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Lara Magalhães Regente: Carlos Blanco Morais

2020/2021

Resumos de Direito Internacional Público I

Evolução do direito internacional público


Podemos conceber dois grandes períodos da evolução que se subdividem em várias partes.

➔ 1º Período - Formação do DIP: desde a antiguidade clássica às revoluções americanas e


francesas

1ª fase – Antiguidade clássica

Na antiguidade clássica havia o Estado em sentido histórico. Durante este período emergem a
noção de jus gentium (direito das gentes). Embarcava direito aplicado a estrangeiros, a
convenções, tratados ou acordos estabelecidos com outros povos. Era um direito aplicável a
estrangeiros, relações externas ou a zonas militares.

2ª fase – Idade Média e Idade Moderna

Durante este período tínhamos um direito muito eurocêntrico, muito centrado na Europa. Há
uma noção de que os estados cristão formariam a res publica cristiana onde emergia o papel
relevante do papado. O papado funcionava como uma espécie de organização das nações
unidas, já que determinavam o que eram guerras justas e guerras injustas; determinava
disposições relevantes em matéria religiosa; podia sancionar monarcas; reconhecia territórios a
descobrir, etc.

A jus gentium sofreu uma evolução por interferência da chamada Escola Clássica Espanhola com
Francisco Vitório e Consuares. Efetivamente, o jus gentium foi transformado no jus inter
gentium (entre os povos). Para esta reconstrução, de um direito entre povos, teve
particularmente importância os Descobrimentos. Esta ideia começou a ganhar corpo no DIP, e
as práticas e costumes começarem a ser elementos importantes de afirmação deste direito.

3ª fase – Paz de Vestefália às revoluções americana e francesa

A Paz de Vestefália meteu termo à Guerra de 30 ano. Da Paz de Vestefália resultaram


essencialmente 3 consequências:

→ Desvanecimento do poder da igreja: o vaticano deixa de atuar como espécie de


organização supranacional e passa a ter um papel mais apagado;
→ Afirmação da soberania do estado: fim das relações feudais e a soberania implica um a
não ingerência nos assuntos internos do estado;
→ Afirmação de um direito internacional: surgem escolas positivistas do direito
internacional;

O DIP passa a ganhar formas como um jus inter gentium.

➔ 2º Período – Afirmação e de desenvolvimento do direito internacional: destes as


revoluções liberais até ao tempo presente

1ª fase – Desde o início da Idade Contemporânea até ao fim da I Guerra Mundial

Surge a noção de DIP de Jeremy Bentham em Introduction to Principles and Morals Legislations.
Durante este período:

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→ Reafirma-se a ideia de estado soberano nascido em Vestefália;


→ A independência de colónias, o que dá início a um princípio de autodeterminação dos
povos, no sentido em que têm direito de escolher livremente o seu destino, livres de
subordinação imperial;
→ Surge a ideia de que as relações jurídicas internacionais estabelecem entre estados
soberanos e não entre casas reais;
→ Comunidade das nações civilizadas que se restringiam à Europa, alarga-se aos EUA, ao
império otomano e à Pérsia e mais tarde à China e ao Japão. Uma comunidade menos
eurocêntrica e mais alargada a outras potências.

2ª fase – Europa do Pós-Guerra e bipolarismo internacional

Após o termos da I Guerra Mundial tentam substituir as Nações Unidas como estrutura
organizacional internacional. Tratar-se-ia das nações vencedoras da guerra, apenas
posteriormente iria alargar-se a outras tantas nações, mesmo as perdedoras.

Com a criação das NU sucede-se o movimento de autodeterminação dos povos coloniais, os que
se encontravam em colónias das potências europeias (a partir dos anos 50).

Portugal entendeu que não tinha colónias, mas potencias inter marítimas e por isso foi o último
estado a proceder à descolonização.

Durante este período o DIP tem um grande desenvolvimento e surgem novos sujeitos do direito
internacional e passa ter um cariz mais positivo e, portanto, temos várias escolas de DIP. Uma
escola anglo saxónica onde vigora o princípio da common law que valoriza imenso a
jurisprudência e a força do precedente. A partir do momento em que se criam tribunais
internacionais, criam-se tribunais arbitrais e tribunais ad oc.

O DIP conhece-se através das normas positivas.

3ª fase – Queda do Muro de Berlim

O Muro de Berlim fazia uma separação entre o mundo comunista e o universo de livre mercado
e democrático.

Voltou-se a uma perigosa anarquia das relações internacionais. De qualquer forma, esta 3ª fase
que representa um certo enfraquecimento do DIP geral ou comum, teve como contraponto o
reforço do chamado DIP especial. Fortalecem-se organizações internacionais de tipo regional,
como a EU. Portanto, criam-se fundamentos para que os estados se agrupem em função de
interesses geográficos e económicos e estas organizações que os agrupam passam a relacionar-
se entre si como sujeitos do direito internacional: fenómeno do regionalismo internacional. Esta
3ª fase é uma fase de blocos internacionais onde o DIP é de facto importante.

Definição de Direito Internacional


O direito internacional público é o conjunto de regras jurídicas que disciplinam ou regem a
sociedade internacional. Existem 3 critérios tradicionais de definição:

• Critério dos sujeitos – direito internacional é o conjunto de normas jurídicas reguladores


das relações entre os Estados soberanos; direito que regula relações entre sujeitos de

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direito internacional. Esta definição presente no Caso Lotus do Tribunal Permanente de


Justiça Internacional coabita no critério subjetivo da definição.
▪ André Gonçalves Pereira:
 Esta definição não pode ser aceite, pois saber quais são os sujeitos de
direito internacional é determinar quais são as entidades que detém a
titularidade de direitos e obrigações das normas de direito
internacional; isto supõe que a noção de norma já tenha sido fixada,
pelo que não pode ser utilizado para a definição de direito internacional
(argumento lógico);
 A definição é demasiado extensa, tendo em conta que as relações entre
sujeitos do direito internacional também podem ser reguladas pelo
direito interno;
▪ Silva Cunha: segue o critério dos sujeitos, mas define direito internacional como
o conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre todos os
componentes da sociedade internacional.
 André Gonçalves Pereira critica dizendo que a definição é muito extensa
e que a expressão ‘’componentes da sociedade internacional’’ é pouco
jurídica.
• Critério do objeto – conjunto de normas jurídicas que regulam questões ou matérias
específicas da sociedade internacional. Esta definição também é insuficiente.
▪ André Gonçalves Pereira:
 A norma de direito internacional pode à partida regular qualquer
matéria e ser dirigida a qualquer entidade suscetível de personalidade
jurídica.
• Critério das fontes/ forma – conjunto de normas jurídicas produzidas e revelados pelos
processos próprios da sociedade internacional que transcendem o âmbito estadual.
Assim, é direito internacional aquele que surge na comunidade internacional (posição
adotada por André Gonçalves Pereira e Blanco Morais).

MLD: O DIP é o conjunto de normas e princípios gerais definidos no quadro da ordem jurídica
global que visam regular a existência e o funcionamento da comunidade internacional.
Corresponde à expressão de um ordenamento jurídico próprio, não é um ramo do direito.

Distinção entre Sociedade e Comunidade Internacional


A sociedade internacional é uma realidade mais ampla que comunidade. A comunidade seria
uma espécie integrada no género mais amplo que seria a sociedade.

A sociedade no fundo faz parte de uma associação inorgânica de pessoas coletivas


internacionais, jurídico-publicas, que estabelecem entre si relações jurídicas de natureza
pública. Ex.: Organização das Nações Unidas

Uma comunidade é uma realidade distinta: significa que os estados que integram uma
comunidade têm uma relação de pertença, tem elementos unitários e identitários que os
aproximam num projeto de cooperação, valorização e promoção do seu corpo político cultural,
económico e de natureza comum. A comunidade é algo mais coesivo que a sociedade. Ex.: O
Estado.

Assim, a comunidade internacional reveste a natureza de sociedade e não de comunidade. Uma


parte da doutrina, como Carlos Blanco Morais, prefere utilizar a expressão Sociedade

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Internacional, enquanto outra parte, incluindo André Gonçalves Pereira, prefere a expressão
Comunidade Internacional.

- Relações jurídicas internacionais

Na comunidade ou sociedade internacional, há vários tipos de relações jurídicas estabelecidas


entre os Estados:

• Relações de coordenação/cooperação – são as relações dominantes que resultam do


relacionamento entre os Estados e a necessidade de satisfazerem um conjunto de
interesses comuns nas diversas áreas: combate ao terrorismo, preservação da paz,
cooperação económico-social, etc. Trata-se de relações horizontais entre Estados, não
há limitações à soberania.
• Relações de subordinação – tipo de relações existentes dentre governantes e
governados, o que provoca limitação na soberania dos estados. Ou seja, há um sujeito
de direito internacional que se encontra posicionado numa plataforma supra ordenada
em relação ao outro, ou seja, uma posição de domínio em relação a outros sujeitos.
• Relações de reciprocidade – relações horizontais, ordenadas entre sujeitos de direito
internacional que visam satisfazer os seus interesses recíprocos. Trata-se do sinalagma
‘’do ut es’’: um dos dois Estados adotava uma data conduta, com obrigatoriedade, em
virtude de reconhecer que com essa conduta satisfazia o interesse do outro Estado, e
sentia-se, por isso, com o direito de exigir deste a conduta a que este, por sua vez, se
obrigara para a satisfação de um interesse do primeiro.

A jurisdicidade do direito internacional


Serão as normas de direito internacional verdadeiras normas jurídicas?

Quem sustenta a resposta negativa, diz que as normas internacionais não reúnem o conjunto
de características que integram o conceito de norma jurídica. A comunidade internacional é
extremamente diferente da comunidade estadual, visto que na escala internacional não existe
uma série de órgãos especificamente destinos à produção de direito, nem há um aparelho
coercivo para a sua imposição. Por isso, o direito internacional não é um verdadeira ramo de
direito, mas um simples conjunto de regras políticas.

A Escola Realista, bastante forte nos EUA, vê o DIP como uma cobertura daquilo que são as
relações de força internacionais. Aqueles que são os vencedores ou pelas potências dominantes
construem as regras de direito à sua medida. Blanco Morais, sendo uma espécie de neorealista,
discorda, dizendo que nem todo o DIP vem dessas relações de força, mas isso não serve para
negar a essência desse direito.

Teses favoráveis à jurisdicidade: tese jusnaturalista.

Posição da regência: O DIP é um direito incompleto pois faltam-se alguns atributos do direito
interno, nomeadamente a coercibilidade que permite distinguir a moral do direito. No DIP não
se pode dizer que não há mecanismo de imposição do direito. O problema é que há alguns
problemas a nível das organizações internacionais, nos quais os mecanismos são débeis. Por
isso, pode-se dizer que há uma incompletude do DIP. A ideia de que o DIP por não ter um único
legislador não é direito é uma realidade descentralizada.

