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Sanções administrativas: enquadramento geral

e categorias
Sumários de apoio
Licínio Lopes Martins
I – Introdução
1. O Direito Administrativo Sancionatório e os tipos de ilícitos
administrativos
1.1. A noção de perigo/risco em Direito Administrativo e as designadas
“medidas de polícia”
De um modo geral, toda a acção administrativa que vise a prevenção, o
controlo ou a resposta a uma situação de perigo deve ser reconduzida à
função administrativa de “polícia”, de “medidas de polícia” e de ordenação
social. P. ex., para além da actividade das típicas forças de segurança, nesta se
deve incluir:
- a actividade de “protecção civil”, enquanto actividade desenvolvida com a
finalidade de prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave
ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens
em perigo quando aquelas situações ocorram (cf. a Lei de Bases da Protecção
Civil: Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de
30 de Novembro)
- as decisões e medidas que visam efectuar um controlo preventivo do exercício
de actividades particulares (p. ex., autorizações e licenças e outros actos de
controlo prévio);
- bem como, em geral, as acções de fiscalização (p. ex., as levada a cabo pela
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica-ASAE - ou por organismos
de protecção do ambiente)
1.2. Ilícito administrativo em sentido estrito
1.2.1. É o que sucede com as sanções administrativas aplicadas no âmbito do
ilícito disciplinar e no contexto do geralmente designado por ilícito
administrativo em sentido estrito

a) Ao ilícito administrativo disciplinar reconduzem-se as condutas que, no


âmbito de relações especiais de Direito Administrativo, infringem deveres
de disciplina:
- deveres inerentes ao exercício de uma “profissão pública ou publicamente
regulada” (trabalhadores em funções públicas, profissionais regulados por
associações públicas);
- ou ao relacionamento duradouro com um estabelecimento público (p. ex.,
alunos numa escola pública)

b) As sanções do ilícito disciplinar podem ir da advertência ou da suspensão


até às medidas de carácter expulsivo
P. ex., o artigo 176.º Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas-LGTFP (Lei n.º
35/2014, de 20 de Junho), sobre a “Sujeição ao poder disciplinar”
“1 — Todos os trabalhadores são disciplinarmente responsáveis perante os seus superiores
hierárquicos.
2 — Os titulares dos órgãos dirigentes dos serviços da administração directa e indirecta do Estado são
disciplinarmente responsáveis perante o membro do Governo que exerça a respectiva superintendência
ou tutela”.
Artigo 183.º da LGTFP, sobre a “Infracção disciplinar”
“Considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou
omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes
à função que exerce”.
Artigo 180.º da LGTFP, relativo à “Escala das sanções disciplinares”
“1 — As sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas pelas
infracções que cometam são as seguintes:
a) Repreensão escrita;
b) Multa;
c) Suspensão;
d) Despedimento disciplinar ou demissão.
2 — Aos titulares de cargos dirigentes e equiparados é aplicável a sanção disciplinar de cessação da
comissão de serviço, a título principal ou acessório”.
Sendo certo que:
Artigo 179.º, relativo aos “Efeitos da pronúncia e da condenação em processo penal”
“3 — A condenação em processo penal não prejudica o exercício da acção disciplinar
quando a infracção penal constitua também infracção disciplinar”.
e
“4 — Quando os factos praticados pelo trabalhador sejam passíveis de ser considerados infracção
penal, dá-se obrigatoriamente notícia deles ao Ministério Público competente para promover o
procedimento criminal, nos termos do artigo 242.º do Código de Processo Penal”.

c) A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e o princípio non bis


in idem (p, ex., o Acórdãos de 20-10-2015, Proc. 1546/14, de 25-3-2015, Proc. n.º 01402)
E que o procedimento disciplinar pode, inclusivamente, ser delegado – na
instrução e na decisão - em entidades de direito privado (embora a decisão
final seja conjunta): artigo 242.º da Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas, sobre o “Regime jurídico da cedência de interesse público”
“8 — No caso em que a infracção imputada possa corresponder, em abstracto,
a sanção disciplinar extintiva, o poder disciplinar pode ser delegado
expressamente na entidade cessionária e a decisão de aplicação da sanção
deve ser tomada pelo cedente e pelo cessionário, devendo o procedimento
disciplinar que apure a infracção disciplinar obedecer ao procedimento
disciplinar do vínculo de origem”.

1.2.2. Incluem-se também no ilícito administrativo em sentido estrito as


condutas de particulares punidas por uma decisão da Administração
adoptada fora do quadro disciplinar e da ordenação social. É o que ocorre, p.
ex., com:

a) As medidas sancionatórias no âmbito de relações emergentes de contrato


administrativo (multas contratuais, resolução sancionatória de contrato):
artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), sobre a “Resolução
sancionatória”
“1 – Sem prejuízo de outras situações de grave violação das obrigações assumidas
pelo co-contratante especialmente previstas no contrato, o contraente público pode
resolver o contrato a título sancionatório nos seguintes casos:
a) Incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao co-contratante;
b) Incumprimento, por parte do co-contratante, de ordens, directivas ou instruções
transmitidas no exercício do poder de direcção sobre matéria relativa à execução
das prestações contratuais;
c) Oposição reiterada do co-contratante ao exercício dos poderes de fiscalização do
contraente público;
d) Cessão da posição contratual ou subcontratação realizadas com inobservância
dos termos e limites previstos na lei ou no contrato, desde que a exigência pelo co-
contratante da manutenção das obrigações assumidas pelo contraente público
contrarie o princípio da boa fé;
e) Se o valor acumulado das sanções contratuais com natureza pecuniária exceder
o limite previsto no n.º 2 do artigo 329.º;
f) Incumprimento pelo co-contratante de decisões judiciais ou arbitrais respeitantes
ao contrato;
g) Não renovação do valor da caução pelo co-contratante;
h) O co-contratante se apresente à insolvência ou esta seja declarada pelo
tribunal”.
E o artigo 329.º do CCP, relativo à “Aplicação das sanções contratuais”
“1 – Nos termos previstos no presente Código, o contraente público pode, a título
sancionatório, resolver o contrato e aplicar as sanções previstas no contrato ou
na lei em caso de incumprimento pelo co-contratante.
2 – Quando as sanções a que se refere o número anterior revistam natureza
pecuniária, o respectivo valor acumulado não pode exceder 20 % do preço
contratual, sem prejuízo do poder de resolução do contrato prevista no capítulo
seguinte.
3 – Nos casos em que seja atingido o limite previsto no número anterior e o
contraente público decida não proceder à resolução do contrato, por dela resultar
grave dano para o interesse público, aquele limite é elevado para 30 %”.
E também o artigo 308.º do CCP, relativo à “Formação dos actos
administrativos do contraente público”
“1 – (…).
2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior a aplicação de sanções
contratuais através de acto administrativo, a qual está sujeita a audiência prévia
do co-contratante, nos termos previstos no Código do Procedimento
Administrativo.
3 – O contraente público pode, todavia, dispensar a audiência prévia referida no
número anterior se a sanção a aplicar tiver natureza pecuniária e se encontrar
caucionada por garantia bancária à primeira solicitação ou por instrumento
equivalente, desde que haja fundado receio de a execução da mesma se frustrar
por virtude daquela audiência”.
b) A revogação sancionatória de uma autorização (revogação imposta
autonomamente, fora do âmbito de um processo sancionatório):
i) De uma forma geral, o artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo
(CPA, conjugado com artigo 167.º, sobre os “Condicionalismos aplicáveis à
revogação”), com a epígrafe “Cláusulas acessórias” dispõe que “Os atos
administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão
fundamentada, a condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam
contrários à lei ou ao fim a que o ato se destina, tenham relação direta com o
conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos aplicáveis,
designadamente o princípio da proporcionalidade” (n.º 1)

ii) Ou seja, há decisões da Administração – as decisões favoráveis para os


destinatários - que podem ser acompanhadas da imposição de condições e
obrigações e de uma reserva de revogação.
O desrespeito ou o incumprimento de tais obrigações ou condições que
acompanham a decisão pode dar lugar a uma (superveniente) decisão de
revogação sancionatória desse desrespeito ou incumprimento.

iii) Significa isto que à obrigação imposta associa-se o poder de revogação; o efeito
impositivo da decisão é uma espécie de contrapartida do efeito autorizativo que
esta mesma decisão produz (os actos-compromisso)
(Nota: distinguir do poder de revisão das condições e obrigações - cláusula de
reexame ou reserva de modificação).
iv) Outro exemplo da lei: artigo 22.º da Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho)
“(…)
4 — No exercício das funções ou actividades privadas autorizadas, os trabalhadores da
Administração Pública não podem praticar quaisquer actos contrários aos interesses do
serviço a que pertencem ou com eles conflituantes.
5 — A violação do disposto no número anterior determina a revogação da autorização
para acumulação de funções”.

Em síntese: a Administração Pública recorre ao instituto da “revogação” de actos


administrativos favoráveis ao particular, motivada por intuitos sancionatórios,
designadamente quando estão em causa decisões sujeitas a “reserva de revogação”
ou a uma “condição resolutiva” do acto favorável; isto é, quando o beneficiário
dessa decisão não cumpre determinada imposição que decorria da lei ou da própria
decisão administrativa que removeu o obstáculo ou reconheceu o direito subjectivo
de exercício de certa actividade privada – conceito de “revogação-sanção”. Como
tal, esta técnica de cessação de efeitos de um acto administrativo nem pode ser
qualificada como uma “revogação anulatória”, justificada pela verificação da
ilegalidade da actuação anterior, nem como uma “revogação retratatória”, com
fundamento na oportunidade ou no mérito da questão. Ela tem por base um outro
motivo: o intuito punitivo de uma conduta ilícita do beneficiário.
c) Ou ainda com a caducidade-sanção, por a caducidade de um acto administrativo
andar associada às situações em que a causa de caducidade tem carácter
sancionatório, por ter origem no incumprimento, por parte do particular, de um
dever ou ónus ou uma condição.
i) A caducidade-sanção baseia-se num incumprimento do destinatário; é uma
sanção por incumprimento de deveres. Há uma avaliação do comportamento do
particular pela Administração

ii) A jurisprudência do STA: a orientação jurisprudencial maioritária do STA vai


no sentido de que a declaração de caducidade tem de constituir o acto final de um
procedimento no seio do qual deve ser garantido ao interessado o direito de
audiência prévia (cfr. o Acórdão do STA, de 23-4-1997, Proc. nº 30130, o Acórdão do
Pleno do STA, de 27-4-1999, Proc. nº 39130, embora no Acórdão do STA, de 3-31998, Proc.
nº 41 730, se tenha concluído pela irrelevância da audiência do interessado em virtude da
natureza vinculada da declaração de caducidade)

Poderá, p. ex., incluir-se na caducidade-sanção:


i) A caducidade do acto de adjudicação por inércia do interessado ou por
incumprimento de prazos e de obrigações legais (caducidade por não apresentação ou
apresentação irregular dos documentos de habilitação (artigo 86.º do Código dos
Contratos Públicos - CCP: “1 – A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o
adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:…”
ii) Caducidade por não apresentação ou apresentação irregular de caução (artigo 91.º do
CCP: “1 – A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não prestar,
em tempo e nos termos estabelecidos nos artigos anteriores, a caução que lhe seja exigida”

iii) E a caducidade (ainda mais visivelmente) sancionatória (artigo 87.º do CCP): a


falsificação de qualquer documento de habilitação ou a prestação culposa de falsas
declarações determina a caducidade da adjudicação

iv) E os casos de caducidade-sancionatória por incumprimento de obrigações legais


previstos no regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE). P. ex.:
- a caducidade da admissão de comunicação prévia para a realização de operação de
loteamento por incumprimento da obrigação legal de pagamento de taxas;
- a caducidade da comunicação prévia para a realização de determinadas operações
urbanísticas por incumprimento da obrigação legal de pagamento de taxas.

d) A privação (temporária ou permanente) do exercício de direitos submetidos a


um regime de condicionamento ou de habilitação administrativa. Entre estas
“sanções administrativas” podem destacar-se:
i) A privação do uso de cheque, em caso de emissão de cheques sem provisão, sem
natureza de sanção acessória penal;
ii) A inibição de direitos de voto, sem decisão jurisdicional inibitória;
iii) A cassação ou suspensão de cédulas profissionais;
iv) A cassação ou suspensão de títulos de habilitação vários (ex: licenças de condução,
licenças de pilotagem aérea, cartas de marear, licenças de caça, etc.).
II - Quadro-síntese das sanções administrativas em geral: o poder
sancionatório como prerrogativa das autoridades administrativas
1. Tipos de ilícito e de sanções administrativas
1.1. Ilícito disciplinar – sanções disciplinares (advertência, multa, suspensão ou interdição
profissional)

1.2. Ilícito contratual (contratos administrativos) – sanções contratuais (multas, sequestro de


concessões, resolução sancionatória, etc.)

1.3. Ilícito de mera ordenação social (ilícito contra-ordenacional) – coimas e sanções acessórias

1.4. Figuras próximas:


a) Revogação-sanção de autorizações administrativas;
b) Caducidade-sanção de autorizações administrativas (ou de acto de adjudicação no âmbito da
contratação pública).
c) A privação (temporária ou permanente) do exercício de direitos submetidos a um
regime de condicionamento ou de habilitação administrativa:
i) A privação do uso de cheque, em caso de emissão de cheques sem provisão, sem natureza de sanção
acessória penal;
ii) A inibição de direitos de voto, sem decisão jurisdicional inibitória;
iii) A cassação ou suspensão de cédulas profissionais;
iv) A cassação ou suspensão de títulos de habilitação vários (ex: licenças de condução, licenças de
pilotagem aérea, cartas de marear, licenças de caça, etc.).

2. As “medidas de polícia”.
2. Medidas de polícia, sanções administrativas, sanções penais

2.1. “medidas de polícia”

a) Competência para a aplicação: autoridades administrativas

b) Fundamentação: evitar ou impedir a continuação de lesão de


interesses públicos relevantes (segurança das pessoas e bens, saúde
pública, ambiente, etc.)

c) Pressupostos: perigo ou verificação de um dano em curso,


independentemente de qualquer ilicitude ou culpabilidade

d) Conteúdo: suspensão de actividades, encerramento de


estabelecimentos até à normalização da situação, etc.

e) Controlo judicial: Tribunais Administrativos


2.2. Sanções administrativas

a) Competência para a aplicação: autoridades administrativas

b) Fundamentação: punir uma infracção às leis e regulamentos


administrativos ou o incumprimento de uma medida administrativa
obrigatória

c) Pressupostos: verificação de um ilícito administrativo (infracção


disciplinar, contra-ordenação, etc.), com culpa dos arguidos

d) Conteúdo: sanções pecuniárias, suspensão de actividades,


encerramento de estabelecimentos, inibições profissionais, etc.

e) Controlo judicial: Tribunais Administrativos (excepto no caso das


contra-ordenações, em que a competência cabe, em geral, aos Tribunais
Judiciais ou a jurisdições especializadas)
2.3. Sanções penais

a) Competência para a aplicação: Tribunais Comuns, sob acusação do


Ministério Público

b) Fundamentação: punir uma violação das leis penais

c) Pressupostos: verificação de um ilícito penal (crime), com culpa dos


arguidos

d) Conteúdo: prisão, multas (penais), penas acessórias (inibição de


actividades, suspensão de exercício profissional, etc.)

e) Controlo judicial: recurso para Tribunal superior


3. Distinção entre sanções penais (crimes) e sanções administrativas
(ilícito administrativo)
3.1. Elementos distintivos
a) A sanção penal como última ratio

b) A finalidade preventiva da sanção penal e a finalidade punitiva das sanções


administrativas, em especial das contra-ordenações

3.2. Contudo, afinidade dos princípios sancionatórios: legalidade, ilicitude e


culpa, não retroactividade, direito de defesa, proporcionalidade, recurso
judicial

4. Características das sanções administrativas (sanções aplicadas pelas


autoridades administrativas)
4.1. Relativa indeterminação na definição dos ilícitos e considerável amplitude
das sanções

4.2. A relativa discricionariedade na aplicação das sanções administrativas

4.3. Iniciativa administrativa no procedimento sancionatório


III – O Direito de Mera Ordenação Social e o ilícito administrativo
contra-ordenacional (ilícito de mera ordenação social)

1. A actividade administrativa sancionatória no âmbito o ilícito de


mera ordenação social
O designado “ilícito de mera ordenação social”, cujo regime geral
constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (alterado, por
último, pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Dezembro, que criou o Tribunal
da Concorrência, Regulação e Supervisão), tem, em geral, como
fundamento a violação de normas jurídicas que prescrevem
imposições e proibições de condutas a adoptar pelos particulares com
o objectivo da prevenção e do controlo de perigos ou que, de
qualquer modo, determinam uma ordenação da vida em sociedade

1.1. A infracção dessas normas constitui um ilícito; trata-se de um


ilícito administrativo, por se entender que os valores ou bens
jurídicos protegidos - a ordenação da vida em sociedade, a prevenção
de perigos - correspondem a interesses públicos que cabe à
Administração defender e realizar
1.2. E está em causa um ilícito que se projecta no âmbito de relações gerais de
Direito Administrativo, pelo que a decisão punitiva pode recair sobre
“qualquer pessoa”, singular ou colectiva, sujeita ao cumprimento de uma
norma geral que estabelece uma obrigação ou um dever

1.3. Por isso, em função do seu carácter administrativo, são os órgãos da


Administração Pública as instâncias incumbidas de desenvolver a função de
sancionar os comportamentos dos particulares que infringem normas do
ilícito de mera ordenação social

1.4. Nos termos da lei, o facto ilícito diz-se contra-ordenação por:

a) Ser sancionado com uma coima (sanção pecuniária, sanção económica,


sanção patrimonial);

b) E, eventualmente, com as designadas sanções acessórias (v.g., perda de


objectos, interdição do exercício de uma profissão, encerramento do
estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização
administrativa)
1.5. Em sectores sujeitos a regulação pública (p. ex., as comunicações electrónicas)
e, em geral, no âmbito da regulação da concorrência, encontra-se prevista a
designada sanção pecuniária compulsória:

a) Trata-se de uma decisão sancionatória de repressão de uma conduta ilícita, mas


que simultaneamente persegue o objectivo de forçar (adstringir) o infractor a
cumprir um dever

b) Traduz-se, em termos práticos, na imposição da obrigação de pagamento de


uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento de um dever

1.5.1. Registe-se ainda, neste contexto, a licitude administrativa dos negócios


jurídicos (privados) que consubstanciem operações de concentrações sujeitas a
controlo; a celebração do negócio depende de uma decisão administrativa,
expressa ou tácita, de não oposição à concentração por parte da Autoridade da
Concorrência
P. ex.: no plano da ilicitude administrativa, a Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (Lei de
Defesa da Concorrência) tipifica como contra-ordenação a realização de operações
de concentração de empresas que se encontrem suspensas ou que hajam sido
proibidas. Ou seja: a celebração de negócios de concentração sem notificação à
Autoridade da Concorrência ou com notificação, mas antes de decisão de não
oposição ou contra decisão de proibição constitui um acto ilícito; um ilícito
administrativo punido a título de contra-ordenação
2. A noção legal de ilícito administrativo mera ordenação social e as
razões determinantes do seu surgimento

2.1. A noção legal de contra-ordenação – artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82,


de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e o respectivo
regime processual: “Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e
censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”

3. Síntese sobre o surgimento do direito de ordenação social e a sua


autonomização jurídico-constitucional

3. 1. Razão de política criminal

3.1.1. O Preâmbulo do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro: “o novo Código Penal,


ao optar por uma política equilibrada da descriminalização, deixa aberto um
vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as
condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal.
Mas são, sobretudo, as necessárias reformas em domínios como as práticas
restritivas da concorrência, as infracções contra a economia nacional e o
ambiente, bem como a protecção dos consumidores, que tornam o regime das
contra-ordenações verdadeiramente imprescindível”
3.1.2. O movimento descriminalizador: a institucionalização de um sistema
sancionatório alternativo ao sistema penal ao qual fosse substancialmente estranha
a previsão de sanções privativas da liberdade constituiu o desígnio político-criminal
fundamental da criação do direito de mera ordenação social. Aliás, este desígnio foi
reforçado em 1995 com a revogação da possibilidade de detenção, em caso de
flagrante delito da prática de uma contra-ordenação, para efeitos de identificação do
suspeito

3.2. Desjudicialização: desjudicialização de uma parte significativa dos processos


sancionatórios, com a passagem para a esfera de autoridades administrativas
especialmente vocacionadas para a promoção e protecção dos interesses tutelados
pelas infracções da sua área de actuação

3.3. A substancial ligação do direito de ordenação social à actividade


administrativa: a actividade administrativa material e a reacção às suas violações
através da actividade administrativa sancionatória; o direito de ordenação social é
marcadamente um direito sancionatório de carácter punitivo (a dimensão
preventiva e repressiva do direito de ordenação social)

3.3.1. Argumentos para a transferência do poder punitivo para o campo


administrativo:
i) necessidade de descongestionamento dos tribunais criminais, libertando-os
de “bagatelas penais”;
ii) prevalência dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade do Direito
Penal (reserva da intervenção penal para situações reveladoras de uma maior
intensidade da ilicitude intrínseca ao acto);
iii) aproveitamento dos recursos e das habilitações técnicas da administração
pública, com vista ao combate de ilícitos dotados de uma maior tecnicidade; e
iv) celeridade na repressão do facto (simplicidade substantiva e processual).

3.4. Constitucionalização do Direito de Mera Ordenação Social: as


razões referidas – essencialmente de justificação político-criminal – estiveram na
génese e presidiram à constitucionalização e autonomização do direito de mera
ordenação social na revisão constitucional de 1982

3.4.1. O facto de as contra-ordenações não consistirem sanções privativas da


liberdade, permite compreender que a concreta tipificação de contra-ordenações e
respectiva previsão de sanções contra-ordenacionais não tivessem ficado
integradas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê uma disciplina autónoma
para o direito de mera ordenação social, ou seja, à semelhança do que sucede com
os ilícitos criminais, o regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação
social e do respectivo processo integra-se na reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República (AR). Mas só a definição do regime geral
está sujeito a esta reserva.
3.4.2. Ao contrário do que sucede com o ilícito criminal, quanto à definição dos crimes e
das penas, a tipificação das contra-ordenações e das respectivas coimas não está
reservada à AR, como resulta, a contrario, da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da
Constituição.

3.4.2.1. Desde que não estejam em causa direitos, liberdades e garantias, a CRP reconhece
competência legislativa concorrente à Assembleia da República, ao Governo e às
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas para a criação de contra-ordenações,
como resulta da alínea q) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 232.º da CRP
“Artigo 165.º (Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes
matérias, salvo autorização ao Governo (…):
b) Direitos, liberdades e garantias;
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem
como processo criminal;
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de
mera ordenação social e do respectivo processo;”

“Artigo 227.º (Poderes das regiões autónomas)


1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a
definir nos respectivos estatutos:
q) Definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, sem prejuízo do
disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º;”
3.4.3. Ainda a razão constitucional: a reserva do juiz para o ilícito criminal e a
reserva da Administração, em primeira linha, para o ilícito administrativo,
incluindo o ilícito contra-ordenacional
“Artigo 37.º (Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como
o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios


gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação
respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa
independente, nos termos da lei”
3.4.4. Ilações: estas disposições significam que é a própria CRP que, em aspectos
decisivos ou essenciais de regime, autonomiza o ilícito de mera ordenação social do
ilícito criminal, estabelecendo soluções constitucionais diferenciadas para o direito
penal e para o direito de mera ordenação social:
a) Na competência legislativa para a definição de infracções e sanções;
b) E, ainda que apenas prevista para as infracções em certa actividade, a CRP indicia que, para o
legislador constitucional, o princípio de que a competência para o conhecimento
processual/procedimental e sanção das infracções do direito de mera ordenação social deverá caber,
por princípio, à Administração (reserva da Administração, em primeira linha);
c) A actividade administrativa sancionatória e a reserva do juiz: constitucionalmente a reserva do
juiz só vale para o direito de sancionatório ético e não para o direito sancionatório económico
(coimas), isto é, que se traduz numa aplicação de uma sanção económica, como sucede com o ilícito
contra-ordenacional.
Note-se que não há sanções contra-ordenacionais privativas da liberdade, nem a possibilidade da
conversão da coima não paga em prisão subsidiária, ao contrário do que sucede com a pena de
multa penal, que pode ser convertida em pena de prisão.
4. Breve referência a sistemas comparados
4.1. Alemanha
a) Na Alemanha, onde o legislador português se inspirou para, em 1979, criar a
figura das contra-ordenações, prevê-se a possibilidade da conversão da coima não
paga em prisão subsidiária – a designada prisão de constrangimento do direito
contra-ordenacional alemão. As medidas intrusivas na privacidade e as medidas
restritivas da liberdade não são, em regra, admissíveis, salvo casos excepcionais. A
privação da liberdade é admissível no processo contra-ordenacional com
autorização de um juiz, mas a prisão preventiva está vedada no processo contra-
ordenacional. Esta razão permite compreender a atribuição da competência aos
Tribunais Judiciais (e não aos Tribunais Administrativos) para a resolução dos
litígios contra-ordenacionais.

b) No direito alemão, a competência sancionatória da autoridade administrativa


funda-se no pensamento da auto-sujeição do visado.

c) A aplicação dos institutos do processo penal no processo contra-ordenacional


obedece ao princípio da proporcionalidade.

d) As regras que visam promover a defesa do arguido no processo penal podem ser
interpretadas de forma menos exigente quando sejam aplicadas no processo
contra-ordenacional.
4.2. Itália: tal como nós, teve uma influência decisiva do direito alemão. O sistema
italiano não conhecia o direito de ordenação social, mas sim um regime geral dos
ilícitos administrativos, cabendo aos Tribunais Comuns a competência para
resolver os respectivos litígios. Em Itália, o regime geral para os ilícitos
administrativos foi criado através da Lei n.º 689/1981, revista em 2015.

