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Direito Constitucional
Do Direito Fundamental à Liberdade Religiosa: Testemunhas de Jeová
DIREITO CONSTITUCIONALREVISTA 200
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Resumo: Pretende-se nesse artigo trabalhar o conflito gerado entre a liberdade religiosa e o
direito à vida, abordando a perspectiva de ambos os lados sobre o assunto. Neste sentido, de
um lado há o direito dos que são Testemunhas de Jeová de não aceitar a transfusão de
sangue, mesmo em caso de risco de vida, devido a sua liberdade religiosa. De outro lado há
o direito à vida que deve ser assegurado pelo Estado. Nesse sentido foi feito o uso de
pesquisas bibliográficas, exame de doutrinas, artigos científicos, religiosos e jurisprudências
a fim de responder em que medida a recusa da transfusão de sangue pela convicção
religiosa das Testemunhas de Jeová, entra em conflito com os Direitos e Garantias
fundamentais. Concluindo que a partir do momento que o direito a liberdade religiosa é
sobreposto pelo direito à vida, direitos estes, garantidos pela Constituição Federal, são
violadas suas escolhas feitas através da religião.
Abstract: This article intends to work on the conflict generated between religious freedom
and the right to life, approaching the perspective of both sides on the subject. In this sense,
on the one hand there is the right of those who are Jehovah‘s Witnesses not to accept blood
transfusion, even in case of life-threatening, because of their religious freedom. On the
other hand, there is the right to life that must be guaranteed by the state. In this sense,
bibliographic research, doctrinal examination, scientific, religious articles and jurisprudence
were used to answer the extent to which the refusal of blood transfusion by the religious
conviction of Jehovah‘s Witnesses conflicts with fundamental Rights and Guarantees.
Concluding that from the moment that the right to religious freedom is overridden by the
right to life, these rights, guaranteed by the Federal Constitution, violate their choices made
through religion.
Keywords: Right to religious freedom; Right to life; Conflict between fundamental rights;
Jehovah‘s Witnesses; Blood transfusion.
Introdução
O presente trabalho pretende discorrer sobre as Testemunhas de Jeová e, tendo como base a
Constituição Federal de 1988, abordando o conflito gerado entre a liberdade religiosa e o
Direito à Vida.
A pesquisa nada mais é do que a averiguação da liberdade religiosa, escolha garantida por
lei, e a consequência que esta pode ter quando há a recusa da transfusão sanguínea, fazendo
com que aquele crente abdique-se muitas vezes do Direito à vida, que deve ser garantido
pelo Estado Constitucionalmente.
O que se pretende demonstrar com a pesquisa é que a prática da religião deve ser aceita pelo
Estado, que quando se impõe negativamente em favor da religião fere a garantia de
liberdade religiosa defendida pelo mesmo. A não aceitação da transfusão sanguínea está no
direito das Testemunhas, mas estão dispostos a aceitar outros meios de tratamento, ou seja,
não estão abdicando-se de suas vidas, mais querendo tratamentos alternativos, sem
comprometer sua crença.
Sendo assim, o tema do trabalho será: uma verdade por trás da religião das Testemunhas de
Jeová. Para atender a pesquisa, indaga-se: em que medida a recusa da transfusão de sangue
pela convicção religiosa das Testemunhas de Jeová, entra em conflito com os Direitos e
Garantias Fundamentais?
A presente pesquisa apresenta grande relevância social, visto que a sociedade, cada vez
mais julga a fé dos referidos fiéis, sem buscar conhecer o verdadeiro motivo de tal opção
aderida por estes.
A relevância jurídica também se faz presente. Atualmente, os operadores do direito não têm
uma opinião unânime sobre o tema, o que acaba trazendo uma grande discussão sobre a
recusa da transfusão de sangue e suas consequências.
