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ACESSO AO CONHECIMENTO
1o Bimestre
Sala XIV
2013
Caderno de Propriedade Intelectual
Índice
INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL ......................................................................................... 3
Criações Técnicas e Estéticas .................................................................................................... 5
Criações e Descobertas ............................................................................................................. 7
Direitos Patrimoniais e Morais ..................................................................................................... 8
Direito de Exclusividade ............................................................................................................. 9
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ........................................................................ 12
DIREITO INDUSTRIAL, DIREITO CCONCORRENCIAL E INTERESSE PÚBLICO ................................................. 14
Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência............................................................. 14
Interesses Corporativos ............................................................................................................. 17
Interesse Público ........................................................................................................................ 19
Abuso no Direito Industrial ........................................................................................................ 21
PATENTES ........................................................................................................................................ 22
Patenteabilidade ...................................................................................................................... 23
Exaustão de Direitos .................................................................................................................. 29
Licenciamento ........................................................................................................................... 31
Importação Paralela ................................................................................................................. 32
“Quebra de Patente” ............................................................................................................... 33
Criações biotecnológicas ........................................................................................................ 34
Tutela da Vida ........................................................................................................................... 36
Patentes Pipeline ....................................................................................................................... 39
DESENHOS INDUSTRIAIS E MARCAS.................................................................................................... 43
Tutela da Forma......................................................................................................................... 44
Desenho Industrial ..................................................................................................................... 44
Cumulatividade de Proteções ................................................................................................ 47
TUTELA DAS ESPÉCIES VEGETAIS......................................................................................................... 58
Requisitos .................................................................................................................................... 56
Direito de Proteção ................................................................................................................... 57
Licença Compulsória ................................................................................................................ 59
DIREITO AUTORAL ............................................................................................................................ 60
Depósito do Pedido .................................................................................................................. 61
Requisitos .................................................................................................................................... 61
Por Giselle Viana
Modelos de Invenções
Utilidade
Desenhos
Industriais Marcas
Patentes
Propriedade Foco no
LPI - L. 9.279/96 Objeto
Industrial
Cultivares LC - L. 9456/97
Propriedade
Prazo crescente
Intelectual
Programas de L. 9.609/98
Computador
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Caderno de Propriedade Intelectual
1 A expressão “direitos intelectuais” é preferida sobretudo pelos civilistas. Isso porque eles vislumbram a
relação jurídica pelo enfoque do sujeito, do autor. Os comercialistas, por outro lado, focam no objeto, na
criação, daí a utilização do termo “propriedade”. Há objeções também no sentido de não considerar tais
direitos uma espécie de propriedade por serem temporários, por serem voltados sobretudo à relação entre
o titular e terceiros, em detrimento da relação entre o sujeito e o objeto, e por envolverem não apenas
direitos patrimoniais, mas também morais.
2 Trata-se de propriedade dinâmica, e não estática, pois protege “o direito de utilização e não a
titularidade do bem objeto da produção em si” [Cf. C. SALOMÃO FILHO, Direito Industrial, direito
concorrencial e interesse público, in Revista de Direito Público da Economia, v. 3, no 7, 2004, p. 35].
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Por Giselle Viana
A propriedade Intelectual é uma disciplina que extravasa seu conteúdo para outras áreas
do direito, sofrendo reflexos de outros campos como do direito internacional, penal, civil,
comercial, tributário, trabalhista, etc. O eixo da propriedade industrial é, no ordenamento pátrio,
vinculado de forma completa ao direito comercial. O do direito autoral, por outro lado, tinha boa
parte de seus dispositivos regulados no antigo Código Civil. O sistema dos “direitos
intelectuais”, em geral, aproxima-se dos fundamentos do direito civil, mas possui uma estrutura
lógica própria.
!
Criações Técnicas Criações Estéticas
! Caráter utilitário Caráter artístico
Direito Industrial Direito Autoral
!
Essa divisão das criações humanas entre objetos técnicos e estéticos é uma divisão
doutrinária clássica, com pretensão metodológica. Enquanto os primeiros seriam tutelados pela
propriedade industrial em sentido amplo, os estéticos encontrar-se-iam protegidos pelo direito
autoral.
Criações técnicas são criações úteis e funcionais, que se aperfeiçoam a partir da
natureza, do mundo natural, e buscam soluções práticas. As estéticas se aperfeiçoam a partir
3 Cf. J. G. CERQUEIRA, Tratado da Propriedade Industrial, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 1946, p. 67.
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Caderno de Propriedade Intelectual
da sensibilidade do ser humano que desfruta daquela obra. Acerca dessas duas modalidades,
discorre J. P. REMÉDIO MARQUES:
O direito de autor tutela uma criação espiritual captável através do espírito,
que, pese embora constitua uma espécie de conceito vago, é resultado ou uma
expressão de uma ‘forma mental imaginativa’ dirigida ao aproveitamento
meramente intelectual da criação reveladora de uma atividade mental de um
autor (de uma personalidade humana), qual sentimento mediatizado pelas
ideias, mas perceptível pelos sentidos, susceptível de ser comunicada (forma
mental sensível), que não intenta exprimir características úteis da realidade
objetivo dirigidas, como referimos, à modelação do mundo exterior às
necessidade humanas.
4Cf. Propriedade Intelectual e interesse público, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
no 79, 2003, p. 301-302.
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Por Giselle Viana
Criações e Descobertas
Outra distinção a ser feita é a entre criações e descobertas. Descoberta é a mera revelação
do que está na natureza, enquanto criação é, como vimos, o resultado do intelecto humano e sua
interação transformadora com o ambiente externo. Criar é colocar no mundo algo que antes não
existia, utilizando para isso as forças da química, física, matemática, etc. Descobrir é revelar o
que já existia. Descobertas, portanto, não surgem como decorrência do intelecto humano e por
isso não são passíveis de tutela no nosso ordenamento no âmbito da propriedade intelectual.
Essa distinção, porém, também padece de certa falta de nitidez ao considerarmos algumas
questões. Uma delas é a das inovações biotecnológicas: a identificação de moléculas seria uma
criação humana? A propriedade intelectual pode tutelar o vivo, a vida e inclusive a vida humana
em vários ordenamentos mais flexíveis na compreensão de o que seria descoberta e o que seria
invenção, no sentido da tutela de novas situações. Em outras palavras, muitos ordenamentos
tendem a abranger na propriedade intelectual situações que poderiam ser consideradas
descobertas, e não criações propriamente ditas. O Brasil ainda adota um entendimento mais
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Caderno de Propriedade Intelectual
restritivo, nesse sentido, quando comparado a países como a Itália. Vamos retomar essa questão
ao analisarmos as patentes.
OBJETO
Corpo
Direitos de
Místico Personalidade
Direitos Patrimoniais
Passíveis de Transmissão Intransmissíveis
Possuem prazo para Imprescritíveis
exploração Corpo Físico
A tutela projeta-se sobre cada objeto, pois cada objeto contém em si a criação, ou seja, o
conhecimento aplicado pelo autor. Sendo assim, os direitos de propriedade que uma pessoa
venha a ter sobre um exemplar da obra (corpo mecânico) não afastam os direitos do autor sobre
a obra em si (corpo místico). O autor continua tendo direitos sobre a criação que está
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Por Giselle Viana
materializada sobre aquele objeto: seja esse um objeto palpável ou até mesmo um meio
eletrônico.
Donde concluímos que o direito da propriedade intelectual é uma figura complexa, que se
desdobra em um direito patrimonial e um direito de personalidade moral. As leis que regem
essas criações podem enfatizar tanto o sujeito (direitos morais) quanto o objeto (direitos
patrimoniais) em relação à obra.
Estes direitos (...) analisam-se em duas ordens diferentes: os de caráter
patrimonial ou pecuniário, consistentes na faculdade de fruir, de modo
exclusivo, todas as vantagens materiais que a obra oferecer; e o direito moral do
autor, inerente à sua personalidade, que se manifesta, principalmente, no direito
que lhe assiste de ser reconhecido como tal em relação à sua obra e de ligar-lhe
o nome.6
Direito de Exclusividade
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Caderno de Propriedade Intelectual
Quando o Estado concede direitos de exclusividade significa que o agente econômico pode
se apropriar daquele pedaço do mercado durante um determinado período – é como se ele
retirasse esse pedaço.
