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PROPRIEDADE INTELECTUAL E

ACESSO AO CONHECIMENTO

Prof. Balmes Vega Garcia

Por Giselle Viana

1o Bimestre
Sala XIV
2013
Caderno de Propriedade Intelectual

Índice
INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL ......................................................................................... 3
Criações Técnicas e Estéticas .................................................................................................... 5
Criações e Descobertas ............................................................................................................. 7
Direitos Patrimoniais e Morais ..................................................................................................... 8
Direito de Exclusividade ............................................................................................................. 9
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ........................................................................ 12
DIREITO INDUSTRIAL, DIREITO CCONCORRENCIAL E INTERESSE PÚBLICO ................................................. 14
Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência............................................................. 14
Interesses Corporativos ............................................................................................................. 17
Interesse Público ........................................................................................................................ 19
Abuso no Direito Industrial ........................................................................................................ 21
PATENTES ........................................................................................................................................ 22
Patenteabilidade ...................................................................................................................... 23
Exaustão de Direitos .................................................................................................................. 29
Licenciamento ........................................................................................................................... 31
Importação Paralela ................................................................................................................. 32
“Quebra de Patente” ............................................................................................................... 33
Criações biotecnológicas ........................................................................................................ 34
Tutela da Vida ........................................................................................................................... 36
Patentes Pipeline ....................................................................................................................... 39
DESENHOS INDUSTRIAIS E MARCAS.................................................................................................... 43
Tutela da Forma......................................................................................................................... 44
Desenho Industrial ..................................................................................................................... 44
Cumulatividade de Proteções ................................................................................................ 47
TUTELA DAS ESPÉCIES VEGETAIS......................................................................................................... 58
Requisitos .................................................................................................................................... 56
Direito de Proteção ................................................................................................................... 57
Licença Compulsória ................................................................................................................ 59
DIREITO AUTORAL ............................................................................................................................ 60
Depósito do Pedido .................................................................................................................. 61
Requisitos .................................................................................................................................... 61
Por Giselle Viana

INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL

Modelos de Invenções
Utilidade

Desenhos
Industriais Marcas
Patentes

Propriedade Foco no
LPI - L. 9.279/96 Objeto
Industrial

Cultivares LC - L. 9456/97
Propriedade

Prazo crescente
Intelectual
Programas de L. 9.609/98
Computador

Direito LDA - L. 9.610/98 Foco no


Autoral Sujeito

A Propriedade Intelectual sustenta-se sobre dois grandes pilares: a propriedade


industrial, que volta-se às criações técnicas, e o direito autoral, isto é, o grande eixo das
criações estéticas e artísticas. Há, ademais, vários outros campos, como a propriedade industrial
das espécies vegetais e, próximo ao direito autoral, temos também uma legislação que protege os
programas de computador, os softwares.
Quando tratamos da tutela desses direitos, adotamos um enfoque concorrencial,
adentrando o âmbito das corporações, dos agentes econômicos. Esse enfoque é uma exigência
contemporânea, afinal, diferentemente do que ocorria nos primórdios da propriedade intelectual,
quando o sistema era voltado aos inventores, aos artistas, hoje os grandes cientistas,
compositores e autores estão vinculados aos agentes econômicos, às sociedades empresárias.
Essas são as verdadeiras detentoras, na prática, dos direitos patrimoniais que incidem sobre as
criações.

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Caderno de Propriedade Intelectual

Os escritores com suas editoras, os pesquisadores com suas indústrias, os intérpretes,


músicos, compositores com suas gravadoras. Por isso, muitos autores apontam um
“deslocamento” da arena da propriedade industrial, cujo enfoque passou aos agente econômicos
em detrimento da pessoa do inventor. E essas corporações, que financiam essas pesquisas,
estudos e produções, apenas o farão se elas ao final propiciarem retornos financeiros. E, por
fim, esses retornos, através da proteção jurídica oferecida pela Propriedade Intelectual, são
assegurados por um mecanismo de exclusividade temporária.
Os direitos intelectuais1 constituem uma espécie de propriedade dinâmica2 e imaterial,
cujo cerne é a possibilidade concedida ao titular de, através de remédios judiciais, impedir que
terceiros concorrentes reproduzam o objeto de sua criação. O que ocorre é que o Estado afasta
temporariamente, naquela circunstância fática, os princípios da livre concorrência, em prol
daquele que inova.
Tendo em vista essa definição, no âmbito da propriedade intelectual, de um ponto de vista
interno, a expressão monopólio é imprecisa. Isso porque, como veremos melhor mais adiante, a
reprodução pelo titular é secundária, isto é, ele pode impedir que os concorrentes fabriquem o
objeto mesmo que ele mesmo não o fabrique. A essência desses direitos, portanto, não se volta
ao fato de o titular explorar ou não aquele invento (o que, alias, é essencial no campo do direito
concorrencial), mas à faculdade de impedir que outros o explorem.
A constituição consagra os direitos autorais e a propriedade industrial nos incisos XXIX e
XXVII, respectivamente.
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País;

1 A expressão “direitos intelectuais” é preferida sobretudo pelos civilistas. Isso porque eles vislumbram a
relação jurídica pelo enfoque do sujeito, do autor. Os comercialistas, por outro lado, focam no objeto, na
criação, daí a utilização do termo “propriedade”. Há objeções também no sentido de não considerar tais
direitos uma espécie de propriedade por serem temporários, por serem voltados sobretudo à relação entre
o titular e terceiros, em detrimento da relação entre o sujeito e o objeto, e por envolverem não apenas
direitos patrimoniais, mas também morais.
2 Trata-se de propriedade dinâmica, e não estática, pois protege “o direito de utilização e não a

titularidade do bem objeto da produção em si” [Cf. C. SALOMÃO FILHO, Direito Industrial, direito
concorrencial e interesse público, in Revista de Direito Público da Economia, v. 3, no 7, 2004, p. 35].

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XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou


reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar;

A propriedade Intelectual é uma disciplina que extravasa seu conteúdo para outras áreas
do direito, sofrendo reflexos de outros campos como do direito internacional, penal, civil,
comercial, tributário, trabalhista, etc. O eixo da propriedade industrial é, no ordenamento pátrio,
vinculado de forma completa ao direito comercial. O do direito autoral, por outro lado, tinha boa
parte de seus dispositivos regulados no antigo Código Civil. O sistema dos “direitos
intelectuais”, em geral, aproxima-se dos fundamentos do direito civil, mas possui uma estrutura
lógica própria.

Criações Técnicas e Estéticas

O poder da inteligência do homem e a atividade de sua imaginação criadora


manifestam-se no domínio das artes e das ciências, como no campo da técnica e
das indústrias, em obras de vários gêneros, que encontram proteção na lei e
constituem origem de variadas relações jurídicas.3

Somos humanos na medida em que transformamos o ambiente ao nosso redor. Essa


transformação culmina na produção de objetos, que são colocados no mundo pelo intelecto
humano e podem ser considerados seja pelo seu prisma técnico, seja pelo estético.

!
Criações Técnicas Criações Estéticas
! Caráter utilitário Caráter artístico
Direito Industrial Direito Autoral
!

Essa divisão das criações humanas entre objetos técnicos e estéticos é uma divisão
doutrinária clássica, com pretensão metodológica. Enquanto os primeiros seriam tutelados pela
propriedade industrial em sentido amplo, os estéticos encontrar-se-iam protegidos pelo direito
autoral.
Criações técnicas são criações úteis e funcionais, que se aperfeiçoam a partir da
natureza, do mundo natural, e buscam soluções práticas. As estéticas se aperfeiçoam a partir

3 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado da Propriedade Industrial, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1946, p. 67.

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Caderno de Propriedade Intelectual

da sensibilidade do ser humano que desfruta daquela obra. Acerca dessas duas modalidades,
discorre J. P. REMÉDIO MARQUES:
O direito de autor tutela uma criação espiritual captável através do espírito,
que, pese embora constitua uma espécie de conceito vago, é resultado ou uma
expressão de uma ‘forma mental imaginativa’ dirigida ao aproveitamento
meramente intelectual da criação reveladora de uma atividade mental de um
autor (de uma personalidade humana), qual sentimento mediatizado pelas
ideias, mas perceptível pelos sentidos, susceptível de ser comunicada (forma
mental sensível), que não intenta exprimir características úteis da realidade
objetivo dirigidas, como referimos, à modelação do mundo exterior às
necessidade humanas.

(...) Diferentemente, nas ideias inventivas industriais tuteladas por direito de


patente ou por modelo de utilidade, o interesse dos terceiros vai dirigido aos
atos de utilização da ideia inventiva, o que se precipita sobre a forma
externa, o corpus mechanicum; além de que a solução técnica utiliza as forças da
Natureza com vista à obtenção de um determinado resultado idôneo à
satisfação das necessidades humanas. As ideias, os conceitos, as descobertas,
as teorias científicas e outras informações de que o inventor se serve mais não
são do que instrumentos de ordenação e de atuação sobre uma realidade
preexistente, tendo em vista a consecução de uma nova solução técnica4.

Entretanto, essa divisão na prática apresenta algumas situações de sombreamento, que


colocam a distinção em xeque. De fato, há objetos que são produzidos pelo ser humano que são
ao mesmo tempo práticos e artísticos. Quando contemplamos uma obra arquitetônica, por
exemplo, temos simultaneamente uma obra técnica (são edificações provindas de cálculos
técnicos, com uma finalidade prática) e estéticas (marca de caráter artístico). Da mesma forma,
encontram-se nessa zona de penumbra os desenhos industriais, como assevera J. G. CERQUEIRA:
Parece haver entre a propriedade artística e a propriedade industrial uma zona
intermediária, onde se situam as criações que participam, ao mesmo tempo, da
natureza das obras de arte e dos característicos das produções industriais, como

4Cf. Propriedade Intelectual e interesse público, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
no 79, 2003, p. 301-302.

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se dá com os desenhos e modelos industriais, não se podendo saber, como dizem


alguns escritores, onde finda a arte e começa a indústria.5

Mas, em suma, o sistema da propriedade intelectual compreende sobretudo dois grandes


campos, a propriedade industrial e o direito autoral, que tutelam respectivamente as criações
técnicas e estéticas. Cabe salientar que a esses dois eixos aderem outros campos: próxima ao
direito autoral, encontra-se a proteção aos programas de computador, e ao direito industrial, a
lei das cultivares. São campos que não são subsumíveis aos dois principais, ensejando tutela
própria. Aproxima-los a um eixo ou outro constitui uma escolha legislativa.
A aproximação dos programas de computador aos direitos autorais, por exemplo, pode ser
questionável, mas pode ser entendida pela análise dos interesses em jogo nessa escolha. De fato,
o prazo da patente no direito autoral é de 70 anos, enquanto no direito industrial é de apenas 20.
Para as sociedade empresárias que desenvolvem softwares, consequentemente, interessa muito a
escolha pela aproximação ao sistema autoral. O resultado desse jogo de interesses é que o prazo
hoje para a patente dos programas de computador é de 50 anos, mais próximo do prazo do
direito autoral (70 anos) que do direito industrial (20 anos).

Criações e Descobertas

Outra distinção a ser feita é a entre criações e descobertas. Descoberta é a mera revelação
do que está na natureza, enquanto criação é, como vimos, o resultado do intelecto humano e sua
interação transformadora com o ambiente externo. Criar é colocar no mundo algo que antes não
existia, utilizando para isso as forças da química, física, matemática, etc. Descobrir é revelar o
que já existia. Descobertas, portanto, não surgem como decorrência do intelecto humano e por
isso não são passíveis de tutela no nosso ordenamento no âmbito da propriedade intelectual.
Essa distinção, porém, também padece de certa falta de nitidez ao considerarmos algumas
questões. Uma delas é a das inovações biotecnológicas: a identificação de moléculas seria uma
criação humana? A propriedade intelectual pode tutelar o vivo, a vida e inclusive a vida humana
em vários ordenamentos mais flexíveis na compreensão de o que seria descoberta e o que seria
invenção, no sentido da tutela de novas situações. Em outras palavras, muitos ordenamentos
tendem a abranger na propriedade intelectual situações que poderiam ser consideradas
descobertas, e não criações propriamente ditas. O Brasil ainda adota um entendimento mais

5 Cf. Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 74.

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Caderno de Propriedade Intelectual

restritivo, nesse sentido, quando comparado a países como a Itália. Vamos retomar essa questão
ao analisarmos as patentes.

Direitos Patrimoniais e Morais

O direito de propriedade do direito civil, ou seja, o material, trata da relação jurídica do


sujeito com o objeto, ou seja, do proprietário sobre a coisa. A propriedade civil implica também
uma relação do proprietário com os outros sujeitos (erga omnes), que ficam excluídos do uso,
disposição e usufruto da coisa. Isso torna a coisa exclusiva ao proprietário.
No âmbito da Propriedade Intelectual a tutela volta-se ao conhecimento. As obras, por
sua vez, externalizam o conhecimento num corpo mecânico. Mas a efetiva tutela volta-se ao
chamado corpo místico: a criação, que é uma obra do espírito.
A criação humana, com efeito, é uma projeção da personalidade do autor, e por isso seus
direito de personalidade são nela incorporados.
Tanto a propriedade industrial quanto o direito autoral compõem-se desses dois eixos do
direito: patrimoniais e morais. O que ocorre é uma diferença de intensidade: enquanto no direito
autoral a ênfase é maior sobre o autor, o criador, no direito de propriedade industrial a ênfase se
dá sobre a criação, sobre o objeto. Mas ambos coexistem nos dois direitos, o que lhes dota de
uma caráter híbrido.

