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Utilidade
Desenhos
Industriais Marcas
Patentes
Propriedade Foco no
LPI - L. 9.279/96 Objeto
Industrial
Cultivares LC - L. 9456/97
Propriedade
Prazo crescente
Intelectual
Programas de L. 9.609/98
Computador
A propriedade Intelectual é uma disciplina que extravasa seu conteúdo para outras áreas do
direito, sofrendo reflexos de outros campos como do direito internacional, penal, civil, comercial,
tributário, trabalhista, etc. O eixo da propriedade industrial é, no ordenamento pátrio, vinculado de
forma completa ao direito comercial. O do direito autoral, por outro lado, tinha boa parte de seus
dispositivos regulados no antigo Código Civil. O sistema dos “direitos intelectuais”, em geral,
aproxima-se dos fundamentos do direito civil, mas possui uma estrutura lógica própria.
1 A expressão “direitos intelectuais” é preferida sobretudo pelos civilistas. Isso porque eles
vislumbram a relação jurídica pelo enfoque do sujeito, do autor. Os comercialistas, por outro lado,
focam no objeto, na criação, daí a utilização do termo “propriedade”. Há objeções também no
sentido de não deveriam ser considerados tais direitos uma espécie de propriedade por serem
temporários, por serem voltados sobretudo à relação entre o titular e terceiros, em detrimento da
relação entre o sujeito e o objeto, e por envolverem não apenas direitos patrimoniais, mas também
morais.
Somos humanos na medida em que transformamos o ambiente ao nosso redor. Essa
transformação culmina na produção de objetos, que são colocados no mundo pelo intelecto
humano e podem ser considerados seja pelo seu prisma técnico, seja pelo estético.
Essa divisão das criações humanas entre objetos técnicos e estéticos é uma divisão doutrinária
clássica, com pretensão metodológica. Enquanto os primeiros seriam tutelados pela propriedade
industrial em sentido amplo, os estéticos encontrar-se-iam protegidos pelo direito autoral.
Criações técnicas são criações úteis e funcionais, que se aperfeiçoam a partir da natureza,
do mundo natural, e buscam soluções práticas. As estéticas se aperfeiçoam a partir da
sensibilidade do ser humano que desfruta daquela obra. Acerca dessas duas modalidades, discorre
J. P. REMÉDIO MARQUES:
O direito de autor tutela uma criação espiritual captável através do espírito, que,
pese embora constitua uma espécie de conceito vago, é resultado ou uma
expressão de uma ‘forma mental imaginativa’ dirigida ao aproveitamento
meramente intelectual da criação reveladora de uma atividade mental de um autor
(de uma personalidade humana), qual sentimento mediatizado pelas ideias, mas
perceptível pelos sentidos, susceptível de ser comunicada (forma mental sensível),
que não intenta exprimir características úteis da realidade objetivo dirigidas, como
referimos, à modelação do mundo exterior às necessidade humanas.
A aproximação dos programas de computador aos direitos autorais, por exemplo, pode ser
questionável, mas pode ser entendida pela análise dos interesses em jogo nessa escolha. De fato, o
prazo da patente no direito autoral é de 70 anos, enquanto no direito industrial é de apenas 20. Para
as sociedades empresárias que desenvolvem softwares, consequentemente, interessa muito a
escolha pela aproximação ao sistema autoral. O resultado desse jogo de interesses é que o prazo
hoje para a patente dos programas de computador é de 50 anos, mais próximo do prazo do direito
autoral (70 anos) que do direito industrial (20 anos).
Criações e Descobertas
Outra distinção a ser feita é a entre criações e descobertas. Descoberta é a mera revelação do
que está na natureza, enquanto criação é, como vimos, o resultado do intelecto humano e sua
interação transformadora com o ambiente externo. Criar é colocar no mundo algo que antes não
existia, utilizando para isso as forças da química, física, matemática, etc. Descobrir é revelar o que
já existia. Descobertas, portanto, não surgem como decorrência do intelecto humano e por isso não
são passíveis de tutela no nosso ordenamento no âmbito da propriedade intelectual.
Essa distinção, porém, também padece de certa falta de nitidez ao considerarmos algumas
questões. Uma delas é a das inovações biotecnológicas: a identificação de moléculas seria uma
criação humana? A propriedade intelectual pode tutelar o vivo, a vida e inclusive a vida humana
em vários ordenamentos mais flexíveis na compreensão de o que seria descoberta e o que seria
invenção, no sentido da tutela de novas situações. Em outras palavras, muitos ordenamentos
tendem a abranger na propriedade intelectual situações que poderiam ser consideradas descobertas,
e não criações propriamente ditas. O Brasil ainda adota um entendimento mais restritivo, nesse
sentido, quando comparado a países como a Itália. Vamos retomar essa questão ao analisarmos as
patentes.
A criação humana, com efeito, é uma projeção da personalidade do autor, e por isso seus
direitos de personalidade são nela incorporados.
Tanto a propriedade industrial quanto o direito autoral compõem-se desses dois eixos do
direito: patrimoniais e morais. O que ocorre é uma diferença de intensidade: enquanto no direito
autoral a ênfase é maior sobre o autor, o criador, no direito de propriedade industrial a ênfase se dá
sobre a criação, sobre o objeto. Mas ambos coexistem nos dois direitos, o que lhes dota de um
caráter híbrido.
A tutela projeta-se sobre cada objeto, pois cada objeto contém em si a criação, ou seja, o
conhecimento aplicado pelo autor. Sendo assim, os direitos de propriedade que uma pessoa venha a
ter sobre um exemplar da obra (corpo mecânico) não afastam os direitos do autor sobre a obra em si
(corpo místico). O autor continua tendo direitos sobre a criação que está materializada sobre aquele
objeto: seja esse um objeto palpável ou até mesmo um meio eletrônico.
Donde concluímos que o direito da propriedade intelectual é uma figura complexa, que se
desdobra em um direito patrimonial e um direito de personalidade moral. As leis que regem
essas criações podem enfatizar tanto o sujeito (direitos morais) quanto o objeto (direitos
patrimoniais) em relação à obra.
Estes direitos (...) analisam-se em duas ordens diferentes: os de caráter patrimonial
ou pecuniário, consistentes na faculdade de fruir, de modo exclusivo, todas as
vantagens materiais que a obra oferecer; e o direito moral do autor, inerente à sua
personalidade, que se manifesta, principalmente, no direito que lhe assiste de ser
reconhecido como tal em relação à sua obra e de ligar-lhe o nome.
Direito de Exclusividade
Essa exclusividade outorgada pelo Estado consiste basicamente no direito de impedir
terceiros, quando sem consentimento do criador, de reproduzirem o objeto sobre o qual ela incide.
O núcleo dos direitos intelectuais, dessa forma, é um direito de interdição, sendo assim um direito
negativo e erga omnes. Observe que não está plasmado nessa definição que o titular tem o direito
exclusivo de produzir! Daí dizer-se que não se trata de um monopólio.
Quando o Estado concede direitos de exclusividade significa que o agente econômico pode se
apropriar daquele pedaço do mercado durante um determinado período – é como se ele retirasse
esse pedaço.
A propriedade intelectual consiste num intermédio entre dois polos de interesses conflitantes:
de um lado, os agentes econômicos, que atuam com o propósito de retorno financeiro, e do outro a
sociedade, cujo interesse é pelo livre acesso ao conhecimento.
Não obstante o dever estatal de garantir esses interesses sociais, os interesses dos agentes
econômicos não podem ser desconsiderados. Afinal, se não fossem providos de tais incentivos, se
deixados à mercê de uma livre concorrência absoluta, seriam desestimulados a inovar. De fato,
inovações requerem investimentos, que não se compensam se os concorrentes puderem delas se
apropriar e reproduzir livremente. Em suma, se fosse possível plagiar as criações alheias obtendo os
mesmos lucros sem investir, não valeria a pena inovar! Isso torna necessária a proteção da
propriedade intelectual, num prisma de incentivo ao desenvolvimento econômico.
Segredo
Tendências Free-riders
Industrial
Nocivas
evita
Criador Concorrentes
Benefícios à Sociedade
Estímulo à inovação
Acesso ao conhecimento
Fomento à economia
TRIPS
Como resultado das negociações internacionais a este respeito, surge o TRIPS. Ele surge em
uma das rodadas de negociação do GATT. O GATT é um acordo internacional sobre comércio e
2 Essa divulgação se dá, no caso das patentes, 18 meses após o depósito da patente. Findo
esse período, e até que ocorra a caducidade da patente, os concorrentes têm acesso às informações,
mas não podem reproduzir aquela tecnologia por força do direito de exclusividade.
tarifas (tem a função de supervisionar o comércio internacional através da fiscalização de tarifas,
barreiras alfandegárias, etc.). Foi neste acordo que surgiu a OMC. Os países signatários do GATT
se reuniam em rodadas para rediscuti-lo. Em uma destas rodadas (a do Uruguai, mais
especificamente) ocorreu a negociação do TRIPS (havia o reconhecimento de que a propriedade
intelectual estava obstruindo o comércio internacional e isso tornava pertinente sua discussão dentro
do GATT).
O TRIPS foi negociado e assinado em 1994 (muito posterior à criação do GATT, que
aconteceu em 1947). A vantagem de o TRIPS ser um acordo regulado pela OMC (assim como o
GATT) é que os conflitos que violem suas disposições podem ser solucionados no âmbito da OMC,
com a possibilidade de uma retaliação no caso de descumprimento, que pode ser uma retaliação
dentro do mesmo acordo (ex.: um país que descumpriu o TRIPS terá imposta por outro país uma
retaliação no âmbito da propriedade intelectual) ou em outro acordo (ex.: o descumprimento do
TRIPS pode gerar sanção que diz respeito a outro acordo, como o GATT).
De acordo com o art. 65 do TRIPS, o prazo para sua aplicação no âmbito nacional de cada
país era de 1 ano (ou seja, para que o país adaptasse sua legislação nacional sobre propriedade
intelectual ao TRIPS); os países em desenvolvimento, no entanto, tinham a faculdade de prorrogar
este prazo por 4 anos. O Brasil, contudo, rejeitou esta faculdade concedida pelo artigo (para mostrar
um compromisso do Brasil com os interesses dos países desenvolvidos em implementar o TRIPS
rapidamente). No entanto, não bastava a mera aceitação do Brasil para que o TRIPS fosse
implementado aqui. Toda a legislação brasileira sobre propriedade intelectual era contrária ao
TRIPS; seria necessário, portanto, revogar a lei nacional e reformá-la, para que ela passasse a estar
de acordo com o TRIPS.
É importante dizer que o TRIPS apenas estabelece diretrizes mínimas para cada país
disciplinar a propriedade intelectual (havendo, inclusive, áreas nas quais o acordo é neutro). Suas
regras devem ser entendidas como uma base para a formulação da legislação sobre propriedade
intelectual de cada país (ele estabelece limites; é uma “moldura). Quando um país vai além de uma
proteção exigida no TRIPS (quando protege mais o autor/inventor) diz-se que o direito interno do
país é TRIPS plus.
DIREITO AUTORAL
Os direitos autorais são regulados pela Lei 9.610. O nosso legislador considera “direito
autoral” um gênero, que engloba tanto o direito de autor quanto direitos conexos, como o dos
intérpretes por exemplo. O direito autoral, no geral, busca proteger a forma de expressão:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido
ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou
científicas;
A lei veda, portanto, a cópia da forma de expressão da ideia, ou seja, a cópia do suporte. O
suporte pode ser tangível ou intangível (arquivos eletrônicos, por exemplo). A lei traz um rol
exemplificativo de tudo que estaria dentro do direito de autor no art. 7º. Os programas de
computador são protegidos por direito de autor no ordenamento brasileiro (e não por propriedade
industrial), em conformidade com a disposição do TRIPS que determina que os programas de
computador são considerados obras literárias (e, portanto, passíveis de proteção por direito de
autor).