Agentes
econômicos
(A) MERCADO 2
(B) PI (1 – parcela
apropriada)
MERCADO 1
Apropriação
Criador
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Por Giselle Viana
Segredo
Tendência Free-riders
Industrial
s Nocivas
evita
Criador Concorrentes
Exclusividade de Reprodução
PI Acesso à Informação
Podem aferir com exclusividade os Podem reproduzir o objeto quando
benefícios patrimoniais advindos expira a patente, e até lá têm acesso às
daquela criação, durante um informações relativas a ele.
determinado prazo.
Benefícios à Sociedade
Estímulo à inovação
Acesso ao conhecimento
Fomento à economia
7Essa divulgação se dá, no caso das patentes, 18 meses após o depósito da patente. Findo esse período, e
até que ocorra a caducidade da patente, os concorrentes têm acesso às informações, mas não podem
reproduzir aquela tecnologia por força do direito de exclusividade.
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Caderno de Propriedade Intelectual
• Conv. da União
de Paris (CUP);
1883 • Prop. Industrial;
• Decreto n. 1263/94
Acordos sobre
aspectos • Conv. de
dos direitos de Berna;
propriedade 1886 • Prop. literária e
intelectual artística;
relacionados • Decreto n. 75699/75
ao comercio
• Acordo TRIPs;
1994 • D. Intelectual;
• Decreto n. 1355/94
Nossa primeira codificação civil é do século XX, e as leis especiais da área são sobretudo
da década de 1990, mas a propriedade intelectual já possuía determinadas normas no nosso
direito que remontam ao Império: já tínhamos dispositivos esparsos relativos às invenções,
marcas, ao direito autoral9.
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Por Giselle Viana
criações, devendo após esse prazo divulga-las à sociedade. Consistiu, assim, num marco do início
da tutela da propriedade intelectual, em especial da propriedade industrial.
Pelo alvará de 28 de abril de 1809, IV, o Príncipe Regente reconhece ser ‘muito
conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova machina e
invenção nas artes, gozem do privilégio exclusivo além do direito que possam
ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e
das artes.’10
Brasil a parte, a doutrina situa o surgimento da tutela inventiva no século XV. No plano
internacional, o Estatuto de Veneza11 no século XV, e da Inglaterra no início do XVII, foram
diplomas que consolidaram uma série de institutos que até hoje sobrevivem em muitos
ordenamentos no que tange sobretudo à proteção das invenções.
10 Cf. B. J. HAMMES, Origem e Evolução Histórica do Direito de Propriedade Intelectual, in Estudos Jurídicos,
v. 23, no 62, São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 1991, p. 112.
11 A lei veneziana, segundo B. J. HAMMES, instaurou os pilares da patente que perduram até hoje: visava
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Caderno de Propriedade Intelectual
Apesar dos avanços observados com o fim do Antigo Regime, algumas lacunas exigiam
uma regulação internacional. Segundo Salomão Filho, o grande problema durando o século XIX
foi no que concerne ao reconhecimento de patentes estrangeiras, que não se contemplava no
sistema exclusivamente nacional de direito industrial. Isso levou, em 1883, à celebração da
Convenção de Paris, que criou um sistema internacional de reconhecimento de patentes.14
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Por Giselle Viana
Assim, vemos que a partir de uma nova ordem econômica fez-se mister um ordem jurídica
para tutela-la. Em resposta ao avento do capitalismo industrial e dos novos valores de livre
concorrência, foram criadas regras (como o Sherman Act) com o intuito de garanti-la, evitando
abusos.
Apesar desse lapso entre o surgimento do direito de propriedade intelectual e do
concorrencial, a evolução daquele está intimamente ligada ao advento do último. Nesse cenário
de transformação econômica, foram intensas as transformações não só no fundamento
econômico, mas também na disciplina jurídica da propriedade industrial.
Como vimos, o fim do Antigo Regime implicou o fim das corporações de ofício,
instaurando a liberdade de concorrência. Até então, as “patentes” consistiam formas de
privilégio, concedidas pelas corporações ou pelos senhores feudais. As marcas, de forma
semelhante, eram concedidas pelo Estado para mostrar que garantia a qualidade daquele
produto. Após a revolução industrial, todavia, as patentes e marcas perdem essa função de
protecionismo estatal e adquirem uma nova feição, relacionada intrinsicamente ao direito
concorrencial.
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Caderno de Propriedade Intelectual
Nesse sentido, tanto as patentes quanto as marcas adquiriram uma nova função de
proteção e estímulo à concorrência. Daí afirmar que os fundamentos, a justificação do direito
intelectual moderno é eminentemente concorrencial. Essa mudança de conotação, portanto,
enfatiza a função pública dos mecanismos de propriedade intelectual em detrimento da antiga
noção de privilégio.
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Por Giselle Viana
Interesses Corporativos
Manter em segredo industrial uma tecnologia significa que o titular, em vez de protege-la
pela PI durante certo prazo, mantém-na “escondida”. Alguns setores do mercado tendem a optar
pelo segredo, mas os setores de tecnologia mais avançada, como o eletrônico e farmacêutico,
geralmente preferem o sistema de propriedade intelectual. O fato é que essa forma de proteção
baseada no segredo padece de uma grande vulnerabilidade, pois deve-se considerar a rotação
dos recursos humanos. Os portadores do conhecimento são, em geral, os técnicos, engenheiros,
etc., e estes podem migrar eventualmente para outras empresas, inclusive concorrentes, levando
inevitavelmente consigo o acervo de conhecimento tecnológico a eles vinculado.
Ambas as alternativas possuem vantagens e desvantagens. Se por um lado a propriedade
intelectual implica a divulgação da tecnologia22, por outro ela garante sua proteção. O segredo
divulgada depois do prazo de 18 meses, findos os quais qualquer pessoa pode solicitar uma cópia desse
relatório descritivo – no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – tendo acesso assim às
informações, ao conhecimento do que essas sociedades empresárias estão pesquisando, quais são suas
linhas de pesquisa tecnológica, etc. O que não podem é reproduzir a tecnologia sem autorização do titular
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Caderno de Propriedade Intelectual
industrial, por sua vez, se por um lado possibilita que a empresa mantenha um monopólio sobre
sua tecnologia, não a protege legalmente, então uma vez “vazada” não se pode recorrer aos
remédios judiciais para coibir a concorrência.
Mas ao pensarmos em termos mais concretos, podemos nos perguntar qual a vantagem de
possuir exclusividade por 20 anos sobre um objeto no contexto atual, em que a tecnologia
praticamente se renova inteiramente em poucos anos. Por que ter todas essas despesas para manter
as marcas, as patentes, etc., por dezenas de anos se ficarão obsoletas em poucos meses?
O interesse das empresas em utilizar esse sistema decorre do fato de que hoje o
desenvolvimento tecnológico é feito a partir de desenvolvimentos sequenciais. Dessa forma,
ainda que a tecnologia tenha perecido, que esteja obsoleta, suas sucessoras são via de regra nela
baseadas, e assim as contém, e exigem portanto autorização. Mais que criar tecnologias novas,
rompendo com o paradigma tecnológico anterior, os concorrentes atualmente aperfeiçoam as já
existentes, geralmente protegidas pelas propriedade industrial. Por exemplo:
da patente, mas a pesquisa em escala não industrial é permitida e já é empreendida ainda durante a
vigência da patente.
23 Cf. J. P. REMÉDIO MARQUES, Propriedade… cit. (nota 4 supra), p. 310.
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Por Giselle Viana
Tecnologia
2010 Protegida pela
PATENTE A
incrementais
Tecnologia
Ondas
Tecnologia
2012 Protegida pela
PATENTE C
Interesse Público
Acresce que a constituição e a fruição dos direitos de exclusivo, a mais de
satisfazer o interesse egoístico do titular, formam um conjunto de faculdades
jurídicas dirigidas à satisfação de interesses gerais (nem todos, é certo, são
interesses públicos): estímulo de atividade de investigação, promoção e difusão
das manifestações culturais; atividades cujas dimensões econômicas se fundam
no princípio geral da liberdade de iniciativa econômica.24
(...) a criação dos direitos de exclusivo corresponde, assim – pelo menos no que
concerne aos exclusivos industriais -, à satisfação de um interesse público
precipuamente dirigido ao estímulo do progresso tecnológico, pois constitui um
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Caderno de Propriedade Intelectual
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Por Giselle Viana
Como todo direito de propriedade, os direitos industriais podem ser exercidos pelo titular
de maneira abusiva. Essa hipótese é inclusive prevista pelo legislador, que criou institutos para
coibir eventuais abusos.
