5º da Constituição Federal:

9
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salario com duração de cento e vinte dias, estendendo-se a licença-
maternidade, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias de internação do recém-nascido, não podendo a licença exceder
a duzentos e quarenta dias. <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1425029&filename=P
EC+181/2015>
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde
a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.
(Maulen, 2017)
Conforme alterações indicadas acima, a PEC que originalmente foi criada para ampliar
direitos decorrentes da licença gestante nas relações de trabalho em caso de nascimento de filho
prematuro foi transformada em objeto de tentativa de criminalização do aborto em qualquer
circunstância. Tal tentativa está correlacionada ao dispositivo materno, trata-se de proposta de PEC
realizada por homens, que acreditam que a vida de um feto tem mais valor que a autonomia da
mulher e a ideia de que o amor materno é algo espontâneo e maior que todos os outros que
superaria qualquer resistência ou alteraria a vontade da mulher em flagrante afronta a autonomia das
mulheres. (Zanello, 2018)

Assim uma vez que ocorra, caso ocorra, a aprovação da referida PEC nos termos fixados
pelo relator e na emenda a PEC 181 que originou a PEC 181-A , a vida de um feto que ainda não
está formado vale tanto quanto a vida das mulheres. Tal medida obsta o acesso das mulheres
gestantes ao aborto legal, que já existe no caso de violência contra a mulher, no caso de risco de
saúde para mulher e no caso de gestação de feto anencéfalo.

Trata-se de um retrocesso visível nos planos jurídico e ético, a proposta fere direitos
humanos mulheres, fere as liberdades individuais das mulheres, desrespeita até mesmo o direito que
todo ser humano, neste caso as mulheres, tem à sua própria integridade física. Trata-se de um
retrocesso de mais de 70 (setenta) anos tendo em vista que o legislador, em 1940, ao editar o
Código Penal, de forma sensata incluiu a possibilidade de aborto em situações altamente gravosas, a
saber, nas hipóteses de gravidez decorrente de estupro e de gravidez com riscos para a gestante.
Além disso se trata de retrocesso também em face da decisão do STF que permitiu o aborto
cometido nas hipóteses de anencefalia do embrião.

No caso do estupro, por exemplo, que foram colacionadas declarações de mulheres vítimas
de tal violência, restou claro nos relatos colacionados a gravidade do ato e a gravidade das
consequências decorrentes do crime de estupro na vida das vítimas.

A continuidade da gravidez decorrente da prática do violento crime de estupro e as normas


vigentes permitem a gestante a decisão quanto a continuidade da gravidez. Trata-se de uma
autonomia atribuída a gestante nesse caso como titular da própria integridade física e do próprio
corpo, a decisão, cujas consequências interferem direta e fisicamente em sua vida.
A norma atualmente vigente ampara e respeita o direito da mulher, que, se forçada a
conviver com o fruto de ato vil e indigno como é o estupro, estará sendo violentada todos os dias da
vida, sendo obrigada a conviver com a prova carnal do ato bárbaro e selvagem a que foi submetida.
(Amaral, 2017). Em matéria do site CONJUR sobre o tema dispôs:

“O delito de estupro é a expressão máxima da selvageria e do desrespeito à mulher.


Vilipendia, fere, humilha, menospreza a dignidade da mulher, sua liberdade, seu corpo, sua
integridade física. Acresce registrar que a maior parte das vítimas de delitos contra os
costumes são muito jovens, adolescentes, quase meninas, cuja estrutura orgânica, na maior
parte das vezes, sequer suporta sem consequências as alterações provocadas por uma
gravidez tão prematura.
Ademais, são sobejamente conhecidas as mazelas familiares e financeiras que orbitam em
torno desse quadro. Muitas vezes, o autor do estupro é um vizinho, parente próximo, amigo
da família, que não somente dá as costas para a ofendida como chega a insinuar — e
sabemos que isso não é raro — que a “culpa” pelo crime doloso é da vítima e que ele
apenas seguiu sua natureza selvagem. Com esse comportamento cínico, muitas vezes os
ofensores cometem a segunda violência contra as vítimas, desta vez moral, num cipoal de
torpeza.
Noutras vezes, as famílias restam destroçadas, pela intransigência de pais que não aceitam a
existência do crime, fecham os olhos para a realidade e fazem triste e deprimente coro aos
que imputam responsabilidade à ofendida. Essa é a realidade. É essa a cruel verdade que
está nas ruas, nas cidades, nos fóruns, nos centos de saúde, nas delegacias policiais.
É óbvio que nem todas as mulheres pensarão dessa forma. Algumas, por razões de foro
íntimo — que não incumbe ao Estado perquirir nem investigar — poderão desejar ter o
filho, mesmo em decorrência do infortúnio. Se assim o desejarem, quer por razões
psicológicas, quer por motivos de ordem religiosa, são também livres para não interromper
a gravidez.
A possibilidade de decisão, presente na lei penal vigente, é outorgada pelo Direito natural,
pois não se concebe que o Estado, ou qualquer pessoa ou autoridade religiosa, possa
interferir na decisão da gestante. A proposta contida na PEC 181 é artificial e sem razão de
ser. Aberractio.” (Amaral, 2017)
Não se pode permitir também que a mulher, no caso de gravidez que gere perigo à sua vida,
seja obrigada a continuar com a gravidez sob pena de pratica de um crime. Da mesma forma não é
razoável, e foge da sensibilidade que a gestante de feto anencéfalo seja obrigada a continuar a
gravidez de um bebê que não irá sobreviver, trata-se de ato de tortura com a gestante. Bem como no
caso de estupro ter a lembrança sempre presente do ato de violência.