Um exemplo de obra científica é um paper, escrito por um determinado pesquisador. É
importante dizer que, se este paper contiver a descrição de um procedimento ou fórmula para a
produção de um determinado medicamento, por exemplo, o fato de o autor ser protegido por direito
de autor em relação à ideia expressa na forma daquele paper, não significa que ele automaticamente
será titular da patente caso o medicamento seja produzido: o patenteamento, seguindo o regime da
propriedade industrial, está sujeito à funcionalidade da fórmula (a fórmula precisa ser produzida e é
preciso que ela seja eficaz para os efeitos que pretende).
A exclusão se dá também, pelo inciso VII do art. 8º, para que determinados objetos sejam
regulados pela propriedade industrial (outra forma de proteção de propriedade intelectual). A
exclusão pode se dar ainda para objetos que em tese seriam protegidos pelo direito de autor, mas
que são considerados mais importantes para o interesse público (fair use ou safe harbour). Este
último caso acontece nos termos do art. 46 da lei sobre direito de autor. Mesmo nestes casos, é
sempre preciso citar o autor (os aspectos morais do direito de autor devem ser observados sempre,
apenas os patrimoniais é que podem ser derrogados). As hipóteses do art. 46 são muito restritivas
(o que estimulou o regime dos creative commons, como forma de flexibilizar um pouco mais o
regime de direitos autorais previsto). O grande problema dos creative commons dizem respeito á
violação dos aspectos morais do direito de autor (que são irrenunciáveis).
O art. 22 determina que o autor possui direitos morais e patrimoniais sobre sua obra. Para
saber se uma obra é ou não protegida pelo direito de autor, é preciso apenas analisar os arts. 7º e 8º.
Não há registro obrigatório. O registro é meramente declaratório e serve como prova de autoria (é
por esta utilidade que a maioria das pessoas faz o registro).
O direito moral do autor nunca prescreve e nunca se extingue e diz respeito ao direito do autor
de ser reconhecido como criador de sua obra (este é o aspecto principal, mas existem outros, como
o direito de manter a obra inédita). O direito de manter a obra inédita significa que neste ponto
prevalece o caráter personalíssimo (apesar de a regra geral ser a da publicidade para que haja
proteção por propriedade intelectual). Os direitos patrimoniais dizem respeito ao direito de utilizar,
fruir e dispor da obra (arts. 28 e 29), estando ligados, portanto, à exploração econômica da criação.
O direito patrimonial é o que está sujeito a um prazo (art. 41).
Depósito do Pedido
Há uma importantíssima diferença entre os direitos autorais e os direitos industriais no
que concerne aos efeitos do depósito. No caso das patentes, o depósito é obrigatório, pois é
através dele que nasce o direito. É um sistema, portanto, atributivo de direitos.
No direito autoral, por outro lado, o direito nasce tão somente da criação. O registro,
destarte, tem caráter meramente declarativo. No âmbito do direito autoral, portanto, o registro
não passa de uma medida assecuratória, que faz prova da data.
Requisitos
Para que uma obra artística seja passível de tutela por direito autoral, é avaliada por um
critério de originalidade. O conceito de originalidade, aqui, é diferente do conceito utilizado
pela LPI, e significa singular, próprio ao autor. Deve ser, portanto, uma obra na qual apareça a
projeção da personalidade do autor. É uma originalidade, nesse sentido, subjetiva, e não
objetiva como na LPI.
Diante disso, e diante da velocidade com que essas transformações ocorreram, a lei
praticamente já nasceu obsoleta, e hoje não corresponde mais aos interesses das empresas criadoras
de softwares. Esse descompasso acarretou uma série de tentativas de alteração da lei.
Uma primeira observação que se deve fazer é relativa ao conceito de software, traduzido com
pouca precisão como “programas de computador” pelo legislador Brasileiro. Softwares abarcam o
conjunto de instruções e comandos que fazem a máquina funcionar, contrapondo-se ao conceito de
hardware, que remete aos próprios componentes da máquina.
Sobre o software, o TRIPS diz que ele está mais próximo ao direito autoral (pois pode ser
reduzido a um código fonte), apesar de ele ser uma proteção sui generis. Existe uma lei específica
para o software (elaborada em 1998, na era pós-TRIPS) e ele será subsidiariamente regulado pelas
normas de direito autoral. É discutível a atribuição das características das obras protegidas por
direito de autor para o software: ele se aproxima muito mais de uma técnica do que de uma estética,
por exemplo (retomando a diferença clássica entre direito de autor e propriedade industrial). A lei
reconhece isso: não é aplicável ao software o direito moral de autor e o tempo de proteção é de 50
anos apenas (e não de 50 anos mais o tempo de vida do autor); apesar disso, é reconhecido o direito
de reivindicar a paternidade da obra e de opor-se a alterações não autorizadas. A proteção ao
software é, desta forma, uma proteção híbrida.
O registro no caso dos direitos autorais, não é constitutivo, mas declaratório: serve
principalmente para fins probatórios. O principal órgão de registro é a Biblioteca Nacional, no RJ.
No caso do software, entretanto, apesar de o registro também ser facultativo, deve ser feito no
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), também no RJ. O INPI é o único órgão
tecnicamente habilitado para fazer o registro (apesar de ser um órgão relacionado à propriedade
industrial e não ao direito de autor). Não é necessária, no entanto, a divulgação: como se trata de
direito autoral, é lícito que o titular do software mantenha segredo (o registro é feito através do
envio do código fonte para o INPI em envelope lacrado).
Proteção Autoral
O regime de proteção dos softwares, por força do art. 2o, é o mesmo do direito autoral:
Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de
computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e
conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
Cabe observar que a proteção, aqui, cabe aos programas de computador em si, isto é, o
conjunto de comandos, o texto. Esse conjunto de comandos pode, na prática, fazer uma máquina
funcionar inserindo-se num processo produtivo. Essa aplicação industrial do programa, por sua vez,
pode ser tutelada pela LPI.
Propriedade Industrial
A propriedade industrial diz respeito à proteção aos bens imateriais decorrentes da técnica que
resultem em produtos ou processos colocados em mercado (aproveitamento econômico da
circulação em massa dos resultados da criação). Este é o conceito clássico. Ele se aplica, no entanto,
ao primeiro ramo de aplicação da propriedade industrial, que são (1) as invenções industriais
(patentes, desenhos industriais, etc.). Este conceito não se aplica muito bem, no entanto, ao segundo
ramo, que é (2) a marca. A marca não decorre da técnica; consiste na proteção de um sinal
distintivo. Os princípios que se aplicam á proteção industrial não são, desta forma, adequados às
marcas (estas possuem uma disciplina específica). O terceiro ramo da propriedade industrial é a (3)
repressão à concorrência desleal (coibição da concorrência fraudulenta, através de cópia de marcas,
desenhos industriais, etc.). A repressão à concorrência desleal é uma proteção residual que consiste
numa “vala comum” dos outros dois ramos da propriedade industrial.
Sobre a relação entre propriedade industrial e interesse público, é possível dizer que a
proteção da propriedade industrial se fundamenta principalmente no incentivo à criação de novas
tecnologias; a criação de novas técnicas é do interesse de todos e cabe ao direito garantir um
incentivo para que isso aconteça (e essa garantia é feita através da propriedade industrial). Esta é a
explicação clássica para a propriedade industrial: ela é uma recompensa pelo esforço intelectual e
financeiro que o criador empregou naquela tecnologia, incentivandoo a criar e produzir. Esta
explicação clássica tem sido questionada (Mark Lemley, zonas negativas de propriedade industrial
que tem inovações, etc.).
Desta forma, existe preocupação com o interesse público no âmbito das criações industriais
(assim como em toda a propriedade intelectual). Falar sobre direito industrial é retomar a ideia de
um equilíbrio entre o interesse particular do criador e o interesse público de toda a sociedade,
representado pelo interesse nas melhorias tecnológicas e no respeito às práticas concorrenciais
(texto de Remédio Marques: onde aparece o interesse público na propriedade intelectual).
A licença compulsória é uma manifestação da função social das patentes: se não for feito o
uso correto da patente, o Estado pode decretar a licença compulsória (TRIPS, Declaração de Doha e
art. 71 da LPI). A licença é onerosa; não se trata de desapropriação. Outra forma de manifestação do
interesse público é a licença compulsória por uso abusivo da patente ou por abuso do poder
econômico (ex.: o titular se aproveita do “monopólio” para impor preços absurdos).
Este direito concorrencial se liga à propriedade industrial pois mesmo com as patentes é
possível que haja concorrência entre os produtos (a proteção da propriedade industrial não significa
a não aplicação do direito concorrencial, ao contrário do que diz Ascarelli). O direito concorrencial,
tendo em vista o interesse público, deve proteger a concorrência em todos os setores da economia;
não deve haver uma zona imune à aplicação da disciplina concorrencial (a propriedade intelectual
não está isenta da aplicação do direito da concorrência).
A propriedade intelectual, porém, é muito mais antiga que o direito concorrencial. Com
efeito, este só surge com o capitalismo industrial, e o consequente desenvolvimento dos agentes do
mercado, que torna necessário regular a concorrência, evitando a formação dos trustes, dos
monopólios, etc. Isso é relativamente recente. No âmbito da propriedade intelectual, por outro lado,
como vimos, há antecedentes que remontam ao século XV.
A propriedade industrial e a teoria da repressão da concorrência desleal
entrelaçam-se intimamente, podendo-se, hoje em dia, considera-las como dois
aspectos diversos da mesma relação jurídica. (...) O problema da concorrência
desleal e de sua repressão só se impôs à consideração dos juristas, de modo mais
agudo, nos tempos modernos, depois que o crescente progresso das indústrias e do
comércio, aliado a outros múltiplos fatores que aqui não poderíamos examinar,
deu lugar ao aparecimento de uma competição sem regras e sem limites, entre
comerciantes e industriais, empenhados em obter vantagens casa vez maiores
sobre seus concorrentes. A livre concorrência econômica é consequência da
liberdade de comércio e indústria e age como elemento do progresso econômico de
cada país. Mas degenera, transformando-se em agente perturbador desse
progresso, quando os comerciantes e industriais, no afã de vencerem seus
competidores, lançam mão de práticas e métodos ilícitos ou desleais. Daí a
necessidade da intervenção do Estado para regulamentar a concorrência, coibindo
os abusos da liberdade individual e mantendo a livre concorrência dentro de seus
limites naturais.
Assim, vemos que a partir de uma nova ordem econômica fez-se mister uma ordem jurídica
para tutela-la. Em resposta ao avento do capitalismo industrial e dos novos valores de livre
concorrência, foram criadas regras (como o Sherman Act) com o intuito de garanti-la, evitando
abusos.
Como vimos, o fim do Antigo Regime implicou o fim das corporações de ofício, instaurando
a liberdade de concorrência. Até então, as “patentes” consistiam formas de privilégio, concedidas
pelas corporações ou pelos senhores feudais. As marcas, de forma semelhante, eram concedidas
pelo Estado para mostrar que garantia a qualidade daquele produto. Após a revolução industrial,
todavia, as patentes e marcas perdem essa função de protecionismo estatal e adquirem uma nova
feição, relacionada intrinsicamente ao direito concorrencial.
3
[essa mudança] decorre menos de uma evolução do direito industrial e mais de
uma nova concepção de concorrência. Evoluindo o direito concorrencial de uma
defesa privada do concorrente para uma defesa pública da instituição
concorrência, o tratamento de qualquer instituto que a restrinja tem de ser
modificado. Monopólios devem ser admitidos na menor extensão possível e
mesmo quando admitidos, é de ser reconhecida sua função social. A essa luz, a
função econômico-jurídica dos institutos de direito industrial muda
substancialmente de figura.
Nesse sentido, tanto as patentes quanto as marcas adquiriram uma nova função de proteção e
estímulo à concorrência. Daí afirmar que os fundamentos, a justificação do direito intelectual
moderno é eminentemente concorrencial. Essa mudança de conotação, portanto, enfatiza a função
pública dos mecanismos de propriedade intelectual em detrimento da antiga noção de privilégio.