Fato é que em função de fatores como o grau de essencialidade do produto, podemos ter
implicações sociais graves quanto à sua disponibilização à sociedade. O próprio legislador, tendo
isso em vista, já estabelece essas situações e os devidos mecanismos de intervenção, como o da
licença compulsória, que será abordado mais adiante. Se a propriedade deve atender à sua função
social, é natural que também deve a propriedade intelectual.
Um exemplo típico é o dos medicamentos, que são uma questão de saúde pública e
portanto são dotados de alto grau de essencialidade.
Apesar de não ser regra que a exclusividade na exploração de uma patente crie
um monopólio, no sentido econômico, é intuitivo que a exclusividade
decorrente da patente acabe por induzir a uma estrutura de mercado em que o
nível de concorrência é reduzido. Esse aspecto, aliado ao fato de que o setor
farmacêutico é particularmente dotado de falhas 27 de mercado, acaba por
requerer uma atenção particular no tocante à regulação e à garantia das
condições concorrências do mercado, com vistas a mitigar os efeitos de algumas
dessas falhas ou inoperacionalidades. Nesse sentido, a regulação econômica
complementada pelo direito da concorrência, assume relevante função em
termos de promoção do bem-estar.28
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Caderno de Propriedade Intelectual
PATENTES
Invenção
Art. 8 LPI Aplic. Ind.
ato atividade
PROP.
INDUSTRIAL
Aplic. Industrial
DESENHOS Requisitos Art. 95
INDUSTRIAIS LPI Novidade
Originalidade
Novidade
Requisitos Art. 122
MARCAS LPI
Dintintividade
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Por Giselle Viana
Patenteabilidade
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Caderno de Propriedade Intelectual
mercado, privando esse daquele pedaço através de um privilégio temporário, sem que se
atendam alguns requisitos. Caso contrário, estar-se-ia desequilibrando a concorrência entre os
agentes econômicos no mercado, desestimulando a competição e prejudicando, em última
instância, os próprios consumidores.
A contrario sensu, podemos imaginar que os propósitos do Estado ao implementar a PI à
economia em geral, como plasmado na Constituição Federal, é o desenvolvimento econômico e
tecnológico numa linha de bem estar social, e, tendo em vista isso, o Estado não teria interesse
em conceder exclusividade a criações que não contribuam a esses escopos. Qual seria o propósito
do Estado em conceder esses direitos a algo que não é novo, a algo que não tenha inventididade? Utilizar
algo que já é comum não contribui para nenhum desses objetivos, e portanto não é tutelável.
Os limites à concessão da patente são territoriais, temporais e materiais. Os limites
materiais consistem na extensão do direito concedido, e esta é determinada pelo que está
registrado no documento, na carta-patente. Assim, o objeto do direito de exclusividade está
compreendido nas reivindicações do documento depositado.
Art. 41. A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo
teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos
desenhos.
O segundo requisito, da novidade, vale tanto para a invenção quanto para o modelo. A
novidade é definida pelo legislador como um critério absoluto, é referenciada a um campo
definido objetivamente: o estado da técnica anterior à data do pedido de patente. Todas as
24
Por Giselle Viana
divulgações orais ou escritas por qualquer meio no Brasil ou no exterior conformam o campo do
estado da técnica, conforme o parágrafo 1o e seguintes do mesmo artigo:
§ 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao
público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou
oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o
disposto nos arts. 12, 16 e 17.
Assim, mesmo que um objeto não esteja patenteado no Brasil, apenas no exterior, ninguém
aqui pode apropriar-se desse conhecimento, por carecer de novidade. Observe-se que o estado da
técnica é o específico para a criação protocolizada.
Direito de Exclusividade
Lembrando que o pedido de patente é divulgado a partir do 18o mês após seu depósito.
Mas, antes de findo o prazo de patente, fica vedado a terceiros reproduzir aquela tecnologia.
Durante esse período, entre o 18o mês e a expiração da patente, tem-se acesso às informações
mas não se pode reproduzi-la: apenas em caráter experimental, em caráter privado - ou seja,
quando não comprometem o cerne do direito de exclusividade e os interesses econômicos do
criador. Essas hipóteses estão previstas no art. 43 e afastam a incidência da regra geral de
proibição do art. 42.
Exclusividade
Invenções: 20 anos
Modelos de utilidade: 15 anos
Tecnologia no domínio público
18o mês Liberdade de reprodução
sigilo
Caso o titular recorra ao judiciário com o intuito de interditar uma suposta reprodução de
sua tecnologia por terceiro, durante a vigência da patente, a magistratura irá cotejar a carta
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Caderno de Propriedade Intelectual
patente que expressa os limites dos direitos materiais concedidos pelo Estado. No direito
autoral, o cotejamento em sede judicial é sempre feito entre dois objetos, entre duas obras: a
obra protegida em relação à obra que a estaria violando. Na propriedade industrial, por outro
lado, a extensão dos direitos concedidos encontra-se na patente, ou seja, num documento que
determina a extensão daquilo que foi apropriado pelo titular, dos direitos concedidos pelo
Estado. O cotejamento em sede de direito industrial, portanto, dá-se entre o documento e o
objeto que esta-lo-ia violando.
COTEJAMENTO EM
SEDE JUDICIAL
Objeto Objeto
Objeto
concor- concor-
Protegido
rente rente
Inventividade
Percebe-se que o legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala
em “atividade inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da
técnica.
Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.
O legislador optou por fazer uma distinção no tratamento das duas categorias de criações:
A apreciação da tecnologia criada em relação ao estado da técnica deve ser feita através das
lentes de um paradigma, o do técnico no assunto. O problema é que o legislador não explicita
quem é esse técnico no assunto, o que deixa uma lacuna cujo preenchimento depende de uma
criação doutrinaria e jurisprudencial. Nos outros direitos, como da Europa e dos Estados
26
Por Giselle Viana
Tecnologia dentro do
estado da técnica
É nesse percurso que
Estado da técnica reside a inventividade:
se o deslocamento de
A para B for
surpreendente, não
A B óbvio para o técnico
P1 P2 no assunto, é um
indício de
inventividade.
Vamos pensar no exemplo do pendrive. Nesse caso, o ponto A seria o CD, pois era a
tecnologia mais avançada em armazenamento portátil de dados antes do pendrive, é foi a partir
deles que os pendrives foram criados. Os novos pendrives foram apenas aperfeiçoamentos,
criações incrementais. Mas o salto do CD para o pendrive não é óbvio, e por isso há uma
atividade inventiva envolvida.
Outro exemplo é o das canetas. P1 poderia ser a caneta tinteiro, A a caneta bic, e B a
retrátil. Essa tem os mesmos conceitos da bic, a ideia é a mesma, mas é um modelo de utilidade
dotado de certa inventividade.
O legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala em “atividade
inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da
técnica.
27
Caderno de Propriedade Intelectual
Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.
A atividade inventiva seria um "plus" em relação ao ato inventivo. Se por um lado aquela
fala em forma "comum ou óbvia", no ato utiliza-se os termos "comum ou vulgar". A
interpretação doutrinária e jurisprudencial sobre esses termos é no sentido de o "evidente ou
óbvia" implicar um grau de inventividade maior. E essa seria a justificativa, eminentemente
concorrencial, para o legislador conferir uma proteção maior para as invenções, cuja patente
dura 20 anos enquanto a do modelo dura 15.
Em outras palavras, modelos e invenções são duas espécies de criações técnicas,
industrializáveis, manufaturáveis, inéditas, etc., mas as últimas têm um conteúdo de
inventividade superior às primeiras. Ora, como vimos, os propósitos que norteiam o Estado ao
conceder patentes é desenvolver a tecnologia, estimular a competição e a inovação tecnológica, e
por isso ele premia com direito exclusivo aqueles que implementam produtos, dispositivos,
equipamentos com um maior conteúdo de inventividade, por estes lograrem maior
desenvolvimento tecnológico. Se há um interesse maior do Estado em criações com maior carga
de inventividade, é natural que o prazo da patente de invenções seja superior ao dos modelos, já
que a esses é exigido menor grau de inventividade.
