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Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Sebenta de Direito
Constitucional

Doutor António Malheiro de Magalhães


Mariana Pombo
2020/2021
Segunda turma

Sebenta baseada em:


- Apontamentos das aulas teóricas do Doutor António Malheiro de Magalhães

- Prof. Doutor J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª


Edição, Almedina, Coimbra, 2003
- Material de apoio fornecido pelo Doutor Eduardo Figueiredo
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

PRIMEIRAS AULAS

Direito constitucional - é o principal ramo de direito público interno, no sentido tradicional e no


sentido clássico.

A 1º Constituição conhecida em Portugal foi a constituição de 1822, que teve como grande
influência a Revolução francesa de 1789.

Ao longo do tempo apareceram novas constituições, mas a mais importante é a constituição de


1976, que se encontra em vigor atualmente. Esta constituição não é uma constituição fechada, uma
vez que foi sendo alterada ao longo dos anos. A estas alterações dá-se o nome de revisões
constitucionais, e são revisões processadas pelo poder constituinte derivado (poder de alterar uma
constituição ≠ poder constituinte originário --- matéria que vai ser lecionada mais à frente). Ora a
revisão de 1976 já sofreu 7 revisões constitucionais.

O Direito Constitucional tem como objeto imediato a Constituição, e o seu estudo alicerça-se em 3
pilares:

• Caracterização da disciplina jurídica, que é o direito constitucional;


• Constituição (conjunto de normas jurídicas que constituem a lei fundamental);
• Constitucionalismo (movimentos sociais, políticos e jurídicos que deram origem ao chamado
constitucionalismo moderno)

O ordenamento jurídico interno divide-se: direito público e direito privado - distinção através de 3
critérios:

• Critério dos interesses: interesse coletivo, no caso do direto público, e interesse privado, no
caso do direito privado
• Critério da posição do sujeito na relação jurídica - no caso do direito público, os sujeitos
encontram-se em posições diferentes (existe uma hierarquia), logo existem desigualdades.
No caso do direito privado, os sujeitos encontram-se todos no mesmo plano.
• Critério da qualidade do sujeito – no caso do direito público, o sujeito apresenta-se dotado
de poder de autoridade. Sendo que não existe este poder no direito privado.
Notas: o estado não é apenas uma organização. O estado somos todos nós, é uma comunidade de homens; o
interesse público primário é encontrado na constituição; a constituição é o projeto político da comunidade,
dotado de força normativa.

O direito constitucional influencia e subordina tanto o ramo do direito privado como o do direito
público.

Princípio da constitucionalidade – todas as ações do estado têm de estar em conformidade com a


Constituição.

CONSTITUCIONALISMO MULTINÍVEL

Portugal é um Estado soberano unitário, inserido numa organização supranacional, a União


Europeia.
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União Europeia - organização supranacional de ordenamento jurídico autónomo, aplicado


internamente.

No caso de Portugal, o Direito está subordinado não só à constituição portuguesa, mas também a
outros níveis constitucionais, ou seja, não nos reduzimos ao constitucionalismo interno.

Nota: a UE não possui constituição, mas sim tratados e normas “constitucionais” que devem ser
respeitadas.

A CONSTITUIÇÃO

A Constituição é a lei fundamental e todo o direito interno português obedece à constituição. Por
isso, a constituição possui superioridade hierárquica normativa, ou seja, as normas constitucionais
são hierarquicamente superiores.

→ Constituição instrumental ou no sentido instrumental - remete-nos para o documento onde


constam as disposições constitucionais, expressões verbais das normas constitucionais.
→ Constituição formal ou no sentido formal - é um documento escrito elaborado de acordo com
um procedimento específico. Em regra, apresenta um procedimento agravado de revisão. Para
além disso, possui uma superioridade hierárquica, no plano jurídico.
→ Constituição material - remete-nos para o conjunto de princípios e valores que, constituindo a
substância e identidade da Constituição, agregam os indivíduos de uma determinada
comunidade e que imprimem neles uma sensação de pertença, comunhão e identidade. No
fundo, esta reconduz-se à específica “identidade axiológica” da Lei Fundamental (Paulo Otero).
→ Constituição em sentido normativo - pressupõe a existência de uma relação entre o texto
constitucional e um conteúdo normativo específico. (constituição formal + constituição material)
→ Constituição real ou realidade constitucional - remete-nos para a utilização do termo
“Constituição” num sentido verdadeiramente amplo, i.e. para designar a estruturação ou
ordenação fundamental do “corpus político” de uma comunidade. Ela dá corpo a essa
comunidade, individualizando-a como ser autónomo (Rogério E. Soares). - de acordo com o
PowerPoint do Dr. Eduardo Figueiredo

Constituição Escrita ≠ Constituição real

Constituição escrita – conjunto de normas escritas

Constituição real – uma verdadeira constituição, segundo Lassale (?), não era uma constituição
escrita, mas sim aquela que estava plasmada na realidade constitucional. Este autor afirmava que a
“constituição escrita não era mais do que uma mera folha de papal”. Por isso, para este autor, a
constituição era a realidade, e caso esta não correspondesse à realidade não era sequer uma
constituição.

Contrariamente, haviam outros autores que defendiam o contrário da ideia a cima referida.
Afirmavam que a constituição não correspondia à realidade e que era uma constituição escrita.

O conceito de constituição material nasceu do ponto de vista de Motati – conjunto de valores vivos
numa determinada comunidade e que são representados pelos representantes das forças sociais,
económicas e políticas. Estes valores estão plasmados numa constituição escrita. Por isso, esta ideia
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conjuga tanto a ideia de uma constituição escrita como a ideia que a constituição está representada
na sociedade, ou seja, na vida real.

A Constituição britânica tem uma constituição consuetudinária, cuja a fonte de direito é o costume.
Esta constituição não é uma constituição escrita, ou seja, não está representada num só documento.
Para além disso, é uma constituição flexível, uma vez que as normas constituintes podem ser
alteradas a qualquer altura e sem qualquer restrição.

Contrariamente às Constituições flexíveis, existem as Constituições rígidas ou semirrigidas.

Hoje em dia, é mais correto falarmos numa constituição semirrígida, uma vez que constituições
rígidas (Constituições que nunca podem ser alteradas), já não existem. No entanto, caso existissem
era apenas uma constituição de fachada.

Ora, as constituições semirrígidas contemplam um conjunto de normas que regulam a alteração da


constituição, ou seja, a alteração da constituição é permitida, mas para tal é necessário seguir
determinadas normas. Um exemplo é a nossa Constituição.

O COSTUME

O costume é uma norma constitucional consuetudinária (não escrita) integradora do corpus


constitucional quando no sistema jurídico constitucional se verifica a institucionalização social de um
ato ou facto aos quais é reconhecida a significação de uma norma de caracter constitucional. P.e a
constituição não dita que o PR deva nomear como Primeiro-ministro o candidato a primeiro-ministro
indicado pelo partido que venceu as eleições. Contudo, isso tornou-se numa norma costumeira
(art.187º).

O costume é constituído por dois elementos:

• Elemento tácito - prática reiterada aceite pela memória e pelo tempo.


• Elemento psicológico - convicção de uma obrigatoriedade jurídica.

AS FUNÇÕES DA CONSTITUIÇÃO

• Integração social – o estado e a sua constituição organizam a comunidade política. O estado


é uma comunidade de homens e a constituição é um conjunto de norma que regula a
organização de um estado em concreto, de forma a permitir a convivência pacífica.
Estabelece uma organização e ao mesmo tempo um ordenamento jurídico (art.1º)
• Proteção dos direitos fundamentais – hoje não faz sentido falar de uma constituição sem
antes falar do estatuto fundamental jurídico - um catálogo de direitos fundamentais. Os
direitos fundamentais protegem o valor de dignidade das pessoas. Dentro dos direitos
fundamentais vamos encontrar os direitos, liberdades e garantias e os direitos económicos,
culturais e sociais.
• Organização estadual – princípios fundamentais que presidem à organização política do
estado. Organiza o poder, limitando-o. Alguns princípios fundamentais são por exemplo o
princípio do estado democrático, o princípio do estado de direito, o princípio da separação
dos poderes.
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• Direção política - guiar a sociedade atual e as que virão. É um projeto vinculativo da


sociedade. Por exemplo, no art.1º “...empenhada na construção de uma sociedade livre,
justa e solidária”, vemos aqui metas a atingir na sociedade. No art.9º estão apresentadas as
“tarefas fundamentais do estado” que só imposições que a constituição faz ao estado de
modo a que este siga o projeto.
• Estruturação do ordenamento jurídico - a constituição é dotada de força jurídica superior, é
a base do ordenamento jurídico interno. É nos termos da constituição que se vai dar a
estrutura das normas jurídicas. presente no art.112º/1/7.

CARACTERISTICAS DA CONSTITUIÇÃO

Quando falamos de uma constituição estamos desde logo a falar de uma lei fundamental que tem
um caracter hierárquico superior.

Antes de falarmos nas características da constituição temos de ter em consideração 3 tópicos


fundamentais:

• A constituição é uma lei superior


• A constituição é a norma de normas, porque é a constituição que funciona como fonte para
a produção jurídica de outras normas hierarquicamente inferiores.
• Princípio da conformidade constitucional – uma vez que todos os atos dos poderes públicos
têm de estar em conformidade com a constituição.

5 características fundamentais da constituição:

• Autoprimazia – a constituição é a lei superior e por isso dica a dever a sua validade a si
própria. Ela prevalece sobre todas as outras normas jurídicas, não tendo então nenhuma
norma em cima dela. Da autoprimazia resulta o princípio da hierarquia das normas e o
princípio da constitucionalidade.

Princípio da hierarquia – nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com
outra de dignidade superior.

Princípio da constitucionalidade – todas as normas jurídicas têm de estar em conformidade com a


constituição, caso contrário estão sob a pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia.

• Fonte primária de produção jurídica - significa que a constituição é a norma das normas, ou
seja, ela é fonte para a produção de normas inferiores.
• Força hetero-determinante – as normas superiores, neste caso a constituição, constituem
determinantes positivas e negativas das normas inferiores. Como determinantes negativas,
as normas constitucionais limitam as normas de hierarquia inferior. Como determinantes
positivas, as normas constitucionais regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas
inferiores, nascendo então uma ideia de conformidade (as normas infraconstitucionais têm
de conformar o seu próprio conteúdo às normas constitucionais)
• Natureza supra-ordenamental – a constituição vai definir os componentes do ordenamento
jurídico. Enquanto norma das normas, irá dar corpo ao ordenamento jurídico estadual, em
sentido amplo, mas também vai vincular outros ordenamentos jurídicos. Dentro do
ordenamento estadual em sentido amplo, destaca-se o ordenamento estadual em sentido
restrito, os ordenamentos autónomos (constituídos pelo conjunto de normas criadas pelas
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Regiões Autónomas) e os ordenamentos locais (constituídas por normas editadas pelas


autarquias locais)
• Força normativa – a constituição é uma norma entendida como norma diretamente
aplicável. Não podemos cair no paradoxo da programaticidade, que afirma que as
constituições são leis, mas não valem nem se aplicam como leis.

AULA DO DIA 04 DE NOVEMBRO

→ Movimentos constitucionais/ constitucionalismos


→ Poder constituinte

Quanto aos movimentos constitucionais

Uma constituição em sentido material é uma lei fundamental, que tende de possuir um conteúdo
específico. Uma Constituição que não consagre o princípio da igualdade, da separação dos poderes
não é uma constituição fundamental. Para uma constituição ser em sentido material e normativo é
necessário que tenha determinados princípios que têm de ser buscados num determinado
movimento constitucional. O artigo 16 da declaração dos direitos do homem e do cidadão,
estabelece que um estado onde não seja respeitado um catálogo dos direitos e deveres
fundamentais e não tenha um princípio da separação dos poderes, não tem uma constituição.

São os movimentos constitucionais que vem dar fundamento ao conteúdo de uma constituição. A
constituição de 1976 tem um certo conteúdo constitucional, e esse conteúdo vem dos movimentos
constitucionais, do constitucionalismo. Por outras palavras, os movimentos constitucionais geraram
a constituição em sentido moderno. E que movimentos foram estes? O constitucionalismo
americano, o constitucionalismo inglês e o constitucionalismo francês.

Estes movimentos, apesar de terem ocorrido em espaços e tempos diferentes, são em algumas
matérias bastantes próximos uns dos outros.

Quando falamos em constitucionalismo moderno estamos a falar dos movimentos que apareceram
em finais do seculo XVIII.

NOTA DESENVOLVIDA MAIS À FRENTE - Tudo isto esta intersetado com outra questão que tem haver
com o poder constituinte – poder de fazer uma convenção. O poder constituinte foi em grande parte
determinada pelos movimentos constitucionais.

--- Para termos uma constituição, e para que esta seja aprovada, é necessário um poder que a
aprove. O que é o poder constituinte? Quem tem? Como se exerce? E até onde pode ir o poder
constituinte? ---

Constitucionalismo- é uma teoria que tem como centro uma ideia de governo limitado e ao mesmo
tempo uma ideia de garantia dos direitos dos indivíduos. Limitando o poder, a constituição vai
salvaguardar os direitos particulares. (Página 51)

Quando falamos em constitucionalismo moderno, situamo-nos no final do sec XVIII, cujas traves
fundamentais devem estar presentes em todas as constituições - limite ao poder político e garantia
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dos direitos individuais – podemos dizer que é um conceito mais restrito do que aquilo que se
designa na doutrina por constitucionalismo antigo.

→ Constitucionalismo antigo e constitucionalismo moderno

CONSTITUCIONALISMO ANTIGO

Uma teoria que afirma uma ideia de organização fundamental da comunidade política. Esteja essa
organização fundamentalmente consagrada num documento escrito ou plasmada em normas
consuetudinárias (não escritas). Toda e qualquer comunidade politicamente organizada teve uma
constituição.

Definição do livro – o constitucionalismo antigo é o conjunto de princípios escritos ou


consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e
simultaneamente limitadores do seu poder. Este decorreu deste os fins da Idade Média até ao
seculo XVIII.

Dentro do constitucionalismo antigo, encontramos a constituição em sentido histórico


(constitucionalismo histórico ou constituição histórica). O constitucionalismo em sentido histórico
remete-nos para o conjunto de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais
conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado sistema político-social.

CONSTITUCIONALISMO MODERNO

Ordenação racional e sistemática da comunidade política plasmada num documento escrito, mas
onde se estabelecem as regras de limitação do poder e onde estão contemplados um catálogo de
direitos e liberdade fundamentais. É esta constituição em sentindo moderno que se opõe à
constituição em sentido histórico. É este conceito moderno que corresponde ao conceito de
constituição ocidental.

Definição do livro – fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento político,


social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político,
filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a
invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político, ou seja, de uma
constituição.
NOTA: Primeira constituição portuguesa em sentido moderno – 1922

MOVIMENTOS CONSTITUCIONAIS

Quais são os movimentos constitucionais? 3 movimentos fundamentais de constitucionalismo:

• Movimento historicista ou constitucionalismo inglês


• Movimento individualista ou constitucionalismo francês
• Movimento estadualista ou constitucionalismo americano

Estes 3 movimentos contribuíram para criação do constitucionalismo moderno. Em qualquer dos


movimentos está presente a limitação do poder e a garantia dos direitos fundamentais.
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➢ MOVIMENTO (MODELO) HISTORICISTA OU CONSTITUCIONALISMO INGLÊS

É um movimento que vai recuar até 1215, a chamada Magna Carta, assinada por João Sem Terra e
foi o primeiro que surgiu cronologicamente.

Formação e evolução - PowerPoint do Dr. Eduardo Figueiredo (Parte 1):

Em 1215, data em que foi emanada a Magna Charta Libertatem, vivia-se um período monárquico,
marcado pela vasta autoridade régia.

• Através da Magna Charta, o Rei obrigava-se a respeitar os direitos e privilégios da nobreza,


Igreja, municípios e corporações (“direitos estamentais” - estruturação corporativa dos
direitos);
• Este documento estava escrito em Latim, pelo que poucos acediam ao seu conteúdo;
• Não incluía verdadeiros direitos fundamentais, tratando-se essencialmente de uma limitação
do poder real frente a determinados indivíduos;
• A mesma visava apenas resolver um problema político concreto, sendo-lhe totalmente
alheia a pretensão de definir, em termos globais, o sentido a alcance do poder.

No séc. XVII, inicia-se o período aristocrático, marcado pela conquista de direitos, mormente através
da Revolução Puritana e da chamada Glorious Revolution. Tais direitos passam a ser enunciados em
vários documentos, como a Petition of Rights (1628), a Act for the Abolition of the Court of Star
Chamber (1641); a Habeas Corpus Act (1679) e a Bill of Rights (1689). Nesta fase, os poderes
encontravam-se centralizados na câmara alta do Parlamento: a Câmara dos Lordes.

Em 1832, inicia-se a chamada fase contemporânea ou período democrático. Os poderes eram, no


essencial, atribuídos à câmara baixa do Parlamento: a Câmara dos Comuns.

3 instrumentos fundamentais da garantia de direitos e limitação de poderes

• A magna carta, 1215 – pacto celebrado entre o rei e os varões ingleses. Cedência do poder
do rei perante a nobreza. Há uma ideia de uma limitação dos poderes. É o 1º instrumento
escrito que vai estar na base do modelo do constitucionalismo inglês.
• A petição de direito, 1628 – mais uma tentativa de limitar os poderes do rei. Carlos I assina a
petição dos direitos. Com isto, o rei não pode lançar impostos sem consentimento do povo.
No entanto, não cumpriu a sua obrigação e por isso foi condenado à morte.
• Declaração de direitos, 1689 – Guilherme de Orange; passamos a ter um governo limitado. -
Limitação do poder, Constituição Mista, liberdade pessoal dos ingleses, segurança de
propriedade, habeas corpus, due process.

A evolução destes momentos constitucionais, desde a Magna Carta, de 1215, da Petition of Rights,
de 1628, do Habeas Corpus Act, de 1679, ao Bill of Rights, de 1689, conduzirá à sedimentação de
algumas dimensões estruturantes da constituição moderna.

O modelo inglês preservava a tradição. Para além disso, o constitucionalismo inglês foi um
constitucionalismo moderado, uma vez que os ingleses não romperam totalmente com a política
anterior.