“A demonstração do fundamento concorrencial do direito industrial tem uma
consequência importantíssima. (...) é que o direito à patente ou à marca não mais
pode ser visto como uma propriedade ou privilégio de seu titular. Entendido como
meio de tutelar a concorrência (no sentido institucional), assume a função
principal de garantir o acesso e escolha dos consumidores. Assim, ao contrário do
que normalmente se acredita, a compreensão do direito industrial dentro da lógica
institucional do direito concorrencial é a única capaz de dar ao primeiro a
conotação publicística de que este necessita.
Interesses Corporativos
A utilização do mecanismo da propriedade intelectual não é, naturalmente, obrigatória,
ficando a cargo das empresas por ele optar ou não. As sociedades empresárias, portanto, quando
desenvolvem algo novo, deparam-se com basicamente duas alternativas: a propriedade intelectual
ou o segredo industrial.
A outra forma de proteção da tecnologia é a manutenção do segredo – o que é
sempre socialmente desaconselhável, eis que dificulta o desenvolvimento
tecnológico da sociedade. Além disso, conforme o caso, conservar o sigilo é
arriscado do ponto de vista da empresa, senão de todo impossível. (...) a patente
presume a extinção do segredo, tornando o conhecimento da tecnologia acessível a
todos. Como requisito para conceder a patente, o Estado exige a descrição exata da
tecnologia de forma que um técnico com formação média na área seja capaz de
reproduzir a invenção.
Manter em segredo industrial uma tecnologia significa que o titular, em vez de protege-la pela
PI durante certo prazo, mantém-na “escondida”. Alguns setores do mercado tendem a optar pelo
segredo, mas os setores de tecnologia mais avançada, como o eletrônico e farmacêutico, geralmente
preferem o sistema de propriedade intelectual. O fato é que essa forma de proteção baseada no
segredo padece de uma grande vulnerabilidade, pois deve-se considerar a rotação dos recursos
humanos. Os portadores do conhecimento são, em geral, os técnicos, engenheiros, etc., e estes
podem migrar eventualmente para outras empresas, inclusive concorrentes, levando
inevitavelmente consigo o acervo de conhecimento tecnológico a eles vinculado.
Mas ao pensarmos em termos mais concretos, podemos nos perguntar qual a vantagem de
possuir exclusividade por 20 anos sobre um objeto no contexto atual, em que a tecnologia
praticamente se renova inteiramente em poucos anos. Por que ter todas essas despesas para
manter as marcas, as patentes, etc., por dezenas de anos se ficarão obsoletas em poucos meses?
O interesse das empresas em utilizar esse sistema decorre do fato de que hoje o
desenvolvimento tecnológico é feito a partir de desenvolvimentos sequenciais. Dessa forma, ainda
que a tecnologia tenha perecido, que esteja obsoleta, suas sucessoras são via de regra nela baseadas,
e assim as contém, e exigem, portanto, autorização. Mais que criar tecnologias novas, rompendo
com o paradigma tecnológico anterior, os concorrentes atualmente aperfeiçoam as já existentes,
geralmente protegidas pela propriedade industrial. Por exemplo:
4 Nas patentes, por exemplo, o criador registra detalhadamente a tecnologia num documento, e ela é
divulgada depois do prazo de 18 meses, findos os quais qualquer pessoa pode solicitar uma cópia desse
relatório descritivo – no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – tendo acesso assim às informações,
ao conhecimento do que essas sociedades empresárias estão pesquisando, quais são suas linhas de pesquisa
tecnológica, etc. O que não podem é reproduzir a tecnologia sem autorização do titular da patente, mas a
pesquisa em escala não industrial é permitida e já é empreendida ainda durante a vigência da patente.
Tecnologia
2010 Protegida pela
PATENTE A
incrementais
Tecnologia
Ondas
Tecnologia
2012 Protegida pela
PATENTE C
Na ilustração, vemos que a tecnologia criada em 2011 incorpora novos elementos à de 2010,
aperfeiçoando-a e consequentemente tornando-a defasada. Poder-se-ia imaginar que, pelo resto dos
19 anos que a patente A vigorará, ela não “servirá pra nada”, afinal o produto sobre o qual ela
incide foi substituído no mercado. Mas o ponto é que, para que a inovação de 2011 possa ser
reproduzida, por ela ser baseada na de 2010, precisa de licença da patente A. Da mesma forma, a
de 2012 precisa da licença pela patente B, além de da patente A, enquanto ela vigorar, e assim em
diante. O resultado é que, por 20 anos, qualquer tecnologia que surgir que contenha os elementos
de A só poderá ser reproduzida mediante licença de A. Daí afirmar-se que a PI não apenas
incentiva a inventividade, garantindo retorno ao inventor, mas também estimula o desenvolvimento
tecnológico geral, pois permite que terceiros aperfeiçoem as tecnologias divulgadas.
Interesse Público
Acresce que a constituição e a fruição dos direitos de exclusivo, a mais de
satisfazer o interesse egoístico do titular, formam um conjunto de faculdades
jurídicas dirigidas à satisfação de interesses gerais (nem todos, é certo, são
interesses públicos): estímulo de atividade de investigação, promoção e difusão
das manifestações culturais; atividades cujas dimensões econômicas se fundam no
princípio geral da liberdade de iniciativa econômica.
(...) a criação dos direitos de exclusivo corresponde, assim – pelo menos no que
concerne aos exclusivos industriais -, à satisfação de um interesse público
precipuamente dirigido ao estímulo do progresso tecnológico, pois constitui um
incentivo à divulgação de inovações tecnológicas que, doutro modo, seriam
mantidas em regime de segredo.
Tendo em vista esse intuito da propriedade intelectual, não deve ser qualquer invenção
passível de tais direitos. Com efeito, a Constituição determina que só as criações que vão
acrescentar algo aos mercados, tendo em vista o bem estar social, o desenvolvimento
tecnológico e econômico, pois são esses os propósitos que o Estado tenta alcançar ao conceder os
direitos de exclusividade, são desses passíveis.
Assim, a criação deverá ostentar certos traços para que o titular possa obter o direito de
exclusividade. Esse direito, ademais, não é pleno: possui uma limitação material (conteúdo da
carta patente, por exemplo), que soma-se à limitação temporal (prazo de 20 anos, como vimos) e
territorial (vale nos limites da jurisdição do Estado que o concede), com o intuito de evitar
prejuízos excessivos à livre concorrência. Em outras palavras, o direito de exclusividade deve ser
limitado, caso contrário o Estado estaria desequilibrando a competição entre os agentes
econômicos.
(...) a criação destes exclusivos industriais e comerciais só é justificável se
propiciar a disseminação e a utilização do conhecimento protegido com vista a
permitir que terceiros produzam bens ou prestem serviços, que, doutra forma, não
seriam levados a produzir ou a prestar. Mais: as condições por cujo respeito certas
informações, dados ou conhecimentos são objeto de direitos de exclusivo devem
permitir que os custos sociais do funcionamento de um sistema desde jaez sejam
minimizados, de jeito a que o exclusivo jurídico não se transforme num peso
morto (deadweight burden).
Se o estado concedesse direito de exclusividade a uma criação técnica que não acrescentasse
àquele mercado determinados valores, a consequência seria oposta à pretendida, afinal os agentes
econômicos se sentiriam desestimulados a inovar. Em outras palavras, tudo aquilo que for vulgar e
comum a todos os agentes econômicos que estão no mercado é insuscetível de apropriação.
Fato é que em função de fatores como o grau de essencialidade do produto, podemos ter
implicações sociais graves quanto à sua disponibilização à sociedade. O próprio legislador, tendo
isso em vista, já estabelece essas situações e os devidos mecanismos de intervenção, como o da
licença compulsória, que será abordado mais adiante. Se a propriedade deve atender à sua função
social, é natural que também deve a propriedade intelectual.
Um exemplo típico é o dos medicamentos, que são uma questão de saúde pública e, portanto,
são dotados de alto grau de essencialidade.
Apesar de não ser regra que a exclusividade na exploração de uma patente crie um
monopólio, no sentido econômico, é intuitivo que a exclusividade decorrente da
patente acabe por induzir a uma estrutura de mercado em que o nível de
concorrência é reduzido. Esse aspecto, aliado ao fato de que o setor farmacêutico é
particularmente dotado de falhas de mercado, acaba por requerer uma atenção
particular no tocante à regulação e à garantia das condições concorrências do
mercado, com vistas a mitigar os efeitos de algumas dessas falhas ou
inoperacionalidades. Nesse sentido, a regulação econômica complementada pelo
direito da concorrência, assume relevante função em termos de promoção do bem-
estar.
PATENTES
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente
perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.
Patenteabilidade
Como vimos, o direito concorrencial justifica e fundamenta a implementação pelo Estado do
sistema da propriedade intelectual. Para que uma criação técnica seja patenteável, deve observar
alguns requisitos: deve ter aplicação industrial ou ser produzida pela indústria; deve ser nova; e
deve, por fim, ser dotada de inventividade.
Esses requisitos estão na nossa legislação por conta da exigência de Tratados – como o
TRIPs, a Convenção de Paris (propriedade industrial) e de Berna (direito autoral).
Para o patenteamento, é preciso que seja apresentado um pedido de patente para o INPI
(Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e este verificará se os requisitos e condições do art. 19
estão sendo cumpridos (exame preliminar). O pedido precisa ter todos os elementos descritos pelo
art. 19: os mais importantes são o relatório descritivo, o requerimento e as reivindicações. Se o
pedido atende aos requisitos, ele será depositado; se não, o requerente tem trinta dias para corrigir
os defeitos e fazer o depósito (neste segundo caso, a data que constará no depósito será a data da
primeira tentativa). Depois que o pedido for depositado, ele será publicado dentro de dezoito meses
(sendo facultado ao requerente pedir publicação antecipada). Durante estes dezoito meses o INPI
fará o exame detalhado para verificar se o pedido de patente será deferido ou indeferido. Quando o
pedido for deferido, haverá emissão da carta patente. Todo o procedimento está descrito do art. 19
ao art. 39 da LPI.
Existe uma diferença entre patente e segredo industrial. Tanto a patente quanto o segredo são
formas de proteção da tecnologia. A tecnologia pode ser mantida em segredo industrial porque o
empresário optou por mantê-la desta forma ou porque ela não é patenteável. No caso do segredo
industrial, a forma de proteção é a repressão à concorrência desleal (quando a descoberta é feita por
meios fraudulentos); a desvantagem disso é que o dano já aconteceu e o segredo industrial já foi
divulgado. As patentes têm a vantagem de o Estado reconhecer e constituir exclusividade sobre
aquela tecnologia.
O art. 6º da LPI diz que o autor de invenção ou modelo de utilidade terá direito de pedir a
patente. Salvo prova em contrário, há a presunção de que aquele que está pedindo tem legitimidade
para tal. É neste artigo que se encontra a regra do first to file.
A marca é uma exceção dentro da propriedade industrial – é o único de todos esses institutos
que pode ser renovado, sem contar que tecnicamente não é uma criação nem técnica nem estética.
Mas a marca possui um intenso viés concorrencial, o que justifica sua incorporação pela PI. Cabe
observar que marca não é só a figura ou o nome, a forma do objeto também pode ser marca. Por
exemplo, a forma do vasilhame de um produto pode ser considerada uma marca. Isso porque pode-
se identificar por ele o produto: é um elemento distintivo.
O desenho industrial seria uma espécie de criação artística dentro do direito industrial. Pode
ser considerado, portanto, uma criação híbrida, por possuir aspectos estéticos, mas ter sido colocada
tradicionalmente pelo legislador (modelo adotado por diversos ordenamentos, como o francês,
espanhol, italiano e argentino) no campo da propriedade industrial. Essa ornamentalidade goza de
proteção, desde que atenda também a determinados requisitos, já mencionados.
1. first to invent: é presumidamente o titular aquele que inventou, mas esta é uma questão de
difícil prova;
2. first to file: art. 171 da LPI, aquele que primeiro depositou o invento é presumidamente seu
inventor (esta é uma presunção de fato e não de direito, sendo admissível, portanto, prova
em contrário).