OBJETO

Corpo
Direitos de
Místico Personalidade
Direitos Patrimoniais
Passíveis de Transmissão Intransmissíveis
Possuem prazo para Imprescritíveis
exploração Corpo Físico

A tutela projeta-se sobre cada objeto, pois cada objeto contém em si a criação, ou seja, o
conhecimento aplicado pelo autor. Sendo assim, os direitos de propriedade que uma pessoa
venha a ter sobre um exemplar da obra (corpo mecânico) não afastam os direitos do autor sobre
a obra em si (corpo místico). O autor continua tendo direitos sobre a criação que está

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materializada sobre aquele objeto: seja esse um objeto palpável ou até mesmo um meio
eletrônico.
Donde concluímos que o direito da propriedade intelectual é uma figura complexa, que se
desdobra em um direito patrimonial e um direito de personalidade moral. As leis que regem
essas criações podem enfatizar tanto o sujeito (direitos morais) quanto o objeto (direitos
patrimoniais) em relação à obra.
Estes direitos (...) analisam-se em duas ordens diferentes: os de caráter
patrimonial ou pecuniário, consistentes na faculdade de fruir, de modo
exclusivo, todas as vantagens materiais que a obra oferecer; e o direito moral do
autor, inerente à sua personalidade, que se manifesta, principalmente, no direito
que lhe assiste de ser reconhecido como tal em relação à sua obra e de ligar-lhe
o nome.6

O direito moral sobre a obra é inegociável e imprescritível. Mesmo com o perecimento


do autor, seus direitos morais de personalidade perduram. Quando, por exemplo, uma editora
negocia um livro, ela está efetuando uma negociação que envolve direitos patrimoniais, mas
nunca direitos morais do autor sobre a sua criação.
Os direitos patrimoniais protegidos pela propriedade intelectual possuem uma
peculiaridade: o prazo. Na verdade, quem concede esses direitos é o Estado, na atribuição
executiva, através de um documento (como se fosse uma escritura em relação à propriedade
material), que outorga esse direito ao titular por um prazo determinado. Mas por que há um
prazo?

Direito de Exclusividade

Essa exclusividade outorgada pelo Estado consiste basicamente no direito de impedir


terceiros, quando sem consentimento do criador, de reproduzirem o objeto sobre o qual ela
incide. O núcleo dos direitos intelectuais, dessa forma, é um direito de interdição, sendo assim
um direito negativo e erga omnes. Observe que não está plasmado nessa definição que o
titular tem o direito exclusivo de produzir! Daí dizer-se que não se trata de um monopólio.

6 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 69-70.

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Caderno de Propriedade Intelectual

Quando o Estado concede direitos de exclusividade significa que o agente econômico pode
se apropriar daquele pedaço do mercado durante um determinado período – é como se ele
retirasse esse pedaço.

Agentes
econômicos

(A) MERCADO 2
(B) PI (1 – parcela
apropriada)

MERCADO 1
Apropriação
Criador

A propriedade intelectual consiste num intermédio entre dois polos de interesses


conflitantes: de uma lado, os agentes econômicos, que atuam com o propósito de retorno
financeiro, e do outro a sociedade, cujo interesse é pelo livre acesso ao conhecimento.
A partir do momento em que expiram os direitos de exclusividade sobre determinado
objeto, os concorrentes passam a poder reproduzi-lo livremente, o que aumenta a oferta e faz
caírem os preços. É o exemplo dos medicamentos genéricos: uma vez caducada a patente, os
concorrentes passam a produzir aquele mesmo medicamento por preços muito inferiores ao
original. Ora, é de interesse da sociedade, portanto, a liberdade não só de acesso mas também de
reprodução das criações.
Não obstante o dever estatal de garantir esses interesses sociais, os interesses dos agentes
econômicos não podem ser desconsiderados. Afinal, se não fossem providos de tais incentivos, se
deixados à mercê de uma livre concorrência absoluta, seriam desestimulados a inovar. De fato,
inovações requerem investimentos, que não se compensam se os concorrentes puderem delas se
apropriar e reproduzir livremente. Em suma, se fosse possível plagiar as criações alheias
obtendo os mesmos lucros sem investir, não valeria a pena inovar! Isso torna necessária a
proteção da propriedade intelectual, num prisma de incentivo ao desenvolvimento econômico.

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Segredo
Tendência Free-riders
Industrial
s Nocivas

evita
Criador Concorrentes

Exclusividade de Reprodução
PI Acesso à Informação
Podem aferir com exclusividade os Podem reproduzir o objeto quando
benefícios patrimoniais advindos expira a patente, e até lá têm acesso às
daquela criação, durante um informações relativas a ele.
determinado prazo.

Benefícios à Sociedade
Estímulo à inovação
Acesso ao conhecimento
Fomento à economia

Assim, a propriedade intelectual deve contemplar, e de fato contempla, ambas as


necessidades: de proteção ao criador e de acesso ao conhecimento. Nesse sentido, se por um lado
garante um período de exploração exclusiva daquela parcela do mercado pelo seu criador, que
obtém os lucros relativos à sua inovação e pode recorrer a remédios judiciais para impedir seus
concorrentes de reproduzi-la, de outro implica a divulgação da obra7, com o consequente
acesso da sociedade ao conhecimento. Essa divulgação possibilita que, decorrido o prazo dos
direitos de exclusividade, os concorrentes possam desde já explorar aquela obra, pois tiveram
acesso a ela desde a divulgação mas não a puderam explorar nesse meio tempo por causa da
exclusividade.
A proteção oferecida pela chama ‘propriedade intelectual’ é comumente fundada
na necessidade de remunerar o esforço criativo (individual ou empresarial) e
incentivar essa mesma criação. Nos últimos anos têm sido realçadas duas outras
funções: a função de estímulo à realização de investimento na pesquisa
científica, (máxime, nos produtos farmacêuticos e fitofarmacêuticos), (...) e a
função informativa, a qual aliada ao princípio da transparência, é desenvolvida

7Essa divulgação se dá, no caso das patentes, 18 meses após o depósito da patente. Findo esse período, e
até que ocorra a caducidade da patente, os concorrentes têm acesso às informações, mas não podem
reproduzir aquela tecnologia por força do direito de exclusividade.

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Caderno de Propriedade Intelectual

pelo subsistema dos direitos de propriedade intelectual e radica na


caracterização dos Institutos de Propriedade Intelectual como bases de dados
de enorme significado para todos os setores tecnológicos, especialmente quando
permitem selecionar e orientar mais eficazmente as decisões respeitantes ao
investimento e, em geral, a política econômica8.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

•  Conv. da União
de Paris (CUP);
1883 •  Prop. Industrial;
•  Decreto n. 1263/94
Acordos sobre
aspectos •  Conv. de
dos direitos de Berna;
propriedade 1886 •  Prop. literária e
intelectual artística;
relacionados •  Decreto n. 75699/75
ao comercio

•  Acordo TRIPs;
1994 •  D. Intelectual;
•  Decreto n. 1355/94

Nossa primeira codificação civil é do século XX, e as leis especiais da área são sobretudo
da década de 1990, mas a propriedade intelectual já possuía determinadas normas no nosso
direito que remontam ao Império: já tínhamos dispositivos esparsos relativos às invenções,
marcas, ao direito autoral9.

Em 1809, D. João VI implementou um alvará que, dentre outras disposições, procurava


estimular a manufatura nacional pela proteção às inovações. Determinava que os inventores, isto
é, aqueles que implementassem inovações, teriam uma exclusividade de 14 anos sobre suas

8Cf. J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 295.


9Segundo J. G. CERQUEIRA, no Império “a Constituição garantia aos inventores a propriedade de suas
descobertas ou produções e o Cód. Criminal punia, como crime de furto, os atentados contra a
propriedade literária” [Cf. Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 72].

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criações, devendo após esse prazo divulga-las à sociedade. Consistiu, assim, num marco do início
da tutela da propriedade intelectual, em especial da propriedade industrial.

Pelo alvará de 28 de abril de 1809, IV, o Príncipe Regente reconhece ser ‘muito
conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova machina e
invenção nas artes, gozem do privilégio exclusivo além do direito que possam
ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e
das artes.’10

Brasil a parte, a doutrina situa o surgimento da tutela inventiva no século XV. No plano
internacional, o Estatuto de Veneza11 no século XV, e da Inglaterra no início do XVII, foram
diplomas que consolidaram uma série de institutos que até hoje sobrevivem em muitos
ordenamentos no que tange sobretudo à proteção das invenções.

O direito da propriedade industrial, em que o direito do inventor representa o


núcleo fundamental, é novo. É que antigamente uma solução técnica era
considerada um bem comum. As primeiras codificações de patentes são
atribuídas ao direito veneziano (1474) e inglês (1624) (statute of monopols). Estas
substituíram, em seus países, os assim chamados privilégios originários da
Idade média. Era uma prática comum em quase todos os países que tais
privilégios eram concedidos por corporações e senhores feudais e segundo
princípios bastante arbitrários e que antes impediam do que promoviam o
progresso técnico.12

Dentro da propriedade intelectual, ainda mais antigo que a propriedade industrial é a


tutela do direito do autor: a preocupação com a reprodução das obras literárias surge a partir de
Guttenberg e a imprensa.

O reconhecimento dos direitos dos autores de obras literárias ou artísticas


antecedeu ao dos direitos de propriedade industrial, podendo considerar-se
contemporâneo da invenção da imprensa, ao passo que a proteção do direito dos

10 Cf. B. J. HAMMES, Origem e Evolução Histórica do Direito de Propriedade Intelectual, in Estudos Jurídicos,
v. 23, no 62, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1991, p. 112.
11 A lei veneziana, segundo B. J. HAMMES, instaurou os pilares da patente que perduram até hoje: visava

a encorajar as inovações, compensando o empresário pelos investimentos realizados na atividade


inventiva; e compreendia um direito do inventor sobre a sua criação e sobre a utilização desta. [Cf.
Origem cit. (nota 10 supra), p. 111].
12 Cf. B. J. HAMMES, Origem... cit. (nota 10 supra), p. 109.

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Caderno de Propriedade Intelectual

autores de invenções industriais situa-se em época mais recente, como


consequência da abolição das corporações de ofícios, evoluindo paralelamente
com o progresso industrial que se seguia à extinção daquele regime. Somente
nos tempos modernos, porém, o direito de autor atingiu a fase decisiva de sua
evolução, tanto em relação à propriedade literária, científica e artística, como
em relação à propriedade industrial.13

Apesar dos avanços observados com o fim do Antigo Regime, algumas lacunas exigiam
uma regulação internacional. Segundo Salomão Filho, o grande problema durando o século XIX
foi no que concerne ao reconhecimento de patentes estrangeiras, que não se contemplava no
sistema exclusivamente nacional de direito industrial. Isso levou, em 1883, à celebração da
Convenção de Paris, que criou um sistema internacional de reconhecimento de patentes.14

DIREITO INDUSTRIAL, DIREITO CONCORRENCIAL E INTERESSE PÚBLICO

Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência

O mecanismo da propriedade intelectual ratifica os princípios do direito concorrencial, mas


possui uma estrutura e natureza própria. Alguns autores afirmam ser a propriedade intelectual
uma forma de aplicação particular dos princípios da repressão à concorrência desleal. Segundo J.
G. CERQUEIRA, “a propriedade industrial e a teoria da repressão da concorrência desleal
entrelaçam-se intimamente, podendo-se, hoje em dia, considera-las como dois aspectos diversos
da mesma relação jurídica”15
A propriedade intelectual, porém, é muito mais antiga que o direito concorrencial. Com
efeito, este só surge com o capitalismo industrial, e o consequente desenvolvimento dos agentes
do mercado, que torna necessário regular a concorrência, evitando a formação dos trustes, dos
monopólios, etc. Isso é relativamente recente. No âmbito da propriedade intelectual, por outro
lado, como vimos, há antecedentes que remontam ao século XV.
A propriedade industrial e a teoria da repressão da concorrência desleal
entrelaçam-se intimamente, podendo-se, hoje em dia, considera-las como dois

13 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 71.


14 C. SALOMÃO FILHO, Direito... cit. (nota 2 supra), p. 32.
15 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 81.

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Por Giselle Viana

aspectos diversos da mesma relação jurídica. (...) O problema da concorrência


desleal e de sua repressão só se impôs à consideração dos juristas, de modo mais
agudo, nos tempos modernos, depois que o crescente progresso das indústrias e
do comércio, aliado a outros múltiplos fatores que aqui não poderíamos
examinar, deu lugar ao aparecimento de uma competição sem regras e sem
limites, entre comerciantes e industriais, empenhados em obter vantagens casa
vez maiores sobre seus concorrentes. A livre concorrência econômica é
consequência da liberdade de comércio e indústria e age como elemento do
progresso econômico de cada país. Mas degenera, transformando-se em agente
perturbador desse progresso, quando os comerciantes e industriais, no afã de
vencerem seus competidores, lançam mão de práticas e métodos ilícitos ou
desleais. Daí a necessidade da intervenção do Estado para regulamentar a
concorrência, coibindo os abusos da liberdade individual e mantendo a livre
concorrência dentro de seus limites naturais.16

Assim, vemos que a partir de uma nova ordem econômica fez-se mister um ordem jurídica
para tutela-la. Em resposta ao avento do capitalismo industrial e dos novos valores de livre
concorrência, foram criadas regras (como o Sherman Act) com o intuito de garanti-la, evitando
abusos.
Apesar desse lapso entre o surgimento do direito de propriedade intelectual e do
concorrencial, a evolução daquele está intimamente ligada ao advento do último. Nesse cenário
de transformação econômica, foram intensas as transformações não só no fundamento
econômico, mas também na disciplina jurídica da propriedade industrial.
Como vimos, o fim do Antigo Regime implicou o fim das corporações de ofício,
instaurando a liberdade de concorrência. Até então, as “patentes” consistiam formas de
privilégio, concedidas pelas corporações ou pelos senhores feudais. As marcas, de forma
semelhante, eram concedidas pelo Estado para mostrar que garantia a qualidade daquele
produto. Após a revolução industrial, todavia, as patentes e marcas perdem essa função de
protecionismo estatal e adquirem uma nova feição, relacionada intrinsicamente ao direito
concorrencial.

Segundo C. SALOMÃO FILHO, essa evolução se deu no sentido da desestatização dos


interesses envolvidos na propriedade intelectual 17 . Assim, as patentes deixaram de ser

16 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado... cit. (nota 3 supra), p. 82.


