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TRANSFUSÕES DE SANGUE SEM O CONSENTIMENTO DE

PACIENTES DA RELIGIÃO TESTEMUNHA DE JEOVÁ

BLOOD TRANSFUSIONS AGAINST THE PATIENT'S WILL OF


JEHOVAH'S WITNESS RELIGION

Cintya Karoline Nogueira Santos, graduada em Direito pela Univerisade Anhanguera Uniderp.
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto - USP
cintyavieirah@hotmail.com

Resumo: Este trabalho trata-se de um tema de constantes discussões no âmbito dos direitos
fundamentais, qual seja, as transfusões de sangue realizadas contra a vontade de pacientes
adeptos à religião Testemunha de Jeová. Sabemos que a fé deve ser respeitada, mas até que
ponto o direito aos dogmas e crenças devem prevalver ao direito à vida? Este tema é bastante
aprofundado nos julgados, nas doutrinas, e também nas opinões daqueles que se simpatizam
ou não à referida crença. Portanto, abordaremos aqui como o Direito Brasileiro tem se
posicionado ante tal tema, levando em consideração a supremacia da libertade de
manifestação de pensamento, liberdade de consertir, liberdade de crença, mas acima de tudo,
o direito à vida, que é o bem mais protegido na Constituição Federal, mas considerando que
nenhum direito é absoluto.

Palavras-chave: Testemunhas de Jeová; Transfusão de Sangue; Direito à Vida; Liberdade de


Crença; Liberdade de Consentir.

Abstract: This work is a subject of constant discussions in the scope of fundamental rights,
namely, blood transfusions carried out against the will of patients adhering to the Jehovah's
Witness religion. We know that faith must be respected, but to what extent should the right to
dogmas and beliefs prevail over the right to life? This theme is deepened in the judgments, in
the doctrines, and also in the opinions of those who are sympathetic or not to that belief.
Therefore, we will address here how Brazilian law has positioned itself on this theme, taking
into account the supremacy of freedom of thought, freedom to fix, freedom of belief, but
above all, the right to life, which is the most important protected in the Federal Constitution.

Keywords: Jehovah's Witnesses; Blood transfusion; Right to life; Freedom of Belief;


Freedom to Consent.
2

1 Introdução
Este artigo é fruto de um trabalho em grupo para elaboração de um livro acerca da
dignidade da pessoa humana, onde o tema escolhido no presente capítulo é a transfusão de
sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunha de Jeová em procedimento
médico.
O referido tema está abrangido pela bioética e pelos direitos humanos. A palavra
bioética foi vista pela primeira vez na década de 70, especificamente no artigo The science of
survival, sendo que o autor assim a define1:
“Uma ciência de sobrevivência deve ser mais que uma ciência somente, e
por conseguinte proponho o termo ‘Bioética’ para poder enfatizar os dois
mais importantes componentes para alcançar a nova sabedoria que tão
desesperadamente necessitamos: conhecimento biológico e valores
humanos”.

No mais, o dicionário de bioética assim define a referida palavra2:


“um conjunto de investigações, de discursos e de práticas, geralmente
pluridiscipinares, tendo como objeto clarificar ou resolver questões de
alcance ético suscitados pelo avanço e a aplicação de tecnociências
biomédicas. A bioética não é, para falar com propriedade, nem uma
disciplina, nem uma ciência, nem uma ética novas”.

No que tange aos direitos humanos, o tema está inserido nos direitos fundamentais da
dignidade da pessoa humana, da liberdade de consciência e de crença, promanadas do
princípio de que nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei, estão firmemente asseguradas na Constituição Federal.
Por outro lado temos o direito à vida, que conforme leciona o professor Pedro Lenza3:

“O direito à vida, previsto de forma genérica no art. 5º, caput, abrange tanto
o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de
continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.”