A LPI segue a regra do first to file: é considerado o legítimo inventor aquele que depositou
primeiro a patente. Denis Borges Barbosa diz que invento é toda a solução técnica para um
problema técnico (as patentes, de invenção e modelo de utilidade, protegem inventos). O invento é
uma ação humana de intervenção na natureza, de mudança nos estados da natureza; o invento
precisa ser concreto e técnico. Existe uma diferença entre invento e invenção, portanto. A LPI não
apresenta a definição de invento (apesar de protegê-lo pelas patentes através de seu art. 6º). O art.
10º da lei, no entanto, define o que não é invento e é a partir disso que se dá a definição legal de
invento. Tudo aquilo que não é invento e, portanto, não é passível de proteção por meio de patente,
pode ser protegido ou incentivado de outras formas (direito de autor, proteções sui generis) ou
ainda estar fora da propriedade intelectual (ideias, que não são protegidas por PI de nenhuma
forma).
O art. 27 do TRIPS diz que qualquer invenção, de produto ou processo, em todos os setores
tecnológicos, será patenteável desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de
aplicação industrial. Verifica-se neste dispositivo, portanto, requisitos para a concessão de patentes.
A LPI adota, em seu art. 8º, sobre as patentes de invenção, os mesmos requisitos: (1) a novidade,
(2) a atividade inventiva e (3) a aplicação industrial. O art. 9º dala sobre os requisitos do modelo
de utilidade, que são os mesmos, mas descritos de forma diferente.
A novidade é tudo aquilo que não está no estado da técnica e o estado da técnica é tudo aquilo
que está em conhecimento público (art. 11). A novidade pode ser cognoscitiva ou econômica, sendo
a primeira aplicada pelo direito brasileiro (critério do acesso ao público). A econômica diz respeito
ao que ainda não foi colocado dentro da indústria (a novidade comercial seria aquilo que ainda não
foi colocado no comércio. A novidade absoluta seria aquilo que nunca foi colocado em prática ou
em conhecimento público em lugar nenhum; a novidade relativa diz respeito a uma determinada
localização geográfica. Estas classificações estão de acordo com o entendimento de Denis Borges
Barbosa. A novidade adotada pela lei brasileira é a novidade cognoscitiva e absoluta.
De acordo com o art. 12, não será considerada como estado da técnica divulgação de técnica
que tenha sido feita doze meses antes da patente; existe, desta forma, um período de graça, no qual
é possível divulgação e a patente não será impedida (não haverá quebra de novidade por causa desta
divulgação). Se o inventor divulga sua tecnologia para um terceiro e este terceiro não a divulgue
para mais ninguém, não se perde também o requisito da novidade. Se há, no entanto, utilização
pública da tecnologia antes do patenteamento, perde-se a novidade.
O TRIPS estabelece que determinadas tecnologias não podem ficar sem proteção por patente
(não podem haver setores da tecnologia que não são protegidos por patente). No Brasil, não eram
admitidas antes do TRIPS patentes sobre produtos químicos, farmacêuticos ou alimentares (o que
mudou com o acordo). O TRIPS também estabelece alguns limites: existem alguns tipos de invento
que os países não podem proteger por patente. O art. 18 da LPI estabelece tudo que não pode ser
patenteável.
O art. 15 apresenta o primeiro requisito à concessão da patente, e criações que não atendem a
esse requisito têm desde logo seus pedidos descartados pelo INPI, quando examinados em sede
administrativa.
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.
O segundo requisito, da novidade, vale tanto para a invenção quanto para o modelo. A
novidade é definida pelo legislador como um critério absoluto, é referenciada a um campo
definido objetivamente: o estado da técnica anterior à data do pedido de patente. Todas as
divulgações orais ou escritas por qualquer meio no Brasil ou no exterior conformam o campo do
estado da técnica, conforme o parágrafo 1o e seguintes do mesmo artigo:
§ 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público
antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por
uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos
arts. 12, 16 e 17.
A prioridade unionista está no art. 16 e de acordo com ela, qualquer estrangeiro que tenha
patente em país estrangeiro que tenha acordo com o Brasil e venha pedir patente aqui tem
preferência: se qualquer outra pessoa, pelo período de um ano, quiser patentear a mesma tecnologia,
terá seu pedido negado, por causa da prioridade.
Direito de Exclusividade
Lembrando que o pedido de patente é divulgado a partir do 18 o mês após seu depósito. Mas,
antes de findo o prazo de patente, fica vedado a terceiros reproduzir aquela tecnologia. Durante
esse período, entre o 18o mês e a expiração da patente, tem-se acesso às informações, mas não se
pode reproduzi-la: apenas em caráter experimental, em caráter privado - ou seja, quando não
comprometem o cerne do direito de exclusividade e os interesses econômicos do criador. Essas
hipóteses estão previstas no art. 43 e afastam a incidência da regra geral de proibição do art. 42.
Exclusividade
Invenções: 20 anos
Modelos de utilidade: 15 anos
Tecnologia no domínio público
18o mês Liberdade dereprodução
sigilo
Caso o titular recorra ao judiciário com o intuito de interditar uma suposta reprodução de
sua tecnologia por terceiro, durante a vigência da patente, a magistratura irá cotejar a carta patente
que expressa os limites dos direitos materiais concedidos pelo Estado. No direito autoral, o
cotejamento em sede judicial é sempre feito entre dois objetos, entre duas obras: a obra protegida
em relação à obra que a estaria violando. Na propriedade industrial, por outro lado, a extensão dos
direitos concedidos encontra-se na patente, ou seja, num documento que determina a extensão
daquilo que foi apropriado pelo titular, dos direitos concedidos pelo Estado. O cotejamento em sede
de direito industrial, portanto, dá-se entre o documento e o objeto que está-lo-ia violando.
Inventividade
Percebe-se que o legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala em
“atividade inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico
no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.
Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.
O legislador optou por fazer uma distinção no tratamento das duas categorias de criações:
A apreciação da tecnologia criada em relação ao estado da técnica deve ser feita através das
lentes de um paradigma, o do técnico no assunto. O problema é que o legislador não explicita quem
é esse técnico no assunto, o que deixa uma lacuna cujo preenchimento depende de uma criação
doutrinaria e jurisprudencial. Nos outros direitos, como da Europa e dos Estados Unidos, o técnico
no assunto é aquele pesquisador, especialista no campo tecnológico da invenção ou do modelo, e
que possui os conhecimentos médios, isto é, não é nem um gênio nem um leigo. A doutrina
brasileira interpreta esse requisito como um requisito objetivo, mas alguns entendem que é na
verdade subjetivo.
Aqueles que entendem tal requisito como objetivo afirmam que, quando da concessão desses
direitos, a investigação através do prisma do paradigma “técnico no assunto” afastaria qualquer
critério de subjetividade. Afinal, não se trataria de uma análise pessoal de qualquer pessoa, mas de
uma pessoa específica incumbida de efetuar essa análise.
Tecnologia dentro do
estado da técnica
É nesse percurso que
Estado da técnica reside a inventividade:
se o deslocamento de
A para B for
surpreendente, não
A B óbvio para o técnico
P1 P2 no as sunto, é um
indício de
inventividade.
Vamos pensar no exemplo do pendrive. Nesse caso, o ponto A seria o CD, pois era a
tecnologia mais avançada em armazenamento portátil de dados antes do pendrive, é foi a partir
deles que os pendrives foram criados. Os novos pendrives foram apenas aperfeiçoamentos, criações
incrementais. Mas o salto do CD para o pendrive não é óbvio, e por isso há uma atividade inventiva
envolvida.
Outro exemplo é o das canetas. P1 poderia ser a caneta tinteiro, A a caneta bic, e B a retrátil.
Essa tem os mesmos conceitos da bic, a ideia é a mesma, mas é um modelo de utilidade dotado de
certa inventividade.
O legislador faz uma distinção no texto dos artigos: para as invenções, fala em “atividade
inventiva”, e para os modelos em “ato inventivo”.
Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico
no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica.
Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um
técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da
técnica.
A atividade inventiva seria um "plus" em relação ao ato inventivo. Se por um lado aquela fala
em forma "comum ou óbvia", no ato utiliza-se os termos "comum ou vulgar". A interpretação
doutrinária e jurisprudencial sobre esses termos é no sentido de o "evidente ou óbvio" implicar um
grau de inventividade maior. E essa seria a justificativa, eminentemente concorrencial, para o
legislador conferir uma proteção maior para as invenções, cuja patente dura 20 anos enquanto a do
modelo dura 15.
Exclusões Legais
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II - concepções puramente abstratas;
III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros,
educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
Segundo esse artigo, não são invenções nem modelos de utilidade: descobertas, teorias
científicas (a aplicação delas para soluções técnicas de problemas técnicos, materializadas num
objeto, é passível de proteção, mas a teoria em si não); as obras literárias, arquitetônicas, científicas
(quando por exemplo implementada em um texto, um manual, etc. – a obra literária que descreve -
mas o conhecimento técnico que consta dessa obra pode ser protegido pela patente de invenção);
programas de computador em si (o programa por si tem proteção pela Lei 9.609 – mas um
programa de computador por exemplo aplicado a um processo industrial que permite o
funcionamento de uma certa etapa – nesse contexto pode ser considerado como passível de
patente).
Licenciamento de Patentes
A licença serve, portanto, para viabilizar a exploração da patente. O INPI funciona, no Brasil,
como um intermediário para ajudar os titulares a conceder as licenças (por meio de uma espécie de
"classificado"). A própria lei brasileira incentiva a concessão de licenças. O titular, ao publicar a
patente, pode fazer uma oferta da licença (de que forma ela será concedida, quais serão as
faculdades do licenciado, etc.).
O art. 63 da LPI diz que qualquer aperfeiçoamento da tecnologia feito pelo licenciado
pertence a ele. Este aperfeiçoamento pode ou não ser patenteado. Este dispositivo não é, no entanto,
cogente: pode ser afastado pelas partes no contrato de licenciamento.
O art. 64 da LPI fala da licença compulsória, que é concedida pelo direito, contra a vontade do
titular, a terceiro que passa a poder explorar licitamente a tecnologia patenteada. As hipóteses de
licença compulsória são:
Existe todo um procedimento legal para a concessão de licença compulsória. (tendo o titular
da patente, inclusive, direito de defesa em algumas matérias). A licença compulsória., apesar de ser
uma penalidade, é sempre remunerada (apesar de o INPI poder fixar arbitrariamente qual será a
remuneração.). Não se trata de uma expropriação da patente ou de uma "quebra de patente" (como
frequentemente se lê nos jornais). No entanto, na lei concorrencial (não na LPI) é possível que o
CADE fixe uma licença compulsória. gratuita (mas esta licença será concedida por ilícito
concorrencial nos termos da lei concorrencial).
Nos termos da LPI, a licença compulsória. é pedida por um interessado, e este interessado
deve provar que tem plenas condições de explorar a patente. No caso do CADE, no entanto, não é
preciso que haja um interessado pedindo a licença para que ela seja concedida. Se não há
interessado, no CADE, o pedido de licença será representado pelos próprios órgãos de defesa da
concorrência.
O Decreto n 3.201/99 regulamenta o art. 71 da LPI. O Decreto diz que a licença deve ser
concedida para uso não comercial da tecnologia (em consonância com a Declaração de Doha), mas
a LPI não traz este requisito. Em 2007, o Brasil pela primeira vez decretou um medicamento como
sendo de interesse público (Efavirenz, antirretroviral) obrigando o laboratório detentor da patente a
fornecer todas as informações sobre o medicamento e nomeando outros laboratórios para sua
produção (Decreto n 6.108/07, que regulamentava a concessão de licenças compulsórias sobre
patentes pipeline, por tempo determinado e de forma não exclusiva e remunerada).
Foi estipulada uma remuneração. ao laboratório (que foi considerada por ele insuficiente). Ao
tentar produzir o medicamento, constatou-se que o relatório descritivo fornecido pelo laboratório
não era suficiente e o laboratório não fornecia as informações adicionais. Por causa disso, houve
uma demora maior que a esperada para a produção do remédio, mas ele já está sendo distribuído no
sistema publico de saúde. Em razão desta demora, a licença compulsória. foi prorrogada.
