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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) }OSÉ MAURO DECOUSSAU MACHADO


M acha::Jo, José M aura Decoussau
Aspectos da antecipação da tutela na propria::Ja::Je industrial : patentes,
desenhos industriais e ma-cas/ José Mauro Decoussau Macha::Jo.- São Paulo:
Edi tora Revista dos T ri bunai s, 2007.

Bi bl i ografi a
ISBN 978-85-203-3078-4

1. Desenho industrial 2. Ma-ca industrial -Brasil 3. Ma::Jidas cautelcres-


Brasil 4. Patentes- Brasil 5. Processo civil -Brasil 6. Proprieda::Je industrial -
Brasil 7. Tutelajurisdicionai-Brasill. Titulo.

07-3247 CDU -347.922.33:347. 77(81)

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasi I : Anteci paçãJ da tutela: Proprie:la::le PECTOS DAANTECIPAÇÃO DA TUTELA
industrial: Processo civil 347.922.33:347.77(81) 2. Brasil: Proprieda::Jeindustrial:
Antecipação da tutela: Processo civil 347.922.33:347.77(81)
NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

PATENTES, DESENHOS INDUSTRIAIS


E MARCAS

EDITORA lli1
REVISTA DOS TRIBUNAIS
TRIBUNAL DE JlJSTIÇA
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 103
1 02 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

caso o Brasil não passe a se comportar da mesma forma, poderá sofrer 3.4 A antecipação da tutela nas ações para impedir a prática de
contrafação de patente, desenho industrial e marca
retaliações econômicas que comprometerão o seu desenvolvimento a
longo prazo. Alcance do termo "contrafação"
3.4.1
A solução para esse impasse não é simples e demanda uma série
O INPI, ao conceder um título de propriedade industrial, confe-
de medidas conjuntas e coordenadas. Entre elas, inclui-se o melhor
re ao seu titular o direito de explorar o bem imaterial por ele protegi-
aparelhamento do INPI, para que os títulos de propriedade industrial
do com absoluta exclusividade. A principal conseqüência da conces-
não levem tanto tempo para serem outorgados, assim como a
são é a possibilidade de que o titular impeça que terceiros se utilizem
destinação de mais recursos ao treinamento de autoridades alfande-
gárias e policiais. da criação intelectual sem uma prévia autorização.
Dá-se genericamente o nome de contrafação (junção dos vocá-
Também poderiam ser criadas varas especializadas em proprie- 51
dade industrial, com juízes especialistas na matéria, bem como corri' bulos contraJacere) à violação de direitos de propriedade industrial,
uma relação de peritos no assunto, que possam auxiliar o trâmite mais bastando, para tanto, a existência de um título de propriedade
rápido dos processos. A criação dessas varas é expressamente prevista validamente expedido pelo INPI, e um fato material que constitua
2
na Lei da Propriedade Industrial, mas ainda não se concretizou na ofensa total ou parcial ao direito de propriedade por ele atribuído 5
maioria das capitais brasileiras 5° A prática de contrafação de patente, desenho industrial e mar-
Nesta obra, o nosso objetivo é demonstrar que, além dessas me- ca é prevista na Lei da Propriedade Industrial, respectivamente,
didas, a técnica da antecipação de tutela desempenha uma importan- nos arts. I83 a 186, I87 e 188, bem como 189 e 190, não prati-
te função na defesa dos direitos de propriedade industrial. A sua uti-/ cando o ato somente quem fabrica o produto contrafeito, mas
lização permite que o direito verossímil ou evidente seja prontamente também quem o exporta, vende, expõe, oferece à venda, tem em
satisfeito, o que é de suma importância na maioria das ações relativas estoque, oculta, recebe para utilização com fins econômicos ou
a bens imateriais, que normalmente-não podem se submeter à tutela- mesmo quem o importa. 5 3
padrão prestada pelo Estado.
De acordo com a Lei da Propriedade Industrial há duas ações 51. GAMA CERQUEIRA, Tratado da propriedade industrial, 1956, v. 2, p. 242. Não
principais em que a antecipação de tutela pode ocorrer: (i) ações que obstante a Lei da Propriedade Industrial não utilize o termo "contrafação",
ele é comumente utilizado para denominar a exploração indevida de direi-
visem à abstenção de atos de contrafação de patentes, desenhos in-
tos de propriedade industrial. já em 1844 a lei francesa sobre propriedade
dustriais e marcas; (ii) ações de nulidade de patentes ou registros de/ industrial utilizava, no seu art. 40, o termo "contrafação" para refenr-se ao
desenhos industriais e marcas que tenham sido concedidos pelo INPI ato- de fabricação indevida de produtos patenteados ou exploração
contrariamente às disposições legais. desautorizada de processos objeto de patentes. Cf. a respeito HENRI ALLART,
Em tais ações, concentrar-nos-emas em analisar a antecipação op. cit., p. 361.
em face da urgência, pois as hipóteses previstas no art. 273, II e§ 6. 0 , 52. GAMA CERQUEIRA, Tratado da propriedade industrial, 1956, v. 2, p. 327.
53. Além dessas condutas, de acordo com o art. 185 da Lei da Propriedade
do CPC não têm nenhuma particularidade relacionada a bens
Industrial também constitui delito o fornecimento de um "componen-
imateriais. te de um produto patenteado, ou material ou equipamento para reali-
zar um processo patenteado, desde que a aplicação final do componen-
50. "Art. 241. Fie~ o Poder judiciário autorizado a criar juízos especiais para J
te, material ou equipamento induza, necessariamente, à exploração do
dirimir questoes relauvas à propriedade intelectual." objeto da patente".
1 04 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 105

A contrafação independe da obtenção de lucro pelo contrafator./ vimento econômico e tecnológico do País, seja pagando impostos, seja
como fruto da co_mercialização do produ to, ou da comprovação de que gerando empregos ou mesmo investindo para que haja o aprimora-
o titular do direito lesado sofreu prejuízos em vista do ato ilícito. o mento cónstante das técnicas empregadas na indústria. 55
simples ato de fabricar um produto patenteado ou de reproduzir uma A prática da contrafação de uma patente demanda o preenchi-
marca registrada, por si só, já caracteriza o ilícito. mento de dois requisitos, quais sejam: (i) a patente infringida deve
A Lei da Propriedade Industrial também não estabelece a neces- ser válida, pois, do contrário, o suposto contrafator poderá sustentar,
sidade de que_a má-fé do contrafator seja evidenciada para que 0 ilíci- como matéria de defesa, que a patente é nula e que não houve a prática
toestep configurado. Mesmo agindo de boa-fé, aquele que viola di- do ilícito; 56 e (ii) a patente deve ter sido reproduzida em uma das suas
reitos de propriedade industrial de terceiro pratica contrafação, po- / características essenciais, não caracterizando contrafação a reprodu-
dendo ser responsabilizado penal e civilmente por essa conduta. ção de detalhes que estejam em domínió público. \
\
Nesse aspecto, a Lei da Propriedade Industrial diverge da legis- O âmbito de proteção da patente é delimitado pelas reiviJ:\dica-
lação franc:sa, segundo a qual aquele que oferece à venda um produ- çôes que são apresentadas ao INPI. 57 GAMA CERQUEIRA chama ate~çâo
to contrafeito fabncado por outrem só será responsável pelo ilícito se para esse aspecto ao afirmar que "a interpretação do privilégio ci!{a-
houver comprovação de que o fez com conhecimento de causa. 54 se nas reivindicações, tal como constam da patente, independentemen-
te do que consta no processo, dos laudos técnicos e do despacho de
3.4.2 Contrafação de patentes concessão do privilégio. A descrição e os desenhos podem esclarecer
as reivindicações, mas não suprem a sua deficiência, as suas falhas ou
A contrafação de patentes impede que o seu titular usufrua ple- omissões. O que consta da descrição, sê não constar das reivindica-
namente dos direitos que lhe são garantidos pela Constituição Fede- ções, é como se não existisse". 58
ral, e que foram obtidos, no mais das vezes, graças a grandes investi-
Dessa maneira, a contrafação de patente resta configurada se uma
mentos para o desenvolvimento de uma nova tecnologia.
das suas reivindicações for reproduzida, ou, ainda, se forem empre-
. Embora o ato de contrafação não impeça que o titular da patente gados meios equivalentes ao processo patenteado (art. 186 da Lei da
contmue explorando-a,já que uma das características dos bens imateriais Propriedade Industrial). A utilização de meios equivalentes caracte-
é a possibilidade de exploração simultânea por um número indefinido / riza-se pela substituição de meios patenteados por outros que, embo-
de pessoas, é certo que o produto contrafeito concorrerá com 0 legiti- -
ma mente produzido, proporcionando uma remuneração indevida àque-
55. GEORGESBRY,Lapropriétéindustlielle, littéraireeartistique, op. cit., p. 330-331.
le que usurpou a tecnologia desenvolvida por outrem.
56. Art. 56, § 1. 0 , da Lei da Propriedade Industrial.
~lém de atender ao interesse privado, o combate à contrafação 57. Normalmente a redação das reivindicações é feita por um técnico familia-
tambem atende ao interesse social, pois garante 0 funcionamento de rizado com a matéria, a fim de evitar que seja requerida uma patente com
empresas legalmente estabelecidas que contribuem para 0 desenvol- maior ou menor amplitude do que a efetivamente almejada. O INPI editou
o Ato Normativo 12 7 para regulamentar como as reivindicações devem lhe
ser apresentadas. No item 15.1.3.2.1, e), desse ato, o INPI estipula que "após
54. A doutrina francesa considera como contrafator direto aquele qu t' a expressão 'caracterizado por', devem ser definidas as características téc-
· b m'd o d e má- f é e contrafator ·nd·
o d e l r.to. _rm 1 r e pra rca
. 1 rreto aque e que o 1az sem ter nieas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos
plena crenCia de que violou direitos de terceiros. FRÉDÉRIC POLLAUD-DULIAN explicitados no preâmbulo, se deseja proteger".
op. clt., p. 285-286. ' 58. Tratado da propriedade industrial, 1982, v. 1, p. 400-401.
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
107
106 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

ra sejam diferentes do protegido, desempenhem exatamente a mesma " empregado para destilar outro tipo de bebida alcoólica derivada da
função no bojo do processo. 59 beterraba.01
A reprodução servil de todas as reivindicações caracteriza con- Ante a dificuldade de se determinar a priori se o processo paten-
0
trafação total (também chamada por alguns autores de usurpação), teado foi utilizado indevidamente, o art. 42, §2. , da Lei da Proprieda-
ao passo que a reprodução de apenas uma ou algumas delas tipifica de Industrial, determina que a violação ao direito do titular somente
contrafação parcial6o ocorrerá "quando o possuidor ou proprietário não comprovar, me-
diante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido
A contrafação de produto patenteado ocorre independentemen-
por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente".
te da forma pela qual ele tenha sido produzido, isto é, seja qual for o . '
processo de fabricação usado na sua montagem, o ilícito restará con- Por isso, nos casos de patente deprod~to, o ônus da prova da con-
figurado se o resultado final, o produto em si, reproduzir alguma das trafação incumbe ao titular da patente violada; mas, no caso de patente
reivindicações descritas na patente. de processo, o legislador optou por inverter esse ônus para o suposto
contrafator. É este quem deve levar ao conhecimento do juiz os elementos
Nesse caso, não há relevância na comparação estética entre o
necessários que demonstrem que, não obstante fabrique o mesmo pro-
produto original e o contrafeito, visto que a utilização de reivindica-
duto do titular da patente de processo, o faz por meio de um processo
ções patenteadas não significa, necessariamente, que o produto con-
próprio e que não reproduz as reivindicações patenteadas.
trafeito terá o mesmo aspecto do patenteado. O aspecto estético, como
veremos, assume maior relevância quando se analisa a contrafação de " Em suma, na ação que versar sobre patente de produto, caberá
desenhos industriais. ao seu tit~lar provar que uma ou mais das suas reivindicações fo~am
utilizadas pelo contrafator. Há que se confrontar as reivindicações do
Também não importa que o produto contrafeito seja de qualida-
produto patenteado com as características do produto contrafeito, a
de inferior ao original para que se configure o ilícito; e mesmo que o
fim de determinar se houve ou não o ilícito. No caso de patente de
objeto contrafeito tenha uma qualidade superior e traga inovações
processo, caberá ao suposto contrafator, na sua defesa, evidenciar que
tecnológicas em relação ao fabricado pelo titular da patente, haverá a
utilizou um processo diverso daquele patenteado para fabncar exata-
contrafação.
mente o mesmo produto.
Enfoque diverso deve ser adotado no caso de contrafação de pa-
tente de processo; não se deve atentar para o produto que é fruto do 3.4.3 Contrafação de desenhos industriais
processo, mas sim, para o meio pelo qual ele foi fabricado. A justiça
francesa, por exemplo, em uma célebre ação, considerou como con- A proteção conferida pelo registro de desenho industrial tem
trafação de patente o emprego de um processo patenteado de destila- como balizas as reivindicações escritas apresentadas ao INPI, tal como
ção de vinho, mesmo tendo sido demonstrado que ele havia sido acontece com as patentes, bem como quaisquer desenhos e fotogra-
fias que eventualmente sejam apresentados ao INPI com o propósito
de melhor descrever o que se pretende registrar.
59. FRÉDÉRIC POLLAUD-DULIAN, op. cit., p. 290.
60. ~respeito da contrafação parcial de uma patente observa HENRI ALLART que Portanto, a proteção legal conferida ao titular do desenho indus-
!e brevet peut, tout en ayant suivant !e voeu de la !oi, un seu! objet princi- trial é re.sirita às ilustrações constantes do respectivo pedido, proteção
pal, comprendre des éléments divers susceptibles d'etre employés les uns
mdependamment des autres. L'usurpation d'un seu! de ces éléments cons-
titue !e délit de contrafaçon". Op. cit., p. 363. 61. Idem, p. 368-369.
1 08 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 109