4.3. Espanha: a inexistência de um regime geral das contra-ordenações (no plano


doutrinal defende-se apenas a existência de uma teoria geral do ilícito
administrativo). Em Espanha não se admite a designação de direito administrativo
penal, nem mesmo a de direito contra-ordenacional; o que está em causa é um
Direito Administrativo sancionatório. Contudo:
a) Existência de um Título próprio – TÍTULO IX – no Regime Jurídico das Administrações
Públicas e do Procedimento Administrativo Comum, aprovado pela Lei 30/1992, de 26 de
Novembro, sobre “De la potestad sancionadora” (artigos 127.º e segs.), contendo princípios
comuns sobre a competência sancionatória da Administração Pública, como, p. ex., o
princípio da legalidade na actividade sancionatória da Administração e princípios próprios
sobre o procedimento sancionatório
b) Existência de um regime do procedimento para o exercício da competência sancionatória
da Administração – o Real Decreto 1398/1993, de 4 de Agosto, que aprova o Procedimento
para o Exercício da Competência Sancionatória da Administração (ainda que com carácter
subsidiário relativamente à legislação especial);
c) A competência da jurisdição administrativa para conhecer e decidir as impugnações dos
actos administrativos sancionatórios por delitos e infracções, tendo poderes de anulação,
revisão, modificação (p. ex., redução da sanção que tenha sido aplicada) das decisões
sancionatórias da Administração
IV – O regime do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro: Regime Geral do
Direito de Mera Ordenação Social (Regime Geral das Contra-
Ordenações – RGCO)
1. A noção de ilícito administrativo contra-ordenacional
O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que estabelece o Regime
Geral das Contra-Ordenações (RGCO), determina que: “Constitui contra-ordenação
todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma
coima”

1.1. A lei fornece um critério formal para definir contra-ordenação, ou seja:


constitui contra-ordenação todo facto (ou qualquer facto) para o qual a lei preveja –
directa ou indirectamente - a aplicação de uma sanção pecuniária (uma coima)

1.1.1. A coima é sanção normal do direito de mera ordenação social: constitui uma
sanção administrativa, aplicada por autoridades administrativas, com o sentido
dissuasor de uma advertência social, traduzindo-se na imposição do pagamento de
uma quantia fixada entre os montantes previstos no artigo 17.º do DL n.º 433/82, de
27-10 ou em legislação especial

1.2. Mas isso não significa que a coima seja a única sanção aplicável a factos
punido com contra-ordenação, podendo, para além dela, ser também aplicada uma
sanção acessória (artigo 21.º do DL n.º 433/82, de 27-10)
1.3. O concurso de infracções e a proibição de “bis in idem”
Pode suceder que um facto constitua uma contra-ordenação – isto é, seja legalmente
qualificado como contra-ordenação - e não ser necessariamente sancionado com uma coima:
basta que o mesmo facto constitua simultaneamente crime, sendo o respectivo autor punido
com uma sanção criminal, mas sem prejuízo da aplicação de sanções acessórias previstas para
a contra-ordenação concretamente cometida (artigo 20.º do DL n.º 433/82, de 27-10, sobre o
concurso de infracções: “Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o
agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para
a contraordenação”.)
Contudo, o n.º 1 do artigo 78.º do RGCO: “Se o mesmo processo versar sobre crimes e contra-
ordenações, havendo infracções que devam apenas considerar-se como contra-ordenações, aplicam-se,
quanto a elas, os artigos 42º, 43º, 45º, 58º, n.ºs 1 e 3, 70º e 83º”

1.3.1. E, ainda, a título de exemplo:


i) O n.º 2 do artigo 28.º da Lei-quadro das contra-ordenações ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29-8):
“Quando se verifique concurso de crime e contraordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva
responder a título de crime e outra a título de contraordenação, o processamento da contraordenação cabe
às autoridades competentes para o processo criminal, nos termos do regime geral das
contraordenações”.
ii) O n.º 1 do artigo 208.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
(Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12): “Sempre que uma pessoa deva responder simultaneamente a título de
crime e a título de contraordenação pela prática dos mesmos factos, o processamento das
contraordenações para que seja competente o Banco de Portugal e a respetiva decisão cabem sempre a
esta autoridade”.
iii) O n.º 1 do artigo 420.º do Código dos Valores Mobiliários: “Se o mesmo facto constituir
simultaneamente crime e contra-ordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infracções,
instaurando-se processos distintos a decidir pelas autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no
número seguinte”.
2. Os princípios conformadores do direito sancionatório público não
penal, em especial das contra-ordenações

2.1 A relevância do princípio constitucional da legalidade no direito de mera


ordenação social (artigo 29.º, n.º 1, da CRP): “1. Ninguém pode ser sentenciado
criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão…”

2.1.1. A extensão do princípio nulla poena sine lege ao ilícito de mera ordenação
social (ilícito contra-ordenacional)

2.2. O princípio da legalidade no Regime Geral das Contra-Ordenações - RGCO


(Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10)
Artigo 2.º: “Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de
coima por lei anterior ao momento da sua prática”
Significa que cabe à lei a definição das contra-ordenações e o estabelecimento das
respectivas sanções

2.2.1. Mas em matéria do Direito de Mera Ordenação Social, a CRP não estabelece
a exigência de que os pressupostos da aplicação de sanções sob a forma de coima
devam estar previstos num diploma com forma legislativa da AR, prevendo
apenas que se insere no âmbito da reserva relativa da competência legislativa da AR
a definição do regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e
o respectivo processo (artigo 165.º, n.º 1, alínea d))
a) Pelo que a CRP não impede que o ilícito contra-ordenacional seja definido em
diploma legislativo emitido pelo Governo sem autorização legislativa, nem que uma
tal definição seja feita por um diploma de carácter regulamentar

b) Mas o artigo 2.º do RGCO determina a exigência de que a punição como contra-
ordenação esteja prevista em lei anterior, pelo que, em face da mencionada reserva
relativa de competência legislativa, não é legalmente admissível a previsão de contra-
ordenações por via regulamentar, fora dos casos em que tal esteja expressamente
previsto em diploma emitido pela AR ou pelo Governo no uso de autorização
legislativa
Vejamos um exemplo recolhido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação:
Artigo 98.º “Contra-ordenações”
1 — Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como
contra-ordenação (…):
e) As falsas declarações dos autores e coordenador de projectos no termo de
responsabilidade relativamente à observância das normas técnicas gerais e específicas de
construção, bem como das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projecto;
f) As falsas declarações no termo de responsabilidade do director de obra e do director de
fiscalização de obra ou de outros técnicos relativamente:
ii) À conformidade das alterações efectuadas ao projecto com as normas legais e
regulamentares aplicáveis
Nota: esta norma legal, na parte em que remete para as disposições regulamentares aplicáveis,
fornece habilitação legal para que a concreta tipificação das infracção conste dos
regulamentos
A que podem “cumular-se” sanções acessórias:
“Artigo 99.º Sanções acessórias
1 — As contraordenações previstas no n.º 1 do artigo anterior podem ainda
determinar, quando a gravidade da infração o justifique, a aplicação das seguintes
sanções acessórias:
a) A apreensão dos objetos pertencentes ao agente que tenham sido utilizados como
instrumento na prática da infração;
b) A interdição do exercício no município, até ao máximo de quatro anos, da
profissão ou atividade conexas com a infração praticada;
c) A privação do direito a subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos”

Outro exemplo tirado do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1-4, que simplifica o regime
de acesso e de exercício de diversas actividades económicas no âmbito da
iniciativa «Licenciamento zero», no uso da autorização legislativa concedida pela
Lei n.º 49/2010, de 12-11, e pelo artigo 147.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12:
Artigo 28.º “Regime sancionatório”
1 - Sem prejuízo da punição pela prática de crime de falsas declarações e do disposto
noutras disposições legais, constituem contra-ordenação:
a) A emissão de uma declaração a atestar o cumprimento das obrigações legais e
regulamentares, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 4.º ou da alínea d)
do n.º 3 do artigo 12.º, que não corresponda à verdade, punível com coima de (euro)
500 a (euro) 3500, tratando-se de uma pessoa singular, ou de (euro) 1500 a (euro) 25
000, no caso de se tratar de uma pessoa colectiva
Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, que aprova o Regulamento Geral do
Ruído e revoga o regime legal da poluição sonora, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
292/2000, de 14 de Novembro:
Artigo 28.º “Sanções “
2 - Constitui contra-ordenação ambiental grave:
a) O incumprimento das medidas previstas no plano municipal de redução de
ruído pela entidade privada responsável pela sua execução nos termos do artigo 8.º

Nota: do mesmo modo, também neste caso, na parte em que a lei remete para as
medidas previstas no plano municipal, fornece habilitação legal para que a
concreta tipificação e pressupostos das infracções conste do regulamento (o plano
é aprovado por um regulamento)

2.3. Princípio da tipicidade


2.3.1. Este princípio decorre do artigo 2.º do RGCO: “Constitui contra-
ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual
se comine uma coima”
Significado: exigência de especificação dos factos ou condutas que
constituem um ilícito punível como contra-ordenação (o tipo legal de contra-
ordenação –» conduta subsumível a um dos delitos-tipo, isto é, a uma infracção
legalmente descrita/tipificada)
2.3.2. O fundamento da obediência ao princípio da legalidade na previsão da
infracção e da sanção: não resulta do artigo 29.º da CRP, nem por aplicação
analógica, mas directamente do n.º 2 do artigo 18.º, já que a aplicação de sanções
implica sempre a restrição de direitos, liberdades ou garantias.

2.3.1. Jurisprudência Tribunal Constitucional


a) No Acórdão do n.º 666/1994 fixou a jurisprudência de que a “regra da tipicidade
das infracções, corolário do princípio da legalidade, consagrado no nº 1 do artigo
29º da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no
domínio do direito penal, pois que, nos demais ramos do direito público
sancionatório (máxime, no domínio do direito disciplinar), as exigências da
tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não têm, aí, que ser
inteiramente tipificadas. Simplesmente, num Estado de Direito, nunca os cidadãos
(cidadãos-funcionários incluídos) podem ficar à mercê de puros actos de poder. (…)
No Estado de Direito, as normas punitivas de direito disciplinar que prevejam
penas expulsivas, atenta a gravidade destas, têm de cumprir uma função de
garantia. Têm, por isso, que ser normas delimitadoras. É que, a segurança dos
cidadãos (e a correspondente confiança deles na ordem jurídica) é um valor
essencial no Estado de Direito, que gira em torno da dignidade da pessoa humana
- pessoa que é o princípio e o fim do Poder e das instituições (cf. artigos 2º e 266º,
nºs 1 e 2, da Constituição)”.
b) Também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 635/2011 se decidiu que “Do exposto não
resulta necessariamente que as normas sancionatórias estejam dispensadas de respeitar
determinadas regras e princípios constitucionais, de entre os quais se destacam o princípio da
segurança jurídica, decorrente da ideia de Estado de Direito (artigo 2º da CRP), bem como as regras
relativas às restrições de direitos, liberdades e garantias inseridas no artigo 18.º da CRP. Assim, a
previsão normativa da sanção deve ser prévia e certa, na medida em que qualquer norma que
envolva a restrição de direitos, liberdades e garantias, como é o caso da norma que impõe a
aplicação de determinada sanção (mesmo de natureza não penal – disciplinar, contra-ordenacional
ou outra) deve ser prévia à conduta do agente e certa quanto ao respectivo conteúdo. Porém, nada na
Constituição obriga a que a previsão tenha de obedecer a um modelo assente na previsão expressa
da conduta típica”. Também os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 201/2014 e n.º 85/2012, este
último, sobre determinabilidade no âmbito contra-ordenacional.

c) A aplicação do princípio da legalidade no âmbito contra-ordenacional não se faz com sentido mais
rigoroso da tipicidade penal. Porém, os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança dos
cidadãos exigem que a responsabilidade sancionatória punitiva esteja contida num tipo
sancionador – ainda que disperso por várias normas – que reúna condições mínimas de
determinabilidade. No Acórdão n.º 41/2004: “No que diz respeito à primeira dimensão, é certo que a
Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer
para os crimes. Nem o artigo 29º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera
ordenação social nem o artigo 165º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que
atribui aos crimes. Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório
público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias
consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança,
certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (cfr. também os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
158/92, de 23 de Abril, 263/94, de 23 de Março, publicados no D.R., II Série, de 2 de Setembro de 1992 e de 19
de Julho de 1994, e nº 269/2003, de 27 de Maio, inédito). E se tal não resulta directamente dos preceitos da
chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de Direito consagrado no
artigo 2º da Constituição”).
d) Exige-se, assim, sempre, que a norma de previsão contenha a identificação do bem jurídico (ou
uma referência aos interesses tutelados ou à ratio da punição) e o essencial no que respeita ao
desvalor da acção (razão de censurabilidade da conduta) e desvalor do resultado (dano social que
se pretende evitar); e que haja uma norma sancionatória que indique claramente quais são as
sanções aplicáveis a cada conduta proibida (ainda o Acórdão n.º 41/2004: “Deste modo, o
problema das chamadas “normas penais em branco” não pode ser transportado nos mesmos
termos do direito penal para o direito de mera ordenação social, já que nada na Constituição
impede que, de acordo com o direito ordinário, quaisquer entidades administrativas competentes
determinem o conteúdo de tais ilícitos e as respectivas sanções. É, no entanto, necessário ainda
distinguir o plano das possíveis fontes normativas deste ilícito do plano da afectação da segurança e
previsibilidade que certas técnicas legislativas possam suscitar. É sobretudo a esse nível que tem ainda
sentido discutir a constitucionalidade das técnicas de remissão do conteúdo ilícito da lei que
prevê a contra-ordenação para outras fontes normativas. (…) Por outras palavras, uma norma
remissiva ainda que no domínio do direito sancionatório público não pode ser vazia quanto à
previsão de factos e à orientação da conduta dos seus destinatários.”. ).

e) O Tribunal Constitucional tem aceite a remissão para instrumentos normativos de categoria


inferior à lei ou decreto-lei (p. ex., no Acórdão n.º 466/2012, tendo já admitido também a
remissão para meras instruções do Banco de Portugal, cfr. o já referido Acórdão n.º 41/2004).
Por outro lado, é relevante, como elemento a ponderar, se os destinatários se integram em
categorias especialmente informadas (ou sujeitas ao dever de se informarem) da sociedade (assim,
no Acórdão n.º 635/2011: “No caso da norma ora em apreço, deve ter-se em consideração que os
destinatários da norma sancionadora não são todos e quaisquer administrados, considerados de modo
indiferenciado, mas apenas os titulares de cargos políticos, de acordo com o regime de responsabilidade
instituído (cfr. artigos 2º, 61º e 62º, aplicáveis ex vi artigo 67º, n.º 3, todos da Lei n.º nº 98/97, de 26 de
Agosto, tal como republicada pela Lei nº 48/2006, de 29 de Agosto). Deste modo, a aferição da
determinabilidade da norma sancionatória implica um juízo de prognose que tenha em
consideração as concretas características dos referidos destinatários ”).
2.4. Proibição da retroactividade (princípio da não retroactividade da
punição): “Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível
de coima por lei anterior ao momento da sua prática” (artigo 2.º do RGCO):
Igualmente, a proibição de retroactividade, vigente em todo o direito sancionador
de carácter punitivo, não decorre do artigo 29.º, n.º 1, mas directamente do n.º 2
do artigo 18.º da CRP, conjugado com os princípios da legalidade e da segurança
jurídica.

2.4.1. Mas, a admissibilidade do princípio da lei retroactiva mas favorável,


cuja aplicação apenas tem por limite a execução da sanção (n.º 2 do artigo 3.º do
RGCO)
Jurisprudência do Tribunal Constitucional:
O “direito à aplicação retroactiva da norma sancionatória mais favorável” constitui consequência
natural do princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 2º e 18º, n.º 2, da CRP), na medida em
que qualquer restrição de direitos fundamentais pressupõe a verificação da necessidade da
sanção a aplicar (cfr. o Acórdão n.º 227/92, o Acórdão n.º 480/93, o Acórdão n.º 619 /93, o
Acórdão n.º 621/93 e o Acórdão n.º 227/1992). Se o legislador veio a entender que já não se
justifica a manutenção da aplicação de uma sanção pública, perdeu a legitimidade na
manutenção da censura pela infracção e na execução da sua sanção (cfr. o Acórdão n.º 260/93:
“Com efeito, retomando a fundamentação do Acórdão nº 227/92, o princípio da aplicação
retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável apenas se encontra formulado para o
domínio penal. No entanto, há-de valer também no domínio do ilícito de mera ordenação
social, pelo menos quanto a elementos tão caracterizadores do direito sancionatório como são
os que dizem respeito à prescrição e consequente extinção do procedimento judicial, isto tendo
em atenção a razão de ser daquele princípio”).
2.5. A proibição da analogia: o princípio da legalidade previsto no artigo 2.º do
RGCO compreende o princípio da tipicidade, pelo que viola este princípio a
punição por analogia (Acórdão da Relação de Lisboa, de 6-10-1998, BMJ, pp. 480-
529)

2.6. Princípio da culpa/nulla poena sine culpa (“facto ilícito e censurável”): o


princípio da responsabilidade pessoal
Artigo 1.º, conjugado com os artigos 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 1, 14.º, 15.º, 16.º, n.º 2, 18.º, n.º 1,
21.º, n.º 1, 26.º, alínea a), e artigo 51.º, todos do RGCO

2.6.1. Censurável a que título?


a) Dolo – intenção de praticar o facto (artigo 14.º do RGCO)

b) Negligência – o descuido ou a imprudência também são sancionados (artigo 15.º


do RGCO), mas esta só é punida nos casos especialmente previsto na lei (artigo
8.º, n.º 1, do RGCO)

2.6.1.1. A relevância tanto da acção como da omissão


Contra-ordenações cometidas por acção -» contra-ordenações comissivas
Contra-ordenações cometidas por omissão - » contra-ordenações omissivas
2.7. Princípio da responsabilidade pessoal
Ainda que se sustente uma autonomia material absoluta entre o Direito Administrativo
Sancionatório ou o direito sancionatório público não penal e Direito Penal, sempre deverá
aceitar-se que a aplicação de uma sanção pela prática de um facto ilícito terá de imputar-se a
título de responsabilização pessoal. A prevalência do princípio da pessoalidade no direito
sancionatório público não penal tem sido assumida pelo Tribunal Constitucional (cfr. os
Acórdãos n.º 59/1995, n.º 344/2007 e n.º 45/2014). No Acórdão n.º 336/2008, fixou-se a
seguinte jurisprudência:
“(…) à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português
também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime
geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção
do Decreto-lei n.º 244/95, “constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo
legal no qual se comine uma coima”. Todavia, não obstante este ponto de contacto, existem, desde sempre,
razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as
quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (cfr. FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da
Doutrina Penal”, pág. 144-152, ed. de 2001, Coimbra Editora). A diferente natureza do ilícito
condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da
sociabilidade. Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia
dogmática do direito das contra-ordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a
sanção e o próprio concurso de infracções (neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, Ob. cit., pág. 150).
Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do
agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do
seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer
ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO
DIAS, em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito
Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do
Centro de Estudos Judiciários)”.
2.7.1. O princípio da pessoalidade exige e pressupõe uma vinculação do legislador
ordinário, pelo menos:
a) Na obrigatoriedade de critérios de responsabilidade pessoal (prática de um facto
voluntário, quer na modalidade activa, quer na modalidade omissiva);

b) Na obrigatoriedade de imputação do facto ao agente a título de dolo ou de


negligência; e

c) Na obrigatoriedade de previsão de critérios autónomos de imputação do facto à


pessoa colectiva (o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2003: “O resultado
interpretativo assim obtido não se mostra, portanto, violador do princípio da tipicidade
criminal e, tratando-se de crime cometido por representante, mesmo que apenas “de facto”,
do ente colectivo, em cujo nome e interesse actua, não se mostra desrespeitado o princípio do
carácter individual da responsabilidade penal. O ente colectivo não será responsabilizado por
factos de terceiro, mas sim por factos praticados por um elemento da sua organização,
actuando em seu nome e no seu interesse e sem desrespeitar ordens ou instruções de «quem
de direito»”).
Nota: os litígios mais relevantes neste âmbito têm surgido a propósito da previsão
de modelos de responsabilidade solidária ou subsidiária entre os agentes e a pessoa
colectiva. E esta questão tem sido analisada em conjunto com a violação do
princípio do ne bis in idem, pelo que remetemos a referência a este tema para um dos
pontos seguintes.
2.7.2. Em síntese, para que um facto possa ser qualificado como uma sanção
administrativa, terá de preencher os seguintes elementos:
i) A presença de uma conduta ou de um comportamento relevante, por acção
ou omissão;
ii) Que essa conduta seja subsumível a uma norma para a qual preveja uma
sanção (tipicidade);
iii) Que seja uma conduta antijurídica, isto é, que infrinja, por acção ou
omissão, normas jurídicas (ilicitude, não havendo causa de exclusão dela – p.
ex., nos termos do regime do artigo 32.º do RGCO, que remete para as causas
de exclusão de ilicitude previstas nos 31.º e 34.º do Código Penal);
iv) Que o facto cometido seja o resultado (nexo de causalidade) de uma
conduta censurável a título de dolo ou negligência (culpa/culpabilidade do
agente)

2.7.3. A relevância das causas de exclusão da ilicitude e da culpa


Artigo 31.º do Código Penal “Exclusão da ilicitude”
1 — O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica
considerada na sua totalidade.
2 — Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa; b) No exercício de
um direito; c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da
autoridade; ou d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.
2. 8. A relevância do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 1, do
RGCO)
2.8.1. A determinação da medida da coima faz-se em função da:
- gravidade da contra-ordenação;
- da culpa;
- da situação económica do agente; e
- do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
(Sem prejuízo da haver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, caso em que os limites
máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade).

2.8.2. Contudo, se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável


superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode
este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder
um terço do limite máximo legalmente estabelecido (n.º 2 do artigo 18.º do RGCO).

2.8.3. A proporcionalidade na moldura abstracta e a proporcionalidade na sanção


concretamente aplicada: a jurisprudência do Tribunal Constitucional (entre outros,
os Acórdãos n.ºs 547/2001, 41/2004, 557/2011, de 16-11, 353/2011, de 12-7, 110/2012, de 6-3)

2.8.4. A vinculação do legislador ao princípio da proporcionalidade no âmbito


sancionatório integra várias exigências:
i) Cumprimento dos critérios de restrição de direitos, liberdades e garantias
(proporcionalidade em sentido amplo);
ii) Adequação da gravidade da sanção à gravidade da infracção (proporcionalidade em
sentido estrito), embora neste segmento o Tribunal Constitucional reconheça uma ampla
margem de manobra ao legislador ordinário;

iii) E, em conjugação com o princípio da legalidade, a previsão de margens de determinação


concreta da sanção suficientemente flexíveis para adaptar a sanção à gravidade do caso
concreto, mas não tão amplas que não confiram um mínimo de vinculatividade do decisor à lei.
Os principais litígios têm surgido a propósito da previsão de limites mínimos elevados,
especialmente quando dependam de circunstâncias não controláveis pelo infractor ou
quando se trate de sanções fixas.