17 Cf. Direito... cit. (nota 2 supra), pp. 30-33.

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Caderno de Propriedade Intelectual

entendidas como privilégios e passaram a ser tratadas como mecanismos de estímulo à


inventididade e, em última instância, ao progresso econômico. Afinal, ao impedir os free-
riders, o mecanismo da patente estimula a pesquisa e o desenvolvimento individual.
Nesse mesmo sentido da desestatização, a marca deixa também de fundamentar-se nos
interesses do Estado e adquire uma função privativa, de distinção dos produtos. “Passa a ser uma
forma de ligação do produto à clientela, através da diferenciação dos demais produtos. (...) [a
marca] incorpora todas as características que o marcado atribui ao bem (...) e é um poderoso
veículo de transporte de preferencias.”18
Ainda, segundo o autor:

[essa mudança] decorre menos de uma evolução do direito industrial e mais de


uma nova concepção de concorrência. Evoluindo o direito concorrencial de uma
defesa privada do concorrente para uma defesa pública da instituição
concorrência, o tratamento de qualquer instituto que a restrinja tem de ser
modificado. Monopólios devem ser admitidos na menor extensão possível e
mesmo quando admitidos, é de ser reconhecida sua função social. A essa luz, a
função econômico-jurídica dos institutos de direito industrial muda
substancialmente de figura.19

Nesse sentido, tanto as patentes quanto as marcas adquiriram uma nova função de
proteção e estímulo à concorrência. Daí afirmar que os fundamentos, a justificação do direito
intelectual moderno é eminentemente concorrencial. Essa mudança de conotação, portanto,
enfatiza a função pública dos mecanismos de propriedade intelectual em detrimento da antiga
noção de privilégio.

“A demonstração do fundamento concorrencial do direito industrial tem uma


consequência importantíssima. (...) é que o direito à patente ou à marca não
mais pode ser visto como uma propriedade ou privilégio de seu titular.
Entendido como meio de tutelar a concorrência (no sentido institucional),
assume a função principal de garantir o acesso e escolha dos consumidores.
Assim, ao contrário do que normalmente se acredita, a compreensão do direito

18 C. SALOMÃO FILHO, Direito... cit. (nota 2 supra), pp. 32-33.


19 C. SALOMÃO FILHO, Direito... cit. (nota 2 supra), p. 32.

16
Por Giselle Viana

industrial dentro da lógica institucional do direito concorrencial é a única capaz


de dar ao primeiro a conotação publicística de que este necessita20.

Interesses Corporativos

A utilização do mecanismo da propriedade intelectual não é, naturalmente, obrigatória,


ficando a cargo das empresas por ele optar ou não. As sociedades empresárias, portanto, quando
desenvolvem algo novo, deparam-se com basicamente duas alternativas: a propriedade
intelectual ou o segredo industrial.
A outra forma de proteção da tecnologia é a manutenção do segredo – o que é
sempre socialmente desaconselhável, eis que dificulta o desenvolvimento
tecnológico da sociedade. Além disso, conforme o caso, conservar o sigilo é
arriscado do ponto de vista da empresa, senão de todo impossível. (...) a patente
presume a extinção do segredo, tornando o conhecimento da tecnologia
acessível a todos. Como requisito para conceder a patente, o Estado exige a
descrição exata da tecnologia de forma que um técnico com formação média na
área seja capaz de reproduzir a invenção.21

Manter em segredo industrial uma tecnologia significa que o titular, em vez de protege-la
pela PI durante certo prazo, mantém-na “escondida”. Alguns setores do mercado tendem a optar
pelo segredo, mas os setores de tecnologia mais avançada, como o eletrônico e farmacêutico,
geralmente preferem o sistema de propriedade intelectual. O fato é que essa forma de proteção
baseada no segredo padece de uma grande vulnerabilidade, pois deve-se considerar a rotação
dos recursos humanos. Os portadores do conhecimento são, em geral, os técnicos, engenheiros,
etc., e estes podem migrar eventualmente para outras empresas, inclusive concorrentes, levando
inevitavelmente consigo o acervo de conhecimento tecnológico a eles vinculado.
Ambas as alternativas possuem vantagens e desvantagens. Se por um lado a propriedade
intelectual implica a divulgação da tecnologia22, por outro ela garante sua proteção. O segredo

20 C. SALOMÃO FILHO, Direito... cit. (nota 2 supra), p. 33.


21 D. B. BARBOSA, Uma introdução à propriedade industrial, 2a ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p.
336.
22 Nas patentes, por exemplo, o criador registra detalhadamente a tecnologia num documento, e ela é

divulgada depois do prazo de 18 meses, findos os quais qualquer pessoa pode solicitar uma cópia desse
relatório descritivo – no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – tendo acesso assim às
informações, ao conhecimento do que essas sociedades empresárias estão pesquisando, quais são suas
linhas de pesquisa tecnológica, etc. O que não podem é reproduzir a tecnologia sem autorização do titular

17
Caderno de Propriedade Intelectual

industrial, por sua vez, se por um lado possibilita que a empresa mantenha um monopólio sobre
sua tecnologia, não a protege legalmente, então uma vez “vazada” não se pode recorrer aos
remédios judiciais para coibir a concorrência.

(...) a criação e a observância de direitos desta natureza satisfaz os interesses


privados dos agentes econômicos titulares de empresas. Pois, se estes atuassem
em regime absolutamente concorrencial (...) seria incerta aquela amortização e a
remuneração dos fatores de produção dirigidos à inovação tecnológica, já que os
concorrentes ou quaisquer outros “passageiros clandestinos” (free riders)
ficariam livres de reproduzir os resultados do esforço intelectual ou material
alheio, sem que, em contrapartida, tivessem que suportar os custos inerentes ao
desenvolvimento de criações ou prestações alternativas.23

Mas ao pensarmos em termos mais concretos, podemos nos perguntar qual a vantagem de
possuir exclusividade por 20 anos sobre um objeto no contexto atual, em que a tecnologia
praticamente se renova inteiramente em poucos anos. Por que ter todas essas despesas para manter
as marcas, as patentes, etc., por dezenas de anos se ficarão obsoletas em poucos meses?
O interesse das empresas em utilizar esse sistema decorre do fato de que hoje o
desenvolvimento tecnológico é feito a partir de desenvolvimentos sequenciais. Dessa forma,
ainda que a tecnologia tenha perecido, que esteja obsoleta, suas sucessoras são via de regra nela
baseadas, e assim as contém, e exigem portanto autorização. Mais que criar tecnologias novas,
rompendo com o paradigma tecnológico anterior, os concorrentes atualmente aperfeiçoam as já
existentes, geralmente protegidas pelas propriedade industrial. Por exemplo:

da patente, mas a pesquisa em escala não industrial é permitida e já é empreendida ainda durante a
vigência da patente.
23 Cf. J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 310.

18
Por Giselle Viana

Tecnologia
2010 Protegida pela
PATENTE A
incrementais

Tecnologia
Ondas

2011 Protegida pela


PATENTE B

Tecnologia
2012 Protegida pela
PATENTE C

Na ilustração, vemos que a tecnologia criada em 2011 incorpora novos elementos à de


2010, aperfeiçoando-a e consequentemente tornando-a defasada. Poder-se-ia imaginar que, pelo
resto dos 19 anos que a patente A vigorará, ela não “servirá pra nada”, afinal o produto sobre o
qual ela incide foi substituído no mercado. Mas o ponto é que, para que a inovação de 2011 possa
ser reproduzida, por ela ser baseada na de 2010, precisa de licença da patente A. Da mesma
forma, a de 2012 precisa da licença pela patente B, além de da patente A, enquanto ela vigorar, e
assim em diante. O resultado é que, por 20 anos, qualquer tecnologia que surgir que contenha os
elementos de A só poderá ser reproduzida mediante licença de A. Daí afirmar-se que a PI não
apenas incentiva a inventividade, garantindo retorno ao inventor, mas também estimula o
desenvolvimento tecnológico geral, pois permite que terceiros aperfeiçoem as tecnologias
divulgadas.

Interesse Público
Acresce que a constituição e a fruição dos direitos de exclusivo, a mais de
satisfazer o interesse egoístico do titular, formam um conjunto de faculdades
jurídicas dirigidas à satisfação de interesses gerais (nem todos, é certo, são
interesses públicos): estímulo de atividade de investigação, promoção e difusão
das manifestações culturais; atividades cujas dimensões econômicas se fundam
no princípio geral da liberdade de iniciativa econômica.24

(...) a criação dos direitos de exclusivo corresponde, assim – pelo menos no que
concerne aos exclusivos industriais -, à satisfação de um interesse público
precipuamente dirigido ao estímulo do progresso tecnológico, pois constitui um

24 J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 322.

19
Caderno de Propriedade Intelectual

incentivo à divulgação de inovações tecnológicas que, doutro modo, seriam


mantidas em regime de segredo.25

A essência do sistema, portanto, é a divulgação da tecnologia. Essa divulgação ganha ainda


mais significado quando consideramos essa forma de evolução tecnológica incremental. Numa
hipótese em que, no exemplo analisado, a tecnologia de 2010 não houvesse sido patenteada, e
consequentemente não houvesse sido divulgada, não haveria a tecnologia de 2011, nem
quaisquer subsequentes. É através da divulgação da tecnologia, portanto, que os concorrentes
podem aperfeiçoá-la, contribuindo ao avanço tecnológico.
Ademais, depois que a patente expira os direitos perecem e qualquer um naquele país pode
reproduzir o objeto em que ela incidia. Em outras palavras, a tecnologia ou obra ingressa no
domínio público, e qualquer concorrente pode reproduzi-la.
Tendo em vista esse intuito da propriedade intelectual, não deve ser qualquer invenção
passível de tais direitos. Com efeito, a Constituição determina que só as criações que vão
acrescentar algo aos mercados, tendo em vista o bem estar social, o desenvolvimento
tecnológico e econômico, pois são esses os propósitos que o Estado tenta alcançar ao conceder
os direitos de exclusividade, são desses passíveis.
Assim, a criação deverá ostentar certos traços para que o titular possa obter o direito de
exclusividade. Esse direito, ademais, não é pleno: possui uma limitação material (conteúdo da
carta patente, por exemplo), que soma-se à limitação temporal (prazo de 20 anos, como vimos)
e territorial (vale nos limites da jurisdição do Estado que o concede), com o intuito de evitar
prejuízos excessivos à livre concorrência. Em outras palavras, o direito de exclusividade deve
ser limitado, caso contrário o Estado estaria desequilibrando a competição entre os agente
econômicos.

(...) a criação destes exclusivos industriais e comerciais só é justificável se


propiciar a disseminação e a utilização do conhecimento protegido com vista a
permitir que terceiros produzam bens ou prestem serviços, que, doutra forma,
não seriam levados a produzir ou a prestar. Mais: as condições por cujo respeito
certas informações, dados ou conhecimentos são objeto de direitos de exclusivo
devem permitir que os custos sociais do funcionamento de um sistema desde
jaez sejam minimizados, de jeito a que o exclusivo jurídico não se transforme
num peso morto (deadweight burden).26

25 J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 310.


26 J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 298.

20
Por Giselle Viana

Se o estado concedesse direito de exclusividade a uma criação técnica que não


acrescentasse àquele mercado determinados valores, a consequência seria oposta à pretendida,
afinal os agentes econômicos se sentiriam desestimulados a inovar. Em outras palavras, tudo
aquilo que for vulgar e comum a todos os agente econômicos que estão no mercado é
insuscetível de apropriação.

Abuso no Direito Industrial

Como todo direito de propriedade, os direitos industriais podem ser exercidos pelo titular
de maneira abusiva. Essa hipótese é inclusive prevista pelo legislador, que criou institutos para
coibir eventuais abusos.

Fato é que em função de fatores como o grau de essencialidade do produto, podemos ter
implicações sociais graves quanto à sua disponibilização à sociedade. O próprio legislador, tendo
isso em vista, já estabelece essas situações e os devidos mecanismos de intervenção, como o da
licença compulsória, que será abordado mais adiante. Se a propriedade deve atender à sua função
social, é natural que também deve a propriedade intelectual.
Um exemplo típico é o dos medicamentos, que são uma questão de saúde pública e
portanto são dotados de alto grau de essencialidade.
Apesar de não ser regra que a exclusividade na exploração de uma patente crie
um monopólio, no sentido econômico, é intuitivo que a exclusividade
decorrente da patente acabe por induzir a uma estrutura de mercado em que o
nível de concorrência é reduzido. Esse aspecto, aliado ao fato de que o setor
farmacêutico é particularmente dotado de falhas 27 de mercado, acaba por
requerer uma atenção particular no tocante à regulação e à garantia das
condições concorrências do mercado, com vistas a mitigar os efeitos de algumas
dessas falhas ou inoperacionalidades. Nesse sentido, a regulação econômica
complementada pelo direito da concorrência, assume relevante função em
termos de promoção do bem-estar.28

27 Falhas de Mercado, Segundo REMÉDIO MARQUES, consistem no “fato de os indivíduos e as empresas


não se acharem especialmente motivados para investir no bem público ‘informação’, por exemplo sob a
forma de conhecimento científico ou tecnológico” [Cf. Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 298.]
28 B. ROSEMBERG, Interface entre o regime de patentes e o direito concorrencial no setor farmacêutico, p. 268.

21
Caderno de Propriedade Intelectual

PATENTES

Invenção
Art. 8 LPI Aplic. Ind.

PATENTES Requisitos Novidade

Mod. Art. 9 LPI Inventiv.


Utilidade

ato atividade
PROP.
INDUSTRIAL

Aplic. Industrial
DESENHOS Requisitos Art. 95
INDUSTRIAIS LPI Novidade

Originalidade

Novidade
Requisitos Art. 122
MARCAS LPI
Dintintividade

Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade,


atividade inventiva e aplicação industrial.

Art. 9º É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou


parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou di
sposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu
uso ou em sua fabricação.