Alguns pontos:

• A liberdade radicou-se subjetivamente como liberdade pessoal de todos os ingleses e como


segurança da pessoa e dos bens de que se é proprietário.
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• Para garantir a liberdade e a segurança criaram o due process of law (processo justo
regulado por lei), onde se estabelecessem as regras disciplinadoras da privação da liberdade
e da propriedade.
• Laws of the land - As “laws of the land”, reguladoras da tutela das liberdades, são
interpretadas e reveladas pelo juiz, que é quem cria o direito comum (“common law”).
• Tem como principal fonte o costume.
• Representação e soberania parlamentar - Inicialmente, o Rei era o governante supremo.
Progressivamente, com a Revolução Inglesa, o órgão supremo passa a ser o Parlamento e
nele reside todo o poder. Este era composto pela Coroa, pela Câmara dos Lordes e pela
Câmara dos Comuns. O Governo era responsável perante o Parlamento.
• A existência de uma constituição mista - é aquela em que o poder não está concentrado nas
mãos de um monarca, em vez disso é partilhado por ele e por outros órgãos do governo (rei
e Parlamento).
• É uma constituição não-escrita (constituída por vários documentos que se conhecem por
“conventions of the constitution”) e flexível.
• Rule of Law (surge como estado de Direito no contexto da constituição inglesa) - Inclui
quatro dimensões fundamentais:
o A obrigatoriedade do cumprimento de um processo justo regulado por lei, no
momento de julgar e punir os cidadãos (“due process of law”).
o A lei do Parlamento como exercício do poder supremo. É ela que deve proteger os
indivíduos contra o exercício arbitrário do poder real.
o Sujeição de todos os atos do poder executivo ao Parlamento.
o Igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos.

➢ MOVIMENTO INDIVIDUALISTA OU CONSTITUCIONALISMO FRANCÊS

Modelo individualista – porque o que está no centro do movimento é individuo.

1) Origem do Sistema Constitucional Francês

Forma-se a partir de 1789, com a Revolução Francesa, que pretende romper com o Ancien Régime,
contra os privilégios ou direitos estamentais, contra o poder absoluto e o monarca.

Pretende criar-se uma nova ordem assente nos direitos naturais dos indivíduos: todos os homens
nascem livres e iguais em direitos e não naturalmente desiguais por integração em determinado
estamento.

2) O Nascimento do Conceito de Poder Constituinte

Esta nova ordem surge através de um contrato social (J. J. Rousseau), assente nas vontades
individuais, por via do qual os indivíduos deixam o “Estado de natureza” e passam a integrar o
“Estado civil”. Torna-se, então, necessária a criação de uma lei escrita, de uma constituição que
afirme os direitos naturais individuais e a nova ordem política.

O poder constituinte (E. Sieyés) é o poder de criar uma constituição, i.e. uma nova ordem social e
política. O seu titular é a Nação (o Terceiro Estado), sendo esta quem legitima o poder constituinte
originário. Trata-se de um poder originário, autónomo e omnipotente
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Ao contrário do constitucionalismo inglês que foi um constitucionalismo moderado/tradicionalista,


no francês houve uma rutura/ um corte com o passado, porque queriam criar uma nova ordem
social e uma nova política.

Esta nova ordem surge através da ideia contratualista de Rosseau, assente nas vontades individuais.
O poder político vai passar para as mãos do Terceiro estado, ou seja, vai presidir na Nação.

Alguns pontos:

• Nova ordem assente nos direitos naturais dos indivíduos.


• A defesa dos direitos foi um gesto de revolta contra os privilegiados.
• A rutura com o Antigo Regime significa uma nova ordem social e não apenas uma adaptação
político-social ou ajustamento prudencial da história (como foi o que aconteceu no
constitucionalismo inglês).
• A ordem política é querida e conformada através de um contrato social assente nas
vontades individuais.
• É neste movimento que vamos encontrar o conceito de poder constituinte. De acordo com
Sieyes, o poder constituinte é o poder de criar uma nova constituição e,
consequentemente, uma nova ordem social e política. Este poder originário encontrava-se
nas mãos da Nação (do Terceiro Estado), o único que, de forma autónoma e independente,
poderia criar a lei superior, isto é, a constituição.
• A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) - O artigo 16 da declaração dos
direitos do homem e do cidadão, estabelece que um Estado onde não seja respeitado um
catálogo dos direitos e deveres fundamentais e não tenha um princípio da separação dos
poderes, não tem uma constituição. Os direitos fundamentais são assim um instrumento de
limitação do poder/soberania, e essa limitação alcança-se com a consagração de direitos
fundamentais na Constituição.
• Constituição escrita
• Subordinação do poder judicial ao poder legislativo.
o Com a Revolução, marcada pela luta contra os privilégios do Antigo Regime, é à lei
que se vai dar supremacia.
o Cria-se um modelo de divisão dos poderes que concentra o poder executivo no
monarca, mas dá superioridade ao Parlamento (à lei, ao poder legislativo).
o Rousseau defende que a lei é a expressão da volonté générale (art. 6.º da DDHC),
expressa através do Parlamento, o qual se afirma como órgão de representação da
Nação à Soberania Parlamentar.
• Negação da Supremacia da Constituição
o Se a lei é a expressão da vontade geral e se aos tribunais é recusada a possibilidade
de interpretar essa lei e de fiscalizar a sua constitucionalidade, então afirma-se a
supremacia da lei e a supremacia da Constituição é negada.
o Inicialmente, o órgão responsável pelo controlo da constitucionalidade das leis
(Conseil Constitutionnel) apenas fazia um controlo preventivo.
• Negação da Supremacia do Poder Judicial.
o Há uma subordinação do poder judicial ao poder legislativo. Desde logo, os
revolucionários tinham uma grande desconfiança perante o poder judicial: no Antigo
Regime, os tribunais apresentavam um poder ilimitado, sendo dominados pelo
poder executivo – o monarca.
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o Como o surgimento da ideia de lei como expressão da vontade geral formada por
assembleias soberanas, começa a entender-se que a mesma não poderia ser
controlada pelos tribunais.
o A isto junta-se um certo entendimento da separação dos poderes: dado que o poder
legislativo estabelece a vontade geral, permitir aos juízes apreciar a validade da lei
será permitir-lhes substituir a vontade geral pela sua própria vontade. Os juízes
tornam-se “a mera boca que pronuncia as palavras da lei” (Montesquieu).
o Ao poder judicial cabe apenas aplicar a lei e não interpretá-la. Caso o juiz tivesse
dúvidas no momento de aplicar a mesma, devia suspender o caso em julgamento
até que o Parlamento desse a conhecer a sua interpretação (“referé legislatif”)
• L’ État Legal (“Estado de Legalidade”)
o Teoricamente, no constitucionalismo francês, a ideia de Estado de Direito impõe a
seguinte pirâmide hierárquica:
▪ D. D. H. C. (1789)
▪ Constituição
▪ Lei
▪ Atos de aplicação / execução da lei
o Contudo, devido ao princípio da primazia da lei, aquele Estado Constitucional
transforma-se num Estado de Legalidade (“L’ État Legal”). Neste Estado:
▪ Os cidadãos têm a garantia de que a lei só pode ser criada pelo órgão
legislativo, o órgão que representa a vontade geral.
▪ Todas as medidas adotadas pelo poder executivo para execução da lei
devem respeitar a própria lei (princípio da legalidade da administração).
▪ A lei tem de ser geral (princípio da igualdade) e não apenas para alguns.

➢ MOVIMENTO ESTADUALISTA OU CONSTITUCIONALISMO AMERICANO

Alicerça-se na expressão “Nós o povo” - antecede o movimento constitucionalismo francês. No


entanto aqui o povo não era visto como uma Nação, como foi o caso do constitucionalismo francês.

Característica: ideia de separação relativamente ao parlamento colonial

O movimento constitucional americano não queria verdadeiramente criar uma constituição, apenas
queriam quebrar os laços com a metrópole, a Inglaterra. E a necessidade de cortar relações com a
metrópole estava relacionada com a grande desconfiança dos americanos para com o parlamento
inglês, uma vez que estes lançavam impostos, sem lhes assegurar a sua representação no
parlamento. Foram as chamadas “taxation without representation”. Pretende-se uma Constituição,
uma lei superior, que garanta os cidadãos contra as leis do legislador parlamentar soberano.

Enquanto a constituição francesa terminou a legitimação dos representantes legislativos, a


constituição americana serviu para construir uma ordem política informada pelo princípio do
governo limitado. Por outras palavras, o modelo americano de constituição assenta na ideia da
limitação normativa do domínio político através de uma lei escrita.

Alguns pontos:

• Esta constituição é uma Constituição como “Higher Law” - Pretendia-se que o povo fixasse
num texto escrito as regras que disciplinassem e domesticassem o poder. É o povo que toma
as decisões (“We the People of the United States”). A Constituição seria, assim, uma lei
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superior e os governantes sancionados caso a violassem. O Governo é um “limited


government”.
• Também é uma constituição como “Paramount Law”- a constituição é uma lei superior que
torna nula qualquer lei de nível inferior.
o Princípio da fiscalização da constitucionalidade das leis: pressupõe que o poder
legislativo é um poder constituído e não pode ser exercido em sentido contrário à
Constituição.
o Caráter rígido da Constituição (procedimento agravado de revisão)
• Federalismo - Criou-se uma Federação e a respetiva Convenção Federal. Em 1787, com a
Convenção de Filadélfia, os vários Estados constituíram uma união forte que conciliasse os
seus interesses. Nasce, assim, um Estado Federal, acima dos Estados federados e com a sua
própria Constituição. Os vários Estados têm autonomia, mas entregam certos poderes de
soberania ao Estado Federal.
o Poder Executivo - Presidente dos EUA
o Poder Legislativo - Congresso (bicameral, constituído pelo Senado e pela Câmara dos
Representantes)
o Poder Judicial - Tribunais estaduais, Tribunais federais e Supremo Tribunal de
Justiça.
• Constituição rígida - A alteração da Constituição Federal depende de um processo complexo,
diferente do adotado para a feitura das leis ordinárias. A sua alteração é feita através de
aditamentos (“amendments”), os quais têm de ser aprovados por 2/3 dos membros das
duas Câmaras e ratificados por 3/4 dos Estados.
• Constituição elástica (é interpretada e adaptada pela própria prática, nomeadamente pelos
tribunais)
• "Judicial Review of Legisla2on” (Marbury v. Madison, 1803) - Como a Cons0tuição era
concebida como ”Higher Law” e “Paramount Law”, o poder judicial tornou-se no guardião e
defensor da Constituição, através da fiscalização da cons0tucionalidade da lei pelos juízes,
por qualquer tribunal. A Constituição foi adotada, pois, como parâmetro de controlo.
o Fala-se de uma teoria dos “checks and balances” – Cada poder deve ser
reciprocamente controlado pelos demais.
o Como a lei só é válida quando elaborada de acordo com a Constituição, uma lei que
a não observe é inconstitucional e, como tal, podem os tribunais recusar-se a aplicá-
la.
o Controlo da constitucionalidade das normas por qualquer tribunal e consequente
desaplicação no caso concreto da norma que seja considerada inconstitucional,
dando origem ao chamado controlo difuso da cons2tucionalidade (v. arts. 204.º e
280.º da CRP)

AULA DOS DIAS 06 E 11 DE NOVEMBRO

(Constitucionalismos inglês - moderação da constituição. É baseada no direito consuetudinário.)

PODER CONSTITUINTE

(Matéria preferida do Doutor)

Quatro perguntas fundamentais:

1. O que é o poder constituinte?


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2. Quem tem/ que o exerce?


3. Qual o procedimento do poder constituinte?
4. E até onde pode ir o poder constituinte?

Diferença entre poder constituinte originário e poder constituinte derivado:

Poder constituinte originário - poder de fazer uma constituição.

Poder constituinte derivado – poder de alterar, modificar ou rever uma constituição já existente.

Quanto às perguntas a cima referidas, pode haver várias abordagens diferentes:


• Sob o ponto de vista histórico-genético
• Em termos jurídico-filosóficos e teorético-jurídicos
• Perspetiva teorético-constitucional (é a que vai ser estudada - PowerPoint)
o John Locke e o “Supreme Power”
▪ A passagem a uma sociedade politicamente organizada pressupõe uma
relação de “trust”, na qual a sociedade confere um poder supremo ao
legislador, embora limitado, específico e não arbitrário.
▪ Só o corpo político, reunido no povo, tem a autoridade para estabelecer a
constituição política da sociedade.
▪ O autor distingue com exatidão o poder de alcançar uma nova forma de
governo e o poder ordinário de fazer e aplicar as leis. Porém, nunca se
referiu diretamente a um poder constituinte.;
o E.Sieyès e o “pouvoir constituant”
▪ Antes de ser constituinte, este é um poder desconstituinte: visa romper com
a monarquia absoluta.
▪ É, também, um poder reconstituinte: depois de abolida a monarquia
absoluta, há que criar uma nova ordem jurídico-política.
▪ É um poder:
• Inicial ou originário: não existe um outro poder anterior.
• Autónomo: não depende de nenhum outro poder. o Omnipotente:
não está sujeito a limites ou pré-condições (é desvinculado).
• O seu titular é a Nação (como força social concreta, o “terceiro
estado”).
▪ Aproxima-se do poder divino.
▪ É um poder domesticado através dos limites ao poder de revisão.
o Madison e a “constitutional politics and ordinary politics”
▪ A “constitutional politics” surge em momentos excecionais de mobilização
popular e destina-se a estabelecer os esquemas fundadores de uma nova
ordem constitucional.
▪ A “ordinary politics” desenvolve-se com base nas regras e princípios
estabelecidos na lei superior e fundamental.

O que é o poder constituinte?


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Definição do livro – o poder constituinte se revela sempre como uma questão de poder, de força ou
de autoridade política que está em condições de, numa determinada altura, criar, garantir ou
eliminar uma Constituição entendida como lei fundamenta da comunidade política.

O poder constituinte teve um contributo dos 3 modelos constitucionais, no entanto, ambos viram o
poder constituinte de uma forma diferente.

Nota das aulas: A teoria do poder constituinte também colheu contributos dos 3 constitucionalismos
(americano, inglês e francês). Quando falamos da relação dos contributos de cada um destes movimentos
constitucionais, falamos de 3 palavras que caracterizam estes movimentos: constitucionalismo inglês – ideia
de constituição mista, a palavra é revelação. O constitucionalismo inglês permitiu a revelação de um direito
constitucional; constituição francesa – é exatamente o oposto do constitucionalismo inglês, porque este
modelo alicerça-se numa rutura, a palavra chave é criar. Rompe com o passado e vai criar uma nova ordem;
constitucionalismo americano – proclamar ao movimento constitucional americano com a independência dos
estados unidos. A palavra chave é proclamar. O grande objetivo do povo era estabelecer numa lei fundamental
certos limites ao poder constituído da colonia. (página 69)

Constitucionalismo Inglês

• Os ingleses compreendem o poder constituinte como um processo histórico de revelação da


“constituição da Inglaterra”

Para os ingleses era estranho a projeção de uma nova ordem política criada por um povo, ou seja,
era estranha a ideia de poder constituinte. Estes não queria criar uma nova ordem e muito menos
realizar um corte com estruturas políticas tradicionais. É por isso que se pode afirmar que ao
constitucionalismo histórico repugna a ideia de um poder constituinte com força e competência
para, por si mesmo, desenhar e plenificar o modelo político de um povo. A Constituição inglesa foi
sendo formada com base no costume, nas tradições, nas convicções religiosas. É a
sedimentação/confirmação histórica dos direitos adquiridos pelos ingleses.

Constitucionalismo Norte-Americano

• Os americanos dizem num texto escrito, produzido por um poder constituinte “the fundamental and
paramount law of the nation”

Ao contrário do que acontecia com o modelo historicista inglês, foi com o constitucionalismo Norte-
Americano que se pode dizer que nasceu verdadeiramente a ideia do poder constituinte, como um
poder de criar uma constituição, a qual está plasmada na fórmula “We, the People” consagrada no
início da Constituição dos EUA de 1787. A constituição, no ponto de vista dos americanos, era uma
forma de garantir direitos e limitar os poderes.

Constitucionalismo francês

• Os franceses criam uma noca ordem jurídico-política através da “destruição” do antigo e da


“construção do novo”.

Para os franceses o poder constituinte estava centrado nas mãos da Nação. Mas aqui a Nação não se
confunde com a ideia do constitucionalismo inglês, pelo contrário, a Nação passa a ter nas suas
mãos o poder constituinte para criar uma nova ordem política e social e romper com o Antigo
Regime.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

De acordo com Sieyès, o poder constituinte era um poder originário (não existe nenhum poder
anterior a ele), autónomo (não depende de nenhum outro poder) e omnipotente (não tem limites).

O poder constituinte pode ser encarado em duas visões:

• o poder constituinte em sentido formal - o poder de fazer uma constituição ou uma nova
constituição
• o poder constituinte em sentido material - vai mais longe. É o poder de fazer uma
constituição, mas com um determinado conteúdo.

Notas das aulas: Quando falamos de poder constituinte como poder primário, a questão é: será o poder
constituinte um poder fático? Ou terá já uma natureza jurídica?

Quando falamos de um poder constituinte em poder fático, falamos de uma constituição que nasce de uma
revolução social. No entanto, não basta a Constituição ser reconhecida como um poder fático, tem de ser
reconhecida também como poder jurídico. E o poder constituinte já é um poder jurídico, porque está limitado
do ponto de vista material.

A constituição de 1976 teve presente o poder constituinte originário.

Quem é que exerce o poder constituinte/ quem é o titular?

Hoje o titular do poder constituinte é o povo. Só que o povo é entendido como uma grandeza
pluralística, formada por indivíduos, associações, grupos, igrejas, comunidades, personalidades,
defensores de interesses, ideias, crenças e valores que podem ser convergentes ou conflituantes.
Poder constituinte significa, assim, poder constituinte do povo.

O povo é visto como um povo em sentido político, isto é, grupo de pessoas que agem segundo
ideias e interesses de natureza política. Não o povo caraterizado pela sua origem, língua ou cultural
comum (povo em sentido rácico, naturalista ou étnico).

É um povo plurissubjetivo: ele encontra-se naqueles grupos de pessoas, naquelas forças. É um povo
que se diferencia do povo maioritário, porque dele também fazem parte as minorias que votaram
contra ou se abstiveram.

O titular do poder constituinte é, assim, a comunidade aberta de sujeitos constituintes, os quais,


entre si, consentem quanto ao modo de governo da cidade (Povo Real).

Notas das aulas: O poder constituinte durante o se XIX, não teve apenas um titular do poder constituinte,
ainda se relacionava com o poder do monarca. A carta constitucional – o monarca fazia a constituição,
outorgava, e dava ao seu povo.