Por envolver um tema que aborda a Medicina e o Direito, válido mencionar Daniel
Loureiro Lima4:

1
Retirado do artigo Bioethics, the science of survival. “Una ciencia de supervivencia deve ser más que una
ciencia sola, y por consiguiente propongo el término ‘Bioética’ para poder enfatizar los dos más importantes
componentes para lograr la nueva sabiduría que tan desesperadamente necesitamos: conocimiento biológico y
valores humanos”. (POTTER, Van Rensselaer. Bioética, la ciencia de la supervivencia. In: ESCOBAT, Afonso
Llano. Que és la Bioética? – según notables bioeticistas. Bogotá: 3R Editores, 2000. p. 27).
2
HOTTOIS, Gilbert; PARIZEAU, Marie-Hélène. Dicionário de bioética. Tradução de Maria de Carvalho.
Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 58.
3
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 1182.
4
LIMA, Daniel Loureiro. A era da judicialização da Medicina. In: O direito médico e a necessidade de
aproximação entre hospitais e tribunais. Brasília: Anuário Jurídico ANADEM, 2017. p.67-68.
3

“Há uma grande conexão entre Direito e Medicina pela ótica e aspirações
dos sujeitos envolvidos nesses dois campos. No Direito, busca-se a
pacificação social mediante a composição de conflitos, culminando em um
desfecho que seja aceito e acatado voluntariamente pelas partes envolvidas.
Na Medicina, busca-se a pacificação pessoal, por meio do manejo de
recursos técnicos que tragam ao paciente a cura ou a sobrevida digna. Na
prática, em ambos, vemos que o interesse é fornecer ao indivíduo certo tipo
de conforto, de amparo, para que a vida tome rumo de forma razoável. Nessa
toada, temos a sociedade representada pelo paciente, demandando a justiça
para fazer valer os direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e à
saúde, concretizados na Constituição da República Federativa do Brasil de
1998.”

Por meio de doutrinas, entendimentos jurisprudenciais, arquivos científicos e


legislação pátria poderemos tentar buscar as respostas das questões expostas, eis que trata-se
da metodologia de pesquisa mais adequada ao tema tratado.
Ademais, válido mencionar que ao decorrer do desenvolvimento da presente pesquisa
será abordado quem são os testemunhas de Jeová e o porquê da necessidade de transfussão de
sangue sem seu consentimento e por que esse tema é tão polêmido, e que tem divido tanto
doutrinadores, quanto a sociedade médica, e os próprios pacientes praticantes da religião.

2 Testemunhas de Jeová
Há muito tempo o tema aqui abordado é assunto polêmico no mundo médico, jurídico
e religioso, do qual desperta atenção de pequisadores e leigos.
Ocorrendo a necessidade de transfusão de sangue em pacientes praticantes da religião
Testemunhas de Jeová, temos de um lado o médico, que possui a responsabiliade de salvar
vidas, e de outro lado temos o paciente que se nega em receber a transfusão e ter garantido o
seu direito constitucional à liberdade de crença, e autonomia de escolher o que acha melhor
para si. Sendo que os dois lados creem estar agindo respaldados pela Constituição e pela
legislação pátria.
Mas afinal, quem são os praticantes da crença Testemunhas de Jeová? Por quais
motivos recusam a transfusão de sangue?
Segundo a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tradados 5 existem por volta de 8
milhões de testemunhas de Jeová no mundo, distribuídos em 236 países, os quais buscam, por
meio dos ensinamentos de Deus, descritos na Bíblia Sagrada. Os testemunhas de Jeová
entendem que a Bíblia não se baseia apenas em um manual de orações, assim como também