2.8.5. Jurisprudência do Tribunal Constitucional:


a) O Tribunal Constitucional tem vindo a entender que o legislador dispõe de uma ampla margem
de conformação na fixação dos valores mínimos e máximos das coimas, cabendo ao Tribunal
apenas um juízo de censura quando estes valores se revelem manifesta e claramente
desproporcionais (p. ex., o Acórdão n.º 360/2011: “o legislador ordinário, na área do direito de mera
ordenação social, goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, devendo o Tribunal
Constitucional apenas emitir um juízo de censura, relativamente às soluções legislativas que
cominem sanções que sejam manifesta e claramente desadequadas à gravidade dos comportamentos
sancionados. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa,
invadindo indevidamente a esfera do legislador que, neste campo, há-de gozar de uma confortável liberdade de
conformação, ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta
e flagrante desproporcionalidade” (também os Acórdãos n.º 574/1995, n.º 62/2011, e n.º 110/2012.
Neste último, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 22.º, n.º 4,
alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29/08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na
medida em que previa o montante de € 38 500 como coima mínima aplicável às pessoas colectivas
pela prática de contra-ordenação ambiental qualificada como muito grave).
b) O Tribunal Constitucional entende não ser inconstitucional a previsão e
aplicação de coimas fixas, desde que as mesmas surjam “como razoavelmente
proporcionada relativamente à gama de comportamentos susceptíveis de recondução ao
concreto tipo de ilícito (cfr. o Acórdão n.º 344/2007: “Reconhece-se que a estruturação dos
sistemas punitivos de modo a permitir à entidade decisora – em último termo, ao juiz – a
individualização da sanção, mesmo daquela que só tenha expressão pecuniária, de modo a
levar em conta as especificidades de cada caso, o grau de ilicitude e de culpa e a situação
pessoal do agente, se apresenta como a que realiza de modo mais intenso os princípios da
igualdade e da proporcionalidade. Mas as exigências destes princípios são ainda
respeitadas quando, pela natureza do ilícito sancionado e pela medida da sanção
pecuniária fixa prevista, esta última apareça como razoavelmente proporcionada
relativamente à gama de comportamentos susceptíveis de recondução ao concreto
tipo de ilícito. Na verdade, não se vê que constitua entorse intolerável dos princípios
constitucionais da igualdade e proporcionalidade que o legislador ordinário,
colocado perante a possibilidade de verificação de infracções contravencionais (ou
contra-ordenacionais) em massa, decorrente da opção legislativa de punir a esse título, com
penas meramente pecuniárias sem quaisquer efeitos pessoais, comportamentos violadores de
simples regras de conduta ou de observância da ordenação social ou de colaboração com o
Estado não possa conferir maior relevo às exigências postuladas pelo princípio da
legalidade em detrimento do sentido apontado pelo princípio da culpa e, nesse seu
juízo, proceder a uma maior concretização das sanções aplicáveis, afrouxando a necessidade
da intervenção do juiz no apuramento efectivo do montante da sanção a aplicar”).
2.8. Princípio nemo tenetur se ipsum accusare, a obtenção de prova auto-inculpatória,
o direito à não-inculpação e o princípio da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 10,
da CRP. Remissão para a fase administrativa do procedimento sancionatório)

2.9. Proibição da reformatio in pejus (remissão para a fase da impugnação judicial da


sanção aplicada) . Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/2015, de 14-2015

2.10. Princípio do ne bis in idem


a) A relevância do ne bis in idem também no direito sancionatório público não penal,
proibindo a cumulação de sanções formalmente idênticas

b) Jurisprudência do Tribunal Constitucional: tem entendido que o ne bis in idem terá vigência
no que respeita à cumulação de sanções da mesma natureza. No Acórdão n.º 263/94
estabeleceu a seguinte jurisprudência: “situação diversa é a da convergência ou concurso real
de normas de diferente natureza que sancionam o mesmo facto, dando origem a um concurso
real de infracções. Neste caso, não há que falar em princípio de non bis in idem, muito embora o
legislador possa dar relevância a tal concurso”). Por exemplo, diz-se no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 263/94 que: “mas é evidente que a problemática do princípio de non bis in
idem se põe relativamente a cada direito sancionatório, sendo certo que só no plano do direito
criminal o princípio tem expressa consagração constitucional. Poder-se-á sustentar, é claro, que o
princípio é aplicável também por analogia nos outros direitos sancionatórios públicos, no
âmbito interno respectivo” (ainda os Acórdãos n.ºs 730/95, de 14-12, 11 306/2003, de 25-6).
A favor da vigência geral do ne bis in idem no direito sancionatório público (incluindo o não
penal), o Parecer n.º 113/2005, do Conselho Consultivo da PGR, publicado no DR, II Série, n.º
128, de 25-7-2006, pp. 9946 e ss.
2.11. O princípio da responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparadas -
artigo 7.º do RGCO:
1 - As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem
como às associações sem personalidade jurídica.
2 - As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações
praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

2.11.1. A responsabilidade objectiva das pessoas colectivas (Acórdãos do


Tribunal Constitucional n.º 395/2001, n.º 23/2010 e n.º 45/2014)

2.11.2. A responsabilidade substitutiva dos dirigentes de pessoas colectivas


(Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 180/2014 e n.º 171/2014)

2.11.3. A responsabilidade subsidiária dos dirigentes de empresas pelo


pagamento de coimas resultantes de contra-ordenações fiscais e aduaneiras –
artigo 7º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras e artigo 8º, n.º 1, alínea b), do
Regime Geral das Infracções Tributárias (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º
389/2013, n.º 723/2014, n.º 171/2014 e n.º 243/2014)

2.11.4. A responsabilidade solidária dos dirigentes de empresas pelo


pagamento de coimas resultantes de contra-ordenações laborais – artigo 551º, n.º
3, do Código do Trabalho (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 180/2014, n.º 201/2014, n.º
395/2014 e n.º 505/2014)
2.11.5. Ainda a proibição de “bis in idem”: responsabilidade pessoal em
cúmulo com responsabilidade subsidiária por actos imputáveis à pessoa
colectiva (Acórdãos do Trib. Constitucional n.º 1/2013, n.º 732/2013, n.º
825/2013 e n.º 171/2014)

2.11.6. Responsabilidade subsidiária limitada ao pagamento da coima


(Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 171/2014, n.º 180/2014, n.º 201/2014,
n.º 243/2014, n.º 395/2014 e n.º 505/2014)

2.11.7. Responsabilidade cumulativa pelo ilícito contra-ordenacional


(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2013)

2.11.8. Responsabilidade subsidiária pela coima de acordo com os limites


mínimo e máximo fixados para a responsabilidade individual (votos de
vencido de Cura Mariano e Pedro Machete – Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 395/2014)

2.11.9. O princípio da culpa e a problemática da extensão do princípio


constitucional da proibição de transmissibilidade da sanção ao direito
sancionatório público não penal (artigo 30º, n.º 3, da CRP: “A responsabilidade penal
é insusceptível de transmissão”)
a) No entanto, sobre a responsabilidade subsidiária/solidária, o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 171/2014, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na parte em que se
refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam
colaborado dolosamente na prática de infracção pelas multas aplicadas à sociedade, por
violação do artigo 30º, n.º 3, da Constituição: “A responsabilidade solidária do administrador ou
gerente pressupõe que, em momento anterior, tenha sido estabelecida a responsabilidade penal da pessoa
coletiva, com a aplicação de uma multa. A determinação em concreto da medida da pena, no correspondente
processo penal, tem por base fatores exclusivamente atinentes à pessoa coletiva enquanto autora da infração,
e à qual são estranhas quaisquer circunstâncias que digam pessoalmente respeito ao responsável
solidário, como o grau de culpa ou a sua situação económica. Certo é que constitui condição da
responsabilidade solidária, nos termos do n.º 7 do artigo 8º do RGIT, a comparticipação do gerente na prática
da infração tributária, mas essa relação de causalidade, podendo originar uma responsabilidade pessoal, não
tem qualquer interferência na fixação da multa aplicável à pessoa coletiva. A responsabilidade solidária
opera independentemente da responsabilidade pessoal do condevedor e quer a este seja ou não
imputada, a título individual, a mesma infração. A norma prevê, por conseguinte, não já uma
mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória
por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva. Poderá dizer-se
que a comunicação ao administrador ou gerente da multa aplicada à pessoa coletiva pela prática
da infração corresponde a um mecanismo de garantia de pagamento do quantitativo monetário
da multa, que não encerra uma censura penal, nem impede o ulterior exercício do direito de regresso contra
a sociedade, nem tem para o responsável solidário outras consequências de natureza estritamente penal (cfr.,
neste sentido, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 8 de janeiro de 2014). O
ponto é que nenhuma destas considerações, a manterem validade, descaracteriza o aspeto central do regime
sancionatório instituído pelo n.º 7 do artigo 8º do RGIT. O que importa reter é que a pessoa coletiva
exime-se ao cumprimento da pena através da transferência do dever de pagar a multa para o
devedor solidário e o Estado exonera-se, por essa via, do exercício do jus puniendi de que é titular.
O que consubstancia objetivamente uma transmissão de pena e põe em causa a indisponibilidade dos
interesses que as reações criminais visam tutelar” ).
b) Contudo, no plano do direito sancionatório público não penal, em especial no
direito contra-ordenacional, o Tribunal Constitucional tem sido relutante em
aceitar a vinculação ao n.º 3 do artigo 30.º da CRP (cfr. a jurisprudência do
Acórdão n.º 129/2009). Parecendo prevalecer a perspectiva de que estes modelos de
responsabilidade não têm carácter punitivo, não se configurando, assim (e em
regra), uma verdadeira transferência da responsabilidade pela pena ou coima (cfr.
o Acórdão n.º 561/2011), certo é que, sempre que esta forma de “responsabilidade
civil” é exigida em cumulação com a responsabilidade sancionatória, o Tribunal
Constitucional reconheceu a violação do ne bis in idem (cfr. o Acórdão n.º 1/2013).

2.12. Princípio da jurisdicionalidade


Neste âmbito, existe uma diferença substancial entre o Direito Penal e o Direito
Administrativo Sancionatório: neste último, prevalece o princípio da autotutela
declarativa e executiva da Administração, enquanto no Direito Penal vale a regra da
jurisdicionalidade da sanção (assim, a propósito do ilícito disciplinar, o Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 59/1995: “Seja como for, cumpre reconhecer que a
Constituição acolhe a distinção entre o direito penal e o direito disciplinar,
nomeadamente quanto à diferente configuração do princípio da jurisdicionalidade,
uma vez que da Constituição resulta que no direito disciplinar inexiste a concentração
de competência jurisdicional, que se verifica em matéria crime nos tribunais comuns
(artigo 213.º, n.º 1, da CRP”). Não obstante esta diferença central, também no Direito
Administrativo Sancionatório vale a regra do acesso ao Direito e do direito ao recurso,
devendo sempre garantir-se, pelo menos, um grau de jurisdição de recurso.
V - As sanções acessórias (artigo 21.º do RGCO)
1. A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar sanções acessórias, em função
da gravidade da infracção e da culpa do agente (princípio da proporcionalidade da
sanção acessória concretamente aplicada)

1.1. Na versatilidade da sanção acessória administrativa reside a verdadeira fonte da


tentação do legislador para que qualifique a mesma conduta como crime e contra-
ordenação. Existe, efectivamente, um campo profícuo de diversidade sancionatória
funcional, se compararmos a pena criminal principal e as sanções acessórias
administrativas

1.2. Uma maior necessidade de aplicação de sanções acessórias, dada a tendencial


inaplicabilidade de penas de prisão e, em alguns casos, a relativa irrelevância das
penas pecuniárias

1.3. A panóplia – não esgotante – de possíveis sanções acessórias associadas ao


ilícito contra-ordenacional:
a) Perda de objectos pertencentes ao agente;
b) Interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa de título público ou
de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Privação do direito de participar em feiras ou mercados;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objecto a
empreitada ou a concessão de obras públicas, o fornecimento de bens e serviços, a concessão de
serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença
de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
2 - As sanções referidas nas alíneas b) a g) do número anterior têm a duração máxima de dois
anos, contados a partir da decisão condenatória definitiva.
3 - A lei pode ainda determinar os casos em que deva dar-se publicidade à punição por contra-
ordenação.

2. Princípios aplicáveis às sanções acessórias


2.1. Princípio da tipicidade (a criação de uma nova sanção acessória só pode ser feita por lei da
AR ou por decreto-lei autorizado do Governo)

2.2. Princípio da proporcionalidade (a determinação concreta da medida da sanção acessória


deve ser feita em função da gravidade objectiva do facto e do grau de culpa ou da gravidade
subjectiva da culpa – dolo/negligência - do agente)

2.3. Princípio da não automaticidade (a aplicação de uma sanção acessória depende da


gravidade da infracção e da culpa do agente)
a) Quanto à automaticidade da sanção acessória, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no
sentido de a mera obrigatoriedade de uma sanção acessória não se revela contrária à Constituição,
desde que a medida concreta da sanção acessória possa ser adequada à gravidade concreta da
infracção praticada: no Acórdão n.º 625/1995, em que se invocou a possibilidade de uma graduação
autónoma da inibição de conduzir face à pena de prisão ou multa também aplicada pelo mesmo
crime, como fundamento de conformidade constitucional. Mas já no sentido da
inconstitucionalidade, face a uma pena acessória obrigatória de interdição pelo período de 5 anos, o
Acórdão do n.º 202/2000.
b) Para que a aplicação da sanção acessória seja conforme à constituição é necessário
que a mesma possa ser adequada à censurabilidade do facto e do seu agente, mas
também que a sanção seja ainda uma resposta adequada à prática da infracção, isto é,
que haja um conexão de sentido – de necessidade da intervenção punitiva – entre o
facto e a sanção (assim concluiu o Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 327/1990,
87/2000, e 176/2000, de 22 de Março, tendo acabado, neste último, por declarar
inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma constante do n.º 7 do artigo 28.º do
DL n.º 123/94, de 18 de Maio, na redacção conferida pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de
Dezembro. A norma em causa previa, como consequência automática e obrigatória da
prática da contra-ordenação estatuída no mesmo artigo (utilização de gasóleo ou querosene
marcados, ou coloridos e marcados, por veículos que não estejam legalmente habilitados
para tal consumo), a perda dos veículos nos quais tivessem sido utilizados os
combustíveis proibidos. O Tribunal Constitucional entendeu que estava em causa não só o
disposto no n.º 4 do artigo 30.º da CRP, como o princípio da proporcionalidade, afirmando
que a perda não poderia ter lugar “independentemente da natureza e gravidade da
infracção e da responsabilidade do agente”. Mais concluiu que: “Efectivamente, a ablação,
efectuada de modo automático, da propriedade dos veículos ditada pela norma sub specie (e não
estando agora em causa, como parece claro, uma situação de perigosidade especial, nomeadamente
quanto ao uso de determinados instrumentos) não respeita, em face desse automatismo, o princípio
segundo o qual se deverá ponderar as adequação e proporção dessa reacção criminal incidente sobre o
direito civil de propriedade (quer a título de medida análoga às medidas de segurança, quer como efeito
necessário do cometimento do crime, quer como efeito da condenação por um determinado ilícito, o que
não importará dilucidar) em face das concretas circunstâncias do caso”).

2.4. Princípio da acessoriedade (a aplicação de uma sanção acessória está sempre


dependente da sanção principal da coima – artigo 31.º do RGCO)
ALGUMA BIBLIOGRAFIA (nota: a BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL encontra-se
disponível no Nónio):

ALEJANDRO HUERGO LORA


– Las Sanciones Administrativas, Hustel, Madrid, 2007

ALEJANDRO NIETO
– Derecho Administrativo Sancionador, 4ª edição, Tecnos, Madrid, 2005

ANTÓNIO DOMÍNGUEZ VILA - Constitución y Derecho Administrativo Sancionador,


Marcial Pons, Madrid, 1997

ANTÓNIO LEONES DANTAS


- Considerações sobre o processo das contra-ordenações, Revista do Ministério Público (RMP),
Ano 14.º, n.º 55, 1993, págs. 99 e segs.
- Considerações sobre o processo das contra-ordenações: as fases do recurso e da execução, RMP,
Ano 15.º, n.º 57, 1994, págs. 71 e segs.
- Considerações sobre o processo das contra-ordenações – A fase administrativa, RMP, Ano 16,
n.º 61, 1995, págs. 103 e segs.
- O Ministério Público no processo das contra-ordenações, Questões Laborais, Ano VIII, n.º 17,
2001
- Nota à Lei das Contra-Ordenações Ambientais, RMP, Ano 29, n.º 116, 2008, pp. 87 e segs.
AUGUSTO SILVA DIAS
- Direito das Contra-Ordenações, Almedina, Coimbra, 2019

DIOGO FREITAS DO AMARAL


- O Poder Sancionatório da Administração Pública, Estudos Comemorativos dos 10 Anos da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Vol. I, Almedina, 2008, págs. 215 a 234.

EDUARDO CORREIA
- Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (BFDUC), vol. XLIX, 1973, págs. 257 e segs.

FREDERICO DE LACERDA COSTA PINTO
- O direito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção
penal, Direito Penal Económico e Europeu, Vol. I, Problemas Gerais, Coimbra, Coimbra
Editora, 1998, págs. 209 a 276
- Direito de audição e direito de defesa em processo de contra-ordenação: conteúdo, alcance e
conformidade constitucional, Revista de Ciência Criminal, Ano 23, n.º 1, 2013, Coimbra
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HEINZ MATTES
- Problemas de Derecho Penal Administrativo, ed. Revista de Derecho Privado,
Jaen, 1979
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS
- Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004
- O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Direito Penal
Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. I, Coimbra Editora, 1998, págs. 19 e segs.
- Para uma dogmática do Direito Penal secundário, Revista de Legislação e Jurisprudência
(RLJ), Ano 116, 1983-84, n.º 3714 e segs. e Ano 117, 1984-85
- Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social: das contravenções às
contra-ordenações, Temas básicos da doutrina penal, Coimbra Editora, 2001

JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS


- Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, págs. 740 e segs.,
anotação de GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, onde pode
ver-se uma síntese da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria

JOSÉ DE FARIA COSTA


- A importância da recorrência no pensamento jurídico. Um exemplo: a distinção entre o ilícito
penal e o ilícito de mera ordenação social, RDE, Ano IX, 1983, págs. 3 e segs.
- Crimes e contra-ordenações (Afirmação do princípio do numerus clausus na repartição das
infracções penais e diferenciação qualitativa entre as duas figuras dogmáticas), Questões
Laborais, Ano VIII, n.º 17, 2001

J. J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA


- Constituição da República Portuguesa Anotada, vol II, 4.ª ed., Coimbra Editora, pág. 328
LOPES DO REGO
- Alguns Problemas constitucionais do direito das contra-ordenações, Questões Laborais, Ano
VIII, n.º 17, 2001, com síntese da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria

LICÍNIO LOPES MARTINS


- Âmbito da jurisdição administrativa no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
revisto, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 106, 2014, págs. 20 a 25
- A actividade sancionatória da Administração e o novo Código do Procedimento Administrativo,
in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, Coord. de CARLA AMADO
GOMES, ANA FERNANDA NEVES E TIAGO SERRÃO, Vol. II, 3.ª ed., AAFDL, 2016
- A Execução de Contra-Ordenações Urbanísticas pelos Tribunais Administrativos, in Cadernos
de Justiça Administrativa, Fevereiro/2018

LUÍS GUILHERME CATARINO


- Regulação e Supervisão dos Mercados de Instrumentos Financeiros - Fundamento e Limites do
Governo e Jurisdição das Autoridades Independentes, Coimbra, Almedina, 2010

MANUEL DA COSTA ANDRADE


- Contributo para o conceito de contra-ordenação (a experiência alemã), Revista de Direito e
Economia (RDE), Anos 6-7, 1980-81, págs. 81 e segs.

MANUEL SIMAS SANTOS E JORGE LOPES DE SOUSA


- Contra-Ordenações: Anotações ao Regime Geral, 5ª ed., Vislis Editores, 2009
MARCELO MADUREIRA PRATES
- Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia, Almedina, 2005;

MARIA FERNANDA PALMA e PAULO OTERO


- Revisão do regime legal do ilícito de mera ordenação social, Revista da FDUL, vol. XXXVII, 1996, n.º 2,
págs. 557 e segs.

MIGUEL PRATA ROQUE


- O direito sancionatório público enquanto bissectriz (imperfeita) entre o direito penal e o direito administrativo
– a pretexto de alguma jurisprudência constitucional, Revista de Concorrência e Regulação, Ano IV, n.º
14/15, 2013, págs. 105 e segs.

NUNO BRANDÃO
- Questões contra-ordenacionais suscitadas pelo novo regime legal da mediação de seguros, Revista Portuguesa
de Ciência Criminal (RPCC), 2007

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE


- Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011

SÉRGIO PASSOS
- Contra-Ordenações: Anotações ao Regime Geral, 3.ª ed., Almedina, 2009

VASCO PEREIRA DA SILVA


- Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente, Direito Sancionatório das Entidades Reguladoras,
Coimbra, Coimbra Editora, 2009, págs. 271 a 298
Alguma jurisprudência:
- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 192/98, de 19-2-98 (estabelece jurisprudência
fundamental sobre o princípio da legalidade em matéria contra-ordenacional),
disponível em http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos

- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 150/2009, de 25 de Março (Processo n.º 878/08),


disponível em http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos

- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2011 (Processo n.º 551/10, disponível em


http://w3.tribunalconstitucional.pt/acordaos

- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 35/2011 (Processo n.º 206/10, disponível


emhttp://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos

- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 481/2010 Relator Joaquim de Sousa Ribeiro


(Processo n.º 506/09, disponível em
emhttp://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08-09-2010 (Processo n.º 0186/10)


disponível em http://www.dgsi.pt
Muito obrigado pela Vossa atenção!

Licínio Lopes Martins


Procedimentos de aplicação de sanções administrativas,
em especial no âmbito do ilícito de mera ordenação
social (sanções contra-ordenacionais)
I - Fase administrativa (procedimento administrativo)
II – Fase judicial (processo judicial de impugnação da
decisão administrativa)

Sumários de apoio
Licínio Lopes Martins
Introdução
1. O procedimento administrativo geral ou comum de aplicação de sanções
administrativas no âmbito do ilícito de mera ordenação social (contra-
ordenações)

2. Procedimentos administrativos especialmente previstos para a aplicações


de sanções similares (p. ex., contra-ordenações ambientais, contra-ordenações
marítimas, contra-ordenações no domínio da regulação pública das
actividades económicas e sociais, contra-ordenações no domínio da
actividade financeira, contra-ordenações laborais, contra-ordenações fiscais,
etc.)

2.1.Em geral, a remissão desses regimes para aplicação subsidiária do RGCO

3. Procedimentos administrativos sancionatórios para os ilícitos


administrativos em sentido estrito. P. ex.: o procedimento disciplinar para os
trabalhadores em funções públicas, previsto na Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho); o Código do Procedimento
Administrativo para a aplicação de sanções – multas – no quadro das relações
contratuais administrativas com a Administração Pública, para a revogação
sancionatória ou a caducidade sancionatória, etc.
4. Os momentos ou as fases estruturais do processo de aplicação de sanções
públicas/administrativas (multas, sanções pecuniárias compulsórias, contra-
ordenações/coimas)
4.1. A distinção entre a fase administrativa e a fase judicial
4.1.1. A fase necessária: a administrativa
4.1.2. A fase eventual: a judicial (apenas funcionará quando o arguido
impugne o acto sancionatório da Administração)

4.2. O novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo


Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro (tal como o CPA revogado), não prevê
um “catálogo” de princípios vocacionado para a actividade sancionatória da
Administração. No entanto, determina que, “…designadamente as garantias nele
reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos
administrativos especiais” (n.º 5 do artigo 2.º)

4.2.1. Pelo que, na fase administrativa de aplicação de sanções


administrativas e independentemente da natureza da sanção a aplicar, as
garantias e os princípios nele previstos serão sempre (potencialmente)
aplicáveis a todo e qualquer procedimento administrativo sancionatório, em
especial aos que sejam menos formalizados ou regulados (p ex., os
procedimentos sancionatórios de aplicação de multas no âmbito da execução
de contratos administrativos)
I - A fase administrativa do processo de aplicação de sanções administrativas
contra-ordenacionais (principais e acessórias): alguns princípios
estruturantes (princípios subjacentes ao procedimento administrativo
sancionatório do regime geral do ilícito contra-ordenacional - Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro/RGCO -, mas comuns a todo e qualquer
procedimento administrativo de aplicação de sanções administrativas de
contra-ordenação, sendo que, por regra, o RGCO tem aplicação subsidiária – e
em alguns casos directa – aos procedimentos contra-ordenacionais
sectorialmente previstos)

1. O princípio-regra da reserva de competência das autoridades


administrativas – artigo 33.º do RGCO
O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções
acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as
especialidades previstas naquele mesmo regime

1.1. Sem prejuízo, no entanto, de as autoridades competentes poderem, por


razões de economia, celeridade ou eficácia processuais, acordar em atribuir a
competência a autoridade diversa da que resultaria da aplicação do n.º 1.
(artigo 37º, n.º 2, do RGCO)
Uma espécie de contrato interadministrativo que tem por objecto o exercício
competências (isto é, o exercício de poderes públicos)?
1.2. A excepção ao princípio-regra da reserva de competência às autoridades
administrativas (artigo 38.º, n.º 1, do RGCO): “Quando se verifique concurso de
crime e contra-ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a
título de crime e outra a título de contra-ordenação, o processamento da contra-
ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal”.

1.2.1. Em todo caso, a “retoma” do princípio-regra (n.º 3 do artigo 38.º do


RGCO): se o Ministério Público arquivar o processo criminal mas entender que subsiste
a responsabilidade pela contra-ordenação, remeterá o processo à autoridade
administrativa competente

1.2.2. E a necessidade de ter em conta a existência de regimes especiais que


derrogam a referida concentração de competências nas autoridades judiciais
em caso de concurso de infracções:
a) Assim sucede, p. ex., com o Código dos Valores Mobiliários, nos artigos 360.º, n.º 1,
alínea e), 408º e 420.º, que salvaguarda a competência exclusiva – e obrigatória – da
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, seja em caso de concurso de infracções,
seja em face de pluralidade de infracções

b) Este regime afasta ainda a possibilidade de um processo que tenha por objecto uma
infracção ao Código dos Valores Mobiliários e legislação complementar ser
promovido por outra autoridade administrativa à luz do mencionado regime de
concentração de competências previsto no artigo 37.º do RGCO
1.2.3. O princípio-regra referido e a competência em razão da matéria – artigo
34.º do RGCO
1 - A competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas
pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações.
2 - No silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do
Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa
defender ou promover.
3 - Os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se
refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de
grau hierarquicamente inferior.

a) O princípio da competência legalmente fixada e conjugação do RGCO com o


artigo 36.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), sobre a
irrenunciabilidade e inalienabilidade da competência: “1— A competência é
definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do
disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição”.

b) E ainda a conjugação do RGCO com o regime geral da delegação de poderes


previsto no CPA (artigo 36.º, n.º 2, e artigos 44.º a 50.º do CPA): “É nulo todo o ato
ou contrato que tenha por objecto a renúncia à titularidade ou ao exercício da
competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de
poderes e figuras afins legalmente previstas” (artigo 36º, n.º 2, do CPA: )
Artigo 44.º, n.º 1, do CPA
Da delegação de poderes
“1 — Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em
determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei,
permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da
mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos
administrativos sobre a mesma matéria”

Contudo:

2. O princípio-regra da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal à


fase administrativa de aplicação de sanções administrativas contra-
ordenacionais (principais e acessórias). Artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, sobre
“Direito subsidiário”: “1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são
aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo
criminal”

2.1. Também, quanto à matéria substantiva, a aplicação subsidiária do


Código Penal. Artigo 32.º do RGCO: “Em tudo o que não for contrário à
presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do
regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal”
2.2. O procedimento sancionatório é – funcionalmente - uma actividade
administrativa, mas com uma aproximação de regime ao processo penal e ao
direito penal

2.2.1. A dualidade no plano “processual” (fase administrativa e fase judicial)


e a jurisprudência do Tribunal Constitucional
a) A primeira fase traduz-se no exercício de uma actividade administrativa, no
exercício de poderes administrativos: o procedimento contra-ordenacional é, na sua fase
administrativa, um procedimento tendente à prática de um acto administrativo, que
consiste na decisão de aplicação da coima e, eventualmente, da sanção acessória (cfr. o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 19/2011: “as decisões administrativas que
aplicam determinada sanção não podem deixar de ser consideradas como «actos
administrativos», na medida em que visam produzir efeitos jurídicos, numa situação
individual e concreta”)

b) Por se tratar de uma sanção punitiva, de um acto administrativo sancionatório, devem


existir certas garantias fundamentais mais extensas relativamente às garantias gerais do
cidadão-administrado, na medida em que, adianta-se no mesmo Acórdão, “tal «acto
administrativo» afigura-se sempre como uma manifestação da actividade
administrativa de tipo agressivo, na medida em que comprime direitos subjectivos dos
administrados, sujeitando-os a um determinado ónus”. Não se trata de um qualquer
ónus, mas de sanções punitivas que podem alcançar uma gravidade considerável: para
além do impacto económico da coima, podem ser aplicadas sanções acessórias tão ou
mais graves do que as penas acessórias previstas no Código Penal.
2.3. Ao que acresce o princípio da equiparação das autoridades
administrativas ao “estatuto de órgãos de polícia criminal”
Artigo 41.º, n.º 2, do RGCO
“2 - No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as
autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas
aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal,
sempre que o contrário não resulte do presente diploma”.