Hoje é o povo, político, leal e pluralista. Significa que estamos a falar de uma perspetiva democrática. Já não é
um povo visto como uma nação, como foi o caso do constitucionalismo francês. É neste povo que vai residir a
legitimidade da constituição, ele é o titular do poder constituinte em poder formal e material.

No entanto, nem sempre foi assim. Mesmo depois de iniciar o constitucionalismo moderno (pós-revolução
francesa) e de implantar o conceito de soberania popular, houve algumas manifestações do poder constituinte
que não era exclusivamente democrático, no sec.XIX. Para além das constituições liberais, que eram
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

constituições democráticas (constituição de 1822, 1911, …) haviam outras constituições. Quais eram?
Constituições pactuas (resultam de um pacto entre um rei e o povo, entre um princípio do rei e um princípio
do povo) ou constituições outorgadas (estão assentes no princípio monárquico, no entanto isto não significa
que não tenha relações com o princípio popular. Um exemplo é a carta constitucional de 1826. Esta carta vai
vigorar até 5 de outubro de 1910).

Constituição de 1822 é fruto da soberania popular, foi uma constituição democrática.

A constituição de 1911, 1933 e 1976 também foram uma constituição democrática. A carta constitucional até
1910 foi sendo alterada. Ela foi sendo cada vez mais democratizada. (3 revisões)

Qual o procedimento do poder constituinte?

O desencadeamento de procedimentos constituintes tendentes à elaboração de constituições anda


geralmente associado a momentos constitucionais extraordinários - revoluções, transições
constitucionais, golpes de Estado, nascimento de novos Estados).

Temos de atender a 2 questões que antecedem o aparecimento de uma constituição:

Decisões pré-constituintes - Nestes momentos extraordinários, o povo sente a vontade política de


criar uma nova Constituição e de regular o procedimento constituinte adequado. São decisões
formais. Estas decisões reconduzem-se a:

• Decisões de iniciativa de elaboração e aprovação de uma nova Constituição;


• Decisão atributiva do poder constituinte (p.e. a uma Assembleia Soberana) e definição do
tipo de procedimento constituinte a adotar;
• Leis constitucionais transitórias, enquanto não é aprovada a Constituição.

Decisões constituintes: procedimento constituinte propriamente dito - pós a tomada das decisões
pré-constituintes, realizam-se os momentos procedimentais: iniciativa, discussão, votação,
promulgação, ratificação, publicação. Estes conduzem à adoção da nova Constituição. São decisões
materiais.

O poder constituinte, hoje, é essencialmente democrático. Mas temos de saber uma distinção:

• Poder constitutivo representativo – existência de uma assembleia representativa: também


designada por assembleia constitutiva soberana. Também podemos ter uma assembleia
constitutiva não soberana (quem tem a última palavra é o povo diretamente). E temos
também as convenções do povo (EUA, 1787), significa que quem faz o texto constitucional,
quem o aprova, é uma assembleia representativa, mas cada estado tinha de a aprovar.
• Poder constitutivo direto – é o poder constitutivo que é exercido diretamente pelo povo
(referendo e plebiscito).

→ Procedimentos Constituintes Representativos - Técnicas de elaboração de uma Constituição


através de uma Assembleia Constituinte:
o Com Assembleia Soberana - A elaboração, discussão e aprovação da Constituição é feita
pela Assembleia Constituinte (eleita, pelo povo, através de sufrágio), não havendo
qualquer intervenção do povo através de referendo ou de plebiscito (Constituições de
1822, 1911, 1976)
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

o Com Assembleia Não Soberana - À Assembleia (eleita, pelo povo, através de sufrágio)
cabe apenas elaborar e discutir o projeto da Constituição ou os projetos, competindo,
depois, ao povo aprovar, através de referendo, esse mesmo projeto. Verifica-se uma
clara influência da teoria da soberania popular de J. J. Rousseau: só o povo pode
deliberar e aprovar.
o Através de Convenções do Povo - A Constituição é elaborada por uma Assembleia
Constituinte, sendo, depois, ratificada pelo povo através de convenções reunidas para
esse efeito (Constituição dos EUA de 1787).

→ Procedimentos Constituintes Diretos - provação pelo povo de um projeto de Constituição sem a


participação de representantes:
o Referendário - O povo aprova livremente uma proposta de Constituição elaborada por
determinados órgãos políticos ou por um número indeterminado de cidadãos (iniciativa
popular). É um procedimento transparente.
o Plebiscitário - O projeto de Constituição é elaborado por um comité de peritos ou pelo
governo, sendo depois aprovado pelo povo. Visa-se alterar, de forma duvidosa, a ordem
constitucional vigente. Há quem fale de uma “má consulta” ou “injustiça
procedimental”, dada a falta de transparência que normalmente vem associada a um tal
processo. É o exemplo da Constituição de 1933, onde as abstenções foram contadas
como votos a favor.

→ Procedimentos Constituintes Monárquicos - à Elaboração da Constituição por parte de um


Monarca:
o Carta Constitucional ou Constituições Outorgadas à Carta elaborada e assinada pelo
Monarca, que depois a outorga ou doa à Nação. É o caso da Carta Constitucional de
1826.
o Constituições dualistas ou pactuadas à Constituição é elaborada e discutida por uma
assembleia eleita pelo povo (as Cortes), sendo depois submetida à aprovação do
monarca. Há quem entenda que este é o caso da Constituição de 1838.

O poder constituinte tem limites?

Para Sieyès, o poder constituinte era originário e autónomo, não havia qualquer limite.

No entanto, a doutrina atual rejeita a compreensão deste autor, ou seja, hoje o poder constituinte
tem limites.

Primeiro, a constituição tem princípios de justiça que são compreendidos como limites da
liberdade e omnipotência do poder constituinte.

Segundo, o sistema jurídico interno, não se pode separar da comunidade internacional, e por isso
encontra-se vinculado a princípios de direito internacional (princípio da independência, princípio da
autodeterminação, …)

O poder constituinte TEM LIMITES - vão ser estudados mais à frente.


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

AULA DO DIA 13 E 18 DE NOVEMBRO

A constituição e o seu referente: estado? Sociedade?

Referente - é o objeto. É saber qual o objeto da constituição. O referente da constituição portuguesa


é o Estado.

O REFERENTE DA CONSTITUIÇÃO

→ Afinal quem é o referente da constituição? O Estado ou a Sociedade?

O artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 define os elementos


fundamentais de uma constituição moderna. Ele afirma o seguinte: Toda a sociedade, onde não
sejam garantidos os direitos fundamentais e onde não seja respeitado o princípio da separação dos
poderes, não tem Constituição.”

Ora como podemos ver, aqui não se fala num Estado, mas sim numa sociedade (“Toda a
sociedade...”). Afirma que a sociedade tem uma constituição. Ora o que é que isto significa?
Significa que em primeiro lugar, o referente da constituição começou por ser a sociedade.

Nos esquemas políticos oitocentistas, a constituição aspirava ser um “corpo jurídico” de regras
aplicáveis ao “corpo social”.

Daqui vai nascer a expressão de Constituição da República, que exprime a ideia de que a
constituição não se refere apenas ao Estado, mas à própria comunidade política, isto é, à res publica.

Mas então como se explica que a constituição, no início do século XIX, passe a ter como referente
o Estado e não a sociedade? E como é que passamos de uma constituição da República para uma
constituição de Estado? Através de 3 razões:

1. A evolução semântica do conceito – quando, nos processos constituintes americano e


francês, se criou a constituição como lei conformadora do corpo político passou a entender-
se que ela constituía o Estado.
2. A progressiva estruturação do Estado Liberal que cada vez mais se assentava na separação
Estado – Sociedade.
3. Devido a uma influência filosófica-política, passaram a afirmar que a constituição designa
uma ordem – a ordem do estado. Surge assim um Estado como ordenador da comunidade
política, reduzindo-se a constituição a uma simples lei do Estado e do seu poder.

Estado constitucional – a constituição é uma lei proeminente que conforma o Estado.

Então, a Constituição é uma estrutura conformadora com o Estado, mas isto é uma constituição em
sentido moderno, porque em sentido histórico toda a comunidade antes de ser um estado já tinha a
sua constituição (ex: politeia grega). O estado passa, então, a ser o referente da Constituição.

Resumidamente:

• Numa constituição em sentido histórico, toda a sociedade sempre teve uma constituição. Então
podemos dizer que a constituição antecede o estado.
• Numa constituição em sentido moderno, já é o estado que antecede a constituição. É a chamada
constituição do estado
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Mas o que é o estado?


O Estado é uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a
distinguem de outros poderes e organizações de poder. E que qualidades são essas? Desde logo, a
qualidade de poder soberano.

O Estado surge nos finais do sec. XV e implementa-se nos fins do sec. XVII. Em meados do sec. XVII
assistimos à paz de Westfália, em 1648, que põe termo à guerra dos 30 anos. É com isto que vai
surgir o estado em sentido moderno, o estado soberano – cuja a nota principal passa a ser a
soberania. Aqui surge-nos a ideia que um Estado só é Estado quando conter 3 elementos
fundamentais: o povo, o território e a soberania. - Teoria dos três elementos de Jellinek

A soberania de um Estado traduz-se, desde logo, num poder supremo no plano interno e num
independente no plano externo. O estado impõe o seu poder aos cidadãos nacionais, que se
encontram reunidos num determinado território. Por outras palavras, afirma que todos os poderes
existentes dentro do estado passam a ser subordinados pelo poder soberano, pois este é um poder
supremo, e que no plano externo, o estado era sempre independente, porque não há nenhum poder
externo que se sobrepunha ao poder do estado. Surgem, então, os estados independentes.

NOTA - No entanto isto não era o que se verificava no passado. Antes do surgimento do
estado, tínhamos outra forma de organização da sociedade, chamava-se sociedade medieval - em
que o poder não estava concentrado numa só entidade. Uma das alterações que se viu do seculo
XV para o XVII é a concentração dos poderes numa só entidade.

Também vamos encontrar o caracter originário da soberania, pois o estado não precisa de recolher
o fundamento das duas normas noutras normas jurídicas.

Ordem cronológica dos modelos de Estado: Sociedade estamental – estado absoluto – estado de
polícia – estado polícia – estado moderno

1. Estado absoluto
Não estava subordinado ao direito, não tinha limitações jurídicas. Não existia uma constituição em
sentido moderno. É este estado absoluto, que a partir do seculo XIV, assume outra qualificação: o
estado de polícia.

2. Estado de polícia
(exemplo: estado do marquês de pombal; Luís XIV em França)

O estado de polícia, ou também conhecido por estado iluminista, tem como características:

→ O poder de soberania encontrava-se nas mãos do monarca.


→ O poder soberano estende-se ao âmbito religioso, cabendo então ao monarca escolher a
religião dos seus súbditos e de exercer a autoridade eclesiástica
→ Dirigismo económico através da adoção de uma política económica mercantilista.
→ Promover o bem-estar dos súbditos era uma das missões do soberano.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

No Estado de Polícia - a polícia abrangia toda a administração interna do Estado – apareceu a


chamada teoria do fisco: os súbditos passaram a gozar do direito de obter o pagamento de uma
indemnização a cardo do “fisco” concebido doravante como uma pessoa jurídica autónoma de
direito privado.

É aqui que o poder absoluto atinge o seu auge.

No entanto, a teoria do fisco não foi suficiente para alicerçar um verdadeiro estado de direito. Só
tivemos a verdadeira mudança no paradigma estadual quando apareceram as ideias de liberdade
individual e livre desenvolvimento económico (ideias jusnaturalista e jusracionalistas). A tarefa de
polícia deixa de ser uma tarefa totalizante do Estado e passa a ter a missão de garantir a ordem e a
segurança dos súbditos. Nasce aqui, então, o Estado Polícia.

3. Estado polícia
Então, nos finais do seculo XIV encontramo-nos com um Estado de Polícia, mas nos fins do século
XVIII vais nos aparecer o Estado polícia - aqui a polícia tem uma função administrativa típica de
prevenção de perigos e de manutenção da ordem e da segurança.

O ESTADO CONSTITUCIONAL
Hoje, o Estado só se concebe como Estado Constitucional. Com constitucionalismo já se sabe que o
Estado está submetido ao direito.

Duas qualidades fundamentais do Estado constitucional em sentido moderno:

• Estado de direito
• Estado democrático

Um estado constitucional não se confunde com um estado de direito, ele é mais do que isso. Não
abasta afirmar que o poder está subordinado ao direito, temos também de afirmar que é um estado
democrático (que é o fundamento do poder).

1. Estado de direito

A concretização do estado constitucional de direito faz-se de vários modos. Vamos identificar vários
conceitos como o Rechtsstaat, Rule of Law, État légal, que apesar de serem diferentes todos
procuram alicerçar a juridicidade estatal.

→ The Rule of Law – falado já em cima


→ Significa a obrigatoriedade da observância de um processo justo legalmente regulado,
quando se tiver de julgar e punir os cidadãos, privando-os da sua liberdade e propriedade.
→ Significa o destaque das leis e costumes do país perante a discricionariedade do poder real.
→ Todos os atos executivos estavam sujeitos à soberania do parlamento.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

→ Igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos, a fim de defenderem os seus
direitos segundo os princípios de direito comum dos ingleses (Common Law) e perante
qualquer entidade (indivíduos ou poderes públicos)

→ Constituição e lei – always under law – falado já em cima


→ Nos estados unidos, o estado constitucional arranca do direito do povo fazer uma lei
superior (higher lawmaking), ou seja, uma constituição onde se estabelecesse as funções do
estado e os seus limites. Na constituição também se encontram os direitos e liberdades dos
cidadãos (rights and liberties of citizenship). É uma constituição escrita.
→ O estado constitucional associa a juridicidade do poder à justificação do governo. As
decisões do estado têm de estar em conformidade com o povo.
→ O governo está subordinado às leis (government under law) - o governo obedece de acordo
aos princípios e às regras de direito, estabelecidas na constituição.
→ No estado constitucional americano também fazem parte os tribunais que exercem a justiça
em nome do povo (people´s court). Os tribunais são constituídos por juízes, que têm desde
logo a confiança do povo para protegerem os princípios de justiça e os direitos condensados
na lei superior. Para além disso também têm o poder de declarar nulas as leis com que não
concordam (judicial review of legislation)

→ L’État légal - Declaração, constituição e lei – falado já em cima


→ A ideia do Estado de direito no constitucionalismo francês assentou na construção de um
État légal concebido como uma ordem jurídica hierárquica.
→ Em primeiro lugar encontrava-se a declaração dos direitos do homem e do cidadão, que
para além de referir os direitos do Homem, era uma supraconstituição, porque estabelecia
uma disciplina vinculativa para a própria constituição, e era pré-constituição, porque
antecedeu a própria constituição.
→ Hierarquia: Declaração - constituição - Leis – atos do executivo de aplicações das leis.
→ Contudo, devido ao princípio da primazia da lei, aquele Estado Constitucional transforma-se
num Estado de Legalidade (“L’ État Legal”). Neste Estado: Os cidadãos têm a garantia de que
a lei só pode ser criada pelo órgão legislativo, o órgão que representa a vontade geral; a lei é
uma fonte de direito hierarquicamente superior (a seguir às leis constituintes) e por isso
todas as medidas adotadas pelo poder executivo têm de estar em conformidade com ela
(princípio da legalidade da administração); a lei tem de ser geral, de modo a garantir o
princípio da igualdade perante a lei, e não pode ser apenas para alguns.

→ O Rechtsstaat – constitucionalismo alemão


→ Esta expressão significa Estado de Direito e apareceu no constitucionalismo alemão
→ Isto significa que o constitucionalismo alemão se situava entre duas propostas
constitucionais: o chamado constitucionalismo da restauração, que assentava no princípio
monárquico e o constitucionalismo da revolução que assentava no princípio da soberania
popular.
→ Aqui o estado de direito é um estado liberal de direito. O estado limita-se à defesa da ordem
e da segurança publica, enquanto os domínios económicos e sociais estavam remetidos para
os mecanismos da liberdade individual e da liberdade de concorrência.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

→ Doutrina da lei protetora dos direitos de liberdade e de propriedade e doutrina da reserva


da lei – os dois princípios fundamentais (liberdade e propriedade) só podem sofrer
alterações autoritárias por parte da administração quando tal fosse permito por uma lei
aprovada pela representação popular.
→ Aqui o monarca também estava subordinado ao Direito, à lei. Acabando por se tornar num
órgão do Estado. (Contrariamente ao que se via no estado absoluto, onde o rei não sofria
quaisquer limitações)
→ Na atividade administrativa os poderes públicos tinham que atuar de modo conforme à lei
(princípio da legalidade da administração). Para além disso, como era de se esperar, também
era necessário um controlo judicial da atividade da administração, que era desde logo
controlada pelos tribunais.

2. Estado democrático

O estado constitucional não é nem deve ser apenas um estado de direito. O estado constitucional
moderno não se limita apenas um estado de direito. Ele estrutura-se como estado de direito
democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo. Então:

→ O poder do estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos;


→ O princípio da soberania popular é uma das traves mestras do Estado constitucional;
→ O poder político deriva do poder dos cidadãos.

Então, o Estado constitucional é mais do que Estado de direto, é também um Estado democrático.

O elemento democrático não foi apenas introduzido para travar o poder, serve também para
legitimar esse poder (legitimação democrática do poder).

Para além de se limitar o poder político (estado de direito), é necessário saber quem é o titular desse
poder, que é o povo. Temos então aqui presente o princípio da soberania popular, segundo o qual
todo o poder vem do povo. É este princípio que assegura e garante o direito à igual participação na
formação democrática da vontade popular. Pode-se admitir que o princípio da soberania popular
serve de união entre o Estado de Direito e o Estado democrático, possibilitado, assim, a
compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático.