A fim de se atingir os objetivos deste trabalho foi utilizado a pesquisa teórico dogmática,
tendo em vista que serão abordados conceitos doutrinários e jurisprudenciais para tratar o
problema apresentado na tentativa de encontrar uma solução para o tema.
Os direitos fundamentais, conforme afirma Norberto Bobbio (1992), são direitos históricos,
direitos esses que foram adquiridos com grandes lutas, tendo como objetivo em defesa de
novas liberdades contrapoderes antigos, com o passar da época e de lugar, no qual, vêm
conquistando paulatinamente todo o ordenamento jurídico.
Diante disso, o progresso dos direitos fundamentais no Brasil aconteceu sob a influência
direta do movimento constitucionalista que crescia dentro da Europa no final do século
XVIII (PESTANA, 2017). Segundo o constitucionalista Silva (2004), diz que apesar de as
outras constituições brasileiras já dirigirem em seu corpo, os direitos fundamentais só
passaram a ter de fato um destaque com a criação da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.
O constitucionalista Tavares (2006, p. 99), enfatiza seu entendimento acerca dos princípios
constitucionais, ressaltando que, os princípios são normas presentes na Constituição que se
aplicam às demais normas constitucionais. Ressalta ainda, que os princípios constitucionais,
portanto servem de vetores para a interpretação válida da Constituição.
O mestre Nunes, ressalta ainda em sua obra (2010, p. 60) que: ―A dignidade é garantida por
um princípio; logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de
argumentos que a coloquem num relativismo‖.
O Código Civil Brasileiro de 2002 trouxe, em sua Parte Geral, um capítulo destinado
somente aos Direitos da Personalidade. Maria Helena Diniz os definem como:
Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade
física (vida, alimentos próprio, corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes
separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento,
autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo
profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). (2002, p. 135).
É estabelecido no art. 11 do Código Civil que, ―com exceção dos casos previstos em lei, os
direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária‖.
É previsto na Constituição Federal em seu art. 5.º, caput, que o Direito à vida envolve
continuar vivo, ter uma vida digna e não simplesmente o de não ser morto. (Lenza, 2012,
p.518).
O direito a liberdade é protegido, sem limitações ou coações, assim permitindo fazer tudo
aquilo que a lei não condene, conforme Constituição Federal.
O doutrinador Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 402), define que ―as liberdades são
proclamadas partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da sua
autorealização‖.
Será abordado a seguir o conflito gerado entre os direitos fundamentais, sendo eles o direito
a liberdade religiosa e o direito à vida, mostrando quando e como um desses determinados
direitos afeta um ao outro.
2.1 COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A colisão entre os direitos fundamentais surge quando uma das partes necessita fazer uso de
um desses para sua defesa, em outro extremo, outrem se vê aparada por outro direito
fundamental, exemplo desse labor onde há dois direitos fundamentais em conflito, sendo o
direito à vida e o direito à liberdade religiosa.
Canotilho assevera ainda que, quando o exercício de um direito fundamental por parte do
seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular,
considera-se assim, existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais. Aqui não há
cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um
‗choque‘, um autêntico conflito de direitos‖ (1992, p. 293).
Os direitos fundamentais têm caráter de princípio, que provém do mandado típico dos
enunciados/disposições das normas de direitos fundamentais. Como os princípios podem
entrar em colisão, esse caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade, com as
suas três máximas parciais: adequação; necessidade ou idoneidade do meio (meio mais
benigno); proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). Logo, do mandado contido
nos enunciados/disposições das normas de direitos fundamentais se deduz o caráter de
princípio dos direitos fundamentais, e desse caráter se deduz a máxima da
proporcionalidade, como critério de solução de eventual entre princípios de direitos
fundamentais (JEVEAUX, 2008, p. 357).
O doutrinador Barroso (2009, p. 329) assevera que: ―não existe hierarquia em abstrato entre
princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do
caso concreto‖.