Como vimos, os direitos intelectuais têm uma estrutura híbrida: ora voltada ao sujeito (no
direito autoral sobretudo) ora ao objeto (no direito industrial). Essa estrutura desdobra-se em
direitos patrimoniais e morais. Ao falarmos em exaustão de direitos, evidentemente trata-se de
direitos patrimoniais. Afinal, direitos morais nunca se exaurem.
A exploração indevida é punida com pagamento de indenização ao titular, pelo art. 44 da LPI.
O pedido ou a patente em si podem ser cedidos (art. 58) e a extinção da patente faz com que o
objeto caia em domínio público (art. 78). A nulidade da patente pode vir por processo
administrativo ou por ação judicial (arts. 46 a 57). O processo administrativo é promovido pelo
INPI (por ele próprio ou por requerimento de terceiro interessado). A ação judicial pode ser
proposta pelo INPI ou por terceiro interessado a qualquer tempo. O foro responsável é o Foro da
Justiça Federal. A caducidade (art. 80) acontece quando, decorridos dois anos depois da concessão
da primeira licença compulsória, este prazo não tiver sido suficiente para prevenir ou sanar com o
abuso ou desuso da patente por parte do titular.
Licenciamento Compulsório
As licenças compulsórias são instrumentos legais criados para contrapor um eventual
exercício abusivo dos direitos industriais pelo titular. Apresentam-se, portanto, como uma
barreira a esse exercício abusivo:
Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se
exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar
abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão
administrativa ou judicial.
Cabe salientar que o titular não será desprovido da patente. Só será obrigado a licenciar
alguém, e essa licença, apesar de obrigatória, é remunerada e temporária. Essa remuneração será
arbitrada, conforme o art. 73 paragrafo 6o, e devera levar em conta o valor da patente concedida.
Art. 73. O pedido de licença compulsória deverá ser formulado mediante
indicação das condições oferecidas ao titular da patente.
Esse mecanismo busca garantir o equilíbrio entre o interesse público (acesso a medicamentos,
alimentos, cultura) e o interesse privado.
Se o Estado implementou a licença compulsória, numa situação de abuso, mas essa licença
compulsória não foi suficiente para atenuar a situação abusiva, há previsão na nossa lei de
caducidade da patente. É uma hipótese em que o direito é restringido antes da expiração do direito
de patente, por um imperativo público. Essa hipótese drástica, todavia, praticamente nunca figurou
na jurisprudência brasileira.
Importação Paralela
No parágrafo 4o do art. 68 o legislador retoma a questão da exaustão, mas em relação ao
mercado externo. O locus desse instituto continua sendo o art. 43 IV, mas em função do embate
parlamentar, naquele momento a questão ficou limitada à possibilidade da exaustão unicamente no
mercado interno. Aqueles que a defendiam também em relação ao mercado externo, entretanto,
tiveram a oportunidade de retomar esse tema no art. 68, abordando uma circunstância na qual o
titular do direito explora o direito de patente unicamente importando, inserindo-se assim no inciso I
(não exploração do objeto da patente no território brasileiro...).
Se o titular não fabrica o objeto sobre o qual tem exclusividade, mas ao mesmo tempo impede
os concorrentes de produzi-lo, frustra os objetivos do Estado na medida em que não contribui para
o desenvolvimento tecnológico e social. Se ele apenas abastece o mercado importando, transforma
nosso país num grande entreposto para empresas estrangeiras. Essa prática é abusiva e deve ser de
alguma forma sancionada.
Por exemplo, imaginemos uma exaustão relativa a marcas que são de um titular francês, que
possui o registro da marca na Europa e no Brasil, e que abastece o mercado brasileiro por meio de
um licenciado. O produto é fabricado em Portugal, o licenciado português importa de lá e abastece
o mercado brasileiro. Ou seja, o titular francês não fabrica esse produto no Brasil, incidindo no
inciso I do art. 68, e ensejando a licença obrigatória, pois estaria afastando a realização dos
propósitos do Estado brasileiro. Nesse contexto, surge um concorrente importando esse produto
dessa marca de um mercado asiático, que por sua vez tinha um licenciado autorizado também...
Nessa hipótese, o titular tem que suportar a importação paralela pelo seu concorrente.
A importação paralela é uma fórmula acoplada a um instrumento de política industrial, além
de uma espécie de estímulo adicional para que o titular produza localmente.
Criações biotecnológicas
Espanha
França
Fabricante Portugal
autorizado
Coloca o produto
no merc ado
externo
Licenciado 2
China
Licenciado 1: não Importação Paralela!
fabrica só importa
Brasil
Concorrente:
adquire o produto
do licenciado
chinês
Produtos Material
C RIAÇÕES multiplicação Art. 8 LPI
TÉCNICAS vegetativa da
INDUSTRIAIS NO Art. 42 LPI planta
C AMPO DA Art. 27 TRIPs
BIOTECNOLOGIA
Art. 10,
Não biológicos IX LPI
Processos
Biológicos
artificiais
As patentes de biotecnologia têm por objeto microrganismos, materiais biológicos em geral,
etc. Estas patentes protegem bens relacionados à vida. Existe uma discussão sobre até que ponto é
ético que os países permitam o patenteamento de matéria viva. O caso Chak---(1980), na Suprema
Corte dos EUA, foi a primeira concessão de proteção patentária a um microrganismo per se, pois
considerou-se o microrganismo um produto biológico novo, que não se encontrava na natureza. O
patenteamento do genoma humano foi objeto de pedido no Reino Unido sob o argumento de que
bastava o isolamento do material (e não a criação de um novo material) para que houvesse proteção
por patente – considerou-se, na França, o genoma não patenteável, por fazer parte do patrimônio da
humanidade. No Reino Unido, o pedido de patenteamento foi negado pois não havia aplicação
industrial ou problema técnico a ser resolvido com o genoma.
Os EUA exigem menor grau de atividade inventiva, mas maior grau de exposição da
tecnologia ao público, para que haja proteção por patente. A Convenção da União de Paris não
prevê restrição á patenteabilidade de criações biológicas (deixando isso para a discricionariedade
dos Estados); o TRIPS, no entanto, em seu art. 27, estabelece a obrigatoriedade de patenteamento
de produtos da área biotecnológica quando diz que não podem haver setores da tecnologia que o
país escolha deixar fora da proteção por patente. Esta obrigatoriedade conta, no entanto, com certos
limites: é possível que os países deixem de patentear algo se a patente fere a ordem pública ou a
moralidade.
A Constituição brasileira não traz nenhuma determinação sobre o que deve ou não deve ser
patenteado. A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 9º, estabelece que não são inventos (e,
portanto, não são passíveis de proteção por patente) plantas ou animais que existem na natureza,
ainda que dela isolados, assim como o genoma de qualquer ser vivo. Apenas os microrganismos
transgênicos são patenteáveis no Brasil. É preciso, desta forma, que haja novidade, que aquele
organismo não exista normalmente na natureza sem intervenção humana. O art. 24 estabelece onde
será feito o depósito do microrganismo (sendo diferente seu depósito dos outros inventos
patenteáveis).
Denis Borges Barbosa diz que, para estabelecer quais proteções seriam violadoras da ordem
pública e da moralidade (de acordo com o TRIPS) é possível usar o direito comparado e a diretiva
nº 44 da Comunidade Europeia (o art. 18 da LPI adota a determinação do art. 27 do TRIPS sobre a
ordem pública e a moralidade, mas é muito amplo, havendo necessidade de complementá-lo).
Existe também a Lei nº 9.456/1997, que é a Lei de Cultivares. Esta lei consagra uma nova
forma de proteção para as variedades vegetais geneticamente modificadas (nova modalidade de
proteção industrial, na forma do Direito do Melhorista).
No que tange às criações nos campos da biotecnologia, volta à tona a questão da dicotomia
entre criar e descobrir. Para a propriedade industrial clássica, que surge com o desenvolvimento da
mecânica e da eletricidade, a distinção entre tais conceitos era muito clara: uma máquina, um
dispositivo, era desenvolvido e colocado no mundo pelo ser humano, num processo de
artificialização do mundo inerente à marcha civilizatória que nos distancia do mundo da natureza.
Na área de eletrônica, também, é clara a distinção entre criar e simplesmente revelar aquilo que já
se encontra na natureza.
Essa questão ganha grande importância no campo da propriedade intelectual, pois implica
questionar se materiais vivos são passíveis de apropriação, ou seja, se poderiam ser considerados
propriedade de alguém. A resposta a isso afeta vários campos, sobretudo o da ética, da moralidade:
se a matéria viva é passível de apropriação, então em última instancia a matéria extraída do ser
humano também seria? Isso não seria uma reificação, que afetaria a dignidade humana? Se o
corpo humano é uma projeção da personalidade humana, o corpo sem vida continua sendo?
Todavia, os agentes econômicos tem que ter uma rede de proteção contra a cópia pelos
concorrentes dos resultados de suas pesquisas. Afinal, há um interesse da sociedade muito grande
em relação ao acesso dos frutos dessas pesquisas, que podem consistir em novos tratamentos,
remédios, etc.
No nosso ordenamento, houve uma transposição do acordo TRIPs para a lei interna. Esse
acordo prevê uma possibilidade de escolha ao legislador interno de adotar determinadas exceções
de patenteabilidade. O legislador brasileiro, diante dessa possibilidade, optou por excluir plantas,
animais e processos biológicos para sua obtenção.
Como vimos no art. 10 da LPI, há diversas hipóteses das quais se exclui a patenteabildiade.
Cabe ressaltar os incisos VIII e IX:
VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos
terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e
Observe-se que os métodos previstos no inciso VIII eventualmente podem ser protegidos em
países mais flexíveis, como os EUA. A justificativa aqui, para serem impassíveis de patente, é que
esses métodos não teriam aplicação industrial. Mas essa exceção não abrange os equipamentos (a
medicina hoje conta com tecnologias avançadíssimas – todo o ferramental, os instrumentos, pode
ser protegido), volta-se apenas para métodos e técnicas.
Segundo o inciso IX, é insuscetível de apropriação o todo ou parte de seres vivos naturais e
materiais biológicos. Assim, utilizando a salvaguarda do acordo TRIPs, o legis afastou os processos
biológicos, mas não os não biológicos! Em outras palavras, os processos artificiais podem ser
protegidos.
Tutela da Vida
Quanto à tutela da vida no nosso ordenamento, podemos dividir quatro categorias:
Vida
Plantas e Microorganismos
À primeira vista, ao compararmos o parágrafo único às determinações do acordo TRIPs,
parece haver uma contradição. Com efeito, o acordo determina que os países membros concederão
proteção às variedades vegetais, mas o art. 18 exclui essas das hipóteses de patenteabilidade. O que
o legislador fez, para adequar-se às determinações do tratado, foi em vez proteger as variedades
vegetais pela propriedade industrial, tutela-las por meio de lei específica, a Lei das Cultivares
(9456/97).
Cabe observar que na proteção concedida às espécies vegetais, o que se protege não é a
espécie inteira, a planta individualmente considerada, mas apenas sua forma de propagação,
multiplicação. Essa forma é, usualmente, a semente, mas pode ser outra (algumas plantas são
multiplicadas através de frações de seus caules, por exemplo).
Assim, os direitos que uma empresa como a Monsanto tem são sobre suas sementes,
caracterizadas por aumentar a produtividade rural, dentre outras características inseridas por meio
da biotecnologia. Não ha, portanto, nenhuma proteção sobre a planta, que pode então ser vendida,
usada para processos industriais, etc.
Cabe por fim observar que o inciso II do referido artigo prevê a possibilidade de proteção a
microrganismos transgênicos, única possibilidade de proteção dos produtos nesse campo. Na Itália,
por exemplo, numa diretiva mais avançada, permite-se já a apropriação de fluidos extraídos do
corpo humano. No geral, a propriedade industrial caminha no sentido de uma maior flexibilização.
Depósito
No que tange aos procedimentos administrativos de depósito dessas patentes, cabem algumas
observações. O relatório de um pedido de patente normal – de uma máquina, um dispositivo, por
exemplo – deve ser apresentado à administração federal nos termos do caput do art. 24 da LPI. O
pedido de patente relativo às matérias vivas, porém, tem a peculiaridade de poder ensejar uma
necessidade de amostras, como explicitado no parágrafo único:
Art. 24. O relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a
possibilitar sua realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a
melhor forma de execução.