Exclusões Legais
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II - concepções puramente abstratas;
III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros,
educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV - as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer
criação estética;
V - programas de computador em si;
VI - apresentação de informações;
VII - regras de jogo;
VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos
terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
28
Por Giselle Viana
Segundo esse artigo, não são invenções nem modelos de utilidade: descobertas, teorias
científicas (a aplicação delas para soluções técnicas de problemas técnicos, materializadas num
objeto, é passível de proteção, mas a teoria em si não); as obras literárias, arquitetônicas,
científicas (quando por exemplo implementada em um texto, um manual, etc. – a obra literária
que descreve - mas o conhecimento técnico que consta dessa obra pode ser protegido pela
patente de invenção); programas de computador em si (o programa por si tem proteção pela Lei
9.609 – mas um programa de computador por exemplo aplicado a um processo industrial que
permite o funcionamento de uma certa etapa – nesse contexto pode ser considerado como
passível de patente).
Exaustão de Direitos
Como vimos, os direitos intelectuais têm uma estrutura híbrida: ora voltada ao sujeito (no
direito autoral sobretudo) ora ao objeto (no direito industrial). Essa estrutura desdobra-se em
direitos patrimoniais e morais. Ao falarmos em exaustão de direitos29, evidentemente trata-se de
direitos patrimoniais. Afinal, direitos morais nunca se exaurem.
A regra da exaustão é um instituto clássico recorrente em vários ordenamentos, vários
direitos. Em se tratando especificamente da incidência do instituto sobre as patentes, os tratados
internacionais não estabelecem nenhuma prescrição com relação à incidência ou não nos direitos
internos dos Estados membros da implementação dessa figura. Assim, fica a cargo de cada
Estado membro legislar sobre o tema.
29
Caderno de Propriedade Intelectual
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Por Giselle Viana
Licenciamento
As licenças compulsórias são instrumentos legais criados para contrapor um eventual
exercício abusivo dos direitos industriais pelo titular. Apresentam-se, portanto, como uma
barreira a esse exercício abusivo:
Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se
exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar
abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão
administrativa ou judicial.
Em matéria de licenças compulsórias, há um intenso diálogo com os princípios do direito
concorrencial. Como vimos, as patentes impossibilitam o acesso a determinada parcela do
mercado a outras sociedades empresárias que têm nela interesse, isto é, que desejam dominar
também aquela tecnologia. O mercado fica fechado. Apesar disso, o titular a priori não é
obrigado a suprir esse mercado, afinal o direito de exclusividade é um direito essencialmente
negativo, que implica a faculdade de impedir terceiros de produzir determinado objeto,
independentemente de uma produção própria.
O inciso I do referido artigo coloca-se dentro da moldura do caput, e portanto a falta de
fabricação de que ele trata ensejaria uma situação de abuso por parte do titular no que toca ao
exercício dos direitos industriais.
Esse titular, que não fabrica nem permite que terceiros o façam, pode incorrer em abuso do
seu direito.
31
Caderno de Propriedade Intelectual
Importação Paralela
No parágrafo 4o do art. 68 o legislador retoma a questão da exaustão, mas em relação ao
mercado externo. O locus desse instituto continua sendo o art. 43 IV, mas em função do embate
parlamentar, naquele momento a questão ficou limitada à possibilidade da exaustão unicamente
no mercado interno. Aqueles que a defendiam também em relação ao mercado externo,
entretanto, tiveram a oportunidade de retomar esse tema no art. 68, abordando uma
circunstância na qual o titular do direito explora o direito de patente unicamente importando,
inserindo-se assim no inciso I (não exploração do objeto da patente no território brasileiro...).
Se o titular não fabrica o objeto sobre o qual tem exclusividade, mas ao mesmo tempo
impede os concorrentes de produzi-lo, frustra os objetivos do Estado na medida em que não
contribui para o desenvolvimento tecnológico e social. Se ele apenas abastece o mercado
importando, transforma nosso país num grande entreposto para empresas estrangeiras. Essa
prática é abusiva e deve ser de alguma forma sancionada.
A forma encontrada pelo legislador foi reintroduzir a questão da exaustão no plano do
mercado externo como forma de punir o titular, através da figura da importação paralela.
Nessa, há duas importações: a do titular, que não fabrica internamente, e unicamente importa,
não desenvolvendo a tecnologia e economia local; e a do concorrente, que o titular terá que
suportar por um afastamento da incidência do art. 43.
Por exemplo, imaginemos uma exaustão relativa a marcas que são de um titular francês,
que possui o registro da marca na Europa e no Brasil, e que abastece o mercado brasileiro por
meio de um licenciado. O produto é fabricado em Portugal, o licenciado português importa de lá
e abastece o mercado brasileiro. Ou seja, o titular francês não fabrica esse produto no Brasil,
incidindo no inciso I do art. 68, e ensejando a licença obrigatória, pois estaria afastando a
realização dos propósitos do Estado brasileiro. Nesse contexto, surge um concorrente
importando esse produto dessa marca de um mercado asiático, que por sua vez tinha um
licenciado autorizado também... Nessa hipótese, o titular tem que suportar a importação paralela
pelo seu concorrente.
A importação paralela é uma fórmula acoplada a um instrumento de política industrial,
além de uma espécie de estímulo adicional para que o titular produza localmente.
32
Por Giselle Viana
Espanha
França
Fabricante Portugal
autorizado
Coloca o produto
no mercado
externo
Licenciado 2
China
“Quebra de Patente”
33
Caderno de Propriedade Intelectual
Cabe salientar que o titular não será desprovido da patente. Só será obrigado a licenciar
alguém, e essa licença, apesar de obrigatória, é remunerada e temporária. Essa remuneração
será arbitrada, conforme o art. 73 paragrafo 6o, e devera levar em conta o valor da patente
concedida.
Art. 73. O pedido de licença compulsória deverá ser formulado mediante
indicação das condições oferecidas ao titular da patente.
Criações biotecnológicas
Microorganismos
Art. 18,
trangenicos III LPI
Produtos Material
CRIAÇÕES multiplicação Art. 8 LPI
TÉCNICAS vegetativa da
Art. 42 LPI planta
INDUSTRIAIS NO
CAMPO DA Art. 27 TRIPs
BIOTECNOLOGIA
Art. 10,
Não biológicos IX LPI
Processos
Biológicos
artificiais
34
Por Giselle Viana
No que tange às criações nos campos da biotecnologia, volta à tona a questão da dicotomia
entre criar e descobrir. Para a propriedade industrial clássica, que surge com o desenvolvimento
da mecânica e da eletricidade, a distinção entre tais conceitos era muito clara: uma máquina, um
dispositivo, era desenvolvido e colocado no mundo pelo ser humano, num processo de
artificialização do mundo inerente à marcha civilizatória que nos distancia do mundo da
natureza. Na área de eletrônica, também, é clara a distinção entre criar e simplesmente revelar
aquilo que já se encontra na natureza.
Contudo, com o advento da microscopia eletrônica dentre outras inovações no campo da
ciência, tornou-se possível investigar os componentes primeiros da matéria viva (células, DNA).
A passagem da biotecnologia tradicional, através da qual produzia-se desde há muito produtos
como o vinho e o pão, para a biotecnologia moderna do século XXI, trouxe problemas no que
concerne à clareza da distinção entre ciência e tecnologia.
Pesquisas científicas voltam-se às descobertas, enquanto as tecnológicas voltam-se às
criações. Criações tecnológicas são frutos do intelecto humano, que, a partir das leis da física,
biologia e matemática cria algo novo no mundo. Mas, identificar a partir de uma determinada
espécie viva (que está, portanto, na natureza) as frações de seu DNA, seria descobrir ou criar?
Quando chegamos na parte microscópica do ser vivo encaramos esse problema.
Vivant compara criações e descobertas pontuando que a percepção humano da própria
realidade, ou seja, o que identificamos fora do “eu”, passa por um crivo muito subjetivo. Tendo
isso em vista, não seria verdade que a própria descoberta já estaria contaminada,
inevitavelmente, pelo nosso próprio subjetivismo?
Essa questão ganha grande importância no campo da propriedade intelectual, pois implica
questionar se materiais vivos são passíveis de apropriação, ou seja, se poderiam ser
considerados propriedade de alguém. A resposta a isso afeta vários campos, sobretudo o da ética,
da moralidade: se a matéria viva é passível de apropriação, então em última instancia a matéria
extraída do ser humano também seria? Isso não seria uma reificação, que afetaria a dignidade humana?
Se o corpo humano é uma projeção da personalidade humana, o corpo sem vida continua sendo?
Todavia, os agentes econômicos tem que ter uma rede de protecao contra a copia pelos
concorrentes dos resultados de suas pesquisas. Afinal, há um interesse da sociedade muito
grande em relação ao acesso dos frutos dessas pesquisas, que podem consistir em novos
tratamentos, remédios, etc.