Nesse sentido, é interessante analisar, caso necessite decidir em um caso concreto, onde há
dois princípios protegidos pela Constituição Federal, sendo o direito à vida e o direito à
liberdade. Seria possível decidir diante desses dois direitos, totalmente em conflito, qual
tem maior valor e qual prevaleceria? Como decidir se o direito à vida é o bem jurídico que
deve ser protegido quando o possuidor deste tal direito não quer sua proteção?
Cabe ressaltar que o direito à vida, mencionado no artigo 5º da Constituição Federal aparece
junto com outros direitos, discutidos no mesmo nível, como a igualdade, a segurança, a
propriedade e a liberdade, em que o próprio direito à liberdade, inciso VI do mesmo artigo,
esforça-se na inviolabilidade religiosa. Sendo assim as características dos direitos
fundamentais não possuem caráter absoluto, e por isto, não há como afirmar, nem
dimensionar de forma abstrata o peso dos direitos fundamentais.
Os direitos mencionados no artigo 5º, não tem nenhum tipo de nível de hierarquia, sendo
diferente do que acontece com o princípio da dignidade da pessoa humana, tal princípio
nomeado como principal fundamento da República, no artigo 1º, inciso III, da Constituição
Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Nesta toada, verifica-se que nenhum dos direitos referidos no artigo 5º possui proteção
absoluta, pois só são tutelados na medida em que entra em conflito com a dignidade da
pessoa humana.
Portanto, não se trata apenas de sacrificar um dos direitos em jogo, ou de subsumir o fato à
norma, mas de solucionar a colisão a partir dos cânones da interpretação constitucional, da
aplicação do princípio da proporcionalidade e da argumentação jusfundamental. É pela
ponderação que se poderá chegar à solução da colisão entre direitos fundamentais ou entre
estes e os bens constitucionalmente protegidos, de modo a conferir equilíbrio aos direitos
tensionados. (2011, p. 545).
Os limites imanentes são uma construção dogmática para explicar a necessidade e justificar
a possibilidade de limitação ou restrição a direito fundamental conferido por norma
constitucional escrita sem reserva de lei. (2001, p.62-63).
Neste sentido, conforme exposto acima antes de adotar a ponderação, fazendo sobressair
um princípio sobre o outro, é necessário buscar solucionar o caso de conflito/colisão através
da harmonização entre os princípios envolvidos. Conforme afirma Sarmento (2002, p. 99):
―proceder a interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se
confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los‖.
O constitucionalista Alexy (2001, p.295) aduz que: ―Quando há dois princípios equivalentes
abstratamente, prevalecerá, no caso concreto, o que tiver maior peso diante das
circunstâncias. A tensão entre ambos os princípios não pode ser resolvida com a atribuição
de prioridade absoluta de um sobre o outro‖.
Este grupo deu seus primeiros indícios no fim do século XIX (1870) no Estado americano
da Pensilvânia, iniciaram seus trabalhos com um pequeno número de pessoas com a mesma
finalidade, estudar a Bíblia, sendo reputados pela sua persistência de evangelização de porta
em porta e nas ruas, e pelo seu entendimento peculiar da Bíblia (GEOCITIES, 1974).
A partir dos ensinamentos de Charles Russell, que com alguns amigos formou um grupo de
estudos não seguidor da Bíblia, intitulado de ―Estudos Bíblicos Aurora do Milênio‖. Com o
passar dos tempos, Russell começou a publicar seus estudos em jornais, livros e em uma
revista chamada ―A Sentinela‖, a qual continuou sendo impressa pelas Testemunhas de
Jeová, onde queria mostrar suas considerações/interpretações como a verdade da Bíblia
(GEOCITIES, 1974).
A denominação explica seu nome por meio da passagem bíblica de Isaías 43:10, que de
acordo com a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, aduz:
Vós sois as minhas testemunhas, é a pronunciação de Jeová, sim, meu servo a quem escolhi,
para que saibais e tenhais fé em mim, e para que entendais que eu sou o mesmo. Antes de
mim não foi formado nenhum Deus e depois de mim continuou a não haver nenhum.
A tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas é uma interpretação da Bíblia sendo de
uso exclusivo das Testemunhas de Jeová, pertence legalmente a Sociedade Torre de Vigia
de Bíblias e Tratados. A principal diferença da Tradução do Novo Mundo de outras Bíblias
é a restauração do nome Jeová, que é mostrado cerca de 7 mil vezes nas escrituras
Aramaicas e Hebraicas, que foi trocado ou retirado inúmeras vezes por ―Senhor‖ ou outros
nomes.
Fica claro que as Testemunhas de Jeová interpretam de maneira bastante literal a Bíblia,
fazendo com que baseiem suas teorias citadas anteriormente e justificando a recusa da
transfusão sanguínea.
Neste sentindo, será analisado até que ponto as Testemunhas de Jeová, chegam com suas
crenças.
Diante deste tema tão polêmico que gera tantos discursos, é imprescindível destacar o
direito à vida, que nada mais é, do que um direito do cidadão garantido constitucionalmente
como seu direito a viver, assim como é garantido seu direito de escolher uma religião e
seguir livremente.
Fato este que faz pensar, por que as Testemunhas de Jeová recusam o tratamento sanguíneo,
que em muitos casos é fundamental para sua recuperação e para sua própria sobrevivência
ou a de outro paciente sobre sua responsabilidade, tal decisão seria por causa da religião
escolhida, ou teriam outros motivos mais plausíveis a argumentar para a não aceitação do
tratamento? Assim, explicam:
As Testemunhas de Jeová são bem conhecidas por tomarem a peito essas ordens bíblicas.
Elas rejeitam todas as transfusões de sangue total ou dos quatro componentes primários do
sangue — glóbulos vermelhos, plasma, glóbulos brancos e plaquetas. Quanto às várias
frações derivadas desses quatro componentes, e produtos que contenham tais frações, a
Bíblia não faz nenhum comentário. Por isso, cada Testemunha de Jeová toma sua decisão
pessoal sobre esses assuntos (JW, 2019).
As Testemunhas de Jeová tem seus fundamentos encontrados nas passagens bíblicas das
Escrituras Sagradas do Novo Mundo, por exemplo:
Gênesis 9: 3-6: 3 Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no
caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo, 4 Somente a carne com a sua alma – seu
sangue – não deveis comer. 5 E, além disso, exigirei de volta vosso sangue das vossas
almas. Da mão de cada criatura vivente o exigirei de volta; e da mão do homem, da mão de
cada um que é seu irmão exigirei de volta a alma do homem. 6 Quem derramar o sangue do
homem, pelo homem será derramado o seu próprio sangue, pois a imagem de Deus fez ele o
homem. Levítico 17:14. Não deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne, porque a
alma de todo tipo de carne é seu sangue. Quem o comer será decepado da vida.
Explicam que, para Deus, esta no sangue a vida, ou a alma, que Lhe pertencem. Apesar
dessa lei ter sido predeterminada apenas à nação de Israel, ela frisa a relevância que Deus
dava a não comer sangue.
As Testemunhas de Jeová acreditam que o sangue é sagrado e por isso são contra as
transfusões. ―Essa postura não tem nada a ver com ignorância ou fanatismo religioso‖,
explica o professor e testemunha de Jeová Walter Freoa. Ele diz que as Testemunhas de
Jeová discordam que a transfusão seja a única alternativa e entendem que há riscos à saúde
de quem recebe sangue. ―Muitos dos problemas de saúde, como doenças de Chagas e Aids,
podem ser transmitidas pela transfusão (CREMESP, 2010).
A transfusão de sangue é considerada um procedimento de alto risco, por não ser 100%
segura, mesmo com a determinação do Ministério da Saúde em realizar testes sorológicos,
antes da transfusão, o paciente está sujeito a ser contaminado por vários tipos de doenças
infecciosas.