essa que não se estende a objetos que não se revelem total ou parcial- ção oc~~re com a cópia da marca, seja total ou parcial, ao passo que a
mente coincidentes, isto é, com as mesmas características protegidas. imitação caracteriza-se pela sua reprodução disfarçada com algumas
A aferição da prática de contrafação de desenho industrial é feita diferenças inseridas pelo contrafator. 64
obse.rvando-se os mesmos princípios atinentes a patentes, devendo o GAMA CERQUEIRA adverte que, ao praticar imitação, o contrafator
seu titular apresentar provas de que o suposto contrafator explora uma
"consegue dar à marca a mesma aparência da marca legítima sem re-
ou mais características que são objeto de proteção.
produzir nenhum de seus elementos. Adota marca do mesmo gênero,
A peculiaridade do desenho industrial é que, diferentemente daJ imita o seu formato particular, emprega caracteres tipográficos seme-
patente e da marca, não é realizado, pelo INPI, um exame prévio que lhantes,-disse de modo parecido os seus'diversos elementos, escolhe
evite a conces.são de registros em desacordo com as disposições legais. cores aproximadas, procurando por esses meios emprestar à marca a
Por ess~ ~onvo, embora possa haver provas incontestes de que as mesma filosofia da marca legítima, aquele que 'conseguem ser diver-
caractensncas do registro foram reproduzidas, não haverá um alto grau sas, sem serem diferentes"' .65
de segurança de que o registro é válido e o direito de exclusividade se
JUStifica. A prática de contrafação, seja mediante reprodução, seja por
imitação, normalmente só ocorrerá se os produtos ou serviços distin-
3.4.4 Contrafação de marcas guidos pela marcas confrontadas pertencerem a ramos de atividade
idênticos ou afins, sendo possível que o-consumidor seja induzido a
O termo "contrafação", como já analisamos, é empregado confusã-o. Isso acontece porque, como já visto, as marcas, em regra,
comumente para designar todo o conjunto de práticas que violam estão sujeitas ao princípio da especialidade, pelo qual gozam de pro-
direitos de propriedade industrial. Alguns autores, porém, utilizam teção apenas em relação aos produtos ou serviços indicados no seu
0
termo em um sentido mais estrito, para designar apenas os atos de certificado de registro.
rep=odução integral ou parcial de uma marca, sem a respectiva autori-
zaçao por parte do seu titular6 2 Entretanto, no caso das marcas de alto renome não se deve aten-
tar para a identidade ou afinidade entre as marcas comparadas, pois,
Adotando-se o sentido estrito, a violação aos direitos do titular _J como já dito, a marca de alto renome é amplamente conhecida pelo
de um_a marca pode ocorrer em duas modalidades, a reprodução (con-
trafaçao), que pode ser integral ou parcial, e a imitação. 63 A reprodu- ------
essa terceira modalidade, pois entendemos que a aplicação de marca legí-
------------ tima em produto que não provém do titular da marca tipifica reprodução
62. GAMA CERQUE~RA analisa as diversas possibilidades de utilização da pala-
total da marca.
vra c~ntrafaçao, optando por empregá-la em sentido amplo. Tratado da
64. Idem, p. 243.
propnedade industrial, 1956, v. 2, p. 243. WALDEMAR FERREIRA, por sua vez,
65. E acrescenta GAMA CERQUEIRA que "outra forma de imitação, que se pode
entende que contrafação somente poderia ser utilizada para identificar a
denominar ideológica, é a que procura criar confusão com a marca legí-
reprodução inte~ral, ao passo que a reprodução parcial não seria propria- J
tima por meio de idéia que esta evoca ou sugere ao consumidor. Há mar-
mente contrafaçao, mas sim Imitação. Instituições de direito comercial v
2, p. 335-348. , . cas que despertam a idéia do produto á que se aplicam ou de alguma de
suas qualidades, ou que sugerem uma idéia qualquer, sem relação direta
63. Além dessas duas modalidades GAMA CERQUEIRA propõe uma outra deno-
com o produto assinalado. O emprego de marca que desperte a mesma
mmada usurpação. Esta se caracterizaria pela aposição de marca legítima
idéia que a marca legítima, mesmo que seja materialmente diversa, pode
~m produto ou artigo de procedência diversa do titular da marca (Tratado estabelecer confusão no espírito do consumidor, induzindo-o em erro".
a propriedade industrial, 1956, v. 2, p. 243-244). Preferimos não adotar
Idem, p. 65-67.
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
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11 Ü ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

as marcas confrontadas não é absolutamente necessária; (ii) a contra-


público, e, como tal, goza da proteção especial conferida pelo art. 125 fação pode ser parcial, quando apenas alguns dos elementos da marca
da Ler da Propriedade Industrial. registrada são reproduzidos; (iii) as variações ou junções feitas a uma
O ~lto renome de uma marca é um estado fático, ou seja, é um marca não afastam a contrafação; (iv) a qualidade do produto não tem
fato notono de conhecimento amplo de todos, que dispensa, assim, relevância para que seja qualificado como contrafeito, bastando para
qualquer tipo de dilação probatória. Como exemplos de marcas de alto tanto a aposição ilícita do signo.
67

renome temos "Coca-Cola", "McDonalds", "IBM", "Marlboro" "HP"


Entre as práticas de contrafação, certamente a que mais causa
"Gillete", "BMW", "Sony", "Budweiser", entre outras. ' '
dificulslade de análise é a imitação. Deve-se atentar para o conjunto
De outra parte, no que se refere às marcas notoriamente conhe- das marcas confrontadas, procurando-se encontrar aspectos que in-
cidas, as quais, como já tivemos a oportunidade de analisar, são tute- duzam o público em geral à confusão, e que tenham sido maliciosa-
ladas pelo art. 6 bis da Convenção da União de Paris, normalmente a mente utilizados pelo contrafator para obter vantagem indevida.
proteção deve se restringir aos produtos e serviços em que se torna-
ram afamadas. Trata-se da mesma regra aplicável às marcas comuns GAMA CERQUEIRA propõe três regras a serem observadas para que
desprovidas de notoriedade. ' se possa identificar se uma marca caracteriza imitação de uma marca
de outrem, quais sejam: (i) não analisar as marcas lado a lado, ao mes-
Essa regra, contudo, não deve servis ta de forma absoluta, eis que
mo tempo, mas sim, sucessivamente, para que se possa avaliar se a
o art. 16.3 do TRIPS- Trade Related Aspects of Intellectual Property
impressão deixada por ambas é a mesma; (ii) atentar para as semelhan-
~rghtS, 66 estabelece que não é estritamente necessário que haja iden-
ças, e não propriamente para as diferenças entre as marcas; (iii) consi-
tidade e_ntre os produtos e serviços disti]].guidos pela marca registrada
derar a impressão geral que se teve das duas marcas, e não os detalhes
no Brasil, e os produtos e serviços do real titular do signo.
68
próprios de cada uma delas.
Isto é, para que o registro de uma marca notoriamente conhecida
seja invalidado no País, e o seu titular seja impedido de imediato do A pertinência dessas regras torna-se mais clara se considerarmos
seu uso, não é imperativo que se preste a identificar, no Brasil, exata- que as marcas identificam produ tos e serviços para o consumidor, que
mente os mesmos produtos e serviços nos quais se tornou renomada. os adquire, no mais das vezes, sem atentar para os detalhes. A mera
Basta, na verdade, que possa ser estabelecida uma conexão entre as identidade de cores, caracteres, símbolos, pode fazer que o consumi-
atividades do legítimo titular da marca e as atividades do contrafator. dor opte por um produto contrafeito em detrimento daquele identifi-
69
Sobre a forma de analisar a prática de contrafação de marca- seja cado pela marca original.
qual for a sua apresentação ou o seu grau de notoriedade, EDOARDO
Bosro, baseando-se na jurisprudência italiana sobre o tema, conclui 67."""·Tr~~tato dei marchi e segni distintivi difabbrica, p. 419-429.
que devem ser observadas quatro diretrizes: (i) a plena identidade entre 68. Tratado da propriedade industrial, 1956, v. 2, p. 68-69.
69. EuGÉNE PouiLLET não concorda com a formulação de regras para a análise
da prática de imitação, pois acredita que essa perquirição dependeria dos
66. "O disposto no artigo 6 bis da Convenção de Paris (1967) aplicar-se-á, detalhes de cada caso. PouiLLET apenas destaca que na análise da imitação
mutatrs mutandrs, aos produtos ou serviços que não sejam semelhantes não se devem posicionar as marcas confrontadas uma ao lado da outra, pois
aqueles para os quais uma marca foi registrada, desde que a utilização des- isso ressaltaria as eventuais diferenças entre elas. As marcas devem ser
sa marca em relação a esses produtos ou serviços, e o titular da marcare- analisadas separadamente para que se avalie se a impressão geral deixada
gistrada, e na condição dessa utilização ser suscetível de prejudicar os in- por ambas é a mesma. Op. cit., p. 313-314.
teresses do titular da marca registrada".
112 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 113

Em uma situação quotidiana, em que consumidores deparam- como nome comercial, expressão que tenha semelhanças gráfica e
se com estantes de supermercados abarrotadas de produtos domes- fonética da aludida marca, quando há, como na hipótese, identidade
mo gênero, o posicionamento de mercadorias distinguidas por mar- entre as atividades exercidas por ambas, tudo a fomentar confusão no
cas cujo conjunto seja semelhante ocasionará a aquisição de um eiiL espírito do mesmo público-alvo a que ambas se dirigiam e disputa-
vez do outro.
vam, com favorecimento, eventual e descabido, a segunda, que foi
São inúmeros os exemplos de ações envolvendo imitação na considerada pelas instâncias ordinárias, sem irresignaçâo, neste pon-
jurisprudência nacional, como o caso da "Caninha 71 ",que além to, como concorrente desleal. Recurso especial não conhecido" (REsp
de utilizar uma grafia praticamente idêntica à da famosa "Caninha 32.263/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, D] 18.11.1996).
51", também utilizava um rótulo semelhante ao do produto origi- É importante esclarecer que marcas registradas somente não
nal. Diante desses elementos, o Tribunal de justiça de São Paulo podem ser utilizadas, por terceiros, como nomes empresariais, quan-
verificou existir "possibilidade fática de indução do público em erro do há similitude entre os ramos de atividade. Tal limitação só não ocorre
e confusão", tendo determinado a imediata abstenção do uso des~' em relação às marcas de alto renome, que gozam de proteção especial
ses elementos. 70 em todos-Ds ramos.
A prática de contrafação de marca também ocorre quando há a Além disso, marcas registradas também não podem ser utili-
sua reprodução, por terceiro, como parte integrante de nome empre- zadas, sem autorização, como nomes de domínio, os quais são uti-
sa na!. Essa utilização é passível de causar confusão ao público, lizados para localizar páginas (ou sites) na internet. Tais registros
notadamente quando há identidade ou afinidade entre os ramos de são realizados on line, automaticamente, sem prévio exame quan-
atividade, o que é vedado pelo art. 189, I, da Lei da Propriedade In- to a eventual violação de direitos de terceiros, por parte de uma
dustrial. entidade civil, sem fins lucrativos, denominada Núcleo de Infor-
mação e Coordenação do Ponto Br., que é vinculada ao Comitê
A esse respeito, o Superior Tribunal de justiça já se manifestou
Gestor da Internet no Brasil. Nesse sentido, o Tribunal de justiça
em reiteradas oportunidades, conforme ilustram as decisões transcri-
tas a seguir: de São Paulo já decidiu:
"Propriedade industrial- Nome de domínio- Endereço na
"Marca registrada- Uso indevido em nome comercial- Ativida-
internet- Abstenção do uso- Tu tela antecipada- Deferimento- Exis-
de no mesmo campo. Registrada uma marca, não pode outra empresa
tência de marca com registro no INPI- Proteção estabelecida no art.
mdustnal, comercial ou de serviços utilizá-la na composição de seu
5. 0 , XXIX, da Constituição da República- Prevalência, ademais, so-
nome comercial, em havendo similitude de atividades. Recurso espe-
bre as deliberações do Comitê Gestor da Internet no Brasil- Recurso
Cial conhecido e provido parcialmente" (REsp 212.902/SC, rei. Min.
Barros Monteiro, D] 13.12.1999). não prov~do" (]T] 248/325).
"Marca comercial- Uso de marca alheia como nome de domínio
"Processual civil - Recurso especial - Ausência de
na internet- Inadmissibilidade, ainda que utilizada para identificar
prequestionamento- Não conhecimento- Comercial- Propriedade
atividade diversa- Apropriação e uso que podem ensejar no mercado
industrial- Uso de marca e nome comercial (. .. ).A empresa titular de alguma perplexidade ou equívoco" (RT 8011179).
marca anteriormente registrada pode impedir que outra empresa use,
Dessa forma, a contrafação de marca ocorre quando há a sua re-
· - - ··--· ·----- produção ou imitação desautorizada para identificar produto ou ser-
70. TJSP,Ap. Cív.l35.923-l, rei. Silveira Netto,j. 25.02.1991.
viço de terceiro, bem como quando há a sua utilização como parte

fRIBUNAL DE JUSTIÇil
11 4 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTElÁ NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 11 5