A redação da proposta a emenda constitucional provavelmente levou em consideração a


idéia de que a mulher ultrapassaria qualquer obstáculo para amar seu filho, tendo em vista que o
amor materno seria algo maior, o que está correlacionado ao dispositivo materno. (Zanello, 2018).

O que se busca com o texto da PEC referida é perpetuar um comportamento da nossa


sociedade de que apenas uma parcela da população: as mulheres possuem capacidade de cuidar que
está ligada ao fato de as mulheres terem útero e portanto tem o dever de cuidado e a sempre colocar
os interesses dos outros em detrimento de seus próprios. (Zanello, 2018)

O texto da PEC 181-A afronta a dignidade da mulher que não pode de forma tão
irresponsável ser objeto de redução ou afronta penalizar ainda mais as vítimas de atrocidades, como
as violências sexuais, é outorgar poder à barbárie. (Zanello, 2018)

É importante ressaltar ainda que a comissão especial da Câmara que analisou a ampliação da
licença maternidade em caso de bebê prematuro e incluiu o direito à vida desde a concepção é
formada por 18 (dezoito) deputados homens que aprovaram seu texto. Trata-se de aprovação por 18
(dezoito) homens que se aprovada - em plenário em conformidade com o tramite para aprovação da
PEC – podem ter decidido o futuro de milhões de mulheres. Chama atenção o fato ainda que após
aprovada pela comissão especial foi comemorada a aprovação aos gritos pelos referidos deputados
que desvirtuaram o objeto da PEC.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ameaça ao direito das mulheres de abortarem em caso de gravidez seja de risco, fruto de
estupro ou de feto anencéfalo é ignorar completamente os efeitos de uma gestação nessas condições
na vida, saúde e dignidade das mulheres que desejam interrupção. Trata-se da coisificação da
mulher, que passa a ser apenas o meio para nascimento dos fetos, trata-se de transformar as
mulheres em meras chocadeiras.

No caso de uma mulher vítima de estupro, a continuidade da gravidez gera o lembrete da


violência sofrida tem como consequência a institucionalização do sofrimento da mulher e ignora a
gravidade do crime que foi cometido contra ela.  Ao colocar a função reprodutiva da mulher acima
de sua própria dignidade, isso relativiza o estupro e a visão de que mulheres são pessoas. (Amaral,
2017) Trata-se da chancela de que caberia as mulheres gerar uma criança indesejada que se
enquadra no dispositivo materno ao enaltecer a função de procriar e maternal independentemente da
origem da gestação e que deve ser combatida em face da autonomia da mulher em realizar suas
próprias escolhas. (Zanello, 2018).

No caso especifico da PEC 181, esta nasceu como uma proposta que buscava ampliar o
direito de mulheres à licença maternidade e se transformou, após passar por uma comissão da
Câmara liderada por homens, em uma pauta que pode restringir o acesso ao aborto ao introduzir na
Constituição que a vida começa na concepção.
Caso aprovada a PEC será criminalizado o aborto em todos os casos. Criará uma
insegurança jurídica porque iguala os direitos do embrião, que não tem atividades cerebrais, ao da
mulher.