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Direito internacional público e seus afins


O Direito Internacional Publico não está sozinho na sua grande função de regulação das relações.
No grupo das disciplinas afins insere-se: Direito Internacional Privado e o Direito Comunitário
ou Direito da União Europeia.

→ Direito internacional privado – A distinção clássica entre DIPrivado e DIPúblico sofreu


uma “destruição”, já não se pode fazer somente atendendo à natureza pública ou
privada das relações em causa:
 A nível interno é cada vez mais difícil fazer corretamente a distinção,
pois o DIPúblico já não é somente um direito para regular as relações
entre Estados, tal como o DIPrivado não regula exclusivamente as
relações privadas entre particulares;
 o DIPrivado tem sofrido uma aproximação do DIPúblico por via de
aprovação de convenções internacionais que visão a definição de um
regime uniformizado, garantido uma maior previsibilidade para os
particulares, em especial os operadores económicos.
Podemos, então, dizer que o DIPúblico se destina a regular as relações de natureza
jurídico-publica e o Privado a natureza jurídico-privada, ainda que, no caso concreto,
entidades públicas como o Estados que aceitam os direito e obrigações definidas pela
autonomia da vontade contratual.
→ Direito da União europeia – O DUE não é Direito Estadual nem Direito Internacional. O
Direito da União Europeia designa o conjunto de regras e princípios que regem a
existência e o funcionamento da União Europeia. É a expressão de uma ordem jurídica
própria e autónoma. O DIPúblico é o estatuto jurídico da comunidade internacional,
enquanto o DUE é o estatuto jurídico da União Europeia. Contudo existe uma relação
de influência entre ambos:
 O sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de fonte
internacional, funcionou no contexto institucional do conselho da Europa que é
uma organização internacional e intergovermantal;
 Entre as fontes do Direito da União Europeia está também o Direito
Internacional Público, sob a forma de convenção e a vinculação a normas não
pactícias.
→ Teoria das Relações Internacionais – o DIPúblico congrega um conjunto de regras
jurídicas, imposição de dever-ser, que limitam e condicionam a vontade dos sujeitos,
incluindo os poderes de soberania dos Estados. Já a Teoria das Relações Internacionais
lida com a realidade internacional na sua expressão fáctica do que é e do que acontece.
O objetivo será o de definir regras sobre as quais assentam teorias, cenários e modelos
de explicação e de antecipação dos factos internacionais; não são, contudo, regras
jurídicas, mas regras de atuação previsível.

Direito internacional e direito interno


E se uma determinada questão for regulada por uma forma pela norma interna e por outra pela
norma internacional?

→ Dualismo/pluralismo – as ordens jurídicas estaduais e internacionais são


independentes uma da outra, pelo que cada uma precisa de normas especificas sobre a
sua relação recíproca.

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▪ Para os dualistas a norma interna vale independentemente da regra


internacional, podendo no máximo, levar à responsabilidade do Estado. Mas a
normas internacional só vale quando for recebida, ou seja, quando for
transformada em lei interna.
→ Monismo – o direito constitui uma unidade, pelo que a validade das normas internas e
internacionais resultam da mesma fonte comum.
▪ Tese monista com primado do direito interno – tem recebido as seguintes
críticas:
o Em caso de mudança da constituição, o estado continua vinculado no
plano internacional pelos tratados que ratificou;
o Nenhum estado pode invocar as suas normas internas para se eximir ao
cumprimento das suas obrigações internacionais (art.27º CV).
▪ Tese monista com primado do direito internacional1 – em caso de conflito, a
ordem jurídica interna cede perante a ordem jurídica internacional: o legislador
não pode criar regras internas contrárias ao direito internacional. Pode ser:
o Radical (Kelsen) – em qualquer caso a regra interna contrária à
internacional é nula;
o Moderada – o legislador nacional detém um campo amplo de ação.

Vigência do Direito Internacional na ordem interna


De que forma o direito estadual aceita que o direito internacional vigore na ordem interna dos
estados? Há 3 cenários possíveis:

→ O estado recusa em absoluto a vigência do direito internacional na ordem interna.


Para que o conteúdo de uma norma internacional vigore numa norma interna, tem de
ser reproduzida por uma fonte interna. Assim, a norma internacional nunca vigorará
como tal na ordem interna, mas apenas como norma interna.
→ O estado reconhece a plena vigência de todo o direito internacional na ordem interna,
mediante uma cláusula geral de receção automática plena2. A regra internacional vigora
na ordem interna mantendo a sua qualidade de norma de direito internacional.
→ Sistema misto: o estado não reconhece a vigência automática de todo o direito
internacional, mas reconhece-o só sobre certas matérias. Este sistema é conhecido por
cláusula geral da receção semiplena3.

A relevância do direito internacional na ordem interna portuguesa


Artigo 8º CRP

Nº1: As normas e princípios de direito internacional geral ou comum fazer parte integrante do
direito português.

→ Neste nº1 as normas e princípios referidos são recebidos através de uma cláusula geral
de receção plena. Surge o problema de saber qual o âmbito abrangente das ‘’normas e
princípios de direito internacional geral e comum’’. Para André Gonçalves Pereira o
âmbito de extensão será o mesmo que o de direito constitucional internacional:

1
Conceção adotada por André Gonçalves Pereira.
2
Pode conter restrições quanto à fonte de onde provém.
3
Para além de poder conter restrições quanto à fonte de onde provém, contém necessariamente
limitações quanto ao objeto.

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princípios gerais de direito, DUDH, tratados universais, carta da NU, etc. Contudo, para
a doutrina dominante, todas essas normas e princípios fazem parte do ius cogens
internacional, que constitui direito imperativa para os estados, pelo que não faria
sentido se não vigorassem na ordem jurídica portuguesa.
→ Também se tem discutido se o nº1 engloba os costumes bilaterais, particulares,
regionais e locais. Através de uma interpretação formal não, visto que o preceito já diz
‘’geral ou comum’’. Mas para a doutrina dominante, AGP inclusive, tem se fazer uma
interpretação extensiva do preceito, abrangendo também o costume regional,
atendendo à abertura do direito interno ao direito internacional.

Nº2: As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas


vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado português.

→ Apela à publicação oficial das convenções. Na previsão do artigo cabem tanto os


tratados solenes (convenções internacionais regularmente ratificadas) como os
acordos de forma simplificada (convenções internacionais regularmente aprovadas).
Isto significa que a eficácia da convenção está dependente de duas condições: a
publicação no jornal oficial (que também decorre do art.122º/1, b) CRP) e a
regularidade do processo da sua conclusão por Portugal, ou seja, o processo de
vinculação.

Nº3: As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que
Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.

→ Concebe vigência na ordem interna ao direito comunitário derivado, ou seja, às normas


dos órgãos das comunidades europeias.
→ O sistema adotado foi o de aplicação direta e automática, sem necessidade de
interposição de qualquer ato legislativo, regulamentar ou administrativo do estado
português.
→ O regime da vigência do direito comunitário derivado na ordem jurídica portuguesa é
mais favorável do que o regime de vigência do direito comunitário originária na ordem
jurídica portuguesa presente no nº2.

Hierarquia do direito internacional na ordem interna portuguesa


Há uma discussão doutrinária sobre o lugar do direito internacional geral ou comum na
hierarquia das fontes de direito portuguesas. Para uma parte da doutrina o direito internacional
geral cede perante a constituição, embora prevaleça sobre a lei; para outra, o direito
internacional geral ocupa um grau supraconstitucional (Mota Campos). AGP enquadra-se neste
último entendimento, por 3 razões:

1. Dizer que que o direito internacional geral cede perante as constituições dos estados é
negar que ele obrigue todos os estados, ou seja, ignorar que ele é geral ou comum;
 O art.16º/1 da CRP reconhece um grau supraconstitucional a todo o direito
internacional dos direitos do homem, ou seja, em caso de conflito entre as
normas constitucionais e o direito internacional, em matéria de direitos
fundamentais, será este que prevalecerá. O nº2 do preceito também confere
um grau superior à declaração universal.

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2. O direito internacional geral ou comum é direito imperativo e, por isso, ius cogens. Se é
imperativo tem de prevalecer sobre todas as normas do direito interno;
3. No art.8º/1 da CRP estabelece-se que o direito internacional geral tem prevalência sobre
todo o direito interno português, mesmo o de grau constitucional.

- Direito internacional convencional

O art.26º da CV consagra o princípio da boa fé através do princípio pacta sunt servanda4. A


forma absoluta como está enunciado parece excluir a subordinação dos tratados aos textos
constitucionais. E o art.27º reforça esta ideia ao estabelecer que um estado não poderá invocar
o seu direito interno para justificar a não execução de um tratado. Desta forma, a CV pareceu
querer dar a todo o direito internacional um grau supraconstitucional na ordem interna dos
estados onde ela vigorasse por ratificação ou por costume internacional.

Quanto ao direito internacional convencional particular, AGP pensa que este cede perante a
Constituição, mas não obstante tem valor supralegal, ou seja, prevalece sobre a lei interna,
anterior ou posterior.

Na ausência de comandos constitucionais, vigora o princípio pacta sunt servanda e o art.27º da


CV, prevalecendo todos os tratados internacionais sobre a Constituição, não esquecendo,
porém, que o sistema de fiscalização de constitucionalidade dos tratados internacionais criado
pela CRP não respeita os arts. 26º e 27º da CV. Por esta razão, o legislador constituinte
português está obrigado a conformar o sistema de fiscalização da constitucionalidade com as
disposições da CV, estando o estado português constituído em responsabilidade internacional
enquanto a atual situação se mantiver. Mas se entendermos que os arts.26º e 27º já
constituem direito internacional geral ou comum, então a CV vigoraria em Portugal pelo art.8º/1
CRP, e ocuparia um grau supraconstitucional. Assim, à luz também do nº2 do art.8º, a lei interna
que contrarie uma convenção internacional, para além de haver lugar a responsabilidade
internacional por parte do estado português, também é ineficaz.

- Direito comunitário

O direito comunitário detém um primado sobre todo o direito estadual. Este primado deverá
ser absoluta e incondicional, sob pena de não haver primado. Este primado decorre do art.5º -
que estabelece que os estados membros devem abster-se de medidas suscetíveis de pôr em
perigo a realização dos objetivos do tratado - e 189º CEE.

Para que o direito comunitário vigore na ordem interna dos estados-membros e tenha primazia
sobre o direito estadual, não é necessário que a constituição o diga: quando um estado adere
às comunidades aceita implicitamente a sua ordem jurídica.

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Estabelece a superioridade de todos os tratados sobre a constituição.