integrante de nome empresarial, título de estabelecimento e de nome


especialmente, é bastante genérico, prevendo que o crime é praticado
de domínio alheios, desde que esse uso possa acarretar confusão.
por todo aquele que se utiliza de um meio fraudulento para desviar a
3.4.5 A prática de concorrência desleal como decorrência da clientela alheia em seu proveito ou de outrem.
contrafação Meios fraudulentos podem ser considerados como todos e quais-
CARLos ALBERTO BITTAR define a prática de concorrência desleal quer meios ilegais, dentre os quais certamente se inclui a contrafação
como sendo "todo ato de concorrente que, valendo-se de força eco- de bens imateriais. Tal utilização tem como finalidade lógica fazer com
nômica de outrem, procura atrair indevidamente sua clientela. Defi-
nindo seus contornos, pode-se dizer que existe concorrência desleal com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se
em toda ação de concorrente que se aproveita indevidamente de cria- o fato não constitui crime mais grave;
ção ou de elemento integrante do aviamento alheio, para captar, sem IX- dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorreu-
esforço próprio, a respectiva clientela". 71 te, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione
vantagem;
Diante dessa definição, temos que a violação de patentes, desenhos
X- recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou re-
industriais e marcas, além de caracterizar contrafação, conforme já ana-
compensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem
lisado anteriormente, também tipifica, no mais das vezes, concorrência a concorrente do empregador;
desleal prevista no art. 195 da Lei da Propriedade Industrial. XI- divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos,
O mencionado artigo discrimina exemplificativamente inúme- informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou
ras condu tas que caracterizam concorrência desleal. 72 O inciso III, prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento pú-
blico ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve aces-
---- ----- -·- so mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término
71. Teoria e prática da concorrência desleal, p. 45. do contrato;
72. "Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: XII- divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos
I- publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concor- ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos
rente, com o fim de obter vantagem; ou a que teve acesso mediante fraude;
II- presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim XIII- vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de
de obter vantagem;
patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que
III- emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como deposi-
clientela de outrem;
tado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; ou
IV- usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a ./ XIV- divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de tes-
criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;
tes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço con-
V- usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou siderável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais c.omo
insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque condição para aprovar a comercialização de produtos.
produto com essas referências;
Pena- detenção, de 3 (três) meses a l (um) ano, ou multa.
VI- substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem,
o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; § 1 o Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o emprega-
dor, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações
VII- atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que
não obteve; estabelecidas nos mencionados dispositivos.
§ 2. 0 O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão
VIII -vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de
outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar governamental competente para autorizar a comercialização de produto,
quando necessário para proteger o público."
11 6 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL -. A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 11 7

que o consumidor deixe de adquirir o produto original para adquirir imite as características de sua rotulação e embalagem, independen-
o contrafeito, isto é, tem como finalidade desviar a clientela do titular temente dos produtos já terem sido entregues nos pontos de venda
do direito de propriedade industrial. ou não, fixando a multa pecuniária diária no valor de R$ 500.000,00-
LÉLIO DENícou SCHIMIDT ressalta que "cada consumidor que seja Demonstração, em sede de cognição sumária, de que os produtos
ludibriado pela confusão entre os produtos, vindo a adquirir o con- ~ apresentam semelhanças capazes de levar o consumidor à confusão
trafeito na errônea suposição de estar levando o legítimo, caracteriza em detrimento das agravadas - Dedsum mantido - Agravo
uma diminuição na clientela potencial que há no mercado pelas mer- improvído" .75
cadorias do comerciante lesado"n No voto que proferiu durante esse julgamento, o Desembargador
Ao analisar a matéria, o Tribunal de Justiça do Paraná consi- Gilberto Moreira concluiu, de forma coerente, que, ainda que exis-
derou que "a pior das concorrências desleais é a contrafação de tam diferenças entre os produtos confrontados, as inegáveis semelhan-
marca registrada, porque causa grave lesão ao patrimônio do legí- ças entre eles- que não podem ser atribuídas ao simples acaso- reve-
timo proprietário por meio insidioso, arrebatando-lhe parte da lam a intenção de induzir o consumidor a erro e causar prejuízo ao
clientela conquistada mediante esforço contínuo de melhoria de ~ titular da marca.
qualidade do produto"H Afirmou o Desembargador que "a forma da garrafa, a cor, o nome
O tema também foi objeto de recente decisão do Tribunal de Jus- SOL, a origem mexicana, latinoamericana. Estas características toma-
tiça de São Paulo, nos autos de agravo de instrumento em que se bus- das isoladamente podem não significar muito. O conjunto, a soma de
cava reformar decisão liminar de primeira instância, pela qual foi de- tantas coincidências, porém, não permite dúvidas e por isso é inócuo
terminada a imediata retirada do mercado de cerveja que caracteriza- o afanoso trabalho de mostrar as diferenças aqui e ali. Se há que se deter
va imitação da famosa cerveja "SOL", de origem mexicana. assinalando as diferenças é porque há semelhanças. (. .. ) Por que se
fez algo tão parecido com outro produto a ponto de exigir que se apon-
Comprovadas as inúmeras semelhanças entre os produtos das / tem as diferenças? Por que não se usou garrafa de outra cor, de outro
partes e, sobretudo, o uso indevido da marca "SOL", o Tribunal de tamanho, com outro desenho, outro motivo? Por que não tem um tema
Justiça manteve a decisão de primeirainstãncia, ordenando a cessa- germânico, a cor azul, a garrafa maior ou menor, e não fale do sol? Por
ção da fabricação, comercialização, divulgação da cerveja da agravan- que não se fala em lua?".
te, bem como o seu recolhimento de todos os pontos de venda, sob
É correto, pois, concluir que a contrafação de bens imateriais
pena do pagamento de multa diária de R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais). A saber: também tipifica, normalmente, ilícito de concorrência desleal, já que
se trata de um meio ilegal empregado pelo contrafator para desviar,
"Agravo de instrumento- Ação de obrigação de não fazer- De- em seu proveito, a clientela alheia. A concorrência desleal restará con-
cisão que concedeu liminar para que a agravante se abstenha de figurada ainda que os resultados almejados pelo contrafator não se-
comercializar completamente qualquer tipo de publicidade e pro- jam atingidos, isto é, ainda que não haja concretização do dano, uma
paganda referente ao produto que reproduza a marca 'Sol' ou que vez que a lei pune todo e qualquer ato que potencialmente possa cau~
saro desvio de clientela. Se assim não fosse, ao lesado caberia a difícil
73. Aspectos processuais da antecipação de tutela no direito de marcas, Revis-
ta da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual 3313 7. 75. 7." Cãm. de Dir. Priv., AI 453.276-4, rei. Américo lzidoro Angélico, j.
74. 3.• Cãm. Civ., Ap. Cív. 7.296, rei. Nunes do Nascimento, j. 01.11.1990. 29.11.2006.
11 8 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 119

tarefa de provar que os atos desleais de fato deram ensejo à perda dos tuações,-~ujo propósito não era somente a análise preliminar dos
seus clientes, o que não se justifica. produtos contrafeitos, mas, igualmente, a sua pronta destruição,
se assim fosse determinado pela autoridade competente. A destrui-
3.4.6 Breve histórico das medidas judiciais urgentes contra atos de ção só ocorria mediante o compromisso do titular do direito de que
contrafação arcaria com o pagamento das perdas e danos caso o ilícito não fos-
No Brasil, a primeira ação de vulto que tratou da violação a direi- se confirrnado. 77
tos de propriedade industrial foi proposta em 1874, no estado da Bahia. A busca e apreensão era urna providência satisfatória para impe-
Rui Barbosa, então um jovem advogado, defendia os interesses da dir a comercialização de produtos contráfeitos, mas, corno aspecto
empresa Meuron &: Cia., que distinguia os seus produtos pela marca negativo, não dirigia ao réu urna ordem para que não praticasse avio-
"Rapé Areia Preta". A sua concorrente Moreira&: Cia., sem autoriza- lação. Restava ao titular do direito violado promover seguidas apre-
ção, passou a identificar as suas mercadorias com a marca "Rapé Areia ensões para impedir a venda dos produtos contrafeitos.
Parda", e, posteriormente, pela própria marca "Rapé Areia Preta", o
O inconveniente da busca e apreensão podia ser contornado
que causou substancial prejuízo à Meuron &: Cia.
pela ação cominatória, cujo procedimento monitório, adotado até
Conta BENTO DE FARIA que a audácia da Moreira&: Cia., que no o CPC de 1939, dava margem à obtenção de uma decisão liminar.
primeiro momento resumia-se à imitação da marca da sua concorren- Na ação cominatória prevista no Código de 1939, era dirigida ao
te, logo passou à reprodução integral de todos os elementos caracte- réu, imediatamente, uma ordem de fazer ou não fazer, com prazo
rísticos da embalagem do "Rapé Areia Preta", inclusive reproduzindo de cumprimento de dez dias, sob pena do pagamento da multa es-
os avisos que denunciavam a fraude aos consurnidores-' 6 tipulada pelo magistrado. Caso o réu não contestasse, dava-se a sua
Não obstante as evidências da contrafação apresentadas pela condenação por sentença, mas, se ele contestasse, seguia-se o rito
Meuron &: Cia, a decisão do Tribunal da Bahia, proferida em ordinário. 78
28.07.1874, eximiu a Moreira&: Cia. da prática de qualquer ato ilíci- A imposição de urna multa era o elemento central da ação
to, pois não havia um dispositivo legal que tipificasse corno crime a corninatória,já que além de constituir um meio coercitivo indireto para
conduta descrita nos autos.
o cumprimento da obrigação, também poderia ser executada quando
A perplexidade da Meuron &: Cia. fez com que enviasse um ofí- não sobreviesse o adimplemento da obrigação-' 9
cio à Câmara dos Deputados noticiando o ocorrido. Em resposta, em
MoACYRAMARAL DOS SANTOS considerava que as ações cominatórias
23.10.1875 a Câmara editou a Lei 2.682, que passou a considerar cri-
eram cabíveis para obstar a prática de contrafação de patentes e mar-
me a violação de direitos sobre marcas alheias. De acordo com seu art.
cas,80 mas o seu entendimento contrastava com o de GAMA CERQUEIRA,
11. o, era possível que ocorresse a apreensão e o depósito dos objetos
para o qual a medida correta seria a ação negatória (ou proibitória). A
contrafeitos até que fosse proferida urna decisão final. A mesma dis-
posição foi repetida anos depois, na Lei 3.129, de 14.10.1882, que se
referia a patentes. 77. Idem, p. 373 e 55.
78. EouA.RDO T ALAMINI, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua
Nas legislações posteriores havia sempre dispositivos que ga-
extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art.
rantiam o ajuizamento de medidas de busca e apreensão nessas si- 84), p. 114.
79. MoACYR AMARAL DOS SANTOS, Ações cominatórias no direito brasileiro, t. li, p. 765.
76. Das marcas de fabrica e de commercio e do nome comercial, p. 31. 80. Idem, p. 760.
12 Ü ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL -- A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 121

diferença entre elas consistia na impossibilidade de que, na ação Tal fato tornava a ação cominatória praticamente inútil aos titu-
negatória, a ordem de não fazer fosse proferida sumariamente. 81 lares de direitos de propriedade industrial, que tinham que aguardar
TINoco SoARES lembra que, à época, para a defesa de direitos de todo 0 curso do processo para, só depois, requerer uma multa pelo
propriedade industrial, era comum tanto o ajuizamento da ação descumprimento da decisão final. Os contrafatores passaram a se va-
negatória como da cominatória. De acordo com esse autor, "a primei-" ler de toda a sorte de medidas para procrastinar o andamento do pro-
ra tinha apenas o condão de obrigar o infrator a não continuar na prá· cesso, a-fim de que, somente após o trânsito em julgado da decisão
tica do ato incriminado, e a segunda praticamente o mesmo, ou me- condenatória, se abstivessem do ato ilícito, e, mesmo assim, sem o
lhor, a proibir o infrator da prática lesiva aos interesses do titular do pagamento de multa.
direito, com alguma coisa a mais, isto é, sob ameaça que, se continuasse, Na ânsia de obter um provimento que compelisse o réu a se abs-
estaria sujeito ao pagamento de uma multa" 82 ter imediatamente da violação do direito de propriedade industrial,
Porém, ambas as ações não proporcionavam uma tutela efetiva tornou-se comum a utilização de interditos possessórios, sob o argu-
dos direitos de propriedade industrial: a ação negatória não possibili- mento de que seriam os instrumentos mais ajustados à defesa da pos-
tava uma decisão sumária, ao passo que a ação cominatória tinha como" se de bens imateriais.
inconveniente o afastamento da ordem de não fazer- caso houvesse
O interdito conferia a possibilidade de que o titular do direito
contestação pelo réu. Competia ao auto r aguardar a decisão final para,
obtivesse uma decisão liminar, uma verdadeira antecipação de tutela,
se fosse necessário, executá-la em ação própria.
para impedir rapidamente a violação do seu direit0 84 Essa possibili-
A dificuldade de utilizar a ação cominatória somente se acen- dade era abalizada por PoNTES DE MIRANDA, para o qual "o bem indus-
tuou com o procedimento instituído pelo CPC de 1973. Não se tra- trial, bem incorpóreo, como o bem intelectual, é suscetível de posse.
tava mais de um procedimento monitório, com a possibilidade de As pretensões e ações possessórias podem ser exercidas".
85

uma ordem liminar para que o réu se abstivesse da prática ilícita. Era
apenas possível que, quando requerida na inicial, o juiz arbitrasse Ainda em 1991 o Superior Tribunal de justiça admitia o uso dos
uma multa que passava a incidir após o trânsito em julgado da deci- interditos possessórios nesses casos, sobre os argumentos de que, no
são condenatória final. 83 direito pátrio seria pacífica a aceitação da existência de posse sobre
bens imateriais e que "tendo o interdito proibitório índole eminente-
mente preventiva, inequivocamente é ele o meio processual mais efi-
81. GAMACERQUEIRA entende que a ação cominatória não poderia ser utilizada . . , 86
para obstar a violação a direitos de propriedade industrial, que estariam caz para fazer cessar, de pronto, a violação d aquel e d 1re1to .
fora do seu âmbito de incidência. A ação cabível seria a negatória ou Todavia, o uso de ações possessórias para a defesa da posse sobre
proibitória, que, ao contrário da cominatória, "não se inicia por um pre-
bens imateriais pouco a pouco deixou de ser acolhido pela doutrina e
ceito ou ordem do juiz para que o réu se abstenha da prática da infração, . "
sob cominação de pena, mas por simples citação. Por outro lado, a pena pelos tribunais, prevalecendo o entendimento de que a posse é um
pecuniária não é cominada após simples processo sumário de cognição, estado fático de poder que se exerce sobre coisas corpóreas, não po-
como se dá na ação cominatória, mas somente na sentença que julgar pro- dendo ocorrer em relação a coisas incorpóreas.
cedente e proibir ao réu a prática do ato incriminado". Tratado da proprie-
dade industrial, 1952, v. 2, p. 363.
82. Processo civil nos crimes contra a propriedade industrial, p. 163. 84. Cf., a respeito, RT 626/45 e]T] 128/363.
83. Esse posicionamento foi externado pelo Supremo Tribunal Federal em 85. Tratado de direito privado, v. XVII, p. 220.
reiteradas oportunidades (RT] 72159). 86. REsp 7.196-RJ, rei. Min. Waldemar Zveiter,j. 10.06.1991.
122 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 123