Trata-se de uma discriminação contra a mulher. Trata-se de violação de direitos das


mulheres. Trata-se de violação do corpo das mulheres e da vontade das mulheres. Se aprovada é
retirado das mulheres a possibilidade da livre escolha da maternidade. (Nunes,2018) Neste ponto é
importante observar que o não desejo de maternidade coloca em xeque certos pressupostos que
estão enraizados na nossa sociedade como o instinto materno e a renúncia a maternidade (Zanello e
Porto, 2019) o que é combatido por parcela do legislativo conservadora e extremamente machista.

A possibilidade de aprovação do texto da PEC 181-A viola a autonomia da mulher, sua


liberdade individual que está correlacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Afasta a
autonomia e autodeterminação das pessoas. Toda pessoa tem direito a um espaço legítimo de
privacidade dentro do qual lhe caberá viver seus valores, interesses e desejos no qual o Estado e a
sociedade não podem interferir. A PEC afasta o direito da mulher de controlar seu corpo de tomar
decisão a ele relacionadas. (HC 124.306, 2016)

Viola ainda o direito à sua integridade física e psíquica que protege os indivíduos contra
interferências indevidas e lesões aos seus corpos e mentes. A integridade física seria abalada em
face das transformações, riscos e consequências da gestação além de se transformar em um
tormento quando indesejada. (HC 124.306, 2016)

Os direitos sexuais e reprodutivos da mulher também seriam afetados na medida em que a


mulher não poderá decidir sobre se e quando deseja ter filhos, sem discriminação, coerção e
violência sendo obrigada a manter uma gravidez indesejada. A igualdade de gênero também é
violada posto que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez e somente haverá́ igualdade
plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não. (HC 124.306,
2016)

Ainda a aprovação da PEC agrava a discriminação social das mulheres pobres, que não têm
acesso a médicos, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento
abortivo. Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um
procedimento médico seguro, acarretando em uma série de riscos e prejuízos à vida da mulher.

Em face da referida tentativa de proibição do aborto em todo e qualquer caso, como é o


objeto da PEC 181-A, aumenta-se os riscos concernentes aos abortos clandestinos, o que teria como
consequência uma inexorável exposição a riscos graves e desnecessários da vida de multidões de
mulheres, integrantes sobretudo da população mais pobre.

Ainda não se pode falar que o aborto atinge a saúde mental e física das mulheres, argumento
utilizado para impedir a interrupção da gestação indesejada tendo em vista que um aborto se
realizado de forma legal e correta ajuda na saúde da mulher. Além disso conforme Zanello e Porto
apontam: “os métodos e técnicas hoje são acessíveis, baratos e com excelente custo benefício.
Ademais das limitações econômicas ou situacionais, o desejo e a possibilidades de outros projetos
das mulheres, para além da maternidade ou fora dela, ocupam então o palco central, quando se
retiram esses subterfúgios.” (Zanello e Porto, 2019)

No lugar de criminalizar toda forma de aborto independentemente do estado de saúde da


mulher, do feto ou da violência que gerou a gravidez, outras medidas deveriam ser adotadas, que
são muito mais eficazes e não geram os mesmos efeitos colaterais. Um exemplo seria a ampliação
dos investimentos em planejamento familiar e educação sexual para redução do número de
gestações indesejadas: a garantia do direito à creche e o combate ao preconceito contra a mulher.
(Nunes, 2014) A proibição do aborto não salva vidas de fetos, mas tem o condão de matar mulheres
que se submetem a procedimentos sem qualquer tipo de segurança.

A PEC desvirtua o direito da mulher a assistência médica, busca a proteção de um feto em


prol da mulher gestante. Não pode um feto que ainda não chegou a vida propriamente dita ter seus
direitos sobrepostos ao da mulher. Neste ponto é importante destacar o entendimento de Zanello e
Porto: “Quando se debate acerca da descriminalização do aborto, não se está colocando em xeque
apenas, portanto, um direito sexual e reprodutivo das mulheres, mas mexendo em valores
arraigados, em crenças naturalizadas sobre as mulheres, seus corpos e sua capacidade de
procriação.” (Zanello e Porto, 2019)

O aborto se justifica quando parece inevitável que se o feto vier a nascer levará uma vida
repleta de frustração, mas, também quando as circunstancias familiares forem economicamente
difíceis que venham a tolher seriamente o desenvolvimento de uma vida de forma que as crenças
enraizadas na cultura devem ser superadas.

6 REFERÊNCIAS
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2010.<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =AC&docID=611723.>
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AMARAL, Beatriz Helena Ramos. PEC 181 penaliza vítimas de estupro e outorga poder à barbárie.
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ZANELLO, Valeska. Saúde Mental, Gênero e Dispositivos. Cultura e Processos de Subjetivação.


Appris 1ª ed. 2018

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