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Fontes de Direito Internacional


Noção e fontes
1. Fontes formais:
→ Processos de produção (voluntária ou espontânea) e revelação de normas jurídicas
internacionais (tratados e costumes).
2. Fontes materiais:
→ Aludem menos ao modo de produção e revelação, e mais aos valores que
fundamentam essas mesmas normas (princípios de direito internacional público,
tendo alguns origem nos estados e sendo comuns, como é o caso da boa fé e da
proporcionalidade e outros típicos das relações internacionais, como a não
ingerência nos assuntos internos do Estado; jurisprudência e doutrina).
→ Tem-se em conta por vezes a equidade.
3. Fontes imediatas:
→ Implicam que as normas se apliquem direta e imediatamente a uma relação
jurídica controvertida (convenções internacionais, costume, atos jurídicos
unilaterais dos estados ou das organizações internacionais, princípios de DIP).
4. Fontes mediatas:
→ Medidas de valor e ensinamentos subsidiários que sustentam e fundamentam a
aplicação ou a não aplicação das fontes primárias, através de questões de
especialidade ou hierarquia;
→ Sem as fontes primárias não haverá, em princípio fontes auxiliares;
→ Fontes mediatas são a jurisprudência (graças à influência anglo saxónica, que têm
um papel importantíssimo através do precedente. Este papel importante verifica-se
na consideração constante que se tem pelos cases law, que são casos emblemáticos
que se tomam como decisões de referência e a doutrina, dos grandes jurisconsultos
e (equidade contra legem).

Em caso de conflito destas fontes qual prevalece?

A doutrina maioritária, inclusive CBM, entende que não existe uma hierarquia entre fontes, mas
sim uma relação paritária entre as várias fontes de DIP. Embora não exista uma hierarquia entre
fontes, existe uma hierarquia entre normas. Se tivermos um costume e um tratado, se o costume
tiver uma norma que é hierarquicamente superior ele irá prevalecer sobre o tratado. Mas não
prevalece por ser costume, mas sim por conter uma norma hierarquicamente superior.

Não existe um diploma com valor universal, mas o art.38º do Estatuto do Tribunal Internacional
de Justiça é uma norma de referência para as fontes de direito internacional.

Críticas ao artigo:

➔ A linguagem obsoleta, a propósito dos princípios de DIP, nomeadamente a expressão


‘’nações civilizadas’’, uma vez que a comunidade internacional como eurocêntrica já não
existe (reprodução do mesmo art.38º do anterior tribunal);
➔ Mistura entre fontes materiais, formais, diretas e indiretas (o Regente não concorda);
➔ Ambiguidade quanto à hierarquia entre as fontes: supostamente não há qualquer
hierarquia qualquer entre as fontes de DIP, havendo até transitoriedade das fontes,
existe por muito uma precedência das fontes imediatas sobre as mediatas;
➔ Presença de lacuna, pois omitem-se os atos jurídicos unilaterais – para CBM as lacunas
servem para ser integradas por convenções internacionais;

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➔ Elevação indevida da equidade a fonte de direito: a equidade é uma medida de


valor/justiça que visa temperar o rigor do direito, num caso concreto (art.282º/4) –
poderá não ser fonte de direito quando atua interpretativamente. Quanto muito, a
equidade é um processo de construção de uma solução, (quando muito uma fonte
material). A equidade que derrogue ou revogue normas de tratados ou costume, gera
direito criando uma regra de direito contrário;

Maria Luísa Duarte – considera as críticas injustas, visto que o artigo 38º é uma transposição
igual ao anterior estatuto do tribunal, e por isso deve haver uma interpretação atualista do
artigo integrando com as fontes que atualmente consideramos que exista. Ou seja, tem falhas e
incompletudes, mas devemos ter em conta que o artigo foi transposto de um estatuto de outra
época.

Fonte imediata: Costume Internacional


Costume – prática reiterada efetuada com a convicção da sua obrigatoriedade, por sujeitos de
direito internacional público. Há um elemento material, que é o uso, a prática continuada de
uma determinada conduta, tem uma sequência, é reiterada, uma prática que vai num
determinado sentido e cria um precedente. Não há uma conduta isolada ou irregular. Ao
verificar-se essa prática, ela passa a ser uma referência para condutas de natureza igual ou
análoga a assumir no futuro. A constância e uniformidade dessa conduta/uso gera
consequentemente o costume. Muitas vezes, o silêncio pode valer como assentimento, se o
estado não objeta por exemplo a um protesto, esse silêncio vale como assentimento tácita, uma
aquiescência tácita (ex.: caso ‘Lotus’).

Mas não basta uma prática para que se forme um costume, uma mera prática enquadra-se nas
‘‘praxes diplomáticas’’ – usos que as chancelarias adotam nas suas relações recíprocas com vista
a uma boa convivência e relacionamento entre estados. É necessário o elemento psicológico, a
convicção de obrigatoriedade – estados que adotam dada conduta, para que haja costume, é
necessário que considerem que esse critério se tornou obrigatório e que, no futuro devem
continuar a assumir a mesma conduta. Passa do ser de uma determinada prática para o dever
ser – a convicção de que aquela prática se vai transformando em regra – opinion iuris.

Qual o elementos mais importante? O material ou o psicológico?

• Pacto Tácito – sobrevaloriza o elemento psicológico, só se forma uma regra


consuetudinária quando os estados têm vontade de que a mesma prática se converta
em norma – Se não existir um acordo tácito entre estados dificilmente subsiste,
portanto a sobrevalorização do elemento psicológico é criticada por isso mesmo, aplica-
se mais a costumes locais do que aos restantes.
• Teoria do Comportamento habitual – sobrevaloriza o uso – a partir do momento em
que momento em que existe uma prática reiterada já há formação do costume,
contudo isso é alvo de grandes críticas por confundir uma prática (pode ser adotada
várias vezes por conveniência, mas não há a perspetiva necessária de que deve ser
obrigatoriamente assumida no futuro, podendo ser derrogada com uma regra, mesmo
que haja uma grande recurso à mesma) com o costume.
• Teoria objetivista – é uma teoria formalista, defendida por AGP, que acaba por dar
enfase a dois aspetos: a) tanto uso como elemento psicológico são fundamentais, estão
numa posição paritária, têm o mesmo valor e relevância, ambos são elementos
constitutivos necessários do costume; b) O costume nasce espontaneamente, não nasce

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por um ato de vontade; nasce quando um conjunto de estados entender que aquela
prática se tornou obrigatória. A doutrina clássica diz que a formação do costume leva
10 anos, embora há quem fale em 5 anos. Há outros costumes que se formaram apenas
após 90 anos. Nunca sabemos exatamente o momento em que o costume nasce. O
Professor CBM adota esta corrente.

Tipos de costume:

➔ Costume local, ex.: direito de passagem que opôs Portugal da união indiana em 1960
no tribunal internacional de justiça, Portugal tinha territórios ultramarinos na Índia, Goa,
Damão e Diu, o território de Damão era um território nos Gates em que havia o Damão
e dois pequenos enclaves no território indiano. Havia um costume da altura do domínio
britânico na Índia, em que tropas portuguesas passavam de Damão por um rio que
banhava os pequenos territórios/enclaves. A união Indiano não contestou inicialmente
esse costume, continuou a permitir a passagem, até ao momento a que apoio a
incorporação do estado índia português na união indiana, e começaram os enclaves a
ser atacados por tropas indinas e o facto é que quando de Damão se procurou socorrer
os enclaves, a união não deixou passar as forças portuguesas. Caso levado a tribunal
onde se reconheceu o costume, em que a união indiana não podia bloquear as
comunicações entre os enclaves e o distrito de Damão, mas afirmou-se que a união
indiana podia bloquear o transporte de armas ou de forças de segurança e, portanto,
foi uma vitória pirrónica para Portugal. Posteriormente, Aniceto do Rosário morreu a
combater no posto policial dos enclaves de Dadrá e Nagar Aveli e num desses ataques.
➔ Costume regional, direito de asilo, da plataforma continental do mar do Norte e,
sobretudo o caso das pescas anglo norueguesas.
➔ Costume geral, relativo aos direitos dos mares, muito substituído atualmente pela
convenção de Montego Bay.

Fonte Imediata: Atos Jurídicos Unilaterais


Atos jurídicos unilaterais – fonte formal e imediata, de formação voluntária; apesar de não
constarem no art.38º do estatuto do tribunal internacional de justiça, são muito importantes.
Tanto podem ser dos Estados como das organizações internacionais. Um ato jurídico unilateral
é uma decisão tomada por um só sujeito de direito internacional, cuja produtividade em
termos de efeitos, da sua validade e eficácia, atua por si própria não dependendo de qualquer
outro ato jurídico concorrente – basta um sujeito de direito internacional emitir o ato para que
ele tenha consequências jurídicas, ou até mesmo políticas.

• Atos jurídicos dos Estados:


▪ Autónomos – manifestações de vontades validas e eficazes não dependendo da
existência de uma outra fonte prévia de direito internacional. Produz os seus
efeitos independentemente de uma decisão por parte de outros sujeitos de
direito internacional ou outro parâmetro prévio constante de uma fonte como
convenção ou costume.
Ex.: protesto, renúncia, promessa, reconhecimento.
o Protesto como ato político – manifestação de desagrado, discordância
de um estado relativamente à conduta de outro estado.
o Notificação – ato pelo qual o Estado leva ao conhecimento de outros
Estados um facto que tem consequências jurídicas.