O Tribunal de justiça de São Paulo, ao apreciar o tema, reputou que 3.4.7 As tutelas dos arts. 461, § 3. 0 , do CPC e 209, § 1. o e§ 2. 0 , da Lei
da Propriedade Industrial, como competentes para impedir
a ação cominatória seria a correta para buscar a abstenção de atos de con- im_ediatamente a. prática de atos de contrafação
trafação, e não os interditos possessórios, visto que "posse é poder mate-
rial que alguém de fato tem sobre a coisa. É exercício dos poderes ineren- A criação de uma forma de tutela que atendesse plenamente às
tes ao domínio ou propriedade (art. 485 do Código Civil). Pressupõe uma necessidades dos bens protegidos pela propriedade industrial ocor-
relação de direito exteriorizando o poder de fato sobre a 'coisa"' _s 7 reu na reforma processual de 1994. O art. 461 do CPC foi revestido
das características necessárias para resguardar de maneira dinâmica
A tentativa de se utilizarem os interditos possessórios deixava
as obrigações de fazer, de não fazer e de dar, possibilitando, inclusive,
claro que o sistema processual não dispunha de um instrumento efi-
como dispõe o seu§ 3. 0 , a antecipação da tutela para que a violação
caz para tutelar os bens imateriais, sendo ele voltado, quase que ex-
seja prontamente repelida.
clusivamente, para medidas de reparação pecuniária do ilícito, me-
diante o arbitramento de indenização por perdas e danos. A tutela do art. 461 é a mais adequada para a tutela efetiva de bens
imateriais, na medida em que "destina-se a impedir a prática, a reite-
A impossibilidade de se utilizarem as ações possessórias fez com
ração ou a continuação do ilícito, nada tendo a ver com o eventual
que se continuasse a busca por um outro instrumento efetivo para a
dano, que, se for do interesse do lesado, pode ser objeto da tutela
defesa dos direitos de propriedade industrial. Com isso, a tutela
ressarcitória, esta assim dirigida contra o ato danoso" .90
cautelar passou a ser utilizada de maneira distorcida, sendo pleiteada
não com caráter instrumental, mas sim para obter uma decisão O art. 461 é a base legal que permite, nos dias de hoje, afirmar
satisfativa, que obstasse imediatamente o réu de praticar atos contrá- que o processo civil brasileiro oferece instrumentos satisfatórios para
rios ao direito de propriedade industrial. as a defesa-da propriedade industrial. Essa conclusão é abalizada por
ZAVASCKI, para o qual há mecanismos aptos "para a tutela dos direitos
Mesmo que fosse mais efetiva que os demais instrumentos, a tutela
de propriedade industrial, seja para assegurar execução específica,
cautelar não era totalmente eficaz. O juiz não podia ordenar, sob pena
prevenindo a lesão, seja para impedir a continuidade da lesão já ini-
da incidência de multa, motivo pelo qual a única pressão psicológica
ciada, seja para reparar os danos decorrentes dos ilícitos". 91
exercida sobre o réu era a possibilidade de ele ser condenado por cri-
me de desobediência. O art. 461 atende, ainda, aos parâmetros de proteção fixados pelo
TRIPS- Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights, que, na
Em vista disso, cristalizou-se, ao longo do tempo, a noção de que
sua Parte III, prevê que a proteção à propriedade industrial entre os
era necessária a criação de um procedimento mais ajustado à tutela de
países signatários deve ocorrer mediante o oferecimento, aos deten-
situações como as descritas acima, o qual culminasse com uma sen-
tores desses direitos, de formas rápidas e eficazes de atuar em juízo,
tença mandamental ou executiva lato só1su, bem como que possibili-
por meio de procedimentos judiciais que não comprometam as rela-
tasse a expedição de uma ordem imediata, dotada de efetividade, para
satisfazer o direito do autor. 89 ções comerciais legítimas.
No art. 50.2, o TRIPS também estabelece que os países signatá-
87. RT]ESP 108/197.
rios devem criar medidas cautelares inaudita altera parte, para atender
88. Luiz GUILHERME MARINONI, Marca comercial, direito de invento, direito auto-
ral etc. Impropriedade do uso das ações possessória, cominatória e cautelar. 90. LUiz GuiLHERME MARINONI, Marca comerciai, direito de invento ... cit., p. 30.
Cabimento da ação inibitória, RT 768/28-29. 91. Tutela jurisdicional da propriedade industrial, Anais do XVII Seminário
89. Idem, p. 29. Nacional de Propriedade Intelectual, p. 73.
124 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 125

a situações em que a demora da tutela jurisdicional tenda a provocar cara violação; e (iii) a prestação de caução para garantir que o titular
dano irreparável ao titular do direito, ou :Situações em que exista risco do direito alegadamente violado seja indenizado.
comprovado de que as provas sejam destruídas.
No Brasil, além do art. 461, § 3. 0 , do CPC, a própria Lei da Pro-
Nota-se que o sistema processual brasileiro vai até mesmo além priedade Industrial disciplina a antecipação de tutela para obstar ra-
do que exige o TRIPS, pois não disciplina apenas as medidas cautelares pidamente a violação de direitos de propriedade industrial.
inaudita altera parte, que são essencialmente conservativas, mas tam- Conforme o art. 209, § 1. 0 e§ 2. 0 , da Lei da Propriedade Indus-
bém, a antecipação da tutela antes mesmo da intervenção da parte trial, o magistrado, na ação em que se requer indenização por prejuízos
contrária.
decorrentes da violação de direitos de propriedade industrial, poderá
Na Itália, há disposições semelhantes ao art. 461, § 3. 0 , do CPC, determinar liminarmente a sustação da violação, bem como, nos casos
também ajustadas ao TRIPS, que possibilitam a prestação de uma tu- de imitação flagrante de marca registrada, a apreensão de todas as mer-
tela provisória inibitória em casos envolvendo patentes, desenhos cadorias em que esteja aposta a marca falsificada ou imitada.
industriais e marcas, a fim de obrigar o réu, mediante a demonstração Dispõe esse artigo in verbis "Art. 209. Fica ressalvado ao pre-
do periculum in mora e do fumus bonijuris, a se abster da violação do judicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuí-
direito do auto r na pendência do processo. 92 A dou trina italiana admite zos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial
que a antecipação dos efeitos da tutela final é a melhor forma de se e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a pre-
defender efetivamente os direitos emjogo93 judicar a ~~putação ou os negócios alheios, a criar confusão entre esta-
Na França, o Código da Propriedade Industrial também dispõe belecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou
sobre as chamadas mesures provisoires, pelas quais é possível impedir entre os produtos e serviços postos no comércio.§ 1. 0 Poderá o juiz,
que o réu continue a praticar atos de contrafação, mediante a demons- nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil
tração de que há probabilidade no direito invocado, e de que a demanda reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato
foi ajuizada rapidamente após o conhecimento da lesão. Exige-se, para que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessá-
rio, caução em dinheiro ou garantia fidejussória. § 2. 0 Nos casos de
o deferimento da ordem, que o autor preste uma caução apta a res-
reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz pode-
guardar possíveis prejuízos a serem sofridos pelo réu se o seu pedido
for julgado improcedente 94 rá deteriT1inar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, obje-
tos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada
A Lei de Patentes espanhola, por sua vez, igualmente possibilita, ou imitada".
no art. 133 e ss., sob a denominação de medidas cautelares, que sejam
A redação desse artigo não prima pela clareza, pois dá a entender
proferidas decisões em caráter urgente, nos autos da própria ação em
que haveria a possibilidade de se determinar a abstenção dos atos de
que se requer a cessação dos atos de contrafação, determinando-se:
violação, bem como a apreensão das mercadorias que contiverem a
(i) que o réu deixe imediatamente de praticar a violação; (ii) a apreen- marca falsificada, somente nos autos de ação em que é pleiteada uma
são das mercadorias já produzidas e dos meios utilizados para prati- indenização. Melhor seria que a Lei da Propriedade Industrial abrisse
caminho para tais medidas em qualquer ação em que se discute a prá-
92. MARco SAVERIO SPOUDORo, Lemisure di prevenzione nel diritto industriale, p. 202. tica de violação, pouco importando o pedido de indenização.
93. Idem, p. 194-195.
MARINONI também notou a obscuridade do art. 209, enfatizando
94. FRÉDÉRIC POLLAUD-DULIAN, Droit de la propriété industrielle, p. 685.
que ele prevê uma tutela inibitória imediata que parte de uma falsa
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 127
12 6 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

premissa, qual seja de que sempre que se requer o arbitramento de uma Verifica-se, pois, que nas ações em que há cumulação dos pedi-
indenização, também se requer a condenação do réu a abstenção da / dos de indenização e de abstenção não há dificuldade para se aceitar a
violação. 95 Na realidade, isso não acontece, pois a indenização pode aplicação-do art. 209 da Lei da Propriedade Industrial, e, mais especi-
ser pleiteada sem o pedido de abstenção e vice-versa. ficamente, para se aceitar natureza antecipatória dos provimentos
proferidos com base nesse artigo. Isso ocorre porque a própria deci-
Ainda que não se trate de um dispositivo facilmente interpre-
são final veiculará uma ordem para que o réu deixe de violar os direi-
tável, quando há cumulação dos pedidos de indenização e de abs-
tenção, ele deve ser aplicado, por se tratar, tecnicamente, de uma ação tos do autor.
de indenização. Os requisitos a serem observados são os do art. 461, Entretanto, a situação não se mostra tão clara quando há apenas
§ 3. 0 , do CPC, sendo aplicável subsidiariamente o regime jurídico pedido indenizatório e, no curso do processo, surge o interesse do autor
do art. 273. de obstar que o réu pratique atos contrários ao seu direito. A situação
Ademais, embora o§ 1° do art. 209 estabeleça como único re- é extremamente comum, sobretudo quando o autor reputa que foram
quisito para a concessão da tutela a existência de dano irreparável ou cessados os atos de violação, não sendo mais necessário o pedido de
de difícil reparação, a sua aplicação, na realidade, deve ser feita em abstenção, mas apenas o de indenização pelos prejuízos causados. Não
consonância com o art. 461, § 3. 0 , do CPC, por se tratar da imposição são raros os casos em que,já proposta a ação apenas com esse pedido,
de um dever de não fazer. Do contrário, a conclusão absurda seria de o réu volta a praticar a contrafação.
que o autor, mesmo sem evidenciar a probabilidade do seu direito, Poder-se-ia cogitar que a determinação de que o réu deixe de
poderia obter a antecipação da tutela calcado no risco de sofrer dano praticar contrafação não teria natureza antecipatória, mas sim
irreparável ou de difícil reparação. cautelar, .\listo que a decisão final não teria esse efeito direto. JoSÉ
A fim de evitar dúvidas quanto à aplicação do referido dispositi- ANTONIO LISBOA NEIVA posiciona-se dessa maneira, ao observar que a
vo, é recomendável que o legislador estabeleça, no próprio art. 209, § tu tela do art. 209, da Lei da Propriedade Industrial, não guardaria
1. 0 e§ 2. 0 , que os requisitos a serem observados para a antecipação são identidade plena ou parcial com o pedido indenizatório, pelo que
os do art. 461, § 3. 0 , podendo, ainda, ser imposta a multa do§ 4. 0 e não poderia ser considerada como tutela antecipatória.
adotadas as medidas de apoio do§ 5. 0 . Também é recomendável es- AduzjOSÉ ANTONIO LISBOA NEIVA que "não seria possível imagi-
clarecer que são aplicáveis, nos casos dos arts. 209, § l. o e§ 2. 0 , da Lei nar uma tutela provisória (por exemplo, de proibição de uso de
da Propriedade Industrial, no que forem pertinentes, as disposições marca) sem uma definitiva que viesse, po_steriormente, a ratificá-la.
do art. 273. Isso certamente não ocorreria com uma providência final apenas
A necessária observância dos requisitos do art. 461, § 3. 0 , do CPC, ressarcitória" 97
na tutela prestada com base no art. 209 da Lei da Propriedade Indus- Apesar disso, entendemos que, mesmo quando há apenas pedi-
trial, é confirmada por TALAMINI, segundo o qual nesses casos "nem do indenizatório, a ordem para que o réu deixe de violar o direito do
há que se falar em aplicação 'subsidiária' do art. 461. Em tais hipóte-
ses, o que se constata é a direta e integral incidência (rectius: a aplica-
ção 'principal') do regime previsto naquele dispositivo". 96
"97.. '"Questões processuais envolvendo propriedade industrial, Revista da Asso-
ciação Brasileira da Propriedade Intelectual 56/38. Nesse mesmo sentido v.
JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM, Antecipação da tutela e medidas cautelares
95. Marca comercial, direito de invento ... cit., p. 35. em prÕpriedade intelectual, Anais do XIX Seminário Nacional de Proprieda"
96. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não jazer, p. 458. de Intelectual, p. 28.
1 2 8 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 129