Art. 95. Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um


objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um
produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração
externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

22
Por Giselle Viana

Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos


visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Patenteabilidade

Como vimos, o direito concorrencial justifica e fundamenta a implementação pelo Estado


do sistema da propriedade intelectual.
Para que uma criação técnica seja patenteável, deve observar alguns requisitos: deve ter
aplicação industrial ou ser produzida pela indústria; deve ser nova; e deve, por fim, ser dotada de
inventividade.
Esses requisitos estão na nossa legislação por conta da exigência de Tratados – como o
TRIPs, a Convenção de Paris (propriedade industrial) e de Berna (direito autoral).
A marca é uma exceção dentro da propriedade industrial – é o único de todos esses
institutos que pode ser renovado, sem contar que tecnicamente não é uma criação nem técnica
nem estética. Mas a marca possui um intenso viés concorrencial, o que justifica sua incorporação
pela PI. Cabe observar que marca não é só a figura ou o nome, a forma do objeto também pode
ser marca. Por exemplo, a forma do vasilhame de um produto pode ser considerada uma marca.
Isso porque pode-se identificar por ele o produto: é um elemento distintivo.
O desenho industrial seria uma espécie de criação artística dentro do direito industrial.
Pode ser considerado, portanto, uma criação híbrida, por possuir aspectos estéticos mas ter sido
colocada tradicionalmente pelo legislador (modelo adotado por diversos ordenamentos, como o
francês, espanhol, italiano e argentino) no campo da propriedade industrial. Essa
ornamentalidade goza de proteção, desde que atenda também a determinados requisitos, já
mencionados.
De forma semelhante aos da invenção, mas não exatamente igual, os requisitos de
patenteabilidade dos desenhos industriais são a novidade, a aplicabilidade industrial, e a
originalidade. Ou seja, a forma não precisa ser inventiva, mas original. Essa originalidade é
equiparada, pelo legislador, à distintividade. Veremos isso mais pormenorizadamente depois.
Como vimos, a fundamentação para a concessão desses direitos de exclusividade remete ao
direito concorrencial, e é nele que se baseiam os requisitos para a patenteabilidade. Uma marca
que não tenha distintividade, um desenho que não seja novo, uma invenção vulgar, por exemplo,
não devem receber o direito de exclusividade, e a razão para isto deve ser considerada pela ótica
do direito concorrencial: o Estado não pode permitir que alguém subtraia uma fração do

23
Caderno de Propriedade Intelectual

mercado, privando esse daquele pedaço através de um privilégio temporário, sem que se
atendam alguns requisitos. Caso contrário, estar-se-ia desequilibrando a concorrência entre os
agentes econômicos no mercado, desestimulando a competição e prejudicando, em última
instância, os próprios consumidores.
A contrario sensu, podemos imaginar que os propósitos do Estado ao implementar a PI à
economia em geral, como plasmado na Constituição Federal, é o desenvolvimento econômico e
tecnológico numa linha de bem estar social, e, tendo em vista isso, o Estado não teria interesse
em conceder exclusividade a criações que não contribuam a esses escopos. Qual seria o propósito
do Estado em conceder esses direitos a algo que não é novo, a algo que não tenha inventididade? Utilizar
algo que já é comum não contribui para nenhum desses objetivos, e portanto não é tutelável.
Os limites à concessão da patente são territoriais, temporais e materiais. Os limites
materiais consistem na extensão do direito concedido, e esta é determinada pelo que está
registrado no documento, na carta-patente. Assim, o objeto do direito de exclusividade está
compreendido nas reivindicações do documento depositado.
Art. 41. A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo
teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos
desenhos.

O legislador desmembrou as invenções técnicas em invenções e modelos de utilidade.


Estes últimos constituem o lado utilitário de uma nova forma de um objeto: é uma nova forma
ou disposição de um objeto conhecido. De acordo com o citado artigo 95, deve envolver um
ato inventivo, o que remonta ao requisito de inventividade.
Art. 15. A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de
aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer
tipo de indústria.

O art. 15 apresenta o primeiro requisito à concessão da patente, e criações que não


atendem a esse requisito têm desde logo seus pedidos descartados pelo INPI, quando
examinados em sede administrativa.
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.

O segundo requisito, da novidade, vale tanto para a invenção quanto para o modelo. A
novidade é definida pelo legislador como um critério absoluto, é referenciada a um campo
definido objetivamente: o estado da técnica anterior à data do pedido de patente. Todas as

24
Por Giselle Viana

divulgações orais ou escritas por qualquer meio no Brasil ou no exterior conformam o campo do
estado da técnica, conforme o parágrafo 1o e seguintes do mesmo artigo:
§ 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao
público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou
oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o
disposto nos arts. 12, 16 e 17.

§ 2º Para fins de aferição da novidade, o conteúdo completo de pedido


depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado estado da
técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que
venha a ser publicado, mesmo que subsequentemente.

Assim, mesmo que um objeto não esteja patenteado no Brasil, apenas no exterior, ninguém
aqui pode apropriar-se desse conhecimento, por carecer de novidade. Observe-se que o estado da
técnica é o específico para a criação protocolizada.

Direito de Exclusividade
Lembrando que o pedido de patente é divulgado a partir do 18o mês após seu depósito.
Mas, antes de findo o prazo de patente, fica vedado a terceiros reproduzir aquela tecnologia.
Durante esse período, entre o 18o mês e a expiração da patente, tem-se acesso às informações
mas não se pode reproduzi-la: apenas em caráter experimental, em caráter privado - ou seja,
quando não comprometem o cerne do direito de exclusividade e os interesses econômicos do
criador. Essas hipóteses estão previstas no art. 43 e afastam a incidência da regra geral de
proibição do art. 42.

Exclusividade
Invenções: 20 anos
Modelos de utilidade: 15 anos
Tecnologia no domínio público
18o mês Liberdade de reprodução

sigilo

Depósito Divulgação Expiração


da patente da patente

Caso o titular recorra ao judiciário com o intuito de interditar uma suposta reprodução de
sua tecnologia por terceiro, durante a vigência da patente, a magistratura irá cotejar a carta

25
Caderno de Propriedade Intelectual

patente que expressa os limites dos direitos materiais concedidos pelo Estado. No direito
autoral, o cotejamento em sede judicial é sempre feito entre dois objetos, entre duas obras: a
obra protegida em relação à obra que a estaria violando. Na propriedade industrial, por outro
lado, a extensão dos direitos concedidos encontra-se na patente, ou seja, num documento que
determina a extensão daquilo que foi apropriado pelo titular, dos direitos concedidos pelo
Estado. O cotejamento em sede de direito industrial, portanto, dá-se entre o documento e o
objeto que esta-lo-ia violando.

COTEJAMENTO EM
SEDE JUDICIAL

Direito Autoral Direito Industrial

Objeto Objeto
Objeto
concor- concor-
Protegido
rente rente

Inventividade
Percebe-se que o legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala
em “atividade inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da
técnica.

Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.

O legislador optou por fazer uma distinção no tratamento das duas categorias de criações:
A apreciação da tecnologia criada em relação ao estado da técnica deve ser feita através das
lentes de um paradigma, o do técnico no assunto. O problema é que o legislador não explicita
quem é esse técnico no assunto, o que deixa uma lacuna cujo preenchimento depende de uma
criação doutrinaria e jurisprudencial. Nos outros direitos, como da Europa e dos Estados

26
Por Giselle Viana

Unidos, o técnico no assunto é aquele pesquisador, especialista no campo tecnológico da


invenção ou do modelo, e que possui os conhecimentos médios, isto é, não é nem um gênio nem
um leigo. A doutrina brasileira interpreta esse requisito como um requisito objetivo, mas alguns
entendem que é na verdade subjetivo.
Aqueles que entendem tal requisito como objetivo afirmam que, quando da concessão
desses direitos, a investigação através do prisma do paradigma “técnico no assunto” afastaria
qualquer critério de subjetividade. Afinal, não se trataria de uma análise pessoal de qualquer
pessoa, mas de uma pessoa específica incumbida de efetuar essa análise.

Tecnologia dentro do
estado da técnica
É nesse percurso que
Estado da técnica reside a inventividade:
se o deslocamento de
A para B for
surpreendente, não
A B óbvio para o técnico
P1 P2 no assunto, é um
indício de
inventividade.

Vamos pensar no exemplo do pendrive. Nesse caso, o ponto A seria o CD, pois era a
tecnologia mais avançada em armazenamento portátil de dados antes do pendrive, é foi a partir
deles que os pendrives foram criados. Os novos pendrives foram apenas aperfeiçoamentos,
criações incrementais. Mas o salto do CD para o pendrive não é óbvio, e por isso há uma
atividade inventiva envolvida.
Outro exemplo é o das canetas. P1 poderia ser a caneta tinteiro, A a caneta bic, e B a
retrátil. Essa tem os mesmos conceitos da bic, a ideia é a mesma, mas é um modelo de utilidade
dotado de certa inventividade.
O legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala em “atividade
inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da
técnica.

27
Caderno de Propriedade Intelectual

Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.

A atividade inventiva seria um "plus" em relação ao ato inventivo. Se por um lado aquela
fala em forma "comum ou óbvia", no ato utiliza-se os termos "comum ou vulgar". A
interpretação doutrinária e jurisprudencial sobre esses termos é no sentido de o "evidente ou
óbvia" implicar um grau de inventividade maior. E essa seria a justificativa, eminentemente
concorrencial, para o legislador conferir uma proteção maior para as invenções, cuja patente
dura 20 anos enquanto a do modelo dura 15.
Em outras palavras, modelos e invenções são duas espécies de criações técnicas,
industrializáveis, manufaturáveis, inéditas, etc., mas as últimas têm um conteúdo de
inventividade superior às primeiras. Ora, como vimos, os propósitos que norteiam o Estado ao
conceder patentes é desenvolver a tecnologia, estimular a competição e a inovação tecnológica, e
por isso ele premia com direito exclusivo aqueles que implementam produtos, dispositivos,
equipamentos com um maior conteúdo de inventividade, por estes lograrem maior
desenvolvimento tecnológico. Se há um interesse maior do Estado em criações com maior carga
de inventividade, é natural que o prazo da patente de invenções seja superior ao dos modelos, já
que a esses é exigido menor grau de inventividade.

Exclusões Legais
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II - concepções puramente abstratas;
III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros,
educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV - as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer
criação estética;
V - programas de computador em si;
VI - apresentação de informações;
VII - regras de jogo;
VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos
terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

28
Por Giselle Viana

IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados


na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de
qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Segundo esse artigo, não são invenções nem modelos de utilidade: descobertas, teorias
científicas (a aplicação delas para soluções técnicas de problemas técnicos, materializadas num
objeto, é passível de proteção, mas a teoria em si não); as obras literárias, arquitetônicas,
científicas (quando por exemplo implementada em um texto, um manual, etc. – a obra literária
que descreve - mas o conhecimento técnico que consta dessa obra pode ser protegido pela
patente de invenção); programas de computador em si (o programa por si tem proteção pela Lei
9.609 – mas um programa de computador por exemplo aplicado a um processo industrial que
permite o funcionamento de uma certa etapa – nesse contexto pode ser considerado como
passível de patente).

Exaustão de Direitos

Mercado Art. 43, IV LPI


Interno
EXAUSTÃO DO
DIREITO DE
PATENTE Art. 68, § 4o LPI
Mecado (importação
Externo paralela)

Como vimos, os direitos intelectuais têm uma estrutura híbrida: ora voltada ao sujeito (no
direito autoral sobretudo) ora ao objeto (no direito industrial). Essa estrutura desdobra-se em
direitos patrimoniais e morais. Ao falarmos em exaustão de direitos29, evidentemente trata-se de
direitos patrimoniais. Afinal, direitos morais nunca se exaurem.
A regra da exaustão é um instituto clássico recorrente em vários ordenamentos, vários
direitos. Em se tratando especificamente da incidência do instituto sobre as patentes, os tratados
internacionais não estabelecem nenhuma prescrição com relação à incidência ou não nos direitos
internos dos Estados membros da implementação dessa figura. Assim, fica a cargo de cada
Estado membro legislar sobre o tema.

29Na doutrina, encontramos a expressão "principio da exaustão/esgotamento", mas é preferível utilizar a


expressão "regra".

29
Caderno de Propriedade Intelectual

Para os titulares dos direitos de propriedade intelectual, ou seja, os produtores de


tecnologia, esse mecanismo é desfavorável. Afinal, na medida em que o direito se esgota, deixa
de incidir em relação àquele objeto a regra do art. 42 da LPI, ou seja, o titular perde a
prerrogativa de impedir a reprodução da tecnologia por terceiros:
Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu
consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com
estes propósitos:

I - produto objeto de patente;

II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

No nosso ordenamento há duas modalidades de exaustão: no mercado interno ou


externo. No inciso IV do art. 43 o legislador apenas considerou a hipótese de exaustão no
mercado interno, afastando num primeiro momento a possibilidade de ocorrência de exaustão no
mercado externo. Assim, versa o referido artigo:
Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica:

IV - a produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto que


tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou
com seu consentimento;

Através de uma interpretação histórica, verificamos que quando da elaboração da lei o


legislador inclinou-se unicamente pela exaustão interna. Havia dois blocos parlamentares, um
defendia os interesses das empresas transacionais (se posicionaram contra a figura da exaustão,
seja no plano interno seja no externo) e outro defendia os interesses das sociedades empresarias
brasileiras, mais nacionalistas (defendiam a incidência na exaustão tanto no plano interno
quanto no externo). Por fim, prevaleceu a tese que de certa forma contempla os dois lados,
equilibrando as duas tendências parlamentares: uma fórmula final com só uma modalidade de
exaustão, a interna.
Assim, a partir do momento em que o titular ou seu licenciado comercializam um
determinado objeto sobre o qual incidem patentes, aqueles direitos com relação àquele objeto
exaurem-se. Isso significa que sobre o objeto não existem mais direitos patrimoniais de
propriedade industrial. Entende-se que o titular já efetivou os seus direitos patrimoniais,
cobrando do adquirente esses direitos atinentes àquela operação mercantil, e assim já aferiu os
valores patrimoniais referente à licença.

30
Por Giselle Viana

Assim, os direitos de propriedade intelectual sobre o produto individualmente considerado


desaparecem. A revenda, por exemplo, não pode ser obstada pelo titular, que também nada
poderá cogitar da segunda operação, exigindo royalties.

Licenciamento
As licenças compulsórias são instrumentos legais criados para contrapor um eventual
exercício abusivo dos direitos industriais pelo titular. Apresentam-se, portanto, como uma
barreira a esse exercício abusivo:
Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se
exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar
abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão
administrativa ou judicial.
Em matéria de licenças compulsórias, há um intenso diálogo com os princípios do direito
concorrencial. Como vimos, as patentes impossibilitam o acesso a determinada parcela do
mercado a outras sociedades empresárias que têm nela interesse, isto é, que desejam dominar
também aquela tecnologia. O mercado fica fechado. Apesar disso, o titular a priori não é
obrigado a suprir esse mercado, afinal o direito de exclusividade é um direito essencialmente
negativo, que implica a faculdade de impedir terceiros de produzir determinado objeto,
independentemente de uma produção própria.
O inciso I do referido artigo coloca-se dentro da moldura do caput, e portanto a falta de
fabricação de que ele trata ensejaria uma situação de abuso por parte do titular no que toca ao
exercício dos direitos industriais.

