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Carlos Manuel Serra

LIÇÕES DE DIREITO DO
AMBIENTE
VOLUME 1 (Capítulos I a IV)

Maputo, 2020

1
Dedicatória

Ao Fernando Cunha, amigo, conselheiro e companheiro de muitas jornadas


na divulgação do quadro legal sobre o ambiente

2
NOTAS DE AUTOR

Durante aproximadamente quinze anos recomendámos aos alunos o Manual de Direito do Ambiente,
redigido em co-autoria com o Dr. Fernando Cunha, e conheceu duas edições, no contexto do mandato
para a área de formação do judiciário do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Este constituiu
uma espécie de exercício piloto, tendo presente um quadro legal novo e uma realidade ambiental cada
vez mais problemática e carente de intervenção a todos os níveis e em todas as áreas, inclusive a
jurídica.
Porém, com o andar dos anos, fomos sentindo a necessidade de repensar o quadro doutrinal
em função do surgimento ou agravamento de problemas no plano ambiental, como por exemplo, a
poluição plástica, as mudanças climáticas e fenómenos climáticos extremos, os impactos da indústria
extractiva, os danos causados às florestas, à fauna bravia e aos ecossistemas sensíveis, todos
merecedores de uma atenção e estudo aprofundados.
Faz este ano, 2020, precisamente duas décadas de trabalho no domínio do Direito do
Ambiente. Começamos poucos meses depois da ocorrência do ciclone Eline e das devastadoras cheias
associadas. Utilizámos esta triste catástrofe como exemplo susceptível de fornecer todo um conjunto
de ilações, incluindo a necessidade de corrigir diversos erros na ocupação do espaço territorial e na
exploração dos diversos recursos naturais. O ano de 2019 foi tremendo para a Moçambique, na
sequência da passagem de dois ciclones numa única época, designadamente o Idai e o Kenneth,
causando danos colossais nas regiões centro e norte, respectivamente. Tais fenómenos enquadram-se
no contexto do aquecimento global e das mudanças climáticas, sendo agravados pela pressão local dos
ecossistemas sensíveis, desordenamento territorial, sobre-exploração dos recursos naturais, entre
outros factores.
A problemática ambiental foi tornando-se cada vez mais séria não apenas a nível global, como
nacional e local, incluindo relações de interdependência de natureza extraordinariamente complexas.
Tal facto coloca importantes desafios ao Direito internacional, bem como aos direitos estaduais,
incluindo o moçambicano.
Por conseguinte, verificámos que seria de todo importante desenhar um novo projecto
editorial, que considerasse diversos níveis de intervenção, incluindo uma mais macro e generalista, que
abordasse a problemática ambiental, o enquadramento internacional e constitucional, os princípios
fundamentais, o quadro institucional, o principal quadro legal sobre ambiente, os instrumentos de
prevenção ambiental, a legislação de resiliência às mudanças climáticas e o acesso à justiça e os regimes
das responsabilidades.

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Numa fase ulterior, o projecto poderá desenvolver-se no sentido de desenvolver os quadros
jurídico-ambientais específicos dos diversos sectores de actividade, como oportunidade de conhecer e
analisar princípios e normas jurídico-ambientais que constam na referida legislação. Nova legislação
tem vindo a ser aprovada nos maís diversos sectores, com interesse e relevância para a tutela do bem
jurídico ambiental.
Tomámos assim a decisão de criar um novo projecto editorial, denominado “Lições de Direito
do Ambiente”, estruturado em volumes temáticos, e disponíveis ao público de forma gradual, do geral
para o especial, e que possam ser acedidos e utilizados de forma autónoma, segundo o interesse do
leitor.
Ao longo do presente projecto, procuraremos não apenas contribuir para o melhor
conhecimento do Direito do Ambiente moçambicano, como igualmente chamar a atenção para a
enorme importância da respectiva eficácia, destacando os mecanismos de exercício de direitos, bem
como de acesso à justiça na sequência de uma ameaça ou agressão efectiva ao bem jurídico ambiente.
A cidadania ambiental constitui actualmente um grande desafio para o País, o que passa
necessariamente por fortalecer as abordagens informativa e educativa, por um lado, e coerciva, por
outro lado. Para sermos mais cidadãos ambientais, temos de nos reposicionar na sociedade não apenas
como titulares de direitos (com destaque para o direito ao ambiente equilibrado, constitucional e legal
consagrado), como principalmente assumirmos a dianteira da materialização de deveres, incluindo o
de não fazer (não poluir, não degradar, não agredir o ambiente), o de não deixar fazer (intervindo na
fiscalização activa, na denúncia e canalização de denúncias às instituições de tutela, ou exercendo a
acção directa nos termos da lei) e principalmente o de fazer (através de um rol de acções positivas em
prol do equilíbrio e qualidade ambiental, da recuperação de ecossistemas degradados, da intervenção
na limpeza de espaços públicos, da criação de novos espaços verdes).

Maputo, 15 de Março de 2020.

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CAPÍTULO I: PRINCIPAIS PROBLEMAS E DESAFIOS AMBIENTAIS QUE AFECTAM O PLANETA E A
HUMANIDADE

1.1. Os seres humanos e o ambiente

Os primeiros homens exerceram sobre a Natureza um impacto relativamente moderado, que não
punha em causa, em termos que fossem considerados significativos, o equilíbrio ecológico1. Enquanto
caçadores e recolectores, concorriam com as demais espécies e retiravam da Natureza o
absolutamente necessário à sobrevivência da sua espécie2. Por outro lado, há inclusivamente registo,
em diversos povos da Antiguidade, de uma cultura de divinização da Natureza e dos seus diversos
componentes, o que, de certo modo, contribuía para a sua conservação.
O seu impacto era limitado em função das artes e técnicas de caça e de pesca, bem como de
corte de recursos florestais e de controlo do fogo. Houve danos certamente, mas não ao ponto de
ameaçar o clima do Planeta ou a existência das demais espécies. Em certa medida, pode-se falar na
existência de uma relação de equilíbrio relativo entre os seres humanos e respectivo meio3.
Elisabeth Kolbert, em contrapartida, citando as mais recentes descobertas científicas sobre o
impacto dos seres humanos ao longo da história, pondo em causa a visão romântica do Homem
caçador-recolector, sustenta a tese da ocorrência de uma Sexta Extinção dos seres vivos, da autoria dos
seres humanos, que acompanhou as migrações e assentamentos pelos diversos continentes, sendo
responsável pelo desaparecimento de grande parte da mega-fauna há muitos milhares de anos4.
No entanto, um acontecimento marca determinantemente o início do impacto humano à
escala planetária – referimo-nos à ocorrência da Revolução Agrícola, que ocorreu entre os 10 e os 12
mil anos atrás, com epicentro no Médio Oriente, na região composta pela bacia dos rios Tigres e
Eufrates. Esta Revolução permitiu o aprovisionamento de alimentos, a geração dos primeiros lucros e,
note-se, o surgimento dos primeiros assentamentos humanos, na sequência do abandono da vida
nómada por via da sedentarização. Assim, nos deltas de alguns dos principais vales do Mundo, há cerca
de 5 400 anos atrás, na sequência do armazenamento de grandes excedentes de alimentos, surgiram
as primeiras Cidades-Estado, e, com elas, os impérios da Antiguidade – foi o caso dos vales do Rio Nilo

1 Sobre o impacto do Ser Humano na biodiversidade do Planeta ao longo da sua evolução, recomenda-se ROSA, Humberto
(2000), “Conservação da Biodiversidade: Significado, Valorização e Implicações Éticas”, Revista Jurídica do Urbanismo e do
Ambiente, n.º 14, IDUAL, Coimbra, Almedina, pp. 9 – 34.
2 HARTMANN, Thom (2002), As Últimas Horas da Antiga Luz do Sol, Colecção Outro Olhar, Cascais, Sinais do Tempo.
3 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), Manual de Direito do Ambiente, Maputo, Centro de Formação Jurídica e

Judiciária.
4 KOLBERT, Elisabeth (2015), A Sexta Extinção, Amadora, Vogais.

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(Egipto), do rio Amarelo (China), do rio Indo (Índia), dos rios Tigres e Eufrates (Médio Oriente), bem
também no México, nos Andes e no Havai5.
Citamos assim Thom Hartmann, cujas palavras elucidam de forma bastante expressiva o
corte entre seres humanos e a Natureza: o armazenamento de comida “criou a primeira separação
entre os humanos e o mundo natural. A acompanhar isto, surgiu o que se revelou uma arrogância
destrutiva e a convicção de que a Natureza podia ser dominada, levando eventualmente à ideia de que
outras pessoas podiam ser subjugadas ou exterminadas”6.
Viriato Soromenho Marques diz-nos, a este respeito, que “a actividade humana, desde os
primórdios da história conhecida, implica uma alteração directa da biosfera. Ao procurar adaptar o
meio às suas necessidades a humanidade alterou a paisagem física e modificou os equilíbrios dos reinos
vegetal e animal. As grandes mutações climáticas que conduzem à esterilidade de regiões onde
anteriormente floresceram culturas brilhantes, desde o Norte de África ao Egipto, sem esquecer as
terras banhadas pelo Tigre e o Eufrates, não podem ser compreendidas sem o equacionar da acção
destrutiva da praxis social”7. De facto, a ciência tem permitido hoje reconstruir a história subjacente à
queda de vários impérios da Antiguidade, na sequência de graves impactos ambientais cometidos
localmente e que degeneraram em catástrofes ecológicas, nomeadamente o Sumério, o Grego, o
Romano e o Inca8.
Uma característica comum na origem de tais catástrofes ecológicas consiste na associação
entre assentamentos humanos, necessidades energéticas e alimentares, desmatamento no redor das
cidades, a queda dos índices de precipitação, o empobrecimento dos solos e a morte das culturas
alimentares. A luta pelos parcos recursos e terras aráveis está na génese das guerras que se seguiram
e, consequentemente, na queda dos impérios.
Ainda assim, o impacto causado durante o período de influência da Revolução Agrícola pode
ser considerado diminuto, bem como a uma escala fundamentalmente local, não obstante os avanços
que se foram registando no domínio da ciência e da técnica, com especial destaque para o campo da
navegação, que fez chegar o homem europeu aos mais recônditos destinos, gerando novos
assentamentos e uma escalada de impactos locais, à medida que a exploração dos diversos recursos
naturais se ia intensificando.
Mas foi principalmente com o decurso da Revolução Industrial (a partir do Século XVII) que
se assistiu a um salto gigantesco na transformação do Planeta, com o advento da ciência e da tecnologia
e a entrada em cena da máquina (que teve a máquina a vapor como ícone), capaz de realizar o trabalho

5 GORE, AL (2013), O Futuro – Seis forças que irão mudar o mundo, Coimbra, Conjuntura Actual Editora, pp. 175 – 176.
6 HARTMANN, Thom, (2002) ob. cit., pp. 227 – 228.
7 MARQUES, Viriato Soromenho (1994), Regressar à Terra – Consciência Ecológica e Política de Ambiente, Lisboa, Fim de

Século, p. 17.
8 HARTMANN, Thom (2002), ob. cit., pp. 131 – 135.

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de dezenas, centenas e mais tarde milhares de homens9. Conforme sublinhámos em outro momento:
“munindo-se sempre de novas técnicas e meios, julgando erroneamente dominar a Natureza, o Homem
desencadeou uma devastação cega dos diversos recursos naturais, a um ritmo simplesmente
assustador. A sede de lucro fácil e imediato levou ao cometimento de excessos dificilmente sanáveis, o
que se materializou num quadro a todos os níveis insustentável, e porventura catastrófico 10”
Nesse sentido, Maria Aragão mostra-nos como a passagem de uma economia de subsistência
para uma economia de mercado, associada ao avanço nos planos científico e técnico após a Revolução
Industrial, significaram um enorme salto qualitativo na capacidade humana de controlar e explorar
economicamente os diversos recursos naturais, colocando a Natureza como alvo cada vez mais
vulnerável em face da acção devastadora do Homem11.
O pensamento liberal e o advento da iniciativa privada encontram-se igualmente na génese
da crença do crescimento ilimitado e da existência inesgotável de recursos naturais capazes de
satisfazer o apetite humano12. Quando um recurso se esgota num determinado local, procura-se e
explora-se mais longe ou então encontra-se um substituto à altura. As externalidades ambientais e
sociais negativas não foram consideradas relevantes durante muito tempo, permanecendo
praticamente à margem do pensamento económico dominante e criando uma falsa imagem de
prosperidade eterna.
Donella H. Meadows et all publicaram, em 1972, uma obra com o título “Limites do
Crescimento”, cujas teses elaboradas com recurso a um programa desenvolvido por um computador
(World3), colocam em causa o postulado do crescimento ilimitado, tendo presente as projecções de
crescimento da população mundial e as reservas de recursos naturais13.
Leonardo Boff, por seu turno, diz-nos: “O modelo de sociedade e o sentido de vida que os seres
humanos projectaram para si, pelo menos nos últimos 400 anos, estão em crise. E o modelo em termos
de logica do quotidiano era e continua sendo: o importante é acumular grande numero de meio de
vida, de riqueza material, de bens e serviços a fim de poder desfrutar a curta passagem por este
Planeta”14. E mais, “na atitude de estar sobre as coisas e sobre tudo, parece residir o mecanismo
fundamental de nossa actual crise civilizacional. Qual a suprema ironia actual? A vontade de tudo
dominar está fazendo dominados e assujeitados aos imperativos de uma Terra degradada. A utopia de
melhorar a condição humana piorou a qualidade de vida. O sonho de crescimento ilimitado produziu o

9 SERRA, Carlos Manuel (2012), Da Problemática Ambiental à Mudança Rumo a um Mundo Melhor, Maputo, Escolar Editora,
p. 22.
10 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p (...).
11 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa Aragão (1997), “O Princípio do Poluidor Pagador”, Studia Ivridica, Coimbra, Universidade

de Coimbra, Coimbra Editora, pp. 18 - 19.


12 Veja-se BOFF, Leonardo (1996), Ecologia – O Grito da Terra, Grito dos Pobres, 2.ª Edição, Editora Ática, São Paulo.
13 MEADOWS, Donela H./MEADOWS, Dennis L./RANDERS, Jorgen, RANDERS, Jorgen, BEHRENS III (1972), The Limits to Growth,

Potomac Associates - Universe Books.


14 BOFF, Leonardo (1996), ob. cit., p. 16.

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subdesenvolvimento de 2/3 da humanidade, a volúpia de utilização optimal dos recursos da Terra levou
à exaustão dos sistemas vitais e à desintegração do equilíbrio ambiental”15.
Erique Leff, conceituado economista Mexicano, com ampla experiencia de trabalho opara o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, na sua obra “Saber Ambiental”, inicia o
seu raciocínio com as seguintes palavras: “A degradação ambiental, o risco d colapso ecológico e avanço
da desigualdade e da pobreza são sinais eloquentes da crise do mundo globalizado. A sustentabilidade
é o significado de uma falha fundamental na história da humanidade; crise de civilização que alcança o
seu momento culminante na modernidade, mas cujas origens remetem à concepcão do mundo que
serve de base à civilização ocidental”16.
Como afirmámos no passado, “agindo de semelhante modo, o Homem assumiu uma filosofia
egoísta de ser e de viver. Pensou no hoje, no imediato, no momentâneo; ignorou o amanhã, o mediato,
o eterno. Subestimou a capacidade de regeneração dos recursos contidos na Natureza, tendo-os
explorado até à exaustão. Marginalizou a capacidade de as gerações vindouras satisfazer as suas
próprias necessidades”17.
Ainda em torno da ideia de crescimento, Al Gore afirma que o principal método de medir o
crescimento económico ser o produto interno bruto (PIB), que se baseia, segundo este autor, “em
cálculos absurdos que excluem completamente qualquer consideração da distribuição dos
rendimentos, do esgotamento inexorável de recursos essenciais e da libertação insensata de enormes
quantidades de desperdícios nocivos para a atmosfera, oceanos, rios, solo e biosfera”18.
Que futuro nos espera, eis a questão de fundo? O cientista britânico James Lovelock dedicou
grande parte da sua vida a desenvolver a teoria de Gaia (também conhecida como Hipótese de Gaia,
em homenagem à deusa Gaia, divindade que representava a Terra na mitologia grega), a qual defende
que o planeta Terra é um ser vivo, interligado (e não separado nos seus componentes, biosfera,
atmosfera, litosfera e hidrosfera), com capacidade de autossustentação, incluindo, caso venha a ser
necessário para garantir a sua sobrevivência, de repelir uma eventual praga humana19. Para Loverlock,
a responsabilidade humana pelo actual estado do Planeta encontra-se expressa no seguinte trecho de
uma obra publicada aos seus 86 anos: “Gaia, Terra viva, está velha e já não tao forte como era há dois
mil milhões de anos. Luta para manter a Terra suficientemente fria para a sua miríade de formas de
vida, contra o aumento inelutável do calor do sol. Mas, para juntar às suas dificuldades, uma dessas

15 Idem, p. 25.
16 LEFF, Enrique (2001), Saber Ambiental – Sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder, Editora Vozes, Petrópolis,
p. 9.
17 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).
18 GORE, AL (2013), ob. cit., p. 192.
19 LOVELOCK, James (2007), A Vingança de Gaia, Ciência Aberta, Gradiva, Lisboa; LOVELOCK, James (1996), Gaia – A Prática

Cientifica da Medicina Planetar, Instituto Piaget, Lisboa; LOVELOCK, James (1989), As Eras de Gaia – Uma Biografia da Nossa
Terra Viva, Fórum da Ciência, Publicações Europa-América, Lisboa.

9
formas de vida, os humanos, animais tribais conflituosos com sonhos de conquista até de outros
planetas, tentaram mandar na terra só para benefício próprio. Com uma insolência de tirar o folego,
apossaram-se dos reservatórios de carbono que Gaia enterrou para manter o oxigénio a um nível
correcto, e queimaram-nos. Ao fazê-lo usurparam a autoridade de Gaia e contrariaram a sua obrigação
de manter o planeta apto para a vida; pensaram apenas no seu próprio conforto e conveniência” 20.
Repensar por completo a nossa intervenção no Planeta constitui actualmente prioridade
máxima, sob pena de amanhã poder ser tarde demais. Torna-se urgente assumir uma nova ordem de
princípios e valores, dirigidos a reger as nossas relações com cada um dos componentes ambientais, a
biodiversidade e os ecossistemas, o Planeta no seu todo. Mais do que nunca urge aprofundar o papel
da ecologia no resgate do equilíbrio, do respeito e da solidariedade por um Mundo sem o qual jamais
sobreviremos como espécie21.
Nesse sentido, Peter Russell, autor britânico com um leque de estudos sobre consciência,
espiritualidade, ambiente e o futuro da humanidade, proferiu palavras sábias, no remoto ano de 1982,
as quais permanecem tremendamente actuais: “a luta mais importante neste momento crucial da
nossa evolução não é a luta contra a fome, nem a luta contra a inflação, a luta contra a poluição, a luta
contra a desertificação ou a luta contra os governos corruptos. Tidas essas lutas são muito necessárias
e não devem ser relaxadas. Entretanto, não serão vencidas enquanto não houvermos vencido também
a luta que grassa dentro de nós mesmos: o embate entre o modo egoístico de pensar, que está a raiz
de todos esses problemas, e o conhecimento ou certeza interior de que a vida é mais do que os sentidos
são capazes de apreender. (…) se quisermos sobreviver até o próximo milénio, é essencial que
encontremos meios de libertar a mente humana do domínio destrutivo do seu egoísmo e
egocentrismo”22.
Tal mudança passa por aprender a conhecer cada um dos principais problemas ambientais, em
termos de causas, características e efeitos, com vista à respectiva solução. Passamos a apresentar os
principais problemas ambientais que assolam a Terra, com especial destaque para o continente
Africano.

1.2. Aquecimento global, mudanças climáticas e o desafio de adaptação

O aquecimento global e as mudanças climáticas constituem hoje o maior desafio enfrentado pela
humanidade, afectando especialmente o continente africano.

20 LOVELOCK, James (2007), ob. cit., p. 205.


21 Sobre a ecologia, ver BOFF, Leonardo, (1996), ob. cit., pp. 15 – 59; mas também FERRY, Luc (1993), A Nova Ordem Ecológica,
Edições ASA, Porto.

22 RUSSELL, Peter (1991), O Despertar da Terra – O Cérebro Global, Cultriz, São Paulo, pp. 289 – 290.

10
O aquecimento global traduz-se no aumento da temperatura média da superfície terrestre
na sequência da escalada de emissões de determinados gases que provocam um efeito estufa, isto é,
num aumento do calor solar e, consequentemente, na geração de um conjunto de impactos
significativos no Planeta. Se ao longo de grande parte do Século XX, este problema permaneceu
praticamente ignorado, apesar dos dados registados a partir do momento em que se começaram a
realizar, de forma rigorosa e metódica, medições da temperatura (1850) revelarem a tendência de
subida do nível médio da temperatura terrestre, com o aproximar do final do Século a temática foi
conquistando atenção por parte da comunidade internacional, muito em parte devido ao trabalho
produzido no campo científico, principalmente na demonstração da causa – efeito que caracteriza o
fenómeno.
Importa ter presente que a vida na Terra existe por acção da energia solar, dado que uma parte
da radiação infravermelha emitida pelo Sol é retida pela atmosfera, precisamente por acção dos gases
com efeito estufa, mantendo as temperaturas globalmente amenas. Se a atmosfera não sofresse o
efeito de nenhum gás com efeito estufa, teríamos na terra uma temperatura média de -18.°C23. Assim
sendo, os aquecimentos e arrefecimentos ao longo da história do Planeta estão associados à maior ou
menor libertação de dióxido de carbono e de outros gases com efeito estufa, determinando o estado
do clima e as condições para o desenvolvimento de todas as formas de vida 24. Do leque de gases com
efeito estufa, o carbono merece o destaque, por se tratar o quarto elemento mais abundante do
Planeta, depois do Hidrogénio (H), do Hélio (He) e do Oxigénio (O). Ele encontra-se presente na
atmosfera, na crosta terrestre e nos oceanos (de longe os maiores depositários de carbono), bem como
em todas as formas de matéria, inorgânica, armazenado nas rochas, e orgânica, enquanto elemento
fundamental que compõe as moléculas orgânicas25.
Com o propósito de compreender a importância deste elemento, há que aludir ao chamado
ciclo do carbono e sua relação com o fenómeno do aquecimento global. Nesse sentido, as plantas têm
um papel vital porque, através da fotossíntese, absorvem o calor solar e dióxido de carbono presente
na atmosfera, produzindo oxigénio e hidratos de carbono, e das plantas, o carbono passa para os solos,
para a água e para os demais seres vivos26. O dióxido de carbono é devolvido à atmosfera através de
dois processos naturais: a decomposição orgânica de seres vivos (processo de respiração sob
responsabilidade das bactérias e fungos) e a respiração (no decurso do qual o carbono presente crosta
terrestre é devolvido à atmosfera, pelas plantas, pelos animais e pelos fungos). O carbono que é

23 LYNAS, Mark (2009), Seis Graus – o aquecimento global e o que você pode fazer para evitar uma catástrofe, Rio de Janeiro,
Zahar, p. 15.
24 SERRA, Carlos Manuel (2012), Da Problemática Ambiental à Mudança Rumo a um Mundo Melhor, Maputo, Escolar Editora,

p. (...).
25 Idem, p. (...).
26 Ibidem, p. (...).

11
liberado para a atmosfera através da decomposição/respiração regressa posteriormente à terra por via
da absorção/aspiração e assim sucessivamente, em ciclo fundamental ao equilíbrio climático27.
Para além do dióxido de carbono, resultante da queima de combustíveis fósseis (carvão
mineral, petróleo e gás natural) e da destruição da cobertura florestal da Terra (responsável pela
absorção de dióxido de carbono, bem como pela emissão de oxigénio essencial à vida), seguem-se, em
ordem de impacto, o gás metano (CH4), resultante das lixeiras a céu aberto e dos arrozais, o óxido
nitroso (N20), os perfluorcarbonetos (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF6), fundamentalmente
emitidos pelo sector industrial; e os clorofluorcarbonetos (CFC), outrora aplicados nos aerossóis e em
gases de refrigeração28.
Porém, a humanidade intensificou a níveis jamais vistos a sua capacidade de emitir tais gases,
formando uma espécie de cortina cada vez mais espessa e, consequentemente, mais capaz de reter a
radiação infravermelha na superfície terrestre, fazendo com que a temperatura média da atmosfera e
dos oceanos esteja a aumentar ininterruptamente29.
Hoje, sob a égide do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC)30, já
existe já um forte e generalizado consenso ao nível da comunidade científica sobre a relação entre o
aumento dos gases acima referidos e o aquecimento global como realidade comprovada. Note-se que
contra este consenso, uma forte resistência foi desencadeada por uma ala política mais conservadora
nos Estados Unidos de América, bem como por parte das multinacionais do sector energético e
industrial, no contexto do qual diversos estudos foram mesmo encomendados para desacreditar os
dados que relacionam as emissões provenientes das mais diversas actividades económicas e a escada
de temperaturas e impactos globais e locais subsequentes. Um eventual acordo climático que obrigue
à redução de emissões poderá, no entender de tal bloco comprometer o tão almejado crescimento
económico, por via da quebra drástica do lucro das empresas, e, consequentemente, o bem-estar
colectivo.
Ano após ano, nas últimas três décadas, registam-se recordes sucessivos do aumento da
temperatura média da superfície terrestre. O ano de 2016 é até ao presente momento considerado o
ano mais quente de sempre, desde que iniciaram as medições, segundo o Relatório Anual do Estado do

27 Ibidem, p. (...)
28 Dados retirados de um artigo intitulado Efeito de Estufa – A Armadilha Humana, publicado na revista “Visão”, de 24 de Maio
de 2001.
29 GORE, Al (2006), Uma Verdade Inconveniente – A emergência planetária do aquecimento global e o que podemos fazer em

relação a isso, 2.ª Edição, Lisboa, Esfera do Caos, pp. 26 – 27.


30 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica

Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para fornecer informações científicas, técnicas e
socioeconómicas relevantes para o entendimento das mudanças climáticas. Seus impactos potenciais e opções de adaptação
e mitigação. In. http://pt.wikipedia.org/wiki/Painel_Intergovernamental_sobre_Mudan%C3%A7as_Clim%C3%A1ticas.
Acedido em 29 de Janeiro de 2015.

12
Clima, da Sociedade Americana de Meteorologia31. De facto, todos os dez anos mais quentes desde
1980 são anos do século XXI32.
Em resultado, o clima no Mundo está em autêntica ebulição. Temos vindo a assistir a um
aumento das catástrofes naturais e os chamados fenómenos climáticos extremos, ou seja, fenómenos
climáticos incomuns, severos ou impróprios da estação (como períodos de calor abnormal no Inverno
e temperaturas muito baixas no Verão). Basicamente, estamos diante de uma reacção às cada vez mais
destruidoras e nocivas acções humanas, espelhada na proliferação e agravamento de catástrofes
naturais e danos correspectivos nas pessoas e no património (privado e público). Tufões, ciclones,
furacões, terramotos, maremotos, inundações, desabamentos de terras, incêndios florestais e secas
prolongadas fazem parte das manchetes dos órgãos de comunicação social em todo o mundo.
No caso dos países africanos, em particular, o problema não é tanto ocasionado por
tempestades súbitas, seguidas de inundações, tal como acontece nos continentes Asiático e Americano,
mas sim, fundamentalmente, com fenómenos que se manifestam bem mais lentamente, ocasionando
danos muitas vezes negligenciados nos levantamentos de desastres naturais – estamo-nos a referir
especialmente à estiagem e consequentemente desertificação. Vários países africanos estão a
ressentir-se de um longo período de redução ou limitação de precipitação, ocasionando consequências
dramáticas para as suas economias e populações. Há causas imediatas, como por exemplo, o recurso a
políticas erradas de ordenamento do território e uso dos solos, o desflorestamento, a pastagem
excessiva e o uso intensivo das reservas de águas para fins de irrigação33. Mas há também que atender
às mudanças climáticas resultantes do aquecimento global, que há muito se estão a registar, muito
antes de se falar em semelhante conceito, o que, de algum modo, nos iludiu para a realidade e
gravidade do fenómeno.
O principal marco no campo do Direito Internacional foi a aprovação, sob égide da Organização
das Nações Unidas, da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, na célebre
Conferência do Rio de Janeiro, em 1992, visando precisamente regular a emissão de gases com efeito
estufa. Contudo, conforme veremos em sede própria, esta Convenção depende, para a sua cabal
efectivação, de instrumentos regulatórios que traduzam o forte compromisso dos Estados em adoptar
medidas dirigidas a reduzir e/ou estabilizar as emissões, e consequentemente, a travar drasticamente
a tendência de aquecimento da superfície terrestre.

1.3. Degelo e o aumento do nível das águas do mar

31 https://www.publico.pt/2017/08/11/mundo/noticia/confirmase-2016-foi-o-ano-mais-quente-de-sempre-1782043,
acedido a 16 de Janeiro de 2019.
32 In. http://www.publico.pt/ciencia/noticia/2013-foi-o-quarto-ano-mais-quente-desde-1880-diz-agencia-dos-eua-1620606
33 ABRAMOVITZ, Janet N. (2001), Evitando Desastres Naturais, In. Estado do Mundo 2001, UMA (Universidade Livre da Mata

Atlântica) /WORDWATCH, p. 138, Disponível em Www.wordwatch.org.br

13
Em consequência do aquecimento global, o gelo presente nos glaciares e nas calotas polares e em
diversas formações montanhosas em vários pontos do Planeta encontra-se, há várias décadas, em
processo de derretimento, desembocando nos oceanos e mares. Em consequência, o nível da água dos
mares tem vindo a elevar-se, dia após dia, intensificando o fenómeno da erosão costeira, com a
inevitável perda de largas porções de terra localizada nas zonas baixas, pondo em causa não apenas
habitações e infraestruturas construídas ao longo da costa, mas também vastas áreas agrícolas
localizadas nos deltas e leitos dos rios34.
Em resultado, assiste-se a um fenómeno de migração das populações para as terras mais altas
ou mais seguras, por um lado, e à perda de terra fértil, pondo em causa a segurança alimentar de
centenas de milhares de habitantes, especialmente nos países mais pobres 35. Este problema é
acentuado pelo facto de cerca de dois terços da população mundial residir no litoral ou até 150
quilómetros da costa, havendo projecções para este número elevar-se a três quartos num futuro não
distante36.
Desde os anos setenta que a superfície gelada do Ártico tem vindo a reduzir a uma média de
12% por década, taxa que piorou a partir de 2007, segundo a agência NASA, fazendo com que o Atlas
do Mundo, da National Geographic, tenha sido profundamente refeito37. Veja-se que, o aquecimento
global revela-se mais severo nos polos, incluindo no Pólo Norte, pois enquanto a média global de
aquecimento desde a Revolução Industrial está fixada em 0,8º C, no Ártico a temperatura registou uma
subida de 2º C apenas nos últimos 40 anos38. No mês de Maio de 2014, foi registada a terceira menor
extensão de gelo durante aquele mês pelos registos de satélite, segundo o Centro Nacional de Neve e
Gelo, dos Estados Unidos39. Os dados são efectivamente alarmantes, veja-se que só no Verão de 2002,
constatou-se que os glaciares da Gronelândia e do Ártico reduziram em um milhão de quilómetros
quadrados, sendo a maior redução jamais registada40.
O impacto do degelo em diversas espécies de fauna existente no Ártico é hoje bastante
conhecido, pois, sendo o gelo o habitat de ursos polares, das morsas, das focas, dos pinguins e de outras
espécies, a sua perda provoca não apenas o afogamento de muitos animais, em busca de casa ou

34 SERRA, Carlos Manuel (2012), ob. cit., pp. (...).


35 GORE, Al (2013), ob. cit., pp. 369 - 371.
36 Idem, p. 369.
37 In. http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/planeta-urgente/perda-de-gelo-artico-causa-redesenho-radical-de-atlas-

da-national-geographic/ Acedido a 28 de Dezembro de 2014.


38 Veja-se http://envolverde.com.br/noticias/contribuicao-degelo-artico-para-o-aquecimento-global-e-maior-que-se-

pensava/ Acedido a 28 de Dezembro de 2014.


39 In. http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/planeta-urgente/perda-de-gelo-artico-causa-redesenho-radical-de-atlas-

da-national-geographic/ Acedido a 28 de Dezembro de 2014.


40 FLANNERY, Tim (2006), Os Senhores do Tempo – O Impacto do Homem nas Alterações Climáticas e no Futuro do Planeta,

Lisboa, Editorial Presença, p. 167.

14
alimento, bem como a sua migração para outros destinos, causando, por sua vez, diversos impactos
nos novos locais, incluindo disputa pelas reservas de alimento e desequilíbrios ecológicos 41.
Para a subida das águas do mar contribui fundamentalmente o derretimento de gelo
proveniente dos glaciares continentais e não propriamente o gelo existente nos oceanos (formando,
por exemplo, os icebergs), como é o caso do oceano Ártico. Para o efeito, veja-se o exemplo do efeito
do cubo de gelo que vai derretendo num copo de uísque 42. A maior razão de preocupação reside no
gelo continental existente na Antárctica, continente gelado localizado no Pólo Sul, bem como nos
glaciares localizados nos principais picos do Planeta, pois, uma vez derretendo, contribui
substancialmente para a subida do nível das águas do mar.
Uma pesquisa tornada pública em Agosto de 2014, realizada pelo Instituto Alfred Wegener
(IAW), da Alemanha, que analisou imagens do satélite europeu, o CryoSat, lançado pela Agência
Espacial Europeia, em 2010, dotado de um sofisticado instrumento de radar com o objectivo de medir
o formato das camadas de gelo polares, tendo concluído que a perda de volume anual na Antárctica foi
calculada em cerca de 128 km cúbicos por ano, o que significa duas vezes mais em relação ao ano de
200943.
Recorde-se que o maior alerta de que a Antárctica estaria a ser afectada pelo aquecimento
global ganhou ímpeto quando, no dia 31 de Janeiro de 2002, a plataforma de gelo Larsen - B, com 500
mil milhões de toneladas que cobria uma área com o dobro da área da cidade de Londres, começou a
se desintegrar rapidamente, tendo, ao fim de 35 dias, desaparecido por completo, facto que deixou
bastante preocupada a comunidade científica internacional44.
Em 2014, os cientistas da NASA alertaram para o facto de o degelo na Antárctica, onde seis
glaciares estão em processo de derretimento, constituir um processo irreversível, podendo elevar o
nível das águas do mar muito mais do que se previa, com graves impactos à escala planetária 45.
Em 2009, o cientista Lonnie Thompson, da Universidade do Estado de Ohio, EUA, com base em
observações e medições permanentes no terreno, revelou que cerca de 85% do gelo que cobria o
Kilimanjaro, o pico mais elevado do continente africano, localizado na Tanzânia, desapareceu devido a
uma combinação de factores, com especial destaque para o aquecimento global 46. O mesmo estudo

41In. http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2014/10/1525438-apos-derretimento-do-gelo-no-artico-35-mil-morsas-
invadem-praia-no-alasca.shtml Acedido a 28 de Dezembro de 2014, bem como
http://www.odiarioverde.com.br/2011/06/degelo-causa-migracao-de-especies-do-pacifico-para-o-atlantico-pelo-artico/
Acedido a 28 de Dezembro de 2014.

42 FLANNERY, Tim (2006), ob. cit., p. 167.


43 Veja-se http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140821_degelogroenlandia_ebc Acedido a 28 de Dezembro
de 2014.
44 GORE, Al (206), pp. 182 - 183.
45 In. http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=737158&tm=7&layout=122&visual=61 Acedido a 28 de Dezembro de

2014.
46 Veja-se http://www.sciencedaily.com/releases/2009/11/091102171209.htm, acedido a 26 de Janeiro de 2015.

15
revela que é bem provável que o gelo desapareça por completo até 202047. O desaparecimento do gelo
no Kilimanjaro provocará um impacto económico profundo na região, com particular incidência para o
sector do turismo48.
Como consequência do degelo, ano após ano, cresce a tendência para o aumento do nível das
águas do mar. Sobre este assunto, muito se tem discutido ao nível da comunidade cientifica,
especialmente sobre a envergadura da subida e respectivos impactos nos próximos cem anos.
Sabe-se hoje que, veja-se que se registou um aumento global do nível médio do mar de 10 a
20 centímetros ao longo do século XX, mais do que metade do que havia subido nos 2000 anos
anteriores49. Segundo a NASA, o nível das águas do mar subiu, desde 1992, aproximadamente 7,62
centímetros devido ao aquecimento global, não obstante o fenómeno fazer-se sentir de maneira
diferenciada nas diversas regiões do Planeta, incidindo mais gravemente nas costas da Ásia e Oceânia,
no Pacífico, no Mediterrâneo Oriental e na costa Atlântica da América 50.
Em termos de consequências, começamos por referir a ameaça directa às centenas de ilhas
localizadas em vários pontos do mundo, incluindo pequenos Estados que se arriscam a ficar
desprovidos dos respectivos territórios. Os casos mais dramáticos ocorrem nos arquipélagos de
Kiribati51 e Tuvalu52, pequenos Estados localizado no Pacífico Sul, e que já enfrentam actualmente
problemas sérios com a subida das águas do mar, obrigando os respectivos Governos a elaborar planos
de emergência para reassentar as suas populações, incluindo a celebração de negociações com outros
Estados para transferência das suas populações53. Mas temos ainda o caso de outras ilhas igualmente
ameaçadas, nos vários oceanos, por se encontrarem localizadas em média a um metro de altitude,
sendo que qualquer variação mínima da maré destruirá por completo a infra-estrutura local, como é o
caso das ilhas Maldivas, Fiji, Salomão, Cook, do Estreito da Torre, de Barbados, da Micronésia e de
Palau54. A perda do território e a transferência das populações respectivas para outros Países poderá
significar o desaparecimento destas nações, que dependem fundamentalmente da indústria do
turismo, facto que preocupa os governos destes pequenos Estados.
Estes países fazem parte do grupo de 52 Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento
(PEID). Em 2014, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), tornou pública a

47 Idem.
48 GORE, Al, (2006), ob. cit., p. 45.
49 UMA (Universidade Livre da Mata Atlântica) /WORDWATCH (2004), Estado do Mundo 2004, In.

www.wordwatcs.org.br
50 Veja-se artigo intitulado “Nível do mar vai continuar a subir”, publicado no jornal Notícias, do dia 1 de Setembro de 2015.
51 Em Kiribati, o ponto mais alto do país se chama Monte Kiribati está apenas 3 metros acima do nível do mar.
52 Tuvalu tem uma elevação de 1,5m acima do nível do mar.
53 Veja-se http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/conteudo_222280.shtml, bem como

http://greensavers.sapo.pt/2012/08/29/17-paises-regioes-e-cidades-amecados-pelas-alteracoes-climaticas/, acedidos a 27
de Janeiro de 2015.
54 Veja-se http://www.dreamsintercambios.com.br/blog/noticias/conheca-5-paraisos-que-podem-desaparecer-devido-ao-

aquecimento-global/, acedido a 27 de Janeiro de 2015.

16
informação de que, em consequência do aquecimento global, o nível do mar está a aumentar quatro
vezes mais neste conjunto de Estados do que no restante do mundo, isto porque, enquanto a média
global de elevação do nível do mar está calculada em 3,2 milímetros por ano, em algumas ilhas do
oceano Pacífico registaram-se aumentos anuais na ordem de 12 milímetros, no período compreendido
entre 1993 e 200955.
Para além das ilhas, é importante considerar o impacto nas terras baixas ao longo da costa de
muitos países, incluindo a ameaça em infra-estruturas e a perda de terras agrícolas. Países asiáticos
como o Vietname, o Sri Lanka, as Filipinas, o Bangladesh, a Índia e a China serão seriamente afectados
pela subida do nível das águas do mar. O mesmo acontecerá com vastas áreas dos Estados Unidos de
América, assim como da Holanda e da Itália (veja-se a situação da cidade de Veneza, em especial).
As estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontam para
a subida do nível do mar entre 0,5 e 1,4 metros até 2100, relativamente ao nível de 199056.
No cenário menos dramático, é esperada uma subida média global do nível das águas do mar
entre 9 e 88 cm ao longo dos próximos cem anos, devido aos gases de estufa que emitimos até agora
e às prováveis emissões futuras57. Ora, conforme alerta a organização internacional Greenpeace, “esta
projecção comparativamente modesta da subida do nível das águas do mar vai provocar destruição.
Inundações costeiras e danos provocados por tempestades, linhas costeiras em erosão, contaminação
das reservas de água potável por água salgada nas áreas agrícolas, inundação de zonas húmidas
costeiras e das ilhas barreira e um aumento na salinidade nos estuários, todas serão realidades de uma
subida do nível das águas do mar, mesmo que pequena. Algumas cidades e vilas costeiras em cotas
baixas também serão afectadas. Os recursos essenciais para as populações insulares e costeiras, como
as praias, a água potável, as pescas, os recifes de coral e atóis e os habitats da vida selvagem também
se encontram em risco”58.
Segundo o Índice de Risco Climático 2015 da Germanwatch, Moçambique está entre os três
países mais afectados no mundo pelas mudanças climáticas, juntamente com o Malawi e a República
Dominicana59.
Com o cenário previsto pelo IPCC em relação à subida o nível das águas do mar, a zona costeira
em Moçambique poderá vir a ser seriamente afectada, pondo em risco a vida e a segurança de centenas
de milhares de pessoas, o que obriga necessariamente a optar pelo ordenamento criterioso do

55 Veja-se http://www.ecodebate.com.br/2014/06/09/elevacao-do-nivel-do-mar-ameaca-sobretudo-pequenos-estados-
insulares/ Acedido em 28 de Janeiro de 2015.
56 Veja-se

http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1445602&especial=Cimeira%20de%20Copenhaga&seccao=MUNDO.
Acedido a 26 de Janeiro de 2015.
57 http://www.greenpeace.org/portugal/pt/O-que-fazemos/oceanos/aquecimento-global/ Acedido a 28 de Dezembro de

2014.
58 Idem.
59 In. https://www.germanwatch.org/en/cri, acedido a 26 de Dezembro de 2018.

17
território, pela adopção de medidas preventivas, bem pela definição de mapas e cartas geográficas que
atendam às diversas projecções, de modo a auxiliar o processo de reassentamento dos potenciais
afectados60. Nesse sentido, vale a pena citar uma das principais conclusões do estudo realizado pelo
Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, sobre o impacto das mudanças climáticas em
Moçambique: “Até 2030, aproximadamente, ciclones mais severos representarão a maior ameaça para
a costa e, depois de 2030, o aumento acelerado do nível médio das águas do mar vai representar o
maior perigo, especialmente quando combinado com as marés-altas e vagas de tempestade. A cidade
da Beira está já numa situação muito vulnerável, com uma protecção costeira inadequada para os
eventos de retorno anual. Partes de Maputo bem como outras áreas costeiras, tais como Pemba,
Vilanculos e as ilhas próximas, estão também em risco. Num cenário extremo, mas possível, resultante
do degelo polar (sem previsões de datas mas trazido à discussão por cientistas envolvidos em
investigações recentes), as principais ameaças serão as inundações permanentes das zonas costeiras e
das zonas baixas atrás, principalmente para os grandes estuários e para os deltas subsidiários. O recuo
da costa devido à erosão deve chegar a aproximadamente a 500m. De uma forma geral este cenário
será provavelmente catastrófico para Moçambique”61.

1.4. Destruição da camada do ozono

Um problema que tem vindo a ser confundido com o fenómeno de aquecimento global pelo senso
comum é a destruição da camada de ozono. Este tem vindo a merecer uma atenção especial e
redobrada pela comunidade internacional, traduzido na progressiva adopção de medidas de prevenção
e redução da emissão de gases responsáveis pela retracção da camada de ozono.
O ozono constitui um composto químico, formado por uma molécula que se desdobra em três
átomos de oxigénio (O³), existe fundamentalmente na estratosfera, na forma de um escudo invisível,
responsável por impedir que cerca de 90 a 95% da radiação solar ultravioleta (raios UV) atinja a
superfície terrestre62. Sem esta camada, os raios UV seriam altamente prejudiciais para os seres
humanos, para as plantas, os animais e demais microrganismos63. Contudo, a exposição excessiva aos
raios UV provoca implicações graves na saúde humana (incluindo cataratas, cancro na pele, danos
genéticos e enfraquecimento do sistema imunitário) e em grande parte das demais formas de vida.
A destruição da camada de ozono é resultado da libertação de clorofluorcarbonetos (CFC) para
a atmosfera. Estes gases foram descobertos na década de 30 do século XX, constituindo compostos de

60 INGC (2009). Synthesis report. INGC Climate Change Report: Study on the impact of climate change on disaster risk in
Mozambique. [van Logchem B and Brito R (ed.)]. INGC, Mozambique, p. 35.
61 Idem.
62 SERRA, Carlos Manuel (2012), ob. cit., p. (...).
63 Idem, p. (...).