5
SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS. Anuário das testemunhas de Jeová. Cesário
Lange, 2010. p. 32-39.
4

não acreditam em curas pela fé, mas que o referido livro serve como um guia de instruções
para que possam levar uma vida mais feliz e completa, e também agradar a Deus.
Os praticantes da religião Testemunha de Jeová respeitam muito a vida, não são
fumantes, não realizam aborto, não usam drogas, enfim, valorizam a vida, pois sabem que ela
foi um presente dado por Deus, a qual deve ser protegida e preservada. Contudo, no que tange
à transfusão de sangue, a Bíblia Sagrada (Gênesis 9:3,4, Levítico 17:10 e Atos 15: 28,29),
proíbe expressamente o procedimento de transfusão de sangue. Decidem não usar o sangue
alógeno, seja pela via oral, seja pela via venal.
Ocorre que é reconhecido pelos testemunhas de Jeová as barreiras que a comunidade
médica enfrenta, não podendo, muitas vezes, oferecer o tratamento adequado de que
necessitam. Mas isso não quer dizer que os testemunhas de Jeová não reconheçam e nem
aceitem a Medicina, pelo contrário, por eles são aceitos diversos tratamentos e procedimentos
médicos disponíveis.
Como forma de oferecer tratamento alternativo e eficaz, existe uma organização entre
os praticantes da religião, a comunidade médica e o Serviço de Informações sobre Hospitais e
as Comissões de Ligação com Hospitais (COLIHs), a qual é uma rede mundial, e oferece
apoio aos pacientes e médicos com informações de medidas alternativas às transfusões,
buscando sempre tratamento de saúde digno ao paciente, respeitando a sua escolha, acima de
tudo. É uma forma de cooperação entre todos, e não de confronto.

3 Necessidade de transfusão de sangue sem o consetimento do paciente testemunha de


Jeová por profissional da medicina
Ocorrendo a recusa de um tratamento médico por meio de transfusão sangue e seu
médico insiste nele, nos vemos diante de um conflito de valores constitucionais, os quais
precisam ser solucionados por meio de princípios da ordem jurídica e da bioética.
A crença, a fé, a filosofia, seguidas ou não por qualquer indivíduo devem ser
respeitadas. Conforme já mencionada anteriomente, a questão da transfusão de sangue ao
praticante da religião Testemunha de Jeová é algo muito importante, sendo base de seus
preceitos religiosos.
Sabemos que a liberdade de crença, liberdade de consentir e liberdade de consciência
constam no artigo 5º da Constituição da República 6, respaldadas no princípio de que nenhuma
pessoa será obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.
Portanto, nenhum indivíduo poderá ser obrigado a renunciar sua fé, sua consciência, ter
6
Constituição Federal de 1988, Arts.5º, II e VIII.
5

violado o seu direito de decidir o que acha melhor para sua vida, garantias estas que são
invioláveis no ordenamento jurídico.
Segundo o ponto de vista do constitucionalista Celso Bastos7:
“(...) o paciente tem o direito de recusar determinado tratamento médico, no
que se inclui a transfusão de sangue, com fundamento no artigo 5º, II, da
Constituição Federal. Por este dispositivo, fica certo que ninguém é obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da
legalidade). (...) Como não há lei obrigando o médico a fazer a transfusão de
sangue no paciente, todos aqueles que sejam adeptos da religião
Testemunhas de Jeová, e que se encontrarem nesta situação, certamente
poderão recusar-se a receber o referido tratamento, não podendo, por
vontade médica, ser constrangidos a sofrerem determinada intervenção. (...)
Mesmo sob iminente perigo de vida, não se pode alterar o quadro jurídico
acerca dos direitos da pessoa”.

De modo a preservarem seus princípios religiosos e, consequentemente sua liberdade