Art. 68. § 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:

I - a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de


fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso
integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade
econômica, quando será admitida a importação; ou

II - a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.

Esse titular, que não fabrica nem permite que terceiros o façam, pode incorrer em abuso do
seu direito.

31
Caderno de Propriedade Intelectual

Importação Paralela
No parágrafo 4o do art. 68 o legislador retoma a questão da exaustão, mas em relação ao
mercado externo. O locus desse instituto continua sendo o art. 43 IV, mas em função do embate
parlamentar, naquele momento a questão ficou limitada à possibilidade da exaustão unicamente
no mercado interno. Aqueles que a defendiam também em relação ao mercado externo,
entretanto, tiveram a oportunidade de retomar esse tema no art. 68, abordando uma
circunstância na qual o titular do direito explora o direito de patente unicamente importando,
inserindo-se assim no inciso I (não exploração do objeto da patente no território brasileiro...).
Se o titular não fabrica o objeto sobre o qual tem exclusividade, mas ao mesmo tempo
impede os concorrentes de produzi-lo, frustra os objetivos do Estado na medida em que não
contribui para o desenvolvimento tecnológico e social. Se ele apenas abastece o mercado
importando, transforma nosso país num grande entreposto para empresas estrangeiras. Essa
prática é abusiva e deve ser de alguma forma sancionada.
A forma encontrada pelo legislador foi reintroduzir a questão da exaustão no plano do
mercado externo como forma de punir o titular, através da figura da importação paralela.
Nessa, há duas importações: a do titular, que não fabrica internamente, e unicamente importa,
não desenvolvendo a tecnologia e economia local; e a do concorrente, que o titular terá que
suportar por um afastamento da incidência do art. 43.
Por exemplo, imaginemos uma exaustão relativa a marcas que são de um titular francês,
que possui o registro da marca na Europa e no Brasil, e que abastece o mercado brasileiro por
meio de um licenciado. O produto é fabricado em Portugal, o licenciado português importa de lá
e abastece o mercado brasileiro. Ou seja, o titular francês não fabrica esse produto no Brasil,
incidindo no inciso I do art. 68, e ensejando a licença obrigatória, pois estaria afastando a
realização dos propósitos do Estado brasileiro. Nesse contexto, surge um concorrente
importando esse produto dessa marca de um mercado asiático, que por sua vez tinha um
licenciado autorizado também... Nessa hipótese, o titular tem que suportar a importação paralela
pelo seu concorrente.
A importação paralela é uma fórmula acoplada a um instrumento de política industrial,
além de uma espécie de estímulo adicional para que o titular produza localmente.

32
Por Giselle Viana

Espanha
França
Fabricante Portugal
autorizado

Coloca o produto
no mercado
externo

Licenciado 2

China

Licenciado 1: não Importação Paralela!


fabrica só importa
Brasil
Concorrente:
adquire o produto
do licenciado
chinês

“Quebra de Patente”

Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em


ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu
licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença
compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem
prejuízo dos direitos do respectivo titular.

Parágrafo único. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de


vigência e a possibilidade de prorrogação.

O art. 71 trata da hipótese de licença compulsória em casos de emergência nacional ou


interesse público (casos de saúde pública, uma epidemia por exemplo). Segundo o artigo, desde
que o titular da patente não atenda a essas necessidades, poderá ser concedida de ofício licença
compulsória temporária e não exclusiva. É a figura da popularmente chamada "quebra da
patente".

33
Caderno de Propriedade Intelectual

Cabe salientar que o titular não será desprovido da patente. Só será obrigado a licenciar
alguém, e essa licença, apesar de obrigatória, é remunerada e temporária. Essa remuneração
será arbitrada, conforme o art. 73 paragrafo 6o, e devera levar em conta o valor da patente
concedida.
Art. 73. O pedido de licença compulsória deverá ser formulado mediante
indicação das condições oferecidas ao titular da patente.

§ 6º No arbitramento da remuneração, serão consideradas as circunstâncias de


cada caso, levando-se em conta, obrigatoriamente, o valor econômico da licença
concedida.

Esse mecanismo busca garantir o equilíbrio entre o interesse público (acesso a


medicamentos, alimentos, cultura) e o interesse privado.
Se o Estado implementou a licença compulsória, numa situação de abuso, mas essa licença
compulsória não foi suficiente para atenuar a situação abusiva, há previsão na nossa lei de
caducidade da patente. É uma hipótese em que o direito é restringido antes da expiração do
direito de patente, por um imperativo público. Essa hipótese drástica, todavia, praticamente
nunca figurou na jurisprudência brasileira.

Criações biotecnológicas

Microorganismos
Art. 18,
trangenicos III LPI

Produtos Material
CRIAÇÕES multiplicação Art. 8 LPI
TÉCNICAS vegetativa da
Art. 42 LPI planta
INDUSTRIAIS NO
CAMPO DA Art. 27 TRIPs
BIOTECNOLOGIA
Art. 10,
Não biológicos IX LPI
Processos

Biológicos
artificiais

34
Por Giselle Viana

No que tange às criações nos campos da biotecnologia, volta à tona a questão da dicotomia
entre criar e descobrir. Para a propriedade industrial clássica, que surge com o desenvolvimento
da mecânica e da eletricidade, a distinção entre tais conceitos era muito clara: uma máquina, um
dispositivo, era desenvolvido e colocado no mundo pelo ser humano, num processo de
artificialização do mundo inerente à marcha civilizatória que nos distancia do mundo da
natureza. Na área de eletrônica, também, é clara a distinção entre criar e simplesmente revelar
aquilo que já se encontra na natureza.
Contudo, com o advento da microscopia eletrônica dentre outras inovações no campo da
ciência, tornou-se possível investigar os componentes primeiros da matéria viva (células, DNA).
A passagem da biotecnologia tradicional, através da qual produzia-se desde há muito produtos
como o vinho e o pão, para a biotecnologia moderna do século XXI, trouxe problemas no que
concerne à clareza da distinção entre ciência e tecnologia.
Pesquisas científicas voltam-se às descobertas, enquanto as tecnológicas voltam-se às
criações. Criações tecnológicas são frutos do intelecto humano, que, a partir das leis da física,
biologia e matemática cria algo novo no mundo. Mas, identificar a partir de uma determinada
espécie viva (que está, portanto, na natureza) as frações de seu DNA, seria descobrir ou criar?
Quando chegamos na parte microscópica do ser vivo encaramos esse problema.
Vivant compara criações e descobertas pontuando que a percepção humano da própria
realidade, ou seja, o que identificamos fora do “eu”, passa por um crivo muito subjetivo. Tendo
isso em vista, não seria verdade que a própria descoberta já estaria contaminada,
inevitavelmente, pelo nosso próprio subjetivismo?
Essa questão ganha grande importância no campo da propriedade intelectual, pois implica
questionar se materiais vivos são passíveis de apropriação, ou seja, se poderiam ser
considerados propriedade de alguém. A resposta a isso afeta vários campos, sobretudo o da ética,
da moralidade: se a matéria viva é passível de apropriação, então em última instancia a matéria
extraída do ser humano também seria? Isso não seria uma reificação, que afetaria a dignidade humana?
Se o corpo humano é uma projeção da personalidade humana, o corpo sem vida continua sendo?
Todavia, os agentes econômicos tem que ter uma rede de protecao contra a copia pelos
concorrentes dos resultados de suas pesquisas. Afinal, há um interesse da sociedade muito
grande em relação ao acesso dos frutos dessas pesquisas, que podem consistir em novos
tratamentos, remédios, etc.
No nosso ordenamento, houve uma transposição do acordo TRIPs para a lei interna. Esse
acordo prevê uma possibilidade de escolha ao legislador interno de adotar determinadas

35
Caderno de Propriedade Intelectual

exceções de patenteabilidade. O legislador brasileiro, diante dessa possibilidade, optou por


excluir plantas, animais e processos biológicos para sua obtenção.
Como vimos no art. 10 da LPI, há diversas hipóteses das quais se exclui a patenteabildiade.
Cabe ressaltar os incisos VIII e IX:
VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos
terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados


na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de
qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Observe-se que os métodos previstos no inciso VIII eventualmente podem ser protegidos
em países mais flexíveis, como os EUA. A justificativa aqui, para serem impassíveis de patente, é
que esses métodos não teriam aplicação industrial. Mas essa exceção não abrange os
equipamentos (a medicina hoje conta com tecnologias avançadíssimas – todo o ferramental, os
instrumentos, pode ser protegido), volta-se apenas para métodos e técnicas.
Segundo o inciso IX, é insuscetível de apropriação o todo ou parte de seres vivos naturais
e materiais biológicos. Assim, utilizando a salvaguarda do acordo TRIPs, o legis afastou os
processos biológicos, mas não os não biológicos! Em outras palavras, os processos artificiais
podem ser protegidos.

Tutela da Vida

Quanto à tutela da vida no nosso ordenamento, podemos dividir quatro categorias:

Vida

Animais Humanos Vegetais Microorganismos

O art. 18 expressa o status quo da tutela da matéria viva na lei brasileira:

Art. 18. Não são patenteáveis:

36
Por Giselle Viana

I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à


saúde públicas;

II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer


espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os
respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de
transformação do núcleo atômico; e

III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos


que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera
descoberta.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são


organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,
mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma
característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

Plantas e Microorganismos
À primeira vista, ao compararmos o parágrafo único às determinações do acordo TRIPs,
parece haver uma contradição. Com efeito, o acordo determina que os países membros
concederão proteção às variedade vegetais, mas o art. 18 exclui essas das hipóteses de
patenteabilidade. O que o legislador fez, para adequar-se às determinações do tratado, foi em vez
proteger as variedades vegetais pela propriedade industrial, tutela-las por meio de lei
específica, a Lei das Cultivares (9456/97).
Cabe observar que na proteção concedida às espécies vegetais, o que se protege não é a
espécie inteira, a planta individualmente considerada, mas apenas sua forma de propagação,
multiplicação. Essa forma é, usualmente, a semente, mas pode ser outra (algumas plantas são
multiplicadas através de frações de seus caules, por exemplo).
Assim, os direitos que uma empresa como a Monsanto tem são sobre suas sementes,
caracterizadas por aumentar a produtividade rural, dentre outras características inseridas por
meio da biotecnologia. Não ha, portanto, nenhuma proteção sobre a planta, que pode então ser
vendida, usada para processos industriais, etc.
Cabe por fim observar que o inciso II do referido artigo prevê a possibilidade de proteção a
microrganismos transgênicos, única possibilidade de proteção dos produtos nesse campo. Na

37
Caderno de Propriedade Intelectual

Itália, por exemplo, numa diretiva mais avançada, permite-se já a apropriação de fluidos
extraídos do corpo humano. No geral, a propriedade industrial caminha no sentido de uma
maior flexibilização.

Depósito
No que tange aos procedimentos administrativos de depósito dessas patentes, cabem
algumas observações. O relatório de um pedido de patente normal – de uma máquina, um
dispositivo, por exemplo – deve ser apresentado à administração federal nos termos do caput do
art. 24 da LPI. O pedido de patente relativo às matérias vivas, porém, tem a peculiaridade de
poder ensejar uma necessidade de amostras, como explicitado no parágrafo único:

Art. 24. O relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo


a possibilitar sua realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso,
a melhor forma de execução.

Parágrafo único. No caso de material biológico essencial à realização prática do


objeto do pedido, que não possa ser descrito na forma deste artigo e que não
estiver acessível ao público, o relatório será suplementado por depósito do
material em instituição autorizada pelo INPI ou indicada em acordo
internacional.

Essas regras relativas ao relatório são voltadas à divulgação – como vimos, o sistema da
PI aposta na divulgação, por isso falamos em “acesso ao conhecimento”. Por isso, os pedidos de
patente devem trazer informações suficientes para que a tecnologia seja de fato divulgada,
podendo ser reproduzida à expiração da patente. Por isso, o titular dessas criações relativas a
matérias vivas, se não conseguiu descrever totalmente a sua criação no relatório, terá que
suplementar essas informações acrescentando eventuais exemplares, coleções desses
microrganismos.
Esse mecanismo da lei de PI para a matéria viva, com deposito do material, também pode
ser aplicado às espécies vegetais, que têm regência pela lei das Cultivares, nos termos do art. 22,
parágrafo único, dessa lei:
Art. 22. Obtido o Certificado Provisório de Proteção ou o Certificado de
Proteção de Cultivar, o titular fica obrigado a manter, durante o período de
proteção, amostra viva da cultivar protegida à disposição do órgão competente,

38
Por Giselle Viana

sob pena de cancelamento do respectivo Certificado se, notificado, não a


apresentar no prazo de sessenta dias.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, quando da


obtenção do Certificado Provisório de Proteção ou do Certificado de Proteção
de Cultivar, o titular fica obrigado a enviar ao órgão competente duas amostras
vivas da cultivar protegida, uma para manipulação e exame, outra para integrar
a coleção de germoplasma.

Essa suplementação em relação à amostra da espécie, cabe observar, tem como objeto a
forma de propagação da mesma, e não o indivíduo da planta em si. Afinal, é sobre essa forma de
propagação (sementes geralmente) que incidem os direitos de exclusividade.

Patentes Pipeline
O mecanismo da pipeline é uma espécie de mecanismo de transição entre dois
ordenamentos jurídicos, o anterior e o posterior ao Acordo TRIPs, o qual modificou
significativamente o quadro normativo das patentes no Brasil.
Até então, o Brasil encontrava-se sob a égide da Convenção de Paris, e essa deixava livre
aos países membros optar por permitir ou não patentes sobre produtos químicos,
farmacêuticos e alimentícios. O Brasil, assim, optou por não proteger tais categorias pela PI,
o que teve efeitos nocivos ao desenvolvimento desses produtos no país, já que a falta de
proteção, como vimos, é um desestímulo à pesquisa tecnológica e à inovação.
Pelas determinações da Revisão de Estocolmo, cabe observar, havia o mecanismo dos
“prazos de prioridades”, segundo o qual as patentes depositadas no exterior poderiam ser
estendidas ao Brasil, e vice versa, num prazo de 6 ou 12 meses, para desenhos industriais e
invenções respectivamente:
Art. 4. A . - (1) Aquele que tiver devidamente apresentado pedido de patente de
invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial,
de registro de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o
seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do s direito de
prioridade durante os prazos adiante fixados.