18
natureza não reactiva, inodora, inflamável e corrosiva, com baixo custo de produção, sendo
massivamente utilizados na industria como refrigerantes de ares condicionado, propulsores de
aerossóis, compostos de limpeza para peças electrónicas, como chips de computador, agentes de
fumigação para armazéns e compartimentos de carga de navios, e bolhas em espuma plástica utilizada
para isolação de empacotamento64.
Em estudo publicado em 1974, Sherwood Rowland e Mário Molina, químicos da Universidade
de Califórnia-Irvine, e que vieram a conquistar o prémio Nobel da química em 1995, demonstraram que
a libertação de CFC na estratosfera produz, em combinação com os efeitos da radiação ultravioleta, a
libertação de átomos de cloro, de flúor, de bromo e de iodo, acelerando a destruição do ozono, em
algumas partes, mais rapidamente do que se forma65.
Em termos de Direito Internacional, avançou-se para a celebração da Convenção de Viena
sobre a Protecção da Camada de Ozono (de 22 de Março de 1985), e para o seu Protocolo de Montreal
sobre Substâncias que destroem a Camada de Ozono (de 16 de Setembro e 1987) e as respectivas
emendas (Londres – 1990; Copenhaga - 1992).
Em sinal dos esforços assumidos pela comunidade internacional, uma boa notícia foi tornada
pública em Setembro de 2014, em relatório elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), anunciando que os buracos na
camada de ozono estão a reduzir e deverão estar totalmente preenchidos em 2050, na sequência do
sucesso alcançado no processo de implementação do Protocolo de Montreal66.
Contudo, em 2018, segundo um estudo da autoria do Instituto Grantham para as Alterações
Climáticas e de Ambiente do Imperial College, de Londres, publicado na revista European Geosciences
Union Journal Amospheric Chemistry and Physics, a camada de ozono, que protege a Terra da radiação
ultravioleta, está a recuperar nos polos, mas a diminuir nas zonas de menor latitude, não obstante os
esforços na implementação da Convenção de Viena e respectivo Protocolo de Montreal67. Segundo a
referida pesquisa, “as alterações climáticas são uma das explicações mais prováveis para este cenário,
uma vez que estão a alterar o padrão de circulação atmosférica, movendo o ar dos trópicos mais
rapidamente para os polos, o que não permite a criação de ozono68. Porém, apesar de ser preocupante,
tal cenário não assume os contornos alarmantes da época anterior à entrada em vigor do Protocolo de
Montreal69.

64 MILLER Jr, G. Tyler (2007), Ciência Ambiental, 11.ª Edição, São Paulo, Thomson Learning, p. 438.
65 Idem, pp. 438 – 439.
66 Veja-se http://greenme.com.br/informar-se/ambiente/799-o-buraco-na-camada-de-ozonio-esta-diminuindo, acedido a 30

de Janeiro de 2015.
67 Veja-se https://www.publico.pt/2018/02/06/ciencia/noticia/camada-de-ozono-nao-esta-a-recuperar-nas-zonas-mais-

populadas-1802204, acedido a 26 de Dezembro de 2018.


68 Idem.
69 Ibidem.

19
1.5. Degradação dos solos

Um dos maiores problemas ambientais da actualidade é a degradação dos solos decorrente dos
processos de seca e desertificação. A desertificação é “a degradação da terra nas zonas áridas, semi-
áridas e sub-húmidas secas, resultantes de vários factores, incluindo as variações climáticas e as
actividades humanas”; já a seca constitui “o fenómeno que ocorre naturalmente quando a precipitação
registrada é significativamente inferior aos valores normais, provocando um sério desequilíbrio hídrico
que afecta negativamente os sistemas de produção dependentes dos recursos da terra”70.
Constituem causas responsáveis pela desertificação no mundo: climáticas, combinando as
mudanças climáticas e seca, humanos, incluindo a excessiva utilização do solo, por vezes à sua
exaustão; o excesso de pastoreio; a desmatação e as queimadas; a irrigação em áreas mal drenadas71.
A desertificação afecta particularmente a África, onde dois terços do continente são já
formados por desertos ou terras áridas e a degradação afecta já 73% das terras áridas cultiváveis72. Ora,
“as secas prolongadas são frequentes e afectam países, muitos dos quais, não dispõem de litoral,
tornando difíceis as comunicações. A maioria dos países é afectada pela pobreza generalizada e muitos
deles encontram-se entre os países menos desenvolvidos. A pobreza generalizada deixa a população
sem alternativas, provocando muitas das vezes a exploração predatória da terra. O resultado é quase
sempre o surgimento de migrações internas e transfronteiriças, debilitando ainda mais o meio
ambiente e causando tensões e conflitos sociais e políticos” 73.
Por ano, à seca e desertificação, 12 milhões de hectares são perdidos, o que perfaz 23
hectares por minuto, um espaço permitira a produção de cerca de 20 milhões de toneladas de grãos 74.
Segundo um estudo intitulado “Economia da degradação dos solos”, realizado pelo Instituto
para Água, Meio Ambiente e Saúde da ONU, sedeado em Hamilton, Canadá, tornado público em 2013,
a degradação do solo custa ao ano 40 bilhões de dólares americanos, afectando em especial 1,2 biliões
de pessoas que vivem nas zonas rurais mais pobres do mundo, os que mais dependem do que o solo
produz para a subsistência75. O referido estudo aponta como principais causas da degradação dos solos:
a má gestão do solo, as crises de fome relacionadas com secas e as percepções erróneas da abundante
produção de comida, grandes reservas de alimentos na Europa, fronteiras abertas, comida

70 Definições adoptadas pela Convenção das Nações Unidas sobre a Desertificação.


71 Veja-se a Convenção das Nações Unidas sobre a Desertificação (1994).
72 REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE (2007), Plano de Acção Nacional de Combate à Seca e à Desertificação, Maputo, MICOA.
73 Idem, pp. 11 – 12.
74 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/, Acedido a 27 de

Dezembro de 2018.
75 https://brasil.efeagro.com/noticia/degradacao-do-solo-custa-us-40-bilhoes-por-ano-em-todo-o-mundo/ Acedido a 27 de

Dezembro de 2018.

20
subvencionada relativamente barata, baixos preços do solo e abundantes recursos energéticos e
aquíferos76.
Em mensagem pelo Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca (17/06/2018), a
directora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, lançou o alerta para o facto de, por ano, o Planeta perder
120 mil quilómetros quadrados de terra por causa da desertificação, uma área equivalente a metade
do território do Reino Unido77.
Note-se que o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 15 (válido ate 2030) visa
proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a
perda de biodiversidade78.

1.6. Perda de biodiversidade

A biodiversidade é um conceito relativamente novo na história da ciência, tendo sido idealizado Walter
G. Rosen, do National Research Council / National Academy of Sciences (NRC/NAS), no ano de 1985,
quando participava na organização de um fórum sobre diversidade biológica, que veio a ter lugar em
Washington, de 21 a 24 de Setembro de 1986 (Fórum Nacional sobre Biodiversidade)79. Este termo foi
desenvolvido a partir do conceito de diversidade biológica, que já vinha sendo utilizado há vários anos,
baseando-se na combinação da palavra de origem grega “bio” (vida) com a palavra “diversidade”80.
Em 1988, o conceituado biólogo Edward Wilson, da Universidade de Harvard, coordenou e
publicou uma obra com o título de “Biodiversidade”, compilando os principais artigos resultantes do
Fórum Nacional sobre Biodiversidade (1986), e que contribuiu determinantemente para consagrar a
expressão nos mundos científico, politico e legal81. Edward Wilson inicia o prefácio desta obra com as
seguintes palavras; “a diversidade de formas de vida, em número tão grande que ainda temos que
identificar a maioria delas, é a maior maravilha deste planeta. A biosfera é uma tapeçaria intrincada de
formas de vida que se entrelaçam. Até mesmo a aparentemente tundra árctica é sustentada por uma
complexa interacção de muitas espécies de plantas e animais, incluindo as rixas ordens de líquenes
simbióticos. Este livro oferece uma visão geral dessa diversidade biológica e traz um aviso urgente de

76 Idem.
77 Veja-se https://nacoesunidas.org/onu-pede-mudanca-nos-padroes-de-consumo-para-evitar-seca-e-desertificacao/,
acedido a 27 de Dezembro de 2018.
78 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ Acedido a 27 de

Dezembro de 2018.
79 FRANCO, José Luiz de Andrade (2013), O conceito de biodiversidade e a história da biologia da conservação: da preservação

da wilderness à conservação da biodiversidade, História (São Paulo) v.32, n.2, p. 21-48, Jul./Dez. 2013 ISSN 1980-4369, p. 23.
In. http://www.scielo.br/pdf/his/v32n2/a03v32n2 Baixado em 2 de Fevereiro de 2015.
80 Veja-se http://www.significados.com.br/biodiversidade/ Acedido em 2 de Fevereiro de 2015.
81 Veja-se WILSON, E. O. (1997) (coordenação), Biodiversidade, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2.ª Impressão.

21
que estamos alterando e destruindo os ambientes que criaram a diversidade de formas de vida por
mais de um bilião de anos”82.
Por biodiversidade entende-se a variedade e variabilidade entre os organismos vivos de todas
as origens incluindo entre outros os ecossistemas terrestres marinhos e outros ecossistemas aquáticos
assim como os complexos ecológicos dos quais fazem parte compreende a diversidade dentro de cada
espécie entre as espécies e de ecossistemas83.
A biodiversidade é hoje um valor seriamente ameaçado, conforme revelam dados
estatísticos produzidos pelos cientistas, ao ponto de a comunidade científica aludir à ocorrência da 6.ª
extinção de espécies da história do Planeta, sendo a primeira por acção humana84.
Em 2011, a revista cientifica PLoS Biology publicou os resultados de uma pesquisa realizada, em
conjunto, pelas Universidades Dalhousie, no Canadá, e do Havai, nos Estados Unidos de América, dando
a conhecer que no Mundo existirão cerca de 8,7 milhões de espécies de seres vivos (sendo que deste
total apenas 1,2 milhão de espécies já foram formalmente descritas)85. Ora, segundo o referido estudo,
a larga maioria de espécies não foi ainda identificada, processo que necessitaria de cerca de mil anos,
pelo que muitas espécies serão extintas mesmo antes de poderem ser identificadas pelos cientistas 86.
Em 2018, a organização internacional WWF lançou a nível mundial o relatório Planeta Vivo
2018, o qual concluiu, entre outros aspectos, que o Índice do Planeta Vivo, que mede os níveis de
abundância de biodiversidade com base em 16.704 populações de 4.005 espécies de vertebrados em
todo o mundo, mostra um declínio geral de 60% desde 1970, como resultado fundamentalmente da
superexploração e a agricultura, decorrentes do aumento contínuo do consumo humano 87. Segundo o
estudo, “um novo acordo global para a natureza e as pessoas, com metas, metas e métricas claras e
ambiciosas, é necessário para dobrar a curva da perda de biodiversidade”88.
O impacto dos seres humanos na natureza é devastador (em terra, no mar e no céu), sendo
que 1 milhão de espécies estão à beira da extinção nas próximas décadas, um ritmo de destruição de
dezenas a centenas de vezes maior do que a média dos últimos 10 milhões de anos, segundo o mais
recente relatório sobre a avaliação do ecossistema mundial, elaborado pela Plataforma
Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES), sob égide da Organização
das Nações Unidas, a 6 de Maio de 2019 89. Tendo envolvido 145 especialistas, ao longo de 3 anos,

82 WILSON, E. O. (1997), ob. cit., (sem número de página).


83 In. Artigo 1.°, n.º 5 da Lei do Ambiente.
84 FLANNERY, Tim (2006), ob. cit. (...).
85 Veja-se http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/08/110824_especies_numero_pesquisa_rw.shtml Acedido a 17

de Fevereiro de 2015.
86 Idem.
87 WWF (2018). Relatório Planeta Vivo - 2018: Uma ambição maior. Grooten, M. and Almond, R.E.A. (Eds). WWF, Gland, Suíça,

p. 35.
88 Idem, p. 35.
89 https://www.ipbes.net/news/Media-Release-Global-Assessment, acedido a 8 de Maio de 2019.

22
provenientes de 50 países, com base em cerca de 15 000 fontes científicas e governamentais, o
relatório concluiu igualmente que a actual resposta global revela-se insuficiente, sendo que urge uma
mudança transformadora para reverter tal cenário90.
Conforme Nicolas Hulot et all, “temos de regressar ao ciclo da vida. Para qualquer espécie,
alimentar-se é a condição primeira para poder sobreviver; a segunda é a de se proteger daqueles que
se querem alimentar à sua custa. Nos somos uma espécie que conseguiu resolver a contento estes dois
problemas, tomando o lugar dos outros; é um fenómeno banal da concorrência ecológica, mas nunca
parecemos estar realmente conscientes do seu preço e, sobretudo, da sua generalidade. (…) Ė essencial
sublinhar os laços, a proximidade e a interdependência vital entre as espécies e a necessidade da sua
diversidade. Visto que o homem é capaz de constituir uma civilização ele devia poder gerir, coordenar
da melhor maneira possível, o planeta em que vive; aparentemente, hoje em dia está muito longe de
o ter conseguido. A nossa casa corre perigo, precisamente porque é o conjunto da biosfera que se
encontra hoje atingido e não apenas os seus elementos particulares”91.
Importa ter presente que para este cenário contribui um conjunto de causas, como o comércio
ilegal de produtos faunísticos e florestais, a caça ilegal, o corte ilegal de flora, as queimadas
descontroladas e a erosão, bem como o aquecimento global, a redução de habitats, as diversas formas
de poluição,

1.7. Caça ilegal e comércio ilegal de produtos faunísticos e florestais

Antes de mais, importa ter presente os mais recentes dados sobre o declínio da fauna em todo o
Mundo. De acordo com o relatório Planeta Vivo 2018, da autoria da organização internacional WWF, o
Planeta perdeu 60% dos animais vertebrados selvagens em menos de 40 anos, devido a diversos
factores, incluindo a caça furtiva92.
A caça ilegal é responsável pela redução drástica de espécies de fauna bravia no continente
africano, incluindo Moçambique, na sequência da procura de carne para alimentação, de troféus e
exemplares vivos para as redes de tráfico, e por causa do conflito entre seres humanos e animais. O
aumento exponencial da população africana e a demanda por novas áreas para agricultura, pasto e
urbanização desencadeia igualmente uma maior pressão sobre os recursos faunísticos.
Segundo a comissária da União Africana (UA) para Economia Rural e Agricultura, Josefa
Sacko, na segunda reunião do grupo de peritos sobre a aplicação da estratégia africana para o Combate

90 Idem.
91 HULOT, Nicolas, BARBAULT, Robert, BOURG, Dominique (1999), Para que a Terra Permaneça Humana, Editorial Bizâncio,
Lisboa, p. 27.
92 WWF. 2018. Relatório Planeta Vivo - 2018: Uma ambição maior. Grooten, M. and Almond, R.E.A. (Eds). WWF, Gland, Suíça.

23
à Exploração e ao Comércio Ilegais da Fauna e da Flora Selvagens, realizada em Setembro de 2018, em
Luanda, Angola, os números da caça furtiva em África atingiram níveis insustentáveis, estimando-se
que a prática rende anualmente entre 15 e 20 bilhões de dólares, o que resulta na perda de cerca de
24 milhões de empregos em consequência de tamanho massacre, representando 6% do emprego total
de África93.
Focando na caça de rinocerontes e de elefantes, que conheceu uma subida drástica à entrada
do seculo XXI, Bradley Anderson e Johan Jooste afirmam que “Os picos nos preços do marfim e do corno
de rinoceronte têm provocado uma escalada do abate ilegal de elefantes e rinocerontes em África. Se
não forem tomadas medidas imediatas de contenção deste fenómeno, é provável que venhamos a
assistir à extinção destas populações no continente africano”; e que “ Não se trata apenas de um mero
problema de caça furtiva de fauna selvagem mas de uma faceta importante das actividades de uma
rede mundial de comércio ilegal, que reforça o poder de grupos violentos e envolve membros do sector
da segurança de África” 94.
A lista de espécies de fauna que se encontram ameaçadas não para de aumentar, revelando
preocupações cada vez maiores, para alem das duas acima referidas (o rinoceronte já esta na lista
vermelha das espécies em vias de extinção e a população de elefantes reduziu em mais de 60% em
apenas 10 anos95), com alguns dos mais emblemáticos animais do continente, designadamente os
gorilas de montanha, os chimpanzés, as girafas, leões e leopardos e os pangolins 96.

1.8. Corte ilegal de flora

O corte ilegal da flora constitui um dos maiores problemas ambientais do continente africano, sendo
resultado da procura de espécies de madeira para exportação e consumo local, carvão e lenha para
satisfazer as necessidades energéticas das populações mais vulneráveis, bem como por causa da
abertura de novas áreas para a prática de agricultura e urbanização.

93 https://observador.pt/2018/07/25/caca-furtiva-em-africa-rende-anualmente-ate-17-mil-milhoes-de-euros/ Acedido a 10
de Fevereiro de 2019.
94 ANDERSON, Bradley e JOOSTE, Johan (2014), “Caça Furtiva de Vida Selvagem: A Ameaça Crescente do Tráfico em África”,

Resumo de Segurança em Africa, N.° 28, Maio 2014, Centro de Estudos Estratégicos de Africa, Washington.
https://africacenter.org/wp-content/uploads/2016/06/ASB28PT-Ca%C3%A7a-Furtiva-de-Vida-Selvagem-A-Amea%C3%A7a-
Crescente-do-Tr%C3%A1fico-em-%C3%81frica.pdf
95 https://www.dw.com/pt-002/a-fauna-de-%C3%A1frica-em-perigo/g-37800048, acedido a 10 de Fevereiro de 2019.
96 Idem. Veja-se também https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/principais-animais-extincao-africa/, acedido

a 10 de Fevereiro de 2019. Sobre o pangolim, o mamífero mais traficado do mundo, veja-se


https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150205_pangolim_trafico_mamiferos_rm, acedido a 10 de Fevereiro de
2019.

24
Este problema vem por si agravar a situação ecológica de um continente fortemente
afectado pelas mudanças climáticas, e com vastas áreas a sofrer escassez hídrica e a enfrentar
processos de seca e desertificação.
Durante o 8º Fórum Africano de Desenvolvimento que decorreu em 2-2012, em Addis Abeba,
Etiópia, Wu Hongbo, então subsecretário-Geral das Nações Unidas para os Assuntos Económicos e
Sociais, anunciou que, entre 2000 e 2010, o continente africano perdeu cerca de 3,4 milhões de
hectares de floresta97.
Um estudo realizado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, foi tornado público em 2018,
tendo concluído que o desmatamento e a degradação nas savanas africanas (com destaque para as
florestas de Miombo, que cobrem 2,5 milhões de quilômetros quadrados, em países como Angola,
Zâmbia, Tanzânia e Moçambique) emitem pelo menos três vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que
os cientistas estimavam anteriormente, tendo a produção de combustível através da queima de carvão
e lenha como causa principal98.

1.9. Poluição

A poluição é um dos problemas ambientais mais graves da actualidade, assumindo proporções


cada vez mais sérias, graves e complexas. De acordo com a Lei do Ambiente, por poluição entende-se
“a deposição, no ambiente de substâncias ou resíduos, independentemente da sua forma, bem como
a emissão de luz, som e outras formas de energia, de tal modo e em quantidade tal que o afecta
negativamente”99.
A poluição ambiental matou 9 milhões de pessoas em 2015, respondendo por
aproximadamente uma a cada seis mortes (16%) registradas em todo mundo naquele ano., segundo
um estudo realizado por uma comissão internacional de investigadores que trabalhou na análise dos
impactos deste problema na saúde e na economia, publicado na prestigiada revista médica “The
Lancet”100. Segundo o referido estudo, a poluição do ar da água e do solo causam danos significativos
na saúde e no bem-estar das populações, na forma de doenças e mortes prematuras, na ordem de U$
4,9 triliões anuais, equivalendo a 6,2% de toda produção econômica do Planeta 101.

97 In. https://noticias.sapo.ao/sociedade/artigos/africa-perdeu-cerca-de-34-milhoes-de-hectares-de-floresta-em-10-anos,
acedido a 10 de Fevereiro de 2019.
98 Veja-se https://exame.abril.com.br/ciencia/perda-de-savana-africana-emite-tres-vezes-mais-co2-do-que-se-pensava/
Acedido a 10 de Fevereiro de 2019.
99 Cfr. Artigo 1.°, n.° 20, da Lei do Ambiente.
100 In. https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/poluicao-matou-9-milhoes-de-pessoas-no-mundo-em-2015-

21969023 acedido a 12 de Fevereiro de 2019.


101 Idem.

25
Um relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em
2017, com o titulo “Por um Planeta livre de poluição”, alerta para o facto de ninguém está imune à
degradação ambiental, tendo presente o facto de a qualidade do ar não atinge parâmetros de saúde
adequados em 80% das cidades, a qualidade do ar não atinge parâmetros de saúde adequados, bem
como tendo presente que 80% das águas negras produzias no Mundo ser despejada para o ambiente
sem tratamento prévio; sendo a poluição responsável por cerca de 12,6 milhões de mortes por ano
(um quarto do total de mortes)102.
Destacando a poluição atmosférica em especial, em 2016, investigadores da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) calcularam os impactos da poluição
atmosférica em Africa, tendo concluído que esta é responsável por 712 mil mortes por ano, causadas
por doenças e infeções ligadas à poluição. O problema é pior nos países que mais se desenvolveram
nas últimas décadas — Egito, África do Sul, Etiópia e Nigéria. Segundo o estudo, viaturas em segunda
mão, importadas de outros países, são os principais culpados pela má qualidade do ar103. O estudo em
causa definiu medidas para previr e combater a poluição, organizadas em cinco eixos principais: (i)
liderança política e parcerias em todos os níveis, mobilizando os setores industrial e financeiro; (ii)
acções contra os piores poluentes e uma aplicação mais eficaz das leis ambientais; (iii) abordagens
renovadas para gerenciar as economias, através da eficiência no uso de recursos, mudanças nos estilos
de vida e uma gestão de resíduos aprimorada; (iv) investimentos novos, massivos e redirecionados para
tecnologia limpa e de baixo carbono, para soluções baseadas nos ecossistemas, bem como para
pesquisa, monitoramento e infraestrutura para controlar a poluição; (v) e conscientização para
informar e inspirar as pessoas em todo o Mundo104.
Uma nota de destaque para a poluição gerada pelas actividades de mineração ilegal
(garimpo), responsável pela contaminação de solos, água e alimentos com mercúrio e outras
substâncias poluidoras.
Em Moçambique, a poluição mereceu tratamento ao nível constitucional 105 bem como
ordinário106.

1.10. Poluição plástica

102 In.https://nacoesunidas.org/poluicao-causa-126-milhoes-de-mortes-por-ano-alerta-agencia-ambiental-da-onu/ acedido a


10 de Abril de 2019.
103In. https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/12/na-africa-poluicao-mata-mais-do-que-subnutricao-e-agua-
nao-tratada.html acedido a 12 de Fevereiro de 2019.
104 Idem.
105 Veja-se o artigo 117.°, n.º 2, da Constituição da República.
106 Atenção ao destaque que o problema da poluição tem ao nível da Lei do Ambiente, de alguns dos seus regulamentos e de

diversa legislação que rege os sectores de actividade.

26
A poluição marítima encontra-se na génese do nascimento do Direito Internacional do Ambiente.
Ora, se no início, quando se falava de poluição marítima, vinham à baila os derrames
causados pelos desastres com navios petroleiros, torna-se cada vez mais estender a realidade a uma
gama diversificada e complexa de causas. Segundo a organização Greenpeace, “Não é apenas a
poluição do petróleo dos acidentes e dos resíduos alijados na limpeza ilegal de depósitos. Apesar da
escala e visibilidade de tais impactos, as quantidades totais de poluentes que se escoam para o mar a
partir de derrames de petróleo são diminutas quando comparadas com as originadas por poluentes de
outras proveniências. Estas incluem os esgotos domésticos, as descargas industriais, o escoamento de
superfície urbano e industrial, os acidentes, os derrames, as explosões, as operações de descarga no
mar, a exploração mineira, os nutrientes e pesticidas da agricultura, as fontes de calor desperdiçadas e
as descargas radioactivas”107.
Calcula-se que as fontes terrestres são responsáveis em cerca de 44% dos poluentes do mar,
as fontes atmosféricas por 33% e o transporte marítimo por apenas cerca de 12% 108.
Entre as causas da poluição marítima surge um elemento que tem vindo a conquistar atenção
da comunidade científica – o descarte de plástico para os oceanos.
Em 2015, um estudo da autoria da Associação Educacional do Mar de Woods Hole, no Estado
norte-americano de Massachussetts, revelou que são lançados anualmente nos oceanos cerca de oito
milhões de toneladas de lixo plástico e seus derivados, quantidade esta que daria para cobrir 34 vezes
toda a superfície da ilha norte americana de Manhattan, com uma camada de lixo à altura dos joelhos
de uma pessoa109. Por sua vez, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (UNEP),
15 por cento do lixo marinho flutua à superfície ou está na coluna de água (a mais de 40 centímetros
de profundidade), sendo que os restantes 70 por cento estão depositados no fundo dos oceanos,
muitos deles fragmentados em pedaços tão pequenos (pellet110 e fibras sintéticas) que não são
captados pelas análises convencionais111.
O Fórum Económico Mundial, realizado de 20 a 23 de Janeiro de 2016, em Davos, na Suíça,
ficou para a história, quando quarenta grandes grupos empresariais pediram acções firmes e
inovadoras para lutar contra a poluição dos oceanos e impedir que em 2050 estes contenham mais
resíduos de plástico do que peixes112. Segundo a Organização, “o sistema actual de produção, utilização
e descarte de plásticos tem efeitos negativos importantes: de 80 a 120 biliões de dólares de embalagens

107Veja-se http://www.greenpeace.org/portugal/pt/O-que-fazemos/oceanos/poluicao/ Acedido a 10 de Fevereiro de 2019.


108Idem.
109 Veja-se https://www.rtp.pt/noticias/especial-informacao/o-mundo-esta-cada-vez-mais-contaminado-por-
plasticos_n841198, Acedido a 24 de Abril de 2017.
110 Pellet é um granulado derivado do plástico depois da fragmentação.
111 Veja-se https://www.rtp.pt/noticias/especial-informacao/o-mundo-esta-cada-vez-mais-contaminado-por-
plasticos_n841198 , Acedido a 24 de Abril de 2017.
112 http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2017/01/grandes-grupos-empresariais-pedem-acoes-contra-o-plastico-nos-oceanos-

9395254.html , acedido a 23 de Janeiro de 2017-.

27
plásticas são perdidos anualmente. E além do custo financeiro, sem nada em troca, os oceanos terão
mais plástico do que peixes (em peso) até 2050” 113. Esta iniciativa baseou-se precisamente nos
trabalhos desenvolvidos pela navegadora britânica Ellen MacArthur, que para esta significou que a
“nova iniciativa para o plástico recebeu grande apoio. Estamos notando na indústria uma tomada de
consciência muito importante”114. No estudo intitulado The New Plastics Economy ("A Nova Economia
do Plástico"), elaborado pela Fundação Ellen MacArthur e a empresa consultoria McKinsey 115, a
proporção de toneladas de plástico por toneladas de peixes era de uma para cinco em 2014, será de
uma para três em 2025 e vai ultrapassar a cifra de uma para uma em 2050 116.

1.11. Sobrepesca

A sobrepesca constitui outro dos problemas ambientais que afecta praticamente todas as regiões do
Planeta, incluindo oceanos, mares, rios e lagos, devido ao aumento populacional, ao crescimento
exponencial da procura/demanda e ao desenvolvimento de artes de pesca cada vez mais sofisticadas.
Como muito bem alerta a organização Greenpeace “ O nosso apetite por peixe está a
ultrapassar os limites ecológicos dos oceanos, com impactos devastadores para os ecossistemas
marítimos. Os cientistas têm avisado que a sobrepesca resulta em alterações profundas nos nossos
oceanos, modificando-os talvez para sempre. Sem mencionar as nossas receitas culinárias, que no
futuro poderão apenas apresentar o peixe e batatas como uma iguaria rara e dispendiosa”117. E no que
diz respeito ao factor industria, a Greenpeace conclui que “A realidade da pesca moderna é o facto de
a indústria ser dominada por embarcações de pesca que excedem largamente a capacidade da natureza
em repor o peixe. Os navios gigantes, que usam sonares de ponta na busca de peixe, podem localizar
cardumes com precisão, de modo rápido e exacto. Os navios estão transformados em gigantescas
fábricas flutuantes – com instalações de processamento e embalagem do peixe, enormes sistemas de
congelamento e poderosos motores para arrastar os enormes aparelhos de pesca pelo fundo do
oceano. Em resumo: o peixe não tem hipóteses”118.
No que diz respeito ao continente africano, a sobrepesca traduz-se na perda anual de um
milhão de toneladas de peixes, o que prejudica a produtividade dos ecossistemas marinhos do
continente e constitui uma perda enorme em termos de rendimentos potenciais e de incidências sobre

113 Idem.
114 Ibidem.
115 https://noticias.terra.com.br/oceano-podera-ter-mais-plastico-do-que-peixes-em-

2050,7b5a02d88dc327eff8a7ed053f7af1f1tafd5c65.html acedido a 19 de Dezembro de 2016.


116 Idem.
117 http://www.greenpeace.org/portugal/pt/O-que-fazemos/oceanos/sobrepesca/ Acedido a 11 de Fevereiro de 2019.
118 Idem.

28
a segurança alimenta, conforme foi reportado no 8.º Fórum sobre Desenvolvimento de África (ADF VIII),
que se realizou Outubro de 2012, em Addis Abeba, na Etiópia119.
Em Moçambique, o tema é um assunto permanente e crucial, tendo-se dado passos na
aprovação de um quadro político e legal com vista à gestão sustentável das pescarias.

1.12. Acesso à água e ao saneamento

A água constitui o recurso natural mais abundante no planeta Terra, ocupando 71% da sua superfície.
No entanto, trata-se de uma abundância relativa, visto que 97% da água é salgada, encontrando-se nos
oceanos e mares interiores, e só os restantes 3% corresponde a água doce”120. Do total de água doce,
70% corresponde a água em estado sólido que se encontra nos polos e glaciares; por conseguinte,
apenas 0,65% constitui reserva de recursos hídricos para uso humano121.
Porém, as reservas hídricas existentes estão distribuídas de forma desigual, havendo países,
regiões e populações com abundância de água, por um lado, e países, regiões e populações em situação
de escassez hídrica. Assim sendo, “Alguns países têm muito mais água do que sua população necessita.
É o caso do Canadá, da Islândia e do Brasil. Outros são situados em regiões extremamente secas, como
o norte da África, o Oriente Médio e o norte da China. Como resultado dessa má distribuição, um
canadense pode gastar até 600 litros de água por dia, enquanto um africano dispõe de menos de 30
litros para beber, cozinhar, fazer a higiene, limpar a casa, irrigar a plantação e sustentar os rebanhos” 122.
Em 2008, a ONU anunciou que acima de 1 bilhão de pessoas, - o equivalente a 18% da
população mundial, não têm acesso à quantidade mínima aceitável de água potável; e se nada for feito
em termos de alteração dos padrões de consumo, em 2025 cerca de dois terços da população do
planeta, 5,5 bilhões de pessoas, poderão não ter acesso a água potável 123. Por sua vez, segundo a
mesma ONU, cerca de 2,6 mil milhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, ou seja, 40%
da população mundial124.
Em 2014, segundo o relatório GLASS 2014, publicado na sequência de um estudo realizado a
cada dois anos pela Organização Mundial de Saúde, cerca de 748 milhões de pessoas não possuem

119 In. http://www.verdade.co.mz/africa/31454-sobrepesca-causa-a-africa-perdas-de-cerca-de-1-milhao-de-toneladas-de-


peixe-por-ano Acedido a 11 de Fevereiro de 2019.
120 WWF (2018), ob. cit. p. 56.
121 FOLHADELA, Inês (1999), o Direito Público das Águas no Ordenamento Jurídico Português, sebenta policopiada do CEDOUA,

Coimbra, p. 2.
122 Veja-se http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_261013.shtml. Acedido a 27 de

Fevereiro de 2015.
123 Veja-se http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_261013.shtml. Acedido a 27 de

Fevereiro de 2015.
124 Veja-se http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_media_brief_por.pdf,
acedido a 10 de Agosto de 2015.

29
acesso a água potável de forma sustentada em todo o mundo, calculando-se que aproximadamente
1.8 biliões de pessoas usem uma fonte de água que está contaminada com fezes, 2.5 biliões de pessoas
não têm acesso a um saneamento adequado e que 1 bilião defeca ao ar livre, nove em cada dez, em
áreas rurais125.
À medida que este recurso vai escasseando em vastas regiões, principalmente em
consequência da desertificação, do seu uso insustentável e do crescimento populacional, as populações
vão-se deslocando, invadindo novas terras, entrando em conflito com os residentes. Em 2017, a ONU,
através do Programa de Avaliação das Águas Transfronteiriças, tornou públicos os resultados de uma
pesquisa sobre as bacias hidrográficas, considerando factores sociais, económicos, políticos e
ambientais, tendo concluído que os riscos de conflito deverão aumentar nos próximos 15 a 30 anos em
quatro regiões principais: Oriente Médio, Ásia Central, a bacia Ganges-Brahmaputra-Meghna e as
bacias Orange e Limpopo no sul do continente africano126.
A escassez de água tem igualmente impactos no agravamento da situação do saneamento
básico. Em termos gerais, a qualidade da água constitui hoje, para além da sua quantidade, uma
questão fundamental que urge resolver. Veja-se que, se “em 2015, 91% da população global está
usando uma fonte de água potável aprimorada, comparado a 76% em 1990. Contudo, 2,5 bilhões de
pessoas não têm acesso a serviços de saneamento básico, como banheiros ou latrinas. Diariamente,
uma média de cinco mil crianças morre de doenças evitáveis relacionadas à água e saneamento”127.
Pelo que, “há que construir e desenvolver um modelo de gestão dos recursos hídricos que
proporcione o acesso à água, em qualidade e quantidades suficientes, a todos os habitantes da Terra,
que garanta ainda a satisfação das necessidades industriais e agrícolas em conformidade com o
disposto na legislação ambiental, sem prejudicar ou comprometer as necessidades inerentes ao
funcionamento do ambiente enquanto um todo. Isto passa necessariamente por assumir a água não
apenas como recurso económico, o que caracteriza a tendência dominante, mas sim, e principalmente,
como componente ambiental, essencial a todas as formas de vida na Terra. Finalmente, há que
promover e implementar políticas e leis que garantam efectivamente a participação do cidadão no
processo de tomada de decisões referentes a projectos com implicações directas ou indirectas sobre a
água”128.
O Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 6 da ONU é o de “Assegurar a disponibilidade
e gestão sustentável da água e saneamento para todos”.

125 Veja-se http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4248555&page=-1, acedido a 25 de Março de 2015.


126 https://exame.abril.com.br/mundo/as-regioes-mais-ameacadas-por-conflitos-de-agua-no-mundo/ acedido a 31 de
Dezembro de 2018.
127 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ acedido a 31 de

Dezembro de 2018.
128 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando, ob. cit.., p. (...).

30
1.8. A armadilha energética

Compreender a relação entre o acesso às fontes energéticas e a problemática ambiental constitui


condição chave para a tomada de decisões acertadas, dirigidas a repor equilíbrios há muito ameaçados
ou perdidos. Sendo que as escolhas que fizermos serão determinantes nos panoramas mundial,
regional, nacional e local.
A questão pode ser perspectiva sob dois ângulos: o dos países mais industrializados e o dos
países em vias de desenvolvimento. Relativamente aos primeiros, considere-se que, desde a Revolução
Industrial que se assiste ao predomínio da energia extraída de fontes fósseis, designadamente o
carvão129, o petróleo e o gás natural, energias não renováveis, poluidoras e aquecedoras.
Soromenho-Marques diz-nos a este respeito o seguinte: “o problema energético mundial é
dos mais complexos, sem a sua solução de capital importância. Se até ao final do século XVIII a
humanidade viveu sustentada na energia renovável da tracção animal e da lenha, a partir da Revolução
Industrial começou a corrida para as energias naturais não renováveis, primeiro o carvão, depois o
petróleo. Em pouco mais de dois séculos dissipou-se a energia acumulada por processos naturais que
requereram milhões de anos!”130.
Sabe-se hoje que o factor energético é o principal contribuinte para as mudanças climáticas,
sendo responsável por cerca de 60% das emissões globais totais de gases do efeito estufa131.
Conforme defendemos no passado, “A teimosia em centrar a economia global na
dependência dos combustíveis fósseis fundamentalmente ao poder que as grandes multinacionais do
petróleo e carvão possuem, sendo capazes de desempenhar um bloco de força capaz de condicionar a
política de inúmeros Estados, chegando inclusive a bloquear o alcançar de compromissos internacionais
no domínio das energias alternativas. Exemplo paradigmático foi o insucesso registado na Cimeira das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, no ano de 2002, no
decurso da qual foi inviabilizada uma proposta apresentada pelo Brasil e pela União Europeia, conforme
veremos adiante, e que teria constituído um precedente de enorme importância e que tornaria o
Século XXI, quase certamente, o Século da Energia Renovável” 132.
O contexto internacional tem revelado uma certa tendência de resistência para enveredar
pelo caminho da transição energética, ou seja, pela adopção de um novo paradigma energético, já não

129 A queima de carvão mineral liberta, entre outros, um gás altamente tóxico para toda e qualquer forma de vida: o dióxido
de enxofre, responsável pela morte de milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente por doenças cancerígenas.
130 SOROMENHO-MARQUES, Viriato (1994), Regressar à Terra – Consciência Ecológica e Política de Ambiente, Fim de Século,

Lisboa, p. 20.
131 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ acedido a 2 de Janeiro

de 2019.
132 SERRA, Carlos/CUNHA, Fernando, ob. cit. p. ().

31
assente na exploração massiva de fontes não renováveis, poluidoras e aquecedoras, e opta pelas
chamadas energias novas e renováveis. Não obstante os enormes avanços no sentido da viabilidade
económica das energias alternativas (eólica, solar, térmica, biomassa, adequado uso dos recursos
hídricos), bem como tendo presente os imensos e pesados impactos ambientais decorrentes do uso e
abuso das energias fósseis, muitos Estados e Multinacionais continuam a apostar na busca de poços de
petróleo ou na extracção de carvão mineral e na abertura de centrais energéticas movidas a carvão
mineral, e, consequentemente, contribuindo para agravar o já frágil sistema climático.
Quando se debate a questão energética, a obra de Brian O’Leary “Re-Herdar a Terra” é de
leitura obrigatória, defendo este autor: “A política energética expressa nos media concentra-se na
continuidade da nossa gula pelos combustíveis fosseis como a única forma de evitar falhas. Isto coloca-
nos no caminho do suicídio colectivo. (…) O encobrimento de alternativas limpas e renováveis é um
crime contra a Humanidade”133
Por sua vez, os dados dos países em vias de desenvolvimento revelam o enorme desafio no
acesso à energia: 1,3 bilhão de pessoas – uma em cada cinco, globalmente – ainda não têm acesso à
electricidade moderna; e 3 bilhões de pessoas dependem de madeira, carvão, carvão vegetal ou
dejectos animais para cozinhar e obter aquecimento134. No caso de Moçambique, cerca de 82% da
população moçambicana depende da queima de lenha e carvão vegetal para suprir as respectivas
necessidades energéticas básicas135. Tal dependência gera impactos enormes nos ecossistemas, com
especial destaque para as diversas formações florestas, agravando a exposição e vulnerabilidade às
mudanças climáticas.
Segundo José Rodrigues dos Santos, “o futuro do abastecimento energético constitui talvez
o maior e mais importante desafio da humanidade para a próxima década. É na escolha do tipo de
energia que nos irá alimentar que assenta a sobrevivência do planeta enquanto sistema biológico e a
sustentabilidade da economia na qual o nosso modo de vida assenta, e o grande problema é justamente
conciliar estes dois aspectos até aqui incompatíveis”136.
Nesse sentido, diz-nos Brian O’Leary que “Há pelo menos três razões pelas quais devemos
terminar a era dos combustíveis fósseis: (i) as reservas de petróleo e gás natural estão a diminuir de tal
forma que metade destas estarão gastas bem cedo neste século; (ii) a queima de qualquer composto
de carbono (especialmente carvão e petróleo) é altamente tóxica para p ambiente; (iii) o aquecimento
global e as mudanças climáticas são consequências inevitáveis. A energia nuclear também tem

133 O’LEARY, Brian (2002), Re-herdar a Terra – Despertar para Soluções Sustentáveis e Verdades Maiores, Âncora Editora,
Lisboa.
134 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ Acedido a 4 de

Janeiro de 2018.
135 CONSELHO DE MINISTROS (2016), Estratégia Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal

(REDD+), Maputo.
136 SANTOS, José Rodrigues dos (2007), O Sétimo Selo, 6.ª Edição, Gradiva, Lisboa, p. 499.

32
problemas importantes. Mudar para energias limpas e renováveis será a chave para um futuro
sustentável”137.
O Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 7 da ONU é o de “Assegurar o acesso
confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”.

1.9. A explosão demográfica

A questão demográfica tem vindo a conquistar importância no quadro da problemática ambiental,


principalmente após a Conferência de Joanesburgo, realizada em 2002, tendo presente a constatação
de, quanto maior for o número da população humana, maior será a pressão sobre os recursos naturais,
bem como maior será o volume de resíduos e substâncias poluentes a serem depositadas no
ambiente138.
Nesse sentido, segundo Carlos Serra, “A pegada ecológica causada pelo Homem, decorrente
da combinação da quantidade de recursos naturais utilizados para satisfação das humanas e a
quantidade de resíduos produzidos pelos seres humanos, tornou-se excessivamente pesada, assumiu
contornos perigosos, indiciando que, se nada se fizer para alterar radicalmente semelhante tendência
nefasta, amanhã poderá ser tarde de mais”139.
A questão demográfica é muito bem descrita, em poucas palavras, por Lester Brown: “A
população mundial mais que duplicou de 1950 para cá. Os nascidos antes de 1950 formam a primeira
geração da história a testemunhar esse avanço durante a sua existência. Em outras palavras, foram
adicionadas mais pessoas à população mundial, a partir de 1950, do que durante os 4 milhões de anos
anteriores desde que conseguimos ficar erectos. Durante grande parte desses 4 biliões de anos, éramos
poucos milhares. Quando a agricultura teve inicio, a população mundial era estimada em 8 milhões –
menos de um terço do tamanho de Tóquio hoje. Com a Revolução Industrial, acelerou-se mais. Após
1950, disparou”140.
A população mundial no princípio do século XX estava fixada em pouco mais de um bilião de
pessoas. No final deste século, havia 6 biliões de pessoas, a consumir muito mais recursos e a produzir
uma quantidade muito maior de resíduos do que os seus antepassados um século antes141.
Entre as causas do espantoso crescimento populacional registado ao longo do século XX
destacamos, em especial; (i) o enorme desenvolvimento da medicina e dos cuidados de saúde,

137 O’LEARY, Brian (2002), ob. cit., p 22.


138 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit. (...).
139 SERRA, Carlos (2012), ob. cit. (...).
140 BROWN, Lester R (2003). Eco-economia, Salvador, Publicações UMA/Worldwatch, p. 225, disponível em

Www.worldwatch.org.br.
141 FLANNERY, Tim (2006), ob. cit., p. 99.