DIREITO CONSTITUCIONAL PORTUGUÊS


Direito constitucional português

• 6 constituições - 1822,1826,1838,1911,1933,1976 – exercício do poder constituinte


originário
• 7 revisões da constituição de 1976 – exercício do poder constituinte derivado (poder que
está regulado na própria constituição. Ela obedece a regras fundamentais que estão
presentes na constituição. Tem limites: materiais, formais, temporais, …

CONSTITUIÇÃO DE 1922

A constituição de 1822 é um dos textos mais importantes do constitucionalismo português. Foi


assinada em setembro de 1822, após a revolução vintista ou também conhecida Revolução Liberal
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

de 1820. Uma das razões da ocorrência desta revolução foi a partida da família Real para o Brasil
em 1807, devido às invasões francesas. Os revolucionários queriam, então, o regresso de monarca
D. João VI a Portugal, para que este reassumisse o poder. Pretendiam que o rei partilhasse os seus
poderes com o Parlamento e exercesse apenas os poderes que a constituição lhe atribuísse. Era uma
verdadeira Constituição Liberal. (Esta revolução teve um caracter burguês)

Teve dois períodos de vigência: 1822-1823 (acaba com a Vila-Francada); (revolução de setembro)
1836-1838

Esta constituição foi elaborada e aprovada pelas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da
Nação Portuguesa e o monarca teve de aceitar e jurar o texto constitucional. Trata-se de um
procedimento constituinte representativo com assembleia soberana - A elaboração, discussão e
aprovação da Constituição é feita pela Assembleia Constituinte (eleita, pelo povo, através de
sufrágio), não havendo qualquer intervenção do povo através de referendo ou de plebiscito.
(matéria dada anteriormente).

Os modelos constitucionais que serviram de influência foram: o constitucionalismo francês e o


constitucionalismo espanhol.

Os princípios norteadores da Constituição de 1822 foram:

• O princípio democrático, uma vez que a soberania reside essencialmente na Nação. Para
além disso a autoridade do rei provém da Nação;
• O princípio representativo, uma vez que os representantes eram eleitos para exercer a
soberania.
• O princípio da separação dos poderes
• O princípio da igualdade jurídica
• O princípio do respeito pelos direitos pessoais

Nesta constituição encontrava-se, logo no Título I, o catálogo dos direitos e deveres fundamentais.

Quanto ao poder legislativo, ele residia nas cortes, com dependência da sanção do rei.

Quanto às estruturas eleitorais, era uma Assembleia unicameral, ou seja, só tinha uma camara, e
era eleita bienalmente (de dois em dois anos). A eleição dos deputados era indireta e a capacidade
de votação era apenas dados a certos cidadãos, excluindo-se, desde logo, as mulheres, os menores
de 25 anos, os escravos, entre outros.

Quanto ao rei, ele possuía desde logo o direito ao veto (caso ele não concordasse com uma decisão
da Corte ele podia veta-la, mas isto não significa que a eliminava! O direito de veto era apenas um
veto de suspensão de uma decisão, que ia a segunda votação nas Cortes. Quase as cortes continuem
a concordar com a decisão, o rei tem obrigação de aceitar.).

Para além disso o rei viu a sua monarquia a ficar limitada, devido à soberania popular e à separação
dos poderes. Para além disso não podia interferir no poder legislativo, nem nos Tribunais.

CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826

Apesar de D. João VI ter jurado a Constituição de 1822, quer a sua mulher (D. Carlota Joaquina), quer
o seu filho (D. Miguel), não ficaram conformados com a limitação do poder soberano do rei. Assim,
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

em 1823, ocorre a “Vila-Francada”, um golpe de partidários absolutistas chefiado pelo Infante D.


Miguel.

Apesar deste não ter sido bem-sucedido, a Constituição de 1822 foi revogada. Ainda em 1823, D.
João VI promete a elaboração de uma Carta Constitucional, no entanto, devido à sua morte foi D.
Pedro IV, seu sucessor, quem, antes de abdicar do trono à sua filha, elaborou e assinou a Carta
Constitucional. Esta abdicação do trono à sua filha estava condicionada com o casamento desta com
o seu tio, D. Miguel.

Foi elaborada e assinada pelo monarca que, depois, a outorgou à Nação. É uma Carta Constitucional
criada por um procedimento constituinte monárquico.

Princípios norteadores:

• Princípio monárquico - o rei outorga a carta constitucional;


• Princípio da divisão de poderes;
• Princípio censitário;
• Reconhecimento de direitos civis e políticos aos cidadãos portugueses.

Quanto ao monarca, ainda é limitado pela existência de vários órgãos, no entanto tem o direito de
iniciativa e de sanção. Possui o direito moderador e o direito de veto, mas este já permitia a
eliminação de uma decisão. A monarquia continua a ser limitada pelo facto de ser uma monarquia
representativa.

No que respeita à organização do poder político, a Carta introduz o poder moderador (Benjamin
Constant), competindo certas funções típicas do mesmo ao Chefe de Estado. O poder político era
partilhado, dividindo-se as Cortes em duas câmaras – Câmara dos Deputados, eletiva e temporária;
Câmara dos Pares, composta por membros vitalícios e hereditários, sem número fixo
(Bicameralismo).

3 Períodos de vigência: 1826-1828; 1834-1836 e 1842-1910

CONSTITUIÇÃO DE 1838

Ainda que tenha jurado a Carta Constitucional por duas vezes, D. Miguel mantinha muitas reservas
face ao documento, acabando por restaurar o poder absoluto e conduzindo a uma guerra civil (1828-
1834). A vitória, na Revolução de setembro, da fação radical do liberalismo (vintistas) aboliu a Carta
Constitucional e repôs a Constituição de 1822. Contudo, da simples revisão desta surgiu a nova
constituição: a Constituição de 1838.

Esta constituição é uma constituição pactuada entre as cortes e o rei. Para além disso foi uma
constituição compromisso entre os defensores da soberania nacional (vintistas) e os defensores da
monarquia constitucional (cartistas).

Uma constituição pactuada é um pacto entre o rei e a representação nacional. Este tipo de
constituição marcava a transição de uma monarquia hereditária para uma monarquia
representativa e pronunciava a morte de legitimidade dinástica.

Então, as Cortes extraordinárias e constituintes, convocadas pelo povo para reverterem a


Constituição de 1822, decidem criar uma nova constituição. Depois de discutida e votada nas Cortes,
o texto constitucional foi submetido à aprovação da Rainha D. Maria II, que a aceitou e jurou.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Nasceu então a constituição de 1838. Mas vendo bem, será uma constituição pactuada ou
estaremos apenas perante um procedimento constituinte representativo com Assembleia
Constituinte soberano?

• Se se atribui valor constitutivo aos atos praticados pela rainha, estamos perante um
procedimento constituinte misto representativo-monárquico: constituição pactuada.
• Se, pelo contrário, se entender que os atos da rainha foram meramente formais, como os
atos de D. João VI quanto à Constituição de 1822, estamos perante um procedimento
constituinte representativo com Assembleia Constituinte soberana.

À semelhança da constituição de 1822, o catálogo dos direitos fundamentais passou a estar presente
logo no início da constituição.

Nesta constituição consagrou-se a independência dos poderes políticos. Para além disso, o poder
moderador do monarca, presente na Carta, foi eliminado, mas continuo a ter direito da sanção das
leis e a ser reconhecido como Chefe do Executivo. O monarca também viu os seus poderes a ficarem
reduzidos relativamente a outros poderes.

Quanto à estrutura da assembleia, continua a ter duas camaras, mas a diferença é que os
representantes da camara alta passam a ser eleitos, e não nomeados pelo rei, e passam a exercer o
cargo de forma temporária, e não vitalícia.

Quanto ao poder judicial, o rei passa a ter poderes mais restritos do que a Carta.

A eleição de deputados e de senadores passa a ser feita por sufrágio direto e mantem-se o sufrágio
censitário. Quanto aos senadores, a capacidade eleitoral passa a ser mais restrita.

1 período de vigência - 1838-1842 (até ao golpe de Estado de Costa Cabral). Com o golpe de estado
Cabral inicia-se o terceiro período de vigência da carta constitucional.

CONSTITUIÇÃO DE 1911

É a implementação da República em sequência da Revolução de 5 de outubro de 1910 que dá


origem á Constituição de 1911. Foi elaborada aprovada por uma assembleia constituinte eleita pelo
povo (Assembleia Nacional Constituinte), sendo o procedimento constituinte representativo com
assembleia constituinte soberana.

Influências constitucionais: Constituição brasileira de 1891, constituições portuguesas anteriores,


constitucionalismo francês.

Princípios norteadores:

• Soberania popular – retomou as fórmulas da constituição de 1838 e de 1822, e afirmou que


a soberania residia na Nação;
• Regime representativo – a soberania da Nação manifesta-se através dos representantes
eleitos;
• Separação dos poderes - divisão tripartida dos poderes (legislativo, executivo e judicial), que
foram considerados independentes;
• Sufrágio universal (excluindo mulheres e analfabetos e, em certa medida, os militares);
• Bicameralismo paritário - duas camaras: Câmara dos Deputados e o Senado.
• Parlamentarismo monístico e regime parlamentar de assembleia.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Elementos essenciais do constitucionalismo republicano:

− A Républica é uma república laica, uma vez que assentava na divisão da Igreja e do Estado, na
liberdade de culto, entre outros.
− Para além disso, a Républica também era descentralizada (descentralização administrativa).

Quanto à declaração dos direitos, a constituição de 1911 garantiu as liberdades publicas dos
cidadãos mais importantes - página 169 para ver alguns exemplos.

Quanto aos órgãos legislativos, apareceu o Congresso que era o parlamento da 1ª República e que
era composto por duas camaras: A Câmara dos Deputados e o Senado. Eram ambas eleitas for
sufrágio direto e tinham ambos o poder legislativo.

• Camara dos Deputados – composta por representantes eleitorais de 3 em 3 anos e tinha


uma competência privativa quanto à iniciativa em matéria de impostos, entre outros
• Senado – era composto por 3 representantes de cada distrito do continente e das ilhas, e
por uma das províncias unidas. Eram eleitos por 6 anos e tinham competência privativa
quanto à aprovação ou rejeição das propostas de nomeação dos governadores e comissários
da Républica para as províncias do Ultramar.

Quanto ao congresso, que se reunia durante 4 meses ao ano, competia-lhe: funções legislativas,
financeiras, eleitorais, entre outras.

Quando ao presidente da Républica, era eleito de forma indireta (eleito pelas Câmaras) e tinha um
mandato de 4 anos. Nunca foi afirmado expressamente que ele era o chefe do executivo. Aqui
avistamos o “apagamento” do Presidente da Républica.

Quanto ao controlo político da inconstitucionalidade e da legalidade continua a pertencer ao órgão


representativo – o Congresso. Para além disso os tribunais também passaram a fiscalizar a
constitucionalidade das leis. Implementou-se então a ideia do judicial review do sistema americano.

Período de vigência: de 1911 a 1931

CONSTITUIÇÃO DE 1933

A Revolução de 28 de maio de 1926 deu origem a um período de ditadura militar que durou até
1933. Durante esse período, vigorou a Constituição de 1911, pois só em 1931 se decidiu fazer uma
nova Constituição.

Em 1931, foi criado o Conselho Político Nacional, ao qual caberia apreciar os projetos de
Constituição. Esse Conselho incidiu a sua atenção apenas no projeto de Oliveira Salazar, tendo o
mesmo sido submetido a consulta popular. Estamos ante um procedimento constituinte direto
plebiscitário.

Princípios norteadores: (1) instauração de uma República corporativa; (2) Estado forte e
presidencialismo do Primeiro-Ministro (Marcello Caetano); (3) antiliberalismo político; (4) ideia
supraindividualista de Nação; (5) antiliberalismo económico; (6) ideia de economia dirigida.

Período de vigência: de 1933 a 1974.


NOTAS: Órgãos de soberania – chefe de estado, assembleia nacional, governo e nacionais.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

CONSTITUIÇÃO DE 1976 – Apenas o que se encontra no material de apoio dado pelo Dr. Eduardo
Figueiredo

Na sua base esteve a Revolução de 25 de abril de 1974, levada a cabo pelo MFA, que,
posteriormente, entrega o poder a uma Junta de Salvação Nacional. Pretendia-se, assim, a rutura
com o regime autoritário e corporativo anterior e a consequente instauração de um regime
democrático.

Foi eleita pelo povo uma assembleia constituinte com poderes para elaborar e aprovar o projeto de
constituição. Trata-se de um procedimento constituinte representativo ou indireto com assembleia
constituinte soberana.

Princípios norteadores: (1) Princípio Republicano, (2) Princípio do Estado de Direito; (3) Princípio
Democrático; (4) Princípio da Soberania Popular; (5) Princípio da Separação de Poderes; (6) Princípio
da Autonomia Regional. Extenso catálogo de direitos fundamentais, sendo o seu princípio basilar a
dignidade da pessoa humana, que é simultaneamente limite e fundamento do poder político.

Período de vigência: de 1976 aos dias de hoje.

DESCONTINUIDADES

Descontinuidade constitucional – ocorre quando uma nova ordem constitucional implica uma
rutura com a ordem constitucional anterior.

Descontinuidade formal - quando uma nova Constituição adquire efetividade e validade num
determinado espaço jurídico sem que para tal se tenham observado os preceitos reguladores de
alteração ou revisão da Constituição vigente que, deixa de ser, por sua vez, válida e efetiva no
mesmo espaço jurídico.

O constitucionalismo português é um constitucionalismo dominado pelas ruturas ou


descontinuidades formais:

• A constituição de 1822, fruto da Revolução Vintista, pôs fim à “constituição monárquica”


• A carta constitucional de 1826 que pôs fim à constituição de 1822
• A constituição de 1838, fruto da revolução de setembro de 1836, que pôs fim á carta de
1826
• A constituição de 1911, fruto da revolução republicana de 5 de outubro de 1910, rompe com
a carta de 26, que retomou vigência depois da Revolta cabralista de 1842.
• A constituição de 1933 rompe com a constituição de 1911 (Golpe militar no dia 28 de maio
de 1926
• A constituição de 1976, que após a revolução de 25 de abril de 1974, pôs termo à
constituição de 1933

A constituição de 1976 insere-se, então na linha de descontinuidade do direito constitucional


português.

As descontinuidades constitucionais não podem ser apenas formais, são também descontinuidades
materiais.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Descontinuidade material – a descontinuidade em sentido material verifica-se quando ocorre uma


destruição do antigo poder constituinte e da sua obra por um novo poder constituinte alicerçado
num título legitimatório radicalmente diferente do anterior; para além disso também se pode
traduzir na rutura consciente com o passado no plano dos princípios políticos constitucionalmente
conformadores.

No primeiro caso temos o exemplo da Constituição de 1822, que resultou do exercício do poder
constituinte democrático, materialmente distinto do poder constituinte monárquico.

No segundo caso, quando existe a tal rutura, temos o exemplo da Constituição de 1976, que é
totalmente diferente da Constituição de 1933.

Nota das aulas: A descontinuidade material tem haver com a alteração dos princípios, dos valores, da
dimensão axiológica que dá legitimidade ao poder.

CONTINUIDADES

Continuidade constitucional – a continuidade constitucional verifica-se quando várias matérias se


vão mantendo nos vários textos constitucionais.

E que matérias são estas?

• Corrente democrática - presente na constituição de 1822, na de 1838, na de 1911 e na de


1976
• Tendência autoritária e conservadora – presente na carta de 1826 e na constituição de 1933
• A existência de um catálogo que direitos e liberdades em todas as constituições
portuguesas.
• A fiscalização judicial difusa dos atos normativos que se iniciou na constituição de 1911 e se
mantém até hoje.
• A existência de autarquias locais
• A separação de chefe de Estado e Chefe de Governo, que se iniciou em 1834 e se mantém
em todos os textos constitucionais.

Verifica-se ainda que a maioria das constituições portuguesas surgem no decorrer de atos
revolucionários, com exceção da Carta Constitucional (a qual não surge na sequência de um ato
revolucionário, já que a Vila-Francada é considerada um movimento contrário ao
constitucionalismo).

O procedimento constituinte típico é o representativo com assembleia soberana (Constituições de


1822, 1911 e 1976).

INFLUÊNCIAS NO TEXTO CONSTITUCIONAL DE 1976

Embora o texto constitucional de 1976 apresente soluções inovadoras e diferentes das constituições
estrangeiras, a verdade é que também recebeu algumas influências estrangeiras que são vivíveis em
certas matérias.

Por exemplo:
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

• A lei fundamental de Bona de 1949 (constituição alemã) que influencia o catálogo dos
direitos, liberdades e garantias
• A constituição italiana de 1948 que influenciou alguns direitos fundamentais, princípios
estruturantes e os estatutos das Regiões Autónomas.
• O modelo francês de organização do poder político.
• Constituições socialistas dos países ex-comunistas que influenciaram o catálogo de direitos
económicos, sociais e culturais.

AULA DO DIA 20 DE NOVEMBRO

PROCEDIMENTO CONSTITUINTE DE 1976

Hoje vivemos num quadro constitucional estável. Mas o procedimento constitucional da constituição
de 1976 (está a referir ao poder constituinte originário) não foi pacifico em Portugal. Uma vez que
ele emerge de uma revolução.

A elaboração do texto de 1976 obedeceu ao paradigma clássico da soberania constituinte e da


democracia dualista:

• Eleição dos deputados constituintes, segundo um sufrágio universal, igual, indireto e


secreto.
• A formação de uma assembleia constituinte que tinha a função de elaborar a constituição
• Atribuição de soberania constituinte a essa assembleia, uma vez que a ele cabia, não apenas
a feitura do texto constitucional, como também a sua aprovação (assembleia constituinte
soberana)
Nota das aulas: O método seguido em Portugal, de 74 a 75, foi um procedimento constitutivo democrático por
via de uma assembleia representativa. (Procedimento democrático representativo). Antes da constituição
tivemos uma Assembleia Constituinte, só depois é que tivemos a Assembleia da República.

Ora, mas o processo constituinte não foi perfeito, principalmente em dois pontos:

• A inexistência de um referendo para a aprovação do texto – a constituição não fazia


qualquer referência à participação popular referendária, mas sugeria-se, sim, a adoção do
modelo de assembleia constituinte soberana.
• A existência de coação sobre os constituintes – A Assembleia Constituinte via-se sem
liberdade, e isto deve-se à obrigação dos deputados constituintes assinarem os chamados
Pacto-MFA (plataformas de acordo constitucional). Estes pactos foram verdadeiros diktats
regulativos. O caracter coativo traduzia-se na obrigatoriedade da inserção de algumas
clausulas das plataformas no próprio texto da Constituição. Ora significava, que os
deputados, nas matérias que as plataformas comtemplavam, não tinham liberdade de
iniciativa, discussão e deliberação.

NOTAS DAS AULAS: O Verão quente de 75 traduziu-se numa agitação social e política.

Na primeira etapa ocorreu com uma certa tranquilidade. Mas ocorreram algumas incapacidades civis, por
exemplo haviam cidadãos que não tinham capacidade eleitoral por terem preenchido cargos no estado
anterior, logo estas incapacidades são injustas.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Conselho da revolução - poder de fiscalização, legislativos. Era o órgão que tinha assento a ação das Forças
Armadas.