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o Renúncia – o estado pode declarar que pretende não exercer mais um


determinado direito.
o Promessa – declaração de intenções de no futuro esse mesmo estado
assumir um determinado comportamento positivo ou vir a assumir um
comportamento omissivo.
o Reconhecimento – não ligado a convenções nem costumes: se um
estado reconhece a independência de outro, se um estado reconhece
um determinado governo. Tem consequências jurídicas.
▪ Não autónomos – a sua prática depende do regime que a esse propósito tiver
sido estabelecido; a sua validade e eficácia dependem do que estiver estipulado
numa fonte de direito internacional.
Ex.: denúncia, recesso, reserva, adesão.
o Denúncia – um estado que está vinculado a uma convenção
internacional declara pretender deixar de estar vinculado à mesma
convenção. (procedimento semelhante à cessação de um contrato
entre partes).
o Recesso – a denúncia é a retirada de um Estado de um tratado bilateral,
o recesso é a retirada de um Estado de um tratado multilateral.
o Reserva – declaração em que um estado vincula-se sobre condição a
uma convenção internacional no sentido de especificar que essa
vinculação não é total.
o Adesão – estados que não participam na negociação de uma convenção
internacional, mas têm a faculdade de se vincularem a posteriori a essa
mesma convenção.
• Atos jurídicos unilaterais autonormativos – decisões jurídicas tomadas por um estado
na qual esse estado é o primeiro destinatário dessa decisão (caso da promessa e da
decisão).
• Atos jurídico unilaterais heteronormativos – há uma decisão tomada por um estado
em que o destinatário imediato dos efeitos jurídicos são outro sujeito de direito
internacional público. É o caso do reconhecimento (implica alguns compromissos
jurídicos e políticos para o estado que realizou o ato) e do protesto (tem efeitos
heteronormativos e autonormativos de certa forma, uma vez que os outros estados não
podem impor o costume ao estado que realizou o protesto).
• Atos jurídicos das organizações internacionais
▪ Decisões – tomadas por órgãos não colegiais, como pelo secretário geral da
ONU, são atos de vontade unipessoais;
▪ Deliberações – tomadas por órgãos colegiais (composto por vários titulares),
como as resoluções do conselho de segurança das nações unidas; Há
deliberações que podem ter uma eficácia mista, tanto interna como externa.
▪ Eficácia interna – aplicam-se essencialmente à própria organização (decisões de
natureza administrativa que incidem diretamente sob a própria organização
relativamente por exemplo à organização e funcionamento) – deliberações da
união europeia que se aplicam na ordem interna dos estados, como os
regulamentos, as diretivas, as decisões da EU, que vinculam claro a própria
organização, mas também a ordem interna dos estados, tendo até um primado
sobre as leis do estado – o direito ordinário interno;
▪ Eficácia externa – decisões que se conformam em atos jurídicos unilaterais nas
organizações internacionais: resoluções do conselho de segurança das Nações

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Unidas, nomeadamente as emitidas ao abrigo do capítulo 7º, pode implicar


sanções a certos estados ou uso da força, por violação do tratado, decisões com
eficácia imediata até na ordem jurídica dos estados membros.

Fonte imediata: princípios


→ Grande parte dos princípios têm origem costumeira, podemos fundamentar as regras
num princípio, o princípio nunca dá a criação da regra, princípio dão-nos apenas
orientações de criação de instrumentos jurídicos, podem dar-nos uma regra;
→ São essencialmente uma fonte material, cuja formação varia, podendo ser, muitas
vezes, voluntária, e sendo outras vezes maioritariamente espontânea quando os
jusnaturalistas fazem apelo a certos valores;
→ Fontes de matérias percetíveis – enunciados jurídicos de valores, dotados de grande
indeterminação (apesar de gerais e abstratos), que no fundo acabavam por justificar
certos comandos jurídicos, princípios justificam normas, são critérios de decisão;
→ Princípios são normas, tem caráter normativo, são mandatos de otimização (algumas
normas são próprias de DIP, outras são comuns ao direito interno).

Conceberam-se na esfera do direito internacional de duas formas:

1. O facto de serem transplantados na sua grande maioria a partir do direito interno dos
estados, a nível de princípios comuns, o princípio de boa-fé (‘’os tratados celebrados
validamente devem ser cumpridos’’ esse cumprimento que implica que as partes o
façam de forma honesta, consciente, ou seja, de boa fé); o princípio da
proporcionalidade, ou seja, a proibição do excesso; princípio pelo respeito do caso
julgado; o princípio do abuso de direito, presente em sede de responsabilidade
internacional; o princípio do ónus da prova; princípio da segurança jurídica; princípio
da competência (alemão), o princípio que atribui aos tribunais superiores de definirem,
em caso de dúvida, a sua própria competência, e isto nomeadamente encontrasse
previsto no estatuto do tribunal superior de justiça
2. Há princípios que são originários do próprio direito internacional público, derivam das
relações internacionais, da estabilização dessas relações na base de critérios gerais de
decisão:
 Respeito pela integridade territorial e pela soberania dos estados – com a paz
de Vestefália, as fronteiras passaram a ser definidas, o soberano deixou de ser
apenas o monarca, para ser também o Estado e, portanto, a ideia de respeito e
de integridade dos estados é um princípio de direito internacional público,
mesmo que nem sempre observado;
 Princípio da não agressão – os conflitos internacionais resolvem-se, em regra,
por via diplomática e não pelo uso da força; com a carta das Nações Unidas, a
guerra passou a ser proibida, apenas é aceite juridicamente como válida em
legítima defesa;
 Princípio da não interferência/ingerência dos assuntos internos dos outros
estados – apesar de ser sempre proclamado, é muitas vezes derrogado e não
cumprido
 Princípio da autodeterminação dos povos sobre ocupação estrangeira ou
domínio colonial (ex.: foi equacionado no séc. XIX aquando da independência
das colónias espanholas e do Brasil em relação a Portugal, mas ressurgiu em

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força nos anos 60 e 70, no período da descolonização) – os povos têm direito a


decidir em relação ao seu próprio destino
 Princípio do Uti possi deti iuris – se há territórios que são antigas colónias, que
tinham fronteiras coloniais, acedendo à independência, as fronteiras passam a
ser as próprias fronteiras dos Estados (ex.: Angola e Moçambique ao ficarem
independentes, as suas fronteiras passaram a ser as dos estados). Princípio que
surgiu com a independência das colónias espanholas no séc.XIX, com o fim de
evitar guerras pela posse de estado ou fronteiriças, evitando disputas
territoriais. Contudo não é um princípio tão linear e tão aceite;
 Princípio da especialidade das organizações internacionais, que têm um
conjunto de critérios estruturantes próprios das organizações, o que significa
que tais organizações seguem e exerce as competências que dizem respeito
aos seus fins estatutários, previstos em convenções internacionais, existindo
também exercícios específicos.

Fontes Mediatas: jurisprudência, doutrina e equidade


1. Jurisprudência – fonte de importância crescente, na medida em que existem muitos
vazios normativos/lacunas e, como os tratados e o costume não são elásticos, essas
situações são resolvidas através de decisões judiciais que criam precedentes.
2. Doutrina – alimenta a jurisprudência, obras dos jurisconsultos são citadas até pelos
juízes internacionais.
3. Equidade – art.38º, muitas vezes há certas disposições em tratados que são causadoras
de conflitos, de danos nas relações internacionais, que são mais graves do que a
continuidade até de situações ilícitas, ou a aplicação demasiado dura de um tratado que
gera desigualdades, e, como tal, a equidade faz com que o direito se adeque mais às
circunstâncias do caso concreto.
3.1. Equidade secundum legem é a equidade interpretativa, e no fundo é ajustada a uma
norma de uma convecção permitindo uma interpretação mais suave dessa norma;
3.2. Equidade praeter legem é aplicada na integração de lacunas existentes no direito
internacional;
3.3. Equidade contra legem, se aceite pelas partes (pressuposto) constitui fonte de
direito, o que dá uma maior discricionariedade ao juiz, uma vez que não aplica só o
direito, mas cria-o, atividade derrogatória das normas que se encontram em vigor,
surgindo uma nova norma revogatória pura e simples ou substitutiva de criação
jurisdicional.

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Tratados Internacionais
O tratado internacional é uma fonte formal – art.38º ETIJ. As normas de direito internacional
relativas à conclusão de tratados encontram-se codificadas na Convenção de Viena.

Embora a CV apresente uma definição de tratado do art.2º/1, a verdade é que uma convenção
internacional não dá definições e, por isso, a definição dada pelo preceito é só para fins da CV.
Isto significa que não fica excluída que possa haver tratados que não caibam naquela definição:
nesse caso não se aplicará a eles a CV, mas sim à regras costumeiras que lhes forem aplicáveis.

Segundo AGP e Fausto Quadros, tratado pode ser definido como um acordo de vontades, em
forma escrita, entre sujeito de direito internacional, agindo nesta qualidade, de que resulta a
produção de efeitos jurídicos. Assim:

→ É um ato voluntário;
→ Não se exclui a possibilidade de haveram tratados celebrados de forma verbal (art.3º
CV), ou até tratados tácitos e implícitos;
→ Os sujeitos de direito internacional devem agir nessa qualidade – não estão incluídos na
noção de tratado acordos celebrados entre estados que agem como pessoas coletivas
de direito interno;
→ Tem de produzir efeitos jurídicos – não estão incluídas declarações políticas e
gentlemen’s agreements.

Os tratados também podem ser designados de pacto, no caso da Sociedade das Nações, de
carta, no caso da ONU, de estatuto, no caso do TIJ, de constituição, no caso da Organização
Internacional do Trabalho, de acordo, etc.

A. Classificação de tratados

• Classificação material
▪ Tratados de leis – composto por regras de natureza geral, que se aplicam a uma
pluralidade de sujeitos com disposições uniformes, respeita aos chamados
acordos multilaterais;
▪ Tratados contrato – típicos de relações bilaterais, de reciprocidade, um estado
compromete-se a cumprir determinadas obrigações e o outro estado
compromete-se igualmente em contrapartida (ex.: fornecimento de gás natural
entre estados);
▪ Tratados mistos – disposições genéricas aplicáveis a todos os sujeitos mas
também algumas disposições aplicáveis apenas a determinados estados ou
que precludem que certas normas se apliquem a determinados estados (ex.:
Tratado de Lisboa, de Roma, da EU; anteriormente comunidade económica
europeia → tratados que são maioritariamente tratados de leis, mas que têm
determinadas disposições que apenas se aplicam a determinados estados ou
que têm cláusulas de ‘obting out’, em que o estado não se encontra vinculado
a essas obrigações, Reino Unido e Dinamarca, Suécia);
▪ Tratados gerais – equivalentes às leis gerais e abstratas, conjunto de
disposições indeterminadas com uma pluralidade de destinatários;
▪ Tratados especiais – disposições particulares que tratam com detalhe
determinada situação, que pode ter uma relação de cabimento com um tratado
geral.

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• Classificação formal
▪ A qualidade das partes permite distinguir 3 tipos de tratados: celebrados entre
Estados; celebrados entre Estados e organizações internacionais; celebrados
entre organizações internacionais;
▪ Bilaterais – tratados celebrados entre dois estados;
▪ Multilaterais – tratados celebrados entre mais de dois estados;
▪ Tratados sob a forma solene ou treaties – são sempre ratificados, o momento
de autenticação do tratado que é a fixação do texto é sempre separada do
momento em que o estado se vincula definitivamente a esse texto, pela
ratificação ou por outro tipo de instrumentos;
▪ Acordos sob forma simplificada ou executive agreements – o panorama anglo-
saxónico, que no momento em que se fixa o texto, o estado vincula-se – na
ordem jurídica portuguesa não existem, quer os tratados quer os acordos
internacionais que a constituição prevê os dois obedecem ao regime dos
tratados solenes da CV, porque no momento da assinatura que fixa o texto, da
autenticação, da fixação do texto distingue-se do momento em que o estado se
vincula posteriormente a essa convenção. Não carecem de ratificação.

Porquê que aparecem os acordos sob forma simplificada?