C . - (1) Os prazos de prioridade acima mencionados serão de doze meses para


invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos
industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio.

39
Caderno de Propriedade Intelectual

Assim, alguém que tiver registrado uma marca na Austrália, por exemplo, terá 6 meses,
utilizando esse mecanismo, para estender a patente ao Brasil, e vice versa. Essa regra foi
internalizada pelo decreto 1.263, que ratificou a revisão de Estocolmo.
O problema é que até o Acordo TRIPs, como o Brasil vedava a apropriação dessas parcelas
do mercado de medicamentos, alimentos, etc., as empresas que patentearam seus produtos no
exterior não puderam utilizar esse mecanismo para estender ao Brasil suas patentes.
Todavia, com a internalização do Acordo TRIPs, através do Decreto no 1.355/94 e da
LPI, o país teve que adequar-se a um ordenamento que obrigatoriamente concedia direitos de
exclusivo a essas categorias de produtos. Assim, o legislador brasileiro adotou o mecanismo de
transição da pipeline, tendo em vista regular a situação desses titulares cujas patentes, relativas
a esses produtos, já haviam sido depositadas no exterior mas não puderam ser estendidas
ao Brasil, em face da proibição do ordenamento antigo, e ainda não haviam sido introduzidas
em qualquer mercado.
A expressão “pipeline” designa o “tubo” em que o produto se encontra na sua
fase de desenvolvimento anterior à entrada no mercado. (...) A introdução dessa
figura (...) pretende ir ao encontro das especificidades da indústria farmacêutica
que (...) vê frequentemente protelada no tempo a entrada dos seus produtos no
mercado, em virtude dos morosos processos de testes clínicos impostos pelas
exigências regulatórias.30

Esse mecanismo da pipeline possibilitava que esses agentes econômicos depositassem


essas patentes no Brasil, durante o período de adaptação ao Acordo TRIPs, entre 1996 e 1997,
e que essas patentes fossem revalidadas aqui, nos termos do art. 230 da LPI:
Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias,
matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e
medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de
obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou
convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito
no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer
mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu

30J. J. G. CANOTILHO, J. MACHADO, A Questão da Constitucionalidade das Patentes “Pipeline” à Luz da


Constituição Federal Brasileira de 1988, Almedina, p. 23.

40
Por Giselle Viana

consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e


efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da


publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.

§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será


automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado
manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do
disposto no caput deste artigo.

§ 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições


estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi
depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como
concedida no país de origem.

§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo


remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido,
contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40,
não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.

§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às


substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as
substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-
farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos
processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo
e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido
em andamento.

§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e


à patente concedida com base neste artigo.

Assim, por exemplo, alguém que tivesse depositado um pedido de patente na Bélgica, mas
cujo objeto ainda não tivesse sido explorado economicamente, colocado em nenhum mercado,
poderia, na janela entre 1996 e 1997, estender esses pedidos para nosso país, através do
mecanismo das patentes de revalidação condicional, ou pipe line.
O ponto que suscitou uma grande controvérsia em relação a esse dispositivo é que essa
revalidação dava-se sem quaisquer análises técnicas dos requisitos de patenteabilidade exigidos
para a concessão de patentes em geral no Brasil, passando por um crivo meramente formal pelo

41
Caderno de Propriedade Intelectual

INPI. Ademais, como já haviam sido publicadas no exterior, não atendiam, aqui, ao requisito
da novidade que condiciona a patenteabilidade, nos termos do já analisado art. 11 da LPI:
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.

§ 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao


público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou
oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o
disposto nos arts. 12, 16 e 17.

O descumprimento do princípio da novidade, segundo alguns autores, além de contrário


ao regramento das patentes no Brasil, fere o próprio fundamento do sistema de propriedade
industrial, pois essa tem como escopo a divulgação da tecnologia, consistindo num equilíbrio
entre interesses públicos (de acesso ao conhecimento) e privados (de exclusividade). Ora, uma
vez que essas tecnologias já estavam no domínio público, a concessão dessas patentes visou
apenas aos interesses dos agentes econômicos.
DENIS BORGES BARBOSA contesta esse mecanismo pois entende que a criação de uma
subcategoria de depositantes representa uma afronta ao princípio da isonomia, além de uma
afronta à própria soberania do país – que torna-se um mero “carimbador” de patentes concedidas
fora do país, limitando-se a acatar o que havia sido decidido em relação à patente no escritório
estrangeiro no qual havia-se realizado o primeiro depósito da patente.
O mecanismo da pipeline não foi exigido pelo acordo TRIPs, sendo na verdade uma opção
do próprio legislador brasileiro. Tal opção só é explicável se considerado o contexto histórico
e os interesses em jogo na época, ou seja, o que havia subjacente a esse debate.

Durante seu governo, e ainda sob a égide da Convenção de Paris, Collor se comprometeu
com esses agentes econômicos estrangeiros dos campos farmacêuticos a alterar aquela proibição
à patenteabilidade de medicamentos, mas o projeto para implementação dessas alterações não se
concluiu pois ele foi deposto antes.
Esses agentes econômicos, então, viram-se prejudicados, pois todas aquelas moléculas
desenvolvidas e os medicamentos sintetizados a partir de 1991, isto é, tudo que foi incrementado
nos mercados internacionais por esses agentes nesse período, ficou sem proteção no Brasil pela
PI, o que significa uma vultuosa margem de lucro que eles deixaram de auferir no mercado
brasileiro. Suas patentes não puderam ser estendidas ao Brasil, e sem o direito de exclusividade
não lhes foi permitido explorar esse segmento do mercado, que tem um elevado valor. Essa

42
Por Giselle Viana

conta foi apresentada ao Fernando Henrique, que, diante dessa cobrança, adotou o mecanismo
da pipeline como forma de compensar esses agentes.

DESENHOS INDUSTRIAIS E MARCAS

Assim como o modelo de utilidade, o desenho industrial tutela a forma do objeto. A


diferença é que, enquanto o primeiro tutela uma forma utilitária funcional, o desenho industrial
tutela a forma ornamental do objeto, que seja nova, original e industrializada.
O desenho industrial tem um caráter ambíguo31, sendo uma criação técnica mas ao mesmo
tempo com um aspecto estético, pois trata-se de uma forma ornamental. A importância de sua
proteção baseia-se no fato de que muitas vezes é a forma, até mais que a tecnologia em si, que faz
com que o consumidor incline-se por um objeto em detrimento de outro – efetivamente, uma
forma bonita, agradável, pode influenciar intensamente na escolha do produto (nos carros, por
exemplo).
Segundo o art. 95 da LPI:
Art. 95. Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um
objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um
produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração
externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

Os requisitos, portanto, são a novidade, a originalidade e o caráter industrial. Observe-se


que o requisito de novidade se aproxima da novidade das patentes. Originalidade, por sua vez,
está como requisito como a inventividade está para as patentes:
Art. 97. O desenho industrial é considerado original quando dele resulte uma
configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores.

O legislador aproxima o conceito de originalidade não à singularidade, mas à


distintividade. O propósito do legislador foi construir uma ponte que possibilitasse a travessia
de um desenho industrial para as marcas tridimensionais (sua tutela foi uma inovação – antes só
havia proteção para marcas nominativas e figurativas). Tanto o desenho industrial quando a
marca tridimensional tutelam a mesma coisa: a forma do objeto.

31 Cf. nota 5 supra.

43
Caderno de Propriedade Intelectual

Tutela da Forma

Patentes:
Técnica, modelos de
utilitária art. 9o, LPI
utilidade

Desenho
Ornamental industrial art. 95, LPI

Forma
Marca art. 124, XXII,
Distintiva tridimensional LPI

Artística LDA

A forma do objeto pode ter diversas funções, e cada uma de suas faceta pode ser objeto de
diferentes tutelas. Por exemplo, a forma, na medida em que tem uma função técnica, é tutelável
como modelo de utilidade. Se, por outro lado, tem uma função meramente ornamental, pode
ensejar tutela no âmbito dos desenhos industriais.

Desenho Industrial
Os desenhos industriais voltam-se para uma criação humana com caráter estético. O
que se protege portanto, através do desenho industrial, é o caráter ornamental da forma do
objeto. Uma vez que essa preocupação estética insere-se no contexto de uma produção
industrial, é como se a tutela aos desenhos industriais fosse uma espécie de direito autoral
dentro da propriedade industrial.
Dada a importância do desenho industrial para capturar o interesse dos consumidores, é
um importante instrumento de concorrência, e por isso faz-se mister sua proteção pelo sistema
de propriedade intelectual. É comum, de fato, nos inclinarmos para um produto pelo desenho
que ele ostenta, colocando até mesmo, eventualmente, a tecnologia ele que ele possui em
segundo plano.
A proteção aos desenhos industriais está prevista na seção IV, art. 25 do referido acordo, e
o legislador a transpôs para o direito interno no art. 95, que traz o conceito de Desenho
Industrial, e seguintes da LPI:

44
Por Giselle Viana

Acordo TRIPs LPI

Art. 25. Os Membros estabelecerão proteção Art. 95. Considera-se desenho industrial a
para desenhos industriais criados forma plástica ornamental de um objeto ou o
independentemente, que sejam novos ou conjunto ornamental de linhas e cores que
originais. Os Membros poderão estabelecer possa ser aplicado a um produto,
que os desenhos não serão novos ou proporcionando resultado visual novo e
originais se estes não diferirem original na sua configuração externa e que
significativamente de desenhos conhecidos possa servir de tipo de fabricação industrial.
ou combinações de
Art. 100. Não é registrável como desenho
características de desenhos conhecidos. Os
industrial:
Membros poderão estabelecer que essa
proteção não se estendera a desenhos II - a forma necessária comum ou vulgar do
determinados essencialmente por objeto ou, ainda, aquela determinada
considerações técnicas ou funcionais. essencialmente por considerações
técnicas ou funcionais.

Requisitos
O desenho industrial deve observar três requisitos, por analogia com as patentes:
aplicação industrial, novidade e originalidade. Ora, se o legislador diz que o desenho
industrial deve ser novo e original, ele pressupõe que um desenho pode ser novo sem ser
original, por exemplo. São, portanto, dois conceitos distintos.
A novidade reconduz-nos àquele cotejamento com o estado da técnica: desenho novo é
aquele que nela não está compreendido, sendo portanto passível de apropriação. Trata-se de um
crivo objetivo.
Considera-se original, por sua vez, o desenho industrial quando resulta numa
configuração visual distintiva em relação a outros objetos anteriores. Em outras palavras, não
basta que seja novo, é preciso que essa novidade represente também uma forma de
distintividade, que torne aquele produto característico, permitindo-se distinguir dos demais, é
tipo um plus à novidade.

Novo Original
Distintivo em
Diferente dos relação aos
desenhos
desenhos
anteriores
anterioes

45
Caderno de Propriedade Intelectual

O conceito de originalidade nos desenhos industriais não está equiparado ao conceito


de singularidade, de novidade, mas ao de distintividade portanto. Assim, enquanto o
desenho é considerado novo quando não compreendido no estado da técnica, só é original
na medida em que resulta numa configuração visual distintiva, quando comparado aos
objetos anteriores. A originalidade dos desenhos industriais aproxima-se, dessa forma, da
originalidade própria das marcas:
A “originalidade tem variada conceituação em Direito de Propriedade
Intelectual. (...) Pela definição do CPI/96, assemelhasse à distinguibilidade do
direito marcário, ou seja, a possibilidade de ser apropriada, já que não está
imersa no domínio comum. A fragilidade de tal conceito está na extrema
proximidade com a noção de novidade (...).32

Distintividade, portanto, é um requisito comum tanto às marcas quanto aos desenhos


industriais. Seu conceito pode ser encontrado no art. 122, relativo às marcas:
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Mas afinal, essa aproximação foi acidental? Foi de propósito? Veremos mais adiante ao
analisar a cumulatividade de patentes.

Concessão
A Lei de Propriedade Industrial (Lei no 9.279/96), hoje vigente, revogou o antigo Código
de Propriedade Industrial, instituído pela Lei 5.772 de 1971. Essa revogação trouxe
significativas alterações no regime de concessão de direitos de exclusividade sobre desenhos
industriais.
No antigo Código, a concessão dos direitos aos desenhos industriais era submetida à
mesma sistemática das patentes: passava por um exame prévio de mérito, que condicionava a
concessão do privilégio. O relatório, portanto, passava por um exame de conteúdo, através do
qual determinava-se se a criação atendia aos requisitos de novidade e originalidade, e se era
portanto passível de proteção.
O problema verificado na prática é que esse exame do relatório, realizado pelo INPI, era
extremamente lento. A morosidade da administração federal não correspondia, assim, às

32 DENIS BARBOSA, Uma introducao à Propriedade Industrial. p. 499.

46
Por Giselle Viana

necessidades dos titulares desses direitos. Afinal, os desenhos industriais sofrem em especial a
influência da moda, que é volátil e sazonal, carecendo portanto de uma proteção rápida.
Tendo em vista essa necessidade de maior celeridade, a Lei 9.279 trouxe alterações no
procedimento de obtenção desses direitos: aboliu, no que concerne aos desenhos industriais, o
procedimento administrativo de exame prévio de mérito. Com isso, o registro passou a ser
automaticamente concedido com o depósito do pedido, passando por um exame prévio
meramente formal:
Art. 106. Depositado o pedido de registro de desenho industrial e observado o
disposto nos arts. 100, 101 e 104, será automaticamente publicado e
simultaneamente concedido o registro, expedindo-se o respectivo certificado.

Art. 102. Apresentado o pedido, será ele submetido a exame formal preliminar
e, se devidamente instruído, será protocolizado, considerada a data do depósito
a da sua apresentação.