O Ministério da Saúde determina que, para cada doação efetivada, sejam realizados testes
sorológicos para os seguintes patógenos: HIV1 e HIV2, HTLV I e HTLV II, HCV, HBV, T.
cruzi, Treponema pallidum, Plasmodium em áreas endêmicas de malária e CMV para
pacientes imunossuprimidos. Essa triagem laboratorial não garante 100% de segurança
quanto à possibilidade de transmissão dos patógenos, permanecendo um risco residual
infeccioso, que se deve a alguns fatores, entre eles, a existência de um período de tempo
entre o momento em que o individuo se torna infectado e aquele em que o teste detecta a
infecção, conhecido como janela imunológica do teste. (Junior, Garcia, 2017, p. 93)
Mesmo com a recusa, por parte das Testemunhas de Jeová, elas apresentam vários métodos
alternativos a serem utilizados ao invés do uso de sangue.
3.2 MÉTODOS ALTERNATIVOS PARA A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA
Outrora as opções terapêuticas eram consideradas extremistas pelos médicos, porém com o
passar das décadas, estes passaram a atentar-se quanto aos meios alternativos à transfusão
sanguínea, repudiada pelas Testemunhas de Jeová.
A medicina tem evoluído cada vez mais, a ponto de proporcionar diversos métodos
alternativos para a substituição da transfusão sanguínea. Diante desse problema que as
Testemunhas de Jeová encararam durante muitos anos, o corpo governante das
Testemunhas de Jeová, criou o arranjo das Comissões de Ligação com Hospitais –
COLIHS, tendo como intuito, beneficiar as Testemunhas com tratamentos cirúrgicos sem o
uso de sangue.
Os membros das COLIHs têm como lema ―dialogo, cooperação e não-confrontação‖. São
treinados a defender intransigentemente o princípio de tratar a pessoa inteira e o respeito
pelos princípios religiosos da família. São feitas atualizadas listas de médicos que aceitam
realizar tratar as Testemunhas. Os membros das COLIHs procuram evitar médicos não
cooperadores. Procuram estabelecer contatos com médicos, enfermeiros, magistrados
judiciais, administrações hospitalares e assistentes sociais. Coordenam ainda o trabalho dos
Grupos de Visita a Pacientes (GVP). Defendem que esta posição é uma decisão de
consciência de cada Testemunha baseada no seu estudo da Bíblia [ isto é, que não existe
nenhuma imposição por parte da liderança da religião, nenhuma sanção congregacional,
nenhum tipo de controlo ou de coação, seja direta ou indireta ]. (JW, 2019)
A revista Heart, Lung and Circulation publicou um artigo no ano 2010, onde aponta que: ―a
cirurgia sem sangue não deveria se limitar apenas às Testemunhas de Jeová, mas fazer parte
integral da prática cirúrgica básica‖. Muitos médicos ao redor do mundo ao se depararem
com cirurgias com alto teor de complexidade, se utilizam de técnicas de conservação de
sangue ao invés da transfusão sanguínea. Tais opções terapêuticas são usadas inclusive em
países emergentes e são solicitadas por diversos pacientes os quais sequer são Testemunhas
de Jeová (ARAÚJO, 2013).
A revista VEJA (DA REDAÇÃO, 2011) publicou em uma de suas edições, que de acordo
com uma pesquisa realizada em três hemocentros no Brasil, abrangendo o período entre
2007 e 2008, ―o risco de contrair HIV em transfusões de sangue no Brasil é 20 vezes maior
do que nos Estados Unidos‖. Um parecer feito neste mesmo estudo calcula inclusive que: ―1
em cada 100 mil bolsas de sangue do país pode estar contaminada pelo vírus causador da
Aids. Nos EUA, a relação é de 1 para cada 2 milhões de bolsas‖.