Esse mecanismo da lei de PI para a matéria viva, com deposito do material, também pode ser
aplicado às espécies vegetais, que têm regência pela lei das Cultivares, nos termos do art. 22,
parágrafo único, dessa lei:
Art. 22. Obtido o Certificado Provisório de Proteção ou o Certificado de Proteção
de Cultivar, o titular fica obrigado a manter, durante o período de proteção,
amostra viva da cultivar protegida à disposição do órgão competente, sob pena de
cancelamento do respectivo Certificado se, notificado, não a apresentar no prazo
de sessenta dias.
Essa suplementação em relação à amostra da espécie, cabe observar, tem como objeto a
forma de propagação da mesma, e não o indivíduo da planta em si. Afinal, é sobre essa forma de
propagação (sementes geralmente) que incidem os direitos de exclusividade.
Patentes Pipeline
O TRIPS (em função da pressão dos países desenvolvidos) estabeleceu em seu art. 27, como
já foi dito, a obrigatoriedade de haver possibilidade de patenteamento em todos os setores
tecnológicos. Desta forma, o direito industrial brasileiro precisou se adaptar à disposição. A LPI de
1996 consolida esta adaptação (implementação da proteção de forma rápida, tendo em vista que o
TRIPS foi celebrado em 1994 e dava ao Brasil um prazo de 9 anos para se adaptar). Apesar do
prazo, havia no TRIPS uma exigência de que, a partir do acordo entrar em vigor na OMC, deveria
haver um mecanismo para que as patentes fossem depositadas, mesmo antes da adaptação
legislativa ocorrer de fato: este meio é a patente pipeline (meio de transição). A patente pipeline
não está, no entanto, prevista pelo TRIPS: ele só previa que o país precisaria “dar um jeito” de
conceder proteção mesmo antes de suas leis se adaptarem, e o meio que o Brasil encontrou para
fazer isso foi este (proteção TRIPS extra).
O mecanismo da pipeline é uma espécie de mecanismo de transição entre dois ordenamentos
jurídicos, o anterior e o posterior ao Acordo TRIPs, o qual modificou significativamente o quadro
normativo das patentes no Brasil.
Até então, o Brasil encontrava-se sob a égide da Convenção de Paris, e essa deixava livre aos
países membros optar por permitir ou não patentes sobre produtos químicos, farmacêuticos e
alimentícios. O Brasil, assim, optou por não proteger tais categorias pela PI, o que teve efeitos
nocivos ao desenvolvimento desses produtos no país, já que a falta de proteção, como vimos, é um
desestímulo à pesquisa tecnológica e à inovação.
Assim, alguém que tiver registrado uma marca na Austrália, por exemplo, terá 6 meses,
utilizando esse mecanismo, para estender a patente ao Brasil, e vice versa. Essa regra foi
internalizada pelo decreto 1.263, que ratificou a revisão de Estocolmo.
O problema é que até o Acordo TRIPs, como o Brasil vedava a apropriação dessas parcelas
do mercado de medicamentos, alimentos, etc., as empresas que patentearam seus produtos no
exterior não puderam utilizar esse mecanismo para estender ao Brasil suas patentes.
Esse mecanismo da pipeline possibilitava que esses agentes econômicos depositassem essas
patentes no Brasil, durante o período de adaptação ao Acordo TRIPs, entre 1996 e 1997, e que
essas patentes fossem revalidadas aqui, nos termos dos artigos 231 (aos brasileiros e demais
residentes no país) e 230 (sobre patentes concedidas aos estrangeiros) da LPI:
Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias
ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias,
misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de
qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação,
por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no
Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu
objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do
titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por
terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do
pedido ou da patente.
1. não exaustão de direitos (o produto não pode ter entrado no mercado internacional);
2. depósito no exterior (a patente precisa ter sido depositada e concedida no exterior);
3. ausência de sérios e efetivos esforços, realizados por terceiros no Brasil, para a exploração do
objeto da patente (proteção do estado da técnica no Brasil e do investidor de boa-fé).
O ponto que suscitou uma grande controvérsia em relação a esse dispositivo é que essa
revalidação dava-se sem quaisquer análises técnicas dos requisitos de patenteabilidade exigidos
para a concessão de patentes em geral no Brasil, passando por um crivo meramente formal pelo
INPI. Ademais, como já haviam sido publicadas no exterior, não atendiam, aqui, ao requisito da
novidade que condiciona a patenteabilidade, nos termos do já analisado art. 11 da LPI:
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.
DENIS BORGES BARBOSA contesta esse mecanismo pois entende que a criação de uma
subcategoria de depositantes representa uma afronta ao princípio da isonomia, além de uma afronta
à própria soberania do país – que torna-se um mero “carimbador” de patentes concedidas fora do
país, limitando-se a acatar o que havia sido decidido em relação à patente no escritório estrangeiro
no qual havia-se realizado o primeiro depósito da patente.
O mecanismo da pipeline não foi exigido pelo acordo TRIPs, sendo na verdade uma opção
do próprio legislador brasileiro. Tal opção só é explicável se considerado o contexto histórico e
os interesses em jogo na época, ou seja, o que havia subjacente a esse debate.
Durante seu governo, e ainda sob a égide da Convenção de Paris, Collor se comprometeu
com esses agentes econômicos estrangeiros dos campos farmacêuticos a alterar aquela proibição à
patenteabilidade de medicamentos, mas o projeto para implementação dessas alterações não se
concluiu pois ele foi deposto antes.
Esses agentes econômicos, então, viram-se prejudicados, pois todas aquelas moléculas
desenvolvidas e os medicamentos sintetizados a partir de 1991, isto é, tudo que foi incrementado
nos mercados internacionais por esses agentes nesse período, ficou sem proteção no Brasil pela PI,
o que significa uma vultuosa margem de lucro que eles deixaram de auferir no mercado brasileiro.
Suas patentes não puderam ser estendidas ao Brasil, e sem o direito de exclusividade não lhes foi
permitido explorar esse segmento do mercado, que tem um elevado valor. Essa conta foi
apresentada ao Fernando Henrique, que, diante dessa cobrança, adotou o mecanismo da pipeline
como forma de compensar esses agentes.
O desenho industrial tem um caráter ambíguo, sendo uma criação técnica mas ao mesmo
tempo com um aspecto estético, pois trata-se de uma forma ornamental. A importância de sua
proteção baseia-se no fato de que muitas vezes é a forma, até mais que a tecnologia em si, que faz
com que o consumidor incline-se por um objeto em detrimento de outro – efetivamente, uma forma
bonita, agradável, pode influenciar intensamente na escolha do produto (nos carros, por exemplo).
Tutela da Forma
Patentes:
Técnica, modelos de
utilitária art. 9o, LPI
utilidade
Desenho
Ornamental industrial art. 95, LPI
Forma
Marca art. 124, XXII,
Distintiva tridimensional LPI
Artística LDA
A forma do objeto pode ter diversas funções, e cada uma de suas facetas pode ser objeto de
diferentes tutelas. Por exemplo, a forma, na medida em que tem uma função técnica, é tutelável
como modelo de utilidade. Se, por outro lado, tem uma função meramente ornamental, pode ensejar
tutela no âmbito dos desenhos industriais.
Desenho Industrial
Além das patentes, existe uma outra forma de proteção de bens imateriais relacionados à
atividade empresarial. Esta forma é o desenho industrial. Desenho industrial é a arte aplicada ao
produto, o design; é a parte artística da produção industrial (desenho do iPhone, do iPad, das
garrafas de água, dos sapatos Loubotin, dos cachecóis Burberry, etc.). O desenho industrial diz
respeito apenas aos produtos (de que forma o produto se apresenta esteticamente ao mercado); não
faz sentido falar em desenho industrial do processo. Este design possui um valor econômico e por
causa disso é protegido através da exclusividade. Ele não é protegido por direito do autor porque
está vinculado ao processo produtivo, possuindo uma aplicação prática industrial (não é
simplesmente uma emanação da personalidade do autor). A arte é, neste caso, instrumental: é feita
para atender a uma finalidade e esta finalidade é atender a uma demanda da indústria.
A exclusividade só é garantida para desenhos industriais novos e originais (não faria sentido
atribuir exclusividade sobre algo que já está no estado da técnica). Existe uma diferença entre o
desenho industrial e a patente de modelo de utilidade: no modelo de utilidade, há uma mudança na
apresentação do produto que altera sua finalidade, altera sua parte técnica (o produto passa a atender
a outra função, mais ampla que a original); o desenho industrial é apenas uma modificação estética
no produto, sem nenhuma finalidade técnica para aquela modificação.
O TRIPS diz que é obrigatória a proteção do design dos produtos industriais. Ele dá também a
faculdade aos membros de estabelecer dupla proteção do design (através da propriedade industrial e
do direito de autor). O art. 95 da LPI dá a definição de desenho industrial como o conjunto
ornamental de linhas e cores de um produto, trazendo os requisitos de novidade e originalidade.
Existe um período de graça de 180 dias para o desenho industrial. A novidade é a mesma aplicada
às patentes; a originalidade ocorre quando há criação de um aspecto visual nunca antes visto. A
novidade e a originalidade podem se confundir, pois têm conceitos semelhantes (o próprio TRIPS
fala em originalidade ou novidade).
O art. 100 da LPI trata das coisas que não podem ser registradas como desenho industrial: (1)
são os desenhos que sejam contrários à moral, aos bons costumes ou à ordem pública; (2) os
produtos com design comum e vulgar (pela falta de originalidade e novidade). No caso do desenho
industrial, ao contrário das patentes, assim que é feito o depósito o direito de exclusividade é
concedido (eficácia automática). O INPI defere todos os pedidos e o exame de mérito é sempre
posterior (feito pelo INPI sozinho ou por inciativa de alguém). O fundamento disso é a celeridade e
a ausência de interesse público (há apenas o interesse dos concorrentes).
O prazo de vigência do direito é de dez anos, prorrogáveis por no máximo três vezes por mais
cinco anos (ao todo, o tempo limite de proteção é de vinte e cinco anos). A prorrogação é concedida
por iniciativa do titular, não havendo nenhum outro requisito. No caso da marca, no entanto, a
proteção é proporcional ao investimento: o prazo mínimo do TRIPS é de sete anos, o do Brasil é
TRIPS plus de dez anos, prorrogáveis indefinidamente por iniciativa do titular (sem nenhum outro
requisito).
Existem alguns designs de produto, no entanto, que estão tão associados à empresa na mente
do consumidor que não são mais meros desenhos industriais, mas sim marcas, sinais distintivos do
produto (garrafa da Coca-Cola, formato da caneta Bic, formato do chocolate Toblerone, etc.). Estes
designs são considerados marcas tridimensionais.
Os desenhos industriais voltam-se para uma criação humana com caráter estético. O que
se protege, portanto, através do desenho industrial, é o caráter ornamental da forma do objeto. Uma
vez que essa preocupação estética insere-se no contexto de uma produção industrial, é como se a
tutela aos desenhos industriais fosse uma espécie de direito autoral dentro da propriedade
industrial.
A proteção aos desenhos industriais está prevista na seção IV, art. 25 do referido acordo, e o
legislador a transpôs para o direito interno no art. 95, que traz o conceito de Desenho Industrial, e
seguintes da LPI:
O desenho industrial deve observar três requisitos, por analogia com as patentes: aplicação
industrial, novidade e originalidade. Ora, se o legislador diz que o desenho industrial deve ser
novo e original, ele pressupõe que um desenho pode ser novo sem ser original, por exemplo. São,
portanto, dois conceitos distintos.
A novidade reconduz-nos àquele cotejamento com o estado da técnica: desenho novo é aquele
que nela não está compreendido, sendo, portanto, passível de apropriação. Trata-se de um crivo
objetivo.
Considera-se original, por sua vez, o desenho industrial quando resulta numa configuração
visual distintiva em relação a outros objetos anteriores. Em outras palavras, não basta que seja
novo, é preciso que essa novidade represente também uma forma de distintividade, que torne
aquele produto característico, permitindo-se distinguir dos demais, é tipo um plus à novidade.