a~tor J_Ião consiste em tutela cautelar. A ordem que determina que 0 Aliás,já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo que, havendo
reu dnxe de prancar atos contrários ao direito do autor tem de fat a violação do direito de propriedade industrial, o dano é inerente ao
naturezaantecipatória, porque a decisão condenatória ao pa~amen~~ ato ilícito, ou seja, "o dano, com a prática ilícita, até mesmo de natu-
de mdemzação, necessariamente, também declara que os atos do réu reza imaterial, pela afetação do elemento moral da empresa titular, está
vwlam os direitos de propriedade industrial do autor. in re ipsa, lesando forçosamente o seu patrimônio, no mínimo, pela
Em ou_tras_palavra~, se a decisão final declarará forçosamente que" falta de retribuição pecuniária desse uso, a exemplo do que se passa-
os atos do reu sao_contranos ao direito do autor, tanto que este fará jus ria num contrato de licenciamento, possibilitando ao infrator um
a uma mdemza~ao pelo ilícito, nada mais lógico do que considerar locupletãrnento indevido e injusto" .99
como anteC1paçao da tutela a decisão que impede 0 prosseguimento De tal modo, se há a violação a direito de propriedade industrial,
de atos contrários a essa futura declaração. não há a possibilidade de que a antecipação da tutela, deferida para
. . Vale lembrar que a antecipação da tutela faz com que 0 titular do obstar a violação, seja revogada na sentença em vista da improcedên-
direito desfrute dos efeitos concretos da declaração, e não simplesmen- cia do pedido indenizatório. Sempre que se verificar o ilícito, o
te conserve um estado de coisas para que 0 direito possa ser exercita- contrafator deverá arcar com o pagamento de uma indenização, ainda
do no futuro. que essa indenização consista, simplesmente, na licença pela utiliza-
ção do bem imaterial que seria paga caso "O bem fosse legitimamente
. MARIN~Nr considera que a antecipação de tutela nesse contexto
utilizado.
trana um seno mconveniente, pois caso o pedido indenizatório não
fosse acolhido, em face da inexistência de danos causados ao autor Além das situações já analisadas, em que há aplicação do art. 209,
(mesmo ten~o ocorrido a contrafação), por conseqüência, a ordem § 1. 0 e§ 2. 0 , da Lei da Propriedade Industrial, combinado com o art.
para que o reu deixasse de violar o direito do autor seria cassada.9s 461, § 3. 0 , do CPC, há casos em que se aplica diretamente este último .
. Em que pese tal posição, entendemos que esse inconveniente na Quando ajuizada ação apenas com pedido para que o réu não viole
r~ahdade não existe. Sempre que se verificar a prática de uma viola- o direito do autor, mas não para que o réu seja condenado ao paga-
çao a direito de propriedade industrial, haverá, necessariamente 0 mento de uma indenização, essa medida foge ao campo de incidência
direito a uma reparação por lucros cessantes, conforme prevê 0 a~t. do art. 209, cujo caput prevê que a sua aplicação é restrita às ações em
210, I a III, da Lei da Propriedade Industrial. que se pleiteia uma indenização.
A indenização por lucros cessantes- sem prejuízo dos eventuais Temos, dessa forma, resumidamente, que o art. 209, § 1. 0 e§ 2. 0 ,
dano~ emergentes- deve ser calculada observando-se o critério mais da Lei da Propriedade Industrial, é aplicável às ações de indenização
~avo~avel ao prej~dicado, que poderá consistir: (i) nos benefícios que por violação de direitos de propriedade industrial, haja ou não
preJUdicado tena aufendo se a VlOlação não tivesse ocorri· do· (' ') cumulação de pedido final para que o réu se abstenha da prática de
b f· · J; , n nos
contrafação. Por outro lado, se o pedido for somente este, aplica-se o
.ene IClOs que oram auferidos pelo autor da violação do direito· ou
(m) na remuneração que o autor da violação teria pago ao titula; do art. 461,_§ 3. 0 , do CPC, por se tratar de uma obrigação de não fazer.
direno vwlado pela concessão de uma licença que lhe permitisse le- Em ambos os casos devem ser observadas as disposições do
ga 1mente explorar o bem. microssistema formado pelos arts. 273 e 461 do CPC.

99. TJSP, 2." Cam. Dir. Pr., Ap. Cív. 237.462-4/6-00,j. 04.02.2003. Trecho do
voto vencedor do Desembargador]. Roberto Bedran,JTJ 267/238.
130 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 131

Dentre as medidas de apoio a serem tomadas para a efetivação da Primeiramente, não se pode falar em probabilidade do direito se
tutela antecipada, destacam-se a busca e apreensão dos produtos con- o autor não apresentar, com a petição inicial, a carta-patente que traz
trafeitos, bem como dos materiais utilizados na sua fabricação- caso todas as informações quanto ao período de validade do direito, aos
o réu não atenda à ordem inicial para que deixe de praticar o ilícito. seus limites, bem como informações relativas ao seu titular.
Como medida extrema, após o insucesso de outras mais brandas,
Além disso, para que o direito do autor se afigure provável, é
poderia também ser determinado o fechamento do estabelecimento
necessário que seja oferecida ao magistrado prova de que há realmen-
comercial, a fim de in::tpedir a continuidade da contrafação.
te reprodução total ou parcial das reivindicações da patente pelo réu.
No caso de se mostrar necessário o fechamento do estabelecimen- Se houver a efetiva comercialização do produto contrafeito, o autor
to comercial, há que lembrar que a Lei da Propriedade Industrial, no também deverá apresentar prova de tal fato, mediante fotografias, notas
art. 203, determina que a paralisação das atividades não deve ocorrer
fiscais, declarações etc.
de maneira total, quando se verificar que parte das atividades é desen-
volvida de maneira lícita. Em outros termos, a ordem judicial deve Dada a natureza técnica que permeia as questões relacionadas a
especificar que apenas devem ser cessadas as atividades ilegais, deven- patentes, a demonstração da contrafação só é feita a contento mediante
do prosseguir, normalmente, quaisquer atividades que não sejam as- uma perícia técnica. Sem ela, o magistrado não tem os conhecimentos
sim consideradas e não sejam objeto da medida judicial. necessários para interpretar as reivindicações da patente e, principal-
mente, confrontá-las com as características do produto contrafeito.
Embora se deva dar preferência ao arbitramento de uma multa,
já que essa medida é mais branda e faculta ao réu o cumprimento es- Com essa finalidade, poderá ser apresentado, já com a petição
pontâneo da decisão, não se pode aguardar por um longo período para inicial, um laudo pericial pré-constituído que comprove a prática ilí-
que seja atendida a ordem judicial, sobre o simples argumento de que cita, o qual poderá ser proveniente de ação cautelar de produção ante-
o não atendimento dessa ordem geraria o acúmulo de multa em favor cipada de prova, de ação cautelar de busca e apreensão, ou, até mes-
do autor. mo, de ação penal que tenha sido ajuizada para responsabilizar o réu
Como veremos a seguir, especialmente no caso de direitos de criminalmente pela prática de contrafação.
propriedade industrial, deve-se almejar sempre a prestação de tutela j
A utilização de laudo originário de outro processo, mesmo que
específica ou de resultado prático equivalente, pois a reparação não seja iie uma medida cautelar proposta com essa finalidade, é pos-
pecuniária, no mais das vezes, não é apta a reparar os prejuízos sofri- sível como prova emprestada, pois, como leciona DINAMARCO, ""lnra-
dos pelo autor.
vés dela, aproveitam-se em um processo os atos de realização da pro-
va já consumados em outro, sem necessidade de repetição e com a
3.4.7. 7 A análise da contrafação baseada em cognição sumária-
A probabilidade do direito vantagem de tornar possível o conhecimento oriundo de fontes tal-
vez até não mais disponíveis quando o processo destinatário dessa
3 .4.7 .1.1 Patentes prova é realizado (testemunhas que morrem ou desaparecem, vestí-
gios que não existem mais etc.)" . 100
A verificação da contrafação de patente por meio de cognição
sumária é possível, mas depende da apresentação, ao magistrado, de MoACYR AMARAL Dos SANTos ressalta que a prova empresta di! de-
provas suficientes para que ele compreenda os aspectos técnicos em verá ser recebida com a mesma eficácia do processo do qual provém,
discussão, isto é, para que ele possa verificar se uma ou mais reivindi-
cações patenteadas foram reproduzidas indevidamente. 100. Instituições ... cit., p. 97.
132 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 133

desde que preencha concomitantemente os seguintes requisitos: (i) cipada seja deferida inaudita altera parte, eis que baseada em parecer
tenha sido realizada em processo entre as mesmas partes; (ii) tenham técnico apresentado unilateralmente pelo autor. Porém, também nos
sido obedecidas as formalidades pertinentes na sua produção; e (iii) não parece razoável rechaçar de plano a possibilidade de que parece-
haja identidade entre os fatos pro bandos. 101 res técnicos sejam utilizados em ações envolvendo propriedade indus-
Na ausência de laudos periciais oriundos de outros processos, trial, a fim de evidenciar a probabilidade do direito do autor.
poder-se-ia cogitar a possibilidade de instruir a petição inicial com uma Da mesma maneira que se pode converter em instrumento de
perícia extrajudicial, realizada por profissional contratado pelo pró- " fraude processual, o art. 4 27 também pode ser a fonte normativa para
prio autor para aferir a contrafação. Essa é uma modalidade de prova que, em casos de contrafação, a tutela pos-sa ser prestada mais rapida-
atípica que não pode ser equiparada a uma perícia regular, mas, de- mente, sem a necessidade de uma longa fase probatória que só bene-
pendendo das peculiaridades do caso, pode ser utilizada com outras ficia o contrafator. Encontrar a medida exata para a aplicação do art.
provas apresentadas do conjunto probatório.1o 2 427 é que se revela o grande desafio.
O art. 4 2 7 do CPC dá margem à apresentação de pareceres téc- Caberá ao magistrado sopesar as nuances de cada situação con-
nicos apresentados pelas partes, como forma de substituir a realiza- creta, para impedir que haja a intervenção na esfera de interesses do
ção de prova pericial. Dispõe esse artigo, in verbis, que "o juiz pode- réu, baseada em parecer técnico sem consistência. O parecer técnico
rá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contes- deve ser preparado por profissional especializado, e deve ser apresen-
tação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou tado conjuntamente com outras provas documentais que sejam aptas
documentos elucidativos que considerar suficientes". a tornar verossímeis as alegações do autor.
EGAS MoNrz DE ARAGAo entende que a disciplina do art. 427 não se Em uma situação hipotética, poderia ser apresentado o parecer
coaduna com os princípios constitucionais da ampla defesa e do con- técnico que noticia a contrafação, juntamente com provas de que,
traditório, pois possibilita que sejam emitidos pareceres sem consistên- embora tenha sido notificado judicial ou extrajudicialmente para ces-
cia, que dificilmente serão atacáveis, por não terem sido preparados com sar o ilícito, o réu quedou-se inerte, não tendo apresentado qualquer
o acompanhamento dos assistentes técnicos de ambas as partes. " resposta. O silêncio do réu, aliado ao parecer técnico, poderia consti-
tuir qua_qro probatório hábil à antecipação da tutela.
Em vista disso, conclui esse autor que "primordial para a serie-
dade da prova pericial e para o equilíbrio de tratamento dispensado às Por outro lado, se apresentado parecer técnico noticiando o ilí-
partes é, portanto, a efetiva oportunidade de os assistentes técnicos cito, mas houver resposta fundamentada do réu à notificação
de sua indicação poderem seguir pari passu os trabalhos da perícia, extrajudicial, pela qual ele refuta a prática da contrafação, em princí-
sem o que não poderão observá-la. Pois em má hora a lei veio a cercear pio seria indicada a análise mais detida do pedido de antecipação, di-
essa possibilidade, tornando-a praticamente nominal". 1o3 ferindo-o para após a apresentação da contestação. Enfim, deve o
magistrado se ater às especificidades de cada situação.
Tais considerações, realmente, tornam claro o risco de que o art.
427 converta-se em um instrumento de fraude para que a tutela ante- De qualquer forma, a conclusão não deve ser de que o art. 427 é,
a priori, inaplicável a ações que versam sobre propriedade industrial,
e de que ele não possibilita a apresentação de prova suficiente para a
101. Prova judiciária no cível e comercial, p. 314. antecipação da tutela. Tal avaliação não pode ser feita abstratamente,
102. ]OÃO BATISTA LoPES, A prova no direito processual civil, p. 172. e depende da análise cuidadosa dos fatos e das provas que são apre-
103. Op. cit., p. 248.
sentados com a petição inicial.
!IUBUNAL DE )t.61lÇ!l
1 34 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 135