Devido à influência anglo-saxónica, com especial relevo para os EUA, onde é muito difícil a
celebração de um tratado solene, demorando anos a ser ratificada pelo senado após ser até
assinada pelo presidente (ex.: convenção relativa à sociedade das nações) – uma convenção é
difícil ser terminada nos estados unidos quando assume a forma de tratado solene, pelo que nas
matérias que não são reserva do tratado entende-se que a administração pode vincular
diretamente o estado através da assinatura do poder potenciário, o presidente, o secretário de
estado, ministro dos negócios estrangeiros ou outros altos funcionários norte-americanos
(executive agreements), pelo que basta a assinatura sem necessidade de submissão ao
parlamento para a vinculação do estado.

B. Estrutura dos tratados

1. Preâmbulo
→ São extensos e relevantes;
→ Não tem valor normativo, mas tem interpretativo;
→ Em caso de litígio, o preâmbulo pode ser chamado pelo tribunal ou até pelas partes,
fornecendo abono em certo posicionamento;
→ Disposições ou normas com certa ambiguidade, lacunas, conceitos indeterminados, e
como tal muitas vezes é necessário entender o contexto da celebração convenção
bilateral, os objetivos que presidiram à sua conclusão e o objeto;
2. Corpo normativo da convenção
→ Os artigos, as normas que a convenção contém a título principal;
→ O 1º artigo geralmente define o objeto, mas também na parte inicial no preceituado da
convenção existe um artigo de definições, que procura explicitar o que certas
expressões ou conceitos que são utilizados nas disposições normativas, o que é
importante uma vez que há conceitos polissémicos;
3. Anexos
→ Conjunto de documentos para as quais o corto normativo do tratado remete;

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→ São muito variados e têm valor normativo muito distinto: há anexos que são
clarificações do próprio preceituado, que são especificações e que por isso têm
valor normativo;
→ Ficam em anexo por questões de logística, de sistemática: para não desfigurar
o corto do tratado com normas muito extensas e detalhadas;
→ Noutras circunstâncias os anexos têm a ver com listagens;
→ Os anexos têm um valor jurídico variável: valor quase que idêntico ao do
tratado, nomeadamente a nível de definições;
→ Paravinculante: que executam aspetos do tratado;
→ Valor mais subsidiário de normas técnicas,
4. Disposições finais e transitórias da convenção
→ Quando entra em vigor;
→ Se entra em vigor simultaneamente para todas as partes, ou se a entrada em vigor é
diferida;
→ Quando entra em vigor, em que termos, qual a sua aplicação.

C. Processo de conclusão de tratados

1) Negociação 1) Negociação
2) Autenticação Doutrina clássica + AGP
CBM 2) Assinatura
3) Vinculação 3) Ratificação
4) Produção de efeitos

1. Negociação
Todo e qualquer Estado tem capacidade para celebrar tratados. O direito de negociar e concluir
acordos internacionais faz parte dos atributos clássicos da personalidade jurídica internacional
do estado soberano (ius tractuum). O titular deste poder é o Estado soberano. A eventual
participação de entes estaduais não soberanos no procedimento de celebração dependerá de
previsão na Constituição do Estado.

Na fase da negociação, o texto do tratado vai ser concebido, elaborado e redigido.

A negociação pode ser feita: por via diplomática (no caso dos tratados bilaterais) ou por
conferência diplomática (no caso dos tratados multilaterais).

A representação do Estado no processo de celebração do tratado é assegurada pelo


plenipotenciário, em favor do qual foi emitido um documento de plenos poderes (art.7º/1 da
CV) ou cujo estatuto de representante se presume em virtude das funções que exerce:

→ Chefes de Estado, chefes de Governo, ministros dos negócios estrangeiros, para a


prática de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
→ Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado
acreditante e o Estado recetor;
→ Representantes acreditados dos Estados numa conferencia diplomática ou junto de uma
organização internacional ou de um dos seus órgãos, para a adoção do texto de um
tratado nessa conferencia, organização ou órgão.

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Quando a conclusão do tratado é praticado por uma pessoa que, nos termos do art.7º da CV,
não tenha competências, a consequência é a não produção de feitos jurídicos, a menos que seja
confirmado posteriormente pelo Estado – art.8º da CV.

Existe uma presunção de autorização para negociar tratados – art.7º da CV.

O objetivo desta fase é chegar ao consenso dos plenipotenciários quanto ao texto do tratado. A
aprovação do texto do tratado requer voto unânime de todos os Estados que o negoceiam,
exceto os tratados aprovados em conferência internacional, que basta maioria de 2/3 – art.9º
da CV (subfase da adoção).

Após a fixação do texto do tratado temos a redação do texto – consta de um articulado,


precedido de um preâmbulo onde estão designadas as partes contraentes, os motivos e objeto
do tratado, o local de celebração, etc.; também pode conter anexos e definições.

Quem tem competência em Portugal para negociar tratados?

- O Governo tem competência para negociar convenções internacionais – art.200º/1 al.a) –


sendo que cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a condução das negociações – art.2º,
al. d) do DL nº529º/85;

- Qualquer rubrica ou assinatura carece de autorização expressa do Conselho de Ministros.


Contudo, a competência para essa aprovação encontra-se tacitamente delegada no PM;

Só o Ministério dos Negócios Estrangeiros pode negociar os tratados; e antes deles serem
rubricados ou assinados os plenipotenciários terão de obter para o efeito autorização
expressa da parte do PM.

2. Assinatura
A assinatura do tratado produz efeitos jurídicos diferentes conforme se trate de um tratado
solene ou de um acordo em forma simplificada – no tratado solene a assinatura não significa
ainda a vinculação do Estado ao tratado, ainda que exprima alguns efeitos jurídicos5; enquanto
nos acordos sobre forma simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados.

A regra subsidiaria consiste numa de três modalidades possíveis (art.10º, alínea b) CV) –
assinatura, assinatura ad referendum ou rubrica. Na assinatura ad referendum e na rubrica, o
efeito de autenticação é provisório, porque exige confirmação do órgão estadual competente
para este efeito ou assinatura a realizar em momento posterior. Nos tratados multilaterais, os
vários instrumentos negociados são reunidos na Ata ou Ata final da conferência diplomática,
autenticada pela assinatura dos representantes.

Em suma, a rubrica, que tanto vale com uma aceitação provisória do texto da convenção ou
como assinatura, depende do que se estabeleceu previamente. A assinatura ad referendum é

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- Exprime o acordo formal de plenipotenciários quanto ao texto do tratado;
- Produz para o Estado signatário o direito de ratificar o tratado;
- Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de ações ou omissões que privem o
tratado do seu objeto ou do seu fim (princípio da boa fé, art.18º da CV);
- Autentica o texto que fica definitivamente fixado, art.10º, al.b) CV;
- Marca a data e local de celebração do tratado, visto que a ratificação pode ser feita posteriormente e
em datas diferentes por cada um dos Estados.

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outra realidade, chega-se a um acordo sobre o texto final, mas com reservas e com dúvidas
sobre um ou outro preceito, não estando a negociação absolutamente concluída, uma vez que
é necessária aquiescência por parte dos órgãos políticos competentes das negociações do
estado, é um texto pré-final que necessita de confirmação por parte destes órgãos, não
ocorrendo confirmação, a negociação pode reabrir-se posteriormente, caso seja confirmada, a
assinatura ad referendum valerá como assinatura efetiva, fixando-se o texto final.

Depois de autenticado o texto só poderá ser modificado por acordo das partes, ou se for um
erro ou gralha, através do procedimento de retificação previsto no art. 79º CV.

3. Ratificação // manifestação do consentimento


Momento principal em que o estado exprime definitivamente que quer ficar vinculado a dada
convenção, terá de cumprir de boa-fé com o tratado a que se vinculou (pacto sunt servanda).

Este é o momento jurídico que antecede o nascimento do tratado, coincidente com a entrada
em vigor. O acordo tem de ser manifestado de modo juridicamente adequado. A CV segue a
regra da escolha livre da forma de manifestação de consentimento, referindo a título indicativo:
assinatura; troca de instrumentos constitutivos de um tratado; ratificação; aceitação;
aprovação; adesão. A escolha de uma destas modalidades, juridicamente equivalentes para o
Direito de Viena, vai depender do conteúdo das cláusulas constitucionais em matéria de
vinculação internacional do Estado e, paralelamente, para as organizações internacionais, das
regras previstas nos tratados institutivos.

A ratificação é, pois, o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente do Estado
afirma a vontade deste de se vincular, nos termos do pacta sunt servanda, ao tratado cujo
texto foi por ele assinado.

A ratificação é um ato político e por isso insindicável pelos tribunais administrativos. É, também,
um ato livre, pelo que o Estado que não ratificar o tratado solene que previamente assinou, não
está a violar o direito internacional do Estado (possibilidade de recusa de ratificação). Este
caráter livre não impõe um prazo para o Estado ratificar o tratado (ratificações tardias).

Parte da doutrina que entende que deve haver um dever jurídico para o Estado que não ratificar
o tratado não tem tido sucesso. No máximo poderia dizer-se que o princípio geral da boa fé
exigiria que os Estados não assinassem tratados que não estavam preparados para ratificar, mas
a recusa de ratificação não significa que o Estado não tivesse de boa fé quando assinou o tratado.

Importa voltar a frisar que como não existem acordos sob forma simplificada, nenhuma
convenção vale na ordem jurídica interna portuguesa após assinatura do plenipotenciário, é
sempre necessário que governo ou AR aprovem e depois que o presidente a possa livremente
assinar ou ratificar.

O ato de manifestação do consentimento produz efeitos, conforme o artigo 16º da CV no


momento:

→ Da troca de instrumentos entre os Estados (as duas partes cada uma tem um texto e
depois permutam os textos entre si; esta troca de instrumentos pode valer como
autenticação ou como vinculação);
→ Do depósito junto do depositário;
→ Da sua notificação aos outros estados Contratantes ou ao depositário.

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Sistemas de ratificação: o sistema português


Existem dois sistemas fundamentais de ratificação:

• Sistema do executivo monocrático – há um órgão singular exclusivamente competente


para a ratificação dos tratados (caso do sistema britânico);
• Sistema de assembleia – essa a competência pertence a um órgão colegial.

O sistema de ratificação adotado pela CRP é um sistema de repartição de poderes. O Governo


tem o poder de negociar e ajustar convenções internacionais, art.200º/1, al.b). Mas nas relações
externas é o PR que tem competência para representar o Estado português (art.123º), pelo que
se entende que é este quem tem o poder de ratificar tratados por força do art.138º al.b).

É obrigatória a publicação do decreto de publicação no DR, art.122º/1, al.d) CRP. Mas o PR só


pode ratificar um tratado precedendo aprovação deste pela AR ou pelo Governo, art.164º al.j)
e 200º/1 al.c).