Nesse sentido, a transfusão sanguínea poderá ajudar a salvar uma vida, entretanto, poderá
gerar riscos a saúde de quem recebe. Devido a estes riscos, a Presidential Commission on
the Human Immunodefidiency Vírus Epidemic (E.U.A.), orientou que antes de realizar uma
transfusão sanguínea, o médico deve adquirir o consentimento de seu paciente, e que o
processo deve incluir uma explicação dos riscos que o paciente está sujeito ao aceitar a
transfusão sanguínea, entre eles a possibilidade de contrair o HIV, bem como informações
sobre terapias alternativas à transfusão de sangue homólogo (MARINI, 2005).
Processo cautelar. Ação cautelar inominada. Embora a regra seja de que a cautelar seja
preparatória, admite-se, excepcionalmente, tenha natureza satisfativa quando a liminar,
necessária diante do risco de dano irreparável, esgota o objeto da ação principal. Preliminar
rejeitada. Ação cautelar inominada. Hospital que solicita autorização judicial para realizar
transfusão de sangue em paciente que se encontra na UTI, com risco de morte, e que se
recusa a autorizá-la por motivos religiosos. Liminar bem concedida porque a Constituição
Federal preserva, antes de tudo, como bem primeiro, inviolável e preponderante, a vida dos
cidadãos. Jurisprudência deste TJSP. Recurso improvido (TJ-SP, 2003).
E é sintomático que assim seja porque não há bem maior a ser preservado do que a vida, tal
como vem mencionado no ―caput‖ do art. 5º da Constituição Federal, sendo importante
destacar que, depois de garantir a igualdade entre os cidadãos, inicia a sequência dos bens
invioláveis exatamente pela vida. Daí a conclusão inevitável, e saudável, de que a vida, bem
supremo, prepondera sobre a liberdade religiosa ou sobre qualquer outro direito individual
dos cidadãos (TJ-SP, 2003).
Nesta toada, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso julgou o recurso interposto
por uma Testemunha, acolhendo o pedido da parte para a realização, caso viável, de uma
das diferentes técnicas frente ao tratamento realizado com sangue:
Conclusão
No primeiro capítulo deste artigo, são abordados os conceitos dos direitos fundamentais, os
princípios constitucionais, o direito da dignidade da pessoa humana e o direito da
personalidade, fica claro que é o Estado àquele quem tem que proteger o direito a vida,
enfatizando que o direito a vida não é simplesmente o direito de ficar vivo, e sim, o direito a
se ter uma vida com dignidade.
Nessa toada, conclui-se que o Estado é laico, assim, não interferindo em questões de âmbito
religioso, onde não toma posição em prol ou contra qualquer religião, mas garante o direito
a liberdade religiosa, pois esta é fundamental no Estado Democrático de Direito.
O último capítulo aborda o contexto histórico das concepções religiosas das Testemunhas
de Jeová, para então chegar ao ponto principal deste artigo onde é mostrado o embasamento
religioso que as Testemunhas têm quanto ao motivo para a recusa do tratamento com
sangue, o qual de acordo com eles é proibido por Deus.
A recusa da transfusão de sangue pela convicção religiosa das Testemunhas de Jeová entra
em conflito com os Direitos e Garantias fundamentais, a partir do momento que o direito a
liberdade religiosa é sobreposto pelo direito à vida, direitos estes, garantidos pela
Constituição Federal.
Contudo, são raríssimas as decisões em favor as Testemunhas de Jeová, entretanto fica clara
a importância de ambos os princípios, sendo necessária na maioria das vezes, conforme
julgados citados anteriormente, verificar a condição psicofísica do paciente, fazendo com
que cada decisão seja tomada de forma proporcional conforme cada situação e/ou
necessidade. Assim, não tem como dizer qual direito se sobrepõe em relação ao outro, pois
se depende de cada situação ou entendimento do juiz.
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