33
responsável por ter feito reduzir para metade a mortalidade infantil a partir de 1955 e por ter permitido
a duplicação da esperança global de vida desde 1950; (ii) o extraordinário reforço da capacidade de
produção de alimentos, na sequência da introdução de máquinas agrícolas, pesticidas e fertilizantes,
novas técnicas agrícolas e desenvolvimento no plano da investigação agronómica 142.
No dia 31 de Outubro de 2011 a população mundial atingiu a meta de 7 biliões de habitantes,
chamando a atenção para os problemas colocados por um planeta altamente superpovoado, com
distribuição desigual de água, solos férteis, alimentos e renda, e com o ambiente cada vez mais
ameaçado143. Veja-se que esta cifra foi alcançada apenas 12 anos depois de a população mundial ter
atingido o número de 6 biliões de habitantes, e 24 anos depois de ter alcançado os 5 biliões de
habitantes, o que revela uma tendência clara para o crescimento exponencial 144.
Em 2013, um relatório da ONU concluiu que, até ao ano 2050, a população mundial deverá
atingir o total de 9,6 biliões de pessoas, não obstante o abrandamento do crescimento demográfico
como um todo, com a excepção do continente africano, cuja população continuará a subir a um ritmo
superior à média planetária145. Segundo o relatório “Perspectivas da População Mundial: Revisão de
2012”, a população das regiões desenvolvidas permanecerá praticamente inalterada em torno de 1,3
bilhão até 2050; no entanto, a população dos 49 países menos desenvolvidos deve dobrar de cerca de
900 milhões de pessoas em 2013 para 1,8 bilhão em 2050146.
Terminámos o ano de 2017 com uma população mundial estimada em 7,6 bilhões de
habitantes, segundo o relatório Perspectivas da População Mundial: Revisão de 2017, lançado pelo
Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais da ONU 147.
O crescimento populacional é fundamentalmente gerado pelos países em vias de
desenvolvimento, a um ritmo de 70 milhões de pessoas por ano148. Nesta lista encontramos, em 2015,
a China na dianteira (com cerca de 1 bilião e 400 milhões de pessoas), a Índia (com quase 1 bilião e 300
milhões), a Indonésia (com aproximadamente 255 milhões de habitantes), o Brasil (próximo dos 204
milhões de habitantes) e a Nigéria (o pais africano mais populoso, com cerca de 184 milhões de

142 MILLER Jr, G. Tyler (2007), ob. cit., p. 7.


143 http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2011/outubro/planeta-atinge-marca-de-7-bilhoes-de-habitantes?tag=vida-e-
saude Acedido a 2 de Novembro de 2015.
144 http://cidadeverde.com/noticias/86584/populacao-mundial-chega-a-7-bilhoes-de-pessoas-na-proxima-2 Acedido a 2 de

Novembro de 2015.
145 http://nacoesunidas.org/populacao-mundial-deve-atingir-96-bilhoes-em-2050-diz-novo-relatorio-da-onu/ Acedido a 2 de

Novembro de 2015.

146 Idem.
147 Veja-se https://news.un.org/pt/story/2017/06/1589091-populacao-mundial-atingiu-76-bilhoes-de-habitantes, acedido a
31 de Outubro de 2018.
148 MASTNY, Lisa /CINCOTTA, Richard (2005), “Analisando Ligações entre População e Segurança”, Estado do Mundo 2005,

Publicações UMA (Universidade Livre da Mata Atlântica) /Worldwatch, disponível em Www.worldwatch.org.br, p. 26.

34
habitantes, e um ritmo de crescimento impressionante, prevendo-se que venha a alcançar 440 milhões
de habitantes em 2050) 149.
É no continente africano que se assistirá ao maior crescimento demográfico, projectando-se
que venha a quadruplicar, passando de 1,2 biliões de habitantes em 2015 para 4,4 biliões de habitantes
em 2100150. Nesse sentido, enquanto actualmente uma em seis pessoas vive em África, no final do
século uma em três pessoas viverá no mesmo continente151.
Estamos, portanto, diante de um crescimento que se classifica de exponencial, isto é, baseado
num aumento proporcional (e não linear) em relação ao número de pessoas existentes, que produz
uma duplicação sucessiva do número da população, em determinando espaço territorial e em
determinado período de tempo152. No entanto, a partir de 1960, registou-se um abrandamento da
redução do crescimento populacional, apesar de insuficiente em relação à questão ambiental, na
consequência da mudança do conceito de gravidez, bem como do acesso a anticoncepcionais, em todo
o Mundo.
Neste domínio emerge o conceito de armadilha de pobreza, traduzido na constatação de que,
quanto mais pessoas, mais pobreza, e quanto mais pobreza, mais pessoas153. Trata-se daquilo que
alguns autores denominam da armadilha – população. Isto é, “a pobreza perpetua o crescimento da
população mantendo as pessoas em condições em que não têm instrução, nem cuidados de saúde,
nem planeamento familiar, nem oportunidades, nem maneira de progredir, e só lhes resta ter uma
grande família e esperar que os filhos obtenham rendimentos ou ajudem, trabalhando no seio da sua
família”154. Nesse sentido, G. Tyler Miller Jr. chama-nos a atenção para as consequências do
crescimento populacional e consequente aumento dos stresses ambientais: “doenças infecciosas,
danos na biodiversidade, desmatamento das florestas tropicais, redução da pesca, escassez da água,
poluição dos mares e mudanças climáticas”155.
A temática da população e ambiente tem vindo a merecer uma atenção cada vez mais
significativa na arena internacional, principalmente na sequência da Conferência de Estocolmo (1972),
quando os Estados proclamaram, que, “nas regiões em que a taxa de crescimento da população ou a
sua concentração excessiva possam exercer influência nefasta no ambiente ou no desenvolvimento (...)

149 http://www.mundodageografia.com.br/os-10-paises-mais-populosos-mundo/ Acedido a 2 de Novembro de 2015.


150 http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/internacional/43102-populacao-africana-quadruplica-e-india-sera-o-pais-
mais-populoso Acedido a 2 de Novembro de 2015.
151 Idem.
152 MEADOWS, Donela H./MEADOWS, Dennis L./RANDERS, Jorgen (1993), Além dos Limites – Da catástrofe total ao futuro

sustentável, Lisboa, Difusão Cultural, pp. 14 – 45.


153 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).
154MEADOWS, Donela H./MEADOWS, Dennis L./RANDERS, Jorgen (1993), ob. cit., p. 42.
155 MILLER Jr, G. Tyler (2007), ob. cit., p. 138.

35
devem pôr em prática políticas demográficas que respeitem os direitos fundamentais da pessoa
humana e sejam julgadas convenientes pelos governos interessados”156.
Uma importante menção merece a realização, sob a égide das Nações Unidas, da terceira
Conferência sobre População e Desenvolvimento, na cidade do Cairo, no Egipto, no ano de 1994,
juntando representantes de 179 países157. Um dos objectivos centrais da Conferência foi conseguir a
definição de acções no sentido da estabilização da população mundial em 7,8 biliões de pessoas até
2050, em vez do então 8,9 biliões previstos 158. Neste evento foi aprovado um Plano de Acção para o
horizonte temporal de 20 anos, que representou uma mudança de paradigma com respeito ao debate
populacional, à relação entre população e desenvolvimento e às políticas populacionais 159. Neste
instrumento foram definidas como metas, a ser alcançadas até ao ano de 2015: (i) disponibilizar acesso
a programas de planeamento familiar e assistência médica reprodutiva; (ii) melhorar os serviços de
assistência médica para bebés, crianças e gestantes; (iii) desenvolver e implementar órgãos que
inspeccionam a população nacional; (iv) melhorar o status da mulher e expandir as oportunidades de
estudo e emprego para as jovens; (v) proporcionar mais educação, especialmente para meninas e
crianças; (vi) aumentar o envolvimento dos homens na responsabilidade de criar os filhos e no
planeamento familiar: (vii) reduzir drasticamente a pobreza; (viii) e reduzir padrões insustentáveis de
produção e consumo160.
Apesar dos avanços registados na Conferência e nas acções imediatas, uma parte das metas
acima referidas não chegaram a ser alcançadas, com destaque para a equidade de género e a
universalização da saúde reprodutiva, que constituem um enorme desafio para a humanidade 161.
Segundo G. Tyler Miller Jr: “a experiência sugere que a melhor forma de controlar o
crescimento da população é combinar investimentos no planeamento familiar, redução da pobreza e
elevação do status da mulher”162. Para Robert et all, “demógrafos e analistas populacionais
reconhecem, cada vez mais, que a saúde e circunstâncias das mulheres estão entre os maiores
determinadores de filhos que os pais devem ter. Quando educação, oportunidade, capacidade e
situação das mulheres começam a se aproximar às dos homens suas condições económicas e de saúde
melhoram. Ademais, caso haja um bom acesso a serviços de planeamento familiar, elas têm menos

156 Cf. Princípio XVI, da Declaração de Estocolmo.


157 As duas conferências mundiais anteriores sobre população, organizadas pela ONU, tiveram lugar em Bucareste (1974) e
Cidade do México (1984).
158 ENGELMAN, Robet/HALWEIL, Brian/NIERENBERG, Danielle (2002), “Repensando Populações, Melhorando Vidas”, Estado

do Mundo 2002, Disponível em Www.wordwatch.org.br, pp. 148 – 149.


159 http://www.ecodebate.com.br/2012/05/04/a-conferencia-internacional-sobre-populacao-e-desenvolvimento-cipd-do-

cairo-alem-de-2014-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/ Acedido a 3 de Novembro de 2015.


160 MILLER Jr, G. Tyler (2007), p. 151.
161 http://www.ecodebate.com.br/2012/05/04/a-conferencia-internacional-sobre-populacao-e-desenvolvimento-cipd-do-

cairo-alem-de-2014-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/ Acedido a 3 de Novembro de 2015.


162 MILLER Jr, G. Tyler (2007), p. 151.

36
filhos, em média, e os que têm chegam mais tarde nas vidas das mães”163. E mais, “enquanto moças e
mulheres forem vistas como menos capazes do que rapazes e homens de conduzir a experiência
humana e decidir por si só como viver, a política populacional sempre será imperfeita. Quando moças
vão para o ensino secundário livres de medo da violência e coerção sexual, e quando mulheres atingem
paridade económica, social e política com os homens têm, em média, menos filhos e dão à luz mais
tarde em suas vidas do que suas mães – e, sob a premissa de bom acesso a serviços de saúde e
planeamento familiar, a fertilidade quase invariavelmente atinge o nível de substituição ou chega perto.
Isto desacelera o crescimento populacional”164.
Thom Hartmann defende uma devolução de poderes às mulheres, inspirada nas relações de
género características da quase totalidade dos povos da Cultura Antiga, em que as mulheres tinham
um estatuto idêntico ao dos homens, tendo um papel essencial na decisão de conceber, facto que
permitia a estabilidade das populações e a consequente minimização dos impactos ambientais 165. Ora,
“vemos que as populações explodem em praticamente todas as nações do mundo em que as mulheres
são dominadas, tratadas como gado ou mercadoria, ou exploradas e controladas. Os homens nesses
países tomam as decisões, e um dos valores masculinos é ter muitos filhos para formar o maior exército.
(...) Por outro lado, nas nações em que as mulheres têm uma posição e um poder relativamente igual
ao dos homens, há taxas de natalidade inferiores (...). Em quase todos os países do mundo se vê a
demonstração dessa equação: domínio masculino igual a explosão populacional; igualdade relativa
entre sexos igual a populações sustentáveis166.
Conforme Carlos Serra e Fernando Cunha, “há realmente que aproximar esforços, juntar
sinergias e integrar iniciativas dispersas, de modo a que se consigam vitórias na estabilização da
população mundial em números sustentáveis, garantindo uma existência condigna a todo o cidadão do
Planeta, bem como reduzindo e porventura estancando a pressão destruidora que está a ser feita sobre
o ambiente e recursos naturais. Torna-se, para o efeito, crucial que os ecologistas, demógrafos e grupos
de defesa dos direitos da mulher trabalhem juntos na questão da população, pois só assim se logrará
alcançar uma vitória significativa, que faça descer em todos os países, especialmente nos mais
carenciados, as taxas de natalidade”167.
Moçambique consta da lista de países em desenvolvimento com uma taxa de crescimento
população elevada, tendo passado de uma população de 6,5 milhões de habitantes em 1950 para cerca
de 28 861 863 em 2017168. A taxa de crescimento anual da população fixa-se actualmente em 2,7% ao

163 ENGELMAN, Robet at all, (2002), p. 152.


164 Idem, 152.
165 HARTMANN, Thom (2002), As Últimas Horas da Antiga Luz do Sol, Cascais, Colecção Outro Olhar, Sinais do Tempo, pp. 338

– 339.
166 Idem, p. 339.
167 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. (...).
168 INE (2017) In. file:///C:/Users/Carlos%20Serra/Downloads/Doc_FINALApuramento_Preliminar.pdf

37
ano, uma das mais elevadas do mundo169. A média de filhos por mulher situa-se em 5.7, portanto, uma
taxa de fecundidade170 duas vezes mais elevada em relação à fecundidade a nível mundial que é de
2.52.
No País vigora ainda a Política da População, aprovada pela Resolução n.º 5/99, de 13 de
Abril, que prevê, entre outros assuntos, “educar a população especialmente a jovem, através do
sistema formal e não formal, sobre as inter-relações existentes entre os fenómenos demográficos e o
desenvolvimento sustentável e em temas como saúde e higiene, incluindo saúde reprodutiva,
igualdade de género e responsabilidade paterna”171.
No campo da igualdade de género e do empoderamento da mulher, importa ter presente o
Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 5 “Alcançar a igualdade de género e empoderar todas
as mulheres e meninas”.

169 Veja-se http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/primeiro-plano/2885-dinamicas-da-populacao-e-saude-em-


mocambique-um-contributo-para-fazedores-de-politicas, acedido a 6 de Novembro de 2015.
170 Taxa de fecundidade: estimativa do número médio de filhos que uma mulher teria até o fim de seu período reprodutivo,

mantidas constantes as taxas observadas na referida data.


171 Cf. Ponto 3.43.Resolução n.º 5/99, de 13 de Abril, que aprovou a Política da População.

38
CAPITULO II: DIREITO INTERNACIONAL DO AMBIENTE

2.1. Os antecedentes históricos no Direito Internacional do Ambiente

Vamos, no presente capitulo, realizar uma breve incursão histórica do surgimento do Direito do
Ambiente, procurando arrolar algumas datas e passos importantes no Direito Internacional do
Ambiente, para situar o momento em que nos encontramos em termos de construção de uma ordem
jurídico-ambiental.
Antes de falar do direito propriamente dito, importa ter presente que o conceito de
ambiente enquanto tal tem a sua origem no ano de 1800, pelas mãos do dinamarquês Jens Baggesen,
tendo sido posteriormente introduzido no discurso biológico por Jakob Von Uexkull (1864 – 1944)172.
Da leitura realizada ao nível do Direito Internacional, importa sublinhar que foi no campo da
conservação da Natureza que importantes passos foram dados, contribuindo para a definição de alguns
dos alicerces do presente Direito do Ambiente. Nesse sentido, importa destacar algumas das primeiras
convenções internacionais sobre a conservação da Natureza e/ou de determinadas espécies. Importa
sublinhar que tais instrumentos reflectem uma preocupação fundamentalmente antropocêntrica ou
utilitarista, no sentido de que a protecção das espécies era prosseguida como forma de assegurar a
optimização da satisfação de necessidades humanas ou a continuidade pelo menos a continuidade da
mesma em relação às gerações futuras173.
Foi em 1882 que se deu a celebração da primeira convenção destinada à protecção das baleias,
em resposta à exploração insustentável a que tais espécies estavam sujeitas, no contexto em que o
ritual da caçada começou a ser fortemente questionado por assumir contornos de manifesta crueldade
e barbárie174. Note-se que poucos anos antes, em 1886, deu-se a invenção do arpão explosivo, o qual
explode no interior da baleia, um método novo para a caça à baleia, que, associado a barcos mais
velozes, permitiu aos caçadores a permanência por períodos mais prolongados, aumentando o número
de baleias por caçada, dando-se início à era da industrialização da caça à baleia175. Anos mais tarde, foi
assinado Acordo Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira, na cidade de Londres, a 18 de
Junho de 1937, e os protocolos adicionais àquele Acordo assinados em Londres a 24 de Junho de 1938,

172 BOFF, Leonardo (1996), ob. cit., p. 18.


173 KISS, Alexandre (1996), “Direito Internacional do Ambiente”, Textos – Ambiente e Consumo, Volume I, Lisboa, Centro de
Estudos Judiciários, pp. 78 – 79.
174 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e (2002), Direito Ambiental Internacional – O Ambiente, Desenvolvimento Sustentável

e os Desafios da Nova Ordem Mundial, 2.ª Edição revista e actualizada, Rio de Janeiro, Thex Editora, p. 114.
175 In. http://www.forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=1469&sid=0eddfbaa77173a05ff518e5b8f487bc2, acedido a 6 de

Janeiro de 2016.

39
e a 26 de Novembro de 1945176. Já sob égide da Organização das Nações Unidas, foi celebrada a
Convenção Internacional para a Regulação da Actividade Baleeira foi assinada por 42 Estados reunidos
na capital Norte-americana, Washington, a 2 de Dezembro de 1946, tendo entrado em vigor a 10 de
Novembro de 1948177.
Veja-se a Convenção Internacional para a Protecção às Aves Úteis à Agricultura, assinada em
Paris, a 19 de Março de 1902, considerada, por Alexandre Kiss, como a primeira convenção
internacional de carácter multilateral178.
De seguida, temo o marco histórico da celebração da Convenção sobre a Preservação da
Flora e da Fauna em Estado Natural em África, assinada em Londres, a 8 de Novembro de 1933, no
culminar da Conferência para a Protecção da Flora e Fauna em África, juntando fundamentalmente as
principais potências colonizadoras do continente africano 179. A Convenção de Londres recomendava
aos Estados a criação de áreas de conservação, a limitação das actividades humanas no seu interior e a
protecção de uma lista de espécies de animais bravios180.
Um instrumento similar foi adoptado pela União Pan-americana, mais concretamente a
Convenção sobre a Protecção da Natureza e Preservação da Vida Selvagem no Hemisfério Ocidental,
assinada em Washington, a 12 de Outubro de 1940. Este defende a criação de parques nacionais,
protege as aves migratórias e as espécies ameaçadas, encoraja a cooperação em estudos científicos e
controla a importação e exportação de plantas e animais em perigo ou à beira da extinção 181.
A 6 de Dezembro de 1951 foi assinada, em Roma, sob a égide da Organização Mundial para a
Agricultura e Alimentação (FAO), a Convenção Internacional de Protecção das Plantas, cujo objectivo
consistiu na adopção de medidas legislativas, técnicas e administrativas para controlar e prevenir a
invasão de pragas e doenças nas plantas e produtos derivados 182.
No domínio da prevenção e combate à crescente poluição dos mares por hidrocarbonetos,
nota de destaque para a assinatura, em Londres, em 1954, da Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição do Mar por Petróleo, emendada nos anos de 1962, 1969 e 1971 183.

176 In.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_Internacional_para_a_Regula%C3%A7%C3%A3o_da_Atividade_Bal
eeira Acedido a 6 de Janeiro de 2016.
177 In.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_Internacional_para_a_Regula%C3%A7%C3%A3o_da_Atividade_Bal
eeira Acedido a 6 de Janeiro de 2016.
178 KISS, Alexandre (1996), pp. 78 – 79.
179 In. https://en.wikipedia.org/wiki/Convention_Relative_to_the_Preservation_of_Fauna_and_Flora_in_their_Natural_State

acedido a 7 de Janeiro de 2016.


180 Idem.
181 In. http://www.forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=1469&sid=0eddfbaa77173a05ff518e5b8f487bc2. Acedido a 7 de

Janeiro de 2016.
182 In. https://en.wikipedia.org/wiki/International_Plant_Protection_Convention Acedido a 7 de Janeiro de 2016.
183 In. http://www.forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=1469&sid=0eddfbaa77173a05ff518e5b8f487bc2 Acedido a 7 de

Janeiro de 2015.

40
Em 1 de Dezembro de 1959, na cidade norte-americana de Washington, deu-se um passo
importante na construção do Direito Internacional do Ambiente, ao se criarem as bases para garantir
que, pelo menos uma parcela do Planeta, permaneça livre do impacto negativo directo dos seres
humanos, através da assinatura do Tratado da Antárctica, por 12 países: Argentina, Austrália, Bélgica,
Chile, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, União das Repúblicas Soviéticas, Grã-Bretanha,
Irlanda do Norte e Estados Unidos da América184. O objectivo é tornar a Antárctica uma terra de paz,
reservada à ciência. Proíbe armas nucleares e despejo de resíduos radioactivos. Entrou em vigor a 23
de Junho de 1961185. Anos mais tarde, a 9 de Março de 1964, foi assinado, em Bruxelas, o Acordo sobre
as Medidas de Conservação da Fauna e Flora da Antárctica, assinado em Bruxelas, com o objectivo de
garantir a implementação dos princípios e objectivos estabelecidos no Tratado do Atlântico, entre os
quais se destaca a investigação científica das espécies que habitam a Antártica186.
Já no contexto do processo de descolonização em África, deu-se, em 1968, à assinatura, na
cidade de Argel, da Convenção Africana para Protecção da Natureza e dos Recursos Naturais, que teve
como objectivo encorajar a actuação individual e conjunta na conservação, utilização e
desenvolvimento do solo, água, flora e fauna para o presente e futuro bem-estar dos seres humanos,
com base numa abordagem económica, nutricional, científica, educacional, cultural e estética 187.
Ainda em 1968, dois importantes instrumentos foram aprovados ao nível da Europa, pelo
Conselho de Europa, na cidade de Estrasburgo, em França. A 6 de Maio, a Carta Europeia da Água,
visando minimizar e/ou eliminar os problemas associados à sua utilização188; e a 8 de Maio, a Declaração
de Princípios sobre o Controlo da Poluição Aérea, visando orientar os Estados membros na adopção
das medidas legais e administrativas necessárias para prevenir e combater a poluição atmosférica de
todas as fontes189.
Foi ainda em 1968 (dia 6 de Dezembro) que a Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas, sob proposta da Suécia, tomou a decisão de realizar, em Estocolmo, em 1972, a primeira grande
Conferência sobre o ambiente190. A Conferência de Estocolmo constitui sem dúvidas um marco muito
importante na institucionalização do Direito do Ambiente. A Declaração de Princípios que deste
encontro resultou foi fortemente influenciada pelos diversos tratados, convenções e protocolos
internacionais, e, por sua vez, tornou-se fonte de Direito de muitos Estados que participaram no evento.

184 Veja-se https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_da_Ant%C3%A1rtida, acedido a 7 de Janeiro de 2016.


185 In. http://www.forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=1469&sid=0eddfbaa77173a05ff518e5b8f487bc2, acedido a 7 de
Janeiro de 2016.
186 Idem.
187 In. http://www.unep.ch/regionalseas/legal/afr.htm, acedido a 7 de Janeiro de 2016.
188 In. https://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_europeia_da_%C3%A1gua. Acedido a 7 de Janeiro de 2016.
189 CASTRO, Paulo Jorge Canelas de (1994), “Mutações e Constâncias do Direito Internacional do Ambiente”, Revista Jurídica

do Urbanismo e do Ambiente, n.º 2, Dezembro, pp. 145 - 148.


190 GEORGE, Pierre (1984), O Meio Ambiente, Biblioteca Básica de Ciência, Edições 70, Lisboa, p. 16

41
Surge assim um ramo novo e autónomo de Direito, especializado nas questões ambientais,
dotado de princípios e normas de cariz específico, assentes no primado da protecção e conservação do
ambiente, que passou a ser leccionado, em meados da década de setenta, em várias universidades191.
Note-se que o nascimento e desenvolvimento do Direito do Ambiente foi caracterizado, à
partida, pela existência de sérios entraves quanto à sua implementação ou aplicação 192, pois, “a
incompatibilidade e o conflito fundamental, por um lado, entre a protecção da pessoa humana ou do
património comum da Humanidade e, por outro, a protecção das soberanias e interesses industriais ou
estratégicos dos Estados está, na sua essência, no centro de qualquer análise do direito
internacional”193. A superação deste sério obstáculo constitui um sério desafio para a Comunidade
Internacional na luta por um ambiente global, regional e local melhor194.

2.2. Papel e peso do Direito Internacional da ordem jurídica interna

No seguimento da consolidação do Direito Internacional do Ambiente, Moçambique iniciou, poucos


anos após a Independência (25 de Junho de 1975), um processo de adesão a tratados e convenções
internacionais sobre diversas matérias ambientais, sendo o âmbito de aplicação variado: internacional
(tendo normalmente as Nações Unidas como organização promotora), continental (tendo como
principal sujeito a Organização da Unidade Africana, que deu lugar à actual União Africana) e regional
(da autoria da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral ou de outra organização de
âmbito regional).
Segundo a Constituição da República de Moçambique, “os tratados e acordos internacionais,
validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana após a sua publicação
oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de Moçambique” 195. Ou seja, os
instrumentos internacionais deverão observar os necessários procedimentos de aprovação e
ratificação, através do cumprimento das formalidades e do accionamento das entidades competentes
- Assembleia da República e Conselho de Ministros, conforme os casos.
A Assembleia da República tem competência exclusiva para “aprovar e denunciar os tratados
que versem sobre matérias da sua competência”, bem como “ratificar e denunciar os tratados
internacionais”196. Ao Conselho de Ministros compete “preparar a celebração de tratados

191 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (….).


192 Idem, pp. (…).
193 RUSSBACH, Olivier (1993), “O Direito ao Direito Internacional do Ambiente”, Terra, Património Comum, Lisboa, Instituto

Piaget, p. 154.
194 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (….).
195 Cf. Artigo 18.°, n.º 1, da Constituição da República de Moçambique.
196 Veja o disposto no artigo 179.°, n.º 2, e) e t), da Constituição, sobre a competência exclusiva da Assembleia da República.

42
internacionais e celebrar, ratificar, aderir e denunciar acordos internacionais, em matérias da sua
competência governativa”197.
Por outro lado, urge observar o disposto quanto à publicação oficial, isto é, no Boletim da
República, como condição chave para a eficácia jurídica, para que o instrumento internacional em causa
possa produzir efeitos jurídicos.
Sobre o peso dos instrumentos internacionais, determina a Constituição que “as normas de
direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os actos normativos
infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a sua respectiva
forma de recepção”198. O legislador atribuiu assim um peso às normas de direito internacional abaixo
da Constituição, mas ao mesmo nível do que as Leis da Assembleia da República e que os Decretos-leis
e Decretos do Conselho de Ministros.
Passaremos a apresentar os principais instrumentos internacionais que versam sobre
ambiente ratificados pelo Estado moçambicano.

2.3. Instrumentos de índole internacional

2.3.1. Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Silvestres
Ameaçadas de Extinção

Em 1981199, a então República Popular de Moçambique ratificou a Convenção sobre o Comércio


Internacional das Espécies de Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção, através da Resolução n.º
20/81, de 30 de Dezembro, do Conselho de Ministros. Esta Convenção, conhecida internacionalmente
pelas siglas CITES, foi celebrada a 30 de Abril de 1973, em Washington, Estados Unidos de América 200.
Note-se que este instrumento foi o resultado de um enorme movimento de pressão realizado
por diversas organizações não-governamentais de âmbito nacional e internacional junto dos governos
e organizações internacionais, no sentido de tomarem medidas concretas e eficientes contra o
comércio de espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção.
Em relação à fauna bravia em especial, o tráfico está hoje associado a autênticas redes de crime
organizado transnacional, dirigindo abastecer mercados ilegais de produtos faunísticos, lojas de venda

197 Cf. Artigo 200.°, n.º 1 g) da Constituição da República de Moçambique.


198 Cf. Artigo 18.°, n.º 2, da Constituição da República de Moçambique.
199 No mesmo ano, o nosso país aderiu à União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN),

ratificando o respectivo acto de inscrição, através da Resolução n.º 21/81, de 30 de Dezembro, do Conselho de Ministros. Tal
iniciativa, complementada com a aprovação de legislação interna, comprova o esforço realizado pelo então Governo na
materialização de uma política de protecção das florestas e fauna nacionais. Contudo, este esforço foi gradualmente destruído
devido ao impacto devastador da Guerra Civil em praticamente todo o país.
200 Cf. Artigo 19.°, da Convenção CITES.

43
de animais exóticos, jardins zoológicos, coleccionadores privados ou investigação científica nos países
desenvolvidos201.
Veja-se que no Preâmbulo encontram-se as principais motivações que conduziram a decisão
de celebrar a presente Convenção, e que passam pelo reconhecimento, por um lado, que “a fauna e
flora selvagens constituem em suas numerosas, belas e variadas formas um elemento insubstituível dos
sistemas naturais da terra que deve ser protegido pela presente e futuras gerações; “do crescente valor,
dos pontos de vista estético, científico, cultural, recreativo e económico, da fauna e flora selvagens; e
de que “os povos e os estados são e deveriam ser os melhores protectores de sua fauna e flora
selvagens”; e, por outro lado, que “a cooperação internacional é essencial à protecção de certas
espécies da fauna e da flora selvagens contra sua excessiva exploração pelo comércio internacional”;
havendo “urgência em adoptar medidas apropriadas a este fim” 202.
A Convenção CITES baseia-se na organização das espécies (incluindo espécies, subespécies
ou populações geograficamente isoladas203) em três Anexos, aos quais correspondem regulamentações
específicas. O Anexo 1 inclui todas as espécies ameaçadas de extinção que são ou possam ser afectadas
pelo comércio, devendo o comércio de espécimes204 dessas espécies estar sujeito “a uma
regulamentação particularmente rigorosa a fim de que não seja ameaçada ainda mais a sua
sobrevivência, e será autorizado somente em circunstâncias excepcionais”205. Por sua vez, o Anexo II
inclui: “todas as espécies que, embora actualmente não se encontrem necessariamente em perigo de
extinção, poderão chegar a esta situação, a menos que o comércio de espécimes de tais espécies esteja
sujeito a regulamentação rigorosa a fim de evitar exploração incompatível com sua sobrevivência” e
“outras espécies que devam ser objecto de regulamentação, a fim de permitir um controlo eficaz do
comércio dos espécimes de certas espécies”206. Por fim, o Anexo III inclui “todas as espécies que
qualquer das partes declare sujeitas, nos limites de sua competência, a regulamentação para impedir
ou restringir sua exploração e que necessitam da cooperação das outras partes para o controle do
comércio”207.
Para além das disposições específicas para as espécies de cada Anexo, a Convenção CITES
atribui aos Estados a obrigação de adoptar as medidas apropriadas para zelar pelo cumprimento das
respectivas disposições e proibir o comércio de espécimes em violação das mesmas, com destaque

201 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento (2002), Direito Ambiental Internacional – O ambiente, Desenvolvimento Sustentável
e os Desafios da Nova Ordem Mundial, 2.ª Edição revista e actualizada, Rio de Janeiro, Thex Editora, p. 115.
202 In. Preâmbulo da Convenção CITES.
203 Cf. Artigo 1.°, a), da Convenção CITES.
204 Por espécime entende-se “qualquer animal ou planta, vivo ou morto (Artigo 1.°, b), da Convenção CITES.
205 Cf. Artigo 2.°, I), da Convenção CITES.
206 Cf. Artigo 2.°, II), da Convenção CITES.
207 Cf. Artigo 2.°, III), da Convenção CITES.

44
para o “sancionar o comércio ou posse de tais espécimes, ou ambos”, bem como “prever o confisco ou
devolução ao estado de exportação de tais espécimes”208.
Veja-se ainda a previsão da designação, por parte de cada Estado parte, de portos de saída
e portos de entrada nos quais deverão ser apresentados os espécimes para seu despacho209. Por outro
lado, as partes incorrem na obrigação de verificar “que todo o espécime vivo, durante qualquer período
em trânsito, permanência ou despacho, seja cuidado adequadamente, a fim de reduzir ao mínimo o
risco de ferimentos, danos à sua saúde ou tratamento cruel”210.
Em termos de arranjo institucional, a Convenção CITES prevê que cada Estado parte deva
designar uma ou mais autoridades administrativas competentes para conceder licenças e certificados
em nome da referida parte, bem como uma ou mais autoridades científicas211.

2.3.2. Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo

A Comissão Permanente da Assembleia Popular ratificou, através da Resolução n.º 17/82, de 13 de


Novembro, a Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo. Esta Convenção
foi elaborada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), no
culminar da Conferência Geral realizada em Paris, França, entre os dias 17 de Outubro e 21 de
Novembro de 1972.
Partiu-se da constatação de “que o património cultural e o património natural estão cada vez
mais ameaçados de destruição, não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas também pela
evolução da vida social e económica que as agrava através e fenómenos de alteração ou de destruição
ainda mais importantes”; que “a degradação ou o desaparecimento de um bem do património cultural
e natural constitui um empobrecimento efectivo do património de todos os povos do mundo”; que “a
protecção de tal património à escala nacional é a maior parte das vezes insuficiente devido à vastidão
dos meios que são necessários para o efeito e da insuficiência de recursos económicos, científicos e
técnicos do país no território do qual se encontra o bem a salvaguardar”; “a importância que constitui,
para todos os povos do mundo, a salvaguarda de tais bens, únicos e insubstituíveis, qualquer que seja
o povo a que pertençam”; “que determinados bens do património cultural e natural se revestem de
excepcional interesse que necessita a sua preservação como elementos do património mundial da
humanidade no seu todo”; “que, perante a extensão e a gravidade dos novos perigos que os ameaçam,
incumbe à colectividade internacional, no seu todo, participar na protecção do património cultural e

208 Cf. Artigo 8.°, n.º 1, da Convenção CITES.


209 Cf. Artigo 8.°, n.º 3, da Convenção CITES.
210 Idem, segunda parte.
211 Cf. Artigo 9.°, n.º 1, da Convenção CITES.

45
natural, de valor universal excepcional, mediante a concessão de uma assistência colectiva que sem se
substituir à acção do Estado interessado a complete de forma eficaz”; justificando-se ser indispensável
a adopção de novas disposições dirigidas ao estabelecimento de “um sistema eficaz de protecção
colectiva do património cultural e natural de valor universal excepcional, organizado de modo
permanente e segundo métodos científicos e modernos”212.
Retemos especialmente a ideia de que certos bens cultuais e naturais possuem um valor
extraordinariamente rico que extravasa os limites fronteiriços do Estado onde os mesmos se
encontram, constituindo património de toda a Humanidade.
Para além dos monumentos, conjuntos e locais de interesse, a Convenção prevê como
categoria de bens de património cultural: (i) os monumentos naturais constituídos por formações físicas
e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de vista estético
ou científico; (ii) as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que
constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas, com valor universal excepcional do
ponto de vista da ciência ou da conservação; (iii) os locais de interesse naturais ou zonas naturais
estritamente delimitadas, com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência, conservação ou
beleza natural213.
Constituem obrigações dos Estados as seguintes: (i) adoptar uma política geral que vise
determinar uma função ao património cultural e natural na vida colectiva e integrar a protecção do
referido património nos programas de planificação geral; (ii) instituir no seu território, caso não
existam, um ou mais serviços de protecção, conservação e valorização do património cultural e natural,
com pessoal apropriado, e dispondo dos meios que lhe permitam cumprir as tarefas que lhe sejam
atribuídas; (iii) desenvolver os estudos e as pesquisas científicas e técnica e aperfeiçoar os métodos de
intervenção que permitem a um Estado enfrentar os perigos que ameaçam o seu património cultural e
natural; (iv) tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas
para a identificação, protecção, conservação, valorização e restauro do referido património; e (v)
favorecer a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais de formação nos domínios
da protecção, conservação e valorização do património cultural e natural e encorajar a pesquisa
científica neste domínio214.
Esta Convenção prevê igualmente que os Estados devam reconhecer que o património
cultural e natural existente dentro das respectivas fronteiras e que esteja abrangido pelo referido texto
internacional seja considerado “património universal para a protecção do qual a comunidade
internacional no seu todo tem o dever de cooperar”, com salvaguarda pela soberania, pelo que aqueles

212 In. Preâmbulo da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo
213 Cf. Artigo 2.° da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
214 Cf. Artigo 5.° da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.

46
se comprometem a contribuir para a respectiva “identificação, protecção, conservação e valorização”,
bem como “a não tomar deliberadamente qualquer medida susceptível de danificar directa ou
indirectamente o património cultural e natural”215.
Em termos institucionais, a Convenção prevê que, junto da Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a criação de um comité intergovernamental para a
protecção do património cultural e natural de valor universal excepcional, denominado Comité do
Património Mundial216.
A Convenção prevê a obrigação de cada Estado parte de submeter ao Comité do Património
Mundial um inventário dos bens do património cultural e natural situados no seu território, incluindo a
documentação sobre o local dos bens em questão e sobre o interesse que apresentam 217. É com base
em tal inventário que o Comité prepara, actualiza (de dois em dois anos) e difunde a Lista do Património
Mundial», incluindo bens do património cultural e do património natural que possuam “um valor
universal excepcional em aplicação dos critérios que tiver estabelecido218.
A Convenção prevê a existência de um fundo para a protecção do património mundial,
cultural e natural de valor universal excepcional - o Fundo do Património Mundial, constituído pelas
contribuições obrigatórias e contribuições voluntárias dos Estados parte na presente Convenção; pelo
pagamento, doações ou legados que poderão fazer, pelo produto das colectas e receitas das
manifestações organizadas em proveito do Fundo; e por quaisquer outros recursos autorizados pelo
regulamento que o Comité do Património Mundial elaborará 219.
Destaque ainda para a previsão do compromisso que os Estados pare assumiram no
estabelecimento ou promoção da criação de fundações ou de associações nacionais, públicas e
privadas, que tenham o objectivo de proteger o património cultural e natural 220.
Por fim, importa referir que a presente Convenção contempla um conjunto de condições e
modalidades de assistência internacional, que pode ser requerida por qualquer Estado parte, em
relação a bens do património cultural ou natural de valor universal excepcional situados no seu
território, mediante a fundamentação necessária221.

215 Cf. Artigo 6.° da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
216 Cf. Artigo 8.°, n.º 1 da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
217 Cf. Artigo 11.°, n.º 1 da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
218 Cf. Artigo 11.°, n.º 2 da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
219 Cf. Artigo 15.°, da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
220 Cf. Artigo 17.°, da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.
221 Cf. Artigos 19.° a 26.°,, da Convenção para a Protecção do Património Cultural e Natural do Mundo.

47
2.3.3. Convenção de Viena sobre a Protecção da Camada de Ozono

Em 1993, a Assembleia da República ratificou, por via da através da Resolução n.º 8/93, de 8 de
Dezembro, a Convenção de Viena sobre a Protecção da Camada de Ozono (celebrada em Viena, Áustria,
no dia 22 de Março de 1985), bem como Protocolo de Montreal sobre Substâncias que destroem a
Camada de Ozono (celebrado em Montreal, no Canadá, a 16 de Setembro e 1987) e as respectivas
emendas (Londres – 1990; Copenhaga - 1992). Pela Resolução n.º 9/2009, de 18 de Setembro, foram
ratificadas as Emendas de Montreal de 1997 e da Emenda de Beijing de 1999, do Protocolo de Montreal
sobre as substâncias que destroem a Camada de Ozono de 16 de Setembro de 1987.
Note-se que, nos termos do presente instrumento internacional, por camada de ozono
entende-se “a camada de ozono atmosférico acima da camada limite planetária; e por efeitos negativos
“as alterações verificadas no ambiente físico ou biota, incluindo alterações climáticas, com efeitos
nocivos significativos na saúde ou na composição recuperação e produtividade dos ecossistemas
naturais ou construídos ou nas matérias úteis ao homem”222.
No Preâmbulo da Convenção de Viena, encontramos, entre outras, o reconhecimento “do
impacto potencialmente negativo na saúde e no ambiente provocado pela modificação da camada de
ozono”; e de que “as medidas para a protecção da camada de ozono provocadas pelas modificações
efectuadas pelas actividades humanas requerem acções e cooperação a nível internacional e de que
estas deverão ser fundamentadas em importantes considerações científicas e técnicas”; bem como da
determinação de “proteger a saúde e o ambiente contra os efeitos nocivos resultantes das
modificações da camada de ozono”223.
A Convenção de Viena tem como objectivo geral a adopção de medidas por parte dos Estados
parte para a “protecção da saúde e do ambiente, contra os feitos resultantes ou que poderão vir a
resultar das actividades humanas que modificam ou poderão vir a modificar a camada de ozono” 224.
Para alcançar tal objectivo geral, as Partes deverão, atendendo aos meios ao seu dispor e às suas
capacidades: (i) cooperar, através da observação sistemática, troca de investigação e informação, por
forma a um melhor conhecimento e avaliação dos efeitos das actividades humanas na camada de ozono
e dos efeitos na saúde e no ambiente provocados pelas modificações na camada de ozono; (ii) adoptar
medidas legislativas ou administrativas apropriadas e cooperar na harmonização das políticas de
controlo, limitação, redução ou prevenção das actividades humanas sob sua jurisdição ou controle,
sempre que se verifique que essas actividades tem ou poderão vir a ter efeitos nocivos resultantes de
modificações efectivas ou possíveis da camada de ozono; (iii) cooperar na formulação de medidas,

222 Cf. Artigo 1.°, n.°s 1 e 2, da Convenção de Viena.


223Veja-se o Preâmbulo da Convenção de Viena
224 Cf. Artigo 2.°, n.º 1, da Convenção de Viena.

48
procedimentos ou padrões comuns, para a implementação da presente Convenção, com vista à
adopção de protocolos e anexos; (iv) e cooperar com os competentes organismos internacionais na
implementação efectiva desta Convenção e dos protocolos de que são parte225.
Este instrumento prevê obrigações relativamente à investigação e observações sistemáticas,
directamente ou através dos órgãos internacionais competentes, das causas, níveis e efeitos da
degradação da cama do ozono, nos seguintes assuntos: (i) processos físicos e químicos que possam
afectar a camada de ozono; (ii) efeitos sobre a saúde e outros efeitos biológicos resultantes de
quaisquer modificações da camada de ozono, particularmente os resultantes das alterações nas
radiações ultravioletas que tem efeitos biológicos (UV-B); (iii) efeitos climáticos resultantes de
quaisquer modificações da camada de ozono; (iv) efeitos resultantes de quaisquer codificações na
camada de ozono e consequentes alterações nas radiações UV-B nos materiais naturais e sintéticos
úteis ao homem; (v) substâncias, práticas, processos e actividades que possam afectar a camada de
ozono e seus efeitos cumulativos; (vi) substâncias e tecnologias alternativas; (vii) assuntos
socioeconómicos afins; (viii) e o elaborado nos anexos I e II da presente Convenção 226.
Foram igualmente estabelecidas obrigações no campo da cooperação no campo legal,
científico e técnico, determinando-se que “as Partes deverão facilitar e encorajar a troca de informação
científica, técnica, socioeconómica, comercial e legal de importância para esta Convenção, tal como
esta elaborado no anexo II”227. Por sua vez, “nos termos da Convenção, as Partes deverão cooperar, de
acordo com as suas leis, regulamentos e práticas nacionais e tendo em conta, em especial, as
necessidades dos países em desenvolvimento, promovendo, directamente ou através dos órgãos
internacionais competentes, o desenvolvimento e a transferência de tecnologia e conhecimento”,
designadamente nos seguintes aspectos: (i) facilitar a aquisição de tecnologias alternativas por outras
Partes; (ii) fornecer informação sobre tecnologias e equipamentos alternativos e cedendo manuais e
guias específicos para estes; (iii) fornecer equipamento e facilidades necessárias a investigação e as
observações sistemáticas; e (iv) providenciar adequada formação de pessoal científico e técnico 228.
A Convenção estabeleceu uma Conferência de Partes, que deverá manter a revisão contínua
da implementação da Convenção229, bem como: (i) estabelecer a forma e a regularidade da transmissão
da informação a ser apresentada e considerar esta informação como relatórios apresentados por
qualquer órgão subsidiário; (ii) rever a informação científica sobre a camada de ozono, sobre a sua
possível alteração e sobre os possíveis efeitos de qualquer modificação; (iii) promover a harmonização
de políticas, estratégias e medidas adequadas à minimização da emissão de substâncias que causem

225 Cf. Artigo 2.°, n.º 2, da Convenção de Viena.


226 Cf. Artigo 3.°, n.º 1 da Convenção de Viena.
227 Cf. Artigo 4.°, n.º 1 da Convenção de Viena.
228 Cf. Artigo 4.°, n.° 2. da Convenção de Viena.
229 Cf. Artigo 6.°, n.º 1, da Convenção de Viena.