de escolha, os praticantes da religião Testemunhas de Jeová costumam utilizar um cartão de
identificação ou uma declaração onde afirmam não aceitarem tratamento mediante transfusões
sanguíneas, a fim de isentarem os médicos, demais profissionais da saúde e hospitais de
quaisquer responsabilidades.
Em que pesem serem fortes os argumentos que defendem à não realização do
procedimento de transfusão de sangue em qualquer hipótese, mesmo em iminente risco de
vida, fica uma pergunta: Até que ponto o direito à autonomia da vontade é mais importante
que o direito à vida?
Podemos perceber que temos dois direitos fundamentais se chocando, de um lado o
direito de crença, de liberdade de escolha, de outro lado temos o direito à vida, que não há
discussão que é o bem mais protegido em nosso ordenamento.
O Código Civil8, em seu artigo 15, dispõe que “ninguém pode ser forçado a se
submeter a tratamento ou a intervenção cirúrgica”. Em seu artigo 146, o Código Penal
Brasileiro9 também dispõe que “considera crime constranger alguém mediante violência ou
grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de
resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.
O Código de Ética Médica veda ao médico10:

7
BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de recusa de pacientes, de seus familiares ou dependentes, às transfusões de
sangue, por razões científicas e convicções religiosas. Ministério Público do Paraná: Revista Igualdade XXXV,
2009. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/pagina-634.html#.
8
Código Civil de 2002.
9
Código Penal Brasileiro.
10
Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções
nº 2.222/2018 e 2.226/2019.
6

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante


legal após esclarecê-lo sobre procedimento a ser realizado, salvo em caso de
risco iminente de morte.
(...)
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sore sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua
autoridade para limitá-lo.

Alexandre de Pacheco, menciona em seu artigo denominado “Termo de consentimento


livre e Esclarecido: Faculdade ou obrigação?11
(...) destacamos que o Conselho Federal de Medicina editou a
Recomendação CFM nº 01/2016, a qual dispõe sobre o processo de obtenção
de consentimento livre e esclarecido na assistência médica. O documento
estabelece diversas orientações acerca das formalidades necessárias para um
documento válido, além de enfatizar a sua importância na relação
médico/paciente. É fundamental relembrar que, além do caráter informativo
do TCLE, conforme já descrito anteriormente, o documento é de
transcendental importância para que o médico se resguarde de qualquer
alegação futura no que tange a eventual ausência de informações durante o
relacionamento havido entre médico e paciente, principalmente quando o
procedimento não alcança a finalidade pretendida, uma vez que o resultado
depende de inúmeras variáveis, as quais deverão constar de forma expressa
em tal documento. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
juntamente com o prontuário médico, pois se configuram provas
contundentes de que o paciente tomou conhecimento do procedimento
realizado, elidindo, portanto, qualquer insinuação no sentido de que
desconhecia os riscos a ele inerentes.”

Trazendo à baila, estando um médico ante um caso iminente de risco de vida de um


paciente testemunha de Jeová, o qual não consinta com a transfusão sanguínea, deve o
profissional contrariar a livre decisão do paciente e proteger a vida acima de tudo, correndo o
risco de responder civil e criminalmente por seu ato, ou respeitar a escolha do enfermo?
Não havendo iminente risco de vida do paciente testemunha de Jeová, o profissional
deve optar em realizar procedimentos alternativos ou substitutivos e não proceder com a
transfusão de sangue, mas no caso de iminente risco de vida o próprio Código de Ética
Médica ressalva que não haverá crime caso a intervenção ocorra sob iminente risco de vida,
hipótese que possibilita a violação do consentimento do paciente.
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.995/2012, de que trata das
diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, a qual é definida como um “conjunto de
desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que
quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e

11
PACHECO, Alexandre. Segurança do paciente e qualidade em saúde. In: Termo de consentimento livre e
Esclarecido: Faculdade ou obrigação? Brasília: Anuário Jurídico ANADEM, 2018. p. 19-21.
7