A ausência de provas que tornem o direito do autor verossímil, isto O cuidado em se antecipar a tu tela inaudita altera parte deve ocor-
é, de laudos que permitam aferir com um grau elevado de segurança a rer, especialmente, nas ações que versam sobre contrafação de paten-
prática de contrafação, deve ensejar o indeferimento da antecipação da te de processo. Em tais casos, se estiverem ausentes, na inicial, provas
tutela. Isso ocorre porque a contrafação de patentes envolve aspectos que transmitam segurança ao magistrado, a análise do pedido de an-
eminentemente técnicos, que dependem de perícia conduzida por pro- tecipação deverá ser diferida para após a realização de prova pericial.
fissionais especializados para que sejam .elucidados. 104 A própria Lei da Propriedade Industrial, no art. 42, § 2. 0 , dispoe
A jurisprudência é praticamente unânime ao reconhecer a im- que, em ações envolvendo patentes de processo, a violação somente
possibilidade de antecipação nesses casos, conforme indicam as deci- ocorre se o réu não consegue provar que a obtenção do seu produto se
sões transcritas a seguir: dá por meio de processo distinto do patenteado. Por essa razão, é líci-
"Processual civil- Antecipação de tutela. Inexistente a prova to afirmar, em princípio, que, em ações dessa natureza, a análise do
inequívoca a convencer da verossimilhança da alegação, descabe an- pedido antecipatório só deve ocorrer após instaurado o contraditó-
tecipar os efeitos da tutela. Violação de patente industrial. Matéria que rio, com a manifestação do réu.
reclama a realização de prova técnica de perícia. Antecipação denegada
3.4.7.1.2 Desenhos industriais
em primeira instância. Agravo improvido" (TJRS, AI 70003918075,
j. 09.05.2002). Em ações que visem à abstenção da contrafação de desenho in-
"Antecipação de tutela e liminar concedidas em primeiro grau, dustrial aplicam-se, em linhas gerais, as mesmas considerações feitas
para que fossem apreendidas as peças e impedida a manutenção da em relação a patentes. Com a petição inicial, deve ser apresentado o
linha de montagem de capotas- Cassação- Documentos apresenta- certificado de registro expedido pelo INPI, que fornecerá ao magis-
dos que são insuficientes para se constatar a igualdade entre os pro- trado todas as informações necessárias sobre o direito do autor.
dutos industrializados e comercializados pelas partes- Prova do fato Face· à natureza ornamental do desenho, eventualmente o ma-
que depende do conhecimento especial de técnico, para se determi- gistrado poderá, sem o auxílio de um laudo pericial, verificar suma-
nar se houve ou não apropriação indevida dos direitos de proprieda- riamente se há a prática de contrafação. Bastará, para esse mister, pro-
de industrial, consoante art. 145 do Código de Processo Civil- Agra- ceder a uma comparação entre os desenhos que instruem o registro
vo provido" (TJPR, 8.• Câm. Cív., AI 149.974-5, rel. Des. Celso Roto li do desenho industrial e o exemplar do produto do réu. Normalmente
de Macedo, 18.02.2004). essa análise não exige qualquer conhecimento técnico.
O laudo pericial também é necessário para evitar que o titular da FRÉDÉRIC POLLAUD-DULIAN esclarece, baseado na jurisprudência
patente procure exercer abusivamente os direitos dela advindos, bus- européia,_que a apreciação da contrafação deve ser feita atentando-se
cando maior extensão do que ela realmente possui. Entre os casos de para as semelhanças entre os desenhos comparados e não somente para
exercício irregular de direitos decorrentes de patentes, o mais comum as diferenças. A contrafação se perfaz sempre que a impressão global
é justamente aquele em que o seu titular procura conferir à patente transmitida pelos desenhos for a mesma. 106
maior extensão do que ela realmente possui. 105 Ao contrário das marcas, é interessante notar que os desenhos
industriais não estão sujeitos ao princípio da especialidade, razão pela
104. ]OÃO BATISTA LOPES,A prova ... cit., p. 130.
105. GAMA CERQUEIRA, Tratado da propriedade industrial, 1952, v. 2, p. 371. 106. Droit de la propriété industrielle cit., p. 446.--
13 6 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 137

qual, para a caracterização do ilícito, não é necessário que se compro- do, na prática, a existência de procedimentos judiciais muitas vezes
ve a identidade ou simples afinidade entre os produtos. Um desenho desvirtuados e atentatórios da segurança jurídica, sendo que esta sis-
industrial relativo à embalagem de perfume, por exemplo, não pode- temática de atribuição de direito antes da análise prévia do estado da
rá ser utilizado como embalagem de produto alimentício, ainda que · / técnica já era condenada por GAMA CERQUEIRA, quando da sua análise
não exista qualquer afinidade entre os ramos de atividade. do prazo-de duração das patentes e os inconvenientes gerados pela
Além dessa, a maior peculiaridade dos desenhos industriais em demora na concessão de privilégios" . 108
relação às patentes e às marcas é que o seu registro é concedido pelo Essa também é a posição defendida por ANAL! DE OLIVEIRA ANHUCI,
INPI sem um exame prévio de mérito. Como já tivemos a oportunidade para a qual "o titular de registro de desenho industrial, em verdade,
de analisar, o INPI verifica apenas o preenchimento de requisitos for- não tem em mãos título hábil a produzir prova inequívoca de seu di-
mais, tais como a apr~sentação de informações e documentos sobre o reito, pois no momento da concessão, não foi o seu pedido analisado
depositante do pedido, bem como a descrição do desenho; preenchi- com a ideal profundidade" . 109
dos tais requisitos, o INPI, automaticamente, concede o registro.
Entretanto, entendemos que a sumariedade do processo admi-
A fragilidade do registro, de tal modo, poderia ser apontada como nistrativo para a concessão de desenhos industriais não deve consti-
óbice à antecipação da tutela, por não transmitir segurança ao julgador tuir obstáculo intransponível à antecipação da tutela. Primeiramen-
quanto à probabilidade do direito do autor. O Tribunal de justiça de te, é possível que, antes mesmo do ajuizamento da ação, o titular do
São Paulo já decidiu dessa forma, e concluiu que a antecipação da desenho industrial tenha requerido ao INPI o exame de mérito do seu
tutela, em ações relativas a desenhos industriais, não deve ser deferida registro (art. lll da Lei da Propriedade Industrial), e, dessa forma,
liminarmente, devendo, antes, ser realizada prova pericial que com- tenha em seu poder prova mais sólida de que faz jus ao direito de pro-
prove que o registro efetivamente preencheu os requisitos legais. priedade. Essa análise afastaria qualquer dúvida quanto à validade do
Afirma-se no acórdão que "é mister dilação probatória para que registro,-
se evidencie a alegada novidade e originalidade a autorizar o acolhi- Mas, mesmo que o exame de mérito não tenha sido realizado, e,
mento da pretensão inicial, se afigurando descabida a concessão de portanto, não haja uma manifestação formal do INPI quanto à legalida-
tutela antecipada pelo simples fato de haver registro no INPI, registro de do registro, não se pode afastar de plano a possibilidade de antecipa-
esse que, repita-se, é efetivado sem exame de tas pressupostos" . 1o7 ção da tu tela. A existência do registro concedido pelo INPI, mesmo que
Para parte da doutrina, esse entendimento seria correto, pois a de forma automática, faz com que se opere presunção iuris tantum quanto
antecipação da tutela, baseada em registro de desenho industrial con- à sua validade, que vigora até que surja prova em contrário.
cedido automaticamente, possibilitaria abusos por parte de litigantes MoACYR AMARAL SANTOS não analisa especificamente a questão do
inescrupulosos, que poderiam ajuizar ações lastreadas em registros registro-de desenhos industriais, mas, tão-somente, os registros bcul-
flagrantemente nulos, com o único propósito de auferir lucro indevido tativos relacionados a obras artísticas, científicas e literárias. Tais obras
de terceiro.
MILTON LUCÍDIO LEÃO BARCELLOS afirma que, se fosse possível a
·---·-··--
108. O atual sistema de registro e exercício de direitos sobre desenhos indus-
antecipação da tutela nessas circunstâncias, "tal fato estaria legitiman- triais frente ao disposto no inciso XXIX do art. 5. 0 da Carta Magna de 1988,
Revista]urídica 329/51.
109. Registro de desenho industrial e antecipação da tutela, Revista da Associa-
107. TJSP. 10• Cam. Dir. Pr., AI 134.551-4/1, rel. Ruy Camilo,j. 23.11.1999. ção Brasileira da Propriedade Intelectual 4 7/52.
13 8 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 139

são registradas nos órgãos oficiais que guardam maior compatibilida- referidos na inicial, o que dispensa prova técnica prévia, até porque
d: com a natureza delas, e, assim como nos desenhos industriais não exemplares foram disponibilizados ao julgador singular para o exame".
ha exame de mérito para que o registro seja concedido. '
A fim de se evitar abusos decorrentes da obtenção de registros
Mesmo diante dessa característica, MOACYR AMARAL SANTOS reco- sem amparo legal, é possível que o magistrado se valha de inúmeros
n~e~e que esse registro goza de presunção de validade iuris tantum e instrumentos que a legislação processual põe à sua disposição, dentre
so na o prevalece mediante a apresentação de prova em contrário. no as quais se destaca a imposição de uma caução ao autor, a fim de que,
_ Por esse motivo, não há razão para se afastar de plano a antecipa- caso se verifique posteriormente que a ação é baseada em registro nulo,
çao de tutela baseada em registro de desenho industrial J·a- existam meios de reparar os danos causados pelo deferimento de uma
f d. - , que, con-
orme l:poe claramente a Lei da Propriedade Industrial, com 0 re- ordem liminar.
gistro o titular adqmre a propriedade dessa espécie de bem imaterial e.~ Por fim, faz-se necessário esclarecer que, mesmo que não exista
faz JUS, a pa_nir desse momento, a todas as prerrogativas inerentes a qualquer registro que proteja o desenho industrial, é possível que, com
essa cond1çao. Não há que se limitar a fruição dos direitos de proprie- base na Lei de Direitos Autorais, sejam tomadas medidas judiciais para
dade, se a Le1 da Propnedade Industrial não confere nenhum funda- proteger a obra intelectual reproduzida indevidamente. Como já ana-
mento para tanto. lisamos, o desenho industrial goza, em princípio, de proteção dúplice,
. Em decc:_rrência disso, havendo registro outorgado pelo INPI, tanto da Lei de Direitos Autorais como da Lei da Propriedade Indus-
0
mag1s~rado nao deve de plano perquirir sobre a sua validade. A preo- trial.112 Em tal hipótese, cabe ao autor da ação fazer prova da criação
cupaç~o lmClal deve ser apenas verificar se houve reprodução indevida / do bem imaterial de outras formas, tais como desenhos, esboços, pro-
p:lo r~u, a qual justifique o deferimento de tutela antecipada. Caso jetos, protótipos, imagens, declarações, fotografias etc., tudo com o
nao hap provas consistentes do ilícito, a análise da antecipação da tutela propósito de comprovar que a sua criação intelectual vem sendo uti-
pode ser d1fenda para após a realização de eventual perícia, ou mes- lizada por terceiro sem a devida anuência.
mo para postenor manifestação do réu.
3.4.7.1.3 Marcas
Sobre a possibilidade de antecipação da tutela em ações envol-
vendo desenhos industriais, cumpre citar decisão oriunda do Tribu- Nas ações que versam sobre contrafação de marca, a demanda deve
nal de justiça do Rio Grande do Sul, que manteve liminar deferida em ser instruída com o certificado de registro expedido pelo INPI (ou por
pnmelra mstânci~, a fim de que o réu se abstivesse de fabricar calça- / um país integrante da Convenção da União de Paris, em caso de mar-
dos CUJas caractenst1cas Já estavam protegidas por desenho industrial ca notoriamente conhecida), que demonstrará a exata extensão do
concedtdo ao autor. 1 11 direito do titular, notadamente a forma de registro da marca -
nominativa, mista ou figurativa- e a classe em que foi concedida, isto
_ No acórdão referente a esse recurso, consignou-se que a antecipa- é, que produtos e serviços ela distingue.
çao da tutela mostrava-se plenamente J·ustificada porque "as
r 'd provas No caso de marca mista, a juntada do certificado de registro tam-
co lgt as aos autos pela autora evidenciam a contrafação dos produtos
bém se justifica para que seja analisada, pelo magistrado, eventual
------··
110. Provajudicidria ... cit., p. 350-351.
111. 112. A análise da antecipação da tutela em ações relacionadas a direitos auto-
T{RS: 52."0COa6m2.0COív.' AI 70004 281846, rei. Marco Aurelio dos Santos Cami- ra-is foge dos limites desta obra, razão péla qual não nos aprofundaremos a
n a,J. . . 2.
esse respeito.
140 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 141