49
ou possam vir a causar alteração na camada de ozono, e fazer recomendações sobre quaisquer outras
medidas relacionadas com esta Convenção; (iv) adoptar programas de investigação, observações
sistemáticas, cooperação científica e tecnológica, troca de informação e transferência de tecnologia e
conhecimento; (v) ter em consideração e adoptar emendas a esta Convenção e aos seus anexos; (vi)
ter em consideração as emendas a qualquer Protocolo, bem como a qualquer dos anexos, e, se assim
for decidido, recomendar as Partes a adopção do Protocolo em questão; (vii) Ter em consideração e
adoptar, anexos adicionais a esta Convenção; (viii) ter em consideração e adoptar, conforme o caso,
protocolos (ix) estabelecer os órgãos subsidiários necessários a implementação desta Convenção; (x)
procurar, onde for caso disso, os serviços de órgãos internacionais competentes e comités científicos,
em particular a Organização Meteorológica Mundial e a Organização Mundial de Saúde, bem como o
Comité de Coordenação sobre a Camada de Ozono, para investigação científica, observações
sistemáticas e outras actividades pertinentes para os objectivos desta Convenção, e utilizar de modo
adequado a informação destes órgãos ou comités; (xi) e considerar e levar a cabo as actividades
adicionais necessárias a obtenção dos objectivos desta Convenção230.

2.3.4. Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas e respectivos instrumentos de
implementação

2.3.4.1. Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas

Em 1994, a Assembleia da República ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas, da Resolução n.º 1/94, de 24 de Agosto, que resultou da Conferência do Rio. Este
instrumento tem como objectivo final, extensivo aos demais instrumentos com esta relacionados, “a
estabilização das concentrações dos gases de estufa na atmosfera a um nível que evitaria interferências
antropogénicas perigosas no sistema climático. Tal nível deveria ser atingido dentro de um intervalo de
tempo suficiente que permita aos ecossistemas se adaptarem naturalmente às mudanças climáticas,
para assegurar que a produção de alimentos não seja ameaçada e para permitir que o desenvolvimento
económico prossiga de uma maneira sustentável231”.
A Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas sustenta assim o controlo das
emissões de gases de estufa a um nível que evitaria interferências antropogénicas perigosas no sistema
climático, entre os quais destacamos o dióxido de carbono, o metano e o vapor de água, responsáveis

230Cf. Artigo 6.°, n.º 4, da Convenção de Viena.


231Cf. Artigo 2.° da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, ratificada através da Resolução n.º 1/94, de
24 de Agosto

50
pelo processo de aquecimento global em curso no Mundo, e, consequentemente, pelas mudanças
climáticas daqueles decorrentes.
Por mudança climática entendeu-se “mudança no clima atribuída directa ou indirectamente à
actividade do homem que altera a composição global da atmosfera e que seja além disso a variabilidade
natural climática durante períodos de tempo comparáveis” 232. Uma outra definição importante
constante na Convenção, é a de efeitos perversos das mudanças climáticas, definidos como “mudanças
no ambiente físico ou biota resultantes das mudanças climáticas que tenham efeitos danosos
significativos na composição, adaptabilidade ou produtividade dos ecossistemas naturais ou geridos,
ou na operação dos sistemas socioeconómicos na saúde e bem-estar do Homem”233.
Esta Convenção tem um objectivo geral, em termos resumidos, alcançar a estabilização das
concentrações dos gases de estufa na atmosfera a um nível que evitaria impactos perigosos no sistema
climático, num intervalo de tempo suficiente para permitir aos ecossistemas uma adaptação às
mudanças climáticas, assegurando, por um lado, que a produção de alimentos não seja ameaçada, e,
por outro lado, que esteja assegurado o desenvolvimento sustentável 234.
Foram definidos diversos importantes princípios e que deverão nortear a acção de cada Estado
Parte. Importa especialmente atender ao princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas,
em que assenta a protecção do sistema climático, e atende ao facto de haver contribuições bastante
diferentes nas emissões de gases de efeito estufa para o aquecimento global, bem como nas condições
e grau de vulnerabilidade dos diversos Estados; ao princípio da precaução pugnando por uma actuação
antecipada, preventiva e minimizadora das causas das mudanças climáticas, e dirigida à mitigação dos
seus efeitos adversos; e ao princípio do desenvolvimento sustentável, segundo o qual “as políticas e
medidas para proteger o sistema climático contra as mudanças induzidas pelo homem deverão ser
apropriadas para as condições específicas de cada Parte e deverão ser integradas nos programas
nacionais de desenvolvimento, tomando em consideração que o desenvolvimento económico é
essencial para a adopção de medidas para abordar as mudanças climáticas”235.
A Convenção definiu um conjunto de obrigações gerais para todos os Estados Partes, e que
importa conhecer, dado deverem nortear a elaboração e aprovação de legislação nacional 236. Veja-se a
obrigação que cada Parte tem no desenvolvimento, actualização periódica e disponibilização à
Conferência das Partes dos “inventários nacionais de emissões antropogénicas por fontes e remoção
por escoadouros de todos os gases de estuda não controlados pelo Protocolo de Montreal” 237.

232 Cf. Artigo 1.°, n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
233 Cf. Artigo 1.°, n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
234 Cf. Artigo 2.°, da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
235 Cf. Artigo 3.°, da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
236 Cf. Artigo 4.°, n.º 1, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. As obrigações específicas dos países

desenvolvidos encontram-se previstas no n. ° 2 do artigo 4.° do mesmo instrumento.


237 Cf. Artigo 4.° n.° 1 a) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

51
Estritamente relacionada com esta temos a obrigação de fornecimento à Conferência das Partes de
todas as informações relacionadas com a implementação da presente Convenção238.
Veja-se ainda a obrigação das Partes, na formulação, implementação, publicação e actualização
regular de programas nacionais e, onde for apropriado, “programas regionais contendo medidas para
mitigar as mudanças climáticas abordando as emissões antropogénicas por fontes e remoção por
escoadouros de todos os gases de estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, e medidas para
facilitar a adopção adequada às mudanças climáticas” 239. Por outro lado, constitui igualmente
obrigação das Partes cooperar na preparação para a adaptação dos impactos das mudanças climáticas,
desenvolver e elaborar planos apropriados e integrados para a gestão quer das zonas costeiras, quer
ainda dos recursos hídricos e dos recursos agrícolas, bem como para a protecção e reabilitação de
áreas, particularmente em África, afectadas pela seca e desertificação, assim como pelas cheias 240. No
plano da cooperação, destaque para as obrigações de promover e cooperar em pesquisas científicas,
tecnológicas, técnicas, socioeconómicas e outras observações e desenvolvimento de arquivo de dados
relacionados com o sistema climático, com vista a conhecer melhor a dimensão, características, causas
e consequências das mudanças climáticas; de partilhar todas as informações relacionadas com o clima
e com as mudanças climáticas; e de promoção e cooperação na educação, treinamento e informação
pública sobre mudanças climáticas241.
Foi estabelecida a Conferência das Partes, como órgão supremo da presente Convenção, a
qual deverá garantir a respectiva implementação, incluindo quaisquer de seus instrumentos jurídicos,
além de tomar as decisões necessárias para o efeito242. Para o efeito, compete à Conferência das Partes:
(i) examinar periodicamente as obrigações das Partes e os mecanismos institucionais estabelecidos por
esta Convenção à luz de seus objectivos, da experiência adquirida em sua implementação e da evolução
dos conhecimentos científicos e tecnológicos; (ii) promover e facilitar o intercâmbio de informações
sobre medidas adoptadas pelas Partes para enfrentar a mudança do clima e seus efeitos, levando em
conta as diferentes circunstâncias, responsabilidades e capacidades das Partes e suas respectivas
obrigações assumidas sob esta Convenção; (iii) facilitar, mediante solicitação de duas ou mais Partes, a
coordenação de medidas por elas adoptadas para enfrentar a mudança do clima e seus efeitos, levando
em conta as diferentes circunstâncias, responsabilidades e capacidades das Partes e suas respectivas
obrigações assumidas sob esta Convenção; (iv) promover e orientar, de acordo com os objectivos e
disposições desta Convenção, o desenvolvimento e aperfeiçoamento periódico de metodologias
comparáveis, a serem definidas pela Conferência das Partes para, entre outras coisas, elaborar

238 Cf. Artigo 4.° n.° 1 j) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
239 Cf. Artigo 4.° n.° 1 b) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
240 Cf. Artigo 4.° n.° 1 e) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
241 Cf. Artigo 4.° n.° 1 g), h) e i) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
242 Cf. Artigo 7.° n.°s 1 e 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

52
inventários de emissões de gases de efeito estufa por fontes e de remoções por sumidouros e avaliar a
eficácia de medidas para limitar as emissões e aumentar as remoções desses gases; (v) avaliar, com
base em todas as informações tornadas disponíveis em conformidade com as disposições desta
Convenção, sua implementação pelas Partes, os efeitos gerais das medidas adoptadas em
conformidade com esta Convenção, em particular os efeitos ambientais, económicos e sociais, assim
como seus impactos cumulativos e o grau de avanço alcançado na consecução do objectivo desta
Convenção; (vi) examinar e adoptar relatórios periódicos sobre a implementação desta Convenção, e
garantir sua publicação; (vii) fazer recomendações sobre quaisquer assuntos necessários à
implementação desta Convenção; (viii) procurar mobilizar recursos financeiros; (ix) estabelecer os
órgãos subsidiários considerados necessários à implementação desta Convenção; (x) examinar
relatórios apresentados por seus órgãos subsidiários e dar-lhes orientação; (xi) definir e adoptar, por
consenso, suas regras de procedimento e regulamento financeiro, bem como os de seus órgãos
subsidiários; (xii) solicitar e utilizar, conforme o caso, os serviços e a cooperação de organizações
internacionais e de organismos intergovernamentais e não governamentais competentes, bem como
as informações por elas fornecidas; e (xiii) desempenhar as demais funções necessárias à consecução
do objectivo desta Convenção, bem como todas as demais funções a ela atribuídas por esta
Convenção243.
Nota importante para a criação de um órgão subsidiário de assessoria científica e tecnológica
da Conferência das Partes aberto a representantes governamentais com competência nos campos de
especialização que forem considerados relevantes244. Este órgão deverá apresentar relatórios
regularmente à Conferência das Partes sobre todos os aspectos de seu trabalho, e, mais
especificamente: (i) apresentar avaliações do estado do conhecimento científico relativo à mudança do
clima e a seus efeitos; (ii) preparar avaliações científicas dos efeitos de medidas adoptadas na
implementação desta Convenção; (iii) identificar tecnologias e conhecimentos técnicos inovadores,
eficientes e mais avançados, bem como prestar assessoria sobre as formas e meios de promover o
desenvolvimento e/ou a transferência dessas tecnologias; (iv) prestar assessoria sobre programas
científicos e cooperação internacional em pesquisa e desenvolvimento, relativos à mudança do clima,
bem como sobre formas e meios de apoiar a capacitação endógena em países em desenvolvimento; e
(v) responder a questões científicas, tecnológicas e metodológicas que lhe formulem a Conferência das
Partes e seus órgãos subsidiários245.
A Convenção prevê um Mecanismo Financeiro para a provisão de recursos financeiros a título
de doação ou em base concessional, incluindo a componente de transferência de tecnologia., o qual

243 Cf. Artigo 7.° n.°s 1 e 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
244 Cf. Artigo 9.° n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
245 Cf. Artigo 9.° n.º 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

53
deverá “funcionar sob a orientação da Conferência das Partes e prestar contas à mesma, a qual deve
decidir sobre suas políticas, prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade relativos a esta
Convenção”246. Este Mecanismo deverá ter uma representação equitativa e equilibrada de todas as
Partes, bem como contemplar um sistema transparente de administração 247. Note-se que a
Conferência das Partes, juntamente com entidade ou entidades encarregadas do funcionamento do
mecanismo financeiro, devem aprovar os meios para operar, designadamente: (i) as modalidades para
garantir que os projectos financiados para enfrentar a mudança do clima estejam de acordo com as
políticas, prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade estabelecidos pela Conferência das
Partes; (ii) e as modalidades pelas quais uma determinada decisão de financiamento possa ser
reconsiderada à luz dessas políticas, prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade 248.
Temos ainda a obrigação de transmissão de obrigações relativas à implementação que
compete a cada Estado, incluindo: (i) o Inventário nacional de emissões antrópicas por fontes e de
remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de
Montreal, dentro de suas possibilidades, usando metodologias comparáveis desenvolvidas e aprovadas
pela Conferência das Partes; (ii) a descrição geral das medidas tomadas ou previstas pela Parte para
implementar esta Convenção; (iii) e qualquer outra informação que a Parte considere relevante para a
realização do objectivo desta Convenção e apta a ser incluída em sua comunicação249.
A Convenção prevê ainda obrigações específicas de transmissão de informação por parte das
Estados Parte desenvolvidos, incluindo a descrição pormenorizada das políticas e medidas adoptadas
para implementar suas obrigações; bem como a estimativa específica dos efeitos que as políticas e
medidas atrás referidas terão sobre as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de
gases com efeito estufa terão no período acordado250.
Em relação aos Estados Partes em desenvolvimento, prevê-se que estes possam propor, com
carácter voluntário, projectos para financiamento, com a especificação das tecnologias, materiais,
equipamentos, técnicas ou práticas necessários à execução dos mesmos, fazendo acompanhar tal
informação com a estimativa de todos os custos adicionais, de reduções de emissões e aumento de
remoções de gases de efeito estufa, e ainda da estimativa dos benefícios resultantes 251.
Prevê-se ainda que, “em qualquer de suas sessões ordinárias, a Conferência das Partes pode
adoptar protocolos a esta Convenção” e que “o texto de qualquer proposta de protocolo deve ser
comunicado às Partes pelo Secretariado pelo menos seis meses antes dessa sessão da Conferência das

246 Cf. Artigo 11.° n.º 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
247 Idem.
248 Cf. Artigo 11.° n.º 3 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
249 Cf. Artigo 12.° n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
250 Cf. Artigo 12.° n.º 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
251 Cf. Artigo 12.° n.º 4 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

54
Partes”252. Foi assim aberto o caminho para a celebração de Protocolos referentes ao clima e,
consequentemente, a um longo percurso negocial, repleto de avanços e retrocessos.

2.3.4.2. Protocolo de Quioto

Para a implementação da Convenção sobre Mudanças Climáticas houve lugar à aprovação do Protocolo
de Quioto, ao qual Moçambique aderiu através da Resolução n.º 10/2004, de 28 de Julho. Este
Protocolo foi aprovado na cidade japonesa de Quioto, no dia 11 de Dezembro de 1997, durante a 3.ª
Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na qual
participaram cerca de 10.000 delegados, observadores e jornalistas253.
Segundo o respectivo Preâmbulo “a Conferência culminou na decisão por consenso (1/CP.3)
de adoptar-se um Protocolo segundo o qual os países industrializados reduziriam suas emissões
combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990 até o período
entre 2008 e 2012. Esse compromisso, com vinculação legal, promete produzir uma reversão da
tendência histórica de crescimento das emissões iniciadas nesses países há cerca de 150 anos” 254.
Os Estados Partes desenvolvidos (Anexo listados no I), deveriam, no cumprimento dos
compromissos quantificados de limitação e redução de emissões assumidos, a fim de promover o
desenvolvimento sustentável, implementar e/ou aprimorar políticas e medidas de acordo com suas
circunstâncias nacionais, tais como: (i) o aumento da eficiência energética em sectores relevantes da
economia nacional; (ii) a protecção e o aumento de sumidouros e reservatórios de gases de efeito
estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal, levando em conta seus compromissos assumidos
em acordos internacionais relevantes sobre o ambiente, a promoção de práticas sustentáveis de
maneio florestal, florestamento e reflorestamento; (iii) a promoção de formas sustentáveis de
agricultura à luz das considerações sobre a mudança do clima; (iv) a pesquisa, a promoção, o
desenvolvimento e o aumento do uso de formas novas e renováveis de energia, de tecnologias de
sequestro de dióxido de carbono e de tecnologias ambientalmente seguras, que sejam avançadas e
inovadoras; (v) a redução gradual ou eliminação de imperfeições de mercado, de incentivos fiscais, de
isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para todos os sectores emissores de gases de efeito
estufa que sejam contrários ao objectivo da Convenção e aplicação de instrumentos de mercado; (vi) o
estímulo a reformas adequadas em sectores relevantes, visando a promoção de políticas e medidas
que limitem ou reduzam emissões de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de
Montreal; (vii) Medidas para limitar e/ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa não controlados

252 Cf. Artigo 17.° n.ºs 1 e 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
253 Cf. Preâmbulo do Protocolo de Quioto (1997).
254 Cf. Preâmbulo do Protocolo de Quioto (1997).

55
pelo Protocolo de Montreal no sector de transportes; (viii) e a limitação e/ou redução de emissões de
metano por meio de sua recuperação e utilização no tratamento de resíduos, bem como na produção,
no transporte e na distribuição de energia255.
Não entraremos em detalhes sobre o conteúdo do referido Protocolo, tendo presente o que
já foi dito anteriormente sobre o fracasso na respectiva implementação. Fica o registo para a história.

2.3.4.3. Acordo de Paris

Em resposta às dificuldades enfrentadas na implementação do Protocolo de Quioto, e em função da


constatação da fraca ambição das respectivas metas em relação às reais necessidades de redução das
emissões e da escalada de impactos provocados pelas mudanças climáticas, ao fim de um longo
processo negocial, foi celebrado na capital francesa, o Acordo de Paris.
Foi definido como objectivo geral “fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do
clima, no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços de erradicação da pobreza,
incluindo: (i) manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis
pré-industriais, e envidar esforços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5°C em relação aos
níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e os impactos da
mudança do clima; (ii) aumentar a capacidade de adaptação aos impactos negativos da mudança do
clima e promover a resiliência à mudança do clima e um desenvolvimento de baixa emissão de gases
de efeito estufa, de uma maneira que não ameace a produção de alimentos; e (iii) tornar os fluxos
financeiros compatíveis com uma trajectória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases
de efeito estufa e resiliente à mudança do clima”256.
Determina o Acordo de Paris, que, com fim de atingir a meta de longo prazo de temperatura
acima referida, “as Partes visam a que as emissões globais de gases de efeito de estufa atinjam o ponto
máximo o quanto antes, reconhecendo que as Partes países em desenvolvimento levarão mais tempo
para alcançá-lo, e a partir de então realizar reduções rápidas das emissões de gases de efeito estufa,
de acordo com o melhor conhecimento científico disponível, de modo a alcançar um equilíbrio entre
as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa na segunda
metade deste século, com base na equidade, e no contexto do desenvolvimento sustentável e dos
esforços de erradicação da pobreza”257. Por seu turno, “as Partes países desenvolvidos deverão
continuar a assumir a dianteira, adoptando metas de redução de emissões absolutas para o conjunto
da economia. As Partes países em desenvolvimento deverão continuar a fortalecer seus esforços de

255 Cf. Artigo 2.° do Protocolo de Quioto (1997).


256 Cf. Artigo 2.°, n.º 1, do Acordo de Paris.
257 Cf. Artigo 4.°, n.º 1, do Acordo de Paris.

56
mitigação, e são encorajadas a progressivamente transitar para metas de redução ou de limitação de
emissões para o conjunto da economia, à luz das diferentes circunstâncias nacionais 258.
O presente Acordo sublinhou a importância de protecção dos sumidouros e reservatórios de
carbono, com destaque para as florestas259. Nesse sentido, optou-se por uma formulação no sentido
de encorajar os Estados Partes na adopção de medidas para implementar e apoiar, incluindo através
dos pagamentos por resultados: (i) abordagens de políticas e incentivos positivos para actividades
relacionadas a redução de emissões por desmatamento e degradação florestal, e o papel da
conservação, do manejo sustentável de florestas e aumento dos estoques de carbono florestal nos
países em desenvolvimento; (ii) e abordagens de políticas alternativas, tais como abordagens conjuntas
de mitigação e adaptação para o maneio integral e sustentável de florestas, reafirmando ao mesmo
tempo a importância de incentivar, conforme o caso, os benefícios não relacionados com carbono
associados a tais abordagens260.
O Protocolo reitera a obrigação dos Partes países desenvolvidos em providenciar recursos
financeiros para auxiliar as Partes países em desenvolvimento quer para a mitigação quer para a
adaptação, na senda das obrigações existentes à luz da Convenção das Nações Unidas das Mudanças
Climáticas261. Fora o acima disposto, este instrumento reiterou a necessidade de se assumir uma
mobilização de financiamento climática susceptível de ir além de esforços anteriores, proclamando que
“como parte de um esforço global, as Partes países desenvolvidos deverão continuar a liderar a
mobilização de financiamento climático a partir de uma ampla variedade de fontes, instrumentos e
canais, notando o importante papel dos recursos públicos, por meio de uma série de medidas, incluindo
o apoio às estratégias lideradas pelos países, e levando em conta as necessidades e prioridades das
Partes países em desenvolvimento”262.
Previu-se que a entrada em vigor do presente Protocolo fica condicionada ao depósito dos
instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão de pelo menos 55 Partes da Convenção,
que contabilizem no total uma parcela estimada em pelo menos 55% do total das emissões globais de
gases de efeito estufa263.

258 Cf. Artigo 4.°, n.º 4, do Acordo de Paris.


259 Cf. Artigo 5.°, n.º 1, do Acordo de Paris
260 Cf. Artigo 5.°, n.º 2, do Acordo de Paris
261 Cf. Artigo 9.°, n.º 1, do Acordo de Paris
262 Cf. Artigo 9.°, n.º 3, do Acordo de Paris
263 Cf. Artigo 21.°, n.º 1, do Acordo de Paris

57
2.3.5. Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica e respectivos Protocolos

2.3.5.1. Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica

Em 1994, a Assembleia da República ratificou um dos principais instrumentos internacionais que


emergiram da Conferência do Rio de Janeiro, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade
Biológica, por via da Resolução n.º 2/94, de 24 de Agosto. Entre as motivações, estava em causa o
reconhecimento do “valor intrínseco da diversidade biológica e dos valores ecológico, genético, social,
económico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético da diversidade biológica e de seus
componentes”, a “sensível redução da diversidade biológica causada por determinadas actividades
humanas”, a urgência de “prever, prevenir e combater na origem as causas da sensível redução ou
perda da diversidade biológica” e “a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica é
de importância absoluta para atender as necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza
da crescente população mundial, para o que são essenciais o acesso e a repartição de recursos
genéticos e tecnologia”264.
Este instrumento tem como objectivos: “a conservação da diversidade biológica, a utilização
sustentável dos seus componentes, e a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da
utilização dos recursos genéticos, inclusivamente através do acesso adequado a esses recursos e da
transferência apropriada das tecnologias relevantes, tendo em conta todos os direitos sobre esses
recursos e tecnologias, bem como através de um financiamento adequado”265.
Foi igualmente reconhecido o direito soberano de cada Estado parte de explorar os
respectivos recursos de acordo com as suas políticas ambientais, bem como a responsabilidade de
assegurar que actividades sob sua jurisdição ou controlo não provoquem danos ao ambiente de outros
Estados ou de áreas para além dos limites da jurisdição nacional266.
A presente Convenção prevê medidas gerais para a conservação e utilização sustentável da
biodiversidade que os Estados Parte deverão, de acordo com suas próprias condições e capacidades,
desenvolver, nomeadamente: (i) desenvolver estratégias, planos ou programas para a conservação e a
utilização sustentável da diversidade biológica ou adaptar para esse fim estratégias, planos ou
programas existentes que devem reflectir, entre outros aspectos, as medidas estabelecidas nesta
Convenção concernentes à Parte interessada; e (ii) integrar, sempre que possível e conforme os casos,

264 Cf. Preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica
265 Cf. Artigo 1.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
266 Cf. Artigo 1.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.

58
a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica em planos, programas e políticas
sectoriais ou intersectoriais pertinentes267.
Duas modalidades de conservação emergem deste instrumento – a conservação in situ e a
conservação ex situ. A primeira preconiza a conservação dos ecossistemas e dos habitats naturais e a
manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies no seu meio natural e, no caso das
espécies domesticadas ou cultivadas, em meios onde tenham desenvolvido as suas propriedades
específicas; a segunda pressupõe a conservação de componentes da diversidade biológica fora de seus
habitats naturais268.
No domínio da conservação in situ, compete a cada Estado Parte, conforme os casos, realizar
s seguintes acções: (i) estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais
precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica; (ii) desenvolver, se necessário, directrizes
para a selecção, estabelecimento e administração de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais
precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica; (iii) regulamentar ou administrar recursos
biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica, dentro ou fora de áreas protegidas,
a fim de assegurar conservação e utilização sustentável; (iv) promover a protecção de ecossistemas,
habitats naturais e manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural; (v) promover
o desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em áreas adjacentes às áreas protegidas a fim
de reforçar a protecção dessas áreas; (vii) recuperar e restaurar ecossistemas degradados e promover
a recuperação de espécies ameaçadas, mediante, entre outros meios, a elaboração e implementação
de planos e outras estratégias de gestão; (viii) estabelecer ou manter meios para regulamentar,
administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados
resultantes da biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa
afectar a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os
riscos para a saúde humana; (ix) impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espécies exóticas
que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies; (x) procurar proporcionar as condições
necessárias para compatibilizar as utilizações actuais com a conservação da diversidade biológica e a
utilização sustentável de seus componentes; (xi) em conformidade com sua legislação nacional,
respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e
populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável
da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos
detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos
benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas; (xii) elaborar ou manter

267 Cf. Artigo 6.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
268 Cf. Artigo 2.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.

59
em vigor a legislação necessária e/ou outras disposições regulamentares para a protecção de espécies
e populações ameaçadas; (xiii) quando se verifique um sensível efeito negativo à diversidade biológica,
regulamentar ou administrar os processos e as categorias de actividades em causa; e (xiv) cooperar
com o aporte de apoio financeiro e de outra natureza para a conservação in situ, particularmente aos
países em desenvolvimento269.
No campo da conservação ex situ, a Convenção definiu as seguintes medidas para os Estados
Partes: (i) adoptar medidas para a conservação ex situ de componentes da diversidade biológica, de
preferência no país de origem desses componentes;(ii) estabelecer e manter instalações para a
conservação ex situ e pesquisa de vegetais, animais e microorganismos, de preferência no país de
origem dos recursos genéticos; (iii) adoptar medidas para a recuperação e regeneração de espécies
ameaçadas e para sua reintrodução em seu habitat natural em condições adequadas; (iv) regulamentar
e administrar a colecta de recursos biológicos de habitats naturais com a finalidade de conservação ex
situ de maneira a não ameaçar ecossistemas e populações in situ de espécies, excepto quando forem
necessárias medidas temporárias especiais ex situ; (v) e cooperar com o aporte de apoio financeiro e
de outra natureza para a conservação ex situ e com o estabelecimento e a manutenção de instalações
de conservação ex situ em países em desenvolvimento270.
A Convenção prevê igualmente medidas para utilização sustentável de componentes da
biodiversidade que cada Parte Contratante deverá, conforme a possibilidade, levar a cabo,
designadamente: (i) incorporar o exame da conservação e utilização sustentável de recursos biológicos
no processo decisório nacional; (ii) adoptar medidas relacionadas à utilização de recursos biológicos
para evitar ou minimizar impactos negativos na diversidade biológica; (iii) proteger e encorajar a
utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis
com as exigências de conservação ou utilização sustentável; (iv) apoiar populações locais na elaboração
e aplicação de medidas correctivas em áreas degradadas ande a diversidade biológica tenha sido
reduzida; (v) estimular a cooperação entre suas autoridades governamentais e seu sector privado na
elaboração de métodos de utilização sustentável de recursos biológicos271.
A Convenção definiu bases para assuntos importantes como: os incentivos para a
conservação e utilização sustentável de componentes da biodiversidade, a consideração das
necessidades especiais de pesquisa e tratamento dos países em vias de desenvolvimento, a educação
e consciencialização pública no domínio da conservação da biodiversidade, a avaliação de impacto e
minimização de impactos negativos, o acesso aos recursos genéticos, o acesso à tecnologia e
transferência de tecnologia, o intercâmbio de informações, a cooperação técnica e científica, a gestão

269 Cf. Artigo 8.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
270 Cf. Artigo 9.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
271 Cf. Artigo 10.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.

60
da biotecnologia e distribuição de seus benefícios, os recursos financeiros, os recursos financeiros e os
mecanismos financeiros272.
A Convenção prevê o estabelecimento de uma Convenção de Partes, que tem, entre outras,
as seguintes funções: (i) estabelecer a forma e a periodicidade da comunicação das Informações a
serem apresentadas, e examinar essas Informações, bem como os relatórios apresentados por
qualquer órgão subsidiário; (ii) examinar os pareceres científicos, técnicos e tecnológicos (iii) examinar
e adoptar protocolos, caso necessário, (iv) examinar e adoptar, caso necessário, emendas a esta
Convenção e a seus anexos; (v) examinar e tomar todas as demais medidas que possam ser necessárias
para alcançar os fins desta Convenção, à luz da experiência adquirida na sua implementação273.

2.3.5.2. Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança

Em 2001, a Assembleia da República procedeu à ratificação, através da Resolução n.º 11/2003, de 20


de Dezembro, do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que surgiu na sequência da Convenção
da Biodiversidade, visando “contribuir para assegurar um nível adequado de protecção no domínio da
transferência segura, manuseamento e utilização de organismos vivos modificados resultantes da
biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e utilização sustentável da
diversidade biológica, tomando também em consideração os riscos para a saúde humana e com
particular enfoque no movimento transfronteiriço”274.
Importa igualmente reter o princípio segundo o qual as “Partes velarão para que o
desenvolvimento, manipulação, transporte, utilização, transferência e liberação de todos organismos
vivos modificados se realizem de maneira que evite ou reduza os riscos para a diversidade biológica,
levando também em consideração os riscos para a saúde humana”275. Este Protocolo visa
fundamentalmente regrar o movimento transfronteiriço, trânsito, manipulação e utilização de todos os
organismos vivos modificados susceptíveis de causar ter impactos negativos na conservação e no uso
sustentável da biodiversidade, bem como na saúde humana 276.
Para mais desenvolvimentos, recomenda-se a leitura e análise do presente Protocolo, que teve
entretanto expressão nacional através do Regulamento sobre a Regulamento de Biossegurança Relativa
à Gestão de Organismos Geneticamente Modificados, aprovado pelo Decreto n.º 71/2014, de 28 de
Novembro.

272 Cf. Artigos 11.° a 21.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
273 Cf. Artigo 23.° da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
274 Cf. Artigo 1. ° do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.
275 Cf. Artigo 2. °, n.º 2 do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.
276 Cf. Artigo 4. ° do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.

61
2.3.5.3.Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Partilha Justa e Equitativa dos
Benefícios Derivados de sua Utilização

Através da Resolução n.º 3/2014, de 3 de Junho, dá-se a ratificação do Protocolo de Nagoya sobre
Acesso a Recursos Genéticos e a Partilha Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização.
Segundo o preâmbulo da referida Resolução, a ratificação decorre da “necessidade de assegurar a
partilha justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, acesso à
transferência de tecnologias e à conservação da diversidade biológica e utilização sustentável de seus
componentes, em obediência a um dos três pilares fundamentais da Convenção sobre a Diversidade
Biológica”.
O objectivo do Protocolo Nagoya é a partilha justa e equitativa dos benefícios derivados da
utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a
transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais
recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado, contribuindo desse modo para a
conservação da diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes277.
No seguimento do disposto na Convenção da Biodiversidade, o Protocolo reiterou que os
benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, bem como subsequentes aplicações e
comercialização, devem ser partilhados de maneira justa e equitativa com a Parte provedora desses
recursos que seja o país de origem desses recursos ou uma Parte que tenha adquirido os recursos
genéticos em conformidade com a Convenção, devendo tal partilha deve ser feita mediante termos
mutuamente acordados278. Nesse sentido, os Estados deverão adoptar tomar medidas de natureza
legislativa, administrativa ou política, conforme o caso, com vistas a assegurar que os benefícios
derivados da utilização dos recursos genéticos detidos por comunidades indígenas e locais, de acordo
com a legislação nacional relativa aos direitos estabelecidos destas comunidades indígenas e locais
sobre estes recursos genéticos, sejam partilhados de maneira justa e equitativa com as comunidades
relacionadas, com base em termos mutuamente acordados279.
Proclamou-se igualmente que, no quadro do exercício dos direitos soberanos sobre recursos
naturais e sujeito ao respectivo quadro legal de acesso e partilha de benefícios, o acesso a recursos
genéticos para sua utilização está sujeito ao consentimento prévio fundamentado da Parte provedora
desses recursos que seja país de origem desses recursos ou uma Parte que tenha adquirido os recursos
genéticos em conformidade com a Convenção, a menos que de outra forma tenha sido determinado

277 Cf. Artigo 1.° do Protocolo de Nagoya.


278 Cf. Artigo 5.°, n.° 1, do Protocolo de Nagoya.
279 Cf. Artigo 5.°, n.° 2, do Protocolo de Nagoya.

62
por aquela Parte280. Nesse sentido, compete a cada Estado parte adoptar com vista a assegurar que o
consentimento prévio fundamentado ou a aprovação e o envolvimento das comunidades indígenas e
locais seja obtido para acesso aos recursos genéticos quando elas tiverem o direito estabelecido de
conceder acesso a esses recursos281.
Para o efeito, constituem medidas (legislativas, administrativas ou políticas) a adoptar por cada
Estado parte, no quadro do acesso aos recursos genéticos: (i) providenciar segurança jurídica, clareza
e transparência em sua legislação ou requisitos regulatórios nacionais de acesso e partilha de
benefícios; (ii) prover regras e procedimentos justos e não arbitrários para o acesso a recursos
genéticos; (iii) prover informações sobre como requerer o consentimento prévio fundamentado; (iv)
garantir decisão clara e transparente por escrito de autoridade nacional competente, de modo eficaz
em termos de custo-benefício e dentro de um prazo razoável; (v) providenciar a emissão no momento
do acesso de uma licença ou seu equivalente como comprovante da decisão de conceder o
consentimento prévio fundamentado e do estabelecimento de termos mutuamente acordados e, em
seguida, notificar o Mecanismo de Intermediação de Informação sobre Acesso e Partilha de Benefícios;
(vi) estabelecer, conforme o caso e sujeito à legislação nacional, critérios e/ou procedimentos para a
obtenção do consentimento prévio fundamentado ou aprovação e envolvimento de comunidades
indígenas e locais para acesso aos recursos genéticos; (vii) e definir regras e procedimentos claros para
requerimento e estabelecimento de termos mutuamente acordados282.
No campo do acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos,
proclamou-se competir a cada Estado parte a definição de medidas, conforme o caso, com vistas a
assegurar que o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos que seja detido por
comunidades indígenas e locais seja acessado mediante consentimento prévio fundamentado ou a
aprovação e o envolvimento dessas comunidades indígenas e locais, e que termos mutuamente
acordados tenham sido estabelecidos283.
No capítulo do desenvolvimento e implementação de sua legislação ou requisitos regulatórios
de acesso e partilha de benefícios, cada Estado parte deverá: (i) criar condições para promover e
estimular pesquisa que contribua para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica,
particularmente em países em desenvolvimento, inclusive por meio de medidas simplificadas sobre
acesso para fins de pesquisa não comercial, levando em conta a necessidade de abordar mudança de
finalidade desta pesquisa; (ii) prestar a devida atenção a casos de emergências actuais ou iminentes
que ameacem ou causem danos à saúde humana, animal ou vegetal, conforme determinado

280 Cf. Artigo 6.°, n.° 1do Protocolo de Nagoya.


281 Cf. Artigo 6.°, n.° 2do Protocolo de Nagoya.
282 Cf. Artigo 6.°, n.° 3do Protocolo de Nagoya.
283 Cf. Artigo 7.°, do Protocolo de Nagoya.

63
nacionalmente ou internacionalmente; (iii) e considerar a importância dos recursos genéticos para a
alimentação e agricultura e seu papel especial para a segurança alimentar284.
Não menos importante foi a menção de que os Estados parte deverão encorajar que os
benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos sejam direccionados para conservação da
diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes285.
No capítulo do conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, os Estados parte
Partes devem, de acordo com o quadro legal nacional, considerar as normas consuetudinárias,
protocolos e procedimentos comunitários das comunidades indígenas e locais, quando aplicável, em
relação ao conhecimento tradicional associado a recursos genéticos286. Nesse sentido, os Estados parte,
sempre com a participação efectiva das comunidades indígenas e locais concernentes, deverão
estabelecer mecanismos para informar potenciais usuários de conhecimento tradicional associado a
recursos genéticos sobre suas obrigações, incluindo medidas disponibilizadas por meio do Mecanismo
de Intermediação de Informação sobre Acesso e Partilha de Benefícios para acesso e partilha justa e
equitativa dos benefícios derivados da utilização de tal conhecimento287. Deverão ainda apoiar o
desenvolvimento pelas comunidades indígenas e locais, especialmente as mulheres destas
comunidades, de: (i) protocolos comunitários relativos ao acesso a conhecimento tradicional associado
a recursos genéticos e à partilha justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de tal
conhecimento; (ii) requisitos mínimos para termos mutuamente acordados para assegurar a partilha
justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de conhecimento tradicional associado a
recursos genéticos; (iii) cláusulas contratuais modelo para partilha de benefícios derivados da utilização
de conhecimento tradicional associado a recursos genéticos 288.
O Protocolo atribui a cada Estado a responsabilidade de designar um Ponto focal, bem como a
Autoridade competente em acesso e partilha de benefícios, enumerando as respectivas funções
principais289.
De forma detalhada, o Protocolo recomendou aos Estados partes a definição de medidas
apropriadas, no plano do quadro jurídico nacional, para garantir o cumprimento das diversas cláusulas
internacionais e nacionais de acesso e partilha de recursos genéticos e conhecimento tradicional
associado, incluindo a componente de monitoria290. Importa ainda a menção das obrigações nos
campos da consciencialização e capacitação a respeito da importância dos recursos genéticos e do

284 Cf. Artigo 8.°, do Protocolo de Nagoya.


285 Cf. Artigo 9.°, do Protocolo de Nagoya.
286 Cf. Artigo 12.°, n.º 1, do Protocolo de Nagoya.
287 Cf. Artigo 12.°, n.º 2, do Protocolo de Nagoya.
288 Cf. Artigo 12.°, n.º 3, do Protocolo de Nagoya.
289 Cf. Artigo 13.°, do Protocolo de Nagoya.
290 Cf. Artigos 15.° a 17.°, do Protocolo de Nagoya.

64
conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, bem como de outras questões relacionadas
ao acesso e partilha de benefícios291.

2.3.6. Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação nos Países Afectados pela
Seca e/ou Desertificação

Podendo ser igualmente considerada um dos produtos da Conferência do Rio de Janeiro, apesar de ter
sido celebrada já depois de tão importante evento, a Convenção das Nações Unidas sobre o Combate
à Desertificação nos Países Afectados pela Seca e/ou Desertificação foi ratificada por Moçambique
através da Resolução n.º 20/96, de 26 de Novembro.
No seu Preâmbulo está patente o reconhecimento de que a seca e desertificação constituem
problemas de dimensão global, afectando todas regiões do Globo, pelo que requerem acções conjuntas
dirigidas a combater a desertificação e a combater os efeitos da seca, bem como pelo facto de os
referidos problemas afectarem em especial os países em vias de desenvolvimento, com particular
destaque para o continente africano292.
Este instrumento teve como objectivo “o combate à desertificação e a mitigação dos efeitos
da seca nos países afectados por seca grave e/ou desertificação, particularmente em África, através da
adopção de medidas eficazes a todos os níveis, apoiadas em acordos de cooperação internacional e de
parceria, no quadro duma abordagem integrada, coerente com a Agenda 21, que tenha em vista
contribuir para se atingir o desenvolvimento sustentável nas áreas afectadas”293.
Segundo a Convenção, por desertificação entende-se “a degradação da terra nas zonas
áridas, semiáridas e sub-húmidas secas resultantes de vários factores incluindo variações climáticas e
as actividades humanas”294.
Este instrumento determina que os Estados Partes deverão garantir que as decisões relativas
à concepção e implementação dos programas de combate à desertificação e/ou mitigação dos efeitos
da seca sejam tomadas com a participação das populações e comunidades locais e que, nas instâncias
superiores de decisão, será criado um ambiente propício que facilitará a realização de acções aos níveis
nacional e local295. Por outro lado, houve igualmente lugar à previsão do princípio de responsabilidade
comuns mas diferenciadas, segundo o qual “as Partes deverão tomar plenamente em consideração as

291 Cf. Artigos 11.° e 22.°, do Protocolo de Nagoya.


292 In. Preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.
293 Cf. Artigo 2.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação, ratificada através da Resolução n.º 20/96,

de 26 de Novembro.
294 Cf. Artigo 1.° da Convenção das Nações Unidas sobre Desertificação. Note-se que a Lei do Ambiente define, através do n.º

11 do artigo 1.°, a desertificação como “um processo de degradação do solo, natural ou provocado pela remoção da cobertura
vegetal ou utilização predatória que, devido a condições climáticas, acaba por transformá-lo num deserto”.
295 Cf. Artigo 3.° a) da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.

65
necessidades e as circunstâncias particulares dos países partes em desenvolvimento afectados, em
especial os países menos avançados”296.
No plano das obrigações gerais das Partes, destacamos a de adoptar uma abordagem
integrada que tenha em conta os aspectos físicos, biológicos e socioeconómicos dos processos de
desertificação e seca; dar a devida atenção à situação dos países Partes em desenvolvimento
relativamente às trocas internacionais, aos acordos de comércio e à dívida, para permitir ambiente
favorável à promoção de desenvolvimento sustentável; integrar as estratégias de erradicação da
pobreza nos esforços de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca; e fomentar, entre
os Países afectados, a cooperação em matéria de protecção ambiental e de conservação dos recursos
em terra e hídricos, em função da sua relação com a desertificação e seca 297.
No que toca às obrigações específicas dos países Partes afectados, a Convenção prevê cinco
obrigações fundamentais, as quais deverão constar nos instrumentos jurídicos nacionais: (i) dar a
devida prioridade ao combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca, afectando recursos
adequados de acordo com os seus circunstancialismos e capacidades; (ii) estabelecer estratégias e
prioridades no quadro dos seus planos e/ou políticas de desenvolvimento sustentável, tendo em vista
o combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca; (iii) atacar as causas profundas da
desertificação e dar atenção aos factores socioeconómicos que contribuem para os processos de
desertificação; (iv) promover a sensibilização e facilitar a participação das populações locais nos
esforços para combater a desertificação e mitigar os efeitos da seca, recorrendo ao apoio das
organizações não-governamentais; (v) e criar um ambiente favorável, recorrendo ao reforço da
legislação pertinente em vigor e, no caso de esta não existir, à promulgação de nova legislação e à
elaboração de novas políticas e programas de acção a longo prazo 298.
A Convenção faz referência aos programas de acção nacionais, que têm como objectivo,
“identificar os factores que contribuem para a desertificação e as medidas de ordem prática necessárias
ao seu combate e à mitigação dos efeitos da seca”299. Destaque para os três aspectos que deverão
constar nos Programas de Acção de cada Estado: (i) Incluir estratégias de longo prazo de luta contra a
desertificação e de mitigação dos efeitos da seca, enfatizar a sua implementação e integrá-las nas
políticas nacionais de desenvolvimento sustentável; (ii) Dar uma particular atenção à aplicação de
medidas preventivas nas terras ainda não degradadas ou que estejam apenas ligeiramente degradadas;

296 Cf. Artigo 3.° d) da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.
297 Cf. Artigo 4.°, n.° 2, da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.
298 Cf. Artigo 5.°, da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.
299 Cf. Artigo10.°, n.° 1, da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.

66
(iii) e reforçar a capacidade do respectivo país na área da climatologia, meteorologia e hidrologia e os
meios para constituir um sistema de alerta rápido em caso de seca300.
Foram igualmente tratadas temáticas como cooperação internacional, apoio na elaboração
e implementação dos programas de acção, coordenação na elaboração e implementação dos
programas de acção, recolha, análise e intercâmbio de informação, pesquisa e desenvolvimento,
transferência, aquisição, adaptação e desenvolvimento de tecnologia desenvolvimento das
capacidades, educação e consciencialização pública, recursos financeiros e mecanismos financeiros301.
A Convenção prevê uma Conferência de Partes, órgão supremo deste instrumento
internacional, à qual cabe, entre outras funções, examinar regularmente o estado da respectiva
implementação; criar os órgãos necessários à implementação; promover e facilitar o intercâmbio de
informação, aprovar emendas à Convenção, apoiar o regulamento interno, plano de actividades e
orçamento302.