Na segunda e terceira etapa foram quase imposições de ordem substancial - imposições que vem a traduzir
numa certa falta de liberdade da assembleia.

O instrumento normativo – pacto MFA- partidos --- fez limitações no procedimento do poder constituinte.

MOMENTOS CONSTITUCIONAIS

A Constituição de 1976 é uma constituição de momentos:

• Momento revolucionário - a constituição de 1976 decorre de uma revolução, que foi a


revolução de 25 de abril de 1974; existe uma descontinuidade formal e material uma vez
que há um corte com o passado do ponto de vista político (democratização e
descolonização) e do ponto de vista social (movimentações sindicais) e económico (reforma
agrária, nacionalizações); um dos aspetos que caracterizam este momento é a
institucionalização do Conselho da Revolução.
• Momento extraordinário - adesão popular: momento de intensa participação popular.
• Momento maquiavélico - tentativa de justificação de atos de validade jurídica duvidável (ex.
expropriação e nacionalização dos meios de produção sem indemnização, incriminação
retroativa de agentes da PIDE-DGS, etc.)

Notas das aulas: ESTADO DE EMERGENCIA – ARTIGO 19 DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA. O estado sítio é
mais grave ainda. O direito constitucional está em contacto direito com a nossa vida quotidiana.

AULA DO DIA 25 DE NOVEMBRO


TENÇÕES E CONSTRADIÇÕES E AS 7 REVISÕES DA CONSTITUIÇÃO DE 1976 – MATERIAL DE APOIO DO DR.
EDUARDO FIGUEIREDO E PÁGINAS 207 A 214

Sistematização da constituição de 1976 - 7 partes:

• Preâmbulo - é uma nota justificativa do que é o corpo da constituição. (Página 9 da CRP)


• Princípios fundamentais – art.º 1 ao 11 – os dois primeiros são muito importantes; o art.6
também; e o art.º 7 e 8 revelam a abertura do país para o exterior (valor da dignidade
humana é o valor supremo) (princípios do estado de direito, democrático e sociabilidade) -
são princípios que caracterizam o Estado português (página 9-12)
• Parte 1 – direitos e deveres fundamentais: aqui encontramos dois grandes capítulos (título
2 e 3 – direitos, liberdades e garantias e os direitos económicos, sociais e culturais); título I –
princípios gerais; Título II – direitos, liberdades e garantias; título III - direitos económicos,
sociais e cultirais. (página 13-38)
• Parte 2 - organização económica: princípios jurídicos fundamentais que regem a economia.
Também apanha a organização financeira (página 38- 47)
• Parte 3 - organização do poder político: art.108 a 276 – é transversal o princípio da
separação dos poderes, em sentido organizatório. O art. 111 temos a separação
organizatória dos poderes. Presidente, AR, governo e tribunais - órgãos do poder político/
órgãos de soberania.; também temos a separação dos poderes entre os órgãos; também
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

encontramos os poderes descentralizados: a descentralização política (leva à existência na


constituição dos poderes das regiões autónomas - art.225 a 234); poder das autarquias
locais (art.235/1) (Páginas 49-103)
• Parte 4 – garantia e revisão da constituição: título I - fiscalização da constitucionalidade (das
normas); título II - revisão da constituição: o poder constituinte derivado. (páginas 105- 110)
• Disposições finais e transitórias (página 111-112)

5 características formais da constituição:

• É uma constituição unitextual - está num único texto; não há documentos com valor
constitucional e não existem leis de revisão fora da constituição. As alterações resultantes
das leis constitucionais de revisão “serão inseridas no lugar próprio mediante substituições,
supressões e aditamentos necessários” (art.287/1 da CRP); exceção relevante - disposição
transitória que diz respeito à vigência de uma lei anterior à constituição. O art.290 afirma
que só são leis constitucionais com valor constitucional aquelas que não constarem nas
disposições finais e transitórias, todas essas que não constam nas disposições são
originárias. A lei que continua a ter valor formal é a lei que visa incriminar os agentes
irresponsáveis da PIDE-DGS – ART. 292 - é uma lei constitucional.
• É uma constituição rígida ou semi-rígida – A rigidez atribui ás normas constitucionais uma
capacidade de resistência à derrogação superior à de qualquer lei ordinária. É uma
constituição que pode ser alterada, mas que para ser alterada tem de seguir um
procedimento de revisão específico e dentro de certos limites (formais, circunstanciais e
materiais) – Título II da Parte 4 (art. 284 e sg) é um procedimento específico que respeita á
revisão da constituição. A nossa constituição é rígida porque tem um processo específico
que ela própria contempla para poder ser alterada; todas as outras normas não têm
capacidade derrogatória relativamente às normas constitucionais. E caso estas estejam em
desconformidade com a constituição vão ser chamadas de normas inconstitucionais e vão
sofrer consequências jurídicas - princípio da constitucionalidade.
• É uma constituição longa – com a 7º revisão constitucional passamos a ter 296 artigos.
Opõem-se ao conceito de constituição breve. (contrariamente, a carta de 1826, a
constituição de 1836 e a constituição de 1911 foram constituições breves).
• É uma constituição programática - no sentido em que as normas-fim e normas-tarefa que
são definidas ao estado – o legislador constituinte impõe ao estado a realização de
determinados objetivos - impõem tarefas que o estado tem de realizar - Artº. 9 (tarefas
gerais) que nos remete para o Artº.80 e o Artº. 81 (define os princípios do artº.80 - ele
fundamenta concretamente as funções do estado no domínio económico); é uma
constituição programática porque contem normas-fim e normas-tarefa que são definidoras
de programas de ação e de linhas de orientação dirigidas ao Estado. A constituição comanda
a ação do Estado e impõe aos órgãos competentes a realização das metas programáticas
nela estabelecidas; inconstitucionalidade por omissão (quando o estado não cumpre as
tarefas consagradas na constituição) - Artº.283- a consequência é apenas uma “chamada de
atenção” ao órgão legislativo; inconstitucionalidade por ação.;
• É uma constituição compromissória/ aberta – Esta abertura constitucional traduz uma ideia
de compromisso entre forças políticas e sociais. Compromisso entre um estado unitário e as
autarquias; compromisso entre o princípio liberal de direitos individuais e o princípio
socialista de direitos económicos e sociais; a forma de governo parlamentar e presidencial; o
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princípio da unidade do Estado e da autonomia regional; o sistema de fiscalização da


constitucionalidade difusa e concentrada

7 Revisões:

• 4 ordinárias - 1982; 1989; 1997; 2004


• 3 extraordinárias - 1992; 2001; 2005

Evolução no texto da constituição e sua mutação em sentido material. - ver gráfico do Pwp do Dr.
Eduardo Figueiredo

O poder de revisão (poder constituinte derivado) encontra-se limitado (não podemos esquecer que
ele é um poder constituído, ou seja, encontra-se disposto na própria constituição - artº.284 e289)

A constituição é do tipo rígido, uma vez que exige um processo agravado em relação ao processo de
formação das leis ordinárias. É este processo agravado de revisão que impede a livre modificação da
lei fundamental pelo legislador ordinário, sendo então uma garantia da Constituição, porque este
limite absoluto ao poder de revisão assegura uma certa estabilidade à Constituição. No entanto, isto
não quer dizer que ela não possa ser alterada! Ela pode ser alterada, mas apenas seguindo e
cumprindo certo limites:

• Limites temporais (art.284º CRP)


• Limites formais
• Limites procedimentais (285.º a 287.º CRP)
• Limites circunstâncias (art. 289.º CRP)
• Limites materiais – limites que mais controvérsia tem suscitado - são limites que a
constituição estabelece (artº. 288) á revisão de determinadas matérias, são limites absolutos
(não podem ser postas em causa)
N: Todos estes limites encontram-se no PowerPoint do Dr. Eduardo Figueiredo

➢ LIMITES FORMAIS AO PODER CONSITUINTE DERIVADO


1. Limites relativos ao titular do poder de revisão

Entre nós, a revisão ou modificação da Constituição é feita pelo órgão legislativo ordinário: a
Assembleia da República. A apresentação de projetos de revisão cabe, apenas, aos deputados (art.
285.º/1 CRP; 161.º/a CRP). - Respeito pelo princípio democrático representativo.

Entre nós, está afastada a possibilidade de se recorrer a referendos como meio de revisão
constitucional ou de ratificação das leis de revisão (art. 115.º/4/a CRP).

2. Limites temporais

Estes limites justificam-se pela necessidade de assegurar uma certa estabilidade às instituições
constitucionais.

A AR pode rever a Constituição decorridos 5 anos sobre a data da publicação da última lei de
revisão ordinária – revisão ordinária (art. 284.º/1 CRP). Assim, nenhuma AR poderá, assim, efetuar
mais do que uma revisão ordinária.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

A AR pode rever a Constituição em qualquer momento, desde que observe o requisito previsto no
art. 284.º/2 CRP – revisão extraordinária.

• A assunção extraordinária de poderes de revisão constitucional só aproveita à AR que a efetuou,


caducando se esta não vier a proceder à mesma.
• A sua realização não interrompe o prazo para a realização das revisões constitucionais
ordinárias.

3. Limites relativos às maiorias deliberativas

Nas revisões ordinárias, as alterações à Constituição têm de ser aprovadas por maioria de 2/3 dos
deputados em efetividade de funções (art. 286.º/1 CRP).

Nas revisões extraordinárias, aplica-se um processo agravado: exigência de uma maioria de 4/5 dos
deputados em efetividade de funções para que a AR possa assumir poderes de revisão; as
alterações devem, depois, ser aprovadas por uma maioria de 2/3 dos deputados em efetividade de
funções (art. 284.º/2 e 286.º/1 CRP)

4. Limites circunstanciais

Proíbe-se que a revisão da Constituição seja feita em situações de anormalidade constitucional. Ex:
estado de guerra ou estado de emergência (art. 289.º CRP). Uma vez que nestas circunstâncias
podem constituir ocasiões favoráveis à imposição de alterações constitucionais. Desta forma, estes
limites impedem que isto aconteça.

Para além disto:

→ A revisão deve ser feita de modo expresso (proibição das revisões tácitas).
→ Forma: Lei Constitucional (art. 161.º/a e 166.º/1 CRP)
→ Promulgação: o Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão (art.
286.º/3 CRP).
→ Publicação: Quer se trate de supressão de normas, quer se trate de uma substituição do texto
constitucional, quer de aditamentos, todas estas alterações devem ser inseridas no lugar
próprio da Constituição, publicando-se conjuntamente a Constituição, no seu novo texto, e a lei
de revisão constitucional (art. 287.º CRP).

Quanto ás alterações da constituição vemos uma certa diferença entre o constitucionalismo


português e o constitucionalismo americano: de um lado temos as revisões constitucionais e do
outro temos as emendas constitucionais.

Revisões constitucionais - Normas que contemplam as alterações da Constituição, as quais são


posteriormente inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as supressões e os
aditamentos necessários, incluindo a publicação do novo texto da Constituição. Sendo, então, um
exemplo o caso da Constituição portuguesa (arts. 166.º/1 e 161.º/a CRP).
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Emendas constitucionais - Novos documentos, paralelos ao texto constitucional e com idêntico valor
em relação a este, que podem consubstanciar um aditamento, uma supressão ou uma alteração,
tornando este modelo de revisão constitucional mais complexo no momento de interpretar a
Constituição em vigor. É o caso da Constituição norte-americana.

➢ LIMITES MATERIAIS AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

Estes limites visam a conservação do valor integrativo da constituição, ou seja, a identidade


constitucional.

1. Limites superiores e inferiores

No que respeita aos limites inferiores, coloca-se a questão de saber se uma lei de revisão poderá
inserir na Constituição qualquer matéria. A resposta parece ser positiva, inexistindo uma qualquer
“reserva de matéria constitucional”

No que respeita aos limites superiores, coloca-se a questão de saber se há normas da Constituição
que não podem ser objeto de revisão. A resposta parece ser positiva, remetendo-nos para a
temática dos limites expressos e tácitos.

2. Limites expressos e tácitos (autónomos/heterónomos)

Os limites expressos são aqueles limites ao poder de revisão que estão expressamente consagrados
no próprio texto constitucional (Art. 288.º CRP). As Constituições selecionam um leque de matérias,
consideradas como o cerne material da ordem constitucional, e impedem que estas matérias
possam ser alteradas pelo poder de revisão. Correspondem ao núcleo essencial da Constituição.
Também designados de limites imanentes de revisão.

Os limites tácitos são aqueles que não estão expressamente consagrados na Constituição. Alguns
podem deduzir-se do próprio texto constitucional (limites textuais implícitos) e outros são
imanentes a uma ordem de valores não positivados (limites tácitos propriamente ditos)

Limites autónomos - limites expressos + limites textuais implícitos

Limites heterónomos - limites tácitos propriamente ditos - são aferidos por uma ordem
jusnaturalista ou ordem social justa + limites heterónomos expressos - submissão do poder
constituinte derivado a convenções internacionais.

E será que podemos dizer que os limites ao poder de revisão são para sempre? Será que os
mesmos vinculam o próprio poder constituinte derivado?

A Constituição é um documento vivo, o espelho de um determinado contexto histórico político e


cultural. Por isso, é um documento alterável. Mas isso não significa que se aceite a possibilidade de
uma revisão total. O órgão de revisão não é o titular do poder constituinte originário, logo ele não
poderá fazer uma nova Constituição, nem aniquilar a identidade constitucional concreta.

3. Limites absolutos e relativos


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Limites absolutos são aqueles limites que não podem ser superados pelo exercício do poder de
revisão.

Limites relativos são aqueles limites que visam apenas condicionar o poder de revisão, mas que não
impedem a modificação das normas constitucionais, desde que se cumpram as condições agravadas
estabelecidas por esses limites.

Contraste da Escola de Coimbra com a Escola de Lisboa (temos de escolher um caminho e justifica-lo)

Segundo o curso, terão os limites expressos uma natureza absoluta? Sim, são “normas
supraconstitucionais” colocadas no texto pelo poder constituinte originário.

Qual é, porém, o significado e alcance jurídico-constitucional destes limites materiais de revisão?


Tudo dependerá do sentido intrínseco de cada um deles. Segundo J. J. Gomes Canotilho, podemos
distinguir entre:

• Limites materiais genuínos (respeitam a autoidentificação material da esfera jurídico-


constitucional) - A revisão constitucional tem de respeitar o seu regime constitucional como
limite absoluto.
• Limites conjunturalmente justificados (a sua consagração só se justifica atenta a
conjuntura) - Não se impede a alteração do seu regime constitucional, podendo tais
matérias ser tocadas, mas com limites (não é possível a sua eliminação ou substancial
modificação)
Nota: no exame nós é temos de ver quais é que são os artigos que podem ser alterados – as alíneas que estão
no PowerPoint são apenas um exemplo.

Rejeição da dupla revisão - A existência de limites absolutos é muito contestada por alguns autores,
que defendem que o o legislador de revisão pode ser ultrapassar estes limites através da técnica de
dupla revisão - em primeiro lugar, a revisão incidiria sobre as próprias normas de revisão,
eliminando ou alterando esses limites; em segundo lugar, a revisão far-se-ia de acordo com as leis
constitucionais que alteraram as normas de revisão. Desta forma todos os limites absolutos podiam
ser alteráveis e ultrapassados pelo legislador de revisão, como são os casos dos limites presentes no
art.286º da CRP.

A doutrina tem, porém, entendido que tal conduz a uma verdadeira situação de fraude
constitucional. Além disso, as normas constitucionais que estabelecem os limites de revisão são
“supraconstitucionais”, já que resultam do exercício do poder constituinte originário, sendo com
base nelas que se controlam as alterações à Constituição, i.e. o poder constituinte derivado.

PRÍNCIPIO DO ESTADO DE DIREITO


O princípio do estado de direito é um princípio constitutivo, de natureza material, formal e
procedimental, que visa dar resposta ao problema do conteúdo, extensão e modo de proceder da
atividade do Estado. A Constituição de um Estado de Direito visa conformar o exercício do poder
político e a organização da sociedade segundo a medida do Direito.

Mas o que é o direito? É simultaneamente uma medida material e uma medida formal:
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Medida material - conjunto de princípios materiais informados por uma certa ideia de justiça e que
funcionam como meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada.

Medida formal – para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece regras e medidas,
prescreve formas e procedimentos e cria instituições.

Quais são as dimensões formais e materiais do princípio do estado de direito?

− Juridicidade
− Constitucionalidade
− Sistema de direitos fundamentais
− Divisão dos poderes
− Sustentabilidade ambiental

JURIDICIDADE

Parte de uma ideia de Estado submetido a um conjunto de regras formais, materiais e


procedimentais.

A ideia de ordenação através o direito implica a conexão de direito objetivo com direito subjetivo.

Direito objetivo – regras de direito que estabelecem padrões de conduta ou comportamentos

Direito subjetivo - regras de direito que garantem uma distanciação e uma diferenciação do
individuo perante os poderes públicos. Estes direitos asseguram ao individuo um estatuto subjetivo
que é constituído pelo catálogo de direito, liberdades e garantias pessoais.

Michael Kloepfer referia-se, neste sentido, a um “Estado de Distância”, o qual garante ao indivíduo
uma esfera de liberdade, autonomia e privacidade – marcada pela diferença e pela individualidade –
subtraída à ingerência ou intervenção do poder político.

A juridicidade sempre implica a proteção dos indivíduos, não só contra o Estado, mas também
contra os outros indivíduos.
O poder estadual está sujeito a parâmetros de justiça. O estado não pode ser intrometido, ao ponto de
eliminar a autonomia das pessoas.

CONSTITUCIONALIDADE

O estado de direito é um estado constitucional. Todos os poderes públicos estão vinculados à


Constituição, a uma ordem jurídica fundamental - está então aqui presente a Supremacia da
Constituição.

Do princípio da constitucionalidade vamos encontrar outros elementos constitutivos do princípio do


estado de direito:

a) Vinculação do legislador à constituição


− Sob o ponto de vista orgânico, formal e procedimental, as leis não podem contrariar o princípio
da constitucionalidade. O que quer isto dizer? Quer dizer que as leis têm de ser feitas pelo órgão
definido pela Constituição, através do procedimento e com da forma por ela fixados.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

− Para além disso, as leis só são validas se o seu conteúdo estiver conforme com a constituição.
Por outras palavras, as leis têm de estar em conformidade com a Constituição.
− Também se proíbe as leis de alteração constitucional, salvo as leis de revisão elaboradas pela
própria Constituição

b) Vinculação de todos os atos do Estado à Constituição

Aqui vamos encontrar o princípio da conformidade dos atos do estado com a constituição.