Novo Original
Distintivo em
Diferente dos relação aos
desenhos
desenhos
anteriores
anterioes
Mas afinal, essa aproximação foi acidental? Foi de propósito? Veremos mais adiante ao
analisar a cumulatividade de patentes.
Marcas
A proteção de marcas só faz sentido se for por setor de atividade: se ela procura distinguir
produto ou serviço específico, não há violação de marcas quando existem empresas que oferecem
serviços ou produtos diferentes que possuem a mesma marca (ex.: é possível que haja uma padaria
chamada Nova Charmosa e um salão de beleza Nova Charmosa, porque o consumidor não fará
confusão, já que os serviços oferecidos são extremamente diferentes). Desta forma, quando a
Nespresso registra sua marca, aquela proteção existe apenas dentro do mercado de café. Esta
proteção por ramo de atividade respeita a classificação internacional de NICE (que classifica os
serviços e produtos com base em subdivisões dentro do seu setor de mercado). Não podem haver
duas marcas semelhantes dentro da mesma classe.
Mesmo que, em tese, seja possível existirem marcas iguais em setores diferentes (ex.:
Coca-Cola no setor de bebidas e no setor de roupas), é possível punir aquele que está usando a
marca tentando se aproveitar do investimento que o outro empresário fez, em outro setor, para
tornar a marca popular (free riding). Para evitar isso, é possível proteger algumas marcas em todos
os setores no mercado: estas são as chamadas marcas de alto renome. É o caso da
Coca-Cola: não se pode abrir nenhum outro estabelecimento com o mesmo nome que a CocaCola,
mesmo que em setor de mercado diferente. O entendimento é de que estas são marcas muito
populares, que demandam investimento muito alto e nestes casos o free riding deve ser impedido.
Não há problema nenhum, no entanto, quando o mesmo empresário deseja registrar sua marca em
outro setor de atividade que não seu habitual.
As marcas seguem o princípio da territorialidade. Isso significa que, da mesma forma que
ocorre com as patentes, para que haja reconhecimento da marca, ela deve ser requerida em todos os
países desejados. Apesar disso, em alguns casos, não é possível que alguém veja, no exterior, uma
marca popular que não é registrada no Brasil e a registre aqui para o seu negócio (isso ocorria
muito antigamente, com brasileiros que viajavam para o exterior, viam marcas famosas de lojas que
ainda não existiam aqui, como Lust e Accessorize, e registravam a marca no Brasil para dar mais
popularidade a seu negócio). É o caso das marcas notórias.
As marcas registráveis no Brasil são todas aquelas que sejam visualmente perceptíveis e que
não estejam listadas no art. 124 da LPI (que estabelece proibições ao que pode ser registrado como
marca).
Concessão
A Lei de Propriedade Industrial (Lei no 9.279/96), hoje vigente, revogou o antigo Código de
Propriedade Industrial, instituído pela Lei 5.772 de 1971. Essa revogação trouxe significativas
alterações no regime de concessão de direitos de exclusividade sobre desenhos industriais.
No antigo Código, a concessão dos direitos aos desenhos industriais era submetida à mesma
sistemática das patentes: passava por um exame prévio de mérito, que condicionava a concessão
do privilégio. O relatório, portanto, passava por um exame de conteúdo, através do qual
determinava-se se a criação atendia aos requisitos de novidade e originalidade, e se era, portanto,
passível de proteção.
O problema verificado na prática é que esse exame do relatório, realizado pelo INPI, era
extremamente lento. A morosidade da administração federal não correspondia, assim, às
necessidades dos titulares desses direitos. Afinal, os desenhos industriais sofrem em especial a
influência da moda, que é volátil e sazonal, carecendo, portanto, de uma proteção rápida.
Tendo em vista essa necessidade de maior celeridade, a Lei 9.279 trouxe alterações no
procedimento de obtenção desses direitos: aboliu, no que concerne aos desenhos industriais, o
procedimento administrativo de exame prévio de mérito. Com isso, o registro passou a ser
automaticamente concedido com o depósito do pedido, passando por um exame prévio meramente
formal:
Art. 106. Depositado o pedido de registro de desenho industrial e observado o
disposto nos arts. 100, 101 e 104, será automaticamente publicado e
simultaneamente concedido o registro, expedindo-se o respectivo certificado.
Art. 102. Apresentado o pedido, será ele submetido a exame formal preliminar e,
se devidamente instruído, será protocolizado, considerada a data do depósito a da
sua apresentação.
Ao retirar-se dos desenhos industriais o exame prévio de mérito, joga-se o problema para o
judiciário:
Todo o exame de mérito dos desenhos industriais fica diferido até o momento que
o próprio titular ou terceiro o requeriram. Como diz a lei, o titular do desenho
industrial poderá requerer o exame do objeto do registro, a qualquer tempo da
vigência, quanto aos aspectos de novidade e de originalidade; (...) Já,
judicialmente, a nulidade poderá ser arguida a qualquer tempo da duração do
direito, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse, assim como, a
qualquer tempo, como matéria de defesa.
Cumulatividade de Proteções
A forma de um objeto pode por exemplo ser útil, mas também ter um caráter ornamental. Esse
caráter ornamental pode, ademais, ser uma configuração visual distintiva. A forma técnica utilizada
por ser protegida por patente. A forma ornamental pode ser protegida por desenho industrial. A
distintiva, como marca. E a forma artística, ainda, pela via dos direitos autorais. Ora, se cada uma
dessas facetas da forma pode atrair uma espécie de proteção, e se a forma de um mesmo objeto pode
ostentar mais de uma faceta, a priori seria possível, no limite, ter todas as tutelas simultaneamente
incidindo sobre um mesmo objeto.
É comum, por exemplo, que o caráter estético da forma seja protegida pelos desenhos
industriais e pelo direito autoral ao mesmo tempo, ou que sua faceta distintiva seja protegida como
desenho industrial e marca.
Desde que uma forma não se constitua em forma tecnicamente necessária, poderá
ser protegida pela lei de direitos autorais, subordinando-se aos seus próprios
requisitos bem como poderá também ser protegida como modelo industrial, sujeita
ao requisito de caráter industrial. (...) Destine-se ou não a ser multiplicada, uma
nova forma (não tecnicamente necessária) poderá ser protegida pela lei de direitos
de autor, desde que atenda aos seus próprios requisitos, isto é, possua originalidade
e caráter expressivo, o que se traduz em valor artística.
REMEDIO MARQUES, por exemplo, tece uma crítica severa acerca dessa proliferação de
proteções. Segundo o autor, isso exarceba a outorga de direitos de exclusividade em favor do
interesse privado e em detrimento do público. Cria-se, com isso, um espaço em que proliferam
"cercas de arame farpado" e escasseiam os espaços de liberdade, na medida em que todo espaço no
mercado é apropriado.
Marca Desenho
industrial
Proteção
Imediata !
Concessão de Concessão de
registro com análise registro sem análise
Proteção prévia de mérito prévia de mérito
prolongada !
Assim como nas marcas, possibilitou-se que o autor do desenho industrial renovasse o
registro a seu critério, findo o prazo apriorístico. Prevaleceu uma aproximação com a marca,
portanto. A marca, todavia, pode ser renovada sem limite. Assim, segundo o art. 133, o registro da
marca vigora a partir da concessão do registro, por 10 anos, mas pode ser prorrogável
indefinidamente. O registro do desenho industrial, por outro lado, pode ser prorrogado a um prazo
máximo de 25 anos. A vantagem de um prazo indefinido é muito evidente quando pensamos em
formas famosas, que não se tornam obsoletas com o tempo, como a estampa da Louis Vuitton.
Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da
data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.
Art. 108. O registro vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos contados da data do
depósito, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada.
Mas porque é importante obter esse título o quanto antes? Ora, enquanto o titular não se
encontra munido do título, não pode implementar os remédios processuais no sentido de impedir
seus concorrentes de reproduzir o objeto. Concedido o título, o titular pode, diante de uma
reprodução por outrem de sua criação, pedir em juízo a busca e apreensão desses objetos violadores
de sua exclusividade, por exemplo. Para a ação ajuizada o titular tem que juntar o título aos autos –
portanto, sem o título o titular tem apenas uma expectativa de direito.
Como vimos, o art. 97 traz o conceito de originalidade, no âmbito dos desenhos industriais,
aproximando-o do conceito de distintividade:
5 A moda é uma espécie de criação autoral, mas que teria proteção também pelo desenho
industrial pois envolve tecidos, produzidos em escala industrial. A proteção de moda enfrenta o
problema da sazonalidade de forma intensa: muitas coleções de roupas feitas para uma estação
tornam-se obsoletas em poucos meses.
Art. 97. O desenho industrial é considerado original quando dele resulte uma
configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores.
O legislador utilizou então a palavra “distintiva”, de forma idêntica ao que fez nas marcas.
Ele poderia ter falado em singularidade, mas ele utilizou “distintividade” para criar uma ponte
entre a forma ornamental a distintiva. É a possibilidade que se abriu de se caminhar do desenho
industrial para as marcas. Não foi sem querer, foi o intuito mesmo de possibilitar essa ponte!
Essa ponte é aberta também no âmbito das marcas, no art. 124, inciso XXII:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento,
ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;
Ora, se o que se veda é a tutela como marca de forma apropriada por terceiro como desenho
industrial, a contrario sensu se não for por terceiro pode! Em outras palavras, permite-se que o
titular de um direito de exclusividade sobre um desenho industrial titularize também o direito de
marca sobre o mesmo objeto.
Assim, tendo em vista essas aberturas da lei, e tendo em vista as vantagens já analisadas da
cumulação de tutelas, a estratégia mais proveitosa ao titular seria registrar primeiro o desenho e
depois a marca.
O desenho industrial pode ser bidimensional (desenho sobre a superfície) ou até mesmo
tridimensional (a própria forma em si), desde que ornamental. Nesse último caso que entra a
discussão da aplicação cumulativa de tutelas. Assim como as marcas, devem ser visualmente
distintivos.
O acordo TRIPs adota uma expressão ainda mais ampla do que a nossa com relação às
marcas. Para o acordo, a marca consiste em qualquer sinal capaz de distinguir bens de
empreendimento de outros.
Nosso art. 122 determina que podem ser registrados como marcas os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, salvo se incidirem nas vedações legais. Há um extenso rol dessas
vedações previstas no art. 124.
Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente
perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.
Restrições
O art. 124, no inciso XXI, por exemplo, restringe a apropriação como marca às formas que
não sejam necessárias, nem comuns, nem vulgares:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
XXI - a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento,
ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;
Comum ou vulgar, como vimos anteriormente, remonta ao estado da técnica: uma forma
comum é aquela comum a todos, inserida, portanto, no estado da técnica e consequentemente
carecendo de novidade. Forma necessária, por sua vez, é aquela indissociável do efeito técnico,
como assevera Denis Barbosa:
A forma tecnicamente necessária do objeto é aquela que se acha indissoluvelmente
ligada à sua função técnica, de modo que outra forma não possa atender à mesma
finalidade. Assim, o que importa é que a forma não represente utilidade apenas,
mas que tal efeito técnico só possa ser obtido por meio daquela determinada
forma. Nessa hipótese, mesmo que a forma seja dotada de efeito estético, não
poderá ser objeto da tutela do direito de autor, porque esta estaria interferindo no
campo da estética.
Regra da Especialidade
A marca tem que consistir num nome, figura, ou forma nova e distintiva. O critério de
novidade é diferente do desenho industrial e das patentes, pois é via de regra considerado dentro
de uma classe. Há, nesse sentido, determinados nomes utilizados como marcas protegidos numa
classe. Assim, quando do preenchimento do relatório, o titular tem que optar pelas classes na qual
ele pretende proteger seu sinal distintivo, por exemplo, na classe de alimentos, automóveis, etc.
É preciso determinar no requerimento, então, quais seriam as classes na qual ele pretende
tutela, e claro que quanto mais classes, maior a proteção, mas maior a taxa também, porque na vida
nada é de graça. As que ele não apontar não ficam com impedimentos para utilizar aquele nome,
figura ou forma. É por isso que existem marcas, por exemplo, com o mesmo nome (gol marca de
carro e gol transporte aéreo de passageiros, por exemplo).