No nosso ordenamento, houve uma transposição do acordo TRIPs para a lei interna. Esse
acordo prevê uma possibilidade de escolha ao legislador interno de adotar determinadas
35
Caderno de Propriedade Intelectual
Observe-se que os métodos previstos no inciso VIII eventualmente podem ser protegidos
em países mais flexíveis, como os EUA. A justificativa aqui, para serem impassíveis de patente, é
que esses métodos não teriam aplicação industrial. Mas essa exceção não abrange os
equipamentos (a medicina hoje conta com tecnologias avançadíssimas – todo o ferramental, os
instrumentos, pode ser protegido), volta-se apenas para métodos e técnicas.
Segundo o inciso IX, é insuscetível de apropriação o todo ou parte de seres vivos naturais
e materiais biológicos. Assim, utilizando a salvaguarda do acordo TRIPs, o legis afastou os
processos biológicos, mas não os não biológicos! Em outras palavras, os processos artificiais
podem ser protegidos.
Tutela da Vida
Vida
36
Por Giselle Viana
Plantas e Microorganismos
À primeira vista, ao compararmos o parágrafo único às determinações do acordo TRIPs,
parece haver uma contradição. Com efeito, o acordo determina que os países membros
concederão proteção às variedade vegetais, mas o art. 18 exclui essas das hipóteses de
patenteabilidade. O que o legislador fez, para adequar-se às determinações do tratado, foi em vez
proteger as variedades vegetais pela propriedade industrial, tutela-las por meio de lei
específica, a Lei das Cultivares (9456/97).
Cabe observar que na proteção concedida às espécies vegetais, o que se protege não é a
espécie inteira, a planta individualmente considerada, mas apenas sua forma de propagação,
multiplicação. Essa forma é, usualmente, a semente, mas pode ser outra (algumas plantas são
multiplicadas através de frações de seus caules, por exemplo).
Assim, os direitos que uma empresa como a Monsanto tem são sobre suas sementes,
caracterizadas por aumentar a produtividade rural, dentre outras características inseridas por
meio da biotecnologia. Não ha, portanto, nenhuma proteção sobre a planta, que pode então ser
vendida, usada para processos industriais, etc.
Cabe por fim observar que o inciso II do referido artigo prevê a possibilidade de proteção a
microrganismos transgênicos, única possibilidade de proteção dos produtos nesse campo. Na
37
Caderno de Propriedade Intelectual
Itália, por exemplo, numa diretiva mais avançada, permite-se já a apropriação de fluidos
extraídos do corpo humano. No geral, a propriedade industrial caminha no sentido de uma
maior flexibilização.
Depósito
No que tange aos procedimentos administrativos de depósito dessas patentes, cabem
algumas observações. O relatório de um pedido de patente normal – de uma máquina, um
dispositivo, por exemplo – deve ser apresentado à administração federal nos termos do caput do
art. 24 da LPI. O pedido de patente relativo às matérias vivas, porém, tem a peculiaridade de
poder ensejar uma necessidade de amostras, como explicitado no parágrafo único:
Essas regras relativas ao relatório são voltadas à divulgação – como vimos, o sistema da
PI aposta na divulgação, por isso falamos em “acesso ao conhecimento”. Por isso, os pedidos de
patente devem trazer informações suficientes para que a tecnologia seja de fato divulgada,
podendo ser reproduzida à expiração da patente. Por isso, o titular dessas criações relativas a
matérias vivas, se não conseguiu descrever totalmente a sua criação no relatório, terá que
suplementar essas informações acrescentando eventuais exemplares, coleções desses
microrganismos.
Esse mecanismo da lei de PI para a matéria viva, com deposito do material, também pode
ser aplicado às espécies vegetais, que têm regência pela lei das Cultivares, nos termos do art. 22,
parágrafo único, dessa lei:
Art. 22. Obtido o Certificado Provisório de Proteção ou o Certificado de
Proteção de Cultivar, o titular fica obrigado a manter, durante o período de
proteção, amostra viva da cultivar protegida à disposição do órgão competente,
38
Por Giselle Viana
Essa suplementação em relação à amostra da espécie, cabe observar, tem como objeto a
forma de propagação da mesma, e não o indivíduo da planta em si. Afinal, é sobre essa forma de
propagação (sementes geralmente) que incidem os direitos de exclusividade.
Patentes Pipeline
O mecanismo da pipeline é uma espécie de mecanismo de transição entre dois
ordenamentos jurídicos, o anterior e o posterior ao Acordo TRIPs, o qual modificou
significativamente o quadro normativo das patentes no Brasil.
Até então, o Brasil encontrava-se sob a égide da Convenção de Paris, e essa deixava livre
aos países membros optar por permitir ou não patentes sobre produtos químicos,
farmacêuticos e alimentícios. O Brasil, assim, optou por não proteger tais categorias pela PI,
o que teve efeitos nocivos ao desenvolvimento desses produtos no país, já que a falta de
proteção, como vimos, é um desestímulo à pesquisa tecnológica e à inovação.
Pelas determinações da Revisão de Estocolmo, cabe observar, havia o mecanismo dos
“prazos de prioridades”, segundo o qual as patentes depositadas no exterior poderiam ser
estendidas ao Brasil, e vice versa, num prazo de 6 ou 12 meses, para desenhos industriais e
invenções respectivamente:
Art. 4. A . - (1) Aquele que tiver devidamente apresentado pedido de patente de
invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial,
de registro de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o
seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do s direito de
prioridade durante os prazos adiante fixados.
39
Caderno de Propriedade Intelectual
Assim, alguém que tiver registrado uma marca na Austrália, por exemplo, terá 6 meses,
utilizando esse mecanismo, para estender a patente ao Brasil, e vice versa. Essa regra foi
internalizada pelo decreto 1.263, que ratificou a revisão de Estocolmo.
O problema é que até o Acordo TRIPs, como o Brasil vedava a apropriação dessas parcelas
do mercado de medicamentos, alimentos, etc., as empresas que patentearam seus produtos no
exterior não puderam utilizar esse mecanismo para estender ao Brasil suas patentes.
Todavia, com a internalização do Acordo TRIPs, através do Decreto no 1.355/94 e da
LPI, o país teve que adequar-se a um ordenamento que obrigatoriamente concedia direitos de
exclusivo a essas categorias de produtos. Assim, o legislador brasileiro adotou o mecanismo de
transição da pipeline, tendo em vista regular a situação desses titulares cujas patentes, relativas
a esses produtos, já haviam sido depositadas no exterior mas não puderam ser estendidas
ao Brasil, em face da proibição do ordenamento antigo, e ainda não haviam sido introduzidas
em qualquer mercado.
A expressão “pipeline” designa o “tubo” em que o produto se encontra na sua
fase de desenvolvimento anterior à entrada no mercado. (...) A introdução dessa
figura (...) pretende ir ao encontro das especificidades da indústria farmacêutica
que (...) vê frequentemente protelada no tempo a entrada dos seus produtos no
mercado, em virtude dos morosos processos de testes clínicos impostos pelas
exigências regulatórias.30
40
Por Giselle Viana
Assim, por exemplo, alguém que tivesse depositado um pedido de patente na Bélgica, mas
cujo objeto ainda não tivesse sido explorado economicamente, colocado em nenhum mercado,
poderia, na janela entre 1996 e 1997, estender esses pedidos para nosso país, através do
mecanismo das patentes de revalidação condicional, ou pipe line.
O ponto que suscitou uma grande controvérsia em relação a esse dispositivo é que essa
revalidação dava-se sem quaisquer análises técnicas dos requisitos de patenteabilidade exigidos
para a concessão de patentes em geral no Brasil, passando por um crivo meramente formal pelo
41
Caderno de Propriedade Intelectual
INPI. Ademais, como já haviam sido publicadas no exterior, não atendiam, aqui, ao requisito
da novidade que condiciona a patenteabilidade, nos termos do já analisado art. 11 da LPI:
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.
Durante seu governo, e ainda sob a égide da Convenção de Paris, Collor se comprometeu
com esses agentes econômicos estrangeiros dos campos farmacêuticos a alterar aquela proibição
à patenteabilidade de medicamentos, mas o projeto para implementação dessas alterações não se
concluiu pois ele foi deposto antes.