2.3.1. Ou seja, gozam dos mesmos direitos e deveres quanto:


a) Aos poderes de promoção do procedimento sancionatório, incluindo a
respectiva instauração;

b) Aos poderes de instrução do procedimento;

c) Aos poderes de decisão (de decisões interlocutórias e decisão final)

2.3.1.1. A relevância da dimensão inquisitória na fase administrativa do


processo sancionatório
2.3.1.2. O princípio da equiparação das autoridades administrativas ao “estatuto
de órgãos de polícia criminal” no Direito da União Europeia: o Regulamento do
Conselho n.º 1/2003, 16-12-2002, relativo à execução das regras de concorrência
estabelecidas nos artigos 81.º e 82.º do Tratado
a) A busca domiciliária está prevista no artigo 21.º do Regulamento do Conselho n.º 1/2003,
cujo considerando n.º 26 justificou esta medida coerciva nos seguintes termos: “Além disso, a
experiência demonstrou que há casos em que os documentos profissionais são guardados no
domicílio dos dirigentes e dos colaboradores das empresas. A fim de preservar a eficácia das
inspecções, será, por conseguinte, necessário permitir que os funcionários e outras pessoas
mandatadas pela Comissão tenham competência para aceder a todos os locais onde possam
encontrar-se documentos profissionais, incluindo os domicílios privados”.

b) O considerando acrescenta que: “O exercício desse poder deverá, todavia, ficar sujeito à
intervenção da autoridade judicial”, que pode “pedir à Comissão informações adicionais que
necessita para levar a cabo o seu controlo e na ausência das quais pode recusar a autorização”.
Nos termos do artigo 21.º, n.º 3, o controlo judicial nacional incide apenas sobre o “carácter
não arbitrário e não excessivo” da medida coerciva, não incluindo “a necessidade da
inspecção”, nem podendo “exigir que lhe sejam apresentadas informações que constem do
processo da Comissão”.

2.3.1.3. Os limites aos poderes de investigação na jurisprudência do Tribunal


Europeu dos Direitos do Homem
O princípio da proporcionalidade na produção da prova e, designadamente, da protecção dada
ao domicílio também vale no processo contra-ordenacional (cfr. a jurisprudência do TEDH,
no Acórdão Buck c. Alemanha, Acórdão da 3.ª Secção, de 28 de Abril de 2005, Nr. 41604/98).
2.4. A necessidade de proceder a uma interpretação funcionalmente
adequada e sistemática destas normas remissivas do RGCO para o Processo
Penal, tendo em conta, em especial, o facto de se tratar de uma fase
administrativa: um procedimento administrativo dirigido, instruído e
decidido por órgãos administrativos e não órgãos judiciais

2.4.1. Aliás, é o próprio RGCO que impõe uma adaptação – uma adaptação
funcionalmente adequada - do Código de Processo Penal à fase administrativa do
processo de aplicação de contra-ordenações: a aplicação não é (nunca é) automática

O que significa:
a) Que a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal ao procedimento
administrativo sancionatório tem de demonstrar-se como necessária (não é
necessária, desde logo, quando o RGCO ou o regime sectorial aplicável contemple
soluções próprias, sendo certo que, em muitos casos, poderão revelar-se mais
ajustadas as soluções fornecidas pelo Código do Procedimento Administrativo);

b) E, mesmo quando necessária, tem de ser feita com as adaptações que se afigurem
procedimentalmente adequadas, o que, inclusivamente, pode conduzir ao
afastamento de normas ou de regimes daquele Código, por incompatibilidade
estrutural/funcional com a fase administrativa do processo de contra-ordenação
Exemplo:
3. O princípio da legalidade no procedimento de aplicação de contra-
ordenação (“O processo das contra-ordenações obedecerá ao princípio da
legalidade” - artigo 43.º do RGCO):
Artigo 118.º do Código de Processo Penal “Princípio da legalidade”
“1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só
determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.

3.1. Contudo:
i) O RGCO não prevê a figura da nulidade, nem sanciona os eventuais vícios que
afectem actos processuais com uma tal sanção;

ii) Prevê apenas a figura da violação de lei, constituindo esta fundamento da


respectiva impugnação judicial

iii) Para além disso, a invalidade da decisão final pode resultar da aplicação de
leis administrativas e não do Código de Processo Penal (p. ex., vícios de
competência, vícios na delegação de poderes, vícios causadores de nulidades, como
o “desvio de poder sancionatório”, o cerceamento de direitos fundamentais, ou
vícios em decisões sancionatórias adoptadas por órgãos colegiais), sem excluir
eventuais situações de ineficácia.
3.2. Doutrina:
i) As autoridades administrativas assumem as tarefas inerentes ao impulso processual que no Código de Processo
Penal estão a cargo do Ministério Público, mas incumbe-lhes igualmente a competência decisória do processo. O
procedimento das contra-ordenações não pode ser entendido como uma forma de processo penal, tendo autonomia
face àquela forma de procedimento; Para FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, “O processo administrativo de
carácter sancionatório referente às contra-ordenações é, neste sentido, uno e comandado por uma única entidade:
em regra um ente administrativo” (“Poderes de supervisão, Direito ao Silêncio e Provas Proibidas”, in Supervisão,
Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Almedina, 209, p. 50.);

ii) A fase administrativa enquadra o exercício dos poderes sancionatórios da Administração Pública de modo pleno,
sendo as decisões proferidas exequíveis, caso não sejam impugnadas, circunstância que tem particular relevo na
determinação da dimensão do contraditório exigível para este procedimento;

iii) O processo das contra-ordenações não visa seleccionar de acordo com critérios predefinidos os casos que são
submetidos a julgamento perante um tribunal, o que é a função das fases preliminares (inquérito e instrução) do
processo penal;

iv) Também não é possível equiparar a fase inicial do processo, até ao cumprimento do artigo 50.º do RGCO, ao
inquérito do processo penal comum, e a fase subsequente ao cumprimento daquele dispositivo, como uma forma de
instrução com o sentido que aquela fase têm no contexto das fases preliminares do processo penal;

v) Embora na fase inicial se proceda a uma recolha das provas que existem sobre o facto potencialmente integrador de
uma contra-ordenação e nesse sentido tem alguma semelhança com o inquérito, o cumprimento do artigo 50. º do
RGCO não assume no contexto do processo a natureza de um acto decisório relativo à submissão a julgamento perante
um tribunal;

vi) Do mesmo modo, o momento do processo posterior ao cumprimento daquele dispositivo não pode ser entendido
como uma forma de impugnação da decisão acusatória;

vii) Concluindo, este conjunto de razões projecta-se na ponderação exigida pelo artigo 41. º, n. º 1, do RGCO, para a
adequação das normas próprias do processo penal ao processo das contra-ordenações, criando particulares
dificuldades na transposição de soluções próprias do processo penal para esta forma de processo.
3.3. O princípio da legalidade na vertente substantiva (tipicidade das sanções
e respectivos pressupostos)

3.4. O princípio da legalidade na vertente e orgânica (competencial) e


procedimental (conjunto de actos, formalidades e de fases de cuja
observância depende a legalidade da aplicação da decisão sancionatória)

3.4.1. Também aqui a necessidade de recurso ao Código do Procedimento


Administrativo
Artigo 3º, n.º 1, do CPA (Princípio da legalidade)
1 - Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao
direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em
conformidade com os fins par que os mesmos poderes lhes foram conferidos
(p. ex., o já referido “desvio de poder sancionatório”)

4. O princípio da iniciativa oficiosa do procedimento administrativo


sancionatório ou princípio da oficialidade
Artigo 54.º, n.º 1, do RGCO
1 - O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das
autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular.
4.1. Ainda o princípio da oficialidade
Artigo 48.º do RGCO
(Da polícia e dos agentes de fiscalização)
1 - As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os
eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por contra-
ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de
provas.
2 - Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm
direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal.
3 - As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às
autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas

4.2. O princípio da oficialidade no Código do Procedimento Administrativo


(artigo 53.º do CPA: “O procedimento administrativo inicia-se oficiosamente
ou a solicitação dos interessados”

4.2.1. Dever de comunicar ao interessado (ou aos interessados) a decisão de


iniciar um procedimento sancionatório? (artigo 46.º, n.º 1, do RGCO, sobre a
“(Comunicação de decisões)”: “Todas as decisões, despachos e demais
medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às
pessoas a quem se dirigem”.
E o n.º 2 do mesmo artigo determina que:
“2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a
comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os
esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação”.

4.2.1.1. Notificação do início do procedimento aos interessados - artigo 110.º do


CPA (“Notificação do início do procedimento”)
“1 — O início do procedimento é notificado às pessoas cujos direitos ou interesses
legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser
desde logo nominalmente identificadas. (…)
3 — A notificação deve indicar a entidade que ordenou a instauração do
procedimento, ou o facto que lhe deu origem, o órgão responsável pela respetiva
direção, a data em que o mesmo se iniciou, o serviço por onde corre e o respetivo
objecto”.

Mas:

O n.º 2 do artigo 110.º do CPA: “Não há lugar à notificação determinada no número


anterior nos casos em que a lei a dispense e naqueles em que a mesma possa
prejudicar a natureza secreta ou confidencial da matéria, como tal classificada nos
termos legais, ou a oportuna adoção das providências a que o procedimento se
destina”
4.3. Principio da legalidade ou princípio da oportunidade na promoção
oficiosa do procedimento sancionatório?
Artigo 43.º do RGCO: “O processo das contra-ordenações obedecerá ao princípio
da legalidade”
Artigo 54.º, n.º 1, do RGCO: “1 - O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante
participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante
denúncia particular”.

4.3.1 O princípio da legalidade e o princípio da oficialidade do procedimento


sugerem que a Administração, recebida uma participação ou uma denúncia,
se encontra vinculada a instaurar um procedimento sancionatório. Mas será
necessariamente sempre assim?

4.4. Os corolários lógicos do princípio da legalidade, nos termos em que se


encontra previsto no artigo 43.º do RGCO. Constatada a ocorrência de uma
infracção, a autoridade administrativa competente fica:
a) Vinculada ao dever de instaurar o procedimento sancionatório;

b) Vinculada à prossecução do procedimento sancionatório;

c) Vinculada a aplicar uma sanção (se dos factos apurados resultar esta consequência)
4.4.1. Ou seja:
a) As autoridades administrativas, em face do conhecimento de factos
integradores de (uma) contra-ordenação, ficam vinculadas a instaurar o
procedimento sancionatório respectivo e, uma vez instaurado e provados os
factos constitutivos do cometimento de uma contra-ordenação, estão
igualmente vinculadas a aplicar a sanção legalmente prevista;

b) Não podem decidir instaurar ou não instaurar o procedimento


sancionatório por critérios de oportunidade; não podem “perdoar” a sanção
igualmente por mero critério de oportunidade. Por força do artigo 43.º do
RGCO vigora, pois, e estritamente, o princípio da legalidade (e nunca o
princípio da oportunidade);

c) Numa outra vertente, se as autoridades administrativas ainda não tiverem


concluído pela impossibilidade da comprovação dos factos constitutivos de
(uma) contra-ordenação encontram-se impedidas de decidir pelo
arquivamento, por estarem estritamente vinculadas ao dever de prossecução
procedimental

4.4.2. No entanto, a necessidade de atenuar o rigor do princípio da legalidade:


a distinção necessária entre participação de entidades oficiais e a “denúncia
particular” (denúncia de particulares).
Em todo o caso:
4.4.3. O princípio da oportunidade: a expressa previsão do princípio da
oportunidade na decisão aplicativa de uma sanção. Vejamos:
Artigo 51.º
Admoestação
1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique,
pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser
apreciado como contra-ordenação.
NOTA: a autoridade administrativa dispõe aqui de uma margem de discricionariedade
na escolha da sanção a aplicar. Só nesta situação excepcional é que a lei admite um
juízo de oportunidade (substituição de coima por admoestação). Mas, note-se, que esta
margem não é extensiva às sanções acessórias: estas nunca podem ser substituídas por
admoestação.

5. O princípio do inquisitório: o procedimento de contra-ordenação tem uma


estrutura inquisitória (e não acusatória, como sucede no processo penal)
Artigo 54.º, n.º 2, do RGCO
2 - A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução,
finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.
5.1. A conjugação com o princípio do inquisitório previsto no Código do
Procedimento Administrativo (artigo 58.º do CPA): “O responsável pela
direção do procedimento e os outros órgãos que participem na instrução podem,
mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados,
proceder a quaisquer diligências que se revelem adequadas e necessárias à
preparação de uma decisão legal e justa, ainda que respeitantes a matérias não
mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados”

6. O princípio da imparcialidade – os impedimentos do Código de Processo


Penal e os impedimentos do Código do Procedimento Administrativo

6.1. A salvaguarda do princípio da imparcialidade e os impedimentos do


Código de Processo Penal: impedimentos dos juízes, funcionários,
intérpretes, peritos (artigos 39.º a 47.º, que são extensivas ao Ministério
Público por força do artigo 54.º do mesmo Código)

6.2. A salvaguarda do princípio da imparcialidade e a necessária aplicação


dos impedimentos previstos no Código do Procedimento Administrativo
(artigos 69.º a 76.º do CPA)

6.3. As consequências da inobservância deste princípio: a ilegalidade da


decisão sancionatória
7. O princípio da audição e da defesa: o equilíbrio entre o princípio do
inquisitório e o princípio do contraditório

7.1. Os direito de audição e defesa do arguido como “direitos do arguido” ou


do “estatuto de arguido” (artigo 50.º do RGCO)

7.2. Noção: oportunidade conferida a todo o participante no procedimento


sancionatório de influir, através da sua audição e defesa, no decurso desse
procedimento. Ou:
a) O direito do arguido ser ouvido num certo momento ou numa certa fase da
tramitação do procedimento de contra-ordenação; e

b) O direito a defender-se ante actos processuais determinados ou


específicos, igualmente em função da tramitação do procedimento de contra-
ordenação

7.3. O direito de audiência e de defesa na CRP (artigo 32.º, n.º 10: “Nos
processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos
sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e
defesa”.
Nota: para os procedimentos disciplinares da função pública o n.º 3 do artigo 269.º da
CRP (“Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa”)
7.4. O princípio da audição e da defesa no Regime Geral das Contra-
Ordenações (artigo 50.º do RGCO, sobre o “Direito de audição e defesa do
arguido”: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção
acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num
prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e
sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

7.5. O princípio da audição no Código do Procedimento Administrativo


(artigos 121.º a 124.º)

7.6. O princípio da audição e da defesa e o estatuto do defensor do arguido


Artigo 53.º do RGCO
Do defensor
“1 - O arguido da prática de uma contra-ordenação tem o direito de se fazer
acompanhar de advogado, escolhido em qualquer fase do processo.
2 - A autoridade administrativa nomeia defensor ao arguido, oficiosamente ou a
requerimento deste, nos termos previstos na legislação sobre apoio judiciário,
sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência
de o arguido ser assistido.
3 - Da decisão da autoridade administrativa que indefira o requerimento de
nomeação de defensor cabe recurso para o tribunal”.
7.7. Consequência da inobservância do princípio da audição e da defesa: nulidade da
decisão sancionatória, por força do artigo 161.º, n.º 2, alínea d), do Código do
Procedimento Administrativo). Em todo o caso, uma nulidade sanável(?), segundo a
jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, com
base na aplicação do regime do Código do Processo Penal

7.8. O artigo 50.º do RGCO é o momento procedimental por excelência para o arguido
ser confrontado com a factualidade que lhe é imputada no processo e respectiva
qualificação jurídica. Dispõe este artigo, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do
arguido”: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem
antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar
sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que
incorre”

a) Na sequência desta audição o arguido pode requerer quaisquer diligências de prova que
julgue relevantes a bem da sua defesa, que a autoridade administrativa deverá deferir, salvo
impertinência manifesta das mesmas. A intervenção prevista no artigo 50.º surge como um
momento fulcral do processo, situado entre a investigação preliminar e a decisão, assumindo-
se como o espaço natural da defesa

b) O RGCO não especifica uma forma através da qual a audição deva ser efectuada, o que
exige é que ao arguido seja dado conhecimento da factualidade que lhe é imputada e da
respectiva qualificação jurídica. Este conhecimento tanto pode ser levado a cabo numa
audição formal, como através da notificação de uma peça processual que integre aqueles
elementos, ou da notificação dos elementos do processo que os contenham
c) Alguns regimes especiais de contra-ordenações têm optado pela dedução formal de uma
acusação, utilizando o conceito e os requisitos da acusação do Código de Processo Penal, que
não a natureza e a respectiva função processual (cfr. artigo 221.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de
17 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 251/2003, de 14 de Outubro, que estabelece o
regime jurídico do acesso e exercício da actividade seguradora, e artigo 219.º do Regime Geral
das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, na versão do Decreto-Lei n.º 201/2002, de
26 de Setembro)

d) O RGCO estabelece no artigo 50. º o direito à audição e disciplina no artigo 53. º o regime da
assistência por defensor, permitindo que o arguido se faça acompanhar de defensor em
todos os actos processuais em que intervenha e em qualquer fase do processo. E o n. º 2 do
mesmo artigo impõe que se nomeie defensor “sempre que as circunstâncias do caso revelarem
a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido”. A nomeação de defensor é feita
pela autoridade administrativa nos termos do regime do apoio judiciário, nos termos da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Junho e legislação complementar.

7.9. Doutrina:
a) O “princípio do contraditório e a contraditoriedade estão subjacentes ao normativo do art.
50.º da lei-quadro e pode mesmo dizer-se que constituem a trave mestra de qualquer
procedimento sancionador”, pelo que “o desrespeito ou a simples compressão dos direitos de
audiência e de defesa constituem nulidades insupríveis que afectam a validade do processo
e inviabilizam a aplicação correcta de qualquer sanção”. Pelo que “não pode, por conseguinte,
deixar de entender-se que no processo por contra-ordenação devem ser dadas ao arguido
possibilidades de contestar as provas contra ele recolhidas, de formular a sua defesa, de sugerir
diligências probatórias, de arrolar testemunhas, etc.” (cfr. GOMES DIAS, Breves Reflexões Sobre o
Processo de Contra-Ordenação, in Contra-ordenações, Escola Superior de Polícia, 1985, p. 138 e
Revista do Ministério Público, Ano 5.º, Volume 20 – Dezembro de 1984, p. 107.)
b) A “consagração do direito de audiência prévia do interessado como princípio geral do
Direito Administrativo português não poderia deixar de ter reflexos ao nível do
procedimento de aplicação de sanções acessórias pela prática de contra-ordenações. Trata-
se, aliás, de uma área prioritária da sua aplicação, isto sem prejuízo de se reconhecer a
relevância das situações de urgência e de excepção” (cfr. FERNANDA PALMA e PAULO
OTERO, A Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, Revista da Faculdade de
Direito, Volume XXXVII – 1996, p. 577)

c) O direito de audição e de defesa implica o direito à pronúncia por parte do arguido sobre
a factualidade que lhe é imputada e respectiva qualificação jurídica, a que acrescem os
demais elementos para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a
decisão nas matérias de factos e de direito, menção que abrangerá todo o conjunto de
circunstâncias relevantes para a determinação da sanção. Para além deste direito ao
conhecimento do objecto do processo contra-ordenacional em sentido amplo, o direito de
audição e de defesa implica o direito a intervir no processo, apresentando provas ou
requerendo a realização das mesmas (cfr. SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA,
Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral, 4.ª Edição, Vislis, 2007, p. 276.).

d) O princípio tem uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do


princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser
tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se
pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que
qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a
possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que ao outros
sujeitos processuais (a “parte” adversa).
7.10 Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 17 de
Outubro de 2006, do pleno da secção do Contencioso Administrativo, proferido no
Processo n.º 0548/0548:
“Tendo em atenção o disposto no artigo 32.º, n.ºs 3 e 10 e artigo 18.º da Constituição, constitui
omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a falta de notificação do
Advogado constituído pelo arguido para poder estar presente à inquirição de testemunhas
arroladas na resposta, a qual integra a nulidade insuprível prevista na segunda parte do n.º 1
do artigo 42.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16 de Janeiro”.
E na fundamentação do Acórdão adianta-se que:
“Sem repetir a fundamentação dos acórdãos citados, julgamos que a questão deve ser colocada
efectivamente na compreensão da garantia de defesa do arguido, e não apenas no seu direito a
intervir no processo de formação da vontade final (direito de participação na decisão final).
Tratando-se de uma garantia de defesa dos direitos do arguido, a mesma é directamente
aplicável por força do art. 18.º da CRP, sem necessitar de qualquer intervenção do legislador
ordinário. Logo, sendo tal garantia directamente aplicável ao procedimento disciplinar está
localizado o preceito imperativo (art. 32.º, 5 e 10, “ex vi” art. 18.º da Constituição) que impõe a
notificação do mandatário da data da inquirição das testemunhas arroladas pela defesa”.

O Supremo Tribunal Administrativo manteve esta linha de orientação no que se refere à


notificação do advogado defensor do co-arguido no processo disciplinar, no acórdão de 18 de
Junho de 2008, proferido no Processo n.º 0145/0851, de que foi extraído o seguinte sumário:
“A falta de notificação do mandatário do co-arguido para poder estar presente na inquirição
de testemunhas de defesa de outro arguido configura a nulidade insuprível prevista no art.
42.º, 1, parte final, do ED (Dec.-Lei 24/84, de 16 de Janeiro) em todos os casos em que as
testemunhas tenham sido indicadas e ouvidas sobre os mesmos factos, ou sobre factos conexos
a ambos imputados na acusação”.
7.11. Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
a) O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera que o artigo 6.º da
Convenção Europeia dos Direitos (CEDH) aplicável ao processo das contra-
ordenação, tal como o mesmo é configurado no sistema jurídico alemão. O processo
das contra-ordenações terá que contar, deste modo, com a participação activa do
arguido, única forma de a análise do caso e a decisão a proferir atingirem a dimensão
objectiva e aprofundada compatível com a equidade que está subjacente ao Acórdãos
Ozturk, A73, pp. 8-22, § 51-56 e no Acórdão Lutz, A123, pp. 21·23, § 50-55 (cfr.
IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Aequitas,
Editorial Notícias, 1995, p. 94, Nota 112)

b) Segundo a jurisprudência do TEDH, os direitos previstos no artigo 6.º da CEDH


valem para o arguido de um processo contra-ordenacional. O direito de dispor de
tempo e das possibilidades necessárias à preparação da defesa vale no processo
contra-ordenacional, incluindo a fase administrativa, sendo suficiente um prazo de
três meses concedido pela autoridade administrativa ao arguido para estudar um
processo de “dezenas de milhares de páginas” e devendo o arguido alegar os
motivos pelos quais as provas não juntas ao processo poderiam ter contribuído para
a sua defesa (cfr. o Acordão Messier versus França, de 30/6/2011)

c) E, inclusivamente, o direito à assistência de um tradutor gratuito vale também no


processo contra-ordenacional, pelo menos na fase contenciosa (cfr. o Acórdão do
TEDH Öztürk versus Alemanha, Plenário, de 21/2/1984, seguido pelo Acórdão Lutz
versus Alemanha, de 25/8/1987).
7.12. O direito de audiência e defesa na jurisprudência do Tribunal de Justiça da
União Europeia
a) No Acórdão Michelin versus Comissão, Proc. 322/81, fixou-se a seguinte
jurisprudência: “A necessidade de ter em conta os direitos da defesa é um princípio
fundamental da lei comunitária que a Comissão deve observar nos processos
administrativos que possam levar à imposição de sanções sob as regras da lei da
concorrência previstas no Tratado. A sua observância requer inter alia que a
empresa visada possa ter tido a possibilidade de exprimir efectivamente os seus
pontos de vista sobre os documentos usados pela Comissão para fundamentar a sua
alegação de uma violação”.

b) Legitimidade de intervir nos procedimentos administrativos de aplicação de


sanções alargada aos queixosos: também têm o direito procedimental a intervir e
defender os seus interesses legítimos nos procedimentos sancionatórios (cfr. o
Acórdão BAT e Reynolds versus Comissão, Procs. 142 e 156/84), incluindo o direito
de ser ouvidos se a autoridade administrativa entender que o caso deve ser
arquivado (cfr. o Acórdão Guerin Automobiles versus Comissão, Proc. C-282/95 P)
e o direito a uma decisão devidamente fundamentada de arquivamento (cfr. o
Acórdão Automec II, Proc. T-24/90 e, para casos de não fundamentação adequada
de arquivamento, o Acórdão BEUC versus Comissão, Proc. T-37/92, e o Acórdão
BEMIM versus Comissão, T-114/92). O Regulamento do Conselho n.º 1/2003 e o
Regulamento da Comissão n.º 773/2004 consagraram os direitos dos queixosos ou
“terceiros interessados”.
c) O direito de audiência desdobra-se em duas vertentes:
i) Por um lado, o visado deve ser notificado de forma exacta e completa dos factos que
lhe são imputados (cfr. o Acórdão Países Baixos versus Comissão, Procs. 48/90 e 66/90, e
o Acórdão Mediocurso – Estabelecimento de Ensino Particular Lda, v. Comissão, Proc. C-
462/98 P);
ii) Por outro lado, o visado deve ter a possibilidade de se defender contra toda a
informação tida em consideração pela autoridade administrativa para motivar a sua
decisão (cfr. o Acórdão Hoffmann-La Roche versus Comissão, Proc. 85/76). O ónus da
prova de que a informação necessária foi comunicada ao visado cabe à autoridade
administrativa (cfr. o Acórdão Al-Jubail Fertiliser versus Conselho, Proc. C-49/88).

