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A EUTANÁSIA À LUZ DO DIREITO À MORTE DIGNA SOB A ÓTICA DO

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

RESUMO

O presente estudo busca analisar o direito de escolha do paciente acerca do término da


própria vida, como meio de prevenção da autonomia da vontade do paciente, diante do dever do
Estado de garantir a efetivação do referido direito aos brasileiros, bem como a relação deste dever
com a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana. Utiliza-se, para isso, o método de
abordagem hipotético-dedutivo, com a utilização de revisão bibliográfica, em razão da necessidade de
esclarecer os principais aspectos da temática abordada. Com a pesquisa, busca-se demonstrar a
importância de se abrir cada vez mais discussões a respeito do assunto fazendo uma reflexão sobre
até onde podemos decidir sobre nossa vida.

Palavras-chave: Eutanásia. Dignidade da pessoa humana. Autonomia de vontade.

1 INTRODUÇÃO

As ações relacionadas à saúde possuem grande relevância no ordenamento


jurídico, pois possuem uma relação direta com a vida das pessoas, um bem tutelado
jurídica e constitucionalmente pelo Estado. Porém, em alguns casos não há como de
fato efetivar essa garantia, como em pessoas que estão acometidas por uma doença
grave ou incurável, circunstâncias em que é somente possível prolongar a vida do
paciente com medicamentos a fim de reduzir a dor e tentar ampará-lo até que a sua
morte chegue.

A pesquisa busca trazer a importância sobre discutir a morte com dignidade, e


possui significativa relevância em razão de buscar transparecer a importância de
levar em consideração a vontade e autonomia do paciente, uma vez que somente a
pessoa que passa e sente toda a dor e sofrimento, tanto físico quanto psicológico,
sabe de fato como é estar vivendo sob estas condições. A intenção é demonstrar a
importância de ter uma lei equilibrada, que dê mais dignidade ao fim da vida das
pessoas, não tornando duradouro o sofrimento de forma desnecessária, já que em
esfera medicinal não há forma de reversão e perspectiva de melhora.

Surge daí a problemática do presente estudo, pois observa-se que a saúde


integra o mínimo existencial dos indivíduos e cabe ao Estado garantir a efetivação
deste direito. Nesse sentido, quando o Estado já não consegue mais garantir uma
vida digna e saudável a uma pessoa acometida por uma doença terminal ou
incurável, sem perspectiva de melhora, é (in)constitucional a repressão ao direito de
escolha do paciente a não mais querer viver sob as condições de dor e sofrimento?

Com isso, a presente pesquisa objetiva analisar o princípio da dignidade da


pessoa humana e sua evolução, pesquisar sobre a possibilidade de flexibilização da
eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro, visando a garantia e efetividade da
autonomia da vontade do paciente e o direito a uma morte digna quando acometido
por alguma enfermidade incurável, com o intuito de verificar de que forma a negativa
do direito de escolha impacta na vida de pessoas que já não possuem outra
perspectiva devido ao diagnóstico terminal.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Inicialmente, Ingo Wolfgang Sarlet (2001) refere que o princípio da dignidade


humana enfrenta alguns desafios em termos de conceituação, pois existem várias
definições e considerações que implicam diferentes entendimentos sobre o
assunto. A escola de pensamento estoica , por exemplo, idealizou a dignidade
como uma qualidade inerente à humanidade o que diferencia o homem dos demais
seres. Essa noção transmitia a ideia de que os indivíduos tinham liberdade para
fazer escolhas e eram responsáveis por suas ações e seu próprio destino, ao
mesmo tempo projetava a ideia de que todos eram iguais em sua natureza e,
portanto, todos mereciam ser tratados de maneira igualitária, com a mesma
dignidade.

A concepção de dignidade humana, da forma como conhecemos hoje,


consolidou-se entre os anos de 1939 a 1945. Esta foi uma reação internacional às
atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, assim, o ideal de igualdade
entre as pessoas começou a tomar força e passou a se consolidar, arrebatando
quaisquer diferenciações feitas em razão de cor, raça, etnia, religião ou sexo. Foi a
partir daí que os documentos nacionais e internacionais passaram a explanar a ideia
de dignidade da pessoa humana. (WEYNE, 2013). Em âmbito nacional, a dignidade
da pessoa humana é trazida pela primeira vez na Constituição Federal de 1988
como um direito fundamental. (WEYNE, 2013). Com o decorrer do tempo, o conceito
de dignidade evoluiu, sendo hoje considerado um valor proeminente.