Esses agentes econômicos, então, viram-se prejudicados, pois todas aquelas moléculas
desenvolvidas e os medicamentos sintetizados a partir de 1991, isto é, tudo que foi incrementado
nos mercados internacionais por esses agentes nesse período, ficou sem proteção no Brasil pela
PI, o que significa uma vultuosa margem de lucro que eles deixaram de auferir no mercado
brasileiro. Suas patentes não puderam ser estendidas ao Brasil, e sem o direito de exclusividade
não lhes foi permitido explorar esse segmento do mercado, que tem um elevado valor. Essa
42
Por Giselle Viana
conta foi apresentada ao Fernando Henrique, que, diante dessa cobrança, adotou o mecanismo
da pipeline como forma de compensar esses agentes.
43
Caderno de Propriedade Intelectual
Tutela da Forma
Patentes:
Técnica, modelos de
utilitária art. 9o, LPI
utilidade
Desenho
Ornamental industrial art. 95, LPI
Forma
Marca art. 124, XXII,
Distintiva tridimensional LPI
Artística LDA
A forma do objeto pode ter diversas funções, e cada uma de suas faceta pode ser objeto de
diferentes tutelas. Por exemplo, a forma, na medida em que tem uma função técnica, é tutelável
como modelo de utilidade. Se, por outro lado, tem uma função meramente ornamental, pode
ensejar tutela no âmbito dos desenhos industriais.
Desenho Industrial
Os desenhos industriais voltam-se para uma criação humana com caráter estético. O
que se protege portanto, através do desenho industrial, é o caráter ornamental da forma do
objeto. Uma vez que essa preocupação estética insere-se no contexto de uma produção
industrial, é como se a tutela aos desenhos industriais fosse uma espécie de direito autoral
dentro da propriedade industrial.
Dada a importância do desenho industrial para capturar o interesse dos consumidores, é
um importante instrumento de concorrência, e por isso faz-se mister sua proteção pelo sistema
de propriedade intelectual. É comum, de fato, nos inclinarmos para um produto pelo desenho
que ele ostenta, colocando até mesmo, eventualmente, a tecnologia ele que ele possui em
segundo plano.
A proteção aos desenhos industriais está prevista na seção IV, art. 25 do referido acordo, e
o legislador a transpôs para o direito interno no art. 95, que traz o conceito de Desenho
Industrial, e seguintes da LPI:
44
Por Giselle Viana
Art. 25. Os Membros estabelecerão proteção Art. 95. Considera-se desenho industrial a
para desenhos industriais criados forma plástica ornamental de um objeto ou o
independentemente, que sejam novos ou conjunto ornamental de linhas e cores que
originais. Os Membros poderão estabelecer possa ser aplicado a um produto,
que os desenhos não serão novos ou proporcionando resultado visual novo e
originais se estes não diferirem original na sua configuração externa e que
significativamente de desenhos conhecidos possa servir de tipo de fabricação industrial.
ou combinações de
Art. 100. Não é registrável como desenho
características de desenhos conhecidos. Os
industrial:
Membros poderão estabelecer que essa
proteção não se estendera a desenhos II - a forma necessária comum ou vulgar do
determinados essencialmente por objeto ou, ainda, aquela determinada
considerações técnicas ou funcionais. essencialmente por considerações
técnicas ou funcionais.
Requisitos
O desenho industrial deve observar três requisitos, por analogia com as patentes:
aplicação industrial, novidade e originalidade. Ora, se o legislador diz que o desenho
industrial deve ser novo e original, ele pressupõe que um desenho pode ser novo sem ser
original, por exemplo. São, portanto, dois conceitos distintos.
A novidade reconduz-nos àquele cotejamento com o estado da técnica: desenho novo é
aquele que nela não está compreendido, sendo portanto passível de apropriação. Trata-se de um
crivo objetivo.
Considera-se original, por sua vez, o desenho industrial quando resulta numa
configuração visual distintiva em relação a outros objetos anteriores. Em outras palavras, não
basta que seja novo, é preciso que essa novidade represente também uma forma de
distintividade, que torne aquele produto característico, permitindo-se distinguir dos demais, é
tipo um plus à novidade.
Novo Original
Distintivo em
Diferente dos relação aos
desenhos
desenhos
anteriores
anterioes
45
Caderno de Propriedade Intelectual
Mas afinal, essa aproximação foi acidental? Foi de propósito? Veremos mais adiante ao
analisar a cumulatividade de patentes.
Concessão
A Lei de Propriedade Industrial (Lei no 9.279/96), hoje vigente, revogou o antigo Código
de Propriedade Industrial, instituído pela Lei 5.772 de 1971. Essa revogação trouxe
significativas alterações no regime de concessão de direitos de exclusividade sobre desenhos
industriais.
No antigo Código, a concessão dos direitos aos desenhos industriais era submetida à
mesma sistemática das patentes: passava por um exame prévio de mérito, que condicionava a
concessão do privilégio. O relatório, portanto, passava por um exame de conteúdo, através do
qual determinava-se se a criação atendia aos requisitos de novidade e originalidade, e se era
portanto passível de proteção.
O problema verificado na prática é que esse exame do relatório, realizado pelo INPI, era
extremamente lento. A morosidade da administração federal não correspondia, assim, às
46
Por Giselle Viana
necessidades dos titulares desses direitos. Afinal, os desenhos industriais sofrem em especial a
influência da moda, que é volátil e sazonal, carecendo portanto de uma proteção rápida.
Tendo em vista essa necessidade de maior celeridade, a Lei 9.279 trouxe alterações no
procedimento de obtenção desses direitos: aboliu, no que concerne aos desenhos industriais, o
procedimento administrativo de exame prévio de mérito. Com isso, o registro passou a ser
automaticamente concedido com o depósito do pedido, passando por um exame prévio
meramente formal:
Art. 106. Depositado o pedido de registro de desenho industrial e observado o
disposto nos arts. 100, 101 e 104, será automaticamente publicado e
simultaneamente concedido o registro, expedindo-se o respectivo certificado.
Art. 102. Apresentado o pedido, será ele submetido a exame formal preliminar
e, se devidamente instruído, será protocolizado, considerada a data do depósito
a da sua apresentação.
Cumulatividade de Proteções
A forma de um objeto pode por exemplo ser útil, mas também ter um caráter ornamental.
Esse caráter ornamental pode, ademais, ser uma configuração visual distintiva. A forma técnica
47
Caderno de Propriedade Intelectual
utilizada por ser protegida por patente. A forma ornamental pode ser protegida por desenho
industrial. A distintiva, como marca. E a forma artística, ainda, pela via dos direitos autorais.
Ora, se cada uma dessas facetas da forma pode atrair uma espécie de proteção, e se a forma de
um mesmo objeto pode ostentar mais de uma faceta, a priori seria possível, no limite, ter todas as
tutelas simultaneamente incidindo sobre um mesmo objeto.
É comum, por exemplo, que o caráter estético da forma seja protegida pelos desenhos
industriais e pelo direito autoral ao mesmo tempo, ou que sua faceta distintiva seja protegida
como desenho industrial e marca.
Desde que uma forma não se constitua em forma tecnicamente necessária,
poderá ser protegida pela lei de direitos autorais, subordinando-se aos seus
próprios requisitos bem como poderá também ser protegida como modelo
industrial, sujeita ao requisito de caráter industrial. (...) Destine-se ou não a ser
multiplicada, uma nova forma (não tecnicamente necessária) poderá ser
protegida pela lei de direitos de autor, desde que atenda aos seus próprios
requisitos, isto é, possua originalidade e caráter expressivo, o que se traduz em
valor artística.33
REMEDIO MARQUES, por exemplo, tece uma crítica severa acerca dessa proliferação de
proteções. Segundo o autor, isso exarceba a outorga de direitos de exclusividade em favor do
interesse privado e em detrimento do público. Cria-se, com isso, um espaço em que proliferam
"cercas de arame farpado" e escasseiam os espaços de liberdade, na medida em que todo espaço
no mercado é apropriado.
48
Por Giselle Viana
Desenho
Marca industrial
Proteção
Imediata!
Concessão de Concessão de
registro com análise registro sem análise
Proteção prévia de mérito prévia de mérito
prolongada!