d) O direito de audiência na fase administrativa de aplicação de sanções está


expressamente consagrado no artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento do Conselho n.º 1/2003 e
disciplinado nos artigos 10.º e 11.º (audição escrita do visado) e nos artigos 12.º e 14.º
(audição oral do visado) do Regulamento da Comissão n.º 773/2004. O direito traduz-se
na afirmação de princípio de que “A Comissão deve, nas suas decisões, tratar somente de
objecções que as partes (...) puderam comentar”

e) O direito de acesso aos documentos constitui uma consequência do direito de


audiência (cfr. o Acórdão Países Baixos e Van der Wal versus Comissão, Procs. C-174/98
P e C-189-98 P). Este direito só existe se os documentos forem relevantes e a sua não
revelação puder ter influenciado o curso do processo e o conteúdo da decisão
administrativa em desfavor do visado (cfr. o Acórdão Países Baixos versus Comissão,
Proc. 581/94, e o Acórdão Solvay, Proc. T-30/91)
f) O direito de acesso ao processo e aos documentos está expressamente consagrado no
artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento do Conselho n.º 1/2003, “sob reserva do interesse legítimo
das empresas na protecção dos segredos comerciais”, e nos artigos 15.º e 16.º do
Regulamento da Comissão n.º 773/2004, que incluem também “outra informação
confidencial”. O considerando 13.º deste Regulamento esclarece o que deve entender-se por
“outra informação confidencial”: trata-se de “informação diferente de segredos comerciais,
que pode ser considerada como confidencial, na medida em que a sua revelação poderia
prejudicar significativamente uma empresa ou pessoa”. As empresas inspeccionadas podem
também ficar, depois de findar a inspecção, com cópia das inquirições em que os seus
representantes participaram (cfr. o artigo 4.º, n.º 2, do Regulamento da Comissão n.º 773/2004)

g) A revelação de documentos não deve prejudicar o segredo profissional,


consequentemente a autoridade administrativa não deve fundamentar a sua decisão em
documentos cuja revelação esteja vedada por força do segredo profissional (cfr. o Acórdão
Bélgica versus Comissão, 234/84, e caso AKZO v. Comissão, C-62/86)

h) A ocultação de documentos que foram utilizados para fundamentar a imputação viola


o direito de defesa independentemente da iniciativa do arguido, desde que se verifiquem
duas condições cumulativas: por um lado, se não houver outros documentos no processo
que sirvam de fundamento da decisão da autoridade administrativa; e, por outro, se ficar
provado que a autoridade administrativa teria concluído diferentemente se tivesse sido
afastado o referido documento confidencial. Esta, uma condição de relevância do
documento para a fundamentação da decisão administrativa. Se a fundamentação da
decisão administrativa não permitir apurar quais os factos baseados em documentos
confidenciais, há violação do direito de defesa, devendo ser cominada essa violação com a
sanção da nulidade sanável
i) O direito à fundamentação das decisões administrativas constituiu um corolário do direito de
audiência, uma vez que dele decorre que a autoridade administrativa deve demonstrar que tomou
em consideração os argumentos apresentados pelos visados, o que lhes permite impugnar a decisão,
bem como permite ao Tribunal exercer uma função de controlo da legalidade da decisão. Se a decisão
da autoridade administrativa não for suficientemente precisa nos seus fundamentos de modo a
permitir o exercício dos direitos de impugnação, ela padece de um vício de ilegalidade (cfr. o Acórdão
Alemanha versus Comissão, Proc. 24/62)

j) O direito à representação legal, que inclui o direito à confidencialidade da comunicação entre o


advogado e o cliente, foi reconhecido com duas restrições: não inclui os advogados que tenham uma
relação laboral com o cliente, isto é, que sejam empregados do cliente; e só abrange as comunicações
mantidas com vista à defesa dos interesses do cliente (cfr. o Acórdão Demont versus Comissão, Proc.
115/80, o Acórdão AM & S Europa versus Comissão, Proc. 155/79, e o Acórdão Hilti versus Comissão,
Proc. T-30/89). O direito à representação legal está previsto no artigo 14.º, n.º 1, do Regulamento da
Comissão n.º 773/2004.

8. O princípio da investigação e da procura da verdade material: não tem


consagração expressa no RGCO, mas ele está implicitamente presente quer no princípio do
inquisitório, quer designadamente no princípio da proporcionalidade das sanções principais
(artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, sobre a Determinação da medida da coima (sanção principal): “A determinação da
medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente
e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação).
E no princípio da proporcionalidade das sanções acessórias: as sanções acessórias nunca são
de aplicação automática; exigem sempre um juízo autónomo relativamente ao da sanção
principal, como expressamente resulta do artigo 21.º, n.º 1, do RGCO, sobre as “Sanções
acessórias”: “1 - A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções
acessórias, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente”
9. E o princípio da presunção da inocência (in dubio pro libertatis também na fase
administrativa do processo sancionatório, o direito à não auto-inculpação, o direito ao
silêncio e o direito a não facultar provas contra si próprio)

9.1. Neste âmbito, adianta alguma doutrina que os documentos e informações que o
visado (ainda mero suspeito) disponibilize às autoridades administrativas durante a
investigação e instrução do processo no âmbito do ilícito de mera ordenação social e que,
posteriormente, venham a ser usados como prova contra o próprio, deverão considerar-se
nulos e, como tal, não devem ser usados como prova, por tal método, para além de
comprometer o direito de defesa ou de reduzir as possibilidades de defesa, afrontar o
princípio nemo tenetur se ipsum accusare, revelando-se um meio de obtenção de prova
auto-inculpatória, vendo-se igualmente comprometido o princípio da presunção da
inocência, sendo que todas estas garantias deverão considerar-se decorrentes do n.º 10 do
artigo 32.º da Constituição.

9.2. Em termos gerais, correlaciona-se com esta temática o regime do CPA, relativo à
instrução do procedimento (artigos 115.º e 120.º)
Artigo 115.º (Factos sujeitos a prova): “1 — O responsável pela direção do procedimento deve
procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma
decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de
prova admitidos em direito”.
Artigo 120.º (Produção antecipada de prova):
“1 — Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou de difícil realização a produção de
qualquer prova com interesse para a decisão, pode o órgão competente, oficiosamente ou a pedido
fundamentado dos interessados, proceder à sua recolha antecipada.
2 — A produção antecipada de prova pode ter lugar antes da instauração do procedimento”.
9.3. No Direito da União Europeia, o direito à não auto-inculpação é mencionado no
parágrafo 23.º do Regulamento do Conselho n.º 1/2003, segundo o qual “as empresas
não podem ser forçadas a admitir que cometeram uma infracção, mas são de qualquer
forma obrigadas a responder a perguntas de natureza factual e a exibir documentos,
mesmo que essas informações possam ser utilizadas para determinar que elas próprias
ou quaisquer outras empresas cometeram uma infracção”.

9.4. De acordo com a jurisprudência do TJUE, os direitos fundamentais do visado


num processo sancionatório da ordem jurídica da União Europeia são:
i) o direito a uma audiência diante da autoridade administrativa;
ii) o direito à não auto-inculpação;
iii) o direito à fundamentação das decisões;
iv) o direito de acesso a documentos;
v) o direito à representação legal, que inclui o direito à confidencialidade da
comunicação entre o advogado e o cliente; e
vi) o direito de acesso a um tribunal independente e imparcial num tempo razoável

9.4.1. Estes direitos foram vertidos para os artigos 41.º e 47.º da Carta dos Direitos
Fundamentais e, mais especificadamente, para o Regulamento do Conselho n.º
112003, de 16/12/2002, e o Regulamento da Comissão n.º 773/2004, de 7/4/2004,
que já foi alterado pelo Regulamento n.º 1792/2006, 23/10/2006, e pelo
Regulamento n.º 622/2008, de 30/6/2008.
9.4. Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
a) Na Alemanha, quando a lei imponha deveres de colaboração e informação, os
elementos de prova obtidos desta forma fora do processo contra-ordenacional não
podem ser valorados contra o arguido. Desde 1981 que a jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal considera que é desconforme com a Constituição a
obrigação de, através de declarações dos visados, estes terem de fornecer
informações que suportem a aplicação de sanções, “Na medida em que fora do
processo contra-ordenacional deveres administrativos e compulsórios de
informação e cooperação atinjam o arguido e, portanto, ele não beneficie do
direito ao silêncio, os conhecimentos adquiridos deste modo não podem ser
valorados no processo contra-ordenacional a seu desfavor (especialmente no
direito tributário e no direito da concorrência)”

b) No caso de deveres obrigatórios de colaboração e informação, o princípio da


proibição da auto-inculpação exige ou o reconhecimento de um direito de recusa
de depoimento ou o estabelecimento de uma proibição de prova. A prova
inculpatória fornecida pelo sujeito a deveres de colaboração e informação não pode
ser usada contra ele num processo administrativo sancionatório

c) No entanto, o princípio da proibição da auto-inculpação e o direito ao silêncio


não foram reconhecidos às pessoas colectivas, com base no argumento de que o
direito de não auto-inculpação decorre da dignidade da pessoa humana e,
portanto, não aproveita à pessoa colectiva.
As principais fases do procedimento administrativo sancionatório
disciplinado no Regime Geral das Contra-Ordenações
Fase da imputação da contra-ordenação (“acusação”)
1. Os elementos típicos ou essenciais da imputação (no entanto, deve ter-se
sempre em conta o disposto em leis especiais/sectoriais, podendo, aqui, haver
alguma “elasticidade” no regime da imputação – p. ex., um mero auto ou um
relatório da inspecção/fiscalização):
a) Factos constitutivos da infracção;
b) Legislação violada (identificação de normas violadas) que sancione os
factos praticados (ou as omissões);
c) O prazo de defesa (prazo razoável, caso não exista um prazo especialmente
previsto);
d) A (eventual) possibilidade de pagamento voluntário da coima e as
consequências do não pagamento

1.1. Nota sobre “a contra-ordenação que lhe é imputada”:


i) Nos termos do “Assento” n.º 1/2003, do Supremo Tribunal de Justiça, não
se exige à autoridade administrativa que na “acusação” (isto é, como diz a lei,
na “contra-ordenação que … é imputada” ao arguido) proceda, desde logo, a
uma valoração da prova, no sentido de que deve aí qualificar o específico
grau de gravidade ou o grau de culpa do agente;
ii) O que se exige, outrossim, é que proceda, em função dos factos apurados e
imputados ao arguido, à qualificação jurídica da infracção, isto é, da contra-
ordenação, identificando o correspondente tipo legal aplicável (princípio da
tipicidade).

Exemplo:
iii) A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que aprova a lei quadro das contra-
ordenações ambientais, determina o seguinte no artigo 9.º:
1 - As contra-ordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência.
2 - Salvo disposição expressa em contrário, as contra-ordenações ambientais
são sempre puníveis a título de negligência.
Assim:
i) Neste regime, a regra é a de que as contra-ordenações ambientais também
são puníveis a título de negligência;
ii) Mas se uma norma determinar que uma determinada infracção só é
punível a titulo de dolo, da “acusação” devem constar os factos integrativos
deste tipo legal (os factos imputados ao arguido devem permitir extrair esta
qualificação jurídica contra-ordenacional - » princípio da tipicidade). Mas já o
apuramento do grau de gravidade da infracção – e, portanto, do grau de culpa
do agente – terá de decorrer de um juízo específico de valoração da prova a
fazer na fase instrutória.
Fase de defesa e audiência do arguido
1. Os três momentos fundamentais do exercício do direito de defesa pelo arguido
no procedimento sancionatório
1.1. Momento da “acusação” ou, como diz a lei, no momento em que “a contra-
ordenação que lhe é imputada” – artigo 50.º do RGCO (Nota: o procedimento
administrativo de contra-ordenação não tem uma estrutura acusatória como o processo penal,
ficando, assim, afastada a aplicação do regime da acusação em processo penal, previsto no artigo
283.º do Código de Processo Penal)
O arguido pode, neste momento:
a) Pronunciar-se sobre a contra-ordenação que lhe é imputada, contestando-a;
b) Alegar as suas razões para convencer ou persuadir a autoridade administrativa a não
avançar com a sua pretensão sancionatória
c) Aceder aos elementos do processo (direito de acesso que é naturalmente mais amplo a
partir da imputação da contra-ordenação, pois com esta extingue-se o “segredo interno” do
processo, ainda que este se mantenha em “segredo externo”)

1.2. Momento da produção de prova entre a fase da “acusação” e a fase da decisão:


o arguido pode participar na produção de prova documental, testemunhal, pericial, etc.
Nota: sobre as garantias “processuais” do arguido, os Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.º 380/99, n.º 547/01 (relevando a aplicação dos princípios constitucionais
da culpa, da proibição de sanções de duração ilimitada e indefinida e da
proporcionalidade), n.º 265/01 e n.º 31/2000 (ambos relevando, no âmbito do artigo 46.º do
RGCO, as garantias de audição e de defesa, com base no n.º 10 do artigo 32.º da
Constituição) e n.º 129/09 (afirmando a aplicação do princípio da presunção de inocência,
também com base no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição)
1.3. Defesa em momentos procedimentalmente difusos: impugnação judicial
de decisões ou despachos adoptados ao longo dos trâmites procedimentais

1.3.1. Sendo que, para este efeito: “1 - Todas as decisões, despachos e demais
medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às
pessoas a quem se dirigem” (artigo 46.º do RGCO, sobre a comunicação de
decisões)

1.3.2. E que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo:


2 - Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a
comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os
esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de
impugnação.
(Nota: o artigo 47.º do RGCO contém regras especificas sobre a notificação, p.
ex., a quem deve ser dirigida, que elementos a devem acompanhar)

1.3.3. E ainda que se encontra garantido o recurso das medidas das


autoridades administrativas - artigo 55.º, n.º 1, do RGCO: “As decisões,
despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no
decurso do processo são susceptíveis de impugnação judicial por parte do
arguido ou da pessoa contra as quais se dirigem” (p. ex., pode ser um terceiros,
desde que seja afectado pela medida).
Mas esta faculdade não é extensiva às medidas meramente preparatórias:
Artigo 55.º, n.º 2: “O disposto no número anterior não se aplica às medidas que
se destinem apenas a preparar a decisão final de arquivamento ou aplicação
da coima, não colidindo com os direitos ou interesses das pessoas.
(Nota: sobre a competência para decidir a impugnação ver o artigo 61.º do RGCO, nos
termos do qual o tribunal de recurso decide em última instância)

1.3.4. Mas impõe-se distinguir medidas preparatórias de medidas provisórias


(cautelares). Exemplo de medidas provisórias (artigo 48.º-A do RGCO, sobre a
apreensão de objectos):
a) Medidas de apreensão de bens adoptadas pela autoridade administrativa
(de qualquer objecto ou documento)
1 - Podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades administrativas
competentes os objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática
de uma contra-ordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim
quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova.
(Sem prejuízo de: 2 - Os objectos são restituídos logo que se tornar desnecessário
manter a apreensão para efeitos de prova, a menos que a autoridade administrativa
pretenda declará-los perdidos. E que: “3 - Em qualquer caso, os objectos são
restituídos logo que a decisão condenatória se torne definitiva, salvo se tiverem sido
declarados perdidos”).
b) Ou mesmo as medidas de polícia (artigo 48.º, n.º 1, do RGCO: “As
autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou
circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por contra-ordenação e
tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas”.

c) Incluindo também as medidas de coacção – artigo 42.º do RGCO


1 - Não é permitida a prisão preventiva, a intromissão na correspondência ou nos
meios de telecomunicação nem a utilização de provas que impliquem a violação do
segredo profissional.
2 - As provas que colidam com a reserva da vida privada, bem como os exames
corporais e a prova de sangue, só serão admissíveis mediante o consentimento de
quem de direito.

1.3.5. As medidas provisórias no Código do Procedimento Administrativo –


artigo 89.º, sobre a admissibilidade de medidas provisórias:
“1 — Em qualquer fase do procedimento, pode o órgão competente para a decisão
final, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, ordenar as medidas provisórias
que se mostrem necessárias, se houver justo receio de, sem tais medidas, se constituir
uma situação de facto consumado ou se produzirem prejuízos de difícil reparação para
os interesses públicos ou privados em presença, e desde que, uma vez ponderados esses
interesses, os danos que resultariam da medida se não mostrem superiores aos que se
pretendam evitar com a respetiva adoção”
Nota: a dupla relevância do princípio da proporcionalidade
Fase da instrução
Artigo 54.º, n.º 2, do RGCO: “A autoridade administrativa procederá à sua
investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”.

1. Fase que inclui:


1.1. A eventual adopção de medidas provisórias pelas autoridades administrativas
1.2. A defesa do arguido contra actos processuais específicos, incluindo a
impugnação judicial
1.3. A elaboração, pelo instrutor, do relatório e do projecto de decisão

Fase da decisão
1. Os elementos essenciais da decisão – artigo 58.º do RGCO (“Decisão
condenatória”)
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da
decisão;
d) A coima e as sanções acessórias
1.1. Nota: as sanções acessórias nunca são automáticas; pressupõem sempre
um juízo autónomo da autoridade administrativa
Síntese final:
1. Nesta fase – fase administrativa - o processo de aplicação de sanções no âmbito do
ilícito de mera ordenação social reveste uma natureza administrativa (e não
judicial). O processo administrativo não é um processo jurisdicionalizado; é um
procedimento administrativo de natureza sancionatória, ainda que sujeito a
especiais particularidades de regime;

2. As entidades identificáveis como sujeitos procedimentais/processuais na fase


administrativa confirma a conclusão anterior. Nesta fase temos como sujeitos
procedimentais:
a) As autoridades administrativas responsáveis pela investigação (se existir) e instrução do
processo e as autoridades administrativas competentes para a decisão (final) de aplicação de
sanções principais e acessórias
b) O arguido.
Nota: as autoridades administrativas policiais e os agentes da fiscalização são meros
intervenientes procedimentais (artigo 48.º, n.º 1, do RGCO), assim como as testemunhas (artigo
48.º, n.º 2, do RGCO) e os eventuais lesados com a prática do facto ilícito de mera ordenação
social.

3. A natureza administrativa do processo implica que não haja lugar à transposição, para esta
fase, do princípio do contraditório, da imediação e da oralidade, tal como são configurados
pelo Processo Penal

4. A fase administrativa termina com uma decisão final, de arquivamento ou de aplicação de


uma sanção (principal e, eventualmente, de uma sanção acessória)
5. Esta decisão sancionatória torna-se definitiva, caso não seja impugnada
judicialmente pelo arguido

6. No procedimento administrativo de aplicação de sanções no âmbito do ilícito de


mera ordenação social não se verifica uma necessária separação de funções entre a
entidade que investiga e que procede à instrução e a entidade que decide sobre a
aplicação da sanção, à semelhança do que sucede nos processos de estrutura acusatória,
podendo coexistir modelos de concentração de funções (a entidade que investiga
coincide com a entidade responsável pela instrução e decisão). É esta, aliás, a regra
geral na fase administrativa (p. ex., a Autoridade da Concorrência concentra as funções
de investigação, instrução e decisão, em termos análogos ao que sucede com a
generalidade das entidades administrativas)

7. No nosso ordenamento jurídico (e na prática administrativa), o modelo de separação


daquelas funções entre entidades distintas é excepcional

8. A Constituição não impõe, no âmbito do Direito Administrativo sancionatório, a


existência de um processo de estrutura acusatória, pelo que a existência de modelos
concentração de competências sancionatórias na mesma entidade não se afigura
inconstitucional

9. No entanto, o facto de se tratar de um processo com estrutura inquisitória (e não


acusatória) não significa que não deva acolher as dimensões próprias de um processo
equitativo, como, aliás, deverá entender-se que tal exigência decorre do artigo 32.º, n.º
10, da Constituição, ao garantir os direitos de defesa e de audiência
10. Consequentemente, a fase administrativa do processo de aplicação de sanções no
âmbito do ilícito de mera ordenação social deverá garantir a separação entre as fases
de investigação/instrução e a decisão, de forma a salvaguardar a independência e a
imparcialidade da decisão. E nem sequer tem de exigir-se que aquela separação de
funções tenha de implicar necessariamente uma separação institucional de
entidades administrativas: uma entidade administrativa que procede à investigação
e instrução e uma outra entidade administrativa que aplica a sanção, assim se
separando as competências de investigação e de instrução e a competência para a
decisão final por distintas entidades administrativas. No mínimo, impõe-se que
aquele princípio seja assegurado no âmbito de cada entidade, inclusivamente por
aplicação subsidiária do CPA, ao estabelecer, no artigo 55.º, sobre o “Responsável
pela direção do procedimento”, que a “direção do procedimento cabe ao órgão
competente para a decisão final”, (n.º 1), mas adiantando no n.º 2 que o “órgão
competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu, o poder de direção
do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou
quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas,
invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em directiva interna
respeitante a certos procedimentos”

11. O sentido indicado tem encontrado acolhimento em diversa jurisprudência,


sendo disso exemplo os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 581/2004, de 28-9,
n.º 278/2011, de 7-6, n.º 595/2012, de 6-12, e n.º 49/2013. Em sentido semelhante, o
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-9-2002, e os Acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, de 4-6-2008, e de 11-3-2009.
II – Fase judicial: impugnação judicial da decisão administrativa
1. Recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima
(Artigos 59.º e 60.º do RGCO). Artigo 59.º:
1. A. decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de
impugnação judicial
2. O recurso de impugnação judicial pode ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3. O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a
coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de
alegações e conclusões.
Notas:
i) Não obstante o nº 1 do artigo 59.º sugerir não ser recorrível a decisão administrativa que aplicou
uma admoestação, deve entender-se que esta decisão também é susceptível de impugnação judicial;
ii) O recurso sobe nos próprios autos, de imediato e tem efeito, em regra, suspensivo (artigos 406.º,
407.º e 408.º, n.º 1, alínea a) do CPP);
iii) Não é devida taxa de justiça pela interposição deste recurso (artigo 93.º, n.º 2).

Nota: a jurisprudência, tem entendido que o recurso, ainda que não tenha as conclusões formalmente
escritas, seja aceite, na medida em que o mesmo pode ser interposto pelo arguido sem necessidade de
intervenção de advogado. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/01, para além
de afirmar que, na fase administrativa do processo, valem as garantias de audição e de defesa do
arguido, declarou a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 59.º, n.º 3, e 63.º, n.º 1, do
RGCO, nos termos da qual a falta de formulação de conclusões na motivação do recurso
judicial/impugnação judicial da coima aplicada pela autoridade administrativa implicava a rejeição
do recurso. Esta interpretação das referidas disposições do RGCO viola os direitos ao recurso e a
um processo equitativo garantidos pelo n.º 10.º do artigo 32.º da Constituição.
1.1. Modo de contagem do prazo do recurso de impugnação (artigo 60º do
RGCO):
1. O prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se
aos sábados, domingos e feriados.
2. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a
apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

1.1.1. Trata-se de um prazo administrativo (e não de um prazo judicial), pelo


que não se suspende durante as férias e não se aplicam ao mesmo as regras do
CPP e do CPC, por via do artigo 41.º do RGCO (não há, neste ponto, qualquer
lacuna a integrar).
Neste sentido, p. ex., o Acórdão da Relação de Évora de 10-1-2006, disponível em dgsi:
1. O recurso de impugnação faz parte da fase administrativa do processo, não da fase
judicial, pelo que nunca a interposição de um tal recurso pode ser considerado, seja para que
efeito for, um acto praticado em juízo.
2.Com efeito, tal recurso é deduzido num processo contra-ordenacional e nem sequer dá origem
imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade
administrativa revogar a decisão até ao envio do processo ao tribunal (artigo 62.º, n.º2
do RGCO)
3.Por o prazo para a impugnação da decisão ter natureza administrativa e não
judicial, não são aplicáveis os ditames dos artigos 104.º, n.º1 e 107.º, n.º4 do CPP e 145.ºdo
CPC (ou seja, as regras privativas dos prazos judiciais não lhe são aplicáveis).
2. O Ministério Público e os “autos” do recurso (artigo 62º do RGCO, sobre o
“(Envio dos autos ao Ministério Público)”:
“1. Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao
Ministério Público, que os tornará presentes aos juiz, valendo esta acto como acusação.
2. Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação de
coima”.
Ao receber o processo, o Ministério Público deverá:
– sanear o processo, nomeadamente, apreciar alguma questão que considere relevante para o processo
(p. ex., solicitar à autoridade administrativa elementos sobre a notificação do arguido de modo a
apreciar se o recurso está em prazo, solicitar a indicação de provas ou de outros elementos que
entenda faltar na decisão administrativa);
– indicar as provas, caso remeta o processo para julgamento (artigo 72.º, n.º 1, do RGCO: ”Compete ao
Ministério Público promover a prova de todos os factos que considere relevantes para a decisão”).
2.1. Não se trata de uma acusação em sentido material ou técnico, como no
Processo Penal; o MP procede a uma análise dos fundamentos e da
admissibilidade da impugnação

3. Participação das autoridades administrativas na audiência de julgamento


(artigo 70º do RGCO):
1 - O tribunal concederá às autoridades administrativas a oportunidade de trazerem à
audiência os elementos que reputem convenientes para uma correcta decisão do caso,
podendo um representante daquelas autoridades participar na audiência.
2 - O mesmo regime se aplicará, com as necessárias adaptações, aos casos em que, nos termos do nº 3 do artigo
64º, o juiz decidir arquivar o processo.
3 - Em conformidade com o disposto no nº 1, o juiz comunicará às autoridades administrativas a data da
audiência.
4 - O tribunal comunicará às mesmas autoridades a sentença, bem como as demais decisões finais.
3.1. No entanto, o alargamento a algumas autoridades reguladoras da legitimidade
processual para impugnar a decisão administrativa, para concordarem ou não com a
retirada da “acusação” pelo MP e para interporem recurso jurisdicional da decisão da 1.ª
instância (remissão para o tema da análise específica dos poderes sancionatórios das
autoridades reguladoras)

4. Audiência de julgamento
Artigo 64º do RGCO: o juiz pode decidir do caso mediante audiência de julgamento ou
através de simples despacho quando não considere necessária audiência de julgamento e o
arguido ou o Ministério Público não se oponham. (n.ºs 1 e 2)
Artigo 69.º do RGCO: o Ministério Público deve estar presente na audiência de
julgamento

4.1. Retirada da acusação (artigo 65º-A do RGCO):


1.A todo o tempo, e até à sentença em primeira instância ou até ser proferido o despacho previsto no
n.º 2 do artigo 64.º, pode o Ministério Público, com o acordo do arguido, retirar a acusação.
2.Antes de retirar a acusação, deve o Ministério Público ouvir as autoridades administrativas
competentes, salvo se entender que tal não é indispensável para uma adequada decisão.