Em Portugal a ratificação também é um ato livre, pelo que o PR, após a AR ou o Governo terem
aprovado o tratado, pode optar por uma de 3 hipóteses: ratificar, não ratificar ou pedir a
fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Mas se o TC se pronunciar pela
inconstitucionalidade do tratado, o ato de ratificação deixar de ser um ato totalmente livre:
neste caso o PR só poderá ratificar o tratado se a AR o aprovar por maioria de 2/3 dos deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções
(art.279º/4).

Pode o PR exercer o veto político quanto aos tratados?

AGP entende que o veto político só pode ser usado quanto a atos suscetíveis de promulgação
(art.139º) o que não é o caso.

Nos termos da CRP o decreto presidencial de ratificação carece de referenda do Governo, sob
pena de inexistência jurídica. Ratificado o tratado, o PR deverá emitir a carta de ratificação.

Ratificações imperfeitas
Há situações em que a convenção internacional sendo objeto de assinatura e depois de
vinculação e expressão definitiva do consentimento do estado, se verifica mais tarde que essa
convenção é inconstitucional, contrária a disposições constitucionais de direito interno. Pode a
convenção internacional violar estas disposições? (ex.: convenção que preveja a extradição de
pessoas criminosas para estados onde será necessariamente aplicada prisão perpétua ou
situações de asilo ou de inconstitucionalidade orgânica, em matéria que é de reserva de tratado
e foi aprovada pelo governo) – situações de vício da constitucionalidade da convenção e, como
tal as convenções podem ser declaradas inconstitucionais como normas que são, pelo tribunal
constitucional.

As consequências negativas entre as relações internacionais de estados eram um fator de


insegurança jurídica – havia uma solução consuetudinária anterior à convenção de Viena sobre
os tratados que estabelecia a seguinte solução: o estado era responsável pelos seus próprios
vícios internos no processo de conclusão da convenção e portanto a convenção continuaria a
produzir os seus efeitos jurídicos internacionais, pelo que o direito internacional não se
responsabilizava pelos vícios internos, a não ser que a outra parte decidisse renegociar a
convenção => solução excessivamente rígida, pelo que no art.46º/1 e 2 da CV passou a aplicar-
se a esta problemática das invalidades internas das convenções numa solução menos rígida,

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mas ainda notada de rigidez: só as invalidades ou inconstitucionalidades orgânicas relevam em


termos de se projetar na invalidade de parte da convenção ou até de toda a convenção, ou
seja vícios de convenção, ou então nos casos em que o que está em causa seja o direito
fundamental do Estado.

A disposição em causa que está afetada pelo vício de competência tem de ser uma disposição
fundamental da ordem interna do estado ou ter um caráter ostensivo, manifesto e evidente
(art.46º/2) – caso contrário não preenche o requisito do art.46º, para estender a
inconstitucionalidade a toda ou quase toda a convenção , situações ambíguas ou não evidentes
não relevam para que esse estado possa invocar a invalidade da convenção devido à sua
inconstitucionalidade orgânica.

Isto levanta diversos problemas: e se o vício não for orgânico, mas for material ou formal?

Nesse caso, o estado não pode alegar o vício como motivo de invalidade, nulidade da convenção
internacional.

O estado em causa não cumpre com a convenção, incorre em responsabilidade internacional,


pelo que haverá sempre cláusulas de penalização e compensação, eventualmente tendo de
indemnizar o outro estado ou compensá-lo de outra forma, sendo que, por vezes, nestes litígios
há tribunais arbitrais ou os estados podem chegar a uma negociação entre si chegando a uma
decisão compensatória que alivie este tipo de questões.

Fase de eficácia
→ Artigo 24º da convenção de Viena
→ Na falta das disposições ou de um acordo entre os Estados que participaram na
negociação, como o pressuposto do art.24º/1, entra em vigor que o consentimento
relativamente ao tratado seja manifestado por todos os estados que tenham
participado na convenção (aplica-se mais às convenções multilaterais)
→ As convenções internacionais celebradas entre os Estados têm eficácia jurídica entre
eles, mas também têm eventualmente uma eficácia jurídica internacional,
nomeadamente em questões que tenhas a ver com litígios entre esses dois estados, a
propósito do tratado -> art.102º da carta das Nações Unidas, obriga o registo de todas
as convenções bi ou multilaterais celebradas pelos Estados no secretariado geral das
Nações Unidas, como pressuposto de eficácia dessas convenções junto dos órgãos das
NU (ex. se dois estados tenham um litígio grave em consequência de uma convenção
que tenham celebrado e como tal se requeira a intervenção dos órgãos da ONU, esses
órgãos só podem intervir se o tratado estiver registado + tribunal internacional de
justiça pertence às Nações Unidas e, como tal só se pode submeter convenções
internacionais à esfera jurisdicional do tribunal internacional de justiça, ou seja, só em
tese será competente para dirimir litígios entre estados a propósito de uma convenção,
caso ela tenha sido devidamente registada no secretariado geral das NU (regras de
eficácia quanto à entrada em vigor do tratado, quer quanto à produção de efeitos
jurídicos junto de órgãos importantes, como é o caso da ONU).

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D. Particularidades dos tratados multilaterais


O processo de elaboração do texto é coletivo e ocorre de duas formas:

→ Ou o âmbito de uma conferência internacional


→ Ou no âmbito de uma organização internacional

Consequentemente, o texto poderá resultar não de um acordo unânime, mas de uma votação
maioritária (maioria de 2/3). Daqui resultam as reservas.

Quando existe um consenso mínimo sobre o texto da convenção, temos então a fase da
autenticação que se designa por adoção, adoção do texto (art.9º da CV). Nas convenções
multilaterais não falamos em assinatura, mas em adoção. A adoção de uma convenção implica
uma maioria qualificada, a regra geral que o art.9º da CV estabelece é da unanimidade.
Contudo, não havendo a unanimidade é estabelecida a maioria de 2/3 para a adoção da
convenção. Todavia, podem os estados acordar necessariamente por 2/3 uma maioria agravada
ou mais reduzida.

Quanto à vinculação, há 3 tipos de convenções:

• Convenções abertas – aquele que para lá dos estados que participaram na negociação
da convenção e que podem vincular-se à mesma num momento posterior, a convenção
é passível de ser objeto de vinculação superior por estados que não participaram nessa
negociação (ex.: carta das NU);
▪ Estes estados vinculam-se à convenção através da adesão: eles primeiro
autenticam (assinam), depois exprimem internamente a expressão definitiva do
seu consentimento e depois depositam os instrumentos de adesão a essa
mesma convenção e partir do momento que isso sucede ficam vinculados à
convenção.
• Convenções fechadas – há 4 ou 5 estados que celebram uma convenção e não
pretendem que outros estados se vinculam à mesma, ou seja, não há a impossibilidade
de aderirem a posteriori;
• Convenções mistas ou semi-aberta – para além os estados que negociaram a convenção
na sua origem, a convenção fica disponível para que um conjunto de outros estados,
mas limitados por um conjunto de critérios, possam aderir a posteriori.

A participação de Estados num tratado multilateral pode ter lugar através de:

• Assinatura diferida – quando o Estado participou na negociação e não quis assinar


no momento de adoção do texto, mas posteriormente decidiu vincular-se ao
tratado; ou não participou sequer na negociação e assina o tratado no período em
que ele se encontra aberto à assinatura dos Estados que não participaram na
negociação inicial.
• Adesão – o Estado que não participou na negociação do tratado exprime o seu
consentimento definitivo quanto ao seu texto e vincula-se a ele – arts.11º e 15º CV.
A adesão tem duas condições: o tratado não pode ser fechado, tem de ser aberto
ou semiaberto; e nenhum Estado tem o direito de se tornar parte num tratado
originariamente concluído por dois ou mais Estados, a sua participação desse
tratado depende da vontade das partes originárias.

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Quanto às ratificações, quer os Estados que participaram na negociação, quer os de assinatura


diferida, quer a adesão, não são trocados entre os Estados, mas são antes depositados junto de
uma entidade que é escolhida como depositária.

Instituto do depósito (artigo 76º, 77º e 78º) – função atribuída a um estado ou a um órgão de
uma organização internacional; função de custódio, de guardião dos tratados, dos seus
originais e de responsabilidade pela recolha das ratificações e adesões (convenções
multilaterais); função que fora do contexto das organizações internacionais é atribuída a um
determinado Estado que, depois fica com muitas incumbências, para lá dos instrumentos de
recolha das ratificações e adesões e respetivas verificações (se o Estado o faz de forma regular
e se cumpre um conjunto de critérios exigíveis pela convenção para que se possa tornar parte
dela), também tem outras funções como a disponibilidade de instrumentos de tradução e
esclarecimentos sobre o seu conteúdo. Em caso de divergência entre um depositário e um dado
Estado pode haver mais tarde uma conferência entre os vários estados para dirimir esse
eventual litígio.

As reservas no direito dos tratados


A reserva é uma declaração unilateral, feita no momento da vinculação, pela qual o Estado
manifesta a vontade de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado
na sua aplicação a esse Estado (art.2º/1/d) CV). O instituto das reservas só se adequa aos
tratados multilaterais, porque a sua invocação em acordo bilateral equivale ou à recusa de
ratificação ou à proposta de novo texto para o tratado.

Em que condições são admissíveis as reservas?

A CV distingue 3 categorias de tratados a este propósito:

→ Nos tratados entre um número restrito de Estados vale a regra da unanimidade;


→ Nos tratados celebrados entre um grande número de Estados as reservas só são
admissíveis quando compatíveis com os fins do tratado, mas essa compatibilidade é
apreciada pelos outros Estados partes da convenção. Considera-se que aceitaram a
reserva os Estados que a ela não se opuseram expressamente num período de 12 meses
após terem sido notificados da formulação da reserva. O tratado modificado pela
reserva valerá entre estes Estados e o que formulou a reserva, mas não entre este e os
Estados que no período de 12 meses se tiverem oposto à reserva, desde que essa
objeção à reserva seja acompanhada da manifestação pelos Estados objetantes de não
ficarem a ela vinculados;
→ Nos tratados que instituem organizações internacionais, cabe aos órgãos da própria
organização a decisão sobre a admissibilidade das reservas.

A Professora MLD fala que a admissibilidade das reservas está sujeita a vários tipos de limites:

 Limites materiais – de enunciação expressa pelo tratado que proíbe ou autoriza a


reserva em relação a certas disposições (art.19º/a) e b) CV); de enunciação implícita nos
casos em que a reserva seja incompatível com o objeto e o fim do tratado (art.19º/c),
CV). Se a reserva for formulada em violação destes limites, a consequência será a
ineficácia da reserva ou a sua nulidade no caso de pretender excluir ou modificar o
alcance inderrogável de uma norma de ius cogens, codificada pelo tratado ou relativa a
obrigação erga omnes. Igualmente nula é a disposição de um tratado que autorize uma
reserva sobre matéria regulada por norma imperativa de direito internacional geral (art.