Transformou o registro, portanto, numa espécie de cartório: atendidos os requisitos


formais do pedido (previstos nos arts. 100, 101 e 104), a autoridade carimba e entrega o
certificado ao interessado, sem examinar o mérito do pedido. É uma concessão automática. A lei
brasileira aproximou-se, com isso, do modelo francês, que adota esse regime cartorial também.
Por outro lado, afastou-se da rigidez do sistema alemão, o que representa uma certa novidade,
pois o Brasil tradicionalmente filiava-se à escola alemã.
Ao retirar-se dos desenhos industriais o exame prévio de mérito, joga-se o problema para
o judiciário:
Todo o exame de mérito dos desenhos industriais fica diferido até o momento
que o próprio titular ou terceiro o requeriram. Como diz a lei, o titular do
desenho industrial poderá requerer o exame doobjeto do registro, a qualquer
tempo da vigência, quanto aos aspectos de novidade e de originalidade; (...) Já,
judicialmente, a nulidade poderá ser arguida a qualquer tempo da duração
do direito, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse, assim
como, a qualquer tempo, como matéria de defesa.

Cumulatividade de Proteções

A forma de um objeto pode por exemplo ser útil, mas também ter um caráter ornamental.
Esse caráter ornamental pode, ademais, ser uma configuração visual distintiva. A forma técnica

47
Caderno de Propriedade Intelectual

utilizada por ser protegida por patente. A forma ornamental pode ser protegida por desenho
industrial. A distintiva, como marca. E a forma artística, ainda, pela via dos direitos autorais.
Ora, se cada uma dessas facetas da forma pode atrair uma espécie de proteção, e se a forma de
um mesmo objeto pode ostentar mais de uma faceta, a priori seria possível, no limite, ter todas as
tutelas simultaneamente incidindo sobre um mesmo objeto.
É comum, por exemplo, que o caráter estético da forma seja protegida pelos desenhos
industriais e pelo direito autoral ao mesmo tempo, ou que sua faceta distintiva seja protegida
como desenho industrial e marca.
Desde que uma forma não se constitua em forma tecnicamente necessária,
poderá ser protegida pela lei de direitos autorais, subordinando-se aos seus
próprios requisitos bem como poderá também ser protegida como modelo
industrial, sujeita ao requisito de caráter industrial. (...) Destine-se ou não a ser
multiplicada, uma nova forma (não tecnicamente necessária) poderá ser
protegida pela lei de direitos de autor, desde que atenda aos seus próprios
requisitos, isto é, possua originalidade e caráter expressivo, o que se traduz em
valor artística.33

A possibilidade de cumulação desses direitos favorece o titular mas desfavorece o público.


Afinal, como vimos, conceder a exclusividade a um agente do mercado significa permitir que ele
se aproprie, em detrimento de todos os outros concorrentes, de uma parcela do mercado.
Quando o titular adquire mais de uma proteção sobre um mesmo objeto, é como se a mesma
pessoa estivesse abocanhando mais de um espaço do mercado. Por isso, apesar de a doutrina ser
favorável a esse cúmulo, a jurisprudência hesita.

REMEDIO MARQUES, por exemplo, tece uma crítica severa acerca dessa proliferação de
proteções. Segundo o autor, isso exarceba a outorga de direitos de exclusividade em favor do
interesse privado e em detrimento do público. Cria-se, com isso, um espaço em que proliferam
"cercas de arame farpado" e escasseiam os espaços de liberdade, na medida em que todo espaço
no mercado é apropriado.

33 Newton Silveira, O Direito do Autor no Desenho Industrial, p. 100.

48
Por Giselle Viana

Por que cumular tutelas?

Desenho
Marca industrial
Proteção
Imediata!

Tutela judicial após


o registro (cerca de
Tutela judicial
5 anos de demora)
imediata

Concessão de Concessão de
registro com análise registro sem análise
Proteção prévia de mérito prévia de mérito
prolongada!

Prazo prorrogável Prazo prorrogável


indefinidamente por até 25 anos

Assim como nas marcas, possibilitou-se que o autor do desenho industrial renovasse o
registro a seu critério, findo o prazo apriorístico. Prevaleceu uma aproximação com a marca,
portanto. A marca, todavia, pode ser renovada sem limite. Assim, segundo o art. 133, o registro
da marca vigora a partir da concessão do registro, por 10 anos, mas pode ser prorrogável
indefinidamente. O registro do desenho industrial, por outro lado, pode ser prorrogado a um
prazo máximo de 25 anos. A vantagem de um prazo indefinido é muito evidente quando
pensamos em formas famosas, que não se tornam obsoletas com o tempo, como a estampa da
Louis Vuitton.
Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados
da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

Art. 108. O registro vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos contados da data do
depósito, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada.

O problema da marco é que o processo administrativo de concessão do registro pode


tardar 4, 5 anos. O desenho industrial, nesse sentido, apresenta uma enorme vantagem, pois seu
prazo começa a correr, como vimos, a partir da data de depósito. Como ele não passa por um

49
Caderno de Propriedade Intelectual

exame de mérito, sua concessão é praticamente imediata. Assim, é vantajoso utilizar a via do
desenho industrial porque pode-se obter o título de exclusividade rapidamente.
Mas porque é importante obter esse título o quanto antes? Ora, enquanto o titular não se
encontra munido do título, não pode implementar os remédios processuais no sentido de
impedir seus concorrentes de reproduzir o objeto. Concedido o título, o titular pode, diante de
uma reprodução por outrem de sua criação, pedir em juízo a busca e apreensão desses objetos
violadores de sua exclusividade, por exemplo. Para a ação ajuizada o titular tem que juntar o
título aos autos – portanto, sem o título o titular tem apenas uma expectativa de direito.
Os desenhos industriais traduzem uma grande celeridade do mercado, de novos
produtos. Isso fica claro nas criações no âmbito da moda34.
Determinados objetos protegidos por desenho industrial ficam muito susceptíveis às
preferências dos consumidores, que por sua vez são muito vulneráveis às tendências, à moda. A
vantagem de cumular proteção, portanto, é que ao mesmo tempo que o titular se beneficia da
proteção imediata pelo desenho industrial, ele pode prorrogar indefinidamente a proteção
depois, via marca. A tutela imediata é importante na medida em que o criador tem que
implementar rapidamente as ações judiciais, por conta da sazonalidade dos objetos: a proteção
imediata permite que ele rapidamente ingresse em juízo e impeça os concorrentes de reproduzir
aquele objeto.

Relação entre Desenho Industrial e Marca


Com o intuito de possibilitar a cumulatividade de tutelas, o legislador fez uma ponte entre
os desenhos industriais e as marcas. De um lado, ao utilizar o conceito de “distintividade” nos
desenhos industriais, e de outro, ao vedar a tutela como marca apenas de objetos protegidos pelo
desenho industrial de outros titulares.
Como vimos, o art. 97 traz o conceito de originalidade, no âmbito dos desenhos
industriais, aproximando-o do conceito de distintividade:
Art. 97. O desenho industrial é considerado original quando dele resulte uma
configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores.

34A moda é uma espécie de criação autoral, mas que teria proteção também pelo desenho industrial pois
envolve tecidos, produzidos em escala industrial. A proteção de moda enfrenta o problema da
sazonalidade de forma intensa: muitas coleções de roupas feitas para uma estação tornam-se obsoletas em
poucos meses.

50
Por Giselle Viana

Parágrafo único. O resultado visual original poderá ser decorrente da


combinação de elementos conhecidos.

O legislador utilizou então a palavra “distintiva”, de forma idêntica ao que fez nas marcas.
Ele poderia ter falado em singularidade, mas ele utilizou “distintividade” para criar uma ponte
entre a forma ornamental a distintiva. É a possibilidade que se abriu de se caminhar do
desenho industrial para as marcas. Não foi sem querer, foi o intuito mesmo de possibilitar essa
ponte!
Essa ponte é aberta também no âmbito das marcas, no art. 124, inciso XXII:
Art. 124. Não são registráveis como marca:

XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de


acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito
técnico;

Ora, se o que se veda é a tutela como marca de forma apropriada por terceiro como
desenho industrial, a contrario sensu se não for por terceiro pode! Em outras palavras, permite-se
que o titular de um direito de exclusividade sobre um desenho industrial titularize também o
direito de marca sobre o mesmo objeto.
Assim, tendo em vista essas aberturas da lei, e tendo em vista as vantagens já analisadas
da cumulação de tutelas, a estratégia mais proveitosa ao titular seria registrar primeiro o
desenho e depois a marca.
O desenho industrial pode ser bidimensional (desenho sobre a superfície) ou até mesmo
tridimensional (a própria forma em si), desde que ornamental. Nesse último caso que entra a
discussão da aplicação cumulativa de tutelas. Assim como as marcas, devem ser visualmente
distintivos.
O acordo TRIPs adota uma expressão ainda mais ampla do que a nossa com relação às
marcas. Para o acordo, a marca consiste em qualquer sinal capaz de distinguir bens de
empreendimento de outros.
Nosso art. 122 determina que podem ser registrados como marcas os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, salvo se incidirem nas vedações legais. Há um extenso rol desses
vedações previsto no art. 124.
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

51
Caderno de Propriedade Intelectual

Restrições
O art. 124, no inciso XXI, por exemplo, restringe a apropriação como marca às formas que
não sejam necessárias, nem comuns, nem vulgares:
Art. 124. Não são registráveis como marca:

XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de


acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito
técnico;

Comum ou vulgar, como vimos anteriormente, remonta ao estado da técnica: uma forma
comum é aquela comum a todos, inserida portanto no estado da técnica e consequentemente
carecendo de novidade. Forma necessária, por sua vez, é aquela indissociável do efeito técnico,
como assevera Denis Barbosa:
A forma tecnicamente necessária do objeto é aquela que se acha
indissoluvelmente ligada à sua função técnica, de modo que outra forma não
possa atender à mesma finalidade. Assim, o que importa é que a forma não
represente utilidade apenas, mas que tal efeito técnico só possa ser obtido por
meio daquela determinada forma. Nessa hipótese, mesmo que a forma seja
dotada de efeito estético, não poderá ser objeto da tutela do direito de autor,
porque esta estaria interferindo no campo da estética.35

Assim, se o caráter ornamental é determinado necessariamente pelas considerações


técnicas ou utilitárias, afasta-se a tutela como marca. É o caso por exemplo de uma luminária de
rua. Essa vedação é idêntica nos desenhos industriais, e está, nesse âmbito, no inciso II do art.
100:
Art. 100. Não é registrável como desenho industrial:

II - a forma necessária comum ou vulgar do objeto ou, ainda, aquela


determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais

Essa ressalva é necessária na medida em que há efeitos simultaneamente ornamentais e


técnicos: retirando-se o efeito ornamental retira-se o efeito utilitário estrutural.

35 NEWTON SILVEIRA, O Direito do Autor no Desenho Industrial, p. 100.

52
Por Giselle Viana

Regra da Especialidade
A marca tem que consistir num nome, figura, ou forma nova e distintiva. O critério de
novidade é diferente do desenho industrial e das patentes, pois é via de regra considerado
dentro de uma classe. Há, nesse sentido, determinados nomes utilizados como marcas
protegidos numa classe. Assim, quando do preenchimento do relatório, o titular tem que optar
pelas classes na qual ele pretende proteger seu sinal distintivo, por exemplo, na classe de
alimentos, automóveis, etc.
É preciso determinar no requerimento, então, quais seriam as classes na qual ele pretende
tutela, e claro que quanto mais classes, maior a proteção mas maior a taxa também, porque na
vida nada é de graça. As que ele não apontar não ficam com impedimentos para utilizar aquele
nome, figura ou forma. É por isso que existem marcas, por exemplo, com o mesmo nome (gol
marca de carro e gol transporte aéreo de passageiros, por exemplo).
Essa regra da especialidade é específica das marcas e comporta exceções. Algumas marcas,
por conta da sua notoriedade, gozam de proteção em todas as classes. Isso tem muito a ver com
o público, que associa a marca a determinado produto ou serviço.

TUTELA DAS ESPÉCIES VEGETAIS


O art. 27 do anexo do Acordo TRIPs, ao tratar da matéria patenteável, trata das plantas
em seu parágrafo terceiro, deixando a cargo do legislador interno escolher se vai tutela-las
através do sistema de patentes ou de uma legislação distinta. Como vimos, a tutela das espécies
vegetais no direito brasileiro, por uma opção do nosso legislador pátrio, se dá pela Lei de
Proteção às Cultivares e não pela LPI. Nos EUA, também signatários do Acordo, essa proteção
se dá pelas patentes , opção distinta no atendimento ao parágrafo terceiro.
Art. 27. Matéria Patenteável.

3. Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

(b) Plantas e animais (...). Não obstante, os Membros concederão proteção a


variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um sistema sui
generis eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste

53
Caderno de Propriedade Intelectual

subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo


Constitutivo da OMC.

A transposição desse parágrafo ao nosso sistema se deu pela lei das Cultivares: seguimos,
portanto, a via sui generis. Essa lei representou uma inovação no nosso sistema, uma vez que
antes não tínhamos uma lei que tutelasse as espécies vegetais. Consequentemente, ela não
revoga nenhuma norma anterior.
A tutela das espécies vegetais no nosso ordenamento, cabe salientar, incide sobre a forma
de reprodução da planta, e não sobre o indivíduo vegetal. Isso porque o Brasil assinou o
penúltimo tratado internacional sobre a matéria36, que possibilita aos membros não proteger a
planta inteira, só a forma de propagação. Não assinou, assim, o último tratado, que por sua exige
que a proteção se volte não sé à forma de propagação mas à espécie inteira.
Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a
cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar,
considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção
de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de
suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País.