Assim como nas marcas, possibilitou-se que o autor do desenho industrial renovasse o
registro a seu critério, findo o prazo apriorístico. Prevaleceu uma aproximação com a marca,
portanto. A marca, todavia, pode ser renovada sem limite. Assim, segundo o art. 133, o registro
da marca vigora a partir da concessão do registro, por 10 anos, mas pode ser prorrogável
indefinidamente. O registro do desenho industrial, por outro lado, pode ser prorrogado a um
prazo máximo de 25 anos. A vantagem de um prazo indefinido é muito evidente quando
pensamos em formas famosas, que não se tornam obsoletas com o tempo, como a estampa da
Louis Vuitton.
Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados
da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.
Art. 108. O registro vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos contados da data do
depósito, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada.
49
Caderno de Propriedade Intelectual
exame de mérito, sua concessão é praticamente imediata. Assim, é vantajoso utilizar a via do
desenho industrial porque pode-se obter o título de exclusividade rapidamente.
Mas porque é importante obter esse título o quanto antes? Ora, enquanto o titular não se
encontra munido do título, não pode implementar os remédios processuais no sentido de
impedir seus concorrentes de reproduzir o objeto. Concedido o título, o titular pode, diante de
uma reprodução por outrem de sua criação, pedir em juízo a busca e apreensão desses objetos
violadores de sua exclusividade, por exemplo. Para a ação ajuizada o titular tem que juntar o
título aos autos – portanto, sem o título o titular tem apenas uma expectativa de direito.
Os desenhos industriais traduzem uma grande celeridade do mercado, de novos
produtos. Isso fica claro nas criações no âmbito da moda34.
Determinados objetos protegidos por desenho industrial ficam muito susceptíveis às
preferências dos consumidores, que por sua vez são muito vulneráveis às tendências, à moda. A
vantagem de cumular proteção, portanto, é que ao mesmo tempo que o titular se beneficia da
proteção imediata pelo desenho industrial, ele pode prorrogar indefinidamente a proteção
depois, via marca. A tutela imediata é importante na medida em que o criador tem que
implementar rapidamente as ações judiciais, por conta da sazonalidade dos objetos: a proteção
imediata permite que ele rapidamente ingresse em juízo e impeça os concorrentes de reproduzir
aquele objeto.
34A moda é uma espécie de criação autoral, mas que teria proteção também pelo desenho industrial pois
envolve tecidos, produzidos em escala industrial. A proteção de moda enfrenta o problema da
sazonalidade de forma intensa: muitas coleções de roupas feitas para uma estação tornam-se obsoletas em
poucos meses.
50
Por Giselle Viana
O legislador utilizou então a palavra “distintiva”, de forma idêntica ao que fez nas marcas.
Ele poderia ter falado em singularidade, mas ele utilizou “distintividade” para criar uma ponte
entre a forma ornamental a distintiva. É a possibilidade que se abriu de se caminhar do
desenho industrial para as marcas. Não foi sem querer, foi o intuito mesmo de possibilitar essa
ponte!
Essa ponte é aberta também no âmbito das marcas, no art. 124, inciso XXII:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
Ora, se o que se veda é a tutela como marca de forma apropriada por terceiro como
desenho industrial, a contrario sensu se não for por terceiro pode! Em outras palavras, permite-se
que o titular de um direito de exclusividade sobre um desenho industrial titularize também o
direito de marca sobre o mesmo objeto.
Assim, tendo em vista essas aberturas da lei, e tendo em vista as vantagens já analisadas
da cumulação de tutelas, a estratégia mais proveitosa ao titular seria registrar primeiro o
desenho e depois a marca.
O desenho industrial pode ser bidimensional (desenho sobre a superfície) ou até mesmo
tridimensional (a própria forma em si), desde que ornamental. Nesse último caso que entra a
discussão da aplicação cumulativa de tutelas. Assim como as marcas, devem ser visualmente
distintivos.
O acordo TRIPs adota uma expressão ainda mais ampla do que a nossa com relação às
marcas. Para o acordo, a marca consiste em qualquer sinal capaz de distinguir bens de
empreendimento de outros.
Nosso art. 122 determina que podem ser registrados como marcas os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, salvo se incidirem nas vedações legais. Há um extenso rol desses
vedações previsto no art. 124.
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.
51
Caderno de Propriedade Intelectual
Restrições
O art. 124, no inciso XXI, por exemplo, restringe a apropriação como marca às formas que
não sejam necessárias, nem comuns, nem vulgares:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
Comum ou vulgar, como vimos anteriormente, remonta ao estado da técnica: uma forma
comum é aquela comum a todos, inserida portanto no estado da técnica e consequentemente
carecendo de novidade. Forma necessária, por sua vez, é aquela indissociável do efeito técnico,
como assevera Denis Barbosa:
A forma tecnicamente necessária do objeto é aquela que se acha
indissoluvelmente ligada à sua função técnica, de modo que outra forma não
possa atender à mesma finalidade. Assim, o que importa é que a forma não
represente utilidade apenas, mas que tal efeito técnico só possa ser obtido por
meio daquela determinada forma. Nessa hipótese, mesmo que a forma seja
dotada de efeito estético, não poderá ser objeto da tutela do direito de autor,
porque esta estaria interferindo no campo da estética.35
52
Por Giselle Viana
Regra da Especialidade
A marca tem que consistir num nome, figura, ou forma nova e distintiva. O critério de
novidade é diferente do desenho industrial e das patentes, pois é via de regra considerado
dentro de uma classe. Há, nesse sentido, determinados nomes utilizados como marcas
protegidos numa classe. Assim, quando do preenchimento do relatório, o titular tem que optar
pelas classes na qual ele pretende proteger seu sinal distintivo, por exemplo, na classe de
alimentos, automóveis, etc.
É preciso determinar no requerimento, então, quais seriam as classes na qual ele pretende
tutela, e claro que quanto mais classes, maior a proteção mas maior a taxa também, porque na
vida nada é de graça. As que ele não apontar não ficam com impedimentos para utilizar aquele
nome, figura ou forma. É por isso que existem marcas, por exemplo, com o mesmo nome (gol
marca de carro e gol transporte aéreo de passageiros, por exemplo).
Essa regra da especialidade é específica das marcas e comporta exceções. Algumas marcas,
por conta da sua notoriedade, gozam de proteção em todas as classes. Isso tem muito a ver com
o público, que associa a marca a determinado produto ou serviço.
53
Caderno de Propriedade Intelectual
A transposição desse parágrafo ao nosso sistema se deu pela lei das Cultivares: seguimos,
portanto, a via sui generis. Essa lei representou uma inovação no nosso sistema, uma vez que
antes não tínhamos uma lei que tutelasse as espécies vegetais. Consequentemente, ela não
revoga nenhuma norma anterior.
A tutela das espécies vegetais no nosso ordenamento, cabe salientar, incide sobre a forma
de reprodução da planta, e não sobre o indivíduo vegetal. Isso porque o Brasil assinou o
penúltimo tratado internacional sobre a matéria36, que possibilita aos membros não proteger a
planta inteira, só a forma de propagação. Não assinou, assim, o último tratado, que por sua exige
que a proteção se volte não sé à forma de propagação mas à espécie inteira.
Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a
cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar,
considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção
de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de
suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País.
O Brasil tem uma grande abundância de recursos, uma vasta extensão territorial, além de
contar com um clima tropical muito favorável à agricultura. Somos um dos maiores produtores
mundiais de varias espécies vegetais, e estamos caminhando cada vez mais para o status de
celeiro do mundo. Assim, temos hoje a necessidade de disponibilizar alimentos não só para a
nossa própria população mas para diversas outras nações. Nesse contexto, essa lei torna-se
muito importante.
Graças a pesquisas implementadas pela ESALQ, pelo Instituto Agronômico e pela
Embrapa, as fronteiras agrícolas puderam se expandir nos últimos anos até mesmo até a
Amazônia, possibilitando a obtenção de excedentes agrícolas (apesar de impactar de maneira
relevante diferentes biomas). Essa expansão foi possível com a implementação de novas
tecnologias no plantio e na criação de espécies vegetais mais resistentes às adversidades do solo
36 O Brasil, assim como outro 71 países, é signatário do UPOV: International Union for the Protection of
New Varieties of Plants, celebrado em Genebra em 1961. O objetivo do UPOV é garantir e promover um
sistema efetivo de proteção às variedades vegetais, através da propriedade intelectual. Essa proteção faz-
se necessária uma vez que a criação de novas variedades vegetais exige um processo longo e caro,
enquanto a reprodução das plantas é muito fácil e rápida. Diante disso, os criadores precisam de proteção
para garantir o retorno ao investimento, o que incentiva a inovação e beneficia a sociedade como um
todo. [mais infos em http://www.upov.int (site muito fofo aliás recomendo)].