2.3.7. Convenções sobre o Mar

2.3.7.1. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Em 1996, o Estado moçambicano procedeu à ratificação por Moçambique da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, através da Resolução n.º 21/96, de 26 de Novembro, cujo texto
preliminar foi aprovado durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que
se reuniu pela primeira vez em Nova York, Estados Unidos de América, em Dezembro de 1973.
Este instrumento é, sem margem para dúvida, o mais ambicioso tratado jamais realizado pela
comunidade internacional, tendo como objectivos gerais, extraídos da leitura do respectivo preâmbulo:
contribuir para a manutenção e fortalecimento da paz, da justiça, do progresso, bem como o
desenvolvimento de relações de cooperação e amizade, entre todos os povos do Mundo; definição de
uma ordem jurídica para os mares e os oceanos, com o respeito devido pelas soberanias nacionais, que
facilite as comunicações internacionais e promova os usos pacíficos dos mares e oceanos, a utilização
equitativa e eficiente dos recursos vivos e o estudo, a protecção e a preservação do meio marinho;
desenvolver os princípios consagrados na Resolução n.º 2749 (XXV) de 17 de Dezembro de 1970, na
qual a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que os fundos marinhos e oceânicos e o seu
subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem como os respectivos recursos, constituem

300 Cf. Artigo10.°, n.º 2, da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação. Veja-se, no caso de Moçambique,
o Plano de Acção Nacional de Combate à Seca e Desertificação (PANCOSEDE), aprovado pelo Conselho de Ministros, em 2007.
301 Cf. Artigos 12.° a 21.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.
302 Cf. Artigos 22.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação.

67
património comum da humanidade, devendo a exploração dos mesmos ser feita em benefício da
humanidade em geral, independentemente da situação geográfica dos Estados.
Passaremos a destacar alguns dos princípios aspectos regidos pela presente Convenção. O
primeiro, diz respeito à zona económica exclusiva, definida enquanto “zona situada além do mar
territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente Parte,
segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais
Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente Convenção”303. Relativamente a tal zona,
os Estados Costeiros possuem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento,
conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar,
do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras actividades com vista à exploração e
aproveitamento da zona para fins económicos, incluindo a produção de energia a partir da água, das
correntes e do vento, detendo igualmente jurisdição, para, entre outros aspectos, promover a
protecção e preservação do meio marinho304. Assim, no que diz respeito à zona económica exclusiva, a
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, definiu normas no domínio da conservação da
biodiversidade, designadamente sobre: (i) a conservação dos recursos vivos, (ii) a utilização dos
recursos vivos, (iii) populações existentes dentro das zonas económicas exclusivas de dois ou mais
Estados costeiros ou dentro da zona económica exclusiva e numa zona exterior e adjacente à mesma,
(iv) espécies altamente migratórias, (v) populações de peixes anádromos, (vi) espécies catádromas, (vii)
e espécies sedentárias305.
Sobre o alto mar, incluindo as partes do mar não incluídas na zona económica exclusiva, no
mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado
arquipélago, urge destacar alguns aspectos importantes, a iniciar pelo princípio de que o alto mar está
aberto a todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral, sendo tal liberdade exercida nas condições
estabelecidas na presente Convenção e nas demais normas de direito internacional 306.
A Convenção inclui uma secção sobre a conservação e gestão dos recursos vivos do alto mar307.
Nesse sentido, os Estados “têm o dever de tomar ou de cooperar com outros Estados para tomar as
medidas que, em relação aos seus respectivos nacionais, possam ser necessárias para a conservação
dos recursos vivos do alto mar”, “cooperar entre si na conservação e gestão dos recursos vivos nas
zonas do alto mar”, bem como, ao fixar a captura permissível e ao estabelecer outras medidas de
conservação para os recursos vivos no alto mar, “tomar medidas, com base nos melhores dados
científicos de que disponham os Estados interessados, para preservar ou restabelecer as populações

303 Cf. Artigo 55.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
304 Cf. Artigo 56.° n.° 1 a) da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
305 Cf. Artigos 61.° a 68.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
306 Cf. Artigos 86.° a 87.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
307 Secção II, artigos 116.° a 120.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

68
das espécies capturadas a níveis que possam produzir o máximo rendimento constante, determinado
a partir de fatores ecológicos e econômicos pertinentes, incluindo as necessidades especiais dos
Estados em desenvolvimento e tendo em conta os métodos de pesca, a interdependência das
populações e quaisquer normas mínimas internacionais geralmente recomendadas, sejam elas sub-
regionais, regionais ou mundiais”; e “ter em conta os efeitos sobre as espécies associadas às espécies
capturadas, ou delas dependentes, a fim de preservar ou restabelecer as populações de tais espécies
associadas ou dependentes acima dos níveis em que a sua reprodução possa ficar seriamente
ameaçada”.
No que diz respeito à exploração de recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos, a Convenção
prevê uma importante disposição no domínio da protecção do meio marinho, determinando que
“devem ser tomadas as medidas necessárias, de conformidade com a presente Convenção, para
assegurar a protecção eficaz do meio marinho contra os efeitos nocivos que possam resultar de tais
atividades”, incluindo a adopção de normas, regulamentos e procedimentos apropriados para: (i)
“prevenir, reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio marinho, incluindo o litoral, bem
como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho, prestando especial atenção à
necessidade de proteção contra os efeitos nocivos de atividades, tais como a perfuração, dragagem,
escavações, lançamento de detritos, construção e funcionamento ou manutenção de instalações, dutos
e outros dispositivos relacionados com tais atividades”; (ii) e “proteger e conservar os recursos naturais
da Área e prevenir danos à flora e à fauna do meio marinho” 308.
Mas a maior componente ambiental da Convenção pode ser encontrada na Parte XII
(Protecção e Preservação do Meio Marinho), a começar na consagração de uma obrigação geral dos
Estados em proteger e preservar o meio marinho309.
Veja-se que, no campo da prevenção e combate à poluição marinha, proclama-se que “Os
Estados devem tomar, individual ou conjuntamente, como apropriado, todas as medidas compatíveis
com a presente Convenção que sejam necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio
marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que
disponham e de conformidade com as suas possibilidades, e devem esforçar-se por harmonizar as suas
políticas a esse respeito”310. As medidas deverão ser tomadas em relação a todas as fontes de poluição
do meio marinho, dirigidas a reduzir ao máximo: (i) “a emissão de substâncias tóxicas, prejudiciais ou
nocivas, especialmente as não degradáveis, provenientes de fontes terrestres, provenientes da
atmosfera ou através dela, ou por alijamento”; (ii) “a poluição proveniente de embarcações, em
particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança

308 Cf. Artigo 45.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
309 Cf. Artigo 192.° da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
310 Cf. Artigo 192.°, n.° 1 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

69
das operações no mar, prevenir descargas internacionais ou não e regulamentar o projeto, construção,
equipamento, funcionamento e tripulação das embarcações”; (iii) “a poluição proveniente de
instalações e dispositivos utilizados na exploração ou aproveitamento dos recursos naturais do leito do
mar e do seu subsolo, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de
emergência, garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projeto, construção,
equipamento, funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos”; (iv) e “a poluição
proveniente de outras instalações e dispositivos que funcionem no meio marinho, em particular
medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das
operações no mar e regulamentar o projeto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação de
tais instalações ou dispositivos”311.
As secções V e VI da Parte II da Convenção dizem respeito às regras internacionais e legislação
nacional para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho e à respectiva execução,
respectivamente. Foram previstas normas para a poluição de origem terrestre, a poluição proveniente
de atividades relativas aos fundos marinhos sob jurisdição nacional, a poluição proveniente de
atividades na Área, a poluição por alijamento, a poluição proveniente de embarcações e a poluição
proveniente da atmosfera ou através dela312.
Note-se que “Nenhuma das disposições da presente Convenção afeta o direito de intentar
ação de responsabilidade civil por perdas ou danos causados pela poluição do meio marinho” 313. Nesse
sentido, “os Estados devem zelar pelo cumprimento das suas obrigações internacionais relativas à
proteção e preservação do meio marinho. Serão responsáveis de conformidade com o direito
internacional”; devendo “cooperar na aplicação do direito internacional vigente e no ulterior
desenvolvimento do direito internacional relativo às responsabilidades quanto à avaliação dos danos e
à sua indenização e à solução das controvérsias conexas, bem como, se for o caso, na elaboração de
critérios e procedimentos para o pagamento de indenização adequada, tais como o seguro obrigatório
ou fundos de indenização”, com vista a “assegurar indenização pronta e adequada por todos os danos
resultantes da poluição do meio marinho”314.
No campo institucional, a Convenção criou a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos,
organização por intermédio da qual os Estados Partes, de conformidade com a presente Parte,
organizam e controlam as atividades na Área, particularmente com vista à gestão dos recursos

311 Cf. Artigo 192.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
312 Cf. Artigos 207.° a 212.°da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
313 Cf. Artigo 229.°, n.° 1 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
314 Cf. Artigo 235.°, n.s° 1 e 3 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

70
existentes315. Esta Autoridade é constituída por três órgãos, designadamente: a Assembleia, o Conselho
e o Secretariado316.

2.3.7.2. Acordo Relativo à Conservação e Gestão das Populações de Peixes Transzonais e das
Populações de Peixes Altamente Migratórias

Por via da Resolução n.º 19/2008, de 16 de Dezembro, o Conselho de Ministros procedeu à ratificação
da adesão da República de Moçambique ao Acordo Relativo à Aplicação das Disposições da Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar Respeitantes à Conservação e Gestão das Populações de
Peixes Transzonais e das Populações de Peixes Altamente Migratórias, a qual visa assegurar a
conservação a longo prazo e a exploração sustentável das populações piscícolas

2.3.7.3. Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades na Autoridade Internacional dos


Fundos Marinhos

Através da Resolução n.º 38/2008, de 15 de Outubro, o Conselho de Ministros aprovou da adesão da


República de Moçambique ao Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades na Autoridade
Internacional dos Fundos Marinhos, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar, aberto à assinatura em Kingston (Jamaica), entre os dias 17 e 28 de Agosto de 1998.

2.3.7.4. Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios

Em 2003, há a registar a adesão de Moçambique, por intermédio do Conselho de Ministros, a dois


importantes instrumentos internacionais conta a poluição marinha: a Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição por Navios, de 1973, e respectivo Protocolo, de 1978 (internacionalmente
referidos como MARPOL)317, através da Resolução n.º 5/2003, de 18 de Fevereiro.
Este instrumento foi o culminar do reconhecimento da necessidade de preservar o ambiente
humano em geral e o meio marinho em particular, bem como da grave poluição gerada pelos
hidrocarbonetos e outras substâncias prejudiciais lancadas de navios deliberadamente, por negligência
oi por acidente; bem como da vontade de alcançar a eliminação completa da poluição internacional do

315 Cf. Artigos 156.°, n.º 1 e 157.°, n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
316 Cf. Artigo 158.°, n.° 1 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
317 A MARPOL entrou em vigor em 1983.

71
meio marinho por hidrocarbonetos e outras substâncias prejudiciais, para além da redução de
descargas acidentais de tais substâncias318.
Foi definida a obrigação geral de compromisso por parte das Partes em observar as
disposições da presente Convenção, respectivos Anexos e Protocolos (entendidos como um todo),
“com o fim de evitar a poluição do meio marinho pela descarga de substâncias prejudiciais ou de
efluentes contendo tais substancias”319.
Esta Convenção é aplicável aos navios que arvorem a bandeira de uma Parte na Convenção,
bem como aos navios que não arvorem a bandeira de uma Parte, mas que operem sob a autoridade
dessa parte320.
A MARPOL possui seis anexos, relacionados com a prevenção das diferentes formas de poluição
marinha por navios, designadamente: Anexo I – Regras para a prevenção da poluição por
hidrocarbonetos; Anexo II – Regras para o controlo da poluição por substâncias líquidas nocivas
transportadas a granel; Anexo III - Regras para a prevenção da poluição por substâncias prejudiciais
transportadas por via marítima em embalagens, contentores, tanques portáteis, camiões tanque e
vagões cisterna; Anexo IV – Regras para a prevenção da poluição por esgotos sanitários dos navios;
Anexo V – Regras para a prevenção da poluição por lixo dos navios; e Anexo VI – Regras para a
prevenção da poluição do ar321.

2.3.8. Convenções sobre Ecossistemas e Espécies Ameaçadas

2.3.8.1. Convenção sobre Terras Húmidas de Importância Internacional – Especialmente as que servem
de Habitat de Aves Aquáticas

Em 2003, a República de Moçambique aderiu à Convenção sobre Terras Húmidas de Importância


Internacional – Especialmente as que servem de Habitat de Aves Aquáticas, assinada a 2 de Fevereiro
de 1971, em Ramsar, no Irão, e ao respectivo Protocolo de Paris de 3 de Dezembro de 1982 e Emenda
de Regina, Canadá, através da Resolução n.º 45/2003, de 5 de Novembro, do Conselho de Ministros,
tendo para o efeito, na sequência dos termos da referida convenção, indicado o Complexo de
Marromeu como local a ser incluído na lista de terras húmidas de importância internacional.
Segundo o Preâmbulo, consideraram-se “as funções ecológicas fundamentais das zonas
húmidas enquanto reguladoras dos regimes de água e enquanto habitats de uma flora e fauna

318 Veja-se preâmbulo da MARPOL.


319 Cf. Artigo 1.° da MARPOL.
320 Cf. Artigo 3° da MARPOL.
321 Urge referir que um Estado que se torne membro da MARPOL deve aceitar obrigatoriamente os Anexos I e II. Os demais

anexos são voluntários.

72
características, especialmente de aves aquáticas”; o reconhecimento de que “as zonas húmidas
constituem um recurso de grande valor económico, cultural, científico e recreativo, cuja perda seria
irreparável”; e a necessidade de “pôr termo, actual e futuramente, à progressiva invasão e perda de
zonas húmidas”322.
Esta Convenção visa essencialmente definir um conjunto de normas dirigidas à protecção,
conservação e utilização sustentável das terras húmidas, como “áreas de pântano, charco, turfa ou
água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra
ou salgada, incluindo áreas de água marítima com menos de seis metros de profundidade na maré
baixa”323.
Segundo a Convenção, as Partes Contratantes deverão indicar as zonas húmidas apropriadas
dentro dos seus territórios para constar da Lista de Zonas Húmidas de Importância Internacional, que
ficará a cargo do Bureau criado nos termos deste instrumento internacional, devendo tais zonas ser
devem ser seleccionadas em função da importância internacional em termos ecológicos, botânicos,
zoológicos, limnológicos ou hidrólogos324. Determina-se ainda que “qualquer Parte Contratante terá o
direito de adicionar à Lista outras zonas húmidas situadas no seu território, alargar os limites das que
já estão incluídas na Lista, ou, por motivo de interesse nacional urgente, anular ou restringir os limites
das zonas húmidas já por ela incluídas na Lista, e terá de informar destas alterações, a breve prazo, o
organismo ou o governo encarregado das funções de bureau permanente”325. Por outro lado, os
Estados partes deverão ter em consideração as respectivas responsabilidades, no plano internacional,
para a conservação, orientação e exploração racional da população migrante de aves aquáticas 326.
Se uma determinada Parte Contratante, tendo presente um interesse nacional urgente,
proceder à anulação ou restrição dos limites da zona húmida incluída na Lista, tem o dever de
“compensar qualquer perda de recursos da zona húmida e em especial criar novas reservas naturais
para as aves aquáticas e para a protecção, dentro da mesma região ou noutra, de uma porção
apropriada do habitat anterior”327.
Por fim, destaque para a previsão que a Convenção a obrigação que cada Parte Contratante
tem de conservar as zonas húmidas e as aves aquáticas estabelecendo reservas naturais nas zonas
húmidas, quer estas estejam ou não inscritas na Lista, e providenciar a sua protecção apropriada 328.
A Convenção prevê a prerrogativa que as Partes Contratantes têm, na medida das
necessidades, em convocar conferências sobre a conservação de zonas húmidas e aves aquáticas, nas

322 Veja-se o Preâmbulo da Convenção de Ramsar.


323 Cf. Artigo 1.°, n.º 1, da Convenção de Ramsar.
324 Cf. Artigo 2.°, n.ºs 1 e 2, da Convenção de Ramsar.
325 Cf. Artigo 2.°, n.º 5, da Convenção de Ramsar.
326 Cf. Artigo 2.°, n.º 6, da Convenção de Ramsar.
327 Cf. Artigo 4.°, n.º 2, da Convenção de Ramsar.
328 Cf. Artigo 4.°, n.º 1, da Convenção de Ramsar.

73
quais serão realizadas as seguintes funções: (i) examinar a execução desta Convenção; (ii) examinar
adições e mudanças na Lista; (iii) analisar a informação respeitante às mudanças de carácter ecológico
de zonas húmidas incluídas na Lista; (iv) formular recomendações, de ordem geral ou específica, às
Partes Contratantes acerca de conservação, gestão e exploração racional de zonas húmidas, da sua
flora e fauna; (v) solicitar aos organismos internacionais competentes a elaboração de relatórios e
estatísticas sobre assuntos de natureza essencialmente internacional respeitantes às zonas húmidas329.

2.3.8.2. Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias Selvagens

Por via da Resolução n.º 9/2008, de 19 de Setembro, a Assembleia da República procedeu à ratificação
da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias Selvagens, assinada em Bona, Alemanha,
em 23 de Junho de 1979, bem como as respectivas emendas de 1985, 1988, 1991, 1994, 1997, 1999,
2002 e 2005330.
De acordo com o Preâmbulo da referida Resolução, “As espécies migratórias são componentes
essenciais dos ecossistemas que sustentam a vida sobre a Terra. Por exemplo, ao actuarem como
polinizadores e distribuidores de sementes, contribuem para a função e estrutura dos ecossistemas:
Também, providenciam alimento para outros animais e regulam o número de espécies presentes nos
ecossistemas. Assim, os animais migratórios podem ser indicadores eficazes de mudanças do ambiente
que afecta a todos nós”.
Segundo este instrumento internacional, “as partes reconhecem a importância da conservação
das espécies migratórias e do que os Estados da área de distribuição acordarem, sempre que possível
e conveniente, sobre a acção que deverá ser desenvolvida com essa finalidade; as partes dedicarão
uma atenção especial às espécies migratórias cujo estado de conservação é desfavorável, e tomarão,
individualmente ou em comum, as medidas necessárias à conservação das espécies e dos seus
habitats”331.
Em especial, os Estados que ratificarem a presente Convenção, reconhecem a necessidade de
serem tomadas medidas com vista a impedir que uma espécie migratória se transforme numa espécie
ameaçada, deverão promover trabalhos de investigação relativos às espécies migratórias, neles
cooperar ou dar-lhes o seu apoio; esforçar-se-ão por conceder protecção imediata às espécies
migratórias incluídas no Anexo I (Espécies migratórias ameaçadas); bem como para concluir acordos

329 Cf. Artigo 6.°, da Convenção de Ramsar.


330 Para mais desenvolvimentos, veja-se https://www.cms.int/
331 Cf. Artigo 2.°, n.º 1, da Convenção de Bona.

74
que incidam sobre a conservação e a gestão das espécies migratórias que constam do Anexo II (Espécies
migratórias que devem ser objecto de acordos)332.
Ao abrigo da presente Convenção foi criada uma Conferência de Partes (destaque para a
função de rever e avaliar o estado de conservação das espécies migratórias), bem como um
Secretariado para funções executivas e de auxílio à Conferência333. Foi igualmente instituído um
Conselho Cientifico334.

2.3.9. Convenções sobre resíduos e substâncias tóxicas e perigosas

2.3.9.1. Convenção de Basileia sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos


Perigosos e sua Eliminação

Através da Resolução n.º 18/96, de 26 de Novembro, Moçambique ratificou a Convenção de Basileia


sobre o Controlo de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação, celebrada
na cidade de Basileia, Suíça, em 1989335.
Esta Convenção foi o resultado do reconhecimento entre outros aspectos, dos prejuízos
causados à saúde pública e ao ambiente pelos resíduos perigosos e outros resíduos e do respectivo
movimento transfronteiriço, bem como da necessidade de reduzir a sua produção ao minino e da
tomada das medidas necessárias para assegurar a correcta gestão e eliminação em termos compatíveis
com a protecção da saúde humana e do ambiente336. E mais, prevaleceu o o reconhecimento em
relação ao “crescente desejo de proibir os movimentos transfronteiros de resíduos perigosos e a sua
eliminação noutros Estados, sobretudo nos países em desenvolvimento”, bem como sobre o facto de
tais movimentos deveriam apenas ser permitidos “quando executados sob condições que não
coloquem em perigo a saúde humana e o ambiente, sendo essas condições acordadas segundo as
disposições desta Convenção”337.
A Convenção de Basileia tem como principal objetivo garantir a adequada gestão, descarte e
movimento transfronteiriço de resíduos perigosos de forma a resguardar a saúde humana e o meio
ambiente; visando igualmente combater o tráfico ilegal de resíduos perigosos e fomentar a cooperação
multilateral com vista a possibilitar a gestão segura desses resíduos338.

332 Cf. Artigo 2.°, n.º 2, da Convenção de Bona.


333 Cf. Artigos 7.° e 9.º, da Convenção de Bona.
334 Cf. Artigo 8.°, da Convenção de Bona.
335 Para mais desenvolvimentos, veja-se

http://www.basel.int/Home/tabid/2202/mctl/ViewDetails/EventModID/8051/EventID/330/xmid/8052/Default.aspx
336 Veja-se Preâmbulo da Convenção de Basileia.
337 Veja-se Preâmbulo da Convenção de Basileia.
338 In. http://www.basel.int/Home/tabid/2202/mctl/ViewDetails/EventModID/8051/EventID/330/xmid/8052/Default.aspx

Acedido a 19 de Abril de 2019.

75
Esta Convenção definiu como obrigações gerais dos Estados: (i) proceder à informação da
informação sobre o exercício do direito de proibição de importação de resíduos perigosos ou outros
resíduos para eliminação; (ii) proibir, ou não permitir, a exportação de resíduos perigosos ou de outros
resíduos para as Partes que proibirem a importação de tais resíduos, quando notificadas nos termos
previstos na Convenção; (iii) e proibir, ou não permitir, a exportação de resíduos perigosos ou de outros
resíduos, se o Estado de importação não consentir em escrever ao importados especifico, no caso de
esse Estado de importação não te proibido a importação de tais resíduos339.
Nota de destaque para as seguintes obrigações específicas que cada Estado tem, entre
outras: (i) assegurar que a produção de resíduos perigosos e de outros resíduos seja reduzida ao minino,
tendo em conta os aspectos sociais, tecnológicos e económicos; (ii) assegurar a disponibilidade de
instalações adequadas para eliminação, com vista à gestão ambientalmente segura e racional dos
resíduos perigosos e de outros resíduos, colocados o mais longe possível, qualquer que seja o local da
sua eliminação; (iii) e garantir que movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e de outros
resíduos seja reduzido ao mínimo, tomando as medidas ambientalmente correcta, através de uma
gestão eficiente desses resíduos, de modo a proteger a saúde humana e o ambiente contra os efeitos
nocivos que podem resultar desse mesmo movimento340.
A Convenção de Basileia definiu igualmente um conjunto de normas para a regulamentação
do movimento transfronteiriço entre as Partes, bem como para o trafego ilícito (qualquer movimento
transfronteiriço sem a devida notificação de todos os Estados envolvidos, ou sem o consentimento do
Estado envolvido, ou com o consentimento obtido da parte dos Estados envolvidos através de
falsificação, informações falsas ou fraude, ou em que o material não esteja em conformidade com os
documentos; ou que resulte em eliminação deliberada, incluindo a imersão no mar)341.
Ao abrigo da Convenção de Basileia foi instituída a Conferência de Partes e o respectivo
Secretariado342.

2.3.9.2. Convenção de Roterdão relativa ao Procedimento de Prévia Informação e Consentimento para


Determinados Produtos Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional

Pela Resolução n.º 10/2009 de 29 de Setembro, a Assembleia da República procedeu à ratificação da


Convenção de Roterdão relativa ao Procedimento de Prévia Informação e Consentimento para

339 Cf. Artigo 4.°, n.º 1, da Convenção de Basileia.


340 Cf. Artigo 4.°, n.º 2, a), b) e d) da Convenção de Basileia.
341 Cf. Artigos 7.° e 9.°, da Convenção de Basileia.
342 Cf. Artigos 15.° e 16.°, da Convenção de Basileia.

76
Determinados Produtos Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional, concluída em
Roterdão (Holanda - Países Baixos), no dia 10 de Setembro de 1998 343.
Esta Convenção visa “promover a responsabilidade partilhada e os esforços de cooperação
entre as Partes no comércio internacional de determinados produtos químicos perigosos, por forma a
proteger a saúde humana e o ambiente dos perigos potenciais e a contribuir para a sua utilização
ambientalmente sã, facilitando o intercâmbio de informação sobre as suas características, promovendo
um processo nacional de tomada de decisão sobre as suas importações e exportações e divulgando
estas decisões pelas Partes”344.
A Convenção de Roterdão aos produtos químicos proibidos (produtos químicos em relação ao
qual tenham sido proibidos, por uma acção regulamentar final, todos os usos dentro de uma ou mais
categorias por forma a proteger a saúde humana ou o ambiente) ou severamente restringidos
(produtos químicos em relação ao qual tenham sido proibidos quase todos os usos, por uma acção
regulamentar final, dentro de uma ou mais categorias por forma a proteger a saúde humana ou o
ambiente mas em relação ao qual certos usos específicos permanecem autorizados), bem como às
formulações pesticidas extremamente perigosas (produtos químicos formulados para serem utilizados
como pesticida, que produzem efeitos graves na saúde e no ambiente observáveis num curto período
de tempo, após exposições singulares ou múltiplas, em conformidade com as condições de
utilização)345.
Em termos sucintos, este instrumento definiu, entre outros, os seguintes aspectos: (i)
procedimentos relativos a produtos químicos proibidos ou severamente restringidos; (ii) inclusão de
produtos químicos no Anexo III (Produtos químicos sujeitos ao procedimento de prévia informação e
consentimento); (iii) produtos químicos abrangidos pelo procedimento voluntário de prévia informação
e consentimento; (iv) remoção de produtos químicos do Anexo III; (v) obrigações relativas à importação
de produtos químicos incluídos no Anexo III; (vi) obrigações relativas à exportação de produtos
químicos incluídos no Anexo III; (vii) notificação de exportação; (viii) e informação que acompanha os
produtos químicos exportados346.
À luz da presente Convenção, cada Parte compromete-se a designar uma ou mais autoridades
nacionais que serão autorizadas a actuar em nome da respectiva Parte no desempenho das funções
administrativas requeridas segundo tal instrumento internacional347.
No plano internacional, a Convenção procedeu ao estabelecimento da Conferência de
Partes, junto da qual funciona, como órgão subsidiário, o Comité de Revisão de Produtos Químicos,

343 Para mais desenvolvimentos, veja-se http://www.pic.int/.


344 Cf. Artigo 2.° da Convenção de Roterdão.
345 Cf. Artigo 3.°, n.º 1 da Convenção de Roterdão.
346 Cf. Artigos 5.° a 13.°, da Convenção de Roterdão.
347 Cf. Artigo 4.°, n.º 1 da Convenção de Roterdão.

77
bem como o Secretariado348 (ao qual compete organizar as reuniões da conferência das Partes e dos
respectivos órgãos subsidiários e prestar-lhes os serviços necessários; prestar assistência às Partes,
quando solicitada, particularmente aos países em desenvolvimento ou com economias em transição,
sobre a aplicação da presente Convenção; assegurar a coordenação necessária com os Secretariados
de outros órgãos internacionais relevantes; proceder, sob a supervisão da conferência das Partes, aos
arranjos administrativos e contratuais necessários para o desempenho eficaz das suas funções; e
desempenhar as outras funções de Secretariado especificadas na presente Convenção e quaisquer
outras que lhe possam vir a ser atribuídas pela conferência das Partes) 349.

2.3.9.3. Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos e Persistentes (POPs)

Pela Resolução n.º 56/2004, de 31 de Dezembro, foi ratificada a Convenção de Estocolmo sobre
Poluentes Orgânicos e Persistentes (POP’s), adoptada em 23 de Maio de 2001, na cidade de Estocolmo,
Suécia350.
Segundo o Preâmbulo da Convenção, os Estados tomaram a decisão de avançar para a
respectiva celebração, tendo presente o reconhecimento de “que os poluentes orgânicos persistentes
têm propriedades tóxicas, são resistentes à degradação, bioacumulam-se, são transportados pelo ar,
pela água e pelas espécies migratórias através das fronteiras internacionais e depositados distantes do
local de sua liberação, onde se acumulam em ecossistemas terrestres e aquáticos”, bem como “os
problemas de saúde, especialmente nos países em desenvolvimento, resultantes da exposição local aos
poluentes orgânicos persistentes, em especial os efeitos nas mulheres e, por meio delas, nas futuras
gerações”,
Esta Convenção tem como objectivo a protecção da saúde humana e o ambiente dos
poluentes orgânicos persistentes, atendendo ao Princípio da Precaução, consagrado na Declaração do
Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento351.
Esta Convenção prevê um conjunto de medidas que os Estados parte deverão adoptar para
eliminar e reduzir as liberações decorrentes da produção e uso intencionais de POP’s (havendo que
considerar os Anexos I e II, respeitantes, respectivamente, aos poluentes a eliminar e aos poluentes a
restringir)352.

348 As funções de Secretariado da presente Convenção serão desempenhadas conjuntamente pelo Director Executivo do PNUA
e pelo Diretor-geral da FAO.
349 Cf. Artigos 18.° e 19.°, da Convenção de Roterdão.
350 Para mais desenvolvimentos, veja-se http://www.pops.int/
351 Cf. Artigo 1.° da Convenção sobre os POP’s.
352 Cf. Artigo 3.° da Convenção sobre os POP’s.

78
A Convenção prevê ainda um sistema de registo com a finalidade de identificar as Partes que
possuem exceções específicas relacionadas no Anexo A ou no Anexo B 353. Veja-se que, é ao abrigo do
presente sistema, que o DTT é admitido na produção e no consumo para controlo de vetores de
doenças (como é o caso da malária)354.
Foram igualmente previstas medidas a cargo dos Estados parte para reduzir ou eliminar as
liberações da produção não intencional, bem como para definir medidas para reduzir ou eliminar as
liberações de estoques e resíduos.355
Cada Parte tem a obrigação de proceder à elaboração de um plano para a implementação
de suas obrigações decorrentes da presente Convenção, bem como envidar esforços para a sua
execução; transmitir seu plano de implementação à Conferência das Partes no prazo de dois anos a
partir da data de entrada em vigor da Convenção para aquela Parte; e rever e actualizar, conforme o
caso, o respectivo plano de implementação em intervalos periódicos e na forma determinada por
decisão da Conferência das Partes356. Ainda ao abrigo da Convenção, destaque para a obrigação de
informação, consciencialização e educação do público, com destaque para os formuladores de políticas
e decisões, e para as mulheres, crianças e pessoas menos instruídas, sobre os poluentes orgânicos
persistentes, seus efeitos para a saúde e o ambiente e suas alternativas357.
Foi instituída uma Conferência de Partes, junta da qual funciona o Comitê de Revisão dos
Poluentes Orgânicos Persistentes, bem como o Secretariado (com as funções de organizar as reuniões
da Conferência das Partes e de seus órgãos subsidiários e prestar-lhes os serviços que solicitarem;
facilitar, mediante solicitação, a assistência a ser prestada às Partes; garantir a coordenação necessária
com os secretariados de outros órgãos internacionais relevantes; preparar e tornar disponível às Partes
relatórios periódicos, baseados nas informações recebidas; celebrar, sob a orientação geral da
Conferência das Partes, os acordos administrativos e contratuais necessários ao eficaz desempenho de
suas funções; e desempenhar as demais funções de Secretariado especificadas na Convenção)358.

2.4 Instrumentos de nível continental

A nível da União Africana, apesar de a protecção do ambiente não fazer parte do conjunto de objectivos
constantes no artigo 3. ° do Tratado instituidor, ratificado pela Assembleia da República, através da
Resolução n.º 44/2001, de 2 de Maio, temos a destacar os seguintes instrumentos:

353 Cf. Artigo 4.° da Convenção sobre os POP’s.


354 Veja-se Anexo B da Convenção dos POP’s.
355 Cf. Artigos 5.° e 6.° da Convenção sobre os POP’s.
356 Cf. Artigo 7.°, n.º 1 da Convenção sobre os POP’s.
357 Cf. Artigo 10.°, n.º 1 a) e c) da Convenção sobre os POP’s.
358 Cf. Artigos 19.° e 20.° da Convenção sobre os POP’s.

79
2.4.1. Convenção Africana sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais

Em 1968, na cidade de Argel, na Argélia, sob a égide da Organização da Unidade Africana (OUA),
registou-se um importante marco na história da conservação do continente africano com a celebração
da Convenção Africana sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. Este instrumento
veio a ser ratificado pela Comissão Permanente da Assembleia Popular, através da Resolução n.º 18/81,
de 30 de Dezembro. A Convenção teve como objectivo fundamental assegurar a conservação, utilização
e o desenvolvimento dos solos, das águas, dos recursos florestais e faunísticos dos Estados Membros,
tendo presente não apenas os princípios gerais da conservação da Natureza, como também os
interesses dos próprios Estados359.
Este instrumento veio a ser mais tarde revisto ao nível da União Africana, que sucedeu à
OUA, tendo sido aprovada, em 2002, na cidade de Maputo, a nova Convenção Africana sobre a
Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. Este instrumento foi ratificado pelo Estado
moçambicano através da Resolução n.º 8/2008, de 14 de Novembro.
Esta Convenção tem como objectivos; (i) Incrementar a protecção ambiental; (ii) Promover a
conservação e uso sustentável dos recursos naturais; e (iii) Harmonizar e coordenar políticas nestes
campos, com a finalidade de elaborar políticas e programas de desenvolvimento ecologicamente
racionais, economicamente são e socialmente aceitáveis360.
Importa ainda aludir ao conjunto de princípios que deverão guiar cada Estado parte,
nomeadamente: (i) O direito de todos os povos a um meio ambiente satisfatório, favorável ao seu
desenvolvimento; (ii) o dever dos Estados, individual e colectivamente, de assegurar o gozo do direito
ao desenvolvimento; (iii) e o dever dos Estados de assegurar que as necessidades ambientais e de
desenvolvimento sejam satisfeitas de maneira sustentável, justa e equitativa 361.
Segundo a presente Convenção, os Estados parte comprometem-se a adoptar e implementar
todas as medidas necessárias para alcançar os objectivos desta Convenção, em particular através de
medidas preventivas e da aplicação do princípio da precaução, e assegurar a conservação, utilização e
desenvolvimento, de acordo com os princípios científicos, dos recursos do solo, água, flora e fauna e,
com a devida observância dos valores éticos e tradicionais assim como do conhecimento científico no
melhor interesse dos povos das presentes e futuras gerações 362. Neste instrumento, definiram-se bases
para a conservação dos solos, da água, da flora, das espécies e da diversidade genética e das espécies

359 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (....).
360 Cf. Artigo 2.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza.
361 Cf. Artigo 3.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza.
362 Cf. Artigo 4.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza.

80
protegidas em particular, tendo-se igualmente tratado do comércio de espécies e de produtos
relacionados363.
Foi igualmente importante a previsão de uma base sobre desenvolvimento sustentável e
recursos naturais, proclamando-se, por um lado, que “A conservação e maneio de recursos naturais
sejam tratados como parte integrante dos planos de desenvolvimento nacionais e/ou regionais locais”;
e, por outro, que “na formulação de todos os planos de desenvolvimento deverá ser dada total
consideração aos factores eco1ógicos, económicos e sociais para promover o desenvolvimento
sustentável”364.
Nota importante para a previsão de que os Estados Partes deverão tomar todas medidas
legislativas e outras necessárias para garantir o respeito pelos direitos tradicionais e direitos de
propriedade intelectual das comunidades locais, bem como para garantir que o acesso ao
conhecimento indígena esteja condicionado ao consentimento prévio das comunidades envolvidas e
para os regulamentos específicos que reconhecem os seus direitos e o valor económico apropriado a
tal conhecimento365.

2.4.2. Convenção de Bamako relativa à Importação de Resíduos Perigosos e ao Controlo da


Movimentação Transfronteiriços desses lixos em África

Ao nível africano, destaque ainda para a celebração da Convenção de Bamako relativa à Importação de
Resíduos Perigosos e ao Controlo da Movimentação Transfronteiriços desses resíduos em África,
ratificada por Moçambique através da Resolução n.º 19/96, de 26 de Novembro.
Nos termos do Preâmbulo da Convenção de Bamako, teve-se presente a ameaça crescente
que reapresentam para a saúde humana e para o ambiente a cada vez maior complexidade e o
desenvolvimento da produção de resíduos perigosos; a necessidade de ao reduzir ao mínimo a
produção de tais resíduos, em termos de quantidade e/ou do seu perigo potencial, como a forma mais
eficaz de proteger a saúde humana e o ambiente dos respectivos perigos; considerando os danos que
as movimentações transfronteiras dos resíduos perigosos podem causar à saúde humana e ao
ambiente; e ainda a necessidade de os Estados garantirem que o produtor cumpra as suas obrigações
no que se refere ao transporte, à eliminação e ao tratamento dos resíduos perigosos de uma forma que
seja compatível com salvaguarda da saúde humana e do ambiente, qualquer que seja o local onde se
proceda à sua eliminação366.

363 Vejam-se Artigos 6.° a 11.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza.


364 Cf. Artigo 14.°, n.° 1 da Convenção Africana de Protecção da Natureza.
365 Cf. Artigo 17.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza
366 Veja-se o Preâmbulo da Convenção de Bamako.

81
A Convenção de Bamako aplica-se: (i) os resíduos que pertencem a qualquer das categorias
contidas no Anexo I da presente Convenção (Categorias de resíduos que são resíduos perigosos); (ii) os
resíduos a que não se aplicam as disposições do ponto anterior, mas que são definidos ou considerados
como perigosos pela legislação interna do Estado de exportação, de importação ou de trânsito; (iii) os
resíduos que possuem qualquer das características enumeradas no Anexo II da presente Convenção
(Lista de características de risco); (iv) as substâncias perigosas que foram objecto de interdição, abolidas
ou cujo registo foi recusado pela legislação dos Estados ou voluntariamente retiradas de registo no país
de produção por razões de protecção da saúde humana e do ambiente 367.
Esta Convenção estabeleceu um conjunto de obrigações gerais a cargo de cada Estado parte,
designadamente: de interdição de resíduos perigosos; de proibição de depósito de resíduos perigosos
no mar, nas águas interiores e nos cursos de água; de produção de resíduos perigosos em África; a
garantir a observância da presente Convenção, processando em juízo os autores de eventuais
infracções nos termos da legislação nacional e do Direito Internacional368.
Foram igualmente previstas normas sobre o movimento transfronteiriço e o processo de
notificação, bem como o tráfico ilícito, na linha do modelo adoptado pela Convenção de Basileia369.
Foi instituída a Conferência de Partes, responsável por analisar permanentemente o estado
de implementação da Convenção, integrada pelos ministros que superintendem as pastas do ambiente,
bem como um Secretariado, com funções técnicas e administrativas auxiliares370.

2.5. Instrumentos de nível regional

2.5.1. Convenção para a Protecção, Gestão e Desenvolvimento Marinho e Costeiro da Região


Oriental de África

No contexto regional, pela Resolução n.º 17/96, de 26 de Novembro foi ratificada a Convenção para a
Protecção, Gestão e Desenvolvimento Marinho e Costeiro da Região Oriental de África, que tinha sido
assinada na cidade de Nairobi, no Quénia, no dia 21 de Junho de 1985 (conhecida como Convenção de
Nairobi).
Esta Convenção aplica-se ao ambiente marinho e costeiro da parte do Oceano Indico
localizada na região da África Oriental, dentro da jurisdição dos Estados parte 371.

367 Cf. Artigo 2.°, n.º 1 da Convenção de Bamako.


368 Cf. Artigo 4.°, da Convenção de Bamako.
369 Cf. Artigos 6.° e 9.°, da Convenção de Bamako.
370 Cf. Artigos 6.° e 9.°, da Convenção de Bamako.
371 Cf. Artigos 1.° e 2.° da Convenção de Nairobi.

82
Em termos de obrigações gerais, os Estados parte deverão, individualmente ou em conjunto,
tomar todas as medidas apropriadas, em conformidade com as normas de Direito Internacional, as
disposições da presente Convenção e respectivos Protocolos: (i) para prevenir, reduzir a combater a
poluição da área abrangida por este instrumento; (ii) bem como para garantir a correta gestão dos
recursos naturais, considerando os melhores meios disponíveis e as suas próprias capacidades 372.
No campo da prevenção e combate à poluição, forma definidas bases para os seguintes
aspectos: (i) poluição proveniente de navios; (ii) poluição originada por deposição de resíduos; (iii)
poluição por fontes baseadas em terra; (iv) poluição por actividades no leito do mar; (v) poluição
proveniente da atmosfera; e cooperação no combate à poluição em caso de emergência 373.
Por sua vez, no domínio da conservação, foram lançadas bases para a tomada de medidas
apropriadas à protecção e conservação de ecossistemas raros ou frágeis e de espécies de flora e fauna
raras, ameaças ou em perigo de extinção e respectivos habitats, incluindo a criação de zonas protegidas
nas áreas sob respectiva jurisdição374.
A Convenção de Nairobi consagra o instituto da avaliação do impacto ambiental, ainda que
fortemente associado à prevenção e combate aos impactos ambientais dos grandes projectos de
desenvolvimento nas áreas de conservação375.
Nos termos da Convenção de Nairobi, os Estados parte deverão realizar reuniões ordinárias
de dois em dois anos, para verificar o nível de implementação destes instrumento e respectivos
Protocolos376.
Um dos instrumentos de implementação da Convenção de Nairobi é o Protocolo para Áreas
Protegidas, Fauna Bravia e Flora na Região da Africa Oriental, o qual visa a tomada de medidas
apropriadas por parte dos Estados partes para “manter os processos ecológicos essenciais e os sistemas
de protecção da vida com vista a preservar a diversidade genética e para garantir o isso sustentável dos
recursos naturais sob sua jurisdição”377. Este Protocolo possui quatro Anexos importantes: o Anexo I
sobre as Espécies protegidas de flora silvestre; o Anexo II sobre as Espécies de fauna bravia que
requerem protecção especial; o Anexo III sobre Espécies colectáveis de fauna bravia que requerem
protecção; e o Anexo IV sobre Espécies migratórias protegidas.
Destaque ainda para o Protocolo sobre Cooperação no Combate à Poluição Marinha em
Casos de Emergência na Região da África Oriental, e que tem em vista garantir a cooperação dos
Estados parte na tomada “de todas as medidas necessárias, tanto preventivas como correctivas, de

372 Cf. Artigo 4.°, n.° 1 da Convenção de Nairobi.


373 Cf. Artigos 5.° a 9.°, 11.° da Convenção de Nairobi.
374 Cf. Artigo 10.°, da Convenção de Nairobi.
375 Cf. Artigo 13.°, da Convenção de Nairobi
376 Cf. Artigo 17.°, n.º 1 da Convenção de Nairobi
377 Cf. Artigo 2.° do Protocolo para Áreas Protegidas, Fauna Bravia e Flora na Região da Africa Oriental.

83
protecção do ambiente marinho e costeiro da Região a Africa Oriental contra incidentes de poluição
marinha”378.
Pela Resolução n.º 3/2014, de 3 de Junho, procedeu-se à ratificação do Protocolo para a
Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro da Região Ocidental do Oceano Índico por Fontes e
Actividades Baseadas em Terra da Região Oriental e Austral de África da Região Ocidental do Oceano
Índico (Protocolo LBSA), adoptado em 1 de Abril de 2010, em Nairobi (Quénia), incluindo os respectivos
Anexos relativos às Melhores Técnicas e Práticas Ambientais Disponíveis, às Substâncias e actividades
prioritárias, à Recolha de dados, monitoria e avaliação e às Directrizes da Avaliação do Impacto e
Auditoria Ambiental. Este Protocolo visa garantir que as Estados parte assumam, individualmente ou
em conjunto, “medidas apropriadas em conformidade com o direito internacional e em conformidade
com a Convenção e do presente Protocolo de modo a evitar, reduzir, mitigar, combater e, na medida
do possível, eliminar a poluição ou degradação da Área do Protocolo de fontes e actividades baseadas
em terra, utilizando para o efeito os melhores meios possíveis à sua disposição e em conformidade com
as respectivas capacidades”379.

2.5.2. Protocolos da SADC

Ao nível regional, o Pais é membro da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC),
tendo o respectivo Tratado sido assinado em Agosto de 1992 e ratificado pela Assembleia da República,
através da Resolução n.º 3/93, de 1 de Junho. Um dos oito objectivos fundamentais do Tratado da SADC
consiste em “conseguir a utilização sustentável dos recursos naturais e a protecção efectiva do meio-
ambiente”380.
Passamos a indicar os principais Protocolos celebrados, ratificados e publicados em Boletim da
Republica, com relevância para a protecção do ambiente dos Estados partes.