4.2. Retirada do recurso (artigo 71.º, n.º 1, do RGCO):


1.O recurso pode ser retirado até à sentença em primeira instância ou até ser proferido o
despacho previsto no n.º 2 do artigo 64.º;
2. Depois do início da audiência, o recurso só pode ser retirado mediante o acordo do
Ministério Público.
5. Recursos judiciais
5.1. Recurso do despacho judicial que não aceite o recurso interposto, por ser
extemporâneo ou com inobservância de exigências de forma (artigo 63º do
RGCO):
a) Deste despacho há recurso que sobe imediatamente, nos próprios autos e –
entendemos - com efeito suspensivo;
b) O recurso é de agravo e é interposto para o Tribunal da Relação competente
(e não reclamação para o presidente do Tribunal da Relação, cfr., neste sentido,
o Acórdão da Relação de Évora de 6-10-88, in CJ 1988, Tomo IV, p. 272);
c) Na matéria em que a competência seja dos Tribunais Administrativos
(ilícitos urbanísticos), o recurso é interposto para o Tribunal Central
Administrativo competente (TCA Norte ou TCA Sul).

5.2. Decisões judiciais que admitem recurso (artigos 73.º a 75.º do RGCO)
1. Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial
proferido nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 50.000$00 (=249,50€);
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias (p. ex., a perda de objectos,
inibição de conduzir no âmbito do Código da Estrada);
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade
administrativa tenha aplicada coima superior a 50.000$00 (=249,50€) ou que tal coima
tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada (situação referida em 4.1. e prevista no artigo 63.º, n.º2, do
RGCO));
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2. Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a Relação, a requerimento do
arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure
manifestamente necessário à aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da
jurisprudência.
3. Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se
apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificarem os pressupostos
necessários, o recurso subirá com esses limites.

5.3. A decisão judicial de admoestação não é recorrível para o Tribunal da Relação (nos
termos do n.º 1 do artigo 73º do RGCO). Cfr., p. ex., o Acórdão da Relação de Lisboa, de
14-1-2004, disponível em dgsi.

5.4. Regime do recurso (artigo 74.º do RGCO)


5.4.1. Prazo e tramitação
1. O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do
despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida
sem a presença deste.
2. Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 73.º, o requerimento deve seguir o recurso, antecedendo-o.
3. Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que será resolvida por
despacho não fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4. O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as
especialidades que resultam deste diploma (artigo 41.º do RGCO).
5.5. Âmbito e efeitos do recurso (artigo 75.º do RGCO)
1. Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da
matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2. A decisão de recurso poderá:
3. Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao
sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A, sobre a proibição
da reformatio in pejus;
4. Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.

Pelo que:
i) O Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista, só conhecendo e
apreciando questões de direito;
ii) Na medida em que neste tipo de processos não há lugar à gravação da prova e à
respectiva transcrição, o recurso limitar-se à apreciação da matéria de direito (artigo
66.º do RGCO);
iii) Não obstante, tendo em conta a jurisprudência do Acórdão da Relação do Porto,
de 19-4-2006, disponível em dgsi “…pode o recurso, para além das questões de
direito, ter ainda por fundamento qualquer dos vícios enumerados no artigo 410.º,
n.º 2 do CPP, “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou
conjugado com as regras da experiência comum”.
Muito obrigado pela Vossa atenção!

Licínio Lopes Martins


Análise de alguns regimes sancionatórios: os
ilícitos urbanísticos, ambientais e do
ordenamento do território
Sumários de apoio
Licínio Lopes Martins
I – O ilícito urbanístico e a delimitação do âmbito da jurisdição dos
Tribunais Administrativos no âmbito do ilícito de mera ordenação social
a que se refere a alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF: “Impugnações
judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera
ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”

1. Introdução
1.1. No direito do urbanismo, é comum a distinção entre as temáticas do
planeamento urbanístico (enquanto actividade jurídica de produção de
planos) e as da gestão urbanística (actividade que se prende com a concreta
ocupação, uso e transformação dos solos, seja esta realizada directamente
pela Administração Pública ou pelos particulares sob a direcção,
promoção, coordenação ou controlo daquela)

1.2. O respectivo regime encontra-se previsto num diploma básico – a Lei


de Bases das Políticas Públicas de Solos, de Ordenamento do Território e
de Urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio –, que é
desenvolvido em diplomas específicos:
- O planeamento territorial tem o seu regime fundamental disciplinado no
Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio;
- O Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) (regime aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º
136/2014, de 9 de Setembro) estabelece o regime das operações urbanísticas;

- Para a gestão urbanística orientada para a intervenção no existente, isto é, uma


gestão assente na reabilitação/regeneração urbanas, aplica-se o Regime Jurídico da
Reabilitação Urbana (RJRU) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de
Outubro (na versão mais recente do Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21-5).

1.3. Qualquer destes regimes contém normas específicas relativas ao


chamado ilícito de mera ordenação social: no caso do RJRU, o artigo 77.º-C;
no caso do RJIGT, o seu artigo 131.º, que remete para diploma próprio a regulação
e desenvolvimento das contra-ordenações resultantes da violação de disposições de
planos intermunicipais ou municipais, bem como de medidas cautelares, e no caso
do RJUE, o artigo 98.º

2. No domínio do ilícito contra-ordenacional, é o RJUE que assume


maior relevância prática
2.1. Os sujeitos envolvidos nas operações urbanísticas
a) O promotor: é a pessoa jurídica, pública ou privada, em regra proprietária dos terrenos
nos quais se pretende realizar a operação urbanística, e que é responsável pela sua execução ou
desenvolvimento (por regra, é o requerente da operação urbanística e também o dono de obra);
b) Os técnicos envolvidos no processo, identificados na Lei n.º 31/2009,
de 3 de Julho:
- Técnicos com responsabilidade na elaboração dos projectos (técnicos
que elaboram e subscrevem, com autonomia, o projecto de arquitectura,
cada um dos projectos de engenharia ou o projecto de paisagismo - e que
devem trabalhar em equipa, designada por equipa de projecto), e o
coordenador de projecto;

- Os técnicos com responsabilidade na execução: director da obra (técnico


representante do empreiteiro na execução da obra que se responsabiliza
pela sua execução de acordo com as normas aplicáveis e os projectos
aprovados ou admitidos (cfr., artigo 14º da Lei n.º 31/2009);

- No caso das obras pública, assegurando uma função de direcção ou


director de fiscalização, temos o representante do dono da obra na
execução da mesma (cfr., a alínea f) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º
31/2009 e o artigo 334º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos), cabendo-
lhe verificar se a obra é executada de acordo com o projecto aprovado e
com as normas aplicáveis, assegurando uma função de fiscalização (cfr.,
alínea d) do artigo 3.º e n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 31/2009);
- O empreiteiro, isto é, a pessoa jurídica, pública ou privada,
que exerce a actividade de execução das obras de edificação e
urbanização e se encontre devidamente habilitada pelo
Instituto dos Mercados Públicos, da Construção e do
Imobiliário, I.P. (IMPIC).

2.2. As contra-ordenações no RJUE


Para cada um dos intervenientes referidos, o RJUE estabelece
um regime sancionatório em função do tipo de obrigações
incumpridas e as consequências daí decorrentes, na medida
em que desse incumprimento de resulte o preenchimento de
um tipo legal de ilícito.

No RJUE, é possível ordenar as várias contra-ordenações


previstas em 4 categorias:
i) contra-ordenações relacionadas com os procedimentos
urbanísticos;
ii) contra-ordenações relacionadas com os técnicos;
iii) contra-ordenações relacionadas com os requerentes/
promotores/empreiteiros;
iv) e outras contra-ordenações.

2.3. Contra-ordenações relacionadas com os procedimentos


urbanísticos (de controlo preventivo ou de outra natureza)
Os procedimentos urbanísticos (sejam eles ou não de controlo
preventivo), são, em regra, da responsabilidade do requerente
(em regra o promotor e dono de obra).
Relativamente a estes sujeitos, temos as seguintes situações
consideradas como contra-ordenação:

2.3.1. Operações sem os procedimentos de controlo


preventivo (ou outras exigências procedimentais a que
estejam sujeitos):
- A realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a
prévio licenciamento sem o respectivo alvará de
licenciamento (alínea a) do n.º 1 do artigo 98.º, excepto no
caso previsto no artigo 81.º (trabalhos de demolição,
escavação e contenção periférica até à profundidade do piso
de menor cota, que pode ocorrer logo após a aprovação do
projecto de arquitectura ou, caso o pedido tenha sido
antecedido de informação prévia favorável vinculativa para a
câmara, logo após a fase de saneamento, não sendo por isso
exigido o alvará que apenas é emitido no final do
procedimento) e no caso previsto no artigo 113.º; (deferimento
tácito).

- A ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem


autorização de utilização (alínea d) do n.º 1 do artigo 98.º);
- A realização de operações urbanísticas sujeitas a
comunicação prévia sem que esta tenha ocorrido (alínea r)
do n.º 1 do artigo 98.º) Nota: neste caso, ainda que não esteja
em causa um procedimento de controlo preventivo, a
comunicação da operação e a entrega de todos os projectos e
documentos que a instruem é uma exigência que tem de ser
cumprida pelo interessado antes de ser iniciada a operação;

2.3.2. Operações em desconformidade com os actos de


controlo preventivo ou projectos:
- A realização de operações urbanísticas em
desconformidade com o respectivo projecto ou com as
condições do licenciamento ou da comunicação prévia (no
caso destas, as condições são as apresentadas pelo interessado
na comunicação e que devem estar em conformidade com os
regulamentos municipais em vigor que as podem estabelecer
em abstracto) –» (alínea b) do n.º 1 do artigo 98.º);
- Utilização dos edifícios ou fracções autónomas em
desacordo com o uso fixado no respectivo alvará, salvo se
estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões
exclusivamente imputáveis à câmara municipal (alínea d) do
n.º 1 do artigo 98.º);

2.3.3. Contra-ordenações relacionadas com os técnicos


intervenientes nos processos:
- As falsas declarações dos autores e coordenador de
projectos no termo de responsabilidade, relativamente à
observância das normas técnicas gerais e específicas de
construção, bem como das disposições legais e
regulamentares aplicáveis ao projecto (alínea e) do n.º 1 do
artigo 98.º);
- As falsas declarações no termo de responsabilidade do
director de obra e do director de fiscalização de obra ou de
outros técnicos relativamente:
- À conformidade da execução da obra com o projecto aprovado
e com as condições da licença ou da comunicação prévia
apresentada;

- À conformidade das alterações efectuadas ao projecto com as


normas legais e regulamentares aplicáveis (alínea f) do n.º 1 do
artigo 98.º, conjugado com o artigo 83.º);

- A subscrição de projecto da autoria de quem, por razões de


ordem técnica, legal ou disciplinar, se encontre inibido de o
elaborar (alínea g) do n.º 1 do artigo 98.º);

- A falta do livro de obra no local onde se realizam as obras


(alínea l) do n.º 1 do artigo 98.º);

- A falta dos registos do estado de execução das obras no livro de


obra (alínea m) do n.º 1 do artigo 98.º).
2.3.4. Contra-ordenações relacionadas com os
requerentes/promotores/empreiteiros:
- A execução de trabalhos em violação do disposto no n.º 2 do artigo 80.º-A,
que manda informar o início dos trabalhos com a antecedência de até 5
dias (alínea c) do n.º 1 do artigo 98.º);

- O prosseguimento de obras cujo embargo tenha sido legitimamente


ordenado (alínea h) do n.º 1 do artigo 98.º);

- A não afixação ou a afixação de forma não visível do exterior do prédio,


durante o decurso do procedimento de licenciamento ou autorização, do
aviso que publicita o pedido de licenciamento ou autorização (alínea i) do
n.º 1 do artigo 98.º);

- A não manutenção de forma visível do exterior do prédio, até à conclusão


da obra, do aviso que publicita o alvará ou a comunicação prévia (alínea j)
do n.º 1 do artigo 98.º);

- A não remoção dos entulhos e demais detritos resultantes da obra nos


termos do artigo 86.º (alínea n) do n.º 1 do artigo 98.º);
- A ausência de requerimento a solicitar à câmara municipal o averbamento de
substituição do requerente, do autor de projecto, de director de obra ou
director de fiscalização de obra, do titular do alvará de construção ou do título
de registo emitido pelo IMPIC, bem como do titular de alvará de licença ou
apresentante da comunicação prévia (alínea o) do n.º 1 do artigo 98.º);

- A não conclusão das operações urbanísticas referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo


89.º 80 nos prazos fixados para o efeito (alínea s) do n.º 1 do artigo 98.º).

2.3.5. Outras contra-ordenações


a) Contra-ordenações que visam punir o incumprimento de um
dever instituído para a garantia da protecção de terceiros:
- A ausência do número de alvará de loteamento ou da comunicação prévia
nos anúncios ou em quaisquer outras formas de publicidade à alienação dos
lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas nele construídos (alínea p)
do n.º 1 do artigo 98.º);

- A não comunicação à câmara municipal dos negócios jurídicos de que resulte


o fraccionamento ou a divisão de prédios rústicos no prazo de 20 dias a contar
da data de celebração- (alínea q) do n.º 1 do artigo 98.º).
b) Contra-ordenação pela deterioração dolosa da edificação pelo proprietário
ou por terceiro ou a violação grave do dever de conservação (alínea t) do n.º 1
do artigo 98.º): está aqui em causa um novo ilícito que tem por objectivo, pelo
menos, minorar o estado generalizado de degradação dos imóveis, sobretudo
nos centros históricos das cidades. No entanto, não deixa de ser difícil definir o que
deve entender-se por “deterioração dolosa” e controlar tal facto, sobretudo quando em
causa está a imputação de uma contra-ordenação, na qual o juízo de censura não é
iminentemente pessoal, mas de carácter técnico-administrativo.

3. A delimitação do ilícito estritamente urbanístico, para efeitos da


alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (ETAF), nos termos da qual a jurisdição administrativa é a
competente para conhecer das “Impugnações judiciais de decisões da administração
pública que apliquem coimas, no âmbito do ilícito de mera ordenação social por
violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo…”

3.1. Quanto à delimitação do âmbito de normas de direito administrativo em


matéria de urbanismo, o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação
(Decreto-Lei n.º 555/99) constitui o principal diploma legal compiladores de
disposições identificáveis com essa natureza. À luz do RJUE, poderá dizer-se
que estaremos em face de violação de normas de direito administrativo em
matéria de urbanismo quando:
i) no âmbito de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, se proceda à
realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio
licenciamento sem o respectivo alvará de licenciamento [artigo 98.º, n.º 1, a),
do RJUE];

ii) se violem normas sobre a realização de trabalhos de remodelação de


terrenos [artigo 4.º, n.º 2, b)], obras de construção e obras de ampliação [artigo
4.º, n.º 2, c)], obras de alteração de imóveis classificados [artigo 4.º, n.º 2, d)],
obras de demolição de edificações que não se encontrem previstas em licença
de obras de reconstrução [artigo 4.º, n.º 2, f)].

De igual modo, assim sucederá quando:


iii) esteja em causa a realização de quaisquer operações urbanísticas em
desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições do
licenciamento ou da comunicação prévia [artigo 98.º, n.º 1, alínea b)];

iv) a ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem autorização de


utilização ou em desacordo com o uso fixado no respectivo alvará ou
comunicação prévia [artigo 98.º, n.º 1, alínea d)];

v) a realização de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia sem


que esta tenha ocorrido [artigo 98.º, n.º 1, r)];
vi) a não conclusão das operações urbanísticas referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 89.º, nos
prazos fixados para o efeito [artigo 98.º, n.º 1, s)], ou seja, a não realização de obras de
conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade
ou destinadas à melhoria do arranjo estético das edificações, que sejam determinadas
pela câmara municipal (artigo 89.º, n.º 2);

vii) a não demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam
perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, que seja ordenada pela
câmara municipal (artigo 89.º, n.º 3);

viii) e a violação de normas em matéria de urbanismo estabelecidas em


regulamentos municipais de urbanização e edificação, aprovados com base na
habilitação conferida pelo artigo 3.º do RJUE.

3.1.1. Também do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (Decreto-Lei n.º


307/2009), designadamente do artigo 77.º-C, se podem seleccionar algumas
normas cuja violação implica o cometimento de uma “contra-ordenação em
matéria de urbanismo”: será o caso da realização de operação urbanística de
reabilitação urbana sujeita a comunicação prévia sem que esta haja sido efectuada e
admitida, a realização de quaisquer operações urbanísticas de reabilitação de
edifícios em desconformidade com o respectivo projecto ou com as condições da
admissão da comunicação prévia e a ocupação de edifícios ou das suas fracções
autónomas sem autorização de utilização, quando exigida, ou em desacordo com o
uso nela fixado.
4. Ilícitos urbanísticos e sanções acessórias – artigo 99.º do RJUE
As contra-ordenações previstas no n.º 1 do artigo 98.º do RJUE podem ainda
determinar, quando a gravidade da infracção o justifique, a aplicação das
seguintes sanções acessórias:
- A apreensão dos objectos pertencentes ao agente que tenham sido utilizados como
instrumento na prática da infracção;
- A interdição do exercício no município, até ao máximo de quatro anos, da
profissão ou actividade conexas com a infracção praticada (esta sanção quando
aplicada a pessoa colectiva, estende-se a outras pessoas colectivas constituídas pelos
mesmos sócios);
- A privação do direito a subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos.

Especificamente, sobre o tema:


- Fernanda Paula Oliveira, Ainda sobre as contraordenações urbanísticas que são da
competência dos tribunais administrativos, in Direito do Urbanismo. Do Planeamento à
Gestão, AEDREL, Setembro, 2019, pp 51 a 70
- Licínio Lopes Martins e Jorge Alves Correia, Justiça Administrativa, 2.ª edição,
GESTLEGAL, Coimbra, 2019, pp 39 a 48;
Licínio Lopes Martins, Âmbito da jurisdição administrativa em matéria de contra-
ordenações urbanísticas – Anotação ao Ac. do TCA Sul de 1.6.2017, P.
413/17.9BESNT”, CJA, n.º 126, Nov./Dez., 2017, pp. 46 e ss.
II - Contra-ordenações ambientais: um conceito amplo (Lei n.º
50/2006, de 29-8, que aprova a lei-quadro das contra-ordenações
ambientais, republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28-8, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2019, de 26-3
1. Conceito de contra-ordenação ambiental - artigo 1.º
a) Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que
preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e
regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham
deveres, para o qual se comine uma coima (n.º 2)

b) Para os efeitos do citado n.º 2, considera-se como legislação e


regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes
ambientais naturais e humanas, tal como enumeradas na Lei de Bases do
Ambiente (n.º 3)

c) De igual modo, a violação dos regulamentos de gestão dos programas


especiais constitui a prática de uma contra-ordenação ambiental, como tal
previstas nos respectivos regimes legais especiais, embora sem prejuízo do
regime das contra-ordenações do ordenamento do território, concretizadas na
violação dos planos municipais e intermunicipais e das medidas preventivas
(n.º 5)
2. Regime das contra-ordenações ambientais – artigo 2.º
As contra-ordenações ambientais e do ordenamento do território são
reguladas pelo disposto na Lei n.º 50/2006 e, subsidiariamente, pelo
regime geral das contra-ordenações.

3. Princípio da legalidade - artigo 3.º


Só é punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado
passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.

4. Noção de autoria - artigo 15.º


É punível como autor quem:
- executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar
parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou
outros; e

- ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto,


desde que haja execução ou começo de execução.
5. Punibilidade por dolo e negligência - artigo 9.º
“1 — As contraordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência.
2 — A negligência nas contraordenações é sempre punível.
3 — O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de
coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o
dolo”

6. A punição da cumplicidade - artigo 16.º


“1 — É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma,
prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
2 — É aplicável ao cúmplice a sanção fixada para o autor, especialmente
atenuada”

7. A comparticipação - artigo 17.º


“1 — Se vários agentes comparticiparam no facto, qualquer deles incorre em
responsabilidade por contraordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de
ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do
agente e estas só existam num dos comparticipantes.
2 — Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente
da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes”
8. Causas de exclusão da ilicitude - artigo 12.º (“Erro sobre a ilicitude”)
“1 — Age sem culpa quem atua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro
lhe não for censurável.
2 — Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada”

9. Responsabilidade pelas contra-ordenações - artigo 8.º


9.1. Responsabilidade subsidiária e solidária
Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que
somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, ainda que
irregularmente constituídas, e outras quaisquer entidades equiparadas são
subsidiariamente responsáveis:
- Pelas coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício
do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o
património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu
pagamento;

- Pelas coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as
aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja
imputável a falta de pagamento;

- Pelas custas processuais decorrentes dos processos instaurados no âmbito da


presente lei.
9.1.1. A responsabilidade subsidiária antes referida é solidária se
forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de
que resulte a insuficiência do património das entidades em causa (n.º
2 do artigo 8.º)

9.2. Responsabilidade solidária da pessoa colectiva (ou equiparada) e


administradores - artigo 11.º
Se o agente for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo
pagamento da coima, solidariamente com esta, os respectivos titulares
do órgão máximo das pessoas colectivas públicas, sócios,
administradores ou gerentes.

10. Poderes das autoridades administrativas - artigo 18.º

10.1. “Direito de acesso”


“1 — Às autoridades administrativas, no exercício das funções
inspectivas, de fiscalização ou vigilância, é facultada a entrada livre nos
estabelecimentos e locais onde se exerçam as actividades a
inspeccionar.
2 — Os responsáveis pelos espaços referidos no número anterior são obrigados a
facultar a entrada e a permanência às autoridades referidas no número anterior
e a apresentar-lhes a documentação, livros, registos e quaisquer outros
elementos que lhes forem exigidos, bem como a prestar-lhes as informações
que forem solicitadas.
3 — Em caso de recusa de acesso ou obstrução à ação inspetiva, de fiscalização ou
vigilância, pode ser solicitada a colaboração das forças policiais para remover tal
obstrução e garantir a realização e segurança dos atos inspetivos.
4 — O disposto neste artigo é aplicável a outros espaços afetos ao exercício das
atividades inspecionadas, nomeadamente aos veículos automóveis, aeronaves,
comboios e navios”.

10.2. Poder de decretar embargos administrativos - artigo 19.º


“1 — As autoridades administrativas, no exercício dos seus poderes de vigilância,
fiscalização ou inspeção, podem determinar, dentro da sua área de atuação
geográfica, o embargo de quaisquer construções em áreas de ocupação proibida
ou condicionada em zonas de proteção estabelecidas por lei ou em
contravenção à lei, aos regulamentos ou às condições de licenciamento ou
autorização.
2 — As autoridades administrativas podem, para efeitos do artigo anterior,
consultar integralmente e sem reservas, junto das câmaras municipais, os
processos respeitantes às construções em causa, bem como deles solicitar
cópias, que devem com caráter de urgência ser disponibilizados por aquelas”
11. Sanção aplicável e respectiva determinação - artigo 20.º
“1 — A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da
gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e
dos benefícios obtidos com a prática do facto.
2 — Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta
anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
3 — São ainda atendíveis a coação, a falsificação, as falsas declarações, simulação
ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de
ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infracção”.

12. Suspensão da sanção - artigo 20.º -A


1 — Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa
pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se
verifiquem as seguintes condições cumulativas:
a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à
prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e
à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos
para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
2 — Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima,
nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a
execução da sanção acessória.
3 — A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas
obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a
regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à
prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e
ambiente.
4 — O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-
se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação
judicial da decisão condenatória.
5 — A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se,
durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:
a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do
ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática,
respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do
território;
b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.
6 — A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução
estava suspensa”.
13. Montantes mínimos e máximos das coimas – artigo 22.º
“4 — Às contraordenações muito graves correspondem as seguintes coimas:
a) Se praticadas por pessoas singulares, de € 10 000 a € 100 000 em caso de
negligência e de € 20 000 a € 200 000 em caso de dolo;
b) Se praticadas por pessoas coletivas, de € 24 000 a € 144 000 em caso de
negligência e de € 240 000 a € 5 000 000 em caso de dolo”.

13.1. Previsão de critérios especiais de medida da coima - artigo 23.º


“A moldura da coima nas contraordenações muito graves previstas nas alíneas a) e b) do
n.º 4 do artigo 22.º é elevada para o dobro nos seus limites mínimo e máximo quando a
presença ou emissão de uma ou mais substâncias perigosas afete gravemente a saúde,
a segurança das pessoas e bens e o ambiente”.

14. Contra-ordenações por incumprimento de ordens da autoridade


administrativa - artigo 25.º
“1 — Constitui contraordenação leve o incumprimento de ordens ou mandados legítimos da
autoridade administrativa, transmitidos por escrito aos seus destinatários, quando à mesma
conduta não seja aplicável sanção mais grave.
2 — O incumprimento de ordens ou mandados legítimos, a que se refere o número
anterior, após a respetiva notificação, constitui contraordenação grave.
3 — A notificação das ordens ou mandados legítimos, nos termos do n.º 1, inclui expressamente o prazo fixado
para o cumprimento da ordem ou mandado e a informação do agravamento da medida da contraordenação em
caso de incumprimento, nos termos do número anterior”.
15. O regime do concurso de infracções - artigo 28.º
“1 — Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o
agente é sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções
acessórias previstas para a contraordenação.
2 — Quando se verifique concurso de crime e contraordenação, ou quando, pelo
mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de
contraordenação, o processamento da contraordenação cabe às autoridades
competentes para o processo criminal, nos termos do regime geral das
contraordenações”.