54
Por Giselle Viana
e do clima. Assim, o cerrado, que antes era tido como um solo improdutivo, pode ser utilizado
para a agricultura.
Isso mostra que hoje, por um imperativo de expansão da agropecuária, técnicos,
agrônomos e biólogos enfrentam a necessidade de obter espécies vegetais com características
especiais que permitam uma maior produtividade. Essas espécies são produzidas através de
manipulação genética, de intervenção humana, e são chamadas cultivares. Diante dessas
inovações e da percepção de sua utilidade para a expansão da agricultura, fez-se mister instituir
uma rede jurídica que, ao garantir o retorno dos investimentos realizados, estimulasse os
criadores a introduzir essas novas características nas espécies vegetais.
~ natureza ~ Laboratório
Características
desejadas
Y
X
Manipulação
Genética
TUTELA
Z
X
Y
Forma de
Propagação
(semente)
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aumentar a produtividade e “qualidade” dos produtos, e englobam por exemplo uma maior
quantidade de açúcar, uma maior resistência a determinadas pragas, a efeitos climáticos, à acidez
do solo, etc. A espécie vegetal, portanto, sofre alterações induzidas na direção de determinadas
características que são procuradas, mas que não são encontradas dessa forma na natureza.
Requisitos
A técnica legislativa não aponta para a metodologia de definição dos institutos. De fato,
geralmente as definições ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência. Não obstante,
encontramos por vezes nas leis especiais e até em tratados anexos que trazem verdadeiros
glossários terminológicos. explicitando o significado dos termos usados no documento. É o caso
da lei das cultivares, que em seu art. 3o traz uma série de definições. O inciso IV traz a definição
de cultivar:
Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei:
IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que
seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem
mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e
estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie
passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação
especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem
componente de híbridos;
Homogenea Estável
Distinguível Nova
CULTIVAR
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Direito de Proteção
A seção III do capítulo I da lei ora tratada aborda os direitos de proteção concedidos pelo
Estado às cultivares. De acordo com o art. 8o, a proteção da cultivar recai unicamente sobre a
forma de propagação, e não sobre a planta inteira:
Art. 8º A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de
multiplicação vegetativa da planta inteira.
Como vimos, isso é possível uma vez que estamos vinculados à penúltima versão do
Tratado Internacioanl de Proteção às Especies Vegetais, e não à última.
A seguir, no art. 9o, o legislador define no que implica a proteção a uma cultivar:
Art. 9º A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no
território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de proteção, a
produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a comercialização, do
material de propagação da cultivar, sem sua autorização.
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Caderno de Propriedade Intelectual
Segundo o inciso II, quem usa ou vende como alimento ou matéria prima não incide na
violação do direito de exclusividade do titular. Por exemplo, um indivíduo adquire uma semente
transgênica da Monsanto, planta, obtém uma safra da especie vegetal, colhe e vende a planta:
não há nenhum óbice a isso. Ele pode, também, vender e utilizar, do ponto de vista
agroindustrial, para obter por exemplo biocombustíveis. O que ele não pode é utilizar a planta
para fins reprodutivos, isto é, ele não pode extrair a semente da espécie plantada e utilizar pra
planta-la de novo.
Na prática, isso geralmente nem é possível, pois essas sementes transgênicas quase sempre
são manipuladas de forma a fazer com que as plantas que da semente surgem produzam
sementes estéreis, justamente para que o plantador tenha que comprar de novo do fornecedor
na próxima safra. E mais, essas empresas geralmente fazem sementes que exigem a utilização de
produtos, agrotóxicos e pesticidas específicos na lavoura, fabricados pela própria empresa.
A semente transgênica possibilita um incremento expressivo na sua produtividade,
garantindo uma margem muito expressiva de lucro. É por isso que se adquire sementes desse
tipo. O problema é que depois o agricultor se torna refém dessas empresas e não pode mais sair:
as sementes causam uma mudança completa nos microorganismos do solo, causando reflexos
que impedem que os agricultores plantem de outra forma depois. Não conseguem, depois,
retornar à semente antiga.
De acordo com o inciso III, os técnicos, durante o prazo de vigência da patente, podem
utilizar as plantas já em pesquisas tecnológicas. Se isso não fosse permitido, as empresas
teriam que gastar um tempo adicional após a expiração da patente para capacitar seus técnicos a
produzir o produto. Isso seria em desfavor do interesse público, que volta-se ao acesso aos
alimentos. interesse privado do titular da cultivar x interesse publico do acesso ao alimento.
Interesse Público
Acesso aos Interesse Privado do
Alimentos Titular
Exclusividade
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Certificado de Proteção
O certificado de proteção, que consiste num relatório no qual se descreve a espécie vegetal,
não é protegido no INPI: há um órgão no Ministério da Agricultura que protege, o SNPC
(Serviço Nacional de Proteção das Cultivares).
Esse pedido tem que cumprir determinadas formalidades, previstas nos arts. 13 e 14 da Lei
das Cultivares. Primeiramente, tem que conter um relatório descritivo. Conterá também a
própria espécie botânica, o nome da cultivar, a origem genética, etc. Deve-se depositar uma
amostra em algum órgão acreditado.
Acerca dos requisitos materiais, vimos que a cultivar deve ser distinguível, homogênea
estável e nova. O exame de mérito do pedido, relativo a esses requisitos, é realizado por um
técnico da administração federal.
Licença Compulsória
Art. 28. A cultivar protegida nos termos desta Lei poderá ser objeto de licença
compulsória, que assegurará:
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O art. 28 trata da licença compulsória no âmbito das cultivares. É, destarte, análogo ao art.
68 da LPI. Porém, traz em relação a essa um diferencial: a questão dos preços razoáveis. O
legislador bem que poderia ter avançado e previsto na LPI também que a disponibilidade da
invenções seria a preços razoáveis... mas ele optou por não ser tão intenso. Essa questão do
preço é lida dentro do quadro da disponibilidade e fornecimento regular, e busca impedir certas
manobras injustificadas, como as especulativas, que impediriam essa disponibilidade do produto.
Em contrapartida, aos titulares é garantida, no caso de licença compulsória, uma
remuneração razoável, de acordo com o inciso III. O art. 30 elenca as condições formais do
pedido de licença compulsória. O art. 31 determina que o requerimento será recebido pelo
CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). No art. 33, a lei estabelece que a
decisão do CADE sobre a licença não é passível de recurso e medida liminar. Isso afasta
algumas garantias constitucionais, o que incitou questionamentos acerca da constitucionalidade
dessa regra.
DIREITO AUTORAL
Os direitos autorais são regulados pela Lei 9.610. O nosso legislador considera “direito
autoral” um gênero, que engloba tanto o direito de autor quanto direitos conexos, como o
dos intérpretes por exemplo. O direito autoral, no geral, busca proteger a forma de
expressão:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da
fotografia;
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Depósito do Pedido
No direito autoral, por outro lado, o direito nasce tão somente da criação. O registro,
destarte, tem caráter meramente declarativo. No âmbito do direito autoral, portanto, o
registro não passa de uma medida assecuratória, que faz prova da data.
Requisitos
Para que uma obra artística seja passível de tutela por direito autoral, é avaliada por
um critério de originalidade. O conceito de originalidade, aqui, é diferente do conceito
utilizado pela LPI, e significa singular, próprio ao autor. Deve ser, portanto, uma obra na
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Diante disso, e diante da velocidade com que essas transformações ocorreram, a lei
praticamente já nasceu obsoleta, e hoje não corresponde mais aos interesses das empresas
criadoras de softwares. Esse descompasso acarretou uma série de tentativas de alteração da lei.
Uma primeira observação que se deve fazer é relativa ao conceito de software, traduzido
com não muita precisão como “programas de computador” pelo legislador Brasileiro. Softwares
abarcam o conjunto de instruções e comandos que fazem a máquina funcionar, contrapondo-se
ao conceito de hardware, que remete aos próprios componentes da máquina.
Proteção Autoral
O regime de proteção dos softwares, por força do art. 2o, é o mesmo do direito autoral:
Cabe observar que a proteção, aqui, cabe aos programas de computador em si, isto é, o
conjunto de comandos, o texto. Esse conjunto de comandos pode, na prática, fazer uma máquina
funcionar inserindo-se num processo produtivo. Essa aplicação industrial do programa, por sua
vez, pode ser tutelada pela LPI.
Boa Prova!
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