apostila feita pelo INPI. A apostila pode servir como indicativo da' A propósito, já decidiu o Tribunaldejustiça de São Paulo que:
extensão do direito do autor, notadamente quanto à possibilidade de
utilizar um sinal com exclusividade ou não. "Propriedade Industrial- Marca de indústria e comércio- Con-
trafação- Imitação ou reprodução de marca alheia registrada- Confi-
Além de evidência quanto à propriedade da marca, o autor da ação guração facilmente perceptível - Desnecessidade de perícia -
deve apresentar, com a petição inicial, prova de que tal marca foi Irrelevância de não pertencerem os produtos à mesma classe- Afini-
indevidamente reproduzida ou imitada pelo réu. Isso pode ocorrer dade dos ramos de atividade (cigarro e isqueiros)- Possibilidade de
mediante a apresentação de fotografia do produto contrafeito, de nota
confusão sobre sua origem- Aplicação dos arts. 4 20, parágrafo úni-
fiscal em que conste a marca indevidamente aposta, assim como quais- ./
co, do CPC e 59 e 65, n. 17, da Lei 5.772/1971" (RT 625/67).
quer outros documentos que sejam aptos a estabelecer um vínculo
entre a prática de contrafação e a conduta do réu. "Marcas e patentes- Rótulos semelhantes usados em produtos
diferentes -Semelhança não ocorrente- Rótulos que não possibili-
Ao contrário do que acontece em relação a patentes, nos atos de
tam qualquer engano- Recurso provido. A questão relativa à limita-
contrafação de marca o magistrado poderá, em cognição sumária, sem
ção das marcas deverá ser sempre apreciada pelo conjunto dos elemen-
o auxílio de prova pericial, verificar se há violação aos direitos do ti-
tos que constituem a marca e não pelas dessemelhanças, pois que
tular do registro. Eventualmente, laudos oriundos de ação cautelar
estas últimas são sempre colocadas para justificar uma eventual de-
de bu.sca e apreensão ou de produção antecipada de prova poderão
fesa. Observe-se, ainda, que na figura da imitação o exame levado a
ser uuhzados, mas a sua existência não é tão importante como em ações /
que versem sobre patentes. efeito não deverá ser profundo, comparativo, mas sim como se fora
um simples olhar do consumidor que pretende apenas e tão somen-
O magistrado deve analisar a questão com os olhos de um consu- te adquirir o produto" ( 4." Câm. Dir. Priv., Ap. Cív. 69.216-4/jundiaí,
midor- que é, de fato-, a fim de concluir se a utilização da marca que rel. Barbosa Pereira,j. 11.03.1999).
lhe é apresentada causa confusão com outra validamente registrada.
O magistrado deve atentar para a identidade ou afinidade entre os
. . ressalta a total desnecessidade de perícia ju-
WALDEMAR FERREIRA produtos e serviços identificados pelas marcas, a fim de aferir a prática
drcral em ações de contrafação de marca, pois "o juiz não é só 0 juiz; é de contrafação. Se após essa análise preliminar permanecer a dúvida
consumidor também. Bem pode ele ao ouvir e ao ver a marca de que se " quanto ao risco de confusão, seja pela diferença entre os signos, seja
trate sentir se ela contrafaz ou não a outra, anteriormente registrada, pela diferença entre os ramos de atividade, só então o magistrado deve-
e convencer-se se ela é, ou não, capaz de levá-lo a confundir com ou- rá se valer de perícia para esclareceras pontos controvertidos.
tro produto" 113
Em se tratando de marca notoriamente conhecida, deve o magis-
E conclui WALDEMAR FERREIRA que "só o tecnicismo do fato expli- trado, além de exigir prova do seu registro em um dos países da Con-
ca a pentagem técnica. O que não é possível é transformar o perito em venção da União de Paris, também exigir prova de que ela é amplamen-
'cérebro do juiz', a manifestar-se sobre o mérito da questão em lide,
te conhecida no Brasil para identificar determinado produto ou servi-
como se verifica, em regra, na perícia judicial, em que ele entre até a ço. Só assim é que se justificará a proteção especial à marca no País.
exprimir-se sobre sua natureza jurídica" . 114
A demonstração da notoriedade poderá ser feita por meio de quais-
quer p;ovas, tais como materiais publicitários, pesquisas, docu])1.entos
113. Instituições de direito commercial, p. 339:
114. Idem, ibidem. relativos aos investimentos em publicidade, declarações, testemunhas,
entre outros. Até mesmo uma perícia, em situações peculiares, pode
142 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 143

ser designada para aferir exatamente qual é o grau de conhecimento relhos eletrônicos, se exigisse a apresentação de prova do alto reno-
da marca.
me da marca a abonar a sua proteção especial em todos os ramos de
]OSÉ ROBERTO D'AFFONSECA GUSMÃO observa que não se impõe que atividade.
a notoriedade seja absoluta, como deve acontecer com a marca de alto O alto renome de uma marca pode ser reconhecido administrati-
renome. Isto é, "a marca não precisa ser conhecida das pessoas de to- vamente pelo INPI, conforme determina a Resolução llO, de
das as categorias sociais, sobre todo o território brasileiro ou ainda 27.01.2004. Essa resolução apenas visa a facilitar a atuação do INPI,
ser suficientemente familiar ao público consumidor par~ que ess~ para que-ele não tenha de analisar o alto renome de uma mesma marca
associe imediatamente aos produtos que ela designa" _m
em diferentes processos. Por uma questão de praticidade, pode ocor-
Se comprovada a possibilidade de proteção à marca estrangeira rer a declaração de alto renome em um processo e a sua extensão aos
no Brasil, como marca notoriamente conhecida, a sua proteção po- demais em que o tema também seja debatido.
derá até mesmo extrapolar o seu ramo de atividade, estendendo-se No entanto, a criação de um procedimento próprio pelo INPI,
para outros produtos e serviços nos quais esteja sendo utilizada, e para o reconhecimento e atribuição da proteção especial às marcas de
possa causar confusão ao público pelo estabelecimento de conexão alto renome, não exclui a apreciação do art. 125 da Lei da Proprieda-
(art. 16.3 do TRIPS- Trade Related Aspects of Intellectual Property de Industrial pelo Poder judiciário, como disposto no art. 5. 0 , XXXV,
Ríghts).
da Constituição FederaL
Já no caso de marca de alto renome, isto é, conhecida amplamen- Por outro lado, cumpre frisar que o juiz deve limitar-se à verifi-
te pelo público, pouco importa que não haja proximidade entre os cação da possibilidade de confusão entre as marcas confrontadas,
ramos de atividade dos produtos ou serviços assinalados pelas mar- pouco importando se a marca imitadora seja objeto de um pedido
cas confrontadas. Basta que a marca de alto renome seja utilizada por depositado no INPI. O Tribunal de justiça de São Paulo já se manifes-
terceiro para que se configure a prática de contrafação.
tou a esse respeito, concluindo ser irrelevante o deferimento pelo INPI
O alto renome de uma marca é um estado fático, ou seja, é um quanto à viabilidade do pedido de registro, se a marca colide com uma
fato de conhecimento de todos, que dispensa, assim, qualquer tipo de outra já-r:egistrada. 117
dilação probatória (art. 334, I, do CPC).Fato notório, como obser- Nas situações analisadas, apenas em quatro hipóteses não have-
vam NELSON NERY e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, "é O de conhecimen- rá a prática de contrafação, mesmo que terceiro reproduza a marca sem
to pleno pelo grupo social onde ele ocorreu ou desperta interesse, no
a autorização prévia do seu titular. Não é lícito ao titular da marca (art.
tempo e no lugar onde o processo tramita e para cujo deslinde sua 132, I a IV, da Lei da Propriedade Industrial): (i) impedir que comer-
existência tem relevãncia". 116
ciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes sejam
Seria totalmente injustificado, por exemplo, que em ação próprios, juntamente com a marca registrada, na promoção e
direcionada a obstar o uso da marca "Coca-Cola" para identificar apa- comercialização do produto por ela distinguido; (ii) impedir que fa-
bricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do
.. _ _, -- ------ ---- produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência; (iii) ·
115. A proteção da marca notória no Brasil- Aplicação do art. 6. o bis da Con-
venção de Paris e da lei interna, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Eco- impedir a circulação de produto colocado no mercado interno, por si
nômico e Financeiro 70176.
116. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, p. 726. 117. 'Tjiir, 2~• é:;;-,; .Ci~,Ap Cív. 232.932-1, rei DonaldoArmelin,j. 15 09.1995.
1 44 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 145

ou por outrem com seu consentimento; 118 e (iv) impedir a citação da "Di.reito comercial e processo civil~ Recurso especial- Ação de
marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra pu- conhecimento sob o rito ordinário- Propriedade industrial- Marca-
blicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu Contrafação- Danos materiais devidos ao titular da marca- Compro-
caráter distintivo. vação -Pessoa jurídica- Dano moral.
Na hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido
3.4.7.2 O fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação de condenação do falsificador em danos materiais deriva diretamente
da prova que revele a existência de contrafação, independenteme~te
Além da demonstração da probabilidade do direito, a antecipaçã6 de ter sido, o produto falsificado, efetivamente comeroahzado ou na o.
da tutela, na forma do art. 461, § 3. 0 , do CPC (e conseqüentemente do Recurso-especial a que se dá provimento" (REsp 466761/Rj, rei. Mm.
próprio art. 209, § l. o e § 2. o, da Lei da Propriedade Industrial), exige Nancy Andrighi).
também o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
"Marca- Dano- Prova.
A natureza peculiar dos bens imateriais protegidos pela proprie-
dade industrial lhes torna inerente a dificuldade de que haja, posteri- Reconhecido o fato de que a ré industrializava e comercializava
ormente à violação, na maioria dos casos, uma reparação pecuniária produto 'sabão da costa', marca registrada da autora, que também fa-
satisfatória, que restabeleça plenamente a situação anterior. 119 bricava e vendia o mesmo produto, deve-se admitir conseqüentemente
a existência de dano, pois a concorrência desleal significou uma di-
O Superior Tribunal de justiça tem reiteradamente se posicionado minuição do mercado.
nesse sentido, ao admitir que a utilização indevida de marca (e conseqüen-
temente de patente e de desenho industrial também), presumivelmente Restabelecimento da sentença, na parte em que deferira a inde-
causa prejuízos ao seu titular, não havendo a necessidade de prova desse nização de 5% sobre o valor de venda do produto, nos cinco anos an-
teriores ao ajuizamento da ação, ficando relegada para a liquidação a
fato para que se dê o arbitramento de uma indenização. Confiram-se, a
seguir, três decisões que ilustram esse posicionamento: simples apuração desse valor.
Recurso conhecido e provido" (REsp 101059/Rj, rei. Min. Ruy
"Comercial e civil- Direito marcário- Uso Indevido de marca
caracterizada- Abstenção- Indenização. Rosado de Aguiar).
Aposição do Superior Tribunal de justiça está em consonân-
A violação marcá ria se dá quando a imitação reflete na formação
cia com os ensinamentos de GAMA CERQUEIRA, para o qual, nos ca-
cognitiva do consumidor que é induzido, por erronia, a perceber iden-
tidade nos dois produtos de fabricações diferentes. sos de contrafação, a prova do dano não é necessária, já que, obri-
gatoriamente, a contrafação causa lesões ao patrimônio do titular
O uso indevido de marca alheia sempre se presume prejudicial a do direito violado.
quem a lei confere a titularidade.
Leciona GAMA CERQUEIRA que "é preciso ter em vista que, repro-
Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp duzindo ou imitando a marca legítima, o contrafator, graças à confu-
510885/GO, rei. Min. Cesar Asfor Rocha). são criada para iludir o consumidor, consegue vender os seus produ-
tos, o que leva à presunção de que as vendas por ele realizadas teriam
118. Ressalvado o disposto nos§§ 3. 0 e 4. 0 €lo art. 68, da Lei da Propriedade In- desfalcado o montante das vendas do dono da marca". 120
dustrial.
119. MARCO SAVERIO 5POLIDORO, op. cit., p. 193-194.
120. TI·atad~ d~ p~opriedade industrial, 1982, v. 2, p. 1129.
1 46 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL __ A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PRÓPRIEDADE INDUSTRIAL 147

ATHOS GusMÃO CARNEIRO posiciona-se da mesma forma, asseve- Temos, pois, que o fundado receio de dano irreparável ou de di-
rando que "pendente o processo, e até que entregue em definitivo a fícil reparação é intrínseco aos casos de contrafação, pois há grande
prestação jurisdicional, o bem objeto do litígio pode sofrer danos ou probabilidade de que a utilização indevida do bem imaterial cause
desaparecer; a marca de comércio pode continuar a ser indevidamente prejuízos ao seu titular, os quais dificilmente podem ser mensurados,
usada, com a perda de prestígio e clientela ao seu legítimo titular; a e, por decorrência lógica, reparados. Pouco importa que tenha havi-
manutenção do statu quo implicará quiçá no perecimento do próprio j do a efetiva comercialização do produto contrafeito ou não. O que
direito afirmado pelo demandante, e assim por diante" . 121 importa-é que haja a potencialidade de dano irreparável ou de difícil
Em exposição do tema, o Ministro RuY RosADO DE AGUIAR, do Su- reparação pela contrafação do bem imaterial.
perior Tribunal de justiça, pronunciou-se de forma parelha ao con- O perigo de dano acentua-se quando a contrafação ocorre me-
cluir que, existindo a contrafação, há que se presumir que o legítimo diante a comercialização de produto com qualidade inferior a do pro-
proprietário do bem imaterial deixou de realizar negócios e sofreu duto original. Tal conduta compromete a credibilidade do produto do
prejuízos. Trata-se de uma presunção legal de dano para atos ilícitos titular do direito violado, que remotamente pode ser reparada em di-
contra a propriedade industrial. 122 nheiro.
A jurisprudência italiana relativa a casos de concorrência des- Bem observa RICARDO PINHO que "o.normal, o costumeiro, é que
leal também reconhece que, invariavelmente, a irreparabilidade do as contrafações possuam qualidade inferior aos produtos originais e,
dano está in re ipsa, uma vez que o desvio de clientela torna muito difícil muitas das vezes, se apresentem danosas aos consumidores. ( ... ) Evi-
avaliar qual é a extensão do dano, bem como repará-lo perfeitamente dente que tais circunstâncias contribuem para agravar a possibilida-
de forma pecuniária. 123 de de ineficácia do provimento final, posto que as conseqüências da
A irreparabilidade do prejuízo em tais casos liga-se à dificuldade contrafação tendem a tornarem-se irreversíveis". 126
de que as formas de reparação proporcionadas pelo processo, ainda O risco de que isso suceda é expressamente previsto no art. 68 da
que existentes, façam com que o titular do direito lesado desfrute da ~ Lei de Patentes espanhola, segundo o qual a indenização a ser paga
mesma situação anterior à lesão, seja por meio da restituição da sua pelo contrafator ao titular da patente também deve levar em conside-
clientela, seja pelo pagamento de uma indenização pelo réu. 124 ração o desprestígio causado à patente perante o público, o que ocor-
E mesmo que com a comercialização do produto contrafeito se rerá quando a sua exploração se der de maneira defeituosa, isto é, com
dê o aumento do volume de vendas do produto original, tal fato não qualidade inferior a do produto original. 127
serve de argumento para que seja afastado o receio de dano irreparável A situação não é estranha aos tribunais pátrios. Em ação em que
ou de difícil reparação. Obviamente, o titular do direito experimenta- se discutiu a contrafação das famosas bolsas de luxo da marca "Louis
ria lucros ainda maiores que os verificados se o réu não houvesse pra- Vuitton", o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a indeniza-
ticado o delito, lucros esses que dificilmente podem ser estimados e .~ ção arbitrada teve como fundamento não só a comercialização dos
reparados posteriormente ao delito. 125
126. A antecipação da tutela nas ações em matéria de propriedade industrial,
121. Da antecipação de tutela, p. 2-3. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual19/8.
122. Indenização ... cit., p. 6. 127. Prevê esse artigo que "e! titular de la patente podrá exigir también la
123. LuiGI SORDELLI, Provvedimento cautelari ... cit., p. 477-478. indemnización del perjuicio que suponga el desprestigio de la invención
124. GIOVANNI ARIETA, I provvedimenti d'urgenza, p. 130. patentada causado por e! infractor mediante una realización defectuosa o
125. GAMA CERQUEIRA, Tratadodapropriedadeindustrial, 1982, v. 2, p. 1129-1131. una presentación inadecuada de aquélla al mercado".
148 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA-NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 149