16. Sanções acessórias - artigo 29.º


16.1. Princípio da legalidade
“A lei pode, simultaneamente com a coima, determinar, relativamente às
infrações graves e muito graves, a aplicação de sanções acessórias, nos termos
previstos nos artigos seguintes e no regime geral das contraordenações”.

16.2. Tipo de sanções acessórias - artigo 30.º


“1 — Pela prática de contraordenações graves e muito graves podem ser
aplicadas ao infrator as seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão e perda a favor do Estado dos objectos pertencentes ao arguido,
utilizados ou produzidos aquando da infração;
b) Interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa
de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços
públicos nacionais ou comunitários;
d) Privação do direito de participar em conferências, feiras ou mercados nacionais ou
internacionais com intuito de transacionar ou dar publicidade aos seus produtos ou às
suas atividades;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que
tenham por objeto a empreitada ou concessão de obras públicas, a aquisição de
bens e serviços, a concessão de serviços públicos e a atribuição de licenças ou
alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a
autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Cessação ou suspensão de licenças, alvarás ou autorizações relacionados com
o exercício da respetiva atividade;
h) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de
crédito de que haja usufruído;
i) Selagem de equipamentos destinados à laboração;
j) Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos
ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos
efeitos decorrentes da mesma;
l) Publicidade da condenação;
m) Apreensão de animais”.
16.2.1. Interdição e inibição do exercício da actividade - artigo 32.º
“1 — Pode ser aplicada aos responsáveis por qualquer contraordenação a
interdição temporária, até ao limite de três anos, do exercício da profissão ou
da atividade a que a contraordenação respeita.
2 — A sanção prevista neste artigo só pode ser decretada se o arguido praticou
a contraordenação em flagrante e grave abuso da função que exerce ou com
manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes”.

16.2.2. Publicidade da condenação - artigo 38.º


“1 — A lei determina os casos em que a prática de infracções graves e muito
graves é objeto de publicidade.
2 — A publicidade da condenação referida no número anterior pode consistir
na publicação de um extrato com a caracterização da infração e a norma
violada, a identificação do infrator e a sanção aplicada:
a) Num jornal diário de âmbito nacional e numa publicação periódica local ou
regional, da área da sede do infrator, a expensas deste;
b) Na 2.ª série do Diário da República, no último dia útil de cada trimestre, em
relação aos infratores condenados no trimestre anterior, a expensas destes.
3 — As publicações referidas no número anterior são promovidas pelo
tribunal competente, em relação às infracções objeto de decisão judicial, e
pela autoridade administrativa, nos restantes casos”.
III - Contra-ordenações do ordenamento do território
1. Noção: constitui contra-ordenação do ordenamento do território a violação dos
planos municipais e intermunicipais e das medidas preventivas (n.º 4 do artigo 1.º da
Lei n.º 50/2006)

1.1. Contra-ordenações por violação de planos territoriais - artigo 40.º -A


“1 — Constitui contra-ordenação muito grave, punível nos termos do disposto na
presente lei, a prática dos seguintes atos em violação de disposições de plano
intermunicipal ou de plano municipal de ordenamento do território:
a) As obras de construção, ampliação e demolição;
b) A execução de operações de loteamento;
c) A instalação de depósitos de sucata, de ferro-velho, de entulho ou de resíduos ou de
qualquer natureza;
d) A ocupação e transformação do uso do solo para a construção, alteração, ampliação ou
utilização de pedreiras.
2 — Constitui contra-ordenação grave, punível nos termos do disposto na presente lei, a prática
dos seguintes actos em violação de disposições de plano intermunicipal ou de plano
municipal de ordenamento do território:
a) As obras de alteração ou de reconstrução;
b) A utilização de edificações ou a ocupação e transformação do uso do solo para o exercício
de actividades não admitidas pelo plano;
c) A instalação ou ampliação de infra-estruturas, nomeadamente de produção, distribuição e
transporte de energia eléctrica, de telecomunicações, de armazenamento e transporte de gases,
águas e combustíveis ou de saneamento básico;
d) A abertura de estradas, caminhos ou de novas vias de comunicação ou de acesso;
e) A realização de aterros ou escavações;
f) As demais operações urbanísticas que correspondam a trabalhos de remodelação dos
terrenos.
3 — Constitui contra-ordenação grave a violação das limitações decorrentes do
estabelecimento de medidas preventivas ou das disposições estabelecidas por normas
provisórias.
4 — As contra-ordenações previstas nos números anteriores são comunicadas ao Instituto dos Mercados Públicos, da
Construção e do Imobiliário, I. P.”

1.2. Análise crítica do regime legal à luz do conceito e objecto do Direito do


Urbanismo

IV – A competência jurisdicional - artigo 75.º-A (Impugnação judicial de


contraordenações): “Caso o mesmo facto dê origem à aplicação, pela mesma entidade,
de decisão por contraordenação do ordenamento do território, prevista na presente lei, e
por contraordenação por violação de normas constantes do Regime Jurídico da
Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, a
apreciação da impugnação judicial da decisão adotada pela autoridade administrativa
compete aos tribunais administrativos”

1. Corresponde a um alargamento da jurisdição dos Tribunais Administrativos no


âmbito do ilícito de mera ordenação social a que se refere a alínea l) do n.º 1 do artigo
4.º do ETAF: “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito
do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”
2. Concurso de ilícitos (de contra-ordenações) na jurisprudência do Tribunal
de Conflitos (Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 27-09-2018, Proc. 023/18):
“I - A partir de 01/09/2016, e «ex vi» dos arts. 04.º, n.º 1, al. l), e 05.º do ETAF, 38.º, 40.º,
n.º 1, 130.º, n.º 2, al. d), da LOSJ, e 64.º do CPC/2013, ressalta que os tribunais
administrativos gozam de competência unicamente para os litígios impugnatórios de
decisões que hajam aplicado coimas apenas fundadas na violação de normas de
Direito Administrativo em matéria de urbanismo.
II - Da sua competência estão excluídas todas as impugnações contenciosas relativas a atos sacionadores nos
demais domínios/matérias tipificados como constituindo ilícitos de mera ordenação social.
III - Daí que, quando ocorra impugnação de decisão administrativa sancionadora com
aplicação de uma coima que puna um concurso de infrações relativo à violação de
normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o
urbanístico, a competência material para conhecimento dessa impugnação caberá aos
tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos.
IV - Só assim não será se exista expressa disposição em contrário pela qual seja
conferida aos tribunais administrativos a competência para as impugnações judiciais
de atos administrativos sancionadores de ilícitos contraordenacionais em concurso por
violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros
domínios que não o urbanístico”.

V - Excepção ao princípio da proibição da reformatio in pejus - artigo


75.º: “Não é aplicável aos processos de contraordenação instaurados e decididos
nos termos desta lei a proibição de reformatio in pejus, devendo essa informação
constar de todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso”
Muito obrigado pela Vossa atenção!

Licínio Lopes Martins


Análise de alguns regimes sancionatórios:
funções sancionatórias das associações públicas
profissionais e, em especial, das autoridades
reguladoras independentes
Sumários de apoio
Licínio Lopes Martins
I - Sanções regulatórias em geral

1. Origem e expansão das sanções regulatórias


a) As “profissões publicamente reguladas”
b) Liberalização e privatização de actividades económicas e
dos (antigos) serviços públicos
c) O “Estado regulador” e a “economia de mercado regulada”

2. As “profissões publicamente reguladas” e as funções


sancionatórias das associações públicas profissionais
a) A auto-regulação profissional oficial
b) O poder disciplinar das ordens profissionais
c) Sanções disciplinares
2.1. Tipos de sanções regulatórias (em sentido amplo)
2.1.1. Infracções profissionais - ilícito administrativo
a) Competência sancionatória: autoridades de autodisciplina
profissional (ordens, etc.)

b) Sanções: penas disciplinares; sanções corporativas

c) Sujeitos: profissões reguladas e corporativamente


organizadas

d) Impugnação judicial: Tribunais Administrativos

e) Principal legislação: Lei n.º 2/2013, 10 de Janeiro, que


estabelece o regime jurídico de criação, organização e
funcionamento das associações públicas profissionais;
estatutos das corporações profissionais
II - Em especial, as sanções regulatórias das autoridades
reguladoras independentes, em especial as sanções contra-
ordenacionais - Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto - Lei-quadro
das entidades administrativas independentes com funções de
regulação da actividade económica dos sectores privado,
público e cooperativo

1. São reconhecidas como entidades reguladoras as


seguintes entidades actualmente existentes (artigo 3.º, n.º 3,
da Lei-quadro das entidades reguladoras independentes):
a) Instituto de Seguros de Portugal;
b) Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
c) Autoridade da Concorrência;
d) Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos;
e) Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)
f) Autoridade Nacional da Aviação Civil (atribuições em
matéria de regulação, de promoção e defesa da concorrência
no âmbito dos transportes terrestres, fluviais e marítimos)

h) Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos;

i) Entidade Reguladora da Saúde.

Nota: a Lei-quadro das entidades reguladoras não se aplica ao


Banco de Portugal e à Entidade Reguladora para a
Comunicação Social, que se regem por legislação própria.
2. Poderes das autoridades reguladoras independentes -
artigo 40.º da Lei-quadro das entidades reguladoras
independentes

Compete às entidades reguladoras no exercício dos seus


poderes de regulação, de supervisão, de fiscalização e de
sanção de infracções respeitantes às actividades económicas
dos sectores privado, público, cooperativo e social,
designadamente:

- Fixar as regras de acesso à actividade económica regulada,


nos casos e nos termos previstos na lei;
- Assegurar, nas actividades baseadas em redes, o acesso
equitativo e não discriminatório às mesmas por parte dos
vários operadores, nos termos previstos na lei;
- Garantir, nas actividades que prestam «serviços de interesse
geral», as competentes «obrigações de serviço público» ou
«obrigações de serviço universal»;
- Implementar as leis e demais regulamentos aplicáveis ao
respectivo sector de actividade;

- Verificar o cumprimento de deveres legais ou regulamentares


a que se encontram sujeitos os destinatários das suas
actividades;

- Verificar o cumprimento de qualquer orientação ou


determinação emitida pela entidade reguladora ou de qualquer
outra obrigação relacionada com o respectivo sector de
actividade;

- Emitir ordens e instruções, conceder autorizações e


aprovações ou homologações nos casos legalmente previstos.
E compete ainda às entidades reguladoras no exercício dos
seus poderes em matéria de inspecção e auditoria, de
fiscalização e sancionatórios, designadamente:

- Fiscalizar e auditar a aplicação das leis e regulamentos, e


demais normas aplicáveis, bem como as obrigações
contraídas pelos concessionários ou prestadores de serviços
nos respectivos contratos para a prestação de serviço público
ou de serviço universal, quando respeitem a actividades
sujeitas à sua regulação;

- Fiscalizar e auditar a aplicação das leis e regulamentos, e


demais normas aplicáveis às actividades sujeitas à sua
jurisdição e proceder às necessárias inspecções, inquéritos e
auditorias;
- Desencadear os procedimentos sancionatórios em caso de
infracções de deveres e obrigações derivados de normas
legais ou regulamentares, bem como de obrigações
contraídas pelos concessionários ou prestadores de serviços
nos respectivos contratos para a prestação de serviço público
ou de serviço universal, quando respeitem a actividades
sujeitas à sua regulação;

- Adoptar as necessárias medidas cautelares e aplicar as


devidas sanções;
Artigo 42.º
Poderes em matéria de inspecção e auditoria
“1 — As entidades reguladoras devem efectuar inspecções e
auditorias pontualmente, em execução de planos de
inspecções previamente aprovados e sempre que se
verifiquem circunstâncias que indiciem perturbações no
respectivo setor de actividade”
Para os efeitos referidos, os trabalhadores mandatados pelas
respectivas entidades reguladoras para efectuar uma
inspecção ou auditoria são equiparados a agentes da
autoridade, podendo:
- Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de
transporte das empresas e outras entidades destinatárias da
actividade da entidade reguladora e a quem colabore com
aquelas;

- Inspeccionar os livros e outros registos relativos às


empresas e outras entidades destinatárias da actividade da
entidade reguladora e a quem colabore com aquelas,
independentemente do seu suporte;

- Obter, por qualquer forma, cópias ou extractos dos


documentos controlados;
Etc.
Artigo 43.º (Poderes sancionatórios)
Compete às entidades reguladoras, nos termos dos
respetivos regimes sancionatórios, praticar todos os atos
necessários ao processamento e punição das infrações às leis
e regulamentos cuja implementação ou supervisão lhes
compete, bem como do incumprimento das suas próprias
determinações.

3.2.1. Concretização do regime da Lei-quadro das entidades


reguladoras independentes nos estatutos de cada uma
destas entidades. Exemplo: o Estatuto da Entidade
Reguladora da Saúde (ERS), aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de Agosto:
Artigo 22.º (Poderes sancionatórios)
No exercício dos seus poderes sancionatórios, incumbe à ERS
desencadear os procedimentos sancionatórios adequados, adotar
as necessárias medidas cautelares e aplicar as devidas sanções.
Podendo adoptar as medidas cautelares que julgue
convenientes (artigo 23.º - Medidas cautelares)

“Sempre que as investigações realizadas indiciem que os atos


que são objeto do processo estão na iminência de provocar
um prejuízo grave e irreparável ou de difícil reparação para
o setor regulado ou para os utentes de cuidados de saúde, a
ERS pode ordenar preventivamente a imediata suspensão
da prática dos referidos atos ou quaisquer outras medidas
provisórias necessárias à imediata reposição do cumprimento
das leis ou regulamentos aplicáveis que se mostrem
indispensáveis ao efeito útil da decisão a proferir em processo
instaurado ou a instaurar”
3. Características das sanções regulatórias

a) Grande extensão e intensidade

b) Coimas elevadas e sanções acessórias muito variadas

c) Possibilidade de suspensão e “negociação” das sanções


regulatórias

4. Contencioso das sanções regulatórias (em Portugal, a


criação de uma jurisdição especializada – o Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão, Lei nº 46/2011, de 24
de Junho, artigo 89º-B)
III - Referência a alguns regimes de “sanções regulatórias”
1. Banco de Portugal
a) O Banco de Portugal como autoridade reguladora das
instituições de crédito e instituições financeiras

b) Competência sancionatória do Banco de Portugal: Regime


Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com a
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 157/2014, de 24 de
Outubro, Capítulo II, do Título XI (Ilícito de mera ordenação
social).

c) Aplicação subsidiária do RGCO: artigo 232.º - Aplicação do


regime geral (“Às infrações previstas no presente capítulo é
subsidiariamente aplicável, em tudo que não contrarie as
disposições dele constantes, o regime geral dos ilícitos de mera
ordenação social”)
1.1. Aplicação no espaço
Artigo 201.º “O regime sancionatório é aplicável,
independentemente da nacionalidade do agente, aos
seguintes factos que constituam infracção à lei portuguesa:
a) Factos praticados em território português;
b) Factos praticados em território estrangeiro de que sejam
responsáveis instituições de crédito ou sociedades financeiras
com sede em Portugal e que ali actuem por intermédio de
sucursais ou em prestação de serviços, bem como indivíduos
que, em relação a tais entidades, se encontrem em alguma das
situações previstas no n.º 1 do artigo 203.º, ou nelas detenham
participações sociais;
c) Factos praticados a bordo de navios ou aeronaves
portuguesas, salvo tratado ou convenção em contrário”
1.2. Concurso de infracções (artigo 208.º): a conservação da
competência no Banco de Portugal
“1 — Sempre que uma pessoa deva responder
simultaneamente a título de crime e a título de contra-
ordenação pela prática dos mesmos factos, o
processamento das contra-ordenações para que seja
competente o Banco de Portugal e a respectiva decisão
cabem sempre a esta autoridade.
2 — Sempre que uma pessoa deva responder apenas a título
de crime, ainda que os factos sejam também puníveis a título
de contra-ordenação, pode o juiz penal aplicar as sanções
acessórias previstas para a contra-ordenação em causa”
1.3. Limites mínimos e máximos das sanções e a proibição
do benefício do infractor (Secção II “Ilícitos em especial”)
Artigo 211.º - “Infrações especialmente graves”
“1 — São puníveis com coima de € 10 000 a € 5 000 000 ou de €
4 000 a € 5 000 000, consoante seja aplicada a ente coletivo ou
a pessoa singular, as infrações adiante referidas:(…)”

Artigo 211.º-A – “Agravamento da coima”


“Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo
seguinte, se o dobro do benefício económico obtido pelo
infrator for determinável e exceder o limite máximo da
coima aplicável, este é elevado àquele valor”
1.4. Sanções acessórias (artigo 212.º)
“1 — Conjuntamente com as coimas previstas nos artigos
210.º e 211.º, podem ser aplicadas aos responsáveis por
qualquer infração as seguintes sanções acessórias:
a) Perda do benefício económico retirado da infração;
b) Perda do objeto da infração e de objetos pertencentes ao
agente relacionados com a prática da infração;
c) Publicação da decisão definitiva ou transitada em julgado;
d) Quando o arguido seja pessoa singular, a inibição do
exercício de cargos sociais e de funções de administração,
gerência, direção ou chefia em quaisquer entidades sujeitas
à supervisão do Banco de Portugal, por um período de seis
meses a três anos, nos casos do artigo 210.º, ou de um a 10
anos, nos casos do artigo 211.º;
e) Suspensão do exercício do direito de voto atribuído aos
titulares de participações sociais em quaisquer entidades
sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, por um período
de um a 10 anos.
2 — A publicação a que se refere a alínea c) do número
anterior é efetuada, na íntegra ou por extrato, a expensas do
infrator, num local idóneo para o cumprimento das
finalidades de proteção dos clientes e do sistema financeiro,
designadamente, num jornal nacional, regional ou local,
consoante o que, no caso, se afigure mais adequado”
1.5. Poderes permanentes de inspecção: sua relevância para a
instrução dos processos (artigo 215.º “ Recolha de
elementos”)
“(…)

7 — No decurso de inspeções a entidades sujeitas à supervisão


do Banco de Portugal, estão obrigadas a facultar-lhe o acesso
irrestrito aos seus sistemas e arquivos, incluindo os informáticos,
onde esteja armazenada informação relativa a clientes ou
operações, informação de natureza contabilística, prudencial ou
outra informação relevante no âmbito das competências do
Banco de Portugal, bem como a permitir que sejam extraídas
cópias e traslados dessa informação”

1.6. Decisão do Banco de Portugal


Artigo 220.º “1 — Concluída a instrução, o processo é
apresentado à entidade a quem caiba proferir decisão,
acompanhado de parecer sobre as infrações que devem
considerar-se provadas e as sanções que lhes são aplicáveis”
1.7. Requisitos da decisão que aplique sanção (artigo 222.º -
“1 — A decisão que aplique coima contém:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados;
c) A indicação dos elementos de prova que fundaram a
decisão;
d) A indicação das normas jurídicas violadas e sancionatórias;
e) A indicação da sanção ou sanções aplicadas, com indicação
dos elementos que contribuíram para a sua determinação;
f) A condenação em custas e a indicação da pessoa ou pessoas
obrigadas ao seu pagamento;
g) [Revogada].
2 — A notificação da decisão contém:
a) A advertência de que a coima e, quando for o caso, as
custas, devem ser pagas no prazo de 10 dias úteis após a
decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado, sob pena
de se proceder à sua cobrança coerciva;
b) A indicação dos termos em que a condenação pode ser
impugnada judicialmente e tornar-se exequível;
c) A indicação de que, em caso de impugnação judicial, o
tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido,
o Ministério Público e o Banco de Portugal não se oponham,
mediante simples despacho;
d) A indicação de que não vigora o princípio da proibição da
reformatio in pejus”
1.8. Tribunal competente para a impugnação (judicial) das
decisões do Banco de Portugal
Artigo 229.º - “O tribunal da concorrência, regulação e
supervisão é o tribunal competente para conhecer o recurso,
a revisão e a execução das decisões ou de quaisquer outras
medidas legalmente suscetíveis de impugnação tomadas
pelo Banco de Portugal, em processo de contraordenação”

1.8.1. Efeito da impugnação: o desvio à regra geral do efeito


suspensivo do RGCO
a) Artigo 228.º-A - “O recurso de impugnação de decisões
proferidas pelo Banco de Portugal só tem efeito suspensivo
se o recorrente prestar garantia, no prazo de 20 dias, no valor
de metade da coima aplicada, salvo se demonstrar, em igual
prazo, que não a pode prestar, no todo ou em parte, por
insuficiência de meios”
b) Por força do n.º 1 do artigo 55.º do RGCO (Recurso das medidas das
autoridades administrativas), as “decisões, despachos e demais medidas
tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do processo são
susceptíveis de impugnação judicial por parte do arguido ou da pessoa
contra as quais se dirigem”

E nos termos do artigo 59.º:


1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é
susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu
defensor.
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa
que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo
arguido, devendo constar de alegações e conclusões”

c) Por força da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal a


impugnação das decisões das autoridades administrativas que apliquem
sanções contra-ordenacionais tem efeito suspensivo (artigo 408.º, n.º 1,
alínea a) - “Recurso com efeito suspensivo” - do Código de Processo Penal:
“1 - Têm efeito suspensivo do processo: a) Os recursos interpostos de
decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º”
2. Autoridade Nacional de Comunicações - ANACOM
a) A ANACOM como entidade reguladora das
telecomunicações e dos serviços postais

b) O regime legal das contra-ordenações no sector das


telecomunicações: Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, revista
em 2011

3. Entidade Reguladora da Saúde - ERS


a) A ERS como autoridade reguladora dos serviços de saúde

b) Os novos estatutos da ERS - Decreto-Lei nº 126/2014, de 22


de Agosto – e a remissão para o regime geral das contra-
ordenações
4. A Autoridade da Concorrência
a) A Autoridade da Concorrência como “autoridade
reguladora”, lato sensu

b) Competência contra-ordenacional da Autoridade da


Concorrência: Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de
Maio), Capítulo VII

c) A suspensão ou redução condicional de coimas pela


Autoridade da Concorrência

d) A possibilidade de reformatio in pejus em caso de


impugnação judicial
4.1. Contra-ordenações
Artigo 29.º - Conclusão da instrução
1 — A instrução deve ser concluída, sempre que possível, no
prazo máximo de 12 meses a contar da notificação da nota de
ilicitude.
2 — Sempre que se verificar não ser possível o cumprimento
do prazo referido no número anterior, o conselho da
Autoridade da Concorrência dá conhecimento ao visado pelo
processo dessa circunstância e do período necessário para a
conclusão da instrução.
3 — Concluída a instrução, a Autoridade da Concorrência
adota, com base no relatório do serviço instrutor, uma
decisão final, na qual pode:
a) Declarar a existência de uma prática restritiva da
concorrência e, sendo caso disso, considerá-la justificada, nos
termos e condições previstos no artigo 10.º;
b) Proferir condenação em procedimento de transação, nos
termos do artigo 27.º;
c) Ordenar o arquivamento do processo mediante imposição
de condições, nos termos do artigo anterior;
d) Ordenar o arquivamento do processo sem condições.
4 — As decisões referidas na primeira parte da alínea a) do n.º
3 podem ser acompanhadas de admoestação ou da aplicação
das coimas e demais sanções previstas nos artigos 68.º, 71.º e
72.º e, sendo caso disso, da imposição de medidas de
conduta ou de caráter estrutural que sejam indispensáveis à
cessação da prática restritiva da concorrência ou dos seus
efeitos.
5 — As medidas de caráter estrutural a que se refere o
número anterior só podem ser impostas quando não existir
qualquer medida de conduta igualmente eficaz ou,
existindo, a mesma for mais onerosa para o visado pelo
processo do que as medidas de caráter estrutural.
4.1.1. Caso o procedimento prossiga para (eventual)
aplicação de coima:

Artigo 69.º - Determinação da medida da coima


“1 — Na determinação da medida da coima a que se refere o
artigo anterior, a Autoridade da Concorrência pode
considerar, nomeadamente, os seguintes critérios:
a) A gravidade da infração para a afetação de uma
concorrência efetiva no mercado nacional;
b) A natureza e a dimensão do mercado afetado pela
infração;
c) A duração da infração;
d) O grau de participação do visado pelo processo na infração;
e) As vantagens de que haja beneficiado o visado pelo
processo em consequência da infração, quando as mesmas
sejam identificadas;
f) O comportamento do visado pelo processo na eliminação
das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos
causados à concorrência;
g) A situação económica do visado pelo processo;
h) Os antecedentes contraordenacionais do visado pelo
processo por infração às regras da concorrência;
i) A colaboração prestada à Autoridade da Concorrência até
ao termo do procedimento.
2 — No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g)
do n.º 1 do artigo anterior, a coima determinada nos termos
do n.º 1 não pode exceder 10 % do volume de negócios
realizado no exercício imediatamente anterior à decisão
final condenatória proferida pela Autoridade da
Concorrência, por cada uma das empresas infratoras ou, no
caso de associação de empresas, do volume de negócios
agregado das empresas associadas.
3 — No caso das contraordenações referidas nas alíneas h) a j)
do n.º 1 do artigo anterior, a coima determinada nos termos
do n.º 1 não pode exceder 1 % do volume de negócios
realizado no exercício imediatamente anterior à decisão por
cada uma das empresas infratoras ou, no caso de associação
de empresas, do volume de negócios agregado das empresas
associadas.
4 — No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g)
do n.º 1 do artigo anterior, a coima aplicável a pessoas
singulares não pode exceder 10 % da respetiva remuneração
anual auferida pelo exercício das suas funções na empresa
infratora, no último ano completo em que se tenha verificado
a prática proibida”
Artigo 71.º - Sanções acessórias
“1 — Caso a gravidade da infração e a culpa do infrator o
justifiquem, a Autoridade da Concorrência pode determinar
a aplicação, em simultâneo com a coima, das seguintes
sanções acessórias:
a) Publicação no Diário da República e num dos jornais de
maior circulação nacional, regional ou local, consoante o
mercado geográfico relevante, a expensas do infrator, de
extrato da decisão de condenação ou, pelo menos, da parte
decisória da decisão de condenação proferida no âmbito de
um processo instaurado ao abrigo da presente lei, após o
trânsito em julgado;
b) Privação do direito de participar em procedimentos de
formação de contratos cujo objeto abranja prestações típicas
dos contratos de empreitada, de concessão de obras públicas,
de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de
bens móveis ou de aquisição de serviços ou ainda em
procedimentos destinados à atribuição de licenças ou alvarás,
desde que a prática que constitui contraordenação punível
com coima se tenha verificado durante ou por causa do
procedimento relevante”
2 — A sanção prevista na alínea b) do número anterior tem a
duração máxima de dois anos, contados da decisão
condenatória, após o trânsito em julgado”
4.2. E o poder de estabelecer sanções pecuniárias
compulsórias (artigo 72.º)
“…a Autoridade da Concorrência pode decidir, quando
tal se justifique, aplicar uma sanção pecuniária
compulsória, num montante não superior a 5 % da média
diária do volume de negócios no ano imediatamente
anterior à decisão, por dia de atraso, a contar da data da
notificação, nos casos seguintes:
a) Não acatamento de decisão da Autoridade da
Concorrência que imponha uma sanção ou ordene a
adoção de medidas determinadas;
b) Falta de notificação de uma operação de concentração
sujeita a notificação prévia nos termos dos artigos 37.º e
38.º” - artigo 72.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, que aprova
o novo regime jurídico da concorrência
4.3. Adopção de medidas cautelares (artigo 34.º - Medidas
cautelares)
“1 — Sempre que as investigações realizadas indiciem que a prática
que é objeto do processo está na iminência de provocar prejuízo, grave
e irreparável ou de difícil reparação para a concorrência, pode a
Autoridade da Concorrência, em qualquer momento do processo,
ordenar preventivamente a imediata suspensão da referida prática
restritiva ou quaisquer outras medidas provisórias necessárias à
imediata reposição da concorrência ou indispensáveis ao efeito útil
da decisão a proferir no termo do processo.
2 — As medidas previstas neste artigo podem ser adotadas pela
Autoridade da Concorrência oficiosamente ou a requerimento de
qualquer interessado e vigoram até à sua revogação, por período não
superior a 90 dias, salvo prorrogação, devidamente fundamentada, por
iguais períodos, devendo a decisão do inquérito ser proferida no prazo
máximo de 180 dias.
3 — A adoção das medidas referidas no n.º 1 é precedida de audição
dos visados, exceto se tal puser em sério risco o objetivo ou a eficácia
das mesmas, caso em que são ouvidos após decretadas”
Em síntese:
i) a Autoridade da Concorrência goza de habilitação legal para
diversas alternativas decisórias, quer na fase do inquérito, quer na
fase da instrução;

ii) E assiste-se ao alargamento do âmbito normativo dos tipos legais


sancionatórios (artigo 68.º - Contra-ordenações).
Entre outras, constitui contra-ordenação punível com coima:
i) A violação, pelos regulados, das regras da concorrência;

ii) A violação do disposto nos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o


Funcionamento da União Europeia;

iii) O incumprimento das condições medidas impostas pela


Autoridade da Concorrências;

iv) O desrespeito de decisão que decrete medidas cautelares.