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53º CV). Também se deve questionar o fundamento e o sentido das reservas nos
tratados gerais de codificação de regras costumeiras. Em matéria de direito humanos, a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem autoriza as reservas no art.57º, mas proíbe
reservas de caracter geral e condiciona a admissibilidade de reservas especificas à
identificação da lei interna que “estiver em discordância com aquela disposição”.
 Limites temporais – a reserva deve ser comunicada durante o processo de conclusão do
tratado no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação ou da aprovação
(art.19º, proémio, CV). O Estado só poderá limitar a eficácia jurídica do tratado através
da invocação do art.46º CV ou solução extrema, por via de denuncia.
 Limites procedimentais – a reserva exige forma escrita e deve ser comunicada por
escrito aos Estados Contraentes e aos Estados que possam vir a ser Partes no tratado,
assim como os atos de aceitação, de objeção e de retirada (art.23º CV). Se o tratado
autoriza a reserva, esta não precisa de ser aceite pelos outros Estados, salvo se for outra
a solução prevista (art.20º/1). A reserva é uma declaração unilateral cujos efeitos resulta
da vontade das restantes partes, corolário da natureza contratual e concertada do
tratado. Em rigor, o critério principal é o da autonomia da vontade dos Estados que
podem, por unanimidade (art.20º/1 CV) ou por maioria aceitar uma reserva. No caso de
tratados constitutivos de organizações internacionais, a reserva exige a aceitação dos
órgãos competentes dessa organização (art.20º/3 CV).

Efeitos das reservas – como declaração recetícia, os efeitos jurídicos da reserva dependem da
reação dos outros Estados, no próprio tratado com uma autorização expressa ou em reação à
notificação especifica sobre a reserva. A reserva só é juridicamente relevante se for aceite, pelo
menos, por outro Estado Contraente (art.20º/4/c) CVDT-I). Os efeitos das reservas são relativos
ou relacionais, porque apenas se projetam na relação entre o Estado autor da reserva e os
Estados que a aceitaram ou rejeitaram (art.21º/2/ CVDT-I). Se a reserva exclui a aplicação de
uma parte do tratado os Estados que aceitaram a reserva não podem exigir ao Estado autor da
reserva o cumprimento das obrigações que afastaram.

→ Aceitação da reserva
 Se um dos Estados formular uma reserva, sem objeção pelos outros Estados,
entende-se que a reserva é aceite pelas restantes partes e dai decorrem efeitos
jurídicos- a disposição sobre o qual incide a reserva, não se aplicará entre quem
formula e quem a aceitou, nas relações jurídicas reciprocas no contexto da
convenção.
 Se o Estado que formula a reserva, pretende uma aplicação parcial da norma, ou
uma alteração do seu significado-reserva modificativa- e os restantes Estados não
objetarem, então esta norma será aplicada de acordo com a reserva, aplicada em
parte ou de uma forma modificada.
→ Objeção da reserva
 Um ou mais estados formulam objeções simples a reserva- dizendo apenas que
não concordam com o conteúdo da reserva no sentido da não aplicação da
norma ou da sua aplicação alterada ou modificadas.
 Consequências jurídicas- a norma objeto da reserva e da objeção a mesma
reserva não se aplicará nas relações estabelecidas entre o Estados que formula
a reserva e o Estado que objeta a reserva.
 Questiona-se o sentido útil desta situação, pois a consequência é sempre a não
aplicação da norma, mas a situação é diferente se o objeto da reserva não a for

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a não aplicação da norma, mas a sua aplicação parcial ou modificada- neste caso
haverá diferenças- os Estados que aceitaram a reserva, a norma será aplicada
entre estes Estados, de uma forma modificada ou a titulo parcial. Nas relações
com os Estados que não aceitaram, a norma não produzirá efeitos modificativos
e parcelados, nem quaisquer efeitos jurídicos na relação entre estes Estados.
→ Objeção qualificada
 Estado formulou uma reserva e outros Estados formulam uma objeção
qualificada- ou seja, uma objeção inequívoca ao sentido da reserva, clarificam
que a convenção não deve ser aplicada.
 Consequência jurídica é que todo o tratado, não apenas a norma, não produzirá
efeitos jurídicos nas relações entre o Estado que formula e os que produziram a
objeção.

Nos termos do art.22º

- Estados formulam uma reserva e mais tarde arrependem-se por pressão, por mudança de
governo que não concorda com o posicionamento anterior ou por alteração de circunstância e
a reserva antes formulada passa a prejudicar os interesses do estado, etc.- e decidem revogar
as suas reservas, devendo notificar expressamente e por escrito os restantes Estados.

Reservas e figuras afins – figura muito discutida na doutrina é a declaração interpretativa. As


declarações interpretativas formuladas por um Estado ou organização internacional, como
acontece com as reservas quando se manifesta o consentimento, visam “precisar ou clarificar o
sentido ou alcance”, que o Estado declarante atribui ao tratado ou a algumas das suas
disposições. As chamadas declarações interpretativas condicionais, pelas quais um Estado ou OI
declara que faz depender o seu consentimento da aceitação de uma interpretação especifica
sobre o tratado ou algumas das suas disposições – para MLD acaba por ser uma reserva
disfarçada ou imperfeita que se transforma numa reserva verdadeiras se prevalecer a
interpretação que o Estado declarante não pretende aceitar.

E. Registo e publicação dos tratados


Todos os tratados e acordos internacionais estão sujeitos ao registo – art.80º e 102º da CV.

F. Princípio pacta sunt servenda


O art.26º CV indica aquele que é o critério fundamental para a interpretação as disposições dos
tratados e a determinação dos seus efeitos: “Todo o tratado em vigor vincula as partes e deve
ser por elas cumprido de boa fé.”

O tratado é um contrato celebrado entre partes que assumem de boa fé e com vontade genuína
de o cumprir, as obrigações inerentes ao compromisso pactício. Mesmo antes da sua entrada
em vigor já o Estado que assinou o convénio “deve abster-se de atos que privem um tratado do
seu objeto ou do seu fim”. Assim se um Estado não ratificar ou mesmo solicitar a obliteração da
assinatura, estará impedido de contrariar o fim e objeto do tratado. Em contrapartida
enquanto manifestação de vontade soberana no caso dos Estados da autonomia de vontade do
ato de celebrar ou ratificar um tratado é, por natureza, livre. Do princípio da boa-fé podem
derivar limitações ao comportamento do Estado (art.18º CV).

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Outro importante corolário do princípio pacta sunt servanda consiste na não possibilidade de
invocar o direito interno como fundamento de descartar obrigações de fonte convencional –
art.27º CV.

A Prof. MLD entende que quando está em causa a violação de direitos fundamentais, que os
estados se podem desvincular do tratado, através de uma interpretação lata do art.46º, desde
que sejam observados os seguintes requisitos contidos no artigo: violação de uma norma de
competência, uma norma fundamental e violação manifesta (46º/2).

Os efeitos produzidos com base no tratado refletem-se sob a forma de direitos e obrigações,
na esfera da parte contratante. A eficácia dos tratados determina-se através de vários critérios:

→ Temporal – a regra é a da não retroatividade do acordo, inaplicável a atos ou fatos


anteriores à sua entrada em vigor, salvo se for outra vontade das partes (art.29º da CV)
→ Espacial – a obrigatoriedade do tratado estende-se à totalidade do território de cada
uma das Partes”, salvo se outra regra resultar do próprio tratado (art.29º CDVT-I)
→ Material – em princípio, um tratado é um ato jurídico autónomo e autosuficiente. Tal
não prejudica, contudo, a existência de tratados sobre a mesma matéria ou visando
instituir regimes internacionais, celebrados em momentos diferentes e com divergência
de soluções jurídicas – chamados “tratados sucessivos”:
 Se se verificar identidade das partes, prevalecem as obrigações definidas pelo
tratado posterior, salvo se a relação com o tratado anterior não for de
autonomia ou incompatibilidade, caso em que se mantém a aplicação do
convénio mais antigo art.30º/3 da CV).
 Se não se verificar identidade das Partes, o regime este elas comum no tratado
anterior e posterior é o referido na primeira situação (art.30º/4/a) CV); nas
relações entre um Estado que é Parte em ambos os tratados e um Estado que
só o é num tratado, os direitos e obrigações recíprocos são regulados pelo
tratado em que ambos são parte. Uma eventual contradição com o tratado
anterior e o tratado posterior não implica a invalidade das obrigações assumidas
em violação do compromisso mais antigo.

G. Interpretação dos tratados


Para Silva Cunha, a interpretação dos tratados faz-se a partir da vontade real das partes
contraentes. O princípio é o da boa fé, de que os tratados são negócios bona fide, ou seja, devem
ser interpretados de modo a excluir a fraude – art.31º/1 CV. Daqui resultam quatro regras da
interpretação:

→ Regra do efeito útil, que exclui que o tratado possa ser interpretado por forma a privá-
lo de efeito prático;
→ A interpretação não pode conduzir ao absurdo;
→ Efeitos implícitos dos tratados, deve entender-se que foi querido não só o que foi
estipulado como o indispensável para a realização da estipulação;
→ Interpretação teleológica, os tratados devem ser interpretados de harmonia com os fins
que prosseguem.

Quanto aos métodos de interpretação têm sido utilizados os tradicionais: elemento literal
(art.31º/1), sistemático (art.31º/1 e 2), teleológico (art.31º/1 in fine) e histórico (art.32º).

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- Na interpretação de tratados autenticados em duas ou mais línguas, a regra


dispositiva é a do valor equivalente dos textos dos tratados nas diferentes línguas em
que foram redigidos e autenticados, podendo as partes selecionar um texto que
prevalecerá, em caso de divergência (art.33º/3 do CV). Esta presunção é afastada
quando a comparação dos textos evidenciar diferentes sentidos que o procedimento
hermenêutico dos arts.31º e 32º CV não permite ultrapassar. Neste caso, verifica-se a
existência de versões de sentido contraditório, o art.33º/4 da CV preconiza que se
adote o sentido que melhor concilia os textos em causa, “tendo em conta o objeto e o
fim do tratado”. O elemento teleológico não deve servir de pretexto a soluções
contrárias ao princípio da equivalência e igualdade adas línguas que “fazem fé” que
exclui, em princípio, raciocínios simplificadores de prevalência de uma versão linguística
sobre outra versão igualmente autêntica, do mesmo tratado.

H. Efeitos dos tratados


A regra geral dos efeitos dos tratados é a sua aplicação a todo o território dos Estados partes –
art.29º C.

➔ Pode o Estado produzir efeitos em relação a terceiros?