Protocolo Instrumento de ratificação


1 Protocolo sobre Transportes, Comunicações e Resolução n.º 18/98, de 12 de
Meteorologia Maio
2 Protocolo de Cooperação no Domínio da Energia Resolução n.º 52/98, de 15 de
Setembro

378 Cf. Artigo 2.° do Protocolo sobre Cooperação no Combate à Poluição Marinha em Casos de Emergência na Região da
África Oriental.
379 Cf. Artigo 2.°, n.º 1 do Protocolo LBSA.
380 Cf. Artigo 5.°, n.º 1 g) do Tratado da SADC.

84
3 Protocolo sobre o Sector Mineiro Resolução n.º 53/98, de 15 de
Setembro
4 Protocolo Revisto sobre Cursos de Água Resolução n.º 31/2000, de 27
Compartilhados na Região de Dezembro
5 Protocolo sobre o Desenvolvimento do Turismo Resolução n.º 12/2001, de 20
de Março
6 Protocolo relativo à Conservação da Fauna e Aplicação Resolução n.º 14/2002, de 5 de
da Lei Março
7 Protocolo sobre as Pescas Resolução n.º 39/2002, de 30
de Abril

85
CAPITULO III. INTRODUÇÃO AO DIREITO DO AMBIENTE

3.1. Noção de Direito do Ambiente

Em 1972, a Organização das Nações Unidas realizou, em Estocolmo, em 1972, a primeira grande
Conferência sobre o ambiente. A Conferência de Estocolmo constitui sem dúvidas um marco muito
importante na institucionalização do Direito do Ambiente. A Declaração de Princípios que deste
encontro resultou foi fortemente influenciada pelos diversos tratados, convenções e protocolos
internacionais, e, por sua vez, tornou-se fonte de Direito de muitos Estados que participaram no evento.
Surge assim um ramo novo e autónomo de Direito, especializado nas questões ambientais,
dotado de princípios e normas de cariz específico, assentes no primado da protecção e conservação do
ambiente, que passou a ser leccionado, em meados da década de setenta, em várias universidades 381.
Coloca-se a questão de saber como podemos definir este Direito. Nesse sentido, recorreremos
a diversos autores.
José Pereira Reis define o Direito do Ambiente como “o sistema de normas jurídicas que,
tendo especialmente em vista as relações do homem com o meio, prossegue os objectivos de
conservação da natureza, manutenção dos equilíbrios ecológicos, salvaguarda do património genético,
protecção aos recursos naturais e combate às diversas formas de poluição”382.
Pedro Portugal Gaspar considera o Direito do Ambiente como “conjunto e normas jurídicas
que visam a salvaguarda e protecção dos bens ambientais, entendidos estes como todos aqueles que
indispensáveis ao desenvolvimento da pessoa humana no quadro do habitat antropológico
contemporâneo, sendo tais normas estruturadas prioritariamente numa logica preventiva, por forma a
habilitar a actuação orgânico-competencial administrativa numa perspectiva antecipada”383.
Por seu turno, Edis Milaré, uma das maiores vozes da doutrina júris-ambiental brasileira,
define este Direito como “complexo de princípios e de normas coercivas reguladoras das actividades
humanas que, directa ou indirectamente, possam afectar a sanidade do ambiente em sua dimensão
global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”384. Conforme Serra e
Cunha, neste Direito “o que está em causa é a definição de um regime
jurídico que assente na política de desenvolvimento sustentável, tendo presente, por um lado, as
necessidades de protecção e conservação do ambiente, estabelecendo-se um quadro legal que previna
e combata os danos ambientais sérios e irreversíveis, e, por outro, as necessidades de desenvolvimento

381 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), Manual do Direito do Ambiente, CFJJ, Maputo, p. (….).
382 REIS, João Pereira (1987), Contributos para uma Teoria do Direito do Ambiente, MPTA/SEARN, Lisboa, p. 21-22.
383 GASPAR, Pedro Portugal (2005), O Estado de Emergência Ambiental, Almedina, Coimbra, p. 43.
384 MILARÉ, Édis (2005), Direito do Ambiente, 4.ª Edição revista, atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,

p. 155.

86
económico nos inúmeros Estados e regiões. Tal regime pressupõe uma nova filosofia na relação entre
o Homem e a Natureza, baseada nos postulados da ética, da racionalidade, do equilíbrio, da
sustentabilidade e da equidade.
Em termos sucintos e objectivos, poderemos definir o Direito do Ambiente como conjunto
integrado de princípios e normas jurídicas dirigidas a proteger, conservar e garantir a utilização
sustentável do ambiente, integrando os componentes ambientais naturais e humanos, bem como as
relações que se estabelecem entre aqueles.

3.2. Características do Direito do Ambiente

Devidamente arroladas pela Doutrina, o Direito do Ambiente possui um conjunto de características


específicas, que lhe conferem uma natureza própria, designadamente: (i) a globalidade ou
universalidade; (ii) a autonomia; (iii) a interdisciplinaridade; (iv) a horizontalidade ou transversalidade;
(v) e a amplitude ou vastidão.

3.2.1. Globalidade ou universalidade

O Direito do Ambiente é um direito global ou universalista, considerando que vai muito além dos meros
problemas ambientais locais ou regionais. A grande maioria dos problemas ambientais pressupõe um
impacto que ultrapassa os limites do local da sua ocorrência, o que implica superar qualquer visão de
natureza meramente casuística ou isolacionista385.
Fernando Condesso diz-nos, a este respeito, que o Direito do Ambiente constitui um direito
planetário, “no sentido de que supõe, em geral, uma interdependência dos homens e das regiões, que
pressupõe o desenvolvimento de uma visão global dos problemas. Ė um direito de fundamentação e
consequências hiperbólicas. Um direito de fontes localizadas, mas de incidência e génese global,
exigindo um pensamento global e uma acção local”386.
Nesse sentido, “O impacto de uma indústria poluente sobre um rio pode exercer os seus efeitos
a centenas de quilómetros de distância, numa outra região ou até num outro país. A poluição gerada
pelos países desenvolvidos é substancialmente responsável por alguns dos desequilíbrios e desastres
ecológicos de que temos ouvido falar e que têm ocorrido em muitos cantos da Terra, alguns dos quais

385 Esta característica é descrita com bastante objectividade e humor nos seguintes termos: “La globalidad nos indica que el
fin ambiental de protección, conservación y mejora de los elementos que hacen posible la vida en el Planeta tiene una
dimensión mundial, que los danõs al medio ambiente afectan al conjunto de los seres humanos, tal como se decía con el símil
de que el batir de las alas de una mariposa en el Japón puede desencadenar un huracán en la costa norteamericana del
Pacífico”. Cfr. ÁLVAREZ, Luis Ortega (2000), Lecciones de Derecho del Medio Ambiente, 2.ª Editión, Editorial Lex Nova,
Valladolid, p. 49.
386 CONDESSO, Fernando dos Reis (2001), Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, p. 492.

87
sem qualquer actividade industrial digna de referência. A destruição das florestas tropicais contribui,
em termos cientificamente provados, para o aquecimento global e, consequentemente, para uma série
de perturbações ambientais que se tem verificado ao nível planetário”387.
Veja-se como o aquecimento global, consequência da emissão de gases de efeito estufa,
provoca o degelo e a consequente subida do nível das águas do mar, o que contribui para o redenho
da geografia da costa um pouco por todo o mundo, incluindo o litoral moçambicano, profundamente
vulnerável a tal problema planetário.
Segundo Alexandre Kiss: “nenhum continente do mundo é capaz de resolver sozinho o
problema da camada de ozono, da alteração do clima global ou do empobrecimento dos nossos
recursos genéticos. É doravante indispensável a cooperação da Terra inteira. Ora, a Terra compreende
também e sobretudo as populações que vivem nos países não industrializados, as quais são pobres e
querem desenvolver-se”388.

3.2.2. Autonomia

Em segundo lugar, o Direito do Ambiente é um direito autónomo, isto é, detentor de uma identidade
própria, comprovada pela existência de um conteúdo próprio, no sentido de pressupor, por exemplo,
direitos das demais espécies (portanto, para além dos seres humanos), bem como direitos de seres
humanos que ainda não existem, projectados abstratamente através do conceito de gerações
vindouras389. Mas a autonomia do Direito do Ambiente decorre ainda da existência de um rol de
princípios nascidos neste Direito, como são os casos dos princípios da precaução, do desenvolvimento
sustentável e da participação dos cidadãos390. Por fim, veja-se que a autonomia decorre igualmente da
existência de instrumentos jurídicos, nascidos no contexto da problemática ambiental, como são os
casos da avaliação do impacto ambiental e da auditoria ambiental391.
Contudo, conforme alguns autores reiteram, trata-se de uma autonomia relativa, no sentido
“de que este Direito implica necessariamente a revisão dos institutos, das técnicas e dos instrumentos
dogmáticos clássicos de outros ramos do Direito, aqui basicamente orientados pelas ideias de
protecção e de promoção de um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado” 392.

387 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (…).


388 KISS, Alexandre (1996), “Direito Internacional do Ambiente”,
Textos – Ambiente, Vol. I, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa,
p. 82.
389 CONDESSO, Fernando dos Reis (2001), Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, p. 489.
390 Idem, pp. 490 – 491 .
391 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (…).
392 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), Introdução ao Direito do Ambiente (coordenação), Universidade Aberta, Lisboa,

p. 36.

88
Para Luís Paulo Sirvinskas, a autonomia do Direito do Ambiente “caracteriza-se pelo facto de
possuir seu próprio regime jurídico, objectivos, princípios, sistema internacional do meio ambiente, etc.
Contudo, ele não é autónomo em relação aos demais ramos do direito, mesmo porque nenhum deles
o são. Há, sim, uma constante simbiose e muitos conceitos são extraídos dos diversos ramos do direito,
adaptando-se ao Direito Ambiental”393.
José Rubens Morato Leite e Patryck de Araujo Ayala, defendendo a autonomia do Direito do
Ambiente, afirmam que “quando se protege juridicamente o bem ambiental, busca-se a protecção de
um direito difuso e, dessa forma, este encontra-se desvinculado do tradicional direito público e privado,
visando a conservação de um bem que pertence à colectividade como um todo e cujo controlo é feito
de forma solidária entre o Estado e os cidadãos”394.
Em Moçambique, a autonomia do Direito do Ambiente no plano académico constitui uma
realidade, especialmente ao nível da grande totalidade de cursos de direito nos diversos
estabelecimentos de ensino superior. Mas foi no Centro de Formação Jurídica e Judiciaria (CFJJ),
instituição subordinada do Ministério que superintende a justiça, que, a partir do ano de 2000, o Direito
do Ambiente passou a integrar os programas curriculares de ingresso e de capacitação dos Magistrados
Judiciais e do Ministério Público.

3.2.3. Interdisciplinaridade

Em terceiro lugar, o Direito do Ambiente constitui um direito interdisciplinar, no sentido de recorrer


aos conhecimentos das restantes ciências ou áreas do saber, nomeadamente: a economia, a sociologia,
a geografia, a demografia, a química, a física, a biologia, a ecologia, entre outras 395.
Nesse sentido, veja-se o teor de alguns dos conceitos definidos na Lei do Ambiente e
consequente regulamentação, os quais pressupõem a abertura interdisciplinar dos profissionais do
Direito. Por seu turno, para compreender determinados fenómenos ambientais, importa
necessariamente apelar ao conhecimento de outras ciências que não o Direito, essenciais para a
assimilação do significado, causas e efeitos dos mesmos396.
Para o efeito, o profissional do Direito deve assumir necessariamente uma postura aberta e
interdisciplinar, sob pena de não conseguir compreender o objecto do seu estudo, incluindo, por

393 SIRVINSKAS, Luís Paulo (2005), Manual de Direito Ambiental, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Editora Saraiva, São Paulo, p.
32.
394 LEITE, José Rubens Morato, AYLA, Patyck de Araújo (2004), Direito Ambienta na Sociedade de Risco, 2.ª Edição revista,
actualizada e ampliada, Forense Universitária, Rio de Janeiro, p. 62.
395 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (…).
396 Idem, p. (…).

89
exemplo, ter presente que a determinação e a avaliação dos danos no ambiente só é possível com
recurso a uma série de conhecimentos que extravasam o Direito397.

3.2.4. Horizontalidade ou transversalidade

Por fim, temos a característica da horizontalidade ou transversalidade, invocando a “importância dos


conceitos, meios, institutos e instrumentos dos diferentes ramos clássicos do direito na ordenação
jurídica do ambiente”398. Pelo que se pode falar da existência de um direito constitucional do ambiente,
de um direito administrativo do ambiente, de um direito civil do ambiente, de um direito penal do
ambiente, de um direito internacional do ambiente e de um direito fiscal do ambiente. É, portanto, um
direito que apela ao conhecimento de quase todos os ramos clássicos, exigindo do intérprete e
aplicador o domínio desta característica399.
Segundo Carla Amado Gomes, esta transversalidade não é obstáculo para a autonomização do
Direito do Ambiente como ramo específico, bem pelo contrário, “na medida em que há um conjunto
de normas que se determina a partir de exigências específicas – protecção da integridade e da
capacidade regenerativa dos recursos naturais -, que vai esverdear, passe a imagem, vários ramos do
Direito que se poderiam caracterizar como incolores ou neutros. O Direito do Ambiente surge como
um ramo especial dentro, não de um, mas de vários ramos de Direito comuns”400.
Para Paulo Bessa Antunes, ao abordar a relação entre o Direito do Ambiente e os demais ramos
do Direito, afirma que “o Direito do Ambiente é um dos ramos a ordem jurídica que mais fortemente
se relaciona com os demais”, em consequência logica da transversalidade enquanto “a característica
mais marcante” deste Direito401. E vai mais longe ao afirmar que “o Direito do Ambiente mantem
intensas relações com os principais ramos do Direito Publico e do Direito Privado, influenciando os seus
rumos na medida em que carreia para o interior dos núcleos tradicionais do Direito a preocupação com
a tutela jurídica do meio ambiente”; sendo esta a chave para a compreensão das suas relações com os
demais ramos de Direito: “o Direito do Ambiente penetra nos demais ramos do Direito fazendo com
que eles assumam uma preocupação com os bens jurídicos tutelados pelo Direito do Ambiente” 402.

397 DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos CEDOUA, CEDOUA,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, p. 14.
398 Idem, p. 15.
399 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (…).
400 GOMES, Carla Amado (1999), “Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente”, Revista Jurídica do

Urbanismo e do Ambiente, Números 11/12, IDUAL, Almedina, Coimbra, p. 61.


401 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), Direito Ambiental, 9.ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada, Lumen Juris, Rio de Janeiro,

pp. 48 - 50.
402 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., pp. 48 - 50.

90
3.2.5. Amplitude ou vastidão

O Direito do Ambiente pode ser hoje considerado um dia extraordinariamente amplo, no sentido de
abranger uma vasta área de temas, facto que se reflecte na rápida e rica proliferação legislativa 403. Esta
característica decorre em primeiro lugar na vastidão de problemas ambientais em relação aos quais o
Direito é chamado a dar uma resposta. Cada um dos problemas poderá igualmente ter sido objecto de
um ou mais instrumentos internacionais, contendo obrigações e responsabilidades para o Estado parte,
facto que influencia determinantemente o desenvolvimento do ordenamento jurídico nacional.
Não há quase nenhum sector de actividade que não contenha princípios e regras de natureza
ambiental, fazendo com que o âmbito seja largamente superior em relação à maioria dos sectores.
Por tal razão, este Direito pode ser igualmente considerado complexo, incluindo os aspectos
da interdisciplinaridade e transversalidade acima referidos, o que requer do intérprete e aplicador uma
responsabilidade acrescida.

3.3. Fontes de Direito Internacional do Ambiente

O Direito do Ambiente é um direito de matriz fundamentalmente internacional. Está intrinsecamente


associado aos primeiros passos significativos dados pela comunidade internacional, e que resultaram
na organização da primeira grande Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente (Estocolmo , 1972),
da qual resultou o princípio que “a pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e
a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-
estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e
vindouras”404.
Nesse sentido, o Direito Internacional é a principal fonte de Direito do Ambiente, e será
objecto de desenvolvimento adiante. Não obstante, temos, no caso moçambicano, outras fontes, com
destaque para a Lei, para o Costume, para a Jurisprudência e para a Doutrina

3.3.1. Lei

Apesar do Direito do Ambiente ter efectivamente nascido a partir do Direito Internacional, há que
reconhecer o papel do desenvolvimento normativo alcançado por alguns Estados bem antes da
realização da Conferência de Estocolmo (1972). Isto é, o Direito Internacional do Ambiente não nasce

403 Veja-se a este respeito CONDESSO, Fernando (2001), ob. cit., pp. (…).
404 Cf. Princípio I da Declaração de Estocolmo (1972).

91
a partir do nada, ele é resultado de ricas e variadas experiências acumuladas pelos Estados que se
destacaram, ao longo do século XX, na dianteira da luta contra alguns dos mais sérios problemas
ambientais. Estas experiências alimentaram em primeira linha os primeiros textos internacionais e
tornaram-se determinantes na construção de uma ordem jurídico-ambiental global.
Uma nota de destaque para a aprovação, em 1969, da primeira lei ambiental dos Estados
Unidos de América, a National Environmental Policy Act (NEPA)405, na construção e desenvolvimento
do Direito do Ambiente deste pais, bem como fonte de Direito Internacional do Ambiente, ao ter
inspirado o texto da Declaração de Estocolmo e os passos subsequentes na montagem da ordem
jurídico-ambiental internacional.

A Lei é uma importante fonte de Direito do Ambiente, desde logo porque constitui base de
obrigações jurídicas, a serem cumpridas pela Administração Pública e particulares, pelas pessoas
singulares e colectivas, pela sociedade no geral e por cada cidadão em especial 406.
A nível da ordem jurídica interna, veja-se a relação que existe entre a legislação do ambiente
aprovada a nível central (como por exemplo, no nosso caso, a Lei do Ambiente407 e os seus respectivos
Regulamentos) e a legislação autárquica (o caso das Posturas Municipais, ao abrigo do poder
regulamentar408) ou a legislação que rege determinados territórios com estatuto especial (como é o
caso das áreas de conservação)

3.3.2. Costume

O Direito Internacional do Ambiente inspirou-se igualmente no costume, como regra social resultantes
de uma prática reiterada de forma generalizada e prolongada, o que resulta numa certa convicção de
obrigatoriedade, segundo cada sociedade e culturas concretamente consideradas. Nesse sentido, foi
fundamental para o efeito adoptar uma abordagem humanista que considerou os direitos dos povos
indígenas, das minorias éticas ou das comunidades locais, conforme os casos.
A Declaração do Rio, emanada da histórica Conferência do Ambiente e Desenvolvimento (Rio
de Janeiro, 1992), proclamou que “Os povos indígenas e suas comunidades locais desempenham um
papel fundamental na ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento devido a seus
conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados deveriam reconhecer e prestar o apoio devido a sua

405 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), Direito Ambiental, 9.ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada, Lumen Yuris Editora, Rio de
Janeiro, pp. 263 – 266.
406 DE MORAES, Luís Carlos Silva (2006), Curso de Direito Ambiental, 2.ª Edição, Editora Atlas, São Paulo, pp.. 17 – 19.
407 Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro.
408 Cf. Artigo 14.° da Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto (estabelece o Quadro Jurídico-Legal para a Implantação das Autarquias

Locais), revista e republicada pela Lei n.º 13/2018, de 17 de Dezembro.

92
identidade, cultura e interesses e velar pelos que participarão efectivamente na obtenção do
desenvolvimento sustentável”409.
Uma nota especial merece a consagração no ordenamento jurídico-constitucional
moçambicano do princípio do pluralismo jurídico: “O Estado reconhece os vários sistemas normativos
e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não
contrariem os valores e os princípios fundamentais da Constituição”410. Há portanto um expresso
reconhecimento da importância do costume na produção do Direito moçambicano 411.

3.3.3. Jurisprudência

A Jurisprudência, como conjunto das decisões sobre interpretações das leis feitas pelos tribunais, é
igualmente uma importante fonte do Direito Internacional.
Segundo Paulo de Bessa Antunes, “a jurisprudência tem um papel relevantíssimo na protecção do meio
ambiente, pois é a aplicação concreta das normas jurídicas e da principiologia que a informa. O papel
da jurisprudência avulta no Direito Ambiental na medida em que as matérias são decididas muito na
base do caso a caso, pois muito raramente se pode tratar de uma repetição de acções ambientais, visto
que as circunstâncias particulares de cada hipótese tendem a não se reproduzirem”.
Veja-se que alguns princípios básicos de Direito do Ambiente foram construídos em litígios
judiciais412. O desfecho judicial de casos de alguns dos mais conhecidos casos de poluição dos mares,
por exemplo, na sequência de acidentes envolvendo petroleiros e o consequente derrame de petróleo
em quantidades suficientes para gerar danos avultados nos ecossistemas, serviu para nortear o
exercício de construção de alguns dos instrumentos e institutos jurídicos internacionais.

3.3.4. Doutrina

Por último, veja-se o papel da doutrina, enquanto fonte de Direito Internacional, vocacionada para o
estudo do Direito, para a respectiva interpretação e busca permanente de soluções mais justas e
adequadas para cada situação jurídica. As Escolas de Direito começaram a trabalhar as diversas
temáticas do Direito do Ambiente especialmente a partir da década de 70, com expressão máxima no
culminar da Conferência de Estocolmo, seguida do processo de constitucionalização do bem jurídico
ambiente.

409 Cf. Princípio XXII da Declaração do Rio de Janeiro.


410 Cf. Artigo 4.° da Constituição de 2004.
411 Veja-se SERRA, Carlos Manuel (2014), O Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais – Avanços e Recuos na Construção

do Direito Moçambicano, Escolar Editora, Maputo. ()


412 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 48.

93
Algumas das mais carismáticas Universidades pelo mundo inteiro posicionaram-se no estudo
de um dos mais novos ramos de Direito e, por conseguinte, contribuíram para alimentar o processo
legislativo subsequente no plano internacional e dos respectivos Estados413.
Paulo de Bessa Antunes diz-nos a este respeito que “a doutrina é uma importante fonte
material do Direito do Ambiente, pois, através dela, muitas mudanças legislativas e interpretativas têm
sido adotadas nos mais diversos países. Merece destaque, no particular a elaboração doutrinária dos
princípios de Direito do Ambiente que, cada vez mais, tornam-se fundamentais na elaboração de leis e
na aplicação judicial das normas de protecção ao meio ambiente”414.

3.4. Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente

3.4.1. A importância dos princípios fundamentais do Direito do Ambiente

Tal como nos demais ramos de Direito, também o Direito do Ambiente conta com os seus princípios
basilares ou estruturantes. Estes não devem ser confundidos com as normas jurídicas, desde logo
porque não produzem efeitos jurídicos junto de terceiros, deles não derivam directamente nem direitos
nem obrigações. Conforme Paulo de Bessa Antunes, “o princípio jurídico servirá de base para a
constituição de um direito, mas não é um direito. Com base em determinados princípios jurídicos
(constitucionais ou não) tenho um direito assegurado em lei. E mais: em determinadas situações,
mesmo a inexistência de uma lei não servira de obstáculo para que eu possa exercer um direito que
decorra de uma adequada aplicação de um princípio jurídico”415.
Nesse sentido, conforme nos diz Édis Milaré, “o Direito, como ciência humana e social, pauta-
se também pelos postulados da Filosofia das Ciências, entre os quais está a necessidade de princípios
constitutivos para que a ciência possa ser considerada autónoma, ou seja, suficientemente
desenvolvida e adulta para existir por si e situando-se num contexto científico dado”416.
Segundo Gomes Canotilho, os princípios constituem “normas que exigem a realização de algo,
de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”, em contraposição às regras, entendidas como
normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos
definitivos, sem qualquer excepção417. Para este autor, ao contrário das normas jurídicas, os princípios

413 Se é verdade que as Universidades dos países desenvolvidos lideraram este movimento durante os primeiros anos, hoje há

cada vez mais universidades e demais instituições do ensino superior a intervir na área do Direito do Ambiente ao nível dos
países em vias de desenvolvimento. Moçambique não excepção, sendo actualmente o Direito do Ambiente uma disciplina
nuclear do programa curricular da maioria dos cursos de Direito.
414 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., pp. 48 - 50.
415 Idem, p. 25.
416 MILARÉ, Edis, ob cit., p, (...).
417 CANOTILHO, Gomes (2003), Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Coimbra, Almedina, p. 1255.

94
não são aplicáveis directamente aos casos concretos, contudo, têm uma importância digna de realce,
representam padrões que permitem aferir a validade das leis, conduzindo à inconstitucionalidade ou
ilegalidade de normas ou actos administrativos que as contrariem; desempenham um papel crucial
como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e, por último, revelam-se instrumentos de
carácter valioso na integração de lacunas418.
Paulo Antunes, por seu turno, diz-nos que “a importância dos princípios jurídicos está no facto
de que eles espelham os pensamentos basilares sobre uma regulamentação jurídica positiva ou que
possa vir a ser positivada. Eles, em si próprios, não podem ser aplicados directamente, mas, sim, podem
transformar-se em regras aptas a serem aplicadas. São princípios materiais quando remetem a um
conteúdo intelectivo que indica uma regulamentação legal. Eles apontam o caminho para a descoberta
da norma jurídica aplicável e de como aplicá-la”419. Por outro lado, segundo este autor, os princípios
jurídicos ambientais podem ser implícitos, quando claramente escritos nos textos legais, com destaque
para a Constituição; ou explícitos, quando decorrem do sistema constitucional, ainda que não tenham
sido escritos enquanto tal420.
Jorge Miranda chama-nos a atenção para o facto de os princípios não se colocarem acima do
Direito (positivo), porque fazem igualmente parte do ordenamento jurídico e normativo, isto é, são
também normas – as chamadas normas-princípios, em contraposição com as normas-regras421.
Não obstante a consagração de princípios ambientais no Direito Internacional, vamos centrar-
nos na identificação dos princípios jurídico ambientais fundamentais e/ou estruturantes definidos no
quadro jurídico-legal ordinário moçambicano, com destaque para a Constituição, a Lei do Ambiente
(Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro), a Lei de Florestas e Fauna Bravia (Lei n.º 10/99, de 7 de Julho), a Lei
de Pescas (Lei n.º 22/2013, de 1 de Novembro) e a Lei da Conservação da Biodiversidade (Lei n.º
16/2014, de 20 de Junho, alterada e republicada pela Lei n.º 5/2017, de 11 de Maio).

3.4.2. Princípio do Direito Humano ao Ambiente (ou da dignidade humana)

Os alicerces da construção do direito humano ao ambiente equilibrado podem ser encontrados nos
esforços desenvolvidos aquando da elaboração das Declarações de Estocolmo (1972) e Rio (1992) 422.
Conforme o princípio I da Declaração de Estocolmo “a pessoa humana tem o direito fundamental à

418 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação científica) (1998), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade
Aberta, p. 43.
419 ANTUNES, Paulo de Bessa (2002), Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceptual, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris,

p.278.
420 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 25.
421 MIRANDA, Jorge (2007), Manual de Direito Constitucional, Tomo II – Constituição, 6.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, p.

263.
422 Para mais desenvolvimentos, veja-se GOMES, Carla Amado (2007), Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador

de Deveres de Protecção do Ambiente, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 29 – 40.

95
liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita
viver com dignidade e bem-estar. Cabe-lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente
para as gerações actuais e vindouras (...)”. Por sua vez, à luz do princípio I da Declaração do Rio, “Os
seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a
uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”.
Alexandre Kiss diz-nos, a este respeito, que «a comunidade internacional reconheceu, com a
proclamação deste princípio, o direito dos homens a “serem protegidos também através da protecção
do seu ambiente”. Isto porque o ambiente que circunda o Homem é talvez o “meio” mais importante
que lhe consente “viver com dignidade e bem-estar” e, assim, exprimir a sua própria personalidade.
Por isso, o direito ao ambiente é mais do que um simples direito a não sofrer restrições da
personalidade: adquire o carácter “de “direito-dever” de intervenção positiva a favor da comunidade
humana para a salvaguarda dos seus bens essenciais»423.
Para Paulo de Bessa Antunes, segundo este princípio, o Ser Humano é o centro das
preocupações do Direito do Ambiente, o qual existe em função do Ser Humano para que ele possa viver
melhor na Terra”424.
Constitui portanto o primeiro passo na construção do direito humano ao ambiente equilibrado,
facto que inspirou os ordenamentos jurídico-constitucionais de diversos Estados nos anos
subsequentes. Em ordem cronológica, a Jugoslávia, em 1974, Portugal 425, em 1976, Espanha426, em
1978, e, daí em diante, muitos outros países, consagraram o direito ao ambiente como direito
fundamental. Ao nível da CPLP, destacamos o Brasil427, em 1988, São Tomé e Príncipe428 e Moçambique,
ambos em 1990, Cabo-Verde429 e Angola430, no ano de 1992.
Tratou-se, portanto, de uma perspectiva que poderemos considerar de subjectivista, isto é, que
se baseia no cidadão enquanto sujeito de direitos e deveres constitucionalmente consagrados,

423 TORRES, Mário José de Araújo (1996), “Princípios Fundamentais do Direito do Ambiente”, Textos Ambiente e Consumo, Vol.
II, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, p. 241.
424 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 27.
425 Cf. Artigo 66.°, segundo o qual “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o

dever de o defender”.
426 Cf. Artigo 45.°, segundo o qual “Todos tienem derecho a disfrutar de un Medio Ambiente adecuado para el desarrolo de la

persona, así como el deber de conservalo”.


427 Cf. Artigo 225.°, segundo o qual “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à colectividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações”.
428 Cf. Artigo 48.°, segundo o qual “Todos têm direito à habitação e a um ambiente de vida humana e o dever de o proteger”.
429 Cf. Artigo 70.°, segundo o qual “Todos têm direito a um ambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de

o defender e conservar”.
430 Cf. Artigo 24.°, segundo o qual “Todos os cidadãos têm o direito de viver num meio ambiente sadio e não poluído”. A

Constituição da República de Angola de 2010 prevê, igualmente, na norma constante no n.º 1 do artigo 39.°, nos seguintes
termos: “Todos têm o direito de viver num ambiente sadio e não poluído bem como o dever de o defender e preservar”.

96
reconhecendo “a existência de um direito subjectivo ao ambiente, com assento constitucional,
autónomo e distinto de outros direitos também constitucionalmente consagrados”431.
Note-se que, uma outra tendência do movimento constitucional do ambiente, optou por
atribuir ao Estado a obrigação de proteger o ambiente, numa perspectiva que poderíamos denominar
de objectivista, em contraposição à anterior. Surge-nos, portanto, a protecção do ambiente como fim
ou tarefa do Estado. Podemos referir, a título de exemplo, as constituições da Checoslováquia (1960),
da República Democrática Alemã (1968), da Bulgária (1971), da Hungria (1972), da Grécia (1975) e de
Cuba (1976)432 433. Esta fundamenta-se no valor colectivo ou público do bem jurídico ambiente, o qual
“reveste cada vez maior importância para a comunidade jurídico-politicamente organizada”434; bem
como no facto de estarem essencialmente em causa interesses públicos ou colectivos, isto é, da
colectividade no seu todo e não de cidadãos individualmente considerados435.
Segundo Munch “é hoje muito claro que a questão que se coloca ao legislador constituinte
moderno já não é a questão de saber se a protecção do meio ambiente deve fazer parte do texto da
Constituição, mas apenas a questão de como tal se deve fazer. A resposta a esta questão confronta-se
com a seguinte alternativa: inclusão da protecção do meio ambiente na Constituição sob a forma de
fim do Estado ou sob a forma de direito fundamental?”436.
Julgamos que esta questão foi já ultrapassa pela história constitucional, pois a tendência actual
assenta no modelo hibrido, combinando o papel do individuo e a responsabilidade do Estado.

3.4.3. Princípio do Estado de Direito Ambiental

Segundo António Herman Benjamim, o movimento de constitucionalização do ambiente funda-se


também numa nova postura ou ética, “através da qual a fria avaliação económica dos recursos
ambientais perde sua primazia exclusivista e individualista, uma que precisa ser, sempre,
contrabalançada com a saúde dos cidadãos, as expectativas das futuras gerações, a manutenção das
funções ecológicas, os efeitos a longo prazo da exploração, os benefícios do uso limitado (e até do não
uso) da Natureza”437.

431 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (….).


432 MATEO, Ramón Martín (1998), Manual de Derecho Ambiental, Segunda Edición, Editorial Triviun, Madrid, p. 68.
433 MEDEIROS, Rui (1993), “O Ambiente na Constituição”, Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro-

Dezembro, pp. 377 – 378.


434 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenação) (1998), Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa,

p. 26.
435 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (….).
436 MUNCH, Igon Von (1994), “A Protecção do Ambiente na Constituição”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º

1, IDUAL, Almedina, Coimbra, Junho, p. 48.


437 BENJAMIM (2001), António Herman, “Meio Ambiente e Constituição: Uma Primeira Abordagem”, Lusíada - Revista de

Ciência e Cultura, Série de Direito, Números 1 e 2, Especial Ambiente, Separata, Coimbra Editora, p. 326.

97
Nesse sentido, uma corrente advoga a construção de um verdadeiro Estado Constitucional
Ecológico, associado à ideia de democracia sustentada. Conforme Gomes Canotilho, “o que se pretende
com estes enunciados ou fórmulas é isto: (i) o Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado
de Direito democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; (ii) o
Estado ecológico aponta para formas novas de participação política sugestivamente condensadas na
expressão democracia sustentada”438.
José Pureza diz-nos que “para o Estado Ambiental a questão decisiva não é (como sucedia com
o Estado liberal e com o Estado social) a intensidade da intervenção económica do Estado mas sim o
primado do princípio do destino universal dos bens no espaço e no tempo, o que impõe como tarefa
fundamental a subtracção de certas actividades e de certos recursos ao domínio da economicidade e o
controlo jurídico do uso racional do património natural. Em suma, o Estado ambiental já não se
contenta com a lógica limitativa transportada pelos modelos anteriores e assume abertamente o
património natural e o ambiente como bens públicos, objecto de utilização racional” 439. Na mesma
linha, segundo Maria Elizabeth Fernandez “a introdução da hipótese constitucional de um Estado de
Direito Ambiental potenciou este estado de coisas entregando às funções do Estado, e em especial à
função legislativa, tarefas e incumbências adicionais com que anteriormente não contava. Com efeito,
a introdução da protecção do ambiente elevado à qualidade de bem público ambiental e com honras
constitucionais de direito fundamental, promoveu, inexpugnavelmente, a introdução de uma
ponderação de interesses acrescentada”440.
José Morato Leite escreveu, a este respeito, que “na prática uma consecução do Estado de
Direito Ambiental só será possível a partir da tomada de consciência global da crise ambiental e em
face das exigências, sob pena de esgotamento irreversível dos recursos ambientais, de uma cidadania
moderna e participativa”441. José Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala fundamentam que “em
horizonte de início de milénio na reconfiguração das forcas políticas de um mundo marcado por
desigualdades sociais, empobrecimento das maiorias e degradação ambiental, em escala planetária, a
construção de um Estado do Ambiente parece uma utopia realista, porque se sabe que os recursos
ambientais são finitos e antagónicos com a produção de capital e o consumo existentes”442.

438 CANOTILHO, José Gomes (2001), “Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada”, Revista do CEDOUA, n.º 8,
CEDOUA, Coimbra, p. 9.
439 PUREZA, José (…), “Tribunais, Natureza e Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal”, Cadernos do CEJ, Centro de

Estudos Judiciários, pp. 27 – 28.


440 FERNANDEZ, Maria Elisabeth Moreira (2001), “Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao Estudo da

Estrutura e das Consequências das “Leis-Reserva” Portadoras de Vínculos Ambientais)”, Stvdia Ivridica, n.° 57, Boletim da
Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, p. 57.
441 LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada – Revista

de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Universidade Lusíada do Porto, Porto, p. 512.
442 LEITE, José Ruben Morato, AYLA, Patrick de Araújo (2004), Direito Ambiental na Sociedade de Risco, 2.ª Edição revista,

actualizada e ampliada, Forense Universitária, Rio de Janeiro, p. 30.

98
Entendemos que, na identificação de um Estado de Direito Ambiental, a protecção do ambiente
deve estar consagra de forma ampla, rica expressiva no plano constitucional e ordinária de um Pais
(dimensão formal), consubstanciando uma prioridade fundamental na agenda política nacional,
acompanhada pela adequada correspondência no plano material, mensurável, por exemplo, em acções
concretas no licenciamento em conformidade com o quadro jurídico-nacional, pela intervenção pronta
e eficaz das autoridades de fiscalização em caso de incumprimento ou ameaça de incumprimento das
normas jurídico-ambientais e pela concretização do valor justiça ambiental.
Fortemente relacionado com o conceito de Estado de Direito Ambiental emerge a noção de
boa governação ambiental. Segundo o PNUMA, “Considerando a natureza indivisível do meio ambiente
e suas ligações inextricáveis com as dimensões económica e social do desenvolvimento sustentável, os
processos de tomada de decisão e os trabalhos das instituições devem ser bem informados, coerentes,
não fragmentados, globais e integrados, além de contar com adequados quadros normativos e
condições de habilitação”443. Por boa governação ambiental entendemos “sistema de liderança assenta
num modelo institucional responsável e responsivo, que integra os cidadãos no processo de tomada de
decisões nas questões de ambiente e recursos naturais, que assegure a precaução de impactos
susceptíveis de causar danos ambientais e sociais, que privilegie a feitura e correspondente
implementação plena de um quadro jurídico-legal bom, adequado, justo e eficaz, dirigido a garantir a
gestão sustentável dos recursos naturais, e o acesso à justiça e à equidade na partilha dos benefícios
decorrentes do uso de tais recursos naturais”444.
Moçambique, em especial, não reconheceu expressamente o princípio do Estado de Direito
Ambiental, pelo menos tal é a conclusão a que chegamos da leitura conjugada dos artigos 1.° (República
de Moçambique), 3.° (Estado de Direito Democrático) e 11.° (Objectivos fundamentais) da Constituição
da República.
Sendo este principio fundamentalmente um princípio doutrinário, com uma dimensão
inevitavelmente utópica, no contexto de profundo desfasamento entre os princípios formalmente
consagrados e a realidade ambiental em profunda crise, coloca-se a questão de saber se, no plano da
comunidade internacional, teremos ou não algum exemplo de um Estado de Direito Ambiental?

3.4.4. Princípio da Precaução

O princípio da precaução consta na lista de princípios da Lei do Ambiente, proclamando-se que a gestão
do ambiente deva “priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao ambiente

443Veja-se http://web.unep.org/regions/brazil/other/governan%C3%A7a-ambiental acedido a 6 de Fevereiro de 2019.


444SERRA, Carlos, SALOMÃO, Alda – coordenação (2012), 1.º Relatório de Monitoria de Boa Governação na Gestão Ambiental
e dos Recursos Naturais em Moçambique (2010 – 2011), Centro Terra Viva, Maputo, p. 30.

99
de modo a evitar a ocorrência de impactos ambientais negativos significativos ou irreversíveis,
independentemente da existência de certeza científica sobre a ocorrência de tais impactos” 445.
Este princípio é originário do Direito alemão, no princípio da década de setenta, no quadro da
elevação do grau de consciencialização sobre a seriedade da problemática da poluição, fazendo com
que se sentisse necessidade de ir para além do mero exercício preventivo 446. Ao nível internacional, o
princípio da precaução foi consagrado no leque de princípios da Declaração do Rio de Janeiro, nos
seguintes termos: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Onde existam ameaças de
riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o
adiamento de medidas eficazes em termos de custos para evitar a degradação ambiental” 447. Foi
igualmente consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, segundo a qual
“As partes deverão tomar medidas de precaução para antecipar, prevenir e minimizar as causas das
variações climáticas e mitigar os seus efeitos adversos. Onde existam ameaças de danos sérios e
irreversíveis, a ausência completa de certeza científica não deverá ser usada como razão para adiar tais
medidas (...)”448.
A consagração do princípio da precaução decorre assim da constatação de que “o
conhecimento científico é susceptível de uma aplicação paradoxal: pode ser canalizado não somente
para as melhores realizações (a descoberta de um medicamento ou vacina susceptível de curar uma
doença fatal) como para os piores feitos (a invenção da bomba atómica e das armas químicas e
bacteriológicas) ”449. Conclui-se que o mero controlo preventivo dos chamados perigos (riscos certos e
conhecidos), prosseguido pelo princípio da prevenção, não é adequado para fazer face às novas
exigências de protecção ambiental, tendo presente existirem determinados riscos que, apesar de não
haver certeza científica sobre a respectiva ameaça para o ambiente, uma vez desconsiderados, poderão
vir a causar sérios danos em qualquer um dos componentes ambientais450.
Para Paulo de Bessa Antunes, “nem sempre a ciência pode oferecer ao Direito uma certeza
quanto a determinadas medidas que devam ser tomadas para evitar esta ou aquela consequência
danosa ao meio ambiente. Aquilo que hoje é visto como inócuo, amanhã poderá ser considerado
extremamente perigoso e vice-versa”451. Segundo o mesmo autor, este princípio “é o princípio jurídico
ambiental apto a lidar com situações nas quais o meio ambiente venha a sofrer impactos causados por

445 Cf. Artigo 4.° c) da Lei do Ambiente.


446 GOMES, Carla Amado (2007), Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente,
Coimbra, Coimbra Editora, pp. 253 – 264.
447 Cf. Princípio XV da Declaração do Rio. Veja-se ainda, sobre este assunto, GOMES, Carla Amado (2007), ob. cit., p. 265 – 269.
448 Cf. Artigo 3.°, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
449 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).
450 Idem, p. (...).
451 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 33.

100
novos produtos e tecnologias que ainda não possuam uma acumulação histórica de informações que
assegurem, claramente, em relação ao conhecimento de determinado tempo, quais as consequências
que poderão advir de sua liberação para o ambiente”452.
José Ruben Morato Leite defende que “o princípio da precaução, como estrutura indispensável
do Estado de justiça ambiental, busca verificar a necessidade de uma actividade de desenvolvimento e
os potenciais de risco ou perigo desta. Partem-se dos pressupostos que os recursos ambientais são
finitos e os desejos e a criatividade do homem infinitos, exigindo uma reflexão pela precaução se a
actividade pretendida, ou em execução, tem como escopo a manutenção dos processos ecológicos e
de qualidade de vida”453.
Segundo o entendimento de Ana Gouveia Freitas Martins, o qual perfilhamos, sete são as
dimensões fundamentais que são normalmente imputáveis ao princípio da precaução454: (i) No caso de
ameaça de danos sérios e irreversíveis ao ambiente, devem ser tomadas as medidas necessárias para
impedir a sua ocorrência, mesmo que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo de
causalidade entre determinada actividade e os seus efeitos; (ii) cabe aos potenciais poluidores ou
danificadores a demonstração ou prova de que uma determinada acção não apresenta quaisquer riscos
sérios e irreversíveis para o ambiente, isto é, assiste-se, neste domínio, a uma inversão do ónus da
prova; (iii) em caso de se constatarem sérias dúvidas em relação ao grau de perigosidade que uma
actividade possa representar, em termos sérios e irreversíveis, para o ambiente, deve-se decidir a favor
do ambiente (princípio “in dubio pro ambiente”); (iv) salvaguarda da capacidade de carga dos sistemas
ecológicos, garantindo-se a mais ampla margem de segurança na fixação dos chamados padrões de
qualidade ambiental, de modo a realizar a precaução contra riscos ainda não certos e conhecidos; (v)
exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas e disponíveis, ou seja, este princípio
pressupõe a utilização das chamadas tecnologias limpas; (vi) criação e desenvolvimento de áreas de
conservação, garantindo uma espécie de “margem de manobra aos sistemas ecológicos para
funcionarem em total liberdade, de forma a salvaguardar determinadas funções e potencialidades e
garantir a preservação da diversidade genética dos processos ecológicos essenciais e dos sistemas em
que se sustenta a vida na Terra”455; (vii) e a promoção e desenvolvimento da investigação científica e
realização de estudos rigorosos e exaustivos sobre os efeitos e riscos potenciais de uma actividade. Se,
por um lado, a ciência deve estar ao serviço da protecção do ambiente, por outro, impõe-se a sujeição
das políticas, planos e actividades susceptíveis de causar danos sérios e irreversíveis ao ambiente a
estudos prévios de impacto ambiental (EIA).