produtos contrafeitos, mas também "a vulgarização do produto, a princípios da eqúidade e da igualdade, sustenta a coexistência de
exposição comercial (ao consumidor) do produto falsificado e a de- marcas quando a situação fática atual possibilite o convívio harmô-
preciação da reputação comercial do titular da marca, levadas a cabo nico de signos semelhantes ou afins. 2. Embora muito eficaz na
pela prática de falsificações" _128 De tal modo, a contrafação de bens j
maioria dos casos, tal critério não é capaz de abarcar hipóteses
imateriais, além de causar prejuízos diretos ao seu titular pela dimi- especialíssimas, onde a infringência de direitos pode ganhar mati-
nuição do volume de vendas do produto original, poderá, futuramente, zes diversos, que exigem uma análise mais profunda e sob outro
dificultar a própria continuidade do seu uso, pois que perderá a capa- enfoque, o da teoria da diluição. 3. A idéia principal da teoria da
cidade de atrair o consumidor. diluição é a de proteger o titular contra o enfraquecimento progres-
FILIPE FoNTELES CABRAL acredita que nesses casos se dá a maculação sivo do poder distintivo de sua marca, mormente em casos de mar-
do bem imaterial, que consiste em ofensa à sua integridade moral. Para cas que ostentam alto grau de reconhecimento ou que sejam muito
o autor, essa conduta "causa dano à reputação do sinal, seja pela asso- criativas, sendo o paradigma para a decisão entre aplicar a teoria da
ciação desse signo com um produto ou serviço de baixa qualidade, .J distância ou a teoria da diluição a famae a criatividade do sinal. 4.
seja pela sugestão de um vínculo do sinal com um conceito moral- Conquanto os efeitos de uma violação direta de marca registrada
mente reprovado pela sociedade" .129 sejam mais facilmente identificados e tragam prejuízos imediatos, o
Um produto de luxo é cobiçado pelo público por ser exclusivo, resultado da diluição de uma marca traz efeitos nefastos, vez que,
isto é, por não ser facilmente encontrado no comércio, por ter um valor enquanto o primeiro ludibria os consumidores já existentes, o se-
elevado e ter qualidade superior à média do mercado. Se há a dissemi- gundo enfraquece o poder de venda de um sinal distintivo, poden-
nação de produtos contrafeitos, os quais são comercializados por pre- do ser até irreversível. 5. Apelações improvidas" . 130
ços baixos e têm qualidade ruim, certamente o produto original dei- J Além dessas hipóteses, também resta configurado o perigo de
xará de despertar no consumidor tanto interesse e a marca perderá a dano irreparável ou de difícil reparação, quando há indícios de que o
sua capacidade atrativa. suposto contrafator não terá meios econômicos para reparar os danos
Tal questão já foi enfrentada também pelo Tribunal Regional causados, caso o pedido seja julgado procedente. Trata-se de uma si-
Federal da 2.• Região, que decidiu que a contrafação de marca enseja tuação extremante comum em ilícitos contra a propriedade industrial,
que o sinal indevidamente utilizado perca a sua capacidade atrativa que são praticados, constantemente, por empresas irregulares ou pes-
ou dilua-se, o que, a longo prazo, pode comprometer de maneira soas físicas sem recursos financeiros.
irreversível o proveito econômico obtido pelo seu titular: Por essa razão, não se pode negar que o risco de dano irreparável
"Propriedade industrial- Colidência de marcas- Teoria da dis- ·· J
ou de difícil reparação, a justificar a antecipação dos efeitos da tutela,
tãncia- Teoria da diluição- Doublemint- Double soft. 1. No exame também-pode estar presente pela própriacondição econômica do réu,
de eventual colidência, doutrina e jurisprudência têm tradicional- que remotamente terá meios para reparar todos os danos causados pela
mente se utilizado da teoria da distância, que, fundamentando-se nos prática de contrafação.
Ainda que não haja a efetiva utilização indevida de um bem
- ... ·-··- .. ------
128. REsp 466.761 (RJ- 2002/0104945-0), rei. Min. Nancy Andrighi, j. imaterial, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil repara-
03.04.2003.
129. Diluição de marca: uma teoria defensiva ou ofensiva, Revista da Associação ----------···-----
130. Ap. Cív. 2002.51.01.514660-7, Tribunal Regional Federal da 2. a Região, 2."
Brasileira da Propriedade Intelectual 58/25. Turma Especializada, rei. Uliane Roriz, 04.09.2006.
1 50 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 1 51

ção pode advir da simples apresentação de um pedido, ao INPI, de pação da tutela, dirigindo ao réu uma ordem para que não viole o
registro que viole um título previamente concedido. Embora o pedi- direito do autor. 134
do não cause danos por si só, ele pode ser considerado como um forte
indício de que danos podem ocorrer, pois existe a séria probabilidade 3.4.7.3 O perigo da irreversibilidade do provimento
de que a violação se concretize. 131
Nas ações que tratam de direitos de propriedade industrial, o risco
Como exemplo, se for depositado no INPI um pedido de pa-"" de irreversibilidade do provimento deve ser analisado cuidadosamente,
tente que reproduza uma invenção já patenteada, é plausível con- de acordo com as peculiaridades de cada caso. O deferimento da ante-
cluir que o depositante tem a intenção de explorá-la de imediato, com cipação da tutela poderá ensejar que o réu, durante o trâmite dó pro-
o que praticará contrafação da patente de terceiro. Nesse contexto, não cesso, não possa comercializar um produto ou utilizar uma marca, e,
se afigura razoável que o titular da patente tenha de aguardar a efetiva futuramente, com a cassação da antecipação, não haja meios para lhe
contrafação para se defender judicialmente e evitar os prejuízos que ressarcir os prejuízos decorrentes desse fato.
lhe podem ser causados. Preocupado com esse risco, o legislador previu no art. 209, § 1. ,
0

Existem atos que não têm aptidão de produzir danos imediatos, da Lei Propriedade Industrial (e também no art. 4 75-0, III, do CPC), a
mas que transmitem de maneira segura o risco de uma futura contra- possibilidade de que seja prestada uma caução real ou fidejussória por
fação. Isso acontece não só quando há o pedido de registro indevido parte do beneficiário de uma medida liminar, justamente para ga:rantir
de uma patente, desenho industrial ou marca, mas também quando o ressarcimento do réu caso o pedido seja julgado improcedente.
há a aquisição de materiais que serão utilizados para perpetrar o ilíci- Por exemplo, caso uma empresa estrangeira proponha ação para
to. Em tais casos, negar a tu tela jurisdicional à vítima predestinada é que uma empresa nacional deixe de explorar a sua patente, e se veri-
negar a própria funcionalidade do sistemaY 2 fique que a empresa estrangeira não tem bens no Brasil e que a empre-
Nessa hipótese, a tutela mostra-se essencialmente preventiva, sa nacional produz somente o produto objeto da demanda, a presta-
pois ainda não há, de fato, a prática da violação. Nem por isso, con- , ção de uma caução pela empresa estrangeira, antes da antecipação da
tudo, se poderia dizer que não há a possibilidade de pleitear a tutela tutela, -é uma providência recomendável.
preventiva, porquanto se anunciam sérias atividades preparatórias Isso porque, com a antecipação, a empresa nacional deixará de
do ilícito, e o risco de que este venha a acontecer não é remoto, produzir o seu único produto (supostamente contrafeito), e se ocor-
tampouco infundado. 133 rer a posterior cassação dessa decisão, deverão ser assegurados a ela
O mesmo raciocínio é aplicável às situações em que exista peri- meios que lhe confiram uma reparação pecuniária proporcional ao
go de repetição do ilícito, ou seja, o risco de que o contrafator que prejuízo motivado pela paralisação das atividades.
tenha cessado a prática ilícita volte a praticá-la, causando danos ao A imposição de uma caução nessas situações afigura-se a manei-
titular do direito. Devem ser avaliadas as peculiaridades de cada si- ra mais segura de evitar que os efeitos dó provimento antecipado tor-
tuação, a fim de que se possa verificar a real necessidade de anteci- nem-se irreversíveis ao réu. Não parece razoável, em contrapartida,
aceitar que a simples possibilidade de que o réu paralise (total ou par-
131. MARCO 5AVERIO 5POLIDORO, Op. Cit., p. 176. cialmente) as suas atividades possa ser argüida como fato impeditivo
132. MARCO 5AVERIO 5POLIDORO, ibidem.
133. Idem, p. 178. 134. Idem, p. 180-181.
1 52 ASPECTOS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA PROPRIEDADE INDUSTRIAL 153

à antecipação da tutela, por alegadamente causar prejuízos poderá ser proposta, mediante prova da concessão do registro ou
irreversíveis. da patente por meio de publicação na Revista da Propriedade In-
Havendo provas consistentes de que o réu se vale de bem imaterial dustrial- RPI, ou, alternativamente, de certidões emitidas pelo INPI
alheio nas suas atividades, o processo deve tutelar o direito mais pro- atestando tal fatoY 5
vável e também evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação àque- A sentença proferida na ação de nulidade tem cargas principal-
le que tenha investido na criação desse bem. mente desconstitutiva e mandamental, eis que, desconstituído o di-
Do contrário, não seria factível a antecipação em casos de pro- / reito, o INPI deve tomar as medidas administrativas necessárias para
priedade industrial, pelo simples argumento que a exploração de que o título deixe de produzir efeitos. 136 Além delas, essa ação tam-
criação intelectual de outrem é a única forma de sobrevivência do bém tem forte carga declaratória, uma vez que, para desconstituir, é
réu no mercado. Seguramente esse· tipo de raciocínio não pode necessário declarar. 137
prevalecer, assim como não deve prevalecer, nas ações possessórias,
A eficácia da sentença de nulidade é erga omnes e não somente
o argumento de que o imóvel de outrem foi o único encontrado
entre as partes, motivo pelo qual, após a desconstituição do título, não
pelo réu para a sua moradia, pelo que não poderia ser deferida a
só o autor da ação será beneficiado dos efeitos da nulidade, mas toda
liminar possessória.
a coletividade. 138
3.5 A antecipação da tutela na ação de nulidade de patente, de A justiça Federal é competente para o julgamento da ação de nu-
desenho industrial e de marca lidade, devendo o INPI intervir no feito quando não seja o próprio
3.5. 7 Aspectos gerais da ação de nulidade autor (art. 57, caput, da Lei da Propriedade Industrial). A doutrina
diverge sobre a posição a ser ocupada pelo INPI, havendo duas posi-
A ação de nulidade tem por objetivo primordial desconstituirpa- ções principais. A primeira defende que a intervenção do INPI dar-se-ia
tentes, registros de desenho industrial e de marca que tenham sido como assistente, e, a segunda, puramente como litisconsorte passivo
concedidos pelo INPI contrariamente às determinações legais. A nu- necessário.
lidade opera-se ex tunc, retroagindo à data do depósito do pedido, tal ~
TINOCO SoARES esposa a primeira opinião, argumentando que a
como prevêem os arts. 48, 112, § 1. 0 ; e 167 da Lei da Propriedade In-
dustrial. ação de-nulidade "deverá ser proposta contra o titular da patente,
que no caso é a ré, figurando o INPI como assistente para intervir
As disposições pertinentes à ação de nulidade de patentes (que no feito apenas e tão somente para prestar as informações de cará-
são extensivas aos desenhos industriais, por determinação do art. 118 ter administrativo" . 139 O INPI seria um assistente sui generis, que,
da Lei da Propriedade Industrial) constam nos arts. 56 a 57, enquan- após intimado para intervir no processo, o faria em favor daquele
to que as relacionadas a registros de marca estão nos arts. 173 a 175, que entendesse ter razão.
todos da Lei da Propriedade Industrial.
O autor da ação deverá instruir a petição inicial da ação de nu-
135. RICARDO PINHO, op. cit., p. 5.
lidade com prova da concessão, ao réu, do título impugnado, o que
136. Po~TES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, t. XVII, p. 122.
poderá se dar mediante cópia do certificado de registro ou da car- 137. ]oÃo BATISTA LOPES, Tutela antecipada no pmcesso ... cit., p. 61.
ta-patente. Na eventualidade de que ainda não tenha sido expedi- 138. GAMA CERQUEIRA, Tratado da propriedade industrial, 1956, v. 2, p. 238.
do o título de propriedade por parte do INPI, ainda assim a ação 139. Lei de patentes, marcas e direitos conexos, p. 57.

!iUBUNAL DE JUSDÇf

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