→ Em regra, não. Mas há exceções, em que o tratado pode produzir efeitos na esfera
jurídica de terceiros, ainda que só com o consentimento destes – art.34º CV.
→ O que pode variar é o consentimento do terceiro Estado: apesar do art.36º exigir
o consentimento expresso, permite a presunção juris tantum do consentimento
quando se trata da atribuição de direitos a terceiros – o art.35º impõe que para a
criação de uma obrigação para o terceiro Estado o consentimento revista a forma
escrita.
→ Essa obrigação só pode ser modificada ou revogada através do consentimento das
partes no tratado e do terceiro Estado – art.37º/1.

I. Nulidades dos tratados


A noção de nulidade significa que o ato jurídico nulo não produz efeitos desde o início da sua
vigência. As disposições de um tratado nulo carecem de força jurídica (art 69º/1 CV). A nulidade
do tratado fundamenta o direito de solicitar o restabelecimento da situação que existiria se os
atos não tivessem sido praticados, mas esta projeção retroativa da invalidade está limitada por
uma clausula do possível (art69º/2 CVDT-I).

As causas de invalidade dos tratados estão enumeradas e tipificadas na CV – arts 46º a 53º. O
regime da nulidade está ligado ao regime da responsabilidade internacional e à ideia, tão fértil
no campo da moral como do direito, da relação necessária entre crime e castigo, entre violação
e sanção. Em suma, um tratado internacional contrário ao direito internacional não deve de
produzir efeitos jurídicos.

Ente 8 causas de invalidade dos tratados, 7 referem-se a vícios do consentimento (art. 46º a 52º
CVD) e a última respeita à violação de norma substantiva e imperativa de direito internacional
geral (art 53º). Cabe distinguir duas modalidades:

→ Nulidade relativa: a causa de invalidade só pode ser invocada pela parte cujo
consentimento foi manifestado ou obtido o modo contrário ao Direito, o vício é sanável
(art45º CVDT-I) e este tipo de invalidades não afeta a vigência do tratado, salvo se for

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um bilateral, e não prejudica a sua aplicação nas relações entre as outras partes, no caso
de tratado multilateral.
 Violação das disposições de direito relativas *a competência para concluir
tratados (art.46º CV).
 Restrição especifica dos poderes de manifestação do consentimento de um
Estado, apenas invocável se a restrição em causa tiver sido notificada aos outros
Estados que participam na negociação (art.47º CV)
 Erro relativo ao conteúdo do acordo, já que os erros de redação do texto
seguem o regime do art.79º CVDT-I; relevante de se respeitar a uma situação
ou facto que o Estado supunha existir no momento de conclusão do tratado e
que funcionou como base essencial do consentimento em ficar vinculado, sem
prejuízo de uma avaliação do comportamento do Estado prejudicado com o erro
à luz de exigências de boa-fé e da diligencia devida. (art.48º/1 e 2).
 Dolo, no caso de um estado ter sido levado a concluir um tratado em virtude da
conduta fraudulenta de outro Estado que participou na negociação (art.49º CV).
 Corrupção do representante do estado; se o consentimento foi obtido através
de aliciamento de outro Estado que participou na negociação através de
aliciamento por outro Estado que participou na negociação “direta ou
indiretamente” (art.50º CV); situação difícil de provar como problemática é a
distinção entre atos de corrupção e atos de cortesia. Eventualmente justificáveis
por padrões culturais ou corporativos, dependendo da própria evolução dos
usos diplomáticos.
→ Nulidade Absoluta: o vicio não é sanável (art.45º CV que exclui do seu âmbito de
aplicação os arts.51º, 52º e 53º, relativos às três situações mais graves de invalidade),
pode ser invocado em qualquer altura, pelo Estado prejudicado, por qualquer Parte no
tratado e, inclusive, por Estados e entidades que não estão vinculados pelo tratado nulo,
mas que, neste caso, exercem um direito de proteção de interesses públicos
internacionais. Será o caso de um tribunal internacional, mesmo que as partes não
aleguem a nulidade e de um órgão internacional competente para velar pela aplicação
de um tratado. Por força do art.44º/5 da CV, a proibição da divisibilidade do tratado é
uma consequência da nulidade absoluta resultante dos casos de coação (art.51º e 52) e
da violação de norma de ius cogens (art.53º)
 Coação sobre representante de um Estado, quando manifestação do
consentimento foi alcançada por coação exercida sobre o seu representante,
através de atos ou ameaças dirigidas contra ele. (art.51º CVDT-I).
 Coação sobre um estado pela ameaça ou pelo emprego da força: é nulo o
tratado cuja conclusão foi forçada (art.52º CVDT-I). O âmbito da coação ilícita
suscita dificuldades particulares de determinação. Parece-nos razoável concluir
que, à luz da Convenção de Viena e da CNU, existirão situações de uso da força
militar que não estão abrangidas pela proibição do art.52º CV, tal como existirão
situações que não envolvendo o uso da força militar, constituirão, ainda assim
uma coação ilícita sobre o estado.
o NOTA: O art.52º reclama uma interpretação atualista que possa
enquadrar e prevenir a coação singularmente contrários à ideia do
Direito oponível aos mais fortes.
 Violação de norma imperativa de Direito Internacional Geral (ius cogens) – o
art.53º CV comina com o desvalor máximo da nulidade o tratado que, no
momento da sua conclusão, seja incompatível com uma “norma imperativa de

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direito internacional geral” (nulidade originaria). O art.64º estende a


consequência da nulidade, com cessação de vigência, aos tratados cuja
incompatibilidade resulta da superveniência de nova norma de ius cogens
(nulidade superveniente). Apesar de nos dois casos, a consequência jurídica ser
a nulidade, o art.71º estabelece algumas diferenças entre as duas, em função
de uma adequada ponderação dos efeitos da retroatividade plena. Assim, as
partes são obrigadas a eliminar os efeitos jurídicos produzidos “na medida do
possível” e poderão manter no futuro os direitos e obrigações, o que ao
contrário do art.44º/5, parece admitir a divisibilidade do tratado.

J. Cessação da vigência dos tratados

➔ Cessação de vigência por acordo entre as partes


→ Resulta do consentimento de todas as partes – art.54º, al. b) CV – e traduz-se
na ab-rogação do tratado, ou seja, na celebração de um novo tratado que põe
termo ao primeiro.
 A ab-rogação pode ser tácita, no caso das partes celebrarem um novo
tratado que regule a mesma matéria por forma incompatível com o
primeiro – a vigência do tratado anterior cessa por novatio (art.59º)
→ Também resulta da vontade das partes a extinção do tratado pelo termo final,
quando o tratado é concluído por período de tempo fixo ou pela realização da
condição resolutiva.
→ Nos tratados-contratos a execução da obrigação convencional geral a extinção.
→ Para os voluntaristas, a cessação de vigência do tratado por desusa insere-se
aqui por vontade das partes.
➔ Cessação de vigência por vontade unilateral de uma das partes
→ Denúncia: à primeira vista seria reconduzível à vontade das partes, visto que a
denúncia só é lícita quando prevista pelo próprio tratado – a denúncia não
prevista pelo tratado não opera a cessação de vigência do tratado e acarreta a
responsabilidade internacional do Estado (art.56º CV);
→ Se se tratar de um tratado multilateral a denúncia não acarreta a extinção do
tratado, pois só deixa de vigorar quanto à parte denunciante – recesso.
➔ Cessação da vigência por circunstâncias exteriores à vontade das partes
→ A doutrina tem exprimido esta forma de cessação como a caducidade dos tratados. São
quatro as fontes de caducidade dos tratados:
 Por desaparecimento ou alteração territorial de um dos Estados
contraentes (nos tratados bilaterais);
 Por impossibilidade superveniente do seu cumprimento (art.61º CV) –
cláusula rebus sic stantibus;
 Pela guerra, há caducidade dos tratados bilaterais há exceção dos
tratados que prevejam a sua vigência em tempo de guerra ou em casos
de delimitação de fronteiras; quanto aos tratados multilaterais
continuam a vigorar, mas essa vigência é suspensa entre as partes
beligerantes pelo tempo do conflito e renasce, automaticamente no
termo deste.
 Por desuso.

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Cláusula rebus sic stantibus


Há o problema de caducidade do tratado por alteração fundamental das circunstâncias em que
foi celebrado. A cláusula rebus permite realizar a verdadeira vontade das partes e repor a
proporção entre as obrigações recíprocas, evitando que uma alteração das circunstâncias, para
a qual nenhuma das partes contribui, venha a impor a qualquer delas sacrifícios não previstos e
injustos.

O art.62º da CV pretende equilibrar as vantagens e os riscos da invocação da cláusula rebus:

→ Aceita-se que ela seja invocada para pôr fim a um tratado bilateral, para o recesso de
um tratado multilateral ou para a parte interessada suspender a vigência do tratado –
art.62º/1 e 3. Mas isto apenas ocorre em dois casos:
 A alteração fundamental das circunstâncias respeitar a um facto ou a uma
situação que era a base essencial do consentimento das partes;
 A alteração fundamental gerar a transformação radical da natureza das
obrigações que resultam do tratado – art.62º/1
→ Não pode ser invocada no caso dos tratados de delimitação de fronteiras nem no caso
dos tratados em que as partes tenham previsto ou provocado a alteração das
circunstâncias – art.62º/2.
 Mesmo que preencha a previsão das duas alíneas do art.62º/1, a parte
interessada perde o direito de invocar a cláusula rebus se, expressa ou
tacitamente, aceitou a alteração fundamental das circunstâncias que alega –
art.45º.

A invocação da cláusula segue o processo dos arts.65º a 67º CV, que permite a fiscalização pelas
outras partes dos motivos alegados para a invocação da cláusula. Também é previsto o recurso
aos meios indicados no art.33º na Carta da ONU.

Hierarquia entre fontes: ius cogens


O ius cogens ou direito cogente significa direito imperativo – art.53º e 64º CV. Todo o tratado
que for incompatível com uma norma imperativa de direito internacional será nulo.

Mas quais são as regras imperativas em direito internacional?

→ O art.53º exige que as normas em questão caibam dentro do direito internacional geral.
Contudo, parte da doutrina admite o ius cogens regional. Para André Gonçalves Pereia,
para o ius cogens regional ser admitido deve respeitar as regras gerais de ius cogens.
→ Para que uma norma seja considerada de ius cogens geral não precisa de ser aceite por
todos os Estados da Comunidade Internacional, basta que a norma seja aceite na
generalidade dos Estados.
→ Uma regra imperativa só poderá ser revogada por outra regra imperativa de grau igual
ou superior.

A baixo do ius cogens, cabe estabelecer a hierarquia que vai para além do art.38º do ETIJ. A
posição geral da doutrina é que o costume e o tratado estão no mesmo grau hierárquico,
podendo, portanto, revogar-se mutuamente. O tratado pode cair em desuso, sendo revogado
pelo costume. E o costume se não for cogente por ser derrogado por tratado celebrado entre
todos os Estados vinculados a prática costumeira.

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