Em primeiro lugar, todos os atos dos poderes público, incluindo os atos políticos, têm de estar em
conformidade com a Constituição.

O princípio da constitucionalidade não é apenas uma exigência de que os atos dos poderes públicos
não violem as normas constitucionais. Também a omissão inconstitucional, por falta de
cumprimento de deveres jurídicos de legislar contidos em normas constitucionais, constitui uma
violação do princípio da constitucionalidade (art. 283º)

c) Princípio da reserva da constituição

Reserva de constituição - significa que determinadas questões respeitantes ao estatuto jurídico do


político não devem ser reguladas por leis ordinárias, mas sim pela constituição.

A reserva da constituição concretiza-se em dois princípios:

• Princípio da tipicidade constitucional de competências - as funções e competências dos


órgãos constitucionais do poder político devem estar constituídas na constituição e os
órgãos só têm competência para fazer aquilo que a constituição lhes permite. (art. 111.º/2
da CRP);
• Princípio da constitucionalidade de restrições a direitos, liberdades e garantias – as
restrições destes direitos devem ser feitas diretamente pela constituição ou através da lei,
mediante autorização constitucional expressa e nos casos previstos pela constituição s (art.
18.º/2 da CRP)

d) Força normativa da constituição

A supremacia da Constituição, assim concretizada, revela a sua força normativa. Esta é uma força
que impede que a sua supremacia seja anulada por interesses políticos ou de natureza económica,
por exemplo sendo neutralizada pelo legislador ordinário.

Em suma, sempre que uma determinada matéria for regulada pela Constituição, tal disciplina
jurídica não pode ser revogada livremente.

SISTEMA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Estado de Direito assenta numa jusfundamentalidade, i.e. numa base antropológica que preserva
e protege o Homem em todas as suas manifestações juridicamente relevantes – como pessoa,
cidadão, trabalhador, administrado, arguido ou contribuinte.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

• Afirmação da integridade física e espiritual do Homem;


• Garantia da sua identidade e integridade através do livre desenvolvimento da sua
personalidade;
• Libertação da angústia da existência da pessoa mediante mecanismos de socialidade;
• Garantia e defesa da autonomia individual através da limitação dos poderes públicos;
• Garantia da dignidade social e da igualdade de tratamento normativo.

DIVISÃO DE PODERES

A juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais, mostram que o princípio do estado


de direitos é informado por 2 ideias ordenadoras:

• Ideia de ordenação subjetiva – garantindo o status jurídico aos indivíduos essencialmente


ancorados nos direitos fundamentais;
• Ideia de ordenação objetiva – assento no princípio da constitucionalidade, que por sua vez
acolhe como princípio estruturante o princípio da divisão dos poderes.

O princípio da divisão dos poderes consagra duas dimensões complementares:

• Dimensão negativa – a separação é vista como divisão, controlo e limite do poder. -- ligado
à ideia de divisão dos poderes.
• Dimensão positiva – a separação é vista como constitucionalização, ordenação e
organização do poder do estado de forma a que se logre uma justa e adequada ordenação
das suas funções. -- ligado à ideia de separação dos poderes.

O princípio da divisão dos poderes é uma forma de limitar o poder, evitar a concentração dos
poderes e de proteger a liberdade individual contra os abusos de poder.

O princípio da separação dos poderes assegura a ordenação das funções do estado e intervém como
esquema relacional de competências, tarefas e funções dos órgãos constitucionais de soberania.

Divisão horizontal – Hierarquia interna de poderes.

Atribuição dos poderes a diferentes órgãos --- Estado de poder limitado e moderado

A função legislativa, a função administrativa e a função de julgar devem ser atribuídas, cada uma
delas, principalmente, a um determinado órgão.

• Poder Legislativo: Assembleia da República (Lei); Governo (Decreto-lei);


• Assembleias Legislativas Regionais (Decretos legislativos regionais) (arts. 112.º/1, 165.º/c),
198.º, 227.º/1/a) CRP)
• Poder Executivo: Governo; Autarquias; Outras entidades (arts. 182.º, 235.º e 266.º CRP)
• Poder Judicial: Tribunais (art. 202.º CRP)

Salvaguarda do núcleo essencial da ordenação constitucional dos poderes

Este princípio não implica uma rigorosa separação orgânica dos poderes. Por exemplo, o Governo
também exerce a função legislativa. Basta, portanto, que estas partilhas de poder não ponham em
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

causa o núcleo essencial da ordenação de poderes feita pela Constituição. Neste sentido, ele é um
princípio normativo-autónomo.

Adequação funcional da função

A distribuição das diferentes funções pelos diferentes órgãos tem de ser feita com base em critérios.
Cada função deve ser atribuída ao órgão que pela sua estrutura, titularidade e modo de trabalho,
possa exercer de forma mais eficaz uma determinada função. O exercício de cada função deve ser
funcionalmente adequado.

• Assembleia da República: arts. 147.º, 148.º, 171.º a 181.º da CRP;


• Governo: arts. 183.º e 184.º da CRP;
• Tribunais: art. 202.º da CRP.

Interdependência entre poderes

Para que o poder seja limitado e moderado, não basta que haja uma distribuição de cada um deles
por diferentes órgãos (arts. 2.º e 111.º CRP). O próprio poder tem de se controlar reciprocamente.
(checks and balances).

Divisão vertical - organização do poder em termos territoriais. Art.6º/1 - estado unitário.

• Garantia da autonomia político-regional dos Açores e da Madeira (art. 6.º, 225.º e 288.º/o)
da CRP)
• Garantia da administração autónoma local (art. 6.º/1, 235.º e 288.º/n) da CRP) --
Descentralização administrativa, através da criação de vários níveis de autarquias locais: (1)
regiões administrativas; (2) municípios; (3) freguesias. Cada uma delas tem os seus próprios
órgãos legislativos (Assembleia Municipal e Assembleia de Freguesias) e executivos (Câmara
Municipal e Junta de Freguesia). Consequências:
o Maior participação democrática;
o Controlo recíproco do exercício do poder entre autarquias locais e o Estado Central.

Divisão pessoal do poder – é garantida através do princípio da incompatibilidade entre o cargo


executivo e o mandato parlamentar (art. 154.º e 216.º/3 da CRP)

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Existência de um Estado cujas políticas sociais, económicas e jurídicas viabilizem uma situação de
sustentabilidade, procurando alcançar harmonia entre a exploração dos recursos naturais, o
respeito pela dignidade humana e a preservação do meio ambiente, ao mesmo tempo que evita
qualquer tipo de ecofundamentalismos.

Sustentabilidade em sentido amplo capta três pilares distintos: (1) sustentabilidade ecológica; (2)
sustentabilidade económica; (3) sustentabilidade social.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Sustentabilidade em sentido estrito ou em sentido ecológico aponta para a proteção dos recursos a
longo prazo por via do planeamento, economização e imposição de obrigações de conduta e de
resultado.

Concretizações constitucionais: art. 9.º/d)/e) , art. 66.º/1/2 e art. 81.º/a)/m) da CRP.

Constituição à ou da distância (Fernverfassung) -- Sustentabilidade e cuidado para com as gerações


futuras.

Hans Jonas: “Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a preservação da
vida humana genuína” (princípio ético de responsabilidade)

SUBPRINCÍPIOS CONCRETIZADORES DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO


• Princípio da legalidade da administração
• Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança
• Princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) e da proibição do excesso
• Princípio da proibição do défice de proteção e da proibição por defeito
• Princípio da proteção jurídica e das garantias processuais
Nota: os três primeiro princípios são os mais importantes, os restantes são um breve resumo)

→ PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

1º FASE:

Surge com as Revoluções Liberais, iniciadas nos finais do séc. XVIII, à medida que o Estado se vai
subordinando ao Direito: pretendem-se regras que defendam os cidadãos da Administração.

Antes destas, a Administração – i.e. os serviços e funcionários na dependência do monarca – atuava


sem subordinação a normas.

Este princípio encontra-se dividido em dois subprincípios:

− Princípio do primado da lei - durante a época liberal, a Administração não poderia praticar
qualquer ato que desrespeitasse o que a lei votada no Parlamento estabelecia. A lei surgia, pois,
como limite da atividade administrativa.
− Princípio da reversa da lei - estabelece que, em determinados domínios (como a
propriedade e a liberdade), só o Parlamento poderia intervir de forma inovadora. A
Administração só desempenhava aqui uma função executiva.

2º FASE:

Com a passagem da época liberal para a época do Estado de Direito Social (transição do séc. XIX
para o séc. XX), altera-se o conceito de lei. Agora, para além de se protegerem os cidadãos, também
se visa a prossecução do interesse público.

Os subprincípios acima mencionados adquirem novos significados:

− Princípio do primado da lei


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

o Em sentido negativo: devido à primazia da lei, a Administração não pode praticar


atos contrários à mesma. - Daqui decorre, p.e., que toda a norma jurídica com valor
de lei derroga o regulamento ou ato administrativo.
o Em sentido positivo/ princípio da precedência de lei: a lei tem de determinar o fim
(os interesses a prosseguir) e os órgãos competentes para o prosseguir. A lei é o
pressuposto e fundamento da atividade administrativa.

Como são muitos os domínios onde o Estado passa a intervir, a Administração está não só
subordinada à lei, mas a todo o Direito (Constituição, Direito Internacional, etc.) -- Fala-se de um
princípio de juridicidade (art. 266.º/2 da CRP).

− Princípio da reserva da lei - O Governo passa a dispor de competência legislativa. Este


princípio centra-se no problema da repartição de poderes entre a Assembleia da Républica e
o Governo.
o Existem matérias que só a Assembleia da República pode legislar (art. 164.º da CRP).
(Reserva absoluta de competência legislativa)
o E ainda, matérias em que o Governo também pode legislar, mas desde que
autorizado pela Assembleia da República. Nesse sentido, a Assembleia da República
emana uma Lei de autorização legislativa e o Governo um Decreto-lei autorizado
(art. 165.º da CRP). (Reserva relativa de competência legislativa)

Existem ainda: Matérias de competência concorrente (art. 198.º/1/a da CRP); Matérias da exclusiva
competência legislativa do Governo (art. 198.º/2 da CRP)

→ PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

O homem necessita de segurança para planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua


vida. Por isso os princípios de segurança jurídica e de proteção da confiança são elementos
constitutivos do estado de direito.

Estes dois princípios andam estreitamente associados, levando alguns autores a afirmarem que eles
formam um único subprincípio. A segurança e a proteção da confiança exigem, no fundo, uma
transparência dos atos do poder, de forma a que o cidadão veja garantida a segurança nas suas
disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos próprios atos. No fundo, cada um de nós há-de saber
qual o quadro legal em que nos inserimos para planificar as nossas vidas. Protege-se, pois, a
confiança que os cidadãos depositam na continuidade do quadro legal existente.

Dentro do princípio da segurança juridica vamos encontrar:

• Atos normativos
• Atos jurisdicionais
• Atos da administração

Quanto aos atos normativos, ele vai ser dividir em três princípios:

1. Princípio da precisão ou da determinabilidade das normas jurídicas


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

As normas legais devem ser claras e suficientemente densas, para que os cidadãos possam perceber
quais são os seus direitos e deveres, para que a administração possa aplicar a norma e para que essa
mesma norma possa ser fiscalizada.
Nota: uma norma deve ser densa, porque um ato legislativo que não contêm uma disciplina suficientemente
densa/determinada, não oferece uma medida jurídica capaz de, p.e, alicerçar posições juridicamente
protegidas dos cidadãos. Para além disso, a norma não pode ser obscura, mas sim clara, de forma a que seja
possível utiliza-la para resolver um problema concreto. Concluindo, a norma tem de ser clara para que um
cidadão MÉDIO a possa compreender.

2. Princípio da pré-efeitos de atos normativos

Os atos legislativos e outros atos normativos não podem produzir quaisquer efeitos jurídicos quando
não estejam ainda em vigor nos termos constitucional e legalmente prescritos. (cf. art. 119.º CRP)
Nota: uma lei não pode produzir efeitos antes da sua publicação ou do período de vacatio legis, ou seja, caso a
lei for publicada hoje não pode produzir os seus efeitos nesse mesmo dia (penso que tem de esperar, pelo
menos, até as 00h do dia seguinte)

3. Princípio da proibição das normas retroativas

Leis prospetivas - são as que pretendem vigorar para o futuro (eficácia ex nunc). Em geral, estas leis
respeitam o princípio geral da segurança jurídica.

Retroatividade autêntica - verifica-se quando a norma pretende vigorar e produzir efeitos jurídicos a
partir de uma data anterior à data da sua entrada em vigor. A norma pretende vigorar para o
passado (eficácia ex tunc).

A retroatividade é proibida pela constituição em 3 casos:

• Leis retroativas restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3 CRP);


• Retroatividade da lei penal desfavorável ao arguido (art. 29.º CRP);
• Leis fiscais desfavoráveis para o contribuinte (art. 103.º/3 CRP)

Situações em que a retroatividade é exigida pela constituição:

• Situações em que as normas penais são favoráveis ao arguido.

Nos demais casos, uma lei só será inconstitucional se violar de forma ostensiva/excessiva certas
normas ou princípios jurídico-constitucionais, mormente o princípio geral da segurança jurídica. -
Princípio da proporcionalidade em sentido amplo – temos de ver se a norma é adequada,
necessitária e proporcional)

Retrospetividade ou retroatividade inautêntica - quando uma norma jurídica incide sobre situações
ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o
futuro. Aqui a lei pretende vigorar para o passado, mas acaba por tocar em direitos ou relações
jurídicas desenvolvidas no passado, mas ainda existentes.
Nota: a retrospetividade é diferente de retroatividade autêntica, uma vez que nesta lei pretende vigorar e
produzir efeitos para o passado.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Neste caso, os interesses da segurança jurídica e da proteção da confiança perdem peso. Proibir este
tipo de leis seria impedir que o legislador exercesse o seu poder, satisfizesse o interesse público, pois
a maioria das leis que vigoram para o futuro acabam por tocar em situações presentes que se
constituíram no passado. Assim sendo, estas leis só serão inconstitucionais se violarem
ostensivamente/excessivamente o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. E
quando é que tal acontece? Princípio da proporcinalidade em sentido amplo.

1.º - Há que verificar se houve uma afetação das legítimas expetativas dos cidadãos. A mesma
existirá quando estivermos ante uma alteração na ordem jurídica com que razoavelmente os
destinatários da nova norma não podiam contar (não basta uma mera convicção psicológica).

2.º - Essa afetação das legítimas expetativas tem de ser:

• Arbitrária, i.e.desprovida de fundamento sério e razoável;


• Excessiva, i.e.não realizada na exata medida do que seria necessário para salvaguardar outros
interesses fundamentais

O Tribunal Constitucional controla a conformidade constitucional da lei, analisando se era ou não


necessária e indispensável ou se regulou, de forma justa, adequada e proporcionada, os problemas
resultantes da conexão de efeitos jurídicos da lei nova a pressupostos anteriores e subsistentes no
momento da sua entrada em vigor. - Caso isto não se verifique então a lei é inconstitucional.

Quanto aos atos jurisdicionais:

A segurança jurídica no âmbito dos atos jurisdicionais aponta para o caso julgado. - Assenta na
estabilidade definitiva das decisões judiciais, quer por ser excluída a possibilidade de recurso ou a
reapreciação de questões já decididas (caso julgado formal), quer porque a relação material
convertida é decidida em termos definitivos e irretratáveis, impondo-se a todos os tribunais e a
todas as autoridades (caso julgado material) Este princípio não está expressamente consagrado na
CRP, mas decorre de vários preceitos do texto constitucional (art. 29.º/4 e 282.º/3 CRP).

Quanto aos atos da administração:

Relativamente aos atos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a ideia
de força de caso decidido dos atos administrativos. O ato administrativo goza uma tendencial
imutabilidade traduzida na auto-vinculação da administração na qualidade de autora do ato e como
consequência da obrigatoriedade do ato, e na tendencial irrevogabilidade do ato administrativo a
fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do ato.

Apesar disso, na atual sociedade de risco (U. Beck), cresce a necessidade de se tomarem atos
provisórios e atos precários para que a administração possa reagir à alteração de situações fáticas,
prosseguindo o interesse público e salvaguardando outros princípios constitucionais.

→ PRÍNCIPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO

O princípio da proporcionalidade em sentido amplo é também conhecido por princípio de proibição


de excesso.
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Este princípio só será respeitado se se observarem cumulativamente os seus subprincípios


constitutivos (há uma precedência lógica entre todos, i.e. a sua ordem não pode ser alterada!)
Desde logo, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito tem uma dimensão normativa, ou
seja, tem referência constitucional. Ele é um princípio normativo concreto da ordem constitucional
portuguesa. Ele pode ser encontrado nos seguintes artigos: arts. 18.º/2 (restrições a direitos,
liberdades e Garantias), 19.º/4 (estado de exceção), 266.º/2 (atividade administrativa) e 272.º CRP
(medidas de polícia).

Mas então, quais são os campos de aplicação do princípio?

Desde logo, o mais importante campo de aplicação do princípio da proporcionalidade é o da


restrição dos direitos, liberdades e garantias por atos dos poderes público.

O princípio da proibição do excesso vincula todos os poderes públicos (legislativo, executivo e


judicial). O mesmo nasce com vista a limitar principalmente o poder executivo (estando ligado ao
princípio da legalidade da administração, tal como entendido no séc. XVIII). Pretende garantir-se que
o Estado não afete a pessoa humana de forma desnecessária, fútil ou desproporcionadamente.

Ao legislador é reconhecido um considerável espaço de conformação na ponderação dos bens


quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao
discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito.
Quanto aos tribunais, limitam-se a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada
ou se exige um erro manifesto de apreciação por parte do legislador.

1. Princípio da conformidade ou adequação dos meios

O princípio da conformidade impõe que a medida adotada para a realização do interesse público
tem de ser apropriada à continuação do fim ou dos fins que estão da base da sua adoção.
Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato
do poder público é apto para e conforme aos fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de
controlar a relação de adequação medida-fim.
Nota: Verificar se a norma é adequada, ou seja, se está apta para atingir o seu fim.

2. Princípio da exigibilidade ou da necessidade

Este princípio afirma que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível, ou seja, a medida
adotada tem sempre de ser a menos onerosa ou restritiva para o cidadão.