A Constituição Federal, no seu artigo 5º, garante que “todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988, p. 1). O direito à vida é o
mais fundamental e precioso de todos os direitos, visto que a partir dele é possível
que se tenham os demais direitos.

A vida, segundo Moraes (2023), é um direito social assegurado pela


Constituição Federal, estando abrangido no rol de direitos fundamentais de primeira
dimensão. Devido à natureza jurídica dos direitos e garantias fundamentais, eles
ocupam uma posição elevada no ordenamento jurídico em relação aos demais
direitos, apresentando diversas características, dentre elas a irrenunciabilidade.
Posto isto, os direitos fundamentais não podem ser objeto de renúncia. Daí surgem
discussões deveras importantes na doutrina, tais como a renúncia ao direito à vida, o
suicídio, o aborto e a eutanásia, sendo este último o objeto de estudo e tema central
desta pesquisa.

O direito à vida está intrinsecamente ligado ao direito à saúde, previsto no


artigo 196 da Constituição Federal. “Portanto, deve existir uma estrutura adequada
capaz de garantir o nascimento, bem como promover uma vida saudável, além dos
meios para se ter um nível de vida digna, uma qualidade de vida” (SALEME, 2022, p.
151) e diante da ideia de vida digna e do direito de viver com dignidade, surge a
questão da adversidade do direito de dispor sobre a própria vida e de morrer com
dignidade. (SALEME, 2022).

Viver com dignidade significa poder exercer todos os direitos conferidos a um


cidadão. No entanto, no Brasil, persistem certas contradições, principalmente no
que diz respeito à eutanásia. A Constituição brasileira garante o atendimento das
necessidades humanas básicas e proíbe qualquer forma de tratamento indigno.
Portanto, argumenta-se que um paciente incurável deveria ser capaz de sua
dignidade usando meios como a eutanásia, usufruindo também de sua própria
autonomia para poder tomar decisões no que diz a seu respeito. (LENZA, 2023).

O termo “eutanásia” teve origem no século XVII, empregado pela primeira vez
em 1623, pelo filósofo inglês Francis Bacon. A discussão sobre o uso da eutanásia
vem desde a Grécia Antiga, daí a origem etimológica da palavra eutanásia: eu (boa)
+ thanatos (morte), na tradução literal significa boa morte, morte sem dor, morte
piedosa, morte digna. Em sentido amplo, a eutanásia é uma interferência na vida, é
o ato de ocasionar a morte por compaixão em um doente incurável ou em estado
terminal, propiciando uma morte serena e pacífica, com o propósito de acabar com o
sofrimento intenso do indivíduo. (DINIZ, 2017).

3 METODOLOGIA

O tema central da pesquisa se desenvolveu através da análise da evolução do


princípio da dignidade da pessoa humana ao longo do tempo, bem como as
mudanças necessárias para a efetivação dos direitos, principalmente do direito à
vida e o direito à uma morte digna, surgimento e aplicabilidade da eutanásia e sua
disposição no ordenamento jurídico brasileiro. Metodologicamente, o estudo se
desenvolveu a partir do método de abordagem hipotético-dedutivo, com a utilização
de revisão bibliográfica com renomados autores da área, em razão da necessidade
de esclarecer os principais aspectos da temática abordada.

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Quanto a sua origem, a eutanásia é um fenômeno bastante antigo, diversas


sociedades antigas faziam uso da prática, partindo da crença de que a vida é cíclica
e que um dia ela terá seu fim. Sob esta perspectiva considerou-se mais apropriado
aliviar a dor e o sofrimento e permitir que os indivíduos morram com dignidade. No
entanto, a interpretação do que constitui uma "morte digna" varia
significativamente, resultando em amplos debates e divergências. Isso torna
desafiador criar uma lei que seja justa e ética. (DINIZ, 2017).

No Brasil, a eutanásia, embora não seja expressamente tipificada como crime,


é enquadrada como homicídio privilegiado. Sendo assim, dependendo do caso
concreto, poderá ser considerada a redução da sua pena, por relevante valor moral
ou social, previsto no artigo 121, parágrafo 1º do Código Penal. (PADILHA, 2020).

Em 1996, o senador Gilvam Borges, do Amapá, propôs ao Senado Federal o


Projeto de Lei nº 125/96, que sugeria a legalização da eutanásia no Brasil. O
projeto de lei estabelece um protocolo para a realização da eutanásia, que exige a
presença de uma junta médica composta por cinco profissionais que possam
atestar a inutilidade da dor física ou psicológica do paciente. Além disso, o próprio
paciente deve fazer a solicitação do procedimento, e caso este não estiver
consciente, a decisão a respeito passaria então a seus parentes próximos, porém o
projeto nem chegou a ser colocado em votação e foi arquivado.

Atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 236/12, também


conhecido como Anteprojeto do Novo Código Penal brasileiro, que traz uma parte
específica sobre a eutanásia, e em seu artigo 122, pressupõe o homicídio piedoso.
O anteprojeto descreve a eutanásia como morte por misericórdia, ou por compaixão,
a pedido de um paciente terminal para aliviar o sofrimento físico e psicológico
insuportável devido a uma doença grave ou incurável. Trata-se a prática da
eutanásia dentro deste projeto como caso de perdão judicial, não vem
descriminalizar, mas sim despenalizar a prática.

No início de 2022, ganhou destaque na mídia o caso da Colombiana Martha


Sepúlveda que, depois de uma longa batalha judicial, obteve autorização para
morrer por meio da eutanásia. Apesar de ainda não sofrer com os efeitos da doença,
ela tinha esclerose lateral amiotrófica (ELA), mesma doença que acometeu o
cientista inglês Stephen Hawking. A angustia da enfermidade fez que a corte
constitucional da Colômbia permitisse a sua morte. Martha morreu de acordo com os
princípios e suas ideias de autonomia e dignidade1.

A grande maioria da sociedade encara a morte como um momento de


sofrimento insuportável e intenso, criando uma significativa resistência em aceitá-la
como parte natural da vida, dificultando a compreensão dessa fase, e
transformando-a em um problema a ser superado. Essa percepção leva a uma
busca insaciável por recursos, métodos e técnicas que possam prolongar a vida,
independentemente de ser sustentada artificialmente ou não. Prolongar a morte de
um enfermo que se encontra em estágio terminal e incurável, além de lhe dar falsas
esperanças, o sujeita a um tormentoso e duradouro sofrimento, configurando um
desrespeito a sua própria dignidade. (BARROSO, 2012).

Diniz (2017, p. 134) faz menção a uma passagem dos escritos de Platão, o
qual traz a afirmação de Sócrates que diz “[...] o que vale não é o viver, mas o viver
bem. O princípio da qualidade de vida é usado para defender a eutanásia, por
considerar que uma vida sem qualidade não vale a pena ser vivida”.

5 CONCLUSÃO

Com o estudo foi possível constatar que o Estado, como provedor dos direitos
sociais previstos na Constituição Federal, possui o dever de fornecer à população o
acesso à saúde, bem como de garantir o mínimo existencial para os cidadãos.
Entretanto, não é possível atender tal demanda em determinadas situações, como
em casos de pacientes terminais e doenças incuráveis. Nesses casos, as decisões
fundamentais na vida de uma pessoa não devem ser impostas por vontades de
1
Após batalha judicial, colombiana Martha Sepúlveda morre por eutanásia. BBC NEWS – Brasil, 09
jan. 2022. Disponível em: https//bbc.com/portuguese/internacional-59928037. Acesso em: 23 ago.
2023.
terceiros, mas sim assegurando ao indivíduo a capacidade de exprimir a sua própria
vontade e decidir sobre sua vida e como deseja que ela se encerre, não sendo
submetido a viver em situação que lhe seja degradante e considerada indigna para
si. Com isso, conclui-se que o objetivo da pesquisa foi atingido, vez que foram
explicitados os principais aspectos da temática abordada.

6 REFERÊNCIAS

Após batalha judicial, colombiana Martha Sepúlveda morre por eutanásia. BBC
NEWS – Brasil, 09 de janeiro de 2022. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59928037. Acesso em: 23 ago. 2023.

BARROSO, Luís Roberto. A morte como ela é: dignidade e autonomia individual no


final da vida. 2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-jul-11/morte-ela-
dignidade-autonomia-individual-final-vida>. Acesso em: 13 maio 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12
maio 2023.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 125/96, de 05 de junho de 1996.


Autoriza a prática da morte sem dor nos casos em que especifica e dá outras
providências.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 236/12, de 07 de julho de 2012.


Anteprojeto do Novo Código Penal. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/anteprojeto-codigo-penal.pdf>. Acesso em: 19 maio
2023.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 27. ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2023.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 39. ed. São Paulo: Atlas, 2023.

PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Forense, 2020.

SALEME, Edson R. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Manole, 2022.

SARLET. Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre,


Livraria do Advogado, 2001.

WEYNE, Bruno Cunha. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da


filosofia de Kant. São Paulo: Saraiva, 2013.

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