452 Idem, p. 33.


453 LEITE, JoséRubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada – Revista
de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto, Universidade Lusíada do Porto, p. 530.
454 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, Lisboa, AAFDL, pp. 54 – 60.
455 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), ob. cit., p. 58.

101
Importa considerar, na interpretação do princípio da precaução, que, na ponderação sobre a
viabilidade ambiental de determinada actividade, não está em causa a mera suspeita de risco, não
devidamente fundamentada em termos científicos, mas sim a existência de riscos susceptíveis de
levantar dúvidas legítimas e fundadas quanto à possibilidade de ocorrência de danos sérios e
irreversíveis no meio ambiente456. Para Paulo de Bessa Antunes, “o princípio não determina a
paralisação da actividade, mas que ela seja realizada com os cuidados necessários, até mesmo para que
o conhecimento científico possa avançar e a dúvida seja esclarecida”457. Carla Amado Gomes, chama-
nos a atenção para os riscos da acepção radical do princípio da precaução, revelando-se “tão equivoca
e perigosa”, pelo que deva “ser reduzida à sua expressão operativa, de prevenção alargada a riscos e
internamente limitada pelos parâmetros de proporcionalidade”458. E para Ana Martins “o princípio da
precaução consubstancia (...) a manifestação jurídica desta nova apreensão do mundo, da demanda
social de segurança, de uma atitude de profunda humildade quanto aos potenciais e limites da ciência
e das novas reflexões filosóficas sobre o Homem com a natureza e sua responsabilidade face às
gerações vindouras e à Vida na Terra459”.
A Lei de Conservação da Biodiversidade consagrou o princípio da Precaução e Decisão
Informada, nos seguintes termos: “o fundamento das decisões relacionadas com a criação, alteração,
gestão e extinção de áreas de conservação num conhecimento científico amplo da diversidade biológica
existente, o seu valor ecológico e das determinantes da sua conservação, baseado num sistema de
investigação e de partilha de informação que apoia os processos decisórios, não prejudicando o
princípio de precaução onde esse conhecimento ainda é insuficiente”, sendo que “a promoção da
disponibilidade e de fácil acesso de informação relacionada com a conservação e os recursos naturais
para apoiar na implementação da estratégia e aumentar o envolvimento e colaboração dos
cidadãos”460.
Este princípio encontra-se também consagrado na Lei de Pescas, segundo a qual, “tendo em
conta o grau de incerteza do conhecimento científico existente em cada momento, a gestão, a
conservação e a exploração dos recursos aquáticos vivos têm em vista a sua protecção, conservação e
sustentabilidade e o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao meio ambiente” 461;
na Lei do Ordenamento do Território, para a qual, “a elaboração, execução e alteração dos
instrumentos de gestão territorial deve priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção de actos
lesivos ao ambiente, de modo a evitar a ocorrência de impactos ambientais negativos, significativos ou

456 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).


457 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada, Rio de Janeiro, Lumen Juris,
p. 33.
458 GOMES, Carla Amado (2007), ob. cit., p. 364.
459 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), ob. cit., p. 23.
460 Cf. Artigo 4.° h) da Lei da Conservação da Biodiversidade.
461 Cf. Artigo 5.° b) da Lei de Pescas (Lei n.º 22/2013 de 1 de Novembro).

102
irreversíveis, independentemente da existência da certeza científica sobre a ocorrência de tais
impactos”462; e na nova Lei do Mar, consubstanciando a obrigação do Estado de adoptar medidas para
a protecção, conservação, sustentabilidade da biodiversidade e dos ecossistemas e de estabelecer
sistemas de prevenção de actos lesivos ao meio ambiente463.

3.4.5. Princípio da Prevenção

Antes do princípio da precaução, já existia o princípio da prevenção, que em relação àquele não deve
ser confundido. O princípio da prevenção traduz o ditado popular “mais vale prevenir do que remediar”.
Segundo Maria Aragão mais vale prevenir e remediar por três razões fundamentais: (i) porque em
muitos casos é impossível remover a poluição ou o dano real, ficando descartada a possibilidade de
proceder à reconstituição natural da situação anterior à poluição; (ii) porque, mesmo sendo possível a
reconstituição in natura, frequentemente ela é de tal modo onerosa, que não pode ser exigível um tal
esforço ao poluidor; e porque economicamente é muito mais dispendioso remediar do que prevenir,
pois o custo das medidas necessárias a evitar a ocorrência da poluição é geralmente muito inferior ao
custo das medidas de despoluição após a ocorrência do dano” 464.
Para José Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala “a prevenção se justifica pelo perigo potencial
de que a actividade sabidamente perigosa possa produzir efectivamente os efeitos indesejados e, em
consequência, um dano ambiental, logo, prevenindo de um perigo concreto, cuja ocorrência é possível
e verosímil, sendo, por essa razão, potencial. Constata-se, nessa operação, que sua aplicação procura
evidenciar que é provável que a actividade perigosa demonstre-se de facto perigosa, ou seja,
concretamente perigosa, evidenciando que é possível que venha a produzir os efeitos nocivos ao
ambiente”465.
Segundo Carla Amado Gomes, o princípio da prevenção determina que, “na iminência de uma
actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma grave e irreversível, bens ambientais,
essa intervenção deve ser travada”466. Martins Soveral acrescenta, que este princípio “legitima medidas
cautelares, políticas, administrativas, ou mesmo judiciais, tendentes a evitar quer o início quer a
manutenção de actividades lesivas do ambiente”467. Para Paulo de Bessa Antunes, o princípio da
prevenção “aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança,

462 Cf. Artigo 4.° d) da Lei do Ordenamento do Território.


463 Cf. Artigo da Lei n.º 20/2019, de 8 de Novembro.
464 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia

Ivridica, n.° 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 116 - 117.
465 LEITE, José Ruben Morato, AYLA, Patrick de Araújo (2004), ob. cit., p. 30.
466 GOMES, Carla Amado (2000), A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, p. 22.
467 SOVERAL, Martins (1988), Legislação Anotada sobre Ambiente e Associações de Defesa, Coimbra, Fora do Texto (Centelha),

p. 18.

103
estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos
futuros mais prováveis”468.
Isto quer dizer que o princípio da prevenção contrapõe-se ao princípio da precaução na medida
em que lida com os chamados perigos, ou seja, aqueles riscos certos e conhecidos, em relação aos quais
existe, portanto, certeza científica do seu impacto junto do ambiente 469, Determina que os órgãos
licenciadores tomem em consideração a necessidade de proteger o ambiente, recusando-se a emitir a
licença requerida sempre que houver certeza de que determinada actividade possa vir a causar danos
ambientais em termos sérios e irreversíveis; e o mesmo se diga à possibilidade de condicionar a emissão
da licença à alteração do projecto inicial ou à introdução de medidas de protecção ambiental 470.
Sendo assim, os princípios da precaução e da prevenção não podem ser confundidos,
considerando que apesar de partirem de uma base comum (um momento anterior à própria ocorrência
de danos no ambiente), traduzem duas realidades distintas: a precaução actua num momento anterior
à própria prevenção, isto é, “a precaução exige uma actuação mesmo antes de se impor qualquer acção
preventiva, uma vez que as medidas destinadas a precaver danos ambientais devem ser tomadas antes
de ser estabelecida qualquer relação causal por intermédio de provas científicas absolutamente
claras”471; ao passo que “a prevenção tradicional lida com a probabilidade, a precaução vai além,
cobrindo a mera possibilidade – e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza científica”472.
Ao nível do quadro jurídico nacional, o princípio da prevenção não faz parte da Lei do Ambiente,
mas sim da Lei de Florestas e Fauna Bravia, com a designação de “princípio da prevenção e da
prudência”, segundo o qual “A introdução de espécies animais e vegetais e de tecnologias modernas
no sector florestal e faunístico devem ser precedidos de estudos de avaliação do seu impacto sobre os
mesmos com vista a garantir a sua sustentabilidade”473.
Veja-se a sua consagração como princípio da prevenção e da redução, no Regulamento de
Gestão de Resíduos Perigosos, aprovado pelo Decreto n.º 83/2014, de 31 de Dezembro, bem como no
Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos, aprovado pelo Decreto n.º 94/2014, de 31 de Dezembro,
segundo o qual constitui objectivo prioritário da gestão de resíduos (perigosos ou não perigosos),
“evitar e reduzir a sua produção bem como o seu carácter nocivo, devendo a gestão de resíduos evitar

468 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 39.


469 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., pp. (...).
470 Idem, p. ().
471 DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos CEDOUA, Coimbra,

CEDOUA, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Livraria Almedina, Coimbra, p. 19.


472 GOMES, Carla Amado (2001), “Dar o Duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o Princípio da Precaução”, Revista Jurídica

do Urbanismo e do Ambiente, N.° 15/16, Coimbra, Almedina, IDUAL Almedina, p.13.


473 Cf. Artigo 3.° c) da Lei de Florestas e Fauna Bravia.

104
também ou, pelo menos, reduzir o risco para a saúde humana e para o ambiente causado pelos resíduos
sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de gerar efeitos adversos sobre o ambiente”474.

3.4.6. Princípio do Poluidor Pagador (PPP)

O Princípio do Poluidor Pagador (PPP), antes de assumir importância como princípio fundamental do
direito internacional do ambiente e de diversos direitos estaduais, foi preparado e criado no mundo da
economia, tendo o seu surgimento oficial tido lugar no dia 26 de Maio de 1972, no quadro de uma
Recomendação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre Política
do Ambiente na Europa475.
Foi elevado à categoria de princípio do Direito Internacional do Ambiente, através da sua
consagração na Declaração do Rio, nos seguintes termos; “as autoridades nacionais deverão esforçar-
se por promover a internalização dos custos ambientais e utilização de instrumentos económicos,
tendo em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com
o devido respeito pelo interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos
internacionais”476.
No caso do ordenamento jurídico moçambicano, o PPP começou por ser incluído no leque de
princípios da Política Nacional do Ambiente, segundo a qual: “o poluidor deve repor a qualidade do
ambiente danificado e/ou pagar os custos para a prevenção e eliminação da poluição por si causada” 477.
Porém, a sua inclusão no elenco de princípios da Lei do Ambiente não veio a ocorrer, por motivos que
desconhecemos, principalmente de tivermos em consideração a sua enorme importância como
instrumento de prevenção e protecção do ambiente478.
Em termos resumidos, a construção do PPP parte da constatação de que as chamadas
externalidades ambientais negativas decorrentes das diversas actividades de produção, não constarem
nos cálculos económicos realizados pelos produtores, ao lado dos demais factores de produção
(designadamente: o capital, o trabalho e a matéria-prima), sendo aquelas responsáveis por um impacto
ambiental negativo causado em terceiros479. Por outro lado, importa ter presente que os recursos
ambientais são escassos e que, com o aumento e intensificação do seu uso, verifica-se a respectiva

474 Cf. Artigo 4.° c) do Regulamento de Gestão de Resíduos Perigosos, bem como artigo 4.° c) do Regulamento de Gestão de
Resíduos Sólidos.
475 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit., p. 42.
476 Cf. Princípio XVI, da Declaração do Rio.
477 Cf. Ponto (...) da Política Nacional do Ambiente.
478 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. (...).
479 Idem, p. (...).

105
redução e degradação, pelo que se o custo da redução dos recursos naturais não for considerado no
sistema de preços, o mercado não será capaz de reflectir a escassez480.
Segundo Paulo de Bessa Antunes: “uma externalidade ocorre quando a produção ou o
consumo de um determinado bem, por um indivíduo ou empresa afecta directamente os interesses de
outro indivíduo ou empresa. O dano ambiental é um caso típico de externalidade, pois, na sua
incidência sobre terceiros, inexiste qualquer mediação; ela é directa, sem qualquer mecanismo de
mercado ou jurídico481. Maria Alexandra de Sousa defende a internalização das externalidades
negativas, de modo a “fazer com que os prejuízos, que para a colectividade advêm da actividade
desenvolvida pelos poluidores, sejam suportados por estes como verdadeiros custos de produção, de
tal modo que as decisões dos agentes económicos acerca do nível de produção o situem num ponto
mais próximo do ponto socialmente óptimo, que é inferior” 482. Por sua vez, Vasco Pereira da Silva
defende que o PPP decorre da “consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de
uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal, no que
respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa
actividade”483.
José Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala consideram que o conteúdo do PPP é
essencialmente cautelar e preventivo, importando necessariamente na transferência dos custos e ónus
geralmente suportados pela sociedade na forma de emissões de poluentes ou resíduos sólidos, para
que seja suportado primeiro pelo poluidor. E os custos de que tratamos não objectivam originariamente
a reparação e o ressarcimento monetário, mediante a fórmula indemnizatória e compensatória e
produzida pela legislação civilística, mas envolvem todos os custos relativos, principalmente, à
implementação de medidas que objectivam evitar o dano, medidas de prevenção ou mitigação da
possibilidade de danos, que devem ser suportadas primeiro pelo poluidor, em momento antecipado,
prévio à possibilidade da ocorrência de qualquer dano ao ambiente, mediante procedimento
económico de largo uso na economia do ambiente, que consiste na internalização de todas as
externalidades nos custos de produção da actividade pretensamente poluidora”484.
Gomes Canotilho sublinha que o PPP tem assim como finalidades fundamentais a prevenção
e precaução dos danos ambientais, por um lado, e a justiça na redistribuição dos custos das medidas

480 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 39.


481 ANTUNES, Paulo de Bessa (2002), Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, p.
214.
482 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia

Ivridica, n.º 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, p. 36.


483 DA SILVA, Vasco Pereira (2001), Verde Cor do Direito, Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, Almedina, Coimbra, p. (....).
484 LEITE, José Ruben Morato, AYLA, Patrick de Araújo (2004), Direito Ambiental na Sociedade de Risco, 2.ª Edição revista,

actualizada e ampliada, Forense Universitária, Rio de Janeiro, pp. 96 - 97.

106
públicas de luta contra a degradação do ambiente, por outro 485. É precisamente na primeira
característica que encontramos a diferenciação do PPP em relação ao princípio da responsabilização.
O PPP não se resume na intervenção de reparação dos danos uma vez concretizada a lesão no bem
jurídico do ambiente, assentando na antecipação em relação àquelas lesões, pressupondo a
contribuição do poluidor para a realização de iniciativas, públicas ou privadas, no domínio da prevenção
ambiental486. Daí que se diga e se defenda que “o PPP é o princípio que, com maior eficácia ecológica,
com maior economia e equidade social, consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente” 487.
Dai que Gomes Canotilho sublinhe que o fim da prevenção-precaução, em que os poluidores ou
degradadores são chamados a suportar os custos de todas as medidas, adoptadas por si próprios ou
pelos poderes públicos, indispensáveis à precaução ou prevenção da poluição normal e acidental, bem
como dos custos da actualização dessas medidas488.
Note-se que este Princípio não se prende apenas com a poluição propriamente dita mas
também com qualquer forma de degradação ambiental, dai que deva ser interpretado em sentido
amplo. O legislador define a degradação ambiental como “a alteração adversa das características do
ambiente e inclui, entre outras, a poluição, a desertificação, a erosão e o desflorestamento”489.
Constituem instrumentos de carácter financeiro de realização do PPP os impostos e as taxas.
Ora, se tais instrumentos forem correctamente definidos contribuirão para a internalização das
externalidades ambientais negativas das actividades poluentes ou degradadoras, sendo reflectidos nos
preços dos bens e serviços produzidos, e enviando uma mensagem ao mercado que induza os
produtores e consumidores a adoptar comportamentos económicos mais sustentáveis490.
No caso do ordenamento jurídico moçambicano, temos como exemplo paradigmático da
aplicação do PPP a chamada taxa de limpeza, paga pelos munícipes, por via da factura da Electricidade
de Moçambique. Neste caso, os munícipes são considerados poluidores, como produtores de resíduos,
pelo que são chamados a contribuir para a gestão dos mesmos. Conforme Carlos Serra e Fernando
Cunha, “vigoram, neste caso, as ideias da prevenção de danos ambientais (pretende-se, através da
contribuição geral, montar um sistema eficaz de gestão de resíduos, com o objectivo fundamental de
diminuir substancialmente o seu impacto junto do ambiente, no geral, e da saúde das pessoas, em
particular) e de justiça distributiva (onde todos os custos decorrentes do funcionamento do sistema de

485 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, Lisboa, pp. 50
e seguintes.
486 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. (...).
487 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), ob. cit., p. 51.
488 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia

Ivridica, n.º 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pp. 123 - 124.
489 Cf. Artigo 1.° n.º 7 da Lei do Ambiente.
490 SILVA, Isabel Marques (2003), “O Princípio do Poluidor Pagador”, Estudos de Direito do Ambiente, Porto, Publicações

Universidade Católica, p. 116.

107
gestão dos resíduos são distribuídos equitativamente por todos os produtores de resíduos, quer sejam
empresas quer pessoas singulares)”491.
No plano ordinário, o PPP encontra-se consagrado na Lei de Pescas, traduzido “na
responsabilização de pessoas singulares ou colectivas pelo custo de reposição da qualidade do
ambiente danificado e ou pelos custos para a prevenção e eliminação da poluição por si causada, no
exercício das actividades pesqueiras e complementares da pesca”492; e na Lei do Mar, consistindo “na
obrigação de o poluidor assumir os custos de reposição do ambiente marinho poluído, em resultado
do desenvolvimento de actividades económicas ou outras acções”493
Foi igualmente consagrado nos Regulamentos de Gestão de Resíduos Perigosos (aprovado pelo
Decreto n.º 83/2014, de 31 de Dezembro) e de Gestão de Resíduos Sólidos (aprovado pelo Decreto n.º
94/2014, de 31 de Dezembro), entendido como norma de Direito do Ambiente que consiste em obrigar
o poluidor a arcar com os custos de reparação de um dano por ele causado ao ambiente494. Por sua
vez, como corolário do PPP, temos o princípio da responsabilidade alargada do produtor e importador
de embalagens, o qual foi objecto de normação nacional, através de um Regulamento aprovado pelo
Decreto n.º 79/2017, de 28 de Dezembro495.

3.4.7. Princípio do Desenvolvimento Sustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável496 conheceu a projecção internacional através do Relatório


Brundlant (“Nosso Futuro Comum”)497, publicado em 1987, da autoria de uma Comissão nomeada pelo
Secretário-geral das Nações Unidas, para realizar um estudo aprofundado sobre os principais
problemas ambientais que ameaçam e obstam ao desenvolvimento da maioria dos países do Sul 498.
Nos termos do presente Relatório, o desenvolvimento sustentável define-se como “aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às
suas necessidades”499. Este Relatório serviu como um dos documentos preparatórios da Conferência

491 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. (...).


492 Cf. Artigo 5.° f) da Lei de Pescas.
493 Cf. Artigo 5.° g) da Lei do Mar.
494 Cf. Artigo 4.° f) do Regulamento de Gestão de Resíduos Perigosos, bem como artigo 4.° g) do Regulamento de Gestão de

Resíduos Sólidos.
495 Segundo o artigo 4.° b) do Regulamento sobre a Responsabilidade Alargada dos Produtores e Importadores de Embalagens,

este principio “consiste em atribuir, total ou parcialmente, física e ou financeiramente, ao produtor e importador de
embalagens e resíduos de embalagens a responsabilidade pelo impacto causado na saúde pública e no ambiente”.
496 Recomendamos a leitura de RODRIGUES, Valdemar J. (2009), Desenvolvimento Sustentável – Uma introdução critica,

Principia, Parede.
497 Esta comissão foi presidida pela então primeira Ministro norueguesa, Gro-Harlen Brundlant.
498 CONDESSO, Fernando dos Reis, ob. cit., p. 80.
499 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (1987), Nosso Futuro Comum, 2.ª Edição, Editora da

Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1991, p. 46.

108
das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de Junho
de 1992 (“Conferência do Rio”).
O conceito de desenvolvimento sustentável é considerado como uma resposta aos limites dos
conceitos precedentes, e que dominaram o pensamento económico durante um largo período
temporal, designadamente o de crescimento e, mais tarde, o de desenvolvimento (socioeconómico)500.
Nesse sentido, o princípio do desenvolvimento sustentável surge, em primeiro lugar, em
contraposição à concepcão clássica de crescimento económico, a qual “contabiliza a riqueza nacional
ignorando a existência e o estado de conservação dos recursos naturais”, tendo como subjacente a
ideia de que “os recursos naturais são escassos e esgotáveis e que, por isso, devem ser objecto de uma
utilização especialmente parcimoniosa e judiciosa”501. Nesse sentido, “O conceito de crescimento é
sinónimo de mero crescimento económico, isto é, basicamente, o crescimento de determinada
economia em termos numéricos. Emerge uma preocupação meramente quantitativa, no sentido de se
gerar riqueza por riqueza, sem quaisquer outras preocupações de ordem material ou qualitativa, e à
custa dos recursos naturais que se revelarem indispensáveis à realização de tal fim, ainda que venham
a se esgotar ou a degradar-se irreversivelmente. Nesta linha de raciocínio, só haverá crescimento à
custa do ambiente, e proteger o ambiente constitui um recuo inegável no caminho do progresso”502.
Por sua vez, o conceito de desenvolvimento (socioeconómico) vai além do conceito de
crescimento (económico), na medida em que, ao contrário deste último, “o conceito de
desenvolvimento abrange igualmente uma componente social, traduzida na melhoria das condições de
vida de determinado país ou região. O desenvolvimento pressupõe uma noção profundamente
diferente, na medida em que, à preocupação numérica e quantitativa, que não desaparece,
principalmente no contexto de uma economia de mercado, se junta um conjunto de valores de ordem
qualitativa, como a justiça social, a redistribuição da riqueza, entre outros. Por conseguinte, não haverá
desenvolvimento à custa da miséria de uma maioria ou da exclusão social de muitos, e, em termos
positivos, lutar contra a pobreza constitui uma das dimensões fundamentais do conceito de
desenvolvimento”503.
Segundo Sousa Franco, “esta foi aliás uma conquista decorrente da constatação de que,
primeiro, “o desenvolvimento económico não era possível sem uma acentuadíssima componente
social, quer introduzindo justiça na repartição dos bens, quer assegurando uma afectação preferencial
da riqueza criada à satisfação das necessidades de todos os homens; depois, que o social não bastava
para arrastar, enquadrar e dar sentido ao económico, que era necessário também o cultural, mais

500 SERRA, Carlos Manuel (2012), “A Inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 43 da Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho”, Estudos
de Direito Constitucional moçambicano - Contributos para Reflexão, CFJJ/FDUM/ISCTEM, Maputo, p. (…)
501 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coordenador) (1998), ob. cit., pp. 87 - 88.
502 SERRA, Carlos Manuel (2012), ob. cit., p. (…).
503 Idem, p. (…).

109
eminentemente qualitativo, porque já não tinha que ver sequer com a afectação e com a repartição da
riqueza, mas com valores que enfermam o modo como os homens, aproveitando da riqueza para a sua
felicidade, e criando-a o melhor que podem, tentam ser, em conjunto, felizes, livres e solidários; e, no
fim, de algum modo a teoria do desenvolvimento dessa fase pode dizer-se que se esgotou ao referir
que o processo económico do desenvolvimento só estava completo se fosse completado pela dimensão
social, de fosse acompanhado de um desenvolvimento cultural e, em última instância, fosse colocado
inteiramente ao serviço do Homem – a ideia de que o desenvolvimento só existe se for concebido como
de todo o homem, de todos os aspectos da vida humana e de todos os homens, portanto, se for
concebido para toda a humanidade”504.
Por seu turno, o conceito de desenvolvimento sustentável vai mais longe dos que os anteriores
conceitos, pois integra uma dimensão já não mais considerada antagónica ao progresso – a protecção,
conservação e valorização do ambiente, sem a qual não se poderá falar de desenvolvimento. Pelo que
este princípio integra hoje três pilares fundamentais: (i) o desenvolvimento económico, (ii) o
desenvolvimento social, (iii) e a protecção do ambiente.
Nesse sentido, a maior contribuição para o conteúdo da noção de desenvolvimento sustentável
reside precisamente na noção da protecção do ambiente, pelo que “desenvolvimento sem defesa
ecológica pode bem levar à destruição pura e simples do planeta Terra”505.
O princípio do desenvolvimento sustentável constitui uma dos principais marcos resultantes
da Conferência do Rio (1992). Há várias referências ao longo da Declaração de Princípios, com destaque
para o princípio III (“o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda
equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras”),
bem como para o princípio IV (“a fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a protecção
do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser
considerada de forma isolada”). Torna-se muito importante compreender a relação intrínseca entre os
fenómenos da pobreza e de degradação ambiental, pelo que se consubstanciou, no princípio V, da
Declaração do Rio que “Todos os Estados e todos os povos cooperarão na tarefa fundamental de
erradicar a pobreza como condição indispensável ao desenvolvimento sustentável, por forma a reduzir
as disparidades nos níveis de vida e melhor satisfazer as necessidades da maioria dos povos do mundo”.
Paulo de Bessa Antunes diz-nos, a este respeito, que “há uma relação perversa entre condições
ambientais e pobreza. Assim, parece óbvio que as condições ambientais somente poderão ser

504 FRANCO, António Sousa, Ambiente e Desenvolvimento, In. Textos – Ambiente, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994,
pp. 264 – 265.
505 LACASTA, Nuno S. e NEVES, Manuel Andrade (1998), “Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Princípios de Direito

Internacional, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, n.° 3, Associação Portuguesa para o Direito do
Ambiente, Lisboa, p. 101.

110
melhoradas com uma mais adequada distribuição de renda entre membros de nossa sociedade” 506.
Considerando os impactos gigantescos da produção e consumo, bem como do crescimento
demográfico exponenciais, determina o princípio VIII da Declaração do Rio que “Para se alcançar um
desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os Estados
deverão reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e de consumo e promover políticas
demográficas apropriadas”.
Carla Amado Gomes diz-nos que “o assento tónico no desenvolvimento é colocado na ideia
de responsabilidade ecológica: dos estados, em primeira linha, que têm o direito de utilizar mas
também o dever de proteger os bens ambientais situados nos seus territórios, e de se auxiliar
mutuamente no intuito, quer de prevenir a degradação ecológica, quer de a minimizar e combater
coordenadamente”; bem como das pessoas, em segunda linha, “incutindo-lhes a ideia do dever de
preservação do ambiente através da afirmação dos direitos à dignidade e ao bem-estar”507.
Ao nível do quadro jurídico nacional, nota de destaque para a Constituição de 2004, a qual,
em nosso entendimento, consagrou o princípio de desenvolvimento sustentável em diversas normas,
com uma referência expressa incluída no n.º 2 do artigo 117.°, alusivo ao papel do Estado no domínio
do ambiente.
Na Lei do Ambiente não encontramos o princípio de desenvolvimento sustentável no leque
de princípios constante no artigo 4.°, mas tão-somente a definição do conceito: “desenvolvimento
baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer
o equilíbrio do ambiente e a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem também as suas
necessidades”508.
Somos do entendimento de que a Lei do Ordenamento do Território, apesar de não fazer
constar este princípio no leque de princípios consagrados no artigo 4.°, tem o principio do ordenamento
do território como principio estruturante, fundamental e orientador do próprio ordenamento do
território, na medida em por este se entende: “conjunto de princípios, directivas e regras que visam
garantir a organização do espaço nacional através de um processo dinâmico, contínuo, flexível e
participativo na busca do equilíbrio entre o homem, o meio físico e os recursos naturais, com vista à
promoção do desenvolvimento sustentável (sublinhado nosso)”509.
Na Lei do Conservação da Biodiversidade, o Legislador optou pelo reconhecimento do
princípio do desenvolvimento, considerando “o papel da conservação da diversidade biológica e a
criação e manutenção de áreas dedicadas especificamente a este fim como instrumentos na promoção

506 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), Direito Ambiental, 9.ª Edição Revista, Ampliada e Actualizada, Lumen Juris Editora, Rio
de Janeiro, p. 28.
507 GOMES, Carlos Amado (2007), ob. cit., pp. 31 – 32.
508 Cf. Artigo 1.°, n.º 9 da Lei do Ambiente.
509 Cf. Artigo 1.° da Lei do Ordenamento do Território.

111
do desenvolvimento e na erradicação da pobreza”510. Contudo, considerando a inclusão do conceito de
desenvolvimento sustentável no Glossário em Anexo à Lei, não temos dúvidas que a interpretação
correcta deva passar pela consagração do princípio de desenvolvimento sustentável no quadro legal de
conservação. Veja-se que para reforçar este entendimento, constitui objecto da Lei “o estabelecimento
dos princípios e normas básicos sobre a protecção, conservação, restauração e utilização sustentável
da diversidade biológica em todo o território nacional, especialmente nas áreas de conservação, bem
como o enquadramento de uma administração integrada, para o desenvolvimento sustentável do País
(sublinhado nosso)511”

3.4.8. Princípio da responsabilidade

Qualquer violação do Direito implica a imposição de uma sanção ao responsável pela ofensa à ordem
jurídica512. Nesse sentido, a palavra responsabilidade deriva do latim red spondeo, traduzindo a
capacidade de assumir as consequências dos actos ou das omissões513.
Paulo de Bessa Antunes chama-nos a atenção para o facto de o Direito do Ambiente ser, em
grande medida, construído sobre o princípio da responsabilidade, o qual, considerando a natureza da
matéria, é construído de forma peculiar514.
Não há dúvidas de que os princípios da prevenção e da precaução assumem no Direito do
Ambiente um assinalável destaque; porém, urge sublinhar a importância que o princípio da
responsabilidade tem vindo a assumir nos últimos anos, não apenas por razões de justiça social, por
causa da necessidade de imputar aos responsáveis os danos eventualmente causados e de sancionar
as inúmeras violações à legislação ambiental em vigor, mas também devido à própria vertente
preventiva do princípio da responsabilização515.
Nesse sentido, conforme nos ensina José Rubens Morato Leite, “não há Estado de
Democrático de Direito se não é oferecida a possibilidade de buscar uma imputação daquele que
ameace ou lese o ambiente”, e “princípios como a precaução, actuação preventiva e cooperação
podem oferecer subsídios importantes à edificação de um Estado mais justo do ponto de vista
ambiental, mas deve-se revelar que estes, isoladamente não funcionam. Desta forma (...) de nada

510 Cf. Artigo 4.°, f) da Lei de Conservação da Biodiversidade.


511 Cf. Artigo 2.°, da Lei de Conservação da Biodiversidade.
512 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit.. p. 41.
513 SĖGUIN, Elida (2006), O Direito Ambiental – Nossa Casa Planetária, 3.ª Edição, revista e actualizada, Editora Forense, Rio

de Janeiro, p. 379.
514 ANTUNES, Paulo de Bessa (2006), ob. cit.. p. 41.
515 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. (...).

112
adiantaria tomar acções preventivas se eventuais responsáveis por possíveis danos não fossem
compelidos a executar seus deveres ou responder por suas acções” 516.
Dai que se aluda ao princípio da responsabilidade, fortemente associado à necessidade de
considerar danos transfronteiriços, temática que se encontra na génese do surgimento do Direito
Internacional do Ambiente e alimentou apaixonados debates ao longo de décadas. A Conferência do
Rio (1992) abordou o assunto, facto que culminou no reconhecimento do princípio de que “Os Estados,
em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios da lei internacional, têm o direito
soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas ambientais e de
desenvolvimento, e a responsabilidade de velar para que as actividades realizadas sob sua jurisdição
ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de zonas que estejam
fora dos limites da jurisdição nacional”517. Por outro lado, previu-se que “os Estados deverão
desenvolver a legislação nacional relativa à responsabilidade e à indemnização referente às vítimas da
contaminação e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar de maneira diligente e mais
decidida no preparo de novas leis internacionais sobre responsabilidade e indemnização pelos efeitos
adversos dos danos ambientais causados pelas actividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob
seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição518.
Em termos conceptuais, o princípio da responsabilidade pode ser perspectivado em três
vertentes principais: penal, administrativa ou civil. Nesse sentido, conforme diz-nos Elida Séguin, “se a
acção ou a omissão feriu um comando jurídico, tem-se um ilícito. Se a norma ferida for penal, ter-se-á
um ilícito penal, se civil um ilícito civil e se administrativo, um ilícito administrativo. O ilícito pode
decorrer de uma obrigação legal, da transgressão de um comportamento preceituado ou pactuado”519.
No domínio do nosso Direito, veja-se, em primeiro lugar, a Lei do Ambiente, Lei n.º 20/97, de
1 de Outubro que consagrou, no seu leque de princípios fundamentais, o princípio da responsabilização
nos seguintes termos: “quem polui ou de qualquer forma degrada o ambiente, tem sempre a obrigação
de reparar ou compensar os danos daí decorrentes”520.
Seguidamente, a Lei de Águas, Lei n.º 16/91, de 3 de Agosto, segundo a qual “Quem para além
dos limites consentidos provocar a contaminação ou degradação do domínio público hídrico,
independentemente da sanção aplicável, constitui-se na obrigação de, à sua custa, reconstituir a
situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”521.

516 LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada – Revista
de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto, Universidade Lusíada do Porto, p. 536.
517 Cf. Principio II da Declaração do Rio (1992).
518 Cf. Principio XIII da Declaração do Rio (1992).
519 SĖGUIN, Elida (2006), ob. cit., p. 379.
520 Cf. Artigo 4.º, g), da Lei do Ambiente.
521 Cf. Artigo 53.° da Lei de Águas.

113
Por seu turno, a Lei de Florestas e Fauna Bravia, Lei n.º 10/99, de 7 de Julho, optou por
consagrar este princípio dando apenas enfoque à componente responsabilidade objectiva, nos
seguintes termos: “todo aquele que causar danos em recursos florestais e faunísticos é obrigado a
proceder à respectiva recomposição ou compensar a degradação, bem como os prejuízos causados a
terceiros, independentemente de outras consequências legais”522.
A Lei do Ordenamento do Território, Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho, prevê o “princípio da
responsabilidade das entidades públicas ou privadas por qualquer intervenção sobre o território, que
possa ter causado danos ou afectado a qualidade do ambiente e assegurando a obrigação da reparação
desses mesmos danos e a compensação dos prejuízos causados à qualidade de vida dos cidadãos” 523.
Um destaque merece a consagração do princípio da responsabilidade ambiental na Lei de
Conservação da Biodiversidade, Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, segundo o qual “a preservação,
protecção e gestão do meio ambiente deve priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção de
actos lesivos ao ambiente. O dever de quem danifica os recursos naturais, repô-los e/ou pagar os custos
para a eliminação e compensação dos danos por si causados de modo a garantir que não ocorra
nenhuma perda líquida da biodiversidade ou dos recursos naturais”524.

3.4.9. Princípio da ampla participação dos cidadãos

Este princípio encontra-se consagrado no princípio X da Declaração do Rio (1992), nos seguintes
termos: “O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos
interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à
informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluí da informação sobre os
materiais e as actividades que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de
participar dos processos de adopção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a
sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser
proporcionado acesso efectivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o
ressarcimento de danos e recursos pertinentes”.
Em termos simplificados, estamos diante da formalização dos direitos à informação e à
participação dos cidadãos nos processos decisórios sobre ambiente, por um lado, e na atribuição aos
Estados da obrigação em providenciar informação de forma plena, eficiente e atempada, bem como de
criar as condições adequadas para garantir a participação ampla e efectiva dos cidadãos na governação
ambiental. Este princípio passa pela assunção da transparência como modelo a ser genuína e

522 Cf. Artigo 3.° d), da Lei de Florestas e Fauna Bravia.


523 Cf. Artigo 4.° e) da Lei do Ordenamento do Território.
524 Cf. Artigo 4.° e) da Lei da Conservação da Biodiversidade.

114
firmemente assumido pelas estruturas organizacionais não apenas públicas (Estados e Municípios)
como privadas (empresas/corporações).
Segundo Antonieta Coelho, “o princípio da participação está intrinsecamente ligado à natureza
indivisível de fruição difusa do ambiente, que tem como consequência que as decisões em matérias
ambientais interessam e tem impacto na vida de todos. Também, para motivar comportamentos que
contribuam para a protecção do ambiente, é necessário envolver na tomada de decisões todos os
interessados”525.
Celso António Pacheco Fiorillo, por seu turno, considera o princípio da participação como um
dos princípios estruturantes do Estado Ambiental de Direito, tendo presente que “todos os direitos
sociais são a estrutura essencial de uma saudável qualidade de vida”, como “um dos pontos cardiais da
tutela ambiental”, havendo a destacar dois elementos fundamentais para a sua efectivação,
nomeadamente a informação e a educação ambiental, “mecanismos de actuação, numa relação de
complementaridade”526.
Paulo de Bessa Antunes advoga que o princípio da participação é expressão do princípio
democrático, como “aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participar na elaboração de
políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à
defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e que tenham
significativas repercussões sobre o ambiente”527.
Elisa Séguin diz-nos que “a participação na defesa ambiental pode ocorrer de diversas formas,
sendo essencial apenas o desejo e a consciência de que participar é mais do que um direito, é um dever
de cidadania. A obrigação cidadã de participar corresponde ao dever estatal de garantir o acesso a essa
participação, evitando a formação de monopólios institucionais de defesa ambiental e possibilitando a
pluralidade prevista constitucionalmente. O melhor clima das relações entre cidadãos e autoridades
possibilita a troca de informações e a cooperação facilita a efectiva defesa ambiental”528.
Para Carlos Serra e Fernando Cunha, “o princípio da participação corresponde ao
entendimento segundo o qual a participação dos cidadãos é a condição para o sucesso das políticas de
protecção e conservação ambientais. Ora, tal participação assume várias dimensões, como é possível
deduzir da análise de diversos diplomas legais: (i) em primeiro lugar, a participação dos cidadãos no
procedimento de tomada de decisões com relevância para o ambiente (planos de urbanismo e
ordenamento do território, actos administrativos); em segundo lugar, a participação no processo de

525 COELHO, Antonieta (2001), Lei de Bases do Ambiente – Anotada, colaboração de Maria do Carmo Medina, Luanda,
Faculdade de Direito UAN, p. 64.
526 FIORILLO, Celso António Pacheco (2005), Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 6.ª Edição Ampliada, São Paulo, Editora

Saraiva, p. 42.
527 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 28.
528 SĖGUIN, Elida (2006), ob. cit., p. 321.

115
elaboração de legislação de relevância ambiental, através, por exemplo, de audiências públicas; em
terceiro lugar, a participação do cidadão na própria gestão dos recursos naturais, designadamente a
terra, a água, as florestas, a fauna bravia, etc.”529.
Não pode haver participação dos cidadãos na definição e implementação das políticas,
estratégias e planos ambientais sem que haja informação plena por parte das entidades públicas e
privadas. Por tal razão, a participação implica o exercício do dever de informar a cargo da Administração
Pública e a possibilidade de os cidadãos acederem à informação530.
A Lei do Ambiente consagrou o princípio da ampla participação no leque de princípios
fundamentais531, impondo ao Estado “a obrigação criar mecanismos adequados para envolver os
diversos sectores da sociedade civil, comunidades locais, em particular as associações de defesa do
ambiente, na elaboração de políticas e legislação relativa à gestão dos recursos naturais do país, assim
como no desenvolvimento das actividades de implementação do Programa Nacional de Gestão
Ambiental”532, e consagrando os direitos de todo o cidadão de acesso à informação e à justiça 533.
No plano ordinário, é igualmente importante aludir à Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro, Lei
do Direito à Informação, que consagrou o princípio da participação democrática, segundo o qual “A
permanente participação democrática do cidadão na vida pública pressupõe o acesso à informação de
interesse público, de modo a formular e manifestar o seu juízo de opinião sobre a gestão da coisa
pública e assim influenciar os processos decisórios das entidades que exercem o poder público” 534.
Veja-se ainda a Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, que regula a formação da vontade da
Administração Pública, que incluir no respectivo leque de princípios fundamentais o princípio da
participação dos administrados, segundo o qual “a Administração Pública deve promover a participação
e defesa dos interesses dos administrados, na formação das decisões que lhes disserem respeito” 535.
Depois, temos ainda expressão do princípio da participação na Lei de Águas, a qual enfatiza a
participação das populações nas principais decisões relativas à política de gestão das águas; mais a mais
atendendo ao facto de os cidadãos poderem vir a ser afectados pela acção administrativa ou poderem
vir a contribuir positivamente para a definição do interesse público em concreto, reconhece-se a mais
ampla participação dos cidadãos no processo de gestão dos recursos hídricos536.
Atenda-se ainda a sua consagração na Lei do Ordenamento do Território, enquanto “princípio
da participação pública e consciencialização dos cidadãos, através do acesso à informação, permitindo

529 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).


530 Idem, (...).
531 Cf. Artigo 4.° e) da Lei do Ambiente.
532 Cf. Artigo 8.° da Lei do Ambiente.
533 Cf. Artigos 19.° e 21.° da Lei do Ambiente.
534 Cf. Artigo 8.° da Lei do Direito à Informação.
535 Cf. Artigo 10.° da Lei da Formação da Vontade da Administração Pública.
536 Cf. Artigo 7.°, n.° 1 b) da Lei de Águas.

116
a sua intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação, bem como na revisão dos
instrumentos de ordenamento territorial”537.
A Lei de Conservação da Biodiversidade consagra o princípio da Participação do Cidadão na
Gestão e nos Benefícios, determinando “o direito de todos os cidadãos de serem envolvidos nos
processos decisórios, em toda a cadeia de valor da conservação e na utilização sustentável dos recursos
naturais538.
Por fim, a Lei de Pescas consagrou o princípio da gestão participativa dos recursos pesqueiros,
“que consiste no envolvimento dos pescadores, de associações económicas, outros grupos de interesse
na pesca e de aquacultores, na gestão dos recursos pesqueiros dos quais dependem, assegurando uma
pesca responsável e a sua participação nos processos decisórios”539.

3.4.10. Princípio da cooperação e responsabilidades comuns mas diferenciadas

Em termos históricos, a cooperação internacional foi consubstanciada como um dos princípios


estruturantes da Declaração de Estocolmo, segundo a qual “Todos os países, grandes e pequenos,
devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas
à protecção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar,
reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as actividades que se realizem em qualquer
esfera, possam ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros
meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados”540.
Mas foi por ocasião da Conferência do Rio, que um passo significativo foi dado no desenho
do princípio da cooperação e responsabilidades comuns mas diferenciadas: “Os Estados deverão
cooperar com o espírito de solidariedade mundial para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a
integridade do ecossistema da Terra. Tendo em vista que tenham contribuído notadamente para a
degradação do ambiente mundial, os Estados têm responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Os
países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do
desenvolvimento sustentável, em vista das pressões que suas sociedades exercem sobre o meio
ambiente mundial e das tecnologias e dos recursos financeiros de que dispõem541.
Nesse sentido, a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas consagrou previu
que “As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da
humanidade com base na equidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas

537 Cf. Artigo 4.° b) da Lei do Ordenamento do Território.


538 Cf. Artigo 4.° d) da Lei de Conservação da Biodiversidade.
539 Cf. Artigo 5.° c) da Lei de Pescas.
540 Cf. Princípio XIV da Declaração de Estocolmo.
541 Cf. Princípio XII da Declaração do Rio.

117
diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar
a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos” 542. E vai mais longe ao considerar que
“Devem ser levadas em plena consideração as necessidades específicas e circunstâncias especiais das
Partes países em desenvolvimento, em especial aqueles particularmente mais vulneráveis aos efeitos
negativos da mudança do clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que
tenham que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção”543.
Ao nível da doutrina, José Rubens Morato Leite defende que “a cooperação deve ser
entendida como política solidária dos Estados, tendo em tela, a necessidade intergeracional de
protecção ambiental. Por isso importa uma soberania menos egoísta dos Estados e mais solidária no
aspecto ambiental, com a incorporação de sistemas mais efectivos de cooperação entre Estados, em
face das exigências de preservação ambiental. Implica em uma política mínima de cooperação solidária
entre Estados em busca de combater efeitos devastadores da degradação ambiental. A cooperação
pressupõe ajuda, acordo, troca de informações e transigência no que atine a um objectivo macro de
toda colectividade. Mais do que isto, aponta para uma atmosfera política democrática entre os Estados,
visando um combate à crise ambiental global544.
Para Fernando Condesso, “o ambiente é, hoje, um património de toda a humanidade. Já não
aceitamos que qualquer país ou empresa nos ponha em perigo um património que se torna cada vez
mais escasso, e, portanto, mais precioso. Nesta perspectiva, a cooperação parece ser a alternativa para
resolver os problemas em conjunto e para que os países, que agora começaram o seu desenvolvimento,
não repitam os mesmos erros que os chamados países desenvolvidos já cometeram no passado” 545.
Segundo Carlos Serra e Fernando Cunha, através do princípio da cooperação internacional,
“procura-se a obtenção de soluções harmoniosas dos problemas ambientais, reconhecidas que são as
suas dimensões transfronteiriças e globais. Parte-se do entendimento segundo o qual grande parte dos
problemas ambientais não dizem respeito apenas ao Estado X ou Y, mas sim de todos, a um nível
regional, continental ou até global”546. Segundo tais autores, este princípio possui três importantes
dimensões: (i) o apoio financeiro e científico-tecnológico prestado pelos países desenvolvidos aos
países pobres, para acções de protecção e conservação do ambiente no interior dos respectivos
espaços territoriais; (ii) o intercâmbio ou colaboração na prestação de informações; (iiii) e a criação de
projectos transfronteiriços de protecção e conservação da natureza.547

542 Cf. Artigo 3.°, n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
543 Cf. Artigo 3.°, n.º 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
544 LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à Natureza”, Lusíada – Revista

de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto, Universidade Lusíada do Porto, p. 534.
545 CONDESSO, Fernando dos Reis (2001), ob. cit., p (...).
546 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. (...).
547 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. (...).