Desdobra-se em 4 elementos:

• Exigibilidade material: A medida/meio adotado tem de ser o mais “poupado” possível


quanto à limitação dos direitos fundamentais.
• Exigibilidade espacial: É necessário limitar o âmbito de intervenção espacial ao necessário.
• Exigibilidade temporal: Tem de ter havido uma rigorosa delimitação no tempo da medida
adotada pelo poder público.
• Exigibilidade pessoal: A medida deve apenas atingir a pessoa ou pessoas cujos interesses
devem ser sacrificados.

Apenas se respeitará este princípio se se concluir que o legislador ou a administração não podiam
ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos. Caso este não
adote a medida menos desvantajosa então ela não vai ser posta em prática.
Nota: verificar se a medida adotada é mesmo uma medida necessária.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

3. Princípio da proporcionalidade em sentido restrito

Quando chegamos à conclusão que a medida é adequada e necessária, temos de saber se as


desvantagens que a mesma trará para os cidadãos são iguais ou inferiores às vantagens dessa
medida para o interesse público. Só se as desvantagens da medida forem superiores às vantagens
alcançadas é que a medida é desproporcional.

Em suma, compara-se a importância ou premência dos fins e a gravidade do sacrifício imposto.


Nota: temos de ver os prós e os contras da medida

Um exemplo: Um Estado quer construir um estádio para receber um torneio de futebol. Para
construir esse estádio de futebol adota uma medida que expropria uma serie de propriedades para
criar o tal estádio. Será que esta medida é adequada à luz do princípio da proporcionalidade?

1º passo - princípio da conformidade – Ora é adequada, porque a medida é apta para atingir o seu
fim, que é construir o estádio de futebol.

2ºpasso - princípio da exigibilidade ou da necessidade - será a norma necessária? Para ser


necessária, a medida tem de ser a menos onerosa possível. Ora, neste caso, a medida chumbava
neste princípio, uma vez que ela não é uma norma necessária, visto que tira muitas pessoas das suas
propriedades.

(Mas caso fosse uma norma necessária - uma vez que as repostas variam de pessoa para pessoa) - 3º
passo- princípio da proporcionalidade em sentido restrito – Neste princípio o legislador, que tem
desde logo maior liberdade, vai verificar as vantagens e as desvantagens da norma. Caso verifique
que há mais vantagens, então a norma vai ser posta em prática e vão construir o estádio, caso
verifique que tem mais desvantagens, a norma não vai ser posta em prática.
Nota: Se uma norma for proporcional, mas não for necessária é logo excluída a ideia de a por em prática. Logo
não é preciso ir verificar o principio da proporcionalidade em sentido restrito.

Caso a gravidade do sacrifício (ou seja, o sacrifício da dignidade da pessoa humana) seja elevada,
então o legislador vai ter menos margem de livre apreciação e a intensidade do controlo do juiz vai
ser maior.

→ PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO DÉFICE DE PROTEÇÃO E DA PROIBIÇÃO POR DEFEITO

Existirá défice de proteção quando as entidades sobre quem recai um dever de proteção adotam
medidas insuficientes para o seu cumprimento (p.e. no âmbito dos direitos fundamentais).

A verificação de uma insuficiência de juridicidade estatal deverá atender à natureza das posições
jurídicas ameaçadas e à intensidade de possibilidade de lesão dos direitos fundamentais em causa.

Este princípio vale apenas na medida do possível, já que não pode eliminar totalmente a liberdade
de conformação do legislador.

→ PRÍNCIPIO DA PROTEÇÃO JURÍDICA E DAS GARANTIAS PROCESSUAIS


Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Num Estado de Direito, é necessária a existência de um procedimento justo e adequado de acesso e


realização do Direito, acompanhado de garantias gerais de procedimento e de processo.

As garantias processuais e procedimentais

Do princípio do Estado de Direito deduz-se a exigência de um procedimento justo e adequado de


acesso ao direito e de realização do direito. Para tal a Constituição contém alguns princípios e
normas designados por garantias gerais do procedimento e de processo.

• Garantias de processo judicial


o Garantia de processo equitativo (art. 20.º/4 CRP)
o Princípio do juiz legal (art. 32.º/7 CRP)
o Princípio da audição (art. 28.º/1 CRP)
o Princípio da igualdade processual das partes (art. 13.º e 20.º/2 CRP)
o Princípio da conformação do processo segundo dos direitos fundamentais (art. 32.º
CRP)
o Princípio da fundamentação dos atos judiciais (art. 205.º/1 CRP)
• Garantias do processo penal
o Garantia de audiência do arguido (art. 28.º/1 CRP)
o Proibição de tribunais de exceção (art. 209.º/4 CRP)
o Proibição da dupla incriminação (art. 29.º/5 CRP)
o Princípio do contraditório (art. 32.º/5 CRP)
• Garantias do procedimento administrativo
o Direito de participação do particular (art. 267.º/4 CRP)
o Princípio da imparcialidade da administração (art. 266.º/2 CRP)
o Princípio da audição jurídica (art. 269.º/3 CRP)
o Princípio da informação (art. 268.º/1 CRP)
o Princípio da fundamentação dos atos administrativos lesivos e do arquivo aberto
(art. 268.º/2 CRP) o Princípio da conformação do procedimento segundo os direitos
fundamentais (art. 267.º/4 CRP)

O art. 20.º da CRP consagra ainda um princípio do acesso ao direito ou garantia da via judiciária:

• Abertura da via judiciária enquanto imposição diretamente dirigida ao legislador para dar
operatividade prática à defesa dos direitos;
• Controlo judicial enquanto “contra-peso” clássico em relação ao exercício dos poderes
executivo e legislativo;
• Garantia da tutela jurisdicional efetiva;
• Garantia do patrocínio judiciário (art. 20.º/2 e 208.º CRP)

Por fim, cabe referir um princípio da responsabilidade do Estado e da compensação de prejuízos. A


proteção jurídica exige a consagração de institutos que garantam uma compensação no caso de
violação de direitos, liberdades e garantias pelos prejuízos derivados dos atos do poder público.

• Responsabilidade do Estado e consequente dever de reparação dos prejuízos (arts. 2.º, 22.º
e 271.º da CRP);
• Indemnização dos sacrifícios especiais impostos a determinados cidadãos (art. 62.º/2 CRP).

PRÍNCIPIO DEMOCRÁTICO
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

“Governo do povo, pelo povo e para o povo”

Da mesma forma que o princípio do estado de direito, também o princípio democrático é um


princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais.
Nesta fase vamos analisar ao princípio democrático com norma jurídica constitucionalmente
positivada.

O princípio democrático visa responder ao problema da legitimação do poder político e, ao ser


consagrado constitucionalmente, constitui uma ordenação normativa para uma dada realidade
histórica e contingente.

São necessários procedimentos eleitorais legitimadores, mas também deslegitimadores, i.e. que
afastem os titulares dos cargos políticos, se e quando necessário. Por outras palavras, temos que
assegurar que os titulares do poder são representativos, no sentido em que eles são eleitos pelo
próprio povo, mas também é preciso saber que, se eles são eleitos pelo próprio povo, no momento
em que eles deixem de representar os seus interesses, o povo tem de ter mecanismos e meios para
os deslegitimar e, portanto, para afastar esses titulares dos cargos políticos.

Tipos de democracia:

• Democracia Direta: surgiu na Grécia, cabendo aos cidadãos fazer as leis. Todos governam e
todos são governados. Todos os cidadãos acabam por exercer de forma direta o poder
político.
• Democracia Participativa: surgiu na pós-modernidade e consiste no exercício da democracia
pelos cidadãos através de instituições cívicas. Neste caso, os cidadãos já não vão exercer o
poder político de forma direita, mas vão ter um intermediário institucional.
• Democracia Representativa: delegação do poder em representantes, por parte dos
cidadãos. Os órgãos representativos típicos são o Parlamento, o Governo e o Chefe de
Estado.
• Democracia Semidirecta: partilha algumas caraterísticas com a democracia representativa,
apesar de os cidadãos desempenharem um papel direto em certos aspetos da tomada de
decisão (p.e. por referendo, revocação popular ou iniciativa popular). --- art.115º

O princípio democrático é um princípio essencial da nossa Constituição. Olhando para os vários tipos
de democracia, verificamos que o principal modelo que está plasmado no texto da nossa
constituição é o modelo da democracia representativa. Essencialmente através do mecanismo de
sufrágio, isto é, através do exercício do direito de votar e do direito de ser eleito, mas também
através dos partidos políticos e ao regime que se aplicam a estes. No entanto, também encontramos
os outros tipos de democracia: a democracia direta (plenário dos cidadãos – art. 245.º/2 CRP),
participativa (art. 2.º, 109.º e 151.º CRP) e semidirecta (art. 115.º CRP – referendo).
Nota: de todos estes mecanismos, nós vamos nos focar na análise do referendo.

A CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DO ESTADO

➢ Princípio da soberania popular

Desde logo, o poder político precisa de uma legitimação e essa legitimação provém do povo, que é
titular da soberania. Quando falamos aqui em povo, falamos de um povo igual, ou seja, um povo
formado por cidadãos iguais, livres e autónomos.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

➢ Princípio da representação popular

A representação democrática significa a autorização dada por um povo a um órgão soberano,


institucionalmente legitimado pela Constituição, para agir de autonomamente em nome do povo e
para o povo. A representação assenta assim na soberania popular.

Os representantes vão exercer um conjunto de funções, sempre em nome do povo, através dos
órgãos de soberania.
Nota: o povo é, como já foi dito, titular de soberania. E ele vai repartir parte da sua soberania com os
representantes, para que estes a possa exercer em seu nome.

Quando os representantes violam os seus deveres ou violam os limites ao exercício dos seus
poderes, eles têm de responder (“prestar contas”) por tal ao próprio do povo.

Existem dois tipos de representação democrática:

• Representação democrática formal – autorização e legitimação jurídico-formal concedida a


um órgão governante para o exercício do poder político, em nome do povo e para o povo. (O
próprio representante deve ser autorizado pelo povo.)
• Representação democrática material – falamos, desde logo, de um momento substantivo e
normativo. É no fundo a ideia que a pessoa é legitimada para exercer o poder em nome do
povo, mas não o pode fazer de qualquer maneira, tem de o fazer dentro dos limites
estabelecidos. Tem de fazer corresponder o conteúdo dos seus atos à própria vontade do
povo. (Por exemplo, eu quando voto num certo partido espero que ele venha a produzir as
propostas que prometia levar a cabo.) Claro está que se os atos não corresponderem à
vontade popular, vamos reconhecer a existência da responsabilidade política e a existência
de mecanismos de prestação de contas dos representantes ao povo.

➢ Princípio da democracia semidireta

O Princípio da Democracia Semidirecta traduz-se na utilização de vários instrumentos:

1. REFERENDO

O referendo é uma consulta feita aos eleitores sobre uma questão ou sobre um texto através de um
procedimento formal regulado na lei (procedimento referendário). A iniciativa do referendo pode
pertencer aos órgãos do estado (governo, deputados) ou a um certo número de cidadãos (iniciativa
popular). Este foi acolhido em 1989 e está regulado na lei orgânica do referendo.
Nota: Este instrumento/mecanismo é o que vai ser estudado de forma mais desenvolvida.

2. INICIATIVA POPULAR

A iniciativa popular é um procedimento democrático que consiste em facultar aos cidadãos eleitorais
(+ de 18 anos e recenseados) a iniciativa de uma proposta tendente à adoção de uma norma
constitucional ou legislativa. Através da iniciativa popular, os cidadãos podem: ou pedir à assembleia
legislativa a edição de uma lei sobre determinada matéria, ou apresentar um projeto de lei
completamente redigido. A iniciativa popular também dirigir-se a uma decisão quanto a
determinada questão.

3. VETO
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

O veto é o instrumento político que permite aos cidadãos exigir que uma determinada lei seja
submetida a voto popular. Se esta votação conduzir à rejeição do ato legislativo este deverá ser
considerado como nunca tendo existido no ordenamento jurídico.

4. PLEBISCITO

O plebiscito é a pronuncia popular incidente sobre escolhas ou decisões políticas, como por exemplo
a confiança num chefe político, a opção por uma ou outra forma de governo. Quando a pronuncia
popular incide sobre um texto normativo o plebiscito aproxima-se do referendo.
Nota: ver a diferença entre o referendo e o plebiscito

5. REVOCAÇÃO POPULAR

Instrumento ao dispor de um conjunto de cidadãos eleitores e que lhes permite pedir a destituição
antecipada (antes do termo do mandato) de um representante, geralmente direto. Este mecanismo
está sujeito a algumas críticas:

• Enfraquecimento e perda de independência dos representantes do povo.


• Imperfeição da punição ou sanção.
• Bastante custoso.
• Atribui o poder de “julgar” ao pior dos juízes, o povo.

O REFERENDO
-Definição em cima -

O referendo pode ser de realização facultativa - O regime do referendo é matéria da reserva


absoluta da AR (art. 164.º/b CRP), mas o mesmo tem sempre natureza facultativa já que nem a
proposta de referendo, nem a decisão sobre a sua convocação são, em regra, obrigatórias. De
acordo com o território, podemos distinguir três tipos de referendo:

• Local (art. 240.º CRP)


• Regional (art. 232.º/2 CRP)
• Nacional (art. 115.º CRP)

O referendo também pode ser de realização obrigatória - Em Portugal, o referendo só é


constitucionalmente obrigatório para efeitos da instituição em concreto das regiões administrativas
(art. 256.º CRP)

REFERENDO NACIONAL – ART.115º DA CRP

É o referendo incidente sobre questões de revelante interesse nacional e que devem ser decididas
pela Assembleia da Républica ou pelo Governo através do ato convencional de direito internacional
ou de ato legislativo. (art. 115.º/3 CRP).

No entanto, há domínios que se encontram excluídos do âmbito material do referendo (art.


115.º/4 CRP):

• Referendos constitucionais (a revisão da Constituição é da competência absoluta do


Parlamento – art. 161.º/a CRP);
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

• Referendos sobre questões ou atos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro (por


serem matérias de fácil manipulação pelo eleitorado);
• Referendos sobre as matérias previstas no art. 161.º (art. 115.º/4/c CRP); (referendos em
matérias de competência política reservada da AR);
• Referendos sobre as matérias sob reserva absoluta da AR (art. 115.º/4/d CRP)
• Referendos sobre as matérias que devam ser aprovadas através de convenção internacional
quando relativas à paz e à retificação de fronteiras (art. 115.º/5/in fine)

Exceções a estes limites materiais:

• Matéria prevista no art. 164.º/i da CRP (Bases do sistema de ensino);


• Questões com repercussões financeiras, orçamentais ou tributárias (p.e. referendo sobre a
diminuição da despesa pública).

Quando à iniciativa do referendo ela pertence à Assembleia da Républica (projeto de resolução), ao


Governo (proposta de resolução) a aos cidadãos (60000 cidadãos recenseados).(art. 115.º/1/2 CRP).
A iniciativa da AR e do Governo deve ter em conta as competências materiais destes órgãos. Quanto
à iniciativa popular ela pode incidir quer em matérias da competência da AR quer do Governo,
excluindo os domínios referidos em cima.

O referendo tem eficácia vinculativa quando o número de votantes for superior a metade dos
eleitores inscritos no recenseamento (art.115º/11). A partir dai os órgãos competentes são
obrigados a praticar atos políticos incorporadores do conteúdo das respostas referendárias. –
Embora isso não impeça que, mais tarde, se aprovem ou revoguem as normas jurídicas a que o
referendo dizia respeito, tendo em conta que o mesmo não introduz nem retira automaticamente
normas jurídicas no ordenamento

A vinculatividade do referendo traduz-se no seguinte:

• Impede a Assembleia da República ou o Governo de emanarem leis ou decretos-lei


desconformes com a orientação vinculativa saída da consulta popular.
• A AR ou o Governo devem, dentro de um prazo razoável, aprovar leis ou decretos-lei que
incorporem o sentido do voto resultante da consulta (art. 241.º da Lei n.º 15-A/98 prevê
prazos de, respetivamente, 90 e 60 dias).
• O PR não poderá vetar politicamente ou recusar a ratificação das leis ou decretos-lei nas
quais a AR ou o Governo, respetivamente, decidam incorporar os resultados do referendo
(arts. 136.º, 134.º/b e 135.º/b CRP).

A eficácia deste resultado mantém-se para sempre? Não, apenas enquanto durar a Assembleia ou o
Governo a quem coube a proposta do ato referendário.

Formulação das perguntas: devem ser relativas a uma só matéria; formuladas com objetividade,
clareza e precisão; para respostas de sim ou não; num número máximo de perguntas a fixar por lei –
3 questões (art. 115.º/6 CRP).

Limites temporais: Estão excluídas a convocação e a efetivação de referendos entre a data da


convocação e da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

regiões autónomas e do poder local, bem como de Deputados do Parlamento Europeu (art. 115.º/7
CRP).

Limites circunstanciais: Não podem ser realizados referendo em estado de sítio ou estado de
emergência.

Quando ao universo eleitoral, para além de puderem votar os eleitores recenseados no território
nacional, em algumas matérias os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro também têm o
direito de votar. (art.115/12) (exclusivamente ≠ especificamente)

PROCEDIMENTO REFERENDÁRIO

1º - Fase da iniciativa - a iniciativa parte ou da AR ou do Governo ou de um conjunto de


cidadãos eleitores. Têm de respeitar um conjunto de limites materiais (matérias de interesse
nacional, matérias de natureza jurídica que sejam suscetíveis de dar origem a uma aprovação de
uma convenção internacional ou de um ato legislativo. Não podem ser matérias que estão previstas
no art.115ª/4/5. Têm de ser matérias claras, de resposta de sim ou não, no máximo de 3 perguntas,
cada pergunta tem de dizer respeito apenas a uma matéria. Temos de respeitar os limites materiais
e os limites circunstanciais)

2º - Fase da fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade da proposta de


referendo – fase do controlo obrigatório. Esta fiscalização é levada a cabo pelo Tribunal
Constitucional. Este vai analisar se o projeto/proposta de referendo cumpre com aquilo que está no
art.115º e com aquilo que está la lei orgânica do regime do referendo.

3º - Fase da decisão presidencial sobre a convocação do referendo – Depois, o presidente


da Républica convoca. A convocação é sempre uma faculdade discricionária, ou seja, o presidente da
Républica tem liberdade para decidir se quer convocar ou não o referendo. Com exceção dos casos
em que o Tribunal Constitucional se tenha pronunciado pela inconstitucionalidade do referendo.
Nestes casos, o presidente é obrigado a não convocar o referendo.