O Brasil tem uma grande abundância de recursos, uma vasta extensão territorial, além de
contar com um clima tropical muito favorável à agricultura. Somos um dos maiores produtores
mundiais de varias espécies vegetais, e estamos caminhando cada vez mais para o status de
celeiro do mundo. Assim, temos hoje a necessidade de disponibilizar alimentos não só para a
nossa própria população mas para diversas outras nações. Nesse contexto, essa lei torna-se
muito importante.
Graças a pesquisas implementadas pela ESALQ, pelo Instituto Agronômico e pela
Embrapa, as fronteiras agrícolas puderam se expandir nos últimos anos até mesmo até a
Amazônia, possibilitando a obtenção de excedentes agrícolas (apesar de impactar de maneira
relevante diferentes biomas). Essa expansão foi possível com a implementação de novas
tecnologias no plantio e na criação de espécies vegetais mais resistentes às adversidades do solo

36 O Brasil, assim como outro 71 países, é signatário do UPOV: International Union for the Protection of
New Varieties of Plants, celebrado em Genebra em 1961. O objetivo do UPOV é garantir e promover um
sistema efetivo de proteção às variedades vegetais, através da propriedade intelectual. Essa proteção faz-
se necessária uma vez que a criação de novas variedades vegetais exige um processo longo e caro,
enquanto a reprodução das plantas é muito fácil e rápida. Diante disso, os criadores precisam de proteção
para garantir o retorno ao investimento, o que incentiva a inovação e beneficia a sociedade como um
todo. [mais infos em http://www.upov.int (site muito fofo aliás recomendo)].

54
Por Giselle Viana

e do clima. Assim, o cerrado, que antes era tido como um solo improdutivo, pode ser utilizado
para a agricultura.
Isso mostra que hoje, por um imperativo de expansão da agropecuária, técnicos,
agrônomos e biólogos enfrentam a necessidade de obter espécies vegetais com características
especiais que permitam uma maior produtividade. Essas espécies são produzidas através de
manipulação genética, de intervenção humana, e são chamadas cultivares. Diante dessas
inovações e da percepção de sua utilidade para a expansão da agricultura, fez-se mister instituir
uma rede jurídica que, ao garantir o retorno dos investimentos realizados, estimulasse os
criadores a introduzir essas novas características nas espécies vegetais.

~ natureza ~ Laboratório
Características
desejadas
Y
X

Manipulação
Genética

TUTELA

Z
X
Y

Forma de
Propagação
(semente)

Cultivar: não pode ser usada


para fins reprodutivos!

Cultivares, portanto, são plantas que foram retiradas da natureza, estudadas em


laboratórios, e, a partir da utilização de determinados processos, induzidas geneticamente a
ostentar determinadas características desejáveis. Essas características tem como escopo

55
Caderno de Propriedade Intelectual

aumentar a produtividade e “qualidade” dos produtos, e englobam por exemplo uma maior
quantidade de açúcar, uma maior resistência a determinadas pragas, a efeitos climáticos, à acidez
do solo, etc. A espécie vegetal, portanto, sofre alterações induzidas na direção de determinadas
características que são procuradas, mas que não são encontradas dessa forma na natureza.

Requisitos

A técnica legislativa não aponta para a metodologia de definição dos institutos. De fato,
geralmente as definições ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência. Não obstante,
encontramos por vezes nas leis especiais e até em tratados anexos que trazem verdadeiros
glossários terminológicos. explicitando o significado dos termos usados no documento. É o caso
da lei das cultivares, que em seu art. 3o traz uma série de definições. O inciso IV traz a definição
de cultivar:
Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei:
IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que
seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem
mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e
estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie
passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação
especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem
componente de híbridos;

Homogenea Estável

Distinguível Nova

CULTIVAR

O inciso IV do art. 3o apresenta três requisitos à proteção da cultivar: a distintividade,


homogeneidade e estabilidade. O artigo 4o, seguinte, traz, ademais, o requisito da novidade,
mesmo requisito utilizado nas patentes:

56
Por Giselle Viana

Art. 4º É passível de proteção a nova cultivar ou a cultivar essencialmente


derivada, de qualquer gênero ou espécie vegetal.

Assim como nas invenções, as inovações no campo das cultivares frequentemente se dá em


ondas incrementais. Daí o artigo 4o, ao tratar do requisito da novidade, fala em “cultivar
essencialmente derivada”.

Direito de Proteção

A seção III do capítulo I da lei ora tratada aborda os direitos de proteção concedidos pelo
Estado às cultivares. De acordo com o art. 8o, a proteção da cultivar recai unicamente sobre a
forma de propagação, e não sobre a planta inteira:
Art. 8º A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de
multiplicação vegetativa da planta inteira.

Como vimos, isso é possível uma vez que estamos vinculados à penúltima versão do
Tratado Internacioanl de Proteção às Especies Vegetais, e não à última.
A seguir, no art. 9o, o legislador define no que implica a proteção a uma cultivar:
Art. 9º A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no
território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de proteção, a
produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a comercialização, do
material de propagação da cultivar, sem sua autorização.

Portanto, a essência do direito é impedir terceiros de reproduzir o objeto, assim como


nos outros âmbitos da Propriedade Intelectual (esse artigo dialoga com o art. 42 da LPI). O art.
10 da Lei das Cultivares equivale ao art. 43 da LPI, que afasta a incidência da regra geral:
Art. 10. Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que:
I - reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em
estabelecimento de terceiros cuja posse detenha;
II - usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu
plantio, exceto para fins reprodutivos;
III - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na
pesquisa científica;

57
Caderno de Propriedade Intelectual

IV - sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou troca,


exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de
programas de financiamento ou de apoio a pequenos produtores rurais,
conduzidos por órgãos públicos ou organizações não-governamentais,
autorizados pelo Poder Público.

Segundo o inciso II, quem usa ou vende como alimento ou matéria prima não incide na
violação do direito de exclusividade do titular. Por exemplo, um indivíduo adquire uma semente
transgênica da Monsanto, planta, obtém uma safra da especie vegetal, colhe e vende a planta:
não há nenhum óbice a isso. Ele pode, também, vender e utilizar, do ponto de vista
agroindustrial, para obter por exemplo biocombustíveis. O que ele não pode é utilizar a planta
para fins reprodutivos, isto é, ele não pode extrair a semente da espécie plantada e utilizar pra
planta-la de novo.
Na prática, isso geralmente nem é possível, pois essas sementes transgênicas quase sempre
são manipuladas de forma a fazer com que as plantas que da semente surgem produzam
sementes estéreis, justamente para que o plantador tenha que comprar de novo do fornecedor
na próxima safra. E mais, essas empresas geralmente fazem sementes que exigem a utilização de
produtos, agrotóxicos e pesticidas específicos na lavoura, fabricados pela própria empresa.
A semente transgênica possibilita um incremento expressivo na sua produtividade,
garantindo uma margem muito expressiva de lucro. É por isso que se adquire sementes desse
tipo. O problema é que depois o agricultor se torna refém dessas empresas e não pode mais sair:
as sementes causam uma mudança completa nos microorganismos do solo, causando reflexos
que impedem que os agricultores plantem de outra forma depois. Não conseguem, depois,
retornar à semente antiga.

De acordo com o inciso III, os técnicos, durante o prazo de vigência da patente, podem
utilizar as plantas já em pesquisas tecnológicas. Se isso não fosse permitido, as empresas
teriam que gastar um tempo adicional após a expiração da patente para capacitar seus técnicos a
produzir o produto. Isso seria em desfavor do interesse público, que volta-se ao acesso aos
alimentos. interesse privado do titular da cultivar x interesse publico do acesso ao alimento.

Interesse Público
Acesso aos Interesse Privado do
Alimentos Titular
Exclusividade

58
Por Giselle Viana

Interessante observar que, no parágrafo 1o do referido artigo, exclui-se essa permissão


especificametne à cana de açúcar:
§ 1º Não se aplicam as disposições do caput especificamente para a cultura da
cana-de-açúcar, hipótese em que serão observadas as seguintes disposições
adicionais, relativamente ao direito de propriedade sobre a cultivar.

O legislador então concede, seguramente por conta de pressões no Congresso Nacional


pelos produtores de cana, um afastamento as exceções do art. 10 no caso da cana. Dessa forma,
por exemplo, pesquisa científica sobre uma espécie de cana protegida pela Lei das Cultivares é
proibida! A cana virou a exceção da exceção.
O prazo de proteção das espécies vegetais, de acordo com o art. 11, começa a ser contado
desde a concessão do certificado de proteção, e vigora por 15 anos (exceto no caso das
videiras, que têm prazo de 18 anos).

Certificado de Proteção
O certificado de proteção, que consiste num relatório no qual se descreve a espécie vegetal,
não é protegido no INPI: há um órgão no Ministério da Agricultura que protege, o SNPC
(Serviço Nacional de Proteção das Cultivares).
Esse pedido tem que cumprir determinadas formalidades, previstas nos arts. 13 e 14 da Lei
das Cultivares. Primeiramente, tem que conter um relatório descritivo. Conterá também a
própria espécie botânica, o nome da cultivar, a origem genética, etc. Deve-se depositar uma
amostra em algum órgão acreditado.
Acerca dos requisitos materiais, vimos que a cultivar deve ser distinguível, homogênea
estável e nova. O exame de mérito do pedido, relativo a esses requisitos, é realizado por um
técnico da administração federal.

Licença Compulsória

Art. 28. A cultivar protegida nos termos desta Lei poderá ser objeto de licença
compulsória, que assegurará:

59
Caderno de Propriedade Intelectual

I - a disponibilidade da cultivar no mercado, a preços razoáveis, quando a


manutenção de fornecimento regular esteja sendo injustificadamente impedida
pelo titular do direito de proteção sobre a cultivar;
II - a regular distribuição da cultivar e manutenção de sua qualidade;
III - remuneração razoável ao titular do direito de proteção da cultivar.

O art. 28 trata da licença compulsória no âmbito das cultivares. É, destarte, análogo ao art.
68 da LPI. Porém, traz em relação a essa um diferencial: a questão dos preços razoáveis. O
legislador bem que poderia ter avançado e previsto na LPI também que a disponibilidade da
invenções seria a preços razoáveis... mas ele optou por não ser tão intenso. Essa questão do
preço é lida dentro do quadro da disponibilidade e fornecimento regular, e busca impedir certas
manobras injustificadas, como as especulativas, que impediriam essa disponibilidade do produto.
Em contrapartida, aos titulares é garantida, no caso de licença compulsória, uma
remuneração razoável, de acordo com o inciso III. O art. 30 elenca as condições formais do
pedido de licença compulsória. O art. 31 determina que o requerimento será recebido pelo
CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No art. 33, a lei estabelece que a
decisão do CADE sobre a licença não é passível de recurso e medida liminar. Isso afasta
algumas garantias constitucionais, o que incitou questionamentos acerca da constitucionalidade
dessa regra.

DIREITO AUTORAL
Os direitos autorais são regulados pela Lei 9.610. O nosso legislador considera “direito
autoral” um gênero, que engloba tanto o direito de autor quanto direitos conexos, como o
dos intérpretes por exemplo. O direito autoral, no geral, busca proteger a forma de
expressão:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da
fotografia;

60
Por Giselle Viana

O art. 7o, a seguir, elenca um rol exemplificativo de obras consideradas passíveis de


proteção por direito autoral. Vamos fazer algumas observações acerca de alguns desses
incisos.
Se alguém escreve uma obra que contém conhecimento técnico ou científico, o que se
pode proteger pelo direito autoral é a forma de expressão, a obra em si, sob a égide do inciso
I do artigo ora tratado. O conhecimento contido nela, por sua vez, pode vir a ser tutelável
inclusive pela LPI, se traduzir uma solução industrial para um problema técnico, atendendo
os requisitos da lei de patentes. Trata-se de uma cumulação de tutelas.
O inciso V trata das composições musicais: podem ensejar tutela da música e da letra,
que podem inclusive ser de pessoas diferentes.
O inciso VII fala das fotografias. Apesar de hoje não haver mais questionamentos a
esse respeito, do surgimento da máquina discutiu-se muito se a imagem produzida por
máquinas fotográficas era passível ou não de tutela. Isso porque havia a ideia de que essas
imagens eram produzidas por uma máquina, de forma portanto meramente mecânica. Hoje,
todavia, reconhece-se o caráter artístico da fotografia.
O órgão responsável pelo registro de obras literárias é a Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. A Escola Nacional de Belas Artes, por sua vez, encarrega-se do registro de obras
como esculturas. Os projetos de arquitetura são registrados no Conselho Federal de
Arquitetura, em Brasília. Os de engenharia, por fim, no Conselho Federal de Engenharia.

Depósito do Pedido

Há uma importantíssima diferença entre os direitos autorais e os direitos industriais no


que concerne aos efeitos do depósito. No caso das patentes, o depósito é obrigatório, pois é
através dele que nasce o direito. É um sistema, portanto, atributivo de direitos.

No direito autoral, por outro lado, o direito nasce tão somente da criação. O registro,
destarte, tem caráter meramente declarativo. No âmbito do direito autoral, portanto, o
registro não passa de uma medida assecuratória, que faz prova da data.

Requisitos
Para que uma obra artística seja passível de tutela por direito autoral, é avaliada por
um critério de originalidade. O conceito de originalidade, aqui, é diferente do conceito
utilizado pela LPI, e significa singular, próprio ao autor. Deve ser, portanto, uma obra na

61
Caderno de Propriedade Intelectual

qual apareça a projeção da personalidade do autor. É uma originalidade, nesse sentido,


subjetiva, e não objetiva como na LPI.

Lei de Proteção aos Softwares

A Lei 9.609/98 dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de


computador. Essa lei foi implementada num período de transição histórica, quando afloraram as
inovações tecnológicas mas ainda não tínhamos clareza do tamanho do impacto que seria
causado por essas novas tecnologias. Desde então, houve uma massificação dos telefones móveis,
dos computadores portáteis, etc.

Diante disso, e diante da velocidade com que essas transformações ocorreram, a lei
praticamente já nasceu obsoleta, e hoje não corresponde mais aos interesses das empresas
criadoras de softwares. Esse descompasso acarretou uma série de tentativas de alteração da lei.

Uma primeira observação que se deve fazer é relativa ao conceito de software, traduzido
com não muita precisão como “programas de computador” pelo legislador Brasileiro. Softwares
abarcam o conjunto de instruções e comandos que fazem a máquina funcionar, contrapondo-se
ao conceito de hardware, que remete aos próprios componentes da máquina.

Proteção Autoral
O regime de proteção dos softwares, por força do art. 2o, é o mesmo do direito autoral:

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de


computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais
e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Cabe observar que a proteção, aqui, cabe aos programas de computador em si, isto é, o
conjunto de comandos, o texto. Esse conjunto de comandos pode, na prática, fazer uma máquina
funcionar inserindo-se num processo produtivo. Essa aplicação industrial do programa, por sua
vez, pode ser tutelada pela LPI.

Boa Prova!

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