autonomamente, sua vontade.”12 Ocorre que o referido dispositivo legal menciona que: “o
médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou
representante que, em análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código
de Ética Médica”.
O Portal Carta Capital (CARTA CAPITAL, 2015) publicou um artigo destacando que
o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que em caso de iminente risco de morte, sendo
necessária a transfusão de sangue em paciente testemunha de Jeová, “a invocação religiosa
deve ser indiferente aos médicos, que têm o dever de salvar vidas”, e que “os médicos é que
devem agir e cumprir seu dever legal, mesmo diante da resistência da família.”13
Tema muito debatido na jurisprudência brasileira, e, em que pese algumas
divergências, o entendimento mais adotado nos tribunais de justiça é de que o direito à vida se
sobrepõe ao direito de liberdade de crença, eis que o bem maior é a vida, e não seria crível
que tal garantia ficasse em segundo plano.
Portanto, havendo iminente risco de vida de praticante de religião Testemunha de
Jeová, e o médico necessitando realizar transfusão de sangue, ou qualquer outro procedimento
cirúrgico ou terapêutico, mas não havendo consentimento do paciente ou de seus familiares
ou responsável, deverá o profissional optar por salvar a vida do paciente empregando o
tratamento que ache necessário para tanto.
Para o professor Pedro Lenza:14
“Estamos diante da concorrência entre dois direitos fundamentais de igual
hierarquia: o direito à vida e à liberdade religiosa, sendo que, como se sabe,
nenhum deles é absoluto. Luís Roberto Barroso, ao tratar sobre o tema em
interessante parecer jurídico, observa que a dignidade humana apresenta
duas perspectivas que se complementam: dignidade como autonomia: ‘tutela
a capacidade de autodeterminação e a responsabilidade moral do indivíduo
por suas escolhas, notadamente as de caráter existencial, dentre as quais se
inclui a liberdade religiosa’; dignidade como heteronomia: ‘envolve a
imposição de padrões sociais externos ao indivíduo, o que, no caso concreto,
significa a proteção objetiva da vida humana, mesmo contra a vontade do
titular do direito.’ Apesar de completarem, entende ser ‘possível afirmar a
prodominância da ideia de dignidade como autonomia, o que significa dizer
que, como regra, devem prevalecer as escolhas individuais. Para afastá-las,
impõ-se um especial ônus argumentativo’. E conclui: ‘ legítima a recusa de
tratamento que envolva a transfusão de sangue, por parte das testemunhas de
Jeová. Tal decisão funda-se no exercício de liberdade religiosa, direito
fundamental emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura todos o
direito de fazer suas escolhas existenciais. Prevalece, assim, nesse caso, a
12
Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em:
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995
13
CARTA CAPITAL. A fé na justiça dos homens. Portal da internet Carta Capital, 30 de março de 2015.
Disponível em: http:justificando.cartacapital.com.br/2015/03/30/a-fe-na-justica-dos-homens.
14
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 1221-
1222.
8

dignidade como expressão da autonomia privada, não sendo permitido ao


Estado impor procedimento médico recusado pelo paciente. Em nome do
direito à saúde ou do direito à vida, o Poder Público não pode destituir o
indivíduo de uma liberdade básica, por ele compreendida como expressão de
sua dignidade’.”

Como visto, ao citar obra do professor Luís Roberto Barroso, vimos que este entende
que a autonomia da vontade deve ser considerada e respeitada, a qual emana da dignidade da
pessoa humana, não devendo o Estado impor procedimento médico recusado por paciente.
Para Lenza “o tema é extremamente polêmico e, sem dúvida dividirá o SFT em
hipótese de eventual e futuro enfrentamento”.15 (grifei)
O Recurso Extraordinário nº 121227216, que trata de direito de paciente testemunha de
Jeová em submeter-se a tratamento médico realizado sem transfusão de sangue em respeito à
convicção religiosa, aguarda julgamento, e certamente dividirá muitas opniões, seja de
juristas, médicos, ou pacientes.
Mas enquanto não houver um posicionamento unânime da Suprema Corte, não
havendo iminente risco de vida de paciente Testemunha de Jeová, necessitando este de
transfusão sanguínea, o entendimento atual adotado, e de que o médico deverá oferecer
tratamento substitutivo ou alternativo. Mas em caso de iminente risco de vida do paciente,
deve o médico optar pela vida e contrariar a vontade do paciente ou de seus familiares e
responsáveis, caso não consintam com a transfusão.