118
Ao nível da demais legislação nacional, o foco centrou-se na dimensão de cooperação
internacional: nesse sentido, a Lei do Ambiente consagrou o princípio da cooperação internacional,
para a obtenção de soluções harmoniosas dos problemas ambientais, reconhecidas que são as suas
dimensões transfronteiriças e globais548. A Lei de Águas, prevendo que a cooperação internacional tem
em vista os seguintes objectivos: “adopção de medidas coordenadas de gestão dos cursos de água de
uma bacia hidrográfica, tendo em conta os interesses de todos os estados interessados”; “repartição
das águas de interesses comum e seu aproveitamento conjunto”; preparação ou realização conjunta
de investigação, projectos e construção de infraestruturas”; “controlo da qualidade de água, da
poluição e da erosão dos solos”; e, por último, troca de informação sobre questões de interesse
comum”549. O princípio da cooperação internacional foi igualmente consagrado na LFFB, segundo a qual
“concertação de soluções com outros países e organizações internacionais na protecção, conservação
e gestão dos recursos florestais e faunísticos”550. Na Lei de Pescas, prevendo que “na estreita relação
com as organizações regionais e internacionais e na harmonização de políticas sectoriais internas para
garantir uma pesca e aquacultura responsáveis”551. E na Lei de Conservação da Biodiversidade,
proclamando “a plena assunção pelo país do seu papel no esforço global e regional para garantir a
conservação da diversidade biológica cumprindo com as obrigações ambientais convencionadas e no
desenvolvimento de formas de gestão integrada onde os ecossistemas são partilhados com países
vizinhos e se ligam às obrigações internacionais”552.

3.4.11. Principio do acesso e repartição de benefícios sobre recursos naturais

Segundo o princípio XXII da Declaração do Rio de Janeiro, “As populações indígenas e suas comunidades
e outras comunidades locais desempenham um papel vital na gestão e desenvolvimento do ambiente
devido aos conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados deverão apoiar e reconhecer
devidamente a sua identidade, cultura e interesses e tornar possível a sua participação efectiva na
concretização de um desenvolvimento sustentável”.
Este Princípio encontra fundamento na Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade,
a qual reconheceu “a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas comunidades
locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir
equitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de
práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização sustentável de seus

548 Cf. Artigo 4.° h) da Lei do Ambiente.


549 Cf. Artigo 14.° da Lei de Águas.
550 Cf. Artigo 3.° i), da LFFB.
551 Cf. Artigo 5.° h) da Lei de Pescas.
552 Cf. Artigo 4.° l) da Lei de Conservação da Biodiversidade.

119
componentes”553. Nesse sentido, nos termos da Convenção, ao aludir à utilização sustentável de
componentes da diversidade biológica, cada Parte Contratante deverá, no que for possível, entre outras
acções, “proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas
culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável” 554. Esta
Convenção definiu as bases para o acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios sobre os
recursos555. Para o efeito, foi celebrado o Protocolo de Nagoya Sobre Acesso a Recursos Genéticos e a
Partilha Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de Sua Utilização (Japão, 2010).
Por sua vez, a Convenção Africana sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais
determina que os Estados parte comprometem-se a adoptar e implementar todas as medidas
necessárias para alcançar os objectivos preconizados no presente instrumento, e assegurar a
conservação, utilização e desenvolvimento, de acordo com os princípios científicos, dos recursos do
solo, água, flora e fauna e, com a devida observância dos valores éticos e tradicionais assim como do
conhecimento científico no melhor interesse dos povos das presentes e futuras gerações556.
A Lei do Ambiente consagrou o princípio do reconhecimento e valorização das tradições e do
saber das comunidades locais que contribuam para a conservação e preservação dos recursos naturais
e do ambiente557. Pelo Decreto n.º 19/2007 de 9 de Agosto, foi aprovado o Regulamento sobre Acesso
e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado.
Por fim, a Lei da Conservação da Biodiversidade foi mais longe, ao consagrar o princípio da
participação do cidadão na gestão e nos benefícios, enquanto “o direito de todos os cidadãos de serem
envolvidos nos processos decisórios, em toda a cadeia de valor da conservação e na utilização
sustentável dos recursos naturais”558.

3.4.12. Princípio do património comum e preocupação comum da humanidade

Este princípio é igualmente resultado da Declaração do Rio (1992), com destaque para a primeira
componente do princípio VII segundo o qual “Os Estados cooperarão espírito de parceria global para
conservar, proteger e recuperar a saúde e integridade do ecossistema da Terra”.
Ou seja, este princípio postula um entendimento da Terra como património de toda a
Humanidade, colocando a responsabilidade partilhada e a solidariedade à frente dos interesses
individuais de cada Estado. A solução de uma boa parte dos problemas gerados pela humanidade vão

553 In. Preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade.


554 Cf. Artigo 10.° c) da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade.
555 Vejam-se em especial os artigos 15.° e 19° da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica.
556 Cf. Artigo 4.° da Convenção Africana de Protecção da Natureza.
557 Cf. Artigo 4.° b) da Lei do Ambiente.
558 Cf. Artigo 4.° d) da Lei de Conservação da Biodiversidade.

120
muito além da intervenção isolada dos Estados e organizações, requerendo primeiro uma efectiva
aliança global, um comprometimento incondicional e uma entrega acérrima na respectiva resolução,
ainda que tal signifique ceder no que for necessário para prosseguir objectivos comuns.
Veja-se que o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 17 da ONU consiste “Fortalecer
os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”559.
A Lei de Conservação da Biodiversidade consagrou o princípio do património ecológico,
determinando que “a diversidade biológica e ecológica como património nacional e da humanidade
que deve ser preservada e mantida para o bem das gerações vindouras. O uso sustentável dos recursos
para o benefício dos moçambicanos e da humanidade na forma compatível com a manutenção dos
ecossistemas. A assunção, em pleno, pelo Estado, da sua responsabilidade perante a humanidade pela
protecção da diversidade biológica no seu território, incluindo a responsabilidade administrativa e
financeira”560.

559 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/ acedido a 6 de


Fevereiro de 2019.
560 Cfr. Artigo 4.° a) da Lei de Conservação da Biodiversidade.

121
CAPÍTULO IV: O QUADRO POLITICO E CONSTITUCIONAL DO AMBIENTE

4.1. Políticas, estratégias e planos de acção governamentais

4.1.1. A Politica Nacional do Ambiente (PNA)

O primeiro instrumento político que versou exclusivamente sobre o Ambiente foi a Política Nacional do
Ambiente (PNA), aprovada por via da Resolução n.º 5/95, de 3 de Agosto. A PNA “constitui um
importante instrumento político e programático que norteou a actuação em prol do ambiente de
inúmeros órgãos governamentais e outras entidades durante longos anos, mantendo actualmente
alguma actualidade em relação a diversos pontos”561. Integra um conjunto de princípios, objectivos
gerais e específicos e estratégias para o domínio do ambiente, reflectindo a importância que este bem
assumiu ao longo da década de oitenta, principalmente após a Constituição de 1990 e, pouco tempo
depois, a participação de Moçambique na Conferência do Rio de Janeiro, em 1992 562.
Constam como objectivos fundamentais da PNA: assegurar uma qualidade de visa adequada
para os cidadãos; assegurar a gestão dos recursos naturais e do ambiente em geral, de modo que
mantenham a sua capacidade funcional e produtiva para as gerações presentes e futuras; desenvolver
uma consciência ambiental da população, para possibilitar a participação pública na gestão ambiental;
assegurar a integração de considerações ambientais na planificação económica; promover a
participação da comunidade local na planificação e tomada de decisões sobre o uso dos recursos
naturais; proteger os ecossistemas e os processos ecológicos essenciais; integrar os esforços regionais
e mundiais na procura de soluções para os problemas ambientais563.
A PNA consagrou um conjunto de princípios, que inspirou o legislador nos anos subsequentes,
no processo de elaboração da Lei do Ambiente bem como dos demais instrumentos regulamentares.
Entre os princípios, destaque para os seguintes: “o Homem é um componente importante do ambiente
e é o beneficiário principal da sua gestão adequada”, “a utilização dos recursos naturais deve ser
optimizada”, “as comunidades locais devem beneficiar da distribuição dos rendimentos provenientes
do uso racional dos recursos naturais” e “deve-se reconhecer e valorizar o conhecimento tradicional
das comunidades locais na gestão ambiental”564.

561 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).
562 Idem, p. (...)
563 Cfr. Ponto 2.1. da PNA.
564 Ponto 2.2. da PNA.

122
Note-se que, para além da PNA, vários instrumentos políticos e estratégicos e planos de
acção, foram aprovados ao longo do período subsequente, não apenas do sector do ambiente, como
dos demais sectores, com relevância para o regime de protecção e conservação do ambiente.

4.1.2. Programas Quinquenais do Governo

O Programa Quinquenal do Governo constitui um dos instrumentos de natureza politica com


importância como fonte de Direito. Desenhado para vigorar cinco anos, o tempo de um mandato
governamental, é aprovado pela Assembleia da República, e espelha o peso que o ambiente tem no
Governo do dia565.
Ora, todos Programas Quinquenais do Governo integraram aspectos ambientais ao longo do
respectivo conteúdo, nomeadamente o Programa Quinquenal do Governo para 2010 – 2014, aprovado
pela Resolução n.º 4/2010, de 13 de Abril; o Programa Quinquenal do Governo para 2005 – 2009,
aprovado pela Resolução n.º 16/2005, de 11 de Maio; o Programa Quinquenal do Governo para 2000
– 2004, aprovado pela Resolução n.º 4/2000, de 22 de Março; e o Programa Quinquenal do Governo
para 1995 – 1999, aprovado pela Resolução n.º 4/95, de 9 de Maio.
Contudo, nenhum dos programas analisados colocou a questão ambiental no topo das
prioridades, isto é, entre os principais objectivos preconizados pelo Governo para o quinquénio. As
questões do combate à pobreza e do desenvolvimento social e económico assumiram prevaleceram
determinantemente na construção dos objectivos fundamentais governamentais. Durante este
período (1995 – 2014), o ambiente foi considerado como um dos assuntos transversais da governação.
O Programa Quinquenal do Governo para 2015 – 2019, aprovado pela Resolução n.º
12/2015, de 14 de Abril, rompeu com esta tradição. Foram definidas cinco prioridades para o
quinquénio 2015 - 2019, designadamente: (i) Unidade nacional; (ii) Desenvolvimento do capital
humano; (iii) Investimentos em infraestruturas; (iv) Promoção do emprego e a (v) Gestão transparente
e sustentável dos recursos naturais e do ambiente. Portanto, a protecção do ambiente passou a
constituir um dos quintos pilares da acção governativa, facto que se tornou num importante
precedente566. Nesse sentido, segundo o Programa, para garantir a gestão e uso sustentável dos
recursos do ar, da terra, da água e do subsolo, a manutenção da biodiversidade em harmonia com as
necessidades de desenvolvimento nacional, foram definidos os seguintes objectivos estratégicos: (i)
aprimorar o planeamento e ordenamento territorial e fortalecer a monitoria, fiscalização e
responsabilização na elaboração e implementação dos planos; (ii) garantir a integração da Economia

565 Veja-se artigo 179.°, n.º 2 j), conjugado com os artigos 198.° e 206.°, n.º 1 a), todos da Constituição de 2004.
566 Ponto 5 do Programa Quinquenal do Governo para 2015 – 2019.

123
Verde-Azul e da agenda de crescimento verde nas prioridades nacionais de desenvolvimento,
assegurando a conservação de ecossistemas, a biodiversidade e o uso sustentável dos recursos
naturais; (iii) reforçar a capacidade de avaliação e monitoria da qualidade ambiental, em especial nas
áreas de implementação de projectos de desenvolvimento; (iv) promover estudos e investigação
visando a redução do risco de calamidades e adaptação às mudanças climáticas; (v) e reduzir a
vulnerabilidade das comunidades, da economia e infraestruturas aos riscos climáticos e às calamidades
naturais e antropogénicas567.
Outro aspecto importante diz respeito ao real e efectivo peso do ambiente no processo de
tomada de decisões, o qual merece um estudo aprofundado em sede própria. Veremos em como será
considerado o ambiente no próximo Programa Quinquenal (2020 – 2024), logo que esteja disponível.

4.2. A Constituição da Republica de Moçambique

4.2.1. Constituição ambiental

A Constituição Ambiental568, enquanto conjunto de princípios e normas jurídicas fundamentais de


protecção do bem jurídico ambiente, encontra enquadramento no conceito defendido por alguns
autores no sentido da possibilidade de existência de um Estado Constitucional Ecológico, associado à
ideia de democracia sustentada. Conforme Gomes Canotilho, “o que se pretende com estes enunciados
ou fórmulas é isto: (i) o Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de Direito democrático
e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; (ii) o Estado ecológico aponta
para formas novas de participação política sugestivamente condensadas na expressão democracia
sustentada”569.
Vasco Pereira da Silva refere ao Estado Pós-Social como autêntico “Estado de Ambiente”, que
resultou da crise do Estado-Providência (Estado Social), obrigando a «repensar e renovar o “pacto
social”, numa tentativa de reequacionamento do papel do Estado na sociedade e de procura de
resposta para as necessidades acrescidas de defesa dos particulares em face das novas ameaças de
poderes públicos e privados, a “questão ecológica” (como outrora a “questão social”) vai implicar a
assunção de novas tarefas estaduais»570.

567 Ponto 65 do Programa Quinquenal do Governo para 2015 – 2019.


568 Veja-se, a respeito do significado e alcance do conceito de “Constituição do Ambiente” ou “Constituição Ambiental”
FERNANDEZ, Maria Elisabeth Moreira, Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao Estudo da Estrutura e das
Consequências das Leis-Reserva Portadoras de Vínculos Ambientais), Stvdia Ivridica, Boletim da Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, 2001.
569 CANOTILHO, José Gomes (2001), “Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada”, Revista do CEDOUA, n.º 8,

CEDOUA, Coimbra, p. 9.
570 SILVA, Vasco Pereira da (2002), Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, pp. 24 – 25.

124
Por seu turno, de acordo com José Pureza, “para o Estado Ambiental a questão decisiva não é
(como sucedia com o Estado liberal e com o Estado social) a intensidade da intervenção económica do
Estado mas sim o primado do princípio do destino universal dos bens no espaço e no tempo, o que
impõe como tarefa fundamental a subtracção de certas actividades e de certos recursos ao domínio da
economicidade e o controlo jurídico do uso racional do património natural. Em suma, o Estado
ambiental já não se contenta com a lógica limitativa transportada pelos modelos anteriores e assume
abertamente o património natural e o ambiente como bens públicos, objecto de utilização racional”571.
Jorge Miranda refere, no entanto, que são poucos os Estados que poderão arrogar-se da
qualidade de Estados ambientais, visto que a universalização do processo de constitucionalização do
bem jurídico ambiente não significa, por si só, efectividade ou implementação das normas572.
Note-se que não estaremos porventura em condições de concluir pela existência, no Planeta,
de um ou mais casos de existência de um Estado Ambiental, o que porventura coloca o conceito no
patamar utópico, como que uma meta que importa alcançar, mas para a qual diversos pressupostos
deverão estar ser reunidos tanto no plano formal, como principalmente em termos materiais.
Conforme veremos, a Constituição moçambicana inspirou-se nitidamente na Constituição
Portuguesa de 1976, na qual o ambiente recebeu um tratamento de duplo alcance: objectivo (enquanto
elemento institucional e organizatório) e subjectivo (como direito fundamental de todo o cidadão) 573.
A actual Constituição é a terceira desde a proclamação da Independência de Moçambique,
sendo o culminar do desenvolvimento de duas leis fundamentais anteriores. Em termos de história
constitucional, a primeira Lei Fundamental que o Estado moçambicano conheceu após a Independência
- a Constituição da República Popular de Moçambique, de 1975, não possuía nenhuma alusão directa
ao ambiente. A incorporação do ambiente na Lei Fundamental dá-se somente em 1990, quando entrou
em vigor a segunda Constituição da história de Moçambique Independente - a Constituição da
República de Moçambique de 1990, a qual continha duas normas basilares na consubstanciação do
ambiente como bem jurídico fundamental - o direito fundamental ao ambiente equilibrado (artigo 72.°)
e a obrigação geral do Estado na protecção do ambiente (artigo 37.°).

4.2.2. A Constituição de 2004 como marco importante na construção do Direito moçambicano do


ambiente

571 PUREZA, José (…), Tribunais, Natureza e Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal, Cadernos do CEJ, Centro de Estudos
Judiciários, pp. 27 – 28.
572 MIRANDA, Jorge (2000), Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição, Coimbra Editora,

Coimbra, p. 533.
573Idem, pp. 535 – 536.

125
A Constituição da República de Moçambique (2004) entrou em vigor no dia 20 de Janeiro de 2005,
quando o Concelho Constitucional validou os resultados das últimas eleições legislativas e presidenciais.
Foi revista pontualmente através da Lei n.º 1/2018, de 12 de Junho.
A Constituição de 2004 contém importantes aspectos em matéria ambiental em relação à
antecedente, que importa destacar, “de modo a dar a conhecer a todos os interessados a linha de
evolução em matéria jurídico-ambiental do legislador constitucional e projectar as principais
consequências no plano do ordenamento jurídico moçambicano”574.
Conforme Carlos Serra e Fernando Cunha, “É hoje indiscutível a elevação e correspondente
autonomização, no ordenamento jurídico moçambicano, do ambiente à categoria de bem jurídico
fundamental, ao lado da vida, da saúde ou da propriedade. Tal opção foi consequência do
reconhecimento político e jurídico da dimensão colectiva ou pública deste bem, isto é, enquanto valor
ou interesse de carácter geral, que pertence à sociedade como um todo, sem, contudo, descurar a não
menos importante dimensão individualista do mesmo em termos de reconhecimento a todo e a
qualquer cidadão de um direito fundamental ao ambiente” 575.
Segundo António Herman Benjamim, “o bem jurídico tutelado integra a categoria daqueles
valores fundamentais da nossa sociedade. Com a protecção do meio ambiente salvaguardamos não só
a vida nas suas várias dimensões (individual, colectivo e até das gerações futuras), mas as próprias bases
da vida, o suporte planetário que viabiliza a existência da integridade dos seres vivos” 576.
A Constituição de 2004 deu assim um passo assinalável na consolidação do ordenamento
jurídico-ambiental, por via do reforço das normas consagradas na Constituição anterior, bem com
através da incorporação de novas normas no ordenamento jurídico ambiental.

4.2.2.1. Objectivos fundamentais do Estado moçambicano

A Constituição de 2004 consagrou, no artigo 11.°, um conjunto de objectivos fundamentais do Estado


moçambicano, dos quais destacamos, em primeiro lugar, “a edificação de uma sociedade de justiça
social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos”577. Ora, a
realização destes bens passa necessariamente pela existência de um ambiente equilibrado, com os
índices de poluição abaixo dos parâmetros determinados, havendo salvaguarda dos ecossistemas e
uma situação efectiva de conservação da biodiversidade.

574 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).


575 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. (...).
576 BENJAMIM, António Herman V. (1998), “A Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental no Brasil”, Lusíada – Revista de

Ciências e Cultura, Série de Direito, n.º 2, Coimbra, Coimbra Editora, p. 549.


577 Cf. Artigo 11.° c) da Constituição de 2004.

126
Em segundo lugar, o Estado moçambicano tem como objectivo “a promoção do
desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país”578. Assim sendo, há uma expressa
opção constitucional pelo modelo económico de desenvolvimento sustentável, ainda que a palavra
utilizada tenha sido a de “equilibrado”, tendo presente a correspondência e relação ao conceito de
“sustentável”. Por outro lado, está clara a preocupação com o ordenamento do território, na busca de
uma harmonia e equilíbrio na implantação dos projectos económico e sociais em todo o território
nacional, com vista a eliminar as assimetrias Norte/Sul, Interior/Litoral e Cidade/Campo. Tal
entendimento pressupõe necessariamente a integração da componente protecção do ambiente no
próprio desenvolvimento.
Por último, compete igualmente ao Estado moçambicano a “defesa e a promoção dos
direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”579. Nesse sentido, temos o direito à vida,
como o mais importante entre os direitos humanos, e cuja observância carece, entre outros aspectos,
da materialização efectiva de condições ambientais para todos; por outro lado, veja-se o direito ao
ambiente equilibrado, considerado um dos mais recentes direitos humanos, e que hoje assume uma
projecção cada vez maior. No campo da igualdade dos cidadãos perante a Lei580, diz-nos Lúcia Reisewitz:
“Num país em desenvolvimento (...), muitas pessoas vivem na exclusão, distantes do que está
assegurado pela Constituição, sendo a degradação ambiental um factor agravante desse quadro, Quem
tem meios económicos procura fugir da degradação, enquanto grande parte da população fica
condenada a viver em meio que todos juntos destruímos. Não raro nos deparamos com pessoas
atingidas em sua dignidade e, o que é pior... (.) basta observar como aos poucos nos acostumados com
a falta de saúde, trabalho, assistência social, previdência, etc.” 581.

4.2.2.2. Liberdade de associação e associações de defesa do ambiente

A Constituição consagrou a liberdade de associação a todos os cidadãos, incluindo “o direito de


prosseguir os seus fins, criar instituições destinadas a alcançar os seus objectivos específicos e possuir
património para a realização das suas actividades, nos termos da lei”582. Este direito inspira-se na
Declaração Universal dos Direitos do Homem583.

578 Cf. Artigo 11.° d) da Constituição de 2004.


579 Cf. Artigo 11.° e) da Constituição de 2004.
580 Inspirado no artigo 7.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção,

têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
581 REISEWITZ, Lúcia (2004), Direito Ambiental e Património Cultural - Direito à Preservação da Memória, Acção e Identidade

do Povo Brasileiro, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p. 46.


582 Cf. Artigo 52.° da Constituição.
583 Segundo o n.º 1 do artigo 20.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Toda a pessoa tem direito à liberdade de

reunião e de associação pacíficas”.

127
Tal reconhecimento abre um amplo espaço amplo de actuação ao movimento associativo no
domínio da protecção do ambiente. Nesse sentido, a norma constitucional deverá ser conjugada com
o disposto na Lei do Ambiente, a qual prevê e define as Associações de Defesa do Ambiente como
“pessoas colectivas que tem como objecto a protecção a conservação e a valorização dos componentes
ambientais Estas associações podem ter âmbito internacional nacional regional ou local”584. O
legislador sublinhou a importância da participação pública na gestão ambiental, atribuindo ao Governo
a obrigação de envolver estas associações na elaboração de políticas e legislação sobre a gestão dos
recursos naturais bem como no desenvolvimento de actividades para integral implementação das
políticas, estratégias e planos de acções para o sector do ambiente585.
Podem assim ser criadas associações, como pessoas colectivas dotadas de personalidade
jurídica própria, para prosseguir fins no domínio do ambiente, nas diversas vertentes: protecção,
conservação, consciencialização, educação, gestão, resiliência às mudanças climáticas, etc.

4.2.2.3. O direito fundamental ao ambiente equilibrado

Tal como na Constituição de 1990, o legislador fundamental consagrou, no n.º 1 do artigo 90, o direito
fundamental ao ambiente equilibrado e correspondente dever de o defender. Este artigo encontra-se
integrado no Capítulo V (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais) do Título III (Direitos,
deveres e liberdades fundamentais), correspondendo na íntegra ao artigo 72.° da Constituição de 1990.
A constitucionalização do direito fundamental ao ambiente ao nível internacional decorre da
Declaração de Princípios que resultou da Convenção das Nações Unidas sobre Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972 (“Conferência de Estocolmo”), considerada um marco
histórico para o processo de construção do Direito Internacional do Ambiente. Assim, nos termos da
presente Declaração, “A pessoa humana tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições
de vida satisfatórias, num ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Cabe-
lhe porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e vindouras
(...)”586.
Trata-se do chamado pilar subjectivista da Constituição Ambiental, que consubstancia uma
posição jurídico-subjectiva do cidadão enquanto sujeito de direitos e deveres no tocante ao
relacionamento com o ambiente587. O conceito de ambiente equilibrado está, conforme vimos,
intrinsecamente associado aos conceitos de bem-estar material e espiritual e de qualidade de vida,

584 Cf. Artigo 1.°, n.º 2 da Lei do Ambiente.


585 Cf. Artigo 8.°, da Lei do Ambiente.
586 Cf. Principio I da Declaração de Estocolmo (1972).
587 Sobre a natureza, significado e alcance do direito fundamental ao ambiente veja-se CONDESSO, Fernando dos Reis (2001),

ob. cit., pp. 472 – 476.

128
consignados, entre outros, na alínea c) do artigo 11.° da Constituição, referente aos objectivos
fundamentais da República de Moçambique. Para o Legislador fundamental, a tutela do estado do
ambiente em termos equilibrados é condição peremptória para a realização efectiva e integral de cada
indivíduo.
Esta opção constitucional significa que, não obstante o inegável valor societário ou colectivo
do ambiente como bem jurídico, tendo presente a enorme importância que o mesmo assume para a
comunidade politicamente organizada, determinando a consagração de um autêntico interesse público
na sua protecção, “essa natureza não prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o
ambiente dever ser também assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão
individualmente considerado”588. E mais, “o ambiente, apesar de ser um bem social unitário, é dotado
de uma indiscutível dimensão pessoal”589.
Por outro lado, o reconhecimento de um determinado valor como direito fundamental
pressupõe o entendimento de que a sua protecção e não menos importante efectivação constitui
pressuposto essencial para uma existência livre e condigna de todo e qualquer indivíduo.
Gomes Canotilho e outros salientam que “na caracterização do ambiente como direito
fundamental, deve também destacar-se o seu entendimento como direito da personalidade humana,
bem como a sua autonomia”, e que este “é protegido com autonomia em relação a outros direitos que
lhe são próximos (por exemplo o direito à saúde ou o direito de propriedade)”590. Isto é, o ambiente é
tutelado directa e imediatamente e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele
relacionados”591.
Ora, o reconhecimento do direito fundamental ao ambiente assume uma dupla dimensão:
negativa e positiva. Negativa enquanto direito à abstenção, por parte de sujeitos terceiros, Estado ou
particulares, de quaisquer actos de carácter nocivo susceptíveis de lesar o bem jurídico ambiente 592. O
direito ao ambiente é assim configurado como um direito de autonomia ou de defesa das pessoas
perante os poderes, públicos e sociais. E positiva, na medida em que se perspectiva como um direito à
realização de uma série de prestações positivas por parte do Estado, e que, conforme veremos,
encontram assento, em termos não taxativos, no artigo 117.° da Constituição, realçando-se a sua
dimensão enquanto direito económico, social e cultural593.

588 CANOTILHO, J.J. Gomes (1998), ob. cit., p. 27.


589 Idem.
590 Ibidem, p. 28.
591 DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos CEDOUA,

CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, p. 16.


592 MIRANDA, Jorge (2000), Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição, Coimbra Editora,

Coimbra, p. 540.
593 Idem, p. 541.

129
Conforme se depreende da redacção do n.º 1 do artigo 90.°, ao direito ao ambiente
corresponde um dever de defender o ambiente, a cargo de toda e qualquer pessoa, pública ou privada,
singular ou colectiva. O legislador constitucional moçambicano reforçou significativamente a
responsabilização do cidadão em relação ao ambiente, o que acontece desde logo com a integração do
artigo 45.° (deveres para com a comunidade), que não tem qualquer correspondência no texto
constitucional anterior, o qual consagrou, para além de outros, o dever essencial de todo e qualquer
cidadão para com a comunidade, “de defender e promover o ambiente”.
Nesta ordem de ideias, o dever de cada cidadão em relação ao ambiente consubstancia três
dimensões comportamentais: a primeira, de ordem negativa, como obrigação de não fazer (não poluir,
não degradar a biodiversidade, não actuar contra o equilíbrio ecológico, etc.); a segunda, uma espécie
de obrigação hibrida, combinando aspectos negativos e positivos, de não deixar fazer, ou seja, realizar
todos os esforços para evitar que terceiros (singulares ou colectivos) perpetrem estragos sobre o
ambiente; a terceira e última dimensão, de natureza positiva, ancorada na pro-actividade, obrigando o
cidadão a agir na protecção, conservação, valorização e restauro do ambiente (veja-se aqui o exemplo
clássico de participar em acções de limpeza dos espaços públicos, municipais ou comunitários).
A consagração de um conjunto de deveres fundamentais na Constituição de 2004 decorre,
desde logo, do disposto em alguns instrumentos de Direito Internacional em vigor na ordem jurídica
moçambicana, entre os quais destaque-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos594 e a Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos 595. Segundo Jorge Miranda, “estes deveres são (…) de
natureza jurídica (ainda que nem todos equivalham a deveres na tradição ou na acepção própria do
Direito Privado) – porque criados por verdadeiras normas jurídicas, as normas constitucionais”596.
Por conseguinte, há lugar “a um fortalecimento da componente responsabilidade partilhada,
isto é, não obstante caber ao Estado moçambicano, sem margem para dúvida, o papel crucial de
promoção, protecção, valorização destes bens, é indiscutível que sem o envolvimento e adesão do
cidadão individualmente considerado, por um lado, e da comunidade no seu todo, por outro lado, não
haverá qualquer sucesso significativo no que toca à implementação das políticas públicas. O cidadão é,
portanto, não apenas um mero destinatário das políticas, normas e decisões do Estado, mas,
fundamentalmente, sujeito determinante na respectiva implementação”597.

594 Segundo o n.º 1 do artigo 29 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “indivíduo tem deveres para com a
comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”.
595 Segundo o n.º 1 do artigo 27 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela Resolução n.º 9/88, de

25 de Agosto, “Cada indivíduo tem deveres para com a família e a sociedade, para com o Estado e outras colectividades
legalmente reconhecidas e para com a comunidade internacional”.
596 MIRANDA, Jorge (2000), Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição, Coimbra Editora,

Coimbra, p. 177.
597 SERRA, Carlos/CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. 132.

130
Da consagração do direito fundamental ao ambiente equilibrado decorre como consequência
lógica, enquanto pressuposto de tutela, o direito de acesso à justiça, incluindo o acesso aos tribunais e
às demais instâncias de resolução de conflito, nos termos legalmente admissíveis. Neste domínio,
vejam-se os artigos 62.° (Acesso aos tribunais), 69.° (Direito de impugnação), 70.° (Direito de recorrer
aos tribunais), 79.° (Direito de petição, queixa e reclamação) e 81.° (Direito de acção popular). Estamos
diante de um autêntico direito a protecção jurisdicional efectiva, no qual “os cidadãos terão assim
abertas as portas dos tribunais, para reclamar a tutela do ambiente quando tal direito seja violado por
outros particulares ou por entes e organismos públicos”598.
Finalmente, a norma jurídica que consubstancia o direito ao ambiente equilibrado,
encontrando-se integrada no capítulo respeitante aos direitos económicos, sociais e culturais,
pressupõe efeitos jurídicos dignos de destaque, não obstando não conferir directamente aos cidadãos
um direito à sua prestação efectiva, e que importa referir599:

i. Implicam a interpretação das normas ordinárias segundo um significado mais conforme com
ela. Neste caso, o chamado princípio da democracia económica e social é um elemento
fundamental e obrigatório na interpretação conforme à Constituição600.
ii. Implica a inconstitucionalidade das normas legais que realizem um direito em termos
diferentes daqueles que tiverem sido constitucionalmente previstos e definidos ou “que
contrariem a realização legal anteriormente atingida”; isto é, conforme Gomes Canotilho
e Vital Moreira referem, «as normas constitucionais que reconhecem direitos económicos,
sociais e culturais de carácter positivo têm pelo menos uma função de garantia da
satisfação adquirida por esses direitos, implicando uma proibição de retrocesso, visto que,
uma vez dada satisfação ao direito, este transforma-se, nessa medida, em “direito
negativo” ou “direito de defesa”, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar
contra ele»601. O princípio da proibição do retrocesso social postula que quaisquer
intervenções ordinárias devam obrigatoriamente observar o núcleo essencial dos direitos
económicos, sociais e culturais602.

598 DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos CEDOUA,
CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, pp. 31 – 32.
599 Veja-se CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (1991), Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 131.
600 CANOTILHO, Gomes (2003), Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 341.
601 CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital (1991), ob. cit., p. 131.
602 CANOTILHO, Gomes (2003), ob. cit., p. 340.

131
4.2.2.4. A consagração do interesse público da protecção do ambiente

A afirmação do interesse público de protecção do ambiente na Constituição de 2004 significou um


passo significativo e substancial em relação à Constituição anterior, a qual fazia unicamente menção,
no artigo 37.°, em termos bastante genéricos e abstractos, à obrigação do Estado na promoção de
medidas dirigidas à valorização do bem jurídico ambiente 603.
Na Constituição de 2004, o pilar objectivista da Constituição Ambiental, enquanto segundo
grande eixo do regime de protecção jurídico-constitucional do ambiente, encontra-se presente em
duas normas constitucionais – o artigo 117.° (Ambiente e qualidade de vida) e n.º 2 do artigo 90.° (sobre
o direito ao ambiente).
No artigo 117.°, o legislador constitucional estabeleceu a regra geral segundo o qual compete
ao Estado a obrigação de adopção de iniciativas dirigidas a garantir: (i) o equilíbrio ecológico e a
conservação e preservação do ambiente; (ii) com vista à melhoria da qualidade de vida do cidadão 604.
O legislador não se ficou pela mera estipulação de uma regra geral, tendo definido um conjunto
de obrigações específicas (as chamadas “normas-tarefa”), em termos não taxativos, na medida em que
não obstam à realização de todas as acções que se revelaram fundamentais a “garantir o direito ao
ambiente no quadro de um desenvolvimento sustentável”, nomeadamente: (i) prevenir e controlar a
poluição e a erosão; (ii) integrar os objectivos ambientais nas políticas sectoriais; (iii) promover a
integração dos valores do ambiente nas políticas e programas educacionais; (iv) garantir o
aproveitamento racional dos recursos naturais com salvaguarda da sua capacidade de renovação, da
estabilidade ecológica e dos direitos das gerações vindouras; (v) e promover o ordenamento do
território com vista a uma correcta localização das actividades e a um desenvolvimento socioeconómico
equilibrado605.
Conforme ensinamentos de Gomes Canotilho, com a consagração do interesse público de
protecção do bem jurídico ambiente, assiste-se à definição de um conjunto de determinadoras de fins
ou tarefas, no sentido “de preceitos constitucionais que, de uma forma global e abstracta, fixam
essencialmente os fins e as tarefas prioritárias do Estado”606.
Note-se que, numa futura revisão constitucional, focada nos direitos e deveres constitucionais
(quer dos indivíduos quer do Estado), uma atenção especial poderá ser prestada no reforço do conjunto
de normas-tarefa, incluindo, por exemplo, a protecção e conservação da biodiversidade e dos

603 Segundo o artigo 37.° da Constituição de 1990, “O Estado promove iniciativas para garantir o equilíbrio ecológico e a
conservação e preservação do meio ambiente visando a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos”.
604 Cf. Artigo 117.°, n.º 1 da Constituição.
605 Cf. Artigo 117.°, n.º 2 da Constituição.
606 CANOTILHO, Gomes (2003), Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 1172.

132
ecossistemas sensíveis, a adaptação e mitigação das mudanças climáticas; a prevenção e controlo das
queimadas descontroladas; a importação de resíduos perigosos, entre outros.
Por seu turno, nos termos do n.º 2 do artigo 90, determinou-se que “o Estado e as autarquias
locais com a colaboração das associações na defesa do ambiente, adoptam políticas de defesa do
ambiente e velam pela utilização racional de todos os recursos naturais”. Dois aspectos a comentar:
primeiro, assiste-se à dupla responsabilização do Estado, no sentido de que incorre na obrigação de
adoptar políticas e estratégias de sustentabilidade ambiental, que pugnam pela uso e aproveitamento
racional dos recursos naturais, bem como na obrigação de trabalhar em estreita articulação com as
associações de defesa do ambiente, combinando-se meios, recursos e esforços em prol de uma causa
que se quer comum; segundo, a referência ao papel das Autarquias Locais na defesa do ambiente,
aspecto que merecerá ser aprofundado e fortalecido em futura revisão constitucional que foque
aspectos de natureza substantiva.

4.2.2.5. Outros direitos fundamentais de importância complementar

Na esteira da Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos 607, o artigo 89.° consagrou o direito
à saúde, nos seguintes termos: “todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos
termos da lei, bem como o dever de promover e defender a saúde pública”. O texto do presente artigo
corresponde quase na íntegra ao artigo 94.° da Constituição de 1990, com a diferença de aludir à saúde
pública em vez de saúde. O enfoque não foi aleatório, bem pelo contrário, espelha a dimensão da
realidade nacional moçambicana, em que problemas como a cólera e a malária, associadas a um estado
ambientalmente alterado em muitos pontos do país, assumem contornos bastante sérios e
preocupantes. Por sua vez, na segunda parte do referido artigo, houve lugar à responsabilização do
cidadão pelo estado do meio onde se encontra, isto é, pelas condições ambientais da sua casa, rua,
bairro, local de trabalho, etc. Assim, saúde pública e ambiente constituem valores indissociavelmente
ligados que, grande parte das vezes, merecem um tratamento conjunto e verdadeiramente coeso. Veja-
se que o dever de defender a saúde pública foi igualmente incorporado na alínea e) do artigo 45.°
(alusivo aos deveres para com a comunidade) da Constituição.
Também importante é o direito à educação, consagrado no artigo 88.° da Constituição608.
Segundo a Constituição, “na República de Moçambique a educação constitui direito e dever de cada

607 Cf. Artigo 15.° da Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, segundo o qual “toda a pessoa tem o direito de
gozar do melhor estado de saúde física e mental que a mesma possa atingir” e “Os Estados parte da presente Carta
comprometem-se a tomar as medidas necessárias com vista a proteger a saúde das suas populações e de lhes assegurar a
assistência médica em caso de doença”.
608 Inspirado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nos termos do n.º 1 do artigo 26.° da Declaração Universal dos

Direitos do Homem, “toda a pessoa tem direito à educação que deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino
elementar fundamenta. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos

133
cidadão”609. Nesse sentido, urge fortalecer a abordagem educacional a todos os níveis (formal -
primário, secundário, superior e técnico-profissional, e não formal, dirigido à sociedade no seu todo),
bem como incluir aspectos não apenas de educação ambiental básica, mas também de educação
sanitária, de educação nutricional e de educação para a resiliência, dada a interdependência que tais
temas hoje possuem.
Foi igualmente consagrado o direito à habitação e ao urbanismo, por via do artigo 91.°, nos
seguintes termos: “Todos cidadãos têm direito à habitação condigna, sendo dever do Estado, de acordo
com o desenvolvimento económico nacional, criar as adequadas condições institucionais, normativas
e infra-estruturais”. Este artigo deve ser interpretado à luz do direito à cidade, que se encontra no
centro das discussões em torno das cidades, hoje consubstanciado na Declaração de Quioto sobre
Cidades e Assentamentos Sustentáveis para Todos, que resultou da Conferência das Nações Unidas
para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada em Quioto, Equador, de
17 a 20 de Outubro de 2016 (conhecida como Nova Agenda Urbana). Nesse sentido, como direito à
cidade, entende-se o direito a uma “cidade para todos, referente à fruição e ao uso igualitários de
cidades e assentamentos humanos, almejando promover inclusão e assegurar que todos os habitantes,
das gerações presentes e futuras, sem discriminações de qualquer ordem, possam habitar e produzir
cidades e assentamentos humanos justos, seguros, saudáveis, acessíveis, resilientes e sustentáveis para
fomentar prosperidade e qualidade de vida para todos”610.
Por fim, segundo o n.º 1 do artigo 92.° da Constituição, “os consumidores têm direito à
qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da
segurança dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos” (direitos dos
consumidores). Neste domínio, importa considerar que muitos dos problemas ambientais implicam ou
possuem relação com a lesão em massa dos direitos dos consumidores, como é o caso da poluição de
águas subterrâneas que desemboca na contaminação das aguas engarrafadas produzidas e
comercializadas por determinada empresa e consequentemente em danos na saúde de muitos
consumidores611.

estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito”. Segundo o n.º 2 do mesmo
artigo, “a educação deve visar a plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou
religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz”. Por fim, à luz do n.º
3 do referido artigo, “aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar os filhos”.
609 Cf. Artigo 88.° da Constituição.
610 Cf. 1.° da Declaração de Quioto sobre Cidades e Assentamentos Sustentáveis para Todos. 64
611 Veja-se a Lei n.º 22/2009, de 28 de Setembro (Lei de Defesa dos Consumidores) e Decreto n.º 27/2016 de 18 de Julho (que

aprova o Regulamento da Lei de Defesa dos Consumidores).

134
4.2.2.6. Domínio público do Estado, autárquico e comunitário

O n.º 1 do artigo 98.° da Constituição consagrou o princípio da propriedade do Estado sobre os recursos
naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma
continental e na zona económica exclusiva612. Esta norma é corolário do princípio consagrado no artigo
97.°, segundo o qual “a organização económica e social da República de Moçambique visa a satisfação
das necessidades essenciais da população e a promoção do bem-estar e assenta nos seguintes
princípios fundamentais: (...) f) na propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção,
de acordo com o interesse social”.
Por sua vez, o n.º 3 do artigo 98.°, prevê três categorias de domínio público: o domínio público
do Estado propriamente dito, o domínio público Autárquico e o domínio público Comunitário. O
domínio público do Estado está associado a interesses públicos de índole essencialmente nacional, isto
é, fundamentais para a construção e desenvolvimento do Estado moçambicano enquanto um todo
integrado. Sendo proprietário destes bens, o Estado define as regras e as condições do respectivo uso
e aproveitamento por parte dos particulares, emitindo licenças e autorizações, exercendo a actividade
de fiscalização e retirando as mesmas quando o interesse público assim o determinar, quando aquele
uso e aproveitamento se efectue contra o disposto na lei ou quando se atinja o limite dos prazos
legalmente fixados não havendo propósito da sua renovação 613; o domínio público comunitário integra
espaços comuns comunitários, florestas sagradas e outros sítios de importância histórica e de uso
cultural para a comunidade local; e o domínio público autárquico, fundamentalmente assente nos
valores e bens de um determinado assentamento urbano municipalizado, incluindo, por exemplo,
parques e jardins, as praças e pracetas, as praias municipais, as reservas municipais, as vias municipais,
os mercados e feiras, entre muitos outros.
Veja-se que este a tutela constitucional do domínio público foi reforçada com a inclusão, no
leque de deveres para com a comunidade do dever de todo cidadão em “defender e conservar o bem
público e comunitário”614, bem como na inclusão no direito de acção popular do “direito de defender
os bens do Estado e das Autarquias Locais”615.

612 Em relação aos recursos naturais, veja-se caber ao Estado um papel fundamental, nos termos do artigo 102.° (que
corresponde ao artigo 36.° da Constituição de 1990), na promoção, conhecimento, inventariação e valorização, bem como na
determinação das condições do seu uso e aproveitamento com salvaguarda dos interesses nacionais.
613 O n.º 2 do artigo 98.°, determina que constituem domínio público do Estado: a zona marítima, o espaço aéreo, o património

arqueológico, as zonas de protecção da natureza, o potencial hidráulico, o potencial energético, as estradas e linhas férreas,
as jazidas minerais e os demais bens classificados por lei.
614 Cf. Artigo 45.° g) da Constituição de 2004.
615 Cf. Artigo 81.°, n.º 3 c) da Constituição de 2004.

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