4º - Fase da implementação e da realização do referendo – fase da votação. Podem votar


todos os cidadãos recenseados que residem em Portugal. Para além disso também podem votar os
que residem no estrangeiro quando a matéria lhes está relacionada. Se a maioria votar sim, então o
referendo poderá apresentar-se como lei ou decreto-lei.

5º - Fase do apuramento dos resultados e do desencadeamento dos efeitos a eles


associados – os efeitos só serão vinculativos naquele caso em que tenham um votado mais de
metade dos eleitores recenseados.

REFERENDO REGIONAL

O referendo regional é aquele que incide sobre questões de interesse específico regional no âmbito
das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (as que constam dos referidos estatutos político-
administrativos).

O art. 232.º/2 CRP dispõe que compete à Assembleia Legislativa Regional apresentar propostas de
referendo regional incidentes sobre questões de relevante interesse específico regional, as quais
devem ser submetidas a decisão do Presidente da República.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

O regime é o mesmo que o estatuído para o referendo nacional.

REFERENDO LOCAL

O referendo local é aquele que incide sobre questões de interesse local. A iniciativa pertence às
autarquias locais previstas na Constituição (freguesias, municípios e regiões administrativas), em
matérias da competência dos seus órgãos (assembleia municipal, assembleia de freguesia e junta de
freguesia) ou aos cidadãos eleitores.

A competência para deliberar a sua realização pertence sempre à assembleia municipal ou de


freguesia.

As propostas de referendo local também estão sujeitas a fiscalização preventiva da


constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional.

No âmbito do princípio democrático há 4 elementos que nós estudamos essencialmente:

• O referendo
• O direito de sufrágio
• Os partidos políticos
• Os sistemas eleitorais

PRINCÍPIO DE SUFRÁGIO

O sufrágio é um instrumento fundamental de realização do princípio democrático, porque é através


dele que se legitima democraticamente a conversão da vontade em poder, se estabelece a
organização legitimante de distribuição de poderes e se procede à criação do pessoal político.

O direito ao voto é um direito, liberdade e garantia – art. 49.º da CRP.

O sufrágio deve ser universal, igual, direto, secreto e periódico (arts.10º/1, 49º/1, 113º/1 e 115º/7).

→ Princípio da universalidade

Este princípio aponta para a ideia de que todos os cidadãos são direitos de sufrágio, ou seja, todos
os cidadãos podem votar (direito de sufrágio ativo) e todos podem ser eleitos (direito de sufrágio
passivo). A constituição proíbe o sufrágio restrito – podem votar e ser eleitos todos os cidadãos de
cidadania portuguesa, mas também, em determinadas circunstâncias, os cidadãos da União
Europeia e os cidadãos da CPLP (art.15º).

Os únicos que não podem votar são os menores de 18 anos e aqueles que não têm capacidade de
agir no mundo dos negócios.

Com este princípio liga-se a obrigação do legislador assegurar a possibilidade real do exercício do
voto.

→ Princípio do voto direito ou imediato (princípio da imediaticidade)

O voto direto significa que o voto tem de resultar imediatamente da manifestação da vontade do
eleitor, não existindo nenhum intermediário entre o titular da soberania e o eleitor. Com este
princípio pretende assegurar-se a fidedignidade do voto.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

No sufrágio indireto ou mediato, os eleitores limitam-se a escolher um colégio de delegados


eleitorais (os grandes eleitores) que, por sua vez, escolherão os candidatos. Como exemplo deste
tipo de sufrágio temos os EUA.

→ Princípio do voto livre (princípio da liberdade)

O princípio da liberdade de voto significa garantir ao eleitor o exercício do direito de voto sem
qualquer coação física ou psicológica. Desde logo, proíbe-se o voto obrigatório, garantindo-se a
liberdade de votar ou não votar. Assim, o voto é visto como um dever cívico e não como um dever
jurídico.

Nota: caso o voto fosse um dever jurídico, quem não fosse votar iria sofrer sanções. Ex. Brasil

→ Princípio do voto secreto

Com o princípio do voto livre liga-se o princípio do voto secreto.

O princípio do voto secreto significa que o cidadão eleitor guarda para si a sua decisão de voto,
sendo então uma garantia da própria liberdade de voto. Este princípio pressupõe, então, a
pessoalidade do voto, mas não a sua presencialidade (sendo possível o voto por procuração ou por
correspondência), e a proibição de sinalização direta ou indireta do voto (não pode ser possível
identificar a escolha do eleitor – ex.: urnas diferentes para cada partido, boletins de voto de cores
diferentes).

→ Princípio da igualdade

O princípio da igualdade de voto exige que todos os votos tenham uma eficácia jurídica igual, ou
seja, o mesmo peso, e que tenham todos o mesmo valor de resultado. Então, este princípio tem
duas dimensões:

• Igualdade quanto ao peso de voto – cada cidadão têm um voto com o mesmo valor (que é
um), independentemente da condição da pessoa que vote. Proíbe-se então o voto plúrimo.
• Igualdade quanto ao valor do resultado – todos os votos devem contribuir da mesma forma
para o resultado final eleitoral, ou seja, os votos devem ter a mesma consideração para a
distribuição de mandatos. Isto verifica-se, desde logo, através da adoção do sistema
proporcional (art. 149.º CRP).

Da exigência de igual valor quanto ao resultado deriva também a proibição constitucional das
cláusulas de barreira (arts. 113.º/5 e 152.º/1 CRP) – As cláusulas-barreira impõem aos partidos
políticos a obtenção de uma determinada percentagem ou resultado eleitoral para que os mesmos
possam ter representação no Parlamento. (De acordo com as cláusulas-barreira, um partido, p.e,
para ter representação na AR é preciso que ele tenha tido um número mínimo ou uma percentagem
mínima de votos.) --- Isto não existe no nosso ordenamento jurídico.

Vantagens das cláusulas de barreira – passamos a ter uma menor quantidade de partidos no
Parlamento, o que garante uma maior estabilidade política. E exigimos que para o partido entrar no
partido ele já tem de ter uma representação relativamente significativa.

Desvantagens das cláusulas de barreira – os cidadãos que votaram no ou nos partidos que não
conseguiram alcançar a percentagem mínima em nada contribuíram, com o seu voto, para o
resultado eleitoral.

→ Princípio da periodicidade
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

O princípio democrático impõe o sufrágio periódico (art.113º/1) e a renovação periódica dos cargos
políticos (art.117º). - Princípio da periodicidade do sufrágio. Assim, impede-se a vitaliciedade dos
mandatos.

O princípio democrático relaciona-se aqui com o princípio do estado de direito, uma vez que a
duração do período do exercício dos cardos deve ser previamente fixada na Constituição,
proibindo-se a sua alteração a não ser nos casos previstos na própria Constituição (art. 113.º/1 CRP).
Além disso, o sufrágio deve ter lugar regularmente por períodos certos e determinados,
antecipadamente conhecidos e marcados pela Constituição.
Nota: ver a tabela dos pwp

→ Princípio da unicidade do voto

Cada eleitor só vota uma vez. - Está ligado com o princípio da igualdade.

SISTEMA ELEITORAL

O sistema eleitoral é o modo como os votos são convertidos em mandatos.

Existem dois sistemas:

• Sistema maioritário
• Sistema proporcional

SISTEMA MAIORITÁRIO

Carateriza-se pelo espaço geográfico estar dividido em círculos uninominais (ou seja, cada um dos
círculos apenas apresenta um nome – p.e, nos estados unidos, cada partido apresenta um único
candidato para a presidência), sendo que cada círculo elege o vencedor (o candidato que obteve
mais votos).

Este sistema tem uma origem inglesa, sendo também conhecido por modelo de Westminster. Para
além disso está ligado ao tipo de democracia representativa.

Vantagens do sistema maioritário:

• Governos mais estáveis e funcionais; (p.e, temos dois candidatos. Quem vai ganhar é aquele
que tem mais apoio. Isto vai trazer maior estabilidade.)
• Alternância do poder através do sistema bipartidário; (uma vez que o sistema maioritário
impossibilita os partidos pequenos. Temos o exemplo dos estados unidos, onde o partido
republicano e o partido democrática, estão em constante alternância)
• Robustecimento da oposição graças à separação clara entre esta e o Governo.

Desvantagens:

• Fraca representatividade e proporcionalidade; (uma vez que temos menos partidos


representados nos órgãos de poder)
• Dificuldade de controlo do poder, atentando contra o princípio da accountability (princípio
da prestação de contas).
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

SISTEMA PROPORCIONAL

Caracteriza-se pelo facto de cada um dos círculos apresentar vários candidatos. Serão eleitos os
candidatos que tiveram um maior número de votos e recorre-se ao método de Hondt para perceber
quantos candidatos vão ser eleitos de cada um dos partidos.

Este sistema tem uma origem francófona e está ligado com a ideia de uma democracia participativa.

Vantagens do sistema proporcional:

• Garante a igualdade material (voto igual quanto ao valor do resultado – todos os votos
contam o mesmo);
• Adequação ao pluripartidarismo, favorecendo a representação e o aparecimento de
pequenos partidos;
• Maior controlo e transparência do poder, porque estão apresentados todos os grupos
sociais.

Desvantagens:

• Escassa personalização da escolha do eleitor; (nós votamos sem conhecer verdadeiramente


as pessoas que estão nas listas. Aquilo que nós conhecemos é o cabeça de lista)
• Dificuldade de obtenção de maiorias parlamentares, muitas vezes colmatada com coligações
(muitas vezes os partidos têm de se conjugar para formar uma maioria na Assembleia).

O SISTEMA ELEITORAL NA CONSTITUIÇÃO

Em Portugal, os princípios fundamentais relativos ao sistema eleitoral não foram deixados à


liberdade de conformação do legislador. Eles são direito constitucional formal. A constituição é
escolhe o seu próprio sistema eleitoral.

Ora, a CRP opta expressamente pelo sistema eleitoral proporcional (art. 113.º/5 CRP). Sistema esse
que não pode ser alterado, uma vez que este sistema chega a constituir um dos limites materiais de
revisão (art. 288.º/h da CRP).

Relativamente às eleições para a AR, a constituição optou por uma das fórmulas de
proporcionalidade - método de Hondt

Nos demais casos de eleições colegiais, consagra-se o sistema proporcional, mas há liberdade de
escolha no que respeita à fórmula de proporcionalidade (arts. 113.º/5, 231.º/2 e 239.º/2 CRP).

Nas eleições para o Presidente da Républica o princípio seguido é o princípio maioritário.

Sobre o método de Hondt: ver o pwp e apontamentos.

SISTEMA PARTIDÁRIO

O pluralismo partidário é um elemento essencial do princípio democrático, decorrendo dos arts. 2.º,
10.º/2 e 51.º da CRP. O mesmo constitui um limite material de revisão (art. 288.º/i CRP).

Os partidos políticos são uma entidade especial, desde logo quanto à sua natureza.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Um partido é uma associação que agrupa um maior ou menos número de pessoas. Tem, desde logo,
uma estrutura organizatória consistente e permanente (cada partido tem a sua própria estrutura e
cada um tem a liberdade de determinar a sua estrutura). Patilha um projeto político comum (cada
partido tem um programa ou uma ideologia própria). Para além disso, o partido visa alcançar e
conservar o poder de forma legítima, desde logo através das eleições ou através da mobilização do
eleitorado.

Há quem distinga os partidos políticos em:

• Associações públicas
• Associações privadas com funções constitucionais - é esta a posição do nosso curso.

Um partido político é uma associação privada, mas é uma associação privada distinta das outras,
uma vez que está relacionada com o princípio democrático e com a própria constituição.

Três funções essenciais dos partidos (estão apresentadas na lei dos partidos políticos):

• Função de mediação na formação e canalização da vontade política. (art.10º/2)


• Função de participação nos órgãos de soberania. (art.114º/1)
• Função de influenciação na formação do Governo. (art.187º/1)

Estas três funções permitem, desde logo, reconhecer uma qualidade jurídico-constitucional
diferenciadora das associações partidárias em relação às outras associações privadas.

LIBERDADE INTERNA E LIBERDADE EXTERNA

Liberdade externa:

A liberdade externa dos partidos reconduz-se fundamentalmente à liberdade de fundação de


partidos políticos (art.51º/1) e à liberdade de atuação partidária.

Como consequência da liberdade de fundação de partidos, será inconstitucional qualquer regime


prévio de autorização ou licença (ar.46º/1 CRP), embora tal não signifique que não possam prever-se
um conjunto de exigências a cumprir aquando da fundação dos partidos (mínimo de 7.500 pessoas;
inscrição no TC; preservação de valores ou princípios constitucionais). Por outras palavras: para que
seja constituído um partido político apenas é preciso reunir um conjunto de exigências, sem que o
partido seja previamente autorizado por algum tipo de entidade. As exigências são a que se
encontram entre parênteses.

No entanto, há limites à fundação de partidos, designadamente por estrangeiros, porque estes não
são, em geral, titulares de direitos políticos. Assim sendo vigora o chamado princípio da cidadania
que afirma que os partidos políticos são integrados por cidadãos titulares de direitos políticos.
(Artigo 7.º - Princípio da cidadania. Lei dos partidos).

Como consequência à liberdade de atuação partidária, ninguém pode ser obrigado a fazer parte de
um partido ou ser coagido a pertencer nele. (art.46º/3).

Ainda dentro da liberdade externa encontramos os limites relativos à extinção e suspensão dos
partidos – De acordo com a Constituição tal função pertence ao Tribunal Constitucional.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

Liberdade interna:

A liberdade interna dos partidos reconduz-se fundamentalmente à proibição do controlo


ideológico-programático e à proibição de um controlo sobre a organização interna do partido (no
entanto isto já sofreu uma variação com a 4º revisão)

Quanto à proibição do controlo ideológico-programático: não se admite o controlo sobre a


ideologia dos partidos. No entanto, tal não impede a proibição dos partidos políticos fascistas (art.
46.º/4 CRP) ou com objetivos separatistas (art. 51.º/4 CRP), a qual encontra o seu fundamento,
respetivamente, nos arts. 13.º e 6.º da CRP. (também se proíbe à formação de partidos racistas).

Apesar da clássica inadmissibilidade de controlo sobre a organização partidária (sobre o modo


específico como cada partido se organiza internamente), a 4.ª revisão constitucional (1997) veio
consagrar um conjunto de princípios que devem ser obrigatoriamente respeitados. P.e. tem de
haver sempre o princípio da separação dos poderes.

A democracia interna pressupõe entre outras exigências:

• Direito à igualdade de expressão


• Direito dos membros do partido a atuação efetiva dentro do partido
• Direito à oposição
• Direito à igualdade de tratamento de todos os membros.

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES DOS PARTIDOS

Desde logo, a igualdade partidária é inseparável da garantia da igualdade, ou seja, o reconhecimento


jurídico a todos os partidos de iguais possibilidades de desenvolvimento e participação na formação
da vontade popular. Sendo por isso que é inconstitucional estabelecer regimes jurídicos diferentes
paras os diversos partidos ou reconhecer um papel dirigente a um partido.

Duas dimensões da igualdade de oportunidades:

• Igualdade de oportunidades e concorrência eleitorais (art. 113.º/3 CRP): distribuição igual


da propaganda eleitoral na rádio, televisão, imprensa e limitação do trabalho de publicidade
do Governo.
• Igualdade dos partidos e financiamento dos partidos (art. 51.º/6 CRP): o financiamento
público das campanhas dos partidos é justificado pela sua importância para a formação da
opinião dos cidadãos.

Os partidos políticos têm, porém, de prestar contas quanto ao seu património. É o Tribunal
Constitucional que aprecia o cumprimento das obrigações constitucionais e legais dos partidos
políticos quanto à apresentação das suas contas. Nessa tarefa, é auxiliado pela chamada Entidade de
Contas e Financiamento dos Partidos Políticos.

DIREITO DE OPOSIÇÃO

É um direito (art. 114.º/2 CRP) imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de


associação partidária.
Mariana Pombo Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 2020/2021

O direito de oposição não se limita à oposição parlamentar, mas também extraparlamentar (desde
que exercido nos termos da Constituição – art. 10.º/2 CRP), p.e os debates nas televisões. A
oposição extraparlamentar relaciona-se com outros direitos fundamentais, como o direito de
reunião e manifestação (art. 45.º CRP) e com o princípio democrático. Releva, essencialmente,
quando a oposição parlamentar deixa de ter expressão significativa (p.e. “grandes coligações”).

O direito de oposição exerce-se não apenas face à maioria parlamentar, mas também ao Governo.

Existe um conjunto de direitos de oposição. São exemplos: Direito à informação regular e direta
sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público (art. 114.º/3 CRP);Direito de
fiscalização e de crítica no âmbito da Assembleia da República (arts. 156.º, 180.º/2/c e 194.º CRP);
Direito de antena (art. 40.º/2 CRP); o Direito de consulta prévia sobre questões políticas importantes
(Lei n.º 24/98, art. 5.º)

DESOBEDIÊNCIA CIVIL

“É o direito de qualquer cidadão, individual ou coletivamente, de forma pública e não violenta, com
fundamento em imperativos ético-políticos, poder realizar os pressupostos de uma norma de
proibição, com a finalidade de protestar, de forma adequada e proporcional, contra uma grave
injustiça” (Dreier).

É um Direito à Indignação contra uma Lei, uma Política ou medidas de uma Política.

Não se confunde com o direito de resistência (recorrer muitas vezes à violência) porque não visa
combater globalmente um sistema político corrupto ou injusto.

PRINCÍPIO MAIORITÁRIO

Baseia-se na concordância da maioria para o estabelecimento vinculativo de uma dada ordenação


jurídica. O voto é livre e igual e beneficia uma legitimidade quantitativa maioritária (Os votos
contam-se, não se pesam).

O direito da maioria é sempre um direito em concorrência com o direito das minorias.

Podemos identificar dois limites do princípio maioritário:

• Limites externos – por vezes, a importância do assunto exige maiorias qualificadas, não só
por razões de justiça, mas também para a proteção das minorias.
• Limites internos – a maioria não pode assentar numa pretensão absoluta de verdade, já que
a solução maioritária nem sempre é a mais justa ou melhor.

Não existe um preceito constitucional a reconhecer o princípio maioritário como princípio


constitucional geral. Várias normas apontam, porém, nesse sentido - art. 116º/3, art.163º/i, entre
outros.

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