Considerações Finais

15
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 1223.
16
Recurso Extraordinário nº 1212272. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?
incidente=5703626.
9

Sabemos que o Direito é bastante dinâmico e possibilita diversas interpretações, ainda


mais quando se trata de questões que envolvam a vida, as liberdades dos indivíduos, suas
crenças e dogmas, direitos de escolha, autonomia, etc.
O tema aqui abordado é alvo de muita discussão e entendimentos. Quando se trata do
assunto que envolva a recusa de transfusão sanguínea por paciente testemunha de Jeová, todos
temos uma crítica, uma opinião, quem sabe até um posicionamento, pois não é de hoje que o
tema surte polêmicas.
Como vimos, a questão é discutida há anos, não havendo ainda uma interpretação
completamente definida a respeito, e, mesmo havendo um posicionamento majoritário,
sabemos que por ser dinâmico, o Direito se modifica a todo momento, podendo sua
interpretação e consequente aplicação serem mudadas.
A respeito do tema, o STF se pronunciará em Recurso Extraordinário, e assim teremos
uma recente decisão a respeito do assunto. Por enquanto, os tribunais se posicionam no
sentido de que a vida é o bem mais importante a ser protegido no ordenamento jurídico. O
direito de liberdade de crença, de escolha, são muito importantes, até porque constam como
cláusulas pétreas, porém, colocadas em confronto com o direito à vida, este prevalecerá.
Por fim, sabe-se também que o direito à manifestação de vontade declarada pelos
pacientes testemunhas de Jeová não é menos importante, pelo contrário, suas escolhas são
muito respeitadas pela sociedade médica e pelo Direito, e como visto nos capítulos anteriores,
se busca o melhor e mais adequado tratamento médico ao paciente, levando-se em
consideração sua liberdade de escolha.

Referências
10

BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de recusa de pacientes, de seus familiares ou


dependentes, às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas.
Ministério Público do Paraná: Revista Igualdade XXXV, 2009. Disponível em:
https://crianca.mppr.mp.br/pagina-634.html#. Acesso em: 08 de dezembro de 2020.

CARTA CAPITAL. A fé na justiça dos homens. Portal da internet Carta Capital, 30 de


março de 2015. Disponível em: http:justificando.cartacapital.com.br/2015/03/30/a-fe-na-
justica-dos-homens. Acesso em: 15 de dezembro de 2020.

Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada


pelas Resoluções nº 2.222/2018 e 2.226/2019.

Código Civil de 2002. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 10 de
janeiro de 2021.

Código Penal Brasileiro. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 19 de
janeiro de 2021.

Constituição Federal de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de janeiro
de 2021.

HOTTOIS, Gilbert; PARIZEAU, Marie-Hélène. Dicionário de bioética. Tradução de Maria


de Carvalho. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.

LIMA, Daniel Loureiro. A era da judicialização da Medicina. In: O direito médico e a


necessidade de aproximação entre hospitais e tribunais. Brasília: Anuário Jurídico ANADEM,
2017.

PACHECO, Alexandre. Segurança do paciente e qualidade em saúde. In: Termo de


consentimento livre e Esclarecido: Faculdade ou obrigação? Brasília: Anuário Jurídico
ANADEM, 2018.

POTTER, Van Renssealer. Bioética, la Ciencia de la Supervivencia. In: ¿ Qué es la Bioética?:


segpun notables bioeticistas/ Padre Alfonso Llano Escobar. Bogotá: 3R Editores, 2000.

Recurso Extraordinário nº 1212272. Disponível em:


http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5703626. Acesso em: 15 de janeiro de
2021.

Resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em:


https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995. Acesso em: 10 de
janeiro de 2021.
11

SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS. Anuário das testemunhas


de Jeová. Cesário Lange, 2010.

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