Essa regra da especialidade é específica das marcas e comporta exceções. Algumas marcas,
por conta da sua notoriedade, gozam de proteção em todas as classes. Isso tem muito a ver com o
público, que associa a marca a determinado produto ou serviço.
TUTELA DAS ESPÉCIES VEGETAIS
O art. 27 do anexo do Acordo TRIPs, ao tratar da matéria patenteável, trata das plantas em
seu parágrafo terceiro, deixando a cargo do legislador interno escolher se vai tutela-las através do
sistema de patentes ou de uma legislação distinta. Como vimos, a tutela das espécies vegetais no
direito brasileiro, por uma opção do nosso legislador pátrio, se dá pela Lei de Proteção às
Cultivares e não pela LPI. Nos EUA, também signatários do Acordo, essa proteção se dá pelas
patentes, opção distinta no atendimento ao parágrafo terceiro.
Art. 27. Matéria Patenteável.
A transposição desse parágrafo ao nosso sistema se deu pela lei das Cultivares: seguimos,
portanto, a via sui generis. Essa lei representou uma inovação no nosso sistema, uma vez que antes
não tínhamos uma lei que tutelasse as espécies vegetais. Consequentemente, ela não revoga
nenhuma norma anterior.
A tutela das espécies vegetais no nosso ordenamento, cabe salientar, incide sobre a forma de
reprodução da planta, e não sobre o indivíduo vegetal. Isso porque o Brasil assinou o penúltimo
tratado internacional sobre a matéria 6, que possibilita aos membros não proteger a planta inteira, só
a forma de propagação. Não assinou, assim, o último tratado, que por sua exige que a proteção se
volte não sé à forma de propagação, mas à espécie inteira.
Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a
cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar,
considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção de
cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas
partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País.
O Brasil tem uma grande abundância de recursos, uma vasta extensão territorial, além de
contar com um clima tropical muito favorável à agricultura. Somos um dos maiores produtores
mundiais de várias espécies vegetais, e estamos caminhando cada vez mais para o status de celeiro
6 O Brasil, assim como outro 71 países, é signatário do UPOV: International Union for the
Protection of New Varieties of Plants, celebrado em Genebra em 1961. O objetivo do UPOV é
garantir e promover um sistema efetivo de proteção às variedades vegetais, através da propriedade
intelectual. Essa proteção faz-se necessária uma vez que a criação de novas variedades vegetais
exige um processo longo e caro, enquanto a reprodução das plantas é muito fácil e rápida. Diante
disso, os criadores precisam de proteção para garantir o retorno ao investimento, o que incentiva a
inovação e beneficia a sociedade como um todo.
do mundo. Assim, temos hoje a necessidade de disponibilizar alimentos não só para a nossa
própria população, mas para diversas outras nações. Nesse contexto, essa lei torna-se muito
importante.
Graças a pesquisas implementadas pela ESALQ, pelo Instituto Agronômico e pela Embrapa,
as fronteiras agrícolas puderam se expandir nos últimos anos até mesmo até a Amazônia,
possibilitando a obtenção de excedentes agrícolas (apesar de impactar de maneira relevante
diferentes biomas). Essa expansão foi possível com a implementação de novas tecnologias no
plantio e na criação de espécies vegetais mais resistentes às adversidades do solo e do clima.
Assim, o cerrado, que antes era tido como um solo improdutivo, pode ser utilizado para a
agricultura.
Isso mostra que hoje, por um imperativo de expansão da agropecuária, técnicos, agrônomos e
biólogos enfrentam a necessidade de obter espécies vegetais com características especiais que
permitam uma maior produtividade. Essas espécies são produzidas através de manipulação
genética, de intervenção humana, e são chamadas cultivares. Diante dessas inovações e da
percepção de sua utilidade para a expansão da agricultura, fez-se mister instituir uma rede jurídica
que, ao garantir o retorno dos investimentos realizados, estimulasse os criadores a introduzir essas
novas características nas espécies vegetais.
Cultivares, portanto, são plantas que foram retiradas da natureza, estudadas em laboratórios,
e, a partir da utilização de determinados processos, induzidas geneticamente a ostentar
determinadas características desejáveis. Essas características tem como escopo aumentar a
produtividade e “qualidade” dos produtos, e englobam por exemplo uma maior quantidade de
açúcar, uma maior resistência a determinadas pragas, a efeitos climáticos, à acidez do solo, etc. A
espécie vegetal, portanto, sofre alterações induzidas na direção de determinadas características que
são procuradas, mas que não são encontradas dessa forma na natureza.
Requisitos
A técnica legislativa não aponta para a metodologia de definição dos institutos. De fato,
geralmente as definições ficam a cargo da doutrina e da jurisprudência. Não obstante, encontramos
por vezes nas leis especiais e até em tratados anexos que trazem verdadeiros glossários
terminológicos. explicitando o significado dos termos usados no documento. É o caso da lei das
cultivares, que em seu art. 3o traz uma série de definições. O inciso IV traz a definição de cultivar:
Art. 3º Considera-se, para os efeitos desta Lei:
IV - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja
claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de
descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto
aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso
pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e
acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;
Homogenea Estável
Distinguível Nova
C ULTIVAR
Direito de Proteção
A seção III do capítulo I da lei ora tratada aborda os direitos de proteção concedidos pelo
Estado às cultivares. De acordo com o art. 8 o, a proteção da cultivar recai unicamente sobre a forma
de propagação, e não sobre a planta inteira:
Art. 8º A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de
multiplicação vegetativa da planta inteira.
Como vimos, isso é possível uma vez que estamos vinculados à penúltima versão do Tratado
Internacioanl de Proteção às Especies Vegetais, e não à última.
A seguir, no art. 9o, o legislador define no que implica a proteção a uma cultivar:
Portanto, a essência do direito é impedir terceiros de reproduzir o objeto, assim como nos
outros âmbitos da Propriedade Intelectual (esse artigo dialoga com o art. 42 da LPI). O art. 10 da
Lei das Cultivares equivale ao art. 43 da LPI, que afasta a incidência da regra geral:
Art. 10. Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que: I -
reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em
estabelecimento de terceiros cuja posse detenha;
II - usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu
plantio, exceto para fins reprodutivos;
III - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na
pesquisa científica;
Segundo o inciso II, quem usa ou vende como alimento ou matéria prima não incide na
violação do direito de exclusividade do titular. Por exemplo, um indivíduo adquire uma semente
transgênica da Monsanto, planta, obtém uma safra da espécie vegetal, colhe e vende a planta: não
há nenhum óbice a isso. Ele pode, também, vender e utilizar, do ponto de vista agroindustrial, para
obter por exemplo biocombustíveis. O que ele não pode é utilizar a planta para fins reprodutivos,
isto é, ele não pode extrair a semente da espécie plantada e utilizar pra planta-la de novo.
Na prática, isso geralmente nem é possível, pois essas sementes transgênicas quase sempre
são manipuladas de forma a fazer com que as plantas que da semente surgem produzam sementes
estéreis, justamente para que o plantador tenha que comprar de novo do fornecedor na próxima
safra. E mais, essas empresas geralmente fazem sementes que exigem a utilização de produtos,
agrotóxicos e pesticidas específicos na lavoura, fabricados pela própria empresa.
De acordo com o inciso III, os técnicos, durante o prazo de vigência da patente, podem
utilizar as plantas já em pesquisas tecnológicas. Se isso não fosse permitido, as empresas teriam
que gastar um tempo adicional após a expiração da patente para capacitar seus técnicos a produzir o
produto. Isso seria em desfavor do interesse público, que volta-se ao acesso aos alimentos.
interesse privado do titular da cultivar x interesse público do acesso ao alimento.
Interesse Público
Acesso aos Interesse Privado do
Alimentos Titular
Exclusividade
O legislador então concede, seguramente por conta de pressões no Congresso Nacional pelos
produtores de cana, um afastamento as exceções do art. 10 no caso da cana. Dessa forma, por
exemplo, pesquisa científica sobre uma espécie de cana protegida pela Lei das Cultivares é
proibida! A cana virou a exceção da exceção.
O prazo de proteção das espécies vegetais, de acordo com o art. 11, começa a ser contado
desde a concessão do certificado de proteção, e vigora por 15 anos (exceto no caso das videiras,
que têm prazo de 18 anos).
Certificado de Proteção
O certificado de proteção, que consiste num relatório no qual se descreve a espécie vegetal,
não é protegido no INPI: há um órgão no Ministério da Agricultura que protege, o SNPC (Serviço
Nacional de Proteção das Cultivares).
Esse pedido tem que cumprir determinadas formalidades, previstas nos arts. 13 e 14 da Lei
das Cultivares. Primeiramente, tem que conter um relatório descritivo. Conterá também a própria
espécie botânica, o nome da cultivar, a origem genética, etc. Deve-se depositar uma amostra em
algum órgão acreditado.
Acerca dos requisitos materiais, vimos que a cultivar deve ser distinguível, homogênea
estável e nova. O exame de mérito do pedido, relativo a esses requisitos, é realizado por um técnico
da administração federal.
Licença Compulsória
Art. 28. A cultivar protegida nos termos desta Lei poderá ser objeto de licença
compulsória, que assegurará:
O art. 28 trata da licença compulsória no âmbito das cultivares. É, destarte, análogo ao art. 68
da LPI. Porém, traz em relação a essa um diferencial: a questão dos preços razoáveis. O legislador
bem que poderia ter avançado e previsto na LPI também que a disponibilidade da invenções seria a
preços razoáveis... mas ele optou por não ser tão intenso. Essa questão do preço é lida dentro do
quadro da disponibilidade e fornecimento regular, e busca impedir certas manobras injustificadas,
como as especulativas, que impediriam essa disponibilidade do produto.
Existem dois problemas em relação à aplicação do direito industrial no que diz respeito ao
patrimônio genético (biodiversidade) e ao conhecimento tradicional: o acesso (se é possível que as
empresas coletem estes materiais para a produção de suas invenções) e a patenteabilidade (se as
invenções geradas desta forma serão ou não patenteáveis). Quando o acesso é ilícito, isso pode
contaminar a patente. São inúmeros os casos de apropriação de patrimônio genético e conhecimento
tradicional que geram patentes (ex.: caso indiano). O TRIPS trata apenas da patenteabilidade: ele
diz que não é cabível a patenteabilidade sobre seres vivos. A ECO 92 procurou tratar do acesso ao
patrimônio genético.
Em termos de política pública, não seria eficiente vedar completamente o acesso a estes
materiais (pois isso estimularia a biopirataria); o mais eficiente seria uma fiscalização rígida. Negar
totalmente o acesso também diminuiria as possibilidades de divulgação do conhecimento a toda a
humanidade. Desta forma, cabe o acesso; o problema é de que maneira este acesso deverá ocorrer.
A Convenção sobre Diversidade Biológica impõe a necessidade de repartição dos benefícios
(gerados com a exploração do material biológico) e reconhece a autonomia dos países para
regulamentar o acesso a seus materiais biológicos.
A MP estabelece também que a comunidade local tem todo o direito de consentir o acesso ao
patrimônio: o problema principal seria de que forma este consentimento aconteceria (quem
responde pela comunidade, quem pode autorizar, até pode ir esta autorização, etc.). Mais
importante: a MP diz que seu texto não prejudicará, de forma alguma, direitos de PI. Portanto, de
acordo com a lei brasileira, cabe o acesso e o uso do patrimônio genético, desde que haja
autorização do órgão gestor e repartição de benefício; da mesma forma, cabe patenteamento da
invenção ou do processo obtido a partir de uma intervenção humana criativa naquela amostra de
patrimônio genético.
Vale lembrar que esta medida provisória, apesar de não ter sido prorrogada de acordo com o
processo legal exigido, ainda está em vigor porque foi editada antes da EC 32 (que institui este
processo e considera todas as medidas provisórias anteriores ainda válidas). Existe atualmente um
projeto de lei sobre a questão, que visa substituir a medida provisória (Projeto de Lei n. 7.735/14).