4.4. A necessidade de intervenção do juiz de instrução (artigo 19.º da
Lei da Concorrência)
N. 1: “Existindo fundada suspeita de que existem, no domicílio de sócios, de
membros de órgãos de administração e detrabalhadores e colaboradores de
empresas ou associações de empresas, provas de violação grave dos artigos 9.º
ou 11.ºda presente lei ou dos artigos 101.º ou 102.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia, pode ser realizada busca domiciliária, que
deve ser autorizada, por despacho, pelo juiz de instrução, a requerimento da
Autoridade da Concorrência”.

N.ºs 7 e 8 do mesmo artigo 19.º:


7 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório
médico, esta é realizada, sob pena de nulidade, na presença do juiz de
instrução, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem
dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu
delegado, possa estar presente.
8 - As normas previstas no presente artigo aplicam-se, com as necessárias
adaptações, a buscas a realizar noutros locais, incluindo veículos, de sócios,
membros de órgãos de administração e trabalhadores ou colaboradores de
empresas ou associações de empresas.
4.5. A cooperação entre as entidades reguladoras sectoriais e
a Autoridade da concorrência (artigo 35.º - Articulação com
autoridades reguladoras sectoriais no âmbito de práticas
restritivas de concorrência):
“1 — Sempre que a Autoridade da Concorrência tome
conhecimento, nos termos previstos no artigo 17.º, de factos
ocorridos num domínio submetido a regulação sectorial e
suscetíveis de ser qualificados como práticas restritivas, dá
imediato conhecimento dos mesmos à autoridade reguladora
setorial competente em razão da matéria, para que esta se
pronuncie, em prazo fixado pela Autoridade da Concorrência.
2 — Sempre que estejam em causa práticas restritivas com
incidência num mercado que seja objeto de regulação setorial, a
adoção de uma decisão pela Autoridade da Concorrência nos
termos do n.º 3 do artigo 29.º é precedida, salvo nos casos de
arquivamento sem condições, de parecer prévio da respetiva
autoridade reguladora setorial, que será emitido em prazo
fixado pela Autoridade da Concorrência.
3 — Sempre que, no âmbito das respetivas atribuições e sem
prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 17.º, uma autoridade
reguladora setorial apreciar, oficiosamente ou a pedido de
entidades reguladas, questões que possam configurar uma
violação do disposto na presente lei, dá imediato
conhecimento à Autoridade da Concorrência, juntando
informação dos elementos essenciais.
4 — Antes da adoção de decisão final, a autoridade
reguladora setorial dá conhecimento do projeto da mesma à
Autoridade da Concorrência, para que esta se pronuncie no
prazo que lhe for fixado.
5 — Nos casos previstos nos números anteriores, a
Autoridade da Concorrência pode, por decisão
fundamentada, suspender a sua decisão de instaurar
inquérito ou prosseguir o processo, pelo prazo que considere
adequado”
4.6. Impugnação (judicial) das decisões da Autoridade da
Concorrência (artigo 84.º - Recurso, tribunal competente e
efeitos do recurso)
“(…)

3 — Das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência


cabe recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e
Supervisão.
4 — O recurso tem efeito meramente devolutivo, exceto no que
respeita a decisões que apliquem medidas de carácter estrutural
determinadas nos termos do n.º 4 do artigo 29.º, cujo efeito é
suspensivo.
5 — No caso de decisões que apliquem coimas ou outras sanções
previstas na lei, o visado pode requerer, ao interpor o recurso,
que o mesmo tenha efeito suspensivo quando a execução da
decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar
caução em substituição, ficando a atribuição desse efeito
condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado
pelo tribunal”
4.6.1. O efeito meramente devolutivo da impugnação
judicial e o desvio à regra geral do efeitos suspensivo do
RGCO

Artigo 59.º, n.º 1, do RGCO: “1 - A decisão da autoridade


administrativa que aplica uma coima é susceptível de
impugnação judicial”

Aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e o


efeito suspensivo resultante da impugnação das decisões
das autoridades administrativas que apliquem sanções
contra-ordenacionais (artigo 408.º, n.º 1, alínea a) - “Recurso
com efeito suspensivo” - do Código de Processo Penal: “1 -
Têm efeito suspensivo do processo: a) Os recursos
interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do
disposto no artigo 214.º”
4.6.2. A excepção ao princípio da proibição da reformatio in
pejus

Artigo 88.º - Controlo pelo tribunal competente


“1 — O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão
conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das
decisões em que tenha sido fixada pela Autoridade da
Concorrência uma coima ou uma sanção pecuniária
compulsória, podendo reduzir ou aumentar a coima ou a
sanção pecuniária compulsória”

4.6.3. Impugnação das decisões da ERSE e efeito devolutivo


da impugnação judicial (excepto quanto às sanções
acessórias): a jurisprudência do Tribunal Constitucional
(Acórdão nº 675/2016, da 1ª Secção, Acórdão n.º 397/2017, da
3ª Secção e o Acórdão nº 123/2018, do Plenário)
5. Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)
5.1. Estatutos da ERSE (Decreto-Lei n.º 97/2002, de 12 de Abril,
republicados pelo Decreto-lei n.º 57-A/2018, de 13 de Julho)

5.2. Regime sancionatório da ERSE, no âmbito do Sistema Eléctrico


Nacional e no Sistema Nacional de Gás Natural (Lei n.º 9/2013, de 28-1)

5.2.1. Poderes de transacção das sanções semelhantes aos da


Autoridade da Concorrência e em qualquer fase do processo

5.2.2. Poderes de imposição de condições ao visado, durante o


inquérito ou durante a instrução

5.2.3. Legitimidade processual da ERSE para, autonomamente,


interpor recurso jurisdicional das decisões do Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão (de quaisquer sentenças e
despachos que não sejam de mero expediente, incluindo os que versem sobre
nulidades e outras questões prévias ou incidentais, ou sobre a aplicação de
medidas cautelares) – artigo 51.º Lei n.º 9/2013, de 28 de Janeiro)
5.3. Poderes de investigação da ERSE e mandato judicial (artigo 11.º - Busca
domiciliária)
1 — Existindo fundada suspeita de que existem, no domicílio de sócios, de membros de órgãos
de administração e de trabalhadores e colaboradores das entidades reguladas ou outras pessoas
coletivas, provas da prática de atos susceptíveis de enquadrar uma contraordenação prevista nos
artigos 28.º e 29.º, pode ser realizada busca domiciliária, que deve ser autorizada previamente,
por despacho, pelo juiz de instrução, a requerimento da ERSE.
2 — O requerimento deve mencionar a gravidade da infração investigada, a relevância dos meios
de prova procurados, a participação da entidade envolvida e a razoabilidade da suspeita de que as
provas estão guardadas no domicílio para o qual é pedida a autorização.
3 — O juiz de instrução pode ordenar à ERSE a prestação de informações sobre os elementos que
forem necessários para o controlo da proporcionalidade da diligência requerida.
4 — O despacho deve ser proferido no prazo de 48 horas, identificando o objeto e a finalidade da
diligência, fixando a data em que esta tem início e indicando a possibilidade de impugnação
judicial.
5 — À busca domiciliária aplica-se o disposto na alínea b) do n.º 4 e nos n.ºs 5 a 8 do artigo
anterior, com as necessárias adaptações.
6 — A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou
autorizada pelo juiz de instrução e efetuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
7 — Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, esta é realizada,
sob pena de nulidade, na presença do juiz de instrução, o qual avisa previamente o presidente
do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos para que o mesmo, ou um
seu delegado, possa estar presente.
8 — As normas previstas no presente artigo aplicam-se, com as necessárias adaptações, a buscas
a realizar noutros locais, incluindo veículos, de sócios, membros de órgãos de administração e
trabalhadores ou colaboradores de entidades reguladas ou outras pessoas coletivas.
5.4. Poderes de investigação da ERSE e mandato judicial (artigo 12.º -
Apreensão):
1 — As apreensões de documentos, independentemente da sua natureza ou do seu suporte,
são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária.
2 — A ERSE pode efetuar apreensões no decurso de buscas ou quando haja urgência ou
perigo na demora.
3 — As apreensões efetuadas pela ERSE não previamente autorizadas ou ordenadas são
sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas.
4 — À apreensão de documentos operada em escritório de advogado ou em consultório
médico é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo anterior.
5 — Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a
apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo
profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objeto ou elemento da infração.
6 — A apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos abrangidos
por sigilo bancário é efectuada pelo juiz de instrução quando tiver fundadas razões para
crer que eles estão relacionados com uma infração e se revelam de grande interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao visado.
7 — O juiz de instrução pode examinar qualquer documentação bancária para descoberta
dos objetos a apreender nos termos do número anterior.
8 — O exame é feito pessoalmente pelo juiz de instrução, coadjuvado, quando necessário,
pelas entidades policiais e por técnicos qualificados da ERSE, ficando ligados por dever de
segredo relativamente a tudo aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não tiver
interesse para a prova.
6. Poderes sancionatórios da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários - CMVM (Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro e republicado pelo Decreto-Lei n.º 357-
A/2007, de 31 de Outubro, com as alterações introduzidas, por último, pelo
Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de Julho, com a aplicação subsidiária do RGCO:
“Artigo 407.º “Direito subsidiário” – “Salvo quando de outro modo se estabeleça
neste Código, aplica-se às contra-ordenações nele previstas e aos processos às mesmas
respeitantes o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social)

6.1. Contra-ordenações (artigos 388.º a 422.º): limites mínimos e


máximos das coimas e proibição de benefício do infractor (artigo 388.º
- Disposições comuns):
1 - Às contra-ordenações previstas nesta secção são aplicáveis as
seguintes coimas:
a) Entre € 25 000 e € 5 000 000, quando sejam qualificadas como muito graves;
b) Entre € 12 500 e € 2 500 000, quando sejam qualificadas como graves;
c) Entre € 2500 e € 500 000, quando sejam qualificadas como menos graves.
2 – Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 404.º, se o dobro
do benefício económico exceder o limite máximo da coima aplicável, este é
elevado àquele valor”
6.2. Tipificação (artigo 388.º, n.º 3):
“3 - As contra-ordenações previstas nos artigos seguintes
respeitam tanto à violação de deveres consagrados neste
Código e sua regulamentação como à violação de deveres
consagrados em outras leis, quer nacionais, quer
comunitárias, e sua regulamentação, que digam respeito às
seguintes matérias:
a) Instrumentos financeiros, ofertas públicas relativas a
valores mobiliários, formas organizadas de negociação de
instrumentos financeiros, sistemas de liquidação e
compensação, contraparte central, intermediação financeira,
sociedades de titularização de créditos, sociedades de capital
de risco, fundos de capital de risco ou entidades legalmente
habilitadas a administrar fundos de capital de risco, contratos
de seguro ligados a fundos de investimento, contratos de
adesão individual a fundos de pensões abertos e regime da
informação e de publicidade relativa a qualquer destas
matérias;
b) Entidades gestoras de mercados regulamentados, de
sistemas de negociação multilateral, de sistemas de
liquidação, de câmara de compensação, de sistemas
centralizados de valores mobiliários, contrapartes centrais ou
sociedades gestoras de participações sociais nestas entidades.
4 - Se a lei ou o regulamento exigirem que dever seja
cumprido num determinado prazo considera-se que existe
incumprimento logo que o prazo fixado tenha sido
ultrapassado.
(…)
6 - Sempre que uma lei ou um regulamento da CMVM alterar
as condições ou termos de cumprimento de um dever
constante de lei ou regulamento anterior, aplica-se a lei
antiga aos factos ocorridos no âmbito da sua vigência e a lei
nova aos factos posteriores, salvo se perante a identidade do
facto houver lugar à aplicação do regime concretamente
mais favorável”
6.3. Tipificação e qualificação das infracções: muito graves;
graves; e menos graves (artigos 389.º a 400.º)

6.4. Responsabilidade pessoal/individual e colectiva pelas


contra-ordenações (artigo 401.º):
1 - Pela prática das contra-ordenações previstas neste Código
podem ser responsabilizadas pessoas singulares, pessoas
colectivas, independentemente da regularidade da sua
constituição, sociedades e associações sem personalidade
jurídica.
2 - As pessoas colectivas e as entidades que lhes são
equiparadas no número anterior são responsáveis pelas
contra-ordenações previstas neste Código quando os factos
tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções
ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus
órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores.
3 - A responsabilidade da pessoa colectiva é excluída quando
o agente actue contra ordens ou instruções expressas daquela.
4 - Os titulares do órgão de administração das pessoas
colectivas e entidades equiparadas, bem como os
responsáveis pela direcção ou fiscalização de áreas de
actividade em que seja praticada alguma contra-ordenação,
incorrem na sanção prevista para o autor, especialmente
atenuada, quando, conhecendo ou devendo conhecer a
prática da infracção, não adoptem as medidas adequadas para
lhe pôr termo imediatamente, a não ser que sanção mais
grave lhe caiba por força de outra disposição legal.
5 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades
equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos
respectivos agentes”
6.5. Responsabilidade solidária (artigo 406.º, n.º 1)
“1 - Quando as infracções forem também imputáveis às
entidades referidas no n.º 2 do artigo 401.º, estas respondem
solidariamente pelo pagamento das coimas, das custas ou de
outro encargo associado às sanções aplicadas no processo de
contra-ordenação que sejam da responsabilidade dos
agentes individuais mencionados no mesmo preceito”

6.6. Sanções acessórias (artigo 404.º)


“1 - Cumulativamente com as coimas, podem ser aplicadas
aos responsáveis por qualquer contra-ordenação, além das
previstas no regime geral dos ilícitos de mera ordenação
social, as seguintes sanções acessórias:
a) Apreensão e perda do objecto da infracção, incluindo o
produto do benefício obtido pelo infractor através da prática
da contra-ordenação;
b) Interdição temporária do exercício pelo infractor da
profissão ou da actividade a que a contra-ordenação respeita;
c) Inibição do exercício de funções de administração, direcção,
chefia ou fiscalização e, em geral, de representação de
quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou
de todas as actividades de intermediação em valores
mobiliários ou outros instrumentos financeiros;
d) Publicação pela CMVM, a expensas do infractor e em locais
idóneos para o cumprimento das finalidades de prevenção
geral do sistema jurídico e da protecção dos mercados de
valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, da
sanção aplicada pela prática da contra-ordenação;
e) Revogação da autorização ou cancelamento do registo
necessários para o exercício de actividades de intermediação
em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros.
2 - As sanções referidas nas alíneas b) e c) do número anterior
não podem ter duração superior a cinco anos, contados da
decisão condenatória definitiva.
3 - A publicação referida na alínea d) do n.º 1 pode ser feita na
íntegra ou por extracto, conforme for decido pela CMVM”

6.7. Determinação da sanção aplicável (artigo 405.º)


“1 - A determinação da coima concreta e das sanções
acessórias faz-se em função da ilicitude concreta do facto, da
culpa do agente, dos benefícios obtidos e das exigências de
prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou
colectiva do agente.
2 - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa
das pessoas colectivas e entidades equiparadas, atende-se,
entre outras, às seguintes circunstâncias:
a) O perigo ou o dano causados aos investidores ou ao mercado de
valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros;
b) O carácter ocasional ou reiterado da infracção;
c) A existência de actos de ocultação tendentes a dificultar a
descoberta da infracção;
d) A existência de actos do agente destinados a, por sua iniciativa,
reparar os danos ou obviar aos perigos causados pela infracção.
3 - Na determinação da ilicitude concreta do facto e da culpa
das pessoas singulares, atende-se, além das referidas no
número anterior, às seguintes circunstâncias:
a) Nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de
acção na pessoa colectiva em causa;
b) Intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício
ilegítimo ou de causar danos;
c) Especial dever de não cometer a infracção.
4 - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em
conta a situação económica e a conduta anterior do agente”
6.8. Adopção de medidas cautelares (artigo 412.º)
“1 - Quando se revele necessário para a instrução do processo,
para a defesa do mercado de valores mobiliários ou de outros
instrumentos financeiros ou para a tutela dos interesses dos
investidores, a CMVM pode determinar uma das seguintes
medidas:
a) Suspensão preventiva de alguma ou algumas actividades ou
funções exercidas pelo arguido;
b) Sujeição do exercício de funções ou actividades a
determinadas condições, necessárias para esse exercício,
nomeadamente o cumprimento de deveres de informação.
c) Apreensão e congelamento de valores, independentemente do
local ou instituição em que os mesmos se encontrem.
2 - A determinação referida no número anterior vigora,
consoante os casos:
a) Até à sua revogação pela CMVM ou por decisão judicial;
b) Até ao início do cumprimento de sanção acessória de efeito
equivalente às medidas previstas no número anterior”
6.9. Os poderes de investigação (recolha de elementos) e a
instrução dos procedimentos de contra-ordenação (artigo
408.º, n.º 2):

“2 - A CMVM pode solicitar a entrega ou proceder à


apreensão, congelamento ou inspecção de quaisquer
documentos, valores ou objectos relacionados com a prática
de factos ilícitos, independentemente da natureza do seu
suporte, proceder à selagem de objectos não apreendidos nas
instalações das pessoas ou entidades sujeitas à sua
supervisão, bem como solicitar a quaisquer pessoas e
entidades todos os esclarecimentos e informações, na medida
em que os mesmos se revelem necessários às averiguações ou
à instrução de processos da sua competência”
6.10. Concurso de infracções (artigo 420.º): o desvio ao
RGCO
“1 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e
contra-ordenação, o arguido é responsabilizado por ambas
as infracções, instaurando-se processos distintos a decidir
pelas autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no
número seguinte.
2 - Nas situações previstas na alínea i) do n.º 1 do artigo 394.º,
quando o facto que pode constituir simultaneamente crime e
contra-ordenação seja imputável ao mesmo agente pelo
mesmo título de imputação subjectiva, há lugar apenas ao
procedimento de natureza criminal”
6.11. Impugnação das decisões da CMVM e a excepção ao
princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 416.º)
“8 - Não é aplicável aos processos de contra-ordenação
instaurados e decididos nos termos deste Código a proibição
de reformatio in pejus, devendo essa informação constar de
todas as decisões finais que admitam impugnação ou recurso”

6.11.1. A jurisprudência do Tribunal Constitucional


(Acórdão n.º 373/2015, de 14-7-2015, D.R., 2.ª série, n.º 126, de
23-9-2015)

6.12. Competência para conhecer a impugnação judicial


(artigo 417.º): o tribunal da concorrência, regulação e
supervisão é o tribunal competente para conhecer o recurso,
a revisão e a execução das decisões ou de quaisquer outras
medidas legalmente susceptíveis de impugnação tomadas
pela CMVM, em processo de contra-ordenação.
5. Os poderes sancionatórios das autoridades reguladoras e as
progressivas excepções ao princípio geral da legalidade/oficialidade
sancionatória: o princípio da oportunidade

5.1. O procedimento de advertência (processo sumaríssimo)


5.1.1. Encontra-se previsto no artigo 15º da Lei-quadro das Contra-ordenações
do Sector das Comunicações (Lei n.º 99/2009, de 4-9, com alterações) e no
artigo 413º do Código dos Valores Mobiliários:

a) Quando se trate de contra-ordenação menos grave que consista em


irregularidade sanável e da qual não tenha resultado lesão significativa, o
ICP -ANACOM, através de trabalhadores investidos de poderes para o efeito,
pode advertir o infractor, com a indicação da infracção verificada, das
medidas recomendadas para reparar a situação e do prazo para o seu
cumprimento.

b) O ICP-ANACOM notifica ou entrega imediatamente a advertência ao


infractor para que a irregularidade seja sanada, avisando-o de que o
incumprimento das medidas recomendadas determina a instauração de
processo de contra-
-ordenação e influi na determinação da medida da coima.
c) No caso de infracção não abrangida pelo disposto no número anterior, o ICP
-ANACOM pode ordenar ao infractor que, dentro do prazo fixado, lhe
comunique sob compromisso de honra que tomou as medidas necessárias
para cumprir a norma.

d) Sanada a irregularidade, o processo é arquivado.


e) O desrespeito das medidas recomendadas é ponderado pelo ICP-ANACOM
ou pelo tribunal, em caso de impugnação judicial, designadamente para efeitos
de verificação da existência de conduta dolosa

5.2. O procedimento de transacção


5.2.1. Encontra-se previsto nos artigos 22º a 27º da Lei da Concorrência e nos
artigos 14º a 19º do Regime Sancionatório do Sector Energético:
a) O procedimento de transacção pode ter lugar na fase do inquérito ou da
instrução, envolvendo as “partes” com o objectivo de o visado apresentar
uma proposta de transacção;

b) Se a Autoridade Reguladora aceitar a proposta do visado procede à


elaboração de uma minuta de transacção que contém as sanções
concretamente aplicadas, que inclui a percentagem da redução da coima;
c) Se o visado concordar com os termos da minuta esta será convolada em
decisão definitiva condenatória com a confirmação do visado e o pagamento
da coima, não podendo os factos voltar a ser apreciados como contra-
ordenação. Se não concordar com a minuta, o procedimento da contra-
ordenação prossegue, mas a proposta de transacção não pode ser utilizada
como elemento de prova contra o visado.

5.2.2. O procedimento de transacção assenta no pressuposto de uma avaliação


das Autoridades Reguladoras, ou seja, num juízo de oportunidade.

5.3. O procedimento de arquivamento mediante a imposição de


condições, na fase do inquérito ou na fase da instrução
5.3.1. Encontra-se previsto nos artigos 23º a 28º da Lei da Concorrência e nos
artigos 15º a 20º do Regime Sancionatório do Sector da Energia:
a) A Autoridade Reguladora descreve os factos que são imputados ao visado,
as condições que são impostas e os compromissos assumidos pelo visado,
bem como o modo de fiscalização do respectivo cumprimento;

b) Se o visado cumprir as condições no prazo de 2 anos o processo é dado por


findo, não podendo ser reaberto.
IV - Os poderes das autoridades reguladoras e a “reserva do
juiz” - Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto - Lei-quadro das
entidades administrativas independentes

“Artigo 47.º
Proteção do consumidor
(…)
3 — (…) compete às entidades reguladoras a resolução de
conflitos entre operadores sujeitos à sua regulação, ou entre
estes e consumidores, designadamente:
e) Emitir recomendações ou, na sequência do tratamento das
reclamações, ordenar aos operadores sujeitos à sua
regulação a adoção das providências necessárias à reparação
justa dos direitos dos consumidores”
Muito obrigado pela Vossa atenção!
Licínio Lopes Martins

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